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Exercício nº 2, com tentativa de correção dos aspetos negativos apontados pela docente

(25/05/14)

A filosofia não tem nem os seus objetos nem o seu método de conhecer pressupostos
como as outras ciências. Contudo, há objetos considerados pela filosofia que são os
mesmos da religião: o finito, a natureza, o espírito humano, e sua relação, e Deus, tido
como verdade.
A filosofia tem que ter um trato e um interesse pelos seus objetos, para que a
consciência chegue às representações e depois, pensando-as e aplicando-as, alcance
conhecimentos e objetos.
Representação e conceito distinguem-se claramente em Hegel: enquanto que ver com
perceção, o concreto, o real, o conhecimento natural, o conceito é algo que vem depois
da dialética já feita, é um estado ulterior, de maior inteligibilidade sobre os objetos de
estudo.
A consideração pensante é o pensamento enquanto tal, é a atividade dele (a reflexão), o
qual procura perceber quais são os objetos da filosofia, as ideias, tendo por objetos
centrais Deus e a verdade, tal e qual a religião. Por isso o pensamento tem uma
necessidade de conteúdo e de ‘abastecimento de matéria’ à correspondência e às
particularidades das ideias. Aqui o trato e o interesse pelas ideias mostram-se incapazes
de dar resposta a todas as necessidades de objetividade, e os pressupostos e asserções
inadmissíveis, ao contrário do que acontece nas outras ciências, pois não são provados
como sendo ligados ao que existe efetivamente, isto é, ao real, ao que está aí como
existente. Portanto, o pensamento procura conceitos, ou seja, ideias comprovadas como
reais/existentes. Mas, por outro lado, há uma dificuldade de fazer um começo sem
mediação, pois ele por si mesmo é suposto antes de existir.
No parágrafo dois, a filosofia aparece definida como consideração sobre os objetos pelo
pensamento, sendo um modo particular de pensar, que é o que distingue o Homem do
animal, isto é, a inteligência, o que permite concluir que é o pensamento o produtor de
tudo o que existe de humano; é ele que leva ao conhecimento e aos conceitos em
filosofia, como já foi dito.
A ideia de que o Homem distingue-se do animal porque pensa e este último não, é
antiga e básica mas segundo Hegel também é essencial lembrá-la pois hoje tende-se a
apresentar sentimento e pensamento como opostos/inimigos, como que o sentimento
seja incompatível com o pensar e vice-versa. Quem pensa assim não sabe ou não tem
presente que só o Homem tem religião, direito e moral, e o animal não, querendo isto
dizer que a única explicação para o animal não ser religioso é não pensar, diferença
essencial que ele tem para connosco e que demonstra que a religião é sentimento mas
vive também de pensamento e é fruto dele tal coo o direito e moralidade, nos quais o
trabalho e as produções do pensar são conteúdo e presença.
O pensamento da filosofia é único e é imediatamente forma de pensar, enquanto que o
pensamento humano é múltiplo e aparece primeiro como sentimento, intuição,
representação/perceção e só depois chega a ser forma de pensar. Este último é sempre
ativo.
Uma coisa é sentimentos e representação e outra é os pensamentos sobre os próprios
sentimentos e representações, pois estes pensamentos ocorrem pela separação da
religião do pensar, a que se dá o nome de reflexão, o pensar sobre as perceções, a tal
consideração pensante já referida que se relaciona intimamente com a filosofia por ser
seu método de estudo, o que faz dela o mais alto modo de pensar, o último e mais
perfeito modo de pensamentos.
Contudo, Hegel defende que sentimento e pensamento têm que coexistir e ajudar-se
mutuamente, porque assim como apenas pela reflexão não se pode provar a existência
de Deus, também pelo sentimento isoladamente não se pode explicar o porquê da
necessidade de comer este ou aquele alimento.
Conclui-se que esta separação levaria a uma total indispensabilidade de ambas, em
última análise, à não existência das duas pois são inseparáveis.
