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Breves loucuras

VOLUME 3

Lana Machado

Copyright © 2019 Lana Machado


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9.610/98 e previsto pelo artigo 184 do Código Penal Brasileiro.
Para as garotas da minha ilha, CLM
CAPÍTULO 1
SOFIA

Levantei a perna o suficiente para puxar a meia fina e dar pulinhos no


meio do quarto enquanto tentava ajeitar a renda na minha coxa: uma imagem
pouco promissora para quem um dia pensou que seria bailarina e viveria
equilibrada em uma só perna, menos promissora ainda para uma mulher
casada tentando seduzir o marido em uma sexta-feira à noite.
Se Téo me visse agora tentando enfiar meias finas nas pernas,
pulando pelo quarto como um saci, a última coisa que ele ficaria era
excitado com a imagem que encontraria depois de um longo dia de trabalho...
Ou não, considerando que estou falando do meu marido, que fica
excitado por qualquer coisa, ainda mais se está há dias sem transar.
Mas eu queria fazer uma surpresa justamente por conta disso:
estávamos há dias sem transar, então ele merecia pelo menos uma lingerie
sexy e meias finas. Na verdade, eu merecia isso também, porque passei dez
meses amamentando uma criança, sem poder colocar um sutiã de renda sem
que as minhas mamas vazassem, e agora, depois de quase quatro meses, eu
tenho o controle dos meus seios de volta, então eu merecia mais essa lingerie
sexy mais que tudo.
Eu só gostaria que fosse mais fácil poder usar uma lingerie e ver o
seu marido tirá-la tanto com as mãos quanto com os dentes. Costumava ser
assim há sete anos, quando eu e Téo ainda éramos muito jovens e estávamos
em uma excursão de formatura e o nosso maior problema era fazer putaria
debaixo dos olhos do diretor Marcos e do pastor Elias. Naquele tempo, até
poderíamos pensar que transar em um chalé esquecido era o maior desafio
do momento, uma vez que a nossa escola era religiosa e carregava o lema
“decidi esperar” entre os alunos, então sair dos chalés no meio da
madrugada para transar era a loucura mais deliciosa que poderíamos
cometer juntos.
Naquele tempo, era muito fácil colocar uma lingerie sexy, porque o
meu corpinho de dezessete, quase dezoito, ajudava bastante. Era muito fácil
deixar Téo Ferrero excitado porque nós ainda estávamos no começo do
relacionamento, então impressioná-lo com comandos sexuais e boquete era a
chave para tudo. Era muito fácil passar a madrugada transando, mudando
posições e caindo no sono quando estávamos no limite da gozação. Nós
estávamos na escola! Na viagem de formatura! E eu ainda fazia ballet, o que
deixava as minhas pernas muito, muito flexíveis para que ele as colocasse
nos seus ombros, em qualquer lugar do residencial, e mandasse a ver.
Depois que fomos morar juntos, ficou uma pouquinho mais
complicado, mas só um pouquinho, porque eu e Téo sempre arranjávamos
um jeito de fazer sexo dar certo. Logo que começamos a faculdade em Porto
Alegre, nós também começamos a trabalhar, o que às vezes nos cansava, um
longo dia divido entre estudo e trabalho. Tínhamos o nosso apartamento e,
como eu e Téo éramos orgulhosos (ele bem mais que eu), não queríamos a
ajuda dos nossos pais para mantê-lo, então era tudo por nossa conta: um
verdadeiro desafio.
Mas sexo estava sempre na mesa, e quando digo na mesa, é porque
fazíamos em todas as mesas da casa. Todas. Além disso, morando juntos, eu
e Téo tivemos tempo o suficiente para aprimorar o sexo. Nós sempre fomos
o tipo de casal que gostava de inovar, então era fácil manter a energia após
um longo dia de trabalho...
Aqueles foram bons tempos, há uns dois anos foram muito bons
tempos. Eu ficava extremamente sexy em lingeries, as minhas pernas eram
uma benção, Téo me comia de manhã, de tarde e de noite em cima de mesas
e a única coisa que tínhamos que lidar depois do clímax era limpar a marca
da minha bunda e a sua porra da madeira...
Era fácil. Até quando pensávamos que era difícil, era muito fácil.
Agora... é complicado, porque nós temos uma senhorita Ferrero
muito complicada dentro de casa.
Pensando nela, deixei os sapatos de salto de lado, coloquei um robe
e atravessei o corredor, à caminho do quarto de flores mecânicas. Na
verdade, a ideia do papel de parede com margaridas forjadas foi de Téo. Eu
gostava de flores, mas ele gostava de máquinas, então ele combinou as duas
coisas e colocou a nossa filha em uma fortaleza de pétalas de aço. No final,
realmente combinou com Maysa, porque ela também gostava de máquinas.
Um dos seus brinquedos favoritos era uma motocicleta de brinquedo, toda
personalizada. Ela fazia até o som no motor com a boca: brum, brum...
Cheguei até o seu berço e me apoiei na grade, encontrando-a com os
olhos parcialmente fechados. De leve, toquei as suas bochechinhas coradas,
depois a testa, para ter certeza de que a febre não havia voltado.
Graças a Deus, não...
Tombei a cabeça para o lado e acariciei os seus fios de cabelos
negros, depois desci para encontrar a sua mãozinha, com dedos tão pequenos
envolvendo um tubarão branco de pelúcia. Eu costumava fazer uma careta
toda vez que olhava para o animal, já que eu tinha selachofobia...
Era isso o que eu dizia para as pessoas que riam de mim quando eu
dizia que morria de medo de tubarão. Não é a minha culpa, é uma fobia
real!
Eu sempre tive medo daquele animal, apesar de não culpá-lo por
arrancar pernas e braços de pessoas quando estava no seu habitat. Mas logo
que Duda (irmãzinha de Téo que já não era mais irmãzinha, pois já estava
com dezoito) apareceu com o bichinho de pelúcia para presentear a minha
filha, eu quase atirei o tubarão fora. Mesmo que Duda já fosse um jovem
adulta, ela ainda tinha ares da pestinha de onze anos com quem eu passava as
minhas férias no Rio de Janeiro, então eu sabia que, como o irmão, ela
achava engraçado me provocar, principalmente quando se tratava da minha
fobia por tubarões (selachofobia, o nome).
Porém, quando eu tirei a pelúcia do embrulho e Maysa colocou os
olhos nas barbatanas, ela estendeu os braços e babou até que eu lhe
entregasse a droga do tubarão. Depois que ela o pegou, apertou-o entre os
braços e mordeu os dentes do animal, dando um sorriso largo em seguida.
Maysa não tinha o costume de sorrir muitas vezes, então tive que dar
o braço a torcer e aceitar que a minha linda filha gostava de tubarões, mesmo
que esses fossem serem com dentes capazes de matar uma pessoa.
Mesmo assim, isso não me privava de fazer uma careta toda vez que
eu a via enroscada com o bicho de pelúcia. Eu a amava do jeitinho que ela
era e não havia nada que eu mudaria em Maysa, mas Ana Lu estava certa: eu
tinha gerado uma vida durante nove meses para parir uma criança que era a
cara do pai, além da personalidade muito semelhante, e que ainda curtia
tubarões! Maldição, a minha melhor amiga dizia, maldição Ferrero.
Ri comigo mesma, pegando a manta que estava no canto do berço
para cobri-la um pouco. Na verdade, Maysa não era uma criança
complicada, como eu disse antes. Ela quase nunca chorava, era muito
boazinha para comer e tinha uma concentração impressionando quando
começava a brincar com os seus brinquedos... Mas... ela tinha passado por
uma fase complicada, o que tornou tudo complicado em casa, dias atrás...
Os meus pais disseram que eu não deveria me preocupar depois que
Maysa saiu do hospital. Ela tinha ficado três dias internada, porque estava
com infecção na garganta, mas os meus pais disseram que isso acontecia com
crianças da idade dela e que eu e Téo não precisávamos ficar pensando o
pior só porque ela teve que ir para o hospital...
Mas nós dois ficamos. Nós ficamos loucos quando o pediatra dela
disse que Maysa teria que ficar no hospital. Nos últimos dias, ela tinha
ficado com muita febre, mal comia e chorava de dor. Quando o médico disse
que talvez tivesse que fazer uma cirurgia para tirar as suas amídalas, eu
morri por dentro por algumas horas. Imaginar a minha filha de um ano em
uma mesa de cirurgia, com pessoas cortando-a, era um pesadelo que eu tive
durante os três dias que Maysa ficou internada. Por mais que os meus pais
estivessem do meu lado, dando força, eu não consegui comer ou dormir
enquanto fiquei com ela no hospital. Fiquei orando para todos os deuses que
eu conhecia, implorando para que a cirurgia não fosse necessária. Só que eu
tentava ser forte, não apenas pela minha filha que estava doente, mas por
Téo.
O meu garoto problema não era o tipo de pessoa que fraquejava fácil
e, para falar a verdade, Maysa também era assim: ela estava aguentando bem
para uma criança tão nova. Porém, Téo tinha os seus pontos fracos, e o
primeiro deles era a nossa filha. Quando o pediatra mencionou a
possibilidade de cirurgia, ele perdeu um pouco o controle e discutiu a
necessidade daquilo.
― Vocês não vão cortar a minha filha porra nenhuma! Ela tem um
ano... Vocês não vão cortar a minha filha! ― Téo gesticulou a cabeça, com
os olhos tão cansados quanto coléricos. ― Achem um jeito de fazer ela
melhorar... Vocês são médicos! Façam o seu trabalho sem o caralho do
bisturi!
Foi difícil acalmá-lo durante os dias que Maysa ficou internada.
Quando não estava estressado, Téo se calava completamente, o que me
deixava preocupada com ele também. Fazia muito tempo que eu não o via em
descontrole emocional daquela maneira, então tive que dividir um pouco da
consolação entre Maysa e ele, enquanto os meus pais consolavam o meu
peito mergulhado em nervosismo.
Porém, no final do segundo dia, o médico nos disse que Maysa
estava correspondendo bem ao medicamento que estava tomando, então a
cirurgia foi descartada. Na manhã seguinte, ela já estava melhor e, quando
foi liberada para ir embora, foi como se eu tivesse voltado a viver depois de
longas horas afogada. Não havia preço vê-la dormindo no quarto dela, com
flores mecânicas, ao invés do quarto opaco de hospital. Não havia preço vê-
la sorrir pela primeira vez depois de três dias chorando baixinho, tentando
entender a consistência do próprio corpo. Não havia preço vê-la com saúde,
abraçada ao seu tubarãozinho branco, como se ela nunca tivesse saído de
casa.
O pior já tinha passado, com certeza o pior já tinha passado.
Ainda que eu ficasse um pouco receosa às vezes, imaginando que a
febre poderia voltar, eu sabia que era bobeira minha. Além dos meus pais,
Augusto e Angélica haviam me ligado e dito que Roberta também tinha
passado pela mesma situação quando era pequena e que as crianças Ferrero
eram fortes o suficiente para passarem por isso. Téo também acabou se
acalmando quando Maysa voltou para casa. Ele ficou duas vezes mais babão
do que já era, desistindo das aulas de boxe e chopp com os amigos durante a
semana inteira para ficar com ela... Não que eu não tivesse ficado babona da
mesma maneira, porque desmarquei academia e noite de garotas também,
trocando fofoca boa e batidinhas por fraldas sujas e voz de extraterrestre ao
dar papinha por tempo integral.
Já tinha se passado dez dias desde que Maysa saiu do hospital e,
felizmente, esta casa estava com cheiro de flor de novo, não mecanizada,
mas com cheiro de shampoo e perfume de bebês. Tudo estava em ordem
novamente, como o fato de que a minha própria filha estava abraçada a um
tubarão branco, mesmo que a sua mãe tivesse selachofobia...
Bem, na verdade, nem tudo estava em ordem, considerando que agora
eu estava me dando conta de que eu e Téo não transávamos há quinze dias.
Ou seja, duas semanas. A metade de um mês! O que me levava a questionar
se daria tempo de parecer sexy nesta lingerie, porque, a partir do momento
que Téo me visse com ela, ele tiraria em dois segundos, talvez apenas com o
força do olhar.
Como eu disse, antes, sexo era fácil. Em chalés abandonados, bancos
de trás de carros (que descanse em paz o Impala), apartamento em Porto
Alegre, casa de amigos e alguns outros lugares públicos...
Agora, sexo quando se tem uma filha de um ano que não consegue
mais dormir longe do pai?
É desafio, meus caros. Esse é o verdadeiro desafio!
Na verdade, depois que Maysa ganhou o tubarão branco de Duda,
quando ela só tinha cinco meses, a minha filha dormia tranquila no seu
quartinho. Claro que ela não dormia lá muito cedo, porque Maysa ficava um
pouco enérgica à noite, mas depois que eu e Téo tiramos o seu berço do
nosso quarto para botarmos no dela, ela se agarrava à pelúcia e dormia
sozinha sem medo.
Porém, depois de ter passado três dias no hospital, Maysa retornou
para casa um pouco frágil. Téo não queria sair do lado dela, mas a nossa
filha também não queria que ele saísse, por isso fazia manha todas as vezes
que nós deixávamos o seu quarto para irmos para o nosso. Era como se ela
sentisse o nosso calor distante: um passo no corredor e Maysa chorava, uma
reclamação barulhenta que nos fazia voltar. Então Téo a pegava no colo e a
levava junto para o nosso quarto, onde ela dormia no nosso meio.
Nós nunca quisemos acostumá-la a dormir na nossa cama, por
motivos óbvios. Quando levamos Maysa para Arthur Nogueira e
encontramos os amigos da mãe de Téo, Fausto e Vera nos disseram que
acostumar a criança a dormir na nossa cama era um erro: deixe-os dormirem
bebês que os pestinhas ficam pelo resto da infância.
― A gente não pode deixar a nossa filha virar uma empaca foda com
selo de qualidade, Müller ― Téo disse enquanto dirigia na estrada, dando
umas olhadinhas rápidas para Maysa, que estava interessada na vista. ―
Você sabe que eu amo a minha terrorista, mas sou viciado em uma súcubo
específica... ― Ele deu um sorrisinho de canto que eu conhecia muito bem.
Eu viciei na boceta de Sofia Müller!, um dia Téo Ferrero gritou de
um elevador de parque de diversão...
E agora ele estava em abstinência.
Desde que Maysa voltou para casa, ela se tornou o tipo de empaca
foda que o pastor Elias premiaria com medalha de ouro. Por mais que
estivesse bem, com a saúde de volta, ela estava dormindo mal durante a
noite. Eu não sei se ela havia estranhado ficar os três dias no hospital, se era
carência por querer que alguém vigiasse o seu sono... Eu só sei que ela, a
partir do momento que Téo chegava do trabalho, exigia que ele ficasse por
perto. Seja brincando, do lado do berço ou dormindo na nossa cama: Maysa
simplesmente não dava uma folga.
No começo, eu e Téo até ficamos compreensivos e, na verdade,
estávamos tão preocupados com ela que sexo era o de menos, mas...
Quinze dias. Duas semanas. Metade de um mês.
Eu já estava até sonhando com sexo! Se Téo Ferrero era viciado na
minha boceta, eu era viciada no seu pau, porque, sinceramente, com toda a
pureza do meu coração, eu não via a hora do meu marido chegar para eu
sentar em cima dele e rebolar naquela rola até que as minhas pernas
perdessem a função. Depois disso, eu queria que ele me comesse de quatro
até que eu ficasse toda inchada e não conseguisse ao menos levantar. E por
último eu gostaria de um meia nove, coisa de adolescentes que tem tantos
hormônios borbulhando que nem aguentam esperar a vez de cada...
Eu sei que eu estou soando desesperada. Mas é porque eu estou!
Pelo milagre do tubarão branco de pelúcia, eu tinha conseguido fazer
a minha filha dormir quando o meu marido estava prestes a chegar do
trabalho. Geralmente, Maysa ficava esperando por ele, como se soubesse
mentalmente qual horário Téo abriria o portão e entraria dentro de casa, mas
dessa vez ela tinha tomado a mamadeira e caído no sono, como a Bela
Adormecida. Se em mais ou menos quinze minutos ela continuasse assim, eu
poderia agarrar o pai dela antes que ele subisse as escadas para vê-la.
Então Téo Ferrero me foderia em cima de mesas novamente. E
depois no sofá... E, se o tubarão branco quiser!, na nossa cama de casal.
Saí do quarto na ponta dos pés depois de checar se Maysa não estava
febril. O clima estava um pouco frio, do jeito que ela gostava, então estava
tudo preparado para que eu e Téo não fossemos interrompidos pelos menos
durante umas duas horas (fé no tubarão!).
Fui até o quarto e terminei de me arrumar, ajeitando a lingerie com
estampa de cobra. Se Téo queria uma súcubo, ele teria, mas eu esperava que
quem drenasse as energias vitais dessa relação fosse ele. Não via a hora de
ter um sono profundo pós-orgasmo. Esse era o melhor tipo de sono que
existia e, amanhã, eu estaria renovada: Sofia Müller bem casada e bem
comida.
Passei um pouco de perfume e fiz uma maquiagem rápida, tudo com
os olhos no relógio. Téo já deveria estar chegando, então desci as escadas e
me esbanjei no sofá, pronta para deixar um Ferrero de pau duro. Porém,
quando descansei a cabeça no estofado, achei melhor colocar o aparelho da
babá eletrônica em cima da estante. Se Maysa chorasse lá em cima, eu e Téo
não escutaríamos, porque talvez, só talvez, os meus gemidos sobrepusessem
qualquer outro barulho. Então seria melhor que eu colocasse só por
precaução, caso ela acordasse...
Mas a minha bebê não iria acordar. Eu estava positiva de que ela não
iria acordar... Era só uma precaução boba.
Depois de ligar o aparelho, estava pronta para voltar ao sofá de onde
Téo me encontraria assim que abrisse a porta, quando o telefone começou a
tocar. Olhei na bina e, soltando um suspiro agoniado, percebi que era do
celular da minha mãe.
Justo agora dona Luciana? Pooor quê?
Levantei-me do sofá e coloquei a franja atrás das orelhas, cogitando
não atender a ligação. Mas, quando desviei os olhos, fiquei com um pouco
de peso de consciência em deixar a ligação cair na caixa postal. Mamãe
estava ligando quase todos os dias para saber de Maysa e ela tinha sido tão
boa comigo quando passamos aqueles dias no hospital...
Ok. Eu posso atendê-la durante cinco minutos. Eu tenho uns cinco
minutos ainda...
Sem conseguir ignorar, estiquei o braço e alcancei o telefone:
― Oi, mãe! ― disse, abrindo um sorriso ansioso.
― Oi, querida! ― ela respondeu toda alegre, porém, em seguida,
comentou: ― Mas que demora pra entender!
― É... Eu... ― estava pensando em Téo Ferrero abrindo as minhas
pernas... ― Eu estava fazendo a Maysa dormir.
― Ah, tá... ― mamãe falou, dando um risadinha. ― Ela ainda tá
boazinha? Não voltou a febre? Você está dando frutas? Não está
comprando aquelas papinhas industrializadas, né, Sofia? Passei horas
fazendo a papinha de abóbora. O seu pai comprou o mercado inteiro pra
eu fazer...
Respirei fundo, olhando para o relógio da bina. Ela realmente iria me
ensinar a dar comida para a minha filha justa agora?
― Ela está bem, dona Luciana ― eu disse, cortando-a. ― A febre
não voltou, e ela adorou as papinhas de abóbora. Vou até pegar a receita
depois...
― Que bom! Nisso, essa menina é igual a você, querida. Come de
tudo, frutas, legumes, iogurtes naturais... Todo mundo da família falava
que você era a bebê mais comilona da família. As suas tias ficavam
pasmas, porque as suas primas eram magrelinhas...
Ela realmente iria falar sobre a minha infância justo agora?
― É, pelo menos alguma coisa Maysa tem que ter puxado de mim ―
eu falei, dando uma risadinha. ― Mãe, agora tenho que desligar, porque o
Téo já está chegando e... e... ― e eu quero muito dar pra ele, a senhora não
tem noção do quanto eu quero abrir as pernas pra ele agora... ― Você
sabe como o seu genro é, ele gosta de... atenção quando chega do trabalho...
― Cruzei as sobrancelhas.
Um curto silêncio aconteceu depois que eu terminei de falar. Eu sabia
que a minha garganta tinha secado um pouco enquanto eu explicava a
situação para a minha mãe, mas eu não esperava que ela contribuísse para
tudo, completamente tudo, secasse.
― Atenção...? Claro, claro. ― Mamãe riu como se estivesse
balançando a cabeça. ― Ele já melhorou? Estava tão preocupado e
estressado com a internação da Maysinha. Sério, querida, às vezes Téo
precisa controlar o temperamento dele... Ficou todo nervoso só pela
possibilidade de uma cirurgia simples.
Na verdade, a minha mãe já tinha dito isso a Téo, no dia em que o
médico falou sobre a cirurgia. Dona Luciana não tinha noção de que, quando
o genro ficava nervoso, era melhor deixá-lo esfriar a cabeça. Quando ela
disse que a cirurgia era simples, Téo só não respondeu nada porque eu pedi
com os olhos para que ele não estourasse com a minha mãe também. Além
disso, o meu marido ainda não tinha se esquecido da história de que a dona
Luciana furou as orelhas de Maysa sem a nossa permissão. Quando viu a sua
terrorista com duas pérolas nos lóbulos avermelhados das orelhas, eu pensei
que ele teria um enfarte...
― Ele está tranquilo agora que a Maysa está bem ― eu disse a
minha mãe, com toda a paciência do mundo, porque um dia seria eu do outro
lado da linha, talvez empatando uma foda sem saber... Só esperava que
Maysa fosse mais esperta que eu. ― Ele já deve estar chegando, tipo
agora... Preciso desligar, mãe. Eu tô com pressa aqui, arrumando... algumas
coisas ― falei enquanto subia um pouco mais as meias finas.
― Tudo beeem, já entendi, dona Sofia ― mamãe respondeu,
forçando uma voz rígida. ― Já me diz uma coisa, querida... Vocês estão se
preparando pra fazer outro bebê? ― ela perguntou, fazendo com que eu
paralisasse. ― Esses dias Téo disse para o seu pai que queria ter mais... E
eu acho uma boa ideia você fazer um atrás do outro, se você quer saber,
agora tem mais energia pra dar conta de três...
― Três?! ― eu perguntei, colocando a mão no peito. De repente,
pensei que quem teria o enfarte primeiro neste casamento seria eu. ― Téo
disse que queria três?!
Se com uma criança nós estávamos há quinze dias sem transar,
imagine com três! Um segundo filho nós poderíamos ter, sim, porque eu
gostaria muito de dar um irmão ou irmã para Maysa, mas... três? Tipo Full
House? Ni-na-ni-na-não!
― Téo disse que poderia ter três... ― mamãe explicou.
Poderia... mas não vai, Ferrero.
― Tudo bem, mãe ― eu disse a ela, apertando os olhos. ― A gente
não vai fazer o segundo agora não, tá? A Maysa precisa crescer pelo menos
um pouco... ― respondi e, no momento que mamãe pensou em me cortar, fui
sincera: ― Só quero ficar com o meu marido hoje, tipo... paixão ardente,
sabe? ― tentei falar na sua língua.
Dona Luciana deu uma risadinha do outro lado da linha, o que fez o
meu rosto fumegar. Toda vez que ela inventada de falar sobre sexo comigo,
era assim que se referia ao ato sexual. No começo do meu relacionamento,
quando fui morar com Téo, eu ficava superenvergonhada do jeito que ela
falava, pensava que nada poderia ser pior que paixão ardente. Mas acabei
pensando bem e decidi que era melhor escutar mamãe dizer paixão ardente
do que foder, comer ou trepar. Imagine, mamãe, uma lady, usando termos tão
chulos! Era melhor deixá-los para mim mesmo.
― Sei, sim, dona Sofia ― ela acabou dizendo, com uma voz
vencida. Inspirei mais aliviada. ― Dê um beijo na minha neta por mim,
tudo bem? E aproveita enquanto ela ainda está dormindo, porque quando
acorda...
― É... ― Dei risada, mordendo o lábio. Olhei rapidamente para a
babá eletrônica e cruzei os dedos. Vamos lá, tubarãozinho. Eu deixei você
ficar, agora me quebre esse galho. ― Beijo, dona Luciana ― me despedi.
― Beijo, querida.
Assim que desliguei o telefone, escutei o barulho do carro chegando
à garagem.
Oh, meu Deus... É agora. É super agora que eu vou subir em cima
do meu marido e rebolar loucamente em cima dele...
Sem entender o motivo, o meu coração começou a bater muito
rápido, conforme eu escutava o barulho do portão de fechando e da porta do
carro batendo. A ansiedade de me ver envolvida por Téo me atingiu de
maneira tão forte que eu não consegui caminhar até o sofá e esperar que ele
fosse até mim quando abrisse aporta: eu que o esperei entrar, como uma fã
maluca fazendo acampamento na frente da casa do ídolo.
Arrumei o sutiã rapidamente, empinando os meus seios, e fiquei
atenta à porta até que ela se abrisse e Téo entrasse, meio distraído, com o
celular na orelha:
― Eu preciso ver com a Sofia, tia, não sei se a gente vai conseguir
sair com a Ma...
No momento que Téo levantou o cenho, após abrir a porta, ele se
deparou comigo muito próxima usando apenas lingerie de pele de cobra,
meias finas pretas e scarpins emprestados da coleção de Ana Luísa Marques.
Os seus olhos castanhos e pequenos subiram lentamente pelas minhas pernas
adornadas pelas meias, alcançaram prazerosamente a calcinha fio dental,
analisaram maliciosamente a minha barriga um pouco bronzeada, encararam
sofregamente o sutiã que empinava os meus seios bastante unidos e, por
último, perpassaram pela minha boca de batom escuro até descansarem nos
meus olhos.
― Téo? ― a voz da tia Rose soou baixa do outro lado da linha.
Depois que eu engravidei de Maysa, houve momentos durante a
gravidez e pós-parto que eu pensava algumas besteiras, como as mudanças
que o meu corpo sofreria. Eu não era mais a garota de dezessete anos que
Téo conheceu em um chalé esquecido, a minha alma havia mudado e o meu
corpo também. Às vezes, eu ficava receosa quando me olhava no espelho e
encontrava marcas que nunca estiveram lá antes, inclusive me perguntava o
que Téo achava delas e de mim, se eu ainda era mulher que o deixava louco
só de tirar a roupa ou até mesmo só de lingerie sexy...
Eu sabia que era bobeira pensar nisso, porque a mudança do meu
corpo não era ruim: ela simbolizava o tempo e a maternidade, que eram
coisas boas. E isso não fazia de mim menos sexy. O meu corpo ainda era de
mulher e a sensualidade estava intrínseca a tudo o que a minha feminilidade
era...
Eu sabia disso. Já tinha escrito matérias sobre isso. Mas às vezes a
dúvida batia, e eu perguntava aos olhos de Téo: eu ainda sou a mulher mais
gostosa que você já viu, garoto problema?
Mantive os olhos nos dele, sentindo o meu rosto corar um pouco
enquanto um sorriso se abria. Em contrapartida, enxerguei o seu maxilar se
contrair no rosto quadrado, na barba por fazer escura como o seu cabelo
recentemente cortado nas laterais.
Eu ainda sou?, aproximei-me dele.
Recebi uma confirmação quando Téo abriu a boca, surpreso, e arfou
bem baixinho como se sentisse muitas coisas crescerem dentro de si. Ele
analisou o movimento do meu corpo mais uma vez, depois subiu os olhos
para o meu rosto.
Sim, você é, linda.
― Téo?! ― a voz da tia Rose soou mais uma vez no celular,
impaciente.
Mas o meu marido estava sem reação, ainda que ficar perdido não
fosse do feitio de Téo Ferrero. Os seus olhos batalhando entre olhar o meu
corpo e o meu rosto e a boca que mal conseguiu formar uma para de resposta
para a tia me deixaram extremamente orgulhosa, de maneira que eu me
aproximei completamente e sussurrei:
― Desliga.
Téo ficou olhando para a minha boca por alguns segundos, cruzando
as sobrancelhas retas, rendido. Em seguida, ele conseguiu abrir um sorriso
rápido, que guardava milhares de desejos, ideias, loucuras...
― Tia, eu vou pensar e depois te ligo ― ele finalmente falou, com a
voz grossa e rouca que me tirava de órbita desde que falou tão próximo de
mim. ― Um abraço. Tchau.
Ele não esperou que a tia Rose respondesse, porque, no segundo que
desligou o celular, Téo deixou o aparelho cair no chão para envolver o meu
rosto com as mãos e provar do batom dos meus lábios, borrando-se junto
comigo. Senti o seu corpo se colar ao meu, de maneira que logo senti o
volume pressionando as calças, como o peitoral firme se pressionava contra
os meus seios...
Arfei contra os seus lábios, com saudade. Fazia dias que não
ficávamos assim e, por causa de toda a preocupação com Maysa, eu mal me
dei conta, mas...
Porra, que saudade. Que saudade de sentir o calor de Téo me tomar
como um sol de praia, como se eu estivesse disposta na areia apenas para
ele. Que saudade de sentir a sua vontade de me consumir pelos seus lábios,
língua e dentes. Que saudade de sentir o seu pau pressionando-me,
desejando-me, adorando-me como se eu fosse a sua mulher, a sua namorada,
a sua amante, a mãe da sua filha...
Que saudade de me sentir molhar por tudo o que Téo Ferrero
significava para mim.
― Ela tá dormindo? ― ele perguntou rapidamente, beijando as
minhas bochechas com selinhos demorados.
― Apagada ― respondi, fechando os olhos.
Com um sorriso bobo nos lábios, senti a boca de Téo descer pelo
meu maxilar até o pescoço, enquanto as suas mãos deslizavam suavemente
pelas minhas costas. No entanto, quando ele agarrou a carne da minha bunda
e me apertou, empinando com os dedos rudes, eu soltei um gemido intenso
que me fez segurar o seu maxilar para morder os seus lábios e implorar para
que ele me violasse com as suas mãos grosseiras e a presença forte de um
Ferrero.
Acaba comigo, amor. Me tira o ar, o chão, a consciência... Me deixe
louca, como fez nos últimos anos, com a sua loucura.
Téo foi empurrando o meu corpo para trás, de maneira que eu me
equilibrei nos saltos enquanto desabotoava a sua camisa às pressas. Quando
vislumbrei o seu abdômen, tirei a camisa pelos seus braços, encontrando a
trilha de tatuagens que eu já tinha decorado. Então deslizei as minhas unhas
pelos músculos dos ombros até os braços, sentindo as mãos de Téo
buscarem o fecho do meu sutiã.
Se estivéssemos em outra ocasião, provavelmente eu ficaria irritada
por ele descartar a minha linda lingerie tão rapidamente, sem ao menos
degustá-la um pouco. Mas, preciso confesso: até eu queria me livrar logo
dela. De repente, a pele de cobra pareceu um empecilho para nós dois e, no
momento que Téo libertou o fecho e colocou os dedos nas alças para
deslizar o sutiã pelos meus braços, eu estremeci, ansiosa para sentir o seu
toque nos meus seios nus.
Téo distanciou os lábios do meu colo para olhar para mim, sem a
parte de cima. Eu tinha tomado sol recentemente, por isso estava com marca
de biquíni, um biquíni bem pequeno, porque a marca só cobria os meus
mamilos endurecidos...
― É tudo pra mim? ― ele perguntou ao passar a língua nos lábios,
rodeando os mamilos com o polegar.
Os seus olhos subiram para o meu rosto, enquanto eu gesticulava
levemente a cabeça, assentindo.
― E não é só isso ― acrescentei, enfiando a mão dentro da minha
calcinha.
Téo abaixou o cenho para olhar a minha mão descer, de maneira que
eu soltei um suspiro quando os meus dedos alcançaram a umidade da boceta.
Fechei os olhos por um instante até que ele agarrou o meu antebraço e tirou a
minha mão da calcinha, erguendo os meus dedos molhados, lambuzados.
Eu quase tive um orgasmo quando o vi fechar os olhos, inclinar a
cabeça e chupar os dedos com o meu rosto. Os seus lábios me provaram com
tanta vontade que eu gemi baixinho, um aviso épico de que o meu prazer
estava apenas começando.
Quando Téo terminou de chupar os meus dedos, ele me encarou, com
o mesmo olhar desafiador do garoto de dezoito anos que eu conheci.
Admirei a colocação castanha meio escurecida por causa dos cílios fartos e
sorri.
― Gostosa do caralho... ― Téo sussurrou, avançando na minha
direção.
Sorri mais ainda quando a sua boca veio de encontro com a minha,
abrindo-se para que os seus dentes me abocanhassem deliciosamente. Senti
as suas mãos cobrirem os meus seios, massageando-os e beliscando-os,
enquanto eu concentrava as minhas mãos em examinar cada músculos
contraído das suas costas e braços.
Téo me empurrou um pouco mais para trás, até que as minhas pernas
batessem contra a madeira da mesinha de centro da sala. Quando aconteceu,
acabei bambeando um pouco em cima dos saltos, mas Téo segurou as minhas
coxas antes e me impulsionou para cima, para que eu cruzasse as pernas nos
seus quadris.
Perfeito.
Contornei os braços ao redor do seu pescoço, mas dei espaço para
que ele abaixasse a cabeça para abocanhar os meus seios. O contato da sua
língua nos meus mamilos sensíveis me fez franzir o cenho e gemer um pouco
mais alto, de maneira que o seu pau pressionado entre as minhas pernas só
aumentava a minha ânsia de ser fodida por ele. Só de imaginá-lo me
preenchendo... Na grossura do seu pau... Nas veias na minha boca...
Puta merda, eu sou tão viciada em você, lindo.
Téo apertou os dedos na minha bunda uma última vez e sugou os
meus mamilos, correndo a língua pelo meu colo inteira. Em seguida, ele me
segurou só com um braço e, com o outro, varreu o que havia em cima da
mesinha de centro. Dois portas retratos, dois enfeites decorativos e uma vela
foram para o chão, causando um pouco de barulho quando algo quebrou.
Aquilo era presente de mamãe, mas na hora não me pareceu importante,
porque o meu marido estava prestes a me comer em cima da mesinha de
centro e ele poderia derrubar a sala inteira que eu não me importaria. Téo
poderia fazer o que quiser, comigo e com o resto.
Ele não depositou o meu corpo de maneira suave na madeira,
praticamente me atirou em cima dela e depois se inclinou em cima da mim,
apoiando os braços ao meu redor para descer os beijos pelo colo, seios e
barriga. As minhas pernas começaram a tremer de antecipação e tesão,
principalmente quando Téo se aproximou da minha virilha e me olhou
enquanto mordiscava-a levemente.
Gostoso do caralho.
Quando ele abriu um sorriso safado, agarrei o cós da sua calça e o
impulsionei para cima, para beijar a sua boca de novo. Enquanto o entretinha
com a minha língua, comecei a desabotoar o cinto, para arrancar tudo de uma
vez e fazê-lo me foder antes que eu não aguentasse mais e o desejo me
consumisse.
Porém, quando terminei de abotoar o cinto, Téo se distanciou de
mim, diminuindo a velocidade. Ele passou as mãos nas laterais do meu
corpo e então ficou de pé novamente, dando um passo para trás para me
avaliar em cima da mesinha de centro.
Os seus olhos desceram e subiram pelo meu corpo de novo,
conforme Téo parecia se deliciar com a imagem. Na verdade, eu também
estava me deliciando com o que estava vendo: um homem alto, com o cinto
afrouxado, torso nu e cabelo negro todo bagunçado.
― Você quer que eu te foda até te deixar com marcas, não quer,
safada? ― ele perguntou, agarrando o meu tornozelo esquerdo.
― Quero, Ferrero ― eu respondi, entortando o sorriso quando ele
arrancou um dos sapatos.
Téo fez um gesto com a cabeça, sorrindo de volta. Em seguida, ele
agarrou o outro tornozelo.
― Você quer gemer igual uma cadela, não quer?
― Quero.
Téo sorriu ainda mais depois que me livrou do outro sapato e me
avaliou de novo na mesinha de centro. Ergui o rosto, orgulhosa do que estava
proporcionando a ele, e insisti que ele continuasse a tirar o resto: as meias
finas e a calcinha.
― Você quer que eu chupe a sua boceta molhada?
― Quero.
― Você quer se engasgar com o meu pau?
― Quero.
― Você quer engolir a minha porra?
― Quero.
Téo terminou de tirar as meias finas, deslizando a última peça pela
minha perna. Eu estava tão lubrificada com esse joguinho que ele estava
fazendo, tão quente por sentir os seus olhos correndo por mim, tão
apaixonada pelo volume na sua calça...
Ai, ai... Eu quero tudo, amor. Qualquer vestígio, parte e membro
seu.
Olhei para as suas mãos alcançando a minha calcinha quando Téo se
inclinou um pouco para tirá-la também. Então mordi o lábio quando ele me
fitou, safado, e começou a deslizar a última peça pelo meu corpo,
ultrapassando as coxas, as panturrilhas até me despir completamente.
Quando Téo se distanciou de novo para me fitar, eu abri as pernas
para ele, para dar-lhe a melhor visão que ele queria ter agora: uma boceta e
uma andorinha tatuada próxima à virilha. Os seus olhos brilharam no
momento que se prenderam a minha boceta pingando em cima da mesinha e,
por um breve momento, ele entreabriu os lábios em um sorriso molhado
também, tocando o pau que estava pressionado na calça.
― Você quer ser a minha puta? ― ele perguntou, voltando os olhos
para os meus.
A seriedade estampou o seu rosto, porque putaria, para Téo Ferrero,
era coisa sagrada. No entanto, eu continuei sorrindo, provocando-o com os
olhos, induzindo-o a imaginar tudo o que poderia fazer com a minha boca, os
seios, a boceta e a bunda...
― Quero ― eu suspirei, deixando o sorriso morrer também.
Téo analisou o meu rosto, franzindo levemente o cenho. Ele pareceu
refletir em alguma coisa, uma ideia, um pensamento, uma loucura, antes de
dar um passo na minha direção. Com o maxilar tensionado, Téo induziu as
suas mãos para terminar de tirar o cinto. Depois que deslizou o couro, ele
arrancou os tênis, as meias, as calças...
Fiquei olhando para ele tirando tudo, enquanto balançava as minhas
pernas levemente. Quando Téo ficou só de boxer, senti a minha boca se
encher de água com a marcação explícita do seu comprimento e grossura. Eu
queria tanto que ele me fodesse, depois queria que o colocasse na minha
boca, depois queria que me fodesse de novo e o colocasse na minha boca de
novo...
Eu queria ser de Téo Ferrero a noite inteira, porque o meu coração já
estava com ele, só faltava o corpo.
Quando Téo saía de casa no começo do dia, ele levava consigo o
meu coração, que ele prometeu amar para todo sempre não só no nosso
casamento, há um ano; mas desde que ele foi a um quarto de hotel barato e
disse que queria morar comigo, dividir uma vida comigo, mesmo que eu
acabasse com os seus planos de vez em quando...
Você amou a loucura do meu coração, Téo. E você ama o meu
corpo, toda maldita vez que você me toca.
O meu marido finalmente colocou as mãos nos cós da boxer e, pelo
milagre do tubarão branco, eu pude enxergar Téo por completo. Os meus
lábios se entreabriram, famintos, quando analisei o seu pau duro, com a
cabeça rosada levemente lubrificada. A minha respiração se alterou um
pouco, principalmente quando Téo levou a mão no seu comprimento e
começou a bater punheta, lubrificando-o mais ainda.
Quinze dias. Duas semanas. Metade de um mês...
Talvez tenha valida a pena.
― Pede ― ele comandou antes de me foder.
Téo se aproximou, inclinando o tronco e apoiando o braço tatuado na
madeira. Com a outra mão, ele continuou se estimulando e, como música
para os ouvidos, escutei-o arfando rouco enquanto esperava a minha
resposta.
― Me come ― eu pedi.
Téo franziu o cenho e cruzou as sobrancelhas retas, dessa vez
beirando ao seu limite. Ele estava desesperado para transar tanto quanto eu,
então não havia mais como adiar aquele momento: nós precisávamos da
loucura um do outro.
Senti o seu calor se aproximar do meu, assim como o suor do seu
peito pingou no meu. Senti a sua respiração bater contra a minha e o castanho
dos seus olhos mergulharem nos castanhos dos meus.
Me come como se só existíssemos nós dois aqui, amor. Me devora
nessa mesa de centro, como a sua puta...
Porém... Porém...
Ah, Deus, como eu odeio o porém...
No momento que a cabeça do pau dele roçou na entrada da minha
boceta, um barulho alto soou não só nos nossos ouvidos acostumados apenas
com gemidos e palavras sacanas. Soou pela sala inteira, como um alerta de
que não existia apenas nós dois nesta casa. Aliás, avisou, também, que não
havia como Téo me devorar em cima da mesinha de centro como a sua puta,
porque eu não era só a sua puta, eu era a mãe da sua filha que estava lá em
cima chorando como se as flores mecânicas do seu quarto estivessem
desabando!
Pelas barbatanas do tubarão branco! O que está acontecendo com
essa criança?!
Eu e Téo levamos um susto no momento que a babá eletrônica
repercutiu o choro de Maysa pela sala. Poderia ser um choro fraco, de quem
acabou de acordar? Poderia, mas a senhorita Müller Ferrero abriu um
berreiro que seria capaz de broxar qualquer um, inclusive eu e Téo.
Eu não acredito que ela acordou... Eu não acredito que ela acordou
justo agora...
O que essa garota tem contra os pais dela transando, porra?! Foi
assim que demos a vida a ela, por que ela quer que nunca mais façamos
isso?!
― Puta que me pariu... ― Téo sussurrou quando olhou para a babá
eletrônica. Em seguida, ele franziu o cenho de um jeito diferente da maneira
que estava franzindo antes. Nesse caso, era dor pura. ― Você não disse que
ela estava dormindo...? ― ele perguntou, apoiando a cabeça na minha
barriga nua.
Senti a sua testa se pressionar contra a minha pele e respirar bater,
sôfrega.
Por um momento de fraqueza patética, eu imiti um choro pausado,
apertando as pálpebras. Um minuto antes, eu estava me sentindo tão gostosa
deitada na mesinha de centro, com as pernas abertas, a boceta chorando de
alegria e Téo Ferrero inteirinho para mim... Agora eu me sentia uma
derrotada, nua, com Téo Ferrero nu em cima de mim, sem podermos fazer
absolutamente nada!
― Ela estava ― eu respondi, passando a mão no rosto. ― Mas
parece que essa garota tem um despertador interno que avisa quando você
chega!
― Será que ela tá com febre de novo?
― Não... Eu praticamente acabei de sair do quarto. Ela estava
embolada com o tubarão no décimo sono.
Respirei fundo, escutando o choro de Maysa ficar mais alto no
aparelho, então franzi o cenho, confusa.
Será que ela estava com medo? Será que a dor de dias atrás a deixou
com medo e agora ela não conseguia dormir direito por isso?
Sério, como os meus pais queriam que eu ficasse tranquila quando a
minha filha estava abalada desse jeito?! Maysa não chorava dessa maneira
antes de ter infecção, ela não necessitava da vigília dos pais o tempo todo,
nem queria dormir na cama...
Droga. Será que você vai ter que voltar para o hospital?
Senti os meus olhos lagrimejarem com a possibilidade, mas engoli o
impulso de chorar e empurrei os ombros de Téo para que ele saísse de cima
de mim.
― Eu vou lá ― ele falou, distanciando-se completamente para
colocar as roupas.
Assenti e assisti Téo colocar rapidamente as roupas para subir as
escadas à caminho do quarto de Maysa. Em seguida, olhou para a lingerie
espalhada pelo chão, as meias finas, os scarpins que Ana Lu me emprestou
para dar sorte.
É, não foi dessa vez, miga. Nem pelos scarpins nem pelo tubarão
branco.
Com os ombros desanimados, olhei para o lado, encontrando as
coisas que Téo havia derrubado da mesinha para me colocar em cima dela.
Percebi que o vidro de um porta retrato havia quebrado, mas estava tão
avoada que nem fiz questão de pegar do piso. Depois eu lido com os
estragos que uma foda que não aconteceu...
Quando me agachei para pegar a lingerie e os scarpins, o Gato
apareceu, analisando-me em pé, nua, no meio da sala. Ele tombou a cabeça e
balançou a orelhinhas peludas, como se perguntasse: voltamos no tempo,
dona?
Não, não voltamos, Gato.
Acariciei o seu pelo cinza e, quando comecei a caminhar em direção
à escadas, ele veio atrás de mim, atrelando-se às minhas pernas. Fui em
direção ao meu quarto primeiro, enfiando uma regata, calcinha e shorts de
dormir, depois cruzei o corredor de novo, para encontrar o meu marido e a
minha filha no quarto das flores mecânicas.
A minha boca estava apreensiva e os meus ombros estavam pesados
até o momento que eu cheguei à porta, de frente para uma das melhores
visões que eu poderia desfrutar nos últimos meses: Téo Ferrero brincando e
conversando com Maysa Müller Ferrero. Os braços dele estavam bem
esticados, de maneira que ela estava sendo erguida no alto, para depois Téo
soltá-la de agarrá-la antes que caísse.
Quando ele começou a fazer esse tipo de brincadeira com ela,
quando Maysa já estava mais durinha, eu morria de medo de que ele a
deixasse cair uma hora ou outra. Mas a nossa filha confiava tanto nele que,
em momento algum, Maysa sentia medo: ela balançava as perninhas e ria
alto que ele a agarrava com pressa.
O que eu tenho que fazer pra você nunca mais ficar sem esse
sorriso no rosto, heim, filha? O que eu tenho que fazer pra você nunca
mais ter que ficar no hospital de novo?
Aproximei-me dos dois, conversando com ela no meu idioma
original: o marciano. Maysa começou a rir mais, escondendo o rosto no
ombro de Téo, o que o fez rir também.
Trocamos olhares.
É, essa é a melhor risada do mundo, lindo.
― Ela tá bem, nada de febre, nada de dor... Ela só quer brincar com
o pai ― Téo falou, cheirando o pescoço, o que fez Maysa sentir cócegas. ―
A terrorista só quer me explodir de amor, linda... E pelo menos ela tá inteira
pra fazer isso.
Repuxei um sorriso e concordei com a cabeça, beijando a mãozinha
que estava estacionada no peito dele. Os dedinhos percorriam as tatuagens
de Téo como se tentassem entendê-las, a mesma coisa que eu fazia quando
éramos mais novos...
― Eu odeio hospitais agora ― sussurrei, tirando uma mecha da sua
testa. ― Acho que ela odeia também...
― Mas a gente tá aqui agora ― Téo falou, falando um sorriso leve.
Maysa colocou os olhos nela e, por um momento, imaginei-a uma adulta,
com o rosto exatamente como o de Téo, como o da sua avó, Maysa... ―
Promete pra pai que vai viver nesse quarto pra sempre... Que vai deixar o
pai e a sua mãe loucos quando chegar tarde... Que vai aprender a virar
menos empaca foda...
― Téo! ― Eu dei risada, dando um tapinha no seu ombro.
Ele piscou para mim, o que me fez derreter e ao mesmo tempo
gesticular a cabeça.
Empaca foda... com selo de qualidade.
Deixei o quarto para Téo e Maysa, que brincaram durante um bom
tempo antes de descerem para assistir televisão. Acabei limpando o pequeno
estrago que eu e Téo fizemos na sala enquanto ele dava papinha para ela e
depois cozinhamos juntos, com a ajuda de Maysa, que embaralhava os
potinhos de temperos na cadeira. Quando nós três começamos a piscar
demoradamente, cansados e com sono, subimos para o andar de cima e
tentamos colocar Maysa no berço, mas ela fazia manha toda vez que Téo
fazia menção à soltá-la. Sem escolhas, deixamos o seu quarto e fomos para o
nosso, colocando a terrorista no meio da cama para dormir entre a gente,
mais um dia.
Depois que eu me deitei, Téo encostou a porta da sacada e se deitou
do outro lado da cama. O quarta estava silencioso e escuro, o que fez nós
dois rirmos quando respiramos fundo na mesma hora. Viramos para o lado e
encontramos Maysa no sono mais profundo, com a boquinha meio aberta e os
braços esticados, completamente espaçosa. Filha de quem?
― Sabe, Müller, eu acho que Elias jogou praga na gente quando
estávamos no Ensino Médio ― Téo comentou baixo, ajeitando a cabeça no
travesseiro. ― Certeza que o pastor fez pacto para que você gerasse a rainha
dos empaca foda... A única coisa que me consola é que talvez ela seja a
rainha do decidi esperar também...
Coloquei a mão na boca para abafar a gargalhada quando escutei
aquilo. De repente, a imagem do pastor Elias apareceu na minha cabeça e eu
o vi no mar, encarando eu e Téo com os olhos enfezados: SAÍAM DA ÁGUA
AGORA! Nós tínhamos dado só um beijo aquele dia, mas o homem nos
trancou em um chalé para falar as consequências de um beijo...
Uma delas estava dormindo pesado agora, com cheiro de talco e
shampoo.
― Elias? Puta merda... ― falei, rindo pelo nariz. ― Por que você se
lembrou dele agora?
Téo coçou a barba por um instante e mudou de posição na cama,
ficando de barriga para cima.
― Só estava me lembrando de como tudo começou, linda ― ele
acabou respondendo. ― Primeiro foi o Elias, com aquela história de que
você era uma prostituta submissa a mim ― Téo falou, rindo quando se
lembrou. Acabei fazendo o mesmo, sentindo a minha barriga doer um pouco.
O conversa no chalé tinha sido realmente séria! ― Mal sabia o pastor que
você estava me prendendo no meio da madrugada e me fazendo implorar por
boquete... Se você era submissa, eu era a porra de um vira-lata!
― Claro... Um vira-lata bem realizado, né, lindo!
Vi Téo dar um sorriso no escuro, mas ele não riu da minha acusação.
― Depois teve um bando de paus no cu do Mão de Deus, policiais,
Duda, a sua mãe... A Luciana é uma das piores empaca foda desde que a
gente se mudou, amor. Maysa deve ter puxado pra ela, e esse caralho é
genético ― ele falou. Fiquei com vontade de subir em cima dele, para puni-
lo com algumas mordidas por falar mal da minha mãe, mas não tinha como
quando Maysa rolou um pouco mais para o lado dele. Téo olhou rapidamente
para ela, depois vi o seu rosto se direcionar para mim: ― E se a gente trepar
na varanda agora? ― ele sugeriu. ― A gente consegue dar uma olhada nela
de lá...
Fiz uma careta, tentando desvendar a expressão que o meu marido
estava fazendo ao propor aquilo.
Eu sabia que Téo estava desesperado para transar depois de quinze
dias na abstinência, principalmente porque não estávamos acostumados a
ficar tanto tempo sem sexo, mas ele esperava mesmo esperando que, depois
de tudo o que rolou mais cedo, eu conseguiria dar uma trepadinha em vigília
na varanda? Nós quase fizemos um sexo digno de premiações na sala, eu
quase gozei só de ficar nua na sua frente, foi um momento completamente
erótico arruinado por choro de criança.
Maysa tinha conseguido me broxar com sucesso.
― Você quer trepar olhando pra sua filha, sério? Correndo o risco
dela cair da cama? ― perguntei, erguendo a sobrancelha. Estiquei o braço e
acariciei o seu queixo, sentindo a barba rala na ponta dos dedos. Como eu
queria que essa barba estivesse em outro lugar... ― E se a gente deixar ela
com a minha mãe, amanhã? ― propus.
Téo enrugou o cenho.
― Nem fodendo ― ele negou, de maneira que senti o seu maxilar
ficando rígido. ― Da última vez, a minha filha apareceu com furos nas
orelhas, sendo que eu não recebi nenhuma ligação perguntando se ela podia
colocar brincos...
― São só brincos... Você tem tatuagens!
― Que eu fiz com dezoito anos porque eu quis! Maysa tem um ano e
nem sabe o que isso significa.
Revirei os olhos, longe de entrar naquela discussão novamente.
Provavelmente, até o final das nossas vidas, Téo guardaria rancor por causa
dos brincos.
― E a tia Rose? ― continuei sugerindo.
Téo beijou a ponta dos meus dedos, demorando um pouco para
responder.
― Ela vai viajar.
― Amanhã?
― É.
Cruzei as sobrancelhas, tentando me lembrar se a tia de Téo tinha
dito algo sobre ir para o Rio de Janeiro ou coisa parecida, mas Rose não
havia comentado nada comigo...
Resolvi prosseguir:
― A gente pode deixar com a Ana Lu e com o Biz, então.
― Com o puto? ― Téo riu de um jeito sarcástico. ― Só se eu
estiver louco...
― Por quê?
Consegui enxergá-lo fazendo uma careta.
― Porque o Biz não consegue nem cuidar da porra de um cachorro
sozinho, Sofia. A amiga número um precisa ir ao supermercado com ele... É
capaz do puto deixar a Maysa comer ração.
― Não exagera, Téo! ― eu falei, bufando. Talvez Biz não fosse um
modelo de autoridade, mas ele era adorável quando tirava dinheiro por trás
da minha orelha ou quando implorava cantando para eu fazer molho de
quatro queijos para ele... mas preferi não dizer isso em voz alta: ― O Biz só
não é mandão, mas a Ana Lu compensa essa parte. E da última vez que eu fiz
strip via Skype pra você, foi com ela que eu deixei a Maysa...
Téo pareceu pensar por alguns segundos, de maneira que eu vi os
seus olhos concentrados no teto do quarto pensando na ideia. Porém, ele
acabou se mexendo na cama de novo, inflexível, de um jeito que eu sabia que
seria difícil de reverter. Em seguida, ele dobrou o braço e alcançou a cabeça
de Maysa, que estava respirando bem pertinho dele como se fosse dormir à
noite inteira, enquanto estivéssemos do seu lado.
― Melhor não ― Téo acabou dizendo baixo, tombando a cabeça
para olhá-la.
Respirei fundo e, sinceramente, acabei ficando um pouco irritada
com a sua teimosia e rancor pela mamãe. Era só a porra de um brinco, meu
Deus! Ele poderia muito bem deixar Maysa com a minha mãe amanhã de
manhã para que ficássemos pelo menos até a hora do almoço sozinhos!
― E a Paola e a Mel? ― apelei para os amigos uma última vez,
porque os nossos eram os mais loucos, mas também os melhores. ― Elas
são responsáveis, Mel tá grávida, Paola tem paciência, Maysa ama as duas...
Eu poderia sugerir uma lista de pessoas com quem eu e Téo
poderíamos deixar Maysa para transarmos sem interrupção, porque tínhamos
muito apoio tanto da família quanto dos amigos, mas ele balançou a cabeça,
impaciente, cortando-me antes que eu continuasse:
― Não tô pronto, Sofia ― Téo falou rápido, com um tom de voz
diferente. Senti a cólera que ele passou dias antes, quando Maysa estava
internada, e a tensão dos seus músculos, mesmo estando do outro lado da
cama, atingiu o meu próprio corpo. Fiquei quieta quando ele repetiu: ― Não
tô pronto ainda...
O quarto ficou em silêncio de novo, de maneira que a respiração de
Maysa era a única coisa que enchia os nossos ouvidos agora.
Téo Ferrero não era o tipo que fraquejava, mas, desde que eu fiquei
grávida e passamos a ser uma família de três, eu sabia como ele poderia
fraquejar. Por mais que Maysa estivesse melhor agora, não foi apenas a
nossa filha que voltou para a casa diferente depois daqueles três dias no
hospital.
Eu e Téo também voltamos diferentes, mais preocupados, mais pais.
Rolei no colchão até me aproximar dos dois e apoiei os antebraços,
próxima de Maysa. Cheirei o seu cabelo, depois ergui a cabeça para cheirar
o de Téo. Até a textura do cabelo dos dois era igual, macia, o melhor
aconchego que poderia pinicar o meu rosto.
― Ela não tá pronta pra te largar também, amor ― eu sussurrei, com
um sorriso.
Distanciei-me um pouco para tentar enxergar o seu rosto no escuro e
recebi um beijo no queixo como resposta que me fez fechar os olhos para
senti-lo.
― Quando a gente foi pra Artur Nogueira com ela aquele fim de
semana, e o Fausto me disse pra eu não deixar a Maysa dormir na nossa
cama, eu achei que seria fácil ― Téo comentou, rindo um pouco. ― É claro
que eu não ia deixar isso acontecer, é claro que eu não ia facilitar pra uma
empaca foda... ― Ele se virou, apoiando o antebraço no colchão também.
Então Téo olhou para mim, de maneira que consegui enxergar um pouco os
seus olhos, analisando-me de volta: ― Mas ela mudou os meus planos, como
a mãe dela. ― Ele abriu um sorriso leve que me fez fazer o mesmo. ― E
depois você diz que ela não puxou você em nada...
Olhei para Maysa, tão perto de Téo que praticamente estava subindo
em cima dele, pra falar a verdade, não era novidade. Nesses últimos dias,
logo que eu acordava de manhã, eu a encontrava fazendo ou o braço ou o
peito de Téo de travesseiro, quando ela não estava totalmente jogada em
cima dele. Na maioria das vezes, eu até conseguia fotografar os dois nessa
posição, quando um deles não acordava no meio da preparação e fazia uma
careta para o meu flash.
― Será que ela vai dormir com a gente por quanto tempo? ―
perguntei antes de me deitar para dormir.
― Não sei ― Téo respondeu, gesticulando levemente os ombros. Em
seguida, meu marido se aproximou com um sorriso e roçou os lábios nos
meus. ― Mas relaxa, Müller. A gente vai dar um jeito ― ele falou como
sempre falava quando estávamos juntos em momentos complicados da vida.
Acabei rindo de encontro com a sua boca e dei um beijo antes de
deitar a minha cabeça no travesseiro. Téo fez o mesmo, envolvendo Maysa
nos braços enquanto tentava achar uma boa posição para dormir com a sua
terrorista colada nele, como fez nas últimas noites.
Relaxa, Müller...
Só se a Maysa deixar, Téo, só se o Tubarão Branco deixar...

