Você está na página 1de 56

Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

DIREITO CONSTITUCIONAL I

Modernidade Constitucional:

Tomás More (início do séc XVI)- A Utopia- Não aceitou que Henrique VIII rompesse com Roma. Permanece fiel
ao catolicismo, é preso, recusa obedecer ao Rei e é executado. Torna-se santo da Igreja. Traça um modelo de
sociedade distinto do modelo vigente: modelo de sociedade que está na origem do que irá ser o pensamento
de Rosseau, o pensamento socialista e o pensamento da doutrina católica. Faz uma crítica severa à injustiça,
à iniquidade da sociedade, onde os ricos desprezam e espezinham os pobres. A ordem jurídica é assim um
instrumento de domínio, de repressão, pois transforma todas as maquinações dos ricos em vontade do Estado.
O pensamento de Marx no século XIX vai ter origem aqui.

More edifica então a sociedade da ilha da Utopia com as seguintes características:

❖ É uma sociedade onde não há propriedade privada, que é substituída pela posse comum. Segundo
Rafael Hitlodeu, “a equidade e a justiça na distribuição dos bens exigem a sua abolição”.
❖ É uma sociedade baseada no princípio da igualdade, no princípio da solidariedade e da ajuda mútua e
no princípio da participação política das famílias nos negócios públicos.
❖ A sociedade é motivada por finalidades de bem estar social, existindo ensino público, “enfermarias
públicas” para o atendimento de doentes, “mesas públicas” para refeições comuns e um sistema de
garantia de bem estar para os inválidos, doentes e idosos.

Isto implica, claro, uma forte intervenção pública, nomeadamente no que diz respeito à escolha da profissão
(agricultura imposta a todos), prevendo-se a “emigração em massa” e um “sistema de licenças limitativo da
liberdade de circulação de pessoas e da faculdade de contrair casamento”.

Contudo, é defendida a liberdade religiosa e as liberdades de consciência e de crença e também a


proporcionalidade entre o castigo e a grandeza do crime praticado.

Thomas Hobbes (fim do séc XVI, início do XVII)- Vem lançar a pergunta: Liberdade ou Segurança? Mais
liberdade ou mais segurança? Qual o ponto de equilíbrio?

Vem dizer que o sh tem direitos inalienáveis, próprios da pessoa humana. Todos os homens são iguais por
natureza e são também iguais em direitos e por isso cada um de nós tem o poder de julgar em caso de ameaça
quais os meios ao dispor para defender a própria vida. A legítima defesa é um direito de cada pessoa. A
liberdade é natural ao sh e o Estado deve providenciar um mínimo de existência para todas as pessoas. Não
basta a liberdade para ter uma vida digna, é preciso um mínimo de condições para essa dignidade
(alimentação, vestuário, segurança, proteção, etc). Defende também a liberdade religiosa.

Parte de uma visão pessimista das pessoas, o homem é mau e conflituoso por natureza, pode tornar-se pela
força que tem o “lobo do próprio homem”. Esta postura pessimista vai levar à criação de guerras, que cria um
clima de insegurança.

Como resolver? Cada um de nós deve abdicar dos seus direitos, da sua liberdade, a favor de um soberano-
Contrato Social. Damos a nossa liberdade e direito em troca de segurança. O Estado assenta numa abdicação
da liberdade a favor da autoridade, em nome da segurança. O soberano tem assim um poder ilimitado, não
podendo ser castigado, deposto ou condenado à morte.

1
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

Ex: O controlo das contas bancária superior a x, com a preocupação da fuga ao fisco ou de contributo para
ações terroristas. Abdica-se da liberdade a favor da segurança.

Esta situação acaba por assentar num paradoxo: é um poder criado para garantir a segurança numa situação
de liberdade insegura que, por sua vez, acaba por gerar a insegurança de uma situação de segura ausência de
liberdade.

Descartes- Centra a sua reflexão na importância da subjetividade do eu, da racionalidade e da liberdade. É no


sujeito e nas suas faculdades racionais que reside a base do conhecimento. É no interior de cada homem que
Descartes encontra o próprio homem e prova a sua existência. Descartes defende que o sh é dotado de
liberdade ou livre arbítrio, pois é imagem e semelhança de Deus.

LIBERALISMO:

Ideias nucleares do liberalismo:

1- Igualdade;
2- Liberdade;
3- Propriedade;
4- Limitação do Poder.

1. Igualdade de todos perante a lei, por oposição ao modelo feudal e absolutista de diferenciação aplicativa
do Direito em função da qualidade social das pessoas;

2. Liberdade de ação, de pensamento e de divulgação das ideias, combatendo-se a censura ideológica,


religiosa e organizativa.

3. Defesa da propriedade privada, impedindo-se abusos de intervenção de autoridade na esfera dos cidadãos.

Spinoza- Ideia da vontade democrática da sociedade. Estabelece uma estreita relação entre a propriedade e a
justiça: é justo aquele que tem uma vontade constante de dar a outro o que é seu, e é injusto aquele que se
esforça em fazer seu o que é de outro. A vontade da sociedade deve ser a vontade de todos, dando à
democracia prevalência sobre a monarquia, pois imita o estado de Natureza. A razão humana surge como
instrumento de liberdade do homem, pois a liberdade “é tanto maior quanto mais capaz é o homem de guiar-
se pela razão e moderar os seus desejos”.

Pufendorf- Ideia de dignidade e igualdade. Quando foi dito não era uma banalidade. Todos os sh são iguais
em dignidade. Sublinha a ideia de que a sociedade existe em função do bem do indivíduo. É o indivíduo a razão
de ser da sociedade. É necessário que o homem viva em sociedade, uma vez que este é incapaz de sobreviver
sem a ajuda dos seus semelhantes. Isto pressupõe que haja respeito por esses semelhantes. Há um direito
natural, que não deve ser tocado pelo Estado. Esse direito reconhece que há direitos e deveres aos quais não
podemos renunciar- importância da vida e da dignidade/integridade física. Ex: ninguém pode assumir um

2
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

contrato para ser mutilado em troca de x. Não temos liberdade para dispor da nossa integridade física, mesmo
por nossa vontade.

John Locke- É o primeiro autor moderno a proclamar os direitos do homem. É o autor que vem dizer que o
Estado e a sociedade assentam num contrato- Contrato Social. A primeira razão de ser da existência da
sociedade é a defesa da propriedade. Antes de existir Estado, o sh vivia com liberdade e com igualdade de
direitos. Perdeu-os quando entrou no Contrato Social. O Estado existe para defender 3 realidades: vida
(segurança), liberdade (segurança) e propriedade. É o primeiro autor que vem dizer que existem direitos do
sh e que a lei serve para limitar o poder, para defender a liberdade, porque a lei fixa uma fronteira, diz aquilo
que o poder pode fazer e o poder não pode passar a tal fronteira. Os direitos das pessoas são o fundamento
e o limite do poder.

Monstesquieu- Pensamento que domina os textos constitucionais do mundo ocidental. Estabelece pela
primeira vez a seguinte equação: garantir a liberdade implica dividir o poder. Olha para a constituição britânica
do século XVII e chega à conclusão de que na limitação do poder está a garantia da liberdade. A limitação do
poder significa que perante uma determinada matéria deve existir uma divisão entre o poder de estatuir e o
poder de impedir, condicionar, controlar.

Ex: Poder de veto, o poder de impedir.

O poder de administrar está nas mãos do governo, o poder de impedir está nas mãos dos tribunais.

Rousseau- Dá primado à igualdade e à liberdade sobre a propriedade. É a antítese de Locke. Locke defende o
modelo burguês, Rosseau defende o modelo proletário. Privilegia o cultivo da terra relativamente à
propriedade. Parte de um pressuposto contrário a Hobbes, para Rousseau o homem é naturalmente bom,
mas é corrompido pela sociedade (mito do bom selvagem). Por isso, tem aversão à ideia de propriedade como
bem essencial, visto que foi esta que corrompeu o homem e que levou a um estado permanentemente em
guerra e à desigualdade social.

Humboldt- Diz-nos que a verdadeira garantia da liberdade não passa pela ideia da separação de poderes ou
do reconhecimento dos direitos, mas por um Estado mínimo. Quanto menor for a dimensão do Estado, maior
é a liberdade. O Estado que garante a liberdade é o que se abstém de intervir na sociedade, intervindo apenas
nos aspetos que se mostrem necessários à sua segurança interna e externa. O Estado deve circunscrever a
sua atividade a administrar a justiça, a restabelecer o direito lesado e a punir o violador.

Neoliberalismo- ex: Redução do défice público com corte nas despesas;

Política das privatizações.

Kant- Provoca uma revolução filosófica- Vem articular como nenhum, 3 valores: liberdade, humanidade e
dignidade. Vem reequacionar em bases não teológicas a ordem de valores do cristianismo.

Todo o Estado tem um direito e uma constituição- os homens devem obedecer sempre à lei.

3
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

A liberdade é um direito inato, pelo facto de nascermos como pessoas. A liberdade está na base da autonomia
da vontade, que é a expressão da vontade geral.

O sh não é uma coisa, e por isso o sh é sempre um fim em si mesmo e nunca pode ser utilizado como meio.
(Princípio da Humanidade)

Ex da importância disto: Uma criança nasceu com graves problemas de saúde. A sua sobrevivência só era
possivel através de uma doação de medula óssea compatível. Seria legítimo conceber uma criança com o fim
de esta salvar a irmã? O tribunal decidiu que não é legítimo criar uma vida para salvar outra, se a primeira ficar
com uma permanente deficiência ou mesmo sem vida.

Em Kant reside a noção última de dignidade: é um valor absoluto e por isso é irrenunciável. Dignidade é aquilo
que não tem preço. O homem não deve renunciar à sua dignidade nem à sua autoestima moral.

Ex da relevância atualmente: a prostituição não pode ser legalizada pois é um atentado à dignidade.

A maternidade de substituição é inconstitucional pois põe em causa a dignidade da mulher que vai alugar a
sua barriga.

Hegel- Dupla face: Defende a importância do Estado e de cada um de nós como partículas do Estado e por
outro lado sublinha a importância da liberdade, que é a substância do ser humano. A luz que ilumina o sentido
da história é o progresso da consciência da liberdade.

Este autor é tanto o autor que é utilizado pela esquerda política (ex marx) como pela direita política (ex
autoritarismos).

“Sê uma pessoa e respeita os outros como pessoas”- Hegel- Dignidade humana.

Sublinha ainda a visão de que o homem é, apesar de abstrato, uma realidade concreta, com uma
individualidade própria.

É no Estado que a liberdade se realiza e nele “o indivíduo tem e saboreia a sua liberdade”; “o Estado é a vida
ética”, sendo nele que o homem tem a sua essência e a quem tudo deve.

Protagonistas da Matriz Ideológica do Constitucionalismo Liberal:

Thomas Paine- Está ligado ao constitucionalismo norte-americano. Duas vertentes: 1- Há direitos que são
naturais ao sh, assim que nascem; 2- O poder existe para prosseguir determinados fins, a vinculação
teleológica do poder (o poder ao serviço de fins).

Todos os sh nascem livres e são iguais. Há uma igualdade por natureza das pessoas.

Todos os sh são proprietários do governo. Cada um de nós, pelo voto, determina quem são os governantes-
Defende um modelo de governo republicano e representativo.

O fundamento dos governos está no respeito pelos limites. A importância de que a soberania pertence à
nação, ao todo, à coletividade.

Stuart Mill- Visa sublinhar a importância da liberdade individual e da limitação do poder. Há uma liberdade de
consciência e de opinião de todas as pessoas. Há também uma liberdade de associação, que pode ter uma

4
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

vertente económica (ex criar uma sociedade económica), uma vertente política (ex participar num partido
político) e a vertente de sublinhar que não há liberdade para dispor da liberdade (ex ninguém pode por um
ato de vontade tornar-se escravo).

Entende que a melhor forma de governo está na atribuição da soberania “à massa reunida da comundidade”,
permitindo a participação de todas as classes nos benefícios da liberdade- democracia.

Tal como Humboldt, afirma que a liberdade será tanto maior quanto menor for a intervenção do Estado,
condenando que grande parte da educação esteja nas mãos deste.

Terreno Próprio da Liberdade Humana- esfera própria de ação do indivíduo isenta de intervenção do Poder,
que abrange:

→ Domínio da consciência; liberdade de pensamento e de sentimentos e liberdade absoluta de opinião;


→ Liberdade de gostos e interesses;
→ Liberdade de associação entre os indivíduos.

Benjamin Costant- Marca o constitucionalismo francês e o constitucionalismo português. Duas ideias centrais:
1- Os direitos individuais são um limite à soberania do povo e um limite à autoridade. Os direitos individuais
são um limite ao povo, à democracia, a vontade de todos nunca pode prevalecer sobre o respeito pelos direitos
individuais (ex não seria pelo facto de a alemanha nazi votar pelo extermínio dos judeus, que isso seria legítimo
pois atenta contra o direito natural).

(Ler a 1ª linha da 1ª lei dos direitos individuais)

Ideia da prevalência dos direitos indivuais sobre a autoridade. Os direitos de participação política estão
associados aos direitos individuais.

Há uma liberdade específica dos antigos e uma liberdade dos modernos (sec. XIX).

Constant faz prevalecer a liberdade moderna sobre a antiga, definindo, consequentemente, uma regra de
prioridade dos direitos individuais sobre os direitos de participação política.

Contudo, esta soberania atribuída ao povo reside na universalidade dos cidadãos e não numa única pessoa,
numa fração ou numa associação parcial. É, pois, uma soberania limitada e relativa, pois uma soberania
ilimitada exclui a existência de meios de salvaguarda dos indivíduos contra os governantes. Tudo isto está
relacionado com o facto de Constant proclamar que a justiça e os direitos individuais são um limite à soberania
do povo.

Declarações Constitucionais de Direitos do Liberalismo

1º momento- Declaração de Direitos de Virgínia-1776:

Os homens são livres e indepentendes;


Há direitos inatos;
Importância do governo orientado para o bem comum;
Princípio da separação dos poderes.

Todo o poder reside no povo e deriva do povo.

5
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

2º momento- Declaração de Independência dos Estados Unidos- 1776:

Procura-se justificar a separação das colónias inglesas da América do Norte face à Coroa Britânica.

Se um governo desrespeita princípios fundamentais, o povo pode abolir esse mesmo governo. Foi em nome
deste direito, tendo em conta os abusos e usurpações despóticas do rei britânico, que as colónias proclamaram
a sua independência face à Grã-Bertanha.

3º momento- Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão- 1789 (França):

Afirmação de 3 direitos fundamentais:

• Liberdade- Fazer tudo aquilo que não prejudique outrem, garantindo as liberdades de expressão e de
religião e também a liberdade de pensamento e a liberdade imprensa.
• Propriedade- Só é possível a privação deste direito em casos de necessidade pública legalmente
comprovada e sob a condição de justa e prévia indemnização.
• Segurança- Acrescenta o princípio da presunção de inocência e um conjunto de garantias criminais e
processuais.

Os homens nascem e são livres e iguais em direitos e é na nação que reside a soberania. A lei é a expressão da
vontade geral.

Afirmação do direito dos povos a resistirem à opressão (forma de legitimar a revolução), vem do modelo
americano.

4º momento- Aditamentos à Constituição Norte-Americana- Bill of Rights- entre 1789 e 1791:

Direito de reunião (para debaterem problemas) e direito de petição (cronologicamente anterior, poder
apresentar pedidos à autoridade);

Ninguém pode testemunhar contra si próprio, ninguém se pode autoincriminar (célebre 5º aditamento- 5ª
emenda), direito ao silêncio, a recusar-se responder;

Cláusula aberta- Para além dos direitos fundamentais que estão inscritos na Constituição, podem existir outros
direitos fundamentais no direito ordinário. (Artigo 16)

5º momento- Constituição Francesa de 1793:

Nunca vigorou, mas foi um marco no constitucionalismo do século XVIII e do século XX, corresponde ao
período do terror e vem consagrar o pensamento de Rousseau.

5 direitos fundamentais, com a seguinte ordem: igualdade, liberdade, segurança, propriedade, direito à
insurreição contra a tirania dos governos. (artigo 7)

A soberania reside no povo, e quem ousar usurpar a soberania dever ser morto pelos homens livres.

Primeira constituição a consagrar direitos sociais- direitos que nos conferem um poder de exigir ao Estado
prestações. Estes direitos são mais respeitados quanto menor for a intervenção do Estado. (ex o direito à
saúde é tanto mais garantido com a criação de hospitais públicos).

6
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

Direito à subsistência, direito ao trabalho e direito à instrução.

A constituição portuguesa de 1822 consagrou os primeiros direitos sociais.

6º momento- Constituição Francesa de 1848:

Afirmação do bem estar como função do Estado.

A nova República assenta nos princípios da liberdade, da igualdade e da fraternidade, tendo por base a família,
o trabalho, a propriedade e a ordem pública.

Primeira constituição a abolir a escravatura.

Abolição da pena de morte para crimes políticos.

Reconhecimento da liberdade de ensino.

Proibição da censura à imprensa.

Alicerces do Liberalismo:

1- Importância da liberdade, da propriedade (o homem liberal valoriza mais a propriedade que a


liberdade ou a pessoa humana como realidade autónoma) e da segurança (sem segurança, a liberdade
era ilusória e a propriedade sempre precária)- 3 valores nucleares;
2- Limitação do poder feita através da separação de poderes;
3- Interdependência entre a vontade coletiva e a vontade legislativa do Estado- Parlamento é a síntese
da coletividade;
4- Princípio da igualdade de todos perante a lei- A igualdade liberal mostra completa fidelidade à
neutralidade ou abstencionismo do Estado sobre a esfera da sociedade.

