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DISCIPLINA: Teoria Geral da Constituição e dos Direitos Humanos

PROFESSOR: Bruno Pereira Nascimento

1.CONSTITUCIONALISMO

As primeiras conquistas do homem foram contra o próprio homem. O bando


que tinha mais força dominava as propriedades, a comida e as fêmeas do outro bando.
Por isso, os homens resolveram criar algo poderoso, que pudesse resguardar suas
propriedades e gerar, assim, um mínimo de segurança para viver: criaram o Estado,
concentrando nele toda a força disponível, transformando-se na primeira grande
conquista do homem, enquanto ser social.

Se os homens resolveram delegar poderes para o Estado, concentrado


nele toda a força necessária para manter a paz social, era de se supor que o Estado
acabasse abarcando a tudo e a todos. A intenção era esta mesma, vez que o Estado
deveria ser absoluto, não podendo ser a ele oposto outro poder, outra força, sob pena
de balbúrdia, insegurança e fragilidade do próprio Estado.

Por isso é que o jus-filósofo inglês Thomas Robbes chegou a comparar o


Estado ao monstro bíblico “Leviatã”, enfocando que seria necessário um contrato
social entre os povos para celebrar a paz, porque os homens são egoístas e
caminham inevitavelmente para a guerra. Seria necessário, portanto, algo poderoso e
soberano para limitar esta fraqueza humana e impor medo aos homens, afastando os
problemas que esta fraqueza pode ocasionar, como guerra, caos, injustiças,
desordem e insegurança.

O absolutismo estatal deveria, portanto, ser canalizado unicamente para


gerar paz, segurança e justiça social. Não foi, entretanto, o que ocorreu. Na verdade,
nos primórdios da criação do Estado a humanidade não conhecia o recado do francês
Montesquieu, segundo o qual todo homem que tem o poder sente inclinação para
abusar dele, e segue abusando até encontrar limites.

Foi por isso que os homens não imaginaram, originalmente, que o Estado,
que é uma ilustração simbólica cuja força se efetiva pelas mãos do homem, se voltaria
contra os próprios homens, tornando-se opressor e violento. Não se imaginava que a
vontade por mais segurança e justiça acabaria trazendo outras formas de insegurança
e injustiça, forjando a humanidade a lutar contra o próprio Estado.

Porém, se a conquista do homem contra o próprio homem, criando o


Estado, apesar de natural, foi difícil, as conquistas contra o próprio Estado foram ainda
mais penosas. Muito mais sob a insígnia do ódio do que propriamente do amor, a
humanidade passou a lutar com intensidade em busca de cada direito, dando razão à
concepção realista dos direitos fundamentais.

O constitucionalismo, ao lado, antes e depois de muitos outros movimentos,


surgiu neste momento de assombro da sociedade para com um Estado desvirtuado
dos verdadeiros e razoáveis motivos que o fizeram surgir.

A sociedade, estupefata, porém mais crítica, organizada e corajosa,


começou a se insurgir contra o leviatã, para que fosse preservada a liberdade
individual e a propriedade privada, comumente devassadas pelo Estado. É que o
Estado absolutista, especialmente o Estado absolutista monárquico, começou a
eliminar o espaço individual dos homens, restringindo suas vontades pessoais e
inevitavelmente causando a deflagração do movimento liberal, através do qual se
originou a concepção de que era preciso conter a atividade estatal para dar segurança
ao círculo subjetivo do ser humano, por meio da maximização da liberdade individual
e limitação legal da vontade estatal.

Muitos movimentos, revolucionários ou não, marcaram a história da


humanidade. Porém, um deles, o Iluminismo, surgiu forte no Século XVIII, exultando
a razão para explicar as coisas e servindo de grande impulsionador do
constitucionalismo.

