Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
E aquilo que Homero foi para a cultura clássica grega, a Bíblia foi para os
hebreus e, mais tarde, para os cristãos. Os escribas e doutores da lei eram todos
iniciados na interpretação das Escrituras. O próprio Cristo se apresentou como
hermeneuta do Pai e de toda a Revelação. A hermenêutica, por isso mesmo, sempre
existiu e continuou também na Patrística, na Escolástica, no entusiasmo do retorno às
fontes na Renascença e nas exigências metodológicas da idade moderna. Mas um
impulso novo para um renascimento da hermenêutica vai aparecer no Romantismo, com
Schleiermacher e mais tarde com Dilthey. Ambos enfrentam o problema da
interpretação dos textos de maneira sistemática. Por isso mesmo, são considerados os
precursores da nova hermenêutica, que mais tarde será melhor desenvolvida
principalmente por Heidegger e Gadamer. Dentre diversos autores que poderíamos citar,
faremos um recorte e esboçar noções básicas da filosofia clínica que tem como
precursor Lúcio Packer. Lúcio Desenvolveu um método original de interpretar,
anunciar, declarar e traduzir as correntes filosóficas para um princípio da elevação do
ser da pessoa. Suas angústias, medos e dores hermeneuticamente interpretados e
solidificados num ponto fundamental: a historicidade da pessoa. Promovendo assim,
uma saída, descoberta de si e favorecendo o principio original da filosofia clínica.
Outro autor é Wilhelm Dilthey (1833-1911) o qual representa uma articulada e tenaz
tentativa de construção de “crítica da razão histórica”. Coloca o problema hermenêutico
dentro do quadro das “ciências do espírito”, que ele opõe ao quadro das “ciências
técnicas da natureza”. Para cada um dos dois tipos de ciência ele postula um modo
próprio de conhecimento. Para as ciências do espírito é congenial a capacidade de
compreender ou reproduzir as experiências solidificadas em formas objetivas; enquanto
que para as ciências da natureza é mais importante o explicar, ou seja, esclarecer as
relações externas de causa-efeito e os legames mecanicistas.
Nesse continuum axiomático o problema hermenêutico teve toda uma reviravolta com
Heidegger e sucessivamente com Gadamer, ambos considerados como os fundadores da
nova hermenêutica. A hermenêutica tradicional tinha mais uma preocupação
metodológica e ressaltava as regras filosóficas, procurando individuar sentimentos e
expressá-los em formas universais válidas. A nova hermenêutica procura os
fundamentos ontológicos do compreender. Vai-se, portanto, ao ser, que se revela no
campo da existência.
A fratura cartesiana entre sujeito pensante e objeto pensado é superado pela concepção
heideggeriana da inseparável unidade de compreender e existir. Compreender é o modo
de existir do homem que se projeta, se relaciona com os outros, se decide, é entendido
pelo mundo, age inspirado pela confiança ou ameaçado pela angústia. A pessoa se
percebe como um ser-que-está-no-mundo. Heidegger fala de “situação hermenêutica”,
ou seja, é a existência mesma que desvela, é o tempo que manifesta as estruturas do
cotidiano ser-no-mundo.
Esses outros, o qual afirma Haidegger, encontra-se no domínio público. Aqui entende-se
todas as vizinhanças – que na Filosofia Clínica são os entes envolvidos na existência da
pessoa – pode ser desde os utensílios que foram produzidos por indivíduos numa
intencionalidade, como também as pessoas e animais que congregam o entorno
existencial, a qual é identificada na categoria relações.
