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JOHN LOCKE E OS PRINCÍPIOS DEMOCRÁTICOS CONTIDOS NA OBRA

SEGUNDO TRATADO SOBRE O GOVERNO

Rodrigo Pedro Mella Parmeggiani

O presente trabalho visa apresentar, a partir de três conceitos norteadores, a presença de


elementos ou princípios democráticos ou da democracia, na obra O Segundo tratado sobre o
Governo de John Locke. Para tanto, buscou-se efetuar uma pesquisa de cunho estritamente
exegético, em vista de "fazer a obra falar por si mesma". O resultado do empreendimento foi
apresentado para os colegas na disciplina ministrada pelo professor Thadeu Weber denominada
Estado e Teorias da Justiça II.

Portanto, a estrutura do trabalho se compõe de três seções. A primeira tem por conceito
norteador o princípio democrático de representação. A segunda tem por conceito norteador o
princípio democrático de maioria. E por fim, na terceira seção, tem-se o princípio democrático
da desobediência civil.

1. A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

Um dos primeiros princípios democráticos encontrados na obra de John Locke é o do


representação política. A base legítima do poder político estaria alicerçada no consentimento
individual, assim, é em nome de tal poder político que se fundamenta no consentimento
individual que Locke priorizará a escolha de determinados representantes pela população, de
forma que estes "[...] promulguem as leis de proteção, amparo e preservação do direito de
propriedade [...], caracterizando, desta maneira, a democraria representativa" (POLARI DE
ALVARENGA, 2003, p. 23). Assim no filosófo não condiciona o poder político à autoridade de
uma poder absoluto e paternal e nem à origem divina, mas sim como "[...] uma prerrogativa por
excelência do consentimento individual para defesa e amparo do direito à propriedade privada"
( POLARI DE ALVARENGA, 2003, p. 23). Dessa forma, a legitimidade do poder se encontra no
indivíduo e viabiliza assim a proposta política da democracia representativa.

Outro ponto que deve ser salientado para esclarecimento conceitual é de que a expressão
democracia liberal compreende dois diferentes aspectos: "O liberalismo, tal como proposto por
Locke e outros pensadores, é uma doutrina do Estado limitado tanto com respeito aos seus
poderes quanto às suas funções" (PIRES FERREIRA, 2009, p. 16). Portanto, um Estado de
direito não quer dizer que necessariamente preze pelo Estado mínimo, de forma que pode ser o
caso de um Estado de direito que não seja mínimo ou mesmo de um Estado mínimo que não seja
um Estado de direito (PIRES FERREIRA, 2009). Assim, a democracia política, que tem sua
expressão no Estado de direito, se refere "[...] a um estado em que os poderes públicos são
regulados por normas gerais e que devem ser exercidas no âmbito das leis que os regulam"
(PIRES FERREIRA, 2009, p. 16).

Podemos encontrar a relação de princípios democráticos nas seguintes passagens sobre


representação política no Segundo Tratado sobre o Governo:

Pois, com isso, essa pessoa autoriza a sociedade ou, o que vem a ser o mesmo, o
legislativo desta a elaborar leis em seu nome segundo o exija o bem público, a
cuja execução sua própria assistência (como se fossem decretos de sua própria
pessoa) é devida (LOCKE, 1998, § 90, p. 460).

[...] tampouco pode edito algum de quem quer que seja, seja de que forma
concebido ou por que poder apoiado, ter força e obrigação de lei se não for
sancionado pelo legisltivo escolhido e nomeado pelo público. Pois, não fosse
assim, não teria a lei o que é absolutamente necessário à lei, o consentimento da
sociedade, sobre a qual ninguém pode ter o poder de elaborar leis salvo por seu
próprio consentimento, e pela autoridade dela recebida (LOCKE, 1998, § 134,
p. 503).

Somento o povo é facultado designar a forma da sociedade política, que se dá


através da constituição do legislativo, e indicar em que mãos será depositado. E
quando o povo disser: submeter-nos-emos às regras e seremos governados pelas
leis estabelecidas por tais homens e sob tais formas, ninguem mais poderá dizer
que outros homens devam elaborar leis para o povo, e tampouco pode ser este
submetido a nenhuma lei, senão aquelas promulgadas pelos indivíduos
escolhidos e autorizados para formular as leis da sociedade. Uma vez que o
poder do legislativo deriva do povo, por um concessão ou instituição positiva e
voluntária, não pode ser ele diverso do poder transmitido por tal concessão
positiva, que é apenas o de elaborar leis e não de fazer legisladores, de sorte que
não pode ter o legislativo nenhum poder de transferir sua autoridade de elaborar
leis e colocá-la em mãos de terceiros. (LOCKE, 1998, § 141, p. 513).

