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● Romance sáfico;
● Uma das protagonistas é bissexual e com uma deficiência
motora;
● Uma das protagonistas é lésbica.
Avisos de Conteúdo
● Violência;
● Manipulação emocional;
● Consumo de álcool;
● Envenenamento;
● Alagamento;
● Sangue;
● Morte;
● Menção à morte infantil;
● Sequestro;
● Confinamento;
● Lesão corporal;
● Amizade tóxica;
● Assassinato (menção);
● Afogamento;
● Morte de um ente querido;
● Suicidio (menção);
● Cobras.
Sinopse
Quando Lina tinha quinze anos, ela viu uma rainha se afogar.
Assistiu enquanto a água escura subia pelas rachaduras entre os
paralelepípedos, enquanto a maré tenebrosa batia na lateral da Praça
de São Casimiro que levava ao mar. Ondas negras coroadas com
dentes brancos afiados. Esticando-se, alcançando a pequena e frágil
figura acorrentada ao pilar de pedra no centro. A rainha não vacilou,
não quebrou como os meninos antes dela tinham feito. Não houve
gritos nem orações sussurradas. Apenas o rugido ensurdecedor das
ondas e o rosto de uma bruxa como pedra.
Lina gostava de imaginar que seria assim: destemida quando
mais importava, inquebrável quando se tratava de proteger a pessoa
que amava. Ela roubava coragem da memória muitas vezes, para
pequenas coisas, como o momento antes de ela pisar no palco, e
grandes coisas, como as horas passadas esperando enquanto sua
mãe corria para casa em meio a uma tempestade de naufrágios. Ela
roubava algumas agora, enquanto navegava pelas estradas de água
sozinha no escuro. Mas era difícil não imaginar seu irmão como
aquela pequena e frágil figura acorrentada no centro da praça.
O vento chicoteou seu cabelo. O spray de sal beijou seus lábios.
Ela havia roubado o barco-vassoura do vizinho e bateu no casco com
os nós dos dedos, enviando o esquife mágico pelas veias da cidade,
em direção aos terrenos mais altos. Essas estradas só deveriam
inundar quando a maré cheia atingisse, mas isso acontecia na
maioria dos dias agora. A inundação realmente estava pior do que
nunca.
Lina se inclinou debaixo de um varal de roupa suja pendurada
entre duas casas geminadas, os dedos limpando a parede de tijolos à
sua esquerda, tamborilando um staccato1 ansioso em uma vidraça
escura.
Uma vez. Duas vezes. Três vezes. Três era um bom número.
Outro barco passou serpenteando, uma lanterna âmbar
balançando de lado na popa. Os ilhéus coletavam o âmbar que o mar
trazia para a praia após as tempestades, e as bruxas o faziam brilhar.
Os meninos que o barco carregava estavam brigando, provocando
uns aos outros, fazendo apostas sobre quem seria corajoso o
suficiente para entrar na festa primeiro. O vinho espirrou em uma
garrafa jogada entre eles. Um declarou em voz alta que seria uma
honra ser escolhido esta noite, que sua família ficaria orgulhosa…
Suas vozes desapareceram. Lina virou seu barco por um beco
estreito, estremecendo quando o casco arranhou o tijolo. Queria
chegar o mais longe possível de barco, porque a pé seria lenta. Muito
devagar. Ela precisava alcançar Finley e... então o quê, o que ela ia
fazer? Levá-lo de volta? Arrastá-lo? Segurar no braço dele e gritar até
ele ficar tão envergonhado que viraria as costas e fugiria?
Ela mesma assassinaria ele? Isso parecia um plano decente.
A quilha do barco arranhou em uma pedra. Lina saltou para
frente no banco. Alguns quarteirões depois, ela foi forçada a
abandonar completamente o barco, prendendo-o a um poste de
amarração listrado de vermelho e branco. Ela continuou a pé,
mancando um pouco, a frustração aumentando a cada passo.
Mais lanternas de âmbar iluminavam o caminho, balançando nos
terraços que se projetavam sobre a rua. Eles tinham eletricidade no
continente, mas os moradores de Caldella preferiam a magia. Era
mais caro, mais luxuoso. As bruxas só usavam magia, e as bruxas
governavam a ilha.
— O que é bom o suficiente para eles no palácio, é bom o
suficiente para gente como nós aqui embaixo — o tio sempre dizia.
Era sobre status. Quanto mais magia você pudesse pagar, mais perto
estava do auge da sociedade.
Lina pegou o dedilhar de música suave, fez uma pausa e olhou
para trás.
Um grupo de ilhéus passou acotovelando-se e fazendo piadas
em voz alta.
— E se a rainha te beijar e te levar para o palácio, lembre-se de
levar uma faca para a cama com você. Dizem que ela tem dentes lá
embaixo!
