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3 O CONHECIMENTO COMO CRENÇA VERDADEIRA JUSTIFICADA EM PLATÃO

O entendimento de que o conhecimento é uma crença verdadeira justificada se deve


aos textos filosóficos de Platão (428-347AC).

Para ele, dizer que o ser é, e que o não-ser não é, nisso consiste a verdade. Todo ser,
todo existente, não se identifica totalmente com a verdade por ser mutável. Verdade se refere
a algo eterno, imutável e atemporal. Esse conceito de verdade dominou o pensamento
ocidental durante muitos séculos. Essa concepção de verdade, presente no pensamento
platônico, provém de sua inspiração matemática, que ele colheu em Pitágoras.

Nessa linha de pensamento, ele exclui a sensibilidade como fonte de verdade.


Conhecer os objetos no tempo e no espaço é inseguro, nossos sentidos nos enganam; objetos
semelhantes impressionam as pessoas de formas diferentes: algo parece bonito a alguns e feio
a outros; saboroso e desagradável, dessa ou daquela cor, conforme o observador. Essa
relatividade, presente nas impressões sensíveis, já fora denunciada pelos sofistas, autores que
veremos brevemente.

Caso o filósofo deseje alcançar a verdade, deve abandonar as impressões sensíveis,


que traduzem o eterno vir-a-ser de todas as coisas do mundo. Se tudo muda no mundo
espaciotemporal, nada se pode conhecer de forma segura. Os sentidos não são a fonte da
verdade; fornecem, no máximo, o material do conhecimento, que é disperso. Cabe ao espírito
organizá-los. Conhecemos a partir dos sentidos, através deles, mas o conhecimento verdadeiro
ultrapassa o plano sensível. O conhecimento é a passagem do mundo das sombras ao
luminoso mundo das ideias, quando as crenças sensíveis se tornam objeto de demonstração
racional. Obtém-se o nível superior do conhecimento no momento em que o conteúdo
sensível é completamente transcendido, e a inteligência alcança diretamente as ideias ou
formas.

Para tal função, o espírito já dispõe de conhecimentos inatos, reminiscências,


conceitos prévios, ou simplesmente Ideias. Toda essência já é possuída pelo ser humano,
desde sempre. Ao compararmos, por exemplo, duas tábuas de madeira, já temos de forma
inata a noção de tamanho, de igualdade, de maior e menor; se são retas ou curvas, podemos
avaliar a partir de parâmetros que o intelecto humano traz, sem que os tenha aprendido.
Assim, ao considerarmos alguma coisa como bela, significa que a comparamos com um
conceito ideal de Belo, do qual já dispomos. Esse Belo ideal, eterno e imutável, permite a
Platão rechaçar as doutrinas dos sofistas, para quem tudo é subjetivo e medido pelo homem
ou pela cultura.

Na doutrina platônica, cada ideia paradigmática é anterior ao conhecimento sensível, e


já é possuída pelo ser humano cognoscente; as categorias lógicas, éticas, estéticas, não são o
resultado da experiência, mas a antecedem. Há um número ilimitado de conceitos, que são
tornados conscientes pelo contato da inteligência com os dados sensíveis. Ao ver um círculo,
uma reta, um triângulo, vejo cópias e expressões desses conceitos originais e prévios. Platão
acredita nas doutrinas órficas e pitagóricas da reencarnação, ou da metempsicose, segundo a
qual a alma já viveu muitas vezes, é imortal e tudo já viu, o que torna possível que se recorde
de tudo. Essa crença também indica que, para Platão, existe uma unidade entre a natureza da
alma e a natureza do mundo: uma mesma ordem, uma mesma razão (analogia, que quer dizer
mesmo logos) tudo organiza.
Ao conhecer, se o ser humano não se eleva ao mundo das Ideias ou dos conceitos
originais, fica prisioneiro da “doxa” (opinião), do reino do mutável e das puras crenças. As
Ideias platônicas não são atribuições do espírito, mas entidades reais. Sua perspectiva é
realista, e não idealista, Ao tratarmos do pensamento de Kant, mais a frente, essa distinção se
tornará mais clara.

O pensamento platônico se dirige especialmente contra os sofistas, contra seu método


retórico, que aponta para a subjetividade e a arbitrariedade do conhecimento. A retórica é a
arte da persuasão, para a qual nada é definitivamente certo, e tudo pode ser objeto de
discussão, prevalecendo a opinião de quem for mais habilidoso ou arguto, e não uma possível
verdade, na qual os sofistas não acreditam.

A doutrina de Platão tem uma explícita finalidade política. Platão descendia da mais
antiga nobreza ateniense; presenciou a ditadura dos Trinta e a condenação de Sócrates. Esses
acontecimentos o fazem buscar, na Filosofia, um caminho seguro para o Bem e para a Virtude,
mediante o qual seria possível reorganizar a vida pública em bases seguras, segundo critérios
verdadeiros, e não conforme as paixões e interesses particulares, que se expressam na retórica
sofística. Em sua obra “A República”, expõe sua teoria política.

Platão não era um democrata liberal no sentido moderno, pois não aceitava a ideia da
disputa política em torno de conceitos como Justiça ou Bem, que hoje consideramos ambíguos
e complexos. Para ele, seria preciso definir claramente esses conceitos, e essa tarefa poderia
ser feita por filósofos especialmente educados para tanto. Em consequência, não se coloca,
para ele, a questão da alternância do poder entre competidores rivais; na sua utopia, somente
os filósofos estariam qualificados para essa função. No entendimento de François Châtelet,
historiador da Filosofia, Platão pretende construir um discurso universal, capaz de julgar todos
os outros discursos e em consequências todas as condutas. Em suma, um discurso totalitário.

Para conhecer melhor a Teoria do Conhecimento ensinada por Platão, recomendo:

VÍDEOS:

- Teoria do Conhecimento – uma introdução. Vídeo de Sérgio Borges, com 16 minutos,


que mostra as origens metafísicas da teoria do conhecimento de Platão (Heráclito e
Parmênides), a polêmica entre Sócrates e os Sofistas e as ideias platônicas.

- Teoria do Conhecimento – Aula 1: uma introdução. Vídeo do Professor Marcos


Rufino, com 30 minutos, que apresenta a doutrina do conhecimento como crença verdadeira
justificada, que é defendida e proposta por Platão.

- Conhecimento para Platão: crença verdadeira e justificada. Canal Filosofia na Escola,


com 4 minutos. Também aborda o mesmo tema.

BIBLIOGRAFIA

- ABBAGNANO, Nicola. História da Filosofia. Tradução de Antônio Borges Coelho et alii.


Lisboa, Editorial Presença, 1976.

- CHÂTELET, François. Uma História da Razão. Entrevistas com Émile Noel. Tradução de
Lucy Magalhães. Rio de Janeiro, Jorge Zahar Editor, 1992.
- HIRSCHBERGER, Johannes. História da Filosofia na Antiguidade. Tradução de
Alexandre Correia. São Paulo, Editora Herder, 1969.

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