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Copyright © 2021, Manuh Costa

Revisão: Greyce Kelly


Capa: Manuh Costa
Diagramação: Patricia Dornelas

Dados internacionais de catalogação (CIP)


Black, Gamora
Diga sim para mim
1º Edição
1.Literatura Brasileira. 1. Título.

É proibida a reprodução total e parcial desta obra, de qualquer forma ou por qualquer
meio eletrônico,
mecânico, inclusive por meio de processos xerográficos, incluindo ainda o uso da
internet, sem permissão de seu editor (Lei 9.610 de 19/02/1998).
Esta é uma obra de ficção. Nomes, personagens, lugares e acontecimentos descritos são
produtos da
imaginação do autor qualquer semelhança com acontecimentos reais é mera
coincidência.
Todos os direitos desta edição reservados pela autora.
Lembranças Dolorosas
Amélia Costa analisou a carta sem interesse algum, depois a
jogou na lareira assim como todas as outras sem paciência, se não
eram do banco, não eram da sua mãe do Brasil ou de seu pai de
Los Angeles ou não eram contas, não interessava, já fazia um
tempo que ela não se importava muito com aquilo, na verdade ela
não se importava com nada, estava bem só, adorava a vida que
levava e para ela aquilo bastava, apenas mais uma noite fria em Val
di Mazara, uma das regiões localizadas há oeste da Sicília, um
pedaço de queijo velho e vinho da melhor qualidade e voilà!
Estava tudo um pouco melhor.
Era feliz dentro do possível até satisfeita com a vida atual ou
ao menos aprendeu a ser feliz, e que lugar melhor para tentar
esquecer o passado se não numa ilha na Europa cercada de
montanhas e vegetação?
A verdade era que na época qualquer coisa parecia melhor
do que morar em Los Angeles, naquela vida de herdeira rica e fútil
que havia levado por cinco anos, agora aos vinte e sete, já sabia
bem o que queria, tinha sua vinícola, tinha sua própria fábrica de
vinhos e linha de vinhos também era dona de uma fábrica de
Azeites italianos finos, não precisaria mais viver na sombra do pai
rico, de ser vista como a herdeira desajustada do senhor O'connel,
dele herdou apenas o sobrenome, ela era apenas Amélia Costa de
Souza O'connel, para alguns a garota mais sortuda do mundo, para
outros a filha bastarda de um milionário que tinha conseguido se dar
bem na vida, porém nada além aquilo.
Jogou mais algumas cartas no fogo até ver em meio a pouca
claridade que o fogo fazia no lugar, o nome do remetente, Nova
York, ela estremeceu, e não entendeu por que diabos ele escreveria
depois de dez anos.
Amélia não pensou duas vezes antes de jogar a carta no fogo
e vê-la se tornar cinzas, cinzas como era todo o amor que dedicara
a ele um dia, Dylan certamente deveria estar feliz agora, casado e
quem sabe não havia sido pai? Tinha filhos?
Filhos ela não tinha, recordou-se amargamente daquele
pequeno grande detalhe de sua vida e de que em um momento da
vida carregou em seu ventre um bebê, um filho dele, contudo que
por causa de um acidente, ela o perdeu, um acidente que o próprio
Dylan causou, ou por influência dele, ela não queria lembrar, um dos
momentos que deveria ter sido mais especial para ela, havia sido
um verdadeiro pesadelo.
O dia de sua formatura contudo foi a maior humilhação na
qual sujeitaram ela, o tamanho da dor era tangível, era apenas uma
menina de dezessete anos, uma menina que se apaixonou por um
herdeiro rico, um universitário que havia enganado ela
despudoradamente, não houve escrúpulos por parte dele. Dylan a
levou ao céu para logo em seguida mostrar seu inferno particular,
ele havia sido seu melhor e seu pior, portanto aprendeu a lição, ela
não pretendia repetir o erro, nem com ele nem com mais ninguém.
Uma vez foi o suficiente para aprender que não nasceu para
o amor.
Aprendeu muito sobre si mesma naqueles últimos dez anos
para entender que voltar ao passado era uma regressão sem volta.
Quando chegou a pequena região de Val di Mazara era uma
adolescente sem sonhos e tão vazia quanto um tronco seco, com
uma mão na frente e outra atrás, carregava apenas uma mala com
roupas e pertences pessoais, o táxi quase não havia conseguido
achar a propriedade que o pai deu para ela, o Parco Dell'uva, ou
então em sua antiga língua Parque das Uvas.
Até então antes do ocorrido que mudou o curso de sua vida,
Amélia não sabia do que se tratava, a proposta veio quando ela
decidiu que não queria mais morar com o pai, que estava
traumatizada demais para querer permanecer ali.
Parco Dell’uva ficava um pouquinho longe da cidade, não tão
longe do que muitas pessoas imaginavam, apenas à uma hora e
meia de distância de Palermo, foi de certa forma um presente
perfeito de formatura, uma casa dentro de uma vinícola, com alguns
de hectares de terras a serem cultivadas, o lugar estava
abandonado há anos, a terra seca, as videiras em suma maioria
quase mortas. Havia poucos funcionários que ainda cuidavam do
lugar.
Fez uma careta ao recordar-se da cara feia que os homens
fizeram quando ela chegou ali.
Não havia ninguém administrando o lugar desde a morte de
seu avô paterno, o lugar havia passado de vinícola bem-sucedida
nos anos 70 para lugar abandonado. As poucas videiras que ainda
jaziam ali eram utilizadas para cultivo de consumo dos funcionários
que seu pai mantinha para cuidar do local.
Amélia viu tudo aquilo logo no primeiro dia ao se instalar na
antiga casa da família, era jovem e tinha vontade de aprender,
encontrou antigas receitas no escritório da casa e uma semana
depois decidiu que iria tornar daquele lugar um novo motivo para
prosseguir, sua estadia ali não seria passageira, ela tornaria o
Parque das Uvas uma das maiores vinícolas locais.
Tinha acabado de fazer dezoito anos, na época fez um
empréstimo dando parte das terras como garantia, tão logo
conseguiu se instalar arregaçou as mangas e colocou as mãos no
trabalho.
Toda a sua energia e foco foram direcionadas para aquelas
terras.
Alguns meses depois ela havia conseguido produzir sua
primeira garrafa de vinho, é verdade que foi de fato um verdadeiro
fracasso em comparação ao atual quadro em que se encontrava,
porém conseguiu na época vender mais barato tendo de certa forma
lucro de reposição em relação ao que gastou.
E aos poucos foi adquirindo experiência e produzindo vinhos
melhores com ajuda de pessoas que trabalharam determinado
tempo com seu avô em colheitas, adquiriu ótimos lucros com o
passar daqueles anos, lucros bons frutos e tão logo percebeu, sua
vinícola era uma das três maiores da região Siciliana.
Expandiu os negócios com o passar do tempo, havia crescido
o triplo nos quatro últimos anos, aproveitou o mercado e comprou
uma antiga fábrica de produção de azeite, aproveitou alguns
daqueles hectares e iniciou o cultivo também de oliveiras, suas
terras eram muito boas para plantação e cultivo, havia conseguido
reabrir a fábrica há cinco anos e agora trabalhava com azeites finos
e vinhos caros, tinha sua própria vinícola, e sua própria plantação de
azeitonas com apenas vinte e sete anos, vinte e oito na próxima
quinta.
Tinha centenas de funcionários, não vivia muito
luxuosamente —ao menos não tanto quanto seu pai biológico —,
adorava a simplicidade acolhedora de sua casa, aprendeu a amar
as comunas daquele lugar, coisas simples faziam-lhe bem, então
entendeu que era de certa forma feliz, feliz por suas conquistas e
vitórias e porque conquistou o direito de ser feliz com o passar
daqueles anos.
Saiu dos pensamentos, na lareira havia cinzas daquela carta
da qual não quis lembrar que recebeu, levantou deixando o calor da
lareira de lado ainda eram apenas sete da noite, estava cedo,
estava um tanto frio pois aproximavam-se da época de chuvas, ali
era sempre assim, dias quentes, noites frias ou chuvosas, ela se
acostumou com aquilo até rápido, gostava de lá, amava o lugar e
não conseguia se enxergar morando em lugar algum se não o
Parque das Uvas, aquele era seu lugar, sua grande conquista. Deu
seu suor e sangue para cuidar dele, dias exaustivos nos vinhedos,
sempre ajudando todos, até mesmo na tradicional colheita, pisando
na uva como os seus funcionários faziam, ela havia se sacrificado
muito para ter tudo, abriu mão de muitas coisas, no entanto no
fundo se sentia apenas grata por se abster das tantas coisas das
quais não quis.
Ter uma família foi uma delas, demorou um tempo para
entender e ressignificar a palavra “família”, Petter dizia que ela era
sua única família, contudo não parecia se importar tanto com ela
quanto dizia, para ele havia tempo para negócios e mulheres lindas,
mas para ela não.
Aprendeu a entender que voltou tarde demais para a vida do
pai biológico e aquilo não lhe fez mal, ela não o reconhecia como
pai, só teve um pai e ele não estava mais ali, para ela ter a família
brasileira por perto era uma dádiva, mas ter Petter por perto
significava de certa forma sofrimento e dor.
Porque se não fosse por ele nada daquilo haveria acontecido.
Até seus doze anos de idade tinha um lar perfeito, pais que a
amavam e uma boa vida no Brasil, cresceu em Campinas numa
cidade no interior de São Paulo, tudo estava indo muito bem, a
infância perfeita com pais maravilhosos mesmo que ainda houvesse
dúvidas nela sobre sua diferença ou semelhança física com os pais,
não era algo do qual se importasse. Até que seu mundo veio ao
chão com a chegada de um estranho à casa de seus pais, muitas
revelações devastadoras, descobriu durante a visita daquele homem
que era adotada e que tinha um pai norte americano.
Um pai que estava há doze anos — exatos — atrás dela, ele
a tomou de seus pais adotivos, o nome dele era Peter O'connel um
empresário multibilionário que sempre foi conhecido por ser
impiedoso no mundo dos negócios, ele a separou de seus pais
adotivos, ele a levou ela para América do Norte, mesmo ciente que
ela o odiaria para sempre por aquilo.
Amélia era uma criança que não falava inglês ou entendia,
estava confusa quando seus pais disseram para ela que ela
precisava ir com “aquele senhor”, sua mãe com lágrimas nos olhos
e seu pai com o peito inflado de raiva, havia policiais, havia muitos
agentes do FBI, na época foi um escândalo sem tamanho.
Seus pais adotivos foram acusados de terem roubado ela na
maternidade quando ela nasceu, arrancado ela de um rico milionário
Americano, um enorme engano que foi desvendado meses depois,
porém algo irreparável aos olhos de Amélia, talvez por aquele
motivo ela nunca houvesse deixado o pai biológico estar perto
demais.
A comunicação no começo era feita através de uma
tradutora, Petter tinha dinheiro o suficiente para pagar a pessoas
para fazerem aquilo, então ele contou para ela que Amélia havia
sido roubada por uma enfermeira americana que fugiu para o Brasil
com intuito de pedir resgate para os pais dela, até então sua mãe
ficou viva até saber que ela havia sido roubada, meses depois se
suicidou.
Por infortúnio — que ela preferia chamar de destino —, a
enfermeira acabou falecendo meses depois de chegar ao Brasil, ao
que Petter havia dito parecia que a mulher tinha dupla cidadania, e
Amélia acabou indo parar num abrigo com apenas cinco meses de
idade, os Costa haviam-na adotado e cuidado dela com o que
podiam, não eram ricos, mas os melhores pais do mundo.
Viveu doze anos da vida acreditando que aqueles eram seus
pais e Petter a afastou deles durante os dois anos seguintes, porque
suspeitava que eles tinham envolvimento no sequestro de sua filha,
mesmo eles não tendo envolvimento algum e aquilo já havia sido
provado pela própria polícia.
Com o passar dos anos conseguiu conquistar o direito e a
confiança de Petter para voltar a ter contato com os pais adotivos,
ela sabia que ele tinha medo de que alguém lhe fizesse mal,
contudo não era algo do qual se importasse, inicialmente conseguiu
fazer telefonemas, já com seus quatorze anos trocava cartas com os
pais, tudo escondido, até que quando fez quinze ela convenceu o
pai biológico de que seus pais adotivos não eram criminosos.
Contudo sua relação com os pais só voltou a acontecer
quando fez quinze anos, foi quando pode ter telefonemas abertos,
trocar e-mails, cartões postais e cartas, algumas fotos também,
quando fez dezoito e se mudou para a região de Val di Mazara já
era muito autônoma, então quando começou a ganhar dinheiro com
seus vinhos mandou dinheiro para os pais todos os meses desde
então, mesmo que eles recusassem é claro.
Sentia que era o mínimo que deveria fazer por eles depois de
tudo. Sabia mesmo que com todos os autos e baixos sendo aquela
relação não tão forte como em sua infância tinha contato com seus
pais no Brasil e os amava profundamente... pais não, mãe.
Suspirou bastante infeliz.
Seu pai adotivo, José havia falecido há um ano, naquelas
circunstâncias voltou ao Brasil para o velório e providenciou tudo
para a mãe, se reaproximaram mais durante as duas semanas que
ficou lá, seu pai faleceu de um enfarte, ele tinha apenas cinquenta
anos. Maria Aparecida sua mãe também era bastante jovem e seu
maior receio era de que ela ficasse no Brasil sozinha, já tinha alguns
meses que Amélia insistia para que ela viesse para a Itália, sua mãe
ainda tinha certa resistência porque no fundo ela sabia que a mãe
adotiva tinha medo de Petter O'connel.
Depois do inferno que ele causou na vida de seus pais
adotivos, como não poderiam ter medo?
Talvez a única pessoa que não tivesse medo dele, fosse ela,
porque ela era igual a ele e odiava ter que reconhecer que herdou
dele muito mais que uma fortuna de trilhões de dólares, era geniosa
e difícil como o pai.
Recordou-se do homem que a arrancou dos braços dos pais
há mais de quinze anos atrás, Petter era um homem bonito,
charmoso, aos cinquenta e sete se quer aparentava mesmo aquela
idade, Amélia era sua única filha, era viúvo e aquilo convinha a ele
muito bem, ainda que mantivesse o título formalmente por um certo
tipo de devoção a sua mãe Queen, era um galinha, um sem
vergonha irremediável.
E as mulheres gostavam daquilo.
Petter não era imaturo, mas agia como um garotão quando
estava perto de mulheres mais jovens, ele era o famoso “velho da
lancha” no qual boa parte das mulheres que ela conhecia falavam.
Aquilo a fez sorrir, ainda que não devesse.
Amélia nunca conheceu a mãe biológica, contudo se sentia
de certa forma triste em pensar que em algum momento a dor de
seu sequestro custou a vida de sua mãe, segundo ainda algumas
histórias de Petter ela era uma mulher doce e tranquila, o oposto
dele, nada que lembrasse ela própria, talvez por aquele motivo ele
mais trocasse de mulher do que de cueca.
Petter e ela não eram profundamente apegados, nunca
conseguiu ficar perto do pai por muitos motivos, alguns em
momentos de raiva e rejeição, mas em sua maioria porque ele a
abandonou nas mãos de empregados para viajar e trabalhar durante
sua adolescência, atualmente se falavam uma vez por mês quando
ele telefonava, era um homem seco e muito mal-humorado e aquilo
era algo que pouco se conhecia sobre ele.
Sabia que era a única mulher que ainda conseguia colocá-lo
no lugar, porque não havia alguém capaz de dizer ao poderoso
senhor O'connel que ele era um sem noção, como diversas vezes
ela falou na cara dele e sabia que por ser filha dele — e tinha
vantagens por aquilo — Petter muitas vezes ficava calado.
Um dos motivos das muitas brigas que teve com Petter
também foi pelo fato dele ser dono de uma multimilionária de
marketing e descobrir que Amélia não queria ir para faculdade, que
ela decidiu se isolar no interior da Itália e ter uma vida simples e
seus próprios sonhos,
— Você ficou louca? Você não vai para a Itália morar
sozinha! Você vai para a faculdade, isso não tem futuro Amélia,
você nasceu para ser uma mulher de negócios, não uma Enóloga,
nem uma Sommelier de quinta.
Aquelas palavras se encravaram dentro dela e ano após anos
ela o fez engolir cada uma delas. Com o tempo Petter respeitou sua
decisão porque não tinha argumentos, ele calou a boca e apenas
tolerou.
Ele havia transferido todas as terras do Parque das Uvas
para seu nome e deixado ela seguir seu rumo, e assim aconteceu,
ele a subestimou quando foi para aquele lugar, mas tolerou o fato de
que Amélia era reconhecida mundialmente pelos vinhos e azeites
que produzia, e ano após ano logo depois de uma boa safra para
fazer o pai engolir todas as suas palavras de agouro enviava
mensalmente seus melhores vinhos e azeites, atualmente ele não
reclamava, ao menos dentro do possível parecia orgulhoso em
relação a ela.
Foi para cama sem conseguir pensar em outra coisa melhor
para fazer, não queria ler, nem ver teve, sua novela só começava às
nove, reprisada é claro porquê o canal Brasileiro tinha horários
alternativos — era ótimo ver na língua original em italiano era meio
estranho — ela gostava de suas raízes, apesar de não ter nascido
no Brasil, era naturalizada e aquele era seu lugar no coração, foi
registrada e criada lá até certo tempo de sua vida, aprendeu a falar
inglês durante as muitas aulas que teve durante o tempo que havia
morado em Los Angeles, atualmente falava Italiano, teve aulas há
distância através de um site, outras coisas aprendeu com seus
funcionários, num geral gostava de sua vida.
Afinal de contas, era rica, bem-sucedida, não precisava de
nada além do que tinha e nada poderia estragar aquele momento
em que ela vivia.
Absolutamente nada.
Ligações Inesperadas
O celular tocou.
Amélia achou aquilo estranho, ninguém nunca ligava a noite,
estendeu a mão e pegou o smartphone olhando o identificador no
visor, Petter.
Revirou os olhos, atendeu.
—Espero não ter acordado você querida!
Petter se esforçava para ser carinhoso com ela às vezes, de
fato, quando queria se esforçava, mas ela sabia que as únicas
mulheres para as quais ele adorava dar atenção eram as com quem
ele saia, era um viúvo cheio de casos com garotas jovens, o
cinquentão mais cobiçado dos Estados Unidos, por diversas vezes
até se perguntou se de fato era filha dele, por que eram diferentes
em muitos aspectos, mas fisicamente, feliz ou infelizmente a
genética não havia falhado, ela era extremamente parecida com o
pai..
—Não acordou Petter— ele pareceu rosnar do outro lado da
linha. — O que houve?
—Não me importo que me chame de papai, Mel. — Ele falou
gentilmente. — Sei que me odeia, mas você sabe que foi o melhor.
O melhor seria se ela vivesse com seus pais no Brasil, perto
da praia, dos amigos de infância e de seu velho cachorro Pingo que
já havia morrido há cinco anos, também ficou abalada com a notícia
é claro, tinha ótimas lembranças da infância com o velho
companheiro.
Havia tanto que tinha abandonado por conta daquele homem,
como saber como lidar com ele depois de tudo? Parecia impossível.
—Por que ligou essa hora? Cadê a namorada?
—Ela entende!
Com o “nova”, Amélia queria dizer literalmente nova, a
namorada de seu pai só tinha vinte e sete anos pelo que ela sabia
era uma socialite que assim como ele adorava estar em eventos e
festas em LA, nariz empinado, corpo esbelto, cabelos tingidos de
loiro e um par de peitos turbinados por litros e litros de silicone.
Não conseguia pensar em se aproximar de nenhuma das
mulheres com quem Petter saia, eram todas muito arrogantes como
ele, outras queriam ele pelo dinheiro dele, já seu pai, não via
daquela forma, porque sabia o que elas queriam dele, em troca de
passeios e presentes caros ele as usava as mulheres e as
descartava depois de rápidos momentos de diversão, dava
presentes e joias caras de valores de milhares de dólares, bem
típico de cafajestes mesmo.
Segundo ele só havia espaço no coração dele para uma
mulher, sua mãe que morrera ao dar à luz a ela, Queen.
—O motivo da minha ligação é muito simples, um amigo quer
conhecer mais a respeito dos seus vinhos, ele quer investir é claro
numa possível expansão dos vinhos para América do Norte...
—Vai começar de novo? — Ela ficou irritada.
Petter nunca foi satisfeito com o fato de que Amélia era capaz
de tomar decisões, por aquele motivo algumas vezes ele queria de
certa forma impor coisas para ela, nem que à distância.
—Não faria mal algum se você aceitasse conhecer...
— Eu não quero.
—Eu não estou perguntando Amélia.
Talvez fosse por que o período não fosse dos melhores,
estava bem sensível naquele mês, e odiava aquilo, por que diabos
ele havia ligado àquela hora da noite? Para brigar por coisas que
não estavam dentro do domínio dele? Pois se ele queria aquilo,
havia achado.
— Querida, não é pelo dinheiro, já disse, os amigos vêm, me
visitam e perguntam sobre os seus vinhos e azeites, eu apenas
quero que você mostre ao mundo sua marca, sua conquista.
Saba que ele só queria fazer com que ela cedesse ao que ele
queria, porém não queria expandir os negócios muito além do que já
havia expandido e era justamente aquilo que Petter não entendia,
era uma marca que só se estenderia pela Itália e alguns outros
pequenos países da Europa, ela não queria que fosse uma marca
conhecida demais porque seu intuito era fabricar algo de qualidade.
Fugia do bordão de marketing que seu pai entendia por ser
bem-sucedida mundialmente porque sabia muito bem o que
aconteceria, ela não descansaria, viveria trabalhando e teria que
ficar a total disposição da fábrica mais de doze horas por dia num
escritório, viveria viajando, não haveria tempo para participar de
nada no Parque das Uvas, nem de interagir com seus funcionários.
Abriria mão de tudo o que conquistou em nome de dinheiro,
contudo como cobrar aquilo de Petter? Ele era bom naquilo.
Ele viajava demais e a deixava sozinha com funcionários por
meses quando morava com ele, Petter sempre foi um ótimo
negociador contudo péssimo pai, e aquilo — e a personalidade dele
incrível — atrapalhou muito a relação deles com o passar dos anos,
ele sempre estava mais e mais distante e ela sempre sozinha.
Não queria aquela vida, não desejava.
—Não quero expandir, já disse, os meus vinhos pertencem
ao povo italiano, a Sicília, Petter, quero que entenda que eu não
quero me tornar alguém estressada, eu não quis estudar por isso,
você nunca tem tempo para nada — desabafou com irritação. —
Diga ao seu amigo que envio vinhos para ele, mas para uso
pessoal, azeites até, mas não quero investidores chatos aqui me
perturbando, é época de colheita, sabe que tenho que ajudar o meu
pessoal em tudo, vamos ter comemorações agora e muitas coisas
para fazer.
—Me orgulho muito de você querida!
Ela sabia que sim, Petter também provavelmente estava num
daqueles dias em que se sentia solitário e vazio, ele só ligava
mesmo quando se sentia só, quando não havia ninguém por perto
para tolerar ele.
—Anda falando com aquela sua mãe do Brasil? — Ele mudou
o rumo do assunto bruscamente.
—Aquela minha mãe se chama Maria — replicou chateada.
— Petter, por que não aceita que ela é minha mãe? Você tem um
gênio muito difícil.
—Você que o diga, tem um gênio de cão, só quero que o
meu amigo conheça o lugar — retrucou ele bem-humorado. — O
que custa recebê-lo e mostrar as terras para ele?
—Quanto tempo seria? — perguntou.
A ideia de ceder, não era pior do que a ideia de saber que se
recusasse ele começaria a telefonar todos os dias para encher sua
paciência, então preferia ceder a aquele tipo de coisa e receber
alguns dos amigos de seu pai para visitas a vinícola ou a fábrica.
As visitas ocorriam em algumas vezes do ano, eles vinham
conheciam o lugar e iam embora, ficavam hospedados em algum
hotel da cidade e iam até o Parque das Uvas por dois dias para
conhecer o lugar, sabia que no fundo Petter considerava sua fábrica
um pequeno troféu.
Ele gostava de dizer para todos que ela era dona de terras na
Itália, mas aquilo em nada surtia efeito em Amélia.
—Três dias!
—Três dias? — berrou exasperada. — É brincadeira, Petter?
—Não querida, como é um amigo mais íntimo preciso que
permita que ele fique aí mesmo, ele quer conhecer o lugar e
aproveitar e conhecer a fábrica a fundo, é um bom investidor e quer
saber como os negócios funcionam, ele quer abrir sua própria
vinícola futuramente assim como você.
Ela ficou em silêncio se decidindo por alguns minutos, três
dias com um velho chato enfiado em sua casa falando da bolsa de
valores e de tacos de golfe... Ótimo!
—Tudo bem — cedeu — Quando ele chega?
—Já deve estar chegando!
—Como?
—Ele se precipitou é claro, por que eu garanti que você o
esperaria, mas não se preocupe, é um bom homem e não vai lhe
fazer mal algum, me diga, quando você vai ter tempo para me
receber?
