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A CARTA ESCANDALOSA DO

MARQUÊS
O Duque de Strathmore
SASHA COTTMAN
Traduzido por
VIRGINIA GRANGEIRO
Copyright © 2021 por Sasha Cottman

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Conteúdos

Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Epílogo

Sobre o autor
Romances em português
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Capítulo 1

L ondres, 1817.

Às três horas da tarde, no oitavo dia após sua chegada à Inglaterra,


a Srta. Millicent Ashton tomou uma decisão: queria ir para casa. Os
comentários sarcásticos tinham começado no momento em que ela
e sua mãe adentraram a espaçosa sala de estar de Lady Elmore.
– Então, essa é a aparência de um elefante indiano – sussurrou
uma jovem loira próxima à janela. A dama se inclinou em direção à
outra senhorita, que riu da declaração. – Será que ela oferece
passeios gratuitos?
Millie sabia que as provocações cruéis eram direcionadas a ela.
Durante as visitas que fizera até agora com sua mãe, conseguira
aperfeiçoar a arte de remover seu casaco e se sentar com um único
movimento. Quando tinha sorte, era capaz de se acomodar em um
dos cantos de um sofá e se esconder parcialmente atrás das saias
da mais velha.
Infelizmente, desta vez, Lady Elmore as cumprimentara na porta
da sala de estar, fazendo Millie passar pela humilhação de ser
apresentada no meio do cômodo, onde, é claro, todos podiam
analisar sua figura ampla. Enquanto Violet e a anfitriã conversavam
sobre a diferença de temperatura entre a Inglaterra e a Índia, os
primeiros sussurros tomavam conta do lugar.
O divertimento indiscriminado das jovens que cochichavam
rendeu, a ambas, um olhar de aço da mãe de Millie, que conduziu
sua filha para se acomodar em um sofá, ao lado de Lady Elmore. O
coração de Millicent afundou. Agora, todos podiam vê-la. Quando
Violet se sentou ao seu lado, a mais nova lançou um meio sorriso
em direção à sua mãe, silenciosamente lamentando a necessidade
da mais velha de provar seu ponto.
Durante as duas horas da visita, a jovem permaneceu em
silêncio entre as duas mulheres, bebericando ocasionalmente seu
chá preto e recusando educadamente a grande variedade de bolos
que os criados de Lady Elmore haviam colocado na mesa de centro
diante delas.
Com as duas mãos cruzadas em seu colo, mudou seu foco para
a dor gerada pela unha do seu polegar, que perfurava uma de suas
palmas. Preferiria furar os próprios olhos a demonstrar qualquer tipo
de reação às provocações cruéis. Com o passar dos minutos,
acabou recuando para o conforto dos seus pensamentos, citando
lenta e metodicamente os fiordes da costa norueguesa. Quando
terminou, passou para a Finlândia. Nada acalmava sua mente mais
rápido do que tentar lidar com trava-línguas mentais.
Quando sua mãe finalmente começou a se despedir, Millicent
estava perdida em algum lugar no extremo norte da Escandinávia.
Foram as palavras sussurradas “Millie, estamos partindo” que a
despertaram.
Com uma reverência praticada inúmeras vezes, a jovem
agradeceu Lady Elmore e seguiu Violet até a porta da residência. A
moça manteve as mãos apertadas firmemente na frente do seu
corpo e seu olhar focado sobre as luvas que as cobriam.
Após participar de diversos eventos como esse desde que
chegara em Londres, aprendera uma lição dolorosa e descobrira o
que aconteceria se arriscasse um último olhar ao redor do cômodo
cheio de víboras. Durante sua visita na casa da Sra. Wallace, no
início da semana, notara um grupo de damas enchendo suas
bochechas enquanto a observavam partir. Uma delas até botara sua
língua para fora antes de disfarçar o gesto com uma tosse oportuna.
Assim que a porta do coche se fechou atrás de si, Millie se voltou
para sua mãe.
– Esse foi o último evento horrendo do qual participei. Da
próxima vez, você pode ir sozinha – ela explodiu, batendo um pé no
piso do veículo.
Violet Ashton suspirou.
– E o que devo dizer às damas da sociedade de Londres quando
notarem que minha filha perfeitamente elegível não está me
acompanhando? – a mais velha replicou.
– Diga que teve que me trancar em meu quarto como punição
pelos meus xingamentos, ou melhor ainda, diga que eu enlouqueci e
que você me internou em Bedlam. – Millicent cruzou os braços e
fitou a janela antes de continuar – Se desejarem me ver, podem
subornar o guarda. Eu mal conheço essas pessoas e, ainda assim,
elas preferem me julgar apenas pela minha aparência. Nenhuma
dessas senhoritas de sorriso afetado tentou falar comigo. Não, elas
preferem zombar da recém-chegada. Bem, hoje foi a gota d’água.
– Não diga – sua mãe respondeu.
– Não dizer o quê?
– Eu quero voltar para a Índia, odeio esse lugar frio e cheio de
pessoas horríveis. Se eu tiver que ouvir isso mais uma vez, juro que
pularei em um barco sozinha e voltarei para a Índia apenas para me
afastar de você. – Violet fechou seu casaco firmemente ao redor de
si e soltou um suspiro cansado. – Sinceramente, Millie, meus
ouvidos não aguentarão escutar mais uma das suas reclamações.
Não pense que eu não percebo a crueldade das jovens, porque não
é verdade. Porém, você tem que se lembrar que sua presença
representa uma ameaça e elas não gostam disso. Tudo o que
querem é rebaixá-la ao nível delas. Você só precisa permanecer
acima de suas ofensas.
A mais nova encarou sua mãe, atordoada demais para falar.
Pela primeira vez desde que haviam chegado, não sabia o que
dizer. Como poderia ser uma ameaça para alguém?
Por fim, Millicent questionou:
– Como posso representar uma ameaça para elas, mamãe?
Violet abriu um sorriso conhecedor e assentiu.
– Você vem de uma boa família. Seu pai e seu tio são homens
poderosos. Além disso, seu dote é considerável. Muitas daquelas
jovens só têm a própria beleza para ajudá-las a conseguir um
marido, e a maioria dos homens quer mais do que isso – explicou.
Millie fez uma careta.
– Sim, mas a maioria dos homens está atrás de uma esposa
esbelta e elegante que irá ficar fora do seu caminho – a moça
retrucou, sabendo que nunca seria esse tipo de mulher.
Sua mãe riu.
– De onde tirou essa tolice? Alguma vez me viu agir timidamente
na frente do seu pai? E acredite, eu nunca fui esbelta. – Ela se
inclinou sobre o assento de couro e acariciou a bochecha da filha. –
Querida, perceberá que cada homem se sente atraído por coisas
diferentes. Alguns a acharão peculiar por conta da sua criação
estrangeira ou pensarão que você não é do agrado deles, contudo,
garanto que encontrará alguém que a verá como a criatura mais
encantadora do mundo e, quando ele descobrir que você é uma
jovem espirituosa e inteligente, agradecerá por tê-la em sua vida.
Violet colocou uma mecha castanha rebelde que se soltara do
penteado de Millie atrás da orelha da mais nova, dizendo:
– Contudo, terá que parar de reclamar da Inglaterra para que ele
tenha uma chance de apreciar suas qualidades. Estou certa de que
superará sua aversão a esse lugar; eventualmente, todos superam.
– Exceto os franceses – a jovem murmurou, sabendo que estava
testando o limite da paciência de sua mãe.
A mulher se encostou no assento, massageando as têmporas.
Ela mencionara um latejar atrás do seu olho esquerdo antes de
chegarem na residência de Lady Elmore e, pela palidez das
bochechas de sua mãe, Millie podia notar que uma de suas dores
de cabeça estava prestes a se desencadear. Assim que chegassem
em casa, Violet se retiraria para o seu quarto, onde passaria a tarde
inteira adormecida, deixando Millicent mais uma vez sozinha para se
ocupar com seus pensamentos.
As palavras da mais velha ainda pairavam no ar. Violet estava
certa, é claro. Millie teria que fazer as pazes com sua nova
residência, todavia, quanto ao outro assunto, sua mente ainda
estava nublada pela dúvida. Ninguém em Londres a descreveria
como uma jovem formosa ou deslumbrante. Apenas um homem
especial seria capaz de enxergar além da fachada e ver a
verdadeira Millicent Ashton. Pelo que notara da sociedade londrina
até agora, duvidava que um cavalheiro assim pudesse existir na
Inglaterra.
Enquanto o coche fazia o caminho até a nova casa delas na Mill
Street, Millie continuou a olhar pela janela. As ruas de
paralelepípedos eram completamente diferentes das ruas
empoeiradas de Calcutá, a cidade onde nascera. Em vez das
alamedas quentes e ventiladas cheias de pessoas, animais e
carrinhos de mão que tentavam prosseguir em meio ao tráfego,
Londres era a imagem ideal de uma civilidade ordenada. Os poucos
passantes que percorriam as ruas da St. James, caminhavam por
calçadas de pedra, não no meio da estrada. Ademais, não se viam
vacas vagando preguiçosamente, entrando e saindo das barracas e
dos mercados de rua. A jovem se endireitou em seu assento, fechou
os olhos e tentou se lembrar dos gritos dos khonchavala, enquanto
percorriam as ruas de sua cidade natal vendendo suas diversas
mercadorias.
Quando chegaram em casa e entraram, Millicent entregou
rapidamente sua touca e seu casaco para uma criada. A visita das
duas fora longa e cansativa; seu temperamento estava desgastado,
portanto, sabia que se ficasse perto de sua mãe por mais um
minuto, acabariam trocando palavras duras, o que arruinaria o dia.
Em vez de permitir que isso acontecesse, a jovem beijou a
bochecha da mais velha, desejou-lhe melhoras, e, decidida, desceu
as escadas que levavam à cozinha.

Millie estava sentada na grande cadeira de madeira da cozinheira


com uma xícara quente de chá doce, lentamente mastigando um
dos bolos de mawa da Sra. Knowles quando viu a cabeça de
Charles, seu irmão, aparecer atrás da porta.
Entrando na cozinha, ele foi recebido pela Sra. Knowles, natural
da Índia, com um respeitoso “Namaste”. Charles fez uma reverência
antes de se virar para sua irmã.
– Achei que a encontraria aqui. Como foi a visita à residência de
Lady Elmore? – ele perguntou, parando próximo à mesa do cômodo.
Seu olhar se desviou para o prato ao lado da jovem, no final da
mesa. Um único bolo permanecia em meio às migalhas. – Ah,
querida, tão ruim assim? – falou, passando uma mão pelo seu
cabelo loiro arenoso.
Millicent limpou sua boca com um guardanapo de pano e engoliu
ruidosamente o resto do chá. Lágrimas se formaram em seus olhos,
mas ela piscou para afastá-las. Levantando-se da cadeira,
conseguiu manter sua compostura durante os segundos que levou
para percorrer a distância entre eles e cair nos braços do seu irmão.
Charles a abraçou.
– Elas me chamaram de elefante – Millie disse em meio às
lágrimas que escorriam por suas bochechas. – Nenhuma delas quis
falar comigo, apenas permaneceram rindo por trás de suas mãos.
Foi simplesmente horrível.
Seu irmão acariciou seu cabelo e beijou o topo de sua cabeça.
– Millie, você só tem que lhes dar um tempo. Permita que a
conheçam, prometo que as coisas irão melhorar. Nem todos aqui
são pessoas ruins. Logo você fará novas amizades. Chegamos há
apenas uma semana, portanto, ainda não pode repudiar Londres
inteira – ele disse com um suspiro.
A moça engoliu as lágrimas e pegou o lenço que Charles
ofereceu.
– Eu sei, eu sei. A mamãe disse a mesma coisa, mas...
– Mas o quê?
– Londres não é como me prometeram que seria. Onde está a
sofisticação, a elegância? Até agora, tudo o que vi foram salas de
estar cheias de harpias de mente pequena – a mais nova
respondeu, afastando-se dos braços dele.
– Espero que não esteja renegando nossa nova casa.
Millie deu de ombros.
– Eu só esperava que Londres fosse um pouco mais
cosmopolita. Sei que muitos dos ingleses em Calcutá eram
indiferentes quanto ao resto do país, contudo, suponho que
esperava mais da Inglaterra depois das histórias que ouvi. Está
sendo mais difícil me estabilizar aqui do que eu esperava.
– Mas você tem que admitir que não tem sido completamente
ruim. Não tem como me fazer acreditar que não está gostando de
comprar roupas novas, Millie. Eu já tropecei duas vezes em pilhas
de caixas que foram colocadas na entrada – Charles retorquiu.
– As lojas são maravilhosas. Nunca vi nada igual. Estou certa de
que podemos passar dias fazendo compras sem ter que entrar na
mesma loja mais de uma vez – a jovem admitiu, grata pela mudança
no rumo da conversa.
– Muito bem, e quanto aos museus? Sei que tem uma longa lista
de galerias, jardins e castelos que deseja visitar.
Ela se animou com a ideia enquanto olhava para o irmão e
assentia. Nos próximos meses, ambos teriam que encontrar seu
caminho dentro do labirinto da sociedade londrina.
– Obrigada, Charles. Você tem o dom de encontrar o lado
positivo em qualquer situação. Sempre posso contar com sua ajuda
para afastar meu mau humor. E você está certo; pedirei ao papai
para me levar para ver os Mármores de Elgin quando ele tiver um
tempo livre. Ouvi dizer que os mudaram para uma nova exibição.
– Ótimo. Você pode fazer o pedido no caminho da festa desta
noite – seu irmão sugeriu.
Uma onda de náusea a atingiu. Millicent não soube dizer se a
sensação era o resultado do número de fatias de bolo que
consumira ou da percepção de que, naquela noite, sua família
inteira participaria de um baile de boas-vindas como convidados de
honra.
A moça agradeceu à Sra. Knowles pela comida e se dirigiu à
porta. Enquanto passava pela mesa, Charles pegou o último bolo de
mawa, enfiou-o em sua boca e seguiu sua irmã.
Capítulo 2

N aquela noite, Millie espiou pela janela do coche de sua família


enquanto o veículo passava pela casa bem iluminada de seu
tio. A Residência Ashton podia não ser a maior construção na Green
Street, todavia, certamente era a mais elegante.
Quatro enormes colunas de pedra se erguiam acima da rua,
formando um pórtico em arco. Portões pretos de ferro em ambos os
lados indicavam a única entrada da casa, que ficava voltada para a
estrada. Os tolos que tinham escolhido o lado contrário para
estacionar agora eram obrigados a percorrer o caminho estreito
entre as colunas e a rua.
Millicent achava ultrajante que um de seus ancestrais tinha sido
capaz de roubar a calçada pública em frente à Residência Ashton.
– Eles alargaram a rua após a construção – seu pai observou.
A jovem o fitou com indignação. James Ashton tinha a sinistra
capacidade de saber exatamente o que sua filha estava pensando.
Quando era mais nova, achava divertido vê-lo acertar o que ela
queria comer no jantar. Contudo, agora que estava mais velha,
tentava manter certa distância dos olhos perceptivos de seu pai,
embora soubesse que qualquer um poderia notar quão infeliz estava
desde que haviam atracado na úmida e cinzenta Inglaterra.
Seus pais tinham passado tantos anos discutindo o retorno que
Londres passara a ter um status místico. Entretanto, em certa noite,
James anunciara alegremente que aceitara um cargo sênior na
Companhia das Índias Orientais e que todos partiriam de Calcutá
dentro de seis meses. O choque nos olhos da moça contrastara com
a luz que brilhara no rosto de sua mãe diante da notícia súbita.
Mais tarde, quando passara pela porta dos aposentos de seus
pais enquanto seguia para sua cama, flagrou-os no meio de um
beijo apaixonado. À medida que os dois se afastavam, notou um
sorriso amplo no rosto de James. Todavia, foi só quando sua mãe
sussurrou “Obrigada, querido, esse é o maior presente que você já
me deu” que Millie soube que sua vida na Índia chegara ao fim.
Durante as semanas que se seguiram, percebeu que nunca vira
Violet e James tão felizes. Após testemunhar o beijo amoroso do
casal e a empolgação vertiginosa que sua mãe demonstrara quando
os primeiros caixotes de viagem chegaram, jurara que não contaria
a eles quão devastada estava com a mudança iminente.
Já fazia quase um ano desde a última vez que presenciara o
fenômeno, porém, ainda achava difícil acreditar que nunca mais
veria as chuvas de monção.
– Por favor, papai, pare de ler a minha mente. Não é educado –
Millicent respondeu, retornando ao presente.
– Bem, pare de pensar tão alto, assim não serei capaz de lê-la –
o outro riu.
O coche parou em frente à Residência Ashton e James saiu do
veículo. Ele ajudou Violet e Millie a descerem, enquanto Charles
seguia atrás do trio. No interior da casa, o irmão mais velho de seu
pai e sua esposa os cumprimentaram calorosamente. Casados há
quinze anos, o visconde e a viscondessa infelizmente não tinham
sido abençoados com filhos.
– Violet, Millie – Lady Ashton falou alegremente. – É tão bom vê-
las. Estive aguardando ansiosamente por esta noite. – A mulher
beijou a bochecha de sua sobrinha e a abraçou. – Amei o seu
vestido de seda, combina com o piercing no seu nariz. Causará uma
impressão e tanto na sociedade londrina, minha querida – sua tia
comentou.
A jovem ergueu uma mão e tocou o pequeno anel cravejado de
safira que usava na narina direita. Seu vestido azul-claro com
bainha dourada na saia chegara da modista naquela manhã; o
tecido refletia a cor da pedra perfeitamente.
– Obrigada, tia Beatrice. Não acha que ele me faz parecer muito
estrangeira? A mamãe tem tentado me convencer a tirá-lo desde
que partimos de Calcutá – ela disse.
Lady Ashton assentiu.
– Eu amei, mas talvez deva ouvir o conselho de sua mãe. A alta
sociedade pode ser bastante intransigente quando lhe é
conveniente. Nem todos a verão como uma dama interessante e
exótica.
– Estou começando a entender isso – a mais nova replicou.
Lorde Ashton deu um tapinha cordial nas costas de Charles.
– Meu garoto – ele riu.
Com o berçário vazio na Residência Ashton, seu sobrinho seria,
eventualmente, o herdeiro do título da família.
– Lembre-me de lhe enviar a conta dos estudos dele – James
disse com um sorriso.
Os dois irmãos encenaram uma luta divertida enquanto os outros
membros da família assistiam. Violet pareceu ser a única que não
achou a troca fraternal nem um pouco estranha.
– Nada muda – ela suspirou. – Desde o primeiro momento que
conheci James, notei que os dois não conseguiam tirar as mãos um
do outro. Eles sempre estão trocando golpes, abraços ou lutando
entre si.
– Sim, bem, nós temos muito que pôr em dia, minha querida –
seu marido respondeu com a cabeça firmemente presa embaixo da
axila do seu irmão mais velho.
Os dois homens sorriram como garotos travessos. A alegria de
finalmente se reunir com seu irmão mais novo brilhava nos olhos de
Lorde Ashton. Subitamente, Millie teve uma visão dos dois garotos
correndo pelos campos de Kent, rindo enquanto percorriam a
vegetação.
Ao longo dos anos, James contara para Millicent e Charles
várias histórias de sua infância cheia de alegria em Ashton Park.
Segundo seus relatos, quando os dois irmãos já estavam crescidos
e a propriedade passou por dificuldades financeiras, seu pai viajara
para o outro lado do mundo com o objetivo de restaurar a fortuna da
família, deixando Oscar e a Inglaterra para trás.
Lorde Ashton soltou James e voltou sua atenção para Violet.
Puxando-a para seus braços, ele deu um beijo em sua testa.
– Estou muito feliz por tê-la de volta em nossa casa, minha
adorável irmã. Vocês passaram muitos anos longe de nós, muitos
anos.
Lágrimas quentes arderam nos olhos de Millie ao observar seu
tio abraçar sua mãe como se nunca fosse soltá-la. Até
recentemente, Oscar Ashton não passava de um nome em uma
carta valiosa vinda de uma terra distante, porém, agora, ele se
tornara real; tornara-se uma silhueta humana cheia de emoção que
possuía traços similares aos de seu pai.
A jovem sentiu a pressão suave da mão de sua tia em seu braço
e se virou na direção da mulher, que respirava com dificuldade
enquanto tentava sufocar suas próprias lágrimas.
Durante todos os anos felizes e ignorantes de sua vida, Millicent
nunca havia percebido que seus pais tinham sido dolorosamente
separados de suas famílias. Embora a Índia sempre tivesse sido sua
casa, para James e Violet, a estadia no subcontinente representara
vinte anos de sacrifício e saudade. Agora, com os esforços e a
administração habilidosa de seu pai, a família conseguira ter capital
suficiente para retornar à Inglaterra e se reestabelecer no topo da
sociedade londrina.
A moça tirou um lenço de seu vestido e secou as lágrimas.
– E pensar que chorei porque tive que deixar meu cavalo para
trás. Que filha terrível e egoísta eu sou. Deveria estar feliz por meus
pais poderem voltar para casa, mas não consegui ver nada além da
minha própria situação miserável.
Lady Ashton passou um braço ao redor dela, em um gesto
reconfortante.
– Minha querida, não precisa ficar envergonhada ou se punir de
modo tão ríspido. Sua mãe me contou que sua primeira semana
aqui tem sido difícil. Todos nós temos que lembrar que a Inglaterra é
um país estrangeiro para você, então não podemos esperar que se
acostume com as diferenças em um piscar de olhos. Seus pais
podem ter voltado para sua terra natal, contudo, você acabou de
deixar a sua para trás e está começando uma vida nova em outro
país.
– Obrigada – Millie falou, conseguindo abrir um sorriso para sua
tia. – Você é gentil.
O fracasso da viscondessa em gerar um herdeiro para o seu
marido deveria ser uma humilhação dolorosa para ela. Apesar disso,
a partir do momento em que James e Violet retornaram à Inglaterra,
a mulher não medira esforços para fazer com que eles e seus filhos
se sentissem bem-vindos.
Beatrice sorriu de volta.
– Bobagem, é para isso que a família serve, minha querida. Se
precisar de alguém para ouvir seus problemas, ficarei mais do que
feliz em me voluntariar. Não é fácil ser uma forasteira em meio à alta
sociedade, especialmente quando não se nasceu dentro dela.
Vamos, seque seus olhos; quero mostrar a você e a sua mãe nosso
lindo salão de baile antes que os outros convidados cheguem.

Cerca de uma hora depois, Millicent estava parada em um dos


cantos do salão de baile, refletindo sobre as palavras de sua tia.
Enquanto os outros convidados se juntavam em pequenos grupos
amigáveis, ela sentia a dor de ser uma verdadeira forasteira.
Mais cedo, tinha dado várias voltas elegantes pelo cômodo com
Charles; ambos sorrindo com orgulho enquanto os visitantes
admiravam as belas tapeçarias de seda que seu pai trouxera da
Índia. Os quatro painéis grandes e multicoloridos estavam
pendurados nas paredes, cada dupla em um dos lados das portas
francesas que levavam para o salão de baile, proporcionando aos
recém-chegados uma visão completa a partir do topo da escada.
– Elas serão um lembrete constante da origem da salvação da
família Ashton, quando esta chegou tão perto da beira de sua ruína
– seu pai dissera quando encomendara as tapeçarias dos tecelões
locais de Calcutá.
Agora, fitando seu painel favorito, que retratava a vista do rio
Hooghly a partir de Fort William, ocorreu-lhe que eles eram uma
representação visual de tudo o que seus pais haviam sacrificado.
Quando seu tio caminhara em sua direção e arrastara Charles
para conhecer os seus amigos, Millie recusara o convite, preferindo
passar algum tempo sozinha – o que fora um feito fácil de alcançar,
já que, com exceção da família Ashton, a jovem não conhecia mais
ninguém em Londres.
– Que multidão! Não pensei que haveria tantas famílias na
cidade nesta época do ano – comentou uma jovem loira que parou
ao seu lado. – Embora eu não deva reclamar. Ao menos assim
conseguirei ficar longe da mesa de guloseimas de Lorde Ashton.
Minha mãe avisou que, se me vir perto dela mais uma vez durante
esta noite, irá costurar a minha boca.
Millicent se virou, entretanto, depois de analisar as pequenas
flores cor-de-rosa no corpete do vestido de musselina da garota
esbelta, abriu um sorriso desanimado. Depois de tudo que
acontecera naquele dia, ter que lidar com mais uma dama obcecada
com seu físico era a última coisa que a jovem precisava.
Uma faísca travessa cintilou nos olhos da outra dama.
– É claro que, se nós por acaso estivéssemos imersas em uma
conversa, passássemos lentamente pela referida mesa de iguarias e
eu acabasse me desequilibrando porque perdi um dos meus
calçados...
– Suas mãos parariam sobre a mesa para recobrar seu equilíbrio
– Millie completou, percebendo aonde ela queria chegar.
– Momento em que minha mão acidentalmente tocaria em uma
daquelas deliciosas tortas de maçã com canela...
– Assim não lhe restaria escolha a não ser agir conforme as
boas maneiras. Já que você tocou na comida, não poderia permitir
que outro convidado a comesse.
A loira soltou uma risadinha antes de colocar uma expressão
séria e determinada em seu rosto. Ela pegou a mão da jovem e a
apertou gentilmente.
– Você está certa, absolutamente certa – a desconhecida
retrucou. Um sorriso ameaçou se formar no canto dos lábios dela,
mas, para o deleite de Millie, a garota conseguiu suprimi-lo. – Eu
estaria salvando minha família do pior dos escândalos. Suponho
que deveria receber uma ovação de pé no momento em que a fatia
de torta tocasse em meus lábios.
Millicent fechou os olhos e assentiu sabiamente.
– Acho que uma medalha deveria ser criada em sua honra. Meu
tio cuidaria disso, pois comer uma fatia de torta ao mesmo tempo
que se recobra de uma possível queda é uma verdadeira façanha;
uma que deve ser recompensada.
Uma risada escapou dos lábios da outra moça, sendo seguida
por um bufar nada típico de uma dama. Ambas as jovens abaixaram
a cabeça para tentar abafar seus risos com as mãos, e Millie soltou
um suspiro de alívio.
Garotas reais existiam na sociedade londrina.
– Lucy Radley – sua nova amiga se apresentou, seus olhos
verdes pálidos brilhavam com lágrimas de diversão quando ela
estendeu sua mão. A elegância do gesto se assemelhava a de uma
rainha.
– Millie Ashton – Millicent disse, fazendo uma reverência.
Quando ela se ergueu, notou que o sorriso de Lucy tinha
desaparecido.
– Você é a sobrinha de Lorde Ashton?
A jovem assentiu.
– Ah, não. Que constrangedor. Você é um dos convidados de
honra e aqui estou eu, ensinando-lhe como roubar a comida da
mesa do seu tio. Devo parecer o cúmulo da grosseria. Sinto muito –
a loira disse à medida que um rubor tomava conta de suas
bochechas.
Millie tomou seu tempo, estudando atentamente suas luvas de
noite. Se quisesse descobrir que tipo de pessoa Lucy realmente era,
agora era o momento certo.
– Infelizmente, suas desculpas não são o bastante. Você terá
que ser punida por uma transgressão tão grave – respondeu com
altivez.
– Sim?
Ela ergueu o olhar e, com uma seriedade digna de um juiz de
Old Bailey, pronunciou a sentença:
– Sinto que não há nada que eu possa fazer. A pena deve
corresponder à gravidade do crime. Lucy, você terá que ser minha
nova melhor amiga.
Uma expressão de alívio atravessou o rosto da outra dama,
seguida por um olhar bem elaborado de falso terror.
– Tudo por conta de um pedaço de torta. Eu não tinha ideia de
que minha punição seria tão dura. Será que você não poderia só me
enviar para as colônias? – a loira indagou.
Millicent riu. Suas suposições sobre Lucy estavam certas. Elas
tinham sido feitas uma para a outra.
– Muito bem, agora, acredito que devamos seguir para a mesa
de guloseimas – a jovem comandou, esfregando as mãos com
satisfação. Acabara de fazer sua primeira amiga em Londres, estava
na hora de celebrar.
Lucy fez uma pequena reverência e acenou em direção à mesa.
– Mostre o caminho.
Mais tarde, depois de comerem inúmeras iguarias que
enfeitavam a mesa de Lorde Ashton, incluindo duas tortas de maçã
com canela, as moças seguiram para o canto mais distante do salão
de baile.
Felizmente, elas conseguiram encontrar um espaço vazio
próximo às portas abertas, onde podiam se refrescar do calor da
multidão. Millie acreditara que algumas pessoas ficariam
interessadas em conhecer sua família por conta da posição de seu
pai na Companhia das Índias Orientais, mas os cerca de trezentos
convidados que se amontoavam no salão de baile tinham-na
deixado atordoada. O cômodo havia mergulhado em um mar de
corpos e conversas abafadas.
– Nunca vi tantas pessoas em um mesmo lugar – ela disse,
virando-se para encarar o vão entre as portas, de modo que a brisa
fria e gentil pudesse acariciar os seus cabelos.
A jovem estremeceu. Após passar sua vida inteira em um
subcontinente quente, o inverno inglês nunca deixaria de ser uma
experiência nova para a dama.
– Na Índia, o clima está sempre quente e úmido demais para
sediarmos um evento com tantas pessoas. Se não houvesse espaço
para se abanarem durante a onda de calor, as senhoras
simplesmente acabariam desmaiando.
– Ah, isso deixaria a noite interessante, embora acredite que
acabaria desmotivando os convidados do seus tios a visitarem a
Residência Ashton novamente – Lucy respondeu.
A outra assentiu.
– Sim, porém, com base na minha curta estadia em Londres,
posso dizer que não há muitas pessoas com quem eu gostaria de
me encontrar novamente. Sendo você uma exceção, é claro.
– Obrigada – a amiga falou com um sorriso.
Millie observou o olhar de Lucy se desviar dela e escanear o
cômodo lentamente. A loira se equilibrou nas pontas dos pés e
tentou espiar por cima das cabeças dos demais convidados.
– Quem? – Millicent perguntou.
– Quem o quê? – a outra replicou sem parar de vasculhar o
lugar.
– Quem ou o que você está procurando?
A ideia de que sua nova amiga pudesse já estar cansada da sua
companhia surgiu em sua mente. Talvez suas suposições sobre
Lucy estivessem, afinal, erradas. Após passar uma semana de
amarga decepção na terra natal de seus pais, não sabia se
suportaria ser abandonada sem cerimônia no meio de uma festa.
– Se você tiver planos com outra pessoa, eu entenderei. Acabei
tomando sua companhia sem aviso prévio – Millicent comentou.
A loira se virou e abriu um sorriso tranquilizador.
– Não irei a lugar nenhum sem você, querida Millie, então não
precisa se alarmar. Estou apenas procurando os meus irmãos. Eles
deveriam estar participando deste evento, mas, como sempre,
parece que estão atrasados. Eu queria apresentá-la. David é
incrivelmente divertido e Alex é...
– É o quê? – a jovem indagou.
Lucy torceu o nariz.
– Bem, acho que posso explicar tudo apenas dizendo que todas
as garotas estão apaixonadas por ele e que todos os rapazes
queriam ser Alex. Se não fosse meu irmão, imagino que meu pai o
teria colocado no topo da lista de pretendentes adequados para mim
– a amiga informou, torcendo o nariz pela segunda vez. O feitiço
mágico de Alex claramente não surtira efeito sobre sua irmã.
Millie se perguntava quanto tempo teria até que seus próprios
pais começassem a falar sobre encontrar um marido para ela.
Charles logo teria que se casar; era o que se esperava do futuro
visconde. Contudo, a jovem acreditava ter mais algum tempo antes
que a questão do matrimônio se voltasse em sua direção e
esperava que, até lá, encontrasse uma forma de voltar para a Índia.
Violet e ela ainda tinham discussões diárias sobre Millicent estar
ou não velha demais para participar de uma temporada como
debutante, o que, ao menos, colocava o tópico do casamento de
lado. Com sorte, seria capaz de convencer sua mãe de que a ideia
de virar uma debutante com vinte anos era completamente ridícula,
algo que lhe pouparia daquela humilhação pública. A mera
possibilidade de ser apresentada à sociedade londrina ao lado de
debutantes mais jovens e mais magras a deixava doente. Com sua
figura curvilínea, não conseguiria competir com nenhuma delas pela
atenção de um solteiro elegível.
Não importava o que sua mãe dissesse, Millie tinha sérias
dúvidas acerca de suas chances de conseguir formar um par
amoroso. Apenas naquela semana, quantas vezes já escutara que
os cavalheiros ingleses só gostavam de damas esbeltas: sem
curvas, sem seios? É claro que, quando a alta sociedade
descobrisse que, graças aos esforços do seu pai no exterior, sua
filha possuía um dote considerável, as chances da jovem no
mercado casamenteiro aumentariam significativamente.
Todos os caçadores de fortuna a veriam como alguém
encantadora. Eles ignorariam suas diversas falhas até que a moça
finalmente cedesse e selecionasse um deles como marido;
momento em que estaria livre para passar o resto da sua vida se
arrependendo da sua decisão, enquanto seu cônjuge passaria seus
dias gastando sua fortuna e suas noites na companhia de outra
mulher.
Millicent estava ciente de que poderia encontrar o mesmo
destino na Índia, contudo, ao menos estaria em casa e bem longe
da Inglaterra. Deixar seu irmão para trás seria a parte mais difícil,
mas acabara percebendo que não pertencia àquele lugar e nunca
pertenceria. Seria melhor que não continuasse no país ou poderia
envergonhá-lo.
A visita recente de Charles ao alfaiate na Bond Street resultara
em uma exibição diária do novo e refinado guarda-roupa do rapaz.
Embora as roupas o deixassem mais belo do que nunca, ela se
preocupava, imaginando se a mudança seria mais profunda do que
apenas sua apresentação exterior. Seria terrível se a influência dos
novos amigos do seu irmão e do futuro esperado dele apagassem
os traços que tornavam Charles Ashton único.
– Continue sendo você – Millie murmurou.
– O que disse? – Lucy perguntou.
Entretanto, antes que a jovem pudesse responder, algo chamou
a atenção da amiga. Ela ergueu o braço e começou a acenar
loucamente na direção da escada.
– Estamos aqui! – a loira exclamou.
Millicent sorriu. Lucy realmente era um sopro de ar fresco.
Erguendo o olhar, viu dois rapazes parados no topo da escada. Eles
estavam espiando a multidão na direção da amiga, que continuava a
acenar. Quando notaram as duas jovens, o cavalheiro mais próximo
a elas levantou a mão e acenou amigavelmente.
– O que tem o cabelo preto é meu irmão mais velho, David. Já o
de cabelo claro próximo a ele é Alex, conhecido por todos como
Alexander, o Grande – Lucy informou.
Enquanto os dois homens desciam a escada e caminhavam pelo
salão de baile, Millie notou o impacto imediato que a chegada dos
irmãos Radley causou nos convidados. A cada passo que eles
davam, alguém os saudava. Apertos de mão voavam entre a
multidão; as costas dos rapazes receberam vários tapinhas e um
coro de cumprimentos alegres ficava cada vez mais alto.
Ela se perguntou qual deles estava empunhando a espada
quando o dragão foi morto diante da recepção vibrante que os dois
estavam recebendo. Os irmãos pareciam mais heróis
conquistadores que retornavam para a casa depois de uma jornada
perigosa e apreciavam as regalias da vitória do que apenas um par
de rapazes da alta sociedade que participavam de um evento social.
A qualquer momento, esperava ver a multidão erguê-los em seus
ombros para que todo o mundo pudesse enaltecê-los.
Quão intoxicante deveria ser tão popular; ter tanto poder.
Lentamente, os homens fizeram seu caminho em meio à
aglomeração em massa. Por fim, a dama conseguiu ter o primeiro
vislumbre real dos irmãos Radley – foi quando o seu coração parou.
David estava liderando a rota em meio aos convidados, contudo,
assim que se aproximaram das garotas, a multidão diminuiu um
pouco e Alex pôde andar ao lado de seu irmão. Quando ele
apareceu atrás do mais velho, Millicent se perguntou se estava
imaginando coisas. Nenhum mortal poderia ser tão bonito assim.
Ele não era apenas belo, o cavalheiro era de tirar o fôlego.
Uma confusão de mechas loiras podia ser vista no topo da sua
cabeça. À primeira vista, os fios não pareciam ver um pente há dias
e, ainda assim, estavam perfeitos. Alex tinha a aparência de alguém
que acabara de sair da cama, jogara suas roupas de noite no corpo
e seguira até a comemoração na Residência Ashton.
Sua gravata estava – contra todos os ditames da moda –
amarrada frouxamente ao redor do seu pescoço, embora de uma
maneira tão elegante que parecia ser um design intencional. Seu
colete transpassado com listras douradas e vermelhas ajustava-se
perfeitamente ao seu corpo longo e musculoso.
Enquanto o olhar de Millie buscava compreender a magnificência
das vestimentas do homem, tornou-se óbvio que cada uma das
peças que cobria o corpo dele fora feita a partir do melhor tecido; o
toque de um alfaiate mestre estava mais do que evidente neste
pináculo de elegância casual. Os olhos da jovem vagaram até as
botas hussardas pretas e altamente polidas que se agarravam aos
músculos da panturrilha dele. Ela respirou profundamente e tentou
virar o rosto, porém, descobriu que era incapaz de mudar o foco de
sua atenção.
Ou será que apenas não queria mudá-lo?
No momento em que viu os olhos verdes profundos de Alex,
soube que o sujeito era perigoso. Quando o olhar perfurante dele se
moveu em sua direção, a jovem sentiu um calafrio de premonição
percorrer sua espinha.
Millicent espiou por cima do seu ombro esquerdo, querendo
descobrir quem chamara a atenção do rapaz, todavia, acabou
apenas encarando uma cortina de veludo verde-escuro.
Não tinha ninguém atrás dela.
Voltando seu olhar para o Adônis que se aproximava, percebeu
que os olhos dele estavam fixos nela; uma expressão de
perplexidade estava gravada no rosto de Alex.
A moça fitou Lucy, mas não conseguiu chamar sua atenção. Sua
amiga estava ocupada tentando parecer irritada enquanto encarava
seus irmãos.
– Ah, não. Isso não vai terminar bem – Millie murmurou, sentindo
seu rosto corar. Ela deu dois passos para trás, porém acabou indo
de encontro às cortinas do salão de baile. – Preciso sair daqui –
falou baixinho, começando a entrar em pânico.
Lidar com senhoritas horríveis já era ruim o bastante, não
precisava acrescentar irmãos desaprovadores à mistura. Com os
olhos dele fixos nela, assim como os de um caçador que encontrou
sua presa, sabia que não teria a sorte de escapar ilesa. A partir da
expressão no rosto do sujeito, a jovem deduziu que Alex não estava
feliz em vê-la ao lado de Lucy. Será que o irmão perfeito não
gostava de ver sua irmã se associando com aqueles que não eram
nada divinos? Não era a primeira vez que seu caráter estava sendo
julgado apenas por sua aparência.
Sua amiga balançou a cabeça.
– Você não pode ir embora agora, ainda não lhe apresentei os
meus irmãos. Eles ficarão felizes em conhecê-la, estou certa disso –
Lucy respondeu. – Isto é, depois que eu terminar de repreendê-los.
Millicent agarrou um dos lados da cortina no seu punho. Por
alguns segundos, contemplou a ideia de se esconder atrás do tecido
volumoso, ficando invisível, contudo, sabia muito bem que aquilo
seria ridículo. Era impossível escapar.
A cada passo, o cavalheiro encurtava a distância entre eles,
sem, no entanto, tirar seus olhos da moça. Presa em seu olhar e
incapaz de fugir, a dama se preparou para a humilhação que estava
prestes a aguentar.
– Eu estava começando a me perguntar quando os dois patifes
iriam chegar – Lucy disse, bufando com desgosto. – Onde vocês
estavam?
Os homens trocaram um olhar conhecedor.
– Está vendo? Eu disse que nos encontraríamos – David replicou
e assentiu para o irmão.
– Não sei por que, mas a mamãe pediu que fôssemos para casa
e prestássemos nossos respeitos à tia-avó Maude, o que fez com
que nos atrasássemos. Você não pode nos culpar por isso, Lu –
Alex falou sem mover o olhar que pairava sobre Millie.
A jovem piscou com força e se esforçou para afastar sua
atenção do olhar magnético dele. Ela olhou para sua amiga, que
retornou o gesto com uma expressão envergonhada. Millicent
simpatizou com a colega.
– Sinto muito – Lucy murmurou, deixando suas mãos caírem em
ambos os lados. – Como a tia Maude está? A mamãe anda tão
preocupada. Ela só concordou em vir para o evento desta noite
porque Maude finalmente aceitou receber a visita de um médico.
David ergueu as mãos e puxou sua irmã em um abraço
compassivo. A mais nova colocou seus braços ao redor dele e
escondeu o rosto vermelho na frente do seu paletó.
– Não se preocupe, Lucy, Maude está bem. O médico estava
indo embora quando chegamos. Ele disse que era apenas exaustão
causada pela longa viagem ao sul. Dê-lhe alguns dias de descanso
e verá que nossa tia estará vagando pela cidade novamente.
Ele deu um beijo na bochecha de sua irmã, antes de sua mão se
mover astutamente para o cabelo dela em um movimento bem
praticado. A colega recuou e lutou para se libertar do abraço. Ela se
afastou e, então, desferiu-lhe um soco no braço.
– Ah, você é horrível, David Radley. Não pense nem por um
segundo que não contarei à mamãe que foi você quem estragou o
meu penteado – Lucy riu, balançando um dedo na frente de David,
que, agora, esfregava seu pobre braço.
– Esse foi um bom gancho de direita, Lucy. Já pensou em lutar
boxe?
Millie abafou uma risadinha. Por também ter um irmão mais
velho, acabara descobrindo que o preço a se pagar por um abraço
fraterno era ter seu cabelo despenteado. Aparentemente, David
Radley também dominava aquela arte.
Outra faísca de esperança queimou dentro dela; o calor
continuava a existir no coração frio da sociedade londrina. A jovem
imediatamente gostou de David, ele se assemelhava a Charles.
Seu olhar se desviou para o outro irmão Radley, Alex, que a
analisava lentamente de cima a baixo, como se fizesse um
levantamento. Ela sorriu para ele, rezando para que sua morte
social fosse misericordiosamente rápida.
O rapaz fez uma pequena reverência e ergueu sua mão. Millicent
não antecipara o movimento, de modo que demorou um pouco para
abrir a palma que segurava a cortina e oferecê-la para ele. O
cavalheiro capturou sua mão e a segurou firmemente.
Olhando para baixo, Millie notou que seus dedos desapareciam
embaixo da palma dele. A dama respirou superficialmente enquanto
mordia seu lábio inferior. Quanto mais cedo aquilo acabasse, melhor
seria.
– Alex – ele sussurrou levemente, abaixando-se para beijar a
palma enluvada da jovem.
Podia sentir a respiração quente dele através das luvas finas de
algodão, o que fez com que outro calafrio percorresse seu corpo.
O cavalheiro levantou o rosto e fitou os olhos dela mais uma vez.
Se a morte tivesse vindo ao seu encontro naquele momento, ela
teria a recebido de braços abertos. Estava certa de que nem uma
frota inteira de navios lançados pela Helena de Troia sobreviveria às
chamas que queimavam nos olhos de Alex, tal era o seu poder.
Eles permaneceram em silêncio, mirando um ao outro, até que
David pigarreou de uma maneira nada sutil.
Alex acenou na direção do irmão e murmurou:
– David.
Ainda cativa pelo ardor do olhar do homem, Millie deu um
pequeno aceno de cabeça.
Um minuto depois, a moça escutou um súbito bufar indignado e
viu que Alex desaparecera. Em seu lugar, estavam David e Lucy. Foi
então que ela voltou à realidade e percebeu que, segurando sua
irmã com um braço, David usara a outra mão para empurrar o irmão
mais novo para o lado.
Com o canto de seus olhos, Millicent podia ver que Alex estava
parado próximo a eles, lançando adagas com os olhos na direção
do mais velho. Para a felicidade de David, o rapaz não era capaz de
encarar duas pessoas ao mesmo tempo, portanto, sua punição
silenciosa durou apenas alguns minutos antes de ele voltar a
observar Millie com afinco.
A jovem encarou sua própria mão, surpresa ao descobrir que ela
ainda estava presa ao seu braço; tinha certeza de que Alex a levara
junto com ele, visto que a segurara tão fortemente em seu aperto.
– Peço desculpas. Às vezes, meu irmão acaba se esquecendo
das sutilezas sociais. Alguns ficariam surpresos ao descobrir que ele
é o filho de um duque – David disse, devolvendo o olhar feroz do
mais novo na mesma moeda.
Millicent arqueou uma sobrancelha e olhou para Lucy.
– Então, eu deveria chamá-la de Lady Lucy?
A amiga pareceu surpresa.
– Ah, sinto muito. Assumi que você soubesse quem nossa
família é, mas é claro que, já que acabou de chegar na Inglaterra,
minha presunção foi um tanto quanto tola. Nosso pai é o duque de
Strathmore. Somos cinco filhos, os três que estão aqui e meus
irmãos mais novos, Stephen e Emma, que ainda estão na escola.
Sempre me atrapalho quando se trata das formalidades exigidas
nas apresentações.
David fez uma reverência educada.
– Sr. David Radley. É um prazer conhecê-la. Este bobo da corte
loiro que está ao meu lado é o marquês de Brooke, para o infortúnio
da nossa família.
– Cale-se, David. Você ainda nem sabe o nome dela – Alex
vociferou.
O olhar de surpresa trocado entre Lucy e seu irmão mais velho
diante da demonstração de irritação do outro não passou
despercebido por Millie.
Afastando-se de David, Lucy tomou a mão de sua amiga.
– Esta é a senhorita Millicent Ashton, sobrinha do visconde de
Ashton. Ela e sua família, que recentemente retornaram da Índia,
são os convidados de honra desta noite – a loira explicou.
O irmão mais velho pareceu notar a raiva que borbulhava no
rosto de Alex pois, em vez de provocá-lo ainda mais, decidiu acenar
e sorrir para Millie.
– Então, você é a irmã mais nova de Charles? – ele indagou. –
Conhecemos seu irmão na segunda-feira, no White’s. Seu pai
estava preenchendo a papelada necessária para torná-lo um
membro do clube.
A jovem soltou a respiração que só agora percebera que estivera
segurando.
– Sim, meu pai planeja admiti-lo em todos os clubes adequados
o mais breve possível. Ele e meu tio estão preparando Charles para,
no futuro, herdar o título da família.
– E você nasceu na Índia? – David perguntou, fitando o piercing
no nariz dela.
A dama sorriu, grata pelo questionamento educado, já que lhe
proporcionava certa distração do olhar silencioso de Alex. Millicent
permaneceu olhando para a frente, sua visão estava focada na
pequena sarda acima da sobrancelha direita de David. Os olhos
azul-esverdeados do homem a lembravam da cor do oceano.
– Sim, nasci dois anos após a chegada dos meus pais e do meu
irmão em Calcutá. Vivi durante toda a minha vida no subcontinente
– ela respondeu.
Aquela era a primeira vez desde que chegara à Inglaterra que
alguém tinha questionado sobre sua vida. Normalmente, as
perguntas que lhe dirigiam sempre diziam respeito aos planos de
Charles para o futuro.
Lucy sorriu quando a conversa passou a fluir normalmente após
o cumprimento estranho de Alex. Millie lançou um sorriso tímido na
direção da outra jovem. Sua nova amiga parecia tão disposta quanto
ela a fazer o possível para que a amizade sobrevivesse à primeira
noite.
– A Srta. Ashton acha nosso clima um pouco desafiador. Ela não
está acostumada com o frio de Londres em março – a loira
comentou.
Naquele momento, a orquestra começou a se preparar para a
quadrilha. Millicent olhou de soslaio para a pista de dança e viu
vários casais dando as mãos e encontrando seus lugares. A moça
desejou estar entre eles. Ao se virar para continuar a conversa com
David, encontrou Alex mais uma vez parado em seu campo de
visão. Ele ergueu o braço e pegou sua mão.
– Dance comigo, Srta. Ashton – disse, arrastando-a para a pista
de dança.
Ela olhou ao redor e vislumbrou David e Lucy encarando-os com
suas bocas abertas em pura surpresa antes de perdê-los de vista no
meio da multidão. Alex a guiou rapidamente entre os grupos de
convidados, que abriam passagem para ele, assim como tinham
feito quando o cavalheiro chegara.
Para conseguir acompanhar os passos apressados dele até a
pista de dança, a jovem se viu obrigada a correr. Focada em segurar
suas saias ao mesmo tempo que corria, Millie só percebeu que o
homem tinha parado quando ela esbarrou diretamente nele.
– Ai – a dama exclamou, sentindo seu pulso torcer
dolorosamente para fora do aperto dele.
Alex se virou e, pela expressão estampada em seu rosto, parecia
que ele tinha sido atingido por um raio. Ela escutou-o inspirar
profundamente, como se estivesse sentindo dor. O cavalheiro
fechou os olhos e, então, pegou sua mão novamente.
– Vamos, eles estão prestes a começar – ele anunciou.
Alex se virou e continuou a atravessar a massa de convidados,
levando-a atrás dele. O marquês só parou quando chegaram à pista
de dança, momento em que rapidamente soltou sua mão. A
respiração dele parecia pesada, Millicent temia que o sujeito
estivesse prestes a ter uma convulsão. Todavia, para sua surpresa,
ele inspirou profundamente antes de fazer uma reverência abrupta,
que ela respondeu com uma cortesia. Já que estavam em um
espaço público, não lhe restavam muitas opções.
Quando a música começou, a jovem ofereceu sua mão, mas
Alex pareceu estar enraizado no lugar. Uma rajada de fúria surgiu
em sua mente; o homem tinha a encarado rudemente, arrastado-a
pelo salão de baile lotado e, agora, recusava-se a tomar sua mão
para dança. Já tinha sido ruim para Millie quando Alex a encurralara
próximo às portas, porém, como se ele não estivesse satisfeito,
agora ambos se encontravam no meio da pista de dança, onde
todos podiam vê-los. Com os cantos dos olhos, percebeu que os
outros dançarinos começavam a observá-los.
– Lorde Brooke, por favor. Imploro que pegue minha mão e
permita que participemos da dança ou que deixemos a pista. Não
sei que tipo de jogo você pensa que está jogando comigo, mas seu
comportamento é grosseiro e eu já estou farta.
Ela viu os lábios dele começarem a se mover, embora nenhuma
palavra saísse de sua boca. Silenciosamente, contou até dez antes
de suspirar com frustração.
– Muito bem, se é assim que deseja se comportar, o deixarei
aqui. Boa noite, milorde.
Millicent deu as costas e se afastou com o queixo erguido.
– Você é um homem pretencioso e horrível – ela murmurou
entredentes.
Se a jovem tivesse olhado para trás, teria visto Alex parado
sozinho no meio da pista de dança, encarando-a com uma
expressão de pânico em seu rosto.
No final da multidão, ela encontrou Lucy e David. Os olhos de
sua colega estavam cheios de lágrimas e seu lábio inferior tremia.
Millie segurou a mão da loira e a apertou gentilmente.
– Está tudo bem, Lucy. Eu nunca fui uma boa dançarina mesmo.
Vocês foram poupados de um espetáculo antinatural nesta noite.
Deveria ser grata pela falta de boas maneiras do seu irmão – disse,
abrindo um sorriso tranquilizador.
A outra assentiu.
– Obrigada – Lucy respondeu quando as primeiras lágrimas
começaram a escorrer pelas suas bochechas.
Millicent limpou uma delas. A pobre garota não pudera fazer
nada além de assistir enquanto seu irmão humilhava sua nova
amiga na frente de todos os convidados.
– Por favor, não chore, Lucy. Não foi tão ruim assim – ela tentou
confortá-la.
A dança continuou, obrigando os casais a dançarem ao redor do
inconveniente obstáculo representado pelo imóvel Lorde Brook. Os
demais participantes do evento logo notaram a situação e passaram
a comentar sobre a estranha peça central humana no meio da pista.
Para seu crédito, David Radley conseguiu controlar seu
temperamento muito bem, embora, por fim, tivesse ficado claro que
o homem já tinha aguentado o suficiente do comportamento
estranho de Alex.
– Com licença, senhoritas. Acredito que tenho que ter uma
palavrinha com meu irmão antes que ele desonre ainda mais o
nome da nossa família – o mais velho disse, afastando-se.
Enquanto as jovens e um número crescente de convidados
assistiam ao que estava acontecendo, David invadiu a pista de
dança e pegou seu irmão pelo braço. Os dois trocaram algumas
palavras afiadas e raivosas antes de David marchar com o marquês
em direção ao jardim dos fundos.
Quando eles passaram, Millicent pôde ver o olhar de pura raiva
no rosto do mais velho.
Lucy soltou um pequeno choramingo de desespero e segurou o
pulso da colega.
– Millie, acho que devo ir atrás deles. Deve haver algo de errado
com Alex. Por favor, acredite em mim quando digo que ele nunca se
comportou assim antes. Meu irmão pode ser impetuoso às vezes, é
verdade, mas não sei o que aconteceu com ele esta noite. – A loira
deu um beijo na bochecha da outra. – Prometo que se visitar a
Residência Strathmore, garantirei que ele não esteja em casa ou
que, se meu irmão estiver, comporte-se da melhor maneira.
O olhar de Lucy seguiu seus irmãos enquanto eles
desapareciam pela porta e adentravam a escuridão do lado de fora.
– Preciso ir – ela disse com urgência. – Meus pais estão
participando do evento de hoje. Eles logo escutarão sobre a forma
como Alex agiu com você. Se eu não me apressar para separar
meus irmãos, meu pai os arrastará pelas orelhas até a porta da
frente. Se eu for agora, talvez ainda possamos salvar uma parte
desta noite.
Com uma sensação crescente de inquietação, Millie observou
sua amiga levantar as saias e correr apressadamente pelas portas
francesas. Seu humor afundou, pois sabia que, por mais que
temesse, teria que fazer a viagem até a casa do duque de
Strathmore. Lucy fora obrigada a passar pelo constrangimento de
ter dezenas de olhos assistindo-a enquanto seguia seus irmãos
briguentos, portanto, o mínimo que podia fazer era visitá-la no dia
seguinte.
– Millie, a mamãe quer falar com você.
A jovem se virou e viu que Charles estava atrás de si. Ela xingou
baixinho, passou por ele e seguiu à procura de sua mãe. Quando a
encontrou, ficou óbvio quem Violet culpava pelo espetáculo
vergonhoso; o olhar no rosto da mulher dizia tudo. Avistando o seu
pai, a dama se virou e seguiu em sua direção, contudo, logo em
seguida, o homem balançou a cabeça e apontou para sua esposa.
– Mas eu não fiz nada – Millicent implorou silenciosamente.
Percebendo que não tinha outra escolha, a moça parou em
frente à sua mãe, de costas para os convidados que se reuniam no
local.
– Mamãe – disse.
Se ia ser repreendida, então era melhor que eles encarassem o
rosto de Violet enquanto tentavam escutar a conversa.
A mais velha pegou a mão de sua filha e a puxou para mais
perto.
– O que foi tudo aquilo? – sua mãe explodiu.
Millie suspirou e deu de ombros.
– Sinceramente, não sei, mamãe. Conheci Lucy Radley hoje
mais cedo; ela me pareceu ser uma garota doce que desejava me
apresentar seus dois irmãos. Quando eles chegaram, o marquês de
Brooke permaneceu me encarando calado. Até mesmo o seu irmão
o acusou de agir de maneira rude. Quando dei por mim, ele tinha
me arrastado pelo salão de baile e me empurrado em direção à
pista de dança.
– Onde ele se recusou a dançar com você? – Violet respondeu,
arqueando as sobrancelhas. O gesto claramente demonstrava que a
mulher não acreditava na inocência de sua filha.
– Sim, o que foi muito constrangedor – a mais nova confirmou,
magoada com a óbvia desconfiança de sua mãe. – Realmente
acredita que encenei tudo para receber simpatia? – Ela puxou sua
mão do aperto da outra, não se importando com a plateia que as
observava.
A mulher fechou os olhos e suspirou.
– O que farei com você? Minha paciência está no limite, Millie.
Não sei o que aconteceu entre você e Lorde Brooke, mas essa
tolice acaba agora, está me ouvindo? – Violet balançou seu dedo na
frente da mais nova, o que gerou uma enxurrada de sussurros dos
bisbilhoteiros de plantão. – Pelo resto da noite, você permanecerá
ao meu lado, sorrirá e conversará com qualquer um que seja bom o
bastante para lhe dirigir a palavra. Não permitirei que arruíne a noite
para o resto da sua família.
Uma resposta se formou nos lábios da jovem, mas sua mãe
balançou seu dedo mais uma vez, indicando que a discussão
terminara. Millicent sabia que não deveria atiçar a mais velha.
– Sim, mamãe – falou, tomando o lugar ao lado de Violet.
– Muito bem – a outra disse, sorrindo para os convidados.
Durante a meia hora que se seguiu, Millie observou os casais
valsarem ao som de uma sucessão de músicas populares. Charles
até arriscou uma aparição com tia Beatrice em seu braço. A moça
continuou sorrindo enquanto seu irmão e Lady Ashton entravam na
pista de dança. Os lábios dele se moveram lentamente enquanto
contava os passos, e Beatrice, graciosa como sempre, tentou
mascarar seu desconforto toda vez que ele pisava em seus dedos.
– Agora que a apresentamos à sociedade londrina, você terá que
ter aulas de dança novamente – James murmurou no ouvido de sua
filha.
A dama tentou manter seu olhar nos dançarinos, porém, não
conseguiu; seu pai estava lendo sua mente mais uma vez.
– Se for de algum consolo, eu soube que o duque de Strathmore
repreendeu seu filho. Imagino que Lorde Brooke não a incomodará
mais durante esta noite, minha querida.
– Queria que você dissesse isso à mamãe – ela retrucou.
James Ashton colocou seu braço ao redor dos ombros dela,
apertando um deles.
– Quando esta dança acabar, seu tio fará um discurso e, então,
poderemos ir para casa. Depois da visita à Lady Elmore nesta tarde
e os aborrecimentos desta noite, acredito que tenha sofrido o
bastante por um dia.
Millie deu um sorriso rígido. Ao menos alguém em sua família
acreditava que não deveria ser culpada pela cena na pista de
dança. A ideia de ir para casa e se enrolar em suas cobertas parecia
ser o paraíso. Seu pai estava certo; dentre todos os dias de sua
estadia em Londres, hoje fora o pior. Ao menos, agora, tudo o que
tinha que aturar era um discurso longo e enfadonho do chefe de sua
família, depois, o dia finalmente terminaria.

Para a sua surpresa, descobriu que seu tio Oscar era um orador
perspicaz e habilidoso. Quando a orquestra fez uma pausa para a
refeição, ele ordenou a multidão e fez um discurso animado e, por
vezes, emotivo, dando boas-vindas ao seu irmão e à sua família de
volta à Inglaterra. Millie, Charles e seus pais estavam parados
juntos, aceitando a saudação calorosa do chefe de sua família.
– Aposto que receberemos uma chuva de convites em nossa
porta amanhã de manhã – James comentou com sua esposa.
Diante da troca de sorrisos entre seus pais, Millicent não pôde
deixar de notar a luz nos olhos de Violet. Nunca a vira tão feliz
antes. Ser mãe de um dos solteiros mais elegíveis da Inglaterra
garantiria que o nome da mais velha aparecesse no topo da lista de
convidados das festas e eventos mais exclusivos pela próxima
temporada.
Quando o olhar da mulher caiu sobre a jovem, o sorriso dela
vacilou. Se alguém faria o papel da proverbial mosca no unguento,
seria sua filha roliça e problemática.
– Bem, não fui eu que causei a cena desta noite. Você pode
culpar Lorde Brooke por isso – Millie murmurou para si mesma.
Pela primeira vez em sua vida, sentia uma distinta distância
crescer entre ela e sua mãe. Se um rapaz tivesse a tratado daquela
mesma forma em uma festa em Calcutá, tinha certeza de que Violet
teria atravessado o cômodo para conversar com ele imediatamente.
Entretanto, aqui, não o fizera; não em Londres. As regras eram
diferentes, as pessoas não diziam o que estavam pensando em
público. Em vez disso, preferiam cochichar sobre você nas suas
costas.
Enquanto continuava a ouvir o discurso de seu tio, o olhar da
dama vagou pelo salão, eventualmente parando sobre um
cavalheiro alto e de rosto severo que estava parado em um dos
cantos. Os pelos de sua nuca se eriçaram. O homem segurava a
mão de uma mulher de cabelos escuros que exibia o mesmo olhar
desaprovador em seu rosto. O sujeito se inclinou na direção dela e
sussurrou algo rapidamente, a desconhecida fitou algo atrás dele,
voltou sua atenção para o cavalheiro e assentiu.
Millie levou alguns segundos para perceber por que o casal tinha
chamado sua atenção. Quando olhou atrás da mulher, viu David e,
ao lado dele, Lucy. Ambos escutavam, inexpressivos, o discurso de
Lorde Ashton. Ela notou a similaridade entre os irmãos Radley e o
casal mais velho. Agora, estudando o modo como o grupo estava
próximo, sentiu que era razoável assumir que o cavalheiro e a
senhora de cabelos escuros eram, de fato, o duque e a duquesa de
Strathmore.
O olhar da jovem então seguiu para uma figura solitária, parada
ligeiramente atrás do duque. Por cima do ombro direito do homem,
um par de olhos a mirava diretamente.
O marquês de Brooke.
Ficou claro que, quando o mais velho reunira a sua família para
ouvir a fala do visconde de Ashton, ele se posicionara na frente de
Alex, de modo que o anfitrião não pudesse vê-lo. Se a decisão
tivesse pousado em suas mãos, preferiria que o homem o tivesse
mandado para casa, entretanto, estava a par do escândalo que
aquilo poderia causar.
Alex se distanciou um pouco de sua família e encontrou um
espaço na multidão. Agora, ele tinha uma linha de visão direta até
ela. Millicent afastou o olhar e encarou suas luvas.
Nesse momento, Charles se inclinou e sussurrou em seu ouvido:
– Levante a cabeça e sorria, Millie, está parecendo
verdadeiramente miserável. Por favor, não estrague a noite. Você
sabe quão importante ela é para todos nós. – Seu irmão tomou sua
mão e deu-lhe um aperto tranquilizador e gentil.
A moça sorriu. Aquele era o velho e bom Charles.
Erguendo o rosto, Millicent fitou a multidão no ponto mais
distante que encontrou de Alex. Contudo, viu-se, mais uma vez,
pousando seu olhar sobre ele. O rapaz, consistente como sempre, a
encarava de volta.
Ele sorriu, o que fez com que outro calafrio descesse por sua
espinha. O marquês de Brooke tinha, de algum modo, conseguido
fazer seu caminho até o lado oposto do salão, longe do ponto onde
sua família estava.
Reunindo toda a sua força de vontade, a jovem se obrigou a
continuar fitando a multidão com um sorriso frágil plantado em seu
rosto. Millie tentou analisar as tapeçarias indianas mais próximas,
ocupando sua mente com o padrão floral intrincado das bordas, mas
seu esforço foi em vão. A faísca que sentira na pista de dança
estava se transformando em uma pequena chama de ressentimento
raivoso.
Completamente desanimada depois da semana que tivera em
Londres e farta após se ver vítima de um jogo vil arquitetado por um
bruto rico, a dama decidiu que já tinha aturado o suficiente. Se o
sujeito achava que simplesmente permitiria que ele continuasse com
sua vingança estúpida sem que ela retaliasse, então estava prestes
a ter um choque.
Por que não consegue me deixar em paz? Existem tantas outras
senhoritas que você poderia escolher para provocar. Se acha que
encontrou um alvo fácil, está completamente enganado. Sou muito
mais forte do que você pensa.
Millicent riu.
Alguém tinha que enfrentar pessoas como Alex Radley, e ela
nunca fugia de uma luta. Embora ele ainda não soubesse, o
marquês de Brooke acabara de encontrar sua oponente.
Capítulo 3

N ão sabia que horas eram; a única coisa clara na mente de


Alex Radley à medida que observava o primeiro raio de luz
atravessar lentamente o chão do seu quarto era que não havia
dormido nem por um segundo. Por algum motivo, o anjo do destino
decretara que sua vida não era complicada o bastante, portanto,
decidira jogar a Srta. Millicent Ashton no seu caminho.
Esticado de bruços e com um braço balançando em um dos
lados da cama, ele comtemplava os eventos da noite anterior e suas
possíveis repercussões. No momento em que pousara seus olhos
sobre a jovem, soube que estava em apuros. O efeito dela sobre
Alex fora imediato e violento. O rapaz gostava do prazer da
companhia das mulheres, tanto nos salões de baile quanto no
quarto, todavia, uma nunca chamara sua atenção da mesma
maneira que Millie.
Lembrava-se de caminhar pela multidão ao lado do seu irmão,
alegremente cumprimentando seus vários amigos, completamente
preparado para ter uma noite de risadas com David. Assim que
chegaram na festa, eles notaram que Lucy estava em um dos
cantos mais distantes do cômodo e se dirigiram até sua irmã.
Contudo, um minuto depois, sentiu seu corpo ganhar vida em um
rugido de luxúria quando seus olhos caíram sobre a criatura mais
bela que já vira em toda a sua vida.
Seu sangue fluiu da sua cabeça para suas calças, tornando-o
incapaz de manter qualquer conversa decente. Sem conseguir se
mover, pensou que estava prestes a desmaiar. Tudo o que pôde
fazer foi permanecer parado e fitar a visão deliciosa à sua frente
enquanto tentava recobrar o controle sobre o seu corpo. No meio do
salão de baile lotado, sentiu sua virilha se contrair e, por fim, ficar
em posição de sentido.
Aturdido, não soube o que deveria fazer. Primeiro, tentara beijar
a mão da pobre garota e convencer seu corpo a se comportar, mas
falhara miseravelmente. Quando sua ereção vingativa ameaçou
perfurar as suas calças, seu irmão perdera a paciência e o
empurrara para o lado. Naquele momento, lágrimas brotaram nos
olhos de Alex.
Em um completo estado de agonia, tivera a brilhante ideia de
dançar com a Srta. Ashton, acreditando que, se pudesse fazer seu
corpo se concentrar na dança, a situação em sua virilha se
acalmaria e, assim, conseguiria voltar à gerência de todas as suas
faculdades. Entretanto, mal conseguira pôr os pés na pista de
dança, pois, quando a mirou, notou o grande erro que havia
cometido.
Encarar o diabo deveria ser uma tarefa mais fácil.
Ele suspirou e esfregou os olhos. A noite inteira fora, do começo
ao fim, um grande desastre para o rapaz. Conseguira insultar o
anfitrião, ofender uma convidada de honra e enraivecer seu pai em
menos de uma hora. O ponto alto do evento tinha sido quando
David o arrastara até o jardim e o repreendera por seu terrível
comportamento.
Longe da presença tentadora da Srta. Ashton, Alex conseguira
acalmar seu corpo o bastante para poder pensar de modo coerente.
– O que diabos foi aquilo? Como pôde fazer isso com uma
garota que acabou de conhecer? Você conhece as regras: pode
brincar um pouco com moças inocentes, permitir que elas se
apaixonem e, depois, deve rejeitá-las gentilmente. Em vez disso,
decidiu humilhar publicamente a nova amiga de Lucy, cujo tio é
ninguém menos do que nosso anfitrião. O que deu em você? –
David demandara.
O irmão escutara quando o mais novo explicara sua situação.
– Nunca ouvi algo tão absurdo em toda a minha vida. Ela é
agradável o bastante para ser amiga de Lucy, mas certamente não é
um diamante de primeira linha. Você poderia se fazer de tolo na
frente de garotas muito mais belas, deve haver mais de mil e uma
opções em Londres.
Após socar o braço de David, Alex se virou e viu Lucy aparecer
no terraço do jardim. Ela estivera chorando e ele sabia que era o
único culpado.
Os dois homens trocaram um rápido olhar de pânico. O que
deveria dizer para sua irmãzinha? Sinto muito, Lucy, mas você não
se importa se eu cobiçar a sua nova melhor amiga, não é? Peço
perdão pelas minhas maneiras, contudo, como meu sangue estava
acumulado nas minhas calças, não consegui manter uma conversa
educada.
Sua mente tinha abandonado o posto e ficado completamente
em branco.
Quando David explicara que tudo fora causado por um espasmo
muscular nas costas do mais novo, o rapaz colocou sua melhor
expressão de remorso no rosto e fez uma promessa sincera de que
repararia as coisas com Millie.
Lucy aceitara a oferta de David para dançar e retornara para o
salão exatamente quando o duque atravessara as portas francesas
e demandara ferozmente uma explicação pelas ações de seu filho.
Conhecendo seu pai, Alex assumira que ele não acreditaria na
história sobre o espasmo muscular, portanto, não teve outra opção
senão contar a verdade, o que resultou em uma censura por parte
do homem.
– Pare de se comportar como um jovem inexperiente e controle
sua luxúria, rapaz. Você não tem mais treze anos. Tem alguma ideia
de quão envergonhada sua mãe está? Só Deus sabe o que vou
contar para ela.
Após concordarem que a mentira sobre suas costas era a
explicação mais socialmente aceitável, Alex permanecera no jardim
até sentir que era capaz de encarar os convidados novamente.
Pelo resto da noite, não conseguira se aproximar da Srta. Ashton
para se desculpar e, agora, sob a luz fria da manhã, percebia que
aquilo talvez não tivesse sido algo tão ruim, visto que, sempre que
seus olhos capturaram um vislumbre da dama, seu corpo começara
a endurecer.
Parado atrás do seu pai durante o discurso de Lorde Ashton,
notara que ela estava angustiada. Ele a tinha envergonhado na
frente de uma grande plateia, o que fizera com que a jovem fosse
obrigada a permanecer ao lado de sua família, no centro do salão,
como convidada de honra. Em certo momento, quando conseguira
prender sua atenção, o rapaz lhe oferecera um sorriso de
desculpas, todavia, o gesto só pareceu deixá-la ainda mais furiosa.
– Que confusão – disse ao se virar de costas e puxar as
cobertas por cima do seu rosto.
Queria poder ficar na cama e tirar um cochilo necessário, mas,
por ora, era mais urgente que descobrisse uma forma de se
desculpar com Millie sem ter que chegar muito perto dela.
Ao fechar os olhos, viu o rosto e os deslumbrantes olhos azuis
da moça. Eles eram do tom de azul mais profundo que já vira,
chegando até a ofuscar a safira delicada em seu nariz. Sua mente
vagou para baixo e Alex pensou nos seios fartos, volumosos e
suculentos de Millicent. Seria maravilhoso tocá-los; passar sua
língua ao redor dos mamilos.
De repente, o rapaz se sentou na cama e afastou as cobertas.
Fitando-o entre as suas pernas, estava a maior ereção matinal que
já tivera. Ele piscou diante da visão, contou até três e conjurou a
imagem de seu antigo professor de Latim em Eton, Reginald Groat.
– Pense nas verrugas no nariz do velho Groat, foque nas
verrugas – murmurou enquanto assistia ao seu corpo se submeter à
sua vontade. – Maldição, por que não fiz isso na noite passada?
O cavalheiro caiu sobre a cama e esfregou o rosto. Tinha agido
como um completo tolo na festa, mas a pior parte era que tinha
humilhado uma jovem inocente na frente de todos. E se havia algo
que Alex Radley mais temia era qualquer tipo de humilhação.
Considerando o que fizera Millie passar, estava genuinamente
surpreso com quão bem ela conseguira manter sua compostura. A
maioria das debutantes londrinas teria se dissolvido em uma poça
de lágrimas e corrido para os braços de suas mães. Porém, o olhar
que Millicent Ashton lhe dera poderia muito bem ter congelado o
diabo.
Aceitando que permanecer na cama não resolveria nada, afastou
as cobertas mais uma vez e apressou-se até a cadeira onde seu
robe estava. Alex amarrou a faixa, abriu a porta do quarto e seguiu
para acordar seu valete. Embora o sol mal tivesse nascido acima da
linha do horizonte, sabia que precisava se vestir e sair de casa o
mais rápido possível.
Antes de qualquer coisa, precisava fazer as pazes com a Srta.
Millie Ashton.
Capítulo 4

