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GARD EIL
IN ICIAÇÃO À FILOSOFIA
D E S. TOMÁS D E AQU IN O
PRIMEIRA PARTE:
IN TROD U ÇÃO GERAL E LÓGICA
Até os tem pos m odernos, o pensam ento do Ocidente estêve condicionado por um
acontecimento m aior: o encontro da m ensagem evangélica ou, da sabedoria cristã, com a
cultura da antigüidade. Todos os grandes problem as intelectuais giravam até então,
em tôrno dessa conjunção. Teríam os de esperar o fim da Renascença para que os
espíritos se vissem dom inados por outras preocupações, nascidas do choque da pró pria
sabedoria cristã, então tôda penetrada pelo helenism o, com um a concepção das coisas
que o progresso das ciências e das técnicas renovara com pletam ente. O interêsse não
é m ais em tôrno de um passado que sobrevive, m as de um futuro que se delineia.
Voltando ao problem a geral do helenism o e do cristianism o, tentem os inicialm ente dar um a
idéia dessas duas fôrças.
Se, portanto, entre os dois grandes fatôres culturais era de se prever um a luta, que
efetivam ente se realizou, tentativas de harm onização ou de assim ilação recíproca
não podiam deixar de se produzir. A história dessas tentativas, m ais ou m enos bem
sucedidas, é a própria história do pensam ento cristão durante quinze séculos.
O problem a se coloca desde as prim eiras gerações cristãs, No século II, São
J ustino se esforça por explicitar as relações de um a sabedoria pagã que apreciava, e
a que não pôde totalm ente renunciar, com a fé pela qual derram ará o seu sangue No
século seguinte, sabe-se, é em Alexandria que é necessáric buscar o centro
intelectual ativo da cristandade. Ali, Clem ente; em seu PROTRÉPTICOS Ou
em seus STROMATEIS, prossegue a obra de conciliação. No século V, com
Santo Agostinho, Boécio e o Pseudo-Dionísio, que se tornarão com o que os t rês
preceptores do Ocidente m edieval, se conclui esta prim eira fase da assim ilação viva da
filosofia grega. A que resultados exatam ente se chegou até então?
E m santo Agostinho encontram os o prim eiro grande sistem a de filosofia cristã. Não
que no pensam ento dêste Doutor um conjunto especulativo orgânico se ache constitu ído
por fora da fé, m as, sim , que o exercício teórico da razão é aí reconhecido como
legítim o e que, de fato, é considerável a parte da especulação filosófica. A obra
original de santo Agostinho, com relação ao pensam ento antigo, é sobretudo
representada pela assim ilação do neo-platonism o, então a filosofia m ais atuan te, e
cuja peça m estra era a teoria das idéias. O Doutor de Hipone, colocando as
"idéias" em Deus, conseguia dar um a unidade satisfatória ao m undo de Platã o e ao da
Bíblia. Esta tarefa de assim ilação das especulações platônicas será continuada
paralelam ente, algum as décadas m ais tarde, por Dionísio que tôda a Idade Méd ia
identificaria com o discípulo de Areópago. Aristóteles, por sua vez, será
introduzido sobretudo por Boécio, graças ao qual sua obra atingirá as escolas do
Ocidente. Mas é capital observar aqui que o Aristóteles dos escritos de Boécio é
quase exclusivam ente o Aristóteles do Organon. Quando o conjunto dos tratados do
Estagirita se perder, dêle não restará pràticam ente senão esta parte de sua
filosofia.
N ão se pode deixar de invocar, aqui, grandes etapas percorridas pelo pensam ento
cristão antes da m aior crise do século XIII, crise a que S. Tom ás será
justam ente cham ado a dar um a solução. A reconstrução da cultura ocidental data da
Renascença carolíngea. É necessário, porém , esperar o século X11 para que a
vida intelectual tom e um a verdadeira am plitude. Até então perm anece em voga sobretudo
o conjunto das idéias divulgadas pelos m estres que já apresentam os. Entretanto, os
acontecimentos decisivos se preparam : o conjunto da filosofia de Aristóteles está em
vias de ser traduzido, e m isturado aos com entários dos Árabes e dos J udeus, com eça a
penetrar nas escolas do Ocidente. É com essa nova introdução do peripatetism o na
cristandade que se inicia efetivam ente a história do pensam ento de S. Tom ás.
As prim eiras traduções latinas que deviam possibilitar ac Ocidente o conhecim ento das
principais partes da obra do Es. tagirita, foram em preendidas na segunda m etade do
séculc XII. Eram traduções feitas do árabe, e num am biente que estava, então em
estreito contato com a cultura m uçulm ana de Toledo. J untam ente com os escritos d e
Aristóteles, foi tra duzido um certo núm ero de escritos de seus com entadores anti gos
(Alexandre de Aphrodise, Thém istius, Philopon) e árabe-judeus (Alkindi,
Alfarabi, Avicena, Avicebron).
A leitura dêstes tratados, que abrem um nôvo m undo aos professôres de teologia
cristãos, provocou um verdadeiro choque. Tem os um sinal inequívoco disto na sér ie de
interdições de que foram objeto por parte das autoridades eclesiásticas que tem iam um
pensam ento aparentem ente tão pouco assim ilável. O problem a que, no fundo, êste
acontecimento levantava diante da inteligência cristã era o da escolha entre um a
filosofia de inspiração peripatética, e um a outra, que até então tivera o apoio dos
teólogos, e que era dom inada pela influência de Platão. Tentem os representar o qu e
podiam trazer para o pensam ento cristão, de positivo e de negativo, as especulações
das duas grandes filosofias.
Antes dêstes últim os acontecim entos, um a posição interm ediária surgiu, - onde se
m antinha o respeito pelo dogm a cristão e se buscava conservar tudo o que o
néo-platonism o agostiniano havia podido trazer de bom , m as onde se testem u nhava um a
sólida confiança no valor dos princípios e m étodos de Aristóteles, adotada pelos
dois grandes m estres dom inicanos, Alberto Magno e Tom ás de Aquino: o prim eir o
voltado m ais para o m undo físico e m ais interessado pela ciência, porém m ais eclético
e m enos profundo; o segundo conseguindo afinal, com seu gênio de síntese superior, a
obra de assim ilação, pelo cristianism o, dessa filosofia de Aristóteles que parecia
destinada a destruí-lo.
Todos os fatos da vida de S. Tom ás estão longe de serem conhecidos com precisão, e
sôbre pontos im portantes ficam os ainda na incerteza. A Historia EccIesiae de
Ptolom eu de Lucques (1312-1317 ), a Historia beati Thom ae de Aquino de
Guilherm e de Tocco (em tôrno de 1311) e os Atos dos processos de canoniza ção de
Nápoles (1319) e de Fossanova (1321) constituem os docum entos de base de sua
biografia. Entre os trabalhos m odernos destacam -se prim eiram ente os do Padre M andonnet
op (+1936) e de Mons. Grabm ann (+ 1948). O Pe. Walz op, no Dict.
de Théol. cath., art. S. Tom ás, apresenta um a boa exposição da quest ão.
Eis aqui, sim plesm ente enum eradas, as grandes etapas da vida de S. Tom ás.
S. Tom ás, m estre em Paris (1256-1259) . Adm itido com o m estre ao m esm o
tem po que São Boaventura, S. Tom ás com enta a Bíblia (ordinarie), realiza su as
prim eiras questões disputadas (De Veritate), e em preende a com posição da Sum m a
Contra Gentiles.
P rofessor pela segunda vez em Paris (1269-1272) . Cham ado a Paris por
ocasião da crise intelectual provocada pelo m ovim ento averroista, S. Tom ás tom a
posição na polêm ica e prossegue incansàvelm ente na sua tarefa de professor e de es critor
(com entários da Sagrada Escritura, de Aristóteles, Questões Disputadas, Sum a
Teológica, opúsculos diversos).
A prim eira questão que se pode colocar a respeito das obras de um autor é,
e videntem ente, o de sua autenticidade. Na Idade Média, parece não ter havido um
escrúpulo excessivo no que diz respeito à propriedade literária e, por outro la do,
pode ter havido êrros ou fantasias dos copistas, sem contar que num erosos m anuscr itos
circulam anônim os. Assim , não é de adm irar que m enos de m eio século após sua
m orte, tenha se tornado tão difícil fixar com exatidão a lista das obras de S.
Tom ás. Para prevenir êste inconveniente, procurou-se então organizar catálogos: n as
prim eiras décadas do século XIV foi lançada tôda um a série dêles. Esses
catálogos perm anecem com o docum entos de prim eira ordem para determ inar
a autenticidade dos escritos de nosso Doutor, m as infelizm ente êles não
coincidem entre si de m aneira perfeita. Por outro lado, é visível que tam bém não
foram com postos com suficiente preocupação crítica. Portanto, tom ados isoladam ente,
o seu testem unho nem sem pre é decisivo.
A que resultados se chegou? Pode-se dize r que de um m odo geral chegou-se a um acôrdo
s ôbre a autenticidade ou não, de quase cada um a das obras em questão. Se subsistem
algum as dúvidas, estas se referem sòm ente a alguns opúsculos de pouca im portância.
Para o fundam ento da doutrina, em todo caso, nenhum problem a sério se coloca sob ês se
ponto de vista. - Na prática, poder-se-á utilizar o quadro preparado pelo Pe.
Mandonnet, em seus Écrits authentiques. Este quadro agrupa 140 escritos, 75
m arcados com o autênticos e 65 com o apócrifos. Estes últim os, apressem o-no s em
dizê-lo, constituem de fato m enos da décim a parte do conjunto e não com preen dem qualquer
das obras m ais im portantes. O estudante de filosofia notará que a Sum m a totius
logicae, algum as vêzes utilizada nas exposições do pensam ento de S. Tom ás, não é
dêle.
O esta belecim ento da cronologia das obras de S. Tom ás coloca problem as m ais árduos
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ainda. Alguns pontos im portantes estão entretanto assegurados e a. classificação
aproxim ativa das grandes obras está quase tôda realizada. Nós nos contentarem os aqui
em rem eter o leitor ao artigo citado, do Pe. Walz, que dá, em quadro, o estado
atual das pesquisas.
Praticam ente, o principiante em filosofia, para quem escrevem os, poderá observar as
s eguintes discrim inações sum árias:
Observar que o Com pend ium theologiae não é, com o durante m uito tem po se acreditou, a
ú ltim a obra de S. Tom ás.
Ao prim eiro contato, o leitor m oderno das grandes obras m edievais não pode deixar de
ficar confundido pelos m étodos de exposição nelas utilizados. Há, evidentem ent e,
m uita diferença com relação aos nossos livros atuais. Portanto, não será
supérfluo, para introduzir ao estudo de S. Tom ás, dizer algum a coisa sôbre os
processos literários da época. Com o os autores de então, antes de tudo, são
professôres e, com o os escritos que êles deixaram são em grande parte fru to de sua
atividade professoral, será útil um a inform ação a respeito desta. (Para todo êste
parágrafo, Cf. CHENU, Introduction d l 'etude de saint Thom as d'Aquin;
Paris, Vrin, 1950 ).
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Através da m editação dá-se a assim ilação pessoal da doutrina, enquanto que pela
leitura ela é transm itida a outrem , ou é dêle recebida. Este ú ltim o processo é
tã o usado com o m étodo de ensino que o professor tom a o nom e de "leitor... lector",
e o próprio ato de ensinar consiste em "ler. . . legere". Lêem -se, por
exem plo, as Sentenças. Observar-se-á que êste costum e de ler os textos não de ve
deixar de ter relação com a tradicional lectio m onástica, a qual era sòm ente um m eio
de edificação.
Essa prática generalizada da leitura se deve, por um lado, ao respeito m uito grande
que então se tin ha pelos textos escritos. São poucos os que os possuem , e os livros,
a té a invenção da imprensa, eram raros e preciosos. São verdadeiros tesouros que se
exploravam com o m aior cuidado. Pode-se supor, por outro lado, que a teologia, à
base de textos, não deixou de ter um a influência sôbre o m étodo das outras
disciplinas.
Seja com o fôr, essa prática da "leitura" fazia com que os autores que se liam
fôssem respe itados. O texto é sagrado porque êle é a expressão do pensam ento de um
m estre reconhecido. Assim é que, ao lado da autoridade sem par da Sacra pagina, a
Idade Média venerará a autoridade dos Padres, a de S. Agostinho em particular,
dos quais jam ais se poderá apontar um êrro. Ao lado das autoridades pròpriam ente
sagradas, haverá as autoridades do terreno profano cujos textos serão "lidos" tam bém
com o m aior respeito: os de Aristóteles em filosofia e de Donat em gram ática, os d e
Cícero e Quintiliano em retórica, os de Galileu em m edicina, os do Corpus luris em
direito. Isto faz com que haja, em um nível inferior ao da escrita inspirada que
evidentem ente está à parte, todo um escalonam ento de autoridades de m aior ou m en or
pêso, a dos Sancti, a dos Philosophi e finalm ente a dos Magistri, que se tem plena
liberdade de não seguir.
Não há dúvida de que êsse m étodo de "leitura" das autoridades, que a princípio
foi a fonte de um enriquecim ento e de um desenvolvim ento autênticos da vid a intelectual,
p oderia levar com o tem po, ao perigo de afastar, cada vez m ais a atenção dos objetos
reais, para se concentrar na análise abstrata das fórm ulas e das noções. A
escolástica decadente incorrerá nessa falta que a conduzirá a um verbalism o bastante
vazio. Porém êsses excessos não condenam o m étodo no que êle pôde ter de fecundo
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durante tanto tem po.
Essas questões podem nascer, seja de um a expressão que exigia m aior precisão, seja
de um a fórm ula que se prestava a equívoco, seja do confronto de várias
in terpretações contrárias, etc. Progressivam ente, cada vez m ais tom ando corpo, essas
explicações com plem entares vão tender a se tornar a própria form a do ensino escolar.
Por exem plo, é o que se deu com o com entário das Sentenças de S. Tom á s, onde a
exposição de Lom bardo fica reduzida, sim plesm ente, a um a m uito breve divisio textus,
enquanto a doutrina do com entador se estende am plam ente em longas séries de artigos .
É bom saber que os textos das Questões disputadas, encontrados nas obras dos m estres
m edievais, não reproduzem ao pé da letra a disputa realizada na sessão solene de defesa
d as teses, m as sim um arranjo m etódico das anotações tom adas logo após, e que,
além disto, deviam ser dadas em aulas, dentro do currículo norm al num a segunda
reunião.
Sob a técnica um pouco pesada e uniform e dessas Sum as m edievais esconde-se u m a vida
intensa de discussões e de pesquisas expressivas de um a época em que a curiosidade e a
a gilidade intelectual foram notáveis. B possível que êsse form alism o tenha tido seus
inconvenientes, porém ele foi sobretudo um instrum ento de análise e de exposição de
incontestável eficácia.
Todos os gêneros literários acima definidos se encontram nas obras de S. Tom ás:
lições, segu idas de explicações, nos com entários filosóficos e escriturísticos;
s istem as de questões ainda ligadas a um texto, com o no caso de tôdas as Sentenças e
do De Trinitate; Questões disputadas e Quodlibets; escritos sistem áticos
independentes, m as onde se encontra ainda a divisão em questão, a Sum a teo lógica,
por exem plo;, obras m ais livres, agrupadas de ordinário sob o título de opúsculos;
finalm ente várias séries de serm ões ou de collationes, aos quais seria nece ssário
acrescentar, para ser com pleto, alguns trechos de poesia religiosa.
Os com entários constituem a base de todo estudo direto da filosofia de S. Tom ás.
Disso decorre seu interêsse para nós. Parece terem sido tem as de aulas privadas dadas
p elo m estre a seus irm ãos de religião.
Sabe-se que o interêsse dêsse com entário deve-se ao fato de que êle representa o
pensam ento de juventude de S. Tom ás. Pertence, aliá s, a um tipo de obra tão
clássica na Idade Média que não será inútil dizer algum a coisa a seu respeito.
Com postas em tôrno de 1150 pelo bispo de Paris, Pedro Lom bardo, as Sentenças
constituíam um a coleção bastante com pleta das principais questões teológicas, estando
e stas repartidas em quatro livros, tendo por objeto: o prim eiro, Deus uno e trino; o
segundo, a criação; o terceiro, a redenção e a graça; o quarto, os sacram entos e
os fins últim os. Êsse trabalho está longe de apresentar um a estrutura sistem ática
com parável à das futuras Sum as, porém isso m esm o contribuiu para seu sucesso pois dava
m ais lugar à livre interpretação. Por outro lado, as Sentenças se recom endavam por
sua ortodoxia e por um a larga inform ação escriturística e patrística. Um tal
conjunto de qualidades, ao m esm o tem po positivas e negativas, devia assegurar à obra de
Lom bardo um destino absolutam ente excepcional: durante vários séculos servirá de
m anual de teologia e pode-se avaliar em centenas o núm ero de com entários q ue foram
conservados.