***

Eu estava deitada de bruços, quase acordando com a luz da manhã


enchendo o quarto, quando senti algo duro acariciar a minha bunda. Em
seguida, senti um conjunto de músculos pressionar as minhas costas, de
maneira que o rosto dele se aproximou da minha nuca e inseriu beijos que
me deram arrepios pela espinha inteira.
... o que está acontecendo?
Meio sonolenta, abri um pouco os olhos e consegui ver nove horas
marcando no relógio do telefone de cabeceira. Os beijos de Téo desceram
para os meus ombros e, mais uma vez, ele pressionou algo duro na minha
bunda. Algo duro que eu conhecia muito bem desde o começo da vida adulta,
há sete anos, para ser mais precisa.
As sua mão subiu pela minha cintura, adentrando a minha regata de
dormir até chegar ao seio. Meio tonta com a sensação, dei espaço para que
ele envolvesse o meu seio inteiro com a mão e o massageasse, dando-me
uma das pessoas maneira de acordar em um sábado.
Mas... Espera um pouco.
São nove horas da manhã. Nove horas. Eu nunca durmo até esse
horário, porque Maysa toma café da manhã pelo menos oito e meia, e hoje
é sábado, então é dia de mamão que ela gosta de comer com as próprias
mãos e lamber os dedinhos depois...
Puta merda.
Onde está Maysa?!
Virei a cabeça rapidamente para o outro lado do colchão, o que fez
Téo distanciar um pouco o rosto. Porém, ele continuou em cima da minhas
costas, massageando o meu, enquanto eu olhava para o lado e não encontrava
o corpinho que acordo conosco nas outras manhãs.
― Ela acordou mais cedo hoje ― Téo falou antes que eu pudesse
perguntar onde a nossa filha estava. ― Acordei com uns tapas no rosto,
fortes pra caralho, pra ser sincero...
Tentei raciocinar enquanto acordava com o meu marido em cima de
mim, acariciando os meus mamilos com a ponta do dedo e voltando a me
beijar: bochecha, pescoço, ombro...
― Mas e... ― Suspirei quando ele pressionou o pau um pouco mais
forte contra a minha bunda. Senti-lo tão duro me fez fechar os olhos e quase,
quase me esquecer do resto. ― Maysa comeu...? ― consegui perguntar,
passando a língua nos lábios.
― Sim ― Téo respondeu, movendo a cabeça do meu pescoço para
beijar o início das minhas costas.
― Onde ela tá a...? ― comecei a perguntando, mas ele mordeu o meu
quadril de leve, o que me fez prender os lábios ao gemer baixinho.
― Ela tá no quarto dela, dormindo ― Téo falou e, suavemente, senti
as suas mãos alcançarem o cós do meu shorts. Em seguida, senti o tecido
deslizar junto com a calcinha pelas minhas coxas e, involuntariamente, ergui
um pouco o quadril para deixá-lo tirar.
― Você conseguiu fazer a terrorista dormir?
― Sim.
Quando se vira mãe, você descobre várias coisas das quais são boas
de se ouvir, como a risada do seu bebê, as sílabas que está aprendendo a
dizer, a voz do seu marido conversando com um serzinho tão pequeno e até a
sua própria voz, falando como um extraterrestre para entreter a criança.
Mas uma das melhores coisas também é escutar ela está dormindo.
Ultimamente, essa frase me causava uma alegria do tipo que me fazia
sorrir vitoriosa e dar graças aos céus que a minha filha não esteja ligada à
tomada.
É agora, meu Deus... É agora que meu marido me come, como café
da manhã.
― Você vai me chupar? ― perguntei a Téo, fazendo a última
pergunta que eu queria saber naquela manhã de sábado.
Espiei por cima do ombro e enxerguei Téo, de joelhos no joelho
enquanto botava as mãos na minha bunda para acariciar. Senti o seu toque
começar leve e ir ficando cada vez mais firme, fazendo com que eu
empinasse um pouco mais a minha bunda para ele.
― Sim ― Téo respondeu, olhando-me com um sorriso torto.
Deus, eu adorava a sua aparência de manhã! Os olhos levemente
inchados, as mechas de cabelo negro todas desgrenhadas, o torso sempre nu,
com os músculos de lutador de boxe nas horas livres...
Eu realmente preciso desse rostinho matutino entre a minhas
pernas, Téo. Enfia o dedo na minha boceta e me lambe por inteira, lindo...
Todos os meus nervos, membros e pele se animaram no momento que
Téo abaixou o rosto, a fim de me envolver com a boca como não fazia há
dias. Fechei os olhos e me mexi um pouco, aguardando ansiosa até que
aquele momento acontecesse na minha vida, naquela manhã suave que
entrava pela sacada, quando um barulho me tirou do transe que era esperar
por um oral de Téo Ferrero.
E dessa vez não foi o choro de Maysa.
No momento que o telefone começou a tocar do nosso lado, naquele
barulhinho irritante de primm, primm, primm, eu finalmente entendi e
concordei com o que Júlia Dorta dizia sobre aparelho de telefone: essa
merda tinha que ser extinta.
Na verdade, eu só tinha aparelhos telefônicos na minha casa por
costume, pois quando morava em Porto Alegre, a minha mãe me ligava toda
a semana e, por insistência dela, eu usava o telefone e não o celular para
falar.
Eu não percebi que instalar telefones na minha nova casa seria um
erro. Eu nunca imaginei que a minha manhã de putaria com o meu marido
pudesse acabar por causa de uma ligação telefônica.
Mas acabou.
Olhei para o lado, para ver o número que estava na bina, e vi que era
a tia Rose ligando. Franzi o cenho rapidamente, lembrando-me que Téo tinha
dito ontem à noite que ela iria viajar... Aliás, era com ela que ele estava
falando quando chegou do trabalho...
― Téo, é a sua tia... ― eu disse a ele que tinha parado de se
aproximar de mim para franzir o cenho, xingando baixinho. Virei-me para
frente, erguendo o shorts novamente, depois estiquei a mão para agarrar o
aparelho.
Porém, Téo agarrou o meu pulso antes que eu tirasse o telefone da
base.
― Não atende ― ele falou rapidamente.
Tirei os olhos do telefone e encontrei os seus olhos um pouco
alarmados, o que me fiz rir duvidosa.
― Por quê?
O meu marido olhou rapidamente para o telefone tocando e soltou um
porra antes de vir para cima de mim. Ignorando completamente a chamada e,
por consequência, a tia, Téo começou a levantando a minha regata para
encontrar os meus seios.
― Depois eu ligo pra ela, amor... ― ele disse, chupando a minha
pele.
― Mas você disse que ela iria viajar... ― eu falei, intercalando o
olhar entre a bagunça de fios da sua cabeça e o telefone insistente. ― Será
que a Rose não precisa de alguma coisa?
Mesmo que nós fôssemos muito próximos da tia de Téo, porque ela
era a única da sua família que morava em São Paulo, Rose não costumava
ligar quando estava indo para o Rio de Janeiro. Quando Téo morava com ela
e estudava na escola da qual ela era a dona, era o sobrinho amado quem a
levava até o aeroporto. Mas agora ela só ligava quando já estava lá...
― A gente precisa de uma coisa... ― Téo respondeu, subindo a boca
até alcançar o meu mamilo para envolvê-lo com a língua.
Fechei os olhos quando ele me lambeu, enfiando a mão debaixo do
meu shorts. Até tentei dizer algo, mas então o seu dedo me invadiu e a,
mordiscando o mamilo, ele o sugou como se quisesse roubar o gosto da
minha pele para a sua boca...
E o telefone parou de tocar, talvez nem fosse importante, talvez tia
Rose só estivesse ligando para perguntar sobre Maysa ou...
O telefone começou a tocar de novo.
O prim, prim, prim me fez abrir os olhos e, quando aconteceu, eu
decidi que iria extinguir todos os aparelhos telefônicos da minha casa.
― Vou atender ― eu avisei para ele, erguendo o braço para alcançar
aquela porra de uma vez.
No entanto, quando Téo parou de sugar o meu seio e olhou para o
lado, ele avançou também em direção ao aparelho. Fiquei momentaneamente
chocada com a sua rapidez quando tirou o telefone da base, ergueu-se um
pouco e atendeu com um curto, com a voz bastante grossa:
― Oi.
Achei estranho a sua reação repentina, primeiro porque Téo não me
deixou atender, segundo porque ele sempre cumprimentava a tia com
sorrisos largos e a chamava de mulher da minha vida. Tudo bem que ele
estava ocupado para atender agora, mas Rose era um tipo de mãe para o meu
marido. Por que ele estava querendo ignorá-la desse jeito?
Prestei bastante atenção na conversa quando ele começou a dizer:
― Depois que eu te ligo, tia... ― ele falou com um arzinho meio
impaciente. Mas provavelmente Rose rebateu, porque Téo continuou: ―
Não, eu... ligo em duas horas... ― prometeu, passando a mão na barba.
Porém, aparentemente, ela queria falar comigo: ― Não dá pra ela falar
agora... Ela tá dormindo.
Ergui a sobrancelha, percebendo que Téo estava mentindo na cara
dura.
― Eu não tô dormindo!
O meu marido me olhou receoso, tirando os olhos de mim tão rápido
quanto colocou, então continuou:
― Não ― ele respondeu, contraindo o maxilar. ― Eu não quero ir
mesmo, assim tá bom?... Não, não tô agindo como moleque... Não, eu
trabalhei a semana inteira, tia, eu só quero descansar perto das minhas
duas...
Não deixei que Téo terminasse as suas negações, porque avancei na
sua direção e peguei o telefone da sua mão. Ele abriu a boca e franziu o
cenho, impressionado quando se viu com a mão no ar, como se eu tivesse
acabado de ter dado um tapa no seu rosto.
Você está mentindo pra sua tia, está omitindo coisas de mim e está
estranho pra caralho. Eu te conheço, garoto problema. Você é mestre de
manipulação.
― Oi, Rose, tudo bem? ― eu falei ao telefone, sentando-me na cama.
― Você queria falar comigo?
― Ah... Sofia, finalmente! ― escutei a voz doce e um pouca fraca da
tia do meu marido, que sempre me cumprimentava com tanto afeto desde a
primeira vez que me viu. ― Eu estava tentando ligar no seu celular, mas
você não atendeu, então liguei pra casa pra você atender...
No momento que disse você, tia Rose frisou a palavra, o que me fez
olhar para Téo.
― Eu acabei de acordar, tia, mas pode falar ― respondi, escutando
conversas próximas na ligação. ― Você já está no aeroporto? Precisa de
alguma coisa? ― perguntei, imaginando que ela estivesse prestes a embarcar
em um avião para o Rio.
― Aeroporto? ― Rose perguntou e, como se ela estivesse na minha
frente, eu pude vê-la fazendo uma caretinha nos seus traços do rosto
pequenos. ― Téo disse que eu ia viajar?
Fechei os olhos no meu marido, que logo virou o rosto e afundou-o
em suas mãos. Percebi que ele estava um pouco enfezado, porém, mais que
isso, Téo estava envergonhado por ter sido pego mentindo para mim.
Crispei os lábios, ficando puta por ter descoberto que toda a história
do Rio de Janeiro era mentira. Quando nos conhecemos e começamos a
namorar, Téo Ferrero dizia que não tinha necessidade de mentir para mim,
que ele era verdadeiro em tudo, principalmente quando se tratava de me
contar as coisas... Sete anos depois: mentindo na cara dura, o pilantra!
― É, ele disse que você iria para o Rio... ― eu respondi, ficando
sem graça por ter caído na sua rede de mentiras. ― Mas acho que não é por
isso que você está ligando pra gente, né, Rose? ― perguntei num tom mais
alto, tentando chamar a atenção de Téo. Mas ele permaneceu calado,
esfregando o rosto.
― Eu vou te contar, Sofia, às vezes falar com esse menino é
impossível! ― ela disse com o tom de voz materno irritado, mas suavizou a
voz em seguida: ― Por isso eu liguei pra falar com você e não com ele...
Queria pedir um favor seu e, se você conseguisse, queria que você
convencesse o Téo a ajudar também...
Engoli em seco, já preocupada com o tom de voz mais sério que ela
usou no final. Cocei a testa e olhei mais uma vez para Téo, esperando que
me fitasse de volta, mas ele estava inflexível.
Você se negou a ajudar a sua tia em alguma coisa, amor? Por quê?
― Pode falar, Rose. O que eu puder fazer... ― eu concordei,
disposta a ouvi-la.
Ela deu um longo suspiro seguido de uma risada nervosa que não me
fiz apreensiva. Inclinei o tronco um pouco para frente e olhei para as minhas
pernas cruzadas quando ela começou a falar:
― Na verdade, estou no hospital agora ― contou após respirar
fundo, o que me fez tremer imediatamente e imaginar se ela estava passando
mal ou... ― Mas eu estou bem, Sofia, pode ficar tranquila... É um colega
que não está. Ele vai fazer uma cirurgia do estômago essa noite e... é uma
operação com bastante riscos, sabe, filha? ― disse, aflita, de maneira que
senti a emoção escurecida por ela. Eu tinha ficado muito aflita dias atrás,
então engoli em seco quando o engasgo se formou na garganta. Só de pensar
em entrar num hospital de novo... ― Como a cirurgia está marcada para as
sete horas, eu decidi fazer uma campanha de oração de última hora, para
ele receber visitas para conversar e orar com ele antes da cirurgia, se
possível. Algumas pessoas já chegaram e já deram uma palavrinha, mas eu
gostaria muito que você e que o Téo viessem também. Seria importante pra
mim e... pra ele também, filha ― ela pediu, fazendo o meu coração se
solidarizar imediatamente. A sua voz era tão doce, mas estava fraca. Eu
acreditava que ela estava tão preocupada quanto cansada.
Respirei fundo, pensando sobre o assunto quando me imaginei à
caminho do hospital novamente e me vi com o peito apertado e estômago
enjoado. Logo que Maysa recebeu alta, eu pedi aos céus para que não tivesse
que voltar para lá, pelo menos não tão cedo. A minha bebê tinha sofrido
tanto por ficar em uma cama de hospital fria, e eu sofri junto com ela:
também deixei de dormir, de comer, de sorrir, esperando que os deuses
tivessem piedade e não permitissem que Maysa tivesse que passar por
cirurgia, mesmo que fosse uma simples....
Mas tia Rose estava muito insistente para que eu e Téo fôssemos e,
querendo ou não, eu admirava o seu gesto, de fazer uma campanha para o seu
colega. Eu não sabia quem era, porque Rose tinha vários colegas, por ser
dona de escola e conhecer muitas pessoas... mas se ela acreditava que a
nossa presença faria bem, então eu... poderia voltar ao hospital para, dessa
vez, dar boas energias à pessoa que infelizmente teria que passar por uma
cirurgia.
Olhei para Téo mais uma vez, que ainda parecia muito concentrado
em ignorar-nos. Eu sabia que ele não era lá dos mais sentimentais, mas o
meu marido geralmente se importava com os sentimentos da tia, que sempre
foi tão boa pra ele quando Téo precisou da sua ajuda...
Como ele pôde dizer não a uma campanha solidária logo depois de
ter passado o que passou, com a nossa filha no hospital?
Tirei os olhos dele e gesticulei a cabeça, tentando me concentrar
apenas em Rose. Eu ficaria feliz de ajudar um desconhecido, como fazia nos
trabalhos comunitários, e ainda que eu não fosse tão religiosa, orar era
sempre um gesto fortalecedor...
Porém, quando perguntei a ela quem era o seu colega internado, eu
não esperava me deparar com aquele nome, não só porque o conhecia, mas
porque tinha pensado nele no dia anterior, enquanto colocava uma lingerie
sexy e me lembrava dos tempos de escola, quando o empaca foda da minha
excursão de formatura entrou no mar e gritou para mim e para Téo Ferrero:
SAÍAM DA ÁGUA AGORA! Venham para o chalé comigo, agora...
― É o pastor Elias, filha ― tia Rose falou, fazendo-me abrir a
boca. ― O antigo professor de religião do Mão de Deus.
CAPÍTULO 2
TÉO

