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Para conhecer os valores caros aos cidadãos e à pólis, Devido a esses fatos, Atenas tentou, inclusive, negociar
é necessário saber de fato o que são esses valores e não uma trégua na Guerra de Peloponeso com seus inimigos
simplesmente aceitar o que parecem ser, isto é, as opiniões espartanos, a qual durou curtos seis anos, sendo a guerra
sobre eles. Os questionamentos de Sócrates, seus diálogos e restabelecida até 404 a.C., com a vitória de Esparta.
sua eloquência ameaçavam os mais poderosos, que temiam Na juventude de Platão, Atenas estava em claro declínio,
que a reflexão proposta por Sócrates levasse à dúvida, devido, principalmente, à Guerra de Peloponeso. Prestes a
ao desrespeito às leis e, mais grave, mostrassem às pessoas ser invadida pelas tropas da Macedônia, a grande pólis grega
que aqueles que em primeiro lugar deveriam respeitar e ser havia perdido sua democracia e seu povo estava desorientado.
fieis às leis não o faziam.
FILOSOFIA
O termo “metafísica” se refere àquilo que ultrapassa a
A CRIAÇÃO DA METAFÍSICA esfera física. De acordo com essa perspectiva, os seres são
formados por duas dimensões: a física, que compreende as
coisas materiais e sensíveis, portanto mutáveis, e a essência,
Vida e contexto histórico
que se constitui naquilo que é imutável e que só pode ser
Platão, um dos pensadores mais importantes de toda compreendido pela racionalidade humana. Com o estudo da
a História da Filosofia, nasceu em 427 a.C. em Atenas. metafísica, busca-se conhecer aquilo que é essencial do ser
Descendente da antiga nobreza da cidade, recebeu uma e que está para além de sua matéria.
educação esmerada para se tornar um guerreiro bom e Alguns teóricos afirmam que Platão fundou a metafísica,
belo, características próprias à sua classe social. Para isso, pois a sua filosofia foi a primeira a defender a existência de
frequentou o ginásio, foi educado pela música e pela poesia, uma realidade distinta do mundo sensível. Essa dimensão
teve formação para a política (na nova areté) e para a guerra suprassensível, na perspectiva platônica, ficou conhecida
(de acordo com os antigos costumes da aristocracia). como mundo inteligível ou mundo das ideias. Contudo,
alguns teóricos criticam essa terminologia (uso do termo
Estudou com Crátilo, com quem aprendeu as ideias “mundo”) pela confusão que pode trazer. Na concepção
de Heráclito. Aos vinte anos, tornou-se discípulo de platônica, deve-se entender por ideias não uma formulação
Sócrates, tendo sido o mais importante de seus seguidores. da inteligência humana, mas pensá-las como formas
Teve contato com os pitagóricos, com os quais aprendeu inteligíveis que existem por conta própria e que constituem
A forma platônica encontra-se em um nível superior, Ao contrário de Heráclito, Parmênides acredita que
no mundo inteligível ou das ideias. A separação entre o o que existe é somente o ser, entendido como aquilo
sensível e o inteligível, entre o visível e o invisível, está na base que é imóvel, imutável e eterno. Assim, para Parmênides
da teoria do conhecimento de Platão, uma vez que conhecer só existiria a essência, sendo que a aparência, aquilo que
verdadeiramente o que uma coisa é significa encontrar, se transforma, seria o não ser (pois, uma vez que muda,
por meio da razão, a forma inteligível que a originou, forma ele nada é). Segundo Platão, Parmênides também cometeu
essa oriunda da esfera superior e perfeita das ideias, onde um erro ao negar a existência das coisas sensíveis.
estão as verdades, as essências de todas as coisas.
Desse modo, Platão tenta solucionar esse problema,
Nesse contexto da esfera inteligível, Platão fala do propondo que tanto o ser quanto o não ser existem, sendo
Demiurgo, uma espécie de deus-artífice que criou todas que cada um possui características fundamentalmente
as coisas do mundo sensível. De acordo com Platão, distintas. Ao refletir sobre a esfera sensível e a inteligível,
o Demiurgo, tomando como modelo as ideias inteligíveis ou Platão identificou a dimensão inteligível com a teoria
formas perfeitas, que são eternas e imutáveis, deu forma proposta por Parmênides, pois as ideias inteligíveis são
à matéria disforme (assim como o Deus cristão, ao criar perfeitas e imutáveis. Já a tese de Heráclito é identificada no
o ser humano, modelou o barro disforme), imprimindo mundo sensível, no qual tudo está em constante movimento.
