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Entre as diferentes teorias filosóficas desse século, algumas tomaram como núcleo de
sua reflexão a compreensão do ser humano como pessoa, dando origem assim ao que se
denominou como “personalismo”. O personalismo propõe uma compreensão da pessoa através
de uma fundamentação da responsabilidade do sujeito e uma explicação de sua situação no
mundo, de sua inserção na sociedade e de sua ação na história. É nesse contexto que está
inserido Karol Wojtyla, que teve uma vasta produção, cunhando seu sistema personalista.
A obra de Wojtyla gira em torno da compreensão do ser humano, que existe um esforço
cognoscitivo:
“pode ser que o problema consista em que o homem está a espera de uma nova
e profunda análise de si mesmo, ou melhor, o que é muito mais importante, de
uma síntese sempre nova, e isso não é fácil de conseguir. Depois de haver
conquistado tantos segredos da natureza, o mesmo conquistador necessita, uma
vez mais, que se desvelem ininterruptamente seus próprios mistérios. Na
ausência de uma análise definitiva, o homem deve buscar sempre uma
expressão nova – mais madura – de sua natureza”. (WOJTYLA, 2011, p. 25)
É necessário e oportuno enfrentar o estudo do ser humano para oferecer uma correta
compreensão deste ser peculiar. Isto requer superar as divisões que prevaleceram durante um
período de tempo e abordar o estudo do homem unido a uma perspectiva objetiva e subjetiva.
Só deste modo se pode alcançar o irredutível no homem, o que constitui sua originalidade
própria: seu ser pessoa, sua subjetividade ou “ser sujeito”.
Sem absolutizar a consciência, o autor afirma que requer um lugar próprio de estudo
(sobre gêneros) Seguindo a análise fenomenológica, Wojtyla enumera duas funções da
consciência: espelhar o autoconhecimento e formar a experiência vivida. A primeira função
consiste na reflexão do conhecimento objetivo apresentado pelo autoconhecimento que irradia
conhecimento. O segundo, por outro lado, é o que permite viver interiormente como si mesmo,
isto é, viver como sujeito de seus atos e de suas próprias experiências vividas.
Wojtyla estuda com atenção as dimensões do ato humano como ato consciente, do que
se tem consciência, e como ação eficiente. De todo este estudo, o que mais se destaca é sua
insistência em não aceitar um papel absoluto da consciência, o que o diferencia das abordagens
modernas, e mostra a raiz aristotélico-tomista de seu pensamento:
Por outro lado, ele considera que esse estudo da pessoa desde seus atos se baseia no
autoconhecimento e na auto posse, e que isso não significa nem um ficar encerrado em si mesmo
nem um objetivar o “eu”:
Wojtyla observa que nem tudo o que acontece no homem tem um reflexo na consciência.
Assim, ele distingue as duas estruturas de dinamismo operacional da abordagem
fenomenológica. Como ele destaca, na filosofia clássica isso está representado através das
noções de ato e potência, mas o que realmente se exige é alcançar uma diferenciação adequada
entre esses dois tipos de ações para poder entender em seu caráter específico o que é a ação
humana, a que revela a pessoa. A passagem da potência para o ato implica um certo tornar-se
do homem.
Para Wojtyla a diferença pode ser estabelecida tomando como ponto de partida a
experiência, que mostra que a diferença reside na eficácia, já que “ao atuar, tenho a experiência
de mim mesmo enquanto agente responsável desta forma concreta de dinamização de mim
mesmo enquanto sujeito” (WOJTYLA, 2011, p. 81). A experiência da pessoa em ação é, pois,
a do sujeito como agente ou como causa consciente de sua própria causalidade. Isso mostra o
sujeito como origem de seu atuar e como aquele que mantém a existência, tornar-se e ser do
efeito, pelo qual a pessoa se desvela como sujeito moral e responsável.
