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UNIDADE 2

FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA
HERMENÊUTICA

Objetivos
• Entender as características da Hermenêutica moderna.
• Conhecer a teoria de Schleiermacher.
• Familiarizar-se com a teoria de Dilthey.
• Entender as relações entre as compreensões linguística, histórica e
hermenêutica.

Conteúdos
• A distinção entre interpretação gramatical e psicológica em Schleiermacher.
• A conexão entre vivência, expressão, compreensão e revivência em Dilthey.
• A questão da linguisticidade e da historicidade da compreensão da
interpretação hermenêutica.

Orientações para o estudo da unidade


Antes de iniciar o estudo desta unidade, leia as orientações a seguir:

1) A leitura desta obra deve ser vista como uma indicação dos termos e
tópicos a serem estudados e aprofundados; procure outras informações
e apresentações desses assuntos nos livros indicados nas referências
bibliográficas e em sites confiáveis. Lembre-se de que, na modalidade EaD,
o engajamento pessoal e a organização pessoal dos estudos são fatores
determinantes para o seu crescimento intelectual.

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2) A compreensão adequada dos temas e conceitos de Hermenêutica


está associada ao domínio de vários outros conteúdos e competências,
incluindo diversos domínios de conhecimento. Para adquirir uma
competência mínima, são necessários conhecimentos básicos de Teoria
da Linguagem, Historiografia e Humanidades. Uma referência bibliográfica
básica são os livros de Jean Grondin e de Lawrence K. Schmidt:
• PALMER, R. E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.
• SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Trad. F. Ribeiro. 3. ed. Petrópolis: Vozes,
2014.

3) O estudo sistemático de qualquer assunto exige organização e um trabalho


de esquematização dos conceitos e teorias. Por isso, anote os termos
principais usados na unidade, faça mapas conceituais e busque fixar o
sentido em que são usados e, sobretudo, qual função ou papel teórico
esses conceitos exercem na teoria. Consulte dicionários e outros textos
para elaborar e aprofundar a caracterização desses termos, registrando as
frases em que eles ocorrem e as diferenças de uso entre os autores.

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1. INTRODUÇÃO
Nesta unidade, serão apresentados autores e teorias que
conformam o modelo teórico de racionalidade e argumentação
hermenêutica no século 19, tendo por base as teorizações de
Friedrich Schleiermacher, Wilhelm von Humboldt, Johann
G. Droysen e Wilhelm Dilthey. Esses autores introduziram e
sintetizaram os conceitos e princípios básicos da Hermenêutica
moderna enquanto metodologia de pesquisa e validação,
estabeleceram o seu âmbito de aplicação e a legitimaram como
teoria filosófica das Ciências Humanas.

2. CONTEÚDO BÁSICO DE REFERÊNCIA


O Conteúdo Básico de Referência apresenta, de
forma sucinta, os temas abordados nesta unidade. Para sua
compreensão integral, é necessário o aprofundamento pelo
estudo do Conteúdo Digital Integrador.

2.1. HERMENÊUTICA MODERNA

Na início da modernidade, sob influência das novas filosofias


e da pretensão de unificação e universalização sistemática e
metodológica de técnicas, teorias e conhecimentos, vários
autores procuraram formular os princípios da interpretação
e da compreensão na forma de uma Hermenêutica geral ou
teoria geral da interpretação. O problema principal era o da
leitura e compreensão correta dos textos sagrados, sobretudo
no contexto das disputas entre reformistas e contrarreformistas.
Com efeito, o pensamento reformador de Martin Lutero
(1483-1546) estava baseado também em uma nova postura

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hermenêutica de leitura dos textos sagrados. Lutero adotou a


regra denominada Sola Scriptura contra a autoridade da tradição
interpretativa e doutrinária da Igreja Católica, sobretudo
recusando a infalibilidade da interpretação papal. Lutero defendia
que “Scriptura sui ipsius interpres” (a Escritura interpreta a si
mesma), propondo esse princípio como o verdadeiro método
de interpretação, no sentido de que o texto sagrado deveria
ser interpretado e compreendido por meio da comparação de
passagens e a partir de sua própria direção.
Nesse contexto, o escrito de Matthias Flacius, Clavis
scripturae sanctae, de 1567, foi considerado por Dilthey (1984)
“a obra mais importante e talvez a mais profunda” sobre a
interpretação dos textos sagrados:
pela primeira vez nesta obra, surge organizado em sistema,
todo um conjunto de regras de interpretação encontradas
até à altura, graças ao postulado segundo o qual, procedendo
tecnicamente de acordo com as regras, deveria obter-se uma
compreensão indiscutível dos textos (DILTHEY, 1984, p. 157,
tradução nossa).

Flacius (1567) resolve as dificuldades de interpretação


e compreensão do texto bíblico recorrendo ao princípio da
unidade que os textos sagrados adquirem na religião cristã
viva. A esse princípio da experiência viva do sentido unitário
Flacius acrescenta fundamentos racionais e técnicos, como o da
interpretação gramatical, pelo qual uma passagem isolada deve
ser interpretada em função da intenção e da composição da
inteira obra. Trata-se de uma das primeiras formulações explícitas
do princípio do contexto como uma regra metodológica: a
inteligibilidade das diversas partes do todo resulta também das
suas relações com o todo e com as outras suas partes. A atitude
geral indica o uso do princípio da suposição da inteligibilidade

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do texto a ser interpretado, no caso, a Bíblia cristã, e a atribuição


da incompreensão à falta da adequada preparação linguística e
aos métodos errados de leitura.
A obra de J. C. Dannhauer, Hermeneutica sacre sive
methodus exponendarum sacrarum litterarum, de 1654, usa pela
primeira vez o termo “hermeneutica” para indicar a metodologia
da interpretação, diferenciando a leitura e o comentário (exegese)
e as regras, métodos e teorias que embasam a apreensão correta
do sentido (hermeneutica) (PALMER, 1986, p. 44).
Depois, a obra de Johann M. Chladenius, Einleitung zur
richtiger Auslegung vernunftiger Reden und Schriften, de 1742,
expande o problema para a interpretação correta (richtiger
Auslegung) de discursos e textos em geral (GADAMER, 2005, p.
251).
Outra obra importante dessa época é a de Johann Ernesti,
Institutio interpretis Novi Testamenti (1761), que estabelece o
método de interpretação propriamente linguístico e gramatical,
partindo do pressuposto de que as expressões linguísticas
recebem seu significado por atos deliberados e, assim, em geral,
têm vários sentidos. Nessa obra, Ernesti propôs que o sentido
linguístico das Escrituras deveria ser determinado de modo
idêntico ao que usamos para apurar o sentido verbal de outros
livros.
Outros textos que precisavam ser interpretados eram
documentos legais e obras da Antiguidade Clássica, e essas
disciplinas também contribuíram para a Hermenêutica. A base
da compreensão é uso linguístico que embasa o texto, o que
exige uma investigação rigorosa do que cada palavra significa em
uma composição particular, na obra de um autor em particular,

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de uma época particular e em um assunto em particular (DILTHEY,


1996, p. 81).
Várias outras obras procuraram sistematizar as regras e
procedimentos de interpretação e compreensão: entre outras,
destacam-se as obras de J. Rambach, Institutiones hermeneuticae
sacrae (1723), e de Georg F. Meier, Versuch einer allgemeinen
Auslegungskunst, de 1757. Nelas, foi estabelecido um marco na
reflexão hermenêutica, ao se propor uma arte de interpretação
geral, buscando unificar as diferentes tendências e teorias
hermenêuticas de sua época (JOISTEN, 2009, p. 89), proposta
esta que prenuncia as formulações de Friedrich Schleiermacher
na busca de uma Hermenêutica geral (allgemeine Hermeneutik).
Além disso, outra importante contribuição do século 18
para a disciplina da Hermenêutica, que se tornará proeminente
no século seguinte, é a introdução das pesquisas históricas
livres como base para a compreensão de textos, sobretudo dos
bíblicos. Dilthey atribui a Johann Salomo Semler (1725-1791) a
introdução das pesquisas históricas na Hermenêutica e, assim,
o rompimento com as concepções lógico-gramaticais anteriores
(DILTHEY, 1996, p. 630), sobretudo nas obras Lebensbeschreibung
von ihm selbst abgefaßt (1782) e Vorbereitung zur theologischen
Hermeneutik (1760).
A exegese proposta por Semler (1760) combina análises
filológicas e históricas, sob a pressuposição de que os textos
têm uma localização espacial e temporal, em relação tanto
ao seu conteúdo quanto ao modo de expressá-lo. O esforço
hermenêutico tem por objetivo recuperar o uso linguístico
(sprachgebrauch) e conhecer as circunstâncias históricas
(historischen Umstände) da época em que o texto foi escrito, e

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também expressar os conteúdos e significados, de modo que as


diferenças em relação à época atual se tornem explícitas.
Outra obra que está na raiz da Hermenêutica moderna
é a do filólogo Georg F. Ast, Grundlinien der Grammatik,
Hermeneutik und Kritik, de 1808, na qual são distinguidos três
níveis de compreensão de um texto:
• o histórico, no qual é fixado o texto original por
meio de investigações históricas e comparativas, e
que fornece a compreensão ou Hermenêutica no
plano “da letra”;
• o da compreensão gramatical do texto, que
corresponde à “Hermenêutica do sentido”, pela
qual são compreendidos os significados das
palavras e frases do texto;
• o espiritual, que se embasa no sentido literal do
texto para apreender espírito do autor e de sua
cultura, ou seja, a mentalidade e o modo de pensar
as coisas.
Nessa obra, é formulado, de modo explícito, pela primeira
vez, o conceito de círculo hermenêutico, com o qual Ast indicou
o caráter circular da interpretação, enquanto uma lei que estaria
na base do conhecimento e da compreensão, assim formulada:
“encontrar o espírito do todo por meio dos componentes
individuais e por meio do todo captar o individual” (AST, 1808,
p. 178, tradução nossa).
Por sua vez, as pesquisas de Friedrich A. Wolf, publicadas na
obra Vorlesung über die Enzyklopädie der Altertumswissenschaft,
referente a conferências ministradas entre 1785 e 1807,
circunscreveram a Hermenêutica como a “ciência das regras

