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INTRODUÇÃO:
O patrono fundador da fenomenologia Edmund Husserl (1859-1938) parece haver
afirmado de certa feita que “A fenomenologia somos eu e Heidegger”. Mas qual a
extensão de uma frase tão contundente como esta, se tomarmos por fenomenologia o
método, ou a disciplina que espera atingir, como também afirma Husserl, uma “volta
*
Doutorando em Filosofia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Bolsita CAPES.
E-mail: <adrianomergulhao@yahoo.com.br>.
1
A análise ontológica do Dasein – ou seja, nossa própria análise de nós mesmo em nossa existência
fática.
2
Por Logos concebemos neste trabalho a definição clássica transcrita a seguir, de autoria de
CHAUI,M.
Lógos: Esta palavra sintetiza vários significados que, em português, estão separados, mas unidos em grego.
Vem do verbo lego (no infinitivo: légein) que significa: 1) reunir, colher, contar, enumerar, calcular; 2) narrar,
pronunciar, proferir, falar, dizer, declarar, anunciar, nomear claramente, discutir; 3) pensar, refletir; ordenar; 4)
querer dizer, significar, falar como orador, contar, escolher; 5) ler em voz alta, recitar, fazer
dizer. Lógos é: palavra, o que se diz, sentença, máxima, exemplo, conversa, assunto da discussão; pensar,
inteligência, razão, faculdade de raciocinar; fundamento, causa, princípio, motivo, razão de alguma coisa;
argumento, exercício da razão, juízo ou julgamento, bom senso, explicação, narrativa, estudos; valor atribuído
a alguma coisa, razão íntima de uma coisa, justificação, analogia. Lógos reúne numa só palavra quatro
sentidos: linguagem, pensamento ou razão, norma, ou regra, ser ou realidade íntima de alguma coisa. No
plural, lógoi, significa: os argumentos, os discursos, os pensamentos, as significações: -logía, que é usado
como segundo elemento de vários compostos, indica: conhecimento de, explicação racional de, estudo de.
Diálogo, dialética, lógica são palavras da mesma família de lógos. O Lógos dá a razão, o sentido, o valor, a
causa, o fundamento de alguma coisa, o ser da coisa. É também a razão conhecendo as coisas, pensando os
seres, a linguagem que diz ou profere as coisas, dizendo o sentido ou o significado delas. O verbo lego conduz
à idéia de linguagem porque significa reunir e contar: falar éreunir sons; ler e escrever é reunir e contar letras;
conduz à idéia de pensamento e razão porque pensar é reunir idéias e raciocinar é contar ou calcular sobre
as coisas. Esta unidade de sentidos é o que leva os historiadores da filosofia a considerar que, na
filosofia grega, dizer, pensar e ser são a mesma coisa.
3
A dedicatória: “A Edmund Husserl em testemunho de admiração e amizade” de 8/4/1926 , foi
suprimida no ano 1941, Heidegger comenta o fato em sua entrevista a Der Spiegel em 1966: “Em ordem
a desmentir certas informações incorretas e amplamente difundidas, faço notar expressamente que a
dedicatória de Ser e Tempo – recordada na pag. 92 do diálogo - também figurava na 4ª edição da obra,
em 1935. Quando, em 1941, o editor viu dificultada a 5ª edição, tendo chegado a temer que o livro fosse
proibido, chegou-se finalmente a um acordo, a conselho e por desejo de Niemeyer, de suprimir a
dedicatória nesta edição, embora com a condição expressa pela minha parte que se mantivesse a nota
da pag. 38, na qual se justifica aquela dedicatória e cujo conteúdo e o seguinte: “Se a presente
investigação avança alguns passos no sentido da exploração das coisas mesmas, o autor agradece-o, em
primeiro lugar, a Edmundo Husserl que, com a sua penetrante orientação pessoal e a maior das
confianças, familiarizou o autor, durante os seus anos de formação em Friburgo, com investigações suas,
inéditas, em diferentes campos da análise fenomenológica.”(HEIDEGGER 1996 p.60, nossa tradução)
4
DASEIN – reproduzimos parcialmente aqui a nota de “Ética e Finitude”(LOPARIC 2004 p.20), para
clarificar o que compreendemos pelo termo Dasein: “Esta leitura tão habitual do termo “Dasein” (que
deixo sem itálicos considerando-o como expressão incorporada ao português) apóia-se na afirmação de
Ser e Tempo de que o ser que esta em jogo para o ser humano é ser o seu aí “(sein ´Da´ zu sein)”. Esta
escolha pode ser reforçada por muitas outras referências(...): “Segundo a tradição a palavra ´Dasein´
significa ser presente, existência. É neste sentido que se fala por exemplo da prova de existência de Deus.
