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Capitulo 1:

Acordei com minha mãe e minha irmã brigando. Pus o travesseiro em minha cara e em
meus ouvidos - tinha esperança de tapar o som -, falhei obviamente.
Isso começou a ser parte da rotina da casa. Minha mãe sempre era a primeira a acordar,
meu pai vinha depois – mas logo saía para trabalhar -, então minha irmã acordava e as duas
começavam de novo. Não era tão ruim assim, usava a gritaria como despertador a alguns anos.
O único problema era quando me enfiavam dentro das brigas. É horrível! “Maela fale
com sua irmã, por favor. Ela está passando dos limites! Me ajude! ”, “Maela, o que eu faço?
Mamãe pega no meu pé o tempo todo! Estou cansada! ” “Maela, quem está certa? ” “Maela,
porque sua irmã me trata tão mal? ”. Quando vou a falar com uma das duas – a pedido da outra -
sempre acabamos brigando as três.
Me levantei cansada, tinha dormido pouquíssimo essas noites. Desci de pijama para o
café-da-manhã. Minha mãe estava sentada na mesa, brincava com a comida com a cara fechada.
Minha irmã estava deitada no sofá olhando para o teto.
-Bom dia – Minha mãe me respondeu com um sorriso, já Catarina fingiu não ouvir.
Sentei me à mesa e peguei uma banana. Tínhamos muita sorte, a maioria não tinha uma
migalha de pão por mês. Nós não éramos ricos, mas sempre tivemos comida suficiente na mesa
e uma boa casa.
Todos trabalhávamos e tínhamos o privilégio de receber um salário aceitável. O que é
realmente muito raro, a maior parte das pessoas trabalha no castelo como cozinheiros, guardas,
mordomos, faxineiros, costureiros ou qualquer função que o rei, a rainha, o príncipe ou princesa
quiserem. Essa maioria recebe poucas moedas por mês que não cobrem nem metade das
despesas.
O palácio deve ter milhares de funcionários que eram maltratados e que sua única outra
opção era morrer.
A monarquia vivia no luxo e fartura de tudo, junto com seus “amigos” da elite. Em
quanto seu povo era submetido a trabalhar, servir e proteger seus próprios inimigos mortais.
Não me encontraria com a morte até mudar as coisas.
Comi bastante, bem mais do que queria. Tentava me entupir de manhã para não sentir
tanta fome mais tarde. Levava um lanche para amigos, minha mãe sabia disso, mas não tinha
ideia da tamanha quantidade de pessoas que estavam dentro do grupo de amigos.
Subi para meu quarto e troquei de roupa. Pus uma calça jeans um pouco mais larga e
duas regatas por baixo do casaco, penteei os cabelos e fui trabalhar.
Meu pai trabalhava em uma fábrica de refrigerante. Recebia um salário baixo, mas que
nos ajudava bastante. Minha mãe era costureira do palácio, fazia vestidos para a rainha e para a
princesa – ela dizia que nunca nem tinha visto uma das duas, ficava sempre dentro de uma sala
com outras costureiras e semanalmente recebia as medidas das duas novamente. Catarina
cozinhava para uma família da região. Eram amigos distantes do rei, mas eram ricos o suficiente
para ter dezenas de empregados. E eu trabalhava em uma fábrica de cosméticos. Estava em uma
das menos piores áreas. Por sorte não tinha que enfiar agulhas em olhos de coelhos ou tampar
potes e mais potes o dia inteiro. Levava os produtos para o palácio. Gostava muito do meu
trabalho, dirigir me tranquilizava. O único problema é que não tenho um salário fixo, recebo
pela quantidade de entregas que faço – então sempre me pego acelerando o caminhão o que me

