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HERMENÊUTICA – 1°AP

A ORIGEM

A hermenêutica detém sua origem na teologia, mais precisamente na teologia cristã, onde obteve maior
desenvolvimento e aprimoramento antes de alcançar os campos do saber filosófico e jurídico.
“Hermenêutica” é um termo de origem grega, supõe-se que seja derivado do nome de Hermes, uma divindade
mitológica, a qual seria, de acordo com a mitologia, o deus responsável pela invenção da linguagem e da escrita e
desempenhava um papel de mediador entre zeus e os humanos, ou seja, Hermes, seria um deus mensageiro e
portanto, porta-voz do que seria decidido no monte olimpo.
A referida função mediadora, de transmitir a mensagem de um plano para outro, deu origem a expressão
hermenêutica. Conclui-se que, num primeiro momento, a hermenêutica foi entendida como a transposição de uma
mensagem de um plano de obscuridade para um plano de clareza, estava ligada, portanto, a clarificação, ao
esclarecimento, fazer hermenêutica seria tornar algo claro, inteligível, leva-lo a clareza ou a compreensão.

Dentro dessa visão originária, não se poderia realizar uma distinção entre hermenêutica (teoria científica) e
interpretação (ato cognitivo), esta que também está ligada a religiosidade, é um termo latino que quer dizer “entre
entranhas”, os feiticeiros do passado também para consultar a vontade dos deuses, sacrificavam um animal, abriam
o seu ventre e colocavam a mão entre as entranhas de modo a realizar a adivinhação, acreditava-se que as
entranhas dos animais eram uma espécie de centro vital, expressa numa perspectiva cosmológica que era
predominante à época.
A concepção cosmológica carrega a ideia de que tudo está conectado, interligado.. Nela, não há diferenciação entre
a natureza e a história, em face da crença de que a história também é cíclica, assim como a natureza. Portanto,
hermenêutica confundia-se com a própria interpretação, não era uma teoria sobre como se devesse compreender,
era diretamente a compreensão. Portanto, a hermenêutica, nesse momento, é sinônimo de interpretação.

Esse cenário começa a mudar com a chegada de livros sagrados, entre os quais, a Bíblia. No meio cristão, a princípio,
haviam duas escolas de hermenêutica bíblica: A escola de Alexandrina e a escola de Antioquia.
A escola de Alexandria buscava conciliar a mensagem cristã à filosofia grega alegorizando os relatos históricos
contidos na Escritura. Já a escola de Antioquia privilegiava uma interpretação mais literal, embora acreditassem na
presença de alegorias no texto sagrado, diferenciavam a interpretação das escrituras alegóricas da interpretação
alegórica das Escrituras.
No século XVI surge a reforma protestante, e com ela a crença na autossuficiência dos textos bíblicos, sobretudo do
ponto de vista interpretativo, de modo que não devessem ser usadas fontes exteriores à Escritura para interpretá-la,
a Bíblia seria intérprete de si mesma.
No século XIX a hermeêutica ingressou nas especulações filosóficas e nas ciências culturaus através de
Scheleiermacher e o chamado “protestantismo liberal”.

HERMENÊUTICA METODOLÓGICA OU EPISTEMOLÓGICA

SCHLEIERMACHER

Schleiermacher foi o “pai da hermenêutica”, sendo um dos principais expoentes da hermenêutica metodológica ou
epistemológica. Ele pretendeu elaborar uma hermenêutica geral que transcendesse as hermenêuticas especiais
existentes. Para isso, desenvolveu um método histórico-crítico, propondo o que na história ficou conhecido como
“protestantismo liberal”. Para o teólogo liberal, a Bíblia Sagrada era um documento histórico-literário, assim como
outros existentes.
Schleiermacher, distinguia, no processo de apreensão do sentido de um texto, a interpretação gramatical e a
interpretação técnica, esta última subdividia-se em compreensão divinatória e compreensão comparativa.
A interpretação gramatical visava revelar o que era próprio do texto, consistia na interpretação literal das Escrituras,
de acordo com seus signos linguísticos, determinando os limites em que se adequaria a interpretação técnica. Esta,
por sua vez, pretendia elucidar a genialidade do autor, sendo a compreensão divinatória de natureza adivinhatória e
construída a partir do sentido atribuído ao texto pelo intérprete após entrar em empatia viva ou parentesco
espiritual com o autor. A compreensão comparativa corresponderia à busca do sentido intencional do autor no texto
a partir de elementos objetivos, nela o intérprete compararia diversos escritos, bem como elementos gramaticais e
históricos, ilustrando um possível retorno à interpretação gramatical. Pode-se concluir que a compreensão
divinatória seria uma pré-compreensão para a compreensão comparativa.
O método de Schleiermacher não se aplicaria exclusivamente a interpretação das Escrituras, mas também a
qualquer texto de mesma natureza. Desse modo, introduziu o método hermenêutico na história e na filologia.