nessa matéria a forma, de acordo com o modelo perfeito. O ser humano vive no mundo sensível, estando, portanto,
Para compreendermos melhor: há uma forma (na esfera à mercê da mudança e da transitoriedade. Porém, a alma do
ideal ou das formas perfeitas) que foi modelo de todas as ser humano, que veio do inteligível, corresponderia àquilo
coisas. A partir desse modelo, o Demiurgo criou todas as que não muda, e por meio dela a pessoa poderia buscar as
verdades das ideias (ou essências) da realidade inteligível.
coisas sensíveis, que são, portanto, uma cópia (o mundo
sensível). Sendo cópia, segundo Platão, o mundo sensível
Contudo, surge um problema: como o ser humano
é imperfeito, mutável, passageiro. alcança esse conhecimento, saindo do sensível em direção
Platão considera que, para alcançar a verdade última e ao inteligível para atingir a verdade “em si e por si”?
essencial das coisas, é necessário um exercício de reflexão.
Assim, a verdade para Platão não está na realidade sensível,
A ascensão dialética
que não passa de cópia imperfeita, mas na imutabilidade,
Para Platão, o conhecimento das ideias acontece por meio
na perfeição das ideias que devem ser buscadas pelo ser
da dialética, processo de ascensão em busca da verdade.
humano. Encontrando-as, a pessoa encontra a verdade,
De acordo com a perspectiva platônica, a pessoa não alcança
a essência daquilo que busca compreender.
a verdade de uma só vez, mas o conhecimento se dá em
uma subida gradativa e constante até que o sujeito alcance
Como é possível conhecer: a ideia em si, ou seja, contemple, ao final desse processo,
Um dos pontos fundamentais da filosofia platônica é sua Na teoria do conhecimento exposta no livro VI de
A república, Platão diferencia graus de conhecimento,
posição filosófica acerca do problema em relação a como se
fundamentando-se na separação entre a esfera sensível
produz um conhecimento do ser, oriundo do embate entre
e a inteligível.
os filósofos naturalistas Parmênides e Heráclito. Heráclito
é conhecido como o filósofo do devir, ou seja, para ele, A alma, por meio de um processo de busca e ascensão,
tudo está em constante movimento e mudança. Por essa sairia do sensível, nível mais básico do conhecimento,
razão, segundo seu pensamento, não há o que se conhecer, a eikasía – conhecimento baseado somente nas imagens dos
porque o objeto a ser conhecido muda o tempo todo, seres – até atingir o mais alto conhecimento, a nóesis ou
assim como o sujeito cognoscente. Para Platão, Heráclito episteme, estando, no meio desse caminho, o conhecimento
erra ao considerar que a única coisa que existe é o devir, da pístis, ou doxa, e da diánoia. Platão resume esse processo
não existindo nada além do mundo físico, da materialidade em um diagrama, a “Similitude da linha”, que representamos
das coisas sensíveis que estão em constante transformação. da seguinte forma:
dar Último Ocorre quando a pessoa, por meio do exercício racional, atinge a
an
3º intuição intelectiva, o conhecimento por excelência. Nesse estágio a
estágio pessoa alcança formas inteligíveis, chegando ao conhecimento
verdadeiro.
Episteme
FILOSOFIA
dos sentidos que são imperfeitos, para atingir a verdade. Apesar de a
pessoa, nesse estágio de conhecimento, alcançar um modo superior
de conhecimento, este ainda não é o maior e nem o mais perfeito.
Yara Ferreira
Devemos enfatizar que, para Platão, as ideias não são simples conceitos mentais, mas entidades ou essências que
existem por si mesmas em um sistema hierárquico bem organizado. No topo dessa hierarquia, estaria a ideia do Bem,
a mais importante de todas. A passagem de um grau a outro se dá pela dialética, quando a pessoa encontra as contradições
no nível de conhecimento inferior e passa ao grau seguinte. Nesse sentido, a educação ocupa papel fundamental na filosofia
platônica, pois é por ela que a alma é direcionada para contemplar a ideia do Bem (o que se conhece também como educação
da alma). Platão afirma que a educação:
[...] seria uma arte da reviravolta, uma arte que sabe como fazer o olho mudar de orientação do modo mais fácil e mais eficaz
possível; não a arte de produzir nele o poder de ver, pois ele já o possui, sem ser corretamente orientado e sem olhar na direção
que deveria, mas a arte de encontrar o meio para reorientá-lo.
