CURITIBA
2020
1. Explicitar o significado do conceito espinoziano de substancia e a diferença entre
substancia, atributos e modos.
Sua principal obra, denominada Ética, é escrita com um rigor lógico ímpar, que
traduz essa vontade racionalista de tecer a argumentação com o máximo possível de
exatidão. É dividida em proposições numeradas, sendo que Spinoza coloca como
subtítulo da obra o fato dela ser “demonstrada segundo a ordem geométrica, e dividida
em cinco partes”, ou seja, existe uma precisão conceitual tremenda. Spinoza utilizou para
a sua investigação a fórmula sub specie aeternitatis, um modo específico que tenta se
desprender das paixões e buscar um rigor máximo em seu sistema filosófico, pois sua
proposta é investigar as coisas sob o prisma da eternidade, isto é, para além de mera
investigação empírica acerca do mundo. Tal forma de filosofar é oposta ao empirismo,
que produzia proposições “relativas”, segundo os racionalistas.
O filósofo traz em sua obra uma teoria do ser, isto é, realiza um trabalho na
ontologia, em especial apresentando uma teoria metafísica. Toda sua teoria gira em torno
do conceito de substância, que aparece já nas definições iniciais da obra, sendo que
Spinoza a define como “aquilo que existe em si mesmo e que por si mesmo é concebido,
isto é, aquilo cujo conceito não exige o conceito de outra coisa do qual deva ser formado” 1
1
Spinoza, Baruch. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019. p. 13
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Spinoza, Baruch. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019. p. 22
O atributo, por sua vez, é o que “de uma substância, o intelecto percebe como
constituindo a sua essência”3. Dessa forma, o ser humano quando pensa só poderá
pensar sobre a substância ou um atributo derivado dela, Reale define o atributo como “A
substância (Deus), que é infinita, manifesta e exprime a própria essência em infinitas
formas e guisas. E estes são os “atributos”” 4. Enquanto Descartes concebe a res cogitans
e a res extensa enquanto atributos do homem, Spinoza as concebe como atributos de
Deus, que nós conhecemos, isto é possível encontrar na seguinte passagem da Ética: “o
pensamento é um atributo de Deus, ou seja, Deus é uma coisa pensante” 5 e também na
passagem “a extensão é um atributo de Deus, ou seja, Deus é uma coisa extensa” 6.
Por fim, temos de definir a concepção de modo, que tem um papel fundamental na
ontologia spinoziana. Spinoza o define como “as afecções de uma substância, ou seja,
aquilo que existe em outra coisa, por meio da qual é também concebido”. São os atributos
que definem os modos, sendo que podem ser finitos ou infinitos. Os modos infinitos são
as ideias de Deus bem como o movimento, e os finitos são o pensamento humano e os
corpos.
Leibniz se vale de uma distinção que Kant usa na Crítica da Razão Pura, que é a
diferença entre dois tipos de conhecimentos possíveis, o primeiro é a categoria das
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Spinoza, Baruch. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019. p. 13
4
Reale, Giovanni e Antiseri, Dario. Filosofia: idade moderna, vol. 2. Tradução de José Bortolini. São Paulo: Paulus,
2017. p. 330
5
Spinoza, Baruch. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019. p. 52.
6
Spinoza, Baruch. Ética. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2019. p. 53.
verdades de fato, e por segundo temos a categoria das verdades da razão. Essa distinção
é a base para a superação do debate entre empirismo e racionalismo, cuja solução foi
sintetizar os conhecimentos, isto é, superar o dualismo excludente dos filósofos pré
kantianos.
Primeiro, irei tratar das verdades da razão. Tal modalidade tem seu princípio
basilar na lógica, sobretudo nos princípios de não contradição e de identidade. Tais
verdades coincidem com as verdades da lógica formal, pois tem os mesmos princípios, o
problema de tais juízos é que o predicado já está contido no sujeito, isto é, ele não
depende de nenhuma análise ou relação com o mundo, com a ordem dos fatos para ser
verdadeiro ou falso, o seu valor de verdade é interno à estrutura lógica da proposição
enquanto função f (x).
As verdades da razão são aquelas a que Kant chama de "analíticas"; podem ser
analisadas em proposições idênticas, da forma "A é A", através de cadeias de
definições dos termos envolvidos. Ou seja, se um substitui os termos de qualquer
termo de proposição necessariamente verdadeiro que lhes seja igual, a proposição
acabará por ser reduzida a um cuja negação produzirá, evidentemente, uma
contradição.8
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Neste ponto, sempre tive interesse em estudar a relação entre Leibniz e a filosofia analítica, pois eu estudo
Wittgenstein, Russell e Frege faz alguns anos, e já me deparei com estudos realizados dessa forma, que tratam Leibniz
como o filósofo que antecipou muito do que foi realizado pelo projeto dos logicistas.
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Hamlyn, D.W. A history of western philosophy. New York: Viking Penguin Books, 1987. p. 160-161. Tradução minha,
trecho original: “Truths of reason are those which Kant was to call “analytic”; they can be analysed into identical
propositions, of the form “A is A”, via chains of definitions of the terms involved. That is to say that if one substitutes
for the terms of any necessarily true proposition terms which are definitionally equivalente to them the proposition
will eventually be reduced to one the denial of which will evidently produce a contradiction. ”
tese polêmica, que gera uma discussão infindável no campo da filosofia da mente, pois
ele defende que tais verdades são inatas à mente humana, Kaldis explica que:
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Kaldis, Byron. Leibniz e o argumento a favor das ideias inatas. In: Bruce, Michael e Barbone, Steven. Os 100
argumentos mais importantes da filosofia ocidental. Tradução de Ana Lucia da Rocha Franco. São Paulo: Cultrix,
2013. p. 341-342
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Nesse ponto, encontro semelhanças imensas com a tese do Tractatus. Wittgenstein afirma que o mundo independe
da vontade do sujeito, mas ele pressupõe uma isomorfia entre lógica e mundo que limita a forma do caso, isto é, os
estados de coisas possíveis têm que respeitar um padrão, mas o que de fato é o caso é contingente, pode ou não
ocorrer e tudo ficar na mesma, como ele diz no início.
As duas principais implicações são, dessa forma, primeiro, a de que existem ideias
inatas, inclusive de que “o forte racionalismo de Leibniz se expressa em sua concepção
de que todo conhecimento é, em última análise, a priori, “Tout est déja connu” (“tudo já é
conhecido previamente”11. A segunda é a de que, diferentemente de Espinoza, a ordem
do mundo não é necessária, mas contingente, eis que está presente a vontade de Deus
enquanto princípio da criação das diferentes mônadas.