Quanto à estrutura do texto, Hegel no segundo parágrafo da pág. 70 apresenta outra vez
a ideia da diferença mais básica entre Homem e animal (já apresentada no início do
segundo ponto), terminando-o com uma explicação do porquê do Homem ser religioso e
o animal não, mas deixando este assunto em aberto. No terceiro parágrafo desta mesma
página fala-se da consequência de separar religião e pensamento, a qual ele chama
reflexão, retomando logo em seguida o assunto levantado no final do primeiro parágrafo
da página já referida. Por sua vez, as últimas duas frases do terceiro parágrafo da pág.
70 são um reforçar ou explicar de outro modo o que já tinha sido dito no princípio do
primeiro parágrafo desta mesma página.
O que Hegel quer é encontrar os fundamentos dos objetos do pensar.
Explicação e análise do texto da pág. 10 da sebenta da disciplina (15/02/14)

Este texto poderia ter o título “em que consiste a ‘realidade’ da ideia segundo Kant”.
Kant explica o que entende por Ideia.
Numa primeira abordagem, este autor diz haver uma necessidade de noção de uma ideia
de uma perfeição de forma a que ela seja a medida para as outras ideias relativas a ela,
dando exemplos da vida quotidiana (a amizade e a filantropia).
Em seguida é dada uma definição de Ideia, como sendo um conceito inteligível,
enquanto forma ou medida relativamente aos maiores ou menores graus existentes na
realidade, fundamentando esta tese pela República de Platão.
Partindo daqui, Kant diz serem necessários três aspetos para que a tal Ideia seja
possível:
determinar completamente a relação sujeito- Ideia, através dos seus predicados; derivar
por completo a existência da ideia de Ser, isto é, perceber-se que há um Ser que não
deriva de nenhum outro e que é Dele próprio que tudo deriva; a noção de nexo-relação,
o conhecimento de que o Ser supremo e tudo o que existe, o qual existe graças a Ele,
estão em relação, formando um todo completo, tendo deste modo nexo de existir.
O texto aqui tratado, tal como o de Platão Parménides, é um estudo à volta da ideia e da
relação que ela tem com o real e com a essência formal. Deste modo Kant procura a
ideia e a sua conexão com a multiplicidade existencial do mundo real do sujeito. O
mundo está cheio de ideias simples, que existem pela realidade, idealidade ou
imaginário de objetos, que todos juntos e relacionados formam a Ideia suprema, Deus,
que é complexa e que depende das ideias simples e, o segundo exemplo dado, formam o
idealismo (o conjunto das pequenas ideias simples).
Em suma, este texto das lições de Kant é um mostrar que a filosofia da modernidade
gira à volta da ideia.
Trabalho temático: RICOEUR, Paul – O conflito das interpretações –
ensaios de Hermenêutica, Rés, Porto, 1988, p. 7- 26. (30/05/14)

O primeiro título que nos aparece é Existência e hermenêutica, que poderia ser
substituído por Fenomenologia e hermenêutica. Para percebermos o texto, é necessário
ter presente à partida a ideia de que a hermenêutica, a exegese e a fenomenologia estão
relacionadas entre si. A exegese suscitou a hermenéia, a primeira e mais originária
relação entre os conceitos de compreensão e interpretação, que por sua vez levou à
hermenêutica, que por fim fez aparecer a fenomenologia.
Os objetivos fixados pelo autor na obra aqui em estudo são explorar as vias abertas à
filosofia contemporânea, renovar a fenomenologia através da hermenêutica e analisar o
problema hermenêutico primeiramente na exegese, no compreender um texto a partir da
sua intenção.
Os debates exegéticos relacionam-se com a filosofia porque a exegese é a teoria do
signo e a da significação (S. Agostinho). Por outro lado, um texto tem sempre vários
sentidos, isto é, necessita de hermenêutica, que é interpretação, porque a leitura do texto
faz-se sempre numa comunidade, tradição ou corrente de pensamento com seus
pressupostos e exigências. Por isto ela não pode permanecer apenas entre especialistas,
pois põe em jogo o problema geral da compreensão. A interpretação é um desígnio
profundo, uma tentativa de vencer a distância e o afastamento cultural, de incorporar o
seu sentido à compreensão presente que o Homem pode ter de si mesmo. Para tal, a
hermenêutica pede empréstimos de modos de compreensão (mito, alegoria, metáfora,
analogia, etc.). Efetivamente a interpretação está ligada à compreensão, o que nos faz
remontar a Aristóteles, à sua hermenéia, que não sendo apenas uma alegoria é também
um discurso significante, interpretando a realidade ‘dizendo qualquer coisa de qualquer
coisa’1, relacionando-se deste modo com o discurso apofânico/declarativo de Heidegger,
e também com a mentalidade positivista e com a linguagem simbólica. A enunciação é
apreensão do real por meio de expressões com significado, e não parte de impressões
supostas das próprias coisas.
