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de
Felicity
Para Thelma Osmani
A grande bênção da velhice, a que nunca falha, se tudo o
mais falhar, é ter uma filha.
REVERENDO
DR. OPIMIAN
MR. FALCONER
THOMAS
LOVE
PEACOCK, GRYLL
GRANGE
Nessa manhã, Felicity foi avisada dos planos da mãe e achou tudo
muito divertido. As irmãs Tribble logo seguiriam o mesmo caminho
de toda aquela longa lista de precetoras e amas. Contudo, estava
disposta a oferecer-lhes uma receção de cortesia, até decidir a
melhor forma de se livrar delas.
Mas as irmãs Tribble, tendo já pagado e dispensado a sege,
chegaram na carruagem do marquês de Ravenswood. O próprio
marquês ajudou-as com toda a amabilidade a descer da carruagem
antes de se ir embora. Felicity assistiu a tudo isto da janela do
quarto.
Sentiu-se humilhada. Que ele, de todas as pessoas, soubesse
que a mãe a considerava tão rebelde que contratara estranhos para
a ajudar fê-la ferver de raiva.
Lady Baronsheath recebeu as irmãs Tribble na sala de estar e foi
apanhada de surpresa pela aparência delas. Miss Effy era toda ela
delicadeza, mas a penugem de cisne do remate da peliça estava
amarelada e imperfeita e era bem visível a cerzidura num dos
cotovelos do vestido. Miss Amy tinha retirado o manto de pelo
careca para revelar um vestido rodado castanho desbotado com a
cintura no sítio errado. Nenhuma das senhoras parecia possuir
qualquer tipo de joia.
Por sua vez, as irmãs Tribble ficaram encantadas com a
condessa. Era muito bem-educada e tranquila, com uma maneira de
ser encantadora embora tímida. Ambas começavam a alimentar
grandes esperanças acerca de Felicity.
Lady Baronsheath fez-lhes perguntas pormenorizadas sobre
amigos e parentes e pareceu ficar mais aliviada quando reconheceu
os nomes de vários amigos.
– A minha filha é rebelde e mimada – começou a explicar Lady
Baronsheath –, mas eu sei que, au fond, tem um bom coração. Ela
não teve uma boa formação religiosa. O nosso vigário, Mr. Simms, é
um homem muito bom, mas muito tímido, e infelizmente as
pequenas conversas que teve com Felicity não parecem ter surtido
qualquer efeito.
– Não se preocupe, vossa graça – disse Amy com aspereza –,
Lady Felicity irá ler a Bíblia todas as noites e todas as manhãs.
A condessa pestanejou.
– Bem, talvez isso ajude, se por acaso conseguirem fazê-la
obedecer.
– Oh, Lady Felicity vai obedecer-me – contrapôs Amy de imediato.
– Senão...
Foi quando Lady Baronsheath começou a arrepender-se de tudo
aquilo. Amy parecia tão alta, tão forte, tão excêntrica e tão
ameaçadora que temia que a sua pobre Felicity viesse a ser
maltratada. O destino das irmãs Tribble estava periclitante. Lady
Baronsheath decidiu nesse instante desistir e mandá-las embora.
Fez o movimento de se levantar, mas quando abriu a boca para
emitir a sentença, Effy disse:
– Foi uma enorme amabilidade de Lord Ravenswood oferecer-se
para nos acompanhar a Londres quando partirmos com Lady
Felicity.
Lady Baronsheath voltou a sentar-se.
– Ravenswood! Têm a certeza?
– Sim – respondeu Effy com toda a inocência. – Ele resgatou-nos
com toda a bravura de uma manada de touros furiosos...
– Vacas! Vacas! – corrigiu Amy.
– Touros – disse Effy com firmeza. – Depois levou-nos para sua
casa, para que pudéssemos refrescar-nos e mudar para as nossas
melhores roupas antes de virmos conhecê-la, Lady Baronsheath.
Quando ele soube que íamos levar Lady Felicity para Londres,
ofereceu-se para nos acompanhar.