— Você sempre promete e nunca vem — suspirou —, mas ao
contrário do que pensa, pode vir quando quiser, desde que não
traga nenhuma mulher.
—Ok, vou falar com a minha secretária para ver se tenho
horário.
Amélia revirou os olhos mais uma vez.
—Ah pelo amor de Deus, tchau Petter!
Era tempestuosa, temperamental e geniosa, ouvindo as
risadas do pai ela desligou a chamada e não se desculpou, parecia
uma brincadeira, uma brincadeira de mal gosto, um pai tentar
arrumar tempo na agenda para ficar com a filha? Petter era mesmo
um sem noção.
Amélia suspirou e ficou pensando sobre a visita, o velho
amigo de seu pai poderia chegar a qualquer hora, porém ao ver as
horas se estenderem concluiu que o homem só chegaria pela
manhã. Não se importaria em recebê-lo, era terça feira, no sábado
partiria certamente, e durante a semana ela sabia que não teria
tempo para dar muita atenção ao senhor, provavelmente pediria a
Leonardo, um de seus melhores gerentes para mostrar tudo para o
homem.
Por fim a novela acabou se enfiou em suas cobertas e
esperou o sono vir.
Afinal de contas, não queria receber seu ilustre convidado
com sono, ela sempre causava boas impressões nos amigos do pai
por ser ótima anfitriã, contudo conforme sentiu a cólica voltando teve
a terrível impressão de que talvez nem descesse para recebê-lo, ela
esperava que tão pouco acordasse a dor insuportável fosse embora,
havia ficado bem pior depois do aborto, porém recordar era mais
amargo, pior foi a dor do aborto e saber que depois do ocorrido, ela
nunca, jamais seria mãe outra vez.
Sobre o Passado
— Signora!
O chamado de Estela a alertou, mas permaneceu imóvel.
— Signora!
— Scusate, sto riposando Estela!
Não gostava de ser mal-educada, contudo, parecia quase
impossível.
Ela não sabia quando, mas iria levantar da cama, do lado de
fora ouvia o barulho dos homens e mulheres conversando
avidamente, Amélia queria ter levantado as seis como de costume e
ido apanhar suas uvas, ter passado na fábrica de vinhos que ficava
a alguns quilômetros dali e na fábrica de azeites que ficava um
pouco mais afastada, ter ido a cidade comprar remédio para cólica,
às dez da manhã ela já teria resolvido tudo, mas já eram dez e meia
e ela se quer conseguia se mover na cama.
—Signora, avere visitatori!
Visitas? O velho...
Amélia afundou o rosto nos travesseiros furiosa com Petter
mais uma vez, com muita dor, com tantos compromissos, agora
ainda tinha que receber o amigo de seu pai?
— Scendo tra pochi minuti, servo il caffè e lo sistemo in
qualche stanza di Estela — disse — Si?
Pediu que Estela servisse o café e avisasse que ela já iria
descer.
—Si, si, Signora va tutto bene!
Teria que tomar café em alguns minutos com mais um empresário
rico de Los Angeles ou Nova York, quem saberia? Ela não se
importava.
Ainda ficou uns dez minutos deitada, depois levantou criando forças,
desejando que a dor fosse embora, ela sempre ficava arrasada
quando chegava aquela época do mês, cansada e indisposta, os
remédios receitados pela ginecologista faziam efeito às vezes, mas
haviam acabado, ela deveria ter se precavido é claro, como não?
Não poderia ficar sem aqueles remédios nunca, não eram
milagrosos, mas faziam-na suportar aqueles períodos de dor.
Levantou-se e se arrastou até o banheiro, entrou no box e
ligou o chuveiro acostumada a ver todo aquele sangue descendo
pelo ralo, chuveiro bem frio, para ajudar ela a se recuperar, duchas
quentes davam mais sono e parecia que a cólica só piorava, pelo
menos para ela, mas nem sempre foi assim.
Antes do acidente de carro ela era apenas uma adolescente
normal com suas complexidades sobre peso e espinhas, era tudo
dentro do possível normal, sentia cólicas desde a primeira vez que
menstruou com apenas onze anos de idade, naquela época ela teve
a instrução da mãe e ela ensinou sobre como funcionava aquele
período do mês.
Antes ficar menstruada significava um pouco de
sensibilidade, ansiedade e cansaço, cólicas regulares no primeiro
dia, agora já não era daquela forma e aquilo se devia ao fato dela
ter tido um aborto na adolescência.
Foi um momento rápido e trágico.
Recordou-se com amargor de como tudo havia começado.
Naquela noite quando ela foi ao baile de formatura da escola
com até então seu namorado — pelo ou menos ele se dizia ser seu
namorado — tudo parecia inicialmente um conto de fadas, recordou-
se daquela sensação de frio na barriga quando Dylan Wilson foi
buscá-la em casa, do quanto era incrivelmente ingênua, Amélia se
perguntava como pôde acreditar naquilo, um universitário, bem
sucedido com uma carreira promissora no mundo dos negócios,
milionário, extremamente bonito e jovem que estava indo a um baile
de formatura de ensino médio com ela.
Uma garota gordinha que usava aparelho, cheia de espinhas
na cara e que tinha sonhos simples como casar e ter filhos, formar
uma família e em algum momento viver um grande amor.
Contudo, não era algo do qual deveria se culpar, não foi culpa
dela ter sido seduzida por Dylan, nem de ter feito parte daquele
plano macabro que o pai dele planejou para ela ou melhor, que ele e
o pai dele planejaram para ela.
Tudo foi perfeito, desde a chegada dele em seu carro de luxo
até as roupas que ele usava, usava um smoking e sapatos
reluzentes, ele havia feito a barba e mais parecia um príncipe
encantado em busca de sua princesa do que o verdadeiro crápula
que se escondia por trás de planos de negócios.
Até que chegaram ao baile e seu mundo viera ao chão.
Apertou os olhos bastante insegura, os receios e medos
todos dentro do coração e aquelas lembranças ruins de como se
entregou a ele, por carência, desespero e também por medo, era
jovem e estava naquela fase em que acreditava muito em contos de
fadas.
Dylan Wilson foi aquele sonho impossível para qualquer
garota como ela, ao menos foi aquilo que pensou quando o
conheceu.
Contudo havia mais coisas em comum entre eles do que
poderia imaginar, os pais de ambos tinham negócios importantes a
discutir, na época, o conheceu numa viagem a Nova York, durante
uma visita a empresa do senhor Wilson, pai de Dylan, com seu até
então com Petter.
Foi algo que aconteceu muito rápido, ela se “apaixonou” por
Dylan no primeiro segundo, atualmente julgou-se medíocre por ter
se deixado levar basicamente pela beleza dele, pelo lindo sorriso de
dentes perfeitinhos dele ele era sete anos mais velho que ela e
aquilo foi um charme, tinha dezessete e ele vinte e quatro anos, ela
usava jeans, tênis e camiseta enquanto Dylan usava um terno
despojado e sapatos de dois mil dólares.
Ela era estudante e estava prestes a fazer dezoito anos, ele
trabalhava nas empresas Wilson com o pai por meio período e no
outro fazia faculdade de administração na NYU, nada que
lembrasse algo que ela gostasse em um garoto, os norte-
americanos com quem estudou desde que chegou ali era garotos
que rejeitavam a ideia de namorar uma garota gorda, em suma
maioria não sofria Bullying na escola, porque sabia que ninguém,
jamais iria atravessa o caminho da filhinha de Petter O’connel,
porém pelas costas as garotas da escola falavam mal de sua
aparência, eles diziam coisas feias sobre seu corpo, sobre Amélia
ser gorda e ter espinhas na cara.
O contato com Dylan não foi algo de difícil acesso, os pais de
ambos decidiram conversar sobre negócios e o mercado de Bitcoin,
ele era muito gentil e sorridente, o sorriso dele conquistou-a logo de
cara, ele fazia muito o estilo de universitário que poderia ter
qualquer garota na palma da mão se quisesse, era dinâmico e
simpático, já ela, bem, não se sentia tudo aquilo dez anos atrás.
“E aí, está gostando de Nova York?” — Ele havia perguntado
ao se sentar ao lado dela no sofá da sala.
Tímida ela assentiu, os pais deles estavam falando sobre
negócios no escritório do lugar, o senhor Wilson até havia fechado a
porta do lugar afim de que eles não escutassem a negociação,
quando Petter levou a casa dos Wilson, ela não havia imaginado
que encontraria um belo moreno de olhos azuis claros há espera
deles, tão pouco que ele fosse tão mais jovem que o pai.
Quando viu Dylan e seu coração disparou, ela simplesmente
sentiu aquele choque — animalesco — tomar todo o corpo dela.
“Quer dar uma volta no jardim?” — Ele perguntou vagamente.
“Não obrigada” — respondeu ela, desinteressada.
“Quantos anos você tem?”
Dylan também não parecia interessado demais, talvez só
estivesse puxando assunto para que ela não se sentisse só naquele
lugar enquanto Petter estava tratando de negócios com o pai dele.
“Dezessete, senhor Wilson.”
“Hei, eu não sou um velho.” — Ele brincou fazendo-a sorrir.
— “Só tenho vinte e quatro, e ainda faço faculdade, isso me torna
tão ou mais estudante que você.”
“Pois é desculpe senhor Wilson estudante!”
Dylan riu, tão bonito e sexy que a fez suspirar e se sentir
medíocre na época, então se sentou no sofá diante do que ela
estava sentada e começou a puxar assuntos banais sobre escola e
sua vida acadêmica.
Hoje ela sabia que talvez fosse até interessante, mas não se
sentia, portanto não era, porque entendia atualmente que só poderia
ser algo do qual ela própria se reconhecesse e naquela época ela
mal se reconhecia como mulher, o corpo estava mudando e muitas
coisas em sua vida também, com um pai ausente e longe dos pais
adotivos, não teve o que poderia se dizer de adolescência normal.
Depois daquela visita de negócios a Nova York, trocaram
telefones, mas não acreditou muito nas chances de que Dylan a
procuraria para conversas profundas, a primeira conversa foi sobre
a universidade dele sobre a escola dela, coisas nada sérias e bem
simples.
Amélia sorriu um pouco triste e lembrou-se também que foi
surpreendida duas semanas depois Dylan apareceu na casa de
Petter convidando-a para tomar sorvete, recordou-se da sua própria
inocência e do jeito infantil de como levava a vida, fechou os olhos e
viu nitidamente daquela menina que estava com fones de ouvido
nas orelhas ouvindo Spice Girls enquanto pulava na cama do
quarto.
“Otária você nunca beijou!” — havia dito consigo mesma.
Ela havia pensado em Dylan Wilson nos dias que
transcorreram ao primeiro contato com o herdeiro, sem expectativas
é claro, porque não era uma hipótese, nem se quer uma chance
minúscula, Dylan Wilson jamais se interessaria por ela.
Amélia estava sorrindo enquanto ouvia Nirvana e curtia o que
ela chamava de “bad” ao pular em sua cama, estudando formas de
terminar alguns trabalhos da escola mais cedo naquela noite, mas
sabia que aquilo não seria nada fácil.
“Não, isso não vai acontecer” —disse para si mesma
enquanto pulava alto no colchão.
“O que não vai acontecer?”
O coração de Amélia perdeu o compasso, e ela congelou, ela
se virou na direção da porta que dava para o corredor do quarto e
avistou Dylan Wilson em pé segurando um buque de flores
pequeno, eram camélias de uma cor de rosa clara, ele estava
sorrindo, ela desceu da cama e controlou as pernas e tirou os fones
das orelhas.
“Senhor Wilson...”
“É Dylan!”
“Desculpe, o meu pai não está aqui!”
“Não vim ver o seu pai, vim ver você, são para você!”
Haviam sido as flores mais lindas que ela ganhou na vida, as
únicas também porque nunca ganhou flores de ninguém além dele,
sentiu-se amarga em recordar-se daquilo mais uma vez, do jeito
como ele a olhou de cima abaixo e sorriu mais uma vez enquanto
Amélia pegava o buquê de flores.
“Às vezes eu acho que você não vive nesse mundo” — Dylan
havia dito.
Então ela sorriu porque sabia que talvez para o resto do
mundo fosse só uma garota normal que não queria papo com
ninguém.
“Vamos tomar um sorvete, Amélia?”
O dia estava ensolarado então não recusou, teve um passeio
agradável onde falaram mais sobre a vida acadêmica dele e sobre o
último semestre de aula dela, sobre sua formatura no ensino médio,
algo que meses depois ela descobriria que não participaria, estaria
internada em um hospital recuperando-se de um acidente que
mudou sua vida. Depois daquela visita, Dylan começou a visitá-la ao
menos uma vez por semana, Amélia percebeu que com o passar
das semanas, estavam mais próximos, todos os sábados ele
aparecia com a desculpa perfeita de passeios por Los Angeles, iam
ao cinema e a parques de diversões, saíam para o MC’DS e ficavam
por horas falando sobre suas infâncias em parques da cidade, Dylan
falava que como as empresas estavam em transição precisava estar
frequentemente na cidade e percebeu com o passar dos dois
primeiros meses tendo aqueles encontros com ele que cada fim de
semana ao lado dele, era um pequeno momento de sua vida que se
tornava menos solitária e vazia.
Ele deu atenção para Amélia, ele preencheu o vazio que havia
dentro dela por cinco anos depois que se mudou para aquele lugar,
deu motivos para ela sorrir e encontrar um bom amigo, até que
depois daqueles dois meses iniciais saindo com ele, Dylan a pediu
oficialmente em namoro para Petter.
Ela aceitou, como não poderia aceitar? Na época questionou-
se quais eram as chances de um cara simpático, educado e
superlegal pedi-la em namoro.
Chances nulas. Pensou Amélia.
Respirou fundo, porque se pudesse voltar no tempo o faria
sem pensar duas vezes.
— Signora.
Ouviu o chamado de Estela e ignorou.
Estava ali recordando-se de seu passado depois de tanto
tempo por conta de uma carta, algo que ela jogou no fogo e queria
se esquecer completamente.
Diferença social nunca havia sido algum tipo de barreira entre
eles, mas física foi um enorme obstáculo para Amélia porque ela
sempre foi muito diferente das outras garotas, era gordinha e estava
acima do peso, ela nunca se importou de fato em fazer dietas ou
exercícios físicos, sempre foi mais do tipo que adorava sair e viver
cada momento da vida e apreciar os pequenos detalhes.
Não era paranoica como as meninas da idade dela, talvez por
aquele motivo também não se sentisse tão mal com os comentários
que as pessoas faziam a respeito de sua aparência e encontrar
alguém que também não se importava tanto com o corpo e sim com
atributos que iam além daqueles foi reconfortante.
Dylan foi seu primeiro em todos os sentidos, com ele ela saiu
para muitos lugares, eles se beijaram na Hollywood Boulevard e
depois de sete meses namorando ela havia entregado a ele sua
virgindade acreditando que seria só o começo de uma linda relação
de amor, ele havia sido carinhoso e terno com ela, compreensivo um
perfeito cavalheiro.
Entre encontros e passeios encontrou em Dylan um melhor
amigo que não conseguiu ter depois que se mudou para os Estados
Unidos.
Ela o convidou para ir ao seu baile de formatura da escola,
ele aceitou é claro — e hoje ela entendia o porquê de ele nunca se
recusava quando ela pedia algo — ele sempre dizia sim para Amélia
sem nenhum tipo de preocupação, ele parava de fazer qualquer
coisa para ir vê-la, durante aquela temporada Dylan se mudou para
Los Angeles para ficar perto dela, transferiu a faculdade e começou
a trabalhar numa das empresas do pai dele com filial instalada ali.
Então no dia de seu baile de formatura, a decepção chegou
muito mais rápido do que ela imaginou que seria.
Estavam inseparáveis naquela noite, haviam sido um perfeito
casal, Amélia se sentia importante por ter conseguido um par para a
festa, era um ritual pelo qual ela esperou ansiosa desde que
começou a namorar até o exato momento em que ela ouviu Dylan
conversando com outros rapazes na festa, Dylan ria fazendo piadas
a respeito dela, de sua aparência, de seu tamanho e de seu vestido
cor de rosa, comparando-a um botijão de gás enrolado num forro
velho e feio.
Amélia ficou inicialmente chocada, mas não precisou ficar até
o fim para perceber que estava machucada demais para tirar
alguma satisfação, ouvir o resto das ofensas, pegou a bolsa que
havia deixado sob a mesa e sem se despedir de ninguém foi
embora no carro dele, as chaves estavam na bolsa.
Estava cega pela dor, chorosa, magoada demais, Dylan ligou
para ela enquanto ela dirigia, mas ela não antedeu até porque não
deu tempo, e por fim um grande erro, esqueceu de colocar o cinto,
foi tudo tão rápido, havia se esticado no banco traseiro para pegar o
celular, tocava sem cessar e em apenas uma fração de segundos
quando se virou viu os faróis de um carro que vinha em sua direção,
tentou desviar, mas foi inevitável.
Lembrou-se dos flashs em sua mente de estar dentro do
carro com cacos de vidros espatifados para todos os lados, havia
muito sangue, estava tudo girando e estava bastante tona, respirar
era difícil, tudo de cabeça para baixo, ora ouvia sons de sirenes, e
desmaiava, tudo ficava escuro ou embaçado, ouvia o barulho de
pessoas gritando, os paramédicos com pressa levando-a para uma
ambulância, depois luzes claras da sala cirúrgica do hospital.
Amélia sabia de como era sentir aquela dor repetidas vezes,
de recordar-se daquele acidente que a destruiu, o acidente causou o
aborto de um bebê que ela nem sabia que existia, fraturas em todo
o corpo, rupturas internas no útero, estava grávida de três meses
quando aconteceu.
Quando acordou no quarto de hospital encontrou Petter
desesperado, falando que ela havia sofrido um acidente, que o carro
havia capotado e que ela havia perdido o bebê, demorou um tempo
para processar as informações porque ela não sabia que estava
grávida, notou a presença de Dylan num canto do quarto
simplesmente calado.
“Saia daqui.” — tinha ordenado.
Dylan continuou calado, apenas obedeceu e saiu do quarto,
não havia nada que pudesse ser dito ou reparado. Alguns dias
depois descobriu que Petter havia proibido ele de se aproximar dela
e sabia que havia sido o melhor. O acidente foi irreversível em todos
os sentidos possíveis, ficou com sequelas, perdeu uma trompa e
desenvolveu endometriose, aquilo a impedia de engravidar, era
estéril, às vezes as dores durante os períodos menstruais eram
insuportáveis, a médica falava que um acidente como aqueles
devido ao aborto deixou o útero dela com sequelas para sempre.
Até os dias atuais fazia tratamentos hormonais para aliviar as
cólicas.
Mal-humorada, saiu do chuveiro e olhou-se no espelho com
certo desgosto, agora bem no presente, notando os sinais que o
tempo deixou nela, a mudança que aconteceu com o passar dos
últimos dez anos, não era mais uma garota gordinha, não usava
mais cabelos curtos ou aparelho dental, o acidente não levou
apenas um bebê nem o direito de ser mãe, mas custou duas
costelas dela, uma de cada lado, haviam pinos em dois quadros e
um no joelho direito contudo por fora as cicatrizes eram quase
imperceptíveis.
Não poderia dizer o mesmo do que havia dentro do coração
dela.
Respirou fundo pensando no quanto Petter deveria tê-la
consultado sobre o visitante, o velho conhecido de seu pai havia
escolhido uma época bem ruim para visitá-la, estava menstruada e
de repente deprimida lembrando de todos os motivos que a levaram
até ali.
Saiu do banheiro e foi até o quarto, pegou o celular e enviou
uma mensagem de voz para seu melhor funcionário e também
compadre Leonardo, ele era seu homem de confiança há muitos
anos, pediu que ele viesse até o local para poder despachar o velho
porque provavelmente teria que ir à cidade comprar os remédios,
precisava deles, também tinha a opção de pedir que Janice sua
secretária trouxesse para ela.
Só iria descer por uma formalidade banal, sabia que Petter
não tolerava que fosse mal-educada com ninguém, mesmo que
ainda ela fosse um poço de falta de educação com ele, tinha nítida
consciência de que ele não gostava de dar a ninguém autoridade
para falar a respeito do sobrenome dele.
Era outro hipócrita que vivia de aparências. Pensou ela
chateada.
Escolheu um vestido floral azul justo de maguinhas folgadas,
depois calçou chinelas de dedo, estava bastante quente.
Até preferia daquela forma, o calor às vezes costumava
melhorar seu humor há depender a situação e qualquer coisa era
melhor do que ficar o dia todo na cama num dia quente e com
cólicas. Penteou os cabelos agora longos, eram de um castanho
mais claro, deixou-os para trás e por fim se olhou no espelho
enquanto passava o desodorante debaixo das axilas, havia
emagrecido muito no último verão, e culpou as tardes exaustivas de
trabalho, a pele estava mais bronzeada e os olhos azuis eram
claros, tinham o mesmo tom esverdeado que os olhos de Petter.
Talvez aquela fosse a única coisa que os ligasse terminantemente.
— Enfim, hora de conhecer o velho.
Dylan

Amélia refletia sobre as semelhanças entre ela e o pai


enquanto saia do quarto.
Ela e Petter eram muito parecidos fisicamente, ambos tinham
olhos azuis claros, o nariz mais fino e delicado e os cabelos escuros
como os do pai, como ele mesmo dizia era uma xerox ambulante
dele, foi inquestionável para Petter quando ele a encontrou.
Para Amélia nada superou o choque de descobrir que teria
que abandonar os pais na época, suspeitava desde muito pequena
não ser filha legítima dos pais no Brasil porque nada tinha a ver com
eles fisicamente, seu pai era negro, alto e com traços fortes dos pais
dele, eram Angolanos, sua mãe parda, baixinha, de cabelos bem
cheios e cacheados, ela tinha olhos cor de âmbar mais lindos que
Amélia já viu na vida, e seu pai olhos de um castanho-escuros e
reluzentes.
Nada que lembrasse a garota branca de cabelos lisos, olhos
muito claros, rechonchuda desde muito cedo. Relembrou de várias
vezes em que foi alvo de chacota e que seus pais foram
discriminados por ela não ter a mesma etnia que ambos, não
entendeu até fazer cerca de seis anos, só que não se interessava
com o fato de que não poderia ser filha deles biologicamente, ela
era muito feliz porque era amada.
As pessoas maldosas sempre perguntavam se sua mãe era
sua babá ou se seu pai era seu motorista algo que a irritava
frequentemente ainda na infância, as diferenças físicas para ela
eram algo que nunca fizeram diferença alguma em nenhum sentido,
no fundo ainda tinha esperança de que fosse filha deles, mesmo
com todas as suspeitas.
Afinal de contas, muitas crianças brancas nascem de pais
negros todos os anos, por conta da ascendência e de cada família.
Sacodiu a cabeça e deixou o pensamento de lado, olhou o
relógio de pulso dourado, aquilo a lembrou de uma coisa, retornou
ao quarto e pegou seu celular, precisava fazer outra ligação, ficou
satisfeita ao se ver discando o número celular na tela do
smartphone, um pouco mais contente quando a mãe a atendeu.
—Oi mamãe!
—Querida que bom que ligou!
Maria era o oposto de Petter, uma mãe carinhosa e bondosa,
muito compreensiva e simples.
—E então, pensou na minha proposta? — perguntou em
português.
—Sim, eu pensei, mas ainda acho cedo para ir — disse Maria
— Não quero deixar a minha casa aqui só.
—Ah mamãe qualquer coisa coloca para alugar, tenho
certeza de que vai adorar conhecer a Sicília, as praças, as igrejas, é
tudo tão lindo aqui — sorriu — Mamãe preciso de alguém para
cuidar de mim.
Mas não era verdade, ela já sabia se cuidar há bastante
tempo, porém Maria vinha se queixando da solidão desde que seu
pai faleceu há dois anos, poderia muito bem instalá-la no chalé nos
fundos da propriedade ou em sua própria casa, contudo se conhecia
bem a mãe e sua individualidade iria escolher o chalé.
—Bem, se prefere assim então sim, eu vou, Mel.
Ela sorriu um pouco feliz, sabia que pelo menos a mãe
estaria ali por perto, Maria sempre foi uma mãe excelente, já estava
mesmo na hora de acabar com a distância e o isolamento, não
ficaria mais só.
—Compre as passagens com o cartão que eu te dei, não se
abstenha de nada mamãe, compre roupas de frio e traga muitas
roupas para mim e chinelas, aqui não vende vestidos bons como os
daí.
—Quanto está vestindo? Calçando?
—Quarenta e dois e calço trinta e nove.
Ela não era muito alta, tinha apenas um e sessenta de altura,
mas havia herdado o pé do pai, assim como uma centena de coisas
de Petter.
—Tem o traseiro maior pelo menos isso adquiriu aqui comigo
— brincou Maria. — E o seu pai?
—Ah mamãe, ele está daquele jeito — começou a sair do
quarto lembrando que havia uma visita, velha visita esperando por
ela. — Sabe como ele é certo?