Herdeiro do renascimento e do humanismo, o Iluminismo valorizava a razão


e o homem, inserindo este como centro do universo (antropocentrismo). Teve a seu
favor o gênio de grandes pensadores da humanidade, tais como John Locke, que
enfatizou a aquisição de conhecimento do homem pela experiência empírica; Voltaire,
árduo defensor da liberdade de pensamento e contumaz crítico da intolerância
religiosa; Jean-Jacques Rousseau, que defendia a igualdade de todos por meio de
um Estado democrático; Montesquieu, que massificou e deu cientificidade à divisão
do poder político em Legislativo, Executivo e Judiciário; e Denis Diderot e Jean le
Rond d’Alembert, que, juntos, reuniram em uma enciclopédia o conhecimento e o
pensamento filosófico da época.

Após o transcurso de uma longa estrada contra o Estado Leviatã,


transcurso muitas vezes marcados por lutas terríveis e sanguinolentas, não
demorou para que se sobrepujasse na sociedade o sentimento de que o poder
político deveria ser legalmente limitado, não podendo estar livremente solto na
cabeça daqueles que detêm o poder, sob pena de inevitáveis arbitrariedades e
prejuízos para a liberdade individual.
Este sentimento generalizado acabou encontrado um método
inteligente de controle do Estado, ao enfatizar a necessidade de um documento
superior contendo regras de contenção da atividade estatal e direitos e
garantias básicas para que os homens tivessem uma existência digna.

Todo o conjunto de forças da sociedade, então, começou a se engajar


contra o Estado e contra a falta de cientificidade que imperava. Tanto a sociedade
quanto os Conselhos Parlamentares, e até os grandes juristas e filósofos, começaram
a lutar para que, em cada país, fosse construído documentos vistosos e
suficientemente capazes de limitar e regular o Estado. Era o constitucionalismo,
nascendo em prol do homem e de sua liberdade individual e contra as arbitrariedades
estatais, e por isso mesmo muitas vezes taxado de subversivo.

Portanto, o constitucionalismo significou uma conquista da


humanidade, e pode ser considerando um movimento político, ideológico e
jurídico que ocorreu durante o Iluminismo, por oposição ao absolutismo, e que
tinha por fim estabelecer o regime constitucional em um determinado país para
limitar e tornar razoável a atuação estatal, protegendo, assim, a liberdade
individual do ser humano.

Foi, na verdade, uma técnica jurídica encontrada pelo mundo, que se


iniciou precipuamente para que o Estado não violasse os direitos dos cidadãos, e foi
avançando para regulamentar cada vez mais a atividade estatal, e com o tempo
passou a ter maiores contornos científicos, com é o caso da ideia de superioridade
hierárquica em relação às demais normas, força normativa, separação dos poderes,
criação de sistema de freios e contrapesos, aumento das previsões constitucionais e
concretização da jurisdição constitucional.

Necessário enfatizar que o constitucionalismo não nasceu junto com a


democracia. Pode-se dizer que o constitucionalismo abriu as possibilidades para se
criar a democracia, mas no início o constitucionalismo não tinha a intenção de
determinar as formas de participação da sociedade no poder, mas apenas conter este
poder. Depois que se fixou a ideia de que o poder estatal deveria ser limitado pela
Constituição, logo a humanidade passou a se preocupar com as fórmulas de
concretização das constituições, e aí sim houve a grande preocupação de que estas
fórmulas incluíssem diretamente a vontade do povo, para efetivação da soberania
popular.

1.1.Conceito

Na perspectiva de Canotilho, o constitucionalismo pode ser definido como


uma “teoria (ou ideologia) que ergue o princípio do governo limitado indispensável à
garantia dos direitos em dimensão estruturante da organização político-social de uma
comunidade. Neste sentido, o constitucionalismo moderno representará uma
técnica específica de limitação do poder com fins garantísticos. O conceito de
constitucionalismo transporta, assim, um claro juízo de valor. É, no fundo, uma teoria
normativa da política, tal como a teoria da democracia ou a teoria do liberalismo”
(Canotilho).

