Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
ROCK
de
Simon Stephens
William Carlisle
Lilly Cahill
1
Bennett Francis
Cissy Franks
Nicole Chatman
Tanya Gleason
Charlie Meade
2
CENA 1
WILLIAM:
LILLY:
Na semana passada.
WILLIAM:
LILLY:
Heaton Moor.
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
3
Que número é a tua casa?
LILLY:
23.
4
23. Sim. As casas dessa rua são das mais antigas em Stockport, sabias?
LILLY:
Não.
WILLIAM:
São antigas casas de industriais do século XIX. Algumas das lojas na Heaton
Moor Road são ainda mais antigas. Praticamente medievais. É muito diferente,
isto aqui?
LILLY:
É um bocadinho.
WILLIAM:
Já estás instalada?
LILLY:
Não sei.
WILLIAM:
Teres que te adaptar a uma cidade nova num espaço de tempo tão curto, deve
desorientar um bocado, não?
LILLY:
Não custa assim tanto. Estou habituada a mudar de um lado para o outro.
WILLIAM:
Porquê?
LILLY:
O meu pai trabalhou em quatro universidades diferentes nos últimos doze anos.
Acabei por ficar imune.
WILLIAM:
5
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
Ah queres?
WILLIAM:
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
Que meio de transporte é que usaste? Para chegar a Stockport, quer dizer.
Não à escola. Mas podes-me dizer que meio de transporte é que usaste para
chegar à escola se preferires.
LILLY:
Viemos de carro.
6
Com tudo enfiado no carro ou contrataram uma empresa de mudanças?
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
Obrigada.
WILLIAM:
LILLY:
Não.
WILLIAM:
É falso?
LILLY:
Exatamente.
WILLIAM:
Que alívio.
LILLY:
Pois.
WILLIAM:
LILLY:
7
WILLIAM:
Não sou.
WILLIAM:
LILLY:
Na minha também.
WILLIAM:
LILLY:
Olá William.
WILLIAM:
Ando aqui há cinco anos. Conheço este sítio de trás para a frente. Os cantinhos
todos e tal, por isso se quiseres ajuda para alguma coisa.
LILLY:
Óptimo.
WILLIAM:
Conheço partes desta escola que as outras pessoas nem sequer sabem que
existem. Há corredores secretos. Armários de livros abandonados. Caves.
Sótãos. Todo o tipo de coisas. Queres descobrir? Basta perguntares-me. Esta
é a biblioteca do secundário. Não é demais?
LILLY: É.
Está toda ela hermeticamente selada do resto da escola. Eles dizem que é para
manter os do básico afastados. Eu acho que é para nos manterem a nós
controlados. Olha lá para fora.
8
LILLY:
Para onde?
WILLIAM:
LILLY:
Não.
WILLIAM:
Tens que falar com o Edwards. O Edwards é porreiro. O nariz dele tem uma
forma um bocadinho esquisita, coisa em que eu nunca confiei. Posso falar com
ele se quiseres. Sabes onde é que se come?
LILLY:
WILLIAM:
Não. Não faças isso. Ninguém vai lá. Vais morrer muito depressa se começares
a almoçar lá.
(Ela sorri.)
9
WILLIAM:
BENNETT:
CISSY:
BENNETT:
Ah pois.
CISSY:
Não doeu?
BENNETT:
Brutalmente.
CISSY:
BENNETT:
Claro que não levei na tromba. Ele gosta demasiado de mim. Como é que foi o
resto da tua noite?
CISSY: Lá
se passou
BENNETT:
10
CISSY:
BENNETT:
Sim.
BENNETT:
WILLIAM:
BENNETT:
Ah é?
WILLIAM:
É nova cá.
BENNETT:
Ah és?
WILLIAM:
CISSY:
Ah foi?
BENNETT:
LILLY:
11
WILLIAM:
WILLIAM:
BENNETT:
LILLY:
Olá Bennett.
BENNETT:
LILLY:
Ah sim?
BENNETT:
LILLY:
OK.
CISSY:
Eu sou a Cissy.
LILLY:
Olá.
WILLIAM:
LILLY:
Fixe.
CISSY:
12
É de Cambridge.
CISSY:
BENNETT:
WILLIAM:
Iá. Tens de acordar de manhã cedinho comá merda para a apanhar em falso.
(Um tempo.)
BENNETT:
LILLY:
BENNETT:
Fantástico.
CISSY:
LILLY:
BENNETT:
Quatro disciplinas?
WILLIAM:
CISSY:
13
WILLIAM:
Claramente.
LILLY:
E Estudos Gerais.
BENNETT:
WILLIAM:
Eu vou.
BENNETT:
WILLIAM:
LILLY:
Eu detestei.
CISSY:
Ainda bem.
LILLY:
Porquê?
CISSY:
WILLIAM:
Eu também.
CISSY:
14
Como estás tu, Cissy?
CISSY:
WILLIAM:
CISSY:
WILLIAM:
LILLY:
BENNETT:
WILLIAM:
O quê?
NICHOLAS:
LILLY:
CISSY:
15
WILLIAM:
BENNETT:
Dos meus livros de Inglês, dos meus livros de Francês, dos meus livros de
História. Tudo e tudo. O que é que tu viste?
NICHOLAS:
BENNETT:
Jesus.
CISSY:
BENNETT:
Mentir. Improvisar. Copiar o teu. Roubar o deles. Não vejo esse filme há anos
sem fim.
CISSY:
Eu nunca vi.
NICHOLAS:
LILLY:
Porquê?
NICHOLAS:
O quê?
LILLY:
16
WILLIAM:
NICHOLAS:
Ok.
BENNETT:
NICHOLAS:
CISSY:
Posso experimentá-lo?
NICHOLAS:
O quê?
CISSY:
BENNETT:
É Paul Smith?
NICHOLAS:
Moschino.
CISSY:
É lindo.
BENNETT:
17
WILLIAM:
LILLY:
CISSY:
NICHOLAS:
WILLIAM:
Com quem?
LILLY:
Harrison.
WILLIAM:
LILLY:
CISSY:
WILLIAM:
TANYA:
18
WILLIAM:
Tu és a Lilly?
19
:
LILLY
Exato.
TANYA:
Eu sou a Tanya.
LILLY:
Olá.
TANYA:
Tanya Gleason? A MacFarlane pediu-me para vir ter contigo. Ela não te disse?
LILLY:
TANYA:
Pensei que ias estar na sala comum. Como é que vieste ter aqui acima?
LILLY: Comecei
a andar
TANYA:
LILLY:
TANYA:
LILLY:
Desculpa.
TANYA:
20
:
LILLY
Ah foi?
TANYA:
LILLY:
TANYA:
Não faço ideia. Mandam-nos estas coisas. Acho que são todos um bocadinho
disfuncionais. Gosto do teu cabelo.
LILLY:
Do meu cabelo?
TANYA:
CISSY:
TANYA:
CISSY:
Quando?
TANYA:
Hoje de manhã.
21
CISSY:
Tu às vezes és muito desconexa, Tanya querida, tenho de te dizer.
TANYA:
Quando eles fazem fila. Se os empurrares. Caem em cima uns dos outros.
Como brinquedos.
CISSY:
TANYA:
Nós nunca fomos tão mal-educados. Eu tinha pavor dos do secundário. Ficava
literalmente gelada de medo. Costumava pensar que eles nos atiravam tijolos.
Que nos enfiavam a cabeça na sanita. Que nos pegavam fogo à gravata.
NICHOLAS:
BENNETT:
NICHOLAS:
Já começaste a estudar?
BENNETT:
NICHOLAS:
BENNETT:
TANYA:
22
CISSY:
BENNETT:
WILLIAM:
NICHOLAS:
Porque eu já comecei.
BENNETT:
NICHOLAS:
BENNETT:
Ai trata, trata.
NICHOLAS:
CISSY:
WILLIAM:
23
CISSY:
Matava-te literalmente?
BENNETT:
(Um tempo.)
CISSY:
BENNETT:
CISSY:
BENNETT:
CISSY:
TANYA:
BENNETT:
Alguém está?
TANYA:
24
CISSY:
NICHOLAS:
(Pausa.)
LILLY:
Obrigada.
NICHOLAS:
Gosto dos White Stripes. Acho que eles estão a melhorar. Há bandas que só
fazem merda quando continuam. Os White Stripes não. São mesmo bons,
fodase.
LILLY:
Eu também acho.
WILLIAM:
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
O Nicholas. Ele só tem dois álbuns dos White Stripes. Só comprou o “Elephant”
no período passado. Nem sequer ouviu o “White Blood Cells”. Ou ouviste?
NICHOLAS:
O quê?
WILLIAM:
25
CISSY:
26
NICHOLAS:
WILLIAM:
Vês.
BENNETT:
CHADWICK:
Quem?
BENNETT:
CHADWICK:
Não.
BENNETT:
WILLIAM:
CHADWICK:
Lilly?
WILLIAM:
Lilly Cahill. Veio para a nossa escola. Ela é de Cambridge. Lilly, esté é o
Chadwick Meade.
LILLY:
Olá.
27
CHADWICK:
Olá Lilly. Desculpa. Não estava à espera de uma rapariga nova. É um grande
prazer conhecer-te. Bem-vinda à escola. Espero que sejas muito feliz aqui.
LILLY:
Obrigada Chadwick.
CHADWICK:
LILLY:
Burwell.
CHADWICK:
LILLY:
Exacto.
CHADWICK:
LILLY:
Gostas?
