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Capítulo 1: Recém-casados

:: Abby ::
Travis sentou-se sobre a cama com as malas, separando em silêncio nossas roupas sujas.
Ele segurou meu vestido de casamento na frente dele, e depois de alguns segundos
cuidadosamente deixou-o em nosso edredom. O cetim e o tule estavam um pouco
amassados e bagunçados, em parte por causa da viagem, mas principalmente por causa da
noite de núpcias. Travis me segurava como se eu pertencesse a ele; todas as suas dúvidas
foram deixadas para trás. E agora, sozinhos no nosso apartamento, ele estava mais
relaxado do que no aeroporto de Las Vegas. Nós voltamos à realidade, ainda casados, e
ainda juntos.

Levantei minha mão esquerda, olhando para o anel de diamante assim como Travis tinha
reverenciado meu vestido de noiva momentos antes. Eu balancei os meus dedos, vendo
que Travis estava olhando para mim conforme ele entrou em foco através da minha mão.
De um lado da sua boca apareceu um meio sorriso, e ele riu uma vez.

“Ainda está tudo bem?” ele perguntou pela terceira vez desde que chegamos em casa.

“Ainda sou a Sra. Maddox”, eu disse, indo até ele para envolver meus braços em seu
pescoço. Eu deixei ele me segurar e encostei nele, fechando meus olhos enquanto seus
lábios macios deslizavam nos meus. “Gostaria que tivéssemos mais tempo antes das aulas
voltarem.”

“Nós podemos faltar alguns dias,” ele sussurrou contra a minha boca.

Ele examinou meu rosto com seus olhos castanhos ardentes, com a barba do dia anterior
por fazer. Ele ainda era de tirar o fôlego assim como no dia em que o conheci, sua pele
tatuada esticada firmemente sobre seus músculos enxutos e definidos. As tatuagens
cobrindo seus braços variavam de artísticas para tribais, mas nenhuma delas era tão
preciosa quanto o meu apelido em letra cursiva sobre seu pulso, ou a frase em hebraico ao
longo de suas costelas, que ia desde debaixo do braço até o começo do quadril. Lia-se, Eu
pertenço a minha amada e minha amada pertence a mim -- e eu pertencia. Oficialmente. Eu
até mesmo tinha feito uma tatuagem em Vegas: Sra. Maddox. Para alguém que nunca
havia considerado fazer uma tatuagem, eu não conseguia parar de olhá-la… ou para o meu
marido.
Eu o soltei e parei. “Tenho estatística esse semestre. Não é uma aula que eu queira
perder.”

“Você vai se dar bem,” ele disse, se virando para terminar de desfazer as malas.

“Você resolve problemas do mesmo jeito que eu distribuo socos.”

“Não,” eu disse. “Nada é tão belo.”

Ele olhou por cima do ombro, me olhando com uma dúzia de emoções passando pelo seu
rosto, chegando finalmente em adoração. “Minha esposa é.”

Eu dei uma olhada em volta do quarto e apoiei as mãos nos quadris, soprando uma mecha
de cabelo presa no meu rosto. Roupas sujas estavam divididas em quatro diferentes pilhas
por todo o quarto. Me pergunto como conseguimos fazer tudo isso em tão poucos dias.
Porta-retratos estavam pendurados nas paredes, com fotos nossas em preto e branco de
todos os estágios pelos quais nosso relacionamento passou: amigos, inimigos e amantes.
Em cada uma delas, estávamos sorrindo, e Travis me tocava de alguma forma. Eu estava
com saudades do nosso quarto, mas da última vez que estivemos aqui, eu pedi Travis em
casamento enquanto seu rosto estava sujo de fuligem do incêndio. Um traço de fumaça
ainda pairava no ar.

Shepley e America voltaram ao Morgan Hall depois de nos levarem para a casa do pai do
Travis para contar a novidade de que nós havíamos fugido. America ia buscar minhas
coisas, dando tempo para que eu e Travis desfizéssemos as malas e nos ajustássemos.
Apesar do apartamento estar do mesmo jeito de quando partimos, tudo parecia diferente.
Eu peguei uma das pilhas de roupa suja e segui para a porta, me perguntando se Travis se
sentia tão contente e deslocado quanto eu estava.
“Aonde você vai?” Travis me perguntou.

Fiz um gesto movendo levemente a cabeça em direção ao corredor. “Lavar roupa.” Ele fez
uma careta e eu ri. “Vou estar no fim do corredor, baby.”

Ele concordou, mas eu sabia que ele ainda estava preocupado que nosso casamento
poderia ser apagado de alguma forma, como se nunca tivesse acontecido, que no momento
em que eu saísse do seu campo de visão ele acordaria sozinho na cama.

Eu passei pela porta em direção à sala de estar parando a menos de dois passos da porta
para depois abri-la e revelar a máquina de lavar e a secadora. A máquina era barulhenta,
amarelada e mais velha do que eu, mas funcionava bem. Coloquei somente metade da
pilha que estava carregando, sabendo que o pequeno compartimento não aguentaria mais
do que isso. Logo depois de jogar o sabão em pó, girar o botão e abaixar a tampa, alguém
bateu na porta.

Deixei o resto das roupas cair no chão e passei por cima delas, para atravessar
rapidamente a sala. Eu espiei pelo olho mágico e engoli em seco, levei um segundo para
juntar os pensamentos antes de abrir a porta.

“Olá,” eu disse, tentando parecer surpresa.

Os policiais estavam em roupas comuns -- o que significava que eram detetives -- e eles
não estavam surpresos em me ver.

“Srta. Abernathy?” o que estava na esquerda perguntou. Ele era redondo, sua barriga era
protuberante sobre a fivela do cinto, e seu casaco estava meio gasto e pequeno. O distintivo
posicionado um pouco acima do bolso da jaqueta lia-se Gable. Seu parceiro, Williams,
estava elegantemente vestido com uma camisa roxa e uma gravata combinando. Ele cruzou
os braços, sua pele escura e macia, completamente oposta à pele com sardas de Gable.
“Sim?”, sabendo que Gable estava afirmando e não perguntando.

“Estamos procurando por Travis Maddox.”

“Ele está aqui. Está no banheiro,” eu disse, torcendo para que o Travis não pudesse nos
escutar por causa do som da máquina de lavar. Seria muito mais fácil encobri-lo se ele
ficasse escondido no banheiro. Eu precisava prepará-lo. Ele não mentia tão bem quanto eu
porque ele nunca precisou ser um mentiroso. Eu não conseguia lembrar de nenhuma
mentira que ele contou nesses sete meses desde que nos conhecemos.

“Podemos entrar um instante? Nós precisamos falar com ele,” disse Williams.

“É sobre o incêndio?” eu perguntei.

Os detetives trocaram um olhar, tendo a certeza de que estavam um passo a frente. “Sim,”
Gable me respondeu. “O que tem a dizer sobre isso?”

“Eu vi no noticiário. Logo que terminarmos de desfazer as malas, vamos até a casa da
fraternidade. Travis perdeu alguns de seus irmãos. Está de coração partido”, eu disse,
sabendo que essa última parte não era mentira.

“Você é namorada dele?” Gable perguntou -- de novo, sem perguntar de fato.

“Esposa”, eu corrigi.

Eles trocaram outro olhar. Williams trocou o peso de suas pernas, olhando para as
anotações. “Esposa dele?”
“Sim, nós fugimos esse final de semana. Para Vegas. Nós voltamos mais cedo para casa
por causa do incêndio.”

Gable apertou os olhos. “Nós temos algumas testemunhas que disseram que Travis estava
no prédio na hora do incêndio. Elas deram o depoimento de que ele era um oponente
regular nas, uh” ele olho seu caderno “nos ringues de luta.” Ele disse essas palavras como
se fossem uma língua estrangeira.

“Quero dizer… é ilegal mentir para vocês,” eu disse, segurando o batente da porta. Os
homens se inclinaram, ansiosos por ouvir minha confissão. “Nós estivemos em algumas.
Não tem muito o que se fazer em Eakins.” Eu inspirei, e fingi estar desconfortável e sem
graça vendo que eles não acharam graça da minha piada.

Gable se inclinou vendo algo atrás de mim. “Sr. Maddox?”

“Olá, baby,” eu disse. “Contaram a esses oficiais que você estava na luta esse final de
semana. Eles estão fazendo perguntas.”

“Posso entrar?” o Williams perguntou.

“Claro,” Travis respondeu, passando por cima da pilha de roupas que deixei no chão. Ele
limpou os dedos na calça e ofereceu um aperto de mão firme primeiro a Williams e depois
Gable, enquanto eles se apresentavam como detetives. “Travis Maddox.”

“É um prazer conhecê-lo, senhor,” Gable disse, sacudindo a mão em resposta a pressão


que o Travis colocou durante o aperto de mão. Ele entrou em casa, passando por mim,
visivelmente desconfiado do homem que ele confrontava.
“Vocês já conheceram minha esposa,” Travis disse enquanto fechava a porta atrás dos
detetives.

Os oficiais concordaram. Williams fungou. “Vocês dirigiram ou voaram até Vegas?”

“Voamos,” dissemos juntos, e depois sorrimos um para o outro. Travis segurou minha mão e
sentamos no sofá.

Williams escolheu a cadeira. Gable ocupou a maior parte do sofá de dois lugares.

“Estão realmente dizendo que o Travis estava lá?” eu perguntei.

“Na verdade, que vocês dois estavam,” disse Gable, escrevendo algo em seu caderno de
anotações. “Vocês ainda tem o bilhete de embarque?”

“Sim,” eu disse, levantando. Fui ao quarto, vasculhei a bolsa atrás das passagens e da
conta do hotel. Eu queria deixá-los em mão para quando os investigadores viessem para
perguntar ao Travis seu paradeiro. Eu peguei também o vestido de noiva antes de sair. Não
queria deixar o Travis sozinho com os detetives por mais tempo que o necessário.

“Foi rápida,” disse Williams, suspeitando.

“Acabamos de voltar,” eu respondi. “Estava tudo dentro da minha bolsa. Aqui,” eu disse,
entregando os bilhetes e a conta do hotel.

“Esse é o seu, ahn…” Gable começou, fazendo um gesto em direção ao meu vestido.
“Sim,” eu disse com um sorriso orgulhoso no rosto. “Oh!” eu arfei, surpreendendo Travis. Eu
corri pelo corredor de novo, deixando o vestido de volta no quarto e voltando para a sala
com uma caixa de DVD na minha mão. “Vocês querem ver a cerimônia?” Antes que eles
pudessem responder, eu coloquei o disco no aparelho e peguei o controle remoto.

Eu sentei ao lado de Travis me aninhando nele, enquanto víamos ele de pé próximo ao


padre, inquieto. Eu beijei sua bochecha, ele se virou e encostou seus lábios nos meus.

“Tudo bem,” disse Williams, ficando de pé. Seu telefone tocou, e ele atendeu. “Williams. O
quê? Quando? Isso é besteira, e você sabe.”

Travis me olhou rapidamente, e eu apertei sua mão enquanto ficava com um sorriso no
rosto. Olhei para a TV. A gravação fez com que fosse mais fácil parecer que não estava
concentrada em cada palavra do Williams.

Gable disse silenciosamente “O que foi?” ao seu parceiro.

William balançou a cabeça. “Sim, senhor. Nós estamos aqui agora. Eu entendo, senhor.
Sim, senhor.” Ele suspirou e guardou o telefone, olhando para Travis com uma expressão
irritada. “O FBI vai cuidar do caso a partir de agora. Tenho certeza que eles terão mais
perguntas para você.”

“O FBI?” Travis perguntou.

Williams franziu a testa para o seu parceiro, ainda atordoado com a notícia. “Parece que
sim. Tenha um bom dia, Sr. Maddox. E, parabéns.”

Travis levantou, me levando junto. Nós vimos os detetives partirem, e depois Travis saiu
andando.

“Trav,” eu disse, alcançando-o. Ele não parou para que eu o pegasse. “Travis, para. Vai
ficar tudo bem. Eu prometo.”

Ele sentou no sofá, apoiando seus cotovelos nos joelhos, e cobrindo seu nariz e boca com a
mão. Os joelhos estavam balançando, a respiração pesada. Eu estava me preparando para
uma explosão.

Eu sentei ao seu lado, tocando seu ombro musculoso. “Nós estávamos em Vegas casando.
Foi isso o que aconteceu, e será isso que continuaremos dizendo. Você não fez nada de
errado, Travis. Foi uma coisa horrível o que aconteceu, mas não vou deixar você ser preso
por isso.”

“Abby,” Travis disse por trás das mãos. Ele fechou os olhos e respirou fundo. “Você sabia
que isso aconteceria?”

Eu beijei seu ombro. “O que quer dizer?”

“Que eu precisaria de um álibi.”

Meu coração começou a martelar, batendo contra meu peito. “Do que você está falando?”

Ele se virou para mim, com o medo dominando seu rosto, já se arrependendo pela pergunta
que estava prestes a fazer. “Me diga a verdade.”

Eu encolhi os ombros. “Está bem…”


“Você se casou comigo para me manter fora da cadeia?”

Eu suspirei. Pela primeira vez, eu estava com medo que minha expressão impassível não
fosse me salvar. Se eu admitisse que criei seu álibi, ele não acreditaria que também casei
com ele porque o amava e queria ser sua esposa. Ele não acreditaria que a única razão
pela qual eu concordei em ser sua esposa, mesmo sendo uma caloura na faculdade -- e
tendo dezenove anos -- foi por amor. Eu não gostaria de contar a verdade, e também não
queria começar nosso casamento com uma mentira tão enorme assim.

Eu abri minha boca para falar, sem saber qual das opções eu escolheria até que as
palavras saíram da minha boca.

Capítulo 2: Mentira Inofensiva

:: Abby ::

“Travis”, eu comecei, tocando seus joelhos. “Eu casei com você porque me apaixonei.”

“Esse é o único motivo?” ele perguntou, se preparando para qualquer dor insuportável que
minha resposta causaria.

“Não.”

Seu peito arfava como se todo o ar tivesse sido tirado dele. Até uma hora atrás, ele estava
começando a aceitar que nosso final de semana não era somente um sonho. Um mês atrás
ele teria destruído o apartamento. Eu conseguia ver a luta interna dele para não explodir,
mesmo sofrendo a imensa dor que ele estava sentindo. Ver esse conflito em cada
minúscula contração em sua expressão me fez amá-lo ainda mais.
Travis encarou o chão enquanto me falava, “Abby, quando eu digo que te amo… eu não
sabia até esse momento que eu gostaria de algo mais para você do que ser minha esposa.”
Sua respiração vacilou, e ele limpou o tremor de sua voz. “Eu quero que você seja feliz.
Você não tinha que fazer isso.”

“Eu estou feliz. Hoje, eu sou mais feliz do que eu jamais fui. Amanhã, serei mais feliz ainda.
Mas a sua felicidade é tão importante quanto a minha para você, Travis, e…” eu hesitei.
Não importa de quantos jeitos eu explique, Travis não entenderia. Fugir para Vegas para
salvá-lo da prisão significava mais para mim do que ceder a um capricho. Talvez não seja
tão romântico quanto o inesperado e impetuoso pedido que Travis queria que fosse, mas eu
tinha que colocar a razão acima da emoção. Para mim, era prova de que meu amor por ele
transcendia tudo mais que era importante para mim, mas Travis não veria dessa forma. Eu
podia ver em seus olhos.

“Só me diz, Beija-Flor. Eu preciso ouvir você dizer. Eu preciso saber a verdade,” ele disse,
derrotado.

Eu segurei seu queixo com minhas mãos e deslizei meus lábios em sua orelha. “Eu
pertenço a você,” eu sussurrei. Levantei as sobrancelhas. “E você é meu.”

Ele virou, tocando meu rosto com a ponta dos dedos, procurando em meus olhos alguma
pista de que eu não estivesse sendo completamente honesta.

Eu ofereci um pequeno sorriso, mantendo minhas preocupações invisíveis. As palavras que


saíram da minha boca eram verdade, mas eu sentia que precisava protegê-las como se
elas fossem mentira. Travis não precisava saber que eu queria salvá-lo. Ele só precisava
saber o porquê.

Ele assentiu, exalando enquanto seus músculos relaxavam. “Você já quis muito algo, e tão
fora de alcance, que uma vez que você consegue tem muito medo para acreditar?”
“Sim”, eu disse baixinho, beijando seus lábios. “Mas eu sou sua esposa. Nada nunca
mudará isso.”

“Eu não sei,” ele disse, balançando a cabeça. “Uma sentença de vinte anos na prisão
poderia mudar isso.”

“Como pode pensar que não tem poder para controlar o que acontece conosco? Você fez
com que eu me apaixonasse tão loucamente por você, que te pedi em casamento aos
dezenove anos.”

Ele deu uma risada.

“Você parou para pensar que talvez eu seja a pessoa que está com medo de perder você?”
eu perguntei.

“Para onde eu vou?” ele perguntou, me puxando para o seu colo. “Você é minha âncora.
Não tem nada lá fora que eu queira que me tire de você.” O canto da boca de Travis se
virou num sorriso, mas apenas por um segundo. “Eu estou sendo investigado pelo FBI, Flor.
E se eu for preso? E se eu me afastar por muito tempo?”

Eu balancei negativamente minha cabeça. “Não vai acontecer. Você não estava lá. Nós
estávamos em Vegas, nos casando.” Eu levantei a mão, mexendo os dedos para que que a
luz refletisse as facetas do meu diamante. Sua expressão fez meus olhos embaçarem, e eu
joguei meus braços em volta dele, abraçando-o bem apertado, encaixando meu queixo na
curva de seu pescoço. Eu não teria que esconder que estava com medo. “Eu não vou
deixar que te tirem de mim.”

“Alguém vai ter que pagar pelo que aconteceu.”


Olhei em volta do apartamento, nas pequenas velas que comprei no pequeno Eakin Strip
Mall, e o cinzeiro que Travis deixava perto da porta para ele pegar antes que saísse para
fumar. Eu lembrei de sua espátula favorita ao lado da minha colher de servir favorita
guardadas na gaveta da cozinha, seus copos de shot ao lado de minhas canecas, suas
meias fedidas de academia ao lado dos meus Victoria’s Secret. Eu pensei no campus da
Eastern State e me senti atordoada quando Travis, de algum jeito, me achou no meio de
doze mil estudantes, e em quando metade do café irrompeu em música só porque ele
queria tirar a atenção de cima de mim. Eu me mudei do Kansas para Illinois para escapar
do meu passado, e dei de cara com a última pessoa que eu gostaria de me misturar -- que
por acaso seria a mesma pessoa que me amaria mais intensa e incondicionalmente do que
qualquer outra pessoa tinha amado. Travis Maddox me fez sorrir, me fez olhar adiante a
cada dia. Não haveria Abby sem Travis.

“E não vai ser você. Não foi você que escolheu o prédio. Você não pendurou as lanternas.
O incêndio foi um acidente, Trav. Um horroroso, terrível acidente, mas se é culpa de
alguém, não é sua.”

“Como eu poderia explicar isso para o meu pai, Flor? Como eu conto para meus irmãos que
eu participei disso? Alguns dos nossos irmãos da fraternidade morreram nesse incêndio.
Caralho,” ele disse, correndo as mãos pelo cabelo curto. “Trenton quase morreu nesse
incêndio.”

“Mas ele não morreu. Travis?” eu balancei a cabeça. “Você não pode contar a eles. Você
não pode contar ao Shep ou a Mare. Você não pode contar ao seu pai. Se nós contarmos e
eles não te denunciarem, estarão encrencados também.”

Ele pensou no que eu disse por um momento, e depois concordou. “Mas… e se eles
prenderem o Adam?”

Eu olhei para baixo, incerta de como lidaria com essa variável. Adam poderia concordar em
testemunhar contra o Travis para reduzir a sua pena. Se caso mais uma pessoa admitir que
Travis estava no porão durante a luta, seu álibi poderia não fazer diferença alguma. Eu olhei
em suas íris avermelhadas e preocupadas. “Nós vamos cuidar disso com um passo de cada
vez. O primeiro passo é o nosso casamento. Nós estamos em primeiro lugar, sempre,” eu
toquei seu peito com meu dedo. “ Somos nós, a família, e depois o mundo.”
Ele assentiu, pegando meu queixo e plantando um beijo em meus lábios. “Eu te amo pra
caralho,” sussurrou.

A maçaneta da porta se moveu, Shepley e America irromperam pela porta carregando


sacos marrons cheios e conversando sobre húmus de pimenta jalapeño com coentro. Eles
pararam logo atrás do sofá, nos olhando enquanto estávamos em um abraço congelado.

“Que porra é essa, Shep? Bata na porta!” Travis disse.

Shepley encolheu os ombros, os sacos se movendo junto. “Eu moro aqui!”

“Eu sou casado. Você está segurando vela. Quem segura vela bate na porta,” Travis falou.

America pegou as chaves da mão de Shepley para Travis ver. “Não se a pessoa que está
segurando vela tiver a chave,” ela rebateu. “A propósito, Shep pegou a caminhonete do
Brazil emprestada, assim pegamos o restante das coisas da Abby para a mudança. De
nada.”

Ela foi em direção a cozinha ofendida, sinalizando para que Shepley a seguisse. America
ainda estava brava por causa de nossa fuga, sem entender que nossa escapada secreta de
noite sem contar nada a ninguém, era a única coisa a se fazer. Eles abriram todos os
armários e começaram a esvaziar os sacos, enchendo as prateleiras quase vazias com
garrafas, sacolas e caixas.

“Eu vou ajudar,” eu disse, começando a me desvencilhar do colo do Travis. Ele me puxou
de volta, se aninhando no meu pescoço.

“Ah, não,” America rosnou. “Vocês estão casados agora. Deixem as velas guardarem os
duzentos dólares em comida que eles acabaram de comprar.”

“Uau! Legal, Shep!” Travis disse, olhando para a cozinha por tempo suficiente para que
Shepley lhe desse uma piscada.

“Eu compro, você cozinha. Isso não mudou, certo, Trav?” disse Shepley.

“Certo,” Travis respondeu, apontando seu dedão para cima, fazendo um joia com a mão.

“Você vai ter que me ensinar,” eu disse, acanhada.

“A cozinhar?” Travis perguntou. Eu assenti. “Mas se eu te ensinar, vou acabar não


cozinhando tanto assim para você.”

“Exatamente. Eu quero ajudar.”

Ele sorriu, fazendo com que a covinha aparecesse. “Então a resposta é não.”

Eu belisquei ele bem embaixo do braço e ri enquanto ele gritava. America passou pela
poltrona em direção ao sofá, onde o controle remoto estava aprisionado pelas almofadas.
Pensei em avisá-la de que o detetive maior o manteve quente como uma galinha que se
senta em seu ninho, mas antes que o fizesse, America puxou o controle até que estivesse
finalmente livre. Ela o apontou para a televisão, enquanto ela via a tela ligar, mostrando
instantaneamente as notícias locais. Eles ainda estavam falando do incêndio, o repórter
parado em frente ao Keaton, viam-se as manchas pretas acima das janelas enquanto
palavras em amarelo rolavam na parte inferior da tela.

Coloquei a mão na garganta e engoli em seco, lembrando de me asfixiar com a fumaça, e


como foi apavorante ver as chamas chegando cada vez mais perto. Eu estava confusa,
perdida e aterrorizada, sentindo que a morte chegaria a qualquer momento até que escutei
a voz de Travis entre os gritos e choro vindos da sala principal.

America sentou-se devagar no sofá, deixando as mãos e o controle caírem entre as pernas.
“Emily Heathington morreu neste porão. Ela estava na minha aula de hidroginástica,” disse
America, rindo sem humor. “Ela odiava a água. Ela dizia que só o pensamento de estar
embaixo d’água e não ter nada entre ela e uma respiração profunda fazia com que ela se
sentisse claustrofóbica. Então, ela fazia hidroginástica para tentar enfrentar o medo. Ela
morrer desse jeito… é quase que uma piada de mau gosto.”

“Mare,” eu a alertei, notando a expressão de Travis.

“Estou tão feliz que vocês não estavam lá,” America disse enxugando o rosto. “Não sei o
que faríamos se algo tivesse acontecido com qualquer um de vocês.” Ela levantou e jogou o
controle para o Travis. “Sim. Até você, babaca.”

Travis pegou o fino objeto preto triangular e se virou em direção a cozinha. Ele não podia
ver por de trás das almofadas do sofá, mas ele dirigiu-se ao primo, de qualquer forma. “Não
deveríamos ir ao Sig Tau?”

“Eu acabei de ir,” Shepley disse. “Está bem quieto por lá. Um monte de caras sentados
olhando para o chão.”

“Eles estavam falando em organizar uma arrecadação de fundos,” disse America.

Travis concordou. “Sim. Nós com certeza deveríamos fazer isso.”

“Travis,” disse Sheply. “Como iremos pagar o aluguel agora? Nós estamos sem o dinheiro
que costumávamos ser pagos durante o verão. Não temos mais dinheiro entrando.”
“Nós pegaremos a porra de um trabalho,” Travis disse, recostando-se.

“Pra fazer o quê? Tudo o que você já fez por dinheiro foi distribuir socos. Eu fazia ligações.
Nós vamos nos candidatar ao Burger King?”

Eu franzi as sobrancelhas para a America, mas ela apenas encolheu os ombros. “Nós
pensaremos em algo,” eu disse. “Eu vi um anúncio para tutor de Cálculo no mural junto à
porta da sala antes do intervalo. Vou dar uma olhada nisso.”

“Ah sim,” disse Shepley com um suspiro. “Vamos dividir o aluguel e as contas em três
agora. Vai ser bem mais fácil.”

“Seus pais pagam suas contas,” Travis resmungou. “Não sei porque você está
choramingando.”

“Era bom não ter que pedir,” Shepley respondeu.

“Shep,” Travis começou de novo. “Eu te amo, primo, mas um de nós dois vai ter que se
mudar.”

“Do que você está falando?” Shepley perguntou.

America pegou um travesseiro e jogou-o em Shepley. “Já chega! Não finja que você já não
sabia que seria assim no segundo em que ficou sabendo sobre o casamento deles.”
Shepley riu. “Desculpe. Eu iria adiar isso até que não pudesse mais.”

Duas linhas se formaram entre as sobrancelhas de Travis. Shepley não tinha noção de que
Travis já se sentia culpado por uma série de coisas. Travis exalou, mexendo a cabeça. “Nós
não iremos achar nada que pague tão bem assim, eu garanto pra cassete isso.”

“Como você disse,” eu falei, esfregando suas costas, “nós teremos dois salários agora.
Tudo bem se você receber menos do que antes. Mesmo que seja metade do valor.”

“Vou sentir falta desse dinheiro,” Travis disse, olhando para fora. “Tinha muitos planos para
nós.”

“Um carro, por exemplo?” eu perguntei.

Ele segurou um sorriso. “Não se preocupe com isso.”

Eu bati nele de brincadeira. “O que quer dizer?”

“Quero dizer que isso já está resolvido.”

“Você comprou um carro para nós?” eu disse, me levantando.

Eu nunca tive um carro antes. O único meio de transporte de Travis era uma Harley Night
Rod, e apesar dele ficar incrivelmente sexy pilotando-a, era um pouco mais do que uma
brisa gelada durante o inverno. Nós vinhamos confiando a Shepley em nos dar uma carona
ou nos emprestar o carro., mas agora que estávamos casados, isso poderia mudar. Tudo
poderia mudar. Não éramos mais crianças na faculdade que poderiam depender dos outros
para uma carona, éramos casados e tinha-se uma certa expectativa -- principalmente de
nós mesmos -- de sermos responsáveis e independentes.

Casamento era muito mais do que cerimônia e promessas. Nunca pensei duas vezes sobre
Travis ter um colega de quarto quando namorávamos, mas casar fez isso parecer diferente.
Assim como não ter um carro parecia diferente, ou trabalhos, ou… a realidade disso tudo
começou a pesar em mim e me afundei de volta no sofá.

Travis enrugou a testa, preocupado com a minha reação. “O que foi, baby?” ele perguntou.

Shepley riu. “Agora vocês realmente não tem nenhum dinheiro sobrando?”

“Agora nós realmente não precisamos de você morando aqui,” Travis rosnou.

Shepley enrugou o nariz, como se ele tivesse sentido algo repugnante. “Bem, isso foi rude
pra caralho.”

Travis saiu do sofá e atacou seu primo no chão de cerâmica da cozinha. Shepley gemeu
quando seu joelho bateu na porta do armário de baixo, e depois ele ganiu quando Travis
agarrou sua virilha.

“Pare de lutar sujo, seu puxa saco!” Shepley choramingou.

America foi para trás, quase sendo pega pelas pernas de Travis. Eu levantei pra ir próxima
a ela, encaixando meus braços em volta dos dela.

“Você tem certeza que sabe onde se meteu?” ela perguntou. “Você está nisso, você sabe.
Isso é vocês.”
“Você é a próxima,” eu disse, puxando seus braços.

“Ah, não. Não é só porque você se casou sendo uma caloura que o resto de nós é louco.”
Ela olhou para mim, confusa. “Eu ainda não consigo entender porque você fez isso. Travis
sabia que a maior luta do ano estava chegando, Adam consegue de algum jeito um
substituto para o Trav em cima da hora, o incêndio, e você dois decidiram fugir…”, o
reconhecimento brilhou em seus olhos.

Travis congelou, e os dois olharam para America, respirando com dificuldade.

“Abby,” America começou, já suspeitando.

“Mare, não,” eu disse. “Não diga. Nem mesmo pense nisso.”

“Mas eu estou certa, não estou?” ela perguntou.

“Não,” eu rebati. “Nós estávamos a caminho de Vegas quando aconteceu o incêndio. Que
tipo de pessoas seríamos se fizéssemos algo assim?”

“Espertos.” Shepley disse, se levantando. Ele limpou a calça, ainda tentando recuperar o
fôlego. Suas bochechas ainda estavam coradas por tentar sem sucesso agarrar seu primo
muito maior.

Travis se levantou também, deslizando seu braço pela minha cintura. Nós quatro trocamos
olhares, sem saber o que dizer em seguida, mas nesse momento, eu sabia que Travis tinha
que saber a verdade.
Capítulo 3: Prata

:: Abby ::

Pratos, panelas e prataria tilintavam e se chocavam em conjunto, o som da água corrente


da torneira abafando o barulho. Vapor saía da pia enquanto America e eu lavávamos os
restos que estavam nos pratos, da especialidade de Travis, macarrão com frango ao estilo
Cajun, e colocávamos na lava-louças. nenhum de nós disse muita coisa durante o jantar,
em parte porque Travis é um excelente cozinheiro, mas principalmente porque não
estávamos certos de como falar sobre a verdade sem incriminar todos os presentes na sala.

“Era realmente o único jeito?” America perguntou, entregando-me uma tigela.

“Não posso falar sobre isso,” eu disse. “É melhor para você se eu não falar. Mas se você
está se perguntando… Sim, eu o amo, e sim, estou feliz em ser sua esposa.”

“É tudo o que eu preciso saber, Abby. Não vou perguntar de novo.”

“Essa é a razão de você ser a melhor melhor amiga que já existiu.”

“Verdade. Sou mesmo. Você tem muita sorte.”

Dei um sorriso. “Tenho mesmo.”

America girou o botão e a lava-louças começou a fazer seus barulhos e zumbidos. Ela
secou as mãos e ficou atrás de mim, me puxando pelos ombros e pressionando-os contra
seu peito. Ela pressionou gentilmente seu queixo na curva no meu pescoço, e depois beijou
minha bochecha, sussurrando em meu ouvido. “Vai ficar tudo bem. Eu prometo.”

“Eu sei,” disse, ainda olhando para a pia.

Eu despejei uma pequena quantidade de detergente na minha mão, esfregando minha pele
já enrugada. Tão seriamente quanto eu percebia nossos problemas no passado, nós
estávamos num problema muito sério, nós dois -- porque se Travis fosse preso, nós todos
cairíamos. Eu tinha mentido para policiais detetives, obstruído a justiça, ajudei e incitei, sem
mencionar o fato de eu ser cúmplice, antes, durante e depois do ocorrido. Porém, eu estava
disposta a aceitar as consequências -- quaisquer que elas fossem -- se significasse que
Travis teria pelo menos uma chance de não ir para a prisão.

Olhei por cima do ombro para meu marido. Ele estava de pé com seus braços cruzados,
tatuados e fortes, conversando com o primo. Ele virou seu boné de baseball branco para
trás, trocando o peso entre uma perna e outra, como se ele não conseguisse ficar parado.
Shepley tinha só um efeito calmante sobre Travis, mas conseguia tirá-lo do precipício do
qual ele estava caminhando. Eu sorri e olhei para a água correndo sobre minhas mãos,
enxaguando a espuma de sabão, desejando que minhas mãos estivessem verdadeiramente
limpas.

O Sol estava começando a se pôr, um brilho quente atravessava a vidraça, assentando-se


sobre a pia. Meu campo de visão abrangia o estacionamento, os apartamentos mais abaixo,
e a cobertura dos prédios do campus espreitando acima das árvores a poucas milhas de
distância. O céu ainda estava nublado devido a fumaça que emanava do Keaton Hall
somente alguns dias antes. O incêndio foi umas das experiências mais aterrorizantes da
minha vida, mas eu sobrevivi. O medo que era apenas uma lembrança para mim, consumiu
os momentos finais de tantos de nossos colegas. Seus gritos tocavam em meus ouvidos, e
eu fechei os olhos, tentando fazer com que parasse.