Lina mordeu a bochecha e mudou de direção. Havia a menor
chance de Finley ter parado, e mesmo que não tivesse…
Ela dobrou a curva, pegou um caminho pelo qual havia se
apressado minutos antes. Embora soubesse o que estava por vir, ela
ainda prendeu a respiração. As ruas labirínticas de Caldella
contornavam centenas de praças encaixotadas, alguns jardins
escondidos e pomares maduros com frutas suculentas. Outras eram
praças de pedra pavimentadas para assembléias e mercados ao ar
livre. A de São Casimiro era a maior. A Praça do Amante era muito
menor, mas facilmente mais bonita, com uma fonte de mármore feita
para captar o luar, árvores exuberantes e roseiras em flor, e uma
escada larga e sinuosa que levava a ruas e casas construídas em
terrenos mais altos.
Ao fundo daquelas escadas, um menino podia ser encontrado
cantando por moedas extras.
Fogos de artifício explodiram no céu, explosões soando nos
ouvidos de Lina no ritmo das batidas de seu coração. Ela já estava
corando, as bochechas vermelhas como o fogo cortando o céu. Lá
estava ele. Pele bronzeada pelo mar e cabelo beijado pelo sol, olhos
castanhos que guardavam uma centena de segredos incontáveis.
Apenas um menino foi escolhido como sacrifício e viveu para contar a
história.
Ninguém se atreveu a perguntar a Thomas Lin como ele fez
isso, como fez a rainha má se importar com alguém mais do que ela
mesma. Como ele a fez se sacrificar em vez dele dois anos atrás.
Certamente não Lina, que mal conseguia olhá-lo nos olhos sem ficar
vermelha como uma lagosta. Mesmo quando ela quebrou o tornozelo
e ele a levou para casa, ela não conseguiu juntar mais do que um
obrigada gaguejante.
Ele voltou como alguém não muito real. Um personagem
escapado de uma história. O menino que havia seduzido uma rainha.
O menino que ganhou sua liberdade de uma bruxa.
Outro fogo de artifício acendeu, este arrastando estrelas verde-
pixie. Lina estava na beira da Praça do Amante, as palmas das mãos
ficando úmidas. Havia também pessoas, como Finley, que diziam que
Thomas Lin era perigoso, que alegavam que ele havia quebrado a
magia que mantinha Caldella segura, que não importava quantos
sacrifícios sua nova rainha fizesse agora, a ilha estava fadada a
afundar.
Ele havia trocado sua vida pela deles.
Lina afastou o pensamento. Ela não estava aqui para os
rumores ou sua paixão desesperada. Esta noite não era sobre ela.
Ela atravessou a praça; Thomas Lin abaixou o violão. Lina respirou
fundo.
— Eu preciso que me diga como você fez uma bruxa se
apaixonar.
As palavras se estenderam no silêncio entre os fogos de
artifício, como uma corda dedilhada ressoando com a primeira nota
de uma música. Lina afundou no degrau de pedra ao lado de
Thomas, reprimindo um calafrio quando o frio penetrou em seu
vestido. A noite estava fresca o suficiente para fazê-la desejar ter
usado um casaco.
Enfeites e contas brilhantes pendiam dos galhos das árvores do
jardim, mas o rosto de Thomas estava mascarado na sombra. Seus
dedos brilhavam brancos onde ele segurava sua guitarra.
— Por favor. É por Finley. — Thomas conhecia seu irmão,
mesmo que não gostassem um do outro. Não havia estranhos em
Caldella, exceto pelas bruxas, que ficavam, principalmente, no
Palácio da Água, a não ser em noites como esta. Lina conhecia o
rosto de cada ilhéu, mesmo que nem sempre se lembrasse de todos
os nomes. A ilha foi fechada para forasteiros. E Finley e Thomas
estudaram música no Conservatoire, a mesma escola onde ela
estudou dança. — Você poderia falar com ele, dizer a ele. Ele está
decidido a se juntar à festa esta noite, e eu…
— Você acha que a rainha vai escolhê-lo.
Lina puxou seu colar, segurando as contas vermelhas tão
apertadas que cravaram em seu pescoço.
— Todos nós sabemos que ela pega os bonitos. Não há mais
ninguém para competir com Finley. Ninguém vai — ela emendou.
A boca de Thomas se contraiu.
— É por isso que você raspou uma das sobrancelhas dele?
— Foi um acidente. Eu pretendia raspar as duas, mas ele
acordou.
A risada de Thomas encheu o jardim. As pessoas que passavam
pararam e olharam. O calor percorreu Lina apesar do ar frio da noite.
Não era como se outros garotos não tentassem parecer pouco
atraentes. Finley deveria ter agradecido a ela.
— Acho que nunca o vi tão bravo — disse Thomas. — E isso
significa alguma coisa. Todos pensamos que você fez aquilo porque
ele usou seu vestido rosa na festa de Josef.
— Ele o quê?
— Ah. Merda. Você não sabia?
