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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA

“JÚLIO DE MESQUITA FILHO”


CAMPUS DE MARÍLIA

BEATRIZ FURLAN DE CARVALHO

TRABALHO PARA DISCIPLINA INTRODUÇÃO AO SISTEMA DA


FILOSOFIA DE HEGEL E SUA ATUALIDADE

Programa de Pós-Graduação em
Filosofia da Faculdade de Filosofia e
Ciências- UNESP- Marília

Professor: Ricardo Pereira Tassinari

MARÍLIA
2022
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INTRODUÇÃO

O pensamento sistemático de Hegel pretende englobar tudo em sua


explicação, uma visão concatenada regida por determinados princípios que dê conta
de todas as realidades, inseridas em uma realidade maior, a Totalidade de tudo.
Para cada um de nós, a totalidade, seja do mundo, de nós próprios e da vida em
geral, significa a compreensão que temos desses aspectos. (TASSINARI, 2018,
p.247).
Nós, seres humanos, somos autoconsciências, o que significa dizer que
temos capacidade, inteligibilidade, de compreender que a maneira como
compreendemos o mundo, a vida e a nós mesmos irá corresponder nossa visão da
totalidade, a totalidade para cada indivíduo é aquilo que ele compreende, e isso
constituirá sua própria filosofia. (TASSINARI, 2018, p.248).
A filosofia sistêmica e sistemática hegeliana se propõe a conhecer e
organizar, os diversos modos de realidades dentro de uma realidade maior, o Todo.
O Todo, nesse sentido é o princípio máximo que estrutura todo universo, fonte de
todo saber. Cada autoconsciência, ou seja, cada ser humano ciente da própria
maneira de compreender, seus comportamentos e suas filosofias, corresponderá o
Sistema das Autoconsciências, e maneira como essas Autoconsciências se
relacionam, como essas diversas filosofias interagem, o sistema que engloba todo
os saberes filosóficos, será denominado de Razão, incluindo nessa Razão, “o nosso
próprio conhecimento atual do mundo, da vida, de nós próprios e da Totalidade.”
(TASSINARI, 2018, p.249).
A filosofia hegeliana não opõe ideia e realidade “como se, por um lado
tivéssemos a coisa-para-nós (ideia), dada pela ciência e/ou filosofia, e, por outro, a
coisa-em-si mesma (realidade), que buscamos atingir, sem nunca o conseguir”
(TASSINARI, 2018, p.249-250).
As diversas verdades que temos sobre o conhecimento de algo, de um
objeto, são apenas aspectos do mesmo objeto, que significa um outro momento, de
aproximação da coisa-em-si mesma, mas que não se opõe a essa coisa. A ideia
para Hegel, não se opõe ao real, mas pelo contrário lhe determina, pois, a matéria é
um conceito que não existe sem forma, a ideia é um momento anterior, o real está
contido no ideal.
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Assim, a totalidade das coisas-em-si mesmas é a Razão, nesse sentido, a


Razão é a Verdade, e nela que está contido tudo, todas as filosofias, ela é a
Totalidade.
A compreensão máxima de todo o Sistema, a Razão que é autoconsciente
de si mesma e da Totalidade, que compreende todas as filosofias em seu interior, a
interação dessas filosofias, as autoconsciências conscientes de si mesmas, auto se
expondo num movimento no interior dela própria, a realização máxima dessa
compreensão é a Razão como Espírito Absoluto. (TASSINARI, 2018, p.253).

É um movimento interior, pois, é tanto interior ao Espírito Absoluto, em que


tudo está contido, quanto interior a nós próprios, enquanto, em cada um de
nossos eus, o Espírito Absoluto é a Verdade desse eu, cuja a expansão do
conhecimento de si leva justamente ao Espírito Absoluto que se mostra em
nós. No interior do Espírito Absoluto, tudo está em movimento, inclusive o
nosso reconhecimento do Todo que ele é. (TASSINARI, 2018, p.254).

A esfera do Espírito Absoluto permite explicar diversas atividades do mundo


humano, e assim também foi regida a arte para Hegel.

O SISTEMA HEGLIANO DAS ARTES

De acordo com Hegel a arte configura uma forma de saber, para o florescer
desse saber a arte necessita de uma forma, assim, a primeira forma de expressão
do saber artístico é através de um objeto sensível, mas como saber que esse objeto
configura um saber artístico? O que seria um objeto de arte?

A arte é uma das formas em que o Espírito Absoluto se manifesta, uma vez
que ela está contida no Todo, e representa o espírito desse Todo no momento que
acontece. A obra é uma compreensão do Todo, ainda que de uma determinada
perspectiva, mas expressa parte desse Todo através do artista, ou seja, uma
autoconsciência consciente de si e do Todo, contido na Razão e é através dessa
representação que outras autoconsciências se ligarão ao Absoluto, por se
reconhecer nela.

