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"O tema desse livro (Timeu) pode então se afirmar ser a própria natureza do universo,
isto é, um poder seminal e vivificante que pervade todo o cosmos, sendo sujeito à alma
do mundo, porém exercendo controle sobre a matéria, e dando origem a todas as coisas
segundo a sequência que a própria alma concebe, enquanto contempla a mente divina e
busca o Bem."
O filósofo neoplatônico lício Proclo (412-485 D.C.), conhecido como ὁ Διάδοχος, "o
sucessor", foi autor de muitas obras importantes de filosofia, em especial de teologia
platônica e de comentários a diálogos do divino Platão. Em seu longo, rico e detalhado
comentário ao Timeu, logo no início, Proclo apresenta ao leitor os temas centrais do
diálogo e faz interessantes afirmações sobre o conjunto da obra platônica. Ele inicia
afirmando que é evidente a todos que não são iliteratos que o tema do diálogo é a teoria
do universo.
Platão, seguindo os pitagóricos, trata das causas materiais das coisas deste mundo, que
estão submetidas às causas propriamente ditas na geração dos entes. Mas antes das
causas materiais, Platão investiga as causas principais, a saber, a causa produtora das
coisas, o paradigma e a causa final. Assim, o filósofo coloca a inteligência demiúrgica
acima do universo (Demiurgo, δηµιουργός, "artífice", a causa produtora), a causa
inteligível (paradigma), na qual o universo subsiste primariamente, e O Bem, como causa
final anterior à produção de tudo, na ordem do desejável.
Este mundo não é o mesmo que o mundo inteligível que subsiste em puras Formas
:
(modelos eternos e imutáveis), mas algo nele tem relação com as Formas e a Razão e
algo tem relação com a matéria. Platão, contudo, apresenta todas as causas da produção
do mundo: O Bem, o paradigma inteligível, o Demiurgo, forma e matéria. Dado que o
tema do diálogo é o mundo da mudança, o filósofo atribui a ele matéria e forma, e o
assimila a um animal inteligível, demonstrando ser o mundo um deus por participação no
Bem, isto é, um deus intelectual e animado.
Platão, diz ainda Ficino, a fim de demonstrar que todas as coisas emanam do Uno,
afirma claramente no sexto livro da República, no Parmênides e no Sofista que o Uno, o
Bem, é superior a qualquer essência e a qualquer intelecto, e que é a causa tanto da
essência quanto do intelecto. O Uno e o Bem são evidentemente o mesmo, pois o
Princípio não pode ser duplo. Ele deve ser totalmente simples e totalmente bom, não
havendo nada mais simples que a unidade e nada melhor que a bondade. Ambos são
um, o Deus supremo. E que Ele está acima da essência e do intelecto, Ficino considera
haver demonstrado em sua grande obra Teologia Platônica.
"A partir desse Uno sem qualificações, o Bem que se eleva acima de toda essência,
Platão, em seu Parmênides e em seu Sofista, deriva todos os níveis dos seres. Em
seguida, os níveis daquelas coisas que são realmente, as Formas separadas. Então, os
níveis das coisas que não são verdadeiramente, as Formas incorporadas na matéria. E,
finalmente, o mais baixo nível da matéria, o qual é tão distante da verdade que é próximo
daquilo que se imagina não mais possuir ser verdadeiro. Tal matéria não qualificada, que
no Parmênides é derivada do Bem e encontrada no último nível da criação, Platão aceita
no Timeu como já produzida pelo criador do mundo e como subordinada ao efeito da
:
operação cósmica."
A matéria recebe seu ser do Uno, como todas as coisas, mas é formada e ordenada por
meio do intelecto e movida pela alma, defende Ficino. Um oleiro prepara a massa com as
suas mãos, mas a modela e dá-lhe forma na roda utilizando a espátula. Ninguém diria
que o vaso foi feito pela roda e pela espátula, e sim que o vaso foi feito pelo oleiro
utilizando a roda e a espátula. Analogamente, este universo veio a ser a partir do Uno por
meio de um intelecto divino e da alma do mundo.
O universo visível não pode ser absolutamente uno, mas dividido em partes, com
qualidades de naturezas opostas, diversidade de efeitos e imperfeições materiais. Por
isso, anterior a ele (atemporalmente), um outro mundo emana do Uno, um mundo
inteligível e intelectual, contendo os modelos eternos de todas as coisas que vem a ser
no nosso mundo visível. Ficino afirma que os platônicos denominam esse mundo
inteligível de intelecto divino, a mais nobre emanação do Uno, e acrescenta que se
ambos forem da mesma substância, será possível aproximar mais ainda Platão da
teologia cristã. Não obstante, ele reconhece que outros intérpretes erguerão suas vozes
contra essa interpretação.
A natureza é, por conseguinte a última das causas das coisas corporais e sensíveis.
Contém as razões e os poderes com os quais governa os seres mundanos. É uma deusa
por ser deificada, embora seja destituída da subsistência de uma divindade. Como ensina
o Oráculo Caldeu, a Natureza está "suspensa nas costas da Deusa". Proclo resume a
discussão asseverando que, para Platão, a natureza é uma essência incorpórea,
inseparável dos corpos, contendo as razões e os princípios produtivos dos entes
naturais, mas incapaz de perceber a si mesma.
Resta evidente que o diálogo versa sobre temas físicos. Como a filosofia é dividida entre
a teoria concernente aos inteligíveis e a teoria acerca das naturezas mundanas, dado
que há um mundo inteligível e um mundo sensível, Proclo considera que o Parmênides
trata dos entes inteligíveis e o Timeu trata das naturezas mundanas. No entanto, nem o
primeiro omite inteiramente a teoria sobre as coisas mundanas e nem o segundo omite
inteiramente a teoria sobre os inteligíveis. Os sensíveis estão nos inteligíveis
paradigmaticamente e os inteligíveis estão nos sensíveis iconicamente.
...
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