CHADWICK:
Mais do que de Oxford. Não só pela beleza, mas acho que a Universidade é
melhor. O departamento de Matemáticas Aplicadas, de certeza. É a minha
especialidade. O meu herói trabalhou em St, Johns nos anos 20. Paul Dirac.
Alguma vez ouviste falar dele?
LILLY:
Não, lamento.
28
BENNETT:
CHADWICK:
LILLY:
Não o conheço.
CHADWICK:
Morreu em 1984.
WILLIAM:
Quase dez anos antes de ela ter nascido, Chadwick, não podes propiamente
culpá-la, pá.
LILLY:
CHADWICK:
TANYA:
Eu também não acreditei nele se isso te consola. Achei que ele o tinha
inventado.
BENNETT:
Ele inventou foi a cabeça dele. Quem é que te baptizou Chadwick, Chadwick?
Qual dos teus pais?
CHADWICK:
29
Eu não fui batizado. Os meus pais são ateus.
30
BENNETT:
CISSY:
BENNETT:
Espanta-me.
CHADWICK:
O quê?
BENNETT:
Espanta-me, Chadwick. Diz qualquer coisa espantosa. Diz qualquer coisa que
eu nunca teria sequer pensado que era possível.
CHADWICK:
BENNETT:
CHADWICK:
O quê?
BENNETT:
31
CHADWICK tira-a da boca. Olha para ela. Volta a pô-la lá dentro. Vai-se
embora.)
NICHOLAS:
CISSY:
A professora nova?
NICHOLAS:
BENNETT:
Claro que é professora, foda-se. O que é que ela é se não for professora?
Polícia sinaleira?
NICHOLAS:
É uma aluna.
BENNETT:
Sim.
NICHOLAS:
(Tempo.)
TANYA:
NICHOLAS:
Porque não? Ela é só uns seis meses mais velha do que eu, acho. Veio
connosco ver o “Macbeth”. Ficou sentada ao meu lado. Aquilo para ela tem
sido uma tortura, com o nono ano. Estava-me sempre a pedir conselhos.
32
BENNETT:
WILLIAM:
LILLY:
Não.
WILLIAM:
LILLY:
Não estou.
CISSY:
TANYA:
Iá.
CISSY:
WILLIAM:
Não é assim tão mau. Não ligues ao que ela diz. Às vezes é.
(Toca a campainha.)
CISSY:
BENNETT:
CISSY:
Matemática, duas.
BENNETT:
33
Tu tens sempre duas de matemática. Não tenho bem a certeza se isso te faz
bem.
CISSY:
TANYA:
Inglês.
CISSY:
TANYA:
BENNETT:
TANYA:
Hã?
BENNETT:
TANYA:
Vai-te foder.
Não estás?
TANYA:
34
BENNETT:
Tu disseste-lhe isso?
CISSY:
BENNETT:
TANYA:
(TANYA vai dizer qualquer coisa. Quase começa a chorar. Não diz nada.
Vaise embora.)
CISSY:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
Exactamente.
WILLIAM:
35
É isso.
LILLY:
Pronto.
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
De certeza?
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
36
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
BENNETT:
WILLIAM:
LILLY:
Até logo.
NICHOLAS:
Tchau.
37
BENNETT:
WILLIAM:
Diz.
BENNETT:
WILLIAM:
BENNETT:
Já tiveste?
WILLIAM:
BENNETT:
WILLIAM:
BENNETT:
Estás um bocado apanhadito pá, não estás? Ela vai-te despedaçar o coração,
William.
WILLIAM:
38
BENNETT:
Não.
(Fim da cena.)
CENA 2
LILLY:
Sabes no que é que eu reparei em ti? Estás sempre muito quieto. Ficas muito
quieto a maior parte do tempo. Mexes a cabeça muito devagar. Gosto disso.
Também gosto do teu cabelo.
WILLIAM:
Obrigado.
LILLY:
Gosto da maneira como esconde os teus olhos. Parece tímido. Tens um cabelo
tímido.
LILLY:
WILLIAM:
39
mais um bocado. Ele ficou ali sentado, quieto. Nós tagarelámos. Ele esperou
que nós parássemos. E depois esperou que ficássemos em silêncio. Isto levou
para aí um minuto. E depois ficou à espera. Ficou à espera mais cinco minutos.
Disse que tinha decidido não nos dar aula hoje. Não achava que nós
merecêssemos. Até que lhe pedíssemos desculpa. E nós pedimos. Um por um.
A turma toda.
“Desculpe Professor. Desculpe professor”.
LILLY:
WILLIAM:
Acho que sim. As estratégias de gestão da aula que ele tem são bastante
revigorantes.
LILLY:
(WILLIAM assente.)
Já o mandaste?
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
40
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
Pois. Eu também.
WILLIAM:
LILLY:
Un cauchemar sociologuique.
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
Agora perdi-me.
LILLY:
Ele está na nossa turma de francês. É um linguista brilhante. Nunca diz uma
palavra. Esteve-se a balançar durante a maior parte da aula. Muito ligeiramente.
Eu estava sentada ao lado dele. Perturbou-me imenso.
WILLIAM:
A balançar?
LILLY:
41
Para trás e para a frente.
WILLIAM:
LILLY:
Era esquisito. Não tenho bem a certeza se confio nele. Não tenho a certeza se
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
A pressão com que ele leva. Os pensamentos que ele tem. As pessoas deviam
ter cuidado ao pé dele.
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
42
WILLIAM:
LILLY:
Assististe ao quê?
WILLIAM:
Pessoas como ele, que são assim maltratadas e depois um dia. Pum.
LILLY:
Pum?
WILLIAM:
Eu gosto dele.
LILLY:
WILLIAM:
43
que há lá. Disse que era muito bonita. Nunca tinha ouvido um homem usar a
palavra “bonita” assim.
E era bonita, já agora. Algumas partes datam de meados de século XV. O tecto
é espetacular. Tem uma abóbada em leque que é de cortar a respiração. Foi
desenhada pelo Wastell. E construída por ele, na verdade.
LILLY:
Iá.
WILLIAM:
É espantoso como tudo isto fica vazio num instante. Adoro isso. Adoro estar
aqui nessa altura. Vais pelo corredor e és a única pessoa.
Está frio hoje. Parece que está a chegar Outono. Penso sempre que se
consegue sentir exatamente o dia em que isso acontece neste país.
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
44
O que eu queria dizer era: o que é que achas de Stockport?
(Ela pensa.)
LILLY:
Sinceramente?
WILLIAM:
Sinceramente.
LILLY:
Já estive em sítios piores. Já vivi em sítios piores. Não é tão mau como
Plymouth. Não é tão mau como Hull. Heaton Moor é simpático. Fomos ao Lyme
Park no fim de semana. É magnífico.
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
Ha!
LILLY:
(Pausa)
WILLIAM:
Todas elas?
LILLY:
WILLIAM:
45
Detestas todas as pessoas que conheceste em Stockport?
LILLY:
Iá.
WILLIAM:
LILLY:
E aquelas caras.
WILLIAM:
WILLIAM:
Percebo-te perfeitamente.
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
46
E são gordos e são feios.
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
E mal podem esperar pela merda do Natal. E o mais longe que alguma vez já
foram foi a Espanha.
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
Sempre pensei que era a única pessoa que tinha estes pensamentos.
Posso-te dizer uma coisa: às vezes penso que sou a melhor pessoa nesta
cidade. Achas horrível?
LILLY:
47
Não.
WILLIAM:
(Ela pensa.)
LILLY:
Iá.
WILLIAM:
A sério?
LILLY:
Iá.
WILLIAM:
Eu também. Acho que sou hilariante. Nunca te acontece pensar na pessoa que
gostavas de ser?
LILLY:
Às vezes.
WILLIAM:
LILLY:
De quê?
WILLIAM:
LILLY:
48
Não.
WILLIAM:
Nunca?
LILLY:
Não.
WILLIAM:
LILLY:
Não.
WILLIAM:
LILLY:
Qual trabalho?
(Pausa. Ele tem de se conter para não se rir, o que a faz dar uma risadinha
também.)
WILLIAM:
LILLY:
Diz lá.
WILLIAM:
LILLY:
Eu sim.
49
WILLIAM:
Porquê?
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
(Ele pára de rir e fica de repente sério. Ela não consegue parar tão depressa.)
LILLY:
Ah é?
WILLIAM:
Estás a ver?
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
WILLIAM:
Então és doida.
LILLY:
Porquê?
WILLIAM:
LILLY:
(Pausa.)
WILLIAM:
É secreto.
LILLY:
Claro.
WILLIAM:
Eles não falam disto a ninguém. As pessoas passavam-se. Iam achar que eu
era um bocadinho novo.
LILLY:
WILLIAM:
51
LILLY:
Parece emocionante.
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
O que quiseres.
WILLIAM:
LILLY:
Desculpa?
WILLIAM:
LILLY:
Nove.
WILLIAM:
Nove?
LILLY:
52
Dez às vezes. Onze se for para a cama cedo.
WILLIAM:
Ok.
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
Tenho.
WILLIAM:
(Ela pensa.)
LILLY:
Guerra nuclear.
Pretos.
De ser violada.
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
A minha mãe morreu quando eu tinha quatro anos. Não me lembro dela. Nunca
conheci o meu pai. O meu pai morreu antes de eu nascer.
LILLY:
WILLIAM:
Obrigado.
LILLY:
WILLIAM:
Um bocadinho.