12 . AS SU M AS.
S. Tom ás é célebre em tôda parte por sua Sum a teológica. Sabe-se m enos, em
contraposição, qu e esta obra pertence a um gênero literário m uito difundido em seu
te m po. Mons. Glorieux (art. Som m es théologiques, no Dict. de Th. cath.)
divide as sum as m edievais em três grupos, de intenção e de estrutura diferente s: as
Sum as com pilações, onde dom ina a preocupação da com pilação com pleta, porém não
organizada sistem àticam ente (florilégios de textos escriturísticos ou patrís ticos,
por exem plo. Na obra de S. Tom ás, a Catena aurea); as Sum as abreviadas, onde
sobretudo se busca a brevidade exata (gênero léxico ou catecism o); as sum as
sistem áticas finalm ente, que visam dar um ensinam ento de conjunto orgânicam e nte
estruturado. É neste últim o grupo que se encontram as duas grandes Sum as de S.
Tom ás.
A Sum a contra os Gentios é um a obra apologética que teria sido escrita a pedido de
Raim und o de Pennafort, m estre geral dos pregadores, por ocasião do problem a da
conversão dos m ouros do reino de Valência, recentemente reconquistado pelos cristãos.
Deve-se observar, entretanto, que os argum entos apresentados não visam unicam ent e aos
m uçulm anos. Os "gentios" são tam bém os heréticos, os judeus, os pagãos, em um a
palavra todos os heterodoxos. Há concordância em datar o início da Contra Gentiles
no final do prim eiro ensinam ento do m estre (1258 aproxim adamente). A obra teria
sido term inada na Itália (por volta de 1263-64) .
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Devido ao lugar considerável que os argum entos racionais têm na Contra Gentiles,
confere-se às vêzes a esta obra, em paralelism o com a "Sum a teológica", o título
d e "Sum a filosófica". Tal designação é totalm ente inexata, com o ressalta do
conjunto de seu conteúdo e, de sua intenção, form alm ente expressa em várias
passagens, que é a defesa das verdades da fé. Trata-se, portanto, de um a apologia
da fé católica, sistem àticam ente valorizada em face dos não-crentes e de suas
objeções.
A Sum a teológica não é fruto de um ensino escolar. Tam bém não é, propriam ente
falando, um a obra de circunstância. Ela re presenta m ais um a iniciativa pessoal do
m estre, realizada na intenção de auxiliar os estudantes principiantes. Com o observa
êle no Prefácio da obra, êstes encontram nas exposições habituais três espécies de
dificuldades: m ultiplicação de questões, artigos e argum entos inúteis, falta de
disposição m etódica nas razões alagadas que aparecem ao sabor das circunstâncias do
texto com entado ou por ocasião das disputas e, finalm ente, a fadiga e a confusão qu e
resultam da repetição dos m esm os argum entos. A fim de evitar êsses inconvenientes,
S. Tom ás se propôs a expôr a verdade cristã com brevidade e clareza (breviter ac
dilucide), quando a m atéria o perm itia. É fácil de se constatar que a apresentação
exterior da Sum a está perfeitamente adaptada a êsses fins: divisão sim ples e regular
em partes, questões, artigos; redução do núm ero das objeções, geralm ente a
apenas três, com um único argum ento sed contra; determ inação sob form a conden sada e
clara, da doutrina, no corpo do artigo; finalm ente, breve resposta às objeções.
Basta com parar a Sum a Teológica com outras obras da época para que estas vantagens
im ediatam ente apareçam .
A Sum a Teológica está construída sôbre o plano, aliás perfeitam ente clássico,
da processão das criaturas e de seu rotôrno a Deus, retôrno êste de início
considerado de m aneira m ais abstrata e do ponto de vista da m oralidade e, depois, na
perspectiva da Encarnação redentora ou do Christus, via. Bastará lem brar aqui os
títulos destas grandes divisões:
13 . OU TR AS OBR AS.
A segunda série com preende todo um grupo de opúsculos, de tam anho aliás m uito
variável, entre os quais não se pode deixar de assinalar, para a filosofia: o De
p rincipiis naturae, o De aeternitate m undi, o De ente et essentia, o De unitate
intellectus, e o com entário sôbre o De causis, obra de Proclus, bastante conhecida
na Idade Média, de cuja inautenticidade aristotélica S. Tom ás foi o prim eiro a
suspeitar.
N este parágrafo, pretendem os expôr apenas um a visão extrem am ente sum ária do
m ovim ento intelectual que se acha sob a influência de S. Tom ás.
A m ais viva oposição, no século XIII, vem principalm ente do grupo dos
teólogos, sob retudo franciscanos, que perm anecem m ais estritam ente ligados à tradição
a gostiniana. A essa oposição, e às reações que ela devia suscitar, se liga tôda
um a literatura polêm ica, cham ada corretórios, que m arca os avanços do pensam ento de
S. Tom ás no curso das décadas que se seguiram à sua m orte. Entre seus partidários,
destacam -se dois inglêses, GUILHERME DE MAKELFIELD e RICHARD
KLAPWELL, um m estre de Saint J acques cham ado J EAN GUIDORT, e o m estre geral
da Ordem , HERVÉ DE NÉDÉLEC.
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O prim eiro com entário própriam ente dito da Sum a teológica foi feito por um regente de
Toulouse, J EAN CAPRÉOLUS (t 144 4), que escreveu Defensiones
th eologicae Divi Thom ae.
Nesse m eio tem po, S. Tom ás havia sido canonizado por J oão XXII, em 18 de
julho de 1323. Será declara do Doutor da Igreja universal por S. Pio V, em
2 1 de abril de 1557.
Após um período de m enor fecundidade, o m ovim ento dos estudos escolásticos retom a um
nôvo vigor no início do século XVI. Na literatura tom ista, essa renovação se
tr aduz sobretudo pela produção de tôda um a série de com entários da Sum a que, pelo
m enos nas escolas dom inicanas, tornara-se o livro regular de texto. Os m estres
tom istas m ais célebres dessa época são:
SYLVESTRE DE FERRARA
(1476-1538), conhecido sobretudo pelo seu excelente
com entário da Contra Gentiles.
B. Mestres jesuítas.
E sabido que, após um período de recolhim ento no século XVIII 'e no início do
século XIX, a vida intelectual foi retom ada com intensidade na Igreja. Em um
d ocum ento que teve grandes repercussões, a encíclica Aeterni Patris(1879), o
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papa Leão XIII aconselhou um retôrno a S. Tom ás. Foge de nossa pretensão
apresentar, a não ser sob a form a de um esbôço, a história de um m ovim ento de
pensam ento que até hoje agita profundam ente a Igreja contem porânea. Seus re sultados
doutrinais, que logo vieram se acrescentar aos de pesquisas históricas e crítica s cada
vez m ais ativas, têm sido incontestàvelm ente m uito consideráveis.
Além da edição Piana (1570 -1571), que é a prim eira coleção das Opera
om nia, devem -se destacar as duas outras coleções com pletas atualm ente em uso:
A edição crítica definitiva será a Leonina, da qual sòm ente 16 volum es,
contendo as duas Sum as e os com entários lógicos e físicos, apareceram até esta
data. A Sum a teológica vem acom panh ada do com entário de Caietano. A Contra
Gentiles, vem acom panhada do Com entário de Sylvestre de Ferrara.
P ara um a iniciação geral, recomendam -se em prim eiro lugar, em francês, as obras
d os três m estres universalm ente reconhecidos:
Em seu sentido m ais geral, a filosofia não é senão o que com um ente se entende por
sabedoria. A denom inação m esm a de filosofia rem ontaria a Pitágoras que, por
m odéstia, e considerando que a sabedoria própriam ente só poderia convir a Deus, teria
reivindicado som ente o título de "philosophos", isto é, am igo da sabedoria.
Com o hom em , nós nos elevam os m ais alto, até ao nível da arte e do raciocínio. A
arte aparece quando, de um a m ultidão de noções experim entais, se desprende um único
julgam ento universal aplicável a todos os casos sem elhantes. Com efeito, form ar o
julgam ento de que tal rem édio aliviou Cállias, atingido por tal doença, depois
Sócrates, depois vários outros individualm ente considerados, é o fato da experiência.
Porém declarar que tal rem édio aliviou a todos os indivíduos atingidos pela m esm a
doença, isto já pertence à arte. Com a arte nós estam os no plano do conhecimento
verdadeiram ente racional, que se distingue do grau inferior do saber, nisso que o hom em
não se contenta m ais em constatar sim plesm ente a existência dos fatos, m as procura-lhe
tam bém a razão explicativa ou a causa. A ciência, que se encontra no m esm o nível,
acrescenta à arte o caráter de conhecim ento desinteressado. O sábio busca o saber
pelo saber, e sem se preocupar diretam ente com sua utilidade ou aceitação.
senso com um , que é tam bém um a form a não cientificam ente elaborada de conhecim ento.
Basta reproduzir aqui a conclusão do estudo que Maritain consagrou a êsse assunto
(Élem ents de Philosophie thom iste, 1. Introduction générale à Ia philosophie,
20
pp. 87-94) : "A filosofia não é fundam entada sôbre a autoridade do senso com um
tom ado com o consenso geral ou com o instinto com um da hum anidade, ela deriva todavia do
senso com um se se considera nêle a in teligência dos princípios imediatam ente
evidentes. Ela é superior ao senso com um com o o estado perfeito ou "científico" de um
conhecim ento verdadeiro é superior ao estado im perfeito ou "vulgar" dêste m esm o
conhecim ento. Todavia, a filosofia pode ser, por acidente, julgada pelo senso
com um ".
Exprim indo-se assim , Maritain entende colocar a filosofia tom ista, na qual êle
pensa, entre as afirm ações sim plistas da escola escocesa, e algum as pretensões da
crítica m oderna. A filosofia não tem de buscar outro fundam ento senão ela m esm a,
sendo ela o estado superior e científico da possessão dos princípios. Todavia, ela
está em acôrdo e em continuidade com o conhecim ento vulgar dêsses m esm os princípios.
Disto pode-se concluir, com o precedentemente, que a filosofia se distingue das form as
com uns do saber pelo seu caráter de ciência ou de conhecim ento explicativo.
Para Aristóteles, a diferença procede de que a filosofia não explica pelas m esm as
causas que as ciências particulares. As causas form am , com efeito, um a ordem , um a
hierarquia; existem causas inferiores e causas de grau m ais elevado. Um a vez que eu
descobri um a causa, posso procurar a causa dessa causa, e assim sucessivam ente. . .
É desta m aneira que eu explicaria sucessivam ente o eclipse pela interposição da lua, a
interposição pelas leis m ecânicas do sistem a solar, estas leis pela gravitação, a
gravitação, talvez, pela estrutura da m atéria, e a m atéria por Deus. A filosofia
é, nessa linha de procura, a explicação pelas causas m ais elevadas, pelas causas
prim eiras, quer dizer, por causas que se bastam a si m esm as e além das quais nada m ais
há a procurar. Tal é a razão formal pela qual a filosofia se distingue das ciências
particulares. Rigorosam ente falando, esta definição só convém , de m aneira
adequada, à m etafísica. Entretanto, ela pode ser estendida a todos os dom ínios do
saber, lógica, cosm ologia, psicologia etc., por onde, independentem ente do cam inho
trilhado, se tem acesso tam bém ao nível superior de explicação.
Pode-se observar, aliás, que as causas m ais elevadas são ao m esm o tem po as m ais
universais: a gravitação, por exem plo, explica m ais fatos do que tal lei particular de
m ecânica celeste e Deus, que está no ápice, explica tudo. Portanto, absolutam ente
nada há que não esteja com preendido no objeto da filosofia, a qual tem , desta form a,
o m áxim o de extensão. Assim é que podem os dizer, em conclusão, que "a filosofia
é o conhecim ento pelas causas prim eiras e universais":
4 . FILOSOFIA E TEOLOGIA.
Existe harm onia entre as duas sabedorias. Devido à sua origem com um que é a
Sabedoria divina, filosofia e teologia não podem se contradizer em face de um m esm o
objeto. Não há duas verdades, com o sustentaram m ais ou m enos abertam ente os
averroistas ou, com o se diz de m aneira corrente, existe acôrdo entre a razão e a fé.
A filosofia, por sua vez, presta serviço à teologia assegurando-lhe o conjunto dos
instrum entos racionais que lhe são necessários para se constituir em ciência. Com o
nesta função ela perm anece, entretanto, sem pre subordinada à ciência do revelado,
23
diz-se-que ela age a título de serva da teologia, ancilla theologiae.
Êste problem a das relações entre a filosofia e a teologia, que aqui não pudem os
senão aflorar, foi objeto de um a reflexão contínua no curso da história do pensam ento
cristão, e não podia deixar de ser assim , um a vez que o espírito hum ano se via
solicitado pelos dois lados ao m esm o tem po.
Até o século XIII, o pensam ento cristão ocidental foi sobretudo representado por
esta grande corrente de especulações que, rem ontando ao doutor de Hippone, é
conhecida sob o nom e de agostinism o. Pensava-se então com o teólogo, ou com o
cristão, utilizando-se evidentem ente dos recursos do pensam ento racional, m as sem se ter
a preocupação de desenvolver sistem àticam ente a êste. A teologia absorvia de certa
form a a filosofia, a tal ponto que o lim ite dos dois saberes perm anecia um pouco
incerto. - A descoberta, no século XIII, da física e da m etafísica de
Aristóteles, colocando os cristãos pela prim eira vez em face de um poderoso sistem a
racional foi ocasião para um a grande perturbação nos espíritos. O problem a das
relações entre as duas sabedorias surgiu, então, e de m aneira por dem ais aguda. S.
Tom ás iria superar essa crise dando, de m aneira m uito clara à filosofia, seu estatuto
autônom o de ciência, sem por isso, evidentem ente, subtraí-Ia à regulam entação
suprem a da sabedoria revelada. - Não é sem interêsse assinalar que, hoje, essa
questão tem sido de nôvo objeto de vivas discussões na França, discussões suscitadas
por estudos de Bréhier que pretende sustentar, sem razão, que a filosofia m edieval
não era um a verdadeira filosofia, um a vez que havia: sido elaborada sob o dom ínio do
dogm a. (cf. sôbre êste debate, La philosophie chrétienne, J uvisy, 1933).
Deixando de lado o caso da lógica, que pode ser encarado seja com o instrum ento de tôda
a filosofia (Aristóteles, habitualm ente), seja com o um a ciência especial (S.
Tom ás no texto precedente), êste quadro corresponde bem à divisão tripartida
clássica do aristotelism o, e nós poderem os, em definitivo, adotar a classificação
seguinte:
Philosophia speculativa
Isto pôsto, vejam os com o se definem os três graus de abstração e, por êste m esm o
fato, as três grandes partes da filosofia teórica que lhes correspondem . O prim eiro
esfôrço da inteligência abstrativa consiste em considerar as coisas sensíveis
independentem ente de seus caracteres individuais: o hom em , por exem plo, sem o que é
próprio a cada hom em em particular. Neste caso, eu abstraio de "tal m atéria" ou da
"m atéria individual", a m atéria signata vel individuali, conservando os caracteres
sensíveis com uns, m ateria sensibilis. A êste prim eiro grau de abstração corresponde
a filosofia da natureza ou cosm ologia, a física de Aristóteles. O segundo esfôrço
da inteligência abstrativa consiste em con siderar as coisas independentem ente de suas
qualidades sensíveis e de seus m ovim entos, para reter tão sòm ente as determ inações
de ordem quantitativa, figura geom étrica, relações num éricas, etc . . .
Mantém -se, entretanto, ainda neste nível, o que na m atéria se relaciona com a ordem
quantitativa: a m atéria inteligível, m ateria intelligibilis. A êste segundo grau de
26
abstração correspondem as ciências m atem áticas. Finalm ente, a inteligência
abstrativa considera as coisas independentem ente de tôda m atéria, não retendo senão
as suas determ inações absolutam ente im ateriais: abstração separativa da m atéria
inteligível e do m ovim ento: a m ateria intelligibili et m otu. Ao terceiro grau de
abstração corresponde a m etafísica (filosofia prim eira ou teologia conform e as
designações de Aristóteles). E S. Tom ás conclui (Metafísica, VI, 1. 1,
n.o 1166):
6 . AS CLASSIFICAÇÕES M OD ER N AS E A ESCOLÁSTICA.