Um segundo desenvolvimento pedido à exegese é o das ciências históricas e da filologia
clássica (fins do séc. XVIII – princípios do séc. XIX), que com Schleirmacher e Dilthey
se torna um problema filosófico. O problema de Dilthey foi dar às ciências do espírito e
às ciências da natureza uma idêntica validade, ou seja, retoma Kant e relacionando-o
com a física newteana, faz uma distinção entre ciências naturais e ciências do espírito,
dizendo que as primeiras explicam-se e as segundas compreendem-se, sendo por isso
necessário para tal conclusão uma leitura da história e do sujeito na sua psicologia,
posição esta que não é a de Ricoeur nem a de Husserl. Deste modo, o problema
hermenêutico para Dilthey está relacionado com a psicologia: para um ser finito
compreender é mudar-se para uma outra vida.
Um problema principal aqui é a relação entre força e sentido, vida com significação e
espírito com capacidade de encadeá-los numa sucessão congruente.

1
RICOEUR, Paul – O conflito das interpretações – ensaios de Hermenêutica, Rés, Porto, 1988, p. 6.
Quanto ao segundo capítulo, O enxerto da hermenêutica na fenomenologia (pág. 8 –
13), diz existir duas maneiras de o fundamentar: a via curta e a via longa.
A via curta, heideggeriana, é uma ontologia da compreensão, do ser finito, não como
modo de conhecer mas de ser. Não se entra nela aos poucos mas entramos por uma
repentina inversão do problema, o que não constitui uma solução adversa.
A via longa, por Ricoeur, tem a ambição de levar a reflexão à ontologia pela semântica
e depois pela reflexão. A dúvida aqui é a da possibilidade de se conseguir uma ontologia
imediata, sem exigência de método e interpretação. O problema identificado por
Ricoeur tem que ver com o que se passa num conhecimento de interpretação, vindo de
uma reflexão sobre a exegese, o método da história, a psicanálise, a fenomenologia da
religião, etc., quando dinamizada e querida por uma ontologia da compreensão.
Para perceber a revolução que a via longa de Ricoeur traz vamos ao desenvolvimento
existente entre a Investigação da lógica por Husserl e o Ser e tempo de Heidegger,
deixando todo o conhecimento teórico e renunciando à ideia de hermenêutica como
sendo um meio digno de combater em igualdade de circunstâncias com as ciências
naturais. Conseguir obter para a compreensão um método é manter-se Cuma
epistemologia objetiva e nos conceitos prévios da teoria de Kant sobre o conhecimento,
sendo necessário sair do sujeito e do objeto, perguntando-se sobre o ser. Compreender é
um modo de ser daquele que existe e compreende (o Homem). O maior desejo de
Dilthey, o centro com sua filosofia é a vida, chegar a uma conexão dos ser com a
história ao conjunto do ser, sendo origem da relação epistemológica de sujeito-objeto.
Em seguida Ricoeur recorre à fenomenologia de Husserl procurando nela auxílio. Vê
nela um contributo duplo: por criticar indiretamente na sua última fase o objetivismo ao
discutir o objetivo das teorias do conhecimento das ciências da natureza darem às
humanas o único método com validade, e diretamente, pondo em questão às
geisteswissenschaften (ciências do espírito), “um método tão objetivo como o das
ciências da natureza”2; pela fenomenologia husserliana criticar o objetivismo de tal
forma que abre horizontes para uma ontologia da compreensão, o “mundo da vida” 3,
relacionado com o neo-kantismo.
