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CONTEMPORÂNEA
Introdução
O empirismo é um paradigma da filosofia da ciência contemporânea. Tal
paradigma se tornou fundamento do discurso filosófico-científico a partir
do Círculo de Viena (1921–1936). Posteriormente, foi abordado por Karl
Popper, Thomas Kuhn e Bas Van Fraassen, até se consolidar na discussão
mais atual sobre a fronteira entre ciência e ética.
Neste capítulo, você vai estudar os problemas da filosofia da ciência
do século XX, principalmente relacionados ao Círculo de Viena. Também
vai ver os seus desdobramentos até a atualidade. Como você vai ver,
vários pensadores se reuniram em busca de uma linguagem confiável
enquanto fundamento científico, ou de uma verdade confiável em rela-
ção ao mundo. Isso foi nomeado de “positivismo lógico”, um sistema de
organização dos conhecimentos que tem como base o conhecimento
científico a partir de determinada linguagem lógica.
mentada em uma linguagem lógica e científica, que, por sua vez, fosse passível
de verificabilidade factual. Isso se deu, principalmente, com a formação do
Círculo de Viena, em 1921. Esse grupo se reuniu após a nomeação de Moritz
Schilick ao cargo de professor na Universidade de Viena, em 1920. A sua
ideia era reestabelecer novos fundamentos para se pensar a filosofia, a lógica,
a matemática e a própria ciência: as proposições factuais são o fundamento
de todo saber, mesmo que elas precisem ser abandonadas no momento mu-
danças de afirmações gerais. Estas proposições estão no início da ciência
(SCHILICK, 1946).
A base para essas reflexões foi a obra de Ludwig Wittgenstein (1889–1951)
intitulada Tractatus Logico-Philosophicus (1921). Essa obra defende que a
linguagem representa o mundo. Assim, uma proposição só é verdadeira se
condiz com fatos ou estados presentes das coisas. Só se pode avaliar se um
discurso é verdadeiro ou falso se este estiver de acordo com a realidade. Com
isso, toca-se no problema central para esse grupo de pensadores, ainda que
cada um deles apresente um argumento, um desdobramento dessa noção.
Faziam parte do Círculo pensadores como o matemático Rudolf Carnap
(1891–1970), o sociólogo austríaco Otto Neurath (1882–1945), o filósofo e
matemático polonês Alfred Tarski (1901–1983), entre outros. Apesar de não
ter participado das reuniões do grupo, Karl Popper (1902–1994) foi um dos
maiores pensadores das teorias propostas por ele e o seu maior propagador.
O grande problema que motivou esses pensadores foi a metafísica. Há
duas definições clássicas do que seja a metafísica. A primeira é do filósofo
grego Aristóteles (384 a.C.–322 a.C). Segundo ela, a metafísica é aquilo que
está para além da física, ou seja, aquilo que está além das experiências sen-
síveis. Isso, segundo Aristóteles, deveria ser o fundamento para as ciências,
pois proporcionaria a reflexão sobre a filosofia primeira: a do ser das coisas.
Outra definição clássica de metafísica é a do filósofo alemão Immanuel Kant
(1724–1804). Motivado pelo estudo da razão em suas formas e leis, Kant
reconhece, em questões tidas como metafísicas — ou seja, que não podem ser
verificadas na realidade —, “Deus, alma”, um fundamento a partir do qual
parte-se para um estudo empírico. Assim, esse fundamento seria uma fonte
de reflexão, que despertaria a reflexão racional sobre esses temas.
Portanto, esse é o maior problema para esses pensadores da ciência, como
afirma Wittgenstein em uma obra posterior, Investigações filosóficas (1975,
p. 112): “Qual o seu objetivo em filosofia? — Mostrar à mosca a saída do
vidro”. Nesse sentido, a mosca seriam os filósofos que, ao longo da história
da filosofia, não encontraram a saída para os problemas metafísicos. Assim,
a filosofia deveria se preocupar com problemas verificáveis e, portanto, reais.
