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A diferença absoluta da essência

Jean Pierre Gomes Ferreira1

No Segundo capítulo: As essencialidades ou as determinações de reflexão da Ciência da


lógica: 2. A doutrina da essência, Hegel diz que a diferença absoluta, a diferença em e para si é a
diferença da essência. Este texto tem por objetivo analisar brevemente esta diferença da essência,
principalmente, a relação que estabelece entre diferença e negatividade a partir da reflexão na
medida em que diz que “A diferença é a negatividade que a reflexão tem dentro de si, o nada que é
dito pelo falar idêntico, o momento essencial da própria identidade, a qual, ao mesmo tempo,
determina-se como negatividade de si mesma e é diferente da diferença.” (Hegel, 2017, p. 62)2

No início do Segundo capítulo: As essencialidades ou as determinações de reflexão da


Ciência da lógica: 2. A doutrina da essência, Hegel diz que: “A essência é primeiramente relação
simples consigo mesma, pura identidade.”, e acrescenta que “Essa é sua determinação, segundo a
qual ela é, antes, ausência de determinação.”3 Hegel segue assim seu método dialético segundo o
qual há, no início, a negação de algo e, depois, a negação da negação de algo, de tal modo que o
que antes foi negado é, por fim, afirmado, ou reafirmado, numa suprassunção (aufhebung). O que
antes é negado se (re)afirma ou suprassume, portanto, por meio da sua negação. No caso da
essência, primeiramente, há “antes, ausência de determinação”, a negação dela, mas, a negação de
sua determinação é já “sua determinação”, a negação da negação, ou seja, sua afirmação, ou
reafirmação, partindo-se do pressuposto que era já algo ainda não afirmado, mas que se afirma ao
ser negado, e é, deste modo, suprassumido.
Este método é aplicado por Hegel já no início da Ciência da lógica: 1. A doutrina do ser
em relação ao ser e nada quando diz que “O ser é o imediato indeterminado…”4, “sem nenhuma
determinação ulterior” e “igual apenas a si mesmo”, isto é, que o ser “é, de fato, o nada, e nem mais
e nem menos do que nada”, a “ausência de determinação”, e, em seguida, diz que isto é sua
determinação, pois, o Nada, o puro nada como “igualdade simples consigo mesma”, ausência de
determinação, é “o mesmo que o ser puro é.”5 No fim, portanto, o ser puro é afirmado, ou

1
Doutorando em Filosofia (UFC). E-mail: jepiego@gmail.com .
2
HEGEL, G. W. F. Ciência da Lógica: 2. A Doutrina da Essência. Tradução de Christian G. Iber e Federico Orsini.
Petrópolis, RJ: Vozes, 2017. (Coleção Pensamento Humano)
3
Ibid, p. 53, grifos do autor.
4
HEGEL, G. W. F. Ciência da Lógica: 1. A Doutrina do Ser. Tradução de Christian G. Iber, Marloren L. Miranda e
Federico Orsini. Petrópolis, RJ: Vozes; Bragança Paulista, SP: Editora Universitária São Francisco, 2016. (Coleção
Pensamento Humano), p. 83.
5
Ibid, p. 85. grifos do autor.
reafirmado, a partir da negação do nada, da negação da negação. Há uma suprassunção do ser no
devir que é a unidade do ser e nada, isto é, o mesmo que resulta do desparecimento do ser no nada e
deste naquele e de ambos em geral: “o devir é o desaparecer do ser em nada e de nada em ser e o
desaparecer de ser e de nada em geral”.6 Contudo, este desaparecimento não é total, pois o
suprassumir (aufhebung) do devir é “tanto guardar, conservar, quanto, ao mesmo tempo, cessar, pôr
fim.”7 No suprassumir, podemos dizer que o ser contém o nada e o nada contém o ser, de tal modo
que um é tanto um limite exterior ao outro quanto uma interiorização do outro em si. Deste modo,
cada um é uma limitação do outro por interiorização, cada um limita o outro ao interiorizá-lo. No
movimento do ser ao nada, ao definir o ser como imediato indeterminado, o ser se torna nada, há
um perecer. É no nada que o ser termina, mas também se determina como indeterminado,
conserva-se no nada. O nada é o meio no qual o ser termina por ser determinado como
indeterminado, isto é, torna-se “igualdade simples consigo mesmo” e não “igual apenas a si
mesmo”. No nada, há um nascer do ser que é um retorno do ser ao ser, um retorno a si, pois, se há
um desaparecer do ser no nada, ele não desaparece totalmente, isto é, não se torna nada, e, sim,
outro, permanece ser, mas suprassumido: “aquilo que não é, mas como resultado que partiu de um
ser; ele tem, portanto, ainda em si, a determinidade da qual provém.”8 Esse resultado, no caso, é o
devir, “o ser desaparecido, mas não como nada”, o “igualmente não mais por si, mas como
determinação do todo.” O devir é o permanecer do ser no nada ao ser contido por ele, do imediato
no mediado, da determinação na indeterminação, do particular no geral, do individual no todo, do
finito no infinito.
O ser suprassumido não é o ser, puro ser, e o nada, puro nada, ambos “sem nenhuma
determinação posterior”, é um ser determinado por sua indeterminação, pelo nada, pela negação,
por uma negatividade, ou ainda, por uma transição no devir. O ser enquanto mesmo, devir,
suprassumido é uma “unidade quieta” ou “simplicidade quieta”, um “equilíbrio” que resulta de uma
“inquietude sem sustentação” do ser ao nada e deste ao ser, ou do nascer e perecer. Se, no início, o
ser é o imediato indeterminado, ausente de determinação, no fim, no nada, é por meio do nada que é
determinado como imediato, isto é, a partir da negação do mediado, da negação da mediação, pois
o imediato é o não mediado. Esta negação está pressuposta no ser como “igual apenas a si mesmo e
também não desigual frente ao outro” (grifos meus), “não há nada a intuir nele” (grifos do autor).
No fim, no devir, o ser nega que é desigual, outro, nada, portanto, não se nega, não se dissolve,
apenas o nada se dissolve, nega a si mesmo, torna-se a negatividade pura ao ser contido no ser, a
negatividade pura do ser, da essência.