A fenomenologia primeira é a que contesta em primeiro lugar o objetivismo, pois os
fenómenos são relatos paralelos/as bases de significação, vinda da vida com sua
intenção. A redução da teoria do mundo é passagem da questão do ser à do sentido de
mesmo, e o sentido do ser é um correlato simples dos diferentes pontos de vista dos
sujeitos.
Indo contra o primeiro Husserl e suas inclinações platónicas idealistas formou-se a
teoria da compreensão. A fenomenologia desemboca no descobrimento de que não há
sujeito de ideias fechado num conjunto de significações, mas um ser vivo que tem o
mundo como horizonte desde sempre.
Há o horizonte do mundo antes da objetividade porque a vida é operante e o sujeito co
objetos deriva dela.
A historicidade é forma como o que existe está com os outros existentes, enquanto que a
compreensão já não é repetição das ciências mas modo de ser próximo do ser, ou seja, a
2
RICOEUR, Paul – O conflito das interpretações – ensaios de Hermenêutica, Rés, Porto, 1988, p. 10.
3
Ibidem
fenomenologia foge do seu projeto à partida delineado. Deste modo a capacidade da
vida se afastar livremente passa a ser uma base do ser finito; aquilo que a ciência tinha
por limite, o conhecer a componente histórica do ser, agora constitui-o. A verdade é a
manifestação do ser, existência que se fundamenta na compreensão dele.
Ricoeur refere também um afastamento da hermenêutica relativamente à
fenomenologia, ao Dasein com sua Analítica. Para tal há duas razões apontadas diz ele:
o modo radical heideggeriano de interrogar, o que faz com que os problemas continuem
por resolver, embora não se esquecendo. Isto quer dizer que Heidegger quis reformar e
redirecionar os nossos olhos querendo subordinar o conhecimento histórico ao
ontológico como derivação de uma forma originária, implicando assim que se partisse
da dimensão da linguagem.
A complicação de chegar a uma compreensão como modo de se, partindo da
compreensão como forma de conhecer, está no facto dela ser “a mesma através e quê e
em quê esse ser se compreende como ser” 4. Estas duas críticas formam uma proposta
positiva: abandonar a via curta do Dasein, substituindo-a pela via longa das análises da
linguagem; é necessário um esclarecimento semântico do conceito de interpretação, que
é igual em todas as disciplinas relacionadas com a hermenêutica. Uma abordagem
semântica é ao mesmo tempo reflexiva, podendo levar aos princípios ontológicos da
compreensão, facto que acontece na linguagem através da reflexão. Ricoeur segue esta
via.
O terceiro capítulo é o plano semântico, que numa fase inicial relembra que a linguagem
tem que ver com a compreensão ôntica e ontológica, e que o texto tem vários sentidos.
Fala-se de Nietzsche como aquele que tem os valores como sendo manifestação da
fraqueza e da força do querer poder, que é necessário interpretar. Para este autor, a
interpretação é a própria vida e consequentemente a filosofia é “interpretação das
interpretações”5. Freud tem uma exegese cultural muito semelhante à de Nietzsche. É
“na semântica das expressões multívocas que vejo restringir-se esta análise da
linguagem”6, diz Ricoeur. Cassirer e outros que tais afirmam que a simbólica é todo o
tipo de apreensão da realidade por sinais através da perceção, do mito, da arte e até da
ciência; num sentido mais lato o símbolo é por eles reduzido a analogia, sendo que é
tido como base de significação no qual um sentido direto aponta um sentido indireto
apreendido pelo primeiro. Esta é a área de expressões que forma a hermenêutica.
A interpretação é a lida do pensamento que se baseia em descobrir o sentido oculto no
sentido aparente, sendo ela própria a exegese pois há um sentido múltiplo.
A semântica tem uma delimitação dupla, o símbolo e a interpretação, da qual resulta
tarefas: expressões simbólicas (análise dupla da linguística), que enumeram ampla e
completamente ao máximo as formas simbólicas; trata-se da via indutiva, a única a que
se tem acesso ao principiar da investigação. Outra tarefa tem que ver com os símbolos
cósmicos e o “simbolismo onírico revelado pela psicanálise” 7, os quais aparecem pela

4
RICOEUR, Paul – O conflito das interpretações – ensaios de Hermenêutica, Rés, Porto, 1988, p. 12.
