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Oral de melhoria Direito Constitucional I - Tema: Os grandes desafios do

Estado de Direitos Humanos: Os “totalitarismos” do século XXI

Bibliografia principal: Instituições políticas e constitucionais- Volume I- Paulo Otero;


Democracia Totalitária: Do Estudo Totalitário à Sociedade Totalitária- Paulo Otero; O
Sistema Político- Carlos Blanco de Morais; Filosofia do Direito- Pedro Soares Martinez;
Minha luta- Adolf Hitler; A Doutrina do Fascismo- Benito Mussolini; Para além do Bem
e Mal- Nietzsche; O Anticristo- Nietzsche; Princípios da Filosofia do Direito- Hegel;
Leviathan- Thomas Hobbes; A República- Platão; Filosofia do Direito e do Estado-
Volume I- Luís Cabral de Moncada; História do pensamento político ocidental- Diogo
Freitas do Amaral

Pontos a abordar:

1. O que é o Estado de Direitos Humanos?

2. Principais desafios ao Estado de Direitos Humanos: Principais perigos com que


o Estado de Direitos Humanos se confronta, no século XXI

3. O porquê de escolher o desafio dos movimentos totalitários

4. O que é o totalitarismo, os seus pilares e as suas bases filosóficas

5. Diferenças entre o autoritarismo e o totalitarismo

6. Origem do totalitarismo- Contribuição histórico-conceptual para a formação do


modelo de Estado totalitário

7. Contribuição e influência de Nietzsche para o totalitarismo

8. Contribuição e influência de Hegel para o totalitarismo

9. Contribuição e influência de Hobbes para o totalitarismo

10. Contribuição e influência de Platão para o totalitarismo

11. A originalidade histórica do totalitarismo

12. Os regimes políticos totalitários

13. A tripla ameaça totalitária

14. Principais conclusões


1- O que é o Estado de Direitos humanos? - É o Estado que se baseia numa concessão
assente nos valores judaico-cristãos. Ao assentar nestes valores, significa a importância
da liberdade e da dignidade da pessoa humana, a ideia de que o poder tem limites.
Assenta ainda no pensamento de Kant, e na filosofia de uma concessão existencialista.
Não interessa o todo dos seres humanos como uma realidade abstrata, mas sim como
ser vivo concreto. Cada um de nós tem uma pluralidade de dimensões que se resume
em três ideias:

Cada um de nós é um individuo; Cada um de nós pertence à coletividade; Cada um de


nós é parte da humanidade;

Estado de direitos humanos→ Envolve então seis principais ideias:

A primeira- É que o Estado de direitos humanos é o modelo de sociedade alicerça


dono respeito pela dignidade pela pessoa humana: A dignidade humana é um
contributo do pensamento judaico-cristão e do pensamento Kantiano: O
existencialismo. O ser humano é sempre um fim em si mesmo, nunca é um meio. Cada
ser humano é individualmente consagrado.

O respeito pelo ser humano não é uma dádiva do poder, é o ser humano que se impõe
ao poder como uma realidade superior e anterior.

Todos temos a mesma dignidade, esta não varia consoante as pessoas, mas quem não
tem compreensão e consciência deveria ter ainda mais dignidade. A dignidade
prolonga-se para além da morte, é irrenunciável e inaliável, mesmo que admita uma
decisão voluntária e consciente. Exige respeito e proteção da vida e da integridade
física. A dignidade pressupõe uma concessão de liberdade e igual participação política:
1 homem = 1 voto.

Não existe dignidade sem liberdade. Existência convicta: Não basta existir para ter
dignidade. A dignidade exige um espaço próprio, imune a intervenção do Estado,
impondo segurança, pois o Estado também o faz para manter justiça social. Não deve
nunca existir um Estado totalitário. Um primado do ser sobre o ter, porque as pessoas
têm mais valor do que as coisas. A dignidade humana é um princípio, um valor, um dos
primeiros da Constituição: Envolve uma obrigação geral de respeito. A minha
dignidade tem o limite da dignidade dos outros. A dignidade humana é a base de todos
os direitos humanos.

A segunda- É a função constitucional da dignidade: Síntese da consciência jurídica


universal. Primeiro princípio do ordenamento jurídico de valor absoluto, é uma
obrigação geral de respeito, que se projeta sobre todo o ordenamento jurídico. Tem 3
dimensões essenciais:

Dimensão vertical→ Relação da pessoa perante o Estado. Cria uma obrigação do


Estado não só de defender/proteger, mas também garantir a dignidade;

Dimensão horizontal→ Projeção da dignidade da pessoa sobre todos;


Dimensão autorreferencial/diagonal→ Não podemos alienar nossa a própria
dignidade. A dignidade é uma vinculação universal? Sim. É então uma vinculação
temporal de sentido da história.

Direitos e deveres da dignidade humana: Pessoais, sociais e políticos.

A terceira- É a garantia e a defesa da cultura da vida: A inviabilidade da vida humana –


Legitima defesa é uma exceção;

A defesa da vida prossupõe livre desenvolvimento da personalidade, com momentos


de maturidade diferentes. Exemplo: Podem ou não os pais proibir tatuagens nos filhos
ou a mudança de sexo? Até que ponto é que os pais podem impor concessões
ideológicas como a religião?

Vinculação termológica da investigação científica e tecnologia devem estar ao serviço


da pessoa humana, nunca entrando em confronto. Caso contrário, é ilícito
(Experiências humanas como cobaias);

O princípio da solidariedade do Antigo Testamento. A ordem jurídica deve preferir a


inseminação artificial à adoção? A adoção é solidariedade.

A quarta- É a vinculação internacional à tutela dos direitos fundamentais: Princípio da


solidariedade – As matérias sobre direitos fundamentais/humanos não são uma
questão exclusiva do Estado. São questões que têm a ver com toda a dignidade natural
→ Internacionalização da tutela dos DF:

 O reconhecimento do valor hétero-vinculativo e do direito internacional (Ius


Cogens);

 A constituição internacional tem primado sobre as constituições do Estados,


que estão subordinadas, assim como o Estado face a jurisdição internacional;

 Há tribunais específicos que podem julgar as pessoas responsáveis por crimes


contra a humanidade;

Normas constitucionais sobre direitos fundamentais têm uma eficácia reforçada. Mais
fundamentais que as restantes normas: A eficácia reforçada nas normas
constitucionais → Exemplos (4):
1) As normas são dotadas de aplicabilidade direta: Normas sobre direitos
fundamentais aplicam-se na ausência de lei ou contra lei expressa. Artigo 17º
da CRP em conjugação com o artigo 18º Nº1.

2) As normas do direito fundamental vinculam entidades públicas e privadas.

3) O princípio da interpretação conduz à máxima efetividade de uma norma.