LILLY:
WILLIAM:
54
Lembro-me da polícia a beber chá na nossa sala. Chamaram a polícia por
qualquer razão. Lembro-me que um deles pôs quatro torrões de açúcar.
Lembrome do funeral. Toda a gente me deu muitas palmadinhas na cabeça.
LILLY:
Então és um orfãozinho.
WILLIAM:
Exactamente.
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
(Ele sorri. Não responde.) Mas não fiques com grande pena de ti próprio
WILLIAM:
Não fico.
LILLY:
WILLIAM:
No teu braço?
LILLY:
WILLIAM:
55
Tu cortas-te?
LILLY:
És tão giro.
WILLIAM:
Cortas-te, Lilly?
LILLY:
Vê isto.
WILLIAM:
Isso dói?
LILLY:
WILLIAM:
Posso tocar?
WILLIAM:
(Ela toca.)
LILLY:
56
WILLIAM:
Sabes de onde é que vem o calor do nosso corpo. Vem da energia que queima
a levar a cabo todas as atividades diferentes. É por isso que os cadáveres são
tão frios. Porque a máquina parou.
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
Não conheces.
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
Não.
57
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
Sair contigo?
WILLIAM:
LILLY:
Comer fora?
WILLIAM:
LILLY:
Detestas?
WILLIAM:
LILLY:
Porquê?
WILLIAM:
LILLY:
58
WILLIAM:
LILLY:
Nadar?
WILLIAM:
LILLY:
Onde?
WILLIAM:
Queres?
LILLY:
(Um tempo.)
WILLIAM:
Ok.
LILLY:
WILLIAM:
Ok.
LILLY:
59
Não tem nada a haver contigo por isso não penses que tem. Eu nem consigo
pensar em ter um namorado.
WILLIAM:
Não.
LILLY:
Lamento.
(Pausa.)
WILLIAM:
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
Convidar alguém para sair. Não correu lá muito bem pois não?
LILLY:
LILLY:
WILLIAM:
Mas o resultado foi uma desilusão, devo dizer. Uma vergonha completa para
dizer a verdade.
LILLY:
(Fim da cena.)
60
CENA 3
LILLY:
Olá.
NICHOLAS:
Olá.
LILLY:
NICHOLAS:
LILLY:
NICHOLAS:
O costume.
LILLY:
Já estás preparado?
NICHOLAS:
61
Eh, acho que sim.
LILLY:
Viste o William?
NICHOLAS:
LILLY:
NICHOLAS:
Não reparei.
LILLY:
Vens almoçar?
NICHOLAS:
Vou ao ginásio.
LILLY:
Vem cá.
(Ele vai.)
Tira o blazer.
(Ele tira.)
Faz músculo.
Obrigada.
62
NICHOLAS:
Não é preciso.
LILLY:
NICHOLAS:
Quando?
LILLY:
NICHOLAS:
LILLY:
NICHOLAS:
LILLY:
Ele foi muito engraçado. Ficou assim com cara de estúpido. Tive um bocadinho
de pena dele.
NICHOLAS:
Porquê?
LILLY:
NICHOLAS:
Reparei em quê?
63
LILLY:
NICHOLAS:
LILLY:
NICHOLAS:
Nem por isso. Pouco. Não somos assim tão próximos. O que é que ele disse
sobre ela?
LILLY:
Está morta. Sabias? O pai morreu antes de ele nascer. Ela morreu quando ele
era pequeno. Tinha quatro anos. Imagina.
NICHOLAS:
LILLY:
Imagina teres quatro anos e veres a tua mãe morrer. Tens de admitir que é um
bocadinho de partir o coração.
NICHOLAS:
Foi isso que ele te disse? Que os pais dele tinham morrido?
(Pausa.)
LILLY:
Não morreram?
NICHOLAS:
64
Quando é que ele disse isso?
LILLY:
NICHOLAS:
LILLY:
Foda-se.
NICHOLAS:
Iá.
LILLY:
NICHOLAS:
Pois.
LILLY:
NICHOLAS:
LILLY:
NICHOLAS:
Não faço ideia. Ele tinha um irmão. Acho que isto é verdade. Acho que ele tinha
um irmão que morreu. Quando ele era pequeno. Talvez ele estivesse…
LILLY:
O quê?
65
NICHOLAS:
Não sei.
LILLY:
Ninguém baralha uma com a outra. Ele fez aquilo para conseguir atenção.
Como é que se pode ser tão egoísta? Fico com vontade de descobrir onde ele
vive e ir lá dizer-lhes.
NICHOLAS:
LILLY:
Não.
NICHOLAS:
Eh.
LILLY:
Eh.
NICHOLAS:
Não.
LILLY:
Pois é verdade. E devo dizer que algumas das coisas em que estive a pensar
são um bocadinho porcas.
NICHOLAS:
66
LILLY:
Mentiroso.
NICHOLAS:
Ontem à noite.
LILLY:
Sim? Então?
(Algum tempo.)
NICHOLAS:
LILLY:
Diz lá.
NICHOLAS:
LILLY:
Ok.
NICHOLAS:
Tu percebeste?
NICHOLAS:
O quê?
LILLY:
NICHOLAS:
67
Foi incrível comó caralho.
LILLY:
NICHOLAS:
LILLY:
Totó.
NICHOLAS:
LILLY:
Nicholas.
NICHOLAS:
LILLY:
O quê?
NICHOLAS:
Acho que isto devia ficar entre nos. Que andamos. Acho que provavelmente era
melhor se as pessoas não soubessem.
LILLY:
Porquê?
NICHOLAS:
Tu não achas?
LILLY:
Não sei.
68
NICHOLAS: As pessoas
LILLY:
O quê?
NICHOLAS:
Não se calam.
LILLY:
NICHOLAS:
LILLY:
NICHOLAS:
LILLY:
NICHOLAS:
Mais ou menos.
LILLY:
Cretino.
NICHOLAS:
O quê?
LILLY:
Tu. És um cretino.
69
Como é que vão as coisas com a professora Copley?
NICHOLAS:
LILLY:
Será que ela já foi apanhada pela tua extraordinária aura sexual, Nicholas?
NICHOLAS:
LILLY:
NICHOLAS:
Cala-te.
LILLY:
Sinceramente, uma queca e quem lhe dera nunca me ter conhecido. A tua cara!
NICHOLAS:
Vou-me embora.
LILLY:
Vai lá fazer o teu treino. Dá-lhe nos pesos, amor. Faz força por mim.
NICHOLAS:
LILLY:
Talvez.
NICHOLAS:
Lilly.
70
LILLY:
Estou a gozar. Desculpa. Sim. Vou estar aqui mais logo. Espero por ti. E está
bem. Eu não digo a ninguém.
NICHOLAS:
(Ele beija-a.)
Até logo.
LILLY:
Ela fica sentada. Olha para a maçã. Arranca-lhe um bocado com os dedos.
Come-o. Cospe-o passado um bocado.
CISSY:
LILLY:
Olá.
TANYA:
Olá.
LILLY:
Olá.
CISSY:
TANYA:
71
Massa, sobretudo.
CISSY:
Eu não devia estar a comer isto. Eu já nem sequer costumo almoçar. Como só
M&M’s. Já alguma vez comeram quatro pacotes de M&M’s de uma vez. Fica-se
com uma sensação incrível no cérebro.
TANYA:
Acho que isso é mesmo perigoso. Os seres humanos têm de comer. É uma das
coisas que nós fazemos. Cinco peças de fruta e vegetais por dia. Grupos de
alimentos, regradamente. Trinta minutos de exercício três vezes por semana.
LILLY:
TANYA:
Nisso o quê?
LILLY:
Em ser mãe.
TANYA:
O tempo todo.
CISSY:
TANYA:
Iá.
72
LILLY:
A sério?
TANYA:
A sério.
(Um tempo.)
LILLY:
Eu também.
CISSY:
Meu Deus.
LILLY:
TANYA:
LILLY:
TANYA:
LILLY:
Ia pois.
CISSY:
Eles de qualquer maneira não se lembram de nada até aos cinco anos. Bem
que os podias meter num armário. Eles não se iam lembrar.
TANYA:
Quatro?
TANYA:
Sim. Vou ser extraordinária. Vou-lhes dar aulas em casa. Levá-los a uma data
de encontros desportivos. No meu carro grande.
CISSY:
TANYA:
LILLY:
TANYA:
CISSY:
TANYA:
Claro que ele tem carro. Só usa a bicicleta para se manter em forma. E para
salvar o mundo.
CISSY:
74
LILLY:
O caralho.
LILLY:
Porque não?
CISSY:
LILLY:
CISSY:
LILLY:
CISSY:
Em que sentido?
LILLY:
O Bennett.
CISSY:
LILLY:
Tu sabes.
75
:
CISSY
Não.
LILLY:
Na cama.
CISSY:
Deus meu.
LILLY:
O quê?
CISSY:
CISSY:
Eu não vou ter filhos até tipo aos 42. Vou esperar até ter dinheiro para pagar a
alguém que tome conta deles. Há demasiadas coisas que eu quero fazer.
Demasiados sítios onde eu quero ir. Mal posso esperar por sair da Inglaterra,
para começar. Ir viver lá fora.
LILLY:
CISSY:
Edimburgo. Glasgow. Dublin. Paris. Qualquer sítio que não seja aqui.
(Pausa.)
CISSY:
76
LILLY:
Tu não és gorda.