Eu sequei minhas mãos e me virei para o corredor. Troquei as roupas que estavam na
máquina, acrescentando as sujas e colocando no cesto as quentes e cheirosas peças,
levando-as até o quarto e me sentei na cama. Estar ocupada é bom.
Travis entrou, fazendo com que o cesto de roupa desse um pulo quando ele se jogou de
frente na cama. Ele respirou fundo algumas vezes e depois se virou de costas, cruzando os
braços atrás da cabeça. Ele ficou encarando o teto enquanto eu andava pelo quarto para
pendurar meu vestido de noiva na haste da cortina. Os galhos secos da árvore que ficava
do lado de fora faziam tremer a janela. Eu tinha assistido quase todas as estações
mudarem a árvore através da janela do quarto do Travis, e agora essa era a janela do
nosso quarto.

“Me lembra de levar isso à lavanderia e preservá-la,”, eu disse, alisando a saia.

“Preservá-la? Que diabos isso sequer significa?” ele disse com um sorriso.

“Para não deixar ela amarelar. Para deixá-la nova.”

“Para quê?”

“Para sempre,” eu disse, voltando para a cama. “Assim como nós.”

Travis sustentou meu olhar por um momento, vendo eu voltar até ele com um sorriso de
aprovação.

Eu retomei a tediosa, mas bem-vinda, tarefa de dobrar as nossas roupas de Vegas e as


toalhas que usamos depois de limpar a fumaça e a fuligem presa em nós do incêndio.
Travis cruzou os braços atrás da cabeça e soltou um suspiro. “Não estou com medo de ir
para a prisão, Beija-Flor. Eu já tive muito medo desde a primeira vez que eu te vi … eu não
sei. Soa perfeitamente normal na minha cabeça, mas eu sei que se eu disser em voz alta…”

“Só diga.”
“Eu existo por você, Abby. É isso. Eu fiz tudo o que estava ao meu alcance para evitar que
eu te perdesse. O que eu vou fazer se eu nunca ver você de novo? Ou nunca mais tocar o
seu cabelo? Nunca mais ver o jeito que seus olhos ficam na luz do sol? Nunca mais sentir
seu cabelo molhado nos meu braço quando eu adormeço a noite? Eu nunca temi nada, mas
isso me mata de medo.”

“Você não vai a lugar nenhum,” eu disse. Eu mantive minhas expressões calmas, mas tudo
o que ele dizia era apavorante.

Eu alinhei suas meias e embrulhei uma dentro da outra. Isso era Travis e eu, éramos como
uma trouxinha de meias. Mesmo separados, nós existimos juntos.

“Você não pode consertar isso, Abby,” ele disse. “Eu não vou mentir. Se eu estiver errado,
eu mereço ir…”

“Para,” eu disse, jogando as meias embrulhadas em seu rosto. Ele as pegou antes que lhe
atingissem. “Eu sou sua esposa. Sua função é estar aqui comigo, para me proteger, para
me amar. Você prometeu. Nós sempre lutamos uma batalha de cada vez. Não vai ser
diferente dessa vez.”

Ele assentiu, mantendo os olhos focados no teto.

Ele suspirou e se ergueu, colocando os pés no chão. “Eu não posso ficar mais aqui. Está
me deixando louco. Vamos.”

“Onde?” eu perguntei.

“Ao Pinkerton.”
“A concessionária de carros? Não,” eu disse, balançando a cabeça.

Travis riu. “Já está pago. É só escolher a cor.”

Eu arqueei a sobrancelha. “Não brinque comigo, Maddox.”

Ele trocou de roupa para uma blusa de manga comprida e um jeans claro, depois se
abaixou para amarrar as botas. “Nós estamos indo,” ele avisou.

Eu não saí de frente do cesto de roupas, mas Travis caminhou até mim. Me empurrou com
os quadris antes de pegar uma camiseta e agarrar um cabide. Em menos de um minuto,
nós terminamos e guardamos as roupas. Eu encarei o armário de braços cruzados, fingindo
estar impressionada com as minhas opções para vestir.

“Só um suéter e um jeans, baby. Você é linda. Você não precisa nem tentar.”

Minhas bochechas coraram e olhei para baixo. Travis era meu marido, mas ainda podia me
fazer sentir como se tivéssemos acabado de nos conhecer. “Eles fecham daqui a pouco,
não fecham?”

“O quê? Você não quer um carro? Vamos! Coloque sua bunda em movimento, Sra.
Maddox!”

Eu ri, e peguei o primeiro suéter e jeans que toquei, me vestindo rapidamente e encontrei
Travis na sala de estar. Ele estava com a chave do Shepley na mão, seu rosto se
iluminando assim que ele me viu. Ele abriu a porta, indicando que eu deveria ir primeiro.
“Você só faz isso para poder olhar para minha bunda, não é?” eu perguntei.

“Pode ter certeza que sim,” disse Travis, fechando a porta atrás dele.

Nós descemos as escadas de mãos dadas, e eu respirei fundo. “Está com cheiro de chuva.”

“Bom que estamos pegando o Charger, então,” ele disse, abrindo a porta do passageiro. Ele
me esperou entrar antes de correr pela frente do carro até o lado do motorista. Uma vez que
ele estava estabelecido dentro do carro, ele segurou o volante e sacudiu a cabeça.

“O que foi?” eu perguntei. “Esqueceu alguma coisa?”

“A cada cinco minutos me pego lembrando, e eu ainda não acredito.” Ele se inclinou sobre
mim, encostando minha bochecha em sua mão antes de tocar seus lábios quentes nos
meus. Ele se afastou, girou a chave na ignição e depois mexeu no aquecedor. Fez careta
quando o rádio ligou em uma estação de música country e rapidamente girou o botão,
deixando em qualquer estação que estivesse tocando Dexy’s Midnight Runners. Ele
balançava a cabeça, e eu ri dele enquanto ele cantava a letra de C’mon Eileen.

Ele trocou de marcha e saiu de ré da vaga. Ele descansou a mão no meu joelho, ainda
cantando e balançando a cabeça conforme a música tocava. Ele sabia cada palavra. Era
até que impressionante. De vez em quando ele olhava para mim e dublavaa letra com tanto
entusiasmo que até eu cantava junto com ele. Quando chegamos ao Pinkerton, nós
estávamos praticamente gritando desde o refrão até o ritmo de Dukes of Hazzard. Eu não
sabia toda a letra, mas Travis sabia, e ele a cantava como se estivesse num palco
entretendo um estádio cheio de gente. Eu estava contente que ele insistiu para saírmos do
apartamento. Não tinha percebido como estava me sentindo tão presa, ou o quanto eu
precisava rir.
Travis estacionou o carro e saiu. Quando fechei a porta do passageiro, ele entrou na minha
frente, e colocou as mãos para trás até que eu entrelacei meus dedos nos dele. Ele colocou
meus braços em volta dele, seus passos pausando até o final de uma curta fila de
Toyotas Camry.

Um senhor idoso saiu, alisando sua gravata e o cabelo grisalho, preparando-se para sua
conversinha, limpando a garganta e oferecendo seu sorriso mais charmoso. Travis era
muito melhor.

Para minha surpresa, ele cumprimentou Travis pelo nome. Travis me soltou para apertar
sua mão. “Eu estava me perguntando quando vocês viriam até aqui. Essa é a Abby?” Ele
apertou minha mão. “Richard. Prazer em finalmente conhecê-la.”

Eu me virei para Travis.

Travis encolheu os ombros. “Eu te disse. Escolhe uma cor.”

Eu engasguei com uma única risada. “Você está falando sério?”

Ele estendeu as mãos e depois deixou-as cair em suas coxas. “Já menti alguma vez para
você?”

Lentamente eu levei minhas mãos ao seu pescoço, sentindo seus músculos relaxarem com
o meu toque. Fiquei na ponta dos pés e dei-lhe um rápido selinho, vendo através da minha
visão periférica que Richard tentava não olhar.

“Nunca.” Eu olhei para a fila de Camrys.


Richard apontou. “Preto Atitude, Vermelho Barcelona, Prata Clássico, Azul Cristalino, Cinza
Cósmico e Bege Metálico. Nós não temos nem o Pérola e nem o Cinza Magnético no
estoque."

"Mas ele pode conseguir," acrescentou Travis.

"Sim, com certeza," Richard respondeu.

Travis me conduziu pela fileira de carros. "Olhe por dentro. Todos eles tem interiores
diferentes."

Eu fui em direção ao carro prata, abrindo a porta do motorista. "O que é isso? Uma
televisão?"

Richard se aproximou. "Isso é hm... o sistema de navegação e rádio." Ele continuou a


tagarelar sobre as várias características do carro enquanto Travis me incentivava a sentar
no banco. O interior era cinza claro, os botões do painel e do volante me fizeram lembrar do
painel de controle da NASA. Eu não conseguia me imaginar familiarizada com todos eles.

"Eu não acredito que você fez isso por mim," eu disse, correndo os dedos pelo volante. "Eu
nunca tive meu próprio carro."

Travis agachou-se ao meu lado, apoiando sua mão na beirada interna da porta. “Eu daria
qualquer coisa por você, Beija-Flor. Eu vou te dar tudo o que você sempre quis.”

Eu toquei sua bochecha. “Você já me deu.”

Travis se encostou contra meu toque, e deu um beijo rápido na palma, se animando de
repente. “O que você acha?”
“Esse mesmo.”

“O prata?” ele perguntou.

“O prata,” eu respondi.

Travis moveu a cabeça para o lado, mantendo o olhar em mim. “Você ouviu minha esposa,
Richard. Ela quer esse.”

“Feito,” disse Richard. “Vou prepará-lo.”

Me lancei em direção a Travis, que caiu de costas no chão. Ele riu, e me envolveu em seus
braços no asfalto, beijando meus lábios justo quando trovões ecoavam ao longe e a chuva
começava a cair.

“Você está feliz, Beija-Flor?” ele perguntou.

“Mais feliz, impossível,” eu sussurrei contra seus lábios sorridentes.

Capítulo 4: O Que Sobrou do que é Correto

:: Travis ::

A mão de Abby parecia pequena e relaxada na minha enquanto andávamos pela calçada
molhada após a faixa amarela em torno do Keaton Hall. O prédio e o chão lamacento que
contornavam os quatros cantos de tijolo e pedra agora eram uma cena de crime. Os
policiais -- e agora o FBI -- estavam investigando a morte de trinta e sete estudantes
universitários, a maioria deles sem idade suficiente para poder comprar uma cerveja. Eu me
pergunto há três dias quando eu deveria contar ao meu pai, como ele receberia a notícia de
que seu filho mais novo estava envolvido no evento mais trágico da história do Easter
State’s, e o que ele diria sobre isso. Eu imaginava o desapontamento em seus olhos, a
preocupação e o stress que o afligiriam, mesmo depois que a polícia me mandasse para a
prisão.

Os tijolos do lado de fora de cada janela do prédio em que Adam encenou minha última
lutaestavam manchados de preto devido a fumaça. Os gritos de apenas algumas noites
atrás ainda ecoavam nos meus ouvidos, e eu relembrava o terror que senti quando estava
procurando desesperadamente, em meio ao escuro labirinto de salas, pela Abby. O medo
esmagador que me atingiu quando percebi que o Trenton não estava do lado de fora com
os outros sobreviventes ainda estava fresco na minha mente. Os cabelos da minha nuca se
arrepiavam só de pensar nisso. Ainda, nada disso chegava perto do que os pais de coração
partido estavam sentindo desde que a história do incêndio saiu nos noticiários. Apesar da
Abby nunca perder uma oportunidade de me dizer que o que tinha acontecido não era
minha culpa, eu ainda me sentia responsável.

Eu parei em frente a um memorial improvisado em homenagem as vítimas: uma pilha de


recados, fitas, flores e bichinhos de pelúcia. Abby me segurou e me puxou para a frente
sem dizer uma palavra. Ela sabia que eu estava remoendo sobre isso, mas não sabia que
estava lutando contra a urgência de me entregar. A única coisa que me fazia parar era
pensar em abandonar minha nova esposa sozinha.

Eu a levei para o prédio em que ela teria a primeira aula, e depois de beijá-la de tal forma
que qualquer um que visse saberia que ela era minha esposa, eu a vi subir as escadas e
sumir através da porta de vidro dupla.

Shepley me deu um tapa no ombro. “Eles crescem tão rápido.”

Eu tirei os ombros de suas mãos. “Vai tomar no cu, seu viado.”


Shepley riu. “Uma das garotas da Sig Cap já perguntaram para a America se os boatos
eram verdadeiros.”

Eu podia sentir minhas sobrancelhas se arquearem lentamente. “Que boatos?”

Shepley olhou para mim como se eu fosse um imbecil. “O boato de que você se casou com
a Abby.”

Eu arrumei minha mochila e comecei a andar debaixo do céu cinza, sentindo o ar da manhã
se infiltrar na minha camiseta de manga comprida. Shepley lutou para acompanhar meu
passo, de vez em quando correndo para me alcançar. Nós não falamos até chegarmos ao
prédio de ciências humanas, onde nós dois tínhamos aula. Eu dava dois passos de cada
vez, finalmente fazendo com que Shepley reclamasse.

“Pelo amor de Deus, Trav. Onde é o incêndio?”

Eu parei e me virei para meu primo, cerrando os dentes. “Qual é o seu problema?”

Shepley empalideceu. “Foi mal, cara. Péssima escolha de palavras. Nós não estamos
atrasados. Ainda temos mais dez minutos antes da aula começar. Por que a pressa?”

“Tem muita coisa na minha cabeça,” eu disse, empurrando a porta aberta.

O corredor estava lotado de estudantes indo e vindo, passando uns pelos outros até que
eles se separassem o suficiente para contornar um obstáculo no meio da passagem: uma
caixa de vidro apoiada no topo de um pódio. Dentro dela havia um busto de Gerald P.
Stymie, ex-Presidente da Eastern State e antigo membro da Sig Tau. O Sr. Stymie fez parte
da Sig Tau junto com meu pai e meu tio Jack, e lembro dele passar na nossa casa algumas
vezes quando eu era menor. Ele participava das nossas festas nos feriados e foi ao funeral
da minha mãe. Ele faleceu quatro anos depois de ter se aposentado, e também seis anos
antes de meu primeiro ano na faculdade. Eu me perguntava se ele ficaria mais desapontado
com a minha contribuição para o mais trágico acontecimento da Eastern, ou que eu não
tivesse confessado meu envolvimento.

A energia era tão diferente antes das férias de primavera, quando todos estavam sorrindo e
andavam com vivacidade. Agora os corredores estavam quietos, o ar pesado e sombrio. As
garotas secavam as lágrimas, e os garotos as mantinham perto, todos reconhecendo a
própria mortalidade -- alguns pela primeira vez.

“Muita coisa na cabeça?” Shepley perguntou, entrando no prédio atrás de mim. “Como o
quê? Oh. Você quer dizer sobre aquilo que eu não sei? Ou percebeu que casamento é para
sempre?” Eu peguei o colarinho de Shepley com as duas mãos, empurrando-o contra a
parede mais próxima. Ele perdeu o fôlego e me encarou, de olhos arregalados, com as
mãos para cima. “Isso não é engraçado, Shepley. Nada disso.”

Shepley olhou rapidamente em volta e inclinou-se, mantendo a voz baixa. “Você está certo.
Desculpe. Só estou tentando melhorar o seu humor. Mas você precisa se manter calmo.
Não é a hora de chamar a atenção para você.”

Eu olhei sob o ombro para colegas, infantis, novos e estúpidos como eu, mas sem uma
esposa, contas ou detetives batendo na porta. Suas maiores preocupações eram as notas e
explicar a fatura do cartão de crédito para os pais. Abby e eu tínhamos as mesmas
preocupações somente há alguns dias. O casamento me ajudou a fingir que o incêndio não
tinha acontecido, mas agora a consequência de tudo estava cara a cara comigo. O
pensamento de perder Abby para o Parker parecia uma outra vida. Agora, poderia perdê-la
de verdade… para sempre.

“Você tem razão,” eu disse. Eu alisei sua camiseta e depois apertei de leve suas
bochechas, forçando um sorriso. “Você está certo, cara, me desculpe.”

“Vá para a aula, cuzão”, disse Shepley, reajustando sua mochila antes de virar a esquina e
subir as escadas.
Eu fui até o final do corredor e me enfiei na sala, acenando para meu professor de ciências
humanas antes de sentar no meu lugar. Alguns alunos da turma anterior ainda estavam
conversando na mesa dele, fazendo perguntas sobre a primeira prova. Eu olhei para o
relógio, tirei meu celular do bolso, sorrindo quando a tela se acendeu. O sorriso glorioso de
Abby embelezou a tela, rindo numa época em que tudo era mais simples.

Hey

Eu sorri, digitando uma resposta. Como assim? Como já posso estar sentindo sua falta?

Três pontinhos apareceram -- a manifestação da antecipação. Eu também.

Eu ri comigo mesmo. Abby era um enigma. Eu sabia que ela me amava -- diabos, ela era
minha esposa -- mas suas curtas respostas e a recusa em demonstrar emoções que não
sejam frustração e raiva me deixavam em dúvida a maior parte do tempo. Eu amava isso
nela. Eu amava como ela era teimosa e o quão pequena ela era. Eu amava como ela me
deixava louco, inseguro e com medo. Com certeza não era saudável, mas eu nem ligava.
Ninguém já havia se atrevido a me fazer sentir essas coisas antes -- pelo menos não de
propósito.

Eu acabei de escrever Abby Maddox no meu caderno. Quão frouxa eu sou?

Um enorme sorriso atravessou meu rosto. Foi estranho?

Não. Preciso ir. Te <3.

O Professor Halsey levantou de sua cadeira e foi até a frente da mesa, sentando na beirada
de madeira. Ele era desengonçado, os braços, pernas e nariz, seu cabelo preto e oleoso,
penteado para um lado, mal encobria o ponto careca no topo de sua cabeça. Ele abriu os
dedos e pressionou as pontas, tocando os indicadores no lábio.

“Como todos já sabem, a escola sofreu uma terrível tragédia final de semana passado.”

Um silêncio desconfortável encheu a sala, e alunos mudaram de posição em suas cadeiras.


Eu me afundei na cadeira, mordendo o final da caneta.

Halsey continuou. “Nós fomos instruídos a informar vocês sobre os serviços de


aconselhamentos gratuitos oferecidos no campus pela Eastern State. Baseado nos
números, tenho certeza de que pelo menos uma pessoa nessa sala conhece alguém que foi
ferido, sobrevivei ou foi vítima no porão do Keaton. Esse pode ser um momento assustador
e esmagador para qualquer um, sendo ou não próximo de alguma das vítimas, então por
favor… não ignorem nenhum sentimento que vocês estiverem tendo dificuldade de
processar. Nós estamos aqui para ajudar.” Ele fez uma pausa o suficiente para as palavras
dele fazerem efeito, e depois continuou com a matéria. Uma ou outra garota fungaram
algumas vezes, mas a não ser isso, continuamos normalmente, fazendo anotações e
perguntas.

No momento em que ele dispensou a sala, me apressei para a porta, disparando pelo
corredor, correndo em direção para onde Abby sairia da sala. Ela tinha acabado de sair pela
porta, e parou quando me viu. Eu fiquei de frente com ela, e ela enganchou seu braço na
minha cintura, guiando-me escada abaixo e contornando o lado de fora de prédio.

“O que aconteceu?” ela disse, mantendo a voz baixa e calma.

Meu peito pesava enquanto eu buscava ar para respirar. Eu balancei minha cabeça,
incapaz de responder.

“Travis, olhe para mim”. ela disse, segurando meu queixo e levantando minha cabeça até
que meu olhar encontrasse o dela. “Conversa comigo.”
“Todos estão mortos. São tantas pessoas andando por aí sem seus amigos, colegas de
quarto... familiares.” Eu apontei para meu próprio peito. “Eu fiz isso.”

“Não. Você não fez.” Ela olhou por cima do ombro, e depois de volta para mim. “Você
precisa ser forte, Maddox. E se as pessoas te virem assim e chamarem a polícia?”

“Talvez elas devam. Talvez eu deva me entregar,” eu disse. Nenhuma respiração seria
profunda o suficiente. Quanto mais ar eu inalasse, menos satisfatório seria.

“De que diabos você está falando?” ela disse. Pela primeira vez ela estava lutando para
manter sua famosa expressão impassível. “Travis, é melhor você me escutar,” ela agarrou
minha camiseta. “Você não vai me deixar.”

“Você acha que eu quero?” eu cuspi, perturbado.

“Eles morreram, sim, e é terrível, sim, mas você não vai me deixar. Você vai me escolher
acima de todo o resto; acima da sua culpa, acima das suas malditas morais, acima até do
que é o certo a fazer! Se isso me faz egoísta ou uma má pessoa, eu aceito isso. Mas eles
não vão entender que você não queria que nada disso acontecesse. Eles não vão se
importar de que você não escolheu o prédio ou pendurou as lanternas. Eles vão te prender,
Trav. Eles vão te prender e te algemar, e… levarão você para longe de mim, e…”

Eu a puxei em meu peito, abraçando-a enquanto ela tremia em meus braços. “Baby,” eu
disse, surpreso. Eu nunca a havia visto tão perturbada.

Ela me empurrou, ainda segurando minha camiseta em seu punho. “Não faça nada
estúpido, Travis. Não se atreva.” Frustada, ela fechou a mão em punho e acertou o meu
peito de lado -- forte o suficiente para me chamar a atenção. Seu olhos franziram. “Você é a
única família que eu tenho.”
“Okay,” eu disse, piscando. Puxei-a de novo, balançando para frente e para trás, tentando
confortá-la da melhor maneira possível. Eu beijei sua têmpora, me amaldiçoando. Eu sabia
que não poderia deixá-la, mesmo que fosse a coisa certa a fazer. Eu só queria que ela
dissesse para eu não fazê-lo. Descarregar algo nela que eu sabia que não iria acontecer foi
muita sacanagem da minha parte. “Você está certa. Eu não… Eu não quero ser preso. Eu
só precisava ouvir você dizer, eu acho.”

“Você quer que eu te diga isso? Assim mais tarde você pode dizer a si mesmo que fui eu?”
ela perguntou, estreitando os olhos.

“Não, baby. Pelo amor de Deus.”

Ela levantou o queixo. “Porque estaria tudo bem. Eu assumiria a responsabilidade. Do que
quer que fosse, Travis. Qualquer coisa que eu tenha que fazer.”

Eu abafei minhas emoções, apertando os dentes. Ela me amava tanto quanto eu a amava.
Eu não sabia que isso seria possível. “Abby…”

Ela pressionou a testa contra meu peito, respirou fundo, e depois concordou. Ela levou um
momento para se recompor, olhando para o chão, conforme ela escolhia em confiar que eu
não fosse estragar seus planos. Ela secou os olhos, girou sob os calcanhares, e foi em
direção a próxima aula. O cheiro de fumaça ainda pairava no ar enquanto ela saía do meu
campo de visão, deixando as cinzas da minha consciência para trás.

Capítulo 5: Verdade

:: Travis ::

Minhas botas fizeram som de esguichos conforme eu dava passos em direção ao


apartamento. O céu estava mijando em mim o dia todo durante as aulas. Eu estava feliz. A
região ao redor do Keaton Hall ainda estava encharcada pelo dilúvio de água que as
mangueiras de incêndio despejaram no edifício. A chuva fez o resto do campus misturar-se
com a grama saturada de água e as calçadas do Keaton.

Minhas chaves chacoalhavam na minha mão enquanto eu as tirava para abrir a porta.
Assim que eu toquei a maçaneta, escutei os leves arranhões vindos do outro lado. Eu sorri
e abri a porta, imediatamente me abaixando para cumprimentar Totó.

Seus pelos escuros e finos raspavam no meu rosto enquanto ele me cobria de beijos
caninos. Ele já havia crescido tanto, mas ele se contorcia, latia e saltava ao redor do
apartamento assim como ele fazia desde o primeiro dia em que chegou. Ele não se
acalmaria, então o peguei no colo, segurando-o contra meu peito enquanto ele encharcava
meu rosto com baba de cachorro. Eu levantei meu queixo para que eu não acabasse com
língua na minha boca.

Brazil usou a chave reserva para pegar o Totó depois que já havíamos ido para o aeroporto,
e apesar dele ter concordado sem aviso prévio e sem perguntas, Abby estava mais do que
somente infeliz quando pegamos Totó de volta. Ela deu um banho nele no momento em que
chegamos em casa para lavar o fedor de cigarros e meias sujas. Depois que ela o secou e
compensou o tempo perdido por não ter se aconchegado em ninguém, ele se enrolou com
uma bola em sua cama, no canto do nosso quarto, e dormiu o resto da noite.

Eu peguei o telefone para mandar uma mensagem para Brazil, como eu havia prometido
para Abby que faria.

Cara. Muito obrigado por ter ficado com o meu cachorro, mas se você não queria ter
cuidado dele, você deveria ter dito.

Não demorou muito para que Brazil respondesse. O que você quer dizer?

Ele estava cheirando muito mal. Você estava fumando perto dele? Nem eu fumo perto dele.
E ele estava em estado de coma pelas 24 horas seguintes desde que o trouxemos para
casa.

Me desculpa, cara. Eu fiz uma festa. Minha garota me arrastou para fora para brigar por
algo estúpido. Quando entrei de volta, Derek deixou ele sair do meu quarto e estava
tentando dar cerveja a ele. Eu fiz Derek ir embora, mas o cachorro não estava machucado
nem nada, eu juro.

Me lembre de nunca mais te pedir favores.

Não vai acontecer de novo, Travis. Desculpe.

Eu deixei Totó no chão e escutei suas unhas baterem contra o chão de linóleo da cozinha
enquanto eu abria uma lata de sua comida favorita. Eu fiz careta para o cheiro rançoso, me
perguntando como, em nome de Deus, uma criatura poderia comer algo tão repugnante.
Claro, eu estava falando de Totó, que gostava de cheirar e lamber o próprio ânus.

Eu despejei a comida no pote de cerâmica laranja que a Abby achou na internet com o
nome do Totó, e coloquei mais água na tigela antes de voltar minha atenção para o celular.
Eu rolei pelos menus contatos até que o nome de Brandon Kyle aparecesse. Meu dedão
pairou sob o botão de ligar. Um dos meus irmãos de fraternidade me passou seu contato.
Ele era o dono do Iron E, umas das três academias que tinham fora do campus em Eakins.
Duas delas eram do Brandon, e Iron E era seu orgulho e alegria: a academia mais nova da
zona leste que era significantemente mais popular que as outras devido ao maior número
de participantes mistos. Eu levantava uns pesos lá um tempo atrás e falava com Brandon
toda vez. Ele era até que legal, mas ele tinha uma esposa grávida e várias namoradas --
não era alguém que eu chamaria de amigo.

Eu apertei o botão e posicionei o telefone no ouvido. Tocou algumas vezes, e depois eu


ouvi um clique seguido pelos gritos estridentes e intermitentes que eu esperava caso
Brandon ainda estivesse na academia.
“Brandon Kyle,” ele respondeu. Canalha fresco. Eu não suportava pessoas que utilizavam o
próprio nome ao invés de um cumprimento.

“Oi. É o Travis Maddox. Nos encontramos algumas vezes no Iron E. Eu ouvi dizer que você
estava procurando por um treinador de meio período.”

“Que bom ter notícias suas! Sim, eu fiquei sabendo que você poderia ligar. Cara… nós
amaríamos ter você no time. Eu já te vi aqui antes. Você sabe o que está fazendo. E santo
Deus, você traria as garotas. Venha aqui se aplicar e eu vou te mostrar o lugar.
Discutiremos detalhes e depois podemos decidir se ainda seria algo que os dois queiram
fazer.”

“Ahn…” eu não esperava por essa resposta. “Quando você quer que eu vá? Hoje é meu dia
mais curto, mas eu tenho que ir pegar minha esposa e…”

“Esposa.” Brandon riu. “Desde quando?”

“Desde final de semana passado.”

“Oh!” ele disse, sua voz ficou abafada. Ele provavelmente estava segurando a mão contra a
boca do jeito que eu já vi ele fazer antes de zoar com uma pessoa. “Você bateu nela?”

“O que você acabou de me dizer?” eu perguntei, sentindo meu sangue ferver. Eu girei nos
calcanhares, dando conta de que eu estava andando com minha mão livre fechada em
punho.

“Nada… nada. Só zoando com você, cara. Sim! Venha aqui! Até mais.”
“A qualquer hora?” eu perguntei.

“Essa é uma semana bem devagar. Todas as gordinhas já desistiram de suas promessas
de Ano Novo. Estou aberto até quinta-feira.”

Eu disse obrigado com os dentes cerrados, e depois desliguei. Sem chance que eu
trabalharia com esse tweedle dick. Eu o derrubaria no primeiro dia.

Totó acabou seu almoço, e eu coloquei o suéter xadrez verde que a Abby comprou para
ele. Com um pouco de esforço, consegui enganchar a coleira no colarinho do suéter
enquanto ele tentava lamber minha mão, e então o levei para fora. Cruzei os braços, ainda
segurando a coleira, resmungando para mim mesmo sobre Brandon quando um Porshe
reluzente apareceu, estacionando bem atrás da minha Harley. A janela abaixou, revelando
o sorriso presunçoso do Parker.

“Maddox! Ouvi dizer que você está encrencado com as autoridades locais. E as de fora
também.”

“Vem chupar minhas bolas, Hayes.”

A expressão de Parker ficou séria. “É verdade também… sobre você e Abby?”

“Ela te jogou na sarjeta por mim? Duas vezes?”

Parker franziu as sobrancelhas. “É verdade ou não?”

“É lógico que é verdade. Você não achou mesmo que teria uma chance com ela, não é?”
“Você não a merece, Maddox. Você devia saber disso.”

“Talvez não. Mas Abby acha que eu a mereço. É a única opinião que me importa… então
pode comer merda e morrer, Parker, pois ninguém aqui liga para o que você pensa. Você
foi uma distração. Um comercial. Ela nunca terminaria com você. É patético pra caralho que
você tenha tentado.”

“Eu nem tentei tanto assim. Se eu tivesse, você não estaria casado.”

Eu inclinei meu queixo para baixo. “Saia desse carro de veado e venha dizer isso na minha
cara.”

Parker engoliu em seco, e subiu a janela até a metade. “Carro de veado? E o seu cachorro
de veado?! Suéter legal!”

“Esse cachorro aguenta mais merda que você.”

“Ela vai te deixar, Travis. Abby vai cair na real do que ela fez, a novidade vai perder a graça,
e ela vai te deixar. E eu adoraria ver esse sorriso arrogante desaparecer do seu rosto
quando ela te abandonar.”

Eu dei um passo para frente, meus músculos estavam tensos e prontos assim como
ficavam antes de uma luta no Círculo. Eu sabia que se eu desse um soco, não pararia mais,
mas, nesse momento, matar Parker era a única coisa que faria com que eu me sentisse
melhor. “Saia da porra do carro. Agora mesmo.”

Parker se escondeu atrás do vidro escuro e saiu dirigindo.


Eu fiquei de pé, com as mãos em punho, meu corpo tremendo de raiva. Totó encostou seu
nariz em meu jeans, e olhei para baixo. A adrenalina foi absorvida de volta para meu
sistema enquanto fitava seus olhos cheios de expectativa. Ele estava gelado antes que
resolvesse suas coisas; agora ele estava tremendo como eu estava. Ele fungou e chutou
para trás alguns tufos de grama, como se ele fosse dono do lugar.

Eu sorri. “Você também teria chutado a bunda dele, né?” Eu o peguei no colo e levei de
volta para dentro. No segundo em que o deixei no chão, ele foi direto para o meu quarto,
provavelmente se enrolando na cama para a soneca da tarde.

Eu peguei minha carteira, telefone e chaves, segui em direção à porta e desci as escadas,
deslizando atrás da roda do Camry. Eu agarrei o volante, vendo minhas juntas ficarem
brancas por causa da pressão. A última aula de Abby não acabaria antes da próxima hora,
e eu estava ansioso para desabafar sobre Brandon e Parker. Algo branco chamou minha
atenção, e olhei para entre os bancos. Abaixei, pescando o envelope que continha a carta
de minha mãe para minha futura esposa… para Abby. Gentilmente eu a deixei no banco do
passageiro, engatei a ré, dirigindo até a casa do meu pai.

Enquanto eu dirigia, eu imaginava contar a verdade para ele sobre o incêndio. Eu não tinha
certeza se ele gostaria que eu me entregasse ou não. Não importava -- eu não conseguiria.
Eu havia prometido para Abby. Contar ao meu pai só serviria para aliviar meu fardo -- e
despejar em cima dele. Ele teria que decidir se me entregava ou não. Eu também não
poderia fazer isso.

Segurei firme o volante e segui caminho para a casa onde eu cresci. A casa em que dei
meu primeiro soco e tomei o primeiro murro na boca. Onde Thomas costumava me segurar
para que meus irmãos não me batessem, já que eu não iria desistir, e onde Trenton
quebrava basicamente qualquer coisa que ficasse entre ele e eu… mesmo os gêmeos. Eu
sorri enquanto entrava no terreno, escutando o cascalho embaixo dos pneus.

Meu pai abriu a porta de tela e apoiou as mãos no seu centro redondo, vendo eu me
aproximar da varanda com um sorriso agradecido no rosto. “Bem, bem,” ele disse. “Eu não
achei que fosse te ver aqui durante um bom tempo.”
“Estou a cinco quilômetros de distância,” eu disse, subindo os degraus de tábua de madeira
que formavam a varanda. Meu pai me deu uns tapinhas no ombro, e eu o puxei para um
abraço.