M illie se amaldiçoou por ter permitido que Lorde Brooke a


fizesse de tola. Ao acordar na manhã seguinte, sentiu-se
como um pano de prato que secara inúmeros utensílios de cozinha;
completamente retorcido e gasto.
Para ela, a vida na Inglaterra se tornara insuportável. Tentara
fazer amigos, porém, exceto por Lucy, ninguém se interessara em
conhecê-la. Em vez disso, fora zombada e ridicularizada. As coisas
já não tinham sido fáceis na semana anterior e, quando finalmente
começaram a melhorar, Lorde Brooke entrara em sua vida,
aumentando consideravelmente seu nível de miséria.
Ele era incrivelmente belo, e não havia dúvidas de que o
cavalheiro estava ciente disso, todavia, aos olhos de Millicent, a
aparência dele podia muito bem se explodir. Era uma pena saber
que o sujeito era o irmão da única garota em Londres com quem
tinha uma chance real de formar uma amizade. Podia imaginar que
a vida do rapaz sempre fora fácil. Alex nunca tivera que se esforçar
para fazer amigos ou ser aceito. As mulheres literalmente se
jogariam aos seus pés. Como os deuses que acreditavam ser,
pessoas como o marquês comandavam a alta sociedade.
A jovem suspirou com cansaço e sentou-se na cama, afastando
a névoa de sono que ainda pairava em seus olhos. O tônico que a
Sra. Knowles lhe preparara quando chegara em casa realmente
tivera efeito. Millie dormira como uma pedra.
– Como ele pôde ficar feliz ao me fazer de espetáculo? Que
homem arrogante e... – A dama interrompeu a fala quando viu a
porta do quarto se abrir e Grace, sua criada, entrar.
Ela forçou um sorriso e torceu para que a outra não tivesse
escutado suas reclamações matutinas. Afinal, a doce garota poderia
ter várias amigas em outras residências de família. Não seria bom
que andasse por aí contando histórias sobre como Millicent Ashton
fora pega falando mal de um dos solteiros mais cobiçados de
Londres.
– Bom dia, senhorita. Espero que sua terrível dor de cabeça da
noite anterior tenha passado. Sua mãe estava muito preocupada
com você, sequer me deixou ajudá-la a se preparar para dormir –
Grace afirmou, abrindo o armário e retirando um vestido diurno.
Millie agradeceu silenciosamente à sua mãe, que, ao perceber o
mal humor da filha, decidira fazer o papel de sua criada pessoal
quando chegaram em casa. Graças à pequena mentira sobre a
enxaqueca pós-baile, a jovem agora poderia ficar em casa por um
ou dois dias.
– Obrigada. Sim, sinto-me bem melhor – respondeu. A única
coisa que doía desesperadamente era seu coração. – Não
precisarei do vestido diurno, Grace. Não sairei de casa. Mamãe e eu
planejávamos visitar minha nova amiga, Lady Lucy, à tarde, na
Residência Strathmore, porém acredito que teremos que adiar tal
compromisso até que eu esteja recuperada. Um vestido simples
para ficar em casa será o bastante. Acredito que um dos meus
antigos seja adequado. Espero que, nos próximos dias, quando
estiver me sentindo melhor, possamos visitar a duquesa e sua filha.
Os olhos da criada a fitaram de uma maneira que parecia dizer
que a garota sabia mais do que estava preparada para admitir,
entretanto, seus lábios apenas responderam:
– Muito bem, senhorita.
Grace hesitou por um momento e, parecendo pensar melhor
sobre o que iria falar, colocou a vestimenta que segurava de volta no
armário.
Por favor, não mencione a noite passada, Grace. Por favor, só
finja que não sabe de nada. Morrerei se você disser alguma coisa.
Quando a garota se virou com um sorriso alegre em seu rosto,
Millicent agradeceu aos céus. Alguns dias em casa, trabalhando
silenciosamente em sua nova tapeçaria cênica de Londres, a faria
bem. Ao menos, poderia ter a chance de completar o nível superior
da Catedral de São Paulo e, talvez, começar o resto da paisagem
urbana. Além disso, em seu estado de espírito atual, a ideia de
enfiar uma agulha em algo tinha certo apelo.
A dama observou enquanto a criada se ocupava pelo quarto,
pegando a roupa que Millie usara na festa e escolhendo um vestido
diurno simples para a senhorita usar. Grace cantarolava uma
melodia feliz à medida que seguia com seu trabalho, o que
contrastava com o constante estado miserável em que Millicent
atualmente se encontrava.
Isso é ridículo. Normalmente, eu sou a pessoa mais alegre e feliz
do lugar. É claro que também sou a mais barulhenta e, por vezes, a
mais espirituosa, contudo, nunca estive tão cabisbaixa em toda a
minha vida. Alguma vez já permaneci calada e permiti que outras
pessoas pisassem em cima de mim? Nunca.
Tinha que dar um basta naquilo. Precisava encontrar uma forma
de suportar morar na Inglaterra sem que enlouquecesse de vez. Era
o que o resto de sua família estava fazendo; eles haviam deixado
suas vidas na Índia para trás e seguido em frente. Até que
encontrasse um modo de partir da Inglaterra, teria que fazer o
mesmo.
Com seus cotovelos apoiados em seus joelhos, a moça segurou
o rosto com as duas mãos e encarou a roupa de cama. Se a
solução para o seu problema era tão simples, por que se sentia
desolada?
Porque não estou sendo sincera comigo mesma. Como posso
me tornar um deles? Sempre serei diferente. Vivi minha vida inteira
do outro lado do mundo. Isso moldou a pessoa que sou hoje e a
forma como vejo as coisas. Por mais que eu tente, não posso
mudar. É por isso que devo voltar para casa.
Naquele momento, uma verdadeira enxaqueca começou a pulsar
em sua cabeça.
Para se encaixar na sociedade londrina, teria que mudar. Porém,
no fundo do seu coração, sabia que era impossível. Nunca seria
igual às jovens que tinham sido batizadas na fonte de St. Georges,
na Hanover Square. A verdade nua e crua era que a sociedade
londrina ditava como as pessoas deviam se comportar e, se você
agisse dentro desses limites, estaria a salvo; estaria totalmente
protegido. Entretanto, se não se comportasse da maneira esperada,
as regras garantiriam que fosse punido e condenado ao ostracismo.
Millie xingou baixinho. Subitamente, a noite anterior passou a
fazer sentido. Como não conseguira ver? Era muito diferente das
outras damas da sua idade; destacava-se por conta de sua
singularidade, e a sociedade, personificada na forma de Lorde
Brooke, passara sua mensagem. Jovens como ela não eram
toleradas, portanto, deveria se conformar ou aguentar a censura
pública por parte de cavalheiros como ele ou de senhoritas
maldosas.
– Uma luz na escuridão – murmurou.
– O que disse, senhorita? – Grace perguntou.
Millicent forçou um meio sorriso.
– Nada, só tive uma epifania.
A criada torceu o nariz.
– Devo trazer-lhe algo para tratar isso?
A dama riu alto, grata pela piada não intencional da outra.
– Não, obrigada. Estou bem. Quando temos uma boa ideia,
dizemos que tivemos um momento de epifania – explicou. Da
próxima vez que Grace ouvisse o termo, entenderia e, diferente do
que acontecera com Millie, não seria ridicularizada na frente dos
outros.
– Na verdade, senhorita, preciso lhe trazer algo que está lá
embaixo. Chegou esta manhã, mas eu não quis incomodá-la. Posso
ir buscar, caso queira – a criada informou com um sorriso tímido.
A jovem arqueou a sobrancelha, depois, notando a pequena
dança animada que Grace parecia estar fazendo sem sair do lugar,
chegou à conclusão que deveria ser algo bom.
– Descerei em um minuto para ver o que é. Não precisa fazer
entregas para mim, Grace. Você é uma criada pessoal, o que
significa que não deveria ser obrigada a carregar coisas para cima e
para baixo.
A outra garota deu mais um pulinho e bateu as palmas de forma
animada.
– Ah, não consegui me conter. Elas são tão bonitas que pedi que
um criado as trouxesse para o andar superior. Por favor, senhorita,
ele está esperando do outro lado da porta há muito tempo. Posso
pedir que entre com elas?
Millicent revirou os olhos e riu. O entusiasmo desenfreado de
Grace era tão contagiante que ela teve que pular da cama e correr
até a porta. Felizmente, o criado tivera o bom senso de colocar a
pesada caixa de vidro no chão enquanto esperava. Quando abriu a
passagem, ele se agachou e a ergueu.
– Minha nossa, são flores, mas quem poderia tê-las enviado?
Certamente não mereço um presente tão maravilhoso como esse,
embora seja grata pela surpresa agradável – a dama disse,
afastando-se da porta para que o homem pudesse carregá-las para
o quarto.
Ele colocou a caixa em cima do baú, virando-a para que a jovem
pudesse ver o cartão. Grace piscou para o criado e o conduziu
rapidamente para a saída.
Millie permaneceu atrás, observando a magnificência das flores.
– Sei que as flores brancas são, obviamente, rosas, e as que
estão logo atrás são orquídeas – disse, apontando para os ramos
altos no fundo do arranjo. – Contudo, não sei o nome das azuis.
Será que são não-me-esqueças? – a moça indagou, aproximando-
se para tocar os pequenos e delicados botões.
– Sim, senhorita, e as outras flores azuis são chamadas de
damas-entre-verdes. Que romântico! É tão bom ver um cavalheiro
que conhece suas flores – a outra comentou.
Millicent apreciou o arranjo silenciosamente, sabendo muito bem
que estava testando a compostura da pobre Grace, que fazia seu
melhor para controlar seu desejo de arrancar o cartão do buquê e
lê-lo. Por fim, a dama se aproximou e tomou o papel em suas mãos.
– Senhorita Millicent Ashton; tão formal – falou, virando o cartão.
Quando viu que o verso estava em branco, frisou os lábios e
entregou-o para a criada, que o virou inúmeras vezes, procurando
pela mensagem elusiva. – Pensei que, quando alguém lhe envia
flores, elas supostamente deveriam vir com uma mensagem ou ao
menos uma indicação sobre o remetente. Como posso enviar um
bilhete de agradecimento se não sei quem as mandou? – Millie
questionou.
Grace encarou suas mãos e murmurou:
– Acho que deve ter conhecido alguém que gostou de você no
baile de ontem. Talvez, tenha causado uma boa impressão em
algum cavalheiro e ele deseje se aproximar de você. – A garota
sorriu esperançosamente para a dama antes de se virar e se ocupar
com as escovas na penteadeira.
Millicent analisou o nome escrito no papel em tinta preta,
sorrindo. É claro! Charles as tinha enviado. Ele deveria ter chamado
o florista de manhã cedo, quando saiu para cavalgar com o seu pai
e, em meio à pressa, acabara se esquecendo de assinar o cartão ou
escrever uma mensagem rápida.
– Que irmão atencioso – disse ao puxar uma rosa branca do
arranjo.
Parada próxima à penteadeira, Grace soltou uma tosse digna de
uma atriz e prontamente deixou um espelho de mão cair. Ela não
pôde deixar de notar o rubor que se espalhava pelo rosto da criada.
A garota continuou a encarar o local onde o espelho pousara sobre
o tapete.
Elas estavam com sorte, pois os espelhos de mão feitos na Índia
eram fabricados para suportar quedas em pisos de pedra, motivo
pelo qual o vidro permanecera intacto. Millie se agachou, pegou o
objeto e o colocou de volta em seu lugar. Então, encarou a criada
até que esta se viu forçada a levantar o rosto e enfrentar seu olhar.
– Grace Brown, sei que sabe de algo acerca dessas flores. Por
favor, conte-me. Se não foi meu irmão que as enviou, preciso saber
o nome do remetente.
A outra mordeu o lábio inferior e soltou um suspiro.
– Peço perdão, senhorita. Sei que não devia fofocar sobre coisas
que não me dizem respeito, mas o coche que entregou as flores
chegou de manhã bem cedo, logo após o Sr. Ashton sair de casa e
enquanto seu irmão ainda estava cavalgando no parque. O homem
que estava no veículo as deixou na porta da frente. Sei que era
cedo porque o Sr. Stephens, o mordomo-chefe, ainda estava
tomando seu café da manhã.
Os olhos da dama brilharam com curiosidade. Que tipo de
pessoa deixaria uma encomenda na porta de uma grande residência
tão cedo? As entregas sempre deveriam ser feitas na entrada dos
fundos; todos os lojistas e mercadores, de Londres a Calcutá,
sabiam disso.
Millicent fitou as flores novamente.
– E se a pessoa que fez a entrega não se tratava do florista,
mas, sim, de alguém que está acostumado a ser recebido na
entrada principal das casas de família? – a jovem murmurou.
Quem seria a pessoa que conhecera na noite anterior capaz de
lhe presentear com algo tão bonito e logo durante as primeiras
horas da manhã? Não recordava de ninguém que pudesse fazer tal
gesto. A única pessoa em que tinha causado uma impressão era o
odioso marquês de Brooke e ele provavelmente não se daria ao
trabalho de enviar uma oferta tão generosa.
Millie ergueu uma rosa, segurando-a diante da luz que
atravessava a janela.
– É, de fato, peculiar, contudo, acredito que não devamos nos
preocupar. O arranjo é absolutamente adorável, estou certa de que
descobrirei quem as enviou – disse, cheirando as pétalas do ramo.
Tempos depois, quando já estava vestida e sentada em frente ao
espelho, assistindo Grace arrumar seu cabelo em um penteado
simples, algo cruzou sua mente. A jovem mirou o reflexo da criada
no espelho e falou:
– Você comentou que as flores foram entregues por um homem
que andava de coche.
– Sim, senhorita, isso mesmo – Grace respondeu, pegando um
grampo e ajustando-o no cabelo da outra.
– Que tipo de coche era? Você conseguiu ver?
– Não, mas Joshua, o criado que recebeu as flores,
provavelmente viu. Ele saiu de casa e falou com o motorista. Por
conta disso, ficou em maus lençóis com o Sr. Stephens, que afirmou
que Joshua deveria tê-lo mandado para a entrada dos fundos e que
não era adequado da parte do motorista estacionar na rua. O
mordomo-chefe disse ainda que, se continuasse assim, começariam
a deixar leite nos degraus da porta da frente.
Então, meu misterioso remetente, você definitivamente não está
acostumado a usar a entrada dos criados. Não pense que, só
porque não assinou o cartão, eu não descobrirei sua identidade.
Você me intrigou e não há nada que eu goste mais do que resolver
um quebra-cabeça.
Quando Millicent finalmente estava pronta para passar seu dia
em casa, pediu que Grace fosse atrás do criado que recebera a
entrega. Estava curiosa sobre o cavalheiro misterioso que a enviara
flores e sabia que a resposta que procurava estava escrita nos
detalhes do coche. Alguns minutos depois, a criada retornou e lhe
entregou um pedaço de papel com um desenho à mão do brasão
que Joshua vira estampado em um dos lados do veículo.
– Muito bom, Grace. Agora, só precisamos descobrir a qual
família esse brasão pertence – a jovem disse, sabendo exatamente
onde começar sua procura: com sua mãe.
Colocando o papel em seu bolso, seguiu até a sala de descanso
de Violet e bateu timidamente na porta. Estivera temendo aquele
encontro durante a manhã inteira, motivo pelo qual se surpreendeu
ao ver sua mãe se levantar de uma cadeira e cumprimentá-la com
braços abertos.
A mulher lhe deu um abraço caloroso, murmurando gentilmente:
– Minha querida e bela filha, sinto muito pela noite passada. A
culpa não foi sua, eu não deveria tê-la julgado tão precipitadamente.
Seu pai me informou que tudo foi obra do marquês e que você não
deveria ter sido repreendida. Que rapaz horrível. Darei um puxão
nas orelhas dele na próxima vez que o vir.
Millie riu ao imaginar sua mãe agredindo um dos líderes da alta
sociedade. Ela passou os braços ao redor da cintura da mais velha
e apreciou a sensação de alívio que a tomava enquanto Violet
acariciava suas costas. Algum dia, esperava se tornar uma mãe tão
feroz quanto a sua era.
Soltando a moça, a mulher se afastou e abriu um sorriso.
– Como está se sentindo hoje? Fiquei feliz ao saber que dormiu
bem. Sei que pensou que eu estava exagerando quando mandei
que tomasse aquele tônico antes de se deitar, mas você com
certeza estava precisando.
Millicent deu de ombros.
– Honestamente, não estou me sentindo tão mal, só um pouco
desgastada. Tive um tempo para pensar sobre o que aconteceu e
decidi que não permitirei que a noite anterior se repita. De agora em
diante, não deixarei que as pessoas me machuquem dessa forma.
Da próxima vez que algum tolo tentar me arrastar no meio de uma
multidão, morderei sua mão até que ele me solte.
Violet arqueou as sobrancelhas. Talvez, a ameaça de que a mais
nova afundaria os dentes na mão de um dos cavalheiros londrinos
fosse um pouco extrema, porém, sua mãe compreendeu a
mensagem que queria passar.
A jovem taticamente mudou de assunto.
– Você viu as flores que eu recebi?
A mulher sorriu de modo conhecedor. Nada acontecia na casa
deles sem que sua mãe soubesse. Os criados da sua residência em
Calcutá tinham ficado completamente embasbacados com a
habilidade de Violet em iludi-los, só descobrindo, tempos depois,
que ela utilizara a longa viagem de barco da Inglaterra até a Índia
para aprender a falar hindi fluentemente.
– Elas eram lindas, querida, e, provavelmente, bem caras, já que
as bordas da caixa são de ouro puro e as orquídeas estão fora de
temporada na Inglaterra desde o começo do ano. A estufa de
alguém deve ter recebido uma visita antecipada de algum florista da
St. James Street. O que o cartão dizia?
Millie lançou um sorriso irônico para a mais velha. Sua mãe
sabia tudo sobre as flores, incluindo o que estava ou não escrito no
cartão. Na verdade, estava certa de que a maioria da casa estava a
par de seu conteúdo antes mesmo de sua suposta destinatária
colocar os olhos sobre o presente. Entretanto, como Violet era sua
melhor chance de descobrir a quem pertencia o coche e,
consequentemente, a identidade do cavalheiro que enviara as
flores, a moça decidiu agradar sua mãe e participar do jogo.
– Surpreendentemente, o cartão estava em branco, com apenas
meu nome escrito na frente. Imaginei que, se alguém se desse ao
trabalho de me enviar flores, ao menos colocaria seu nome no
cartão. Para falar a verdade, tudo é um mistério, mas encontrei uma
pista que pode ajudar a solucioná-lo.
A mulher arqueou uma sobrancelha e um sorriso se formou em
seus lábios.
– É mesmo? – ela respondeu.
– Um dos nossos criados viu o coche que entregou as flores e
fez a gentileza de desenhar o brasão que estava estampado na
porta do veículo. – Millicent retirou o pedaço de papel do seu bolso e
o sacudiu no ar. – Agora, só preciso que alguém me ajude a
identificar a qual família ele pertence. – A moça soltou um suspiro
pesado e fitou a folha. – Acho que terei que esperar até que o papai
retorne, talvez ele possa me ajudar.
Violet soltou um gritinho feminino de alegria e, em um instante,
tomou o papel da mão de sua filha, porém, no segundo seguinte,
congelou no lugar. Ela fitou o pedaço de folha que segurava em uma
das mãos à medida que a outra subia lentamente até os seus lábios.
A mais velha abriu a boca, entretanto, em vez do pedido de
desculpas que Millie esperava ouvir, a mulher soltou uma
gargalhada ruidosa. Mãe e filha se encararam por um momento
antes de se dissolverem em um ataque de riso.
– Ah, não acredito que fiz isso. Passei anos tentando ensiná-la
boas maneiras, mas aqui estou, fazendo o completo oposto do que
lhe ensinei. Devo ser a pior mãe do mundo – Violet riu.
Com lágrimas descendo pelo seu rosto, a mais nova balançou
um dedo na frente da outra. Se algum criado tivesse entrado no
cômodo naquele momento, teria ficado horrorizado com a visão das
duas damas Ashton dobradas sobre si, segurando suas barrigas.
Alguns minutos se passaram até que ambas conseguiram se
acalmar, o que só aconteceu após as mulheres se abraçarem
novamente.
Millicent beijou a bochecha de sua mãe.
– Sinto muito, mamãe. Tenho agido de forma egoísta desde que
chegamos, pensando apenas nas minhas próprias preocupações.
Só percebi o quanto todos aqueles anos longe de casa foram
difíceis para você e para o papai quando os vi interagindo com o tio
Oscar. Não posso imaginar o quanto sentiu falta da sua família e de
seus amigos. Prometo que tentarei me esforçar mais de agora em
diante. Talvez, os acontecimentos da noite anterior tenham sido
karma gerado pelo meu egoísmo.
– Não é tudo culpa sua, minha querida. Sei que tem sido difícil e
não acho que eu tenha ajudado ficando tão absorta em tentar
recuperar os anos perdidos em apenas alguns dias. O que acha de
colocarmos essa primeira semana para trás e tentarmos nos
estabilizar lentamente? Você só precisa de um pouco mais de
tempo.
A jovem sorriu, grata por ter uma pessoa tão racional como mãe.
Millie se perguntava se ela agiria tão racionalmente assim quando
visse sua filha pegar um barco de volta à Índia para nunca mais
retornar, contudo, isto era uma assunto para o futuro.
– Você sabe que não acredito em karma, mas acho que talvez
haja um fundo de verdade no que disse. Primeiro, deixe-me analisar
esse papel mais atentamente – Violet replicou.
A mais velha estudou a folha que Millie conseguira com o criado.
Nela, o contorno de um escudo estava desenhado e, dentro dele,
havia o que parecia ser um cavalo com uma coroa acima. Embaixo
do animal, podia-se ver uma série de estrelas de quatro pontas.
A mulher cantarolou com um ar conhecedor.
– Bem, parece que o karma deve estar aprontando algo, pois, se
não estou enganada, esse é o brasão do duque de Strathmore, e se
realmente era ele que estava estampado no coche que entregou
aquelas lindas flores, acho que alguém decidiu lhe enviar um pedido
de desculpas.
– Mas sem nada escrito no cartão, apenas as flores – Millicent
observou, ainda perplexa.
Como não sabia quem da família do duque enviara a caixa, não
tinha como descobrir se o gesto era um pedido de desculpas de
uma pessoa em particular em razão de seu comportamento rude ou
se era de outro membro Radley, que se sentira envergonhado pelas
ações do marquês de Brooke.
Por que tudo tinha que ser tão complicado em Londres? Um
simples “Sinto muito, fui um completo tolo na noite passada. Será
que poderia, por gentileza, desferir um golpe certeiro de sua espada
para que eu possa receber a morte dolorosa que mereço?” teria sido
o suficiente. Em vez disso, agora estava de volta à estaca zero,
tentando descobrir os motivos por trás das ações de outras
pessoas.
A moça soltou uma maldição.
– Millie, você precisa fazer algo sobre essa sua boca suja – sua
mãe disse, balançando a cabeça.
– Sinto muito.
– É claro que, agora que sabemos de onde as flores vieram,
podemos fingir educadamente que nunca as recebemos – a mais
velha comentou, amassando o pedaço de papel e jogando-o na
lareira.
A mulher colocou um cacho de seu longo cabelo escuro atrás da
orelha e olhou para suas unhas. Millicent sentiu a mudança no ar.
Violet estava certa. Como o cartão não fora assinado pelo
remetente, não era obrigada a escrever uma carta em resposta. A
menos que a pessoa que enviara o presente aparecesse na porta
dos Ashtons, não era necessário que fizesse mais nada. O buquê
iria adornar seu quarto até que murchasse, depois disso, usaria a
caixa de vidro para organizar seus livros e bugigangas favoritas.
Um pedido de desculpas que não fora propriamente dado era um
que não precisava ser aceito ou reconhecido. Sabia que era uma
atitude mesquinha, contudo, a lembrança de ser completamente
humilhada durante a noite anterior ainda estava vívida em sua
mente; e já que sua mãe sabia muito mais sobre as formalidades da
alta sociedade do que ela, estava certa de que recebera o melhor
conselho sobre os protocolos exigidos.
Millie retornou ao seu quarto, sentindo-se confiante e relaxada,
porém, assim que abriu a porta e viu as flores, sua mente se voltou
para Lucy e, com isto, sua confiança evaporou. Não podia fingir
indiferença. Eventualmente, alguém lhe perguntaria sobre o arranjo
e, quando isso acontecesse, seria obrigada a demonstrar o quanto
ficara encantada em recebê-lo.
– Espero que você não tenha sido enviado pelo Lorde Brooke,
qualquer um menos ele – sussurrou, sentindo o aroma das
orquídeas.
O Sr. David Radley parecia ser um cavalheiro decente, além
disso, seria menos complicado se as flores tivessem sido a forma
que ele encontrara para se desculpar em nome de toda a família.
Capítulo 5

M illicent passou o restante do dia trabalhando silenciosamente


em sua tapeçaria. Encontrara o lugar perfeito em frente a
uma janela, em uma das salas de estar do andar superior, onde a
luz da manhã permitira que separasse os vários novelos de tons de
cinza e branco que precisaria para começar a árdua tarefa de recriar
a cúpula da Catedral de São Paulo.
Na segunda manhã após a festa, sua mãe se ofereceu para
levá-la às compras, mas a jovem se contentou em permanecer em
casa. Lucy lhe enviara um bilhete desejando melhoras depois de
descobrir que Millie ainda estava sofrendo os efeitos de sua longa
viagem marítima da Índia. Em algum momento, a moça e Violet
teriam que conversar com a duquesa de Strathmore, contudo, por
enquanto, as mulheres da família Ashton não estavam fazendo ou
recebendo visitas.
No final daquela manhã, a dama continuava a trabalhar no
cômodo quando Grace apareceu, carregando um delicado arranjo
de rosas brancas envolto em uma fita azul-safira. Ao ver as flores,
Millicent ergueu o olhar de sua tapeçaria, parou no meio de um
ponto e suspirou.
– Imagino que elas não tenham vindo com uma mensagem, não
é mesmo? – indagou.
Quando a criada negou com a cabeça e respondeu que o cartão
era igual ao primeiro, a jovem enfiou sua agulha no tecido e se
encostou na cadeira.
– E foram entregues da mesma forma que ontem?
– Não, senhorita. Estas vieram nas mãos do entregador do
florista. Quando ele se aproximou da entrada dos fundos, o Sr.
Stephens perguntou a identidade de quem as tinha enviado, mas o
garoto disse que não sabia o nome da pessoa, apenas que um
cavalheiro as tinha encomendado e colocado na conta pessoal do
duque de Strathmore. – Grace as ergueu diante da luz que
atravessava a janela e as examinou, passando os dedos pela fita
sedosa. – Bem, quem quer que ele seja, suponho que goste de azul.
Talvez queira que o arranjo combine com a cor dos seus olhos,
senhorita. Devo colocá-las em um vaso ou gostaria que as deixasse
aqui para que possa olhar para elas?
– Obrigada, Grace. Coloque-as no meu quarto ao lado das
outras, por favor. Não quero que toda a casa as veja – a dama
respondeu.
Após a criada deixar o cômodo à procura de um vaso grande o
bastante para comportar as flores, Millie fitou a janela. Por dois dias
seguidos, alguém da Residência Strathmore lhe enviara um buquê
sem assinar o cartão. Ao menos, agora, estava certa de que era um
rapaz que estava fazendo os pedidos; um que, como Grace notara,
tinha propensão pela cor azul.
Os pelos de sua nuca se eriçaram. A criada mencionara que o
cavalheiro em questão poderia estar enviando buquês daquela cor
para combinar com o tom dos olhos da jovem. Ao relembrar os
eventos que se desenrolaram na noite da festa, seu coração
afundou. Fora estúpida por acreditar que David Radley poderia estar
lhe enviando os presentes adoráveis. A resposta óbvia era muito
menos agradável, assim como era a percepção de que as flores não
representavam um pedido de desculpas, motivo pelo qual o cartão
que viera com elas não fora assinado.
Millicent cruzou os braços e frisou os lábios. Apenas um dos
irmãos de Lucy permanecera parado enquanto segurava o olhar
dela por vários minutos; apenas ele teria notado o tom de azul
profundo de seus olhos. Seu pai sempre dissera que os olhos da
moça eram iguais a safiras, porque ela era uma verdadeira joia da
Índia. Durante sua infância, sempre usara fitas desse tom,
acreditando que era a reencarnação de uma antiga princesa hindu.
A dama amava a cor de seus olhos, por isso, sentia-se furiosa ao
pensar que alguém poderia estar tentando usá-la para lhe causar
dor.
O arranjo de ontem não tinha sido um acidente; não, ele era
apenas um modo de ele conseguir atingi-la dentro de sua própria
casa. Enviar-lhe a fita e as flores azuis era a maneira dele de
mostrar que observara todos os seus traços físicos e que,
eventualmente, lhe mostraria o que tinha visto e o que pensava
dela. Com o êxito de sua humilhação pública inicial, o sujeito
mudara o jogo para uma forma mais sutil e pessoal de ataque. Já
que o marquês de Brooke tomara seu tempo para examinar cada
centímetro das curvas amplas da jovem, Millie sabia que ele teria
um inventário mental de todos os seus defeitos. Ela se perguntava
quando o primeiro leitão ou pernil seria entregue em sua porta.
Quando fechou os olhos, os cantos de seus lábios começaram a
se curvar. Deixando sua cabeça cair para trás, a moça soltou uma
risada longa e perversa. A conversa que tivera com sua mãe lhe
fizera bem. Aceitaria e apreciaria os buquês, até usaria a fita azul
orgulhosamente em seu cabelo. Que ele continuasse a gastar o
dinheiro de seu pai lhe enviando presentes luxuosos!
– Não sei se a Sra. Knowles conseguirá fazer bom uso de um
pernil se ele acabar me enviando um. Suponho que não saiba que,
de onde venho, as vacas são sagradas. Rapaz estúpido – Millicent
riu.
Desde que discutira sua falta de modos com sua mãe, a dama
prometera conter seu uso indiscriminado de xingamentos. Após
apreciar uma boa risada às custas de Lorde Brooke, a moça se
parabenizou por sua compostura. Nenhuma maldição tinha deixado
seus lábios.
– Obrigada, Lorde Brooke, as flores são lindas.
Ela tirou a agulha da tapeçaria e calmamente voltou ao trabalho,
afastando todos os pensamentos sobre Alex Radley de sua mente.

Com a terceira manhã, veio o terceiro arranjo de flores e, assim


como as entregas anteriores, no cartão, só se via o nome de Millie.
À tarde, naquele mesmo dia, a jovem encarou os três buquês
que agora amontoavam a cornija da lareira e sorriu. Não podia falar
mal dos gostos dele; eles realmente eram primorosos. Dessa vez, o
arranjo era uma mistura de pequenas flores brancas e lavanda em
um vaso de porcelana azul. Passando seu dedo pela borda,
analisou o tom das flores.
– Você está trapaceando, Lorde Brooke. Qualquer tolo pode
perceber que a lavanda não é azul, mas, sim, roxa. Terei que
perguntar se está mudando as regras do jogo – observou em voz
alta.
Ouviu-se uma batida na porta e, um segundo depois, a cabeça
de Charles apareceu. Ao ver as flores, o rapaz sorriu para sua irmã.
– Então, ele ainda não desistiu?
Ela sorriu de volta.
– Os bolsos de seu pai não devem ter fim. Eu estava
considerando o que devo fazer para que ele passe a me enviar
joias. Anonimamente, é claro, o que significaria que eu só poderia
usá-las em casa, todavia, tenho certeza de que posso me contentar
com isso.
– Ou poderia levá-las para a casa de penhores na Exchange
Alley. Eu ficaria feliz em fazer tal tarefa por uma pequena comissão
– Charles respondeu, inclinando-se contra a moldura da porta.
Millicent fitou uma almofada que estava em uma cadeira próxima
e se perguntou se conseguiria atingi-lo com ela da distância em que
se encontrava.
– Qual é o propósito da sua visita, querido irmão? Não me
recordo da última vez em que colocou os pés em meu quarto. Está
chegando agora ou saindo para algum lugar?
O outro pigarreou.
– Já se passaram três dias desde a festa de boas-vindas, acho
que está na hora de levá-la para uma caminhada no parque. Você
poderá respirar um pouco de ar fresco e esticar suas pernas, deve
estar enlouquecendo aqui dentro de casa. – Ele olhou de soslaio
para o relógio que estava acomodado entre dois dos vasos de
flores, em cima da cornija. – Já são quase cinco horas. Todos os
dias, a alta sociedade visita, sem falta, o Hyde Park durante este
horário. A única coisa que os impediria de sair de casa seria uma
tempestade vinda do Atlântico e, já que o dia está claro, está na
hora dos irmãos Ashton se juntarem à festa. Vista seu casaco e
pegue suas luvas, Millie. Estarei lhe esperando no andar de baixo.
Não demore, velhota – completou.
O rapaz se afastou da porta e desapareceu.
A moça suspirou. Por que irmãos mais velhos tinham que ser tão
mandões? E por que eles sempre sabiam o que suas irmãs mais
novas precisavam? É claro que Charles estava certo. Millicent
passara três dias agradáveis em casa, agora, precisava sair e
encarar a sociedade londrina mais uma vez. Afinal, não podia se
esconder sob o teto de seu pai para sempre.
– Velhota? Ainda vou completar vinte e um anos – murmurou
enquanto chamava sua criada. Se saísse sem dar a chance de
Grace tirar seu casaco do armário e rearranjar o seu penteado, seus
ouvidos nunca teriam uma trégua.
Capítulo 6

V inte minutos depois, Millie e Charles estavam caminhando


pela Union Street, em direção ao Hyde Park. O vento tinha
parado, contudo, o céu ainda estava cinzento. Embora o sol não
tivesse tido muitas oportunidades de aparecer, ao menos não estava
chovendo ou nevando. A jovem ainda não decidira qual dos dois
climas da Inglaterra lhe desagradava mais. Ao menos as monções
de chuva da Índia eram quentes.
– Stephens disse que irá nevar de novo esta noite – seu irmão
comentou, enfiando as mãos nos bolsos de seu casaco.
Ela lhe deu um sorriso. Não podia se importar menos com o
clima; estar caminhando pelas ruas de Londres ao lado de Charles
era o que importava. Vários coches e cabriolés passaram pelos
dois. Pela aparência de seus passageiros, eles também se dirigiam
ao parque.
– Ele tem joanete? – Millicent questionou.
Seu irmão parou e a fitou sem entender.
– O quê?
– Stephens. Você disse que ele mencionou que irá nevar esta
noite. Lembra-se que Nishant sempre contava ao papai quando iria
chover porque seus pés começavam a doer?
O mais velho riu.
– Ah, sim. Quantas vezes tivemos que aguentar as reclamações
dele até que finalmente começasse a chover? Nishant não
conseguia prever o tempo, Millie, ele era apenas um velho que
acreditava comandar os empregados da casa.
– Ele não os gerenciava? – ela perguntou.
Desde o primeiro raio de sol da manhã até a última hora da
noite, Nishant percorria a casa de sua família em Calcutá de cima a
baixo, dando ordens aos criados e às crianças Ashton.
– Não, ele era um funcionário da família que anteriormente
morava em nossa casa e não tinha para onde ir. Quando chegamos
da Inglaterra, papai não conseguiu mandá-lo embora. Os outros
criados pareciam respeitá-lo, então ele continuou na residência. Na
verdade, Ash era o mordomo-chefe, embora não ousasse
contradizê-lo. – Um sorriso caloroso se espalhou pelo rosto de seu
irmão, que, mais uma vez, riu. – Por cerca de quinze anos, o
verdadeiro mordomo-chefe trabalhou sob o comando de um homem
que não tinha qualquer direito de estar em nossa casa. Papai,
inclusive, pagava o mesmo salário a ambos. Imagino que Ash não
tinha do que reclamar, Nishant conseguira um teto sob sua cabeça e
tudo parecia funcionar bem. Quando o homem faleceu, Ash
simplesmente assumiu o papel que passara todos aqueles anos
estudando.
Charles segurou a mão de Millie e a apertou. Eles continuaram
andando pela Dean Street, cruzaram a Park Lane e entraram no
parque pelo portão principal. Embora estivesse frio, todos pareciam
inclinados a ignorar a temperatura congelante e se aventurar em
seus passeios diários. A dama nunca vira tantos coches em um
único lugar. Seu olhar vagou pela linha sem fim enquanto observava
o parque.
Notando que a maioria dos veículos possuíam um brasão de
família, espiou se algum deles carregava a marca do duque de
Strathmore. Quando notou com os cantos dos olhos que seu irmão
seguia seu olhar, virou-se em sua direção e sorriu inocentemente.
Para onde quer que olhasse, via pessoas. Ficou claro que, para
a sociedade londrina, era de vital importância ser vista naquele
horário, por mais desafiador que fosse o clima. As longas fileiras
com canteiros de flores se estendiam à distância. Sempre se
espantava ao notar que algum ser vivo conseguia sobreviver neste
clima. Alguns arbustos de rosas haviam conseguido florescer nas
bordas dos canteiros, porém, a maioria estava coberta por uma
camada grossa de galhos. A moça imaginava que, quando a
primavera chegasse, uma explosão de cor surgiria e se espalharia
pelos canteiros, o que fez com que considerasse a ideia de
permanecer em Londres até a estação; seria incrível observar o
Hyde Park em toda a sua glória.
No meio da caminhada, Charles apontou para um dos modelos
de coche mais novos, prometendo que daria uma volta com ela
quando comprasse seu próprio veículo.
– Papai continua dizendo que preciso arranjar um meio de
transporte decente para andar pela cidade, algo com um exterior
elegante, como aquele ali – falou, indicando um faetonte preto
brilhante que era puxado por um par magnífico de cavalos
cinzentos.
Millicent arqueou uma sobrancelha. Seu pai passara a se
debruçar diariamente sobre o jornal, analisando os anúncios sobre o
mais novo veículo enquanto fingia estudar as notícias que vinham
do subcontinente.
– Não sei quem é mais patético. Às vezes, vocês dois realmente
agem como crianças – a dama riu.
– Ele insiste em ser o primeiro a sair no faetonte durante o
passeio das cinco horas, já que quer ter certeza de que todos
saibam que a mamãe está de volta à cidade – o rapaz disse,
espiando atentamente outro coche brilhante.
Millie pigarreou. Seu irmão estava tão empolgado com a
perspectiva de adquirir um novo veículo e novos cavalos que o
comentário dela havia passado completamente despercebido. Era
óbvio que ele estava assumindo seu novo papel de visconde com
gosto. Mais cedo naquele dia, tio Oscar o convidara para assistir os
procedimentos a partir da galeria da Câmara dos Lordes. Quando o
momento chegasse, Charles tomaria seu lugar no local.
A moça esperava que isso acontecesse em um futuro bem
distante; imaginar que, algum dia, seu pai e seu tio partiriam era
algo que não lhe agradava. O rapaz merecia apreciar seu tempo
sendo apenas um cavalheiro inglês antes que tivesse que assumir a
administração da casa e da grande propriedade rural da família. É
claro que, quando isto acontecesse, ele já teria uma esposa e uma
ninhada de filhos.
A dama o fitou. Charles tinha o mesmo sorrisinho no rosto que
estava usando desde o dia em que haviam chegado na capital. Para
seu irmão, Londres era uma grande e emocionante aventura. Dentro
de alguns meses, quando a temporada começasse, ele estaria
pronto para se juntar à alta sociedade.
Millicent foi contagiada pelo sorriso alegre do rapaz, feliz por
saber que Charles seria bem-sucedido em sua nova residência. Foi
então que seu irmão parou subitamente e se virou para ela.
– Não me odeie – ele disse, inclinando o rosto na direção de um
grupo de pessoas que vinham ao seu encontro.
A mais nova notou uma mão acenando para eles e, em seguida,
o som de um olá animado. Era Lucy Radley, que vinha
acompanhada por seus dois irmãos mais velhos.
– Seu patife traidor, você poderia ao menos ter me avisado –
Millie cuspiu.
Charles colocou um braço ao redor dos ombros dela e a puxou
para mais perto. Retornando o aceno de Lucy, seu irmão sussurrou
em seu ouvido:
– Você não teria vindo se soubesse que eles estariam aqui. Sei
que não fará uma cena enquanto Lorde Brooke tenta se desculpar
pessoalmente. Você não é a única que tem sofrido por conta do
evento da outra noite. Soube que Lady Lucy ficou muito ofendida em
seu nome, então permita que seu irmão tente consertar as coisas.
A moça inspirou profundamente e encheu as bochechas.
Embora o encontro deles fosse inevitável, ainda planejava ter uma
conversinha com Charles quando voltassem para casa. Planejara
incluir diversos comentários espirituosos e afiados em sua grande
vingança contra o marquês, contudo, agora que via os irmãos
Radley se aproximarem, sentiu sua boca secar e a audácia lhe
abandonar.
Não chore. Não importa o que aconteça, não chore. No momento
em que ele disser algo maldoso, finja que sua dor de cabeça voltou
e peça que seu irmão a leve de volta para casa.
Seria a primeira a admitir que tal plano não era o melhor entre
todas as estratégias de guerra, entretanto, no campo de batalha,
tinha que usar as armas que possuía à sua disposição. Por mais
superficial que fosse, fazer o papel de dama delicada com uma
repentina enxaqueca era uma tática testada e comprovada.
Lucy soltou o braço de David e correu à frente do grupo. Quando
se aproximou de Millicent, jogou seus braços ao redor dela e
exclamou:
– Estou tão feliz em vê-la. Estive muito preocupada. Sua mãe me
informou que você ainda estava cansada da viagem, mas pensei
que talvez tivesse contraído alguma doença tropical terrível.
– Não, eu só estava exausta devido ao longo percurso, além de
ainda estar me acostumando com o clima londrino – a moça
respondeu, mirando o céu cinzento rapidamente.
– Além disso, se ela fosse contrair alguma doença tropical, teria
sido antes de chegar a Londres. Não temos muitas enfermidades
assim aqui – David pontuou no segundo em que ele e Alex pararam
ao lado de sua irmã.
Ele ergueu o braço e apertou a mão de Charles.
– Obrigado.
Seu irmão assentiu ligeiramente para os homens e fez uma
reverência para Lucy.
– Sinto muito por minha irmã não ter se sentido bem o bastante
para visitá-la, ela demorou um pouco mais do que o esperado para
se recuperar.
Para o benefício da loira, Millie forçou um sorriso no rosto,
tentando controlar seu temperamento até o momento em que Lorde
Brooke finalmente abrisse a boca. Talvez, o plano do marquês fosse
permanecer em silêncio em meio ao grupo, embora duvidasse que
David e Charles lhe permitissem tal indulgência. Os irmãos tinham
claramente organizado aquele encontro para que Alex pudesse se
desculpar. Agora, tudo o que restava era esperar para ver se ele
conseguiria proferir algo que não a ofendesse ainda mais.
A jovem ergueu seus escudos mentais. O marquês pigarreou,
deu um passo hesitante para a frente, e os outros homens ficaram
em silêncio. Contudo, quando tudo parecia estar seguindo conforme
o esperado, a pobre Lady Lucy estragou o momento. Antes que
qualquer um pudesse impedi-la, a loira agarrou firmemente o braço
da amiga e marchou em direção a Walnut Trees Walk. A culpa não
era apenas da garota. Ninguém se incomodara em informá-la que,
aparentemente, o encontro no parque tinha um propósito claro.
À medida que sua colega a arrastava para longe do grupo,
Millicent olhou para trás e fitou a perplexidade nos rostos dos
homens. Ela lhes deu um aceno de adeus, porém, para sua
decepção, viu que Lorde Brooke passara a segui-las.
As palavras começaram a jorrar da boca de Lucy em uma
velocidade inacreditável, o que fez com que Millie só
compreendesse um terço do que a outra estava dizendo. Cada uma
das frases levava a um tópico diferente. Sua amiga falou sobre a
família, as viagens deles à Escócia, sapos e até sobre história
romana. Ela começara a divagar sobre o Grande Incêndio de
Londres quando Millicent decidiu pará-la.
– Devagar, mais devagar. Não consigo acompanhar sua linha de
pensamento – pediu.
Uma expressão de pavor tomou o rosto da loira.
– Desculpe, não consigo evitar. Quando começo a falar, minha
mente passa a girar tão rápido que meus lábios têm dificuldade de
acompanhar. Ah, Millie, não se afaste de mim. Estive esperando
ansiosamente por sua recuperação, torcendo para que pudesse vê-
la mais uma vez. Após conhecê-la na outra noite, eu soube que
você era especial; que era diferente. Também sei que meu irmão a
constrangeu, mas, por favor, não... – Lucy explodiu em lágrimas.
Ao olhar para trás, a outra dama viu que Alex estava logo atrás
de si; um olhar de preocupação estava estampado em seu rosto.
Com uma longa passada, ele alcançou sua irmã, passou os braços
ao seu redor e lhe deu um abraço apertado. A mais nova enterrou o
rosto nas lapelas do paletó dele enquanto uma onda de soluços
atravessava seu corpo.
Millie ficou mortificada.
– Está tudo bem, Lucy – o rapaz murmurou na orelha da irmã.
Os outros homens se aproximaram deles.
– O que aconteceu? – Charles perguntou em um tom
desaprovador.
– Só pedi que ela falasse mais devagar, pois não estava
conseguindo acompanhar.
O olhar do seu irmão mais velho lhe disse que ele não acreditava
no que dissera. Podia ver o que se passava na mente dele: Millicent
estava com raiva de Alex, portanto, decidira descontar suas
frustrações em sua amiga.
– O que sua irmã disse é verdade – o marquês informou. – A
Srta. Ashton apenas pediu que Lucy diminuísse o ritmo de sua fala.
Isso foi tudo o que ela disse, eu consegui escutá-la. – Ele continuou
a acariciar o cabelo da loira. – Srta. Ashton, garanto-lhe que isso
não foi sua culpa. Minha irmãzinha está nervosa há dias e, por isso,
acabou ficando um pouco emotiva ao vê-la novamente. O único
culpado aqui sou eu – completou.
Ela ficou pasma. O marquês de Brooke tinha feito dois milagres
em menos de um minuto. Ele não só lhe dirigira frases completas
como também falara algo gentil. Verificando sua contagem pessoal
de milagres, a moça percebeu mais um: o rapaz a defendera. Onde
estava o valentão de três noites atrás, que permanecera com um
sorriso no rosto após humilhá-la? Quem era esse irmão carinhoso
que agora segurava Lucy em seus braços?
Não se esqueça do sorriso que ele lhe deu naquela noite terrível.
Tudo isso faz parte do plano dele. O cavalheiro só a está
protegendo para que você não possa encurralá-lo posteriormente.
A colega balançou uma mão para Millie e se afastou de seu
irmão.
– Ele está certo, ela não fez nada de errado. Eu só fiquei um
pouco emocionada. É tão bom poder vê-la novamente, Millie. – A
loira enxugou suas lágrimas com as costas de sua mão e inspirou
profundamente várias vezes, tentando se recompor.
A outra dama tirou um lenço de sua bolsa de mão e ofereceu à
Lucy, que deu um soluço abafado e o aceitou. Millicent esfregou
gentilmente as costas de sua amiga e sussurrou um pedido de
desculpas. Poderia não ter sido sua culpa, todavia, sentia-se mal
por ver a garota em tal estado.
Um suspiro coletivo de alívio tomou conta do pequeno grupo
quando Lucy recobrou o controle e sorriu para eles. Millie sentiu o
olhar de Charles cair sobre si, sabendo que, agora, teria que ser a
pessoa a dar o primeiro passo. Com a irmã à beira de lágrimas, não
podia esperar que Alex pedisse desculpas.
– Então, você visita o parque diariamente, Lorde Brooke? –
perguntou ao seu inimigo.
O marquês assentiu e afastou o olhar.
– Sim, nós fazemos uma visita quase todos os dias – David
respondeu. – Embora não tenhamos saído muito esta semana, já
que meu irmão deu um jeito em suas costas e não tem sido capaz
de caminhar por muito tempo.
Como se fosse sua deixa, o mais novo girou os ombros e
colocou uma mão na base da sua coluna. O gesto foi recompensado
com um aceno de cabeça aprovador do mais velho.
– Talvez você se lembre que ele teve certa dificuldade na noite
da festa. Achei que fosse apenas um gracejo dele, até que o coitado
me explicou que estava em completa agonia.
Uma dor nas costas? Parece-me uma mentira muito
conveniente. Contudo, se é esse o pretexto que deseja utilizar,
quem sou eu para questioná-lo? Só não pense que escapará sem
me dirigir um pedido de desculpas adequado, Lorde Brooke.
Ela contou até dez antes de colocar uma expressão preocupada
em seu rosto e se aproximar de Alex.
– Sinto muito em saber que também tem estado mal, Lorde
Brooke. Parece que esta tem sido uma semana infeliz para nós. Por
favor, diga-me, como conseguiu ferir sua coluna? – a moça
perguntou.
O marquês lançou-a um olhar de surpresa e engoliu
ruidosamente. Ele estava perplexo. Ótimo. Afinal, por que Millicent
tinha que ser a única pessoa desconfortável naquele momento?
Apesar da pequena vitória, a jovem sentiu uma pontada de
decepção, visto que, com o passar do tempo, Alex parecia se tornar
um adversário indigno. Ser arrogante já era ruim o bastante, mas, se
tal traço fosse coberto por uma camada de estupidez, ou pior, de
preguiça, estava certa de que abandonaria o campo de batalha. Se
este fosse o caso, não haveria honra ou graça em vencê-lo.
David deu um passo para frente, mas o olhar que Millie lhe deu o
parou no lugar. Estava preparada para ser educada, contudo, Lorde
Brooke teria que se virar sozinho. Um movimento em falso da parte
de qualquer um faria com que se virasse em seus calcanhares e se
dirigisse ao portão principal, seguindo para casa.
– Cavalgando no parque – Alex respondeu. – Eu...
Naquele momento, o olhar do rapaz passou pela cabeça dela,
ele ergueu uma mão e deu um aceno. Virando-se para ver quem
capturara a atenção dele, a dama pensou ter escutado o marquês
dizer claramente “Graças a Deus”.
Um cabriolé com a cobertura abaixada havia entrado no parque
e seguia pelo caminho de cascalhos. Duas mulheres estavam
sentadas no veículo. Semicerrando os olhos, conseguiu distinguir o
brasão da família Strathmore em um dos lados.
– A mulher mais próxima é nossa mãe e a dama ao seu lado é
nossa tia-avó Maude – Lorde Brooke explicou.
– Maude não deveria se expor a esse clima frio, mas a mamãe
não conseguiu convencê-la a permanecer em casa – Lucy
acrescentou.
Com os cantos de seus olhos, Millicent viu seu irmão e David
trocarem um olhar rápido. Quando Radley pigarreou e mencionou
que fora negligente ao não apresentar sua mãe e sua tia a Charles,
seu irmão desenvolveu um repentino interesse pelo bem-estar geral
de Maude, sugerindo que deveriam se apressar para alcançar o
cabriolé em movimento.
– Vamos, Lucy. Mamãe deseja vê-la – David disse, pegando sua
irmã pela mão.
Vendo que o trio seguia em direção ao veículo, Alex se virou
para Millie e fez uma reverência elegante.
– Permitiria que eu a acompanhasse, Srta. Ashton? Tenho
certeza de que minha mãe gostaria de conhecê-la; Lucy lhe contou
muito sobre você.
Ele ofereceu seu braço. Por um momento, a moça ficou tentada
a lhe dizer exatamente o que deveria fazer com suas boas maneiras
recém-descobertas, mas percebeu que isto deixaria Violet
desapontada. Cerrando os dentes, passou o braço pelo dele.
– Muito bom – o marquês falou ao seguirem atrás dos outros.
Millicent esperava que a duquesa de Strathmore fosse mais
parecida com David do que com Alex no que dizia respeito à
recepção de desconhecidos, portanto, ficou feliz ao descobrir que,
em vez de encarar uma temível matrona da sociedade, encontrava-
se diante de uma mulher que era puro deleite. Assim que o grupo se
aproximou, a duquesa percebeu o estresse na expressão de Lucy e
pediu que seu criado abaixasse a escada para que pudesse sair do
veículo.
A mulher não fez um alvoroço ao se encontrar com a filha;
apenas conversou com a garota em um tom firme e terno. Todavia,
Millie começou a suspeitar que um grande número de pessoas
estava sabendo sobre o encontro “ocasional” que se desenrolava
entre os Ashtons e os Radleys no Hyde Park. A chegada do cabriolé
da duquesa de Strathmore naquele exato momento parecia ser
estranhamente fortuita.
Após um diálogo rápido e um aceno de cabeça de Lucy, o
assunto foi resolvido. Ela conseguiu ouvir uma parte da conversa,
em que a duquesa pediu que sua filha diminuísse o ritmo e não
sufocasse sua nova amiga; o que foi seguido por alguns conselhos
da mulher, recomendando que a mais nova permitisse a
participação de Millicent em seus diálogos.
Lorde Brooke permaneceu em silêncio ao seu lado enquanto
esperavam as duas terminarem. Quando isso aconteceu, David
apresentou Charles e inúmeras cortesias foram trocadas de ambos
os lados. A dama observou a conversa entre seu irmão e a
duquesa, embora seus ouvidos estivessem focados na respiração
de Alex. De tempos em tempos, o rapaz parecia ter dificuldade em
mantê-la estável. A respiração dele ficava presa em sua garganta,
fazendo com que os músculos de seu braço se retesassem
ligeiramente. Ele então inspirava uma grande quantidade de ar e a
segurava em seus pulmões.
Ao perceber que aquilo se repetia, a jovem se virou e notou uma
expressão no rosto do marquês. Talvez, o cavalheiro realmente
estivesse lesionado; ele certamente parecia estar sofrendo com
alguma enfermidade misteriosa.
Estava esperando que ele não tivesse me dito a verdade, uma
vez que já jurei odiá-lo eternamente.
Suas reflexões foram interrompidas pelo movimento de David e
Charles, que se afastaram para que Alex a levasse até sua mãe. O
rapaz fez uma reverência para a mulher, recebendo um aceno
majestoso em resposta. Millie os pegou trocando um sorriso e
percebeu que tais formalidades eram para o seu próprio benefício.
– Mãe, deixe-me apresentá-la à Srta. Millicent Ashton, filha do
Sr. e da Sra. James Ashton, que recentemente chegaram de
Calcutá. Srta. Ashton, esta é minha mãe, Lady Caroline Radley,
duquesa de Strathmore – Lorde Brooke anunciou.
Ele a soltou de seu braço e a moça fez sua melhor reverência.
– Sua Graça.
Ao se erguer, a duquesa estendeu uma mão. Quando Millie a
aceitou, viu-se sendo envolta em um abraço caloroso. A mais velha
beijou sua bochecha e a dama sentiu seu rosto corar.
– Srta. Ashton, fico muito feliz em finalmente conhecê-la. Lucy
não parou de falar de você desde a noite do baile na casa do seu
tio.
A jovem lançou um olhar para sua amiga, que encarava o chão,
arrastando seu sapato pelo cascalho.
– Foi um prazer conhecer Lucy. Sinto muito por não ter estado
bem o bastante para visitá-la. Acho que sua filha e eu temos muito
em comum – Millicent respondeu.
Ouvindo isso, a cabeça da loira se levantou de repente e um
sorriso iluminou seu rosto. A duquesa também sorriu.
– Receio que Lucy fique um pouco nervosa ao fazer uma nova
amiga. Algumas damas acham difícil compreender seu
comportamento.
Millie fitou a loira, notando quão parecidas elas eram. Conseguia
entender porque, apesar das conexões da garota, as senhoritas de
sorriso afetado procuravam evitá-la.
– Obrigada, Sua Graça. Eu soube que gostava de Lucy no
momento em que a conheci – afirmou, voltando-se para segurar a
mão da outra moça. – Você parece gostar de várias coisas que eu
não imaginava que a filha de um duque gostaria. Nem sequer uma
vez mencionou algo sobre a moda ou sobre qual cavalheiro de
Londres acredita ser o mais belo. Na verdade, você soa exatamente
como eu, embora definitivamente fale mais rápido.
A loira girou um cascalho sobre seu pé e o chutou para baixo do
cabriolé.
– Apostaria todo o meu dinheiro no fato de que você deve
conhecer todos os mares e oceanos e pode apontar a localização
certa deles em um mapa com os olhos fechados. Todavia, acredito
que eu possa entrar nessa corrida quando se trata dos fiordes
escandinavos – Millicent comentou.
Sua amiga riu.
– Millie, eu gosto de roupas e toucas; só prefiro conversar sobre
outros temas. Também gosto de joias, contudo, me interesso mais
por saber de onde elas vieram e como foram criadas do que apenas
contemplar sua beleza. Sei, por exemplo, que as safiras vêm da
Índia e estava esperando que você pudesse me contar mais sobre
elas – Lucy respondeu.
A duquesa colocou uma mão sobre os lábios e tossiu
delicadamente. O olhar de sua filha pousou sobre a pedra no
piercing de Millie antes de voltar rapidamente para Alex. Ele sorriu
para a irmã.
Não é uma grande coincidência? O homem que gosta de azul
simplesmente tem uma irmã que está interessada em safiras.
Podia sentir algo no ar, mas não queria estragar o clima. Lucy
parecia estar feliz. Charles e David estavam sorrindo, assim como a
duquesa. Quanto a Lorde Brooke, bem, ele continuava a murmurar
algo ininteligível, contudo, também sorria. Até mesmo a tia-avó
Maude, sentada no veículo e enrolada em uma pilha de cobertas
grossas para afastar o frio, estava sorrindo.
– Já que você está recuperada, Srta. Ashton, enviarei um bilhete
para sua mãe, convidando-as para uma visita amanhã à tarde. Não
tive oportunidade de pôr os assuntos em dia com Violet durante a
festa e estive ansiosa para nos reaproximarmos. Nós debutamos no
mesmo ano. Ela era amiga da minha falecida irmã. – Caroline
assentiu para David, que, por sua vez, colocou os dedos sobre o
coração por alguns segundos. – Agora, Lucy, acho que deva me
acompanhar até em casa para colocar uma compressa fria sobre
seu rosto. Vamos jantar com o bispo no Fullam Palace esta noite e
você não vai querer chegar com os olhos inchados. Estou certa de
que o irmão da Srta. Ashton não permitirá que ela passe muito
tempo sob o clima frio do parque, já que não esteve se sentindo
bem nos últimos dias.
Millicent não sabia se o comentário da mulher tinha sido uma
observação ou um direcionamento. De qualquer modo, Lucy
obedeceu às instruções da duquesa e subiu no veículo,
acomodando-se ao lado de sua tia idosa. Ela deu um aceno breve
para o trio assim que o cabriolé voltou a andar, afastando-se deles.
Com a loira fora do caminho, Charles e David não
desperdiçaram tempo, mudando o foco para o motivo que os
trouxera ao parque. Eles avistaram um modelo novo de faetonte à
distância e rapidamente prometeram que retornariam assim que
possível, encurtando a distância que os separava do coche para dar
uma olhada.
– Os dois não estão sequer tentando ser sutis – Alex observou.
– Realmente não estão – a dama replicou.
– Como nos deixaram sem um acompanhante, infelizmente não
podemos nos afastar muito daqui. Teremos que nos contentar em
caminhar pela rua de cascalhos e tentar evitar veículos mal
dirigidos.
O cavalheiro pegou sua mão, porém, em vez de colocá-la em
seu braço, apenas a segurou enquanto andavam. A jovem não
soube dizer se era um erro da parte dele, embora tivesse achado a
iniciativa estranha; era quase como se o marquês estivesse fazendo
uma demonstração pública de posse.
– Imagino que tenha percebido que o encontro de hoje foi
planejado – ele falou sem olhar para ela. – Pedi ao seu irmão que a
trouxesse aqui assim que você estivesse recuperada. Também
estive ansioso para vê-la novamente. – Lorde Brooke parou e
inspirou fundo. Ao se voltar para ela, Millie percebeu que o rapaz
tinha um objetivo certo em mente. – Sinto muito pela forma como
me comportei na festa. Agi de modo completamente imperdoável e
grosseiro. Por favor, aceite minhas desculpas sinceras pela dor que
devo ter lhe causado. Minha única defesa é que eu estava em
agonia e, por isso, não consegui pensar direito. Sou grato a David
por ter me resgatado antes que eu transformasse sua noite em um
desastre ainda maior.
– De fato, o fez – Millicent retorquiu, decidida a não perdoá-lo tão
facilmente após o que acontecera alguns dias atrás.
– Não compreendi.
– Você realmente conseguiu estragar minha noite. Além de ter
me humilhado, continuou a me encarar pelo resto da festa. Desde
então, me enviou três arranjos de flores magníficos sem ter a
decência de assinar seu nome ou, ao menos, escrever um pedido
de desculpas no cartão. Suponho que eles tenham sido enviados
por você, mas corrija-me se eu estiver errada.
Alex assentiu.
– Estou me desculpando agora.
– Muito bem, aceitarei suas desculpas, Lorde Brooke. Por favor,
solte minha mão – ela vociferou.
– Não. Não até que me diga como cair nas suas boas graças – o
rapaz demandou.
A dama parou no meio de uma passada e tentou puxar sua mão,
mas ele a segurou firmemente. Millie o encarou com raiva, sabendo
que não podia começar uma confusão em um espaço público. Que
jogo era aquele? O marquês pedira desculpas e ela as aceitara. Em
seguida, ele deveria tê-la encaminhado educadamente na direção
de Charles sem proferir mais nenhuma palavra.
Alex deu um passo à frente e falou baixinho, de modo que
apenas a moça pudesse ouvir:
– Por favor, preciso saber como posso me redimir. Preciso que
você...
– O que precisa de mim? – Millicent interrompeu, arqueando
uma sobrancelha.
O marquês olhou por cima do ombro, parecendo procurar uma
resposta na paisagem. O cavalheiro respirou profundamente e
engoliu em seco antes de continuar:
– Preciso que goste de mim, porque eu gosto de você. Sei que
fui um completo tolo durante a festa e realmente sinto muito por
isso. Eu não sabia o que fazer ou como deveria me dirigir à sua
pessoa. Honestamente, ainda não sei. Você me pegou
completamente de surpresa.
O mundo dela virou de cabeça para baixo enquanto piscava e
esperava que ele retornasse ao seu correto eixo. Todavia, em vez
disso, as coisas permaneceram ligeiramente curvas e fora de foco.
Agora, era sua vez de lutar para respirar e ficar sem fala. Isso não
podia estar acontecendo. A jovem recordou de que a pessoa à sua
frente era Lorde Brooke, o homem que passara os últimos dias
odiando intensamente. A única qualidade do rapaz era sua adorável
irmã. Por que o sujeito deveria se importar com a imagem que Millie
tinha sobre ele?
A boca da moça se abriu e se fechou duas vezes, contudo, nada
saiu de seus lábios. O marquês sorriu e todo o seu rosto se
iluminou; até seus magníficos olhos verdes brilharam.
Ah, céus, você é tão bonito. É assim que se esgueira no coração
das pessoas, destruindo-as e, depois, fazendo-as se apaixonarem
por você? Isso não vai terminar bem, estou certa.
– Gostou das flores? – ele perguntou, habilmente mudando seu
sorriso amplo para um curvar de lábios tímido. – Eu as escolhi
especialmente para você; para combinar com seus incríveis olhos
azuis. – Alex riu. – Embora imagine que deva estar se perguntando
sobre as lavandas. Elas eram os ramos mais próximos de azul que
o florista conseguiu encontrar nesta manhã. Ele estava tendo
dificuldade em encontrar flores de verão nas estufas, então,
novamente, peço que me perdoe por isso.
O coração de Millicent deu um salto. Lorde Brooke não estivera
enviando os buquês para machucá-la, mas, sim, apenas tentando
se desculpar de sua própria maneira esquisita e desajeitada. Ela
descobriu que achava sua falta de jeito estranhamente atraente.
Não conseguia entender como esse deus em forma humana
conseguira estragar um simples pedido de desculpas, todavia,
estava claro que ele estava sendo sincero ao pedir que lhe
perdoasse. A dama já lera erroneamente as intenções de outras
pessoas antes, entretanto, ainda sentia que o cavalheiro estava se
contendo ao seu redor.
– Ei, vocês dois – David chamou, retornando com Charles ao
seu lado. – Tudo resolvido?
Alex e Millie continuaram se encarando silenciosamente.
– Olá – o irmão do marquês disse, cutucando o ombro do mais
novo. Lorde Brooke virou o rosto de uma vez e David deu um passo
para trás, erguendo as mãos no ar em um gesto de rendição. – Só
estava tentando trazê-lo de volta para a realidade. Devo lembrá-lo
de que vocês estão parados no meio do Hyde Park durante a hora
mais movimentada do dia?
– Sem mencionar que o irmão da Srta. Ashton está parado a
meio metro de distância, perguntando-se por que você está
segurando as mãos da irmãzinha dele – Charles acrescentou,
falando em terceira pessoa.
Millicent só notou que Alex estava segurando suas duas mãos
quando olhou para baixo. Ela encarou a visão, percebendo quão
bem elas se encaixavam nas palmas dele. Um segundo depois,
lembrou-se de quem o cavalheiro era e lentamente as afastou. O
rapaz só estava sendo gentil com ela porque estava preocupado
com sua irmã. Se não conseguisse fazer as pazes com a jovem, a
tarefa de visitar a Residência Strathmore e Lucy acabaria sendo
difícil para ela, o que faria com que a loira nunca o perdoasse.
A moça deu um passo para trás.
– Sim, Lorde Brooke e eu resolvemos nossas diferenças; pode
informar à Lady Lucy que tudo está bem. Conversarei com minha
mãe sobre os arranjos de nossa visita para que possamos vê-la
assim que possível.
Seu coração aceitou silenciosamente que não significava nada
para Alex e que nunca significaria, estava certa disso. Ele era um
marquês e, algum dia, acabaria se tornando um duque. Homens
como o cavalheiro não se apaixonavam por garotas deselegantes
como ela. Eles mal as notavam. Lorde Brooke se casaria com um
dos diamantes da temporada. De fato, era provável que já tivesse
uma noiva ou, ao menos, uma promessa tácita com alguém. Eles
seriam amigos, nada mais, e se a amizade deles facilitasse um
pouco sua vida dentro da alta sociedade, Millie passaria,
relutantemente, a fazer parte da longa lista de admiradoras do
rapaz.
A moça se virou para seu irmão, que lhe ofereceu o braço. Ao
aceitá-lo, suspirou.
– Acho que eu gostaria de voltar para casa, Charles. Sinto-me
um pouco cansada. Importam-se se nós partirmos?
Charles e os irmãos Radley trocaram despedidas breves. O mais
velho acompanhou Millicent até o portão principal e eles
caminharam pela Park Lane. Foi só quando atravessaram a esquina
entre a Union e a Mill Street, já longe da multidão do parque, que
seu irmão finalmente falou:
– Então, como foram as coisas? Vocês realmente resolveram o
impasse ou apenas chegaram a um entendimento para o benefício
de Lady Lucy?
As palavras dele mal a despertaram de seus pensamentos.
– Hum?
A jovem pisara no pavimento e começara a atravessar a rua
quando Charles a segurou firmemente pelo braço, conduzindo-a
para longe de uma carroça cheia de flores no momento em que o
motorista perdeu o controle das rédeas dos cavalos, que ergueram
as patas da frente e subitamente pararam.
– Preste atenção, Millie. Você não pode ficar divagando
enquanto atravessa uma rua movimentada. Assim, acabaremos
sendo atropelados e eu com certeza não apreciaria isso – o irmão a
repreendeu, guiando-a em segurança para o outro lado da rua.
– Sinto muito, não vi a carroça – ela respondeu.
Sua mente estava preenchida pelos olhos de um determinado
rapaz, o sorriso dele e a declaração que a pegara completamente
de surpresa. Ele é um amigo. Somos amigos. Alex é o irmão de
Lucy e é... A moça sentiu uma mão a empurrar firmemente para
frente. Ela deu um passo e, depois, outro, seguindo até que seus
dedos dos pés bateram em um beiral de pedra. Millicent olhou para
cima e notou que tinham chegado em casa.
O mais velho estava no meio dos degraus da frente, o olhar em
seu rosto era de pura perplexidade e frustração. Ele apontou para a
porta e gesticulou para que a jovem o seguisse. Quando ela virou a
cabeça e fitou a Mill Street, frisou a testa; não tinha qualquer
lembrança de ter percorrido o último quarteirão até sua casa.
– O que aconteceu? – Millicent perguntou alto.
– Será que você pode fazer a gentileza de entrar?
Particularmente, não gosto de vê-la berrando no meio da rua como
um vendedor de laranjas – Charles replicou, jogando as mãos para
cima em descontentamento, girando sobre os calcanhares e
marchando para dentro de casa.
A mais nova deu de ombros. Erguendo suas saias, subiu a
escada da forma mais graciosa que conseguiu. Estava começando
a perceber que, em Londres, nunca se sabia quem poderia estar
assistindo.

– Parece ótimo, estou pronto agora? – Alex indagou


impacientemente enquanto seu valete fazia uma última inspeção
nas roupas de noite do marquês.
– Está quase pronto, milorde; só preciso endireitar sua gravata –
Phillips respondeu, aproximando-se e enfiando um centímetro da
vestimenta para dentro.
O rapaz contou lentamente até cinco, pois nunca tinha paciência
de chegar até o número dez. Após retornar de sua missão bem-
sucedida e ter pedido desculpas à Millie, estava ansioso para sair e
celebrar com David. Tinha sido uma semana muito longa.
Normalmente, não acordava até meio-dia, contudo, pelos últimos
dias, levantara cedo todas as manhãs para que pudesse visitar o
florista e encomendar as flores destinadas à dama.
Sabia muito bem que ela não acreditara em sua história sobre ter
dado um jeito em sua coluna, entretanto, Millicent o perdoara e isto
fora o bastante para recompensá-lo pelas horas de sono perdidas.
– Vamos logo, do contrário, acabaremos atrasados e todas as
mesas boas já terão sido ocupadas – seu irmão gritou do corredor,
do lado de fora do quarto de Alex.
O mais novo riu. David provavelmente já tinha se barbeado,
tomado banho, se vestido de sua maneira usual e apenas aceitado
a primeira tentativa de seu próprio valete de arrumá-lo.
– Cale-se e termine sua bebida, não demorarei – o marquês
gritou de volta.
Sempre que saía para uma noite na cidade, sua preparação
levava algum tempo, pois Phillips passava horas ajeitando as
roupas do rapaz à perfeição, penteando seu cabelo e ajustando sua
gravata com uma precisão matemática. Alex seria o aristocrata mais
imaculadamente vestido de Londres naquela noite, seu valete
garantiria isso.
O criado em questão fez uma reverência.
– Espero que tenha uma noite agradável, Lorde Brooke.
Aguardarei sua volta.
– Obrigado, Phillips. Não precisa esperar por mim, acredito que
chegarei tarde – o marquês informou enquanto se admirava no
espelho. – Diabolicamente bonito – riu.
A porta se fechou quando o valete saiu.
Alguns minutos depois, Alex deixou o quarto. Ele olhou para
David, que assentiu em sua direção. A mão do marquês pousou em
seu cabelo loiro perfeitamente arrumado e o assanhou, deixando-o
elegantemente bagunçado. Em seguida, trabalhou em sua gravata,
puxando o último dos nós e enfiando a ponta solta em sua camisa.
Uma olhada rápida no espelho do andar de baixo o deixou satisfeito
com o resultado e pronto para sair de casa.
– Muito bem, para onde vamos primeiro? – perguntou.
Seu irmão pegou uma bengala que estava no corredor e lhe
entregou.
– Jantaremos no Brook’s e tomaremos um ou dois copos de
bebida antes de seguirmos para o White’s, onde tenho uma
pequena aposta para acertar. Em que local terminaremos a noite e
com quem ainda é uma incógnita – David respondeu com um sorriso
perverso.
O outro riu. Quando o mais velho colocava aquela expressão no
rosto, sabia que eles teriam uma longa noite pela frente. No dia
seguinte, estariam com uma ressaca bem-merecida, jurando que
nunca repetiriam os atos da noite anterior; isto é, até que se
aventurassem novamente pela cidade.
– Só não me deixe em algum lugar igual ao Bloody Bosun’s
Mate. Você nem imagina quanto eles ganharam de mim na noite em
que me levou para lá – Lorde Brooke afirmou.
– Se me lembro bem, foi você que decidiu entrar no bar e
anunciar em alto e bom som que enfrentaria todos que quisessem
jogar cartas com você. Além disso, a quantia que perdeu
representava menos do que uma semana da sua mesada, o que
não lhe impediu de me infernizar com suas reclamações por meses
– o outro retrucou, dando um tapinha nas costas do irmão. – Deveria
ser grato por termos conseguido evitar o jantar no Fulham Palace.
Alex revirou os olhos. Tinham gastado inúmeras noites
escutando os sermões de seu tio sobre a necessidade urgente de
ele encontrar uma esposa.
– Refresque minha memória: quais são os benefícios de se ter o
bispo de Londres como parente? – o marquês questionou enquanto
seguiam para a rua.
David riu.
– Casamentos gratuitos na igreja de sua escolha. Agora, siga-
me, meu caro, pois a noite é uma criança e nós estamos sóbrios
demais.
Capítulo 7

M illie acordou na manhã seguinte com uma sensação de


calma e contentamento. Pela primeira vez desde sua
chegada, estava animada para fazer uma visita social à residência
de alguém. O bilhete da duquesa de Strathmore, convidando a
jovem e Violet para sua casa, chegara momentos após o retorno
dos irmãos Ashton do passeio ao parque, no dia anterior.
A dama sorriu ao pensar em Lucy, imaginando que a garota
devia ter implorado para sua mãe escrever o convite e entregá-lo o
mais rápido possível, embora fosse completamente plausível que
Caroline tivesse preparado o bilhete de antemão e só estivesse
esperando pela melhor oportunidade para enviá-lo. Felizmente,
Millicent e Lorde Brooke haviam conseguido reparar as coisas entre
eles. Convencera-se de que, agora, poderiam se encontrar e agir de
maneira indiferente diante do outro; o marquês não passaria de um
dos irmãos mais velhos de sua amiga.
Ela rolou sobre a cama e se enterrou embaixo das cobertas.
Ainda estaria um clima congelante lá fora; Stephens estivera certo
ao previr que nevaria durante a noite. O relógio sobre a lareira de
seu quarto tocou, indicando que eram seis horas.
– Lá se vai meu sono – murmurou, esticando um dedo do pé
para fora das cobertas e estremecendo. – Juro que este lugar está
mais próximo da Islândia do que o mapa diz.
A moça respirou profundamente, contou rapidamente até três e
jogou os lençóis para trás. Feliz pelo antigo proprietário da casa ter
decidido gastar uma pequena fortuna em encanamentos modernos,
seguiu para o banheiro. Ter água corrente era uma das verdadeiras
vantagens de se viver em Londres em vez de Calcutá. Enquanto
fazia sua higiene matinal, chamou Grace e pediu que ela separasse
um dos vestidos de inverno.
– O azul-claro com renda creme no corpete, por favor, Grace. Ele
combina com o meu casaco e touca cinzas. Mamãe e eu iremos
visitar a duquesa de Strathmore e a filha dela hoje.
Mesmo com o som da torneira, conseguiu ouvir o ofegar fingido
de surpresa da criada. A garota já deveria saber sobre a visita
desde a tarde anterior. Os sussurros teriam, sem dúvida, começado
no andar inferior assim que a carta endereçada à Sra. Ashton fora
entregue em mãos por um criado com a libré do duque de
Strathmore. Por que outro motivo Grace estaria nos aposentos de
Millie com um sorriso amplo meia hora antes do horário que
normalmente chegava?
Ao sair do banheiro, refrescada e preparada para o dia, a jovem
sorriu de volta para sua criada. Hoje seria um bom dia. Não se
importava com o frio do lado de fora; que os ventos do ártico se
lançassem sobre ela, porque não permitiria que nada estragasse
seu bom humor.
– Ao menos não terá que se encontrar com o perverso Lorde
Brooke em sua visita à residência de Lady Lucy – Grace observou à
medida que abotoava as costas do vestido da dama.
– Por que não? – Millicent indagou, tentando soar
desinteressada no homem que fora o centro de seus sonhos
durante toda a noite.
A criada se dirigiu até a penteadeira e pegou uma escova de
cabelo. Ela aguardou silenciosamente próximo à cadeira enquanto a
moça se acomodava em frente ao espelho.
– E então? – Millie perguntou ao reflexo de Grace.
As bochechas da outra ficaram vermelhas e a garota balançou a
cabeça, claramente irritada consigo mesma.
– Desculpe, senhorita. Prometi ao Sr. Stephens que não
espalharia mais nenhum rumor, porém, às vezes, não consigo me
conter. Abro minha boca e eles simplesmente saem – a criada
justificou.
A dama se virou no assento e a fitou.
– Grace, não precisa se desculpar. Se você não mantivesse seus
ouvidos atentos, como eu descobriria metade do que acontece por
aqui? Além disso, estou contando com você para ser meu segundo
par de orelhas e olhos assim que a temporada começar. Precisarei
de todas as informações que conseguir descobrir com as criadas
das outras senhoritas quando participarmos dos grandes bailes da
sociedade. Contanto, é claro, que conte suas descobertas apenas
para mim, entendido?
Podia fazer a garota jurar segredo, entretanto, supôs que era
perfeitamente razoável apenas aceitar as migalhas de informação
que por acaso surgissem no caminho de Grace. Violet deixara bem
claro que a alta sociedade não se importava apenas com quem ou
onde você estava, mas, sim, com os segredos de todos.
A mais nova começou a cantarolar e Millicent percebeu que ela
estava sonhando acordada.
– Grace.
A criada piscou para fora de seu devaneio e passou a escovar o
cabelo da jovem. A dama permaneceu sentada em silêncio por mais
alguns minutos antes de soltar um suspiro e segurar a mão que
trabalhava com a escova.
– Grace, você estava prestes a me contar por que não verei
Lorde Brooke na Residência Strathmore – ela disse, tentando
manter seu bom humor.
A garota lhe fitou sem expressão, contudo, um segundo depois,
seus olhos se iluminaram. Grace estalou a língua.
– Desculpe, senhorita. Bem, é que Lorde Brooke não mora mais
na Residência Strathmore – a mais nova se aproximou e sussurrou
na orelha de Millicent. – Escutei de uma funcionária que trabalha em
outra casa que o pai do marquês expulsou ele e seu irmão há algum
tempo. Ela disse que os dois sempre apareciam bêbados,
chegavam em horários inconvenientes e faziam muito barulho.
Os dedos da moça se dobraram em suas sapatilhas. Esse era
exatamente o tipo de fofoca que queria ouvir.
– É mesmo? Que coisa horrível – respondeu, certificando-se de
colocar um olhar de preocupação em seu rosto.
– Parece que, no último verão, o duque encontrou Lorde Brooke
dormindo no corredor principal às oito horas da manhã. Nem mesmo
o mordomo conseguiu acordá-lo. Seu pai disse que já era o
bastante e mandou que o cavalheiro e seu irmão arrumassem suas
malas. Consegue imaginar o duque tendo que apanhar seu filho
desacordado do chão?
Millie não contaria à Grace sobre as inúmeras confusões em que
Charles se metera nos últimos anos. Apenas ela estava a par de tal
informação e isto só acontecera porque a janela do seu quarto
acabara sendo a mais fácil para seu irmão bêbado escalar sem
correr o perigo de cair e quebrar seu estúpido pescoço. Ele ainda a
devia pelas diversas vezes que a moça tivera que segurar a cabeça
dele sobre um balde enquanto o rapaz botava tudo o que bebera
para fora.
– Então, o marquês e o Sr. Radley passaram a ocupar quartos
na Bird Street – a criada terminou a história.
Um par de olhos azuis encarou Millicent enquanto ela olhava
para seu reflexo no espelho e mantinha uma conversa privada
consigo mesma.
Durante minha visita à casa de Lucy, Lorde Brooke não estará lá.
Ótimo. Estou certa de que isso facilitará as coisas para nós. Muito
bom. Sim, assim, definitivamente será mais fácil para todos.
Maldição.
Como conseguiria convencê-lo a ser seu guerreiro em meio às
águas infestadas de tubarões da alta sociedade se o dito cujo não
estaria por perto para ver quão boa amiga ela era para a sua irmã?
Assim que o pensamento passou por sua mente, repreendeu-se por
cogitar usar Lady Lucy de um modo tão frio e calculista. Era errado
ver sua colega como apenas um meio para se aproximar de seu
irmão diabolicamente bonito e popular, especialmente quando a
dama em questão era sua única amiga em Londres.
Não tinha primos por parte de seu pai e, durante a longa viagem
da Índia, sua mãe só mencionara seus parentes em
Northamptonshire uma única vez. Parecia que havia uma nuvem
negra pairando sobre aquele lado da família, motivo pelo qual não
pressionara Violet a se aprofundar no assunto. Com exceção de seu
tio, não aparecera mais ninguém para recebê-los na manhã em que
seu navio atracou nas Docas das Índias Orientais.
Além disso, era divertido ter uma amiga que sabia que os
romanos tinham construído a Muralha de Adriano. Algumas vezes,
detestava a companhia das senhoritas da sua idade, visto que tudo
o que elas pensavam era em como conseguiriam enfiar suas garras
em algum solteiro infeliz e em sua respectiva conta bancária.
Após terminar de se vestir e dispensar Grace, Millie pegou uma
grande caixa de madeira que estava embaixo de sua cama e a
colocou sobre a mesa próxima à janela. Não recebera flores do
marquês naquela manhã, o que lhe deixara estranhamente
desapontada. Teria sido bom ver que ele ainda pensava nela o
bastante para lhe enviar um arranjo uma última vez depois de ter
relutantemente aceitado o pedido de desculpas do rapaz.
Perguntava-se quantas garotas também tinham recebido flores
do cavalheiro por três dias seguidos. Se a contagem fosse maior do
que um, não desejava descobrir a resposta. Lorde Brooke as
enviara porque queria que ela gostasse dele e isto era o bastante
para alimentar suas fantasias. A lógica e a realidade podiam bater
na porta de outra casa.
– Outro buquê de rosas brancas teria sido bem-vindo. Realmente
gosto delas, principalmente dos botões do arranjo – a dama disse
para si mesma, abrindo a caixa e examinando seu conteúdo.
Dentro, estavam seus bens mais valiosos. Recusara-se a colocar
os pés no navio que seguia para a Inglaterra até que tivesse certeza
de que a caixa com forro de seda dourado estava segura em sua
cabine. Millicent sorriu ao passar os dedos pelos livros com capa de
couro, que estavam bem embalados no interior do objeto. Sem
suportar a ideia de abandonar sequer uma das obras, as
empacotara e reembalara até que conseguira espremer todas
dentro.
Um pequeno livro vermelho chamou sua atenção. Ela o retirou
gentilmente da caixa e fitou a capa. Para a maioria das garotas, ele
seria uma escolha estranha de presente, todavia, sabia que seria
perfeito para sua nova amiga.
Em um dos seus outros baús de viagem, encontrou uma echarpe
de seda vermelha e embrulhou o livro nela. Violet decretara que a
mais nova deveria desempacotar todos os seus pertences até o final
da segunda semana deles no país, mas a maioria das coisas de
Millie ainda estava dentro dos caixotes que tinham chegado da
Índia.
– Talvez eu esvazie o maior na próxima semana – comentou
sozinha.