Eu tinha parado de fumar há quase dois anos. Não fazia muito tempo,
mas para quem costumava fumar praticamente todos os dias, tentando parar
diversas vezes desde a adolescência, era algo.
Para ser honesto, eu só tinha começado a fumar para testar o limite
do meu pai. Acho que foi com quatorze anos, uma fase fodida de um moleque
que não tinha nada na cabeça. Os meus primos e amigos fumavam, então eu
me juntava a eles e infestava o meu quarto de fumaça. Na casa da piscina, o
velho Ferrero e Angélica entravam e encontravam cinzeiros espalhados, o
que fazia a minha madrasta se enojar com o cheiro e perguntar para o meu
pai por que ele ainda me mantinha naquela casa.
Moleque imbecil da porra...
O problema foi que, até mesmo depois que eu fui embora do Rio para
morar com a minha tia, eu continuei a fumar, principalmente quando eu
ficava puto com alguma coisa, e naquela idade eu ficava puto por qualquer
coisa. A sensação de tragar era boa de um jeito pesado, porque eu sentia a
fumaça pesar o pulmão, mas aí já era um vício. E eu não me importava muito
com as consequências daquilo quando a minha tia me dizia que eu poderia
ficar doente, inclusive, desenvolver uma doença que eu conhecia muito bem
o nome, os sintomas e o tempo de matar.
Mas eu era um imbecil, mesmo que me achasse simples pra caralho.
E daí se o cigarro poderia me mandar para o caixão tão rápido? E daí se eu
ficasse com câncer? Eu já estava familiarizado com a doença, de qualquer
jeito...
Era isso o que acreditava, que o vício já estava tão dentro dos meus
pulmões que fosse impossível de matá-lo. E eu estava bem com essa ideia
até...
Conhecer Sofia Müller.
Quando eu realmente conheci Sofia Müller no fim do Ensino Médio e
logo comecei a namorá-la, porque fiquei louco por aquela garota em questão
de poucas semanas, eu aprendi a amar muitas coisas sobre ela que faziam o
peso no pulmão ser superestimado.
Eu amava o jeito que ela gargalhava como se nunca pudesse parar,
amava os sorrisos safados e puros que ela dava em qualquer horário do dia,
amava a animação que ela ficava quando colocava o visor da câmera
próximo ao olho direito, amava quando ela se empolgava falando sobre
temas polêmicos, amava quando ela ficava molhada tão rápido ou quando
soltava lágrimas se gozasse muito forte...
Havia vários motivos pelos quais eu amei Sofia Müller e, hoje, havia
muito mais.
Mas um dos mais frescos e aquele que me impulsou a parar de fumar
nasceu há um ano. E eu já tinha tentado parar de fumar desde que comecei a
namorar Sofia, porque ela me fazia acreditar no melhor das pessoas e no
melhor de mim mesmo, mas eu não consegui parar até o dia em que ela olhou
para mim, na praia, e disse: eu estou grávida.
Naquela madrugada de ano novo, depois que ela me chupou na nossa
pedra de encontro e depois que eu a beijei por inteira no nosso chalé, a
minha mulher dormiu com a cabeça no meu peito e, quando deslizei as mãos
pelo seu corpo que já estava começando a mudar, eu respirei fundo e senti o
meu corpo mudar de um jeito diferente também: o meu pulmão queria ficar
limpo, leve. Então eu fiquei com medo quando me lembrei do câncer que
tirou a vida da minha mãe e de como eu, com sete anos, fiquei parado diante
do seu túmulo tentando entender a lógica da vida. Pela primeira vez, eu
fiquei realmente com medo de morrer de câncer e com mais medo ainda de
que houvesse uma criança perto do meu túmulo tentando entender por que a
morte chegava de um jeito tão filho da puta.
Eu nunca morreria em paz se deixasse um filho dessa maneira por
causa do cigarro. Além disso, eu queria ser um pai presente e isso só se
tornou mais forte quando a minha filha nasceu: eu queria ensinar todas coisas
para ela, como falar, andar, escrever, viajar, dirigir... Principalmente dirigir,
porque se isso ficasse por conta da minha mulher, Maysa nunca conseguiria
pegar um carro sem riscá-lo pelo menos uma vez por semana. Era eu que iria
ensiná-la a: andar de moto quando tivesse idade e uma moto de verdade ao
invés do seu brinquedo, surfar nas praias do Rio sem ser pega pelos tubarões
(selachofobia, né, Müller?), fazer equações de primeiro e segundo grau e
cruzar estradas não só para Artur Nogueira, Porto Alegre ou Santa Catarina,
mas eu ensinaria Maysa cruzar qualquer estrada que fosse até que ela
estivesse grande o suficiente para fazer isso sozinha.
Eu tinha parado de fumar há quase dois anos e não me arrependia
disso nem um pouco. Para ser honesto, até estava orgulhoso, considerando
que agora Dorta não me chamava mais de chaminé ou me dava bronca como
se eu fosse um moleque imbecil da porra...
Mas... às vezes, quando eu me via em uma situação de pressão, que
as outras pessoas me colocavam por motivos que não faziam a menor porra
de sentido... aí sim eu me lembrava do cigarro e da sensação pesada, o que
me fazia ficar louco para comprar um maço e fumar um atrás do outro, como
eu fazia na janela do meu quarto há sete anos.
Então eu só queria voltar a ser a merda de um moleque com nada na
cabeça, que preferia morrer de câncer a ter que aturar uma intimação da sua
tia e, por tabela, da sua esposa. Eu só queria ser o garoto inconsequente do
Mão de Deus, que fumava na biblioteca, matava as aulas de religião e comia
Sofia Müller a tarde inteira, depois do colégio...
Para ser honesto, era o que eu estava fazendo minutos antes: tentando
ser o cara de dezoito anos que não tinha empecilho algum para foder a
namorada durante a manhã toda. Quando acordei às oito horas, com tapas no
queixo e o tom de voz nada doce sibilando pãe, pãe, eu me dei conta de que
estava longe de ser esse cara; porque, agora o empecilho número um de casa
dormia na cama comigo e com Sofia, eu tinha que me esquecer do pau duro e
me levantar da cama cedo, mesmo que fosse sábado ou domingo, para trocar
fralda e dar papinha.
Porra, ninguém me disse que, além de comprar a camisinha, eu tinha
que usá-la!
Aliás, até os dezoito anos, eu fui um moleque muito responsável
nesse sentido... até viciar em uma boceta tão molhada que não era justo
encapar o meu pau. Então eu comi a minha namorada um dia e, de uma dia
para o outro, as minhas manhãs se tornaram merda e papinha!
Mas eu tinha acordado disposto a acabar com os empecilhos esta
manhã, nem que eu tivesse que cantar MPB antigo, igual a minha mãe fazia
quando eu era criança. Então não acordei Sofia quando Maysa enfiou a mão
na minha cara e a deixei dormir enquanto trocava a roupa da terrorista e
dava café da manhã. Sofia deixava a porra toda pronta para Maysa comer,
então eu a larguei com os pedaços de mamão e alimentei o filho da puta da
Gato, que é um empecilho do diabo quando quer pular na cama. Depois que
a minha filha comeu, eu fui até o quarto e entrei com ela dentro do berço.
Sofia não aprovaria o que eu estava fazendo, com medo de que eu quebrasse
a madeira, mas como era eu quem estava tentando fazer a terrorista dormir,
fiz do meu jeito: me sentei, espremido no berço, e deitei Maysa com a
cabeça na almofada, colocando o tubarão branco do seu lado. Conversei
com ela sobre como a sua mãe era louca por pensar que esse papo
selachofobia fazia do seu medo menos bobo e esperei que ela caísse no sono
para sair do berço. Quando os seus olhos se fecharam, eu xinguei baixo
enquanto tentava deixar a madeira sem balançar, e mandei pra puta que pariu
os planos de fazer mais filhos no futuro. Esses dias estava pensando em ter
mais dois, para encher a porra da casa de uma vez, mas depois das últimas
semanas eu decidi que uma empaca foda dentro de casa era o suficiente. Às
vezes, eu realmente desejo que a minha filha cresça logo, mas nesses
momentos, que comer a minha mulher me faz ter um bom dia de trabalho e
uma boa noite de sono, eu gostaria pra caralho que Maysa fizesse logo uns
quinze anos para se tocar que o pai dela não tem vocação pra passar dias
sem foder. E eu nunca tinha ficado tanto tempo desse jeito... Quando Sofia já
vai fazer trabalho comunitário durante uma semana já é o inferno, mas dessa
vez...
Se não comesse a minha mulher esse sábado, eu teria que comprar
um maço de cigarros. Quase dois anos jogados fora, mas era isso ou a minha
sanidade mental.
Mas, quando voltei ao nosso quarto, depois que Maysa capotou, eu
tirei o último empecilho da manhã do caminho: o meu celular.
Tive certeza de que Deus estava o meu lado, porque Ele também fez
o homem pra foder, mesmo que isso não esteja explícito na Bíblia...
Depois de desligar o aparelho para não receber ligação de ninguém,
inclusive de uma pessoa que eu havia prometido ligar, eu abri as portas da
sacada para deixar o vento fresco da manhã entrar, como ela gostava, e para
conseguir enxergar completamente o corpo estirado na cama, como eu
gostava.
E era uma visão do caralho... Sofia deitava de bruços, respirando
devagar, com os cabelos desgrenhados pintando o travesseiro, a bunda
redonda num shorts de dormir que era covardia colocar perto de um pai que
dormia com a filha no peito...
Puta merda, eu queria fazer tanta coisa com ela essa manhã!
Começar chupando a sua boceta, com ela de quatro pra mim, depois enfiar o
meu pau tão fundo dentro dela até que Sofia gemesse como uma puta safada,
então agarrar os seus cabelos e meter bem devagar na sua boca, vendo-a
engolir tudo e se engasgar quando os seus lábios tremessem ao redor de
mim, depois levá-la para o chuveiro e chupá-la outra vez, então fazê-la
montar no meu pau para que eu a pressionasse contra o ladrilho e deixasse a
sua boceta inchada até que eu tivesse que levá-la para cama, cansada e
feliz...
Porra, como eu queria... Ontem à noite ela só tinha me deixado mais
louco, recebendo-me com aquela lingerie e os olhos de quem queria devorar
e ser devorada. E eu ia devorá-la, com toda fome, impulso e falta que eu
sentia de provar o seu corpo e de fazê-la a minha porra louca, a mulher mais
gostosa que eu já conheci...
Até Maysa começar a chorar, porque, nos últimos dias, era o que ela
fazia com frequência...
Eu tinha sonhado em foder Sofia Müller como fazia há sete anos. Eu
tinha sonhado que, por um momento, não havia empecilhos, e eu estava de
volta ao meu quarto de moleque, na casa da minha tia. Sozinho, eu me via
saindo do banheiro e encontrando Sofia na janela, vendo-a pela primeira vez
no meu quarto, chupando-a pela primeira vez no meu quarto, amando-a pela
primeira vez no meu quarto...
E eu estava prestes a foder a minha namorada que tinha o corpo mais
flexível e gostoso que eu já vi quando a porra do telefone tocou na minha
manhã de foda e acabou com tudo.
Puta que me pariu.
Quando Sofia pegou a merda do telefone para falar com a tia Rose,
eu soube que o meu sábado tinha ido pra puta que pariu. Eu soube, porque eu
também sabia por que a minha tia queria falar com a minha mulher, e era
pelo motivo que eu prometi retornar a ligação dela ontem à noite, mesmo que
eu estivesse longe de retornar.
Mas nem fodendo, nem fodendo Sofia Müller na cama, no banheiro,
na sacada e na mesa de centro onde a gente quase fodeu ontem, eu iria para o
hospital fazer oração para o Elias. Nem pela boceta de Sofia enrolada numa
lingerie de cobra.
Por isso, no momento que ela perguntou a minha tia quem era o
colega internado, eu me levantei da cama e pensei no maço de cigarro.
Pensei em deixar o quarto antes que ela saísse do telefone, para ir ao
mercado da esquina e comprar a porra do cigarro e voltar a ser a chaminé
que eu era antes.
Mais um dia sem foder, caralho. E dessa vez o empaca foda é
desgraçado que estreou o cargo nas nossas vidas.
Eu não era mais o moleque que fumava nas estantes na biblioteca e
que matava aula de religião, mas eu ainda era o homem que acreditava em
respeito, porque foi isso que a minha mãe me ensinou quando visitamos uma
igreja de beira de estrada. Ela me levou até a sacada, me mostrou a cruz do
pilar e me disse que Jesus Cristo era um bom exemplo a se seguir, porque
ele respeitava todas as pessoas.
Eu tinha tatuado uma cruz em mim, porque o símbolo me lembrava
dela, mas eu também tatuei porque, no fundo, ela me convenceu de que a
imagem de Cristo era uma esperança válida. Em um mundo fodido, era bom
acreditar em algo, então o cara da cruz me parecia um bom caminho.
Na minha primeira aula de religião, no Colégio Mão de Deus, eu
tentei olhar a disciplina por esse lado: vamos ver se o cristianismo
consegue convencer que o mundo tem solução. Eu me sentei, fiquei quieto e
vi enquanto um homem cruzava o terceiro ano para subir no tablado. Eu o
respeitei, eu realmente respeitei. Escutei-o falar sobre a história da
campanha decidi esperar, escutei-o falar sobre a importância das normas
religiosas no colégio e fora dele e escutei-o orar, no fim da aula. Eu não
concordei com muita coisa, mas respeitei, porque era isso que a minha mãe
me ensinava e, quando eu descumpria isso, ela me botava em um galho de
árvore bem alta e me fazia ver por outro ângulo.
Quando a aula terminou, o professor de religião voltou a cruzar o
terceiro ano, mas antes que ele saísse, ao passar por mim, o homem de Deus
me chamou para fora da sala.
Eu fui, sem ter a mínima noção do que ele queria, eu o segui. No
momento que o professor fechou a porta da sala, no corredor, ele se
aproximou de mim e me cheirou. Não de um jeito sutil, ele se aproximou da
minha jaqueta e me cheirou como se eu fosse a porra de um animal para ser
abatido, então ele me olhou de disse:
― Eu te vi fumando na entrada hoje cedo, por isso já vou avisar
nesse primeiro dia: não aceito esse cheiro no colégio, muito menos na minha
aula ― Elias exigiu, reprovando com a cabeça. ― Pessoas boas morrem de
câncer sem botar um cigarro na boca, sabia, garoto? Isso é uma desonra à
vida que Deus te deu.
Por pouco tempo, depois que escutei aquilo saindo da boca do
pastor, eu não pude acreditar no que estava ouvindo. Primeiro porque ele me
exigiu algo sem ao menos saber o meu nome, segundo porque a única pessoa
que podia vir falar comigo sobre câncer sem que eu mandasse à merda era a
minha tia.
Eu sabia que pessoas boas morriam de câncer sem botar um cigarro
na boca. Eu tinha visto uma delas morrer.
Como fiquei muito impressionado com a tirania do cara, acabei
dizendo:
― Eu não estava fumando dentro do colégio.
― Isso não quer dizer que você deva fumar fora... Como é seu nome?
― Téo.
― Ferrero?
― Ferrero.
Tia Rose era a dona da escola depois que o seu marido faleceu e
todos sabiam que o seu sobrinho estava no primeiro ano do Ensino Médio
naquele ano. Elias fez um gesto com as sobrancelhas.
― Pare de fumar, garoto. Isso não faz bem pra você nem para os seus
colegas que podem sentir o cheiro em você ― ele voltou a dizer e antes que
eu pudesse retornar à sala, ele exigiu novamente, mas dessa vez queria eu
entregasse o meu maço de cigarro e trocasse a jaqueta, que cheirava à
câncer de pulmão.
Uma vez eu deixei passar, mas na segunda todo o respeito que eu
tinha oferecido durante a sua aula se foi. Eu não tinha ideia se ele sabia algo
mais além do meu nome ou meu parentesco com a dona do colégio, mas não
queria que Elias soubesse nada mais que: eu era um fumante e, certo ou não,
ele não era ninguém para me exigir que eu não fosse.
Então, quando eu ergui o maço de cigarro e ele fez menção a pegar,
ao invés de entregar, eu peguei um, botei na boca e acendi no corredor da
colégio:
― Então eu vou morrer de câncer... E você vai assistir isso toda a
semana na sua pregação.
Essa foi a primeira vez que eu fui acompanhado de Elias para a sala
do diretor. O homem de Deus era um imbecil, mas eu também sabia ser um,
então eu era. Ele não foi com a minha cara no primeiro dia e, a partir dessa
conversa, eu fiz questão para que nunca fosse: questionava os ensinamentos
que Elias dava nas suas aulas de religião, fumava na biblioteca justo antes
de ir para a capela e matava a sua aula para foder as alunas nos cantos do
colégio, o que provava que não era só eu que não concordava muito com a
campanha de virgindade...
Eu testava os limites do cara e, para ser honesto, exagerava de vez
em quando. Mas eu ficava puto quando eu o via subir no tablado da capela
para falar sobre Jesus Cristo. Ficava puto porque ele, que era pastor e
autoridade no assunto, só conseguia pregar o amor do homem da cruz, mas
não praticá-lo. Por mais que religião fosse um ato de fé, a coisa parecia ter
subido à sua cabeça, o que fazia de Elias só um imbecil que queria exigir. E
eu não conseguia entender isso, porque a pessoa que me apresentou a
imagem de Cristo não era assim. A minha mãe nunca tratou alguém com
tirania, nem era pastora ou cristã propriamente dita... Então por que Elias
tinha que tornar a religião uma merda de julgamento?
Depois que eu me formei no Ensino Médio, eu nunca mais vi o
homem de novo. Com o tempo, fui me esquecendo dele e as únicas vezes que
lembrava era quando fazia uma piada perto de Sofia e dos nossos amigos
que também foram alvo do pastor. Fora isso, eu mal me recordava da raiva
que sentia dele nos tempos de escola e, hoje, eu era totalmente indiferente à
memória de Elias.
Por isso eu estava longe de sair da minha casa num sábado de manhã
para ir até a porra de um hospital orar por ele. Não desejava que Elias
morresse nessa cirurgia do estômago nem achava que isso era punição
divina, mas eu não tinha motivos para me reencontrar com o pastor, também.
Tia Rose tinha dito ontem que ele tinha sessenta por cento de chances de sair
bem da cirurgia e que várias pessoas estavam visitando e orando para o
homem... Quê porra eu faria lá, então? Aliás, quem disse que ele me queria
por lá? Era capaz do homem me expulsar da sala, mesmo que eu não
cheirasse à cigarro mais.
Bom, pelo menos não ainda.
Olhei rapidamente para Sofia conversando com a minha tia e me
troquei logo para sair de casa e ir ao mercado. Ela franziu o cenho enquanto
eu botava a camisa, mas concordava com tudo o que escutava na ligação.
Pode esquecer, Müller. Nem fodendo, linda.
Por mais que Sofia não tivesse boas lembranças de Elias também,
uma vez que o homem a comparou com Maria Madalena, eu sabia que ela
acabaria cedendo à minha tia. Primeiro porque a minha mulher tinha um
sério problema em dizer não para os outros, principalmente para família e
amigos (só Deus sabe quanto eu já não me fodi por causa disso), segundo
porque ela se solidarizava com qualquer um, mesmo que a pessoa seja Elias.
O cara estava com um pé no caixão, e Sofia devia estar levando isso em
conta, enquanto olhava para mim no meio do quarto.
Nem fodendo.
Depois que terminei de me trocar, peguei a carteira do criado e
passei por ela, para deixar o quarto. Porém, quando eu entrei no corredor,
Sofia desligou o telefone e veio logo atrás de mim:
― Onde você está indo?!
Eu não olhei para trás, porque sabia que ela estava puta, prestes a
libertar a porra louca que eu não queria escutar. Eu tinha mentido para a
minha mulher, afinal, mesmo que eu tenha dito por anos que nunca mentia
para ela...
Mas eu não queria que Sofia soubesse que a minha tia havia ligado e
pedido para visitarmos Elias. Não queria porque eu a conhecia: Sofia era
muito melhor que eu. Ela era como o cara da cruz.
― Sair ― eu respondi, continuando a atravessar o corredor.
Quando nos aproximamos do quarto de Maysa, antes que eu pudesse
entrar dar um beijo nela antes de sair, Müller entrou na minha frente. Ela me
parou com os seus braços e me olhou com uma expressão irritada.
E lá vamos nós...
― Você vai sair ao invés de me dizer por que mentiu pra mim? ―
ela perguntou.
Respirei fundo, abaixando a cabeça.
Eu não acredito que, além de não comer a minha mulher hoje, eu
vou brigar com ela. Caralho...
― Você sabe a resposta ― eu respondi, tentando me conter.
― Não sei, não, Téo. Não passa nem pela minha cabeça por que
você fez tão pouco do pedido da sua tia.
― Isso não é sobre a minha tia, você sabe, caralho.
Encarei Sofia, com os lábios apreensivos e a respiração pesada.
Eu não queria entrar em pé de guerra com ela, porque, por mais que
Sofia seja solidária à dor alheia, quando se trata de mim, a minha mulher não
tem problema algum em me tirar a paciência e me fazer discutir algo que não
faz sentido. Então ela rebate tudo o que eu digo, eu rebato tudo o que ela diz,
e nem sempre uma briga acaba em foda, para compensar alguma coisa.
Considerando que a nossa filha não deixa a gente trepar há dias, não
seria diferente agora.
― Já passou anos, Téo ― Sofia falou, relaxando um pouco a postura
e piscando lentamente. ― Eu não acredito que você ainda guarde rancor do
Elias desse jeito.
― Eu não guardo rancor, Sofia ― eu respondi, dando um passo para
trás enquanto a olhava: ― Você acha que eu tenho tempo pra guardar rancor,
por acaso?! Com você e com a Maysa, você acha que eu fico pensando
naquele pastor?
Sofia cruzou os braços, olhando-me apreensiva.
― Por que a gente não pode ver o Elias, então? ― ela perguntou
baixo, fazendo um tipo de olhar doce e compreensivo que me fazia perguntar
se ela era mesmo humana ou algo bem melhor que isso.
Nem fodendo. Nem fodendo.
Passei a língua nos lábios secos, sentindo a vontade de fumar
aumentar. Eu sabia que, enquanto a gente não discutisse logo e eu não
deixasse claro que não sairia de casa para vê-lo, ela continuaria me
impedindo de tragar e cheirar à cigarro, como nos velhos tempos. Então
decidi argumentar:
― Por que a gente deveria ir, hã? ― perguntei, fazendo um gesto
com as mãos. Aproximei-me dela de novo. ― A última vez que nós dois
ficamos em um lugar fechado com esse cara foi em um chalé, quando ele
olhou pra você e disse que o que você estava fazendo comigo era
prostituição ― eu falei para ela, fazendo com que Sofia se calasse e olhasse
para o quarto de Maysa ao invés de me olhar de volta. Percebendo que eu
tinha conseguido zerá-la, continuei: ― Sabe o que esse cara me disse uma
vez, Müller? Que se eu continuasse tendo relações sexuais antes do
casamento, a minha família seria amaldiçoada. Ele disse que isso traria
maldição na vida dos meus filhos no futuro, como consequência do meu
pecado... ― eu contei, fechando os olhos no seu rosto que parecia
incomodado com o que eu estava dizendo, como eu também estava. ― Então
por que a gente deveria ir orar por um cara que acredita que a nossa família
e a nossa filha é amaldiçoada pelo nosso pecado, hã?
Sofia permaneceu com os olhos distantes dos meus, os braços
cruzados e o cenho franzido. Ela parecia estar pensando em algo específico
antes de voltar a me olhar e levar o assunto para outro rumo:
― A sua tia disse que vai ser bom pra ele, se a gente for.
― Como vai ser bom pra ele?
― Porque ele vai passar por uma cirurgia sozinho, mas não precisa
de sentir assim...
Novamente, ela fez um olhar compreensivo na minha direção, o que
me fez abaixar o cenho para passar a mão no rosto.
Nem fodendo.
― Não continua com isso, Sofia ― eu pedi, estressado,
distanciando-me dela de novo. Gesticulei a cabeça. ― Eu não quero saber
do Elias, não vou pra nenhum caralho de hospital agora e não adianta você
encher o meu saco por causa disso.
Sofia estava prestes a continuar com o seu discurso, olhando-me com
os seus olhos tão grandes quanto lindos, quando abriu a boca, surpresa com a
minha resposta. Ao invés de se distanciar como eu fiz, ela se aproximou de
mim, e eu pude ver a tonalidade castanha alcançar um tom avermelhado,
como o sentimento inflamado que ela estava prestes a soltar agora:
― Além da sua tia, agora eu estou enchendo a porra do seu saco? ―
ela perguntou, colocando as mãos nos quadris. Não sai da sua frente, fiquei
esperando que Sofia terminasse com uma bomba que ela sempre jogava: ―
Será que você não precisa crescer e se dar conta de que você superestima
muito o seu saco, Téo?
Senti o sangue subir para o meu rosto, ficando com um tipo de
vergonha inusitada de repente. Mas não desviei dos seus olhos, que me
encaravam como se ela estivesse pronta para rebater muito mais que do que
lançasse ainda.
Você quer mesmo entrar numa porra de discussão por causa desse
filho da puta, não quer, Müller? Ótimo!
― Se eu superestimo o meu saco, você superestima muito a sua
conduta, linda ― eu falei, provocando-a. Sofia fechou os olhos em mim, mas
eu continuei: ― Se você quer bancar a boa aluna pra esse pastor agora,
depois de ter mandado o cara se foder várias vezes por ser um otário, o
problema é seu. Não faça da sua hipocrisia, a minha.
Ela abriu a boca mais uma vez, gesticulando a cabeça como se o que
eu pensasse fosse pura impuridade. Sofia deu um passo para trás e, mais uma
vez, olhou para o quarto de Maysa. Ela pareceu meio perdida por um
instante, mas se virou para mim:
― Eu não quero parecer boa, Téo. Nem vou negar que eu já chamei
Elias de babaca várias vezes e que também não concordava com muita coisa
do que ele dizia ― ela falou, com os olhos presos nos meus. ― Mas a Rose
disse que ele pode morrer e me implorou não só pra eu ir, mas pra te
convencer também. Se você não quer fazer isso por ele, pelo menos faça
porque a sua tia pediu. Hipócrita vai ser você, se dar as costas pra ela
depois de tudo o que ela fez por você nessa vida.
Foi a minha vez de tirar os olhos dela.
Eu não podia dizer que ela estava errada, porque não estava. A
minha tia tinha sido praticamente a minha única família de sangue depois que
a minha mãe morreu. Quando me misturei à família Ferrero, a única pessoa
com quem conseguia interagir era com ela. A minha madrasta não gostava de
mim, os meus tios e primos tinham receio do bastardo no começo e meu pai
não conseguia se entender comigo. Tia Rose era a única com quem eu
conversava naquele período, não sei por quê, nunca tive receio algum em me
aproximar dela, diferente das outras pessoas da família...
Eu só... Não fazia sentido pedir o que ela estava pedindo. Não era
um puta favor, porque eu só teria que fazer de uma roda de oração, mas...
Que diferença eu faria lá? O que me bom poderia vir de mim, que
mal tinha contato com o cara por sete anos?
― A gente nem é cristão, Sofia ― eu falei para ela.
Sofia tombou um pouco a cabeça e fez um gesto sutil com os ombros.
― A gente se casou na igreja, batizou a Maysa, e você tem um cruz
tatuada no seu peito...
― Essas coisas tem um significado diferente pra gente.
― É uma oração com Elias, Téo ― ela falou, com o tom de voz mais
baixo que me fez perceber que ela realmente estava implorando, como a
minha tia pediu. ― Por que você não pode fazer isso pelo mesmo
significado?
Sofia se aproximou de mim, colocando as mãos no meu peito para
subir até os olhos. O seu toque me amolecia pra caralho, porque Sofia por
inteira era a minha esperança para humanidade e para mim mesmo, mas...
Talvez eu guardasse rancor de Elias. Talvez eu não desejasse que ele
morresse, mas não me importasse se morresse também...
― Porque não vai ser verdadeiro ― eu respondi para ela, olhando
para a parede do quarto de Maysa ao invés de olhá-la. Porém, no instante
que bati os olhos no seu, reconheci a sua surpresa: ela estava desapontada.
Completamente desapontada. Até tentei levantar o seu rosto, mas os seus
olhos se perderam dos meus, o que fez o meu peito se apertar. Eu aguento
brigar com você, linda, mas não me distanciar assim. Engoli em seco,
ficando mais nervoso por perder a minha manhã com ela dessa forma. Não é
possível que esse Elias vai empacar até o meu casamento, caralho. ― Eu
não quero voltar pro hospital com a Maysa ― eu falei para ela, tentando
convencê-la de que seria melhor deixar essa ideia de hospital de lado. ―
Você disse ontem que passou odiar hospitais, Sofia... Ela tá aqui agora, com
a gente, amor. ― Envolvi o seu rosto e beijei a sua bochecha. Sofia não se
distanciou, mas não correspondeu quando toquei os seus lábios. ― Deixa a
terrorista dormir na cama dela, não tira ela daqui mais... Deixa eu te levar
pra cama, terminar o que a gente começou antes ― foi a minha vez de
implorar. Passei a mão por baixo dos seus fios de cabelo, o que fez Sofia se
arrepiar um pouco, então aproveitei para encostá-la à parede do corredor e
beijar o seu pescoço exposto. ― Eu sinto a sua falta, linda... Deixe eu te
amar, hum? ― eu sussurrei, afundando a boca na clavícula.
Sofia gemeu baixinho, o que fez tudo, absolutamente tudo acordar
dentro de mim.
Esse era o sábado de manhã que eu queria: eu e ela. Eu e a mulher
que eu desejei com toda a minha alma desde a primeira noite que eu a
provei. Eu e a garota da minha excursão... Só eu e ela...
Mas não existia só eu e ela mais em um sábado de manhã.
Antes que eu pudesse remover qualquer tecido do seu corpo, um
choro baixo ecoou do quarto de Maysa, mas nós dois ouvimos no mesmo
instante: ela está chorando... Por que ela está chorando tanto
ultimamente?
Mordi o lábio, emputecido, porque eu queria comer a minha mulher
e, ao mesmo tempo, queria saber o que caralhos estava acontecendo com a
minha filha, porque tinha algo errado com a minha Maysa e eu não precisava
escutar o seu choro para saber disso...
E se ela ainda estiver doente, porra... E se a inflamação estiver
voltando...
Porra.
― Se você quiser ficar com ela em casa, tudo bem ― Sofia falou no
momento seguinte, tocando o meu peito para me distanciar dela.
Porra.
― Linda... ― Eu gesticulei a cabeça.
― Eu também não sou religiosa, Téo ― ela me cortou antes que eu
pudesse continuar. Enxerguei os seus olhos brilharem, mas Sofia não chorou.
― Eu não sei se existe só um Deus, não sei se é Jesus Cristo, não sei se
existem santos, exus, ou qualquer outra divindade religiosa... Eu não sei ―
ela disse, fazendo um gesto com os ombros. Em seguida, Sofia eu um passo
para o lado e olhou para o quarto de Maysa. Fiz o mesmo e, quando a nossa
filha nos enxergou na porta, ela parou de chorar, mas bateu as mãos no berço
um pouco nervosa, perdida... ― Mas eu orei por ela ― Sofia contou,
virando-se para mim novamente. Ficamos muito próximos um do outro, e eu
queria calá-la, porque não queria falar sobre aquela semana, mas ela
continuou: ― Eu não pedi pra nenhum Deus específico, só que... ― Uma
lágrima caiu, fazendo Sofia abaixar o rosto. ― Eu pedi pra qualquer força
tirar Maysa do hospital, porque eu não podia fazer nada. E se eu não tivesse
me apoiado nessas orações, eu ficaria mais frustrada por ser incapaz de
fazer a minha própria filha se sentir melhor...
Senti o meu peito pesar, o meu pulmão pesar, e dessa vez não foi o
tipo de peso que eu esperava me encher. Eu entendia o que ela estava
falando, entendia o que era ver a coisa mais perfeita que eu tinha feito nessa
vida perder um pouco de vida em um quarto de hospital.
Eu pensava que poderia ir para o inferno só quando morresse, mas eu
estava enganado: eu fui torturado nele quando Maysa ficou internada. Mesmo
que fosse algo recorrente, mesmo que não houvesse muito risco, a minha
filha de um ano não tinha que passar por isso... Ela era pequena pra caralho,
se tivesse que ter feito cirurgia, puta merda... Puta merda.
― Ela tá aqui agora ― eu falei para Sofia, para nos consolar.
― Eu sei ― Sofia respondeu, gesticulando a cabeça. Mas, em
seguida, ela falou: ― E se for pelas orações que ela está aqui, é o meu
milagre. Mesmo sendo pequeno ― disse, limpando a lágrima que escapou
rapidamente. Então Sofia levantou bem o cenho e me olhou, firme: ― Se tem
alguma chance de ser o Deus do Elias que fez isso, eu vou orar pra ele de
novo, Téo. Não me importa o que Elias é. Nem a nossa filha, nem ele
merecem ficar em um quarto de hospital.
Antes que eu pudesse respondê-la, Sofia saiu da minha frente e
voltou para o nosso quarto, provavelmente para tomar banho e se trocar para
ver o pastor. Com certeza eu poderia dizer ou fazer qualquer coisa: a minha
mulher não deixaria as suas crenças para trás.
Fiquei parado à porta do quarto, mas acabei entrando quando Maysa
me estendeu os braços do berço para que eu a pegasse. Aproximei-me de
onde tinha escapado mais cedo, desejando que a minha empaca foda não
acordasse pelas próximas horas...
― A gente tinha feito um trato, não tinha, terrorista? ― eu perguntei
para ela, agarrando-a para pegá-la no colo. Quando a juntei ao meu peito,
olhei para ela, para o seu rosto levemente vermelho e os olhos um pouco
molhados, como Sofia ficou minutos antes. ― Você quer ficar sozinha com o
pai, esse sábado?
Maysa fez uma careta que me fez aproximar a mão na sua testa, para
ver se ela estava com febre. Em seguida, tentei enxergar como estava a sua
garganta, se estava tão vermelha quanto aqueles dias, mas ela não me
deixava ver direito...
Eu estava com medo, porra. Eu estava com um medo do caralho
daquela semana se repetir, e eu ter levá-la ao hospital de novo, para ficar lá.
Então aquele bando de médicos iam sugerir cortá-la de novo e talvez ela
ficasse mais assustada do que já estava...
Não. Nem fodendo.
Coloquei-a no berço de novo e me apoiei na madeira, olhando para
ela. Maysa se sentou e agarrou o tubarão por um instante, mas logo o largou
quando Sofia passou pelo corredor, o que a fez agarrar as grades para se
levantar e olhá-la.
― O quê? ― eu perguntei, chamando a atenção dela. Maysa me
olhou, com os olhos pequenos e as bochechas coradas. ― Você quer a sua
mãe?
Entendo o que eu tinha dito, ela apontou para a porta e sibilou: mã,
mã, mãe...
... se for pelas orações que ela está aqui, é o meu milagre. Mesmo
sendo pequeno.
Coloquei a mão no peito, onde a tatuagem de cruz ficava. Lembrei-
me da sensação da agulha traçando o desenho, assim como me lembrei da
minha mãe naquela sacada de igreja: o seu rosto estava um pouco borrada
pela lembrança precária, mas a sua voz era nítida.
― Jesus Cristo foi um bom homem, Téo. Com um coração grande,
que respeitava e amava os outros, apesar das suas escolhas...
Eu me imaginava dizendo algo parecido para Maysa quando ela fosse
maior, mas, ao invés de falar de Cristo, eu diria: a sua mãe é uma mulher
boa, Maysa. Com um coração grande, que respeita e ama os outros, mesmo
que os outros sejam um bando de babacas...
A vontade de fumar se aproximou novamente, mas, ao invés de sair
de casa antes que Sofia saísse, eu peguei Maysa no colo para trocá-la e levá-
la ao hospital com a gente.
Você quer orar, Müller, eu te assistir orar. Porque você não é Jesus
Cristo, mas é a minha mulher da cruz.
CAPÍTULO 3
TÉO

Eu estava indo para o hospital. Mas estava indo puto.


