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UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS

INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS


CURSO DE HISTÓRIA
DISCIPLINA: História da Antiguidade Ocidental
PROFESSOR: Fábio Vergara Cerqueira

APOSTILA

GRÉCIA ANTIGA

PRIMEIRA PARTE: UNIDADES I – III

CIVILICAÇÕES EGEIAS – PERÍODO HOMÉRICO –


PERÍODO ARCAICO

AUTOR: FÁBIO VERGARA CERQUEIRA


PELOTAS - 2021
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE HISTÓRIA
DISCIPLINA: História da Antiguidade Ocidental
PROFESSOR: Fábio Vergara Cerqueira

UNIDADE I
Civilizações Egeias ou Período Palaciano.
QUADRO 1 – 2º milênio:

CRETA Creta 1 1ª Civ. Palaciana 2000-1700


(população egeia) Minoica (Linear A)
Creta 2 Período médio 1700-1600
Creta 3 2ª Civ. Palaciana 1600-1400
Minoica
“INVASÕES” (indo- Início “invasão” povos Mínios (autóctones): 1900
europeus) do norte Beócia, Ática e
Peloponeso.
MICENAS (Aqueus) Creto-micênico Civ. Palaciana Egéia 1600-1400
(Linear A)
Micênico Hegemonia sobre o 1400-1200/1100
Egeu (Linear B,
língua grega)
INVASÃO (indo- Dóricos Guerra de Tróia. Fase de 1200
europeus) transição: Submicênico.
Início período homérico.

O quadro histórico geral das civilizações egeias apresenta aproximações e distanciamentos


relativamente ao Antigo Oriente.
APROXIMAÇÕES:
 “O mediterrâneo não marca ainda em suas margens uma separação entre Oriente e Ocidente. O
mundo egeu e a península grega se ligam sem descontinuidade, como povoação e como cultura (...)
ao Oriente” (VERNANT Origens do Pensamento Grego, p. 9).
 O modelo palaciano orienta-se pelos grandes reinos orientais: em Creta, Festos, Mália e Cnossos;
entre os Aqueus (Grécia continental), Micenas, Tirinto, Glã e Orcômenos.
 Em Creta usa-se no início uma escrita hieroglífica, influenciada pelo Egito, antes de adotarem o
Linear, escrita silabaria, já conhecida na Anatólia (Ásia Menor).
DISTANCIAMENTOS: Aparecem no exame das especificidades dessas civilizações. No caso micênico,
apontam para o futuro helênico, apesar de serem fatores apontados como heranças da estrutura social
indo-europeia:
 Elemento guerreiro.
 Comunidade aldeã autônoma.

CRETA
 Diferença relativamente ao Egito e Mesopotâmia: classe dominante são os comerciantes e sua visão
aristocrática do mundo reflete sobre as produções artísticas originais: naturalismo, temas frugais,
certa liberdade estética; relação com o mar.
 Acentuada urbanização, com modelo urbano original (Gournia, Haghia Triada, Malia).
 Ausência de belicismo acentuado (diferentemente dos aqueus, em que o componente bélico é
pronunciado).
 Modelo de vida hedonista (HATZFELD História da Grécia p. 21).
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CIVILIZAÇÃO MICÊNICA
 Desenvolve-se sobre uma forma de relação e de fusão entre o elemento recém-chegado (indo-
europeu) e o já estabelecido (egeu). A mitologia guarda a lembrança dessa fusão no casamento entre
Zeus (indo-europeu) e Hera (peloponésica).
 Desta relação, surge a complexidade particular (caráter misto) da chamada civilização micênica
(FINLEY O mundo de Ulisses p. 14-5)
 Funda-se numa relação entre as tradições locais herdadas dos desenvolvimentos autóctones que
remontam ao terceiro milênio, que caracterizavam os povos chamados de “mínios” ou “pelasgos”, a
assimilação do elemento cretense (artes, escrita, modelo político-administrativo palaciano) e a
afirmação do elemento indo-europeu (belicismo, arquitetura, fortificações, polaridade social indo-
europeia entre a comunidade aldeã e a ordem guerreira).

ASSIMILAÇÃO INICIAL: fornece modelos para a organização do Estado.


Eles [os autóctones habitantes da Grécia continental] entraram em contato com a Creta
minóica em pleno desenvolvimento após a renovação que veio depois da construção
dos palácios destruídos uma primeira vez em torno de 1700. Creta lhes revelou um
modo de vida e de pensamento inteiramente novo para eles. Já se esboçou esta
civilização progressiva do mundo micênico que resultará, após 450 anos, numa
civilização palaciana comum na ilha e na Grécia continental.
(VERNANT Origens do Pensamento Grego p. 11)
No processo de estruturação político-administrativa no continente, o modelo cretense foi o
paradigma. Mas precisaram conviver com sucessivas invasões, o que acarretava uma constante disputa
para partilha do solo pobre, entre os descendentes dos povos autóctones, os primeiros indo-europeus já
estabelecidos que com eles se miscigenavam e os novos grupos indo-europeus que chegavam. A guerra
foi assim uma constante, levando a uma organização militar, encimada talvez sobre uma cultura
guerreira indo-européia.
Nesse período de luta, em cada agrupamento fazia-se sentir a necessidade de uma forte
organização militar e de uma concentração do poder; as circunstâncias justificavam
portanto a manutenção da autoridade que os chefes das tribos helênicas possuíam
mesmo antes de penetrarem no solo.
(HATZFELD História da Grécia, p. 38)
A questão para os micênicos era como manter essa autoridade estável no tempo de paz, uma vez
que ela se manifestava no tempo de guerra. O modelo cretense, então, forneceu a idéia, o conceito, de
uma instituição política, o poder palaciano, inspirado por sua vez na matriz oriental.
Encarregado, durante a guerra, do comando dos homens em condições de transportar
armas, encontraram talvez entre as populações pré-helênicas alguns modelos que lhes
permitiam alargar as suas atribuições em tempos de paz. Existiam (...) formas de
organização mais avançadas, em que verdadeiros reis exerciam funções religiosas e
civis. Os chefes helenos puderam moldar a sua autoridade pelas destes soberanos,
como se serviram, ao que parece, dos seus nomes (), e imitaram o
fausto que reinava nas suas cidadelas.
(HATZFELD História da Grécia, p. 38)
O plágio do modelo cretense foi condição para a instituição da política e economia palaciana na
Grécia continental e insular. A forma da sociedade micênica, porém, foi resultado de arranjos entre essa
assimilação entre três componentes: o autóctone, o cretense e aquilo trazido pelos povos migrados do
Norte, genericamente identificados como indo-europeus, devido ao seu tronco linguístico, que
contribuirá para a formação do idioma grego.
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VIDA POLÍTICO-SOCIAL MICÊNICA:


Uma vida social aparece centralizada em torno do palácio, cujo papel é ao mesmo
tempo religioso, político, militar, administrativo e econômico. Neste sistema de
economia palaciana, o rei concentra e unifica em sua pessoa todos os elementos do
poder, todos os aspectos da soberania. Por intermédio dos escribas, que formaram uma
classe profissional fixada na tradição, graças a uma hierarquia complexa de
signatários do palácio e de inspetores reais, ele controla e regulamenta
minuciosamente todos os setores da vida econômica, todos os domínios de atividade
social.
(VERNANT As Origens do Pensamento grego p. 15-6)
Na particular fusão entre o oriental, o cretense e o indo-europeu, alguns elementos apontam para
a futura cidade que se desenvolverá séculos mais tarde sobre várias localidades mediterrânicas.
 Belicismo: poderio das classes guerreiras (contrapeso ao poder real).
 Polaridade social (2 mundos): aristoi vs. demos. Vernant identifica nessa oposição os germens do
“jogo político” (a grande invenção do mediterrâneo na sua tarefa de dessacralização do mundo).
BELICISMO:
Ruínas, cerâmicas, pintura, ourivesaria, todos os restos da civilização micênica fazem
supor um regime belicoso (...). Os castelos dos senhores dominam as planícies ou –
como é o caso de Micenas – os caminhos frequentados. (HATZFELD História da
Grécia p. 36)
Isso se reflete no modelo arquitetônico: cidade fortificada, muralhas: Tirinto: 10 metros de
largura, Glã, 5 metros.
Importância social das classes guerreiras:
O ánax apóia-se sobre uma aristocracia guerreira, os “homens dos carros”, sujeitos à
sua autoridade, mas que formam, no corpo social e na organização militar do reino,
um grupo privilegiado com seu estatuto particular, seu gênero de vida próprio.
(VERNANT Origens do Pensamento Grego p. 23)
LIMITE AO PODER REAL:
O rei era apenas o primeiro dos nobres. Cada um dos [“gerontes”, anciãos
integrantes do conselho de anciãos] que reconhecesse a sua autoridade possuía também
um domínio () [propriedade rural], que poderia ser tão considerável como o do
próprio rei, e exercia no seio da família ... de que era chefe, funções religiosas e
judiciais: reunidos os Eupátridas [“bem-nascidos”, aristocracia guerreira] constituíam
uma força material muito superior à sua, capaz de a contrabalançar ou a anular.
(HATZFELD História da Grécia p. 40)
Em Homero, os chefes de grandes famílias gabavam-se do título de (“basileus”).

1. POLARIDADE POLÍTICA (limites do poder real):


REI () CONSELHO ()
 Convoca exército na guerra.  Chefes de famílias das tribos -
 Dirige operações bélicas (anciãos)
 Reparte despojos  Decisões sobre coisas públicas
 Intermedia divindade e comunidade  Reúnem assembleias
 Árbitra nos processos  Famílias regulam direito comum
 Busca base política nos pobres (kakoi)  (aristocratas)
BASE SOCIAL: grupos populares são cooptados pelo rei, têm participação passiva na Assembléia, não
podendo falar. Em torno do palácio, ocorre a aglomeração urbana.
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2. POLARIDADE SOCIAL: 2 mundos e seus diversos níveis (segundo PALMER, oposição tipicamente
indo-europeia).
PALÁCIO (sociedade guerreira) Comunidade aldeã
Centro administrativo; concentração de riquezas. Economia rural aldeã autônoma.
PODER: PODER:
ANÁX (Linear B: WA-NA-KA): BASILEUS ((Linear B: BA-SI-REU):
 Poder e soberania sobre todos domínios.  Senhor dono do domínio rural.
 Sustentado sobre classe sacerdotal.  Vassalo do ánax.
 Fiscal de tributação.
LA-WA-GE-TAS (Linear B): GEROUSIA ((Linear B: KE-RO-SIJA): Conselho
 Chefe do LAOS (povo em armas) de Anciãos.
 Chefe de unidades militares.  Assembleia com chefes de famílias mais
 Media relação entre rei e poderes locais. influentes.
SOCIEDADE: SOCIEDADE
 Anáx  Basileus
 Telestai (barões)  Gerontes (“anciãos”)
 Kakoi (desclassificados que vivem ao redor da  Damos (“povo”)
fortificação).
SISTEMA FUNDIÁRIO SISTEMA FUNDIÁRIOS
 Propriedade real  Damos – possui KE-KE-ME-NA KO-TO-NA
 Temenos  Gerontes – possuem KI-TI-ME-NA KO-TO-
Ambos constituem KI-TI-ME-NA KO-TO-NA NA