DILTHEY

Dilthey contribuiu de forma expressiva para o desenvolvimento da hermenêutica, em sua evolução rumo à teoria
normativa da interpretação. Sendo o responsável por introduzi-la no campo científico após conferir a ela os critérios
que qualificavam o saber científico na época, quais sejam: Objeto próprio, método adequado ao objeto e o mínimo
de rigor terminológico.
Dilthey foi biógrafo de Schleiermacher, dando continuidade a seu pensamento, embora que procura-se de certa
forma libertá-lo, sem total êxito, de seu psicologismo, tão criticado por afastar a importância do método no processo
de apreensão de sentido de um texto. Dilthey propôs uma reclassificação das ciências expressa na dicotomia:
Ciências da natureza e ciências do espírito. Nas Ciências da natureza o objeto é algo dado, relaciona causas e efeitos,
têm como processo cognitivo a própria explicação e utiliza o método empírico indutivo. Já nas ciências do espírito, o
objeto é algo construído, busca apreender o sentido de um objeto cultural, entender como o espírito se projeta
sobre um substrato, têm como processo cognitivo a própria compreensão e utiliza o método hermenêutico.
Para Dilthey, ao intérprete caberia conhecer o espírito da época em que o autor viveu, selecionando os elementos
que o influenciaram, de modo a construir uma abordagem conjuntural que leve em consideração o contexto em que
o autor o escreveu, sendo o autor um instrumento do espírito de sua época. A unidade da vida seria entendida
através do espírito da época, síntese das objetivações do espírito expressas nas mais diversas produções culturais.
De modo que, a parte (objetivações do espírito) seria compreendida pelo todo (unidade da vida) e o todo pela parte,
na chamada circularidade hermenêutica. Com base em especulações semelhantes se defende uma interpretação
sistemática no direito, em que o ordenamento jurídico seria entendido através das normas e vice-versa.

HERMENÊUTICA ONTOLÓGICA OU EXISTENCIAL

HEIDEGGER

Heidegger foi um filósofo alemão que cunhou uma nova concepção de hermenêutica, em contraposição à
hermenêutica metodológica defendida por Schleiermacher e Dilthey. Para ele, a hermenêutica não estabeleceria um
método ou uma teoria normativa da compreensão, pois as produções culturais não tinham um sentido objetivo
válido comum a todas, mas seriam instrumentos da manifestação do Ser.
Cada intérprete, segundo seu mundo existencial concebia uma amplitude distinta do Ser. O Ser seria indefinível e
subjacente a tudo, expressando-se a partir da existência e atividade humanas. Desse modo, a cultura seria uma
manifestação do Ser no mundo. Bem como a compreensão, atividade pela qual o ser se auto-revela e
autocompreende. Logo, Heidegger reduzia tudo ao Ser, abandonando a dualidade sujeito-objeto percebida pela
hermenêutica metodológica.
Segundo Heidegger, a hermenêutica seria ontológica e não epistemológica, existencial e não metodológica. Primaria
pela busca da essência da compreensão e não a normatização do processo de apreensão de sentido. Concluindo que
o estudo da compreensão (a hermenêutica) confundir-se-ia com o estudo da existência.
Foi Heidegger quem deu desenvolvimento e popularizou a ideia de circulo hermenêutico, a qual consiste a pré-
compreensão como ponto de partida para a compreensão por via da interpretação. Pois, se não houvesse um ponto
de partida, não haveria também de onde extrair desdobramentos.
A pré-compreensão é atemática, enquanto que a compreensão é necessariamente temática, visto que trata-se de
um objeto cultural específico. Heidegger afirmava que a pré-compreensão seria condicionada ao horizonte do
intérprete, ou seja, a sua perspectiva, a ótica pela qual se interpelaria o objeto.

GADAMER

Gadamer foi aluno de Heidegger e persistiu no mesmo modelo de pensamento, defendendo uma hermenêutica
existencial e negando a metodológica. Para Gadamer, o método não detinha como fim, para o intérprete, a verdade,
pois já definiria ocasionalmente o ponto a que se pretendia alcançar.
Gadamer entendia a compreensão como sendo resultante de um diálogo entre o intérprete e o texto, este que na
medida em que respondia as perguntas do interlocutor, suscitava novas, em um verdadeiro circulo hermenêutico.
Segundo ele, a pré-compreensão seria condicionada por pré-conceitos e pré-juízos.
Gadamer sofreu forte influência tanto do existencialismo, quanto do tradicionalismo. Portanto, foi um duplo
opositor do racionalismo. Por reconhecer o valor da singularidade do indivíduo e especialmente da tradição
histórica, defendia a ideia de fusão de horizontes.
A fusão de horizontes corresponderia à fusão do horizonte do intérprete com o horizonte do texto, já que
diferentemente de Schleiermarch, Gadamer não dava importância à perspectiva psicológica do autor. Após
reiteradas fusões, ambos os horizontes (do autor e do texto) adquiririam maiores proporções, de maneira tal que um
novo encontro entre eles prospectaria novas perguntas e, por conseguinte, novas respostas. Para Gadamer, o círculo
hermenêutico teria a forma de espiral, na medida em que o sentido seria inesgotável e a compreensão eternamente
sujeita a ampliação e aprofundamento.