6
Ibid, p. 110.
7
Ibid, p. 111.
8
ibid, p. 111, grifos do autor.
Se Hegel aplica o mesmo método dialético tanto na Doutrina do ser quanto na Doutrina da
lógica, e faz o mesmo na Doutrina do conceito, há diferença no método, em seu devir, no caso, no
devir do ser e no devir da essência, pois, como observa Konrad Utz (2005, p. 179-80)9:

na Lógica do Ser o procedimento se efetua sabidamente na transição: o método faz valer


sua necessidade de imediato, embora a mesma ainda não tenha sido compreendida. (...) Na
Lógica da Essência já está incorporado ao pensar que a negação determinada só revela – i.
é, só põe – o que já estava dado no imediato; e por isso o imediato por sua vez nem era
imediato de todo, mas só parecia sê-lo. Assim o modo de proceder na Lógica da Essência é
a reflexão, que de certa maneira se move para trás.

É a partir da reflexão no método dialético que há um devir da essência, quando o ser


imediato indeterminado é refletido em sua indiferença absoluta que é “a última determinação do
ser, antes dele se tornar a essência” no fim da Doutrina do ser. Uma indiferença absoluta que é do
ser segundo uma reflexão exterior das coisas, antes de ser reflexão interior, isto é, antes de ser “a
reflexão exterior da consciência pensante”,10 a reflexão da essência, uma “reflexão determinada”,
“o aparecer da essência dentro de si mesma”, um “retorno infinito para dentro de si” que “não é
simplicidade imediata, mas negativa”.11 Uma indiferença absoluta do ser antes da diferença
absoluta dele, a diferença da essência a partir da reflexão.
Do ser à essência, há a passagem da indiferença absoluta para a diferença absoluta. Ela
retoma o método dialético de Hegel na Doutrina do Ser de tal modo que a essência é, agora, a
“relação simples consigo mesma, pura identidade”, a “ausência de determinação” a partir da qual se
determina enquanto diferença absoluta. Inicialmente, é uma diferença externa ou indiferente, a
diversidade em geral, depois, uma oposição e, por fim, uma contradição, uma oposição refletida
dentro de si mesma em que há um retorno do ser à essência do seu fundamento.
Do ser a essência há uma diferença, portanto, de doutrina, de método, de devir, de
reflexão, de diferença, do absoluto. Com o devir da essência se introduz a diferença no ser, a
diferença da essência. O ser até então indiferente ao outro em seu puro ser é posto em reflexão e, a
partir desta, deixa de ser indiferente, passa a diferir em essência em si mesmo na “imediatidade da
reflexão”. Do ser à essência, o ser se diferencia, há uma diferença absoluta em si, a diferença do ser
em essência, quando suprassume no devir da essência, pela essência, na essência, enfim, quando
contém uma “essência determinada”, uma essencialidade.
Se no devir do ser ao nada o ser suprassume, contém-se, põe a si um fim, faz-se finito, mas,
ao mesmo tempo, transpõe-se ao infinito é porque, em reflexão, torna-se essência, isto é, retorna a
si e, no seu retorno a si em si, torna-se ser verdadeiro, pois “A verdade do ser é a essência.”, diz