Mas, em Ser e Tempo, o ´Dasein´ é compreendido de maneira diferente. (...) O termo ´o aí´(das Das) não
é usado em Ser e Tempo como uma indicação de lugar para um ente, visto que pretende nomear a
abertura na qual os entes podem estar presentes para o homem, inclusive ele mesmo para si mesmo. Ser
o aí (das Da zu sein) distingue o ser-homem.”
Heidegger sempre fez questão de reconhecer sua divida com Husserl, embora
sempre demarcasse seu ponto de vista a partir da “diferença ontológica”, a qual,
nunca poderia admitir um “eu transcendental” em sua conformação. Esta sua postura
se aproxima a nosso ver, de um saudável e profícuo diálogo com o mestre, ele próprio
explicita claramente em seu texto de 1963, “Meu Caminho para a fenomenologia” que
diz;
Das investigações Lógicas de Husserl esperava claramente um estimulo
decisivo com relação às questões suscitadas pela dissertação de Brentano
(...). Contudo, a obra de Husserl marcara-me de tal modo que anos
subseqüentes sempre a li, sem compreender suficientemente o que me
fascinava (HEIDEGGER 1973, p.495).
5
Ser: verbo derivado do latim esse e do grego eimi (ou do particípio ente, correspondente ao ens latino e
ao tó òn grego)
6
Ente: a palavra ente faz referência ao particípio presente do verbo ser, designando assim tudo aquilo
que é. São entes, todas as coisas que encontramos no mundo, (inclusive nós mesmos [seres humanos
singulares] somos também entes). Já o Ser se diferencia do ente por sua unidade/totalidade, embora
não possa ser expresso em sua inteireza pelo Logos.
Para que fosse possível abalar estas estruturas conceituais tão cristalizadas pela
tradição idealista eram necessários novos rumos (e um novo vocabulário) para
encaminhar o pensamento em direção aos fundamentos do Ser, o qual, desde a
antiguidade fora esquecido em meio aos entes. O ser do ente, para ser atingido em seu
cerne, deveria prescindir dos transcendentais abstratos em nome de uma
transcendentalidade passível de ser obtida em meio a abertura (Erschlossenheit) para
o Mundo proposta pela nova fenomenologia heideggeriana. Este salto mortal era
incontornável, mas para ser dado, antes se via necessário um cauteloso recuo para
que o impulso necessário a sua consumação, fosse realizado em meio a uma
reinterpretação fenomenológica da tradição filosófica. Esta reinterpretação dos
clássicos da metafísica ocidental seria ministrada com uma “violência hermenêutica”
sobre os textos, para retirar deles algo de original, algo de novo para a abertura de
novas trilhas do pensamento.
Dentro deste seu projeto de uma analítica existencial, também começou a se
fundamentar uma analítica da linguagem (isto em paralelo a viravolta-Kehre7, do II
Heidegger e seu retorno ao fundamento da metafísica) que se baseava numa nova
terminologia que servisse de apoio a sua ontologia hermenêutica. Podemos distinguir
neste projeto, uma nítida separação de método entre seu intento e as correntes de
pensamento do mesmo período que estavam se consolidando, para sermos mais
exatos, as diferentes antropologias filosóficas8 com seu apelo a uma volta ao homem,
o movimento neokantiano9 com sua ordem do dia de uma “Volta a Kant” (Zurück Zu
7
Viravolta (Kehre) – “Antes da viravolta,a interrogação de Heidegger interroga pela analítica
existencial, pelo horizonte transcendental em que se desvela o ser na multiplicidade de seus sentidos.
Mas a determinação do tempo como pertencente ao ser já prepara a viravolta.(...)A viravolta somente
podia ser exercida na interrogação pelo esquecimento do ser na história da metafísica ocidental” (STEIN
2002 p.85)
8
Max Scheler, Plessner, Gehlen
9
Cassirer, Natorp, Cohem, Rickert
“Ex Nihilo Nihil Fit” (Do nada, nada vem).Tal é a sentença secular da filosofia antiga.