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pelas quais é distinguido o significado dos signos” (WOLF, 1831,


p. 290, tradução nossa), tendo o objetivo de apreender os
pensamentos escritos ou simplesmente falados de outrem, de
modo análogo ao modo como apreendemos os nossos próprios.
Esse objetivo implicaria o conhecimento da linguagem do
texto, das circunstâncias históricas de sua produção, da vida do
autor, e também de sua cultura. Como princípio regulador para
o intérprete, é posta a exigência de que ele deveria conhecer
idealmente tudo o que o autor conhecia.
A sequência de cursos e conferências que Schleiermacher
ministrou entre 1805 e 1833, posteriormente publicada sob o
título Hermeneutik und Kritik, mit besonderer Beziehung auf das
Neue Testament, em 1838 (SCHLEIERMACHER, 2005), delineou
o programa, já no contexto da nova universidade, dessa teoria
como uma teoria geral da compreensão que embasaria as
ciências do espírito (históricas, éticas, espirituais), o que foi
alcançado nas obras de A. Boeckh (1877) e W. Dilthey (2010).

As leituras indicadas no Tópico 3.1 tratam da circularidade


hermenêutica. Neste momento, você deve realizar essas
leituras para aprofundar o tema abordado.

2.2. SCHLEIERMACHER E OS FUNDAMENTOS DA HERMENÊU-


TICA GERAL

Com Friedrich Schleiermacher (1768-1834), no início do


século 19, a Hermenêutica passa por uma reformulação, com
base na necessidade de uma justificação filosófico-teórica das
regras e dos princípios de interpretação, compreensão e crítica.

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Schleiermacher parte já da exigência de estabelecer uma


Hermenêutica geral, compreendida como uma teoria geral da
compreensão. Ela, enquanto teoria metodológica, estabeleceria
os princípios gerais de toda e qualquer compreensão e
interpretação de manifestações e expressões linguísticas.
A suposição de fundo do projeto de Schleiermacher é
que o fenômeno da linguagem está intrinsecamente voltado
à interpretação, e que a compreensão sempre é, em primeira
instância, uma operação linguística. Essa suposição funda-se na
concepção filosófica acerca da própria natureza do pensamento:
“A linguagem é o modo do pensamento se tornar efetivo. Pois,
não há pensamento sem discurso. [...] Ninguém é capaz de pensar
sem palavras” (SCHLEIERMACHER, 2005, p. 94). Esse postulado,
que afirma a unidade de pensamento e linguagem, tem como
consequência a ideia de que as operações de interpretação
e compreensão são universais e coextensivas ao âmbito da
linguagem.
Desse modo, a Hermenêutica, que até então era apenas
uma arte auxiliar e uma teoria especial, agora é posta como a
base da cognição e do pensamento humano. Diferentemente
da Hermenêutica da tradição exegética dos textos bíblicos, a
ênfase na condição linguística, do que é para ser compreendido,
remete ao problema da compreensão para o fundamento
comunicacional e dialogal que está na base de todos os textos
e discursos. A análise da compreensão é reenviada e modelada
“a partir da natureza da linguagem e das condições basilares da
relação entre o falante e o ouvinte” (SCHLEIERMACHER, 2000, p.
64).
Schleiermacher deixa de lado as diversas técnicas de
interpretação e coloca a questão formal sobre a justificação

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científica da compreensão enquanto teoria válida universalmente.


Para ele, a Hermenêutica ainda não havia alcançado a maturidade
de uma teoria capaz de justificar seus próprios procedimentos:
Hermenêutica, segundo a etimologia conhecida, ainda não
pode ser um nome precisamente fixado, como científica: a) a
arte de expor corretamente suas ideias, b) a arte de comunicar
corretamente o discurso de um outro a terceiros, c) a arte de
compreender corretamente o discurso de um outro. O conceito
científico refere-se ao terceiro, como sendo o que fica no meio,
entre o primeiro e o segundo (SCHLEIERMACHER, 2005, p. 91).

Note-se que a fórmula “compreender corretamente o


discurso de um outro” delimita o escopo da Hermenêutica
ao linguístico-discursivo e impõe o requisito da validação da
correção, sem restrição a assuntos, campos ou objetos especiais.
Isso significa dizer que Schleiermacher pretende desenvolver
uma teoria geral e metodológica da compreensão, a qual serviria
de base para poder discutir normas para interpretações restritas
a campos de saber particulares, como jurídico, teológico, poético,
filosófico.
A Hermenêutica de Schleiermacher parte do pressuposto
tipicamente moderno e científico, a saber, de que “a compreensão
tem que ser buscada a cada momento”, ela resulta de uma
atividade e de uma construção, não sendo um dado ou fato
natural. A partir disso, ele estabelece uma primeira definição de
Hermenêutica em sentido genérico por uma dupla formulação,
uma negativa e outra positiva:
A práxis não rigorosa da arte baseia-se na ideia de que a
compreensão se dá por si e expressa a meta de modo negativo:
‘os mal-entendidos devem ser evitados’. […] A práxis mais
rigorosa baseia-se na ideia de que a não-compreensão se dá
por si e que a compreensão precisa ser buscada sob todos os
aspectos (SCHLEIERMACHER, 2005, p. 112-113).

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Embora evitar a má compreensão delineie a tarefa da


Hermenêutica, Schleiermacher propõe uma definição positiva, a
partir do conceito de arte de “construção de um determinado
finito a partir de um indeterminado infinito” (SCHLEIERMACHER,
2005, p. 99). O ponto de partida sempre é uma indeterminação
infinita referente ao modo de constituição de uma manifestação
discursiva a partir da linguagem utilizada, da intuição ou cognição
em que se embasa, e do mundo em que foi construído.
Estes três polos, linguagem, intuição do autor e
mundo a que pertencem, para Schleiermacher, são infinitos
indeterminados que precisam ser apreendidos em alguma
medida como totalidades para compreender o que o autor
quer dizer enquanto parte dessas totalidades. Eles compõem,
conjuntamente, a estrutura ou conexão que perfaz o sentido da
manifestação discursiva.
A determinação do sentido de uma manifestação discursiva,
desse modo, seria realizada por meio de dois procedimentos
complementares, a saber, uma interpretação gramatical e uma
psicológica. Schleiermacher justifica essa duplicidade metódica
com uma tese sobre a condição linguística humana:
todo ser humano é, de um lado, um local em que uma
determinada língua se forma de uma maneira peculiar, e seu
discurso somente é compreensível a partir da totalidade da
língua. Mas então ele também é um espírito a se desenvolver
constantemente, e seu discurso somente existe enquanto fato
deste na relação com os demais (SCHLEIERMACHER, 2005, p.
96).

Isso indica que uma determinada manifestação discursiva


tem de ser considerada tanto como uma manifestação particular
ou um uso individual de uma linguagem geral, quanto como
um ato ou momento da vida de seu autor: “toda compreensão

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consiste em dois momentos, compreender o discurso enquanto


extraído da linguagem e compreendê-lo enquanto fato naquele
que pensa” (SCHLEIERMACHER, 2005, p. 95).
Daí a dupla tarefa da Hermenêutica: compreender a
linguagem e compreender o falante. Nos dois casos, está-se
diante de uma infinitude indeterminada, apenas visualizável
por meio de uma aproximação assintótica e uma totalização
heurística. A baliza da completude na interpretação correta,
jamais alcançável, implicaria o conhecimento completo da
linguagem utilizada e do ser humano individual.
Schleiermacher estabeleceu uma fórmula positiva para
exprimir a tarefa completa da arte da Hermenêutica nos
seguintes termos:
A arte somente pode desenvolver suas regras a partir de uma
fórmula positiva, e esta é um reconstruir histórico e divinatório
(profético), objetivo e subjetivo de determinado discurso (2005,
p. 114).

Nessa fórmula, “subjetivo” corresponde à interpretação


psicológica, que compreende a manifestação discursiva como
um ato do pensamento do autor; já “objetivo” corresponde à
interpretação gramatical, que entende o discurso como um
fato linguístico. E essas duas interpretações, por seu turno,
são construídas por meio de dois procedimentos metódicos
complementares, histórica e divinatoriamente: “divinatório”
significa a tentativa de transformar-se no outro, procurando
compreender diretamente o singular (SCHLEIERMACHER, 2005).
Contudo, esse apreender o outro de modo imediato jamais
pode ser o fundamento da Hermenêutica, como mostrarão as
teses básicas de Dilthey e Gadamer. Já para Schleiermacher, o
divinatório somente poderia ser assegurado em sua certeza por

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meio da comparação histórica, pois o divinatório “apenas obtém


sua certeza mediante a comparação confirmadora, posto que
sem esta ele sempre poderá ser fantasioso” (SCHLEIERMACHER,
2005, p. 203).
Com isso, está dado o elemento central do pensamento
hermenêutico de Schleiermacher: o princípio da efetividade
da história em relação ao pensamento e a racionalidade. Pela
primeira vez na história do pensamento ocidental, a própria
racionalidade será pensada a partir das condições temporais, isto
é, sem referência ao eterno e ao imutável. Schleiermacher, não
obstante sua filiação teórica à filosofia transcendental kantiana,
ao radicalizá-la em busca das condições de possibilidades da
compreensão, mostrará que essas condições são a história
efetiva dos atos individuais e coletivos que formam tradições de
linguagem e pensamento. Isso significa uma “transcendentalização
do histórico” e também uma “historicização do transcendental”
e da razão (SCHNÄDELBACH, 1991, p. 143, tradução nossa).
O enraizamento do pensamento e da compreensão na
história manifesta uma outra pretensão, qual seja, a de retroceder
o momento de constituição do sentido e da inteligibilidade ao
âmbito da práxis, dos atos e feitos humanos, configurando uma
afirmação radical do carácter prático da razão humana. Não se
trata apenas de dizer que a racionalidade tem um aspecto prático,
mas antes que a prática é constitutiva da razão, que os fatores
práticos e históricos constituem a base por sobre a qual a própria
razão se constrói. Isso permite ver toda formação discursiva e
toda armação conceitual como expressão de uma tomada de
posição prática epocal que inclui tanto uma determinada atitude
manipulatória para com o entorno físico como uma determinada
atitude ético-política relativa à organização e condução da vida
em comum.