Seu vestido rosa novinho em folha, que brilhava como o interior
de uma concha. Com seu zíper que, misteriosamente,
inexplicavelmente, quebrou. Os dentes de Lina se juntaram com um
clique.
— Ele parecia bastante atraente — disse Thomas.
Lina deu-lhe um soco no braço, depois puxou o punho para trás
como se tivesse sido escaldada. Ela tinha acabado de tocar em
Thomas Lin. Ela tinha acabado de dar um soco em Thomas Lin.
E ele estava sorrindo.
Ele colocou o violão de lado e se aproximou. Lina não resistiu a
fazer o mesmo, dobrando as pernas para que seus joelhos se
encostassem acidentalmente.
— Você tem que ajudar. Pode contar a ele como você
sobreviveu, como você enganou a rainha, como você…
Uma leve ruga se formou entre as sobrancelhas de Thomas. Ele
pressionou o polegar no lábio inferior, então alisou as mãos sobre a
calça.
— Ele passou por aqui há pouco, com Istvan e Josef. Eu disse a
Josef que eles não deveriam ir, mas ele não queria. Eles já se foram.
— Se foram — Lina repetiu. O vento soprava pelo jardim,
despenteando seu cabelo. Havia algo tão angustiantemente final
sobre a palavra.
— Lina — disse Thomas suavemente. — Eu tentei impedi-los.
— Tentou? Você não fez um trabalho muito bom. Você disse a
eles o que fazer se fossem escolhidos? Contou a eles o que você fez
para se salvar? — Lina se levantou. Ele nunca havia contado a
ninguém, e pela expressão em seu rosto agora, ela sabia que ele não
havia contado a Finley. Ele manteve o segredo para si mesmo.
— Você não pode mantê-lo preso — disse Thomas. — Ele é um
homem adulto. Não acho que a rainha vai levá-lo.
— Ah, e você pode jurar isso, pode? Ninguém pensou que ela
levaria Niko.
Niko, com seu cabelo preto e cheio de sardas. Niko, com seu
sorriso selvagem. Niko, morto no fundo do mar.
Thomas estendeu a mão para ela.
— Lina.
Por que ela se incomodou? Por que tinha vindo aqui? Ela só
tinha perdido mais tempo. Ela deu de ombros e perdeu o equilíbrio ao
subir o primeiro degrau. Seu coração bateu contra sua caixa torácica
enquanto ela cambaleava para trás.
Ela se conteve, caminhou mais devagar, subindo os degraus um
de cada vez, as bochechas queimando. Ela deveria ter raspado a
cabeça inteira de Finley, deveria tê-lo nocauteado ou amarrado de
alguma forma. Lágrimas ardiam em seus olhos. Ela só chorava
quando estava frustrada ou furiosa. Tão furiosa que ela queria
quebrar alguma coisa. Alguém.
Ela andou pelas ruas lotadas, acotovelando as pessoas que
festejavam, pessoas muito espertas ou muito assustadas para colocar
os pés dentro da festa. O cheiro de uísque se misturou com os
aromas de fumaça e suor. Arcadas de lojas alinhadas em colunas
cercavam a Praça de São Casimiro por todos os lados, menos por
um. A última dava direto para o mar.
Lina parou em um arco ao lado de uma coluna em frente à
sorveteria fechada. Suas janelas tremiam com o gemido de tubos e
cordas. Fogos de artifício coroaram a cena diante dela, mas ela mal
conseguia ver nada além da névoa de calor das fogueiras. Formas e
sombras dançando. O grande pilar de pedra no centro disparou para
perfurar a noite.
Tambores batiam trovejando no chão, e o som deles puxou,
chamando aquela voz sinuosa dentro dela, aquela que a incitava a
pular quando estava no topo de um lance de escadas, aquela que lhe
dizia para pular do convés do navio de sua mãe, embora não
soubesse nadar. O desejo a encheu. Ela queria muito entrar na praça,
apesar do perigo. Ela queria dançar, pular e girar e estalar os dedos.
Ela queria ter um vislumbre da malvada Rainha das Bruxas
enquanto ela entrava e saía dos foliões disfarçada, mudando de
rosto, aparecendo um segundo como a pessoa que você amava,
transformando-se em seguida na pessoa que o garoto ao seu lado
amava, enganando você para pegar sua mão, enganando você para
beijá-la.
A dor surda em seu tornozelo permitiu que ela se livrasse do
puxão da magia. Seu corpo inteiro tremia, e ela não tinha certeza se
era de medo ou desejo. Uma gota de suor escorria de sua têmpora.
Verdade seja dita, ela não deveria estar aqui esta noite também. Ela
deveria estar descansando, deveria estar comemorando a véspera de
Santa Walpurga com o resto da família na casa do irmão de Mamis,
onde ela e Finley deveriam estar agora. Alguém viria procurá-los? Ela
captou trechos do clamor habitual enquanto passava pela casa: o
familiar silvo de óleo quente, o barulho de panelas e frigideiras se
afogando sob as vozes de cinco de suas seis tias. Fofocas e risos tão
altos que dava para ouvir no meio da rua.
