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Espinosa e Leibniz

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Apresentação

Fonte: http://bit.ly/2IVauie

O problema metafísico de afirmação de existência de dois tipos de substância por Descartes reside na
dificuldade de explicar sua inter-relação. Os racionalistas procuraram responder a esse problema, e
Espinosa o responde por meio do significado originário do conceito de substância. Sua aproximação com
o panteísmo acabou por lhe colocar em uma situação de ostracismo social dentro de sua comunidade.

Em Leibniz, a questão da substância continua a ser a questão central dentro do pensamento do


racionalista. Sua resposta às indagações iniciadas por Descartes e continuadas por Espinosa irá a uma
direção inusitada e que gerará inúmeros reflexos para diversas áreas do conhecimento (lógica,
linguagem, matemática, física, teologia etc.): a infinitude de substâncias no universo. As duas ideias serão
o tema desta aula.

Bons estudos!

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Conteúdo
Descartes

Resumo Biográfico

Bento (Baruch) Espinosa nasceu em 1632 em Amsterdã, na Holanda, de uma


família de judeus portugueses que lá encontrou refúgio da perseguição religiosa
que sofreram na Península Ibérica. Estudou na escola judaica e preparou-se
para o rabinato, mas suas ideias independentes levaram finalmente à sua
excomunhão em 1656. Expulso da comunidade judaica, leva uma vida
independente, aprofundando seus estudos de filosofia – em especial da filosofia
cartesiana, que tem um grande impacto sobre ele – e do humanismo clássico.
Publica em vida apenas duas obras, os Princípios da filosofia cartesiana, em
1660, que é uma exposição das ideias de Descartes e, anonimamente, o Tratado
teológico-político, em 1665 – obra audaciosa, provocadora de tamanha polêmica que levou Espinosa a desistir de
publicar sua obra máxima, a Ética. Essa última só veio a ser publicada em 1677, pouco depois da morte de
Espinosa, ocorrida no mesmo ano.

Tal como para Descartes, para Espinosa um dos impulsos por trás do esforço filosófico é o desejo de alcançar a certeza,
marca do conhecimento verdadeiro. Para Espinosa, só podemos alegar possuir conhecimento na medida em que
alcançamos a certeza absoluta. E o paradigma da certeza absoluta é a necessidade lógica: só proposições logicamente
necessárias são absolutamente certas. Assim, também para Espinosa, como para Descartes, o modelo matemático, com
sua clareza e precisão, com o tipo de necessidade que implica, impõe-se como paradigma para a condução também do
pensamento filosófico. Não por acaso, sua Ética é toda ela organizada sob a forma de demonstrações (é "demonstrada à
maneira dos geômetras", como diz o subtítulo), com axiomas, definições, demonstrações e corolários .

Monismo Panteísta
O sistema montado por Espinosa é um dos mais grandiosos e complexos da história
da filosofia. Nossa intenção aqui não pode se expor nem mesmo às linhas gerais
desse sistema. Vamos nos restringir a um aspecto, com o intuito exclusivo de destacar
o desenvolvimento da posição racionalista ao longo do século XVII.

Tal como Descartes, Espinosa estava convencido de que a certeza, ou seja, o


verdadeiro conhecimento, só pode ser assegurado se assentarmos a ciência sobre
bases metafísicas sólidas. Todo o nosso conhecimento está interligado, à maneira de
proposições lógicas ou matemáticas em uma demonstração, de modo que podemos
reconstruí-lo com segurança partindo de premissas seguras e aplicando corretamente
as regras da demonstração. No entanto, Espinosa não se compromete com um procedimento metodológico como o
imaginado por Descartes em sua dúvida metódica. Em última análise, Espinosa recusa o privilégio que Descartes atribui à
perspectiva da primeira pessoa. Ao contrário de Descartes, Espinosa não se vale da introspecção e considera
simplesmente como axiomas as verdades que usa como ponto de partida.

