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LÉXICO – FILOSOFIA ANTIGA

Faça uma leitura dos significados dos termos abaixo e, em seguida, passaremos para
as dúvidas sobre a relação entre os conceitos de “essência”, “substância” e
“elemento”.

I – CONCEITO DE ESSÊNCIA

ESSÊNCIA (to ti hn einai, to ti eoti, essentia)1.


Por este termo se traduz a complexa expressão aristotélica tò ti ên eînai, que os
latinos traduziam quod quid erat esse. A essência é aquilo pelo qual as coisas
possuem o ser algo, e coincide com o EIDOS e a FORMA [da metafísica platônica].
Observe-se que é errado crer que essência traduza OUSÍA em sentido pleno [pelas
razões que indicamos no verbete respectivo]. A essência designa apenas um dos
significados de ousía (mesmo sendo o principal). Traduzindo-se ousía por essência,
não se entende absolutamente como Aristóteles possa denominar ousía também o
SÍNOLO e mesmo a MATÉRIA; e, sobretudo como ousía, nos estóicos, signifique em
primeiro lugar a matéria. Em conclusão: a essência designa o significado de ousía
que coincide com a quididade, a FORMA, o que faz com que uma coisa seja ela mesma
e não outra. Sobre o tema veja-se o livro Z da Metafisica, passim, e o nosso
comentário (Aristóteles, Metafisica, vol. 1, pp. 562-637).

QUIDIDADE (Quidditas)2.
Termo introduzido pelas traduções latinas feitas no séc. XII (do árabe) a partir das
obras de Aristóteles. Corresponde à expressão aristotélica tò ti ên eînai (quod quid
erat esse). Esse termo significa essência necessária (substancial) ou substância
[enquanto essência de algo].

OBERVAÇÃO: aqui temos uma primeira diferença entre “essência” (= eidos, idea,
morphé, forma, quididade) e “substância” (= ousía): a “essência” diz respeito
apenas ao aspecto inteligível e ontológico, independentemente do mesmo ser
considerado imanente ou não às coisas (mas, por característica, sempre inteligível).
Já ousía (= substância ou quididade) diz respeito a algo mais abrangente, que pode
admitir tanto o aspecto inteligível de algo, isto é, a sua “essência” ou forma (= eidos,
idea, morphé, quididade etc.), como também a “matéria” (hilé) e o próprio “sínolo”.
Portanto, “essência” é apenas um dos significados de substância.

1
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 101. Na metafísica aristotélica, o termo
essência “essência” pode ser um equivalente aos termos “eidos”, “morphé” (forma) ou “idea” (ideia).
2
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Bosi e Ivone Castilho Benedetti.
5.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2007, p. 820.
2

II – CONCEITOS DE FORMA, MATÉRIA, SÍNOLO


(E OUTROS TERMOS CORRELATOS)

Antes de adentrarmos no conceito de SUBSTÂNCIA, vejamos então as definições de:


a) “forma” (morphé); b) “eidos”; c) “idea” (ideia); d) “matéria” (hylé); e) “sínolo”;
f) “hilemorfismo”.

FORMA (morfh/; morphé)3. Cf. Eidos, Idea.

EIDOS (eidov)4.
Na história do pensamento grego, é possível distinguir ao menos cinco fases na
evolução do significado do termo eidos e da relativa problemática.
1) No âmbito do pensamento pré-socrático, o termo não tem ainda um uso técnico
e, na maior parte das vezes, tem o significado corrente de forma.
2) Em Platão, eidos torna-se um termo técnico e, normalmente, é usado como
sinônimo de Ideia (cf. verbete) e exprime, portanto, o que se pode considerar o
resultado fundamental da “segunda navegação”, a saber, a forma inteligível, com os
matizes e características que indicamos em II, 61ss.
3) Aristóteles move áspera polêmica à transcendência das ideias com respeito às
coisas sensíveis e nega que existam formas como “substâncias separadas”. É verdade
que a “forma” existe, para o Estagirita, como essência inteligível e é mesmo um
princípio fundamental, mas ela não é separada e sim imanente às coisas. Ele adota
o termo eidos justamente para indicar a forma imanente das coisas, a sua essência
e a sua substância fundamental: “Chamo eidos a essência e a substância primeira”
(Aristóteles, Metafísica, Z 7, 1032 b s.) (cf. II, 355ss.; 359ss.). Para Aristóteles, as
únicas formas que existem separadas da matéria são as Inteligências (II, 357). Em
Aristóteles, o eidos recebe também o significado de espécie, como explicamos em
II, 361.
4) Com o renascimento do platonismo, as posições de Platão e Aristóteles, antitéticas
nesse ponto, são mediatizadas. As Ideias platônicas tornam-se os pensamentos de
Deus, ao passo que as formas tornam-se o inteligível imanente ou, como diz Albino,
o inteligível segundo (IV, 294ss.), o reflexo da Ideia na matéria.
5) Plotino mantém essa distinção, inserindo-a na sua concepção hipostática geral: as
Ideias estão no Espírito, as formas, ao invés, na Alma, e constituem o momento
extremo da criatividade da Alma. Plotino as chama igualmente de logoi (IV, 490ss.;
506).

