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"A quimera do dia é enriquecer todas as classes às custas umas das outras, é generalizar
a espoliação sob o pretexto de organizá-la. Ora, a espoliação legal pode se exercer de
uma multidão de maneiras diferentes. Daí uma quantidade infinita de planos de
organização: tarifas, proteção, bônus, subvenções, encorajamentos, imposto progressivo,
educação gratuita, direito ao trabalho, direito ao lucro, direito ao salário, direito à
assistência, direito aos instrumentos de trabalho, gratuidade de crédito, etc. E é o
conjunto de todos esses planos, naquilo que eles têm em comum, a espoliação legal, que
toma o nome de Socialismo."
Em junho de 1850, o político e pensador francês Frédéric Bastiat publicou seu famoso
ensaio A Lei, no qual criticava a deturpação das leis vigentes. Para defender sua visão de
que as leis haviam se desviado de sua função precípua, Bastiat inicia afirmando que,
anteriormente à toda legislação, há a Personalidade, a Liberdade e a Propriedade. A lei
não seria outra coisa que não a organização coletiva do direito à legítima defesa.
Todo ser humano tem naturalmente o direito à defesa de sua Personalidade, de sua
Liberdade e de sua Propriedade. O Direito coletivo tem sua raison d'être na defesa
:
desses direitos. Por isso a Lei tem o direito de usar a força para fazer valer tais direitos
fundamentais. Infelizmente, a lei desfigurou-se e passou a aniquilar aquilo que por
princípio deveria proteger.
Duas razões há, diz o pensador francês, para esse desvio da lei: o egoísmo ininteligente
e a falsa filantropia. O primeiro é facilmente explicável pela necessidade humana de
perseguir o seu bem-estar e fugir da dor. O homem pode conseguir sua subsistência por
meio de seu próprio trabalho ou pode consegui-la pela espoliação do trabalho e da
propriedade adquirida por outros homens. A História mostra como é frequente a segunda
opção.
A lei foi feita justamente para evitar essa situação. Não obstante, ela se tornou um
instrumento da espoliação utilizado pelas classes no poder. Diante dessa realidade,
aqueles que são espoliados podem escolher uma de duas opções: eliminar a espoliação
por completo ou tomar parte dessa mesma espoliação da qual eram vítimas. Em vez de
eliminar a espoliação, os espoliados desejam universalizá-la.
O outro efeito deletério da deturpação da lei é dar à política uma força exagerada na
sociedade. A luta política por um naco na espoliação geral será a tônica das discussões,
com cada classe buscando sua parte no butim. Há a espoliação extralegal, o roubo puro
e simples, proibida pela lei, e há a espoliação legal, o Socialismo. Opor a lei ao
Socialismo é absurdo, pois é a lei que o suporta.
Não se exige somente que a lei seja justa. Ela deve ser também filantrópica. Não se trata
de só garantir ao indivíduo o livre exercício de suas faculdades, mas de garantir a todos o
bem-estar, a instrução e a moralidade. Esse é o lado atraente do Socialismo. O ponto é
que, no entanto, essas duas exigências são contraditórias. Não é possível ter liberdade e
fraternidade, pois esta nunca pode ser real se for obrigatória. A fraternidade pode existir
enquanto é voluntária. Quando é legalmente obrigatória, ela restringe necessariamente a
liberdade.
Como seria possível organizar toda a sociedade, como querem os socialistas, sem criar a
injustiça? Organizar o trabalho e a indústria seria possível somente pelo uso da força. A
lei se torna o veículo da injustiça. Nada há no tesouro estatal que seja dirigido a uma
determinada classe ou grupo que não tenha sido aí depositado por outros cidadãos por
meio da força. O socialismo usa termos como a Fraternidade, a Organização, a
Solidariedade e a Associação para seduzir as consciências sem deixar escapar que ele
se baseia na espoliação legal.
Bastiat afirma que, ao negar a fraternidade por meio do Estado, não se está negando que
a fraternidade deva existir. A questão é que ela não pode ser garantida pelo Estado a não
ser por meio da coação e da força, isto é, da injustiça. A livre associação é boa, a
associação obrigatória é má. Do mesmo modo, a solidariedade voluntária é boa, a
solidariedade imposta pelo Estado é má.
"O Socialismo, como a velha política de onde ele emana, confunde Governo e a
Sociedade. Eis a razão pela qual, cada vez que nós não queremos que algo seja feito
pelo Governo, ele disso conclui que nós não queremos que esse algo seja feito de
maneira nenhuma. Nós rejeitamos a instrução pelo Estado, então não queremos que haja
instrução. Rejeitamos uma religião de Estado, então não queremos nenhuma religião.
Rejeitamos a igualdade pelo Estado, então não queremos nenhuma igualdade, etc. É
como se nos acusassem de não querer que os homens comam porque rejeitamos a
cultura do trigo pelo Estado." (p.27)
Os pensadores dos séculos XVII e XVIII consideraram o homem como uma matéria
inerte plástica o suficiente para receber forma, figura, impulso, movimento e vida de um
grande Legislador, de um grande Príncipe. Mas os homens não são pedaços de matéria
esperando para serem alocados em uma ordem concebida de fora por um organizador.
Os seres humanos são inteligentes e capazes de avaliações e de discernimento.
É um círculo vicioso: a humanidade passiva e um grande homem que a move por meio
da Lei. Quando é o caso de se escolher um legislador, o povo jamais erra. Tão logo o
legislador assuma o seu posto, o povo volta a ser uma massa inerte que precisa ser
moldada pelo Organizador sob pena de seguir sua tendência à degradação. É essa
tendência, by the way, que torna a liberdade perigosa e desaconselhável. Se os homens,
deixados a si mesmos, têm a inclinação funesta à degradação, deixá-los livres e sem
direção central só conduzirá ao erro e ao vício.
Bastiat assevera que não é contra as idéias dos organizadores na medida em que elas
não são impostas pela força a todos os homens. Ademais, se todos os seres humanos
são inclinados à degradação, qual a autoridade sobre a sociedade que esses
organizadores podem pleitear, dado que eles também são humanos? Não é razoável
pensar que eles estejam tão acima assim dos outros homens. E se o Estado tudo domina
e rege, qualquer erro ou qualquer insatisfação será sua responsabilidade e dará azo a
novas revoluções.
Para Bastiat, entretanto, a sociedade não precisa desses guias iluminados e nem da
intervenção providencial da Lei e do Estado em todas as relações humanas que
configuram a sociedade. O necessário é a Lei proteger a liberdade individual.
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