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2.3.3.1 A Dialética da Autoconsciência

A autoconsciência não é algo que é acabado. Existem várias etapas da autoconsciência . Ela
sempre se encontra num processo de desenvolvimento. Isto se mostra na maneira em que a criança
percebe -se a si mesma, numa maneira muito diferente da do adulto. E Hegel quer mostrar que este
desenvolvimento da autoconsciência é de maneira dialética, quer dizer, que ela está se desenvolvendo
naquelas três etapas, que nós já conhecemos, do fenômeno do amor e da vida: ". o desenvolvimento do
espírito é um ir-para-fora, um objetivar-se (explicitar-se) e, ao mesmo tempo, u~ vir":à:·si~mesmo''.
A prime ira etapa da autoconsciência é o estado em que o espírito ainda está como que
sonllando. O homem ainda não sabe de si mesmo explicitamente. Isso fica bem claro, observando a
consciência que a criança pequena tem do próprio eu. A criança não tem nada mais do que um
sentimento vago de que ela está aí, que ela existe. É este sentimento simples da própria existência
que corresponde à tese no esquema dialético.
Mas, para ser realmente consciente de si mesmo, o homem tem que acordar deste estado em
que está sonhando. Isto acontece na segunda etapa. O homem fica atento a si mesmo. E neste
momento. segundo Hegel, acontece alguma coisa estranha: o espírito vê a si mesmo, mas percebendo
a si mesmo, ele vê uma coisa alheia. Ele estranha a própria contemplação. Ele está surpreso e
pergunta: será que isso sou eu? r·..Ja contemplação de si mesmo, está acontecendo um alheiamento de
si mesmo. O próprio eu está se dividindo num eu que está contemplando e um eu que .está sendo
contemplado. Este auto-alheiamento é o estado de antítese. Neste estado, o homem ainda não
chegou à sua autoconsciência verdadeira e perfeita. Pois, à perfeição pertence descobrir: isso que eu
estou vendo na autocontemplação sou eu mesmo? o eu que está contemplando é o mesmo que está
contemplado . Com isso, segundo Hegel, o homem volta, do seu estado de alheiamento, para si
mesmo. Ele está se reconciliando consigo mesmo. Isto é o momento da síntese no processo dialético
da autoconsciência .
Assim, podemos fixar o resultado: Espírito humano é autoconsciência, mas autoconsciência é
autoconsciência em devir e assim, para Hegel, necessariamente dialético.

2.3.3.2 A Dialética do Espírito Absoluto

O que Hegel encontra no espírito humano, ele aplica no espírito divino. O espírito divino
também é autoconsciência em devir, e também está se executando de maneira dialética. Assim, Hegel
compreende a divindade como algo que não é perfeito de uma vez para sempre, mas que tem um
devir, um desenvolvimento interior. Ela precisa de um processo evolutivo para chegar à sua
autoconsciência perfeita. E neste ponto podemos perceber a diferença mais clara entre a idéia
hegeliana de Deus e a noção de Deus no cristianismo. A principal idéia filosófica de Hegel é o Deus
que tem sua própria história e que faz passos para chegar à perfeição do próprio ser.
Assim. Hegel deve demonstrar, em seguida. como está se executando a história interior da
divindade vista como processo dialético. pois "o espírito absoluto é isso: sendo eternamente o ser que
é sempre idêntico a si mesmo. que se torna um ser estranho e que reconhece este ser como o ser
próprio".
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Hegel faz a tentativa grandiosa: interpretar este ser-em-si da dinvidade. Para isto ele criou uma nova
forma de uma Lógica. Esta lógica inclui: "a apresentação de Deus... como ele se encontra no seu ser
eterno antes da criação da natureza e de um espírito finito". Assim nós não devemos confundir este tipo
de lógica com a lógica formal. Esta lógica de Hegel é uma lógica metaíísica-ontológica, pois ela quer
mostrar a idéia (quer dizer, Deus, o espírito absoluto) como ela é em si.
A lógica hegeliana tem a seguinte estrutura:

ser qualitativo (tese) ·'r .·,.,

doutrina do ser (tese)< ser quantitativo (antítese)


ser modal (síntese)

ser em si (tese)
/
Lógica (tese) · doutrina da essência< o aparente (antítese)
~ (antítese) o real (síntese)

~ . ---------noção (tese)
doutrina de pensar.........._____ juízo (antítese)
(síntese) ----.. conclusão (síntese)