Contudo, este princípio mostrava contradições:

→ A igualdade liberal não excluía a existência de escravatura e a discriminação das populações negras;
→ Esta igualdade era apenas a igualdade do homem (e nem de todos);
→ Ao nível de participação política, o direito de sufrágio não era universal no âmbito da própria
população masculina, mas tinha uma natureza censitária e/ou capacitária.

A igualdade liberal, por tudo isto, permite afirmar que “todos são iguais, mas uns são mais iguais que outros”-
George Orwell.

A Origem da Ideia Liberal de Democracia:

Na Grécia Antiga, em Heródoto, Péricles e Aristóteles, a democracia é relacionada com as ideias de liberdade,
igualdade e maioria.

Em Marsílio de Pádua, no século XIV, assistimos ao surgimento dos grandes postulados da democracia
moderna- defesa da eleição como método preferencial de escolha dos governantes.

Em Spinoza, no século XVII, a democracia surge como modelo político preferencial, segundo um princípio de
igualdade de vivência dos homens em sociedade. Em Montesquieu, regista-se a soberania conferida ao povo,
assim como a autoria das leis.

7
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

No século XIX, Stuart Mill afirma que a democracia é “o governo de todo o povo por todo o povo igualmente
representado”, ou “O governo do povo, pelo povo e para o povo” (discurso de Gettysburg).

A democracia conheceu no Liberalismo uma versão não democrática, protagonizada por Rousseau, a vontade
geral não deve ser limitada, e por isso Rousseau se opõe à separação de poderes.

Vitória do modelo democrático, em 1945, com o termo da 2ªGuerra Mundial. É este modelo segundo o qual
hoje vivemos.

Crítica Ideológica ao Liberalismo: Uma Visão Alternativa da Pessoa Humana

A crítica aos valores do Liberalismo é feito por 3 vias distintas:

• Pensamento Contrarrevolucionário (Contra a Revolução Francesa)- vertente reacionária de crítica ao


liberalismo, às suas instituições e à conceção de direitos humanos que lhe está inerente;
• Crítica dirigida pelos Socialistas- visão utópica de edificação de uma nova sociedade e de um homem
novo;
• Crítica dirigida pela Igreja Católica- Doutrina Social da Igreja- procura alicerçar uma terceira
alternativa social, sublinhando o papel irrenunciável da Igreja na defesa e garantia da dignidade do
homem.

Pensamento Contrarrevolucionário- Desenvolvida no Reino Unido, orgulhoso por nunca ter tido uma
Revolução Francesa.

→ Edmund Burke- Dirige fortes críticas ao modelo político e constitucional francês emergente da
revolução, evidenciando as vantagens do sistema constitucional britânico.

Os direitos dos sh radicam não na lei, como os franceses dizem, mas na tradição. São um produto da
História. O costume e a tradição são as fontes dos direitos fundamentais.

Há uma importância do passado, cada geração tem de viver e respeitar a herança do passado e transmiti-
la às gerações futuras- “um contrato estabelecido entre os vivos, os mortos e os que estão por nascer”.

Desenvolve a ideia dos direitos adquiridos, são um produto da continuidade histórica.

Defende que cada um tem direitos e dividendos proporcionais ao que deu de entrada para a sociedade.

→ Joseph de Maistre- Tal como Burke, é no costume que encontra a fonte de legitimidade dos textos
constitucionais. Define que há uma constituição natural em cada Estado. É a constituição que a
tradição impõe, que é produto da vontade do monarca mas que tem de respeitar as liberdades dos
povos e os direitos dos franceses. Entende que esta Constituição natural é produto da evolução dos
tempos e não produto da vontade do Parlamento e por isso esta Constituição deve apenas limitar-se
a retratar a realidade e não a transformá-la. VISÃO COGNOSCIVA, CONSERVADORA. A essência da
Constituição é o costume, a religião e um conjunto de elementos predeterminados.

8
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

Esta é uma das visões possíveis da Constituição:

• Visão voluntarista- Vontade a transformar a realidade (constituição atual);


• Visão Cognosciva.

→ Carta Constitucional Francesa de 1814- Esta carta é a mãe ideológica da nossa carta constitucional de
1826. Momento de síntese entre o pensamento contrarrevolucionário e o pensamento liberal
conservador de Benjamin Costant- a carta constitucional francesa de 1814 é produto da vontade do
Rei, e por isso é expressão da legitimidade monárquica.

Esta Carta, procurando reunir os tempos antigos e os tempos modernos, proclama, enquanto direitos
fundamentais, a igualdade de todos os franceses perante a lei, a garantia da liberdade individual, da liberdade
de religião, da liberdade de opinião e imprensa e ainda a inviolabilidade da propriedade.

O Rei resolve limitar o seu poder- autolimitação- o Rei, no seu arbítrio, decide limitar os seus poderes. Assume
respeitar a separação dos poderes, os direitos e liberdades do cidadão. A modificação da carta só é possível
pela conjugação de duas vontades- a do Parlamento, que aprova, e a do Rei, que sanciona.

(Poder Moderador- equilibra os outros poderes, está acima dos outros poderes. O grande teorizador deste
poder é Benjamin Constant)

Crítica Socialista- Com 3 correntes:

✓ Socialismo Cristão de Saint Simon- A sociedade deve existir para garantir o bem estar, sem a
socialização dos meios de produção e sem a abolição da propriedade privada. Afirma que o fim único
do cristianismo é dirigir a sociedade para uma melhoria, o mais rápido possível, do bem estar dos mais
pobres.
✓ Socialismo Não Marxista- Socialismo que desvaloriza o Estado em duas conceções:
1- Quer a abolição do Estado (Conceção Anarquista = Liberdade- Proudhon);
2- Defende o cooperativismo que visa substituir a empresa privada (Lassalle)- Defende que deve
haver um intervencionismo do Estado, com o fim de conduzir o sh ao seu próprio
desenvolvimento positivo em liberdade.
✓ Socialismo Marxista- Síntese do pensamento de Marx e de Lenine. Explica a História através da luta
de classes, entre governados e governadores, pela liberdade. Defende em último momento a abolição
do Estado, depois de um período de ditadura do proletariado.

E ainda:

✓ Constitucionalismo Soviético- Forte intervencionismo do Estado na economia (dirigismo), na área


social e na área cultural; Conceção restrita dos direitos fundamentais, que não são de todos, mas
apenas dos trabalhadores; O coletivo deve prevalecer sobre o individual e neste sentido os direitos
sociais têm primado sobre os direitos individuais; Em termos de organização política, a concentração
e não a separação de poderes, com um Estado que se identifica com um partido único.

Crítica da Igreja Católica- Doutrina Social da Igreja:

→ Carta Encíclica do Papa Pio IX, Quanta Cura e Syllabus, 1864- insurge-se contra a liberdade de
consciências e de culto, pois é uma “opinião errónea” (as ideias socialistas), que acaba por conduzir à

9
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

“liberdade de perdição”. Condena também a sociedade subtraída às leis da religião e da verdadeira


justiça e condena o propósito laicista de afastar a Igreja da instrução e educação da juventude.
→ Carta Encíclica do Papa Leão XIII, Rerum Novarum, 1891- critica severamente a sociedade liberal,
dizendo que não é possível um capitalismo desumano que explore o homem, as mulheres, as crianças
e que não reconheça condições de trabalho justas. Acrescenta ainda que isto atenta contra a
dignidade humana, contra os trabalhadores e as condições de trabalho.

O Estado não pode ficar de braços cruzados a contemplar esta degradação da dignidade humana. O Estado
tem a obrigação de proteger os mais fracos dos mais fortes.

A solução não está, contudo, nas conceções socialistas, não é abolindo a propriedade privada e fazendo
do Estado o único empregador, o dono de tudo, que se vai resolver o problema.

É nesta encíclica que reside, em síntese, a lei fundamental da doutrina social da Igreja Católica.

→ Carta Encíclica da Papa Pio XI, Quadragesimo Anno, 1931- Afirma-se que há uma antinomia entre o
capitalismo. Ser católico significa que não se pode ser socialista nem liberal. Sendo necessária uma
reforma do Estado, corrigindo-se o vício do individualismo, propõe-se a adoção do princípio da
subsidariedade- tudo aquilo que uma realidade social de âmbito inferior puder fazer não deve ser feito
por uma realidade de âmbito superior. Ex: tudo aquilo que os cidadãos possam por si fazer, não deve
ser o Estado a fazê-lo. Valoriza a pessoa em relação ao Estado; Ex: Aquilo que o Estado possa fazer,
não deve competir à UE fazê-lo. Mas tudo aquilo que não puder ser feito de forma tão eficaz pelos
inferiores, deve ser feito pelos superiores. Este princípio tem uma estrutura elástica de forma a
centralizar poderes.

O pensamento da Doutrina Social da Igreja anterior à II Guerra Mundial teve uma materialização em duas
constituições:

o Constituição Mexicana de 1917- revela o empenhamento do Estado na garantia da educação, das


condições justas de trabalho e de previdência social e ainda o desenvolvimento da função social da
propriedade;
o Constituição Alemã de 1919- Constituição de Weimar- afirma que o bem estar público integra a esfera
legislativa da federação e a organização económica deve realizar a justiça, com o intuito de “assegurar
a todos uma existência humana digna”.

A Reação Constitucional Antiliberal e a Desvalorização Totalitária da Pessoa


Humana

Constitucionalismo Anti-Liberal:

• Assenta numa visão totalitária do Estado e na desvalorização total da pessoa. O totalitarismo dilui o
indivíduo no Estado, numa hipervalorização do Estado- Omnipotência do Estado. O sujeito é
transformado em objeto.

10
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

• Inversão dos principais dogmas liberais. Rejeita-se a liberdade política, o parlamentarismo, a ideia de
um Estado mínimo, o individualismo. O Estado transforma-se numa máquina de terror aos cidadãos.

• Assenta em 5 preferências:

Coletivo face ao individual;

Autoridade face à liberdade;

Conceção elitista do poder face a uma conceção democrática;

Instinto, irracionalidade, sentimentos face à razão;

Violência face à tolerância, humanismo.

Antecedentes Ideológicos:

→ Pensamento de Mussolini- o 1º a falar em Estado total- “tudo no Estado, nada fora do Estado, nada
contra o Estado”.
→ Platão, Hobbes, Hegel e Nietzsche.

Platão- A República- Criação de um modelo em que existiam privilégios naturais. O Estado tem como missão
preservar a raça. O governo ideal é o dos homens, o governo de um ou de alguns que não devem estar
limitados pela lei. O Estado tem uma intervenção total. Ex: Definir quem casa com quem, definir a educação.
O Estado deve ter como missão aniquilar todos os que são inúteis para a sociedade (ex: deificientes)

Hobbes- Parte de uma visão muito pessimista sobre a natureza humana, encontrando no Estado a solução
para a paze o bem comum de uma coletividade que, vivendo no seu “estado de natureza”, se destruiria. Parte
também do princípio que temos direitos naturais. O homem cria o Estado e transfere-lhe parte da liberdade
em troca de segurança.

Hegel- Procede a uma divinização do Estado, o sh só se realiza como pessoa e só realiza a sua liberdade como
membro do Estado. O Estado tem interesses, razões, acima dos cidadãos.

Nietzsche- Inverte toda a ordem de valores judaico-cristãos. Elogia a crueldade, a possibilidade de se fazer o
mal para se obter o bem, a piedade é um sinal de fraqueza. É o autor que defende a extinção dos povos e das
raças inferiores. É o protagonista dos sentimentos anti-semitas.

Sentido Histórico do Totalitarismo:

✓ Instrumentaliza a tecnologia- o Estado totalitário é um Estado ao serviço da técnica e servindo-se da


técnica, para convencer, persuadir, manipular, recorrendo às “lavagens de cérebro” através do
ensinar a pensar e a reagir das pessoas;
✓ Inverte todos os valores ocidentais- o totalitarismo afasta o homem da centralidade histórica que o
pensamento cristão foi paulatinamente construindo.

Mensagem central- a luta pela dignificação do sh não é sempre um processo evolutivo de crescente
reconhecimento.

11
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

Reação ao Liberalismo na continuidade- aproveitando as instituições típicas do liberalismo, evoluiu para uma
vertente que complementa a dignidade humana:

1º Momento: Direitos Sociais. A dignidade humana exige bem estar, o que pressupõe uma intervenção do
Estado para esse fim. O cidadão tem o poder de exigir e o Estado tem o dever de prestar (criar escolas, redes
de saúde, hospitais, etc). São os direitos sociais que permitem passar de um Estado liberal para o Estado social
de Direito.

A ideia poílitico-social dos direitos sociais encontra-se na Grécia Antiga, em Kant, em Hegel, em Toqueville e
na Doutrina Social da Igreja.

Antes da 2ª Guerra há manifestações sociais:

→ Constituição Mexicana de 1917- 1ª expressão constitucional de um modelo de Estado dotado de


preocupações sociais;
→ Constituição Alemã de 1919;
→ Constituição Italiana de 1927;
→ Constituição Espanhola de 1931;
→ Constituição Portuguesa de 1933.

Cláusula Constitucional de Bem Estar Social- o bem estar é um elemento inerente à dignidade humana. Esta
exige bem estar, que não tem apenas a ver com as condições económicas ou sociais, mas também com
condições de habitação, redes de ensino, acesso à cultura e pressupõe uma dimensão imaterial e uma
dimensão intemporal, a preocupação do Estado não pode ser só com a geração presente, mas com as gerações
futuras- preocupações intergeracionais:

→ Ambiente;
→ Acesso aos recursos naturais, como por exemplo a caça, pesca, extração de minerais não pode ser
feita de forma a que a geração presente “devore” todos os recursos;
→ Recursos financeiros- a geração presente não pode banquetear-se no acesso a reformas, pensões,
subsídios, que comprometam a segurança social a médio ou longo prazo.

O bem estar social é assumido como uma responsabilidade do Estado- manifestação que vem da Doutrina
Social da Igreja em que o Estado não pode observar de braços cruzados à degradação do bem estar social.

Deve ser o Estado o primeiro responsável pela garantia do bem estar? Deve o bem estar estar inserido numa
economia de mercado?

Exemplo onde isto se materializa- problema de saber se o Estado deve participar nos contratos com escolas
privadas; Deve o Estado financiar a escolha por parte dos cidadãos de frequentar hospitais privados ou só deve
intervir quando os hospitais públicos não conseguem dar resposta?

Existem dois diferentes modelos jurídicos de configuração da responsabilidade do Estado na garantia do bem
estar:

o Um modelo mais próximo de conceções mais socializantes ou de esquerda, em que o Estado concorre
com a iniciativa económica privada, em condições de paridade ou até mesmo de preferência pública
em certos setores de atividade (ex: segurança social, sistema de ensino, etc), registando-se uma
responsabilidade primária do Estado na satisfação de tais necessidades públicas;

12
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

o Um modelo de origem mais liberal e próximo de orientações políticas de direita, onde o Estado
intervém no bem estar através de uma regra de subsidariedade: a sua intervenção apenas se faz nas
áreas que não são do interesse da iniciativa económica privada ou em que esta se mostra insuficiente
ou pouco eficiente na satisfação das necessidades coletivas.

Quais são as formas possíveis de concretizar este modelo de bem estar? 3 modelos:

❖ É imposto ao Estado a garantia do bem estar;


❖ A constituição escrita norte-americana nada diz sobre a matéria- remete para a liberdade do
legislador;
❖ Modelo misto- em alguns casos há uma imposição constituicional do bem estar e há outros casos onde
há liberdade do legislador- modelo típico de uma economia de mercado (modelo português).

Perante textos constitucionais programáticos, que pretendem implantar pela atuação dos poderes públicos
um modelo de bem estar, verifica-se a necessidade de a Administração Pública produzir bens e prestar serviços
aptos à satisfação das necessidades coletivas identificadas pela Constituiçãoou pela lei: a Administração é
também destinatária das imposições constitucionais e legais de bem estar.

Disto decorre que o sucesso ou o fracasso da cláusula constitucional de bem estar e do seu inerente programa
de transformação da sociedade e efetivação dos direitos sociais encontra-se depositado nas mãos da
Administração Pública. Assim, podemos afirmar que a Constituição estará hoje refém do poder administrativo.

A partir de 1945, quase todas as constituições manifestam estas preocupações com o bem estar social:

1ª Época:

❖ Constituição Francesa de 1946- define como dever da coletividade satisfazer o direito de qualquer
cidadão a obter os meios de subsitência apropriados quando se encontre incapaz de trabalhar;
❖ Constituição Italiana de 1947 (ou 1948);
❖ Constituição Alemã de 1949- Lei Fundamental de Bona;

2ª Época:

❖ Constituição Portuguesa de 1976;


❖ Constituição Espanhola de 1978;
❖ Constituição Brasileira de 1988.

3ª Época- Constitucionalismo dos anos 90- ruir do Muro de Berlim e transformação de todo o mundo soviético
com a transformação dos estados satélites em estados onde o bem estar é garantido

Fases de Evolução dos Direitos Sociais:

1ª- Até ao final dos anos 40- trabalho, segurança social, saúde, educação e a solução social da propriedade (a
propriedade não é apenas o que o seu titular tem para si, mas deve ser posta a render para o bem da
coletividade).

13
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

2ª- Anos 70 e 80- acrescenta novas preocupações: ambiente, património cultural/artístico, preocupação com
as gerações futuras.

3ª- Anos 90- expressão do progresso científico e tecnológico; três grandes preocupações pela 1ª vez: genética,
biomedicina e a informática.

Na sequência da 1ª guerra, surge a preocupação com as minorias das diversas nações que estavam nos outros
Estados e com a proteção dos trabalhadores.

