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Sobre uma Filosofia (Neo)Hegeliana Possível e seus Conceitos-Chaves1

Ricardo Pereira Tassinari


Universidade Estadual Paulista (UNESP), Departamento de Filosofia, Marília.
ricardotassinari@gmail.com

Resumo
Este artigo expõe sucintamente conceitos (filosofia, especulação, Absoluto, Razão,
Sistema das Filosofias, Filosofia, Autoconsciência, em si e para si de uma autoconsciência,
Sistema das Autoconsciências e Espírito) relativos a um (Neo)Hegelianismo atual,
explicitando suas articulações e organização.
Palavras-Chaves: Hegel; Sistema das Filosofias; Especulação; Absoluto; Razão;
Sistema das Autoconsciências; Espírito; Neohegelianismo.

Introdução
Em um recente artigo2, busquei estabelecer as linhas gerais de uma filosofia
(neo)hegeliana contemporânea, indicando como ela foi elaborada a partir de minha trajetória
pessoal na busca de compreensão do que é a Vida e de nós próprios, inclusive na relação com
o Saber como Totalidade. Aqui, almejo expor os conceitos principais e as linhas gerais desse
(neo)hegelianismo que, por método, consiste no seguinte.
(1) Expor conceitos fundamentais, bem como argumentos a eles relacionados, que são
autoestruturantes da Filosofia como (Sistema do) Saber, inicialmente introduzidos por Hegel,
em especial: filosofia, especulação, Absoluto, Razão, Sistema das Filosofias, Filosofia,
Autoconsciência, em si e para si de uma autoconsciência, Sistema das Autoconsciências e
Espírito.
(2) Expor como tais conceitos (e argumentos) não estão isolados, mas são a Vida e o
cerne da Compressão do Todo e do Todo como Compreensão (Saber), que têm uma extensão
infinita, sendo todo o (Sistema do) Saber um desdobramento deles, portanto, uma
1
Este texto foi elaborado para a discussão do (Neo)Hegelianismo aqui exposto no III Congresso Hegel em
Diálogo: O Próprio Tempo Apreendido em Pensamento, realizado na Universidade Federal do Rio Grande
do Norte, de 29 a 31 de agosto de 2018. Este artigo expõe parte das reflexões realizadas no desenvolvimento
das pesquisas do Projeto de Pesquisa “Filosofia Especulativa e Epistemologia Genética: Construção do
Objeto, Razão e Liberdade”, realizadas na Université Paris 1 Panthéon-Sorbonne, sob a supervisão do Prof.
Dr. Jean-François Kervégan, com auxílio Bolsa Pesquisa no Exterior FAPESP 2016/13547-6 da Fundação de
Apoio a Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP) à qual agradeço vivamente!
2
TASSINARI, R. P., Ser (Neo)Hegeliano Hoje: O Espírito Enciclopédico. In: TASSINARI, R. P.;
BAVARESCO, A.; MAGALHAES, M. M. (Orgs.), Enciclopéii ́is cienciis filosoficis: 200 inos, Porto
Alegre, RS: Editora Fi, 2018.
autoexposição infinita do conteúdo que eles constituem.
(3) Salientar que esse desdobramento e autoexposição infinita passam pela exposição
da própria (Teo)Filosofia Especulativa de Hegel, feita por ele próprio, chegam até nossos dias
e podem continuar no futuro, e, assim, é ainda o Conceito (introduzido por Hegel) se
desdobrando hoje em dia e, portanto, propriamente hegeliano (e, por isso, a expressão neo
entre parênteses).
Nesse sentido, considerando o exposto no artigo anteriormente citado, expõe-se aqui
tais conceitos e suas articulações de forma geral e esquemática, a partir do diagrama a seguir,
que permite uma certa visualização do todo e das seções deste texto.

Diigrimi 1: Orginizição e irticulição ́os principiis conceitos.


