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UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO – UFMA

CURSO DE FILOSOFIA

A FILOSOFIA DA RAZÃO VITAL EM ORTEGA Y GASSET


A VIDA COMO PRINCÍPIO METAFÍSICO

MICHAEL MAX PIRES AMORIM

SÃO LUÍS– MA
2019
UNIVERSIDADE FEDERAL DO MARANHÃO
MICHAEL MAX PIRES AMORIM

A FILOSOFIA DA RAZÃO VITAL EM ORTEGA Y GASSET:


A VIDA COMO PRINCÍPIO METAFÍSICO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à banca examinadora da


Universidade Federal do Maranhão como requisito básico para a conclusão do
Curso de licenciatura em Filosofia.

Orientadora: Rita de Cássia

Sâo Luís – MA
25/03/2019
MICHAEL MAX PIRES AMORIM

A FILOSOFIA DA RAZÃO VITAL EM ORTEGA Y GASSET:


A VIDA COMO PRINCÍPIO METAFÍSICO

Monografia apresentada ao curso de Filosofia da Universidade Federal do Maranhão.

Data:
Nota:

Banca examinadora:

Orientador

Prof.

Prof.
DEDICATÓRIA

Este trabalho é dedicado à Santa Virgem Nossa Senhora de Guadalupe, padroeira das
américas, que apareceu pela primeira vez ao índio asteca Juan Diego. Na língua asteca, o nome
Guadalupe significa, Perfeitíssima Virgem que esmaga a deusa de Pedra (deusa Quetzalcolti, uma
monstruosa divindade, a quem eram oferecidas vidas humanas em holocausto). No ano de 1539, mais
de 9 milhões de astecas tinham abraçado a fé católica graças a aparição da Santa Virgem.
AGRADECIMENTOS

À Santíssima Virgem Maria e ao glorioso São José, por terem me dado força e saúde para
superar as dificuldades.
Aos meus pais, Isaias Pereira Amorim e Maria José Pires, que me ensinaram a sorrir nas mais
severas e desfavoráveis circunstâncias.
Ao meu amor, Indiara Marques (“Todas as mulheres são virtuosas, mas tu, supera a todas”.
Prov. 31,29).
Ao professor Olavo de Carvalho, de quem primeiro ouvi falar de Ortega y Gasset.
À minha orientadora Rita de Cássia, pelo suporte no pouco tempo que lhe coube.
Ao meu amigo e professor Ivan Pessoa, por toda ajuda, incentivo e confiança.
Ao meu irmão de consagração Alexandre Ferreira, pela caridade e pacientes correções.
Aos meus amigos do grupo Carcarás, por todo apoio e orações.
E a todos que direta ou indiretamente fizeram parte da minha formação, o meu muito
obrigado.
Trasnforma-se o amador na cousa amada,
por virtude do muito imaginar;
não tenho logo mais que desejar,
pois tenho em mim a parte desejada.

Luís de Camões.
RESUMO

O presente trabalho tem como tema a filosofia da razão vital em Ortega y Gasset, autêntico filósofo
espanhol. O objetivo é abordar a teoria de Ortega sobre o raciovitalismo, uma síntese e possível solução
para o confronto realismo x idealismo; bem como servir de introdução à vida e obra do filósofo. Este
trabalho surgiu de uma necessidade de pensar a vida do homem como princípio do pensar filosófico e
ninguém melhor que Ortega para nos ensinar sobre isso: a vida como princípio metafísico. Busca-se
com este trabalho apresentar os pontos julgados centrais em sua filosofia, e espera-se que os
comentários aqui feitos sirvam como um convite à filosofia espanhola, tão pouco trabalhada em nossas
universidades. Buscou-se tratar exaustivamente da vida, ou do quehacer: a vida no centro da
investigação filosófica, focando-se em textos e trechos que sustentam essa posição, tomando como
ponto de partida os escritos sobre perspectivismo, teoria que mais tarde iria maturar-se no
raciovitalismo. Na escolha dos estudos que compõem o material bibliográfico desta pesquisa, levaram-
se em consideração as obras do autor disponível em língua portuguesa, como também seus escritos em
espanhol tidos como mais importantes, os quais tratam do problema proposto, a saber, o raciovitalismo,
ou a Razão Vital.

Palavras-chave: Raciovitalismo; Espanha; circunstância.

ABSTRACT
The present work has as its subject the philosophy of the vital reason in Ortega y Gasset, authentic
Spanish philosopher. The objective is to approach Ortega's theory about raciovitalism, a synthesis and
possible solution to the confrontation realism versus idealism; as well as being an introduction to the
philosopher's life and work. This work arose from a need to think of Man's life as a principle of
philosophical thinking and no one better than Ortega to teach us about it: life as a metaphysical
principle. This paper seeks to present the points regarded as central in his philosophy, and it is hoped
that the comments made here will serve as an invitation to the Spanish philosophy, so little worked in
our universities. It sought to deal exhaustively with life, or quehacer: life at the center of philosophical
inquiry, focusing on texts and passages that support this position, taking as its starting point the
writings on perspectivism, a theory that would later mature into raciovitalism. In choosing the studies
that make up the bibliographic material of this research, we considered the works of the author
available in Portuguese, as well as his writings in Spanish considered as most important, which deal
with the proposed problem, namely, raciovitalism, or the Vital Reason.

Keywords: Ratiovitalism; Spain; circumstance.


Sumário

1 – As circunstâncias de Ortega y Gasset…...…………….…………………....................................9

1.1 – Espanha em Crise………………………… ................. ………………………………..….... 10

1.2 – Estilo e Obra………………………………………………………………………………......15

2 – O tema de nosso tempo…………………………………………………………........................17

3 – A vida como princípio metafísico: raciovitalismo……………………………...........................19

3.1 – Viver é quehacer…...……………………………………………………………....................25

4 – Vocação e destino ………………………………………………………………………...........27

4.1 – A ideia do náufrago ……………………………………………………………………….....28

5 – El Espectador – a verdade do ponto de vista …………………………………….....................30

6 – Considerações finais ……………………………………………………………………..........33

7 – Conclusão………………………………………………………………………………….......36

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..........................................................................................


1. As circunstâncias de Ortega y Gasset

José Ortega y Gasset (1883-1955) foi um filósofo espanhol da primeira metade do


século XX. Sua influência, porém, não se limita à sua terra natal; abrange todos os países
hispánicos ou ibéricos de língua espanhola e portuguesa. Ortega é, sem exagero, um filósofo
universal, que elevou o nível da filosofia espanhola. Pensador original e visionário, antecipou
muitas posições filosóficas atuais; suas obras foram traduzidas e estudadas em diversos países e
por intelectuais de diferentes filosofias e concepções de mundo. Através de seu trabalho
editorial, Ortega incorporou a ciência européia, principalmente de origem alemã, ao
pensamento espanhol. Com a criação da Revista do Ocidente, promoveu a tradução das mais
importantes tendências filosóficas e científicas da época: Spengler, Huizinga, Husserl, Simmel,
Uexkül, Heimoseth, Bretano, Driesch, Russel etc.
Ortega criou, com a integração da alta filosofia na Espanha, toda uma geração de
intelectuais rigorosos, de onde floresceu a eruditíssima Escola Filosófica de Madri, que tem
entre seus membros nomes como Manuel Garcia Morente, José Luis Aranguren, Luis Díez del
Corral, José Gaos, Fernando Vela, Xavier Zubiri, José Ferrater Mora e Julían Marías. Ortega y
Gasset fincou naquele país as bases da alta filosofia; seus escritos, entretanto, pertencem
também a todos os povos de língua portuguesa, pode-se dizer. Inclusive ao Brasil: tanto pela
proximidade do idioma como pela autenticidade do autor, ler Ortega torna-se indispensável ao
bom estudante brasileiro. Dá-nos Kujawski a justificativa:

Está claro que o estudante brasileiro tem todo o direito de aprender alemão e iniciar-se na
filosofia com Hegel, Nietzsche ou Heidegger, ou de estudar francês e começar com Sartre,
ou inglês e dedicar-se a Popper. Tudo bem, mas assim nosso estudante terá queimado uma
etapa. Veja-se o caso da iniciação literária; ela começa, logicamente, pelos autores que
escreveram em nossa língua; lemos, primeiro, Camôes, Gonçalves Dias, Alencar, Machado
de Assis, Drummond, Guimarães Rosa, antes de conhecermos Dante, Shakespeare, Goethe
etc. Não se trata de nacionalismo primário, trata-se do fato de que o brasileiro não só “fala”
portuguẽs, como vive e pensa em portuguẽs, profundamente condicionado pelo estilo cultural
que assimila junto com a língua natal. […] Então, por que não nos iniciarmos em filosofia
pela obra de um pensador espanhol, inserido em nossa área cultural, que lemos quase como
se fosse portuguẽs? (KUJAWSKI, Gilberto de Mello. Ortega y Gasset: a aventura da razão.
São Paulo: Moderna, 1994. p. 09)

Pensador contumaz, Ortega pensou sobre tudo, ou, ao menos, como nos diz Kujawski:
sobre tudo que importa saber. Obviamente, há saberes que não importam para nós ou nos
importam pouco; a estes não cabe a atenção. É o interesse sincero e autêntico, concernente à
vida e ao destino, que deve ser foco de nossa atenção e esforços; o saber que traz em si o
próprio sentido da vida – de modo particular, único, pois é no íntimo de cada indivíduo que
acontece a vida.
Vejamos alguns passos de sua vida.

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Ortega y Gasset nasceu em Madrid, em 1883, no seio de uma família burguesa ligada
ao jornalismo e à política. José Ortega Munilla, seu pai, foi diretor do periódico El Imparcial
(fundado pelo avô materno de Ortega y Gasset, Eduardo Gasset y Artime), ao qual o próprio
Ortega y Gasset deu importante e intensa contribuição. Sua vida está profundamente marcada
pela política, imprensa e atividades editoriais. De formação Jesuíta, estudou no Colegio jesuita
de San Estanislao, na cidade de Miraflores del palo, e iniciou seus estudos superiores na
Jesuita Universidad de Deusto (Bilbao), dando continuidade na Facultad de Filosofía y Letras
de la Universidad Central de Madrid, concluindo o curso em 1902. Obteve seu doutorado em
1904, com uma tese sobre Os terrores do ano mil (Crítica de uma lenda).
Entre 1905 e 1908 passa pelas universidades alemãs de Leipzig, Berlim e Marburgo,
onde entra em contato com o neokantismo – sobretudo de Hermman Cohen, do qual foi
discípulo –, sistema que lhe serviu de inspiração por longos anos, até ser abandonado, com a
publicação de El Espectador, coleção de 7 ensaios publicados no período de 1916 a 1934:
fundamentar-se num modelo de razão pura – a proposta kantiana – faz-se inviável para Ortega
y Gasset, pois não se poderia construir sistemas filosóficos a partir de uma teoria isenta de
influência dos sentidos.
De volta à Madri, em 1910, assume a cátedra de professor de metafísica, cargo que
ocuparia até 1936. Em 1914, publica a primeira edição de sua Meditaciones del Quijote, obra
que inaugura importante passo para a tese do raciovitalismo. Em 1917, funda o jornal El Sol. A
Revista do Ocidente viria a ser criada seis anos depois. Seu forte envolvimento com a política,
presente em todos esses anos, rendeu-lhe problemas que culminaram, por exemplo, com sua
saída da cátedra universitária. Fundou com seu discípulo Julían Marías, em 1948, o Instituto de
Humanidades, cujos cursos abordavam temas os mais diversos. Os famosos encontros com
Heidegger aconteceram entre 1951 e 1953. Em 1955, Ortega perde a consciência de si mesmo,
vítima de câncer.