Século XX- trouxe também a vertente da internacionalização dos direitos humanos. Dizem respeito a toda a
coletividade. É com a 2ª Guerra Mundial que se toma consciência da clara violação dos direitos humanos
(Rússia de Estaline), mas já antes havia a preocupação com a proteção humanitária dos combatentes
(convenção de genebra), com o tratamento dos prisioneiros e com os feridos de guerra. Foram criados 2
Tribunais: o de Nuremberga e o de Tóquio.

Importância da criação da ONU e da Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948- os direitos
humanos passaram a ser normas imperativas para todos os Estados (ius cogens); como consequência, gera-se
um direito constitucional comum/constitucionalismo transnacional. Passa a haver um mecanismo
internacional que obriga os Estados a respeitar as leis- mecanismo de garantia dos direitos fundamentais no
plano internacional.

Será que o século XX foi a idade dos direitos ou o século em que ocorreram as maiores violações dos direitos
fundamentais? AMBAS.

Principais paradoxos:

▪ Estados com grandes riquezas e grande desenvolvimento tecnólogico e ao mesmo tempo Estados com
grande pobreza e subdesenvolvimento tecnológico;
▪ Defesa dos direitos fundamentais globais, ao mesmo tempo que se banaliza a violência.

4 coordenadas do debate ideológico:

o Homem e Liberdade:

Existencialismo de Kierkegaard- homem individual e concreto. Encontra na multidão o mal e a mentira,


pois é uma mera abstração. O homem individual envolve uma liberdade ilimitada.

Unamuno- ponto de encontro entre os contributos de Kant e Hegel. O homem tem um valor absoluto. A
humanidade identifica-se com a personalidade.

Ortega y Gasset- procura superar o idealismo, rejeitando um realismo em que a existência das coisas seria
independente do sujeito que as pensa. Considera que os problemas humanos não são abstratos, adotando
uma perspetiva íntima do “eu”. Afirma que a vida é o que dela fazemos e, por isso, estamos sempre a
decidir o nosso ser futuro, cada instante e cada sítio abrem-nos diversos caminhos, registando-se que “a
vida é veloz e o homem não pode esperar”. A vida envolve uma mistura de liberdade e fatalidade.

Sartre e Heidegger- existencialismo ateu. Heidegger, defendendo que a densidade ontológica do homem
se encontra na sua relação com o ser, encara o homem como um ente existente entre outros entes que
existem, sendo na circunstância de ter acesso à revelação do ser e no estabelecimento da sua ligação com

14
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

o ser que o homem se autonomiza. Influenciado por Kant, afirma que a humanidade do homem reside no
ponto de encontro da sua própria dignidade. Sartre, por outro lado, defende que o existencialismo é uma
forma de humanismo, destacando a essencialidade da subjetividade humana no processo de busca da
verdade e na própria ação, tal como na descoberta dos outros. A liberdade surge como “fundamento de
todos os valores”. Não há dignidade humana sem liberdade, nem sem o reconhecimento de uma esfera
de subjetividade individual de afirmação de cada um perante si próprio e, reciprocamente, perante os
demais.

Maritain- existencialismo cristão. Abertura da existência do ser real do homem à transcendência divina,
como expressão de uma realização plena da sua humanidade em Deus. Defende o respeito pela dignidade
humana, enquanto realidade absoluta. Sociedade que, baseada na dignidade da pessoa humana, justiça,
liberdade e amor ao próximo, se edifica sob 4 alicerces: personalismo, comunitarismo, pluralismo e
cristianismo. Fundamenta os direitos humanos na lei natural. Afirma que cada pessoa tem o direito de
decidir por si própria tudo o respeitante ao seu destino pessoal e que o Estado deve apenas intervir
subsidiariamente.

Karl Jaspers- liberdade, relativismo e tolerância- devemos relativizar as certezas e ser tolerantes para com
os outros. O homem julga-se a si próprio, comportando sempre o risco de engano e nunca sendo
definitivo, mas mostra-se antes ambíguo, necessitando da intervenção jurídica dos outros.

Russel- liberdade como o maior dos bens políticos.

o Liberdade e Democracia:

Rawls- a democracia pressupõe o relativismo de visões do mundo. A democracia dá valor de igual forma à
vontade política de qualquer pessoa. Postula que existe uma pluralidade de doutrinas compreensivas
razoáveis, todas elas dotadas de racionalidade; a existência de tais doutrinas é hoje um traço permanente
da cultura das modernas sociedades democráticas; a diversidade destas doutrinas não se mostra adequada
a que uma delas se torne conceção política oficial de um regime constitucional.

Karl Popper- apesar de afirmar a necessidade de renunciar à certeza, defende que podemos sempre aspirar
à verdade científica, sendo que a melhor teoria expulsa as outras (pluralismo crítico) e é através da
discussão que se chega à verdade. Defende tolerância da sociedade aberta, mas afirma que não devemos
ser tolerantes para com quem é intolerante.

Habermas- democracia onde não interessa o conteúdo, mas o processo de obter a decisão- conceção
processual de democracia- a importância está na discussão de ideias, assente em 3 alicerces: racionalidade
da discussão, igualdade dos intervenientes, peso da maioria. Por aqui se chega a uma democracia sem
valores, sem relevância do conteúdo.

Zagrebelsky- italiano de ascensão polaca- este autor coloca a tónica da democracia na ideia de que tudo
na democracia se pode rever. Numa democracia não há decisões que não possam ser mudadas e por isso
o cerne da democracia está na reversibilidade. Tudo pode ser alterado porque a democracia é o regime
que não tem certezas absolutas e por isso tem uma natureza temporária.

Democracia Humana- introduzido pelo Papa João Paulo II. Assenta em 3 ideias: os direitos humanos são o
núcleo essencial da democracia; afirmação de que a pessoa é o fundamento, o limite e a razão de ser do
Poder, da democracia do direito, é a razão de ser das instituições políticas; a democracia só é verdadeira
se tiver um conteúdo de decisão comprometidas com esta ordem de valores ou seja, ao serviço da pessoa
humana.

15
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

Dilema da Democracia no Direito Internacional- a democracia é hoje uma condição ao desenvolvimento


dos direitos humanos. Será legítimo recorrer à força para impor num Estado a democracia? Nunca é
legitimo fazer a guerra para impor a democracia em nome dos direitos humanos porque a guerra incorre
numa violação direta desses direitos.

Cláusula Democrática da UE- um estado só pode ser membro da UE se respeitar os direitos humanos e tiver
um modelo democrático; um estado na UE que não respeite os direitos humanos ou que viole a cláusula
democrática não pode permanecer na UE.

o Justiça Social- Não há dignidade humana sem justiça social. Pressupõe a redistribuição da riqueza, os
que mais têm têm de contribuir para o bem estar dos que menos têm. Quais os alicerces? A Doutrina
Social da Igreja Cristã.

Perante desigualdade social e a pobreza existentes na sociedade, o que deve o Estado fazer? Envolve sempre
um dilema:

o A aplicação de um ideal igualitário, recorrendo a uma redistribuição de rendimentos, provocará


inevitavelmente um impacto negativo sobre a economia, uma vez que desincentiva a iniciativa
económica privada.
o Pelo contrário, a ausência de uma preocupação redistribuidora do rendimento faz com que haja
graves desníveis sociais e, consequentemente, um clima de tensão entre afortunados e excluídos.

Se pretendermos que o Estado assuma uma posição extrema na redistribuição da riqueza podemos chegar a
um estado de rutura. Se os impostos forem demasiado elevados, começamos a questionar-nos se devemos
continuar a trabalhar. Isto significa que num 2º momento, o rendimento começa a baixar, os impostos descem
e por isso, cada vez se distribui menos riqueza.

Mas, por outro lado, uma política em que os rendimentos não sejam distribuídos, em que a tributação tenda
a diminuir, tem como consequência uma incapacidade do Estado de satisfazer as necessidades dos que menos
têm- conflitualidade.

Como resolver a justiça social?

Rawls- defende o Estado-Providência; a igualdade tem de ser garantida não só à partida, mas também à
chegada (princípio de maximização das expectativas de bem estar dos menos favorecidos). Está na base do
pensamento social democrata.

Robert Nozick- vem defender, em oposto a Rawls, o Estado mínimo, base do pensamento republicano norte
americano. A importância da igualdade está nas oportunidades. A todos devem ser garantidas iguais
oportunidades, à partida. Depende da capacidade e do engenho de cada um chegar mais longe. Critica a teoria
de Rawls pois considera que a igualdade à chegada desincentiva o estímulo. Isto não pode esquecer a
solidariedade entre os indivíduos. Por vivermos em sociedade, não podemos esquecer que temos deveres
para com os outros.

16
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

o Crise do Estado Social (Cláusula de Bem Estar)- houve excessos do modelo de estado de bem estar,
passando para um modelo de estado de mau estar. Ocorreu um excessivo intervencionismo público
sobre a esfera da sociedade civil; observou-se um alargamento das tarefas materiais confiadas à
Administração Pública econsequentemente o crescimento da estrutura orgânica desta.

Para além disto, os custos financeiros vieram acabar com a ideia de que o Estado podia dar sempre mais. Ao
hiperintervencionismo do Estado, contrapôs-se um movimento de menor intervenção do Estado-
Neoliberalismo, “menor Estado, melhor Estado”.

Existe um dilema em como garantir a Constituição, pois esta liga-se à Cláusula de Bem Estar e as
dificuldades financeiras dificultam a garantia dessa cláusula.

Riscos do Século XXI:

▪ Fundamentalismo (Integralismo) Islâmico e Laico;


▪ Ideia da Liberdade sem limites- relativismo;
▪ Ideia de que se deve substituir a pessoa pelo indivíduo, que é um eu isolado. Isto é a preferência
do egoismo à solidariedade;
▪ Teorias Niilistas- Negam Deus, algo de definitivo e negam tudo o que não tenha a ver com a ciência
e com a técnica. É uma filosofia do nada, um prazer da destruição e nenhum compromisso pode
ser definitivo. Defendem também o recurso à violência para ressolver os problemas;
▪ Risco da existência de uma democracia sem valores, sem conteúdo axiológico.

Estado de Direitos Humanos


Alicerça-se na pessoa humana, na tradição dos valores judaico-critstãos (natureza sagrada da dignidade
humana, igualdade, liberdade e justiça como limite ao poder), no pensamento kantiano (a dignidade não tem
preço e cada pessoa é sempre um fim em si mesma) e nas conceções existencialistas (valorização do indivíduo,
da pessoa concreta, da subjetividade individual).

Assenta também numa tripla aceção da pessoa humana:

✓ Indivíduo- cada um de nós é uma realidade, uma identidade biológica própria. Cada um de nós
tem uma dimensão física e psíquica própria, e por isso somos únicos, não sendo possível a
clonagem humana reprodutiva. O nosso código genético integra o género humano. Dá a ideia de
uma igual dignidade. A individualidade é uma realidade inata e inalienável. Os direitos de cada um
de nós como indivíduos são limite e fundamento do poder. Há, por isso, direitos pessoais
universais (ex direito à vida, à liberdade) e sociais universais (ex o mínimo de existência condigna);
contributos de S. Tomás de Aquino, Hegel, Picco Della Mirandola e Heidegger.

✓ Membro da coletividade, sociedade- cada um de nós é, nas palavras de Aristóteles, um animal


social, existe e vive em sociedade. Levanta o conceito de nação- conceito cultural, espiritual, é
aquilo que une o conjunto de pessoas em termos de identidade cultural e corresponde a uma
expressão alemã “espírito do povo”, a ideia de que há um passado comum, uma língua comum,
uma religião comum, elementos que representam uma nação. Quando há uma consciência
nacional, surge o Estado. É possível que o mesmo Estado seja composto por uma pluralidade de
nações (ex: Espanha atual). A nação também tem uma projeção democrática, uma vontade, que

17
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

dá origem a produções constitucionais. O conceito de nação é temporalmente evolutivo. Outro


conceito é o de povo, que é o vínculo jurídico que une uma pessoa a um Estado. Enquanto a nação
é um conceito cultural, este é um conceito jurídico. A cidadania é um direito fundamental, com
consagração na Declaração Universal dos Direitos do Homem e também na Constituição
Portuguesa. A cidadania está ligada à participação na vida política;

Parte da humanidade- todos fazemos parte da grande família humana- carta das Nações Unidas. Valores da
igualdade, fraternidade, justiça, tolerância e da solidariedade. A humanidade é por isso um espaço de deveres
e de direitos. Cinco conceitos onde opera a humanidade:

✓ como património- espaços comuns internacionais- existência de bens que, atendendo à


sua importância, só podem estar confiados a todos os sh (ex: lua e outros corpos celestes);
✓ humanização dos conflitos armados- Direito Internacional Humanitário- respeitarem-se
regras no que respeita aos feridos e doentes, prisioneiros de guerra e proteção de pessoas
civis vítimas de guerras;
✓ assistência humanitária, por exemplo em casos de tragédia, de catástrofes naturais- ajuda
da Comunidade Internacional;
✓ conflito armado humanitário- intervenção armada da sociedade internacional para
garantir o respeito pelas regras mínimas dos direitos humanos;
✓ crimes contra a humanidade- condutas que pela sua violência chocam toda a humanidade
(homicídio, extermínio, redução à condição de escravo, deportação, violação, tortura,
escravatura sexual, etc). Humanidade como bem jurídico.

Estado de Direitos Humanos- forma de Estado de direitos fundamentais, núcleo do poder político é apostado
no respeito e na promoção dos direitos fundamentais. Não são todos os direitos fundamentais, mas aqueles
que dizem respeito à dignidade da pessoa humana.

Razões da preferência da designação Estado de Direitos Humanos, em detrimento de Estado de Direitos


Fundamentais:

1- Alargamento do conceito do que é direito fundamental- as últimas décadas levaram a realidades


que pouco têm de fundamental. Há um enfraquecimento do conceito de direito fundamental. Aos
direitos inerentes a toda a pessoa humana, juntaram-se direitos “fundamentais” de certas
categorias particulares de indivíduos (ex: direitos dos trabalhadores; direitos dos estudantes)- ex:
direito de antena dos partidos políticos;
2- Despersonalização e diluição da “fundamentalidade”- As pessoas coletivas também têm direitos
fundamentais, havendo uma diferença entre os direitos fundamentais das pessoas coletivas e das
pessoas individuais. Cada vez mais há uma certa criação de direitos fundamentais que não estão
ligados a uma identidade personalizada, dá-se uma despersonalização dos direitos fundamentais
(ex: direito ao ambiente). Acontece também que cada vez mais há novos direitos, que entram em
colisão com os direitos já existentes, a que é restringida a sua operatividade.
3- Nas últimas décadas, assiste-se à criação de direitos “fundamentais” contrários à dignidade
humana. Nota-se então uma total perda da noção da “fundamentalidade”. Ex: há quem defenda
que as pessoas têm direito a prostituir-se, como direito fundamental; Ex: na Holanda, defende-se
que a pedofilia é um direito fundamental; Ex: saber se o direito ao aborto é um direito
fundamental. A consagração legal ou mesmo constitucional de tais hipotéticos “direitos” nunca

18
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

se poderá ter como legítima ou válida: num Estado de direitos humanos não é a lei ou a
Constituição que surge como padrão de validade material dos direitos fundamentais, antes esse
referencial se encontra na própria natureza do sh;
4- O perigo da abertura constitucional- surge o perigo de existirem outros direitos fundamentais para
aqueles que estão presentes na Constituição, enfraquecendo aqueles que já existiam. Há o risco
de tudo poder merecer o qualificativo de direito fundamental, desde que corresponda à vontade
do Estado e tenha sido objeto de formalização nos termos orgânicos e procedimentais da
Constituição.

Os direitos fundamentais envolvem obrigações por parte do Estado:


 Defesa, garantia e respeito pelos direitos fundamentais- as entidades públicas não devem intervir ou
ingerir-se num espaço de liberdade próprio do indivíduo e de autonomia da sociedade civil, adotando
uma postura essencialmente abstencionista, exceto quando a intervenção se justificar para garantir a
segurança ou restabelecer as condições de exercício da liberdade;
 Prestação social- deve criar condições que satisfaçam certos direitos fundamentais;
 Proteção perante terceiros- o Estado deve garantir que cada um de nós deve ter os seus direitos
protegidos e as suas posições jurídicas subjetivas protegidas perante a atuação de terceiros (por ações
ou omissões), designadamente através de legislação, forças de segurança e de tribunais;
 Combate à descriminação- deve implementar a igualdade, em todos os parâmetros, promovendo uma
ação positiva de inserção social e de combate a preconceitos sociais.

Responsabilidade dos direitos:

▪ Cada direito implica uma pluralidade de deveres, nomeadamente o respeito pelos direitos dos outros;
▪ Todos os direitos têm sempre custos- todos os direitos, tenham ou não dimensão social, económica
ou cultural, têm sempre custos financeiros públicos. Podem distinguir-se 3 tipos de custos financeiros:
(i) Custos financeiros decorrentes das prestações de bens ou serviços inerentes aos direitos
sociais que integram a cláusula constitucional de bem estar;
(ii) Custos financeiros que os tradicionais direitos, liberdades e garantias envolvem: a
necessidade de existência de mecanismos públicos de proteção destes direitos e liberdades,
desde autoridades policiais até um aparelho judiciário eficiente, determina também
significativos custos financeiros públicos;
(iii) O incumprimento da tarefa fundamental da garantia dos direitos e deveres fundamentais ou
um cumprimento defeituoso da mesma, sendo fonte de prejuízos ou da violação de direitos
fundamentais, poderá servir de alicerce para uma ação judicial de responsabilidade civil
contra o Estado (ou demais entidades públicas), constituindo um outro possível custo
financeiro compensatório da atuação ou omissão pública em matéria de direitos
fundamentais.

