Você está na página 1de 8

PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DO PARANÁ

Escola de Educação e Humanidades

Curso de bacharelado em Filosofia

Prova Avaliação I Bimestre

História da filosofia moderna II

Prof. Dr. Federico Ferraguto

Aluno: César Collin Lavalle

CURITIBA
2020
1. Explicitar o significado do conceito espinoziano de substancia e a diferença entre
substancia, atributos e modos.

Baruch Spinoza (1632-1677) foi um filósofo nascido em Amsterdã, que


desenvolveu sua filosofia sob a égide do modo racionalista. Começou sua carreira como
comentador de Descartes, escreveu a obra Os princípios da filosofia cartesiana
demonstrados segundo o método geométrico, sendo que extraiu o método geométrico de
argumentação a partir da obra de Descartes.

Sua principal obra, denominada Ética, é escrita com um rigor lógico ímpar, que
traduz essa vontade racionalista de tecer a argumentação com o máximo possível de
exatidão. É dividida em proposições numeradas, sendo que Spinoza coloca como
subtítulo da obra o fato dela ser “demonstrada segundo a ordem geométrica, e dividida
em cinco partes”, ou seja, existe uma precisão conceitual tremenda. Spinoza utilizou para
a sua investigação a fórmula sub specie aeternitatis, um modo específico que tenta se
desprender das paixões e buscar um rigor máximo em seu sistema filosófico, pois sua
proposta é investigar as coisas sob o prisma da eternidade, isto é, para além de mera
investigação empírica acerca do mundo. Tal forma de filosofar é oposta ao empirismo,
que produzia proposições “relativas”, segundo os racionalistas.

O filósofo traz em sua obra uma teoria do ser, isto é, realiza um trabalho na
ontologia, em especial apresentando uma teoria metafísica. Toda sua teoria gira em torno
do conceito de substância, que aparece já nas definições iniciais da obra, sendo que
Spinoza a define como “aquilo que existe em si mesmo e que por si mesmo é concebido,
isto é, aquilo cujo conceito não exige o conceito de outra coisa do qual deva ser formado” 1

Tal conceito representa na obra de Spinoza a noção de Deus, não mais em um


âmbito teológico, mas puramente filosófico. Tal concepção panteísta considera a
substância (Deus) como o princípio metafísico da existência de todas as coisas, sendo
que a substância é sinônimo de toda a realidade, segundo Spinoza, “além de Deus, não
pode existir nem ser concebida nenhuma substância” 2. Assim sendo, Deus é tanto o ser
que cria quanto o ser criado, sua existência é necessária, pois é auto fundante.

1
Spinoza, Baruch. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019. p. 13
2
Spinoza, Baruch. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019. p. 22
O atributo, por sua vez, é o que “de uma substância, o intelecto percebe como
constituindo a sua essência”3. Dessa forma, o ser humano quando pensa só poderá
pensar sobre a substância ou um atributo derivado dela, Reale define o atributo como “A
substância (Deus), que é infinita, manifesta e exprime a própria essência em infinitas
formas e guisas. E estes são os “atributos”” 4. Enquanto Descartes concebe a res cogitans
e a res extensa enquanto atributos do homem, Spinoza as concebe como atributos de
Deus, que nós conhecemos, isto é possível encontrar na seguinte passagem da Ética: “o
pensamento é um atributo de Deus, ou seja, Deus é uma coisa pensante” 5 e também na
passagem “a extensão é um atributo de Deus, ou seja, Deus é uma coisa extensa” 6.

Por fim, temos de definir a concepção de modo, que tem um papel fundamental na
ontologia spinoziana. Spinoza o define como “as afecções de uma substância, ou seja,
aquilo que existe em outra coisa, por meio da qual é também concebido”. São os atributos
que definem os modos, sendo que podem ser finitos ou infinitos. Os modos infinitos são
as ideias de Deus bem como o movimento, e os finitos são o pensamento humano e os
corpos.

2. Apresentar e discutir a filosofia de Leibniz no que diz respeito à diferença entre


verdades de razão e verdades de fato e as implicações desta distinção na
construção do próprio pensamento leibniziano.

Gottfried Wilhelm Leibniz (1646-1716) também seguiu a tradição racionalista, mas


era um ferrenho crítico de Descartes e também de Spinoza. Desenvolveu sua filosofia no
campo da metafísica, mas utilizou da lógica e de investigações acerca da linguagem para
suas inquirições. Era contrário à ideia cartesiana de impossibilidade de verdades advindas
da experiência, mas também crítico à concepção de Locke de que tudo que há no
intelecto deve ter passado antes pelos sentidos, ao invés de adotar as respostas
tradicionais do debate entre racionalismo e empirismo, defendia que existiam possíveis
graus de conhecimentos, uns mais necessários e exatos e outros mais contingentes e
flexíveis.