CISSY:
LILLY:
Tu não és gorda. Não digas isso porque não é verdade e parece mas é que te
estás a exibir.
CISSY:
Iá.
CISSY:
BENNETT:
Estou a ficar mesmo farto da Mahon a falar-me dos heróis gay da história da
literatura. Ela apanha-me todos os dias. Parece que fica à minha espera nas
esquinas para me saltar em cima.
CISSY:
BENNETT:
Está-me sempre a dizer que eu podia ser advogado se quisesse. Eu não quero
ser advogado. Foda-se, quem é que quer ser advogado?
TANYA:
77
BENNETT:
O quê?
TANYA:
BENNETT:
TANYA:
Não estou a insinuar nada, Sr. Francis. Estou só a fazer uma pergunta.
BENNETT:
TANYA:
BENNETT:
CISSY:
Tirando o Cheetham.
BENNETT:
CISSY:
78
BENNETT:
CISSY:
BENNETT:
CISSY:
Bennett.
BENNETT:
Tu deixavas?
CISSY:
Pára.
BENNETT:
Aposto que sim. Repara, não posso dizer que o censure. As pessoas hoje em
dia exaltam-se tanto em relação a atividades sexuais inter-geracionais. É
ridículo. Devíamos todos mas é acalmar-nos, acho eu. O mais novo que tu
fodias era que idade, Tanya?
(Ela olha para ele. Olha de relance para CISSY. Olha outra vez para ele.)
BENNETT:
TANYA:
BENNETT:
79
O que é que isso quer dizer?
BENNETT:
virada. E se não estivesse de certeza que batia uma com capote a pensar nela.
CISSY:
Os professores não deviam de fazer sexo. São demasiado velhos. Acho isso
muito desconcertante. Toda a ideia da coisa. Aquela pele velha. Ali a dar a dar.
BENNETT:
CHADWICK:
O quê?
CISSY:
BENNETT:
TANYA:
Cá vamos nós.
BENNETT:
É verdade que espremes sumo de limão para o cabelo? Para ficar mais louro?
CHADWICK:
Às vezes.
80
BENNETT:
E funciona?
CHADWICK:
Sim.
TANYA:
Funciona?
CHADWICK:
Sim.
BENNETT:
CHADWICK:
O quê?
BENNETT:
CHADWICK:
Iá.
BENNETT:
TANYA:
Cala-te, Bennett.
CISSY:
(Entra WILLIAM CARLISLE. Está frenético. Vem a beber uma bebida vermelha
de uma garrafa de água mineral.)
81
WILLIAM:
TANYA:
Qual dinheiro?
WILLIAM:
TANYA:
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
O quê?
LILLY:
WILLIAM:
TANYA:
WILLIAM:
LILLY:
82
Quando é que foi a última vez que as viste?
WILLIAM:
O que é que queres dizer com isso? Que caralho de merda de pergunta é
essa?
“Quando é que foi a última vez que as viste?” Hoje de manhã. Hoje de manhã
foi a última vez que as vi. Vi-as hoje de manhã quando as pus lá. Alguém as
roubou.
As pessoas estão-me sempre a fazer isso.
TANYA:
Tens a certeza?
WILLIAM:
TANYA:
WILLIAM:
Tenho ar de mentiroso?
TANYA:
Não.
WILLIAM:
TANYA:
O quê?
WILLIAM:
83
Agora mesmo?
TANYA:
Não.
WILLIAM:
Estavas?
TANYA:
WILLIAM:
TANYA:
WILLIAM:
BENNETT:
WILLIAM:
BENNETT:
A sério?
WILLIAM:
Porque é que eu havia de mentir sobre uma coisa dessas? É a minha bebida
preferida, por amor de Deus. Toma.
(BENNETT aceita.)
84
BENNETT:
Obrigado.
(Ele bebe.)
BENNETT:
Uau.
BENNETT:
CHADWICK:
Desculpa?
BENNETT:
Tens, Chadwick?
CHADWICK:
BENNETT:
CHADWICK:
BENNETT:
Desculpa?
CHADWICK:
BENNETT:
85
Ha!
CHADWICK:
William, tenho imensa pena que tu tenhas perdido o dinheiro, mas não me
parece que a culpa tenha sido minha.
BENNETT:
TANYA:
BENNETT:
CHADWICK:
Toma.
BENNETT:
CHADWICK:
Nada.
BENNETT:
CHADWICK:
Vinte libras.
BENNETT:
86
Tira-as cá para fora.
CHADWICK:
O quê?
BENNETT:
Tira-as da carteira.
CHADWICK:
Não.
BENNETT:
Já. Cabeça de caralho. Obrigado. E dá-as ao William. Ele está um bocado sem
cheta.
Silêncio.
Algum tempo.
Está mais calor hoje. Parece-me. A ti não, Chadwick? Não reparaste que está
mais calor hoje? Haviam de ligar o aquecimento mesmo quando aparece o sol.
Típico, não é? O Verão de São Martinho. Vamos ao dentista hoje à tarde.
Tenho a tarde livre. Estou com vontade disso. Apanhar sol. A minha mãe já cá
está, veio-me buscar. Eu vi-a. Está à espera na recepção. Decidi passar por ela
sem lhe dizer nada. Está tudo muito caladinho. Como é que vai o estudo, Lilly?
Já começaste?
LILLY:
Sim.
BENNETT:
87
Desculpa? Estás a falar para dentro. Não te ouvi.
LILLY:
Disse que sim. Claro que já comecei. Os exames são na próxima semana.
BENNETT:
Óptimo.
(Aproxima-se de CHADWICK.
O que é que tiveste hoje de manhã, Chadders? Que disciplina é que tiveste?
CHADWICK:
Matemática.
BENNETT:
Entra LUCY FRANCIS. Tem onze anos. Está nervosa por estar ali. Os outros
reparam nela.)
LUCY:
BENNETT:
88
Pára mesmo em frente a TANYA.)
BENNETT:
TANYA:
Nada.
BENNETT:
TANYA:
Não.
BENNETT:
Estás triste, não estás? Sabes porquê? Queres saber porque é que estás tão
triste? Achas que eu te diga? Estás triste porque és gorda. És gorda porque
comes demais. Comes demais porque estás deprimida. Estás deprimida por
causa da merda do mundo. Pronto. O meu dentista está à espera destas belas
dentuças.
Toca a campainha.
CISSY:
O que foi?
Vens a Inglês?
89
Eu vou contigo.
TANYA:
Estás bem?
CHADWICK:
O quê?
TANYA:
CHADWICK:
TANYA:
CHADWICK:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
Estava só a pensar se tinhas sido tu a tirá-lo. Podias ter sido. Nunca se sabe.
Podias ter mexido na minha mochila e encontrado o dinheiro.
LILLY:
90
De que é que tu estás a falar?
91
WILLIAM:
Ha!
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
Enganei-te!
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
CHADWICK:
WILLIAM:
Correu bem. Foi com o Lloyd. Ele foi muito perspicaz. É de longe o meu
professor preferido. Deu-me um cigarro no fim, o que provavelmente foi pouco
profissional da parte dele. Mas bastante querido também.
CHADWICK:
92
WILLIAM:
Ok.
CHADWICK:
Obrigado.
WILLIAM:
Não há problema.
CHADWICK:
Ele é…
WILLIAM:
Pois.
CHADWICK:
Eu não acho que mereça algumas das coisas que me acontecem, sabes?
Tu achas?
Não acho que seja assim tão mau. Não sou tão mau como eles me pintam.
Não sou tão estúpido como as pessoas pensam.
WILLIAM:
Não me parece que ninguém pense por um segundo que tu sejas estúpido de
maneira alguma.
WILLIAM:
93
WILLIAM:
CHADWICK:
CHADWICK:
Não. Deve ser de alguém lá de baixo. É por isso que eu estou sempre a vir cá
para cima.
WILLIAM:
CHADWICK:
Pois.
Às vezes… WILLIAM:
O quê?
CHADWICK:
Nada.
WILLIAM:
CHADWICK:
WILLIAM:
Não posso dizer com segurança que soubesse, Chadwick, não. Era mesmo
isso que tu ias dizer?
CHADWICK:
94
WILLIAM:
No CERN?
CHADWICK:
O LHC?
O acelerador de partículas?
WILLIAM:
CHADWICK:
WILLIAM:
CHADWICK:
Uma das coisas que as experiências com este acelerador vão permitir testar é
para onde foi a antimatéria. Há pessoas que pensam que tem de estar nalgum
lado. Que não pode simplesmente desaparecer. Dada a sua ausência do
Universo conhecido especulam que isso prove que existam universos
alternativos. E que a antimatéria se encontra nesses universos alternativos. Eu
acho que as experiências que este telescópio permite desenvolver vão provar
que eles têm razão. Se fosse possível dominar a antimatéria e pôr um único
positrão de antimatéria em contacto com um único electrão de matéria, isso
criaria uma explosão de força e energia inauditas. Podiam construir uma
bomba de antimatéria. Seria quarenta mil vezes maior que uma bomba nuclear.
95
WILLIAM:
Não achas que seria pelo melhor, às vezes? Acabar com isto e pronto.
96
Eu acho. Penso nisso muito mais do que devia. Às vezes acho que quando
morres é como se atravessasses um limiar.
(Algum tempo.)
WILLIAM:
(CHADWICK assente.)
CHADWICK:
Não.