A arte como expressão do Espírito Absoluto, tem por definição um objeto, e


o conteúdo desse objeto se ligará ao Absoluto, a Razão, para isso há que existir
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uma correta adequação entre forma e conteúdo, entre a dimensões do espiritual e


do sensível. Nesse sentido, um objeto de arte terá uma significação maior do que ele
é, o objeto de arte traz nele a alma do que quer representar, o que produzirá
encantamento no ser:

À figura desse saber enquanto imediata (o momento da finitude da arte) por


um lado é um dissociar-se, em uma obra de ser-aí exterior comum, no
sujeito que a produz e no sujeito que a contempla e venera; por outro lado,
é a intuição e representação concretas do espírito em si absoluto como do
ideal (HEGEL, 1830).

Uma obra de arte é a expressão de um saber, mas o expressar desse saber


é finito uma vez que um objeto não consegue abranger todo o sensível, como
exemplo como colocar a infinitude de Deus, expresso na representação de uma
pessoa? Quanto a isso Hegel diz:

Embora neste contexto a sensibilização da arte não seja casual, ela


também não é, em contrapartida o modo supremo de aprender o concreto
espiritual. A Forma mais alta, diante da exposição por meio do concreto
sensível é o pensamento[...] (HEGEL, 2015, p.87)

Seu elemento de existência, é assim essencialmente o saber interior e não


a forma exterior natural, por meio da qual ele apenas de modo incompleto é
passível de exposição, mas não segundo toda a profundidade de seus
conceitos. (HEGEL, 2015, p.88)

Mas o saber abstrato também constitui um saber, conhecer algo em sua


percepção é uma forma de saber. O pensar é composto pela percepção, intuição e
sensibilidade, nesse sentido existem ideias que não estão materializadas e ideais
que já se materializaram:

O espírito, antes de chegar ao verdadeiro conceito de sua essência


absoluta, deve passar por um trajeto de etapas fundando nesse próprio
conceito, e a este trajeto de conteúdo que ele dá a si corresponde um
trajeto, imediatamente associado, de configurações da arte [...]. (HEGEL,
2015, p.88)

Na concepção hegeliana, ainda que arte exprima o estranho ou o feio, ela


torna-se bela, à medida que nos conectamos com ela, através do processo de
conhecimento, enquanto saber imediato, reconhecemos aquilo que
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compreendemos, mas o saber imediato também é mediado até que se torne


imediato, assim quanto mais conhecemos de uma obra, quantos mais enxergamos o
processo de composição de outra autoconsciência, mais nos reconhecemos na
obra. A obra também é universal, e poderá ser analisado de acordo com cada
percepção, em cada cultura, através dos tempos e ainda assim será o mesmo
objeto, à medida que cada um compreende de uma forma irá compondo os vários
aspectos do mesmo objeto, o conhecimento existe previamente e algo que está
sempre em construção, a media que auto se expõe revela-se mais de sua identidade
que se define no próprio movimento, dentro do Todo, e a medida que
compreendemos o Todo, compreendemos mais de nós mesmo, pois cada
autoconsciência está contida no Todo.

Hegel divide ainda, três fases da arte que se manifestaram em seu contexto
histórico na progressão do Espírito, a primeira fase denominada simbólica, seria um
momento pré-arte, ligadas as artes figurativas que tentam expressar o que se
vivencia sem uma ideia a ser aprofundada, a segunda fase concebe o período das
artes clássicas, que remonta a perfeita expressão das imagens do ser
adequadamente ao que queria ser expressado, e a terceira fase rememora o
período das artes românticas, que concebe no objeto algo mais profundo a ser
expressado, como nas artes cristãs, que tem Deus como um figura humana e é
expressão do espirito, mas não se aprofunda no espírito pois há no objeto uma
limitação.

A OBRA GUERNICA

Fonte- Conhecimento científico- edição Vitor Hugo


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A obra de arte Guernica do pintor Pablo Picasso, é um painel pintado em


1937, para Exposição Internacional de Paris, e representa o bombardeio sofrido pela
cidade espanhola Guernica, em 26 de abril de a 1937, por aviões alemãs que
apoiavam o ditador Francisco Franco. A composição cubista, apresenta uma pintura
como se fossem colagens, sem recorrer a elementos concretos, mas fornecendo a
imagem uma ideia de recortes rearranjados e pincelados em tons de preto e cinza,
retratando pessoas, animais e edifícios deixados pelo intenso bombardeio alemão,
sob o comando de Hitler, aliado de Francisco Franco. O posicionamento diagonal da
cabeça feminina, olhando para a esquerda remete o observador a dirigir também
seu olhar da direita para esquerda, até o lampião trazido ainda aceso sobre um
braço decepado, e também uma bomba explodindo.