“Sua mãe e eu não saímos de casa por três semanas depois que casamos.”

“Pai,” eu resmunguei. Meu rosto se retorceu em desgosto, passei por ele e entrei na sala,
indo em direção ao sofá.

Meu pai soltou uma risada, fechando a porta atrás de nós. “O tempo é um filho da puta,” ele
chiou e sacudiu a cabeça, olhando para fora pelo pequeno quadrado de vidro, que fica perto
do topo da porta da frente. Sentou-se na cadeira reclinável, fazendo-a balançar, inclinou-se
para frente e apoiou os cotovelos nos joelhos. “O que você tem aí?” ele apontou para o
envelope branco que estava na minha mão.

Eu o levantei um pouco, surpreso por quão nervoso eu estava. Ele não era de falar muito
sobre minha mãe. Não que ele não tentasse falar sobre ela, mas eu ainda podia ver o vazio
em seus olhos -- do mesmo jeito que eu me sentiria se algum dia eu perdesse a Abby.

“É uma carta.”

“A, uh… a que sua mãe te deixou?”

Eu assenti. “Eu dei para Abby antes do casamento.”

“Eu estava torcendo para que você lembrasse.”


“Eu lembrei.”

“Bom,” ele disse, pigarreando. “Bom.”

“Você quer ler?”

Ele negou com a cabeça. “Ela não foi escrita para mim.”

Eu puxei o fino papel para fora do envelope, meus olhos traçando a escrita delicada de
minha mãe. “Eu sei. É como escutar ela falando de novo. Eu leio e é exatamente como eu
lembrava dela.”

Meu pai pensou sobre o assunto um instante, e assentiu, acenando com a mão em direção
a carta. “Tá bem. Me entregue.”

Com um pulo, eu a entreguei para meu pai e voltei para o meu lugar no sofá.

Ele piscou algumas vezes, tentando focar e quando ele viu as palavras dela no papel, seu
lábios começaram a tremer. Meu pai apoiou o queixo na mão para tentar disfarçar suas
emoções, mas então, ele piscou várias vezes, seus olhos encobertos de lágrimas. Um
sorriso tocou sua boca, ele negou com a cabeça e deu uma risada. Ele abaixou a carta com
uma mão e com a outra secou os olhos. Depois de um minuto inteiro, ele limpou a garganta
e olhou de volta para mim.

“Faz muito tempo. Foi bom escutar a voz dela de novo. Obrigado, filho.”

Eu assenti. “Eu também sinto a falta dela. Todo o tempo.”


Ele riu de novo, limpando uma lágrima que escorreu. “Eu também… todos os momentos de
todos os dias. Por quase dezessete malditos anos. E o jeito que você olha para Abby,” ele
suspirou, “é o jeito que eu olhava para sua mãe. Meu Deus, como eu amei essa mulher. Eu
nunca havia sentido algo assim antes… e nunca mais desde então.”

Minhas sobrancelhas arquearam. “Você acha que vou perdê-la, pai?”

“Abby?”

Eu concordei.

Meu pai tocou os lábios com os dedos e olhou para o chão. Eu não conseguia me mover ou
respirar enquanto esperava pela sua resposta. Ele finalmente olhou para cima, e me olhou
diretamente nos olhos.

“Travis… eu odeio ter que te dizer isso, filho… mas sua esposa? Ela é mais forte do que
você. Você a deixaria antes que ela te deixasse.”

Suas palavras me deixaram sem fôlego, e eu cobri meu rosto, deixando que o alívio me
inundasse em ondas. Meu pai nunca estava errado, eu confiava nele com a minha vida. Eu
olhei para cima, sabendo que ele estava me oferecendo a verdade, mas porque eu amava
minha esposa, eu esconderia a verdade dele.

Capítulo 6: A Vida Real Começa Agora

:: Abby ::
A mural de cortiça ao lado da saída do Heager Hall estava bagunçada com anúncios, com
cabeçalhos de Vende-se, Procura-se e Precisa-se de Ajuda, cada um deles cortados em
tiras e com o número no final. Um anúncio perto do topo tinha o timbrado da escola e uma
lista de assuntos. Eu estreitei os olhos, li o que estava impresso, então arranquei um deles
e coloquei o número de telefone no meu bolso. A faculdade estava procurando por tutores,
e Cálculo era uma das matérias. Não fez nem uma semana desde que a última metade do
segundo semestre começou, e os livros e materiais de apoio na minha mochila estavam
pesando para baixo, marcando meus ombros.

Eu dei um pulinho assim que dei meu primeiro passo em direção à saída, tentando
acomodar as alças para que desse um espaço na curva do meu pescoço. O ar de início da
primavera atingiu o meu rosto no momento em que saí do prédio. Casacos de todos os
estilos e cores se espalhavam pela calçada, pedaços de tecidos que faziam com que os
estudantes ficassem separados de todo o cinza em que estavam envolvidos. Eu olhei para
o céu, sentindo a neblina cobrir instantaneamente meu rosto. Não tinha caído nem uma
gota de chuva o dia todo. A névoa da manhã acabara de começar a se dissipar.

“Hey!” America gritou, meio andando, meio correndo, em direção a mim. Ela acenou, seu
sorriso brilhante como a luz do Sol. Ela parou em frente a mim, segurando as alças da
mochila no peito, respirando com dificuldade. “As garotas da irmandade estão surtando. Eu
estou amando.”

“O que você quer dizer?”

“Sobre Travis... e você. Todo mundo está falando sobre isso.”

Eu senti as bochechas ficarem vermelhas. “Ótimo.” Eu continuei pela calçada e America me


seguiu.

“Menos da metade acredita.”


Eu parei abruptamente. “Acreditam no quê? Que nós casamos? Ou que ele se casou
comigo?”

Ela encolheu os ombros. “Ambos.” Quando ela percebeu que eu tinha ficado ofendida, deu
um passo para trás. “Mas, vamos lá. Olhe para você. É claro que ele casou.”

Eu olhei para baixo, para minha camiseta de flanela xadrez e meu colete verde oliva, jeans
skinny e minhas botas marrons de cano alto. Meu cabelo estava escorrido e úmido. Eu não
lembrava se tinha me incomodado o suficiente para passar maquiagem antes de deixar o
apartamento ou não. Eu olhei em volta, notando os olhares demorados e curiosos das
pessoas.

Alguém assobiou, e eu virei, vendo o mar de estudantes se abrir e revelar Travis vindo na
minha direção. Ele desfilava pelo centro da passagem, suas mãos enfiadas no bolso do
jeans, usava um gorro cinza, uma camiseta do Ramones debaixo de uma camisa
desabotoada e suas botas de couro pretas só para garantir aquele Não mexa comigo, eu
vou acabar com você. Mesmo com uma aliança de casamento no dedo, as garotas paravam
para olhar. Travis era lindo, ainda exalando sexualidade e charme, mesmo que não fosse
de propósito. Um lado de sua boca virou para cima, sua sobrancelha direita levantou só um
pouquinho, e eu engoli em seco, sentindo frio na barriga.

Ele parou na minha frente, me olhando do mesmo jeito que me olhou quando o oficiante em
Vegas disse marido e mulher. Travis não precisava nem dizer que me amava -- eu podia ver
pelo jeito que ele olhava para mim, o jeito que se mexia, ouvir pelo jeito que ele falava --
mesmo quando o que ele estava dizendo não tinha nada a ver comigo.

Ele deixou escapar uma risada. “O que está acontecendo dentro da sua cabeça?”

Eu neguei com a cabeça e joguei meus braços em volta de seu pescoço.

“Beija-Flor, o que é? Tá tudo bem? Você está bem?”


“Eu estou bem,” disse tranquilamente, pressionando minha bochecha contra a dele. Sentir
seu bigode no meu rosto era reconfortante, assim como o cheiro do seu perfume. “Eu só…”
Eu o soltei e encolhi os ombros. “Eu te amo.”

Ele me encarou por um momento, um largo sorriso se espalhou pelo seu rosto. “Nunca vou
me cansar de ouvir você dizer isso.” Ele estendeu a mão e me levou para o
estacionamento.

Se as pessoas não estavam encarando, elas estavam fingindo que não olhavam até a gente
passar. Eu podia sentir os olhares curiosos me comendo por trás das minhas costas, e ouvir
os sussurros sobre o incêndio, o casamento, e só o fato de que Travis e eu estávamos
andando juntos depois do rompimento escandaloso e gigante que só um campus pequeno
como a Eastern poderia se importar.

Travis cortou pela grama, sua bota fazendo barulho na lama molhada. Eu pulei sobre poças
e buracos, agradecida quando meu marido me pegou no colo e me carregou sem que eu
pedisse. E enlacei meus dedos atrás de seu pescoço, incapaz de parar de sorrir só pela
visão de Travis sem conseguir conter o próprio sorriso.

“Por que está tão feliz?” eu perguntei.

“Você.”

“Não. Tem algo a mais. O que você fez hoje? Recebeu boas notícias?”

Ele me deixou no asfalto do lado do nosso carro, e procurou pelas chaves em seu bolso.
Ele as entregou para mim. “Sua vez de dirigir.”
“Eu? Não.” eu disse, balançando a cabeça.

Ele bufou. “Beija-Flor. Alguma hora você vai ter que aprender.”

“Eu sei dirigir. Eu só não gosto.”

“E se eu estiver no trabalho e você precisar ir a algum lugar?” ele abriu a porta do motorista
e gesticulou para que eu entrasse.

Eu fechei a porta. “Eu dirigiria. Mas você não está no trabalho, você está… ei. Você
conseguiu um emprego?”

“Ainda não. Eu liguei para um cara. Mas eu acho que não vai rolar.”

A neblina se transformou em gotículas que aumentavam a cada segundo.

“Por que não?” eu perguntei.

Travis abriu a porta de novo. “Entra no carro, Beija-flor. Está chovendo.” Minhas
sobrancelhas se ergueram, e ele suspirou. “Estão contratando no Iron E.”

“Você gosta daquele lugar, não gosta?” eu perguntei.

“Baby, entra na porra do carro. Você já está ensopada.”


Eu tinha começado a ir em direção a frente do carro, mas ele me segurou pelo braço para
me parar.

“Eu não vou dirigir na chuva, Trav. Vamos lá. Eu dirijo amanhã.”

Ele franziu os olhos. “Está bem.” Ele escorregou para detrás do volante, e inclinou-se
abrindo a porta para mim, enquanto eu corria do lado de fora, me sentando no banco do
passageiro.

Eu lutei para conseguir ligar o aquecedor no máximo, e então Travis pegou as minhas duas
mãos, esfregando uma na outra e respirando em cima delas. Uma mecha de cabelo solta
caiu em frente aos meus olhos. Travis estava triste, duas linhas se formavam na testa.

“O que tem de errado com o Iron E?” eu quis saber.

“Eu gosto da academia. Eu só não gosto do dono.”

“O tal de Brandon?”

“Sim,” ele disse entredentes. “A mulher dele está grávida... a criança está para nascer. Ele
está comendo a recepcionista, duas professoras, as alunas…”

“E daí?”

“E daí? Ele é um bosta, Beija-Flor. Eu não quero trabalhar para ele. Ele se gaba sobre isso
o tempo todo. Ele vai ganhar um soco na cara na primeira hora.”
“Você tem alguma outra proposta? Nós temos o aluguel, baby.”

Travis suspirou e olhou para a janela com gotas de chuva. “Não. E ele fez parecer que era
só eu me aplicar para a vaga que o trabalho seria meu.”

“E o que você está esperando?”, eu disse com uma surpresa risada.

Travis se virou para mim, sério. “Eu acabei de te dizer, Beija-flor.”

Eu encolhi os ombros. “Você não vai ficar ao lado dele o tempo todo. É até você encontrar
outra coisa, não é?”

“Tem garotas. Várias e várias universitárias. E donas de casa entediadas. E…”

Eu o olhei fixamente. “Você está dizendo que você não é confiável?”

“Claro que não, é só uma coisa com que eu não gostaria de lidar. O próprio Brandon
disse… é um mercado de carne. Ele não é meu cafetão.”

Eu gargalhei.

“Não é engraçado,” Travis resmungou. “Eu prefiro ficar trocando socos a ter que lidar com
esses felinos que entram na academia.”
Eu toquei seu rosto. “Eu confio em você. Você já conseguiu. É dinheiro fácil.” Eu vasculhei
no meu bolso e puxei o papel branco retangular úmido. “Eu achou que também encontrei
algo. Eles estão procurando por tutores de Cálculo.”

Travis não estava impressionado. “Se eu lutasse para o Benny, nós--”

“Não estaríamos juntos.”

Travis olhou para baixo, derrotado. “Eu queria mais para você, Abby.”

“Eu não quero perder isso, Trav. Eu quero o pequeno apartamento, juntar cupons de
promoção e viver de miojo até o dia do pagamento. Eu quero equilibrar as contas junto com
você e conversar sobre nossa renda da semana, e pegar um suéter na loja só para poder
colocá-lo de volta na arara, pois segurar sua mão é bem melhor do que carregar uma
sacola cheia de roupas. Eu quero me sentir ansiosa de ir com você ao cinema uma vez a
cada dois meses porque se tornou algo especial ao invés de algo esperado. Eu quero
construir nosso castelo, um tijolo por vez… só você e eu. Sem meios fáceis.”

Seu meio sorriso reapareceu, e ele se inclinou na minha direção. “Mesmo?”

“Com certeza.”

“Falando de estar quebrado… hoje é noite de cerveja a preço de banana no The Red. Se
nós vamos começar a trabalhar todas as noites, vamos tirar o The Red do nosso sistema.”

Eu sorri. “Estou dentro.” Eu digitei uma mensagem para Shepley e America, e


imediatamente recebi uma resposta. Animada, eu encolhi os ombros. “Shep e Mare vão
encontrar com a gente lá as oito e meia.”
Travis saiu do estacionamento em direção a rua, aumentando o som do rádio, fazendo
serenata para mim até chegarmos em casa.

Capítulo 7: O Novo Normal

:: Abby ::

O The Red era uma máquina do tempo. Passar pela porta da frente, o estalo dos meus
saltos contra o chão grudento e segurar firme na mão do Travis enquanto ele se esquivava
entre a multidão do bar me fez sentir como se tivéssemos voltado no tempo, antes da
investigação, antes do casamento, antes do incêndio. Estudantes quase descobertas em
bodies metálicos e mini saias, rodopiando o cabelo enquanto elas falavam com qualquer
cara estúpido que estava comprando bebida para elas.

O The Red era um mercado de carnes, todos voluntariamente numa vitrine afim de captar o
olhar de alguém, qualquer pessoa, ou casais que queiram mostrar que estão juntos ou
restabelecer a ideia de que um pertence ao outro. Tinha o ocasional benfeitor que só amava
dançar, beber ou jogar sinuca, mas humanos precisam de outros humanos, e o The Red era
lotado, escuro e barulhento o suficiente para ver e ser visto sem julgamentos.

As caixas de som vibravam com a música, como o sangue batendo através do coração.
Com a minha mão livre, eu pressionei a ponta dos meus dedos no meu peito para tentar
diminuir o som que vibrava nas minhas costelas. Bocas se mexiam, mas o único barulho era
o som, todos falando a mesma língua; cantando a mesma música.

Conforme nos aproximávamos do bar, Travis acenou para Camille e ela enxotou uns caras
que estavam sentados nos bancos diretamente na frente dela. Ela sorriu enquanto nos
sentávamos, limpando o balcão de madeira na nossa frente. “Eu me perguntava se vocês
dois voltariam aqui.”

“Por que não voltaríamos?”, eu perguntei, vendo ela limpar o topo de espuma de cerveja da
casa, que ela colocou na frente de Travis e de mim.
Camille cruzou os braços. “Sei lá. Vocês estão casados agora. Eu pensei que isso poderia
magicamente mudar vocês, eu acho.”

“Ainda gostamos de beber e ver nossos amigos,” disse Travis, batendo a parte de cima das
nossas garrafas num brinde. Ele beijou o canto da minha boca antes de tomar um gole da
sua cerveja, avaliando o local. “Cadê o Trent?”

Camille olhou para o relógio e respondeu enquanto saía de perto. “Deveria estar a caminho
agora.”

Eu vi Camille trabalhar e atender a fila, registrando dois ou três pedidos por vez, fazendo,
pegando o dinheiro, e começar tudo de novo. O bar estava lotado -- com três fileiras de
profundidade. Se nós não conhecêssemos a Camille, teríamos que esperar a noite toda por
um lugar. As mesas estavam cheias, assim como as mesas de sinuca e a pista de dança.

Duas mãos geladas cobriram meus ombros, e eu me virei num abraço para a America.
Brincos gigantes estavam pendendo de suas orelhas, seu cabelo preso para cima num
coque bagunçado. O top deixava um ombro exposto. Ela tinha aquele visual “fico
glamourosa sem esforço”.

Camille voltou. “Vocês querem uma mesa? Eu posso falar com a Reagan para ela limpar
uma para vocês.” Ela deu uma piscada. “Reagan adora ser filha da puta.”

“Não, estamos bem,” Shepley disse, apertando a mão de seu primo.

America não perdeu tempo em me levar para a pista de dança. Eu travei o olhar em meu
marido algumas vezes, vendo ele me olhar, e ignorando as quatros mulheres que tentaram
flertar com ele.
Quando voltei para o meu banco, Travis correu os dedos pelo meu braço, aproveitando a
pele que deslizava com o suor. Ele se inclinou para beijar o meu ombro, passando a língua
rapidamente em cada beijo.

Eu levantei e me inclinei sobre ele. “Nós não vamos ficar muito tempo se você continuar
assim.”

Travis olhou para mim com um sorriso torto. “Promete?”

Eu beijei o topo de sua cabeça, e ele deslizou a mão atrás de mim, deixando-a na minha
bunda. Ele estava olhando as pessoas novamente, se divertindo com os jogos que os
outros estavam jogando, a avaliação, o flerte, o ir e vir da manipulação…tudo o que
estávamos fazendo durante todo o ano até o nosso casamento.

Travis bateu no meu traseiro e ficou de pé. “Vou no banheiro. Precisa de alguma coisa?”

Eu levantei uma sobrancelha. “Do banheiro masculino? Não.”

Travis deu risada e deixou sua garrafa vazia de cerveja no balcão. “Você se importa de
pedir outra pra mim?”

“Claro que não,” eu disse, pressionando meus lábios contra os dele quando ele se inclinou
para me dar um selinho.

Shepley entregou sua cerveja para a America.


Ela balançou a cabeça. “As pessoas dizem que as garotas vão ao banheiro juntas. Os
garotos são tão culpados quanto.”

Shepley encolheu os ombros. “Só quero ter certeza de que ele não vai entrar em nenhuma
briga enquanto ele estiver lá.”

“Ele não precisa de uma babá,” disse America.

Shepley fez uma careta, como se America devesse saber melhor. “Meio que ele precisa
sim.”

Os garotos desapareceram na multidão, e America se virou para mim. “Então,” ela disse
passando os dedos pelo cabelo. “Esse lugar parece diferente agora?”

“Por que todo mundo fica me perguntando isso?” eu disse. “Eu me casei, não passei por
uma lobotomia.”

America gargalhou e tomou um gole do seu coquetel, piscando quando ela percebeu dois
universitários se aproximando. “Ah, merda.”

“O quê foi?” eu perguntei.

“Eles não nos deixaram nem há cinco segundos e já teremos que despachar alguém,” ela
reclamou.

“Eles não estão vindo para cá,” eu disse. “Além disso, Travis não iria começar uma briga
com alguém só por ter falado comigo. Ele já superou isso, não?”
America me encarou, sem se impressionar e sem estar convencida. “Você está certa. Antes
você era a namorada. Agora você só é a esposa dele.”

“Hey,” o primeiro cara disse. A cabeça dele estava raspada e tinha mais ou menos a minha
altura, o pescoço grosso e as orelhas deformadas. Definitivamente um lutador. “Você está--”

“Acompanhada,” disse America, interrompendo-o. “Eu tenho um namorado e ela é casada.”


America apontou para mim.

O lutador sorriu, olhando para o seu amigo muito mais alto e de volta para nós. Ótimo. Ele
era daquele tipo de cara que pensavam que pegar uma mulher era um desafio. “Olá,
casada, eu sou o Ricky.”

America rosnou para ele. “Hilário. Você por acaso é de 1984? Quem nomeia o próprio filho
de Ricky?”

“Mare!” eu sibilei. Ela estava sendo desnecessariamente rude.

Ricky se manteve inabalado. “Esse é Joel. Prazer em conhecer vocês duas.”

“Nós não dissemos os nossos nomes, então tecnicamente, não nos conhecemos.” eu disse.

“Me desculpe,” Joel disse. “Ofendemos vocês de alguma forma?”

Eu olhei para baixo, envergonhada. “Desculpe. Não, vocês não ofenderam. Nós estamos
tentando fazer vocês irem embora. Nossos namorad… meu marido e o namorado dela
estão aqui, e vão estar de volta em um minuto.”

“E daí?” Ricky disse.

Eu suspirei. “Meu marido não gosta de caras estranhos falando comigo.”

“Ah, ele é ciumento?" disse Joel. “Depois de um tempo deve perder a graça.”

“Não, na verdade não,” eu disse. “Obrigada por vir dizer 'oi', mas vocês devem ir.”

“Estou bem aqui,” Ricky disse com uma risada.

Eu revirei os olhos. America estava certa. Assim que Travis voltasse, teria um confronto e
nossa noite divertida chegaria ao fim. Nenhum deles parecia esperto o suficiente para ir
embora quando Travis dissesse para eles irem embora.

Ricky colocou uma das mãos no bolso, olhando em volta enquanto bebericava sua cerveja.
Rapidamente eu percebi que ele não estava lá para flertar de fato conosco, ou mesmo para
falar com a gente. Eles pareciam estar esperando Travis e Shepley voltarem. Eu o observei
atentamente, ficando cada vez mais com o pé atrás da orelha.

“Você é policial?" eu perguntei.

Os dois se viraram para mim, surpresos. “Como é?” Ricky perguntou.

America ergueu o pescoço para mim, seu rosto estava confuso.


Joel deixou escapar uma risada. “Não. Não sou um policial.”

“E você?” eu perguntei, abaixando o rosto para encará-lo.

Ricky me olhou de cima a baixo, dos meus olhos até os joelhos e depois para cima de novo.
Ele não estava interessado em mim de jeito nenhum. Ele estava me avaliando, tentando
descobrir como uma garota de dezenove anos conseguiu descobrir quem ele era. Ele
estava lá atrás do Travis.

Como ele não respondeu, dei um passo a frente que ele. “Saiam daqui. Se vocês quiserem
falar com ele, vão ter que prendê-lo.”

Ricky se inclinou. “O que pode ser arranjado. Ele nem tem vinte anos, bebendo num bar.
Aposto que todos vocês tem identidades falsas.”

Eu apertei os olhos e fiquei mais perto. “Então está esperando o quê?”

“O quê está havendo?”America perguntou, preocupada. “O quê vocês querem?”

Joel se ergueu e olhou em volta, finalmente olhando em volta. Ele realmente não era um
universitário. Ele parecia um recruta, parecia novo o suficiente para que fosse designado
para nos enganar.

Um braço forte envolveu meu pescoço, e Travis beijou minha cabeça. “Ei, baby.” Como eu
imaginava, ele encarou os dois caras parados na nossa frente. “Quem são eles?”
“Quem?” America perguntou, se fazendo de burra.

Travis não achou engraçado. Ele apontou para Joel e Ricky -- se esses fossem realmente o
nome deles. “Esses palhaços.”

Ricky deu uma risada. “Palhaços? Você não está falando com suas putas, não. Baixa a
bola.”

“Ah, você é brilhante pra caralho,” disse Shepley, já tirando sua jaqueta.

Antes que eu pudesse gritar para que parasse, Travis já tinha me deixado e atacou Ricky,
levando-o para o chão. Como de costume, o resto do bar entrou na briga, bêbados idiotas
que estavam a procura de uma briga, tinham acabado de achar uma.

America me tirou de perto do vai e vem de punhos que estavam se amontoando. Enquanto
eu tentava achar meu marido, eu não podia deixar de pensar qual era o propósito de incitar
ele a brigar. Ricky já tinha admitido que poderia tê-lo prendido por ser menor de idade.

Conforme a pancadaria ia se espalhando, America e eu ficávamos presas contra o balcão


do bar. Camille nos alcançou e nos ajudou a subir no balcão antes que fossemos
esmagadas.

“Shep!” America gritava enquanto eu a empurrava para cima e Camille a puxava. “Shepley”!

Assim que America estava de pé, segura ao lado de Camille, eu pulei também. Travis não
estava em nenhum lugar, e quanto mais ele estava fora do meu campo de visão, mais
preocupada eu ficava. Eu não tinha certeza do que aqueles homens queriam. Eles podiam
ser da polícia, do FBI, ou pior… de Vegas. Benny ainda estava bravo por Travis tê-lo
recusado.
“Travis!” eu gritei.

Os seguranças empurravam a multidão, separando humanos que estavam agindo mais


como animais, Travis incluso nisso.

“Travis Maddox!”

Travis ficou de pé, limpando o sangue que estava em seus lábios com as costas da mão,
sorrindo para o homem que ainda estava no chão. Seu expressão era presunçosa, os olhos
brilhavam. Ele sentia falta de lutar. Shepley deu um puxão na sua camiseta, e Travis andou
de costas, e depois virou-se para o bar, chegando até mim. Ele me ajudou a descer, e me
colocou de pé no chão.

“Você está bem?” Travis perguntou.

Eu franzi as sobrancelhas para ele, mas ele não estava arrependido. A luta estaria sempre
no seu sangue, e isso me deixava aflita. A multidão se empurrava, Travis se afastou de
mim, ficando numa posição defensiva como se os homens se contorcendo no chão de dor
ainda fossem uma ameaça. Os seguranças os levaram para fora, sinalizando para Travis e
Shepley que eles deveriam sair também.

Camille se aproximou de nós, se inclinando para falar com o Travis. “Se você continuar com
essas merdas, Travis, Jorie vai te banir desse lugar para o bem de todos.”

“Ela sempre diz isso,” Travis disse com um sorriso, limpando de novo a sua boca.

“Você está… você está sangrando?” eu disse, virando o rosto dele para mim. Travis não
levava um soco até ele permitir que o dessem. Era uma coisa dele. Eu não estava
acostumada a ver ele sangrando, e isso deixou minha paranoia ainda pior.

“É,” Shepley disse. “Eu posso ter dado uma cotovelada nele por acidente.”

Eu levantei uma sobrancelha. “Não esperava por isso, não é mesmo?”

Travis fez uma careta. “Eu percebi, mas eu estava em uma ótima posiçãoe no meio do soco
naquele vermezinho que chamou você e Mare de vadias, então não me preocupei em me
esquivar.”

“Vamos lá, garotos. Não façam os seguranças terem que escoltar vocês para fora,” Camille
disse, batendo no ombro de Travis.

Eu suspirei. Não poderia culpar Travis, mas eu também estava desapontada. Nós andamos
ao lado de Shepley e America até os os nossos carros, estacionados lado a lado no
estacionamento.

“Você descobriu?” America me perguntou.

Eu neguei com a cabeça. “Ainda não, mas eu vou.”

“Do que vocês estão falando?” Shepley perguntou, alisando a camiseta.

“Aqueles caras eram estranhos,” America disse. “Eles se aproximaram para falar com a
gente, mas depois que avisamos que vocês já estavam voltando, eles ficaram por lá. Era
como se eles estivessem esperando por vocês.
Travis e Shepley trocaram um olhar.

“Vocês já viram eles antes?”eu perguntei.

Travis fez uma careta. “Não. E é melhor que eu não os veja de novo.”

"O quê ele disse,” começou America. “Ele sabia que deixaria o Travis fora de si. Tudo isso
foi esquisito. Alguma coisa está acontecendo.”

“Vocês duas precisam parar de assistir seriados criminalísticos no Netflix. Vocês estão
ficando paranoicas pra caralho,” Travis disse, olhando para mim.

Eu franzi as sobrancelhas. “Mare está certa. Tem algo acontecendo. Precisamos descobrir
o que é.”

Travis olhou para o Shepley, que encolheu os ombros. “Uma delas tinha a chave mestra da
Universidade de Parkland. Elas são o casal arrogante lésbico saído de Jéssica Jones que
nunca conheceu um Maddox.

Eu arqueei a sobrancelha para Shepley. Eu pensava que eu era observadora.

Travis tirou a jaqueta e colocou nos meus ombros. Não tinha percebido até aquele momento
que eu estava tremendo. “Você sabe o quê precisamos fazer?” ele perguntou, beijando
minha bochecha. “Nós precisamos seguir em frente. Eu não vou passar o resto da minha
vida pisando em ovos, Abby. Não quero que você faça isso também. Vou ir até aquele
trabalho na semana que vem, e você vai começar a monitoria. Eles vão fechar a
investigação, e tudo estará acabado.”
Eu assenti e acenei para America quando Travis abriu a porta do passageiro para mim. Eu
deslizei para dentro, ainda irritada por estar tremendo. Eu não estava com tanto frio -- eu
estava nervosa. Joel e Ricky vieram atrás de uma briga com o Travis. Eu precisava saber o
porquê.

Travis ficou de pé do lado da minha porta e acendeu um cigarro, apoiando sua outra mão
na minha janela. Eu pressionei minha mão na sua, e ele deu uma piscadinha para mim e
soltou uma nuvem de fumaça. Ele deu algumas tragadas até a metade, apagou o cigarro
com o solado da bota e guardou o resto no bolso de trás. Ele foi por de trás do carro, e Joel
e Ricky apareceram no meu campo de visão. Eles estavam parados nas sombras mais
distantes do estacionamento, olhando para o Camry. Ricky e eu trocamos olhares, ele faliu
algo para o Joel, mas sem desviar os olhos de mim. Eu inclinei o rosto e levantei a mão,
mostrando o dedo do meio.

Travis abriu a porta e eu abaixei o meu vai se foder, sorrindo para ele enquanto ligava a
ignição e coloquei a mão dele no meu joelho e ele dirigiu para a estrada. Os homens se
voltaram para a escuridão, fora da vista de Travis, mas eu sabia que eles estavam lá.

“Tá tudo bem, baby?” disse Travis. “Me desculpe. Eu sei que você estava animada para
hoje a noite.”

“Eu não estou brava,” eu disse, deixando as suspeitas e preocupações de lado. “Estou bem.
Mesmo.”

“Você ainda acha que eles são algum tipo de trapaceiros do FBI ou algo assim?” ele me
provocou.

O aniversário de Travis seria daqui a alguns dias, e eu sabia que ele já estava hesitante
quanto a se empolgar com a data. Tinham muitas razões para mentir. Eu olhei para o
retrovisor através da minha janela, notando que havia um par de faróis dianteiros há mais
de um quilômetro de distância de nós. “Não. Não acho que eles sejam alguém. Alarme
falso.”
Travis deu um tapinha no meu joelho e seguiu em direção ao apartamento, sorrindo como
se nada tivesse mudado -- e eu sorri com ele.

Capítulo 8: Bolo

:: Abby ::

Eu olhei para o conteúdo que estava dentro da vitrine de vidro. Conforme minha boca ficava
cheia d’água, eu me perguntava quais dos bolos Travis gostaria mais. Depois de duas
horas, eu consegui restringir minhas opções a apenas três: o bolo amarelo com cobertura
de chocolate, o bolo napolitano, que também tinha cobertura de chocolate, ou o bolo de
casamento. Travis fez um estardalhaço com o bolo no nosso casamento em Vegas, então
eu sabia que ele gostava de bolo totalmente branco também.

“Jesus Cristo, Abby, escolhe um logo,” America disse entediada. Ela puxou uma tira do
chiclete rosa e o enrolou no dedo. “Eu odeio pensar no quanto vai demorar pra você
escolher um bolo de casamento se está demorando tanto pra escolher um simples bolo
para o aniversário do Travis.”

Eu não tirei os olhos do que tinha na vitrina, que incluíam bolo em camadas, cupcakes,
bolos redondos e retangulares, com todos os tipos de decoração. “Um bolo de casamento é
para os convidados. Este é para o Travis. Tem que ser o certo.”

America suspirou.

Eu enruguei o nariz. “Que diabos, Mare? Por que você está tão irritada?”

Ela mordeu o chiclete em volta do dedo, e depois cruzou os braços. “Eles são contra.”
“Quem é contra o quê?”

“Meus pais. Eles disseram que se eu e Shep morarmos juntos, eles não vão mais pagar a
minha faculdade.”

Eu estava atordoada. Os pais de America não eram exatamente influenciáveis, mas eles
faziam questão de apoiar qualquer coisa que faria a filha deles verdadeiramente feliz. Se
America queria continuar na faculdade, eu não conseguia imaginar qual era a diferença
para eles. America passava a noite com Shepley praticamente sempre. “Eu… eu sinto
muito. Eu não sabia.”

Ela deu de ombros. “Como você poderia saber?”

Eu abracei minha melhor amiga. “Não precisam se apressar, você sabe. Shepley pode ficar
o quanto quiser.”

“Ele vai se mudar para o dormitório.”

“O quê? Quando?”

“No outono, mas… eu vou voltar para Wichita para as férias de verão. Ele meio que está
surtando. Eu estou também… e eu sei com que isso parece, ok? Eu não sou do tipo que se
importa se eu passo três meses longe de um cara. Normalmente seria como respirar ar
fresco. Mas eu não quero sentir falta dele. Desde que nós terminamos… está diferente,
sabe? Eu realmente amo ele, Abby, mesmo.”