2. A VONTADE DA MAIORIA
Outro princípio de demoracia que podemos encontrar na obra de Locke em questão é o
que versa sobre a maioria. Quando a base política reside numa democracia representativa, faz-se
necessário para o andamento da sociedade que as decisões devam ter como critério de votação
uma mensuração dada pela quantidade, isto é, faz-se necessária que a vontade da maioria, e não
de todos, tenha o poder de decisão. Tal característica apesar de não ser a ideal, já que a ideal seria
que a vontade de todos fosse cumprida, pelo menos fornece uma opção mais pragmática, pois
permite que as decisões sejam tomadas e dessa forme não fique estagnada buscando que a
vontade de todos os indivíduos seja satisfeita. Dessa forma, como explicita Pires Ferreira:

A comunidade política, por meio da votação majoritária, definirá tanto a forma


quanto o sistema de governo, estando garantidos os direitos das minorias
circunstanciais, como forma de preservação da diversidade natural de interesses
e das propriedades entre grupos e pessoas (PIRES FERREIRA, 2009, p.7).

A partir do exposto, pode-se encontrar a marca de princípios democráticos nas seguintes


passagens sobre a vontade da maioria no Segundo Tratado sobre o Governo:

Quando qualquer número de homens consentiu desse modo em formar uma


comunidade ou governo, são, por esse ato, logo incorporados e formam um
único corpo político, no qual a maioria tem o direito de agir e deliberar pelos
demais (LOCKE, 1998, § 95, p. 469).

Pois sendo aquilo que leva qualquer comunidade a agir apenas o consentimento
de seus indivíduos. se sendo necessário àquilo que é um corpo mover-se numa
certa direção, é necessário que esse corpo se mova na direção determinada pela
força predominante, que é o consentimento da maioria; do contrário, torna-se
impossível que aja ou se mantenha como um corpo único, uma comunidade
única, tal como concordaram devesse ser os indivíduos que nela se uniram- de
modo que todos estão obrigados por esse consentimento a decidir pela maioria
(LOCKE, 1998, § 96, p. 469).

Pois, quando a maioria não pode decidir pelos demais, não pode agir como um
corpo único e, consequentemente, tornará de pronto a ser dissolvida (LOCKE,
1998, § 98, p. 471).

Pois se o consentimento da maioria não for aceito pela razão como um ato do
todo a deliberar por cada indivíduo, nada, a não ser o consentimento de cada
indivíduo, pode fazer de qualquer coisa um ato de todos. Mas tal consentimento
é quase impossível de se obter se considerarmos as enfermidades de saúde e as
ocupações de negócios, em que ceerto número, embora bem menos que numa
sociedade política, necessariamente manterão muito afastados das assembléias
públicas. Ao que, se acrescentarmos a variedade de opiniões e a oposição de
interesses que inevitavelmente se apresentam em todas as reuniões de homens, o
ingresso em tal sociedade em tais termos seria tão-somente [...] apenas para
tornar a sair (LOCKE, 1998, § 98, p. 471).
Deve-se entender, portanto, que todos aqueles que abandonam o estado de
natureza para se unirem a uma comunidade abdicam, em favor da maioria da
comunidade, a todo o poder necessário aos fins pelos quais eles se uniram à
sociedade, a menos que tenham expressamente concordado em qualquer número
superior à maioria (LOCKE, 1998, § 99, p. 471-472).

3. A DESOBEDIÊNCIA CIVIL

Por fim, o princípio democrático encontrado na obra de Locke é o de desobediência civil.


A desobediência civil é assegura por Locke como legítima no governo civil quando o povo se
encontra numa situação de abuso para com alguma autoridade política, seja ela o magistrado,
seja ela o legislativo. Guadalupe Silveira expõe que Locke apresenta uma espécie de "[...]
obediência relativa, condicionada ao respeito do soberano aos limites preestabelecidos ao seu
poder supremo" (GUADALUPE SILVEIRA, 2008, p. 9). Mesmo o poder legislativo não pode
operar de forma arbitrária, isto é, "[...] não pode exceder os poderes individuais que as pessoas
tinham no estado de natureza e transferiram à sociedade política através do pacto"
(GUADALUPE SILVEIRA, 2008, p. 9). Nesse sentido, o limite do poder legislativo é o bem
público da sociedade e quando ele desrespeita seus limites impostos pela própria lei, ele perde o
direito à obediência e assim a força injusta e ilegítima deve ser resistida. (GUADALUPE
SILVEIRA, 2008).