4) A relevância que tem em matérias nucleares, a designada proibição do


retrocesso da proteção jus fundamental. - Por exemplo: Se uma pensão é de
100, não é possível arbitrariamente que passe para um valor inferior – Este
conceito visa evitar a deliberação arbitrária.

A quinta- É a existência de um poder político democrático: - Assenta em democracia


humana, uma democracia empenhada numa ordem de valores, ao serviço da pessoa
humana, com a existência de pressupostos funcionais.

A sexta- É a última e é a existência de uma ordem jurídica axiologicamente justa: - A


ordem de valores justa, que naturalmente pressupõe garantias a favor da justiça: O
recurso às estruturas do Estado para garanti-la (tribunais).

O modelo perfeito de um Estado de direitos humanos, reúne estas 6 características. Se


não existirem os dois primeiros requisitos, não existe Estado de direitos humanos. Um
Estado que consagra a pena de morte, nunca será um Estado de direitos humanos.

Respeito pela dignidade da pessoa humana e garantia de defesa: Sem estes não há́
estado de direitos humanos.

Estado de Direitos Humanos:

 Garantia da pessoa humana;


 Garantia e defesa da cultura da vida;
 Vinculação à internacionalização da tutela dos direitos humanos;
 Eficácia reforçada das normas constitucionais;
 Poder político democrático;
 Ordem jurídica axiologicamente justa

2- Principais desafios ao Estado de direitos humanos: Perigos com que o estado de


Direitos Humanos se confronta, no século XXI- 1- Reconhecer a sobrevivência de
movimentos totalitários na democracia, que não está isenta do perigo do
totalitarismo.
Este vírus é o mesmo que o de uma pandemia, pensamos que pode estar neutralizado,
mas pode sempre voltar. Desenvolvimento de uma cultura da morte; Risco de
retrocesso histórico na garantia da vida

2- A existência de uma cultura de morte: Há um eclipse do valor da vida e da sua


inviolabilidade. A realidade do ser humano é uma realidade antes do ganho da
personalidade jurídica (Nascimento) e o Estado deve garantir e nunca atentar os
direitos humanos. Somos pessoas não pela constituição, mas por termos adquirido
com o nosso nascimento.

3- A divinização do princípio maioritário: A maioria é um puro critério matemático


para resolver questões de menos importância. O essencial escapa ao princípio
maioritário→ Artigo 1º da CRP: Dignidade humana e soberania popular. Ideia de que a
maioria tem sempre razão leva a conceções de positivismo legalista – Conceção do
Direito que diz que só é Direito o que está na lei escrita. Sabe-se que há mais Direito
do que apenas a lei escrita. Por exemplo- Será que o genocídio nazi seria legítimo se
tivesse sido referenciado?

4- Uma desorientação de um progresso tecnológico e científico: Só faz sentido que


seja a favor do Homem, nunca contra o mesmo. Até que ponto é que alguns
desenvolvimentos estão eticamente cegos? Ditadura da ciência e da técnica, fazendo
que apenas seja válido aquilo que a ciência e a técnica nos transmite. Há, por vezes,
uma cegueira ética na utilização da ciência e da técnica. Por exemplo- Biomedicina;
Ideia de que haverá uma total disponibilidade do corpo (Por exemplo- Venda de
órgãos)

5- Modelo de sociedade de vigilância total: Todos nós somos suspeitos de fazer ou ter
feito algo de errado. Perseverança da segurança em prol da liberdade, pois com o 11
de setembro, foi aumentada a vigilância, o que evitou vários atentados, contudo, criou
uma entidade omnipresente. Há hoje uma prevalência do valor da segurança, que
torna atual Hobbes, e que transforma o modelo de George Orwell.

6- A perversão do modelo de sociedade de informação: É agravado em situações de


globalização: Risco de instrumentalização das pessoas, através dos meios de
comunicação social. Será legitimo dispor da nossa privacidade? (Por exemplo-
Participar num Big Brother). Hoje temos excesso de informação, e este não é apenas a
globalização dos assuntos. Estamos sujeitos à manipulação da informação.

7- A intolerância: É uma característica da história. Um Estado alicerçado na


democracia romana, deve tratar sempre com tolerância, mesmo aqueles que são
incoerentes. Não se deve responder da mesma maneira, quando atacados (Por
exemplo: Racismo e xenofobia). A intolerância religiosa, que tanto é o fanatismo de
quem a tem, como o fanatismo ateu, são exemplos vivos disto mesmo. Por último, a
intolerância política que conduz ao terrorismo. É um traço caracterizador da
humanidade. Há um esforço que cada um de nós faz todos os dias para não ser
intolerante. Quando se aborda o tema de intolerância podem ser três tipos de
intolerância entre os quais:
- Intolerância Social - Manifestada através do racismo e pela xenofobia

- Intolerância Religiosa - Querer impor a sua conceção de Deus ou ausência de Deus

- Intolerância Política - No caso o terrorismo

A intolerância é hoje um dos grandes desafios ao Estado dos Direitos Humanos. A


pergunta que se faz é "Como é que uma sociedade justa quer tratar os intolerantes?"

- Devemos ser tolerantes para os intolerantes, exceto se os intolerantes pretenderem


destruir pela força a sociedade.

Assim o Estado de Direitos Humanos não está completamente adquirido.

Isto permite colocar a última questão: Será que hoje ainda se vive estes desafios e
perigos? Nós hoje estamos numa encruzilhada, não apenas no presente, mas também
no futuro.

Será que a democracia ainda é um governo do povo, para o povo?

3- O porquê de escolher o desafio dos movimentos totalitários- Sendo um dos temas


mais atuais devido às questões dos direitos humanos como a questão da violação
destes, escolher explorar o perigo e o desafio dos movimentos totalitários em
contraste com o estado de direitos humanos é relevante e crucial para compreender
as dinâmicas políticas e sociais que moldam o nosso mundo contemporâneo. Existem
várias razões fundamentais para esta minha escolha.

Os movimentos totalitários são frequentemente caracterizados por uma concentração


excessiva de poder nas mãos de um líder ou grupo dominante, o que pode resultar na
supressão dos direitos humanos básicos. A história tem testemunhado regimes
totalitários que desrespeitaram a dignidade humana, promovendo a censura, a
perseguição política e étnica, a tortura e outras violações dos direitos fundamentais.
Estes movimentos muitas vezes prejudicam e eliminam as instituições democráticas,
substituindo-as por estruturas autoritárias. Isto pode levar a uma falta de separação de
poderes, fragilizando os mecanismos de controle e equilíbrio que são essenciais para a
proteção dos direitos humanos. A erosão gradual das instituições democráticas é um
fenómeno que merece atenção, pois pode abrir caminho para abusos de poder.