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Além disso, é evidente a linguisticização e a historicização da


compreensão enquanto estruturas constitutivas do pensamento
humano, o que acarreta aquilo que pode ser considerado
o princípio dos princípios da Hermenêutica e que pode ser
formulado com as palavras do próprio Schleiermacher, as quais
foram postas por Gadamer como abertura da terceira parte de
Verdade e Método: “tudo o que pode ser um problema para a
hermenêutica é parte de uma frase”, e isso porque, por um lado,
“o que se pressupõe e o que se encontra em hermenêutica é
apenas linguagem” (SCHLEIERMACHER, 2000, p. 56) e, por outro,
também “o resultado da operação hermenêutica é novamente
linguagem” (SCHLEIERMACHER, 2000, p. 55).
Desse modo, a Hermenêutica recebe uma delimitação
ao linguístico que ainda hoje é aceita como frutífera. O caráter
histórico, contudo, provém de um fato bruto, a saber, que a
linguagem (na qual os pensamentos podem ser pensados), para
cada um de nós, é sempre uma língua viva e histórica particular,
pois “não há uma linguagem universal” (SCHLEIERMACHER,
1977, p. 368, tradução nossa). Língua esta que impõe, para cada
falante e ouvinte, a estrutura do antes e do depois, visto que
a língua sempre nos precede, sendo dom e herança dos que
vieram antes, e também nos sucede, já que outros a usarão e
dirão coisas novas nela e com ela.

O legado de Schleiermacher––––––––––––––––––––––––––
Vejamos, a seguir, algumas reflexões de grandes pensadores sobre o legado
de Schleiermacher para a Filosofia e a Hermenêutica:
“[A filosofia representa agora] a consciência que tem o investigador da
conexão das razões fundamentais, dos métodos e dos pressupostos do
conhecimento. E ali onde antes tínhamos a Metafísica, desde Schleiermacher
nos defrontamos com o problema das condições que, como pressupostos

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de um proceder racional, se encontram na base da ação dos humanos e da


sociedade” (DILTHEY, 1992, p. 221-222, tradução nossa).

“[...] pode-se dizer referente a Schleiermacher, que, no domínio das ciências


da compreensão, a reflexão metódica obteve um alcance perfeitamente
comparável ao ‘giro copernicano’ de Kant no domínio das ciências analíticas
(o projeto de Dilthey duma Crítica da razão histórica já o anuncia no título.) Em
certo sentido a pretensão até vai mais longe: enquanto Kant ainda chegava ao
estabelecimento de princípios, isto é, princípios da razão de validade atemporal,
Schleiermacher submete a um questionamento metódico da compreensão
todo o universo daquilo que englobava o conceito amplo da cogitatio de
Descartes. Não somente a consciência da metafísica será delimitada pelas
exigências do conhecimento (no sentido kantiano): as próprias condições
desse conhecimento, pretensamente a priori, são remetidas à história, donde
derivam os critérios a partir dos quais se decide sobre a existência ou não
de conhecimentos válidos. À reflexão transcendental de Schleiermacher
aplica, portanto, em primeiro lugar, em grande escala, a visão da consciência
histórica – e aqui não se pode dissociar o trabalho preliminar de Herder –
ao empreendimento da crítica da razão, questionando o conceito dogmático
de razão, também não abandonado por Kant, que – por assim dizer, sem a
intermediação duma testemunha – se justifica a si mesma e se afirma como
verdade” (FRANK, 1977, p. 17, tradução nossa).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

Regras de interpretação
Schleiermacher buscou, nos seus cursos, desenvolver
uma Hermenêutica completa, com regras explícitas tanto
para a interpretação gramatical como para a psicológica, bem
como para a crítica, isto é, para a avaliação da interpretação. A
interpretação gramatical é concebida como a arte de encontrar
o sentido preciso de um discurso a partir da e com a linguagem.
A sua primeira regra é assim formulada:
Tudo que, num determinado discurso, ainda necessita de uma
definição mais acurada somente pode ser definido a partir
do âmbito da linguagem comum ao autor e ao seu público
originário (SCHLEIERMACHER, 2005, p. 123).

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A segunda regra, por sua vez, está assim formulada: “O


sentido de cada termo em determinada passagem precisa
ser definido segundo sua composição com os que o rodeiam”
(SCHLEIERMACHER, 2005, p. 140).
Essas regras valem tanto para os elementos materiais
como para os formais de um discurso ou texto. A primeira indica
que um discurso ou texto tem uma relação de dependência com
a linguagem original em que foi proferido ou escrito, e esta não
é substituível por outra. Os pensamentos e os conhecimentos
nele veiculados estão formulados nessa linguagem original, e a
sua compreensão implica a compreensão dessa linguagem nos
seus próprios termos e articulações, os quais estão enraizados
no contexto cultural e histórico da época.
A segunda regra também impõe uma restrição à linguagem
ainda mais forte, pois implica que a compreensão do sentido e do
significado de um termo ou palavra depende de seu emprego e
agenciamento no contexto de uma frase, sendo a gramática dela
a da linguagem original. Seja uma palavra com função semântica,
como um substantivo, ou com função sintática ou lógica, como
uma preposição, a delimitação do seu sentido preciso será
feita pelo contexto imediato e depois por passagens paralelas
semelhantes.
Essas regras têm algumas implicações importantes, que
apontam para a concepção de linguagem de Schleiermacher.
A saber, que tanto os elementos formais quanto os materiais
são vagos fora do contexto de uso; e que é possível eliminar
essa indefinição pelo contexto interno do texto, ou externo.
Com efeito, à Hermenêutica é atribuída uma dupla tarefa:
determinar o significado a partir do emprego dado; e encontrar
o emprego desconhecido a partir do significado.

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Assim, as duas regras se referem a dois problemas distintos.


A primeira diz respeito ao significado de uma palavra dentro do
contexto da língua compartilhada por uma comunidade num
dado momento histórico. A segunda se refere ao sentido de
uma palavra dentro do contexto da frase de um discurso de um
indivíduo dessa comunidade. Isso indica que Schleiermacher
distingue dois enfoques da linguagem: enquanto sistema virtual
de enunciação genérico e enquanto uso particular efetivo.
A Hermenêutica, como metodologia de pesquisa, e
também como teoria de fundamentação das Ciências Humanas,
tanto pressupõe uma concepção naturalizada dos eventos
históricos (humanos, culturais, espirituais, éticos), no sentido de
que os remete tão somente a fatos mundanos, quanto implica
uma separação entre o domínio das legalidades naturais e o
das normatividades socioculturais. A tradição hermenêutica,
de Schleiermacher a Gadamer e Ricoeur, sugere que esse
domínio é o império do sentido e apenas por meio de métodos
interpretativos e qualitativo-valorativos ele se deixa conhecer e
explicitar.
No caso do mundo histórico (cultural, simbólico, normativo,
institucional), de saída estamos embaraçados na trama de
uma pluralidade de âmbitos de sentido e de normatividade
ineliminável. A partir de um outro mundo de sentido, os
sentidos, significados e objetos seguidamente são sem sentido
e até inexistentes. Todavia, para o hermeneuta, essa condição
reflexiva e indexical, embora inalienável, não é um impedimento
para o conhecimento e a compreensão, mas antes um convite à
convivência, à intimidade, à abertura e ampliação dos próprios
horizontes de sentido.

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Agora, o inteiro domínio do que chamamos cultural e


histórico, ao qual se aplicam os conceitos de sentido, significado,
norma, regra e valor, embora seja passível de objetivação e
descrição em termos de objetos e padrões, tem sua fundação
nos atos de agentes em interação com um ambiente e outros
agentes. Normas e regras são ditas “leis” apenas por similaridade,
mas elas têm vigência apenas se o agente pauta sua conduta e
agência em conformidade com elas, justamente enquanto ele
mesmo também pode não se pautar por elas.
Esse fato foi capturado por Schleiermacher e está na base
de sua metodologia hermenêutica, compactada nas teses de que
não há uma regra única para fazer a passagem do sentido ao
significado, da interpretação ao conteúdo, da negociação ao
preço. Isso foi expresso com a tese de que “não há regra para a
aplicação de regras”, de tal modo que:
cada compreensão singular pode talvez ser apreendida graças
a regras, e o que pode ser apreendido assim é um mecanismo.
A arte é isso para o qual há regras, mas cuja aplicação
combinatória não está por seu turno submetida a regras
(SCHLEIERMACHER, 1977, p. 229, grifo nosso).