As unhas de Lina cavaram luas crescentes em suas palmas. Ela
até teria ficado lá com Finley, como disse a ele. Por um tempo, pelo
menos. Ela teria escapado sozinha mais tarde, só por um tempo.
Enquanto todos se empanturravam de caranguejo manteiga,
enquanto Nina e Ivy tocavam piano ou Finley tocava violino ou o
primo número quinze tocava violoncelo. Todas as tias ocupadas
jogando olhares presunçosos de um lado para o outro como facas,
cada uma confiante de que ela tinha o filho mais talentoso, todos
distraídos demais para perceber que ela estava desaparecida.
Seu irmão sempre teve que fazer tudo sobre ele, mesmo quando
ele supostamente estava fazendo algo por ela.
Lina começou a avançar. Uma mão áspera agarrou seu pulso.
Thomas manteve um amplo espaço entre ele e a borda da praça, a
borda da folia. Seus olhos dançaram com chamas refletidas, e ela viu
medo e hesitação espreitando em suas profundezas. O
aborrecimento aumentou.
— Não é como se fossem escolher você duas vezes. — Até as
bruxas respeitavam os desejos das rainhas mortas. Lina sacudiu o
braço e deu um passo para trás através do arco. — E não é como se
ela fosse me escolher.
Lina
No dia em que sua irmã morreu, Eva selou seu coração dentro
de uma garrafa e o jogou no mar.
Mas, às vezes, quando ela encostava o ouvido nas frias paredes
de pedra de seu palácio, quando se revirava à noite em vez de
dormir, ela jurava que ainda podia ouvir: uma batida fraca e
constante. Um tamborilar enquanto ela atravessava um corredor
vazio, batendo nas pontas dos pés. Ela podia ouvi-lo agora no
barulho rítmico das ondas negras em suas costas, um barulho em
seus ouvidos enquanto ela arrastava uma mão pelo fogo.
Chamas lambiam seus dedos, faziam cócegas na curva
elegante de sua palma. O ar se curvou e ondulou, a fumaça
serpenteando até se fundir com o céu estrelado. A décima terceira
fogueira ficava à distância das outras, à beira da praça que
desembocava na maré, à sombra do grande pilar de pedra onde,
daqui a um mês, Eva acorrentaria o menino que amava e o deixaria
para ser engolido pelo mar.
Ela gostava daqui, onde não era tão lotado, longe da correria
interminável de foliões e dançarinos, longe das pessoas que ela
instintivamente não gostava por nenhuma outra razão além de serem
pessoas e Eva não gostar de pessoas. Aqui ela podia esperar e ver
seu reflexo mudar nas poças a seus pés. Podia se ver crescer alta e
magra ou baixa e gorda, jovem e velha, por sua vez.
Seu cabelo torcido em cachos de sereia espessos, caindo lisos
e retos em sua espinha. Pele empalidecendo e escurecendo em
contrapartida. Ela usava mil rostos, mas nunca o seu.
E quando os dançarinos se aproximavam, cambaleando para
recuperar o fôlego e aquecer as mãos, ela podia ouvir, ouvir o que a
cidade tinha a dizer sobre ela.
— Dizem que ela não tem coração.
— Dizem que a bruxa é amaldiçoada.
— Frígida.
— Ouvi dizer que ela é feita de pedra.
— Ela vai falhar de novo este ano, você vai ver. Em breve.
O último orador estalou os lábios como se a perspectiva o
agradasse. Ele estava do lado oposto da fogueira de Eva, meio
escondido pelas chamas. Cabelos ralos e grisalhos. Pele coriácea
bronzeada pelo sol e pelo mar. A ponta de seu cigarro brilhava em
vermelho enquanto ele puxava uma respiração irregular.
Os homens de cada lado dele ecoaram a ação, cada um tão
desgastado pelo tempo e salpicado de sal quanto as ruínas
afundadas que enchiam o porto de Caldella. A fumaça subiu como
fantasmas entre seus dedos nodosos.
— A ilha vai afundar e todos nós com ela. — Sua voz era
áspera. A maré batia na orla da cidade, transbordando e se
acumulando nas pontas pontiagudas dos sapatos de Eva. — Não é
um sacrifício se ela não se importa. Ela não tem amor por nós. Sem
amor pelos garotos que ela leva.
— Se é de amor que ela precisa… — O mais baixo dos três
tinha uma âncora azul tatuada na lateral do pescoço.
— Você vai para a cama com um monstro, então? — O último
homem deu uma cotovelada nas costelas de seus companheiros.
— Melhor um monstro do que sua esposa. — Risadinhas
estouraram acima da briga que eclodiu. — A bruxa vai se parecer
com quem eu quiser. Ainda bem, se ela for tão horrível quanto dizem.