—O coisa ruim? Nem posso imaginar — Maria resmungou.
Ela riu, mas não era de rir, sabia que sua mãe nunca havia
perdoado Petter por tê-la tirado bruscamente do convívio deles, e
que Petter sempre acusava sua mãe por eles nunca terem um
relacionamento de pai e filha normal, porque no começo, Amélia era
desobediente e rebelde, sempre foi quando se tratava de Petter,
respondia muito, fingia que não o ouvia e o ignorava.
Pensando bem, até os dias atuais ainda se questionava
sobre como Petter queria que ela agisse quando ele havia
praticamente arrancado de seus pais, não poderia ser diferente
nunca em relação aos pais adotivos porque desde muito cedo
souberam como cativá-la, Petter não, ele só sabia impor e mandar.
Desceu os degraus da escada explicando para mãe sobre as
roupas que queria, shorts, jeans, tênis, tudo o que ela pudesse
trazer já que lá era bem mais barato, nada que não pudesse
comprar na Itália, mas a moda europeia em nada a atraia, alta
costura não era seu ponto fraco.
Revirava os olhos ao lembrar de todas as roupas caras que
Petter deu para ela com o passar dos anos, jeans de três mil euros,
sapatos da Gucci de dez mil euros, tudo muito caro e que não
parecia deixar Amélia confortável, exceto pelas joias, as joias ela
adorava.
Vasculhou a sala a procura de Estela, contudo encontrou até
então um homem de costas parado de frente para lareira. Ele era
alto, ombros largos, cabelos muito escuros e mais longos, usava um
terno totalmente bem passado de corte reto, sapatos sociais que ela
sabia que deveriam custar alguns milhares de dólares, as mãos dele
estavam enfiadas nos bolsos os olhos dela subiram e então seu
corpo sentiu aquele choque repentino. Foi como se ela levasse um
soco no estômago quando se deparou com os castanhos claros
familiares.
Familiares e frios.
—... Querida, querida, oi... Mel, você está aí?
Por um segundo ela perdeu a linha de raciocínio, contudo
recuperou-se.
—Ah — limpou a garganta recuperando o fôlego — Sim
mamãe, onde paramos? Ah no tênis, pode trazer muitos esportivos,
já disse que quero daqueles para caminhadas?
—Nossa, você ficou muda, deve ter sido erro na linha
telefônica — disse Maria reflexiva. — O que mais?
—Pode trazer muitas camisetas e daquelas malhas bem frias,
eu gosto delas, aqui está bem calor — se esforçou em falar
enquanto caminhava até a outra extensão da sala, em direção a
janela.
Deus, o que Dylan Wilson estava fazendo em sua sala?
O coração estava saltando de forma violenta no peito.
—Entendo, eu andei dando uma olhada no seu antigo quarto,
vou levar as suas pelúcias e seus álbuns todos de fotografias, seu
pai ficaria feliz demais.
—Com certeza — afirmou olhando através da janela os
homens com suas caixas de uvas e acenou quando eles a viram, se
forçou a sorrir, não queria sorrir, queria sair correndo dali.
E era aquilo, a primeira sensação estranha que tinha ao rever
Dylan, queria sair correndo, as pernas estavam bambas e o sangue
em suas veias estavam correndo mais rápido, aquela sensação de
mal-estar confundindo-se com um certo tipo de enjoo.
—Mel, quer alguma coisa de comida? Um docinho talvez?
Posso levar seus doces prediletos, de caju, de mamão, goiabada,
sabe que tem que se alimentar bem, filha, você está comendo
direito?
—Ah, mãe, a senhora só pensa nisso, mas eu quero que
traga bolachas e doces, de caju, banana, esses que eu nuca mais
comi—confessou — Mamãe pode trazer também, feijão e arroz?
—Vou levar o máximo que eu puder — confessou ela. — Algo
mais?
—Venha logo — disse baixinho. — Te amo mamãe.
—Também te amo, se alimente bem, assim que conseguir me
arrumar te ligo — disse ela — Até mais, beijo.
—Beijo mamãe — disse e desligou em seguida.
Amélia apertou o celular com força, e se virou para Dylan.
Dez anos... dez anos que não o via.
Aqueles anos haviam feito bem para ele pelo visto, Dylan
estava mais elegante que nunca, não queria dar tanta atenção aos
detalhes, contudo vê-lo ali parado encarando-a tão de perto fazia ela
compará-lo com o rapaz que conheceu anos atrás, não era tão
jovem, o olhar não mudou, mas fisicamente ele parecia outro
homem.
Muito bonito, alto, visivelmente mais musculoso, com cabelos
penteados para trás de forma elegante, contudo se não o
conhecesse provavelmente nunca saberia o quanto ele era ruim,
que ele não prestava, que tinha sérias falhas de caráter, agora,
definitivamente ela sabia quem ele era.
Ali diante dela aparentemente apenas um homem com cerca
de trinta e poucos anos, sério e com o cenho franzido olhando-a de
cima abaixo, sentiu um calafrio percorrer seu corpo, se soubesse
que ele estaria ali, teria vestido seu melhor jeans e camiseta, porque
tinha a estranha sensação de que agora realmente reconhecia o
olhar crítico dele, aquelas palavras feias das quais ele usou para se
referir ao seu corpo.
Quando estavam a sós dizia que a amava, que a aceitava,
que não se importava com seu peso, contudo diante de todos a
humilhou de todas as piores formas. O pensamento a irritou
profundamente, quem havia deixado aquele idiota entrar?
—Olá Mel!
—Amélia — corrigiu no seu tom mais frio. — Em que posso
ajudá-lo senhor Wilson?
—Seu pai não avisou que eu viria?
Então... Não, não, não e definitivamente NÃO!
Ele era o amigo a quem Petter se referira?
Amélia engoliu a seco e depois só foi sentindo a fúria subir à
cabeça, e só mais uma vez odiou Petter pelo o que ele havia feito —
sem consultá-la— era óbvio, contudo de uma forma rápida também
teve nítido em sua mente de que aquilo em parte era sua
responsabilidade, não havia perguntado nada ao pai, ela apenas
supôs que o amigo de Petter seria mais um daqueles homens mais
velhos que vinham de vez enquanto a vinícola, um velho
insuportável que ficaria falando sobre seus feitos pessoais e se
exibindo com as fortunas que conquistou em cima do trabalho de
seus funcionários e Dylan, não era nenhum pouco velho, era um
moreno alto de olhos castanhos claros, com 1,90 de altura e agora
um saco de músculos.
—Não sabia que era o senhor — falou. — Estela já o
acomodou, eu suponho.
—Sim, mas preferi esperá-la para o café. — Ele disse
calmamente. — Espero não parecer impertinente por isso.
A voz dele era mais grave, mais grossa, agora de um
homem, diferente da voz daquele rapaz que ela conheceu, mas
ainda era a voz do cara que tanto a fez sofrer.
—Em absoluto — disse friamente — Vamos?
Ela se forçou a andar na frente se sentindo terrivelmente
observada, bem, o que poderia fazer? Ela tinha aceitado que ele
viesse, não poderia agir como uma adolescente medrosa que viveria
se escondendo de seu ex-namorado canalha, eles haviam crescido,
ela tinha amadurecido e apesar de tudo não guardava tantas
mágoas de Dylan.
Esteve lembrando de tudo ontem e hoje porque ele enviou
uma carta para ela, mas raramente ela conseguia se recordar com
frequência de Dylan, talvez ainda houvesse dentro dela uma ponta
de dor pela perda do bebê, mas não guardava tanto rancor dele...
não tanto.
O passado não era algo do qual pudesse mudar e ficar
remoendo aquilo era ruim, contudo, sabia que era humana, que
tinha sentimentos e algumas vezes machucava pensar que ele tinha
motivos de sobra para tentar ter sido sincero com ela e ter evitado
tudo aquilo.
No fundo, no fundo não importava, estava no passado, morto
e enterrado assim como o bebê deles, o bebê que ela nunca teve a
oportunidade de conhecer, nem de segurar no colo.
Se resolveria com Petter depois, agora ela precisava resolver
aquele outro problema: Dylan.
Conversas desagradáveis
A mesa já estava posta para dois, ela se sentou num lado e
ele no outro de frente para ela, Estela apareceu com pães recém
assados e café quentinho, suco de laranja, manteiga, e claro, suco
de uva fresquinho, Amélia agradeceu depois entregou a extensão
para ela.
— Senhora, espero que gostem do café — Estela disse em
inglês perfeito.
Falava em inglês quando vinha alguém de fora, quando
estavam a sós, ela falava a língua de Estela porque era mais fácil e
rápido para se comunicarem.
—Estela, por favor, ligue para Janice e peça para que ela vá
a farmácia para mim, ela sabe quais são os remédios, enviei uma
mensagem para ela, contudo ela não respondeu — pediu. —
Quando Leonardo chegar peça que se una a mim sim?
—Sim senhorita — Estela assentiu — O que vai querer para
o almoço?
—Qualquer coisa — deu de ombros — Eu como o que quiser
preparar, sua comida é deliciosa, mas acho que vou acabar me
unindo ao pessoal, tenho que me atentar a colheita do ano, quero
estar lá quando eles forem para primeira Pisa de Uvas.
—Será lindo como ano passado — Estela concordou
sorridente — E a senhorita estará linda como sempre, vamos tirar
muitas fotos.
—Com certeza vamos aproveitar bastante — concordou —
Obrigada se eu precisar eu a chamo.
Estela saiu, e Amélia agradeceu a refeição silenciosamente,
depois se serviu de uma modesta xícara de café, mesmo que já não
estivesse com o mesmo apetite de momentos atrás, agora ao ver
seu ilustres visitante diante de seus olhos, ela havia perdido
completamente a fome.
—Me fale da fábrica. — Ele pediu indiferente.
Iriam falar só de negócios como Petter havia dito e era bom
constatar aquilo. Ele veio para entender os negócios da fábrica, o
resto era resto.
—De qual das duas? — perguntou no mesmo tom.
Ela o fitou, Dylan segurava a xícara entre os dedos, a mão
grande quase cobria toda a porcelana, desviou o olhar ligeiramente.
Não era algo que fizesse com ninguém, mas olhar nos olhos dele
trazia sensação de familiaridade e não era algo que deveria sentir.
Ele era um estranho.
—Da de vinhos! — disse dando de ombros enquanto
bebericava o café.
—Leonardo o gerente do lugar vai levá-lo até lá hoje, é uma
grande área um pouco longe do centro, aqui perto, a propriedade é
minha, temos dois mil funcionários que trabalham no lugar desde a
fabricação até a parte de distribuição, trabalhamos com sete linhas
de vinhos, desde o mais barato até o mais caro, tinto, branco, suave
e seco — explicou enquanto abria o jornal que Estela sempre
deixava lá.
—Pensei que você me mostraria o lugar pessoalmente. —
Ele falou demonstrando determinada frieza — Você é a dona, certo?
—Sim senhor Wilson, mas eu tenho que cuidar de tudo aqui,
moro na vinícola e sem alguém para cuidar dos quinhentos
funcionários que colhem e transportam as uvas as coisas não
funcionam.
—Você própria administra tudo? — Dylan questionou.
Era muito a cara dele duvidar que ela o fizesse.
—Acredito que sim — respondeu folheando o jornal, mas não
estava conseguindo se concentrar nas notícias.
Por acaso ele não sabia que ela quem cuidava de tudo
sozinha desde o começo?
—Não pensei que você de fato, quando seu pai falou não
acreditei, ele falou que já administra tudo há dez anos, era apenas
uma adolescente quando veio para cá, como conseguiu?
—Trabalhando? — Ela bebericou o café tentando entender
os motivos das perguntas repentinas de Dylan.
Não ficaria irritada com aquilo, contudo, ele a subestimava
tanto assim para não acreditar no que Petter disse?
—Não se casou pelo visto! — concluiu ele pensativo — Por
que não olha para mim enquanto falo com você, Mel?
—O meu nome é Amélia, Senhor Wilson — folheou o jornal
de novo. — Terá alguém que vai acompanhá-lo as visitas a fábrica e
a vinícola, pode tirar todas as dúvidas com a pessoa ele conhece
bem o serviço porque começou junto comigo na plantação e
primeiras colheitas.
—Não quero ir com ninguém, quero que a dona me mostre
tudo, posso esperar um tempo quando estiver desocupada para
conhecer a fábrica — alegou ele bastante sério —Amélia não
precisa fingir que eu não estou aqui, eu sei que não gosta de mim,
que nunca me perdoou, por acaso leu a minha carta?
—Carta? Que carta? — a que eu queimei? — Não lembro de
ter recebido nenhuma carta.
—Escrevi para você mês passado. — Ele respondeu. — Tem
certeza de que não recebeu a carta?
—Não lembro, deve supor que recebo milhares de cartas por
mês, deve ter ido para no lixo não sei — fechou o jornal e bebeu
mais um gole do café quente. —Voltando ao assunto da fábrica, não
poderia acompanhá-lo senhor Wilson, mas o meu funcionário...
—Amélia você por acaso está me ouvindo? Que parte não
entendeu que eu quero que você me mostre o lugar? Os negócios?
— Ele cortou, não demonstrava irritação, mas não gostava do jeito
como ela o estava tratando. — Poderia ser mais profissional?
Ela engoliu aquilo a força, é claro, a frieza constante dos
Wilson corria nas veias de Dylan que nem mesmo mediante a morte
do bebê deles havia se curvado, ela não se recordava de vê-lo
sendo espontâneo e engraçado, ele era sempre um rapaz meio
distante e calado, como se quase fosse forçado a ficar na presença
dela, por que quando namoravam ela constantemente dizia "eu te
amo" para Dylan e ele apenas sorria e a beijava mudando de
assunto rapidamente.
Ela odiava a frieza dele, mas antes ignorava por amá-lo, por
estar apaixonada pelo herdeiro, agora tinha que ignorar por um
breve acordo comercial, porque a visita dele ali em nada implicaria
vida pessoal — e ele estava deixando claro aquilo — ele era só um
investidor que queria abrir seu próprio negócio e precisava conhecer
sobre os futuros negócios.
—Ok senhor Wilson, pode me acompanhar durante um dia na
vinícola, podemos ir a fábrica amanhã já que o senhor vai embora
depois de amanhã, será rápido, é claro — acabou por falar tentando
manter a frieza gritante que sempre ouvia na voz dele.
—Ótimo. — Ele falou. — Quero conhecer o segredo por trás
dos vinhos, são de fato muito bons, deve ter uma receita secreta eu
suponho.
—Trabalho, esforço e força de vontade essa é a receita,
chame de orgulho, perseverança, não queria crescer à sombra do
meu pai — disse vendo os olhos castanhos cintilarem com
sentimentos indecifráveis, mas não era uma indireta para Dylan, era
a verdade — Não estou me referindo a você, estava falando de
mim, por que não tenho vocação para administrar empresas
grandes, prefiro coisas menores, de menores proporções.
—Tem medo de desafios? — perguntou sarcástico.
—Só não quero me tornar escrava do trabalho e do dinheiro
— rebateu e o viu meio desconsertado, ficou satisfeita, por ter
respondido à altura depois continuou — Tenho uma boa vida, boas
pessoas que trabalham comigo há dez anos, a família Costa cresce
sempre, se eu tivesse escolhido trabalhar com meu pai, seria
estressada e viveria como ele, sem tempo para nada, não é algo
que eu priorize.
—Sempre me pareceu uma herdeira que adorava luxos —
retrucou maldoso.
Refletiu sobre aquilo com cuidado.
—Foi confortável, mas não era o suficiente. — Ela deu de
ombros. — Gosto mais da minha vida de agora, as minhas duas
fábricas exportam vinho e azeite para toda Itália e Europa, ganho
bem, pago bem, vivo bem, não gosto muito de ostentação, mas sou
bem mais feliz que antes garanto.
—Alguém especial suponho!
Ela riu, pobre Dylan... louco para esfregar na cara dela
alguma noiva modelo ou atriz, ela não se importava com o que ele
pensasse.
—Senhor Wilson, eu certamente não sou muito atraente o
suficiente para conquistar o coração de algum italiano, não mais que
um botijão de gás vestida em trapos — falou irônica e o viu esboçar
a primeira reação de raiva, Dylan bufou — Se sente bem?
—Não seja irônica — praguejou entredentes — Odeio isso
em você, não combina com você Mel, pelo visto mudou muito, não é
nem sombra da moça que eu conheci.
Ela nunca mais seria aquela menina.
—Não mesmo — afirmou levantando-se — Ela morreu, agora
se me dá licença vou trabalhar, desça dentro de meia hora com
roupas leves para que eu mostre a vinícola para o senhor pois tenho
muito a fazer, com licença.
Ela saiu da sala de jantar rápido, depois saiu pela porta da
sala sentindo pontadas fortes no pé da barriga, se apoiou nos
pilares enormes que ostentavam a varanda engolindo a dor
insuportável, esboçando seu melhor sorriso para o pessoal que mais
a frente trabalhava avidamente, os olhos estavam cobertos por
lágrimas, mas não era da dor íntima, eram causadas pelo incomodo
que a visita indesejada lhe causava.
Uma lembrança ruim veio à mente dela.
Estava determinada a lidar com Dylan de frente, contudo pelo
visto nem depois de dez anos ela estava pronta para o reencontro
com Dylan, talvez ela nunca estivesse preparada, ela não poderia
saber, só sabia que ele ficaria hospedado três dias em sua casa e
que querendo ou não, ela teria que suportá-lo, só desejou que
aqueles três dias passassem rapidamente e ele sumisse de sua vida
como nos dez últimos anos.
Dores
Amélia caminhou lentamente entre as videiras observando os
rostos familiares, todos sorrindo e cumprimentando-a como sempre,
ela se forçou a sorrir para os funcionários o quanto pôde, sempre
tentando disfarçar toda a dor que sentia pelas cólicas excessivas,
outra hora teve que parar e se recostar numa das estacas de
madeira que ostentavam as videiras carregadas, estava suando frio.
Sabia que a pressão estava baixa, estava de repente trêmula,
ela se conhecia o bastante para saber que não conseguiria superar
uma crise de cólicas trabalhando em pé, precisava ir em casa, ir ao
banheiro, seria constrangedor se em algum momento fosse algo
visível aos olhos das pessoas ali, aquilo acontecia exclusivamente
porque ela estava sem tomar os remédios.
Se perguntou mais uma vez onde estava Janice com seus
remédios de dor.
Colocou a mão no pé da barriga sentindo mais uma pontada
e se contorceu mordendo os lábios, era uma contração insuportável
no pé da barriga, era a pior dor com certeza, ela desejou poder
voltar no tempo, se ao menos houvesse colocado o cinto...
—Você não parece bem!
Ela não estava, mas ao ver Dylan se aproximando ela se
recompôs, arrumou o vestido no corpo e voltou a caminhar por entre
as fileiras de videiras, olhando envolta, tentou respirar fundo diante
da presença dele, Dylan começou a caminhar ao lado dela,
cabisbaixo, com cara de quem comeu e não gostou, fazendo um
esforço estranho para se curvar porque era alto demais para andar
ali, porém a última coisa que queria naquele momento era que ele a
visse mal, uma vez, já foi o suficiente, agora não, agora ela não se
permitiria aquilo.
Ele havia trocado o terno por calça jeans e uma camiseta de
malha fria, não era algo que surpreendesse ela, mas Amélia não
queria sentir que ele chamava a atenção das suas funcionárias do
jeito que ele estava chamando, os músculos eram evidentes agora,
os braços com veias que saltavam, ele realmente havia crescido
bastante.
— Mel, o que você tem?
Não era da conta dele.
—Sabia que essas terras foram dos meus avós por parte de
pai há mais de cem anos? — perguntou em contrarresposta — Meu
avô era americano e a minha avó italiana, ambos tinham o desejo
de fazer suco de uva, então se casaram e vieram para cá, já disse
quantos hectares de terra correspondem ao Parque das Uvas?
—Não — disse ele com resignação na voz. — Não tenho
interesse.
—E o que estamos fazendo aqui? Não veio para falar de
negócios? Precisa entender sobre as terras — falou com uma ponta
chateação — Parque das Uvas é a maior vinícola de toda a região
de Mazzara, os vinhos Costa e Souza são um dos mais pedidos na
Itália e em todo o Reino Unido, o meu vinho mais barato custa cerca
de dez mil e quinhentos euros, exportamos para França e para
muitos países europeus.
—Por que não para os Estados Unidos? — Ele quis saber
não muito interessado.
Ele não tinha opções, ela queria deixar claro que era daquela
forma que seria, trataria Dylan assim como tratou qualquer outro
amigo de seu pai que foi ali nos últimos anos.
—Não quero sair daqui e o meu foco também não é agradar
os norte-americanos, é mesmo a Itália, as pessoas aqui apreciam
um bom vinho mais que até um bom café — disse e limpou a testa
soada.
—Você não está bem. — Ele parou sério. — Amélia o que
você tem?
—Quando eu cheguei aqui, não havia muito a ser feito pelas
videiras, estavam mortas — falou ignorando a pergunta e continuou
a caminhar, só mais um pouco e estariam fora das videiras — Eu
mesma plantei com a ajuda de trinta funcionários, cultivamos
durante um ano, meu primeiro vinho foi pisado e fermentado por
mim, já disse que vendi a primeira garrafa no centro eu mesma?
Conseguimos fabricar com cansaço cerca de duas mil garrafas,
vendemos todas a um preço bem acessível, foi um milagre é claro,
mas tivemos bons resultados.
Nem sempre Amélia tinha orgulho de tudo aquilo, ela
encarava apenas como resultado de seu esforço, desfrutava de uma
boa vida, tinha seu próprio dinheiro e fazia o que amava, cuidava da
terra, semeava e colhia seus frutos, ela gostava daquilo, gostava de
ter algo maior no que se agarrar, sua vinícola e plantações de
azeitonas eram sua vida, tudo ali era fruto do que ela plantou, não
tinha como não olhar e não sentir uma ponta de satisfação.
Aquele lugar pertencia a ela, antes era sem vida, agora verde
em contraste com videiras cobertas com cachos de uvas roxas
grandes e suculentas, não se gabava tão pouco era convencida,
mas sabia que seu bom pedaço de terra tinha boa fama. Analisou
um cacho de uvas mais adiante e apesar da dor se esticou e pegou
para ela, ela gostava de uvas, amava o cheiro e o gosto doce,
cultivou ali sementes de Piemonte graças as antigas anotações dos
cadernos de receitas de seus avós, mas não viu muito jeito para
fazer suco, em sua primeira tentativa Amélia descobriu o quanto
poderia ser melhor fazer vinho.
O clima era propício, lugar perfeito para plantações da fruta e
ao ver a coleção de vinhos no porão da casa que foi de seu avô,
não resistiu, escolheu começar a fabricar vinhos, deu seus
sobrenomes brasileiros — a contragosto de Petter é claro — a rede
de vinhos e posteriormente a de azeites. Começou com um plano
pequeno de aprender a fazer bons vinhos, algo que no início foi sem
total pretensão.
E conseguiu!
Hoje só colhia o que havia plantado literalmente, resultados
ótimos, uma terra fértil e generosa com ela há dez anos, pagava
suas contas e funcionários em dia, e não tinha demissões há um
bom tempo, ela mesma cuidava para que todos sempre estivessem
bem, para que todos trabalhassem decentemente com um salário
justo.
—Amélia você está pálida, pare de ser orgulhosa, o que você
tem? — Ele questionou mais sério que nunca.
—Senhor Wilson, os meus problemas hormonais nada têm a
ver com os meus negócios — retrucou irritada — Por que não vai
dar uma volta pelo lugar?
—Porque eu não quero. — Ele falou entre dentes. — Poderia
pelo menos agir como alguém normal e educada?
—Desculpe? — Ela comeu uma uva, apesar da insinuação
dele conseguiu ignorá-lo — O que quer saber sobre a fábrica?
—Não vim pela fábrica somente, sabe muito bem. — Ele
disse analisando sua palidez. — Você está péssima!
—Você está equivocado — retrucou — Vai passar logo, a
minha secretária chegará em alguns minutos com os meus
medicamentos.
—Você toma remédios? — Ele estava nervoso.
E ela não fazia a menor ideia dos motivos que deixavam
Dylan daquele jeito.
—Sim, em certas épocas do ano para artrose também, e anti-
inflamatórios depois do acidente sempre tomo remédios, esses
especialmente para não sentir dor, não é saudável que eu fique sem
tomar eles, vou ter sorte se chegar aos quarenta não tomando
morfina — respondeu e sorriu a contragosto, mas ele permaneceu
sério. — O que foi?
—Por que será que eu acho que você nunca vai me perdoar?
Amélia não esperava pela pergunta, mas Dylan havia
chegado no ponto chave... na conversa que ela nunca quis e nem
desejava ter com ele, não por falta de oportunidade no passado,
mas porque sabia que não havia nada a ser dito, recordou-se que
depois de quase um mês internada no hospital após o acidente ela
havia decidido partir, inicialmente para o Brasil, porém Petter como o
ciumento que era não permitiu, então havia enviado ela para Itália,
dando como presente de formatura o Parque das Uvas.