Dito em outras palavras, embora o âmbito de atuação


dos agentes falantes seja vincado por regras e seja um espaço
normativo, “com as regras não está dada também a aplicação,
isto é, [esta] não pode ser mecanizada” (SCHLEIERMACHER,
2000, p. 99).
Por isso, a fórmula positiva e as duas regras da interpretação
gramatical explicitam o princípio geral do círculo hermenêutico:
as partes e os elementos são compreendidos sempre em relação
uns com os outros e em relação ao todo. A novidade teórica
introduzida por Schleiermacher está no fato de que ele concebe
o todo como uma projeção heurística, pois, tanto em relação ao

68 © HERMENÊUTICA
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

contexto histórico e à vida do autor, quanto em relação à língua,


o todo permanece indefinido e impossível de ser apreendido em
sua totalidade, permanecendo sempre como uma antecipação
regulativa no horizonte da compreensão, com a qual nos guiamos
na interpretação, mas que jamais alcançamos propriamente.
Essa condição é a marca das realidades históricas, mas
também o sinal claro de que, no esforço de compreensão, há
que se preservar um resto de estranheza e alteridade, pois
sempre resta “[...] para cada um o estranho (Fremdes) nos
pensamentos (Gedanken) e expressões (Ausdrücken) do outro”
(SCHLEIERMACHER, 2000, p. 33).

2.3. A CONDIÇÃO HISTÓRICA DA LINGUAGEM

Ao lado de Schleiermacher, os trabalhos e teorias do


linguista Wilhelm Humboldt (1767-1835) são reconhecidamente
um dos pilares da concepção hermenêutica da linguagem
e do pensamento. Seus pontos de partida são a Linguística
comparada e a tese de que cada língua é, em si mesma, completa
e única, no sentido de que em cada língua “pode-se expressar
qualquer série de ideias” (HUMBOLDT, 2006, p. 55), como uma
consequência da maleabilidade dos conceitos e signos.
Além disso, em consonância com Schleiermacher,
Humboldt recusa de saída qualquer apelo a uma linguagem
universal, pela qual seria possível superar a particularidade e
a diversidade das línguas, ao mesmo tempo em que reafirma a
condição de dependência dos atos de pensamento em relação
à linguagem, “mas também, até certo grau, de cada língua
particular determinada” (HUMBOLDT, 2006, p. 67).

© HERMENÊUTICA 69
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

Humboldt concebe a língua como estreitamente associada


à formação cultural e histórica de um povo. Com efeito, as
línguas são sempre de um coletivo, nunca “um livre produto
(Erzeugniss) do ser humano individual, mas pertence sempre
a toda a nação, e também nesta, as gerações mais recentes
recebem a língua lá das gerações anteriores” (HUMBOLDT,
2006, p. 72-73).
Por não pertencerem à esfera individual e subjetiva,
as línguas tornam-se “o grande ponto de transição entre a
subjetividade e a objetividade, entre a subjetividade sempre
limitada e a existência que tudo abarca simultaneamente em
si” (HUMBOLDT, 2006, p. 73). Todavia, as línguas são concebidas
como uma realidade semovente e sempre em transformação,
por terem uma existência histórica:
entre as gerações humanas que se sucedem eternamente umas
às outras e o mundo dos objetos representados encontra-se um
número infinito de palavras que – mesmo se originariamente
produzidas de acordo com as leis da liberdade, sendo ainda
sempre utilizadas desta maneira – devem ser vistas, tanto
quanto os seres humanos e os objetos, como seres autônomos,
explicáveis apenas historicamente, surgidos pouco a pouco
através da força unificada da natureza, dos seres humanos e
dos acontecimentos (HUMBOLDT, 2006, p. 75).

Embora as línguas sejam um produto comunitário e


histórico, uma vez que as novas gerações já nascem e são
formadas no âmbito de atuação de uma língua, os seus
pensamentos e conhecimentos não são indiferentes à expressão
e também os seus conceitos não são independentes da língua
(HUMBOLDT, 2006, p. 77). Contudo, embora o ser humano
individual esteja condicionado pela língua, ele “atua (wirken)
sobre ela”, modificando-a. Por isso, não se deve ver a língua
como um produto morto (Erzeugnis), mas como uma ação de

70 © HERMENÊUTICA
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

produzir (Erzeugung) (HUMBOLDT, 2006, p. 95), como trabalho


e atividade.
Com efeito, Humboldt concebe as línguas como realidades
vivas, cuja raiz está nos “atos de fala individuais que são a
sua efetiva produção” (Acte ihres wirklich Hervorbringens)
(HUMBOLDT, 2006, p. 101). A língua não é uma entidade ideal;
ela tem existência apenas na exata medida em que é uma
atividade atual:
A língua é algo que se encontra constante e ininterruptamente
em transição. [...] A língua em si não é uma obra acabada
(Ergon), mas sim uma atividade (Thätigkeit, Energeia). [...] A
língua consiste no esforço permanentemente reiterado do
espírito de capacitar o som articulado para a expressão do
pensamento. [...] essa é a definição de cada ato individual
da fala; mas, em seu sentido profundo e verdadeiro, pode-se
igualmente entender a totalidade desses atos de fala como a
língua em si (HUMBOLDT, 2006, p. 100-101).

A atividade e os atos reais de fala perfazem a língua.


Para a história da Hermenêutica, tornou-se muito relevante e
produtivo, a partir de M. Heidegger e Gadamer, a concepção
performativa da língua proposta por Humboldt, no sentido de
que ele concebeu a língua como o meio pelo qual o homem
configura (bild) a si e o mundo, ou melhor, por meio do qual
se torna consciente de si mesmo, pelo “ato de externar um
mundo à parte, de dentro de si” (HUMBOLDT, 2006, p. 183), ao
mesmo tempo que afirmava que a “língua foi construída por nós
mesmos” (HUMBOLDT, 2006, p. 185).
Enquanto construção humana comunitária, a língua
aparece para o indivíduo como uma realidade alheia e objetiva,
que tanto o limita quanto o libera, no sentido de uma herança
e um dom com o qual ele “fica enriquecido, fortalecido e

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UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

estimulado pelo que nela depositaram todas as gerações


anteriores.” (HUMBOLDT, 2006, p. 79). Essa herança e esse dom
enriquecedores são o próprio trabalho do espírito das gerações
passadas:
O que passou já não é mais, o que está atuando neste
momento é só a força intensificada por todo exercício anterior
e direcionada para esta atividade no momento atual. Mas
como a língua foi construída por nós mesmos, a duras penas,
e apenas aos poucos, e apenas para e por nosso ato de pensar
[...], da mesma maneira a língua nos retorna incessantemente o
trabalho de nosso espírito (HUMBOLDT, 2006, p. 185).

2.4. A COMPREENSÃO HISTÓRICA

O historiador Johann Droysen (1808-1884), ao lado de


Schleiermacher e Humboldt, forma a base das fundações
da Hermenêutica atual. A sua contribuição refere-se aos
fundamentos da ciência da História, sendo a obra Historik
(1977), de 1857, uma pequena amostra, a qual será decisiva para
as pretensões e formulações de Dilthey de uma metodologia
geral para as Ciências Humanas. Segundo Gadamer, o significado
filosófico da historiografia de Droysen consiste em fornecer um
modelo explicativo que liberou a ciência da História de uma certa
indeterminação, ao formular o problema em termos do conceito
de expressão, aderindo à tese hermenêutica e linguística de
que “compreender é compreender uma expressão” (GADAMER,
2005, p. 288).
Droysen retoma o princípio do círculo hermenêutico
e o aplica à realidade histórica: “Apenas a partir das partes
compreende-se o todo, e apenas a partir do todo compreendem-
se as partes” (DROYSEN, 1977, p. 31, tradução nossa). Desse

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UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

modo, ele garantirá uma certa objetividade ao conhecimento


histórico, o qual, sob o conceito de expressão, é subsumido ao
âmbito do sentido.
As ações históricas serão apreendidas como derivadas
dos atos individuais, mas o efetivo histórico não é inteiramente
explicável pela vontade e a concepção dos agentes históricos:
Nem o agente querente se esgota nessa conjuntura, nem o que
veio a ser chegou a isso somente pela força de sua vontade e
por sua inteligência; não é uma expressão pura nem completa
dessa personalidade (DROYSEN, 1977, p. 433, tradução nossa).

Por isso, uma interpretação psicológica e individualizante


não consegue apreender o sentido dos eventos históricos. A
compreensão metódica advém da inserção dos indivíduos e seus
atos em totalidades e objetividades que perfazem a situação
histórica ampla de uma época.
Com efeito, Droysen vai utilizar o conceito de exteriorização
como ponte entre os indivíduos e também como a porta de
entrada para a compreensão histórica: “a possibilidade da
compreensão reside no modo das exteriorizações, congenial
conosco, e que se apresenta como material histórico”
(DROYSEN, 1977, p. 423, tradução nossa), material este que
de saída seria compreensível por ter os rastros do espírito
que o realizou: “Em relação aos homens e às exteriorizações e
configurações humanas, encontramo-nos e sentimo-nos numa
homogeneidade e reciprocidade essenciais” (DROYSEN, 1977, p.
423, tradução nossa).
Droysen supõe uma comunidade entre todas as
exteriorizações e expressões dos humanos de todos os tempos,
na exata medida em que supõe que estas são as atualizações e
realizações do espírito enquanto ações da liberdade:

© HERMENÊUTICA 73
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

Aquele que compreende, porque é um eu, uma totalidade em


si, tal qual aquele a quem ele deve compreender, completa sua
totalidade a partir da exteriorização individual, e esta a partir
de sua totalidade (DROYSEN, 1977, p. 423, tradução nossa).