— Ainda assim, é um pouco difícil ir para a cama com uma
garota feita de pedra.
Eva desenrolou uma das várias pulseiras amarradas em seu
pulso. Torções desfiadas de seu cabelo preto e barbante vermelho-
sangue. Cada feitiço exigia um pedacinho da bruxa que o lançava.
Cada maldição tirava uma pequena mordida de você até que não
tenha mais magia. Ela enrolou as cordas nos polegares e nas pontas
dos dedos, como se estivesse brincando de berço de gato, o que os
ilhéus chamavam de Jogo das Bruxas.
— Ah, tenho certeza de que posso fazer. Algumas cutucadas e
ela vai implorar por mais.
Eva moldou uma rede e depois um peixe. Uma onda atingiu a
borda da praça, e borrifos estouraram no ar. Agulhas geladas
afundaram em sua pele, onde seu vestido mergulhava para mostrar
suas costas. O resto das gotas pareceram congelar, brilhando. Ela
formou uma segunda forma, uma terceira, fios brilhando quentes,
antes que o mundo voltasse correndo.
A água encharcou os paralelepípedos. Cigarros caíram de
dedos nodosos, chiando quando bateram na pedra.
Eva saiu de trás da fogueira. Três gaivotas estavam onde três
homens uma vez estiveram, olhando para ela com as expressões
escancaradas e de queixo caído, comuns aos velhos confrontados
por garotas que se defendem.
Um tossiu, um som que se transformou em um crocitar. O
segundo bateu os braços em pânico. O terceiro decolou, guinchando,
girando círculos raivosos acima de sua cabeça.
— Parece que você está se divertindo. — As botas se
arrastaram quando Marcin saiu das sombras à esquerda de Eva. Seu
cabelo de um vermelho profundo como as chamas da fogueira, um
sorriso puxando sua boca generosa. — Mas se continuar
transformando todos os ilhéus que a irritam em uma gaivota, em
breve não teremos mais ninguém. — Ele encostou o ombro no de
Eva, puxando de brincadeira as tranças que coroavam sua cabeça. —
Encontrei um bom para você. Cachos castanhos. Alto. Um verdadeiro
encantador. Você vai gostar dele.
Eva reatou as pulseiras, puxou as mangas do vestido preto para
baixo sobre os dedos.
— A menos que você prefira deixar a cidade afundar. — O tom
de Marcin era suave. Não continha nenhum julgamento, nenhuma
acusação. Era quase... uma sugestão.
Uma segunda onda quebrou contra a borda da cidade.
Não é um sacrifício se ela não se importa.
Não há mágica em sacrificar alguém com quem você não se
importa. Não há sacrifício se não te machuca desistir dessa pessoa.
Não há poder sem preço.
Eva podia sentir a fúria da maré negra em cada chicotada que
dava contra a pedra, uma fome que não era saciada há quase dois
anos. Isso lhe deu uma espécie de satisfação selvagem. Era uma
espécie de vingança mesquinha.
Vocês levaram minha irmã. Por que eu deveria dar alguma
coisa?
— Todas as grandes cidades caem eventualmente. — Marcin
torceu o grosso anel de prata em seu polegar. — É como as coisas
são. Você nem sempre pode lutar contra o destino.
— Mas não esta cidade. Nossa cidade não vai cair. — As
palavras cortaram a escuridão, mas tremeram com uma nota de
incerteza. Yara tinha um jeito de falar que fazia tudo parecer uma
pergunta. Com passos delicados, apertando a saia longa e brilhante
para não arrastar no chão, ela escorregou em seu lugar de sempre à
direita de Eva. A luz do fogo brincava com sua pele morena suave,
brilhante onde pegava o coral e as pérolas se entrelaçando
carinhosamente em seus braços e pulsos.
— Seria apenas temporário — disse Marcin. — Poderíamos
reconstruir em outro lugar.
— Onde? — disse Yara.
— Em algum lugar do outro lado do mar. — Marcin deu de
ombros. — O continente. Uma das cidades litorâneas. As coisas
estão diferentes lá agora.
— Você não tem como saber disso. — Eva interrompeu Marcin
antes que ele pudesse delinear todo o seu plano. Ela já tinha ouvido
isso milhares de vezes antes. E ela não levava a sério; Marcin
gostava de fingir que não se importava com a ilha, com nada e nem
com ninguém, quando na verdade se importava mais do que a
maioria. — Eu não vou abandonar Caldella. Não vou abandonar a
cidade de Natalia.
Porque ainda parecia a cidade de Natalia. Não dela. As estradas
de água enevoada e as ruas de paralelepípedos escorregadias, as
casas pintadas em tons pastéis apertadas demais, os jardins
escondidos enfiados em praças escuras, iluminados pela luz âmbar
das lanternas e cheirando a rosas depois da chuva. Todos eles
pertenciam a sua irmã. Não havia um lugar na ilha que não fizesse o
vazio no peito de Eva doer.