Estava destruída quando chegou ali, mas tão convicta das
intenções de Dylan que decidiu esquecê-lo, deixar as dores e
mágoas de lado e se reerguer, enfim tornar-se a mulher adulta pelo
qual tanto trabalhou para ser, com esperanças de que as coisas
melhorariam em algum momento.
Agora ele estava bem ali tocando de novo naquele assunto
do qual ela se encarregou de enterrar, não fazia sentido algum já
que ele mesmo havia dito que não queria nada além de um tipo de
negócio ao ir até ali.
—Não há o que perdoar senhor Wilson, isso já foi a muito
tempo, éramos jovens, tínhamos sonhos diferentes, foi um acidente
e eu fui a causadora de tudo, deveria estar com o cinto e não
coloquei — justificou a fim de não continuar com a conversa.
Ela não queria dar assunto para Dylan começar a falar e falar,
questionar a situação, não era algo que fosse mudar nada, não
adiantava, mas o olhar severo dele indicava outra coisa.
—Não acredito. — Ele falou com a face endurecida. — Você
sabe, na época era muito jovem, fui mesmo um grande imbecil ao
tomar todas as minhas decisões voltadas para coisas que não eram
o que eu queria e não fui homem o suficiente, mas estava confuso,
e tudo aconteceu muito rápido.
—Você fala isso para mim? Eu só tinha dezessete anos,
Senhor Wilson— forçou um sorriso.
Dentro de seu útero tudo se contorcia e doía, mais outra forte
pontada, respirou fundo e continuou caminhando, vendo a alguns
metros a porteira que separava a vinícola de seu jardim.
—Amélia eu... bem, está segura de que não leu mesmo a
minha carta?
—Quer a verdade?
—Sim.
—Eu a queimei antes de abrir, joguei na lareira ontem à noite,
eu não faço ideia do que escreveu e não me importo senhor Wilson,
isso já acabou, ficou no passado, tenho vinte e sete anos agora e a
minha vida é ótima, não o culpo por nada, foi a minha culpa ter
precipitado tudo, e se quer saber, eu não me importo mais, vou
entrar e descansar um pouco, mais tarde se eu melhorar desço e
podemos ir a fábrica.
—Não se incomode, eu vou esperar o tempo necessário.
—Não queremos adiar a sua partida para os Estados Unidos,
certo?
Ela não esperou por resposta depois entrou pelo pequeno
portão e caminhou quase que com urgência latente para dentro de
casa, foi para o quarto depressa e correu para o banheiro, se despiu
tentando ao máximo lidar com as dores, entrou dentro do box do
chuveiro e ligou a ducha bem quente sentindo-se relaxar um pouco,
aos poucos se inclinou e se sentou no chão deixando que a água
quente caísse no pé da barriga sentindo quase que um alívio
instantâneo com a dor, mas aquela parecia uma dor muito pequena
em vista do que realmente sentia ao lembrar do que ela e Dylan
haviam vivido a anos atrás.
Memórias Doces e Ruins
Ela fechou os olhos tentando lembrar da primeira vez que ela
e Dylan haviam se beijado, havia sido algo tão precioso que quando
mais nova tinha medo de esquecer, sua pele automaticamente se
arrepiou e repeliu as sensações, Dylan estava confiante como
sempre, os lábios haviam encontrado uma sintonia perfeita, ele
havia beijado ela com carinho, afeição.
Amélia se recordou da sensação de beijá-lo, de abraçá-lo, os
encontros deles eram fantásticos, ele a levava para restaurantes e
passeios por Los Angeles, cinemas, praças, para o boliche, ela
adorava aquilo e não entendia por que Dylan com ela sempre
parecia outra pessoa diferente do que era perto de outras pessoas.
Eram lembranças que não queria, mas que vinham a sua
mente e odiava aquela situação, talvez por aquele motivo se
sentisse doente.
Negou com a cabeça, ele tinha dado tantos sinais, como ela
não percebeu o jogo dele?
Era frio e estranho, sempre que ela tentava conversar sobre
ele, Dylan mudava o rumo do assunto, na época tentou entender
aquilo apenas como algo que era parte da personalidade dele.
Mesmo que soubesse que namorados conversavam, dividiam
as coisas, ela confidenciava seus maiores segredos, contava sobre
sua vida, ele pouco compartilhava com ela, as poucas conversas
que tinham eram sobre a infância dele e aquilo pareceu tão
suficiente para Amélia que ela achou que com o tempo ele seria
mais aberto.
Porém não foi daquela forma.
Certa noite quando haviam ido para o apartamento dele em
Los Angeles, ela percebeu uma baderna incomum no lugar, mas
não parecia bagunça de homem, ela havia visto um sutiã atrás do
sofá, no entanto não quis falar nada, preferiu acreditar que poderia
ser de alguma irmã dele, sabia que Dylan tinha três irmãs e dois
irmãos.
Um momento depois tinha esquecido do sutiã porque ele a
levou para a cama, ela sempre esquecia de tudo quando estavam
juntos porque ele era sedutor, ele dizia coisas que faziam-na
acreditar nas intenções dele, ele a fazia se sentir especial e única.
Tudo o que uma adolescente solitária precisava.
No começo quando ainda tinham algum tipo de amizade, ele
sabia esconder um pouco mais das suas reações, depois quando
começaram a namorar e a ter relações frequentes Dylan parecia
tentar ocultar dela algumas reações mais explícitas, ele não parecia
confortável com seus toques de carinho em público nem quando ela
pedia que ele desse mais atenção para ela. Às vezes os sorrisos
dele não eram espontâneos, era algo do qual ela não entendia ou
talvez na época preferisse não entender, fechou seus olhos por ser
ingênua e doce demais.
Naquela noite ele havia dado um pequeno sinal de que
gostava dela, estavam deitados na cama, ela nunca ficava
completamente nua para ele, nunca tirava o sutiã por vergonha,
porém naquela noite não soube por que depois que haviam feito
amor, havia deixado ele tirar.
“Mel... você é muito bonita sabia?” — Ele a abraçou, traçou
beijos doces nos ombros nus com carinho. — “Não mereço você.”
Hoje ela entendia o porquê de ele ter dito aquilo.
“Besteira.” — Ela deu um sorriso para ele e ficou de bruços
puxando o lençol até a altura da cintura. — “Eu acho que não
mereço você.”
“Você... Mel, ficaria comigo se eu não tivesse dinheiro?” —
Ele havia perguntado deitando-se sobre ela.
“Claro que sim, eu te amo, como não ficaria? Que papo é
esse Dylan?” — Ela havia sorrido e puxado a mão grande e beijado
com afinco. — “Um dia vamos nos casar e ter muitos bebês, se não
tivermos dinheiro não tem problema, podemos trabalhar e cuidar
deles.”
“Você tem muitos sonhos valiosos.” — Ele riu, mas era algo
sem graça. — “Mel... eu acho... eu acho...”
“Eu sei que me acha meio jovem, contudo, não me importo,
um dia vamos nos casar, vamos ter um lar e um cachorro como o
meu que eu deixei no Brasil.” — Ela sorriu mais uma vez. — “Você
não sabe o quanto eu sonho com isso, é o meu maior sonho, ter
bebês e um lar, você vai ver como eu vou te fazer feliz.”
Amélia sorriu, agora com sua dura e infeliz realidade, entre
lagrimas, todos aqueles sonhos que ela concluiu serem tolos porque
Dylan os jogou numa lixeira, ela quis tanto, tanto ele que ficou cega
pelas suas convicções, algo que foi quebrado depois da formatura,
quando ocorreu o acidente e foi ligando peça por peça do plano
macabro dele.
Dylan jamais se envolveu com ela por estar apaixonado, na
época os pais deles estavam em meio a uma grande transação
financeira no mercado, aquele negócio custou bilhões a Petter pois
foi um alto investimento e nada melhor do que também uma união
entre ambas as famílias, união não! Conveniência.
A notícia do namoro deles tinha deixado Petter bastante
animado, ela sabia que ele havia incentivado ela a ficar com Dylan
porque assim poderia controlá-la a curto prazo, Amélia tinha parado
de tratar ele mal, ela estava mais dócil, claro, acreditava que estava
vivendo um conto de fadas.
Era uma pena que contos de fadas não existiam.
Nada vingou, alguns meses depois de sua chegada há Itália
ela viu na internet fotos de Dylan com uma nova namorada, ou já
namorada, a dona do sutiã. Concluiu. Foi somente uma diversão...
um negócio na mão do herdeiro, ele nunca sentiu nada por ela, ele
só tinha ficado com ela porque o pai dele assim queria, para facilitar
as negociações entre as duas empresas.
— Signora! — chamou Estela do lado de fora do quarto.
—Si? — fungou.
—Seus remédios — respondeu a mulher. — Posso entrar?
—Deixe-os aí Estela e traga o meu almoço aqui sim? Peça
perdão ao senhor Wilson, mas não me sinto bem.
—Si signora, Janice já foi embora, e Leo aguarda por ordens.
—Diga a ele para ficar à disposição do senhor Wilson.
—Si signora com licença.
Ouviu o barulho da porta sendo fechada e ficou quieta, a dor
não passava, nem a dor física nem a emocional. Por que ele tinha
que voltar? Não estava satisfeito em ter destruído seus sonhos?
Não estava satisfeito em ter conseguido o grande negócio para o
seu pai?
Amélia conseguiu sair do chuveiro minutos depois, disse a si
mesma que talvez Dylan ainda fosse um puto egoísta que não se
importa com ninguém além dele mesmo, que foi ali apenas para
reforçar o fato de que era um erro estar perto demais dele. Ao entrar
no quarto avistou os remédios em cima da cama e um copo de água
na mesinha ao lado da cama, não hesitou duas vezes antes de
tomar os comprimidos depois ela se vestiu, um pijama quente e só
conseguiu se sentir grata ao se ver subindo na cama.
Abraçou sua melhor pelúcia, sabia que não poderia sair para
trabalhar naquele estado, já fazia um tempo que não ficava o dia
todo em casa, mas não era algo que pudesse mudar de uma hora
para outra, sempre se levantava cedo para o trabalho e odiava se
sentir inútil por conta das dores, porém estava incapaz demais de
levantar-se, de andar, era incrível como as vezes ela se sentia mal
naquela época do mês.
Cochilou por algumas horas, provavelmente em
consequência do remédio, depois acordou com batidas leves na
porta, estava meio grogue, mas concluindo ser Estela com algo para
ela comer apenas falou para que entrasse e permaneceu quieta,
abraçada ao cachorrinho de pelúcia.
Honney não trazia lembranças ruins da pessoa que a
presenteou com ele, foi o primeiro presente que Dylan havia dado a
ela, ele havia ganhado num dos passeios que eles haviam feito a
um parque no tiro ao alvo não era uma pelúcia grande, já estava
meio velha, mas era sua predileta, ela gostava de pelúcias, sempre
mantinha pelo menos uma em sua cama, se apegou demais a
pelúcia.
—Você ainda tem esse cachorro?
Ela não se moveu, mas o coração estava pulando, pulando
com a pergunta da voz presente em seu quarto.
Por que ele havia entrado? Com permissão de quem? Será
que ele não entendia que ela estava doente? Que não queria ser
incomodada?
Se sentou na cama devagar sentindo que a cólica havia
diminuído bastante, o viu se aproximar com a bandeja e colocá-la
diante dela com a refeição, canja de galinha com algumas fatias de
pão fresco, Estela sabia mesmo como cuidar ela quando não estava
bem, não conseguiria comer algo diferente nem que quisesse, ficou
grata, mas depois iria ter uma conversa com ela sobre a situação.
—Coma — Dylan disse se sentando diante dela na cama. —
Parece bem melhor.
—Os remédios fazem efeito rápido — disse enfática.
Agradeceu o alimento silenciosamente, depois molhou o pão
na sopa e soprou adorando o cheiro, era o que Estela chegava mais
perto da receita de sua mãe no Brasil, mas uma sopa tradicional de
galinha tinha verduras e muito tempero, ainda sim aquela estava
deliciosa.
—Tinha me esquecido disso. — Ele falou pensativo. —
Sempre agradece.
—Pois é — falou apenas cansada.
—Mel...
—Por que o senhor não me chama de Amélia como todo
mundo?
—Porque eu não sou todo mundo.
—Tudo bem senhor Wilson, eu posso entender isso. Estela
deixou o senhor entrar?
—Não, eu roubei a bandeja enquanto ela foi nos fundos
buscar folhas de louro para o chá, vim por conta própria, ela não
tem a ver com isso.
—Ah, já viu que eu estou bem, pode descer e almoçar.
—Estou ótimo aqui, obrigado!
Amélia comeu outra fatia de pão se forçando a engolir, Dylan
deu traços de que se sentia superior algumas vezes contudo nunca
foi tão prepotente antes com ela, frio e distante talvez, mas não
arrogante e mandão, é claro, daquela vez ele não precisava fechar
um grande negócio com seu pai, ele só estava ali, para conhecer o
negócio, não para tentar fechar nenhum acordo para salvar os
negócios do pai.
—As pessoas aqui são bem receptivas — Dylan comentou.
— Leonardo parece ser bem dedicado e fiel, eu diria apaixonado por
você.
—Apaixonado? — perguntou pensativa e quase riu, porque a
ideia era bizarra, Leonardo era seu compadre, era madrinha das
duas filhas dele.
Mas Dylan não precisava saber daquilo naquele momento.
—Fala com paixão ao seu respeito. — Ele disse meio
zombeteiro. — A idolatra.
—Algumas pessoas não sabem valorizar de fato o que têm
senhor Wilson, Leonardo começou comigo semeando as colheitas,
ele é órfão e casado, pai de duas crianças nas quais eu sou
madrinha, é humilde e a esposa dele é paraplégica, ele ama o
emprego e o que faz, sempre foi fiel a Parque das Uvas e a fábrica
—disse, mas não pareceu surtir efeito em Dylan. — Leo é um
homem honesto, eu bem queria que ele fosse apaixonado por mim.
—Por quê? vai me dizer que se casaria com alguém pobre?
— perguntou sarcástico.
—Não quero falar sobre isso.
—Temos que falar sobre isso, Mel, é melhor que nós
conversemos sobre isso agora de forma pacífica, você é muito mal
resolvida com o nosso passado, ainda parece aquela menina
mimada que não suporta ouvir não de alguém.
Ouvir aquilo a irritou.
—Sim, eu me casaria— ela refletiu — Eu sempre fui pobre
até ser descoberta por Petter.
—Só vi uma menina de dezessete anos mimada e cheia de
frescuras — alegou duramente.
Ela não entendia por que Dylan estava falando aquelas
coisas, contudo não deixaria barato.
—Pode até ser, mas lembre-se foi graças a essa menina
mimada que o seu querido pai não perdeu um excelente negócio —
esfregou vendo determinação nos olhos castanhos — Ou achou que
eu não descobriria?
—Foi... bem, foi um grande equívoco achar também que você
iria gostar de mim por quem eu era, certo? — Ele levantou-se frio
novamente.
Os olhos dele mudavam quando ele mudava de humor, agora
era perceptível a decepção.
—Foi, foi um grande equívoco — concordou — Por favor, não
entre mais no meu quarto sim?
—Não vou mais entrar sem pedir, garanto. — Ele falou todo
severo. — Mel, deveria ter lido a minha carta.
—Não quis ter o desprazer de lê-la, fique tranquilo, nada que
disser vai mudar o que houve, vá descansar pois amanhã teremos
um longo dia pela frente — aconselhou com toda a sua indiferença.
— É claro, se eu me sentir melhor desço e levo-o a fábrica.
—Não se preocupe, vou pedir a Leonardo que me leve, até
mais Mel.
Dizendo aquilo ele saiu, então enfim ela pode voltar a respirar
normalmente de novo, sentindo aquela dor familiar no peito, a dor
de constatar de fato que tudo o que sempre pensou era verdade, ela
foi apenas um meio para um fim, para um caminho para que ele e o
pai dele tivessem um negócio.
Coisas do passado
Não desceu para o jantar e ficou grata por não ver sinal de
Dylan, ou de ninguém, ela sabia que estava suscetível demais, em
épocas como aquelas queria ficar apenas só, em seu casulo,
tentando aceitar a dor, as cólicas voltaram no começo da noite,
tomou mais e mais remédios, chorou um pouco em meio a dor, mas
acabou dormindo.
Acordou no dia seguinte já bem tarde, sem cólica alguma,
com alguns bons motivos para sorrir, Amélia sabia que estava
ficando mais velha naquele dia, seu dia não seria tão diferente dos
outros, contudo era seu aniversário então ela queria de certa forma
se sentir um pouco mais animada, ainda que não houvesse tantos
motivos.
Meio sonolenta tomou um banho quente mais revigorante, a
longa hemorragia parecia ter se dissipado um pouco, vestiu jeans e
uma camiseta mais cumprida com as costumeiras chinelas de
sempre, quando desceu já era horário de almoço, mas não estava
sentindo dor, aquilo melhorou seu humor, encontrou Estela servindo
o almoço para o visitante.
—Parece bem melhor senhorita — Estela comentou com um
sorriso enorme.
—Estou — disse se sentando ao lado oposto de Dylan — O
que temos de bom para hoje?
—Lasanha — disse Estela com prazer.
—Massa — exclamou calorosa — Até que enfim, pode trazer
bastante, estou faminta.
Ela viu Estela toda apressada sair da sala de jantar, depois
abriu o jornal que já parecia ter sido lido, mas bem dobrado no canto
de sempre, ela gostava de ler, mas duvidava muito que Dylan
tivesse entendido uma palavra sequer no jornal.
—Você melhorou pelo visto. — Ele comentou quebrando o
silêncio.
—Foi a fábrica senhor Wilson? — perguntou indiferente.
—Não! — respondeu. — Desisti, preferi esperar por você.
—Hoje acabaremos com isso — folheou o jornal. — Que
horas vai partir amanhã?
—Por acaso eu não vou poder ir amanhã!
Ela apertou o jornal entre os dedos e o jogou sobre a mesa
fuzilando-o com o olhar, Dylan lançou um sorriso debochado e lindo
que quase, quase fez com que seu coração saísse pela boca. Não
entendia o porquê de ele ser tão cínico, e pior, como ela ainda
reagia daquela forma depois de tudo o que houve, a verdade era
que a presença dele ali estava perturbando-a.
Estava emocionalmente abalada e estressada.
—Penso seriamente em me instalar na Sicília. — Ele disse
tranquilo.
—Ah! — disse fingindo frieza — Bem, tem excelentes hotéis
na cidade.
—Não acho que ficar em hotéis vá resolver o meu problema.
— Ele a encarou. — Só preciso que diga as palavras mágicas.
Amélia pensou bem rápido, queria se livrar dele.
—Eu te perdoo — disse automaticamente.
—Não essas, as outras — corrigiu e riu — Essas também,
mas as outras é claro.
Perdeu o controle, assim como aquele homem havia perdido
total equilíbrio mental, ele estava querendo mais uma vez expor
Amélia, ele queria brincar com ela e humilhar ela e daquela vez as
coisas não seriam daquela forma.
—Do tipo, vá se ferrar? ou vá se ferrar seu filho de uma mãe
desgraçado? — berrou furiosa — Eu não sou obrigada a recebê-lo
na minha casa, vá embora!
—Não — Dylan estava agindo de forma tão fria que a
assustava — Não até nós dois nos acertarmos.
Acertar?
—Meu Deus, Dylan! — respirou fundo e passou a mão nos
cabelos afastando-os para trás — Acertar o quê? Já disse que te
perdoo, o que quer de mim?
—Seu amor. — Ele disse desprovido de humor. — É claro
que ainda deve sentir algo por mim, se não teria lido a carta, ou
jogado o cachorro fora, ou então não fingiria me odiar tanto.
—O problema é esse Dylan, eu não te odeio, eu gosto do
cachorro e eu não me interesso pela maldita carta — respondeu
tentando manter a calma — Por que não aceita que acabou?
Acabou Dylan, na verdade nunca existiu nada, nada entre nós,
existiu eu sendo usada por você e seu pai para fecharem um
negócio.
—Bem, isso eu não posso mudar, mas podemos fazer
diferente dessa vez, um novo recomeço — retrucou ainda bastante
calmo — Por acaso não trabalho mais com ele há nove anos, depois
que a minha mãe morreu eu abri a minha própria empresa, não tem
o mesmo porte da Wilson, mas é minha, não sou rico como ele, mas
tenho o meu próprio negócio.
—Bem, isso não é da minha conta — hesitou ao ver Estela
colocar o prato de lasanha diante dela, e depois o de Dylan —
Grazie Estela, parece deliciosa.
—Espero que gostem — Estela disse e foi pegar um vinho no
armário — Setenta e nove?
—Sim, por favor — afirmou.
Ela agradeceu a refeição tentando encontrar algum equilíbrio
depois do jeito alterado no qual acabou de falar com Dylan, ela o
julgou um completo louco por querer algum tipo de aproximação.
Analisou a situação e se sentiu totalmente encurralada e ela
sabia muito bem que aquele homem diante dela não iria desistir
daquela ideia maluca e era muito provável que acabassem brigando
diversas vezes até o momento em que ele fosse embora, ela sabia
que iria fazer de tudo para não ficar perto dele ainda mais agora
sabendo das intenções dele.
Começou a comer em silêncio, Estela a serviu com uma taça
de Pardon 79 depois a Dylan, ele não parecia familiarizado com a
degustação de vinhos ou nada do tipo, sentiu-se desconfiada sobre
a situação enquanto bebia alguns goles da bebida, aquele pertencia
a coleção de seu avô, havia tantos no porão que ela sabia outras
garrafas iriam ficar para seus netos ou até mesmo bisnetos.
—Não entendo de vinhos, mas eu gosto bastante, você pelo
visto adquiriu um gosto muito aguçado — Dylan disse quando Estela
os deixou a sós novamente — Por que não quis fabricar suco de
uva como seus avós?
—Acho que a intenção do meu avô nunca foi suco de uva, no
porão tem centenas de vinhos de muitos países diferentes, o mais
velho é um francês 1890, ele queria fazer vinhos, mas a minha vó
não queria, ela odiava bebida, então para fazer a vontade dela ele
fez suco de uva — respondeu — Fazer suco de uva parecia uma
boa ideia, mas preferi investir em vinhos depois de ver o caderno de
receitas do meu avô, se fosse lógico escolheria suco de uva porque
o imposto para exportação de bebida é mais caro, contudo mais fácil
vender vinho à suco de uva.
—Entende do negócio muito bem — comentou e bebericou o
vinho — Esse é muito bom.
—É francês, doce e bem fermentado, safra de 1979, quanto
mais velho mais doce fica há depender da forma que se fermenta, o
segredo de um bom vinho é apreciar devagar — deu de ombros —
Petter gosta de vinhos mais chulas, gosta mais de bebida quente,
sempre mando várias garrafas das minhas boas safras para ele.
—Por que ele não seguiu os negócios do pai? — Ele iniciou a
refeição.
Era mesmo bom que mantivessem a conversa naquele nível.
—Petter nunca quis pegar no pesado essa é a verdade —
apontou enquanto segurava a taça já quase vazia e o viu sorrir — É
sério, o meu avô bem que tentou, mas ele não quis ficar aqui,
preferiu ir para os Estados Unidos e por lá mesmo ficou, se ficasse
aqui, provavelmente teria que enfiar as mãos na terra e plantar e ele
nunca foi assim, ele prefere um taco de golfe e passeios de lancha.
—Entendo — disse — E por que você preferiu isso?
—Bom, não havia opções, depois do acidente ele não me
deixou voltar para o Brasil, qualquer coisa para ele era melhor do
que me deixar voltar para família pobre no Brasil, ele nunca aceitou
o fato de que eu preferiria ficar com os meus pais adotivos do que
com ele — abasteceu sua própria taça — Eu não queria estudar,
não via graça em curso nenhum da faculdade e ele queria que eu
assumisse os negócios, mas eu não queria, então ele me mandou
para cá, passou as terras para o meu nome e me mandou eu me
virar já que segundo ele eu já era “dona das minhas ações”, ele
ficou magoado porque eu disse para ele que preferia morar em
qualquer lugar do mundo onde ele não estivesse, então eu me virei,
sempre fui boa em matemática, aprendi italiano rápido, começamos
com trinta funcionário, hoje na vinícola são quinhentos entre fixos e
temporários e na fábrica dois mil, diretos e indiretos, na fábrica de
azeite são mil, na colheita trezentos, o meu foco é mais vinho, na
época a fábrica estava fechada e muitas famílias havia perdido o
emprego, então resolvi reabri-la, não pretendo expandir, mas gosto
também de trabalhar ramo.
—Você foi muito caridosa — Ele falou. — Seu pai não me
falou isso.
—Petter nunca fala isso para ninguém, eu não sou motivo de
orgulho, não segui os negócios dele, não apoio o estilo de vida dele
e eu o odeio, somos ótimos separados — comentou, era ranzinza
quando se referia ao pai.