Lady Baronsheath preocupou-se apenas um instante com a
observação cândida de Effy sobre terem mudado para as melhores
roupas. Se aquelas eram as melhores, pensou, como seriam as
segundas melhores? Mas Ravenswood era outra história!
Certamente que a oferta para as acompanhar indicava que ele devia
nutrir algum sentimento por Felicity.
– Sugiro que conheçam agora a minha filha – anunciou Lady
Baronsheath.
Caminhou até junto da lareira, onde se encontrava pendurada a
faixa bordada que usou para tocar a campainha.
Irra! Que nunca se viu bruto tão maçador!
A apreensão das irmãs Tribble crescia cada vez mais à medida que
Londres se aproximava. Começavam a pensar que seria
contraproducente Lady Felicity descobrir que elas não tinham
criados em casa. Amy pretendia ter uma conversa em privado com o
marquês e pedir-lhe ajuda. Sabia que Effy ficaria chocada com tal
ideia e planeava falar com o marquês sozinha. Fizeram uma nova
paragem numa outra estalagem. Agora estavam demasiado
preocupadas para reparar na estranha docilidade de Lady Felicity.
O jantar terminara e Amy ainda não tinha encontrado uma
oportunidade para uma conversa a sós com o marquês. Como
partilhava o quarto com a irmã, teve de ficar deitada na cama a ler
até o ronco suave de Effy lhe garantir que dormia. Amy levantou-se
e vestiu-se; foi em silêncio até ao quarto do marquês e bateu ao de
leve na porta.
Ouviu um «Entre!» surpreendido. Com o coração aos pulos, Amy
abriu a porta e entrou. O marquês estava na cama, um livro
pousado no colo.
– Miss Amy! – exclamou ele. – Aconteceu alguma coisa?
– Eu preciso de ajuda, vossa senhoria – disse Amy, pegando
numa cadeira, levando-a para junto da cama e sentando-se. – O
problema é que não temos criados.
– Nenhum? Nem criada de quarto? Nem...?
– Nenhum – cortou Amy, agitando os grandes pés para cima e
para baixo, envergonhada. – Agora, com o adiantamento de Lady
Baronsheath, temos o suficiente para contratar, mas vai parecer
muito mal quando chegarmos com Lady Felicity e ela se deparar
com uma casa vazia. Não podemos educar a rapariga se não lhe
conquistarmos o respeito.
O marquês pegou no roupão ao fundo da cama e vestiu-o.
– Vamos sentar-nos junto da lareira, Miss Amy – sugeriu ele – e
tentar encontrar a melhor solução. Pode sempre dizer que é o dia de
folga dos criados.
– Sim, mas ela iria ver-nos a entrevistar criados nos dias
seguintes e chegaria à conclusão de que somos umas trapaceiras
que ficaram com o dinheiro da mãe sob falsos pretextos.
O rosto do marquês iluminou-se.
– Vou mandar um dos meus homens à frente, para a minha casa
de Londres, com instruções de mudar a minha equipa de criados
para a vossa casa durante uma semana. Terá de me dar a chave de
casa.
Amy abriu a bolsa e esvaziou-a no chão à sua frente. O conteúdo
era uma variedade ímpar de alfinetes e livros, tricô, uma chave
enorme e uma empada meio comida.
– Não sei como isto veio aqui parar – disse Amy, corando e
apressando-se a esconder a empada. Entregou-lhe a chave. – O
senhor é um anjo – declarou Amy solenemente.
– Eu só estou a ajudá-las a começar o negócio – respondeu ele
com uma risada. – Vá descansar, Miss Amy, e deixe tudo nas
minhas mãos.
Felicity andava a passear no jardim da estalagem. Tinha
esperança de que Lord Bremmer a pudesse ter seguido, mas não
havia sinal dele. Regressava já ao quarto quando a porta do quarto
do marquês se abriu. Felicity recuou para as sombras, não
querendo que ele a visse.
Enquanto observava, Miss Amy saiu corada e feliz, seguida pelo
marquês, de roupão.