Para a Hermenêutica, é decisiva a formulação, talvez


pela primeira vez, juntamente com Humboldt, de que essas
exteriorizações e expressões – como o são os textos, as doutrinas,
os monumentos, as leis, as crenças e costumes – conformam
um ambiente englobante para as consciências individuais,
configurando uma compreensão prévia de si e do mundo. Com
efeito, Droysen postulou que a “pesquisa histórica pressupõe
a reflexão que o conteúdo de nosso eu é algo mediado e um
resultado histórico” (DROYSEN, 1977, p. 425, tradução nossa).
Note-se, ainda, que essa estrutura englobante e pervasiva
não é apenas limitadora, mas também oferece possibilidades e
liberta, pois coloca e disponibiliza, de modo objetivo, organizado
e cumulativo, o que foi desenvolvido e construído ao longo de
muitas gerações.
Novamente, tal como em Humboldt, emerge a propriedade
da performatividade da realidade histórica. O ser humano é
histórico justamente porque tem ele mesmo de construir-se a
si mesmo por meio de sua atividade: “O homem […] tem ele
mesmo que vir a ser o que ele deve ser” (DROYSEN, 1977, p.
407, tradução nossa). Desse modo, o conhecimento da história
humana é o conhecimento e a compreensão do modo de vir
a ser humano, de se constituir como humano com base nas
pertenças e heranças das gerações passadas. Nas palavras de
Droysen (1977, p. 444, tradução nossa), “a história é o vir a ser
consciente e a consciência da humanidade sobre si mesma”,
pois ela pode vir a saber de si apenas pelo intermédio de suas
próprias ações e expressões. Por conseguinte, “a história é o

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UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

saber da humanidade sobre si mesma, a sua autoconsciência”


(DROYSEN, 1977, p. 444, tradução nossa).
As teses de Droysen podem ser resumidas como o fez
Ortega y Gasset:
O homem [...] não tem uma natureza, mas sim, história. Seu
ser é inumerável e multiforme: em cada tempo, em cada lugar,
é outro. Ver isto, submergir-se neste caleidoscópio do mundo
histórico, descrever figuras incontavelmente, atendendo
precisamente ao que cada um tem de peculiar, de indócil,
arisco, de específico e exclusivo, esta é a tarefa da escola
histórica (ORTEGA Y GASSET, 1964, p. 24, tradução nossa).

Nessa fala está dito que o humano tem um ser marcado


tanto pela historicidade quanto pela diversidade e pluralidade. A
alteridade constitui o fator que caracteriza a própria identidade
humana, e é essa alteridade que solicita e exige ser compreendida.
Diferentemente da natureza, que pode ser compreendida em
termos de leis genéricas e fatos universais, a realidade humana,
naquilo que tem de específica, sua linguisticidade e historicidade,
apenas pode ser conhecida por uma aproximação às existências
particulares e singulares, sempre plurais, na diversidade de
formas de existência e cultura que perfazem a história humana.

2.5. DILTHEY: A UNIVERSALIZAÇÃO DA CONDIÇÃO HISTÓRICA

O ponto de partida da teorização de Dilthey é a busca


pela fundamentação e delimitação das ciências do espírito, ou
Ciências Humanas, no contexto de sua luta pela legitimação
frente às ciências experimentais da natureza.
Nesse projeto, Dilthey aceita a tese historicista fundamental,
em termos ontológicos, de que o “ser humano é um ser histórico”
(DILTHEY, 2010, p. 303), conjugada à implicação epistemológica

© HERMENÊUTICA 75
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

de que “o homem somente conhece a si mesmo na história,


nunca por introspecção” (DILTHEY, 2010, p. 285-6), tese esta que,
nos últimos trabalhos, é tematizada sob a formulação de que a
vida humana é perpassada pela condição histórica naquilo que
é a sua marca característica, a vida espiritual, com o conceito de
caráter de historicidade da ação espiritual.
Na obra de Dilthey, o que era uma tese metodológica nas
ciências da História é universalizado para a totalidade da cultura e
da condição humana, com o objetivo de elaborar uma plataforma
metodológica de investigação para as ciências do espírito
(História, Economia, Linguística, Sociologia, Direito, Psicologia,
Filologia e Filosofia), enquanto componente da universidade
laica e científica do século 19, explicitando a diferença e a
autonomia dessas ciências em relação às ciências experimentais
da natureza (Física, Química, Biologia). Este projeto, por sua vez,
está embasado na elaboração de uma ontologia naturalizada
compatível com o histórico e o simbólico-linguístico, a partir
da tese básica de que o humano “é um ser histórico até as
profundezas não mais sondáveis de si mesmo”.
Na consecução desse projeto, Dilthey retoma as teses
principais de Schleiermacher, Boeckh e Droysen acerca da
compreensão das manifestações e expressões resultantes das
ações humanas individuais e coletivas:
Como a vida espiritual só encontra na linguagem a sua expressão
plena, completa e, por isso, passível de uma apreensão
objetiva, a exegese se consuma na interpretação dos resíduos
da existência humana contidos na escrita. Essa arte é a base
da filologia. E a ciência dessa arte é a hermenêutica (DILTHEY,
2010, p. 200).

A questão levantada por Dilthey supõe que os objetos das


Ciências Humanas seriam constituídos pelas exteriorizações e

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UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

expressões dos indivíduos históricos particulares, enquanto


dotadas de sentido, na sua concretude, e ele questiona, então,
a validação científica em termos de como a compreensão desses
objetos particulares poderia pretender uma validade universal.
Nas suas obras iniciais, Dilthey adota um modelo
psicológico, no sentido de que essa compreensão seria uma
forma de apreensão de algo psíquico, das vivências e cogitações
do agente ou do autor, por meio da interpretação de uma
exteriorização na forma de um sinal ou expressão que pode ser
apreendido pela sensibilidade.
O procedimento estava baseado na suposição de uma
analogia, pela qual apreendemos a experiência do outro e sua
expressão por similaridade com nossas próprias experiências e
suas expressões. Nisso se mostrava o entendimento e a recepção
das teorias hermenêuticas da compreensão de Schleiermacher e
Droysen, enquanto estas supunham uma comunidade empática
entre todos os humanos, o que habilitaria o intérprete ou
historiador a reconstruir a experiência interior que deu origem
à expressão ou à ação.
O método da interpretação psicológica permitia às Ciências
Humanas “unificarem o seu procedimento metodológico”
(RÖMER, 2016, p. 87, tradução nossa) e, concomitantemente,
distinguirem-se em relação às ciências da natureza:
Concebida em termos de percepção e conhecimento, a
humanidade seria para nós um fato físico, só acessível como
tal para o conhecimento das ciências naturais. Na condição
de objeto das ciências humanas, porém, ela não surge senão
na medida em que estados humanos são vivenciados, em que
esses estados ganham expressão em manifestações vitais e
essas expressões são compreendidas (DILTHEY, 2010, p. 28).

© HERMENÊUTICA 77
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

Embora o conceito de vivência esteja vinculado diretamente


ao psiquismo individual, o que implicaria um problema para
a compreensão por outrem, Dilthey contrapõe a esse fato um
procedimento objetivo equivalente, no modelo hermenêutico
de Schleiermacher, à interpretação gramatical, reformulando-o
nos termos da noção hegeliana de espírito objetivo e da noção
de exteriorização proposta por Droysen. Com efeito:
uma vez que aspira a fixar e apreender os seus estados,
uma vez que dirige a atenção para si mesma, tornam-se
evidentes os tênues limites de um método introspectivo
de autoconhecimento: somente as suas ações, as suas
manifestações sobre os outros ensinam o homem sobre si
mesmo; assim, ele passa a conhecer a si mesmo apenas por
meio do desvio do compreender (DILTHEY, 2010, p. 29).

A tese final de Dilthey é que o humano e seus feitos,


enquanto objeto das ciências, emergem sob duas perspectivas
bem marcadas. Primeiro, “o humano encontra-se determinado
pela natureza” (DILTHEY, 2010, p. 23) e é, assim, objeto das ciências
naturais explicativas. A natureza inclui também os processos
psíquicos, os quais se revelam como entrelaçados aos processos
físicos e materiais. O conhecimento da natureza está baseado
na extensão espacial enquanto lugar de todas as regularidades
e uniformidades. O ser humano aprendeu a contar com essas
uniformidades, e assim se apoderou deste mundo físico por
meio do estudo de suas leis e “pela apreensão abstrata dessas
leis segundo as relações de espaço, tempo, massa e movimento”
(DILTHEY, 2010, p. 23). Segundo, o ser humano apreende-se no
âmbito de sentido e de normas, objeto das Ciências Humanas.
Pois, para Dilthey:
Partindo da natureza, porém, o mesmo homem se volta em
seguida retroativamente para a vida, para si próprio. Esse
retorno do homem para o interior da vivência por meio da qual

78 © HERMENÊUTICA
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

a natureza está presente para ele, para o interior da vida na qual


há, exclusivamente significação, valor e finalidade (DILTHEY,
2010, p. 24).

Essas duas perspectivas, o voltar-se para si mesmo e o


voltar-se para a natureza, configuram os dois centros em
torno dos quais o trabalho científico gira e se unifica. Todas as
ciências se caracterizam pela construção de objetos a partir de
“leis de estados de fato” e quanto a isso não há diferença entre
as Ciências Humanas e as naturais. A diferença está no modo
como o objeto é formado e no interesse ou tendência que as
motiva, portanto, no procedimento que constitui esses grupos.
No primeiro caso, “um objeto espiritual surge no compreender
(Verstehen); no segundo, o objeto físico no conhecer (Erkennen)”
(DILTHEY, 2010, p. 27). Desse modo,
As ciências humanas estão fundadas, pois, nessa conexão entre
vida, expressão e compreensão. Somente aqui alcançamos uma
característica clara, por meio da qual a delimitação das ciências
humanas pode ser definitivamente realizada. Uma ciência só
pertence às ciências humanas se o seu objeto nos é acessível
por meio do comportamento que está fundado na conexão
entre vida, expressão e compreensão (DILTHEY, 2010, p. 29).