Para Kildare Gonçalves Carvalho o constitucionalismo, “em termos


jurídicos, reporta-se a um sistema normativo, enfeixado na Constituição, e que se
encontra acima dos detentores do poder; sociologicamente, representa um
movimento social que dá sustentação à limitação do poder, inviabilizando que
os governantes possam fazer prevalecer seus interesses e regras na condução
do Estado”.

André Ramos Tavares, por sua vez, estabelece quatro sentidos para o
constitucionalismo: “numa primeira acepção, emprega-se a referência ao movimento
político-social com origens históricas bastante remotas que pretende, em
especial, limitar o poder arbitrário. Numa segunda acepção, é identificado com a
imposição de que haja cartas constitucionais escritas. Tem-se utilizado, numa
terceira acepção possível, para indicar os propósitos mais latentes e atuais da função
e posição das constituições nas diversas sociedades. Numa vertente mais
restrita, o constitucionalismo é reduzido à evolução histórico-constitucional de um
determinado Estado”.

Partindo, então, da ideia de que todo Estado deva possuir uma


Constituição, avança-se no sentido de que os textos constitucionais contêm regras de
limitação ao poder autoritário e de prevalência dos direitos fundamentais, afastando-
se da visão opressora do antigo regime. Assim, é possível dividir o constitucionalismo
em dois sentidos:

a) sentido amplo: constitucionalismo significa que todo Estado sempre possui uma
Constituição, seja em qualquer época da humanidade. Mesmo não havendo um
documento formal chamado de Constituição, há uma constituição, na sociedade, de
regulamentações, mesmo que costumeiras. Este sentido amplo enfatiza que sempre
haverá regulamentações para as condutas, sempre haverá limites, em decorrência da
cultura da sociedade e dos diversos métodos de controle social e de relacionamento
humano;

b) sentido estrito: constitucionalismo significa uma técnica jurídica elaborada para


colocar em um documento escrito superior, a tutela das liberdades e regular os
poderes do Estado, limitando-os para o fim de impedir a opressão e o abuso.
1.2.Evolução Histórica

Para a doutrina tradicional, a maioria dos autores defende que o fenômeno


constitucional surgiu com o advento da Magna Charta Libertatum, assinada pelo rei
João Sem-Terra (Inglaterra, 1215). Trata-se de um documento que foi imposto ao Rei
pelos barões feudais ingleses. Esta Carta, aliás, é considerada como a origem
medieval do constitucionalismo no mundo, porque limitou os poderes do então Rei
João Sem-Terra.

Já Carl Schmitt defende que a Magna Charta não pode ser considerada a
primeira Constituição, pois não era direcionada para todos, mas apenas para a elite
formada por barões feudais. Dessa forma, a primeira Constituição propriamente dita
seria o Bill of Rights (Inglaterra, 1688/1689), que previa direitos para todos os
cidadãos, e não apenas uma classe deles.

Por outro lado, Karl Loewenstein considera que a primeira Constituição


teria surgido ainda na sociedade hebraica, com a instituição da “Lei de Deus” (Torah).
O autor alemão aponta que, já naquele Estado Teocrático, a “Lei de Deus” limitava o
poder dos governantes (chamados, naquela época, de “Juízes”).

Por fim, é de se apontar que, para a doutrina positivista, a origem formal do


constitucionalismo está nas Constituições escritas e rígidas dos Estados Unidos da
América, de 1787, e da França, de 1791, consequência das Revoluções Burguesas
deste final do Século XVII.

Foi a partir destes momentos da história da humanidade que o mundo


definitivamente se inclinou para a necessidade de cada país ter sua Constituição, e
nela constar a organização do Estado, suas limitações, além da previsão de direitos e
garantias fundamentais para os cidadãos.

Muitos movimentos e revoluções propiciaram a existência do


constitucionalismo. É o caso da Revolução inglesa do Século XVII (iniciada com a
Revolução Puritana de 1640 e concluída com a Revolução Gloriosa 1688), que
significou, em apertada síntese, a limitação ao absolutismo monárquico pela
transferência dos poderes para o Parlamento.