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traz multas. Ou seja tenho que ir rápido para ganhar mais dinheiro, mas não posso ir rápido para
não perder dinheiro.
Com o dinheiro de todos era possível nos manter alimentados e vivos dentro de uma
casa sem ter prejuízo todo mês. Não que todos os meses tenhamos algumas moedas a mais na
reserva, mas nos certificamos de que não temos nenhuma a menos. É parte da tradição passar o
dinheiro para os filhos. A maioria das famílias tenta morrer com um pouco guardado – poucos
conseguem, mas minha mãe é determinada demais para falhar. Além de que nossa tradição tem
um complemento a mais. Minha tataravó teve uma filha, minha bisavó teve duas filhas, minha
avó teve minha mãe e minha mãe me teve e teve Catarina. Sempre com o ciclo de meninas o
que deixa um pouco mais especial para todas nós.
Ninguém da família foi rico, nós só temos o dom de usar o dinheiro corretamente e
contamos com a virtude de sermos amigos da sorte.
Acho que se Catarina tiver um filho homem minha mãe e capaz de joga-lo pela janela e
obriga-la a ter uma menina. Enquanto isso, meu pai ficaria rindo e dizendo “ Eu te avisei, não
avisei? ”.
Quando finalmente cheguei na fábrica alguém gritou:
-Maela! – Me virei e vi Lavínia vindo em minha direção.
-Lavínia! – Gritei de volta, tirando o casaco e uma das regatas. – Aqui está. – Disse
entregando a ela.
-Obrigada, Ma, não sei o que faria sem você.
-Não precisa agradecer, estava sobrando na minha gaveta. – Obviamente não estava
sobrando e Lavínia sabia. Mas ela precisava bem mais do que eu.
-Preciso sim! Você tem ajudado todo mundo a muito tempo e não temos nada para te
dar em troca, por isso, resolvi que hoje você vai tirar uma folga. – Ri com aquilo, estava
ajudando justamente porque trabalhava muito. Se parasse um dia, se quer, teria prejuízos e não
podia ter prejuízos.
Percebendo que não iria concordar com ela, Lavínia continuou a falar.
-Não vai ficar sem trabalhar, se é o que está pensando. Você vai, só que em algo
melhor.
-E o que seria esse “algo melhor”? – Perguntei ainda sem botar nem um pouco de fé no
que ela falava. Lavínia estava me atrasando e comecei a ficar tença com isso. Acho que
demonstrei demais, porque ela logo disse:
-Maela, Aurora vai fazer seu trabalho hoje. Se não se importar venha comigo.
-O que? – Aurora ia trabalhar no meu lugar? E o trabalho dela? Novamente deixei
minhas expressões transparecerem. Precisava dar um jeito de me controlar melhor.
-Não se preocupe. Ela pediu. – Pediu? De repente Aurora pede para fazer meu trabalho?
-Lavis, o que está acontecendo?
-Vem comigo. – Lavínia puxou meu braço e começou a correr. Corremos em direção a
Cantes, estávamos no Sul – perto de minha casa, mas claramente aquele não era o nosso destino.
Não queria que fosse, Catarina ainda estaria em casa e me encheria de perguntas que não tinha
respostas.

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Passamos direto por minha casa e chegamos no jardim dos fundos de Tomás. A casa
estava barulhenta, deveria ter umas dez pessoas, ou mais. O estranho era pelo horário. Tomás
tinha muitos amigos, mas a maioria da cidade está trabalhando nesse horário, na verdade em
todos. As pessoas passavam o dia e a noite trabalhando e trabalhando.
Quando entramos todos os olhares se viraram para mim. Vi que Alice, Davi, James,
Rafa e Luna estavam lá. O resto era desconhecido para mim, mas eu não era uma desconhecida
para eles. Me perguntava como e porque estava lá. Como deixei Lavis me tirar do trabalho e
Aurora me substituir sem nem mesmo saber? E porque isso tinha acontecido? Porque estava na
casa de Tomas e porque onze pessoas estavam olhando para mim como se eu fosse importante?
-Oi Maela! – Disse Tomas abrindo os braços para um abraço. Corri ao seu encontro.
Tinha semanas que não o via e estava com muitas saudades. Ficamos ali por um tempo até me
lembrar de que não fazia a mínima ideia do que estava acontecendo.
-O que foi? – Perguntei baixinho, me preparava para o pior enquanto todos tinham
enormes sorrisos no rosto.
- Você não vai acreditar, Maela. – Disse Luna dando um passo para frente. – Tivemos
uma ideia incrível, mas precisamos de você.
-Qualquer coisa.
-Não prometa nada antes de saber o que é. – Corrigiu-me Davi. Ele me tratava
estranhamente, era sempre muito mandão e estraga prazeres. Por mais que tivesse vinte e oito
anos e eu dezessete não precisava agir como meu pai. Teve uma vez que Davi me pegou
bebendo, o que não era nada demais, até aquele dia. Ele me levou para casa e triplicou as coisas.
Meus pais sabiam que eu bebia, mas desde aquele dia acham que sou uma alcoólatra, então
sempre que vou sair para algo que não seja trabalho me enchem de perguntas desconfiadas. Ele
é um saco!
-Não prometi. – Respondi. Ele arqueou a sobrancelha, mais uma vez como meu pai teria
feito.
Alice deu alguns passos em minha direção. Estava um silencio pesado, então ela disse:
-Vamos matar o rei.

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Capitulo 2:

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