1.1.Espanha em crise.

A obra de Ortega y Gasset não pode ser bem compreendida sem se levar em conta o
contexto em que foi escrita e o povo ao qual foi endereçada. Ortega fala como espanhol e para
espanhóis. A pretensão de falar para todos nunca encontrou lugar em seus escritos. Nas
Meditações do Quixote (1914), seu primeiro livro, escreve: “O indivíduo não pode orientar-se
no universo senão através da sua raça, porque vai incluído nela como a gota no seio da nuvem
peregrina”. Não raro Ortega manifestava sua preocupação com a possibilidade de ser mal
entendido por povos de outras línguas; ao ponto de, visando a orientação do leitor estrangeiro,
acrescentou ao livro A Rebelião das Massas um “Prólogo para franceses” e um “Epílogo para

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ingleses”. Júlian Marias, aluno de Ortega e um de seus mais fiéis discípulos, lembra, na
introdução à obra citada, que “Se isolarmos os textos de seus contexto, a intelecção não pode
ser plena” (ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. 1ª Ed. Vide, 2016. P 12).
Ortega buscava portanto não apenas falar a espanhóis, mas também falar-lhes com uma visão
espanhola do mundo. Kujawski atenta para o fato de que “em Ortega o fator espanhol e o fator
universal estão fundidos um no outro. Aos vinte e poucos anos ele anunciou qual seria o seu
programa de trabalho: a interpretação espanhola do mundo” (KUJAWSKI, Gilberto de Melo.
Ortega y gasset: a aventura da razão. São Paulo: Moderna, 1994. p 11). Qualquer incursão por
seus textos deve manter tal propósito em evidêndia.
Desde os fins do século XVIII, a nação espanhola vinha se separando mais e mais da
Europa moderna, entrando no século XX marcada pelo atraso e desorientação, cujo resultado
era a depressão do povo, afogado na falta de perspectiva, sem esperanças no futuro e sem o
entusiasmo que motiva e cria. Com Afonso XII no trono e Cánovas del Castillo como chefe de
governo, a distastia borbônica voltava a reinar no século XIX, algo que pareceu indicador um
período de restauração nacional – restauração essa que não passou de um projeto jamais levado
a cabo. Em 1898, a nação que em outros tempos dominara o mundo com Carlos V e Felipe II é
derrotada na guerra contra os EUA; a Espanha, com isso, perdia o que lhe restava de comércio
colonial. O povo espanhol ficava perplexo e impotente diante do próprio destino.

Em sua busca por compreender o contubardo século XX, Ortega y Gasset deparou-se com
um certo modo de pensar, herdado do século XIX. O homem do século XX enxerga o
passado pelas lentes dos intelectuais: suas interpretações, crenças e estilos eram advindas do
século XIX, e o passado estava tão distante quanto estas interpretações permitiam. Afirma o
filósofo: “Falando com rigor, o século XIII e todos os demais pretéritos só existem para nós
dentro do século XIX, segundo ele os viu através de seu gênio.” (ORTEGA Y GASSET,
José. Nada Moderno y Muy SigloXX. 1916, p 22).

Essa situação histórica se faz problemática para o século XX, pois a cosmovisão
adotada lhe veio por herança do século anterior numa forma de pensar imposta. Os homens do
século XIX buscavam o progresso e, entusiasmados com essa ideia, creram estar no limiar dos
tempos. Viam-se como superiores, pertencentes a um século onde tudo estava consumado, não
a um período que, como todos os outros, deveria ser superado. O homem de hoje vê mais longe
justamente por “começar a existir, desde logo, sobre certa quantia de passado amontoado”
(ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. Edição: 1ª. Vide, 2016, p. 71). O
passado não deve estar tão distante. Um povo que se imagina na plenitude dos tempos tende a
enxergar no passado apenas tentativa, prólogo, preparação. Diz o filósofo espanhol na obra
supracitada:
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“Os tempos de plenitude sempre se sentem como resultado de muitas outras idades
preparatórias, de outros tempos sem plenitudes, inferiores a ele, sobre os quais vai montada
essa hora requintada. Vistos, da sua altura, aqueles períodos preparatórias parecem como se
neles tivesse vivido puro afã e ilusão não realizada; tempos só de desejo insatisfeito, de
precursores ardentes, de “ainda não”, de penoso contraste entre uma clara aspiração e a
realidade que não lhe corresponde. É assim que o século XIX vê a Idade Média.” (ORTEGA
Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. Edição: 1ª. Vide, 2016, p. 53).

Ortega, com efeito, estava convencido de que a circunstância espanhola estava enferma.
Nos ensaios de El Espectador,o filósofo espanhol traz a esperança de que o homem de sua
época poderia superar a crise de comodidade a que a ideia de progresso definitivo o havia
levado. Cheio de si, aquele homem não percebe que renega a cultura e o legado dos séculos
passados, inclusive o maior deles: o legado dos erros:

“Mas agora nos damos conta de que esses séculos tão satisfeitos, tão perfeitos, estão mortos
por dentro. A autêntica plenitude vital não consiste na satisfação, na conquista, na chegada.
Já dizia Cervantes que “o caminho é sempre melhor que a pousada”. Um tempo que satisfaz
seu desejo, seu ideal, já não deseja mais nada, sua fonte de desejo secou. Isto é, que a famosa
plenitude é em realidade uma conclusão” (ORTEGA Y GASSET, josé. A Rebelião das
Massas. Edição: 1ª, Vide, 2016 , p. 101)

Ortega procura saber se os conflitos existenciais de seu país aflingem também outros
povos do mundo, afinal, a vida de todo homem está ligada à circunstância em torno e não pode
ser diferente. A filosofia do século XX tratava especialmente da vida humana e de seu
cotidiano; mais do que todos, Ortega levou esse tema a sério: no famosíssimo Meditações do
Quixote remete a detalhes da paisagem espanhola, ao modo de conversar dos lavradores, ao
que é modesto e íntimo ao homem. Assim, sem ignorar a devida hierarquia que evita que o
caos se instaure no cosmos, dirige sua meditação ao que é próximo à pessoa, tratando das
particularidades de cada vida, dos pontos de vista, das circunstâncias e dramas vividos.

A Espanha havia se afastado das coisas realmente importantes, não sabendo mais a que
se ater; afogava-se num mar de vulgaridades e ódio ao mundo que lhe envolvia, ódio à sua
circunstância. Eis o diagnóstico de Ortega:

Suspeito que, por causas desconhecidas, a morada íntima dos espanóis tenha sido tomada faz
tempo pelo ódio, que permanece ali municiado, movendo guerra ao mundo. Ora, o ódio é um
afeto que conduz à aniquilação dos valores. Quando odiamos algo, colocamos entre ele e o
nosso espírito uma dura mola de aço que impede a fusão, mesmo transitória, entre ambos. Só
existe para nós aquele ponto da coisa onde nossa mola de ódio se fixa; tudo o mais ou não é
conhecido, ou vamos esquecendo, fazendo-o alheio a nós. A cada instante o objeto é menos,
consome-se, perde valor. Desse modo, converteu-se o universo para o espanhol em uma
coisa rígida, seca, sórdida e deserta (ORTEGA Y GASSET, José. Meditações do Quixote, 1
edição. CEDET, 2019, p. 15).

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O domínio do homem massa¹ que recusava sua própria identidade, era esse o contexto
Europeu. Se fazia necessário renegar o ódio e abraçar o amor, diz Ortega. Se o ódio cega e
separa, o amor ilumina e une. Através do amor há união às coisas, mesmo que essa união seja
passageira. O amor absorve as coisas e as funde conosco. Percebe-se então que a coisa amada
não funda nela mesma, mas é parte de algo maior, algo que está ligado a ela e precisa dela,
afinal, “aquilo que dizemos amar se nos apresenta como algo imprescindível. Imprescindível!”
(ORTEGA Y GASSET, José. Meditações do Quixote, 1 edição CEDET, 2019, p.16). O amor é
capaz de cria conexão sem a qual só resta o aniquilamento. O amor amplia a individualidade
até penetrarmos e abarcarmos o outro, criando um vínculo entre o amador e a coisa amada, seja
esta uma mulher, a ciência ou a pátria. O amor, amor real, pela pátria e suas circunstâncias, eis
a salvação da Espanha: “Nós, espanhóis, oferecemos à vida um coração blindado de rancor, e
as coisas, ricocheteando nele, são despedidas cruelmente. Há ao nosso redor, faz séculos, uma
incessante e progressiva demolição dos valores” (ORTEGA Y GASSET, José. Meditações do
Quixote, 1 edição CEDET, 2019, p.17).
Cada ciscunstância integra-se em outra mais vasta e assim por diante. Uma vez que a
Espanha está inserida na circusntância européia, se faz necessário, para compreender a
Espanha, compreender e amar primeiro, a Europa. E quando Ortega fala Europa, não fala dos
monumentos, da boa polícia, comercio ou indústria. Fala antes, daquilo que possibilita tudo
isso, que torna a civilização européia, possível: a ciência. As demais coisas a europa tem em
comum com o resto do mundo, mas a ciência, não. Não se pode compreender a verdade da
Espanha sem adentrar na ciência européia. A circunstância da Espanha está inserida em outra
maior, a ciência da Europa. Eropeizar a Espanha seria, então, fundí-la com a visão universal
das coisas: a ciência européia.
Ortega atenta para o fato de que converter a Espanha à visao científica da Europa não
trata-se de renúncia ao que é espanhol, pelo contrário, somente voltando seus esforços para a
ciscunstância européia a Espanha poderá ter um encontro consigo mesma e ver sua verdadeira
identidade. A imersão na ciência européia, ao mesmo tempo, europeizava a Espanha e
universalizava o espanhol., ou ainda, “espanholizar o universal”. A Espanha é, sob pena de
perder sua identidade, uma possibilidade européia. Saber a que se ater sempre foi ponto chave
da filosofia de Ortega, ater-se à circunstância européia é ater-se à substâncias humanas de
signifcado universal como economia, mecânica, democracia e valores transcendentes. Isso é,
para Ortega, ser espanhol. Só é possível compreender minha circunstância particular,
integrando-a em outras circunstâncias e vice-versa. Os aparatos filosóficos de seu tempo não
eram suficientes para tal empreitada, afinal, o que estava em jogo era a salvação da Espanha.
Assim coloca José Mauricio de Carvalho:
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Como a crise de civilização atingia costumes sociais e a organização política dos povos, o
novo princípio precisava, além de considerar os problemas ontognoseológicos, solucionar as
dificuldades éticas e políticas da sociedade europeia. Eram esses os desafios que Ortega y
Gasset considerava devessem ser enfrentados pela filosofia do seu tempo. Não eram poucos
nem simples os problemas à espera de solução (CARVALHO, José Maurício de. Ortega y
Gasset: A vida como realidade metafísica.
Trans/Form/Ação vol.38 no.1 Marília Jan./Apr. 2015. Disponível em:
http://dx.doi.org/10.1590/S0101-31732015000100010 ).

Adentrar na história da Europa é adentrar da verdade da espanha, cito Ortega:

“O viver se faz sempre desde ou sobre certos pressupostos, que são como o solo em que nos
apoiamos para viver ou do qual partimos. E isso em todas as ordens – em ciência como em
moral e política, como em arte” (ORTEGA Y GASSET, José. O que é filosofia?, Edição: 1ª.
Vide, 2016, p. 49).