3
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 116.
4
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 85.
3

IDEIA (idea; idea)5.


Ideia, de “idein” – que quer dizer “ver” –, corresponde a forma. Primeiro significa a
forma sensível em geral, depois, na linguagem filosófica, assume significado técnico
ontológico e metafisico. Já em Demócrito, atomos idea indica a forma geométrica
do átomo (I, 154s.). O termo toma-se famoso com Platão, o qual, em consequência
das conquistas da “segunda navegação”, chama Ideia a realidade suprassensível, o
modelo, o paradigma inteligível, o ser puro. Ver as explicações que damos a respeito
em II, 61 ss. Platão usa também o termo eidos, como sinônimo, para indicar a Ideia.
Com Aristóteles, ao invés, os dois termos são rigorosamente distintos: à Ideia
transcendente o Estagirita contrapõe a forma imanente (II, 354ss.; 359ss.). Não só
na história do platonismo, mas também na história da metafísica em geral, a teoria
das Ideias permaneceu como ponto de referência constante. Quanto às mais
significativas discussões sobre a Ideia e os seus repensamentos teóricos na
antiguidade, ver, além das críticas aristotélicas (II, 323ss.), as polêmicas no interior
da própria Academia (III, 79ss.; 86ss.; 97ss.). Particularmente, depois do
esquecimento da era helenística, ver: a conspícua reforma de Filo de Alexandria (IV,
253ss.), os repensamentos médio-platônicos (IV, 294ss.), e, mais ainda, a
reformulação da doutrina em Plotino, o qual a insere na sua concepção hipostática,
com os dados dos quais falamos em IV, 462ss.

MATÉRIA (ulh; hylé)6.


O termo hyle significa “selva”, “madeira para construção”, de onde se passa, por
óbvia analogia, à indicação do conceito filosófico de MATÉRIA (o material do qual são
feitas as coisas). Hyle torna-se termo técnico a partir sobretudo de Aristóteles. A
definição que comumente é dada, segundo a qual a matéria é o constitutivo da
realidade sensível e corpórea, aquilo do qual depende o ser sensível e corpóreo das
coisas, é inadequada, se referida ao pensamento antigo. Com efeito, na filosofia
grega, matéria tem duas valências fundamentais: 1) a primeira no nível inteligível;
2) a segunda no nível sensível, ambas igualmente importantes. Deve-se, portanto,
distinguir: 1) uma matéria inteligível (que podemos chamar de metafísica) e 2) uma
matéria sensível (que podemos chamar também de física).
1a) O conceito de matéria inteligível remonta a Platão (embora a terminologia seja
posterior) e está ligado ao problema da justificação da existência da multiplicidade
de Ideias (de muitas realidades inteligíveis) e aos esquemas pitagóricos dos quais
Platão se vale para resolvê-lo, ou seja, à concepção da realidade como misto de
ilimite e limite (II, 1 18ss.) e à introdução dos conceitos de Uno e Díade como
princípios do mundo inteligível (II, 87ss.). O Uno indica a forma-limite e a Díade a
matéria-ilimite (II, 83ss.). A matéria inteligível desempenha um papel de certa
importância também na processão das hipóstases de Platino, como mostramos em
IV,459s.; 473ss.; 486.
1b) Também em Aristóteles aparece o conceito de matéria inteligível, embora noutro
sentido. Na Metafísica, Z 10, 1036a 9ss., lemos: “Há uma matéria sensível e uma