– A senhora é mais preciosa do que pérolas, minha querida Miss
Amy – disse o marquês, levando a mão de Amy aos lábios e
depositando nela um beijo.
Felicity começou a tremer de ódio. Que repugnante! Já ouvira
rumores sobre o comportamento decadente de certos cavalheiros
de Londres. Ele tinha estado a divertir-se com aquela velha
pavorosa no quarto, e Felicity tinha a certeza de que «divertir-se»
era uma palavra demasiado educada.
Lágrimas quentes correram-lhe pelo rosto. As irmãs Tribble
mereciam cada humilhação que ela lhes pudesse causar.
JONATHAN SWIFT
Ao fim do dia, Amy estava exausta. Tinha uma dor lancinante nas
costas e olheiras de fadiga. Entrou no quarto da irmã para dizer boa
noite. Effy só conseguiu balbuciar uma resposta, deitada nos
travesseiros rendados com ar de pesadelo gótico. Tinha o rosto
coberto por uma máscara de lama, o cabelo branco enrolado em
rolos de barro e uma faixa a envolver-lhe firmemente o queixo e
presa no cimo da cabeça.
Amy foi para o seu quarto, onde Baxter a aguardava para os
preparativos antes de se deitar. Uma das primeiras medidas das
irmãs havia sido ir buscar a criada de quarto da falecida tia ao asilo.
– Não vai abrir aquilo? – perguntou Baxter, enquanto tirava os
ganchos do cabelo de Amy e começava a escová-lo.
– Abrir o quê? – inquiriu Amy, sonolenta.
– Aquele pacote ali ao canto. Chegou hoje à tarde.
– Oh, James, o lacaio, disse-me que era de Mr. Haddon, e eu
decidi não contar a Miss Effy para ter o prazer de o abrir sozinha –
explicou Amy com um bocejo.
Levantou-se e foi até junto do grande pacote cúbico; pegou no
cartão lá pousado e leu-o.
«Cara Miss Amy», escrevera Mr. Haddon, «O conteúdo deste
presente é uma lembrança da minha estadia na Índia e gostaria
muito que o aceitasse.»
– Espero que não tenha enviado nada para a Effy também –
murmurou Amy. – Ela é demasiado possessiva em relação a Mr.
Haddon.
Abriu a tampa da caixa e, ato contínuo, deu um pulo para trás em
sobressalto, pondo a mão no coração.
Baxter espreitou e deu um grito; foi a correr agarrar o atiçador
para esmagar o conteúdo da caixa.
– Não, não – impediu Amy, agarrando o braço da criada. – Deve
ser empalhada.
Amy tirou-a da caixa. Era decididamente uma cobra empalhada.
Uma coisa de ar maléfico com olhos de vidro demoníacos.
Baxter pousou o atiçador.
– Deus me livre! Se isso não é a coisa mais desagradável que já
vi – disse com ar abismado. – O que tem esse Haddon na cabeça
para enviar uma coisa dessas a uma senhora?
– Para si é Mr. Haddon – ralhou Amy. – É um presente bastante
sagaz, na verdade, depois de recuperarmos do choque inicial. Mas
onde irei pô-lo? Se o colocarmos na sala de estar, vamos afugentar
todas as visitas.
Baxter estremeceu.
– Porque não o envia para aquele tal Mr. Desmond Callaghan, o
que roubou os afetos da minha antiga senhora? Duas serpentes
devem dar-se bem juntas.
– Não, vou ficar com ela – afirmou Amy.
Baxter continuou a ajudá-la a preparar-se para dormir, mas
mantendo sempre um olho atento à cobra empalhada. O animal era
demasiado realista, com aqueles olhos a brilhar e a cabeça em pose
de ataque.
A criada abriu a cama e disse:
– Deite-se e descanse Miss Amy, e tente não se levantar de
madrugada, como costuma fazer, ou vai acabar com os nervos em
frangalhos.
– Ai, adorável cama – suspirou Amy profundamente. Esticou os
grandes pés descalços debaixo das cobertas e congelou, o rosto
uma máscara de horror.