Na origem da evolução a respeito da qual vam os falar, deve ser lem brada a influência
principal da classificação do filósofo alem ão Wolff (século XVIII). Wolff,
em seus fam osos m anuais, distinguia inicialm ente três grandes gêneros de conhecim ento:
o conhecim ento histórico (experim ental), o conhecimento filosófico e o conhecim ento
m atem ático. As m atem áticas se viam assim excluídas da filosofia. Depois,
considerando que nossa alm a tem duas faculdades principais, a inteligência e a vontade,
e que elas podem igualm ente falhar, êle designa duas outras partes da filosofia para
dirigi-Ia: a lógica, para a razão, e a filosofia prática para a vontade.
Finalm ente, observando que existem noções gerais com uns a tôda a filosofia, êle
coloca ainda à parte um a secção especial, a ontologia. As principais partes da
filosofia são portanto, na ordem em que convém estudá-las: a lógica, a ontologia,
a física, a cosm ologia, a teologia natural, a filosofia prática. Haveria m uito a
dizer a respeito desta classificação e sôbre os princípios que a inspiraram . Basta
aqui observar que ela introduz duas im portantes inovações: a divisão da física em um a
cosm ologia e em um a psicologia nitidam ente separadas, e a da m etafísica em ontologia e
em teodicéia. Daí por diante, num erosos m anuais, m esm o em filosofia aristotélica,
adotarão essas subdivisões e êsses títulos.
Na época contem porânea, novos dom ínios do saber filosófico tiveram a tendência de
se constituir de m aneira independente; pensam os especialm ente na sociologia, que m uito
se desenvolveu e, na teoria crítica do conhecim ento. Ainda aqui, a escolástica
julgou dever-se m ostrar receptiva.
Que devem os pensar, em tom ism o autêntico, dessa evolução da classificação recebida
dos antigos? Certam ente, nada im pede que se façam subdivisões e m esm o que se
m ultipliquem nos grandes planos do saber; porém , algum as destas subdivisões podem ser
feitas de um a m aneira inoportuna, correndo o risco de com prom eter a solidez do
27
edifício.
Não há dúvida, por exem plo, de que a constituição universalm ente recebida agora,
de um a psicologia separada da filosofia da natureza, se ela se justifica, tem o
inconveniente de encobrir a continuidade não m enos real destas duas disciplinas. De
conseqüência m ais deplorável ainda, apresenta-se o desm em bram ento da m etafísica, a
única sabedoria dos antigos, em ontologia, teodicéia e, algum as vêzes, em crítica.
Neste ponto pelo m enos, o uso, que tem sua origem em Wolff, deve ser abandonado. Um a
única ciência suprem a, a m etafísica, tem valor crítico, e term inando em Deus com o
em seu têrm o natural. Levando-se em conta essas observações, pode-se organizar da
m aneira seguinte uma exposição m oderna da filosofia de S. Tom ás:
É da natureza do hom em dirigir-se pela razão. Porém, esta faculdade não exerce seu
poder de direção apenas sôbre atividades que lhe sejam exteriores e dependam de outras
potências, tais com o a vontade ou a sensibilidade. Ela dirige igualm ente os seus
próprios atos e, nesta ação de dirigir com o nas outras, ela é ajudada por um a
técnica especial: a arte racional ou Lógica, que a torna apta a realizar sua tarefa
com êxito. De um a m aneira geral, pode-se definir esta arte com S. Tom ás: "a
arte que dirige o próprio ato da razão, quer dizer, que nos faz proceder, neste ato,
com ordem , com facilidade e, sem êrros".
Poster. Analít.
I, L 1, n 1
Vam os explicar, logo de início, o que se deve entender por ser de razão. S.
Tom ás (Metaf., IV, 1. 4, n. 547) distingue duas m odalidades essenciais do
ser da natureza, ou o ser real, e o ser de razão. O ser real é aquêle que existe ou
pode existir independentem ente de qualquer consideração do espírito. O m undo que m e
rodeia, com tôdas as suas possibilidades efetivas de transform ação, pertence à
realidade do ser que, pense-se ou não se pense nela, existe. O ser de razão é
aquêle que, apesar de estar representado à m aneira de um ser real, não pode existir
independentem ente do pensam ento que o concebe. Por exem plo, as privações, as
negações e um certo núm ero de relações. O núm ero negativo, o gênero anim al não
existem , com o tais, senão na inteligência que os representa. Os escolásticos
distinguem ainda o ser de razão fundam entado na realidade, cum fundam ento in re, do ser
de razão não fundam entado na realidade, sine fundam ento in re. O prim eiro, em bora
não exista verdadeiram ente senão no espírito, tem um fundam ento objetivo; o segundo
seria pura construção subjetiva. O ser de razão se divide em negações e
relações. Essa divisão é essencial e necessária, pois o ser de razão só pode ser ou
algum a coisa que, por natureza, se oponha à realidade, ou então esta categoria m ais
exterior e, portanto, m ais independente da substância que é a relação.
O ser de razão lógico pertence a esta últim a categoria da relação de razão. Ele
designa o objeto de nosso pensam ento considerado no entrelaçamento de relações que êle
recebe no espírito, pelo fato de ser êle concebido pelo próprio espírito. Se, por
exem plo, eu form o os conceitos de "hom em " ou de "anim al", êstes conceitos,
considerados em sua universalidade, não existem com o tais na realidade. Da m esm a
form a, se eu pronuncio êste julgam ento: "o hom em é um anim al", o têrm o "hom em " em
sua função de sujeito, e o têrm o "anim al" considerado com predicado, não têm
evidentem ente realidade senão no espírito que julga. Observe-se todavia, que êles
não são sem fundam ento na realidade um a vez que correspondem a um a ordem real das
naturezas e dos indivíduos.
Para concluir, direm os, firm ados nas explicações precedentes, que a m etafísica
considera o objeto pensado, a psicologia o pensam ento do objeto, e a lógica o objeto do
pensam ento.
O objeto da lógica tam bém é freqüentem ente caracterizado pela expressão de segundas
intenções. Que devem os entender por isto? As prim eiras intenções designam 'nossos
conceitos considerados em sua relação im ediata com a realidade, ou em sua aptidão para
representá-la; correspondem ao olhar direto do espírito sôbre as coisas. Por segundas
intenções, deve-se entender êstes m esm os conceitos nas relações objetivas que êles
recebem pelo fato de serem pensados. O con ceito de "hom em ", por exem plo, considerado
com o prim eira intenção, exprim e a realidade m esm a da natureza hum ana; a título de
segunda intenção, êle designa esta natureza hum ana no estatuto de idéia universal de
que ela se revestiu no espírito. A filosofia da realidade se detém nas prim eiras
intenções, enquanto que a lógica vai às segundas intenções que não são outra coisa
senão o ser de razão lógica.
A sim ples apreensão, ato sim ples do espírito, dirigida para um objeto sim ples ou
concebido com o tal. É a atividade elem entar da vida do pensam ento, aquela pela qual se
apreendem noções sim ples tais com o: "hom em ", "quadrúpede", "branco".
O julgam ento, ato igualm ente indiviso, m as aplicado sôbre um objeto com plexo:
nom e-verbo, ou sujeito-cópula-predicado. Ex.: "a chuva cai", "êste m uro é
branco". Não há julgam ento sem que haja pelo m enos dois têrm os presentes, m as o
julgam ento nem por isto deixa de ser um a atividade sim ples, um a vez que êle é a
afirm ação ou a negação da própria unidade dêsses dois têrm os. S. Tom ás designa
habitualm ente essa operação pelas significativas expressões de "com positio" e de
"divisio", segundo o julgam ento seja afirm ativo ou negativo.
É visível que de duas verdades reconhecidas nas duas prim eiras proposições eu passo à
aquisição de um a terceira verdade, que se acha expressa na conclusão.
Alguns lógicos m odernos, im pressionados pelo lugar excepcionalm ente im portante que o
julgam ento tem na vida do espírito, pretenderam fazer dêle a atividade elementar e
prim eira do pensam ento. Segundo essa concepção, a prim eira operação do espírito
desaparece, ou pelo m enos aparece sòm ente com o um a divisão abstrata do julgam ento, que
fica sòm ente êle, com o um ato real e com pleto. - Tem os de reconhecer, com êsses
lógicos que o julgam ento constitui, sob um certo ponto de vista, a atividade m ais
perfeita do espírito. O próprio raciocínio tem com o têrm o um
julgam ento-conclusão. Porém não é m enos verdade que, anteriorm ente ao julgam ento, a
sim ples apreensão perm anece a atividade elem entar do pensam ento, e um a atividade
psicològicam ente discernível. O julgam ento, com efeito, é essencialm ente um a
síntese de dois têrm os preexistentes. Com o é que essa síntese poderia ter uma
realidade se os têrm os que ela pressupõe não foram apreendidos anteriorm ente?
Essa divisão corresponde à própria ordem do Organon de Aristóteles que trata: nas
Categorias, da sim ples apreensão; no Periherm eneias, do julgam ento; e nos
Analíticos e livros seguintes, do raciocínio (cf. S. Tom ás, II Analíticos,
I, 1. 3, nº s 4-6, e Periherm eneias, I, 1. 1, n.os 1-2). Eis aqui
êste últim o texto, que traz um bom resum o do que acabam os de dizer:
A tradição aristotélica e m esm o, em larga escala, a lógica m oderna retom aram essa
divisão da "ars logica" segundo as três operações do espírito. Porém
Aristóteles, sob um outro ponto de vista, propôs um a outra distinção - a da form a e
da m atéria do raciocínio - que, vindo interferir com a precedente, não se deu sem
com plicar as coisas, sobretudo pelo fato de que a escolástica posterior estendeu o seu
uso a tôda a lógica.
Para que êste raciocínio seja justo, é necessário que a ordem das proposições que
o com põem (sua form a) seja correta. É necessário, em segundo lugar, que cada um a
de suas proposições tom adas à parte (sua m atéria) seja lògicam ente verdadeira.
Haverá, portanto, condições form ais e condições m ateriais quanto à exatidão de um
raciocínio. O próprio Aristóteles consagrou esta distinção tratando em dois livros
diferentes, os Prim eiros e os Segundos Analíticos, destas duas ordens de
condições. S. Tom ás, por sua vez, a retom a, justificando-a da seguinte m aneira:
Os Prim eiros Analíticos tratam ex professo do raciocínio form al. Êsse raciocínio
é para Aristóteles essencialm ente o silogism o ou dedução. Porém em várias
passagens êle apresenta um outro tipo de raciocínio, a indução, estudado m uito
ràpidam ente m as sôbre o qual os m odernos se deterão, com interêsse. Um a exposição
com pleta da lógica form al do raciocínio deve, portanto, com portar duas secções que
tratem respectivam ente do silogism o e da indução.
Salvo indicações especiais, o que será dito neste curso sôbre os sinais valerá
proporcionalm ente para o pensam ento e vice-versa. Deve-se observar que, em linguagem
lógica, designa-se, às vêzes, pela m esm a palavra, o trabalho m ental e o sinal verbal
correspondente, enquanto que em outros casos em pregam -se palavras diferentes. O m apa
seguinte dá, para cada um a das operações do espírito, o vocabulário correspondente
aos dois níveis de expressão.
OPERAÇÕES
1. Conceito
2. Proposição ou juízo
3. Raciocínio ou argum entação
SINAL ORAL
1. Têrm o
2. Proposição
3. Raciocínio ou argum entação
8 . BIBLIOGR AFIA.
Das obras clássicas da escola tom ista destacar-se-á sobretudo a Lógica do Cursus
philosophicus de J oão de S. Tom ás.
Recom endam os, de m odo especial, L'Ordre des Concepts, t. II dos Élém ents de
Philosophie de J . Maritain (Paris, Téqui, 1923) . Querem os afirm ar um a vez
por tôdas que, sôbre um certo núm ero de pontos, nosso curso é devedor dos
esclarecim entos trazidos por êste últim o trabalho.
37
IV
O m ais sim ples elem ento que entra na com posição do raciocínio é o conceito ou o
têrm o. A prim eira questão que se coloca a seu respeito é a de sua form ação ou da
operação pela qual êle é constituído. Essa operação, já o dissem os, é a sim ples
apreensão. De um a m aneira geral assim se define essa operação: o ato pelo qual a
inteligência percebe a essência de um a coisa, quidditas, sem afirm ar ou negar o que
quer que seja a seu respeito
Esta operação tem com o prim eiro caráter a sim plicidade. Sim plicidade, de início,
quanto ao objeto. Êsse objeto é a essência da coisa, quer dizer, o que se exprim e
quando se deseja responder à questão quid est, o que é? Responde-se, portanto,
por um têrm o sim ples: é um "hom em ", um "anim al". Em si, a essência é algum a
coisa de sim ples. As vêzes, é verdade, em pregar-se-á para exprim i-Ia um têrm o
com plexo, "anim al racional", "hom em branco", porém essas com plexidades não são
objeto de sim ples apreensão a não ser na m edida em que conservam um a certa unidade. O
objeto da sim ples apreensão é sem pre encarado com o sendo um a unidade, assim é com
m uita pertinência que S. Tom ás definiu essa operação: a inteligência dos
indivisíveis, indivisibilium intelligentia. O ato pelo qual o espírito percebe essa
essência indivisível das coisas é êle próprio sim ples, quer dizer, não im plica em
nenhum a síntese, em nenhum m ovim ento com o acontece no julgam ento e no raciocínio. É
um a visão sim ples: um a sim ples apreensão.
Em segundo lugar, êsse ato caracteriza-se por seu m odo abstrato. A quididade
representa a natureza de um a coisa em geral, independentem ente de suas condições de
realização, em tal ou tal indivíduo. Designa, por exem plo, "o hom em " e não tal
hom em particular, Sócrates, Platão. Sob êsse aspecto, a sim ples apreensão se
distingue de tôda e qualquer visão intuitiva dos sêres em sua existência concreta
atual. Êsse m odo concreto será, nós o verem os, característico da segunda operação
do espírito.
Finalm ente, a sim ples apreensão tem , com o propriedade distintiva, na ordem do
conhecim ento, o ser sem verdade nem falsidade. Ela não afirm a nem nega, apenas
percebe, sem m ais, o objeto que lhe é apresentado. O julgam ento, pelo contrário,
que sem pre im plica em afirm ação ou negação, ocasionará necessàriam ente um a
qualificação de verdade ou de falsidade. O conceito de "hom em " não é nem verdadeiro
nem falso, enquanto que é necessàriam ente verdadeiro ou falso afirm ar: "êste anim al
é um hom em ".
2 . O CON CEITO.
O conceito é aquilo que o espírito form a ou esprim e em sua prim eira operação. Êle
se distingue do têrm o, escrito ou oral, que é o seu sinal exterior. Não podem os
esquecer que o lógico se coloca aqui, em seu estudo, sob o ponto de vista das segundas
intenções, isto é, do ser de razão lógico. Portanto, êle não considera
im ediatam ente o conceito nem com o ato da inteligência, nem em seu conteúdo de
realidade, m as no conjunto das relações de razão que êsse conceito adquire no
exercício do pensam ento.
Prim eiram ente, há um certo conteúdo pelo qual êle se m anifesta a nós e se distingue
dos outros conceitos. Salvo para o caso das prim eiríssim as noções, êsse conteúdo
poderá ser dissecado em um certo núm ero de notas ou de caracteres distintivos. Por
exem plo, no conceito "hom em " distinguir-se-ão as notas "vivente", "anim al",
"racional". O conjunto das notas que caracterizam um conceito é cham ado sua
com preensão. Em si, a com preensão de um conceito im plica tudo o que exprim e sua
definição: gênero e diferença específica. Pode-se incluir tam bém suas propriedades
necessárias. A com preensão será, portanto,
Se agora consideramos o conceito em sua função de universal, vem os que êle tem
necessàriam ente relação com um certo núm ero de sujeitos: o conceito "anim al", por
exem plo, relaciona-se com as diferentes espécies anim ais e com os indivíduos que elas
com preendem . Cham ar-se-á, pois, extensão
Observem os que não se trata som ente, nesta definição, dos sujeitos atualm ente
existentes, m as tam bém de todos os sujeitos possíveis, m esm o daqueles que não serão
m ais. O conceito de "hom em " se estende a todos aquêles que possuem , possuíram ou
poderão possuir a natureza hum ana. Quando se trata dos indivíduos, a extensão de um
conceito é, portanto, indefinida e não m uda com a variação de seu núm ero real.
39
4 . R ELAÇÕES EN TR E A COM PR EEN SÃO E A EX TEN SÃO.
Para algum as filosofias, com tendência nom inalista, a realidade é, antes de tudo, o
singular, e o conhecim ento intelectual a apreensão do singular. Segundo tais
concepções, a extensão se torna naturalm ente o caráter prim ordial do conceito, não
sendo êste senão um nom e com um form ado pelo espírito para agrupar indivíduos.
