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Faça uma leitura dos significados dos termos abaixo e, em seguida, passaremos para
as dúvidas sobre a relação entre os conceitos de “essência”, “substância” e
“elemento”.
I – CONCEITO DE ESSÊNCIA
QUIDIDADE (Quidditas)2.
Termo introduzido pelas traduções latinas feitas no séc. XII (do árabe) a partir das
obras de Aristóteles. Corresponde à expressão aristotélica tò ti ên eînai (quod quid
erat esse). Esse termo significa essência necessária (substancial) ou substância
[enquanto essência de algo].
OBERVAÇÃO: aqui temos uma primeira diferença entre “essência” (= eidos, idea,
morphé, forma, quididade) e “substância” (= ousía): a “essência” diz respeito
apenas ao aspecto inteligível e ontológico, independentemente do mesmo ser
considerado imanente ou não às coisas (mas, por característica, sempre inteligível).
Já ousía (= substância ou quididade) diz respeito a algo mais abrangente, que pode
admitir tanto o aspecto inteligível de algo, isto é, a sua “essência” ou forma (= eidos,
idea, morphé, quididade etc.), como também a “matéria” (hilé) e o próprio “sínolo”.
Portanto, “essência” é apenas um dos significados de substância.
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REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 101. Na metafísica aristotélica, o termo
essência “essência” pode ser um equivalente aos termos “eidos”, “morphé” (forma) ou “idea” (ideia).
2
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti.
5.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 820.
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EIDOS (eidov)4.
Na história do pensamento grego, é possível distinguir ao menos cinco fases na
evolução do significado do termo eidos e da relativa problemática.
1) No âmbito do pensamento pré-socrático, o termo não tem ainda um uso técnico
e, na maior parte das vezes, tem o significado corrente de forma.
2) Em Platão, eidos torna-se um termo técnico e, normalmente, é usado como
sinônimo de Ideia (cf. verbete) e exprime, portanto, o que se pode considerar o
resultado fundamental da “segunda navegação”, a saber, a forma inteligível, com os
matizes e características que indicamos em II, 61ss.
3) Aristóteles move áspera polêmica à transcendência das ideias com respeito às
coisas sensíveis e nega que existam formas como “substâncias separadas”. É verdade
que a “forma” existe, para o Estagirita, como essência inteligível e é mesmo um
princípio fundamental, mas ela não é separada e sim imanente às coisas. Ele adota
o termo eidos justamente para indicar a forma imanente das coisas, a sua essência
e a sua substância fundamental: “Chamo eidos a essência e a substância primeira”
(Aristóteles, Metafísica, Z 7, 1032 b s.) (cf. II, 355ss.; 359ss.). Para Aristóteles, as
únicas formas que existem separadas da matéria são as Inteligências (II, 357). Em
Aristóteles, o eidos recebe também o significado de espécie, como explicamos em
II, 361.
4) Com o renascimento do platonismo, as posições de Platão e Aristóteles, antitéticas
nesse ponto, são mediatizadas. As Ideias platônicas tornam-se os pensamentos de
Deus, ao passo que as formas tornam-se o inteligível imanente ou, como diz Albino,
o inteligível segundo (IV, 294ss.), o reflexo da Ideia na matéria.
5) Plotino mantém essa distinção, inserindo-a na sua concepção hipostática geral: as
Ideias estão no Espírito, as formas, ao invés, na Alma, e constituem o momento
extremo da criatividade da Alma. Plotino as chama igualmente de logoi (IV, 490ss.;
506).
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REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 116.
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REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 85.
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REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 131.
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REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 160-161.
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HILEMORFISMO8.
Diz-se da doutrina que considera a realidade como estrutural união de matéria (hylé)
e forma (morphé). a) Desse modo, pode ser denominada a doutrina aristotélica, que
considera as coisas sensíveis como sínolos (cf. verbete) de matéria e forma (II, 357s.).
b) Também a doutrina estóica, que considera o corpo como matéria unida à
qualidade (= forma), inseparáveis uma da outra, pode ser considerada uma forma de
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REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 243-244.
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REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 127.
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OUSÍA (ousia)10.
O termo ousia é um dos mais difíceis de traduzir nas línguas modernas, justamente
porque, em grego, é carregado de valências de tal modo diversas, que as linguagens
modernas não conseguem mais juntar e, portanto, não conseguem traduzir com um
único termo. Compreende-se que os tradutores não se encontrem de acordo ao
traduzir o termo ousia, oscilando entre diferentes soluções e mostrando-se pouco
satisfeitos com qualquer solução. Felizmente as línguas neolatinas, nesse ponto,
diferem das demais, pois o termo substância é amplamente utilizado na linguagem
comum (muito mais do que em outras línguas modernas). O único problema do termo
SUBSTÂNCIA é que ele não tem laços glotológicos com o termo SER, como o termo
grego ousia (derivado do particípio presente feminino ousa). Se quiséssemos manter
o mesmo jogo de laços glotológicos, deveríamos traduzir ousia por “entidade” (em
inglês “entity”, em alemão “Wesenheit”, do particípio passado de “sein”, “ge-
wesen”). Mas o termo “entidade”, na nossa língua, é genérico e, ademais, está longe
de cobrir a área semântica do termo ousia, e, portanto, não pode ser utilizado.
Que entendemos, de fato, em português, pelo termo substância? Quando usamos o
termo em locuções como: “tal remédio possui tais substâncias”, “tal objeto é
constituído por tal substância ou é feito de tal substância”, e outras semelhantes,
entendemos por “substância” os elementos ou os componentes constitutivos da
coisa, aquilo que de a coisa é feita, a sua matéria. Ao contrário, quando usamos o
mesmo termo em expressões do seguinte teor: “tal texto significa em substância o
seguinte...”, “tal discurso quer dizer em substância isso...”, “a substância da
discussão se reduz ao seguinte...”, e, em geral, quando usamos a expressão “em
substância”, entendemos com o termo “substância” a essência, o núcleo principal e
essencial, o quid último característico da coisa. Enfim, por influência da linguagem
filosófica, falamos também de “substâncias individuais concretas e determinadas”,
para indicar as diferentes realidades individuais. Como se vê, com o termo
“substância” indicamos um arco de significados que vai da matéria, à essência, ao
indivíduo concreto.
Ora, para Aristóteles, ousia, em geral, indica o significado principal de ser, mas
também, em particular, inclui esse mesmo arco de significados acima ilustrados,
embora com inevitáveis nuances de diferenças. Para Aristóteles, ousia, em sentido
muito longínquo e impróprio, é a matéria; em sentido pleno, é a forma; enfim, é
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REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 246.
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REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 192-193.
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IV – CONCEITO DE ELEMENTO
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REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 86-87.
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uma matéria em parte já atuada: atuada como ar, água, terra, fogo (sobre as
relações entre matéria e os quatro elementos, cf. De generatione et corruptione,
B1, passim). A esses quatro elementos Aristóteles acrescenta o éter incorruptível (cf.
verbete).
Recordamos igualmente que o Estagirita, para poder explicar melhor o vir-a-ser,
concebe os quatro elementos (não o quinto, o éter, que é incorruptível) como
capazes de transformar-se um no outro reciprocamente, contrariamente a
Empédocles (ver De Coelo et Mundo, G 6, 304b 23 ss. De generatione et corruptione,
B 4, passim). Lembremos, finalmente, a curiosa posição do médio--platônico
Plutarco, que põe os cinco elementos em correspondência com as cinco categorias
do Sofista platônico e com os cinco corpos geométricos fundamentais, pondo ainda
cinco mundos a eles correspondentes (cf. IV, 305, nota 46).