—Pensei que tinham uma boa relação, Mel. — Ele se serviu
de mais vinho.
—Petter e eu sempre fomos assim, ele é bastante infantil e
difícil de lidar às vezes, gosta de curtir a vida e sair com várias
mulheres mais jovens, e ele é basicamente um idoso — apontou
pensativa — Ele é um pai ausente, sempre foi, mas imagino que um
dia ele vai perceber que é velho e que as mulheres só querem o
dinheiro dele.
—Papai se casou depois da morte da minha mãe,
descobrimos que ele tinha uma amante quase trinta anos mais
jovem e dois filhos pequenos — Dylan comentou indiferente — A
minha querida madrasta adora esbanjar o dinheiro que a minha mãe
ajudou o meu pai a conseguir, ninguém a aceita, ela tem apenas
vinte e cinco anos, ela é quase dez anos mais nova do que eu,
ficamos muito felizes quando houve a distribuição da herança da
minha mãe porque meu pai não herdou um centavo do dinheiro.
Dylan falando sobre si mesmo tão abertamente?
—Minha mãe sempre mereceu mais do que ele poderia ser.
É uma pena que você é exatamente igual a ele não é
mesmo?
—Ela morreu muito jovem — concordou.
Ela se quer havia conhecido a mãe de Dylan direito, só a viu
uma ou duas vezes numa visita a casa dos Wilson, pareceu uma
mulher muito gentil e fina, na época lamentou por não ter tempo de
conversar com a senhora Wilson, de conhecê-la melhor, Dylan
também nunca falava dela ou de ninguém de sua família.
—Mamãe tinha câncer de mama. — Ele confessou e
demonstrou certo incomodo. — Não falou para ninguém, quando
descobrimos já estava num estágio muito avançado, ela não resistiu
e faleceu apenas três meses depois que descobrimos.
—Sinto muito — falou sincera, não por ele — O meu pai...
adotivo morreu há dois anos, ele teve um infarto e morreu no
trabalho, só tinha quarenta e sete anos.
—Foi ao Brasil eu suponho — Dylan concluiu.
—Sim, fui fiquei lá duas semanas, fui a praia, revi amigos de
infância, a minha mãe ficou arrasada, mas ela vive bem hoje — deu
de ombros e começou a levantar observando as horas no relógio —
Bem senhor Wilson, preciso trabalhar, ontem foi o primeiro dia de
colheita, e eu nem fiz nada, preciso ir as duas fábricas e fazer o
levantamento do dia, pode aproveitar o resto do dia e...
—Em absoluto, eu vou com você, quero que me mostre a
fábrica. — Ele disse levantando-se. —Já acabei.
—Tudo bem, vamos a vinícola, quero ver como anda a
colheita.
Comemorações
Enquanto caminhava com sua prancheta e conversava com o
encarregado do setor Marcello, ela observou algumas mudanças no
quadro geral de funcionários, alguns já tinham partido para o
intervalo e outros estavam almoçando, tudo ia bem, e Marcello
notificou-a que adiaram a pisa de uvas no dia anterior por ela não
ter ido, Amélia se sentiu um tanto deslocada, mas informou que
naquela tarde eles fariam a devida pisa de uva tradicional para abrir
a primeira colheita do ano, pediu que ele preparasse tudo, quando
retornasse as cinco, reuniria a todos e realizariam o ritual.
Depois quando acabou se despediu do encarregado e pegou
a caminhonete que usava para andar pela região, Dylan só
observava e fazia algumas perguntas a respeito da higienização e
armazenamento das uvas e de como era feito o cultivo.
Ela explicou todo o processo desde a parte da preparação da
terra até colheita manual, do o transporte em caixotes até a fábrica
onde eram prensadas e bem fermentadas pelos funcionários e
máquinas de última geração, Amélia gostava de falar sobre a
fábrica, sobre sua vinícola, e ficou bem satisfeita por ele não ter
tocado em assuntos pessoais, porque se irritava facilmente com
aquilo e ela pouco acreditava em Dylan, na verdade não acreditava
nele e pouco confiava em suas intenções, para eles não havia jeito
de se "acertar", não havia nada além de um passado conturbado de
perdas irreparáveis.
Leonardo os recebeu como sempre na fábrica, e ela fez
questão de mostrar todos os setores desde a chegada das uvas até
o engarrafamento do vinho para Dylan, sempre explicando a
diferença entre os de vinhos que eles fabricavam, foi cansativo, mas
bem gratificante, fazia bastante tempo que ela não fazia um tuor
pelo lugar, foi bom ver os funcionários da parte da produção, Dylan
por sua vez era atento e estava de fato interessado no assunto, e
ela ficou feliz quando o passeio acabou, montou uma bela cesta
com seus melhores vinhos e entregou para Dylan já em seu
escritório, ela sempre presenteava os amigos de seu pai com
vinhos, com ele não seria diferente é claro.
—Sua fábrica é enorme. — Ele disse atento aos sete vinhos
que havia ganhado. — Obrigado.
—Por nada — disse e se voltou para tela do computador
analisando alguns últimos relatórios enviados por Janice sua
secretária.
—Por acaso eu não me esqueci. — Ele disse.
—Não esqueceu do quê? — atenta a tela ela digitava as
teclas do computador rápido.
—Do seu aniversário, é hoje não?
Ela estava surpresa, Dylan Wilson se lembrando de seu
aniversário? Eles sequer haviam comemorado a data quando
estavam juntos, será que seu pai havia dito algo?
Petter ainda não havia ligado para dar parabéns, nem sua
mãe ou alguém na vinícola falado algo, alguma coisa eles estavam
aprontando, ela mesma esteve tão chateada com as situações e o
momento do mês que havia esquecido de pensar em algo mais
profundo, estava completando vinte e oito anos.
Para ela era uma data como qualquer outra, comemorava
pouco, mas agradecia muito, as comemorações não aconteciam
graças a ela, mas aos funcionários que sempre apareciam com um
bolo e Janice organizava algo surpresa com o pessoal do escritório,
contudo hoje, nada.
—Me lembrei mais cedo que estou ficando mais velha, mas
não é algo tão importante, é um dia como qualquer outro para mim.
— falou constrangida — Não me importo com festas ou
comemorações.
—Não poderia deixar passar em branco. — Ele enfiou a mão
no bolso e retirou de lá uma caixinha quadrada, depois deixou a
sexta com vinhos de lado e foi até ela. — Feliz aniversário.
—Não posso aceitar — disse mais que séria.
—Mas vai aceitar, é o presente de um amigo. — Ele abriu a
caixinha exibindo o pequeno colar de ouro e pedrinhas de
brilhantes. — Posso colocar?
—Dylan melhor não...
Ele a ignorou totalmente, Amélia deixou um suspiro cansado
sair e a fim de evitar outra discussão apenas assentiu, puxou os
longos cabelos para frente sentindo a joia fria de encontro ao
pescoço, era um belo colar, e pelas pedrinhas de brilhantes não
deveria ter sido barato, ela tinha muitas joias que Petter deu com o
passar dos anos, Amélia aprendeu a gostar de joias com o passar
dos anos, ainda que soubesse que Petter só dava presentes caros
para suprir sua ausência.
Depois que ele colocou o colar em seu pescoço, ela pegou
um pequeno espelho na gaveta da escrivaninha e observou a joia
reluzente e brilhante em seu pescoço, o pingente uma pedrinha
maior e mais elegante em forma de coração, sem sombra de
dúvidas, um bom presente.
—Obrigada — disse tocando o pequeno coraçãozinho. —É
lindo.
—Sabia que iria gostar — Dylan falou se afastando de novo
— Você não se recusaria a sair comigo para jantar fora, certo?
—Bem... não quero tornar as coisas pessoais demais—
replicou.
—Ouvi falar que há excelentes restaurantes em Palermo
também, poderia pelo menos jantar comigo ou me mostrar hotéis já
que me expulsou da sua casa.
—Não... — Ela se interrompeu.
Ouviu o barulho da porta sendo aberta, e um estrondoso
"parabéns para você", ecoando dentro da sala por toda a sua equipe
administrativa, e Janice segurando o bolo em forma de garrafa de
vinho, ela sorriu, ao ver a velinha reluzente, no ano passado Janice
havia pedido um bolo em forma de uma penca de uvas, esse ano foi
bastante criativa, foi até lá e soprou a vela quando acabaram de
cantar.
—Sem com quem será... — disse arrancando algumas
risadas — Obrigada pessoal, não precisava.
Depois disso, Janice arrastou todos para o refeitório da
fábrica onde muitos funcionários receberam-na com uma salva de
palmas, havia uma mesa com frios e comes e bebes servidas e um
bolo maior, onde ela própria soprou outra velinha e cantou parabéns
com todos.
Janice e ela não eram amigas muito íntimas, mas tinham uma
ótima relação de trabalho, Amélia sabia que ela gostava de
comemorar datas especiais, que gostava de planejar festas e cuidar
de tudo, era grata por tê-la consigo há tantos anos.
Claro que todos os funcionários não estavam lá, porque a
fábrica não poderia parar, mas boa parte deles, principalmente os
mais antigos vieram parabenizá-la pessoalmente, ela agradeceu a
todos a presença, e deu o primeiro pedaço do bolo, a Leonardo, que
emocionado agradeceu, Janice ficou com certa invejinha, mas ela
lembrou que no ano anterior, a secretária foi contemplada com o
primeiro pedaço.
Depois das comemorações, ela e Dylan partiram para fábrica
de azeites, onde sua outra secretária Carola a esperava com outro
bolo e o tradicional "parabéns para você" também, como a fábrica
era menor, foram menos funcionários, mas surtiu o mesmo efeito
para ela, comemorou do mesmo jeito e apenas ficou grata por ser
lembrada, mais uma vez por seus funcionários, o primeiro pedaço
daquele bolo que era em forma de uma azeitona enorme ela
dedicou a todos os mil funcionários do lugar, Carola notificara que
cada um receberia um pedaço de um bolo tamanho família assim
como foi feito na fábrica de vinhos.
Janice e Carola se comunicavam bem, sempre planejavam
coisas que ela aprovava, em seus aniversários elas mandavam
fazer bolos para distribuir para os funcionários, era uma forma deles
sentirem que estavam com ela naquele momento e que faziam parte
daquilo, Amélia por sua vez não poupava esforços porque sabia que
tinha funcionários que trabalhavam mais tarde e que já haviam ido
embora, era uma forma de fazê-los se sentir queridos, bem como
nas festas de aniversários das fábricas e celebrações de natal e ano
novo, sempre se reunia com todos eles.
Depois das comemorações eles dois partiram de volta para o
Parque das Uvas, ela achou que nunca mais iria querer comer bolo
na vida quando estacionou a caminhonete na garagem de sua casa
e todos já estavam esperando-a com a enorme mesa montada e
mais um bolo, ela olhou para Dylan vendo-o sorrir e suspirou, depois
se forçou a sorrir para todos e cantar mais um parabéns, ali estavam
os funcionários da vinícola e da plantação de azeitonas que não
ficava muito longe, não tinha dado tempo de mostrar para Dylan,
com sorte no dia seguinte ela mostraria as azeitoneiras enormes
que o lugar possuía.
Clareza
Cantaram parabéns, e depois que ela partiu seu último bolo,
comum e apenas branco, de quase três metros e meio, dedicou o
primeiro pedaço a todos ali, então enfim, foi chegada a hora da Pisa
de Uvas, Amélia tomou um rápido banho e colocou um vestido mais
leve, ao retornar as plantações lavou bem os pés com água quente
e vinagre de álcool, Marcello a ajudou a subir na enorme bacia de
madeira cheia de uvas, então ela cortou o lacinho roxo que havia na
pequena abertura e pulou para dentro pisando nas uvas depressa,
rindo, vendo que o pessoal tirava milhares de fotos seguida, ela
sempre fazia aquilo e era engraçado porque em dado momento não
foi assim, em sua primeira Pisa de Uvas ela levou uma baita queda.
Recordou-se de quando começou a aprender o processo de
fabricação de vinhos, de como foi ensinada por alguns funcionários
já experientes de como deveria fazer a pisa, ela lembrou que logo
de cara ao entrar na bacia caiu de cara em todas aquelas uvas, os
poucos funcionários que estavam lá caíram na gargalhada e depois
Amélia se ergueu com um sorriso nos lábios, a Pisa era tradição há
dez anos, era parte fundamental para todos eles.
Mesmo que atualmente os vinhos fossem feitos na fábrica,
ela ainda usava sua primeira coleta para fazer com a pisa.
Começou a pisar com gosto sentindo a maciez da uva recém-
colhida embaixo dos pés. A dupla formada por dois funcionários da
vinícola começou a cantar Funiculí, funiculá de Luciano Pavarotti ao
som de uma sanfona e um violino, ela riu vendo que aos poucos
pelo pequeno furo na madeira da bacia o suco de uva ia saindo e
caindo no imenso compartimento, era daquele compartimento que
com orgulho ela fizera seus primeiros vinhos, quando Leonardo
momentos depois lhe ofereceu um copo com o suco recém
espremido ela saiu da bacia e subiu no apoio para fazer o seu
discurso.
— Voglio ringraziare tutti per essere stati nella prima
vendemmia dell'anno, grazie per avermi sopportato e per essere
sempre con me, e oggi il vino è della casa! — ergueu o copo
ouvindo as comemorações alegres de todos — Al Parco dell'uva
fratelli miei, Saluti!
Amélia agradeceu aos funcionários pelos anos de trabalho,
por sempre estarem ao seu lado, pela boa colheita, nada mais justo,
o vinho seria por conta da casa.
Todos ergueram suas taças, e beberam, depois como
mandava a tradição ela jogou o copo no chão quebrando-o em
pedaços vendo que os funcionários faziam o mesmo e
comemoravam, a festa só tinha começado, mas ela não queria ficar,
estava cansada e precisava descansar, não eram os dias ideais
para ficar a noite toda comemorando.
Ainda que houvesse motivos, seu aniversário, a colheita.
Enquanto se entendia com as chinelas, viu Dylan se
aproximar, os funcionários se aproximavam das mesas com comida
em busca de se servir, a música alegre embalava os mais
dançantes, Amélia suspirou.
—Vamos eu te ajudo. — Dylan disse pegando-a pelo braço—
Como estava o bolo?
—Muito engraçado — praguejou vendo-o sorrir mais uma
vez, mas não recusou ajuda.
—Seus funcionários gostam mesmo de você. — Ele disse.
Amélia tropeçou e Dylan a segurou de imediato, as pernas
encostaram nas dele e o sumo de uva sujou a caça dele.
—Desculpe — pediu sem graça e se soltou dele — Vou pedir
a Estela que lave para você.
—Não se preocupe — ele falou — Ainda quer me mostrar a
cidade?
—Não, eu estou exausta, poderia ser amanhã?
—Amanhã não, fui expulso lembra?
—Quanto drama! Pode ficar até achar um hotel decente não
me oponho.
—Ótimo, então amanhã jantaremos fora, você quer um
pedaço de bolo para o jantar?
Ela fez uma careta contorcida, não aguentaria comer bolo
nem tão cedo, Dylan riu.
—Como sempre desastrada — Estela falou quando entraram
dentro da casa grande — Pisando nos tapetes com esses pés sujos,
chegou um pacote da América para você.
—Petter — concluiu curiosa — Onde está?
—No seu quarto — praguejou a velha funcionária, irritada —
E ainda arrastou o pobre rapaz junto.
—Ah, e você nunca cansa? — questionou começando a se
afastar — Faça um café Estela desço em dez minutos.
Petter sempre a surpreendia com presentes caros, ele nunca
ia é claro por falta de tempo, mas mandava joias na maioria das
vezes muito caras, joias que ficavam guardadas em sua caixinha e
Amélia só as usava quando ia a algum evento das fábricas ou
convenção.
Quando entrou no quarto rasgou a caixa se sentindo mais
curiosa que nunca, deparou-se então com uma caixinha cor de rosa,
a abriu sentindo que as mãos tremiam de empolgação, um diário?
Um diário cor de rosa, com uma caneta de ouro e um bilhete
escrito à mão.
"Este ano fiz diferente, espero que a partir de hoje escreva
uma bela história de sua vida, ou reescreva, papai te ama muito,
não conte isso para ninguém, principalmente a parte do papai, te
amo, Pet".
Ela sorriu, curioso, Petter não havia mandado joias? Ela
sempre agradecia, mas um diário? Ela apanhou o diário, eram
apenas relvas brancas e secas, grosso e meio pesado, ela deixou
tudo em sua escrivaninha e foi logo para o banho, tomou os
remédios um pouco temorosa e depois vestiu um de seus vestidos
mais leves, porém longos, aquele batia até no calcanhar, ela não
queria que Dylan a visse com roupas justas.
Curiosamente Amélia não se sentia confortável de sentir que
ele a observava muito, era constrangedor quando um homem a
observava mais que o necessário, era tímida naquele sentido.
Desceu carregando o novo presente como um troféu,
encontrou Dylan na sala de visitas já também com novas roupas, de
chinelas, ela se sentou em sua poltrona predileta e berrou por
Estela, queria mostrar o presente para a senhora.
—Você não conhece o caminho da cozinha? — Estela
perguntou nervosa.
—Petter me deu isso, curioso, um diário Estela — disse
mostrando o diário e a caneta — O que escrevo?
—Ora, diários são coisas pessoais, tem que escrever sobre
sua vida —Estela aconselhou — Vou buscar o café quer uma fatia
de...
—Não ouse falar bolo, eu não quero — negou a cabeça com
veemência vendo que Dylan parecia entender e ficou sorrindo para
ela, ficou constrangida — Só o café mesmo.
—Bom, mas escreva coisas que jamais dividiria com alguém
—aconselhou Estela saindo do lugar com pressa.
Ela abriu o diário e começou a escrever sobre o seu dia,
colocou primeiro a data, depois seu nome completo, e começou,
mas tudo em português, talvez não fosse adequado que escrevesse
em inglês, se alguém achasse ao menos não entenderia o que ela
havia escrito. Estela voltou com a bandeja e serviu café para ambos,
ela agradeceu a senhora e enquanto tomava seu café voltou a
escrever, parecia um bom passa tempo, ela nunca pensou em ter
um diário, nunca conversava com ninguém, talvez fosse uma boa
ideia.
—Mel, por que não se casou?
Ela olhou de soslaio para Dylan depois se voltou para escrita,
não tinha que responder, ele riu, droga será que riria até de seu
silêncio?
—Foi só uma pergunta.
—Bem, eu pesava noventa e sete quilos quando cheguei
aqui, nunca fui bonita e ainda por cima não posso ter filhos, acho
que não, eu não vou me casar.
—Não pode ter filhos?
—Pensei que soubesse, depois do aborto, tive dilacerações
no útero, perdi uma trompa e a outra ficou comprometida a médica
falou que só com um milagre, eu não me importo é claro.
—Sinto muito.
—Não sinta, foi melhor assim, mas penso que quando eu
estiver com uns quarenta anos vou adotar um bebê, até lá já vou
estar mais tranquila quanto as fábricas.
Ela estava sendo sincera, ter filhos tornara-se um sonho
distante desde o acidente, a dor foi substituída pela comodidade, ela
havia se conformado, chorava às vezes por saber que nunca teria
filhos, sempre foi seu maior sonho, mas não poderia ir contra sua
própria natureza, ela acabara se convencendo que era o melhor,
nunca seria mãe, não havia um marido, portanto, não teria
cobranças.
—Eu não sabia disso. — Ele falou. — Deve me odiar por
isso.
—Não odeio já disse Wilson. — Ela interrompeu a escrita e o
fitou. — Chega com isso, eu não tenho pena de mim mesma, eu já
entendi o recado, não posso ter bebês, fim, vivo feliz para sempre
com a minha vida.
—Mas poderia ter filhos, sempre foi o seu sonho, falava que
queria um lar, um cachorro e muitos filhos!
—Isso foi a dez anos atrás quando eu era apenas uma
menina, eu tive outros sonhos também e os realizei, nem sempre
um lar e filhos é o que uma mulher tem que desejar sempre — disse
e voltou a escrever — Posso comprar um cachorro e adotar uma
criança depois, seria ótimo já que por um tempo da minha vida eu
fui adotada, sei como é difícil isso.
—Não pensa nem em casar-se?
Ela riu um tanto irônica.
—Não faça pergunta difícil Wilson, acha que depois de tudo
eu ainda quero homens na minha vida? — continuou a escrever —
Não preciso de homem nenhum na minha casa mandando em tudo.
—Mas um casamento não é só isso. — Ele retrucou convicto.
— Se casasse teria que tomar as decisões junto de seu marido.
—Se eu casasse o meu marido teria que trabalhar comigo e
abrir mão de tudo porque eu não saio daqui por nada— esclareceu
— Na verdade, seria quase um papel invertido.
—Isso a faria feliz? Um escravo ao invés de um
companheiro?
—Homens não são companheiros Wilson, homens só
pensam em dinheiro, mulheres e aparentemente mostrar para
outros homens o quanto suas vidas medíocres podem ser boas, os
que decidem se casar nunca abrem mão de nada e vivem
reclamando das “dificuldades do casamento” — respondeu sincera.
— Diga-me, fora eu, com quantas mulheres acima do peso saiu?
Ele não respondeu, ela sorriu satisfeita e continuou a
escrever.
—Acha que eu fiquei com você só pela negociação?
—Sinceramente? — Ela o fitou e fechou o diário, ele assentiu
— Sim, acho que foi por isso.
—E se não fosse só pela negociação?
Ela respirou fundo e o fitou levantando-se, aquela hipótese
para ela não existia, nunca existira, ela acreditara certa vez nele e
havia sofrido sorrateiramente, não iria cair naquela de novo, mas
não resistiu em falar sua opinião.
—Se não fosse pela negociação, eu provavelmente estaria
casada e teria um filho ou filha de nove anos hoje, um lar, e um
cachorro, não seria rica, mas viveria feliz com o pouco que teríamos,
talvez mais filhos, mas no caso, como sempre se trata de negócios,
esse prazer eu nunca tive e nem nunca vou ter, vou dormir, boa
noite Senhor Wilson.
Dizendo isso ela saiu da sala sentindo que o coração se
contraia, aquele foi seu sonho por muitas noites, apenas uma
família, um lar, filhos, hoje havia se tornado apenas um desejo, um
desejo impossível e muito, muito distante.
Aproximações
No dia seguinte, Amélia se levantou no horário normal, as
seis em ponto já estava com sua deliciosa caneca de café quente
caminhando com Marcello pelas videiras, com a prancheta nas
mãos, cumprimentando os funcionários, mais revigorada já que as
cólicas haviam ido embora de vez, sorridente e satisfeita por sentir
que o período mais complicado havia se passado. Num geral tinha
boa relação com os funcionários, se sentia bem quando estava
conversando com elou dando orientações és, ajudou alguns
colhedores e acompanhou as contagens de caixas para a primeira
remessa que seria levada para a fábrica naquela manhã.
Naquele ano investiu em novas plantações de Malvasia para
seleção de seus vinhos brancos, toda a parte do processo de
transformação era acompanhado por ela mesma, porque Amélia
gostava de ver todo o processo e se sentia mais segura de que os
funcionários estavam de fato fazendo as coisas certas, sabia que
tudo tinha que ser feito de forma perfeita para não perderem a safra.
Uniu-se com os encarregados no refeitório e com Marcelo
que era o encarregado chefe daquela área, Leonardo era o
encarregado geral e o faz tudo, contudo estava resolvendo algumas
pendências na Cicília, fez anotações sobre algumas informações de
questões de peso e quantidade, tomou café com os rapazes e
depois decidiu partir.
Amélia tinha ali alguns cavalos para que ela se deslocasse
mais rápido pelas terras, então pediu a Marcelo que trouxesse Raio,
aquele era um dos seus prediletos, era um árabe com pelo preto
bastante bonito, aprendeu a montar ainda em Los Angeles como
uma das exigências de Petter aos seus treze anos de idade.
Comprou aqueles cavalos com o passar dos anos, alguns
encarregados precisavam se deslocar, então foi uma ideia que deu
certo.
Depois que montou em Raio ela o guiou até as extremidades
do parque das uvas, apreciando a cavalgada matutina, pensando
bastante sobre o dia anterior e sobre todos os momentos em que
passou ali na presença de Dylan, da forma como ele foi atencioso e
educado, não era algo do qual ela quisesse pensar logo cedo, mas
pensou.
Não entendia bem os propósitos dele em querer que ela
voltasse para ele e que engatassem algo que já acabou anos atrás,
contudo imaginava que Dylan talvez só quisesse se sentir em paz
com o passado e conseguir acima de qualquer coisa seu perdão,
não era uma situação fácil, não era algo do qual ela poderia mudar
de uma hora para outra.
A verdade era que até três dias atrás ela se quer pensava em
Dylan daquela forma, em períodos mais profundos de depressão ela
pensou nele, sentiu raiva dele e alimentou aquilo muito no início
quando chegou aquelas terras, mas naquele momento ela se quer
conseguia pensar em algo para alimentar a mágoa profundamente,
ela não tinha esquecido nada do que houve, mas não era algo que
ela pensava diariamente.
