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Resumo: Para além de todas as diversas formas históricas nas quais o “Estado Ideal” platônico
pode se realizar, encontra-se aquela de uma “Idéia de Estado”, cujo ser repousa tanto na
existência de uma estrutura cósmica metafísica quanto, em plano ontológico superior, na “Idéia
de Bem”. Neste artigo, sem a pretensão do tratamento exaustivo, tentaremos demonstrar como
as formas de manifestação fenomênica daquela polis pressupõem, necessariamente, a
constituição de uma norma suprema determinante – cuja existência é registrada na tradição
indireta dedicada às doutrinas inescritas de Platão –, da qual não se pode, nem mesmo diante da
Abstract: Beyond all the diverse historical forms which the platonic “Ideal State” may become,
there can be found an “Idea of State”, whose being reclines on both the existence of a cosmical
metaphysical structure and, in a superior ontological plane, in the “Idea of Good”. In this article,
which has no pretension of treating the subject exhaustively, we will try to demonstrate how the
* Dennys G. Xavier. Doutor em Storia della Filosofia pela Università degli Studi di Macerata
(UNIMC-Itália). Professor de Filosofia Antiga do Departamento de Filosofia da Universidade
Federal de Uberlândia (UFU). E-mail: dennysgx@gmail.com. Marcio Chaves-Tannús. Pós-
Doutorado na Unicamp. Professor de Filosofia do Departamento de Filosofia da Universidade
Federal de Uberlândia (UFU). E-mail: mctannus@ufu.br.
Dennys Garcia Xavier / Marcio Chaves-Tannús
1
Cfr. REALE, G. Il “Platone Italiano” di Hans Krämer. In: KRÄMER, H. Platone e i fondamenti della
metafisica. Milano: Vita e Pensiero, 2001, p. 16. Em 1963 Konrad Gaiser tornou-se o primeiro
estudioso a recolher e sistematizar os diversos testemunhos que compõem a tradição indireta
de Platão. GAISER, K. Platons ungeschriebene Lehre. Stuttgart, 1963; Anhang: Testimonia
Platonica. Quellentexte zur Schule und mündlichen Lehre Platons, pp. 441-557.
2
Física, IV, 209b 11-17.
[...] posto que as Formas são causas das outras coisas (aítia tà eíde toîs
állois), Platão considerou os elementos constitutivos das Formas como
os elementos de todos os seres (stoikheîa pánton). Como elemento
material (hýlen) das Formas ele punha o grande e o pequeno (tò méga
kaì tò mikròn), e como causa formal o Uno (ousían tò hén): de fato,
considerava que as Formas e os números derivassem por participação
(katà méthexin) do grande e do pequeno no Uno.
[...]
Entretanto, é peculiar a Platão o fato de ter posto no lugar do ilimitado
entendido como unidade uma díade (toû apeírou hos henòs dyáda
poiêsai), e o fato de ter concebido o ilimitado como derivado do grande
e do pequeno (tò d’ápeiron ek megálou kaì mikroû).
[...]
Do que dissemos, fica claro que ele [Platão] recorreu a apenas duas
causas: a formal e a material (toû tí esti kaì/katà tèn hýlen). De fato, as
Idéias são causas formais das outras coisas e o Uno é causa formal
das Idéias (tà gàr eíde toû tí estin aítia toîs állois, toîs d’eídesi tò hén).
E à pergunta sobre qual é a matéria (hýle) que tem a função de substrato
(hypokeiméne) do qual se predicam as Idéias – no âmbito dos sensíveis
–, e do qual se predica o Uno – no âmbito das Idéias –, ele responde
que é a díade, isto é, o grande e o pequeno (tò méga kaì tò mikrón).
3
Metafísica, N 2, 1089 b 8-12.