Ela captou um lampejo de emoção nos olhos castanhos de
Marcin. Ele era o amigo mais próximo de sua irmã, a ajudou a fugir do
continente quando Natalia era criança e Eva ainda mais jovem, não
mais que uma bruxinha, mal com idade suficiente para andar. Muito
antes de todos terem sido adotados pela então rainha de Caldella.
Yara colocou uma mão gentil no braço de Eva.
— O sacrifício vai funcionar este ano. Você só precisa deixar ir,
se deixe se importar.
Se deixe se importar. Mas o que ela queria dizer era: se deixe se
machucar.
O fantasma de Natalia pousou sobre os ombros de Eva como
um xale. A primeira regra da magia era nunca entregar muito de si
mesmo. Nunca trocar mais poder do que você poderia perder. Nunca
amar uma pessoa mais do que você ama a si mesmo.
Eva não cometeria o mesmo erro que sua irmã.
Era mais seguro nunca se importar.
— Para duas bruxas tão desesperadas para salvar esta cidade
— disse Marcin — parece que sou eu quem está fazendo todo o
trabalho. O único a procura de meninos para Eva escolher como seu
sacrifício. O que vocês tem feito? — Ele olhou de uma garota para
outra. — Transformando homens em gaivotas? Enchendo a pança?
Havia uma pitada de açúcar abaixo dos lábios exuberantes de
Yara; ela sempre foi uma formiguinha.
Ela esfregou o queixo, franzindo a testa, enquanto o sorriso de
Marcin se tornava malicioso.
— Tinha um menino que assava doces na esperança de ganhar
alguma magia.
— Tão gentil como eles fazem isso — disse Marcin. — Mostram
seus talentos para que possamos escolher os mais atraentes.
— Um ruivo — Yara continuou, ignorando-o. — Você pode fingir
que ele é Marcin quando o acorrentar ao pilar. Mas o mais bonito de
todos está tocando violino na terceira fogueira. Eu disse a Omar para
ficar de olho nele.
— O meu tem cachos — disse Marcin. — O moreno de quem te
falei.
— O meu tem covinhas — disse Yara. — E olhos cinzas de
inverno e cabelo bagunçado. Preto.
— Nenhum loiro? — disse Eva secamente. As palavras
escaparam antes que ela pudesse pensar melhor sobre elas.
Marcin e Yara trocaram um olhar. Eva rapidamente decidiu que
preferia quando eles estavam brigando.
— Dancei antes. Com muitos meninos. — E não achei nenhum
atraente. Ela alisou o vestido. — Eu posso escolher por mim mesma.
Outro olhar. Outra troca sem palavras que a cortou
completamente. Não tanto desconfiança quanto falta de fé nela. A
raiva crescente penetrou na voz de Eva.
— Eu deixei vocês escolherem o último. E olha no que deu.
— Porque você não fez absolutamente nenhum esforço — disse
Yara. — Você nem tentou se apaixonar um pouco por ele, E. Você
nem tentou. Eu sempre escolho os mais bonitos. Para Natália
também. Não há um suprimento infinito.
— Beije o menino com cachos castanhos. Ou aquele com o
violino. Você gosta de música — disse Marcin, como se isso
resolvesse.
Eva havia gostado de música e músicos, uma vez.
— Eu posso escolher meu próprio sacrifício — ela repetiu, e
começou a avançar, caindo mais uma vez na correria da multidão.
Não foi difícil perder os outros em meio aos foliões. Eva envolveu as
sombras em torno de si e, quando se mexeu, foi como se arrastasse
a noite atrás de si. Seu reflexo brilhou em poças, nos olhos
apaixonados de dançarinos rodopiantes.Sempre em mudança.
Ela era uma bruxa. Um ilhéu. Um menino.
Novo. Velho. Meia-idade.
Cabelo longo. Cabelo curto. Cabelo preto. Castanho.
Loiro.
Eva parou com um pé congelado no ar. A poça em seus pés se
despedaçou quando um folião passou, mas no segundo antes... no
segundo antes, havia mostrado um fantasma.
Dançarinos fluíam em uma cadeia sem fim.
Eva olhou para a água ondulante, para seu reflexo trêmulo,
segurando sua forma atual. Ela levantou a mão e traçou o queixo
familiar, estremecendo com a aspereza que encontrou lá. A barba
curta. A boca macia. Os olhos castanhos escuros. Ela olhou para
suas mãos, bronzeadas pelo sol e calejadas por repetidas dedilhadas
nas cordas do violão. Mais cedo, ela teve um vislumbre e pensou que
estava vendo coisas. Estava mudando tão rapidamente, mudando de
um conjunto de braços para outro, girando, girando, girando.