Quando o coche de sua família finalmente adentrou a propriedade


da Residência Strathmore, Millicent já estava fora de seu assento,
segurando a alça do veículo para se equilibrar. Sua mãe tocou o
outro braço da jovem e a fez se sentar novamente.
– Espere até que o coche tenha parado completamente, minha
querida. Não queremos que se acidente, especialmente porque
você provavelmente aterrissaria sobre mim.
A mais nova lançou um olhar feio para a outra.
– Mamãe, isso foi desnecessário e indelicado – ela vociferou.
Não precisava ser lembrada de seu peso, principalmente por sua
mãe.
– Eu não estava me referindo aos quilinhos a mais que você está
carregando, minha jovem, quis dizer que o tecido do meu vestido se
amassa com apenas um olhar.
Millie fitou o vestido roxo de seda que Violet escolhera usar. Ele
era muito mais elegante do que as vestimentas que a mulher
utilizara durante as visitas que fizeram às outras casas, o que fazia
com que a moça se perguntasse se sua mãe estava apreensiva
quanto àquela visita em particular.
– Mas já que fica tão sensível quando o assunto é sua figura,
talvez deva fazer algo a respeito, como participar de aulas de dança.
Ouvi dizer que Lady Lucy terá uma hoje. Posso falar com seu
instrutor e ver se ele pode lhe encaixar na agenda dessa semana.
Sua tia Beatrice prometeu conversar com a patronesse para que
consigamos adquirir vouchers para o clube Almack’s, então, seria
ótimo que praticasse sua valsa. – A mais velha ajeitou suas luvas
antes de continuar – Com a temporada se aproximando, agora é o
momento ideal de dominar os passos mais difíceis e se tornar uma
dançarina de pés leves para os cavalheiros que clamarão para
preencher seu cartão de dança.
Um criado abriu a porta do coche e, assim que seguiu sua mãe
para o pavimento e terminou de ajeitar suas saias, Millicent ergueu o
olhar, observando a casa diante delas. “Enorme” e “imponente”
foram as primeiras palavras que lhe vieram à mente. A Residência
Strathmore ocupava quase metade do quarteirão, sendo duas vezes
maior do que as casas elegantes que ficavam em cada um dos seus
lados.
– O título do duque de Strathmore é um dos mais antigos da
Inglaterra, remontando ao século XIV. Quando seu pai diz que uma
família é antiga, é a isto que ele está se referindo – Violet explicou.
As enormes colunas de pedra que se impunham na paisagem
urbana demonstravam silenciosamente uma grande riqueza e poder.
Millie fez uma anotação mental para se lembrar de perguntar à Lucy
qual era o tamanho da residência, desta forma, conseguiria calcular
quantas de sua antiga casa poderia colocar dentro do imóvel.
– Se existe uma amizade que desejo que cultive e nutra
cuidadosamente, é esta – sua mãe sussurrou, aproximando-se para
tirar uma poeira invisível do casaco da filha.
Os olhos da moça se iluminaram com satisfação.
– Por quê, mamãe? Se eu não a conhecesse, diria que você é
uma alpinista social sem um pingo de vergonha.
A mulher frisou os lábios.
– Devo lembrá-la de que sou a filha de um visconde e de que
seu pai é irmão de um? Quando se tem esses tipos de conexão,
você já está no topo da pirâmide social, minha querida. – Violet
inspecionou suas luvas e seu vestido uma última vez. – É por isso
que conheço as minúcias da alta sociedade e sei como garantir que
minha filha seja convidada para as festas e os bailes mais seletos
da temporada que está por vir. Posso ter estado ausente por um
pouco mais de duas décadas, porém, deixe-me lhe assegurar de
que as regras sociais continuam sendo as mesmas. Millie, ou você
anda com as pessoas certas ou está fora do jogo; e acredite em
mim, as muralhas da alta sociedade são grossas e altamente
fortificadas contra forasteiros.
– Eu estava apenas brincando – a mais nova respondeu ao ver
sua mãe se virar e seguir para os degraus da porta da frente.
– Mas eu não estava – a outra retorquiu de modo impassível.

– Ah, Millie, não precisava – Lucy exclamou, aceitando o presente


embrulhado em seda. Quando ela desenrolou a echarpe e viu o
título na capa vermelha, seus olhos quase pularam de seu rosto. –
Mamãe, é um livro sobre Genghis Khan e tem ilustrações tão
bonitas. Olha essa! Dá para ver quão precisa a cabeça desse
homem foi cortada.
Violet balançou a cabeça lentamente.
– Sinto muito, Caroline. Não percebi que Millicent selecionara
essa obra específica para presentear sua filha. Por favor, deixe-me
pegá-la de volta; escolherei algo mais adequado – ela estendeu o
braço, mas Lucy abraçou o livro firmemente contra o peito e a fitou
com descontentamento.
A duquesa de Strathmore riu.
– Violet, minha querida, não tem ideia de quão parecida essas
duas são. Não acho que conseguirá reaver esse livro.
Millicent lançou um olhar vitorioso para sua amiga. Sabia
exatamente que tipo de livro a garota apreciaria. Se tivesse lhe
presenteado com uma coleção de poemas, a loira teria aceitado a
oferta graciosamente, contudo, na primeira oportunidade, teria
jogado as folhas pela janela.
– Ele tem algumas imagens ainda mais horripilantes nas últimas
páginas, mas acho melhor deixar para vê-las depois – a jovem
informou.
Em uma das poucas paradas portuárias que fizeram em sua
longa viagem da Índia, a moça arrastara seu irmão para o centro de
uma cidade local e descobrira uma livraria decrépita que vendia
todos os tipos de publicações estranhas. Enquanto se ocupava com
os antigos senhores de guerra mongóis, Charles encontrara
algumas impressões pictóricas com mulheres despidas. Millie notara
que o rapaz tentara esconder aqueles livros em particular quando a
dupla retornou a bordo do navio, além de não ter permitido que ela
as lesse. Seu generoso irmão até pagara por todas as compras que
a mais nova fizera naquele dia; tudo o que pedira em troca fora que
a jovem não mencionasse a existência das publicações que ele
adquirira para nenhum de seus pais.
A dama sorriu ao pensar em quão ingênua Charles pensava que
ela era. O dia que finalmente o informara que possuía não só uma,
mas duas cópias do Kama Sutra desde os dezesseis anos, passara
a ser uma das suas memórias mais favoritas.
– Eu estava esperando que meus dois filhos mais velhos
estivessem aqui nesta tarde. Alex prometeu que apareceria para
prestar seus respeitos. Infelizmente, suspeito que ele e David
tenham saído com os amigos na última noite e se esquecido da
hora. Alex costuma nos visitar nas quartas-feiras, durante as aulas
de dança de Lucy, que ocorrem no final da tarde – a duquesa disse,
entregando uma xícara de chá para Violet.
A outra mulher sorriu para Caroline e ambas se acomodaram na
sala, preparando-se para colocar a fofoca de vinte anos em dia.
Lucy então fitou Millicent com um olhar de desgosto resignado. Ela
se aproximou e chamou a atenção de sua mãe.
– Mamãe, se incomoda se eu e Millie subirmos para o meu
quarto? Assim, você e a Sra. Ashton podem conversar em paz sem
terem que se preocupar com as nossas orelhas sensíveis.
A duquesa arqueou uma sobrancelha e olhou para Violet, que
assentiu em aprovação. Quanto mais cedo as garotas saíssem do
cômodo, mais rápido elas poderiam passar a discutir os verdadeiros
escândalos das últimas duas décadas.
– É claro, querida – Caroline respondeu.

Uma hora depois, as jovens estavam sentadas no chão do quarto de


Lucy, folheando as páginas de alguns livros de moda.
– Não achei que você se interessasse pela moda, Lucy –
Millicent disse enquanto empilhava um livro em cima do outro.
A loira abriu um sorriso astuto.
– Notei que você foi direto para eles assim que chegou aqui.
Admita, Millie, nós somos iguais; gostamos de toucas e baionetas.
– E de bárbaros sanguinários – a outra completou com uma
risadinha.
– Às vezes, gostaria de caminhar pelo Hyde Park e cortar
algumas cabeças. É claro que isso me impediria de visitar Ascot e
de entrar em todas as boas casas de família, porém, acho que
valeria a pena – Lucy contemplou.
– Lembre-me de nunca a magoar – a moça respondeu.
A filha do duque deu sua melhor risada maníaca antes de
segurar suas saias e usar a beira da cama para se levantar. Millicent
a observou ir até o armário e abrir uma das gavetas. A loira pegou
um par de sapatilhas simples e, depois de remover as que estava
usando, calçou-as.
Olhando para o relógio, a outra se perguntou se havia algum
horário específico do dia em que as senhoritas inglesas trocavam de
sapato. Talvez, as outras sapatilhas simplesmente estivessem
machucando os pés de sua amiga e as que acabara de colocar
fossem mais confortáveis. Quando se virou para Lucy, viu que a
garota sorria para ela.
– Tenho uma aula de dança esta tarde, lembra-se? Estas têm um
solado suave e, por isso, deslizam graciosamente pela pista de
dança. Quer dizer, teoricamente.
Millie começou a guardar os livros. Sua primeira visita à
Residência Strathmore estava chegando ao fim; só podia esperar
que não fosse sua última.
– Realmente gostei do nosso encontro de hoje. Obrigada pelo
convite – disse, oferecendo um sorriso de agradecimento à colega.
O queixo da loira caiu.
– Ah, você já está indo embora? Pensei que ficaria por mais
algum tempo – ela respondeu, segurando as mãos de Millicent para
se estabilizar. – Tenho outro par de sapatilhas de dança que são
perfeitas. – A garota fitou os pés nada delicados da outra e franziu o
cenho. – Bem, ficarei feliz mesmo que você apenas fique para
assistir. Por favor – pediu.
O apelo tocante da amiga fez com que os olhos da jovem se
enchessem de lágrimas. Naquele momento, a dama rogou para que,
não importa o que o futuro tivesse guardado para elas, ambas
continuassem sendo amigas para sempre. Um sorriso amplo se
abriu em seu rosto e seu coração se encheu de alegria.
– Eu adoraria ficar. Estou me divertindo muito e, mesmo que
fique apenas sentada assistindo você praticar, tenho certeza de que
aprenderei alguns passos-chaves. Mamãe provavelmente desejará
voltar para casa, mas pedirei que me deixe ficar para conhecer seu
instrutor de dança; acredito que ela concordará. Se perceber que
estou demonstrando qualquer interesse em aprimorar meus
movimentos, ficará feliz em mandar um coche para me pegar mais
tarde.
Lucy girou no lugar e fez uma reverência elegante.
– Se conversar com o Sr. Roberts, ele poderá encontrar um
horário para lhe ensinar. – A loira ofegou. – Ou ainda melhor,
podemos combinar nossas aulas de dança, assim, você poderia vir
aqui toda semana – anunciou com entusiasmo.
Millie arqueou levemente as sobrancelhas.
– Posso fazer isso, a não ser, é claro, que o Sr. Roberts seja
exclusivo demais para pessoas como eu. Nunca se sabe, ele pode
só aceitar as damas com os piores pés de chumbo.
As duas gargalharam.
Capítulo 8

P oderia ser um dia amargamente frio, todavia, Alex Radley não


conseguia sentir o clima. Enterrado profundamente em uma
dor auto infligida, seu cérebro era incapaz de notar seus arredores.
A luz cegante do sol preenchia todo o seu campo de visão. Suas
mãos estavam enfiadas nos bolsos do seu casaco desabotoado,
que voava com a brisa gélida, permitindo que o frio atravessasse
sua camisa e tocasse em sua pele. Como seu corpo já estava em
um estado dolorosamente deplorável, não se incomodava em
registrar qualquer outro desconforto. Poderia começar a nevar e,
ainda assim, o marquês não se importaria.
Enquanto fazia o trajeto até a casa de seus pais, cada passo que
dava parecia ser agonizante. Seus olhos eram duas fendas
pequenas em seu rosto, mal conseguindo captar a visão do caminho
à sua frente. Ao atravessar a North Audley Street, não se
incomodou em olhar para os dois lados, simplesmente seguiu pela
rua. Dada a forma como se sentia naquele momento, provavelmente
seria um abençoado alívio ser atropelado por um coche dos
correios.
Quando acordara naquela manhã, ainda vestido com as roupas
da noite anterior, o rapaz pensara que tinha engolido sua própria
camisa. Levara vários segundos para finalmente perceber que o
tecido que acreditara estar enfiado em sua boca era, na verdade,
sua própria língua.
Ele cogitara desistir da árdua jornada de meia milha até a casa
de seus pais, mas, se o fizesse, significaria que teria que lidar com
David. Após a humilhação que sofrera nas mãos do seu irmão mais
velho na noite anterior, a marcha forçada da morte parecera ser uma
opção muito mais agradável.
– Tolo – murmurou à medida que seus pés percorriam o
pavimento e seu estômago nauseado ameaçava buscar vingança
por cada uma de suas passadas. – Não acredito que ele contou a
todos o que aconteceu com a Srta. Ashton. Como conseguirei
encará-los novamente?
– Ah, céus – uma voz disse, fazendo com que Alex virasse seus
olhos semicerrados em direção ao som.
Um braço foi colocado gentilmente ao redor de seus ombros. Ao
se esforçar para focar sua visão, pôde perceber o olhar de dor no
rosto de Hargreaves, o mordomo da família. Finalmente chegara na
Residência Strathmore, que, com sorte, seria sua salvação.
– Milorde, suponho que esteja se sentindo horrível nesta manhã,
já que sua aparência certamente não é das melhores. Vamos entrar
antes que uma de Suas Graças o veja. Neste momento, a última
coisa de que você precisa é escutar um sermão de seus pais – o
homem falou.
Alex tentou assentir, mas sentiu que sua cabeça estava presa ao
seu pescoço por apenas um fio, então achou melhor refrear o gesto.
Ele ficou feliz em permitir que Hargreaves o guiasse para a entrada
dos fundos da casa, em direção à cozinha. Quando adentraram o
cômodo, a cozinheira da família o entupiu com chá e um sanduíche
gorduroso de bacon e ovos. Era a famosa cura da mulher para
ressaca. A bebida ajudou a parar a palpitação em sua cabeça e o
sanduíche cuidou da acidez que queimava em seu estômago.
O marquês permaneceu em silêncio, sentado em uma cadeira
enquanto tomava sua segunda xícara de chá e rezava para que
nenhum membro de sua família se aventurasse a descer até a
cozinha. Se isso acontecesse, seria apenas uma questão de
minutos até que fosse chamado ao escritório de seu pai ou à sala
particular de sua mãe para um lembrete nada sutil sobre sua
posição social e suas responsabilidades.
Já na cozinha, a reação dos funcionários era completamente
diferente; eles apenas continuavam a fazer suas tarefas, tratando-o
da mesma forma que fariam com um gato empoleirado em um
banco. Os criados estavam cientes de sua presença, embora não se
dirigissem ao cavalheiro. Se o fizessem, significaria que,
posteriormente, não poderiam negar tê-lo visto no local. Lorde
Brooke conseguiu sorrir fracamente ao pensar nas estranhas regras
que regiam os cômodos do andar inferior e davam certa proteção a
todos que a seguiam. Se eles fingissem que Alex não estava lá e
que não o tinham visto, aquilo se tornava uma realidade.
A única pessoa isenta de tais ditames era a cozinheira. Ela
comandava a cozinha durante o dia e só renunciava – com extrema
relutância – seu controle quando o chefe da família assumia a
posição durante os banquetes e os eventos noturnos.
– Você realmente conseguiu acabar consigo mesmo, meu rapaz.
Não lhe vejo em um estado tão deplorável há muito tempo. É
incrível que tenha conseguido chegar até aqui. O Sr. Hargreaves me
disse que você veio andando – ela comentou, colocando uma toalha
fria na testa do marquês.
Ele fechou os olhos e se apoiou no braço dela, tentando se
equilibrar.
– Ah, isso é bom. Obrigado, cozinheira. Você sempre cuida tão
bem de mim. Eu realmente não mereço.
A outra riu.
– Você também é uma das pobres criaturas de Deus e eu odeio
vê-las sofrendo. Além disso, não mencionei nada sobre a toalha
estar limpa – a mulher respondeu.
Mesmo nas condições em que estava, Alex conseguiu notar a
piada e rir.
Cuidadosamente, é claro.
Tirando a toalha de seu rosto, devolveu-a à cozinheira, que
limpou suas mãos nela e a jogou na cesta de panos para lavar. O
rapaz inspirou profundamente. Estava começando a se sentir como
um ser humano novamente.
– Você sobreviverá – ela disse, dando um tapinha gentil no braço
dele.
O marquês observou a mulher tirar uma fornada de biscoitos
recém-assados do forno e colocar oito deles cuidadosamente em
um prato de porcelana, que, em seguida, foi colocado em uma
bandeja coberta por um tecido de algodão, ao lado de uma coleção
de geleias e de um potinho de patê.
Uma das ajudantes da cozinha tirou uma grande chaleira do
fogão e encheu um elegante bule com a água fervente. Ela retirou
quatro xícaras e quatro pires que faziam parte do jogo de chá de
dentro do armário e os arrumou ao lado do bule. Ficou óbvio que
sua mãe estava recebendo visitantes em casa.
Lorde Brooke tomou o resto do seu chá e mirou a bandeja. Por
que tinha vindo até ali se poderia ter continuado deitado
inconsciente em sua própria cama? Ele soltou um xingamento. No
segundo seguinte, a cozinheira já estava com uma colher de pau na
mão, batendo no joelho dele.
– Não na minha cozinha, meu rapaz. Não me importo com o
quanto está se sentindo mal. Se quiser usar esse tipo de linguagem,
terá que subir as escadas ou ir para o quintal.
Alex olhou para baixo com vergonha, fitando seu joelho, que
agora doía mais do que o resto do seu corpo.
– Desculpe. Acabei de me lembrar quem são as visitas de hoje e
o motivo por que estou aqui – ele justificou.
O marquês suspirou e silenciosamente se repreendeu por ter
bebido tanto na noite anterior. Após David ter revelado, sob o efeito
do álcool, a reação sexual de Alex ao conhecer Millie Ashton,
deveria ter retornado para casa para conseguir ter algumas horas de
sono. Em vez disso, marchara para fora do clube Silken Slipper na
companhia das risadas altas de seus amigos, que retumbavam em
seus ouvidos, e entrara no pub mais próximo para afogar suas
mágoas.
O cavalheiro se juntara a um grupo de marinheiros cujo navio
acabara de atracar no porto após uma travessia no mar agitado das
Índias Ocidentais. Se os homens acreditaram que poderiam vencer
o tolo rapaz em uma competição, estavam redondamente
enganados. Alex propusera uma luta no bar, contudo, eles o
convenceram a pagar por suas bebidas. “Cavalheiros e estudiosos”
foram as últimas palavras que se lembrava de ter dito a um sujeito
com uma grande argola de ouro no nariz antes de cambalear para
casa e desmaiar.
O rapaz mirou suas mãos e viu que elas estavam tremendo.
Realmente conseguira acabar consigo mesmo.
– Acho que definitivamente não causarei uma boa impressão no
meu estado atual – lamentou.
– Não causará e, para completar, fede igual ao fundo do barril de
um cervejeiro – a cozinheira respondeu sarcasticamente. – Se eu
fosse você, deixaria a ideia de se encontrar com as visitas de lado e
procuraria uma cama para a qual me arrastar. Lorde Stephen não
está em casa no momento, o que significa que seu quarto estará
vazio. Conversarei com o Sr. Hargreaves e requisitarei que você não
seja incomodado. – Ela pegou a xícara vazia das mãos trêmulas de
Alex e a colocou sobre a mesa. – Enquanto você tira um cochilo,
pedirei que um dos criados encontre o valete de Lorde Stephen e
peça que ele lhe ajude a se arrumar daqui a uma ou duas horas.
O marquês assentiu; felizmente, sua cabeça permaneceu no
lugar. Ele deslizou lentamente do banco e, após roubar um bolinho
solitário, seguiu para o andar superior à procura do quarto de seu
irmão mais novo, onde esperava poder dormir um pouco.

Após Violet se despedir e agradecer Lady Caroline pelo convite,


seguiu para casa, prometendo que mandaria o coche da família
mais tarde para buscar Millie.
Assim que a duquesa deu as costas e foi para o andar superior,
Lucy arrastou a amiga para um grande salão de baile, que ficava em
um dos lados do corredor principal. Millicent ficara maravilhada com
o tamanho do cômodo; o salão de baile da Residência Ashton
poderia facilmente caber dentro deste e ainda haveria espaço de
sobra.
A loira pegou sua mão, puxando-a em direção a uma segunda
porta, e a jovem a fitou com um olhar interrogador.
– Pensei que suas aulas de dança seriam dadas no salão de
baile – disse no momento em que a outra abriu a porta e entrou no
novo cômodo.
– E serão – Lucy respondeu, puxando-a pela passagem. –
Aquele era o salão de baile de inverno. Infelizmente, ele é pequeno
demais para praticarmos. Nós usaremos o salão de verão.
Quando Millie viu o tamanho do segundo cômodo, seu queixo
caiu. A Residência Strathmore era tão gigantesca que continha não
só um, mas dois salões de bailes enormes. O salão de verão era o
maior cômodo que já vira em uma casa privada; poderia facilmente
comportar dois salões de baile iguais ao do seu tio.
Lucy soltou sua mão no meio do ambiente e a moça ergueu o
olhar. Acima de sua cabeça, estava um teto ornamentado tão alto
que dava a ilusão de se estender até o céu.
– Meu Deus – ela murmurou.
Do outro lado do cômodo, podia ouvir que alguém estava
praticando piano. Um sorriso se formou nos lábios de sua amiga.
– Devo ir. O Sr. Roberts não permite que minhas aulas passem
do horário delimitado. Ele tem que dar várias outras aulas depois da
minha.
A loira acenou para Millicent e se apressou em direção ao seu
instrutor de dança.
– Temos algumas cadeiras ali, caso queira se sentar e assistir –
ela gritou, apontando para as fileiras de assentos contra a parede,
no meio de um dos lados do salão.
– Obrigada, mas acho que tenho que estudar esse teto
magnífico antes de assistir à sua prática, tudo bem? – a dama
indagou.
Lucy olhou para o teto e deu de ombros. Como vivera naquela
casa a vida inteira, o teto do salão de baile de verão não era nada
de mais para a garota. Um segundo depois, um sorriso apareceu no
rosto dela.
– Você conhece as fábulas de Esopo, certo? Vamos ver quantas
delas consegue identificar antes de verificar as respostas – a colega
disse, desafiando-a. – Se ler o que está escrito de cabeça para
baixo no topo da imagem, encontrará uma dica óbvia. Contudo, se
ainda assim não souber qual é a fábula, as respostas estão em
ordem nos dois painéis que se encontram no meio do salão. Boa
sorte.
Millie estava cativada com o teto, portanto, aceitou o desafio de
examinar a notável obra de arte barroca com prazer. Ele fora
decorado com uma grade dourada; em cada seção, uma variedade
de animais e pessoas encenavam uma série de fábulas antigas em
um fundo colorido. Em alguns pontos entre as histórias, pequenas
ilustrações de querubins, unicórnios e anjos rindo haviam sido
pintadas. Quem quer que tivesse encomendado o trabalho
certamente quisera encher cada espaço disponível com cores.
Na primeira seção, a jovem ficou encantada ao notar um ganso
branco gordo sobre um ovo dourado.
– Essa é fácil – falou.
À medida que caminhava ao redor do espaço, fitando o teto,
identificou as fábulas mais famosas de todas, incluindo a da
tartaruga e a lebre e a do menino e o lobo. Tendo chegado às
respostas daquelas sem ter que conferir os painéis, continuou a
andar pela pista de dança.
Ela estava ocupada mirando a ilustração de uma bela mulher e
um gato, tentando recordar o título da história, quando o pianista
começou a tocar uma valsa. Olhando para o lado, viu Lucy e o Sr.
Roberts dançando. A moça sorriu ao perceber como a loira era uma
dançarina graciosa e se lembrou que deveria pedir o cartão do
instrutor para que sua mãe pudesse conversar com ele sobre suas
próprias lições.
Dando às costas aos dançarinos, voltou à tarefa anterior. Sob o
ritmo do piano, fechou os olhos lentamente e, antes que se desse
conta, estava se movendo junto com a música.

O marquês de Brooke estava orgulhoso de si mesmo. Conseguira


se esgueirar pela casa de seus pais e descansar por três horas na
cama de seu irmão mais novo; tudo isso sem que a maioria das
pessoas da residência soubesse – apenas um punhado de criados
estavam cientes da sua presença e nenhum deles estava
interessado em revelar o paradeiro do futuro chefe da família. Todos
que trabalhavam nas casas dos integrantes da alta sociedade
sabiam que a família Radley era uma das melhores empregadoras
da Inglaterra. Quando os funcionários eram bem pagos e recebiam
seus salários prontamente, faziam questão de proteger seu meio de
subsistência.
Alex estava parado no topo da escada, olhando por cima da
varanda do segundo andar. Algumas horas antes, não teria
conseguido fazer uma tarefa simples como aquela, entretanto,
agora, sua mente estava muito mais clara. Vendo que a entrada
principal estava vazia, resolveu descer. Seu plano era simples: sairia
pela porta da frente silenciosamente, daria uma volta no quarteirão e
retornaria para a casa de seus pais. Pegara uma camisa
emprestada do armário de Stephen, grato pela fisionomia alta e
larga de seu irmão de catorze anos. A vestimenta lhe caía bem o
bastante.
O valete do mais novo o ajudara a ficar apresentável. Após se
barbear e receber uma toalha quente, o cavalheiro admitira que
estava finalmente se parecendo mais consigo mesmo. Quando
observara seu reflexo no espelho de Stephen, chegara à conclusão
de que não havia nada que pudesse fazer sobre as olheiras
embaixo de seus olhos. As noites em que sua mente passara
vagando entre sonhos esporádicos sobre a Srta. Millicent Ashton,
seguidas pela indulgência da madrugada anterior, acabaram
estampadas em seu rosto cansado.
– Pareço ter mil anos – murmurara para si à medida que o valete
levava os utensílios de barbear para o lavatório.
Certo de que não havia ninguém no andar de baixo, o marquês
atravessou os azulejos da entrada principal com uma saudação
alegre e uma história pronta em seus lábios; uma que dirigiria a
qualquer membro da família em que pudesse acabar esbarrando
antes de conseguir chegar até a rua. A Residência Strathmore
possuía mais de trinta aposentos, o que significava que os Radley
estavam sempre se perdendo nos andares da mansão. Alex
acreditava que a sorte estava do seu lado, porém, considerando a
possibilidade de alguém estar próximo ao local, diminuiu seus
passos para que suas botas não fizessem barulho.
Assim que abriu a porta, ouviu uma música vinda do salão de
baile de verão. Ele parou e se virou em direção à fonte da melodia.
Era estranho que alguém estivesse tocando o piano naquele lugar.
Um segundo depois, lembrou-se de que era quarta-feira, o que
significava que Lucy estava no meio de uma de suas aulas de
dança. Lorde Brooke também recordou que prometera vir para
assistir à prática de sua irmã. Esta, é claro, fora a desculpa que dera
à mais nova, todavia, sua intenção original fora chegar mais cedo
para que, coincidentemente, se encontrasse com a Srta. Ashton.
Sentia que devia continuar a pedir desculpas à jovem para que ela o
perdoasse de coração.
Visto que já era o final da tarde, supunha que a Sra. Ashton e
sua filha já tivessem partido, contudo, a jornada até ali não seria
uma completa perda de tempo se conseguisse assistir a uma parte
da aula de dança de Lucy. Passar um tempo com sua irmã faria com
que ela voltasse a vê-lo com bons olhos.
Respirando profundamente e abrindo um sorriso relaxado no
rosto, Alex adentrou o salão de baile de inverno. Quando alcançou o
cômodo seguinte, conseguira transformar o ritmo rígido de suas
passadas em algo mais casual. Seria necessário analisá-lo de perto
para perceber que, momentos antes, estivera quase à beira da
morte.
Ao entrar no salão de verão, seguiu em direção às fileiras de
cadeiras próximas à parede. Lá, poderia se sentar confortavelmente
enquanto observava Lucy e seu instrutor deslizarem pela pista de
dança, aperfeiçoando a habilidade já excelente da garota. A mais
nova era uma dançarina talentosa, mas, na batalha árdua para
conseguir um bom marido, sua irmã não poderia deixar nada de
lado. Com a aproximação da temporada – tendo sido o ano anterior
considerado um fracasso –, o marquês sabia que a jovem estava
determinada a brilhar logo no primeiro baile pós-Páscoa.
Com os cantos dos olhos, notou um movimento à sua esquerda.
O rapaz girou sobre os calcanhares e parou no lugar. No meio do
salão de baile, estava a curvilínea e absolutamente deleitável Srta.
Millie Ashton. A dama estava com os olhos fechados, balançando o
corpo no ritmo da música. Embora estivesse de costas para ele,
Alex sentiu uma resposta imediata de seu corpo à presença dela,
fazendo com que lambesse os lábios e engolisse ruidosamente.
Por que você faz isso comigo?
Por um momento, ficou paralisado, apenas observando os
quadris dela se moverem. Millicent era a criatura mais sensual que
já vira. Totalmente desinibida e perdida na melodia, ela era diferente
de todas as senhoritas que conhecia. A moça dançava puramente
por prazer.
Quando a jovem riu, Lorde Brooke sentiu seu coração levantar
voo. Será que era amor? O que quer que fosse, de uma coisa
estava certo: nunca sentira uma atração tão forte por outra pessoa
em toda a sua vida. Se a garota fosse uma sereia que tivesse vindo
buscá-lo para encarar o seu destino, estaria pronto para se jogar ao
mar sob o seu comando.
Toda semana, centenas de matronas acompanhadas de suas
filhas com olhos de corça encontravam uma forma de cruzar seu
caminho com o dele. Elas sempre davam um gritinho de alegria,
diziam quão incrível era conhecê-lo e o quanto estavam ansiosas
para se encontrar com o cavalheiro no evento qualquer em que
pretendiam emboscá-lo, permitindo, é claro, que visse quão
encantadora era Prudence ou Primrose. O marquês sempre era
educado durante tais encontros, preferindo acabar gentilmente com
as esperanças das damas sonhadoras em momentos privados; o
que se dava, normalmente, ao final das danças.
Comparada às outras jovens que sempre se jogavam à sua
frente, Millie era uma verdadeira revelação, um bálsamo para sua
alma cansada. Enquanto a música continuava a tocar, um forte
desejo de tocá-la ameaçou dominá-lo. A respiração de Alex se
tornou superficial e intermitente à medida que testemunhava o corpo
dela se balançar de um lado para o outro. Não desejava outra coisa
senão caminhar até a moça, colocar seu braço em sua cintura e
dançar com ela ao ritmo da melodia, apenas segurando-a junto a si.
Pouco tempo depois, Millicent abriu os olhos e se virou para ele.
A felicidade desenfreada que Lorde Brooke sentiu era a prova de
que a garota o afetava em um nível muito mais do que primitivo. A
sensação da essência dela se afundava profundamente em seu
coração, fazendo com que sorrisse e desse um pequeno aceno para
a jovem.
Presos em seu rosto, os olhos de Millie entraram em foco. O
sorriso dela desapareceu e seus lábios soltaram um gritinho de
horror. Um rubor vermelho-vivo tomou conta das bochechas da
dama e seus pés pararam subitamente. O rapaz sentiu seu coração
afundar; assustara o belo pássaro selvagem à sua frente e seu
show de cores havia terminado.
– Ah, que embaraçoso – ela sussurrou. – Não tinha ideia de que
você estava parado aí. Deve achar que sou completamente tola.
O marquês percorreu a distância que os separava e fez uma
reverência. A moça poderia não dançar em público daquela maneira
por temer ser ridicularizada, contudo, um dia pediria que lhe
mostrasse todas as suas ricas plumas; que fizesse uma
apresentação particular apenas para ele.
– Boa tarde, Srta. Ashton – disse. – Adorei a forma como estava
dançando. Você se movia em uma sintonia natural com a música.
A jovem sorriu e Alex se pegou sorrindo de volta. Eles estavam
parados, fitando um ao outro da mesma maneira que tinham feito no
parque. Sendo um homem que se orgulhava de sua habilidade de
sedução suave, era completamente patético perceber que ficaria
satisfeito em continuar fazendo aquilo o dia inteiro.
– Já são quase três horas – Millicent comentou, parando de
corar –, mas você tem a aparência de alguém que acabou de sair da
cama, Lorde Brooke.
– Alex – ele respondeu. – Chame-me apenas de Alex.
Podia ver que ela estava examinando-o com atenção e que suas
olheiras acabariam delatando a verdade.
– Você parece com meu irmão Charles depois de participar de
uma festa Diwali a noite inteira – a dama falou e seu sorriso se
transformou em um curvar astuto de lábios. – Não me diga que
machucou suas costas novamente, Sua Senhoria.
O marquês balançou a cabeça, perguntando-se se Millie algum
dia esqueceria aquela pequena mentira.
Se ela soubesse que não feri minha coluna, não posso nem
imaginar o que pensaria sobre meu comportamento de algumas
noites atrás. Sem dúvida ainda estaria com raiva de mim.
– Você não está zombando de mim, não é mesmo, Srta. Ashton?
– ele a repreendeu gentilmente. – Posso garantir-lhe de que estou
com uma aparência muito melhor do que estava algumas horas
atrás, mas, sim, sinto informar que as olheiras embaixo dos meus
olhos e minha chegada tardia são o resultado de um excesso de
indulgência. Algumas pessoas acreditariam que, com meus quase
vinte e três anos, eu já saberia o momento em que deveria parar de
beber, entretanto, infelizmente, confesso que ainda preciso
desenvolver tal bom senso.
A jovem riu e rapidamente cobriu sua boca.
– Sinto muito, eu não deveria rir ao vê-lo em um estado tão
delicado. Sei que Charles consideraria uma atitude extremamente
rude de minha parte. – A garota o fitou com vergonha, fazendo com
que Lorde Brooke não conseguisse suprimir uma risada. – Eu
estava apreciando o teto magnífico deste cômodo. Espero que
minha dança não o tenha assustado. Às vezes, acabo me deixando
levar com o som da música.
O cavalheiro suspirou.
– Bebês rechonchudos – retorquiu.
– O que disse?
Alex olhou para o teto ornamentado.
– Eu queria tingi-lo de branco quando era mais jovem – ele
continuou.
Vendo que a outra ainda tinha uma expressão confusa no rosto,
apontou para uma das cenas ricamente pintadas, esperando que a
moça o compreendesse.
– Lá em cima, os bebês rechonchudos e dourados combinados
com os anjos e todos os traços sinuosos. Eu pensava que era um
completo desastre. Jurei que, quando esse lugar fosse meu, jogaria
baldes de tinta por cima. – O rapaz moveu as mãos como se
segurasse um pincel invisível. – Até considerei colocar um teto falso
para cobrir o original. Para mim, ele parecia apenas uma bagunça
profana de cores, animais bobos e explosões de dourado. Não
conseguia suportar a visão.
– Querubins – ela o corrigiu. – Eles não são bebês
rechonchudos, são anjos e querubins magnificamente ilustrados.
Este teto é absolutamente incrível. Eu simplesmente amei. Todavia,
não consigo ver os traços sinuosos que mencionou, a não ser que
esteja se referindo às dicas espirituosas que indicam qual fábula é
qual.
Alex fitou a pintura com mais atenção e semicerrou os olhos. Os
rabiscos e linhas curvas permaneceram como sempre: indecifráveis.
Maldição, esqueci que eles são letras e não meras decorações.
É melhor eu fazer algo antes que isso vire um desastre. Tente se
lembrar. Como era mesmo a fábula sobre o gato e a mulher? Eu
costumava sabê-la decorado.
O marquês amaldiçoou o antigo filósofo grego que a criara.
– Sim, mas se olhar de perto, verá que alguns deles estão
armados com arcos e flechas. Então, não são tão inocentes quanto
querem que você acredite. Olhe para aquele ali – disse, apontando
para o querubim que parecia estar mordendo um unicórnio. Ele
arqueou as sobrancelhas, confiante de que provara seu ponto. Só
podia torcer para que Millie não tivesse notado a forma como
mudara de assunto. – David e eu costumávamos passar horas aqui,
procurando os diabinhos. Acredite em mim, há vários deles. Foi só
quando cresci e passei a apreciar a grandeza da pintura que soube
que minha família nunca permitiria que eu colocasse uma gota de
tinta nela.
– Parece que alguém não tem sensibilidade artística – a outra
murmurou.
– Não tinha, Srta. Ashton – o cavalheiro retorquiu com um
sorriso, gesticulando na direção das cadeiras. – O que acha de nos
sentarmos e conversarmos enquanto vemos Lucy dançar?
Millicent assentiu e, segurando o braço dele, permitiu que Lorde
Brooke a levasse até o lugar, onde se sentaram lado a lado. O rapaz
se levantara da cama há apenas uma hora, contudo, estava grato
por poder se sentar e apoiar a cabeça na parede. Eles ficaram em
silêncio por alguns minutos, apenas apreciando a presença um do
outro enquanto Lucy e o Sr. Roberts valsavam e riam à medida que
se moviam pela pista de dança.
– Eles parecem se dar muito bem – a dama observou.
– Sim, acho que já faz parte do contrato. Todas as senhoritas
que Roberts ensina acabam se apaixonando por ele – Alex
comentou com o olhar fixo no instrutor.
– Você não parece se importar – Millie disse.
Ele assentiu.
– Porque sei que ele é o homem casado mais feliz que conheço,
com exceção do meu pai, é claro. Sua esposa é uma ex-dançarina
de uma trupe francesa e, acredite em mim, poucas mulheres
conseguiriam chegar aos pés dela.
O marquês olhou de soslaio para a moça e abriu um sorriso.
Com ela, não precisava encenar, podia apenas relaxar e ser ele
mesmo. Alex se remexeu em seu assento. Não sabia se era uma
consequência de sua ressaca, mas ficara aliviado ao perceber que
seu corpo decidira colaborar. As cenas constrangedoras de seus
encontros anteriores não voltariam a acontecer. Satisfeito com tal
conclusão, bateu os pés sobre o piso de madeira; poderia avançar
as coisas com Millicent, indo desde uma amizade incipiente até algo
mais.
– Está pensando em ter aulas com o Sr. Roberts? Ele é o melhor
instrutor de Londres – falou, arrependendo-se instantaneamente do
comentário. O cavalheiro estremeceu. – Que grosseria da minha
parte julgar suas habilidades de dança quando fui eu que se
recusou a tomar sua mão no baile. A propósito, ainda sinto muito
pelo que aconteceu naquele dia. Sempre que me lembro, não
consigo acreditar em meus atos. Você estava com todo o direito ao
me abandonar na pista de dança.
A jovem riu.
– Minha valsa é igual a sua falta de tato, Lorde Brooke: terrível.
Então, sim, falarei com o Sr. Roberts sobre fazer aulas de dança
com ele. – Ela o fitou com seriedade antes de colocar brevemente
uma mão sobre a manga do paletó dele. – Agradeço por se
desculpar mais uma vez, porém, não é necessário. Acho que o fiz
sofrer o bastante no parque. Embora deva admitir que sinto falta de
receber flores novas todas as manhãs. Terei que fazer algo para que
me insulte novamente, assim, terá que comprar novos arranjos para
mim.
Alex fechou os olhos, grato por a moça não guardar nenhum
rancor. Poderia listar o nome de inúmeras senhoritas que não lhe
dirigiriam a palavra outra vez se ele tivesse feito-as passar pelo
mesmo que Millie. Essa era uma das coisas que diferenciava a
garota das outras mulheres. Ela era dona de sua própria mente e
decidira superar sua raiva, perdoando-o por sua estúpida
transgressão. Além disso, o marquês não deixara de perceber que,
acomodada nos longos cabelos castanhos da dama, estava a fita
azul que ele cuidadosamente escolhera para compor um dos
buquês enviados à Residência Ashton. A visão da jovem usando um
dos seus presentes fez com que um sorriso se abrisse em seu rosto.
Os dois ficaram calados por mais alguns minutos, durante os
quais Lorde Brooke corajosamente estendeu o braço e pegou a mão
de Millicent. Sabia que estava cruzando a linha da polidez social,
entretanto, dada a forma como ela fazia com que se sentisse,
decidiu que estava preparado para correr o risco. A moça olhou para
a palma que cobria a sua, contudo, não fez nenhum comentário.
Alex se confortou com o fato de que a dama não tentou afastar a
mão.
– Eu poderia ajudá-la com suas lições – ele ofereceu. – Se fizer
suas aulas aqui, junto com Lucy, poderei vir e ser seu par enquanto
o Sr. Roberts dança com minha irmã. Acha que isto seria algo
aceitável?
O sorriso que iluminou o rosto dela lhe deu esperanças. Ao ver o
rubor suave que apareceu em suas bochechas, precisou reunir
todas as suas forças para não tocar no rosto da jovem.
– Pensei que um cavalheiro como você teria coisas muito
melhores para fazer com seu tempo do que satisfazer meu desejo
de aprender a valsar – a dama respondeu.
– Isso ajudaria a aliviar minha consciência – o marquês explicou,
sabendo muito bem que aquilo era apenas parte da razão para
querer passar seu tempo ao lado de Millie.
A outra assentiu.
– Seria adorável, obrigada, Lorde Brooke.
– Alex – o rapaz se pegou dizendo. – Você deve me chamar de
Alex. Apenas os criados e os comerciantes me chamam de Lorde
Brooke. Meus amigos me chamam de Alex e espero que possa
contá-la como um deles.
Amigos. Quem é que estava tentando enganar? Não havia
nenhuma outra pessoa dentro do seu grupo de colegas que
desejava beijar, só queria fazer aquilo com ela. Os lábios rosados e
cheios da garota tinham sido feitos para uma troca ardente de
beijos. Quando a imagem surgiu em sua mente, o cavalheiro não
conseguiu pensar em nada mais. A moça poderia ser a nova amiga
de sua irmã, porém, estava começando a achar extremamente difícil
vê-la com desinteresse. Apenas estar sentado ao lado dela fazia
com que seu corpo despertasse de volta à vida.
–– Tudo bem, Alex – o objeto de seu desejo replicou. – Temos
quase a mesma idade, então não acho que meus pais irão se opor
se eu passar a usar seu nome de batismo quando não estivermos
em contextos sociais públicos.
O marquês sentiu sua respiração ficar mais rápida e soltou um
gemido involuntário.
– Alex, você está bem? – Millicent questionou com preocupação.
– É sua cabeça ou seu estômago? Com Charles, é sempre um
desses dois que o faz ficar de joelhos.
Ele franziu o cenho antes de se lembrar que mencionara sua
ressaca anteriormente. O cavalheiro massageou suas têmporas de
modo teatral. O sofrimento daquela manhã passara, de repente, a
valer a pena.
– Minha cabeça – mentiu. – Pensei que estava melhor, contudo,
ela passou a pulsar novamente.
Lorde Brooke dobrou os dedos dentro de suas botas, tentando
reprimir uma risada ao pensar em qual cabeça realmente estava
pulsando. David sem dúvida teria passado uma tarde inteira
gargalhando sobre o duplo sentido daquela frase se estivesse a par
da atual situação do mais novo.
– Seu irmão também está neste mesmo estado? Não o vi hoje,
portanto, assumi que não possui uma constituição tão forte quanto a
sua – a jovem disse.
– Não sei como meu irmão está hoje, nós não fomos juntos para
casa na noite passada. Ouvi sua porta se fechar de manhã, então
ele deve ter retornado inteiro – ele comentou sem entusiasmo.
Millie ficou em silêncio e Alex sentiu que ela estava esperando
uma resposta mais elaborada.
– Se realmente deseja saber, Srta. Ashton, David e eu não
estamos nos falando no momento – continuou. – Tivemos um
desentendimento na noite passada, por isso, o deixei em um clube
com alguns amigos e fui para outro lugar.
– Ah, sinto muito em ouvir isso. Espero que não seja algo muito
sério e que vocês voltem a ser amigos logo – a moça replicou.
O cavalheiro tirou uma poeira que estava presa em seu paletó.
Seria impossível explicar para a dama o motivo por trás da briga
deles. Toda a alta sociedade acreditava que nada poderia ficar no
meio dos irmãos Radley e que um desentendimento sério entre os
homens era algo inimaginável.
Eles estavam totalmente errados.
– Sim, é claro – o rapaz concordou sem pensar; sua mente
estava muito ocupada, arquitetando maneiras terríveis e sangrentas
de matar e esconder o corpo do seu irmão.
– Então, quando você quer começar? – a outra perguntou.
– O que disse?
Millicent se remexeu no assento e se virou para encará-lo. O
marquês não estivera prestando atenção e ela sabia disso.
– Srta. Ashton, não estou me sentindo eu mesmo hoje. Minhas
maneiras parecem ter ficado na cama. Novamente, sinto muito pelo
meu comportamento – Alex justificou.
– Pode me chamar de Millie – a moça falou com um sorriso. – Na
verdade, acho que você tem se saído muito bem ao vir até aqui para
assistir o ensaio de Lucy. Charles só teria deixado um bilhete de
desculpas na minha porta e passado uma semana inteira acamado.
Para alguém que se orgulha de ser um excelente pugilista, às
vezes, sua disposição realmente deixa a desejar.
Lorde Brooke deu uma risada.
– Não se deve falar mal da situação auto infligida daqueles que
estão quase mortos, Millie – ele provocou, observando os olhos dela
se iluminarem ao proferir seu nome. A tentação de beijar os lábios
da jovem quase o venceu.
Você é tão bela; estou certo de que quebrará mais de um
coração durante esta temporada.
Espera, a temporada logo começará. Ah, não.
Ela poderia estar há alguns meses de distância, mas quando
chegasse ao seu auge, Londres estaria repleta de cavalheiros e
damas elegíveis. Se não começasse a se empenhar na tarefa de
reivindicar Millicent o mais rápido possível, seria esmagado pela
horda de solteiros que competiria por sua atenção e o rapaz
simplesmente não poderia deixar que isto acontecesse. A garota
intrigante vinda do outro lado do mundo seria sua. Quanto mais
tempo passava ao lado dela, mais convencido ficava. Uma dama
como a Srta. Ashton só entrava na vida de um homem uma única
vez. Alex não planejava ser um tolo e perder a oportunidade de
transformá-la em sua noiva.
Você está divagando mais uma vez, Brooke. Diga algo antes que
ela perceba.
– Na próxima quarta-feira, iremos praticar junto com Lucy. Com
minha ajuda e o arranjo que sua mãe fará com o Sr. Roberts, você
se tornará uma mestre em valsa em pouco tempo – o marquês
afirmou.
– Isso é ótimo. Mal posso esperar. Todavia, acho que o Sr.
Roberts solicitará algum tipo de compensação, já que utilizaremos
os serviços de seu pianista – a moça respondeu.
– Deixe o instrutor de pés leves comigo, Millie. Garantirei que ele
receba o dobro do que normalmente cobra. Devemos focar em
prepará-la para sua primeira valsa pública no baile que meu primo, o
conde de Shale, dará na primeira segunda-feira de abril. Eles
costumavam sediar o evento na Páscoa, mas decidiram antecipá-lo
este ano já que Rosemary, a condessa, está grávida. – Ele segurou
a mão dela pela segunda vez. – Mas chega de conversar sobre
danças e homens com dores de cabeça. E quanto a você, Millie
Ashton? Quero ouvir sobre sua vida na Índia, ela deve ter sido muito
diferente da daqui.
Os dois passaram os dez minutos seguintes conversando sobre
o país e a infância da jovem. O rapaz perguntou sobre a duração da
longa viagem até a Inglaterra e sobre o que a dama estava achando
do clima frio de Londres, que era um contraste e tanto com o calor
do subcontinente.
– Tirando o choque inicial ao perceber quão fria a neve
realmente é, creio que aprendi a me adaptar muito bem. Só sinto
falta das coisas que não pude trazer comigo. Deixei todos os meus
amigos e a minha casa para trás. Também existem as coisas bobas
das quais não pensei que sentiria saudade, como a cor do rio
Hooghly e o aroma dos mercados de especiarias barulhentos.
− Caso não tenha notado, Londres também tem seu próprio
cheiro – Alex comentou, tentando fazê-la sorrir.
− Sim, tem mesmo. O ar daqui sempre cheira a umidade e a
mofo. Mamãe continua a prometer que melhorará durante o verão,
todavia, por algum motivo, acho difícil de acreditar que Londres
subitamente se transformará em um oásis de cor e deleite sensual
apenas porque o sol finalmente conseguiu passar pela barreira
pesada de nuvens. Com sorte, só terei que aguentar um inverno na
Inglaterra antes de voltar para casa.
O marquês sentiu um calafrio percorrer sua espinha. A dama
realmente acabara de dizer que estava planejando deixar o país?
− Você planeja voltar para a Índia? – ele perguntou, sentindo
uma tristeza avassaladora preencher seu peito.
Como Millicent poderia considerar partir para nunca mais voltar?
Como poderia deixá-lo para trás?
Provavelmente porque ela não o conhece de verdade. Se
conhecesse, ficaria a uma milha de distância. Que garota, em sã
consciência, gostaria de se casar com um tolo iletrado como você?
Lorde Brooke engoliu em seco, tentando suprimir a onda de
pânico crescente que o consumia.
− Tenho certeza de que, depois de conhecer o campo e ver as
belas flores da primavera, você se sentirá diferente com relação a
isso – o rapaz afirmou.
A moça deu de ombros e se inclinou para frente, observando o
Sr. Roberts ensinar um novo tipo de dança para Lucy. O som da
risada da loira, que se esforçava para aprender os passos, ecoou
pelo salão.
− Isso parece divertido – Millie disse.
O cavalheiro mordeu o lábio em frustração. Estava
contemplando a perda da única garota que balançara seu coração
enquanto esta fazia uma observação espirituosa sobre uma dança
trivial.
− Seria uma pena vê-la partir antes de ter a oportunidade de
verdadeiramente conhecer e passar a apreciar o lugar.
E também de me amar.
A jovem balançou a cabeça.
− Minha família voltou a Londres para garantir que houvesse um
herdeiro por perto que pudesse assumir o título Ashton. Minha mãe
também estava ansiosa para retornar, embora eu nunca tivesse
percebido o quanto ela odiava a Índia até termos chegado aqui. – A
outra suspirou. – Contudo, não importa se eu permanecer neste
país ou não. Além disso, a Inglaterra não me recebeu
necessariamente de braços abertos. Eu prefiro voltar para minha
casa.
Pela primeira vez em sua vida, o marquês de Brooke percebeu
que as outras pessoas não viam a Inglaterra da mesma maneira que
ele. Para Millicent, o local não era a sua casa; seu coração
permanecera a várias milhas de distância. Alex não poderia sequer
considerar a ideia de deixar o país sem qualquer perspectiva de
volta.
− E se sua família não permitir que você retorne para a Índia? O
que fará? – indagou.
A Srta. Ashton se virou, fitando-o com um olhar interrogador, e
ele soube o que ela estava pensando: por que suas decisões
importavam para o rapaz? A garota encheu as bochechas e deu de
ombros mais uma vez.
− Não sei. Não cogitei essa possibilidade ainda, portanto, por
favor, não conte a ninguém da minha família. Fui descuidada ao
mencionar minhas intenções para você. O fato é que a ideia sempre
fica pairando em minha mente. Talvez, a temporada que está por vir
acabe resolvendo as coisas por mim. Quem sabe? Sempre existe a
possibilidade de eu conhecer um cavalheiro encantador que me
arrebatará e me levará para o seu castelo nas Highlands escocesas
– Millie respondeu.
Ela deu um tapinha amigável no braço dele, mas o gesto não
acalmou sua inquietação. Até que a moça percebesse que seu
futuro já estava selado ao lado de Lorde Brooke, não desistiria do
sonho de retornar para a Índia. Ele teria que fazê-la ver que poderia
ser feliz em sua nova casa e que já possuía alguém com um castelo
imponente diante de si. É claro que a construção estava localizada
nas terras baixas, porém, não deixava de ser um castelo. O
cavalheiro ficaria mais do que feliz em compartilhá-lo com ela, da
mesma forma que ficaria feliz em dar-lhe o seu coração.
Finalmente, a música parou. Com o término da aula, Lucy se
aproximou para cumprimentá-los. Alex notou o olhar de sua irmã
analisar a curta distância que separava as cadeiras deles, bem
como a expressão desaprovadora que apareceu em seu rosto. Era a
mesma careta que ela fazia quando uma de suas amigas agia de
modo muito amigável com ele. O rapaz quebrara mais corações do
que gostaria de admitir e aquilo acabara custando várias amizades a
Lucy. A lista de senhoritas que haviam passado suas noites aos
prantos por conta de Alexander, o Grande, era longa. Entretanto, o
marquês não era estúpido. Sabia muito bem que essas mesmas
garotas tinham se tornado amigas de sua irmã para poder se
aproximar dele. Estava a par do prêmio que representava para as
damas solteiras. Que jovem esperta não usaria a irmã de Lorde
Brooke como um meio para cair nas boas graças do futuro duque de
Strathmore? Muitas tinham tentado e falhado.
Fora então que conhecera Millie. Ela não tinha se jogado aos
pés dele. Não vira sequer um piscar de olhos ingênuo ou desmaio
repentino ser direcionado para si. A dama era diferente. A Srta.
Ashton o enfrentara de queixo erguido no Hyde Park, além de ter
percebido o seu blefe. A moça sabia que as costas dele não
estavam machucadas, porém, em vez de fazer uma cena, colocara
sua amizade com Lucy acima de seu orgulho ferido e aceitara o
pedido de desculpas do rapaz. Ela era um deleite recém-
descoberto, portanto, se sua irmãzinha achava que o mais velho iria
desistir, estava completamente enganada. Millicent seria sua e a
outra teria que aceitar isso.
− Você é uma dançarina tão elegante e habilidosa, Lucy – a
dama disse, batendo palmas em apreciação. – No futuro, tenho que
me lembrar de não dançar tão perto de você, assim, ninguém
poderá comparar seus pés leves com os meus.
A loira riu e pegou as mãos da colega, ajudando-a a se erguer.
− Venha, preciso apresentá-la ao Sr. Roberts. Conversei com ele
sobre você, meu instrutor está ansioso para conhecê-la.
Enquanto sua irmã atravessava o salão de baile de braços dados
com Millie, Alex as seguia atrás, cantarolando para si mesmo. Lucy
lançou um olhar desconfiado para o cavalheiro, que retornou o gesto
com um sorriso caloroso. Estava muito ocupado formulando um
plano para atrair a Srta. Ashton, não tinha tempo para se incomodar
com as preocupações da mais nova. Precisava fazer com que
Millicent se apaixonasse por ele; só quando isso tivesse acontecido
e ela tivesse aceitado se unir ao marquês, ousaria compartilhar seu
segredo humilhante com a jovem.
− Será que eu mencionei que temos um castelo na Escócia,
Srta. Ashton? – murmurou baixinho, fazendo uma anotação mental
para que não se esquecesse comentar sobre aquela informação no
momento mais oportuno.
Capítulo 9

O desentendimento entre os irmãos Radley continuou


inabalado. Nos dias seguintes, David se aproximou de Alex
diversas vezes, mas sempre que tentava falar com o irmão, este
levantava uma mão e firmemente dizia “Nem se incomode” antes de
se afastar. O marquês sabia que o mais velho se sentia culpado
sobre o que acontecera no clube Silken Slipper e que seus atos
tinham sido influenciados pelo conhaque, contudo, ainda não
conseguia colocar de lado o constrangimento que sentira naquela
noite. David, seu campeão e protetor ao longo dos anos, o expusera
diante de todos. Por ora, o orgulho do rapaz estava ferido e ele não
tinha ânimo para perdoar ninguém.
Montado em seu magnífico cavalo com pelagem cor de meia-
noite, Alex se juntou ao resto dos cavalheiros matinais que tinham
vindo cavalgar no Hyde Park; o marquês de Brooke era o epítome
de um jovem nobre inglês. Embaixo do seu sobretudo preto, sua
gravata estava atada corretamente, embora o nó estivesse muito
mais frouxo do que a moda atual ditava. Recusando-se a se
conformar com as restrições do conjunto elegante, insistira que a
vestimenta ao redor do seu pescoço estivesse levemente
engomada, permitindo, assim, que sua cabeça se movimentasse à
medida que cavalgava. As apertadas calças de camurça que usava
se prendiam às suas pernas fortes, mostrando cada um de seus
músculos. Abaixo do joelho, suas botas de montaria abraçavam
suas panturrilhas; o calçado era o resultado do casamento refinado
entre o caro couro inglês e um sapateiro habilidoso. O objetivo de
Alex Radley não era parecer pomposo ou fanfarrão, ele se vestia
para si mesmo enquanto deixava os outros para trás, tentando
seguir seu rastro.
Um dos benefícios de seu desentendimento com David era não
estar sempre na rua, o que, consequentemente, dava-lhe
oportunidade de apreciar a sensação recém-descoberta de acordar
cedo e se sentir revigorado todas as manhãs. O cavalheiro sorriu ao
recordar o olhar de surpresa no rosto do cavalariço-chefe quando
apareceu no quintal da propriedade logo após o amanhecer e pediu
que seu cavalo estivesse pronto dentro de uma hora para um
passeio matinal.
Observando o fluxo constante e elegante da alta sociedade
chegando com seus cavalos e cavalariços a reboque, Lorde Brooke
ponderou sobre os eventos de vários dias antes. A tarde que
passara com Millie no salão de baile da Residência Strathmore fora
uma grande revelação. Ela fora a primeira dama capaz de fazê-lo
questionar a forma como vivia sua vida.
Ao voltar para casa, Alex ficara acordado em sua cama por
várias horas, lembrando-se de cada palavra que a jovem dissera.
Com a memória de sua ressaca ainda fresca em sua mente, tomara
a decisão incomum de permanecer em casa durante a noite,
ignorando as sobrancelhas arqueadas de seu valete quando o
informara de que não se aventuraria do lado de fora. No momento
em que o sono finalmente tomou conta de sua consciência, o
marquês sonhara que estava segurando Millicent, com suas mãos
nos quadris da moça enquanto ela se movimentava ao som de uma
orquestra invisível. Fora um sonho longo e sexualmente satisfatório.
O bufar de seu cavalo e o som dos cascos do animal batendo no
chão duro e frio o trouxeram de volta à realidade.
− Desculpe, garoto, sei que não veio até aqui apenas para ficar
parado assistindo a todos os outros correrem pela Row. Está na
hora de começar a aproveitar nossa manhã – disse, batendo os
calcanhares aos lados de sua montaria, que partiu em um galope
leve.
Mais adiante, na pista de areia, permitiu que seu cavalo
aumentasse o ritmo e o animal passou a trotar em um galope
completo. O vento cortante açoitava o rosto do rapaz, obrigando-o a
piscar para afastar as lágrimas que se formavam em seus olhos.
Lorde Brooke riu em pura alegria; era incrível espanar as teias de
aranha que haviam se formado ao longo dos anos em sua mente.
O som característico de cascos batendo no chão chamou sua
atenção. Olhando por cima do ombro, viu outro cavaleiro sobre um
cavalo cinza encurtando a distância entre eles. Ele instigou seu
animal a correr mais rápido, querendo ser o primeiro a atravessar a
linha de chegada não oficial demarcada pelo Lodge.
− Vamos lá, Brooke. Minha irmã cavalga mais rápido do que
você – o recém-chegado berrou.
Alex fitou-o novamente e percebeu que se tratava de Charles
Ashton.
− Maldição, Ashton, você cavalga como um demônio – o
marquês bradou, batendo, mais uma vez, os calcanhares no flanco
de sua montaria enquanto se inclinava para frente sobre a sela.
Os homens cavalgaram cada vez mais rápido. Sobre o som da
respiração ofegante de seu cavalo, Lorde Brooke ouviu os gritos
eufóricos dos outros visitantes do parque, impulsionando-o à vitória.
Com o sangue pulsando em suas orelhas, ele agarrou as rédeas e
impeliu o animal a seguir correndo.
Alex chegou ao Lodge com uma vantagem de meia distância à
frente de seu oponente. Lançando uma mão no ar, soltou um urro
alto de satisfação.
− A vitória é minha!
O marquês se acomodou sobre a sela e afrouxou as rédeas,
fazendo seu cavalo diminuir a velocidade até um trote sutil. Charles
se aproximou e ofereceu um aperto de mão.
− Muito bem, Brooke. É a primeira vez que sou vencido em anos.
Você tem uma montaria bem determinada.
O rapaz apertou a mão do futuro visconde e fitou seu cavalo
negro.
− Ele veio da propriedade do meu pai na Escócia. Suspeito que
o animal tenha estado ansioso para sair e fazer uma boa corrida.
Ele passou uma perna pela sela e pulou para o chão. Ashton fez
o mesmo. Os cavalos vagaram para a grama mais próxima,
inspecionando o chão coberto por gelo à procura de vegetação
fresca.
− Não o vi nessa parte do parque antes. Costuma cavalgar aqui
com frequência? – Charles perguntou.
Lorde Brooke deu de ombros.
− Sinto-me envergonhado em admitir que esta é a primeira vez
que cavalgo em meses, mas prometo que, a partir de hoje, me verá
aqui todas as manhãs.
O outro sorriu.
− Excelente, então teremos uma revanche. Eu quase consegui
passar de você no final.
Alex pegou as rédeas de sua montaria e os dois começaram a
fazer a longa caminhada de volta até onde seus cavalariços
estavam. Tinha que dar crédito a Charles, ele era um excelente
cavaleiro, assim como o marquês. O irmão de Millie era destemido e
sabia o momento certo de incitar seu cavalo. Poucas pessoas
estavam dispostas a confiar no desejo de vitória de seus animais
como eles faziam, portanto, não era de se admirar que os nobres
quase nunca perdiam.
− Quem lhe ensinou a cavalgar como um louco? – Lorde Brooke
indagou.
Ashton parou e fitou Alex com um olhar duro.
− A necessidade.
O marquês frisou o cenho.
− O que quer dizer?
Charles suspirou.
− Certa vez, deparei-me com um leopardo em uma trilha a
algumas milhas da casa de verão da minha família. Meu cavalo
disparou à velocidade do vento, enquanto eu segurava as rédeas
firmemente para não morrer. Então, agora, sempre que cavalgo,
recordo daquele dia e nunca sou vencido.
Lorde Brooke arqueou uma sobrancelha.
− Bem, quase nunca – o futuro visconde retrucou com um
sorriso. – E quanto a você?
− Desde a primeira vez que meu pai me colocou sobre o lombo
de um cavalo, cavalguei como um tolo imprudente. Estou certo de
que ele acha que, um dia, acabarei quebrando meu pescoço, mas
isto ainda não aconteceu – Alex respondeu.
Eles continuaram a caminhar pelo trajeto que os levaria ao
portão principal, alcançando os cavalariços que aguardavam a
chegada de ambos. Ao entregar as rédeas do animal, o marquês
acariciou a cabeça do seu cavalo uma última vez.
− Está indo tomar o café da manhã em sua residência? –
perguntou.
Charles negou com um aceno de seu rosto.
− Não, nós comemos cedo na minha casa. Millie estava entrando
na sala de refeições quando eu me retirei. Ela planejou visitar o
Museu Britânico nesta manhã ao lado de meu pai para ver os
Mármores de Elgin; e se conheço papai, sei que ele irá querer estar
lá assim que as portas se abrirem. Ouvi dizer que todos estão se
amontoando no lugar para ver as exibições. Já eu irei passar a
manhã com meu alfaiate. Segundo minha mãe, não tenho roupas de
noite suficientes para a temporada – Ashton soltou um suspiro
desgostoso. – Não acredito que exista algo mais enfadonho do que
isso.
− Suponho que não – o rapaz comentou, tentando soar
desinteressado. – Bem, acho que devo voltar para casa e descobrir
qual é o café da manhã de hoje. Respirar o ar fresco da manhã
abriu meu apetite. Vejo você amanhã no mesmo horário, Ashton.
Vamos ver quão perto do meu cavalo o seu consegue chegar.
Alex se despediu de Charles e caminhou com seu cavalariço até
o portão principal. Contudo, em vez de se dirigir para sua casa na
Bird Street, chamou um coche de aluguel e seguiu em direção a
Park Lane. Recostando-se no assento de couro, passou a formular
um plano. Se havia uma pessoa em Londres que realmente
apreciaria uma visita ao Museu Britânico era Stephen, seu irmão
fanático pela história. É claro que, se os dois acabassem se
encontrando com uma jovem dama e seu pai enquanto estavam lá,
seria a coincidência mais afortunada de todas.
− Fico feliz em vê-la tão animada – o Sr. Ashton disse, notando o
sorriso largo de sua filha.
Millie e James tinham chegado cedo na Montagu House, sede do
Museu Britânico. Após pagarem uma pequena comissão para o
atendente, foram admitidos na sala de exibição meia hora antes do
horário oficial de abertura. Com apenas algumas pessoas no
cômodo, a jovem foi agraciada com uma visão clara do Friso do
Partenon.
− As obras de arte são incríveis, estive ansiosa para vê-las
desde que chegamos, especialmente o Friso do Partenon. Não
consigo acreditar que eles conseguiram trazer mais de sessenta
metros da escultura até aqui. Lorde Elgin deve ter gastado uma
fortuna – ela respondeu.
O guia do museu que os acompanhava sorriu de modo
condescendente.
− A dama não precisa se preocupar com as vulgaridades do
dinheiro, uma vez que o governo britânico agora as possui – falou.
Millicent respirou fundo e respondeu com altivez:
− Imagino que, já que o governo gastou trinta e cinco mil libras
nelas, as obras ficarão permanentemente na Inglaterra?
O sujeito olhou rapidamente para o Sr. Ashton, que sussurrou na
orelha da mais nova:
− O homem só está tentando fazer o seu trabalho. Deixe que nos
mostre o local por algum tempo, depois, pagarei para mandá-lo
embora. Estou certo de que você sabe tanto quanto ele sobre as
esculturas, todavia, acredito que nosso guia tem uma família para
alimentar.
A moça assentiu, dando um sorriso de desculpas para o homem.
− O que você estava dizendo? – ela indagou.
Um coche com o brasão do duque de Strathmore parou em frente
ao Museu Britânico na Great Russell Street e Alex e seu irmão
desceram do veículo.
− Pode me lembrar porque você está me levando para ver as
esculturas quando eu já as vi duas vezes? – Stephen perguntou,
abraçando-se para se proteger do frio amargo.
O marquês suspirou, revirando os olhos.
− Porque, meu caro garoto, você sabe tudo sobre essas coisas,
então, não precisarei usar os serviços de um dos guias do museu –
ele retrucou, gesticulando na direção da porta do edifício.
− Mas eu já lhe contei tudo o que sabia em casa e você
memorizou as informações. Além disso, sua memória é perfeita – o
mais novo constatou.
Após chegar na Residência Strathmore depois de sua cavalgada
no Hyde Park, Lorde Brooke acordara seu irmão e o fizera lhe
contar tudo o que sabia sobre os Mármores de Elgin. Tomando um
café da manhã apressado, arrastara Stephen para fora da casa
antes que alguém pudesse perguntar para onde estavam indo.
− Eu sei, mas a Srta. Ashton está aqui com o seu pai e seria
estranho se ela esbarrasse em alguém como eu sozinho em um
museu, especialmente a essa hora do dia. Você, meu garoto, é a
melhor desculpa que consegui arranjar. Afinal, existe uma maneira
melhor de se impressionar uma dama do que mostrá-la o bom irmão
que eu sou? − Lorde Brooke respondeu.
− Você poderia ter vindo com David. A Srta. Ashton já o
conhece.
O olhar de aço que o mais velho disparou para seu irmão disse
tudo. Stephen se aproximou, murmurando:
− Espero que saiba que o papai suspeita de que algo aconteceu
entre você e David. Não se surpreenda se ele os convocar e exigir
que resolvam suas diferenças. A propósito, qual é o problema?
Alex passou um braço ao redor dos ombros do garoto.
− Não é da sua conta, moleque. Agora, vamos entrar e não se
esqueça de quem estará pagando suas despesas quando estiver
mais velho. Não queremos que você viva na penúria apenas porque
se recusou a me ajudar a impressionar a Srta. Millicent Ashton, não
é? – ele disse.
Os dois irmãos riram, sabendo muito bem que o marquês nunca
conseguiria recusar algo a Stephen.
− Por que você quer impressioná-la? – o mais novo inquiriu. O
olhar em seu rosto pertencia a alguém que ainda não descobrira os
prazeres do sexo oposto.
− Porque é o que eu desejo, isto é tudo o que precisa saber –
Lorde Brooke afirmou.
− Tudo bem, porém, vou querer comer uma torta de cebola e um
chocolate quente depois que terminarmos aqui. Na verdade, duas
tortas, estou faminto – Stephen respondeu com um sorriso.
− Feito.