SOBRE ESSA COMPLEXA ORDEM ESTRUTURAL FLORESCE O PODERIO E EXPANSÃO


MICÊNICO
 Forte comércio: várias estradas e pontes ligam os palácios que se estabeleceram pelo Peloponeso,
sobretudo na Argólida (Micenas, Argos, Tirinto, Asine).
 Riquezas palacianas.
 Fausto da corte e luxos orientais.
 Desenvolvimento do artesanato: havia corporações de homens de ferramentas.
 Intelectuais cretenses: artistas e escribas.
 Esportes: lutas, jogos com touros, caça.
 Mulher: usavam vestidos complexos à moda cretense e ocupavam bastante espaço na vida social.
As duas formas de tenência do solo recobririam então, na sociedade micênica, uma
polaridade mais fundamental: em face do palácio, da corte, de todos os que deles
dependem seja diretamente, seja pela tenência de seu feudo, entrevê-se um mundo rural
organizado em aldeias com uma vida própria. Estes demoi da aldeia dispõem de uma
parte das terras nas quais eles se fixam; regularizam, de conformidade com as
tradições, e as hierarquias locais, os problemas que põem, em seu nível, os trabalhos
agrícolas, a atividade pastoril, as relações de vizinhança. É nesse quadro provincial
que aparece, contra toda expectativa, o personagem que tem o título que teríamos
normalmente traduzido por rei, o pa-si-reu, o basileus homérico. Precisamente, ele não
é o rei em seu palácio, mas um simples senhor, dono de um domínio rural e vassalo do
ánax. Esse vínculo de vassalidade, num sistema de economia em que tudo é
centralizado, reveste em suma a forma de uma responsabilidade administrativa: vemos
o basileus fiscalizar a distribuição das cotas em bronze destinadas aos ferreiros que,
em seu território, trabalham para o palácio. E, bem entendido, contribui ele próprio,
com outros homens ricos do lugar, segundo uma quantidade devidamente estabelecida,
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a esses fornecimentos de metal. Ao lado do basileus, um Conselho dos Anciãos, a ke-


ro-si-já (gerousia) confirma esta relativa autonomia da comunidade aldeã. Tomam
assento nessa assembleia sem dúvida os chefes das casas mais influentes. Os simples
aldeões, homens do damos no sentido próprio, que fornecem ao exército os peões e
que, para retomar a fórmula homérica, não são mais considerados no Conselho que na
guerra, formam no melhor dos casos os espectadores, escutam em silêncio os
qualificados para falar e não expressam seus sentimentos senão por um rumor de
aprovação ou de contentamento.”

APÓS INVASÃO DÓRICA (ca. 1200-1100 a.C.):


 Dissolve-se superestrutura palaciana.
 Desagregam-se laços sócio-político-administrativos que uniam o palácio à comunidade aldeã.
 Desestrutura-se a economia: torna-se diminuto o comércio externo; desaparece a arrecadação
centralizada de tributos sobre aldeia; retorna-se à economia puramente agrária, autosuficiente.
 Desaparece o ánax.
 Desestrutura-se o Estado palaciano: tendência à “feudalização”, com intensos conflitos regionais.
 Poder passa às mãos dos gerontes.
 Ruptura com a tradição cultural egeia: desaparece a escrita linear B (ausência de escrita por quatro
séculos).
 Derrocada da realeza micênica, através de um longo processo.
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UNIDADE II.1: Homero.