Eu a abracei apertado e depois a segurei longe o suficiente para poder olhar em seus olhos.
“Fique conosco, Mare. Você sempre fica de qualquer jeito.” Eu sorri. “Vai ser legal.”
Ela negou com a cabeça. “Eles não vão deixar.”

“Por quê?” eu perguntei, frustrada.

“Papai disse que não quer um compromisso tão sério, tão rápido assim. Eu entendo a
preocupação deles, mas é um saco.”

“Vocês ainda podem conseguir, você sabe. Arrume um trabalho, e nós fazemos a mudança
das suas coisas.”

Os olhos de America perderam o brilho. “É fácil para você dizer. Você tem uma bolsa de
estudo, ou melhor, algumas. Eles pagam meus estudos. Se eu quero que continue assim,
tenho que seguir as regras deles.”

“Justo. Mas você pode vir me visitar todo final de semana, certo? Eles pelo menos vão te
deixar vir me ver.”

“Sim. Sim, claro.” Ela se afastou de mim, secando o nariz. Ela sorriu e negou com a cabeça.
“Deus. Isso é estúpido. Tem tanta coisa pior acontecendo no mundo.”

“Não com você, e nem agora. É compreensível se irritar por ter que ficar três meses longe
do Shep. Você está certa. É mesmo um saco.”

Ela sorriu. “Obrigada.”

“Pelo quê?”
“Por fazer eu não me sentir uma babaca.”

Eu fiz uma careta. “Isso não foi intencional. Você continua sendo uma babaca.”

America me deu uma cotovelada de brincadeira enquanto uma mulher encostou atrás no
balcão a nossa frente e sorriu. Eu pressionei meu indicador contra o vidro, apontando para
o bolo branco. “Deve dizer, 'Parabéns pelos 20, Travis.”

“Na verdade,” America disse. “Você pode colocar Parabéns pela porra dos 20 Travis."

A mulher sorriu. “Parece ser uma festa legal.”

Eu fiz a mesma expressão. “Vai ser.”

*****

“Barris de cerveja. Gelo. Copos. Música. Bolo…” eu disse, apontando para as várias
estações. “Nós estamos esquecendo alguma coisa. Eu sinto que estamos esquecendo
alguma coisa.”

America cruzou os braços, nem chegando perto do meu nível de stress. “Se você está
comparando com os outros anos, eu diria que faltam pelo menos duas dúzias de putas.”

Eu disparei um olhar. “Engraçado.”


America deu uma risadinha e depois atravessou a sala, pegando o pequeno balão e o
encostando nos lábios. Suas bochechas encheram e seu rosto ficou vermelho.

Eu olhei para o relógio. “Menos de uma hora.” Eu olhei para fora. “Por que não chegou
ninguém ainda?”

“Treino de primavera,” America disse.

Eu soltei baixinho a palavra caralho num sussurro, e congelei quando escutei uma comoção
vindo do lado de fora da porta.

“Eu disse… não! Para! Para, caralho. Travis!” Disse Shepley enquanto caia de costas
passando pela porta e acabando no chão da sala.

Travis ficou na entrada, com a respiração ofegante, com um sorriso largo no rosto. “Baby,
estou em casa.”

Eu estava boquiaberta, e no que parecia câmera lenta eu gritei Não!

“Por que ele está aqui?” America disse para seu namorado, um tom de acusação na sua
voz.

Shepley se levantou e se limpou, com o rosto vermelho e irritado. “No momento que eu
tentei levá-lo para qualquer outro lugar, que não fosse de volta para casa, ele soube, ok? Eu
fiz o meu melhor.”
Travis riu, mas sua expressão se foi assim que ele viu a minha.

“Você não podia ao menos fingir? Você tinha que realmente vir até aqui e estragar todos os
meus planos?” Eu choraminguei. Não iria tentar fingir. Era injusto.

“Baby,” Travis disse, empurrando Shepley para o lado enquanto ele andava em minha
direção, com os braços abertos.

“Não,” eu disse, afastando-o. “Não me toque. Não.” eu disse, de mau humor. “Você sabe há
quanto tempo estou planejando isso? Eu não saí correndo para tentar estragar a minha
festa surpresa.”

“Não,” Travis disse, me prendendo em seus braços fortes e tatuados. “Parker que arruinou.”

Eu franzi a testa, afastando-o de mim. “Ainda sim eu estava surpresa! Você ainda
conseguiu me surpreender. Sai de perto de mim!”

Travis se inclinou para beijar minha bochecha. “Eu queria vir para casa e ver minha esposa,
que eu sabia que ela estava se esforçando para fazer do meu aniversário algo especial.”

“E depois arruinar.” Eu rosnei, ainda o empurrando. Eu não sabia o porquê eu continuava


tentando… ele não se movia.

America abraçou Shepley e beijou sua bochecha. “Você não cansa que ele te meta em
apuros?”

Shepley alisou o cabelo com a mão, sua testa franzida. “Ele teria roubado meu carro e me
deixado no estacionamento se eu não tivesse entrado do lado do passageiro.”
“Ah!” Disse America, incapaz de conter a risada.

Os braços de Shepley estavam cruzados, ele tentou se afastar do abraço de America, sem
muita vontade.

Travis pegou o meu rosto, me forçando a olhar para ele. Uma vez que nossos olhares se
encontraram, eu parei de relutar.

“Obrigado,” ele disse, me dando um selinho na boca que ele segurava como um biquinho.
Ele me soltou e eu me senti desorientada pelo beijo e pela minha relutância boba.

Alguém bateu à porta e Jason Brazil a abriu, ele entrou e parou abruptamente quando viu
Travis parado no apartamento semi-decorado. “Oh. Droga. Estamos atrasados?”

“Sim,” eu disse, jogando uma bexiga no Travis. “E ele está enrascado.”

“Não estou, não,” Travis disse, meio brincalhão, meio irritado.

“A festa, ahn,” Brazil gaguejou. “A... hm… festa ainda vai acontecer?”

“Sim. Eu não posso exatamente cancelar dez minutos antes que quarenta pessoas
deveriam chegar aqui.”, eu resmunguei.

“Quarenta?” Travis disse. “Isso é tudo?”


“Menos as putas,” explicou America.

Travis não achou graça.

Umas garotas entraram logo atrás de Brazil, exageradamente falsificadas, uma tonelada de
maquiagem no rosto, e sutiãs tamanho 50 com enchimento pulando para fora de suas
camisetas apertadas com decote V.

“1º de Abril!” Disse America, encarando as nossas convidadas intrusas. “As putas
chegaram.”

As garotas da irmandade torceram o nariz para America, mas depois disso não lhe deram
mais atenção. Elas seguiram Brazil enquanto ele caçava a torneira do barril, e riram quando
ele a ergueu.

“Achei!” ele disse, balançando-a no ar como uma criança com seu brinquedo no parquinho.

Brazil e seus amigos ajudaram a finalizar a decoração, enchendo bexigas e pendurando as


bandeirinhas. Mais pessoas chegaram e se juntaram a nós. Quanto mais Travis ajudava,
mais decepcionada eu ficava. Não com ele - mas comigo mesma. Eu estava com a minha
melhor cara de pau, eu poderia enganar os veteranos de Vegas e tirar deles milhares de
dólares, mas eu não conseguia fazer uma pequena festa surpresa para o meu marido.

Quando o sol se pôs, os últimos convidados chegaram: Trenton e Camille. Trenton ajudou
sua namorada a tirar o casaco e depois se virou para abraçar seu irmão caçula. “Feliz
Aniversário, babaca!”

“Ei,” disse Camille, me abraçando. “Está tudo incrível.” Ela colocou um piercing no nariz
desde a última vez em que a vi, e seu cabelo estava com uma única mecha preta
escondida. Quanto mais ela trabalhava no Skin Deep, mais selvagem sua aparência ficava,
e eu tinha certeza que Trenton amava isso. Eu sorri. Toda a tinta e maquiagem ficavam
bem nela. Ela estava apaixonada e não poderia estar mais feliz.

“O quê foi?” ela perguntou.

“Nada,” eu disse. Meu sorriso desvaneceu. “Travis veio para casa mais cedo.”

“É bem a cara dele,” Camille disse com um sorrisinho. Ela estava com as roupas de
bartender e provavelmente seguiria para o trabalho depois do aniversário do Travis. Ela
piscou para Travis e depois lhe entregou uma garrafa de whisky com um laço no gargalo.

Travis beijou sua bochecha. “Valeu!”

“Ei!” disse Trenton, de cara fechada e puxando Travis pelo ombro. “Tira a porra dos lábios
de perto da minha garota!”

Travis levantou os braços. “Tá bem, tá bem. Só estava expressando meu agradecimento.”

Eu enfiei vinte velas no glacê do bolo e procurei na cozinha por um isqueiro. Depois de abrir
gaveta atrás de gaveta, eu voltei de mãos vazias. “Isso é ridículo,” eu fervia por dentro. “Sou
casada com um fumante e não temos isqueiros?” Travis acendeu o próprio isqueiro e
segurou a chama na frente do meu rosto. Eu parei e peguei da mão dele. “Obrigada,” eu
disse, silenciosamente voltando para onde todos estavam reunidos, com os pratos já nas
mãos.

Enquanto eu acendia os pavios, America apagou as luzes, e Travis ficou de pé na frente do


balcão onde estava o bolo, sorrindo para as palavras rabiscadas em glacê no bolo. Ele
deslizou os braços em volta da minha cintura, acariciando meu pescoço enquanto cada
nova chama tremeluzia.

“Bolo legal,” ele disse, sussurrando as palavras que estavam escritas.

Parabéns pela porra dos 20, Travis

“Fico feliz que você tenha gostado. O palavrão foi ideia da America.”

Travis levantou a mão e bateu com a da America. “Muito bom.”

America simplesmente concordou com a cabeça, seus braços cruzados no peito, segurando
as mãos de Shepley. Ele estava atrás dela, bamboleando um pouco enquanto nos via. Ele
tinha o sorriso mais doce no rosto. Eu não tinha certeza sobre o que ele estava pensando,
mas eu sabia que envolvia a America.

Nós cantamos Feliz Aniversário, e depois Shepley aumentou o volume da música. Nós
dançamos e bebemos; a polícia só apareceu uma vez. Metade do time de futebol estava
presente e também a maioria dos irmãos da Sig Tau. Jim, Thomas, Taylor e Tyler ligaram
em diferentes horários, mas, a cada vez, Travis iria para fora fumar e conversar com a sua
família. Eu beijava Travis cada vez que ele saía e toda vez que eu lembrava do meu
aniversário, do quão fofo ele tinha sido aquela noite e o quanto eu tentei não me apaixonar
por ele - então nós nos beijávamos bastante. Chegou um ponto em que o Travis me levou
para dentro do corredor e fechou os dedos atrás do meu pescoço, impaciente para colocar
sua boca quente na minha. Ele tinha gosto de cerveja barata e açúcar, e eu o puxei para
mais fundo em minha boca.

Justo quando eu achei que ele fosse me levantar em seus braços e me carregar até seu
quarto, o ritmo da sua boca ficou mais devagar. Ele se afastou, beijou minha bochecha, e
sussurrou no meu ouvido. “Estou surpreso que você não tenha organizado shots para mim,
ainda.”
“Eu não sabia que você estava precisando tanto de dinheiro.”

“Vou ficar assim se não conseguir um emprego.”

Eu soltei uma risada. “Você conseguiu um trabalho. Você só tem que ir lá e aceitar.”

Travis espiou a sala, e depois voltou sua atenção para mim.

“O quê foi?” eu perguntei.

“Só conferindo se não estão sujando o lugar.”

“Own. Veja você. Todo crescido.”

Travis franziu a testa. “Eu nunca fiz uma festa aqui… porque eu não queria bater em
alguém por ter sujado a casa.”

Eu toquei seu rosto. “Estritamente uma masmorra do amor, huh?”

Seu rosto se retorceu em desgosto. “Uma o quê?”

Eu ri. “Nada.”
“Ah, você tá fazendo piada,” ele disse, fazendo cócegas nas laterais da minha barriga.

Eu saí correndo em direção à sala de estar, rindo e me escondendo atrás da America.


Travis me perseguiu por apenas alguns segundos antes que uma música lenta começasse
a sair pelas caixas de som - minha música favorita. Nossa música. Travis me segurou em
seus braços. Nós balançamos por alguns momentos antes que Travis me puxasse mais
apertado em seus braços.

“Você meio que me disse que me amava pela primeira vez na última vez que dançamos
essa música numa festa de aniversário,” ele disse.

“O quê?” eu disse, me afastando para poder olhar em seus olhos. Não tinha brincadeira em
seu olhar. “Não, eu não disse.”

“Sim. Você estava completamente bêbada, mas você disse. Bem, você deu a entender isso.
Você disse que em outra vida você poderia me amar.”

Eu sorri, olhando para suas íris quentes e de cor castanho avermelhado. Eu me lembrei da
primeira vez em que vi esses olhos - no porão de um dos prédios do campus. Ele estava
suado e coberto de sangue, mas seus olhos faziam eu me sentir em casa. “E o quê você
disse? Você não saiu correndo e gritando?”

Ele negou com a cabeça, seu olhar ficando mais intenso. “Eu disse que poderia te amar
nessa vida.”

“Você disse?” eu perguntei, chocada. Isso foi há quase seis meses, e ele nunca havia me
dito. “Então você disse primeiro. Todo esse tempo… achei que tivesse sido eu.”

“Não,” ele deixou escapar um riso. “Nunca foi você. Eu definitivamente disse primeiro.
Depois do seu aniversário até.”
“Não,” eu neguei. “Foi na noite em que eu deveria sair com o Parker.”

Foi a vez dele de negar. “Não, baby. Não posso acreditar que você não lembra.”

“Eu lembro. Eu disse primeiro. Você acabou de admitir. Eu disse no meu aniversário.”

“Você meio que disse. Me amar na sua próxima vida não conta.”

“Bem,” eu disse, levantando meu queixo e me sentindo vitoriosa. “Bem-vindo a nossa


próxima vida.”

Ele parou no meio do apartamento. Seus ombros caíram, e seus olhos de derramaram
sobre mim com tanto amor e adoração, que meu rosto ficou vermelho. “Isso já é alguma
coisa,” ele disse, me abraçando. Ele descansou o queixo na curva do meu pescoço, se
debruçando sobre mim. “Ganhei meu desejo de aniversário antes mesmo de fazê-lo.”

Eu pressionei minha bochecha na sua orelha, ouvindo a letra da nossa música, absorvendo
o momento. “É o seu primeiro aniversário como meu marido.”

“Melhor aniversário de todos,” ele respondeu. “E não se preocupe. Você tem o resto de
nossas vidas para tentar me surpreender.”

“Você pode ter certeza que eu vou,” eu disse, puxando-o para mais perto. “Nós temos mais
milhares de surpresas pela frente.” Todas boas, eu espero.
Capítulo 9: Comprometidos

:: Abby ::

“Baby,” disse Travis, tirando a jaqueta e jogando-a na cama. “Eu pedi desculpas.”

“Eu sei,” eu disse, tirando os saltos com um chute.

Ele era um armário, sendo expulso do The Red pela segunda semana no mês por ter
brigado. Ao invés de ficar mais relaxado já que estávamos casados, qualquer cara que me
dirigisse um segundo olhar, oferecesse um sorriso de flerte ou mesmo que tentasse falar
comigo era uma ameaça. Na mente de Travis, ele agora estava protegendo sua esposa ao
invés de sua namorada. As barreiras foram levantadas e, para ele, isso significava ficar
mais sensível a qualquer potencial desrespeito ao anel em meu dedo. Não importava
quantas vezes eu tentava explicar para ele que mais ninguém me importava. Travis
inevitavelmente iria ameaçar ou dar uma sacudida em qualquer estranho com um pênis que
me dirigisse qualquer atenção.

Nós tiramos as roupas em silêncio, revezamos as idas ao banheiro e depois Travis me


olhava enquanto eu deitava na cama ao lado dele. Eu deslizei entre os lençóis e, quando
ele foi encostar em mim, eu virei para o outro lado, ficando de costas para ele. Era um
sensação estranha a de ficar brava com ele, mas sabendo ao mesmo tempo que não
poderia pegar uma carona com a America até o meu dormitório, assim como eu faria antes
de casarmos. Não teriam mais términos, não teriam mais brigas que levariam a nenhum
outro lugar que fosse sexo de reconciliação e perdão. Uma grande parte de mim estava
aliviada, mas o anel no meu dedo pareceu pesado nesse momento. Muito pesado.

Eu o tirei e deixei na mesa de cabeceira.

Travis se sentou na cama. “Que porra é essa?” ele disse alto.


Eu não me virei para encará-lo, mas a explosão em sua voz e seu movimento rápido me
assustaram. “É desconfortável para dormir.”

Mesmo de costas para ele, eu sabia que ela estava de cenhos franzidos. “Desde quando?”

Eu suspirei. “Travis, por favor. Eu estou cansada.”

“Coloque seu anel, Beija-Flor.” Ele não estava mandando. Ele estava implorando.

Eu engoli em seco. Eu tinha três opções. Ignorá-lo - declarando minha independência


enquanto simultaneamente despedaçava seu coração; abrir mão e continuar mentindo, ou,
ceder e contar a ele a verdade -- e, ainda assim, despedaçar seu coração. Eu o amava mais
do que tudo, mas eu ainda tinha dezenove anos. Não importava o quanto eu quisesse,
ainda não estava pronta para estar casada. Na maior parte das vezes, quando eu estou me
sentindo particularmente em pânico, eu tentava fingir que ainda estávamos apenas
namorando. Mas em vezes como essa, não tinha como. Travis queria um nível de
comprometimento, e eu queria Travis. Casamento eventualmente aconteceria, mas
psicologicamente, eu ainda não me acostumei com a seriedade da escolha que tomei.

“Abby,” ele pediu. “Você prometeu.”

Eu alcancei o pequeno círculo de metal e empurrei-o pelo meu dedo. Jim uma vez
sussurrou no meu ouvido que casamento era comprometimento, mas às vezes o
compromisso parecia infringir auto coerção. “Você está certo. Desculpa.”

Ele deitou de volta, aconchegando-se atrás de mim, me segurando perto dele. Eu fechei
meus olhos, o anel apertando meu dedo e Travis me apertando. O ar ficou seco, minha
garganta estreitou. Eu me afastei dele e me mexi na cama.
“Eu só,” eu comecei, com a respiração pesada. “Eu pensei que você já tivesse superado
isso.”

“Você tá brava.”

“Sim, eu estou brava! E desapontada! E com medo!”

Ele me olhou horrorizado. “Beija-Flor, eu nunca…”

“Eu sei!” eu gritei, fechando os olhos. Eu respirei fundo, minhas próximas palavras mais
calmas. “Eu sei. Não estou com medo de você. Eu nunca tive medo de você. O quê eu quis
dizer foi que você não é mais uma criança universitária, que pode sair socando quem você
quiser quando te der na telha. Você é meu marido. Eu amo que eu me sinta segura com
você não importando para onde vamos. Eu amo que você que me proteja não importa de
quê. Você nunca deixaria nada acontecer comigo. Mas eu preciso que você mantenha a
cabeça fria. Você não se lembra? Nós já tivemos essa conversa. Só porque você pode, não
significa que você deva.”

Ele me alcançou, a lembrança fazendo com que um pequeno sorriso surgisse em seu rosto
preocupado. “Vem aqui.”

Quando eu não cedi imediatamente, ele ficou nervoso. “O que você precisa de mim,
Beija-Flor?”

“Eu preciso,” eu estremeci. “Eu preciso que você cresça Travis. Você não tem que ser mais
o maior durão da cidade. Você não tem que provar nada. É preciso muito mais que força
para mostrar controle.”

Ele olhou para baixo, respirando como se todo o ar tivesse sido tirado dele. “Ele insultou
você.” Ele olhou para cima em minha direção. “Ele insultou minha esposa. Eu chutaria o
traseiro de alguém por menos do que isso.”

“Isso era antes,” eu disse, engatinhando na cama para o lado dele. Eu segurei seu queixo,
encontrando seu olhar. “Antes do casamento. Antes, quando você trocava socos com
alguém para ganhar dinheiro e tinha uma reputação a zelar. Antes do incêndio. Tudo está
diferente agora. Nós temos que tomar cuidado.”

Ele pensou em minhas palavras enquanto tirava minhas mãos de seu rosto, levando meu
dedo anelar ao seus lábios. “Eu posso ser cuidadoso.” Ele foi beijando da minha palma até
meu pulso, depois passou para o braço, um sorriso travessou apareceu no canto de sua
boca.

Eu segurei um sorriso. “Isso não é engraçado.”

“Não, não é,” ele disse, focado.

Eu estava só com uma regata preta e o shorts que fazia a combinação do pijama. Conforme
ele subia pelo meu ombro, ele notou a alça. Ele segurou a ponta da regata e, com o
movimento de uma mão, meu torso estava nu. Ele moveu a boca devagar e
cuidadosamente pelo meu peito e estômago, parando por tempo suficiente em todos os
meus lugares favoritos, que faziam meu interior se revirar de desejo. Eu relaxei no colchão
e fechei os olhos. Ele estava adorando meu corpo. Eu era sua religião.

“Isso não muda nada,” eu respirei.

“Eu sei,” ele disse, sua voz abafada enquanto ele se encaixava entre minhas coxas. “Mas
você está brava. E você sabe o quê acontece comigo quando você está brava.”

Calmamente, ele colocou o fino tecido do meu shorts de lado, e enterrou seu rosto em
minha pele macia. Eu engasguei, arqueando as costas. “Oh, eu estou brava,” eu disse entre
suspiros. “Possessa.” Minhas juntas ficaram brancas enquanto todo o meu corpo respondia
a cada movimento da língua do Travis. “Furiosa.” Ele segurou o shorts na minha cintura,
puxou-o para baixo e depois voltou para o ápice de minhas coxas como se ele estivesse
faminto por mim durante todo o dia. Meus joelhos estremeceram involuntariamente, e eu
gemi seu nome junto com algumas referências religiosas inapropriadas.

Ele beijou minhas coxas e depois minha barriga na altura do estômago, olhando para mim
com um sorriso orgulhoso. Ele mal me deu a chance de me recuperar antes que ele se
arrastasse para cima do meu corpo e se afundasse dentro de mim. Essas eram as ocasiões
que eu ficava contente quando ele não se controlava. Eu só tive alguns vislumbres de como
Travis era com outras mulheres, mas, comigo, ele não se segurava. Ele me deixou
descascar cada uma de suas camadas, ver cada uma de suas fraquezas -- sendo eu
mesma uma delas. Ele estava esperando que eu viesse e, uma vez que eu cheguei, nossa
vida começou. Não havia antes ou depois. Travis sabia desde o começo o que nós
tínhamos sempre sido e o que sempre teríamos. A verdade estava em seus olhos todas as
vezes que ele olhava para mim; no jeito em que ele me contemplou naquele momento,
enquanto ele pairava a uma curta distância do meu rosto.

“Baby,” ele inalou. Ele olhou para mim com medo, exatamente a mesma expressão que ele
tinha no rosto quando fez amor comigo pela primeira vez (e todas as vezes depois), como
se ele ainda se sentisse surpreso em quão perfeita e incrível eu me sentia.

As horas se passaram, e em um ponto achei que tivesse escutado Shepley e America na


sala de estar. Travis não perdeu o ritmo, e eventualmente nossos colegas de quarto
retiraram-se para o quarto. Meus músculos tremiam de cansaço e eu arquejava, incapaz de
estabilizar minha respiração; mas quanto mais nos entrelaçávamos, mais eu precisava dele.
Eu me sentia insaciável, facilmente seduzida por Travis, de novo e de novo, de um clímax a
outro até que nós dois estivéssemos exaustos.

Eu deitei de bruços, espiando meu marido com a cabeça encostada no travesseiro, e ele
fazia o mesmo. Nossos dedos mindinhos estavam cruzados juntos, o lençol colocado de
qualquer forma da nossa cintura para baixo. Minha pele estava brilhando com suor, meus
olhos pesados e meu cabelo todo bagunçado. A mão livre de Travis estava acima de sua
cabeça, enrolando uma mecha caramelo do meu cabelo. Nós não falávamos, não
precisávamos. Nós estávamos impregnados um do outro, o ar cheirando a sexo, amor e
satisfação.
*******

Eu era a Sra. Maddox há exatamente um mês quando vi Ricky e Joel, os dois homens que
haviam abordado eu e a America no The Red -- e subsequentemente levaram uma surra do
Travis e do Shepley. Eu tive apenas um vislumbre deles enquanto eles chegavam a porta
no final do corredor da minha aula de Literatura. Eu parei por tempo o suficiente para ter
certeza de quem eram eles e depois, cuidadosamente, os segui, garantindo para que eu
não fosse vista.

Uma vez que cheguei ao final do corredor, eu espiei pela beirada da parede e assisti Joel
sentar atrás de um computador. Ricky ficou de pé a seu lado, uma pilha de papeis na mão.
Ele parecia estar ditando algo para Joel. A sala em que eles estavam parecia estar
ocupada. Alguns estudantes estavam pulando de uma mesa a outra, outros digitando atrás
da tela de seus computadores. Eu me inclinei para trás para ver se havia alguma
sinalização na porta que me garantisse que não era uma pequena e afastada biblioteca de
que eu não tinha conhecimento. Conforme eu me inclinava para ouvir o que Ricky estava
dizendo, uma garota que reconheci da minha aula de estatística passou esbarrando em
mim.

“Com licença,” ela disse, com pressa.

“Hm, é,” eu comecei.

Ela virou, sua expressão um misto de irritação e confusão. “O quê foi? Estou atrasada.”

“Me desculpe,” eu disse. “Eu só troquei as salas, e estou perdida. Aqui é Filosofia da Grécia
Antiga?”

“Não,” ela disse irritada. “Aqui é o Eastern Star.” Quando ela viu que eu não tinha entendido,
ela suspirou. “O jornal da faculdade.”
Minhas sobrancelhas arquearam e eu fiquei boquiaberta enquanto ela se virava e ia em
direção a própria mesa. Eu os observei por alguns minutos e voltei pelo corredor em direção
à saída. Ricky e Joel estavam no The Red atrás de informações e estavam esperando que
Travis voltasse do banheiro. Foi uma sorte que um deles tenha sido estúpido o suficiente
antes de terem a chance de interrogá-lo. Eles poderiam estar fazendo uma história sobre O
Círculo, ou pior… o envolvimento de Travis no incêndio. Eu cerrei os dentes, tentando
descobrir uma forma de impedi-los de escrever uma história. Mesmo uma especulação
poderia fazer com que os alunos falassem de algo que já estavam deixando para trás.
Estudantes universitários poderiam até hesitar em falar com a polícia, mas um colega
curioso poderia potencialmente abalar a memória de um sobrevivente.

Eu parei no meio do corredor, dei alguns passos para trás até que minha bunda tocasse a
parede e deslizei em direção ao chão. Eu pousei meus cotovelos nos joelhos e apoiei a
cabeça nos braços. Será que vai ter um fim? Será que Travis algum dia estará a salvo?

“Abby?” uma voz familiar finalmente disse. “Você está bem?”

Eu olhei para cima, diretamente para os olhos de Ricky. Sua bochecha ainda tinha um leve
tom esverdeado vindo do gancho de esquerda que ganhou do Travis algumas semanas
atrás. “Isso depende.”

Joel e Ricky trocaram olhares. “Depende do quê?” Joel perguntou, nervoso.

“Onde vocês estavam?” eu perguntei.

“Para… para ahn,” Ricky gaguejou. “Por quê?”

Eu estreitei os olhos, mas antes que eu pudesse falar, Joey endureceu. “Você está nos
seguindo? Por que você está nos seguindo?”
Ricky bufou, presunçoso. “Nós pegamos você. Você pensou que poderia sentar aqui no
meio do corredor, que passaríamos aqui e não te notaríamos? Você sabe que somos
jornalistas, não sabe? Nós notamos tudo.”

Eu não deixei transparecer minha confusão, eu só assistia eles ficarem mais paranóicos
com qualquer nova especulação.

“Travis sabe que trabalhamos para o Star, não sabe?” Ricky perguntou. “Ele ouviu dizer que
estávamos fazendo perguntas por aí?” Ele engoliu em seco. “O quê ele vai fazer?”

Eu levantei, permitindo que um mínimo sorriso aparecesse no meu rosto. “Vocês verão,” eu
disse. Eu me virei devagar e fui embora. Empurrei as portas de vidro e desci as escadas
devagar, completamente em pânico por dentro. Eles estavam escrevendo uma matéria
sobre o Travis. Eles estavam saindo para fazer perguntas para mais pessoas. Se eles
continuassem cavando, alguém poderia achar.

Eu coloquei as mãos nos bolsos, sentindo as chaves do carro. Minha cabeça estava a mil,
pensando em como resolveria isso; em como parar Ricky e Joel sem envolver Travis nisso
-- sem nenhum tipo de chantagens, ameaças ou subornos.

Uma voz profunda disse, “Ei!” Justamente quando dei de cabeça no peito de alguém.

“Ai, meu Deus, me desculpe. Eu--” senti meu estômago afundar instantaneamente.

“Oi, Abs. Eu estava torcendo para encontrar com você.”

“Parker,” eu disse, com acusação na minha voz. Eu dei um passo para dar a volta nele, mas
gentilmente ele segurou meu braço com sua mão.
“Vamos lá. Não precisa ficar assim.” Ele soltou meu braço e abriu um sorriso brilhante,
como se os últimos três meses não tivessem acontecido. “Nós podemos só… conversar?”

“Não.”

“Abby. O quê você quer que eu faça? Implore? Eu vou fazer,” ele disse com seu sorriso
mais charmoso. “Eu faço qualquer coisa. Eu só quero fazer as coisas do jeito certo. O quê
acha de um almoço?” Eu fiz uma careta. “Ou só um café. Nós podemos conversar durante
um café?”

“Café?” eu perguntei. Ele assentiu. Eu olhei por cima do ombro para o prédio que eu tinha
acabado de deixar para trás. Eu senti náuseas só com o pensamento. “Qualquer coisa?” eu
perguntei, olhando de volta para Parker. Eu engoli de volta a bile. Eu estava prestes a
vender minha alma para o diabo.

“Me dê o nome.”

Eu fechei os olhos, já me odiando pelo que estava prestes a fazer.

Capítulo 10: Distorcido

:: Travis ::

Eu girava no meu dedo o metal frio da aliança de casamento enquanto encarava a


academia Iron E do estacionamento. A primavera estava se mostrando presente, as nuvens
de chuva mijando sob todo o meu carro, os pingos de chuva quicando no asfalto em
centenas de milhares de minúsculos respingos. Eu desliguei o motor e segurei o volante,
pousando a cabeça no encosto do banco.
Perkins Plaza praticamente me cercava com boutiques, loja de equipamento de golf, um
pequeno supermercado, uma manicure, um café e, bem no meio, a academia Iron E. As
nuvens densas e cinzas fizeram com que fosse fácil ver as pessoas entrando sob a luz
fluorescente do local. Elas estavam fazendo musculação, ajudando outras pessoas a
levantar peso ou estavam correndo em uma das quinze esteiras. Brandon estava atrás da
mesa de recepção, flertando com a recepcionista.

Eakins tinha uma boa quantidade de empregos flexíveis para os estudantes universitários.
O problema era que já estávamos em abril e a maioria dos trabalhos que ainda estavam
disponíveis conseguiriam bancar somente os hábitos de festeiros de final de semana e não
duas pessoas casadas. Eu tinha vasculhado os anúncios. Três dúzias de pessoas tinham
pego meu currículo nas mãos e me falado para voltar no final do ano para a temporada de
Natal, ou que já tinham contratado alguns universitários e que não precisariam de mais. Os
empregos no campus pagavam nove dólares por hora ou menos -- nada que pudesse pagar
aluguel e contas com as horas que trabalharia depois das aulas.

Trabalhar para o Brandon e deixar os felinos locais darem patada em mim enquanto eles
fingem malhar era a última coisa que eu queria fazer, mas as contas deveriam ser pagas de
alguma forma. Abby estava na sua segunda semana de monitoria, mas isso mal cobria os
gastos de mercado e combustível.

Eu respirei fundo, tirei as chaves da ignição e bati a porta atrás de mim, sentindo as poças
d’água se agitando debaixo dos meus pés. eu bati na porta de vidro e esperei. Tinha um
quadro de senha do lado de fora e cada membro tinha sua própria senha de quatro dígitos.
Fazia muito tempo desde a época em que eu poderia entrar com o meu próprio código. Um
cara com um pescoço duas vezes maior que a sua cabeça baixou seu supino e, com uma
típica atitude de levantador de peso, levantou o traseiro e balançou os braços, depois abriu
a porta e me cumprimentou com um aceno de cabeça.

“Brandon,” o bombadinho chamou com uma voz áspera.

Brandon estava aconchegado perto da orelha da recepcionista quando olhou para cima. Um
sorriso largo atravessou o seu rosto.
“Maddox!” ele exclamou, estendendo os braços. “Que porra, cara? O quê fez você demorar
tanto?” ele agarrou fortemente minha mão direita num aperto e me puxou, batendo meu
ombro no dele, dando tapinhas nas minhas costas com sua mão livre. Os imbecis sempre
iam para o abraço de amigos. “Você vai se candidatar para a vaga ou o quê?”

Eu concordei com a cabeça.

Brandon virou, aproximando-se da recepcionista e estalando os dedos. “Um formulário para


a vaga, Steph. Agora.”

Steph virou de costas para nós e se inclinou, abrindo um fichário e analisando cada arquivo.

