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Νεκροµαντεῖον

sábado, 5 de junho de 2021

Kitaro Nishida, Natureza e experiência subjetiva

"Geralmente pensamos que a natureza puramente mecânica seja verdadeiramente uma


realidade objetiva, e olhamos a natureza concreta na experiência direta como um
fenômeno subjetivo. (...) No entanto, não nos é possível pensar uma realidade separada
dos fenômenos da consciência. Se dissermos que é subjetiva por ter relação com os
fenômenos da consciência, a natureza puramente mecânica também seria subjetiva."

KITARO NISHIDA, Ensaio sobre o Bem, p. 102 (trad. Joaquim Antonio Monteiro)

A partir de seu conceito de experiência pura, que afirma a unidade ontológica completa
do real, anterior à distinção de sujeito e de objeto, o filósofo japonês Kitaro Nishida, em
seu Ensaio sobre o Bem, trata no capítulo VII da concepção moderna da Natureza. A
realidade é una, afirma, mas há diversas formas de a encarar e realizar distinções no seu
seio, e a concepção de uma Natureza puramente objetiva, distinta de todo aspecto
subjetivo, é um conceito abstrato.

A Natureza objetiva, tal como concebida pela ciência, nasce da eliminação conceitual de
toda atividade subjetiva. Mesmo o conceito de matéria implica um fato da consciência,
pois a matéria só poderia ser notada a partir de uma experiência consciente e, portanto,
subjetiva. Sendo uma abstração, a Natureza objetiva não mostra a realidade tal como ela
se apresenta à nossa experiência comum.
:
Como a ciência física privilegia os aspectos quantitativos, ela não é capaz de distinguir
entre animais, vegetais e os homens, tudo sendo pensado a partir de uma mesma força
mecânica. Essa não é a Natureza tal como a observamos, mas sim uma abstração
conceitual. A realidade observada é repleta de caraterísticas qualitativas, cada uma delas
correspondendo a um determinado conceito e a um sentido próprio. Os entes do mundo
possuem diversos aspectos e poder-se-ia explicá-los a partir de diversos ângulos.

No mundo há animais, vegetais e pepitas de ouro. A ciência, por conta de seu recorte
ontológico-metodológico, só consegue enxergar um aspecto desses entes, ainda que
seja um aspecto válido em si mesmo. Ocorre, contudo, que há diferenças qualitativas
óbvias à observação comum e cotidiana que são abstraídas pelos cientistas em nome da
objetividade. O erro está em tomar esse recorte específico como o único passível de
representar a realidade.

Ademais, em todas as coisas da Natureza, animadas e inanimadas, em maior ou menor


grau, há uma função unificadora que não pode ser fruto de um movimento mecânico
apenas. Mas as leis mecânicas e a função unificadora não entram em conflito, como em
uma estátua de cobre que obedece a um só tempo às leis da física e da química de seu
material e à lei da obra de arte que expressa nosso ideal. O poder unificador da Natureza
é um fato manifesto à nossa observação, e dá sentido e fim essa mesma Natureza.

"A verdadeira realidade não possui cisão entre sujeito e objeto, portanto a Natureza
efetiva não é um conceito abstrato dotado apenas de objetividade, mas consiste nos
fatos concretos da consciência que abarcam tanto o sujeito quanto o objeto", assevera
Nishida. Há coincidência entre a unidade de nossa subjetividade e o poder unificador da
Natureza. A suposta independência de sujeito e objeto é que faz o espírito e a Natureza
serem duas modalidades de realidade.

O que Nishida aponta, cremos, é que na formulação da chamada "linguagem científica


objetiva" frequentemente se perde de vista o fato de que o homem é parte do mundo e
que, por conseguinte, a consciência e a intencionalidade são fatos tão reais quanto a
existência das pedras. O homem não é um ente que observa o mundo de fora e que
ocasionalmente o contamina com propriedades que o mundo real não comporta de
nenhuma maneira.

A questão não é, por conseguinte, saber como um mundo objetivo e opaco pôde dar
origem a um ser intencional e reflexivo, pois não se está diante de uma anomalia que
parece contradizer um fato estabelecido e que, por isso, requer explicação. A realidade
humana é uma realidade tão "mundana" quanto a existência das pedras. Há uma
unidade do real que ultrapassa a cisão entre sujeito e objeto e que, portanto, ultrapassa
também o recorte ontológico operado pela ciência.

Todavia, Nishida não defende aqui um idealismo subjetivista. No capítulo seguinte de seu
livro, tratando do tema do espírito, o filósofo afirma que, se a Natureza objetiva separada
da subjetividade é uma abstração, a concepção de um espírito puro separado da
Natureza objetiva também é uma abstração. Não há espírito que não aja sobre algo. A
:
perspectiva de Nishida, se assim posso expressar, é a da suprema coincidência dos
opostos que a tudo supera em sua unidade abarcante. Quando não há sujeito e objeto,
quando não há "eu", a realidade se revela tal como ela é.

...

Leia também: Νεκροµαντεῖον: Kitaro Nishida (oleniski.blogspot.com)

Immanuel Rosenkreuz às 15:48

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