9
UTZ, Konrad. O método dialético de Hegel. Veritas, Porto Alegre,V. 50, N. 1, p. 165-185, março de 2005.
10
Hegel, op.cit., 2016, p. 412. Grifos do autor.
11
Hegel, op.cit., 2017, p. 53.
Hegel.12 O ser imediato indeterminado é determinado em essência, não se contém e vai além de si,
porém, em si, sem sair de si, sem se exteriorizar no outro, num ser aí em geral, mas num ser aí
profundo em direção a um pano de fundo, atrás de si, em si e para si, pois:

Na medida em que o saber quer conhecer o verdadeiro, o que o ser é em si e para si, ele não
se detém no imediato e em suas determinações, mas o penetra com a pressuposição de que
atrás desse ser ainda está algo diferente do próprio ser, de que esse pano de fundo constitui
a verdade do ser.13

Em busca de um conhecimento de si, da essência em si, o ser interioriza-se ainda que


pareça se exteriorizar. O ser aí exterior se interioriza e em tal interiorização se purifica, torna-se ser
puro em essência, isto é, se essencializa. O movimento do devir do ser, anteriormente para fora,
para um além exterior, para o nada, torna-se um movimento para dentro do ser, para si mesmo, para
um além interior, a essência, a “simplicidade quieta” (Grifo nosso.) No devir do ser à essência o ser
se torna inessencial, já que a essência é o essencial, e há, de certo modo, uma contraposição,
porém, isto se dá apenas em aparência, pois “A essência é o ser suprassumido.”14
A aparência é a passagem do ser inessencial para a essência essencial, o momento no devir
em que “A essência provém do ser” como um “resultado daquele movimento”, no caso, do
momento do devir do ser, e é tida como um “ser aí determinado, ao qual se contrapõe um outro ser
aí; ela é apenas um ser aí essencial frente a um ser aí inessencial.”15 Não há uma contraposição da
essência ao ser e, sim, dela à aparência, a uma aparência do ser, exterior a si, uma aparência que não
seja “o pôr próprio da essência”, uma aparência na qual não há a reflexão da essência. Aparência é
o que resta do ser aí antes da aparência da essência, isto é, antes da essência aparecer e, com ela, a
verdade do ser. É o limite no qual o ser se detém e não mais se detém em essência, em que há a
diferença absoluta e “a absoluta indiferença frente ao limite”.
Na aparência da essência, há a reflexão da aparência imediata do ser. A aparência se
reflete e, nesta reflexão, a essência aparece imediata, uma negação de si, a negação em si do ser. Na
reflexão, a essência aparece, primeiramente, nula, uma aparência, indeterminada, “sem essência”,
tal como o ser, como uma aparência do ser, a partir de uma reflexão ponente na qual “a reflexão é o
movimento do nada para o nada, com isso, a negação que se junta consigo mesma.”16 Na reflexão
ponente do nada ao nada, a essência imediatamente se põe, aparece, mas sua aparência parece nada,
sem ser, contudo, na reflexão exterior a essência já se pressupõe, “a reflexão suprassume
imediatamente seu pôr”, no caso, a aparência imediata, a aparência do ser imediato, tal como ser. É,