5
Ibidem, p. 14.
6
Ibidem, p.14.
7
Ibidem, p. 15.
linguagem. O simbolismo relaciona-se com o estudo de critérios, que tentam estabelecer
uma constituição semântica e que está sempre ligada aos estudos da interpretação.
O símbolo levante problemas, os quais se refletem nos métodos de interpretação,
fazendo com que esta dê lugar à fenomenologia da religião e à psicanálise, opondo-se
radicalmente. A tarefa aqui é dar a conhecer que a interpretação tem que ver com a
teoria do sistema hermenêutico já visto. Um exemplo para isto é a psicanálise, que
revela bem a dimensão de uma hermenêutica ligada à filosofia no nível básico da
semântica. A psicanálise fundamenta cada um nas fronteiras da circunscrição teórica
que lhe é própria; eis a função da hermenêutica aqui aplicada.
Daqui se veem diversas vantagens: a semântica não desconecta a hermenêutica das
outras metodologias, não correndo deste modo o perigo de separar os conceitos de
verdade e de método. Além do mais, garante a afirmação da hermenêutica na
fenomenologia.
A hermenêutica num sentido geral é uma contribuição para a filosofia da linguagem, tão
importante e que hoje nos falta, diz Ricoeur. A unidade da linguagem humana é um
problema atual.
O quarto capítulo anda à volta da reflexão. Começa por afirmar que são as expressões
com várias interpretações possíveis, o caminho para a hermenêutica filosófica não se
separar da exegese, da história e da psicanálise.
Por outro lado é dito que a linguagem, meio significante, relaciona-se com a existência,
e deste modo fala-se outra vez de Heidegger, na medida em que o facto de se querer
uma ontologia é a animação de um processo para ultrapassar a linguística. Ora a etapa
intermédia para chegar à existência é a reflexão, pois vincula a compreensão dos signos
e a de si, sendo esta última o objetivo maior da hermenêutica como já vimos (o sentido
da vida).
A interpretação quer acabar com o afastamento entre a cultura do passado, do texto e do
intérprete. O exegeta quer tornar o texto como seu, e com a hermenêutica implícita e
explicitamente leva-o a compreender-se pelo afastar da compreensão do outo, daí
Ricoeur defender que “a hermenêutica deve ser enxertada na fenomenologia” 8, tanto
pela significação como pelo Cogito (o eu que pensa). Este parte-se, enriquece-se e
aprofunda-se. O si que comanda a interpretação recupera-se unicamente como produto
dela por duas razões: porque o Cogito é vão e invencível, uma verdade que se impõe e
que não pode ser verificada nem percetível por dedução. A reflexão constitui uma
crítica, afastamento de um decifrar aplicado à vida e apropriação do esforço e desejo de
ser humanos de modo a existir e ser pelas obras que dão testemunho deles.
O Cogito e também, desde sempre, um lugar vazio cheio por um Cogito falso pois a
consciência tida como imediata é em primeira análise falsa; uma filosofia da reflexão é
contrária à da consciência. Há hermenêutica onde se der uma interpretação errada, diz
Ricoeur retomando Schleirmacher. Pelos factos apresentados neste parágrafo, numa
primeira etapa, a chamada semântica, a reflexão deve ser indireta por dois lados de
modo a superar-se ao chegar à compreensão e desmontando a consciência inicial. Numa
segunda etapa, a reflexiva, procura-se dar a conhecer a consolidação dos resultados da
etapa anterior.
8
RICOEUR, Paul – O conflito das interpretações – ensaios de Hermenêutica, Rés, Porto, 1988, p. 18.
A hermenêutica justifica-se radicalmente procurando na natureza da reflexão a base de
uma lógica de sentido duplo, lógica esta que não é formal mas transcendental,
estabelecendo-se por condições de possibilidade e não de objetividade, daí ser chamada
transcendental. Não é possível existirem, ao mesmo nível, duas lógicas.
O quinto e último capítulo trata da etapa da existência, a qual Heidegger passa a ver
como um modo de ser e não já como um modo de conhecer. Ela é um horizonte fora da
nossa capacidade. O estudo sobre o ser por parte da compreensão continua ligado aos
métodos da interpretação. Só cruzando hermenêuticas ‘rivais’ é que se percebe algo do
ser interpretado.