É o homem que dá ao mundo uma cor e um significado. Enquanto ser-aí não pode ser
tratado como objeto da física, ou seja, não basta remover a causa para que desapareçam
os efeitos. Assim sendo, ao estudo da Filosofia Clínica, é impossível sem a
antropologia, enquanto estudo do homem. A análise do ser-aí através do currículo da
história de um indivíduo, através da história da vida interior, procura a categorialidade
de fundo do ser daquele indivíduo, isto é, o seu a priori existencial – o modo específico
pelo qual aquele indivíduo projeta o mundo, conferindo significado a coisas,
acontecimentos e relações. E é o a priori existencial que dá significado também ao
próprio fato inconsciente e o determina. Por isso, acredito, que na FC, é preciso agir
sobre o modo pelo qual o indivíduo projeta o mundo – os seus valores e os seus
significados - , observar, agir referente ao modo pelo qual aquele indivíduo dá sentido
ao mundo, sobre aquele a priori existencial por meio do qual ele se relaciona com o seu
ser-lançado, com a sua “factualidade”.
Gadamer faz uma análise e uma interpretação histórica do ato de interpretar. Que o
interprete situado num determinado tempo e espaço não é neutro, mas faz parte de um
texto e contexto para uma tomada de decisão. Com efeito, o que ele tem a fazer é
manter o olhar firme para seu objeto, superando todas as confusões que provenham do
seu próprio íntimo. Diz Gadamer, quem se põe a interpretar um texto, está sempre
concretizando um projeto. Com base no sentido mais imediato que o texto lhe exibe, ele
esboça preliminarmente um significado do todo.
O Filósofo Clínico atua através da ação hermenêutica, com uma metodologia própria,
especialmente articulada na historicidade. Então como fazemos para saber se é ou não
adequado esse esboço de interpretação? Gadamer auxilia que é a análise posterior do
texto que nos dirá se esse esboço interpretativo é ou não correto, se corresponde ou não
ao que o texto diz. Como veremos na sequência a Filosofia Clínica nos proporciona
através das Categorias essa leitura adequada para situarmos o texto e o contexto à luz da
historicidade.
A função do hermeneuta é infinita e possível. Gadamer assinala que é infinita pela razão
de que uma interpretação que parecia adequada pode ser demonstrada incorreta e porque
são sempre possíveis novas e melhores interpretações. Possíveis porque conforme a
época histórica em que vive o intérprete e com base no que ele sabe, não se excluem
interpretações que, precisamente, para aquela época se sabe, são melhores ou mais
adequadas que outras. Nesse sentido a Filosofia Clínica, através de um majestoso
trabalho de Lúcio Packter, enfrenta o texto colhido na historicidade, como uma tabula
plena, cheia de ideias e conceitos vindos das mais diversas correntes filosóficas.
Podemos afirmar que quem quiser compreender um texto deve estar pronto a deixar que
ele lhe diga alguma coisa. Por isso, o Filósofo Clínico, desempenhando uma consciência
educada hermeneuticamente deve ser preliminarmente sensível à alteridade do texto.
Essa sensibilidade não pressupõe neutralidade objetiva nem esquecimento de si mesmo,
mas implica numa precisa tomada de consciência das próprias pressuposições e dos
próprios pré-juízos. O intérprete deve ser sensível à alteridade do texto, deve falar para
escutar o texto, ou seja, deve propor um sentido melhor e mais adequado do que o outro,
para que o texto apareça sempre mais em sua alteridade, como o que realmente é.
Podemos dizer que a função moral obrigatória do Filósofo Clínico é uma escuta
dialógica consigo, sempre admirado perante a infinitude do outro, reconhecendo de uma
vez por todas a sua própria ignorância sobre as profundidades que nele (partilhante) se
ocultam.
Fontes utilizadas:
Apontamentos das aulas no curso de Especialização em Filosofia Clínica. CEPAFIC.
2013-2014.
AIUB, Monica. Para entender Filosofia Clínica. 2º edição. Rio de janeiro, RJ: WAK
editora, 2008.
[1] “Os Submodos são as maneiras como a pessoa vai existencialmente de um momento
ao seguinte, eles são os modos como agimos, como usamos o conteúdo que se apresenta
à farta em cada tópico da EP”. (PACTER. Caderno C. p. 1)