Porém, o mundo realmente despertou definitivamente contra o Estado


Leviatã, e passou à Idade Contemporânea, após a Independência Americana de 1776
e a Revolução Francesa de 1789. A partir destes momentos únicos da história da
humanidade, o mundo foi todo mudado e as ideias constitucionalistas passaram a
campear a mente da burguesia, das elites em geral e, em muitos casos, até mesmo
da plebe, manuseada muitas vezes, é verdade, mas sem dúvida beneficiada pela
existência de uma Constituição então inexistente ou inexpressiva em face do Estado.

Ressalte-se que a base do Direito Constitucional é a estrutura do Estado e


os direitos fundamentais. Esta base foi lançada na Revolução Francesa, quando seus
operadores lançaram ao mundo o art. 16 da Declaração Universal dos Direitos do
Homem e do Cidadão, de 1789, surgida em meio à Revolução Francesa e que
posteriormente serviu de base para a Declaração dos Direitos Humanos de 1948. Tal
dispositivo dizia: “Toda sociedade na qual não está assegurada a garantia dos direitos
e determinada a separação dos Poderes, não tem Constituição”.

O mundo deve às duas revoluções que antecederam as constituições


dos Estados Unidos de 1787 e da França de 1791, o sentimento constitucional,
até então adormecido. A partir daí, a sociedade mundial acordou para a
necessidade de cada país ter uma Constituição soberana, austera, simbólica, e
que representasse os anseios mais devotos da sociedade e que fosse sempre
um marco na limitação do Poder Público.

Destarte, o constitucionalismo surgiu entrelaçado com a ideia de


liberalismo1, isto é, com a ideia de preservação da liberdade individual, no campo
econômico, político, religioso e intelectual, contra as investidas e as interferências
insensatas e arbitrárias do Poder Público. Naquele momento histórico do final do
Século XVIII, que suscitaram as revoluções nas então colônias da Inglaterra (Estados
Unidos) e na França, o mundo estava sendo contaminado com as ideias liberais.

A maior prova disto é que Adam Smith havia publicado o seu livro A
Riqueza das Nações, no ano de 1776, que iniciou a consolidação do capitalismo ao
sustentar que a iniciativa privada em busca do busca do lucro é uma força imensa que
incrementa a capacidade e a criatividade humana, produzindo riquezas,
desenvolvimento, libertação do ser humano e bem estar comum.

1 Pode-se dizer que as Revoluções Americana e Francesa provocaram o aparecimento do Estado


Liberal: Estado estruturado política e juridicamente para não intervir da economia e na liberdade do
cidadão, deixando a sociedade livre para ditar, com suas próprias forças, seu próprio destino. As
consequências foram: a) superação do absolutismo estatal, especialmente o absolutismo monárquico;
b) aparecimento do Estado mínimo (intervenção mínima possível na esfera particular dos cidadãos) e
dos direitos fundamentais de primeira geração (liberdades públicas – liberdade de ir e vir, de expressão,
de associação e de reunião, liberdade religiosa, direito de propriedade, direitos políticos -, que garantem
uma abstenção do Estado); c) Estado começa a ser laico (separação do Estado com a religião); d) ideia
mais sólida de soberania popular (a fundamentação do poder se desvincula das questões
transcendentais e religiosas e passa a ser ligada à vontade da nação, do povo, ambiente próprio para
a teorização do Poder Constituinte, feito por Emmanuel Sieyès. Adiante, veja mais detalhadamente em
Poder Constituinte).
Por isso, o constitucionalismo foi influenciado decisivamente pelo
liberalismo, no sentido de que as constituições poderiam frear as intervenções
arbitrárias do Poder Público e, consequentemente, atingir o objetivo maior, que era
dar segurança aos indivíduos para, com liberdade individual, viver e produzir, mesmo
que para isso tivesse que se arriscar.

