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Husserl, como seu predecessor, o filósofo René Descartes, começou a sua busca da

certeza rejeitando provisoriamente o que chamou de "atitude natural" - a crença mantida


pelo homem comum de bom senso, de que os objetos existiam independentemente de
nós mesmos no mundo exterior, e de que nossa informação sobre eles era em geral
digna de fé. (Eagleton, 2006, p. 84).

Embora não possamos ter certeza da existência independente das coisas, diz Husserl,
podemos estar certos da maneira pela qual as vemos de imediato na consciência, quer
seja ilusória a coisa real que estamos vendo ou não. Os objetos podem ser considerados
não como coisas em si, mas como coisas postuladas, ou "pretendidas", pela consciência.
(Eagleton, 2006, p. 84).

Toda consciência é consciência de alguma coisa [...] O ato de pensar e o objeto do


pensamento estão internamente relacionados, são mutuamente dependentes. Minha
consciência não é apenas um registro passivo do mundo, mas constitui ativamente esse
mundo, ou "pretende" fazê-lo. (Eagleton, 2006, p. 84).

[...] devemos reduzir o mundo exterior apenas ao conteúdo de nossa consciência. Isto,
ou a chamada "redução fenomenológica", é a primeira medida importante de Husserl.
Tudo o que não seja "imanente" à consciência deve ser rigorosamente excluído; todas as
realidades devem ser tratadas como puros "fenômenos" [...] - fenomenologia - nasce de
sua insistência nesta postura. A fenomenologia é a ciência dos fenômenos puros.
(Eagleton, 2006, p. 85).

Os tipos de fenômenos "puros" que interessam a Husserl, porém, são algo mais do que
apenas os detalhes individuais aleatórios. São um sistema de essências universais, pois a
fenomenologia modifica cada objeto na imaginação, até descobrir o que há de invariável
nele. (Eagleton, 2006, p. 85).

Compreender qualquer fenômeno de maneira total e pura é apreender o que nele há de


essencial e imutável. A palavra grega para tipo é eidos; por essa razão, Husserl fala de
seu método como uma abstração "eidética", acompanhada de sua redução
fenomenológica. (Eagleton, 2006, p. 85).
Mas o objetivo da fenomenologia era, de fato, exatamente o oposto da abstração: era um
retorno ao concreto, à terra firme [...] A filosofia havia se preocupado demais com
conceitos, e muito pouco com os dados reais; [...] A fenomenologia, tomando aquilo de
que podíamos ter certeza experimentalmente, era capaz de oferecer a base para a
edificação de um conhecimento autenticamente fidedigno. (Eagleton, 2006, p. 86).

Ela podia ser uma "ciência das ciências", oferecendo um método para o estudo de
qualquer coisa: memória, caixas de fósforos, matemática. Ela se oferecia como nada
menos do que uma ciência da consciência humana - a consciência humana concebida
não apenas como a experiência empírica de determinadas pessoas, mas como as
"estruturas profundas" da própria mente. (Eagleton, 2006, p. 86).

Ao contrário das outras ciências, ela não indagava sobre esta ou aquela forma particular
de conhecimento, mas sobre as condições que tornavam possível qualquer tipo de
conhecimento, em primeiro lugar. Dessa forma - e como a filosofia de Kant, anterior a
ela - era um modo "transcendental" de investigação; e o sujeito humano, ou a
consciência individual, objeto de sua preocupação, era um sujeito "transcendental".
(Eagleton, 2006, p. 86).

A fenomenologia examinava não apenas o que por acaso se percebesse quando se


olhasse para um determinado coelho, mas a essência universal dos coelhos e o ato de
percebê-los. Não se tratava, em outras palavras, de uma forma de empirismo,
preocupado com a experiência aleatória, fragmentária, de determinadas pessoas;
também não era uma espécie de "psicologismo", interessado apenas nos processos
mentais observáveis nessas pessoas. Ela pretendia desvendar as estruturas da própria
consciência e, ao mesmo tempo, desnudar fenômenos em si. (Eagleton, 2006, p. 86).