Neste sentido, o Estado é também um “Estado fiscal”.

Os deveres fundamentais desempenham uma tripla função:

1ª- Representam a contra-face dos direitos fundamentais: a cada direito fundamental corresponde sempre
uma pluralidade de deveres;

19
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

2ª- Traduzem um pressuposto de exitência e funcionamento do próprio Estado: nenhuma comunidade política
pode sobreviver se os seus membros possuírem apenas direitos e não tiverem quaisquer deveres verticais
para com essa mesma comunidade;

3ª- Desvelam a horizontalização da dimensão social do sh, enquanto manifestação de uma ideia de
solidariedade fundada na dignidade humana que tem de existir em toda a sociedade.

Estamos então em condições de definir Estado de direitos humanos- modelo de sociedade política fundado
no respeito pela dignidade da pessoa humana, na garantia e defesa da cultura da vida e na vinculação
internacional à tutela dos direitos fundamentais, possuindo normas constitucionais dotadas de eficácia
reforçada, um poder político democrático e uma ordem jurídica axiologicamente justa.

Traços caracterizadores do Estado de Direitos Humanos:

❖ É um modelo de sociedade política fundado no respeito pela dignidade da pessoa humana- síntese de
várias conceções: contributo judaico-cristão, de Pico della Mirandola, de Kant e existencialista. O sh é
sempre um fim em si mesmo e nunca um instrumento. Cada sh é uma realidade única e irrepetível.
Não é o Estado que confere a dignidade a cada um de nós; somos nós, por sermos pessoas, que
impomos ao Estado a nossa dignidade. Todos temos a mesma dignidade. A dignidade é independente
da consciência e da compreensão; mesmo quem não tem consciência nem compreensão da dignidade,
têm-na. A dignidade humana é irrenunciável, não podemos dispor dela. Não há dignidade sem
liberdade, a primeira é consequência da segunda. A dignidade exige condições materiais dignas de
vida. Exige também um espaço próprio de cada um, imune à interferência de terceiros- reserva de
espaço familiar, pessoal. É necessária também um garante de segurança e um primado do ser sobre o
ter. Exige também um poder limitado pelo direito. A dignidade humana é, portanto, uma síntese da
ordem de valores e a base de todo o sistema de direito. A dignidade humana tem três vertentes:
→ Vertente vertical- dignidade de cada um de nós perante o Poder, fundamentando-o, limitando-o e, ao
mesmo tempo, servindo de critério teleológico de atuação, impondo ao Estado os deveres de respeito,
proteção e defesa da dignidade humana;
→ Vertente horizontal- dignidade de cada um perante a dignidade dos outros; envolve uma obrigação
geral e recíproca de respeito e consideração de cada um pelo outro e por todos os demais;
→ Vertente autorreferencial- a dignidade vincula-se a nós próprios, não podemos dispor da nossa
dignidade, degradando-nos em objeto, coisa ou instrumento nas mãos de terceiros.

A dignidade humana tem um vínculo universal: é o núcleo mais relevante do ius cogens.

A dignidade humana é um conceito metodológica e estruturalmente aberto ao desenvolvimento de de


melhores conhecimentos e à evolução interpretativa da realidade constitucional como fenómeno humano e
cultural.

Direitos e deveres inerentes à dignidade humana, uns são essenciais (direitos e deveres pessoais sociais e
políticos), outros são complementares.

❖ Comprometido na garantia e na defesa da cultura da vida- inviolabilidade de toda a vida humana,


antes ou depois do nascimento; desde que exista vida humana, não é possível violá-la arbitrariamente.
É a biomedicina que tem de dizer quando existe vida humana. Um estado que tenha pena de morte,
não constitui um Estado de Direitos Humanos. Uma cultura da vida fundada na dignidade da pessoa

20
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

humana pressupõe sempre um livre desenvolvimento da personalidade. Pressupõe também


solidariedade.

❖ Vinculação internacional à tutela dos direitos fundamentais- o Estado reconhece que há instâncias
internacionais que garantem os direitos fundamentais- subordinação à Declaração Universal dos
Direitos do Homem. A Declaração goza de uma imperatividade que é independente de qualquer
consentimento do Estado, não podendo dela se desvincular ou formular quaisquer tipo de reservas; o
direito internacional não só tem declarações de direitos, como tem tribunais internacionais que
asseguram esses mesmos direitos.

❖ As normas constitucionais têm uma eficácia reforçada- Eficácia reforçada sobre direitos fundamentais:
as normas dos direitos fundamentais gozam de aplicabilidade direta (dispensam a existência de lei
para produzirem efeitos reguladores das situações concretas factuais). A aplicabilidade direta das
normas constitucionais confere uma inerente competência de rejeição da aplicação de toda e
qualquer norma infraconstitucional que, violando tais normas constitucionais sobre direitos
fundamentais, se mostre ser ostensivamente inconstitucional. Todas as entidades públicas e privadas
estão vinculadas a respeitar as normas sobre direitos fundamentais.

Máxima efetividade interpretativa: interpretação mais generosa e outra mais restritiva; o intérprete deve
optar pela mais generosa; deve também optar pela solução interpretativa que melhor se compatibiliza com a
salvaguarda da eficácia do maior número de direitos fundamentais

Não é possível um retrocesso na garantia dos direitos fundamentais sem justa causa, não pode ser arbitrário;

❖ Alicerça-se no poder político democrático- a essência da democracia humana reside na circunstância


de a pessoa humana ser o seu fundamento e o seu limite. A essência da legitimidade democrática do
poder político reside no modo como esse poder é exercido e na substância material das suas decisões.
Uma democracia humana nunca legitima ou valida decisões contrárias à inviolabilidade da vida
humana ou atentatórias da dignidade humana. Apenas o poder político que se encontre ao serviço do
ser humano é legítimo.

A existência de um poder político democrático exige também um conjunto de pressupostos constitucionais


organizativos e funcionais que permitem identificar normativamente um Estado de direitos humanos:

◊ Pluralismo e tolerância política;


◊ Vinculação das autoridades públicas à prossecução do bem comum;
◊ Independência dos tribunais face ao poder político e aos demais poderes;
◊ Subordinação à juridicidade;
◊ Reversibilidade da autovinculação;
◊ Legitimidade política dos governantes titulares do poder e executivo fundada na vontade
popular;
◊ Responsabilidade dos governantes perante os governados ou os seus representantes
(responsabilidade política) e perante a lei e os tribunais (responsabilidade civil e criminal).

21
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

❖ Tem uma ordem jurídica axiologicamente justa- tem como fim último a justiça, a segurança e a
liberdade. Os tribunais são os últimos guardiães da justiça de um Estado de direitos humanos,
corrigindo, sancionando e reparando as injustiças.

A reunião destes 6 elementos dá um Estado de Direitos Humanos perfeito. A ausência dos dois primeiros, não
é um Estado de Direitos Humanos, os dois primeiros traços caracterizadores são absolutamente fundamentais
e imprescindíveis.

Desafios colocados aos Estado de Direitos Humanos:

a) Sobrevivência de regimes políticos totalitários que ameaçam o Estado de Direitos Humanos;


b) Desenvolvimento de uma “cultura de morte”, que faz o eclipse dos valores da vida. Ex: defesa da
eutanásia, do aborto;
c) Hipervalorização do princípio maioritário- ideia de que a maioria é critério de verdade, conduz a uma
divinização do poder maioritário;
d) Degeneração do progesso científico e tecnológico- ideia de que este progresso não está ao serviço do
homem;
e) Sociedade de vigilância total- ideia de que somos sempre culpados por algo (ver melhor págs. 640 e
ss.);
f) Perversão da sociedade de informação- globalização põe em causa a privacidade e, por outro lado,
põe em causa a possibilidade da manipulação da informação. Hoje quem tem poder é quem tem
informação;
g) Intolerância- é talvez o maior desafio; intolerância social (racismo e xenofobia), religiosa
(fundamentalismo), política (terrorismo).

22
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

2ª PARTE- PODER POLÍTICO

Poder: disponibilidade de meios para se alcançar certo ou certos fins. Tem a ver com uma definição unilateral
e imperativa. É uma imposição unilateral de uma conduta ou de uma fiscalização. O poder envolve o exercício
de uma autoridade e esta exige um dever de obediência. Envolve um fenómeno interligado- de um lado o
exercício de uma autoridade; do outro lado, a obediência a essa autoridade.

Não existe poder sem autoridade nem vice versa. Quando não há obediência, a autoridade fica enfraquecida
e o poder pode deixar de ser poder. O poder fica destruído quando é sistemática e reiteradamente
desobedecido.

Tipos de poderes, quanto ao modo:

 Poder Expresso ou Visível- aquele que se observa, que é transparente;


 Poder Oculto ou Invisível.

Pode acontecer que os protagonistas do poder expresso não passem de marionetas nas mãos dos que detêm
o poder oculto.

 Poder Formal- regulado pelo Direito, obedece a uma forma. É expresso pelos órgãos identificados
formalmente pela Constituição.
 Poder Informal- não está regulado pelo Direito, surge de modo factual, assente na prática, no uso, não
tem natureza jurídica. Traduz-se naquele que expressa o exercício de uma autoridade, mas que não é
resultado directo de uma Constituição.

A factualidade (poder de facto) pode ser a fonte por excelência de direito constitucional. Por exemplo, a
Revolução. Esta é a expressão de um poder de facto, informal, que não está regulado pelo Direito.

Tipos de poderes, quanto à natureza:

→ Poder político;
→ Poder económico (artigo 80º a) CC);
→ Poder religioso;
→ Poder informativo- a informação é hoje um dos grandes novos poderes, porque quem tem a
informação controla a decisão. Este poder é especialmente apetecível pelo poder político e pelo poder
económico;
→ Poder científico ou tecnológico;
→ Poder interprivados- ex: poder dos pais em matérias de educação relativamente à educação dos filhos
menores;

Política- Atividade humana que tem como objeto a conquista, a manutenção e o exercício do poder político.

Poder político- compete-lhe a definição das opções essenciais da coletividade. Quais são?

Questões:

1. Quais são os objetivos da vivência comum?

23
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

2. Quais são as soluções e os meios que concretizam esses mesmos objetivos?


3. Quem os define?

A questão de saber quem é o sujeito que define esses objetivos parte de uma particularidade: numa sociedade
organizada nem todos podem definir os objetivos, as soluções ou os meios. Que processo é que deve ser
adotado para se escolher quem define os objetivos?

Todos nós, cidadãos, deveríamos ser chamados a definir, mas o que acontece é que a escolha da solução A
implica uma não escolha de B ou C. Ora, o que acontece é que mesmo quem votou em B ou C, vai ter de aceitar
o A.

A vitória da maioria assenta paradoxalmente no respeito pela minoria, pois é na minoria que está a garantia
do funcionamento deste processo. Se a maioria não acatar, não tiver a esperança de amanhã vir a ser a
maioria, tudo isto pode ruir. A essência da democracia assenta no respeito e na expectativa da minoria.

O instrumento que define as “regras do jogo” é a Constituição. É o conjunto de normas políticas que regula o
poder político.

Problemas que o poder político tem colocado:

(i) A sua origem- há quatro grandes correntes:

Conceção teológica- todo o poder vem de Deus. Conceção divina. Para uns, o poder vem diretamente de Deus,
sem mediadores. Para outros, o poder vem diretamente de Deus, mas é mediado pelo Papa (conceção
medieval). Há também a conceção diabólica, que defende que todo o poder vem do Diabo.

O poder vem do povo- enquanto coletividade (soberania popular), para outros enquanto realidade abstrata e
cultural, que liga as gerações do passado às do presente (soberania nacional).

O poder vem de Deus, mas por mediação do povo. Dois reis foram a expressão deste entendimento: D. João I
e D. João IV.

Conceções sociológicas- o poder vem das sociedades.

(ii) Os seus fins- os fins não se podem identificar com os interesses dos titulares do poder. Por isso,
os fins resumem-se no “bem comum”- 2 conceções:

Assente numa expressão personalista- a pessoa humana é a razão de ser do bem comum;

Conceção transpersonalista- mais importante que a pessoa, é o Estado, onde a pessoa se personaliza.

(iii) A sua limitação- diferentes pontos de vista:

Conceções Anarquistas- O poder político nunca se pode limitar, e por isso deve-se aboli-lo, abolir o estado;

Conflito entre Direito e factos- o direito quer sempre disciplinar, condicionar os factos, regulá-los, mas o que
muitas vezes acontece é que os factos não se deixam regular pelo Direito, ganham juridicidade. Isto produz 2
fenómenos:

- Normas jurídicas escritas podem perder efetividade;

24
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

- Normas jurídicas escritas substituídas por normas não escritas, de factualidade.

Aristóteles vs Platão.

Estado de Direito- estado limitado pelo direito. Dividido em dois tipos:

✓ Estado de Direito formal- Em que o poder faz as normas e se lhes submete. O poder é limitado pelo
próprio poder. A lei é feita e vigora à semelhança da vontade do poder. Todos os autoritarismos e
totalitarismos se encontram neste caso.;
✓ Estado de Direito material- O estado não está apenas limitado ao direito que ele próprio cria, mas
também ao direito emanado por entidades superiores ao Estado, que limita o Estado. O poder está
limitado por regras, valores e leis que não se encontram integradas no próprio poder. O poder não
pode modificar as orientações que lhe são externas.

(iv) A legitimidade dos titulares do poder político- o que torna um poder legítimo?
o O título- por aquele que o conquistou, de forma válida;
o Modo como é exercido.

Pode estar aliada ao carisma de quem exerce o poder (poder carismático), pode ser um poder de base
tradicional (é legítimo porque corresponde a uma tradição, ex: monarquia) ou ser legítimo porque é racional-
se obedece à lei, à Constituição.

Como se regula o poder político?

A regulação pode ser feita através de normas escritas ou de normas não escritas.

Há formas jurídicas de regular o Poder, mas também há formas não jurídicas que regulam o Poder (ex: normas
de natureza moral e ética; normas de trato social).

O poder político, tanto pode ser regulado pela juridicidade, como por factos. É o exemplo de, até ao ano atrás,
nenhum candidato a primeiro ministro, que nunca tivesse ganhado as eleições parlamentares, poderia ser
primeiro ministro. Este ano isso aconteceu, criando um precedente.

Normatividade oficial- normas jurídicas publicadas no Diário da República.

Normatividade não oficial- normas não escritas.

Estas duas podem conviver, a não oficial pode ir para além da normatividade oficial, prolonga-a,
acrescentando soluções.

Pode acontecer que a normatividade não oficial não se limite a ir para além da oficial, mas vai contra esta.
Então, as normas não oficiais que contrariam a normatividade oficial, serão normas inválidas ou válidas? Serão
válidas, com a função de substituir, de modificar as normas escritas, mesmo ao nível da Constituição. Tornam
inaplicáveis as normas oficiais ou escritas. Ou seja, há um direito constitucional oficial, mas também há um
direito constitucional não oficial.

25
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

Modelos de Poder Político:

◊ Poder político que tem expressão na comunidade internacional- tem hoje uma instituição, a ONU;
◊ Formas de poder político de forma supranacional- UE;
◊ Poder político que tem expressão por excelência no Estado.

3 acessões de Estado:

- Estado soberano;

- Estado coletividade;

- Estado de pessoa coletiva de direito público.

Evolução dos Modelos de Estado

Liberalismo- é com a revolução francesa de 1789 e com as revoluções liberais que se estabelecem os grandes
parâmetros da modernidade constitucional.

▪ Ideia de uma constituição em sentido formal;


▪ Importância da separação de poderes, limitação do poder e garantia os direitos fundamentais;
▪ Princípio da igualdade perante a lei.

Quatro períodos de Estado:

Pré-liberal- anterior à revolução francesa e às revoluções liberais.

Historicamente mais antigo, o que mais tempo ocupou. Podemos encontrar dois subperíodos:

1. Modelos pré-liberais anteriores ao Estado europeu moderno, ao pensamento de Jean Bodin. 4


modelos de estado:
- Estado Oriental- vai do 3º ao 1º milénio a.C.. Ampla dimensão territorial; poder político centralizado,
confundido com o poder religioso; poder estatal de forte intervencionismo; poder com ausência da
noção de direitos dos cidadãos (conceito que nem exisitia).
- Estado Grego- vai do séc. VI ao III a.C.. Estado de reduzida dimensão territorial (cidades-estado). É
onde está a pátria das principais ideias do Direito Constitucional (ideias de democracia, igualdade,
liberdade, etc).
- Estado Romano– vai do séc. II a.C. a IV d.C.. Começa por ser um Estado de reduzida dimensão
territorial e depois torna-se um Império. É aqui que está o modelo mais perfeito de organização
política central uno com delegados ou representantes a todos os níveis e local, génese da figura dos
municípios. É onde está a distinção entre direito civil e direito militar; direito público e privado. Onde
surge a ordem axiológica judaico-cristã.
- Estado medieval ou corporativo- vai do séc. V ao XIV. Dúvida de se haverá mesmo Estado. Há uma
fragmentação do poder político ou feudalismo político, dividido entre o Rei, a Igreja e o Município. Há
quatro desmembramentos do poder. Há uma tensão permanente, o Rei quer fazer imperar a sua
vontade, por isso passa a haver uma aliança estratégica entre o Rei e o Município (burguesia). É um
modelo de conflitualidade permanente, provocada pela dispersão do poder. O Estado está dividido
em classes: Rei, nobreza, clero, burguesia e também a sociedade está dividida em grupos segundo as

26
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

suas profissões (corporações). A soberania é a grande aliada do Rei, neutralizando o poder da nobreza,
do clero e depois dos municípios e, mais tarde, liberta o Rei do poder do Papa.