Portanto, sob a perspectiva histórica, o constitucionalismo se divide da


seguinte forma:

a) Constitucionalismo Antigo: Foi o surgimento tímido das características do


constitucionalismo junto ao povo hebreu, a partir do momento em que o povo sentiu-
se incomodado com atos estatais que estariam violando a moral religiosa/bíblica,
fiscalizando-os por seus profetas, inclusive com a criação, ainda no distante Século V
antes de Cristo, das cidades com características democráticas (Cidades-Estados
gregas, com democracia direta e maior participação popular);

b) Constitucionalismo Medieval: Trata-se do constitucionalismo surgido durante a


Idade Média (476 d.C-1453 d.C), e teve como marco a Magna Carta de 1215 (Carta
do Rei João Sem Terra). Foi, na verdade, um movimento liderado pela burguesia
inglesa que, aproveitando-se dos fracassos do Rei João Sem Terra, que havia perdido
batalhas importantes para ampliação do império britânico, acabou impondo limites à
vontade do monarca, especialmente para proteção contra a fúria tributária e
acusatória do Estado Monárquico Absolutista da Inglaterra;

c) Constitucionalismo Moderno: Inaugurado com as constituições dos Estados


Unidos de 1787 e da França de 1791, marcando uma época de instrumentos
normativos escritos que continham a atividade estatal, após a influência do Iluminismo
e do liberalismo no mundo para que o Estado não interferisse na liberdade individual
dos homens, liberando-os para agirem conforme seus méritos. O constitucionalismo
moderno foi o responsável pela noção atual de que Constituição é uma norma superior
a todas as demais, escrita, codificada e imperativa, que impõe divisão de poderes,
assegura os direitos e garantias individuais e estabelece as vigas-mestras do Estado,
com fundamento na soberania popular, e que só pode ser modificada por meio de um
processo mais rígido que o processo de modificação das outras leis (não se pode
perder de vista que esta noção não é de toda correta, tendo-se em vista a existência
de constituições não-codificadas e não-escritas, como é o caso da Inglaterra);

d) Constitucionalismo Contemporâneo: Fase atual do constitucionalismo, também


conhecido como neoconstitucionalismo, com valorização das constituições e
desvalorização da lei, em face da incapacidade desta de conter os abusos do Estado
e de seus governantes. Daí porque as constituições passaram a representar a
esperança do povo, incluindo nelas todos os clamores, com a consequência de torná-
las analíticas, carregadas de várias matérias e muitos programas e metas vinculantes
para o Estado (dirigismo estatal). A fase atual superou, sem dúvida, aquele momento
da histórica em que as constituições eram apenas instrumentos de coordenação e
organização do governo, sem força normativa e vinculante, vistas como símbolos de
mudança histórica. A era atual é da “Constituição Total” (“totalitarismo constitucional”),
porque engloba tudo e a todos, dirigindo a atuação do Estado (“Constituição
Dirigente”, que exige ações do Estado), não mais se prestando apenas a limitar a
atuação do Estado por meio da fixação de direitos e garantias individuais
(“Constituição-Garantia”, que exige abstenção do Estado). Por isso, o
constitucionalismo atual acaba produzindo várias situações, como é a superação do
positivismo e o aparecimento do pós-positivismo, a normatividade dos princípios, os
novos métodos de interpretação constitucional e o maior papel político do Judiciário,
incrementando seu protagonismo na vida da sociedade.

2.NEOCONSTITUCIONALISMO

Atualmente se fala em neoconstitucionalismo, para enfocar um novo


movimento, surgido após a 2ª Guerra Mundial, para que as constituições fossem mais
abrangentes, aumentando a jurisdição constitucional, incluindo normas programáticas
de cunho social e com superioridade hierárquica em relação às outras normas.
Portanto, não basta apenas a Constituição limitar a atuação estatal, exigindo da
mesma uma abstenção, porque é preciso que a Constituição exija uma ação
estatal para melhorar as condições de vida do povo, passando ela a ser o ponto
de partida para obrigar a todos, com possibilidade dos atos inferiores serem
nulos.