Filosofia – Método – Razão – Sistema das Filosofias
O termo filosofii designa aqui a visão de mundo/vida/totalidade que cada um tem.
Logo, segundo essa definição, o que cada um de nós compreeńe como sendo a
reilííe (mundo/vida/totalidade) é a própria filosofia que cada um de nós tem.
Em especial, um cientista necessita (e tem) uma filosofia, isto é, uma visão de mundo/
vida/totalidade, que possibilita a ele coordenar o conhecimento de sua ciência específica com
as demais ciências e com a sua prática e atuação no mundo da vida. Nesse sentido, cada uma
das ciências contemporâneas ao tratar de um sistema de objetos específicos não constitui
propriimente uma filosofia, mas é parte de uma.
Considera-se aqui que são as (possíveis) respostas às questões sobre o mundo, a vida e
a totalidade que mantém em geral o interesse pela filosofia para nós seres humanos.
O termo especulição designa aqui a atividade geral do pensar, bem como seu produto.
Em especial, considera-se aqui que, para conhecer o que é o mundo/vida/totalidade,
necessitamos pensar sobre eles e, portanto, o resultado dessa busca de conhecer o
mundo/vida/totalidade, o que cada um de nós compreeńe como sendo a reilííe
(mundo/vida/totalidade), é a própria filosofia que cada um de nós tem. Nesse sentido, a
especulação é necessária à filosofia e ela é o produto daquela.
Note-se que, se o que alguém concebe do mundo/vida/totalidade é a filosofia desse
alguém e a própria visão desse alguém do mundo/vida/totalidade, então, o sujeito vê a si
próprio nesse mundo/vida/totalidade em sua filosofia, como resultado do pensar, o que
justifica o uso do termo especulição para designar esse pensar, já que o termo especulição
remete a espelho (do latim, speculum).
Mais, exatamente, por sua etimologia, o termo especulição, remete ao verbo latino
especuliri que tem o sentido de olhar de cima, como de uma torre de vigia. No Latim Tardio
speculitivus se empregava na linguagem filosófica com o valor de contemplativo ou teórico,
relacionado ao termo grego teoretikos, que supõe um conhecimento da prática e uma prática
do conhecimento, ou seja, um agir compreendendo as razões pelas quais se age e as razões
pelas quais os fatos ocorrem.
Note-se então que o termo especulição aqui não tem o sentido negativo com o qual
em geral é empregado na Língua Portuguesa, como uma mera consideração pensante sem a
princípio ter qualquer conexão necessária com o mundo/vida/totalidade, embora essa
consideração também faça parte da especulação como aqui considerada.
Para se constituir um conhecimento sobre o mundo/vida/totalidade, como
argumentado no artigo citado, tem-se que supor algo permanente e efetivo nesse
mundo/vida/totalidade, objeto desse conhecimento.
Nesse sentido, o termo Absoluto designa aqui o que se mostra efetivo e permanente
nesse mundo/vida/totalidade.
Introduzidos os conceitos de filosofii, especulição e Absoluto, se considera aqui por
metóo: (1) a existência da especulação como meio necessário à filosofia e que toda
elaboração de uma filosofia se dá no interior da especulação, (2) a existência do Absoluto
como fim maior da constituição das filosofias e (3) que o conhecimento é justamente a busca
de determinação desse Absoluto, na especulação e por meio dela.
Logo, assume-se aqui que, para cada um de nós, o mundo/vida/totalidade se mostra
como atividade e resultado da especulação realizada por cada um de nós na busca de
determinação desse mundo/vida/totalidade, bem como de seu Absoluto.
Tal concepção leva à noção de noesis noeseos, ou seja, do pensar que pensa
pensamentos e, como tal é puro pensar que a tudo contém, conhecimento que é vivido
concomitantemente como atividade e produto; o produto que é ele próprio atividade e a
atividade que é ela própria, a cada momento, produto.
Por fim, como ser verá, a especulação remete também à totalidade do pensar e, em
especial, na medida em que, na sua meta e fim é conhecer o Absoluto na especulação, a
especulação remete o próprio Absoluto ao Pensamento da Totalidade e à Totalidade do
Pensamento.
Nesse sentido, o termo Rizão designa aqui o Absoluto como limite e fim do processo
de especulação, como o Pensamento da Totalidade e à Totalidade do Pensamento (na medida
em que o Absoluto é admitido como cognoscível e, portanto, racional; note-se que, nesse
sentido, a Razão não se opõe a sensibilidade, percepção, intuição etc, ou qualquer outro tipo
das vivências subjetivas, mas as contém; note-se também que a Razão é também objetiva,
existe em si mesma, e não é apenas uma criação nossa).
Nesse sentido, portanto:
(1) a Razão é o limite e fim da progressão (não-linear) das filosofias no sentido de
compreender cada vez mais a Totalidade;
(2) a Razão compreende em si cada uma das filosofias; e
(3) a Razão compreende o Sistema das Filosofias.
Como a própria Razão contém o Sistema das Filosofias e, portanto, é a totalidade
inteligível das diversas compreensões possíveis, então a própria Razão se mostra como uma
filosofia na qual as demais estão contidas: por isso, denomina-se aqui a Razão também pelo
termo Filosofii (com inicial maiúscula para designar um substantivo próprio).
É importante notar que se considera aqui como fazendo parte do Sistema das
Filosofias não apenas as filosofias desenvolvidas atualmente, ou no passado, mas também as
possíveis, inclusive as futuras. Logo, como mencionado, a Razão aqui considerada não é
meramente a de um ser humano, mas a Razão existe objetivamente.
E cada filosofia pode ou não ter para si a Razão explicitamente, como acima definida.
Em especial, a filosofia aqui explicitada tem a Razão explicitamente definida para si. E como,
na Razão, cada filosofia que a considera é uma explicitação e compreensão da própria Razão,
pode-se considerar que cada filosofia que admite e busca a Razão é ela própria a Razão se
autoexplicitando em cada uma dessas filosofias, em especial, aqui.