E mais uma vez:

“Cada geração parte de supostos mais ou menos distintos, quer dizer que o sistema de
verdades e o dos valores estéticos, morais, políticos, religiosos, tem inexoravelmente uma
dimensão histórica” (ORTEGA Y GASSET, José. O que é filosofia?, Edição: 1ª. Vide, 2016,
p. 49). A verdade é histórica, eis o ponto fundamental aqui apresentado.

A crise espanhola provoca naquele país um retorno para dentro de si, a Espanha
“ensimesma-se”, buscando o elo perdido com suas raízes. A elite intelectual espanhola,
amargurada com a falsa restauração, passa a pensar o país como problema. Disto surgem
indagações como o que é a Espanha?, qual o seu lugar no mundo? Surge então, em meio a
trevas e desilusão, um grupo de escritores de enorme talento, que ficou conhecido como
Geração de 98. O grupo encara a questão da Espanha como um problema, buscando
desenterrar suas riquezas culturais. Alguns dos mais importantes nomes da Geração de 98
foram Ganivet, Unamuno, Maeztu, Valle-Inclán, Pio Baroja, Azorín e os irmãos Machado,
Antônio e Manuel. Sobre eles, assim escreveu Kujawski: “A Geração de 98 imerge na Espanha
profunda, acusando todo o vigor e toda a riqueza da sua personalidade. Seus escritores tomam
posse da Espanha, física e espiritualmente” (KUJAWSKI, Gilberto de Mello. Ortega y Gasset:
a aventura da razão. São Paulo: Moderna, 1994. p.24). Ortega y Gasset pertence à geração
seguinte, herdando da geração de intelectuais que o antecederam – especialmente de Miguel de
Unamuno, poeta e novelista que, mais tarde, romperia com Ortega por insistir na ligação da
espanha ao africanismo – a preocupação dramática com a verdade e o destino da nação
espanhola.
Em suas primeiras obras Ortega y Gasset aborda essas questões e propõe a vida como
realidade radical, ou seja, fundamental. Em Meditaciones del Quijote (1914) e El espectador
(1916- 1934), é apresentado o princípio metafísico que servirá de guia para a investigação
filosófica de sua geração. Mas a densidade teórica da relação do eu com as circunstâncias só
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veio com as obras Qué es filosofía? (1929), Unas lecciones de metafísica (1933) e em La
rebelión de las masas (1930), assim como no ensaio Pidiendo un Goethe desde dentro (1932).
É de suma importãncia ressaltar que Ortega não está proprondo uma Espanha pautada
no passado ou dependente do ponto de vista de outro tempo. A noção de circunstância chama
atenção para o sujeito concreto — sujeito este que se encontra no aqui e no agora e, ao estar
mergulhado no presente, compreendendo sua história, encontra-se aberto para o futuro e vive o
próprio tempo. O mundo social no qual nascemos é elemento decisivo para o agir vital. A meta
é expandir a visão espanhola para que ela possa alcançar as formas de cultura presentes na
Europa.

1.2.Estilo e Obra.

Não se pode, numa introdução à sua obra, não citar o fato de que Ortega é, além de
pensador de grande estirpe, grande prosador da língua espanhola, tendo chegado a criar uma
terminologia e estilo filosófico espanhol próprios. A técnica orteguiana difere da de Heidegger,
por exemplo, ao evitar o uso de neologismos, preferindo devolver às expressões usais do
idioma. Ortega transformou o uso da metáfora em algo metafísico, esforçando-se para ser
sempre inteligível por todos. Seus livros são, além de tudo, verdadeiros diálogos. Escrever
sempre foi para ele um modo de conversar, de estabelecer um vínculo de amizade com quem o
lê. O uso de expressões metafóricas fazem sua obra ser lida de perto, o autor fala – às vezes
sussura – ao indivíduo, ao leitor, no singular, cativando seu espírito com metáforas e alusões ao
cotidiano, pois é na circunstãncia particular que o homem se completa. Ao fazer tais alusões,
citar provérbios populares e usar metáforas, Ortega torna sua filosofia acessível aos seus
leitores: homens do povo, que são capazes de compreendê-lo ainda que este faça as mais
elevadas investigações. No filósofo espanhol se vê a leveza de uma crônica banhada pela mais
rigorosa filosofia. Clareza e rigor aqui se unem para trazer a filosofia ao cotidiano, ao homem
comum, pois “a clareza é a cortesia do filósofo”. A esses procedimentos linguísticos
absolutamente novos, Júlian Marías dá o nome de “dizer da razão vital” (Vida y razon em la
filosofia de Ortega. La escuela de Madrid. Estudios de filosofia espanola. Buenos Aires, 1959.
Obras, V).
Além de filósofo, Ortega era também um literato que sempre escreveu para o homem,
no singular. Seus textos, apesar do alto rigor filosófico, foram escritos para o homem comum,
para qualquer um que se sinta perdido na agitação do mundo e tome a decisão de agarrar-se à
algo para dar sentido à sua vida. O filósofo espanhol sempre entendeu que a filosofia precisa
da poesia; que a filosofia é dada ao povo em pétalas douradas pela poesia. Seus ecsritos
seduzem e atraem, aproximamo-nos de sua obra como que crianças à roda em volta da

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fogueira, maravilhados e curiosos com a história contada pelo ancião. Imagem e conceito se
unem perfeitamente para guiar o leitor através das mais elevadas asceses filosóficas. A vida,
para o filósofo aqui apresentado, é drama. Sua argumentação se faz como o desenrolar de uma
peça de teatro, atraindo a atenção por meios líricos, visando sempre aproximar o leitor, através
da clareza do discurso, do drama da vida. Recursos próprios da literatura são enxertados nas
explicações filosóficas e o conceito ganha atributos dramáticos, para que assim possa apreender
o conteúdo da vida; por isso o uso constante de metáforas e imagens.

Quanto ao estilo, pode-se dizer que Ortega é um filósofo sui generis, atípico. Sua obra é
fragmentária; em toda sua extensa produção filosófica não se encontra um único livro
completo, perfeitamente ordenado, com começo, meio e fim. Talvez por isso muitos de seus
comentadores e discípulos insistam em não haver nela um sistema. Julían Márias, porém, não
partilha dessa posição e, na introdução dA Rebelião das Massas, diz:

O pensamento de Ortega é sistemático, ainda que seus escritos não costumem sê-lo;
comparou-os a icebergs, dos quais emerge a décima parte, de maneira que só se poder ver
sua realidade integral mergulhando (ORTEGA Y GASSET, José. A Rebelião das Massas,
Edição: 1ª . Vide; 2016).

Fato é que em nenhuma de suas páginas pode-se encontrar exposta e formulada a


totalidade de sua filosófia. Ortega foi um autor circunstancial, de ocasião, escrevia de acordo
com suas circunstâncias e interesse. Por isso versa sobre vários assuntos em textos que,
sozinhos, dificilmente poderão ser bem compreendidos. Integrar sua obra é condição sine qua
non para adentrar no vasto pensar filosófico orteguiano.
Em suma, a obra de Ortega y Gasset busca levar o autor a uma introspecção, o penetrar
da alma dentro de si mesma. Ao penetrar em si surge um contemplar-se, porém, a alma
contempla-se em função de tudo o que a preocupa. Algo que lhe é um problema anterior –
“pré-ocupa” – , que lhe dá um puxão na consciência e lhe aponta o sentido de sua vida.
Agostinho, o Santo de Hipona, antecipou-lhe, a mim me parece, esta ideia de falar da função
do homem que o difere de todas as demais espécies: “Noli foras ire, in teipsum redi; in
interiore homine habitat veritas; et si tuam naturam mutabilem inveneris, trasncende et
teipsum” (“Não vás para fora, volta para ti mesmo. No homem interior habita a verdade. E se
descobrires que tua natureza é mutável, transcente também a ti mesmo.” De Vera Religione.,
XXXIX, 72, tradução de Novaes, 2007, p.202.) Ortega parece seguir na mesma linha do Santo,
preocupando-se e passando a vida ensimesmado, olhando para dentro de si. Essa foi sua
maneira peculiar de fazer filosofia.

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É necessário pensar a realidade desde o centro de nossa vida e viver observando as
circunstâncias que nos cercam; não se trata de ver a realidade de fora, mas buscá-la desde
dentro. Não há salvação para o mim se não houver para o mundo. Ler Ortega é retomar o senso
de responsabilidade para com suas ações, é trazer de volta para a vida, para o cotidiano, os
altos ideais da filosofia que tentaram voar mais alto que o homem. Não se limitando a questões
de cunho puramente filosóficos, o filósofo escreveu sobre as mais diversas áreas: literatura,
arte, política, sociologia, história e até mesmo a caça.
Ao buscar meios populares de falar ao povo, encontra nos jornais e periódicos o veículo
perfeito para sua filosofia. Muitas de suas obras foram resultados diretos de suas publicações
em diários da Espanha e da Argentina. Foi assim que nasceu, por exemplo, a coleção El
Espectador, iniciada em 1916. O filósofo espanhol era conhecido também por lotar salas de
aula, auditórios e teatros. Seus cursos e palestras atraíam pessoas das mais diversas áreas e
condições sociais: professores, estudantes, militares, homens do campo, toureiros, damas da
alta sociedade etc. Todos, apesar das diferenças, ouviam atentamente as palavras do filósofo
que mobilizava toda a Espanha, independente de classe. Ortega foi, desde o início de sua
produção intelectual, um filósofo aos moldes de Sócrates: fazendo filosofia para todos e não
para um pequeno grupo de espíritos seletos.

2. O tema de nosso tempo.

O ponto central da filosofia orteguiana baseia-se numa síntese da oposição


Realismo/Idealismo e suas variantes, debate que tem se prolongado ao longo de toda a história
da filosofia. O horizonte de uma filosofia é determinado pelo nível de seu encontro com a
realidade. A filosofia antiga teve esse encontro a nível ontológico (Platão, Aristóteles). A
escolástica medieval, a nivel teológico (Santo Agostinho, Santo Anselmo, Santo Tomás).
Ortega y Gasset inova, trazendo esse encontro para o nível vital. Em seu decisivo ensaio “El
tema de nuestro tiempo”, desenvolve a idéia de razão vital, o tema central de sua filosofia, onde
critica a frieza do realismo, que exclue o mundo da mente humana, dando independência
àquele; mas também a ingenuidade do idealismo, que supõe ser a mente humana criadora da
realidade. Como já foi dito aqui, Ortega, em seus anos em Marburg, sofreu fortes influências
neo-kantianas, a maior delas sendo a imersão no idealismo. Tais influências foram
abandonadas não muito tempo depois, com a superação de todo subjetivismo e idealismo em
suas obras. Em suas Meditações do Quixote, escreve:

Muito longe do que sentimos hoje do dogma hegeliano, que faz do pensamento a substância
última de toda a realidade. É demasiado amplo o mundo, e demasiado rico, para que o

17
pensamento assuma a responsabilidade de quanto ele ocorre (ORTEGA Y GASSET, José.
Meditações do Quixote,1 edição, CEDET, 2019 , p. 82.).

Isto, porém, sem abraçar as teses realistas que, herdadas dos gregos, distanciam o objeto
do indivíduo ao superestimá-lo:

Realistas foram os gregos – mas realistas das coisas recordadas. A reminiscência, ao


distanciar os objetos, purifica e idealiza, tirando-lhes sobretudo essa nota de aspereza que
possui mesmo o mais doce e brando deles quando atua efetivamente sobre nossos sentidos
(ORTEGA Y GASSET, José. Meditações do Quixote, 1 edição, CEDET, 2019. p. 75.).