Ora, uma das dificuldades da filosofia cartesiana, o dualismo mente-corpo, está, em alguma medida, associado ao
procedimento da dúvida metódica. Pela própria forma como a dúvida procede (colocando "entre parênteses" todas as
nossas crenças, mesmo as mais naturais) e pela conclusão a que ela chega (o cogito como expressão da primeira
certeza), a separação entre mente e corpo impõe-se. A rejeição desse procedimento, por parte de Espinosa, já abre uma
perspectiva para a superação do dualismo.

Mas a discussão importante levantada por Espinosa não se refere ao método cartesiano: gira, na verdade, em torno da
noção fundamental de substância. Tradicionalmente, substância é aquilo que subsiste por si mesmo, aquilo que não tem
necessidade de outra coisa para subsistir. Nesse sentido, contrapõe-se às propriedades ou qualidades que dependem de
um "substrato" – de uma substância – que seja uma espécie de "suporte". Essa noção entrou para a metafísica, como
noção central, com Aristóteles (lembre-se de que uma das definições que Aristóteles dava da filosofia primeira – da
metafísica – era a de ciência que se ocupava da substância).

Como vimos, Descartes aceitava a definição tradicional de substância como algo que subsiste por si mesmo e
acrescentava que, já que concebe clara e distintamente que a mente, cujo atributo essencial é o pensamento, pode
subsistir sem o corpo, cujo atributo essencial é a extensão, então há duas substâncias.

Mas dizer que algo depende apenas de si mesmo para existir significa dizer que é causa de si mesmo. Ninguém
contestava a ideia de que tudo o que existe, existe por uma causa. Ora, a relação entre a causa e seu efeito é uma
relação de dependência: o efeito depende da causa para existir. Logo, se uma substância depende apenas de si mesma
para existir, deve ser causa de si mesma.

Agora, na tradição judaico-cristã, apenas um ente pode ser pensado como causa de si mesmo: Deus. Isso leva Espinosa
a identificar a noção de substância com a noção de Deus e afirmar, enfim, que há apenas uma substância, e não duas,
como queria Descartes. Ou seja, o próprio conceito de substância implica o monismo, não o dualismo.

Para Descartes, tudo o que existe são modificações de uma das duas substâncias, mente ou espírito e corpo ou matéria.
No domínio do espírito, temos modificações do atributo essencial da mente, que é o pensamento. Temos, assim, inúmeras
formas de pensamento, todas elas modificações desse atributo. Da mesma forma, no domínio da matéria, temos
modificações do atributo essencial da matéria, que é a extensão. Temos, assim, inúmeros corpos, cada um deles
modificações do atributo "extensão".

Para Espinosa, essa maneira de pensar é fundamentalmente equivocada, dada a noção mesma de substância. Como só
pode haver uma substância, tudo deve ser considerado como modificação dessa substância única – ou seja, de Deus.
Deus e o mundo ou a natureza acabam se confundindo: tudo é (modificação de) Deus (da substância). "Tudo o que
existe, existe em Deus, e sem Deus nada pode existir nem ser concebido", diz a Proposição XV da primeira parte
da Ética, que trata justamente de Deus (ESPINOSA, 1983, p. 89).

Note, no entanto, que este "Deus" de que fala Espinosa é muito diferente do Deus pessoal, criador de todas as coisas,
das religiões monoteístas e, mesmo, do Deus dos filósofos (seja Aristóteles e sua causa primeira, seja de Descartes).
Esse Deus espinosano se confunde com a natureza: algumas vezes Espinosa usa, explicitamente, a expressão "Deus ou
a natureza" para significar essa identidade. Ou seja, Deus, para Espinosa, não é uma causa externa do mundo. Ao ser
causa de si mesmo, é causa também das coisas. Deus não é também a causa final do mundo, como na metafísica
aristotélica: é sua causa eficiente, embora isso não possa mais ser entendido nos termos tradicionais da criação (a
natureza não é uma criação extrínseca de Deus, um produto de sua potência: é o próprio Deus que se autoproduziu).