Fenomenologia da Espírito
Em certo sentido, a filosofia de alguém expressa a consciência que esse alguém tem do
mundo/vida/totalidade. Nesse sentido, o termo iutoconsciencii designa aqui o sujeito que,
como consciência, realiza a especulação e tem a possibilidade de considerar que o
mundo/vida/totalidade para ele é sua própria compreensão do mundo/vida/totalidade, sua
própria filosofia, sua própria consciência, ou melhor, com isso, sua própria autoconsciência.
Como tudo está dentro da Totalidade, então, em relação a uma autoconsciência, o
termo piri si designa a parte da Totalidade que uma autoconsciência compreende; e, o termo
em si designa o que é ou pode vir a ser para si para uma autoconsciência.
Nesse sentido, pode-se considerar que o processo de conhecimento para uma
autoconsciência é o tornar para si o que está apenas em si nela. Nesse sentido, pode-se dizer
também que só se conhece a própria autoconsciência.
Em especial, dentre o que está em si e que pode vir a ser para si em nossas
autoconsciências está o que se pode chamar de rizões ́esconhecíis. Note-se que o termo
rizões ́esconhecíis não teria sentido e seria uma contradição em termos, se o termo rizões
denotasse apenas o que já é para si nas autoconsciências.
Na relação de uma autoconsciência com as demais autoconsciências, tem-se que
naquela autoconsciência se encontram organismos que expressam as demais autoconsciências,
e existe algo que é para si nessas autoconsciências que está em si na naquela autoconsciência:
assim, tal autoconsciência pode aprender o que é para si nessas outras autoconsciências.
Mais ainda, também existe algo que está em si em um conjunto de autoconsciências
que pode vir a se tornar para si nelas, como no caso das descobertas científicas, inicialmente
desconhecidas de todas autoconsciências e que vêm a ser conhecidas por elas. Em especial, o
que se denomina de Niturezi, estudada pela Física, Química, Biologia, etc., faz parte do em si
de cada uma das autoconsciências.
Nesse sentido, a totalidade do em si de cada autoconsciência é a própria Totalidade, e
a própria Totalidade está em si em cada um de nós. Ou ainda, pode-se dizer que: a Totalidade
é o em si de cada um de nós e cada um de nós somos em si a própria Totalidade.
Correlacionando com os termos expostos na seção anterior, tem-se o seguinte.
O termo filosofii designa o para si de uma autoconsciência, na medida em que ele
expressa a visão de mundo/vida/totalidade que ela tem.
O termo especulição designa a atividade própria de uma autoconsciência ao realizar e
vivenciar uma filosofia, pois, para cada autoconsciência, o mundo/vida/totalidade se mostra
como atividade e resultado da especulação realizada por ela na busca de determinação desse
mundo/vida/totalidade.
O termo Absoluto designa o que se mostra efetivo e permanente nesse
mundo/vida/totalidade e o termo Rizão designa o Absoluto como limite e fim do processo de
conhecer, na especulação.
Na medida em que a Rizão designa o Absoluto como limite e fim do processo de
conhecer, na especulação, e a especulação remete à totalidade do pensar, então para a
especulação, o Absoluto se mostra como a própria Totalidade, e a Rizão é a Totalidade do
Pensamento e o Pensamento da Totalidade.
Nesse sentido, de forma simples, no limite, para uma autoconsciência, a Totalidade se
mostra como a Razão, e essa como a Totalidade.
Como antes, mas agora para uma autoconsciência: (1) a Razão é o limite e fim da
progressão (não-linear) das filosofias e conhecimento das autoconsciências, no sentido de
compreender cada vez mais a Totalidade; (2) a Razão compreende cada uma das filosofias e
das autoconsciências; e (3) a Razão compreende o Sistema das Filosofias e o Sistema das
Autoconsciências.
Logo, na Razão estão contidos e se desenvolvem o Sistema das Autoconsciências e o
Sistema das Filosofias, e sua exposição é a própria Filosofii (como também definida
anteriormente). E nela se encontram também elementos próprios e específicos relativos a
esses Sistema das Autoconsciências e Sistema das Filosofias, como a História Universal, a
Moralidade, o Direito, a Eticidade, a Política e o Estado, elementos pertencentes à esfera
denominada de Espírito Objetivo por Hegel, bem como a Arte, a Religião e a Filosofia,
elementos pertencentes à esfera denominada de Espírito Absoluto por Hegel.
Tais denominações derivam, em especial, do conceito de espírito, aqui introduzido a
seguir, o que possibilita chamar a revelação dessa esfera das autoconsciências e da Razão de
Fenomenologii ́o Espírito.