Os líderes totalitários muitas vezes impregnam técnicas de propaganda e controle dos


media para manipular a opinião pública. Este controle da narrativa pode criar uma
realidade distorcida, onde os direitos humanos são relativizados e justificações são
apresentadas para ações que, em um contexto democrático, seriam consideradas
inaceitáveis. Essa manipulação contribui para a perpetuação do regime totalitário.
Assim o surgimento de movimentos totalitários também apresenta desafios
significativos para a comunidade internacional.

A resposta a tais ameaças requer uma cooperação global eficaz para conter a
propagação de ideologias autoritárias e proteger os direitos humanos em escala
internacional. A inação ou a resposta inadequada podem permitir que regimes
totalitários continuem a violar os direitos humanos impunemente.

Ao analisar os perigos e desafios dos movimentos totalitários, destaca-se a importância


fundamental dos direitos humanos. Este contraste serve como um lembrete dos
valores fundamentais que sustentam sociedades justas e democráticas. Isto incentiva a
reflexão sobre a necessidade de preservar e fortalecer as instituições que protegem
esses direitos, promovendo uma cultura que valorize a liberdade, a igualdade e a
dignidade de todos os indivíduos.

Em última análise, a escolha de explorar o perigo e desafio dos movimentos totalitários


em relação ao estado de direitos humanos é uma abordagem vital para compreender
as dinâmicas sociais e políticas e, assim, trabalhar na construção de sociedades mais
justas e respeitosas com os direitos fundamentais.

4- O que é o totalitarismo, os seus pilares e as suas bases filosóficas- O totalitarismo é


supressão da liberdade e dos direitos fundamentais. A individualidade ficava absorvida
pelo Estado, no caso da China no plano da vida privada, não podem ter religião, por
exemplo.

Portugal no Estado Novo era autoritário, se não incomodassem o Estado estava tudo
bem. Tem como principais bases a coletividade, autoridade, a soberania das elites, a
violência, o sentimento e instinto.

Em termos de bases filosóficas os principais teorizadores do totalitarismo são Platão.


No caso de Platão que é o primeiro autor a defender o pensamento anti-humanista e
uma democracia totalitária- É assim o autor da anti constituição- afirma que o melhor
governo é o governo dos homens e dos sábios- O rei filósofo. Defende um Estado
intervencionista em todos os níveis, até a nível social, faz a diferença das pessoas
devido aos privilégios naturais. Este autor é usado como uma forma de justificar os
regimes totalitários. Afirma ainda a existência de uma sociedade estruturada
hierarquicamente, com uma elite filosófica que governa e molda a vida das pessoas
com base em princípios de justiça e virtude. Refere ainda a base da tirania, os reis
filósofos, governo dos homens acima das leis e pretende conservar pureza da raça.

Em suma, Platão, não é defensor do totalitarismo, mas suas obras contêm elementos
que podem ser relacionados à discussão sobre autoridade, poder e ética política, que
são relevantes para a compreensão do totalitarismo e do papel da autoridade no
governo. As suas ideias influenciaram de diferentes maneiras o pensamento político ao
longo da história.

5- Diferenças entre o autoritarismo e o totalitarismo- Antes de mais é importante


advertir para a diferença entre o totalitarismo e o autoritarismo devido ao facto que
por vezes são tidos como conceitos semelhantes. O autoritarismo caracteriza-se
essencialmente pela restrição da liberdade, da dignidade humana e dos direitos
fundamentais, já o totalitarismo é supressão total da liberdade e dos direitos
fundamentais. A individualidade ficava absorvida pelo Estado, no caso da China no
plano da vida privada, não podem ter religião, por exemplo.

6- Origem do totalitarismo- Contribuição histórico-conceptual para a formação do


modelo de Estado totalitário- Considera-se que o termo totalitarismo deve-se a
Mussolini devido ao facto de o termo ter sido utilizado pela primeira vez por este,
traduzindo-se assim na necessidade de um Estado forte, sendo totalmente oposto ao
egocentrismo individualista liberal, assume-se como garante da unidade italiana.
Independentemente da discussão da origem deste termo, o que é certo é que é em
Mussolini onde se encontra a mais completa e perfeita formulação do conceito de
Estado totalitário, destacado pela famosa frase- “Tudo reside no Estado e nada que
seja humano ou espiritual existe ou tem valor fora do Estado”. Afirma que o Estado é “a
verdadeira realidade do indivíduo”, não podendo assim este limitar a sua simples ação
como mecanismo de defesa das liberdades individuais.

O Estado é considerado um valor absoluto, ou seja, os indivíduos e os grupos são


irrelevantes face a estes, o individuo existe porque está subordinado ao Estado e às
suas necessidades, sendo que é neste que cada indivíduo encontra a sua liberdade.
Este é considerado como consciência e vontade universal do homem na sua existência
histórica, os limites das vidas individuais representa a consciência imanente da nação.
Em suma o Estado é o guardião e transmissor do espírito do povo tal como foi sendo
elaborado através dos séculos, resumindo-se assim na frase “Tudo no Estado, nada fora
do Estado, nada contra o Estado”

Mussolini: Tudo reside no Estado e nada que seja humano ou espiritual existe ou
tem valor fora do Estado. Valor absoluto do Estado perante a pessoa. É dentro do
Estado que a pessoa pode ser livre.

7- Contribuição e influência de Nietzsche para o totalitarismo- Este autor está


diretamente ligado e relacionado com o surgimento do totalitarismo de direita,
defende uma conceção política extremista elogiando a crueldade e condenando a
piedade, a obra deste autor encerra reflexões de cariz racista devido ao facto de este
abordar a extinção de povos e raças ditas inferiores.
O pensamento deste foi explorado e aproveitado pelos defensores do totalitarismo
essencialmente em três aspetos:
1- É fortemente anticristã, procurando aglutinar, valorizar e elogiar todos os valores
opostos ao conjunto de valores que o cristianismo trouxe ao mundo ocidental;
2- Para além deste pensamento anticristão, este tem um pensamento antissemita,
expresso por uma profunda crítica ao papel histórico e social dos judeus, sem prejuízo
de por eles revelar uma “gratidão” irónica, é assim possível extrair das suas obras mais
conhecimentos deste profundo sentimento antissemita; 3- Contesta um dos princípios
basilares oriundo da cultura judaico-cristã da igualdade dos homens perante o Deus,
assim Nietzsche proclama a existência de diferentes tipos de homem, encontrando na
ideia de igualdade subjacente ao cristianismo e à democracia a raiz da mediocridade,
isto é, o domínio dos fortes pelos fracos. No entanto é na noção de super-homem
enquanto tipo superior relativamente ao conjunto da humanidade e contra qual o
cristianismo travou uma “guerra de morte”, que este idealiza o seu modelo para o
futuro do homem, traduzindo a solução para a crise da sociedade moderna;

As considerações formuladas sobre o pensamento de Nietzsche permitem extrair como


principais conclusões a inversão da ordem axiológica subjacente a toda a história
cultural europeia resultante do cristianismo, há assim uma rutura da tradição ocidental
cristã, valorizando a guerra em detrimento da paz, protegendo-se o forte e propondo-
se o aniquilamento do fraco. Abre as portas para um modelo de sociedade sem
qualquer referência à dignidade humana, defende um Estado desvinculado de limites
morais, dando primazia ao poder forte, exercido pelos mais fortes e empenhado na
defesa e na garantia da raça superior.