Raciocinar seria antes de tudo classificar. Tem -se aí o que se poderia cham ar um a
lógica de tipo extensionista.
É fácil concluir, em vista do que foi explicado, que a com preensão e a extensão
estão em razão inversa um a da outra: um a crescendo, a outra decresce, e inversam ente.
O conceito de "hom em ", "anim al racional", tem assim um a extensão m enor do que o de
"anim al", m as tem um a com preensão m aior, porque contém em si o caráter específico
"racional" que não foi expresso no conceito genérico de "anim al".
Pode-se dividir e classificar os conceitos sob diferentes pontos de vista. Não nos
deterem os aqui senão nas distinções que se relacionam im ediatamente com as noções de
com preensão e de extensão, deixando as outras divisões para o estudo da teoria do
têrm o, dos predicáveis e dos predicam entos.
Do ponto de vista da com preensão, distinguem -se os conceitos em sim ples e com plexos
segundo que o conteúdo que êles exprim em atualm ente seja tam bém sim ples ou com plexo:
"hom em " é um conceito sim ples, "anim al racional", um conceito com plexo.
Conceitos concretos e abstratos. Os prim eiros significam a essência da coisa com o seu
sujeito: "hom em ". Os segundos sign ificam a êssencia sem o seu sujeito:
"hum anidade". Essa diversidade se deve ao m odo de abstração.
O conceito tom ado em tôda sua extensão é freqüentem ente cham ado: universal
distributivo.
Distingue-se tam bém , do ponto de vista dos sujeitos, o conceito coletivo, (que não
pode ser realizado senão em um grupo de sujeitos: exército, sociedade) e o conceito
divisivo (que se encontra integralm ente em cada sujeito: soldado, sócio).
6 . O TÊR M O.
Não tendo a linguagem outra finalidade a não ser a de exprim ir o pensam ento, devem os
naturalm ente encontrar nela os elem entos do pensam ento. É assim que ao conceito
corresponde o têrm o, oral ou escrito, que pràticam ente não é senão um a
representação daquêle. O que se dirá de um , do ponto de vista lógico, valerá sem
reserva especial para o outro.
Dever-se-á observar, além disso, que os têrm os, voces, não são sinais da m esm a
m aneira que os conceitos. Os têrm os não contêm as coisas que êles próprios
significam, êles som ente conduzem a elas com o a qualquer coisa de distinto. Os
conceitos, ao contrário, representam as coisas e m esm o, sob um certo ponto de vista,
na m edida em que exprim em a essência, êles são as próprias coisas que representam .
Os escolásticos, J oão de S. Tom ás em particular, fizeram essa distinção. O
têrm o é o que êles cham am um sinal instrum ental, enquanto que o conceito é um sinal
form al.
Concretos ou abstratos
Coletivos ou divisivos.
A divisão dos term os com o partes da enunciaçãofoi exposta por Aristóteles nos
prim eiros capítulos do Perihermeneias. O prim eiro discernim ento que aqui se im põe é
o das partes essenciais e das partes accessórias da enunciação; a lógica
pràticam ente não terá de se ocupar dos prim eiros. As partes essenciais da enunciação
são os têrm os categorem áticos (significativi), que representam diretam ente algum a
coisa não entrando na enunciação para m odificar um outro têrm o.
Exem plo: "hom em ", "branco", "cair.". Há duas espécies dêles: o nom e e o
verbo. As partes acessórias da enunciação são os têrm os sincategorem áticos
(consignificativi) que não têm significação senão enquanto m odificam um elem ento
42
essencial do discurso. São os adjetivos, qualificativos, ("um a bela casa"); as
preposições e os advérbios ("faz m uito calor").
Com o dissem os, são êstes os elem entos lógicos essenciais da enunciação. Tôda
enunciação com preende, necessàriam ente, pelo m enos um nom e e um verbo: dois nom es
isolados ou dois verbos constituem apen as um conjunto sem significação própria,
enquanto que um nom e e um verbo são suficientes para constituir um a verdadeira
proposição: "a chuva cai".
O nom e e o verbo se distinguem profundam ente pela m aneira pela qual êles significam a
coisa que representam . O nom e faz abstração da existência no tem po, representando as
coisas com o estáveis, m esm o se sua natureza é, na realidade, móvel: "hom em ",
"branco" "queda". É o aspecto essência que assim se acha expresso. O verbo, pelo
contrário, inclui em sua significação a existência atual. Êle representa as coisas em
sua m utação, em seu vir-a-ser, com o sujeitas a m odificações no tem po. É o lado
da existência das coisas que é aqui colocado em relêvo. O verbo essencial será o
verbo ser que as outras form as verbais contêm de m aneira pelo m enos im plícita. Nom e e
verbo se com binam e se com pletam , assim , no discurso, o prim eiro exprim indo o aspecto
de determ inação estável, o segundo aspecto dá atualidade m utável das coisas.
Tem os agora, condições para com preender a definição que se dá, sintetizando tôdas
essas observações, a essas duas espécies de têrm os:
O verbo é um têrm o significativo no tem po, do qual ne nhum a parte tem significação
por si própria, que é finito, de tem po direto, e relaciona-se sem pre ao predicado:
vox significativa ad placitum , cum tem pore, cujus nulla pars significat separata,
finita et recta, et eorum quae de altero praedicantur sem per est nota.
Vox significativa ad placitum exprim e a definição do têrm o. Cum tem pore distingue o
verbo do nom e. Cujus nulla pars significat separata exclui os verbos com postos. Finita
exclui os verbos indefinidos ou indeterm inados "não passa bem ", "não está
doente". Recta exclui os tem pos passados ou futuros "êle passou bem ", "êle passará
bem ". Êste detalhe tem sua im portância porque torna patente que Aristóteles não
43
desejou visar, ao afirm ar que o verbo significava cum tem pore, a diversidade
passado-presente-futuro, m as sòm ente o m odo presente. O passado e o futuro "declinam "
da significação própria do verbo. Et de eorum quae praedicantur sem per est nota
exclui o particípio e o infinitivo, que podem se relacionar tanto ao sujeito quanto ao
predicado ("viver é um bem ") enquanto que o verbo se m antém sem pre do lado do
predicado.
Observe-se que essa divisão não leva em conta a cópula nem o verbo em sua função de
cópula. É que, nós o verem os em seguida, o silogism o não tem com o função
construir, a verdade pela afirm ação, m as sim inferi-Ia a partir de princípios que se
supõem verdadeiros. A cópula não entra, portanto, a título de elem ento form al no
raciocínio, ainda que ela seja necessária para a form ação das proposições que são
com o que sua m atéria.
44
45
V
Darem os algum as precisões. Antes de tudo, a definição não é um têrm o sim ples.
O objeto deve ser uno em sua essência, m as com o se trata justam ente de deslindar a
confusão na qual esta prim itivam ente se acha apresentada, tal não pode se dar senão por
algum discurso ou algum a frase, oratio, ou por um têrm o com plexo. Êste têrm o é
necessàriam ente com posto de dois elem entos: um elem ento genérico, ou quase genérico,
que m arca o aspecto pelo qual o objeto a definir se assim ila aos objetos da classe
superior ou gênero, e um elem ento específico, ou quase específico, que denuncia a
diferença que o distingue dêstes m esm os objetos. Na definição do triângulo,
"polígono de três lados", o elem ento genérico é "polígono", o triângulo pertence
ao gênero "polígono"; "de três lados" designa o caráter específico: o
triângulo se distingue dos outros polígonos visto que êle é um a figura "de três
lados".
Em segundo lugar, a definição, se bem que ela seja um têrm o necessàriam ente
com plexo, depende da prim eira operação do espírito e não da segunda. Não há na
definição nem afirm ação de ser nem , pròpriam ente falando, verdade ou falsidade: há
a sim ples associação de um a "razão" genérica e de um a determ inação específica.
J ulgam entos terão podido intervir na form ação de uma definição, poder-se-á m esm o
enunciar um a definição em um julgam ento: "o triângulo é um polígono de três
lados", m as a definição com o tal resta sem pre um a sim ples percepção do espírito.
São as condições às quais deve se subm eter um a definição para ser correta.
Com o a definição, a divisão tam bém é um têrm o com plexo, não com portando nem
afirm ação, nem negação: ela pertence tam bém à prim eira operação do espírito.
Distinguem -se, em tôda a divisão, três elem entos: o todo que se divide, suas
partes, e o fundam ento da divisão. O fundam ento designa o ponto de vista form al com
relação ao qual é feita a divisão (a divisão em azul, branco, verm elho, tem assim
com o fundam ento a côr) : êle é, portanto, o elem ento determ inante dessa
operação, e é pràticam ente sôbre êle que será necessário dirigir a atenção quando
se efetuar divisões.
6 . ESPÉCIES D E D IVISÕES.
7. LEIS D A D IVISÃO.
1. IN TR OD U ÇÃO.
O livro das Categorias que se relaciona m ais especialm ente com a prim eira operação do
espírito, teve, na Idade Média, um papel extraordinário. Isso decorre do fato de
que foi justam ente até o século XIII um dos m ais raros escritos conservados de
Aristóteles. Mas as coisas se com plicam quando se sabe que êsse livro foi geralm ente
utilizado com um a introdução que o neoplatônico Porfírio (Séc. III D .
C.) havia com posto para êle. Essa introdução, a fam osa Eisagoge, figurava,
aliás, na tradução deixada por Boécio. Encontra-se aí um estudo dos cinco têrm os
gerais: gênero, espécie, diferença, próprio e acidente (donde o subtítulo, De
quinque vocibus) que tom aram o nom e de Predicáveis.
2 . D OS U N IVER SAIS.
O fam oso texto de Porfírio-Boécio que originou a querela dos universais é assim
redigido:
As três questões que Porfírio levanta aqui, e que êle se recusa, aliás, a
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resolver, têm ligação, igualm ente, com a realidade e com a objetividade das idéias
universais. Observar-se-á sem dificuldade que as duas últim as dependem , para sua
solução, da prim eira, em tôrno da qual todo o debate se fixou: as idéias de gênero e
de espécie (os universais) subsistem em si próprias, quer dizer na realidade, ou'
não teriam existência a não ser na inteligência? É pròpriam ente um problem a de
m etafísica, o que não interessa à lógica senão na m edida em que ajuda a m elhor
perceber a natureza do universal. Portanto, não tratarem os dêle aqui, senão de
m aneira suscinta, e sobretudo à m aneira de conclusão.
De um a m adeira geral, pode-se definir o un iversal com o "algum a coisa que é apta a se
encontrar em m uitas":
Representa com o que o elem ento com um a um conjunto de sujeitos que se cham am seus
inferiores e aos quais, em conseqüência, êle pode ser atribuído: assim "anim al"
é um universal com relação às diferentes espécies anim ais; "hom em " é um universal
relativam ente a Sócrates, Platão etc. O universal é o conceito lógico, quer
dizer, a idéia na razão.
Trata-se do m esm o problem a colocado no Eisagoge: as idéias gerais existem com o tais
no espírito ou fora do espírito sòm ente? As respostas a esta questão se dividem
entre três orientações filosóficas que já assinalam os. Os realistas, na linha de
Platão, tinham a tendência a realizar o universal fora do espírito: a verdadeira
realidade é o "hom em " ou a natureza hum ana real. Os nom inalistas, ao contrário,
partindo da convicção de que o real autêntico não se encontra senão nos indivíduos,
tendiam por sua vez a reduzir o universal a um sim ples nom e coletivo, representativo do
conjunto dos indivíduos. A idéia do "hom em ", por exem plo, não representaria
verdadeiram ente a natureza hum ana, m as supriria tão' sòm ente o lugar da coletividade
dos hom ens na linguagem e no pensam ento. ,Para o realism o m oderado, o
conceitualism o-realism o com o se diz, os universais exprim em bem a verdadeira natureza das
coisas, m as seu estado de universalidade não lhe é conferido senão pelo espírito; sob
este aspecto êles não existem senão no pensam ento. A noção com um que eu form o do
"hom em " se encontra nos hom ens reais, Sócrates, Platão etc., os quais participam
da m esm a natureza hum ana m as, esta noção não se reveste de seu estado de
universalidade senão no espírito que a concebe com o aplicável indiferentem ente a todos
os indivíduos hom ens. O universal representa realm ente as naturezas, m as vistas em um
estado de subjetividade: é a teoria do realism o m oderado. Esta doutrina, que é a de
S. Tom ás, foi assim resum ida por Gredt (Logica, 4.a ed. p. 96):
Inicialm ente, pôr um a abstração. A inteligência extrai dos singulares que estão
na origem de nosso conhecim ento a natureza que é com um a todos. Por exem plo, da
observação das diversas espécies anim ais, tira-se a noção de "natureza anim al".
Esta noção considerada ao têrmo desta atividade abstrativa do espírito, é o que se
cham a o universal m etafísico. Não é ainda o universal em seu estado perfeito, porque
a natureza considerada, m esm o guardando ainda um a ordem radical relativam ente aos
sujeitos dos quais ela foi extraída, é en tão apreendida com o isolada, com o natureza
pura. Por um a espécie de com paração ou de relacionam ento, o espírito volta então
aos sujeitos dos quais a natureza universal foi tirada e reconhece que essa natureza
universal convém a êsses sujeitos e pode, portanto, lhes ser atribuída. Tem -se,
então, o verdadeiro universal, o universal lógico, quer dizer, o conceito considerado
em suas relações com seus inferiores. Enquanto o universal m etafísico corresponde às
prim eiras intenções, o universal lógico é da ordem das segundas intenções. Em
lógica, evidentem ente, é dêsse tipo de universal de que irem os nos ocupar.
6 . D OS PR ED ICAD OS.
A teoria dos predicados rem onta de m aneira im ediata ao Eisagoge de Porfírio que a
fixou no estado no qual ela se perpetuará em seguida. Porém , a idéia dessa teoria,
assim com o seus principais elem entos, já haviam sido claram ente expostos nos Tópicos
(I, C. I e segs.): os predicados já aparecem aí com o sendo os títulos m ais gerais
de atribuição. Sem entrar em m aiores detalhes, m ostrarem os sim plesm ente que a lista
aristotélica dos predicados não coincide exatam ente com a de Porfírio-Boécio, pois
com preende sòm ente quatro predicados: definição, propriedade, gênero e acidente.
Os predicados são as diversas espécies de conceitos universais. Essa divisão tem sua
raíz na própria propriedade do universal lógico: sua aptidão a ser predicado. Com o,
com efeito, as noções universais convêm a seus inferiores de m uitas m aneiras
diferentes, elas exercem sua função de predicado de maneira igualm ente diferente, o que
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ocasiona um a diversidade nos próprios conceitos, que se vêem por êste fato, divididos
segundo as diversas espécies de "predicáveis".
O gênero pode ser definido como um universal relativo a inferiores especìficam ente
diferentes uns dos outros, e que lhes pode ser atribuído exprim indo sua essência de
m aneira incom pleta:
A espécie é um universal que pode ser atribuído a seus inferiores exprim indo sua
essência de m aneira com pleta:
A espécie se distingue do gênero pelo fato de que ela exprim e com pletam ente o que são
seus inferiores. Se eu digo: "Pedro é um hom em ", exprim o com pletam ente sua
essência.
A diferença específica é um universal que pode ser atribuído a seus inferiores por
m odo de qualificação essencial:
O próprio é um universal que exprim e por m odo de qualificação algum a coisa que
sobrevém acidentalmente à essência, m as lhe é atribuída necessàriam ente:
Esta fórm ula, que vem de Porfírio-Boécio, designa o próprio em sentido estrito.
Para com preendê-la é necessário com pletar: om ni individuo e soli speciei. Com
isso, quer-se significar que a propriedade pertence a tôda a espécie e só à
espécie. A "capacidade de rir", por exem plo, se encontra em todo hom em e só na
espécie hum ana: dir-se-á, é próprio do hom em poder rir. O próprio neste sentido
se liga à diferença específica. Se se considera que um a espécie últim a se obtém
determ inando progressivam ente os gêneros m ais elevados por diferenças sucessivas,
poder-se-á dizer que um a m esm a espécie tem m uitas propriedades, m as só a que se liga à
sua últim a diferença será verdadeiram ente seu "próprio". O próprio sendo para
Aristóteles, portanto, um a m odalidade bem determ inada, característica de cada
essência, tôda a teoria da dem onstração científica se liga a esta noção.
Observe-se que, aquilo que se cham a com um ente de "propriedades" de um a coisa, de um
corpo, pode-se ligar ao próprio e m esm o o exprim ir, se bem que, nesse caso, se trata
de apenas um a m anifestação m ais ou m enos exterior.