Leibniz se vale de uma distinção que Kant usa na Crítica da Razão Pura, que é a
diferença entre dois tipos de conhecimentos possíveis, o primeiro é a categoria das
3
Spinoza, Baruch. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019. p. 13
4
Reale, Giovanni e Antiseri, Dario. Filosofia: idade moderna, vol. 2. Tradução de José Bortolini. São Paulo: Paulus,
2017. p. 330
5
Spinoza, Baruch. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019. p. 52.
6
Spinoza, Baruch. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019. p. 53.
verdades de fato, e por segundo temos a categoria das verdades da razão. Essa distinção
é a base para a superação do debate entre empirismo e racionalismo, cuja solução foi
sintetizar os conhecimentos, isto é, superar o dualismo excludente dos filósofos pré
kantianos.

Primeiro, irei tratar das verdades da razão. Tal modalidade tem seu princípio
basilar na lógica, sobretudo nos princípios de não contradição e de identidade. Tais
verdades coincidem com as verdades da lógica formal, pois tem os mesmos princípios, o
problema de tais juízos é que o predicado já está contido no sujeito, isto é, ele não
depende de nenhuma análise ou relação com o mundo, com a ordem dos fatos para ser
verdadeiro ou falso, o seu valor de verdade é interno à estrutura lógica da proposição
enquanto função f (x).

É apenas na obra de Frege (notadamente no artigo Sobre o sentido e a referência)


que começa a relação entre proposições lógicas e mundo, ideia que foi levada ao extremo
com a filosofia contida no Tractatus Logico-Philosophicus de Ludwig Wittgenstein7, que
concebe a linguagem como espelho lógico do mundo. Na época de Leibniz, não há tal
relação entre lógica e mundo, e, pelo contrário, tal diferença é o que define o debate
moderno, de um lado, os racionalistas defendendo a supremacia dos juízos analíticos, do
outro, os empiristas defendendo a supremacia dos juízos sintéticos. Hamlyn, ao explicar
as verdades da razão em Leibniz, coloca que:

As verdades da razão são aquelas a que Kant chama de "analíticas"; podem ser
analisadas em proposições idênticas, da forma "A é A", através de cadeias de
definições dos termos envolvidos. Ou seja, se um substitui os termos de qualquer
termo de proposição necessariamente verdadeiro que lhes seja igual, a proposição
acabará por ser reduzida a um cuja negação produzirá, evidentemente, uma
contradição.8

O exemplo mais utilizado nas obras de filosofia é o da proposição “o triângulo tem


três lados”, pois ele retrata muito bem a necessidade apriorística de uma concordância do
sujeito com o predicado, mais ainda, é a qualidade essencial do triângulo ter três lados.
Para justificar a possibilidade de chegar às verdades da razão, Leibniz também traz uma

7
Neste ponto, sempre tive interesse em estudar a relação entre Leibniz e a filosofia analítica, pois eu estudo
Wittgenstein, Russell e Frege faz alguns anos, e já me deparei com estudos realizados dessa forma, que tratam Leibniz
como o filósofo que antecipou muito do que foi realizado pelo projeto dos logicistas.
8
Hamlyn, D.W. A history of western philosophy. New York: Viking Penguin Books, 1987. p. 160-161. Tradução minha,
trecho original: “Truths of reason are those which Kant was to call “analytic”; they can be analysed into identical
propositions, of the form “A is A”, via chains of definitions of the terms involved. That is to say that if one substitutes
for the terms of any necessarily true proposition terms which are definitionally equivalente to them the proposition
will eventually be reduced to one the denial of which will evidently produce a contradiction. ”
tese polêmica, que gera uma discussão infindável no campo da filosofia da mente, pois
ele defende que tais verdades são inatas à mente humana, Kaldis explica que:

Em seu espírito puramente metafísico, em que Leibniz chega ao ponto de afirmar


que todas as ideias devem ser estritamente inatas, seu objetivo principal é a
salvaguarda da imaterialidade da mente e sua autonomia ou autossuficiência
cognitiva. A mente, sendo uma mônada sem janelas, não pode receber quaisquer
ideias do exterior por meio dos sentidos.9

Então, as verdades da razão fundamentam a tese de que existe um


pressuposto matemático que rege as coisas, nesse ponto, estamos no plano da
necessidade lógica, mas Leibniz não é um autor que defende a ordem do mundo como
necessária. Se a ordem do mundo não é necessária, é porque Deus cria as coisas num
processo criativo livre, que respeita padrões lógicos e matemáticos, mas que está livre
para produzir combinações, ou “estados de coisas” da maneira que bem entende. Dessa
forma, o mundo depende da vontade de Deus, a qual não é possível conhecer, por isso,
temos que a ordem deva ser contingente.