A divindade não pode permanecer neste estado de sonhar, pois ela tem que cumprir o papel
de tornar-se autoconsciência verdadeira. Por isso, Hegel começa a descrever o caminho de Deus na
direção da própria perfeição da sua autoconsciência. Primeiramente, a divindade tem que iniciar a
busca de si mesma. Ela tem que assumir o auto-alheiamento, o segundo passo da dialética. Ela tem
que desfazer-se de si mesma. Ela tem que contemplar em si mesma, e com isso, ela tem que se dividir
em uma parte, a que está se contemplando e outra, a que é contemplada, e que a primeira vê como
algo alheio. Assim, Hegel afirma: Esta divindade, em si mesma, é nada mais do que se encontra como
mundo diante dos nossos olhos. O auto-alheiamento da divindade é seu "divir-mundo". Mas isto que r
dizer: Hegel tem que assumir a tarefa gigantesca de compreender toda a realidade do ponto de vista
de Deus. do espírito absoluto. Assim, o filosofar de Hegel assume o ponto de vista de Deus. Hegel
mesmo se torna. com isso, "espírito-m undo" (Weltgeist) em pessoa. Então, Hegel quer demonstrar, a
partir da realidade do mundo mesmo, que este mundo é representação de Deus no seu estado de
auto-alheiamento. O mundo aparece de um lado, como natureza e de outro, como espírito humano.
Ambos dev'em ser en tendidos, no fundo, como representação de Deus. Desse ponto de vista filosófico
o espírito humano que está contemplando a natureza é visto como órgão de Deus que está
contemplando . A natureza que está compreendida pelo espírito humano é o que está contemplando.
Em outras palavras, a natureza é o "espírito absoluto como o outro lado de si mesmo". Assim, o que
vemos na natureza. como coisas. na verdade é Deus mesmo. Porém, é Deus que está se
contemplando como algo estranho. Por isso, filosofia da natureza. para Hegel, é doutrina de Deus, mas
de De us qu e está no seu estado de auto·alheiamento. E. quando o espírito humano conhece a
natureza . isso significa. em verdade , que a divindade, presente no espírito humano. toma
conhecimento de si mesmo. Assim. a Filosofia da Natureza representa a antítese no processo
dialético do esp1rito absoluto Ela mostra a idéia como é. como objetivo de contemplação de esp írito- a
idéia no seu "ser-diferente", como objeto para si. (A Filosofia da Natureza é a parte menos desenvolvida.
menos orig1nal da filosofia de Hegel).

mecânica (tese)
Filosofia da Natureza (antítese)< física (antítese)
orgânica (síntese)

Neste acontecimento da autocontemplação já está atuando o processo>de volta que é


característico da terceira etapa da autoconsciência, pois, Deus tem que reconhecer que ele é uma
coisa só como ser contemplando e ser contemplado. É exatamente isso que pertence ao processo
dialético da autoconsciência. Esta volta de Deus para si mesmo se realiza no homem. No homem,
Deus chega à sua consciência perfeita. No homem, a dialética da autoconsciência de Deus chegou ao
seu fim. Na sua obra complexa, Filosofia do Espírito, Hegel descreve como isso acontece. A
autoconsciência de Deus é o sentido mais íntimo de tudo que está acontecendo ao nível do espírito
humano. Este autoconhecimento se mostra em todos os aspectos da vida humana: na existência
individual, assim como, na história; ela se revela no direito, no estado, na ciência, na arte, na religião e,
finalmente, na sua realização mais alta, no filosofar.
Quando este autoconhecimento finalmente chega à conclusão de que o homem só pode
entender a realidade em sua totalidade se ele a entender como representação do esp írito divino, isso
quer dizer, que a divindade voltou da sua aventura, de seu "devir-mundo", do seu estado de desunião,
e encontrou a si mesma, novamente.
O que Hegel está tentando mostrar é algo monstruoso. Ele quer entender a realidade toda
como pura e perfeita representação do espírito absoluto. Ele quer mostrar o "papel trágico, que o
absoluto está desempenhando eternamente por si mesmo, que ele sempre renasce na objetividade, se
oferecendo, desta fonna, sempre ao sofrimento e à morte e se levantando das próprias cinzas na
própria glória", pois, "não há vida que ténha pejo de morrer e queira se preservar da destruição, mas a
que sofre a morte e mantém-se nela, é a vida do espírito que só ganha a sua verdade se
reencontrando na reunião absoluta".
A Filosofia do Espírito. assim. é a síntese no processo do espírito absoluto. Ele mostra a
idéia, como ela é no pensamento puro do espírito humano: o espírito absoluto, conhecendo a si
mesmo; a idéia em si e para si.
o
e

antropologia: doutrina da alma


como espírito determinada
pela natureza (tese}

/
doutrina do espírito fenomenologia do espírito:

I
subjetivo (tese) doutrina da alma como espí-
rito que está se diferepciando
da natureza (antíteS'ê} -:-. ,
..

psicologia: doutrina da alma


como espírito que está co-
nhecendo e querendo na base
da existência natural (síntese)

doutrina da legalidade: com


/ base na legislação (tese)

Filosofia do Espírito - - - doutrina do esp írito . doutrina da consciência indi-


(síntese) \ objetivo (antítese} \ vidual: encontrando em si
(filosofia do direito) a vontade geral (antítese)

doutrina da moralidade: mani-


festando-se na família, na
sociedade, no estado; reali-
\ zando-se na história (síntese)

\ doutrina da arte: o absoluto na


/ forma da "visibilidade" (tese)
\
1
doutrina do espírito doutrina da religião: o absoluto
absoluto (s íntese) \ na forma da imaginação
(antítese)

filosofia: o absoluto na forma


da noção (síntese)
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3. ASPECTOS IMPORTANTES DA FILOSOFIA DE HEGEL PARA O ENTENDIMENTO DO


MARXISMO:

3.1 A Relação SeNo-Senhor

Existe uma dialética entre a autoconsciência do seNo e a do senhor. Podemos ver a


autoconsciência do senhor como tese no processo dialético. Então, o po.AtO -::oe partida é a
autoconsciência em si. Mas, o senhor não pode existir somente em si. Para ser senhor é e precisa de
um seNo para si. Quer dizer: o ser senhor realiza-se no seNo. O senhor deseja, decide e manda. E o
seNo obedece, tornando assim visível a autoconsciência do senhor. Esta autoconsciência do senhor é
a oposição da consciência do seNo , que não tem consciência autônoma, mas vive somente na função
da autoconsciência do senhor. Mas, realizando-se assim, o ser-senhor vai perder esta sua autonomia.
O senhor vai ficar dependente do seu seNo que, no decorrer do tempo, será o único capaz de realizar
a autoconsciência do senhor. Assim, encontramos a antítese. Realizando sua autoconsciência, o
senhor vai perdê-la. O senhor somente pode dominar o seNo, porque o seNo ainda está dando para o
senhor a (falsa) autoconsciência de poder dominar. Assim, a autoconsciência do senhor mesmo, como
a consciência do seNo, são alheias. Neste estado, Hegel pode dizer: "A verdade da consciência
aut6noma assim é a consciência servil' . Basta para completar o processo dialético, descobrir esta
contradição. Se o seNo se conscientiza que é ele quem está dando a autoconsciência ao senhor, ele
vai reconciliar a contradição de ser seNo e sujeito da autoconsciência do senhor. Ele vai se libertar e
formar uma síntese de ser senhor de si mesmo e poder realizar isso mesmo.

3.2 A História como Processo Dialético

Tese: No mundo asiático-oriental da antiguidade, Deus como "espírito-mundo" ainda não é


consciente de si mesmo. Esta época tem pouco desenvolvimento e é determinada, principalmente ,
pe lo espírito subjetivo. Estes povos ainda não conhecem a liberdade do homem, em geral. Na
sociedade deles só existe um homem livre: o déspota.
Antítese : No mundo grego-romano a verdade divina, o "espírito-mundo", já se desenvolveu. A
conquista desta época é a objetivação do "esp írito-mundo", o Estado Direito. Mas, ainda não existe a
liberdade de todos. Só uma classe é livre. A grande massa é formada de bárbaros e escravos.
Síntese: O "espírito-mundo" atingiu o seu nível mais alto da sua consciência no mundo
germânico-cristão. Estes mundos contêm a verdade divina: todos os homens são livres. Hegel encontra
a plena realização do "espírito-mundo" no estado prussiano, numa cultura supra individual e supra
estatal. Assim, finalmente, a história é um processo que aconteceu independentemente dos indivíduos
que estão participando e agindo nela. Mesmo as grandes pessoas somente são grandes porque elas
desempenham um papel importante no desenvolvimento da história, mesmo se elas como indivíduos
são muitas vezes caracteres duvidosos. Se o indivíduo tenta se opor à dialética da história, a "astúcia
da razão" do "esp írito-mundo" vai boicotar esta tentativa de uma maneira imprevisível.

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