Ela surge como um questionamento de um princípio consolidado por outra tradição,
que não aquela em que Heidegger se insere. Talvez, o nada possa gerar como será aqui
discutido a nadificação, mas o que se pode compreender desta sentença? Veremos
que só ao atingirmos a essência do nada é que poderemos efetivamente conhecer algo
sobre o conceito de Ser, ou, nas palavras do autor aqui em questão:
Na medida em que o nada “nadifica”, confirma-se ainda mais com
excepcional presença, vela-se como a própria presença. Nas palavras
10
E.Husserl, K. Jaspers
11
Este habitar se da junto com os outros entes e Dasein, pois o “Mundo do Dasein (da presença) é um
Mundo compartilhado(Mitwelt)” (HEIDEGGER 2006b p.175)
12
“O homem já sempre se ultrapassa e transcende, e essa ultrapassagem e transcendência já é a
própria compreensão, compreensão do ser e, assim, de si” (STEIN 2006 p.49)
13
“Em toda parte, se iluminou o ser, quando a metafísica representa o ente. O ser se manifestou num
desvelamento (alétheia)” (HEIDEGGER 2009 p. 151)
A esta imagem clássica da filosofia ele impõe seu conceito de Dasein14, que é o
“ser aí” propriamente humano em sua relação de imanência com o Ser enquanto
totalidade. Este Dasein é o “ser lançado no Mundo” que poderia, por sua condição
privilegiada (enquanto possibilidade/disponibilidade) promover o desvelamento
(alétheia15) do Ser em sua totalidade, por meio de uma tonalidade afetiva
fundamental, a saber a angústia, ou tédio profundo. Por hora não iremos explorar esta
teoria existencialista em seus detalhes, queremos neste primeiro estágio do nosso
comentário, apenas nos concentrar no levantamento dos argumentos deste autor ao
se opor à metodologia do Cogito cartesiano, onde;
(...) o princípio decisivo da filosofia moderna radicado no sujeito significa
igualmente a perda da questão ontológica fundamental, a ele referida: sum
“eu sou”, existência! Perda, isto é, permanece no antigo, adoção da
ontologia escolástica antiga. Enquanto res cogitans, o sujeito é concebido
ontologicamente no sentido de um simplesmente-dado, ou seja, o sentido
do ser do Dasein continua fundamentalmente indeterminado (HEIDEGGER
2009 P.114).
14
A Essência do Dasein ( ser aí humano) é sua própria existência .
15
Alethéia- alpha privatido + lethéia (velamento) – desvelamente, estar ao menos tempo na verdade e
na não verdade. Ambigüidade de sentido.
16
Neste quesito (HEIDEGGER 2009) retoma o argumento de Espinosa do Circulo Cartesiano, vide p. 137
e mais a frente, o fato de que não temos garantia de nossa perfeição, reiterando a crítica de Leibniz,
vide p. 156.
17 “τα μετα τα Φυσις, não visa mais ao que vem em seguida às doutrinas sobre a física, mas ao que trata do que se lança para
fora da Φυσις, esse direcionar para um outro ente, para o ente em geral e para o que é verdadeiramente ente. Esta mudança
radical acontece no interior da filosofia propriamente dita.” ( HEIDEGGER 2009 P. 47)
18
Afirmando que“Por isso, a razão humana, desde que começou a pensar, ou melhor, a reflectir, não
pode prescindir de uma metafísica, embora não a tivesse sabido expor suficientemente liberta de todo
elemento estranho (KANT 1997, p. 664 , A853 B871/)
Parece que agora tocamos o ponto nevrálgico desta exposição, que tenta
desbravar alguns caminhos que poderiam levar a este desvelamento do Ser aí (Dasein).
Mas, antes de prosseguirmos, é importante ressaltar que a crítica kantiana à metafísica
é geralmente interpretada como uma proposta epistemológica (tese dos
neokantianos). Porém defende Heidegger, que esta crítica em última instância prepara
o terreno para uma ontologia fundamental do Ser, uma proposta de análise cujo tema
é verificar como a consciência se coloca frente ao Mundo.