Ambas as posições, realismo e idealismo, segundo Ortega, não condizem com a


verdade e devem ser superadas.
Temos de um lado, confiança cega na realidade, de outro, entrega incondicional às
faculdades da mente. E nisso está a missão de nosso tempo, buscar uma filosofia que não caia
no engodo do realismo e na atração do idealismo. Se faz necessária uma síntese das duas
posições, que em certa medida estão corretas, mas são insuficientes para o pensador de hoje. O
eixo vital, razão e vida, estão separados desde Sócrates. Essa separação foi herdada pela
Europa, que não só deu continuidade ao erro, opondo razão e espontaneidade, como chegou ao
ponto de classificá-los como polos totalmente opostos. O realismo, de um lado, traz a confiança
cega na realidade: a compreensão realista herdada da tradição grega e medieval entende o real
independente do sujeito pensante, mas em Ortega, o eu está de tal modo envolvido com a
realidade que esta não existe sem aquele e vice e versa. O racionalismo, outra forma de
realismo, erra ao crer que é suficiente a convicção lógica, descartando a convicção vital e assim
por diante. De outro lado, o idealismo entrega o mundo ao domínio do eu, da subjetividade.
A missão do filósofo espanhol é mostrar que vida e razão não devem seguir em polos
antagônicos; razão, arte, ética e cultura acontecem dentro da esfera vital do indivíduo, ou seja,
tais temas devem existir em relação à vida e servir a ela. As coisas e o mundo, as
Circunstâncias e o eu, devem ser fundidas numa única esfera: a esfera da vida. A missão de
nosso tempo, diz Ortega, tem seu centro na vida humana como realidade radical. Superando as
amarras do realismo e do idealismo. A qual deu ele o nome de raciovitalismo. O grande
problema a ser enfrentado pela filosofia do seu tempo era uma nova forma de opor a
subjetividade moderna à perspectiva objetivista dos gregos. El tema de nuestro tiempo, a
missão de nossa geração, diz Ortega, é reordernar o mundo desde o ponto de vista de nossa
vida (El Tema de Nuestro Tiempo. Obras Completas, vol III, cap. X. Rev. de Occ.
Madrid.1966, pp. 197-203). Não há, portanto, oposição entre razão e vida, só não se pode
conceber a razão como a modernidade a concebeu, como razão físico-matemática. A razão pura
deve ser substituída pela razão vital.

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Ao percorrer pelos escritos orteguianos desde Meditaciones del Quijote (1914), pode-se
notar que o problema da vida como preocupação central de nosso tempo perpassa por toda a
extensa obra. No capítulo VII de El Tema de Nuestro tempo, Ortega afirma que é este o desafio
de sua geração: “[...] consagrar a vida, que até agora era só um fato nulo e como que um erro
do cosmo, [...] um princípio e um direito” (1994a, v. 3, p. 179). Mais adiante o filósofo discorre
sobre como a vida havia sido sujeitada às mais diversas áreas, estando a serviço da economia,
da arte, da moral, da religião etc. Porém, tudo isso precisa mudar de foco, a vida deve ser
tomada como fundamento de todas as áreas e não o contrário. Esse deve ser o princípio da
realidade buscado pela filosofia: a vida de volta ao centro da investigação filosófica.

3. A vida como princípio metafísico: raciovitalismo.

Vida: eis aí o elemento central da filosofia orteguiana. O filósofo espanhol, nas palavras
de Kujawski, “redescobriu a vida humana”. A trouxe de volta para o centro da investigação
filosófica. Todas as gerações passadas trataram a vida como serva das mais diversas áreas do
saber, mas nunca como fundamento, como princípio mesmo de toda e qualquer investigação.
Ortega inaugura nas Meditaciones del Quijote um novo tema para a filosofia: a relação entre a
razão e a vida. Tema que se encontra fundamentado nas obras Que és filosofía? e Unas
lecciones de metafísica, aparecendo como aquilo que os filósofos buscam desde a antiguidade,
o princípio, “arkhé”, ou a realidade fundamental.

José Ferrater Mora, considerado por muitos o mais importante filósofo catalão desde
Raimundo Lúlio e o pensador espanhol mais original da segunda metade do século XX, disse,
em seu Cuardernos del Congresso por la Liberdad de la Cultura (Paris, mayo-junio 1956), que
o problema do homem foi considerado por Ortega tema central de toda filosofia, mas que, no
entanto, não se deve ver nisso uma inclinação ao antroprocentrismo, pois para Ortega o homem
de forma alguma deve se colocar como a única realidade do universo; o homem não é nem
sequer a realidade mais importante... E o que seria então o homem, numa visão orteguiana?
Ferrater Mora responde: “simplemente, la realidad básica” — ou, como diria o próprio Ortega,
“la realidad radical”. Radical no sentido de que todas as demais realidades – mundo físico,
psíquico, mundo de valores – se dão dentro dela e podemos dizer que somente dentro dela são
realidade.
Cada vida humana em particular, prossegue Ferrater Mora, é uma realidade sem a qual
as outras perderiam o sentido ontológico. Sem a vida, a nossa vida, todo o resto perderia seu
significado. O erro mais comum, muito combatido por Ortega, foi o de tomar a vida humana
como se esta fosse uma coisa como as outras coisas. Uma coisa onde se encontram outras
coisas, possuindo até mesmo determinada natureza ou tendo certa substãncia. A vida humana
19
não é uma coisa como a matéria nem uma coisa como o espírito; pelo contrário: deve ser
libertada de toda e qualquer “coisidade”. Ferrater Mora continua: “la vida humana no es una
cosa. En rigor, no es siquiera un ‘ser’. Carece de status fijo; está inclusive desprovista de
‘naturaleza’. La vida humana ‘ocurre’”. Ou seja, a vida nos ocorre a cada dia vivido. É puro
‘suceder’, um fazendo e nunca um feito. Em vez de um ser, algo já feito, a vida é algo que
precisamos fazer constantemente: Ortega estaria então mais próximo de uma “metafísica do
devir” do que de qualquer outra coisa, buscando regar as sementes plantadas por Heráclito.
Julían Márias, o mais brilhante e fiel aluno de Ortega confirma, em sua magistral
História da Filosofia (Martins Fontes Editora Ltda., São Paulo. 2004), que seu mestre diz
várias vezes que a realidade radical é nossa vida, isto é, a vida de cada um. A realidade das
coisas ou a do eu dá-se na vida, como um momento dela. “A vida humana – escreve Ortega
(História como sistema. O.C., VI, p. 13) – é uma realidade estranha da qual a primeira coisa
que que convém dizer é que é a realidade radical, no sentido de que a ela temos de referir todas
as demais, já que as demais realidades, efetivas ou supostas, têm de um modo ou outro que
aparecer nela.”
Dito de outro modo, a minha vida é o sentido da realidade, e esta se torna
compreensível somente a partir dela. Isso significa que somente em minha vida posso ter uma
noção do real em sua radicalidade. Isso não significa que a realidade é imanente ao viver de
cada um, mas que toda realidade se torna acessível a partir desse viver e somente dele.
A Razão Vital, escreveu Marías, trata-se de uma razão rigorosa, capaz de apreender a
realidade da vida. Não há diferença entre razão e viver; a própria vida é a razão vital, porque
“viver é não ter outro remédio senão raciocinar ante a inexorável circunstãncia” (En torno a
Galileo – O.C., V, p. 67). Que quer dizer tal afirmação? Que a ação de viver já traz em si o
inteligir. O viver humano é a forma radical de intelecção. A vida, ao pôr algo em sua
persperctiva, a torna compreensível, inteligível. É a vida o órgão de compreensão humana e,
assim sendo, a vida é a razão humana. Em síntese: a própria vida funciona como razão. Em
1914, invertendo a fórmula, como nos lembra Gilberto de Mello Kujawski em seu Ortega y
Gasset, a aventura da razão (São Paulo: Moderna, Coleção Logos. 1994.), Ortega escreveu:
“como se a razão não fosse uma função vital e espontânea da mesma linhagem que o ver e o
apalpar!”
Em primeiro momento, escreve Kujawski, Ortega aproxima o sensível do pensamento,
depois, assimila o pensamento ao sensível. Pensamos com o sentido da visão e tato e
apalpamos com o pensar. Dessa forma, pensamento e sensibilidade não são coisas excludentes,
muito pelo contrário, mesclam-se e caminham sempre unidos. Não existe conceito sem
percepção e percepção sem o conceito. A razão está, em Ortega, submetida ao império da razão

20
vital. Vida é ação e recepção, viver é o que eu faço e o que me acontece. No entanto, não se
trata de uma negação da razão enquanto tal. Ortega admite ser ela o único modo de
conhecimento teórico. Sua oposição é ao racionalismo e isto tem de estar claro. Julían Márias
explica:

O significado mais autêntico e primário da razão é o de dar razão de algo; pois bem, o
racionalismo não se dá conta da irracionalidade dos materiais que a razão maneja, e crê que
as coisas comportam-se como ideias. Esse erro mutila essencialmente a razão a reduz a algo
parcial e secundário (MÁRIAS, Júlian. História da Filosofia. São Paulo.Martins Fontes
Editora Ltda, 2004. p. 504).