Botei a Maysa na cadeirinha dos bancos de trás do carro, esperei
Sofia entrar e liguei o carro puto da vida por estar deixando a minha casa
num sábado de manhã para ir fazer oração para um pastor em um hospital. O
que me deixava mais puto ainda era que eu não me senti obrigado a fazer
isso quando a minha tia ligou no dia anterior, pedindo que eu fizesse a visita.
Quando a tia Rose disse que Elias estava no hospital e que sábado seria dia
de campanha de oração por ele, a minha consciência não pesou nem um
pouco por ter dado desculpas, menos ainda quando botei os pés dentro de
casa e encontrei Sofia de lingerie, gostosa pra caralho com aquela carinha de
porra louca que só eu conheço...
Naquela hora, quando eu a agarrei e deixei o celular cair junto com a
ligação, Elias parou de existir, a minha tia parou de existir, a casa inteira
parou de existir. A última coisa que perguntei a ela foi sobre a empaca foda
mirim, mas depois tudo o que eu tinha na cabeça enquanto tirava as peças da
lingerie e abria as suas pernas na mesa de centro para ver a sua boceta
molhada era fodê-la tão forte que Sofia imploraria por mais, e eu daria tudo
o que tinha, porque a mulher com quem eu me casei era idolatrada desde a
primeira vez que eu botei as mãos nela.
Talvez por isso eu tenha me sentido coagido a entrar na porra do
carro e ir para a tal campanha. Eu não adorava Sofia Müller apenas pelo fato
de que ela conseguia ser a mulher mais doce nas manhãs infernais e a mulher
mais puta quando ficava com a boceta inchada e molhada... Eu adorava Sofia
porque ela era a minha cruz desde que cruzou o meu caminho e, quando ela
disse que oraria por Elias, não para um deus particular, mas pelo próprio ato
da fé, eu me lembrei da minha mãe que orava para Jesus Cristo mesmo que
não fosse cristã devota. Eu me lembrei que a vida tinha sido filha da puta por
tirar de mim a mulher que me criou, mas que me compensou com uma mulher
tão maravilhosa a ponto de me dar uma filha com o nome da minha mãe.
Mas eu estava puto, fodido com Sofia, por me arrastar para o
hospital sem nenhum esforço. Quando eu era mais novo, sempre gostei de
tirar com a cara do Pedro, o primeiro dos putos a namorar, que vivia fazendo
o que a Clara queria, ainda que ele não quisesse. Eu achava isso um porre,
deixar de fazer as suas vontades por causa de outra pessoa; achava que isso
era coisa de moleque cabaço, pau-mandado, capado...
Bom, eu me sentia capado agora. A minha mulher tinha arrancado o
meu pau sem fazer metade do barraco que a Clara fazia com o Pedro, e agora
eu estava aqui, na rua às nove da manhã do horário de verão, com os olhos
inchados de sono e o pau fodido por não comer a boceta com a qual eu me
casei justamente para comer aos sábados.
E eu nem vou falar sobre a parte que estou sem foder há dias, porque
o meu próprio pau fez o favor de criar uma maneira de broxá-lo: a garotinha
que estava sentada nos bancos de trás, com um rostinho tranquilo de quem
dormiu à noite inteira na cama dos pais e não deixou ninguém dormir feliz
também.
Sofia sabia que eu estava puto enquanto dirigia, porque não eu abri a
boca para nada durante o trajeto; ela nem se importou em conversar. Com
certeza estava puta também porque a chamei de hipócrita e porque menti
sobre a ligação da minha tia. Ela conversou com Maysa, só, com a voz
esquisita de extraterrestre que fazia a minha filha ficar vermelha de rir,
esperneando. Depois se virou no banco e ficou em silêncio, olhando através
da janela a cidade com trânsito pra caralho naquele horário: os motoristas de
carros que, magicamente, desaprendiam a dirigir por causa da porra de um
chuvisco e os motoqueiros que eu deixei de xingar porque Maysa ainda era
muito pequena para saber como existia gente filha da puta no mundo.
Quando chegamos ao hospital, eu entrei no estacionamento decidido
a entrar lá dentro apenas para falar com a minha tia. Fiquei puto porque
Sofia jogou na minha cara que eu estava sendo ingrato com a mulher que foi
a minha segunda mãe, mas sabia que tinha verdade ali. Tia Rose tinha sido
todo o meu apoio quando precisei, acolhendo-me da sua casa há anos, então
eu podia ser mais flexível e consolá-la por precisar de mim...
Mas eu não entraria no quarto para ver Elias, nem fodendo.
Se Sofia queria orar para ele, para que a cirurgia desse certo,
ótimo... mas eu não era cristão devoto e, mesmo que achasse muito digna
toda a história de Jesus Cristo, eu estava longe de lamber o próximo só
porque ele estava com um pé no caixão.
Entraria, daria um beijo na minha tia e adeus. Depois voltaria para
casa e, se Sofia continuasse puta comigo, eu sairia para comprar a porra do
maço de cigarro para deixá-la duas vezes mais puta por ter desistido da
nossa manhã de foda por causa do profeta de maldições.
Eu estava prestes a dizer isso a ela, que ficaria por pouco tempo,
quando estacionei o carro e ela logo saiu para pegar Maysa nos bancos de
trás, ignorando-me completamente. Dei um suspiro e olhei a minha filha pelo
retrovisor, que estava com a expressão um pouco franzida, como se sentisse
para onde tinha voltado.
O hospital onde ficou por três dias, com as amidalas inflamadas.
Porra, viu...
Deixei o carro também, quase batendo a porta em uma pessoa que
estava prestes a entrar no carro estacionado ao lado. Apenas percebi que fiz
isso quando já tinha aberto a porta e vi, pela janela, uma cintura de mulher,
além de ouvi-la dizendo droga.
Saí do banco, com um pedido automático de desculpas, mas no
momento que fiquei de pé e olhei para ela, me deparei com um rosto
levemente conhecido que parecia tão distante como se fosse de outra vida.
Os olhos castanhos estavam com maquiagem, assim como a boca rosada, que
tinha um volume bonito pra caralho.
Esses olhos e essa boca... Acho que eu conheço, não conheço?
― Téo Ferrero?! ― ela confirmou por mim logo que me encontrou
também.
Eu sabia quem ela era: uma ex-estudante do Colégio Mão de Deus,
como eu. Fazia sentido, uma vez que a tia Rose tinha mandado colocar um
puta cartaz na frente da escola avisando sobre a campanha de oração. Os
antigos alunos, como eu e Sofia, deveriam estar por aqui também, visitando
o homem de Deus.
Porém, quando um sorriso se abriu na minha direção e percebi que
ela veio me abraçar, eu não me lembrei qual era o seu nome, nem a turma
que estudava. Já fazia sete anos que eu tinha me formado no Ensino Médio,
de maneira que eu não tinha contato com ninguém daqueles tempos que não
fosse a minha mulher e os nossos amigos, a Dorta, o japonês e a Marques;
por isso, tudo o que consegui fazer em resposta foi dar um abraço meio sem
graça e dizer um oi rápido. Até senti o cheiro do perfume feminino subir,
pensando que poderia me lembrar um pouco mais dela, mas eu não estava só
enferrujado para lembrar sobre o passado, como também dos cheiros
femininos. Fazia tanto tempo que eu sentia de perto apenas um perfume que o
pescoço de uma antiga conhecida não era mais fácil de decifrar...
Ou era possível que eu só não tivesse ficado com ela no passado,
ainda que os lábios tivessem chamado muito a minha atenção...
Fernanda, será? Começava com “F”, não começava?
― Fabi? ― a voz da minha mulher se levantou quando a nossa
colega se afastou.
Isso... Fabi, porra! A Fabi da nossa turma, que uma vez já tinha ido
ao Tribos me ver tocar e que ficou um dia comigo, na excursão... A diferença
era que agora ela estava loira e não morena.
Eu disse que eu reconhecia a boca dela.
― Oi, Sofia! ― Fabi respondeu, saindo da minha frente para
caminhar até a traseira do carro, onde Sofia estava. Ela a beijou rapidamente
para depois concentrar os olhos em Maysa. ― Ah, meu Deus! ― Ela
colocou as mãos nas próprias bochechas, soltando uma risada enquanto
Maysa a analisava de volta, séria. ― Mas que linda que ela é... Caramba!
Você posta foto dela às vezes, mas... pessoalmente ela é mais princesinha
ainda!
Os olhos de Maysa estavam concentrados em Fabi até que a nova
conhecida estendeu os braços para tocá-la. Foi Fabi colocar a mão nos seus
cabelos que a minha filha fez uma careta e virou o rosto, afundando-o no
ombro de Sofia, que abriu um sorriso sem graça. Ela tinha sido criada para
ser educada com as pessoas, enquanto Maysa estava pouco de fodendo para
as pessoas. Sorri comigo mesmo quando a minha filha me olhou por cima do
ombro e fez uma cara de tédio.
― Ela fica chatinha de manhã ― Sofia se explicou para Fabi, rindo
leve.
― Quantos anos já?
― Um ano e dois meses.
― Own... ― Fabi tentou olhá-la de novo, mas Maysa virou a cara
para o outro lado. Em seguida, a nossa ex-colega riu. ― Ela é muito linda...
A sua cara, Téo. ― Ela sorriu.
― Obrigado. ― Sorri de volta.
Quando me aproximei das dois e passei o olhar de relance em Sofia,
percebi que ela fechou os olhos em mim: que educado, você, lindo... Pela
primeira vez, me fitou de verdade desde que saímos de casa, ainda que
parecesse tão puta quanto estava.
Ciúme, Müller.
Não precisava nem interrogar, eu sabia que ela estava. Mesmo que eu
nem tivesse transado com Fabi nos tempos de escola, Sofia não era muito
madura quando se tratava de ciúme. Às vezes, a minha mulher demostrava
isso ficando apenas com as maçãs do rosto coradas, o que eu achava
engraçado de se ver, mas outras vezes... ela me infernizava com sucesso.
Como nesse caso era apenas Fabi, eu apenas sorri para ela de volta:
eu sempre sou educado, linda.
― Então ― Sofia virou o rosto, ignorando-me ―, você também veio
visitar o pastor, Fabi?
Como Maysa não estava dando bola para ela, a nossa ex-colega
colocou os olhos em Sofia e em mim.
― Vim, acabei de participar de um círculo de oração ― ela
respondeu, cruzando os braços no peito. Os seus olhos castanhos passaram a
ficar apreensivos. ― A situação é complicada. O Rafael da nossa sala
também estava aí, ele se formou em medicina, sabe... disse que a cirurgia
tem realmente riscos.
― Como ela está? ― Sofia perguntou.
― Do mesmo jeito de sempre. ― Fabi repuxou os lábios. ― Meio
rabugento, fala tudo o que vem à cabeça e tratando todo mundo como se
ainda fôssemos os seus alunos... Mas disse que, se for a hora dele, ele vai
ser salvo, de qualquer maneira ― ela falou, gesticulando os ombros, em
seguida, colocou os olhos divertidos em mim: ― Espero que você não faça
o pastor pecar antes de morrer, Téo. Nada de fumar no quarto dele ― Fabi
brincou.
Abaixei a cabeça, rindo também. Aparentemente todos se lembravam
que a minha relação com Elias não era das melhores.
― Eu parei de fumar... pelo menos por isso não vou receber sermão.
― Parou? ― Fabi levantou as sobrancelhas.
É, eu fico impressionado com isso também. Para quem fumava todos
os dias nas últimas estantes da biblioteca, eu me tornei o cara mais saudável
do mundo.
― Essa garota me obrigou ― falei, dando um beijo na bochecha da
terrorista.
― Ah... Você parou por causa da paternidade? ― Fabi colocou a
mão no meu braço depois que assenti. ― Que fofo, Ferrero! ― Ela abriu a
boca carnuda, fazendo-me sorrir um pouco mais. ― Você tem cara de ser
paizão mesmo. Só pelas fotos que a Sofia posta, dá ver pra que essa garota
tem sorte de ter um homem como você... E você também, Sofia. ― Fabi
colocou a mão no braço dela também. ― Acredite, homens assim são muito
difíceis de se achar, e olha que eu já procurei um monte de pais para os meus
futuros filhos e não achei! ― Ela riu.
Ouviu isso, Müller? Eu sou um achado, amor!
Coloquei os olhos em Sofia que abriu um sorriso forçado, enquanto
ajeitava Maysa no seu colo. Até quis pegá-la, mas ela negou com a cabeça
em um está tudo bem.
Não estava tudo bem. Ela estava se mordendo de ciúme, e isso estava
compensando pelo menos um pouco o fato de que a minha mulher me fez sair
de casa para vir para cá.
― Pois é. Nós duas somos muito sortudas ― ela respondeu para
Fabi que estava muito distraída para perceber a ironia.
Ela ainda falou mais algumas coisas sobre Elias e tentou brincar com
Maysa, que nem se deu o trabalho de tirar a cabeça no ombro, mas Fabi
acabou dizendo que tinha que ir trabalhar e que precisava ir. Beijou Sofia e
depois me beijou, com certeza deixando a marca de batom no meu maxilar.
Nessa hora, Maysa levantou a cabeça para olhar para ela e fez uma careta
muito parecida com a da mulher que a segurava. Agora parecia mais uma
Müller que uma Ferrero.
A minha filha estendeu os braços para mim, o que me fez distanciar
de Fabi para pegá-la. Dessa vez, Sofia a estendeu para mim, mas, a partir do
momento que a nossa ex-colega entrou no seu carro, ela deu um tchau rápido
e começou a andar até a entrada do hospital, sem fazer questão de me
esperar.
― Claro ― ela sussurrou, caminhando na minha frente. ― Você fica
nove meses formando uma pessoa, faz parto normal, amamenta até que os
bicos dos seus peitos secarem e faz mais um milhão de coisas pro seu bebê
crescer saudável... E quem recebe o elogio? Por parar de fumar? ― falou
como se fosse para ela mesma, mas eu sabia que era para mim. ― Claro...
Papai. Porque é digno de elogio mesmo quando um homem larga um vício
mortal por causa da família. O herói da pátria! ― Deu uma risada irônica.
Por um lado, Sofia estava certa: fiz a criança, o mínimo que tenho
que fazer é sobreviver para criá-la. Não nego que é a minha obrigação tirar a
possibilidade de câncer no pulmão por causa de Maysa.
Mas, por outro lado, eu sabia que ela estava implicando por ciúme e
raiva da briga que tivemos, então dei uma risada enquanto olhava para a
minha Ferrero:
― Eu sou o herói mais bonito da sua pátria, não é, terrorista? ― Dei
um mordida leve na sua pescoço.
Maysa tinha aberto a boca para bocejar, mas acabou rindo quando os
meus dentes rasparam na sua parte delicada no pescoço. Adorava que ela
tivesse cócegas fácil, era o meio mais fácil de escutar a sua risada quando
ficava com sono...
― Pra quem não queria vir, você ficou de muito bom humor agora,
né, lindo? ― Sofia provocou antes de cruzar o asfalto para entrar no
hospital.
Passei a língua nos lábios, sentindo-os se repuxarem mais.
― Eu gosto de rever os meus antigos colegas, Müller... Quem diria
que a gente ia encontrar justo a Fabi. Já dividi até cigarro com ela!
― Me lembro do que você dividiu com ela... Falta de noção no
ônibus de excursão.
― Pelo que eu lembre, linda, não foi a Fabi que gemeu com os meus
dedos nela...
― Ah, acho que ela gemeu muito, sim, sem precisar dos seus dedos.
― Você ouviu?
― E vi... mas acho que você não prestou muita atenção em mim
quando estava com a língua enfiada na boca dela, nos últimos assentos do
ônibus.
Dei risada, sem conseguir conter o impulso.
Sete anos se passaram e ela ainda se lembrava de como foi o dia que
eu fiquei com a nossa colega? Puta merda... Eu não me lembrava nem do que
comi ontem...
― O ciúme começou lá? ― provoquei a ponto de fazer Sofia se virar
para me olhar, abrindo a boca.
― Por que eu teria ciúme da Fabi a esse ponto do campeonato? ―
ela negou, tentando parecer mais madura. ― Se ela quiser e abraçar e deixar
marca de batom forte no seu rosto, pode deixar! Não tô nem aí! Só estou
falando que... ― Entortei mais o sorriso, com um pouco de sarcasmo, o que
fez Sofia bufar. Antes de subir na rampa do hospital, ela fez um gesto com a
cabeça e virou a cara: ― Olha, pensa o que você quiser, Téo... Já junta isso
com a minha hipocrisia de uma vez.
Virei a cara, também, deixando a provocação de lado porque me
deixava puto que ela estivesse puta em primeiro lugar. Eu não tinha me
casado com uma hipócrita; porra, eu sabia disso... e Sofia também sabia. Ela
veio orar por Elias, apesar do cara ter sido um porre nos tempos de colégio,
e eu achava bonito da parte dela... mas Sofia não podia me julgar por não
querer estar aqui. Nós nem tivemos contato com o pastor depois que nos
formamos e, na realidade, eu acreditava que até ele agradecia por isso.
Fiquei quieto e abracei Maysa um pouco mais quando entramos no
hospital. Não sei se era coisa da cabeça, mas senti a minha filha estremecer
no momento que passou por aquelas portas, o que me fez cogitar voltar ao
carro e esperar por Sofia lá dentro.
Há poucos dias, nós tínhamos estado aqui querendo tirar Maysa
desse lugar à qualquer custo para que ela não passasse mais uma noite fora
de casa. Há poucos dias, eu fui o filho da puta que grita com um especialista
sobre o que é melhor para um bebê, mesmo que ele tenha explicado diversas
vezes que a minha filha era saudável para passar por uma simples cirurgia.
Há poucos dias, eu me senti o marido mais impaciente, o pai mais
impotente, o homem mais fraco que estava preso a um hospital com um
cheiro que não combinava com a minha família. Lembrei-me de quando eu
passava dias no hospital com a minha mãe, quando ela ficou internada por
meses fazendo a quimioterapia. Era esse inferno tudo de novo, mas ainda
conseguia ser pior, porque a minha mãe não me olhava como se precisasse
que eu fizesse alguma coisa, ela era forte, me fazia rir quando eu ficava com
raiva e prometia que estava bem, mesmo que estivesse pálida, careca a presa
à cama. Já a minha filha chorava porque ela não entendia o que estava
acontecendo com ela, por que a garganta doía tanto e por que eu não resolvia
isso de uma vez. Quando ela chorava para o resto das coisas, eu resolvia o
problema: ninava, alimentava, brincava... Por que eu não fazia a sua garganta
parar de doer, então?
Maysa precisava da minha força e não havia força em mim. Eu era só
um moleque de sete anos querendo fugir do hospital com uma criança nos
braços, desejando ficar em paz de novo...
Travei os passos quando passamos pela secretaria e olhei para
Maysa.
Se quiser fugir, a gente foge. Me dê o sinal e nunca mais voltamos
pra cá, pequena.
― Téo ― Sofia me chamou, parando de andar também. Ela olhou um
momento para a Maysa, que olhou de um jeito muito inocente que eu não
queria perder tão rápido. ― É só um lugar ― ela disse para mim, tentando
me consolar.
Acredite, não é só um lugar. Eu já vi uma pessoa morrendo nesse
lugar.
Apenas assenti ao receber um beijo que me acalmou um pouco e
acabei percebendo que Maysa não estava tremendo nem queria chorar, como
aconteceu naqueles três dias. Para ser honesto, ela estava com tanto sono que
tombou a cabeça no meu ombro e relaxou por lá, balbuciando sílabas
desconexas. Quem estava nervoso aqui era eu, que queria encontrar logo a
tia Rose para abraçá-la e me mandar o quanto antes. Nem estava mais
pensando em cigarro, a única coisa que queria era passar o resto do sábado
com a minha filha e a minha mulher, na mesma cama.
Paz, depois de tudo o que aconteceu. E não era muito difícil de se
alcançar isso perto da mulher com quem eu havia me casado...
Às vezes.
Sofia tinha desfeito a expressão puta depois de me beijar, afagando a
minha barba rala. Mesmo que eu tenha sido um marido impaciente e recluso
quando Maysa ficou internada, ela fez de tudo para me acalmar naqueles três
dias, mesmo que estivesse tão fraca quanto eu. Tínhamos brigado mais cedo,
mas, no fundo, a gente sabia que aquela discussão não era nada comparada
às merdas que já passamos nessa vida. Ela era a minha mulher na sanidade e
na loucura, e eu não me arrependia um dia sequer por ter ido atrás dela nas
últimas estantes da biblioteca quando Sofia Müller era só a bailarina pura do
Mão de Deus.
Mas às vezes ela realmente fazia com que eu quisesse ser o babaca
que soprava fumaça na cara dos outros, distanciando a paz de mim até que eu
cogitasse a ideia de que nenhum anjo poderia me fazer parar de fumar nessa
vida.
O problema foi que Maysa não conseguiu dormir enquanto
cruzávamos o hospital porque eu e Sofia acabamos esbarrando em muitos
colegas antigos, ou melhor, colegas, porque só havia alunas do Mão de Deus
fazendo visita para o pastor. Aconteceu que grande parte das mulheres me
reconheceram e me pararam para cumprimentar, de maneira que eu fui
ficando com tanta marca de batom a mesma medida que Maysa ficava.
Eu não sou otário, sei que carregar uma criança de um ano no colo
chama a atenção para mim, porque as mulheres gostam dessas porras e ficam
elogiando, como Fabi fez antes. Você pode estar na condição que for, de
roupa social com o cabelo penteado, ou de bermuda e camiseta velha saindo
suado da academia: Maysa no colo é convite pra sorriso e conversa jogada
fora. As mulheres se aproximam pra mexer com a criança e, mesmo que você
tenha uma aliança no dedo, elas flertam. Na maioria das vezes é inocente, o
que me deixa tranquilo, mas algumas...
É um teste do tinhoso que quer me foder.
Não vou dizer que não olho, que não aprecio a vista, que não
comento com os putos como é bom receber cantada de mulher que te acha um
homem do caralho por ser pai. Quando eu saio com o Pedro, é mais foda
ainda, porque os gêmeos idênticos são imãs para voz feminina se
aproximando. Ao contrário de Maysa, que não vai para colo desconhecido
nem com doce, Diego e Thales caem no meio dos peitos das mulheres no
segundo que veem braços estendidos. Depois de cinco minutos, estamos
rodeados por grupo de amigas de academia, supermercado, parque e
estacionamento.
Sofia sabe disso, ainda que Clara não possa nem sonhar que uma vez
o puto fez até sessão de fotos em farmácia. Até quando eu vou comprar
fralda, sem a Maysa, eu recebo sorriso muito aberto das funcionárias, e às
vezes, quando me parece seguro, eu conto pra ela só pra ver a minha mulher
corando de ciúme.
Sofia faz a porra louca por uns minutos, mas sabe que a única mulher
que eu quero deixar molhada por segurar Maysa é ela. Mesmo que já esteja
acostumada a me ver sendo pai, eu sei que ela fica louca quando eu durmo
com a nossa filha, dou mamadeira e troco fralda. Acontece a mesma coisa
comigo: fico com mais tesão nela quando Sofia se mostra mais mãe a cada
dia, porque ela ficava linda amamentando e continua assim fazendo caras e
bocas para Maysa engolir aquela gororoba que ela e a Luciana chamam de
papinha de abóbora. Ela fica gostosa quando dá banho na terrorista e se
molha toda, fica gostosa quando ensina Maysa a dançar e mais gostosa ainda
quando está ao telefone do trabalho, explicando por que aquela matéria vai
continuar com um discurso direto, enquanto faz Maysa pegar no sono só com
o seu carinho no cabelo.
Fica gostosa de morrer quando está só de lingerie, com a boceta
molhada e pedindo para chamá-la de puta? Fica. Mas é a gostosa da minha
vida por ser mãe da minha filha, porra.
E ela sabe disso, que eu não quero mulher alguma que não seja ela,
mas nesse momento Sofia fingiu que se esqueceu, porque voltou a ficar puta
conforme cruzávamos o hospital e tínhamos que parar para cumprimentar
mulheres que um dia foram alunas. A maioria cumprimentou nós dois, então
ela forçava o sorriso quando elas falavam, surpresas: vocês acabaram se
casando mesmo! e como vocês estão lindos. Aquelas que não
cumprimentavam, Sofia apenas cruzava os braços no peito e fitava da mulher
para mim, com ódio visível naqueles olhos castanhos quase avermelhados.
Eu até queria desviar, mas era impossível: as minhas antigas colegas
me abraçavam. Só podia sentir o perfume delas se colando à minha camiseta
e escutar a reclamação de Maysa que também começou a ficar irritada toda
vez que o pai era parado. Como a mãe dela, a minha filha não gostava de ver
as marcas de batom no meu rosto, o que a fazia agarrar o meu pescoço e
fazer cara feia toda vez que uma mulher se aproximava para conversar com
ela. Maysa franzia bem o cenho de um jeito que ficava mais parecida
comigo; ao invés de afastar a atenção, isso só fazia as risadas femininas
aumentarem.
Fiz uma nota mental para quando ela crescesse e fosse a minha vez
que ficar com ciúmes dos paus no cu que levasse em casa. Agora é a vez do
pai, terrorista.
Sofia tentava pegar Maysa do meu colo, com certeza querendo fugir
com a minha filha para me deixar para trás, mas ela não saía do meu colo,
apesar de odiar quando apertavam a sua bochecha. Quase no fim da ala de
corredor, fez um gesto claro e irritado para mim quando duas irmãs
apareceram para me cumprimentar, o que me fez avisar que estava com
pressa antes que as duas alongassem conversa.... Mas não era a minha culpa
que isso estivesse acontecendo. As pessoas só me reconheciam porque eu
era sobrinho da Rose, a dona a instituição; e porque eu, o japonês e Dorta
tocávamos o inferno naquele lugar, já que passávamos mais tempo na sala do
diretor do que na sala de aula... Talvez me reconhecessem também porque
eu, sozinho, tocava o puteiro, mas não era para tanto. Eu não tinha transado
com todas as mulheres que me pararam... eu acho.
No fim das contas, quando já avistávamos a tia Rose no fim do
corredor, Sofia tinha voltado a ficar puta comigo por causa de alunas que eu
nem lembrava a cor da boceta, e eu tinha voltado a ficar puto com ela por
ficar puta comigo.
Eu poderia estar em casa agora, mas tinha vindo com ela. Ninguém
me tira de casa do sábado de manhã, porque é meu dia de descanso, o dia
que eu posso acordar mais tarde e trepar sem pressa...
A gente poderia estar fodendo agora, mas, não, Sofia quis vir e me
puxou junto com ela. E depois de tudo ela me retribui enchendo a porra do
meu saco porque eu não consigo limpar toda a marca de batom do rosto?
Eu estava no hospital, e estava puto.
A minha tia se aproximou quando nos viu chegando e deu um abraço
em Sofia, que aliviou a fúria do rosto para se solidarizar com a situação que
me meteu nesse lugar. Em seguida, veio me abraçar, e eu envolvi o seu corpo
pequeno com um braço, sentindo-me um pouco melhor. O perfume dela eu
reconheci: o mesmo que usava desde que eu era pequeno. A tia Rose era a
minha família desde que a minha mãe se foi, e eu nunca quis que deixasse de
ser, porque ela passou a ser um tipo de mãe pra mim, que me criou, me deu
casa, educação e entrou comigo no dia do meu casamento...
Era por ela que eu estava nesse lugar.
― Então eu estou viajando, certo, seu Téo? ― ela provocou depois
de sair dos meus braços.
Olhei para Sofia ao seu lado, que cruzou os braços no peito e fez um
gesto: quem é hipócrita agora, lindo?
― Não queria voltar aqui, tia... Você sabe por quê ― falei,
ignorando-a para fitar só a mulher que se aproximou para beijar o meu rosto
sem deixar marca de batom. Pelo menos para alguém eu estava valendo
alguma coisa...
Os olhos pequenos da minha tia passaram de mim para Maysa, no
meu colo. Dessa vez, quando mãos femininas alcançaram a sua bochecha
seguidas por um beijo nos cabelos, ela sorriu e estendeu os braços para ir
para o colo da tia Rose, deixando os dedos fortes do meu pescoço.
― Ela ainda está ruinzinha? ― ela perguntou, ninando Maysa e
virando-se para Sofia também. ― A febre voltou ou está sem comer de
novo...?
― Não, ela... ― Sofia começou a dizer, um pouco receosa. ― As
amídalas estão recuperadas e ela está comendo normal, as dobrinhas já
voltaram, até! ― Ela riu um pouco, apertando os braços de Maysa. Em
seguida, voltou a ficar mais séria: ― Só não consegue ficar sozinha. Tá
dormindo com a gente desde que voltou pra casa, porque no berço ela chora.
É como se estivesse com medo ou sei lá...
Tia Rose assentiu.
― Téo comentou isso por telefone... Mas acontece, filha. Foi a
primeira vez da Maysa no hospital, ela não estava acostumada e agora está
estranhando. Falei com a Angélica que disse pra você não se preocupar,
porque a mesma coisa aconteceu com a Roberta quando era pequena. Dê um
tempo pra ela lidar com isso.
Sofia abriu um sorriso fraco, tirando os olhos de Maysa para olhar
para mim. Por um momento, a raiva deixou a sua expressão e ela me
perguntou em silêncio: você acha?
Eu queria ter certeza, amor... Você não sabe como queria.
No segundo seguinte, Sofia virou o rosto para fitar a minha tia e se
afastou um pouco de mim, como fez quando as ex-alunas vieram me
cumprimentar. Muito madura.
― E o pastor? ― finalmente perguntou, já que tinha vindo para isso.
― Onde ele está?
Maysa deitou no ombro da tia Rose e começou a brincar com as suas
mechas de cabelo de um jeito muito concentrado, o que me a minha tia rir
gostoso antes de responder:
― Ele está na última sala do corredor, filha. Na verdade, o horário
de visita já está acabando, e é bom vocês entrarem logo para fazer a oração.
Vários alunos já passaram por aqui hoje, depois que eu mandei colocar o
banner na frente da escola, e encheram o quarto. O Elias estava um pouco
rabugento antes, mas melhorou muito depois que as pessoas começaram a
chegar... Tenho certeza que ela vai adorar ver vocês dois.
Eu duvido disso, heim, tia.
― Eu não vou entrar no quarto ― avisei para ela, enfiando as mãos
nos bolsos. ― Vou ficar com a Maysa esperando...
― O quê? ― Tia Rose arregalou os olhos. Ela deu um passo na
minha direção como fazia quando eu era adolescente e chegava do bar, com
cheiro de porre. Apenas um tentativa de parecer ameaçadora, porque ela
continuava sendo o frasco de mulher mais pequeno e gentil que já conheci.
― Como assim você veio e não vai entrar, Téo?
Eu estava prestes a respondê-la quando Sofia provocou:
― É, não sei por que ele veio atrás de mim quando poderia ficar
dormindo a manhã inteira como queria ― ela disse franzindo os lábios.
Fechei os olhos nela e analisei o rosto de anjo, que, nesse momento,
só tinha bondade direcionada para o resto do mundo, menos para mim.
Ela estava me provocando desde que botamos os pés aqui, e eu já
estava perdendo a paciência por receber coices gratuitos. Quem tinha me
chamado praticamente de filho da puta ingrato foi ela, antes de sairmos de
casa! Ou Sofia achava que só eu tinha sido grosseiro? Menti, sim, mas estava
tentando pedir perdão ao vir com ela para o hospital que não queria voltar...
A porra da minha presença não valia nada?!
Eu poderia ignorar, mas acabei respondendo:
― Vim porque você não sabe dirigir, Sofia. Não sei se você ouviu,
mas eu sou um achado de marido. ― Forcei um sorriso.
Sofia abriu a boca, ofendida, e deu um passo na minha direção, um
pouco mais ameaçador que da minha tia. Se havia uma coisa que a deixava
puta era que eu dissesse o quanto ela era ruim no volante, porque ela
realmente era. Só eu sabia quanto o meu Impala sofreu na mão dela quando
moramos em Porto Alegre. O motor foi para o pau por causa da idade
avançada, mas a dignidade da lataria foi primeiro, porque era Sofia botar as
mãos nele que eu encontrava riscos. Então eu brigava com ela e, quando
dizia que só tinha passado na auto escola porque a instrutora a achava
gostosa, ela ficava com ego ferido... depois eu que tinha problemas com
isso.
Enxerguei as suas bochechas ficarem vermelhas quando ela
respondeu:
― Eu não tenho problema nenhum pra dirigir.
― É, a gente fala sobre isso quando você conseguir fazer uma baliza
sem acabar com o carro...
Sofia estava prestes a me responder quando olhou rapidamente para
tia Rose e hesitou. Ela apenas desviou os olhos dos meus, enquanto a minha
tia limpava a garganta e voltava a falar comigo:
― Olha, Téo, eu sei que você não queria vir, mas se está aqui agora
eu não aceito não como resposta. O senhor vai fazer uma visita para o
professor Elias, sim.
Repuxei os lábios achando graça no jeito autoritário. Fazia tempo
que eu não a via assim, desde que saí da sua casa aos dezenove. Já podia
ouvi-la me chantageando a andar na linha se não faria com que eu
reprovasse...
― Tia, você sabe que é a mulher da minha vida... ― comecei.
― Téo, você sabe que filho da minha vida... ― ela me cortou,
abrindo um sorriso tão esperto quanto o meu.
― Acredite em mim, o Elias não vai querer me ver.
― Como você sabe disso? Virou Deus, por acaso, menino?! ― tia
Rose falou, ajeitando Maysa no seu colo. Ela deu um suspiro cansado e
colocou uma mecha com vários fios brancos atrás da orelha. ― Eu sei que
vocês tiveram os seus desentendimentos e que religião nunca foi o seu forte,
mas o Elias ainda te deu aula durante três anos e nunca pediu que você fosse
expulso nas reuniões de conselho, se você quer saber...
― Isso porque eu sou seu sobrinho ― respondi, passando a língua
nos lábios. ― O Elias e o Marcos sempre tiveram que me engolir.
― Ah, que bom que você sabe! ― Sofia levantou a voz.
Nem me dei ao trabalho de olhá-la.
― Eu sou muito ruim em fazer oração ― disse a minha tia.
― Mas você é muito bom em se mostrar como exemplo ― ela
respondeu, erguendo a mão que não segurava Maysa para colocá-la no meu
rosto. ― Para um menino rebelde que só sabia fumar pela escola e aprontar,
você se tornou um engenheiro com uma família linda ― tia Rose falou,
acariciando a minha barba. Ela passou os olhos pelo meu rosto e deu o
suspiro que dá todas as vezes que diz como você cresceu, menino. Tive que
sorrir. ― Ele vai gostar de ver que você está bem assim, filho. Esse tipo de
coisa faz a gente ter fé, sabe? Seja um bom exemplo de que coisas boas
ainda podem acontecer com ele também, por favor. Se não fizer por Elias,
faça por mim, porque eu quero acreditar nisso.
Fitei a minha tia por um tempo, com aqueles olhos pequenos me
pedindo um único favor: visite Elias.
Porra...
Depois que ela usou a outra mão para sustentar Maysa, passei a
minha na própria barba e franzi o cenho, sem saber o que fazer. Ao mesmo
tempo que queria ir embora logo, para descansar, eu não queria olhar para
minha tia e dizer não de novo. Já estava fazendo isso desde ontem, e agora
me sentia um lixo de sobrinho por isso...
Você é muito bom em se mostrar como exemplo... Tia Rose
realmente estava aprendendo a jogar, pelo jeito.
Abaixei os olhos e fitei a minha filha no colo dela, abrindo a boca
para bocejar, ainda que estivesse muito entretida com as mechas de cabelo...
Eu quero ser exemplo só pra você, terrorista. Será que eu consigo
até o fim dessa vida?
Depois de olhar rapidamente as portas do corredor, acabei
concordando com a minha tia, ainda que tenha avisado que não ficaria muito.
Tia Rose sorriu, batendo nas minhas costas, e disse que ficaria brincando
com Maysa enquanto eu e Sofia orávamos por Elias.
Bem, quem faria isso seria ela, porque eu não tinha fé de que