O cubismo foi um movimento artísticos, movido pela vontade de se obter


uma nova forma para representar a realidade, nascido no início do século XX,
durante a efervescia cultural, social e intelectual que acometia a Europa nesse
período foi um cenário favorável para circulação de novas ideias e conceitos.
Segundo Gompertz (2013, apud REIS, 2019, p.59), a intenção de Picasso, era
representação metafórica de uma caixa de papelão, que ao se abrir, expõem todos
os seus lados ao mesmo tempo, assim na tela seria retratado o objeto de forma
tridimensional, que rearranjado seria uma aproximação grosseira do objeto
tridimensional representado em duas dimensões. Desse modo, o espectador estaria
diante da verdadeira natureza da caixa. Essa percepção para Picasso, ofereceria
uma imagem mais precisa da qual realmente observamos um objeto e o cubismo
aproximaria dessa forma da realidade, apesar das figuras, muitas vezes, parecerem
ser um tanto complicadas de serem identificadas. Nesse contexto, o abstrato se
tornaria mais real, apesar de não ser trivial, e assim abriria espaço para novos
conceitos em que se explore novas formas de conceber arte.
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CONCLUSÃO

Na imagem da obra Guernica está expresso toda revolta e sentimento do


autor acerca da destruição de vidas e perdas que guerra civil espanhola trouxe,
podemos perceber o movimento do Espírito no contexto de amplas transformações
das sociedades do fim do século XIX até meados do século XX, que influenciaram a
vida e obra do pintor.

A arte, assim, está contida no Todo, expressa parte desse Todo, como na
obra, na concepção hegeliana, ainda que arte exprima o estranho ou o feio, ela
torna-se bela, à medida que nos conectamos com ela, através do processo de
conhecimento, quanto mais conhecemos dela, quantos mais enxergamos o
processo de composição de outra autoconsciência, mas nos reconhecemos como
autoconsciência na obra e no Todo. Ainda que uma obra diz respeito e seja o
testemunho de horrores de extrema violência como num contexto de guerra, e seja
esse a contextualização por detrás da obra Guernica de Picasso, ela pode
experenciar reações através dos tempos pois contém elementos de angústia,
desespero e horror, demonstrando-se assim como manifestação da situação
existencial do homem, situações muitas vezes que leva a refletir sobre o sentido e
as causas das coisas e do mundo.

Um objeto de arte possui uma significação maior que apenas a


representação do momento contido no Todo, nesse sentido Guernica repercute
itinerantemente pelo mundo e pelos tempos, uma vez que expressa um símbolo de
mobilização e protesto, instrumento alternativo para compreender o indivíduo e as
estruturas sociais. E não somente, a técnica utilizada na obra, o cubismo, rememora
um contexto histórico importante para história da arte, especificamente a arte
moderna, que com suas formas tensionadas, craveja uma posição própria de
compreensão da arte, que é reflexiva e crítica com a própria maneira de se
conceber. Assim, Guernica se associa ao que Hegel chamou de arte romântica, em
que a arte ultrapassa a si própria, mas no interior de seu próprio âmbito e forma,
como nas representações cristãs acerca de Deus como espírito, onde o conteúdo
transcende a forma.

Dentro do pensamento sistemático hegeliano, percebe-se a manifestação do


Espírito agindo em tudo, na consciência consciente de si mesmo que tece a obra, na
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consciência de um povo consciente de si mesmo e por isso se reconhece e


contempla a obra.
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REFERÊNCIAS

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Cursos de Estética, volume I. Tradução de Marco


Aurélio Werle e Oliver Tolle. 2ª ed. 1ª reimpr. São Paulo: Editora da Universidade de São
Paulo, 2015ª.

HEGEL, Georg Wilhelm Friedrich. Enciclopédia das Ciências Filosóficas em Compêndio


(1830). Volume I: A Ciência da Lógica. Volume II: Filosofia da Natureza. Volume III: A
Filosofia do Espírito. Tradução de Paulo Meneses com a colaboração de José Machado.
Petrópolis: São Paulo: Loyola, 1995.

REIS, Jakelyne Lima dos. Uma história da relatividade restrita e cubismo: circulação de
ideais na transição dos séculos XIX e XX. Dissertação (Mestrado em Ensino, Filosofia
História das Ciências). 2019- Universidade Federal do Bahia, Salvador, 2019.

TASSINARI, Ricardo Pereira. Ser o (neo) hegeliano hoje: o espírito enciclopédico. In:
ASSINARI, Ricardo Pereira; BAVARESCO, Agemir; MAGALHÃES, Marcelo Marconato;
(Orgs.). Enciclopédia das ciências filosóficas:200 anos. Porto Alegre: Editoria Fi, 2018,
p.237-257.

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