– O que foi? – perguntou Baxter, aflita.
Amy atirou as cobertas para trás.
Quando Lady Felicity fazia uma apple-pie bed1, encarava a
partida no sentido mais literal do termo. Os dedos dos pés de Amy
afundaram-se numa enorme tarte de maçã. O sumo, pedaços de
massa e pedaços de maçã cozida já manchavam os lençóis.
– Eu mato-a – bufou Amy, identificando de imediato o culpado.
– Quem, minha senhora?
– A Felicity. Ajude-me, Baxter, e limpe esta cama enquanto eu vou
ali dar cabo dela.
1 A expressão apple-pie bed pode ser traduzida como «fazer a cama à espanhola»,
uma brincadeira muito comum entre estudantes dos colégios internos, que consiste
em fazer a cama com o lençol dobrado a meio, resultando em apenas meia cama.
(N. da T.)
(...) fizeram dele um dândi;
e é ver o sujeito
THOMAS MOORE,
Tudo corria pelo melhor com o casal em fuga. Era mais um belo dia
de primavera. Grandes flocos de nuvens navegavam lá em cima no
céu enquanto eles viajavam no conforto da berlinda coberta de Lord
Bremmer. Lord Bremmer não se arrependia. Sempre que olhava
para Felicity, ela brindava-o com um sorriso suave e caloroso. Ele
sentia-se com três metros de altura. Tinha a certeza de que a fúria
dos seus pais seria de curta duração quando soubessem que ele
tinha tido o bom senso de fugir com uma herdeira da nobreza.
Confiante de que demoraria ainda algum tempo até que alguém
viesse atrás deles, uma vez que a revista tinha a previsão de durar
mais de duas horas, ele decidiu fazer uma pausa na viagem numa
estalagem em Barnet. Estavam os dois sentados amigavelmente a
tomar café e a comer bolo, quando Felicity pediu licença e se
levantou.
– Onde vai? – perguntou Lord Bremmer.
– À sentina – respondeu Felicity com toda a calma e
descontração.
Lord Bremmer corou de vergonha, achando muito pouco feminino
de Felicity ser tão explícita. Deveria ter dito que ia retirar-se para
arranjar o vestido ou algo parecido.
Quando Felicity se afastou, ele pegou num exemplar já antigo do
The Morning Post e pôs-se preguiçosamente a ler os anúncios da
primeira página.
O anúncio das irmãs Tribble pareceu saltar da página. Felicity
tinha-lhe confessado que a mãe insensata tinha respondido a um
anúncio do The Morning Post. Mas, por certo, não podia ser
aquele... «Se tem uma Filha Desobediente, Rebelde ou
Indisciplinada...»
Pousou o jornal e abanou a cabeça como se para ganhar clareza
de pensamento. Não podia ser aquele o anúncio. Deve ter sido
outro.
Bebeu um gole do café que arrefecia e esperou e esperou. Por
fim, temendo que algo pudesse ter acontecido a Felicity, mandou
uma criada à privada no jardim da estalagem para ver se ela ainda
lá estava. Mas antes que a criada regressasse, Felicity irrompeu na
sala de café com os olhos a brilhar de entusiasmo.
– Estamos cheios de sorte! – exclamou ela. – Apalavrei um par de
cavalos de caça para nós.
– Com a breca! Cavalos de caça? Para quê?
– Para caçar, homem. A caçada. Eles já partiram.
– Não acredito que queira participar numa caçada a meio de uma
fuga.
Felicity bateu o pé com teimosia.
– Ninguém virá atrás de nós durante horas. Está um dia
esplêndido e o rasto é forte. Dê-me esse embrulho. Tenho de mudar
de roupa.
Ela agarrou no embrulho de papel pardo e saiu apressada.
Com a boca apertada numa linha firme de desaprovação, Lord
Bremmer saiu para o pátio da estalagem para cancelar a ordem dos
cavalos de caça. Mas o proprietário das terras tinha ficado tão
impressionado com a personalidade forte de Felicity que teimou em
não fazer nada até ter a permissão da senhora.