Essa posição é resumida no mote de Dilthey: “A natureza


nós explicamos, a vida anímica nós compreendemos” (Die
Natur erklären wir, das Seelenleben verstehen wir). A distinção
entre explicar e conhecer os dados e fatos naturais, e interpretar
e compreender os dados e fatos culturais, embora tenha sido
objeto de inúmeras críticas, continua ainda hoje vigente e
associada à ideia de uma abordagem hermenêutica. No entanto,
o próprio Dilthey, em suas exposições, percebia isso mais
como um problema do que como uma solução, pois, para ele,
o problema da fundamentação e da legitimação das Ciências
Humanas, interpretativas e compreensivas, precisava adquirir

© HERMENÊUTICA 79
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

o mesmo grau de evidência e validação que o alcançado pelas


ciências experimentais:
Atualmente, a hermenêutica precisa buscar uma relação com
a tarefa epistemológica geral de apresentar a possibilidade de
um saber sobre a conexão do mundo histórico e de descobrir
os meios para a sua realização. A significação fundamental da
compreensão foi esclarecida; importa determinar agora a partir
das formas lógicas da compreensão e, seguindo em frente, o
grau alcançável de universalidade nela (DILTHEY, 2010, p. 202).

A solução para essa demanda por universalidade objetiva,


característica da ciência, é encontrada por Dilthey na teoria dos
tipos e no conceito de espírito objetivado. O espírito objetivo
constituiria um âmbito objetivo comum com caráter de realidade
para uma determinada comunidade. Não apenas a língua e seus
produtos, mas todas as formações culturais, como leis, edifícios,
técnicas e costumes, estabelecem um meio vital no contexto do
qual as experiências, expressões e ações particulares podem ser
significativas e compreendidas.

Dilthey sobre o espírito objetivo–––––––––––––––––––––––


“Nós precisamos partir hoje da realidade da vida; na vida age a totalidade
do nexo psíquico. Hegel constrói metafisicamente; nós analisamos aquilo que
é dado. E a análise atual da existência humana preenche-nos todos com o
sentimento da fragilidade, do poder dos impulsos sombrios, do sofrimento
com as obscuridades e com as ilusões, da finitude em tudo aquilo que a
vida é, mesmo onde surgem a partir dela os mais elevados produtos da vida
comunitária. Assim, não podemos compreender o espírito objetivo a partir da
razão; mas precisamos retornar ao nexo estrutural das unidades vitais que
continuam existindo nas comunidades. E não podemos alocar o espírito
objetivo em uma construção ideal. Ao contrário, precisamos antes fundamentar
a sua realidade na história. Nós procuramos compreender essa realidade e
apresentá-la em conceitos adequados. Na medida em que o espírito objetivo é
assim destacado da fundamentação unilateral na razão universal que exprime
a essência do espírito do mundo; medida em que ele é destacado também
da construção ideal, um novo conceito de espírito objetivo se torna possível:

80 © HERMENÊUTICA
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

ele abarca língua, hábito, todo tipo de forma de vida e de estilo de vida, tanto
quanto família, sociedade civil, Estado e direito. E, então, entra nesse conceito
também aquilo que, enquanto o espírito absoluto, Hegel distinguiu do espírito
absoluto: arte, religião e filosofia. Precisamente nelas o indivíduo criador se
mostra ao mesmo tempo como representação de um elemento comum; e,
justamente em suas formas poderosas, o espírito se objetiva e é reconhecido.
Mais especificamente, esse espírito objetivo contém em si uma articulação
que parte da humanidade e se estende até tipos de estreitíssima abrangência.
Essa articulação, o princípio da individuação, é efetivo nele. Se, então, com
base no elemento genericamente humano e por sua mediação, o individual é
apreendido na compreensão, surge uma revivência da conexão interior, que
leva do elemento genericamente humano à sua individuação. Esse progresso
é apreendido na reflexão e a psicologia do indivíduo esboça a teoria que
fundamenta a possibilidade da individuação.
Portanto, à base das ciências humanas sistemáticas encontra-se, como
fundamento, de um lado a mesma ligação entre uniformidades e uma
individuação crescente, e de outro, uma ligação entre teorias gerais e
procedimentos comparativos. As verdades gerais, tal como elas podem ser
constatadas nessas teorias e procedimentos em relação à vida ética ou à
poesia, tornam-se, assim, a base para a intelecção das diversidades próprias
ao ideal moral ou à atividade poética.
E nesse espírito objetivo encontram-se presentes os passados, nos quais
as grandes forças totais da história se formaram. Na condição de portador e
representante dos elementos comuns nele entretecidos, o indivíduo desfruta
e apreende a história, na qual esses elementos surgiram. Ele compreende a
história porque ele mesmo é um ser histórico” (DILTHEY, 2010, p. 115-116).
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––
A ciência desses fenômenos que constituem o que é
abarcado pelo conceito de espírito objetivo, contudo, exige
um passo além da descrição psicológica e individual, evitando
permanecer no campo dos fatos particulares e subjetivos. O
conceito de tipo permite a passagem do particular ao universal:
Na realidade, as manifestações vitais são para nós sempre
representações de algo universal; nós inferimos na medida
em que subordinamos essas manifestações a um tipo de
gesto, de ação, de uma esfera de utilização vocabular.
Na conclusão que sai do particular para o particular está

© HERMENÊUTICA 81
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

presente uma referência a algo comum, que é representado


em todos os casos (DILTHEY, 2010, p. 203).

Com esse conceito de tipo, Dilthey concebe a possibilidade


de uma ciência com caráter universal mesmo para o âmbito do
humano que não pode ser explicado em termos de leis genéricas
e da determinação causal. A proposta consiste em fazer derivar,
a partir da análise dos casos particulares, o modo típico como
as conexões e estruturações se perfazem, de tal maneira que
se chegue a uma “formação estrutural” (DILTHEY, 2010, p. 204)
que permitiria a compreensão de outros casos análogos. Os
conceitos de tipo e de conexão estrutural, todavia, não garantem
uma generalidade apodítica:
Nunca se obtém senão uma justificativa para um grau de algum
modo limitado de expectativa no novo caso deduzido – um grau
sobre o qual não pode ser estabelecida nenhuma regra geral
e que só pode ser avaliado a partir das circunstâncias que são
por toda parte diversas. Trata-se da tarefa de uma lógica das
ciências humanas descobrir regras para essa avaliação (DILTHEY,
2010, p. 204).

Na perspectiva de Dilthey, o conhecimento assim obtido


estaria fundado na indução, no exato sentido de que os
resultados obtidos no processo de compreensão dos fatos
humanos particulares não resultam em leis genéricas universais,
mas somente “se deriva desses casos uma estrutura, um sistema
ordenado que reúne os casos como partes em relação a um
todo” (DILTHEY, 2010, p. 204).

A estrutura da compreensão
A Hermenêutica indica um procedimento metódico
para o conhecimento do singular histórico irrepetível, para
o qual não há regras genéricas prévias, e também para o

82 © HERMENÊUTICA
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

conhecimento daquilo que, ao se realizar, se diferencia de modo


individualizante, portanto, daquilo que, embora típico e genérico,
tem sua realização e atualização feitas por meio de concretização
singularizada e individuada.
O conhecimento dos casos concretos, sempre individuais
e únicos, sendo assim, implica a apreensão do caso singular
que não é dedutível do tipo e do genérico. Trata-se, então, de
apreender o fazer-se do sentido em sua materialidade singular.
Embora haja leis e determinações, o vir-a-ser e o existir de uma
dada configuração ou formação, como é o caso da vida de uma
pessoa, seus atos e obras, e também o caso de uma inteira cultura,
suas práticas e obras, ocorre pela atualização por diferenciação
de virtualidades e reiteração de formas e hábitos retidos do
passado não passíveis de computação e generalização.
De fato, há uma incompletude e uma indecidibilidade
a partir tanto dos fatos genéricos, quanto dos particulares,
além de um não fechamento, por mais abrangente que seja a
circunstanciação, que torna impossível qualquer computabilidade
prévia. Apenas post facto – e, ainda assim, de modo sempre
precário – é possível fazer uma reconstrução racional do ocorrido
e do conformado.
Quando nos perguntamos pelo sentido de uma ação ou
obra, essa incomputabilidade e incompletude emerge como um
fator decisivo, seja para o intérprete, seja para o próprio autor.
O sentido implica a incomputabilidade e a incompletude, pois,
para o autor, mesmo a efetivação de um sentido, intencionado
e premeditado, também se dá por um processo de instanciação
que sempre é vário e imprevisível de antemão.
O sentido sempre é multi-instanciável, e toda instância
sempre pode ser apreendida como tendo múltiplos sentidos.