2. Modelos pré-liberais posteriores ao Estado europeu moderno:


- Estado Renascentista ou Barroco- corresponde ao séc. XV até ao XVII. Caracteriza-se por ser o Estado
da expansão ultramarina, tendo consigo um reforço da complexidade organizativa do Estado; uma
intervenção económica com expressão no mercantilismo e no protecionismo (o Estado procura ou
garantir o monopólio de certas atividades, ou tem uma intervenção sobre a iniciativa económica
privada); conceção jurisdicional do poder, ou seja, tudo tem a ver com a justiça; é um alargar do
conceito de justiça de Santo Agostinho.

- Estado Iluminista ou Absolutista- séc. XVIII a XIX. Caracteriza-se pela centralização completa do poder
político nas mãos do Rei; a centralização do poder no Rei confere-lhe uma superioridade e um poder
ilimitado; forte intervencionismo do Estado (é um Estado de polícia, não só dirige como fiscaliza
exaustivamente a vida dos cidadãos).

Liberal- cinco inovações:

→ Separação de Poderes;
→ Supremacia da Lei- por duas vias: via de Rousseau, da lei como expressão da vontade geral; via de
Montesquieu, da lei como expressão da vontade do Parlamento com a intervenção do Rei;
→ Igualdade de todos perante a lei;
→ Importância da proteção dos direitos fundamentais;
→ Abstencionismo do Estado.

O Estado Liberal surge entre dois conflitos políticos: entre a legitimidade tradicional (os que preferiam um
modelo anterior à revolução liberal) e o liberalismo; entre, dentro dos liberais, os que apostavam na
importância do Rei e do princípio monárquico (legitimidade monárquica) e os que apontavam num sentido
democrático parlamentar.

Questões suscitadas pelo Liberalismo:

A exportação do modelo revolucionário- faz com que o liberalismo seja aplicado noutros países da Europa à
força (invasões francesas);

Durante este período liberal surge o primeiro fenómeno de descolonização- territórios ultramarinos europeus
ganham independência;

Princípio das nacionalidades- a cada nação (dimensão cultural- língua comum) deve corresponder um Estado.
Está na base da formação política da Itália e da Alemanha.

O liberalismo político sofre os efeitos de uma visão de desrespeito pelos direitos dos cidadãos– combatido
pelas conceções socialistas e pela Doutrina Social da Igreja.

Anti-liberal- síntese de conceções anti-liberais. Nega a separação de poderes, a importância do parlamento


como instituição central, é anti-individualista, nega também a relevância dos direitos fundamentais. Tem
quatro principais manifestações históricas:

27
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

- Corresponde ao Estado soviético;

- Manifesta-se no Estado fascista;

- Corresponde ao modelo nazi- diferencia-o uma conceção de hegemonia racial, com o afastar ou destruir de
todos os que não cooperavam para esta hegemonia e uma vocação bélica, de expansão, ainda que cumprindo
a legalidade formal, pois o parlamento alemão antes de ser destruído ainda teve tempo de votar uma lei de
plenos poderes para o líder;

- Manifesta-se também no modelo de Estado chinês- é o Estado mais recente, surge na revolução de 1949. É
um modelo de comunismo com a influência do pensamento maoísta e com a adaptação do modelo para
politicamente continuar fiel ao partido único, mas para abrir economicamente para o capitalismo.

Pós-liberal- há um primeiro modelo que é o Estado social, que nasce com a constituição mexicana e é
aprofundado na constituição alemã. Estado herdeiro do estado liberal. Importância do intervencionismo na
garantia dos direitos fundamentais, assegurados por um Estado de bem estar.

O estado pós social promove as privatizações, que vive a crise financeira, que determinou a redução do estado
e da vertente prestacional do estado. É um estado que também vive hoje a crise da democracia, a abstenção.

A constituição continua num sentido de Estado social.

Estado Presente, do momento atual (parágrafo 16 do programa):

Fragmentação do Estado- o Estado é hoje uma realidade fragmentada, por 4 ordens de razões:

❖ Internacionalização de matérias- à luz da carta das nações unidas (artigo 2 nº7), fala-se no domínio
reservado dos Estados- matérias não passíveis da intervenção das Nações Unidas. Ocorreu uma
redução deste domínio reservado, ou seja, as matérias que antes eram do domínio dos estados,
passaram a ser matérias da esfera internacional. Ex: direitos humanos. Outro exemplo da erosão do
domínios dos estados é a questão de o que compõe o território de um Estado. As NU, nos anos 50,
qualificaram um território como sendo da administração do Estado; não era assunto constitucional do
Estado, mas matéria internacional. Outro exemplo é o dos crimes contra a humanidade: quando um
país comete genocídio, esse assunto pertence à esfera internacional e não interna do país.

Soberania partilhada- há espaços territoriais que não são de pertença a apenas um país. Por exemplo, a ZEE.
Relativizou-se o princípio da intangibilidade do território.

❖ Globalização- mostra a impotência do Estado. Este não é hoje capaz, só por si, isolado, de dar resposta
a estes múltiplos problemas, como, por exemplo, a crise financeira, a crise económica mundial, o
combate ao tráfico de drogas, de armas, às epidemias, ao controlo da internet.
❖ Integração supranacional- há estados que, em termos regionais, se inserem dentro de culturas que
têm uma supremacia entre outros Estados (União Europeia). Três realidades dentro da UE:

A União Europeia promove 3 tipos diferentes de situações:

- Deslocações de matérias que apenas eram decididas pelos Estados e passam a ser decididas no âmbito
da União – fenómeno expropriativo das matérias reservadas dos Estados – art. 164.º n.º 1 da CRP -.

28
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

- Consequências sobre o direito ordinário e sobre o direito constitucional dos Estados. A reserva absoluta
já não é verdadeiramente absoluta.

- Processo de co-administração, sendo aqueles que tanto fazem parte da administração pública nacional,
como são órgãos da administração comunitária. Os juízes nacionais também aplicam o direito
comunitário: duplicação funcional do Direito.

❖ Novos Agentes Internacionais- novos porque são uma realidade dos últimos 10 anos, porque não têm
sido tratados nos termos doutrinais. São entidades privadas que têm um campo de atuação no campo
internacional, que escapam ao domínio dos Estados. Um exemplo são as ONG, que têm um espaço de
intervenção, por exemplo, na área do desporto (FIFA e UEFA). Outro exemplo é a Internet, uma
entidade privada que pode condicionar a designação de cada Estado. Também as agências de rating
condicionam os termos em que um Estado tem acesso a financiamento internacional.

Há ainda um quinto fenómeno, de natureza interna:

❖ Neofeudalização interna- hoje o Estado concorre com entidades públicas infraestaduais que
reivindicam mais poderes, mais meios financeiros do Estado, contribuindo para o enfraquecimento,
para a fragmentação interna do Estado. Por exemplo, as regiões autónomas, universidades públicas,
autarquias locais, associações públicas.
- Tentativa de assalto ou Captura do Estado por grupos de interesse- em matéria económica, religiosa,
social, que procuram captar o Estado, influenciar a decisão do Poder.
- Colonização partidária do Estado- o Estado, por vezes, torna-se uma colónia dos partidos políticos.
Estes captam o Estado através de nomeações de base partidária.

Elementos do Estado

Devemos diferenciar os elementos materiais dos formais.

Materiais:

 Povo- integra o povo todo aquele que tem um vínculo jurídico com o Estado. Este vínculo designa-se
nas pessoas singulares (cidadania) e nas pessoas coletivas (nacionalidade). Lei nº37/81 de 3 de
outubro- lei da nacionalidade (na última versão, que resulta da lei orgânica nº 9/2015 de 29 julho).

Povo é diferente de população. Povo é um conceito jurídico, pressupõe um vínculo de cidadania a um Estado.
População é um conceito de natureza quantitativa, integra todos os que residem nesse Estado.

Um português que seja residente em França, é português mas não faz parte da população portuguesa, e sim
da francesa.

Direito fundamental, à cidadania. Cidadãos originários- todos aqueles que adquiriram o vínculo de cidadania
através do nascimento ou facto equiparado ao nascimento. Os que adquiriram o vínculo através, por exemplo,
do casamento, ou de naturalização, são não originários.

A cidadania permite diferenciar entre cidadãos ativos, os eleitores; e os não ativos, o que ainda não têm
capacidade de participação política.

29
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

À luz da Constituição, podemos identificar o princípio de equiparação entre portugueses, estrangeiros e


apátridas (artigo 15º nº1 CRP). Contudo, há também direitos que são exclusivos dos cidadãos portugueses
(artigo 15º nº3 CRP).

Duas situações a reter: há situações apenas reservadas a portugueses. Noutros casos, é possível a cidadãos
dos países de língua portuguesa, mas apenas com uma condição de reciprocidade- estes têm acesso em
Portugal, desde que nós, portugueses, tenhamos também acesso no seu país.

Povo e Pátria:

Pátria- relação de afetividade de alguém com um território. É um conceito emotivo e não jurídico. Alguém cria
uma ligação a um território e faz deste a sua pátria, ainda que não tenha nascido lá.

Critérios para designar se alguém é cidadão de um Estado:

→ Da filiação- é cidadão do Estado se os pais são cidadãos desse Estado (critério dos Estados mais
antigos);
→ Do nascimento- é cidadão do Estado se nasceu nessse Estado (critério dos Estados mais recentes).

Princípios:

▪ Compete a cada Estado definir quem são os seus nacionais;


▪ Em Portugal, a cidadania só se perde por um ato de vontade, ninguém pode perder a cidadania
como um ato de sanção;
▪ A naturalização de um cidadão noutro Estado, não deixa de ser considerado português. A
aquisição de uma nova cidadania não anula a portuguesa;
▪ A perda da cidadania portuguesa nunca é irreversível.

Pluricidadania- quando alguém tem mais que uma cidadania. Conflito positivo de cidadanias. Como se resolve?
Artigos 27º e 28º da Lei da Nacionalidade. Dois cenários:

- Há pluricidadania, sendo uma delas a portuguesa- em Portugal, só pode ser tratado como português;

- Há pluricidadania, mas nenhuma é portuguesa- em Portugal, se tem várias cidadanias, mas tem residência
num desses estados (ex: tem cidadania espanhola, italiana e francesa mas reside em Espanha), em Portugal
deve ser tratado de acordo com a cidadania do Estado em que reside. Mas, no caso de ter pluricidadania e
não residir em nenhum desses Estados, deve ser tratado de acordo com a cidadania do Estado com o qual tem
a vinculação mais estreita (por exemplo, o Estado em que nasceu).

Artigo 14º CRP diz-nos como os Portugueses que residem no estrangeiro devem ser tratados- os emigrantes.
Estes, em princípio, têm os mesmos direitos e deveres dos portugueses, salvo aqueles que não sejam
compatíveis com a sua presença no território nacional.

 Território- elemento essencial para o exercício da autoridade do Estado. É uma área especial para se
garantir e efetivar os direitos das pessoas. É o território que é limite à autoridade do poder. Um Estado
pode exercer autoridade fora do seu território, através das situações de extraterritorialidade (quando
há áreas fora do território do Estado em que este goza de autoridade, como as embaixadas e os
consulados do respetivo Estado). O território de um Estado serve para fixar fronteiras.

30
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

O território do Estado não é apenas composto pela componente terrestre, é também pelo domínio
marítimo e o aéreo.

Componente marítima- abrange várias figuras:

- Mar Territorial- território pleno e soberano do Estado;


- Zona Económica Exclusiva (ZEE)- apenas respeitante à espessura das águas, não tem poderes soberanos mas
tem poderes de inspeção;
- Plataforma Continental- continuidade geomorfológica do território terrestre. Parte do solo e do subsolo que
está coberta de água, com a particularidade de que a primeira parte está sob a jurisdição do estado costeiro,
relativamente à exploração dos recursos naturais presentes no solo e subsolo. Há limites máximos à
plataforma continental- há um momento em que cessa a esfera de jurisdição do Estado costeiro.
O espaço que fica “no meio” corresponde aos designados fundos marinhos internacionais, que são
propriedade de toda a humanidade. Este espaço, na Convenção de 1982, chama-se Área.
O Estado não tem sempre a mesma intensidade nos poderes que exerce em determinados territórios.
Relevância das Ilhas- em cada Ilha também se conta a existência de um mar territorial, de uma zona contígua,
de uma ZEE e de uma plataforma continental.

Há por vezes as Zonas Tampão- zonas territoriais de neutralidade de soberania. Ex: zonas que separam a Coreia
do Norte da Coreia do Sul. São zonas que não são de ninguém, onde não existe soberania. Normalmente são
zonas de tensão entre os países dessa fronteira.

O território do Estado pode estar sujeito a regras de direito público ou a regras de direito privado. Se o
território está sujeito a regras de direito público, então esse território pertence ao domínio público; se, pelo
contrário, está sujeito a regras de direito privado, integra-se no domínio privado.

 Poder político- todo o poder político num território está ligado ao Estado, mas o Estado não esgota o
poder político. O poder político do Estado tem expressão jurídica na Constituição e está sempre
subordinado ao Direito- Estados de Direito. Se o direito que está em causa é criado pelo Estado,
designa-se Estado de Direito Formal. Se o direito não depende do Estado e é superior à vontade do
Estado, designa-se Estado de Direito Material. O poder político pode permitir a distinção entre
titularidade do poder (povo) e exercício do poder (representantes do povo). O poder político é um
poder dotado de soberania, mas a soberania do poder político hoje é muito diferente da existente há
50 anos atrás: hoje temos uma soberania internacionalizada e europeizada.

O poder político tem duas formas diferentes de expressão jurídica:

- Poder constituinte- poder de fazer e modificar normas constitucionais;

- Poderes constituídos- poderes políticos existentes no quadro da Constituição.

O poder político pode ser descentralizado- não há apenas um centro que expressa a vontade do Estado, mas
há antes vários centros que expressam a vontade política. As regiões autónomas são exemplos da
descentralização político-administrativa.

Não há Estado onde não se verifique, simultaneamente, estes três elementos.

31
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

Elementos Formais:

❖ Designação do Estado- cada estado tem um nome próprio. 2 ideias:


- Não repetibilidade- não pode haver 2 Estados com a mesma designação
- Na designação do Estado podem existir elementos do seu regime. Ex: República Federativa do Brasil.
A designação de um Estado pode mudar. Ex: o antigo Zaire é hoje a República Democrática do Congo.

❖ Reconhecimento do Estado- Este elemento prende-se com a ideia de que o Estado só é Estado se for
reconhecido internacionalmente.

Natureza do reconhecimento

i. Constitutiva – Sempre que é elemento necessário para que o estado seja reconhecimento
internacionalmente (fragmentação da URSS).

ii. Declarativa – Significando que o Estado já é Estado e portanto deve ser aceite, independentemente do seu
reconhecimento (Século XIX).

❖ Símbolos nacionais- Bandeira e Hino.


- Não repetibilidade.

Formas de Estado:

Forma de Estado é o modo do Estado dispor o seu poder em face de outros poderes de igual natureza e quanto
ao povo e ao território. Representa a relação entre a comunidade, o poder político e o território.

Modelos de Estado:

→ Estado Unitário ou Simples- Quando existe unidade de centros de decisão política. Pode ser um Estado
centralizado ou descentralizado: é centralizado se só existir uma entidade pública; é descentralizado
se existirem duas ou mais entidades públicas, para além do Estado. A descentralização pode ter a ver
com a função administrativa ou com a função legislativa (descentralização político-administrativa),
dando esta última origem a regiões autónomas, mas não a Estados federados.

→ Estado Composto ou Complexo- Quando o poder político está distribuído, descentralizado. É aquele
Estado que é composto por outros Estados. Pode ter 2 configurações:
- Federação- criam-se sempre órgãos novos. Nem sempre tem uma forma monárquica. Distingue-se
da confederação: a federação é a designação idêntica à de Estado Federal- assenta na dicotomia entre
Estado Federal- o que tem soberania num plano externo e Estados Federados- o que tem soberania,
não num plano externo, mas num plano interno. Já na confederação, os membros (estados
confederados) não perdem a totalidade da soberania externa. Não é a titular do monopólio da
soberania externa.
Pode haver falsas desginações- ex: a Suiça é uma federação, mas designa-se por Confederação
Elvética;
- União Real- aproveitam-se órgãos já existentes nos estados-membros. Tem sempre uma forma
monárquica. Diferencia-se da União Pessoal: na união pessoal (que não é um Estado Composto), os
Estados mantêm a sua independência, apenas ocorre que o Rei é o mesmo (o mesmo Rei é chefe de

32
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

Estado de dois Estados diferentes), é o exemplo de Portugal, entre 1580 e 1640- o mesmo Rei, em
duas coroas diferentes.
Na União Real, há um novo Estado. São dois ou mais Estados que se juntam para criar um novo Estado-
ex: Reino Unido; Portugal no Brasil, entre 1815 e 1822.

→ Confederação- mantém a soberania na ordem internacional;


→ Federação- a ordem internacional perde a soberania.

Teoria dos Poderes Implícitos- Se a constituição federal atribui à união determinados fins, também atribui os
meios para esses fins.

Existência de uma constituição federal permite definir a competência, é a garantia da autonomia dos estados
federados, pois é na constituição federal que está a regra primeira de repartição da competência, entre a
união e os estados federados.

A constituição americana consagra a igualdade entre os estados federados; todos os estados norteamericanos
têm o mesmo número de representantes no senado.

O congresso americano é composto por duas partes: as câmaras dos representantes (a intervenção do senado
é proporcional aos habitantes) e o senado.

Há casos de federalismo imperfeito- as forças da união têm mais peso que os estados. Ex: federação brasileira.