Este contributo ideológico subjacente ao totalitarismo não começa com Nietzsche,


nem com ele se esgota.

Está aqui a base do Nazismo e do pensamento de Hitler

Nietzsche: Elogia a crueldade e condena a piedade. Os povos mais fracos devem


ser extintos. Bondade e benevolência são sinónimos de decadência e fraqueza. Deus
apenas existe e é para os fracos. É um super-homem que tem a força e preparação
para dirigir uma sociedade (Forte>Fracos). A crueldade é admissível para chegar à
grandeza. Há um elogio da crueldade, esta é admissível, assim como Maquiavel, e
crítica à piedade que é símbolo da fraqueza. É a crueldade que se deve afirmar,
assim defende que há diferenças de raça, isto permite identificar o principal
culpado da crise económica e social na Alemanha, neste caso os judeus. É afirmado
que se deve extinguir as raças inferiores, para isso a guerra sobrepõem-se à paz. Há
assistência do Estado para a morte destes, constitui a antítese ao liberalismo. Este
pensamento é contra doutrina cristã, vai constituir a base do Nazismo que mais
tarde vai levar ao retrocesso do processo histórico acerca da dignidade humana.

8- Contribuição e influência de Hegel para o totalitarismo- O Estado totalitário pode


também se encontrar numa certa interpretação da filosofia hegeliana sobre o Estado,
partindo a formulação transpersonalista dos fins dos Estados que se opõem ao
personalismo ou humanismo.

Este afirma que os interesses particulares e coletivos apenas adquirem plena satisfação
no Estado, porém é de ter em conta que os interesses destes estarão sempre
subordinados ao interesse superior do Estado. Assim entende que o Estado é a
expressão da íntima unidade entre o universal e individual, afirmando claramente que
o indivíduo apenas pode realizar a sua liberdade como membro do Estado, sendo
dentro deste que a liberdade adquire o seu valor supremo. Hegel eleva o Estado a uma
entidade divinatória e que o indivíduo apenas se realiza por completo neste. O
pensamento de Hegel observa-se em três ideias nucleares que se encontram
subjacentes à formulação conceptual da ideia do Estado totalitário- 1- O Estado é uma
instituição forte, absoluta, vocacionada para a prossecução da universalidade de fins,
traduzindo uma “unidade ética substancial” e, por isso representa um fim em si
mesmo, local de síntese entre o individual e coletivo ou espaço de dissolução do
individual no coletivo; 2- A liberdade apenas se compreende no âmbito do Estado,
surgindo este como a única expressão da liberdade pública, verdadeiro senhor da
definição da fronteira entre o que é permitido ou proibido em matéria de liberdade; 3-
Há uma clara subordinação do individuo ao Estado, assumindo-se este como senhor
dos destinos e dos direitos daquele numa clara visão transpersonalista

No contributo de Hegel na formulação transpersonalista do modelo de Estado


totalitário, a verdade é que o totalitarismo vivido no século XX não é um produto
hegeliano típico: Hegel limitou-se a fornecer ao totalitarismo um enquadramento
global das relações entre o individuo e o Estado, ou se se quiser, a filosofia hegeliana
“proporcionou o cimento teórico” ao totalitarismo.

Hegel: O indivíduo apenas pode realizar a sua liberdade dentro do Estado. É


apenas como membro do Estado que o indivíduo tem objetividade, verdade e
moralidade. Três ideias chaves: O estado é uma instituição forte, absoluta,
vocacionada para a prossecução da universalidade de fins; A liberdade apenas se
compreende no âmbito do Estado; Há uma subordinação do indivíduo ao Estado. O
direito constitucional está exclusiva e naturalmente centrado no Estado como seu
pressuposto. A outra face: Valor da liberdade e da dignidade da pessoa.
Sê uma pessoa e respeita os outros como pessoas + A dignidade humana envolve
uma exigência de reconhecimento recíproco. A convergência de faces: É no Estado
que a liberdade se realiza e nele o indivíduo tem e saboreia a sua liberdade; O
Estado é a vida ética, sendo nele que o homem tem a sua essência e a quem tudo
deve. Há uma divinização do Estado, este é o maior garante. O Estado é
verdadeiramente onde cada um de nós se afirma como pessoa, defende a conceção
anti personalista, há assim uma referência superior, o Estado é divinizado, o individuo
está numa referência superior que é o Estado.

9- Contribuição e influência de Hobbes para o totalitarismo- Podemos encontrar


ainda em Hobbes uma outra potencial fonte do modelo novecentista de Estado
totalitário, este adota uma posição muito pessimista sobre a natureza humana
encontrando no Estado, enquanto expressão de um contrato social que envolveu a
alienação para um soberano do direito de cada homem se governar a si próprio, a
solução para a paz e o bem comum de uma coletividade que, vivendo no seu “estado
de natureza”, se destruiria.

O Estado é, deste modo, a única salvaguarda do indivíduo. encontram-se em Hobbes o


uso do terror ou do medo que inspira a aplicação aos súbditos do castigo decorrente
de qualquer violação do pacto a principal fonte da sua autoridade, determinando a
conformação da vontade de todos eles em obedecer, porém a desobediência dos
súbditos é o maior inconveniente que se pode colocar a um governo. Deste modo os
súbditos têm a obrigação de não “incomodar” aquele a quem foi confiado o poder, não
podendo assim contrariar o pacto, tendo transferido qualquer direito à resistência. Em
contrapartida porque a vontade do soberano instituído representa a vontade de cada
um dos súbditos, daí que cada um deles não pode manifestar oposição contra algo do
Estado.

Num outro sentido o Estado de Hobbes concentra em si todos os poderes decisórios


públicos e demonstra-se fortemente interventivo, procurando realizar tudo o que for
necessário para o bem público, incluindo a faculdade de controlar as opiniões e as
doutrinas de todos aqueles que expressam publicamente, tal como a promoção do
ensino e da instrução do povo no respeito pelas orientações do poder soberano. É
afirmado ainda que o poder soberano deve ser absoluto e ilimitado, pois perante a
falta deste numa situação por exemplo de guerra perpetua entre os homens são muito
piores do que o caracter ilimitado do poder do Estado. Assim o Estado não está sujeito
às leis civis, podendo sempre que queira, libertar-se da sua execução. O soberano é o
único legislador e a lei civil nunca é injusta. Defende que um Estado é absoluto e
omnipotente, o mais totalitário de todos os Estados cujo poder se deve estender a
todas as esferas da vida, desde a política até à espiritual, incluindo a ética e a religiosa.