Nas palavras de José Caruso Filho: “basicamente a razão não é a valência da vida,
entendido isto pelo "penso, logo existo", mas ao contrário deste racionalismo, Ortega dirá
"penso porque existo", sendo a razão um componente da vida.” Caruso Filho discorreu bem
sobre a tese orteguiana, afirmando que no raciovitalismo o homem tem um encontro consigo
mesmo e também com o mundo. Não existe eu sem mundo e vice-versa. A razão é, portanto,
toda ação intelectual que nos põe em contato com a realidade. O realismo, ao propror a
primazia do objeto, errou. O idealismo, ao defender a primazia do sujeito, também errou.
Somente compreendendo a relação entre sujeito e objeto, eu e mundo, podemos compreender
bem o real e assim, partir da vida para uma análise metafísica do homem e uma conmpreensão
real do mundo. O projeto moral da filosofia raciovitalista apresenta-se como uma chave de
entendimento do mundo. A vida deve ser o ponto de partida metafísico, projetando-nos sempre
ao futuro, pois, antes de tudo, viver é ter consciência do que nos é possível. O próprio mundo é
o repertório de nossas possibilidades vitais, aquilo que podemos ser. E isso não é externo à
nossa vida, tudo que nos acontece, acontece dentro e não fora, de nosso campo vital. É pois, a
vida, princípio de toda investigação e não poderia ser diferente.
Em outras palavras, o real, para ser real, precisa estar dentro do campo vital de cada um,
uma vez que o que acontece, acontece dentro de minha vida e não fora dela. A realidade
consiste, precisamente, em acontecer na minha vida. A vida é, então, pressuposto básico para a
própria noção de real. Somente dentro de minha vida a realidade se torna inteligível. Nesse
sentido, é impossível ter uma compreensão radical e última da realidade, fora do campo vital.
O eu e o mundo, a cultura e a religião, a ciência e a técnica, todos são componentes abstratos
da realidade radical que é minha vida.
Superando a dicotomia realismo/idealismo, a filosofia orteguiana afirma que nem o
sujeito é anterior e independente do objeto, nem vice-versa. O radical, o princípio metafísico e
ponto de partida primário é a vida. A vida não encerra toda a realidade, há realidades que
podem transcender a vida no entando, é a vida particular base e fundamento de todas elas. A
vida é uma realidade cujo ser consiste em pensar a si e fazer a si. Viver é pura consicência. É
21
intimidade conosco mesmo, é tomar as rédeas da situação e estender essa intimidade particular
ao mundo em torno: a coexistências entre o eu e as coisas é fator primordial da tomada de
consciência do sujeito. Ao dar-se conta de si mesmo, o sujeito dá conta do mundo que o cerca.
Em suma, a realidade primeira, fonte de inteligibilidade e autonomia, campo onde sujeito e
objeto de unem, é a vida. A vida não pode ser uma coisa, pois uma coisa é algo já feito,
terminado, e a vida é sempre algo por fazer, ou para usar o termo orteguiano, viver é
“quehacer”, algo que consiste, precisamente, em fazer-se. Ortega recusa assim a ontologia
tradicional, julgando insuficiente seus conceitos de substância, essência, ser, corpo, alma,
matéria, forma etc. A filosofia de nosso tempo é chamada a inaugarar uma nova época, onde
categorias fechadas e determinadas darão lugar à um princípio dinâmico: a vida como
acontecer, como aquilo que nos acontece. Não como algo que é dado de uma vez para sempre,
mas aquilo que está passando e acontecendo. Um rio que está fluindo, que se renova e inova.
Que de acordo com o período e circunstâncias, toma para si certos problemas e certo modo de
ver o mundo. Viver é “quefazer”, agir no mundo e em si, pensar a si e o mundo e buscar ser fiel
à sua vida em particular.
A tese raciovitalista consiste, pode-se dizer, não no racionalismo que, para salvar a
razão, ignora a vida, nem no relativismo, que salva a vida ignorando a razão, mas numa síntese
perfeita deste dois pensamentos; não há racionalidade sem vida, nem vida sem racionalidade.
Não se trata de negar a razão, apenas de pôr a vida de volta ao seu devido lugar de primazia.
Em resumo: a (por assim dizer) doutrina da razão vital é a proposta de Ortega para a superação
da oposição realismo/idealismo, enxertando a razão ao contexto da existência humana
espontânea, fazendo da racionalidade uma resposta às necessitades vitais prévias, às pre-
ocupações.
É preciso voltar a filosofar radicalmente, fora dos esquemas do realismo e do idealismo.
Para tanto, faz-se preciso pensar a realidade realmente radical, primária, inexorável que é a
vida, e que tanto a natureza quanto o intelecto são relativos a ela. A vida reúne em si mesma
ambos aspectos: intelecto e natureza. Em outras palavras, sentir e pensar. No entanto, a razão
capaz de pensar esta realidade radical que é a vida não pode ser a razão pura; a razão mecânica
ou a razão fiísico-matemática. Somente a razão vital pode bem desempenhar esse papel. O real
não é real se não estiver dentro de meu campo vital; o raciovitalismo é, portanto, uma teoria da
realidade. Não há mundo real, não há verdade, fora do campo vital. É a vida, o ponto de
partida: “Tudo quanto hoje é reconhecido como verdade, como beleza exemplar, como
altamente valioso, nasceu um dia na entranha espiritual de um indivíduo, confundido com seus
caprichos e humores” (ORTEGA Y GASSET, José. Meditações do Quixote, 1 edição, CEDET,
2019. P. 30). Estamos diante, destaca o filósofo, no livro Que és Filosofia?, “[...] de uma nova

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ideia de ser, de uma nova ontologia, de uma nova filosofia e, na medida em que esta influi na
vida, de toda uma nova vida – vida nova” (1997b, p. 408).
“Viver é não ter outro remédio senão raciocinar ante a inexorável circunstância”
(ORTEGA Y GASSET, José. En torno Galileo – O.C., V, P.67), que isso significa? Ora, que
viver e entender são a mesma coisa. A razão vital não se distingue de viver. A vida é em si,
razão e compreensão: a forma radical e primária de toda intelecção humana. “Só quando a
própria vida funciona como razão conseguimos entender algo humano. É isso, em suma, que
quer dizer razão vital.”
O primeiro ensaio relevante para o tema da circunstancialidade é La pedagogia del
paisaje, de 1906. Mas, sem dúvida a frase, que melhor sintetiza a filosofia de Ortega está em
suas já citadas Meditaciones del Quijote: “Eu sou eu e minha circunstância”. O contexto no
qual me encontro, em que minha vida está inserida, é minha realidade radical, é minha vida
mesma. Viver é agir, mas também sofrer ação, é o que fazemos e o que nos acontece. A
definição de circunstância é o que está ao redor do eu, que o envolve e atinge. Aquilo que
envolve o eu não é totalidade das coisas, mas a totalidade do eu que é envolvido, o horizonte de
ação do sujeito; as circunstâncias não são o universo, mas são meu universo. A realidade que
está mais próxima de mim e da qual tenho de estar consciente. Cito Ortega:

O homem rende ao máximo de sua capacidade quando adquire plena consciência de suas
circunstâncias. Através delas ele se comunica com o universo. A circunstância! Circum-
stantia! As coisas mudas que estão ao nosso redor imediato! Muito perto, muito perto de nós
erguem suas fisionomias silenciosas com um gesto de humildade e de anelo, como que
necessitadas de que aceitemos sua oferenda e ao mesmo tempo envergonhadas pela
simplicidade aparente de seu donativo (ORTEGA Y GASSET, José. Meditações do Quixote,
1 edição, CEDET, 2019. p. 26).

A reflexão filosófica, segundo nosso autor, surge de um olhar para o contexto em que se
vive, num mergulho total em suas circunstâncias. Para compreender o homem e sua vivência
não se deve manter os olhos fixos no céu, no ideal, se faz preciso focar em suas ações concretas
e, sobretudo nas coisas que o envolve. Não se pode compreender o homem sem olhá-lo na
circunstância em que está inserido. Somente assim pode-se notar entre outras coisas, sua
historicidade. Pois cada ação humana gera uma reação, um resultado, logo, como diz Julián
Marías, discípulo de Ortega, (2004): “a razão vital é histórica, e, portanto, narrativa”. O
homem não tem natureza, tem história, já dizia Ortega.
Antonio Rodríguez Huéscar, em seu Perspectiva y Verdad (Alianza Universidad,
Primeira edição em Revista de Occidente, 1966), lembra que as coisas em Ortega não são

23
substâncias universais. Trata-se de uma substituição da categoria de substância pela categoria
de relação. As coisas são encruzilhadas onde se encontram os mil caminhos do universo. Cada
coisa é uma relação entre várias, entre todas. O importante de uma coisa não está em seu ser,
sua aparência. E sim, em sua relação com as demais. Sua conexão com o universo. Podemos
usar, diz Rodríguez Huéscar, termos da filosofia clássica e dizer que em Ortega y Gasset
essência e existência se fundem no homem. Absorvidos por uma nova concepção metafísica:
vida, viver.
Huéscar usa o texto Adan en el Paraíso para mostrar que Ortega recorre ao mito bíblico
de Adão para levar o patriarca ao terreno do pensamento, dizendo que o homem tem
capacidade de pensar, posto que foi feito a imagem e semelhança de Deus. E pensar nada mais
é que situar-se em uma perspectiva problemática. O filosófo é amigo do pensar e do problema.
E pensar é viver. Quando Adão foi criado no paraíso, teve-se o início daquilo que chamamos
vida. Adão é, pois, o primeiro ser que vive. Era ele simplesmente vida, mas também problema,
o problema da vida. O homem desde o início esteve imerso no viver e forçado a agir diante do
universo, do paraíso. Viver é, pois, agir. E para agir se faz necessário, logicamente, viver. Eis
aí o primeiro e elementar problema do homem; agir na vida.
No entanto, não basta ligar as coisas ou criar estruturas lógicas para pensá-las, não, o
sujeito não está fora das circunstâncias; sujeito e objeto devem estar ligados. Intimamente
ligados. Não deve haver distanciamento entre o sujeito que percebe e a coisa percebida, ao
fazer tal distanciamento expulsa-se Adão do paraíso, perde-se a compreensão humana, aliena-
se o sujeito e desprezam-se as coisas. Kujawski esclarece que

Por isso não basta “ligar coisa com coisa”, como faz o logos; é preciso ligar “coisa com coisa
e tudo conosco”; coisa com coisa e tudo comigo, aqui e agora, na minha circunstância, onde
pulsa o meu coração. De nada vale a razão ligar coisa a coisa numa estrutura grandiosa
(como os grandes sistemas ideológicos) se eu, que executo essa ligação, permaneço excluído
dela. Pensar é circunstancializar, chegar ao universal a partir da circunstância (KUJAWSKI,
Gilberto de Mello. Ortega y Gasset: A aventura da razão. São Paulo: Moderna, 1994.
Coleção Logos. p. 32).

Em resumo: sem mundo não há consciência e consequentemente não haveria eu. O eu e


as coisas não existem, coexistem. O mundo só é mundo em sua relação essencial com a
subjetividade do sujeito e a subjetividade do sujeito só existe em sua relação essencial com o
mundo: o dinamismo do mundo determina meu agir, meu amá-lo ou odiá-lo; por sua vez, o
dinamismo de minha subjetividade, minhas crenças, valores, ideias, história, ponto de vista,
determina o ser do mundo. E é esse o sentido filosófico e inovador que Ortega dá para a vida.
Viver é ter seus sentidos envolvidos com o que nos cerca, é pensar o mundo, mas também,
tocá-lo, vê-lo, degustá-lo, amá-lo ou não etc. Tudo isso, é viver. Todo o fenômeno entre o eu e

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a circunstância que foi ignorado pelo idealismo e pelo racionalismo, a relação entre ser e viver;
eis o princípio radical da filosofia orteguiana.
A circunstância é o mundo em torno, porém “mundo” aqui não significa apenas aquilo
que afeta o sujeito sensorialmente, a realidade física; circunstância também significa a
realidade social e histórica, inclusive mente e corpo, pois também fazem parte da realidade em
que somos inseridos e, portanto, parte de nossa circunstância. Ortega aproxima-se da
fenomenologia e considera eu e mundo instâncias inseparáveis. Viver é um que fazer que tem
necessidade do mundo em volta. Ao se considerar um, deve-se levar em conta o outro. Tudo
aquilo que circunda o homem, sendo coisas palpáveis ou não, relaciona-se com ele. No livro
Que és filosofía? Pode-se ler que

[...] o importante não é que as coisas sejam ou não corpos, senão que elas nos afetam, nos
interessam, nos acariciam, nos ameaçam e nos atormentam. Originariamente isto que
chamamos corpo não é senão algo que nos resiste e nos estorva, ou nos sustenta e leva [...].
Mundo, em sensu stricto, é o que nos afeta (1997b, v. 2, p. 416)

Circunstância é tudo aquilo que não sou eu, mas com o qual tenho um encontro, aquilo
que me é dado, recebido e com o qual tenho de agir no mundo. A realidade não emana do
sujeito, apesar de se tornar inteligível apenas em contato com ele. Sendo assim, a circunstância
compreende toda a sociedade, outros homens, valores e crenças que cada um encontra em seu
tempo. Isso evita que Ortega caia num solipsismo, pois o mundo não é uma realidade subjetiva.
O mundo é algo real e objetivo que está fora do sujeito, o sujeito está agindo e vivendo no
mundo; o mundo não existe em si e eu não existo em mim, afirmar isso seria cair nos erros do
realismo e idealismo, visões que devem ser superadas. Em síntese: o mundo não existe sem o
sujeito por ser soma de suas possibilidades vitais.
“Eu sou eu e minha circunstância”; fechando este tópico, cito pontos fundamentais
extraídos por Kujawski ( 1994 ) dessa firmação:

a) O homem só assume a plenitude de sua capacidade quando adquiri toda a


consciência de suas circunstâncias. Por elas se comunica com o universo. Já sabemos como:
dando conta da circunstância maior na qual está inserida toda circunstância; o universo é a
circunstância máxima.
b) Circunstância é tudo que nos cerca, tudo o que está ao nosso redor: circum-
stantia, o que está circum me, como as coisas que integram o meu contorno.
c) Temos que aceitar nossa circunstância tal como ela é, mas sem encerrarmos em
sua limitação e sim procurando seu devido lugar na perspectiva maior do mundo.
d) A circunstância forma a outra metade da pessoa, isto é, eu não tenho, eu sou
minha circunstância. Por isso tenho que integrá-la a mim, para ser eu mesmo.
d) Daí, segue-se a conclusão lógica e necessária: eu sou eu e minha circunstância,
e se não a salvo, não me salvo eu.