PLATÃO. A República.
Tradução de José Cavalcante de Souza, Jorge Paleikat e João Cruz Costa.
São Paulo: Nova Cultural, 1991. p. 292. (Os Pensadores)
A imagem mais conhecida utilizada por Platão para explicar sua teoria do conhecimento ficou conhecida como “Alegoria
da caverna”. Vejamos:
SÓCRATES – Figura-te agora o estado da natureza SÓCRATES – E, se, no fundo da caverna, um eco lhes
humana, em relação à ciência e à ignorância, sob repetisse as palavras dos que passam, não julgariam
a forma alegórica que passo a fazer. Imagina os certo que os sons fossem articulados pelas sombras
homens encerrados em morada subterrânea e dos objetos?
cavernosa que dá entrada livre à luz em toda extensão.
GLAUCO – Claro que sim.
Aí, desde a infância, têm os homens o pescoço e as
pernas presos de modo que permanecem imóveis e só SÓCRATES – Em suma, não creriam que houvesse nada
veem os objetos que lhes estão diante. Presos pelas de real e verdadeiro fora das figuras que desfilaram.
cadeias, não podem voltar o rosto. Atrás deles, a certa
GLAUCO – Necessariamente.
distância e altura, um fogo cuja luz os alumia; entre
o fogo e os cativos imagina um caminho escarpado, SÓCRATES – Vejamos agora o que aconteceria, se se
ao longo do qual um pequeno muro parecido com livrassem a um tempo das cadeias e do erro em que
os tabiques que os pelotiqueiros põem entre si e os laboravam. Imaginemos um destes cativos desatado,
espectadores para ocultar-lhes as molas dos bonecos obrigado a levantar-se de repente, a volver a cabeça,
maravilhosos que lhes exibem. a andar, a olhar firmemente para a luz. Não poderia
GLAUCO – Imagino tudo isso. fazer tudo isso sem grande pena; a luz, sobre ser-lhe
dolorosa, o deslumbraria, impedindo-lhe de discernir
SÓCRATES – Supõe ainda homens que passam os objetos cuja sombra antes via. Que te parece agora
ao longo deste muro, com figuras e objetos que se que ele responderia a quem lhe dissesse que até então
elevam acima dele, figuras de homens e animais de só havia visto fantasmas, porém que agora, mais perto
toda a espécie, talhados em pedra ou madeira. Entre
da realidade e voltado para objetos mais reais, via com
os que carregam tais objetos, uns se entretêm em
mais perfeição? Supõe agora que, apontando-lhe alguém
conversa, outros guardam em silêncio.
as figuras que lhe desfilavam ante os olhos, o obrigasse
GLAUCO – Similar quadro e não menos singulares a dizer o que eram. Não te parece que, na sua grande
cativos! confusão, se persuadiria de que o que antes via era mais
SÓCRATES – Pois são nossa imagem perfeita. Mas, real e verdadeiro que os objetos ora contemplados?
dize-me: assim colocados, poderão ver de si mesmos GLAUCO – Sem dúvida nenhuma.
e de seus companheiros algo mais que as sombras
projetadas, à claridade do fogo, na parede que lhes SÓCRATES – Obrigado a fitar o fogo, não desviaria os
fica fronteira? olhos doloridos para as sombras que poderia ver sem
dor? Não as consideraria realmente mais visíveis que os
GLAUCO – Não, uma vez que são forçados a ter objetos ora mostrados?
imóveis a cabeça durante toda a vida.
GLAUCO – Certamente.
SÓCRATES – E dos objetos que lhes ficam por detrás,
poderão ver outra coisa que não as sombras? SÓCRATES – Se o tirassem depois dali, fazendo-o subir
GLAUCO – Não. pelo caminho áspero e escarpado, para só o liberar
quando estivesse lá fora, à plena luz do sol, não é de crer
SÓCRATES – Ora, supondo-se que pudessem que daria gritos lamentosos e brados de cólera? Chegando
conversar, não te parece que, ao falar das sombras que à luz do dia, olhos deslumbrados pelo esplendor ambiente,
veem, lhes dariam os nomes que elas representam? ser-lhe-ia possível discernir os objetos que o comum dos
GLAUCO – Sem dúvida. homens tem por serem reais?