Ela girou agora, procurando por quem a fez mudar, fez com que
ela tomasse esta forma de todas as formas. Ela fechou os olhos e
escutou, analisando os sons, filtrando a música, o alto crepitar das
chamas da fogueira, as risadas. Ela pensou que tinha ouvido seu
canto também. Aquela voz como um sussurro cadenciado, como uma
canção de ninar enquanto te persuadia a dormir. Uma música que te
aconchegava antes de cortar sua garganta. Ela o ignorou, descartou
como um mero desejo porque Thomas Lin não ousaria se juntar à
festa na Praça de São Casimiro. Não essa noite. Não enquanto ela
estava aqui.
A fogueira mais próxima cuspiu, faíscas incandescentes
evocando gritos de dor daqueles que escaldaram.
Eva serpenteou pela multidão em busca de uma voz, em busca
de um fantasma, duas perguntas em mente: que rosto ela usaria
quando o encontrasse? E, a maré negra ainda aceitaria seu sacrifício,
se ela afogasse o menino com suas próprias mãos?
Lina
Para onde ela desapareceu, para onde foi? Eva tinha dito a Lina
para ficar quieta. Disse a ela para ficar segura no salão com a
varanda onde elas... Ela pensou que Lina havia voltado para seu
quarto, mas não estava lá.
Ela estava se escondendo?
Tinha fugido?
Uma parte de Eva estava quase feliz.
— Ah! — exclamou Cyla, olhando para trás, para a ampla
escada curva que elas tinham acabado de subir, então recuou depois
de encontrar as portas duplas no topo trancadas.
Era raro que qualquer sala no Palácio da Água fosse trancada
para Eva. Ela meio que desejou não ter dito a seus irmãos para selar
as portas nas seções inundadas do palácio. Significava fazer desvios
agora. Significava que as próprias portas estavam confusas e não
podiam conduzi-la através de suas passagens habituais.
As portas no topo da escada suspiraram suavemente agora
enquanto se abriam; Lina apareceu em um vestido verde-mar e luvas,
bochechas coradas, olhos brilhantes de malícia.
— Onde? — Eva explodiu, e a palavra foi como uma adaga
lançada, explodindo dela, arremessada no alvo mais próximo. Ela
estava ao pé da escada em um instante, passando por Cyla,
chapinhando na água escura que subia uma polegada de
profundidade pelo chão. — Para onde você foi? Por que não ficou
onde eu mandei?
Lina piscou.
— O que te deixou com tanto humor?
Você.
Sempre você.
Desde a noite da festa.
Desde o dia em que invadiu meu palácio.
Natalia tinha enfeitiçado Eva para dormir quando ela se
sacrificou, e Eva sempre sentiu como se nunca tivesse acordado
completamente daquele feitiço. Ele a manteve ali em estase,
paralisada de fúria e afogada em dor. O mundo inteiro desmoronou
com sua irmã, afundando nas profundezas, e Eva ficou lá sonhando
desde então, desmoronando como um naufrágio lentamente
apodrecendo em pedaços.
Até que Lina forçou sua entrada e fez a história se mover
novamente, um príncipe entrando em um castelo para quebrar uma
maldição. Arrancando Eva de seu sono, fazendo-a lembrar, jogando
os cobertores para trás e arrastando-a assobiando e vacilando para a
luz.
Lina desceu as escadas, parando no último degrau,
mergulhando um dedo do pé em uma poça de tinta com uma
expressão de mau gosto.
— Está muito molhado aqui, não?
Eva cerrou os dentes, torcendo as mãos no tecido do vestido só
para ter algo para fazer com elas. A água escorria do teto, pingava
como saliva pelas paredes espelhadas.
— Cyla — ela chamou. — Pode reunir os outros agora. Diga a
Marcin que ele deve ficar para trás e conter essa inundação sozinho.
— Marcin — disse Cyla.
— Marcin? — perguntou Lina. — Esse é o bonitão, certo? Aonde
vocês estão indo?
Bonitão.
A pálpebra de Eva se contraiu.
— O inútil, você quer dizer. — Ela disse a ele para proteger as
portas, disse a ele que não iam deixando a ilha. Por que ele teve que
lutar com ela? Por que estava deixando a família deles em pânico,
usando o medo deles para colocar todos contra ela? Convencê-los a
sair porque ele queria sair? Foi por isso que Natalia não o deixou no
comando, porque ele não amava a ilha do jeito que ela amava. Não
era confiável para proteger sua casa do jeito que Eva faria.
— Diga que se ele não fizer isso, vou pegar um dízimo de magia
dele até que ele não tenha mais nada.
Lina endureceu.
Eva cortaria as pontas dos dedos restantes. Ela cortaria os fios
de seu cabelo vermelho fogo. Tomaria litros de seu sangue para
pingar em feitiços engarrafados, como Natalia tinha feito com as
bruxas que causavam problemas para ela. Ela tomaria toda a sua
magia. Ela ergueu o queixo em direção ao teto e fechou os olhos.
Não importa o quanto o amasse, ela o puniria desta vez, mesmo que
isso matasse uma parte dela, mesmo que isso matasse outra parte
dele.