3.1. Viver é quehacer


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Como foi exposto aqui, a vida humana é a realidade básica, radical, onde todas as
realidades acontecem. A vida está no centro das circunstâncias e é onde o fluxo dinâmico dos
acontecimentos e o eu convergem. É no campo vital de cada indivíduo que o universo torna-se
inteligível e perceptível. A vida é razão vital, ou seja, o órgão máximo de compreensão
humana, e o ponto de vista particular é a parte da realidade que nos cabe perceber. Sendo
dinâmica a realidade, como um rio que corre sem parar, a vida não pode ser estática. O homem
não é um ser feito, acabado, mas sempre um ser por fazer. Viver é um acontecendo, jamais um
acontecido. Ou seja, a vida é o que eu sou e o que me acontece, em síntese: agir e sofrer.
Nascemos num universo sob determinadas circunstâncias que não escolhemos, mas aquilo que
escolhemos fazer com o que é nos é dado, é o que realmente importa.
Ao definir a vida como quefazer Ortega deixa claro que a realidade da vida não é uma
“coisa” e sim o que se faz com aquilo que nos cerca. Viver ativamente e não só passivamente é
a vocação do filósofo. A vida biológica não serve para explicar o agir humano, pois ela não
considera sua história e a execução de seus atos desde seu lugar no mundo. Os demais seres da
natureza têm certa programação natural que impede a desordem e mudança, isso não vale para
o homem. O homem, como Adão no paraíso, tem que ponderar o que fazer com a vida que lhe
foi concedida, tem de fazê-la ele mesmo. O macaco é condicionado a ser macaco, já o homem
é forçado a pensar sobre o que é ser homem e como ser um. Adão no paraíso encontra-se com a
importante tarefa de nomear os seres, ou seja, dizer sobre algo “quid est”, o que é. O problema
de estar na vida; eis a máxima preocupação filosófica. O homem celebra a vitória e padece o
sofrimento da derrota, sente a alegria da vida e a dor do luto, ama e odeia, aconchega-se nos
braços da amada e sente a falta que lhe faz uma Eva. É oprimido pelo mundo em torno, mundo
que não escolheu, mas que esta aí. É este o drama da vida humana: imaginar um projeto vital
diante das circunstâncias impostas.
Gilberto de Melo Kujaswki lembra que

A vida, diz Ortega, é faina poética porque o homem tem que inventar o que vai ser. Todos
nós, acrescenta, somos novelistas de nós mesmos, originais ou plagiários. A circunstância
nos é imposta, eu vivo aqui e agora sem escolher nem meu tempo, nem meu país
(KUJAWSKI, Gilberto de Mello.Ortega y Gasset:A aventura da razão.São Paulo: Moderna,
1994. Coleção Logos. p. 53.)

Uma vez que cada indivíduo nasceu num mundo e tempo que não escolheu, é forçado a
agir dentro das possibilidades que lhe são apresentadas. Para isso, carece de projeto, saber o
que lhe é possível e o que não é; o homem ludovicense do século XXI que vive em 2019 não
pode, por exemplo, escolher ser cavaleiro medieval e lutar pela reconquista da Terra Santa, ou
embarcar numa caravela rumo a mares nunca dantes navegados, dedicando a vida à expansão

26
do império de Portugal. Antes de tudo, viver é ter essa consciência: saber o que nos é possível;
o que se pode ser. Circunstância e decisão, eis os dois elementos radicais que compõem a vida.
Cada vida humana, para ser uma vida ativa, autêntica, carece de propósito, de um projeto vital
dentro de sua circunstância particular. Agir sobre o mundo que o cerca e oprime, um agir que
pode ser glorioso ou modesto, valoroso ou medíocre que seja, é essa a condição inexorável do
homem. “Em suma, a reabsorção da circunstância é o destino concreto do homem” (ORTEGA
Y GASSET, José. Meditações do Quixote, 1 edição, CEDET, 2019. p. 31).
É o homem roteirista da própria história e não pode estar na vida sem um projeto, pois
um personagem carece de falas e ações. Os atos precisam de roteiro e por vezes, de improviso,
porém sempre de propósito; a atuação visa o espetáculo. O público observa, julga, diverte-se;
ao ator, cabe desempenhar bem ou mal seu papel. Viver é estar numa peça sem roteiro onde se
é, ao mesmo tempo, ator e diretor. O homem tem de inventar sua história, aquilo que pretende
ser, por isso, viva é também, pretensão. O personagem pode mudar drasticamente, falhar
miseravelmente ou arrancar aplausos da plateia, mas nisso tudo tem de decidir como agir e o
que ser, ou escolher não agir e o que não ser. Acumulando o passado e confrontando posições,
sendo e deixando de ser; caminhando para algo e por algo, seguindo propósitos ou ilusões, em
tudo, sendo ele mesmo responsável por suas ações. Pois se a vida é o que fazer, sou eu quem a
faz. É o eu que age na vida escolhendo suas possibilidades. Viver é ato, mas também
consequência. Cito Julían Marías:

Pois bem, minha vida é um que fazer, isto é, sou eu que tenho de fazê-la, tenho de decidir a
cada instante o que vou fazer – e portanto ser – no instante seguinte; tenho de escolher entre
as possibilidades com que me encontro, e ninguém pode me eximir dessa escolha e decisão
(MÁRIAS, Julían. História da Filosofia.São Paulo, Martins Fontes. 2004. p. 510).

Todo viver é um viver-se, sentir-se, ter consciẽncia de sua existência. Os demais seres
não tem consciência de si próprios, a pedra não se sabe pedra, a árvore não se sabe árvore e
assim por diante. Os seres meramente físicos não fazem projetos, não tem sonhos ou
aspirações. A eles falta o que é comum ao homem: projetar-se ao futuro. Por isso, somente o
homem tem a responsabilidade por suas ações, pois somente ele pode ponderá-las, pôr suas
ações na balança e decidir o que fazer com a vida que lhe é dada. E ao dar-se conta de si
mesmo, o homem dá-se conta também dos outros, das pessoas que o rodeiam, do mundo que o
circunda. Agir no mundo é dar-se conta de si e do mundo. Viver é, pois, quefazer. É problema,
preocupação, insegurança, e para concluir, drama.

4. Vocação e destino.

27
Ortega repete por diversas vezes que circunstância é tudo aquilo que não sou eu,
inclusive meu corpo e minha alma. Tomo posse de meu corpo assim como tomo posse de uma
herança. Faço minha vida com as coisas que me são dadas, sejam elas físicas ou não, mas não
sou nenhuma delas. O agir vital usa as circunstâncias sem confundir-se com elas, usa-se o rio
para chegar ao mar, mas não confunde-se com as águas que correm. O que se faz com o que é
recebido, é essa a definição do homem. Sendo assim, o homem está sempre em definição, pois
está sempre agindo, fazendo-se. Para agir no mundo, como já dito, faz-se necessário um projeto
de vida. É precisamente isso que Ortega chama de vocação. É sabido da maioria que vocação
vem do latim, vocare, que significa chamado. Ora, para que haja um chamado é necessário
haver alguém que chama. Um chamado sempre vem de fora, de uma força externa que aje
sobre o sujeito, impelindo-o a movimentar-se nesta ou naquela direção. Pode-se negar ou
atender ao chamado, mas em ambos os casos, faz-se necessário a ação. Escolher não fazer nada
ainda é uma escolha. No entanto, seguir sua vocação é essencial para se ter uma vida autêntica.
Ao negar seu chamado o homem falseia sua vida e a torna mediocre.
É necessário ressaltar que vocação não se trata de profissão ou carreira como
popularmente se crê. A verdadeira vocação é algo de âmbito puramente íntimo e pessoal onde
cada indivíduo toma consciência de que tem de fazer aquilo e não o contrário. Quando não agir
de tal forma é negar seu projeto vital, trair quem se é e fantasiar seu ponto de vista, tem-se
então, uma genuína vocação. Um verdadeiro projeto vital busca o sentido do que nos rodeia,
um propósito sincero que nos dá um repuxão na consciência e meio que nos empurra para uma
diração e não para outra. É saber, dentro do leque limitado de possibilidades, aquela ação que
eu e somente eu posso desempenhar. É quando o eu olha atentamente desde seu ponto de vista
e descreve com o máximo de fidelidade possível aquilo que vê, pois ninguém além dele, pode
ver com seus olhos. É um ver ativo, que contempla e interpreta, uma certa atenção que ama e
ordena as coisas ao redor. É tomar posse do real, mesmo acorrentados pelas limitações de
nossas possibilidades; é saber a extensão dessas correntes e então, agir de acordo com suas
inclinações, sejam elas dar aulas de filosofia, pintar belos quadros ou passear no campo. O
plano de cada indivíduo é livre ainda que limitado. Cabe ao homem que escolhe e só a ele,
caminhar de acordo com sua vocação escolhendo as circunstâncias que trazem harmonia ao seu
projeto de vida.

4.1. A ideia do Náufrago.

28
Ortega diz que uma vida autêntica é, pois, tarefa do homem que se encontra perdido.
Somente a alma que busca uma certeza fundamental, algo que a permita saber a quê ater-se na
vida pode filosofar. Esta é a razão do por quê e para quê filosofa o homem. Ao tomar
consciência da inexorável situação humana – que é vida e problema – busca-se algo a que se
agarrar, uma tábua de salvação em meio ao mar de falsidades e mentiras. O homem de alma
elevada, agarra-se ao que lhe é necessário, às ideias que dão sentido à sua vida. Não o faz por
ego ou mera convenção, o faz para viver. Lê-se na Rebelião das Massas que

O homem de cabeça clara é aquele que se liberta dessas “ideias” fantasmagóricas e olha a
vida de frente, e assume que tudo é problemático nela, e se sente perdido. Como isso é a pura
verdade – a saber, que viver é sentir-se perdido –, aquele que o aceita já começou a se
encontrar, já começou a descobrir sua autêntica realidade, já está em terra firme.
Instintivamente, como o náufrago, buscará algo a que se agarrar, e essa busca trágica,
peremptória, absolutamente veraz, porque se trata de salvar-se, o fará ordenar o caos de sua
vida. Essas são as únicas ideias verdadeiras: as ideias dos náufragos. O resto é retórica,
postura, farsa íntima. Aquele que não se sente verdadeiramente perdido perde-se
inexoravelmente; quer dizer, jamais se encontra, nunca encara a própria realidade (ORTEGA
Y GASSET, José. A Rebelião das Massas. Edição: 1ª , Vide, 2016. p. 239.)