conseguiria.
Deixamos Maysa e a minha tia e, com a permissão das funcionárias
do hospital, fomos encaminhados até a última porta do corredor de quartos.
Sofia não falou comigo enquanto cruzávamos o hospital, e também não fiz
mais questão dela. Se queria continuar agindo como uma garota, o problema
era dela, eu não ficaria pagando pau pra porra louca nenhuma pensar que
tinha razão. Só estava aqui pela minha tia a partir de agora, era só entrar e
acenar para Elias: boa cirurgia, nada mais...
Porém, quando a enfermeira abriu a porta do quarto para que eu e
Sofia víssemos o pastor do Mão de Deus, eu hesitei antes de entrar. Na
verdade, não só, Sofia também deu um passo falso, meio confusa. Eu não sei
ela, mas me senti moleque de novo naquele momento. Parecia que eu estava
prestes a entrar na aula de religião, para aturar cinquenta minutos de sermões
que às vezes me pareciam autoritários demais. Ao lado de Sofia, eu me
sentia o aluno que não conseguia segurar o tesão pela namorada e que a
agarrava quando saíamos da sala. Era aí que Elias nos pegava e vinha com
aquele papo porre do decidi esperar.
Se ele soubesse que, logo na primeira semana de excursão, eu e Sofia
decidimos adiantar...
Sofia me olhou rapidamente, e eu a olhei de volta, fazendo um gesto
para que ela passasse. Depois que entrou, refazendo a postura com uma
expressão decidida, eu fui atrás dela, sem escolhas.
Era hora da pregação.
Coloquei as mãos nos bolsos das calças depois que fechei a porta e
entrei no quarto de hospital que era como todos os outros: branco, impessoal
e gelado. Encontrei algumas flores coloridas ao redor, algumas em cima dos
poucos móveis, outras nos cantos mesmo, em grandes arranjos... A campanha
rendeu pra porra, pelo jeito.
Respirei fundo, buscando pelo espaço, finalmente, o homem que
passei sete anos sem ver até hoje. Eu tinha planejado de várias maneiras em
não vê-lo, e agora estava aqui, prestes a cumprimentar o cara que passou o
Ensino Médio inteiro apontando o dedo para me julgar, que já tirou cigarro
da minha boca, que já comparou a minha mulher com uma prostituta, que já
disse que a minha família seria amaldiçoada...
Eu devo dizer “amém”?
Elias estava na cama de onde eu e Sofia nos aproximamos. Ela foi
diretamente para o lado dele, perto das suas mãos, enquanto eu fiquei de
frente da cama, perto dos pés, enxergando o homem deitado por inteiro.
Ele estava com o rosto próprio de quem está mofando no hospital,
pálido, bochechas magras e olhos fundos; mas também estava exatamente
como nos tempos de colégio: não parecia ter envelhecido sete anos. O
cabelo estava bem aparado, os olhos continuavam ampliados por uma
armação de óculos, não tinha barba e a boca era um risco rígido que eu
reconheceria de longe. Até por isso não parecia assustado por estar aqui ou
com medo de morrer. Parecia mesmo era estar prestes a subir no tablado da
capela para pregar.
A primeira pessoa que ele enxergou foi Sofia, porque eu me
distanciei mais um pouco da cama quando o pastor se moveu. Então ela se
aproximou para dizer oi no seu tom de voz calmo e alegre para depois abrir
um sorriso que era mais bonito que qualquer flor que estivesse enfeitando o
quarto. Para ser honesto, senti até um pouco de ciúme por vê-la daquela
maneira depois de receber tantos olhares irritados. Ela não sorria assim pra
mim desde que chegamos...
Ao invés de responder logo, Elias ajeitou a armação dos óculos e
fechou um pouco os olhos para enxergá-la. Até pensei que não fosse se
lembrar quando disse:
― Sofia...? Sofia Müller? ― perguntou, a mesma voz com que nos
chamava antes. Tive que sorrir comigo mesmo, repuxar os lábios pela ironia,
porque jurei que o Mão de Deus era um passado muito distante até ontem.
Não era tanto...
Sofia mordeu o canto do lábio, dando um sorriso avesso do meu:
seus olhos brilhavam porque ele a reconheceu. Sem receio algum, ela guiou
as mãos até a do pastor e gesticulou a cabeça:
― Presente, professor.
Era a mesma voz também. A mesma voz cantarolada que fazia no
Ensino Médio para responder a lista de chamada. Enquanto os outros diziam
“eu”, ela dizia “presente, professor”; filha da mãe dela. No segundo ano, eu
achava uma graça ouvi-la dizer assim, apesar de achá-la muito pura quando
era só a aluna de boas notas que usava sapatilhas. Nunca imaginei que
escutaria essa voz todo dia a partir do terceirão...
Elias ficou um tempo analisando-a até que repuxou os lábios: não
muita coisa, mas vê-la o deixou mais animado. Porém, quando o homem de
Deus virou o rosto e botou os olhos em mim, reconhecendo-me
imediatamente pelo jeito, o sorriso fraco morreu.
Presente também... professor.
Ao invés de dizer oi ou acenar com a cabeça, eu só o fitei de volta.
Mais uma vez, ele fez aquilo com os olhos, de fechá-los um pouco para
enxergar, mas comigo ele se demorou um pouco mais... Talvez pensasse que
estivesse vendo coisas.
Eu não deveria estar aqui para orar para ele.
Elias sabia disso, eu sabia disso. No colégio, chegamos a um ponto
que sabíamos que nunca haveria impasse entre aluno e professor: eu era
diferente dele, completamente diferente. Não pensávamos parecido sobre
nada, muito menos sobre religião, que era o motivo de me afastar mais ainda.
Como nos tempos do colégio, me obrigaram a estar aqui, Elias. O
que posso fazer?
Mesmo assim, o meu antigo professor não deixou de ficar surpreso
depois de me olhar. Arregalou um pouco os olhos, atestando que eu estava
mesmo presente, e disse:
― Ferrero... ― a sua voz se perdeu na conclusão.
Permaneci em silêncio, porque não precisava confirmar. Tinha sido
dobrado por duas mulheres para estar aqui, o que me fazia pensar no meu
futuro, quando Maysa tivesse idade e soubesse fazer isso. Minha filha vai
passar a mão na minha cara, e eu nem vou ver, tô até vendo...
Percebi que Sofia apertou um pouco mais a mão de Elias, que voltou
a atenção para ela em seguida. A aluna de ouro estava prestes a perguntar
alguma coisa, provavelmente como ele estava, quando o pastor a
interrompeu:
― Certo... ― Elias refletiu, fazendo um gesto com a cabeça ao me
olhar rápido. Ele ergueu a mão para apontar para nós: ― Vocês dois se
casaram ou se juntaram... A Rose me contou isso há um tempo ― ele falou,
pegando a mão de Sofia para olhar para aliança. Fez uma expressão
surpresa. ― Ah, sim, casaram mesmo...
Sofia assentiu com um sorriso, deixando-o analisar a aliança. Em
seguida, apertou a mão dele.
― Na verdade, faz quase um ano... ― contou.
― O casamento?
― Sim. Foi em uma igreja. Católica.
Elias franziu o cenho, ainda surpreso enquanto Sofia permanecia
sorrindo como se aquilo fosse agradá-lo de alguma forte. Porém, o homem
me espiou, desconfiado, como fazia quando eu contava mentiras para sair ou
da sala ou do colégio: ele sempre sabia quando eu queria fumar, matar aula e
levar as alunas comigo.
Mas, dessa vez, a prova do matrimonia estava na minha mão também:
outra aliança que me unia à mulher que estava ao seu lado, sorrindo como se
não tivesse infernizado a minha vida um pouco antes para que eu estivesse
aqui.
― E o senhor ― Sofia começou a perguntar quando percebeu que ele
ficou em silêncio ―, como es-
― Vocês foram morar em Porto Alegre depois da escola, não foram?
― o pastor a cortou de novo, com um olhar pensativo.
Sofia abriu a boca antes de continuar a sua pergunta, um pouco
desconcertada com o jeito objetivo do homem, então me fitou rápido por
cima do ombro.
O que foi? Você não lembrava que ele não deixa ninguém falar? O
Faustão fica pra trás desse homem, Müller...
Fiz um gesto sutil com os ombros, deixando que ela lidasse sozinha
com aquelas perguntas: eu avisei que não ficaria jogando conversa fora.
Sofia colocou os olhos nele de novo, enquanto Elias se ajeitava na
cama para conversar direito. Tirou os óculos do osso do nariz e os colocou
no lugar, curioso. Pelo jeito, ele não queria falar que estava com um pé na
cova, só queria saber da vida dos outros. Não da minha, dela.
― A gente foi, sim ― Sofia acabou respondendo, deixando a mão do
pastor para colocar as mechas do cabelo atrás das orelhas. ― Téo se formou
em Engenharia Mecânica lá, e eu me formei em Jornalismo. Depois a gente
voltou pra cá, porque ele passou no concurso da prefeitura, e eu comecei
agora a trabalhar em uma empresa jornalística― explicou.
Elias assentiu, espiando-me de novo. Talvez, no fundo, ele ainda
estivesse cogitando que tudo isso era uma pegadinha ou ilusão da sua
cabeça. Eu não tinha ideia se ela estava chapado de drogas, talvez as
enfermeiras tenham feito esse favor a ele antes da cirurgia. Quando eu e
Sofia saíssemos daqui, talvez o pastor nem se lembrasse da nossa visita.
Honestamente? Eu esperava que não.
― Então vocês se juntaram durante a graduação e só foram casar
com a benção de Deus no ano passado? ― Elias fez a primeira pergunta que
me dizia exatamente por que eu não queria estar aqui.
Tive que segurar a língua pela primeira vez desde que entrei no
quarto: é, pastor, antes do casamento moramos juntos com a benção de
Lúcifer.
Não era impressão minha, o homem de Deus estava realmente igual:
a mesma fisionomia, a mesma maneira de pensar. Estávamos aqui fazendo
uma visita para ele e tudo o que Elias queria saber era até que ponto do
pecado eu e Sofia fomos.
Eu não devia ter vindo, porra.
Percebi que Sofia, ao contrário de mim, tinha achado graça boa na
pergunta dele. Ela parecia não se incomodar com o julgamento que Elias
estava fazendo de nós dois, no seu tom de voz direto: moramos juntos antes
de consagrar o matrimônio e quebramos a lei superior. Imagine se ele
soubesse que...
― A gente teve uma filha antes de casar com a benção de Deus ―
pela primeira vez, disse algo.
Sofia me olhou impressionada por eu ter aberto a boca. Mas não
mais que o pastor, que virou o rosto para mim:
― Uma... filha? ― perguntou, meio chocado.
― Com saúde, ainda! ― respondi para chocá-lo ainda mais.
Segundo a sua conduta, sexo antes do casamento gerava consequências para
os filhos. A minha família deveria estar condenada.
Elias ficou me olhando por um tempo, talvez imaginando como um
moleque fodido como eu era teve capacidade de gerar uma vida. Nem posso
negar que, dessa vez, eu meio que estava do seu lado: eu também não tinha
ideia de como Maysa saiu de mim.
― Quantos anos? ― ele perguntou para Sofia.
― Um ano e dois meses ― ela se apressou a dizer, com medo que eu
continuasse sendo irônico. ― Pequenininha.
O pastor gesticulou a cabeça, deixando os olhos se perderem nas
flores do quarto por um momento. Enquanto isso, respirei fundo e, logo que
Sofia me olhou, fiz um gesto para que saíssemos logo. A enfermeira já tinha
dito que o horário de visita não iria se prolongar, e eu tinha agradecido por
isso, uma vez que não via a hora de sair desse lugar.
Porém, no momento que dei um passo para o lado para chamar Sofia
para se despedir, Elias colocou os olhos em mim de novo. Percebi, então,
que o meu antigo professor fez a mesma coisa com o nariz quando me deu
aula pela primeira vez e me chamou para conversar: dilatou as narinas e
inspirou, para tentar sentir o cheiro de...
Cigarro.
― Você parou com a droga, garoto? ― ele perguntou, fechando os
olhos em mim.
Puta que me pariu.
Eu não sabia que guardava tanto ressentimento por um cara que não
via há sete anos, mas, naquele momento, eu soube: nunca quis visitar Elias
porque sabia que ele diria algo sobre o cigarro, e isso me deixava puto,
porque às vezes eu ainda era o moleque que precisava de cigarro porque era
viciado. E ele tinha visto isso quando me chamou para fora da sala de aula e
me pediu para parar. Porque eu era o otário que viu a mãe morrer de câncer
e, mesmo que ela tivesse dito para eu viver uma longa vida antes de falecer,
eu estava botando combustível para a morte dentro de mim.
Elias era um imbecil por tratar a religião como autoritarismo... mas
me fez sentir um aqueles anos também, por tratar a promessa que fiz à minha
mãe como merda.
Senti os braços esquentarem e o maxilar travar enquanto o olhava
esperando a minha resposta. Eu poderia só sair do quarto, mas acabei
respondendo:
― Me diz você, se eu parei. ― Aproximei-me da cama para que ele
tentasse sentir o cheiro de pulmão enegrecido.
Eu esperei que ele continuasse com aquilo, que me cheirasse, que
dissesse que eu não poderia estar na sua presença se cheirasse à fumo, que
se lembrasse dos dias que eu matava aula para soprar fumaça nos livros da
biblioteca. Não vou negar: eu tinha prazer em provocar o pastor naquele
tempo, mas Elias também cometia pecados: no fundo, eu sei que ele pensava
em me socar todas as vezes que eu bancava o inconsequente.
Porém, quando o encarei de frente, Elias não me respondeu, muito
menos fez careta. Ele abaixou a cabeça e, bem de leve, repuxou os lábios em
um... sorrisinho. Até tentei avaliar se havia tanto sarcasmo ali quanto havia
nos meus sorrisos, mas não...
Ele estava sorrindo leve, mais como... Sofia.
Isso me desconcertou pra caralho, o que me fez recuar um pouco.
Olhei para o estado do homem mais uma vez: pálido, bochechas magras e
olhos fundos.
Puta merda... eu estava ficando irado com um doente...
Senti o meu rosto esquentar e abaixei os olhos também. Não sabia
mais o que pensar quando o pastor perguntou com um tom calmo:
― O Téo é um bom marido, Sofia?
Olhei para o canto da sala, muito emputecido e encabulado para
voltar os olhos para ele. Percebi um silêncio repentino entre a pergunta para
a resposta e isso me fez olhar para Sofia, que analisava o rosto do pastor
antes de colocar os olhos em mim também.
Eu já estava com a minha mulher há anos: conhecia todos os seus
gestos, tons de voz, sorrisos e olhares. Sofia era fácil de se ler, e eu amava
isso nela, porque havia esses traços de pureza em tudo o que fazia, como
havia na garota do ensino médio que era o exemplo da turma. Mas, o que me
fazia amá-la ainda mais, era que, ao mesmo tempo, ela conseguia atingir um
nível de loucura que era muito parecida com a minha, por isso nos
envolvemos tão rápido em tão pouco tempo a partir do momento que
trocamos olhares tão demorados quanto este, por isso tínhamos saído de casa
tão cedo para dividir uma cama, cruzar estradas, entortar canecas em bares
de rock, brigar, fazer as pazes e fazer uma filha...
Sofia Müller era a mulher da minha cruz, assim como eu era o homem
da sua. Nós tínhamos fé em nós dois, na nossa família e na nossa loucura ―
essa era a nossa religião.
Depois de me analisar por um tempo, Sofia voltou os olhos para o
pastor. Estávamos brigados, de certa forma, mas ela sabia do que era feita a
nossa vida juntos:
― Ele é o único marido que eu quero até o fim da vida, professor ―
ela respondeu, sincera.
Abaixei a cabeça, repuxando os lábios. Era por isso, afinal, que ela
tinha tanto ciúmes... mesmo que não houvesse sentido algum, porque ela era
a única porra louca que eu queria também.
― É um bom pai? ― Elias continuou, curioso.
― O senhor não imagina o quanto.
Botei os olhos no homem de novo, que me avaliou como se eu
estivesse na sala do diretor por ter feito alguma merda. Por mais que eu
tentasse fugir, o pastor foi meu professor também. Era passado, mas o Mão
de Deus se fazia presente, uma vez que me casei com a minha colega de
turma. Aqui eu era aluno, Elias não negava isso.
― Qual o nome dela? ― ele perguntou.
― Maysa ― Sofia respondeu, enchendo a boca para falar, como
sempre.
― Maysa... ― Elias assentiu com a cabeça, tirando os olhos dela
para olhar para as flores do quarto. Ele pareceu olhar uma por uma enquanto
pensava. ― Esse era o nome da sua mãe, não era, garoto? ― O pastor me
perguntou diretamente.
Engoli em seco quando escutei aquilo, ficando confuso a ponto de
tirar os olhos de Elias e direcioná-los para Sofia: ele... falou da minha
mãe? Eu ouvi essa porra direito?
― Como você sabe? ― perguntei tão direto quanto ele, voltando a
olhá-lo.
Elias deu um longo suspiro, fazendo esforço para puxar ar. Só aí que
eu percebi que sete anos tinham se passado para ele também: Elias não era
mais jovem, por isso o risco da cirurgia.
Esperei a sua resposta com ansiedade, porque eu não me lembrava
de algum dia ter falado sobre a minha mãe no colégio e também não tinha
ideia de que a tia Rose disse algo... Mesmo se tivesse dito, já fazia uma
porrada de anos para que o homem se lembrasse disso. Por que Elias saberia
quem caralhos foi Maysa na vida de Téo Ferrero?
― Eu sabia quase de tudo sobre os alunos que tinha, garoto ― ele
respondeu, fazendo um gesto meio cômico e rabugento com a mão. ― Você
era o menino da Rose, então eu sabia de tudo ― disse, concentrando os
olhos em mim.
Sabia que a sua mãe, Maysa, morreu de câncer também...
Mas ele não disse em voz alta, apenas ficou me olhando, sabendo de
tudo que eu pensava não saber quando estudava no colégio. A informação
me pegou de surpresa, então virei o rosto para que ele entendesse que eu não
queria escutar os seus pêsames. Não porque era Elias, mas porque nunca
gostei de escutar os outros sentirem muito. A dor era menor hoje, mas morte
era morte: um porre pros que ficavam vivos.
Pensei que Elias ficaria quieto depois de mim, mas ele continuou:
― Maysa... É um nome bonito, hum? O mais bonito... A minha filha
se chama assim também.
Elias estava olhando para as flores de novo, o que realmente me
fazia acreditar que o homem estava drogado, pensando demais enquanto
falava comigo e com Sofia. Porém, quando escutei ele dizendo que tinha uma
filha, tirei ao olhos dele e fitei a minha mulher, que arregalou um pouco os
olhos surpresos: você sabia disso?
Que Elias também era pai? Não.
― O senhor tem filhos, então? ― Sofia perguntou.
Elias mexeu a cabeça de um jeito confuso até olhá-la de volta. A sua
voz tinha soado meio dopada antes, mas dessa vez ele voltou a ser o homem
de Deus que era capaz de falar durante cinquenta minutos de aula sem pausa:
― Só ela, só a Maysa. Ela já é adulta como vocês, fez vinte e sete
essa semana. Também fez Jornalismo, mas dá aula em faculdade... Na
verdade, a minha menina é bem parecida com você, Sofia, com esse sorriso
de gente boa e rosto muito bonito... Estava aqui até agora pouco, mas foi
almoçar no hotel... Ela não mora aqui em São Paulo, veio só por minha causa
― disse, orgulhoso.
Franzi um pouco o cenho quando reconheci o primeiro sorriso largo
que o homem deu até aquele momento. Aconteceu que eu não só reconheci o
quanto ele ficava bem ao falar da filha que eu nem sabia que existia...
Eu reconheci aquele sorriso imbecil da porra porque eu dava aquele
mesmo sorriso quando se tratava da minha filha.
Maysa não precisava fazer muito para tirar isso de mim: se eu
chegasse do trabalho e ela comemorasse a minha chegada com risada e
braços estendidos, lá estava eu, orgulhoso porque eu era o homem (o único)
a fazer a minha filha tão séria fazer festa. Eram coisas básicas que toda
criança da idade dela faz: falar, comer sozinha, andar, brincar com os
brinquedos que ela mais gostava. Era bom ver se ela estava crescendo com a
minha ajuda, então ela se tornava dona dos meus sorrisos até quando o
trabalho ou a mãe dela estavam um saco.
Elias deveria se sentir da mesma maneira por ver a filha crescida,
com vinte e sete. Puta merda, imaginei a minha terrorista adulta... Eu não
sabia se almejava que ela crescesse me dando orgulho ou se continuava
pedindo para Jesus Cristo que Maysa demorasse a chegar a uma fase em que
não precisaria de mim pra porra nenhuma.
Por enquanto, a segunda opção.
Peguei Elias olhando para mim depois de me surpreender com o seu
sorriso. Ele pareceu perceber o que eu estava pensando, porque soltou uma
risadinha irritante.
Pastor ordinário da porra...
― Quem diria, viu... ― ele retomou depois de respirar fundo.
Intercalou o olhar entre Sofia e eu. ― Vocês dois acabaram se casando,
tendo uma filha... De você, Sofia, eu esperava isso, sempre foi uma boa
aluna e garota... até se envolver com esse menino. ― Ele riu, fazendo graça
para me provocar. Talvez estivesse revirando os três anos de colegial agora
que não tinha mais a obrigação de me aturar. ― Mas acho que foi bom,
então. Quem acabou ganhando foi você, Téo. Ela é boa esposa, não é?
Tirei os olhos do pastor e olhei para Sofia, que me abriu um sorriso
espertinho quando percebeu que eu estava interagindo com o homem que
nunca pensei em me esbarrar de novo. Planos sempre indo à puta que pariu,
principalmente quando se é casado com você, linda.
― É a única que eu quero até o fim da vida ― respondi.
Sofia finamente abriu aquele sorriso para mim, o mesmo sorriso que
a minha filha sorria para mim. Sorri de volta, calmo, até que a porta do
quarto se abriu e a minha tia entrou com Maysa. Ela estava chorando baixo,
um pouco manhosa, o que me fez cruzar o quarto para segurá-la. Agora eu
tinha certeza de que ela queria ir embora, porque já estava com o corpo
agitado de impaciência.
― Pensa em uma menina brava que não quer saber nem da tia avó!
― tia Rose me disse, dando risada quando Maysa se ajeitou no meu colo e
enlaçou o pescoço. Em seguida, ela se virou para o pastor, sorrindo: ―
Parece que voltei vinte e seis anos, segurando esse menino aqui, Elias!
Iguaizinhos, esses dois...!
Maysa fez uma careta entediada e bateu no meu maxilar em seguida:
vamos embora, paaai.
Vamos, boxeadora.
Dei o meu sorriso mais imbecil ao sentir a sua força, para ela e para
a minha tia, depois fiz um gesto para Sofia que tínhamos que ir, e ela assentiu
dessa vez. Olhou para o pastor para tentar dizer algo pela terceira vez, mas o
homem perguntou antes:
― Posso pegar... ela?
Engoli em seco, olhando para Sofia, que ficou um pouco sem graça
quando o homem ajeitou os óculos no nariz. A nossa filha não ficava em colo
de estranhos e agora ela parecia estar reconhecendo a sensação do hospital
naquele quarto gelado, porque não parava de se mexer para que eu fizesse
algo, como naquele dia que saímos do hospital...
Pensei em dizer que tínhamos que embora porque não só a minha
filha precisava de descanso comigo, mas eu também precisava dormir ao
lado dela. Porém, quando Sofia me pediu para entregar Maysa, passando-me
um olhar de vamos lá, amor, eu acabei colocando a nossa filha no seu colo.
Sofia se aproximou da cama do pastor e, mesmo que ela não fosse
íntima dela, sentou-se ao seu lado, com Maysa no colo. Percebi que Elias fez
um careta surpresa quando se moveu um pouco para o lado, mas ergueu os
braços para pegar o corpo estendido para ele.
Eu me aproximei, caso Maysa começasse a chorar, mas como Sofia
estava bem do lado de Elias, ela intercalou os olhos entre os dois, um pouco
curiosa, ainda que a agitação ainda tomasse as suas pernas. O pastor do Mão
de Deus demorou um pouco para analisá-la, depois analisando Sofia, que
fazia aquela voz esquisita pra porra para que Maysa ficasse pelo menos um
pouco com ele.
― Ela é uma... graça ― Elias disse, abrindo um sorriso meio torto.
Chamou-a de Maysa algumas vezes, repetindo o nome, como se fosse a sua
filha, não a minha filha. ― Como é gordinha, essa menina, cabelo bem
pretinho, olhos pequenos...
― Puxou quem? ― Tia Rose se aproximou também, passando o
braço no meu.
― A mãe dela! ― Elias respondeu, taxativo. ― Quando ela sorri, é
como a Sofia faz com a boca larga!
A minha mulher repuxou os lábios e me fitou, gesticulando a cabeça:
olha a implicância aí, garoto problema.
Estou vendo...
Para ser honesto, Maysa poderia ter mesmo os meus traços: cabelos,
olhos, nariz, boca; isso me fazia sorrir de orgulho também, quando as
pessoas diziam que ela era a minha cara... mas Elias estava certo, dessa vez,
ainda que me custasse dizer: Maysa tinha o sorriso da mãe dela: forte como
uma manhã na praia e lindo como uma noite na estrada. Isso me fazia sorrir
como um imbecil da porra um pouco mais...
Elias brincou um pouco com Maysa, mas ela foi ficando impaciente
aos poucos, o que fez o pastor perguntar se ela estava bem. Sofia acabou
pagando-a no colo em seguida e respondeu:
― Ela esteve aqui no hospital há poucos dias, ficou internada
durante três... As amídalas infeccionaram, quase que o médico precisou tirar,
foi a primeira vez que ela ficou tão doente assim... ― Sofia respondeu,
abraçando-a. Maysa quase cedeu e colocou a cabeça no seu ombro, mas
então bateu no seu rosto também e começou a chorar baixo. Isso fez os olhos
de Sofia se molharem também. ― Não foi nada muito grave, sabe... ― ela
retomou, passando a fitar Elias. ― O médico disse que acontece com muitas
crianças e que ela era saudável o suficiente pra ficar bem, mas... acho que
ficou assustada por ter ficado aqui e agora está dormindo mal, chorando toda
hora... O senhor sabe, pais ficam preocupados demais com tudo ― falou,
soltando uma risada nervosa.
Afaguei a mão da tia Rose e olhei para minha mulher tentando
segurar as lágrimas. Eu sabia que ela não conseguiria muito muito tempo,
então me aproximei dela para passar o braço no seu ombro e beijar o topo
da sua cabeça. Nenhum de nós lidou tão bem com a primeira internação da
nossa filha, mas tínhamos um ao outro para passar por isso. Era o suficiente
para que eu me sentisse menos fraco, tendo uma mulher como ela ao meu
lado.
― Ela dorme com vocês? ― Elias perguntou.
― Agora que voltou pra casa... acho que sim ― Sofia respondeu,
dando um sorriso triste. ― Maysa não consegue mais dormir sem a gente.
― Por que não fazemos uma oração pra ela, então? ― o homem de
Deus sugeriu.
― Não devíamos estar fazendo uma oração para o senhor...?
― Já fizeram muita oração pra mim, Sofia. Se for pra Deus me
manter na terra, ele vai saber se deve atender.
Sofia hesitou por um momento, mas levantou a cabeça para me fitar:
o que você acha? Eu sabia que ela queria isso, só pela maneira que me
olhava, com os olhos grandes. Ela não era devota à religião, mas era devota
a sua própria fé, e para Sofia toda fé bem intencionada era bem-vinda.
O que você acha?
Eu acho que... a minha fé está depositada em você e em Maysa,
linda. Se é importante pra você, então eu sei que é importante pra ela e
pra mim também.
Para ser honesto, eu estava tão impaciente para deixar o hospital e
voltar para casa. Mal via a hora de deitar com Maysa e Sofia do meu lado e
passar a resto da manhã com as duas na cama, mesmo que não fosse dormir
com uma mulher ligada 220 volts logo no sábado de manhã...
Mas assenti, aceitando que eu tinha perdido toda a autoridade para a
três mulheres que estavam na sala e me tornado um pau mandado cada vez
que uma força feminina aparecia na minha vida.
Esperava que Maysa fosse a última, porque, caso tivesse uma quarta,
eu pegaria o lugar do puto do Pedro e de qualquer outro homem desse
mundo.
Pensei que a minha confirmação não valia nada até que Elias olhou
para mim e fez um gesto com a cabeça. Foi tão estranho receber isso dele
que eu até imaginei que quem estivesse dopado por aqui fosse eu. Isso
explicaria por que estava em um hospital no sábado de manhã visitando o
homem que enchia o meu saco pra caralho há sete anos.
Tudo bem, Elias. Você me venceu, dessa vez. Você é pai de uma
Maysa, eu sou pai de outra... Faça a porra da oração que eu abaixo a
cabeça para o seu Deus.
Recebi um sorriso espertinho que ignorei quando abaixei a cabeça
para escutar a oração de Elias. Eu já havia escutado aquele homem orar
durante três anos e nunca abaixei a cabeça como abaixei agora. Nos tempos
do Mão de Deus, o japonês e Dorta também não abaixaram, ele por ser ateu,
Dorta por concordar comigo que Elias era um praticante de autoritarismo...
Porém, agora, a minha filha estava me observando enquanto Elias
pedia que Deus protegesse a vida dela, e acreditando ou não na prática
religiosa dele, nós dois queríamos a mesma coisa. Eu não acreditava muito
que uma oração pudesse fazer com que ela voltasse a dormir no próprio
berço e parar de chorar quando eu e Sofia não estivéssemos do seu lado,
mas Sofia acreditava e, no fundo, eu queria que Maysa fosse mais como a
mãe dela do que como eu. O sorriso ela já tinha, o que me fazia ter fé de que
eu já estava em vantagem nessa história...
Elias acabou orando apenas para Maysa e só agradeceu Sofia pela
visita, dizendo que estava se sentindo bem melhor só por vê-la como esposa
e mãe ― coisas que o homem julgava muito importante para uma mulher,
para não perder o hábito. Talvez, em outro tempo, Sofia poderia ter
questionado isso, mas acabou concordando com a cabeça quando Elias
beijou a sua mão e desejou tudo de bom. O mesmo ele fez com a minha tia,
agradecendo por ela ter feito a campanha de oração por ele.
Já para mim, o pastor não deu muita moral, o que me fez rir quando
ele repetiu que Maysa se parecia era com Sofia. Escondi a risada também,
porque tínhamos que deixar as coisas claras aqui: ele ainda era o professor
que empacou as minhas fodas. Eu nunca o perdoaria pelos dias que ele me
mandava ficar longe da bunda de Sofia nos intervalos de aula nem por nos
apontar o cartaz do decidi esperar.
Eu nunca me arrependeria por não ter esperado nada durante a
excursão de formatura. Morreria em paz sabendo que comi Sofia Müller
debaixo do nariz dele durante aqueles dias ― mas esse prazer era só meu
para guardar.
Depois que as mulheres saíram e eu fui o último antes de fechar a
porta, ainda escutei o voz rígida chamando o meu nome. Respirei fundo,
reconhecendo que ainda não gostava de ouvir o meu nome sendo dito para
receber ordens, mas dei um desconto: o cara estava prestes a fazer uma
cirurgia de risco e poderia morrer hoje. Seria falta de consideração da
minha parte se eu não deixasse Elias realizar os hábitos de tirar a pouca
paciência que o seu Deus me deu.
― Não volte a fumar, garoto ― ele disse quando me virei apenas
para olhá-lo rapidamente. ― Você vai ver que essa foi a melhor escolha
quando ela estiver mais velha.
É... Era definitivo: eu não tinha mais cheiro de pulmão cancerígeno.
Apenas assenti com a cabeça, deixando o quarto após fechar a sala.
Pensei em voltar e dizer: e você não volte da cirurgia, mas talvez a moleque
fumante e revoltado tivesse ficado para trás, nas últimas estantes da
biblioteca.
Você vai ver que essa foi a melhor escolha quando ela estiver mais
velha.
Eu já sei que é, Elias.
Deixei a porta e fui até a minha tia, Sofia e Maysa, que estavam
conversando baixo. Só cheguei na hora que a minha tia estava dizendo:
― A filha dele mora no Peru, sempre morou lá com a mãe. Quando
Elias era casado, ele não era pastor nem cristão, na verdade, tinha
problemas com álcool e era usuário de droga... Então a esposa se divorciou
e vou embora com a filha, conseguiu até ordem jurídica para que ele não se
aproximasse na menina. Depois que Elias se converteu, ele até tentou se
reconciliar com a esposa, pelo menos para conseguir ter contato com a filha,
mas só conseguiu isso quando ela virou adulta... Não é à toa que ele esteja
pronto para morrer agora, se for a vontade de Deus. Depois que a Maysa
passou horas do lado dele aqui no hospital... ele está em paz.
Sofia gesticulou a cabeça para a minha tia, mas se encostando ao meu
peito para me passar um olhar conclusivo:
― Pessoas são falhas... mas acho que todo mundo quer melhorar
antes de falecer, né? ― ela disse, com um sorriso leve.
Sorri de volta e olhei para Maysa, que foi a filha paciente até que
não restou mais alternativas a não ser abrir a boca para chorar pra caralho e
espernear como se nem o colo da mãe fosse o suficiente. Se não a tirássemos
daqui agora, a terrorista faria estrago dos grandes... e, sendo filha de quem
era, eu preferia não abusar.
Nós nos despedimos da minha tia, que me agradeceu com muitos
beijos e me passou um sorriso imbecil, de orgulho de mim. Me senti meio
moleque de Artur Nogueira, com mãe beijando o rosto de um jeito que eu
não deixava transparecer que estava curtindo ser bajulado. Eu era filho de
Maysa, mas também da tia Rose. Ela era a mulher da minha vida, como as
outras duas que estavam agarradas em mim enquanto saímos mais uma vez
do hospital. Agora eu realmente esperava que demorássemos a voltar.
― Então... ― Sofia disse, acompanhando os meus passos ― o
quanto de droga tinha no soro do professor Elias? ― ela fez a brincadeira
primeiro que eu, o que me fez rir quando eu percebi que a minha mulher era
melhor em ler os meus pensamentos do que eu pensava.
― Eu acho que tinha uns bons gramas, linda, porque o homem estava
sorrindo pra... ― olhei para Maysa, que me fitou de volta ― caramba.
Sofia acabou dando risada quando a nossa filha gesticulou a cabeça:
por mais que eu tentasse, ela sabia que não era assim que o pai dela falava.
Já até podia me imaginar no primeiro dia de aula, sendo chamado pela
diretora que diria o estoque de palavrões que a minha filha tão linda sabia
pronunciar. Era difícil seguir o modelo de Jesus Cristo, como a minha mãe
ensinou, quando se era um pai de boca suja. Talvez eu precisasse orar pra...
caramba para que isso mudasse também.
Quando saímos no estacionamento do hospital e o vento da manhã
bateu em nós três, eu me senti puto, mas, dessa vez, puto comigo mesmo, por
ter considerado fumar hoje de manhã. Não era o cigarro que eu tinha que
buscar para me acalmar, era a minha família, que era tudo o que eu queria ao
meu lado quando estivesse com um pé na cova.
Porém, Sofia envolveu o meu rosto, me beijou, depois beijou Maysa,
decretando que o sábado ainda era nosso e que nenhuma discussão, passado,
vício, porra alguma era maior que a boa cruz que eu carregava no peito e a
fé que as minhas duas Müller me davam todos os dias...
Nada poderia me deixar puto de novo.
Nada...
― Ei! Sô...?! ― uma voz cortou o estacionamento. Uma voz
conhecida, dos tempos do Mão de Deus, quando eu era o garoto problema
que, na verdade, tinha um problema, com um pau no cu que não deixava eu e
a minha namorada em paz.
― Henrique...? ― Sofia se virou para a direção da voz, levando a
minha filha junto com ela.
Eu estava indo embora do hospital.
Mas já sabia que iria puto.
CAPÍTULO 4
SOFIA