Dualidade de Soberanias- no plano externo, só há um estado soberano, o federal. Os estados federados têm
soberania no plano interno: cada estado federado tem poder constituinte, têm a sua própria constituição.

Proeminência Federal- por 4 ordens de razões:

- É a constituição federal que fixa os princípios a que devem obedecer as constituições dos estados federados;

- Compete ao órgão jurisdicional supremo definir o que é constitucional ou não;

- As relações externas, a segurança e a defesa estão nas mãos do estado federal;

- A prevalência do direito federal, não só à luz da competência, mas também a prevalência do órgão executivo
da federação (presidente dos Estados Unidos).

A particularidade do sistema eleitoral americano é que é um sistema eleitoral maioritário. Quem ganhar as
eleições leva a totalidade dos representantes.

Há quem defenda que o estado unitário, há o estado regional- aquele que é composto por regiões autónomas:

➢ O estado é integralmente composto por regiões autónomas- Itália, Espanha;


➢ O estado é parcialmente composto por regiões autónomas- Portugal.

O estado regional fica a meio caminho do estado unitário, porque há uma descentralização político-
administrativa, que confere um estatuto especial às regiões autónomas. Não se pode falar em estado regional
quando o estado só é parcialmente constituido por regiões autónomas.

As RA diferenciam-se dos estados federados porque estes têm soberania no plano interno e as RA não têm,
não têm uma constituição própria.

33
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

Há RA que têm mais poder que certos estados federados. Ex: em Espanha- as comunidades autónomas
espanholas têm mais poder que o estado federado do Brasil; as nossas próprias RA em matéria de convenções
internacionais têm mais poder de intervenção que certos estados federados.

Regiões administrativas e Regiões autónomas:

◊ As RA existem e as R.ADM podem vir a existir;


◊ As RA têm poderes legislativos, as R.ADM, se forem criadas, têm apenas poderes administrativos
(autarquias locais)

Tipos internacionais de Estado:

(i) Estado Soberano- hoje temos uma soberania relativizada, internacionalizada e, em alguns casos,
europeizada. O Estado Soberano tem personalidade internacional, tem competência internacional
em termos de direito de legação (direito de receber e enviar representantes diplomáticos), de
celebrar acordos internacionais, de estar representado na ONU e de fazer a guerra;
(ii) Estado Não Soberano- não tem soberania no plano internacional; estados federados;
(iii) Estado Semi Soberano- estado vassalo (Andorra em relação a Espanha e França), estado protegido
(durante muitos anos, o caso de Marrocos em relação a Espanha e França; pode haver também
na sequência de, estados confederados, estado exíguo (Mónaco, Vaticano- pela sua reduzida
dimensão), estado neutralizado (que não tem poderio militar)
(iv) Falsos Estados- situações em que há a designação de Estado, mas não são Estados. Podem
esconder uma realidade do tipo colonial; exemplo- estado islâmico.

Fins, Funções e Poderes do Estado:

Fins- os fins do Estado são as necessidades fundamentais da vida política, que justificam a existência do Estado-
3 fins:

◊ Segurança- uma das principais razões que leva à existência de Estado (Hobbes). Pressupõe paz no
plano interno e externo, que deve ser garantida pelo Estado; estabilidade, continuidade da ordem
jurídica; pressupõe um princípio de não retroatividade sempre que a lei é lesiva para os cidadãos;
proteção da confiança- previsibilidade da confiança, não frustração das expectativas.
◊ Justiça- a razão de ser do próprio Estado. Pressupõe que a segurança esteja garantida; está
intimamente ligada à igualdade- pressupõe que a lei seja igual para todos e que se dê a cada um
consoante as suas necessidades (proporcionalidade). A justiça não é apenas formal, tem de ser
também material. Importância da justiça como fim da atuação do poder no pensamento de Santo
Agostinho; coloca o problema do dever de obediência perante leis injustas.
◊ Bem estar- não apenas material, mas também espiritual ou imaterial, que tem também uma dimensão
intemporal. O estado não pode ser indiferente às necessidades das pessoas. O Estado tem de
promover a satisfação das necessidades coletivas e um mínimo de existência. O bem estar não deixa
de poder de estar articulado com o princípio da subsidariedade- o estado só deve intervir quando a
cidadania não disponibilizar dos meios necessários para garantir o bem estar. Legitimação pelo êxito-
a legitimidade dos governos está em dar resposta às necessidades coletivas. Se um governo não
garantir o bem estar, pode vir a ser destituído.

34
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

Funções- atividade que o Estado empreende para prosseguir os fins do próprio estado (segurança, justiça
e bem estar):

Nem todas as funções do Estado se esgotam na prática de atos jurídicos, nem toda a atuação do Estado
se consubstancia em atuações jurídicas.

 Funções Jurídicas- Destinam-se à criação e aplicação do direito e traduzem-se em actos jurídicos:


Função constituinte- atividade que tem a ver com a definição jurídica das linhas estruturais do estado.
Feitura da constituição.
Função constituída- têm natureza jurídica e têm fundamento na constituição. São elas a função
legislativa, a administrativa e a jurisdicional.
- função legislativa – tem a ver com a feitura das leis e consubstancia as opções jurídicas que devem
ser oferecidas de forma imediata pela função administrativa e jurisdicional. São opções jurídicas, de
fundamento político.
- função jurisdicional – resolução de litígios entre privados, ou entre privados e entidades públicas,
ou entre entidades públicas
- função administrativa – tudo aquilo que é função constituída que não substancia na feitura de leis
nem na atividade dos tribunais. Tem caráter residual- tudo aquilo que não é lei e que não é atividade
dos tribunais e tem natureza jurídica, só pode ser função administrativa.

 Funções Não Jurídicas- aquelas que se substanciam em práticas que não envolvem atos jurídicos.
Função técnica- produção de bens, prestação de serviços, onde há utilização de um saber técnico.
Função Política- escolhas políticas, prosecução dos interesses.

No desenvolvimento das funções jurídicas, tal como no desenvolvimento das funções não jurídicas, há
comunicabilidade. Nas funções jurídicas também há opções de natureza política e técnica (exemplo- devemos
construir hospitais ou estádios de futebol é uma questão administrativa e também política).

Toda a atuação não jurídica tem sempre fundamento numa norma de competência. Exemplo- um prof nos
EUA foi contratado para dar aulas de castelhano, mas este não sabia castelhano e ensinou catalão.

Poderes do Estado- meios para alcançar a atividade (?)

Tema da concentração ou separação de poderes:

→ Rousseau- o poder deve estar concentrado;


→ Montesquieu- o poder deve estar separado.

A questão da divisão ou concentração liga-se à limitação do poder do Estado.

Órgãos do Estado

As pessoas coletivas precisam de órgãos para formar e expressar a sua vontade. O poder político está nas
mãos de entidades coletivas.

35
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

- Teoria Geral dos Órgãos:

Órgão- centro institucionalizado que forma e expressa uma vontade que é juridicamente imputada à entidade
coletiva.

Quando o governo decide, é o Estado que está a decidir. A atividade desenvolvida pelos órgãos é imputada
juridicamente à entidade coletiva.

Três realidades:

❖ Titular- a pessoa física que ocupa o respetivo órgão. O órgão pode ser colegial ou não colegial,
dependendo do número de titulares;
❖ Competência- a área de poderes, de matérias sobre a qual o órgão pode formar ou expressar uma
vontade;
❖ Cargo ou Mandato- o cargo é o vínculo jurídico que liga o titular a um órgão;

O órgão é sempre uma instituição- o órgão perdura sempre para além do seu titular; o titular é transitório, o
órgão é permanente;

Imputação jurídica- a vontade expressa pelo órgão é entendida como vontade da respetiva entidade coletiva.

Um órgão diferencia-se de um agente: O órgão é o que forma, o que expressa a vontade. Um agente é aquele
que colabora, que auxilia o órgão na formação da vontade, limita-se a preparar ou executar as decisões que
são a esfera de competência do órgão.

Tipos de Órgãos:

▪ Órgãos Colegiais- formados por uma pluralidade de titulares. Para expressarem uma vontade, têm de
ter um mínimo de membros presentes. Esse número mínimo de membros presentes para que o órgão
possa deliberal designa-se quorum. Esse número é sempre metade + 1. O quorum apura-se atendendo
ao número de membros do órgão. A falta de quorum determina que o órgão está indevidamente
constituído e que todas as suas deliberações serão nulas.

Para que um órgão colegial delibere, é necessário saber qual é a sua maioria. No direito constitucional
português, basta a maioria simples- verifica-se maioria simples sempre que uma proposta recolhe o maior
número de votos nesse sentido. A maioria absoluta é metade + 1 dos respetivos titulares dentro do quorum.
Esta está dependente do quorum existente, mas não está dependente do número de titulares do respetivo
órgão.

Normalmente, a aprovação de leis é feita por uma maioria simples; uma moção de censura é aprovada por
maioria absoluta.

Vicissitudes dos órgãos:

- Vicissitudes que atingem a competência: levam ao encurtamento ou ao alargamento da competência,


através de uma norma jurídica. Ex: a constituição de 1982 retirou poderes ao PR, mas apliou a competência
da assembleia e do governo.

- Vicissitudes que atingem o titular: pode ocorrer uma situação de doença ou ausência do titular- quem
substitui? Também pode acontecer uma situação de morte do titular- quem susbtitui? Situações também de
demissão ou renúncia do titular e ainda dissolução do respetivo órgão.

36
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

Só os titulares de órgãos colegiais são alvo de dissolução.

Os titulares de órgãos simples são exonerados, destituídos.

Como é que os titulares podem ser designados?

→ Processos Não Jurídicos- aqueles que ocorrem à margem do direito. Baseados na violência, na violação
das normas jurídicas.
(i) Golpe de Estado- processo de alteração das regras de designação dos titulares dos órgãos.
Normalmente são os titulares do próprio poder que se servem do poder para alterar as regras
da própria designação.
(ii) Rebelião ou Revolta- substituir os titulares do poder. Esta substituição normalmente é feita
por militares (golpe militar) que tem o propósito de substituir A por B.
(iii) Revolução- alteração mais radical. É feita com violência e é feita para subverter, marginalizar,
pôr termo à vigência das normas constitucionais vigentes.

→ Processos Jurídicos- normalidade constitucional.


(i) Herança- transmissão hereditária do poder. É o caso dos sistemas de natureza monárquica.
Há uma automicidade na designação do novo titular. Sabe-se o nome do novo Rei enquanto
o atual Rei ainda está vivo.
(ii) Nomeação- sempre que a designação de um titular de um órgão é feita por um titular de outro
órgão diferente. Ex: PR designa por via da nomeação o primeiro ministro)
(iii) Cooptação- designação do titular de um órgão feita por outros titulares do mesmo órgão. Ex:
os juízos cooptados são escolhidos pelos outros juízes do Tribunal Constitucional.
(iv) Inerência- quando alguém é titular de um órgão por ser titular de outro órgão. Ex: é titular do
conselho de Estado o Dr. Ferro Rodrigues, porque é presidente da Assembleia da República;
ou Costa Andrade, porque é presidente do Tribunal Constitucional.
(v) Eleição- processo de designação dos titulares de um órgão feito através da expressão do voto
de uma pluralidade de pessoas. Isto leva-nos ao tema dos sistemas eleitorais.

Sistema Eleitoral:

Corresponde ao conjunto de normas que disciplinam os atos eleitorais. Há uma pluralidade de sistemas
eleitorais.

Duas relações envolvidas com o sistema eleitoral:

o O sistema eleitoral condiciona o sistema partidário;


o O sistema eleitoral e o sistema partidário condicionam os sistemas de governo.

Principais sistemas eleitorais:

→ Sistema Maioritário- o candidato ou a lista de candidatos que vence numa determinada circunscrição
eleitoral, leva a totalidade dos representantes dessa circunscrição. Quem ganha, leva tudo. A lista mais
votada, é a única que vai ter representantes daquela circunscrição eleitoral.
Duas modalidades de sistema maioritário:

37
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

• Sistema Maioritário com Sufrágio Uninominal- só há um deputado por cada ciclo, só uma
pessoa pode ser eleita;
• Sistema Maioritário com Sufrágio Plurinominal- há vários nomes por cada círculo eleitoral. Ex:
sistema norteamericano. Há um problema: pode conduzir a que exista um órgão colegial que
só tenha representantes de uma determinada lista; pode conduzir à diminuição ou ausência
do pluralismo.

O sistema maioritário pode ainda ser:

- A uma volta ou simples- só há uma eleição, basta a maioria simples (ganhar por um voto). É o caso do Reino
Unido ou dos Estados Unidos.

- A duas voltas- se houver maioria absoluta, só há uma volta; caso contrário, procede-se a uma segunda volta.
Aí, normalmente concorre um candidato de esquerda e um candidato de direita: o candidato não ficar melhor
classificado desiste a favor do candidato que fcou melhor qualificado.

→ Sufrágio Proporcional- deve existir uma correspondência entre o número de votos e o número de
representantes. Pressupõe um sufrágio plurinominal. Tem o risco de conduzir à instabilidade
governativa- são tantos os partidos que é difícil uma coligação ou um entendimento.
→ Sistema Misto- sistema Alemão. Há o voto duplo: metade dos deputados do parlamento alemão são
eleitos pelo método maioritário e outra metade é eleita pelo método proporcional. Se os partidos não
atingirem um mínimo de 5%, não podem entrar no governo- de forma a garantir a estabilidade
governativa.

Princípios a que está sujeita a atividade decisória do Estado:

Princípios gerais do artigo 266º da Constituição:

✓ Princípio da juridicidade- o poder está submetido ao direito, à legalidade.


✓ Prossecução do interesse público
✓ Igualdade
✓ Respeito pelos direitos e interesses das pessoas
✓ Imparcialidade
✓ Justiça
✓ Proporcionalidade
✓ Boa fé

A atividade decisória do Estado nem sempre é prosseguida pelo Estado, há casos em que é prosseguida por
entidades privadas- exercício privado de funções públicas. Ex: para a função jurisdicional, o exemplo são os
tribunais arbitrais

Como é que o Estado decide?

Normalmente decide sob a égide do direito público. Mas também é possível o Estado decidir por via do direito
privado.

O estado normalmente decide por via unilateral, que pode ser em termos gerais e abstratos (casos das leis,
dos regulamentos), ou em termos concretos (caso dos atos administrativos, das sentenças dos tribunais, das
leis medida- atos legislativos para resolver casos concretos),

Ou também conjuga a sua vontade com outras vontades- já são formas bilaterais de decisão: os contratos
celebrados pelo Estado e as convenções internacionais que o Estado celebra com outros Estados ou com
organizações internacionais.

38
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

Limitação do Poder Político:

- Platão e Rousseau dizem desnecessária a limitação do poder

- Os que identificam o direito com o Estado: ex: Kelsen. Todo o direito é proveniente do Estado e todo o Estado
produz sempre Direito.

◊ O estado está limitado por valores e por princípios jurídicos que transcendem a sua vontade. Esses
princípios heterovinculam o Estado. Impõem-se ao estado. São indisponíveis pela vontade do Estado-
indisponibilidade desses princípios;
◊ O estado está também vinculado pelo direito que o próprio estado cria. O direito que o estado cria
autovincula-o;
◊ O estado não está apenas limitado pelo direito. Há limites não jurídicos à atuação do Estado. Ex: limites
de natureza ética, normas de trato social, de cortesia constitucional. Nem todos os limites ao poder
do estado são limites de natureza jurídica.

Haverá um direito suprapositivo acima do direito positivo que limita o poder do Estado? SIM:

- Há direito internacional público imperativo para todos os Estados- ius cogens;

- Há normas fundamentais que correspondem à consciência jurídica geral, que se impõem a todos os Estados;

- Há, para certos Estados, mecanismos que se impõem aos Estados por via de processos de integração
supranacional (ex: direito da UE, é uma heterovinculação de base autovinculativa, ou seja, o direito da UE
vincula-nos porque nós decidimos aceitar e ser membros da UE).

◊ A Constituição também é sempre um limite ao poder do Estado. Todo o direito produzido pelo Estado
tem de ser conforme com a Constituição. É um limite às funções constituídas do Estado. A feitura das
leis, a atuação administrativa e o agir dos tribunais tem sempre de ser compatível com a Constituição.
◊ A legalidade é outro limite. É um limite ao poder administrativo e ao poder judicial.
◊ O costume é também fonte do direito e fonte limitativa do poder do estado. Há costume de natureza
constitucional e há costume de origem internacional, e porque o costume pode ser um costume
contrário à constituição:
- Há quem diga que o costume contrário à constituição é sempre não válido, inconstitucional;
- Há quem diga que o costume contrário à Constituição, torna inaplicável a respetiva norma da
Constituição (visão do prof. Paulo Otero).

Limitações Não Jurídicas ao Poder Político:

 Jogo democrático- que pressupõe partidos políticos. Este jogo entre partidos, governo e oposição é
um mecanismo limitativo do poder do Estado.
 Grupos de interesses- o partido político visa conquistar o poder, o grupo de interesses visa influenciar
o poder, mobilizar, angariar quem está no poder para satisfazer os seus interesses. Esta concorrência
de interesses também limita o poder.
 Opinião pública- é especialmente importante na limitação do poder, por duas vias:
- Eleição ou Referendo

39
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

- Sondagens- estudos sobre a opinião pública. Ao contrário das eleições, as sondagens são falíveis.
 Meios de comunicação social- o limite mais forte. São o quarto poder (para além do executivo,
legislativo e judicial). As democracias seriam muito diferentes se não houvesse meios de comunicação
social. Não são só os jornais e a televisão, mas tudo aquilo que surge das redes sociais. Ex: a
possibilidade de se convocarem manifestações através das redes sociais.