A condição de náufrago é a autêntica condição humana. O mundo nos é estranho,


instável e assustador. É na angústia das circunstâncias que surge a filosofia. A busca pela
verdade se dá em meio a mentiras. Só busca a luz do sol, aquele que vive nas sombras. Ao
deparar-se perdido nas vicissitudes do universo, o homem buscará um ponto firme. Algo sólido
para por os pés. E surgem então, do agir sincero em busca de salvação, cultura, arte e a religião.
A cultura nada mais é que uma ilha para aquele que se afoga. Ao sair da passividade e buscar
ordem no caos o homem salva suas circunstâncias e com isso, a si próprio. Ao viver apenas
como ser passivo diante da opressão do universo o homem rebaixa-se aos andares inferiores de
seu destino. Há momentos em que se tem que fazer algo, e são esses momentos que
diferenciam uma vida autêntica de um falso viver: um viver sempre abaixo das circunstâncias.
A alma passiva observa o mundo com certa sensação de controle e segurança; seguro em seu
navio de certezas nunca experimentará a vida real, viverá para sempre na comodidade de um
mundo artificial que parece bem imitar a vida, mas dela distancia-se como o brilho de uma
estrela morta distante. Tal alma jamais agarrará a realidade tal como ela é, daí a única ideia
sincera ser a ideia do náufrago. Ele a abraça com todas as forças por saber que sua salvação
depende disto. Não o faz por capricho, ego ou retórica vazia, como diz Ortega, o faz para viver,
pois a vida humana é, querendo ou não, urgência.
É preciso urgentemente saber o que é o mundo de nosso tempo. Para Ortega, saber uma
nova forma de ser espanhol, saber a que se ater; ser uma geração que aceita a realidade e assim

29
toma posse dela. Isso não significa conformismo; pelo contrário, aquele que reconhece estar
perdido busca incansavelmente achar-se. Esclarece Marías (1960, p.67):

Quando digo aceitação da realidade, não quero dizer “conformidade” com ela, muito menos
“conformismo”, pelo contrário: aceitação da realidade tal com é, e encontram que é,
paradoxalmente, inaceitável. Quero dizer com isto que lhe vão tomar precisamente como
algo no qual se pode ficar, porém de onde se pode partir. O naufrágio em que consiste a
realidade espanhola vai ser o ponto de partida.

E ainda:

“Os homens de 98 fazem literatura, arte, história, ciência, porque não tinha mais remédio,
porque partem de um náufrago e necessitam saber a que ater-se” (MARIAS, 1960, p. 68). A
única coisa que pode salvar a Europa é saber a que ater-se, ou seja, uma autêntica filosofia.
Em suma, o eu precisa “sair de si mesmo” e encarar o mundo ao seu redor. Na síntese das
sínteses, o eu precisa viver: “Mas isso – uma realidade que consiste em que um eu veja um
mundo, pense-o, toque-o, ame-o ou deteste-o, e aguente-o e sofra-o – é o que desde sempre
se chama “viver”, “minha vida”, “nossa vida”, a de cada um” (ORTEGA Y GASSET, José.
O que é filosofia? Edição: 1ª . Vide, 2016. p. 214. )

5. El Spectador – a verdade do ponto de vista.

Como já foi dito aqui, para Ortega o conhecimento não deve ser analisado a partir do
falso dilema entre vida e razão e sim visto desde uma superação do dito dilema; nem nos vale o
racionalismo, tese segundo a qual o sujeito não tem primazia alguma, sendo um sujeito
transcendental, sem vida nem história. Tampouco é válido o relativismo, segundo o qual todo
sujeito é particular e a realidade deforma-se de modo distinto segundo o sujeito, não havendo
um conhecimento universal e verdadeiro. A solução, segundo propôe o filósofo, é o
perspectivismo: a estrutura psíquica de cada indivíduo é um receptor que depende das
circunstâncias em torno, ou seja, a realidade é percebida de dentro do campo vital do sujeito.
Em El tema de nuestro tiempo nos é apresentado a verdade do ponto de vista, uma tentativa de
resolver o problema das relações entre vida e cultura, ou para ser mais exato, entre vida e
razão. A síntese na qual o vitalismo e o culturalismo se unem e assim desaparecem, eis o que
Ortega denomina perspectivismo. A realidade não está acima do ponto de vista individual. A
verdade do mundo não pode ser vista fora do ponto de vista de cada indivíduo: “O ponto de
vista individual me parece o único ponto de vista desde qual se pude ver o mundo em sua
verdade” (ORTEGA Y GASSET, José. El Espectador I. Biblioteca Nueva, 1916. p.19.
Tradução minha).

30
Antonio Rodríguez Huéscar em seu Perspectiva y Verdad (Alianza Universidad),
Primeira edição em Revista de Occidente, 1966, afirma que o perspectivismo é a teoria geral da
filosofia orteguiana e não uma doutrina à parte, dentro dela. A perspectiva do homem dentro de
sua vida é de suma importãncia para qualquer investigação. Deve-se ser fiel à seu ponto de
vista para que se possa viver uma vida autêntica, ainda que tal ponto de vida seja problemático.
Para Ortega a realidade é percebida desde as destintas perspectivas; ou seja, não existe um
ponto de vista absoluto, uma visão eterna que abarque todo o real. Assim sendo, a realidade do
universo por econtrar-se fora de nossas mentes individuais, só pode ser contemplada a partir de
várias perspectivas. Uma visão sub especie aeternitatis à lá Espinosa não seria verdadeira, a
visão de Ortega é bem mais próxima de Leibniz, onde cada mônada é uma perspectiva do
universo, uma parte única da verdade. Os diferentes pontos de vista entre os homens não
implicam na falsidade de uma delas, pelo contrário: cada vida é um ponto de vista sobre o
universo. Assim como uma paisagem admite diferentes descrições, a realidade admite destintos
pontos de vista. Diferentes perspectivas ampliam, mas não negam a perspectiva individual.
A verdade, através de cada ponto de vista, cada perspectiva, adquire uma dimensão
vital. Não se trata de um relativismo, mas de uma profunda fidelidade ao que vitalmente
somos; um olhar atencioso e honesto para nossas circunstâncias a fim de conhecer o mundo e
aceitar nosso destino. Tem-se então uma inversão na escala axiológica, elevando à categoria
dos valores vitais. A posição de cada indivíduo no mundo é o que lhe permite captar a parte da
realidade que corresponde ao seu ponto de vista. Cada indivíduo é, por assim dizer, um aparato
de conhecimento insubstituível. Ele e somente ele, enxerga desde seu ponto de vista. Ele é
único e insubstituível. Ninguém pode ver pelo outro, sentir suas dores e emoções, viver sua
vida. No entanto, um ponto de vista é uma verdade fragmentada que precisa das outras partes
para completar-se. Uma verdade total só é possível a partir de uma união de várias verdades
particulares ou seja, somente considerando o ponto de vista do próximo. Levando em conta
todas as verdades particulares teremos o ponto de vista de Deus que é, nada mais, que a soma
dos pontos de vista individuais. Desse modo, se conhecemos alguma verdade não é por
contemplá-la desde o ponto de vista de de Deus; o inverso parece mais verossímel, diz Ortega:
“Deus vê as coisas através dos homens, os homens são órgãos visuais da divindade” (ORTEGA
Y GASSET, José. Obras Completas Vol. 1, Revista do Ocidente, 1957).
Em sua coleção de ensaios El Espectador, apresenta o indivíduo de alma filosófica que
não é um dogmático, nem lógico ou grande sistematizador e sim, aquele que é fiel à sua
perspectiva. Em Verdad y Perspectiva (El Espectador I), lê-se o poético trecho:

De todos os ensinamentos que a vida me deu, o mais amargo, mais perturbador, mais irritante
para mim, foi convencer-me de que as espécies menos frequentes sobre a terra são as dos

31
homens verdadeiros. Eu tenho buscado ao redor, com um olhar suplicante de náufrago, os
homens a quem importasse a verdade, a pura verdade, o que as coisas são por si mesmas, e
encontrei apenas alguns. Eu tenho buscado perto e longe, entre os artistas e agricultores,
entre os ingênuos e os “sábios”. Como Ibn Batuta, tenho tomado o cajado do peregrino e
caminhado pelo mundo à procura, como ele, dos santos da terra, de homens de alma
espetacular e serena que recebem a pura reflexão do ser das coisas. E tenho encontrado tão
poucos, tão poucos, que me afogo! (ORTEGA Y GASSET, José. El Espectador I, Biblioteca
Nueva. 1916, p.15. Tradução minha)

Em contraponto com as visões consagradas pela tradição Ortega afirma que a realidade
última não é nem matéria nem espírito, mas uma perspectiva. O homem deve esforçar-se para
arregalar os olhos e ver a realidade que lhe é apresentada, buscar honestamente a verdade das
coisas exposta a partir de seu lugar no cosmo. Não há falsidade na perspectiva, desde que o
indivíduo seja fiel ao que vê e não troque sua visão real por outra imaginária. O ponto de vista
sincero sobre o mundo é em si um aspecto real desse mesmo mundo e todos os homens
partilham dessa missão: ver a parte da realidade que lhe cabe. “A realidade não pode ser vista a
não ser desde o ponto de vista que cada qual ocupa, fatalmente, no universo. Aquela e este são
correlativos, e como não se pode inventar a realidade, tampouco se pode fugir do ponto de
vista” (ORTEGA Y GASSET, José. El Espectador I, Biblioteca Nueva, 1916. p.20. Tradução
minha).
Ser fiel a sua perspectiva é a missão do espectador, aquele que vê o mundo desde o
centro de sua vida e juntamente com os demais indivíduos, podem descrever a realidade cada
qual desde sua posição no universo. Seria um erro tentar impor um ponto de vista sobre os
demais, ou privilegiar um em detrimento dos outros. Uma mesma casa tem um aspecto vista de
fora e outro vista de dentro, ainda assim, os dois são verdadeiros. Um mesmo bosque visto de
diferentes localizações permite diferentes descrições que não estão erradas, mas incompletas se
vistas isoladamente. Do alto de um morro pode-se ter uma visão mais ampla das ávores e talvez
notar o rio que circunda o bosque, mas isso não torna inverídica a descrição do indivíduo que,
embrelhando-se por entre as árvores, pode notar as que estão com frutos ou floridas, os ninhos
em seus galhos e a vegetação rasteira que cresce aos seus pés. Os dois pontos de vista, embora
distintos, tratam da mesma realidade: o bosque. Um não é mais verdadeiro que o outro, ambos
descrevem aspectos da realidade que se completam como um quebra-cabeças. Um indivíduo
apenas não pode descrever o mundo, “a floresta está sempre um pouco mais além de onde
estamos” (Meditações do Quixote, José Ortega y Gasset. p. 46. 1 edição – Março de 2019 –
CEDET). O indivíduo dá conta apenas da parte dele, a parte que lhe é apresentada desde suas
circunstâncias; somente em toda a humanidade se pode ver o mundo. Cito Ortega: “Em vez de
disputar, integremos nossas visões numa generosa colaboração espiritual, e como as correntes
indepentes se únem na veia grossa do rio, componhamos a torrente do real” (ORTEGA Y
GASSET, José. El Espectador I, Biblioteca Nueva, 1916. p.20. Tradução minha)

32
6. Consideraçoes finais.