9 . D OS PR ED ICAM EN TOS.
A prim eira parte (c. 1-3) é um a espécie de introdução com preendendo diversas
distinções das quais a m ais im portante é a do têrm o em hom ônim os, sinônim os e
parônim os. Os escolásticos denom inaram esta introdução: De ante-prcsdicam entis.
A segunda parte (c. 4-9) , que constitui o corpo do livro, trata das categorias
ou predicam entos.
Até o presente, consideram os o conceito com o sendo participado igualm ente por todos os
seus inferiores. "Anim al" convém em tôda a sua significação e, idênticam ente,
às diversas espécies anim ais; um a espécie não é m ais ou m enos ou de m odo diferente
"anim al" do que outra, o hom em , por exem plo, não é m ais anim al do que o boi. A
razão significada pelo m esm o nom e é idêntica em todos os sujeitos. Esse têrm o é
denom inado sinônim o, por Aristóteles (m ais tarde será cham ado unívoco), é o
verdadeiro universal lógico que se pode definir:
Mas há outros casos onde só o nom e é com um , enquanto que as diversas coisas que êle
significa são totalm ente dissem elhantes: "anim al, diz Aristóteles, é tanto um
hom em real quanto um hom em em pintura; estas duas coisas, com efeito, não têm em
com um senão o nom e, enquanto que a noção designada pelo nom e é diferente"
(Categorias, I, c. I). Paralelam ente, o têrm o "gallus" designa ao m esm o tem po o
gaulês e o galo. Êstes têrm os são hom ônim os, ou equívocos. São definidos:
56
Quorum nom en com m une est et ratio per nom en significata
sim pliciter diversa.
Um a análise m ais acurada m ostraria que a alguns têrm os correspondem , nos inferiores
aos quais êles são atribuídos, naturezas ou razões que são sob alguns aspectos as
m esm as, e sob outros aspectos diferentes. Por exem plo, o têrm o "bom ", aplicado a um
hom em , a um problem a, a um a fruta, significa em cada coisa um a certa bondade m as que
não é em cada caso, do m esm o gênero: a bondade do hom em não é idênticam ente a de um
problem a etc. Diz-se que se trata de um têrm o análogo. Tais têrm os se definirão:
Quorum nom en com m une est, ratio vero per nom en significata
sim pliciter diversa, secundum quid eadem .
Sob êste ponto de vista, pode-se portanto distinguir três espécies de têrm os:
unívocos, análogos e equívocos, êstes dois últim os não representando, aliás,
qualquer conceito definido. Terem os ocasião de voltar, em m etafísica, a esta
divisão capital. Aqui, basta que a form ulem os de nôvo, com S. Tom ás, neste belo
texto (Metaf., IV, 1. I, n. 535)
Observem os que Aristóteles, nas Categorias; não tratou expressam ente dos
"análogos". Os "parônim os", denom inativa, de que êle fala, são coisas que
"diferindo de um a outra pelo caso, recebem sua denom inação do próprio nom e de que se
origina: assim , de gram ática vem gram ático e, de coragem , hom em corajoso". Essa
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denom inação tem um a certa relação com o análogo, porém não lhe corresponde
exatam ente.
A lista dos predicam entos que em aristotelism o tem um lugar tão im portante,
apresenta-se, no prim eiro livro do Organon, com o um a coleção dos m odos m ais gerais do
ser. Aí êles são apresentados em núm ero de dez. Em outras partes a lista se verá
um pouco reduzida. A tradição escolástica consagrou a lista com pleta de dez. Eis
com o Aristóteles a apresentou: (Categ., C. 4, 1 b 25) .
Em seguida houve quem quisesse dem onstrar que êste quadro das categorias era necessário
e suficiente. As razões apresentadas não são certam ente sem valor, m as é
necessário não esquecer que se trata de um a sistem atização posterior à descoberta das
categorias.
seguinte m aneira:
Accidentia:
Este esquem a representa o que se cham a a divisão do ser segundo os dez predicam entos:
ens dividitur secundum decem praedicam enta. Essa divisão se situa, de início, sob o
ponto de vista m etafísico ou das prim eiras intenções, e é neste sentido que
Aristóteles certam ente a com preendeu. Mas pode-se dar-lhe um a significação
pròpriam ente lógica, quer dizer, considerá-la sob o ponto de vista das segundas
intenções, com o iremos fazer.
Arbor porphyriana:
Essa ordenação dos gêneros e das espécies da substância é certam ente bem
fundam entada, um a vez que se baseia sôbre a diferenciação das grandes classes ou reinos
da natureza. Mas não se deve esperar dela m ais do que ela pode dar. Ela não
apresenta, com efeito, senão as linhas do predicam ento substância, que pela série das
diferenças, m aterial, anim ada, sensível, racional, chega a um a única das espécies
de substâncias concretas, o hom em . As diferenças correspondentes, im aterial,
anim ado, insensível, irracional, que perm anecem indeterm inadas, deixam aberto o m undo
m uito m ais dificilm ente penetrável das hierarquias angélicas e dos reinos m inerais,
vegetais e anim ais. Observem os, além disso, que as definições que se podem form ar
por gêneros e diferenças específicas "o hom em é anim al racional" etc. não têm
sentido a não ser que se tenha com preendido verdadeiram ente as diferenças e os gêneros
superiores: diga-se isto para que não se acredite que a filosofia pode dar lugar a um
psitacism o vazio.
O caráter de léxico que apresenta em seu conjunto o livro das categorias se afirm a m ais
claram ente ainda na últim a parte da obra. Após ter estudado separadam ente cada um a das
categorias, tarefa que deixam os à m etafísica, Aristóteles passa à definição e à
subdivisão de cinco noções um pouco sem nexo, nas quais pode-se, contudo, reconhecer
a propriedade com um de pertencerem a todos os predicam entos ou a alguns. São elas a
oposição, a prioridade, a sim ultaneidade, o m ovim ento, o ter.
13 . CON CLU SÃO: A PR IM EIR A OPER AÇÃO N O CON JU N TO D O PEN SAM EN TO.
Vim os que a prim eira operação do espírito tem com o objeto a essência das coisas,
quidditas, que ela abstrai dos dados sensíveis e que ela percebe em seguida com o
"universal", relacionando-a com os sujeitos aos quais ela pode ser atribuída.
Considerada no conjunto da vida do espírito, essa operação representa um duplo papel.
Por sua natureza, ela é o ato pelo qual o espírito percebe a essência das coisas,
assim ila essa essência, sendo que cada essência lhe aparece m anifesta em si própria e
distinta das dem ais essências. Mas, com o nossa potência de abstração é por dem ais
fraca para que possam os atingir a êsse resultado de um só lance, tem os de tentar
alcançá-lo, cam inhando progressivam ente, por etapas. O ponto de partida dessa m archa é
a apreensão confusa dos dados da experiência. Seu discernim ento e ordenação se fará
em seguida, graças a um duplo processo: inicialm ente, por divisão, que é o m eio
próprio e adaptado a essa tarefa; e se a divisão se revela im potente para esclarecer o
com plexo prim itivo, lançam os m ão do m étodo de coleção. Isto é, parte-se dos
dados m ais particulares e procura-se discernir o que êles têm entre si de com um e de
diferente. Ao nível da prim eira operação do espírito, êsses m étodos correspondem
aos dois processos essenciais do raciocín io: dedução e indução. A m eta ideal dessa
m archa do espírito na análise do dado é a definição, ponto culm inante da prim eira
operação. Pela definição, as essências se tornam m anifestas ao espírito e se vêem ,
ao m esm o tem po, colocadas em seu lugar na classificação geral dos gêneros e das
espécies. As definições autênticas, pelo gênero e diferença específica, são,
já o dissem os, dificilm ente alcançadas. Apesar disso, o processo que elas
desencadeiam perm anece inteiram ente característico da atividade de sim ples apreensão.
Existe, portanto, um a atividade original de sim ples apreensão que tem valor por si
própria. Mas essa atividade ainda não dá um conhecim ento acabado das coisas, a
quididade que ela atinge diretam ente, ainda abstrai da existência, ou da realidade
concreta. É necessário, portanto, que um a segunda operação do espírito intervenha,
tom ando dessa vez com o objeto êsse aspecto de existência: ipsum esse. Face a essa
segunda atividade do espírito, a sim ples apreensão representa o papel de operação
prelim inar. Ela constitui os têrm os que serão associados ou dissociados pelos
julgam entos: antes de tudo os predicados, pois a propriedade do universal é precisam ente
sua aptidão a ser predicado; e, subsidiàriam ente os sujeitos, pois os têrm os
universais, com parados aos que lhes são superiores, podem ter a função de sujeitos.
Essa m aneira de encarar a prim eira operação do espírito com o preparatória à segunda
e sendo perfectiva do conhecimento, é certam ente legítim a.
Mesm o assim não se deve esquecer que a sim ples apreensão é um a atividade do pensam ento
que atinge, na ordem da percepção da essência, a um certo resultado absoluto, ao
qual nada se tem a acrescentar.
61
VII
“actio intellectus qua com ponit vel dividit affirm ando vel
negando”.
O que im pressiona de início no julgam ento é que êle é um a atividade com plexa, um a
associação de vários têrm os, enquanto que a prim eira operação era sim ples. Mas isso
não é o que caracteriza m ais profundam ente êste ato; podia já haver com plexidade na
sim ples apreensão, para a definição por exem plo. O que especifica e distingue o
julgam ento é a afirmação ou negação que se acha expressa pelo verbo ser ou pela
negação não ser, verbo que está sem pre explícita ou implicitam ente contido nessa
operação: "O leão é um anim al", "Pedro joga" =Pedro é jogador.
Vê-se, portanto, que enquanto a prim eira operação atingia a essência da coisa, a
segunda operação considera de preferência sua existência, que ela afirm a ou nega.
Ela com pleta assim e conduz a seu têrm o o esfôrço de percepção da realidade total que
havia sido com eçada pela sim ples apreensão. Dir-se-á que, enquanto o objeto da
prim eira operação do espírito é a quidditas, o da segunda é o ipsum esse (cf. I.
Sent., D. 19, q. 5, a. I, ad 7) :
todavia, desde logo que, o ser afirm ado no julgam ento é analógico. Quem diz ser, diz
necessàriam ente ordem à existência, à realidade. Mas há várias m aneiras de ordem
à existência. Pode-se existir em si ou sòm ente em um outro, em ato ou em potência,
pode-se m esm o existir sòm ente na razão (ser de razão). Há, paralelam ente,
julgam entos de diversos tipos: concretos, abstratos, etc. Todos êsses julgam entos
im plicam igualm ente afirm ação ou negação de ser, m as segundo m odalidades diferentes.
Exem plos: "Pedro é hom em ", "Pedro é branco", "o hom em é vivente", "o
quadrado é um retângulo", "o vício é condenável", "o sujeito é um têrm o".
Por exem plo, se eu julguei que "a m úsica é um repouso", inicialmente concebi os
têrm os "m úsica" e "repouso", eu os com parei, percebi sua conveniência, tôda esta
atividade preparatória situando-se no plano da prim eira operação do espírito ou da
sim ples apreensão das coisas; depois, refletindo sôbre o m eu ato, vi que a
conveniência constatada entre as noções de "m úsica" e de "repouso" correspondiam à
realidade, que a com posição que eu efetuava em m eu espírito existia m esm o nas coisas;
aderindo ao testem unho dessa visão refletida, afirm ei, é, isto é assim , isto que eu
disse, "é": eis a enunciação acabada: "a m úsica é um repouso". Tais são as
atividades, evidentem ente m uito estreitam ente associadas, que integram um julgam ento:
um a visão objetiva, depois, a partir de um a visão refletida, a afirmação e a
expressão do que se vê e afirm a.
Esta análise do julgam ento certam ente não seria reconhecida com o autêntica por
num erosos filósofos m odernos, para quem a relação é anterior aos têrm os e os coloca
de algum m odo depois dela. Segundo esta m aneira de ver, a operação elem entar do
espírito é o julgam ento, a sim ples apreensão não correspondendo senão a um a divisão
abstrata dêste. De bom grado reconhecerem os com êsses filósofos que o pensam ento
hum ano não atinge o seu estado perfeito senão no julgam ento, que finaliza a percepção
total da realidade; m as há, anteriorm ente a essa operação, um a prim eira atividade da
qual já tivem os ocasião de assinalar a originalidade.
A propriedade do julgam ento, que decorre im ediatam ente de sua natureza, é a verdade ou
a falsidade. Quer dizer que quando o espírito julga êle é necessàriam ente verdadeiro
ou falso: verdadeiro, se a com posição ou a divisão que êle estabelece entre dois
têrm os corresponde efetivam ente à que se acha na realidade; falsa, no caso contrário.
"Pedro é m atem ático" é um julgam ento verdadeiro se Pedro é m esm o m atem ático;
senão, é falso. O julgam ento se distingue por isso da prim eira operação do
espírito, que em si não era nem verdadeira nem falsa. Esta doutrina, com um ente
sustentada por S. Tom ás, está bem resum ida no seguinte texto (I.a p.a, q.
16, a. 2)
4 . A EN U N CIAÇÃO
O julgam ento é o ato do espírito que com põe ou divide afirm ando ou negando; a
enunciação é o têrm o dêsse ato, o que se diz ou se pronuncia julgando. É esta
expressão do julgam ento que interessa ao lógico, o ato com o tal diz respeito à
psicologia. Com o para a prim eira operação do espírito, irem os considerar
paralelam ente a expressão m ental e o sinal verbal do pensam ento.
Dito de outra form a: o discurso tem , com o elem entos, sim ples têrm os. Esta
afirm ação não vem sem dificuldades, um a vez que é com um encontrarm os enunciações que
têm com o partes proposições já constituídas. Ex.: "Se chover, a terra se
m olhará". Êste caso especial das enunciações ditas "com postas" não está
com preendido na definição que acabam os de dar, a qual não considera senão as
enunciações "sim ples" que são o próprio tipo da enunciação.
Periherm eneias, I,
L 7, n 5
Os elem entos gram aticais da enunciação são, nós o sabem os, o sujeito (S), a
cópula (C) e o predicado (P). O sujeito e o predicado são os elem entos m ateriais
da enunciação, enquanto que a cópula, que representa um papel análogo ao da form a
que determ ina a m atéria, pode ser considerado com o o seu elem ento form al.
O prim eiro m odo, prim us m odus dicendi per se, corresponde ao caso em que o predicado
pertença à própria essência do sujeito, seja exprim indo-a totalm ente (definição:
o hom em é anim al racional"), seja exprim indo-se sòm ente em parte: "o hom em é
anim al", "o hom em é racional".
O segundo m odo, secundus m odus dicendi per se, corresponde ao caso em que o predicado
exprim e um a propriedade da essência: "o hom em têm o poder de rir".
O terceiro m odo, tertius m odus dicendi per se, não é, com o observa S. Tom ás, um
m odo de atribuição mas de existência: é a designação do m odo de realidade da
substância que existe por si própria e não em um outro e não pode, por êste fato,
ser atribuída a nenhum outro: "Pedro".
O quarto m odo, quartus m odus dicendi per se, tem i ligação com a relação de
causalidade eficiente; o predicado, ou antes, o verbo predicado, exprim e a causalidade
própria do sujeito que lhe é assim atribuído: "o pintor pinta", " o m édico
cura".
Além dessa relação dos m odos de predicação, S. Tom ás, observando que um
conceito pode ser tom ado concretam ente "hom em ", ou abstratam ente "hum anidade",
estabeleceu as regras a aplicar quando o sujeito e o predicado são concretos ou
abstratos. Pode-se dizer, por exem plo: "o hom em é anim al", "a hum anidade é
anim alidade", m as não "o hom em é a anim alidade". Entretanto, é correto dizer-se:
"Deus é sua divindade".
O sujeito e o predicado, sendo universais, entram , cada um , no julgam ento com seu
tipo de extensão e de com preensão. Assim é que se pode dizer que o predicado, que é
form a, determ ina a com preensão do sujeito. Em "Pedro é m úsico" eu declaro que a
qualidade de ser m úsico pertence a Pedro. Pode-se igualm ente dizer que, julgando,
eu classifico o sujeito na extensão do predicado: Pedro, na enunciação precedente,
está classificado no núm ero dos m úsicos. - Após o que foi dito do conceito,
percebe-se que êstes dois pontos de vista se com binam no julgam ento, que é assim ao
m esm o tem po determ inação da com preensão do sujeito, e análise da extensão do
predicado. Todavia, o ponto de vista da com preensão tendo prioridade, pode-se
concluir que julgar é, antes de tudo, determ inar a com preensão do sujeito.