Se vamos considerar a substância única como Deus ou como natureza, portanto, depende apenas da maneira, do ponto
de vista em que nos colocamos para nos referir a ela. Espinosa mantém, da noção tradicional de Deus, a ideia de
infinitude: "Por Deus entendo o ente absolutamente infinito, isto é, uma substância que consta de infinitos atributos, cada
um dos quais exprime uma essência eterna e infinita", diz a Definição VI da primeira parte da Ética (ESPINOSA, 1983, p.
76). "Atributos", segundo o uso de Descartes que Espinosa segue, são propriedades da substância. Para Descartes, cada
uma das duas substâncias – mente e corpo – possui um atributo essencial – pensamento e extensão, respectivamente.
Para Espinosa, há apenas uma substância, com infinitos atributos. Mas, para a mente humana finita, apenas dois deles se
manifestam: pensamento e extensão. Esses dois atributos, portanto, são propriedades da mesma substância. A mesma
substância pode ser vista como extensão ou como pensamento: depende do ponto de vista em que nos colocamos.
Podemos ver a substância como Deus – como espírito ou pensamento – ou como natureza – como extensão –, mas
estamos, na verdade, vendo a mesma coisa. Isso também leva a uma conclusão que contraria frontalmente a ideia
tradicional de Deus: Deus é, entre outras coisas, extenso, ou seja, pode ser pensado da mesma forma como pensamos
os corpos físicos. "O pensamento é um atributo de Deus; por outras palavras, Deus é uma coisa pensante", diz a
Proposição I da segunda parte da Ética (ESPINOSA, 1983, p. 136) – complementada, logo em seguida, pela Proposição
II: "A extensão é um atributo de Deus; por outras palavras, Deus é uma coisa extensa" (ibid., p. 137).

Essa maneira de entender os atributos da extensão e do pensamento supera o problema posto pelo dualismo cartesiano,
ou seja, o problema de explicar como corpo e mente ou espírito interagem. Da mesma forma como Deus ou natureza são
idênticos, corpo e alma também são a mesma coisa, considerada sob perspectivas diferentes – considerada sob o
aspecto do atributo "extensão" ou do atributo "pensamento".

Espinosa, de certa forma, levou o racionalismo cartesiano a suas últimas


consequências, radicalizando-o. Suas ideias e argumentos, nem sempre de fácil
compreensão, provocaram tal escândalo, que Espinosa tornou-se, durante muito
tempo, uma espécie de filósofo maldito. Sua concepção da identidade entre Deus e
natureza (o que às vezes é caracterizado como panteísmo) foi denunciada como
ateísmo e como levando em direção ao materialismo – e, de fato, inúmeras
interpretações da filosofia de Espinosa, sobretudo no século XVIII, tentavam
justamente tirar conclusões ateístas e materialistas de sua filosofia. No entanto, e dado
justamente o fato de que Espinosa tornou-se um autor maldito (o acesso às suas obras
era difícil, muitas vezes clandestino; as próprias edições, muitas vezes "piratas", não eram sempre confiáveis), só no final
do século XVIII, no período do chamado idealismo alemão (sobre o qual voltaremos), sua filosofia seria melhor
compreendida e avaliada, tornando-se uma influência fecunda para alguns dos principais filósofos da época.

Para Refletir

Discuta a noção de "substância" em Espinosa, destacando o raciocínio que o leva a afirmar que só pode haver
uma única substância.
Explique a identidade entre "Deus" e "Natureza" na filosofia espinosana, a partir do artigo de Rochelle
D'Abreu.