O estudo de Homero envolve, de um lado, o interesse pelo conhecimento de diferentes períodos da
história grega, sobretudo o período denominado anteriormente como “Idade das Trevas”, e de outro, a
compreensão de várias dimensões da cultura grega, seja do ponto de vista antropológico, psicológico ou
mitológico. Em vista disso, na base do helenismo se colocam um conjunto de considerações sobre quem foi
Homero e sobre o significado de sua obra, principalmente os poemas épicos Ilíada e Odisseia.
Assim, como afirma FINLEY, em referência à problemática do conhecimento do Idade Obscura,
devemos perder alguns preconceitos, face à ausência da escrita. “A Idade das Trevas pode ter sido totalemente
iletrada e retrógrada em muitos aspectos, mas não foi vazia de vida cultural. Uma das provas é o
desenvolvimento da cerâmica fina com desenhos geométricos e outra são os poemas homéricos”. Temos, então,
duas fontes fundamentais para o conhecimento desse período ágrafo: a arqueologia e Homero, acrescidos de
abordagens comparativas com os domínios da mitologia, da linguística, da literatura oral e da arqueologia do
Oriente Antigo.
Porém, nada substitui a inexistência de escrita grega coeva, seja narrativa, administrativa ou religiosa. Por
isso, temos de voltar, como os gregos, a Homero. Os poemas de Homero, cuja análise deve levar em conta o que
nos revela o registro arqueológico (como a constatação de 3 fases: desestruturação do mundo micênico, momento
inicial “feudal” (tomando a liberdade didática do anacronismo conceitual), aceleração rumo à formação do futuro
mundo da pólis), nos evidenciam a gestação do mundo grego, ainda iletrado, mas já, sem sombra de dúvida,
grego. O caráter grego está presente nas estruturas sociais (o oikos), na moral e valores (areté), na formação da
cidade ou até mesmo na cosmovisão marcada pela humanidade do divino. Passemos ao estudo de Homero,
abordando diferentes questões.
1. A autoria: o aedos e o público; a voz da tradição (comparação com os bardos iugoslavos).
Autoria: Para os gregos, Homero é o poeta dos dois poemas. É o poeta. Modernamente, desenvolveu-se uma
discussão interminável: teria havido um, dois ou vários poetas. Existe porém um indicativo de unidade no plano
de fundo (condutor) da narrativa mítica. Na Odisseia isso fica muito claro na complementaridade entre os dois
planos da obra: as aventuras de Ulisses, em um mundo fantástico, e, em um mundo real, a busca de Telêmaco e a
espera de Penélope. Para FINLEY, a Ilíada e a Odisséia representariam “o ponto culminante de uma longa
tradição de poesia oral, tradição prosseguida pelos bardos profissionais que deambulavam por todo o mundo
grego.” Assim, a questão da autoria deve ser pensada no contexto da civilização oral, campo de atuação do aedos.
Aedos: Muito se aprendeu sobre os poetas épicos a partir de estudos antropológicos feitos com os bardos
iugoslavos, divulgados em obra publicada em 1953, de Milman Perry.
Aceita-se, contudo, que o autor ou autores não podem ser encarados da mesma maneira que os
poetas épicos posteriores, como Virgílio, Dante ou Milton. Por detrás da Ilíada e da Odisseia, há
séculos de poesia oral, composta, recitada e transmitida por bardos profissionais, sem o auxílio
de uma só palavra escrita. Enquanto Virgílio [autor romano da epopeia latina Eneida] pode
tomar a decisão voluntária de pegar a história de Eneias como tema de uma longa epopeia,
tornando-a tão sofisticada, erudita e complicada na linguagem, na estrutura e nas ideias como
lhe aprouve, o bardo, por sua vez, não possuía tal liberdade. Em parte, isso era uma questão de
simples técnica, de limites rigorosos impostos pela composição oral; era igualmente uma
questão de convenção social. Quer os temas, quer o modo de composição estavam fixados. A
linguagem era rica, estilizada e artificial, adaptando-se admiravelmente aos requisitos da
composição oral. Os temas eram os de um passado ‘heróico’, que os bardos e sua audiência
acreditavam ser autêntico, narrado portanto pelo poeta, mais do que inventado ou criado.
‘Cantas, verdadeiramente, o destino dos Aqueus’ (...) diz Ulisses, ao aedo Demódoco na
Odisseia, ‘tal como se o tivesses presenciado ou ouvido cantar a alguém.
(FINLEY Os gregos antigos p. 17)
Daí decorrem duas questões, o público e a percepção de veracidade do canto do poeta.
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Público: “Num mundo em que a escrita viera a desaparecer, (os poetas-cantores) faziam-no para nobres que,
muito embora igualmente iletrados, não deixavam por isso de ser os detentores do poder e da riqueza”. (MOSSÉ
Grécia Arcaica de Homero a Ésquilo p. 21)
Assim, há um engajamento social do aedos na estrutura de poder aristocrático. Conforme Detienne (Os
Mestres da Verdade), o bardo estava a serviço de guerreiros e reis, celebrava os imortais e as façanhas dos homens
corajosos, determinava o valor do guerreiro, concedendo-lhe memória e tirando-lhe do esquecimento. Constróem
para este público, a realidade passada, para assim subsidiar a dominação vigente e a moral correspondente.
Percepção da veracidade do canto do poeta: O mito era considerado histórico no contexto do pensamento arcaico e
no universo do pensamento mítico.
A atuação do bardo é eficiente dentro da estrutura de pensamento arcaico marcada pela oralidade e
veracidade do mito, contexto em que devemos inserir Homero. FINLEY chama a atenção sobre o caráter sócio-
histórico da produção literária homérica:
Homero não era precisamente um poeta, era um contador de mito e de lendas. A elaboração de
uma mitologia tinha começado muito mais cedo entre os gregos e, onde quer que os houvesse,
sempre prosseguira oralmente e de modo solene. Tratava-se de uma atividade ao nível social
mais elevado, e não do devaneio fortuito de um poeta ou do excesso de imaginação de um
camponês. O tema essencial do mito era a ação e não as ideias, as convicções ou as
representações simbólicas; mas os acontecimentos, os fatos – guerras, dilúvios, aventuras em
terra, mar e ar, querelas familiares, nascimentos, casamentos e mortes. Escutando as narrativas,
nos rituais, nas cerimônias dos concursos, ou noutras ocasiões sociais, passava-se pela
experiência de outrem. Acreditavam implicitamente na narrativa.
Conforme o filósofo Ernst CASSIRER, “a imaginação mítica implica sempre um ato de crença. Sem a
crença na realidade dos objetos, o mito perderia a razão de ser.” Pierre GRIMAL nos lembra que “os
acontecimentos (tirados) da lenda histórica (contados pelos poetas épicos) têm para nós um caráter lendário, mas
para os gregos eram história.” (A tragédia antiga p. 45)
 O pensamento arcaico: Marcel Detienne, em Os Mestres da Verdade, aborda esse tema. A palavra do aedos
(poeta-cantor) era legitimada como verdade enquanto uma palavra cantada inspirada pelas Musas.
Encontrava-se, portanto, ancorada na ordem do divino – o aedos diz, então, a verdade. Assim, a palavra
poética (mítica) é aletheia (verdade). É por isso que, como lembra FINLEY, “os poemas, tais como eram
recitados, constituíam simultaneamente a verdade autêntica e a evidência para a sua própria verdade.” A
palavra, no pensamento arcaico, situa-se antes da palavra filosófica, antes da ruptura entre logos e mythos que
se processaria posteriormente pelos pré-socráticos (séc. VI e V a.C.).
No pensamento arcaico, a palavra (mythos) é a realidade (vista como a diversidade do mundo aparente); no
pensamento filosófico (logos) a realidade é a unidade não aparente que fundamenta a diversidade do mundo
sensível (aquele percebido pelos sentidos). A palavra arcaica, mítica, do mundo homérico, é ação e verdade: é
justiça, é mântica (advinhação), é poder. Está sempre acompanhada da persuasão (peithó), confiança (pistés) e
sedução (cháris).
 Universo do pensamento mítico: No mundo do mito, o que entendemos como memória ‘histórica’ é dado pelo
mito.
O antropólogo, quando lhe é dado estudar ‘um mito vivo’ e não ‘mumificado, não considerado
no repertório indestrutível e sem vida das religiões mortas’, descobre que o mito ‘não é na sua
natureza uma ficção ...mas uma realidade viva, que se crê ter acontecido outrora’. (Malinowiski)
(...) o azedume de Xenófanes no século VI e de Platão no IV mostram precisamente que, no que
respeita ao mito, um grande número dos seus concidadãos partilhava a maneira de ser dos
Trobriandeses (de Malinowiski), ou pelo menos estava mais próximo desta do que das
interpretações simbolistas. O próprio Platão não duvida da veracidade da história em Homero;
recusava nela a filosofia e a moral, as concepções de justiça, dos deuses, do bem e do mal, mas
aceitava a história de Tróia. (...) A recusa radical do mito tradicional, tal como se encontra em
Xenófanes, poucos gregos a alcançaram.
(FINLEY O mundo de Ulisses p. 20)
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2. Homero, o best seller: o mais lido do mundo antigo. Sua influência cultural sobre o mundo grego.
É preciso ter entendido o conteúdo de verdade do mito no pensamento arcaico, para entender a importância dos
dois grandes poemas épicos homéricos. Podemos averiguar, por métodos quantitativos, o quanto os gregos
conferiam importância à obra homérica. O primeiro dado a ser considerado é a própria sobrevivência das letras:
As obras de Homero, Platão e Euclides eram escritas à mão sobre rolos, feitos geralmente de
caule de papiro. Destes originais, foram feitas cópias, sempre à mão, sobre papiros e mais tarde
sobre pergaminhos. Nenhum destes materiais era indestrutível. O que sobreviveu foi, além de
exceções acidentais, o que tinha sido julgado digno de ser copiado e recopiado durante séculos
de história grega [e posteriormente cristã e muçulmana].
(FINLEY Mundo de Ulisses p. 17-8)
Os papiros gregos encontrados na biblioteca de Oxirrhynchos, cidade grega no Egito romano (séc. II
d.C.), atestam a importância de Homero:
Do conjunto dos papiros encontrados no Egito (...) conta-se com um total de 1233 obras cujos
autores são identificados. Esta cifra corresponde ao total de cópias e não de títulos. Quase
metade – precisamente 555 – destes 1233 volumes eram cópias da Ilíada e da Odisséia ou
comentários acerca delas. A Ilíada ultrapassa a Odisseia em 380 contra 113. O autor mais
‘popular’ após Homero era o orador Demóstenes, com 74 papiros, Eurípides com 55 (...)
Hesíodo com 40 (...). Certamente, são cópias estabelecidas pelos Gregos do Egito após o
reinado de Alexandre, mas tudo indica que possam ser consideradas como absolutamente típicas
do conjunto do mundo grego. Se um grego possui alguns livros – quer dizer, rolos de papiros –
havia uma possibilidade em duas de que se tratasse da Ilíada e da Odisseia, no conjunto de toda
a literatura grega.
(FINLEY Mundo de Ulisses p. 19)
O aspecto quantitativo aponta para a importância sobre a cultura grega em geral, sobretudo sobre a
paideia (a formação do espírito). Platão, criticando, afirmava, na obra A República, que muitos gregos
acreditavam que Homero educara a Hélade – e que uma pessoa deveria regular toda a sua conduta seguindo o
poeta. Nenhuma obra escrita teve um impacto tão grande sobre a história de uma nação, equiparando-se somente
à Bíblia.
3. Registro do imaginário grego: Deve-se levar em conta o processo de criação literária e o papel na educação.
Um dos aspectos principais, reflexo da cosmovisão grega, é o antropomorfismo divino nos poemas. Nunca
antes ou depois os deuses foram tão iguais aos homens. Esse aspecto está na base da “revolução intelectual” que
ocorreu na Grécia. Os deuses homéricos sendo feitos à imagem do homem, está assim colocado o fundamento da
invenção grega, a política, a filosofia, a história, a ciência. No fundo, uma profunda afirmação do princípio de
vida leva o grego a inventar o homem, no sentido do humanismo, face à prevalência da religião e do autocratismo
antigo-oriental: nesse contexto, o grego compreende o indivíduo como sujeito ativo da sociedade política e
jurídica; afirmam-se os direitos do cidadão contra a usurpação política oligárquica; o homem afirma-se como
capaz de entender a natureza e sua história não com base na inspiração divina, mas com base no logos, na
capacidade racional. A semente de tudo isso está colocada no antropomorfismo divino homérico,
antropomorfismo não só da forma, do corpo, mas fundamentalmente do caráter, dos desejos, das fraquezas. No
lugar de confiar a um deus a tarefa de indicar-lhe o que é certo ou errado, o bem ou o mal, a um deus que seja
exemplo de serenidade e perfeição, o imaginário grego cria os seus próprios deuses à sua imagem. Se os deuses
vivem uma vida igual à nossa, está justificada a vida humana.
Em Homero, bem como em Hesíodo, estão evidenciadas uma autoconsciência e uma autoconfiança humanas
sem precedentes; lá estão colocadas virtualidades ilimitadas, entre cujos desdobramentos podemos citar a pólis e
suas instituições humanizadas, dessacralizadas e democráticas; a razão, instrumento da filosofia, da história e da
medicina; o modelo estético baseado na proporção, no meio termo, na simetria, no equilíbrio; os ideais de kalos-
kagathia (“bom-e-belo”) e da sophrosyne (“temperança”, ideal do meio termo, de comedimento). Esses
fundamentos da visão de mundo grega, presentes em Homero, não são obra de um homem só; trata-se, outrossim,
do reflexo de um imaginário em construção.
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Um homem só, Homero, não teria levado a cabo tal revolução intelectual, é óbvio, e não existem
provas (...) para decidir se os aedos teriam sequer noção de estarem a participar numa.
(FINLEY O mundo de Ulisses p. 24)
Pierre VIDAL-NAQUET, na sua obra O caçador negro. Formas de pensamento e sociedade na Grécia
Antiga (p. 41-60), analisou, utilizando-se da metodologia estruturalista lévi-strausseana, um conjunto de oposições
presentes em Homero que demarcam a cultura grega. Lendo Homero do ponto de vista da Antropologia, percebe
como, na Ilíada e na Odisseia, está colocada a concepção grega de humanidade, como o homem via-se enquanto
homem em oposição ao animal, ao monstruoso e ao divino. Do mesmo modo, Homero coloca os marcos
antropológicos pelos quais o grego se define como civilização em oposição ao bárbaro; e o adulto se define como
o apogeu da espécie humana em oposição à criança e ao velho; e o indivíduo masculino se afirma em oposição à
mulher. Assim, ele mostra como a obra de Homero, completada pela de Hesíodo, fornecem os alicerces culturais
da Grécia antiga, sendo assim não somente um registro do imaginário grego, mas o próprio suporte de sustentação
desse.
4. Homero como fonte histórica.
Até meados do século XIX, havia uma total recusa à aceitação das informações contidas nos poemas
homéricos como históricas. Eram tidas como mitos, entendidos como fabulação, fantasia, produzidas por mentes
ainda não guiadas pela razão – era o entendimento do Renascimento e do Iluminismo. Durante o século XIX,
alguns estudiosos tomaram para si o desafio de comprovar a historicidade dos relatos homéricos. Como resultado
disso, Arthur Evans descobriu as ruínas de Cnossos e Schliemann as de Micenas e Tróia. Utilizaram como base
para suas investigações a toponímia e a descrição topográfica de Homero, bem como outras obras antigas,
sobretudo a Viagem a Grécia de Pausânias, autor grego do séc. II d.C..
Hoje aceita-se que “nos poemas, resta um núcleo micênico genuíno e histórico (...), mas muito pouco, e
mesmo isso, distorcido, de modo geral.” (FINLEY Os gregos antigos p. 18). Os poemas, cantados nas cortes
homéricas, eram para os homens de então a fonte de informações que alimentava o interesse pelo passado. A
memória desse passado era reconstituída, por esses poetas, de forma mitológica. Não dispunham porém de fontes
exatas, faltava-lhes informações suficientes sobre acontecimentos sucedidos há três ou quatro séculos.
De qualquer forma, quando os gregos desenvolvem a narrativa histórica, dois a três séculos mais tarde, os
poemas homéricos continuarão sendo o principal registro do passado distante que originou o mundo grego. “Tudo
se perdera do passado mais distante: como relatos, só existiam os poucos poemas que se tinham escrito e a
enorme tradição e indigesta quantidade de mitos transmitidos oralmente.” (FINLEY Os gregos antigos p. 21)
Com as revelações da Arqueologia, pôde-se constatar a defasagem entre o mundo micênico do século XIII e o
mundo relatado por Homero. Até aproximadamente 1950, Homero continuava sub judice enquanto fonte histórica.
Os estudos antropológicos de Milman Perry com os bardos iugoslavos, publicados postumamente em 1953,
demonstraram que a poesia épica não é pura ficção. Através da narrativa épica, por meio dos mitos, ocorre um
fenômeno que eu chamaria de condensação justapositiva estético-imaginativa da memória do passado.
Mas os trabalhos de Milmann Perry (...) ao porem o acento tônico nos longos séculos de
transmissão oral que se teriam sucedido, permitiram a historiadores como M. I. Finley retomar o
problema da ‘sociedade homérica’, do ‘mundo de Ulisses’ e desmistificar (...), descobrir que a
realidade histórica aflorou por detrás das aventuras dos heróis aqueus, qual o sistema de
valores de que estes eram portadores.
(MOSSÉ A Grécia Arcaica de Homero a Ésquilo p. 22)
A Ilíada e a Odisseia não são mera ficção poética. A sociedade retratada e o pensamento são
históricos, e isso acrescenta uma importante dimensão aos mudos resquícios materiais.
(FINLEY Os Gregos antigos)
Uma marca dos poemas homéricos é uma voluntária arcaização, rumo aos inícios da Idade Média. Isso está
averiguado na defasagem entre o aspecto rudimentar da comunidade descrita nos poemas e o mundo em ebulição
da época em que Homero viveu.
Sistematizando a questão da utilização de Homero como fonte histórica, devemos destacar que a obra evoca
distintos momentos do passado grego, misturados em níveis que nem sempre podem ser distinguidos.
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PROFESSOR: Fábio Vergara Cerqueira

 Em relação ao mundo micênico:


A decifração do linear B faz realçar mais a diferença entre o mundo micênico e a sociedade
homérica: um abismo separa os palácios micênicos, com sua burocracia minuciosa dos palácios
homéricos, infinitamente menos complexos na sua organização e dos quais a escrita, fato
essencial no mundo micênico, está completamente ausente.
(AUSTIN & VIDAL-NAQUET Economia e sociedade na Grécia antiga p. 46)
 Em relação ao mundo contemporâneo a Homero e ao mundo intermediário entre o século XII e o VIII:
É verdade que se podem detectar traços descritivos que pertencem muito provavelmente ao
mundo em que o poeta vivia (...). Mas, por outro lado, os poemas não poderão ser considerados
uma descrição literal deste mundo. Será preciso contar com a vontade do arcaísmo do poeta,
que olha para trás, para um mundo desaparecido que tenta evocar. (...) Procura uma sociedade
desaparecida, mas faltam-lhe completamente os pontos de orientação.
(AUSTIN & VIDAL-NAQUET Economia e sociedade na Grécia antiga p. 47)
Conclui-se que, ao utilizarmos Homero como fonte histórica, estamos lidando com três níveis. É insuficiente
pensar numa equivalência da sociedade que aparece nos poemas homéricos e o mundo grego da Idade Obscura.
Descrever a sociedade homérica não é exatamente descrever a sociedade grega dos séculos X e
IX. Antes de mais, há que determinar a parte dos anacronismos nos dois sentidos. Podemos dizer
que há três níveis históricos em Homero, o mundo micênico que o poeta tenta evocar, a idade
obscura e a época em que vivia o poeta: nem sempre será fácil distinguir claramente o que
pertence a um, mais do que aos outros períodos.” (AUSTIN & VIDAL-NAQUET Economia e
sociedade na Grécia antiga p. 47)
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UNIDADE II.2: Período homérico


1. Existência de instituições:
Oikos (domínio); parentesco; hospitalidade; casamento; Assembleia aristocrática; Conselho
(gerousia), themis (justiça); guerra aristocrática; polaridade social básica (barreira intransponível) entre
aristoi e kakoi; vassalagem.
Oikos – definição: É o domínio e tudo que o compõe; domínio fundiário, incluindo atividades pastoris e
agrárias; nele se desenvolve toda sorte de atividade econômica para a garantia das condições materiais
de subsistência da população que nele habita. Ocorre até uma certa divisão de trabalho. Organiza-se
segundo um modelo autárquico. É a casa nobre, com seu corpo de escravos e servos, de gente comum,
com sua comitiva de aristocratas, seus aliados, formados por parentes, hóspedes e vassalos.
Mas a noção de oikos recobre mais do que um simples grupo humano. O oikos engloba
os bens de toda a espécie, móveis e imóveis, inseparáveis na prática do agrupamento
humano, visto que são eles que asseguram a sua existência material. Fazem parte do
oikos, por conseguinte, as terras, as edificações, o gado, as reservas de todo o tipo, o
material, etc. O oikos é uma unidade econômica ao mesmo tempo que uma unidade
humana, e é regido pelo chefe do oikos, que será no mundo homérico um grande
guerreiro, como Menelau e Ulisses. Do ponto de vista econômico, o ideal do oikos é a
autarquia (ideal que terá uma longa história no mundo grego): o oikos deve, tanto
quanto possível, bastar-se a si próprio, deve poder produzir no seu seio tudo o que é
necessário à sua existência. Não existem trocas no interior do oikos: toda a produção é
concentrada nas mãos do chefe do oikos que, em seguida, a reparte à sua maneira. O
oikos é, pois, ao mesmo tempo uma unidade de produção e de consumo e a maior parte
das suas necessidades materiais são satisfeitas fora de qualquer contato com o mundo
exterior e de qualquer troca comercial.
(AUSTIN & VIDAL-NAQUET Economia e Sociedade ... p. 51)
O domínio: O porqueiro Eumeu descreve a grandeza do oikos real de Ulisses, a um homem que
desconhecia ser o próprio rei de Ítaca:
Pois fica sabendo que o meu senhor ultrapassava em fortuna todos os outros heróis,
fossem eles do obscuro continente ou da própria Ítaca. Nem mesmo vinte homens juntos
poderiam igualar os seu patrimônio. E, para teres uma ideia, far-te-ei uma lista dos
seus pertences: lá adiante, doze manadas de vacas e doze rebanhos de carneiros,
outras tantas varas de porcos e vastos fatos de cabras apascentados por estranhos ou
pelos seus próprios pastores; aqui, um total de onze fatos de cabras pastam na zona do
cabo, guardadas por homens de bem. Cada um destes lhes leva todos os dias um novo
animal, aquele dos cabritos mais gordos que lhe pareça ser o melhor. Quanto a mim,
trato de guardar e alimentar estas bácoras, devendo depois esconder-lhes os mais
belos dos meus grandes varrascos”
(Odisseia XIV 96 sq.)
A descrição de um oikos real ideal, feita nos motivos decorativos do escudo fabricado por Hefesto para
Aquiles (Ilíada XVIII 482) permite-nos avaliar a sua diversidade e complexidade: cultivavam-se aí
cereais, plantam-se vinhas, criam-se conjuntamente bovinos e ovinos, havendo, por outro lado, um
organização de trabalho, com inúmeros servidores ocupados na lavoura, nas vindimas, na guarda e
condução do gado até aos prados de pastagem, tudo isto sob a vigilância do senhor do domínio (MOSSÉ
A Grécia Arcaica ... p. 59-60).
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Casa do senhor do oikos:


(...) grande sala, armada de poltronas, onde o senhor da casa acolhe os seus hóspedes,
ficando os aposentos das mulheres no andar superior, enquanto as divisões em que se
armazenam as reservas parecem situar-se na cava, pois é sempre aí que se ‘desce’, em
particular quando há a intenção de honrar com presentes um convidado”.
(MOSSÉ Grécia Arcaica ... p. 60)

A mulher no oikos:
“Com efeito, se o senhor superintende sobre os trabalhos dos campos, a senhora, quanto a si, reina
sobre a casa e as suas servas. É ela quem acolhe os visitantes, quem lhes manda preparar um banho
relaxante e leitos para pararem à noite. É também ela quem preside à preparação das refeições.
Durante o resto do tempo, fia e tece rodeada pelas suas servas.” São exemplos disso Helena, Arete,
Penélope, Andrômaca. “Finalmente, é a senhora da casa quem guarda a chave do tesouro, onde se
acumulam as provisões alimentares, as reservas de metais preciosos e os belos tecidos oferecidos ao
senhor – ou à senhora – pelos hóspedes de passagem, assim como o produto do saque de múltiplas
expedições de pilhagem” (MOSSÉ Grécia Arcaica...).
O mundo do homem é o da guerra, da palavra e da superintendência da produção; o da mulher é o da
casa, dos aposentos, das aias. A condição feminina é favorável dentro de limites determinados, por uma
sociedade de heróis dedicados à guerra. Algumas passagens de Homero demonstram os limites impostos
à mulher, tais como o cerceamento à palavra, feito por Heitor a Andrômaca (Ilíada VI 490 sq.) ou por
Telêmaco a sua mãe Penélope. Quando, no meio do banquete, Penélope pretende intervir a fim de
proibir o aedo de cantar o regresso dos gregos após a queda de Tróia, Telêmaco fá-la sentir isso mesmo
com toda a clareza:
Volte, pois, a subir aos teus aposentos, regressa às tuas ocupações, à roca e ao tear, e
dá ordem às tuas aias para deitarem mãos ao trabalho. A palavra é assunto de homens
e, antes de mais, assunto meu, pois aqui a força pertence-me.
(Odisseia I 356 sq.)
A dúvida que fica é qual seria, pois, o verdadeiro poder de Penélope, afinal, na ausência de Ulisses:
a condição da basileus não é transmitida diretamente ao seu filho, mas seria conquistada por um dos
pretendentes que conquistasse Penélope – a linhagem do poder passaria pela esposa?
Os grupos sociais inferiores:
 Servos (origem da escravidão?): Qualidade de quem trabalha sob dependência. Recebem várias
designações: oikeus, dmôs, drester, amphípolos.
Parece não haver dúvida de que estes termos se aplicam tanto a escravos propriamente
ditos, a saber, indivíduos que fazem parte dos bens, quanto a pessoas livres, muito
embora dependentes do oikos: tal é, em especial, o caso do oikeus, que, na Ilíada, pode
inclusive designar membros da família da senhor.
(MOSSÉ A Grécia Arcaica ... p. 65)
Possuíam um estatuto jurídico indefinido, contrariamente ao escravo-mercadoria do período
clássico. Entre os servos destacam-se as cativas, aprisionadas com o espólio de pilhagens: podiam
tornar-se concubina do herói, dedicar-se ao trabalho doméstico ao lado do senhor da casa, podendo
desempenhar uma atividade penosa ou uma função privilegiada, como uma governanta ou ama (é o
caso de Euricléia, no oikos de Ulisses). Os cativos eram incorporados aos bens.
Muitos servos desempenhavam o trabalho do campo, como o boieiro Filélio, o cabreiro Melanto e o
porqueiro Eumeu, este último tratado como escravo. Havia o comércio de escravos, feito por
fenícios e os táfios (piratas, que vendiam homens livres aprisionados). Pagava-se bem por estes
escravos, calculados em cabeças de boi.
Havia um patriarcalismo, por parte do senhor, relativamente ao seu escravo fiel – é o que nos
revelam as promessas de Ulisses ao porqueiro Eumeu:
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Alguns haveres, uma casa, um domínio, uma mulher de bom preço, enfim, tudo quanto
um senhor generoso dá ao servo, quando este trabalhou arduamente para ele e
abençoou os seus campos.
(Odisséia XIV, 62)
Não há uma barreira definida que separe o escravo do homem livre.
O trabalho no campo era feito tanto por servos como por homens livres.
 Trabalhadores livres:
 Therapontes (“que serve à mesa”): Homens livres, de fino trato, que trabalham sob o
pagamento de um salário. Nessa sociedade senhorial, há sempre o risco do não pagamento
do ordenado (Ilíada XXI 445 sq.).
 Tetas: Grupo de condição incerta. Constituem a população despossuída, porém livre, que
vive à margem da estrutura do oikos. Para a sobrevivência, são obrigados a vender seu
trabalho, sem o garante da remuneração. Fazem parte do demos, a comunidade aldeã.
 Demiourgoi: Trabalhadores que conhecem uma técnica especializada, gozando de um
tratamento privilegiado. Contava-se entre eles metalúrgicos, aedoi (poetas-cantores),
médicos, curandeiros, carpinteiros e advinhos. Os senhores que recorressem aos serviços de
ferreiros ou ourives deveriam fornecer a matéria-prima. Eles deambulavam de um oikos a
outro, de um vilarejo a outro, buscando quem comprasse seu trabalho. Eram uma espécie de
trabalhador free-lance.
O caráter autárquico da economia do oikos:
 Artesanato:
As mulheres fiam, tecem e cosem todo o vestuário para as pessoas da casa ou os
hóspedes de passagem (...) É também no próprio domínio que, sem sombra de dúvida,
se fabricam as sandálias que cada um traz calçadas (...) devem-se confeccionar aí
também os vasos de barro de uso corrente ou restantes utensílios necessários à vida
cotidiana.
(MOSSÉ A Grécia Arcaica ... p. 69)
 Pastoreio e plantio: Os mantimentos obtidos a partir das atividades agrárias são, na sua
totalidade, produzidos no domínio.
Guerra e troca de presentes – completam as deficiências do regime de autarquia:
No interior do oikos, não eram obtidos uma série de bens e matérias-primas, que o senhor do
oikos precisava obter de outras formas. Podemos citar metais, como o ouro e o ferro, tecidos e artigos de
luxo. Esses bens, uma vez obtidos, eram armazenados no tesouro do oikos, como garantia para o
suprimento das necessidades futuras. Havia três formas de completar as deficiências do regime
autárquico: a troca de presentes, as guerras e pilhagens e, por fim, o comércio, mesmo que incipiente.
 Dom e contra-dom: Havia um rígido conjunto de regras que regulavam a troca de presentes
entre os senhores de oikos, seus hóspedes, guerreiros e heróis. Não era qualquer um que
podia presentear qualquer coisa a qualquer um. A Ilíada e a Odisseia nos trazem inúmeros
exemplos dessas trocas de presentes.
Políbio oferecera duas banheiras a Menelau, todas em prata, dez talentos de ouro e
trípodes. A mulher dele oferecera a Helena (...) uma roca de ouro e uma cesta com
rodas, toda em prata à exceção dos rebordos dourados.
(Odisseia IV 128 sq.)
O divino Eneu recebeu outrora na sua mansão o irrepreensível Belerofonte. Aí acolheu
durante vinte dias, tendo ambos ofertado um ao outro magníficos presentes. Eneu
brindou-o com um cinto de púrpura deslumbrante, enquanto Belerofonte lhe fez dádiva
de uma taça de ouro de duas asas, que deixei no meu palácio no dia em que dele parti.
(Ilíada VI 216 sq.)
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 Guerras e pilhagens: Os conflitos entre os diferentes domínios, entre as diferentes regiões, é