A desobediência civil é garantida como legítima desde que atua sobre uma conduta
injusta da autoridade do governo. Quando o governo deixa de proteger e salvaguardar as
propriedades individuais dos cidadãos "[...] quer por descontrole da ordem pública, quer
deteriorando-se para formas tirânicas ou autoritárias, o povo tem o direito de recorrer à força
para a deposição do mau governo" (PIRES FERREIRA, 2009, p. 7). Por conta de sua defesa da
desobediência legítima, Locke se instaurou como o influenciador do:

[...] ideário das revoluções americana e francesa, sobredeterminou a própria


constituição da teoria da democracia liberal - estabelecendo os princípios de
congruência entre governo e sociedade civil e estipulando os limites da ação do
Estado(PIRES FERREIRA, 2009 p. 7)

A partir do exposto, pode-se encontrar a marca de princípios democráticos nas seguintes


passagens sobre a desobediêmcia civil no Segundo Tratado sobre o Governo:
[...] pode-se perguntar o que sucederá se o poder executivo, de posse da força da
sociedade política, fizer uso dessa força para impedir a reunião e atuação do
legislativo quando a constituição original ou as exigencias do público assim o
exigirem. Digo que o uso da força sobre o povo, sem autoridade e
contrariamente ao encargo que lhe foi confiado, coloca aquele que assim age em
estado de guerra com o povo, que tem o direito de reempossar o legislativo no
exercício de seu poder (LOCKE, 1998, § 155, p. 523).

Em todos os estados e condições, o verdadeiro remédio para a força sem


autoridade é opor-lhe a força. O uso da força sem autoridade é opor-lhe a força.
O uso da força sem autoridade põe sempre aquele que a emprega em estado de
guerra, como agressor, e sujeita-o a ser tratado nos mesmos termos (LOCKE,
1998, § 155, p. 523).

[...] a tirania é o exercício do poder além do direito, a que ninguém pode ter
direito. Consiste em fazer uso do poder que alguém tenha nas mãos não para o
bem daqueles que estiverem submetidos a esse poder, mas para sua vantagem
própria, distinta e privada (LOCKE, 1998, § 199, p. 561).

E todo aquele que, investido de autoridade, exceda o poder que lhe é conferido
por lei e faça uso da força que tem sob seu comando para impor ao súdito o que
a lei não permite, deixa, com isso, de ser magistrado e, agindo sem autoridade,
pode ser combatido, como qualquer outro homem que pela força invade o direito
alheio (LOCKE, 1998, § 202, p. 563).

[...]todo aquele que, governante ou súdito, pela força empreende invadir os


direitos do príncipe ou do povo e lança as bases para a derrubada da
constituição e da estrutura de qualquer governo justo, é culpado do maior crime,
penso eu, que um homem é capaz de cometer, devendo responder por todos os
malefícios de sangue, rapinagem e desolação que o desmoronamento de um
governo traz a um país. E aquele que o faz deve com justiça ser considerado
inimigo comum e praga da humanidade, devendo ser tratado como tal (LOCKE,
1998, § 230, p. 587-588).

Todo aquele que usa de força sem direito, assim como todos aqueles que o
fazem na sociedade contra a lei, coloca-se em estado de guerra com aqueles
contra os quais a usar e, em tal estado, todos os antigos vínculos são rompidos,
todos os demais direitos cessam e cada qual tem o direito de defender-se e de
resistir ao agressor (LOCKE, 1998, § 232, p. 589).

REFERÊNCIAS

LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. Trad. Julio Fisher. 1 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.
GUADALUPE SILVEIRA, Luís Gustavo. A teoria da desobediência civil de John Locke.
Intuitio. Porto Alegre V.1 - No.2 Novembro,2008. pp. 218-231

PIRES FERREIRA, Lier. As bases do pensamento democrático liberal: uma visita às obras de
John Locke e Jean Jacques Rousseau. Perspectiva Sociológica. Ano 2, nº 3, mai.-out./2009. pp.
1-17.

POLARI DE ALVERGA, Carlos Frederico Rubino. Democracia Representativa e Democracia


Participativa no Pensamento Político de Locke e Rousseau. Dissertação (mestrado em Ciência
Política) - Instituto de Ciência Política, Universidade de Brasília. Brasília, p. 194. 2003.

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