5
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 131.
6
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 160-161.
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inteligível; a sensível é, por exemplo, o bronze ou a madeira ou tudo o que é


suscetível de movimento; a inteligível é, ao invés, a que está presente nos seres
sensíveis, mas não enquanto sensíveis como os entes matemáticos”. Na mesma obra,
em H 6, 1045a 33ss.: “Existem dois tipos de matéria: uma inteligível e uma sensível,
e uma parte da definição é sempre matéria e a outra ato. Por exemplo, o círculo é
definido como figura plana”. A matéria inteligível, na primeira passagem, é
fundamentalmente o espaço matemático, enquanto na segunda é o gênero que, em
contraste com a espécie, é indeterminado e, justamente, definido por aquela (cf.
Reale, Aristotele, La Metafisica, vol. I, pp. 612s., nota 24 e vol. II, p. 36, nota 9).
2) O conceito de matéria sensível está presente na especulação dos físicos, mas não
no nível temático. A água, o ápeiron, o ar, o fogo, dos quais eles falavam, são
propriamente o princípio divino e só redutivamente são matéria (I, 54.). O criador
do conceito, embora não do termo, de matéria é Platão, sobretudo com a doutrina
da chora, à qual dedicamos um verbete específico. A plena determinação do conceito
e a sua fixação como termo técnico deve-se a Aristóteles. Eis a definição que lemos
na Metafísica, Z 3, 1029 a 20ss.: “Chamo matéria o que, por si, não é nem algo
determinado, nem uma quantidade, nem qualquer outra das determinações do ser.
Existe algo do qual cada uma dessas determinações é predicada: algo cujo ser é
diverso do ser de cada uma das categorias. Todas as outras categorias, com efeito,
são predicadas da substância [no sentido de forma] e esta, por sua vez, da matéria.
De modo que esse termo último, por si, não é nem algo determinado nem quantidade
nem qualquer outra categoria. Tampouco é a negação destas, porque as negações só
existem de modo acidental”. Aristóteles se vale sobretudo de duas funções próprias
da matéria para defini-la perfeitamente: a de substrato que acolhe a forma e a de
potência determinada pelo ato. Ver o que dissemos em II, 340s.; 354ss.; 362ss., e,
sobretudo, o que aí dissemos sobre as relações entre substância, forma, matéria e
sínolo. Por si a matéria, enquanto indeterminada, é incognoscível; a cognoscibilidade
é própria da forma. Deve-se, todavia, recordar que, para Aristóteles, não existe a
matéria puramente informe: dada a sua concepção da eternidade do mundo, a
matéria existe desde sempre com as determinações. A “matéria prima” é um
conceito relativo, ou melhor, um conceito-limite, como se vê, entre outros, por esta
passagem da Metafísica: “A matéria prima [...] é ‘primeira’ em dois sentidos: ou é
primeira com relação ao próprio objeto ou é primeira em geral; no caso dos objetos
de bronze, por exemplo, o bronze, relativamente aos objetos, é matéria-prima,
enquanto matéria-prima em geral é, talvez, a água, se tudo o que se funde é água”
(D 4, 1015 a 8ss.).
3) Significativos enriquecimentos da problemática da matéria encontram-se na
especulação neoplatônica. No contexto da processão ela é deduzida do primeiro
princípio. Notem-se algumas antecipações nos neopitagóricos (IV, 349ss.), em
Amônio (IV, 409), e, sobretudo, as conclusões de Plotino, com os documentos que
apresentamos em IV, 486ss. A matéria sensível torna-se a imagem da inteligível, a
privação do Bem, o não-ser, o que é diferente de tudo que é Espírito. A matéria
coincide com o eclipse da Contemplação criadora.
4) A matéria é posta na dependência de Deus, ainda que de maneira não-linear, pela
primeira vez por Filo de Alexandria (IV, 244ss.).
Sobre o conceito de matéria, ver: C. Baeumker, Das Problem der Materie in der
griechischen Philosophie, Münster 1890; L. Cencillo, Hyle, La Materia en el Corpus
Aristotelicum, Madri, 1958; H. Happ, Hyle, Studien zum aristotelischen Materie-
5

Begriff, Berlim, 1971 (este é o mais completo trabalho sobre o tema).

SÍNOLO (sunolov; sinolon)7.