Visto que possuímos uma percepção artificial perante os fenômenos do Mundo
e não uma visão natural, sem pressupostos definidos, deveríamos, descrever o Mundo
tal qual ele nos surge espontaneamente ( limitado pela nossa condição finita), como
uma “volta as coisas mesmas”, esta seria a abertura (Erschossenheit) para o Mundo e
para o Dasein ( o estar no Mundo como presença)19.Posto isto, nos livramos de
algumas dificuldades que poderiam barrar a compreensão adequada sobre quais
conceitos Heidegger escrutina antes de colocar a questão sobre esta “Superação da
Metafísica”, somos então levados a investigar a essência do nada (se é que o nada
possui alguma essência ou fundamento), pois “Entre as coisas grandes que se podem
19
Alguns tradutores como Marcia Sá C. Schuback optam por traduzir DASEIN por presença ao invés de
ser aí; ser o aí; estar aí.
Para que este “ser aí” (Dasein) possa tentar se desprender das teias do niilismo
moderno ele deve, primeiramente, evitar que a razão seja o local único da construção
do Mundo, devemos explorar outras, e novas formas de habitar o mundo, a partir do
olhar, do escutar e do pensar. Vejamos, por exemplo, a frase de Leibniz que encerra a
sua preleção sobre o “Que é a metafísica?”; “Porque existe afinal ente e não antes
Nada?” (apud HEIDEGGER 1969 p.44.)
“Porquoi il y a plutôt quelque chose que rien?”; “Car le rien est plus simple et
plus facile que quelque chose” - (HEIDEGGER 2005 p. 87) (Porque o ser e não
antes o nada?; Porque o nada é o mais simples e o mais fácil que alguma
coisa. [nossa tradução])
21
Assim assinala Loparic (2004 p. 112 e 113); “(...) Heidegger descerra o horizonte em que se
movimentará sua meditação sobre Nietzsche: “E se a nossa existência mais profunda realmente esta
diante de uma grande decisão, se é verdade o que diz F. Nietzsche, o último filósofo alemão que
apaixonadamente procurou Deus: ‘Deus esta morto’, se nós temos que levar a sério este abandono do
homem atual em meio aos entes... “. De que fala esta palavra: ‘Deus esta morto’ que não do ente em
geral, do fundamento dos entes que se esvaiu, no mais ente que perdeu sua força de fundamentação?
Mas isso põe em crise toda a metafísica. Ela é sacudida em seus fundamentos, por esse grito do último
metafísico. A experiência radical do sentido do ‘Deus esta morto’ colocou Heidegger na decisão suprema
diante de toda metafísica. A tese de Heidegger sobre a presença de Nietzsche como último pensador da
metafísica se esboça do seguinte modo: “A metafísica funda uma época enquanto lhe dá o fundamento
de sua forma essencial, através de uma determinada explicação do ente e através de uma determinada
concepção da verdade. Esse fundamento perpassa todas as manifestações que caracterizam a época.”
Nietzsche é o sinal que indica o fim dessa época e ao mesmo tempo o começo e as direções da nova
época. Quais são os sinais concretos com que essa época vem caracterizada pela metafísica? Esta é a
pergunta que surge que surge no fim da leitura da obra de Heidegger sobre Nietzsche, que é uma tese
filosófica sobre toda a história da filosofia e não só isto, mas uma tese sobre a história ocidental. Esta
tese ao mesmo tempo perpassa toda a interpretação de Nietzsche, e quer ver Nietzsche como o ponto de
intersecção que encerra e inicia duas épocas.”
22
Para mais detalhes ver (LOPARIC 2003 p.25): “a destruição (destruktion) da metafísica não significa o
seu desmantelamento, mas sua desconstrução (abbau) a partir de sua origem pré metafísica. Trata-se
de uma tarefa que obedece a leis próprias, distintas das que regem estudos históricos-filosóficos e
filológicos (as traduções “violentas” dos textos gregos oferecidas por Heidegger são a melhor prova
disto.). Da mesma maneira a expressão “o fim da metafísica” não designa a eliminação da vida cultural
do Ocidente, mas tão somente a libertação do ente do poder da representação. ”
23
“Acima da atualidade esta a possibilidade” (HEIDEGGER 1973 p.500 frase com que Heidegger conclui
“Meu Caminho para a fenomenologia”)
24
“Heidegger se ocupou com o estudo do pensamento de Nietzsche por um período que vai do final dos
anos 30 a meados dos anos 50. A publicação de seus estudos constitui um divisor de águas e uma
referência obrigatória para qualquer interpretação da obra de Nietzsche. Segundo Heidegger, Nietzsche
é o filósofo em cujo pensamento a metafísica é conduzida aos limites extremos de sua possibilidade. Ao
mesmo tempo que representa o extremo aprofundamento e radicalização da metafísica – levando à sua
consumação e esgotamento -, Nietzsche seria também um preparador de terreno para sua superação.”