É necessário ter em conta quatro os principais elementos reveladores da influência de


Hobbes no totalitarismo: 1- O Estado não se funda numa ordem axiológica ou
teleológica decorrente das ideias de justiça ou de liberdade, antes são razões de
segurança que justificam o Estado, verificando-se que são o terror e o temor que
alicerçam uma obediência ilimitada por parte dos súbditos; 2- O Estado de Hobbes é
ilimitado no seu poder, seja por recusar qualquer ideia de separação de poderes no
interior do próprio Estado, seja por se revelar intervencionista na vida dos súbditos e
da sociedade, transformando-se num monstro administrativo que tudo quer controlar
e dirigir, inclusive a liberdade de pensamento e o ensino; 3- Confere ao Estado o
monopólio do exercício do poder legislativo e fazendo da vontade do soberano
legislador o único critério de justiça das leis civis. Um criador do precedente do Estado
totalitário em que o chefe soberano está acima do Direito; 4- A amplitude
intervencionista do Estado em Hobbes, tal como aconteceu com modelo totalitário do
século XX, envolvendo a ideia de um tudo ou nada em termos de que sem este modelo
de Estado será a destruição completa da coletividade, exige uma total rendição do
indivíduo do Estado, criando-lhe mesmo o dever de não impedir a ação do soberano;
Não obstante a tudo o que foi referido existiam três principais espécies de limites: 1-
Os direitos inalienáveis que não eram passíveis de renúncia; 2- Caso o Estado não
garantisse segurança aos seus súbditos, estes podiam não obedecer ao soberano; 3-

Como já tem sido sublinhado, o totalitarismo hobbesiano é contraditório e assenta


numa raiz individualista:
Hobbes defende, simultaneamente, um Estado ilimitado e o respeito por direitos
inalienáveis dos indivíduos, devendo-se sublinhar que são ainda interesses dos
indivíduos que justificam o Estado e, caso este não seja capaz de os garantir, então
acaba por desaparecer a própria razão de ser do Estado. Não existe aqui, note-se,
qualquer conceção transpersonalista do Estado: Isso recolheu o totalitarismo de Hegel.
Deste modo, em conclusão, sem prejuízo de toda a influência que a conceção
hobbesiana de Estado teve junto do modelo de Estado totalitário do século XX, a
verdade é que Hobbes não pode ser considerado o fundador do totalitarismo.

Hobbes: O Estado com poder ilimitado fundado na força e no medo. O Estado é a


única salvaguarda do indivíduo. A desobediência dos súbditos é o maior
inconveniente que se pode colocar a um governo. O poder soberano deve ser
absoluto e ilimitado. O soberano é o único legislador e a lei civil nunca é injusta.
Liberdade só dentro da lei, ou seja, dentro da permissão do soberano. A segurança
é um valor superior aos direitos individuais, o Estado tem um poder ilimitado, garante-
se com através da força e do medo, estes fazem com que existia a segurança que é
garantida pelo Estado.

10- Contribuição e influência de Platão para o totalitarismo- Recuando ainda mais no


tempo, pode-se encontrar em Platão na sua obra a República uma primeira formulação
de um modelo totalitário de Estado ou pelo menos, a recondução política ao exercício
de um poder arbitrário e totalitário. A conceção de Estado que está subjacente ao livro
A República aponta para uma fonte de inesgotáveis contributos edificadores de um
modelo unitário de Estado totalitário: 1-

Surge a ideia de que o governo do Estado deve ser assegurado por um chefe que,
detentor da sabedoria e da verdade, seja infalível e goze de uma autoridade
proveniente de um chamamento inorgânico de toda a coletividade, situando-se acima
das leis, consagrando a preferência pelo governo dos homens sobre um governo das
leis; 2- Deve-se à formulação do entendimento de que a cidade ou o Estado são
portadores de interesses próprios, distintos dos interesses dos seus membros e
dotados de uma prevalência absoluta destes. Esta circunstância esta que permite
combater o individualismo e aniquilar totalmente os direitos e as liberdades dos
cidadãos no interesse da cidade e por outro lado habilita a utilização de meios
normalmente ilícitos para a realização de tais interesses prevalecentes, em suma trata-
se de um Estado cujo fins justificam os meios (Maquiavel); 3- Existe a formulação de
um modelo de Estado total, dotado de um grau máximo de intervenção relativamente
a todos os setores da vida social e da própria vida privada e íntima de cada pessoa
incluindo o exercício de funções do papel natural da família e de promotor da
educação e da instrução dos jovens de harmonia com o interesse da cidade;
A doutrina política de Platão afirma-se como “totalitarista e anti-humanista”, o Estado
dá-nos aquilo a que poderíamos denominar o tipo racional mais perfeito de Estado
totalitário, de modelo aristocrático, dórico e espartano. O individuo dentro dele, só
existe e vive para o Estado, não há direitos da pessoa humana, a grande missão do
Estado é a de educar os cidadãos para o bem e para a virtude que é, por definição, o
mesmo que o verdadeiro conhecimento da razão. Platão centra na justiça, enquanto
“coisa mais importante e mais necessária” para a organização da cidade de acordo com
as leis, o fim da atuação dos governantes, vinculados que estavam a servi-la e a
trabalhar para o seu envolvimento. Pressupõem uma completa dedicação dos
indivíduos ao bem comum, compreende-se que o governante da cidade, identificado
com aquele que tem a sabedoria e a virtude, isto é, o filósofo, estivesse isento de se
submeter às leis e exercesse um poder absoluto: A sua sabedoria torná-lo-ia infalível na
processução do bem, ou seja, da justiça.

Em síntese, o totalitarismo do século XX, tal como outras ideologias que a história
regista ao longo dos tempos, escutou-as e procurou colocá-las em prática: O ideal e o
irreal da República tornou-se material e real no modelo de Estado totalitário.
Exclusivamente neste último sentido, sem prejuízo de todas as diferenças que opõem o
totalitarismo racional, ideal e fundado numa ética universal que resulta da conceção
platónica, por um lado, ao totalitarismo irracional, nacionalista e egoísta do século XX,
por outro, Platão deve ser considerado o dador (involuntário) do material genético do
moderno totalitarismo.

Platão- Na República é o primeiro autor a defender um pensamento anti-humanista e


uma democracia totalitária, há privilégios naturais que diferenciam determinadas
pessoas das demais.

O Estado tem como objetivo conservar a pureza da raça, ou seja, o Estado pode matar
os deficientes, idosos e doentes. O melhor governo é o governo dos homens e dos
sábios, é em Platão que está a base da tirania. o Estado deve ter uma intervenção até
em nível social, é assim primeiro alicerce do modelo totalitário.