Embora a ação humana não faça o ser humano ser, o torna o que realmente é, isto é, dá
origem à moralidade e a torna boa ou má. A esta característica da pessoa Wojtyla denomina
“autodeterminação”, o que mostra a auto posse, característica distintiva do ser pessoal, pois “só
pode ser pessoa quem esteja em posse de si mesmo e seja, ao mesmo tempo, sua própria, única
e exclusiva posse” (WOJTYLA, 2011, p. 124). Isso acontece assim porque as ações humanas
não desaparecem sem mais, mas deixam um rastro de sua passagem, por sua realidade
existencial, no próprio sujeito que as executou e o definem moralmente. Portanto, a pessoa é o
único ser que se realiza na ação e esta capacidade de autorrealização põe em relevo uma
característica ontológica da pessoa: sua potencialidade ou seu não ser plenamente em ato, sua
contingência. Assim, a liberdade é uma propriedade da pessoa que lhe permite autodeterminar-
se, converter-se em boa ou má, criar-se a si mesma ou constituir-se enquanto homem, fazer-se
“alguém” no plano pessoal-ético, não no ontológico,
O homem, por ser livre, é responsável por suas ações e é responsável perante outra
pessoa, perante alguém. Isso abre as portas para a comunidade, para a relação com outras
pessoas, pois o homem é responsável perante si e perante os outros. Isso ele chama de
“participação” e a explica como uma dimensão dotada de dois sentidos: “em primeiro lugar,
como propriedade da pessoa expressando-se na capacidade de conferir uma dimensão pessoal
(personalismo) ao próprio existir e fazer quando o homem existe e faz em comum com os
outros; em segundo lugar, a participação, se entende como relação positiva à humanidade dos
outros homens, entendendo-se a humanidade não como ideia abstrata de homem, mas –
conforme o ponto de vista que é próprio deste estudo – como o eu pessoal é, em cada caso,
único e irrepetível” (WOJTYLA, 2001, p. 73).
O ‘tu’ é ‘outro eu’ distinto de mim. Pensando e dizendo ‘tu’, eu expresso uma
relação que de algum modo se projeta fora de mim, mas que ao mesmo tempo
retorna também a mim. O ‘tu’ não é só a expressão de uma separação, mas
também a expressão de uma unidade. Nessa expressão está contida sempre a
delimitação clara de um entre muitos outros. (WOJTYLA, 2001, p. 81).
Além disso é uma relação reflexiva, pois retorna ou volta ao eu de onde partiu, e
complementar, porque para o tu, o eu é também um tu e só assim é uma verdadeira experiência
interpessoal. E mais, “nesta reversibilidade da relação (não ainda necessariamente na
reciprocidade, ou seja, na contrarrelação “tu-eu”) está contido o momento da constituição
específica do ‘eu’ humano através da relação com o ‘tu’.” (WOJTYLA, 2001, p. 83)
Para ele o homem atua junto com os outros porque é um ser comunitário, um ser que
existe com outros seres humanos. Mas essa dimensão não é a originária, visto que depende da
estreita relação que existe entre a pessoa e sua ação:
Isto é, para Wojtyla o estudo na natureza social segue o estudo da pessoa, pois apenas
se explica desde a natureza da pessoa e não o inverso. Como ele mesmo afirma, seu estudo é
uma ontologia da pessoa, que trata de compreender e conhecer desde a experiência a ação
humana, e que é definida ontologicamente como sujeito subsistente, como ser, que se
autorrealiza na ação, que deste modo tem um valor personalista. Nesse sentido, a pessoa se
define como autogoverno e auto posse, não como abertura absoluta à alteridade. Por isso
Wojtyla é muito consciente de que seu estudo da pessoa não rechaça a abordagem tradicional,
mas que a pensa novamente a partir de uma perspectiva complementar.
Ele afirma ainda muito claramente que não é possível dar prioridade à relação com
outras pessoas como modo de conhecimento da pessoa:
Apesar de a intersubjetividade não ser primária, é vista por Wojtyla como altamente
positiva, sempre que entendida adequadamente, já que permite que o homem alcance seu
desenvolvimento próprio e intrínseco. Esse é um direito inalienável da pessoa, que se
desenvolve e autorrealiza em sua ação com os outros. A correta compreensão da
intersubjetividade ou participação requer uma visão do bem comum como fundamento das
autênticas comunidades humanas, de tal forma que se possa evitar o individualismo e o
totalitarismo ou “anti individualismo”, cuja raiz é comum, e reside em uma identificação do
bem humano com o bem individual entendido de modo excludente. Só em uma comunidade
baseada na participação o ser humano pode se desenvolver plenamente, pois este é o sentido da
solidariedade humana.
Por fim, Wojtyla não vê como incompatível a identidade e a alteridade, tal como se
define desde a filosofia aristotélico-tomista: o homem é sujeito de ações, sujeito que se
experimenta como pessoa em ação com outros e a partir disso acolhe a experiência dos outros.
O homem é um ser responsável, um ser que atua e que ao atuar alcança seu aperfeiçoamento, é
um ser responsável por suas ações e irá responder por elas. Todas as suas ações devem ser
balizadas pelo amor, e Wojtyla descobre o mandato evangélico: amarás. Esse mandato não diz
apenas “amarás”, mas adiciona “ao próximo como a ti mesmo”. Só este amor permite abrir-se
ao próximo: “a significação do sistema de referência ao próximo é fundamental, porque este
sistema ultrapassa qualquer outro sistema de referência que exista em uma comunidade humana
e o supera por seu alcance, simplicidade e profundidade.” (WOJTYLA, 2011, p. 344)
REFERÊNCIAS