8 . D IVISÃO D A EN U N CIAÇÃO.
As enunciações com postas. - O predicado afirm ado exprim e, neste caso, o laço
existente entre enunciações sim ples. Ex.: "Se a chuva cai, a terra é m olhada".
Tais enunciações são ditas de conjunção ou com postas; a cópula não é m ais o
verbo "é", m as partículas tais com o "ou", "se", "e". Vê-se que se trata
de um caso' m uito diferente do precedente: a m odalidade de ser que se afirm a não é
m ais um a parte da essência ou um acidente de um sujeito, m as o próprio laço
(causalidade ou coexistência) que une várias realidades. Os elem entos de tal
enunciação são já enunciações constituídas; daí lhes vem a denom inação de
enunciação com posta (ou hipotética). Entretanto, não se trata ainda de um
verdadeiro raciocínio, um a vez que não existe ainda, pròpriam ente falando, um
m ovim ento do espírito a partir de verdades adquiridas em direção a um a nova verdade.
-A enunciação com posta, que tem seu fundam ento na pluralidade do ser e nas relações
que resultam dessa pluralidade, correspon de, no âm bito da segunda operação do
espírito à divisão e à definição no âm bito da prim eira, que são atividades
relativas à pluralidade das essências e a suas relações.
A teoria dos m odais é longam ente desenvolvida por Aristóteles no Periherm eneias; a
das proposições com postas, ao contrário, não rem onta senão à lógica estóica.
A acepção dos têrm os sendo, com o o vim os, dependente da form a especial das diversas
proposições, cada um dos tipos que acabam os de distinguir im põe ao sujeito e ao predicado
condições particulares no que concerne sua com preensão e sua extensão.
O sujeito é, regra geral, tom ado em tôda a sua com preensão, m anifestando-se sua
extensão pelas partículas: todo, nenhum , algum etc.
A negação tem entretanto um papel essencial na vida do espírito hum ano que, não
percebendo im ediatam ente a essência das coisas e sua diferenciação, procede por
discrim inação progressiva do dado. Ao nível da prim eira operação do espírito (ordem
dos conceitos), essa discrim inação se dá por divisões; no da segunda operação do
espírito (ordem do ser concreto), ela se efetua por negações.
Os lógicos escolásticos não fizeram um estudo especial dos julgam entos em que a
m odalidade afirm ada parece ser um a relação: "Pedro é m enor que Paulo", "seis é
igual a cinco m ais um ". Os lógicos m odernos, ao contrário, devido sobretudo ao
desenvolvim ento alcançado pelas ciências m atem áticas, em que a relação tem um lugar
essencial, detiveram -se m ais longam ente sôbre o caso. Alguns (Lachelier em La
proposition et le syllogism e) acham que à relação corresponde um tipo de pensam ento
lògicam ente diferente daquele que a lógica do tipo clássico considerava, dito de
inerência. De sorte que, para o julgam ento, seria necessário considerar à parte Os
julgam entos de relação, que teriam um a estrutura inteiram ente original. Neste caso,
não haveria m ais sujeito e predicado ligados pela cópula "é", nem afirm ação de
dependência de um predicado a um sujeito m as, dois. têrm os igualm ente sujeitos que se
ligariam por um a relação que' não seria m ais um a relação de inerência. Na
proposição "Fontainebleau é m enor do que Versalhes", por exem plo, não se deve
considerar "Versalhes" com o o predicado de "Fontainebleau", m as "Fontainebleau"
e "Versalhes" com o dois sujeitos que são colocados em relação de com paração, sob
o ponto de vista do tam anho, por um ato de síntese original que não é m ais um a
atribuição sim ples.
Deve-se concordar com os adeptos desta teoria em que a relação é incontestàvelm ente
um m odo de ser inteiram ente original, e que do ponto de vista lógico pode ser proveitoso
fazer um estudo especial das form as de pensam ento a ela relacionadas. Porém acham os que
não existe um a lógica da relação totalm ente por fora dos princípios e das leis da
lógica dita de inerência. Em todo julgam ento, em particular, deve-se distinguir um
sujeito e um predicado, e o julgam ento será sem pre essencialm ente afirm ação e
negação de ser.
69
Com o a relação, sob o ponto de vista da realidade, parece ser interm ediária entre
vários "sujeitos", poder-se-á interpretar em dois sentidos diferentes os julgam entos
que com ela se relacionam : ou fazendo de um dos sujeitos reais o sujeito lógico:
"Fontainebleau" (S) "é" (C) "m enor que Versalhes" (P) (o sujeito é,
neste julgam ento, "Fontainebleau", e o predicado "m enor que Versalhes"); - ou
tom ando com o sujeito a relação indeterm inada e com o predicado sua determ inação
afirm ada: "a relação de Fontainebleau com Versalhes" (S) "é" (C) "um a
relação do m enor com o m aior" (P). - No prim eiro caso, foi afirmada a inerência
de um sujeito real (esse in). No segundo caso, foi considerado seu próprio ser de
relação (esse ad). Mas tanto em um a com o em outra destas interpretações houve, tal
com o em todo julgam ento ordinário, um a certa atribuição de um predicado a um sujeito.
A afirm ação de ser que está im plicada em todo pensam ento é, ao nível da segunda
operação do espírito, essencialm ente de tipo atributivo.
A teoria aristotélica, para voltar a ela, com preende duas peças principais que irem os
considerar sucessivam ente: 1. um a teoria geral da oposição com sua distinção em
quatro tipos fundam entais; 2. a teoria especial da oposição das proposições.
12 . OS QU ATR O M OD OS D A OPOSIÇÃO.
Categorias C. 10
Metaf., V, L
12, n 922
Se nos lem brarm os de que esta oposição está na raiz dos outros tipos de oposição,
dever-se-á concluir que efetivamente a oposição é antes um a propriedade do julgam ento
ou da enunciação. É sob êste prism a que irem os agora estudá-la: ao lado da
contradição que já conhecem os, irem os encontrar, paralelam ente com o esquem a dos
têrm os, tipos atenuados de repulsa, bem com o a contrariedade e a subcontrariedade.
13 . A OPOSIÇÃO D AS PR OPOSIÇÕES.
Êsse tipo de oposição, que se pode cham ar de lógica, em com paração com a
oposição dos conceitos que, resultando im ediatam ente da natureza das coisas, pode ser
cham ado de físico, apresenta um interêsse m uito prático na arte do raciocínio. Com
efeito, já que as proposições se excluem com relação à verdade ou à falsidade,
pode-se concluir sôbre a verdade ou a falsidade de um a desde que se conheça o seu
oposto.
Quando é que duas proposições podem ser cham adas de opostas? Quando, pode-se
responder, se afirm a ou se nega o m esm o predicado de um m esm o sujeito. A oposição das
proposições assim se define:
O SILOGISMO
Estudam os até aqui as duas prim eiras operações do espírito: sim ples apreensão e
julgam ento. Pela sim ples apreensão o espírito apreende a "quididade" abstrata das
coisas; pelo julgam ento êle afirma o ser concreto. Estas duas operações, m esm o
supondo um a atividade anterior do espírito,: eram na realidade atividades sim ples e
com o que im óveis: eram atos do intellectus ut intellectus.
Porém diferentem ente de Deus e dos anjos que, sendo sim ples inteligências, percebem
em um único objeto intelectual tudo o que pode estar contido nêle ou depender dêle, o
hom em não tem senão apreensões prim itivas im perfeitas e confusas: êle não esgota
im ediatam ente seu objeto. O julgam ento, com posição e divisão, e os atos com plexos
que se ligam à prim eira operação, definição e divisão, já perm itiam associar e
desenvolver alguns elem entos do dado. Mas a organização de conjunto dêste dado supõe
um a terceira operação, essencialm ente discursiva, o raciocínio, obra da
inteligência hum ana com o tal, intellectus ut ratio, definindo-se o hom em com o um anim al
dotado de razão:
ST I, 79, 8
S. Tom ás, em seu com entário aos Segundos Analíticos, assim define o
raciocínio:
II Anal. I,
L.I, n.4
É necessário, igualm ente, que haja passagem de um a verdade a um a outra verdade. Nem
na conversão nem na oposição das proposições há pròpriam ente raciocínio, porque,
m esm o que haja dependência na verdade das proposições em causa, não há, na
realidade, presença de duas verdades diferentes: a segunda proposição não faz senão
traduzir, com um a construção diferente, o que a prim eira já exprim ia. Ex.:
"nenhum hom em é anjo" enuncia a m esm a verdade que "nenhum anjo é hom em ". Se,
portanto, eu posso legitim am ente concluir sôbre a verdade de um a dessas proposições
porque sei que a outra é verdadeira, não posso dizer que fiz um raciocínio, um a vez
que não deduzi um a outra verdade. Sôbre êste assunto pode-se consultar Stuart Mill
(Lógica, L. II, C.1) onde êle demonstrou que, a passagem de um a verdade a um a
outra expressão da m esm a verdade, não constitui um raciocínio.
Vim os que o raciocínio pode ser considerado sob dois pontos de vista diferentes:
form alm ente, quer dizer, em sua disposição lógica e m aterialm ente, quer dizer,
quanto a seu conteúdo. Ter-se-á, portanto, um estudo form al e um estudo m aterial
do raciocínio.
O estudo form al do raciocínio, sôbre o qual nos deterem os inicialm ente, se subdivide
em duas secções correspondentes aos dois grandes tipos clássicos desta operação: o
silogism o ou dedução, que se pode caracterizar de uma m aneira geral com o sendo o
raciocínio que vai do m ais universal ao m enos universal, e a indução que é, em
sentido inverso, a passagem do particular ao universal.
75
4 . N ATU R EZA E D IVISÕES D O SILOGISM O.
Aristóteles assim define o silogism o, no livro que consagra ao seu estudo (I Anal.
I, C. I, 24 b 18) : "um discurso no qual, um a vez que certas realidades são
afirm adas, algum a outra realidade diferente resultará necessàriam ente delas, pelo
sim ples fato de que elas foram afirm adas." Tal definição parece convir a tôdas as
form as de raciocínio necessário. Restringida, entretanto, ao silogism o, parece
querer dar a entender que, para Aristóteles, não havia nenhum a outra form a apodítica
de raciocínio senão o próprio silogism o.
Antecedente:
Conseqüente:
Cham a-se:
Observe-se, e isto é m uito im portante, que no pensam ento e linguagem correntes, não
se desenvolvem habitualm ente raciocínios silogísticos em prem issas e conclusão.
Dir-se-á, por exem plo, m uito sim plesm ente: "A alm a hum ana é im ortal porque ela é
espiritual". Porém é sem pre possível proceder-se a esta decom posição, porque em
tôda dedução há necessàriam ente três têrm os e, portanto, três proposições. Em
lógica, onde se procura pôr em evidência tôdas as ligações do pensam ento,
representar-se-á norm alm ente a dedução dentro de sua figuração assim desenvolvida.
A questão que se coloca é a seguinte: o silogism o será essencialm ente determ inação
do particular contido no universal, assim com o o parece sugerir a definição com um ente
proposta? Ou, não seria, antes, um a espécie de identificação dos dois extrem os em
virtude ou em razão do têrm o m édio, e assim , as relações de universalidade e de
particularidade não passariam de um aspecto dependente dêsse m esm o têrm o m édio?
Concluirem os, portanto, que no verdadeiro silogism o há progresso de conhecim ento que,
a identificação do predicado e do sujeito não pode ser conhecida antes que a vejam os
sob a luz do antecedente, que é sua razão própria.
Da m esm a form a, não se deve dizer que êle é um círculo vicioso, porque as prem issas
não são sim plesm ente a coleção de casos particulares som ados, m as um verdadeiro
universal necessário, que se justifica por êle próprio ou por verdades m ais elevadas.
- Os exem plos que, à prim eira vista, parecem justificar as objeções não são, de
fato, silogism os autênticos. guando eu declaro que "Pedro foi m orto porque todos os
ocupantes da casa foram m ortos", eu volto a um a experiência prim itiva que estava na
origem de m inha indução: "todos os ocupantes da casa foram m ortos"; porém , a
m aior, aí, não é verdadeira m ente universal e o têrm o m édio, os ocupantes da casa,
não é razão explicativa da conclusão. Em tudo isso não há senão classificações
ou ligações m ateriais, m as não silogism o no sentido pleno da palavra.
O critério que acabam os de estabelecer está ligado ao duplo aspecto com preensionista e
extensionista que se pode distinguir no silogism o.
Se se lê o silogism o sob o prism a da com preensão, dir-se-á que o têrm o m aior faz
parte da com preensão do têrm o m enor porque êle faz parte da com preensão do m édio, a
qual por sua vez está com preendida no m enor: "contem plativo" faz parte da com preensão
de "Pedro" porque faz parte da com preensão de "filósofo", que, ela m esm a, está
com preendida tia de "Pedro".
Essas duas leituras de um silogism o são legítim as, sob a condição de que não sejam
consideradas com o exclusivas um a da outra. O processo silogístico coloca em ação
êstes sistem as de relações concernentes a com preensão e a extensão. Absolutam ente
falando, a interpretação com preensiva é fundam ental, porém , na lógica
silogística, deter-se-á de preferência nas relações de extensão. Eis porque,
aliás, as regras que passarem os a form ular, relativas a êste ponto de vista particular,
apenas poderão assegurar um a parte das condições de verdade do silogism o.
6 . O SILOGISM O H IPOTÉTICO.
78
Exem plo:
Disjuntivo:
Conjuntivo:
Prim eiro:
Segundo:
Nos dois casos chega-se à m esm a conclusão. Pode-se deduzir disto que se raciocinou
da m esm a m aneira? Não, porque no silogism o categórico (II), eu tiro de um a
proposição universal, um a proposição particular que aí se achava em potência, ou,
se se prefere, eu ligo dois extrem os com um têrm o m édio. No silogism o hipotético
(I), eu não posso dizer que a conclusão "Pedro se m ove" estava contida apenas em
potência na m aior; de certa m aneira, ela aí já se achava em ato. Além disto, eu
não estou ligando dois extrem os com um m édio; "Pedro" e "se m ove" já estavam
hipotèticam ente unidos na m aior. Na realidade, no silogism o hipotético eu não com bino
têrm os m as proposições. A m aior é a afirm ação de um elo existente entre duas
proposições, a m enor assegura ou suprim e um a dessas proposições, do que resulta, em
conclusão, a afirm ação ou a destruição da outra posição. Eu raciocino sôbre
relações de verdade já estabelecidas, o que não é a m esm a coisa que raciocinar sôbre
ligações de têrm os: o silogism o é um a form a de raciocínio original, com o a
proposição hipotética é um a form a de afirm ação igualm ente original.
A IN D U ÇÃO
1. O PR OBLEM A D A IN D U ÇÃO.
Mas a dedução supõe princípios (as prem issas do silogism o), e definições,
especialm ente a do têrm o m édio, não podendo êste representar sua função de
ligação entre os dois outros têrm os se êle próprio não é conhecido. Por exem plo, a
m aior "todo hom em é m ortal" não tem sentido se eu não souber o que é "o hom em ",
sem o que eu não poderia dizer que êle é "m ortal".
Por outro lado, se a dedução supõe, com o seu ponto de partida, alguns princípios e
algum as definições, ela não poderá, evidentem ente provar os seus pressupostos, sem
cair em círculo vicioso. E se êstes podem , em alguns casos, ser estabelecidos
a través de outras dem onstrações, sem pre deverão subsistir pelo m enos alguns
princípios e algum as dem onstrações prim eiras que não serão dem onstradas. Ser á
necessário, portanto, que um a nova operação intervenha aqui para nos assegurar de seus
pressupostos. De m aneira geral, esta operação geradora dos princípios não
dem onstráveis da dedução é a indução.
2 . N OÇÃO D A IN D U ÇÃO.
Com preendida em seu sentido m ais am plo, a indução é o processo do espírito que nos
perm ite passar dos dados m ais particulares da experiência aos princípios e às noções
prim eiras de onde sairão as dem onstrações.
O conhecim ento hum ano, com efeito, não com eça pelo inteligível, m as pelo
sensível, quer dizer pela percepção das coisas singulares e m utáveis. A partir daí,
nossa inteligência, que tem o universal com o objeto, form a por abstração as noçõe s
e os princípios universais. Em seu sentido m ais geral, a indução atinge tôda essa
passagem do singular percebido pelos sentidos, ao universal objeto prim eiro da
inteligência (é o significado habitual da "epagoge" de Aristóteles).
Psicològicam ente, e na prática da atividade de pensam ento, isso sup õe todo um conjunto
m uito com plexo de operações. Não nos esqueçam os que, o que vai seguir agora, é
81
apenas o esquem a lógico essencial do problem a, aquêle que nos interessa.