A obra de Ortega y Gasset, apesar de ter exercido grande influência sobre a filosofia
espanhola, também exerceu uma notável influência na filosofia alemã (Heidegger), e em
determinados pensadores existencialistas, principalmente em sua concepção de autenticidade e
falsidade: a vida autêntica implica conhecer e assumir sua circunstância de forma que viver
seja agir no mundo e sobre o mundo. Ortega declara também o caráter determinadamente livre
do homem no mundo, “somos livres à força” ou “obrigados a ser livres” como diria Sartre. Em
suma, a filosofia de Ortega y Gasset antecipou muitas teses filosóficas posteriores e criou, por
assim dizer, toda uma escola filosófica que resignificou conceitos antigos, trazendo uma nova
forma de pensar o homem enquanto tal, através da tese central do pensamento orteguiano: a
ideia da Razão Vital.
O raciovitalismo corrige a visão racionalista de Sócrates e da filosofia grega em geral,
filosofia sobre a qual se erguirá todo o Ocidente e o continente europeu. Ortega de forma bem
pessoal, inverte a perspectiva racionalista de filósofos como Spinoza, Leibniz e Descartes –
verdadeiros criadores da modernidade – ao fazer da vida princípio absoluto da razão.
Fortemente aproximado ao pensamento de Dilthey, Ortega reafirma a primasia da vida sobre a
razão e exalta o explendoso milagre do viver. A razão como serva da vida e não o contrário, é
esse o centro da filosofia orteguiana, tema que perpassa por toda sua obra e mais
especificamente, em El Tema de Nuestro Tiempo (1923), onde o problema está posto de forma
mais sistemática.
A questão toda é saber se a Razão Vital é o tema de nosso tempo, tal como o foi do
tempo em que viveu Ortega. Essa questão, a deixamos para os leitores deste trabalho. Fato é: o
filósofo espanhol inaugurou toda uma nova forma de fazer filosofia que já está aí. Qualquer um
pode chegar-se à sombra da grande árvore plantada por Ortega e deliciar-se com os frutos de
uma filosofia que visa colocar a espontaneidade da vida de volta ao centro das investigações.
Uma filosofia voltada para o viver baseia-se na colação entre o eu e suas circnstâncias,
tal relação se dá, segundo Ortega, através de uma doutrina do amor. O sujeito deve ligar coisa
com coisa numa relação de necessidade do sujeito para com as coias que o circundam e vice-
versa. O mundo não existe sem o eu e o eu não existe sem o mundo. Para compreender sua
realidade o indivíduo precisa amar. O amor é a chave que une tudo e cria uma situação de
necessidade entre os pares. O amador precisa da coisa amada e precisa radicalmente. O amado
lhe é insubstituível e totalmente necessário.
Ortega nos remete ao banquete de Platão, onde Sócrates define o amor como a busca
pela metade que nos falta. Ou seja, as coisas não são o eu, mas completam-no. Tornam-o
33
aquilo que ele é. Apontando seu destino concreto, sua vocação. De forma que é impossível
falar do amado sem levar em conta o amador, não existe amado sem o objeto de seu amor.
Marías (1967) acrescenta a seguinte “fórmula”: coisa é a coisa e tudo conosco. Em “O homem
e sua circunstância: introdução à filosofia de Ortega y Gasset”, Vilson Ribeiro
Santos, www.funrei.br/revistas/filosofia, relata:

Há em Ortega uma rigorosa conceituação filosófica acerca da relação entre o Eu e sua


circunstância. Nessa fórmula, temos um ”Eu” que está nativamente aberto à sua
circunstância, isto é , à realidade que o circunda. Esta realidade é, sem dúvida, distinta do Eu;
mas, ao mesmo tempo, é inseparável dele; de modo que, para Ortega, não há como tornar o
Eu sem sua circunstância.

A elevação da circunstância ao patamar de conceito filosófico dá-se seguida de uma


negação da metafísica clássica fundada seja matéria, seja na ideia do mundo. Surge então a
teoria da perspectiva, só desde o ponto de vista particular pode-se ver o mundo tal como ele é.
Tal método pode ser apontado por este trecho de Ortega y Gasset (1966a, p. 322)

Havemos de buscar para nossa circunstância, tal como ela é, precisamente o que tem de
limitada e peculiar, o lugar acertado na imensa perspectiva do mundo. Não nos deteremos
perpetuamente em êxtase perante os valores hieráticos, mas conquistemos para a nossa vida
individual o posto oportuno entre eles: a reabsorção da circunstância é o destino concreto do
homem.

A verdade do ponto de vista aparece em Ortega e é aqui apresentado como um apelo à


superação entre falsas dicotomias que só atrapalham a investigação filosófica. Tomar partido
de A ou B em detrimento das demais visões é algo fora de questão. Não há mentira no ponto de
vista quando se é fiel a ele; há, sim, um erro de perspectiva. O pecado de satã, diz Ortega, foi
um erro de perspectiva. Sua obra não é política, é anterior à política. Critica o “politicismo”,
uma forma de ver o mundo em que tudo é absorvido pela política. Em um tempo onde a
política domina as discussões e tudo, até mesmo religião, literatura e filosofia, é visto do ponto
de vista da política e a única questão central é saber se a pessoa é de “direita” ou de
“esquerda”, a filosofia orteguiana surge como um oasis de prudência. Um apaziguador de
ânimos. Este trabalho, pois, surgiu de uma necessidade de pensar a vida do homem como
princípio do pensar filosófico e a vida nunca é estática e acabada, há vários modos de viver
assim como há vários pontos de vista e todos eles, se fiéis ao que vêem, são verdadeiros
Entendo com Ortega que sem a consciência vital e histórica e sem a colaboração mútua das
várias perspectivas. “Yo só yo y mi circunstância”, o “yo”, segundo Ortega, jamais pode ser
34
definido como uma realidade ontológica independente. Não se pode conceber o eu sem o
mundo simultaneamente. Essa é a luta de Ortega contra o idealismo.
O agir humano só é sincero quando tem consciência clara se seu lugar no mundo e de
suas possibilidades vitais, nas palavras de Ortega:

Tanto vale dizer que vivemos como dizer que nos encontramos em um ambiente de
possibilidades determinadas. A este âmbito chama-se “as circunstâncias”. […] Porque este é
o sentido originário da ideia de “mundo”. Mundo é o repertório de nossas possibilidades
vitais. Não é, pois, algo a parte ou alheio a nossa vida, senão que é sua autêntica periferia.
Representa o que podemos ser, portanto, nossa potencialidade vital. Esta tem que concentrar-
se para realizar-se, ou, dito de outra maneira, chegamos a ser só uma parte mínima do que
podemos ser. Daqui que nos parece o mundo uma coisa tão enorme, e nós, dentro dele, uma
coisa tão pequena. O mundo ou nossa possível vida é sempre mais que nosso efetivo destino.
(ORTEGA Y GASSET, José. Obras Completas v.04, 1951. p.163)

Ao negar a correlação da vida particular com a vida coletiva, o viver torna-se carente de
autenticidade, pois nega o real. A negação das circunstâncias reais faz da própria filosofia algo
pueril, as ações tornam-se inautênticas e o viver, mero acaso. Aprender com Ortega é
compreender que a vida carece de projeto apesar de ser sempre, drama. Nosso intuito com este
trabalho foi apresentar os pontos julgados centrais na filosofia de Ortega, e esperamos que os
comentários aqui feitos sirvam como um convite à filosofia espanhola, tão pouco trabalhada
em nossas universidades. Acreditamos também que tratar sobre o perspectivismo: a verdade do
ponto de vista tema tão caro ao Ortega, sirva para pensarmos o momento histórico que estamos
vivendo, onde tudo é visto por uma visão dualista e os debates, até os ditos filosóficos, se
resumem a tomar partido. O que é óbvio para o filósofo espanhol é que os grandes sistemas
filosóficos do passado apesar da pretensão, não conseguem dizer a verdade de forma perfeita e
cabal, o que nos obriga a revisar sempre a história da filosofia, sempre nos voltar para o
passado antes de ir para o futuro, somos obrigados a sempre revisar as teorias do passado antes
de criar novas. Assim sendo, não existe visão acabada sobre algo. Sempre há algo para
acrescentar e sempre há uma forma nova de ver algo do passado, embora com seus erros. Diz
Ortega que os grandes sistemas filosóficos não estão esgotados, e devem ser revisados.
Aprendemos, e muito, com os erros do passado.
Ao tratar da vida como ponto fundamental da investigação filosófica, decidiu-se por
manter o foco em determinadas obras, embora não foi descartado o uso de inúmeros escritos do
autor estudado. Assim sendo, obras como Meditaciones del Quixote, El Espectador e El Tiema
del Nuestro Tiempo tiveram aqui total importância, embora não importância única. O objetivo

35
central deste trabalho é mostrar como a vida tornou-se o problema de nosso tempo, numa
superação do idealismo e do realismo, a partir de Ortega. Através de sua filosofia, buscamos
trazer luz à pergunta fundamental: o que é a vida? É essa a pretensão da razão vital, propor uma
resposta a essa pergunta que seja livre das amarras da tradição, embora incorporando-se a ela.
Para Ortega, o que diferencia o homem do animal não é a racionalidade ou inteligência, e sim a
memória. Ao contrário da maioria dos animais, o homem lembra-se do que fez no dia anterior,
recebe o legado do homem de ontem, seus erros e acertos, os absorve e os repassa para o
homem de amanhã, um tigre é sempre o mesmo tigre, pois a cada dia tem de começar de novo.

7. Conclusão

Nosso intuito foi mostrar que o ser humano precisa filosofar. A filosofia é uma função
de sua vida e consiste em tentar conhecer o todo em seu conjunto. Ou seja, a finalidade do
pensar filosófico é averiguar o universo e tudo quanto há, desde o ponto de vista da vida
humana. O pensar sobre aquilo que lhe é dado, sobre as perspectivas insuficientes e
fragmentadas. Voltar-se às coisas com sinceridade e necessidade radical de náufrago. Filosofar
é, segundo aqui exposto, abordar assuntos sobre a existência e a realidade e sobre a capacidade
humana de compreendê-la. Uma reflexão sincera sobre o eu e o mundo. Ao viver o homem se
encontra de modo inevitável, limitado por suas circunstâncias. Encontra-se fatalmente no
mundo, porém esse mundo não é algo abstrato e universal, mas uma realidade concreta e
particular em que se depara com seus próprios problemas e é forçado a agir. Quando o ser
humano nasce, obviamente as suas possibilidades vitais são numerosas, à medida que a vida
passa e a velhice chega, as oportunidades de escolha se limitam cada vez mais, viver é poder e
fazer tais escolhas e de certa forma, seguir sua vocação. O mundo, portanto, não é algo sem
relação com o Eu, mas é seu quintal, digamos assim, aquilo que podemos vir a ser, nossa
potencialidade vital que tem de ser concretizada, atualizada, porém ao pegar um rumo na vida
deixamos de pegar outros, logo, chegamos a ser só uma parte ínfima do que podemos ser.
Sendo assim, nos assustamos diante do mundo e sua enorme potência de ações, por isso, o
viver é sempre problema.
Em suas obras – e aqui procuramos expor – Ortega se ocupa em afirmar a vida como
realidade radical. Sua concepção busca uma superação da noção ontológica tradicional, seja
uma visão realista ou idealista/racionalista, que define o ser como algo acabado. Em Ortega,
esta visão cede espaço a uma “definição” atuante, ou seja, o homem define-se sempre, seu ser
consiste em uma interação com o mundo e essa interação sempre é devir. Um devir atuante que
toma consciência de sua condição no universo, que sabe o que lhe ocorre e esforça-se para
36
encontrar-se em sua vida, um eu que a partir de seu lugar no mundo aspira elevar-se e
transforma sua época ainda que mude apenas seu viver, eis a vida autêntica. Para concluir, cito
Ortega:
E há em mim uma substancial, cósmica aspiração a erguer-me da fera como de um leito de
sangue. Não me obrigueis a ser só espanhol se espanhol só significa para vós homem da
costa reverberante. Não enfieis guerras civis em minhas entranhas; não aguceis o ibero que
vai em mim com suas ásperas, desgrenhadas paixões contra o loiro germano, meditativo e
sentimental, que ofega na zona crepuscular de minha alma. Aspiro a pôr a paz entre meus
homens interiores e os empurro à colaboração (ORTEGA Y GASSET, José. Meditações do
Quixote.1 edição. CEDET, 2019. p. 89).

37
BIBLIOGRAFIA

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