uma constante do mundo homérico. Essas guerras, marcadas sempre pela pilhagem,
atendem a finalidades econômicas. Por meio delas um reinado obtém aquilo que lhe falta. O
butim é sempre repartido entre o basileus e os vários senhores de oikos, representados como
guerreiros, eles mesmo estando presentes, e muitas vezes acompanhados de seus filhos. É
do butim de uma cidade arruinada que Aquiles retira a sua lyra.
 Comércio: Homero faz referência a dois povos que se dedicavam ao comércio marítimo: os
fenícios e os táfios. Os últimos devem ser provavelmente um povo fictício, metáfora de um
conjunto de gregos que se jogava aos mares e se dedicava à pirataria (“os povos do mar” do
Egito dos últimos Ramsés?). Os fenícios são conhecidos mercadores da Antigüidade, os
quais já eram grandes intermediadores de mercadorias do Antigo Oriente, desde meados do
terceiro milênio, atravessando os caminhos e estradas que uniam, por terra, a Mesopotâmia,
o Egito e o reino dos Hititas, além de outros reinados menores, e aventurando-se por sobre
os mares, mais tarde fundando distantes colônias, como Cartago no norte da África e
Cartagena na Espanha. Eumeu evoca os “famosos marinheiros da Fenícia, verdadeiras aves
de rapina com suas bugigangas” (Odisseia XV). Através do comércio com os fenícios,
obtinham inúmeras mercadorias e se colocavam em contato com as então distantes
civilizações orientais. Entre os produtos adquiridos aos fenícios encontra-se a escrita
alfabética, adaptada ao idioma grego, cujos primeiros registros remontam na Grécia ao final
do século XIX – sobre cerâmica, evidenciando que, antes mesmo de Homero, alguns gregos
já se dedicavam à adaptação do alfabeto fenício à língua grega.
Hostilidade entre os oikoi – belicosidade – parentesco, hospitalidade e casamento:
O mundo de Ulisses estava dividido em numerosas comunidades mais ou menos
semelhantes a Ítaca. Entre cada uma e todas as outras, a relação normal era de
hostilidade, por vezes passiva, uma espécie de trégua armada e por vezes ativa e
belicosa.
(FINLEY O mundo de Ulisses p. 94)
Diante desse constante hostilidade, pairava um clima de instabilidade, esperando-se a qualquer
hora a possibilidade de conflitos. A necessidade de se alcançar um equilíbrio levou a se usar três
recursos que se contrapunham à hostilidade: o parentesco, o casamento e a hospitalidade.
O mundo homérico se organizava à imagem da casa e da família. A mitologia já colocava a
relação entre o rei e o pai, na figura de Zeus, retratando como o problema político é sempre político-
familial, seja na esfera interna de um oikos ou, eventualmente, nas relações entre os diferentes oikoi.
Com a queda da monarquia micênica, os laços de parentesco eram o único instrumento que mantinha o
sentimento de unidade. Constatamos isso na própria linguagem: governar (anassein) aplica-se tanto ao
basileus que governa sobre a comunidade, como ao pater familiae, o chefe do oikos, que governa sobre
os familiares e agregados. A mesma relação se coloca com Zeus, que governa sobre seus súditos, o
homens, e sobre seu oikos, o Olimpo: (“Zeus governa
os homens e os deuses”). Nessa sociedade em que a justiça era feita pela família, para vingar o parentes
– como prerrogativa do espaço privado – o que contava era o parentesco, o sangue: eram os laços de
consangüinidade que contavam.
O casamento era utilizado politicamente para criar laços de parentesco entre diferentes
comunidades, amortecendo assim a natural hostilidade existente entre os oikoi.
Arranjar um casamento era negócio exclusivo dos homens, e só um homem quem Zeus
tivesse arrebatado a razão não teria tido em conta, ao fazer a sua escolha,
considerações de riqueza, de poder e de apoio.
(FINLEY O mundo de Ulisses p. 94)
Num mundo centrado no oikos, em que os indivíduos desfrutam de suas garantias e proteções
somente no interior desse, a condição do estrangeiro é vista de forma bastante negativa: em relação a ele,
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alimentava-se temor, suspeitas, desconfianças; era desprovido de direitos e sem parentes para vingá-lo.
Ora, nessa situação, qualquer indivíduo, rei, guerreiro ou demiourgos, que precisasse viajar, enfrentava
sérios riscos a sua segurança pessoal. Valorizava-se a hospitalidade (xenia), exigida pelo sentimento de
justiça (themis) pelo qual Zeus zelava: “Estranhos ou mendigos, todos são enviados de Zeus.”
Criavam-se, assim, os laços de hospitalidade, dos quais decorriam obrigações mútuas de
proteção e respeito entre diferentes famílias e oikoi.
Hóspedes e vínculos de hospitalidade eram bem mais que a expressão sentimental de
afeição humana. No mundo de Ulisses, tratava-se de termos técnicos (xenos) que
serviam para designar relações muito concretas, implicando direitos e deveres tão
formais como o casamento.
(FINLEY O mundo de Ulisses p. 95)
A hospitalidade garantia vínculos diplomáticos, se assim podemos dizer, entre diferentes
famílias e comunidades, substituindo a falta do laço sangüíneo:
O vínculo de hospitalidade era de outra natureza e relevava de uma concepção
inteiramente diferente. O indivíduo que tinha um xenos numa terra estrangeira – e toda
a comunidade além da sua era solo estrangeiro – possuía um substituto efetivo dos
parentes, um protetor, um representante e um aliado. Dispunha de um refúgio se lhe
fosse necessário fugir de casa, um armazém onde se abastecer quando era obrigado a
viajar e uma reserva de homens e de armas em caso de combate. Todas estas relações
eram pessoais, mas, entre os senhores poderosos, o pessoal fundia-se com o político, e
as relações de hospitalidade eram a versão homérica, ou as precursoras, das alianças
militares e políticas.”
(FINLEY O mundo de Ulisses p. 98)
Vassalagem:
Constituía-se dos deveres que um senhor de oikos menor devia a outro mais poderoso, que lhe
garantia proteção. Esse vassalo (therapon) era um homem livre, que devia, porém, assistência ao palácio,
ao oikos real, sob forma de serviços e apoio militar. A relação de vassalagem, constituindo um laço
político, não se funda num compromisso público, não emana da comunidade; no mundo homérico, os
compromissos interpessoais que organizam essa sociedade aristocrática são sempre questão de honra
familiar.
aristoi x kakoi:
A característica fundamental da sociedade homérica, vista como um todo, é a organização de um
mundo aristocrático com a total exclusão do vulgo: para além do espírito agonístico que rege as relações
entre os pares (todos autodenominando-se basileus), está a fronteira intransponível entre os aristoi (em
grego, “os melhores”, idealizados como heróis guerreiros, belos) e os kakoi (“os ruins”, tratados como
“gentalha feia”). Tersites é um dos únicos representantes dos kakoi que Homero nomeia. Por via de regra
ficam no anonimato. Sua caracterização é emblemática: de traços rudes, feios (“o homem mais feio entre
todos que vieram a Ílion.” – Ilíada II 216) e voz desagradável, seu direito à palavra é coibido na
Assembleia de guerreiros como um atentado às regras estabelecidas.
Themis:
Para além da autoridade do basileus e dos senhores do oikos, da gerousia e da Assembleia,
governa a themis, o direito consuetudinário:
Mas havia a themis – o costume, a tradição, os hábitos populares, os usos – quer dizer,
seja qual for o nome que lhe demos, o enorme poder do ‘é assim que se faz (ou não se
faz)’. O mundo de Ulisses possuía um sentido muito desenvolvido das conveniências e
do decoro.
(FINLEY O mundo de Ulisses p. 78)
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A vida urbana:
Ésquéria e Ítaca são exemplos de cidades, presentes na narrativa homérica, que mesclam
elementos do tempo de Homero e dos tempos da realeza homérica (basileia):
Temos, portanto, aqui todos os elementos fundamentais de uma cidade, semelhantes
àqueles que, por exemplo, as escavações de certas cidades-Estados coloniais vieram a
revelar: o território afeto às terras de cultura dividido em lotes parcelares, a muralha
no interior da qual se situam as casas de habitação, de que a morada do rei apenas se
distingue pela sua magnificência, a praça pública com o santuário dedicado a
Poseidon, as portas onde as naus se acham alinhadas, e em cuja vizinhança vivem os
artesãos, fabricantes de velas, de peças de mastreação, gente cujos motejos Nausícaa
receia. Se Esquéria não pertence ao mundo real, somos mais uma vez forçados a
verificar que denota possuir todos os seus traços característicos.
(MOSSÉ A Grécia Arcaica de Homero a Ésquilo p. 83)
De Ítaca já não temos uma descrição comparável. No entanto, o poeta canta por
diversas vezes a ágora, a grande praça onde as assembleias do demos se realizam. Do
mesmo modo, o aglomerado urbano onde o rei e os nobres possuem sua morada
distingue-se claramente dos campos circundantes: assim, depois de renunciar à
realeza, Laertes abandonou a cidade para viver no campo (...). Tendo igualmente por
fim o abastecimento de água do centro urbano, construiu-se uma fonte de pedra, de
belas águas cristalinas (...) da qual a gente de cidade costumava servir-se.
(MOSSÉ A Grécia Arcaica de Homero a Ésquilo p. 83)
2. O poder no mundo de Ulisses:
O poder no mundo homérico estruturava-se sobre um tripé, a basileia (realeza), a gerousia (conselho de
anciãos) e ecclesia (Assembléia).
 Realeza homérica:
 Fundamentos: supremacia militar; promoção da unidade; atribuições de terras; benignidade para
com o povo; preocupação em fazer triunfar a justiça. A riqueza do oikos real garante sua
supremacia sobre os demais.
 Fraqueza do poder real: O basileus era um primus inter pares; os demais senhores de oikos,
igualmente chamados de basileus, rivalizavam constantemente com ele. A realeza, numa
sociedade aristocrática como a homérica, está limitada pelos próprios pares, diferentemente do
anax micênico, cuja autoridade inspira-se nas monarquias orientais. O rei vai buscar apoio na
comunidade, para enfrentar o desafio que os demais senhores de oikos colocam ao seu poder. É
assim que Ulisses é amado pelos humildes, que temem a arrogância dos pretendentes de
Penélope, os pares do basielus, os quais, autodenominando-se basileus, ambicionam o trono de
Ítaca.
Segundo a imagem que os poemas dela nos dão, a realeza homérica surge, pois, como
sendo uma função que os deuses atribuem aos melhores, aos mais bem nascidos; nada
há nela porém que faça lembrar o poder absoluto do wanax micênico. Primus inter
pares [“primeiro entre os iguais”], o rei homérico distingue-se pela sua riqueza,
sabedoria e sentido de dike [“justiça”], fatores constitutivos do conjunto das qualidades
“reais”, que podem ser apanágio de uma certa família, permitindo desse modo
justificar o princípio hereditário de transmissão, mas que também podem passar de
uma dada família a outra caso as circunstâncias assim exijam.
(MOSSÉ A Grécia Arcaica de Homero a Ésquilo p. 87)
A terminologia basileus, designando ora rei, ora o chefe da casa aristocrática, é um indicativo do
poder aristocrático:
Por detrás desta terminologia, pode sentir-se todo o peso que a aristocracia exercia
para reduzir a realeza ao mínimo. A aristocracia era anterior à realeza lógica,
histórica e socialmente. Ao mesmo tempo que reconheciam a monarquia, os nobres
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desejavam que a prioridade fundamental do seu estatuto fosse perpetuada, propondo-se