11- A originalidade histórica do totalitarismo- O totalitarismo marca, deste modo, a


diferença entre, por um lado, um governo fundado no respeito e na garantia das
liberdades públicas e dos direitos fundamentais e, por outro lado, um governo baseado
na força e violência nas ruas através das organizações paramilitares, dos campos de
trabalho forçado e de concentração. Neste último sentido, o surgimento do
totalitarismo na história política ocidental do século XX, trazendo toda uma nova
conceção global de exploração do homem pelo homem e de intolerância face à
diferença, permite compreender que a evolução do processo histórico não exclui a
irreversibilidade de posições adquiridas, nem assenta, necessariamente, numa regra de
dinâmica evolutiva linear ou uniforme.
12- Os regimes políticos totalitários- A circunstância de todos os principais regimes
totalitários se terem desenvolvido durante a primeira metade do século XX e, por outro
lado, o fascismo, o nazismo e o sovietismo terem tido o seu epílogo ainda durante o
século XX não permite concluir, sem mais, que o totalitarismo seja hoje uma realidade
extinta.

Desde logo, cumpre ter presente que o atual regime chinês, sem embargo da sua
progressiva abertura económica - talvez mais motivada por razões pragmáticas de
sobrevivência num mundo cada vez mais globalizado e de concretização do desejo
último de anexar a Formosa do que por qualquer sincera opção ideologia de cedência
ao capitalismo -, continua politicamente baseado numa conciliação entre o marxismo-
leninismo e o maoismo, mostrando-se ainda hoje uma poderosa
força alimentadora da sobrevivência dos principais traços do totalitarismo

Os exemplos de Cuba e de diversos Estados africanos e asiáticos, sem prejuízo de todos


os seus disfarces ou máscaras de cariz democrático, mostram-se ainda hoje ilustrativos
da sobrevivência do totalitarismo como regime político efetivamente vigente

Num outro sentido, durante a década de 90, o território da ex-Jugoslávia tem sido
palco de diversas manifestações do mais típico espírito de intolerância totalitária e de
um radical esmagamento da dignidade da pessoa humana, especialmente expressos na
violência institucional desencadeada pelo poder político contra certos grupos étnicos,
relembrando o clima de terror provocado pelos extermínios raciais ocorridos na
Alemanha nazi e na União Soviética de Estaline.

A negação da dignidade de cada ser humano, a ausência de pluralismo político e a


institucionalização de uma violência organizada pelo próprio poder contra grupos
indefesos de pessoas traduzem, em síntese, os elementos nucleares dos atuais regimes
políticos de matriz totalitária que, deste modo, se configuram como herdeiros ou
sobreviventes do espírito totalitário da primeira metade do século XX.

13- A tripla ameaça totalitária- O Estado de Direitos Humanos encontra-se sujeitos a


uma tripla ameaça totalitária, sendo esta constituída pela sobrevivência dos regimes
políticos totalitários, o surgimento de movimentos políticos herdeiros do totalitarismo
e a impregnação totalitária da democracia

Sobrevivência dos regimes políticos totalitários- Temos como principais exemplos, o


caso de Cuba, da Coreia do Norte e ainda de diversos Estados Africanos, sem prejuízo
de todos os seus disfarces ou máscaras de cariz democrático, mostram-se ainda hoje
ilustrativos da sobrevivência do totalitarismo como regime político efetivamente
vigente. O século XXI revela, segundo os exemplos expostos, que o Estado de Direitos
Humanos é ainda em amplas áreas do mundo apenas uma miragem e até podendo
afirmar que é uma utopia devido a diversos fatores sendo os principais:

A negação da dignidade de cada ser humano vivo e concreto, a ausência do pluralismo


político;
Institucionalização de uma violência organizada pelo próprio poder contra diversas
pessoas que traduzem, em síntese, os elementos nucleares dos regimes políticos de
matriz totalitária que, deste modo, se configuram como herdeiros ou sobreviventes do
espírito totalitário da primeira metade do século XX.

O surgimento de movimentos políticos herdeiros de totalitarismo- Abstraindo-nos de


determinadas experiências políticas que continuam fiéis a regimes de matriz totalitária

A defesa do totalitarismo encontra-se hoje presente, desde logo, em partidos e


movimentos políticos que têm como campo de atuação Estados pluralistas,
verificando-se que alguns deles se encontram integralmente enquadrados no sistema
democrático, renunciando à conquista do poder por meios violentos, e funcionando,
assim, como quaisquer outros participantes do respetivo jogo eleitoral.

Observa-se aqui, deste modo, uma radical mudança em relação à situação


anteriormente vivida: se antes os partidos e movimentos políticos defensores de
conceções totalitárias não eram aceites pelos restantes intervenientes que se moviam
no quadro democrático ou, segundo outra hipótese, esses próprios partidos ou
movimentos políticos extremistas não aceitavam participar no jogo democrático,
preferindo a luta armada e o terrorismos, a verdade é que hoje quase todos eles, e em
quase todos os Estados europeus, se encontram aceites pelo sistema democrático.

Há aqui, neste preciso sentido, um fenómeno de democratização formal de partidos


dotados de uma orientação ideológica não democrática.

Visando alterar o sistema dentro do próprio sistema, isto em vez de combater o


sistema fora dele e em termos passíveis de repressão jurídico-criminal, os partidos
extremistas, tal como antes sucedeu com os movimentos políticos que estiveram na
base da ascensão ao poder do fascismo em Itália e do nacional-socialismo na
Alemanha, submetem-se ao sufrágio eleitoral, expressando um sector da opinião
pública em quase todos os países da União Europeia, incluindo junto do Parlamento
Europeu.

Nos últimos anos têm registado em diversos Estados europeus, todavia, um


progressivo sucesso eleitoral de forças políticas de orientação alegadamente
enquadrável no âmbito de conceções fascistas ou nazis, verificando-se que o respetivo
programa apresentado ao eleitorado se centra quase sempre em três ideias nucleares:

1- Defesa de um nacionalismo xenófobo e intolerante: Os estrangeiros, em geral, e os


membros de certas etnias residentes no país, em particular, são considerados os
principais responsáveis pela falta de segurança pública e pelo desemprego;
2- Frenético apelo às noções de lei, autoridade e aos valores tradicionais,
responsabilizando diretamente os partidos políticos governativos - tanto de matriz
socialista como conservadora - e, deste modo, os protagonistas do próprio sistema
político vigente, pela anarquia, a corrupção, o tráfico de influências e a perda da
identidade nacional;

3- Revivalismo nostálgico e mitológico da história e da pátria, confrontando a glória do


passado com a decadência e a crise dos presentes, propondo uma reforma radical da
sociedade no sentido de devolver a prosperidade material aos cidadãos e o orgulho
pela respetiva nação no contexto dos restantes Estados europeus.