Millie e seu pai já tinham examinado as diversas seções do Friso do


Partenon quando James finalmente deu uma grande gorjeta para o
guia exasperado e o mandou embora.
− Ele já foi, está feliz agora? – disse assim que o sujeito retornou
para a porta da frente.
− Obrigada. É difícil apreciar a beleza das obras quando alguém
fica tagarelando continuadamente em sua orelha. Além disso, o
termo correto é centauro e não “homem-cavalo” – ela bufou,
apontando para um painel que mostrava um centauro e um lápita
batalhando. A dama era bastante criteriosa quanto ao uso da
terminologia correta, principalmente ao discutir história e mitologia.
Notando que o centauro retratado estava sem um dos braços,
Millicent franziu o nariz em decepção. Embora Lorde Elgin tivesse
afirmado que preservaria as esculturas, todos sabiam que, ao
removê-las de seu local original, muitas delas tinham sido
danificadas. Mesmo que, algum dia, o governo britânico decidisse
devolvê-las para seus proprietários primários, duvidava que elas
sobrevivessem a outra longa viagem marítima.
A moça apontou para a estátua sentada de um homem sem
cabeça.
– Pensei que o mármore deveria ser branco, igual ao Taj Mahal,
todavia, esses são quase pretos.
– É sujeira, Srta. Ashton. Imagino que deva se lembrar de que os
mármores estavam ao lado de um templo grego, em cima de uma
montanha que foi varrida pelo vento por mais de dois mil anos –
uma profunda voz masculina sussurrou em seu ouvido.
A jovem se virou e ficou surpresa ao ver que Alex estava parado
ao seu lado. Um sorriso se esgueirou pelos lábios dela.
– Bom dia, Lorde Brooke – cumprimentou.
O marquês fez uma reverência.
– Bom dia. – Após trocar um aperto de mãos com o Sr. Ashton,
ele gesticulou para que um rapaz se aproximasse. – Esse é o meu
irmão, Lorde Stephen Radley.
Millie fitou o garoto e notou a forte semelhança entre os dois
irmãos. Stephen fez uma reverência, encarando o mais velho, que
pigarreou.
– Como eu estava dizendo, as esculturas datam de cerca de
quatrocentos anos antes de Cristo, então, é de se esperar que
tenham se desgastado ao longo do tempo. Entretanto, estou ciente
de que algumas peças foram danificadas durante a jornada até aqui,
especialmente as que afundaram com o brigue Mentor; elas
passaram mais de dois anos no fundo do mar.
Os olhos da dama brilharam com deleite.
– Eu não sabia que você apreciava os clássicos, Lorde Brooke –
James replicou. – É revigorante conhecer um cavalheiro de seu
status que se interessa pelo mundo antigo.
O marquês assentiu.
– Acredito que é importante obter tal conhecimento e repassá-lo
para as mentes mais jovens e impressionáveis.
Ele olhou na direção do seu irmão no momento que este bufou.
Lorde Stephen vasculhou os bolsos de seu casaco, tirou um lenço e
se esforçou para convencer todos os presentes de que estava
resfriado.
Alex o repreendeu antes de continuar:
– Observei que vocês não estão com um guia. Eu ficaria honrado
se me permitissem acompanhá-los pelo museu enquanto esclareço
ainda mais sobre a história das peças que estão em exibição.
Millicent fitou seu pai, que estava com uma expressão estranha e
quase confusa em seu rosto.
– É claro, Lorde Brooke. Que nunca digam que fiquei no meio do
aprendizado de minha filha. Ademais, a instrução do seu irmão é de
suma importância.
A jovem olhou para o marquês, contudo, quando viu o
magnetismo em seus olhos, sentiu um lampejo de calor percorrer a
sua coluna.
– Permite-me? – Alex questionou, oferecendo um braço.
Ela encarou-o por um momento, tentando estabilizar sua
respiração. Depois, mirou o seu pai, que assentiu em aprovação.
Quando a dama tomou o braço dele, o calor que surgira dentro de
seu corpo começou a crescer. Se não soubesse melhor, teria jurado
que estava de volta à fumegante Calcutá.
Eles continuaram a andar pelo cômodo, todavia, com a abertura
oficial do museu, o número de visitantes começou a aumentar,
dificultando a tarefa de vislumbrar os mármores. Aproveitando a
oportunidade, Lorde Brooke disse:
– Está um pouco lotado aqui. Se me permitirem uma sugestão,
talvez Lorde Stephen possa acompanhar o Sr. Ashton pelo lado
esquerdo. Ele deve se lembrar da maior parte das coisas que lhe
ensinei. Enquanto isso, seguirei com a Srta. Ashton pela direita.
Podemos nos encontrar no meio do caminho, em frente ao Frontão
Leste do Partenon.
Millie lançou um olhar para o seu pai.
Por favor, papai. Por favor, diga sim.
James sorriu e assentiu.
– É claro, faz todo sentido.
A mais nova suprimiu um suspiro, aliviada por saber que sua
mensagem fora passada.
– Excelente – o marquês respondeu.
Fazendo seu caminho através da multidão, a jovem não pôde
deixar de notar que outros visitantes olhavam para Alex e, em
seguida, para ela. Uma das matronas da sociedade chegou a
sussurrar para sua companhia:
– Quem é aquela garota? Nunca vi Lorde Brooke andar com uma
dama antes. O marquês parece bem satisfeito consigo mesmo.
Millicent continuou a fitar as mulheres por cima do ombro,
observando-as se afastarem.
– Chegamos. Finalmente podemos ver algo – o rapaz falou,
parando em frente a uma grande cabeça de mármore de um cavalo.
A dama virou sua cabeça de volta, todavia, não foi rápida o
suficiente, motivo pelo qual não percebeu que ele havia parado e
deu mais um passo à frente, fazendo com que Alex a puxasse em
sua direção. O marquês colocou uma palma grande e quente na sua
cintura, que pareceu permanecer no local por uma eternidade. Millie
ergueu o olhar até o rosto dele e foi agraciada com mais um de seus
sorrisos atraentes.
– Ah – ela suspirou, incapaz de produzir uma resposta mais
eloquente.
Lorde Brooke riu.
– Algum dia, aprenderei minha lição e não farei paradas súbitas
quando estiver com você. Entretanto, acredito que, desta vez, a
culpa não foi minha. Por que estava observando aquelas mulheres?
Um rubor se espalhou pelas bochechas da moça. Ela rezava
silenciosamente para que o cavalheiro não tivesse ouvido a
conversa das senhoras.
– Eu... eu pensei tê-las visto no evento do começo dessa
semana, mas acho que estava enganada – mentiu.
Alex arqueou uma sobrancelha.
– É claro.
– O Cavalo de Selene – Millicent falou, olhando além do
marquês. – Os detalhes faciais são magníficos. Papai e eu paramos
para o observarmos quando chegamos. Acho que deve ser minha
escultura favorita de toda a coleção.
O rapaz ergueu um braço e passou os dedos pelo maxilar do
animal.
– Ele não é muito responsivo. Acho que fomos enganados, nos
venderam uma imitação de mármore.
A jovem sorriu.
– Veremos quão responsivo você fica depois de ter sua cabeça
cortada e estar com dois mil anos de idade. – Os dois abriram um
sorriso irônico. Um minuto depois, a dama voltou a fitar o cavalo. –
Confesso que me entristece ver que este é o destino final de uma
obra tão maravilhosa da antiguidade.
– Não concorda que os mármores devam estar na Inglaterra? – o
marquês perguntou.
Millicent apertou sua bolsa de mão com força e disse com
bravura:
– Não.
Alex assentiu.
– É bom ver que você defende suas opiniões, Millie. Tenho
admiração por aqueles que sustentam seus pontos de vista sobre o
assunto. Pessoalmente, acredito que retirar as esculturas das
paredes de Atenas foi o pior tipo de vandalismo cultural – ele
comentou. – E saber que Elgin quase faliu sua propriedade para
trazê-las até aqui só mostra seu descaso completo pelo bem-estar
de seus inquilinos e herdeiros.
A dama torceu a bolsa de pano que segurava em um nó.
Finalmente! Alguém em Londres partilhava de sua opinião sobre os
mármores. Sua boca se abriu em espanto.
– Achou que alguém como eu naturalmente toleraria as ações de
Elgin? Fique segura de que me posicionei contra mantê-las aqui. O
Império Otomano governou a Grécia por vários anos e os turcos
nunca sentiram a necessidade de destruir os templos antigos,
portanto, não vejo por que um conde inglês deveria fazê-lo.
Tudo o que ele dissera fazia completo sentido para Millie.
Descobrir que eles concordavam sobre um tópico tão controverso
era uma agradável surpresa. Lorde Brooke segurou a mão dela e
deu um aperto gentil. Quando seus olhos se encontraram, a moça
não teve dúvidas quanto ao perigo que agora enfrentava. Estava
completa e irremediavelmente apaixonada por Alex Radley e não
havia nada que pudesse fazer para proteger seu coração.
Quando os dois se encontraram com seu pai e com Lorde
Stephen, Alex os presenteou com seu conhecimento impressionante
sobre os mitos e os deuses da Grécia Antiga. Enquanto falava, os
outros visitantes e guias do local começaram a se reunir ao seu
redor e Millicent se viu parte da grande multidão que fora cativada
pelo cavalheiro. Ao assistir o marquês de Brooke tomar conta do
museu, um sorriso orgulhoso se abriu em seu rosto. Ele realmente
era Alexander, o Grande.
A jovem quase não se lembrava de ter se despedido do rapaz e
de seu irmão na escadaria da Montagu House, bem como de se
sentar silenciosamente no assento do coche à medida que o veículo
percorria a curta distância até sua casa. Sua mente estava ocupada
com a imagem sorridente de Lorde Brooke enquanto as palavras
das matronas da sociedade se repetiam constantemente.
O marquês parece bem satisfeito consigo mesmo.
Ao tomar a mão de seu pai, que lhe ajudava a descer do coche,
viu um sorriso conhecedor estampado em seu rosto. O mais velho
se inclinou e beijou a testa de sua filha.
Ela estava apaixonada por Alex e, como sempre, James Ashton
já sabia.
Capítulo 10

N a noite do baile de Páscoa do conde e da condessa de Shale,


Millie se sentou em frente à sua penteadeira, fitando seu
reflexo no espelho. Sua aparência continuava sendo a mesma,
contudo, algo dentro dela havia mudado. A jovem sorriu, lembrando-
se de como Alex tentara cumprir sua promessa de ajudá-la com
aulas de dança. Aqueles momentos em que passara rindo com ele,
ouvindo o rapaz inventar novas fábulas ultrajantes para pintar no
teto do salão de baile, pouco fizeram para melhorar suas
habilidades motoras.
– Terei que me certificar de estar na sala privativa das damas
quando a valsa começar a tocar – comentou consigo mesma. Não
poderia se dar ao luxo de causar uma má impressão durante o
evento.
A moça esperou até que Grace tivesse terminado de arrumar o
seu cabelo antes de se levantar para se examinar no espelho cheval
que um criado colocara no meio do seu quarto. Com as mãos juntas
de maneira elegante e um sorriso recatado no rosto, praticou sua
reverência. Violet dissera que uma dama sempre devia se
comportar como se estivesse um pouco tímida e incerta, o que lhe
dava uma aparência menos ousada.
– E também levemente estúpida – Millicent sussurrou para a
imagem à sua frente.
Ela se virou, observando seu perfil no espelho, e seu coração
afundou. Seu penteado estava impecável, assim como o vestido
cinza-claro que fora feito por uma das melhores modistas de
Londres, mas nenhum dos dois era capaz de esconder as curvas
que a diferenciavam das outras senhoritas.
Seu nariz se enrugou com decepção.
– Se me permite uma sugestão, Srta. Millie, acredito que uma
caminhada diária logo faria com que esses quilinhos extras
sumissem – a criada falou, ajoelhando-se para endireitar a barra do
vestido da jovem.
– Você está certa, Grace. Nos próximos dias, nós duas
começaremos a fazer caminhadas pelos bairros e aproveitaremos
para visitar algumas lojas no caminho – a outra respondeu.
A dama viu o olhar de desapontamento no rosto da garota. Sua
criada claramente não contara com a possibilidade de ser arrastada
por Londres enquanto sua senhora tentava emagrecer.
– Isso lhe ensinará as consequências de ter ideias tão geniais –
Millicent provocou divertidamente. – Além disso, já que mamãe
ficará acamada por uma semana sob ordens médicas depois de ferir
seu tornozelo ao escorregar no gelo quando estava no pátio dos
fundos, ela não poderá me acompanhar. Todavia, permitirei que
você escolha o criado que nos escoltará. Estou certa de que já tem
o nome de um em mente.
Grace abriu um sorriso secreto e o acordo foi selado.
Pouco depois das nove horas, os irmãos Ashton estavam em frente
à casa do conde de Shale, na Duke Street, descendo do coche da
família. O caminho que levava à residência tinha sido limpo da neve
que se acumulava no chão, permitindo que os convidados o
percorressem sem molhar seus calçados.
A dúzia ou mais de funcionários que formavam um pelotão de
honra nos degraus da escada de entrada estavam vestidos com
librés pretas e chapéus dourados, o que lhes dava a aparência de
centuriões romanos. As quatro tochas de fogo que queimavam em
cada um dos lados da porta ajudavam a criar a atmosfera da festa
temática de Idos de Março de Lorde e de Lady Shale. Os
convidados, é claro, não deviam dar atenção ao fato de que a data
do evento era um pouco tarde demais para César e um tanto cedo
para a Última Ceia.
No topo das escadas, fora-lhes servida uma xícara de hidromel
quente. Bebericando o licor enquanto os outros visitantes se
dispersavam atrás deles, Charles e Millie trocaram um olhar de
expectativa. As chamas das tochas serpenteavam com o vento da
noite e o aroma sedutor de bétula queimando brincava no nariz da
mais nova. Dentro de suas sapatilhas, seus dedos se moviam com
entusiasmo.
Eram festas glamorosas como esta que a haviam prometido.
Com sorte, ela sairia do evento com várias histórias maravilhosas
para contar à sua mãe na manhã seguinte.
– Não acredito que esta é a primeira festa da qual participamos
sozinhos. Sei que é errado da minha parte, mas fico feliz por papai
ter decidido ficar em casa cuidando da mamãe. Veja como o lado de
fora foi decorado; espero que o interior esteja tão belo quanto – ela
exclamou.
– As decorações são esplêndidas, embora eu acredite que os
centuriões estejam aliviados por não estarem usando togas ou
sandálias.
A dama olhou para o criado mais próximo, notando que seus
dentes batiam de frio. Millicent e seu irmão trocaram um olhar de
dor.
– Pobre rapaz, espero que uma grande xícara de café quente
esteja lhe esperando no andar de baixo – Charles disse.
Ao entrarem na residência, eles foram cumprimentados pelo
anfitrião, que estava fantasiado de César, com os rasgos de faca
obrigatórios na toga que ele usava por cima de suas roupas de
noite. O conde de Shale gesticulou para o salão de baile, onde os
dois se depararam com Lady Shale repousando esplendidamente
em um sofá situado sobre uma plataforma elevada na extremidade
do cômodo.
Ela estava incorporando perfeitamente o papel de uma Cleópatra
extremamente grávida. De tempos em tempos, a condessa pegava
um brinquedo de madeira em formato de cobra e fingia que o objeto
a mordia. Sua corte de convidados então ofegava em horror,
pedindo que a dama não o fizesse antes de cair, logo em seguida,
em um coro de risadas diante da cena dramática de sua morte.
– Pergunto-me quantas vezes ela irá morrer esta noite – uma
voz familiar falou atrás deles.
Os irmãos Ashton se viraram, notando o amplo sorriso do
marquês de Brooke, que estava esplêndido em suas vestes
noturnas. Após trocar um aperto de mãos com Charles, Alex pegou
a mão de Millie e a beijou por cima da luva. Ele fez uma reverência
e a moça sentiu seu rosto corar ao retribuir o cumprimento com uma
cortesia.
Quando ela se ergueu, seus olhos se encontraram. A dama
tentou sorrir recatadamente, porém, pegou-se rindo ao notar que o
cavalheiro arqueava uma sobrancelha. As tardes passadas
dançando no salão de baile da Residência Strathmore formara um
vínculo entre eles; um que, agora, achavam difícil disfarçar.
– Muito bem, Srta. Ashton, você fará uma excelente estreia em
Londres nesta temporada – Lorde Brooke disse com um brilho
perverso no olhar. – Certamente impressionará todos os imbecis
pomposos.
Os olhos da mais nova se arregalaram com terror e ela olhou
feio para Charles.
– Você não disse.
Seu irmão suspirou, claramente chateado consigo mesmo.
– Ele disse. Venci novamente pela manhã, durante nossa corrida
no Hyde Park. Sempre que competimos, o perdedor deve confessar
algo embaraçoso; seus joguinhos de xingamento foram a revelação
de hoje – Alex informou.
Para aliviar um pouco do tédio da longa viagem de navio, os
irmãos Ashton tinham inventado um jogo de xingamentos. O objetivo
era soltar profanidades no meio de conversas normais sem que
fossem pegos. Quanto pior fosse o xingamento, maior seria a
pontuação. Millie podia imaginar quão envergonhado seu irmão
devia estar por ter que admitir sua participação em uma competição
tão infantil.
– Amaldiçoadamente brilhante, na minha opinião – o marquês
completou, entrando na brincadeira.
Charles se voltou para sua irmã.
– Não há por que contabilizarmos pontos durante esta noite,
Millie. Essa é a primeira vez que saímos sem a companhia de
nossos pais e estou certo de que você não irá querer que as
pessoas notem sua boca suja. Se a mamãe descobrir que se
envolveu em uma competição desse tipo, ficará trancafiada em casa
por uma quinzena. Brooke, peço que não encoraje minha irmã a
participar de um jogo tão infantil que nunca teria sido criado se não
fosse pela ajuda do tédio. Estou começando a me arrepender de ter
compartilhado esse segredo com você.
A garota suspirou, sabendo muito bem que seu irmão falava a
verdade. Recentemente, Violet passara a repreender os hábitos
mais desagradáveis de sua filha. Aquilo já lhe custara um novo par
de luvas e um chapéu quando sua mãe a flagrara cantando uma
canção de marinheiro na seção de retrosaria da Harding, Howell &
Co. Nenhuma das súplicas de Millicent fora capaz de reverter a
decisão da mulher, que a mandara direto para o quarto quando elas
chegaram em casa. Apenas o desejo de Violet de que a mais nova
nutrisse uma boa relação com Lady Lucy fora capaz de fazer com
que sua visita à Residência Strathmore não fosse cancelada
naquela tarde.
– Sim, Charles, prometo que me comportarei da melhor maneira
e que tentarei não chamar atenção – ela replicou.
– Exceto, é claro, quando estiver dançando comigo – Alex
acrescentou, tentando animá-la. – Nesse momento, espero que
todos os convidados estejam assistindo e se perguntem quem é a
magnífica dançarina que se encontra diante deles.
O marquês abriu um de seus sorrisos encantadores e a moça
não pôde deixar de sorrir de volta, pois, quando ele estava ao seu
lado, não conseguia ficar triste por muito tempo.
– Modesto, não é mesmo? Suponho que esteja prevendo que
todos os olhos estarão sobre você – a dama retorquiu.
Ele gargalhou com vigor, puxando-a para mais perto de si.
Charles pigarreou com força, claramente descontente com a forma
como Lorde Brooke estava agindo com sua irmã. Millie, por sua vez,
lançou um olhar firme na direção do seu irmão.
– Brooke, será que devo lembrá-lo de que estamos em um
espaço público? Sugiro que solte a mão da minha irmã agora
mesmo – Charles disse.
A ameaça fora entregue educadamente, mas a dama não pôde
deixar de notar a sombra familiar que atravessou os olhos de seu
irmão. Ela tentou se afastar, sentindo que o marquês estava em
perigo, contudo, o cavalheiro continuou a segurá-la firmemente.
– Eu estava apenas querendo me certificar de que sua irmã está
com seu cartão de dança para que eu possa escrever meu nome.
Isto é, se ainda houver algum espaço vago nele – Alex disse com
todo o charme que costumava usar para conseguir o que queria.
– Bem, se não se importa, você pode fazer isso de uma distância
mais apropriada, Brooke – o outro retorquiu.
Millicent dirigiu outro olhar feio para ele. Aparentemente, seu
irmão estava levando o papel de acompanhante muito a sério.
– Muito bem. Agora, minha querida irmã, por que não se apressa
e oferece seu cartão para que Lorde Brooke possa escolher quais
danças deseja ter com você? Depois, poderei ajudá-la a localizar
Lady Lucy.
Lembrando-se da promessa que fizera de passar a noite com
sua amiga, a jovem respondeu:
– Sim, é claro, querido irmão.
O marquês soltou sua mão e pegou a fita presa ao cartão da
moça. Ele analisou a ilustração dourada de uma esfinge que estava
na capa, abrindo-o em seguida. O rapaz retirou um pequeno lápis
do bolso de seu paletó e ofereceu a ela.
– Será que pode marcar as danças que terei com você esta
noite, Srta. Ashton? – Alex indagou.
O estômago de Millie vibrou com animação. Lorde Brooke queria
dançar com ela em público.
– Já que ninguém consideraria a triste aula de dança que lhe dei
na semana passada o bastante para quitar a dívida que tenho com
você após a cena que fiz na festa do seu tio, acho que é mais do
que justo fazer as pazes em público.
O coração da dama afundou. Ele era o irmão da sua melhor
amiga e só estava sendo gentil; dançaria com ela apenas porque se
sentia obrigado a reparar seu erro anterior.
Bem, foi bom enquanto durou.
Guardaria aquele momento de fantasia junto com as outras que
criara ao longo das semanas anteriores. Elas continuariam a se
repetir em sua mente a partir do segundo que sua cabeça tocasse
no travesseiro. A sua favorita sempre terminava com o marquês
dizendo que a amava e tomando seus lábios em um beijo ardente.
Se ao menos ele soubesse. Pensando bem, havia uma
possibilidade de Lorde Brooke saber, afinal, por que outro motivo a
trataria de modo tão doce? Sabia que o cavalheiro quebrara o
coração de outras amigas de Lucy; contudo, talvez porque soubesse
que Millicent aceitava a realidade das situações, não sentia
necessidade de fazê-la sofrer.
As fantasias, por outro lado, são algo privado e seguro, a jovem
refletiu, ninguém acaba se machucando nelas. Quer dizer, não
muito.
Um sorriso tímido surgiu em seus lábios. Era tão típico e um
gesto tão agradável da parte de Alex dar-lhe a chance de escolher
qual de suas danças reservaria para ele.
– Certifique-se de incluir uma valsa, quero que todos vejam
como nos movemos bem juntos – os olhos do rapaz brilharam com
travessura.
– Lorde Brooke, duvido que, naquela tarde, tenhamos
conseguido dar uma volta completa no salão de baile, mas já que
insiste, posso sugerir que coloque seu nome ao lado de uma valsa
e, então, escolha outra dança? – a garota propôs.
Ele estudou o cartão, frisou o cenho ao ver a ordem em que a
noite fora planejada e, por fim, suspirou, oferecendo novamente o
lápis para ela.
– Não consigo escolher, sei que acabarei tomando a decisão
errada. Vamos fazer isso juntos, você escolhe uma valsa e eu
escolho a outra dança.
Millie passou o dedo pela lista, parando na primeira valsa.
Aproximando o cartão de Alex, indicou a dança e o marquês fez
uma marcação próxima a ela. O rapaz passou os minutos seguintes
movendo os olhos pela lista, sempre voltando à que já havia
marcado. Ele desenhou uma pequena linha sob o V de cada valsa.
– Só para me certificar de que escolhi apenas uma delas –
observou.
Ele passou muito tempo escolhendo a segunda dança. Cada vez
que colocava o dedo sobre uma das opções, Lorde Brooke olhava
para a moça. Quando seu dedo finalmente pousou sobre uma
quadrilha e ela sorriu, o cavalheiro marcou o cartão.
Para alguém que estava dançando com a dama apenas por
obrigação, o marquês realmente estava se esforçando para fazer
com que tal detalhe não transparecesse. Alex não só estava sendo
gentil, mas também atencioso, o que só alimentava as ilusões de
Millicent.
– Achei você. Estava me perguntando onde estava – Lucy falou,
lutando para atravessar a multidão crescente.
A dama acenou para a loira. Com os cantos de seus olhos, viu
Lorde Brooke guardar o lápis em seu bolso. Poderia ter pedido o
objeto emprestado, caso outros cavalheiros quisessem dançar com
ela, mas optou por permanecer calada.
– Desculpe, chegamos tarde. Mamãe insistiu em me dar um
sermão antes de sairmos de casa – Millie justificou.
Lucy arregalou os olhos.
– Então, vocês vieram sozinhos. Que conveniente! Nossos pais
também resolveram ficar em casa, embora eu não tenha tido que
empurrar minha pobre mãe sobre os degraus da entrada para
conseguir tal feito.
As sobrancelhas de Alex se arquearam em surpresa quando
Millicent fitou sua amiga com uma expressão de falsa indignação.
– Nossa mãe escorregou sobre o gelo e feriu seu tornozelo. Eu
sequer estava por perto quando tudo aconteceu, além disso, foi no
pátio dos fundos e não na entrada – a jovem explicou.
– Espero que ela se recupere completamente. Por favor, mande-
lhe meus votos de melhora – o rapaz replicou.
Millie o encarou, notando que ele tinha uma inquietante destreza
de mudar de comportamento para se adequar ao que o momento
exigia. Em um minuto era o patife divertido conhecido por seus
amigos como Alex e, no seguinte, tornava-se o sério e formal Lorde
Brooke. Tinha que admitir que essa era uma habilidade admirável;
uma que a dama infelizmente não possuía. Com Millicent Ashton, o
que se via era basicamente aquilo que se poderia esperar, logo,
sempre haveria pessoas em Londres que não estariam dispostas a
aceitá-la.
– Você já marcou o cartão da Srta. Ashton, Alex? – Lucy
perguntou.
O irmão da garota deu um sorrisinho estranho e assentiu.
– Ótimo, então posso pedir que o Sr. Ashton marque o meu – a
loira disse, deslizando até Charles e entregando-lhe seu cartão e um
lápis com ousadia. – Duas, por favor, Sr. Ashton – acrescentou com
um sorriso atrevido no rosto.
Charles fez uma reverência e selecionou as mesmas danças que
sua irmã e o marquês tinham escolhido.
– Pronto, agora todos nós estaremos na pista de dança ao
mesmo tempo. O que acha, Lady Lucy? – ele questionou.
A jovem tocou gentilmente as costas da mão do cavalheiro.
– Excelente. Obrigada, Sr. Ashton.
Charles riu e olhou para Millicent.
– Vocês duas realmente são muito parecidas, o que beira a
bruxaria.
A mais nova sorriu. Sabia exatamente o que seu irmão queria
dizer. Elas sempre estavam brincando com os limites do decoro;
frequentemente ameaçando pular no precipício, mas sempre
conseguindo recuar no último minuto.
Lucy bateu palmas e se virou para sua amiga.
– Bem, esse foi um bom começo. Agora, se puder pedir que seu
irmão reserve uma das danças mais enfadonhas do seu cartão, farei
o mesmo com Alex e David. Depois, poderemos procurar outros
cavalheiros que queiram dançar conosco. Nossos cartões estarão
preenchidos em pouco tempo.
Os rapazes trocaram um olhar desconfortável e o marquês
pigarreou.
– Lucy, não se esqueça do que nosso pai falou antes de sairmos.
Você precisa da minha aprovação ou da de David sobre seus
parceiros de dança antes que eles possam escrever seus nomes no
seu cartão. Suponho que o Sr. e a Sra. Ashton também tenham
instruído Charles da mesma forma.
A loira estalou a língua com irritação, entretanto, permaneceu
calada. Millie, por sua vez, assentiu em concordância antes que seu
irmão pudesse dizer algo.
– Muito bem, então que a noite comece – Lucy agarrou o braço
da outra dama e a arrastou em direção ao grupo de convidados
mais próximo.
Millicent mal conseguiu se despedir dos homens antes que os
dois desaparecessem no mar de pessoas. Ela olhou de soslaio para
a amiga, que tinha um sorriso largo estampado no rosto.
– Ah, isso é maravilhoso. Nenhum dos nossos pais estão aqui.
Só temos que evitar nossos irmãos o máximo possível. Vamos ter
uma noite incrível.
– Por que seus pais não vieram para a festa? – Millie perguntou
enquanto caminhavam em direção à plataforma de Cleópatra.
Sua colega parou e soltou uma risadinha. A garota olhou ao
redor, certificando-se de que ninguém pudesse ouvi-la antes de
responder:
– Eles tiveram uma grande discussão quando estávamos prestes
a partir. Mamãe chamou o papai de tolo de cabeça dura, por conta
disso, ele se recusou a vir para a festa. Logo depois, ela ficou com
raiva e disse que meu pai simplesmente não poderia deixá-la vir
para o evento desacompanhada. – Lucy suspirou, contudo, um
brilho surgiu em seus olhos. – Foi então que mamãe marchou para
sua sala particular e papai foi para o seu escritório. Cinco minutos
depois, ele seguiu para o andar de cima e eu pude escutar a porta
da sala de visitas da mamãe se abrir e se fechar. Nesse momento,
Alex e David avisaram que estávamos partindo e me colocaram
dentro do coche.
– Então, seus pais ficaram em casa brigando? – indagou.
A loira abriu um sorriso conhecedor.
– Não, eles estão fazendo as pazes depois da discussão que
tiveram e, conhecendo meus pais, estou certa de que continuarão
“fazendo as pazes” pela noite inteira.
A boca de Millicent se abriu e uma risada escapou de seus
lábios.
– Entendo, mas sobre o que era a discussão? – questionou.
– Sobre a Escócia – Lucy disse. Tendo perdido o interesse nas
façanhas sexuais de seus pais, a loira começou a vasculhar o salão
à busca de cavalheiros elegíveis.

Após várias danças, o brilho da festa começou a desaparecer. Lucy


estava usando um novo par de sapatilhas, que machucavam os
seus pés e começavam a criar bolhas. Ela cambaleou até uma
cadeira e chutou os calçados ofensores. Millicent se acomodou em
um assento ao seu lado.
– Ah, assim é bem melhor. Não há qualquer chance de eu
conseguir participar das outras danças de hoje, principalmente
agora que tirei essas sapatilhas horrendas. Acho que meus pés
estão começando a inchar – a colega reclamou.
– Você poderia dançar descalça, contudo, estaria levando o tema
romano ao extremo – a outra comentou.
Lucy balançou a cabeça tristemente; não dançaria novamente
naquela noite.
– Se não me engano, a próxima dança é a primeira valsa. É uma
pena, terei que dispensar seu pobre irmão – a loira respondeu. –
Espero que ele não se importe, simplesmente não consigo me
mover com essas coisas.
– Tenho certeza de que Charles não se importará, não acho que
meu irmão realmente aprecie a arte da dança. Além disso, seus
dedos já sofreram o bastante; eles não precisam ser atormentados
ainda mais pelos pés grandes e pesados dele.
Sua amiga ergueu o olhar e uma expressão de dor atravessou
seu rosto ao ver que Alex se aproximava.
– Você não continua chateada com seu irmão por conta do
desentendimento entre ele e David, não é? – Millicent indagou.
– Como não sei o que causou a discussão dos dois, não posso
culpar nenhum deles. Entretanto, não é isso que me incomoda. –
Lucy se virou e segurou as mãos da jovem. – Tudo o que posso
dizer é que você deveria proteger seu coração, Millie. Eu odiaria vê-
la se machucar.
O marquês as alcançou um minuto depois, sorrindo amplamente.
Ele ofereceu uma mão para a Srta. Ashton e a ajudou a se levantar.
– A primeira valsa está prestes a começar e acredito que meu
nome está escrito no seu cartão de dança. – Lorde Brooke deu um
aceno rápido e simpático para sua irmã, percebendo os pés
descalços da garota antes de se dirigir novamente para Millicent. –
Vamos?
Ela sorriu quando o cavalheiro fez uma reverência – era a
segunda vez naquela noite – e retribuiu o gesto com uma cortesia.
– Você realmente aperfeiçoou esse movimento, Srta. Ashton. É
digno de uma grã-duquesa – o rapaz constatou.
A moça riu.
– A prática leva à perfeição, Lorde Brooke.
O cavalheiro a levou até a pista de dança.
– Será que deveríamos ter ficado com Lucy ou ao menos ter
procurado Charles? – Millie perguntou, preocupada em deixar sua
amiga sozinha.
Ele suspirou.
– Não, ela ficará bem. Sempre que danço com uma de suas
amigas, minha irmã fica preocupada, mas fique tranquila, você não
tem nada a temer.
Assim que a música começou a tocar, o marquês pegou Millicent
em seus braços e os dois começaram a se mover com graça e
habilidade. Quão ingênua tinha sido? Alex Radley era um dançarino
de pés leves igual à sua irmã. Os movimentos desajeitados e
estranhos que notara durante suas aulas de dança foram uma
encenação. A jovem fitou os olhos do homem e viu que eles riam.
– Eu nunca disse que não sabia dançar, Millie. Só queria que nos
divertíssemos um pouco enquanto praticávamos – o marquês
sussurrou.
– Eu deveria pisar em seus pés como punição – ela retrucou.
– Quero ver você malditamente tentar.
Alex a segurou com firmeza e passou a girar mais rápido junto
com a melodia. Tudo o que a dama pôde fazer foi se segurar e
tentar acompanhá-lo.
– Você é um demônio, Lorde Brooke, mas lhe concederei dois
pontos.
– Apenas dois?
– Sim, você só pode marcar até cinco pontos quando solta
xingamentos diante de outros não-jogadores. Desculpe, essas são
as regras da casa – Millicent respondeu com um sorriso faceiro. –
Diga-me, Lorde Brooke, quais foram as fraquezas que teve que
admitir?
– Nenhuma, ainda não perdi. Prefiro arriscar quebrar meu
pescoço a encarar a humilhação. Seu irmão poderia conjurar o
diabo e eu ainda assim o venceria.
A jovem ergueu o rosto. Pelo olhar nos olhos dele, percebeu que
o rapaz não estava brincando. Silenciosamente, ela se perguntou
como ele lidaria com o fracasso se algum dia tivesse que enfrentá-
lo. Será que o marquês seria resiliente o bastante para superá-lo?
O cavalheiro a girou mais uma vez, puxando-a brevemente para
perto de si.
– Relaxe e aproveite a dança, prometo que não a deixarei cair –
Alex murmurou em seu ouvido.
Millie obedeceu, acreditando na promessa do cavalheiro de que
a manteria segura em seus braços. Sentia como se tivesse voltado
para o passado e fosse uma garotinha novamente, dançando com
seu pai no jardim da cobertura de sua residência em Calcutá;
confiante de que ele nunca a soltaria e de que sempre estaria
protegida.
Com o tempo, o ritmo da música passou a diminuir e o marquês
a girou uma última vez. Quando a melodia parou, a dama notou que
estava exatamente onde deveria, em frente ao seu parceiro,
recebendo os votos de agradecimento dele.
– Devo levá-la até Lucy? – ele perguntou.
Ela conseguiu assentir em meio ao sorriso amplo que
permanecia estampado em seu rosto. Nunca dançara daquela
maneira antes. Lorde Brooke era um dançarino forte e habilidoso,
todavia, era a forma como a segurara que deixara tudo tão
emocionante. Todo o seu corpo pulsava com calor enquanto seu
coração retumbava em seu peito.
– Acho melhor eu ir ver como ela está lidando com aqueles pés
inchados – Millie gaguejou. Naquele momento, a amiga era a última
coisa que permeava sua mente. Estava ocupada demais
lamentando o fato de que a próxima dança que reservara para ele
não era uma valsa.
Eles caminharam lentamente de volta para o local onde a loira
estava. Ao se aproximarem, pôde ver que sua amiga ainda estava
com uma expressão desanimada no rosto.
– Deixarei vocês a sós para conversarem – Alex falou,
afastando-se.
O cavalheiro serpenteou pela multidão enquanto Millicent fitava
suas costas. Quando ela se virou para Lucy, viu que o olhar triste da
garota permanecia fixo em seu irmão. Uma súbita percepção a
atingiu.
– Lucy, não precisa se preocupar. Alex e eu somos apenas
amigos, não há nada mais entre nós. Não sou tão estúpida a ponto
de acreditar que, algum dia, ele poderia se interessar
romanticamente por mim – disse.
A outra assentiu.
– Espero que sim, Millie. Realmente espero. Eu amo meu irmão,
mas não posso ignorar as vezes em que ele tratou minhas amigas
de modo inconveniente. A verdade é que eu ficaria completamente
devastada em ver nossa amizade ser destruída por conta de algo
que Alex fez.
A jovem deu um beijo gentil na bochecha de Lucy.
– Isso não vai acontecer. – Ela inspirou profundamente. – Acho
que devo visitar a sala privativa das damas. Aquela dança me
deixou bastante corada; uma toalha fria seria muito bem-vinda
nesse momento. Gostaria de vir comigo?
– Não – a loira respondeu. – Meus pés ainda estão doendo,
ficarei descansando aqui enquanto como alguns aperitivos.
O olhar da colega caiu sobre uma senhorita que se aproximava
delas pelo outro lado do cômodo e um grande sorriso apareceu em
seu rosto ao cumprimentar a recém-chegada com um amigável “Oi”.
– Está tudo bem, Millie, pode ir. Vi que minha prima Eve está
aqui; ela sempre está a par das últimas fofocas. Nos encontraremos
com você mais tarde e, então, poderei apresentar vocês duas
adequadamente. Não deixe que minha péssima escolha de calçado
estrague a sua noite. Você deveria andar pelo salão e conhecer
novas pessoas.
– Muito bem. Vejo você daqui a pouco – Millicent concordou,
seguindo para a sala privativa das damas.
Ela passou a meia hora seguinte descansando enquanto
escutava todas as fofocas que circulavam entre as senhoritas que
estavam no local. Uma das criadas da residência colocou uma
toalha fria sobre o rosto da jovem e ajeitou o seu penteado. Após
retornar para a festa, Millie passou algum tempo se misturando com
os outros convidados e conversando com os amigos de Lorde
Ashton, que se lembravam dela após o evento na Residência
Ashton.
Quando finalmente se cansou de relatar as diferenças entre a
Inglaterra e a Índia, afastou-se do grupo e encontrou uma pequena
alcova, onde poderia se sentar tranquilamente sozinha. A moça
decidiu que, na manhã seguinte, pediria conselhos à sua mãe. Não
queria criar uma barreira entre os irmãos Radley, pois valorizava a
amizade de ambos.
Alguns minutos depois, levantou-se e voltou para o salão
principal com a intenção de encontrar Charles e descobrir como sua
noite estava indo. Ao se aproximar do final do corredor, notou duas
garotas paradas de costas para ela. As senhoritas estavam absortas
na conversa, portanto, não ouviram-na chegando.
– Ele só dançou com ela porque a dama é amiga da sua irmã.
Seria uma tolice da jovem acreditar que o marquês nutre qualquer
outro sentimento por ela. Você sabe que estou certa, Clarice.
Nenhum cavalheiro inglês são se apaixonaria por uma garota com
uma safira enfiada no nariz – a mais alta e esbelta zombou.
– Não seja maldosa, Susan. Eu acho que o piercing da Srta.
Ashton lhe dá uma aparência bem exótica. Contudo, suponho que
esteja certa; a pobrezinha não seria a primeira a pensar que Lady
Lucy é o caminho para se chegar ao coração do seu irmão. Se for
isso que ela acredita, temo que acabará ficando desapontada.
Lembra-se do que aconteceu no ano passado, quando Lucy se
tornou uma das garotas mais populares apenas por conta do
interesse das outras jovens em seu irmão? – Clarice replicou.
Millie encurtou a distância que a separava da porta mais
próxima. Se as duas senhoritas se virassem naquele instante,
veriam que estava logo atrás delas e que escutara absolutamente
tudo. A jovem reconheceu Clarice; ela era a filha do conde de
Langham, cuja residência ficava próxima a de seus pais. Violet
conhecera a falecida condessa de Langham e as duas jovens
tinham sido apresentadas quando o nobre as cumprimentara na rua
em certa manhã.
Por um momento, sentiu pena de Lucy. Agora entendia por que a
loira ficara tão ansiosa em tê-la como amiga. Sentia-se
extremamente aliviada por não ter compartilhado os sentimentos
que nutria por Alex. Outras damas poderiam ter só rido ao saber que
uma de suas amigas estava apaixonada por seu irmão ou, talvez,
achado que era algo fofo, entretanto, sabia que Lucy ficaria
devastada com a revelação. Para ser sincera, não podia culpá-la por
desconfiar da amizade entre Millie e Lorde Brooke; a garota tinha
motivos completamente válidos.
Millicent balançou a cabeça. Por que tudo tinha que ser tão
complicado?
– E ela ainda recusou duas propostas excelentes de casamento
apenas para nos irritar – Susan acrescentou.
Colocando uma mão sobre sua boca, a jovem abafou um ofego.
Lucy mencionara seus fracassos românticos da temporada anterior,
contudo, ouvi-los sendo discutidos em um local tão público a
deixava angustiada.
– Bem, não podemos culpar seus dois belos irmãos por isso –
Lady Clarice disse.
Após o choque inicial de ouvir a vida pessoal de sua amiga ser
criticada por duas estranhas, Millie afeiçoou-se um pouco com a
filha do conde de Langham; ela ao menos parecia ter o mínimo de
decência, enquanto sua amiga só queria destruir Lucy.
Susan soltou um suspiro de desgosto.
– Sim, embora eu não tenha certeza sobre o Sr. Radley, acredito
que Lorde Brooke ainda é o solteiro mais elegível da alta sociedade.
Se ele algum dia escrevesse seu nome no meu cartão de dança,
juro que o colocaria em uma moldura dourada.
– E o penduraria na sua porta da frente? – Lady Clarice
respondeu com uma risada suave. – Já chega de conversar sobre
homens com quem nunca nos casaremos. Siga-me, vamos ver se
conseguimos encontrar algo decente na mesa de guloseimas.
Millicent permaneceu ao lado da porta, refletindo sobre a
conversa que acabara de escutar enquanto observava as senhoritas
partirem. Ela fitou seu cartão de dança e sorriu ao ver as marcações
que Alex fizera mais cedo. A forma como ele a fizera escolher as
danças antes de marcá-las no papel fora encantadora.
– Bem, você pode pensar que Lucy gosta de rejeitar possíveis
pretendentes e que eu sou uma tola, mas tive o prazer de dançar
com o irmão dela duas vezes e ele escreveu no meu cartão assim
que cheguei aqui – murmurou para si mesma.
É claro que aquela noite poderia ser a última em que dançava
com ele, contudo, ao menos guardaria as memórias em seu
coração.
– Quem escreveu em seu cartão? – uma voz sensual e profunda
perguntou.
A dama se virou, vendo que o marquês se esgueirara
silenciosamente até ali e parara ao seu lado. Era um hábito dele que
achava emocionante e, ao mesmo tempo, inquietante. Ele estava
tão perto que a moça podia sentir o aroma de seu perfume, fazendo
com que fosse transportada de volta para os mercados de
especiarias em Calcutá. Millie respirou profundamente e fechou
seus olhos.
– Você está usando essência de bergamota, Lorde Brooke. Não
tinha percebido quando estávamos dançando – comentou.
– Estou, Srta. Ashton? – Alex murmurou. – A propósito, quando
foi que voltamos a conversar formalmente?
A garota sorriu. Usar o título do rapaz fazia com que um súbito
ardor percorresse seu corpo e o corpete do seu vestido passasse a
apertá-la.
– Gosto de chamá-lo de Lorde Brooke; isto ajuda a manter uma
distância respeitável entre nós – Millicent mentiu.
– Não da forma como o pronuncia. Além disso, não acho que o
título ajudou a manter uma distância respeitável entre nós quando a
segurei na pista de dança – o outro provocou.
Os olhos da jovem se focaram nele.
– Como pode dizer algo tão ultrajante?
O marquês riu.
– Amo quando você tenta agir de acordo com o que as boas
maneiras ditam.
– Por quê?
– Porque sempre acaba falhando.
Ela usou seu cartão de dança para se abanar, podia sentir o
calor se espalhar por suas bochechas e orelhas. Se não estivesse
apaixonada por ele, um pequeno flerte como aquele seria
inofensivo.
Lorde Brooke segurou sua mão.
– Para onde estamos indo? – Millie questionou.
– Pensei que poderíamos ver se conseguimos uma xícara de
chá. Passei pela mesa de aperitivos a caminho daqui e ela parecia
promissora. Bartholomew, meu primo, sempre serve as melhores
guloseimas, tanto é que Lucy estava empilhando uma montanha de
comida em seu prato. Minha irmã e minha prima Eve estavam com
as cabeças juntas, conspirando algo como sempre. Me surpreendi
ao ver que você não estava com elas.
– Lucy queria que eu conhecesse outras pessoas. Combinamos
de nos encontrar no jantar – a jovem explicou.
– Podemos cumprimentar minha irmã, pegar algo para comer e,
depois, procurar Charles. Não o vejo há algum tempo. Imagino que
você ainda esteja lhe devendo uma dança – o cavalheiro respondeu.
Millicent enrugou o nariz.
– Prefiro pegar uma limonada; não estou muito interessada em
beber chá inglês. Não consegui tomar uma xícara decente desde
que cheguei aqui. A longa viagem marítima deve ter estragado
todas as folhas boas; nossa cozinheira não foi capaz de encontrar
nenhum comércio em Londres que venda nosso chá favorito – falou.
– É mesmo? Ninguém tem um suprimento do delicioso chai de
Calcutá em toda Londres? Que surpreendente. Suponho que terei
que desmascarar publicamente o homem que o vende para mim
como uma fraude – Alex disse com uma risada.
A moça segurou o braço dele e ofegou.
– Não! Não é possível que tenha encontrado alguém que
realmente venda masala chai aqui. Estamos procurando há
semanas e ninguém parece ter. Até o Twinings on the Strand não
possui estoque dele.
Um brilho perverso surgiu nos olhos do marquês e um sorriso
astuto se abriu em seus lábios.
– Quer dizer que está interessada, Srta. Ashton?
Ela frisou o cenho.
– Interessada em quê, Lorde Brooke?
O rapaz lançou um olhar furtivo ao redor, certificando-se de que
ninguém os ouvia, e se inclinou em direção à jovem.
– Minha casa não fica muito longe daqui. Podemos sair de
fininho, tomar uma xícara do meu chai impostor e voltar para cá sem
que ninguém perceba. Sei que é uma proposta arriscada, mas
prometo que nada de mal lhe acontecerá.
A respiração de Millie ficou presa em sua garganta. Será que
Lorde Brooke, um dos homens mais bonitos e magníficos da alta
sociedade, acabara de propor que fugisse com ele? É claro que era
apenas para tomar uma xícara de chá, não para se casarem em
Gretna Green, contudo, em sua mente, soava muito como a
segunda opção. Ela se virou e o encarou por um segundo, refletindo
sobre a proposta ilícita de chá. O marquês arqueou uma
sobrancelha, tentando dar certo apelo à ideia. Quando o sorriso
amplo dele se transformou em algo mais sedutor, a moça soube que
era uma causa perdida.
– Como é que conseguiremos fazer a proeza de sair sem que
meu irmão note? – Millicent perguntou, considerando as
particularidades do plano.
Lorde Brooke sorriu de modo presunçoso. Aparentemente, Alex
fora abençoado com todos os tipos certos de sorriso.
– Devo lembrá-la de que o conde de Shale é meu primo e de que
esta não é a primeira vez que o visito? Já participei de inúmeras
festas e encontros de família nesta residência, então acredite
quando digo que consigo nos tirar daqui sem que ninguém perceba.
O coração da jovem retumbou em seu peito. A ideia de sair no
meio da noite com Alex era intoxicante; assim como também era
escandalosa e um completo delírio, mas seria uma ótima adição à
sua coleção de fantasias. A dama deu um passo à frente, contudo, a
parte racional de seu cérebro lhe lembrou de que, se fossem pegos,
estaria arruinada. Ela também recordou da promessa solene que
fizera à sua mãe antes de sair de casa: prometera que se
comportaria como se seus pais estivessem no baile. Por um breve
instante, convenceu-se de que diria não, entretanto, quando abriu a
boca para recusar educadamente a oferta, viu o sorriso do marquês
desaparecer.
Sentindo sua hesitação, ele se aproximou novamente e
sussurrou:
– Prometo que ninguém irá descobrir. É apenas uma xícara de
chá. Não tentarei possui-la.
Millie afastou o olhar. Sabia que Lorde Brooke estava fazendo a
coisa certa ao confirmar a natureza inocente daquela pequena
aventura, porém, descobrira que as palavras que objetivavam
confortá-la acabaram lhe ferindo. Se ao menos o cavalheiro
soubesse como ela realmente se sentia; como daria sua alma em
troca de um momento em seus braços.
Foi então que seu lado racional tomou as rédeas de sua mente
mais uma vez. O que aconteceria se os dois fossem pegos? Alex
seria forçado a se casar com ela. E depois? Ele passaria o resto de
sua vida a odiando por conta disso. Homens como o marquês não
escolhiam se casar com garotas como ela a não ser que não
tivessem outra opção.
Diante da reflexão, chegou a uma decisão. Sua reputação
estaria a salvo; o rapaz se certificaria de que os dois não fossem
vistos, afinal, ele tinha tanto a perder quanto ela. Se fosse obrigado
a se casar com Millicent, Alex seria motivo de chacota diante da alta
sociedade. O que fora mesmo que o cavalheiro dissera sobre não
permitir que fosse humilhado?
– Tudo bem, mas temos que ser rápidos e voltarmos assim que
acabarmos. Quando me deparei com Charles pela última vez, ele
estava indo para uma das salas de estar, conversando com um
cavalheiro sobre um par de cavalos que este estava vendendo,
todavia, suponho que ele não permanecerá interessado no assunto
por muito tempo.
– Boa garota, eu sabia que aceitaria vir comigo – Lorde Brooke
respondeu, voltando a sorrir. – Você poderia ir buscar seu casaco no
vestiário das damas, mas, talvez, isto levante suspeitas, então acho
que pegarei um agasalho extra no vestuário masculino e nos
encontraremos aqui em breve. Caso algum dos nossos respeitáveis
irmãos venha nesta direção, tente ficar fora de vista. Não demorarei.
O marquês desapareceu no meio da multidão e seguiu para o
vestiário. Enquanto isso, Millie se acomodou em um sofá dourado
que fora colocado na alcova logo atrás de si. Já que o local ficava
mais ao fundo, longe do salão de baile, estava fora do campo de
visão da maioria dos convidados. Contanto que ninguém viesse à
sua procura, acreditava que havia uma grande chance de não ser
descoberta até que Alex retornasse com os casacos.
Sentada sozinha, constatara a velocidade acelerada de seus
batimentos cardíacos. Ao olhar para baixo, não pôde deixar de notar
que suas mãos tremiam. A dama respirou profundamente e tentou
se acalmar.
– Não acredito que estou fazendo isso. Devo ter enlouquecido. E
se formos pegos? – murmurou para si mesma.
Estava prestes a cancelar tudo e voltar para a festa quando o
marquês retornou, segurando os agasalhos que prometera.
– Tente dobrá-lo da forma mais imperceptível que puder – ele
instruiu, entregando uma das vestimentas. – Assim, ninguém
perceberá que estamos saindo. Se suas sapatilhas de dança
ficarem molhadas, terá que fingir que se esqueceu de colocar seu
outro par quando voltarmos e culpar a neve pelo ocorrido.
Millicent mirou seu calçado prateado com seus lindos enfeites e
se despediu dele. Assim que colocasse seus pés do lado de fora,
sabia que as sapatilhas ficariam arruinadas.
– Quando chegarmos ao corredor, irei na frente para me
certificar de que não sejamos vistos, depois, você poderá me seguir
– Lorde Brooke concluiu.
A moça fez como lhe fora instruído, dobrando o casaco em um
montinho. Ela o abraçou junto ao peito e cruzou os braços. Se
tivesse sorte, qualquer pessoa com quem acabasse se encontrando
no meio do caminho pensaria que estava apenas com frio, motivo
pelo qual carregava a peça de roupa.
Evitar a maioria dos convidados da festa foi, para sua surpresa,
uma tarefa fácil; Alex e Millie avançaram juntos até que chegaram
no final de um longo corredor, onde muitas portas estavam situadas.
– Pronta? – o rapaz perguntou, dando um último olhar ao redor.
– Observe para onde estou indo e me siga. Se alguém sair de uma
dessas portas, finja que está procurando o vestiário. Ficarei lhe
esperando do lado de fora.
Ele se virou e caminhou em direção à saída lateral. No final do
salão de entrada, o cavalheiro parou e olhou para trás, certificando-
se de que a jovem vira o caminho que tomara. Alex levantou uma
mão e gesticulou para que Millicent o seguisse, depois, atravessou a
porta e a fechou silenciosamente atrás de si. Segurando o agasalho
firmemente em suas mãos, a dama o seguiu. No centro do salão,
estava a porta que levava para a sala privativa das damas. Se
conseguisse passar por ela sem ser vista, poderia correr até a saída
em que o marquês acabara de desaparecer.
A moça expirou lentamente ao percorrer o longo caminho que
levava ao seu objetivo, sabendo que se conseguisse atravessar a
passagem, poderia considerar a noite como um dos melhores
momentos de sua vida. Felizmente, havia um luxuoso tapete persa
cobrindo o salão de entrada, o que ajudou a abafar o som de seus
passos. À medida que cada passada era dada, a distância entre
Millie e a porta que levava à aventura diminuía. Conseguia ouvir a
música vinda do baile e os sons de pés em movimento que se
ocupavam com outra valsa. Estava grata por aquele espaço não ter
sido preenchido em seu cartão; isto significava que ninguém estaria
à sua procura. A próxima dança marcada seria com Alex. Era uma
pena que não fosse uma valsa, contudo, não havia o que pudesse
fazer, visto que prometera dar seu último horário da noite para o seu
irmão.
É melhor estarmos de volta a tempo. Charles definitivamente irá
procurar por mim quando estiver na hora.
A porta da saída lateral se abriu e a cabeça do marquês
apareceu. Ele soltou um “Venha” silencioso e gesticulou para que se
apressasse.
Millicent espiou a porta da sala privativa das damas e, para seu
completo horror, notou que a maçaneta começava a girar. Alguém
estava saindo. A qualquer segundo, a pessoa apareceria e a
pegaria em flagrante. Alex fitou a jovem no momento em que ela
lançou um último olhar para a porta que se abria, sabendo que era
agora ou nunca.
Em menos de um segundo, a garota levantou suas saias e
correu até ele.
Capítulo 11

A ssim que ela passou pela saída e parou do lado de fora, Alex
fechou a porta atrás deles. Millie se virou, colocando uma
mão sobre o coração.
– Essa foi por pouco – ele disse, verificando o trajeto para se
certificar de que mais ninguém estava tendo um momento privado
na escuridão.
– Foi divertido – a jovem riu, seus olhos brilhavam. – Nunca mais
pude andar mais rápido do que uma leve caminhada, já que não é
algo considerado digno de uma dama. Na verdade, qualquer tipo de
diversão parece estar fora dos limites para as senhoritas da cidade.
Se minha mãe tivesse me visto, eu seria confinada em meu quarto
apenas por ousar correr. Nem quero imaginar o que ela faria se
soubesse que estou aqui com você.
O marquês apontou para o casaco que a mais nova ainda
segurava em suas mãos.
– Talvez queira vesti-lo. Está uma noite bastante fria. Seria um
pouco difícil de explicar para a sua mãe porque ficou resfriada se,
tecnicamente, tudo o que fez foi participar de uma festa em uma
residência bem aquecida.
Millicent desdobrou o agasalho azul-escuro e permitiu que o
cavalheiro lhe ajudasse a vesti-lo. As mãos dele pousaram
gentilmente nos ombros da jovem enquanto esta rapidamente
abotoava a vestimenta. Ao notar Lorde Brooke se aproximando,
suas mãos se atrapalharam com os botões duplos de cima.
– Deixe-me ajudá-la – ele ofereceu, parando à sua frente. –
Tenho alguns desses em casa, eles são difíceis de se abotoar sem a
ajuda de um valete ou de um espelho.
O rapaz trabalhou rapidamente, entretanto, permitiu-se a
indulgência de ficar mais perto da moça do que deveria. Quando
terminou, Alex segurou a mão dela, verificando novamente seus
arredores antes de guiá-la pelo trajeto escuro atrás da casa. Ao
chegarem na rua mais próxima, o marquês olhou para ambos os
lados. Com sua vigilância cuidadosa, estariam de volta à festa em
pouco tempo e ninguém saberia que tinham saído.
Com exceção de um coche de aluguel que deixava um par de
cavalheiros idosos e bêbados em uma residência próxima, a Bird
Street estava silenciosa e vazia. Lorde Brooke riu. Estava realmente
se divertindo com aquele passeio.
– Estamos quase lá. Aquela é a minha casa – falou, apontando
para uma construção alta e estreita do outro lado.
Eles atravessaram a rua, evitando os locais em que o gelo e a
neve haviam se acumulado. Ao chegar no topo dos degraus da
entrada e encarar a porta, o rapaz rapidamente tirou uma chave de
seu bolso.
Millicent arqueou uma sobrancelha.
– Usamos os criados da Residência Strathmore durante o dia,
então, na maioria das noites, os únicos funcionários que
permanecem aqui são o Sr. e a Sra. Phillips. Não é algo
convencional, mas meu irmão e eu gostamos da privacidade que tal
arranjo nos proporciona – Alex explicou, destrancando a porta e
incentivando-a a entrar.
Quando ela atravessou a entrada de sua elegante casa, o
marquês fez uma reverência. Um sorriso surgiu em seu rosto dele.
– Bem-vinda à minha humilde residência, Srta. Ashton – ele
disse.
A dama manteve a cabeça erguida de um modo magnificente à
medida que examinava o vestíbulo.
– Sim, é bem humilde, não é mesmo? – Millie respondeu.
Antes que pudesse se impedir, o cavalheiro a segurou pela
cintura e a girou pelo cômodo. A garota soltou um gritinho, fazendo
com que ele se lembrasse de repente quem ela era e onde estavam.
– Ah, sinto muito, Millie. – O marquês arfou ao soltá-la. – Estou
tão acostumado a fazer isso com Lucy quando ela me provoca que,
por um momento, me esqueci completamente de quem você é.
O homem balançou a cabeça com descrença. Não só roubara a
melhor amiga de sua irmã da festa, como também colocara suas
mãos sobre ela assim que tinham adentrado a sua casa. Que tipo
de libertino se tornara?
– Bem, você disse que não me possuiria – a jovem comentou,
endireitando suas roupas. – Embora tenha falhado em mencionar
que tentaria me fazer cair no chão.
Lorde Brooke vasculhou sua mente à procura de palavras que
pudessem expressar seu arrependimento, todavia, só conseguiu
proferir outro “Sinto muito” patético.
Millicent levantou as mãos em rendição.
– Eu desisto. Só me diga o que quer de mim.
– O quê?
– Já conheci piratas e batedores de carteira, Lorde Brooke;
Calcutá está cheia deles, contudo, nunca fui tão abertamente
atacada. Só me diga o que você quer e eu lhe entregarei. Minhas
luvas? Ou talvez sejam minhas sapatilhas, embora elas estejam um
pouco molhadas. Não carrego nada mais comigo que valha a pena
ser roubado.
Alex a encarou, incapaz de responder. Sabia muito bem que, o
que quer que dissesse naquele momento, seria mal interpretado.
Para seu imenso alívio, a moça começou a rir.
– Está tudo bem, Alex, eu estava apenas brincando. Sei que não
teve más intenções; além disso, minhas sapatilhas nunca caberiam
em você.
Um suspiro de alívio escapou de seus lábios e ele fechou seus
olhos. Além de sua irmã, conhecera poucas senhoritas com um
verdadeiro senso de humor. Por mais estranho que o dela fosse,
Millie ao menos conseguia rir diante de uma situação
desconfortável.
– Você realmente conheceu um pirata? – o marquês perguntou,
intrigado.
Ela assentiu.
– Sim, e o pilantra roubou meu bracelete de ouro.
Uma onda de raiva percorreu o corpo do rapaz. Era melhor que o
pirata estivesse morto ou ele mesmo faria o trabalho sujo. Lorde
Brooke sentiu uma vontade súbita e avassaladora de pular no barco
mais próximo e ir à caça do bruto que roubara a dama.
– O que o seu pai fez? Ele o açoitou? – perguntou, tentando
controlar sua raiva.
O rosto dela ficou vermelho-vivo e seus olhos se arregalaram
com horror. A moça segurou o braço dele, puxando-o para perto.
– Você não pode sequer pensar em mencionar isso para o meu
pai; ele me mataria. Por favor, Alex, jure que nunca dirá para
ninguém – a outra pediu.
– Por que não? – o cavalheiro questionou, sentindo que ela não
estava lhe contando toda a história.
Millicent fechou os olhos com força e confessou:
– Você não deve contar a ninguém, porque eu perdi o bracelete
em um jogo de cartas. Se meus pais ou meu irmão descobrissem,
inúmeros funcionários da nossa residência atual estariam em maus
lençóis. A culpa não foi deles; todos tentaram me impedir, mas eu fui
teimosa demais e não lhes dei ouvidos. Acredite quando digo que
aprendi minha lição e que nunca mais visitei a taverna de um cais.
Alex assentiu em concordância e a jovem soltou seu braço.
– Já que esclarecemos isso, será que podemos tomar a xícara
de chá que prometeu antes que alguém perceba que não estamos
na festa? – ela indagou.
O marquês indicou uma porta do outro lado da entrada.
– A cozinha fica no andar de baixo, seguindo por ali.
Millie caminhou atrás dele ao se dirigirem para a pequena
cozinha. Alex verificou o fogão. Felizmente, o Sr. Phillips se
lembrara de acrescentar lenha extra ao fogo, motivo pelo qual a
água na chaleira estava quente.
– Os Phillipses já devem ter se retirado para os seus aposentos,
mas nos deixaram um pouco de água quente. O chá logo estará
pronto – ele informou, virando-se a tempo de ver a dama retirar suas
luvas e se acomodar na cadeira de madeira próxima à mesa do
local. – Normalmente, David e eu fazemos as refeições em nossos
quartos ou comemos com nossa família na Residência Strathmore,
portanto, não utilizamos a sala de jantar com frequência. Quando
queremos entreter nossos amigos, visitamos alguns dos clubes dos
quais fazemos parte.
A moça sorriu.
– Passei metade da minha vida no andar inferior. A cozinheira da
minha família está conosco desde que nasci, então ela sabe
exatamente o que eu gosto de comer. A Sra. Knowles consegue
identificar meu humor apenas pelo meu olhar, assim como que tipo
de comida me deixará feliz.
O rapaz se virou em direção ao fogão e, depois de localizar uma
lata de chá, tirou-a da prateleira e a levou até Millicent. Ele abriu a
tampa e moveu o recipiente sob o nariz da jovem.
– O masala chai que estava procurando, Srta. Ashton – anunciou
com uma certa presunção.
Os olhos dela brilharam com deleite ao agarrar a lata com
ansiedade. A dama ergueu um dedo, sinalizando que ainda julgaria
a qualidade da oferta, então, aproximou o recipiente do seu rosto e
inspirou profundamente. Um minuto depois, deixou seu corpo se
encostar na cadeira, ainda segurando a lata com firmeza enquanto
fechava os olhos.
– Ah, Alex, você não tem ideia do efeito que esse aroma tem em
mim e do quanto ele me lembra da minha casa – ela murmurou. –
Tinha me esquecido da sensação maravilhosa de apreciar o toque
forte do chá quando ele atinge o fundo da minha garganta. Senti
tanta falta disso.
A garota só estava analisando o chá, contudo, tudo o que Lorde
Brooke conseguiu ouvir foram as duas primeiras palavras de sua
fala. Virando-se rapidamente para os armários, inspirou e expirou
várias vezes antes de passar a procurar por um bule. Localizou-o
em um canto distante da bancada da cozinha, encheu-o de água e o
colocou no meio da mesa; depois, sentou-se na cadeira oposta à de
Millie.
– Teremos que nos satisfazer com a temperatura atual da água.
Pode me passar o chá, Srta. Ashton? Ele precisará passar um
tempo em infusão.
Os olhos dela se abriram, pousando primeiramente sobre ele e,
em seguida, sobre o bule de porcelana. A jovem se endireitou.
Cuidadosamente, ela pegou um pouco do chá de coloração escura.
– Você tem exatamente cinco minutos antes de servir a primeira
xícara e nada mais, Lorde Brooke – Millicent informou com
autoridade, colocando o chai dentro do bule. – Isso lhe dará tempo o
suficiente para encontrar alguns biscoitos. Suponho que deva ter um
grande estoque deles reservado para todas as senhoritas que
convida para tomar chá – provocou, colocando a tampa de volta no
bule.
Alex riu.
Ah, Millie, se ao menos soubesse o que os seus olhos e seus
lábios fazem comigo.
– A única “senhorita” que toma chá aqui é a Sra. Phillips e ela
prefere biscoitos de gengibre. Não consigo contar quantas vezes
tive que lutar com ela pelo último deles – o marquês disse, dirigindo-
se para a porta. – Recentemente, comecei a esconder um pacote
extra da Fortnum and Mason em meu quarto.
Ao entrar em seus aposentos, o rapaz aproveitou para recuperar
o fôlego. Sempre seria assim com ela? Lorde Brooke balançou a
cabeça, incapaz de compreender por que a dama lhe causava tal
efeito. Dançara com várias garotas na festa, aproveitando a ocasião
para descobrir se conseguiria se apaixonar por alguma delas.
Contudo, percebera que apenas Millicent conseguia fazer com que
desse um de seus sorrisos secretos.
– Encontrou os biscoitos? – a voz da moça veio do andar de
baixo.
– Ainda estou procurando – mentiu.
– Precisa de ajuda?
Um sorriso sedutor surgiu nos lábios do cavalheiro.
– Não nessa noite, minha querida, mas em breve. – Ele riu.
Pouco tempo depois, encontrou os biscoitos, que ainda estavam
em sua embalagem original, na parte de trás do seu armário. O
marquês riu diante da ironia de ter que esconder comida dos
criados, especialmente por saber que era a Sra. Phillips que fazia as
compras. Ela poderia simplesmente comprar um pacote extra toda
semana, porém, isto acabaria com a diversão da mulher em revirar
a casa de cima a baixo à procura do tesouro escondido.
– Bem, terei que encontrar um novo esconderijo para o próximo
lote – murmurou, notando que diversas unidades estavam faltando
no pacote. – Você é boa, Sra. Phillips, tenho que admitir.
Alex quebrou um biscoito no meio e enfiou o pedaço dourado e
crocante na boca. Voltando para a cozinha e colocando-os sobre a
mesa, disse:
– Aqui estão.
Millie abriu o pacote já remexido, viu a outra metade quebrada e
balançou a cabeça. Lorde Brooke limpou o canto de sua boca, onde
algumas migalhas estavam. A moça pegou dois biscoitos e entregou
o partido para ele. Os dois trocaram um sorriso alegre, fazendo com
que o rapaz desejasse poder parar o tempo para que eles ficassem
ali, apreciando aquele momento simples pela eternidade.
– Chá? – ela perguntou.
O cavalheiro, bobo pela paixão, apenas assentiu. A dama
encheu duas xícaras e eles se sentaram em silêncio, bebericando a
bebida saborosa à medida que o aroma da distante Índia preenchia
o cômodo.
– Alex? – Millicent chamou alguns minutos depois, girando as
últimas folhas que estavam no fundo da sua xícara.
– Millie – o marquês respondeu.
– Posso perguntar algo sobre David?
– Contanto que não seja o motivo por trás do nosso
desentendimento – o rapaz falou.
– Na verdade, eu queria saber sobre a posição dele dentro da
sua família.
Lorde Brooke estivera se perguntando quando aquele assunto
viria à tona.
– Você quer dizer por que eu sou o herdeiro do título quando ele
é o filho mais velho?
– Sim, mas só se não for um assunto muito pessoal ou doloroso.
Se este for o caso, peço desculpas por ter perguntado. Não voltarei
a falar a respeito – a jovem replicou.
Alex tomou um gole do seu chá.
– A bebida está muito boa, nunca pensei em acrescentar
temperos ao meu chá, entretanto, desde que comecei a tomar chai,
notei que não consigo mais suportar as bebidas inglesas normais.
De qualquer forma, estou sendo prolixo, você queria saber sobre
David.
O cavalheiro colocou a xícara sobre a mesa e juntou as mãos à
medida que explicava as circunstâncias do nascimento de seu
irmão: a mãe de David fora noiva de seu pai, todavia, após
consumar o relacionamento, ela inexplicavelmente cancelara o
noivado e fugira. O duque de Strathmore e a irmã de sua ex-noiva a
procuraram por meses, sem saber que a dama estava grávida.
Quando finalmente encontraram o seu paradeiro, correram até
Manchester, apenas para descobrir que ela falecera tragicamente
durante o parto.
– Meu pai e a tia de David o acolheram e o criaram; em algum
momento no meio do caminho, eles acabaram se apaixonando e
decidiram se casar. Foi então que eu, Lucy, Stephen e Emma
viemos. Então, como pode ver, David é meu meio-irmão e, se quiser
entrar em detalhes, meu primo.
Alex pegou o bule e despejou mais chá nas xícaras deles,
silenciosamente refletindo sobre o fato de Millie ter lhe perguntado
sobre seu irmão quando, ao longo das últimas semanas, tivera
várias oportunidades de esclarecer o assunto com Lucy. Por algum
motivo, a jovem se sentira mais confortável em indagar ao rapaz
sobre aquela questão delicada. Lorde Brooke gostava de saber que
a garota confiava nele.
– Independente disso, ele possui o nome do nosso pai e herdará
sua própria propriedade quando o momento chegar, embora eu
acredite que papai planeja transferir alguns bens para David antes
disso. Com sorte, a posse de uma sólida fortuna o ajudará superar
as dificuldades causadas pelas circunstâncias de seu nascimento.
Isso é tudo. Ele é meu irmão e sempre será.
– Porém, no momento, não está no topo da sua lista de
familiares favoritos? – Millicent retrucou.
– Não.
Não estava interessado em discutir as particularidades daquela
questão com ninguém, principalmente com a jovem. O cavalheiro
suspirou e esvaziou sua xícara.
– É melhor voltarmos. Deve estar na hora da nossa segunda
dança. Se não retornarmos, Lucy e Charles certamente notarão
nossa ausência.
Alex saiu da cozinha e a dama o seguiu. Quando chegaram na
entrada, ela parou e correu para o andar de baixo. O rapaz a seguiu
e acabou colidindo com Millie, que já fazia o caminho de volta.
– Ai! – a garota exclamou ao bater sua cabeça no peito dele. Ela
deu um passo para trás e ergueu suas luvas. – Não podia me
esquecer delas, do contrário, teríamos muito o que explicar.
Assim que a jovem começou a vesti-las, o marquês segurou
suas mãos, parando-a no ato. Ele retirou a luva que a moça havia
colocado na mão esquerda e, após pegar a outra, guardou-as no
bolso do seu casaco. Lorde Brooke manteve as mãos dela sobre as
suas. O anel com o brasão da família Strathmore parecia formar
uma coroa no topo das palmas dos dois; o cavalo dourado e as
estrelas em ônix representavam a riqueza e o poder que sua família
possuía.
Parados em silêncio, ambos fitaram a joia; até que ele levantou
as mãos da dama e beijou as pontas dos seus dedos. Millicent
estremeceu e o marquês sentiu sua palma tremer. Quando a jovem
ergueu o rosto, o cavalheiro esperou pelo momento em que seus
olhos se encontrariam. Instantes depois, estava encarando duas
magníficas gemas de um tom de azul profundo. Emoldurados por
cílios escuros, longos e grossos, os olhos da garota o atraiam
inexoravelmente.
Alex segurou o rosto dela, abaixou a cabeça e deu um beijo
tímido em seus lábios. Ele pôde apreciar o calor sutil da boca dela
durante os fugazes segundos em que o toque durou, fazendo com
que seu coração palpitasse em seu peito. Já beijara sua quota de
mulheres, porém, seu coração nunca quisera se envolver. Esta era
uma experiência nova e inebriante; uma pela qual esperara por toda
a sua vida.
O rapaz se afastou ligeiramente. Notando que ela estava com os
olhos fechados, decidiu arriscar um segundo beijo. Desta vez,
quando tomou os seus lábios, concentrou-se em relembrar as
regras de se beijar uma senhorita.
Primeiro, encontre uma dama disposta. Feito, marcou a caixa em
sua lista imaginária. Depois, encontre um local em que não serão
interrompidos – gestos desta natureza exigem calma e atenção
absoluta. Além disso, se for pego com a jovem errada, pode acabar
diante de um pai furioso, seguido por uma passagem direta para o
altar. A discrição era de suma importância, era por isso que estava
feliz por não ter ninguém por perto durante o primeiro beijo deles.
Cortejar Millie corretamente levaria algum tempo. Tinha que se
certificar de que conquistara seu coração antes de fazer a oferta
para a jovem.
O fantasma do desejo da dama de retornar para a Índia ainda o
assombrava. Ela tinha que querer permanecer com ele na Inglaterra
e não ser forçada por alguma circunstância ou pressão advinda de
outras pessoas. Se fossem descobertos e forçados a se casar, sabia
que a moça nunca o perdoaria. Sua vida se tornaria impossível se
Millicent se tornasse sua esposa e passasse o resto de seus anos
se arrependendo. Precisava conquistar tanto o seu coração quanto
a sua alma. Ao beijá-la, estava deixando suas intenções claras.
Deste momento em diante, começaria a cortejá-la abertamente.
Amanhã, faria uma visita ao pai da jovem.
Alex aprofundou o beijo, aumentando a pressão em seus lábios.
Quando a boca dela se abriu ligeiramente, o cavalheiro pegou o
lábio superior da dama entre os seus e o sugou. Millie gemeu e todo
o corpo dele endureceu. Encorajado pela resposta da moça, passou
uma mão pelos seus cabelos, puxando-a para mais perto. A garota
soltou um ofego de surpresa ao notar a ferocidade com que o
marquês tomava sua boca. O corpo dele travou uma luta contra sua
mente. O beijo que trocavam estava muito além de qualquer outra
coisa que experimentara anteriormente.
Sua língua deslizou pela abertura da boca da moça. Lorde
Brooke sentiu as mãos dela em seu peito e se preparou para o
momento em que ela o empurraria, contudo, para seu imenso
prazer, Millicent segurou as lapelas de seu paletó e diminuiu ainda
mais a distância entre eles. Dessa vez, foi Alex que soltou um
gemido.
Graças a Deus, ela quer isso tanto quanto eu.
A resposta da dama era tudo o que sempre sonhara; Millie não
estava se contendo, em vez disso, colocara sua boca à disposição
do marquês. Segurando seu casaco com força, com seus lábios
macios e cheios contra os dele, a jovem demandava tudo o que ele
podia lhe dar.
No calor do momento, a mão do rapaz serpenteou para o quadril
dela, pousando sobre a curva que consumira seus sonhos por
tantas noites. À medida que a batalha entre sua mente e seu corpo
continuava, Alex lutava para não dar um passo à frente e
pressionar-se com força contra ela. Se o fizesse, não haveria como
confundir a ereção que latejava sob suas vestimentas. Além disso, a
dama era inocente. Sabia que, se Millicent suspeitasse de que
estava correndo perigo ao permanecer ao seu lado, a noite não
acabaria bem e suas intenções de conquistá-la sofreriam um grande
retrocesso.
Eventualmente, o momento em que a jovem compreenderia o
que acontece entre uma mulher e um homem chegaria, mas não
seria naquela noite; teria que ser planejado detalhadamente.
Quando a ocasião de levá-la pela primeira vez para a cama
chegasse, a moça já teria aceitado sua proposta de casamento e
um anel de noivado estaria brilhando em sua mão.
O relógio da entrada da frente badalou e eles se afastaram
lentamente. Millie colocou um dedo sobre seus lábios vermelhos e
inchados. A marca da paixão do cavalheiro estava à vista de todos.
Alex enfiou uma mão no bolso e entregou as luvas para a dama. Ela
sorriu, esforçando-se para vesti-las.
– Eu amo você – Lorde Brooke proferiu.
A garota balançou a cabeça.
– Não, não ama – sussurrou, dando um passo para trás.
Com essas palavras, o momento mágico que haviam
compartilhado se despedaçou.
O coração do marquês afundou. A jovem não estava levando
suas intenções a sério. Podia ver o que permeava a sua mente: ela
acreditava que não passava de mais uma das amigas de sua irmã,
com quem o cavalheiro gostava de brincar. Todos os jogos
estúpidos e imprudentes com os quais se ocupara na temporada
anterior agora cobravam seu preço.
Millicent se afastou, indo em direção à escada da frente. O
marquês a seguiu. Ao chegarem na entrada, ele a segurou pelo
braço.
– Millie, estou sendo sincero sobre meus sentimentos por você,
eu... – Alex parou, ouvia vozes agitadas vindo da porta da frente.
Quando a madeira foi aberta com força, soltou a jovem e deu um
passo para trás. Seu olhar caiu sobre o dela. – Nada aconteceu –
sussurrou.
Ao se virarem, os dois se depararam com Charles, David e Lucy
parados no saguão. O irmão da dama entrou na casa com passadas
largas e segurou o braço de Millie.
– O que diabos pensa que está fazendo? – ele rugiu para a mais
nova.
David se colocou entre Lorde Brooke e a moça, empurrando o
peito do seu irmão com força. O rapaz cambaleou para trás.
Vendo a cena, Millicent começou a chorar.
– Nada aconteceu – ela disse.
Alex tentou dar um passo à frente, contudo, David o segurou
pelos ombros.
– Viemos apenas tomar uma xícara de chá. Estávamos prestes a
voltar para o baile – o marquês explicou.
Charles fitou sua irmã.
– Nada aconteceu. Lorde Brooke tinha um pouco de chai e me
ofereceu uma xícara. Se quiser, pode verificar o bule que está na
cozinha – ela apontou para o andar inferior. – Não estou mentindo.
– Fique aqui – o futuro visconde ordenou. Pouco tempo depois, o
cavalheiro retornou com o bule em suas mãos e o mostrou aos
outros. – Ainda está quente; ela está dizendo a verdade ou, ao
menos, parte dela.
David assentiu. Ele pegou o braço de Alex e começou a arrastá-
lo até a escada principal. Em vez de se deixar levar, o mais novo se
soltou e caminhou até Charles, segurando-o pelo paletó.
– Por favor, você tem que entender, nada aconteceu. Eu nunca
faria algo que pudesse colocar a reputação de sua irmã em risco.
Sei que nossa decisão foi um pouco precipitada, mas foi só uma
xícara de chá.
O outro afastou as mãos do rapaz com um movimento brusco de
seu braço.
– David, é melhor tirá-lo de perto de mim imediatamente ou
então não me responsabilizarei pelos meus atos – ele bradou.
Virando-se, segurou a mão de Millicent. – Estamos indo. Lidarei com
você quando chegarmos em casa. Enquanto isso, talvez queira
pensar em por que eu não deveria contar ao papai e à mamãe sobre
o que aprontou nesta noite.
– Mas você prometeu – Lucy gaguejou.
Charles inspirou profundamente e lançou um olhar feio para a
sua irmã antes de responder:
– Sim, Lady Lucy, peço que me perdoe. Millie, sabe o que
prometi?
– Não – a dama falou sem parar de soluçar.
– Prometi que não daria uma surra em Lorde Brooke se você
viesse comigo e não fizesse uma confusão. Também concordei em
não contar a ninguém sobre sua tola expedição à casa de um
homem solteiro, embora agora esteja tão furioso que ficaria mais do
que feliz em jogar meus punhos sobre Brooke e, então, seguir para
casa para acordar o papai e lhe explicar por que fiz isso.
A jovem enxugou suas lágrimas com uma luva e assentiu. Ela
iria com seu irmão.
– Millie – o marquês disse, contudo, a garota não olhou para ele.
Sabia que a dama o veria como um covarde que usava as
amigas de sua irmã como bem queria e, ao menor sinal de perigo,
decidia fugir. Se ela já não o visse como um cafajeste, os eventos
dessa noite certamente não deixariam dúvidas quanto à falta de
caráter do rapaz. O beijo e o que se sucedera tinham sido ruins o
bastante, todavia, agora, a tarefa de conquistar a confiança e o
coração de Millicent parecia quase intransponível.
À medida que os irmãos Ashton seguiam para a porta, Alex os
observou com um peso em seu peito. Antes que eles saíssem, Lucy
se aproximou e encarou a amiga.
– Pensei que você fosse diferente – ela disse com lágrimas nos
olhos. – Pensei que gostasse de mim apenas por quem eu sou, mas
você é igual a todas as outras. Eu deveria ter percebido quando os
vi rindo e sussurrando durante as aulas de dança. Tudo o que
queria era me usar para chegar ao meu irmão. – A loira lançou um
olhar de desespero para o marquês, voltando, em seguida, a se
dirigir à jovem. – Pedirei que o Sr. Roberts envie um cartão para sua
mãe; ela providenciará para que faça suas aulas de dança em outro
lugar. Por favor, não se incomode em me visitar, pois não lhe
atenderei. Desejo-lhe sucesso na temporada que está por vir.
– Lucy – Lorde Brooke suplicou. – Não é culpa dela, Millie não
fez nada de errado.
Sua irmã balançou a cabeça e ergueu uma mão, recusando-se a
ouvi-lo.
– Você sabe o efeito que tem em damas vulneráveis e, ainda
assim, continua a fazer joguinhos com elas. – A mais nova se virou
para David. – Quando estiver pronto, será que pode me levar para
casa?
Charles agradeceu o mais velho por ter lhe ajudado a localizar
Millicent, trocando um aperto de mãos com ele. Depois, pegou a
moça pelo braço e a conduziu para fora.