manter o rei ao nível de um primeiro entre iguais.
(FINLEY O mundo de Ulisses p. 81)
O retorno de Ulisses ao poder real é paradigmático da fragilidade da realeza: o poder é salvo por
laços particulares, de familiares e de grupos servis que lhe eram fiéis; o poder é garantido de
forma pessoal e não como instituição pública:
Uma vez mais os pormenores da narrativa sublinham um elemento essencial da vida de
Ulisses: para recuperar o seu trono o rei não podia contar senão com a mulher, o filho
e os escravos fiéis, ou seja, o poder real era um poder pessoal. (...) Em tempo de
guerra, os cidadãos (...) pegavam em armas e (...) a comunidade tornava-se uma
realidade efetiva, enquanto o rei (...) recebia apoio e obediência. Em tempo de paz (...)
porém, quando os senhores guerreavam entre si, geralmente a questão só a eles dizia
respeito.
(FINLEY O mundo de Ulisses p. 87)
Os episódios de retorno de Menelau, Nestor, Ulisses e Agamenon retratam a fragilidade do
poder real. Os vários elementos de fraqueza do poder real, na Odisséia, sugerem que, na época
em que foi escrita, a derrocada da realeza já devia ter sido completa em quase toda Hélade. Em
seu lugar, os aristocratas passarão a governar como grupo, seu um primeiro entre os pares.
 Gerousia:
É o conselho de anciãos, formado pelo conjunto de senhores de oikos de uma determinada
cidade, como Ítaca, Esparta, Argos ou Pilos, chamado pelo rei para orientá-lo. A autoridade real está
marcada pelo cetro que segura o basileus durante as reuniões do conselho. O Areópago será, em
Atenas, um remanescente da gerousia homérica, no final do período arcaico e início do período
clássico.
 Assembleia:
Era chamada em momentos de instabilidade, quando decisões de emergência se faziam
necessárias. Havia a assembleia de guerreiros e a assembleia do demos. Aos tempos da realeza
homérica, podemos dizer que a assembleia, do ponto de vista formal, sujeitava-se ao poder de
deliberação autocrático do rei. Era convocada pelo rei, sem regularidade e local
preestabelecidos; era espaço para o rei legitimar suas decisões mas também, quando necessário,
ouvir os representantes (aristocráticos) da comunidade. Todo orador que tomava a palavra,
empunhava o cetro, tornando-se intocável, indicando a sacralização do princípio de igualdade
entre os pares. Com função consultiva, não deliberava nem votava. As palavras do rei decidiam
autonomamente, conduzindo a assembleia como se fosse um assunto privado, não obstante tratar
de assuntos de interesse público. As duas assembleias de Ítaca narradas na Odisseia, a primeira
com a ausência do rei Ulisses, a segunda com seu poder posto em dúvida, retratam porém uma
outra situação, que deve caracterizar o contexto de emergência da pólis na transição entre o
período homérico e arcaico.
 Demos:
Sua participação era passiva a nível formal, devendo ser persuadido pela peithó (persuasão) e iphi
(força) reais. A Ilíada e a Odisseia, com a exceção do trecho do escudo de Aquiles (Ilíada XVIII
496 sq.) e da admoestação de Mentor ao demos na assembléia (Odisséia II 239 sq), retratam um
demos apático, desinteressado em intervir sobre seu destino, resignado na aceitação de seu
assujeitamento.
3. A emergência do fator político:
 Escudo de Aquiles – estão colocados os primórdios da pólis:
 Conselho de Anciãos, na ausência do rei, reunidos em círculo, fazem justiça.
 Decisão na ágora.
 Decidem fazendo uso da palavra-diálogo, e não da palavra autoritária do basileus, que se
autolegitimava por delegação divina.
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DISCIPLINA: História da Antiguidade Ocidental
PROFESSOR: Fábio Vergara Cerqueira

 Demos presente e impaciente, dividido em dois ‘partidos’.


‘Os Anciãos encontram-se sentados sobre pedras polidas, dispostos num círculo
sagrado. Têm nas mãos o bastão do arauto de voz sagrada, sendo de bastão em punho
que, um de cada vez, se levantam e dão a sua opinião.’ (Ilíada XVIII 496 sq) O texto
levanta inúmeros problemas. Em primeiro lugar, por que o rei está ausente. (...)
Depois, o julgamento realiza-se na ágora, o povo está presente e toma violentamente
posição, dividindo-se em dois ‘partidos’.
(MOSSÉ A Grécia Arcaica de Homero a Ésquilo, p. 89)
Clamor pela razão na política: Polídamos x Heitor.
Pobres tolos. Palas Atena privou-os a todos de razão. Ei-los que aprovam Heitor, cujas
opiniões serão sua desgraça, enquanto Polídamas, que é quem os aconselha com
sensatez, de ninguém recebe o menor apoio.
(Ilíada XVIII 310 sq.)
 Considerações sobre a força do demos (“povo”):
 Pretendentes de Penélope temem que Telêmaco convocasse, em seu retorno a Ítaca, a
Assembleia dos Aqueus.
 Mentor convoca a maioria silenciosa a exercer seu poder na assembleia:
Vós é que me deixais indignados [diz o sábio Mentor aos presentes na ágora], aí
silenciosos, todos sem ousar dizer palavra no sentido de tentar deter esses
pretendentes, bem menos numerosos do que vós.
(Odisseia II 239 sq)
Observamos assim a transição do demos, da apatia do mundo homérico, para a agitação do
período arcaico, marcado pela stasis. Esse clima de stasis está presente tanto no relato do escudo de
Aquiles, como no ambiente de Hesíodo. A Odisséia acaba com um impasse, gerado pelo conflito entre
aqueles que querem vingar o massacre dos pretendentes e os que o julgavam justo. A crise fica
solucionada pela intervenção divina: a deusa Atena, que nunca abandonou seu protegido, Ulisses,
garante a retomada do trono e sua aceitação pela comunidade. Sem a interferência divina, resultaria na
stasis vivida pelos gregos a partir do século VIII, quando os aristocratas disputam entre si o poder,
rejeitando a autoridade do basileus, criando, como delata Hesíodo numa visão camponesa da história, em
Os trabalhos e os dias, uma situação de extorsão das camadas humildes pela aristocracia.

4. Valores do mundo homérico:


A moral heróica, característica do texto homérico, relacionada com as estruturas da sociedade
guerreira do período denominado por alguns historiadores como ‘medieval’, influenciará os períodos
posteriores da história grega, inclusive conferindo ao cidadão seu traço mais marcante, o de ser antes
governante do que governado, sendo este o princípio da cidadania ativa da democracia clássica.
Numa sociedade envolta em constantes guerras, a honra era obtida no combate, sendo por isso que o
espírito agonístico (espírito de luta, de externar os antagonismos, de viver o jogo dos conflitos) é um dos
traços básicos da moral heróica.
Como é evidente, esses príncipes correspondem aos de uma aristocracia guerreira para
a qual as virtudes essenciais são aquelas que possam revelar-se em combate, visto ser
aí que o guerreira pode ganhar a Kleos, a glória que o tornará imortal.
(MOSSÉ A Grécia Arcaica de Homero a Ésquilo, p. 46)
Para estes heróis, sucumbir em combate representa a honra suprema, é a assim-chamada “bela
morte” do guerreiro, a Kléos heróica, inclusive porque morrem jovens e serão lembrados em toda a sua
força, virilidade e beleza de sua juventude. Assim são as “belas mortes” de Aquiles, Heitor e Pátroclo.
A beleza física é corolária da moral guerreira, sendo este um outro elemento que permanecerá na
cultura grega subsequente, nos seus ideais ético-estéticos e políticos: observa-se na estatuária e na
arquitetura clássicas, bem como no ideal de cidadão, o kalós-kagathos (“belo-e-bom”).
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O ancião aparece no texto homérico como símbolo da sabedoria a serviço da comunidade, o que se
reflete politicamente no papel da instituição da gerousia, que revela o caráter gerontocrático do mundo
homérico.
Esta dualidade ancião-jovem, sábio-belo, manter-se-á na cultura grega clássica, como constatamos
no ideal filosófico da relação mestre-discípulo, a qual envolve vários aspectos além dos didático-
pedagógicos, desdobrando-se no ideal político e educativo da pederastia.
Na obra homérica, encontramos trechos que nos remetem ao universo de valores da época em que o
texto foi escrito, anunciando a crise do modelo aristocrático e a formação de uma nova moral, aquela do
camponês-soldado, da cidade-Estado nascente. No trecho abaixo, ofusca-se a imagem do guerreiro
aristocrático, no lugar do qual encontramos o hoplita ou o gérmen do cidadão-proprietário.
Eurímaco, gostaria que fôssemos postos à prova num pequeno prado, no início da
primavera, quando os dias se tornam mais longos. Eu usaria então uma bela foice
recurva e outra igual, a fim de competirmos sem nada comer até chegar a noite, e isto
enquanto houvesse era para segar; ou então gostaria de ter uma junta de bois para
conduzir, os mais belos dentre todos, grandes animais de pelo ruivo, ambos bem
saciados de erva, com a mesma idade e o mesmo rigor, revelado numa indefectível
energia. Quanto a nós, disporíamos de dois hectares de terra dócil à relha do arado
(...) Ou, numa outra hipótese, se Zeus quisesse mesmo suscitar uma guerra, desde que
tivesse o meu escudo e minhas duas lanças, assim como o meu capacete todo em
bronze, bem adaptado às têmporas, pois ver-me-ia ser o primeiro, a postar-me nas
primeiras linhas.
(Odisseia XVIII 366 sq.)
Muitos exegetas da obra homérica consideram o livro XVIII uma introdução posterior, por essa
razão teria várias características anacrônica, se pensarmos nos tempos do próprio Homero ou os tempos
que lhe antecedem. Ao mencionar as primeiras fileiras e a panóplia do guerreiro, o trecho se reporta a
uma realidade que se configura entre os últimos anos do séc. VIII e a primeira metade do séc. VII, que
alguns autores nomearam “revolução hoplítica”.
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UNIDADE III: Período arcaico