WILLIAM:
O meu pai ganhou mais de doze milhões de libras nos mercados de petróleo da
Rússia no princípio dos anos noventa. Deixou-me meio milhão de libras num
fundo, em testamento. Vou herdá-las quando fizer vinte e um anos. Posso fazer
o que quiser com elas. Vou-me mudar para Nova Iorque. Vou sair daqui e viver
com a Lilly.
CHADWICK:
WILLIAM:
Hã?
97
CHADWICK:
WILLIAM:
CHADWICK:
WILLIAM:
Quem?
CHADWICK:
WILLIAM:
CHADWICK:
Anda, anda.
WILLIAM:
Desde quando?
CHADWICK:
(Pausa.)
WILLIAM:
Ah.
CHADWICK:
Não sabias?
WILLIAM:
98
Não. Não sabia.
CHADWICK:
WILLIAM:
CHADWICK:
O quê?
WILLIAM:
CHADWICK:
Não sei.
WILLIAM:
CHADWICK:
Não sei se iam gostar muito. Com os exames na próxima semana e tudo.
WILLIAM:
CHADWICK:
Não sei.
WILLIAM:
99
Eu podia dormir no chão do teu quarto. Podíamos partilhar a cama, cabeça com
pés. Podíamos levantar-nos a meio da noite e fazer tostas de queijo e comê-las.
CHADWICK:
Não.
WILLIAM:
CHADWICK:
Não sei.
WILLIAM:
És diferente?
CHADWICK:
WILLIAM:
CHADWICK:
WILLIAM:
Então podia aparecer depois dos exames. Não? Sabes qual é o problema da
tua estrutura óssea? Acabei de perceber. É o teu nariz. Está um bocadinho
subido na tua cara acho eu. Não está? Ali um bocadinho subido? Vou chegar
atrasado comó caralho agora. Tenho aulas a tarde toda. Devo dizer que sinto
que me desiludiste, mesmo.
(Fim da cena.)
100
CENA 4
BENNETT:
O quê?
TANYA:
Uma vespa!
CISSY:
Onde?
TANYA:
Ali.
CISSY:
Foda-se.
NICHOLAS:
CISSY:
TANYA:
Livra-te dela.
NICHOLAS:
101
TANYA:
WILLIAM:
NICHOLAS:
CISSY:
TANYA:
Vai-me picar.
CISSY:
WILLIAM:
Não a mates.
CISSY:
O quê?
WILLIAM:
Não a mates.
TANYA:
Já se foi embora?
WILLIAM:
CISSY:
102
BENNETT:
NICHOLAS:
BENNETT:
Espera.
TANYA:
BENNETT:
Espera. Olha.
CISSY:
Bennett.
BENNETT:
TANYA:
BENNETT:
matou a vespa.
Os outros olham para ele e para a vespa. Ele tira-a da mão e segura-a entre
dois dedos.)
103
CISSY:
Meu Deus.
NICHOLAS:
BENNETT:
TANYA:
É um bocado marado.
BENNETT:
TANYA:
WILLIAM:
Põe-a no bolso.)
CISSY:
Cruel? Cruel porquê? As vespas são bichos maus que não servem para nada.
NICHOLAS:
CISSY:
104
(Entra CHADWICK.)
BENNETT:
Chadwick. Fica aí. Agora espera aí. Obrigado. Não. Nunca picam. Se fores
suficientemente rápido.
CHADWICK:
O Eliot acabou de me contar. Está em Stepping Hill. Quase que morreu. Mas
não morreu. Não sabem quanto tempo é que vai ficar lá.
BENNETT:
Uau.
WILLIAM:
CHADWICK:
WILLIAM:
Um ataque de coração?
CHADWICK:
Foi bastante grave. Acho que houve complicações. O Elliot disse que lhe
contaram que ele perdeu completamente a consciência durante alguns
segundos.
TANYA:
Meu Deus.
WILLIAM:
O Lloyd?
105
CHADWICK:
WILLIAM:
Está morto?
CHADWICK:
WILLIAM:
CHADWICK:
BENNETT:
WILLIAM:
Eu vi-o ontem.
CHADWICK:
Sim.
WILLIAM:
CHADWICK:
(Pausa.)
CISSY:
106
TANYA:
(Pausa.)
BENNETT:
WILLIAM:
BENNETT:
Sempre gostei da maneira como ele mexia as mãos. Fazia assim uns
movimentos sacudidos. Eram encantadores. Aaaah! Apanhavam uma pessoa
de surpresa.
WILLIAM:
Não fales como se ele estivesse morto. Ele não está morto.
CISSY:
WILLIAM:
Vou lá vê-lo. Alguém quer vir comigo? Alguém quer vir comigo vê-lo?
TANYA:
WILLIAM:
O quê?
107
TANYA:
Se calhar depois das aulas. Podíamos ir. Não sabemos quais são as horas de
visita.
WILLIAM:
O quê?
TANYA:
Não sei se ele pode receber visitas durante uns dias. O meu avô foi assim.
Basicamente puseram-no a dormir.
BENNETT:
CHADWICK:
Não.
BENNETT:
CHADWICK:
BENNETT:
Pois não podes. Hoje Chadwick, como pequena homenagem ao Lloyd que está
moribundo, vais ser a minha boneca. Percebeste?
TANYA:
Bennett.
BENNETT:
TANYA:
108
BENNETT:
TANYA:
Tu és tão… BENNETT:
O quê?
Chadwick. Entra. Entra, meu rapaz. Guarda as tuas coisas, estou a ser um
idiota.
CHADWICK:
BENNETT:
CHADWICK:
Sim.
BENNETT:
CHADWICK:
109
Não.
BENNETT:
Ouvi dizer que se fica com uma erecção. Será que ele é velho demais para ter
uma erecção, achas?
CISSY:
Bennett.
BENNETT:
TANYA:
És um tarado.
BENNETT:
TANYA:
Pára.
BENNETT:
CHADWICK:
Sim.
BENNETT:
CHADWICK:
110
É óbvio, não? Não sabes?
BENNETT:
CHADWICK:
BENNETT:
CHADWICK:
O quê?
BENNETT:
Chadwick, alguma vez tiveste uma namorada na merda da tua vida inteira?
CHADWICK:
CISSY:
Ah!
BENNETT:
Eles acabam por cair sabes. Secam e caem. Tipo fruta podre.
CISSY:
111
BENNETT:
CISSY:
CHADWICK:
BENNETT:
NICHOLAS:
BENNETT:
(Para TANYA.)
(Para NICHOLAS.)
NICHOLAS:
BENNETT:
CISSY:
112
Já viste a cara dela?
BENNETT:
TANYA:
Isso é completamente…
BENNETT:
Sabes o que é que isso quer dizer, Chadwick? Uma cona gorda daquelas?
Olha lá Chadwick, tu não saberias o que fazer com ela, pois não, meu filho? Se
ela viesse ter contigo e se dobrasse por cima da tua mesa no meio da aula de
Física para corrigir os teus trabalhos tu não ias fazer a mínima por onde
começar.
CHADWICK:
E tu sim?
BENNETT:
CHADWICK:
BENNETT:
CHADWICK:
Se ela se inclinasse por cima da tua mesa no meio da aula de Física o que é
que estás a dizer que farias?
BENNETT:
113
CHADWICK:
(Pausa.)
BENNETT:
TANYA:
O quê?
BENNETT:
CISSY:
BENNETT:
Achas que me faz sentir mal o facto de tu estares sempre a defendê-lo? É isso
que tu pensas?
Isso.
Agora Chadwick, vem aqui para ao pé da Tanya. E ela vai pôr batom para ti.
TANYA:
O quê?
BENNETT:
114
CISSY:
Meu Deus.
BENNETT:
Tanya.
Vá.
Agora.
Obrigado.
CHADWICK:
É bom.
CISSY:
O quê?
CHADWICK:
BENNETT:
Beija-o
CISSY:
O quê?
BENNETT:
(Ela olha para Bennett. Vai ter com CHADWICK. Beija-o de maneira muito
sensual.)
Só a dançar um bocadinho.
BENNETT:
CHADWICK:
Tu mandaste-me.
CISSY:
BENNETT:
Tu não querias? O que estás a dizer? O que estás a dizer em relação à Cissy,
Chadwick? Estás a insultá-la? Primeiro andas aos meles com ela mesmo à
minha frente e depois insulta-la assim. Devia-te arrancar a cara. Devia-te
arrancar as orelhas. Devia-te cortar a pilinha. És um tarado dum cabrão dum
caralho.
WILLIAM:
BENNETT:
O quê?
WILLIAM:
Deixa-o em paz.
BENNETT:
116
Estarás tu a falar comigo, por acaso?
WILLIAM:
BENNETT:
Oiçam lá este.
WILLIAM:
BENNETT:
WILLIAM:
BENNETT:
WILLIAM:
BENNETT:
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
117
(A campainha toca.
WILLIAM:
Onde é que vocês vão, caralho. Fiquem aqui. Fica aqui, Bennett. Eu não tenho
medo de ti. Não tenho medo de ninguém. Queres saber se eu sou mesmo rijo?
LILLY:
WILLIAM:
Vamos lá, Bennett. Cabrão. Cara de cu. Vamos lá então. A qualquer hora. Eu e
tu. Lá fora. Agora.
BENNETT:
CISSY:
BENNETT:
WILLIAM:
BENNETT:
WILLIAM:
Estou-te a dizer. Um dia, não falta muito, vais ter a surpresa da tua vida.
(Para CHADWICK.)