Também por esta via, os partidos políticos extremistas que aceitam as regras do jogo
democrático tornam-se hoje os fiéis depositários da sobrevivência, em modelos
democráticos, de projetos de poder portadores de uma tendência globalmente
totalitária, podendo-se assistir aqui a uma verdadeira «contrarrevolução silenciosa”
apesar de populista, cuja ponta de iceberg está a ser protagonizada pela extrema-
direita

Os partidos políticos extremistas, captando os desiludidos do sistema democrático,


especialmente através da repescagem dos abstencionistas podem tornar-se já amanhã
os sucessores governativos da atual oligarquia partidária

A sobrevivência da democracia será então um milagre: A democracia terá gerado em si


o seu próprio contrário

A impregnação totalitária da democracia- Diferentemente de todos os regimes


totalitários ainda hoje vigentes em diversos quadrantes do mundo ou de todos os
movimentos políticos que num ambiente pluralista se reivindicam herdeiros de um
projeto de sociedade totalitária, a verdade é que ainda se pode encontrar uma terceira
manifestação da sobrevivência do totalitarismo ou, pelo menos, de certas
manifestações do fenómeno totalitário junto das modernas democracias pluralistas: ao
contrário de tudo quanto se possa imaginar, as democracias dos Estados de matriz
ocidental, apesar de fundadas nos princípios do pluralismo e da tolerância, revelam em
diversos aspetos da sua vivência social, política e cultural uma surpreendente presença
de vestígios típicos de modelos totalitários

Existirá aqui, em suma, uma subtil e paulatina impregnação totalitária da democracia.

Com efeito, uma elevada concentração de vestígios oriundos de uma anterior


experiência histórica totalitária ou, segundo outra hipótese, adotados por importação
ou contágio» de regimes totalitários mostra-se passível de originar formas degeneradas
de democracia ou, em boa verdade, uma democracia pré-totalitária, podendo-se
mesmo falar na formação de um modelo de ‹democracia totalitária» ou de ‹sociedade
totalitária».
Por aqui passará, afinal, a influência ou o legado que o totalitarismo do século XX
empresta à moderna democracia do século XXI, sabendo-se que, por efeito desta
perniciosa antítese - utilizando uma linguagem hegeliana -, o resultado ou a síntese
determinará, necessariamente, um novo tipo de democracia que, por natureza, será
sempre menos democrática: uma democracia que assentará numa conjuga-são ou num
cruzamento com alguns elementos de origem ou configuração totalitária.

Tendo em consideração o exposto, a identificação e a caracterização de alguns de tais


vestígios do legado totalitário existentes nas modernas democracias de origem
europeia será o objeto imediato de investigação, analisando-se para o efeito os quatro
seguintes fenómenos principais:

• O esvaziamento do «Estado de direitos fundamentais»;


• A divinização do princípio maioritário;
• A degeneração do progresso técnico-científico;
• A metamorfose do «Estado de partidos».

O sentido histórico do totalitarismo: É o que institucionaliza características como


matar indivíduos pela sua “raça”, é cruel. Toda a ordem axiológica judaico-cristã é
invertida. Vem dizer que a luta pela dignificação do ser humano não é sempre um
processo evolutivo, por vezes as constituições e o Direito Constitucional não servem
para garantir direitos, mas podem causar atentados contra a dignidade humana.

O moderno Estado pluralista, enquanto expressão de um modelo oposto ao Estado


totalitário, afirma ser, por definição, um “Estado de direitos fundamentais”: Trata-se
de um Estado baseado no respeito pela dignidade da pessoa humana e ao serviço da
garantia da inviolabilidade dessa mesma dignidade inerente a cada pessoa individual e
concreta.

O final do século XX deixou claro que a temática do reconhecimento e da garantia da


inviolabilidade dos direitos humanos deixou de ser um fenómeno circunscrito aos
limites territoriais internos de cada Estado, passando antes a traduzir numa questão
respeitante a toda a comunidade internacional: A violação dos direitos do homem já
não é um assunto do foro exclusivo do Estado em cujo território o facto ocorreu, antes
se configura como uma questão que a todos diz respeito.

14- Principais conclusões:

O desenvolvido estudo efetuado em torno da influência do totalitarismo sobre a


democracia em transição do século XX para o século XXI permitiu extrair, sem prejuízo
de todos os riscos de uma síntese, as seguintes ideias conclusivas principais:

Capítulo I- Totalitarismo e Estado totalitário: uma inovação do século XX?


O totalitarismo é um fenómeno político e jurídico complexo, caracterizado por cinco
elementos nucleares:

• Completa subordinação e instrumentalização do indivíduo ao Estado: o homem


existe para o Estado e não o Estado para o homem;

⁃ Ausência de pluralismo e de tolerância num sistema de partido único que


controla o Estado: duplicando os órgãos do Estado no interior do partido, pode-se
dizer que o Estado é o partido e o partido é o Estado;

⁃ Controlo estadual absoluto dos meios de comunicação e da sociedade: a


realidade é sempre vista na ótica do partido, funcionando este como a única janela da
realidade;

⁃ Permanente mobilização social num clima de irracionalidade, insegurança e


violência: o terror é a técnica constante de governo, falando-se na existência de um
Estado de terror institucionalizado;

⁃ Fulanização e arbitrariedade do poder: a vontade decisória do chefe,


controlando todas as estruturas internas do partido único e todos os poderes do
Estado, é dotada de infalibilidade e ilimitada na sua atuação;

⁃ Encontrando expressão no designado Estado totalitário, o totalitarismo é um


fenómeno surgido no século XX que, todavia, tem as suas origens mais remotas no
contributo proveniente do pensamento de Platão, Hobbes, Hegel e Nietzsche:

⁃ Platão foi o dador do material genético;

⁃ Hobbes materializou o conteúdo de um Estado total;

⁃ Hegel, além de divinizar o Estado, conferiu o cimento teórico da relação


transpersonalista entre o indivíduo e o Estado;

⁃ Nietzsche, rompendo com a axiologia de matriz judaico-cristã, propõe uma


ordem de valores invertida a esta última;

⁃ Negando toda a tradição organizativa jurídico-política e a ordem axiológica


oriundas da Revolução Francesa, o totalitarismo representa a mais completa e radical
subversão dos principais valores do cristianismo:

• A justiça é convertida em barbárie e crueldade;


• A tolerância transforma-se em intolerância e violência;
• A liberdade é transfigurada em autoridade e obediência;
⁃ Enquanto fenómeno específico e inovador do século XX, designadamente por
colocar o progresso da técnica e da ciência ao serviço de um modelo repressivo de
Estado baseado num forte cunho ideológico e radicalmente negador da dignidade da
pessoa humana, o totalitarismo diferencia-se, deste modo, da tirania, do absolutismo,
da ideologia contrarrevolucionária, do simples autoritarismo e ainda da democracia;

⁃ O totalitarismo e o modelo de Estado a ele inerente - o designado Estado


totalitário -, apesar de algumas vezes se reivindicarem ou qualificarem como
democracias, encontram expressão prática em quatro diferentes regimes políticos
totalitários: O fascismo, o nazismo, o sovietismo e o maoísmo;

⁃ O salazarismo, apesar de algumas semelhanças com o fascismo italiano, não se


reconduz, todavia, a um regime totalitário, antes se configura - e autoqualifica - como
sendo um regime autoritário;

Capítulo II- A sociedade totalitária: um legado para o século XXI?