Cronologia

900: Início da cerâmica grega de estilo geométrico


814: Fundação fenícia de Cartago na África do Norte (atual Tunísia)
800: Composição dos poemas homéricos
Instalação dos Etruscos na Toscana
776: Fundação dos jogos Olímpicos
760-700: Cerâmica Geométrica Ática recente (geométrico final, com figuração): ânforas de Diplylon
753: Fundação de Roma
750: Obra de Hesíodo - adoção do alfabeto fenício pelos gregos
740: Gregos fundam Cuma na Campânia, às margens do mar Tirreno
735-716: Primeira Guerra espartana da Messênia
733-732: Fundação de Siracusa, na ilha da Sicília
720-640: Cerâmica Proto-Coríntia (transição entre geométrico e orientalizante)
704: Ameinocles de Corinto aprimora a construção naval
700 - 620: Cerâmica Proto-Ática
683-682: Início das listas de arcontes atenienses
675: Difusão da técnica bélica de falange hoplítica
Legislação de Licurgo em Esparta
630: Invenção da moeda na Ásia Menor
625-550: Cerâmica Coríntia
621: Legislação de Drácon em Atenas
616: Advento da Dinastia dos Tarquínios em Roma
600: Fundação de Marselha, colônia grega no Sul da França, pelos foceus, vindos da costa da Jônia
Heraion (santuário de Hera) de Olímpia
594-593: Primeiro arcontado de Sólon em Atenas (mantém-se por dez anos)
561: Início da tirania de Pisístrato em Atenas
556: Reformulação das Panateneias em Atenas
534: Criação dos concursos de tragédia nas Dionisíacas em Atenas
530: Inicio da técnica de cerâmica ática com figuras vermelhas
528-527: Morte de Psístrato: assumem os seus filhos Hípias e Hiparco
510: Queda da tirania em Atenas
509: Queda da monarquia em Roma
508-507: Reformas democráticas de Clístenes em Atenas

1. O desenvolvimento da pólis:

O fato da urbanização, em si, não significa automaticamente o desenvolvimento da pólis, que


constitui uma forma especial de agrupamento humano. O início da colonização, no século VIII, é uma
prova de que a noção de pólis já existia entre os gregos, como nos revelam as clerúquias, que são poleis
a imagem da metrópole, implementadas conforme conceitos claros de ocupação do espaço segundo o
critério do comum e não do interesse privado dos privilegiados.
O aspecto geográfico, marcado pela fragmentação física, não é razão suficiente para a fragmentação
política, inclusive porque, na mesma época em que se gestava o modelo políade de organização político-
social, em outras regiões, como a Tessália, Creta e a Lacônia, formulava-se uma outra alternativa, o
ethnos, baseado num domínio territorial que extrapola a unidade urbano-rural da pólis, constituindo
pequenos países.
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A pólis caracteriza-se, antes de tudo, como um lugar de decisões coletivas. Na inscrição de Dreros,
pouco anterior a Drácon, remontando a meados do século VII, lemos: “Assim decidiu a pólis”. A pólis
se apresenta como sociedade organizada identificada com o grupo dos cidadãos; não se fala de Atenas,
mas dos Atenienses; não se fala de Esparta, mas dos Espartanos. Nessa sociedade, aqueles que compõem
o círculo dos cidadãos constituem o grupo dirigente. O grau de alargamento desse círculo e a forma
como o poder se distribui no interior desse, são os dois aspectos que vão variar conforme as
constituições adotadas pelas diferentes cidades, variando da oligarquia à democracia, passando pela
tirania e pela timocracia.
O processo de codificação das leis foi o principal instrumento pelo qual a comunidade políade se
impôs face aos interesses privados, aos anseios da “família” (aqui entendido o genos, o clã aristocrático)
– criam-se assim mecanismos institucionais para controlar a usurpação dos direito dos mais fracos pelos
aristocratas terratenentes. Ocorre a transição do pré-direito ao direito, na terminologia de Louis
GERNET, afirmando-se um direito homogêneo.
A reforma hoplítica marca uma mudança fundamental no campo militar: a estratégia bélica passa a
se basear não mais na bravura pessoal, mas na coesão do grupo, no espírito comunitário; o homem
médio participando da defesa da cidade, vê-se no direito de interferir nos destinos políticos dessa.
Finalmente, o mapeamento conceptual da pólis conclui-se quando se define o conceito de cidadão
em oposição ao de escravo-mercadoria, impedindo-se assim a escravização por dívidas dos conterrâneos,
dos concidadãos. Cada modelo de cidade organizará a seu modo as relações jurídicas entre os diferentes
grupos: cidadãos; metecos ou periecos; hilotas ou escravos.

2. O cenário da stásis (“crise”):


A época arcaica foi marcada por uma série de tumultos sociais, resultantes do problema da
distribuição da riqueza numa época de crescimento econômico: desenvolve-se a atividade artesanal, com
ênfase ao avanço da indústria da cerâmica em Atenas e Corinto. A economia torna-se mais dinâmica,
com maior circulação de riquezas, com aumento das trocas comerciais.
Moeda:
É nessa época que se dissemina o uso da moeda, criada na Ásia Menor na segunda metade do
século VII. A moeda não surge, porém, como reflexo de trocas organizadas, mas como símbolo
emblemático da organização da comunidade cívica.
A invenção da moeda deveria ressituar-se no quadro do desenvolvimento das relações
sociais e de definição dos valores, tendência fundamenta da época arcaica, em que as
leis são codificadas e publicadas para serem subtraídas ao arbítrio da interpretação. A
vida da comunidade cívica não se concebe sem a existência e a aplicação de normas
conhecidas de todos: a invenção da moeda deverá classificar-se sob este aspecto.
(AUSTIN & VIDAL-NAQUET Economia e Sociedade na Grécia Antiga p. 66)
A arqueologia do período arcaico não apresenta uma coincidência entre a circulação de bens e de
moedas, endossando a tese de que o comércio não foi o fator primordial na criação da moeda.
É preciso fazer intervir sobretudo o desenvolvimento da consciência cívica: na história
das cidades gregas, a moeda será sempre antes do mais um emblema cívico. Cunhar
moeda com as armas da cidade será proclamar orgulhosamente a sua independência
política.
(AUSTIN & VIDAL-NAQUET Economia e Sociedade na Grécia Antiga p. 67)
Aspectos agrários da crise:
O período arcaico foi marcado pela reivindicação por terras e pela absolvição de dívidas. A partir
do século VIII, ocorre um sobrepovoamento, decorrente de uma diminuição das taxas de mortalidade. A
esse problema somam-se a exploração insuficiente do solo, a repartição desigual das terras e a partilha
desigual entre os herdeiros. Os pequenos proprietários perderam aos poucos suas terras, precisando fazer
frente aos impostos crescentes. Acabam como arrendatários, devendo parte de sua produção ao
proprietário das terras. Na eventual impossibilidade do pagamento, entra num processo de
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endividamento que culmina na perda das liberdades individuais: escravizado, muitas vezes é vendido
como mercadoria.
O cenário da stasis tem como marca a polarização social entre os aristocratas terratenentes e a
mão-de-obra dependente. Hesíodo, poeta épico da segunda metade do séc. VIII, retrata o contexto das
reivindicações sociais por uma partilha mais justa da terra e por uma justiça universal, igual para todos.
Sólon, no início do séc. VI, absolveu as dívidas e proibiu a escravização por dívidas de cidadãos
atenienses, comprando a liberdade de cidadãos que haviam sido vendidos. Não sabemos por que esta
situação deixou de ser suportável em Atenas no final do século VII e início do século VI.