12
Ibid, p. 31.
13
Ibid, p. 31.
14
Ibid, p. 37.
15
Ibid, p. 35.
16
Ibid, p. 44.
por fim, na reflexão determinante que a essência aparece em si, se diferencia do ser como diferença
absoluta, isto é, uma identidade, que se é, uma diversidade, uma oposição e uma contradição do
ser, é apenas em aparência, pois é a diferença absoluta do ser, a identidade do ser em si e para si,
seu fundamento no fundo mais profundo de si.
Na diferença absoluta da essência do ser, sua identidade, o ser se diferencia, se diversifica
em multiplicidade, se opõem e dualidade e se contradiz, vai ao limite de si e ultrapasse-se,
suprassume, se contém, se aquieta, se equilibra, encontra seu fundamento. O ser torna-se idêntico,
não mais igual a outro, o mesmo, a algo que lhe é exterior, mas igual a si. “A essência é, portanto,
identidade simples consigo.”, diz Hegel.17 Uma igualdade e identidade que “não é um reproduzir-se
a partir de um outro, mas é esse produzir puro a partir e dentro de si mesmo, a identidade
essencial.”18 O produzir puro a partir e dentro de si mesmo é o “diferenciar” do ser em essência, no
qual o ser se nega e se afirma em essência, um diferenciar do ser em não ser, um diferenciar que
quer dizer um simples não ao ser, não ao A, ao A. Ser, ser puro, que não quer dizer B, B. Nada, puro
nada. “É essencial apreender a diferença absoluta como diferença simples. Dentro da diferença
absoluta do A e do não A, é o simples não que como tal constitui a diferença. A própria diferença é
um conceito simples.”19 A própria diferença a que Hegel se refere é a diferença do ser em essência,
uma diferença simples, um simples não, diz ele, mas que, porém, não parece tão simples assim
quando é “determinada em si mesma” na essência, tornando-se problemática enquanto simples
não.20 Ainda mais que a diferença absoluta é a da essência da identidade do ser, identidade e
diferença se confundem dialeticamente, e, no fim, a identidade suprassuma a diferença.

17
Ibid, p. 56
18
Ibid, p. 56, grifo do autor.
19
Ibid, p. 62. No original alemão, segundo a edição Meiner (1978), Hegel não diz “diferença simples” e, sim, que a
diferença absoluta (absoluten Unterschied) é “algo simples” ou “fácil de entender”: “Es ist wesentlich, den absoluten
Unterschied als einfachen zu fassen.” Em seguida, diz que o simples não não é a “diferença” (Unterschied) e, sim, “o
mesmo” (denselben): “Im absoluten Unterschiede des A und Nicht-A voneinander ist es das einfache Nicht, was als
solches denselben ausmacht.” Que a diferença absoluta não seja uma diferença simples, segundo a diferença de
tradução e que, segundo esta tradução também, o simples não não é a diferença, mas o mesmo, para Hegel, isto é, a
diferença absoluta, é o que se coloca em questão aqui, e que se busca explicar a seguir, porém, sem analisar
exaustivamente no momento esta questão, que merece um melhor aprofundamento noutro momento.
20
Neste ponto, sigo e não sigo Hegel. Sigo no sentido de que busco analisar a diferença a partir de seu pensamento da
identidade do ser, isto é, de uma diferença absoluta que é, para ele, uma diferença simples, um simples não, e não sigo
no sentido de que não considero que a diferença absoluta seja uma diferença simples, mas problemática ao fazer da
diferença uma negatividade da essência do ser, a não ser na medida em que esta diferença simples seja negada
tornando-se, portanto, uma diferença absoluta. Em outras palavras, se Hegel parte de uma diferença simples, esta é
negada por ele numa absoluta diferença que é, por fim, a negação absoluta da diferença simples. Neste sentido, por mais
que pareça que Hegel defenda uma diferença simples, ou a diferença em si, numa diferença absoluta, é a negação da
diferença simples em si o que defende, pois a diferença absoluta é a essência, a identidade do ser que só se diferencia
em aparência, numa encenação da diferença simples na reflexão, dizendo não ao simples não da diferença simples, o
que pretendo tentar desenvolver a partir deste ponto. Se sigo Hegel, portanto, dizendo dizendo sim ao seu não à
diferença simples, não o sigo, dizendo não ao seu não à diferença simples em si, um não à negação dela na diferença
absoluta, da essência, da identidade, portanto, um não ao não do simples não, um não ao não que faz do simples não
um sim, que faz do simples não um querer dizer sim, desconsiderando que, neste simples não, não é não, não há
suprassunção da sua diferença em si simples, é um não não negado em sua diferença.
Em princípio, a diferença absoluta, a diferença da essência, da identidade, do ser é uma
diferença simples, porém, “dentro da esfera da reflexão, a diferença entra em cena como diferença
refletida, que está posta assim como ela é em si.”21 Dentro da reflexão, a diferença simples encena,
aparece como o que não é. Nega-se. A diferença simples refletida já não é mais tão simples ou fácil
de entender (einfachen zu fassen) assim, podemos dizer. A diferença se duplica na reflexão,
diversifica-se, torna-se diversidade e, consigo, “A identidade decompõe-se nela mesma em
diversidade, porque, enquanto diferença absoluta dentro de si mesma, ela se põe como o negativo de
si”.22 A partir da diversidade há uma negação da diferença simples, pois se torna indiferente, é um
simples não. Na diversidade, “a diferença é apenas um ser posto” refletida em sua exterioridade e
não em si, uma encenação, uma aparência da diferença absoluta. Na diversidade, há uma negação
da diferença simples na medida em que “os diversos não se relacionam um com o outro”, “são
indiferentes um frente ao outro e frente a sua determinidade”, isto é, indiferente frente à diferença
simples que produz a diversidade, que faz do diverso diverso. “O diferente subsiste enquanto
diverso reciprocamente indiferente, porque ele é idêntico a si, porque a identidade constitui seu
terreno e seu elemento; ou seja, o diverso é o que é justamente apenas em seu oposto, na
identidade.”23 O que era uma diferença simples, já não é mais, na medida em que supõe uma
identidade ao ser refletida como diversidade, em que o diferente se torna diverso, ou ainda, quando
há um devir do diferente no diverso, e a diferença simples é tal como a diferença absoluta da
essência, da identidade, do ser. Neste sentido, apesar de existir uma reflexão da diferença simples na
diferença absoluta na Doutrina da Essência,