Mal tinham chegado ao final do primeiro quarteirão quando Charles


começou a repreender Millie. Após empurrá-la rudemente dentro do
coche e bater a porta atrás de si, seu irmão se jogara no assento em
frente à dama, sentando-se com raiva.
– Nada aconteceu – ela disse.
O mais velho fechou os olhos e colocou uma mão sobre a testa.
– Nada precisa ter acontecido, como estou certo de que sabe.
Se alguém descobrir, você estará arruinada. Parece que não
consegue entender que a reputação de uma mulher é tudo o que ela
possui de valor diante da alta sociedade. Se você perder isto, pode
muito bem ir morar em um convento – ele replicou, inspirando e
expirando furiosamente. A garota podia ver que o rapaz tentava
controlar seu temperamento. – A única razão de não estar noiva de
Lorde Brooke neste exato momento é porque concordei com o irmão
dele que não deveríamos ter que ser continuadamente relembrados
de quão imprudentes foram os atos de vocês. Deveria ficar quieta e
agradecer por ter um irmão que se importa com seu bem-estar.
Outros teriam aproveitado a oportunidade de empurrar suas irmãs
em um casamento com um lunático que, algum dia, herdará um
título e uma grande fortuna.
– Ele não é louco.
– Pelos céus, Millie, que homem são convidaria uma dama da
sua estirpe para sua casa e não esperaria ter que lidar com as
repercussões? Só alguém que está destinado a ser enviado para
Bedlam pensaria dessa forma. Além disso, vi o modo como ele
cavalga. O cavalheiro realmente não tem bom senso.
A jovem não chegaria a lugar nenhum discutindo com Charles
naquele momento. Entretanto, o pior era saber que seu irmão
estava certo. Arriscara tudo ao seguir Alex até sua casa. Sem contar
que, se descobrissem sobre o beijo deles, não haveria volta,
acabaria se tornando a marquesa de Brooke em um piscar de olhos.
Não importava de quem realmente era a culpa, o que mais lhe
atribulava era ter que encarar a perspectiva de Alex ser humilhado
por conta de um casamento forçado e descobrir que, no final, o peso
recairia sobre os seus próprios ombros. Ao menos tinham
conseguido explicar seu lado da história, agora, teriam que
continuar a pregar a versão com veemência.
A primeira coisa que faria ao chegar em casa seria se retirar
para o seu quarto e esconder o rosto. Millicent se acomodara no
canto mais escuro do veículo para evitar que Charles visse as claras
marcas da paixão que o marquês deixara em seus lábios.
Segurando-se à esperança que surgira em um momento de pânico,
forçara-se a chorar ao ser confrontada pelo seu irmão, assim, ele
não pensaria em se aproximar para estudar seu rosto. Contudo, ter
que mentir para o rapaz só piorava as coisas.
– Você não contará para ninguém, não é? – a dama arriscou.
O temperamento de Charles se inflamou novamente.
– Seu comportamento foi escandaloso. Se não consegue ver o
jogo que o marquês de Brooke está fazendo, então sua tão
valorizada inteligência lhe abandonou.
Millie inspirou e tentou responder, mas não conseguiu encontrar
as palavras certas. Em um momento, estava nos braços de Alex,
deleitando-se com um beijo muito mais fervoroso e apaixonado do
que qualquer uma de suas fantasias conseguira conjurar; no outro,
fora forçada a lidar com seu pior pesadelo. Agora, sentada no
coche, enquanto sua mão tocava seus lábios inchados, ainda podia
sentir um traço suave do perfume dele, que permanecia em sua
pele.
– Bem? – Charles continuou, tirando-a de seus devaneios. – Não
se importa com Lucy? Não conseguiu perceber quão devastada ela
estava por ter descoberto que você é igual às outras garotas que a
usaram para chegar ao marquês? E é claro que também não se
importa comigo ou com minha posição na sociedade, não é? Você
só se importa consigo mesma; com a pobre e triste Millie. – Ele se
endireitou sobre o assento e afastou a cortina da janela, mirando a
noite. – Não contarei sobre o que aconteceu hoje, contudo, se fizer
algo tão tolo novamente, não interferirei e deixarei que lide com o
seu próprio destino.
Capítulo 12

E nvergonhada.
Não havia outra palavra para descrever como Millie se
sentia na manhã seguinte ao se sentar à mesa de jantar com uma
expressão pesarosa no rosto, encarando seu prato.
A presença do seu irmão e do seu pai só acrescentava outra
camada de desconforto à refeição matinal que, recentemente,
passara a ser algo regular. Após o baile de boas-vindas na
Residência Ashton, sua mãe decidira que era vital que eles
passassem mais tempo juntos para que pudessem manter o vínculo
familiar, portanto, decretara que, até o início da temporada, todos se
sentariam à mesa para compartilhar ao menos uma das refeições do
dia. Agora, em vez de poder ficar em sua cama por parte da manhã,
Millicent era obrigada a acordar cedo e se sentar para o café da
manhã muito antes de sentir qualquer inclinação pela comida.
Na maioria dos dias, Charles fazia um sanduíche rápido,
enrolava-o em um lenço limpo e saía para cavalgar no Hyde Park.
Todavia, naquela manhã, ele estava sentado à mesa com uma
grande pilha de torradas, morcela e ovos diante de si. Estava claro
que o rapaz não iria para nenhum lugar naquele horário e a jovem
não era tola o bastante para perguntar o porquê. Afinal, outra
consequência da noite passada tinha sido o fim das competições
diárias de seu irmão com Alex.
Quando Charles lhe pediu para passar a travessa com peixes, a
moça o fez sem encontrar o seu olhar. Estava com medo de fitá-lo,
preocupada com a possibilidade de o rapaz ainda estar com o
mesmo olhar de desaprovação que permanecera em seu rosto
durante todo o percurso de coche até a casa deles. Sua fúria fora
verdadeiramente amedrontadora. No momento em que o veículo
finalmente parara em frente à residência, ele chegara a um estado
de agitação tão grande que escancarara a porta, saltara para a
calçada e entrara em casa antes que Millie sequer tivesse tempo de
se levantar de seu assento.
Ao menos Charles cumprira sua promessa de não revelar os
eventos da noite anterior aos seus pais. Após a situação
embaraçosa em que colocara seu irmão, a dama passara a ser
grata pelas pequenas misericórdias da vida. Não conseguia
imaginar a cena que se seguira após deixarem a casa na Bird
Street. Com Lucy presente, os irmãos não ousariam trocar socos,
mas as possibilidades sobre o que poderia ter ocorrido após David
retornar da Residência Strathmore agora atormentavam a mente da
jovem.
Quanto à pobre Lucy, bem, Millicent provara que sua ex-amiga
possuía toda razão para se preocupar com a aproximação entre a
moça e seu irmão.
Que confusão.
O baile do dia anterior acabara em um completo desastre e era
tudo sua culpa. Por mais que o marquês viesse a implorar, deveria
ter dito não. Contudo, cedera à tentação. Como resultado, seu irmão
estava furioso com ela, David Radley provavelmente pensava que
Millie era uma sirigaita e Lucy acabara tendo que lidar com a perda
de mais uma amizade.
A garota pegou uma torrada da travessa e lentamente espalhou
manteiga sobre ela, colocando-a em seu prato. Um segundo depois,
afastou-o; a mera visão da comida a deixou nauseada.
– Você não comeu nada, querida. Está se sentindo mal? Eu lhe
avisei que deveria ter cuidado com o que come nas festas dos
outros – sua mãe disse.
– Estou bem, mamãe. Só está um pouco cedo demais para o
meu apetite – a jovem murmurou. Ela piscou com força e soltou um
suspiro.
– Você não parece nada bem. Qual é o problema? – Violet
insistiu.
– Deixe-a em paz, querida – seu pai interveio.
Do outro lado da mesa, o olhar do homem se encontrou com o
de sua esposa e ele balançou a cabeça. James não suportaria ver
lágrimas serem derramadas na mesa de jantar. A mulher teria que
esperar até o cavalheiro sair para a East India House para ter um
momento a sós com sua filha.
– Então, quais são seus planos para hoje, Charles? – James
perguntou, mudando de assunto.
Millicent agradeceu aos céus pela sensitividade de seu pai. Ele
conseguia ver que a mais nova estava tentando controlar suas
emoções. Uma palavra em falso e ela se dissolveria em lágrimas.
– Pensei em visitar os Tattersalls hoje e dar uma olhada em um
par de cavalos que me foi recomendado pelo tio. Eles irão a leilão
no final dessa semana, então levarei o cavalariço-chefe da
Residência Ashton comigo para que ele possa examiná-los. Oscar
disse que os compraria e manteria em seu estábulo para mim até
que eu consiga manobrar pelas estradas inglesas com perfeição – o
rapaz respondeu.
James terminou o seu chá e limpou a boca com um guardanapo.
Colocando-o sobre a mesa, levantou-se e se preparou para partir.
– É um presente muito generoso, mas sabe que ele não precisa
adquiri-los para você. Ficarei feliz em lhe dar o dinheiro para que
possa comprá-los.
Ele seguiu até sua esposa e lhe deu um beijo de despedida.
Violet sorriu calorosamente e seus olhos brilharam quando o homem
sussurrou algo em seu ouvido.
Charles assentiu.
– Tenho que admitir que, por mais que seja emocionante receber
uma oferta de um presente tão luxuoso, me sinto um pouco
incomodado com o negócio.
Seu pai deu um beijo rápido na cabeça de Millie, deixando-a
sozinha para lidar com as perguntas que sairiam da boca de sua
mãe assim que ele atravessasse a porta da frente.
– Conversarei com ele. Você pode herdar o título algum dia,
porém, ainda é meu filho e meu herdeiro, então, se alguém deveria
lhe comprar um par de cavalos, este deveria ser eu. Não passei
todos aqueles anos na Índia recuperando a fortuna da família para
ser relegado a um papel secundário após o meu retorno. Visitarei
seu tio mais tarde.
Após o cavalheiro seguir para o escritório, Charles ajudou sua
mãe a cambalear até a sala de estar principal, onde a mulher
planejava passar o resto do dia se recuperando do inchaço em seu
tornozelo enquanto respondia as correspondências que haviam
chegado. Millicent sabia que, eventualmente, Violet a chamaria para
conversar.
Minutos depois, seu irmão retornou e, após dispensar o criado
que estava no cômodo, fechou a porta do corredor. A moça pegou
sua xícara de chá e tomou um pequeno gole, prendendo a
respiração ao notar que ele circundara a mesa e se sentara ao seu
lado. Charles segurou a mão trêmula da mais nova e, inclinando-se,
beijou sua bochecha.
– Vai ficar tudo bem, Millie; conseguimos evitar um escândalo
público. Os irmãos Radley estão tão empenhados quanto nós em
manter segredo sobre o assunto. Só se certifique de não contar
nada sobre a noite anterior à mamãe – ele afirmou.
– Eu estava pensando o que deveria dizer a ela e acredito que
uma versão da verdade seja a melhor opção – a dama respondeu
com tristeza.
O rapaz apertou sua mão.
– Não. Se contar que estava sozinha com Alex, ela fará com que
se case com ele.
A garota se virou e o fitou com cansaço.
– Não sou tão estúpida.
Seu irmão arqueou uma sobrancelha.
– Sim, fiz algumas coisas tolas na noite passada, mas não
contarei à mamãe que estava sozinha com o marquês e que você e
David nos flagraram. Apenas direi que eu e Lucy brigamos, o que,
infelizmente, é verdade.
Charles inclinou o corpo sobre a cadeira e passou as mãos pelo
cabelo. Ela esperava que a expressão que agora aparecia em seu
rosto fosse de alívio, entretanto, ainda sentia uma parcela de
frustração vinda dele. Após a noite anterior, algo mudara entre eles.
Millicent suspeitava de que seu irmão não confiasse mais nela.
Saber que o tinha desapontado com seus atos descuidados lhe feria
profundamente.
– Sinto muito pelo que aconteceu, Charles. Eu não deveria ter
feito o que fiz; tem toda razão de estar com raiva de mim. Você
estava certo, agi de forma estúpida e egoísta, deixando que meu
afeto por Lorde Brooke atrapalhasse meu bom julgamento. Isto não
se repetirá, eu prometo.
O cavalheiro arqueou uma sobrancelha mais uma vez e a moça
soltou uma risadinha, dando-lhe um soco suave no braço.
– Pare, isso é sério – ela afirmou.
Seu irmão revirou os olhos.
– Eu sei que é. Por que acha que fiquei tão agitado na noite
passada? Fico feliz que tenha percebido quão perto você chegou de
sua ruína. Agora, o maior problema é descobrir como conseguirá se
desculpar com Lady Lucy. Ela estava terrivelmente abalada quando
partimos. Você precisa conversar com a dama ainda nesta manhã e
tentar consertar as coisas.
Millie assentiu lentamente. Por mais que a maior catástrofe
tivesse sido evitada, ainda havia pessoas feridas.
– Não sei se ela aceitará me ver, principalmente depois de deixar
claro que nossa amizade tinha acabado. Pode me acompanhar até
a Residência Strathmore? Posso conseguir ter algum progresso se
você estiver comigo.
O rapaz frisou os lábios, soltando um suspiro longo e cansado.
– Sim. Quanto mais adiar o encontro, pior a situação ficará.
Tenho algumas tarefas para fazer nesta manhã; você pode vir
comigo. Quando eu terminar, veremos se conseguimos reparar o
dano.
– Obrigada – Millicent respondeu.
A dama pegou a torrada que anteriormente rejeitara, deu uma
mordida nela e se recostou sobre a cadeira, mastigando enquanto
seu irmão comia o resto de carne fria que ficara no prato de Violet.
– Por que a carne fria do café da manhã tem um gosto tão bom?
– ele perguntou em voz alta, enfiando um pedaço na boca.
– Não sei, embora ainda não consiga suportar a ideia de comer
carne a essa hora – a mais nova retrucou, torcendo o nariz. – Tudo
em que consigo pensar é em como nossos vizinhos da Índia teriam
ficado ofendidos se descobrissem que você está comendo uma
vaca.
Charles riu. Ele limpou as mãos no guardanapo deixado por sua
mãe e saiu da mesa.
– Não demore. Quanto mais cedo formos à Residência
Strathmore para ver Lucy, melhor será.
O rapaz assanhou o cabelo da irmã antes de seguir para a porta,
deixando-a sentada sozinha na sala de jantar, ainda mastigando sua
torrada.

As pequenas tarefas de Charles acabaram demorando mais do que


o esperado. Quando os dois irmãos pararam na soleira da
Residência Strathmore, já era quase meio-dia.
O primeiro sinal de que havia algo de errado surgiu quando um
criado atendeu à porta da frente e não o mordomo da família,
Hargreaves. O rapaz não estava usando um sobretudo e as mangas
de sua camisa estavam enroladas. Este não era exatamente o tipo
de aparência que se esperaria de um funcionário encarregado de
atender à porta de uma das maiores casas de família.
Ele pareceu estar bastante surpreso ao ver alguém na soleira da
residência. Fitando-os com um olhar interrogativo, perguntou:
– Sim, como posso ajudar?
Charles trocou um olhar com sua irmã, arqueando as
sobrancelhas.
– Charles e Millie Ashton. Viemos visitar Lady Lucy Radley – o
mais velho respondeu, oferecendo seu cartão.
O criado pegou o cartão e mirou-o rapidamente antes de frisar o
rosto.
– Eles partiram – disse, devolvendo-o para Charles, que se
recusou a recebê-lo.
– O que quer dizer com “partiram”? Eles partiram para onde? – a
dama questionou.
O olhar do funcionário vagou do irmão para a irmã, então,
pareceu se lembrar do que deveria dizer aos visitantes. Ele
endireitou a coluna e anunciou:
– O duque e a duquesa de Strathmore não estão residindo em
Londres no momento. Eles e sua família se retiraram para sua
propriedade rural na Escócia.
A boca de Millicent se abriu e um ofego involuntário escapou. A
jovem pegou a mão de Charles e a apertou com força. Nesse
momento, o criado começou a fechar a grande porta da residência.
Tendo entregado a mensagem, ele evidentemente esperava que os
visitantes assentissem em silêncio e fossem embora, permitindo que
o rapaz retornasse para a tarefa com a qual estivera ocupado e que
requerera que dobrasse suas mangas até os cotovelos.
Charles deu um passo à frente e colocou sua bota entre o vão da
porta.
– Toda a família Radley deixou Londres para morar em sua
propriedade na Escócia? – ele inquiriu.
– Sim, só não tive tempo ainda de tirar a aldrava da porta – o
funcionário respondeu, perplexo com a ação do outro.
– Toda a família, incluindo os filhos do casal?
– Sim.
– Quando eles retornarão? – seu irmão insistiu.
A jovem sentia-se grata pela determinação do cavalheiro em não
desistir do assunto até que tivesse compreendido a história
completa.
O criado inspirou, em seguida, respondeu lentamente:
– A família Radley, incluindo Lorde Brooke, o Sr. Radley, Lorde
Stephen, Lady Lucy e Lady Emma partiram para a Escócia e não
retornarão pelas próximas seis semanas, portanto, por ora, não
estão recebendo visitas na Residência Strathmore. Há algo mais
que eu possa lhe informar, senhor?
Seis semanas!
Millie mordeu seu lábio com força e sentiu o gosto de sangue. A
noite anterior já tinha sido ruim o bastante, mas isso era uma
completa humilhação. Aqui estava, parada nos degraus de uma das
grandes casas de Londres à vista de todos, descobrindo quão
insignificante realmente era na vida da família Radley. Eles tinham
deixado a cidade sem dar sequer uma palavra.
Qualquer outra dama teria se dissolvido em lágrimas e fugido,
contudo, ela permaneceu imóvel e com as costas retas. O único
sinal externo de sua luta para manter a compostura era a força com
que segurava a mão de seu irmão. Se a apertasse mais, temia
acabar quebrando um dos ossos do rapaz.
– Entendo. Obrigado. Voltaremos quando a família tiver
retornado – Charles disse.
Seu irmão retirou seu pé do vão, fazendo o criado suspirar com
alívio. Assim que a passagem ficou livre, a porta se fechou. O mais
velho se virou para Millicent com um sorriso relaxado estampado no
rosto. Ele gentilmente retirou seus dedos do aperto de ferro da moça
e beijou as costas de sua luva.
Ao se inclinar sobre sua mão, Charles sussurrou:
– Sorria, Millie, sorria. Se algum dos vizinhos estiver olhando
nessa direção, devem nos pegar rindo de nosso erro. Vamos
caminhar de volta para casa. Particularmente, eu adoraria tomar
uma bebida forte agora.
Ela fez como instruído, abrindo um meio sorriso.
– Muito bem. Não se preocupe, farei Lorde Brooke pagar por
isso – o cavalheiro jurou quando a mais nova pegou seu braço. –
Ninguém arruína minha irmã e depois desaparece sem qualquer
explicação. Eu sabia que deveria ter dado uma surra nele ontem.
Os dois tinham acabado de chegar na rua e estavam preparados
para se virar em direção à sua casa quando a porta da frente da
Residência Strathmore se abriu mais uma vez e Hargreaves
apareceu correndo. Ao chegar no meio das escadas, já com a
atenção dos irmãos Ashton sobre si, o mordomo diminuiu o ritmo
para uma caminhada. Parando ao lado de Charles, ele ergueu uma
mão. O cavalheiro a apertou e, depois, enfiou sua mão casualmente
dentro do bolso.
– Peço perdão por terem sido recebidos de uma maneira tão
rude. Marshall é um bom rapaz, embora algumas vezes acabe
sendo vago demais. Felizmente, ele veio ao meu encontro e me
entregou seu cartão – Hargreaves informou. – A família sempre
viaja para a Escócia nesta época do ano. Eles haviam planejado
partir no final desta semana, contudo, na noite anterior, Sua Graça
anunciou para os criados que partiriam hoje pela manhã. A casa
inteira passou a noite sendo empacotada para a viagem antes do
amanhecer. Alguns membros da família só descobriram sobre a
mudança de planos quando foram acordados. Sua Graça prefere
passar o dia inteiro viajando, pois, assim, todos podem passar a
noite na propriedade do Conde de Wiltmore. – O mordomo sorriu
com simpatia para Millie. – Estou certo de que Lady Lucy teria lhe
enviado um bilhete, Srta. Ashton, mas já que saiu apressada,
provavelmente acabou se esquecendo. Ela parecia bastante
distraída nesta manhã.
Charles sorriu diante da óbvia mentira. Nada acontecia em uma
grande casa de família sem que os mordomos soubessem.
Hargreaves certamente estava ciente de que Lady Lucy retornara na
companhia de apenas um dos seus irmãos. A criada pessoal da
garota teria se ocupado de informar quaisquer outros detalhes
pertinentes ao homem.
– Estou surpreso por você não estar a caminho do norte ou será
que o fará mais tarde? – o futuro visconde indagou. Quanto mais
tempo durasse a pequena conversa, mais provável seria que os
olhos curiosos que os observavam perdessem seu interesse.
O outro balançou a cabeça.
– Não, fiquei encarregado de fechar a Residência Strathmore até
o final desta semana. Alguns dias antes do retorno da família,
deverei reabri-la para que os funcionários façam os preparativos
para a temporada.
A jovem assentiu.
– Obrigada, Hargreaves. Acredito que Lucy fez menção sobre a
viagem – ela respondeu com uma voz um tanto trêmula.
O mordomo fez uma reverência educada e desejou um bom dia
aos irmãos Ashton. Quando ele desapareceu dentro da casa,
Charles sussurrou para a dama:
– Muito bem, irmãzinha. Em minutos, sairemos daqui.
Felizmente, Hargreaves é um sujeito perceptivo; sabia exatamente
do que precisávamos.
A moça frisou o cenho.
O mais velho deu um tapinha no bolso e piscou.
– Ele escreveu o endereço da propriedade Strathmore escocesa
no meu cartão. Agora, ao menos poderá escrever um pedido de
desculpas para Lucy. Seis semanas são o bastante para trocar
algumas cartas e tentar reconquistá-la.
Millicent assentiu com os lábios fixos em um sorriso forçado. Não
estava preparada para mencionar o outro membro da família Radley
que ocupava sua mente. Apenas seus olhos tristes demonstravam a
profundidade de sua decepção.
O rapaz abriu um sorriso alegre para o benefício da plateia que
ainda poderia estar observando. De braços dados, os dois
caminharam pela Park Street, seguindo para casa.
Capítulo 13

A o acordar, Alex tirou o cobertor que cobria sua cabeça e olhou


ao redor do coche. Seu pai estava ocupado lendo alguns
papéis; Stephen, por sua vez, estava com a cabeça enfiada em um
grande livro marrom com uma estranha escrita na capa. Forçando a
visão, pensou ter conseguido identificar uma letra grega. Seu irmão
mais novo, de apenas catorze anos, já conseguia compreender
cinco línguas, enquanto o marquês tinha dificuldade para ler mais de
duas palavras em inglês, motivo pelo qual evitava a tarefa a
qualquer custo.
Quando era mais novo, acreditara que, por não conseguir
dominar uma tarefa simples, como aprender a ler, devia ser um
simplório. Como um garoto que era incapaz de ler se tornaria algum
dia um dos homens mais poderosos da Inglaterra? As horas
passadas em frustração chorosa, tentando fazer com que seu
cérebro decifrasse o redemoinho de letras, deixara sua marca no
rapaz. Lorde Brooke considerava tal incapacidade uma falha
profunda em seu caráter e uma fraqueza da qual deveria se
envergonhar. Em vez de ir para Eton como todos os outros garotos
de sua idade, permanecera sobre a tutoria de um professor que seu
pai contratara para “corrigir o problema”.
Aos doze anos, sua sorte finalmente mudara. O duque
encontrara um tutor que ajudara Alex a memorizar tudo o que
aprendia. Ainda apreensivo de que seu segredo seria revelado e de
que acabaria sendo zombado pelos outros alunos, o menino se
recusara a ir para a escola até que permitissem que levasse seu
valete especial com ele. Todos os rapazes da família Radley tinham
frequentado Eton e, agora, o marquês teria a oportunidade de ter
seu nome registrado junto aos deles como um aluno da instituição.
Com muito medo e apreensão, ele se juntara ao seu irmão nos
corredores da escola. Para sua surpresa, acabara se saindo muito
bem. Após as aulas do dia terminarem, Alex se sentava junto com
seu tutor, que todos conheciam como sendo seu valete, e
memorizava todas as lições de cor. Como seu pai fazia parte da
banca de gestores da instituição, o garoto conseguira uma dispensa
que lhe permitia fazer os exames de forma oral. Ao final de cada
período letivo, ele ficava diante de um grupo de examinadores e
respondia as perguntas que eles levantavam. Lorde Brooke passara
em cada um de seus exames com facilidade.
No momento em que finalmente percebera que não era um tolo,
seu cérebro passara a funcionar de maneira diferente e o rapaz
deixara para trás a casca em que passara todos aqueles anos se
escondendo. O garoto tímido e inseguro que chegara em Eton no
começo do ano logo se transformara na pessoa mais popular de
toda a escola. Sua memória desenvolvida permitia com que ele
frequentemente ganhasse apostas sobre datas e eventos obscuros
da história. Além disso, o marquês também possuía uma longa lista
de piadas obscenas preparada na ponta da língua. À medida que
sua confiança crescia, sua fama seguia no mesmo rumo. Seus
amigos pensavam que o fato de passar as aulas desenhando e
ainda se destacar nas avaliações era um indício de sua genialidade.
Nenhum deles conhecia a verdade.
Com o olhar atento e cuidadoso de David sobre si, Alex brilhou.
Sozinhos à noite em seu quarto compartilhado, os dois riam sobre o
fato de que Eton era governada pelo filho bastardo de um duque e
seu irmão mais novo que sequer conseguia ler. Os anos que os
jovens passaram juntos na escola tinham sido os mais felizes da
vida de Lorde Brooke. Ou, ao menos, era o que acreditava até
conhecer Millie Ashton, que conseguira virar tudo de cabeça para
baixo.
Quando a segurara em seus braços em sua casa, sentira-se tão
feliz que pensara que seu coração iria explodir. Se pudesse viver ao
lado da dama, sabia que seus dias em Eton não chegariam nem aos
pés da vida que teriam pela frente. Juntos, eles poderiam superar
quaisquer obstáculos que sua inabilidade de ler e escrever
representavam. Millicent não era o tipo de mulher que julgava um
homem por suas fraquezas, não quando o amava. Ou será que ela
era? Um calafrio percorreu sua espinha com a súbita dúvida,
fazendo-o estremecer. E se ela não conseguisse compreender? E
se o marquês tivesse julgado mal a situação e a moça realmente
não o amasse? Millie descartara sua declaração com uma negação
gentil e firme.
Ele passou a mão pelo rosto, soltando um suspiro. Sabia que
não deveria tê-la convidado para deixar o baile e que a reputação da
jovem poderia ter sido destruída por culpa de seu comportamento
imprudente, mas não se importara com tais questões. Fora ousado
e corajoso naquele momento, contudo, agora que a manhã chegara,
uma sensação de incerteza o tomava. Com Millicent a milhas de
distância, não havia muito o que pudesse fazer. Quando ela
acordasse e descobrisse que o cavalheiro partira para a Escócia
sem sequer lhe enviar um bilhete de aviso, sua percepção errônea
sobre a profundidade dos sentimentos dele só seria confirmada. O
pior era que não podia culpá-la se a dama acabasse pensando que
a noite anterior fora apenas um joguinho para o rapaz. Homens
honráveis não confessavam seu amor e, depois, subitamente
sumiam da noite para o dia. Após tê-la beijado, a garota o veria
como nada mais do que um larápio sem coração.
Mudando a direção de seu olhar para um dos cantos do veículo,
viu David se mover sob suas mantas cinzas de lã. Alex lançou-lhe
um olhar feio e o mais velho olhou para o outro lado. Lorde Brooke
estava prestes a proferir algo desagradável quando se lembrou de
que seu pai e seu irmão mais novo também estavam no coche. Ele
agradeceu silenciosamente aos céus por Lucy estar viajando na
carruagem das damas. Sem vontade de manter uma conversa
educada, voltou a cobrir sua cabeça com seu cobertor e tentou
dormir.
Nas primeiras horas da manhã, estivera adormecido, perdido
dentro de um sonho em que continuamente corria atrás de Millie.
Toda vez que a alcançava e erguia sua mão, a dama ria e se
afastava para mais longe. Lorde Brooke se revirara na cama até que
a jovem do sonho dissera “Levante-se, Alex” e colocara uma
lamparina na frente do seu rosto. A luz era tão brilhante que o
despertou. Ao abrir os olhos, deparara-se com seu pai, parado ao
lado da sua cama com a mesma lamparina que, momentos antes,
vira Millicent segurar. O rapaz se sentara, tentando focar sua visão.
Ele esfregara o rosto ao notar dois criados corpulentos adentrando o
quarto e colocando um baú de viagem no meio do cômodo.
– Vamos, rapaz, levante-se. Partiremos para a Escócia dentro de
uma hora, então, é melhor começar a se mover e se certificar de
empacotar seus agasalhos; soube que as temperaturas de lá estão
congelantes. Pode trazer suas cobertas com você, terá tempo o
suficiente para dormir no coche – o duque comandara.
– Por que estamos partindo hoje? Pensei que só viajaríamos no
final da semana – o marquês indagara.
O homem o fitou severamente.
– Depois do baile da noite passada, uma das minhas filhas
chegou em casa aos prantos e meus dois filhos mais velhos estão
agindo como rivais. Do modo como as coisas vão, se eu esperar até
lá, não terei uma família para levar para Escócia. Vamos, arrume-se.
Assim que seu pai deixara o quarto, Alex se arrastara sob os
lençóis e encarara as roupas que tinham sido colocadas na cama. A
peregrinação anual da família Radley para o norte não poderia ter
acontecido em um momento pior.
Mais tarde, quando o grupo fez uma parada em uma estalagem,
Lorde Brooke aproveitou a oportunidade para visitar o lavatório nos
fundos do local. Com o intuito de afastar o sono de seus olhos,
mergulhou sua cabeça em uma bacia com água gelada. Momentos
depois, adentrou a pousada novamente com o rosto ainda
dormente. Na sala de refeições principal, viu que sua família
ocupara um dos cantos do cômodo e que estavam tomando café e
comendo uma variedade de carnes frias. Isto é, com exceção de
Lucy. Sua irmã estava sentada no assento mais afastado da mesa,
segurando uma pequena xícara. Os olhos da dama estavam
vermelhos e inchados, o que indicava que chorara a noite inteira.
Emma ofereceu um pedaço de pão com manteiga para a mais
velha, mas ela balançou a cabeça.
O marquês suspirou. Esta seria uma viagem longa e cansativa.
Inferno. Ainda temos mais seis dias até chegarmos na Escócia.
Pergunto-me quanto tempo eu levaria para fazer o caminho de volta
a Londres a pé.
A atenção de seu pai caiu sobre o rapaz.
– Alex, sente-se e tome seu café da manhã – o homem ordenou.
– Não ficaremos aqui por muito tempo. Quero chegar à propriedade
Wiltmore ao final da tarde; sua mãe e as garotas precisam de algum
tempo para se recuperar após o trajeto de hoje.
O rapaz se sentou e, esperando que ao menos um membro da
família ainda estivesse falando com ele, tentou conversar com
Stephen. Após receber apenas grunhidos e respostas
monossilábicas de seu irmão, percebeu que enfrentava uma batalha
perdida. Entre cada garfada com ovos e bacon, o mais novo
continuava com seu nariz enfiado dentro do livro que segurava.
Alex colocou uma mão no bolso e tirou uma bolsa com dinheiro.
Após pedir permissão para sair da mesa, seguiu até o bar e
comprou uma pequena garrafa de uísque. Ele pegou o frasco de
bebida que estava em seu casaco e o encheu com o líquido. Já que
não conseguia permanecer sentado lendo um livro, decidiu que
recorreria ao seu passatempo favorito durante viagens daquele tipo:
acomodar-se ao lado do cocheiro e de seu companheiro. Apreciar a
vista do campo e compartilhar piadas com eles era mais
interessante do que passar o resto da viagem dentro do veículo,
lançando adagas com os olhos na direção de David. Ademais, em
algum momento, seu pai acabaria decidindo que já era o bastante e
os obrigaria a fazerem as pazes no meio da estrada, algo que, por
ora, não lhe agradava nem um pouco, já que não estava com
cabeça para lidar com seu irmão. É claro que, se recusasse a ordem
direta do duque, acabaria discutindo com o homem e sendo
repreendido na frente de toda a sua família e dos criados que os
acompanhavam. Quanto mais refletia sobre a situação, mais
atraente se tornava a ideia de andar de volta a Londres.
Ao retornar para a mesa, pegou uma faca afiada da travessa do
café da manhã e cortou um pedaço grande de carne de porco em
conserva. Abastecido com um sanduíche feito com duas fatias
grossas de pão, o porco e uma quantidade generosa de queijo, o
marquês estava preparado para subir no coche. Ele deu uma
grande mordida no sanduíche, assentiu, aprovando suas próprias
habilidades culinárias e seguiu para a porta da estalagem.
Do lado de fora, assobiou para o cocheiro-chefe do veículo de
seu pai e apontou para o assento vazio atrás do companheiro do
motorista. O homem assentiu e Alex esfregou suas mãos enluvadas
com alegria. Após uma manhã de silêncio e olhares feios dentro do
coche, estava pronto para escapar. Enquanto escalava para o topo
do veículo, enviou um agradecimento mental a Phillips por ter
separado camadas extras de roupa para ele. Se as coisas com
David não melhorassem, planejava passar grande parte da jornada
até a Escócia sentado ali, com o vento gélido batendo em seu rosto.
Usaria aquele tempo para pensar em Millie e em como poderia
ganhar seu coração.
Quando se acomodou no assento, Lorde Brooke trocou um
sorriso com o motorista. Finalmente encontrara uma companhia
amigável dentro do grupo. Ao notar onde o rapaz estava, o duque
apenas balançou a cabeça e subiu no veículo. Instantes depois, a
caravana começou a andar, com o coche das damas na dianteira.
Surpreendentemente, não havia neve acumulada na Great North
Road, entretanto, não se podia dizer o mesmo da rua lateral em
direção a Henlow em que, duas horas depois de almoçarem, tiveram
que virar. Apenas cinco milhas os separavam da propriedade
campestre de Lorde Wiltmore, contudo, demoraram quase a tarde
inteira para completar o percurso, pois, por diversas vezes, os
cocheiros e seus companheiros foram obrigados a descer de seus
lugares para retirar a neve que impedia o progresso dos veículos.
Eles estavam a uma milha e meia do final da jornada daquele dia
quando o coche principal, que carregava as damas Radley, deu uma
guinada repentina para a direita. Uma das rodas atingira uma vala
que estava no caminho, fazendo o veículo se desviar perigosamente
em direção a um aterro coberto de neve. O motorista puxou o coche
no último minuto, mas a roda traseira perdeu tração e desapareceu
em um buraco profundo na beira da estrada. Alex assistiu à cena
prendendo sua respiração, vendo o veículo deslizar para trás e se
inclinar precariamente para um dos lados, antes de parar por
completo.
Felizmente, o motorista que levava o coche em que o marquês
estava era habilidoso, conseguindo puxar seus cavalos antes que
eles colidissem com a traseira do veículo à frente.
– Minha nossa! – o cocheiro gritou, enquanto o cavalheiro e seu
companheiro acenavam freneticamente para o veículo de bagagem
que se aproximava deles.
No final, a caravana acabou parada no meio da estrada. Lorde
Brooke deu um tapinha no ombro do motorista e desceu. Seu pai
abriu a porta e Alex enfiou a cabeça dentro do veículo.
– O coche das damas está com uma das rodas em um buraco e
parece que ela está emperrada no lugar – ele explicou. Marchando
até o coche principal, o rapaz bateu na porta lateral e sua mãe a
abriu. – Acho que vocês precisarão sair para que eles possam
desemperrar o veículo – disse, oferecendo sua mão para a mais
velha.
Um segundo depois, um par de braços largos apareceu do seu
lado direito. Lorde Brooke se afastou, permitindo que seu pai
segurasse Lady Caroline e a erguesse do coche. O homem
sussurrou algo no ouvido da mulher, fazendo-a sorrir. Em pouco
tempo, o Duque retirara sua esposa e suas duas filhas do veículo.
Lucy abraçou Emma. A mais nova tinha a mão sobre a cabeça. Ela
acabara colidindo contra a moldura da janela quando o coche parara
de repente.
– Se quiserem se aquecer dentro do nosso veículo, tenho
certeza de que os garotos abrirão espaço. Respirar um pouco de ar
fresco lhes fará bem – seu pai disse após verificar que Emma
estava bem.
O homem ergueu sua filha em seus braços e a levou para o
outro coche, onde a acomodou. David e Stephen desceram e
fitaram a garota com preocupação.
– Ela só tem um galo na cabeça. Por favor, pegue um pouco de
neve para sua irmã colocar sobre ele. – O duque entregou um lenço
para Stephen e apontou para uma pilha de neve fresca que estava
um pouco mais à frente.
Enquanto os motoristas e os ajudantes dos três coches
começavam a desemperrar o veículo principal, Alex e David os
assistiam em silêncio; eles haviam se voluntariado para ajudar,
todavia, tiveram suas ofertas negadas pelos funcionários da família.
O mais velho bateu um pé no chão.
– Está congelando aqui fora. Eu estava tirando um ótimo cochilo
quando papai me arrastou para cá.
O marquês tomou um gole de seu frasco e o ignorou.
– Planeja dividir isso? – David perguntou, gesticulando para o
recipiente.
– Não.
Seu irmão suspirou em desaprovação.
– Vendo o péssimo humor em que você está, qualquer um
pensaria que fui eu que agi como um tolo na noite passada.
Refresque minha memória, quem foi mesmo que atraiu a Srta.
Ashton para a nossa casa? Tenho certeza de que o culpado não sou
eu.
– Cale-se, David – Lorde Brooke retrucou.
O mais velho deu um passo e ficou ombro a ombro com Alex.
– Você vem agindo assim comigo desde a noite em que saímos
juntos, duas semanas atrás. Não posso fazer nada se não sabe lidar
com uma piada. Pela forma como tem se comportado, qualquer um
pensaria que é o primeiro e único homem a ter que lidar com uma
ereção indesejada. Foi você que se colocou no papel de tolo ao
reagir daquela maneira – David afirmou.
O marquês agarrou o braço de seu irmão com força e o
cavalheiro estremeceu. Ótimo. Ficaria desapontado se hematomas
não aparecessem no braço do mais velho no dia seguinte.
– Isso dói, Alex. Se não quiser que os criados vejam você cair de
joelhos no meio da estrada, é melhor me soltar – o outro disse
entredentes.
O rapaz diminuiu o aperto. David era mestre quando se tratava
de usar seus punhos.
Seu irmão deu um passo para trás e se virou para ele.
– Planeja se comportar assim durante toda a viagem até a
Escócia? Porque de uma coisa estou certo: papai não aceitará isso.
Então, é melhor que resolvamos nossas diferenças aqui e agora. Eu
salvei a reputação da sua preciosa Srta. Ashton na noite anterior,
mas parece que você não queria ser resgatado.
Lorde Brooke encarou David em silêncio. Ele tomou outro gole
de seu uísque e entregou o frasco para o cavalheiro.
– Obrigado – o mais velho disse, bebericando a bebida forte
antes de devolvê-la para Alex. – Você foi o destaque do clube
naquele dia. Muito depois de ter saído, os outros rapazes ainda
estavam rindo sobre você ter ficado duro por conta de Millie Ashton.
Para ser sincero, ela é uma garota perfeitamente adorável, mas...
Antes que David pudesse terminar a frase, o marquês soltou um
rugido e o empurrou. Seu irmão não teve tempo de reagir. Quando o
corpo dele atingiu o chão, Lorde Brooke deu um passo à frente e
colocou sua pesada bota de couro sobre o peito do mais velho. Com
o frasco de bebida apertado em sua mão, ele se inclinou sobre o
cavalheiro abatido, vendo o olhar de surpresa no rosto do outro ser
substituído pelo medo.
– Alex! – seu pai gritou, marchando até o ponto onde os dois
rapazes estavam. – O que diabos está acontecendo? – demandou.
Alex fitou seu irmão com desdém e cuspiu no chão, perto de
onde o outro estava caído. Ele tirou a bota do peito do mais velho e
começou a se afastar.
– Pergunte para ele – o marquês explodiu.
David se esforçou para se levantar, limpando a neve que grudara
em seu sobretudo.
– Então? – o duque perguntou. – Não vamos a lugar nenhum até
que me deem uma explicação. Se eu não receber uma resposta
satisfatória, terão que percorrer o resto do caminho até a
propriedade de Felix a pé.
David fechou os olhos e soltou um suspiro.
– A culpa é minha, papai. Eu bebi demais e contei para alguns
dos nossos amigos a verdade sobre a situação embaraçosa de Alex
no baile do visconde Ashton. Está claro que ele não achou meus
comentários engraçados.
O rugido de raiva continuava a retumbar nos ouvidos do mais
novo. Estivera prestes a perdoar seu irmão, mas, então, David
decidira insultar Millicent. Agora, estava possuído por tamanha fúria
que, se seu pai não tivesse intervindo, temia descobrir o que poderia
ter feito.
– É disso que se trata essa picuinha? Vocês estão brigando por
que o precioso orgulho de Alex foi ferido? Você precisa deixar de
lado essa sua sensibilidade, meu rapaz – o duque respondeu,
apontando com raiva para o marquês.
Lorde Brooke assentiu.
– Obrigado pelo conselho oportuno, papai, mas o dano à minha
reputação é apenas metade da história. – Ele levou o frasco de
uísque aos seus lábios e tomou o resto da bebida. Enfiando-o em
seu bolso, o rapaz encarou o homem com firmeza. – Se quer saber
a real razão pela qual o traseiro de meu estúpido irmão agora está
encharcado por conta da neve, lhe direi: é porque ele maculou o
nome da Srta. Ashton na frente de nossos amigos e, minutos atrás,
ainda ousou repetir tal ofensa diante de mim. Não tolerarei ou
deixarei que a afronta fique impune.
Seu pai assentiu, passando um braço ao redor do mais novo. Os
dois caminharam até onde David estava e o duque passou seu outro
braço ao redor dele. De costas para os coches, ninguém conseguiu
ouvir, além dos três homens, o que se seguiu.
– Estamos na estrada, em família, a caminho da nossa casa
ancestral na Escócia. Não permitirei que vocês continuem brigando
até que retornemos para Londres, principalmente na frente das
damas e dos criados. David, peça desculpas pelo o que disse sobre
a Srta. Ashton, pois seu irmão claramente se ofendeu. Alex, você
deve se desculpar por atacar David e jogá-lo no chão.
Os dois rapazes se entreolharam. O marquês podia ver que seu
irmão ainda estava chocado com o súbito ataque.
David deu de ombros.
– Não entendo o que há entre você e a Srta. Ashton, entretanto,
agora vejo que a vê como uma amiga valiosa e que fiz comentários
inapropriados a seu respeito. Ofereço-lhe minhas mais sinceras
desculpas e peço que possamos conversar mais sobre a dama para
que eu compreenda melhor a situação.
– Alex? – Ewan instigou.
O mais novo sentiu o braço de seu pai se apertar ao redor de
seus ombros. Ele fitou o irmão e desviou o olhar para a estrada.
– Sinto muito – respondeu sem emoção.
David ofereceu sua mão e Lorde Brooke a apertou com
relutância. Estava cansado e os eventos da noite anterior ainda
pairavam irresolvidos sobre eles.
O duque os trouxe mais para perto.
– Meus garotos – o homem murmurou. – Nunca deixem que algo
ou alguém os separem. A família sempre vem antes.
Alex ouviu alguém fungar. Virando-se, notou que Stephen estava
parado do seu lado à beira de lágrimas. O jovem testemunhara o
confronto violento entre seus dois irmãos. Passando um braço ao
redor do mais novo, o marquês o puxou para o abraço que os
cavalheiros agora compartilhavam.
O que os criados encostados no recém-liberto coche pensavam
sobre a cena tocante pouco lhes importava. Apoiando-se um no
outro e unificando seus propósitos, a família Radley mantinha o
ducado Strathmore há cerca de seiscentos anos. Irmão sempre
amparava e defendia irmão, este era seu alicerce.
Quando o grupo finalmente se separou, vários tapinhas e
sorrisos foram trocados. Stephen tentou lutar com Alex, mas acabou
sendo facilmente vencido. O garoto logo se viu coberto por uma
camada de neve, motivo pelo qual retornou para o calor do veículo.
Com as damas de volta à segurança de seu respectivo coche, a
família continuou rumo à propriedade de Lorde Wiltmore e ao final
de seu primeiro dia na estrada.
Capítulo 14

Q uando os irmãos Ashton voltaram para casa, Millie subiu


para o seu quarto. Charles perguntara se queria que ele lhe
fizesse companhia na sala de estar superior, mas a dama
declinara a oferta. No momento, um ouvido solidário era a última
coisa de que precisava.
– Estou bem. Só fiquei um pouco perplexa ao descobrir que os
Radleys deixaram a cidade com tanta pressa – ela disse, dando um
último aperto na mão já fatigada de seu irmão.
Assim que conseguiu, a jovem dispensou Grace sob o pretexto
de que precisava descansar. Ouvindo os passos da criada se
afastarem pelo corredor, Millicent fechou a porta de seus aposentos.
Com as mãos juntas, parou no meio do cômodo e esperou que as
lágrimas viessem. A sensação de puro desapontamento e de
vergonha que sentira na soleira fria da Residência Strathmore a
abalara profundamente. Realmente significava tão pouco para
Lucy?
E para Alex?
Estaria para sempre em dívida com seu irmão por tê-la salvado
naquele momento.
Obrigada, Charles.
Parada em silêncio, uma onda de calma lentamente a tomou. As
coisas poderiam ter sido muito piores. Os eventos da noite anterior e
desta tarde a ensinaram inúmeras lições valiosas.
Passar seis semanas sem ver Lucy ou Alex seria uma benção.
Permitira que seu mundo consistisse apenas de um seleto círculo de
amigos; agora, estava na hora de atacar e fazer novas amizades.
– Isso me ensinará a não colocar todos os meus ovos em uma
única cesta.
A moça tirou o cartão de Charles de sua bolsa e mirou o
endereço escrito no verso. Hargreaves dissera que a família Radley
levaria seis dias para chegar em sua propriedade na Escócia, então
tinha tempo o suficiente para escrever uma carta adequada para
Lucy. Não havia dúvidas de que a loira merecia receber um pedido
de desculpas, entretanto, ele não seria escrito hoje. A noite anterior
ainda estava muito fresca em sua memória. Precisava de algum
tempo para assimilar os fatos e colocar tudo sob perspectiva; só
então conseguiria passar seus sentimentos para o papel. Ademais,
se Alex mantivesse sua palavra, só teria que pedir perdão pelo seu
desaparecimento repentino do baile.
O que começara como uma ideia inofensiva que satisfaria suas
fantasias se transformara em uma realidade completamente
diferente. Em um minuto eles estavam compartilhando uma xícara
de chá inocente e, no outro, o marquês a estava beijando. O que
diabos o possuíra? Se fosse loucura, então Millie também padecia
da mesma enfermidade, visto que o beijara de volta.
– Nada aconteceu – sussurrou, lembrando-se das palavras de
Alex. Ela tocou seus lábios com um dedo e suspirou. – Nada além
de você ter sido estúpida, se apaixonado por ele e permitido que o
cavalheiro a beijasse.
Ao mentir para os outros, Lorde Brooke salvara suas peles,
todavia, ver a verdadeira natureza do cavalheiro ser confirmada era
algo que a feria profundamente. Poucas horas depois de declarar
seu amor pela jovem, ele partira de Londres sem qualquer aviso.
Por um breve instante, Millicent vira um brilho nos olhos do rapaz
que a tentara a acreditar em suas palavras. O beijo fora um
movimento ousado, contudo, quando ele dissera que falava sério
sobre a afeição que sentia pela dama, o momento se desfizera em
farsa. Sua resposta à declaração fora totalmente apropriada; afinal,
o marquês não tinha qualquer direito em levantar questões do
coração. Ao ver o encontro como uma brincadeira, a garota tratara a
declaração do sujeito com a gravidade que merecia.
Na noite anterior, fora graciosa, porém, na próxima vez que seus
caminhos se encontrassem, se certificaria de que Alex
compreendesse a profundidade de seu desprezo pelo
comportamento dele. Quantas outras garotas tinham ouvido aquelas
mesmas palavras de amor, acreditado nelas e, no final, acabado
com seus corações partidos? Sem mencionar no custo que as
ações do irmão de Lucy tinham causado à dama.
Millie se olhou no espelho e sorriu. A decepção amarga ainda
doía em seu peito, todavia, estava ciente de que nenhuma senhorita
era verdadeiramente imune aos charmes de Lorde Brooke.
Inspirando profundamente, agradeceu aos céus. Conseguira
escapar com sua reputação e seu coração parcialmente intactos,
agora, estava na hora de seguir em frente.
A vida continuava mesmo sem a presença de Alex Radley. A
perda da amizade de Lucy era um golpe cujos danos não
conseguiria reparar, porém, Millicent tinha mais de um mês para
formar novas amizades antes que a outra retornasse a Londres.
Uma faísca de esperança surgiu dentro de si. Se preparasse um
plano de contingência, ao menos teria tempo para decidir se
permaneceria na Inglaterra ou se voltaria para a Índia. Agora, as
coisas pareciam muito melhores do que estavam algumas horas
antes.
– Quem sabe, talvez eu encontre alguém que me fará querer
ficar.
Decidindo que não havia momento melhor do que o presente, a
jovem abriu a porta do seu quarto e seguiu à procura de sua mãe.
Embora Violet ainda estivesse debilitada por conta de seu tornozelo
ferido, uma vez que percebesse quão séria sua filha estava sobre
querer fazer novos amigos, uma recuperação milagrosa sem dúvida
se seguiria.

Duas semanas depois, David começava a se arrepender de ter Alex


mais uma vez conversando normalmente com ele. Em algum ponto
após a chegada da família na Escócia, seu irmão decidira que
precisava escrever uma carta para Millie; o problema era que
quando o marquês colocava algo na cabeça, não havia nada que
pudesse impedi-lo.
Na manhã seguinte a uma das regulares visitas noturnas dos
irmãos à taverna da vila local, David estava sentado à mesa do café
da manhã, sentindo-se um tanto quanto mal. Encarando pela
terceira vez o porco salgado e o pão que estavam em seu prato,
sentiu seu estômago revirar, desistiu de comer e afastou a refeição.
Uma xícara de chá quente parecia ser a opção mais segura.
Ele ouviu Alex se aproximar muito antes do rapaz adentrar o
cômodo. Assobiando enquanto caminhava, o marquês pegou um
prato e começou a empilhar uma montanha de comida sobre ele.
– Bom dia, querido irmão. Tive uma ótima noite de sono; me
sinto incrível e também faminto – o rapaz anunciou.
Com um prato cheio de bacon, pudim e rosbife, Lorde Brooke
pegou vários ovos gordurosos e os equilibrou no topo do amontoado
de comida antes de bater a tampa de prata sobre a travessa. Se
David estivesse se sentindo bem, teria balançado a cabeça. Em vez
disso, apenas fechou seus olhos e tentou se concentrar em manter
o chá em seu estômago.
Seu irmão se jogou na cadeira oposta à sua e esfregou as mãos
com alegria.
– Hoje vai ser um bom dia. O que acha de cavalgarmos até o
cume do vale? Papai disse que a trilha principal está praticamente
sem neve. Mal posso esperar para subir no lombo de um cavalo e
sair por aí. Sem coches ou pessoas, apenas com as campinas
selvagens da Escócia pela frente. O que me diz? – o marquês
enfiou um grande pedaço de pudim na boca e passou a mastigá-lo
com satisfação.
Na noite anterior, Alex bebera junto com ele, contudo, aqui
estava, juvenil e bem-humorado, como se o álcool que consumira
não tivesse sido nada. O mais velho pegou sua xícara de chá e
tomou um gole. Seu estômago já começava a reclamar só com a
ideia de ficar pulando para cima e para baixo sobre a sela de um
cavalo, o que só piorava com o cheiro do bacon.
– Acho que passarei o dia lendo alguma coisa ou, talvez,
escrevendo algumas cartas – respondeu.
De repente, o mais novo bateu as mãos e David estremeceu.
– Excelente, era exatamente isso que eu queria ouvir – Lorde
Brooke afirmou, enfiando seu garfo no prato. O cavalheiro se
inclinou sobre a mesa enquanto brandia, na ponta do talher, um
pedaço de bacon, que pingava com gema de ovo. – Preciso que
escreva uma carta para mim.
Ele encarou Alex. Em toda a sua vida, seu irmão nunca
escrevera uma carta, assim como nunca pedira que David redigisse
uma em seu nome. Durante todo o tempo que passaram em Eton, o
máximo que o marquês fizera fora esperar que David terminasse de
escrever sua correspondência semanal aos seus pais para poder
acrescentar suas iniciais no final.
Lorde Brooke estava aprontando algo.
– Se me permite perguntar, para quem tal carta será
endereçada? – o mais velho questionou.
– Millie Ashton – o outro respondeu.
David fitou seu irmão com preocupação.
– Tem certeza de que quer fazer isso? – ele finalmente
perguntou.
O sorriso desapareceu do rosto de Alex.
– Sim, tenho absoluta certeza – o mais novo disse com firmeza,
pousando a faca e o garfo no meio do prato e encostando suas
costas na cadeira.
O silêncio tomou conta do cômodo enquanto David procurava
pelas palavras certas.
– Então, além de suas sinceras desculpas por arriscar a
reputação da dama, o que mais deseja escrever? Posso sugerir que
o tom da carta seja amigável e que relate sua viagem à Escócia
para a jovem? Fale um pouco sobre o clima e, talvez, termine
dizendo que sente falta do sorriso dela. Nada muito sério – falou.
O marquês coçou a orelha.
– Preciso escrever uma carta de amor.
– Por quê? – David perguntou cautelosamente.
Alex suspirou.
– Porque na noite em que levei Millicent para a nossa casa, eu a
beijei e disse que a amava. É por isso. Quanto mais penso a
respeito, mais tenho certeza de que é amor. Então, como pode ver,
preciso fazer algo a respeito. Desejo me casar com ela; quero que a
dama seja, algum dia, minha duquesa. Acho que Millie seria perfeita
para tal posição.
O coração do mais velho afundou. A pobre garota provavelmente
passara todos os dias desde a partida deles se convencendo de que
seu irmão era um libertino sem coração que apenas a usara para
seu bel-prazer. Se Alex ainda tivesse alguma chance de conquistá-
la, não havia mais a ser feito; David tinha que fazer conforme o
marquês pedira.
– Já tem algo em mente? – indagou.
Seu irmão torceu o nariz.
– Na verdade, não. Você sabe como sou péssimo em formular
frases na minha cabeça. Estou certo de que consegue pensar em
um texto apropriado muito mais rápido do que eu jamais poderia.
– Você também tem a opção de voltar a Londres – David
respondeu. Essa era uma alternativa muito mais favorável para ele,
de fato, qualquer coisa seria melhor do que ter que escrever uma
carta de amor para uma jovem que mal conhecia.
– Conversei com o papai nesta manhã, mas meu pedido foi
negado. Embora eu tenha dito que era um assunto urgente, ele
afirmou que eu precisava levar minhas responsabilidades como
futuro líder do vale mais a sério e que não podia simplesmente
voltar a Londres por conta de um mero capricho – Lorde Brooke
comentou, afastando o prato de comida que estava pela metade.
O mais velho aguçou as orelhas. Se havia algo que seu irmão
nunca fazia era deixar sobras em seu prato.
– Foi ele que sugeriu que eu pedisse para alguém escrever uma
carta para a Srta. Ashton. Papai afirmou que não estava convencido
sobre meus sentimentos pela dama e que eu não deveria tomar
decisões precipitadas. Ele acredita que não devo me apressar e que
preciso sondar seus sentimentos antes de apresentar um pedido
formal ao seu pai. Segundo papai, se ela não me quiser, ao menos
terei algumas semanas para lamber minhas feridas antes de
retornarmos. Por favor, David, realmente preciso de sua ajuda.
O outro cavalheiro limpou sua boca com um guardanapo e se
levantou. Antes de partir, virou-se para Alex e ergueu as mãos em
rendição.
– Tudo bem, contudo, preciso de algum tempo para pensar sobre
o que escrever. Contanto que não me importune, tentarei redigir
algo dentro de um ou dois dias – disse.
– Obrigado. Isso significa muito para mim, nunca me esquecerei
da sua ajuda – seu irmão respondeu.
David estremeceu.
– Na verdade, você definitivamente irá se esquecer. Se eu
escrever essa carta, nunca mais quero ouvir a respeito disso. Se
você algum dia contar a alguém sobre meu envolvimento, nunca
mais lhe dirigirei sequer uma palavra. Entendido?
Sem outra opção, Lorde Brooke assentiu.
Enfiando as mãos em seus bolsos, o mais velho seguiu para o
seu quarto, esperando que Alex voltasse a si e se esquecesse sobre
o pedido. Talvez, se não levantasse a questão com seu irmão, a
estúpida ideia de escrever uma carta para a Srta. Ashton acabasse
morrendo.
Infelizmente, quando a hora do jantar chegara, já tinha percebido
que estava sem sorte. O mais novo começara a vigiar cada um de
seus movimentos. As ofertas amigáveis de chá do rapaz a cada
meia hora estavam começando a enlouquecê-lo. Como se não
bastasse, seu irmão fizera uma viagem especial até a cidade
seguinte para procurar a barra de manteiga favorita de David. Nem
mesmo a viagem de quatro horas no lombo de um cavalo sob o frio
congelante fora capaz de impedir que Alex permanecesse com um
sorriso estampado no rosto ao retornar.
Por fim, tendo desistido do entretenimento noturno com sua
família, David foi para a sala de estar reservada para o uso pessoal
dele e de seu irmão.
– Não acredito que me permiti ser convencido; devo estar louco
– murmurou ao abrir a porta da sala aconchegante.
Ele a fechou atrás de si e se inclinou sobre ela, calmamente
observando o cômodo. A lareira estava acesa desde a tarde, o que
permitira que o ambiente ficasse quente e agradável. A prateleira de
uísque estava estocada e a seleção de charutos tinha sido
arrumada com perfeição.
– Vamos terminar logo isso. Só então, ele me deixará em paz –
disse para si mesmo.
O rapaz andou até uma grande mesa situada em frente à janela
e se sentou. Imaginava que algumas linhas sobre flores e estrelas,
seguidas por uma declaração de amor, seriam o bastante para livrá-
lo da tarefa. Ele pegou a caneta, mergulhou-a no tinteiro e se
inclinou sobre o tampo. Estava certo de que levaria apenas alguns
minutos para escrever uma simples carta de amor.
Dez minutos depois, ainda encarava a folha de papel em branco
enquanto a caneta balançava suavemente entre seu dedo médio e
indicador. David soltou uma maldição e a colocou sobre a mesa.
– Vamos lá, é só colocar algo na página, não precisa soar como
alguma obra de Wordsworth – o cavalheiro resmungou em
frustração.
Seu olhar vagou pela sala em direção à prateleira de uísque,
onde pousou sobre seu malte envelhecido predileto. A luz da lareira
brilhava magicamente sobre o decantador de cristal. Ele sorriu.
– Tudo bem, meu amor. Estou escutando seu canto de sereia.
Com um copo de glória dourada em sua mão, David voltou para
a mesa e se sentou mais uma vez. O rapaz tomou um gole do
uísque, apreciando o malte suave deslizar pela sua língua.
Imediatamente, decidiu que ficaria mais confortável próximo ao fogo.
Equipado com papel, tinta e caneta, se acomodou em uma grande
poltrona de couro.
O cavalheiro mirou o papel e rezou por inspiração. Como
conseguiria escrever uma carta de amor para alguém que mal
conhecia?
– Arrá! – exclamou, movendo a caneta como se fosse a batuta
de um maestro.
Se iria escrever tal texto, precisava encontrar sua musa. Uma
imagem de Lady Clarice Langham apareceu em sua mente. Amava
a dama de longe há muitos anos, contudo, ela sempre recusara
educadamente seus convites para dançar. O pai da jovem deixara
bem claro que o filho ilegítimo de um duque nunca seria o bastante
para a sua filha. David sabia que continuar atrás dela seria apenas
perda de tempo, entretanto, seu coração pertencia à moça.
Enquanto Clarice permanecesse solteira, uma pequena chama de
esperança continuaria a queimar dentro de si.
Embora o desejo de seu coração estivesse além de seu alcance,
podia ao menos fazer bom uso dos sentimentos que nutria pela
dama e despejá-los na carta de amor que escrevia para o seu
irmão. Tudo o que tinha que fazer era imaginar que Clarice seria a
destinatária da correspondência.
Com isso em mente, mergulhou a caneta no tinteiro e começou a
escrever.

Uma hora depois, Alex abriu silenciosamente a porta da sala de


estar privativa e se deparou com seu irmão adormecido em uma
poltrona. Várias folhas de papel amassadas e parcialmente
queimadas estavam na beira da lareira. O marquês balançou a
cabeça, apanhando-as e jogando-as sobre as brasas quentes.
David tinha uma péssima mira.
No chão, próximo à cadeira de David, estava uma folha dobrada.
Ela tinha sido endereçada, entretanto, não fora selada. Lorde
Brooke apanhou o papel e o abriu, não conseguindo compreender
as palavras que formavam o endereço, vez que a caligrafia do irmão
era pior do que sua mira; a única coisa que pôde observar foi o
grande L de Londres escrito no final. Uma sensação de alívio o
tomou. O mais velho não tinha lhe deixado na mão.
Alex levou a folha para a mesa, pegou um pouco de cera da
gaveta, aqueceu-a na lareira e, ao retornar, selou o envelope com
seu brasão pessoal. O rapaz ficou olhando para a carta enquanto a
cera esfriava lentamente. Em vez de uma declaração de amor da
qual o futuro de toda a sua felicidade dependia, a correspondência
parecia mais um documento de negócios que seu pai costumava
enviar.
Não parece com uma carta que eu mandaria. Não há nada que
mostre que eu a escrevi, o que, é claro, se dá porque o texto
realmente não é de minha autoria. Preciso transformá-la em algo
mais pessoal.
David se remexeu em seu sono, chamando a atenção do mais
novo, que notou o tinteiro e a caneta sobre o braço da poltrona em
que seu irmão dormia.
– A sorte favorece os corajosos – murmurou para si.
Pegando os objetos e colocando-os sobre o tampo da mesa,
certificou-se de que nenhuma gota acidental de tinta caísse sobre
sua preciosa carta e passou a escrever meticulosamente suas
iniciais no verso da correspondência, logo abaixo do selo. Ao
terminar a tarefa, sentou-se e apreciou sua obra, feliz por saber que,
quando Millie a recebesse, saberia quem a tinha enviado mesmo
antes de abri-la.
Com o envelope em suas mãos, deixou David para trás e saiu à
procura do criado-chefe do castelo. Assim que amanhecesse, a
carta mais importante que já enviara estaria a caminho de Londres.
Tendo feita a entrega para o funcionário, o cavalheiro voltou para a
sala de estar privativa, pretendendo acordar seu irmão para que
pudessem desfrutar de um copo de bebida e de um charuto juntos.
Porém, quando abriu a porta, viu que o cômodo estava vazio. O
mais velho provavelmente acordara enquanto estava fora e seguira
para a cama.
Que pena.
Seu olhar caiu sobre o fogo; se quisesse ficar no local por mais
algum tempo, era melhor acrescentar lenha à lareira. Em vez disso,
afastou a tora que ainda mantinha as pequenas labaredas acesas e
espalhou as brasas, permitindo que o fogo apagasse lentamente.
Alex pegou um charuto de uma bandeja e usou uma das velas que
estava na cornija da lareira para acendê-lo.
Após pegar um sobretudo em seu quarto, o rapaz deixou a ala
privativa da família. Com a coberta que trouxera de Londres por
cima dos ombros e um cachecol grosso de lã enrolado ao redor do
seu pescoço, percorreu os grandes degraus de pedra que levavam
às muralhas do castelo. Aquele parecia ser seu dia de sorte, pois a
neve parara de cair, de modo que conseguiu ficar aquecido em um
dos esconderijos favoritos de sua infância. Olhando através de um
dos espaços da muralha, onde, antigamente, os arqueiros
costumavam lançar suas flechas, foi brindado com uma visão
escurecida do vale, que se estendia até o início do lago mais
próximo. Ao levantar a cabeça, podia ver as luzes da vila abaixo do
castelo.
Mal podia esperar para trazer Millie para a Escócia. Mostraria à
jovem o lugar e todos os seus arredores. Tinha certeza de que ela
amaria a propriedade e que, uma vez que a conhecessem, todos os
inquilinos também gostariam da dama. Ele torcia para que a Escócia
tomasse um lugar especial no coração da garota, fazendo com que
a dor que ela sentia pela perda de sua casa na Índia diminuísse.
Sentado com o sobretudo aberto e o cachecol agora enrolado na
sua cabeça, Lorde Brooke soltou anéis de fumaça no ar frio, ainda
tentando imaginar qual seria a reação de Millicent quando lesse sua
carta de amor. Mentalmente, contabilizou quantos dias levaria para
sua declaração ser entregue, assim como o tempo para a resposta
apressada da jovem chegar até ele. Em menos de uma semana e
meia, deveria ter sua correspondência preciosa em mãos. O
cavalheiro estava confiante de que, com a troca de cartas, os dois
chegariam a um entendimento; portanto, assim que retornasse para
Londres, visitaria o pai da garota e pediria a mão de Millicent em
casamento.
– Um casamento em junho seria bom.
O marquês fez um lembrete mental para reservar a igreja St.
George no momento em que tivesse a aprovação do Sr. Ashton.
Quando o boato de que a cerimônia aconteceria no segundo sábado
de junho tivesse se espalhado, nenhum outro integrante da alta
sociedade seria tolo o bastante para marcar seu casamento no
mesmo dia.
Alex tragou o seu charuto à medida que um sorriso se formava
em seus lábios. Seu matrimônio com Millie seria um ponto decisivo
em sua transição de nobre festeiro e galanteador para futuro duque.
Deixaria de compartilhar aposentos com seu irmão e passar a
madrugada bebendo. Em vez disso, teria uma esposa amorosa e
uma cama quente para se acomodar toda noite.
– Precisaremos de algum lugar para morar – falou para as
paredes de pedra.
Ele começou a criar uma lista de coisas de que precisaria
quando voltasse a Londres. À medida que a lista crescia, percebeu
que levaria todo o tempo disponível antes do casamento para
colocar tais assuntos em ordem. Ter uma esposa não era algo fácil,
havia muito trabalho envolvido.
Pela manhã, conversaria com seu pai; tinha que haver uma
forma da família encurtar sua estadia na Escócia. O rapaz se ergueu
e apagou o charuto na pedra fria do chão da muralha. Uma faixa
fina de fumaça escapou quando esmagou a ponta sobre sua bota.
Virando-se com a intenção de ir para a cama, viu a porta se abrir e
Lucy adentrar a noite fria.
Ela sorriu.
– Estava esperando encontrá-lo aqui. Todos os outros estão
dormindo – a garota disse, fechando a porta atrás de si.
– Eu estava prestes a me juntar a eles – Alex replicou.
Lucy tirou as mãos do casaco de pele que vestia e exibiu os dois
bolos de aveia que segurava.
– Será que eu conseguiria tentá-lo a ficar por mais alguns
minutos?
O mais velho assentiu.
Eles se acomodaram no canto em que o marquês estivera
sentado e o cavalheiro cobriu as pernas de ambos com seu
cobertor. A jovem lhe entregou um dos bolos e permaneceu em
silêncio enquanto comiam.
– Estou querendo falar com você há alguns dias, mas tem sido
difícil encontrar um momento privado. Pensei que gostaria de saber
que, anteontem, recebi uma carta de Millie – sua irmã disse.
Lorde Brooke sentiu sua respiração ficar presa na garganta e
Lucy apertou sua mão.
– Embora tenha sido curta, fiquei satisfeita ao ver que não era
uma carta de desculpas usual. Ela confessou que foi tola ao sair do
baile com você e reconheceu que seus atos me machucaram.
Millicent explicou que nossa amizade era muito importante e pediu
perdão pelo que aconteceu.
Um suspiro de alívio escapou dos lábios do mais velho.
– O que eu quero saber é o seguinte: devo perdoá-la ou essa foi
apenas mais uma das amizades que só se formou porque alguém
queria se aproximar de você? Diga-me, Alex, devo aceitar o pedido
de desculpas ou deixar Millie ir como fiz com as outras?
Lorde Brooke passou um braço ao redor dos ombros de sua
irmã, abraçando-a.
– Desejo com todo o meu coração que aceite as desculpas de
Millie e que vocês continuem amigas. A dama não a usou para
chegar até mim; fui eu que usei você para chegar até ela. – A garota
o fitou com um olhar interrogador, fazendo-o sorrir. – Peço que
mantenha o que vou dizer em segredo, Lucy, pois alguns assuntos
ainda precisam ser resolvidos. Eu quero formar uma amizade com a
Srta. Ashton porque tenho a intenção de pedi-la em casamento
quando voltar a Londres.
A mais nova ofegou em surpresa.
– Alex, eu não tinha ideia de que nutria tais sentimentos por ela.
Seria adorável ter Millie como irmã. Escreverei uma resposta para
ela nessa semana para garantir que nos reconciliemos. – Lucy se
virou, mirando-o com um olhar de górgona. – Você a ama, não é? O
casamento é um assunto sério.
Afastando o cobertor, o marquês se levantou e pegou a mão da
moça, puxando-a para cima. Ela passou os braços ao seu redor e
eles trocaram um abraço.
– Sim, eu a amo. Não sou o libertino que achava que era – ele
riu, bagunçando o cabelo de sua irmã.
Com a amizade de Lucy e Millicent prestes a ser restaurada e
sua declaração de amor a caminho de Londres, Alex se sentia
confiante com o que o futuro traria. A resposta favorável de sua
amada estava apenas a alguns dias de distância, portanto, podia
permanecer na Escócia e tentar cair nas boas graças de seu pai.