Filosofia da ciência contemporânea – Círculo de Viena 3
Noção de verificabilidade
A noção de verificabilidade foi uma importante contribuição do filósofo alemão
Rudolf Carnap para a construção da teoria científica contemporânea. Segundo
Carnap (1980), tal noção de verificabilidade é a condição necessária para que
4 Filosofia da ciência contemporânea – Círculo de Viena
Além da morte de Schilick, mentor do Círculo de Viena, um dos fatores que contribuiu
para a dissolução do grupo foi a ascensão do nazismo. Muitos pensadores desse grupo
tiveram de se mudar para outros países a fim de continuar suas pesquisas.
Descartes, Francis Bacon, entre outros. Ela foi capaz, em grande medida, de
desatrelar das concepções religiosas o conhecimento sobre o mundo, formu-
lando hipóteses, conceitos e teorias baseadas em experimentos e observações
do mundo natural.
Os conhecimentos científicos desse período dão força à concepção de que
a ciência é capaz de explicar o mundo de tal maneira que qualquer tipo de
conhecimento metafísico deve ser desconsiderado. Ao mesmo tempo em que
se nega a metafísica, também se elege a ciência como a maneira privilegiada
de explicar o mundo. Uma vez que a ciência é a via elevada de conhecimento
do mundo, os membros do Círculo de Viena encaravam a ciência em si, as
investigações científicas e os métodos científicos como recursos capazes de
garantir a validade das proposições científicas. Assim, a negação da meta-
física por meio das concepções do positivismo lógico e as investigações e
conhecimentos científicos relacionam-se intimamente.
Um importante filósofo a tratar das investigações científicas foi Karl Popper.
Segundo ele (2001), as teorias científicas não têm origem em um raciocínio
indutivo, no qual chega-se a uma teoria geral a partir da observação de casos
particulares. Ao contrário, as teorias científicas teriam origem nas conjecturas,
construções teóricas, especulações do cientista. Essas especulações devem ser
provadas pelas experiências. Por isso, somente as especulações que passam
pelo crivo da experiência podem ser reconhecidas como ciência.
Nesse sentido, a própria ciência é formada por conjecturas, assim como
outros tipos de conhecimentos metafísicos e crenças. Isso traz um questiona-
mento: se tanto a ciência como a metafísica são especulações, qual é a diferença
entre ambas? Esse problema é resolvido pelo conceito de falseabilidade.
Uma teoria científica seria uma conjectura não refutada. Ou seja, uma teoria
é válida até que se prove o contrário. Por isso, uma boa teoria científica deve
ser falseável, isto é, estar aberta à possibilidade de novas experiências ou fatos
apontarem a falsidade de seus fundamentos ou princípios.
Uma teoria científica possui fundamentos específicos e previsibilidade
de seus efeitos. Dessa forma, se algum fato é contrário a seus fundamentos
ou princípios, a teoria se mostra falsa, o que exige a sua correção. Isso é o
contrário do que ocorre com os conhecimentos metafísicos ou crenças, que
não induzem à conclusão de sua falsidade, por serem construídos com base
em termos e fundamentos imprecisos. Assim, seria impossível efetivamente
falseá-los.
Agora, que tal ver alguns exemplos? Primeiro, considere que duas pessoas
que acreditam em astrologia leem o horóscopo do dia. Para uma delas, as
previsões se confirmam; para a outra, não. Quanto a tais crenças, não há
Filosofia da ciência contemporânea – Círculo de Viena 7
Como você faria para explicar algo que não se comprova na realidade? Por exemplo:
como explicaria o que é vermelho sem que tivesse algo que fosse vermelho para
mostrar, adjetivar? É por esse motivo que os filósofos do Círculo de Viena se dedicaram
a pensar em um campo seguro para a linguagem, a ciência e a lógica. Por trás do seu
trabalho, estava a perspectiva de evitar erros.