Brandou me cutucou no ombro, rindo e apontando com a cabeça em direção a bunda de


Steph como um garoto de doze anos teria feito. Eu não sorri, nem fiz cara feia; eu só me
concentrava para me manter indiferente.

Steph achou o que estava procurando e trotou até Brandon com o papel e uma caneta em
mãos.

“Achei,” ela disse, esperando um elogio do chefe.

“Ela é ótima,” ele disse. “Ela não é ótima?”

Se estar fudendo com um cara casado e que tenha uma esposa grávida é um feito
admirável. “Sim,” eu disse pigarreando. “Arquivamento é difícil.”

Steph abaixou o queixo algumas vezes em acenos dramáticos, apreciando que eu tivesse
entendido seu empenho.

“Você quer preencher isso no meu escritório?” Brandon perguntou.

“Você tem um escritório?” eu disse, numa meia brincadeira.

Brandon inflou o peito. “Por aqui. Steph,” ele disse, estalando os dedos de novo para ela.
“Água.”

Ela concordou, afastando-se para buscar água para nós.

Como previsto, as paredes do escritório eram cobertas de pôsteres de mulheres fitness com
roupas rasgadas, quase peladas. Eu estava hesitante em sentar na cadeira oposta à sua
mesa: tinha certeza absoluta que ele se masturbava ali todas as noites. O canto da minha
boca se virou num sorriso, lembrando do mesmo desgosto que Abby sentia do meu velho
sofá na primeira vez em que visitou meu apartamento. Foi uma longa, longa jornada desde
aquela noite.

Steph trouxe dois copos e acenou com a cabeça quando lhe agradeci. Ela manteve os
olhos em Brandon enquanto se virava, como se ele não soubesse que ela estava louca para
que ele a deitasse na mesa. De novo.

“Casado,” disse Brandon em negação, olhando para a bunda de Steph até que ela fechasse
a porta atrás de si.

Eu sentei e coloquei o formulário de aplicação em sua mesa, clicando no topo da caneta


com meu dedão e preenchendo as informações o mais rápido possível.
“O quê fez você fazer isso?” ele perguntou. “Ela deve ser gostosa.”

“Há quanto tempo você tem esse lugar?” eu perguntei sem olhar para cima. Eu não queria
socar Brandon na boca por falar da minha esposa, então eu escolhi trocar o assunto.

“Quatro anos,” ele disse. “Três anos com a Joan.” A cadeira dele rangeu quando ele se
inclinou para trás e entrelaçou as mãos atrás da cabeça. “Ficou para mim no divórcio.”

“Ah, sim. Eu esqueci. Você a herdou.”

“Crianças herdam coisas dos pais, Maddox. Joan abriu esse lugar com o ex-marido, mas
depois eu fodi com seus miolos e ela me deu tudo o que eu queria. Esse lugar era um
buraco de merda -- para velhos e gordos. Eu casei com aquela geriatra, transformei aquele
lugar nisso. Agora é minha. Eu trago três vezes mais dinheiro do que Joan jamais trouxe.”

Eu rabisquei o histórico do pequeno trabalho legítimo anterior que eu tive e depois assinei
meu nome, deslizando o papel em direção a ele. Brandon divagou sobre a história da
academia por uma eternidade, ainda tendo que lidar com Joan e o quão brava ela ficou
quando ele engravidou uma das namoradas dele. Agora Jaci era sua esposa e Brandon fez
com que ela -- grávida de setes meses -- lidasse com Joan, para que ele não precisasse
fazer isso.

Ele era um completo pedaço de merda e agora também era o meu chefe.

Eu agarrei os braços da minha cadeira e fiquei ouvindo, tentando pensar na Abby, no


casamento, na nossa nova vida juntos, em qualquer coisa que me lembrasse que ficar
numa mesma sala que Brandon, todos os dias, valeria a pena. Eu dei uma olhada no
relógio, me sentindo exausto somente por resistir à vontade de arrancar a língua da boca
convencida dele. Brandon estava descrevendo quão incrível ele era pelas últimas duas
horas.
Steph bateu na porta e espiou para dentro. “Eu já fechei. Estou indo para casa.”

Brandon a dispensou com a mão. “Vou levar Travis para tomar uma bebida.”

“Parece divertido,” Steph disse com um sorriso esperançoso.

Eu me levantei. “Eu odeio ter que recusar, cara, mas tenho que ir para casa.”

“Ah, certo,” Brandon disse, sua voz grossa e condescendente. “Vida de casado. Quando
você pode começar? Não vai demorar muito até que você tenha uma clientela.”

“Próxima semana,” eu disse. “Segunda.”

Brandon ficou de pé e estendeu a mão para mim. Eu a apertei, sentindo como se tivesse
vendido minha alma para Satanás.

“Eu vou deixar você começar com as Betties,” ele disse.

“As quem?”

“Betty Rogan e Betty Lindor. Elas tem cheiro de bolinhas de naftalina e tem mais rugas do
que um elefante faminto, mas elas pagam o dobro, então podem treinar e comer com os
olhos os caras daqui. Elas vão te amar. E começar com uma boa grana, também. Elas vão
te chamar para almoçar no seu primeiro dia. Vá com elas. Elas vão pagar seu aluguel de
Maio. Aqui,” ele disse, estendendo em minha direção um pequeno folheto e um outro
pedaço de papel. “Esse é o manual de políticas da academia e o contrato. O manual fala
sobre pagamento e comissão. Não me fale sobre suas gorjetas. Eu não quero saber o
quanto você conseguiu e nem como você conseguiu. Um privilégio em trabalhar na Iron E.”

Então é assim que ele mantém os funcionários. Ele é uma porra de um cafetão.

“Obrigado,” eu disse, enrolando os papeis e colocando-os no meu bolso de trás. “Te vejo na
segunda.”

Eu trombei com a Steph e saí andando, atravessei a academia vazia e abri a porta de vidro.
O céu estava escuro e pequenas poças tinham se formado no estacionamento, refletindo os
postes de luzes que se espalhavam na praça. O Camry estacionado bem no meio de uma
das maiores poças.

“Caralho,” eu disse em voz baixa, tirando as chaves do bolso. Eu peguei o celular no outro
bolso e olhei para a tela. Tinham onze ligações perdidas. “Caralho!” eu rosnei, discando e
colocando o celular na orelha.

“Travis?” Abby disse, aparentando estar em pânico.

“Me desculpe, Beija-Flor. Brandon não parou de falar e eu não conseguia achar uma brecha
e dizer para ele calar a porra da boca, e…”

“Trent sofreu um acidente,” ela despejou as palavras.

“Outro?” eu disse, chocado. “Ele está bem?”

“Eles foram atingidos por um motorista bêbado. Eles estão no hospital. Thomas está num
avião vindo para casa.”
“Então parece ser ruim,” eu disse.

“Ele está num mal estado. Cami está pior.”

“Eu estou indo para casa. Estou indo agora.”

“Okay. Tome cuidado. Não dirija tão rápido na chuva.”

“Vou tomar cuidado. Te vejo em um segundo. Eu te amo.”

Eu pressionei o botão vermelho para desligar e corri em direção ao Camry. Minhas mãos
tremiam enquanto eu girava a chave na ignição. “Droga, Trent,” eu disse, correndo para
casa.

Capítulo 11: Destruído

:: Travis ::

As portas da emergência do hospital se abriram com uma corrente de ar; eu apertei a mão
de Abby, puxando-a pela entrada. Mães exaustas, segurando no colo bebês doentes,
estavam sentadas ao lado de frágeis senhores idosos e ao lado de um grupo de skatistas,
sentados em volta de um amigo que segurava o pulso contra o peito. Gemidos,
choramingos, bebês chorando e telefones tocando, além de anúncios no sistema do Pronto
Atendimento, me fizeram querer desistir.

Além das fronteiras da sala de espera, através de protegidas portas duplas, cada uma delas
com uma pequena janela retangular, chegava um barulho abafado -- um homem xingando e
gritando.
Eu assenti e olhei para Abby. “É o Trent. Nós temos que ir até lá.”

Abby não perdeu tempo com a recepcionista. “Oi,” ela disse, olhando para baixo em direção
a placa, “Gladys. Estamos procurando por Trenton Maddox.”

“Vocês são da família?” Gladys perguntou com sua voz anasalada, indiferente à urgência na
voz de Abby. Correntes de pérolas caíam igualmente de seu óculos oval. Seus finos lábios
se franziram e enrugavam entre as respostas. Ela provavelmente estava trabalhando dez
anos a mais do que sua simpatia poderia ter sobrevivido e estava pouco se fodendo que
meu irmão estava machucado ou que eu e Abby estivéssemos preocupados com ele.

“Ele é meu irmão,” eu disse. “Ele estava no acidente.”

“Ah, o motorista bêbado,” disse Gladys.

Abby estreitou os olhos “Não. Ele foi atingido por um motorista bêbado.”

“Eu sei,” Gladys disse com um suspiro. “Ele se recusa a ir para sua própria sala de exame.”

“Então Cami está ferida também?” Abby perguntou. “Quão sério é?”

“Não, não posso passar nenhuma informação. Eu vou falar para eles que vocês estão aqui.
Podem se sentar.”

Eu cerrei os punhos, mas antes que eu perdesse a cabeça Abby pegou meu braço e me
guiou até uma fileira de cadeiras que não tinham pessoas doentes ou feridas. Eu sentei,
sem me tocar que meu joelho estava sacudindo furiosamente até que Abby pressionou sua
palma na minha coxa. Eu apoiei meu cotovelo no braço da cadeira e apertei a ponte do
nariz. A espera era agonizante. Trenton já esteve envolvido em um acidente com alguém
com quem ele se importava. Apesar dele ter sobrevivido, eu achava que isso o matava. Se
ele sobrevivesse a esse também e Cami não… eu não tinha certeza como ele poderia voltar
dessa vez.

“Travis?” Meu pai estava parado na soleira da porta, as portas duplas escancaradas.

Eu pulei da cadeira e atravessei a sala correndo, puxando-o para um abraço. “Como ele
está? Como está a Cami?”

“Trenton está bem. Ele vai ficar mancando por um tempo. Quebrou o braço em dois lugares.
O tornozelo está inchado, mas o Raio-X disse que estava tudo certo. Eu acho que ele deve
ter torcido quando estava correndo.”

“Ah, meu Deus,” Abby disse, cobrindo a boca com as mãos. “Correndo? De quem? Por
quê?”

“Vamos entrar,” meu pai disse, me alcançando. Ele enganchou seu braço no meu e o senti
se apoiar em mim. Por fora, ele estava se mantendo forte, mas suas mãos estavam úmidas
e seus olhos vermelhos e cansados.

“Você está bem, pai?”

“Eu? Bem… bem.” Ele nos levou para a sala de exame da Camille, mas parou do lado de
fora da porta.

“O quê aconteceu?” Abby sussurrou.


Meu pai descansou a mão na barriga, com o olhar no chão. “Camille deixou o trabalho
irritada. Trenton pulou no banco do passageiro. Estava chovendo e eles estavam brigando.
Nunca viram aquele bastardo avançar o sinal de parada. O Jeep dela capotou quatro vezes
e meia. Quando Trenton voltou a si, ele a puxou para fora do carro. Ele não conseguiu
acordá-la, ele a pegou e a carregou no colo por mais de um quilômetro até a casa mais
próxima.”

“Jesus Cristo,” eu soltei em suspiro. “Com o braço quebrado?”

“É, ele fez mesmo isso,” ele disse, sendo incapaz de esconder seu orgulho.

Papai colocou as mãos na porta. “Camille está fazendo uma tomografia. Trenton está com
ela. Quando eles voltarem, eles vão ter que,” meu pai engasgou e depois pigarreou. “Eles
vão ter que colocar os ossos do Trent no lugar e depois... Eles o avisaram que já começou
a curar e que se ele esperar ainda mais tempo, vai ser mais difícil de ajustar, mas ele não
vai deixá-la.”

Eu o apertei para perto de mim. “E Cami?”

Abby fez uma careta.

A testa de meu pai enrugou. “Ela ainda está inconsciente. E está com um belo corte na
cabeça, com um pouco de inchaço. A janela estilhaçou e fez cortes bem ruins nos dois.”

Abby o abraçou e ele a apertou com força. “Está tudo bem, pai. Eu aposto que eles vão
estar novinhos em folha logo.”

Papai sorriu e secou os olhos com as costas da mão. “Bem, as chances são altas então,
né?” Ele abriu a porta para uma sala vazia. Não tinha cama ou máquinas. somente a
bagunça deixada pelos plantonistas do pronto socorro e duas cadeiras. “Sente-se, filha.
Eles devem voltar logo.”

“Por que essa cara?” eu perguntei para Abby, notando o olhar amargo em seu rosto.

“Nada,” ela respondeu bruscamente.

Eu parei atrás dela, gentilmente pressionando meus dedões em seu pescoço,


massageando seus tensos músculos em círculos. Ela soltou a respiração que estava
prendendo e relaxou.

“Baby,” eu disse. “Me conta.”

Ela lançou um olhar ao meu pai, que parecia já saber o que ela iria dizer. “Trenton não
deixa uma garota dirigir desde Mackenzie. Na primeira vez que ele… o que ela fez foi
egoísta. E Thomas,” ela se conteve. “Deixa pra lá.”

“Sim,” eu disse, olhando para meu pai. “Tommy está num avião pra cá?”

Meu pai assentiu.

“E os gêmeos?”

“Eles estão de prontidão. Eles vêm semana que vem.”


“Porque eles vão ficar bem,” eu disse, me permitindo pensar assim. Franzi as sobrancelhas
enquanto continuava a trabalhar no pescoço da Abby. “Mas o Tommy não esperou? Não é
a cara dele fazer isso.”

Meu pai não disse mais nada.

Um homem com a cabeça raspada e uniforme azul bebê abriu as portas, puxando uma
maca com rodas para dentro. Uma mulher empurrava atrás dele com uma mão e, com a
outra, ainda levava a cadeira de rodas do Trenton. Os olhos de meu irmão se iluminaram
por meio segundo quando ele viu Abby e eu, mas depois se apagaram novamente.

Eu tomei o lugar da mulher, seus cachos loiros e compridos brilhavam mesmo na sala
escura. Seu crachá dizia Christy e, em baixo, Radiologista.

“Obrigado pela ajuda, Christy,” o homem disse.

“Sem problemas, Julian. Você quer ajuda com a telemetria?” ela perguntou. Ele negou com
a cabeça. “Me avise se precisar de mais alguma coisa.”

Julian fez uma careta para Trenton. “Só se ele insistir em vir junto de novo.”

Christy deixou escapar uma risada enquanto seguia em direção a porta, seus olhos azuis
brilhando enquanto ela acenava uma despedida. “Eu acho fofo.”

Os músculos do maxilar de Trenton dançavam debaixo da pele, mas ele mantinha o olhar
adiante e a cara fechada permanentemente. Seu braço direito estava apoiado no colo, um
lençol branco do hospital servindo como tala improvisada. Um grande pacote de gelo
aparecia embaixo do grosso algodão.
Eu peguei os puxadores da cadeira de rodas, tirando-a do caminho enquanto Julian
posicionava a cama da Camille, travando-a no lugar.

Abby se ajoelhou na frente de Trenton. “Ei,” ela disse, olhando-o. O branco do seu olho
direito agora estava vermelho; seu rosto, pescoço e braços estavam cheios de lacerações,
nos mais variados níveis, por causa do vidro quebrado do Jeep.

Eu sentei na cadeira, apoiando os cotovelos nas minhas coxas.

Trenton desviou o olhar, com os olhos encobertos.

Julian apertou o último fio de telemetria em um pedaço de material adesivo que estava no
peito de Camille, acenando para nós enquanto saia quietamente do quarto.

“Trent,” eu comecei.

“Agora não,” ele engasgou.

“Eu sei o que você está pensando,” eu disse, balançando a cabeça.

“Não, você não sabe.”

Eu parei, tentando pensar em que palavras me ajudariam se eu estivesse na mesma


posição que ele -- se fosse Abby deitada nessa cama ao invés de Camille. Eu pensei em ter
procurado por ela no incêndio; na pura dor e no medo que me davam só de pensar em
perdê-la. Não tinha nada. Nada poderia me fazer sentir melhor nessa situação, que não
fosse ver Abby bem. Eu escaneei o rosto da Camille, uma estranha combinação de sereno,
ensanguentado e pálido. “Você está certo. Eu não sei. Isso é uma bosta e eu sinto muito.”

Os olhos de Trenton se voltaram para mim. Seu lábio inferior tremia. “Eu tentei pará-la.”

Eu gentilmente coloquei a mão atrás de sua nuca, inclinando minha testa para perto da
dele. “Nós sabemos. Ela sabe.”

Uma enfermeira deslizou para dentro do quarto. Profundas covinhas duplas contornavam
seu largo sorriso. Ela estava mascando um chiclete da mesma cor que seu uniforme
chamativo. “Olá a todos,” ela sussurrou. “Eu sou a Katie. Eu que vou ajustar o braço do
Trenton. Eu ouvi dizer que ele não quer ir para a sala em que o engessariam, então Rosh
vai chegar a qualquer momento com o equipamento.

Trenton permaneceu impassível.

“Não deveria ser, ahn… o médico a consertar o braço dele?” eu perguntei.

Katie colocou com força as chapas do raio-x no visor e ligou a luz.

Abby franziu o rosto e eu em encolhi internamente.

Katie virou para nós, seu cabelo loiro sujo balançando. “Eu sou uma médica assistente… e
sou tudo o que vocês tem. Depois da recente explosão de Trenton, todos os médicos que
ofereceram como sacrifício.

“Molengas,” disse Trenton num xingamento.


Um homem com uniforme verde lima entrou pela porta, empurrando um equipamento com
rodinhas, uma bandeja cheia de suprimentos e uma tigela de água.

“Oi, Rosh,” disse Katie, tagarelando mesmo quando sussurrava.

Rosh segurou um rolo de faixa verde limão. “Eu trouxe a melhor cor que tínhamos.”

“Obrigada,” disse Katie. Ela abaixou o queixo. “Só estamos esperando pela cama extra e o
anestesista.”

Trenton negou com a cabeça. “Não. Eu tenho que estar aqui na hora em que ela acordar.”

Katie hesitou e depois olhou rapidamente para todos os que estavam presentes no quarto.
“Ela têm familiares aqui. E você vai estar aqui, só não aqui aqui.”

Trenton se encostou na cadeira. “Eu posso fazer isso.”

Empatia surgiu na expressão de Katie. “Se você gritar--”

“Eu não irei fazer uma porra de pio,” Trenton disse, encontrando o olhar dela. “Eu juro.”

Katie o olhou por um momento e depois concordou. “Eu acredito nisso. Okay, Rosh. Vamos
fazer isso.” Ela lavou as mãos, enxugou-as e depois pôs um par de luvas azuis enquanto
Rosh sentou-se numa cadeira em frente a Trenton, checando se as travas da cadeira de
rodas estavam seguras.
Trenton se preparou enquanto Katie retirava a tala feita com o lençol e o pacote de gelo. Ela
apalpou seu braço e depois assentiu para Rosh.

Abby prendeu a respiração e papai foi para trás alguns passos.

“Aqui, pai. Sente-se,” eu disse.

Ele negou, me dispensando com a mão.

Katie olhou para cima em direção a Trenton. “Pronto? Vamos começar com seu pulso
primeiro.” Ele assentiu. Katie apertou e puxou, manipulando o pulso e a mão.

O rosto de Trenton ficou vermelho e seu maxilar estava tenso. Eu peguei sua mão esquerda
e ele cavou os dedos dentro de minha pele.

“Não prenda a respiração,” Katie disse gentilmente. “Não quero você desmaiando em cima
de mim. Estou quase acabando.” Trenton respirava pelo nariz. “Isso mesmo. Concentre-se
na sua respiração. Você está se saindo muito bem.”

Ela pressionava e movia a mão de Trenton e eu sentei ao lado dele, rezando para que Deus
fizesse ele desmaiar. Mas Trenton resistiu à dor, determinado a estar desperto e alerta para
quando Camille acordasse. Justo quando eu achei que ele não aguentaria nem mais um
segundo, seu braço endireitou e Katie sinalizou para Rosh.

“Okay, o pior já foi,” ela disse. Ela aprontou o material enquanto segurava o braço de
Trenton no lugar; depois Rosh molhou mais outra coisa e começou a envolver o braço de
meu irmão.
“Bonito,” Rosh disse, sorrindo ironicamente enquanto enrolava a faixa verde lima em volta
do gesso.

“Assim que essa monstruosidade secar, eu tenho o direito de ser o primeiro a assinar.” Eu
disse. “Eu já até sei o que vou dizer.”

“Não é uma monstruosidade,” disse Katie. “É um belo gesso.”

****

O estômago de Abby rosnou e ela olhou para mim, desculpando-se. “Alguém afim de um
fast food aberto à noite?” Todos nós levantamos a mão, até mesmo Trenton. Ela saiu para
buscar a janta, voltando em vinte minutos. Depois de uma hora e mais alguns exames, os
funcionários nos informaram que Camille seria transferida para o andar de cima.

“Por que ela não está acordando?” Trenton perguntou.

O médico respirou fundo e sacudiu a cabeça. “O cérebro é complicado. O inchaço está


diminuindo, as funções cerebrais estão ótimas, então, são boas notícias. Eu acho que ela
vai acordar logo. Nós conseguimos uma vaga para ela no quarto 414. É uma suíte de
esquina. Bem legal.”

Eu gentilmente deu um tapinha no ombro bom de Trenton, para encorajá-lo, e depois nós
esperamos enquanto eles recolhiam os equipamentos de monitoramento de Camille e o
suporte de soro. Eles destravaram a maca e prepararam-se para a viagem rumo aos
andares superiores.

Seguimos os enfermeiros para fora do quarto, acenando para Katie e Rosh quando
passamos pelos funcionários da emergência. Chegando ao elevador, todos imediatamente
viram um problema. A maca de Camille e a cadeira de rodas de Trenton não caberiam no
mesmo elevador.

“Nós vemos vocês lá em cima,” a enfermeira disse, com seus cabelos loiro avermelhados
batendo nos ombros.

Trenton usou sua mão boa para se levantar. E corri para travar a cadeira de rodas enquanto
os olhos da enfermeira se arregalavam.

“Por favor, não!” ela disse.

Trenton foi mancando até o elevador, se estabilizando na grade da maca. Ele assentiu para
mim. “Vejo vocês lá em cima.”

As portas do elevador se fecharam e eu esperei três segundos antes de apertar o botão de


novo.

Abby bufou.

“Você ainda está brava?” eu perguntei.

“Sim. Desculpe-me, mas sim. Eu não posso evitar pensar que ela não merece toda essa
preocupação exagerada que ele está tendo,” ela disse.

Outro elevador chegou, revelando um espaço vazio. Eu guiei meu pai para dentro e Abby
seguiu logo atrás. Ela parecia envergonhada de falar mal de Camille perto do meu pai.
“Eu entendo, filha,” meu pai disse. “Foi um dia emotivo. Às vezes, temos que culpar alguém
para que algo faça sentido.”

“Eu…” Abby pensou em discutir, mas achou melhor não. Papai sempre estava certo.

Quando o elevador abriu, nós saímos e demos de cara com Thomas parado na recepção
das enfermeiras do quarto andar.

“Tommy!” eu disse.

Ele se virou e veio até mim com os braços abertos. “Você ouviu alguma coisa?”

Eu enfiei as mãos nos bolsos e encolhi os ombros. “O braço de Trenton está quebrado em
dois lugares. Ele a carregou por mais de um quilômetro até a casa mais próxima.”

Thomas balançou a cabeça. “Foi o que as enfermeiras disseram. Puta merda. Ele está aqui
há uma noite e já é uma lenda.”

Abby encolheu os ombros e deu um sorriso inocente. “É tão bom que você tenha vindo.”

Thomas abraçou o pai e depois assentiu, sua cabeça num turbilhão de pensamentos. Ele
olhou para todos nós. “Podemos ir vê-los?”

“Sim,” meu pai disse. “Eles os colocaram no final do corredor... 414.”


Thomas estava apressado para chegar ao quarto e Abby me lançou um olhar logo antes
que ele entrasse pela porta. Uma vez que ele viu Camille, ele congelou e cobriu a boca. Sua
mão deixou os lábios e correram pelo cabelo loiro-sujo curto. “Você… você está bem,
irmãozinho?” ele perguntou, seus olhos nunca deixando Camille.

“Vou sobreviver,” Trenton disse.

Abby fechou a porta atrás das enfermeiras assim que elas saíram e nós vimos Thomas se
aproximar da cama de Camille. Ele tocou seus dedos ternamente. Trenton os olhava, a
confusão também deixando sombrio o seu rosto.

“Que porra você está fazendo, Tommy?” Trenton perguntou.

“Eu deveria ter vindo mais cedo,” ele disse, seu rosto se enrugando. “Me desculpe, Trent.”

Trenton franziu o nariz. “Do quê você está falando?”

“Eu… eu não voei até aqui. Eu estive esperando no meu carro por tempo suficiente para
que vocês pensassem que eu estava. Foi agoniante pra caralho e estou estou tão cansado
de… me desculpa,” Thomas disse novamente, dessa vez, para Camille.

“Tommy,” eu disse, dando um passo para frente. “Você está bem, cara?”

Thomas se virou para nos encarar, hesitando quando olhou para nosso pai. “Eu estava na
cidade. Eu vim por causa do incêndio, mas depois eu acabei ficando…”

“Por causa do incêndio?” Abby perguntou, erguendo o queixo. Ela estudou Thomas da
mesma forma que fazia quando ela tinha cartas na mão. Sua expressão se suavizou, como
se ela estivesse aliviada por uma verdade libertadora. “Thomas James,” ela sussurrou.

Eu franzi as sobrancelhas, irritado porque ainda não tinha conseguido perceber. Mas
Trenton percebeu. Ele ficou pálido. “Não.”

“Trenton,” Thomas começou.

“Não!”, Trenton disse, mais alto do que vínhamos conversando há horas. Sua respiração
ficou difícil e ele erguia os ombros a cada lufada de ar. Ele olhou para nosso irmão mais
velho, se sentindo machucado e desapontado. “Tommy! Me diga que estou errado!”

Abby se inclinou para sussurrar no meu ouvido. “O cara da Califórnia que Cami estava
namorando… T.J.”

As rugas que estavam na minha testa de dissiparam com o reconhecimento. “Ai, caralho.”

Thomas ficou no meio do quarto, culpado, envergonhado e mais sozinho do que eu jamais
havia visto. Eu comecei a andar em sua direção, mas parei logo depois, meu olhar caindo
sobre Trenton. Eu não sabia o que fazer. Nós nunca tínhamos passado por isso antes.

“Está tudo bem,” Trenton disse finalmente. “Está tudo bem, Tommy. Eu entendi.”

Thomas estava assustado com a piedade de Trenton, mal conseguindo dizer suas próximas
palavras. “Mas você a amava primeiro.”

“E ela foi seu primeiro amor,” Trenton disse. Ele riu, um modo estranho de descarregar seu
desconforto. “Ela tentou me avisar. Eu não quis ouvir.”
“Porque eu a fiz mentir para você. Não arrume desculpas para mim, Trent.”

Trenton levantou a mão boa e a deixou cair novamente no braço da cadeira de rodas. “O
quê você quer que eu diga, Tommy? Você quer que eu te odeie? Grite com você? Te dê um
soco? Você é meu irmão. Eu te amo não importa o quê. Ela te ama também.”

Thomas negou com a cabeça lentamente. “Não do jeito que ela te ama.”

Um pequeno e agradecido sorriso tocou os lábios de Trenton, e ele olhou para Camille. “Eu
sei.”

“Nós estamos, ahn…” Abby disse, me esperando. Eu assenti e ela continuou. “Está tarde,”
Abby disse, enganchando seu braço no meu. “Nós estamos indo para casa. Estaremos de
volta pela manhã. Precisam que façamos algo antes de irmos embora?”

Trenton negou com a cabeça, assim como meu pai.

Eu abracei Thomas, meu pai e, cuidadosamente, envolvi Trenton nos meus braços. Acenei
um tchauzinho e depois levei minha esposa pela mão em direção ao elevador. Nós ficamos
quietos até chegarmos no carro. Eu abri a porta para ela, apressei-ne para o lado do
motorista e deslizei para trás do volante. Meus dedos se curvaram na parte de cima do
volante e respirei fundo.

“Ei,” Abby disse, tocando meu ombro. “Você está bem?”

“Aquilo foi intenso,” eu disse. Dei a ré com o carro e segui para o apartamento. O relógio no
painel marcava 3:47 da manhã. Nossos faróis eram os únicos acesos nas avenidas de
Eakins. Quando cheguei no apartamento, o telefone de Abby vibrou.
Ela o conferiu e depois deixou-o de lado, mudando de posição no banco.

“Era meu pai?” eu perguntei. “Ainda está tudo bem?”

Ela engoliu em seco, encarando pelo para-brisas as escadas que levavam para nosso
apartamento. “Se Trenton não tivesse tanta compaixão, o que acabamos de ver poderia ter
terminado muito diferente.”

“Verdade,” eu disse, concordando.

Ela entrelaçou seus dedos nos meus. “Baby, eu preciso te contar uma coisa.”

“Por favor, não me diga que você está apaixonada pelo Tommy.”

Ela riu, mas seus olhos ainda irradiavam preocupação. “Trav… eu te amo. Eu te amo tanto,
mas eu faço coisas estúpidas. Era… era o Parker.”

“Parker?” eu fervia, sentindo meu mau humor crescendo.

“Sim, mas,” ela fechou os olhos. “Era por você. Estou preocupada com você.”

“O quê isso tem a ver com o Parker?”


“Só...só me escuta, está bem?" ela disse. Eu cerrei os dentes e assenti. Ela continuou,
“Lembra dos caras do The Red? Aqueles que você e Shep deram uma surra? Eles são do
jornal da faculdade. Eles estão fazendo perguntas sobre você, Travis. As pessoas que vão
ao Círculo, elas não vão falar com a polícia. Mas eu fico com medo que eles… e se um
desses aspirantes a repórter conseguir alguém que admita que você estava lá?”

Eu esperei um minuto inteiro para me acalmar antes de falar. “Você,” eu comecei, sentindo
meu coração batendo forte. “Você vem até mim para falarmos das nossas merdas, Abby.”
Meu rosto se contorceu. “Você não vai atrás do Parker Porra Hayes. Ele é a última pessoa
que você deveria…” eu suspirei, sentindo meu olho tremer. Foi uma noite longa, depois de
ter que lidar com o imbecil do meu futuro chefe e com a destruição de Trenton, a última
coisa que gostaria de ouvir da minha esposa é que ela estava conversando com o Parker.

Seus olhos se encheram de lágrimas. “Eu sei. Você está certo. Eu não sei o que eu estava
pensando. Eu estava desesperada e ele estava lá, e… ele concordou em me ajudar se eu
tomasse um café com ele.”

Eu fechei os olhos. “Abby, me diga que você não foi.”

Lágrimas fluíam de seus olhos. Cada músculo do meu corpo ficou tenso enquanto eu
esperava pela resposta. Ela negou com a cabeça.

“Eu disse que sim,” ela disse. “Eu disse a ele que iria, mas não fui. Eu não poderia.”

Meu pescoço relaxou e minha cabeça caiu para trás. “Graças a Deus!”

“Me desculpe,” ela chorou.

Eu pisquei algumas vezes, percebendo que essa foi a primeira vez que ela tinha ferrado as
coisas. Ela estava encrencada dessa vez. Eu me endireitei no banco e franzi os olhos,
tentando fazer o meu melhor olhar de bravo. “É melhor que não aconteça de novo,
Beija-Flor. Eu tô falando sério.”

Ela balançou a cabeça. “E não vai.”

“Não consigo acreditar que você fez isso,” eu disse, minha voz carregada com
desapontamento. Seu lábio inferior estremeceu e ela explodiu em lágrimas. Eu não
aguentava mais. “Baby, está tudo bem. Eu não estou tão bravo assim. Beija-Flor.”

Seu corpo inteiro sacudia enquanto ela soluçava. “Eu sei que você está desapontado. Eu
estou desapontada comigo.”

Eu a segurei pela bochecha, forçando-a a olhar para mim. “Você não sabe?”

Ela fungou, balançando a cabeça.

“Não tem nada que você possa fazer para que eu pense menos de você, especialmente
quando você faz algo por desespero porque está preocupada comigo. Você acha que eu
não sei o que está em jogo se os federais descobrirem a verdade? Não estamos
completamente livres, ainda. Como eu posso culpar você por fazer o que está ao seu
alcance para me manter em casa?”

Ela virou o rosto, beijando a palma da minha mão. “Eu fui tão estúpida, Travis.”

“Você é muitas coisas Beija-Flor, mas nunca foi estúpida.” Eu me inclinei para encostar
meus lábios nos seus e ela me puxou para mais perto. Eu podia sentir suas lágrimas
quentes molhando o meu rosto, sua língua macia fazendo carinho na minha. Pela primeira
vez, eu me toquei que Parker era um ponto de discórdia sem sentido algum. Ele era uma
ameaça tão grande quanto o ex dela, Jesse. Ela sentia por mim o mesmo que eu sentia por
ela, e esse tipo de amor louco levava a comportamentos irracionais, na melhor das
hipóteses.

Eu iria ignorar que Parker tentou se aproveitar dela… por enquanto.

