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Νεκροµαντεῖον

quinta-feira, 29 de junho de 2023

Proclo, neoplatonismo e a eternidade do mundo (parte


final)

"De acordo com Platão, se o mundo é necessariamente gerável e corruptível, há uma


igual necessidade de que o Demiurgo do mundo não deva estar entre os mais divinos
dos seres, embora a ele pertença uma invariável identidade de subsistência. Se,
portanto, é preciso ser piedosamente disposto com relação ao artífice do mundo, é
também preciso ser assim disposto com relação ao mundo. Se formarmos concepções
errôneas desse último, nossas concepções serão, com uma maior primazia, errôneas e
impróprias acerca do primeiro. E não somente sobre ele, mas igualmente acerca de
todas as coisas divinas."

PROCLO, De Aeternitate Mundi, argumento XVIII

Continuando a exposição das provas da eternidade do mundo oferecidas pelo filósofo


neoplatônico Proclo*, seu décimo argumento postula que os elementos dos quais o
mundo consiste, quando estão em seu lugar natural, permanecem nesse lugar ou se
movem circularmente. Se não estiverem em seu lugar natural, tendem a ele retornar o
mais breve possível. Sendo assim, se os elementos estiverem em seu lugar natural, ali
permanecerão. De modo análogo, os que estiverem em movimento circular,
permanecerão para sempre nesse movimento sem início ou fim. Então, o mundo seria
imutável.
:
Entretanto, se os elementos estivessem em lugares diferentes do natural, então teria de
haver uma causa externa ao natural (preternatual) para efetuar a retirada das coisas de
seu lugar natural. Mas não havendo sequer o natural, não poderia haver o anterior ao
natural. Não poderia, então, haver um lugar natural do qual as coisas estivessem
separadas desde o início. Qualquer causa preternatural só faz sentido a partir daquilo
que é natural. Logo, tudo sempre esteve em seu lugar natural.

Citando Platão, Proclus apresenta em seu argumento décimo primeiro, a noção de que
a matéria subsiste por causa do universo. Isto é, a matéria tem a função de ser a base
para a geração dos entes deste mundo da mudança. Não sendo nada em particular, mas
sim uma aptidão para se tornar qualquer coisa, a matéria não é algo.

As coisas são compostas de matéria e de forma, então a matéria é dirigida para a forma
como o material de um artista é dirigido para a obra que o mesmo artista imprimirá no
seu material. As formas são perpétuas, e a matéria pura é incorruptível e inclinada à
receber as formas. Assim, o mundo, união de ambos, só pode ser eterno.

No argumento décimo segundo, Proclo afirma que em tudo aquilo que é gerado há a
necessidade de uma causa eficiente que imponha à matéria uma determinada Forma. Se
algo não existe, ou não existiu durante algum tempo, é por falta de uma matéria
adequada ou por falha de uma causa eficiente. Dado que o Demiurgo é eterno e sempre
o mesmo, não falta a ele jamais o poder de ser causa eficiente das coisas. Por seu turno,
a matéria primeira não é algo que mude, não sendo agora adequada e depois
inadequada ou vice-versa. O Demiurgo, segue-se do exposto, impondo Forma à matéria,
produz o mundo sem um início e sem um fim.

O décimo terceiro argumento diz que, como afirma Platão, a Divindade deu ao universo
um movimento circular, que é natural a ele. Sendo assim, nenhum outro movimento será
o seu, inexistindo movimento para cima ou para baixo, como no caso dos corpos do
mundo sublunar. Nem mesmo haverá, portanto, geração ou corrupção, como, de novo,
no caso dos corpos do mundo sublunar. Mas, dirão, os corpos do mundo sublunar estão
contidos no universo.

Entretanto, o todo sempre é mais nobre que as partes que o compõem, dado que estas
estão organizadas em vista da realização do todo e não o inverso. Se o universo tem um
movimento circular, e portanto eterno, as suas partes, não importando seus movimentos
próprios, estão organizadas em vista da realização do todo. Ademais, os próprios
elementos dos corpos sublunares são perpétuos, assim como os corpos celestes, o que
torna mais evidente que o todo universal, composto de perpétuos, deve ser ele mesmo
perpétuo.