Leibniz

Resumo Biográfico

Gottfried Wilhelm von Leibniz é uma das figuras mais fascinantes da história da
filosofia. Viveu uma vida relativamente longa para os padrões da época (nasceu em
1646, em Leipzig, quatro anos antes da morte de Descartes, e morreu em 1716, em
Hanover, oito anos antes do nascimento de Kant, cobrindo praticamente todo o
período mais fértil da filosofia moderna e o mais ativo, tanto intelectual quanto social e
politicamente. Leibniz foi um "homem universal": grande matemático, divide com Isaac
Newton o título de inventor do cálculo; na física, contribuiu com o conceito de energia
cinética; manteve uma correspondência ativa com os maiores intelectuais de sua
época, discutindo assuntos filosóficos e científicos; desenvolveu o projeto de criação
de uma lógica simbólica que antecipou algumas ideias-chave da lógica moderna, que
só seriam plenamente desdobradas dois séculos mais tarde; teve uma atuação
política importante, defendendo, por exemplo, a ideia de uma Europa unificada; e criou um dos sistemas metafísicos
mais originais da história da filosofia, tão marcante que baseou o currículo filosófico nas universidades alemãs por
quase um século. Essa variedade de interesses, no entanto, teve um preço: Leibniz, ele próprio, pouco publicou
durante sua vida e nunca aprofundou suficientemente suas ideias. Até hoje, uma parte de seus escritos continua
inédita.

Leibniz compartilhava com Descartes e com Espinosa (com quem chegou a se corresponder) uma série de crenças
básicas. Como os dois outros, admirava o rigor e a clareza da matemática e tomava o modelo dedutivo como paradigma
para a filosofia. Também estava convencido de que a ciência, para se sustentar, precisava estar apoiada em uma sólida
base metafísica, que cabe ao filósofo formular. A mesma mistura de preocupação epistemológica (a preocupação com o
conhecimento certo e seguro) com especulação metafísica, que encontramos em Descartes e Espinosa, está presente na
filosofia leibniziana.

Vamos nos limitar, aqui também, a destacar um tema presente na filosofia de Leibniz, com a intenção de ressaltar as
continuidades e descontinuidades da tradição racionalista no pensamento moderno. Mais uma vez, daremos destaque às
questões que surgem em torno da noção metafísica fundamental de substância.

As Mônadas
Para os racionalistas, pôr a ciência sobre alicerces seguros significa escorá-la sobre uma
metafísica que dê uma descrição e uma explicação adequada da estrutura da realidade.
Nessa descrição e nessa explicação, o conceito de substância tem um papel de destaque.
Você viu como a argumentação desenvolvida por Descartes acaba levando-o a defender
uma posição dualista: a realidade é, em última análise, dual; de um lado, temos a
substância pensante – mente ou espírito –, de outro, temos a substância extensa – corpo ou
matéria. A forma como essas duas substâncias interagem ou agem mutuamente uma sobre
a outra é um tanto misteriosa, dada a própria noção de substância que é defendida por
Descartes. Espinosa, sem abandonar a noção de substância, responde às dificuldades do
dualismo cartesiano mostrando que, se levarmos a sério essa noção, temos de afirmar, em
última instância, que há apenas uma substância. Espinosa supera os problemas postos pelo
dualismo afirmando uma posição radicalmente monista.

Essa posição espinosista, no entanto, levanta uma série de outros problemas. A metafísica espinosista, por exemplo,
torna difícil pensar os indivíduos: todas as coisas são apenas modificações da substância única (Deus ou Natureza,
dependendo do atributo que estamos considerando), ou seja, as coisas individuais são apenas modos ou propriedades da
substância.

Em certo sentido, a filosofia leibniziana pode ser entendida justamente como uma tentativa de pensar o indivíduo (ou de
desenvolver o conceito de substância individual). Sem retornar ao dualismo cartesiano e recusando o monismo
espinosano, Leibniz vai propor uma metafísica fundamentalmente pluralista: nem duas nem uma substância, mas uma
pluralidade infinita de substâncias.