Mecanismos Institucionais de Limite do Poder

Mecanismos intraorgânicos- Mecanismos dentro dos próprios órgãos:

→ Mecanismos no interior do parlamento:


Bicameralismo- o parlamento está divido em duas câmaras. É o caso norteamericano- Câmara
dos representantes e Senado. Há uma prevalência do Senado;
É o caso britânico- Câmara dos Comuns e Câmara dos Lordes.

Maiorias Qualificadas- torna mais difícil a aprovação de uma lei. A simples maioria não é suficiente
para a aprovação. Aquela que é superior à maioria absoluta (2/3; 4/5) e traduz-se numa excepção,
servindo para limitar o Parlamento ao impor à maioria política governamental a um esforço de
aproximação com as restantes forças para aprovação de determinadas leis.

Organização interna do parlamento: - A composição da mesa do Parlamento, a qual é definida


sob proposta dos partidos com assento parlamentar.

- Determinação da ordem do dia, que é fixada para algumas reuniões por todos os partidos com assento
parlamentar

- Composição das comissões parlamentares, que apresentam uma representação proporcional dos diferentes
partidos, não cabendo a sua presidência ao partido mais votado sempre.

- Comissão permanente da A. R., que também é definida em função da regra da proporcionalidade

- Debates na A. R, que são realizados com a presença e participação de todos os grupos parlamentares.

→ No interior do executivo:
Executivo dualista- assente em duas cabeças: o Chefe de Estado e o Chefe de Governo, donde
resultam uma multiplicidade de relações de dependência e coordenação, ou seja, poderes
partilhados e cooperação institucional.

Compete ao Primeiro Ministro indicar o nome dos Ministros, mas o PR tem a liberdade de não aceitar algum.

Governo de coligação:

- Coligação em que os membros da coligação integram o governo

- Há um governo minoritário quanto à sua composição, mas que tem o apoio parlamentar maioritário (situação
portuguesa atual)

40
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

Ministro das Finanças- todos os atos do governo que envolvam efeitos financeiros, têm de ter reconhecimento
do ministro das finanças.

→ No interior dos tribunais:


Estrutura colegial dos tribunais- se só há uma pessoa a decidir, essa pessoa decide segundo a sua
vontade. Se há mais pessoas a decidir

Os juízes estão sujeitos a controlo disciplinar.

Princípio da dupla instância- normalmente, de uma decisão judicial, cabe sempre recurso para uma outra
instância superior.

Mecanismos interorgânicos- Mecanismos que fazem com que um órgão controle outros órgãos.

→ De controlo político:
Controlo do governo pelo parlamento- o governo pode ser controlado pelo parlamento no
essencial por três mecanismos:
O parlamento pode retirar a confiança do governo, através de uma moção de censura ou
rejeitando uma moção de confiança. A moção de censura vem por iniciativa do parlamento, a
moção de confiança vem por iniciativa do governo.

Impeachment- Típico dos sistemas presidenciais.

Mecanismos ordinários:
Perguntas e interpelações;
Criação de comissões de inquérito- para averiguar, investigar (ex: BES);
Intervenção do Senado norteamericano na confirmação ou não dos candidatos presidenciais;
Aprovação do orçamento- todos os orçamentos passam pelo parlamento e todos os governos
precisam do orçamento.

Controlo do parlamento pelo governo:


O governo pode desencadear iniciativa legislativa do parlamento, pode dizer o que quer que o
parlamento aprove em matéria legislativa. Pode pedir urgência na intervenção do parlamento. O
sistema francês atual permite que o governo apresente uma proposta de lei, que está acima de
qualquer intervenção de mudança do parlamento.

→ De controlo jurídico:
Dos atos:
Fiscalização da constitucionalidade ou fiscalização da legalidade.

Das pessoas:
Responsabilidade dos titulares de cargos políticos

41
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

Mecanismos extraorgânicos- Mecanismos exteriores ao Estado:

→ Eleitorado- eleições periódicas.


→ Opinião pública- meios de comunicação social e redes sociais.
→ Direito de resistência (art. 21º CRP)- direito fundamental. É o que resta quando nenhum dos
outros mecanismos funciona.

Matrizes Ideológicas do Estado Ocidental:

Pós Revolução Francesa:

1) Liberalismo;
2) Conservadorismo;
3) Totalitarismo.

LIBERALISMO- tem como filosofia que tudo o que restrinja a liberdade individual deve ser abolido. É a base do
movimento constitucionalista do séc. XVIII e início do séc. XIX. Relação entre liberdade individual e a abstenção
intervencionista do Estado (Humboldt).

▪ Individualismo;
▪ Estado mínimo;
▪ Crença absoluta no valor do mercado;
▪ Propriedade privada como direito sagrado, direito natural.

No séc. XX:

Dois momentos:

1º- Até à 1ª Guerra Mundial- torna-se visível a insuficiência do mercado e a necessidade de intervenção do
Estado.

Só nos anos 80 do séc. XX é que se assiste a um novo ressurgimento do liberalismo- NEOLIBERALISMO:

▪ Redução do peso económico do Estado- através das privatizações;


▪ Desregulação e autorregulação- o Estado deve-se retirar da disciplina política de determinadas
matérias;
▪ Defesa do livre comércio internacional.

CONSERVADORISMO- herdeiro do Estado pré-liberal; está intimamente ligado às ideias


contrarrevolucionárias.

Assenta numa adversidade à mudança, a resistência à inovação.

Grandes dogmas:

o Importância da história e da tradição- importância do passado, do “peso dos mortos”; importância da


noção de pátria e cultura
o Importância da autoridade e do poder

42
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

o Valorização da segurança e da ordem pública


o Preferência pela liberdade em vez da igualdade
o Garantia da propriedade privada
o Importância da religião e da moralidade judaico-cristã e da respetiva ordem de valores.

Tipos de conservadorismo:

1- Conservadorismo contrarrevolucionário- aquele que aposta nas conceções legitimistas. Ex: partidários
de D. Miguel.
2- Conservadorismo restauracionista- é o que está na génese da restauração dos Bourbons em França e
está na génese da carta constitucional francesa de 1914 e na carta constitucional portuguesa de 1826
e no pensamento de Constant
3- Conservadorismo nacionalista- anda de braço dado com regimes totalitários
4- Conservadorismo neoliberal- confluência entre o pensamento conservador e o pensamento liberal
5- Conservadorismo protecionista- nova conceção conservadora, contrária às bases do livre comércio
internacional.

SOCIALISMO- surge para combater o liberalismo. Assente em 4 preferências:

▪ Igualdade sobre liberdade;


▪ Propriedade coletiva sobre propriedade privada;
▪ Intervenção do Estado sobre o abstencionismo;
▪ Modelo de economia de direção central sobre modelo de economia assente no mercado.

O que há de comum nisto tudo é o papel central do Estado.

Modalidades do pensamento socialista:

(i) Socialismo Marxista-Leninista- está na génese da revolução russa de 1917 e depois do


constitucionalismo soviético. Ainda hoje há, como manifestação, o caso de Cuba.
(ii) Socialismo Maoísta- está na base do pensamento de Mao Tsé Tung e na República Popular da
China, com duas manifestações: a da Coreia do Norte e a da Albânia na Europa.
(iii) Socialismo Democrático- particularidades: aceita o capitalismo; aceita o pluralismo; é totalmente
contrário à ideia da ditadura do proletariado; tem uma proteção social, o que faz com que o Estado
tenha um papel na sociedade; a ideia de intervenção económica, salvaguardando sempre a
iniciativa privada- Economia de Mercado. Dentro da matriz do socialismo democrático, o Estado
tem um papel económico mas esse papel não afasta a iniciativa económica privada. Assistiu-se a
que os partidos socialistas democráticos também aderiram ao neoliberalismo.
(iv) Socialismo Populista– evolução do pensamento socialista. Tem uma manifestação principal
institucionalizada, que é o caso da Venezuela e alguns partidos europeus com esta tendência do
socialismo populista, por exemplo, o partido Podemos.

43
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

Modelos Político-Constitucionais do Estado:

Modelo Pluralista- em termos constitucionais:

→ Reconhecimento da importância da tutela pelo Estado dos direitos fundamentais;


→ Os principais titulares ativos do poder político são designados por sufrágio universal;
→ Importância dos partidos políticos- Estado de Partidos: estado em que os partidos têm 3 principais
funções:
Função de representação política
Função da fiscalização política do governo- os partidos políticos não se limitam a representar e a
indicar linhas de rumo ideológico ao Estado ou a indicar quem compõe os principais órgãos do Estado
→ Importância da Oposição;
→ Existência de uma hierarquia de normas jurídicas- base do princípio da legalidade;
→ Tem sempre um controlo pelos tribunais da atividade jurídica do governo.

Modelo Não-Pluralista (inverso daquelas características)

SISTEMAS DE GOVERNO

Sistema parlamentar:

◊ Existência de um governo que é o órgão autónomo face ao chefe de Estado;


◊ O governo é formado tendo presente a composição do parlamento. O governo nunca pode ter contra
si a desconfiança do parlamento. Acentua a intima ligação que existe entre a formação do governo e
a composição do parlamento;
◊ Não há sistema parlamentar sem a responsabilidade política do governo perante o parlamento-
quando o parlamento retira a confiança política a um governo, esse governo está demitido;
◊ Surge na Grã Bertanha, quando há uma figura que faz a ligação entre o rei e o parlamento- Primeiro
Ministro.

Tipos de Sistema Parlamentar:

- Sistema Parlamentar Monista- o governo só é responsável políticamente perante o parlamento.

Três Modalidades:

1- Sistema parlamentar de gabinete (britânico)- ascendente do governo perante o parlamento, típico do


modelo britânico, esta ascendência política resume-se na frase do Prof. Marcello Caetano “no Reino
Unido, o parlamento é a principal instituição política. Dentro do parlamento, a câmara da câmara dos
comuns prevalece sobre a dos lordes. Dentro da câmara dos comuns, a força da maioria prevalece
sobre a oposição. Dentro da maioria, manda o governo. Dentro do governo, manda o gabinete. Dentro
do gabinete, manda o Primeiro Ministro, que é simultaneamente chefe do governo e chefe
parlamentar.” Esta centralidade do primeiro ministro deriva do sistema bipartidário (Partido
Conservador e Partido Trabalhista). Os governos são normalmente governos de legislatura.
Raramente o parlamento vota uma moção de censura: o primeiro ministro podia sempre pedir ao
monarca a dissolução da câmara dos comuns. Em 2011 (entrou em vigor em 2015) foi aprovada uma

44
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

lei que veio alterar as coisas: a legislatura tem a duração de 5 anos (antes era 4); só é possível antecipar
a dissolução do parlamento existindo uma moção de censura, aprovada pela maioria de 2/3.

2- Sistema parlamentar de assembleia:


Supremacia do parlamento sobre o governo, que conduz a uma instabilidade governativa. Os governos
sucedem-se dentro da mesma legislatura;
Multipartidarismo desorganizado e fragmentado, as coligações são débeis;
O poder da dissolução não é para garantir novas maiorias, mas para ultrapassar impasses
governativos.

3- Parlamentarismo Racionalizado- procura evitar os inconvenientes do parlamentarismo de assembleia.


Visa limitar a intervenção do parlamento sobre o governo. O propósito da racionalização é garantir a
estabilidade governativa- como? A constituição alemã, a espanhola de 1978 introduziram a moção de
censura construtiva: quando um partido quer derrubar o governo, não basta apresentar uma moção
de censura; para que ela seja votada, tem de indicar o nome de um candidato que, se a moção for
aprovada, esse candidato fica como Primeiro Ministro.

Existência de um prazo de intervalo entre a apresentação de uma MC e a sua aprovação ou rejeição, para que
se possa deliberar;

Limitação à iniciativa dos deputados- para ser apresentada uma MC, tem de haver um número mínimo de
deputados;

No sistema português, racionaliza o parlamentarismo não impor que um governo, para entrar em funções,
seja necessária um voto de confiança do parlamento.

- Sistema Parlamentar Dualista- o governo é simultaneamente responsável perante o parlamento e perante o


Chefe de Estado- duas modalidades:

➢ Sistema Orleanista- tem origem na Carta Constitucional Francesa de 1830, por Luís Felipe de
Orleães.

Dupla responsabilidade do governo perante o Rei e perante o Parlamento. Basta um retirar a confiança, para
que o governo seja demitido;

Diferenciação de legitimidades- entre a legitimidade democrática do parlamento e a legitimidade monárquica


do Rei.

➢ Sistema Semipresidencial- o chefe de estado é PR e tem uma legitimidade democrática.


Conjugam-se duas legitimidades democráticas.

O PR é mais que um árbitro, mas não é o protagonista. Os seus poderes são:

1- Tem poder de veto político sobre as leis;


2- Tem poder de dissolução do parlamento- tendencialmente discricionário;
3- Tem poder de demissão do primeiro ministro por falta ou quebra de confiança política. Se o primeiro
ministro for demitido, o governo também é.

45
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

O sistema francês da V República não é semipresidencialista, mas sim hiperpresidencialista.

Sistema Presidencialista:

O presidente é simultaneamente chefe de estado e chefe de governo;

Não existe um governo como órgão autónomo do presidente, já que os membros do executivo são escolhidos
livremente e responsáveis exclusivamente perante o presidente;

“O sistema assenta num casamento sem divórcio”- nem o presidente pode dissolver o congresso nem o
congresso pode destituir politicamente o presidente. Os dois órgãos têm coexistência.

O sistema norte americano evoluiu ao longo dos anos- historicamente, o modelo norteamericano surgiu com
a inspiração do monarca britânico, no séc. XVIII. Articula-se com outras duas realidades: a separação de
poderes na ideia dos “freios e contrapesos”- o Presidente tem o poder executivo; o congresso o poder
legislativo; os tribunais o judicial. Contudo, estes não são independentes: por exemplo, o poder de veto implica
uma intromissão do poder executivo no poder legislativo; a administração, personificada pelo Presidente, só
pode utilizar os meios financeiros que o Congresso lhe dá ou lhe recusa dar; os juízes estao subordinados à lei
e os juízes são nomeados pelo Presidente.

A estrutura federativa reflete-se:

→ Ao nível da constituição- a constituição só pode ser alterada com aprovação também do congresso;
→ O peso dos Estados no Congresso- entre as duas câmaras, é o Senado que tem mais força decisória;
→ No processo de designação do Presidente- o sistema eleitoral favorece os grandes eleitores em favor
dos Estados.

Duas notas:

Há modelos de presidencialismo adulterado- tem a aparência de ser presidencialismo, mas não é, pois há um
peso excessivo do presidente, desequilibrando a estrutura do Estado; ex- Brasil. Também existem para
esconder verdadeiros regimes ditatoriais.

O presidencialismo norte americano teve 2 momentos de difusão na Europa:

o Em França, com Luís Napoleão


o Portugal foi o segundo país a consagrar o presidencialismo, durante o período de Sidónio Pais.

Modelo Francês da V República:

A V República foi criada pelo general De Gole (?); foi ele que resistiu à invasão alemã, foi o grande vitorioso da
2ª Guerra Mundial.

Em 58, o general é encarregue de elaborar uma constituição. A constituição está pensada para a existência de
um presidente e de uma maioria do parlamento sintonizada com a maioria do presidente- no sistema de
governo francês típico verifica-se que o PR é simultaneamente chefe de Estado e chefe da maioria
parlamentar.

46
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

O PR tem as vantagens somadas do:

 Presidente norteamericano- tem poder de veto sobre os diplomas provenientes do parlamento; quem
preside ao conselho de ministros não é o PM, é o PR; pode instrumentalizar ao cumprimento da sua
vontade os membros do executivo. Não tem os inconvenientes- pode dissolver o parlamento;
participa no processo de revisão da Constituição; o mandato do PR francês é maior que o
norteamericano; pode assumir poderes excecionais nos termos do artigo 16 da Constituição Francesa.
 PM britânico- é o líder da maioria parlamentar e por isso controla o governo e o parlamento; pode
sempre que o entender, dissolver o parlamento; se o parlamento lhe cria obstáculos, pode dissolvê-
lo ou provocar um referendo. Não tem os inconvenientes- nunca pode ser destituído por um golpe
interno do próprio partido.

Contudo, o PR não é o chefe do Governo; este é o PM. O PR, porque é o presidente da maioria parlamentar,
escolhe o PM, o que significa que o PM faz aquilo que o PR do partido quer que ele faça, o PM é um
instrumento nas mãos do PR quando este é simultaneamente presidente da maioria parlamentar.

Se as coisas correm bem ao Governo, o mérito vai para o PR, porque escolheu bem o governo; se correm mal,
os dedos são apontados ao PM, que não deu uma boa execução às linhas políticas definidas pelo PR-
inteligência do sistema político francês.

A constituição não permite ao PR demitir o PM, o governo. Mas aquilo que o PR não pode fazer enquanto tal,
pode fazê-lo enquanto presidente do parlamento, retirando a confiança ao PM.

O modelo francês não é um sistema semi presidencial, nem presidencial, mas sim HIPERPRESIDENCIAL.

Em casos de coabitação- quando a maioria parlamentar não é a maioria política do Presidente francês- o PR já
não é líder da maioria parlamentar, passa a ser o PM. Têm de coexistir duas maiorias: a maioria do Presidente
e a maioria parlamentar que sustenta o governo. Aqui, o Presidente pode dissolver o parlamento quando
entender, pode vetar os diplomas provenientes do Parlamento e é o PR a presidir ao conselho de ministros.

Sistema Diretorial:

Surgiu com a constituição francesa de 1795 e hoje é o sistema de governo da Suiça.

É o mais próximo do sistema presidencial, com duas diferenças:

❖ Existência de órgãos colegiais no executivo, não é unipessoal;


❖ Não há verdadeiramente uma figura de um chefe de estado como órgão autónomo.