Ele ter enviado a carta mexeu com ela e vê-lo ali, fazia
Amélia ter ápices de descontrole e ela não era daquela forma.
Enquanto analisava o horizonte verde respirou fundo sentindo
o vento forte de encontro ao seu corpo, os cabelos estavam presos
por uma trança, suas mãos apertavam as rédeas com força e nada
se comparava a sensação de liberdade que estava tocando seu
íntimo naquele momento.
Amélia não tinha medo do passado. Constatou, mas ela tinha
receio de que aquilo a levasse para o fundo do poço novamente e
por aquele motivo ela tinha decidido esquecer tudo e recomeçar, e
iniciar aquela nova vida fez com que ela aprendesse a valorizar as
mínimas coisas, perdeu um filho, foi enganada e traída e ela era só
uma adolescente.
Fez o retorno atenta as plantações de uva, o Parque das
Uvas crescia diariamente, ali havia depositado dez anos de sua
vida, ela não conseguia imaginar que teria tanta força e
determinação quando chegou ali, ter vivido em Los Angeles jamais
iria satisfazê-la naquela proporção.
Seus olhos se enchiam e seu peito se estufava com o cheiro
gostoso de relva, ela sorriu, porque acima de qualquer coisa havia
conseguido se realizar em cada pequeno sentido de sua vida. Ao
retornar para as plantações desceu de seu cavalo e avaliou seu dia
mentalmente.
Teria que ir as plantações de oliveiras, precisava levar Dylan
para conhecer o local e a fábrica, sentiu-se mais uma vez acolhida
pelos funcionários, pelos sorrisos e cumprimentos e teve ali a
sensação de que provavelmente talvez tivesse a resposta para a
pergunta de Dylan, sobre ela não ter se casado, ela tinha tudo ali,
era respeitada, ela tinha uma casa grande e confortável para morar,
tinha alimento, ela não sentia que precisava de nenhum homem na
vida.
Sim, pelo passado, mas também pelo presente.
Antes era só uma menina que queria a atenção de alguém,
era carente e solitária, agora ela não era mais daquele jeito, ela não
precisava de homem algum, nem de Petter nem dele e francamente,
ambos já tinham dado sinais claros de que não mereciam que
Amélia sequer pensasse neles.
Retornou até a frente da casa grande e logo de longe viu
Dylan conversando com alguns colhedores ali perto, ela conduziu o
animal reduzindo a velocidade, Marcelo se aproximou ao vê-la
chegando ao local, tocou o pescoço do cavalo assim que parou e
desceu da cela, segurou as rédeas e as entregou para seu
funcionário.
— Grazie Marcelo.
Ele assentiu com um pequeno sorriso e se afastou levando
Raio com ele.
Entrou rápido dentro de casa e foi direto para cozinha, estava
faminta, e como nunca fazia muita pompa pediu a Estela que
servisse o almoço ali mesmo, mais tarde poderia ir a fábrica de
azeites, em questão de apenas alguns segundos, Dylan apareceu
na cozinha, e droga, era inevitável.
Ele era inevitável.
—Não sabia que cavalgava. — Ele comentou se sentando
diante dela na mesa pequena — Vai almoçar aqui mesmo?
A manhã havia passado muito depressa, depois das reuniões
com os encarregados, acompanhamento de colheita, passeio pela
propriedade ela ainda precisaria ir a fábrica de azeites para mostrar
pra Dylan todo processo e logo em seguida a fábrica de vinho para
acertar algumas outras coisas.
—Sim, eu costumo fazer as minhas refeições aqui mesmo
por falta de tempo, tenho que ir as fábricas — confessou desejando
ter o jornal por perto, mas o jornal não estava lá.
—Posso me juntar a você então — concluiu — Você por
acaso se importaria se eu fosse as fábricas?
—Não!
—Gostou mesmo do colar!
Ela tocou a joia, havia se esquecido completamente de tirar.
—Esqueci de tirar, eu não costumo usar joias no meu dia a
dia — disse — Petter já deve ter me dado alguns milhões em
diamantes, mas não uso nenhuma, tenho medo de perder no
campo.
—Entendo. — Ele sorriu. — Nosso jantar ainda está de pé?
—Sim — falou, até porque ela já sabia como iria conduzir
aquela situação — Que horas quer ir?
—Às 19:00 seria ótimo. — Ele esticou a mão e colocou sobre
a dela na mesa — Amélia você está linda hoje.
Não esperava pelo toque, mas não hesitou, ela não
acreditava em Dylan em nenhum sentido e, portanto, aquilo não
fazia tanto efeito nela, era provável que ele estivesse fazendo aquilo
apenas por impulso, ele já havia deixado claro as intenções, não era
algo que ela se importasse.
—Que gentileza — esboçou apenas distante.
—Não precisa mentir Mel, por que não tenta ser mais
acessível? — Ele não estava irritado. — Já disse, vamos nos
acertar!
—Se você diz — deu de ombros fazendo pouco caso —
Pensei que você tivesse uma empresa, não pensa no bem-estar
dela?
—Eu coloquei à venda — revelou e apertou a mão
suavemente — Já tinha colocado antes de vir para cá.
Ela o fitou perplexa.
Ele havia colocado a empresa dele a venda? Por acaso
estava louco em pensar que poderia arriscar tudo e ingressar no
mundo de fabricação de vinhos assim do nada? Dylan estava louco?
Sair do seguro e ir para o incerto sem saber o solo onde pisava?
—Por que fez isso? — perguntou engolindo a seco ainda a
revelação.
—Não quero mais trabalhar na área. — Ele disse. — Por falar
nisso queria mesmo falar com você, acho que talvez seja boa ideia,
Mel, quero muito investir na sua fábrica de vinhos, não expandir, sei
que não tem planos, mas pelo menos na parte de fabricação, o que
acha?
Dylan é indesejado?
Interessante. Pensou ela de imediato.
Contudo, Amélia não tinha pretensão alguma de ter sócios.
—Não é uma possibilidade, não gosto da ideia de ter sócios.
—Teria menos trabalho também, você administra tudo
sozinha e imagino que isso custe bastante do seu tempo.
Era um fato.
—Não estou pronta para dividir os meus lucros com ninguém.
Dylan sorriu novamente, a mão segurando a dela com
cuidado, o polegar acariciando seu pulso, Amélia entendia os pontos
positivos de se ter mais investimento, mas não era algo que
pretendia fazer naquele momento, sabia que o mercado europeu se
tornava cada vez mais exigente, ela gostava da competitividade,
mas sabia que não era saudável há longo prazo.
Ela não queria dinheiro, não era gananciosa, sabia também
que seus vinhos vinham ganhando mais espaço no mercado e que
logo precisaria de uma linha de produção maior, mais máquinas e
mais funcionários porque mesmo sendo a distribuição específica
haveria a possibilidade de aumentarem os pedidos.
Atender a pedidos maiores, dali a seis meses seria o Natal, e
os pedidos dali a dois meses aumentariam bastante, ela inclusive já
pensava numa nova estratégia de marketing, só que o foco sempre
se voltava para Itália e Europa, apenas lojas pequenas,
comerciantes mais restritos, com o público-alvo já definido.
—Vejo que a sua marca cresceu muito em toda a Itália, todos
querem o seu vinho, mas é um pouco salgado Mel.
—Eu sei, mas o meu foco é a classe alta.
—Talvez pessoas comuns possam ter acesso ao seu vinho
se me deixar investir.
—Sei disso.
—Tenho o capital, posso investir, como retorno peço apenas
10% de tudo o que lucrar.
—Só 10%?
—Bem, não me importo muito com isso, de quanto estamos
falando?
Amélia não tinha como calcular logo de cara, mas um
investimento daqueles com certeza exigiria pelo ou menos
cinquenta por cento de lucro para um investidor, quem em são
consciência faria um investimento para ganhar só dez por cento de
volta?
—Se eu investir cerca de 20 milhões para crescimento das
plantações e expansão da fábrica, tenho certeza de que você
poderia providenciar uma linha bem mais barata e acessível.
—Isso te daria uma margem de lucro de só 2 milhões.
—Está ótimo.
—ÓTIMO? — berrou ela exasperada e soltou a mão dele —
Wilson são 20 milhões de euros, é um investimento muito alto.
—Por quanto acha que estou vendendo a minha empresa?
—Uns 100 milhões?
—1 bi, esse foi o primeiro lance, mas eu nunca aceito o
primeiro lance, é claro.
Ela engoliu aquilo e se sentiu idiota, afinal de contas, o pai
dele era bilionário, um dos homens mais conceituados na revista de
negócios Forbes, o quinto na lista dos homens mais rico do mundo,
enquanto seu pai, Petter ostentava o terceiro lugar, ela nunca se
importou com aquilo, mas sabia que desde sempre Dylan sempre foi
um herdeiro milionário, assim como ela também era.

—Na verdade não me importo muito com o lucro, o


interessante mesmo é a expansão do negócio — confessou Amélia
ainda meio deslocada — Seria um grande investimento.
Dylan riu e colocou a mão sobre a dela de novo acariciando-a
com o polegar firmemente, ela quis tirar a mão e ao mesmo tempo
sentiu que seria infantil se o fizesse.
—Posso investir sem problemas, não me importo, pode
aumentar a fábrica e as acomodações, até o salário deles, o que
achar melhor, você é uma boa administradora, vai saber o que fazer.
Amélia não queria sentir que cedia tão fácil porque não era
uma decisão que poderia tomar de uma hora para a outra.
—É algo a ser pensado.
—Como sempre muito orgulhosa!
Não era orgulho.
Soltou a mão de Dylan, Estela começou a colocar os pratos
sob a mesa olhando para ela com um sorrisinho maldoso, Amélia
ignorou é claro, Estela era a pessoa mais próxima dela ali, depois
Leonardo, eram pessoas com quem convivia diariamente, era claro
que eles pensavam que em algum momento ela se casaria com
alguém.
Sua vizinha, também produtora, Isabela havia se casado
recentemente, Antônio um outro produtor vivia se envolvendo com
algumas mulheres, era natural que ela também quisesse ter alguma
companhia aos olhos dos outros, contudo não era algo que
priorizava.
Dylan era apenas um hóspede indesejado, logo iria embora,
e tão pouco fosse embora ela voltaria a sua rotina normal.
—Hoje temos espaguete — comunicou Estela com prazer e
colocou a placa lotada de macarrão ao molho na mesa — Buon
appetito!
—Obrigada Estela — disse Amélia.
—O que quer beber hoje?
—Escolha algo suave, pegue aquele português da safra de
70, pode ser o Follies Touriga Nacional.
—Já volto.
Dylan ficou olhando fixamente para ela enquanto Amélia se
servia.
—O que foi?
—É incrível te ver falando com tanta autoridade sobre bebida,
você se tornou uma mulher admirável, sempre foi na verdade.
Amélia não se deixou levar pelo elogio.
—Eu aprendi muito lendo os cadernos de receitas do meu
avô, ele era um bom degustador, é uma pena que o Petter não
soube enxergar aqui a possibilidade de prosperar, ele é ganancioso.
—Temos algo incomum, também não me dou bem com o
meu pai.
Ela entregou o pegador de macarrão para Dylan bastante
pensativa.
Estela retornou com um tinto e os serviu, se sentiu grata e
depois agradeceu o alimento logo em seguida degustou dois goles
vastos de vinho, suave, a coloração mais escura, era um bom vinho
português, o tradicional espaguete ao molho vermelho de Estela
estava maravilhoso, ela amava as massas que Estela preparava.
—Mas voltando aos negócios, penso que poderia voltar a
produzir aqui mesmo. — Dylan disse pensativo. — O que acha de
acionar sua fabricação caseira? Leonardo me mostrou a pequena
fábrica que tem nos fundos da propriedade, está inativa, poderia
produzir uma linha especial para o Natal.
—Bem, eu a usava antes de construir a fábrica há sete anos,
dá para fazer umas trezentas garrafas por dia, manual é claro com
vinte funcionários cuidando da fermentação e da prensa —
confessou —, mas nunca é a mesma coisa, porque na fábrica as
máquinas são programadas para extração e fermentação e todo
processo, no antigo moinho, temos que fazer tudo manual, teria que
acompanhar passo a passo, o pessoal já está acostumado apenas
com o processo de plantio e colheita aqui, temos poucos
funcionários antigos que conhecem o trabalho manual e todo o
processo.
—Podemos tentar, o que acha?
—Dylan você não faz parte disso é o meu negócio, não tem
que se referir a isso como se você e eu estivéssemos juntos.
—Sinto que você pense dessa forma, apenas estou
buscando uma forma de te ajudar a crescer financeiramente.
—Eu não preciso de dinheiro.
—Precisa pensar mais a longo prazo, o mundo vive um
momento de recessão Amélia, estamos em 2022, veja a crise
internacional dos bancos, se você não pensar em investir em algum
momento seu negócio poderá enfrentar problemas.
—Já passei por dificuldades, mas nenhuma delas me
derrubou.
—Só estou querendo dizer que é melhor que procure
alternativas para ter mais lucros, você precisa sair da sua zona de
conforto.
Ela não sentia como se falasse com o antigo Dylan nem com
um ex-namorado e sim com um consultor de negócios e entendia
bem a proporção daquilo, nos dois anos anteriores não sofreu tanto
com a crise da Covid-19, o surto de gripe impactou de certa forma
todos os mercados, mas como Amélia sempre foi precavida ela
soube como conduzir a situação.
Ainda que com a doença se alastrando por toda Itália ela
conseguiu driblar as situações e respeitou todas as medidas do
governo, seus funcionários trabalhavam com equipamentos
necessários e não houve nenhum infectado no Parque das Uvas,
Amélia desembolsou uma boa quantia para investir na saúde dos
funcionários contratados e nos que eram efetivos, não foi algo difícil
também porque sempre cuidou muito bem da parte sanitária tanto
da vinícola quanto das fábricas, bem como da plantação de
azeitonas, teve que mandar os mais velhos para casa e trabalhar
com a quantidade de funcionários nas fábricas reduzidas, mas foi
algo que deu certo.
—O que fez durante os dois últimos anos? — mudou de
assunto abruptamente.
—Viajei e trabalhei à distância e em 2020 tomei todas as
providências quanto ao isolamento e ano passado me mudei para a
fazenda em Connecticut com os meus irmãos, o que isso tem a ver
com a nossa conversa?
—Penso que seja fácil você vir aqui e querer se inserir na
minha vida novamente Dylan, mas eu tenho trabalhado duro para
manter os meus negócios, não é certo que dite que eu tenha que
mudar o que faço porque você acha isso.
Ele assentiu pensativo.
—Eu não tenho diploma, mas a vida me ensinou, sei muito
bem como funciona o mercado e trabalho bastante nisso com
pessoas capacitadas para que ter bons resultados, entendo os
riscos, mas não posso simplesmente reativar a produção manual só
porque você acha que eu devo.
—Tudo bem.
Era arriscado, principalmente porque teria que separar cerca
de cem colhedores para o serviço, sem falar que ela teria que estar
presente em todos os momentos desde a colheita até a embalagem
do vinho fiscalizando tudo, mesmo parecendo uma ideia em
potencial, voltar às antigas, fazer tudo manual, havia feito o serviço
durante os três primeiros anos e todo o processo era muito
gratificante para Amélia.
—Eu pago para que faça esse vinho para mim.
Ela o encarou.
—Você quer fazer isso Mel, eu sei que você tem medo, mas
seria ótimo poder presentear alguns sócios com uma garrafa de seu
melhor vinho tradicional antes de eu definitivamente me mudar para
cá.
Ela suspirou, não sabia se poderia perder algo daquela
proporção, o desafio corria seu corpo e ela tinha dentro de si aquela
vontade imensa de poder fazer aquilo.
—Quero 800 mil, terei que separar parte da minha colheita...
—Feito.
Dylan estendeu a mão e colocou sob a dela, Amélia segurava
o talher sem nem saber o que falar.
—Confio em você querida.
Alguns segundos se passaram e ela soltou sua mão, voltou a
comer pensando na merda grande que faria em concordar com ele e
ao mesmo tempo o quão ousado seria reativar sua antiga fábrica
manual.
—Cada garrafa custará cerca de 10 mil euros, com o restante
do dinheiro irei pedir a Janice que contrate cem pessoas para a
fabricação e colheita, acredito que não posso tirar essas pessoas já
do trabalho que realizaram, você quer tinto ou branco?
—O que desejar.
—Bem, posso falar com os meus funcionários mais antigos,
eles já estão acostumados com o serviço e conseguirão indicações,
algumas pessoas gostam de trabalho temporário — disse — Seria
uma seleção especial, uma linha exclusiva para os seus sócios você
disse, certo?
—Posso pedir ao meu pessoal que desenvolvam uma
etiqueta diferenciada, são pessoas que querem se sentir parte do
que fizemos juntos durante o tempo em que eu mantive sociedade,
Amélia posso ajudá-la também na fabricação se desejar é claro,
quero conhecer o trabalho.
—Você ficaria vindo para cá todos os dias?
—É um problema?
É.
—Essa é uma parte bem pesada do trabalho — disse se
servindo de mais uma taça de vinho — Não sei se você daria conta
do trabalho pesado, desde a colheita, até a fermentação porque no
moinho não e tudo feito manualmente.
—Posso fazer isso — afirmou — Você não fica bêbada?
Mágoas do Passado
Ela riu, ela nunca ficava bêbada, poderia beber seus mais
fortes e adocicados vinhos e ainda sim, não se sentia nem aérea,
mas sabia como beber, como degustar um bom vinho sem ficar
caindo pelos cantos, ela havia aprendido com um velho degustador
o segredo há alguns anos.
—Não fico — disse —, mas se o conforta, o grande segredo
é fazer boas refeições e depois que beber tomar um café preto bem
forte, Estela já virou especialista nesse tipo de café, temos um
enólogo oficial que vai até a fábrica para cuidar de todo o processo,
passo a passo dos vinhos antes do processo de engarrafamento.
—Têm um enólogo? — Ele estava surpreso.
—Sim — respondeu. — É parte do processo que tenhamos
alguém que perceba a qualidade do nosso vinho, ele se chama
Franssuar e está conosco há cerca de oito anos, começamos a
trabalhar na época por recomendação do Leonardo, ele já é
Enólogo há muitos anos.
—Então se tiver fabricado uma linha e ele não aprovar você
joga tudo no lixo?
—Nunca tive uma safra desperdiçada, quando ele não aprova
partimos para o plano B, que se chama Blanca, a esposa dele, ela é
a nossa sommelier oficial, contudo, antes do processo de
distribuição enviamos garrafas para alguns enólogos e sommeliers
daqui, do Brasil, Espanha e de Portugal, são pessoas que provam o
vinho e avaliam antes de ir para o mercado, não temos tido
problemas com isso.
—Teve alguma safra que não deu certo?
—A minha primeira não foi tão boa, eu tive que vender no
mercado por um preço acessível, não esperava que fosse um
grande sucesso, foi a primeira vez que eu fiz vinho, só tinha dezoito
anos, não esperava conquistar o mercado mundial, mas a segunda
foi um pouco melhor, tive a oportunidade de construir a fábrica e
expandi ela nos anos seguintes.
—Quando estávamos juntos nunca demonstrou interesse por
nada, gostava de sair, se divertir, mas nunca conversamos sobre
interesses profissionais.
—Bem, eu só tinha dezessete anos, deveria saber que para
mim tudo não passava de algo bem superficial, você também nunca
falou sobre você profundamente, falávamos de mim, dos meus
sonhos, do que eu queria, sempre dizia coisas que sentia a respeito
de você, mas você nunca se aproximou o bastante, sempre foi frio e
calado, na época eu não entendia, hoje vejo claramente os motivos
pelos quais você não parecia interessado em compartilhar nada
comigo.
Ela bebeu o vinho de uma só vez e abasteceu o copo
novamente sem conseguir se sentir mal com aquilo, não fazia
diferença, se ele queria falar, então eles falariam, decidiu colocar o
sentimentalismo de lado. Para Dylan parecia fundamental falar
sobre o passado, ainda que ela soubesse que ele estava errado do
início ao fim, ele estava disposto a falar sobre aquilo de todas as
formas.
—Só quero que você saiba que as coisas não foram
exatamente como você pensou.
—E o que eu pensei?
—Que eu fiz tudo porque eu quis.
—Entendi.
—Meu pai me ameaçou. — Ele revelou com certo receio. —
Ele disse que pararia de pagar a minha faculdade e que me negaria
o cargo que eu vinha a cinco anos tentando alcançar na empresa,
eu trabalhei muito para conquistar o meu lugar na empresa do meu
pai, desde que eu tinha dezesseis anos eu fazia estágios lá, sempre
tive o sonho de ter meu próprio cargo no setor administrativo, meu
pai me disse que não iria permitir que eu arrumasse emprego em
lugar algum e que me expulsaria de casa, foi muito complicado na
época.
—Por isso me perguntou se eu ficaria com você se fosse
pobre! — concluiu amarga e o viu assentir — Bem, eu te dei uma
resposta, deveria ter dado ouvidos a isso, Petter nunca imaginou
que ficaria comigo por interesses financeiros, quando falávamos de
você, eu sempre me referia bem, dizia sobre os meus sonhos de um
dia casar e formar uma família, mas eu nunca tive influência alguma
sobre Petter.
—Isso quer dizer que...
—Quer dizer que ele fechou a sociedade pelo negócio, não
por minha opinião, já era algo certo pelo que sei, o seu pai só foi
meio burro em achar que Petter desistiria do negócio, em querer
garantir um investimento que já existia, Petter não assinou
prontamente por que ele nunca desiste de um lance maior, e o seu
pai não queria dar lances muito altos — respondeu sincera —
Perdeu tempo Wilson, deveria ter se negado, quando seu pai visse
que o investimento era certo, desistiria da ideia de deserdá-lo ou
poderia simplesmente ter desistido de tudo e me falado a verdade,
talvez nós dois hoje fossemos amigos, eu até teria fingido ser sua
namorada para que seu pai não o demitisse, um fato curioso sobre
você, é que nunca tentou se abrir comigo, mas para que não é
mesmo? Foi mais uma obrigação.
—Amélia eu...
—Isso já passou eu já disse — cortou séria — Só estamos
conversando sobre o passado porque você tem insistido nisso, eu
também não me importo Wilson, é lamentável o fato de não ter
confiado mais em si mesmo e não ter acreditado que poderia vencer
em outras empresas, sempre pareceu um estudante aplicado e um
rapaz muito dedicado, talvez Petter até cedesse um cargo na
empresa dele, hoje você poderia não ter bilhões, mas teria uma boa
vida e um cargo talvez de confiança com o meu pai, quem sabe não
fossemos amigos?
—Quando vai me perdoar? — Ele perguntou com a voz
carregada.
—Não é sobre perdão, e esse é o problema, eu não sinto
nada por você, para mim tudo acabou e ficou no passado — disse
calmamente e se levantou — Vou descansar por meia hora, depois
vamos as fábricas.
—Mel... por favor...
—Não quero mais falar disso, a partir de hoje se quiser
continuar nessa casa vai ter que respeitar a minha vontade —
cortou secamente — Espero que entenda que não é bem-vindo e
que se permito que fique é porque eu prometi ao Petter, quando
achar um hotel você terá que ir, mas não vamos mais falar sobre
isso, você disse que queria um novo recomeço, podemos
recomeçar dentro do possível como dois adultos que sabem como
lidar com nossos passados, quem recomeça não vive no passado,
nos vemos em meia hora.
Amélia saiu da cozinha e subiu para o quarto rapidamente,
sentindo que a conversa havia mexido demais com os nervos, ela
chorou um pouco e sentiu que aos poucos a cólica voltava,
amaldiçoou Dylan por ter vindo, por deixá-la tão nervosa, e depois
que tomou os remédios e se deitou, por fim acabou dormindo,
desejando que a dor em seu coração partisse muito antes que as
dores abdominais, porque a dor física sempre tinha cura, mas a dor
do coração, era um caminho sem volta.
Lembranças Boas
Despertou sentindo um toque suave na bochecha.
Amélia demorou um pouco para acordar completamente e
não ficou surpresa em ver Dylan sentado diante dela, abraçou
pequeno Honey num gesto protetor, já estava meio escuro lá fora,
perguntou-se como ela havia dormido tanto.
—Sei que prometi não entrar, mas estava preocupado, já são
21:15. — Dylan disse. — Estela fez o seu jantar, eu trouxe.
—Obrigada, não precisava — disse e se sentou na cama
vendo-o colocar a bandeja com comida quentinha diante dela, purê
de batatas com bife malpassado com cebolas, ela adorava aquele
prato.
—Como se sente?
—Bem, os remédios me dão muito sono, não sei, acho que
esse mês as dores estão piores, mas vai passar.
—Posso ficar aqui com você enquanto come?
—Que graça vê nisso?
—Gosto de vê-la comendo, é bom.
Ela ficou desconsertada por alguns instantes, então
agradeceu e iniciou a refeição, gostava de se alimentar bem, a
perda considerável de peso dava-se aos dias exaustivos cuidando
das videiras e trabalhando na vinícola, mas sabia que na época de
escola se negligenciava muito quanto a alimentação, só comia
porcarias e Fast food, hoje não era algo que importasse tanto para
ela.