(GIACÓIA 2000 p.74 e 75)
Kant seria o definidor do problema em seus termos mais exatos, porém, ele
nada fez, no sentido de resolver estas antinomias, ou solucionar definitivamente a
questão (muito embora ele tenha “imaginado” que atingiu tal fim). Com Heidegger, a
questão é levada mais além, aos seus limites mais extremos, pois a pergunta pelo
fundamento do Dasein, em seu sentido ontológico, levaria a uma continuação da
busca por uma fonte última, mais originária que a síntese veritativa, apofântica ou
predicativa, seria agora, necessário, uma crítica ao próprio princípio de identidade, e
mesmo ao princípio da razão suficiente, pois:
Se do ponto de vista lógico, o sentido de uma proposição é independente do
seu valor de verdade, do ponto de vista psicológico nem sempre é assim. Só
entendo realmente quando tomo consciência que o entendido pretende ser
verdadeiro e isso acontece por regra geral, quando percebo que se opõe a
uma de minhas crenças (PORTA p.72).
25
(NIETZSCHE 2005 p.203), no aforisma 300 lemos: “Foi preciso que Prometeu imaginasse antes haver
roubado a luz e pagasse por isso – para finalmente descobrir que havia criado a luz ao ansiar por ela, e
que não apenas o ser humano, mas também a divindade fora obra de suas mãos e argila de suas mão?
Tudo apenas imagens do formado de imagens: - assim como a ilusão, o furto, o Cáucaso, o abutre e toda
trágica Prometéia dos homens do conhecimento?”
26
«Qual é o ser que no começo da vida anda com quatro pés, a meio da vida anda com dois pés e pelo
fim da vida anda com três pés?? O HOMEM.»
Como foi exposto, em Nietzsche podemos ver esboçada esta tentativa, não de
estabelecer novos pontos cardeais, para a Metafísica, mas de absolutamente destruí-
los, para que posteriormente, algo de novo pudesse surgir.Aqui esse ponto é bem
ilustrado:
“Segundo Heidegger , Nietzsche é o filósofo em cujo pensamento a
metafísica é conduzida aos limites extremos de sua possibilidade. Ao mesmo
tempo que representa o extremo aprofundamento – levando a sua
consumação esgotamento – Nietzsche seria também um preparador do
terreno para a sua superação.” (GIACÓIA2000 p.75, grifo nosso)
27
Ver LOPARIC 2004 – “Ética e Finitude” (para mais detalhes sobre a crise teológica do fundamento ver
cap I A crise do infinitismo e cap. II O principio do fundamento) na p.25 lemos que :“A ratio suficiens, o
fundamento próprio e unicamente suficiente a summa ratio “a mais alta garantia para ubíqua
calculabilidade, para o calculo do universo é Deus.”Heidegger lembra a nota de Leibniz de 1677 que diz:
Cum Deus calculati fit mundus, “enquanto Deus calcula, o mundo é criado”. Deus é comparável a
máquina de calcular, algo parecido a máquina universal de Turing, que só pensa computando e que
resolve dessa maneira todos os problemas do mundo. Mesmo depois da morte de Deus, atestada por
Nietzsche na época de hoje “...o mundo permanece calculado, pondo até mesmo os homens nos seus
cálculos uma vez que tudo é contado segundo o principio da razão suficiente.”