HERMENÊUTICA FENOMENOLÓGICA (POSIÇÃO INTERMEDIÁRIA)

PAUL RICOEUR

Paul Ricoeur buscou conciliar ambas as correntes de pensamento e teceu críticas as proposições de Dilthey, mais
especificamente à separação absoluta dos atos cognitivos no processo interpretativo. Para Ricoeur, o referido
processo comporta tanto a explicação como a compreensão como atos cognitivos. Ou seja, as ciência da natureza,
embora sejam predominantemente explicativas, compreendem. Enquanto que as ciências do espírito, apesar de
principalmente compreensivas, também são explicativas. Nisso constituir-se-ia o arco hermenêutico, que reconhecia
a prevalência de cada ato cognitivo na sua respectiva ciência, mas conciliava ambos.
Ainda segundo Ricoeur, o intérprete deve explicar o texto através de um momento inicial de distanciamento em
relação ao mesmo, atingindo mediante a redução fenomenológica o seu eidos (idéia) ou a sua estrutura. Nesse
ponto, obter-se-ia o sentido objetivo do texto, o qual não variaria em face das diversas interpretações. Num segundo
momento, em face da aproximação, ter-se-ia a compreensão do texto ou a apropriação do seu sentido existencial.
Aqui haveria a inesgotabilidade de sentido. Sendo este hermeneuta de posição intermediária importante para o
Direito por introduzir a ideia de hermenêutica fenomenológica.

EMÍLIO BETTI

Emílio Betti, buscou localizar em que momento a hermenêutica metodológica havia sido esquecida e intentou
resgatá-la de uma maneira mais amadurecida. Foi Betti quem determinou os cânones gerais da hermenêutica. Para
este hermeneuta a dialética do processo interpretativo envolve a subjetividade do entendimento e a objetividade do
sentido. Essa dialética se resolve no encontro do espírito interpretante com o espírito que se objetivou nas formas
representativas, daí o fato de que há tanto cânones relativos ao sujeito, quanto atinentes ao objeto. A saber, os
cânones gerais correspondentes ao sujeito são: Da atualidade do entendimento, o qual preceitua que o intérprete
deve refazer em si mesmo o processo criativo do objeto, deve reviver no presente uma experiência do passado.
Desse modo, para chegar à objetividade do texto, o intérprete precisa da sua própria subjetividade. E o cânone da
Adequação do entendimento, pelo qual o intérprete deve harmonizar a intencionalidade com o que lhe é suscitado
pelo objeto.
Quanto ao cânones gerais da hermenêutica relativos ao Objeto, Betti destaca o da Autonomia, que proíbe a
sobreposição de sentido estranho ao texto. E o cânone da Totalidade, que envolve reciprocidade de esclarecimento
entre as partes e o todo, buscando a coerência e a síntese.

HERMENÊUTICA JURÍDICA CLÁSSICA X NOVA HERMENÊUTICA CONSTITUCIONAL

A hermenêutica jurídica clássica foi desenvolvida inicialmente por Savigny e voltada para o direito privado, sofreu
fortes influências tanto de Schleiermacher, quanto de Dilthey. Havia, portanto, uma hermenêutica metodológica
permeada por técnicas interpretativas. Além da interpretação gramatical e da interpretação lógica, foram
mencionadas as interpretações sistemática e histórica. A primeira, inspirada na ideia de circularidade hermenêutica
de Dilthey, a qual compreendia as produções do espírito através da unidade da vida e conhecia a unidade da vida
pelas produções do espírito, ou seja, a parte pelo todo, e o todo pela parte. E a segunda, alicerçada pelo método
histórico-crítico cunhado por Scheleiermacher.
A nova hermenêutica constitucional recebeu grande influência da hermenêutica existencial ou ontológica expressa
nas ideias de Heidegger e Gadamer. As normas infraconstitucionais reportam-se a fatos específicos, aplicando-se a
lógica da exclusão em face da antinomia. A constituição, todavia, apresenta um sistema aberto de princípios sem a
previsão de incidência de fato que são aplicados mediante ponderação e sopesamento. Apesar de as técnicas
clássicas de interpretação serem aplicadas aos princípios, elas se mostram insuficientes para solucionar um caso
concreto.

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