4
Sobre este ponto, em plena harmonia com o testemunho de Aristóteles, dia Simplício: “[...] Platão
disse que o Uno (hén) e a dualidade indeterminada (aóristón dyáda) são princípios também no
âmbito das coisas sensíveis (aisthetón), mas ele [Platão] pôs a dualidade indeterminada também
no âmbito das coisas inteligíveis (en toîs noetoîs) e disse que é o indefinido (ápeiron); ademais,
pôs o grande-e-pequeno (méga kaì mikròn) como princípios (arkhàs) [...] nos seus discursos
Assim, tudo aquilo que existe, para Platão, em última instância, é enquanto
unidade na multiplicidade, ou seja, um misto equalizado em diversas proporções
(pois que neste caso, unidade é unidade de alguma coisa). Isto que Krämer
chama de concepção ontológica de fundo da filosofia platônica5, principia com
as causas supremas que geram o plano das Idéias (com as esferas ontológicas
próprias) e estas, por sua vez, atuam como causas formais das coisas que
delas decorrem, numa peculiar relação aitiológica que Aristóteles diz ser de
muitas unidades além da primeira unidade (pollaì monádes parà tò prôton hén)6.
A multiplicidade de relações aduzida da interação entre os princípios supremos,
então, advém da dualidade de direções na qual se move a Díade; nas palavras
de Aristóteles:
Sobre o Bem (Peri Tagatou) aos quais assistiram Aristóteles, Heraclides, Estieu e outros discípulos
de Platão, os quais colocaram por escrito as coisas ditas de maneira enigmática [...].In Arist.
Phys. 453, 22-30 Diels = Frag. 3 de KRÄMER, H. Op. Cit. p. 373. Sobre a relação Uno-Díade, Cfr.
ainda Aristóteles, Metafísica, N 1, 1087 b 12-33.
5
KRÄMER, H. Op. Cit. p. 156.
6
Metafísica, N 2, 1089 b 10.
7
Metafísica N 2, 1089 b 10-15. Cfr. Alexandre de Afrodisia, Comentário à Metafísica de Aristóteles,
pp. 55, 5-10 apud KRÄMER, H. Op. Cit. p. 383. Cfr. também, Aristóteles, Física, IV 2, 209 b 33-
210 a.
8
REALE, G. Para uma nova interpretação de Platão. Tradução de Marcelo Perine. São Paulo: Ed.
Loyola, 1997, p. 163.
12
Sobre a escritura platônica, cfr. SZLEZÁK, Th. A. Platone e la scrittura della filosofia. Traduzione
di Giovanni Reale. Milano: Vita e Pensiero, 1992, pp. 53-100; 423-492; XAVIER, D.G. Para uma
leitura alternativa de Platão. “Educação e Filosofia”, vol. 19, n.38 (jul/dez), 2005, pp. 145-157;
MIGLIORI, M. La scuola di Tubinga-Milano: Per uma nuova immagine di Platone. “Il Cannocchiale
– Rivista di Studi Filosofici”, n.1 (gennaio/aprile), 1992, pp. 121-142.
13
GAISER, K. Op. cit., pp. 54.
que tudo indica, tal principio é expresso pela imagem “o mar infinito da
desigualdade” (tón tês anomoiótetos ápeiron ónta pónton, 273 d 6 - e1), que age
sobre a totalidade do cosmos, por assim dizer, como matéria-prima nutriz da
geração que (Timeu, 52 d 4 – 53 a 7):
14
Id. pp. 165.
uma forma análoga àquela Idéia, submetida às condições históricas tal como
verificadas naquele momento (V, 739 a – 740 a). Também neste caso, sublinha
Platão, o modelo ideal do Estado – deixando de lado o problema dele se encontrar
em algum lugar ou se se realizará em algum momento no futuro – deve constituir
a norma determinante da sua imagem concreta (República, VI, 499 c 7 – d 615):
15
Cfr. ainda Leis, V, 739 d ss.
BIBLIOGRAFIA
I. Textos-base de Aristóteles e Platão.
ARISTÓTELES. Física I-II. Tradução e notas de Lucas Angioni. Campinas: IFCH/
UNICAMP, 2002.
_____. Metafísica. Edição bilíngüe estabelecida por Giovanni Reale (com tradução
para o português de Marcelo Perine). São Paulo: Loyola, 2002.
PLATÃO. Platonis Opera, ed. J. Burnet. Oxford, 1892-1906 (com várias edições).