© HERMENÊUTICA 83
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

Se um autor escreve um livro para interpretar o sentido de uma


obra cultural, há uma indeterminação quanto aos modos de
fazer isso: não há como computar essas possibilidades a partir
do exame ou leitura objetiva da obra; e, uma vez escrito o livro,
a sua leitura, como tendo um sentido ou outro, e os significados
que implicará podem ir numa direção imprevista ou então até
mesmo fracassar.
O procedimento de interpretação em Schleiermacher
estava inteiramente orientado para alcançar uma compreensão,
enquanto apreensão de sentido e de significado, a partir da
suposição de que o objeto de interpretação era um produto da
espontaneidade livre individual, constrangido por formações
prévias objetivas, como a gramática de uma língua e os modos e
materiais de construção; por conseguinte, na sua base não havia
uma regra geral ou um conceito presidindo ambos os processos,
o geracional e o interpretativo.
Por isso, o seu método estava ancorado na descrição
acurada de casos individuais e na sua comparação por inserção
em totalidades cada vez mais abrangentes, mas ainda assim
permanecendo, em última instância, embasado na progressão
e projeção por indução e analogia, o que, obviamente, não
garantia generalidade e menos ainda certeza.
Essa condição solicitava então um salto intuitivo
adivinhatório para a apreensão da especificidade dos casos
singulares, e também para a apreensão da regra pela qual ele
seria compreensível. Isso levou Schleiermacher a manter a
Hermenêutica como uma arte de interpretação, e não como uma
ciência. Em termos kantianos, a compreensão hermenêutica
estava assentada em juízos reflexionantes, que partem de uma
dada individualidade singular, não subsumível às regras gerais

84 © HERMENÊUTICA
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

e aos conceitos já disponíveis, e buscam construir uma norma


apropriada para o caso individual.
Em Dilthey, embora esse procedimento seja aceito, realiza-
se a tentativa de objetivar o inteiro procedimento interpretativo
nos termos de uma epistemologia naturalizada e cientificizada.
Os procedimentos descritivos das individualidades, comparativos
e indutivos, estão na base. Contudo, no lugar da analogia e da
intuição adivinhatória, introduzem-se os métodos de análise e
descrição sociológica e psicológica, baseados na construção de
tipos e conexões estruturantes.
Uma vez alcançado o tipo, a partir da comparação e
indução por sobre as individualidades, são introduzidas regras
genéricas que valem para o tipo e suas conexões com outros
tipos. A passagem de volta, do tipo para os casos singulares,
todavia, continuou sendo o problema central, pois ainda
se trata de compreender a individualidade singular na sua
individualidade e na sua singularidade. Esses aspectos acarretam
a impossibilidade de explicações universais, genéricas e causais,
paras os eventos humanos, o que implicava, para Dilthey, o
caráter especificamente hermenêutico das Ciências Humanas:
“A compreensão e a interpretação são o método que preenche
as ciências humanas” (DILTHEY, 2010, p. 184).
Todavia, Dilthey expande a aplicação do método
hermenêutico para além do âmbito dos discursos e dos textos,
introduzindo objetos não linguísticos como passíveis de
interpretação e compreensão, a partir da categoria de sentido
e significado, na busca de integrar, sob uma única visada
metodológica, o inteiro domínio das Ciências Humanas. Na sua
base, está o postulado de que esse âmbito é constituído pelas

© HERMENÊUTICA 85
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

“manifestações da vida” enquanto estas são “expressão de algo


espiritual” (DILTHEY, 2010, p. 185).
Dilthey subdividiu em três classes tais manifestações.
A primeira é formada por conceitos, juízos e construções do
pensamento, que constituem os componentes da ciência
destacados e abstraídos da vivência, e conformados por critérios
de adequação à norma lógica, possuindo, assim, um caráter
fundamental geral e comum. Nesse caso, a compreensão está
dirigida ao conteúdo do pensamento que é sempre igual em
cada conexão, permitindo, assim, uma compreensibilidade “mais
perfeita do que em relação a toda e qualquer outra manifestação
da vida” (DILTHEY, 2010, p. 185).
A segunda classe de manifestações da vida é formada
pelas ações, enquanto estas não são propriamente dirigidas pelo
interesse de comunicação e transmissão de pensamentos. A
sua compreensibilidade permite apenas suposições prováveis e
contextuais. Nesse caso, no processo de compreensão, importa
sobretudo separar a situação da vida psíquica condicionada pelas
circunstâncias, que desencadeia a ação como uma expressão
“da própria conexão vital na qual esta situação está fundada”
(DILTHEY, 2010, p. 186).
Esse aspecto determina um grau menor de
compreensibilidade e um desafio maior para uma ciência das
ações e práticas humanas. As ações destacam-se em relação ao
fundo da conexão vital de uma época. Por isso, “sem explicitar o
modo como as circunstâncias, a finalidade, os meios e a conexão
vital se articulam nela, ela não admite nenhuma determinação
universal do interior do qual surgiu” (DILTHEY, 2010, p. 186).

86 © HERMENÊUTICA
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

A terceira classe de manifestações vitais é formada pelas


expressões de vivências, e Dilthey indica que estas são os objetos
privilegiados da compreensão hermenêutica:
Subsiste aqui uma relação particular entre a expressão, a vida da
qual ela provém e a compreensão que ela provoca. A expressão
pode conter mais da conexão psíquica do que toda e qualquer
introspecção permite reconhecer. Ela a alça das profundezas
que a consciência não ilumina (DILTHEY, 2010, p. 186).

A conexão entre o vivido, o expresso e compreendido não


é imediata, pois, de uma expressão de vivência, “a relação entre
ela e o elemento espiritual nela expresso só pode ser colocada
com muitas reservas à base da compreensão” (DILTHEY, 2010,
p. 186). Dilthey circunscreve assim o domínio do artístico, no
qual repousariam as significações mais elevadas e que seriam
os objetos privilegiados das Ciências Humanas. O ponto está
justamente na saída da esfera do domínio do conhecimento
objetivo e dos domínios práticos e técnicos da ação, e no ingresso
no domínio das verdades que ultrapassam o conhecimento
objetivo:
[…] nas grandes obras, algo espiritual se destaca de seu criador,
do poeta, do artista, do escritor, entramos em uma região na qual
termina a ilusão. […] nenhuma obra de arte verdadeiramente
grande consegue simular um conteúdo alheio ao seu autor e ela
nem quer dizer absolutamente nada sobre o autor. Verdadeira
em si, ela se encontra fixada, visível, duradouramente presente
e, com isso, uma compreensão artística segura da obra torna-se
possível. Assim, nos confins entre saber e ação, emerge uma
esfera na qual a vida se revela em uma profundidade que não
é acessível à observação, à reflexão e à teoria (DILTHEY, 2010,
p. 187).

Nessa passagem, mostram-se de modo claro o lugar central


e a relevância do conceito de vida, como base para as Ciências

© HERMENÊUTICA 87
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

Humanas, e sua função de delimitador das pretensões do


conhecimento científico e técnico na filosofia de Dilthey – a vida
como um ser que se expressa e se interpreta ininterruptamente.
A Hermenêutica então deixa de ser apenas o método ou
a ciência dos produtos do espírito e é concebida como esse
aspecto de autoexpressão e de autointerpretação da própria
vida. A teoria da compreensão de Dilthey permanece vinculada
à ideia de comunhão espiritual entre o que compreende e o que
é compreendido, comunhão esta que implica que haja pontos
em comum entre diferentes indivíduos e épocas, sobretudo na
“forma de pertencimento a um mesmo passado que continua
presente e efetivo” (DILTHEY, 2010, p. 189).
Nosso si próprio recebe desde a primeira infância o seu
alimento desse mundo. O mundo também é o meio, no qual a
compreensão de outras pessoas e de suas manifestações vitais
se realiza. Pois tudo em que o espírito se objetivou contém
em si algo comum ao eu e ao tu. Toda praça arborizada, todo
espaço no qual temos uma organização dos lugares para se
sentar, é compreensível para nós desde pequenos, porque
o estabelecimento humano de finalidades, a organização, a
determinação valorativa como algo comum indica a todos os
lugares e a todos os objetos no quarto a sua posição. A criança
cresce em uma ordem e em um hábito próprios à família, os
quais ela compartilha com os outros membros. As instruções
da mãe são acolhidas por ela em conexão com isso. Antes
que aprenda a falar, ela já imergiu totalmente no meio dos
elementos comuns. E ela só aprende a compreender os gestos
e expressões faciais, os movimentos e chamados, as palavras e
as frases, porque eles vêm ao seu encontro incessantemente
como os mesmos e com a mesma ligação com aquilo que
significam e expressam (DILTHEY, 2010, p. 189).

No estilo de vida, nos hábitos, no sistema jurídico, nas


instituições, na religião, na arte, nas ciências e na língua, essa

88 © HERMENÊUTICA
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

presença efetiva do passado conformaria uma “comunhão


de ideias e de vida espiritual” e o “compartilhamento de um
ideal”, o qual embasaria a possibilidade da compreensão.
Essa compreensão, em última instância, seria uma forma de
reconhecimento.
Como veremos na Unidade 3, em Heidegger, Gadamer e
Ricoeur, o legado dos teóricos hermeneutas do século 19 será
recebido e potencializado, mas deixará de girar em torno do
problema metodológico das Ciências Humanas. A Hermenêutica
será, então, concebida como uma disciplina filosófica do
pensamento e não mais uma arte ou uma ciência com objetos
ou âmbitos particulares próprios. Contudo, o problema
do método não é assim eliminado. Heidegger e Gadamer
submetem a Hermenêutica, a interpretação e a compreensão à
nova fenomenologia desenvolvida por Edmund Husserl (2006),
baseada na intencionalidade transcendental constituidora de
mundo e de sentido.

No Tópico 3.2, estão listadas importantes indicações de


leitura para você entender melhor os principais conceitos e
tendências históricas da formação da Hermenêutica. Neste
momento, você deve realizar essas leituras para aprofundar o
tema abordado.

Vídeo complementar ––––––––––––––––––––––––––––––––


Neste momento, é fundamental que você assista ao vídeo complementar 2.
• Para assistir ao vídeo pela Sala de Aula Virtual, clique na aba Videoaula,
localizado na barra superior. Em seguida, busque pelo nome da disciplina
para abrir a lista de vídeos.
• Caso você adquira o material, por meio da loja virtual, receberá também um
CD contendo os vídeos complementares, os quais fazem parte do material.
––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––––

© HERMENÊUTICA 89
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

3. CONTEÚDO DIGITAL INTEGRADOR


O Conteúdo Digital Integrador é a condição necessária
e indispensável para você compreender integralmente os
conteúdos apresentados nesta unidade.