Não lhe dês ouvidos. Ele não vale nada. Não passa de um grande espaço vazio
cheio de nada.
118
CHADWICK:
Eu não me importo.
BENNETT:
A sério?
CHADWICK:
BENNETT:
CHADWICK:
Os seres humanos são patéticos. Tudo o que os seres humanos fazem acaba
mal. Tudo o que os seres humanos bons fazem é construído em cima de coisas
monstruosas. Nada dura. Nós de certeza que não vamos durar. Podíamos ter
feito qualquer coisa verdadeiramente extraordinária e não o vamos fazer.
Andamos aqui há uns cem mil anos. Vamos estar extintos antes dos próximos
duzentos. Sabes o que é que nos espera? Sabes o que vai definir os próximos
duzentos anos? As religiões vão-se tornar violentas; as taxas de crime vão subir
histericamente; toda a gente se vai tornar viciada em sexo na internet; o suicídio
vai estar na moda; vai haver fome; vai haver inundações; vai haver incêndios
nas principais cidades do Mundo Ocidental. Os nossos sistemas educativos vão
ser maltratados. Os nossos sistemas de saúde vão-se tornar insustentáveis; as
nossas forças policiais ingeríveis; os nossos governos corruptos. Vai haver
brutalidade aberta nas ruas; vai haver guerra nuclear; esgotamento massivo de
recursos a todos os níveis; a população do terceiro mundo vai aumentar
loucamente. Já está a acontecer. Está a acontecer agora. Há milhares a morrer
todos os verões com as inundações durante a monção, na Índia. Os africanos
do Senegal dão à costa nas praias do Mediterrâneo e os turistas liberais com
sentimentos de culpa tomam conta deles. Há somalis à espera em pensões em
Malta ou em ilhas-prisão no norte da Austrália. Há centenas de pessoas a
morrer por causa do calor ou dos incêndios todos os anos em Paris. Ou na
Califórnia. Ou em Atenas. Os oceanos vão subir. As cidades vão ficar
119
inundadas. As centrais de energia vão ficar inundadas. Os aeroportos vão ficar
inundados. Há espécies que vão desaparecer para sempre. Incluindo a nossa.
Por isso se pensas que eu me preocupo por tu me chamares nomes Bennett,
meu menino, estás redondamente enganado, caralho.
BENNETT:
Caramba.
CHADWICK:
Lá por uma coisa ser deprimente não quer dizer que não seja verdade.
CISSY:
CHADWICK:
Mas devias.
CISSY:
CHADWICK:
Não educamos.
CISSY:
CHADWICK:
Não podemos.
CISSY:
CHADWICK:
120
CISSY:
CHADWICK:
E também tinha razão em relação ao teu batom, Tanya. Sabe mesmo bem.
BENNETT:
Ah! Primeiro tempo! Tentemos então mais uma vez. A que horas é o exame?
(Vai-se embora.)
CISSY:
Temos inglês.
(Não há resposta.)
(Não há resposta.)
TANYA:
Iá.
NICHOLAS:
Estás bem?
WILLIAM:
Estou o quê?
121
NICHOLAS:
WILLIAM:
Não pareço?
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
Até ao exame.
WILLIAM:
NICHOLAS:
Nem acredito que nos obrigam a ter aula. Por duas horas…
WILLIAM:
NICHOLAS:
LILLY:
Eu estou a ferver.
WILLIAM:
LILLY:
122
Porquê? Porquê, William?
123
É complicado porque há coisas que aconteceram que são completamente
culpa minha.
LILLY:
Tipo o quê?
WILLIAM:
LILLY:
Não sei.
WILLIAM:
Vocês estão sempre a falar disso. Eu não sou assim tão ingénuo. Sei que
posso ter esse ar. Sei que posso ter ar de oh William. William Billiam. William
Tell. William o estúpido. William o Grande. Acham que eu sou o William
Shakespeare?
NICHOLAS:
O quê?
WILLIAM:
Morreram 190 pessoas ontem num acidente de avião no Brasil. Porque é que
acham que isso aconteceu?
LILLY:
WILLIAM:
Ah pois. Sim.
NICHOLAS:
124
WILLIAM:
É verdade.
WILLIAM:
NICHOLAS:
WILLIAM:
NICHOLAS:
William.
WILLIAM:
Por que caralho é que ninguém vem comigo ao funeral do Lloyd, por amor de
Deus!
LILLY:
WILLIAM:
Deviam mas é fechar a escola inteira era o que eles deviam fazer, caralho.
NICHOLAS:
William, cala-te.
WILLIAM:
LILLY:
125
O que foi? O que foi?
Peço desculpa.
Meu Deus.
LILLY:
William, deixa-me.
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
Tens exames.
WILLIAM:
Tenho o quê?
LILLY:
126
WILLIAM:
NICHOLAS:
Estás bem?
LILLY:
NICHOLAS:
Sim
(Fim da cena.)
CENA 5
LILLY:
Será que vais só ficar a olhar para mim, William? É que me estás a assustar
um bocadinho.
Ouve. Recebi a tua mensagem. Pediste-me para vir aqui por isso eu vim.
A sério.
127
O Lloyd morreu. Hoje de manhã. Enquanto nós estávamos aqui.
Foi a segunda pessoa que eu conheci que morreu. Quantas pessoas é que
conheces que tenham morrido?
Eu supostamente tinha exames, não era? Perdi-me a voltar para casa. Andei
por aí.
(LILLY assente.)
Enquanto andava por aí percebi uma coisa em relação a ti. Sei o que tu és. Na
vida real. Ocorreu-me. Como uma epifania.
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
Andavas, não era? Porque é que não me disseste? Porque é que não me
falaste nisso? Estás a ouvir aquilo?
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
128
WILLIAM:
O martelar?
LILLY:
Não.
WILLIAM:
Estás a mentir?
LILLY:
Não sabia o que dizer. Gostava de ti. Gosto de ti. Não te queria desiludir.
WILLIAM:
LILLY:
Cum caralho.
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
“Não me podes dar isto.” Posso, posso. Acabei de o fazer. Comprei um para
mim também. Comprei uns CD´s. Olha, gravei-os para ti.
LILLY:
WILLIAM:
129
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
Vais parar de te queimar? Porque eu não acho que te faça muito bem. Acho
que era melhor parares. Vais, Lilly? Prometes?
(Pausa longa.)
LILLY:
Vou tentar.
WILLIAM:
LILLY:
Estou só um bocadinho.
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
LILLY:
Para quê?
WILLIAM:
LILLY:
Cansado?
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
Que não sou eu. A culpa não é minha. Não é um problema de genética, é um
problema de geografia. É Manchester. É Stockport.
LILLY:
Que é o quê?
131
WILLIAM:
Vais até a Baixa. Sim? Vais até ao Arndale. Sim? E os putos que lá estão têm
ar de quem era capaz de te abrir a barriga e enfiar as mãos lá dentro e
arrancar-te as tripas. Não?
LILLY:
WILLIAM:
Entras numa sala. Sim? Toda a gente sabe que entraste naquela sala. Está
toda a gente à tua espera. Aquelas pessoas todas estão à tua espera. Não
estão? Com as pernas e os braços delas e o cabelo puxado para a frente da
cara quando choram.
LILLY:
Que coisas?
WILLIAM:
Tu sabes que coisas. Há muita coisa em ti que é mentira. A maneira como dás
o nó da gravata é mentira. Estás a mentir com a maneira como dás a nó da
gravata.
LILLY:
WILLIAM:
Iá.
LILLY:
WILLIAM:
Não vás.
132
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
Pois.
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
Não são.
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
Sabes, noventa por cento das pessoas nesta escola são boa gente. Noventa
por cento dos jovens neste país, William, e nunca ninguém diz isto, noventa por
133
cento dos jovens neste país fazem um bom trabalho na simples tarefa de estar
vivo. Vão sobreviver. E ser felizes. Vão crescer. Vão acabar por arranjar
empregos. Casar. Viver vidas que são perfeitamente boas e razoáveis e felizes.
Isso não é uma coisa má, William. Sabes? Porque é que julgas que és
diferente?
Porque é que julgas que és tão especial? Quando eu tinha dez anos…
WILLIAM:
LILLY:
Ouve. Estou a tentar contar uma coisa. Quando eu tinha dez anos costumava
ter dores de cabeça.
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
134
WILLIAM:
Eu não estou a falar de dores de cabeça. Isto é mais do que uma dor de
cabeça.
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
Lamento, mas não queria sair contigo. Queria antes sair com o Nicholas.
Mas sempre pensei que serias meu amigo. E quero mesmo ser tua amiga
apesar de tudo. Porque acho que tu não estás muito bem e estou preocupada
contigo e quero que tu procures ajuda.
WILLIAM:
Ha!
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
Posso-te perguntar uma coisa: Quando fazes sexo com ele, com o Nicholas,
dói?
LILLY:
Não.
WILLIAM:
135
Não dói?
136
LILLY:
Não.
WILLIAM:
Como é que é?
LILLY:
É muito bom.
WILLIAM:
Pronto. Ainda bem. Ainda bem para ti. Eu não gosto dele. Pessoalmente. Acho
que ele é uma fraude. Acho que ele é um mentiroso. Acho que ele é só
mentiras e merda. Mas é só a minha opinião.
LILLY:
Não é verdade.
WILLIAM:
Tenho todo o direito à minha opinião. Não te atrevas a dizer que não porque
tenho, caralho.
(Algum tempo.)