O neoconstitucionalismo confunde-se com o constitucionalismo


contemporâneo. As constituições surgiram sintéticas, muitas vezes como símbolos de
um momento histórico de ruptura. Portanto, natural serem pouco carregadas de
matérias, porque bastava a inserção de um ou dois assuntos essenciais, como divisão
do poder e direitos e garantias individuais, até porque o importante era a revolução e
o sentimento social expressado na Constituição.

O mundo, porém, assustou-se com a capacidade malévola do Estado, em


especial após as calamidades da 2ª Guerra Mundial, e enxergou nas constituições um
porto seguro para despejar todas as suas ansiedades.

O marco histórico deste novo direito constitucional é a Lei Fundamental de


Bonn (Constituição Alemã de 1949), com a consequente criação do Tribunal
Constitucional Federal em 1951, e a Constituição da Itália de 1947, e a também
consequente criação da Corte Constitucional em 1956. A partir de então, foi gerado
um amplo movimento com novas características, que desembocaram especialmente
na redemocratização e da expansão da jurisdição constitucional, como ocorreu em
Portugal em 1976 e na Espanha em 1978. É possível dizer que o
neoconstitucionalismo desenvolveu-se na Europa, ao longo da metade do século XX,
e no Brasil tardiamente após a Constituição de 1988.

Como não poderia deixar de ser, o termo neoconstitucionalismo pode ser


contestado, na medida em que a nova onda de ver e sentir as constituições pode muito
bem ser chamado de uma nova fase do constitucionalismo, ou então apenas a
ratificação do desenvolvimento do constitucionalismo.

É até possível falar em constitucionalismo primitivo, antigo, moderno e pós-


moderno, ou contemporâneo, mas o importante, de todo modo, é destacar que a
sociedade mundial elegeu a Constituição para nela desembocar os anseios e valores
que vão se cristalizando, e enxergar nela o local correto de depositar uma “esperança
civilizada”.

Por certo que não basta descarregar as ansiedades na Constituição, mas


é, sem dúvida, um ótimo começo, porque demonstra cada vez mais a necessidade de
concretizar o sentimento constitucional, para integrar a sociedade em um
compromisso nacional estampado no documento supremo.

Pode-se dizer, também, que o neoconstitucionalismo caracteriza-se pelo


pós-positivismo, isto é, certa confluência entre o jusnaturalismo e o positivismo.

Isto ocorreu porque o jusnaturalismo procurava dar proximidade entre lei e


razão, sempre baseado na filosofia e nos princípios universalmente aceitos, mas
pecava por ser metafísico e anticientífico, dando margens a excessivas
subjetividades, daí a insegurança. Era baseado no direito livre: o aplicador do direito
deve vislumbrar primeiro uma decisão justa, e depois buscar um fundamento para a
decisão. O jusnaturalismo, portanto, se preocupava com a limitação com o direito
naturalmente considerado pelo grupo social, e acabava influenciando as decisões, no
sentido de não haver um vínculo inicial e intenso do julgador com a lei, daí porque seu
principal método era o casuísmo (decisão de acordo com o caso e a ética pessoal do
julgador).

Por outro lado, o positivismo buscava a objetividade científica e acabava


por colocar o Direito, a justiça e a filosofia, na lei, supervalorizando-a e criando uma
legalidade estrita. O positivismo deu causa a injustiças e autoritarismo, como ocorreu
no fascismo e no nazismo, que sempre agiram sob a proteção da lei, porque sempre
havia o risco de colocar toda a ideologia política, as vaidades pessoais dos
governantes, na lei, sem que ninguém pudesse discordar, interpretar ou tê-la por
inválida.

Qual das possibilidades deveriam ser extirpadas: a insegurança do


jusnaturalismo ou a possibilidade de injustiça do positivismo? Se de um lado a lei
poderia ser usada para limitar as mentes e colocar, à ferro e fogo, a ideologia de quem
está no poder, por outro lado o jusnaturalismo deixa passear em mares
desconhecidos, a liberdade do julgador.