Leibniz concebe uma ontognosiologia, assim como Espinoza, mas a principal


diferença está em Leibniz conceber a ordem do mundo como contingente. A manifestação
do ser é então contingente e será captada enquanto verdade de fato 10. Tais verdades não
respeitam o princípio da identidade e não contradição, pois elas podem ocorrer,
exemplifico: “a parede é azul, mas poderia não ser azul”, ou ainda “Pedro é careca, mas
poderia não ser careca.

As verdades de fato são fundamentadas por outro princípio, que é o da razão


suficiente, isso coaduna com a tese de que a ordem do mundo é contingente, pois,
enquanto racionalista, ele precisa criar um princípio, uma ordem, para a contingência, que
seria num primeiro momento desordenada. Tal princípio fundamenta-se no fato de que
Deus, quando criou este mundo, criou enquanto o melhor dos mundos possíveis, há então
uma razão para as coisas estarem dispostas da maneira que encontra-se o estado de
coisas existente.

9
Kaldis, Byron. Leibniz e o argumento a favor das ideias inatas. In: Bruce, Michael e Barbone, Steven. Os 100
argumentos mais importantes da filosofia ocidental. Tradução de Ana Lucia da Rocha Franco. São Paulo: Cultrix,
2013. p. 341-342
10
Nesse ponto, encontro semelhanças imensas com a tese do Tractatus. Wittgenstein afirma que o mundo independe
da vontade do sujeito, mas ele pressupõe uma isomorfia entre lógica e mundo que limita a forma do caso, isto é, os
estados de coisas possíveis têm que respeitar um padrão, mas o que de fato é o caso é contingente, pode ou não
ocorrer e tudo ficar na mesma, como ele diz no início.
As duas principais implicações são, dessa forma, primeiro, a de que existem ideias
inatas, inclusive de que “o forte racionalismo de Leibniz se expressa em sua concepção
de que todo conhecimento é, em última análise, a priori, “Tout est déja connu” (“tudo já é
conhecido previamente”11. A segunda é a de que, diferentemente de Espinoza, a ordem
do mundo não é necessária, mas contingente, eis que está presente a vontade de Deus
enquanto princípio da criação das diferentes mônadas.

3. Após a leitura do trecho seguinte do Ensaio Sobre o Entendimento Humano de


Hume, p. 33:

«Qual é, portanto, a conclusão de toda a questão? É simples; no entanto, deve-se


confessar que ela se acha muito distante das teorias filosóficas correntes. Toda crença,
em matéria de fato e de existência real, procede unicamente de um objeto presente à
memória ou aos sentidos e de uma conjunção costumeira entre esse e algum outro
objeto. Ou, em outras palavras, como o espírito tem encontrado em numerosos casos que
dois gêneros quaisquer de objetos - a chama e o calor, a neve e o frio – sempre têm
estado em conjunção, se, de novo, a chama ou a neve se apresentassem aos sentidos, o
espírito é levado pelo costume a esperar calor ou frio, e a acreditar que esta qualidade
existe realmente e que se manifestaria se estivesse mais próxima de nós. Esta crença é o
resultado necessário de colocar o espírito em determinadas circunstâncias. E uma
operação da alma tão inevitável como quando nos encontramos em determinada situação
para sentir a paixão do amor quando recebemos benefícios; ou a de ódio quando nos
defrontamos com injustiças. Todas estas operações são uma espécie de instinto natural
que nenhum raciocínio ou processo do pensamento e do entendimento é capaz de
produzir ou de impedir. A esta altura, poderíamos perfeitamente terminar nossas
pesquisas filosóficas. Na maioria dos problemas jamais poderíamos adiantar um único
passo; e em todas as questões deveríamos terminar aqui, depois das mais incessantes e
curiosas investigações. Mas ainda nossa curiosidade será perdoável, talvez digna de
elogio, se nos levar a investigações mais avançadas e nos fizer examinar com maior
exatidão a natureza desta crença e desta conjunção costumeira, isto é, de onde ela
procede. Por este meio podemos encontrar explicações e analogias que satisfarão, ao
menos, àqueles que amam as ciências abstratas e se contentam com especulações que,
por mais rigorosas que sejam, ainda podem conservar certo grau de dúvida e de
incerteza. Quanto aos leitores de gosto diverso, o resto desta seção não lhes é destinada,
11
Marcondes, Danilo. Iniciação à história da filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Zahar
Editora, 2007. p. 198
e, se eles não a lerem, ainda assim podem compreender perfeitamente as investigações
posteriores».

Explicar a partir do próprio texto:

a) As características principais do ceticismo humeano.

b) O que Hume intende com crença.

c) Qual é a relação entre a crença e o habito com referência á critica humeana do


principio de causalidade.

4. Discutir o impacto da reflexão empirista sobre a definição dos limites do entendimento


humano.

Você também pode gostar