Todo ente, vai dizer Leibniz, é composto ou simples. A substância, ou seja, o substrato último da realidade, é simples: é
aquilo de que tudo o mais é composto. Se ela é simples, então não pode ter partes. Ora, se não pode ter partes, não pode
ser dividida – e se não pode ser dividida não pode ser extensa (ou seja, não pode ter propriedades espaciais), pois o
espaço é, por natureza, divisível. Portanto, esses componentes últimos da realidade – as substâncias – não podem ser
pensados à maneira dos átomos dos filósofos atomistas, depois apropriados pela teoria física: são mais adequadamente
pensados como substâncias espirituais. Leibniz vai chamar essas substâncias de mônadas.

Note que uma mônada não é algo que podemos, um dia, descobrir empiricamente. Não é, repetimos, como um átomo,
uma partícula material que pode, em alguma medida, ser empiricamente estudado. A existência das mônadas é afirmada
por Leibniz como uma necessidade lógica, descoberta pela pura razão, necessidade que decorre, antes de mais nada, do
reconhecimento de que existem coisas compostas. Se há compostos, há elementos simples que os compõem.

Muito do que Leibniz diz sobre as mônadas decorre logicamente do fato de que são substâncias simples. Se são simples,
como vimos, não podem ter partes e, portanto, não são extensas. Se não têm partes, são indestrutíveis porque, diz
Leibniz, a destruição envolve separação das partes (Leibniz vai dizer que as mônadas só podem ser criadas ou
aniquiladas por "milagre", ou seja, por uma intervenção direta de Deus; naturalmente, coisas compostas podem ser
criadas ou destruídas natural ou artificialmente, mas as mônadas, por sua simplicidade, não o podem). Da mesma forma,
não podem ser afetadas pela ação de outra coisa, já que, segundo Leibniz, ser afetado implica, em alguma medida, ter
suas partes modificadas ou alteradas. Em uma frase famosa, Leibniz afirma que as mônadas "não têm janelas pelas
quais alguma coisa pode entrar ou sair". São perfeitamente autocontidas, não interagindo de forma alguma com outras
mônadas. Cada mônada é como um mundo fechado em si mesmo.

Essa ideia de que as mônadas são como mundos fechados parece estranha: afinal, percebemos que as coisas na
natureza interagem, agem e reagem. Essa é uma questão complexa, mas Leibniz oferece algumas possibilidades para
pensarmos como essa interação é possível, sem abrirmos mão da ideia de que as mônadas "não têm janelas".

Uma das ideias é a de que as mônadas já contêm em si todo o seu desenvolvimento, todas as suas variações. As
mudanças que ocorrem nas mônadas e nas suas combinações não respondem a nada externo, mas a um princípio
interno a cada uma delas. Cada mônada é como um sujeito que tem em si todos os seus predicados – passados,
presentes e futuros. É isso, aliás, que individualiza radicalmente cada uma das inúmeras substâncias individuais: não há
duas mônadas absolutamente idênticas.

Outra ideia é a da harmonia pré-estabelecida. Embora cada mônada contenha em si mesma todas as suas variações,
passadas, presentes e futuras, elas não formam simplesmente um aglomerado caótico: elas variam de forma harmônica,
de acordo com uma lei ou harmonia pré-estabelecida por Deus no momento da criação. Embora nenhuma mônada exerça
ação sobre outra, elas funcionam em perfeita sincronia, graças a essa harmonia pré-estabelecida por Deus.

Como dissemos, a ideia de que as mônadas são como mundos fechados e autocontidos implica a conclusão de que
devem conter em si mesmas todas as suas variações sucessivas – e isso, sugerimos, nos leva a considerar cada mônada
como algo absoluto e radicalmente individual. Não há duas mônadas iguais no universo: a ideia de substância individual
é, assim, levada ao seu máximo. Essa ideia se liga a dois princípios de fundamental importância para a metafísica
leibniziana.