Diante desta confessada divergência, deste antagonismo angustiante,


surge o pós-positivismo como forma de suplantar os defeitos do positivismo e do
jusnaturalismo, buscando enfatizar suas vantagens para, sem nunca desprezar o
direito posto, valorizar uma nova interpretação baseada na justiça, na ética, sem
autoritarismo e sem excesso de subjetividades (meio-termo).

A verdadeira intenção do neoconstitucionalismo é a mudança de


paradigma, especialmente para a consecução de 03 (três) objetivos (ou metas):

a) reconhecer a força normativa da Constituição: A Constituição não é mais um


documento meramente político, para somente organizar os Poderes e deixar para a
conformação discricionária legislativa e política, a concretização do seu espírito,
porque passa a ter força normativa para ser aplicada na vida social, uma vez que cria
mecanismos próprios de coação e cumprimento forçado. É dizer: a Constituição não
é mais um depósito de promessas vagas e sugestões sem aplicabilidade;

b) expandir a jurisdição constitucional: As Constituições criaram mecanismos


judiciais para sua real efetivação, em especial a criação de Cortes Constitucionais em
quase todos os países europeus, dando ao Poder Judiciário o poder para fiscalizar o
cumprimento das normas constitucionais, que passaram a abarcar várias questões
que antes não constavam dos textos constitucionais;

c) forçar novas elaborações de interpretação constitucionais.

Acerca deste último objetivo (meta), importante tecer algumas


considerações.

Em relação às normas infraconstitucionais, um modelo tradicional de


interpretação já era conhecido e amplamente utilizado, que se baseava na
interpretação gramatical, histórica, sistemática e teleológica, com os critérios
hierárquico (lei superior prevalece sobre lei inferior), temporal (lei posterior prevalece
sobre lei anterior) e especial (lei especial prevalece sobre lei geral).
Neste modelo tradicional para as normas infraconstitucionais, existia um
processo de subsunção dos fatos às normas, onde estas ofereciam uma solução
abstrata para os problemas jurídicos, sem muita indagação minuciosa, e o juiz, seu
aplicador por excelência, cabia apenas identificar tecnicamente a norma para ser
aplicada ao problema, já que se pressupunha que os problemas estavam todos
resolvidos abstratamente pelas normas.

A interpretação constitucional, entretanto, deveria ir além deste modelo


tradicional, mesmo sem desconsiderá-lo, porque a norma constitucional é o ápice do
sistema, e tem estrita relação com os maiores valores e princípios de toda a nação,
daí porque é preciso complementação do método tradicional com a inclusão
específica de princípios.

Assim, a função da norma é outra, assim como a do juiz, porque nem


sempre ela consegue relatar abstratamente a solução para os casos concretos, vivos
e cheios de detalhes, e o juiz, por isso, já não pode mais ficar adstrito à legalidade
estrita e à técnica, porque adentra no próprio processo de criação do Direito,
valorando-o para encontrar a solução possível e justa.

Não por outro motivo, a interpretação tradicional não se adéqua, por


exemplo, aos novos fatores constitucionais, como é o caso da colisão de princípios e
direitos fundamentais (antinomia jurídica imprópria), exigindo a técnica interpretativa
da ponderação, para que o intérprete faça concessões recíprocas entre as normas,
para mantê-las vivas e operantes, o que possibilita prevalecer uma delas, que tenha
“maior valor para o caso concreto”, realizando mais adequadamente a vontade
constitucional, assim como a técnica interpretativa da argumentação, para, quando o
conflito for difícil de resolver, dar vazão a uma razão prática, isto é, prevendo sempre
as consequências da decisão e a possibilidade de utilizar um fundamento jurídico que
possa ser utilizado genérica e universalmente para os casos similares.

