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Portanto, a estrutura do trabalho se compõe de três seções. A primeira tem por conceito
norteador o princípio democrático de representação. A segunda tem por conceito norteador o
princípio democrático de maioria. E por fim, na terceira seção, tem-se o princípio democrático
da desobediência civil.
1. A REPRESENTAÇÃO POLÍTICA
Outro ponto que deve ser salientado para esclarecimento conceitual é de que a expressão
democracia liberal compreende dois diferentes aspectos: "O liberalismo, tal como proposto por
Locke e outros pensadores, é uma doutrina do Estado limitado tanto com respeito aos seus
poderes quanto às suas funções" (PIRES FERREIRA, 2009, p. 16). Portanto, um Estado de
direito não quer dizer que necessariamente preze pelo Estado mínimo, de forma que pode ser o
caso de um Estado de direito que não seja mínimo ou mesmo de um Estado mínimo que não seja
um Estado de direito (PIRES FERREIRA, 2009). Assim, a democracia política, que tem sua
expressão no Estado de direito, se refere "[...] a um estado em que os poderes públicos são
regulados por normas gerais e que devem ser exercidas no âmbito das leis que os regulam"
(PIRES FERREIRA, 2009, p. 16).
Pois, com isso, essa pessoa autoriza a sociedade ou, o que vem a ser o mesmo, o
legislativo desta a elaborar leis em seu nome segundo o exija o bem público, a
cuja execução sua própria assistência (como se fossem decretos de sua própria
pessoa) é devida (LOCKE, 1998, § 90, p. 460).
[...] tampouco pode edito algum de quem quer que seja, seja de que forma
concebido ou por que poder apoiado, ter força e obrigação de lei se não for
sancionado pelo legisltivo escolhido e nomeado pelo público. Pois, não fosse
assim, não teria a lei o que é absolutamente necessário à lei, o consentimento da
sociedade, sobre a qual ninguém pode ter o poder de elaborar leis salvo por seu
próprio consentimento, e pela autoridade dela recebida (LOCKE, 1998, § 134,
p. 503).
2. A VONTADE DA MAIORIA
Outro princípio de demoracia que podemos encontrar na obra de Locke em questão é o
que versa sobre a maioria. Quando a base política reside numa democracia representativa, faz-se
necessário para o andamento da sociedade que as decisões devam ter como critério de votação
uma mensuração dada pela quantidade, isto é, faz-se necessária que a vontade da maioria, e não
de todos, tenha o poder de decisão. Tal característica apesar de não ser a ideal, já que a ideal seria
que a vontade de todos fosse cumprida, pelo menos fornece uma opção mais pragmática, pois
permite que as decisões sejam tomadas e dessa forme não fique estagnada buscando que a
vontade de todos os indivíduos seja satisfeita. Dessa forma, como explicita Pires Ferreira:
Pois sendo aquilo que leva qualquer comunidade a agir apenas o consentimento
de seus indivíduos. se sendo necessário àquilo que é um corpo mover-se numa
certa direção, é necessário que esse corpo se mova na direção determinada pela
força predominante, que é o consentimento da maioria; do contrário, torna-se
impossível que aja ou se mantenha como um corpo único, uma comunidade
única, tal como concordaram devesse ser os indivíduos que nela se uniram- de
modo que todos estão obrigados por esse consentimento a decidir pela maioria
(LOCKE, 1998, § 96, p. 469).
Pois, quando a maioria não pode decidir pelos demais, não pode agir como um
corpo único e, consequentemente, tornará de pronto a ser dissolvida (LOCKE,
1998, § 98, p. 471).
Pois se o consentimento da maioria não for aceito pela razão como um ato do
todo a deliberar por cada indivíduo, nada, a não ser o consentimento de cada
indivíduo, pode fazer de qualquer coisa um ato de todos. Mas tal consentimento
é quase impossível de se obter se considerarmos as enfermidades de saúde e as
ocupações de negócios, em que ceerto número, embora bem menos que numa
sociedade política, necessariamente manterão muito afastados das assembléias
públicas. Ao que, se acrescentarmos a variedade de opiniões e a oposição de
interesses que inevitavelmente se apresentam em todas as reuniões de homens, o
ingresso em tal sociedade em tais termos seria tão-somente [...] apenas para
tornar a sair (LOCKE, 1998, § 98, p. 471).
Deve-se entender, portanto, que todos aqueles que abandonam o estado de
natureza para se unirem a uma comunidade abdicam, em favor da maioria da
comunidade, a todo o poder necessário aos fins pelos quais eles se uniram à
sociedade, a menos que tenham expressamente concordado em qualquer número
superior à maioria (LOCKE, 1998, § 99, p. 471-472).
3. A DESOBEDIÊNCIA CIVIL
A desobediência civil é garantida como legítima desde que atua sobre uma conduta
injusta da autoridade do governo. Quando o governo deixa de proteger e salvaguardar as
propriedades individuais dos cidadãos "[...] quer por descontrole da ordem pública, quer
deteriorando-se para formas tirânicas ou autoritárias, o povo tem o direito de recorrer à força
para a deposição do mau governo" (PIRES FERREIRA, 2009, p. 7). Por conta de sua defesa da
desobediência legítima, Locke se instaurou como o influenciador do:
[...] a tirania é o exercício do poder além do direito, a que ninguém pode ter
direito. Consiste em fazer uso do poder que alguém tenha nas mãos não para o
bem daqueles que estiverem submetidos a esse poder, mas para sua vantagem
própria, distinta e privada (LOCKE, 1998, § 199, p. 561).
E todo aquele que, investido de autoridade, exceda o poder que lhe é conferido
por lei e faça uso da força que tem sob seu comando para impor ao súdito o que
a lei não permite, deixa, com isso, de ser magistrado e, agindo sem autoridade,
pode ser combatido, como qualquer outro homem que pela força invade o direito
alheio (LOCKE, 1998, § 202, p. 563).
Todo aquele que usa de força sem direito, assim como todos aqueles que o
fazem na sociedade contra a lei, coloca-se em estado de guerra com aqueles
contra os quais a usar e, em tal estado, todos os antigos vínculos são rompidos,
todos os demais direitos cessam e cada qual tem o direito de defender-se e de
resistir ao agressor (LOCKE, 1998, § 232, p. 589).
REFERÊNCIAS
LOCKE, John. Dois tratados sobre o governo. Trad. Julio Fisher. 1 ed. São Paulo: Martins
Fontes, 1998.
GUADALUPE SILVEIRA, Luís Gustavo. A teoria da desobediência civil de John Locke.
Intuitio. Porto Alegre V.1 - No.2 Novembro,2008. pp. 218-231
PIRES FERREIRA, Lier. As bases do pensamento democrático liberal: uma visita às obras de
John Locke e Jean Jacques Rousseau. Perspectiva Sociológica. Ano 2, nº 3, mai.-out./2009. pp.
1-17.