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
Ele disse-me que os teus pais ainda estão vivos, mas que tu tinhas um irmão e
que foi o teu irmão que morreu quando era bebé.
WILLIAM:
137
LILLY:
WILLIAM:
Estás a ouvir?
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
Houve uma vez um rapaz que se matou aqui. Quando era uma escola de
rapazes. Subiu ao telhado que dá para o pátio. Saltou. Foi nos anos setenta.
Talvez seja ele.
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
Eu sei que seríamos capazes. Quando duas pessoas se amam tanto como nós
acho que são capazes de tudo.
138
LILLY:
Eu não te amo.
WILLIAM:
Devias.
LILLY:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
Estás a começar a…
WILLIAM:
Eu não te levo a mal. Já agora. Eu sou lixo. Sou uma perda de tempo. Não
mereço nem o espaço que ocupo. Não mereço sequer o papel que gasto. Não
tenho amigos. Não tenho imaginação. Não tenho ideias.
LILLY:
WILLIAM:
Odeio os meus sapatos. Odeio a minha casa. Odeio esta escola. Odeio o meu
cabelo. Cortas-me o cabelo?
LILLY:
O quê?
139
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
LILLY:
WILLIAM:
Corta-me o cabelo.
LILLY:
Com o quê?
WILLIAM:
Quero lá saber. Com as mãos. Com a tua régua. Arranca-o. Quero que isto
pare.
LILLY:
Eu só te conheço há um mês.
WILLIAM:
(Tira a mão.)
140
Vês?
Quem és tu?
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
LILLY: - WILLIAM:
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
LILLY: - WILLIAM:
Amanhã.
LILLY:
O quê?
WILLIAM:
(Fim da cena.)
141
CENA 6
BENNETT:
Já corrigiram os exames.
NICHOLAS:
O quê?
BENNETT:
Acabei de ver a Gilchrist. Disse que nos dizia as notas mais logo.
NICHOLAS:
Foda-se.
BENNETT:
Iá. Tinha uma expressão incrível na cara. Era uma combinação de delícia e
fúria. Tenho a certeza absoluta de que fiz merda em todos. Os meus pais vão-
se passar.
NICHOLAS:
Iá.
BENNETT:
142
NICHOLAS:
Viste a Lilly?
BENNETT:
NICHOLAS:
BENNETT:
BENNETT:
NICHOLAS:
BENNETT:
NICHOLAS:
Pois é. Sim.
BENNETT:
É surpreendentemente inteligente. Gosto dela porque é rija. Ela tem muita sorte.
Sabias que o pai da Tanya veio à escola?
NICHOLAS:
BENNETT:
143
Ontem à hora de almoço apareceu e falou com o Edwards. Ela deve-lhe ter
telefonado durante o dia. Puta da gorda. Ele obrigou-me a ficar aqui até às seis
e meia ontem. Cabrão. Devia estar a corrigir os nossos exames e eu ali sentado
a fazer a merda da cópia.
NICHOLAS:
BENNETT:
Não. Não devia. Foi estúpido. Mas apeteceu-me imenso. Queria experimentar.
Queria saber qual era a sensação. Nunca te acontece isto?
NICHOLAS:
BENNETT:
NICHOLAS:
BENNETT:
NICHOLAS:
BENNETT:
NICHOLAS:
Não.
BENNETT:
144
Nunca?
NICHOLAS:
Não.
BENNETT:
Mentiroso.
NICHOLAS:
BENNETT:
NICHOLAS:
A sério?
BENNETT:
E o David Bowie.
NICHOLAS:
BENNETT:
NICHOLAS:
Fui sair com o meu irmão. Veio a casa para as férias do Natal.
BENNETT:
NICHOLAS:
145
BENNETT:
NICHOLAS:
BENNETT:
NICHOLAS:
BENNETT:
NICHOLAS:
Não devia ter bebido. Estou a analgésicos por causa do tornozelo. Sinto-me
uma merda.
BENNETT:
NICHOLAS:
BENNETT:
NICHOLAS:
A semana passada.
BENNETT:
Não me contaste.
146
(NICHOLAS olha para ele.)
Posso ver?
NICHOLAS:
(Entra CISSY.)
CISSY:
Não digam à minha mãe. Não digam à minha mãe. Não digam à minha mãe.
Não digam à minha mãe.
NICHOLAS:
CISSY:
BENNETT:
Cum caralho.
CISSY:
Eu sei.
NICHOLAS:
CISSY:
147
NICHOLAS:
CISSY:
NICHOLAS:
BENNETT:
CISSY:
NICHOLAS:
CISSY:
BENNETT:
Esconde-o. Queima-o.
CISSY:
Foda-se, não sejas estúpido, Bennett. Ela sabe que vai haver um relatório.
Estamos no fim do período. Há sempre um relatório.
BENNETT:
CISSY:
TANYA:
148
O que é que se passa contigo?
CISSY:
TANYA:
Já?
BENNETT:
Teve Bom.
TANYA:
NICHOLAS:
TANYA:
CISSY:
Já fizeste, querida.
CISSY:
TANYA:
Não vais fazer merda. Estás a ser muito estúpida. Isso são só exames de
preparação.
CISSY:
149
Nunca vou sair de Stockport. Nunca me vou conseguir ir embora. Vou ficar aqui
presa para sempre. Há todo um mundo lá fora e eu nunca o vou poder ver, nem
uma vez. Todas as coisas que eu quero fazer, nunca as vou poder fazer.
TANYA:
A questão não é Stockport, Cissy. És tu. Tu vens daqui. Estás sempre a tentar
fingir que não. É ridículo.
CISSY:
Não sei o que dizer. E não sei de que é que vocês se estão a rir.
BENNETT:
O que foi?
CISSY:
BENNETT:
Ah, vá lá!
CISSY:
É suposto tu defenderes-me.
BENNETT:
CISSY:
BENNETT:
150
CISSY:
O quê?
BENNETT:
Tu és ridícula. Para uma pessoa tão inteligente, és estúpida comá merda. Como
é que eu podia não me rir de ti? Não é? Não é, Nicky?
CHADWICK:
BENNETT:
Eu não estou a negar isso. Não estou a falar da inteligência dela, caralho.
WILLIAM:
Diz-me lá. Porque é que todas as pessoas nesta escola julgam as outras pelo
nível de inteligência? Não pelo sentido de humor. Não pela aparência. Não pela
maneira como se vestem. Não pelo gosto musical. Mas pelo número de vintes
que tiveram.
WILLIAM:
Sempre funciona. Eu avisei-te, Bennett. Não digas que eu não te avisei porque
eu avisei-te, caralho.
BENNETT:
151
O quê? Mas que merda? Não. Não. Meu Deus. Por favor. Não faças isso.
(BENNETT encolhe-se, afastando-se dele. Para onde quer que vá, WILLIAM
segue-o com a arma.)
NICHOLAS:
William.
WILLIAM:
Sim. O quê?
NICHOLAS:
WILLIAM:
Isso o quê?
NICHOLAS:
WILLIAM:
O quê?
NICHOLAS:
WILLIAM:
(Ficam à escuta.)
NICHOLAS:
152
Poisa a arma antes que alguém se magoe.
WILLIAM:
Não sejas estúpido, caralho. É uma sensação estranha. É muito mais leve do
que eu pensava. É muito mais fácil fazer pontaria. Eh Bennett. Eh Bennett.
Levanta-te. Bennett. Pára mas é de chorar e ouve-me, foda-se. Sabes quando
cuspiste para cima da Tanya, qual foi a sensação? O que é que sentiste? E o
que é que tu sentiste, Tanya?
TANYA:
William, pára.
WILLIAM:
Ouvi dizer que ficaste de castigo. Merda. Os teus pais descobriram? Bennett.
Os teus pais descobriram? Os teus pais descobriram do castigo, Bennett?
BENNETT:
Não.
WILLIAM:
Ah não? Como não? O que é que lhes disseste? O que é que lhes disseste,
Bennett?
BENNETT:
WILLIAM:
BENNETT:
Sabia o quê?
WILLIAM:
153
Se um macaco roubar as nozes de outro macaco ele não arranja um terceiro
macaco para o pôr na ordem. Se um gato cagar na árvore de outro gato esse
gato não vai a dizer a um terceiro gato enorme para pôr o primeiro gato na
ordem. Ou vai? Não. Claro que não. Só os seres humanos é que fazem isso. Tu
cuspiste em cima da Tanya. A Tanya devia-te ter apunhalado ou qualquer
coisa. Mas não. Telefonou para casa e contou ao pai. É patético. Cá por mim,
isso quer dizer que tu és livre de fazeres o que quiseres com ela. Espancá-la.
Dar-lhe um tiro. Violála. Ela é a única pessoa que te devia poder impedir. Não
achas? Não achas, Bennett? Estão todos muito caladinhos hoje. Não achas,
Nicholas, não achas que o Bennett agora devia ter o direito de violar a Tanya?
NICHOLAS:
Não.
WILLIAM:
O quê?
NICHOLAS:
Disse que não. Não devia. Isso é horrível. É uma ideia de louco.
WILLIAM:
NICHOLAS.
WILLIAM:
NICHOLAS:
BENNETT:
154
Nicholas, não.
NICHOLAS:
WILLIAM:
Ah! Mas que querido. Ela está a proteger-se, olha. Não quero falar mais sobre
isto.
(Dá dois tiros a BENNETT. Ele morre. CISSY grita. Tenta parar de gritar.
Algum silêncio. Parece tudo parado durante um bocado.)