Logo todos os anim ais sem fel vivem m uito tem po.
5 . IN D U ÇÃO E SILOGISM O.
Com preendem os m elhor a estrutura original do raciocínio indutivo com parando-a com um
raciocínio silogístico que lhe seja paralelo. Com efeito, pode-se im aginar que a
partir de princípios m ais elevados, um silogism o chegue à m esm a conclusão que um a
indução. Exem plo:
82
Indução:
Silogism o:
N os dois casos, obtém -se a m esm a conclusão universal: "todo hom em é m ortal".
Porém , os pontos de partida foram diferentes: no caso da indução, partiu-se da
enum eração de experiências particulares; no do silogism o, de verdades universais. -
Os têrm os m édios igualm ente foram diferentes; para o silogism o, era um a razão que
m anifestava a conveniência do sujeito e do predicado com a conclusão; no caso da
indução, era um a enum eração de casos singulares que era considerada suficiente pa ra que
se pudesse chegar à afirm ação universal. Seria m esm o m ais exato dizer que na
indução não há, pròpriam ente falando, têrm o m édio, quer dizer, um têrm o
determ inado que ligue os extrem os, m as sòm ente um a enum eração que repr esenta o papel
dêle.
Silogism o:
Todos os anim ais sem fel (M) vivem m uito tem po (T)
Ora, o hom em , o cavalo, o burro (t) são anim ais sem fe l
(M)
I ndução:
Logo, todos os anim ais sem fel (M) vivem m uito tem po
(T)
83
Observação. - A verdadeira indução deve ter com o fim não o coletivo com o tal,
quer dizer, a coleção dos singulares enum erados, m as o universal, incluindo em
potência um núm ero indeterm inado de sujeitos. - A indução com pleta, da qual
falarem os em breve, é um caso especial no qual a coleção com porta um núm ero
determ inado de indivíduos.
N o caso privilegiado da percepção dos prim eiros princípios ou noções sim ples, a
indução chega às evidências: eu percebo que o todo, absoluta e universalm ente
falando, é m aior do que a parte. Porém quase sem pre, nas ciências e na prática d a
vida, esta operação não chega a atingir êste grau de certeza: ela atinge a
julgam entos universais, m as sem que a razão dêstes seja evidente. Não há verdadeiro
têrm o m édio, não se vê a razão form al de ser da conclusão. A conclusão a que se
chega é, antes, em tôrno da existência: se os casos foram suficientem ente
enum erados, pode-se legitim amente assegurar-se do julgam ento universal.
Decorre disto que, regra geral, a conclusão de um a indução é sòm ente provável,
porque perm anece sem pre um certo hiato entre a som a dos casos particulares obs ervados e o
universal que se infere: há, portanto, sem pre possibilidade de êrro. Se observei
que o cobre, o ferro, o ouro etc., se dilatam com o calor, eu poderia, se m inhas
experiências foram suficientes, concluir legitim am ente que todos os m etais se d ilatam com
o calor. Entretanto, não o posso afirm ar com certeza absoluta porque, talvez, tal
m etal que eu não conheça não se dilate efetivam ente com o calor. Na indução
científica eu não "vejo" e é por isto que guardo sem pre um certo receio de m e
enganar, form ido errandi, o que é o caráter distintivo do conhecimento prováve l.
A indução é com pleta quando se inferiu um universal após ter-se enum erado todos os
casos singulares que se acham com preendidos abaixo dêle. Exemplo:
Supõe-se que não há senão as três espécies enum eradas de corpos viventes. Se,
portanto, verificou-se que cada um a destas espécies possuía m ovim ento por si pr óprio,
pode-se concluir que todo corpo vivente se m ove por si próprio. Tal indução conduz à
certeza: é com o um caso lim ite e perfeito desta operação. Os antigos consideraram com
um a atenção especial esta form a privilegiada do raciocínio indutivo que, na verdade,
é bem rara, porém seria falso afirm ar que êles não tivessem conhecido outra.
A indução incom pleta é aquela na qual a enum eração das partes subjetivas do
universal não é com pleta. Ex.:
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Esta porção de água ferve a 10 0 , esta outra tam bém ,
aquela etc.
Quando a enum eração das partes é suficiente, infere-se legitim am ente um a conclusão
universal, que porém não deixa de ser apenas provável. Êsse tipo de indução é o
que habitualm ente se encontra nas ciências, e é com êle que os lógicos m odernos m ais
se preocupam .
d evem ser considerados com o verdadeiras induções (com pletas). Não há,
lem brem o-nos disto, verdadeiro raciocínio se não há progresso na ordem d a verdade.
Seria o caso de perguntar se a afirm ação coletiva "todos os apóstolos" acrescenta
algum a coisa à som a das afirm ações individuais, "Pedro" etc.
7. O FU N D AM EN TO D A IN D U ÇÃO.
Observem os, inicialmente que a indução, não podendo ser reduzida ao silogism o, não
poderá ser justificada pelos princípios dêste. Pode-se perfeitam ente colocar em
silogism o a m atéria de um a indução, não porém sua form a. Adem ais, quando se diz:
"O que é verdade quanto a várias partes suficientem ente enum eradas de um certo suje ito
universal é verdade quanto a êste sujeito universal", atinge-se a um princípio m uito
exato. Mas chegou-se ao fundo do problem a? O que se trata precisam ente de saber, é
com o um a certa enum eração, incom pleta por hipótese, pode apesar disto ser
suficiente.
A indução se acha, assim , fundam entada porém , perm anece a dificuldade prática de
saber quando um conjunto de observações de fato autoriza um a indução. Quando é qu e
se pode dizer que um a enum eração é suficiente? Quando, responderem os, o m esm o fato
se reproduzir no m aior núm ero de casos e nas circunstâncias as m ais variadas
possíveis. A técnica prática dessa utilização variada e calculada da experiência
provém dos m étodos da indução.
8 . OS M ÉTOD OS D A IN D U ÇÃO.
O objetivo visado pelo m étodo indutivo não é exatamente o m esm o entre os antigos e
entre os m odernos. Em filosofia aristotélica pretendia-se chegar às form as, quer
dizer, às definições essenciais; os m odernos não têm habitualm ente outras am biçõ es
senão determ inar leis ou ligações constantes. Essa diferença é considerável sob o
ponto de vista dos resultados efetivos, m as não atinge senão indiretam ente as
considerações m etódicas, de sorte que se pode m uito bem adotar as teorias m ais m odernas
em lógica aristotélica. É isso que parece nos autorizar um a am pliação aqui, de
nosso horizonte habitual, dando, ao lado das concepções de Aristóteles, aquelas ,
tornadas clássicas, de Francis Bacon e de Stuart Mill.
I nicialm ente, procura-se recolher o conjunto dos fatos experim entais (historia
generalis) depois, organizam -se êsses fatos em m apas:
Com eça então o trabalho pròpriam ente dito da indução, que se efetua em duas
"instâncias" principais. Exclui-se, de início, as naturezas que não podem ser a
form a procurada, depois tenta-se determ iná-la positivam ente. Essas operações
constituem a "vindem iatio prim a". Term inada a prim eira vindim a, recorre-se às
"auxilia inductionis": Bacon havia previsto nove séries delas. Entretanto apenas n os
deixou um a única, a das "praerrogativa instantiarum ", fatos que têm o privilégio de
nos colocar na trilha da definição procurada. Assinalem os sim plesm ente que existem
27 dessas categorias.
Os m étodos da indução não são senão a parte central do m étodo experim ental. Êste
últim o pretende ditar regras sôbre o conjunto dos processos que utilizam as disciplina s
que se fundam entam sôbre a experiência, enquanto que o prim eiro só diz respeito à
87
passagem lógica do particular ao universal. Os principais problem as colocados pela
m etodologia das ciências experim entais, sem contar os da própria indução, parecem
ser o do papel da hipótese na pesquisa e o das relações da indução e da dedução no
m étodo. Um a exposição geral dêstes problem as será encontrada em Les théories de
l'induction et de l'expérim entation de Lalande, e na obra clássica de Claude
Bernard: Introduction à l'étude de Ia m édecine expérim entale.
Apêndice. - Observe-se sim plesm ente que o raciocínio por sem elhança pode ser
encarado com o um processo racional no qual, de um ou de vários fatos, se infere um
outro fato particular. Exem plo:
P edro, Paulo, Tiago foram curados por tal rem édio ...
Tal raciocínio pode ser figurado analiticam ente por um a indução que seria seguida de
um a dedução:
P edro, Paulo, Tiago foram curados por tal rem édio ...
O exem plo que Aristóteles considera com o a form a retórica da indução, não é
senão um esbôço de indução destinado a tornar m ais aecessível ou m ais sensíve l um a
verdade.
88
X
A D EMON STRAÇÃO
1. IN TR OD U ÇÃO.
Aristóteles, que havia analisado as regras form ais do silogism o nos Prim eiros
Analíticos, consagrou seus Segundos analíticos ao estudo do silogism o dem onstrativo.
Êste livro, que é um dos m ais com pletos de sua obra, é ao m esm o tem po com o que o
centro do Organon, um a vez que a lógica tem com o objeto essencial a constituição de
um a teoria da ciência dem onstrativa, ideal jam ais abandonado aqui. Sabe-se que S.
Tom ás escreveu um com entário sôbre êsse trabalho (cf. sobretudo I, 1. I a 25) .
Encontrar-se-á igualm ente um a interessante exposição no Cursus de J oão de S.
Tom ás (Logica, II.a p.a, q. 24-25) .
Scire est cognoscere causam propter quam res est, quod hujus
causa est, et nora potest aliter se habere.
Com o essas são noções absolutam ente essenciais ao aristotelism o, vam os voltar, com
algum as precisões a m ais, a estas definições da ciência e de seu instrum ento
próprio, o silogism o dem onstrativo (cf. ARISTOTELES, II Anal., I,
C. 2, 71 b 9. Com . de S. Tom ás, 1, 4, n. 2).
O têrm o ciência tom ou entre os m odernos um significado ao m esm o tem po m ais geral e m ais
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vago: poder-se-ia estendê-lo pràticam ente a todo o conhecim ento m etódico,
organizado e dotado de um grau suficiente de certeza. Entre os antigos, scientia pode
ter, às vêzes, seu sentido am pliado, porém , em aristotelism o, deve-se
restringi-lo, com o já o dissem os, a um objeto m uito m ais lim itado e preciso, o
conhecim ento pelas causas: "Estim am os possuir a ciência de um a coisa de um a m aneira
absoluta, e não à m aneira dos Sofistas, que é um a m aneira puram ente acidental,
quando estam os certos de que conhecem os a causa pela qual a coisa é, quando sabem os que
essa causa é a causa dessa coisa, e que além disto;, não é possível que a coisa
seja diferente do que ela é.
De acôrdo com êste texto, o conhecim ento científico supõe três condições: o
conhecim ento da causa; a percepção de sua relação com o efeito ou de sua aplicação
a êste; e, conseqüentem ente, a necessidade da coisa que se acha causada e que não
pode ser de outro m odo senão com o é.
Que é que se deve entender aqui exatam ente pelo têrm o causa? Exatam ente aquilo que,
com um ente, a gente pensa quando fala de causa! A causa é o que faz um a coisa existir,
quod dat esse rei alterium , e isto acontece dentro das quatro linhas clássicas de
causalidade. Se analisarm os o fato m ais detidam ente, observarem os que a causa designa,
em prim eiro lugar, um elem ento ontológico objetivo: a causa é aquilo que faz ser.
Considerada porém em sua relação com a inteligência, a causa passa a ter,
igualm ente, valor de razão explicativa. t; por isso que a causa intervém na
dem onstração: considera-se um a coisa dem onstrada quando se percebe a razão de seu ser.
Vê-se agora porque o silogism o é o processo lógico que m ais exatam ente se proporciona
à ciência. A ciência é o conhecimento pela razão de ser; ora, fazer um silogism o
não é outra coisa senão justificar, por um têrm o m édio explicativo, a dependência
de um predicado a um sujeito, quer dizer, explicar pela causa. A ciência
aristotélica será essencialm ente com posta de silogism os que chegam a conclusões
necessárias, seguindo um processo de causalidade ao m esm o tem po m etafísico e lógico.
Os elem entos de que um a coisa é constituída dependem de' seu fim . Se um a casa é
construída com tais m ateriais, é porque ela é destinada a nos abrigar das
intem péries. A natureza dos elem entos do silogism o dem onstrativo acha-se do m esm o m odo
determ inada por sua finalidade: chegar a conclusões científicas ou necessárias.
Donde, a definição de Aristóteles que explicita as condições de tal silogism o:
Sem entrar na explicação detalhada destas condições, que irem os reencontrar m ais
adiante digam os sim plesm ente que as três prim eiras dentre elas, vens, prim is,
im m ediatis, se relacionam im ediatam ente com o caráter de verdade que deve ter o
90
raciocínio dem onstrativo, enquanto que as três últim as condições, prioribus,
notioribus, causisque interessam à anterioridade das prem issas sôbre a conclusão.
5. OS ELEM EN TOS D A D EM ON STR AÇÃO.
Pode-se tratar de pré-conhecimento seja dos elem entos necessários para que haja
dem onstração (e é do que se tratará aqui), seja do pré-conhecimento da conclusão
(a conclusão é virtualm ente conhecida nos princípios antes de o ser atualm ente no
têrm o da dem onstração).
Há dois m odos possíveis de pré-conhecim ento, com o aliás de todo conhecim ento: o
pré-conhecim ento da natureza de um a coisa, quid sit, e o de sua existência an sit
(quia est).
6 . O SU JEITO.
Para Aristóteles, devem os conhecer ao m esm o tem po, relativam ente ao sujeito da
dem onstração, que êle é, an est, e o que êle é, quid est. Se por um lado, com
efeito, no início de um a pesquisa científica, não se coloca a questão da existência
do sujeito cujas propriedades se desejar conhecer -ela é pressuposta - por outro lado,
deve-se conhecer a natureza dêsse sujeito, o que êle é, sem o que jam ais se poderia
conhecer a natureza do têrm o m édio, e em conseqüência, não se poderia jam ais
proceder à dem onstração. A determ inação de um a propriedade pressupõe, portanto,
que seja pré-conhecida a existência e a natureza do sujeito ao qual ela pertence. É o
que afirm a S. Tom ás (11 Anal., 1, 1. 2, n. 3)
7. A PR OPR IED AD E.
8 . OS PR IN CÍPIOS.
Vejam os aqui resum idam ente as conclusões m ais im portantes dos Segundos Analíticos a
respeito dos princípios. Por princípios, se entendem de início, no que se segue,
as duas prem issas de cada dem onstração silogística. Mas deve-se notar que
Aristóteles e S. Tom ás dão tam bém a êsse têrm o um sentido m ais geral: as verdades
com uns contidas nas prem issas e, em um a outra ordem , a definição do têrm o m édio
podem ser igualm ente cham adas de princípios.
Multiplicidade e ordem dos princípios. - Pode haver acim a de um a m esm a dem onstração
tôda um a hierarquia de princípios explícitos e im plícitos. Pode-se colocar a
questão da ordem e das relações dêstes princípios entre êles m esm os e em relação
às dem onstrações.
Um a prim eira distinção é a dos princípios próprios e dos princípios com uns. Os
princípios próprios são os que convêm im ediatam ente a um a determ inada dem onstração:
são os verdadeiros princípios, pràticam ente as prem issas. Os princípios com uns são
aquêles que, devido à sua generalidade, podem convir a várias dem onstrações; em
regra geral, são os princípios m ais elevados que com andam , do alto, os silogism os.
Entre os princípios com uns, deve-se colocar à parte a grande categoria dos que são
com uns a tôdas as dem onstrações, quer dizer a tôdas as atividades do pensam ento.
São êles os axiom as denom inados "propositiones", "m axim ae propositiones",
"dignitates" (cf. II Anal. I, 1. 5, n.os 6-7); na lição precitada,
nos foi proposto o exem plo do princípio de não-contradição: "affirm atio et negatio
non sunt sim ul vera". Os princípios gerais da m etafísica, as proposições im ediatas
ou per se notae definidas acim a, entram nesta categoria que S. Tom ás assim
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caracteriza: "tôda proposição cujo predicado está im plicado na noção do sujeito
é, em si m esm a, im ediata e conhecida por si... quaelibet propositio cujus praedicatum
est in ratione subjecti est im m ediata et per se nota quantum est in se."