É impressionante como há coisas que nunca mudam. Anos se passam,


fases, estradas e, mesmo assim, pessoas sempre guardam um resquício do
passado dentro de si.
Às vezes é algo grande, um amor por um amigo de infância que te faz
voltar a ser criança, ou carinho por uma terra natal que te faz sentir mais
gente...
Mas, às vezes, é algo estúpido, como a implicância com um pastor
dos tempos do colégio ou o ressentimento pelo ex-namorado da sua esposa.
E, sim, eu estou falando especificamente do meu marido aqui.
Porque, para Téo, é quase impossível anular o rancor que ele guarda
pelas pessoas que já o irritaram no passado. Ele é o tipo de pessoa que se
lembra absolutamente de tudo de ruim que já fizeram para ele há sete anos
como se fosse ontem. E olha que ele não se lembra do que comeu no dia
anterior, mas se lembra do dia e da hora que o professor Elias pediu para ele
jogar um maço de cigarro fora!
Na verdade, eu acreditei que o meu marido havia superado isso
quando saímos do quarto do pastor, mesmo que só um pouco. Ao mesmo
passo que ele guarda rancor pelas pessoas que não gosta, Téo guarda afeição
pelas pessoas que ama, por isso ele foi até o hospital: porque eu e a Rose
pedimos. Eu sabia que ele só tinha feito esforço para entrar no quarto de
Elias porque a tia insistiu, e achei bonito ver que o seu amor era maior que
os sentimentos ruins.
No meu caso, eu dificilmente consigo guardar rancor por alguém, e
mesmo que algumas pessoas pensem que isso me faz ser um pouco boba
(vulgo Ana Luísa Marques que consegue cultivar ranço como horta), acho
que faz muito bem pra mim. Já tenho tanto com o que me preocupar com o
presente que carregar fardos passados me parece peso desnecessário.
Aprendi, desde o meu primeiro trabalho comunitário, que olhar para o trás
só prejudica o agora, e eu realmente almejo um futuro feliz, com toda a paz
que conseguir.
Ver o pastor Elias não foi tão desafiador quanto foi para Téo. Ele já
havia, sim, me chamado de prostituta por tabela e tentado enfiar a sua
religião goela abaixo quando estávamos no terceiro ano, mas... já fazia sete
anos! Apesar de ser Sofia Müller, eu estava diferente, e percebi que o
professor também: ele foi muito gentil comigo durante o tempo todo, apesar
de fazer careta quando soube que eu e Téo tivemos uma filha antes do
casamento. Essa parte eu achei engraçada, porque, no fundo, vi que ele
estava tentando lidar com a informação de um jeito educado. Isso já é um
avanço significativo, não?
Mas... eu realmente me surpreendi com Téo naquele momento. De
início, quando entrou no quarto, o meu marido ficou em silêncio, com a
expressão de tédio típica do garoto problema. Pensei em Maysa,
imaginando-a com a nossa idade: ela ficaria igualzinha a ele quando
estivesse em situações contra a sua vontade, mas eu realmente esperava que
ela fosse como o pai e cedesse, como Téo estava fazendo ali.
Por um momento, pensei que ele discutiria com Elias, mas não fez
isso, nem mesmo o pastor. Na verdade, os dois acabaram trocando olhares
em concordância como eu nunca tinha visto acontecer antes. Principalmente
quando o pastor nos contou sobre a sua filha, que também se chamava
Maysa, eu vi Téo Ferrero prestar atenção nas palavras daquele homem sem
piscar uma vez ou dar sorrisinhos irônicos...
Foi chocante. Eu deveria ter filmado para mostrar para a Júlia e para
o Caio, porque não tinha certeza de que eles acreditariam sem provas.
Mas eu fiquei orgulhosa do meu marido, por ter criado empatia por
alguém que ele pensava ser o avesso dele. Saí do hospital abraçada por ter
orgulho, inclusive, de ser esposa dele. O meu garoto problema poderia ter
seus defeitos, mas ele sempre seria o garoto problema que me compreendeu
quando ninguém mais o fez, o que me esperou por vinte dias quando éramos
tão novos e quem eu vi se aproximar no altar, para ficar pelo resto da vida
comigo...
Por isso, realmente pensei que Téo havia superado todos os
ressentimentos no momento que deixamos o hospital e também fiz questão de
deixar os meus sobre a nossa briga do começo da manhã. Havíamos
discutido, ele disse coisas que me deixaram muito irritada na hora e que só
se intensificaram depois que chegamos ao hospital e Téo foi recebido por
várias amiguinhas do passado. Ele tinha recebido tantos abraços que a sua
camiseta estava cheirando a uma mistura de perfumes femininos, o que me
fazia ter a vontade de arrancar o tecido dele para jogar junto do lixo
hospitalar...!
Tudo bem. Talvez eu tivesse os meus ranços descabidos também...
Só que eu tinha até me esquecido de que o meu marido foi um dos
garotos mais rodados do Mão de Deus, apesar da escola ser religiosa, ou
pelo menos tinha ignorado aquela informação para terminarmos o sábado
bem. Eu apenas queria voltar para casa e me lembrar da oração do pastor,
que depositou a sua fé em um Deus que poderia ajudar a minha filha a se
sentir segura novamente. Tínhamos começado o dia com o pé esquerdo, mas
havia esperanças de salvá-lo até que...
No estacionamento, esbarramos em um aluno do Mão de Deus que o
meu marido... não ia muito com a cara, sendo bastante generosa aqui.
A partir disso, eu soube que os ressentimentos tinham retornado com
força. E que seriam eles a acabarem com o restinho no nosso sábado.
― Téo ― eu o chamei depois de cinco minutos dentro do carro, num
silêncio absurdo. Ele estava com ambas as mãos no volante, olhando
fixamente para a rua, e não desviou nem quando chamei a sua atenção.
Bufei, dando uma olhadinha para trás para encontrar Maysa tentando
pegar o próprio pé. Se ela havia estranhado que o seu pai mal estava falando
com uma de nós duas, não estava se importando muito...
Respirei fundo e me ajeitei no banco, olhando mais uma vez para o
meu marido. Não era difícil saber quando ele estava irritado: o seu maxilar e
as sobrancelhas cruzadas sempre denunciavam que a sua cabeça estava um
furacão. Téo poderia ficar até quieto por alguns segundos, mas eu sabia que
era questão de tempo até ele soltar o que pensava sem reservas. E o que eu
fiz em seguida foi apenas instigar o ariano a falar:
― Você está sendo infantil ― foi tudo o que eu disse, olhando
fixamente para frente apenas para esperar a sua reação.
Foi dito e feito: quando soltei a palavra infantil, Téo tirou os olhos
do trânsito e me fitou. Senti as íris me fuzilando, mas mantive o olhar para
frente, calma. Se ele estava estressadinho, eu estava longe de terminar o
sábado como ele.
― Ah, eu que estou sendo infantil? ― ele me perguntou, com o tom
de voz duro.
Eu quis rir. Na verdade, eu quis muito rir. Tive que fazer um pouco
de esforço para permanecer séria e continuar encarando o trânsito.
Quer irritar Téo Ferrero? Chame-o de infantil. Ele realmente se acha
o homem mais evoluído do mundo, até quando está sentindo um ciúme bobo.
― Sim, você ― respondi, finalmente olhando para ele. ― Ter ciúme
do Henrique a essa altura do campeonato? Meu Deus, lindo... A gente não tá
mais no Terceiro Ano!
O sinal a frente se fechou e, mesmo que eu soubesse que estava
entrando em discussão com o meu marido, eu me surpreendi quando ele
estreou a sua primeira risada sarcástica na conversa.
― Você quer mesmo falar sobre voltar ao Terceiro Ano, Müller? ―
perguntou, aparentemente leve, mas eu sabia o quão bom ele era em
provocar quando queria. ― Por que a gente não fala sobre Fabi, então? Ou
sobre todas as nossas colegas que a gente encontrou no hospital, hum? ― ele
me olhou rapidamente, para avaliar o meu rosto. ― Qual nota você dá pra
sua maturidade, linda?
Filho da...
Senti o meu rosto esquentar na mesma hora e mordi o lábio para não
subir a discussão para outro nível. Maysa estava no carro, e eu não queria
que ela soubesse o quanto o pai dela poderia atiçar a minha raiva sem muito
esforço.
― Isso é totalmente diferente ― foi o que eu respondi, aprisionando
o raiva assim como fiz quando Fabi se aproximou dele.
Poderia ser infantilidade minha? Poderia. Mas ela ficou chamando o
meu marido de lindo por tabela, uma vez que disse que Maysa era linda e a
cara dele. Eu me lembrava que a nossa colega era o tipo de pessoa que
falava tocando, tocou inclusive em mim, só que eu não gostei nada do
sorrisinho molha-calcinha que Téo direcionou pra ela quando começou a
ser elogiado por ser um ótimo pai que carrega a filha nos braços.
Qual é o problema das mulheres quando veem um pai que não faz
mais que a sua obrigação? Por que elas chamam de paizão um cara que
alimenta, nina e se preocupa com o filho? Isso se chama responsabilidade e
não, não é uma qualidade!
― Claro que é totalmente diferente, Sofia ― Téo falou, espiando
rapidamente a nossa filha também. Então se virou para mim: ― Eu não
namorei uma psicopata que não me deixava em paz mesmo quando já estava
com você, nem fui beijado à força pela Fabi ou por qualquer outra garota.
Esse pau no cu só sossegou quando eu meti a porrada nele...!
― E isso já faz sete anos, Téo! ― eu o cortei antes que ele pudesse
continuar aquela linha de raciocínio. ― O Henrique tinha dezessete e ele era
um idiota... Mas as pessoas mudam o jeito de pensar com o tempo, você
devia tentar isso também! ― falei.
Nesse momento, nossos olhares se encontraram, e eu percebi que
estava provocando-o sem querer, porque os seus olhos pequenos se
arregalaram em um raivo de indignação.
A verdade era que eu não queria criar mais briga aqui, só queria
amenizar o que aconteceu no estacionamento, quando nos encontramos com
Henrique e tivemos que cumprimentá-lo, porque era falta de educação
ignorar. Ele havia me chamado, parado para perguntar como eu estava e
queria saber sobre o pastor Elias. Eu não podia simplesmente deixá-lo
falando sozinho no meio do estacionamento! E eu não tinha culpa do que
aconteceu depois disso...
― Nem eu e você somos mais os garotos do Ensino Médio, amor ―
eu disse logo em seguida, para que Téo se acalmasse. ― Só deixa pra lá o
que aconteceu, é bobeira ficar se estressando por causa disso, você sabe...
― Tentei apaziguá-lo, tocando o seu braço em um carinho.
Ao invés de continuar a discussão, Téo se calou, olhando mais uma
vez para uma Maysa distraída com os próprios pés na cadeirinha. Em
seguida, ele desviou os olhos e fitou o trânsito com uma expressão tão
nervosa quanto inquieta. E eu já sabia o que estava por vir antes que Téo
dissesse:
― Só não entendo por que ela quis ir no colo dele... ― o sussurro
saiu numa mescla de confusão e cólera enquanto ele balançava a cabeça. ―
Justo no colo dele, porra...
Aí estava o grande acontecimento que chocou o meu marido: Maysa
estendeu os braços para Henrique. E no dicionário de Téo Ferrero, isso
significava fim do mundo.
Tudo bem, talvez eu tenha ficado impressionada também quando
aconteceu. Quero dizer, estávamos quase saindo do estacionamento quando
escutei a voz de Henrique me chamando e me virei para cumprimentar.
Depois do colegial, não é como se ainda fôssemos amigos, porque perdemos
muito o contato e seguimos caminhos diferentes. Ainda que ele fosse irmão
da minha melhor amiga, os únicos momentos que eu o via era em
aniversários, mas... era apenas um cumprimento, porque não havia muito
assunto. No fundo, eu me lembrava com carinho de alguns momentos que tive
com ele na infância e na adolescência, porque, querendo ou não, Henrique
foi o garoto que me buscou nas aulas de ballet quando os meus pés
machucavam e tirou a minha virgindade... Era um passado distante na minha
cabeça, de uma Sofia que eu mal reconhecia às vezes, mas era meu passado.
E Henrique esteve nele. Mas já fazia anos, e eu era uma pessoa
completamente diferente da adolescente que fui, por ser mulher agora e por
ter me encontrado, como pessoa.
Então eu o cumprimentei do jeito de sempre: dei um abraço rápido,
meio desajeitado, até porque estava com Maysa no colo. Quando parei de
caminhar até o carro, até escutei a minha filha soltando um suspiro de
reclamação. Ela era igual o pai dela: no momento que decidia ir para casa,
queria ir logo. Ficava impaciente quando eu enrolava com ela em algum
lugar, até mesmo na casa dos meus pais. Daí batia no meu rosto: vamos logo,
mãeeeee, e eu só aceitava que aquela garota era noventa e nove por cento
Ferrero. Ela tinha o meu sorriso no um por cento... às vezes.
Mas logo que eu cumprimentei Henrique, Maysa ficou olhando para o
irmão da madrinha Ana Lu de um jeito... interessado. Enquanto isso, Téo o
cumprimentou de um jeito seco que fazia desde fomos embora de São Paulo
para Porto Alegre, porque, como eu disse, ele não havia superado o que
aconteceu no passado. Não estendeu a mão, e Henrique também não, porque
os dois nunca foram amigos, de qualquer forma.
Depois disso, Henrique se virou para mim e me perguntou sobre
Elias, assim como eu perguntei para Fabi antes, apenas por educação. Maysa
ainda estava com os olhos nele, olhando do cabelo meio comprido e loiro e,
em seguida, para o uniforme de policial que ele usava...
Eu tinha percebido isso antes de Téo, porque, na verdade, entendia
por que a minha filha estivesse tão vidrada nele...
Henrique estava muito bonito. Pronto, falei!
Olha, eu não sou de ferro, apesar da minha boceta estar selada para
outro homem que não seja meu marido. Nem sou cega, nunca fui: Henrique
sempre foi bonito. Júlia dizia que ele tinha uma aparência de Ken na época
de escola, assim como dizia que eu e Ana Lu éramos Barbies (Ana Lu é
chamada assim até hoje). Então ele tinha cabelos loiros, olhos azuis e um
porte físico de policial federal... É claro que ele era bonito! Eu me lembrava
como as garotas do colegial ficavam perto dele ― do esportista, do popular
e do namorado da bailarina. Eu o achava lindo também, ainda achava,
mesmo que eu não conseguisse sentir mais atração como senti aos quinze
anos.
Ele era Henrique, não o Capitão América! Se fosse Chris Evans na
minha frente, pode ter certeza que aí Téo teria motivos para sentir ciúme!
O problema foi que Henrique trocou duas frases comigo e depois
concentrou os olhos azuis em Maysa, abrindo um sorriso. Era a primeira vez
que ele a via pessoalmente, por isso ficou como todos ficam quando veem
um bebê: apaixonado. Foi aí que Téo começou a demostrar que não estava
gostando nada daquilo e me chamou para ir embora até que...
Maysa estendeu os braços porque queria colo do policial Marques.
Na hora que eu passei a minha filha para os braços de outro homem,
eu senti os olhos de Téo queimando no meu rosto, além da sua voz: eu não
acredito que você está dando a minha filha pra esse pau no cu. Mas ele
queria que eu fizesse o quê? Que negasse? Na mesma hora que Maysa
estendeu os braços, Henrique quis pegá-la também, então eu não podia
simplesmente recusar...
Além disso, Téo estava sendo infantil. Era só um colo, porra. E daí
que Maysa ficou tocando no cabelo de Henrique, meio impressionada com
os fios loiros? E daí que ela tocou o rosto dele com as suas mãos gordinhas,
e Henrique as mordeu?
(Nessa hora eu pensei que Téo fosse cair duro no chão. Por sorte
estávamos no hospital para providenciar atendimento, caso o meu marido
quisesse se juntar ao pastor no quarto).
Mas quando Maysa bocejou, o meu marido viu a oportunidade
perfeita para tirá-la dos braços do Henrique. Por sorte, a terrorista foi na
mesma hora, porque se tivesse abraçado o meu ex-namorado ou sorrido... Aí
Téo Ferrero precisaria de caixão.
― Pelo amor de Deus...! ― Eu tive que rir depois que o meu marido
cruzou as sobrancelhas, visivelmente incomodado com aquilo depois de
termos entrado com Maysa no carro para irmos embora. Por mais que ele a
observasse pelo retrovisor, a nossa filha não estava muito interessada em
olhar para nada que não fosse a sua meia de estrelinhas. ― Foi só um
colinho, Téo ― eu falei, depois acrescentei meio aérea: ― O Henrique
sempre foi bom com crianças...
Talvez, talvez, uma parte de mim estivesse cutucando ariano com
argumento curto para provocar um pouco, porque era engraçado e, no fundo,
porque eu queria me vingar de todos os abraços que eles deu nas ex-colegas.
Henrique não deixou marca de boca em mim...! Só um pouco do cheiro,
porque o seu perfume amadeirado ainda era bastante forte...
Depois que eu soltei aquilo, Téo voltou a me olhar e, dessa vez, eu
soube que a minha provocação tinha ido longe demais.
― Você tá tirando com a minha cara, Sofia? ― ele perguntou.
É melhor parar, senão esse sábado vai terminar pior que começou.
― Não, claro que não ― eu respondi, mas como um sorriso
zombeteiro ameaçava escapar, Téo franziu muito mais o cenho, na expressão
que eu reconhecia como muita puta. ― Eu só acho que você está sendo
bobo, de verdade, amor... ― Soltei uma risada, para amenizar a tensão. ― A
Maysa tem um ano, se entretém com qualquer coisa... Olha agora ― fiz um
gesto com a cabeça ―, a missão da vida dela é tirar a meia do pé!
O problema era que o sábado tinha começado mal.
Há três semanas, os dias começavam mal.
Quando tentei tocar Téo de novo, ele esquivou a cabeça do meu
toque e decretou que não estava a fim de escutar a minha risada. O meu
marido era cabeça dura quando ficava irritado com algo, de maneira que
chamar a sua reclamação de coisa boba e infantil era um risco, mesmo que
fosse, sim, bobo e infantil. Maysa era a criança aqui, não ele.
Só que era mais que ciúme, o que Téo estava sentindo. Desde que
Maysa ficou internada, ele ficou estressado, esquivo e mais quieto que o
normal. E não era só porque a nossa filha estava doente, eu sabia que para
Téo era difícil ficar no hospital onde a sua mãe viveu nos últimos dias de
vida, porque doía lembrar. Ele nunca me contou com muitos detalhes como
foi passar essa temporada com Maysa, porque, além de ser muito novo
quando a sua mãe descobriu o câncer, Téo não se abria sobre isso com
facilidade. Ele lidava do seu jeito, sempre lidou, mas esse era o seu
passado, querendo ou não.
Mesmo depois que a nossa bebê voltou para casa, ele ficava com
medo de que ela tivesse que voltar para o hospital. Eu tinha esse medo
também, mas acho que para ele era mais difícil. Eu vi isso quando entramos,
novamente, naquele lugar para visitar o pastor, e Téo parou com Maysa por
um instante. Vi nos seus olhos que ele não queria estar lá de novo, vi o modo
como a apertou contra o peito e como engoliu em seco, meio ameaçado.
Quando me aproximei, ele a tomou mais, porque não queria abrir mão dela
como fez semanas antes, no momento que a enfermeira a pediu. Então vi nos
seus olhos um menino com menos de dez anos que precisou abrir mão da
mãe e um homem com quase trinta que não aceitava abrir mão de mais
nenhuma mulher.
Então Téo não estava curado, ainda que Maysa não tivesse mais
febre. Tirando a parte de que nós dois estávamos sem transar há quinze dias
ou sem fazer qualquer coisa que não fosse ficar com a nossa filha, o que nos
deixava mais sobrecarregados...
― A gente só não pode se esquecer disso? ― perguntei, sentindo o
cansaço bater.
― Você não tinha que ter dado a minha filha pra ele ― Téo
respondeu, longe de esquecer. ― Já não basta ter tocado na minha mulher no
passado...
― Eu deveria ter dito “não”? Ter sido mal-educada?
― Mal-educada o caralho! A gente não deve porra nenhuma pra esse
filho da puta!
Cruzei o cenho, começando a ficar estressada da mesma maneira que
ele. Quando Maysa nasceu, nós prometemos que iríamos maneirar nos
palavrões perto dela, e agora ele estava aqui, falando, de dez palavras, onze
palavrões! Por que Téo não podia ser menos impulso e usar mais a cabeça
nessas horas?!
― Se você acha que não deve, o problema é seu ― eu comecei a
responder quando saímos da avenida. ― Eu devo educação pra todo mundo,
inclusive pra ele, e vou ensinar a Maysa a dever isso pra todo mundo
também! ― aumentei um pouco o tom da voz.
― É, foi por ser educada pra caralho que o Marques abusou de você
durante anos e chegou até a te beijar à força! Educação tem limite quando
não tem respeito, Miss Simpatia ― Téo disse cheio de sarcasmo, colocando
os seus olhos atiçados em mim por um instante. Mas eu ignorei o seu olhar,
porque já estava achando o cúmulo que ele comparasse a situação atual com
a do passado. Tudo por causa da porra de um colo! Eu pensava que ele
pararia, no entanto, só que Téo ainda acrescentou com a voz autoritária: ―
Você nunca mais entrega a minha filha pra ele, Sofia. Eu não quero e
acabou.
Como...? “Você nunca mais”? “Minha filha”? “Eu não quero e
acabou”?
Quem você pensa que é, Ferrero? Deus?
Eu estava muito longe de dizer amém!
― Sua filha, Téo, é? Só sua filha? ― eu também usei a ironia para
rebatê-lo, virando o corpo inteiro para olhá-lo. Ele queria terminar o sábado
pior do que começou, então acabou pra mim também. ― Eu não sabia que
você tinha feito a Maysa sozinho! Não sabia que carregou ela por nove
meses e que abriu a porra das pernas em uma mesa de cirurgia pra fazer
nascer!!!
Depois que Téo entrou no bairro de casa, ele deu uma olhada rápida
para trás, checando Maysa de novo. Mas agora eu queria que ele olhasse
para mim, para responder na minha cara quem era mãe aqui... E ele olhou:
― Não me vem com isso de novo, Sofia ― Téo tentou controlar o
tom de voz, ainda que o seu rosto inteiro estivesse tenso.
― Com isso o quê? Com a novidade de que ela é a minha filha
também?!
― COM ESSA HISTÓRIA DE PARIR, AMAMENTAR E O
CARALHO A QUATRO! ― ele gritou grosso quando não conseguiu manter
a tensão apenas no rosto. Arregalei os olhos, não por estar surpresa por ele
ter finalmente estourado, mas pelo que ele ousou dizer. O meu próprio
marido estava fazendo pouco da maternidade? Era isso mesmo...?! ― Eu
entendo, cacete! Entendo que você é mãe dela... Eu tive uma também, não
sou um filho da puta que tá pouco se fodendo pra isso...! ― ele continuou,
enquanto olhava para a rua, ainda que os seus olhos quisessem se voltar pra
mim de novo. ― Mas essa merda de você jogar na minha cara que você é
mais mãe que eu sou pai já encheu o meu saco! Eu também estava lá quando
ela nasceu, eu também alimento ela todos os dias, eu que durmo com ela em
cima de mim! ― fez seu discurso. Seu puta discurso!
― E você quer o quê, Téo? ― perguntei, cruzando os braços. ―
Parabéns por ter algo básico na vida de um ser humano: responsabilidade?
Téo abriu a boca, mas hesitou e franziu os lábios antes que pudesse
gritar de novo comigo... Mas ele não parou por aí, porque o meu marido
precisa ir até o fim de tudo, inclusive de um sábado de deveria ser tranquilo,
não um inferno!
― Você é uma ingrata da porra ― ele disse.
― Ingrata?! ― Dessa vez, eu fiquei surpresa pra caralho.
Téo passou a língua nos lábios para responder tudo de uma vez:
― Eu não queria voltar pro hospital hoje, não queria voltar com
você pra lá, muito menos com a Maysa... Mas eu fui por sua causa! Pra ficar
do seu lado, te apoiando a fazer o que você acha certo... Tirei a nossa filha
do berço e voltei pra um lugar que eu prometi que não voltaria tão cedo
depois que ela estivesse em casa! ― ele disse num tom de voz alto o
suficiente para deixar o ar ainda mais pesado. ― Fiz o que você queria,
Sofia, atrás de um pastor que a gente nem tem contato mais, pra você chegar
da porra do hospital e encher o meu saco por causa do seu ciúme infantil! ―
Téo acusou, erguendo a mão para enumerar nos dedos: ― O Marques pode
te abraçar, pegar a nossa filha e evoluir como ser humano... mas quando é
mulher que você nem conhece e nunca conheceu, porque nenhuma se meteu
no nosso relacionamento, você pode mandar eu me foder! Se fosse a Isadora
Romeiro pedindo pra pegar a Maysa, você faria um escândalo do caralho,
mesmo que ela não seja uma pau no cu igual o seu ex! ― ele continuou até
virar na rua de casa. ― E além de encher o meu saco por causa de ficante da
época de escola, você pouco se fodeu para pro fato de que eu estava do seu
lado, como sempre estou. Pode ser a minha obrigação como esposo e como
pai. Não quero agradecimento, mas não quero que você faça menos disso
também.
Bufei, sentindo o meu rosto ficar vermelho, não só de estresse por
estar brigando com Téo depois de tudo o que passamos com Maysa no
hospital, mas porque fiquei com vergonha.
Ele estava certo. Eu fui hipócrita. Chamei-o de infantil e de bobo,
mas eu também era quando se tratava de ciúme. Morria de ciúme de Téo,
inclusive porque ele era um marido e pai maravilhoso. Ficava sabendo de
desconhecidas que o elogiavam por comprar fralda e, mesmo que fosse
obrigação dele fazer isso, muitos pais não faziam, então internamente eu
agradecia quando ele parava de fazer tudo o que estava fazendo só pra se
concentrar nas necessidades da Maysa. Ele também me agradeceu quando
fiquei praticamente dois anos sem trabalhar por causa dela, fazia de tudo
para facilitar a amamentação, o cansaço, a oscilação de humor... E, mesmo
sabendo que Téo concentrava tudo em nós duas, às vezes eu sentia o
sentimento mais irracional e danoso que é imaginá-lo concentrando tudo isso
em outra pessoa...
Ciúme é burrice, por isso enche o saco não só seu, mas do parceiro
também.
Então fiquei vermelho, meio sem falar durante alguns segundos,
enquanto me olhava de volta: diz que eu tenho razão.
Mas eu não diria, porque Téo não tinha sido perfeito desde que
acordou também, a começar pela mentira que contou para a tia Rose e para
mim. Poderia ser pequena, poderia ter seus motivos, mas honestidade
sempre foi o nosso princípio.
― Não bota toda a culpa em mim, Téo. Não é como se eu fosse a
única mal-agradecida aqui ― eu comecei a dizer, falando tão rápido quanto
ele. ― Você foi ao hospital porque sabia que tinha sido um sobrinho de
merda pra sua tia quando ignorou as chamadas dela. Você foi ao hospital por
peso de consciência, porque no fundo sabe que família é mais importante que
sexo no sábado, mas se esqueceu disso quando mentiu pra ela e pra mim. Daí
você saiu de casa emburrado, putinho, chegou lá e ainda queria que eu
passasse a mão na sua cabeça, por ter atendido a um pedido da Rose que
você não queria atender, pra começo de conversa. E queria que eu não
atendesse também...! Só por causa dos ressentimentos que você tem pelas
pessoas! ― soltei o verbo, de maneira que Téo me olhou com uma careta
confusa e tensa. Em seguida, ele chegou ao portão de casa e parou o carro,
pronto para me cortar, mas eu não deixei. Se ele falou tudo o que queria, eu
também diria: ― Ainda me chamou de hipócrita antes de sair de casa,
lembra disso, lindo? ― Fechei os olhos nele quando tive toda a sua atenção
pra mim. ― Mas o hipócrita aqui é você, que se diz tão homem, mas agiu
como um moleque a manhã inteira!
Nessa hora, eu entendi que nenhum de nós dois estava com cabeça
para conversar e que seria melhor se ficássemos quietos, enquanto os pesos
dos acontecimentos ruins e palavras mal ditas ocupassem a nossa cabeça. Eu
sempre dizia que ele tinha personalidade irritável, mas eu também não era
das melhores pessoas quando me provocavam: sabia pegar pesado e peguei
quando chamei meu marido de moleque.
Isso fez Téo pressionar um lábio contra o outro, além do sangue, que
subiu e tomou todo o seu rosto. O maxilar se contraiu ainda mais quando ele
olhou para o portão de casa e pareceu refletir rapidamente sobre algo antes
de dizer, seco:
― Pega a Maysa e sai do carro.
― O quê?
Téo olhou para ela, que tinha parado de brincar com os próprios pés
para nos olhar, com uma caretinha.
Que merda estamos fazendo?
― Sai do carro, Sofia.
Senti um engasgo se formar na minha garganta, tanto por Maysa, que
não deveria estar assistindo a nossa briga dessa maneira, e por Téo, que
queria distância de mim.
Com um Téo puto, eu conseguia me manter indestrutível. Mas com
um Téo frio, eu não conseguia manter nem o rosto erguido.
― Aonde você vai...?! ― perguntei, com o coração aflito.
Só que ele não respondeu, apenas me olhou com uma ansiedade nos
olhos de sai logo, porra, como se precisasse ir atrás de algo...
O que você quer fazer?
― Sofia...
― EU NÃO VOU SAIR, PORRA! ― gritei, nervosa.
Téo me encarou nervoso também, tirando os olhos de mim logo em
seguida. Ele finalmente abriu o portão e entrou com o carro, enquanto o ar
daquele espaço fechado nos sufocava, mas assim que estacionou na garagem
de casa, deixou o carro tão rápido quanto entrou para sair pelo portão, a pé.
Não tive tempo de fazer nada quando bateu a porta do carro e saiu
pelo portão rapidamente antes que ele se fechasse por inteiro. Da aflição,
pulei novamente para o estágio da raiva, por ele ter deixado a mim e a
Maysa sozinhas. Me deixava mais irritada que tivesse deixado Maysa,
porque, logo que olhei para trás, ela parecia um pouco nervosa também. Fez
uma puta careta de raiva quando me demorei a olhá-la, ao invés de tirá-la da
cadeira. Chegou a se debater para que eu saísse do carro para pegá-la no
colo e a levar para a casa.
Quando nós duas entramos, passando pela porta, ela notou que Téo
tinha ido embora, daí começou a chorar, como fazia nos últimos dias, meio
manhosa, porque queria ter o pai só para ela vinte e quatro horas depois de
ter ficado no hospital. Fiquei com mais raiva ainda dele no momento que a
minha filha começou a se contorcer nos meus braços, porque não queria meu
colo. Começou a puxar meu cabelo e apontar para o chiqueirinho que ficava
na sala de estar, porque não queria ficar comigo, a própria mãe! Maysa
queria o pai que tinha decidido dar no pé, como ele fez quando eu descobri
que estava grávida dela. No residencial, brigamos por causa de camisinhas
que ele havia comprado, porque eu já estava grávida e o idiota ainda estava
comprando camisinhas! Eu estava tão assustada que não contei a ele: não
tinha ideia se Téo poderia ser pai, se eu poderia ser mãe... Enlouqueci,
medrosa, pensando que não poderia ser o suficiente para a criança que
estava gerando.
E, claramente, eu não era! Porque Maysa não me queria, só queria a
porra do pai!
Mas Téo tinha nos deixado, igual nos deixou na véspera de Ano
Novo. Só voltou para a festa, deixando-me o dia inteiro sozinha, porque
sempre precisava de um ar quando a briga era pesada... porque precisava
ficar longe de mim para pensar direito...
Eu tirava o seu ar, então até como esposa estava me saindo mal em
ser o suficiente.
Inferno.
Deixei Maysa no chiqueirinho, encimada até mesmo pelo tubarão de
pelúcia que ela agarrou logo que se sentou. Aquilo era a porra de um animal
selvagem com dentes sanguinários e a minha filha preferia o bicho que a
mim! Abraçou-o bem forte e até parou de chorar por causa de Téo,
ignorando os meus olhares de perdão, os meus pedidos para que ficasse do
meu lado... Ela só queria aquela merda de tubarão! E eu parada, sozinha,
enquanto o maldito do pai dela deu no pé! Eu aqui, em casa, esposinha do
lar!, sendo obrigada a olhar para o relógio e esperar o marido voltar para
mim...
Você acha que eu vou passar o dia inteiro te esperando voltar,
lindo? Um dia eu esperei, te esperei até na porra do altar! Mas não vou te
receber como esposa, quando você saiu como solteiro!
Depois de longos minutos pensando, decidi que sairia de casa com
Maysa, mesmo que ela reclamasse. O que não me faltava era lugar para ir:
casa dos meus pais, dos meus amigos e até Manaus, se eu quisesse! Já fazia
meses que eu não viajava sozinha por causa da família, porque eu precisava
ser mãe de uma filha ainda pequena, então talvez essa fosse a hora ideal para
voltar a fazer só a porra que eu quisesse, porque claramente Maysa só
precisava de um tubarão estúpido e foda-se mamãe!
Eu estava prestes a subir as escadas de casa para pegar uma bolsa e
colocar as coisas dela quando escutei a porta de casa se abrir. Nem tinha
escutado qualquer barulho no portão lá fora, mas então vi Téo entrar depois
de ter saído por poucos minutos e o meu coração tempestuoso e confuso se
acalmou por poucos instantes. Porque eu era uma idiota. Como Ana Lu
sempre disse: amaldiçoada por Julieta. Fiquei alegre momentaneamente por
descobrir que Téo voltou logo para nós duas, que repensou tudo, que não deu
no pé pelo resto do sábado, por causa de uma briga... No fundo, eu preferia
ficar do que ir embora para casa de pais, amigos, Manaus, porque Téo
também quis ficar comigo, quando eu baguncei a sua vida, quando nos
conhecemos.
Daí voltei a ser a Sofia da praia de Ano Novo, que queria correr
para os seus braços, pedir paz e arrego. Voltei a ser a Sofia noiva esperando
o marido no altar para prometer estar com ele em todos os momentos da
vida. Senti vontade de chorar igual a uma banana, como a Ana Lu diz, e de
abraçar Téo Ferrero, apertá-lo até que me dissesse que eu estava sufocando-
o, e dizer que aquela briga era besteira, porque eu era louca por ele, sempre
fui...
Eu estava abraçando a Julieta dentro de mim, estava mesmo...
Até perceber que o meu marido estava com um cigarro entre os
lábios.
Eu nunca me importei muito de que Téo fosse fumante, quando o
conheci e comecei a namorá-lo. Todo mundo reclamava: o pai dele, a tia
Rose, Dorta, depois a minha mãe... Eu não me importava. Preferia que ele
parasse, torcia para que conseguisse toda vez que dizia que ia parar e não
parava, mas nunca o pressionei. Téo sabia o que o cigarro significava, era
uma atitude que precisava tomar por si...
Mas ele acabou tomando-a por Maysa.
Quando ele disse naquele fim de ano, depois que eu contei sobre a
gravidez, que iria parar de fumar, eu duvidei. Duvidei porque essa era a sua
promessa de fins de ano que durava pouquíssimos dias. Téo sempre fumava
depois de uns cinco dias, porque o cigarro era o seu mal, seu vício. Mas,
depois de saber que seria pai, passou-se o dia um, dois, três, quatro, cinco
dias... Passou-se a semana, o mês, nove meses...
Eu soube que ele nunca mais fumaria de novo quando Maysa nasceu.
Ele ficou a gravidez inteira sem fumar, só que, quando chegamos a nossa
casa com ela nos braços, Maysa virou seu vício. Ao invés de ficar acordado
de madrugada para fumar na sacada, ficava acordado por ela, para niná-la ou
ver se ainda estava respirando. E aquilo me deu um tipo de alívio que eu
nem pensei que pudesse ter, porque até então não era essencial para mim que
Téo parasse de fumar.
Mas o pai da minha Maysa, sim.
Então, quando eu vi aquele cigarro nos seus lábios depois de dois
anos sem ver Téo Ferrero soprando fumaça, toda a raiva que eu senti antes
voltou com força. A Julieta foi para a puta que pariu e a Sofia banana foi
para o espaço, porque eu simplesmente não iria engolir cigarro em casa
mais, como um dia não engoli na biblioteca do Mão de Deus.
Você veio soprar fumaça na minha cara, garoto problema? Então
eu vou enfiar a nicotina no seu rabo!
― Apaga isso ― eu disse, começando a caminhar na direção dele
antes que Téo desse um único passo dentro da sala.
Eu praticamente atravessei a sala em um flash, mas, logo que ele
percebeu que eu estava pronta para outra batalha, Téo me ignorou e conferiu
rapidamente Maysa brincando com o tubarão. Depois, começou a caminhar
para o lado oposto, com certeza para atravessar a cozinha e ir para a
varanda, terminar com a porra do maço!
― Você não vai fumar! ― Eu o parei, entrando da sua frente antes
que ele pudesse sair da sala. Eu era mais baixa, mais magrela, mas cresci a
alma para cima do meu marido antes que ele pensasse em passar por cima
das minhas palavras. ― Apaga isso ― pedi.
Téo bufou alto quando eu interrompi, tirando o cigarro dos lábios
para soprar a fumaça para cima e para me responder:
― Deixa eu passar, Sofia ― pediu de volta, sério.
O cheiro do cigarro, a fumaça, a sua presença pareceram ocupar a
sala de estar inteira, de maneira que aquilo incomodou o meu nariz e olhos.
Me afastei um pouco dele, encarando o seu rosto duro, enquanto tentava
assimilar tudo o que estava acontecendo. Eu estava tão cansada que, de
repente, me senti incapacitada de bater boca como antes.
― Você não vai fumar ― eu repeti, esperando que me escutasse uma
única vez.
― Eu já tô fumando ― ele rebateu, abaixando o rosto para me
encarar.
Filho da...
― Você quer mesmo voltar pro Terceiro Ano, Téo? Se passar por
moleque de dezoito anos, de novo?!
Eu só queria que ele abaixasse a guarda uma maldita vez! Uma
maldita vez! Era pedir muito?! Ele sabia que eu não estava tentando mandar
nele, porque nunca mandei! Nem quando ele acabava com maços por
estresse, por ansiedade, pela social. Eu só queria dar um fim no cigarro, na
briga, no sábado... Por que ele não podia abaixar a guarda pra gente fazer
isso, caralho?!
― É o que a gente tá fazendo hoje, não é, Müller? ― ele acrescentou
ironia à discussão. Fechei os olhos. Agora ele me esgotaria, consciente disso
ou não. ― Vimos ex-colegas, escutamos o pastor do Mão de Deus, fizemos
até oração! Só faltava a porra do cigarro pra eu soprar na sua cara depois da
gente se encontrar com o Marques ― provocou, trazendo à tona o passado.
― Manda eu me foder agora, igual fez aquele dia.
Filho da...
Eu não queria subir o tom como fiz no carro, mas se ele não era
capaz de abaixar a guarda, eu também não.
― Quer saber a verdade, Ferrero? ― Aproximei o rosto do dele,
bufando. ― Eu não sou mais a garota que você encontrou na biblioteca
daquela vez ― disse devagar, sentindo cheiro de cigarro vindo dele. Isso me
trouxe memória dos velhos tempos. ― Mas você ainda é o cara egocêntrico
que merece um vai se foder mesmo.
Ao invés de ficar sério, Téo abriu um sorriso cáustico e botou o
cigarro nos lábios, para tragar. Por mais que ele estivesse com a feição bem
mais madura, com algumas rugas e marcas de expressão, naquele momento,
eu o vi com dezoito de novo, provocando-me para tirar algo real de mim,
nem que fosse raiva. Até quando brigávamos Téo tinha essa influência, de
me tirar para fora de mim mesma, de expor o que eu guardava. Foi assim que
ele realmente me conheceu, afinal.