Os Princípios de Identidade e da Razão Suficiente


O primeiro é o chamado princípio da identidade dos indiscerníveis: se uma coisa tem
todas as suas propriedades em comum com outra, então as duas são uma e a mesma
coisa. Ou, inversamente, se duas coisas não são idênticas, então deve haver alguma
diferença entre elas. Assim exposto, esse é um princípio formal, mas que tem um
alcance importante em conexão com o outro princípio a que nos referiremos, o
princípio da razão suficiente – esse, o grande princípio fundamental da filosofia
leibniziana.

O princípio da razão suficiente diz que nada existe sem que haja uma razão suficiente
para que seja assim como é, e não de outra forma. Assumindo que existe uma ordem
harmônica pré-estabelecida por Deus, em que cada coisa tem um lugar determinado, se houvesse duas coisas
absolutamente idênticas, Deus não teria razão suficiente para pôr uma em um lugar da série ordenada e a outra em outro
lugar, o que contrariaria o princípio da razão suficiente. Logo, duas mônadas idênticas seriam, de fato, uma e a mesma
mônada, ocupando exatamente o mesmo ponto na ordem do mundo.

Isso, por sua vez, se liga a outra tese importante da filosofia leibniziana, a que já aludimos de passagem mais acima,
quando nos referimos à ideia de que cada mônada é como um sujeito que tem em si todos os seus predicados: a tese de
que a cada substância individual ou mônada corresponde uma "noção completa", que é dada pela lista completa de suas
predicações. Essa noção completa corresponderia à concepção, na mente divina, da mônada: quando decide criar uma
determinada substância individual, Deus tem, em sua mente, uma noção completa que a descreve inteiramente e a
distingue de todas as demais. Essa noção completa, que individualiza cada mônada, exprime a razão suficiente que Deus
tem para criá-la.

Esse conjunto de teses reflete-se ainda na compreensão das noções de necessidade e contingência. Leibniz distingue o
que chama de "verdades de razão" das "verdades de fato". As "verdades de razão" são proposições necessárias: o
contrário delas é impossível ou implica contradição; sua verdade, efetivamente, fundamenta-se no princípio da
contradição (que diz que o que envolve contradição é falso e o que é oposto ao falso é necessariamente verdadeiro). Um
exemplo de verdade de razão é a afirmação "a soma dos ângulos internos de um triângulo é igual a 180º": dados os
conceitos de "triângulo", "ângulo" e "soma", é impossível afirmar qualquer outra relação entre eles que não a afirmada
naquela proposição.

Por sua vez, "verdades de fato" não são proposições necessárias, no sentido de que o seu contrário pode ser afirmado (o
seu contrário é possível). Um exemplo de verdade de fato é a proposição "estou agora sentado, escrevendo em meu
computador". Essa proposição, embora verdadeira, não é necessária: é, ao contrário, contingente. Seu contrário ("eu não
estou agora sentado, escrevendo em meu computador") é igualmente possível.

Agora, para que a primeira proposição ("estou sentado...") e não a segunda ("não estou sentado...") seja verdadeira, é
preciso uma razão suficiente. As verdades de fato, portanto, fundamentam-se no princípio de razão suficiente. Mas aí
surge uma questão interessante: se há uma razão suficiente para que, neste momento, seja (factualmente) verdadeiro
que "eu estou sentado, escrevendo em meu computador", isso quer dizer que, na "noção completa" de mim mesmo (ou
seja, na concepção de mim mesmo, que está na mente de Deus desde o momento em que criou a ordem harmônica do
universo), já estava desde sempre incluso que, neste momento, eu estaria sentado, escrevendo em meu computador. Ou
seja, dessa perspectiva, a contingência que associamos às verdades de fato parece que fica problematizada, assim como
a própria distinção entre necessidade e contingência.

Esse é um problema complexo, com diversos desdobramentos na filosofia leibniziana (passando, inclusive, por sua
célebre Teodiceia, além de ter reflexos óbvios na discussão a respeito do livre-arbítrio ou da liberdade da vontade) e na
filosofia posterior. Para Leibniz, em suma, a diferença entre necessidade e contingência pode ser comparada à diferença
entre a mente infinita de Deus, capaz de conceber a "noção completa" de cada substância individual, e a mente humana
finita.