As proposições suprem as são tam bém divididas em per se nota om nibus e per se nota
solis sapientibus. As prim eiras são princípios m uito sim ples, com o o princípio de
não-contradição, do qual os têrm os são necessàriam ente conhecidos por todos e são
assim evidentes para todo espírito. As segundas são form adas de têrm os m ais técnicos
cuja conveniência só é m anifesta quando é conhecida a definição dêles. Seria,
notadam ente, o caso de alguns postulados m atem áticos.
A dem onstração propter quid é aquela a respeito da qual falam os pràticam ente até
aqui, quer dizer, aquela que faz conhecer a razão de dependência de um a propriedade em
relação a um sujeito. Tal dem onstração é sem pre a priori ou pela causa.
Dem onstra-se, por exem plo, desta m aneira que, o hom em tem a "risibilitas" porque êle
é racional, ou que Deus é eterno porque êle é im utável, a im utabilidade sendo a
razão própria da eternidade. - A dem onstração quia est, sem nos m ostrar a razão da
conclusão, nos assegura, entretanto, de sua verdade. Distinguem -se duas espécies de
dem onstrações quia est.
A dem onstração quia a posteriori é aquela na qual se dem onstra um a causa a partir de
seu efeito. Im porta observar que essa dem onstração não é rigorosa senão quando
feita per effectum convertibilem , quer dizer, quando se pode inverter-lhe os extrem os e
o têrm o m édio, visto terem todos a m esm a extensão. O exem plo de Aristóteles e de
S. Tom ás é o seguinte: "os planêtas estão próxim os porque não cintilam ".
A dem onstração quia a priori é aquela na qual se dem onstra a existência de um fato ou
de um a verdade, não pela causa im ediata, mas por um a causa m ais elevada, a qual é
im potente para nos dar a razão explicativa própria. S. Tom ás nos propõe êste
exem plo: "um m uro não respira porque êle não é um anim al", raciocínio que se
desenvolve no seguinte silogism o de 2.a figura:
Supõe-se que o têrm o m édio "anim al" não é a razão própria da respiração; há
anim ais, os peixes, por exem plo, que não respiram . Para se ter um a verdadeira
dem onstração propter quid, seria necessário fazer intervir o verdadeiro têrm o m édio
causa, e dizer por exem plo: "os m uros não respiram porque êles não têm pulm ões".
10 . A CIÊN CIA.
J á falam os resum idam ente da ciência, a propósito da dem onstração. Essas duas
noções sendo solidárias, vam os agora voltar a êste assunto para tratá-lo em tôda a
sua am plitude, Devem os observar que a partir de agora não considerarem os m ais sòm ente
a conclusão particular deu m dado silogism o, que é com o o elem ento da ciência, m as
antes o conjunto das dem onstrações que constituem um a disciplina científica e, m ais
geralm ente ainda, o sistem a total das ciências.
Um a ciência pode ser considerada sob dois pontos de vista: objetivam ente, com o o
desenvolvim ento das proposições que a constituem e subjetivam ente, ou seja com o
habitus, enquanto ela é um a disposição ou um aperfeiçoam ento de nossa inteligência
relativam ente a um certo objeto. Os m odernos, quando falam de ciência, pensam quase
que exclusivam ente no prim eiro dêstes aspectos, enquanto que para os antigos, a
consideração do hábito tinha tam bém o m esm o interêsse. Essas duas noções da
ciência, aliás, se correspondem , pois, a ciência com o percepção objetiva das
conclusões é com o o próprio hábito, um efeito da dem onstração.
Sob o ponto de vista predicam ental, o hábito pertence à categoria qualidade, da qual
êle é a prim eira das quatro espécies (habitus, potentia, passibiles qualitates,
figura). - Observem os ainda que os hábitos podem encontrar-se em diversas potências
da alm a: apetite sensível, vontade, inteligência. Evidentem ente, aqui nos
interessam os hábitos que têm com o sujeito a inteligência, os hábitos intelectuais.
Vê-se que a Ciência é tom ada, nesta classificação, segundo sua significação
m ais restrita, com o a dem onstração pelas causas inferiores e próxim as; neste
sentido, as m atem áticas e a física são ciências. A sabedoria filosófica superior,
a m etafísica, é tom ada, nêste texto, com o algo à parte, relativam ente à
ciência. Relem brem os que Aristóteles dá m uitas vêzes a êsse têrm o de "ciência"
um a extensão bem m aior, de sorte que a m etafísica, que é tam bém um conhecim ento
pelas causas (pelas causas suprem as), pode reivindicar o qualificativo de ciência.
Com o já o dissem os, as ciências para S. Tom ás não se distinguem pela diferença
m aterial dos sêres que estudam , m as segundo o ponto de vista que é visado nesses
sêres. É a tese geral que se exprim e quando se afirm a que as ciências, com o aliás
todos os hábitos, são especificadas por seu objeto form al. Dizendo-o de outra
form a, as ciências são com o organism os intelectuais que podem se relacionar a coisas
m aterialm ente m uito diversas m as tôdas consideradas sob um m esm o aspecto. Ao inverso,
um m esm o objeto m aterial pode ser considerado sob pontos de vista diferentes por ciências
diferentes. O "nariz achatado" do exem plo de Aristóteles é assim , em sua curva,
objeto da geom etria, enquanto que sob o ponto de vista de sua com pleição física, é
objeto da física.
Observe-se que a tradição filosófica, m esm o escolástica, nem sem pre perm aneceu
fiel a êsse princípio. Os m odernos, sob a influência de Wolf, dividiram a
m etafísica em ontologia, ciência do ser, em teodicéia, ciência da alm a, e
cosm ologia, ciência do m undo. É certo que essas distinções não carecem de
fundam ento, m as tendem a substituir, na divisão da filosofia, pontos de vista de
separação m aterial por diferenças form ais de objetos. Ciência e filosofia perdem ,
assim , algum a coisa da forte estrutura racional que haviam recebido na sistem atização
precedente.
Antes de abordar o problem a do fundam ento preciso da distinção das ciências, não
será inútil esclarecer algum as dificuldades que provêm do entrecruzam ento de dois pontos
de vista na doutrina tom ista da ciência.
As ciências se distinguem , portanto, pelo seu objeto form al quo; sua diversidade,
dizendo-o de outra form a, procede do espírito e, sob um outro ponto de vista, dos
princípios que êle encerra (cf. II Anal., I, l. 41, n.10 -11).
A ratio form alis scibilis é tom ada, portanto, a partir dos princípios, de onde
resulta, em definitivo, a diversidade e a especificidade das ciências. Os
princípios, entretanto, não são para S. Tom ás o fundam ento noético último dessa
diversidade. Este se acha na im aterialidade. Portanto, com o se poderá operar a
passagem para êsse nôvo ponto de vista? S. Tom ás no-lo explica no De Trinitate
(q. 5, a. 1)
Vê-se com o S. Tom ás passa do "speculabile" ao "im m ateriale" e acaba assim por
relacionar a diversidade das ciências com os graus de im aterialidade. Um a coisa é
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tanto m ais inteligível, ou inteligente, quanto ela é m ais im aterial; assim o anjo,
m ais elevado que o hom em na ordem da im aterialidade, é tam bém m ais inteligível e mais
inteligente do que êle. Observem os que por im aterialidade não se deve entender
sòm ente aqui precisam ente a ausência da m atéria física, "carentia m ateriae", m as
antes a independência em face das condições que resultam da m atéria, "elevatio super
conditiones m ateriae": form alm ente, é a não potencialidade.
A classificação aristotélica das ciências é dom inada pela fam osa distinção dos
três graus de abstração ou de m aterialidade, distinção que se enraíza no que há de
m ais profundo da vida da inteligência. Ela tem com o efeito distribuir as ciências
(com preendida aí a sabedoria m etafísica) em três grandes classes racionalm ente
distintas: física, m atem ática e metafísica. Esta classificação já era
aproxim ativam ente a de Platão, e pode-se dizer que ela é com um na história do
pensam ento. Todavia, no tom ism o ela tem um a significação m uito precisa que é função
nossa determ inar.
Podem os considerar nosso objeto de conhecim ento segundo três graus de abstração ou de
im aterialidade. A cada um dêsses graus, deixa-se um a certa parte de m atéria de que se
faz abstração e pode-se conservar ainda um a outra parte de m atéria. - Segundo se
considere a parte da m atéria que se deixa ou a que se conserva, ter-se-á duas
m aneiras de caracterizar cada um dos graus de abstração, sendo a segunda denom inada por
S. Tom ás secundum m odum definiendi.
Pode-se tam bém caracterizar os graus de abstração segundo a m atéria que resta e
perm anece, portanto, incluída na definição do têrm o m édio (S.Tom ás, Metaf.,
VI, l.I; Com ent. s/ De Trinitate, q. 5, a. 1). O objeto físico é aquêle
que não pode existir, "esse", nem ser definido sem a m atéria sensível; êle
depende dela "secundum esse et rationem ". O objeto m atem ático será definido sem a
m atéria sensível, se bem que não possa existir fora dela; êle depende dela "secundum
esse non secundum rationem ". O objeto m etafísico é definido sem qualquer m atéria;
êle não depende dela "nec secundum esse nec secundum rationem ". Tudo isto está
perfeitam ente caracterizado neste texto do De Trinitate (q. 5, a. 1)
Restar-nos-ia m ostrar que essa teoria dos graus de abstração, que à prim eira vista
se apresenta com o um m ecanism o m ental de certa rigidez, corresponde em S. Tom ás a um a
atividade de espírito m uito m ais diversificada. Na realidade, o processo de form ação
do objeto em cada grau de abstração corresponde a um a atividade m uito original; isto é
verdade sobretudo no nível m etafísico, onde S. Tom ás, em seu Com entário sôbre o
De Trinitate de Boécio (q. 5, a. 3), substitui o têrm o de abstração,
reservado aos graus inferiores do saber, pelo de separação. Voltarem os, no m om ento
oportuno, a essas im portantes discrim inações.
Existe um a ciência física dem onstrativa, que procede a partir das definições e dos
princípios das essências naturais, e que procura explicar as propriedades dessas
essências. Foi o que os antigos com preenderam quando tentaram constituir um a ciência
explicativa dos fenôm enos da natureza, a Philosophia naturalis. Infelizm ente,
entretanto, não conhecem os senão de m aneira m uito im perfeita essas essências naturais
que deveriam servir de ponto de partida para nossas dem onstrações. O que faz com que
essa ciência dedutiva da natureza não chegue, o m ais freqüentemente, na realidade,
senão a generalidades ou a conclusões hipotéticas: os fenôm enos observados
perm anecerão, em sua m aior parte, fora de sua apreciação.
Deverem os por isso renunciar com pletam ente ao conhecim ento racional dêsses fenôm enos?
Não, porque em um nível inferior podem -se constituir, e, de fato, se constituíram ,
ciências particulares que se aplicam ao detalhe dos fenôm enos. O que é necessário
observar bem , é que de um a parte essas ciências não estão em continuidade perfeita
com a philosophia naturalis, e que, por outra parte, elas não podem nos dar senão um
conhecim ento aproxim ado e relativo da essência das coisas, que perm anece sem pre velada.
As conclusões da física m oderna não são, em grande parte senão sinais m ais ou m enos
denunciadores da verdadeira natureza das coisas.
1. OS TÓPICOS.
Os livros dos Tópicos, que se julga terem sido com postos antes dos Analíticos,
com preendem duas partes principais: os Livros I e VII, 3 a VIII, constituindo
um a introdução e um a conclusão e o bloco central dos livros II a VII, 3.
Tóp., I, c. 1,
10 0 a 18
Os lugares dialéticos são, portanto, prem issas, m ais especialm ente, m aiores
presuntivas. Citem os, a título de exem plo, os prim eiros lugares do gênero: "Se um
gênero, pretendido com o tal, não pode ser atribuído a um a espécie ou a um indivíduo
dessa m esm a espécie, êle, na realidade, não é um gênero". - "O atributo que
não convém essencialm ente a todos os sujeitos aos quais êle pode ser atribuído, não
poderia ser seu gênero". - "O predicado ao qual convém a definição de um acidente
não é o gênero do sujeito dêsse acidente."
Os Sophistici elenchi não são senão um apêndice do livro dos Tópicos. Êles se
situam , com o esta últim a obra, naquela curiosa atm osfera dialética tão a gôsto do
pensam ento grego e da qual Platão nos deixou um a evocação tão viva. As
"Refutações sofísticas" são os falsos raciocínios que os sofistas im aginavam para
confundir seus adversários. Por extensão, elas podem significar todos os falsos
raciocínios. De m aneira geral, cham ar-se-á sofism a a um falso raciocínio que se
fizer com a intenção de enganar. Quando o falso raciocínio é pôsto de boa fé,
será cham ado um paralogism o. Aristóteles distingue duas espécies de sofism as: os que
provêm da linguagem (fallacia in dictione) e os que não provêm dela (fallacia extra
dictionem ).
Fallacia extra dictionem . - Aristóteles conta sete delas: o acidente, "a dicto
secundum quid ad dictum sim pliciter", a "ignoratio elenchi", a petição de
princípio, a conseqüente, a "non causa pro causae", a pluralidade das questões. A
"ignoratio elenchi" consiste em não provar o que se devia provar, ou, o que dá no
m esm o, em ignorar a verdadeira questão que se deveria resolver. Na "petição de
princípio", tenta-se provar tom ando-se com o princípio justam ente aquilo que estava em
questão.
3 . A R ETÓR ICA.
A seqüência da obra de Aristóteles com preende quatro peças principais que não
parecem , aliás, perfeitam ente ordenadas. Inicialm ente, um estudo especial dos três
gêneros reconhecidos de discursos (I). Depois, um estudo das paixões e das
disposições das diversas categorias de ouvintes (II, 1-18). O final do livro
II trata dos lugares com uns na arte oratória. Finalm ente, o livro III, que form a
um conjunto à parte, trata do estilo e da com posição.
105
XII
É necessário, portanto, que um outro processo lógico nos coloque na posse dêsses
princípios. De m aneira geral, êste será a indução. Com o a dem onstração supõe o
conhecim ento do têrm o m édio, pode-se tam bém dizer que a definição dêsse têrm o
m édio é princípio e que, em conseqüência, os m étodos da definição são tam bém
preparatórios para a dem onstração. Em definitivo, no conjunto da lógica
aristotélica, indução e definição, ao m esm o tem po que conduzem a resultados que têm
valor em si m esm os, aparecem tam bém com o prelim inares da dem onstração científica.
Será entretanto, perm itido afirm ar que tôda a lógica aristotélica resum e-se na
teoria da dem onstração científica? Isso seria esquecer todo aquêle com plexo de
processos m enos rigorosos do espírito que encontram os nos Tópicos. Em um a m ultidão
de casos, m uitas vêzes tem os de contentar-nos com raciocinar sôbre o provável. Por
outro lado, a parte efetivam ente m ais considerável da vida da inteligência será sem pre
constituída por essa atividade de pesquisas e de invenção que, ela tam bém , se vê
com preendida, no peripatetism o, sob o título geral de dialética. S. Tom ás teve
consciência disso, e um estudo atento dos processos m etódicos que ele preconizou e
utilizou nessa ordem de coisas conduz-nos certam ente a resultados novos e interessantes.
Que pensar, finalm ente, dentro das perspectivas da lógica clássica em que nos
colocam os, de todos êsses sistem as novos, de inspiração m atem ática, que atualm ente
m onopolizam a atenção? Dois caracteres originais são com uns a esses sistem as: por um
lado, predom inância da relação sôbre o term o, e resolução da "com preensão" na
"extensão"; por outro lado, em prêgo incessante e generalizado de algorítm os abstratos
que constituem a m atéria do discurso.
106
Esta m atem atização da lógica oferece vantagens evidentes. Valoriza plenam ente a
relação com o tal, fornece sobretudo, um precioso instrum ento, tanto para o contrôle
rápido da exatidão de um enunciado, quanto para a análise crítica dos fundam entos da
lógica. Mas tal transform ação apresenta, em contraposição, graves inconvenientes,
não certam ente de direito, porém , porque, de fato, a m aioria dos lógicos m odernos
fazem dos algorítm os abstratos a parte essencial da lógica, esquecendo-se de que êles
não podem ter senão um papel subordinado! É a ruptura e do "lógico" com o
"m etafísico" que é de fato, repitam o- lo,a causa de um a oposição entre a lógica
clássica e a lógica m oderna. O conflito atinge o clím ax m áxim o quando se chega à
logística a qual elabora, com o se sabe, os algorítm os abstratos de que Boole foi o
iniciador. A logística, da m esm a form a que as m atem áticas, faz corresponder sím bolos
às realidades, à espécie os term os e as proposições. Daí a substituir o universo
do discurso, pelo qual apreendem os a realidade, pelo universo dos sím bolos, não falta
senão um passo, e êsse passo m uito freqüentem ente é dado.