É a identidade que se refletiu dentro de si mesma de modo que ela é propriamente uma
reflexão de ambos os momentos [diferentes enquanto diversos] dentro de si; ambos são
reflexões dentro de si. A identidade é essa reflexão una de ambos, a qual tem a diferença [a
diferença simples] como uma diferença indiferente nela mesma e é diversidade em geral.24

A diferença simples é uma reflexão exterior diferente reflexão em si da diferença absoluta.


Sua identidade é apenas uma identidade externa, a igualdade, bem como a desigualdade é a
diferença externa, enquanto a diferença absoluta é a diferença interior, a diferença essencial. Nessa
reflexão exterior da diferença simples enquanto diversidade, há uma comparação dos diferentes em
igual e desigual, contudo, um e outro, igual e desigual, são idênticos, pois “a igualdade se relaciona
apenas consigo e a desigualdade é igualmente apenas desigualdade.”25 A diferença simples é
negada na comparação dos diferentes como igual e desigual como diversos, pois os diferentes não

21
Ibid, p. 62.
22
Ibid, p. 63.
23
Ibid, p. 64.
24
Ibid, p. 65.
25
Ibid, p. 66, grifos do autor..
são diferentes, são diversos. “O diverso é a diferença meramente posta, portanto, a diferença que
não é diferença alguma, portanto, a negação de si nela mesma.” (Hegel, 2017, p. 67) Ao tornar-se
diversa, ou meramente diferença, a diferença simples nega a si mesma, torna-se uma oposição a si
no diverso. A diferença não apenas se nega no diverso ao se refletir em comparação, ela se opõe a si
nele, pois, na comparação do diverso, a diferença se põe diante de si como um outro, um diverso, se
opõe a si mesma enquanto diferença simples.
O simples não da diferença simples é um meramente não na diversidade, é um não
indiferente, mas é também um não oposto ao simples não da diferença simples. Um não à diferença
exterior, um não interior, positivo diante de um não negativo, um não ao não, o não da diferença
absoluta à diferença simples do ser, o não do ser, do não ser, da essência ao ser. “Dentro da
oposição, a reflexão determinada, a diferença [da essência ou a diferença absoluta], está plenamente
realizada.”, diz Hegel.26 O positivo e o negativo não são mais o igual e o desigual que podem ser
comparados na diversidade e parecem idênticos, pois são “momentos absolutos da oposição”. A
diferença simples meramente diferença na diversidade se torna adversidade na oposição, pois os
diferentes enquanto diversos na oposição se opõem absolutamente e não mais relativamente em
comparação. A diferença simples nega-se mais ainda ao se pôr não diversamente, refletida
exteriormente, lado a lado, indiferente de que lado esteja, já que, no diverso, um lado é igual ao
outro, ainda que os lados sejam desiguais, pois é refletida em si na oposição, pondo-se em lados
opostos, um positivo e outro negativo, e se tem que se decidir de que lado está na medida em que ou
“Algo é em si positivo ou negativo, na medida em que ele não deve ser determinado assim
meramente frente ao outro.”27
A diferença simples negada na diversidade como meramente diferença, o diverso, é negada
novamente na oposição, pelo positivo e negativo. Os diferentes não são diferentes, são diversos na
diversidade. Neste sentido, há uma primeira negação da diferença. Na oposição, porém, há uma
negação da diversidade, há uma negação da negação e, neste momento, o não ao não quer dizer
sim, não se admite um simples não. A diferença simples e seu simples não se torna cada vez mais
negativa, se aprofunda em negatividade, na negatividade do positivo e o negativo que são os
momentos absolutos da oposição, pois: “Algo é em si positivo, fora da relação com o negativo; e
algo é em si negativo, fora da relação com negativo [positivo].”28 Nos momentos absolutos do