3.1. CIRCULARIDADE HERMENÊUTICA

Os conceitos hermenêuticos modernos estão em grande


parte condicionados pela aceitação da tese de Ast, de que
conhecer e compreender, sobretudo conhecer e compreender
o sentido de um texto, são operações que não podem eliminar
uma certa circularidade entre as partes e o todo. Para entender o
problema da circularidade hermenêutica, leia os seguintes artigos:
• MANTZAVINOS, C. O círculo hermenêutico: que
problema é este? Tempo Social, v. 26, n. 2, p. 57-69
nov. 2014. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ts/
v26n2/v26n2a04.pdf. Acesso em: 17 ago. 2020.
• SILVA, R. S. O círculo hermenêutico e a distinção entre
Ciências Humanas e Ciências Naturais. Ekstasis: Revista
de Fenomenologia e Hermenêutica, v. 1 n. 2 (2013), p.
54-72, 2013. Disponível em: https://www.e-publicacoes.
uerj.br/index.php/Ekstasis/article/view/4266/3815.
Acesso em: 17 ago. 2020.

3.2. CONCEITOS E HISTÓRIA DA FORMAÇÃO DA HERMENÊU-


TICA

Para compreender melhor os conceitos hermenêuticos e a


história de formação da Hermenêutica moderna, leia os capítulos
das seguintes obras:

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UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

• GADAMER, H.-G. Preliminares históricas. In: ______.


Verdade e Método. Trad. Flávio Paulo Meurer.
Petrópolis: Vozes, 1997. p. 273-399. Disponível em:
https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/2442370/
mod_resource/content/1/VerdadeEM%C3%A9todo.
pdf. Acesso em: 20 ago. 2020.
• PALMER, R. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.
p. 83-128 (capítulos de 6 a 8). Disponível em: https://
docero.com.br/doc/15cs. Acesso em: 20 ago. 2020.
• SCHMIDT, L. K. Hermenêutica. Petrópolis: Vozes, 2014.
p. 25-77 (capítulos 1 e 2). Disponível na Biblioteca
Virtual Pearson.
Você perceberá, nessas leituras, que há um debate sobre o
legado metodológico e os aspectos românticos e irracionalistas
da Hermenêutica do século 19. Nesse debate, há duas posições
claras: a daqueles que defendem o caráter metodológico e
epistemológico, e a daqueles que defendem o caráter existencial
e ontológico da Hermenêutica. Anote e estude as teses dessas
duas posições e procure entender os seus argumentos.
Alguns artigos também podem lhe ajudar nessa tarefa.
Não deixe de conferi-los:
• ARAÚJO, S. M. S. Dilthey e a Hermenêutica da vida.
Cadernos de Educação, n. 28, p. 235-254, jan./jun.
2007. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/
ojs2/index.php/caduc/article/view/1802. Acesso em:
20 ago. 2020.
• BENTIVOGLIO, J. História e Hermenêutica: a compreensão
como um fundamento do método histórico – percursos
em Droysen, Dilthey, Langlois e Seignobos. Opsis, v. 7, n.
9, p. 67-80, jul./dez. 2007. Disponível em: https://www.

© HERMENÊUTICA 91
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

revistas.ufg.br/Opsis/article/view/9329. Acesso em: 20


ago. 2020.
• LESSING, H.-U. Wilhelm Dilthey – o filósofo das Ciências
Humanas. Aoristo, v. 1, n. 3, p. 14-31, 2019. Disponível
em: http://e-revista.unioeste.br/index.php/aoristo/
article/view/21560. Acesso em: 20 ago. 2020.
• PEREIRA, V. M. A Hermenêutica de Schleiermacher e a
questão da individualidade. Argumentos, ano 4, n. 8, p.
242-249, 2012. Disponível em: http://www.periodicos.
ufc.br/argumentos/article/view/19190/29908. Acesso
em: 20 ago. 2020.
• PITTA, M. F. Humboldt e Heidegger sobre linguagem:
expressão do espírito ou morada do ser? Filogenese,
v. 7, n. 1, p. 108-120, 2014. Disponível em: https://
www.marilia.unesp.br/Home/RevistasEletronicas/
FILOGENESE/10_mauriciopitta.pdf. Acesso em: 20 ago.
2020.
• RUEDELL, A. Hermenêutica e linguagem em
Schleiermacher. Revista Natureza Humana, São Paulo,
v. 14, n. 2, 2012. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.
org/pdf/nh/v14n2/a01.pdf. Acesso em: 20 ago. 2020.

4. QUESTÕES AUTOAVALIATIVAS
A autoavaliação pode ser uma ferramenta importante para
você testar o seu desempenho. Se encontrar dificuldades em
responder as questões a seguir, você deverá revisar os conteúdos
estudados para sanar as suas dúvidas.
1) Descreva o procedimento de interpretação de Schleiermacher e explique
os quatro componentes de seu método.

92 © HERMENÊUTICA
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

2) Explique a relação entre consciência e história em Droysen.

3) Explique a relação entre linguagem e concepção de mundo em Humboldt.

4) Em Dilthey, o sentido e o significado de algo emergem de uma correlação


estrutural de elementos interdependentes. Que correlação é essa e quais
são os seus elementos?

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Nesta unidade, foram apresentados resumidamente
as teorias e os conceitos modernos que estão na base da
Hermenêutica enquanto técnica de interpretação e teoria
e metodologia da compreensão. As teorias hermenêuticas
de Schleiermacher e Dilthey, e também de Droysen sobre a
compreensão histórica e de Humboldt sobre a linguagem,
constituíram o marco teórico que tornou a Hermenêutica uma
disciplina fundamental para a discussão dos fundamentos das
Ciências Humanas e da própria Filosofia.
Nesta unidade, contudo, apenas delineamos o esboço da
formação moderna da Hermenêutica, deixando de lado muitos
autores e teorias relevantes. Por isso, é necessário complementar
os estudos com as leituras indicadas nas Orientações para o
estudo da unidade e no Conteúdo Digital Integrador. A próxima
unidade apresentará os fundamentos teóricos da Hermenêutica
filosófica, os quais conformam, ainda hoje, o modo como
pensamos esses assuntos e problemas.

© HERMENÊUTICA 93
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

6. E-REFERÊNCIAS

Sites consultados
ARAÚJO, S. M. S. Dilthey e a Hermenêutica da vida. Cadernos de Educação, n. 28, p.
235-254, jan./jun. 2007. Disponível em: https://periodicos.ufpel.edu.br/ojs2/index.
php/caduc/article/view/1802. Acesso em: 20 ago. 2020.
BENTIVOGLIO, J. História e Hermenêutica: a compreensão como um fundamento do
método histórico – percursos em Droysen, Dilthey, Langlois e Seignobos. Opsis, v. 7, n.
9, p. 67-80, jul./dez. 2007. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/Opsis/article/
view/9329. Acesso em: 20 ago. 2020.
LESSING, H.-U. Wilhelm Dilthey – o filósofo das Ciências Humanas. Aoristo, v. 1, n. 3,
p. 14-31, 2019. Disponível em: http://e-revista.unioeste.br/index.php/aoristo/article/
view/21560. Acesso em: 20 ago. 2020.
PEREIRA, V. M. A Hermenêutica de Schleiermacher e a questão da individualidade.
Argumentos, ano 4, n. 8, p. 242-249, 2012. Disponível em: http://www.periodicos.ufc.
br/argumentos/article/view/19190/29908. Acesso em: 20 ago. 2020.
PITTA, M. F. Humboldt e Heidegger sobre linguagem: expressão do espírito ou morada
do ser? Filogenese, v. 7, n. 1, p. 108-120, 2014. Disponível em: https://www.marilia.
unesp.br/Home/RevistasEletronicas/FILOGENESE/10_mauriciopitta.pdf. Acesso em:
20 ago. 2020.
RUEDELL, A. Hermenêutica e linguagem em Schleiermacher. Revista Natureza Humana,
São Paulo, v. 14, n. 2, 2012. Disponível em: http://pepsic.bvsalud.org/pdf/nh/v14n2/
a01.pdf. Acesso em: 20 ago. 2020.

7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
AST, F. Grundlinien der Grammatik, Hermeneutik und Kritik. Landshut: Thomann, 1808.
BOECKH, A. Encyklopädie und Methodologie der philologischen Wissenschaften.
Leipzig: Teubner, 1877.
CHLADENIUS, J. M. Allgemeine Geschichtswissenchaft. Leipzig: Friedrich Landisches
Erben, 1752.
CHLADENIUS, J. M. Einleitung zur richtiger Auslegung vernunftiger Reden und Schriften.
Leipzig: Friedrich Landisches Erben, 1742.

94 © HERMENÊUTICA
UNIDADE 2 – FUNDAMENTOS TEÓRICOS DA HERMENÊUTICA

DANNHAUER, J. C. Hermeneutica sacra sive methodus exponendarum sacrarum


litterarum. Strasbourg: J. Städel, 1654.
DILTHEY, W. A construção do mundo histórico nas Ciências Humanas. Trad. Marco
Casanova. São Paulo: Editora da UNESP, 2010.
DILTHEY, W. Der Aufbau der geschichtlichen Welt in den Geisteswissenschaften.
Stuttgart-Göttingen: B. G. Teubner, Vandenhoeck & Ruprecht, 1992. (Gesammelte
Schriften, v. 7).
DILTHEY, W. Historia de la Filosofia. Trad. E. Ímaz. Cidade do México: FCE, 1992.
DILTHEY, W. Leben Schleiermachers. Zweiter Band: Schleiermachers System als
Philosophie und Theologie. Berlin: Walter de Gruyter, 1966.
DILTHEY, W. Origens da Hermenêutica/Plano de continuação da obra. Estruturação do
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DROYSEN, J. G. Historik. Textausg. P. Leyh. Stuttgart-Bad Cannstatt: Frommann-
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FLACIUS, M. Clavis Scripturae Sacrae seu de Sermone Sacrarum literarum. Basileia,
1567.
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GADAMER, H.-G. Verdade e Método II: complementos e índice. Trad. E. P. Ciachi e M.
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PALMER, R. E. Hermenêutica. Lisboa: Edições 70, 1986.
RAMBACH, J. J. Institutiones hermeneuticae sacraee: variis observationibus
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