Indica, na ontologia aristotélica, a união concreta de forma e matéria. O sínolo é
SUBSTÂNCIA a título pleno, enquanto responde a todos os requisitos formais da ousía
(II, 354ss.). Note-se que sínolo é um tipo de substância, mas não é a substância
enquanto tal, como muitos creem erroneamente. De fato, existem substâncias que
não são sínolos, como por exemplo todas as substâncias não-sensíveis. O sínolo,
enquanto composto de matéria e forma, pode ser gerado e pode corromper-se.
Ademais, enquanto tem matéria, é objeto de experiência e não de definição e de
conhecimento puramente racional.
Eis uma página de Aristóteles muito iluminadora sobre esse tema, extraída da
Metafísica, Z 15, 1039 b 20ss.: “Sínolo e forma são dois diferentes significados da
substância: o sínolo é a substância constituída pela união da forma e da matéria, a
outra é substância no sentido da forma enquanto tal. Todas as substâncias entendidas
no primeiro sentido estão sujeitas à corrupção, assim como à geração. Ao invés, a
forma não está sujeita à corrupção nem à geração. De fato, não se gera a essência
de casa, mas só o ser de determinada casa concreta; as formas existem ou não
existem sem que delas exista processo de geração e de corrupção. Com efeito, é
claro que ninguém as gera ou as produz. Por essa razão, não existe nem definição
nem demonstração das substâncias sensíveis particulares, enquanto têm matéria,
cuja natureza implica possibilidade de ser e de não ser. Por isso todas essas
substâncias sensíveis individuais são corruptíveis. Ora, se só existe demonstração do
que é necessário e se a definição é um procedimento científico, e se, por outro lado,
como não é possível que a ciência seja num certo momento ciência e em outro,
ignorância (porque tal é a natureza da opinião), assim também não é possível que
exista demonstração, nem definição do que pode ser diferentemente do que é
(porque disso só existe opinião). Então, é evidente que dessas substâncias não haverá
nem definição nem demonstração. As substâncias corruptíveis, de fato, mesmo a
quem possua a ciência, são incognoscíveis tão logo se deixe o campo da sensação; e
mesmo que se conservem na alma as noções das mesmas, delas não poderá haver
nem definição nem demonstração. Por isso, no que se refere à definição, é necessário
que, quando se define alguma das substâncias individuais, não se ignore que ela
sempre pode desaparecer; com efeito, não é possível dar uma definição dela”.

HILEMORFISMO8.
Diz-se da doutrina que considera a realidade como estrutural união de matéria (hylé)
e forma (morphé). a) Desse modo, pode ser denominada a doutrina aristotélica, que
considera as coisas sensíveis como sínolos (cf. verbete) de matéria e forma (II, 357s.).
b) Também a doutrina estóica, que considera o corpo como matéria unida à
qualidade (= forma), inseparáveis uma da outra, pode ser considerada uma forma de

7
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 243-244.
8
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 127.
6

hilemorfismo, porém, panteísta (III, 298ss.).

III – CONCEITO DE SUBSTÂNCIA

SUBSTÂNCIA (ousia, substantia)9. Cf. Ousía.

OUSÍA (ousia)10.
O termo ousia é um dos mais difíceis de traduzir nas línguas modernas, justamente
porque, em grego, é carregado de valências de tal modo diversas, que as linguagens
modernas não conseguem mais juntar e, portanto, não conseguem traduzir com um
único termo. Compreende-se que os tradutores não se encontrem de acordo ao
traduzir o termo ousia, oscilando entre diferentes soluções e mostrando-se pouco
satisfeitos com qualquer solução. Felizmente as línguas neolatinas, nesse ponto,
diferem das demais, pois o termo substância é amplamente utilizado na linguagem
comum (muito mais do que em outras línguas modernas). O único problema do termo
SUBSTÂNCIA é que ele não tem laços glotológicos com o termo SER, como o termo
grego ousia (derivado do particípio presente feminino ousa). Se quiséssemos manter
o mesmo jogo de laços glotológicos, deveríamos traduzir ousia por “entidade” (em
inglês “entity”, em alemão “Wesenheit”, do particípio passado de “sein”, “ge-
wesen”). Mas o termo “entidade”, na nossa língua, é genérico e, ademais, está longe
de cobrir a área semântica do termo ousia, e, portanto, não pode ser utilizado.
Que entendemos, de fato, em português, pelo termo substância? Quando usamos o
termo em locuções como: “tal remédio possui tais substâncias”, “tal objeto é
constituído por tal substância ou é feito de tal substância”, e outras semelhantes,
entendemos por “substância” os elementos ou os componentes constitutivos da
coisa, aquilo que de a coisa é feita, a sua matéria. Ao contrário, quando usamos o
mesmo termo em expressões do seguinte teor: “tal texto significa em substância o
seguinte...”, “tal discurso quer dizer em substância isso...”, “a substância da
discussão se reduz ao seguinte...”, e, em geral, quando usamos a expressão “em
substância”, entendemos com o termo “substância” a essência, o núcleo principal e
essencial, o quid último característico da coisa. Enfim, por influência da linguagem
filosófica, falamos também de “substâncias individuais concretas e determinadas”,
para indicar as diferentes realidades individuais. Como se vê, com o termo
“substância” indicamos um arco de significados que vai da matéria, à essência, ao
indivíduo concreto.
Ora, para Aristóteles, ousia, em geral, indica o significado principal de ser, mas
também, em particular, inclui esse mesmo arco de significados acima ilustrados,
embora com inevitáveis nuances de diferenças. Para Aristóteles, ousia, em sentido
muito longínquo e impróprio, é a matéria; em sentido pleno, é a forma; enfim, é