Cyla murmurou algo inaudível e saiu, correndo escada acima,
desaparecendo pelas portas no topo.
Eva soltou um longo suspiro, recuando enquanto dedos frios
cobriam sua bochecha, afastando uma mecha de cabelo escuro de
seu rosto.
Lina colocou a mecha atrás da orelha de Eva, os dedos roçando
sua coroa. Aquela coisa pesada de aço queimado e pregos que
Marcin uma vez riu dela por escolher. Ele deu um puxão brincalhão
em sua trança e beliscou um espinho, levantando-o de sua testa.
— Por que uma coroa que alguém poderia facilmente arrancar
sua cabeça?
— Porque eu arrancaria da minha própria cabeça primeiro —
Eva retrucou, afastando as mãos dele com um tapa. — E os
esfaquearia se sequer pensassem em tentar.
Lina deixou cair a mão. Na outra, ela segurava um frasco
prateado, levando-o agora à boca.
— Onde você conseguiu isso?
— Isso? Não me deu como um dos seus presentes? — Lina
tomou um longo gole antes de oferecer a Eva. — Parece que você
poderia usar um estimulante.
O nariz de Eva enrugou.
— Você acabou de cuspir nele?
— Não. Por que eu faria isso?
Eva pegou o frasco e saboreou o calor enquanto o uísque de
malte queimava sua garganta. Ela quis ser como uma pedra, fazer de
seu rosto uma máscara.
Você consegue fazer isso. Não há outra escolha.
Ela já havia enviado Cyla na frente para reunir os outros.
— É quase lua cheia…
Talvez fosse porque elas estavam sozinhas no salão de baile
frio e pingando, cercadas por espelhos gelados, o teto alto subindo na
sombra, mas as palavras pareciam ecoar com uma terrível finalidade.
Como últimas palavras.
Eva tomou um segundo gole do frasco, mordendo os lábios.
Estavam formigando. Sua pele formigava, piscando quente-frio-
quente-frio com os nervos. De repente, ela ficou com medo de dizer a
coisa errada, de dizer a Lina para ir, correr, com medo de que ela
decidisse deixar o mundo se afogar para salvar a garota na sua
frente.
Ela empurrou o pensamento para baixo. Não havia tempo para
isso, para tristeza, para arrependimentos. — É quase lua cheia e a
maré está...Você precisa entender, eu não posso, não há outro jeito…
— Eva cambaleou. Gaguejou. Sua língua estava dormente. O mundo
estava tombando, tombando, tombando. — O que você…
O que havia no frasco?
Ela o deixou cair, o metal batendo no chão com um estrondo.
Lina a firmou, um braço em volta da cintura, segurando-a na posição
vertical com força surpreendente.
Há quanto tempo ela estava planejando isso?
As pernas de Eva se dobraram, os joelhos batendo no chão com
um estalo que ela não causou. A água encharcou seu vestido,
encharcou suas meias de seda enquanto Lina ajudou a descê-la e a
colocou ao pé da escada.
Ela segurou o rosto de Eva com as duas mãos, um aperto quase
doloroso.
— Eu teria tirado você de tudo isso. Queria tanto, mas você é
tão teimosa. Tentei te orientar com as escolhas certas. Eu tentei te
segurar. Mas não aguento mais seu peso, Eva, não se isso significar
manter minha própria cabeça acima da água. Não se isso significar
evitar que todos nós nos afoguemos. Não posso ver esta ilha destruir
você. Não consegue ver o que ela fez com você? Está te devorando
viva como fez com Natalia.
Lábios frios pressionaram um beijo em sua testa.
— Você teria até mesmo levado minha magia. Cortado pedaços
de mim de bom grado. Sabe como é ter sua magia roubada de você?
Ver como seus ossos são reduzidos a pó e aspergidos em poções?
Você me fez fazer isso. Você não me deu escolha.
As pálpebras de Eva tremeram, as palavras não faziam sentido.
A consciência era uma vela gotejante. No entanto, ela não pôde
deixar de sorrir, uma última torção agridoce de seus lábios, um
estranho triunfo cantando em suas veias enquanto ela deslizava
lentamente na escuridão. Ela não havia dito desde o início que se
importar só te machucava, que se importar te matava?
Havia uma certa satisfação selvagem em saber que ela estava
certa, mesmo agora, no final.
Porque era o fim. Lina atravessou o salão, abrindo as portas do
outro lado do salão de baile, deixando entrar uma grande onda de
água negra, parando para dar as boas-vindas à maré.
Eva podia sentir o cheiro de algas velhas, peixes velhos. O
cheiro picante da caverna do mar. A porta deve ter se aberto nela.
Sua visão focava e desfocava. Ela se concentrou uma última vez em
Lina enquanto ela corria de volta, perseguida pela água que agora
estava caindo sobre Eva, escapando pela escada, deixando-a lá para
se afogar.
Lina