⁃ Sem prejuízo da manutenção ainda de certos regimes de matriz ou origem


totalitária e de a história recente ilustrar algumas manifestações do terror totalitário,
além do significativo progresso eleitoral que certos movimentos políticos herdeiros do
totalitarismo têm registado nos últimos anos na Europa, o principal problema que hoje
se coloca ao moderno Estado democrático de matriz europeia traduz-se na
impregnação da própria democracia com elementos de natureza, origem ou efeitos
totalitários;

⁃ Um primeiro desses elementos de impregnação totalitária consiste no


progressivo esvaziamento do «Estado de direitos fundamentais, isto por três principais
razões:

• Por um lado, assiste-se a um alargamento ilimitado do número de posições


jurídicas subjetivas qualificadas de direitos fundamentais, além de um reconhecimento
da titularidade de direitos fundamentais a entidades públicas ou mesmo a conjuntos
não individualizáveis de pessoas, provocando-se, deste modo, uma consequente
debilitação da «fundamentalidade» dos próprios direitos fundamentais;

• Por outro lado, observa-se um paradoxal desenvolvimento de uma «cultura


de morte, deixando sem proteção ou, pelo menos, revelando um afrouxamento da
garantia de tutela da vida humana que se encontra em situações de maior debilidade
ou fragilidade;

⁃ Por último, regista-se uma crescente hipertrofia do Estado de bem-estar que,


sufocando a liberdade do indivíduo pelo excesso de intervencionismo estadual, se vai
convertendo em Estado de mal-estar;

⁃ Um segundo elemento revelador da mencionada impregnação totalitáriade


democracia consiste na divinização do princípio maioritário que, elevado a critério de
verdade, pode subverter a ordem material de valores da democracia e transformar
«democraticamente» o Estado em tirano;

⁃ Um terceiro tópico suscetível de mostrar o risco totalitário da moderna


sociedade reside na degeneração do progresso técnico-científico:

⁃ Nunca como hoje a técnica e a ciência foram tão longe, mostrando-se que
muito do impossível de ontem é hoje já possível, apesar de nem sempre se revelar ao
serviço do homem: algumas vezes a técnica e a ciência não estão ao serviço do
homem, antes é o homem que está ao seu serviço, invertendo-se a razão de ser de tais
realidades;

⁃ Os novos campos da biomedicina e da genética, incluindo a crescente


possibilidade científica de disponibilidade do corpo humano, e, por outro lado, a
progressiva implementação de um modelo orwelliano de sociedade de vigilância total,
além da centralidade da sociedade da informação e do inerente império das redes de
comunicação - especialmente da televisão -, ilustram o perigo da degeneração do
progresso técnico-científico;

⁃ Um quarto e último elemento revelador da impregnação totalitária da


democracia encontra-se na verdadeira metamorfose (também ela degenerativa) do
«Estado de partidos», observando-se a existência de uma efetiva sovietização da
democracia pela crescente partidarização do Estado, transformado, cada vez mais, em
«Estado do partido governamental», acompanhada pela sua colonização por grupos de
interesses e pela progressiva consciência de que a representação política parlamentar
é hoje uma pura ficção coletiva;

⁃ É certo, sempre se poderá dizer, que diversos Estados têm instituído


mecanismos jurídico-constitucionais de blindagem antitotalitária da democracia, - tal
como sucede com a proibição de partidos políticos por razões ideológicas, a
consagração de limites materiais de revisão constitucional e a definição de regras de
um direito penal político -, verificando-se ainda a nível internacional algumas
manifestações de intervenção a favor da democracia, além de o próprio Tratado de
Amesterdão no âmbito da Europa Comunitária expressar uma inequívoca opção a
favor da democracia, incluindo um poder sancionatória para a sua efetiva garantia;

⁃ A verdade, porém, é que os mecanismos internos de blindagem antitotalitária


da democracia que assumem carácter preventivo suscitam fortes dúvidas sobre a sua
própria legitimidade democrática, verificando-se que os mecanismos internacionais,
por outro lado, são precários, dependendo sempre mais dos interesses das potências
mais fortes do que de qualquer juízo jurídico de oportunidade;

⁃ Não se poderá negar, todavia, que a defesa antitotalitária da democracia,


envolvendo a proibição do abuso da própria Constituição, isto em termos de se
encontrar sempre vedada a utilização da democracia para destruir a própria
democracia, justifica a existência de mecanismos repressivos de blindagem
antitotalitária da democracia e legítima defesa da Constituição: o Direito Penal Político
mostra-se ilustrativo deste mesmo propósito

⁃ No entanto, urge alertar, os diversos instrumentos de blindagem antitotalitária


da democracia, encontrando-se especialmente vocacionados para responder aos
ataques provenientes dos tradicionais mecanismos de origem totalitária, mostram-se
pouco operantes ou insuficientemente eficazes face aos novos desafios que a moderna
sociedade impregnada em muitos dos seus sectores de uma cultura totalitária coloca.

Preferências dos totalitarismos:

 Prefere a autoridade à liberdade


 Estado Omnipresente; Indivíduo < Estado
 Prefere o coletivo ao individual
 Individuo apenas como parte integrante do Estado, realizando-se neste;
 Prefere a violência ao humanismo, fazendo do Estado uma máquina de
violência e terror
 Estado como fim em si mesmo – Transpersonalista;
 Instrumentalização do Terror;
 Prefere a soberania das elites em favor da democracia
 Recusa do Direito à Resistência;
 Concentração de Poderes;
 Instrumentalização da educação para servirem ao Estado (Rousseau);
 Prefere o sentimento e o instinto à razão
 Recusa de Direitos Inatos ou de Dignidade da Pessoa Humana;
 Os Fins justificam quaisquer meios.

Houve um retrocesso no progresso da dignidade da pessoa humana com as conceções


totalitárias e ao totalitarismo:

Há uma diluição da pessoa humana no Estado, estamos perante um Estado que se


demostra omnipotente e omnipresente, há a inversão de todos os dogmas liberais, há
a contestação da liberdade política, dos direitos fundamentais e do parlamentarismo.
Assim é defendido um Estado hiper intervencionista, é o Estado que nega o
individualismo.

Assim há um retrocesso acerca da dignidade humana e dos direitos fundamentais,


nada é eterno e pode sempre existir um retrocesso histórico como aconteceu na
segunda guerra mundial com as Forças do Eixo.

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