Enfim, é preciso lembrar que Leibniz não se limita a desenvolver uma teoria da substância individual ou das mônadas,
embora não tenhamos abordado outros tópicos aqui nesta exposição. Também se ocupa dos agregados de mônadas e da
questão da aparência das mônadas; ou seja, da questão da aparente incompatibilidade entre a forma como a realidade é
estruturalmente constituída – que é por mônadas inextensas, ativas e perfeitamente autocontidas, concebidas como
substâncias espirituais – e a forma como percebemos a realidade, como constituída de objetos extensos, passivos e que
interagem uns com os outros.

Para Refletir

Em que sentido a monadologia de Leibniz poderia ser descrita como um individualismo radical?
Explique as noções de necessidade e contingência em Leibniz.

Finalizando...

Apesar das dificuldades de divulgação as quais foi submetido, o pensamento de Espinosa gerou
polêmica e incitou ideias, contrárias ou amigáveis, que influenciaram o pensamento racionalista.

Tal como Espinosa, Leibniz estende e leva às últimas consequências alguns aspectos do
racionalismo cartesiano que estavam implícitos ou não completamente desenvolvidos na filosofia
de Descartes, em especial as questões relacionadas às noções de necessidade e contingência.

A contraposição às posições racionalistas será principalmente desenvolvida dentro da tradição


empirista britânica, que veremos ao longo das próximas aulas.

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Na Prática

"Prezado(a) estudante,

Esta seção é composta por atividades que objetivam consolidar a sua aprendizagem quanto aos conteúdos
estudados e discutidos. Caso alguma dessas atividades seja avaliativa, seu (sua) professor (a) indicará
no Plano de Ensino e lhe orientará quanto aos critérios e formas de apresentação e de envio."

Bom Trabalho!

Atividade 01

Leia o capítulo II do livro Espinosa e Filosofia Prática , de Gilles Deleuze, e em seu caderno, faça o que se pede:

Discorra sobre o possível materialismo de Espinosa e sua crítica à consciência.


Disserte acerca da subversão de valores que a filosofia espinosana empreende.
Posicione-se com relação à tese de Deleuze de Espinosa como filósofo ateísta.

Atividade 02

Analise os tópicos abaixo e registre as respostas em seu caderno.

Analise a seguinte afirmação: para Leibniz, todas as proposições verdadeiras são necessariamente verdadeiras.
Faça uma pesquisa sobre a Teodiceia leibniziana, buscando entender a relação entre a tese que Leibniz defende
nessa obra e o princípio da razão suficiente.
Há, na teoria econômica clássica (que deriva da obra A riqueza das nações, do filósofo Adam Smith, escrita ao fim do
século XVIII), uma ideia que diz que o "mercado" se autorregula, como se fosse dirigido por uma "mão invisível". Ou
seja, indivíduos agindo independentemente, cada um buscando realizar seus próprios fins econômicos sem um plano
comum, acabam produzindo ordem, e não caos (o próprio mercado ajusta os preços, regulando, assim, a oferta e a
demanda). Escreva um texto comparando essa ideia com a noção de uma "harmonia pré-estabelecida" entre as
mônadas, na metafísica leibniziana.

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Saiba Mais

Para ampliar o seu conhecimento a respeito do conteúdo trabalhado nesta aula, veja abaixo algumas sugestões de
leitura:

Leia o texto "Espinosa como uma possível inspiração para uma Filosofia Ambiental ", de Rochelle Cysne
D'Abreu, para conhecer mais sobre as relações entre Deus e Natureza em Espinosa.

Leia ainda o artigo "Amor intelectual a Deus em Espinosa ", da mesma autora, para conhecer mais sobre as
relações entre Deus e homem em Espinosa.

Discurso de metafísica e outros textos , de Leibniz (2004).

História de la Filosofía, de Fredrick Copleston (2004), vol. IV, caps. XV a XVIII.

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