Felicity apareceu vestida com o traje masculino que a criada de
quarto lhe tinha comprado, excetuando o sobretudo e as suíças.
Lord Bremmer fechou os olhos à visão da sua amada de calças,
botas de cano alto e casaco acolchoado. Ela parecia uma imitação
de dândi amaneirado, caído em desgraça.
– Não adormeça – troçou Felicity. – Vamos lá, Bremmer, senão
perdemo-los.
Quando Lord Bremmer abriu os olhos, foi para ver Felicity saltar
para a sela.
– Eu... espere lá – chamou ele em desespero. – Com a breca,
Lady Felicity. Com a breca!
Com um sorriso de satisfação estampado no rosto, o proprietário
das terras aproximava-se dele com um cavalo de caça. – É melhor
montar, vossa senhoria – disse ele – ou vai perder a sua senhora.
2 Sir John Lade, 2.º baronete, foi um membro proeminente da sociedade britânica
durante o período da Regência notabilizando-se pela criação de cavalos de corrida,
sendo ele próprio um exímio cavaleiro. (N. da T.)
Senhoras de uma certa idade
(marque o dia!),
Pode chamar-me pateta enquanto eu este mundo habitar!
LORD BYRON
Lady Baronsheath estava com uma visita, uma tal Mrs. Toddy, uma
viúva tranquila e alegre, que estava muito gratamente interessada
em saber todos os detalhes do futuro casamento de Lady Felicity.
Lady Baronsheath temera que o marido escrevesse da América a
proibir que o casamento se realizasse antes do seu regresso. Mas o
conde respondera a dizer que estava altamente satisfeito,
acrescentando friamente que tinha a certeza de que a mulher
poderia tratar da união do casal sem a sua ajuda.
A condessa deveria viajar para Londres na semana seguinte para
dar início aos preparativos para o casamento na igreja de St.
George, em Hanover Square. Estava feliz com a companhia
descontraída de Mrs. Toddy, pois temia constantemente receber
uma carta a informá-la de que Felicity tinha mudado de ideias. Não
podia acreditar que a sua filha viesse a ser tão respeitavelmente
casada, ainda que o noivado fosse terrivelmente curto: apenas três
meses.
– O que ainda não me contou – disse Mrs. Toddy, entre goles de
chá – é como conheceu as irmãs Tribble, nem como as escolheu
para educar Felicity. Acabou por ser uma decisão brilhante, mas
como poderia adivinhar? Eu conheço-as um pouco e Amy Tribble é
uma pessoa muito estranha.
Lady Baronsheath hesitou e depois disse:
– Eu conto-lhe, se me prometer que não conta a ninguém.
Mrs. Toddy pôs um ar adequadamente solene.
– Nem uma palavra sairá dos meus lábios.
A condessa foi buscar à gaveta a folha de jornal agora
amarelecida, alisou-a e entregou-a a Mrs. Toddy.
– Eu estava desesperada, sem saber o que fazer – explicou ela. –
Foi então que vi este anúncio e respondi. Na altura, eu não sabia
nada das irmãs Tribble.
Mrs. Toddy leu o anúncio devagar e com muita atenção.
– Que coisa incrível – suspirou ela, finalmente. – Não, claro que
não conto a ninguém. Toda a gente acredita que as irmãs Tribble
são amigas da sua família.
Mrs. Toddy deixou Greenboys House antes da partida de Lady
Baronsheath para Londres, garantindo à amiga que iria ao
casamento e dizendo-se honrada por ser incluída na lista de
convidados.
Ao regressar a Tunbridge Wells, Mrs. Toddy descobriu que o
segredo de Lady Baronsheath se avolumara dentro dela a ponto de
ser penoso. Era terrível possuir um pedaço de coscuvilhice tão
esplêndido e ter de o guardar dentro do peito.