No dia seguinte, Alex e David cavalgaram para o ponto mais alto do


vale. Quando estavam logo abaixo do pico rochoso do lugar, o
marquês parou seu cavalo e pulou para o chão. O estalo do gelo
embaixo de suas pesadas botas de couro fez com que um sorriso se
abrisse em seu rosto.
– Eu amo aqui em cima, é tão bom deixar Londres para trás e
inspirar um pouco de ar fresco – disse, observando seu irmão
descer do cavalo.
– Não há nada melhor do que a sensação do ar gelado da
Escócia atingindo seus pulmões – David retrucou.
– A vida é boa.
O mais velho tirou uma folha de papel dobrada do bolso e
entregou para Lorde Brooke.
– O que é isso? – o rapaz perguntou.
– A carta que eu prometi; não me diga que já desistiu da ideia.
Passei a noite de ontem inteira tentando escrever algo, mas acabei
queimando todas. Então, em vez de quebrar a minha promessa,
acordei cedo e a escrevi – David explicou, apontando para o papel.
Um calafrio percorreu a coluna de Alex.
O que eu enviei a Londres?
– Qual era o problema das cartas que escreveu na noite
passada? – perguntou com cautela.
Seu irmão deu de ombros.
– Algumas foram tentativas fracassadas. Quando finalmente
consegui criar algo substancial e coloquei o endereço, percebi que
era demais. Há um limite para a quantidade de paixão que se pode
despejar em uma declaração para uma mulher solteira.
– Então, você a queimou com as outras? – o mais novo indagou,
curvando os dedos do pé dentro de suas botas.
– Sim.
Fitando a folha em suas mãos, o marquês tomou uma decisão. A
carta que David acreditava ter queimado estava intacta e a caminho
de Londres; não havia nada que eles pudessem fazer. Contar a
verdade ao seu irmão apenas faria com que os dois tivessem outra
discussão.
Erguendo o rosto, Alex sorriu e assentiu com gratidão.
Se a carta que enviara realmente contivesse uma paixão
avassaladora, seu irmão tinha, inconscientemente, dado-lhe
exatamente o que precisava para convencer Millie de que realmente
a amava.
Mais tarde, quando retornou para o castelo, queimou a segunda
carta.
Capítulo 15

inda; absolutamente incrível, minha querida – Violet disse


–L assim que Millie saiu do provador da loja de Madame de
Feuillide.
O novo vestido rosa que a jovem escolhera se encaixava
perfeitamente em seus quadris, destacando sua nova silhueta com
perfeição.
– Você consegue perceber que eu perdi peso? – a mais nova
perguntou ansiosamente, olhando seu reflexo no espelho enquanto
se movia de um lado para o outro e examinava a vestimenta. Não
esperava nenhum milagre, mas ver algum resultado após todo o seu
trabalho duro seria um presente divino.
A modista sorridente ergueu o polegar e o indicador para mostrar
o quanto tivera que diminuir do vestido desde a última prova de
Millicent. Mais dois centímetros. No total, sua cintura diminuíra cinco
centímetros desde que começara a fazer caminhadas diárias. Violet
arqueou as sobrancelhas e abriu um sorriso.
A moça nunca seria esbelta, tal traço simplesmente não fazia
parte de sua constituição, contudo, estava começando a gostar do
que via no espelho. Talvez, conseguisse ser a mulher que sua mãe
descrevera; uma com os tipos de curvas que os homens apreciavam
e que as senhoritas invejavam. Com as mãos no quadril, a garota
fez uma dancinha.
– Não é esse o momento em que você deveria mencionar a
metáfora sobre a borboleta que sai de seu casulo? – Millie
provocou.
Violet assentiu, limpando uma lágrima dos olhos.
– A cor é magnífica. Não achei que o tom escuro ficaria bom,
mas ele realmente complementa a cor do seu cabelo – sua mãe
falou. – Embora continue não sendo ideal para uma debutante; o
mais adequado seria um vestido creme pálido ou branco.
A jovem sorriu, sabendo que não morderia a isca. Desde que
contara à mulher sobre o desentendimento que tivera com Lucy, as
duas uniram esforços para que Millicent continuasse sua campanha
à procura de novas amizades. Um dos pontos de discussão em
seus planos fora a posição da mais nova dentro da alta sociedade.
Violet acreditava que sua filha deveria ter uma apresentação formal
diante da corte, enquanto a moça argumentara que, com quase
vinte e um anos, era velha demais para debutar.
A discordância entre elas continuou até que finalmente
chegaram a uma solução. Se alguém perguntasse se a dama tinha
sido apresentada à sociedade, diriam que ela debutara em Calcutá.
“Uma mentirinha em troca de um verão de paz”, fora assim que
Millie descrevera a sugestão para sua mãe.
No final, as mulheres chegaram a um acordo, entretanto, a
jovem sabia que Violet a estava mantendo em uma rédea curta. Ela
não podia contar para ninguém sobre a noite incrível do seu baile de
debutante, bem como não lhe era permitido descrevê-lo em
detalhes. O importante era que estava em meio à sociedade, o resto
era passado.
Agora, cerca de uma semana após a Páscoa, mais e mais
convites para eventos e festas continuavam a chegar diariamente na
casa dos Ashton.
– Estou pensando em usar este vestido no baile de terça-feira,
mamãe. O que acha? Sei que a temporada só começará daqui a
algumas semanas, mas adoraria poder usá-lo no baile de Lorde
Langham. Acho que seria a roupa perfeita – Millicent afirmou.
O evento na residência do conde de Langham estava marcado
em seu diário como uma data importante. Seria a oportunidade
perfeita para a família Ashton conhecer mais alguns de seus
vizinhos. Já para a moça, seria a chance de mostrar às outras
senhoritas que representava uma competição muito maior do que
apenas seu dote considerável.
Quem sabe? Talvez eu esbarre em algum cavalheiro que me
ache irresistível e me implore para fugir com ele para Gretna Green.
– Por favor, mamãe. Estive tão ansiosa por esse baile. Prometo
que não chegarei perto da mesa de guloseimas e que preencherei
meu cartão de dança apenas com companhias adequadas – ela
pediu.
Violet assentiu.
– Mas só se o vestido estiver pronto até lá. Não farei com que as
ajudantes da Madame trabalhem por horas a fio apenas para
terminá-lo.
A modista balançou uma mão.
– Isso não é um problema, Sra. Ashton. Só temos que finalizar a
última bainha e ele estará pronto. Você o receberá em sua
residência nesta tarde. A Srta. Ashton poderá vesti-lo no baile.
A jovem sorriu e deu um beijo na bochecha da idosa. Diferente
das outras costureiras de Londres, Madame de Feuillide não
escondia um sotaque de Cockney por baixo de seu francês
impecável. O olhar de Millie caiu sobre o pequeno pendente com a
imagem de um homem que a modista usava. A Inglaterra oferecera
refúgio para muitos que tinham fugido do terror da França
revolucionária, todavia, algumas pessoas, como o Monsieur de
Feuillide, não conseguiram aproveitar tal chance.
A mulher colocou suas mãos sobre as da dama e as apertou
gentilmente.
– Merçi, minha querida. Você está tão bela; estou certa de que
os cavalheiros perceberão. Espero que, ao final deste verão, possa
fazer seu vestido de noiva. Agora, vá se trocar enquanto eu verifico
se suas sapatilhas chegaram.
Com o vestido para o baile acertado, Millicent e Violet voltaram
para casa. Elas se acomodaram na sala de estar e começaram a
fazer os planos para os eventos sociais que aconteceriam na
próxima semana.
– Seu pai e eu jantaremos na casa do seu tio e da sua tia nesta
quinta-feira, então você terá um dia de descanso em casa após o
baile da terça-feira. Não é indicado que senhoritas passem todas as
noites fora de casa logo no começo da temporada. Isso passa a
impressão de que é uma dama frívola e que não tem a sensibilidade
necessária para considerar um matrimônio. Temos que planejar as
noites em que ficará em casa com cuidado para que gere uma boa
impressão na alta sociedade – sua mãe explicou.
– Sim, mamãe – a mais nova respondeu distraidamente.
Sua atenção estava dividida entre escutar o que Violet dizia e
pensar na grande entrada e noite que projetara para o evento de
terça-feira. Inconscientemente, seus dedos procuraram pelo seu
piercing de nariz, fazendo-a se lembrar que o retirara na manhã
após o baile do conde de Shale e, desde então, não voltara a
colocá-lo.
Talvez seja melhor assim; ao menos as pessoas não continuarão
me encarando. Preciso fazer tudo o que puder para que a noite seja
um sucesso. Preciso voltar com ao menos uma, não, duas novas
amigas depois do baile.
– Millie?
– Hum?
Ela sentiu uma mão em seu joelho e pulou com surpresa. Sua
mente parou de vagar no momento que notou que sua mãe a fitava
com preocupação.
– Você está bem, querida? – a mulher perguntou.
A mais nova assentiu.
– Desculpe, eu estava pensando no baile. Hoje pela manhã,
quando estava me arrumando, percebi quão primordial ele é em
nossos planos. Esse será o primeiro grande evento que participarei
desde que Lady Lucy partiu para a Escócia.
– Falando nisso, você escreveu algo para ela? – Violet indagou.
– Sim, enviei uma carta no começo da semana. Pensei que
tivesse lhe dito, mas devo ter esquecido de contar. Suponho que a
correspondência já tenha chegado nas mãos de Lucy.
Millie fizera sua mãe acreditar que a discussão entre elas se
dera por um mero mal-entendido; um que requeria uma carta
educada de desculpas para acalmar os ânimos. A jovem redigira a
correspondência da melhor forma que pudera, declarando os fatos e
defendendo seu caso. A visita à casa dos irmãos Radley, por mais
estúpida que fosse, tinha como único e puro objetivo tomar uma
xícara decente de chá. Nada mais.
Para garantir que Violet não lesse seu conteúdo, a moça enviara
a carta secretamente. Odiava ter que mentir para sua ex-colega e
para sua mãe, porém, se qualquer uma delas soubesse o que
realmente acontecera naquele dia, Millicent e Alex estariam com
sérios problemas. Era por isto que precisava garantir que o baile
fosse um sucesso; precisava se aventurar e encontrar novos
amigos. Se suas desculpas não fossem aceitas por Lucy, ao menos
conseguiria distrair sua mãe e impedir que a mulher marchasse até
a Residência Strathmore à procura de respostas.
– Eu não implorei, apenas fui honesta com ela. Se Lucy não me
quiser como amiga, aceitarei sua decisão – Millie disse, encarando
suas mãos. Não era uma boa mentirosa, portanto, sabia que sua
mãe podia lê-la como um livro aberto.

A casa do conde de Langham ficava a apenas cinco portas de


distância da residência da família Ashton, ainda na Mill Street. Na
noite do baile, às oito em ponto, o coche dos Ashtons fez a volta e
parou em frente ao número vinte e três, permitindo que os
integrantes da família adentrassem o veículo que percorreria a curta
distância.
Millie ainda estava apreciando as expressões que notara nos
rostos de seu pai e de seu irmão quando eles a viram descendo a
escada alguns minutos antes de terem que partir para a festa. Os
olhos do Sr. Ashton brilharam com orgulho, enquanto os de Charles
se arregalaram e sua boca fora incapaz de formar palavras, apenas
observando-a até que os pés da moça pisaram no térreo. Seu pai
pegara sua mão e a girara pelo cômodo, fazendo o vestido cintilar
sob a luz do lustre da entrada.
– Quem é essa criatura divina e de onde ela veio? – James
dissera em um tom cheio de amor.
Seu irmão rira.
– Eu não sei, mas se você a trocou pela Millie, acho que ficou
com o melhor negócio.
Violet lançara um olhar desaprovador para o rapaz.
– Sua irmã está absolutamente incrível, Charles. Ela passou as
últimas semanas trabalhando duro, então devemos ficar orgulhosos
dela.
Naquele momento, a jovem não poderia se importar menos com
o que o seu irmão pensava ou dizia, pois se sentia tão leve quanto o
ar; assim como uma deusa que descia dos céus. Aquela noite seria
sua. A Srta. Millicent Ashton estava preparada para incendiar a alta
sociedade.
Quando o seu pai finalmente parara de girá-la, ela assentira
levemente para Charles. O rapaz pegara sua mão e dera um beijo
suave nela, onde-se via uma longa luva branca.
– Sua carruagem a espera, milady – ele dissera, fazendo uma
reverência profunda.
Enquanto seu irmão a ajudava a vestir seu casaco, inclinara-se e
sussurrara no ouvido da mais nova:
– Muito bem, Millie. Está na hora de mostrar a Londres do que a
família Ashton é feita. Você está maravilhosa.
Quando, por fim, o grupo chegou na Residência Langham,
Millicent adentrou o salão de baile de braços dados com o seu pai.
Charles e Violet vinham logo atrás.
– Quero que sua irmã tenha seu próprio momento para brilhar –
a mulher murmurara para o filho, diminuindo o passo e permitindo
que uma distância razoável se formasse entre os membros da
família.
Depois de cumprimentar o anfitrião, o viúvo conde de Langham,
os irmãos Ashton estavam livres para perambularem pelo local. Se a
garota acreditava que se sentiria perdida sem a presença de Lucy e
dos irmãos Radley, logo percebeu que o sucesso de seu
deslumbrante vestido apagaria suas preocupações. Dentro de uma
hora, já tinha dançado com vários cavalheiros elegíveis, que não
deixaram de elogiar sua roupa. Além disso, não deixara de notar os
rápidos olhares invejosos que algumas senhoritas lançavam em sua
direção.
O mundo estava na ponta dos dedos da dama.
Quando entrara no salão acompanhada por seu pai, Millie sentira
como se irradiasse luz; agora, estava positivamente tonta com o seu
sucesso. Cada uma das palavras que saía de seus lábios parecia
ser perfeita. Ela rira nos momentos adequados e seus pés
dançaram tão levemente que mal os sentia tocando o chão.
– Só preciso de um minuto para conversar com o tio Oscar,
Millie. Tudo bem se você ficar sentada aqui até que eu retorne? –
Charles perguntou assim que pararam em frente a uma fileira de
cadeiras, após fazerem o caminho da pista de dança até a área de
refeições.
O mais velho conseguira dançar com sua irmã no final da noite;
contudo, só obtivera tal horário após trocar algumas palavras firmes
com um rapaz ansioso que se mostrara inflexível quanto ao seu
nome estar escrito no cartão da jovem sob aquela dança em
particular.
Ela repreendera o comportamento de seu irmão no exato
segundo em que ambos estavam fora do campo de audição do
parceiro ofendido.
– Você não tinha o direito de tomar o lugar dele, Charles. O
nome do Sr. Banks já estava escrito no meu cartão.
– Eu queria dançar com minha adorável irmã, além disso, o Sr.
Banks só está interessado no seu dote. Você poderia estar vestida
com um saco de batatas e ele ainda teria implorado para levá-la
para a pista de dança. O pai do sujeito recentemente despejou uma
fortuna em uma empreitada de mineração na Escócia, motivo pelo
qual seu filho precisa desesperadamente de dinheiro. Não troque
um libertino maluco como Lorde Brooke pelo filho de um apostador,
Millie. Brooke ao menos sabe manter um blefe – ele dissera.
Observando Charles seguir à procura de seu tio, Millicent deu
boas-vindas a um descanso bem merecido nas cadeiras
acolchoadas. Ser o centro das atenções estava fazendo seus pés
começarem a doer. Por que sapatilhas novas sempre machucavam?
A moça olhou de soslaio para a mesa de aperitivos e, sabiamente,
optou por tomar uma xícara de chá que lhe foi oferecida por um dos
funcionários da residência.
– Ele é tão romântico, um verdadeiro herói. Não acredito que
seria tão tímido a ponto de não falar com ela, contudo, quando vi a
carta, eu soube que era dele. Ela é a garota mais sortuda de todas.
As orelhas de Millie se aguçaram. Alguém tinha um admirador
secreto. A garota continuou a tomar seu chá calmamente à medida
que se esforçava para ouvir a conversa entre duas senhoritas que
tinham se sentado a algumas fileiras de distância.
– Ela a recebeu ontem. A correspondência percorreu todo o
caminho da Escócia até aqui.
Millicent reconheceu uma das garotas, tratava-se da amiga de
Lady Clarice Langham, a mesma que fizera comentários horríveis
sobre a jovem no baile do conde de Shale. Lady Susan alguma
coisa, acreditava que este era o nome dela. Nunca tinham sido
formalmente apresentadas, porém, sabia exatamente o tipo de
garota que Susan era: uma fofoqueira rancorosa que se divertia com
a miséria alheia.
– Então, você acha que Clarice irá aceitá-lo? – a outra senhorita
indagou.
A dama encarou o seu chá. Lucy lhe confidenciara que David
nutria certo afeto por Lady Clarice Langham. Ao que tudo indicava, o
cavalheiro finalmente tinha conseguido reunir coragem, embora de
longe, para confessar os desejos de seu coração. Ela sorriu. Mesmo
depois de tudo o que acontecera, ainda gostava de David e
desejava que ele fosse feliz.
Lady Susan soltou um grande suspiro de descontentamento,
respondendo em alto e bom som:
– Não seja tola, é claro que ela o aceitará. Ele é bonito e
engraçado, além disso, se o fizer, algum dia a jovem se tornará
duquesa. Quem, em sã consciência, receberia uma carta de amor
de Lorde Brooke e a esqueceria em uma gaveta? Esse vai ser o
casamento da temporada, e nós ainda estamos em abril.
Uma onda de calor percorreu o corpo de Millie, pintando seu
rosto em um tom de vermelho-vivo. A xícara de porcelana tintilou
quando ela agarrou a borda do pires com força. Não tinha certeza
se seu fôlego ficara preso em sua garganta, só sabia que não
conseguia respirar. A moça cerrou os dentes e lentamente levantou
a cabeça. Ao erguer os olhos, começou a analisar o salão de baile
freneticamente, procurando por qualquer sinal de salvação.
– Aquela não é Millie Ashton, a amiga de Lady Lucy? – a garota
ao lado de Susan perguntou.
– Sim, acredito que seja. Como a carta chegou ontem, imagino
que ela ainda não tenha escutado o burburinho sobre Lorde Brooke
e Clarice. É uma pena – Lady Susan retrucou em um tom de voz
alto demais para uma conversa privada.
As duas senhoritas se levantaram. Quando elas passaram por
Millicent, Susan olhou por cima do ombro e abriu um meio sorriso
satisfeito, deixando claro que escolhera aquele lugar específico e
aquele exato momento para divulgar as boas novas sobre a vida de
Lady Clarice. A garota queria ver os frutos de suas maquinações, ou
seja, ver a desolação de Millie estampada em seu rosto.
Com um sorriso alegre pintado nos lábios, a Srta. Ashton
desviou o olhar e acenou para uma pessoa imaginária do outro lado
do cômodo. Preferia morrer a dar tal satisfação para Susan.
Quando Charles retornou algum tempo depois, a mais nova
estava pálida e trêmula.
– Millie? – ele perguntou.
Sem encontrar os olhos de seu irmão, a garota ofereceu sua
mão.
– Preciso ir embora, Charles – respondeu. – Agora mesmo, se
não se importar. Eu andaria de volta para casa, mas mamãe pagou
uma pequena fortuna por essas sapatilhas e seria indelicado da
minha parte arruinar outro par. Preciso das minhas sapatilhas
normais e do meu casaco, por favor – ela apontou na direção do
vestiário das damas.
Charles estudou o rosto entristecido da jovem e segurou suas
mãos.
– O que aconteceu? Você estava tão contente quando eu saí e,
agora, parece estar prestes a enfrentar um carrasco.
– Ele vai se casar – Millicent disse sem emoção.
– Quem? Quem vai se casar? – o rapaz indagou, perplexo.
A moça fechou os olhos e sussurrou:
– Alex.
Seu irmão suspirou e Millie inspirou profundamente.
– Ele escreveu uma carta de amor para Lady Clarice Langham.
Aparentemente, todos já estão sabendo ou, se ainda não sabem,
Susan, aquela criatura diabólica, se certificará de fazer com que a
fofoca corra pelo salão de baile até o fim desta noite. Por favor,
Charles, não conseguirei encarar Clarice. Você precisa me levar
para casa.
O mais velho soltou suas mãos.
– Não – respondeu.
– O quê?
Ele balançou a cabeça e, para garantir que a jovem entendesse
o que queria dizer, colocou um braço ao redor dela, conduzindo-a de
volta para a parte principal do cômodo.
– Não, não vou levá-la para casa, Millie, e também não permitirei
que fique sofrendo em um canto escuro durante o resto da noite.
Você tem sido a razão por trás da diversão e dos risos deste evento.
Na minha opinião, nosso trabalho aqui ainda não acabou.
– Mas... – a outra gaguejou.
– Mas nada. – Charles gesticulou no ar. – Não precisa me contar,
porque eu posso deduzir a história sozinho. Você, assim como a
maioria das damas de Londres, permitiu que se apaixonasse pelo
marquês. Ele lhe deu um pouco de atenção, o que fez com que
acreditasse que o cavalheiro era uma dádiva do céu enviada
somente para você. Devo continuar? – Vendo Millicent dar de
ombros, o mais velho completou – Assim que Lorde Brooke
percebeu que você estava ficando muito afeiçoada, deu um grande
passo para trás, ou, para ser mais preciso, fugiu para a Escócia.
Seu irmão parou um criado que passava e pegou dois copos de
champanhe da bandeja bem servida que o sujeito carregava,
entregando, em seguida, um deles para a mais nova.
– Aqui está. Um brinde ao seu coração ferido, Millie. Ostente-o
com orgulho e aprenda com seus erros. – Ele engoliu o conteúdo da
taça de uma vez e ergueu o copo vazio na direção do que a sua
irmã segurava. – Vamos lá, temos uma longa noite pela frente. Está
na hora de assistir ao seu primeiro amanhecer em Londres
enquanto ainda está vestida com suas roupas noturnas.
A garota fitou a taça em sua mão e deu uma risada hesitante.
Estava face a face com um dos momentos mais decisivos em sua
jornada para ser aceita pela alta sociedade. O vestido que usava,
por mais esplêndido que fosse, não era nada além de uma fina
camada de decoração. A forma como se comportaria diante de uma
possível humilhação pública era a verdadeira prova; uma que
mostraria o progresso das últimas semanas. Se viesse a se
encontrar com Lady Clarice Langham, agiria com toda graça e
humor que pudesse reunir.
Ela tomou um pequeno gole do champanhe e afastou o copo dos
seus lábios.
– Só não me deixe arruinar meu vestido, do contrário, a Madame
de Feuillide acabará me matando.
– Pode deixar comigo – o mais velho respondeu.
Millie aproximou novamente a taça de sua boca e terminou a
bebida com um grande gole.
– Está na hora de encontrar algumas pessoas interessantes e,
nesse ínterim, ver se consigo mais desse champanhe magnífico – a
dama anunciou, endireitando sua coluna.
De braços dados, os dois irmãos voltaram para a parte principal
do salão de baile, deixando as sapatilhas e o casaco de Millicent
pendurados em segurança no vestiário das damas.

No dia seguinte, Millie escreveu uma nova carta para Lucy, pondo
um fim na amizade delas. Com o tempo, seu coração se
recuperaria, todavia, não podia arriscar se encontrar com Alex e
com sua noiva se viesse a visitar a Residência Strathmore. O preço
da preservação de seu orgulho era, infelizmente, sua amizade com
a irmã do marquês.
– Não vi nenhum anúncio de noivado na Gazeta – Violet
observou enquanto ela e a jovem faziam seu planejamento social
diário no final da semana seguinte. – Toda essa história me parece
estranha. Tudo o que ouvi foi um rumor de que a filha de Lorde
Langham havia recebido uma carta de amor de Lorde Brooke, mas
ninguém parece saber de mais nada sobre a situação –
acrescentou.
A mais nova continuou a folhear a última cópia de La Belle
Assemblée, observando atentamente os últimos penteados da
moda. Considerara cortar seu cabelo, entretanto, quando
mencionara a mudança para sua mãe, os olhos da mulher se
arregalaram com horror.
– De onde tirou essa ideia, minha querida? Ter um cabelo curto
não é algo adequado para uma dama tão jovem e inocente como
você – Violet explicara. – A não ser que tenha se envolvido em um
caso público com alguém fascinante e precise fazer uma declaração
dramática, a mudança não causaria o efeito esperado dentro da
sociedade. Você só pareceria tola.
Voltando ao presente, Millie tentou afastar os sentimentos de
pavor e culpa que pareciam ser seus atuais e fiéis companheiros e
comentou:
– Talvez ele esteja esperando para tornar as coisas públicas
quando voltar a Londres.
– É isso que eu não entendo.
– O que disse? – a garota questionou.
Sua mãe se inclinou sobre o ombro da moça e apontou para um
vestido com um decote alto e babados brancos.
– Esse é bonito – Violet falou.
Millicent fechou o livro e encarou a mais velha.
– O que você não entende?
– Não compreendo por que a família Radley ainda está na
Escócia. Se Lorde Brooke planeja se casar, por que escreveu para
aquela pobre garota e, depois, continuou em outro país? Não faz o
menor sentido. Falando nisso, você escreveu para Lucy
novamente? Agora que vocês fizeram as pazes, imagino que, se
alguém realmente sabe o que está acontecendo com o marquês,
essa pessoa é a sua amiga. Estou surpresa por ela não ter
mencionado nada na carta que lhe enviou. Se bem que, a garota
pode não ser a pessoa com quem o cavalheiro conversa a respeito
de tais assuntos. Os homens tendem a ser criaturas bastante
reservadas quando se trata de suas questões pessoais.
Millie encheu as bochechas de ar, pensando que estava na hora
de contar uma parcela da verdade para a mulher. Já era difícil o
bastante esconder a dor do seu coração partido, ao menos, assim,
poderia compartilhar a tristeza que sentia pela perda de Lucy.
– Sim, enviei outra correspondência para ela, mas não espero
receber uma resposta. Diante das núpcias iminentes de Lorde
Brooke, decidi que seria prudente encerrar qualquer associação
com a família Radley – a moça replicou.
Violet suspirou, passando um braço ao redor da cintura de sua
filha e puxando-a para perto. A mulher deu um beijo suave na
bochecha da jovem.
– Sente-se melhor agora que finalmente me contou? Eu pensei
que estivesse lidando com uma enxaqueca, querida. Você me
pareceu bem abalada no dia em que Lucy e sua família deixaram a
cidade. Primeiro, pensei que estivesse decepcionada com a partida
de sua amiga, porém, logo depois, passei a suspeitar de que fosse
algo mais.
A garota sorriu e deu um beijo em sua mãe.
– Obrigada – Millie disse.
A mais velha sorriu de volta.
– Não se preocupe, meu amor, sei que a pessoa para quem está
predestinada está lá fora. Eu não ficaria surpresa se você acabasse
o conhecendo muito em breve. Nos próximos meses, a cidade ficará
cheia de rapazes charmosos.
As duas ouviram uma batida na porta da sala de estar. Quando
elas ergueram os olhos, viram James Ashton adentrar o cômodo
com uma expressão confusa no rosto.
– Vocês nunca vão adivinhar de quem foi a visita que acabei de
receber.
Capítulo 16

A s costas de Alex doíam e ele se remexia desconfortavelmente


no assento de couro. Nunca mais reclamaria sobre viajar no
coche da família Strathmore, pois agora conhecia uma realidade
pior. Quando os irmãos Radley chegaram em Darlington, o marquês
já estava preparado para subornar o motorista e tomar as rédeas da
carruagem dos correios com destino a Londres. Daria qualquer
coisa para sair do veículo público apertado e respirar um pouco de
ar fresco. Jurava que o passageiro sentado à sua frente decidira que
fungar era uma forma de arte. O homem estava estudando-a com
afinco pelas últimas trinta milhas.
O veículo fez uma parada para realizar a troca de cavalos e de
correspondências, mas ela durou por apenas alguns minutos. Lorde
Brooke só teve tempo de fazer uma visita rápida ao lavabo dos
fundos, seguida pela compra apressada de algumas provisões,
antes de ter que retornar para a carruagem lotada, que percorreria
as próximas quarenta milhas de viagem.
– Estamos seguindo a uma boa velocidade – David informou,
entregando um pedaço de pão amanteigado fresco. – Normalmente,
levaríamos dois dias para fazer esse percurso.
Alex assentiu. Tinham conseguido avançar bastante desde que
deixaram Edimburgo, há um dia e meio. Ele olhou para a vista do
campo através da janela, grato por a Great North Road estar sem
neve. Mal conseguia acreditar que seu pai não tentara impedi-lo de
retornar a Londres. Estavam na Escócia há pouco mais de duas
semanas de sua estadia prevista, mas o marquês sabia que, se
continuasse no castelo por mais um minuto, enlouqueceria.
Durante esse meio-tempo, Lucy recebera uma carta de
desculpas de Millie, a qual respondera com um pedido de
reconciliação. Poucos dias após ter enviado sua própria carta para a
dama, Lorde Brooke passara a andar de um lado para o outro, indo
do pátio até a casa de guarda do castelo enquanto esperava
ansiosamente pela carroça matutina que vinha da vila e trazia
suprimentos. Contudo, toda manhã, retornara para a fortaleza de
mãos vazias. Pelos cálculos do rapaz, já deveria ser um homem
comprometido, entretanto, sua pretendida noiva não parecia ter
considerado necessário lhe enviar uma resposta. Millicent tivera
tempo suficiente para responder à sua declaração calorosa, motivo
pelo qual o silêncio da jovem começara a preocupá-lo.
Fora então que, em certo dia, Lucy recebera uma segunda carta
de Millie. Sua irmã adentrara a sala do café da manhã com um olhar
profundamente preocupado em seu rosto, segurando a
correspondência com força em sua mão.
– Alex, preciso falar com você – ela dissera.
Os pelos na nuca do cavalheiro se eriçaram quando viu a
expressão pesarosa no rosto da garota.
– Isso não parece nada bom – David murmurara baixinho ao
colocar sua xícara de café na mesa.
– Não sei o que aconteceu, mas Millie terminou nossa amizade
de modo educado e firme.
Ela se aproximara do mais velho e lhe entregara a carta. As
sobrancelhas do rapaz haviam se frisado ao ler o texto. Enquanto o
observava, uma sensação de pavor e mau pressentimento tomara
conta do marquês. Algo terrivelmente errado acontecera em
Londres.
– A Srta. Ashton diz que, devido aos acontecimentos recentes,
não poderá mais visitar a Residência Strathmore, pois não se
sentiria confortável sabendo que você também poderia estar
presente – David informara.
Pegando a carta das mãos do cavalheiro, Lucy fitara Alex com
tristeza.
– Eu sabia que tinha acontecido algo mais naquela noite e que
você apenas não queria admitir; a rapidez com que protestou pela
sua inocência me pareceu suspeita. Porém, colocando isso de lado,
parece que, afinal, Millie não está apaixonada por você e que
decidiu que sua companhia representa um grande risco à reputação
dela. Sinto muito, Alex. Parece que você não terá o final feliz que
esperava.
A dama dobrara a carta e olhara de soslaio para a comida na
mesa. David puxara uma cadeira, oferecendo-a o assento, mas ela
balançara a cabeça.
– Não estou com muito apetite hoje. Acho que só tomarei uma
xícara de café e partirei para um passeio nas muralhas. O ar fresco
me ajudará a clarear a mente.
O mais velho servira a bebida para a irmã e a levara até a saída,
fechando a porta atrás de si. Enquanto isso, Lorde Brooke
permanecera enraizado em seu assento, perplexo com a revelação
de Lucy. Ao retornar para a mesa, David se sentara ao lado do
rapaz. Um calafrio percorrera seu corpo quando o irmão colocara
uma mão firme sobre seu braço e lhe dera um tapinha amigável.
– Havia mais escrito na carta, contudo, suponho que não gostará
de saber. Após colocar um fim na amizade com Lucy, a Srta. Ashton
afirmou que pretende se casar com o primeiro homem que oferecer
levá-la de volta para a Índia.
O marquês se pusera de pé.
– Eu preciso retornar – dissera.
– Papai não concordará. Você sabe que ele não permitirá que
parta.
Alex assentira.
– Eu sei, mas preciso ver Millie. Se nosso pai não concordar,
terei que encontrar outro modo de fazer a viagem de volta a
Londres. Tentarei conversar com ele assim que retornar de sua
visita à vila. Enquanto espero, verificarei quanto dinheiro ainda me
resta. Talvez eu precise comprar uma passagem em um coche.
Ele pegara um prato vazio da mesa e começara a empilhar uma
montanha de comida. Independentemente do resultado do diálogo
que teria com o duque, de uma coisa estivera certo: não sabia
quando teria a próxima oportunidade de comer uma refeição quente.
O rapaz se sentara novamente e começara a comer, erguendo o
olhar apenas quando David colocara uma travessa com salmão na
frente dele.
– Você precisará de toda a sua força para encará-lo, assim como
também precisará dela para enfrentar a longa e fria viagem de volta
a Londres – o mais velho dissera, colocando um pouco do peixe no
prato já abundante do marquês.

A discussão entre o duque de Strathmore e seu filho se dera


conforme Alex esperara. Assim que seu pai retornara para o castelo,
o mais novo fora ao seu encontro e demandara permissão para
partir. O momento fora seguido por uma briga furiosa que terminara
com Lorde Brooke fazendo suas malas, despedindo-se de sua mãe
e de suas irmãs e começando a fazer o caminho a pé para
Edimburgo.
Três horas depois, seu pai enviara um coche. Ewan não
permitiria que seu filho e herdeiro congelasse até a morte apenas
para provar seu ponto. Quando o veículo parara na beira da estrada,
David descera, gritando para Alex:
– Já teve o bastante?
O marquês apanhara um pouco de neve e jogara na direção de
seu irmão.
– Maldição, já estava na hora. Ele realmente esperava que eu
andasse todo o caminho? – Lorde Brooke respondeu.
David desviara da bola de neve, fazendo um gesto indecente
com a mão.
– Estou impressionado, você chegou bem longe. Acho que papai
esperava que apenas ficasse de mau humor e resolvesse se
esconder em alguma taverna antes de retornar para o castelo. Ele
esperou por cerca de uma hora antes de mandar alguém à sua
procura. O resto da demora se deu por minha culpa. Decidi que
tomaria meu tempo empacotando minha mala quando papai pediu
que eu viesse atrás de você.
– Não vou voltar para o castelo. Seguirei para Londres.
Seu irmão pusera um braço ao seu redor, puxando-o para o
coche.
– Eu sei, é por isso que ele me enviou. Papai teme que você
esteja tomando decisões precipitadas sem parar para considerá-las
cuidadosamente. Eu, supostamente, devo ser a voz da razão.
Os dois se entreolharam antes de soltarem uma gargalhada.
– Papai disse que podemos ir com seu coche até Edimburgo; lá,
deveremos pegar a carruagem dos correios para retornar a Londres.
Devemos chegar na cidade na quinta-feira. Ele até me deu dinheiro.
– David tirara um maço de notas de cinco libras do bolso e as
cheirara. – Para ser sincero, acho que papai ficou satisfeito ao vê-lo
não aceitar um não como resposta. Quando eu estava saindo do
cômodo, juro que o ouvi murmurar algo sobre você estar finalmente
demonstrando alguma força de caráter.
Sorrindo, o mais velho pegara a maçaneta da porta. Em seguida,
virara-se para Alex com uma expressão séria no rosto, o completo
oposto da alegria que demonstrara antes.
– Tem certeza sobre isso? Não está apenas nos condenando a
uma longa viagem porque não tem coragem de voltar e encarar
nosso pai, não é? – ele perguntara.
– Sim, tenho certeza. Preciso ver Millie. Tenho o pressentimento
de que algo aconteceu e que isto a motivou a romper todos os laços
conosco. Se eu continuar na Escócia, garanto que enlouquecerei –
Lorde Brooke dissera.
Os irmãos trocaram um aperto de mão rápido. David subira no
coche assim que Alex jogara sua mala para o companheiro do
motorista, que estava no topo do veículo, e seguira o mais velho
para dentro. Com um estalar de seu chicote, o cocheiro fizera os
cavalos andarem e a dupla partiu para Edimburgo.
Mais tarde, acomodados na carruagem dos correios que
percorria as milhas que os separavam de Londres, os irmãos Radley
tentavam formular um plano para que Alex tivesse sucesso em pedir
a mão da Srta. Millicent Ashton em casamento. Flores e presentes
não seriam o bastante. A dama recebera os buquês que o
cavalheiro mandara como pedido de desculpas e não se deixara
influenciar. Se recebesse outros, provavelmente os devolveria,
assim como não permitiria que as gentilezas fizessem com que o
rapaz caísse em suas graças.
Após vários dias de discussão e alguns conselhos valiosos de
uma viúva idosa que seguia para Cambridge, chegaram à conclusão
de que a abordagem direta era a única chance do marquês. Quando
descessem em Londres, Lorde Brooke visitaria o pai de Millie e
pediria permissão para cortejar sua filha.
– Ela não se recusaria a me ver, não é? – o rapaz perguntou
para a viúva.
A mulher arqueou as sobrancelhas. Tendo perdido interesse na
conversa há algum tempo, David dormia em um dos cantos do
veículo.
– Isso dependerá da gravidade da afronta que você a causou. Se
for algo insignificante, vocês certamente serão capazes de se
reconciliar – a idosa respondeu.
Alex fez uma careta. Contara à viúva tudo, exceto por seu nome.
Porém, se ela fosse tão perceptiva quanto ele suspeitava que era, a
mulher já teria vislumbrado o brasão no frasco de bebida do
cavalheiro e percebido que os dois homens na carruagem eram, de
fato, os filhos do duque de Strathmore. O que os dois faziam
viajando em um veículo comum dos correios ficaria a cargo da
imaginação da senhora.
Quando a carruagem fez uma nova parada em Biggleswade para
a troca de cavalos, a mulher desceu. Em meio às despedidas, ela
colocou um cartão na mão do marquês e a apertou, dizendo:
– Não gaste muito tempo pensando a respeito, rapaz, só siga o
seu coração.
Após acompanhá-la até o coche que seguia para Cambridge e
se certificar de que ela estava segura dentro do veículo, Alex
retornou à estalagem do local para verificar se David pedira algo
para comerem. Se tivesse sorte, aquela seria sua última refeição na
estrada. No dia seguinte, chegariam em casa.
Ao se aproximar, o mais velho lhe entregou uma torta de carne
quente e Lorde Brooke passou o cartão da viúva para David. O
cavalheiro leu o verso e o virou. Um segundo depois, as bochechas
de seu irmão coraram.
David bateu nos lábios.
– Aqui diz: “Boa sorte. Espero que me convide para o seu
casamento e dê meus cumprimentos à sua mãe. Caroline sempre
foi uma garota adorável.” – Ele balançou a cabeça e fitou o coche
em que a viúva entrara, vendo-o seguir na estrada. – Aquela era
Lady Margaret Sutton. O que diabos ela estava fazendo viajando em
uma carruagem dos correios?
– Não sei, mas ela me lembrou de que preciso reservar a igreja
St. George assim que chegarmos. Depois, poderei falar com James
Ashton – Alex respondeu.
Capítulo 17

O marquês de Brooke optou por caminhar de volta para casa.


Após a desastrosa visita ao pai de Millie, precisava daquele
tempo para acalmar seus ânimos.
Os irmãos Radley tinham chegado em Londres no dia anterior e,
após terem uma noite merecida de sono, haviam se sentado para
conversar sobre o que viria a seguir. Phillips, que ao abrir a porta da
casa parecera estar completamente entediado, logo ficara
encantado ao ver David e Alex parados na soleira com suas malas
nas mãos. O valete passara a manhã seguinte se certificando de
que as vestimentas de ambos estavam à altura dos cavalheiros.
– Infelizmente, o resto dos funcionários não estará disponível por
mais alguns dias – Phillips informara. – Porém, tenho certeza de que
a Sra. Phillips e eu conseguiremos dar conta de tudo.
David frisara o nariz com descontentamento, enquanto Alex dera
de ombros. Ele tinha assuntos mais importantes em sua mente.
Na tarde seguinte, após cuidar de algumas tarefas urgentes,
Lorde Brooke seguira até a casa de Millicent com o intuito de
conversar com o Sr. Ashton. A recepção do homem não fora como
ele imaginara que seria. James Ashton tinha sido educado, embora
não muito amigável, quando cumprimentara o marquês à porta. O
cavalheiro indicara que o rapaz se sentasse em uma poltrona verde
de couro e se acomodara no assento oposto. A discussão entre os
dois fora breve e a resposta ao pedido de Alex para cortejar Millie,
fora curta, para dizer o mínimo.
Agora, a caminho de casa, Lorde Brooke fitava o pavimento,
esperando que a falta de sono fosse a única culpada pelo dia que
estava tendo. Ocorreu-lhe que, talvez, não tivesse escutado James
corretamente no momento em que o homem mencionara o conde de
Langham; contudo, o fato de que o pai de Millicent subitamente lhe
mostrara o caminho para a saída não deixava dúvidas de que não
era bem-vindo na residência da família.
Parando no meio da rua, olhou para o caminho pelo qual viera. O
que o Sr. Ashton dissera?
– Não acho que o conde de Langham e sua filha apreciarão a
sua sugestão, rapaz – Alex murmurou, lembrando-se das palavras
do cavalheiro.
O que diabos aquilo significava?
Ele continuou a caminhar pela Grosvenor Square até chegar na
Bird Street, parando em frente à sua casa uma hora após ter
partido. Assim que colocou seus pés na entrada, foi saudado por
David, que exibia um grande sorriso de expectativa no rosto.
– E então, como foi? – seu irmão perguntou, tentando dar-lhe um
tapinha caloroso de parabéns nas costas.
O marquês se afastou do alcance de seu irmão e ergueu uma
mão.
– Terrível. Ele não fez o discurso de boas-vindas à família. Na
verdade, sequer me ofereceu uma xícara de chá. Apenas disse não
e pediu que eu saísse. – Lorde Brooke tirou seu casaco e, após
arremessá-lo com força no cabideiro, balançou a cabeça em
incredulidade. – Até hoje, eu nunca tinha sido expulso de uma
residência – afirmou com raiva.
– Parece que não foi o momento mais adequado para a sua
primeira vez. Então, o que aconteceu? O que você fez de errado? –
David replicou.
O rapaz franziu o cenho. Não sabia por que as coisas tinham
dado tão errado. Ele suspirou.
– Estou completamente perdido. A única coisa da qual estou
certo é que, se eu não receber uma xícara de chá nos próximos
cinco minutos, vou padecer de sede.
– Suba. Vou encontrar Phillips e pedir que ele leve uma bandeja
para a sala de estar principal. Irei ao seu encontro dentro de alguns
minutos – o mais velho falou, dando um tapinha nas costas de Alex.
O marquês assentiu e seguiu para o seu quarto. Sozinho no
cômodo, encarou seu reflexo no espelho que ficava acima da
lareira. O cavalheiro esfregou suas têmporas, prometendo
silenciosamente que pararia de fazer uma carranca.
– Quando foi que eu perdi meu charme? – perguntou para o
espelho.
Uma batida foi dada em sua porta, indicando que David passara
pelo aposento. Lorde Brooke mirou seu reflexo uma última vez antes
de ir atrás do irmão.
Sentado na sala de estar com uma xícara de chá na mão, o mais
velho tentava ajudá-lo a compreender a situação.
– Você pediu para ver Millie, mas o Sr. Ashton disse não. Em
seguida, pediu para cortejá-la, porém, ele também negou o pedido,
então, o cavalheiro mencionou algo sobre o conde de Langham e o
acompanhou até a porta? Entendi direito? – David questionou.
Alex assentiu.
– Basicamente. Passei no máximo cinco minutos em seu
escritório. Acho que tive sorte por ele ter ao menos me oferecido um
assento.
Seu irmão bateu as pontas dos dedos na cadeira de couro.
– Se somarmos a estranha carta que Lucy recebeu à sua
recepção não-tão-bem-vinda-assim na casa dos Ashtons, podemos
concluir que há algo realmente errado nessa história.
O mais novo esfregou os olhos.
– E como se isso não bastasse, no meu caminho de volta para
cá, passei pelo visconde Lewis e ele me parabenizou.
David ergueu as sobrancelhas.
– Pelo o quê?
– Não tenho a mínima ideia, contudo, quanto mais penso a
respeito, mais vejo que a única forma de conseguirmos respostas é
saindo de casa e conversando com as pessoas. A temporada
começou, portanto, os bailes e as festas começarão a acontecer
com mais frequência. Se eu tiver sorte, acabarei esbarrando em
Millie em alguns desses eventos e poderei receber uma resposta
diretamente dela. Do contrário, teremos apenas especulações. –
Lorde Brooke levantou um dedo. – Tenho uma ideia. Volto em um
segundo.
Ele colocou sua xícara na mesa de centro e seguiu para o andar
de baixo, em direção à entrada. Na pequena mesa de canto do
ambiente, Phillips empilhara todos os convites e correspondências
que haviam recebido enquanto estavam fora. O marquês as pegou e
voltou para o andar superior. Depois de jogá-las no meio da mesa
de centro da sala de estar, os irmãos começaram a abri-las.
– Não dê atenção aos eventos que já aconteceram, pode jogar
tais convites na lareira. Devemos focar nas festas que acontecerão
nesta semana – Alex instruiu, abrindo uma carta grande e pesada e
entregando-a a David.
O rapaz observou os olhos do mais velho escanearem
rapidamente o papel, então, sentiu seu coração dar um pulo quando
a boca do cavalheiro se abriu e um grito se seguiu:
– Sim! Ah, muito bem, Alex, seu gênio iletrado.
– O que é? – Lorde Brooke indagou, ignorando o elogio
ambíguo.
– A recepção anual da Companhia das Índias Orientais. James
Ashton vem trabalhando há anos dentro da empresa, o que significa
que ele não deixaria de participar da celebração, especialmente
depois de ter passado todos esses anos ausente. – David leu um
pouco mais, sorrindo. – E a apresentação principal será feita pelo
próprio cavalheiro, em comemoração ao seu excelente serviço
prestado à companhia e à sua nomeação como diretor. Brilhante!
Agora temos certeza de que toda a família Ashton estará lá.
– Quando a recepção acontecerá? – o marquês perguntou.
O mais velho abriu um sorriso conhecedor, todavia, permaneceu
calado. Inclinando-se sobre a mesa, Alex fez uma tentativa falha de
pegar a carta das mãos do outro.
David riu.
– Relaxe, querido irmão, a festa é nesta noite. Você tem a tarde
inteira para se preparar.
Lorde Brooke fechou os olhos e suspirou com alívio. Teria
apenas que esperar mais algumas horas para falar com Millie.
Estava certo de que, ao final da noite, tudo estaria acertado, pois
conseguiria esclarecer todos os mal-entendidos entre eles.
Terminando sua xícara de chá, o mais novo retornou para o seu
quarto e se deitou na cama. A colcha macia era um bálsamo bem-
vindo para sua mente torturada, contudo, passados alguns minutos
desde sua conversa com David, sua confiança começou a
desaparecer e os primeiros sinais de dúvida se esgueiraram
lentamente em seus pensamentos.
E se a dama não falasse com ele? Não, ela não era o tipo de
garota que optava pelo tratamento do silêncio em detrimento do
diálogo. De fato, se havia algo certo em sua mente, era que Millicent
Ashton preferiria morrer a perder a chance de ter a última palavra.
Ele se virou de lado e enfiou um travesseiro embaixo da cabeça.
– O que mais preciso no momento é dormir – murmurou,
fechando os olhos. – Vou só tirar um pequeno cochilo, assim,
parecerei menos abatido quando encontrá-la.
Quando o sono o tomou, a mente de Alex foi preenchida por um
sonho estranho. Nele, estava se casando com uma mulher raivosa
que se parecia muito com o conde de Langham.

Dentro do coche de sua família, que seguia para a East India


House, Millie permanecia sentada em silêncio. Em seu rosto, via-se
um sorriso tranquilo gerado pela satisfação de saber que o vestido
de seda azul-escuro que usava combinava perfeitamente com os
seus olhos. Assim que vira o tecido na loja de Madame de Feuillide,
soubera que tinha que usá-lo.
Qualquer argumento que pudera antecipar sair da boca de sua
mãe logo evaporara quando a jovem levantara a amostra de seda
azul.
– Sim – Violet dissera sem hesitação.
Embaixo de seu casaco, contra sua pele quente, estava um
deslumbrante colar de safira. De tempos em tempos, Millicent
levava sua mão até a garganta, apenas para garantir que ele ainda
estava lá. Tia Beatrice oferecera a herança de família emprestada
no momento em que vira o novo vestido da moça. James
concordara que sua filha o usasse, contudo, estipulara como
condição que ela não saísse do salão de recepção principal sem
estar na companhia de outro membro da família.
– Acho que não preciso lhe dizer quão inestimável é esse colar,
Millie – seu pai explicara na tarde em que o trouxera da Residência
Ashton. – Se algo acontecesse com ele, seu tio nunca me dirigiria a
palavra novamente. O colar foi um dos poucos itens que
concordamos em não colocar à venda quando descobrimos o
quanto da fortuna da família seu avô havia perdido.
– Sim, papai. Prometo guardá-lo com minha vida – a dama
respondera, segurando a caixa de veludo preta em que a joia
estava.
Uma onda de animação a atingiu quando desceu do coche,
entrando na brilhante área de recepção. Esta era uma noite especial
para o seu pai, portanto, faria tudo o que pudesse para que fosse
um sucesso. Ouvira tantas histórias sobre a East India House
durante sua infância que, aos seus olhos, parecia ser surreal
finalmente estar rodeada pelas paredes sagradas.
Em cada uma delas, havia pinturas que ilustravam os países e
as rotas de comércio que a Companhia das Índias Orientais
controlava. Ao redor das paredes, estavam uma série de seis
grandes telas, cada uma indicando um local do mundo que
representava uma fonte de riqueza da empresa. Ao reconhecer uma
ilustração de Calcutá, a jovem sorriu.
Próximo à porta que levava para o salão de recepção principal,
viu um grande mapa da Índia com a localização de Calcutá marcada
no topo do canto direito. Tapeçarias douradas de seda com enfeites
de ouro puro e fios de prata delimitavam ambos os lados da
imagem; elas eram imensuráveis. Um bolo se formou em sua
garganta e a moça piscou para afastar as lágrimas. A East India
House era um pequeno pedaço de sua casa no meio do coração de
Londres.
Adentrando o salão, Charles pegou uma taça de champanhe da
bandeja de um funcionário que passava e o entregou para a mais
nova. Millicent sorriu.
– Obrigada, Charles. Esta será a primeira taça das duas que
tomarei nesta noite.
Seu irmão arqueou uma sobrancelha.
– Por que duas? – perguntou.
A garota desviou o olhar para a elegante multidão.
– Porque, Charles querido, tenho a intenção de ser sofisticada e
permanecer sóbria durante este evento. Eu sei o quanto ele significa
para o papai – ela respondeu, tomando um gole da bebida refinada.
O mais velho se aproximou, sussurrando em seu ouvido:
– Eu estava pensando que era porque papai lhe mataria se você
acabasse perdendo esse colar.
Millie assentiu serenamente.
– Isso também.

Próximo das nove horas, os irmãos Radley chegaram no evento.


Alex dormira a tarde inteira, o que obrigara Phillips a fazer uso de
todas as suas habilidades como valete para conseguir banhá-lo,
barbeá-lo e vesti-lo dentro de menos de uma hora.
– Ao menos suas olheiras desapareceram – David observou
enquanto eles subiam as escadas e se juntavam à linha de
convidados que estavam sendo recebidos pelo chefe da sede
londrina da companhia.
– Agradeço por notar – o marquês replicou, embora tivesse uma
terrível sensação de que precisaria mais do que sua aparência para
conseguir chegar a algum lugar com Millie naquela noite.
A carta que Lucy recebera da jovem o mantivera acordado por
vários dias. Seu maior medo era descobrir que ela já encontrara
outra pessoa e que seu retorno apressado a Londres tinha sido em
vão. A recusa total de James Ashton ao seu pedido para cortejar
sua filha o abalara profundamente. Precisava encontrá-la.
– Procurarei pelo lado esquerdo do salão; você procura pelo lado
direito. Quanto mais rápido eu a encontrar e falar com a dama,
melhor será – Alex afirmou, acenando para o irmão antes de
começar a vasculhar a multidão.
Meia hora mais tarde, ainda estava procurando. Seu progresso
fora prejudicado pelo número de convidados que pediram que o
cavalheiro passasse seus cumprimentos ao duque de Strathmore.
Em determinado momento, um pânico crescente começara a surgir
em sua mente: e se Millicent não estivesse na recepção? Após
verificar com um dos funcionários que a família Ashton tinha
chegado por volta das oito horas e que estava em algum lugar do
salão principal, retomou a sua busca.
– Onde você está? – ele murmurou, virando-se e dirigindo-se a
um grupo de convidados que estava reunido ao lado de uma grande
janela.

Lorde Gilbert era incrivelmente engraçado, assim como era


extremamente perverso. O terceiro filho do duque de Lamberton
possuía uma reputação tão grande que poderia ser equiparada à
distância entre a Inglaterra e a Escócia. Sendo um libertino sem
vergonha, o cavalheiro era um dos exemplos de advertência que
mães preocupadas usavam para orientar suas filhas. Millie,
entretanto, achava-o brilhante. E o fato de que estava no meio de
um grupo ouvindo as últimas façanhas de Lorde Gilbert na pista de
corrida era uma prova de quão popular a dama se tornara nas
últimas semanas.
A antiga Millicent não teria sido capaz de chegar sequer a três
metros de distância dele, porém, com sua nova confiança, ganhara
um passe de entrada para o seleto grupo de amigos do sujeito.
– Bem, é claro que o jóquei logo se empanturrou com uma das
maiores tortas que conseguiu encontrar. Ele não conseguia
entender por que seu cavalo chegou em último lugar; e eu juro que
precisei reunir todas as minhas forças para manter uma expressão
séria enquanto caminhava até a casa de apostas para receber meus
ganhos – Lorde Gilbert anunciou para o grupo encantado, que
prontamente caiu na risada.
Uma chuva de aplausos seguiu a história do cavalheiro, motivo
pelo qual ele fez uma reverência elegante. Limpando as lágrimas
que haviam se acumulado nos seus olhos após uma série de
risadas, Millicent lançou um sorriso para Charles. Finalmente
encontrara em Londres um homem cujo senso de humor apreciava.
– Ele parece saber como entreter uma plateia – a dama disse.
Seu irmão sorriu.
– Não se apegue muito ao nosso amigo escandaloso, Millie. Se
algum de nossos pais vier nessa direção, teremos que fugir
rapidamente.
– Eu sei, eu sei. Acho que Lorde Gilbert foi a segunda pessoa da
qual me advertiram assim que saí do navio – ela replicou. – Mas
isso não significa que não podemos nos divertir um pouco em sua
companhia durante um evento público.
– Isso é verdade, porém... – o mais velho parou no meio de sua
frase. Algo atrás do ombro direito da jovem tinha chamado sua
atenção.
Assim que começou a se virar para ver o que era, Charles pegou
seu braço e a puxou para trás.
– Cuidado, você quase me fez derramar o meu champanhe – a
moça o repreendeu, rapidamente verificando seu vestido para se
certificar de que não manchara o tecido. Satisfeita ao perceber que
tudo estava em ordem, ergueu o olhar e viu que o rosto do rapaz
trazia uma expressão de profunda preocupação. – O que foi,
Charles?
– Acabei de ver Lorde Brooke e, se não me engano, parece que
ele está procurando por alguém.
Ela piscou com força. Por que Alex escolhera logo aquela noite
para reaparecer? E por que tinha que ser em uma festa em que o
marquês sabia que a jovem certamente compareceria?
– Ele tem muito atrevimento – Millicent retrucou baixinho.
– Sim. Bem, Lady Clarice Langham também está aqui esta noite,
então faz sentido que Brooke esteja procurando por ela – seu irmão
falou.
A moça assentiu. É claro, o cavalheiro deveria estar à procura de
sua futura esposa. Ao que tudo indicava, Alex Radley tinha
desenvolvido o inconveniente hábito de participar dos eventos em
que ela também estava e, consequentemente, estragar o dia de
Millie. A garota respirou fundo. Estava determinada a garantir que,
naquela noite, isso não aconteceria.
– Tudo bem, deixe que ele compareça a todas as festas da
temporada. Não significamos nada um para o outro. O marquês é
apenas um conhecido.
Charles passou uma mão pelo cabelo.
– Eu estaria mais inclinado a acreditar em você se não soubesse
quem visitou nosso pai hoje e pediu para cortejá-la – o mais velho
respondeu.
Millicent observou o olhar do rapaz acompanhar o progresso de
Lorde Brooke pelo salão.
– É verdade, contudo, papai disse não, então este é o fim da
história. O marquês não pode cortejar duas mulheres ao mesmo
tempo – a jovem comentou, tomando uma grande quantidade de
sua taça de champanhe. – Deixe que ele venha.
A determinação firme e o desinteresse veemente da dama
começaram a se desmoronar assim que seu irmão se aproximou e
sussurrou:
– Seja corajosa, irmãzinha. Ele me viu e está vindo em nossa
direção.
Ela colocou uma mão sobre seu precioso colar de safira,
tocando-o como se o objeto fosse um talismã enquanto mantinha-se
de costas.
– Ashton, não consigo acreditar que finalmente encontrei um de
vocês. Estava começando a pensar que já tinham partido e que eu
havia perdido a chance de vê-los – Alex disse com um óbvio tom de
alívio na voz.
– Brooke, ouvi falar que tinha retornado para a cidade – Charles
replicou.
Com o canto dos olhos, Millie viu o marquês erguer uma mão na
direção de seu irmão. Charles balançou a cabeça e, por sua vez,
enfiou sua mão no bolso, em um gesto de afronta inconfundível.
– Ah – o outro disse com uma expressão surpresa no rosto.
A jovem fechou seu punho esquerdo com força. Ótimo, assim ele
finalmente conhecerá a decepção de perto. Um leve sorriso se
formou em seus lábios ao escutar seu irmão se dirigir a Alex de
maneira inamistosa.
– Não se incomode, Brooke, guarde o gesto para aqueles
dispostos a parabenizá-lo; estou certo de que temos muitos deles
aqui. Agora, se não se importa, acho que é melhor nos deixar em
paz, porque, se não o fizer, posso acabar sentindo o ímpeto de
estragar seu belo rosto desonesto.
Millicent mordeu o lábio. O mais velho sempre tivera um jeito
com as palavras, especialmente quando estava em um de seus
humores vingativos. A moça fitou seu irmão, ferozmente orgulhosa
de seu campeão. Tinha a sorte de ter um guerreiro que não só
defendia a sua honra, como também lutava pelo seu coração
partido. Uma chama de bravura se acendeu em seu coração ao
perceber que, após aquela noite, poderia nunca mais ter outra
chance de ser honesta com Alex.
– Acho melhor fazer como lhe foi instruído, Lorde Brooke, meu
irmão normalmente não dá uma segunda chance aos seus
oponentes – ela afirmou com o olhar firmemente trancado em
Charles.
Um longo momento de silêncio se seguiu até que o marquês
voltasse a falar.
– Millie?
Antes de se virar para encará-lo, Millicent se permitiu um breve
segundo para recompor sua expressão. Logo depois, voltou-se na
direção do cavalheiro.
– Já que não somos mais amigos, Lorde Brooke, acredito que
deva se dirigir a mim como Srta. Ashton. Usar meu primeiro nome é
uma falta de decoro que, particularmente, acho desagradável.
A dama observou os olhos dele se arregalarem com choque.
– O que você fez consigo mesma? – o marquês gaguejou. –
Onde foram parar suas belas curvas? – Aproximando-se, ele
estudou o rosto dela com atenção. – E onde está seu mágico
piercing de nariz? Ah, Millie, não me diga que você se tornou igual a
todas as outras.
Charles deu um passo à frente e segurou firmemente o paletó de
Alex. O rapaz puxou o marquês para perto antes de empurrá-lo com
força. O cavalheiro cambaleou para trás, embora seu olhar
permanecesse fixo em Millicent.
– Como eu disse antes, Brooke, você não é bem-vindo na
companhia de minha irmã. Então, a menos que queira se ver no
chão, limpando o próprio sangue do seu rosto, é melhor que fique
longe de nós – o futuro visconde ordenou.
A moça colocou uma mão gentilmente no braço do seu irmão e o
afastou do marquês, aproveitando a oportunidade para lançar um
pequeno olhar de soslaio na direção do cavalheiro. O olhar de
desdém que ela lhe deu valeu as horas de prática que passara em
frente ao espelho de seu quarto.
– Venha, Charles, acho que ele compreendeu a mensagem. Não
vamos criar uma cena. O marquês não vale a pena. Além disso,
deveríamos voltar para a pista de dança. A orquestra voltará a tocar
dentro de alguns minutos e, já que meu cartão está cheio, não
posso desapontar nenhum dos cavalheiros que estão à minha
espera – comentou.
Virando-se para Charles, deu um aceno de cabeça e permitiu
que ele a conduzisse, deixando Alex parado atrás deles. À medida
que se afastavam e serpenteavam pela multidão, Millie se certificou
de cumprimentar os outros convidados, sorrindo e trocando apertos
de mão.
Quando, por fim, atravessaram o salão de recepção e Lorde
Brooke estava fora de vista, o mais velho soltou um grande suspiro.
– Muito bem, Millie – seu irmão disse.
A jovem não respondeu. O choque de ver o marquês após todas
aquelas semanas tinha rapidamente surgido e drenado sua
determinação. Ela apertou o braço de Charles com força e encheu
suas bochechas de ar.
Recuso-me a chorar no meio de uma recepção. Não darei ao
cavalheiro a satisfação de saber o quanto ele me machucou. Não
sou mais aquela garota. Não irei chorar.
– Acho que tomarei minha segunda taça de champanhe agora,
Charles, por favor – a moça afirmou.

Alex permaneceu enraizado no lugar, observando Millie atravessar a


multidão até que ela finalmente desapareceu de seu campo de
visão. O local em seu peito em que Charles Ashton o empurrara
doía. Embora não fosse um homem com uma grande constituição, o
irmão da jovem possuía os braços poderosos de um pugilista. Lorde
Brooke estava grato pelo rapaz não ter decidido pôr sua ameaça em
prática.
– Bem, como foi? – uma voz familiar indagou.
Ele se virou, notando o olhar preocupado no rosto de David.
– Não tive sorte em encontrar Millie ou Charles, mas consegui
localizar seus pais. Você estava certo; tem algo de muito estranho
em toda essa situação – seu irmão informou.
– Eu os encontrei, contudo, eles deixaram claro que não me
consideravam mais um amigo. Ashton ameaçou recorrer à violência
física se eu me aproximasse novamente de sua irmã – o marquês
falou.
– Acha que ele sabe sobre o beijo de vocês? – o mais velho
perguntou. – Isso poderia explicar o tratamento extremamente frio
que recebeu.
– Se a família de Millie suspeitasse de que cheguei a tocá-la, eu
não teria sido expulso da casa deles pelo Sr. Ashton. Em vez disso
você estaria lendo uma notícia na Gazeta sobre o nosso noivado.
Não, tem algo mais nessa história. Só não sei o que é.
– Bem, não acho que conseguiremos extrair mais informações
nesta noite. O que acha de eu chamar o coche para que possamos
voltar para casa e, lá, pensar em uma nova abordagem para este
problema? – David sugeriu. – Você pode ter conseguido descansar
à tarde, mas eu ainda sinto que preciso dormir por mais algumas
horas.
Alex fitou o irmão. Estava dividido entre aceitar a proposta de
David e tentar falar com Millicent mais uma vez.
– Tudo bem, darei uma última volta pelo salão para ver se
consigo encontrá-la. Nos encontramos do lado de fora dentro de
alguns minutos – Lorde Brooke respondeu.
O mais velho seguiu para a porta da frente. Enquanto o assistia
partir, viu seu irmão parar para cumprimentar alguns amigos. O
marquês sorriu. Quando David começava a conversar, ele só parava
quando era arrastado do lugar; o que significava que Alex tinha
tempo o bastante para tentar localizar Millicent novamente.
Algum tempo depois, encontrou a jovem na pista de dança. Ela
estava girando e rindo nos braços de um homem alto que ele não
conhecia. O esplêndido vestido azul que a dama vestia exibia sua
nova figura; seus seios, agora menores, gentilmente espreitavam
por cima do decote. As curvas da Millie que conhecia teriam se
espalhado por cima do corpete se a moça ousasse usar aquele
estilo de vestimenta.
À medida que ela se movia graciosamente, o marquês lutava
para compreender a visão diante de seus olhos. Onde estava a sua
Millie, com todas as suas curvas deliciosas? Quem era essa criatura
que passara a habitar o corpo da garota e o tratava como um mero
conhecido? Sua respiração se acelerou quando seu corpo recordou
quem a dama era e como ainda a desejava. Investigando seu
coração, percebeu que o que sentia pela moça não mudara durante
as semanas em que estiveram separados. Continuava apaixonado
por ela.
Um toque em seus ombros fez com que seus devaneios
cessassem. Alex se virou e viu que Lady Clarice Langham o
encarava com uma expressão confusa no rosto. Clarice, o amor
secreto de David. Alta, magra e completamente diferente de
Millicent. Enquanto a Srta. Ashton tinha curvas e seios convidativos,
a filha do conde de Langham tinha dificuldade para exibir qualquer
silhueta em suas roupas. Aos olhos do marquês, ela era quase
ordinária. Seu irmão parecia não compreender a atração do mais
novo pela garota, agora menos curvilínea, que vinha do outro lado
do mundo, entretanto, a própria escolha de David pela mulher à sua
frente deixava Lorde Brooke igualmente confuso.
– Lady Clarice, que bom vê-la. Você parece estar bem – disse,
fazendo uma reverência.
A senhorita bufou.
– Isso é tudo? Você me deixou esperando por todo esse tempo e
tudo o que diz ao me ver é o quanto eu pareço estar bem?
Ele franziu o cenho. Do que diabos ela estava falando?
A dama deu um passo à frente, aproximando o rosto do dele.
– Por que não veio me visitar desde que chegou à cidade? –
Clarice questionou.
Por conta da amizade que mantinha com a moça ao longo dos
anos, Alex trocara algumas provocações tolas com ela, motivo pelo
qual assumiu que a dama estava brincando e soltou uma
gargalhada.
– Bem, nós chegamos há pouco tempo. Eu ainda estava
trabalhando na longa lista de jovens a quem devo prestar meus
respeitos. Não se preocupe, você estava no topo da próxima página
– ele riu. – Todavia, suponho que agora possa riscar seu nome.
O queixo dela caiu e seu lábio inferior começou a tremer.
Um temor tomou conta do cavalheiro. Não havia nada que
pudesse fazer direito naquela noite?
– Compreendo. Não tinha percebido que meu nome estava tão
longe assim. Ai de mim assumir que tinha algum tipo de prioridade –
ela replicou.
Lágrimas se formaram nos olhos da moça e Alex teve o mal
pressentimento de que Clarice Langham estava prestes a se
desfazer em lágrimas diante dele. Lorde Brooke balançou a cabeça
enquanto sua boca se abria e se fechava. Completamente
embasbacado, não conseguiu pensar em nada mais que pudesse
fazer para amenizar a situação. Sua única reação foi pegar a mão
da dama e dar um tapinha gentil sobre as luvas dela. Pronto, pronto.
Como se ainda não estivesse satisfeito com o completo desastre
que o dia do marquês estava se tornando, o destino decidira fazer a
música parar naquele exato momento, obrigando Millie e seu
parceiro a saírem da pista de dança logo ao lado do rapaz. Alex viu
os olhos da Srta. Ashton analisarem a cena e seu coração afundou
ainda mais. Seus olhares se encontraram por um instante, fazendo-
o perceber a situação desesperadora em que agora se encontrava.
Millicent o fitava da mesma maneira que fizera na Residência
Ashton quando Alex a constrangera na frente de todos. Pela
segunda vez naquela noite, falhara em sua tentativa de conversar
com a garota.
– Lamento se houve algum mal-entendido; não foi minha
intenção falar fora de hora – Clarice disse, afastando a mão. – Eu
não deveria ter agido de modo tão ousado. Peço licença.
Antes que Lorde Brooke tivesse a chance de dizer algo, a filha
do conde de Langham girou sobre os calcanhares e desapareceu
entre os demais convidados.
– O que diabos foi isso? – o cavalheiro sussurrou para si mesmo.
– Essa deve ser a noite mais estranha de toda a minha vida.
Mais uma vez, seu olhar vagou pelo cômodo e caiu sobre Millie.
Ela estava ao lado de Charles, virada de costas para o marquês. O
braço do mais velho estava ao redor da cintura de sua irmã, que se
inclinava sutilmente sobre ele. Quando o cavalheiro deu um beijo
gentil no topo da cabeça da dama, a garota ergueu o olhar e sorriu.
Alex daria tudo para trocar de lugar com Charles Ashton,
contudo, ele não precisava ser um gênio para perceber o motivo
pelo qual o mais velho precisava confortar Millicent. A demonstração
de bravura da jovem durara apenas o bastante para afastar o
marquês. Ele a tinha machucado; ferira a mulher que amava.
Fechando os olhos, Lorde Brooke suspirou. Pela primeira vez em
sua vida, entendia o significado da palavra impopular e certamente
não estava apreciando a sensação incômoda. Ele era Alexander, o
Grande; um cavalheiro confiante e charmoso. Os homens não se
atreviam a ameaçá-lo com violência física e as mulheres não caíam
aos prantos diante dele. Assim que o pensamento atravessou sua
mente, sua consciência o presenteou com uma ferroada aguda nas
costelas. Sabia que fizera uma quantidade considerável de damas
voltarem para casa com lágrimas nos olhos. Todavia, até agora, não
tivera que lidar com as consequências de seus joguinhos estúpidos
e danosos.
Hoje, em menos de meia hora, testemunhara duas garotas à
beira de lágrimas por sua culpa. Sua consciência enfiou seu gume
mais profundamente em sua alma e uma sensação dolorosa de
culpa veio à superfície. No meio de um salão de baile londrino
lotado, Alex Radley encarava a verdade nua e crua de que não
passava de um destruidor de corações insensível e egoísta.
A orquestra começou a tocar uma nova melodia e o rapaz
observou Millie pegar a mão que seu irmão ofereceu, permitindo que
ele a guiasse para a pista de dança. Percebendo que não
conseguiria mais nada naquela noite, admitiu sua derrota. Pouco
tempo depois, o marquês seguiu à procura de David e de sua
carona de volta à casa.