26
Ibid, p. 70.
27
Ibid, p. 73.
28
Ibid, pp. 73-4, grifos do autor. Como notam os tradutores, na impressão original da Ciência da lógica, Hegel escreve
negativo em vez de positivo, o que é considerado uma “questão controversa”, pois, pode ser apenas um “erro
tipográfico” como pensam as edições espanhola e francesa ou implica uma mudança de compreensão da passagem. Este
erro, porém, não é corrigido pelas edições italiana e inglesa, mantendo-se também na edição brasileira “deixando aos
leitores a tarefa de decidir qual seria a leitura mais correta da passagem em questão”. Que isto seja uma diferença
simples como “erro tipográfico” podendo ser facilmente corrigido na impressão ou não, podendo-se na leitura substituir
o negativo pelo positivo, e que, por sua vez, não seja um problema à leitura desta passagem, cada um corrigindo o erro,
positivo e do negativo, há uma relação excludente na qual estão em relação, mas esta relação não é
com o outro, e, sim, consigo mesmos, é deles em si: “o positivo ou o negativo que é em si significa
essencialmente que estar contraposto não é meramente momento, nem pertence à comparação, mas
é a determinação própria dos lados da oposição.”29
Na relação consigo de cada lado da oposição nesta relação excludente, a diferença simples
é negada totalmente diante de uma diferença em geral, a diferença absoluta que “já é a contradição
em si”, a contradição da diferença como diversa e oposta, como unidade de termos indiferentes e
separação de termos absolutamente diferentes em opostos “na mesma relação”. Cada oposto exclui
o outro, diferenciando-se, pois “o excluir é um diferenciar e cada um dos diferenciados, enquanto
excludente, é, ele mesmo, todo o excluir, cada um exclui a si dentro dele mesmo.”30 Na contradição,
o diferente exclui o diferente, ou ainda, a diferença se exclui, e isso é positivo, pois “a reflexão
excludente é pôr do positivo enquanto excludente com respeito ao outro, de modo que esse pôr é
imediatamente o pôr de seu outro, do que o exclui.”31 O positivo é o que exclui o negativo na
medida em que “é o ser posto enquanto refletido na igualdade consigo, o ser posto, que não é
relação com um outro.” (Hegel, 2017, p. 79) O negativo é, por sua vez, o que se opõe ao positivo no
sentido de que nega a igualdade consigo, pois é desigualdade consigo, é relação com o seu outro, já
que “o negativo enquanto negativo está relacionado com o negativo de si, com seu outro”.32 É na
desigualdade consigo do negativo que a oposição se torna, por fim, uma contradição, a contradição
do negativo, da diferença absoluta, da essência, da identidade medida em que “a diferença
[absoluta] exclui de si a identidade -, mas, com isso, exclui a si mesma [a diferença simples]”.
(Hegel, 2017, p. 80)
Se Hegel diz, por fim, que a diferença absoluta, a diferença da essência, é uma diferença
simples, podemos dizer que é, contudo, uma diferença problemática que se torna cada vez mais
problemática em sua negação de si mesma que é a negação da própria essência, ou ainda, uma
negação do ser, tal como definido na Doutrina do Ser como imediato indeterminado, isto é, negado
em si mesmo, mas que, em contrapartida, é esta sua determinidade, sua essência. A essência do ser
é o que difere o ser em si e para si, numa diferença absoluta que nega em si a diferença na medida
em que é uma identidade. O simples não do ser não é tão simples assim na medida em que não se
pode dizer propriamente não ao ser, isto é, não há uma diferença simples exterior a si, somente uma
diferença interior a si, uma diferença interior ao conceito de ser. A diferença é tão somente do ser e

ou seja ele um problema à leitura produzido pela impressão que leve a uma diferença absoluta dela em si, é uma
“questão controversa” a ser analisada posteriormente.
29
Ibid, p. 74.
30
Ibid, p. 79.
31
Ibid, p. 79.
32
Ibid, pp. 79-80, grifos do autor.
não do não ser, uma diferença que se nega em si. Que o ser negue em si a diferença na diferença
absoluta da essência, eis problema.

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