Da reflexão sobre a psicanálise é de esperar duas coisas: destruição do problema
clássico do sujeito tido como consciência e o ressurgir da questão da existência como
desejo. A psicanálise, pela crítica que faz sobre a consciência, leva a uma ontologia. A
interpretação por si proposta contesta o desejo da consciência querer ser a fonte do
sentido. O sujeito precisa de perder a reflexão para a salvar, ideia que encontra paralelo
no Evangelho e na psicanálise, disciplina filosófica para o filósofo. O realismo do
inconsciente, por exemplo, é pressuposto de uma hermenêutica livre dos conceitos
prévios do eu.
Freud questiona-se sobre a conexão entre significação e desejo, tal como Leibniz e
Espinosa, procurando uma sequência hierárquica das significações, incluída no sentido e
organização da vida. A existência é tida como desejo e esforço e o Cogito já não é
pretensão do ego de se impor mas já constituinte do ser.
A reflexão consegue e deve superar-se no problema da existência, realizando-se na e
pela interpretação sempre, decifrando as particularidades do desejo para chegar ao cerne
do sentido e da reflexão. É em si mesmo que o Cogito encontra, pela interpretação, uma
espécie de “arqueologia do sujeito”9. É também referida a existência de outros métodos
ligados à hermenêutica: enquanto que a psicanálise descobre a existência do desejo,
revelada pela tal arqueologia o sujeito, a fenomenologia do espírito vê vir Deus e o seu
Reino, praticando deste modo uma profecia sobre a consciência e tendo uma forma de
interpretar completamente contra a de Freud.
Contra uma arqueologia do sujeito vai também uma teleologia sobre o próprio, pois é
processo de interpretação capaz de compreender figuras pela relação entre elas e é
também a própria dialética delas, tirando o sujeito da sua infância e da sua arqueologia,
o que em última análise faz com que a filosofia continue a ser hermenêutica, análise do
sentido oculto na redação do sentido aparente que tem por função fazer ver que a
existência só é pela palavra, sentido e reflexão, por uma exegese permanente de todos os
significados no mundo da cultura, tornando-se num si Homem e não infantil tomando
este sentido que numa fase inicial está fora do si.
A fenomenologia da religião é apenas exposição da crença, do mito, do rito, ou seja, dos
modos de comportamento, de sentimento e de linguagem ligados ao sagrado. A reflexão
leva mais longe.
As hermenêuticas mais contrárias indicam o troço das origens ontológicas da
compreensão: a psicanálise por depender da arqueologia do sujeito, a fenomenologia do
espírito pela teleologia das figuras, a fenomenologia da religião pelos sinais do sagrado.
9
RICOEUR, Paul – O conflito das interpretações – ensaios de Hermenêutica, Rés, Porto, 1988, p. 23.
Quanto à dialética das interpretações, a hermenêutica é insuperável, diz Ricoeur, pois só
ela, guiada pelos símbolos, consegue pôr à vista que os diferentes modos de existir são
uma mesma problemática. Ricoeur admite que há uma questão que este texto estudado
aqui não resolve, que é a possibilidade destas diferentes tarefas da existência formarem
uma unidade, e que é trabalhando que o Homem descobre as diferentes modalidades da
dependência do si, do desejo apercebida numa arqueologia do sujeito, do espírito
descoberta na teleologia que lhe é própria, a do sagrado avistada pela sua escatologia.
O problema hermenêutico insere-se nos textos sagrados, que não só os bíblicos. A
exegese é, além de outras coisas, trabalho filosófico por causa dos dados antropológicos
que lhe são inerentes, da compreensão subjetiva.
Para Ricoeur, o texto é um outro e é um mundo, e o referencial é um texto e/ou um
autor, levando-o a afirmar inclusive que a ontologia é “a terra prometida para uma
filosofia que começa pela linguagem e pela reflexão”10, ficando bem evidente a
importância que a ontologia tem aqui. A exegese e a hermenêutica complementam-se.

10
RICOEUR, Paul – O conflito das interpretações – ensaios de Hermenêutica, Rés, Porto, 1988, p. 26.

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