Após retirar a chave, Alex bateu a porta da frente com força atrás de
si.
A inesperada caminhada de uma hora até sua casa não ajudara
a apaziguar seu mau humor. Quando descobrira que David o
abandonara, ficara irado demais para chamar um coche de aluguel.
Em vez disso, abotoara seu casaco e marchara por todo o caminho
de volta à Bird Street. Qualquer ladrão tolo o bastante para tentar
roubá-lo certamente teria se arrependido.
– David! – gritou da entrada. – É melhor que ela seja a cortesã
mais divina desta maldita cidade para justificar sua decisão de me
deixar para trás.
O marquês ouviu o som de uma porta se fechando no andar de
cima. Pouco tempo depois, seu irmão apareceu no topo da escada.
Ele vestia um sobretudo pesado e sua mala de viagem estava
pendurada sobre um de seus ombros.
– Para onde diabos está indo a essa hora da noite? – Alex
berrou.
Chegando ao final da escada, David jogou a mala no chão de
ladrilhos, abriu um armário próximo e retirou dois pares de botas
limpas. O mais velho abriu a bolsa de viagem, enfiou-as dentro,
segurou a alça e seguiu para a porta da frente. Vendo a cena, Lorde
Brooke marchou pela entrada e parou em frente ao seu irmão,
bloqueando a saída. Com seus punhos fechados, Alex permaneceu
no lugar, pronto para exigir respostas.
David tentou circundá-lo, mas o mais novo rebateu seu
movimento. Os irmãos Radley ficaram cara a cara, entreolhando-se
com raiva.
– Saia da frente, Alex. Senão, vou acabar com você – David
afirmou, seu tom de voz era uma mistura inquietante de calma e
fúria.
– Não até que me diga para onde está indo e por que me deixou
na recepção – o marquês retrucou. – Acho que mereço ao menos
isso.
O mais velho voltou a jogar a mala no chão; desta vez, ela
atingiu uma das pernas de Lorde Brooke.
– Eu não lhe devo nada, seu tolo estúpido. Você não pôde se
contentar em bagunçar apenas a sua vida, então, decidiu arruinar a
minha também.
– Do que está falando? – Alex indagou.
Seu irmão respirou profunda e lentamente.
– Deixe-me perguntar algo: você enviou para Millie a carta que
eu lhe dei? – ele perguntou em um tom que normalmente era
reservado para uma criança teimosa.
Lorde Brooke torceu o nariz.
– Bem, sim e... não.
– O que diabos isso significa?
– Eu não enviei a carta que você me entregou, porque eu já tinha
mandado outra.
– Isso ficou bem claro para mim, o que eu não consigo
compreender é por que você não se deu ao trabalho de me contar –
David explodiu.
O mais novo suspirou.
– Encontrei a carta original no chão, próxima de onde você
estava dormindo, e logo a entreguei para um criado enviá-la pelos
correios. No dia seguinte, quando me entregou a outra, já era tarde
demais. Naquele momento, raciocinei que mandar uma carta
apaixonada para Millie seria melhor do que uma gentil, por isso,
resolvi não informá-lo sobre o ocorrido.
– Infelizmente, essa omissão agora se tornou um grande
problema – o mais velho vociferou.
O marquês sentiu seu coração afundar.
– O que quer dizer?
– Quero dizer que a primeira carta não foi escrita para a Srta.
Ashton. Sentei-me para redigir um texto para você, contudo, após
falhar miseravelmente, percebi que não conseguiria. Foi então que
tomei alguns copos de uísque e acabei escrevendo uma carta para
a mulher que eu amo; uma em que derramei meu coração. – Seu
irmão colocou uma mão sobre a boca e lágrimas se formaram em
seus olhos. David balançou a cabeça e lutou para se recompor. – Eu
confessei o quanto a amava e disse que torcia para que
pudéssemos ter um futuro no qual ela seria minha esposa. A carta
que redigi estava repleta de sonhos impossíveis. – Ele pousou o
polegar e o indicador no canto interno de seus olhos. – Foi por isso
que a enderecei, mas nunca a assinei. Eu estava certo de que a
carta tinha sido consumida pelo fogo junto com todas as outras
tentativas falhas.
– Ah, David. Ah, não – Alex sussurrou. – Eu a apanhei do chão e
pensei que era...
– NÃO! Você não pensou, Alex. Apenas pegou minha carta,
selou-a e a enviou sem parar para considerar o que estava fazendo.
E como se não bastasse, teve a audácia de mentir para mim – o
mais velho gritou, tirando as mãos de cima de seus olhos. Assim
que as afastou, novas lágrimas substituíram as que ele havia
enxugado.
– Mas o criado para quem mostrei a correspondência disse que
ela tinha sido endereçada à Millie. Foi por isso que pedi que ele a
postasse – Lorde Brooke implorou.
– Foi mesmo, Alex? Foi isso que ele disse? Diga-me quais foram
exatamente as palavras dele?
O mais novo vasculhou sua mente, tentando se lembrar da
conversa de quase três semanas atrás. Após deixar David na sala,
encontrara o criado-chefe e lhe entregara a carta. O rapaz a tinha
analisado e confirmado o endereço.
– O funcionário lhe disse que ela estava endereçada a uma
dama da Mill Street? – David questionou, inspirando profundamente.
– Sim – o marquês respondeu, sentindo o chão tremer embaixo
de seus pés.
Seu irmão se abaixou e pegou sua mala.
– Talvez se lembre de que o conde de Langham e sua filha
também moram na Mill Street, a cinco portas de distância da casa
da família Ashton. Clarice era a dama a quem o criado estava se
referindo quando leu o nome no envelope, o que significa que você
assinou minha carta de amor e a enviou para a única mulher que eu
já amei. Agora, a Srta. Langham acredita que você tem a intenção
de se casar com ela, assim como grande parte da sociedade
londrina.
Abalado demais para responder, o marquês não pôde fazer nada
a não ser observar, impotente, David passar por ele. Ao abrir a
porta, o mais velho se virou e disse:
– Nada que você diga irá fazer diferença. Aos meus olhos, a
situação é simples: você fez essa bagunça, então pode muito bem
lidar com ela sozinho. Se alguém vier a minha procura, estarei na
Residência Strathmore.
– Mas a casa está fechada. Os funcionários não estão
esperando que a família volte por ao menos mais algumas semanas
– o mais novo gaguejou em uma tentativa vã de fazer seu irmão
ficar.
– Sim, eu sei, contudo, prefiro dormir em casa, sob as sombras
das árvores, a permanecer mais um segundo debaixo do mesmo
teto que você. Para ser honesto, minha partida é a opção mais
segura. Se eu permanecesse aqui, a tentação de matá-lo enquanto
ainda está dormindo seria grande demais para resistir. Está sozinho
de agora em diante, Alex. Boa sorte em tentar resolver esse maldito
desastre que você criou, pois sei que vai precisar.
Seu irmão começou a atravessar a porta e, logo em seguida,
parou. Ele marchou rapidamente até Lorde Brooke, dando um soco
no rosto do rapaz.
– E antes que sinta pena de si mesmo, tente pensar em como
estou me sentindo nesse momento. Será que consegue
compreender o que tudo isso significa para mim? Quão devastador
foi ficar parado ouvindo nossos amigos me dizerem como quão
maravilhoso é o fato de meu irmão estar prestes a se casar com o
amor da minha vida?
David girou sobre seus calcanhares, atravessou a porta e a
bateu com força atrás de si. Enquanto isso, o marquês permaneceu
sozinho na entrada, encarando o local em que o outro acabara de
desaparecer.
Colocando uma mão em sua cabeça, sussurrou:
– Ah, Alex, seu tolo!
O cavalheiro caiu sobre os joelhos, passou as mãos ao seu redor
e se abraçou. Com os olhos firmemente fechados, ele se moveu
para frente e para trás à medida que a terrível realidade do que
fizera ameaçava consumi-lo. Por mais horrível que fosse, tudo
começava a fazer sentido. Millicent o odiava por ser um mentiroso
de duas caras. Como podia afirmar que a amava após ter se
declarado para Clarice? Sequer ousava pensar em como a moça
deveria ter se sentido quando descobrira sobre a carta apaixonada
que Alex enviara para outra dama.
– Não é à toa que ela não quer saber de mim – gemeu.
Para piorar a situação, ainda havia a pobre Lady Clarice, que
pensava estar prestes a se tornar marquesa de Brooke. Isto ao
menos explicava o estranho encontro que tivera mais cedo com ela.
O rapaz tinha, supostamente, escrito uma maravilhosa carta de
amor e declarado seus sentimentos pela garota, todavia, em vez de
visitá-la na primeira oportunidade que tivera após retornar a
Londres, ele simplesmente a ignorara.
Um vazio gelado se formou em seu estômago ao recordar como
provocara a Srta. Langham que, confusa e à beira de lágrimas, se
afastara do cavalheiro. Se a jovem fosse apenas uma das falsas
amigas de Lucy, podia ao menos encontrar uma desculpa dúbia
para seu comportamento, entretanto, aquilo não podia ser aplicado
à Lady Clarice. Lorde Brooke era uma das poucas pessoas a quem
David confidenciara seu amor secreto e, agora, tinha arruinado tudo
para o seu irmão. Se não conseguisse resolver a situação, o mais
velho nunca o perdoaria.
Subitamente, uma risada cínica escapou dos lábios do marquês.
Finalmente conseguia entender o comentário enigmático do Sr.
Ashton.
– Como diabos conseguirei sair dessa? – murmurou para si.
Ele se levantou lentamente e desabotoou seu casaco. Não havia
sentido em correr noite adentro à procura de seu irmão. David
deixara claro que a última coisa da qual precisava naquele momento
era um pedido de desculpas sincero vindo do mais novo.
Com seu casaco em mãos, Alex subiu a escada e entrou na sala
de estar. A lenha na lareira tinha sido bem abastecida antes dos
irmãos Radley saírem; o cômodo estava quente e preparado para o
retorno deles que, ao final de eventos sociais, costumavam tomar
um copo da bebida à noite.
Após jogar a vestimenta em cima de uma poltrona preta
acolchoada, serviu-se de um grande copo de uísque do decantador
que estava na mesa próxima ao assento. O marquês tomou um
grande gole e caiu sobre a poltrona. Encarando o fogo, a gravidade
de suas ações o inundou. A angústia que sentia parecia
insuportável. Com o decantador ao seu lado, Lorde Brooke passou a
ingerir um copo de uísque atrás do outro sem sequer perceber.
Capítulo 18

N a manhã seguinte, quando Grace entrou no quarto da Srta.


Ashton, encontrou-a ainda adormecida. Nas semanas
anteriores, a jovem não perdera nenhuma de suas caminhadas
diárias, fazendo a travessia da Park Lane até a Oxford Street antes
de retornar para casa. Entretanto, naquela manhã em particular,
nada parecia ser capaz de despertar Millicent.
– Vá embora – foi a primeira resposta que a criada conseguiu
evocar da moça após passar vários minutos sacudindo as cobertas.
– Mas, senhorita, está na hora de sua caminhada. Na verdade,
estamos atrasadas – Grace respondeu.
Millie afastou os lençóis de seu rosto.
– Não vamos caminhar hoje, Grace. Não me sinto bem. Por
favor, vá até a cozinha e veja o que a Sra. Knowles consegue
preparar rapidamente para o café da manhã. Voltarei a chamá-la
quando estiver pronta para me vestir. Se alguém perguntar, diga que
não acordei bem. – Ela puxou as cobertas sobre si.
A criada deu de ombros e saiu do quarto. Assim que a porta se
fechou, a dama passou os lençóis sobre os ombros e se virou,
fitando a janela. Eles estavam chegando no verão, contudo, Londres
continuava fria ao amanhecer. Millicent pulou da cama e se
apressou até o armário. Na gaveta superior, dentro de uma pequena
bolsa, estava um pedaço de papel em que listara as datas de
partida de todos os navios que seguiriam para a Índia durante os
próximos meses. Seus olhos percorreram a folha, imaginando em
qual deles embarcaria.
Instantes depois, dobrou o papel e o enfiou no esconderijo. A
única coisa que estava faltando em seus planos era um marido
disposto a desistir da Inglaterra para levá-la à sua cidade natal.
Retornando para a cama, decidiu que não sairia de casa naquela
manhã. O risco de acabar se encontrando com um certo cavalheiro
era grande demais. Ele tinha feito uma retirada tática durante a
recepção, porém, não alimentava nenhuma ilusão de que Alex
subitamente desistiria de seus planos e a deixaria em paz.
Conseguira enfrentá-lo em um salão de baile lotado enquanto
estava ao lado de seu irmão, mas a possibilidade de esbarrar nele
nas ruas com apenas a companhia de Grace e de um criado a
deixava apavorada.
– Não sei que tipo de jogo ele pensa que está fazendo. O
marquês deixou claro que deseja se casar com Lady Clarice, então
pode muito bem deixar de lado a ideia de fazer as pazes comigo – a
jovem disse para si mesma, acomodando-se na cama.
A família Ashton chegara em casa durante as primeiras horas da
madrugada, pois tinha sido uma das últimas a deixar a recepção de
gala. James se recusara a partir até que os funcionários da
companhia tivessem encontrado o retrato que fora tirado do
cavalheiro no dia em que partira para a Índia e colocado no gancho
da porta da frente.
– Homem teimoso – a garota murmurou por baixo das cobertas.
É claro que seu pai ainda se levantaria cedo para ir trabalhar,
independentemente do horário em que havia retornado para casa.
Millie fechou os olhos, decidindo que dormiria pelo resto da
manhã.
– Caminharei pelo parque à tarde. Se Lorde Brooke chegar perto
de mim, Charles pode pôr sua ameaça em prática e socá-lo no nariz
– sussurrou à medida que sua mente vagava para as profundezas
do sono.

Posteriormente, naquela tarde, Alex não conseguia decidir com qual


tragédia grega sua vida mais se parecia. Se fosse o Mito de Medeia,
então Millicent seria perfeita para o papel de mulher desprezada,
tramando sua vingança contra ele.
– Mas não acho que Medeia tinha um irmão que praticava boxe
– murmurou ao atravessar o portão do Hyde Park e se juntar aos
outros membros da alta sociedade que se ocupavam com seus
passeios diários.
No segundo em que notou que Lady Clarice e suas amigas
caminhavam em sua direção, virou-se e correu até o local onde
algumas nogueiras estavam plantadas. Ele se moveu o mais rápido
que pôde sem chamar atenção dos passantes. Não estava nenhum
pouco interessado em reviver o encontro constrangedor da noite
anterior. Ademais, agora que sabia que a Srta. Langham recebera a
carta de amor que enviara, não tinha ideia do que deveria dizer à
dama.
Assim que parou sob a copa das árvores, se escondeu atrás de
um dos troncos mais grossos. Apoiando suas costas na nogueira, o
marquês tentou recuperar o fôlego.
– Definitivamente é A Espada de Dâmocles – falou alto. – Um
movimento em falso e certamente acabarei morto.
– Posso me certificar disso – uma voz respondeu.
Virando-se, Lorde Brooke se abaixou ao ver o soco desmotivado
que David desferiu em sua direção. Era rápido demais para que os
punhos do mais velho conseguissem lhe acompanhar.
Seu irmão parou ao seu lado e se inclinou sobre a árvore.
– Veio ver quanto dano ainda pode provocar ou está satisfeito
com o resultado de suas últimas ações? – David indagou.
Alex notou as olheiras escuras embaixo dos olhos de seu irmão.
Enquanto dormira o sono dos inebriados, o mais velho claramente
não conseguira ter um segundo de descanso.
– Não conseguiu dormir na última noite? – o marquês perguntou.
– Não. Acabei descobrindo que as cobertas de Holland não são
o melhor lugar para descansar – o outro retrucou em um tom
sarcástico e, ao mesmo tempo, culpado. – Conseguiu resolver
alguma coisa ou só está aqui para apreciar a flora?
– Não, eu estava esperando esbarrar em Millie e conseguir um
momento para conversar com ela. Até agora, tudo o que consegui
fazer foi trocar apertos de mão com a metade de Londres e tentar
evitar a mulher dos seus sonhos.
– Lady Clarice está aqui?
– Por que acha que estou me escondendo atrás desta árvore?
Não estou interessado em me ver arrastado pela dama até os pés
do bispo de Londres – Alex afirmou. Conseguira dormir, contudo,
seu humor obscuro não melhorara.
David pigarreou.
– Bem, suponho que esta seria uma possibilidade. Se Sua Graça
descobrir que há uma possibilidade de seu sobrinho favorito entrar
no mercado marital, ele se certificará de ter você e sua suposta
noiva diante de seu altar em um milésimo de segundo. Quando
dessem por si, vocês já seriam marido e mulher.
Lorde Brooke espiou seus arredores. Clarice e seu grupo de
amigas seguiam para o portão do parque. Finalmente! Esperava
que, com isto, sua sorte mudasse para melhor.
– O problema é que estou, de fato, no mercado marital, mas só
posso me unir à garota certa e, infelizmente, esta dama em
particular parece querer ficar o mais longe de mim.
O mais velho se endireitou e começou a se afastar.
O marquês o chamou:
– Não vai ficar e me ajudar?
– Conversamos sobre isso na noite passada, Alex. Você está por
conta própria. Meus dias tentando tirar seu maldito traseiro das
confusões em que se mete acabaram – seu irmão retorquiu,
acenando adeus. – Mas se estiver procurando pelos Ashtons, talvez
deva verificar perto do canteiro de rosas. – Virando-se, David disse
por cima do ombro – Ah, por sinal, roubei a Sra. Phillips, então você
terá que se virar com suas refeições; a maioria dos funcionários da
residência principal só retornarão no final da semana. E antes que
pense em reclamar, é melhor ficar grato por eu não ter levado o
resto dos criados da nossa casa. Afinal, você não poderia me culpar
mesmo que fosse isto que eu tivesse feito.
O estômago de Alex roncou à medida que via o cavalheiro se
afastar. Rezava para que seu irmão repensasse sua decisão e
voltasse para casa. Depois da confusão que criara, tinha sorte por
David o ter procurado e trocado uma conversa civilizada. Com os
sonhos do mais velho em frangalhos, Lorde Brooke certamente não
merecia receber qualquer tipo de piedade do outro.
David se juntou a um grupo de amigos que possuíam em comum
e, após trocar alguns cumprimentos, deixou o parque com eles,
seguindo pela Park Lane. O rapaz continuava firme em relação à
promessa que fizera no dia anterior, o que significava que o
marquês teria que resolver aquela situação sozinho.
Inclinando-se novamente contra a árvore, ele fechou os olhos.
– Vamos lá, Alex, você consegue. Encontre Millie e converse
com ela. Use o velho charme e sorriso Radley; as senhoritas nunca
conseguiram resistir a esta combinação – murmurou para si mesmo
e ergueu um punho no ar. – Vamos lá, Alexander, o Grande.
Lorde Brooke se afastou da nogueira. Verificando rapidamente
suas roupas e fazendo uma pequena oração, partiu à procura da
Srta. Ashton. À medida que caminhava pela grama, continuou a se
encorajar. Quando, por fim, alcançou o outro lado do canteiro de
flores, conseguira se convencer de que poderia reconquistar a
dama.
Seus olhos pousaram sobre ela no momento em que a jovem
trocava uma risada com Charles e um quarteto de cavalheiros bem
vestidos. O marquês teve que suprimir a pontada de dor que
reconheceu como ciúmes. Ao que tudo indicava, tinha competição.
Enquanto ele percorria a distância que os separavam, viu o rosto
de Millicent se virar e seu sorriso desaparecer. Os olhares deles se
encontraram por um momento antes da moça virar a cabeça e dar
as costas para o rapaz.
– Que parte da conversa que tivemos na noite anterior você
ainda não entendeu, Brooke? – Charles Ashton escarneceu,
afastando-se do grupo e parando em frente ao marquês.
Alex deu um pequeno aceno de cabeça.
– Eu gostaria de solicitar um momento com a Srta. Ashton.
Houve um mal-entendido, por isso, desejo esclarecer as coisas com
ela – Lorde Brooke replicou.
– O único mal-entendido que consigo ver é o fato de você não
estar levando minha ameaça a sério – Charles vociferou.
O outro engoliu em seco.
– Não, compreendo perfeitamente que você é um excelente
pugilista e que deseja me machucar assim que tiver a chance.
Contudo, isso não muda o fato de que preciso falar com sua irmã e
de que não desistirei até ter feito isso – ele respondeu com toda a
calma que conseguiu reunir diante da situação precária em que se
encontrava.
Charles bufou.
– Muito bem, perguntarei à minha irmã se ela deseja falar com
você, entretanto, se a resposta for não, deve deixá-la em paz.
Estamos entendidos?
– Sim.
O cavalheiro esperava que Millie soubesse que não aceitaria um
não como resposta, todavia, não podia deixar de ficar aliviado ao ver
o irmão da dama se afastar para conversar com ela. Quando
Charles passou a informação para a jovem, esta lançou um olhar na
direção de Alex e disse em alto e bom som:
– Tudo bem, falarei com ele. Tenho a sensação de que esta é a
única forma de fazer com que Lorde Brooke compreenda a
mensagem e pare de me procurar. Pensei que tivesse deixado
minha posição bem clara na noite anterior, mas parece que algumas
pessoas precisam ouvir a mesma coisa duas vezes.
A garota deixou o grupo para trás e lentamente caminhou até o
ponto em que Alex estava parado. Vendo-a se aproximar, o rapaz
abriu o que esperava ser um de seus sorrisos mais encantadores,
porém, o rosto de Millicent apenas se fechou em uma carranca.
– Millie – o marquês falou quando ela parou a vários metros de
distância.
Ele fez uma reverência e a jovem lhe deu um meio aceno de
cabeça em troca.
– É Srta. Ashton para você, Lorde Brooke. É melhor se referir a
mim de maneira adequada ou então esta conversa já chegou ao fim.
Estou sendo clara? – a dama vociferou.
Ela começou a se virar para partir, todavia, o cavalheiro
percorreu a distância entre eles e a segurou pelo braço.
– Como posso chamá-la de Srta. Ashton quando passo todas as
minhas noites imaginando sussurrar seu nome enquanto meus
olhos fitam os seus? – Alex respondeu.
A jovem riu e afastou seu braço.
– Que serpente eloquente você é, Lorde Brooke. Pode guardar
suas mentiras para sua futura noiva, você só está as desperdiçando
comigo.
O cavalheiro piscou. As palavras dela não soavam nada como a
Millie que conhecia e amava. Algo similar a um sorriso satisfeito
pareceu cruzar o rosto da dama.
– Mas eu voltei por sua causa – o marquês por fim conseguiu
afirmar. – Eu não estava mentindo na noite em que nos beijamos.
Eu a amo. Quero me casar com você.
O sorriso dela desapareceu. Os lábios de Millicent tremeram
quando ela proferiu em uma voz baixa, ameaçadora e cheia de
veneno:
– Mentiroso.
O rapaz soltou um suspiro frustrado.
– Não estou mentindo, Millie. Sei que não levou a sério a minha
primeira confissão, mas prometo que estou falando a verdade –
implorou.
A garota pareceu endurecer no lugar e suas narinas dilataram.
– Acho que você é incapaz de amar alguém além de si mesmo,
Lorde Brooke. Aos seus olhos, tudo se resume a jogos e flertes,
você nunca colocaria seu coração em risco. – Ela respirou
profundamente antes de continuar – Devo admitir que fiquei
chocada e um tanto quanto angustiada ao descobrir sobre a carta
de amor que enviou para Clarice Langham, todavia, é claro que faz
sentido. Ela é amiga de sua família. A dama faria o papel ideal e
sólido de uma esposa descomplicada. – Sua cabeça se abaixou
enquanto seus dedos torciam as alças de sua bolsa. – Contudo,
acho que enviar tal carta para a Srta. Langham foi a coisa mais cruel
e egoísta que você poderia ter feito. Dar esperança para ela quando
sabe muito bem que vai despedaçá-la assim que se casarem não
poderia ser descrito de outra maneira.
O outro mirou suas próprias botas e Millie fechou os punhos
quando ele ergueu a cabeça. A expressão de desdém no rosto dela
era inconfundível.
– Não tem uma resposta para isso? Por que não me surpreende
saber que você não considerou os sentimentos das outras pessoas
envolvidas? Suponho que não tenha visto Lady Clarice aos prantos
na noite passada, não é? Não, você provavelmente estava se
divertindo com outra pobre garota inocente. – A moça se abaixou e
pegou um cascalho do chão. – Aqui está sua resposta, Lorde
Brooke – concluiu, jogando a pedra nele, que o atingiu no peito.
O cavalheiro mal sentiu o cascalho, pois a aflição em seu
coração superava qualquer dor física que a Srta. Ashton pudesse
infligir.
– Você é o pior tipo de libertino, Alex Radley – a jovem afirmou
com uma voz embargada. – Não sinto nada além de verdadeira
pena por Clarice, pois seus dias serão gastos à sua disposição
enquanto, à noite, ela permanecerá acordada, perguntando-se onde
e com quem você está. Entristeço-me ao perceber que Lucy estava
certa. Sua irmã tentou me avisar, mas eu não a ouvi. Em vez disso,
decidi agir como todas as outras garotas tolas de Londres. Permiti
que flertasse comigo e, então, me apaixonei por você. Suponho que,
assim como a letra do hino, “eu estava cega, mas agora eu vejo”.
Millicent engoliu o bolo que se formara em sua garganta e se
aproximou de Alex. Quando estavam a meros centímetros de
distância, a dama o fitou. Apenas um tolo poderia confundir a
expressão amarga de decepção dela, o marquês pensou, sentindo-
se ainda mais miserável. Ele estudou o rosto da jovem, parando
sobre os seus olhos azuis profundos que brilhavam com lágrimas.
Os lábios cheios que beijara tão apaixonadamente agora estavam
frisados em uma linha dura.
– Acho que eu já disse tudo o que precisava dizer. Quanto ao
que você deseja falar para mim, peço que não perca seu tempo,
porque não estou interessada. – A Srta. Ashton inspirou
profundamente. – Tenha um bom dia, Lorde Brooke. Espero, para o
seu próprio bem, que este seja meu último aviso. Se voltar a me
procurar no futuro, permitirei que os punhos de meu irmão façam o
trabalho por mim.
Virando-se, ela caminhou de volta para o pequeno grupo que os
assistia. A moça pegou o braço de Charles e liderou-os para o
portão principal do parque.
Alex balançou a cabeça e suspirou. Suas tentativas de falar com
Millie não o estavam levando a canto nenhum. Ela não queria
escutá-lo e ele não sabia o que mais poderia fazer além de pedir
perdão à dama. Contar a verdade era uma aposta que não estava
preparado para fazer. Além disso, havia a situação com Lady
Clarice.
– Tem que haver outro modo – murmurou.
Com as mãos nos bolsos, seguiu a jovem e seu grupo de
admiradores para fora do parque. Após adentrarem a Park Lane,
Millicent e seus amigos seguiram na direção dos cafés próximos ao
local, enquanto Lorde Brooke fez seu caminho até a Duke Street.
Rezava para que seu primo estivesse em casa. Quando o
assunto era escapar de problemas difíceis, havia um homem em
Londres que possuía uma vida inteira de experiência: o conde de
Shale.
– Qual foi mesmo o nome que deram ao filho deles? – perguntou
para si mesmo ao subir os degraus da casa do conde. Lembrava-se
de que a esposa do homem tinha dado luz a um menino algumas
semanas após o baile de Páscoa.
Tendo trocado os votos de parabéns obrigatórios e segurado o
recém-nascido por dois minutos, o marquês finalmente seguiu para
o escritório de seu primo.
– Não demoraremos muito, querida – Lorde Shale disse para sua
esposa.
Ele gesticulou para que o rapaz se sentasse em uma poltrona
próxima à lareira e começou a fechar a porta atrás de si. A
condessa de Shale disse algo que Alex não conseguiu captar; a
fala, contudo, fez o conde dar uma gargalhada contagiante.
– Achei que ela ficaria mais sossegada depois do nascimento do
bebê, mas eu já deveria saber que este não seria o caso – seu
primo disse, acomodando-se na poltrona oposta à dele. – Essa
mulher vai acabar me matando, porém, morrerei sendo um homem
feliz. Quer uma bebida?
– Apenas chá, por favor. Vocês tiveram um filho muito bonito – o
marquês respondeu, fazendo o conde sorrir.
– É isso que acontece quando misturamos boas linhagens. Ouvi
falar que você logo começará sua própria família, meu rapaz. Cuide
bem dela. – O homem deu um soco amigável no braço dele, vendo
Lorde Brooke suspirar. – Esse não parece ser o olhar de alguém
que está feliz em se unir a uma dama – comentou.
– Não, não é – o mais novo falou tristemente.
Seu primo tentou abafar um riso, motivo pelo qual Alex ergueu
os olhos. Vendo a expressão conhecedora no rosto do cavalheiro e
o sorriso amplo dele, percebeu que Lorde Shale conhecia a
verdadeira história.
– David esteve aqui, não é? Você já sabe sobre a confusão em
que me meti, sua gárgula sorridente – o marquês retrucou.
O conde levantou as mãos em rendição, embora não tivesse
parado de rir.
– Sim, seu irmão nos visitou pela manhã. E é claro que, sendo a
pessoa generosa e carinhosa que é, ele trouxe um presente para
meu filho e futuro herdeiro. Diferentemente de você, seu bobo
apaixonado.
– Fico feliz que alguém consiga ver humor nessa situação –
Lorde Brooke replicou, balançando a cabeça.
Seu primo serviu-se de um copo de vinho tinto e tocou o sino
para pedir o chá do rapaz.
– O lado positivo é que Rosemary e eu tivemos a tarde inteira
para pensar em uma solução para o seu problema.
Tendo sido espiões durante a guerra contra Napoleão, o conde e
a condessa de Shale haviam passado por inúmeras situações
complicadas; era por isso que o marquês sabia que a solução a qual
eles tinham chegado só poderia ser uma bem-planejada. Ele apenas
teria que seguir suas instruções para que tudo acabasse bem.
– Muito bem, diga o plano lentamente e eu o guardarei em minha
memória – o mais novo afirmou, grato por Lorde Shale estar ciente
de sua dificuldade de ler e de escrever.
O homem colocou seu copo na mesa próxima à sua poltrona.
Depois, inclinou-se para frente, juntou suas mãos e respirou
profundamente. O cavalheiro frisou os lábios e Alex se aproximou
para escutá-lo com atenção.
– Implore.
Por um minuto, o único som que se seguiu foi o crepitar vindo da
lareira. Lentamente, o rapaz soltou o ar que prendia em seus
pulmões.
– Você lutou com metade da polícia secreta da França e isto é
tudo o que recomenda?
– Na verdade, a ideia é de Rosemary. Passei horas quebrando
minha cabeça, todavia, tudo o que me veio à mente foi sugerir que
você pegasse o primeiro navio para a Itália. Foi então que percebi
que seu pai não ficaria satisfeito comigo quando descobrisse que eu
o aconselhei a deixar o país. – O mais velho se encostou na
poltrona, estudando Lorde Brooke por cima de seus dedos
entrelaçados. – Eis como vejo sua situação, Alex. Se contar à Lady
Clarice toda a verdade, você e seu irmão acabarão sendo a próxima
refeição do maior cão de caça de Lorde Langham. Você, por ter sido
estúpido o bastante para mandar aquela carta, e David por ter a
audácia de se apaixonar pela filha do cavalheiro. O homem só ficará
satisfeito quando casar a jovem com um duque ou, no seu caso, um
futuro duque.
O marquês assentiu. Atualmente, o conde de Langham
representava a maior ameaça à sua segurança. Charles Ashton
sequer chegava aos pés da reputação perigosa que o pai de Clarice
possuía.
– Diga à moça que você não pode se casar com ela. Em
seguida, ajoelhe-se e ofereça o que a dama quiser sob a condição
de que lhe devolva a carta e se esqueça de toda essa bagunça
desastrosa. Já quanto à garota Ashton, chegamos à conclusão de
que não podemos ajudá-lo.
– O quê? – Alex gaguejou.
Seu primo se mexeu sobre o assento.
– A única coisa que podemos sugerir é que conte a ela toda a
verdade. Desculpe, Alex, mas a honestidade é a melhor arma que
possui à sua disposição, especialmente em uma batalha como essa.
Se a moça continuar a vê-lo como um mentiroso, nunca se casará
com você.
Uma batida na porta anunciou a chegada de um criado, que
carregava uma bandeja com um bule e uma xícara de chá. Após
servi-lo, o funcionário colocou o bule sobre a mesa e deixou o
cômodo.
– Continua sem beber chá? Não acredito que tenha um espião
francês que queira envenená-lo infiltrado em sua cozinha – Lorde
Brooke falou, tomando um gole da bebida quente.
– O cuidado nunca é demais.
O marquês abaixou sua xícara, subitamente perdendo a vontade
de tomar chá. Ele se levantou e permaneceu parado por um
momento, absorvendo o conselho de Lorde Shale.
– Tudo bem – disse por fim. – É isso que eu farei. Ficarei à
mercê da misericórdia de Lady Clarice e farei o que for necessário
para que ela abandone minha proposta de casamento.
– Excelente, rapaz – o conde respondeu, erguendo sua mão.
Alex dispensou o gesto.
– Você pode me oferecer um aperto de mão quando eu tiver
colocado as coisas nos eixos. Até lá, sou apenas um homem em
uma missão inacabada.
O mais velho tomou o resto de seu vinho e riu.
– Uma muito mais perigosa do que as que eu participei. No pior
dos casos, eu acabaria sendo morto. Você, no entanto, pode acabar
tendo o conde de Langham como sogro. Eu ficaria muito mais feliz
enfrentando um pelotão de fuzileiros francês a ter tal destino.

Quando Alex deixou a Duke Street, agora um pouco mais sábio


depois de ouvir a voz da experiência, havia escurecido. Sua próxima
parada deveria ser a casa do conde de Langham, na Mill Street,
contudo, a ideia de ver Lady Clarice logo após a repreensão que
recebera de Millie o apavorava.
Seria possível morrer duas vezes em um único dia?
À medida que percorria a curta distância de volta para casa, seu
estômago começou a roncar. Com a Sra. Phillips agora residindo na
Residência Strathmore, não teria refeições quentes em casa pela
próxima semana. Ele soltou uma maldição. A realidade de ter que
retornar para uma residência vazia já era ruim o bastante, todavia,
tomar apenas chá no café da manhã seria um completo purgatório.
Não é como se eu pudesse escrever uma lista de compras para
um dos criados.
David realmente sabia como punir um homem da pior maneira.
Poderia, é claro, dirigir-se para o White’s e comer algo lá, mas
não conseguia suportar a ideia de ter que lidar com os votos de
celebração e com os apertos de mão que provavelmente receberia.
Além disso, também havia a possibilidade perigosa de encontrar o
pai de Clarice no local.
– Está na hora de uma caminhada tardia – murmurou para si,
enfiando as mãos nos bolsos de seu casaco e seguindo para a
padaria na esquina, onde poderia comprar uma torta de cebola.
Tinha a leve impressão de que se tornaria um cliente assíduo do
local ao longo da próxima semana, isto é, se não conseguisse
roubar a Sra. Phillips de volta.
Quando pôs os pés na Oxford Street, já havia compilado uma
longa lista em sua mente. Um homem não podia sobreviver apenas
com pão; entretanto, se acrescentasse um pouco de queijo, uma
jarra de peixe em conserva e algumas maçãs, achava que
conseguiria se virar bem.

– Achei que estivesse desesperada para chegar à casa de chá e


comer algo, mas você mal tocou em sua comida – Charles disse
enquanto ele e Millie faziam o caminho de volta.
Ela deu de ombros. A visita à casa de chá deveria ter sido um
momento de comemoração após sua vitória no parque, porém, tudo
o que colocara em sua boca acabara tendo um gosto amargo. Há
dias vinha ensaiando o que diria a Alex quando finalmente o
encontrasse. Na noite anterior, comportara-se com dignidade e,
hoje, dissera ao cavalheiro exatamente o que pensava sobre ele.
Mas não confessei como me sinto. Como posso dizer a um
mentiroso reiterado que ele partiu meu coração? Como posso
confessar a verdade a mesma pessoa que, por um breve momento,
me fez acreditar que eu poderia ser feliz nesse lugar? Como posso
falar que acreditei que ele conseguia ver quem realmente sou?
Havia tantas outras coisas que quisera dizer para o marquês;
entretanto, agora, à medida que caminhava em silêncio ao lado de
seu irmão, percebia quão inútil tudo aquilo teria sido.
– Millie? – Charles chamou.
A dama parou e rapidamente deu as costas para as outras
pessoas que caminhavam pela rua. O mais velho se aproximou e
passou um braço ao seu redor, puxando-a para perto. Ele apontou
para vários itens que estavam dispostos na vitrine de uma
chapelaria enquanto Millicent limpava as lágrimas que escorriam
pelo seu rosto.
– Conseguiu se ajeitar? – ele perguntou alguns instantes depois.
– Brooke realmente lhe machucou. Eu não tinha percebido o quanto
até agora.
A jovem endireitou sua touca e abriu um sorriso.
– Sim, obrigada. Por algum motivo, você sempre sabe o que
fazer em momentos de crise.
– Lembre-me disso quando eu estiver procurando por uma
esposa, posso acrescentar esse detalhe à minha longa lista de
qualidades – Charles respondeu.
– Venha, vamos para casa.
Capítulo 19

N a tarde seguinte, Alex estava parado na esquina oposta à


entrada principal do Hyde Park, esperando. Se Lady Clarice
Langham se mantivesse fiel à sua rotina diária, passaria por aquele
local antes de seguir para o parque e se juntar aos outros visitantes
assíduos do local.
Logo após acordar, o marquês e Phillips tinham deixado a casa
na Bird Street e passado a maior parte do dia na cozinha da
Residência Strathmore. Lorde Brooke se escondera no cômodo
enquanto o valete ajudava sua esposa a preparar as fornadas de
biscoitos que alimentariam o rapaz.
Por volta das quatro horas, a Sra. Phillips mandara o cavalheiro
embora com o estômago cheio e um saco de biscoitos de aveia
frescos.
– Não deixe que eles se esfarelem no bolso do seu casaco,
Mestre Alex – a mulher dissera.
Ele abrira um sorriso. Algum dia, se tornaria o duque de
Strathmore, mas para a Sra. Phillips, sempre seria o jovem Mestre
Alex.
– Obrigado, Sra. P. Se não fosse por você, eu acabaria morrendo
de fome – respondera ao subir a escada da cozinha. – Só espero
que eu consiga viver o bastante para poder apreciá-los.
Enquanto esperava pela filha do conde de Langham, encostou
suas costas em uma lâmpada a gás da rua e observou a nata da
sociedade londrina fazer seu caminho pela Park Lane. Alex enfiou
uma mão dentro do bolso e encontrou os biscoitos ainda quentes
que recebera. O cavalheiro pegou um e lentamente o comeu,
apreciando cada mordida crocante. Instantes depois, pegou mais
um e o enfiou em sua boca. Quando Clarice e suas amigas
finalmente apareceram, o marquês já havia comido o saco inteiro,
motivo pelo qual começara a se sentir mal.
Ele limpou os farelos de seus dedos e ajeitou suas roupas.
Aquela seria a tarefa mais difícil que já fizera. Se não obtivesse
sucesso, seria obrigado a honrar sua suposta promessa e se casar
com a Srta. Langham. Se falhasse, ganharia uma esposa, contudo,
perderia seu irmão no processo.
E Millie também.
À medida que o grupo de senhoritas bem vestidas se
aproximava, ele inspirou fundo e deu três batidinhas no poste da
lâmpada para dar sorte. Com seu melhor sorriso casual estampado
no rosto, o rapaz andou até a dama e seu grupo de amigas.
– Boa tarde, Lady Clarice. Como você está? Senhoritas –
completou, fazendo uma reverência.
A jovem parou, lançando um olhar feio para ele.
– Lorde Brooke – respondeu friamente, enquanto suas amigas
soltavam risadinhas por baixo de suas luvas.
Dentro das botas do cavalheiro, seus dedos curvavam.
– Vocês estão indo para o parque? – o marquês indagou. Era
uma pergunta óbvia e estúpida, todavia, esperava que dar
seguimento à conversa acabasse acalmando o seu nervosismo.
– Estamos – respondeu uma das garotas. – Você deveria vir
conosco, assim, poderia caminhar com Lady Clarice e sussurrar
galanteios no ouvido dela.
Ela se virou e sorriu presunçosamente para suas companheiras.
Clarice, por sua vez, revirou os olhos. Por mais que não
conseguisse entender o que David via na moça, Alex apreciava ver
que a jovem não conseguia aturar o comportamento insípido de
suas amigas.
– Sim, Susan, é uma ótima ideia. Por que vocês não vão na
frente? Eu e Lorde Brooke seguiremos atrás. Minha criada pode nos
acompanhar. Estou certa de que temos muito o que discutir. Podem
ir.
A Srta. Langham gesticulou para que elas seguissem seu
caminho. Vendo que estava sendo dispensada, o queixo de Lady
Susan caiu, todavia, a dama logo se recuperou, soltando uma
risadinha. O marquês e a filha do conde permaneceram no lugar,
aguardando o grupo atravessar a Park Lane.
– Você as mantém em uma rédea curta – ele comentou.
– Às vezes, tenho vontade de usá-la para estrangular algumas
delas.
Alex ofereceu seu braço, mas a outra ignorou o gesto, abriu sua
bolsa de mão e retirou uma folha dobrada de dentro. Assim que
notou o selo quebrado, o cavalheiro soube que se tratava da carta
que erroneamente enviara à jovem. Diante da visão, seu coração
começou a bater fortemente em seu peito.
– Acho que deveria ficar com isso – Clarice disse, entregando-
lhe a folha. – Não sei o que o possuiu para que acabasse a
escrevendo, entretanto, durante a recepção, ficou claro que você
não nutre mais tais sentimentos por mim. Se é que realmente algum
dia os nutriu.
Antes que pudesse impedir, um suspiro de alívio escapou dos
lábios do marquês.
– Bem, eu...
Um lampejo de raiva cruzou o rosto da dama e ele rapidamente
a segurou pelo braço.
– Eu sinto muito. Realmente sinto. Acredite em mim quando digo
que eu não quis ofendê-la. É só que eu estive tão preocupado em
encontrá-la e tentar resolver as coisas entre nós que não consegui
controlar minha reação. Isto nunca deveria ter acontecido. Na
verdade, nada disso deveria.
– Mas aconteceu – ela respondeu tristemente. – Como resultado,
eu poderei ser publicamente ridicularizada.
– Eu sei e me odeio por fazer isso com você – Lorde Brooke
replicou.
O marquês vasculhou a rua, vendo que Lady Susan e suas
companheiras os aguardavam. Elas acenaram para os dois, mas
Clarice as ignorou.
– Será que podemos conversar em privado em algum lugar? Há
algumas coisas que precisamos discutir e realmente não quero ter
um coro grego nos observando – a moça afirmou.
– Eu adoraria ter a oportunidade de conversarmos. Você merece
saber a origem de toda essa confusão – Alex confessou.
Ou ao menos parte dela; não quero piorar ainda mais as coisas.
A Srta. Langham acenou sem ânimo para suas amigas antes de
pegar o braço do cavalheiro.
– É melhor as seguirmos. Se ficarmos aqui por muito tempo, os
boatos só aumentarão.
Ao entrarem no parque, eles continuaram a conversar longe do
campo auditivo das amigas da jovem.
– Eu sinto muito, Lady Clarice, mas não posso me casar com
você – Lorde Brooke finalmente disse, sentindo-se um completo
imbecil.
– Eu sei – ela respondeu.
– Por quê?
– Por que estou certa de que não pode se casar comigo? Bem,
primeiro, você nunca demonstrou ter qualquer interesse romântico
por mim durante todos os anos em que nos conhecemos. Quando a
carta chegou, eu pensei que estivesse sendo obrigado a escolher
uma noiva e que decidira que seria melhor optar por alguém que
conhecia.
– Eu nunca faria isso com você – o marquês falou.
– Antes de eu pôr os olhos sobre a carta – Clarice disse,
apontando para o bolso do casaco do rapaz, onde a
correspondência agora residia –, teria dito o mesmo. Contudo,
agora, sinto como se não o conhecesse de verdade.
Alex suspirou, grato por seu irmão não estar escutando a
conversa deles.
– O que posso lhe dizer?
– A verdade seria um bom começo – a dama respondeu.
Lorde Brooke parou, ignorando o fato de que estavam bem atrás
do grupo de amigas da moça. Reunindo toda a sua coragem, contou
a outra tudo o que podia sem revelar os detalhes vergonhosos. Em
nenhum momento ele mencionou o nome de David.
Após ouvir em silêncio a explicação de como uma carta que
nunca deveria ter sido enviada acabou parando em suas mãos, a
Srta. Langham abriu sua bolsa e pegou um papel e um lápis. A
garota rabiscou algo na folha e a entregou a ele. O marquês olhou
para o papel, fingiu lê-lo e, em seguida, enfiou-o no bolso em que a
carta estava.
– É isso o que vai fazer sem questionar, Alex. Se eu perceber
qualquer desvio do meu plano, procurarei o meu pai e direi que me
arruinou. Ele se certificará de que estejamos casados antes do dia
acabar. Acredite, se eu disser as palavras certas em seu ouvido, o
conde fará de tudo para garantir que você acabe com uma esposa
ao seu lado. – Clarice espiou ao redor, certificando-se de que
ninguém estava por perto. – Fui clara? – perguntou com um fundo
de raiva ainda em sua voz.
O marquês assentiu, sentindo uma inquietação borbulhar em sua
barriga.
A jovem respirou profundamente e estalou a língua.
– Ótimo. Já que toda a alta sociedade espera ouvir um anúncio
sobre o nosso noivado, precisamos fazer algo para acabar com a
especulação. É por isso que encenaremos uma discussão em um
evento público; no final, irei abandoná-lo, deixando claro para todos
que você não é um marido adequado.
– Mas...
– Fique quieto, Alex. Eu ainda não terminei. Posso estar
deixando que escape, mas não prometi que sairia intacto. Você não
tem ideia de como as últimas semanas foram difíceis para mim. No
segundo em que aquela carta ridícula chegou, minha vida foi virada
de cabeça para baixo. Se não estou tendo que lidar com as
perguntas de meu pai sobre o anúncio do noivado, estou me
ocupando com a exasperante Lady Susan que não para de se
vangloriar com o fato de que estava presente quando a recebi.
Tenho estado mal desde então, perguntando-me quando você
apareceria na porta da minha casa para me dizer exatamente que
tipo de brincadeira de mal gosto era essa!
– Ah – ele suspirou, fitando o chão.
A realidade de suas tentativas descuidadas de falar com Millie
começava a pesar sobre sua cabeça. Tinha machucado seu irmão e
a mulher que amava; estava ciente e havia aceitado isso, contudo,
nunca lhe ocorrera que suas ações pudessem ter causado tanto
caos na vida de outras pessoas.
Agora, podia acrescentar a auto aversão à lista interminável de
emoções que passara a sentir nos últimos dias.
– Clarice, o que eu posso dizer?
– Pode dizer sim à minha próxima exigência – ela respondeu.
– Que é...?
– Quero conhecer a pessoa que escreveu a carta, porque sei
muito bem que ela não é de sua autoria. Ninguém poderia despejar
tais sentimentos no papel e me cumprimentar da forma que você fez
na noite anterior. Eu o conheço há muito tempo, por isso, posso
afirmar com certeza que não compreende o significado de metade
daquelas emoções. Sequer acredito que tenha lido a carta, Alex. E
não pense que só porque a devolvi, eu tenha me esquecido de seu
conteúdo. Não, eu a estudei por horas a fio e consigo recitá-la de
cor, assim como Susan. O número que escrevi no pedaço de papel
que lhe entreguei representa a quantidade de dinheiro que irá me
pagar se não revelar a identidade do autor da correspondência.
Essa quantia não é negociável e, se não me pagar até o meio-dia da
manhã do seu casamento, eu transformarei sua vida em um inferno.
Isto é, é claro, se a garota com quem planeja se casar ainda o
quiser.
Sob circunstâncias mais toleráveis, o cavalheiro teria rido. Nunca
tinha sido chantageado antes, muito menos pela filha de um conde.
Porém, ao ver a expressão no rosto da Srta. Langham, soube que rir
seria o pior tipo de reação que poderia ter naquele momento. Assim
que conseguisse encontrar David, descobriria o quanto esse
desastre o custaria. Tinha o leve pressentimento de que o dano
financeiro seria muito mais do que apenas o valor de um ou dois
vestidos. Contudo, não possuía outra opção a não ser concordar em
pagar a quantia.
– Muito bem, concordo com a maior parte dos seus termos.
Diga-me onde e quando minha rejeição pública ocorrerá e eu me
certificarei de estar presente. Já quanto à identidade do autor da
carta, não poderei concordar em divulgá-la. Você está certa ao
assumir que a correspondência não foi escrita por mim. Eu adoraria
poder lhe dizer quem a redigiu, mas, se o fizesse, tal ato acabaria
me custando muito mais do que lhe escrever uma nota promissória.
A dama ergueu uma mão.
– Devolva-me o papel, Alex – demandou.
Quando ele o entregou, a jovem riscou o número e rapidamente
escreveu outro antes de voltar a entregar a folha para o rapaz.
Lorde Brooke olhou para o papel antes de enfiá-lo novamente em
seu bolso.
– Como pode ver, dobrei o valor que deve me pagar. Ainda
assim, continuará a recusar o meu pedido? Sei que seu pai tem
muito dinheiro e que você recebe uma quantia considerável dele, no
entanto, duvido que consiga extrair tal valor do duque sem que ele
perceba – a moça bufou, claramente começando a perder a
paciência. – O pagamento deve ser feito em dinheiro; nada de notas
promissórias ou cartas de instrução. Então, Alex, como vai ser?
Estou ficando cansada – completou.
O marquês balançou a cabeça.
– Desculpe, Clarice, você não merecia passar por isso.
Realmente me sinto envergonhado pela dor que eu lhe causei. Ela
não foi intencional, nada disso foi. Tudo o que eu queria era enviar
uma carta para a mulher que eu amo; em vez disso, a enviei para a
dama errada e você acabou ferida. Pode fazer o que quiser comigo,
eu aceitarei sem reclamar. Só imploro que deixe os outros fora
disso. – Alex suspirou, mexendo os papéis em seu bolso. O
cavalheiro pegou o bilhete de extorsão da Srta. Langham e o
ergueu. – Você terá seu momento de vingança, assim como o seu
dinheiro, entretanto, a identidade do autor da carta permanecerá em
segredo. Eu já causei danos suficientes. Se eu conseguir ter a mão
da mulher que eu amo em casamento, ficarei feliz em lhe pagar tal
quantia.
Lorde Brooke ofereceu seu braço para a jovem. Ela o encarou
por um instante, depois, deu de ombros e aceitou a oferta.
– Bem, suponho que ter duas condições aceitas não é nada
ruim. Todavia, não pense que não tentarei descobrir quem escreveu
aquela carta – a dama replicou.
Eles se apressaram para alcançar as amigas de Clarice. O
marquês permaneceu no parque por tempo o bastante para ter uma
conversa educada com elas e ser visto em público na companhia da
filha do conde. Em determinado momento, os cantos de seus olhos
pegaram um vislumbre de Millie e o rapaz acenou para ela. A garota
o encarou antes de se virar de costas.
Após se despedir da Srta. Langham e intentar uma busca
infrutífera por David, Alex decidiu que estava na hora de voltar para
a Residência Strathmore. Ainda não estava em bons termos com
seu irmão, mas sabia que as coisas certamente piorariam se o mais
velho descobrisse sobre seu encontro com Clarice pela boca de
outra pessoa.
Um assobio baixo escapou dos lábios de David quando ele leu o
bilhete que Clarice escrevera.
– Eu sempre esperei que ela tivesse um lado perverso, mas isto
é absolutamente brilhante – ele falou, sorrindo.
– Quanto? – o mais novo perguntou com nervosismo,
imaginando o quanto sobraria em sua conta bancária depois de
atender às exigências da dama.
Seu irmão torceu o nariz.
– Bem, parece que, originalmente, ela tinha escrito quinhentas
libras, contudo, mudou de ideia e aumentou a quantia para mil
libras. O que diabos você disse para fazê-la dobrar o valor?
Alex pegou o papel e o dobrou no meio.
– Eu disse que não revelaria a identidade da pessoa que
escreveu a carta. A Srta. Langham sabia que ela não tinha sido
escrita por mim.
O mais velho fechou os olhos e sussurrou:
– Obrigado.
– Embora me tenha ocorrido que essa seria a oportunidade
perfeita para você confessar à jovem como realmente se sente – o
marquês observou. – Talvez esteja na hora de conversar com o pai
dela e pedir a mão da dama. Você tem muito a oferecer.
– Mas não posso oferecer o nome do meu pai ou um título –
David respondeu.
Ao longo dos anos, os irmãos haviam discutido sobre o impacto
da ilegitimidade do mais velho em seu futuro e concordado em unir
forças para superar quaisquer impedimentos que ela viesse a
causar. Contudo, ambos sabiam que não havia dinheiro no mundo
capaz de mudar a mente daqueles que viam David Radley apenas
como um filho bastardo.
– Alex, o único momento em que o conde de Langham
reconhece minha existência é quando estou parado ao lado do
nosso pai. Nos outros momentos, é como se eu fosse invisível. Ele
nunca me consideraria digno de sua filha. Aos olhos do homem, eu
sou apenas um filho ilegítimo. Condes não permitem que suas filhas
se casem com bastardos, essa é a verdade. – Seu irmão segurava a
carta de amor que o marquês conseguira obter com a Srta.
Langham. Ele sorriu para a correspondência antes de colocá-la
sobre uma mesa. – Você tomou a decisão certa ao não revelar meu
nome para Clarice. Ser rejeitado pela moça logo após ela descobrir
o que sinto seria a maior humilhação da minha vida.
Eram quase três horas da manhã. Os irmãos Radley estavam
sentados no escritório de seu pai, aquecendo seus pés perto da
lareira. Lorde Brooke chegara na Residência Strathmore na tarde
anterior, porém, logo descobrira que David saíra para uma festa em
alguma localidade próxima ao Highgate e que só retornaria no dia
seguinte.
Felizmente, o evento acabara mais cedo do que o esperado,
fazendo com que o mais velho retornasse antes do previsto. Mais
desculpas tinham jorrado da boca de Alex, sendo estas seguidas
por um soco sólido de David. Algum tempo depois, os dois
declararam uma trégua e, agora, uma segunda garrafa do vinho
italiano favorito do duque parecia definir o rumo da madrugada.
– Então, quando sua rejeição pública acontecerá? – seu irmão
indagou.
O marquês encarou a bebida enquanto a girava em sua taça. A
luz da lareira dava ao vinho um tom similar ao pôr do sol em um dia
de verão.
– Eu não sei. Estou deixando os detalhes a cargo de Lady
Clarice. Só espero que ela não me faça esperar muito, porque,
primeiro, o suspense está me matando e, segundo, quanto mais
rápido a dama me tirar da minha miséria, mais rápido poderei voltar
minha atenção ao meu objetivo principal, que é Millie.
As sobrancelhas do mais velho se arquearam lentamente à
medida que o rapaz tomava um gole de sua bebida.
– Acredite quando digo que fiz tudo o que pude para consertar
as coisas com Clarice. Se tudo correr conforme o plano, ela sairá
dessa situação com sua reputação intacta ou, melhor ainda,
melhorada. Quanto a mim, terei sorte se voltar a receber algum
convite para qualquer evento da alta sociedade.
– Se você se tornar uma pária social, será mais do que merecido
– David pontuou.
– Obrigado.
Seu irmão começou a erguer seu copo, todavia, parou o gesto
no meio do caminho e colocou a taça sobre os lábios.
– Você é o herdeiro de uma das maiores fortunas do país, então,
por favor, deixe a encenação de pobrezinho de lado. Sempre
existirão matronas dispostas a jogarem suas filhas em cima de um
futuro duque, portanto, duvido muito que acabe passando o resto de
seus dias sozinho, Alex.
Os dois riram.
– Eu estava mesmo me perguntando por que senti a sua falta
durante os últimos dias – Lorde Brooke disse.
– Bem, acho que terá que continuar sentindo minha falta por
mais algumas horas, querido irmão. Estou indo para a cama.
O mais velho esvaziou seu copo, colocando-o sobre a mesa de
seu pai. Alex se levantou e, por alguns instantes, os dois rapazes
apenas se encararam em silêncio.
– Eu sou um tolo completo que não merece ter um irmão como
você. Novamente, peço desculpas por tudo o que fiz – o marquês
disse.
Os dois irmãos piscaram com força ao trocarem tapinhas nos
braços do outro.
– Eu sei, mas alguém tem que salvá-lo de si mesmo e Stephen
ainda não tem idade o suficiente para arrastar seu traseiro das
brigas de tavernas em que você se mete, então a responsabilidade
recai sobre mim. – David sorriu, passando um braço ao redor do
mais novo e levando-o até a porta. – Venha, Hargreaves preparou a
cama do seu antigo quarto para você. Está tarde demais para
caminhar sozinho de volta para casa. Vamos descansar um pouco e
descobrir o que o amanhã nos trará.
Capítulo 20

S entindo uma mistura estranha de animação e medo e sabendo


que concordara voluntariamente com sua humilhação pública,
Alex seguiu para o baile. Algumas semanas antes, teria preferido
cortar a própria garganta a sequer considerar o que estava prestes a
fazer.
Recebera uma carta de Lady Clarice no começo da tarde. Após
uma breve consulta com David, decidira deixar que ela tomasse a
liderança e decretasse qualquer punição que achasse ser
necessária. A dama só o fizera esperar dois dias antes de informar
quando o gume da foice cairia sobre ele.
Sentado no coche com David à sua frente, o marquês contava
suas bênçãos.
– Ao menos o aroma do escândalo terá diminuído quando a
temporada chegar em seu ápice. Nem todos voltaram para Londres
ainda. A mamãe e o papai só retornarão nos próximos dias – disse.
O mais velho se inclinou e cutucou as costelas do outro.
– Muito bem, rapaz, continue dizendo a si mesmo as mentiras
que precisa ouvir. Contanto que consigamos escapar dessa noite
sem uma horda assassina em nossos calcanhares, estaremos bem.
O resto é apenas um detalhe.
Seu irmão estava tentando agir como seu antigo eu, no entanto,
Lorde Brooke conseguia reconhecer o barulho dos dentes de David
se cerrando a milhas de distância. Não era apenas o seu futuro que
estava na linha. Por mais que o mais velho negasse a possibilidade
de um dia se casar com Lady Clarice, no fundo, ainda nutria uma
esperança vã.
– Dessa vez, não irei estragar tudo – o marquês afirmou. Se o
fizesse, as consequências seriam terríveis demais para sequer
considerar.
O coche parou em frente a uma imponente construção medieval
na Bishops Avenue. Enquanto caminhava sob o arco de tijolos que
cobria a entrada do Fulham Palace, o rapaz se virou para seu irmão.
– Por que subitamente desejo que eu tivesse contraído uma
doença muito ruim?
– O baile do nosso tio é um dos destaques da temporada e,
como somos os únicos membros da família que atualmente se
encontram em Londres, seria bastante estranho se não
aparecêssemos – David comentou, subindo os degraus da entrada.
O sangue de Alex congelou em suas veias ao notar que o bispo
da cidade estava parado no topo da escada.
– Alex, meu garoto, veio marcar uma data?

– Você sabe que o bispo é parente do duque de Strathmore e,


consequentemente, da única pessoa em Londres que estou
tentando evitar, não é? – Millie indagou enquanto escaneava o salão
de baile.
– Sim, estou ciente disso – Charles respondeu.
– Então, por que diabos estamos aqui? – ela explodiu.
Seu irmão bufou.
– Blasfêmia? Devo lembrá-la de que estamos na residência de
um bispo e que o uso desse tipo de linguagem aqui provavelmente
acarretará na sua expulsão da igreja? Estou certo de que eles a
excomungarão se escutarem o que está dizendo.
A jovem lançou um olhar feio para o mais velho.
– Se quiserem, eles podem jogar toda a inquisição espanhola em
cima de mim; minha única condição é que eu não tenha que falar
com Lorde Brooke – Millicent retrucou.
Nos últimos dias, aperfeiçoara a arte de utilizar o título de Alex
como uma forma de insulto. Se via algo que lhe desagradava, logo
fazia uma conexão com ele. Ao associar o cavalheiro com coisas
ruins, esperava criar uma grande e firme muralha entre eles.
Evitá-lo sempre que possível também ajudava. Dois dias atrás,
vira o rapaz no Hyde Park na companhia de Lady Clarice Langham
e de suas amigas. Para duas pessoas que supostamente estavam
apaixonadas, o casal realmente parecia miserável. De onde Millie
estivera, atrás do seu novo grupo de amigos, pôde ver que eles
trocaram poucas palavras. O marquês ocasionalmente assentia
enquanto as amigas da dama o circundavam como um bando de
pombos. A horrenda Susan, como Millicent a apelidara, passara
todo o tempo rindo e tocando no braço de Alex. Por mais que lhe
doesse admitir, não podia negar que ver o olhar de desconforto no
rosto do cavalheiro fizera seu dia.
Ótimo. Você merece passar o resto dos seus dias cercado por
harpias sem cérebro. É uma pena que a Srta. Langham não perceba
quão bem você se adequa dentro desse grupo, Lorde Brooke.
Naquele momento, um de seus novos admiradores lhe contara
uma piada particularmente divertida, arrancando uma gargalhada
nada típica de uma dama de seus lábios. Após os diversos passeios
que fizera com o grupo, percebera que eles apreciavam a
honestidade de suas reações. Com Millie, os cavalheiros podiam
relaxar, pois sabiam que a jovem não possuía nenhum tipo de
propósito oculto. A dama não estava interessada em apressar as
coisas e arrastar um deles para o altar.
Ao se recompor e limpar as lágrimas de divertimento de seus
olhos, seu olhar caíra novamente sobre o local onde o marquês e
seu harém estavam parados. Enquanto Lady Clarice e as outras
garotas ajeitavam suas toucas e estudavam seus arredores, o rapaz
encarava Millicent. Pela primeira vez desde que o conhecera, tivera
a impressão de que o cavalheiro era incapaz de abrir um sorriso.
Seus ombros estavam caídos e a expressão de irritação que surgia
em seu rosto toda vez que Lady Susan soltava uma risada lhe
davam a aparência de um homem completamente infeliz. Contudo,
antes que a Millie pudesse se voltar para seus amigos, Alex dera um
pequeno aceno em sua direção.
A garota nunca o vira tão desanimado, motivo pelo qual não
conseguia se lembrar do que acontecera durante a hora em que ela
e Charles haviam passado no parque ou da caminhada de ambos
de volta para casa. Se Lorde Brooke conseguira o que queria, por
que parecia estar tão cabisbaixo? Não fazia o menor sentido.
Quem sabe, agora que estava prestes a se casar, o rapaz
finalmente fora forçado a encarar a realidade de um homem
comprometido, ou seja, o fato de que não poderia mais tramar seus
joguinhos de sedução com outras damas. A jovem rezava para que
o marquês levasse seus votos matrimoniais a sério e tentasse ser
um bom marido para Lady Clarice, pois, por mais que Lorde Brooke
soubesse ser charmoso quando a situação exigia, ele também sabia
como partir um coração.
– Millie – Charles sussurrou. – Pare de deixar sua mente vagar
por aí.
A mais nova balançou a cabeça. Voltando à realidade, ela
encarou seu irmão firmemente.
– Eu estava apenas pensando, seu tolo. Talvez queira tentar
fazer o mesmo de tempos em tempos.
– Não se ficarei com a mesma expressão que aparece em seu
rosto quando você está considerando algo profundamente – ele
retrucou com uma risada.
– É melhor ficar quieto ou farei com que você seja obrigado a
dançar com a horrenda Lady Susan; sei que ela está aqui nesta
noite, posso sentir em meus ossos – Millicent afirmou.
Seu irmão bateu palmas.
– Muito bem, blasfêmia e, agora, bruxaria. Continue assim,
minha querida, e acabará fazendo com que nós sejamos queimados
vivos na fogueira. Se bem que, se isto acabar nos esquentando um
pouco, acho que eu não reclamaria. Ninguém nesse país tem um
aquecedor decente, eu estou sempre com frio.

– Você ouviu? – David perguntou.


– O quê? – Alex indagou à medida que seu olhar vasculhava o
cômodo.
– O conde de Langham está aqui esta noite e ele quer vê-lo.
O rapaz soltou um xingamento antes de respirar fundo. Era
melhor que Lady Clarice tivesse arquitetado um plano infalível; do
contrário, ele estaria em maus lençóis. Se seu tio e o conde
conseguissem pegá-lo, o marquês acabaria com uma taça de
champanhe em uma mão e uma noiva na outra. Conhecendo o
bispo, sabia que ele não se importaria com o tipo de pessoa que a
dama era, já que a jovem vinha de uma família nobre e possuía uma
boa linhagem.
– A propósito, você viu Clarice? Se ela vai me rejeitar, é melhor
que faça isso logo. Senão, vou embora. Não darei a oportunidade
para que outra pessoa decida meu futuro por mim – Lorde Brooke
afirmou com os nervos à flor da pele.
Seu irmão colocou uma mão firme sobre os ombros do mais
novo.
– Não tema, irmãozinho, eu consegui localizá-la; a Srta.
Langham o espera na biblioteca.
Sentindo que aquilo poderia ser uma armadilha, Alex disse:
– Não estou prestes a encontrar uma senhorita solteira em uma
biblioteca ou em qualquer outro cômodo. Clarice pode falar comigo
no corredor ou, então, partirei agora mesmo.
– Se é isso que teme, venha comigo. Eu serei seu
acompanhante e não o deixarei a sós com a dama nem sequer por
um minuto – o mais velho replicou. – A última coisa que quero é ver
vocês se casando.
Os dois seguiram por um corredor próximo, parando em frente a
uma porta fechada. David bateu na madeira e a jovem rapidamente
abriu a passagem. Eles trocaram algumas palavras rápidas antes da
Srta. Langham sair e fechar a porta atrás de si. Pela expressão em
seu rosto, era óbvio que ela não estava nada feliz.
– Sinceramente, Alex, se eu quisesse fazer com que se casasse
comigo, teria agido há muito tempo e nos poupado de diversos
problemas – a moça vociferou. – Mas já que você é uma flor tão
delicada, discutirei nosso plano aqui mesmo.
Parada do outro lado do corredor, Millie observava Alex, David e
Clarice de cabeças baixas. Completamente focados na conversa
que estavam tendo, o trio parecia alheio aos seus arredores. De
tempos em tempos, um deles se afastava e balançava a cabeça,
porém, os outros dois logo acenavam, fazendo com que a parte
divergente voltasse ao grupo.
Primeiro, a jovem acreditara que eles pudessem estar brigando,
contudo, ao contabilizar o número de vezes que cada um deles
assentia, começou a duvidar de sua suposição original. Ela
continuou a analisar a cena por vários minutos até que Charles
pegou seu braço e a arrastou em direção ao seu grupo de amigos.
– O que você acha que eles estavam discutindo? – ela
perguntou, virando o rosto para dar uma última olhada no trio.
Seu irmão deu de ombros.
– Não tenho ideia. Provavelmente estão planejando como
anunciarão o noivado enquanto o duque e a duquesa ainda estão
fora da cidade. É um movimento ousado; se estivesse no lugar
deles, eu certamente não o faria, contudo, o pai dela deve estar
pressionando os dois para tornarem o relacionamento público. De
qualquer forma, descobriremos em breve. Enquanto isso, você e eu
precisamos nos divertir um pouco.
A dama sorriu rapidamente para o mais velho. Ele estava certo.
Alex não era mais parte de sua vida, então por que deveria se
importar com o que o cavalheiro fazia?
– Sim, vamos ter uma noite boa, divertida e... – Millicent torceu o
nariz, tentando pensar em outro adjetivo para completar a frase.
– Cheia de frivolidades? – o outro falou.
A jovem deu um tapinha nas costas da mão de Charles.
– Acho que isso serve, rapaz.
Em pouco tempo, Alex percebeu que tentar parecer indiferente
enquanto esperava para ser rejeitado em público não era um de
seus talentos. Quando finalmente viu Lady Clarice com os cantos de
seus olhos, uma linha fina e lenta de suor já começara a descer por
suas costas.
Sabia que o olhar que estava no rosto da dama o assombraria
por muitos anos. Acordaria no meio da noite suando frio após
sonhar que os cães do inferno tinham aparecido e uivado seu nome.
As criaturas teriam a mesma expressão que a Srta. Langham trazia
em seu rosto no dia do baile de verão do bispo de Londres, em
1817.
– ALEX RADLEY, SEU LIBERTINO ASQUEROSO! Como pôde
fazer isso comigo? – ela berrou ao fazer seu caminho pela multidão,
que estava reunida na pista de dança.
– Força, Alex. Lembre-se de que logo tudo acabará – David
murmurou à medida que se afastava, deixando seu irmão sozinho
para enfrentar seu destino.
– Lady Clarice? – o marquês indagou com o coração acelerado.
A jovem parou a alguns centímetros de distância, com as mãos
firmes sobre os seus quadris.
– Não venha com essa para cima de mim, seu porco. Sei muito
bem onde você estava na noite passada e também nesta tarde.
Posso não saber os nomes delas, mas sei o que aquelas mulheres
eram e se pensa que sou ingênua o bastante para aceitá-lo sob
essas circunstâncias, você é mais estúpido do que pensei.
Lorde Brooke tentou se lembrar de suas falas.
– Por favor, Clarice, acalme-se. Não tire conclusões precipitadas
ou diga algo que poderá se arrepender, especialmente no local em
que estamos.
Ele deu um passo à frente e tentou pegar o braço dela, contudo,
a moça o afastou.
– Não ouse me tocar, seu bruto nojento.
– Mas querida – o marquês replicou.
O tapa que a Srta. Langham desferiu quase o derrubou. Os
dentes do rapaz se cerraram e lágrimas surgiram em seus olhos. O
som do golpe ecoou pelo cômodo, sendo seguido por um arfar
coletivo da multidão que assistia à cena.
– Não sou a sua querida; nunca fui e nunca serei, Lorde Brooke.
Quando eu escolher me casar será com um homem que me respeita
e me valoriza, não um... libertino como você – a garota afirmou.
Clarice soltou um gemido angustiado e, com as mãos sobre o
rosto, saiu correndo do salão. Naquele momento, não havia atriz
mais dedicada do que ela.
Alguns instantes depois, David se aproximou e sussurrou no
ouvido do mais novo:
– Está na hora de se mover, Alex. O conde está vindo nessa
direção.
Lorde Brooke conteve as lágrimas e rapidamente seguiu seu
irmão porta afora. Para a felicidade dos dois, a multidão de
convidados era grande, o que dificultava o trajeto do pai irado da
dama.
Do lado de fora, os irmãos Radley desceram as escadas,
atravessaram o quintal e se refugiaram no outro lado da guarita do
lugar.
– Essa foi por pouco. Por um momento, pensei que ele
conseguiria nos alcançar – David comentou, tentando recuperar o
fôlego.
O marquês estava encostado sobre a parede de tijolos da
guarita. Seu rosto ardia como nunca ardera antes.
– Eu não sabia que mulheres conseguiam desferir um golpe tão
pesado. Quase acabei mordendo minha língua – ele esfregou a
bochecha, percebendo que sua pele ainda estava quente.
Seu irmão cobriu a boca com uma mão, todavia, o outro pôde
ver que ele estava rindo.
– Aquilo foi impagável, Alex; não poderíamos ter ensaiado uma
cena melhor. Embora eu não me lembre de termos discutido o tapa
que Clarice lhe deu, ele foi mais do que merecido. Depois do que
você a fez passar, deveria apenas ser grato por a dama não ter uma
pistola nas mãos.
O mais novo espiou por trás da parede, lançando um olhar
rápido para a entrada do Fulham Palace.
– Vamos sair daqui antes que o conde decida enviar alguns dos
seus criados atrás de nós – ele disse, virando-se e seguindo até
onde os veículos estavam parados. – Quanto mais cedo estivermos
dentro do coche, melhor eu me sentirei.
A alguns metros de distância, um veículo sem brasão os
esperava. Como sabiam que o conde de Langham não era um
homem conhecido por sua natureza caridosa, antes de sequer
chegarem à festa, haviam decidido que partir discretamente era a
melhor opção.
Enquanto o coche lentamente fazia seu caminho até a Bird
Street, Lorde Brooke refletia sobre os eventos da noite. Colocando o
tapa que recebera de lado, tinha que admitir que conseguira sair de
uma situação complicada com bastante facilidade. Agora, livrara-se
da expectativa de ter que se casar com Clarice sem prejudicar a
reputação da moça.
Só podia esperar que a Srta. Langham tivesse apreciado sua
saída improvisada e teatral do salão de baile, já que ela seria, sem
dúvida, o assunto mais comentado em todas as mesas de refeições
da alta sociedade londrina.