Proclo em seguida, no décimo quarto argumento, compara o Demiurgo criador do


universo a um artista que imprime sua ideia a uma matéria adequada ou prepara uma
matéria para que ela seja adequada para receber certa ideia que ele tem em mente. No
segundo caso, o artista deste mundo pode se confrontar com um material que ele precisa
antes preparar para que ele possa ser utilizado para se tornar uma determinada obra de
:
arte. Mas isso não faz sentido no caso do Demiurgo, pois não há tempo onde não há
mundo.

Sendo assim, a matéria adequada para receber a Forma, ou a ordem, não tem início
temporal. Do mesmo modo, a ordem imposta à matéria não possui início temporal, o que
equivale dizer que a ordem é eterna e incorruptível. Na realidade, a distinção entre
Forma, matéria e ordem existe somente em nossa concepção das coisas. Sendo a ordem
sem início ou fim, o universo ele mesmo será sem início ou fim.

O décimo quinto argumento diz que Platão celebra a eternidade do paradigma


(modelo) do mundo. Se o mundo tem a maior semelhança possível com seu paradigma
eterno, então não seria possível afirmar que o mundo fosse infinito somente no tempo
passado. O mundo, como seu paradigma, não possui geração temporal, e, portanto, é
incorruptível e infinito.

Proclo avança para o seu argumento décimo sexto mostrando que se o Demiurgo
possui duas vontades, elas devem ser, primeiro, que nada desordenado exista, e,
segundo, que o ordenado seja preservado. Ora, seria absurdo pensar que essas duas
vontades existissem em tempos diferentes, pois, como ensina Platão, não há tempo no
Demiurgo. Assim, as duas vêm desde sempre juntas, sem nenhuma anterioridade ou
posterioridade entre elas.

Isso significa que não há o desordenado antes do ordenado ou o desordenado depois do


ordenado. Sempre há ordem, sem começo ou fim. E essa ordem é desde sempre
preservada, como quer a segunda vontade. E o mundo não é nada mais do que ordem
(κόσµος), sendo portanto sem início ou fim. Ademais, as duas vontades do Demiurgo são
uma só, criar a ordem fora do tempo e imprimi-la no mundo sem começo ou fim.

O argumento apresentado por Proclo em décimo sétimo lugar toma de Platão e de


Aristóteles dois axiomas: "o que é gerado é também corruptível" e "o que não é gerado é
incorruptível". Se o desordenado for sem início e o ordenado for incorruptível, o
desordenado será melhor que o ordenado, pois o que não possui início é melhor do que
o que é corruptível. Se a geração é melhor que a corrupção, o não gerado será melhor
que o incorruptível.

Sendo o desordenado sem início e corruptível e o ordenado gerado e incorruptível, o


desordenado seria mais nobre que o ordenado. Consequentemente, o Demiurgo que
produz ordem a partir do desordenado, produzirá o que é menos nobre a partir do mais
nobre. Portanto, um não poderá ser não gerado e corruptível e o outro não poderá ser
gerado e incorruptível. Ademais, o Demiurgo não é mau, daí que o ordenado é
incorruptível.

E se aquilo que é ordenado vem do desordenado, o desordenado não é incorruptível, já


que o desordenado cessa de existir quando o ordenado existe. Se isso não for admitido,
cada um vai ser gerável e corruptível. Mas se o desordenado é gerável, é gerado a partir
do ordenado. Se for assim, o que é ordenado é corruptível. Aquilo que corrompe o bem
:
ordenado não o harmoniza propriamente, não sendo bom, ou corrompe o bem
harmonizado, sendo então mal. Todas essas alternativas sendo impossíveis, o
desordenado não é anterior ao ordenado. O ordenado não tendo início, não terá também
fim.

O último argumento, o décimo oitavo, parte da natureza divina e imutável do Demiurgo


para determinar a eternidade do mundo. Aquilo que é divino e eterno não está no tempo,
não sofre qualquer mudança ou variação. Se o Demiurgo é a causa eficiente do mundo,
ele o é eternamente, em invariável identidade de subsistência. O mundo, então, sua obra,
não pode ter tido um início temporal e nem pode ter um fim temporal, ou seja, não possui
começo e jamais cessará de existir. O Demiurgo assimila o tempo à eternidade
sustentando o mundo sem que possa haver para ele um momento de geração ou um
ponto final de corrupção.

...

Leia também:

*Primeira parte: Νεκροµαντεῖον: Proclo, neoplatonismo e a eternidade do mundo (parte 1)


(oleniski.blogspot.com)

Immanuel Rosenkreuz às 12:36

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