As consequências mais visíveis, provocadas por tais fatores característicos


da quebra de paradigma, são:

a) A constitucionalização dos direitos (o que implica em tornar as constituições cada


vez mais analíticas);

b) A irradiação da Constituição para todos os Poderes;

c) A valorização do Judiciário para adequar as relações de poder, ponderando-as;

d) A aplicabilidade direta da Constituição a diversas situações;

e) A intensificação da importância da interpretação conforme a Constituição.


As constituições estão sofrendo nítida influência das teorias materiais, ao
largo das teorias processuais, porque a insegurança que as guerras, o poder do
Estado e a frivolidade das relações humanas dos dias atuais, parecem forçar um
movimento retilíneo e intenso de sobrecarregamento das constituições, inserindo
nelas todos os assuntos possíveis.

Nela se insere questões econômicas, políticas, sociais e jurídicas, e ela não


se basta como simples instrumento de governo; as constituições não servem mais
para manter o status quo, porque elas hoje são frutos da esperança do povo para que
o status seja alterado a partir delas. Nesse cenário, assume essencial papel a
necessidade de expansão da jurisdição constitucional, até como forma de prevenção
e de defesa da sociedade.

Este movimento ressalta que o paradigma de Constituição-protetora,


de Constituição-garantia, desvinculada da política e do Estado, deve ser
mudado, uma vez que é a partir deste supremo instrumento da sociedade – a
Constituição -, é que a felicidade deve ser buscada. Mesmo reconhecendo a
impossibilidade de se mudar os fatos reais da vida humana simplesmente
através da lei, o movimento ressalta que a Constituição, muito mais que uma
mera lei, é uma caixa onde se depositam as esperanças e que tem força para
iniciar a mudança do status quo, dando razão e eficácia à existência do próprio
Estado, no sentido de forjá-lo a cada vez mais distribuir justiça.

Pietro Sanchis resume bem as novas exigências do neoconstitucionalismo:


“Mais princípios que regras; mais ponderação que subsunção; mais Constituição que
lei; mais juiz que legislador”2.

Aliás, a teoria unidimensional do ordenamento jurídico, que defende a ideia


de que não há mais divisão entre Direito Público e Direito Privado, acaba recebendo
apoio do neoconstitucionalismo, na medida em que este, ao sobrecarregar as
constituições, leva para o Direito Público diversos assuntos que, no passado, eram
próprios do Direito Privado, sem esquecer que os direitos e garantias fundamentais
têm, hoje, eficácia horizontal (entre os particulares).

Assim, o neoconstitucionalismo, ao constitucionalizar direitos antes


pertencentes apenas ao nível infraconstitucional, e muitos deles apenas ao Direito
Privado, acaba aproximando ainda mais o Direito Público do Direito Privado.

2SANCHÌS, Luis Pietro. Constitucionalismo e positivismo. Distribuiciones Fontamara: México, 2ª ed.


1999.
Não podemos esquecer que o neoconstitucionalismo, malgrado seus
inegáveis fatores positivos, apresenta os seguintes perigos:

a) Banalização e descrédito da Constituição: Se todos os assuntos estão na


Constituição, estando ela cheias de promessas que não podem ou não são cumpridas,
a sociedade começa a desacreditar na sua força e na sua utilidade, o que é muito
perigoso, porque dá oportunidade de diminuir o papel do texto constitucional na
construção de uma sociedade mais justa. Isto acaba criando, também, brechas para
que vários direitos e garantias individuais e sociais sejam retirados do texto
constitucional, impedindo que a rigidez seja uma garantia contra mudanças;

b) Falta de flexibilização: Como uma grande quantidade de assuntos acabam


parando na Constituição, a sociedade acaba sendo impedida de mudar temas que
devem ser adaptados às mudanças da realidade social. Como a Constituição é rígida
e analítica, vários assuntos que precisam ser modificados com urgência ou com a
necessária rapidez, à vista também da rapidez com que a sociedade muda, o
Congresso fica impossibilitado de adaptar a Constituição aos valores atuais da
sociedade, inclusive não podendo dispor na legislação infraconstitucional.

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