Abby inclinou-se em direção ao meu assento e se arrastou até o meio do carro. Ela se
inclinou para trás, puxando-me junto com ela, deixando que seu peso e depois o meu nos
ajudassem a ir para o banco de trás. Ela arrancou minha camiseta, e depois fiz o mesmo
com a dela.

“Aqui?” eu perguntei. Eu não fazia sexo no banco de trás do carro desde o ensino médio.

“Aqui,” ela disse. “Agora.”

Capítulo 12: Segundas Chances

:Abby:

Eu mordi uma pelinha que estava no meu dedão, fazendo com que a pele ficasse
avermelhada. Gotas de suor se formavam nas sobrancelhas. Minhas costas começaram a
reclamar de ficar em pé em sandálias num azulejo impiedoso, então eu trocava meu peso
de uma perna para outra. Se os outros alunos a minha volta não estivessem sofrendo de
nervosismo, assim como eu estava, poderia ter parecido insana. Nós silenciosamente nos
dávamos apoio, mesmo que estivéssemos competindo durante todo o semestre. Encarando
o mural do lado de fora do escritório do Professor Assistente do Sr. Mott, estávamos todos
no mesmo barco, e para uma aspirante a professora de matemática, conseguir essa vaga
seria incrível no meu currículo, assim como para os cinquenta alunos ou mais ali juntos de
mim.

Nós estávamos a minutos das férias de verão. A prova final de estatística do Sr. Mott era
uma das últimas agendadas no campus da Eastern State, evidentemente porque éramos os
poucos alunos restantes no campus. Poderíamos ter esperado até que as notas saíssem
online, mas o Sr. Mott era das antigas, e ele gostava de postar as notas impressas em
papel antes de colocá-las no sistema. Então, para os que se importavam, esperaríamos.
Eu sinta falta dos dias em que o Travis esperava comigo, mas ele estava no trabalho. Ele
estava matando as mulheres de cinquenta e sessenta anos em Eakins - não ganhava tanto
quanto lutando no Círculo, mas como personal trainer na academia Iron E, ele pagava o
aluguel e a maior parte das contas. Definitivamente, recebia melhor do que eu na tutoria, e
que porém cessaria com o verão. Eu tentei não me sentir culpada. Travis preferiu pagar as
contas, e ele meio que tinha o melhor trabalho do mundo.

Travis malhava enquanto as mulheres que trabalhavam com ele fingiam que não estavam
olhando. Basicamente, Travis estava sendo pago para fazer o que ele já estaria fazendo
todos os dias, de qualquer forma. Ele estava ficando mais magro, e seus já impressionantes
músculos estavam mais definidos - incitando mais clientes ainda a fazerem aula com ele.
Estava ganhando mais que qualquer outro treinador na Iron E. Eu me recusava a pensar no
dia em que Travis desse aula para uma mulher da nossa idade. Provavelmente aconteceria,
mas eu confiava nele.

A porta do Sr. Mott abriu, e Trina, sua atual professora assistente saiu. Ela segurou o papel
com a lista de notas em suas mãos, virada para trás. Eu sei. Eu confirmei.

Trina esticou o pescoço para que sua voz baixa e guinchada fosse melhor escutada. “Por
favor mandem um email para o Sr. Mott com qualquer dúvida em relação às notas. Ele não
vai atender a nenhuma pergunta hoje.”

Com isso, Trina pendurou o papel no mural, com um pino vermelho para segurar, se virou
em seus saltos, passando pela multidão se apertando rapidamente. Eu estava sendo jogada
para frente e para trás como uma bola de pinball, fazendo-me lembrar da primeira luta que
eu fui. Travis afastou as pessoas de mim. Ele sempre me protegeria, desde o primeiro dia.

“Ei! Para trás! Para trás, porra!” Travis disse atrás de mim. Ele enganchou um braço na
minha cintura, usando a outra mão e braço para empurrar os homens e fazer gestos para as
mulheres. Meu estômago se encheu de centenas de borboletas voando somente por tê-lo
visto, mas a repetição da noite em que nos conhecemos - uma noite em que estava
lembrando - era o suficiente para me fazer querer puxar ele para o armário mais próximo e
tirar suas roupas.
“Você veio!” eu disse, envolvendo meus braços em sua cintura e pressionando meu rosto
em seu peito.

Ele me segurou com um braço, afastando as pessoas com o outro. “A Martha disse para eu
sair mais cedo. Eu contei sobre o quão nervosa você estava por conta da sua nota. Eu
também posso ter mencionado algo sobre quão ruim era não estar aqui por você.”

Sons de celebração e desapontamento me trouxeram de volta ao presente, e me virei,


procurando por minha identificação de estudante. Eu comecei pelo final, movendo meu
olhar para cima até que eu alcançasse o topo da lista. “Puta merda”, eu disse. Virei-me para
meu marido. “Eu estou no topo.”

Travis foi para frente para encostar o dedo indicador na minha nota. “Essa é você?”

“Sou eu,” eu disse descrente. “Eu consegui”.

O sorriso de Travis se espalhou em seu rosto. “Você conseguiu?”

Eu bati minhas mãos juntas, e segurei meus dedos nos lábios. “Eu consegui!”

Travis jogou seus braços em volta de mim e me levantou do chão, me girando. “Essa é
minha garota” Woo!”, ele gritou.

O Sr. Mott enfiou sua cabeça para fora de sua porta, procurando pela fonte de comoção. Eu
bati no ombro de Travis, que me colocou de volta no chão. O Sr. Mott ofereceu um pequeno
sorriso para nossa celebração, eu acenei, e ele desapareceu atrás de sua porta de novo.
Travis murmurou, “você é foda!”

Peguei sua mãe e o puxei pelo corredor. Quando saímos pela porta dupla de vidro do
Edifício Nagle para Matemática & Ciências, Travis continuou comemorando e gritando.
“Minha mulher é um gênio, porra!”. Ele puxou para perto e me deu um beijo rápido no rosto.

“Obrigada por ter vindo, Trav. Não precisava, mas fiquei tão contente que você veio.”

Ele sorriu. “Eu também. Deveríamos celebrar. Jantar?”

Eu parei. “Talvez pudéssemos cozinhar?”

Sua boca puxou num meio sorriso, em uma expressão esperta. Ele alcançou o bolso e tirou
de lá uma pequena pilha de notas de cem dólares.

Fiquei boquiaberta. “Que diabos é isso?”

“A Sra. Throckmorton disse parabéns por eu ter passado pelo segundo ano da faculdade.”

“Ela simplesmente te deu…”, olhei para baixo. “Quinhentos dólares?”

“Sim,” ele enrolou as notas e as guardou de volta no bolso. “Então, onde vou te levar essa
noite?”
“Nós provavelmente deveríamos guardar para…”

“Baby. Me deixe ser um homem e levar minha esposa para comemorar, por favor?”

Eu juntos meus lábios para conter o sorriso. “Algum lugar que eu possa usar um vestido e
não parecer ridícula.”

Os outros alunos começaram a sair das portas duplas e descer os degraus, separando-se
assim que eles alcançaram a mim e Travis. Ele pensou somente por alguns segundos antes
que franzisse as sobrancelhas. Só havia um restaurante legal na cidade: Biasetti’s.
Imediatamente, me arrependi.

Travis fez uma careta. “Não era o restaurante dos pais do Parker?”. Travis ainda estava
machucado de quando eu quase fui tomar uma café com o Parker para achar algum jeito de
me livrar dos estudantes de jornalismo querendo saber da história do incêndio. Eu deveria
saber melhor do que tomar uma decisão tão estúpida assim.

“Você está certo. Não estava pensando. Nós não temos que ir lá.”

Ele me olhou por um momento, e eu quase podia ver as engrenagens funcionando atrás de
seus olhos. Seus ombro relaxaram, e ele sorriu. “É o lugar mais legal na cidade, e eu estou
morrendo de vontade de ver você em um vestido. Já é hora de fazermos nossas próprias
memórias lá, você não acha?”

“Está tudo bem, Trav. Podemos dirigir até Chicago e passar a noite. Vamos em um lugar tão
chique nem saberemos pronunciar o nome da comida.”

“Beija-Flor, é há mais de uma hora de distância.” Ele estreitou seus olhos para mim, e
sorriu. “Você quer usar um vestido e comer macarrão chique? Então você vai usar um
vestido e comer macarrão chique. A Sra. Maddox tem o que ela quiser.” Ele me levantou e
me jogou sobre seu ombro. Eu chiei, mas fui ignorada, descendo os degraus, a caminho do
estacionamento. “Por que mesmo?”

Eu reclamei. “Me coloque no chão!”

“Diga!” ele disse, beijando minhas costas todo brincalhão.

Eu chiei de novo, completamente dominada pela risada, que mal conseguia falar. “Porque
você é o melhor marido de todos!”

“Mais alto!” ele disse, rodopiando.

Eu gritei. “Você é o melhor marido do mundo!”

Ele parou abruptamente e me colocou no chão. Eu gargalhei, sem ar por causa do esforço.
Me encarou por um tempo, fungou e segurou minha mão, me levando para o carro. “Pode
apostar que sou.”

Meu cinto de segurança fechou, e Travis o alcançou para conferir se estava bem preso - um
hábito que ele adquiriu desde o acidente do Trenton. Dirigimos em direção ao apartamento
do Trenton e da Camille - um outra parte de nossa rotina diária. Travis dirigiu nosso Camry
para o lado mais distante da cidade, estacionando no último prédio da Highland Ridge, uma
propriedade que estava praticamente cheia de jovens profissionais e recém-casados do que
universitários barulhentos.

Eu subi a escada atrás do Travis, esperando somente ele bater na porta e entrar. Me
perguntava porque nenhum dos Maddoxs esperavam alguém atender a porta. Travis insistia
em dizer que se não era para ele ou os irmãos entrarem, a porta estaria trancada.
Trenton estava deitado no sofá com seu braço engessado descansando num travesseiro no
colo. O controle estava na outra mão.

“Que merda você tá assistindo?” Travis perguntou, torcendo o nariz.

“Dr. Phil”, Trenton respondeu. “É tão sem noção. Essas pessoas são loucas e esse careca
desgraçado as exploram, todas com esperanças de receberem tratamento de graça.”

Travis e eu nos olhamos, e sentamos no sofá ao lado do Trenton

“A Cami tá no trabalho?”, Travis perguntou.

“Sim,” Trenton disse. “Estou feliz que vocês passaram aqui. Estou deixando ela louca,
ligando vinte vezes por dia. Eu não posso trabalhar, então eu limpo e lavo a roupa o melhor
que posso até a hora que ela chega. Assisto a novela ‘Dias das Nossas Vidas’ e Dr. Phil.
Aquela Sami Brady é gostosa. Eu transaria com ela.”

“Não, você não faria isso”, Travis disse, arrancando o controle da mão do Trenton. Ele
desligou a TV o jogou na poltrona. Ele quicou, mas não caiu.

“Ei”, Trenton disse numa careta.

“Você deveria vir malhar comigo no Iron E, entre os horários dos alunos,” Travis falou.

“Sério? Como está indo lá?”


“Brandon Kyle é um idiota,” Travis resmungou.

Trenton acenou para mim. “Ele é mesmo?”

“Eu não tenho como saber. Travis não acha uma boa ideia que eu conheça seu chefe.”

“Ah. Ele não consegue ficar de boca fechada, né?” Trenton provocou.

“Aquele imbecil não tem vontade de viver, aparentemente,” disse Travis, olhando para o
chão. Ele mudou de assunto rapidamente. “Como está a Cami?”

“Bem,” Trenton concordou. “Ela está bem. Pede desculpas a cada dez minutos. Ela ainda
se sente mal.”

“E deveria,” eu resmunguei, mais alto do que pretendia.

“Nós fomos atingidos por um motorista bêbado, Abby.” Trenton disse, na defensiva. “Sim,
ela estava dirigindo nervosa, mas não poderia evitar isso. Tínhamos a preferência na
passagem. Mas eu sei que você só está me dizendo isso porque me ama.”

“Não, realmente,” eu provoquei, me inclinando sob Travis para cutucar o travesseiro de


Trenton.

“Ow! Ei!” Trenton disse num sorriso.


Travis sorriu. “Você carregou a Cami por mais de três quilômetros com esse braço. E agora
não consegue aguentar uma cutucada da Beija-Flor? Que maricas.”

Eu dei risada. Não tinha coisa que amava mais do que ver os irmãos interagindo. Eu
poderia fazer isso o dia todo, todos os dias. Eles estariam ou brigando, se abraçando,
lutando, defendendo ou insultando um ao outro. Era adorável.

Trenton ignorou o soco de Travis, olhando para mim. “Ela realmente gosta de você, Abby.
Ela quer que você goste dela.”

“Eu gosto,” menti. Na verdade, não me importo com Camille, nem nunca me importei,
mesmo quando ela era a bartender preferida do Travis no Red. Eu nunca poderia tocar no
assunto sobre o que me irritava tanto, mas se ela não estivesse atrás daquele volante que
deixou meu cunhado machucado, ela estaria namorando Thomas e Trenton ao mesmo
tempo. Isso foi o fim da picada pra mim.

“Ela passou por muita coisa. Você pode entender isso. Dê-lhe algum crédito,” Trenton disse.

Travis alcançou meu colo e deu um tapinha na minha coxa. Sua mão estalou na minha pele,
e ele esfregou o lugar que ele acertou, no caso de ter sido forte. Ele era um cara grande e
estava ficando maior cada vez que ele passava algumas horas no trabalho. Ele agia como
se pudesse me machucar toda vez que me tocasse. Eu dei risada.

“Que foi?” Travis perguntou.

“Não vou quebrar, não importa quão grandes seus músculos ficam.”

“Eu ia dizer isso! Caramba, filho!” Trenton pegou parte do bíceps de Travis e apertou. “Você
está ficando gordo!”
Gordo,” Travis repetiu. “Isso é tudo músculo, viado. Está com inveja?” ele perguntou,
flexionando seu braço. A parte de cima de seu braço cresceu tanto e tão firme que Trenton
não conseguiu segurar mais. Nesse momento eu percebi o quanto Travis cresceu em
poucas semanas.

“Covarde,” Trenton resmungou, encostando para trás.

“Com isso,” eu levantei e ajeitei o shorts. “Nós deveríamos ir. Você precisa de alguma coisa
Trent? A Cami vai trazer janta ou…”

“Eu tenho jantar,” ele disse, acenando para fora. “Na verdade, ela fez algumas comidas
congeladas e colocou no freezer.”

Ele parecia tão orgulhoso, e tão desesperado pela minha aprovação, e me permiti um
pequeno sorriso. “Foi fofo. Fico feliz que ela esteja cuidando de você”. Eu me inclinei para
beijar sua testa e depois segui Travis para fora da porta e desci as escadas.

Assim que entramos no carro, Travis colocou a chave na ignição, até que o carro desse
sinal de vida. Ele recostou-se e suspirou, batendo os dedos no volante.

“Você sente falta de dirigir com a moto para todos os lugares, não sente? Nós podemos
pegá-la. Eu também sinto falta.”

Ele fez uma careta. “Eu só desejo que você esqueça todo o negócio de direção e sobre o
Tommy e deixe a Cami começar de novo.”

Fiquei surpresa. Eu não estava acostumada a estar do lado errado da situação. E também
não estava acostumada com Travis não concordar com minha intuição, mas ele estava
certo. Camille era da família. Isso agravou em mim ainda mais. “Você sempre gostou dela,”
eu disse, olhando para um jovem casal esperando enquanto o Yorkie deles pegava um lixo
perto dos degraus do Trenton. “Eu só… não consigo.”

“Ela vai ser sua cunhada um dia desses. Você tem que resolver o que quer que isso seja.
Trenton está apaixonado. Você tem que conversar com ela.”

“Eu não quero. Não acho que ela vai estar aqui por tanto tempo assim.”

“Sério?” Travis perguntou. “O que faz você pensar assim?”

“Eu acho que ou ela se muda para a Califórnia ou ela vai achar outra pessoa. Ela é desse
jeito.”

Travis negou com a cabeça. “Não diga isso, baby. Destruiria o coração do Trenton. E
Tommy não a aceitaria de volta, de qualquer forma. Ele ama demais o Trent.”

“Não o suficiente para ficar longe dela, em primeiro lugar. Não se engane. Estou brava com
ele, também.”

“Não é da sua conta, Beija-Flor.”

Eu estiquei meu pescoço para ele. “Sério? Você defende tanto o Trenton que só vê o
umbigo dele. Você se mete nas merdas de todo mundo, mas eu tenho que me preocupar
com as minhas coisas?” eu toquei meu peito.

Travis riu, e inclinou-se na minha direção. Eu me afastei, fazendo-o rir ainda mais.
“O que tem de tão engraçado?” eu falei brava.

“Você fica tão gostosa quando está brava. É ridículo o quanto eu preciso te tocar quando
você está vermelha de raiva e nervosa.”

“Não estou com o rosto vermelho,” e fiz bico.

“Meu deus do céu, vem aqui,” ele disse, me alcançando. Ele tentou me beijar, e me afastei.
Por mais que eu tentasse, ele era muito forte, e isso era de algum jeito, erótico.

“Não!” eu protestei, mas não lutei tão bravamente assim para impedir que ele plantasse
seus lábios macios e quentes nos meus. Eram em momentos assim que eu me tocava que
ele pertencia a mim. Não era um sonho, nem uma fantasia, nem uma comédia romântica.
Travis Maddox era real, e eu era casada com ele. Eu toquei seu rosto e abri minha boca,
permitindo que sua língua deslizasse para dentro.

Uma batida na janela fez Travis olhar para cima.

Eu suspirei, alisando meu cabelo com os dedos enquanto Travis apertava o botão para
abaixar a janela. “Oh! E aí, Cami!”

“Vieram visitar?” ela perguntou em sua falsa voz de animação.

Ela era legal demais. Tentando demais. Ela sabia que não gostava dela - não que eu
tentasse manter segredo sobre isso.

“Nós, ahn… nós acabamos de sair. Estávamos indo para casa,” Travis disse.
“Oh,” Camille disse, desanimada.

“Podemos ficar se quiser,” Travis disse. Eu o belisquei na lateral e ele grunhiu, segurando
minha mão. “Por alguns minutos. Vamos jantar hoje à noite.”

“Ah, que legal. Eu vou ficar muito feliz quando Trent começar a se sentir melhor. Já faz um
tempo que não temos um encontro assim.”

“Bem,” Travis começou. Eu implorei com o olhar para que ele não falasse. “Vocês podem vir
conosco se quiserem.”

Camille olhou para mim e depois deu de ombros. “Obrigada Trav, mas estamos guardando
dinheiro agora. Deixa para outro dia. Parece divertido.”

Nós dois acenamos para Camille. Ela cruzou os braços enquanto subia as escadas, só os
soltando para abrir a porta. Logo antes dela entrar, seus olhos ganharam brilho e ela sorriu.

“Okay. Okay, você está certo.” Eu disse. “Eu estou guardando rancor, e preciso me livrar
disso.”

Travis levantou minha mão até sua boca e pressionou seus lábios na minha pele. O ar
condicionado estava no máximo, mas sentia sua mão ainda um pouco suada por causa
dospoucos minutos que ficamos no carro com ele desligado. Ele apreciou o que eu disse,
mas era um homem de ações. Eu tinha que mostrar para ele.

Eu suspirei e peguei meu celular da bolsa, procurando pelo número da Camille na lista de
contatos. Pressionei no seu nome e coloquei o telefone na orelha.
“Alô?” ela disse, parecendo surpresa.

“Oi Cami. É a Abby”.

“Eu sei,” ela disse, divertidamente. Eu tentei não assumir que ela estava zoando com a
minha cara, mas foi o primeiro pensamento que eu tive.

“Eu, ahn… nós deveríamos sair para um drink ou um café alguma noite ou dia desses.
Estou de férias agora. Se você tiver uma manhã ou noite livre, me avise.”

“Ah.” Ela pausou. “Eu gostaria, muito, muito mesmo Abby. Eu tenho a manhã de amanhã
livre para os acompanhamentos médicos. São as primeiras coisas pela manhã, então
devemos ter terminado até umas nove e meia. Posso deixar o Trenton e estar em algum
lugar às 10 horas. Podemos nos encontrar para um café?”

“O Daily Grind?” perguntei.

“Bom. Quer dizer, sim. Está ótimo. Mal posso esperar.” ela disse, se embaralhando nas
palavras. “Okay, te vejo lá.”

Antes de desligar, eu a escutei falar com Trenton. “Ela quer tomar um café!”

“Isso é ótimo, baby,” Trenton disse.

Eu pressionei Desligar antes que ela percebesse que eu podia ouvir, e depois gentilmente
coloquei o celular no apoio de copo. “Ela está empolgada.”

Travis riu. “Eu ouvi. Acho que ganhou o ano pra ela.”

Eu recostei, olhando para cima. “Eu quero superar isso. Eu quero, mesmo. Mas não consigo
me livrar desse sentimento - como se eu tivesse que manter a guarda alta para ela.”

“Mas essa noite,” eu disse, olhando para ele com um sorriso, “você me deve um jantar no
Biasetti’s.”

Capítulo 13: Segredos

:Abby:

Camille estava sozinha em uma mesa para dois, um quadrado perfeito de madeira
localizado ao lado da janela. O Sol da manhã estava batendo na mesa e conforme eu me
aproximei, notei que minha futura cunhada estava torcendo um guardanapo entre seus
dedos tatuados. Quando sentei na cadeira a sua frente, ela ainda estava tão agitada com
qualquer que fosse o assunto que estava pensando que sua tentativa de sorriso saiu torta e
carregada de dor.

“Oi, Abby”, ela disse, sua voz soando baixa.

“Está tudo bem?”

Sua cabeça balançou para cima e para baixo num movimento rápido. “Obrigada por me
encontrar.”
“Como foram as consultas com os médicos?”

Ela olhou para baixo em direção das mãos, deixando na mesa o guardanapo quando
percebeu que ele já estava em frangalhos. “Tudo está curando. Trenton terá que fazer
fisioterapia por um tempo. Ele está nervoso sobre o fato de poder não tatuar mais ninguém
de novo.”

“Ele não quebrou a mão,” eu disse.

“Seu punho. Muito do trabalho está no punho.”

Eu franzi as sobrancelhas. “Ele vai conseguir. E você? Como está a cabeça?”

Ela tocou a cicatriz vermelho escura inflamada ao longo da raíz do cabelo. “Ainda tenho
dores de cabeça. A visão embaça as vezes. Apesar disso, está tudo bem.”

“Fico feliz que vocês dois estejam bem.”

“Eu sei,” ela começou, hesitante. Ela pegou novamente o guardanapo, torcendo-o como se
fosse um inimigo. “Eu sei que você me culpa. Eu não posso defender isso, então não vou
fazê-lo. Já pensei no acidente centenas de vezes e me sentiria do mesmo jeito que você.
Ele já esteve em uma batida horrível uma vez com uma antiga namorada, e estava nervoso
por estar num carro com qualquer outra pessoa. Então, naturalmente, quando ele entrou
comigo no carro, não parei; eu não diminuí a velocidade ou estacionei o carro; eu continuei
dirigindo - gritando, brava, e não dando a devida atenção à rua.”

Suas palavras me pegaram de surpresa. É como se ela tivesse lido minha mente, e isso fez
com que eu pegasse um pouco mais leve. “Trent disse que ninguém teria conseguido
desviar do babaca que bateu em vocês.”
“Trent diz um monte de coisas,” Camille murmurou. Ela estava tocando uma das muitas
tatuagens que Trenton desenhou nela. “Meu ponto é: eu digo tudo isso a mim mesma, mas
não consigo voltar atrás. Não posso culpá-la por estar brava comigo, porque eu estou brava
comigo mesmo. Mas eu posso prometer tomar mais cuidado e pensar mais calmamente, e
aprender com meus erros.”

“E Thomas?”

Camille estremeceu. “Uau, não me admira que Travis tenha casado com você. Você fala o
que pensa também.” Eu arqueei uma sobrancelha, e ela contorceu-se como se fosse uma
formiga sob um microscópio num dia quente. “O que você quer que eu diga, Abby?”

“Você ainda é apaixonada por ele?”

“Sim.” Um pequeno suspiro saiu de sua boca, como se não fosse isso o que ela realmente
queria dizer. “Abby,” ela disse, fechando os olhos. “Eu amo o Trent. Estou apaixonada pelo
Trent, e só quero estar com o Trent. Thomas e eu acabamos.”

“Você tem certeza.”

Ela franziu a sobrancelha. “E se… e se Travis morresse?” Eu a encarei. Ela levantou a mão.
“Só me escute. E se Travis morresse e anos depois, você cruzasse com alguém que fizesse
você sentir coisas que achasse que não fosse sentir por mais ninguém além do Travis? Até
mesmo mais forte?”

“Impossível.”

“Certo, mas e se não fosse? É assim que eu me sinto com Thomas e Trenton. Thomas não
está mais na minha vida nesse sentido, e nunca mais vai estar, mas eu vou sempre, sempre
amá-lo. Quando Trenton apareceu, eu não poderia não me apaixonar por ele. Acredite em
mim. Eu tentei.”

“Então você não quer ficar com o Thomas?”

“Não.”

“E se Trenton não tivesse aparecido?” eu perguntei, cruzando os braços sob a mesa.

“Irrelevante, já que ele apareceu.”

Uma garçonete se aproximou da nossa mesa e deixou duas águas. “Olá, eu sou Shannon.
Vocês querem mais alguma coisa pra beber?”

“Café,” Camille e eu dissemos juntas.

“Fácil o suficiente,” Shannon disse, voltando para a cozinha.

“Camille, eu quero que a gente se acerte. Eu amo Trenton, e ele te ama, e isso faz de você
família. Eu só…”

Ela olhou desapontada, mas não terrivelmente surpresa. “Você não vai e nem pode se
meter nisso.”

“Correto.”
“Bom, talvez eu cresça no seu conceito.”

“Com certeza. Se tanto Thomas quanto Trenton se apaixonaram por você, deve ter algo
incrível aí em algum lugar.”

“Talvez eu só seja espetacular na cama.”

Eu franzi o rosto e ela riu, recostando-se quando a garçonete trouxe nossos cafés.

Shannon puxou um bloco e uma caneta. “Café da manhã?”

“Panquecas,” eu disse, entregando o cardápio para Shannon. “Os ovos com a gema meio
mole. Sem batatas ou torradas.”

Shannon concordou e olhou para Camille.

“Uma omelete. Com jalapenos, por favor.”

“Certo,” Shannon disse, rabiscando rapidamente antes de pegar o cardápio da Camille. Ela
se virou, nos deixando novamente para seguir até a cozinha.

Camille misturou café com leite e açúcar e depois mexeu, tomando um pequeno gole
enquanto olhava para fora da janela. Ela não parecia tão irritada quanto antes. Não que
tenhamos resolvido alguma coisa, mas obviamente ela se sentia melhor falando sobre o
assunto.
“A situação é a seguinte, Cami,” eu disse. “Se o Travis realmente morresse - se eu
estivesse apta a amar de novo - o próximo homem que eu amasse não seria o irmão dele.”

“Então você não gosta de mim porque eu coloquei a vida do Trent em perigo, porque eu
estava com Thomas, ou os dois?”

“Os dois,” eu disse, sem hesitar.

Camille concordou. “Justo. Mas eu não posso consertar nenhuma dessas coisas, Abby.
Você não pode ao menos ficar brava comigo ao invés de não gostar de mim?”

“Eu tentei,” eu disse. “Eu também tentei pensar que era porque você era a primeira
namorada depois de mim e eu não iria gostar de nenhuma de vocês.”

Camille sorriu. “Então, você não gosta de mim e eu não sou especial. Você é selvagem,
Abby Abernathy.”

Eu dei um sorriso irônico. “Já me falaram isso antes.”

“E se eu tivesse sido a primeira? E se Trenton e eu fossemos casados, e você tivesse


acabado de começar o namoro com Travis? E se eu não aprovasse?”

Eu pensei em sua questão hipotética. Meu impulso era dizer que eu não me importaria, mas
não era verdade. Eu poderia ignorar, mas não ser aceita por uma esposa já da família -
especialmente uma nova - me incomodaria.
“E se,” ela continuou, “eu ficasse contra você, por você ter quebrado o coração do Travis
várias vezes, e por namorar o Parker mesmo você sabendo que Travis estava apaixonado
por você-”

Eu interrompi. “Eu não sabia que ele estava apaixonado por mim.”

“Besteira. Você não é idiota, então não finja para mim.”

“Eu achei que eu fosse uma novidade. Para ser honesta, eu achava que tinha algo de
errado comigo. Na verdade, ele me disse uma vez que ele não queria dormir comigo porque
gostava muito de mim para isso. Eu tinha certeza que tinha sido jogada na zona de
amizade.”

Camille riu. “Eu me lembro disso. Isso o assombrou por meses. Mas tudo acabou
perfeitamente bem, certo?”

Eu dei de ombros. “Até que sim.” Eu olhei para minhas unhas, classificando meus
sentimentos. Camille tinha ótimos pontos. Ela não era tão ruim de conversar, mas ainda
tinha algo me incomodando. “Tem algo que você não esteja me contando? Talvez algo que
não tenha contado a ninguém, não sei. Tem algo que não está parecendo certo para mim, e
não consigo esquecer isso. Se você não está sendo completamente honesta comigo,
desembucha e podemos começar de novo.”

Uma sombra passou pelos olhos de Camille.

“Ah, merda,” eu disse. “O que é?”

“Como? Você é psíquica ou algo assim? Eu nem sabia.”


Eu estreitei os olhos. “O que você não está me falando? O que você não está falando para
o Trent?”

Ela se inclinou sobre a mesa, pegou meu guardanapo, segurando-o no rosto enquanto
chorava. “Eu não ia contar nada.”

“Sobre o que você está falando?”

“Eu, ahn, eu estava grávida. O médico disse que é possível que eu tenha perdido durante
ou logo depois da batida. Ele me deu duas opções: esperar por um aborto natural ou passar
por um processo cirúrgico para tirá-lo.”

“O que?” eu perguntei, tentando processar o que ela estava dizendo. “Você está grávida?”

“Eu estava.”

“Mas ainda está… dentro de você?” eu olhei para seu estômago, incapaz de disfarçar o
olhar de repulsa estampado em meu rosto. Eu não tinha filhos e era filha única. Toda essa
coisa de gravidez estava muito distante de mim.

“Eu fiz o processo na primeira semana de Abril,” Camille explicou. “Eu não contei para o
Trenton. Ele estava irritado com a consulta e o quão devagar está sendo a recuperação
dele. Não quero colocar mais uma coisa para ele digerir.”

“Cami, você não pode esconder isso dele.”


Ela negou com a cabeça. “Não vou contar para ele. Ele não pode fazer nada sobre isso
agora.”

“Vocês podem chorar juntos.”

“Eu,” seu lábio inferior tremeu, “eu não estou de luto. Estou aliviada. Não estamos em
condições de ter um bebê.” Ela olhou para baixo, envergonhada. “Talvez seja isso que você
estava sentindo sobre mim? Que eu sou egoísta.”

Eu encostei na minha cadeira. “Na verdade, você tentar carregar isso sozinha não é egoísta
de forma alguma. Mas é a escolha errada. Você deveria contar para ele.”

Camille enxugou os olhos com meu guardanapo, tentando entender o que deixou ela
emotiva. “Eu não quero ver esse tipo de dor nos olhos dele. Você sabe o quanto ele ama
Olive. Ele vai ser um pai tão bom. Mas a pior parte é que, eu tenho medo que isso dê a
ideia nele de que deveríamos tentar de novo ou algo tão completamente insano quanto
isso.”

“Eu não acho que ele vá insistir em engravidar você logo depois de descobrir que você
abortou. Mas você está bem? Sem dor?”

“Eu ainda estou sangrando, mas não está tão ruim quanto antes. Não é algo que eu queira
experimentar de novo. O Dr. Lee disse que havia muito sangue, e que eu poderia ter uma
cicatriz.”

“Eca,” eu disse, franzindo o nariz. “Me desculpa, só de pensar que você poderia estar
andando por aí com um bebê morto dentro de você é… nojento.”

“Conte-me mais sobre isso,” Camille disse. “E sua compaixão não é a das melhores. Você
precisava dar um jeito nisso.”
“Deus, me desculpa. Eu… sou péssima nisso. Você quer um… abraço ou algo assim?”

Camille revirou os olhos. “Não.”

Eu olhei para minhas mãos, a culpa se instalando aos poucos. Ela tinha acabado de contar
que perdeu seu bebê com Trenton - meu sobrinho ou sobrinha - e eu conversando com ela
sobre algum outro assunto para julgá-la. “Camille… não acho que seja você o problema.
Acho que você disse mais cedo. Eu já fiz bastante besteira com o Travis. Talvez eu não
queira ser a única. Talvez eu esteja focando nas suas falhas para poder ignorar as minhas.”
No momento em que eu disse isso alto, a nuvem de irritação que eu sentia por Camille
desvaneceu. “Com quanto tempo você estava?”

“O médico disse que seis semanas quando o bebê parou de crescer.” Ela soltou uma
risada. “Isso significa que eu engravidei na primeira vez que Trent e eu estivemos juntos.”

“Você tem certeza que não era do Thomas?”

A pergunta a deixou atordoada, mas ela se recuperou rápido. “Tenho certeza. Não
estivemos juntos desde antes do Dia de Ação de Graças.”

“Panquecas com ovos com gema mole,” Shannon disse, me assustando. Eu recostei,
percebendo que estava tão próxima da mesa que meu peito encostou na madeira. Shannon
deixou o prato na minha frente e depois o da Camille. “Omelete com jalapenos.”