28
“O que se realiza para a fenomenologia dos atos conscientes, como o auto mostrar-se dos fenômenos,
é mais originariamente pensado por Aristóteles como alethéia, como desvelamento do que se presenta ,
seu desocultamento, seu mostrar-se. O que as investigações fenomenológicas re-descobriram como
atitude básica do pensamento se apresenta como o traço nodal do pensamento grego e talvez mesmo
da filosofia enquanto tal” (HEIDEGGER 1976 p.498)
CONCLUSÃO:
Mesmo depois de realizada a revolução copernicana de Kant29 (que relativizou
a posição do sujeito do conhecimento tornando-o a condição de possibilidade da
experiência a priori ante o Mundo), esta é ainda insuficiente para cumprir este
propósito. E, neste sentido, Heidegger é herdeiro do prisma Nietzschiano, onde a
vontade de poder age em sua instância artística do existir, como o elemento de
transformação do Mundo em seu sentido poético fundamental, pois:
“Para Nietzsche a morte de Deus é expressão simbólica do desaparecimento
deste horizonte metafísico, baseado na oposição entre aparência e
realidade, verdade e falsidade, bem e mal. Isso significa que não podemos
mais sustentar uma crença num conhecimento objetivo, que ultrapasse a
particularidade de nossos afetos.” (GIACÓIA 2000 p. 24, grifo nosso)
Portanto, não seria absurdo colocar a ausência de algo, como o subsídio para o
pensar, assim, a presença do Ser, pode se ligar de modo não contraditório a sua
essência ausente, o Nada, que é pré condição de sua existência como Totalidade
(Mundo). O Tempo, é o “pano de fundo”, que revela o Ser em sua nudez. É somente no
Tempo, que o Ser se mostra. Mas o que é este mostrar-se? Que simultaneamente ao
seu revelar, também se retrai, se vela, e se oculta? Esta ambigüidade é sua morada, a
ambigüidade da palavra, que é morada deste Ser, que ao se apresentar, se esconde
como signo de algo que lhe é além.
29
Kant deriva toda sua Crítica da Razão Pura, do livro “Principia Matemática” de Newton, como uma
validação do principio de indução, para que possamos compreender como são possíveis na ciência
física/matemática os juízos sintéticos a priori. Definindo assim as categorias e também os limites a que
estão circunscritos tais juízos provenientes da pura razão e averiguando se estes ainda seriam validos
para a metafísica.
30O filósofo Heráclito de Éfeso , nos diz, em seu fragmento 49a: “Nos mesmos rios entramos e não
entramos, somos e não somos.” (PRÉ SOCRÁTICOS 2005 col. Pensadores p.92)
31
A angústia ou tédio profundo, são as tonalidades afetivas fundamentais (ver HEIDEGGER 2006,
primeira parte cap. 5)
Mas talvez esta questão não possua seu cerne, sendo sua essência um puro
vazio, abismo, destino incontornável do homem rumo ao seu fim inevitável. Só nos
resta então, finalizar este artigo com a conclusão do escultor Florentino, Leonardo Da
Vinci que diz; “O nada não tem centro, e seus limites são o nada” (Apud HEIDEGGER,
1969, p. 55).
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BORNHEIN, G. A. Os Filósofos pré Socráticos, Editora Cultrix, São Paulo 3º edição 1977
CHAUI, M. - Introduçao à História da Filosofia, São Paulo, Companhia das Letras, 2002
GIACÓIA, O. Nietzsche coleção Folha Explica Ed. Publifolha São Paulo 2000
HEIDEGGER, M. Conferências e Escritos Filosóficos. Coleção Os Pensadores. Tradução
de Ernildo Stein. Nova Cultural: São Paulo, 2005.
HEIDEGGER, M. Sobre o problema do ser , O Caminho do Campo Tradução de Ernildo
Stein. Livraria Duas Cidades:São Paulo 1969
HEIDEGGER, M. Nietzsche Metafísia e Niilismo Tradução de Marco Antonio Casa Nova.
Elume Dumará: Rio de Janeiro 2000
HEIDEGGER, M. Conferências e Escritos Filosóficos. Coleção Os Pensadores.
Tradução de Ernildo Stein. Abril Cultural: São Paulo, 1973.
HEIDEGGER, M. “Entrevista Del Spiegel” em Coleção Clássicos Del Pensamiento Ed.
Tecnos tradução Ramón Rodrigues Garcia, Madri 1989
HEIDEGGER, M. Os conceitos Fundamentais da Metafísica – Mundo. Finitude. Solidão.
Tradução: Marco Antonio Casanova Ed. Forense Universitária, Rio de Janeiro, 2006a
HEIDEGGER, M. Ser e tempo.
Tradução Marcia Sá Cavalcante Schuback. Ed. Vozes, Rio de Janeiro, 2006b