Supervalorizou demais corpos magos na época da escola
porque era gorda e todo mundo a fazia acreditar que ser magra era
sinônimo de ser feliz, Amélia acreditou durante aquela época que
talvez fosse comparável a um botão que ao ser apertado
automaticamente a deixaria mais feliz consigo mesma e com todos
a volta dela.
Se enganou.
No final das contas aquela fase passou, ela mal se recordava
dos nomes da maioria das pessoas que machucaram ela com
fofocas e apelidos por suas costas, e ainda atualmente ela sabia
que seu peso não era num todo o ideal, contudo não era algo que
pudesse mudar, era apenas seu estereótipo.
Ela não queria mudar também, vestia 42, calçava 39, pesava
70kg e tudo bem.
Mas naquela época... na verdade nunca se incomodou tanto
quanto no dia da formatura, quando ouviu seu próprio namorado se
referindo a ela maldosamente, ao seu corpo, até aquele ponto na
época não tinha sido algo perceptível aos olhos de Amélia, quando
eles saiam juntos as pessoas ficavam olhando e comentando, mas
pelo menos ele nunca havia escondido ela de ninguém, ou tentado
omitir o que eles tinham, saiam para vários lugares, iam a qualquer
lugar ou passeio à céu aberto para quem quisesse ver, ele foi bem
convincente, não era muito carinhoso, é claro, mas andavam de
mãos dadas e abraçados, Dylan a apresentava aos amigos da
faculdade como sua namorada quando ela ia ao Campus vê-lo e
sempre era muito atencioso com ela.
Olhou para o homem sentado diante dela, ele estava
mexendo no celular totalmente distraído então lentamente as
lembranças haviam se voltado para aquela noite em que foi para o
apartamento dele, onde vira um Dylan relaxado, carinhoso, ambos
haviam feito pipoca e pego alguns refrigerantes no freezer, ele
colocou um filme antigo, e ficaram na cama dele vendo juntos.
“Mel, já pensou em como seriam os nossos filhos?” — Ele
tinha perguntado, pensativo como sempre.
“Quero que sejam como você, se saírem a mim vão ser
gorduchos e feios” — ela disse atenta a teve.
“Não acho que seja gorducha e feia... Mel, acho que eu me
apaixonei por você” — Dylan comentara baixinho.
“É claro que se apaixonou somos namorados há cinco
meses, como não se apaixonaria?” — Ela riu toda feliz. — “Eu te
amo!”
Ele não tinha dado resposta, mas Amélia percebeu no olhar
castanho certa amargura ou algo do tipo, então de repente Dylan a
beijou, mas não com carinho, não havia carinho ali, foi um contato
apaixonado.
“Dylan o que foi?” — questionou mais que confusa.
“Te quero!” — Ele disse puxando-a pelas pernas — Por que
vestiu a calcinha de novo?
“Por que sabe que eu odeio ficar nua” — respondeu confusa
—"Dylan você ta bem?”
“Como nunca!”
Então ali, recordou-se ela, eles fizeram sexo por longos
momentos e Amélia redescobriu um lado dela que nunca pensou
que tivesse, sentiu muito prazer e deu prazer para Dylan, a
necessidade dele a deixou muito confortável para que ela ficasse
completamente despida para ele, ela gritou e ele a deixou ficar por
cima, se tocaram sem pudor ou receio, foi uma tarde excitante e
incrível para ela principalmente.
Havia sentido pela primeira vez em toda a sua vida, que
realmente ele tinha sido verdadeiro com ela, em todos os sentidos.
Tais pensamentos a fizeram ruborizar, e ficou olhando para o
prato vazio, deixando que as lembranças fossem lentamente
embora, porque merda! estava lembrando daquilo agora?
Dylan estava diante dela, tão diferente, mais velho, um
homem que nem era sombra do rapaz que ela conheceu.
—Já acabei — disse de repente e entregou a bandeja para
ele — Vou dormir agora, boa noite Dylan.
—Você... — Ele esboçou um pequeno sorriso. — No que está
pensando?
—Nada.
Ele a analisou por alguns momentos e voltou a rir.
—Você está pensando... Mel!
—O que foi? Não estou pensando em nada — ficou vermelha
e afundou-se entre os cobertores da cama,
Não era possível que ele havia pensado a mesma coisa...
era?
Droga como ele havia percebido?
Dylan se levantou lançando um olhar malicioso para ela e
pegou a bandeja.
—Pelo menos você não gritou tanto não é mesmo? — Ele
perguntou enquanto saia com a bandeja.
—Desgraçado! — berrou e jogou um travesseiro acertando
em cheio o meio das costas dele, Dylan continuou rindo e
caminhando até a porta — Pode ir rindo Dylan Wilson, seu filho de
uma mãe desgraçado.
Lembranças Ruins
Dylan apenas gargalhou maldosamente e saiu do quarto
carregando a bandeja, Amélia socou o travesseiro e o abraçou junto
a Honey se sentindo bastante constrangida com a situação.
Como ele havia percebido? Como?
Não era possível que a conhecesse tão bem, não era!
Ao se lembrar, ela viu um meio sorriso surgir nos lábios, e
merda, grande merda, não tinha como não rir ao lembrar, havia sido
engraçado é claro, não aquele momento de sexo quente entre eles,
ela sabia exatamente ao que ele havia se referido, recordou-se
também que que minutos depois que eles haviam acabado de
transar o telefone do quarto de Dylan havia tocado, ele atendeu
rapidamente.
“Sim!... Oh sim me desculpe... não, não têm nada de errado,
é que a minha namorada viu uma barata e se assustou, ela odeia
baratas por isso gritou tanto!”
Ela havia enfiado a cara no travesseiro mais próximo quando
ele desligou o telefone, depois ambos haviam rido muito do que
houve.
Agora parecia só algo engraçado e distante, uma coisa que
ela desejou esquecer e deixar de lado mais uma vez, que não
parecia fazer sentido algum em ser lembrado, ela afundou no
colchão tentando apenas ignorar as lembranças daquela noite
tórrida e reveladora, preciosa até, depois ela lembrou que eles
haviam tido pelo menos uma conversa legal em cinco meses de
namoro.
“Gosto dos Ramones e você?” — Dylan havia quebrado o
silêncio.
“Fala sério o ACDC.” — ela estava de costas para ele na
cama, olhando para o sutiã jogado no chão do quarto, lembrando do
sutiã jogado na sala, afastando as sensações ruins do pensamento.
“Gosta do ACDC?” — Dylan ficou espantado — “Nunca me
falou isso.”
“Gosto de clássicos, Black Sabat, Nirvana e muitos outros, os
americanos têm um gosto peculiar pelo rock, eu gostava muito de
samba, mas Petter me proibiu de ter sonhos quando vim para cá,
então eu parei de sonhar e virei a filha que ele queria” — Amélia
disse levantando-se — “Preciso ir, já é meia noite o motorista do
meu pai vem me buscar.”
“Ainda é cedo, fique.” — Ele pediu beijando-lhe o ombro. —
“Te levo depois.”
“Sabe que eu não posso ficar” — mas ela estava com medo,
medo de ficar e alguém aparecer, a dona do sutiã.
“O que foi? Não gostou de ter feito amor comigo desse jeito?
Eu a machuquei?” — Dylan a puxou para si e a abraçou.
“Não, eu adorei na verdade, mas não posso ficar, Petter vai
chegar de Nevada hoje, quero que ele pelo menos me veja, não o
vejo direito há dois meses. — Ela disse cobrindo o corpo com o
lençol — “Dylan... eu... bem, deixa para lá, nos vemos semana que
vem então?”
“Por que não amanhã?”
Ela pensou em falar: “por que têm um sutiã no seu sofá”, mas
apenas ficara calada, aquilo poderia arruinar tudo.
“Amanhã é domingo, vou a igreja e depois vou arrumar
algumas coisas para o baile da escola, você vem comigo, certo?”
“Claro que sim.” — Ele disse e a beijou de leve — “Fiquei
mais uns minutinhos?”
“Tá, mas só uns minutinhos amor, só uns minutinhos!”
Eles haviam rido, depois se beijado durante minutos, fizeram
carinho um no outro, ele havia abraçado ela e observado Amélia em
seu silêncio, tocado suas costas e a bunda dela de forma
espontânea e gentil, Dylan fez por querer, parecia que era primeira
vez que de fato, estava dando sinais de que sentia mesmo algo por
ela.
Momentos depois quando ele adormeceu havia se vestido
rápido e ido embora, nos dois meses seguintes, Dylan se quer agiu
como tinha agido daquela vez, havia voltado ao normal e tratado ela
muito bem, mas não com a mesma intimidade daquela noite, havia
escondido o Dylan que ela conheceu que era mais interessado nela,
um jovem que também gostava das mesmas coisas que ela.
E dia do baile, mostrado um Dylan frio e muito maldoso, um
Dylan que falava a respeito de sua aparência pelas costas, que a
humilhava diante dos colegas da escola, frio, indiferente, foi isso o
que ela percebeu na voz dele quando o ouviu falar ao seu respeito
como se ela nada significasse para ele, Amélia havia ouvido da
boca dele que Dylan nunca se apaixonara por ela de verdade, foi só
fingimento, foi uma mentira.
Olhou para o pequeno cachorrinho em seu braço, ela quisera
tanto se livrar dele, ela quisera tocar fogo em Honey logo que havia
chegado em casa do hospital, mas não conseguiu, ela ainda não
conseguia esquecê-lo. Percebeu com tristeza, não esqueceu tudo o
que haviam vivido, ignorava aquilo a dez anos, mas não esquecia, e
ele estar la só piorava as coisas.
—Acho que fiz tudo errado, não é?
Limpou as faces rápido, mas não se moveu, Dylan se
aproximou e ela se puniu por não ter ido fechar a porta, por que ele
fazia aquilo com ela depois de dez anos? Será que não havia
bastado todo o sofrimento que lhe causou?
Dylan tinha a vida que queria, a vida de um multimilionário
com bastante segurança financeira, por que estava abandonando
aquilo e havia procurado justamente ela para ensinar o novo ramo
para ele com tantas vinícolas no mundo?
—Vou ficar aqui com você. — Ele disse e deu a volta na
cama, deitou-se ao lado dela, mas numa distância considerável. —
Ainda gosta do ACDC?
Ela tentou ficar brava com ele, mas não conseguiu, não quis,
não queria mais ficar discutindo com Dylan, ela pouco se irritava
naqueles dez últimos anos, sofria com a esterilidade e por sentir
falta da mãe, mas pouco conseguia de fato ter irritações, sempre foi
calma, em três dias com ele, ainda sim sem se esforça ele a deixava
num estado de nervos consideravelmente frágil, e ela não queria se
sentir assim, aquilo fazia mal para ela.
Muito mal.
—Sim — disse baixinho — Tenho todas as faixas no meu
note, está no escritório.
—Está com dores? — Ele perguntou preocupado.
—Não.
—Eu sinto muito por tudo, querida.
Ele olhava em seus olhos e havia uma sinceridade fora do
comum, Amélia não confiava tanto naquilo, mas acreditava que em
algum momento aquele homem que tanto a magoou no passado
pudesse ao menos querer seu perdão, porém ela não estava pronta
para aquele assunto.
Era cansativo demais ficar recordando-se de tudo bem ali
diante dos olhos de Dylan e ter que lidar com as consequências
daquilo, saber separar as coisas, mas com certeza era pior ficar se
martirizando e se sentindo mal, nada ia mudar, absolutamente nada.
—A minha novela já deve ter começado, quer ver comigo?
—Claro!
Ela pegou o controle na mesinha ao lado da cama, depois se
sentou entre os travesseiros e ligou a TV, como esperado a novela
já tinha começado, colocou a legenda em inglês e assistiu ao
capítulo em silêncio, ela adorava as novelas brasileiras, as
mexicanas também, o drama era uma coisa que Amélia apreciava
muito mais do que o terror ou romance, era seu gênero predileto.
Aquela película era brasileira, e pelo visto Josué, o mocinho da
história, não iria perdoar Patrícia, a mocinha da história, a trama já
durava cerca de cinco meses e acabaria dali a dois, sempre se
intensificava quando o casal principal brigava e acabava por culpa
de terceiros se separando, e é claro, as diferenças sociais, como um
bom clichê Entrelaçados Pelo Amor, abordava as duas realidades
dos dois principais, por um lado Josué um rapaz simples que
morava nos morros do Rio, e Patrícia uma moça rica com pais que a
controlavam e davam uma vida de mimos e pompas, e um ex-noivo
milionário que queria se casar com ela a todo custo.
—Quer uma pipoca? — Dylan sugeriu durante os comerciais.
—Não seria pedir muito? Acho que tem umas de micro-ondas
no armário e suco na geladeira — disse atenta a teve.
—Eu já volto.
Momentos inusitados
Amélia foi ao banheiro durante os comerciais, trocou o jeans
por uma calça de malha mais confortável e folgada e deu um nó nos
cabelos longos no meio da cabeça, depois quando voltou, Dylan já
estava com a bacia de pipoca e copos de suco de uva um em cada
mesinha ao lado da cama, a novela recomeçou e ela aumentou o
volume e se sentou na cama rápido, não queria perder nenhum
segundo da intrigante trama.
Ela se sentiu ansiosa conforme a trama foi se intensificando e
o casal brigava e discutia, tudo por culpa dos pais de Patrícia e do
ex-noivo, encheu a mão de pipoca com os olhos muito arregalados
analisando a atuação e a intensidade da história, Patrícia era muito
mimada, e Josué era um completo grosso, viu rapidamente durante
a cena a atriz esbofeteando o ator e ficou boquiaberta.
—Sua burra — disse em português — Burra, burra, burra por
que você fez isso? Ele te ama sua jumenta.
Josué ficou olhando para Patrícia com fúria, Patrícia fez
menção de ir embora e Josué a impediu e a puxou para si, então a
beijou, um beijo bonito com direito a língua e tudo, Amélia enfiou a
mão dentro do balde de pipoca e depois colocou na boca, a atuação
incrível em meio ao cenário e toda a trilha sonora.
"Diga que me ama Josué" — disse Patrícia entre o beijo —
"Diga que sempre serei sua, meu amor”.
"Eu te amo Patrícia, sempre será minha" — Josué disse todo
apaixonado.
Então aquela parte acabou.
Ela pegou mais pipoca se sentindo ansiosa, começou a
perguntar-se sobre o decorrer dos próximos capítulos, será que
algum traficante invadiria a casa de Josué? O irmão do mocinho era
bandido, e se sequestrassem Patrícia para pedir o resgate?
—Gosta de novelas pelo visto — Dylan disse se aproximando
dela, ficando sentado bem próximo de Amélia.
—Shhhhh — fez com a mão porque já tinha começado outra
parte.
Amélia então viu o pior acontecer, como havia previsto, os
traficantes bateram na porta da casa de Josué interrompendo o
sono do casal apaixonado, ficou de repente aflita com a
possibilidade de algo acontecer ao casal. Josué acordou com as
batidas bruscas, e nervoso fez gesto de silêncio para Patrícia,
depois fez com que ela se vestisse em silêncio e Amélia sentiu que
o coração batia descompassadamente enquanto os via fugir pelas
portas dos fundos quando os traficantes entraram na casa de Josué,
enquanto o casal fugia pelas vielas escuras e perigosas do morro.
Falava e torcia para que conseguissem escapar, então
quando enfim eles conseguiram entrar no carro de Patrícia e fugir,
ela comemorou dando um gritinho de felicidade, torcia pelo casal é
claro, um amor descrito tão perfeitamente deveria ser mesmo algo
que vingaria com felicidade, a novela acabou minutos depois, mas
tensa, o casal entrando no apartamento de Patrícia, onde o ex-noivo
esperava com os pais dela.
E agora? O que a mocinha faria? Ficaria com seu amor ou
com o conforto que a família proporcionaria a ela? Isso só saberia
dali há três noites.
—Não sabia que gostava de novelas — Dylan disse e
estendeu a mão segurando a dela em cima da cama.
—Eu adoro novelas — confessou recostando-se aos
travesseiros da cama — Já disse que uma vez eu fiz uma peça de
teatro na escola?
—Não, me fale!
—Na quinta série eu encenei uma peça chamada A Pequena
Flor de Liz.
—E qual era o seu papel?
—Eu era um cacto.
Dylan ficou encarando-a com cara de paisagem e levou
apenas alguns segundos para que disparassem a rir, Amélia pegou
mais um punhado de pipoca e enfiou na boca, soltou a mão de
Dylan e pegou o copo de suco ao seu lado da cama.
—E o que o cacto fazia?
—Tive duas falas, era sobre a primavera, perdi o papel
principal para a menina loira dos olhos verdes.
—Você? A menina com os olhos azuis mais lindos que eu já
vi na vida? Nem consigo imaginar.
Amélia corou profundamente.
—No fundo eu sempre soube que eu era bonita demais para
aquele papel.
—Tenho certeza disso — Dylan concordou — Eu joguei
futebol americano durante toda a escola, cheguei a ganhar até uma
bolsa, mas o meu pai não deixou que eu seguisse carreira, eu era
capitão. — Ele completou. —Ele quis que eu estudasse
administração para continuar com os negócios da família.
—E a sua mãe? — Amélia não queria se sentir tão curiosa,
mas ali estava alguém falante e gentil, era diferente falar com
aquele Dylan em alguns momentos.
—Ela sempre foi muito permissiva, ela cuidou de todos nós,
de mim e das minhas três irmãs e dos meus outros dois irmãos,
inclusive, Mary minha irmã mais nova morou comigo durante uma
época em que me mudei para Los Angeles — Dylan disse. — Ela é
a mais nova, depois de mim, os meus irmãos seguiram rumos
diferentes, eu fui o único que sempre cedeu as vontades do meu
pai, acho que no fundo, queria muito mostrar para ele que era um
bom filho.
O sutiã tinha dona, a irmã mais nova dele.
—Acho que esse foi o problema de todos la em casa, fomos
muito individualistas, mamãe insistia para que fossemos unidos,
mas sempre cada um ia para um lado, só depois que ela morreu foi
que nós conseguimos ser mais apegados uns aos outros, mas daí
papai mostrou as garras dele, ele me demitiu da empresa um mês
depois e colocou a nova mulher dele no controle.
—Mesmo?
—Sim, ele ingressou uma ação contra nós todos para tomar a
parte da empresa que era da minha mãe, mas não conseguiu é
claro, ele teve que comprar a parte de cada um de nós, cobramos
um valor mais alto que o que valia e arrancamos o que podíamos
dele, não por ele, mas pelo que sabíamos que poderia significar dar
a nossas partes para ele.
—Ele sempre foi assim? Tão ganancioso?
Dylan pensou por momentos em silêncio.
—Eu não sei, mas acho que foi mais por influência da mulher,
antes ele não almejava tanto dinheiro, de doze anos para cá, papai
só pensava em status, dinheiro, e deixou todos nós em segundo
plano, tenho três irmãos por parte de pai, são crianças educadas e
muito carinhosas, mas muito influenciadas pela mãe, ela envenena
os meninos a não gostarem de nós.
—Eu entendo deve ser muito triste, Petter não gosta da
minha mãe, nem ela dele, mas ele sempre me respeitou nesse lado,
fazia questão de falar que nunca gostou dos meus pais, falava mal
deles e tudo mais, mas nunca me colocou contra eles, também se
tentasse não conseguiria.
—Deve sentir muita falta dela!
—Eu me acostumei é claro, mas quando o meu pai morreu
eu fiquei arrasada, ele foi um ótimo pai, sempre cuidou de mim e me
ensinou tudo, eu o amo, acho que eu e Petter nunca demos certo
por que ele vivia me obrigando a ficar na presença dele e querendo
se impor, se ele tentasse ser mais meu amigo e mais compreensivo,
eu seria mais próxima dele, eu nutro alguns sentimentos pelo Petter,
mas não é algo se ainda posso chamar de amor.
—Com o tempo aprendi a detestar o meu pai.
Havia muito rancor nas palavras de Dylan, uma mágoa
profunda como uma ferida aberta e exposta.
—Ele não te deixou seguir os seus sonhos?
—Ele não me deixou ter você.
Amélia ficou calada novamente, não sabia o que falar.
—Todas as oportunidades que eu poderia ter tido com você
me foram arrancadas quando eu decidi fazer o que o meu pai queria
e isso me custou muito caro.
—Isso já passou Dylan.
—Nunca poderei reparar o que houve no passado, não quero
esquecer, ele me faz lembrar do quanto eu era fraco e medroso.
Aquilo ia muito além dela e sabia, talvez pai e filho tivessem
problemas bem maiores.
—Ele batia em você?
—Não quero falar sobre isso.
—Ok. — Batia. — Queria que o Petter parasse um pouco,
que desse valor a terra que os pais dele deixaram, que viesse
conhecer o local, eu não consigo entender bem porque ele largou a
vida aqui para ir trabalhar com negócios em Nova York, mas
compreendo que a vida no campo não é para qualquer um.
—Isso é compreensível da parte dele, quando eu falei que
queria vir aqui vê-la, ele quase me bateu com a caneca de café
dele.
Conquistas
Amélia riu, Petter era um ciumento confesso e protetor
fervoroso dela.
Sabia que o fato de ter sido sequestrada ainda bebê e levada
para longe do pai recém-nascida o havia traumatizado, era
compreensível que ele fosse mesmo assim, de certa forma
aprendeu a ver nele aquele medo enorme de que ela sumisse de
sua vida novamente, ele não teve outros filhos, ele nunca desistiu
de achá-la nem após a morte de sua mãe, havia procurado ela por
doze anos inteiros sem cessar, gastado recursos e tempo, detetives,
sabia que ele só a amava e queria protegê-la apesar de tudo.
—Petter a ama, ele apenas se acostumou demais com os
negócios e se enfiou no trabalho quando você foi sequestrada,
papai e ele sempre foram amigos apesar de tudo, você não o chama
de pai?
—Isso seria uma ofensa para ele, acredite, já pensou eu
chamando-o de pai na frente da namorada dele dois anos mais
velha que eu? Teve uma vez que ele disse que não tinha idade para
ser meu pai e sim um irmão mais velho, sem noção.
Ambos riram novamente, Amélia observou a forma como a
mão de Dylan estava novamente se unindo a dela na cama,
acariciando-as com suavidade, pareciam de certa forma bons
amigos, como aqueles amigos que quando se juntam conversam
sobre qualquer coisa ou pessoa e se sentem bem na companhia um
do outro.
Nunca haviam feito aquilo antes, não estavam mais
discutindo, tinham um trato, não falar mais do acidente nem do
passado, aquilo fazia mal para ela, para Dylan também, ela não
gostava de tocar no assunto pois ficava coração pesado, com a dor
imensa.
—Eu não conheci ninguém interessante durante esses anos,
namorei algumas mulheres e você?
—Eu? — Ela sentiu vergonha de repente, mas para que
mentir? Ela odiava mentiras — Eu não conheci ninguém, bem,
conheci mas, não tive tempo para essas coisas, tenho trabalhando
bastante e cuidado das empresas, principalmente quando eu
comecei a construção da fábrica de vinho, não tinha muito capital,
precisei eu mesma procurar um bom engenheiro e construir o lugar,
em contra mão a produção de vinho crescia e crescia e eu tive que
me virar, todos os meus funcionários que eram duzentos na época
ajudaram muito, alguns dobravam comigo e eu às vezes dormia
pela construção mesmo, para cuidar do lugar.
—Você dormia lá? — Dylan estava incrédulo.
—Claro que sim, eu e Leo e a mulher dele e as filhas dele, as
meninas tinham na época cinco e seis anos. — Ela assentiu e se
levantou, foi ao closet e pegou seus álbuns de fotografias. —
Comprei o material inteiro com empréstimos feitos pelo banco, dei
metade dos meus hectares de terras como garantia e colocamos a
mão na massa, alguns funcionários da vinícola que entendiam de
marcenaria trabalhavam comigo durante o dia, tínhamos que ficar lá
e vigiar para ninguém roubar o material, começamos a construir o
galpão primeiro, fui fazendo tudo antes da época de semeio,
contratei um arquiteto, engenheiro e toda uma equipe especializada,
me custou os olhos da cara, mas pagava direito todo fim de mês.
Ela mostrou o álbum de fotografias com as primeiras fotos da
fábrica que no início ainda era muito pequena, fotos dela com o
pessoal, com construtores que havia contratado, arquiteto,
engenheiro e com as afilhadas, Julia e Antônia, as filhas de
Leonardo que na época ainda eram duas meninas, fotos da esposa
de Leonardo, Anika, em sua cadeira de rodas com ela no colo, havia
também e fotos da vinícola de quando Amélia começou o cultivo e
plantio.