“Obrigada,” disse Camille, fungando.

Eu cortei minhas panquecas, colocando um pedaço na boca. Camille só olhava para a


omelete, empurrando os pequenos pedaços quadrados pelo prato.

“O que isso significa? Sobre a cicatriz? Isso vai causar problemas mais tarde?”

“Eu não tenho certeza, mas você está certa. Eu deveria contar para ele. Mas, agora ele vai
ficar bravo que eu não contei assim que soube.”

“Conte de qualquer jeito,” eu disse. “Antes tarde do que nunca. E, Cami… eu realmente
sinto muito. Eu sei que vocês não estavam prontos, mas isso não torna o que aconteceu
menos triste.”

Camille colocou uma pequena garfada na boca, e sorriu enquanto mastigava. “Obrigada…
Abby? Podemos… podemos começar de novo? Podemos concordar que nós duas fizemos
coisas erradas e provavelmente não merecemos o amor que temos, e concordar em tentar
o máximo reverter isso?”

“Ah, nós merecemos. Eles também erraram. Pelo menos Travis errou, vezes o suficiente.”

Camille riu, comendo outro pedaço.

“Você está bem?” eu perguntei. “Bem de verdade?”

“Eu estou bem,” ela disse com um sorriso apreciativo. “Isso era exatamente o que eu
precisava.”

Eu sorri de volta para ela, pela primeira vez sentindo que estávamos do mesmo lado. “Bom.
E,” eu pausei, estando certa de que eu realmente queria dizer isso antes de falar em voz
alta, “se você precisar conversar com alguém depois de contar ao Trent, você pode me
ligar.”

“Sério?” Camille disse, seus olhos brilhando de novo. Ela tinha amigos, muitos mais com
quem ela dividiria esse tipo de coisa que não eu. Mas, tinha certeza que o gesto a deixava
mais emotiva do que qualquer outra coisa.

Eu assenti. No momento em que ela me contou seu segredo, a suspeita que eu tinha sumiu.
Eu sabia que ela estava escondendo algo. Agora que ela se esclareceu, esse sentimento
que não podia ignorar foi embora. Não são muitas as pessoas que conseguiriam entender o
que é ser amada por um Maddox. Nós tínhamos que ficar juntas. Eu coloquei outro pedaço
de panqueca na minha boca, e sorri para minha irmã. Tínhamos uma longa vida pela frente.
Esse era só o primeiro dia.

Capítulo 14: Carma

:Travis:

O calcanhar da minha bota estava plantado contra o asfalto quente na principal interseção
na pequena cidade universitária de Eakins. O zumbir do motor da minha Harley me ajudava
a relaxar. Era fácil esquecer ou focar enquanto estava dirigindo minha moto pela cidade,
mesmo quando meus músculos estavam doendo e exaustos de um dia lotado de clientes no
Iron E.

Abby estava praticamente eufórica pra caramba desde nosso jantar. Sua sorte se provou
infinita quando nós nos tocamos que os donos não estavam lá. Os pais de Parker Hayes
podem ser donos do Biasetti’s, e pode ter sido o lugar em que Parker levou Abby para um
primeiro encontro, mas no segundo em que nos sentamos, Abby era a beleza natural,
risonha, espirituosa e sarcástica que eu levei na pizzaria no nosso primeiro não-encontro.
Era como se fossemos só estudantes da faculdade de novo: sem contas com que se
preocupar, sem agentes federais suspeitando em nosso apartamento. Mesmo assim,
sabíamos que tínhamos sorte. Adam estava numa cadeia esperando por uma audição
preliminar. Eu estava levando minha esposa para encontros fingindo que nosso maior
problema era Abby e Camille se resolverem.
O farol ficou verde, e eu tirei o pé do chão ao mesmo tempo em que girei o acelerador,
clicando em cada engrenagem, como se o limite de velocidade fosse somente para os
outros. Mais um dia de trabalho e outro semestre ficaram para trás. Eu tenho um verão
inteiro para ficar em casa com minha nova esposa; sem trabalhos para escrever, sem fazer
malabarismo entre ela, trabalho e lições de casa. Trabalho… casa… Beija-Flor. Soava
como o paraíso para mim - se eu não acabasse sendo algemado e escoltado para fora de
minha porta por agentes federais. Esse cenário estava sempre rondando minha mente.

Eu tentei me lembrar do verão depois do meu primeiro ano na faculdade: muita bebida e
sexo - sem preocupações sobre uma vida trancafiado longe da Abby, ou qualquer outra
preocupação - mas olhar para trás era uma grande perda de tempo. Abby fazia com que
cada momento significasse algo. Ter a noção de que a conheci somente oito meses atrás
me faz ter um surto momentâneos de que nada disso era real. Nós passamos por tantas
merdas loucas em um espaço muito curto de tempo, e de algum jeito terminamos juntos e
felizes. Alguns dias eu sentia como se eu estivesse esperando pela realidade me dar um
chute nas bolas.

O cascalho na entrada da casa do meu pai era esmagado debaixo da Harley, e eu a


posicionei no estribo enquanto o motor desligava. Meu pai saiu para a varanda, me
cumprimentando como ele fazia toda vez que eu ia visitar, mas dessa vez Trenton estava
de pé ao lado dele, segurando seu braço engessado com a mão livre.

“Olha só, olá,” meu pai disse com um sorriso caloroso. Suas bochechas subiam quando ele
sorria, apertando seus olhos. “É bom te ver. Entre… entre.”

Eu dei uma batidinha no ombro do meu pai quando passei, e acenei para Trenton.

“E aí, viado,” eu disse.

Trenton só acenou de volta.


Passei pelo curto corredor em direção a sala de estar, me jogando no sofá. Ele bateu contra
a parede, mas meu pai não disse nada. Ele somente sentou em sua poltrona reclinável,
balançando-se enquanto esperava eu contar o motivo de minha visita.

Trenton sentou-se ao meu lado - cuidadosamente - parecendo mais frágil do que eu jamais
havia visto.

Eu franzi os olhos. “Você está bem?”

“Sim,” ele grunhiu. “Vou viver.”

“Estou falando sério. Você tá parecendo uma bosta. Você está se movendo ainda mais
devagar que antes.”

“Obrigado, babaca,” ele resmungou.

Eu olhei para meu pai. “Sou só eu que percebi?”

“Não, eu disse para ele.” meu pai falou. “Minha esperança era que você diria algo.”

Trenton se recostou e suspirou, deixando a cabeça cair nas almofadas do sofá. “Tá bom. Eu
estou exausto. Eu só não estou me sentindo muito bem. Mas, além de estar como um
aleijado, não vou ficar doente.”

“Não seja um idiota de merda, Trent. Ignorar só vai tornar as coisas piores. Especialmente
quando seu corpo já está trabalhando duro para se recuperar,” eu disse.
Tanto meu pai quanto Trenton me encaravam.

“Que porra é essa, Trav?” Trenton disse. “Você se casou e virou o pai?”

A barriga pronunciada de meu pai mexia enquanto ele ria, e eu olhei para baixo,
deixando-me sorrir.

“E aí? Como está indo o novo trabalho?” meu pai perguntou.

Eu encostei no sofá, tentando me sentir confortável no sofá gasto do meu pai. Ele tava
cheio de rugas e tinha perdido quase todo o estofado, mas minha mãe tinha escolhido esse
sofá antes de eu ter nascido. Meu pai teve que deixá-la ir, então ele escolheu manter as
coisas que ele tinha a escolha de poder manter.

“Está tudo bem. Meu chefe é um babaca, mas eu aprendi a me esquivar dele na maior parte
do tempo.” Eu olhei para Trenton. Suor estava começando a cair pela linha do cabelo.
“Trent. Você tomou o remédio para dor hoje?”

Ele encolheu os ombros com o lado bom. “Tomei um de manhã.”

“Então o que tá acontecendo?”

“Eu não sei, cara. Eu só não estou me sentindo bem. Para de encher o saco.”

“Como você chegou aqui?” eu perguntei. O carro da Camille deu perda total, então ela está
dirigindo o Dodge Intrepid destruído do Trenton desde que ela foi liberada para dirigir.
“O pai me pegou com a caminhonete.”

Eu olhei para meu pai, que estava olhando para Trenton com uma expressão preocupada.
“Ele não estava me parecendo bem pelo telefone,” meu pai disse.

“Certo,” disse, me levantando. Eu estendi minha mão. “Joga pra mim as suas chaves, pai.
“Vamos levar o Trenton num clínico geral.”

“O que? Nem fudendo,” Trenton disse.

“Levanta,” eu exigi.

“Trav,” Trenton disse. Ele olhou para mim, exausto. “Eu não posso pagar.”

Eu o olhei por um minuto e depois suspirei. “Eu pago. Você vai.”

“Não. Não pode te pedir para fazer isso,” Trenton disse, parecendo pior a cada segundo.

“Levanta Trenton, ou te jogo no meu ombro.”

Trenton encarou o carpete, me xingando baixinho e depois levantou. Ele vacilou, e eu


pendurei seu braço bom em volta do meu pescoço, carregando seu peso até a caminhonete
de nosso pai. Eu ajudei meu irmão mais velho a entrar e depois meu pai. Ele me jogou as
chaves, e eu dei a volta no carro, garantindo que minha moto estava longe o suficiente do
caminho.
Tirei meu celular do bolso e comecei a mandar uma mensagem para minha esposa, mas
sabia que qualquer coisa que eu falasse seria alarmante, então decidi esperar até que
tivesse alguma notícia que pudesse passar. Sentei atrás do volante e enfiei a chave na
ignição. A caminhonete choramingou, e depois silenciou sem ligar.

“Não bombeie a gasolina,” meu pai disse. “Você vai inundar o motor.”

Eu liguei de novo, girando a chave sem que o carro pegasse. Eu olhei para Trenton. Ele era
o que sempre estava trabalhando na caminhonete do nosso pai, mas ele estava machucado
e sem se sentir bem, então também não sabia o que tinha de errado. A velha Chevy de meu
pai era constantemente arrumada.

Meu pai apontou para a ignição, rodando seus dedos num círculo. “Okay, gire a chave mais
uma vez, deixe assentar, e depois ligue de novo, pisando no acelerador até o fundo.”

Eu fiz como ele disse, e quando eu pisei no acelerador, falhou quatro vezes antes que
pegasse. Eu bati no volante, engatei a marcha e dei ré na entrada de casa. Trenton gemeu
quando passamos pelo meio-fio, e de novo quando eu me afastei. Quanto maior a distância
que dirigia, pior ele parecia.

“Trav,” ele disse, fechando os olhos. “Não estou me sentindo tão quente. Estacione.”

Eu olhei na direção dele. Seu rosto estava pálido, o suor agora cobrindo e escorrendo de
sua testa.

“Foda-se, vou te levar ao pronto socorro.”

Trenton falou algumas palavras que não fizeram sentido e desmaiou. Meu pai segurou a
cabeça de Trenton contra seu peito, olhando-o atentamente.

“Travis,” meu pai disse. Sua voz era calma, mas estava repleta de medo.

“Dois minutos.”

Meu pai assentiu, sabendo que eu estava dirigindo o mais rápido possível.

Todos balançamos no carro enquanto eu arrancava em direção a entrada do hospital. A


caminhonete parou barulhenta justo na vaga para ambulância e eu a deixei em ponto morto,
dando a volta no carro até o lado do passageiro. Meu pai já estava saindo do carro. Eu os
alcancei, tirando Trenton e o colocando sob meu ombro, como se ele não pesasse nada.

Assim que a porta automática sentiu nossa presença e abriu, a recepcionista olhou para nós
e chamou os enfermeiras. Três mulheres em uniformes de cores brilhantes atravessaram
correndo uma porta dupla com uma maca. Eu baixei Trenton de costas, e as três mulheres
já estavam medindo seus sinais vitais enquanto o levavam pelas portas duplas novamente.

Meu pai olhou para Trenton e depois para mim.

“Vai em frente, pai. Eu cuido disso,” eu disse.

Meu pai concordou e seguiu seu filho inconsciente. As portas duplas fecharam, limpei minha
garganta, olhando para a recepcionista. Ela parecia imperturbável, usando seu mouse para
clicar algumas vezes antes de ficar pronta para digitar.

“Nome?” ela perguntou.


“O nome dele? Trenton Allen Maddox.”

Ela digitou o nome dele e assentiu. “Ele está no sistema... bem recentemente
aparentemente.”

Eu concordei.

“Oh. Ele é o que…” sua voz sumiu e ela parou, antes que divulgasse mais alguma
informação.

“Sim, é ele,” eu disse.

Ela pegou as informações comigo, e depois ofereceu me levar até meu pai e Trenton. Ela
primeiro ligou para saber o número do quarto e me escoltou por uma porta simples. Nós
passamos por uma sala de triagem e a segui por um corredor todo branco. Ela gesticulou
para que eu entrasse na Sala de Exames 10.

“Obrigado,” eu disse, entrando. Eu afastei a cortina para ver meu pai encostado no canto da
sala olhando as enfermeiras terminarem de colocar uma intravenosa no Trenton, que estava
acordado, mas exausto.

“Ei,” ele resmungou.

Eu passei minha mão pelo cabelo crescendo na minha cabeça e suspirei. “Você me
assustou pra caralho.”
“Olá,” uma mulher com jaleco branco disse, esticando a mão direita. Eu a comprimentei.
“Sou a Dra. Walsh. Ele está estável e em observação. Seu batimento não está onde eu
gostaria que estivesse, mas com o soro acho que chegaremos lá.”

“O que tem de errado com ele?” eu perguntei.

Ela sorriu, um cacho vermelho caindo de um coque frouxo na cabeça. Ela ajeitou o óculos
de armação preta nos olhos. “Estamos fazendo os exames. Seu pai disse que ele esteve
envolvido num acidente grave recentemente?”

“Sim, quase dois meses atrás,” eu disse.

Ela continuou sorrindo, olhando para mim como se estivesse esperando alguma coisa.

“O que foi?” eu perguntei.

Ela olhou para baixo, em direção ao tablet em sua mão. Ela o tocou algumas vezes e
depois olhou para a tela na parede. Ela brilhou com imagens do primeiro e o último Raio-X
do Trenton. Seu nariz enrugou. “Isso quebrou bem feio. É incrível como você não precisou
de cirurgia.”

“Ele não deixaria o quarto da namorada pelo tempo suficiente para uma cirurgia,” eu disse.

“Certo. Ela estava na batida também. Ele a carregou com esse braço, né?” a médica
perguntou. Ela ainda estava sorrindo, e eu finalmente me toquei porque. Os funcionários do
hospital provavelmente ainda estavam romantizando a história. Nós éramos uma novidade
para eles.
“É. Ele vai ficar bem?” eu perguntei, irritado.

A Dra. Walsh alcançou para tocar a minha mão e eu franzi os olhos para ela. Ela me puxou
para perto da porta, olhou por sobre os ombros para meu pai e meu irmão, e se inclinou,
mantendo sua voz quase um sussurro. “Minha irmã mais nova está na Eastern. Você
provavelmente não lembra dela.”

Meu estômago deu um nó. Será que eu comi a irmã da médica e ela vai trazer isso a tona
aqui? Agora?

Ela sorriu. “Ela gostava de um garoto. Ela não tem esperança,” ela disse, negando com a
cabeça. “Uma vez que ela se apaixona por um cara, ela o segue por todos os lugares. Ela o
seguiu para o Keaton Hall na noite da sua última luta.”

Eu engoli em seco.

Seu sorriso mudou, seu olhar perdeu o foco. “Uma vez que o incêndio começou, ele a
abandonou. Ele fugiu. Ela não estava familiarizada com o prédio. Tinha muita fumaça. Ela
se virou. Deu de cara com você.” O olhar da Dra. Walsh encontrou o meu.

Franzi a testa.

“Você se lembra?” ela perguntou. “Ela estava apavorada. Ela achava que iria morrer. Você
a empurrou na direção do cara que organizava as lutas… Adam? Você a empurrou para ele
porque você sabia que ele saberia onde era a saída, e você disse para ele ajudá-la. E quer
saber? Ele ajudou. Ele a ajudou e mais dezesseis pessoas a saírem seguras quando o que
ele mais queria fazer era correr. Foi por alguns segundos, mas você Travis Cachorro Louco
Maddox, salvou a vida da minha irmãzinha.”

Eu olhei de volta para meu pai. “Eu…”


“Os policiais e os agentes federais já conversaram com a minha irmã.” O sorriso da médica
voltou. “Ela nunca te viu. Adam disse que você nunca apareceu, os dezesseis estudantes
que Adam salvou disseram o mesmo, e a estadia do seu irmão no hospital é por conta da
casa.”

Ela segurou a maçaneta da porta e abriu.

“O que?” eu perguntei, atordoado.

“Eu não posso dizer às pessoas o que você fez, então vou te agradecer do meu jeito.” Ela
fechou a porta atrás dela, e olhei para meu pai, tentando conter as lágrimas.

“Eu vou morrer?” Trenton disse.

Eu ri e olhei para baixo, pegando meu celular do bolso para mandar uma mensagem para
Abby. “Não, seu imbecil. Você vai ficar bem.”

“Ela disse o que estava acontecendo?” meu pai perguntou.

Eu digitei uma curta mensagem para minha esposa, e depois outra para Camille. Eu me
encolhi quando enviei, sabendo que as duas iriam surtar no meu telefone a qualquer
instante. “Eles estão fazendo os exames. Vamos saber logo.”

Trenton relaxou contra o travesseiro, fazendo um som crepitante. “Eu vou morrer.”
Uma mulher entrou pela porta, carregando um recipiente com fita, gaze e outras coisas.
“Olá, eu sou a Lana. Eu vou te picar só um segundinho.” Ela checou a pulseira do Trenton,
e depois sua pequena ficha de informação. “Pode me dizer seu nome e data de
nascimento?”

Assim que Trenton começou a passar suas informações para Lana, meu celular vibrou. Eu
atendi. “Oi, baby.”

“Trav? Ele está bem?” Abby perguntou.

“Estão fazendo alguns exames. Ele vai sobreviver.”

Ela suspirou, e eu sorri, amando minha esposa por amar minha família tanto quanto eu.

O celular apitou. “Beija-Flor, a Cami tá ligando.”

“Okay. Estou no meio do caminho.”

Eu desliguei, atendendo a ligação de Camille. “Ele está bem. Eles estão fazendo exames
nele. Fazendo exame de sangue agora.”

“Ele está bem?” Camille disse, o pânico cobria a sua voz. Ela suspirou. “Deus. Ele não
vinha dormindo bem. Eu sabia que não era para eu ter saído essa manhã. Eu sabia.”

“É a Cami?” Trenton perguntou.


Eu assenti.

Ele levantou a mão, e eu entreguei o telefone. “Ei, baby, Eu estou bem. Shhh… shhh. Eu
estou bem. Eu sei. Eu deveria ter falado para o médico na consulta.” Ele parou e franziu o
rosto. “Cami, não é sua culpa. Pare. Baby, pare. Não. NÃO, não dirija até aqui. Espere pela
Abby.” Ele olhou para mim. “A Abby pode pegá-la? Ela está nervosa.”

Eu assenti.

Trenton finalizou a conversa. “Abby está indo pegar você. Vai ficar tudo bem, prometo.”

Trenton me entregou o telefone, e eu digitei uma mensagem para Abby. Ela respondeu com
um rápido “ok”.

“Abby vai pegá-la. Logo elas estarão aqui.”

Trenton soltou um suspiro. “Que droga. Provavelmente ela deve estar surtando.”

“Fique confortável,” Lana disse, colocando adesivos nos tubos com sangue. “Eles disseram
que você vai ficar aqui.”

Os olhos de Trenton arregalaram. “O que? Não. Não, não posso.”

“Ei,” eu disse, indo até o lado dele. “Está resolvido.”

“Trav,” ele disse, os músculos do maxilar tensionando. “Vai custar milhares de dólares.”
Lana pediu licença, e eu esperei até que ela saísse do quarto. “Eu falei com a médica. Está
tudo certo.” Eu me inclinei para sussurrar em seu ouvido. “A irmãzinha dela estava no
incêndio. Ela sobreviveu.”

Eu levantei e as sobrancelhas de Trenton franziram. “Não entendi,” ele disse.

“Eu explico depois. Por agora, descanse.”

Eu olhei para meu pai, a suspeita pairando em seus olhos.

Trenton concordou e encostou no travesseiro, sua respiração relaxando, permitindo


sentir-se mal do jeito que estava. Ele fechou os olhos e estremeceu, seu corpo se curvando
por causa da dor.

Meu pai ficou ao lado da cama do Trenton e passou a mão pelo cabelo castanho curto de
Trenton. “Descanse, filho.”

Trenton se inclinou sob o toque de meu pai, mantendo os olhos fechados.

O que quer que fosse, eu tinha a sensação de que Trenton ficaria no hospital mais do que
uma noite.

Capítulo 15: Melhor

::Travis::
Eu pisquei os olhos até que eles focassem na escuridão do quarto de hospital do Trenton.
Meu pai estava deitado e respirando fundo em uma cama estreita no canto do quarto, eu
tinha caído no sono numa cadeira ao lado da cama do Trenton. O intravenoso parecia estar
sugando o ar, o sistema de comunicação fora do quarto chamava uma enfermeira para que
ela fosse até a estação da enfermaria, e- desde que estou aqui - alguém entrou no quarto
para tirar o sangue de Trenton, e uma enfermeira veio checar os sinais vitais e os fios de
Trenton a cada hora. Eu me perguntava como alguém poderia ter algum descanso para se
recuperar em um hospital. Eu nem mesmo era paciente e já estava me sentindo exausto e
doente.

Meu celular vibrou, e percebi que tinha várias mensagens que não li.

“Merda,” eu chiei, me sentando para checar meu telefone. Tinha só uma mensagem da
Abby, me mandando boa noite. Eu sorri, evitando responder. Deus, eu sentia falta dela. Era
a primeira noite que passávamos separados desde Vegas, e era uma droga. Enorme. As
outras mensagens eram do Thomas e dos gêmeos. Eu li as mensagens e as respondi.

Não, sem novidades.

Ele está estável.

Eu ligo se algo mudar.

A Dra. Walsh entrou quietamente no quarto, segurando dois copos de café com tampas,
parecia que ela tinha acabado de acordar de uma soneca. “Ei.”

“Ei,” eu sussurrei, esfregando meus olhos. “Isso é para mim?”


Ela me entregou um dos copos, e tomou um gole do dela, olhando Trenton dormir. “A cor
dele já voltou. Os sinais vitais estão bons também.”

“Como você sabe?” eu perguntei.

Ela acenou com a cabeça em direção a porta. “Telas na sala da enfermaria.”

“Você estava aqui de olho nele?”

“Em todos os meus pacientes, mas sim. Em especial no Trenton.”

A resposta dela me deixou preocupado. “Já saiu o resultado de algum dos exames?”

A Dra. Walsh olhou Trenton da cabeça aos pés. “Sim. A contagem de glóbulos brancos está
significativamente elevada, em torno de 15 mil. Nós gostaríamos que o número de
bastonetes fosse por volta de um ou dois. A contagem de Trenton está em 12.”

Eu franzi os olhos. Eu nunca tinha escutado isso antes. “O que são bastonetes?” O que isso
significa?”

“Bastonetes são neutrófilos imaturos deixando a medula óssea. Uma contagem elevada
significa que ele está com uma infecção na medula óssea, provavelmente contraída logo
depois do acidente. Nós vamos tratar com antibiótico intravenoso e ele deve estar melhor
em um dia ou dois.”

“Oh,” eu disse, piscando. “Obrigado.”


Ela sorriu, um cacho ruivo caindo em seu rosto. “Ele estava bem desidratado. Isso pode ter
contribuído para a inabilidade de seu corpo lutar contra a infecção. Ele tem ajuda em casa?”

“Sim. Sim, a namorada dele é bem devotada. Ele só é teimoso.”

“Onde ela está?”

“Eu…” eu tive que pensar por um segundo antes de responder. “Eu falei pra ela ir para
casa. Ela tem que trabalhar pela manhã. Ela é a única fonte de renda no momento, então…”

“Fale para ela que chegou a hora de ser mais teimosa do que o Trenton.”

“Eu vou falar.”

A Dra. Walsh saiu tão quietamente como entrou. As persianas estavam fechadas, mas o
céu ainda estava visível através das frestas. Era um tipo diferente de escuro. Um não tão
preto logo antes que o sol começasse a nascer, e estava criando sombras nas paredes
brancas do quarto.

A boca do meu pai estava entreaberta como se tivesse se desengonçado em algum ponto
da noite. Seu leve, meio que ronco me transportou diretamente à minha infância, e percebi
que era relaxante. Eu me lembrava vagamente de quando ele caía no sono ao lado da
cama hospitalar de minha mãe em casa, uma memória difícil que tive que lidar. Eu olhei
para Trenton em sua cama, lembrando a mim mesmo de que ele iria ficar bem. Há um ano,
a opção alternativa seria impossível até mesmo de imaginar, mas depois de tantos limites
tênues, o medo se tornou real. Trenton estava inquieto mais cedo, como se ele estivesse
tendo um pesadelo, mas conforme os antibióticos foram se infiltrando em seu sistema, ele
caiu em sono profundo. Sua cabeça pendeu para o lado, seu corpo afundado no colchão
barato do hospital. Eu esperava que essa fosse a última vez que teria de ver um dos meus
irmãos deitado numa cama de hospital. Pelo menos dessa vez Trenton e meu pai
acordariam com boas notícias. Thomas e os gêmeos estavam em outro fuso horário - uma
ou duas horas mais cedo - então eu daria mais algumas horas para dormir antes de ligar.

Uma vibração na pequena bandeja colocada em cima da mesa em formato de L de cabeça


para baixo ao lado da cama do Trenton fez com que eu deixasse o café na mesa e pegasse
meu celular. O nome do meu chefe, Brandon, apareceu na tela.

Preciso que você pegue quatro horas hoje. Eu tenho alguns clientes para você cobrir aqui.

Eu digitei uma resposta. Meu irmão está no hospital. Chame o Ray.

Ray está doente.

Então pergunte a outra pessoa. Essa resposta era tão diplomática quanto eu poderia ser.
Conhecendo Brandon, ele deveria estar com uma garota em algum hotel e assim sua
namorada grávida não saberia que ele a estava traindo… de novo. Eu não iria deixar
Trenton e meu pai sozinhos para que ele pudesse transar, mas meu trabalho estava
finalmente pagando as contas. Mantê-lo significava andar numa linha tênue com Brandon.

Que tal eu perguntar para sua mulher?

Levei cinco minutos inteiros para me acalmar antes mesmo de sequer pensar em uma
resposta. Brandon aprendeu rapidamente que mencionar a Abby era um ponto sensível
para mim, e ele adorava cutucar a onça com vara curta. Eu precisava do emprego tanto
quanto precisava dar uma surra nele. Brandon era a única pessoa no planeta que poderia
mencionar Abby em qualquer forma não respeitosa e escapar ileso, mas até agora ele tem
andado no limite da linha imaginária que eu desenhei para ele.

E que tal se eu te matar enquanto você dorme? Pronto. Uma resposta sarcástica o
suficiente para ele pensar que eu estava brincando.
Hahaha. Tá bem. Vou perguntar ao Luke.

Eu abaixei meu celular e cobri o rosto com as mãos, enfiando os cotovelos no colchão de
Trenton.

“Ei,” Trenton sussurrou, tocando o topo de minha cabeça. “O que foi? A doutora veio aqui?”

Suas sobrancelhas estavam franzidas, a preocupação criando uma linha profunda entre
elas. Eu tirei sua mão da minha cabeça e a segurei junto ao colchão, dando um tapinha.
“Sim. Ela tinha boas notícias.”

Trenton olhou em direção ao teto e soltou um suspiro. “Graças a Deus.” depois de alguns
segundos, ele socou o travesseiro com sua mão boa até que aguentasse sua cabeça o
suficiente para que ele se sentasse. “Saíram os resultados dos exames?”

“Alguns deles. Aparentemente você está com uma infecção na medula óssea por causa da
batida. Ela vai voltar mais tarde para explicar, mas você vai ter alta em um dia ou dois.”

Trenton sorriu e depois cobriu seu rosto. “Caralho, estou tão aliviado.”

“Você pensou que fosse morrer, seu maricas” eu o provoquei.

“Eu não tinha certeza,” Trenton disse. Sua expressão fez meu sorriso desaparecer. “Eu tive
muita sorte esse ano.”

“Pelo menos a conta já está paga,” eu disse, me recostando e cruzando os braços na altura
do peito.

“Com certeza,” Trenton disse, levando a sobrancelha. “Então o que tem de errado?”

“Ah, isso foi meu chefe mandando mensagem pedindo que eu vá trabalhar. Ele fez uma
piada sobre Abby. Eu estou tentando não planejar seu desaparecimento.”

A cama de Trenton estalou conforme ele se mexia para ficar confortável. “Existe um rumor
de que Brandon tem um desejo de morrer. Você sabia que ele dormiu com a mulher do
John Brigham no ano passado?”

“O policial?”

“Sim. Ele foi suspenso por bater num cara algemado. Brandon ouviu a história, então saiu
correndo e prendeu a mulher dele.”

Eu franzi. “Na Abby eu confio, mas eu preciso desse trabalho, e não precisaria de muito
para que eu atacasse esse pedaço de merda.”

“Só deixa ela longe dele, e ele não vai colocar as mãos nela. Você está melhorando nessa
coisa de se manter calmo, mas ele se tocá-la… que Deus o proteja.”

Eu assenti. Esse seria o plano. Eu teria que explicar melhor para a Abby. Essa era uma falta
de comunicação que eu não poderia ter.

“Vá para casa,” Trenton disse. “Descanse um pouco. Leve o pai com você.”
Eu neguei com a cabeça. “Você sabe que ele não vai arredar o pé daqui enquanto você não
tiver alta.”

“Não preciso de vocês dois aqui. Saia daqui, seu imbecil. Ninguém quer você aqui, de
qualquer forma.”

Eu o larguei, me levantando para pegar as chaves, carteira e celular e depois me inclinei


sobre ele, encostando meu rosto em sua têmpora. Dei um beijo rápido em sua testa e me
despedi.

A volta para casa dentro de um táxi foi silenciosa e longa. Eu fiquei grato que o motorista
estava cansado demais para conversar, porque eu tinha coisas demais passando pela
cabeça. Eu sabia que ficaria na cama com Abby por somente uma hora antes que ela
tivesse que levantar para começar o dia. O sol espreitava por entre as nuvens e eu
direcionava o motorista para ele estacionasse ao lado do Camry, e entreguei-o uma nota de
dez dólares. Antes que ele pudesse me entregar o troco, eu já estava subindo os degraus
da porta da frente, deslizando a chave para dentro da fechadura.

O apartamento estava escuro, pregos minúsculos batendo contra o chão e o ar


condicionado fluindo através das aberturas eram os únicos barulhos. Eu me inclinei para
fazer carinho no Totó e peguei sua coleira, levando-o para fora, no caminho de grama logo
em frente de casa. Totó cheirou cada vaso, poste e pedestal que sua coleira permitisse
alcançar, e finalmente, quando ficou satisfeito, levantou a perna. Ele chutou para trás a
grama em volta de onde ele tinha mijado, parecia que ele tinha acabado de conquistar um
exército Viking. Eu o peguei, correndo nos degraus, para eu pudesse deitar ao lado de
minha esposa.

Deixei Totó no chão e tirei sua coleira, tirando a camiseta no caminho para o quarto.
Quando eu abri a porta, ela rangeu e eu podia ver a silhueta de Abby se mexer. Arranquei
as botas, desabotoei os jeans e o abaixei, saindo dele antes de me enfiar debaixo das
cobertas.

Abby murmurou quando eu a envolvi em meus braços, empurrando a bunda para trás para
encostar no meu quadril, mexendo de um lado para o outro. Eu estava duro em dez
segundos, mas isso só fez com que ela se esfregasse mais em mim.

“Você finalmente decidiu vir para casa?” ela perguntou.

Eu a puxei contra meu peito, sentindo sua pele quente contra a minha. Ela cheirava a
xampu cítrico e seu creme favorito. Eu estava no paraíso. Eu encostei minha testa em sua
nuca e ela congelou.

“Trenton está bem?”

“Sim,” eu disse, beijando sua pele macia. “Ele vai ficar bem. Ele vai ter que ficar mais uma
noite ou duas e depois ele vai poder ir para casa.”

Ela relaxou. “Que bom. Eles disseram o que tinha de errado?”

“Infecção na medula óssea,” eu falei, enfiando minha cabeça em suas costas. Meu corpo
todo ansiava por ela.

Ela se virou para me encarar. “E que diabos é isso?”

“Eu sei! Nunca tinha ouvido falar disso também. Só o Trenton mesmo.” Eu beijei seu
pescoço, traçando um caminho até sua orelha.

Ela respirou fundo. “Eu deveria levar o Totó para passear.”


“Já fiz isso,” eu disse.

“Já te disse que você é meu marido favorito?” ela perguntou, sorrindo enquanto
espreguiçava.

“É porque sou seu único marido,” eu disse, pressionando meus lábios contra os dela.

Ela me empurrou no colchão até que eu estivesse olhando para o teto. Sua boca estava no
meu pescoço, provando, alternando entre beijos e estalidos com a língua. Ela murmurou
enquanto traçava uma linha para minha clavícula, e depois ela desapareceu debaixo do
edredom, lambendo o caminho para o meu peito e abdômen até que alcançasse minha
boxer com umas de suas macias mãos.