O Espírito Absoluto
Por fim, pode-se considerar que a Razão é ela própria uma autoconsciência que sabe
de si própria.
O termo Espírito designa, pois, a Razão como uma autoconsciência viva, que vive e
sabe a si própria.
Em especial, pode-se estudar, do ponto de vista do Espírito, os elementos próprios e
específicos relativos ao Sistema das Filosofias e ao Sistema das Autoconsciências listados
anteriormente: a Filosofia, a Religião, a Arte, o Estado, a Eticidade, a Moralidade, o Direito e
a História Universal.
Por fim, na medida em que o Absoluto se mostra como a Razão e a Razão como
Espírito, a Totalidade se mostra ser Espírito Absoluto.
Note-se que, no interior do Espírito Absoluto, tudo está em movimento, inclusive o
nosso reconhecimento do Todo que ele é. Tal reconhecimento não é meramente o
conhecimento específico de tudo, mas o reconhecimento de tudo no Todo. O conhecimento
específico do Todo, do Espírito Absoluto, para nós, está sempre se expandindo, no próprio
Espírito Absoluto e por meio e força dele, com nossa colaboração, co-elaboração, já que nosso
trabalho de elaboração é também um trabalho nele e dele nesse sentido.
Pode-se mostrar que tais conceitos aqui introduzidos e, em especial, o conceito de
Espírito Absoluto, uma vez expostos em uma filosofia, podem sempre se manter nas filosofias
subsequentes que buscam uma melhor compreensão e exposição deles; embora as
especificidades que os constituem continuem em eterna exposição para nós.
Tais conceitos (e argumentos que os articulam) não estão isolados, mas são a Vida e o
cerne da Compressão do Todo e do Todo como Compreensão (Saber), especialmente como
Espírito Absoluto. Tais conceitos têm uma extensão infinita, sendo a exposição do todo do
(Sistema do) Saber, do Espírito Absoluto, uma autoexposição infinita do conteúdo por eles
constituídos.
Saliente-se, por fim, que considera-se aqui que essa autoexposição infinita e seu
desdobramento passam pela exposição da própria (Teo)Filosofia Especulativa de Hegel, feita
por ele próprio, chega até nossos dias e podem continuar no futuro.
Nós, autoconsciências, no interior do Espírito Absoluto, autoexpomo-nos ele, em um
movimento no interior dele, seguindo suas razões, ou ainda, sua Razão, que constitui a própria
Filosofia.
A Filosofia mostra-se portanto ser a atividade e resultado máximo da noesis noeseos,
no interior do Espírito Absoluto, que possibilita explicitar, compreender, explicar e justificar a
si própria e aos seus constituintes em uma exposição especulativa.

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