― Engraçado é que você namorou, morou e casou com o cara


egocêntrico, né, linda. Fez até uma filha comigo!
― Você está sendo imaturo.
― Só estou te acompanhando.
Se ele achava que eu entraria nesse joguinho idiota de provocação,
Téo estava muito enganado. Quem estava de saco cheio aqui era eu, que não
conseguia trocar mais uma palavra com ele. Se quisesse fumar mil maços de
cigarro e se matar, que se matasse! Se separar de Maysa, então, seria escolha
dele!
― Vai se foder, Téo ― foi o que respondi, saindo da sua frente.
Maysa ainda estava concentrada no tubarão, de maneira que não
desviou os olhos nem para olhar para Téo. Quando ele hesitou ao olhá-la
também, foi aí que vi a deixa de deixar a sala para subir as escadas com
pressa. Porém, quando já estava no segundo andar, não demorou muito para
Téo vir atrás de mim. Ele sempre vinha, no fim das contas, principalmente
quando pensava que eu não tinha argumentos...
― Até ontem quem estava pedindo por fodeção aqui era você... ―
escutei a sua voz no fim das escadas e apressei o passo para cruzar o
corredor até o quarto. ― Implorou pra eu te comer na mesa da sala ― Téo
continuou dizendo quando chegou ao corredor também ―, disse que queria
se engasgar com o meu pau, engolir a minha porra, ser a minha puta...
― Isso foi ontem, quando você ainda tinha vinte e seis anos!
― E hoje de manhã, hãm?! Que você se arreganhou inteira pra eu te
chupar?
Filho da...
― Para de ser sujo! ― eu gritei de volta, como um basta.
Mas quando chegamos perto do quarto de Maysa, ele me alcançou e
segurou o meu braço, fazendo-me virar. Nossos olhos se encontraram no
corredor como se encontraram mais cedo, onde as discordâncias
começaram. O seu toque fez o meu coração se acelerar e, por isso, foi como
se o meu corpo estivesse em combustão. O sangue correu pelos meus braços,
mas também pareceu se confundir nas suas próprias veias. Nós dois
estávamos quentes.
― Você me pediu pra ser sujo desde que ficou comigo no chalé, pela
primeira vez. ― Téo aproximou o rosto do meu, sem cigarro na boca. Nem
na sua mão livre o cigarro estava mais. ― Porque você sempre foi como eu,
Sofia, suja a ponto de foder em uma excursão religiosa, debaixo do nariz de
pastor... ― ele disse, intercalando o olhar entre os meus olhos. Em seguida,
Téo alcançou o meu queixo, apertando-o, para terminar de dizer: ― E
depois de cinco anos você voltou naquele lugar pra dizer que estava grávida
da minha filha. Pra aceitar se casar comigo. Pra me chupar na praia. E me
pediu pra te foder de novo no nosso chalé, gemendo do mesmo jeito que fez
durante anos em Porto Alegre, quando éramos só nós dois ― Téo sussurrou,
com cólera, com certeza, com saudade.
Eu senti a saudade me abater também, não apenas a saudade, mas a
falta que eu sentia da gente daquele tempo. Senti falta de Téo na carne da
pele, falta das suas mãos me apertando, dos seus dentes me mordendo, do
seu pau arrombando-me...
― Aonde você quer chegar com isso? ― finalmente perguntei.
Téo engoliu em seco, descendo os olhos pelo meu rosto até subir
para as minhas pupilas novamente. A sua respiração batia contra o meu
rosto, pesada.
― Eu te fodi com amor todos os dias nos últimos sete anos, Müller
― ele disse num tom baixo que deixou a sua voz muito rouca. O jeito que ele
disse meu sobrenome só me deu mais nostalgia. Era assim que Téo me
chamava desde o colégio, era com esse nome na boca que ele discutia
comigo e depois me comia na biblioteca... ― Foi pra isso que eu me casei
com você, pra fazer qualquer coisa com amor, inclusive ter uma filha. ― Ele
apertou um pouco mais o meu braço, com os dedos quentes. Isso fez o meu
corpo balançar, ficando mais sensível, de maneira que o que Téo disse por
último me arrepiou por inteira: ― Esse é o moleque de quem você decidiu
ser mulher, Sofia.
Eu fiquei sem fala quando ele se colou ao meu corpo, com o coração
acelerada, com os olhos mais concentrados. O maxilar marcado ainda estava
lá, avisando que ele estava com raiva de mim, raiva porque brigamos no
sábado, o dia da semana que ele tem a paz pra passar o dia inteiro comigo e
com a nossa filha... Paz para transformá-la em loucura, no nosso quarto.
Téo estava certo: era ele mesmo, o moleque de quem eu decidi ser
mulher, anos atrás. Não de ser sua posse: eu não era a mulher que saiu da sua
costela.
Eu era a mulher que nasceu com o seu coração de carne, como ele
nasceu com o meu. Eu era e mulher que ele me tocava do jeito que eu queria
ser tocada, tanto na alma quanto na pele.
E agora a sua mão estava em mim, apertando-me para me fazer
acordar para o casal que éramos: o casal que fez de tudo pra construir um
plano juntos desde os dezoito anos. O casal que atravessou estradas, etapas,
histórias. O casal que funcionava à base de loucura, porque foi assim que a
gente se conheceu: perdendo a razão um no outro pra descobrir o sentido de
viver à dois.
Então olhei para ele de volta, para os seus olhos que me queimavam,
como da primeira vez que me tocou assim na biblioteca, quando foi atrás de
mim depois de nunca ter me olhado por tanto tempo...
Eu te deixei me tocar diversas vezes depois desse dia, Ferrero... e
eu nunca quis que parasse mais.
Como ontem, quando Téo entrou em casa e me agarrou no meio da
sala, os meus pensamentos permanentes se foram e as mágoas viraram cinzas
no momento que a minha pele atingiu um nível de calor tão intenso que eu
tive que dividir com a sua. Téo estava esperando uma resposta para o que
disse, e eu dei: tomei a sua boca com os dentes e investi o seu corpo inteiro
contra o dele, chocando os meus quadris com a saudade de me entregar a ele.
Então me fode com amor de novo, amor. Me fode nesse corredor,
onde a raiva começou e só sobra as pazes.
Eu o beijei implorando para que ele descontasse a sua falta em mim
também, agarrei o seu rosto, sentindo os maxilares contraídos nas mãos, e o
invadi com a carne dos lábios e o gosto da boca. Téo me beijou de volta,
permitindo que eu tocasse a sua língua, mas me segurando com ambas as
mãos que precisavam de algo antes de me tomar por inteira.
Você quer que eu diga?
Eu digo. Eu sempre digo.
― Me come, Ferrero... ― eu disse, com a respiração alterada ao
senti-lo ficar duro quando me pressionei mais contra ele. ― Come do jeito
que você sabe comer a sua mulher, amor...
Isso foi o suficiente para fazer Téo ceder espaço para as pazes. Foi o
suficiente para fazê-lo arrancar as minhas mãos do seu rosto e, me apertando
pelos braços, me empurrar com força em direção à parede do corredor. Não
foi com amor suave, como quando fazia quando eu estava grávida, foi com
amor primitivo de quem não tem medo de tratar a esposa como uma puta.
E eu precisava que ele me tratasse assim. Depois de dias sendo mãe,
profissional e esposa, eu precisava que Téo me fizesse sentir uma mulher
que não tem medo de ser puta dos próprios desejos.
Por isso, quando o meu corpo chocou contra a parede, de maneira
que o meu peito se encostou à parede e recebeu um choque, eu mordi a boca
entrecortando gemidos finos, principalmente no momento que Téo subiu a
mão pelas minhas costas até chegar à nuca, então enfiou os dedos nos
cabelos e puxou tão forte que a minha cabeça se arqueou para trás.
Daí os meus lábios não conseguiram conter qualquer barulho.
― Vou te deixar toda marcada e esporrada, safada ― Téo falou em
seguida, tão grosso quanto o pau que ele pressionou na minha bunda. ― É
isso o que você quer? ― Puxou os cabelos mais um pouco.
Puta merda, Ferrero, puta merda seu desgraçado filho da puta...
Apenas gesticulei a cabeça, com a respiração descoordenada pelas
batidas do coração. Eu precisava tanto que Téo me comesse logo que faria
qualquer coisa por ele, tudo o que quisesse de mim, para senti-lo de todas as
formas possíveis.
Recebi uma mordida no meu próprio maxilar em seguida, seguida por
um beijo rápido, antes de Téo se abaixar e deixar o meu cabelos para
deslizar as mãos pelo meu corpo. Ele se ajoelhou com uma perna no chão,
enquanto apoiava o peso na outra para arrancar a minha legging com uma só
puxada. A calcinha foi junto, de maneira que eu empinei a bunda para ele
quando Téo colocou as mãos na carne. Senti todos os seus dedos se
afundarem, a ponto até das unhas se fincarem, e chorei de prazer quando ele
me estapeou em seguida, dos dois lados. As suas mãos rígidas batendo na
minha bunda criaram eco no corredor, eco que eu escutei com toda a
satisfação possível, porque meu corpo sentiu aqueles tapas como uma
convite para degustar da maior sensação de um casal poderia ter junto: de
foderem se amando.
A minha bunda ardeu, o que me fez me inclinar mais, para que ele
fizesse o que mais quisesse com ela. Então Téo a agarrou de novo, uma mão
de cada lado, e a regaçou para cuspir em mim. Logo depois ele meteu a
língua quente, fazendo a umidade escorrer até a minha entrada.
O beijo grego me deu vontade de pedir para ele me comer por trás,
mesmo que estivéssemos sem lubrificante aqui. Iria doer pra caralho, mas
fazia parte, e gostava de abusar de vez em quando...
Mas quem estava no domínio aqui era Téo, não eu.
Depois de me chupar, metendo a língua enquanto apertava a minha
bunda, ele desceu a boca para alcançar a minha boceta, que se umedeceu
logo que a ponta da minha rodeou a entrada. Isso me fez corresponder por
um gemidinho que atiçou Téo de alguma força, porque ele gemeu grosso de
volta, me abocanhando com mais impulso. Então senti a sua língua entrar na
minha boceta enquanto uma das suas mãos deixavam a minha subi para se
enfiar entre as pernas e encontrar o meu clitóris. Com os dedos, ele me
arregaçou um pouco, mas ao invés de pressionar as pontas, começou a dar
tapas rápidos na carne frágil, o que me incentivou a choramingar e rebolar na
boca dele, derramando-me mais ainda.
Você nem meteu em mim, e eu já quero desfalecer, amor... Como
você faz isso, seu maldito?!
Quando pensei que não poderia ficar mais gostoso, o filho da bunda
esticou os dedos na minha bunda até alcançar o meu cu com o polegar. Então
ele enfiou o dedo sem dó, incentivando mais uma zona erógena pra me deixar
louca naquele corredor, a ponto de começar a gemer pra ele: amor, amor,
amor, amor, amor...
Encostei a testa na parede, sentindo os seus dedos batendo no clitóris
em um ritmo elétrico, a língua se afundado na boceta para depois os lábios
beijarem e puxarem, então o polegar se afundando no meu cu e se
movimentando devagar, delicioso...
Era como se Téo desse conta de todos os timbres do meu corpo,
fazendo-os ressoarem de uma maneira diferentes. Mas todas elas eram
direcionadas para o meu próprio prazer, porque ele estava dando o que eu
pedi, ele sempre dava.
Passei a língua nos lábios, mordendo-os a cada vislumbre de prazer
e dor que eu sentia naquele momento. Na verdade, sentia os meus nervos se
acumulando para se endurecerem e me fazerem gozar logo, mas eu precisava
mesmo era que ele esporrasse em mim, pra sentir a sua porra quente e gozar
por ser a razão dela.
― Téo ― eu o chamei, tremendo toda quando ele tirou o rosto da
minha boceta para me olhar. Ele estava com um olhar tão duro de tesão que
as minhas pernas bambearam, e ele só intensificou aquilo, enfiando o
polegar todo em mim... Desgraçado... Choraminguei, dopada, mas consegui
dizer em seguida: ― Me fode, lindo, por favor. Mete esse pau gostoso em
mim ― implorei.
Téo parou de estapear o meu clitóris exposto para pressioná-lo
enquanto um sorriso ameaçava escapar naquele rostinho perverso. Mas eu
não consegui olhar por muito tempo, porque tive que fechar os olhos quando
ele brincou com a linguinha, apertando-a, puxando-a...
Choraminguei mais. Ecos de puta por todo o corredor de casa...
Mordi a minha própria boca quando me lembrei, por um momento,
que Maysa estava lá embaixo. Seria difícil controlar os meus gemidos com
Téo me fodendo assim, provavelmente ele teria que dar um jeito de manter a
minha boca tapada... e a ideia só me excitava mais.
Depois que implorei pra ele me foder, Téo se levantou do chão e
começou a abrir as próprias calças, xingando-me baixo com a respiração
entrecortada. Depois de tirar o seu pau da boxer, mostrando-me a sua ereção,
ele a segurou e deslizou a cabeça do pau pela minha bunda toda molhada,
colando a boca na minha orelha:
― Você quer no cu, né, porra louca ― ele sussurrou, e eu podia
sentir a curva do seu sorriso se emoldurando ali.
Fechei os olhos quando a sua cabeça rodeou o meu pau, de maneira
que ele me deu um tapa que ardeu pra caralho a ponto de me fazer gritar.
PORRA!
No momento que o grito saiu, Téo se impressionou com o volume e
voou a mão na minha boca. Ele também tinha consciência de que Maysa
estava lá embaixo e, mesmo que estivesse distantes, eu estava barulhenta pra
caralho. Então ele tapou a minha boca depois que eu sussurrei:
― Quero.
Eu era porra louca mesmo, por isso estava pedindo pra ele comer o
meu cu no seco, no corredor de casa, com uma filha pequena brincando com
seu tubarão branco lá embaixo...
Ia doer pra caralho, eu ia chorar, morder a sua mão, me contorcer... e
eu queria fazer tudo isso. Mesmo que ficasse dolorida depois, eu ficava
molhada só de pensar naquele pau se afundando na minha bunda.
Téo manteve a mão na minha boca, me xingando na orelha, enquanto
manuseava o pau. Eu estava molhada ali, ele tinha lambuzado tudo com
cuspe e a minha lubrificação, mas não foi de uma vez que ele enfiou a
cabeça. O meu marido não tinha dó da minha boceta, mas do meu cu ele
tinha, então nunca Téo enfiava com força. Não era sempre que fazíamos sexo
anal também, o que fazia com que ele tivesse mais cuidado.
Ele enfiou a cabeça primeiro, de maneira que eu a sentir se empurrar
no meu buraco pequeno, invadindo o bastante para me fazer gritar contra a
sua mão e fechar os olhos com força pra soltar lágrimas quentes. Téo tombou
a minha cabeça no meu ombro, soltando um gemido ruidoso também quando
conseguiu entrar. Ficou tão louco que a intensidade da sensação que mordeu
a minha bochecha e começou a se mover devagar, deslizando muito pouco o
comprimento do seu pau.
Estava ardendo pra porra, uma dor que crescia pela espinha, que
fazia o sangue todo borbulhar... Mas era maravilhoso, alucinante de uma
maneira que os meus olhos se fechavam para sentir. A minha respiração
estava ficando mais pesada, assim como os meus gemidos se tornaram mais
audíveis contra as palmas da sua mão. Quando me acostumei àquele tipo de
dor, comecei a rebolar no seu pau, contribuindo para que a sensação se
ampliasse. Nesse momento, Téo abaixou o rosto para ver o pau entrando
mais e mais, respirando muito pesado...
― Sofia ― ele disse num tom de alerta ―, se você continuar
vagabunda desse jeito, eu vou te machucar, porra.
Téo tirou a mão da minha boca, de maneira que eu desencostei a
cabeça do seu ombro para olhá-lo. Os seus olhos ainda estavam na minha
bunda, concentrados no que estava fazendo num ritmo seguro. Faltava muito
ainda para o seu pau entrar todo, e eu sabia que não daria conta sem
lubrificante...
― Você quer ir pro quarto? ― perguntei.
Téo deixou as duas mãos voltarem à minha bundas para arreganhá-la
bastante. Meteu devagar mais algumas vezes, botando os olhos nos meus
enquanto se empurrava: fica quietinha, porra louca, quietinha. Prendi os
lábios como pude, choramingando sem desviar o olhar. Em seguida, quando
arqueei a cabeça para trás e meus cabelos caíram pesados, Téo tirou o pau
de mim e fez um rabo com uma das mãos.
― Vou foder a sua boceta agora. É dela que eu sinto falta, linda ―
ele respondeu.
O meu corpo inteiro ainda estava trêmulo, sensível, de maneira que
qualquer incentivo depois me faria gozar em questão de segundos. Tudo o
que Téo fazia me instigava, o toque, os beijos, as mordidas, o pau... Já fazia
anos que estávamos juntos para ele comandar todos os desejos que eu tinha,
inclusive descobrir novos.
Então, quando ele virou o meu corpo de frente para ele e bateu as
minhas costas contra a parede, eu deixei o meu corpo relaxado para Téo
fazer o que quisesse de nós. Mas quando ele avançou os lábios em direção
aos meus, eu os comi de volta, com vontade de mais, implorando para que
ele me desse mais.
A agressividade voltou num impulso para ele, de maneira que o
cuidado de antes desapareceu quando Téo colocou as mãos nas alças da
minha regata fina e as puxou para baixo, a ponto de ouvirmos o tecido rasgar.
Tirei as alças com a sua ajuda, envolvendo o seu rosto para beijá-lo mais um
pouco, mas em seguida Téo agarrou o meu pescoço e pressionou a minha
cabeça na parede, para que ele pudesse descer os beijos pelo meu pescoço,
colo e começo dos seios. O sutiã ainda os cobria, mas Téo os arregaçou com
a ponto do dedo, tirando a apenas a renda que cobria os mamilos do
caminho, então envolveu o seios com a boca toda, mamando e mordendo de
leve cada um dos volumes.
Eu apenas mantive a cabeça encostada na parede e adentrei as mãos
debaixo da sua camiseta, sentindo os seus músculos contraídos depois de
dias sem poder tocá-los da maneira que estava fazendo agora. Com Maysa
dormindo todos os dias colada nele, eu mal podia abraçá-lo de noite e alisar
as costas ou o peitoral... Mas agora não havia terrorista para abrir mão do
meu marido, ele era todo meu para adorá-lo.
Téo continuou comendo os meus seios, mas pegou as minhas coxas,
agarrando-as firmes uma de cada vez, para arrancar os tênis que eu ainda
estava usando. Depois de tirar os dois, terminou por tirar a legging que
estava quase saindo, e na ânsia de tirar de uma só vez, o rasgo de tecido
aconteceu de novo. E eu gostava muito daquela legging, mas na hora não me
importei nem um pouco.
Depois que Téo terminou de tirar a regata e o sutiã, deixando-me nua,
eu também tirei a sua camiseta, ainda que não tenha tido tempo de tirar as
calças...
Ele me agarrou pelas duas coxas e impulsionou o meu corpo para
cima, na parede, fazendo a espinha bater furiosamente contra a solidez. Isso
me fez gemer grosso a ponto de eu ser obrigada a morder a sua boca para
conter o som, mas não adiantou muito, porque logo em seguida ele meteu em
mim sem dó, todo ele.
Mas a esse ponto eu já estava pingando de tão lubrificada,
derramando-me no corredor de casa, exalando sexo completamente. Eu gritei
com o seu impulso grosseiro e senti lágrimas descerem outra vez porque
finalmente eu estava abraçando o meu marido e recebendo com as pernas
abertas, como fiz quando o conheci. A minha flexibilidade não era a mesma
daquele tempo, a minha pélvis tinha se endurecido um pouco, ainda que o
pilates ajudasse um pouco...
Só que eu não era mais bailarina. E, na verdade, Téo nunca fodeu
uma.
Ele sustentou o peso do meu corpo todo, empurrando-me
violentamente contra a parede ao arrancar toda a umidade que eu decidi dar
a ele num colégio religioso. Entrelacei os braços no seu pescoço, sentindo o
sangue queimar principalmente a minha boceta, que estava tão quente em um
pulsão irrefreável que eu só estava esperando o gozar me tomar de vez. As
minhas mãos alcançaram a nuca de Téo que estava suando bastante, e eu
sorri com a sensação daquele molhado...
A gente estava transando... Depois de dias sem, a gente estava
mesmo se amando no corredor de casa, como sempre. Como se fossemos
feitos um para o outro desde o começo dos tempos. Foi por esse motivo que
eu fiquei com Téo por anos. Era por esse motivo que queria ficar até o fim
da vida.
Eu sou sai mulher, você é meu homem, e esse é o nosso paraíso...
Ainda é sábado. Dia de paz. Dia de descanso. Dia de olhar pra
criação e ver que tudo é bom...
Até mesmo a nossa loucura.
Foi quando eu o abracei completamente, unindo a aceleração dos
dois corações, que eu senti o gozo explodir dentro de mim. Veio tão forte que
eu cravei as unhas na minha pele, deslizando pelos músculos duros, enquanto
os meus gemidos se tornavam ecos que não paravam mais naquele corredor.
Téo tentou me calar com os seus beijos, mas quando me beijou, ele estava
sorrindo e desistiu de me impedir. Me deixou gozar feito porra louca mesmo,
porque eu merecia depois de quinze dias...
E eu fui a melhor porra louca naquele momento, principalmente
quando ele se deixou derramar em mim também e esporrou, dentro de mim.
Pude sentir a sua porra explodir junto com o finalzinho no meu
clímax e me deliciei, contorcendo-me contra a parede, enquanto ele metia
forte pelas últimas vezes. Era tanta porra acumulava que Téo ficou metendo
até tudo acabar, diminuindo o ritmo até sentir o cansaço bater e apoiar a
cabeça entre os meus seios...
Meu Deus... Meu Deus...
Obrigadaaaaaaaa!
Depois que o gozo de nós dois chegou ao fim, o cansaço nos abateu
muito rápido, de maneira que Téo me deitou no chão no corredor mesmo e
deitou por cima de mim, acabado. Estávamos os dois sujos de suor, porra,
loucura... Éramos dois sujos, desde os tempos remotos, de Mão de Deus.
E nada mais importava, qualquer discussão, mágoa, ressentimento.
Nós éramos melhores que tudo isso, sempre seríamos.
A respiração do meu garoto problema demorou a se normalizar, e
Téo ficou tão cansado que pensei que dormiria em cima de mim, no corredor
mesmo. Depois de conseguir abrir os meus próprios olhos, olhei para o teto
de casa e dei um sorriso besta, sentindo-me tão feliz como se essa fosse a
nossa lua de mel de novo... Maysa dormiu pesado aquele dia, quietinha no
berço, então eu e Téo aprontamos pela casa toda. Ela era muito novinha, três
meses só, tão pequena, mas tão independente... Só de pensar que agora ela
não dormia sozinha pra nada ou ficava só em qualquer lu-
Espera aí...
A gente realmente deixou Maysa sozinha na sala de estar?
― Téo ― eu o chamei para de levantar de cima de mim, sendo
invadida pela razão na hora que pensei na minha filha sozinha lá embaixo. E
se ela estivesse chorando? E se a gente não tivesse escutando porque eu
estava gemendo igual uma porra louca? E se estivesse com medo, tentando
nos chamar? PUTA MERDA! ― Levanta, amor ― eu o empurrei para que ele
saísse de cima de mim.
Agora que só tinha gozado com Téo Ferrero, eu não queria mais
saber dele. Precisava da minha filha, só dela.
― O que foi? ― Téo saiu de cima de mim, com o cenho franzido. ―
Tá doendo? ― perguntou do meu cu, obviamente.
― A Maysa tá sozinha lá embaixo ― eu o lembrei.
Téo ainda parecia meio aéreo da transa, mas quando escutou o nome
dela, uma expressão preocupada ocupou o seu rosto. Deveríamos estar
parecidos agora: mãe e pai de primeira viagem que ainda estão tentando
superar o trauma de internar uma filha. E não havia pós-gozada que
apaziguasse isso.
― A Maysa tá lá embaixo, porra ― ele repetiu, levantando-se do
corredor no mesmo momento.
E vestindo as roupas às pressas, a gente deixou o corredor e os ecos
de uma foda maravilhosa para trás, porque não éramos adolescentes em
excursão.
Éramos pais.
CAPÍTULO 5
SOFIA

Fé é como uma escalada. Você dá os nós nas cordas com todo


cuidado possível, confere as montagens de segurança e veste sapatilhas
especiais e capacete, mas, quando começa a subir o pico, é só você com
você. Não é uma atividade simples, só erguer os braços e conquistar cada
pedaço de rocha. Leva tempo às vezes. E esforço, muito esforço.
Você comete erros no caminho, a mão machuca e te faz cair ao invés
de subir. Dependendo do tipo da rocha, você desliza por vezes ou fica
estagnado, sem opções ao seu redor, então é aí que se pergunta: realmente
vale a pena cansar os braços e pernas dessa maneira? Eu estou exausta, o
suor não permite nem que as minhas mãos continuem, os músculos estão
implorando por descanso, então... vale a pena alcançar o topo?
Se escutar a razão, você para. Olha uma última vez para o topo,
balançando a cabeça, e refaz todo o caminho pelo qual você subiu,
almejando o conforto do chão. Eu já desisti boas vezes de algumas escalas,
por medo, por fraquejo. Pensei que não valia o esforço e desci, dizendo para
mim mesma: não consigo. Daí quando finalmente cheguei em terra firme e
olhei mais uma vez para o pico, que guarda uma vista inteira sobre ele, os
músculos relaxam, a respiração se normalizou, mas uma sensação estranha
ocupou a cabeça e o corpo. Você desistiu e, por mais que esteja seguro ou
acomodado, falta algo. Falta algo de você mesma.
Fé não escuta razão, é toda emoção. Quando você está lá em cima,
com as mãos machucadas e o suor deslizando, não há pensamento negativo
que te impeça de subir. Por mais que seja difícil, você mantém a cabeça
erguida e dá um jeito de avançar, nem que precise fazer os trajetos mais
cansativos possíveis. Do pico sai o sol, e almejá-lo é tudo o que consegue
fazer naquele momento. Então você tateia as rochas à procura de apoio e
impulsiona o corpo para um destino que parece impossível, porque o seu
corpo necessita, de alguma maneira, daquela realização.
Eu já escalei muitos picos em São Paulo, no Rio Grande do Sul e em
outras regiões próximas. Já cheguei muitas vezes ao topo, perto do sol. Às
vezes é inacreditável que tenha conseguido. Quando eu olho ao redor e vejo
toda a paisagem natural do alto, tão infinita, parece um sonho da criação. O
vento fraco bate em conjunto dos raios de sol, esquentando os machucados
das mãos, os músculos doloridos, o suor, mas não importa. Você está
cansada, a respiração está desigual, o coração acelerado, mas nada mais
importa. Porque você escalou uma montanha. Sozinha. E esse esforço te
presenteou com o mundo todo.
O meu mundo todo agora, depois de uma escalada de três semanas,
orando, chorando e com medo de não conseguir ver o sol?
Uma garotinha de um ano enrolada em um tubarão branco e
mergulhada em um sono tão gostoso que, nem quando o pai a apegou no colo
para colocá-la no berço, no seu quarto de flores mecânicas, ela abriu os
olhos. Apenas suspirou quando foi abraçada, mas a respiração estava calma
e as pálpebras pesadas assim que se deitou de novo, com mãos apoiadas em
barbatanas.
Amém, Sofia Müller?
Amém, professor.
Téo se inclinou um pouco sobre o berço depois que eu cobri um
pouco Maysa e fez algo que costumava fazer quando ela nasceu: aproximou
um dedo das narinas para senti-la respirando. Achei o gesto engraçado,
porque pensei que ele tivesse superado os seus medos bobos de pai de
primeira viagem, mas pelo jeito alguns medos estavam de volta.
― Ela dormiu mesmo depois de todo o barulho que a gente fez em
volta dela? ― ele perguntou baixo e surpreso, sem tirar os olhos de Maysa.
Repuxei os lábios, tirando os olhos da minha filha para olhar o meu
marido.
Os olhos pequenos e castanhos agora pareciam menores enquanto
Téo a observava, atento. As sobrancelhas e os lábios, no entanto, estavam
um pouco franzidos, como se ele estivesse tentando entender e apenas
admirar a vista ao mesmo tempo.
Depois que vestimos as roupas às pressas no corredor de casa, logo
que terminamos de transar como dois adolescentes loucos e nos demos conta
de que tínhamos uma filha, descemos as escadas até a sala, onde Maysa tinha
ficado no chiqueirinho. Não era caso para desespero, porque não era como
se ela estivesse solta pela casa para colocar dedo em tomada ou agarrar o
Gato com toda a força até sufocá-lo (coisa que já aconteceu), mas, como nos
últimos dias ela não ficava sozinha, eu achei estranho não escutar choro
algum. Maysa estava com medo, e me machucava tanto que ela se sentisse
assim que tudo o que eu queria era ficar por perto e protegê-la de qualquer
sentimento ruim que a doença possa ter despertado no seu corpo.
Só que, logo que eu e Téo chegamos à sala de estar onde tínhamos
acabado de brigar na frente da nossa filha, ao invés de encontrar uma bebê
vermelha de desespero, encontramos... a nossa Maysa. Ela não estava
vermelha, não estava chorando, não estava ao menos acordada pelo barulho
da briga ou da reconciliação que eu e Téo tivemos no andar de cima.
Maysa estava dormindo o seu sono da manhã: profundo e solitário.
Como há três semanas, antes das amídalas infeccionarem, ela não precisava
de ninguém para dormir junto dela, a não ser daquela pelúcia monstruosa que
tinha dentes afiados...
Eu fiquei surpresa, mas nada comparada a surpresa de Téo. Ele
colocou as mãos nos quadris, franzindo o cenho, e mesmo depois de ter
pegado Maysa para colocar na berço dela, que era mais confortável, deixou
de perguntar com os olhos: ela realmente está dormindo sozinha e bem?
Mas tinha sido isso o que o pastor Elias pediu em sua oração, quando
estávamos no quarto de hospital para visitá-lo. O professor pediu o bem na
minha filha, enquanto ele fazia a sua escalada, e eu a minha.
E agora a minha filha parecia o bebê mais saudável do mundo
dormindo, corada de bem-estar e descansada numa paz que só uma criança
da sua idade pode ter.
― Acho que ela voltou a não dar a mínima pra nós dois enquanto
tiver um ser mortífero pra abraçar no berço ― respondi para Téo,
acariciando o seu cabelo escuro todo desgrenhado.
Um sorriso ameaçou sair dos seus lábios, mas o meu marido acabou
suspirando fundo ao invés de relaxar. Em seguida, Téo apoiou os dois
antebraços no berço e se inclinou completamente, abaixando a cabeça e
privando de olhá-lo.
O que foi, amor?
Estranhei que os músculos das suas costas nuas estivessem tensos,
porque eu estava bem relaxada a este ponto, não só porque Maysa estava
dormindo bem agora, mas porque nós finalmente transamos depois de quinze
dias, meio mês...! E daquela maneira, ainda!, no corredor de casa, com
palavrões, puxões de cabelo, tapas e até anal...
Foi incrível! Eu estava molhada até agora, para falar a verdade!
Tudo bem que não foi o jeito certo de fazer as pazes, considerando que
éramos um casal maduro com sete anos de relação e é não assim que se pede
desculpas de um jeito apropriado, mas...
Depois de foder a minha bunda e a minha boceta, eu nem me
lembrava mais por que estava brigando com Téo no começo da manhã, pra
começo de conversa. Impossível ficar brava com um homem que come a sua
mulher daquele jeito e que, depois de sete anos, ainda consegue fazê-la ficar
molhada e gozar como se tivesse dezoito...
Eu estava dolorida, com rasgos na regata e na legging antiga, além do
meu cabelo estar puro nó, só que eu fiquei aliviada de verdade quando vi a
minha filha superbem e tudo o que pensei em fazer, após Téo colocá-la no
berço, foi me deitar com o meu garoto problema na nossa cama, sozinhos e
satisfeitos.
Nós merecíamos isso depois de uma escala, não merecíamos? Essa
era a vista da criação: a minha família em paz.
Porém, Téo não parecia em paz como eu e Maysa. Ele não me
respondeu nem riu quando mencionei o tubarão de pelúcia, e Téo achava
graça na minha selachofobia...
― Amor...? ― chamei-o baixinho e acariciei os músculos
contraídos, tentando fazê-lo olhar nos meus olhos.
Esperei que ele erguesse a cabeça, só que nem isso fez. Ficou um
tempo respirando fundo até que se distanciou do berço e de mim. Então tive
a chance de olhar o seu rosto e notar a desanimação que o abateu muito
rápido para um homem que estava de frente para uma filha e esposa em um
sábado de manhã.
― Eu tô cheirando a cigarro ― Téo disse baixo, mas não para mim.
Ah... é isso...
O problema não era nem eu nem Maysa. Era ele com ele.
Depois de minutos sem pensar na briga que tivemos, finalmente me
lembrei de Téo chegando em casa com um maço e um cigarro entre os
lábios. Isso me fez cruzar as sobrancelhas, porque eu não podia negar que
fiquei furiosa quando o vi retornando ao velho hábito. Já fazia praticamente
dois anos que ele não fumava mais, e eu pensei que isso duraria até o fim de
nossas vidas...
Nós tínhamos uma família aqui, agora. Eu não queria que nada
prejudicasse a nossa chance de ver Maysa crescer, ir à escola, andar de
bicicleta, arrancar dentes de leite, ver a sua banda preferida em um show, se
formar... Não queria que nada prejudicasse a chance de outro filho e de vê-lo
crescer também. Mesmo depois dos dezoito, eu ainda queria estar lá para
Maysa e, talvez, para outro bebê que fizéssemos juntos, do nosso amor.
Eu queria envelhecer com Téo Ferrero, por isso me casei com ele.
Só de pensar no risco de isso não acontecer...
Respirei fundo e me aproximei dele, envolvendo o seu rosto com as
mãos. Finalmente o meu marido me olhou, e eu pude ver tanto o homem que
errava quanto homem que acertava, e acertava muito. Ele tinha fumado,
cheirava a um pouco de cigarro mesmo, mas uma vez ele mesmo tinha me
dito que ninguém era perfeito. E quando eu acreditei nele, consegui mudar
por completo a vida que não era mais minha. Me tornei Sofia Müller, na
minha imperfeição, e ele abraçou a loucura de amar uma mulher como eu por
toda a vida.
― Isso não importa agora, lindo ― eu disse a ele, aproximando a
boca para dar um selinho nos seus lábios. ― A Maysa passou três semanas
com medo, e a gente se sentiu do mesmo jeito que ela. Acho que nunca tinha
me sentido tão impotente como mãe, nem você como pai... mas agora passou.
― Tentei sorrir, ainda que Téo estivesse muito sério. ― Pelo menos parece
que passou, pelo sono pesado que está rolando ali... ― falei, olhando para o
berço.
Esperei qualquer resposta, mas Téo ficou olhando para o berço, com
um olhar meio perdido, como se os pensamentos estivessem ocupando a
visão. Isso deixou os meus músculos tensos, porque eu não queria que ele se
sentisse culpado por causa de um maço de cigarro. Foi um erro, mas não era
nada que pudesse reparar e deixar para trás, para que o nosso sábado
terminasse bem.
No entanto, para ele, aquilo pareceu impulsionar pensamentos para
além da fumaça.
Quando acariciei a barba rala e impulsionei a cabeça para beijá-lo
de novo, uma lágrima tão rápida rolou pelo rosto dele que eu mal a vi se
formando nos olhos. Não vi os olhos lacrimejarem antes que outra lágrima
caísse, e outra...
O meu marido estava chorando.
Isso deixou as minhas mãos trêmulas, pegando-me totalmente de
surpresa. Ele não estava chorando muito, o rosto continuava intacto, de
maneira que lágrimas finas deslizavam até se perder no começo da barba, só
que... a chorona daqui era eu. Na verdade, era até chocante que eu não tenha
chorado quando vi Maysa dormindo. Eu sempre chorava de tristeza, de
alegria, de prazer.
Agora Téo chorando por algo aparentemente tão simples... Eu não
sabia lidar.
― Amor ― eu o chamei, engolindo em seco. Senti os meus olhos se
molharem no mesmo instante, só de vê-lo tão frágil. ― O que foi...? Tá tudo
bem agora...
Téo gesticulou a cabeça e finalmente colocou os olhos nos meus,
percebendo que eu também estava prestes a chorar. Então, quando a minha
primeira lágrima gorda pulou, ele envolveu a minha cabeça e beijou a
têmpora, envolvendo-me com os braços.
― Eu tô bem, Müller ― ele respondeu, o rouco da voz ainda baixo.
― Então por que você tá chorando? ― Sem coração algum para vê-
lo assim, fui direta na pergunta.
Ele até tentou me segurar mais um pouco no abraço carinhoso, mas eu
me distanciei um pouco, para ver nos seus olhos a resposta. O seu rosto
ainda estava firme, apesar dos olhos carregarem um pouco da confusão de
antes. Pelo menos tinha parado de chorar, o que me fez acalmar antes dele
responder:
― Já perdi uma Maysa na vida. Se tivesse perdido outra... ― Ele
balançou a cabeça, franzindo os lábios.
Quando Téo abaixou a cabeça, eu soube que era apenas isso que ele
diria sobre as três semanas que ficou estressado e fragilizado pela falta de
saúde da nossa filha. O meu marido já não era uma pessoa que se abria com
tanta facilidade, mas, nesse caso, ele nem conseguia... Imaginar perder
Maysa era...
Nós não podíamos.
Téo me deu mais um abraço, mas acabou saindo do quarto quando
avisou que tomaria banho. O cheiro de cigarro deveria estar incomodando,
então deixei que ele fosse, ainda que meu coração estivesse meio pesado no
momento que deixou o quarto.
Já perdi uma Maysa na vida. Se tivesse perdido outra...
Caminhei até o berço de novo, inclinando-me para tocar a minha
filha, acariciar os cabelos escuros e lisinhos, passar o dorso no rosto
branquinho, nas bochechinhas até a boca contornada com cor de morango...
Então me lembrei daquele ano novo, quando contei a Téo que estava
grávida. Na mesma noite, ele me pediu em casamento, ele me deixou beijá-lo
na praia depois da meia noite, e logo em seguida fomos para o nosso chalé
esquecido, para nos tocarmos no mesmo lugar que nos tocamos pela primeira
vez.
Ele me deixou muito cansada aquela madrugada... Ele e Maysa,
porque naqueles dias eu tinha um sono que não parecia saciar. Dormia,
dormia, e queria dormir mais... Mas, depois que ele me beijou de todas as
formas possíveis e me fodeu com amor, Téo não me deixou dormir. A gente
estava deitado, ele com a cabeça próxima da minha barriga, antebraços
apoiados no colchão. Estava tão animado que eu me forcei ficar acordada
para ver o seu sorriso durante boa parte da madrugada do dia um. Aquele
sorriso tão raro que foi provocado pela notícia de que eu estava esperando
um bebê... Téo ficou louco pela nossa filha sem ao menos saber como ela
seria...
― Você acha que é menino ou menina? ― Téo perguntou.
Eu estava muito grogue, corpo estirado no colchão, apenas os
lençóis me cobrindo. Dei um sorriso sonolento, acariciando os cabelos
dele.
― Não tenho ideia. Ainda não parei pra pensar nisso... ―
respondi, pensativa. ― Mas não me importo com o sexo.
― Eu também não ― Téo respondeu e inclinou a cabeça para
beijar a minha tatuagem de andorinha na virilha. Em seguida, ele levantou
o cenho com um olhar afiado. ― Mas acho que é menina.
Meu sorriso se abriu mais.
― Acha?
― É... Intuição masculina, Müller.
― Se você estiver certo... como ela vai ser?
Téo passou a língua nos lábios e voltou os olhos pensativos para a
minha barriga.
― Ela vai ser... forte, sabe? Como todas as mulheres que eu
conheço... ― Ele sorriu de canto, voltando os olhos para mim para
continuar: ― Vai gostar de alguns perigos e desafios, porque está no
sangue. Vai ser uma ótima piloto e surfista, vou ensinar...
― Você já quer levar ela para os tubarões, Ferrero?! ― Puxei o
seu maxilar.
― Talvez ela goste deles... ― ele respondeu, mordendo a minha
mão rapidamente. Fiz uma careta para ele e recebi uma risada rouca de
volta, porque o imbecil adorava tirar sarro de mim. Depois que parou, Téo
deixou a minha barriga e aproximou o rosto do meu. Não depositou todo
peso do corpo em mim, o que eu achei estranho até notar que ele já estava
todo superprotetor com uma barriga que eu nem tinha. ― E vai ser linda,
como a mãe dela... ― ele disse, me beijando.
Dei um sorriso, sentindo as suas mãos suaves subindo pelo meu
corpo, mas, dessa vez, tive que discordar:
― Se for menina, acho que ela vai ser linda como o pai ― falei,
cruzando as pernas ao redor dele. ― Intuição feminina, Ferrero.
Téo sorriu, de maneira que eu pisquei lentamente, forçando a vista
para continuar acordada. Ele estava tão bonito, com o rosto reluzindo
como se tivesse roubado toda a luz da lua. Tinha desejado tantas vezes, na
excursão, que o tempo parasse naquele chalé...
E parou.
― Não acredito que vou ter uma filha, porra.
― Você já tem certeza mesmo que é menina?
― Claro que é. Talvez depois a gente faça um moleque...
― Meu Deus! Você já tá pensando em outro! ― Botei as mãos na
boca, o que fez Téo rir mais um pouco. Os nossos corpos eletrizaram os
lençóis que pareceram ondular. Com um sorriso bobo no rosto e, seguindo
a onda de pensamentos que a praia trazia a minha cabeça, continuei: ―
Nada de pensar em outro bebê agora, lindo. Vamos nos focar na Maysa ―
falei, muito séria, sem perceber o que tinha acabado de dizer.
Téo estava com um sorriso largo, acariciando o meu corpo e
beijando o rosto quando falava, mas no momento que soltei o nome ele
estagnou. O sorriso morreu, mas o seu rosto não ficou tenso. Era só
surpresa.
― Maysa...?
Cruzei as sobrancelhas e abri a boca, ficando eu mesma
impressionada com o que disse. Eu não me ouvi dizer aquilo dentro da
cabeça, mas saiu o nome: Maysa, como a mãe de Téo se chamava.
Nós ficamos um tempo olhando um para o outro, tentando
desvendar de onde aquilo veio. Na verdade, não era uma novidade que o
nome estivesse tão próximo: Maysa era um dos nomes mais bonitos da
vida de Téo e, depois de ouvir tantas coisas boas sobre ela, na minha vida
também. Apesar de ter morrido de câncer, um jeito muito triste para
qualquer um, ainda mais tão nova, na maioria das vezes Téo me contava
as melhores lembranças que teve com a mãe, como a primeira vez que
nadaram na lagoa de Artur Nogueira, a primeira vez que foram à igreja de
estrada, a primeira vez que viajaram juntos e ele descobriu o gosto por
descobrir lugares novos... A morta doía, sempre doeria para quem perdeu
alguém que se ama. Eu bem sabia disso... Mas a vida que prevalecia,
acima de tudo. Sempre a vida.
― O que você acha? ― perguntei baixinho, enquanto o barulho da
noite se prostrava para nós também.
Téo ficou meio calado por um tempo, com os olhos pensativos.
Mas, quando mordi o lábio e sorri, ele falou:
― Se for menina mesmo... Maysa?
― Maysa. Forte como todas as mulheres que você já conheceu,
inclusive a sua mãe.
Ele franziu um pouco o cenho, passando os olhos pelo meu rosto
todo. Concentrou nos meus lábios, que ainda sorriam, e acabou repuxando
um pouco os seus.
― Tem certeza, linda?
Maysa...
Minha Maysa... Sua Maysa...
Nossa Maysa...
― Tenho ― respondi, sentindo, pela primeira vez, a intuição de
que era uma menina...
E era.
Era Maysa.
Olhei mais uma vez para ela no berço, forte como todas as mulheres
da família e linda como Téo Ferrero. Não era lá muito parecida comigo em
quase nada, mas uma coisa tínhamos em comum: ela amava tanto o seu pai
quanto eu amava o meu marido.
Foi pensando nisso que beijei a sua testa adormecida e sai do quarto
de flores mecânicas, entrando no corredor de casa para ir até o último quarto
da casa, onde Téo deveria estar no banheiro, tomando banho.
Fé era como uma escalada. E eu ainda tinha esperança de ver o sol
no último dia da criação.