“Santo Deus, Beija-Flor”, eu gemi, reagindo a sensação de sua boca quente e molhada no
meu pau. Eu cobri meu rosto com as mãos, pensando no que eu tinha feito para merecer a
mulher com quem eu tinha me casado. Dez minutos antes, eu não via a hora de tê-la em
meus braços. Agora ela estava entre minhas pernas, agarrando minha dureza em sua mão,
me mostrando exatamente o quão feliz que ela estava por eu estar em casa.

Ela jogou para trás os cobertores e olhou para mim, seus olhos cinzas sonolentos e
sedutores. Eu levantei a cabeça para olhar para ela, passando meu dedão por seu rosto,
balançando minha cabeça com reverência. Todo dia eu pensava que não poderia amá-la
mais do que já amo, mas eu amava. Eu sempre amaria. Às vezes, pensando em como seria
forte meu amor por ela daqui um ano, ou dez, era assustador pra caramba, mas não tinha
medo de nada.

“Quem é a melhor esposa?” ela perguntou, abaixando sua cabeça enquanto seu olhar
encontrava com o meu.

“Você,” eu disse, deixando minha cabeça relaxar e pender para trás. “Você é mais do que
melhor. Sem sombra de dúvidas.”
Sua cabeça afundou de novo, meus olhos reviraram para cima, esquecendo de todo o resto
menos ela.

Capítulo 16: Bárbaros

:Abby:

America suspirou, sua pele com óleo brilhando no sol do início de junho. O biquíni tinha
menos tecido do que o meu, um tomara que caia listrado de coral e branco e uma calcinha
atrevida que permitia bronzear o máximo de pele possível. O gelo tilintava junto com o copo
conforme ia derretendo - e com tudo mais em Eakins. Nós estávamos felizes assando
nossa pele no canto mais distante da piscina cercada no meio do condomínio do meu
apartamento. A água espirrou e America rosnou, levantando a cabeça para ver quem eram
os desajeitados que dividiam o espaço com a gente.

“Mare,” eu a alertei.

“Deixe eu gritar para eles uma vez. Só uma.”

“Aí eles vão querer fazer de novo. São os filhos da Marsha Becker. Ela os deixa correr por
toda a propriedade como bárbaros e depois grita com as pessoas por terem a audácia de
tentar educá-los. Deixa pra lá. Cai bem um pouco de água uma vez ou outra, de qualquer
forma.”

“Até que você se dá conta que eles mijaram naquela água,” ela resmungou, reposicionando
seus óculos de sol grandes e quadrados.

Eu ri, olhando para minha melhor amiga. Seu perfil era perfeito, com lábios carnudos, nariz
de duende e um maxilar e bochechas suavemente definidos. Ela poderia ter sido modelo ou
atriz em Los Angeles se ela não tivesse me seguido até Eastern State.

“Então Trenton vai ficar bem. Que alívio,” ela disse. “Eu sei que os pais do Shepley foram
visitá-lo hoje. Acho que o Jim estava realmente preocupado.”

“Sim, ele é bom em esconder isso.”

“Deve ser por isso que você se dá tão bem com ele,” ela falou com um sorrisinho. “A
propósito, parabéns naquele negócio com aquele professor. O estágio ou algo assim. Estou
tão orgulhosa de você. Você trabalhou duro pra conseguir isso.”

Eu sorri, me sentindo estranhamente afetuosa com ela naquele momento. “Mare, se lembra
de quando nos conhecemos?” eu perguntei. “Quero dizer, no primeiro dia?”

Ela se levantou com os cotovelos e me olhou por cima dos óculos. “Como eu poderia
esquecer? Você era aquela garota confiante, mas tímida, perdida, exótica e abandonada.
Eu te amei no momento em que coloquei meus olhos em você. No primeiro dia do terceiro
ano do ensino médio.”

Eu me virei de bruços, sorrindo para ela. “Você não me amava. Só tinha uma queda por
mim.”

“Não, era amor. Eu propositalmente peguei o lugar ao seu lado e te chamei pra minha casa
nos primeiros cinco minutos. Você estava em casa naquela noite para o jantar e nunca mais
saiu. Por um bom tempo.”

“Seus pais foram incríveis. Minha mãe era…”


“Uma bêbada.” Seu sorriso desapareceu. “Você falou com ela?”

Eu neguei com a cabeça. “Acho que ela nem mesmo sabe que eu estou casada. O quão
bagunçado é isso?”

“Ele ligou?”

“Mick? Não,” eu disse, balançando a cabeça. “Travis mataria ele se ligasse, e você conhece
Mick. Sempre sendo o covarde.”

America encarou a piscina. “Travis tem que entrar na linha. Sabe no que eu estava
pensando outro dia? Você e Travis se casando em Vegas.”

Eu tentei deixar minha expressão tranquila, temendo o momento que eu teria que lembrá-la
que seria melhor se ela não soubesse toda a verdade. America sabia que tínhamos ido na
luta e sabia também que fugimos para Vegas, mas ainda poderia se fazer de idiota se fosse
questionada pelos policiais federais, e eu queria mantê-la o mais longe possível da nossa
bagunça.

“Você chegou a encontrar o Jesse?” ela perguntou.

A pergunta me pegou desprevenida. Não pensava em Jesse desde da primeira vez que
levei Travis a Vegas. “O que fez você perguntar isso?”

“Eu não sei. Só surgiu na minha mente e eu imaginei ele te vendo vestida de noiva e
vomitando.”

“Vomitando?” eu me virei e sentei, puxando comigo e metade de cima da espreguiçadeira


em que eu estava deitada. Ajeitei o cabelo para o lado, penteando-o com os dedos antes de
fazer uma trança lateral. Mesmo assim, o final ainda alcançava embaixo do peito. Estava
ficando comprido e mais claro com o sol do verão, uma versão mais loira do minhas
tradicionais mechas cor de caramelo. Eu não tinha o corpo de modelo, mas tinha fisgado
Travis Maddox. Minha aparência certamente não era causadora de vômitos, especialmente
no dia do meu casamento. “Eu sinto como se devesse ficar ofendida.”

“Não, sua estúpida,” ela riu. “Vomitar no sentido dele ficar enjoado de te ver casando com
outro. Ele estava completamente certo até o dia em que você saiu de Vegas que vocês se
casariam. E pelas mensagens por quase um ano depois, eu diria que ele acreditou nisso
por mais algum tempo.”

“Belos peitos,” um dos garotos Becker disse, levantando uma das sobrancelhas para mim
antes de correr e pular na piscina. Pelas gargalhadas e toques de mão, eu imaginava que
ele tinha sido desafiado.

America abriu a boca, mas eu gesticulei para que ela não falasse nada.

“Não,” eu disse. “E eu sei o que Jesse disse. Mas não, eu não o vi.”

“Fiquei surpresa por ele ter deixado você ficar para recuperar aquele dinheiro para o Mick.
Eu achava que ele te odiava.”

“Ele provavelmente odeia.”

America se esticou, deixando sua cabeça recostar. “Ah, bem. Em todo o caso, não é como
se eu não tivesse visto esse drama se desenrolar.”

Eu ergui o pescoço, encarando-a.


“O quê? Ele dirigiu até Wichita para te ver. Você o decepcionou e não foi pouco. Até meus
pais ficaram chocados.”

Eu fechei os olhos, tentando impedir que a memória se formasse na minha mente. “Você
tem que falar sobre isso?”

“Eu só estava pensando nisso outro dia. Imaginando o que ele pensaria, o que ele faria se
tivesse visto você. Se ele não tivesse… é frustrante.”

Eu franzi o rosto, vendo os bárbaros da Marsha Becker jogarem duas garotas desavisadas
dentro da piscina. Jesse estava apaixonado por mim, e eu tentei por um longo tempo me
apaixonar por ele. Ele era um local seguro para me apoiar quando minha mãe estava
bêbada e Mick em uma de suas ressacas. Jesse foi sempre fofo, com fala suave e
carinhoso. Depois do meu casamento com Travis eu percebi porque era impossível amar
Jesse. Eu estava destinada a ser a Sra. Maddox. “Você já pensou no que Travis e Shepley
estariam fazendo agora se não tivéssemos vindo morar em Eakins?” eu perguntei.

“Eu não imagino, eu sei. Shepley estaria no seu apartamento - exceto pelo fato que seria o
apartamento dele - e Travis estaria na cadeia junto com o Adam.”

“Não diga isso,” eu disse, enojada.

“Ele teria ido naquela luta, Keaton teria pego fogo…”

“Adam estava tentando deixar tudo debaixo dos panos porque a luta já tinha rolado uma
vez. Eles usaram as lanternas para não chamar atenção já que os policiais apareceram na
última luta. Eles tinham vindo porque aconteceu uma briga, e a briga aconteceu porque
aquele idiota me atacou. Se não tivéssemos ido, talvez o incêndio nunca tivesse
acontecido.”
America levantou uma sobrancelha. “Abby, se eles não estivessem conduzindo lutas ilegais
em velhos prédios com gente demais e poucas saídas, ninguém estaria lá para começar o
incêndio. Ninguém estaria lá para morrer. Todos nós fazemos nossas escolhas. E não deixe
Travis ouvir você falando assim. Ele já se sente culpado o suficiente sem você colocando a
culpa em si mesma.”

“Eu não estou falando com Travis sobre isso. É por isso que estou falando com minha
melhor amiga.”

“E sua melhor amiga está dizendo que você está sendo idiota. Desista. De qualquer forma,
nós não nos encontramos aqui para falar do incêndio ou sobre Jesse vomitando. Vamos
falar sobre o seu casamento.”

“Ei, loirinha, vem sentar aqui no meu colo,” um dos garotos Becker gritou.

America levantou o punho e orgulhosamente mostrou o dedo do meio.

“Mare!”, eu a repreendi.

Ela não estava menos do que satisfeita.

Eu soltei a cadeira e deitei. “Por favor, sem conversas sobre o casamento hoje. Eu falei que
poderíamos fazê-lo. Mas isso é para você. Eu não quero outro casamento, lembra?”

America puxou o caderno e uma caneta de dentro da sua bolsa de praia. “Então, eu estava
pensando em St. Thomas. Porque você pergunta? Porque não precisamos de passaporte, é
bonito, não é o seu destino usual para casamento e o Ritz-Carlton tem um lindo local com
um pacote de casamento.”
“Parece ótimo,” eu falei.

America marcou um check em seus rascunhos e deixou a caneta em seu abdômen,


batendo palmas. “Minha esperança era você dizer que sim! Vai ser perfeito! Ok, Segunda
pergunta. Cores. Eu estava pensando em azul piscina, coral, rosa, cor de espuma do mar e
creme. Ou poderíamos ousar um pouco mais e colocar roxo e laranja, mas eu prefiro a
primeira combinação.”

“Também prefiro.”

Ela aplaudiu de novo.

“Eu tocaria nisso,” um dos garotos Becker disse. “Duas vezes.”

America respirou fundo pelo nariz, desesperadamente tentando ignorá-los. “Agora, a


recepção. O Ritz tem um grande restaurante do lado de fora chamado Sails. Lá tem umas
tendas grandes que eles puxam e funciona como um teto, e como é o Caribe, tem uma
tendência de chover, e também podem baixar as coberturas laterais para nos proteger de
qualquer banhista. Nós podemos mudar a cerimônia pra lá se for necessário.”

“Ótimo.”

Ela gritou. “Eu sei que você não está afim de fazer isso, Abby, mas vai ser lindo e todos nós
vamos estar lá e eu vou ser uma maravilhosa dama de honra.”

“Sim, você vai.”


“Uma última coisa,” ela disse, séria. “A data.”

“Eu suponho que você já tenha pensado em uma.”

“Bem, fez sentido para mim marcar no dia do seu primeiro aniversário de casamento. Cai
nas férias de primavera do ano que vem, mas é num domingo, então nós só perderíamos o
primeiro dia de aula depois das férias.”

Eu tentei não sorrir, mas falhei. Nosso primeiro aniversário parecia tão distante, mas ainda
assim estava ao nosso alcance. Eu estaria casada com Travis há um ano inteiro, e iniciando
o segundo.

“O que foi? Você tá fazendo uma cara estranha.”

Eu ri, olhando para baixo. “Eu só… o amo.”

“Dia 21 de março, então?” ela perguntou, deixando o caderno de lado.

“21 de março.”

O mais velho dos garotos Becker pulou na piscina segurando os joelhos na altura do peito,
mandando uma parede de água na nossa direção. Nós duas arquejamos, sentando com as
bocas abertas.

“Mare!” eu disse, tarde demais.


Ela levantou, com a bolsa de praia na mão, pingando enquanto colocava os pés descalços
em seus sapatos. “Seus bostinhas! A melhor parte de vocês não conseguiu entrar no óvulo
da sua mãe!”

Todos na piscina congelaram, olhando para nós.

“Ah, inferno,” eu disse, pegando minhas coisas e deslizando em meus shorts jeans. “Vamos
antes que Marsha escute o que você acabou de falar.”

“Eu espero que ela escute!” America gritou. “Alguém precisa dizer pra ela! Seus filhos são
pequenos demônios! Vocês são maus!” ela gritou, saindo como um furacão pelo portão e
seguindo em direção ao meu apartamento. “Diga a sua mãe que a piscina não é a porra
deuma babá!” ela apontou para um deles. “E você precisa cortar o cabelo!” e apontando
para o outro disse, “E você precisa de aparelhos! Jesus Cristo, eu teria vergonha de ter um
bando de filhos antipáticos! Vocês sabem porque a mãe de vocês não está aqui com
vocês? Porque ela está sentada em casa, se escondendo da sociedade, se sentindo
humilhada pelo péssimo trabalho que fez com vocês!”

“Ai caralho, America, você perdeu a cabeça. Anda. Anda!”, eu ordenei.

Os garotos se vangloriavam, radiantes com a reação da America.

“Eu vou ter filhas e elas vão ser bem educadas!”, ela disse apontando para todas as
direções. Ela parecia uma louca.

“Você acabou de se amaldiçoar,” eu disse, andando com ela para meu apartamento. “Agora
você está destinada a ter um bando de garotos barulhentos e repugnantes.”
“Não, eu não vou ter filhos assim. Duas meninas gêmeas em vestidos brancos puros, que
irão dar umas bofetadas em garotos como esses Beckers.”

Eu destranquei a porta e a fechei atrás de America, depois coloquei na mesa a bolsa,


óculos de sol e as chaves. America sentou no sofá, completamente envolvida pelas redes
sociais no celular. Eu tirei a sandália e entrei na cozinha, vendo o que tinha para
descongelar para a janta. A casa estava limpa, a roupa lavada. A única coisa a fazer era
cozinhar. Eu olhei para o relógio pendurado na cozinha. Travis estaria em casa na próxima
hora, e -”

“Beija-Flor?” Travis chamou quando abriu a porta. Ele jogou as chaves ao lado das minhas
e acenou com a cabeça para America. Quando me viu, ele sorriu. “Ei, baby.”

“Oi,” eu disse sorrindo enquanto ele andava com longos passos até a cozinha e me
envolveu em seus braços.

Depois de alguns beijos, America gemeu e levantou. “Essa é minha deixa. Me ligue depois.
Estou voltando para Wichita pela manhã.”

“Não,” eu reclamei, indo em direção a ela. “Você não pode ficar só aqui?”

“Mark e Pam não são tão legais assim,” ela disse fazendo biquinho. “Meu pai está com
medo que eu passe muito tempo com o Shep e eu acabe fugindo. Eles já me avisaram que
é melhor eu tirar o cavalinho da chuva sobre aquela ideia de mudança.”

“Fugir? Não posso nem imaginar de onde você tiraria essa ideia,” Travis disse, beijando
meu rosto antes de ir abrir o congelador. Ele tirou um pacote de peito de frango e colocou
na pia. “Eles deveriam vir aqui. Ver que a Abby não está miserável. Na verdade, ela está
bem feliz. Eu me garanto de fazê-la feliz.” Ele piscou para mim e eu tentei acalmar o frio na
barriga.
“Eles continuam não querendo que eu case antes de me formar. Eu também não quero,
mas Wichita é um saco. E eu sinto falta do Shep. Eu acho que de vocês também.”

Eu a belisquei e ela chiou. “Eu passo aqui antes de ir embora.” Ela me abraçou, beijou meu
rosto e desapareceu atrás da porta.

Meu telefone tocou segundos depois, sinalizando uma mensagem de America. “Algumas
coisas nunca mudam,” eu disse.

Orgulhosa do Travis. Ele não falou do bíquini nenhuma vez.

“Você não estava usando isso lá fora, não é?” Travis perguntou.

Eu gargalhei.

“O que foi?” ele perguntou.

Eu joguei meu telefone, deixando-o ler a mensagem da America.

Ele deixou a cabeça pender para trás, odiando essa conclusão inevitável tanto quanto eu.
“Ah.. não posso evitar. Olhe para você,” ele disse, apontando todos os dez dedos para mim.
Ele me envolveu em seus braços novamente, enchendo meu rosto e meu pescoço com
vários beijinhos. “Não é fácil ter uma mulher tão bonita assim.”

“Acostume-se.”
“Sim, senhora.”

“Como está Trent? Você passou lá?”

“Não, ele recebeu alta no início da tarde. Eu pensei que poderíamos passar lá depois da
janta. Ele está na casa do meu pai enquanto Cami está trabalhando.”

“Boa ideia,” eu disse, abrindo o armário. Eu olhei as latas de vegetais, tentando decidir entre
milho, ervilhas ou vagem. “O que vamos fazer com o frango?”

“Eu ia só colocar eles na grelha.”

“Então milho e purê de batatas?” eu perguntei.

“Parece bom para mim. Depois Netflix e relaxar?”

Eu o encarei. “Nós somos tão chatos.”

“Eu gosto de chatice. Chato é bom.”

Alguém bateu na porta, e eu deixei Travis na cozinha para atender a porta. “Mare esqueceu
alguma coisa ou é a Marsha Becker.”

“Marsha Becker?” Travis perguntou, enrugando o nariz.


“Se for ela, você vai descobrir bem rápido,” eu disse antes de girar a maçaneta e abrir a
porta. “Olá.”

“Oi,” o homem em frente de mim disse, sua boca se virando em um sorriso meio diabólico.
Seus músculos estavam tentando pular para fora da camiseta assim como os de Travis, e
ele olhava para mim do mesmo jeito que Travis olhava para qualquer coisa com uma vagina
antes de se apaixonar por mim. “Travis está por aí?”

“Brandon,” Travis disse, ficando tenso imediatamente. “O que você está fazendo aqui?”

“Pensei em passar por aqui,” ele disse, passando por mim. Ele olhou em volta, julgando
cada canto do nosso apartamento, depois me secou da cabeça aos pés. Eu cruzei os
braços sob a barriga, sentindo seus olhos se demorarem em cada uma das minhas curvas.
Não ajudava o fato de eu estava só com a parte de cima do bíquini e de mini shorts na
primeira vez que encontrava o chefe do Travis. “Eu queria conhecer a mulher que domou
Travis Maddox.”

A mandíbula de Travis travou, suas mãos se fecharam em punhos. Se Brandon olhasse


para mim mais uma vez, eu tinha receio que Travis iria atacá-lo.

“Baby,” eu disse, andando em direção ao Travis até que ficasse atrás dele. “Estávamos
quase jantando. Eu não sabia que seu chefe iria aparecer. Foi bom te conhecer Brandon,
mas talvez outra noite?”

Brandon piscou, surpreso pela rejeição. “Ahn… claro. Sim, me desculpem pela intrusão. Eu
vim ver um amigo alguns prédios perto daqui, e no calor do momento decidi parar aqui.
Você está certa. Travis está casado. Não posso mais passar desavisadamente.”

“Tudo bem,” eu disse. “Tenha uma boa tarde.”


“Te vejo amanhã, Trav.” Seu olhar caiu sobre mim. “Espero que ver de novo em breve,
Abby.”

Travis baixou a cabeça uma vez, vendo Brandon sair como se estivesse esperando um
assaltante fazer um movimento. No segundo em que a porta fechou, os ombros de Travis
relaxaram e ele soltou o ar que estava prendendo. “Que merda,” ele disse, passando a mão
na nuca. “Isso quase acabou mal.”

“Que merda foi essa?” eu perguntei, girando o trinco.

“Isso foi o Brandon Kyle tentando fuder comigo.”

“Você traz bastante dinheiro para ele. Por que ele faria isso?”

“Eu não sei,” Travis disse, voltando para a pia. Ele olhou pela janela, vendo Brandon
atravessar o estacionamento para o próximo prédio. “Eu tenho a impressão que ainda
vamos descobrir.”

Capítulo 17: Um diamante não é o suficiente

:Travis:

Ao invés da mesa de jantar, Abby e eu jantamos sentados no velho carpete felpudo na sala
de estar do meu pai. Abby preparou uma bandeja para ele, e Trenton estava relaxando no
sofá surrado, cercado de almofadas usando seu colo como uma mesa. Oito diferentes
frascos prescritos estavam alinhadas no braço do sofá próximo a ele.
Eu sorri enquanto via Abby levantar-se com os joelhos visando a boca de Trenton com um
pedaço de frango assado espetado no garfo, meu irmão e minha esposa gargalhavam.
Papai sorriu na direção dos dois. Sempre que a casa parecia do jeito que era quando minha
mãe estava viva, qualquer momento de felicidade do meu pai era elevado a um lugar
intocável.

Os dentes de Trenton rasparam contra o garfo quando Abby puxou de sua boca e
estremeceu. “Ah, não! Você sabe que eu odeio isso!”

Trenton sorriu enquanto mastigava. “Eu sei.”

Abby pressionou os lábios, pegou um pedaço de frango e jogou no rosto de Trenton. Ele
deveria esperar por aquela reação, pois ele abriu a boca e acertou direitinho. Ele mastigou,
e ela o encarou, nem um pouco brava.

“Está gostoso, Abby,” Trenton disse.

Ela imediatamente ficou mais tranquila. “É receita do Trav.”

“É da nossa mãe,” Trenton falou.

Ela virou para mim. “Ele está falando sério?” Eu assenti. Ela empalideceu. “Ah, vamos lá,
Trav. Você tem que me contar essas coisas. Eu não posso servir uma versão piorada do
frango assado da sua mãe para o seu pai.”

“Está perfeito,” meu pai disse. “Quase.”

“Quase,” Abby disse fazendo biquinho e remexendo a comida no prato.


“Me desculpe, Beija-Flor. Nem pensei nisso. Eu venho estragando a comida da minha mãe
durante anos. Mas veja,” eu disse, mostrando a ela meu prato vazio.

Abby franziu as sobrancelhas. “Você é um ótimo cozinheiro. Foi a única razão porque eu me
casei com você.”

Eu assenti, sorrindo para disfarçar o vergonhoso fato que eu me ressenti. “Ah, é mesmo?
Bem, eu só casei com você porque…” Abby levantou uma sobrancelha e eu engoli seco.
“Você é má.”

“Você casou comigo porque eu sou malvada?”

“Uma das várias razões.”

Ela deu de ombros, jogando um pedaço do frango na boca. “Tanto faz. Contanto que
estejamos casados.”

Se meu pai e Trenton não estivessem sentados lá, eu teria a envolvido em meus braços e a
pedido em casamento tudo de novo. Abby raramente me falava esse tipo de coisa, que me
transformava de um marido durão para um namorado desesperado em um segundo.

“Baby,” eu disse, incapaz de esconder a emoção na minha voz. A parte mais difícil em ser o
marido da Abby era achar formas de mostrar que ela é tudo para mim. Flores e jantares
especiais não tinham graça em comparação a pedir para ela ser minha esposa. Eu me
toquei então que, na verdade, não a tinha pedido em casamento. Abby me pediu. Eu
comprei o anel e pensei em alguns cenários, mas isso jamais chegou perto de ser
comparável.
Abby comeu o último pedaço e baixou o prato, rastejando em minha direção. Ela deu uma
mordida na minha bochecha e depois pegou meu prato vazio. “Alguém mais acabou?”

“Deixa comigo, Abby,” meu pai disse, se aproximando da ponta poltrona reclinável enquanto
tentava afastar a bandeja. “Você cozinhou. Eu lavo.”

“Não se atreva,” Abby disse, pegando o prato dele. “São quatro pratos, quatro garfos, quatro
facas e uma panela, acho que consigo lidar com isso.”

Meu pai observou Abby fugir com seu prato e depois com o de Trenton, e sorria
alegremente enquanto dominava a cozinha. “Ela pode ser várias coisas, mas má não é uma
delas.”

“Sim, ela é,” eu disse, vendo ela enxaguar a louça na pia com um sorriso bobo. “E eu falei
sério. Prefiro que ela seja má comigo do que adorada por qualquer outro.”

“Você é a porra de um bebezão, Travis. Ela não é malvada,” Trenton disse.

Eu revirei os olhos e relaxei contra a parte de baixo do sofá. “Deus, mal posso esperar até
você estar bem para eu poder dar um soco na sua cara.”

“Você vai ter que cavar toda essa areia da vagina, primeiro.”

Eu estendi a mão e arranquei alguns pelos da perna dele e Trenton gritou.

“Oh, idiota! Eu não me sinto bem.”


“Travis Carter,” Meu pai avisou.

Eu levantei as mãos. “Como você consegue conviver consigo mesmo, sabendo que você
criou um mentiroso?”

Meu pai riu, moveu a bandeja para longe o suficiente da poltrona. “Eu me faço a mesma
pergunta toda vez que olho para você.”

Trenton cacarejou, e depois abraçou a barriga gemendo. “Ah, merda. Não me façam rir. Doí
tudo.”

“Trav,” Abby me repreendeu da cozinha.

“Desculpe, Beija-Flor!” eu disse e fiz careta para o Trenton. “Para de chorar, você está me
colocando em apuros.”

“Eu estou com dor aqui, seu imbecil!”

Eu dei uma bofetada no joelho dele. “Eu sou imbecil? Você tem mais imbecilidade na sua
personalidade do que pinto nas suas calças.”

Trenton deu risada de novo, e gemeu logo em seguida. “Eu te odeio. Pare.”

Eu suspirei, olhando por cima do ombro para me certificar de que Abby ainda estava
ocupada. “Então… Brandon Kyle passou em casa hoje. Sem avisar. Ficou secando minha
esposa.”
O que tinha sobrado do sorriso de Trenton desapareceu depois que falei o nome do meu
chefe. “Que merda ele queria?”

“Quem é esse?” meu pai perguntou.

“Brandon Kyle. Ele é o dono da Iron E,” Trenton respondeu. “Ele dormiu com pelo menos
duas das mulheres ou namoradas dos treinadores da academia. Isso sem contar as de
outros caras pela cidade. Na maioria das vezes eram caras grandes e mau humorados.
Brandon vê isso como um esporte.”

Papai nos acenou para longe. “Bom, essas esposas não eram a Abby Maddox, eram?”

Quando meu pai disse o novo nome da Abby instantaneamente fez meu coração e mente
descansarem. Brandon poderia tentar o dia todo, mas nunca iria acontecer nada. Mesmo
assim, a ideia daquele idiota perseguindo minha esposa enquanto ria da minha cara me
fazia ter vontade de matá-lo.

“Eu achei que você tivesse dito que queria ganhar um bom dinheiro lá?” Trenton perguntou.

“Eu quero. É por isso que eu não entendo,” eu disse. Só tinha uma coisa em que o Brandon
conseguia pensar mais do que bunda: dinheiro.

“Bom, você precisa passar desapercebido durante um tempo,” meu pai disse. “Não deixe
que um idiota qualquer com um desejo de morte chame a atenção para você de novo.”

Meu pai estava certo. Não tinha necessidade de resposta. Receber acusações de agressão
iria contra tudo o que Abby e minha família fizeram para me proteger - eles sabendo ou não
o que estavam fazendo.

“Mudando de assunto,” eu comecei. “America está falando demais sobre esse segundo
casamento sem sentido. Eu comprei o anel, mas eu me toquei que o pedido em si na
verdade não aconteceu.”

Trenton riu. “O que? Você só colocou o anel nela, seu babaca?”

“Não,” eu franzi as sobrancelha, olhando para Abby na cozinha. Ela estava secando a
panela com o pano de prato. A conversa teria que ser rápida. “A coisa toda de Vegas foi
ideia dela. Eu já tinha comprado o anel, então eu dei para ela, mas não foi um real pedido.
Visto que o casamento vai ser feito novamente, eu achei que o pedido pudesse ser refeito
também.”

Meu pai sorriu. “Boa ideia filho.”

Trenton riu. “Flash mobs. Garotas amam flash mobs.”

“Você é desprezível,” eu disse sem expressar nenhuma emoção.

“Okay,” disse Abby, segurando um copo de água gelada. “Você sabe que horas são, Trent?”

“Hora de ver pornô com tentáculos?” Trenton perguntou com uma cara séria.

Tanto Abby quanto papai fizeram uma careta.


“O que?” Abby perguntou. “Eca. Não. Hora de tomar seus remédios.”

Trenton suspirou. As tampas abriram uma atrás da outra. Ele bebeu metade do copo d’água
para poder tomar todos eles. Trenton engoliu várias vezes, e depois devolveu o copo para
Abby. “Obrigado, mana.”

Abby levou o copo na pia e voltou, suas mãos enrugadas por ter lavado a louça. Entrelacei
meus dedos nos dela de qualquer jeito, mesmo que eles parecessem duros e fofos ao
mesmo tempo.

Assim que o céu começou a mudar de cor, eu fiquei de pé e levantei Abby comigo. Ela
abraçou meu pai e o beijou na bochecha, e depois abraçou Trenton, garantindo que não
tivesse mais nada que eles precisassem antes de irmos embora.

“Quer que eu leve a caminhonete e abasteça amanhã?” eu perguntei.

Papai negou com a cabeça. “Talvez na sexta.”

Ele nos levou até a porta e acenou enquanto dávamos a ré para a rua. Abby falou de
assuntos normais como o que precisávamos comprar no mercado, quando as contas
venciam, mas minha cabeça estava preocupada com os planos de pedi-la em casamento.
Agora que eu tinha pensado nisso, tinha que fazer, nada seria mais importante. Seja como
fosse teria que ser bom, incrível, algo que a faria lembrar o quanto ela significa para mim.

“Então, papel higiênico e uma cortina nova para o chuveiro. Algo mais que você lembre?”
ela perguntou. Um óculos estilo aviador maior do que deveria ser estavam quase na ponta
do seu nariz, o cabelo preso em um alto rabo de cavalo. Ela estava vestindo uma de suas
blusas favoritas com shorts jeans e rasteirinhas. Nada especial, e mesmo assim nunca a vi
tão bonita. Não havia um dia em que eu pensasse que não poderia amá-la ainda mais, o dia
seguinte vinha para destruir esse pensamento.
“Trav?”

“Ahn?”

“Podemos dar um pulo no mercado no caminho para casa?”

“Oh. Sim,” eu disse virando na entrada à esquerda. Eu já tinha perdido a entrada do


caminho mais rápido até o Walmart.

“Você está bem?”

“Eu? Sim.”

“Você está preocupado com o Trenton? Ele pareceu estar tão bem hoje. Ele vai voltar ao
jeito brincalhão dele rápido.”

“Ela te ama, você sabe.”

Abby levou a mão ao peito. “Eu sei, eu o amo também.”

“Minha família toda te ama. Você é uma de nós.”

Eu vi que ela deu uma piscada para mim atrás dos óculos. “Esse meio que era o plano.”
Quando eu não respondi a sua provocação, ela pegou minha mão e apertou. “Trav, o que
aconteceu para que você falasse isso?”
“Eu sou só um cara ferrado, Beija-Flor. Você faz com que eu pareça bom para todos os que
são importantes para mim porque eu finalmente eu fiz algo certo.”

“Pare. Eles não pensam assim.”

“Eu não vou estragar isso. Eu prometo.”

Ela franziu o cenho. “Trav? De onde está vindo isso?”

Eu olhei para frente, mantendo os olhos na rua. “Eu só não quero que você se preocupe
com o Brandon, ou meu trabalho… eu vou dar um jeito nisso. Eu vou deixar você orgulhosa
de mim.”

“Eu já tenho orgulho de você,” ela disse.

Quando ela olhava para mim desse jeito, nada mais importava. Eu trouxe sua mão até
minha boca e beijei seus dedos.

“Me faz pensar,” ela disse, colocando os pés descalços em cima do painel, seus dedos
manchando o pára-brisas que eu tinha limpado noite passada. Eu não me importava. Eu só
conseguia pensar em quão bonitos eram seus pés.

“Pensar no que?” eu perguntei.

“Porque esperamos tanto. Pois isso é o paraíso,” ela disse, deitando a cabeça no encosto.
A briza da noite de verão entrava pela janela, seu cabelo balançava com o vento.

Eu poderia ter vencido uma guerra, montanha, um gigante, ou qualquer outra coisa que a
vida jogasse em mim. Brandon Kyle poderia ser um maldito babaca que gostava de brincar
com fogo, mas Abby era minha esposa, ela me amava, e ela não poderia parecer mais feliz.
Estávamos nos preparando para andar por entre dez corredores de coisas que não
precisávamos, mas provavelmente iríamos colocar no carrinho de qualquer jeito ao procurar
por papel higiênico, e seria um dos milhares de momentos que eram perfeitos, mas que não
passavam de situações comuns.

E era exatamente por isso que ninguém poderia nos atingir. O FBI não tinha voltado, os
estudantes não tinham voltado. Mesmo Parker não se incomodou em vir atrás da Abby. Nós
tínhamos três meses a mais de casamento do que as pessoas achavam que fossemos
capaz de conseguir, e sem um término à vista. Pelo menos, era o que eu acreditava
naquele momento.

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