Certa tarde, enquanto escolhia sedas numa loja, encontrou Lady
Fremley, uma das hóspedes da estância termal. Puseram-se à
conversa enquanto examinavam as sedas e Lady Fremley
confessou estar verde de inveja por Mrs. Toddy ter sido convidada
para o casamento do ano. Implorou a Mrs. Toddy que fosse com ela
beber um chá.
Lady Fremley gostava de misturar o seu chá da tarde com brandy,
e logo Mrs. Toddy soltou a língua, acabando por contar a Lady
Fremley a história do anúncio das irmãs Tribble, mas pedindo-lhe
que guardasse segredo.
Contudo, Lady Fremley não tinha a consciência escrupulosa de
Mrs. Toddy e, sentindo o segredo queimar dentro dela,
paulatinamente começou a aliviar a dor com toda a gente, até dar a
ideia que todas as classes superiores de Tunbridge Wells tinham
jurado guardar o segredo.
Foi assim que o boato se espalhou como ondas numa piscina, e a
pequena maré de coscuvilhice veio rumorejar às margens de
Londres antes do casamento de Felicity. Rapidamente se espalhou
entre a classe mais alta da sociedade, descendo, em seguida, para
a classe mais abaixo, que incluía Mr. Desmond Callaghan.
Esse peralta da sociedade ficou bastante indignado, pois todos
comentavam as irmãs Tribble com grande admiração. Gostaria de
ter sabido disso mais cedo para poder tentar estragar-lhes os planos
e arruinar-lhes o trabalho como acompanhantes. Ainda assim,
pensou de repente, poderia sempre haver uma próxima vez...
Amy e Effy tinham recebido um confortável bónus de três mil
libras de Lady Baronsheath. Effy estava profundamente satisfeita.
Tinham contratado a sua própria equipa de criados e até comprado
alguns quadros para as paredes, tendo Felicity finalmente
conhecimento da proveniência tanto dos quadros como dos criados.
Mas à medida que o dia do casamento se aproximava, Amy foi
ficando cada vez mais ansiosa. As oito mil libras que Lady
Baronsheath lhes entregara para a apresentação de Felicity à
sociedade já se tinham esfumado, e agora comiam do dinheiro do
bónus de três mil. Oito mil libras podiam parecer uma fortuna para a
maioria da população, mas era uma quantia apenas suficiente para
uma temporada social aristocrática, especialmente com os preços
inflacionários da Regência. Embora Felicity estivesse noiva, elas
ainda eram obrigadas a fazer de acompanhantes durante toda a
temporada social londrina. Havia um sem-número de visitas para
receber e todos os novos criados a quem pagar no início de cada
trimestre.
Por fim, Amy viu-se obrigada a estragar a alegria de Effy,
confessando-lhe as suas preocupações. Effy disse que tinha a
certeza de que Mr. Haddon estava prestes a pedi-la em casamento,
mas essa informação só serviu para deixar Amy de cabeça perdida,
acusando Effy de ser completamente inútil e viver de fantasias.
Mr. Haddon chegou.
– Mas não precisam de se preocupar – disse ele depois de Effy
ter sido acalmada e Amy ter explicado o problema, apesar de não
ter conseguido deixar de acrescentar com uma pontinha de veneno
que Effy vivia no sonho de alguém a pedir em casamento. Nesse
momento Effy lançara um olhar esperançoso a Mr. Haddon,
agitando sedutoramente o leque, mas ele parecia perdido em
pensamentos. Ela começou a fungar tristemente.
– Sim – disse ele, pensativo. – Não vejo porque devam
preocupar-se. Parece correr toda a Londres que Lady Baronsheath
respondeu a um anúncio vosso. Estou certo de que, desta vez, nem
vão precisar de fazer propaganda.
– Mas eu não quero passar por tudo aquilo de novo – lamentou
Effy. – As donzelas difíceis são tão cansativas.
– Que disparate! – disse Amy, muito entusiasmada. Lançou o seu
novo xaile sobre os ombros e rodou para cá e para lá admirando o
efeito. – Desta vez, teremos por onde escolher.