NICHOLAS:
Não.
WILLIAM:
Eh. Nicholas.
NICHOLAS:
O quê?
WILLIAM:
NICHOLAS:
William!
WILLIAM:
155
Disseste alguma coisa?
CHADWICK:
Eu?
WILLIAM:
Iá.
CHADWICK:
Não.
WILLIAM:
CHADWICK:
Não disse.
WILLIAM:
Pareceu-me que alguém tinha dito alguma coisa. Mesmo agora. Sobre…
disseste alguma coisa sobre um incêndio?
CHADWICK:
Não.
WILLIAM:
Disseste. Eu ouvi-te.
CHADWICK:
WILLIAM:
Devo ser só eu. Sou só eu? Fui só eu que o ouvi a falar do incêndio? Está-me
sempre a acontecer.
156
Sabes quando estás a pensar?
NICHOLAS:
WILLIAM:
Quando estás a pensar, sim, e de modo a tomar uma decisão, sim? Às vezes
tens de pesar cada um dos lados da questão e precisas de ter um debatezinho
dentro da cabeça sobre o que deves fazer, sim? E às vezes quando estás a
fazer isto cada um dos lados tem tipo uma voz dentro da tua cabeça. Sabes?
NICHOLAS:
WILLIAM:
Às vezes quando eu faço isso. Parece que as vozes vêm dali. Ou dali. Às
vezes. Não é muitas vezes. Parecia que vinha do Chadwick. Mas que
embaraçoso.
Lamento.
NICHOLAS:
Não lamentes.
WILLIAM:
Lamento. Vou lamentar. Porque lamento. Não se pode bem escolher estas
coisas, pois não?
(Ficam à escuta.)
Eu bem te disse.
WILLIAM dá conta demasiado tarde. Faz pontaria com a arma. Poisa-a outra
vez. Ri um bocadinho.)
Fugiu!
157
(Vira-se e dá um tiro a NICHOLAS. NICHOLAS morre. Olha em volta para ver o
que fez. Passa algum tempo. Olha para TANYA. Ela está a chorar
desalmadamente.)
WILLIAM:
Soubeste da Lilly?
TANYA:
O quê?
WILLIAM:
Está morta.
TANYA:
Morta?
WILLIAM:
TANYA:
Porquê?
WILLIAM:
TANYA:
O quê?
WILLIAM:
TANYA:
WILLIAM:
158
O que é que se passa?
TANYA:
Nada.
WILLIAM:
Estás a chorar.
TANYA:
Sim.
WILLIAM:
(WILLIAM sorri. Prepara-se para a abraçar. Ela está apavorada. Ele abraça-a.
Solta-a. Senta-se numa mesa. Longa pausa.)
Querido Deus. Por favor… querido Deus… estás aí? Querido Deus por favor
toma conta do bebé Alistair e da mãe e do pai e…
Peço desculpa. Preciso mesmo de mijar. Achas que mije no chão? Ou mijo-me
nas calças, Tanya? Se eu me mijar nas calças, vais dizer a alguém?
TANYA:
Não.
WILLIAM:
(Ela assente. Ele mija nas calças, pelas calças abaixo, para o chão da sala
comum.)
159
(Abre-se-lhe um enorme sorriso.)
(Fim da cena.)
CENA 7
HARVEY:
Queres descansar?
WILLIAM:
Não.
HARVEY:
Podes descansar.
WILLIAM:
160
Não quero.
HARVEY: Com
um colega
WILLIAM:
HARVEY:
Mil e oitocentas.
WILLIAM:
Óptimo.
161
‘’Sentes-te confiante em lojas de mobília?’’
HARVEY:
Exactamente.
WILLIAM:
WILLIAM:
HARVEY:
WILLIAM:
(HARVEY sorri.)
Agora estou a ficar um bocadinho cansado. Não me devia ter posto essa ideia
na cabeça.
É do Droperidol. Do Holoperidol.
HARVEY:
Amanhã.
WILLIAM:
É véspera de Natal?
HARVEY:
Exactamente.
(WILLIAM pensa.)
WILLIAM:
HARVEY:
Desculpa?
WILLIAM:
HARVEY:
WILLIAM:
Eles contaram-lhe o que eu fiz? Quer dizer que contaram, não foi? Como é que
se chama?
HARVEY:
163
WILLIAM:
Qual é o seu primeiro nome? Não é Harvey também, pois não? Harvey
Harvey?
Dr. Harvey Harvey?
HARVEY:
WILLIAM:
HARVEY:
Feliz Natal.
WILLIAM:
Posso-lhe perguntar uma coisa: quando soube que me vinha conhecer, ficou
um bocadinho entusiasmado?
HARVEY:
Entusiasmado?
WILLIAM:
HARVEY:
Já ando neste trabalho há tempo suficiente para saber que nunca se pode
realmente prever como é que um paciente vai ser, ou como é que se vai
comportar. Independentemente do que se saiba do historial dessa pessoa.
WILLIAM:
HARVEY:
164
WILLIAM:
Sinceramente não leio jornais.
Mas sabe quem eu sou, não sabe? Sabe o que eu fiz? Sabe o que eu fiz?
Richard, sabe o que eu fiz?
HARVEY:
Sim. Sei.
WILLIAM:
Mas aposto que quer saber mais do que se eu me sinto ou não confiante em
agências imobiliárias, não é?
HARVEY:
Não.
WILLIAM:
HARVEY:
Tenho.
WILLIAM:
HARVEY:
WILLIAM:
165
WILLIAM:
HARVEY:
Tem dezassete.
A minha idade. Mete-lhe nojo o que eu fiz? Mete-lhe nojo o que eu fiz?
HARVEY:
Não.
WILLIAM:
Está a mentir. Percebe-se pela maneira como olha para a esquerda. Quando
as pessoas olham para a direita estão a pensar. Quando olham para a
esquerda estão a mentir. Posso beber um copo de água, por favor?
HARVEY:
Certamente.
WILLIAM:
Eu espero aqui.
Sai.
Algum tempo.
Nicholas? Nicky?
Dói-te?
Eu magoei-te?
166
WILLIAM:
Eu-
167
Sai como se se tivesse esquecido de alguma coisa e tivesse de a ir buscar a
correr.
Tenta recompor-se.
O Dr. HARVEY regressa com um copo de água, três cigarros e uma caixa com
três fósforos.)
HARVEY:
WILLIAM:
Obrigado.
(WILLIAM bebe.)
HARVEY:
WILLIAM:
(Fuma.)
Estás a ver, a pergunta principal que as pessoas me têm feito é: porque é que
eu fiz aquilo?
168
Porque é que as pessoas me estão sempre a perguntar isso?
HARVEY:
WILLIAM:
Porque é que fizeste aquilo, William? Para que é que fizeste isto? Porque é que
o fizeste? Foi porquê, que fizeste aquilo?
Não sei. Não quero saber. É uma pergunta sem sentido. É uma pergunta
estúpida. É uma pergunta chata. Próxima pergunta, por favor. Próxima
pergunta, por favor. Foi por causa da minha mãe? Não. Foi por causa do meu
irmão? Não. Foi por causa da minha escola? Não. Foi por causa de
professores? Não. Foi por causa da Lilly? Não. Foi da música que eu andava a
ouvir? Não. Foi dos filmes que eu vi? Não. Foi dos livros que eu li? Não. Foi
das coisas que eu vi na Internet? Não.
(Fuma.)
Ainda havia uma bala na arma. Eu ia-me matar. Cheguei a pôr a arma na boca.
Sabia? A Tanya estava lá, ela pode-lhe contar. Ela está bem, a Tanya?
HARVEY:
169
WILLIAM:
Eu precisava de mijar. Então foi tipo mijei ali e pronto. Na sala da aula. No
chão. Foi uma sensação incrível. Pensei que se morresse nunca sentiria aquilo,
aquele alívio.
HARVEY:
WILLIAM:
(O Dr.HARVEY sorri.)
HARVEY:
Ainda não sabemos. Tenho de terminar o meu relatório até ao fim da próxima
semana.
(WILLIAM assente.)
WILLIAM:
HARVEY:
WILLIAM:
HARVEY:
170
Tenho a certeza de que vais acabar por poder vê-lo.
WILLIAM:
HARVEY:
WILLIAM:
(WILLIAM responde a mais uma pergunta e depois levanta outra vez os olhos
do papel.)
HARVEY:
O quê?
WILLIAM:
Vêem-se alguns assim. A gente vê-os no sétimo ano e parecem porreiros. São
espertos. Percebe?
Quando eu tinha oito anos roubei dinheiro da carteira da minha mãe. Eram
para aí duas libras. Nem sequer as gastei. Só queria saber qual era a
sensação. Vejo pornografia quando não está em casa. Montes e montes.
Arranja-se na internet de graça com toda a facilidade. O que eu gosto mais é
quando são lésbicas.
171
Eu fumo. Já fumei uma data de coisas na verdade. Já bebi álcool. Às vezes
inalo corretor.
HARVEY:
A seu tempo.
WILLIAM:
Oiça. Eu não sou um … não sou. Não sou um idiota. Sei que se passa
qualquer coisa. Sei que há qualquer coisa que não está bem.
Eu quero ser arquitecto. Construir os edifícios mais altos que conseguir. Ter
filhos. Ser normal, só isso. Ir ao hospital um dia e pôr a minha cabeça em
ordem.
Comprar uma casinha. Não gastar muito dinheiro.
Fim da peça.
172
173