André Persechini
GLAUCO – A princípio nada veria. tivesse ele de dar opinião sobre as sombras e a este
respeito entrasse em discussão com os companheiros
SÓCRATES – Precisaria de algum tempo para se
ainda presos em cadeias, não é certo que os faria rir?
afazer à claridade da região superior. Primeiramente,
Não lhe diriam que, por ter subido à região superior,
só discerniria bem as sombras, depois, as imagens
dos homens e outros seres refletidos nas águas; cegara, que não valera a pena o esforço, e que
finalmente erguendo os olhos para a Lua e as estrelas, assim, se alguém quisesse fazer com eles o mesmo e
contemplaria mais facilmente os astros da noite que dar-lhes a liberdade, mereceria ser agarrado e morto?
o pleno resplendor do dia. GLAUCO – Por certo que o fariam.
GLAUCO – Não há dúvida.
SÓCRATES – Pois agora, meu caro Glauco, é só aplicar
SÓCRATES – Mas, ao cabo de tudo, estaria, decerto, com toda a exatidão esta imagem da caverna a tudo
em estado de ver o próprio Sol, primeiro refletido na o que antes havíamos dito. O antro subterrâneo é o
água e nos outros objetos, depois visto em si mesmo mundo visível. O fogo que o ilumina é a luz do Sol.
e no seu próprio lugar, tal qual é. O cativo que sobe à região superior e a contempla é
FILOSOFIA
a alma que se eleva ao mundo inteligível. Ou, antes,
GLAUCO – Fora de dúvida.
já que o queres saber, é este, pelo menos, o meu
SÓCRATES – Refletindo depois sobre a natureza modo de pensar, que só Deus sabe se é verdadeiro.
deste astro, compreenderia que é o que produz as Quanto a mim, a coisa é como passo a dizer-te.
estações e o ano, o que tudo governa no mundo Nos extremos limites do mundo inteligível, está a
visível e, de certo modo, a causa de tudo o que ele ideia do bem, a qual só com muito esforço se pode
e seus companheiros viam na caverna. conhecer, mas que, conhecida, se impõe à razão como
GLAUCO – É claro que gradualmente chegaria a todas causa universal de tudo o que é belo e bom, criadora
essas conclusões. da luz e do Sol no mundo visível, autora da inteligência
e da verdade no mundo invisível, e sobre a qual,
SÓCRATES – Recordando-se então de sua primeira
por isso mesmo, cumpre ter os olhos fixos para agir
morada, de seus companheiros de escravidão e
com sabedoria nos negócios particulares e públicos.
da ideia que lá se tinha da sabedoria, não se daria
os parabéns pela mudança sofrida, lamentando PLATÃO. A República. Tradução de José Cavalcante de Souza,
ao mesmo tempo a sorte dos que lá ficaram? Jorge Paleikat e João Cruz Costa. São Paulo:
Nova Cultural, 1991. p. 287-292.
GLAUCO – Evidentemente. (Os Pensadores)
John Holbo
A concepção política de Platão
O Mito do cocheiro faz uma comparação entre um cocheiro e
dois cavalos com as partes da alma do ser humano. Sendo um filósofo que se importou fundamentalmente
FILOSOFIA
com a vida da cidade, Platão tratou da política em sua obra
A república. Ele procurou apontar os caminhos adequados
O amor platônico para que a cidade pudesse ser corretamente governada,
de forma a alcançar seu bem maior: a felicidade dos
Na concepção do senso comum, o amor platônico é
cidadãos no cumprimento da justiça. Segundo o filósofo,
entendido como idealizado e inacessível, impossível de ser a finalidade da política não é outra senão a realização da
realizado, um amor irreal e enganoso. Porém, essa acepção, justiça para o bem comum da cidade, e nunca a simples
encontrada inclusive em dicionários, não corresponde à posse do poder. Nesse aspecto, o homem livre é somente
concepção platônica de amor, pois, segundo o filósofo, o cidadão da pólis, sendo que sua liberdade se realiza
o amor não é um sentimento, mas sim uma força que na cidade, vivendo junto aos seus concidadãos. Assim,
impulsiona a pessoa a chegar em algum lugar. a moral privada (particular) é considerada inferior à moral
pública (coletiva) e, por consequência, os interesses
pessoais devem estar aquém dos interesses coletivos.
deve ser governada pelo melhor discurso, pois este pode não
conter a melhor ideia. Além disso, o filósofo não acredita que
qualquer pessoa possa ocupar o governo da cidade, sendo
contrário à democracia e à monarquia, acreditando que a
Anselm Feuerbach /