***
TÉO

Ela estava chorando. A gente acordou com o choro dela.


Sofia tinha comprado um aparelho chamado “babá eletrônica”
quando decidimos tirar o berço de Maysa do nosso quarto para colocar no
dela. O quarto ficava um pouco distante do nosso, então o aparelho avisava
quando ela acordava no meio da madrugada, com fome ou com a fralda suja.
Mas aquela noite o choro era diferente. Diferente de todo choro que a
gente já tinha escutado antes.
Maysa tinha o choro baixo, na maioria das vezes nenhuma lágrima.
Era só um aviso pra mim e pra Sofia: pai, mãe, eu preciso de vocês agora.
Vem logo. Então um de nós ia, chegava ao quarto, e o choro acabava assim
que ela nos olhava. Ela sabia que resolveríamos o problema, confiava em
nós com uma puta pureza de criança. Logo que eu terminava de dar
mamadeira ou de trocar a fralda, Maysa ficava no colo por alguns minutos,
quietinha, só observando as minhas tatuagens e passando as mãos pelos
desenhos como a mãe dela fazia. Depois que eu conseguia um sorriso dela,
nem que precisasse dar umas mordidinhas no seu pescoço, eu a colocava no
berço de novo, ela pegava o tubarão presente da tia dela (estranho pra porra
pensar na minha Duda como tia), então dormia. Não preciso mais de você,
pai. Boa noite...
Aquela noite, quando eu e Sofia chegamos ao quarto, mesmo que
tenhamos acendido a luz para nos enxergar, ela não parou de chorar. Maysa
não estava chorando alto, não conseguia, mas... estava vermelha pra caralho,
olhos molhados, lágrimas descendo uma atrás da outra e uma falta de ar que
a fazia tossir enquanto chorava... Ela estava desesperada. Foi a Sofia quem
correu primeiro até ela e sentiu a febre:
― Ela tá ardendo, Téo...!
Trinta e nove e meio de febre. O choro não parava. A minha filha mal
conseguia respirar. Ela ficava esperneando no colo, tentando nos avisar de
algo que nenhum de nós entendia, porque não era fome, sujeira ou tédio. Mas
ela estava desesperada pra porra...!
Eu fiquei tenso quando senti eu mesmo a temperatura do corpo dela.
Foi como se o meu corpo tivesse mergulhado em uma piscina de gelo de uma
vez. O frio tomando os músculos, arrepiando a alma, dando choque nos
órgãos. Levei um susto, como se a vida tivesse me posto pra dormir a salvo
e me feito acordar de madrugada pra me socar. Só que eu fiquei parado,
ainda que tenha tremido com a minha filha daquele jeito nos meus braços.
Sofia começou a chorar, mas eu falei para ela pegar as coisas de Maysa
enquanto eu ia para o carro. Nem tive tempo de me trocar: fui de moletom,
chinelos, sem camisa, sem paciência. Logo que Sofia fechou a porta de casa,
e eu passei Maysa pra ela, vesti uma blusa que estava nos bancos de trás e
saí de casa como um louco até o hospital.
Foi aquele choro esganiçado o caminho inteiro. Não importava o que
Sofia fizesse: trocava a porra da posição, abraçasse, oferecesse peito... Não
era nada disso que ela queria. Mas Maysa me olhava enquanto eu dirigia.
Hora ou outra, quando eu tirava os olhos do trânsito, eu encontrava os olhos
dela, molhados, vermelhos, inchados...
Pai, faz alguma coisa... faz alguma coisa agora...!
A esse ponto Sofia estava tentando descobrir o que deu a febre,
falava sozinha, com Maysa, comigo... mas eu não conseguia respondê-la.
Precisava chegar à porra do hospital, porque eu sabia que febre acima dos
trinta e nove graus em criança era caso de levar ao médico. E ela não parava
de chorar, o choro desesperado entrando no meu ouvido para fazer tudo na
minha cabeça gritar vários ecos: pai, pai, pai, pai...
Então, no momento que o pediatra mediu a temperatura da minha
filha, olhou a garganta da minha filha, massageou o pescoço da minha filha,
ele disse que ela teria passar a noite no hospital. A minha filha numa porra
de quarto hospitalar. Eu não sei o que me deu, porque Sofia já tinha se
acalmado com as notícias do pediatra, que não era nada sério, apenas
infecção nas amídalas, que era comum acontecer em crianças da idade dela...
O médico a acalmou, mas não a mim.
Não... Ela não pode ficar internada. Minha Maysa não pode ficar
internada... A gente já passou por isso antes! Não vou deixar que esse
caralho se repita!
Eu peguei ela no colo de novo, mesmo que a enfermeira quisesse
tirá-la de mim para fazer outros exames. Um ignorante filho da puta, com
filha chorando no colo, sem poder fazer absolutamente nada por ela, e ainda
sim segurando-a com todas as forças. O médico ainda disse que talvez ela
precisasse de cirurgia pra tirar as amídalas. Porque acontece, esse tipo de
merda. Crianças tiram as amídalas, dependendo da inflamação. Levam-nas
para mesa de cirurgia e arrancam o problema com bisturi. Arrancam um
pedaço dela. Tão simples, botar uma criança de um ano numa mesa de
cirurgia, enchê-la de anestesia e cortar...
Fiquei fora de mim. Senti o sangue subir de uma vez e urrei com o
pediatra e a equipe de pediatria toda daquele lugar. Sofia tentou me acalmar,
ela deu argumentos para que eu recobrasse a razão:
― Amor, por favor, ela não tá conseguindo respirar direito por
causa da inflamação... Pensa um pouco, por favor.
Mas eu não conseguia pensar. Não era mais homem pra pensar como
um.
Eu era moleque. Moleque vendo Maysa chorar...
De novo, nessa vida.
Eu fui um pai de merda, porque insisti que não queria cirurgia,
apesar dos avisos. Mandei a equipe médica ir estudar, porque medicina tinha
evoluído pra evitar cirurgias simples assim, pra evitar cortar parte da minha
filha, do jeito que ela nasceu. Razão mandada à puta que pariu.
Mas Maysa teve que ficar internada, por três dias. E eu ficava
naquele lugar, com ela, mas não conseguia dormir. Nunca consegui dormir
num espaço gelado daqueles, onde as cobertas não esquentavam e a sensação
de inverno predominava. Trabalhar foi impossível. Eu não conseguia dar
conta de nada, meus colegas falavam comigo e eu apenas escutava e
ignorava, na maioria das vezes. E não foi só eles que ignorei.
Eu fui um marido de merda também, porque eu quis decidir tudo
sozinho, lidar com tudo sozinho. Sofia tentava conversar comigo, se abria,
pedia para que eu me acalmasse, mas o único contato mais profundo que tive
com ela foi uma troca de beijos e um abraço quando o pediatra disse que
Maysa não precisaria de cirurgia. Fora isso, eu a ignorava, não conseguia
conversar ou dizer que estava vivendo o inferno pela segunda vez...
Moleque, como ela mesmo disse. Moleque de tudo.
Mesmo assim, a minha mulher não saiu do meu lado, nem quando
voltamos pra casa Sofia ficou ressentida com a minha falta de paciência e
carinho. Ela já era uma esposa da porra, nunca duvidei que fosse, mas
naqueles dias ela ignorou muitos dos sentimentos e palavras por minha
causa. Porque eu sabia que a incomodava tratá-la e tratar o resto da nossa
família como se não quisesse ninguém por perto. Eu não queria escutar o que
a minha tia ou a mãe dela tinham a dizer, não queria ficar atendendo as
ligações do meu pai e das minhas irmãs e não queria jogar conversa fora
com qualquer pessoa. Eu queria ter certeza de Maysa, e Sofia entendeu isso
como ninguém. Então ela não me pressionou, mas também não se afastou;
ficou do meu lado até quando eu fui ignorante e recluso, quando não fui o
homem com quem ela se casou, um estranho...
Três semanas se passaram, e eu estava aqui, com cheiro de cigarro, a
cabeça cheia de merda ainda. Por mais que a água do chuveiro descesse e eu
esfregasse a pele, o cheiro parecia ter se impregnado tudo de novo, como se
eu nunca tivesse parado com a nicotina.
Pai de merda, marido de merda, homem de merda. Quebrei
promessas em todos esses papeis da vida quando decidi comprar a porra de
um maço de cigarros. Dois anos sem fumar e, num momento de fraqueza, os
velhos hábitos retornar...
O que você acharia disso, Maysa?
Encostei ambas as mãos na parede do banheiro e abaixei a cabeça,
deixando a água descer. Pelo menos a minha filha tinha conseguido dormir,
apesar de todo o medo, incômodos e as brigas entre o pai e a mãe dela...
Capotou não sei como, com a respiração leve e o rosto corado apenas de
saúde. Eu realmente esperava não escutar aquele choro de novo...
Depois de um tempo sozinho debaixo do chuveiro, senti um corpo me
envolver por trás, trazendo um tipo de calor diferente da água quente. Peitos
se pressionaram contra as minhas costas, e braços me abraçaram,
acariciando o peito até as mãos segurarem nos ombros. Então a cabeça
descansou nas minhas costas também enquanto a água descia e banhava a nós
dois, como fazia tempo que não acontecia.
Toda a briga tinha sido culpa minha. Eu que comecei a fugir de Sofia
hoje de manhã, eu que menti e disse que ela estava enchendo o meu saco. Eu
que a chamei que hipócrita e depois ainda soprei fumaça na sua cara... E,
mesmo assim, ela estava aqui comigo, agora, abraçando-me com todo o seu
corpo, mergulhando em um silêncio que eu tinha feito questão desde aquela
madrugada.
― Você se lembra da madrugada que a gente decidiu que seria
Maysa? ― a voz da minha mulher se sobrepôs ao barulho do chuveiro antes
que eu pudesse dizer qualquer coisa.
A cabeça estava cansada até então. Os pensamentos se confundiam
um pouco, enquanto eu tentava lidar com internações em hospitais que eu não
queria viver novamente.
Mas, depois que eu ouvi a voz de Sofia, foi como se aquele tom
tivesse amansado a minha mente de alguma maneira. Parei de pensar em dois
passados para resgatar uma lembrança boa, que nem parecia fazer parte do
passado perturbador. Aquela madrugada de Ano Novo ainda era tão fresca
que eu podia sentir o gosto do morango e o gosto dela...
Repuxei um pouco os lábios cerrados e virei a cabeça:
― Dia um ― respondi, sem conseguir enxergá-la, porque Sofia
ainda estava com a cabeça deitada nas minhas costas. Mas senti o seu
sorriso na pele, o que fez os meus músculos relaxarem pela primeira vez no
banho. ― Começo de ano. Começo de uma vida com duas Müller. ― Beijei
os seus dedos presos ao meu ombro.
― A sua intuição masculina estava certa... ― Sofia lembrou. ―
Você disse que seria menina.
Estava brincando quando falei sobre esse lance de intuição, eu não
acreditava nessas coisas... Mas, quando eu descobri que Sofia estava
grávida, antes que ela me contasse, eu peguei o carro e fui para a estrada,
pensando em como seria a minha vida dali alguns meses. E tudo o que eu
conseguia imaginar era uma filha, não sei por quê. Pensei na minha mulher
barriguda, assustado pra caralho com a ideia de enxergar uma Sofia grávida,
mas me acalmei quando me lembrei das mãos da minha mãe nas minhas.
Depois só consegui ver uma menina pequena, delicada e forte ao mesmo
tempo. Só errei porque imaginei que ela se pareceria com Sofia, o que eu
ainda acreditava, porque eu não tinha o sorriso tão incrível quanto o da
minha mulher e de Maysa... mas os traços do rosto puxaram o pai, afinal.
― Eu disse, linda ― respondi, apoiando o queixo na sua mão. Só
que, em seguida, fiquei com vontade de olhar para o seu rosto, para enxergar
a mulher que estava deitada nos lençóis da cama, dando nome a nossa filha.
Então fiz um questão para desapoiar da parede e Sofia afrouxou os braços
para que eu me virasse de frente para ela. ― Mas quem disse o nome dela
foi você.
Finalmente enxerguei Sofia, realmente parei para olhá-la: os seus
cabelos tinham acabado de se molhar, compridos e castanhos. Eles cobriam
partes dos peitos, de maneira que eu afastei as mechas para vê-la por inteira
mesmo, com os volumes que eu tinha acabado de chupar e mamar no
corredor. Isso me fez sorrir, por ver as marcas que eu deixei, mas acabei
sorrindo um pouco mais quando encontrei o seu sorriso bem-humorado nos
lábios também, um pouco travesso, um pouco débil. Os olhos grandes
sorriam da mesma maneira: como Maysa sorria pra mim, com o rosto de
anjo todo...
Você mudou a minha vida com esse rosto, Müller. Os meus planos
foram seus também a partir do momento que você fugiu comigo, naquelas
madrugadas de excursão.
― Você falou que imaginava uma garota forte como todas as
mulheres da sua vida ― Sofia disse, encostando a cabeça na parede do
banheiro. ― E eu já estava imaginando ela a sua cara...
Aproximei-me um pouco dela, percebendo que Sofia estava
enchendo o peito para começar a falar um pouco mais. Ela respirou fundo,
como se estivesse prestes a digitar uma crônica no escritório de casa, o que
me fez apoiar a têmpora do seu lado.
― Na verdade, na hora eu nem vi o nome sair da minha boca, sabe
― ela começou a dizer, abaixando os olhos enquanto parecia se lembrar
daquele dia. ― Eu não falei ele na cabeça antes de soltar, que é o que a
gente faz antes de dizer alguma coisa, né... ― Sofia me olhou, com um
sorriso imortal. ― Eu só falei: vamos nos focar na Maysa, como se a boca
tivesse se antecipado ao pensamento... e daí já era o nome dela.
Escutei a sua risada baixa reverberar e balancei a cabeça, para
acompanhá-la de alguma forma. Depois abaixei o cenho.
― Era o nome dela... É ― eu concordei, rodando a aliança do meu
dedo.
Mas Sofia se virou, apoiando a têmpora também, o que me fez olhá-
la de volta. Eu já estava há sete anos com essa mulher e não sabia como ela
conseguia sorrir tão fácil. Já tinha perguntado se as bochechas não doíam,
porque, puta merda, ela sorria como uma criança que acabou de pegar
férias...
Para ser honesto, isso me deixava orgulhoso pra porra. Porque eu
queria que a sua vida fosse férias de criança, e gostava de pensar que eu
também tinha algo a ver com esse sorriso.
― Talvez eu tenha dito o nome da sua mãe porque estava pensando
muito nela ― Sofia voltou a dizer, balançando levemente o corpo que nunca
parava. ― Você sempre contou tanta coisa boa sobre a Maysa e... ela meio
que virou a minha referência também, sabe? ― Os seus olhos se molharam,
felizes. ― Eu estava com medo de ser mãe, duvidei se ia conseguir fazer
isso ou se ia cometer erros que prejudicassem a vida que eu estava
gerando... Queria ser igual a sua mãe, sabe, queria que o nosso filho olhasse
pra mim do jeito que você olhou pra ela, do jeito que continua olhando...
Dessa vez, eu abaixei os olhos porque um impulso me invadiu da
mesma maneira que aconteceu no quarto de Maysa. Eu não me sentia bem
chorando, mas foi inevitável não soltar uma lágrima escutando a minha
mulher falar daquela maneira. Só... seria tão bom se a minha mãe estivesse
aqui.
Raramente eu pensava isso, porque não fazia sentido me concentrar
em algo que não iria acontecer, mas... havia momentos da vida que eu
gostaria muito que a minha primeira Maysa estivesse aqui para participar.
Ela ficaria louca com Sofia, com a neta... As duas se pareciam com ela,
fortes pra caralho de um jeito que um homem nunca vai entender na vida...
As mãos de Sofia se guiaram para o meu rosto e, dessa vez, eu
aceitei o carinho, aceitei que limpasse as minhas lágrimas. Antes, eu me
fechei, mas eu sempre soube que, com Sofia Müller, eu não precisava ser um
estranho nem para ela, nem para mim mesmo.
― Talvez foi por isso que eu disse o nome da sua mãe aquela
madrugada ― Sofia continuou e, em seguida, aproximou-se de mim, com o
sorriso travesso de novo. ― Ou talvez fosse destino ― ela sugeriu em
seguida. ― Talvez... era pra ser Maysa desde o dia que a gente fez ela.
Talvez fosse coisa dos deuses, de Deus, de espíritos, e estava tudo escrito no
céu pra ser...
Dessa vez, tive que abrir um sorriso com os dentes, um pouco, só um
pouco sarcástico. Era nessas horas que eu sabia que a minha mãe adoraria
Sofia: as duas eram loucas de um jeito parecido, com toda essas filosofias
de vida...
― Escrito nas estrelas, Müller? ― perguntei.
Sofia fez um careta por um momento, mas acabou rindo:
― Eu sei que você não acredita muito no universo espiritual, que não
consegue levar a sério nada muito além do que foi comprovado pelas
cabecinhas do homem ― ela respondeu, fazendo um gesto com a mão. Mas,
em seguida, ficou mais séria: ― Sei que você não tem esse tipo fé, só que eu
tenho... ― Foi a vez dela abaixar a cabeça. ― Se não fosse por isso, eu não
teria aguentado ver a Maysa internada. Eu tinha que acreditar que alguém
estava me escutando pedir por ela, porque, sem isso... ficaria acomodada no
medo. E eu não podia ficar presa a esse chão, entende?
Quando os seus olhos me olharam de novo, tão grandes e intensos, eu
me vi impulsionando o corpo para beijar o seu rosto todo. Comecei pela
testa, desci para as pálpebras, as bochechas, a boca... Eu a amava pra
caralho, cada traço, cada onda, cada loucura. Eu a amaria até o fim da vida,
não porque estava escrito nas estrelas, mas porque eu me comprometi a amar
Sofia Müller, seja de uma maneira racional ou irracional. Todos os meus
planos eram direcionados para ela e para Maysa. Se havia destino, ela era o
meu, mas só porque era pra ela que eu chegava todos os dias...
― Entendo, amor, claro que entendo ― eu sussurrei em seguida,
tirando a boca da sua. ― E te acho incrível pra porra por isso... ―
Acariciei os cabelos molhados.
Sofia sorriu de novo, olhando de volta para mim por um tempo.
Sendo capado ou não, a minha mulher sabia que eu pagava um pau fodido
por ela. O que eu podia fazer se ela tinha não só o meu pau nas palmas das
mãos?
― Eu acredito que a Maysa está dormindo agora por causa da oração
do pastor ― ela terminou por falar, sorrindo largo. ― Tive fé na oração do
Elias, nele, em Deus... e eu acho mesmo que ela está descansando naquele
berço de verdade agora. Ou, talvez ― ela riu ―, ela tenha ficado cansada
de ver os pais dela batendo boca e capotou! ― disse, dessa vez, provocando
a minha risada junto com a dela. ― E talvez à noite ela volte a chorar,
pedindo pra dormir com a gente e empatando a nossa foda mais uma vez... E
a gente vai deixar. ― Sofia se desencostou da parede, agitada que só ela. ―
Você vai dormir agarrado com ela a noite inteira, e eu vou ficar de canto,
como sempre. Porque nós somos bons pais. Não os melhores, porque a gente
falou um estoque de palavrão perto dela hoje que só por Deus, Téo!, mas...
― ela entonou a voz, fazendo-me sorrir de volta ― a gente está aqui pra ela,
com um ano de idade. E vamos estar quando tiver cinco, dez, vinte, quarenta,
acho que até cinquenta a gente ainda tá fazendo hora... ― Sofia riu,
envolvendo o meu rosto: ― Mas vai estar, porque a gente não perdeu a
Maysa, nem vai, amor.
Ela estava chorando há três semanas. Ela estava chorando há dezoito
anos. Talvez esse passado me abatesse às vezes, porque era o meu, a minha
história.
Mas agora ela estava dormindo, tranquila. A minha segunda Müller.
E a minha mãe descansava, em paz também. Talvez fosse isso que eu
devesse pensar a partir de agora...e, claro, nos peitos da minha mulher que
eu ainda queria botar a boca...
Peguei Sofia pela cintura e virei o seu corpo para que ficasse
encostada na parede do banheiro de novo. O cigarro não trazia metade da
paz que eu tinha com ela. Sofia era o que me saciava a alma, em qualquer
momento da vida.
― Eu tenho fé também, linda ― disse a ela, encostando o nariz no
seu pescoço para sentir o cheiro de pele pura. ― Mas é nas minhas duas
Müller. ― Beijei a sua clavícula para sentir o gosto de pele devassa.
Levantei o cenho para ver o sorriso de Sofia e voltei os lábios para
os seus, sem conseguir resistir àquela boca grossa.
― Eu te amo pra caralho, garoto problema ― ela sussurrou em
seguida.
― Eu te amo pra porra, garota do corredor... ― respondi, dando um
sorriso ao me lembrar do que aconteceu antes.
― Garota do corredor agora, né... porque, quando Maysa começar a
andar, não vai dar mais pra transar pela casa, Ferrero...
― Mas debaixo do chuveiro sempre vai, não vai?
Depois que peguei Maysa no colo para colocá-la dormir no berço, eu
não tive muito espaço para focar no fato de que tinha, finalmente, depois de
semanas longas pra caralho, passando por noites com empata foda, fodido a
minha mulher.
Eu fodi, e porraaaa... Só de pensar no que aconteceu no corredor, eu
fiquei de pau duro de novo.
Porque eu vou morrer sem entender como a Sofia vai de uma esposa
com a língua afiada pra uma vagabunda que pede pra levar estocada no cu.
Como manda eu me foder pra depois me pedir pra fodê-la. Como me olha
chamando-me de moleque pra depois receber dentro dela um homem, com as
pernas todas arreganhadas...
A gente vive junto há quase sete anos e sempre tivemos brigas assim,
desde o começo. Sofia não abaixa a cabeça pra mim, nem eu pra ela, então,
dependendo da discussão, a gente sai dos trilhos e só volta pra eles quando a
cabeça esfria...
E, na maioria das vezes, a cabeça se esfria com uma foda.
Então a gente alivia a tensão dos músculos, se xinga com tesão e
gasta as energias que tem pra bater boca. Quando a calmaria vem, com ela
nua e esporrada em cima de mim, a gente volta aos trilhos pra conversar a se
resolver. Mas isso não deixa de me surpreender, porque, toda vez que a
gente fode desse jeito, eu fico mais louco por ela.
O que eu sei é que a mulher da minha vida é toda sensível e fica
cheia tesão muito rápido, em qualquer área do corpo. Por isso eu gosto de
estimular tudo: quero que Sofia sinta prazer de todas as maneiras comigo. É
o que me deixa com o pau duro pra caralho também, além da facilidade que
eu tenho pra erguer aquelas pernas e sentir a boceta que Deus fez para o bem
da minha loucura.
Então, quando eu toquei o caminho inteiro desde o seu clitóris até o
cu, eu só queria sentir o seu tesão nos dedos e na língua. Queria saber se
estava se derramando com o jeito que eu dedilhava a sua zona de prazer
mais sensível e com a minha língua e boca molhando a parte de trás. Eu não
esperava que a porra louca fosse rebolar tanto a ponto de insistir que fosse
mais fundo. Enfiei o polegar, para deixá-la satisfeita, mas eu conhecia o jeito
que Sofia se mexia para saber que aquela bunda queria mais.
Ela queria que eu comesse o seu cu, e queria no seco, com força...
No meio do corredor de casa, contra a parede... Gemendo e gritando como
uma vagabunda...
Isso deixa qualquer homem fora de órbita, porra. Sem foder há
semanas ou há poucas horas, ver a sua mulher dizer que quer no cu...
Então fiquei de pau duro só de me lembrar de como foi fodê-la
daquele jeito, ainda que eu tenha tido muito autocontrole pra não enfiar tudo.
Gostava de deixar marcas na minha mulher, por todo corpo, em lugares que
apenas eu via, mas machucar era outra coisa.
― Você tá muito dolorida? ― perguntei.
― Um pouco. ― Sofia passou um braço por baixo do meu, para me
abraçar, enquanto com o outro deixou a mão envolver as minhas bolas.
― Você sabe que sem lubrificante é loucura, amor.
Abri a boca quando ela começou a me massagear com as mãos tão
delicadas e, no momento que comprimiu as pernas para que o meu pau
deslizasse entre elas, senti a alma toda se abrir também.
― Mas eu queria. E estou dando graças a Deus pela dor ― disse,
rindo de um jeito sexy e enchendo todo o banheiro com o som. ― Estava
com saudade de você me fodendo daquele jeito.
Fiquei com vontade de pegá-la pelas pernas de novo e de me afundar
na minha mulher, metendo forte para ouvi-la gemer do jeito barulhento de
novo. Os bicos dos seios já estavam duros contra o meu peito, e eu tinha que
colocar a boca neles para matar as saudades que acumulei. Quando Sofia
ainda amamentava, eu fiquei meses sem castigar os seus peitos, mas agora
que eles eram só meus de novo, queria marcar a sua pele com a boca. Assim,
quando ela estivesse longe de mim durante o dia, poderia tocá-los e se
lembrar do quanto a gente fodia gostoso.
― Eu também estava ― respondi a ela, mas, ao invés de fazer o que
o corpo pedia, virei a sua cintura para que ele ficasse contra a parede. Ao
invés de invadi-la completamente como fiz no corredor, coloquei as mãos
nos seus seios para massageá-los enquanto beijava a curva do pescoço. ―
Mas agora vou só te amar com carinho...
Deslizei o meu pau de novo entre as suas pernas, levantando a
cabeça até o clitóris. Então investi devagar e curto para ficar massageando
aquela área, enquanto as minhas mãos trabalhavam em tomar os seus peitos e
acariciar, raspando os dedos nos mamilos apenas para ouvi-la gemer baixo,
tombando a cabeça para me escutar gemendo baixo também.
Sempre tão minha, caralho...
― Carinho igual você fazia quando eu estava grávida? ― perguntou,
com o pescoço relaxado e inclinado.
Subi mais os beijos, para mordiscar o lóbulo da orelha, então dei um
sorriso leve e resolvi atiçar um pouco:
― Carinho que faz te engravidar de novo...
Antes que eu pudesse descer os beijos de novo, Sofia enrijeceu o
pescoço para me espiar. Soltei uma risada quando notei um aviso no seu
olhar, dizendo-me que eu estava muito precipitado, e ela não estava errada.
Depois dessas semanas numa seca do caralho porque Maysa não nos
deixava, eu estava longe de pensar em fazer filho de novo. Pelo menos
agora...
― Fiquei sabendo que o lindo estava aí, espalhando pros sogros, que
queria mais dois ― Sofia comentou, com um tom de voz materno.
Obviamente a boca aberta da mãe dela, a Luciana, me ouviu falando com o
Antônio e já foi contar... Vou te falar, porra, minha sogra é a essência do
substantivo sogra.
Eu e Sofia nunca tínhamos falado sobre ter mais de duas crianças, só
mais um irmão pra Maysa e acabou. Mas a nossa casa e corações eram
grandes, dava pra ter dois moleques fácil, pra encher tudo de uma vez... Só
que tinha que ser só moleque mesmo, porque, se viesse mais uma Müller, aí
não sobraria cacete pra comandar a casa. Sofia já tinha metade, Maysa tinha
lá uns vinte e cinco por cento. Uma terceira tomaria o resto.
― Vai que vem gêmeos da próxima vez, igual o puto do Pedro teve
― provoquei Sofia mais um pouco, só pra ver a boca se abrir.
E foi o que aconteceu, ela virou o pescoço para me olhar com os
olhos arregalados e os lábios formando um “o”. Porém, antes que pudesse
dizer mais alguma coisa, tomei a sua boca e voltei a me concentrar a
massagear os seus peitos e o clitóris com o meu pau. Isso fez Sofia se
esquecer do assunto de filhos e me beijar de volta, aproveitando o tempo que
tínhamos a sós, sem empaca foda por perto.
E foi do caralho poder foder a minha mulher outra vez no sábado,
com ela toda molhada, gemendo baixo, enquanto eu estocava num ritmo
nosso, porém mais demorado do que antes. Queria senti-la toda entregue, nos
meus braços, para provar que valorizava todas as vezes que ela permitia que
eu dominasse os seus desejos. Que, além disso, valorizava a esposa e mãe
incrível que ela era até quando eu não estava a sua altura ou quando perdia a
paz.
Sofia era a minha cruz. Não no sentido comum, de tormenta, mas de
lugar onde eu depositava as esperanças, as fés, todo o meu amor. Ainda que
o mundo fosse um lugar fodido, ela que conseguia ressuscitar tudo isso, a
começar por ter me dado Maysa: a salvação da minha pátria, por toda a
eternidade.
Terminei de dar banho nela, ensaboando todo o seu corpo, lavando
os cabelos e fodendo aquela boceta que, tão gostosa, pedia por mais, mesmo
inchada. A porra louca também implorou em voz alta, rebolando no meu pau
toda melada, então acabei me esquecendo a coisa toda de carinho pra encher
a mão naquela bunda vermelha e escutar os gemidos de puta soando pelo
banheiro todo. Quando disse que ia gozar, ela ainda quis se agachar pra
engolir a minha porra. Então vi Sofia Müller ajoelhada diante de mim e
voltei anos atrás, num parque de diversões. No bondinho, eu tinha visto a
minha colega se ajoelhar, prometendo-me um boquete. Senti a mesma
ansiedade que senti aquele dia, enquanto a minha ereção concentrava todos
estímulos na cabeça do pau, mas daquela vez não me deu o boquete. Me
deixou de pau duro no bondinho e saiu desfilando com o orgulho nos lábios.
Dessa vez, o seu orgulho consistia em chupar bem devagar a cabeça do meu
pau para fazer a porra toda explodir, pintando os seus lábios grossos.
― Gostosa do caralho ― sussurrei enquanto ela chupava mais um
pouco a ereção antes que falecesse completamente. Os músculos relaxaram,
assim como a cabeça.
Era sábado de novo, porra!
Depois de mais um tempo no chuveiro, só pra curtir as últimos
minutos de nós dois, tivemos que sair para dar um jeito no almoço. Para ser
honesto, eu só queria pedir algo e ficar com Sofia sem roupas em cima de
mim, na cama, mas a minha mulher inventou de cozinhar arroz carreiro ―
coisa de sulista que ela ainda carregava depois de morar cinco anos no sul
do país. Resolvi me juntar a ela na cozinha, percebendo que Maysa ainda
estava dormindo, e botei uma playlist de rock para ver Sofia rebolar
enquanto mexia na panela, usando só calcinha e uma camiseta velha do
AC/DC. Ficou tão sexy dançando “Suck My Kiss” do Red Hot que eu nem
consegui fazer nada além de acompanhar tudo com os olhos. Parecia que
tínhamos voltado a Porto Alegre, com o cheiro do arroz enchendo a cozinha,
e o meu pau enchendo a boxer de novo...
Mas, quando Sofia terminou de cozinhar e eu de arrumar uma mesa
que ficou bem merda porque eu não conseguia tirar os olhos da minha
mulher, escutamos alguns ruídos saindo da babá eletrônica, avisando que a
segunda mulher da casa estava acordada. Não estava chorando, acho que,
pela minha filha, ela ficava no berço com o tubarão, mesmo que acordada.
Eu que não conseguia ficar longe da terrorista, então meti a mão uma última
vez na bunda de Sofia, fazendo-a me prometer que rebolaria aquela bunda
em mim de madrugada, e fui buscar a nossa filha no andar de cima.
Assim que cheguei ao quarto, percebi que ela estava fazendo barulho
porque o Gato estava com ela no berço, apesar de eu não gostar que aquele
puta se metesse na cama da minha filha. Mas era efeito de Müller isso aí,
Lúcifer só subia na minha cama, na casa da ria Rose, quando Sofia estava
comigo. O problema aqui era que a terrorista não facilitava pro Gato,
pegava-o com força e cruzava os dedos nas patas. Com uma careta
entediada, ele sofria em silêncio ― o que eu faria caso a minha filha um dia
trouxesse namorados para casa.
Aproximei-me do berço e, finalmente, Maysa notou presença no seu
quarto. Eu não esperava pelo oi que me deu quando botou os olhos em mim:
abriu o sorriso da mãe dela e gargalhou, quando foi pega torturando o
animal. Em seguida, empurrou o tubarão pro Gato, como se dissesse brinca
com ele agora, e levantou os braços na minha direção.
Já que você veio, me pega, pai?
Sempre, pequena.
Quando a peguei no colo de novo, foi a minha vez de surpreendê-la:
a enchi de beijos, do jeito que os Ferrero não gostavam. Foram beijos longos
que a fizeram fazer careta e, para ser honesto, nunca a vi tão parecida
comigo no momento que franziu o cenho. Mas, quando parei de beijá-la, ela
olhou direto nos meus olhos, suavizando o rosto. Nenhum resquício de dor,
medo ou solidão. Ela era a minha filha de novo, dona das flores mecânicas.
― Você é badass como a sua mãe e a sua vó, sabia?
Maysa abaixou os olhos e sibilou algo que eu não entendi, porque ela
ainda não sabia formar frases. Mas colocou as mãos no meu rosto e veio ela
mesma me beijar, pegando parte do lábio inferior e barba. A barba fez
cocegas, no entanto, a ela deu risada enquanto coçava a boca.
A gente não perdeu a Maysa, nem vai, amor.
Não mesmo. Deus sabe que, se um dia eu perder essa risada, eu me
perco junto.
Sorri de volta para ela, cheirando para ver se precisava trocar a
fralda, mas como ainda estava cheirando só a perfume, fiz um gesto pro Gato
sair do berço dela e sai do quarto com ela no colo. A caminho da cozinha,
disse:
― Agora eu tenho uma conversa muito séria com você, pequena.
Conversa de pai pra filha. ― Maysa concentrou os olhos em mim, quietinha.
Então olhei pra ela enquanto descia as escadas: ― A única Marques que
você pode dizer oi é pra sua madrinha Ana Luísa. Fora ela, nada de ir no
colo daquele pa-... ― parei antes de terminar, mas Maysa gesticulou a
cabeça, franzindo o cenho. Não sabia se ela estava reprovando o palavrão
ou o ciúme, mas acabei dizendo: ― Só não mata mais o pai, certo? Já basta
a sua mãe que é teimosa pra caramba e...
― O que você tá falando aí, Ferrero? ― Sofia estava no fim das
escadas.
Lá vai...
Troquei olhares com Maysa, vendo um arzinho de travessura que
também era da minha mulher.
Eu disse que a minha filha seria linda igual a mãe dela, porra.
― Conversa de pai pra filha, Müller.
Terminei de descer as escadas enquanto Sofia fazia uma careta
desconfiada, mas ela estava com o telefone na mão e uma novidade na boca,
que disse logo:
― A sua tia acabou me ligar e disse que a cirurgia do Elias ocorreu
tudo bem!!! ― contou, dando um sorriso muito largo que me fez sorrir de
volta sem que eu percebesse. ― Ele acabou de sair e está estável! A filha
dele está lá, pra visitar quando deixarem. Parece que vai dormir até ver o
pai...! ― Ela mordeu a boca e uniu as mãos na telefone como se fosse
explodir de emoção.
Quando Sofia veio me beijar, comemorando o bem-estar do pastor,
eu a abracei de volta, enquanto pensava no homem de Deus. Na visita que
fizemos, o cara ficou impressionado que eu e Sofia nos casamos, ou melhor,
que ela se casou comigo. Devia ser novidade que uma aluna tão boa tivesse
se envolvido mesmo com o Ferrero, a ponto de se casar e ter filha com ele.
Eu era o moleque viciado, o descrente, o desvirtuado. Eu fedia a cigarro e
ele não suportava esse cheiro em mim.
Não volte a fumar, garoto. Você vai ver que essa foi a melhor
escolha quando ela estiver mais velha.
Então... Amém, Elias. Amém, pelas Maysas.
Sofia finalmente se desgrudou de mim para se concentrar apenas na
nossa filha, que reclamou quando recebeu vários beijos dela. Vi a sua
caretinha pedindo: me salva, pai; mas passei uma mensagem de volta: sua
mãe é assim, pequena. Acostuma.
Em seguida, fomos os três pra cozinhar, para almoçar. A playlist
ainda estava ligada e Maysa se animou com o rock, batendo as mãos na sua
cadeirinha quando Sofia começou a cantar Joan Jett e a dançar dela cozinha.
Esse era o meu sábado, enfim, o meu fim de semana: duas Müller
enchendo a casa de barulho e me fazendo esquecer qualquer outro que
estivesse na cabeça. Maysa sorria como a mãe e me fitava com os meus
olhos, concretizando tudo o que eu sempre desejei desde que soube que ela
estava na barriga da minha mulher: uma puta força. A minha filha era como
as flores mecânicas do seu quarto e eu e Sofia éramos sortudos pra caralho
por isso. Ainda éramos pais principiantes, tentando entender o que era dar
manutenção a sua vida, mas estávamos indo bem, nem que todas as noites
seguidas fossem de três na cama. Quentes de paz seriam, sempre.
― Agora diz pra mamãe, filha ― Sofia disse na voz alienígena
quando estendeu a primeira colher de comida ―, o que você vai comer
agora?
E foi aí que percebemos que teríamos um caminho longo pra caralho
como pais quando a nossa filha aprendeu a palavra:
― Pô-rra.

FIM

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