9
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 246.
10
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 192-193.
7

também o sínolo. Para todas as implicações metafísicas desses significados e para a


elucidação da estrutura da usiologia aristotélica, cf. II, 352ss.
Antes de Aristóteles (que forneceu a doutrina mais complexa da antiguidade e,
talvez, de todos os tempos), ousia, em Platão, significa a Ideia e o Ser suprassensível
da Ideia (II, 61s.; 67ss.). Depois de Aristóteles, na especulação do Pórtico e em alguns
pensadores influenciados pelo estoicismo, a ousia significa, ao invés, a matéria ou a
substância material. Em Plotino, ousia serve para indicar sobretudo o ser que é
momento constitutivo do Espírito, ou seja, a segunda hipóstase.

IV – CONCEITO DE ELEMENTO

ELEMENTO (stoixeion, stoicheion, elementum)11.


Aristóteles deu a seguinte definição de elemento que, sob muitos aspectos,
permaneceu paradigmática: “Elemento significa o componente primeiro imanente,
do qual uma coisa é constituída e que é indivisível em outra espécie. Por exemplo,
os elementos da voz são as partes das quais a voz se compõe e nas quais por último
se resolve: com efeito, elas não podem resolver-se ulteriormente em sons distintos
especificamente entre si. E mesmo se fossem ulteriormente divididas, as suas partes
seriam sempre da mesma espécie como, por exemplo, a água é parte da água, ao
passo que a sílaba não é parte da sílaba. Do mesmo modo, também os que falam dos
elementos dos corpos [= os naturalistas], entendem por elementos as últimas partes
nas quais os corpos se dividem: partes que não são ulteriormente divisíveis em outras
de diferente espécie. Seja que haja um único tipo dessas partes [= os monistas] seja
que haja vários tipos [= os pluralistas], esses filósofos as chamam elementos”
(Metafisica, D 3, 1014a 25ss.).
Aristóteles formula tal definição no momento culminante da evolução histórica e
teórica deste conceito. Na realidade, com efeito, ele ainda não está definido, como
alguns pensam, com os primeiros naturalistas, ou seja, com os jônicos, mas somente
como consequência da problemática eleática, como mostramos em I, 134s.; 151ss.
Além disso, tenha-se presente o seguinte. “Elemento” tem uma significação
ontológica muito próxima à de princípio ou causa, enquanto exprime o que é
primeiro, o que é fundamento e condição de outra coisa. A diferença específica entre
elemento de um lado, causa e princípio de outro, consiste no seguinte: o
“elemento”, como se segue da definição aristotélica, é sempre imanente, ou seja,
interior às coisas, ao passo que as “causas” e “princípios” podem ser também
exteriores às coisas. Portanto, matéria e forma são elementos porque imanentes às
coisas; ao contrário, a causa eficiente ou motora não pode ser chamada elemento
porque exterior às coisas.
Os elementos podem ser materiais ou formais; mas Aristóteles tende a designar como
elementos sobretudo os materiais. A propósito desse último ponto, recordamos ainda
que o conceito de matéria é mais amplo do que o conceito de elemento: a matéria
é potencialidade pura, ao passo que o elemento implica já uma certa atuação, é

11
REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga: léxico, índices e bibliografias. Tradução de Henrique
Lima Vaz e Marcelo Perine. São Paulo: Loyola, 1995, vol. 5, p. 86-87.
8

uma matéria em parte já atuada: atuada como ar, água, terra, fogo (sobre as
relações entre matéria e os quatro elementos, cf. De generatione et corruptione,
B1, passim). A esses quatro elementos Aristóteles acrescenta o éter incorruptível (cf.
verbete).
Recordamos igualmente que o Estagirita, para poder explicar melhor o vir-a-ser,
concebe os quatro elementos (não o quinto, o éter, que é incorruptível) como
capazes de transformar-se um no outro reciprocamente, contrariamente a
Empédocles (ver De Coelo et Mundo, G 6, 304b 23 ss. De generatione et corruptione,
B 4, passim). Lembremos, finalmente, a curiosa posição do médio--platônico
Plutarco, que põe os cinco elementos em correspondência com as cinco categorias
do Sofista platônico e com os cinco corpos geométricos fundamentais, pondo ainda
cinco mundos a eles correspondentes (cf. IV, 305, nota 46).

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