– Bem, ao menos o plano rápido de vocês funcionou. Agora, só


precisa convencer Millie Ashton de que suas intenções são sérias e
fazer com que a jovem se case com você – David disse na tarde
anterior, enquanto subiam os degraus da casa deles.
– Sim, consegui fazer o improvável, só me resta então intentar o
impossível – Alex retrucou. – Vou esperar alguns dias antes de falar
com ela. Suponho que seria grosseiro da minha parte ser rejeitado
em uma noite por uma dama só para, na seguinte, tentar cair nas
graças de outra.
O mais velho assentiu.
Fechando a porta atrás de si, o marquês tirou seu casaco e o
entregou para Phillips.
– É bom tê-lo de volta, David.
Seu irmão balançou a cabeça.
– Eu não vou ficar. Pedi que um criado passasse aqui pela
manhã e pegasse mais algumas roupas minhas.
– Pensei que você voltaria para cá, por que prefere permanecer
na Residência Strathmore? – Lorde Brooke indagou.
– Porque, meu caro rapaz, você ainda precisa descobrir como
lidar com o resto de seus problemas sozinho. Além disso, eu gosto
de ter toda a casa para mim mesmo. Nunca tive a oportunidade de
comandar o lugar sozinho e não acho que a terei novamente,
portanto, decidi que irei aproveitá-la ao máximo – o mais velho
explicou.
– Fingindo ser duque?
– Sim, embora nunca terei a chance de ser – David respondeu
com um sorriso irônico.
A perspectiva de ver seu irmão retornar para a casa de seus pais
e deixá-lo ali o desapontava. Alex encheu as bochechas de ar e
tentou dar de ombros, afastando sua clara decepção.
– Tudo bem, sobreviverei sem sua ajuda. Porém, espero que não
se esqueça de que, quando eu conseguir fazer com que Millie
concorde em ser minha esposa, espero ter o seu apoio.
O mais velho piscou com travessura.
– Se quiser que eu lhe dê alguns conselhos sobre sua noite de
núpcias, é só falar.
O comentário impertinente acabou rendendo a David um tapa
em sua cabeça.
Um momento depois, seu irmão subiu as escadas. O marquês
ouviu o cavalheiro assobiar à medida que seguia para o seu
respectivo quarto e retornava com uma pequena pilha de livros nas
mãos.
– Não acho que o verei no clube esta noite, porque, se eu
estivesse em seu lugar, ficaria o mais longe possível do âmbito
social até que tivesse um plano concreto sobre como conquistar a
Srta. Ashton – David afirmou.
Com um aceno alegre de sua mão e uma melodia feliz em seus
lábios, o mais velho saiu pela porta da frente.
Capítulo 21

inalmente! Um verdadeiro dia de verão. Não é maravilhoso,


–F senhorita? – Grace falou à medida que penteava o cabelo de
Millie e o prendia em um coque estiloso.
Millicent estava sentada, apreciando seu lindo vestido de verão.
Ele possuía pequenas flores azuis espalhadas nas saias, que
combinavam com o tom pálido de azul do corpete. O mesmo padrão
floral se repetia nos punhos de suas mangas, sendo estas
finalizadas com um bordado branco da mesma cor das anáguas sob
suas saias. A vestimenta era completamente diferente das outras
que possuía e tão tipicamente inglesa em seu design e construção.
Quando ela chegara da loja de Madame de Feuillide, a jovem a
encarara com encanto por quase dez minutos antes de finalmente
tirá-la de dentro da caixa em que fora entregue. Enquanto os outros
vestidos que a modista francesa criara para ela esbanjavam
elegância e polidez, este trazia a promessa de um dia ensolarado e
uma caminhada ao longo do rio.
Levantando-se, a dama girou no lugar.
– Esse tecido é tão leve. Eu sequer estou usando as quatro
camadas usuais que me mantêm aquecida. Só espero que a chuva
espere até a festa no jardim terminar – ela comentou.
Não se deixaria enganar pelo clima da Inglaterra. Pela sua
experiência, ele poderia subitamente piorar em questão de horas.
Hoje vestia roupas leves, mas amanhã poderia ter que voltar a usar
seus vestidos pesados e seu casaco. Em Calcutá, se estivesse
quente e seco, permaneceria assim por vários dias, às vezes, até
por meses.
A moça estava determinada a ter um bom dia. Um de seus
amigos recém-adquiridos tinha convidado os irmãos Ashton para
uma festa no jardim que se daria fora da cidade, perto de Richmond.
O convite representava a oportunidade perfeita para continuar a
cultivar suas novas amizades e aumentar seu círculo social.
Quando Millie desceu as escadas, Charles estava andando de
um lado para outro com impaciência.
– Ah, finalmente. Você tem alguma ideia de quanto tempo
levaremos para chegar a Richmond? Teremos sorte se
conseguirmos chegar no horário – seu irmão reclamou.
A garota revirou os olhos, verificando suas luvas.
– Temos tempo o suficiente. A festa só começará daqui a três
horas e estou certa de que tudo o que estará na boca dos
convidados que chegarem cedo é a cena que presenciamos na
outra noite – respondeu.
Nos dias que se seguiram à briga entre o marquês de Brooke e
Lady Clarice Langham, o incidente parecia ser o único assunto que
as pessoas falavam. Não era comum ver o herdeiro de um ducado
ser rejeitado e agredido pela única filha de um conde durante um
baile sediado por um bispo. Os padrões dos escândalos da
temporada haviam sido estabelecidos bem antes desta começar e
com um nível alto.
No meio da multidão, Millicent e Charles tinham assistido, junto
com a nata da alta sociedade londrina, à cena infeliz e inesquecível
se desenrolar. Contudo, diferentemente dos outros convidados, a
dama sabia que havia mais naquela história do que as primeiras
impressões levavam a crer.
Assim que Clarice saíra do salão de baile com lágrimas nos
olhos, Millie se virara para seu irmão e murmurara:
– Agora sei o que eles estavam discutindo no corredor. Essa
ceninha foi planejada.
É claro que a jovem sabiamente mantivera tal informação para si
mesma ao conversar sobre o assunto com outras pessoas. O fato
de estar presente no infame baile já era o bastante para chamar a
atenção dos curiosos de plantão, não precisava acrescentar mais
uma camada de dúvida aos rumores acerca da razão que levara a
Srta. Langham a rejeitar Alexander, o Grande; rumores estes que
pareciam constantemente mudar.
Fitando Charles com suas sobrancelhas arqueadas, Millicent
esperou com expectativa. O cenho do mais velho se frisou até que
uma expressão de compreensão iluminou o seu rosto, fazendo-o
sorrir.
– Você está adorável, Millie, e também parece estar quase feliz –
ele afirmou.
A moça sorriu de volta. Embora fosse contra sua natureza extrair
elogios de outras pessoas, Millie decidira que o agrado era o mínimo
que seu irmão poderia fazer se esperava que ela o escutasse se
vangloriar de seu faetonte de última linha e do par de cavalos que
adquirira durante toda a viagem até Richmond.
Para sua surpresa, eles acabaram não tendo oportunidade de
conversar durante o percurso, pois, assim que deixaram as ruas
estreitas da cidade e Charles incitou os cavalos a avançarem, o
veículo começou a acelerar vertiginosamente. Entre os xingamentos
de seu irmão, que tentava recobrar o controle sobre os animais, e os
gritos de animação da garota, os dois acabaram trocando poucas
palavras.
– Bem, a viagem demorou menos do que eu esperava – o mais
velho disse quando pararam em frente à majestosa propriedade
campestre.
Uma dúzia de outros coches estavam estacionados na entrada
enquanto um grupo de criados e cavalariços da residência se
ocupavam com o cuidado dos cavalos.
– Sim, mas foi tão divertido. Não me lembro quando foi a última
vez que ri tanto – Millicent respondeu.
Charles entregou as rédeas para um dos criados que passava
pelo local e ajudou sua irmã a descer do faetonte que, agora, estava
coberto por uma camada de terra e poeira. A jovem limpou a sujeira
que se acumulara em seu casaco e tirou seu cachecol antes de
entrar.
Por conta da velocidade imprevista do novo veículo de seu
irmão, tinham chegado na festa muito antes do horário de encontro
que haviam combinado com seus amigos.
– Acho que vou aproveitar para limpar minhas roupas antes dos
outros chegarem, tudo bem, Millie? Eu sabia que deveria ter vestido
um casaco – o mais velho disse, observando uma criada pegar o
casaco e o cachecol da moça.
Ela riu.
– Sim, considerando a vermelhidão do seu rosto e o estado do
seu cabelo, acho que essa é uma sábia decisão, meu querido irmão.
Nesse ínterim, irei esticar minhas pernas e caminhar pelo jardim.
Os olhos do rapaz brilharam.
– Sabia que eles têm um labirinto aqui?
A mais nova torceu o nariz. Esperava poder surpreendê-lo com
aquela informação.
– Sim, mal posso esperar para perdê-lo dentro dele – Millie
replicou com uma risada.
– Rá! Sem chance. O que acha de procurar a entrada enquanto
eu me limpo? Assim que eu terminar, veremos quem é o verdadeiro
mestre do labirinto – Charles afirmou antes de partir para a câmara
dos cavalheiros.
A dama, por sua vez, seguiu para o lado de fora. Chegando no
jardim, parou e ergueu o rosto, permitindo que os raios de sol
tocassem em sua pele.
Estava começando a pensar que o sol nunca brilharia neste país.
Alguns convidados se reuniam sobre a grama. Millicent ficou feliz
ao notar que não conhecia nenhum deles, o que significava que não
era obrigada a cumprimentá-los. Ela e seu irmão poderiam se
divertir no labirinto enquanto esperavam seus amigos chegarem.
A jovem olhou de volta para a casa, contudo, percebeu que
Charles ainda não aparecera. Decidindo que daria uma olhada
rápida no labirinto, a garota se convenceu de que não estava
trapaceando, apenas optando por se presentear com uma mera
vantagem estratégica. Em pouco tempo, encontrou os dois enormes
pilares de pedra que marcavam a entrada do lugar.
Espiando uma última vez por cima do ombro com o objetivo de
localizar o seu irmão, deu alguns passos hesitantes para dentro do
labirinto. As grandes paredes de sebe logo cortaram todo o som que
vinha do exterior e a envolveram em um misterioso mundo verde.
Enquanto continuava a avançar, um plano maligno começou a se
formar em sua mente. Planejava esperar pelo mais velho no local e
surpreendê-lo quando ele aparecesse.
Ao virar em um dos cantos, deparou-se com um homem
ajoelhado sobre outro. O segundo cavalheiro estava estirado sobre
o chão, já o primeiro estava de costas para ela, motivo pelo qual
Millie não conseguia ver o rosto dele. Quando o homem ajoelhado
falou, os pulmões da dama pararam de funcionar.
– Vamos lá, Alex, não está na hora de você morrer.
Millicent soltou um gemido de agonia e correu até onde David
estava parado, ao lado de seu irmão mais novo. Ele ergueu os
olhos, registrando quem a moça era.
– Por favor, Srta. Ashton, vá buscar ajuda. Meu irmão foi
agredido – o rapaz disse.
Um olhar sobre o rosto ensanguentado de Alex foi o suficiente
para fazer com que a garota corresse o mais rápido que pudesse de
volta à entrada. Percebendo que sua irmã deveria ter entrado no
labirinto, Charles quase colidiu com a jovem perto dos pilares de
pedra.
– Opa! Calma, Millie – ele grunhiu, segurando-a pelos ombros
enquanto ela cambaleava.
Balançando as mãos, a mais nova tentou parar o fluxo de
lágrimas que desciam pelo seu rosto, mas não obteve sucesso.
– Alex está machucado. Ah, Charles, você tem que vir ajudar. Há
sangue por toda parte – a moça soluçou.
O rapaz pegou sua mão e rapidamente a levou para dentro do
labirinto. Quando eles chegaram ao local em que os irmãos Radley
estavam, viram que o marquês começava a recobrar a consciência
e que David estava tentando ajudá-lo a se sentar.
Colocando uma mão ao redor da cintura do cavalheiro, Charles o
pôs de pé com um movimento veloz.
– O que diabos aconteceu com você, Brooke?
Alex vacilou sobre os seus pés, levando David a passar um
braço pelos seus ombros.
– Acho que o conde de Langham não é tão indulgente quanto a
sua filha, motivo pelo qual decidiu deixar seu descontentamento
bem claro – o Radley mais velho replicou.
Lorde Brooke balbuciou algo, mas Millicent não conseguiu
distinguir as palavras.
David assentiu.
– Um par de brutamontes estava esperando por ele quando
chegamos aqui. Enquanto eu cumprimentava alguns amigos, eles o
arrastaram para o labirinto e começaram a golpeá-lo. Felizmente,
não demorei muito para localizá-lo. Os agressores partiram quando
me viram.
O marquês levantou uma mão sangrenta e a dama não pôde
deixar de notar os diversos cortes feios que cobriam sua pele.
Charles arqueou as sobrancelhas, assentindo com aprovação.
– Parece que você caiu lutando. O fato de ainda estar vivo só
pode significar que conseguiu desferir alguns socos certeiros.
– Alex – Millie sussurrou, tentando acalmar sua respiração.
Os cavalheiros o levaram até um pequeno banco de madeira que
estava no labirinto. Quando eles acomodaram Lorde Brooke sobre o
assento, a jovem o escutou murmurar para Charles:
– Por favor, tire sua irmã daqui. Eu não posso suportar que ela
me veja assim.
O outro assentiu.
– Tudo bem, contudo, eu retornarei. Precisamos limpá-lo da
melhor forma possível antes que possamos levá-lo para dentro da
residência. Millie e eu pegaremos alguns panos limpos e um pouco
de água fresca.
– Não! – Alex exclamou e estremeceu de dor. – Ninguém deve
saber sobre isso. Lady Clarice já sofreu o bastante. Se alguém
colocar os olhos sobre mim, logo perceberão o que aconteceu. Eu
não quero que ela saiba.
Ele fechou os olhos enquanto respirava curta e superficialmente.
David fitou Charles.
– A saída do labirinto fica do outro lado do jardim. Se puder me
ajudar a carregá-lo, acho que conseguiremos sair sem que ninguém
perceba – o rapaz afirmou.
Charles lançou um olhar para Millicent, que balançou a cabeça e
falou:
– Não vou embora.
Enfiando a mão dentro de sua bolsa, ela retirou um lenço branco
e caminhou até o banco em que o marquês estava. A moça se
abaixou, gentilmente ergueu o rosto do cavalheiro e tentou estancar
o fluxo de sangue de um corte localizado acima do olho dele.
– Esperem só um minuto – disse ao se levantar. – Se não
podemos receber ajuda dos criados da casa, então tenho outra
ideia.
A garota seguiu até um dos cantos do labirinto e levantou o seu
vestido. Pegando a saia interna de algodão, puxou-a para baixo e
retirou a vestimenta. Com uma das mãos em cada um dos lados da
costura, ela rasgou o tecido no meio.
Ao fazer o caminho de volta, viu que seu irmão já estava com um
canivete preparado.
– Boa ideia, Millie, você sempre é engenhosa. Sinto muito pelo
seu novo vestido – ele comentou, cortando a saia interna em
pedaços menores.
– Comprarei um novo para você – Alex grunhiu entredentes.
Millicent enfaixou as piores feridas nas mãos do marquês com o
tecido.
– Isso não será necessário, Lorde Brooke. Vê-lo completamente
recuperado é toda a retribuição que preciso.
O rapaz tentou passar uma mão pelo rosto da dama, mas ela se
afastou.
– Não faça isso – a Srta. Ashton sussurrou.
Charles e David trocaram um breve olhar antes do irmão do
marquês assentir.
– Certo. Vou procurar nosso coche e nosso motorista. Voltarei o
mais rápido possível. Pode esperar aqui com ele?
– É claro – o futuro visconde respondeu. – Enquanto Millie limpa
o sangue de Brooke, eu vigiarei a entrada e manterei visitantes
indesejados longe daqui. Não queremos que aqueles brutamontes
pensem que o trabalho deles ainda não acabou e tenham mais uma
rodada com o seu irmão.
David se dirigiu para o outro lado do labirinto e Charles se
posicionou próximo à entrada. A jovem, por sua vez, abriu a camisa
de Alex e limpou o sangue que se acumulava no topo de sua
gravata. Sentando-se ao lado do cavalheiro, Millie esfregou o
sangue do rosto dele da melhor maneira que pôde.
– Pronto. Acho que passará na inspeção; isto é, se ela for feita à
distância – disse. Com uma das faixas de algodão em sua mão,
pressionou novamente o corte em cima do olho do rapaz. – Talvez
precise levar alguns pontos. Essa parece ser uma ferida profunda.
– Eu sinto sua falta – o marquês murmurou.
A jovem fitou a pilha sangrenta aos seus pés e piscou com força.
Nunca imaginara que estaria tão perto de Alex novamente. O
perfume que emanava do homem a lembrava da noite fatídica na
casa dele. Quando estava longe de Lorde Brooke, conseguia reunir
sua determinação e afastá-lo; porém, agora, próxima a ele, sentia
como se sua alma estivesse nua e vulnerável.
Mesmo ensanguentado e ferido, o marquês continuava a ser o
cavalheiro mais bonito que já vira. O único homem que amara em
toda a sua vida. Parada, a garota observou as mãos enfaixadas dele
segurarem as suas.
– Não faça isso – ela suplicou com uma voz trêmula. – Eu
imploro. Por favor, não faça.
Pigarreando, o rapaz disse com uma voz embargada pela
saudade:
– Eu amo você.
A dama mordeu seu lábio inferior com força e fechou os olhos.
Lutando para manter sua compostura, ela respirou profundamente.
– Não, Alex, você não me ama. E se os acontecimentos desta
tarde não foram capazes de lhe mostrar os erros de sua conduta,
então é melhor que escolha sua próxima vítima com mais cuidado;
pois posso lhe garantir que alguns homens são capazes de fazer
atrocidades pela honra de suas famílias. – A garota afastou suas
mãos das dele. – Você é um mentiroso e um tolo, Lorde Brooke, e
eu sinceramente não sei o que é pior. A única coisa que posso
confessar é que lhe dei o meu coração e você o destruiu sem
misericórdia. Portanto, além dos pedaços do meu vestido, não há
nada mais que eu possa lhe dar.
Um sorriso fraco apareceu nos lábios do marquês. Inclinando-se
para que apenas Millicent pudesse ouvi-lo, Alex disse:
– Você é tudo o que eu quero, Millie. Eu nunca desistirei de você.
A moça se virou na direção de seu irmão, notando que ele ainda
estava de costas para os dois, no final do caminho.
– O que mais eu poderia lhe dar? – replicou, encarando as
costas de Charles.
– Suas noites e filhos comigo – Lorde Brooke sussurrou com
desejo.
Um fio de sangue escapou do corte acima do olho do cavalheiro,
escorrendo por sua bochecha. A jovem substituiu o pedaço de
tecido que colocara sobre o ferimento com um novo, fazendo Alex
segurá-lo no local. Ela apanhou a pilha ensanguentada e se
levantou. Virando-se para o marquês, balançou a cabeça.
– Você diz que eu sou sua e que me quer como sua esposa,
entretanto, escreveu uma carta de amor para outra mulher. Este é
um fato que não pode negar. Se realmente me amasse, Alex, teria a
mandado para mim, não para Clarice. Você pode ser um tolo, mas
eu definitivamente não sou uma. – Millicent enrolou os trapos sujos
e os colocou próximo ao banco. – Desejo-lhe uma recuperação
rápida, Lorde Brooke, no entanto, peço que não confunda as coisas.
Vejo-o como alguém de quem me distanciei e pretendo que
continuemos assim. Adeus, Alex.
– Eu não escrevi a carta... – A dama o escutou dizer à medida
que se afastava, contudo, com seu coração à beira de outro
colapso, não pôde se virar e voltar a encará-lo.
Conjurando toda sua força de vontade, conseguiu andar até
onde seu irmão estava.
– Assim que David voltar, teremos que partir. Minhas roupas não
estão mais apresentáveis – Millie disse, segurando a mão de
Charles.

Sabendo que Alex ainda estaria se recuperando após os eventos da


festa anterior, Millicent se sentiu confortável em se aventurar em
uma caminhada na manhã seguinte. Apenas quando estava
retornando, percebeu o quanto sentira falta do exercício. Ao chegar
na soleira de sua casa, entregou seu casaco e suas luvas para
Grace. De pé, em frente à entrada, considerou o dilema que a
impedira de dormir na noite anterior. Será que deveria contar a
Charles o que o marquês dissera no labirinto ou simplesmente
comprar uma passagem de volta para a Índia?
Ainda incerta, a garota caminhou em direção à escada. Quando
passou pela porta do escritório de seu pai, notou que ela estava
aberta. Enfiando a cabeça entre a fresta, surpreendeu-se ao ver que
James e Violet estavam sentados no pequeno sofá de couro que
dava para a janela.
– Oi – a mais nova os cumprimentou alegremente.
Seu pai se virou para ela.
– Ótimo. Fico feliz que finalmente tenha chegado. Feche a porta
e venha se sentar conosco – ele disse.
Millie fez como lhe foi instruído, aproximando-se de seus pais. A
primeira coisa que notou foi o estado angustiado em que sua mãe
estava. Lágrimas caiam pelas bochechas da mulher e o corpo dela
tremia.
– Mamãe, o que aconteceu? – a jovem indagou, ajoelhando-se
em frente à Violet e pegando suas mãos. Nunca vira a mais velha
tão perturbada, era assustador vê-la naquela condição. – Você não
está doente, não é?
O lábio inferior de sua mãe tremeu.
Procurando por uma resposta, a dama fitou James.
– Sua mãe não está doente, Millie, está de coração partido.
Acabei de contar a ela minhas suspeitas; algo que tem estado em
minha mente e que tem me mantido acordado por muitas noites. Eu
disse que você pretende deixar a Inglaterra e retornar para a Índia –
seu pai afirmou.
Na mão do homem, estava a lista dos horários de partida dos
navios com destino à sua cidade natal; a mesma lista que a moça
pensara ter escondido bem. Sua respiração ficou presa em sua
garganta e seu rosto se desmanchou em lágrimas. Fora estúpida ao
acreditar que James não descobriria.
Seu pai a puxou para o sofá, colocando-a sobre o seu colo, e a
mais nova passou as mãos ao redor da cintura do cavalheiro.
– Desculpe, eu nunca quis machucar vocês. Tudo o que eu
queria era ir para casa – ela soluçou na lapela do paletó dele.
Violet acariciou o cabelo de sua filha enquanto ambas
continuavam a chorar.
– Você está em casa, querida. É aqui que sua família e seus
amigos estão; é aqui que seu futuro está – a mulher sussurrou.
A moça fechou os olhos com força.
– Só quero ir embora e ser feliz novamente, assim como eu era
na Índia. Toda vez que penso que poderei viver aqui, algo acaba
despencando sobre a minha cabeça.
James a segurou com firmeza.
– Não vou perder a minha filha – ele respondeu com convicção.
– Fiquei apenas assistindo e quase perdi você. Não deixarei que
isso aconteça novamente.
Millie se afastou um pouco e estudou o rosto dele.
– O que quer dizer com quase me perdeu? – perguntou.
Seu pai olhou para Violet, que assentiu em concordância.
James suspirou.
– Nunca lhe dissemos isso antes, mas já que agora parece
pertinente, acho que deveria saber. No ano seguinte à nossa
chegada em Calcutá, sua mãe me disse que estava partindo e que
voltaria para a Inglaterra, levando Charles consigo.
A mais nova ofegou, olhando para a mulher. Violet colocou uma
mão sobre os olhos e soluçou baixinho.
– Eu não discuti com ela, apenas fiquei parado e permiti que sua
mãe seguisse com os seus planos. Nosso casamento era uma união
arranjada, portanto, eu sabia que Violet não me amava e que nada
que eu dissesse faria qualquer diferença. Na manhã em que o navio
partiria, eu fui trabalhar sem sequer me despedir – o homem contou.
Abaixando sua cabeça, James permaneceu em silêncio. Naquele
momento, Violet segurou a mão dele.
– Agi como uma megera, Millie, porque estava cheia de raiva e
ressentimento por ter sido obrigada a ir para a Índia. Eu sabia que
meu marido me amava e que o destruiria se o deixasse – a mulher
afirmou. Ela se aproximou e deu um beijo gentil nos lábios do
cavalheiro.
Tudo o que Millicent pôde fazer foi olhar para eles, perplexa com
a revelação de que o matrimônio dos dois nem sempre fora feliz.
– Mas você não o deixou e permaneceu na Índia – a moça
replicou. – Por quê?
Sua mãe pegou as suas mãos e as colocou entre as palmas dela
e de James.
– Na verdade, eu fui até o cais, porém, quando vi o navio, soube
que não seria capaz de embarcar nele. Eu não poderia tirar Charles
da vida do seu pai, especialmente porque sabia que eles se
amavam muito. Além disso, não poderia tirar a criança, que estava
em meu útero e que James sequer sabia que existia, da vida dele.
Uma criança que ele nunca veria. Você.
– Então, o que você fez? – a jovem questionou.
Seu pai fitou sua esposa com amor.
– Ela tomou uma decisão incrivelmente corajosa e decidiu dar
uma chance à felicidade. Millie, não posso descrever o desespero
que senti naquela noite, quando retornei para casa esperando ver o
local vazio. Contudo, no momento em que abri a porta do quarto,
notei que as roupas de sua mãe estavam no armário. Vendo-a
parada sob a luz do luar, percebi que nunca mais deixaria que algo
tão precioso escapasse pelos meus dedos novamente. Eu sinto
muito, Millie, mas você terá que construir uma vida na Inglaterra.
Não permitirei que volte para a Índia e não deixarei que se case com
ninguém que queira levá-la para longe de nós.
A garota mordeu o lábio e assentiu. No fundo do seu coração,
sabia que não conseguiria deixar sua família para trás; que seu
desejo de voltar a morar em sua cidade natal era apenas um sonho
distante, uma mera fantasia.
– Prometa-me que não irá nos deixar. Não consigo suportar a
ideia de nunca mais vê-la. Charles ficaria devastado se acabasse
perdendo você e nós também – James falou, passando um braço ao
redor de Violet e a puxando para junto deles.
– Sim, papai, prometo que ficarei – Millicent replicou, dando um
beijo em seus pais enquanto limpava as lágrimas de seus olhos.
Como pudera sequer cogitar a possibilidade de deixar sua
família para trás?
– Posso ir? – perguntou, precisando ficar sozinha por um
momento.
Violet e James assentiram.
Respirando fundo, a mais nova se levantou. Era libertador
finalmente esclarecer as coisas com eles e saber que ambos
entendiam como ela realmente se sentia.
Ao seguir para porta, sua mãe se aproximou.
– Não entendo completamente o que aconteceu entre você e
Lorde Brooke, mas, na posição de alguém que quase abandonou o
amor de sua vida, acho que devo aconselhá-la a pensar duas vezes
antes de afastá-lo. Há algumas coisas que não fazem sentido nessa
história e, embora eu acredite que o marquês esteja em um
purgatório criado por ele mesmo, penso que talvez deva dar mais
uma chance para o cavalheiro acertar as coisas – a mulher afirmou.
Millie assentiu. Após retornar a Londres, Alex tentara conversar
com ela em inúmeras ocasiões, contudo, a moça se negara a ouvi-
lo. Quando as feridas do rapaz sarassem e ele retornasse para a
sociedade, a dama lhe daria a chance de se explicar.
– Resolva as coisas com Brooke ou eu visitarei o pai do sujeito
quando ele voltar para a cidade – James acrescentou.
A jovem sorriu. Agora sabia o que deveria fazer.
– Farei isso. Obrigada por entenderem quão difícil nossa vinda à
Inglaterra tem sido para mim. Sou grata por tudo que vocês fizeram
por mim e, mamãe, sou especialmente grata por você não ter
embarcado naquele navio. Nós teríamos perdido muito se não
tivesse voltado atrás em sua decisão.
Millie deixou o escritório de seu pai e seguiu para o seu quarto.
Ela se sentou na cama e tentou se lembrar de todas as palavras que
o marquês proferira no labirinto. Depois de um tempo, foi em direção
à sua mesa, pegou uma folha de papel e começou a registrar as
partes da conversa que recordava.
– Só mais uma chance, Alex – sussurrou ao abaixar sua caneta
e mirar as palavras que escrevera.
Capítulo 22

A lex sonhou com um esquilo.


Um bem grande, que, por razões desconhecidas, ficava
jogando pedras em sua janela à medida que chamava o seu nome.
O cavalheiro se virou na cama, tentando fazer com que sua mente
mudasse o sonho. O esquilo insistente, contudo, não desaparecia.
Por fim, o marquês abriu os olhos e encarou o teto. As brasas
que ainda queimavam na lareira lançavam sombras sobre o
revestimento ornamentado.
Um som de baque veio da janela, seguido por uma voz:
– Alex.
Algum tolo estava na viela aos fundos de sua casa, jogando
pedras na direção de seu quarto.
– Quem quer que você seja, vá embora. Não estou interessado –
ele gemeu, passando as mãos pelo rosto e tocando nos pontos
sobre o seu olho.
Outra pedra se chocou contra a janela e o vidro trincou. Em
questão de segundos, Lorde Brooke saiu da cama, pegou o cobertor
de lã que estava em cima da cadeira próxima à lareira e o enrolou
em seus ombros enquanto atravessava o chão frio de seus
aposentos.
– Acalme-se! – gritou com raiva para o estranho, abriu a janela e
olhou para baixo. – Você quase quebrou o vidro.
– Graças a Deus, pensei que acabaria sem pedras antes de
encontrar a janela certa. Deixe-me entrar, estou congelando aqui
fora – uma voz distintamente feminina disse.
Alex se beliscou; certamente ainda estava sonhando. Não tinha
como a Srta. Ashton estar parada em frente à janela do seu quarto
no meio da noite.
– Millie?
Ela soltou um grunhido frustrado.
– Não vejo nenhuma outra mulher aqui. Bem, com exceção da
vendedora de laranjas na esquina, mas tenho certeza de que ela
não faz visitas domiciliares. Agora, será que pode descer as
escadas e me deixar entrar pela porta da cozinha antes que eu
morra congelada?
O marquês soltou a janela, procurando por suas roupas. Nos
dias que se seguiram ao ataque no labirinto, permanecera em casa
e passara a maior parte do seu tempo dormindo. Nu. Abrindo a
gaveta superior do seu armário, pegou uma camisa e uma calça e
rapidamente as vestiu. Pensando na segurança de Millie, que,
naquele momento, estava sozinha em meio à escuridão, não se
preocupou em calçar seus sapatos ou vestir um paletó.
– Finalmente. Eu estava começando a pensar que você tinha
voltado para a cama – a dama resmungou quando o rapaz abriu a
porta e a deixou entrar. – Acho que a ideia de se ter uma agradável
noite inglesa realmente é impossível.
Millicent vestia um sobretudo preto que devia pertencer ao seu
irmão e tinha a aba de um chapéu masculino puxada para baixo,
escondendo o seu rosto. Com um par de botas femininas e parte da
saia do seu vestido aparecendo por baixo, ela só se passaria por um
rapaz à primeira vista.
– Millie?
A jovem revirou os olhos.
– Não vamos começar com isso de novo, senão atravessarei
essa porta e encontrarei o coche de aluguel mais próximo.
Ele riu. A moça se transformava em uma tigresa quando estava
com raiva, algo que o cavalheiro achava incrivelmente sensual.
Diante da visão, Lorde Brooke sentiu sua virilha endurecer.
Felizmente, sua camisa era longa o bastante para a cobrir a
evidência de seu desejo.
Fechando a porta, o rapaz perguntou:
– Está ciente de que estamos no meio da noite, não é?
– Na verdade, é cerca de uma hora da manhã – a outra retrucou.
– E, ainda assim, você veio, desacompanhada, visitar um
homem solteiro enquanto ele ainda está se recuperando?
– Sim, eu não pude mais esperar. – A frustração na voz da
garota ficou evidente.
O marquês franziu o cenho. A Srta. Ashton levantou a cabeça,
estudando seu rosto machucado com atenção. Quando os olhos
dela pousaram sobre o corte acima do seu olho, a moça ergueu
uma mão, contudo, antes que chegasse a tocá-lo, parou no meio do
movimento e deixou seu braço cair, o que fez com que a respiração
de Lorde Brooke ficasse presa em sua garganta.
– Belos pontos. Espero que esteja colocando uma compressa
fria nesses hematomas. Vendo seu estado, entendo por que não
tem visitado o parque nos últimos dias. Talvez queira saber que
Lady Clarice e o pai dela não estão se falando, o que me leva a crer
que a informação sobre o que o conde fez com você chegou até os
ouvidos da jovem – Millicent comentou.
Alex tentou arquear uma sobrancelha, todavia, foi impedido por
uma pontada aguda de dor.
– Honestamente, tudo o que tenho feito desde que David me
trouxe para casa é dormir. Felizmente, meu rosto concentra a maior
parte dos meus ferimentos. Quer tenha sido intencional ou uma
mera coincidência, os brutamontes de Lorde Langham não
quebraram minhas costelas. A propósito, obrigado por me ajudar. Eu
ainda lhe devo por ter arruinado sua roupa – ele respondeu.
Ao caminharem pelo corredor, o cavalheiro gesticulou em
direção à cozinha.
– Gostaria de uma xícara de chá? – ofereceu, lembrando-se da
noite aconchegante em que compartilharam chai no local.
– Não, obrigada. Não vim pelo chá, vim à procura de respostas.
Além disso, prefiro que não incomodemos seus criados.
Antes que pudesse impedi-la, Millie subiu os degraus que
levavam para o primeiro andar. Quando ela chegou no salão de
entrada, seguiu para a escada principal e virou à esquerda, na
direção em que o quarto dele ficava; o mesmo aposento em que
passara tantas noites sonhando com a dama.
– Janela do canto, quarto do canto – a garota murmurou.
O marquês a alcançou antes que a jovem adentrasse o cômodo,
segurando-a pela mão.
– Acho que deveríamos ir para uma das salas de estar, você não
iria querer ficar nos meus aposentos.
– É mesmo? – a Srta. Ashton replicou com um sorriso. – Tem
certeza?
A respiração do rapaz falhou mais uma vez. Quem era essa
mulher, que parecia com a nova Millie, mas que surgira em sua casa
no meio da noite e agora fazia comentários sugestivos?
– Acho que seu quarto é perfeitamente adequado para
conversarmos e também para quando terminarmos com a conversa
– ela acrescentou.
A jovem puxou seu braço, caminhando até o cômodo com um
confiante movimento de seus quadris. Tudo o que Lorde Brooke
pôde fazer foi segui-la em um completo estado de choque. Ao
chegar no centro de seus aposentos, a moça parou e se virou para
encará-lo.
Alex trancou a porta atrás de si. Duvidava que alguém viesse
procurá-lo àquela hora, todavia, chegou à conclusão de que era
melhor não se arriscar. Ele apontou para a tranca e Millicent
assentiu.
– Assim não seremos incomodados – a garota concordou.
– Muito bem, sobre o que deseja conversar? – o cavalheiro
indagou, travando uma batalha com suas fantasias sexuais mais
secretas. Tinha a impressão de que, a qualquer momento, elas
ganhariam e o marquês seria incapaz de controlar seu desejo.
Perguntava-se se a dama percebia o perigo em que se metera ao
voluntariamente entrar em seu quarto; se sim, será que ela se
importava?
Millie enfiou uma mão no bolso de seu sobretudo. Após
vasculhá-lo, retirou um pedaço de papel. Com um movimento rápido
de seu pulso, a moça o abriu.
– Você sabe o que é isto? – perguntou, balançando a folha na
direção do outro.
O rapaz balançou a cabeça, rezando para que ela não lhe
pedisse para lê-lo.
– É uma passagem para a Índia no navio mercante Apollo, que
partirá no domingo, daqui a uma semana. Se olhar de perto, verá
meu nome escrito na passagem – a dama explicou, sua expressão
subitamente se tornando sombria.
Alex sentiu como se um raio o tivesse atingido violentamente e
tirado o seu equilíbrio.
Millie ia partir!
Enquanto a jovem permanecesse em Londres, o marquês ainda
tinha uma chance de reparar o relacionamento deles, porém, se ela
embarcasse no navio, tudo estaria perdido.
– Não, você não pode ir embora! Eu não permitirei – Lorde
Brooke gritou, não se importando com o fato de que poderia acordar
os funcionários da casa.
Um sorriso perverso apareceu nos lábios dela. O cavalheiro não
estava esperando por aquele tipo de reação e Millicent sabia disso.
A garota balançou um dedo à sua frente enquanto enfiava a
passagem no bolso do sobretudo.
– Achei que isso chamaria a sua atenção. Agora, escute bem,
Alex Radley, pois esta é a última chance que lhe darei. Quero que
me conte a verdade sobre o que aconteceu entre você e Lady
Clarice. No segundo em que eu suspeitar de que está mentindo ou
deixando algum detalhe importante de lado, sairei por aquela porta e
me certificarei de que você nunca mais me veja.
Imediatamente, o marquês se arrependeu de ter deixado a chave
na tranca da porta.
– Sim – concordou com sua mente completamente em branco.
– Ótimo. Vejo que chegamos a um acordo. – Millie retirou suas
luvas e as bateu contra um dos lados de seu sobretudo. – Primeiro,
quando o deixei no labirinto, você disse que não tinha escrito a carta
de amor que foi enviada para a filha do conde. Acho que esse
comentário, por si só, exige uma explicação mais completa.
Lorde Brooke fechou os olhos, suspirando. Finalmente havia
chegado a hora de contar a verdade à moça; de revelar seu segredo
humilhante e vê-la partir de sua vida para sempre. De todos os
lugares em que imaginara que essa cena poderia acontecer, nunca
considerara que seu quarto poderia ser uma das possibilidades.
– Achei que não tivesse me escutado – ele replicou.
A dama tirou o chapéu que usava. Sem grampos ou fitas para
prender os fios, o cavalheiro observou seus longos cachos
castanhos caírem livremente. Onde quer que a criada pessoal da
jovem estivesse naquele momento, uma coisa era certa: ela não
tinha ideia sobre o passeio noturno e secreto de Millicent.
Jogando o chapéu sobre uma cadeira, a garota falou:
– Eu escutei, mas não compreendi o que quis dizer. Desde
então, inúmeras possibilidades diferentes têm passado pela minha
mente. Só hoje consegui organizar meus pensamentos e chegar a
uma resposta plausível. Porém, antes que eu lhe conte o que penso,
acho que é justo que me relate sua versão dos eventos.
– Tudo bem – Alex afirmou.
Tudo dependia do que estava prestes a dizer para ela. Todo o
seu futuro seria definido pela reação da dama à sua explicação.
Apreensivo, o marquês tentou gravar em sua mente a imagem de
Millie naquele momento, antes de lhe contar a temível verdade.
Respirando fundo, o cavalheiro reuniu toda a sua coragem.
– Foi David quem escreveu a correspondência que foi enviada
para Clarice. Eu pedi que ele redigisse uma carta de amor para você
e, erroneamente, acreditei que fora isso que meu irmão havia feito,
motivo pelo qual a mandei pelos correios e ela acabou parando nas
mãos da Srta. Langham. O resto do desastre, você já conhece.
A jovem arqueou uma sobrancelha, mas permaneceu onde
estava.
– Não imagino por que pediria tal favor ao seu irmão. Sua escrita
não pode ser tão ruim assim e você certamente é bem versado na
arte de encantar uma mulher.
– Pedi que ele escrevesse a correspondência porque eu não
consigo. Deseja saber o motivo que me torna incapaz de redigir uma
carta para a mulher que eu amo? – Alex gaguejou, lutando para
encontrar as palavras certas. – Porque eu não consigo ler ou
escrever – concluiu.
O rapaz fechou os olhos. Se Millicent decidisse ir embora, não
seria capaz de observá-la partir. Passos soaram quando a moça
atravessou o piso de madeira. Ele sentiu as saias dela roçarem por
sua perna, notando que a dama parara ao seu lado.
Ao abrir os olhos, viu, maravilhado, a garota pegar suas mãos.
– Foi tão difícil assim me contar a verdade? – Millie sussurrou,
mirando-o com seus olhos azuis profundos. Ela sorriu e o marquês
sentiu como se tivesse voltado à vida. – Você nos fez passar por
semanas de miséria e tortura apenas porque não consegue ler? Não
sei se deveria estar aliviada por finalmente ter me dito ou se
simplesmente deveria matá-lo. – A jovem apertou suas mãos.
Lorde Brooke engoliu o bolo que se formara em sua garganta.
Como Millicent podia estar tão calma? Ver que ela ainda estava em
seu quarto e que se aproximara dele o deixara mais do que
surpreso. Em todas as versões que imaginara em sua cabeça, a
dama sempre o deixava para trás.
– Quando olho para as palavras em uma página, elas começam
a girar. Nunca consigo definir onde uma frase começa e termina.
Mal consigo escrever minhas próprias iniciais; sequer sou capaz de
ler a placa de uma rua – o cavalheiro respondeu.
A Srta. Ashton deu um passo à frente, ergueu-se nas pontas dos
pés e murmurou em seu ouvido:
– Ou distinguir as dicas de uma fábula e as informações em um
cartão de dança. Agora tudo faz completo sentido, mas por que,
Alex? Por que não me contou antes? Você realmente acreditou que
eu o menosprezaria por conta disso?
O rapaz vasculhou os olhos dela à procura do menor sinal de
insinceridade, contudo, tudo o que encontrou foi a mais pura
honestidade. A jovem finalmente sabia seu segredo mais sombrio e,
ainda assim, o via da mesma maneira.
– Você não acha que sou um imbecil por não saber ler e
escrever? – ele questionou.
Millie deu um beijo quente em sua orelha, fazendo-o sentir
cócegas.
– Eu disse que você era um tolo, não um imbecil. Só alguém
com uma mente brilhante seria capaz de se lembrar de todo o
conhecimento que me passou sobre a Grécia Antiga. Fiquei
impressionada com sua performance no museu.
O marquês estremeceu.
– Não acha que eu sou um irmão terrível por ter convencido
Stephen a me contar tudo o que sabia sobre os Mármores de Elgin
e, depois, tê-lo arrastado da cama para visitar o museu?
Ela sorriu.
– Não, na verdade, vi a interação entre vocês como algo terno.
Queria que você tivesse notado a forma como o rosto do seu irmão
brilhou com orgulho ao vê-lo discursando em frente à multidão – a
garota respondeu.
Lorde Brooke afastou as mãos de Millicent, passou seus braços
ao redor dela e a puxou para perto. A moça o abraçou com força,
repousando sua cabeça contra o peito dele. Ao se inclinar para
beijá-la, Alex respirou profundamente, permitindo que o aroma da
mulher que amava preenchesse seus pulmões. Naquele instante, as
memórias da noite em que a havia beijado o inundaram. A partir de
agora, sabia que nunca mais precisaria sair escondido de um baile
com ela, pois estava certo de que a jovem permaneceria ao seu
lado para sempre.
– Você não tem ideia do que isso significa para mim – o
cavalheiro murmurou.
A dama deu um soco brincalhão em suas costas.
– Significa que nunca mais irá mentir para mim.
– E que você não irá voltar para a Índia – o rapaz afirmou com
convicção.
Antes que Millie pudesse impedi-lo, Lorde Brooke pegou a
passagem do bolso dela, amassou o papel e o jogou na lareira.
Assim que caiu sobre as brasas, a folha pegou fogo.
– Ah – a moça exclamou. – Levei a tarde inteira para forjar
aquela passagem.
O marquês riu. Se de alívio ou de alegria, não soube dizer. Tudo
o que importava era que Millicent estava com ele e que não o
deixaria para trás.
– Prometo que lhe pagarei o dobro do valor da versão real – o
cavalheiro respondeu, sorrindo.
– Sequer consigo imaginar o quanto meus pais teriam ficado
magoados comigo se aquela fosse uma passagem verdadeira. Não
posso acreditar que fui tola o bastante para não perceber que não
havia como meu pai não descobrir minhas intenções no momento
em que decidi planejar minha volta.
– Lembro-me que certa vez me disse que ele é capaz de ler sua
mente. Acho que estava errado quando pensei que estaria tomando
uma mulher inteligente como esposa – Alex murmurou.
A jovem ofegou e o rapaz a segurou com firmeza, impedindo que
ela pudesse desferir outro soco em suas costas.
– Esse não foi um pedido de casamento propriamente dito – ela
replicou.
– Ainda não.
Millicent afastou os braços dele e deu um passo para trás.
Fitando-a, Lorde Brooke se parabenizou por ter tido o bom senso de
trancar a porta.
– Só peça se tiver certeza e se eu for sua primeira escolha – a
dama afirmou. Todo o bom humor tinha desaparecido de sua voz.
O cavalheiro podia perceber que ainda precisava convencê-la
um pouco mais. Honestamente, não podia culpá-la por ainda ter
dúvidas. Os acontecimentos das últimas semanas e a forma como
se comportara fariam com que qualquer pessoa pensasse duas
vezes antes de acreditar nele.
– Sim – o marquês disse, pegando-a pela mão e levando-a até o
seu armário, de onde retirou uma pequena caixa preta. Ficando
sobre um joelho, Alex beijou a ponta dos dedos dela com ternura
antes de finalmente dar voz ao desejo mais profundo do seu
coração – Millie, sempre foi você. Só você. Sinto muito pelos erros
que cometi. Se me der a honra de se tornar minha esposa, prometo
que devotarei o resto da minha vida tentando repará-los.
Capítulo 23

im.
–S Embora fosse uma palavra simples, ela carregava um
grande significado para Millie. Todos os mal-entendidos e as
esperanças falsas tinham desaparecido; uma vida ao lado do
homem que amava a aguardava de braços abertos.
A dama expirou lentamente, tentando, sem sucesso, conter as
lágrimas que ameaçavam cair de seus olhos enquanto observava
Alex colocar o anel de diamante em seu dedo.
– Pensei em comprar uma safira, mas logo percebi que a pedra
nunca chegaria aos pés da cor dos seus olhos. – Ele se levantou. –
Tenho outra coisa que gostaria que você usasse. Combina com o
anel.
O marquês tirou um pequeno piercing de diamante da caixa que
segurava. Sorrindo, a moça o colocou em seu nariz e uma sensação
de completude a tomou.
– Nunca mude, Millie; para mim, você sempre foi perfeita – o
cavalheiro afirmou, tocando o rosto dela com as mãos. – Agora,
tenho-a só para mim. Para sempre – sussurrou, abaixando a cabeça
para se encontrar com os lábios dela.
O beijo começou de modo lento, gentil e incerto, porém, à
medida que continuava, mudou. Lorde Brooke deslizou sua língua
pelo lábio inferior da garota, que os abriu em resposta. No instante
seguinte, o rapaz adentrou sua boca, ternamente entrelaçando suas
línguas.
Millicent soltou um gemido baixo, completamente envolvida pelo
toque. Amolecendo sobre o controle dele, permitiu que Alex
possuísse sua boca por inteiro. Mesmo diante de sua submissão, a
jovem sabia que tinha vencido.
Quando o marquês passou uma mão pela sua cintura e
pressionou seus corpos firmemente, ela sentiu a evidência do
desejo dele contra a sua barriga. A dama ofegou, ficando
petrificada; ali, nos braços do cavalheiro, soube que se não
tivessem sido interrompidos na noite do baile do conde de Shale,
teriam acabado com seus corpos juntos daquela maneira.
Todas as ilustrações coloridas que estudara no Kama Sutra não
tinham lhe preparado para a intimidade do presente momento. As
imagens falharam em transmitir o calor e o desejo que a garota
sabia que ambos estavam sentindo. O homem que amava a estava
beijando apaixonadamente e não havia dúvida de que ele a queria.
Millie arriscara muito ao atravessar sozinha as ruas perigosas de
Londres; acreditara que seu objetivo era descobrir a verdade,
todavia, se fosse honesta consigo mesma, admitiria que não
planejara o que aconteceria depois disso.
Lorde Brooke parou o beijo e se afastou. Ao fitá-lo, a jovem viu
que seus olhos estavam nublados pela paixão.
– Desculpe, acabei me excedendo. Eu não quis assustá-la – o
rapaz disse, pigarreando. – Acho melhor levá-la para casa. Se
estiver certa de sua decisão, falarei com seu pai pela manhã.
Longe do calor das carícias dele, os lábios de Millicent
começavam a esfriar. Ela olhou para o anel de diamante em seu
dedo.
– Não – respondeu, decidida.
Alex estremeceu, assentindo.
– Eu entendo. É claro que era esperar demais acreditar que
passaria o resto da sua vida com um imbecil – o cavalheiro replicou.
– Não se preocupe, ninguém descobrirá que esteve aqui.
Uma risadinha escapou dos lábios dela.
– Ah, você deveria ver sua expressão, Alex. É absolutamente
impagável – a dama disse.
Ele piscou até que seu rosto se iluminou com compreensão.
– Você não estava se referindo à minha proposta de falar com o
seu pai, não é?
A moça balançou a cabeça.
– Então, referia-se à minha sugestão de levá-la para casa.
Millicent assentiu.
– Será que seria melhor se passassem a me chamar de
Alexander, o Patético? – Lorde Brooke riu e ambos assentiram em
concordância.
Ela passou as mãos pelo peito do rapaz até pousá-las sobre o
seu coração.
– Acho que devo ficar aqui esta noite. Conheço meu próprio
coração, mas não estou convencida de que você conhece o seu ou
de que eu o amo da maneira que deveria. Sinto que estas dúvidas
só desaparecerão quando me tornar completamente sua.
Os dedos da jovem se moveram para a gola de sua camisa.
Após desabotoar o primeiro botão, eles caminharam para baixo,
trabalhando até que faltassem apenas quatro casas. Sem conseguir
esperar, Alex puxou a camisa pela sua cabeça e tomou os lábios
que Millie oferecia, deliciando-se com a boca dela; com um
verdadeiro beijo de amantes.
A moça ergueu os braços, tocando a pele nua de um homem
pela primeira vez em sua vida adulta e sentindo a maciez dos
poucos pelos que o cavalheiro tinha em seu peito. O rapaz soltou
um gemido quando os dedos da dama encontraram um mamilo e o
apertaram gentilmente.
– Atrevida – o marquês sussurrou entre beijos.
Agora era a sua vez de desabotoar as roupas dela. Um tremor
de antecipação percorreu as costas da garota quando ele retirou o
sobretudo que cobria seu corpo. Alex jogou a peça e seu par de
luvas na cadeira, o mesmo local em que a camisa dele agora
residia. Em questão de minutos, o resto das roupas do casal tiveram
o mesmo destino.
– Suponho que seja um pouco tarde demais para perguntar se
você tem certeza de que deseja continuar? – Lorde Brooke indagou,
retirando a última vestimenta do corpo da jovem.
Millie assentiu rapidamente, torcendo para que o cavalheiro
soubesse o que estava fazendo. O marquês a levou para perto da
lareira, enquanto a dama mantinha seus olhos na parte superior do
torso dele por temer que, se não o fizesse, sua coragem
desapareceria. Não precisava abaixar o olhar para compreender o
estado de excitação em que o homem se encontrava.
Alex se abaixou, rapidamente colocando mais toras de madeira
nas brasas moribundas. Depois, pegou a coberta que jogara
descuidadamente sobre a cama, puxou Millicent para perto e
enrolou ambos com o tecido grosso.
Afastando uma mecha de cabelo que caíra sobre o rosto da
jovem, ele deu um beijo terno em seu nariz.
– Antes de continuarmos, há outra coisa que você precisa saber
– o rapaz disse.
A moça lançou um olhar rápido para a lareira; não havia
qualquer sinal de sua passagem forjada para a Índia.
– Não, o que vou dizer não resultará em sua fuga da Inglaterra.
Trata-se do que você faz comigo – Lorde Brooke afirmou.
A dama arqueou uma sobrancelha.
– O que eu faço com você?
– Na primeira vez que nos vimos, você achou que eu era um
completo bruto. E, pela forma como agi, tenho que concordar que
realmente fui.
Millie assentiu.
– Continue – respondeu.
O marquês mordeu o lábio.
– Você sabe o que acontece entre um homem e uma mulher? No
sentido sexual?
Ela riu.
– Sim, entendo que parte vai em qual lugar; não vivi uma vida
tão reclusa assim. Além disso, nós também temos animais na Índia.
No futuro, pretendia compartilhar seu livro especial de ilustrações
com ele. Mal podia esperar para ver a reação de Alex quando isso
acontecesse.
– Isso é bom. Então, suponho que compreenda o efeito que está
causando em mim nesse momento? – o outro perguntou.
Millicent sorriu ao pressionar seu corpo contra a virilha dele. O
cavalheiro fechou os olhos, soltando um gemido rouco. Era uma
sensação incrivelmente inebriante perceber quanto poder possuía
sobre ele.
Alex beijou seus lábios antes de explicar:
– A verdade é que, quando coloquei meus olhos sobre você na
noite do baile do seu tio, meu corpo reagiu da mesma forma. Pensei
que iria desmaiar por conta da falta de sangue em meu cérebro.
Quando meu pai descobriu o que aconteceu, ficou furioso e com
razão. Um homem experiente deveria ser capaz de controlar seus
desejos básicos.
– Ah – a jovem exclamou, lembrando-se do olhar de raiva que
vira no rosto do duque de Strathmore durante o discurso de Lorde
Ashton.
– Meu desentendimento com David também teve a mesma
origem; na noite seguinte, ele se embebedou e revelou minha
situação para alguns de nossos amigos. Como imagino que possa
entender, me senti completamente humilhado, motivo pelo qual nós
quase acabamos trocando socos. É claro que, agora, conseguimos
fazer as pazes.
A dama abriu um sorriso sensual e murmurou:
– Espero testar os limites do seu controle diariamente, Lorde
Brooke. – Fitando a porta de soslaio, completou – Tenho a sensação
de que precisaremos de mais fechaduras nas portas dos cômodos
de nossa casa.
O marquês soltou um rugido e rapidamente tomou a boca dela
na sua, impossibilitando que a moça continuasse com a fala. Suas
mãos circundaram a cintura de Millie, levantando-a do chão.
– Passe suas pernas ao meu redor – ele ordenou antes de voltar
a devorar os seus lábios.
Naquela posição, os seios da moça estavam pressionados
contra o peito dele. Apreciando a sensação deliciosa, ela moveu seu
torso de um lado para o outro. Em pouco tempo, sentiu uma poça de
calor se acumular entre suas pernas e seu fôlego lhe deixar.
Afastando os lábios, Alex sussurrou:
– Venha para a cama, meu amor.
Em uma declaração de suas intenções, a dama tirou o cobertor
que os cobria, jogando-o na cama. O marquês a colocou sobre o
colchão e cobriu o corpo nu da jovem com o seu.
Mirando o rosto do cavalheiro, Millicent viu que seus olhos
brilhavam com alegria e admiração.
– Eu amo você – ela disse.
Era a primeira vez que admitia abertamente seu amor por ele. Se
não o amasse não teria arriscado seu futuro e vindo visitá-lo
naquela noite, agora sabia disso.
– É melhor me amar mesmo, porque estou prestes a arruiná-la
completamente – Lorde Brooke riu.
Quando o rapaz tomou gentilmente um de seus seios em sua
mão, a moça fechou os olhos, deixando que seu peso caísse sobre
a cama. Ele pousou a boca sobre um mamilo e começou a sugá-lo,
obrigando-a a abafar um grito com sua palma. O colchão tremeu
com o poder da risada de Alex enquanto continuava a provocar o
cume sensível. Com seu corpo ficando cada vez mais quente e
corado, tudo o que Millie pôde fazer foi permanecer deitada,
permitindo seus avanços. O marquês passou sua boca para o
segundo seio e um gemido escapou dos lábios da garota.
– Acho que eu deveria ter dito que a seduziria, arrebataria e
arruinaria – ele murmurou, rolando o mamilo por sua língua e seus
dentes.
Os dedos do homem deslizaram pela parte externa de sua coxa,
acariciando seu joelho antes de fazerem o percurso pela parte
interna. Um dedo tocou suavemente os cachos que cobriam sua
fenda, incendiando os nervos do lugar. Assim que Lorde Brooke o
deslizou para dentro, ela ofegou. Contudo, quando um segundo
dedo se juntou ao primeiro e o cavalheiro começou a movê-los,
Millicent soluçou:
– Alex.
O marquês mudou de posição, encontrando a boca da jovem
mais uma vez em um beijo ardente. Ele não parou de mover suas
mãos, despertando o desejo entre as pernas dela. As chamas de
calor pareciam se acumular cada vez mais no corpo da dama,
ameaçando explodir a qualquer momento. Millie estava certa de que
enlouqueceria. Quanto mais daquela provocação conseguiria
aguentar?
O cavalheiro removeu seus dedos à medida que se erguia sobre
ela e afastou seus joelhos para que pudesse se acomodar entre as
pernas dela.
– Agora, está pronta para mim. Você está tão quente e molhada.
Millie, desejei por isso desde nosso primeiro encontro. Eu a amo e
sempre amarei.
A ereção dura dele partiu os lábios de sua feminilidade. Alex a
pressionou lentamente dentro da jovem, entrando aos poucos.
Millicent sentiu a tensão se acumular em seu corpo, contudo, forçou-
se a relaxar. Lera o suficiente nos livros de seu irmão para saber
que a primeira vez de uma mulher era algo doloroso, porém, se seu
parceiro fosse um verdadeiro amante, sentiria apenas algumas
fisgadas. A garota depositou sua confiança no rapaz, sabendo que
ele dominaria a arte de amar o seu corpo. A partir daquela noite, se
tornaria jurada da habilidade sexual do cavalheiro.
Lorde Brooke parou quando atingiu a obstrução que
representava a virgindade dela. A dama abriu os olhos, percebendo
que o corpo de Alex estava coberto por suor. Ele respirava com
dificuldade, como se tivesse participado de uma corrida de mil
milhas.
– Me tome, me torne sua – a moça demandou, segurando o
traseiro do homem.
O marquês se inclinou, beijando-a mais uma vez. No mesmo
instante, seus quadris se flexionaram, estocando profundamente. A
sensação de tê-lo dentro dela enquanto o cavalheiro tomava sua
inocência e se enterrava em seu corpo disposto era avassaladora.
– Meu Deus, Millie – Alex grunhiu.
A pequena fisgada que sentira quando a ereção do marquês
adentrara rapidamente sua fenda logo desapareceu, sendo
substituída pelo prazer crescente gerado pelo movimento lento dos
quadris dele. As mãos da dama não deixaram o traseiro dele à
medida que os dois encontravam o ritmo daquela dança. Toda vez
que Lorde Brooke estocava profundamente, seu corpo roçava contra
a abertura da fenda dela, fazendo com que a jovem enfiasse suas
unhas na pele do cavalheiro e estimulasse seus movimentos cada
vez mais.
A cama rangeu embaixo dos corpos entrelaçados dos dois ao
passo que cada estocada era seguida por uma nova e os gemidos
de prazer deles aumentavam.
A respiração de Millie se tornou superficial quando a pressão
dentro de si chegou ao seu limite. Embora não soubesse para onde
ele a estava levando, sabia que estava prestes a chegar lá.
Afastando seus lábios, a garota fitou o rosto dele à procura de
respostas.
– Alex? – ela ofegou.
– Deixe seu controle para trás e goze para mim – o marquês
comandou conforme suas estocadas ficavam mais profundas e
poderosas.
Millicent dissolveu na cama, sentindo seu mundo quebrar em
vários pedaços e um grito soluçante escapar por sua boca. Como se
estivesse a milhas de distância, ouviu Alex gemer “Ai meu Deus, ai
meu Deus”, antes de dar uma última estocada profunda dentro dela.
Banhado em suor, o marquês caiu por cima do seu corpo. Ele beijou
o rosto da jovem enquanto sussurrava seu nome repetidamente.
– Nós vamos melhorar com a prática – Lorde Brooke disse
algum tempo depois, saindo de cima da dama e passando as
cobertas pelos seus corpos, que rapidamente começavam a esfriar.
Millie riu. Se continuassem assim, acabaria morta dentro de uma
semana. Virando-se de lado, pousou sua cabeça no peito dele,
apreciando o som das batidas fortes do coração do homem.
– Eu sempre soube que você seria magnífico – ela sussurrou. –
Mas é melhor que saiba que não o compartilharei com ninguém.
Agora, você é todo meu, Alex Radley.
Braços fortes a abraçaram, puxando-a para perto.
– Eu não ousaria fazer nada que pudesse me levar a perdê-la.
Depois de ouvir o grito da mulher que amo chegando ao clímax, eu
teria que ser louco para cogitar procurar a cama de outra. – Ele deu
uma risada rouca e sensual. – Embora tenha certeza de que
receberemos reclamações dos vizinhos pela manhã.
A dama deslizou uma mão até os testículos dele, apertando-os
levemente.
– Bem, eles terão que se acostumar.
– Hum – o marquês replicou. – Ainda bem que David tem um
sono pesado.
– David! – a garota exclamou, sentando-se na cama. – Eu me
esqueci do seu irmão. Não me diga que ele está aqui. Pensei que
tivesse voltado para a Residência Strathmore.
Alex riu suavemente e a puxou para os seus braços.
– Ele voltou a morar aqui depois do ataque. Além disso, minha
família chegou ontem da Escócia e David não queria que papai o
pegasse de surpresa enquanto fingia ser lorde – respondeu.
Como Millicent conseguiria encarar David Radley novamente
depois de ter praticamente acordado a casa inteira com os seus
gritos? Podia sentir suas bochechas corando.
– Não se preocupe. Certa vez disparei uma pistola a alguns
metros de distância de onde ele estava dormindo e meu irmão
sequer abriu os olhos. Contudo, acredito que seja mais prudente
pedir que David volte para a residência principal quando nos
casarmos. Ele ficará lá por pouco tempo, estou certo de que logo
procurará uma casa para começar sua própria vida de casado – o
cavalheiro afirmou.
Millie se virou, aproximando seu rosto do rapaz.
– David está apaixonado por Clarice, não é? Ouvi boatos de que
a carta de amor era bela e sincera.
Lorde Brooke assentiu.
– Acho que ele se apaixonou pela Srta. Langham no instante em
que a viu. Eu só queria que meu irmão fizesse algo a respeito.
– Mesmo depois do pai dela ter agredido você? Será que David
iria querer ter um homem como ele como sogro? – ela perguntou.
O marquês esfregou a ponta do seu nariz contra o da jovem,
roubando um beijo de tempos em tempos.
– Se o conde de Langham quisesse me ferir de verdade, minha
vida teria acabado naquele labirinto e nós não estaríamos deitados
aqui hoje. – O cavalheiro passou uma mão pelos pontos acima de
seu olho. – Esse corte deixará uma cicatriz. Todos os dias, quando
eu olhar no espelho, me lembrarei do motivo por que não devo agir
antes de pensar nas consequências de meus atos. Por mais
dolorosa que tenha sido, o conde me ensinou uma oportuna lição de
humildade. E já que foi isto que finalmente fez com que você viesse
até mim e oportunizou nosso futuro casamento, suponho que eu não
tenha muito do que reclamar.
Uma vida juntos. Muito em breve, Millicent seria a esposa de
Alex.
Uma lágrima escorreu pelo canto de seu olho e aterrissou no
peito nu dele. Instantes depois, outra se juntou à primeira. Lorde
Brooke a ergueu, colocando-a sentada em seu colo, com as pernas
da moça ao redor de sua cintura. Mesmo com a luz fraca da lareira,
a dama conseguia ver a expressão de preocupação estampada no
rosto do marquês, que limpava suas lágrimas com os polegares.
– Eu a machuquei? Tentei não ser muito rude, mas sei que, no
final, acabei perdendo o controle – ele falou, plantando beijos doces
no topo dos seios dela.
– Não, é só que eu não tinha processado o fato de que iremos
nos casar até que você mencionou o assunto. É incrível saber que
logo serei sua esposa.
– Marquesa – o rapaz a corrigiu gentilmente. – Você será a
marquesa de Brooke, meu amor, e, algum dia, será minha duquesa;
embora espero que isto só aconteça em um futuro bem distante.
O coração de Millie se encheu de alegria. Mal podia esperar pelo
dia em que finalmente o chamaria de marido.
– Estou tão feliz que tenhamos nos acertado, pois não terei que
passar o resto da minha vida imaginando como ela seria se eu
estivesse ao seu lado. Minha mãe estava certa.
– O que quer dizer?
– Após meus pais me confrontarem sobre meu estúpido plano de
voltar para a Índia, minha mãe disse que eu deveria lhe dar uma
última chance. Todavia, acho que, quando me aconselhou, ela não
tinha esse tipo de reconciliação em mente.
A garota o beijou de forma rápida e apaixonada antes de sair da
cama. Ela recolheu suas roupas e começou a se vestir.
Uma carranca apareceu no rosto do cavalheiro.
A moça pegou seu sobretudo.
– Acho melhor eu voltar para casa, senão Charles pode acabar
sentindo a necessidade de lhe presentear com novas contusões.
Alex se sentou, jogando suas pernas para o canto da cama. Ele
vasculhou o cômodo na penumbra, encontrando suas próprias
roupas. Depois, tirou um paletó e um par de botas do armário e os
vestiu. Enquanto isso, Millie terminou de abotoar seu sobretudo e
pegou o chapéu que deixara na cadeira.
– O que está fazendo? – ela indagou ao enfiar seu cabelo
embaixo do chapéu. – Posso pegar um coche de aluguel na frente
da sua casa; você não precisa se vestir. Estou certa de que
conseguirei chegar até o meu quarto sem problemas. Nosso criado
do turno da noite tem um sono pesado. Você pode conversar com
meu pai amanhã à tarde, quando ele retornar do trabalho.
Lorde Brooke pegou a mão da dama e a beijou.
– Eu a acompanharei até sua casa; não permitirei que ande
sozinha pelas ruas de Londres, principalmente a essa hora. Se
quiser, pode se esgueirar até o seu quarto, mas será sobre minha
vigília. É meu dever proteger o que é meu.
A moça sorriu, entregando-lhe o casaco dele.
– Prometa que nunca deixaremos de nos esgueirar juntos por aí.
O marquês pegou a vestimenta e deu mais um beijo nos lábios
de Millicent.
– Não se preocupe, meu amor; tenho uma grande lista de locais
em que pretendo fazer amor com você – ele murmurou, vestindo o
casaco.
– Homem perverso – ela respondeu ao destrancar a porta do
quarto.
Epílogo

M illie e Lucy trocaram sorrisos animados; em menos de uma


hora, elas se tornariam irmãs. Sentada em uma poltrona, na
sala de estar do andar superior da casa de seus pais, Millicent
observava a cozinheira indiana da família meticulosamente dar os
retoques finais nos intrincados padrões mehndi desenhados nos pés
da jovem.
Ajoelhando-se ao lado da mulher, Lucy ofegou.
– Você tem o brasão da família Strathmore desenhado em seus
pés! Isso é incrível!
A outra garota sorriu.
– Pensei em surpreender seu irmão quando estivermos
sozinhos. Se olhar com atenção, verá que as iniciais dele também
foram pintadas entre as espirais ao lado do meu tornozelo.
A loira se aproximou e sorriu.
– Então, do que a tinta é feita?
– É uma pasta feita a partir da folha de hena. Eu pintei nos pés
da Srta. Millie na noite passada. Com o passar das horas, a cor
escureceu e se transformou em um belo tom de naringee – a Sra.
Knowles explicou.
– É laranja – Lucy comentou.
– Sim – Millicent respondeu. – Os padrões ficarão ainda mais
escuros nos próximos dias. Se eu continuar a passar óleo neles,
deverão durar por algumas semanas. Ou, então, posso esfregá-los
se quiser que desapareçam mais rápido.
A cozinheira estalou a língua com desgosto.
– Uma noiva não deve esfregar os mehndi que foram
desenhados para o seu marido quando ela se banha com ele no rio.
Lucy corou quando a Sra. Knowles deu uma risada conhecedora.
Millicent, por sua vez, bocejou. Acordara antes do amanhecer
para garantir que tudo estivesse correndo como planejado. Na tarde
anterior, seus caixotes de viagem tinham sido levados para a Bird
Street, onde os criados haviam desempacotado os pertences que,
agora, esperavam pela chegada da marquesa de Brooke.
– Pergunto-me onde Alex e David passaram a noite anterior –
ponderou em voz alta.
– Bem, posso confirmar que eles não saíram para beber, se é
que essa é a sua preocupação. Nós tivemos um jantar agradável em
família, depois, meus irmãos, incluindo Stephen, passaram a noite
enfurnados com meu pai no escritório dele; aparentemente, eles
estavam analisando alguns documentos – sua amiga informou.
As sobrancelhas da moça se arquearam.
– E eu suponho que tal análise consistiu, basicamente, do seu
pai lendo os rótulos de diversas garrafas antes de decidir qual
deveria abrir primeiro – ela replicou.
O duque de Strathmore prometera à Millie que se certificaria de
que Alex chegasse na igreja no horário certo e em um estado físico
e mental adequado para se casar.
– Então, decidiu para onde irá em sua lua de mel? – Lucy
indagou.
– Nós conversamos sobre fazer um tour pelo Lake District no
final do verão, já que Alex deseja ficar em Londres até o próximo
mês – a garota respondeu.
Lorde Brooke batera o pé quanto à sua decisão de que deveriam
ficar na cidade após o matrimônio. Muitas pessoas acreditavam que
ele estava se casando com Millicent por conta do escândalo com
Lady Clarice Langham e que, de algum modo, a Srta. Ashton havia
sido comprometida, motivo pelo o qual o marquês não tivera outra
opção a não ser se unir a ela. Diante dos rumores, o cavalheiro
afirmara que seria melhor que adiassem a viagem.
– Não admitirei que pensem assim. Quero que a alta sociedade
não tenha dúvidas de que iremos nos casar por amor e que eu
voluntariamente a escolhi para ser minha futura duquesa – Alex
dissera alguns dias atrás.
Naquele momento, Millie estivera deitada nua em seus braços
após terem passado mais uma tarde fazendo amor no quarto. Ela
não tivera nem a força nem o desejo de argumentar com ele.
Ao relembrar a memória, um sorriso secreto se abriu no rosto da
dama.
A Sra. Knowles terminou seu trabalho e se levantou.
– É uma pena que não me deixe pintar suas mãos, Srta. Millie.
Os olhos de Lucy se arregalaram em consternação e Millicent
logo balançou a cabeça.
– Obrigada pela oferta, Sra. Knowles, mas mamãe e eu
concordamos que meus pés seriam o bastante para reconhecer
minha origem indiana. Além disso, o bispo deixou claro que, já que
me casarei em uma igreja inglesa, deverei respeitar os costumes e
tradições daqui.
Uma hora depois, a jovem estava parada diante do bispo de
Londres, enquanto seu pai colocava sua mão na de Alex. Quando
ela ergueu os olhos e o fitou, viu os olhos do marquês apreciarem a
guirlanda feita de amor-em-uma-névoa e a fita azul-safira que fora
entrelaçada em meio aos botões das flores.
O cavalheiro respirou fundo, abrindo um sorriso incrivelmente
feliz. Se ainda pairava algum traço de dúvida na cabeça da multidão
de convidados sobre os sentimentos que marquês de Brooke nutria
por sua noiva, a incerteza certamente desaparecera naquela hora,
pois não havia noivo mais contente em toda a Inglaterra.
Alex recitou seus votos de casamento e a dama proferiu os seus.
Pegando o anel das mãos do bispo, Lorde Brooke o colocou na mão
esquerda de Millie. Em seguida, ele falou em alto e bom som:
– Com esse anel, uno-me a você e lhe ofereço todos os meus
bens mundanos. Em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.
Amém.
O tio do rapaz sorriu, inclinando-se na direção de Millicent.
– Bem-vinda à família, minha querida. Acredito que meu
sobrinho tenha encontrado sua outra metade. – Ele se virou para
Alex e riu. – Você pode beijá-la agora.
O marquês prontamente fez como lhe foi instruído.

Quando a cerimônia matrimonial finalmente chegara ao fim e o casal


estava recebendo os últimos votos de celebração de seus
convidados, Lady Clarice parou nos degraus da Igreja St. George,
na Hanover Square, para apreciar o sol da manhã.
– É uma bela visão, não acha?
Virando-se, a dama viu que David Radley estava parado a
poucos metros de distância. Ele sorriu e fez uma reverência.
– Sim, é uma visão magnífica. Eu amo o clima de junho,
especialmente quando ele vem acompanhado por um casamento
feliz. Sinto-me honrada por seu irmão ter me convidado – ela
respondeu. Brincando com suas luvas, decidiu que já estava na
hora de ser corajosa. – Sr. Radley, acredito que tenha algo para mim
– afirmou, erguendo uma mão.
– Sim, eu tenho – uma voz atrás dela disse.
A moça girou, notando que Lorde Stephen Radley segurava um
pequeno pacote. O garoto trazia uma expressão pensativa no rosto.
– Alex pediu que eu lhe entregasse isso. Já que não pôde
atender à sua outra exigência, ele espera que, de posse do
conteúdo desse embrulho, você possa perdoá-lo.
O menino lhe entregou o pacote e rapidamente bateu em
retirada. Clarice olhou para o objeto, balançando a cabeça com
tristeza.
– Não posso aceitar isso. Não seria certo. – A jovem deu o
embrulho para David, que assentiu com aprovação. – Será que
poderia me fazer o favor de devolvê-lo ao seu irmão e à nova
esposa dele junto com meus mais sinceros votos de felicitação?
O cavalheiro enfiou o pacote dentro de seu casaco.
– Eu agradeço o gesto em nome do casal. – Ele deu um tapinha
em um dos lados de sua vestimenta. – Espero me lembrar de
entregar o embrulho para Alex, embora eu tenha a impressão de
que acabarei me esquecendo.
A dama fez uma careta, em seguida, aproximou-se do homem,
apontando para o sol.
– Eu encontrarei quem escreveu aquela carta. Só espero que,
quando o momento chegar, ele tenha coragem de sair das sombras
e de lutar por mim – Clarice disse.
Por alguns minutos, o silêncio pairou entre eles. Então, David fez
uma reverência curta.
– Tenha um bom dia, Lady Clarice; espero vê-la novamente no
baile de casamento da próxima semana. Talvez possamos dançar
juntos desta vez – o rapaz comentou.
A jovem o observou subir os degraus da igreja e cumprimentar
calorosamente a família de Millie. À distância, ele parecia tão seguro
quanto qualquer outro filho da nobreza.
Clarice tocou sua bolsa de mão. Antes de devolver a carta
original para Lorde Brooke, copiara cada palavra apaixonada em
seu diário, que, agora, passara a acompanhá-la para onde quer que
fosse.
– Você não pode viver o resto de seus dias escondido na
escuridão, Sr. Radley – sussurrou atrás dele.
Sobre o autor

Sasha Cottman, autora best-seller do USA Today, nasceu na Inglaterra mas


cresceu na Austrália. Ter o coração dividido entre dois lugares resultou num amor
por viagens, que na última contagem estava em 55 países. Sasha tem sempre um
guia de viagem na sua pilha de livros novos para ler.

Ela escreve romances ambientados no período da Regência na Inglaterra,


Escócia e Europa.

WebSite www.sashacottman.com
Romances em português

Série
O Duque de Strathmore
Senhores de Londres

Para outros lançamentos e edições internacionais, por favor, visite

www.sashacottman.com

O Duque de Strathmore

A Carta Escandalosa do Marquês

Senhores de Londres

Apaixonada pelo duque espanhol


Livros em inglês

SERIES
The Duke of Strathmore
The Noble Lords
Rogues of the Road
London Lords

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The Duke of Strathmore

Letter from a Rake


An Unsuitable Match
The Duke’s Daughter
A Scottish Duke for Christmas
My Gentleman Spy
Lord of Mischief
The Ice Queen
Two of a Kind
A Lady’s Heart Deceived
All is Fair in Love
Mistletoe and Kisses
A Wild English Rose

The Noble Lords


Love Lessons for the Viscount
A Lord with Wicked Intentions
A Scandalous Rogue for Lady Eliza
Unexpected Duke
The Noble Lords Boxed Set

Rogues of the Road

Rogue for Hire


Stolen by the Rogue
When a Rogue Falls
The Rogue and the Jewel
King of Rogues

London Lords

Devoted to the Spanish Duke


Promised to the Swedish Prince
An Italian Count for Christmas
Wedded to the Welsh Baron
Bound to the Belgian Count

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