Os fenômenos para Husserl não precisam ser interpretados, construídos desta ou


daquela maneira, numa argumentação racional. [...] Finalmente, podemos notar como a
teoria "intencional" da consciência, defendida por Husserl, sugere que "ser" e
"significar" estão sempre atados um no outro. Não há objeto sem sujeito, e não há
sujeito sem objeto. (Eagleton, 2006, p. 88, grifo do autor).
Numa sociedade em que os objetos parecem estar alienados, isolados dos objetivos humanos, e
os sujeitos humanos estão, por conseguinte, mergulhados em um isolamento ansioso, essa
doutrina é sem dúvida consoladora. (Eagleton, 2006, p. 88).

Se a fenomenologia assegurava, de um lado, um mundo cognoscível, por outro estabelecia a


centralidade do sujeito humano. Na verdade, ela prometia ser nada menos do que uma ciência
da própria subjetividade. (Eagleton, 2006, p. 88).

O mundo é aquilo que postulo, ou que "pretendo" postular: deve ser apreendido em relação a
mim, como uma correlação de minha consciência, e essa consciência não é apenas falivelmente
empírica, mas também transcendental. (Eagleton, 2006, p. 88).

Reagindo contra isso, a fenomenologia restabeleceu ao sujeito transcendental o seu trono. O


sujeito deveria ser visto como a fonte e a origem de todo o significado: de fato ele não era, em
si, parte do mundo, já que foi o responsável pela existência desse mundo. [...] o "homem" era,
de alguma forma, anterior à sua história e suas condições sociais, que dele fluíram como a água
jorra de uma nascente. [...] Ao recentralizar o mundo no sujeito humano, portanto, a
fenomenologia oferecia uma solução imaginária a um sério problema histórico. (Eagleton,
2006, p. 89).

Mas a principal dívida crítica para com a fenomenologia é evidente na chamada escola crítica de
Genebra, que floresceu principalmente nas décadas de 1940 e 1950, [...] A crítica
fenomenológica é a tentativa de aplicar esse método às obras literárias. (Eagleton, 2006, p.
90).

Como acontece no isolamento do objeto real feito por Husserl, o contexto histórico concreto da
obra literária, seu autor, as condições de produção e a leitura são ignorados. A crítica
fenomenológica visa a uma leitura totalmente "imanente" do texto, absolutamente imune a
qualquer coisa fora dele. (Eagleton, 2006, p. 90).

O próprio texto é reduzido a uma pura materialização da consciência do autor: todos os seus
aspectos estilísticos e semânticos são percebidos como partes orgânicas de um todo complexo,
do qual a essência unificadora é a mente do autor. Para conhecê-la, não devemos nos referir a
nada que sabemos sobre o autor - a crítica biográfica é proibida - mas tão-somente aos aspectos
de sua consciência que se manifestam na obra em si. (Eagleton, 2006, p. 90).
Além disso, interessam-nos as "estruturas profundas" de sua mente, que podem ser encontradas
nas repetições de temas e padrões de imagens. Ao perceber essas estruturas, estamos
apreendendo a maneira pela qual o autor "viveu" seu mundo, as relações fenomenológicas entre
ele, sujeito, e o mundo, objeto. O "mundo" de uma obra literária não é uma realidade objetiva,
mas aquilo que em alemão se denomina Lebenswelt, a realidade tal como organizada e sentida
por um sujeito individual. (Eagleton, 2006, p. 90).

A crítica fenomenológica focaliza, tipicamente, a maneira pela qual o autor sente o tempo ou o
espaço, ou a relação entre o eu e os outros, ou sua percepção dos objetos materiais. Em outras
palavras, as preocupações metodológicas da filosofia husserliana freqüentemente tornam-se, na
crítica fenomenológica, o "conteúdo" da literatura. (Eagleton, 2006, p. 91).

Trata-se, em outras palavras, de um modo de análise totalmente acrítica, destituída de


avaliações. A crítica não é considerada uma construção, uma interpretação ativa da obra que
envolverá inevitavelmente os próprios interesses e tendências do crítico: é uma simples
recepção passiva do texto, uma transcrição pura de suas essências mentais. (Eagleton, 2006, p.
91).

É um tipo de crítica idealista, essencialista, antihistórica, formalista e organicista, uma forma de


destilação pura dos pontos ininteligíveis, preconceitos e limitações da moderna teoria literária
como um todo. (Eagleton, 2006, p. 91).

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