3. As soluções para a crise social e política que se apresentara ao longo do processo de desenvolvimento
da pólis:
3.1. Revolução hoplítica:
A guerra heróica, marcada pela bravura individual, era a expressão militar de um mundo
aristocrático em que a idéia de comum praticamente inexistia diante da força da família, dos gené,
do interesse privado. Com o fortalecimento da comunidade de cidadãos, acompanhado do
crescimento demográfico e da diversificação econômica, num momento de recrudescimento da
atividade agrícola, a cidade não podia mais se defender baseada exclusivamente na aristocracia; ela
precisou armar os grupos médios emergentes deste novo contexto sócio-econômico.
Uma parcela significativa de médios e pequenos proprietários foi incorporada ao exército: a
dispendiosa cavalaria permanecia como uma categoria especial, reservada aos ricos terratenentes; os
grupos médios entram na infantaria, agora remodelada. Constitui-se uma nova técnica militar: a
formação em falange, pela qual os soldados organizam-se em linhas e avançam em conjunto, um
protegendo o outro, de forma coesa. Armados com elmo, lança e escudo, o escudo de um protege o
corpo do outro. Essa coesão da falange hoplítica traduz o espírito comunitário que se forma na pólis,
em que todo o conjunto de cidadãos vê-se solidariamente responsável pelos destinos da cidade.
A revolução hoplítica reflete a afirmação da comunidade, ao mesmo tempo que induz ao
fortalecimento do domínio político, do comum, uma vez que os setores médios responsáveis pela
defesa da pólis passam a reivindicar o exercício da cidadania, não apenas passiva, mas ativa – isso
será, porém, um longo processo, que culminou, em algumas cidades, na isonomia (nome que os
gregos davam de início à democracia).
3.2. Colonização:
Como forma de reverter em benefício o excesso de população, muitas cidades gregas partem, a
partir do século VIII, para a aventura da colonização. Não somente remedeiam parcialmente o
problema demográfico, como estabelecem um parceiro comercial. As colônias são criadas seguindo
modelos ideais de organização comunitária. Havia dois tipos de colônias: as apoikiai e os emporia.
A apoikia é uma colônia agrária, moldada como uma pólis à imagem da metrópole, com o objetivo
de solucionar o sobrepovoamento continental e jônico. O emporion é um enclave comercial, como
Náucratis no Egito, que visa a suprir as “metrópoles” (cidades fundadoras) com riquezas.
3.3. Política de importação de trigo:
A alimentação constituía um sério problema, sobretudo o fornecimento de trigo. Visto que a fome
gerava crise social, a cidade passou a se preocupar com a importação de alimentos. Náucratis
assegurava o acesso do comércio grego ao trigo egípcio. Colocando o interesse coletivo acima do
particular, Sólon proibiu a exportação de qualquer alimento in natura, salvo o azeite, que já se
constituía um importante produto de exportação, que contrabalançava os gastos com a importação
do trigo, e o vinho.
3.4. Partilha das terras e estatuto dos camponeses:
Reivindicação presente nas manifestações populares, motivadas pela condição aviltante vivida pelos
camponeses que se viam sem terras, ou endividados como arrendatários, ou por fim, mais grave,
como vítimas da escravidão por dívidas. Reivindicava-se a partilha das terras, o que não foi atendido
pelos legisladores reformistas. O máximo que conseguiam, em termos de revisão do estatuto dos
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camponeses, foi a absolvição das dívidas, e, talvez a maior conquista, a proibição de que fossem
escravizados quando não conseguissem pagar futuras dívidas, pois consolida seu estatuto de cidadão
livre. Muitos destes camponeses participam de empreendimentos colonizadores, integrando como
apoikistai o grupo de cidadãos que abandona a cidade de origem e funda uma nova. Interessante
observar que a partilha de terras, não realizada na pólis de origem, é realizada na nova fundação
colonial, em seu início, quando todos fundadores recebem lotes cultiváveis iguais.
3.5. Crise da soberania e a afirmação do espaço público:
As transformações sociais que ocorrem durante o período arcaico são acompanhadas por mudanças
nos esquemas de pensamento. O intelecto busca na sophia soluções mentais para a stasis, para a anomia.
Busca-se uma nova fundamentação para o poder, não no mythos nem nos theoi (deuses), não kosmos
nem na physis, mas no mundo dos homens. Constroem-se conceitos novos, que embasem uma ordem
humana da cidade: diante da queda política da realeza e da ascendência da aristocracia, o poder não mais
se concentrará nas mãos de um só (o basileus), mas será dividido entre os iguais e controlado por eles, os
aristoi (os ricos cidadãos detentores de terras). Apesar deste controle aristocrático neste primeiro passo,
é uma mudança muito significativa. O poder se especializa, sai da pessoa do rei, que concentrava em si
as funções políticas, jurídicas e militares, e, despersonalizado, se encontrará nas funções públicas, as
magistraturas (os cargos, cujos ocupantes são escolhidos nas assembleias). A arché, princípio do poder,
anteriormente transmitida por hereditariedade com legitimidade na lei divina e do costume, agora
pertence ao conjunto de aristocratas que mandam na cidade: eles, pelo voto, depositarão essa arché em
indivíduos incumbidos da função pública por um determinado período. Na cidade aristocrática, a arché
ficou dividida entre a função religiosa (exercida pela figura do arconte basileus), militar (exercida pelo
polemarca) e jurídica (exercida pelos arcontes, eleitos inicialmente para um mandato de 10 anos e,
posteriormente, de 1 ano). Assim:
a noção de arché – comando – se separa da basileia, conquista independência e vai
definir o domínio de uma realidade propriamente política.
(VERNANT Origens do pensamento grego p.28)
As eleições implicam um novo universo de poder:
O sistema de eleição, mesmo se conserva ou se transpõe certos traços de um processo
religioso, implica uma concepção nova de poder: a arché é todos os anos delegada por
uma decisão humana, por uma escolha que supõe confronto e discussão.
(VERNANT Origens do pensamento grego p.28-9)
Uma vez que o poder foi transferido do domínio do rei para funções especializadas, impondo-se a
comunidade, coloca-se o problema do equilíbrio do poder: não há personagem único que domine a vida
social, mas uma multiplicidade de funções, disputadas por diferentes grupos no seio do setor social
aristocrático. Abre-se campo para a discórdia, para o debate, para o agon. A questão que se coloca,
intelectual e institucional, é como se colocar a ordem. Conforme VERNANT, o conflito entre Eris
(Rivalidade) e Philia (Amizade) simboliza a situação de conflito entre desordem e ordem. A arché está
nas mãos de um grupo de iguais – a comunidade cidadã - que a disputa entre si, praticando o conflito, o
debate, o agon:
A política toma por sua vez a forma de ágon: uma disputa oratória, um combate de
argumentos cujo teatro é a ágora, praça pública, lugar de reunião antes de ser um
mercado. Os que se medem pela palavra, que se opõem discurso a discurso, formam
nessa sociedade hierarquizada um grupo de iguais.
(VERNANT Origens do pensamento grego p.32)
Assim a cidade se afirmava aos poucos como pólis, como cidade-Estado organizada por instituições
públicas, onde o espírito do privado estará progressivamente submetido à ordem pública, no que toca as
relações sociais políticas, jurídicas e econômicas.
A arché não poderia mais ser a propriedade exclusiva de quem quer que seja; o Estado
é, precisamente, o que se despojou de todo caráter privado, particular, o que,
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escapando da alçada dos gené (clãs, famílias nobres), já aparece como a questão de
todos.
(VERNANT Origens do pensamento grego p.32)
As decisões são tomadas (em comum, pela comunidade); a arché é colocada
(literalmente, “no meio”)A noção de “comum” se impõe aos poucos como necessária para
ordenar a vida na pólis. Reflete-se assim a consciência que o grupo humano toma de si próprio como
unidade política. Temos o advento de um espaço social novo: a urbanização reflete a afirmação do
homem – a cidade centraliza-se na ágora, sede da (“altar-lareira” comum, onde o fogo
precisava ser mantido sempre aceso), ao mesmo tempo que ponto de encontro, de comércio, de debate.

2. A humanização e dessacralização jurídicas: a transição do “pré-direito” para o “direito” no processo


de constituição da pólis (modelo interpretativo de Louis Gernet):
Um conjunto de reformas jurídicas e judiciárias foram condição necessária para o estabelecimento
da pólis como uma forma original de agrupamento humano. Essas reformulações acarretaram resultados
homogeneizadores e individualizantes. Isto é, a subordinação ao plano legal torna-se atomizada: exerce-
se diretamente sobre cada indivíduo, e não mais sobre o conjunto de sua família como no “pré-direito”.
Além disso, os casos são avaliados por critérios formais equivalentes para todos cidadãos,
independentemente de sua origem de nascimento. Ocorre também um processo de racionalização do
direito: o crime não é mais encarado como até (“cegamento divino” que involuntariamente leva a
praticar um ato delituoso), como fruto de um potência sobrenatural, mas como resultado da vontade
humana. Corresponde a isso que o criminoso responda individualmente por seu crime, não mais
contaminando todo seu grupo social pela sua mácula de impureza.
A racionalização e individualização do cotidiano jurídico é acompanhada pela formulação de um
pensamento abstrato, conceitual, positivo e universal acerca da noção de justiça. Se as reformas ainda
não haviam implicado um conteúdo efetivamente democratizador no plano político e social, isso já
ocorria no plano jurídico:
A dike constituiu-se em plataforma da vida pública, perante a qual são considerados
iguais grandes e pequenos. Os próprios nobres tinham de se submeter ao novo ideal
político que surgiu da consciência jurídica e se tornou medida para todos.
(JAEGER Paidéia p. 98)
É por esse motivo que, quando surgir o regime democrático, os atenienses o chamarão de
isonomia, o “igual direito perante a lei”. Em Atenas, é com Sólon que se estabelece um direito de
obrigações homogêneo e abstrato, que recai igualmente sobre todos os cidadãos, ricos ou pobres, nobres
ou plebeus – assim, o Estado se afirma sobre os interesses particulares das “famílias” (clãs
aristocráticos). É um passo fundamental no estabelecimento da pólis como o espaço de vida do comum,
do comunitário, e não do privado. A série de leis solonianas, compondo a base do direito escrito
ateniense, trouxe o fim do regime do costume, resultando no caráter racional de uma ordem instituída
deliberadamente pela comunidade de cidadãos; expressa um direito público preocupado com a
coordenação e o equilíbrio.
A justiça passa a ser composta por órgãos e funções ocupados por cidadãos, existindo para
cumprir as leis por eles deliberadas. Esse controle dos mecanismos de justiça pela própria comunidade e
o avanço da sociedade organizada, impessoal, terá sérias implicações sobre o caráter da pólis.
O direito implicou uma corrente de elementos democratizadores, seja na formalização dos
procedimentos jurídicos de julgamento, de acusação e defesa, seja no conteúdo jurídico que iguala
cidadãos em direitos e deveres. Eis assim a chamada “humanização penal”, marcada pela restrição e
individualização da responsabilidade criminal, num cenário de contenção da paixão e avanço da razão no
pensamento jurídico. O sistema de ação penal pública imprimiu um ritmo democratizante:
 O acusado passa a ter suas garantias de direito;
 Os procedimentos acusatórios passam a ser formalizados com base no direito positivo;
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 A coerção arbitrária do conselho de anciãos cederá espaço, mais tarde, ao organismo


especializado dos tribunais, ao qual o corpo social delega poderes, ao sentir-se obrigado a
participar também da questão da justiça, em função do sentido de coletividade
O advento da lei escrita tem uma grande significação. Enquanto na sociedade arcaica a lei era o
recurso autoritário da themis, delegação divina de poderes ao homem, especificamente ao chefe da
sociedade gentílica (clânica), agora, na sociedade em reorganização da pólis, a lei passa a ser a
convenção estabelecida pelo homem, pela “contra-dição” das palavras políticas pronunciadas pelos
cidadãos no jogo do diálogo que se trava nas assembleias. É uma lei dessacralizada: uma vez discutida e
convencionada, é escrita e afixada publicamente, para que todos a tenham diante de seus olhos. Nenhum
indivíduo especial dispõe de conhecimentos secretos ou privilegiados sobre a interpretação da lei,
desprovida de atribuições religiosas. O direito escrito é igual para todos; e todos, em sendo portadores de
logos (pensamento articulado racionalmente), são capazes de interpretá-lo, pois esse direito codificado e
escrito é fruto do logos.
Todo esse processo fala, ao mesmo tempo, do desenvolvimento social e institucional do grupo
humano que forma a pólis, e do processo de transição do mythos para o logos (do pensamento mítico
para o racional). Do ponto de vista jurídico, Gernet denominou-o de processo de “passagem do pré-
direito para o direito”.
UNIVERSIDADE FEDERAL DE PELOTAS
INSTITUTO DE CIÊNCIAS HUMANAS
CURSO DE HISTÓRIA
DISCIPLINA: História da Antiguidade Ocidental
PROFESSOR: Fábio Vergara Cerqueira

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS - ANTIGUIDADE CLÁSSICA

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Títulos disponíveis na Biblioteca do CCS sobre Grécia e Roma


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