É um sistema assente numa conceção rígida da separação de poderes;

O executivo está a cargo de um colégio, de um órgão colegial- diretório;

Não há responsabilidade política do órgão diretório relativamente ao órgão parlamentar;

O parlamento não pode ser dissolvido pelo órgão diretório;

Sistema Convencional- por vezes designado como o Sistema de Assembleia:

Materialização do pensamento de Rousseau, da democracia radical.

47
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

Rejeita a separação de poderes e por isso defende a concentração do poder legislativo e executivo numa
assembleia ou convenção;

Esta assembleia exerce a totalidade dos poderes por delegação do povo;

Todos os órgãos do Estado emanam desta assembleia ou convenção- os órgãos executivos expressam a
vontade da assembleia, sendo esses órgãos politicamente responsáveis perante a própria assembleia.

Teve, em termos constitucionais, 2 concretizações:

- No sistema jacobino- constituição de 1793, que nunca vigorou;

- No constitucionalismo soviético.

Sistemas de Governo Pré-liberal:

Origem anterior ao Liberalismo.

São sistemas de base anti-parlamentar:

 Monarquia Limitada- resultado de ua reação contra a Revolução, que procura valorizar o elemento
monárquico, o grande protagonista da monarquia limitada é Benjamin Constant. 2 momentos
históricos:
Carta constitucional francesa de 1814;
Carta constitucional portuguesa de 1826.

A fonte do poder constituinte está no Rei e este poder é expressão de uma dádiva do Rei que decide
autolimitar-se através da elaboração de uma constituição, do estabelecimento da separação de poderes e
pelo reconhecimento de direitos fundamentais.

A lei só é lei através da conjugação de duas vontades- do Parlamento que aprova e do Rei que sanciona. Nada
pode obrigar o Rei a promulgar ou sancionar uma lei; este tem poder de veto absoluto.

O poder executivo está nas mãos do monarca que o exerce através dos seus ministros, que são apenas
politicamente responsáveis perante o Rei.

Os tribunais emanam sentenças em nome do Rei.

O Rei não só tem participação no poder legislativo e judicial, como é titular do poder executivo, mas também
tem poder moderador, acima de todos os outros.

Este também tem uma competência residual- compete ao Rei tudo aquilo que a Constituição não atribui a
outros órgãos.

 Sistema Cesarista- vem do direito romana. É legimitado através de plebiscitos, do voto popular. É o
que está na génese do modelo de Napoleão e do modelo de Napoleão III.

 Governo de Chanceler- tem origem na constituição alemã de 1871.

O executivo está concentrado no chefe de Estado, que encarrega um ministro de exercer em nome do chefe
de Estado esse poder- o chanceler, aquele que executa a vontade do chefe de Estado;

O chanceler é politicamente responsável apenas perante o chefe de Estado;

48
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

Compete ao chanceler designar os outros membros do governo, que apenas são responsáveis perante o
chanceler. O chanceler é a ponte que liga o chefe de Estado aos restantes membros do governo;

Este sistema tanto pode conviver com o modelo em que o chefe de Estado existe na forma monárquica, como
quando o chefe de Estado é o PR.

49
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

3ª Parte- A CONSTITUIÇÃO

- Vista como ato jurídico:

Ideia tradicional resume-se a três notas:

1- A constituição expressa a unidade axiológica do sistema jurídico- é a síntese de valores deste;


2- Tem uma força jurídica prevalecente- é a lei das leis- Todos os atos jurídicos têm de ser conformes
com a Constituição;
3- É vista como a expressão jurídica do poder constituinte do Estado- a constituição é a expressão da
vontade exclusiva do Estado. É um texto escrito publicado no jornal oficial.

Contudo, nem sempre a constituição é escrita ou formal ou publicada num jornal oficial:

- O constitucionalismo britânico não tem uma constituição formal, não tem uma constituição escrita;

- A constituição pode ser um conjunto de convenções, de costumes;

Limites:

 O texto constitucional, principalmente o que é compromissório, pode dar origem a que haja princípios
e valores contraditórios dentro da mesma constituição- ex: a CRP é utilizada por quem defende o
aborto e para quem defende que a CRP impõe a criminalização para quem interrompe
voluntariamente a gravidez. As constituições modernas são constituições compromissórias.

 Não é verdade que a Constituição seja apenas o documento escrito- essa é a formal. A constituição
também está aberta à factualidade- os factos podem virar normas. Ex: os factos reiterados que
ganhem convicção de obrigatoriedade formam o costume. Em cada país há duas constituições:

Constituição Oficial- a que está escrita e publicada no jornal oficial. Conjunto de normas que ocupam
um lugar cimeiro na hierarquia normativa, exigindo conformidade dos restantes actos normativos.
Constituição Não Oficial- não está publicada no jornal oficial, mas é a constituição efetiva. Integra o
costume (exige uma multiplicidade de factos para que se crie uma convicção de obrigatoriedade), o
precedente (basta uma decisão, um facto, um ato, para dizer que em situações idênticas futuras se
deve utilizar a solução utilizada para casos idênticos anteriores), os usos.

Há sempre dois poderes constituintes:

Poder Constituinte Formal- o que resulta das normas escritas; que tem o procedimento de feitura, que se
expressa no ato jurídico escrito.

Poder Constituinte Informal- está na sociedade, nas mãos dos tribunais, dos agentes políticos, dos aplicadores
da Constituição. Este poder faz produzir uma Constituição Não Escrita, é o poder constituinte que não tem
intencionalidade, não tem o propósito de alterar as normas jurídicas, mas acaba por fazê-lo. Não se traduz na
prática de atos jurídicos escritos. Pode relacionar-se com a Constituição Formal em 3 ideias:

- pode ser segundo a constituição escrita; pode seguir o que resulta do texto escrito- secundum
constitutionem;

50
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

- pode integrar lacunas- praeter constitutionem;

- pode produzir normas que são contrárias à constituição escrita- gera uma normatividade não oficial contra
constitutionem.

Há quem entenda que as normas não escritas contrárias à constituição escrita são inconstitucionais-
positivistas;

Há quem entenda que as normas não escritas contrárias à constituição escrita são absolutamente válidas,
inaplicando a norma escrita- naturalistas.

 Fragmentação da Força Normativa da Constituição:

- O Estado perdeu o monopólio da feitura das normas constitucionais- a própria sociedade pode criar normas
constitucionais; os juízes, ao interpretarem, podem também criar novos sentidos de interpretação das
normas. Outros agentes são a sociedade internacional (normas ius cogens)- ius commune constitucional. As
matérias sobre direitos fundamentais não são só reguladas pelo Estado, mas pela comunidade internacional.
Outro exemplo é a delimitação de fronteiras- o Estado tem de respeitar regras de convivência internacional,
não pode fixar arbitrariamente as fronteiras.

Uma mesma matéria pode ser objeto de intervenção constitucional de vários agentes. O Estado não é o único
protagonista na feitura das normas constitucionais.

- Perda de efetividade das normas constitucionais- cai em desuso. Apesar de estar escrita, não é observada.
Criam-se costumes em sentido contrário.

A constituição nem sempre tem força jurídica prevalecente:

A própria constituição pode proceder a casos de autodesconstitucionalização:

Sempre que se retira força constitucional a um preceito da constituição; transformar em direito ordinário uma
norma da constituição. Se isso é feito pela própria constituição, chama-se atos de
autodesconstitucionalização.

→ Quem aplica a Constituição?

Antes de mais, todos os titulares de todas as funções do Estado.

Os privados que exercem funções públicas.

No âmbito da iniciativa privada- art. 18º, nº1 CRP.

→ A CRP pode ser aplicada no Estrangeiro?

Sim:

Aos portugueses que se encontrem no estrangeiro.

Nas embaixadas e consulados.

Sempre que o direito português seja o direito materialmente regulador de litígios no estrangeiro. Ex: se dois
portugueses se querem divorciar e querem fazê-lo em Londres. O direito que vai regular o divórcio será o
português, pois ambos os indivíduos são portugueses.

51
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

→ Como se defende a Constituição?

Em termos externos- ex: art. 7º CRP.

Em termos internos, por 4 vias:

1- Através de mecanismos de fiscalização da constitucionalidade das normas- todos os atos que sejam
praticados em sentido contrário à Constituição podem e devem ser sancionados pelos tribunais.
2- Existência de limites materiais de revisão constitucional- art. 288º CRP. Não é possível uma revisão
constitucional modificar toda a constituição. Ex: não é possível de uma revisão constitucional passar
de uma monarquia para uma república.
3- Existência de regras para o estado de exceção constitucional- este estado significa que, em situações
de estado de sítio ou de emergência, a constituição admite a existência de uma ordem constitucional
excecional. É a aplicação do estado de necessidade.
4- Direito penal político- normas criminais, de natureza penal, que dizem que é crime certas condutas
atentatórias da constituição. Ex: fazer público o apelo à revolta dos militares contra as instituições
constitucionais significa a prática de crime, que são penalmente sancionados.

→ Como cessa a vigência de uma Constituição?

Duas hipóteses:

1- Pode cessar através de processos constituicionais:


Revisão constitucional- há uma alteração pontual (mais ou menos extensa) das normas da
constituição, mas respeita as regras definidas pela CRP.

Transição constitucional- mudança de uma constituição para uma outra constituição respeitando as
regras da constituição vigente. Ex: Espanha, que passou de uma constituição de regime franquista
para a vigente, respeitando a constituição de regime franquista.

2- Pode cessar através de processos aconstitucionais, à margem da constituição:


Processos revolucionários;

Processos não revolucionários- não há revolução, mas há situações de fraude ou de violação direta da
constituição. Normatividade constitucional não oficial, que origina a não aplicação das normas escritas da
Constituição, sendo exemplo o desenvolvimento da Constituição económica de matriz capitalista quando a
constituição apontava o marxismo; o desenvolvimento do sistema parlamentar no século XIX, quando o
principio era o da monarquia.

Dissolução da Constituição Nacional:

Significa que a constituição de cada país vai perdendo identidade, vai-se esbatendo:

- Ou dentro da UE- transformou-se num Estado confederado

- Ou dentro do ius commune constitucional- dentro do direito que é comum a todos os Estados.

Isto leva ao Multinível constitucional:

- Nível Interno;

52
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

- Nível Europeu;

- Nível Internacional Geral.

Interpretação da Constituição- revelar o sentido. Pode ser feita por diversos protagonistas:

- Pela AR;

- Pelos tribunais- interpretação judicial. O TC é o último intérprete da constituição;

- Pela Administração Pública- interpretação administrativa

- Pelo PR- tem o monopólio da interpretação política

- Interpretação doutrinal.

Ideia da Unidade

Ideia da Máxima Efetividade

Dois tipos de normas:

Normas que são regras- dão uma solução de tudo ou nada- só pode candidatar-se a PR o indivíduo maior de
35 anos

Normas que são princípios- normas que permitem balancear, ponderar soluções.

Projeção Externa da Constituição Portuguesa

Como é que a Constituição tem projeção externa?

◊ Pode ocorrer que os nacionais desse estado se encontram ou residam no estrangeiro. Estes gozam de
direitos fundamentais que não sejam incompatíveis com o estado em que se encontram ou residam-
artigo 14º CRP;
◊ Pode também acontecer que se coloque nos tribunais estrangeiros a aplicação do direito português.
É o caso de uma portuguesa e de um português que se querem divorciar em França. Ou de um
português que realizou um testamento em Espanha, relativamente a bens que tenha em Espanha; o
direito que vai regular as sucessões será o direito ordinário português;

◊ Artigo 46º CRP- as convenções internacionais são válidas se não violarem disposições fundamentais
do direito interno. Para se verificar um tratado ou um acordo que o estado português assinou lá fora,
que seja válido, poderá não se podem violar disposições do direito português;

◊ Direito da União Europeia fala no artigo 6º nº3 do Tratado da UE e na CDFUE nas designadas tradições
constitucionais comuns aos estados membros- denominadores comuns às constituições de todos os
Estados membros da UE. Demonstra que a constituição de cada um dos estados tem também projeção
externa pois são fontes de direitos da UE;

53
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

Normas Fundamentais/Constitucionais:

As normas podem ser regras ou princípios. Também no âmbito constitucional há regras (ex: o PR tem de ter
mais de 35 anos) e princípios, dotados de flexibilidade, que podem entrar em colisão com outras normas (ex:
normas do Estado de Direito, princípio da boa fé, da igualdade, etc- 266º CRP). As normas princípios são
dotadas de elasticidade aplicativa; dependem do caso concreto.

Esta distinção faz-se pelo grau de abstração e de determinação das normas. As regras são mais determinadas
que os princípios, mas são menos abstratas.

As normas princípio têm vindo a ganhar relevância sobre as regras, o que faz os tribunais ganharem um certo
protagonista, nomeadamente o Tribunal Constitucional.

As normas constitucionais são diferentes consoante haja uma constituição liberal (não aponta um caminho
para a intervenção do Estado) ou uma constituição intervencionista (fixa metas). As normas programáticas-
sempre normas não exequíveis por si mesmas, isto é, normas cuja concretização depende de lei, pois a norma
constitucional é insuficiente para a sua aplicação- são típicas de um estado intervencionista. Por exemplo, a
norma que diz que todos têm direito à educação carece de uma norma que implemente esta norma.

Inconstitucionalidade por omissão- não concretização da constituição por falta de medidas legislativas.
Acontece sempre que o legislador tem uma demora excessiva na não implementação de normas não
exequíveis por si mesmas.

Normas exequíveis- que produzem efeitos direta e imediatamente. Por exemplo, artigo 18º nº1. Os direitos
fundamentais do titulo II da parte I gozam de aplicabilidade direta.

Existe concorrência de princípios, isto é, sobre a mesma matéria podem incidir dois ou mais princípios a
discipliná-la. Pode ser concorrência co-existencial ou alternativa:

 Concorrência co-existencial- todos os princípios têm de ter um mínimo de aplicabilidade. Um não pode
afastar por completo a aplicação do outro. Exemplo: tensão que existe entre a liberdade de
informação e o direito à reserva sobre a vida privada de celebridades- a liberdade ou direito a informar
não pode esvaziar a reserva da vida privada; mas esta também não pode negar a existência do direito
das pessoas a informar- há uma aplicação co-existencial.
 Concorrência alternativa- ou se aplica um ou outro. Exemplo: a CRP admite a possibilidade de
existirem nacionalizações e de existirem privatização. Mas ou se aplica um, ou se aplica outro. Ou há
privatização, ou há nacionalização.

Interpretação da Constituição:

→ Interpretação autêntica- feita por lei;


→ Interpretação política-
→ Interpretação doutrinária.

Princípios:

A interpretação está sujeita aos princípios presentes no CC:

- Princípio teleológico;

- Elemento originário- quando a norma foi feita;

54
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

- Elemento histórico- contexto;

- Elemento literal- tem de ter um mínimo de correspondência com a lei;

- Princípio da máxima efetividade- deve sempre optar-se pelo sentido que dá à norma a máxima aplicabilidade;
as normas odiosas devem ser objeto de interpretação restritiva- restringe-se o que é odioso, amplia-se o que
é favorável.

Interpretação em conformidade com a Constituição- perante uma norma de direito ordinário que pode ter
dois sentidos- um sentido é desconforme com a Constituição, mas há outro sentido possível que é compatível
com a mesma. Entre o sentido que gera a inconstituicionalidade da norma e o sentido que é compatível, deve
optar-se pelo segundo.

Interpretação da Constituição- interpretação de normas.

Pode ocorrer que as normas da Constituição não resolvam uma situação que devia encontrar resposta na
Constituição- lacuna: ausência de regulação de uma matéria que devia estar disciplinada.

Como se integram as lacunas?

❖ Através do costume- pode integrar a ausência de normas na Constituição escrita, designadamente o


costume preater constitutionem;
❖ Através da analogia com normas semelhantes dentro da constituição- se não houver, recorrer à norma
que aquele que vai aplicar criaria se fosse ele o autor dessa solução- apela ao elemento sistemático-
tem de criar uma norma dentro do espírito, do contexto;

❖ Através da aplicação no tempo/eficácia temporal das normas da Constituição:

Por via de regra, as normas da Constituição apenas têm eficácia no futuro; mas podem existir exceções- há
casos em que podem subsistir no ordenamento jurídico normas constitucionais anteriores à atual
Constituição. Isto só pode acontecer se a Constituição vigente admitir a validade dessas normas anteriores.
Um direito ordinário anterior à Constituição mantém-se em vigor com a nova Constituição, salvo se for
materialmente (pelo seu conteúdo) desconforme com a nova Constituição. Ex: o próprio Código Civil de 1966
mantém-se em vigor, com a reforma de 1976.

Uma Constituição cessa a sua relevância com o seu termo de vigência? A constituição de 1933 cessou a
vigência com a constituição de 1976? Deixou de ter relevância política no período vigente?

O CC foi aprovado em 1966 por um Decreto-Lei- hoje, se quisermos revogar uma norma do CC, podemos
revogar o CC por via de um regulamento? NÃO, porque o regulamento não te força hierárquica para modificar
um Decreto-Lei. Como sabemos a força jurídica deste Decreto-Lei? É a Constituição que vigorava na altura da
sua aprovação que determina a sua eficácia.

Pós eficácia das normas (?)- Norma de uma Constituição que já não está em vigor e que ainda pode produzir
efeitos. A força jurídica de uma norma de direito ordinário é sempre dada pela Constituição vigente à ordem
que foi emanada.

55
Direito Constitucional I Leonor Branco Jaleco

Inconstitucionalidade Pretérita- Desconformidade de uma norma de direito ordinário face a um texto


constitucional que já não está em vigor.

56

Você também pode gostar