Explicou para ele todos os projetos, desde a construção a
expansão da fábrica até os dias atuais, depois mostrou o álbum da
fábrica de Azeites Souza e Costa, mais recente é claro, sua nova
conquista há cinco anos, ao reabri-la fez uma reforma e contratou os
antigos funcionários do lugar, antes a fábrica menor e não tinha
boas condições para trabalho, comprou-a do antigo dono, o homem
havia arruinado os negócios da família com jogo e bebida então
declarou falência, na época Amélia não entendia sobre o cultivo
nem sobre como funcionava, ela teve que arrumar especialistas
para ensina-la sobre o trabalho, recontratou os funcionários que
haviam sido demitidos e todos haviam sido treinados novamente
para os parâmetros de fabricação da sua linha de azeites.
—E quem são esses aqui? — Dylan indicou a foto em que ela
aparecia ao lado de dois homens analisando as oliveiras da
plantação ainda medianas.
—São Jorge e Gálatas, ambos são especialistas na
fabricação de azeites finos, eles quem me ajudam atualmente com a
fábrica, Jorge é agricultor e Sommelier de azeites, Gálatas trabalha
com lavouras há muito tempo e também entende bastante da parte
do cultivo.
—O seu pai não se ofereceu para ajudar? — Dylan perguntou
quando ela deixou os álbuns de lado.
—Sim, ele queria pagar tudo, mas eu não aceitei, a minha
mãe vivia falando que eu nunca daria valor em nada se eu nunca
trabalhasse pelos meus fins, então eu decidi fazer tudo só, morei
cinco anos com ele e fui bastante mimada, mas antes disso eu era
humilde e muito pobre no Brasil, optei pela minha independência,
acho que nesse sentido eu e Petter somos muito parecidos, somos
muito autossuficientes, eu trabalhei tanto, mas tanto que tinha dias
que eu sentava na cama e chorava de dor nas pernas, mas em
contra partida, quando a fábrica ficou pronta nada me parou,
consegui pagar tudo para o banco, hoje o banco quer investir, mas
eu não quero — declarou pensativa — Aprendi a valorizar muitas
coisas que os anos em Los Angeles haviam me tirado.
—Como...
—Como conversar com as pessoas, escutá-las, semear,
colher, plantar, eu enfio a minha mão nessas terras há anos, cuido
de tudo pessoalmente, e adoro a minha propriedade, aqui eu sou
feliz, tenho dinheiro, gosto do conforto que eu tenho, mas isso para
mim foi só o resultado do meu esforço, do meu trabalho, sempre
que os meus funcionários me procuram tento ajudá-los no que
posso, tenho pessoas que trabalham comigo desde a primeira
colheita, os trinta funcionários que eu contratei inclusive Leonardo
hoje trabalham em cargos de confiança na fábrica comigo, Janice é
uma delas, e Carola, eu mandei para fábrica de azeites, todos
começaram comigo do zero, hoje eles tem um lar, filhos e família,
prezo muito isso, a convivência, o respeito, não tenho demissões há
mais de cinco anos — falou num tom bastante franco — Eu gosto do
meu trabalho, houveram momentos em que eu pensei em desistir,
mas voltar para trás nunca foi uma opção, eu sempre penso assim,
passei já muitas dificuldades financeiras, penei na mão do banco,
Petter colocou muita pressão em mim na época e me encheu de
críticas nunca veio aqui, mas sabia de tudo o que ocorria, teve uma
época que eu fiquei sem falar com ele por quase oito meses, ele
falava comigo como se eu fosse um de seus subordinados, falava
que era melhor que eu desistisse e voltasse para casa, já mamãe, e
papai, sempre falavam que eu ia conseguir, que confiavam nas
minhas decisões.
—Petter ama você.
—O jeito dele de amar é estranho.
Falar do pai era algo comum para Amélia, mas só quando
conversava com a mãe, Petter era um desafio diário de paciência.
—Talvez seja o único jeito que ele conhece de te amar, Mel.
—Eu não entendo que reservar um momento na agenda seja
uma forma de demonstrar amor.
—Eu sei como se sente, também tenho um pai assim, com
exceção de que o Petter ainda faz com que você se sinta desejada
e que se importa com você, meu pai nunca se importou comigo,
como sou filho mais velho ele sempre me incumbiu de muitas coisas
e obrigações e sempre que eu errava ele batia na minha cara e me
chamava de fraco, não conto quantas vezes ele bateu no meu rosto
e cuspiu em mim.
Amélia não sabia como reagir ao que ele havia dado.
—Ele dizia que eu deveria me sentir grato por ele estar me
“ensinando”, demorei quase vinte e cinco anos da minha vida para
perceber que eu não queria ser ensinado, não era ensinamento, era
punição, meu pai queria que eu fosse o espelho do que eu era e
viver na sombra dele me custou todas as chances de conquistar
coisas inestimáveis para mim.
—Entendo que tinha medo.
—Achava que aceitando aquilo ele iria perceber que eu era
um bom filho.
Os olhos de Dylan tinham aquela oscilação de cor quando ele
se referia ao pai, se tornavam mais escuros, intensos.
—O medo nos limita.
—Sim, bastante.
Algo dentro dela dizia para dizer palavras de apoio, mas algo
dentro dela também dizia que não deveria porque aquilo não
justificava o que ele fez, Dylan a fitou novamente.
—Confesso que quando soube que tinha uma vinícola nunca
pensei que tivesse feito tudo só, quando mandei a carta, eu pensei
que leria, e aceitaria a minha visita, independentemente se
estivesse casada ou não, vim disposto a ... nem que fosse ser seu
amigo — Dylan estendeu a mão e tocou a face dela com carinho —
Você sempre teve sonhos preciosos, e eu nunca duvidei que fosse
realizá-los, mas eu jamais senti como se pudesse fazer parte deles,
por que eu não era merecedor de você, eu fiz tudo errado, comecei
tudo errado, fui fraco em minhas decisões, um covarde.
Amélia compreendeu algo.
—Bem, isso deve ser muito difícil para você, mas não se
sinta fraco porque foi permissivo demais com o seu pai, ele
maltratava você.
—Não tive escolha.
—Eu já entendi Dylan.
Na cabeça dela Dylan estava querendo culpar o pai por tudo
e não parecia justo.
—Eu assumo minha parcela de culpa é por isso que não
gosto de falar do meu pai.
O Velho Graham Wilson sempre pareceu educado e bastante
gentil aos olhos dela, mas depois de tudo Amélia não poderia dizer
que era mentira de Dylan porque sabia que foi justamente o pai dele
que “pediu” que Dylan a seduzisse para fechar o negócio, agora ela
sabia que o homem não havia pedido e sim obrigado Dylan a fazer
aquilo.
— Eu e Petter nunca tivemos um bom relacionamento, eu
sempre fui a filha ingrata que ele teve, você não, você foi obediente
e sempre fiel ao seu pai, seria mais como uma traição não fazer o
que ele mandava você fazer, concluo.
—Sim. —Ele estava entrelaçando os dedos nos dela. — Mas
hoje não vivo mais por ele, há mais de oito anos que eu moro
sozinho e tenho a minha empresa, claro que não comecei como
você, tinha a herança da minha mãe, mas conquistar o mercado de
consultoria não foi fácil, contudo agora não me vejo mais
trabalhando lá, nunca tenho tempo para nada, e eu já estou
começando a ficar igual a Petter, uma pilha!
Petter "o poço de estresse", leu certa vez em uma revista de
negócios bem-conceituada da América, ela concordava, não sabia
como até hoje o pai não havia tido um infartado.
—Você poderia me perdoar por ter dito aquelas coisas ao seu
respeito? Fui muito infantil, não sei o que me deu não estava num
bom dia, e eu me sentia idiota por ter ido a um baile de formatura —
revelou ele e beijou-lhe a mão com carinho — Amélia eu fiz tudo
errado e me arrependo disso, naquele dia em especial, deveria ter
falado que tinha acontecido algo.
Sabia que não deveria querer saber, mas tinha outra opção?
Ela não precisaria acreditar nele, certo?
—O que houve? — Ela se revirou e ficou de lado fitando-o.
—Descobri que o meu pai estava tendo um caso com a
Virginia a amante dele, eu quis desfazer o trato, mas ele me
ameaçou e me deu uma surra, eu iria romper com você na noite do
baile e contar toda a verdade, mas acho que já tinha bebido demais
e fiquei meio aéreo, falei coisas que não queria, não era verdade, eu
gostava de você Mel, mas a forma como nos envolvemos me
irritava, por que eu me sentia obrigado em estar com você, e não
queria naquela situação.
—E por que você não falou comigo que não queria ir? Eu
teria ido com o Ted Sulivan.
—Quem é Ted Sulivan?
Pequenas Revelações
Dylan pareceu irritado... com ciúmes?
Amélia negou com a cabeça achando que aquele homem
havia enlouquecido.
—Ted Sulivan era o meu colega da escola, ele me pediu para
ir ao baile alguns meses antes de eu te conhecer, era nerd e
adorava jogar xadrez no club de xadrez da escola, foi o único colega
que eu tive depois que me mudei para Los Angeles, quando eu me
neguei a ir ao baile com ele e disse que iria com você, ele parou de
falar comigo — explicou lembrando que Ted sempre foi tímido
demais e legal, pena que não sabia separar as coisas, por que ela
nunca o viu como um namorado e sim como um amigo.
—Eu queria poder conversar com você, mas fui covarde, tive
medo de estragar as negociações e mesmo depois do acidente,
Petter ainda assinou o contrato, percebi tarde o quanto eu tinha sido
um grande idiota. — Ele falou. —Eu quis conversar com você, mas
Petter me proibiu de vê-la e depois quando você viajou, ele se
recusou a me falar para onde havia mandado você, em seguida a
minha mãe morreu, meu pai colocou Virginia dentro de casa com os
meus dois irmãos e ela já estava grávida do terceiro, para gente foi
um choque, ele nos expulsou de casa e me demitiu da empresa,
então eu e os meus irmãos reivindicamos a herança e os bens que
a minha mãe o ajudou a construir durante todos aqueles anos, 50%
de ações na empresa, casas, até ilhas, lanchas, iates, a parte dele
passou tudo para o nome de Virginia, hoje ele ainda tem bastante
dinheiro e influência, mas não como antes, ele me odeia por que
tomei parte dos clientes dele.
—Um menino Mal demais — Ela disse e o viu soltar uma
risada alta que ecoou pelo quarto.
Nenhum homem a impressionaria quando sorria quanto
Dylan, não naquela proporção.
—Eu cansei, cansei de trabalhar nessa área, não faz mais
sentido, me formei em administração por vontade dele, trabalhei por
sete anos na empresa dele só para agradar ele, sempre quis fazer
com que papai me amasse, ou demonstrasse algum apego por mim,
mas ele é assim com todos nós, era abusivo com a minha mãe, hoje
vejo ele tratando os filhos dele com a Virginia e me questiono se em
algum momento mudaria alguma coisa se eu houvesse me negado
a fazer as coisas que ele queria, acho que as crianças amoleceram
o coração dele, ele é carinhoso e terno com elas, mamãe já sabia
que ele tinha um caso com ela, mas nunca nos falou, moravam
juntos só pelos bens e pela aparência.
Nunca imaginou que poderia ser aquilo.
—Que coisa!
—Então depois que ela morreu, nós nos unimos, meus três
irmãos têm a empresa deles de arquitetura, se chamam Otto,
Leonard e Hiago, eles são casados e tem filhos, Sandra é sócia nos
negócios deles também é casada e tem filhos, Mary a minha irmã
mais nova tem algumas lojas de departamentos em Los Angeles
nos shoppings, também já tem filhos e é casada, todos nós
morávamos em Nova York, contudo depois da pandemia tivemos
que nos habituar a vida no campo, há cerca de seis meses optei por
vender a empresa então voltei para Nova York, papai não nos visita
nem sequer fala conosco, temos contato com as crianças porque
eles pedem para nos ver, Virginia controla o meu pai.
—Cobra — falou — Ela não deveria fazer isso com os seus
irmãos, as crianças não têm nada a ver com isso.
—Não me importo com ela tanto quanto deveria, Virginia só
pensa em si mesma e o meu pai vai pagar tudo o que fez com a
minha mãe com juros nas mãos dela.
—Sua mãe foi forte por se permanecer fiel ao seu pai.
—Ele nunca a mereceu, infidelidade é algo que não aprecio
em uma relação.
—Entendo.
—Tem alguém na sua vida neste momento?
—Não acho que isso seja da sua conta.
—Mel...
Era engraçado ver um Dylan agoniado, expressando tantas
coisas ao mesmo tempo, ciúmes, raiva, rancor... cada sentimento
diferente surpreendia Amélia.
—Eu espero que a resposta seja “não”.
—E é não — Amélia afirmou oprimindo o divertimento — Não
é da sua conta.
—Amélia!
Horrorizado, Dylan apertou os dedos entre os dela.
—Serei leal a você.
—Disserte lealdade, Dylan.
—Quando eu estava com você não havia mais ninguém, eu
sempre fui leal enquanto estávamos juntos e fiel. — Ele falou mais
que sério. — Mel, eu gostava de sair com você, era ótimo quando ia
para o meu apartamento, você era doce e ingênua e eu adorava
aquilo em você, mas não queria me comprometer, se eu me
envolvesse demais, como ficaria se um dia soubesse da minha
decisão vergonhosa? Iria me rejeitar, como fez quando acordou
naquele quarto de hospital, me olhou com tanto ódio e desprezo que
eu mal conseguia acreditar, fui o culpado pela morte do meu filho,
por você ter quase morrido, não consegue imaginar o tamanho da
dor que eu senti quando soube do bebê, da vergonha que eu tinha
de saber que eu causei aquilo.
—Entendo a sua dor sobre a perda, também sofri muito ao
saber do bebê — afirmou um tanto incerta.
Talvez para ele também devesse ser algo mito difícil já que se
viu dividido entre a verdade e a aceitação do pai, mas ele ainda sim
foi errado por omitir a verdade dela.
—Mel, posso... melhor não, vai levantar-se as seis amanhã?
—Amanhã é sábado, eu costumo me levantar às 5:00, para
poder descansar às 12:00, mas se não quiser...
—Eu vou, quero conhecer melhor as plantações e falar da
minha estratégia de marketing sobre nosso negócio, o que acha?
—Ótimo então, mas não espere por Estela, é folga dela, eu
quem faço café e a comida nos finais de semana.
—Posso entender.
Ficaram em silêncio por alguns momentos, os dedos dele
pressionando os dela enquanto Amélia sentia que a mão suava com
o calor da mão enorme dele. Não parecia disposto a querer largar a
mão dele, Amélia tinha medo da proximidade, contudo era estranho
ter que admitir que em muito tempo encontrou alguém com quem
dividir tanta coisa.
Não tinha melhores amigos, não conversava com ninguém,
era amistoso e bom falar sobre as coisas com Dylan, ainda que ele
não merecesse.
—Você... quer... ficar aqui mais um pouco?
—Você sabe que sim.
Dylan era um cara de pau.
— Então fique um pouco mais.
—Tudo bem.
Ela soltou a mão de Dylan e se encolheu puxando os
cobertores e se cobriu até o pescoço, pegou sua velha pelúcia
Honey debaixo de seu travesseiro, ela sabia que não deveria ter
feito aquilo, que deveria tê-lo deixado ir, mas não estavam fazendo
nada de errado. Eles eram potenciais sócios naquele momento,
seria besteira ficar se preocupando com mensuras, até porque eles
já tinham compartilhado a cama muitas vezes, e feito coisas bem
piores que apenas conversar e ficarem apenas perto um do outro
como agora. Dylan se esticou na cama, era um homem grande com
pernas cumpridas, ele tirou os pares de tênis e puxou os cobertores
para cima de si, se cobriu até a altura da cintura e a observou em
silêncio.
Ele sorriu calado, estendeu a mão e com o indicador tocou
sua bochecha, Amélia se sentiu quentinha por dentro.
—O que foi?
—Eu sempre achei que tinha jogado Honey fora — Dylan
comentou com os olhos semicerrados.
—Honney é o meu companheiro, jamais faria isso com ele, os
filhos acompanham os pais mesmo depois do divórcio — brincou
deitando-se como de praxe, de bruços.
—Sempre gostou de dormir de bruços. — Ele lembrou.
—E você sempre tirou proveito disso — bocejou ouvindo a
risadinha maldosa dele — Pelo menos nos divertíamos juntos
Wilson.
—É, pelo menos!
Depois disso, Amélia acabou pegando no sono, cansada e
meio surpresa porque em dez anos, nenhum homem havia dormido
naquela cama com ela, esperava que quando acordasse, Dylan não
estivesse mais lá, ou que pelo menos não tão próximo dela, porque
não desejava que fosse algo íntimo, não era.
Não conseguiu se sentir culpada, ela não quis se martirizar, a
proximidade era algo que não ocorria com a ótica que talvez ele
visse, tudo o que ela via ali era duas pessoas que falavam do
passado, que tentavam lidar com aquilo de forma adulta e ponto.
Sonhos Repentinos
Amélia despertou se sentindo espremida, o corpo afundado
pelo peso nas costas, ela não se moveu procurando na mesinha ao
lado da cama seu despertador que soava insistentemente, ela
conseguiu apertar o botão e o silenciou rapidamente, abraçou seu
travesseiro, nunca havia se sentido tão preguiçosa, e tão aquecida,
ainda estava com a costumeira confusão mental que sentia todas as
manhãs quando acordava, o peso a abandonou.
Ela reclamou e puxou braço fazendo com que o peso
voltasse a esquentasse, que atrevimento! Aquele sonho deveria
pertencer a ela, obedecer somente a ela, não ter vida própria,
quando o peso caiu sobre ela de novo sossegou e ficou quieta
adorando o calor que proporcionava em cima dela, os braços do
sonho envolveram-na carinhosamente pousando-se sobre os braços
dela.
Ela abriu os olhos lentamente observando o braço enorme
sobre o dela, aquele sonho então pareceu muito mais que real, o
peso real demais, e recobrando a consciência, ela percebeu que o
sonho não era sonho, era Dylan, incapaz de acreditar em suas
sandices não se moveu, se sentindo constrangida.
Deveria expulsá-lo? Ela havia puxado ele de volta!
—Bom dia. — Ele sussurrou ao pé de seu ouvido enquanto a
mão cobria a dela, os dedos se entrelaçavam aos dela sem pressa.
—Bom dia — Ela sussurrou de volta. — Por que estamos
sussurrando Wilson?
—Não sei! — Ele sussurrou de novo.
Eles riram, depois ele rolou para o lado e ela se ergueu
observando Honney amassado na cama, sacudiu a pelúcia, e o
deixou sentado entre os travesseiros observando através da janela
o dia ainda escuro, mas as vozes do pessoal que chegava para
trabalhar soavam claramente pela vinícola.
De lá ela tinha uma visão periférica de todo o lugar ou da
sacada que ficava na outra extensão do quarto, mais centralizado,
naquele dia em especial queria se reunir com o pessoal para falar
dos resultados da semana, no refeitório do lugar onde cabia boa
parte dos colhedores, tomaria café com os funcionários, ela tinha
dez pessoas que cuidavam da cozinha de segunda a sábado porque
domingo era o dia de folga de todos, inclusive dela.
—Vamos, coloque um casaco, quero tomar café com o
pessoal — informou enquanto ia ao banheiro.
—Vi que tem um refeitório — Dylan comentou saindo do
quarto — É enorme!
—É, todas as instalações da empresa têm refeitório e comida
própria, o pessoal merece ter comida decente e boa — falou e
começou a escovar os dentes.
Ela vestiu um jeans e calçou botas de couro cano alto sem
salto e uma regata branca cumprida, colocou jaqueta de couro preta
por cima, começou a analisar sua agenda diária no celular enquanto
penteava os cabelos, precisaria ir até Palermo a casa de Leonardo,
hoje em especial era o aniversário de Anika, e ela nunca faltava ao
aniversário da comadre, queria estar bem, sabia que Leonardo
sempre fazia um almoço para toda a família, cantavam parabéns e
ela já se sentia preparada para comer bolo novamente.
Lavou o rosto, prendeu os cabelos num rabo de cavalo e
pegou a bolsa no closet, quando saiu do quarto, Dylan já esperava
no corredor, ele a olhou de cima abaixo e ela ficou bem
constrangida com aquilo.
—Vamos, tenho que ir a Palermo pegar um presente para
esposa de Leonardo o meu compadre — explicou rapidamente
enquanto se afastava pelo vasto corredor — Vai haver um almoço
na casa dele é aniversário da minha comadre Anika, pode ficar aqui
se preferir é claro.
—Seria incomodo se eu fosse com você? — Ele perguntou
indo atrás dela.
—Não acho que eles se importam, mas a casa deles é
simples, são gente simples.
—Não importa, quero falar com Leonardo sobre algumas
dúvidas que tenho em relação ao cultivo.
Ela assentiu depois passaram no enorme refeitório onde
tomaram café com os funcionários e ela falou sobre os resultados
com Marcello e alguns funcionários que estavam ali, os horários do
café eram alternados entre as 05:00, 06:00 e 07:00 já que as turmas
entravam naqueles horários, fez alguns reconhecimentos de
funcionários do mês e sorteou alguns vales como prometido, os
funcionários eram muito receptivos e calorosos com Amélia, ela
sabia que não precisava fazer aquilo, mas fazia porque sentia que
fortalecia todos eles em relação ao trabalho, ali estava sua linha de
frente e cada uma daquelas pessoas era fundamental para ela, ela
gostava do relacionamento com seus funcionários.
Dylan ficou ali num canto com uma caneca de café em mãos
observando Amélia conversar com os primeiros funcionários do dia,
naquela manhã ela não teria tempo dar volta pelo lugar, então
depois da reunião ela decidiu mostrar as plantações para ele e
explicar como funcionava a dinâmica da plantação e do cultivo à
longo prazo.
—O que fazem quanto ao controle de pragas? — perguntou
ele.
—Nós temos a visita de um agricultor local que desenvolveu
um selante natural, sem pesticida, queremos dar as pessoas algo
que as faça se sentirem saudáveis, as uvas são orgânicas, por isso
o vinho é mais caro e aliás, isso também responde sua pergunta
sobre eu voltar a minha linha para classe alta.
Ele assentiu em silêncio, era interessado e curioso, aquilo
agradava ela.
Depois que terminaram aquele passeio, Amélia pegou sua
caminhonete e foram para a plantação de azeitonas, dali até a outra
plantação levaram cerca de quase duas horas, foi um percurso
coberto de conversas e risadas, Dylan falou sobre a questão do
marketing, estava empolgado em “investir” na pequena produção
para os sócios. Ela falou sobre a reativação da antiga fábrica, havia
muito a ser feito, mas ela começaria primeiro falando com Leo,
porque ele quem cuidava daqueles tipos de assunto e a ajudava em
muitos sentidos quanto a tomadas de decisões no lugar.
As oliveiras eram muito bem cuidadas, seu encarregado do
lugar Vicenzo os acompanhou durante um passeio rápido, falou
sobre resultados, ela se reuniu com o pessoal no refeitório do lugar
e fez o mesmo reconhecimento, era menor e com menos
funcionários, mas sempre a mesma baderna, tomaram outro café e
partiram para a Palermo, aproveitaria e compraria também um bom
queijo caso desse tempo.
Ela queria agradar Anika, ano passado havia dado uma
coleção de discos de vinil porque sabia que a comadre adorava
aquele tipo de coisa, esse ano já tinha encomendado o presente há
alguns dias, um vaso de porcelana feito há mão, sabia que Anika
amava ganhar presentes do tipo, artesanatos manuais, ela tinha um
jardim impecável, iria adorar um belo vaso pintado à mão para
colocar suas tulipas, Amélia também encomendou uma coleção de
livros sobre a história.
Até a Palermo foram mais uma hora e meia de viagem, ela
adorava dirigir pela estrada porque estava cercada por jardins
montanhas e o mar do mediterrâneo, a vegetação impecável e todo
aquela vista maravilhosa que ela tinha a sua total disposição,
atentou-se também a estrada e ao tempo pois não queria se atrasar
para o almoço.
Era uma tradição intensa e maravilhosa celebrar os
aniversários das únicas pessoas que ainda se importavam com ela
naquele lugar.
—Você mudou muito — Dylan comentou quebrando o
silencio que haviam estabelecido depois da primeira meia hora de
viagem.
Ele estava menos falante, mexia no celular, distraído.
—Como assim mudei? — perguntou atenta a estrada de terra
batida, vendo o rastro de poeira atrás, abriu uma das janelas
deixando que a brisa suave entrasse.
—Mudou, cresceu, se tornou uma mulher independente,
forte, e muito atraente. — Ele falou e sorriu. — Na verdade, eu acho
que eu não mudei muito, não fisicamente.
Não mudou?
Aquele homem cheio de músculos?
—Ah tá. — Ela começou a rir. —O que você faz? Academia?
—Eu corro as vezes e gosto de me exercitar, faço box e
pratico luta. — Ele respondeu. — Por quê?
—Por nada, eu não faço exercícios, sofro de artrose às
vezes, tenho pinos no joelho e nos quadris, não acho que isso seja
tão atraente — confessou dando de ombros —, mas eu não sinto
nada, só quando está muito frio, no inverno eu quase não desço
para Vinícola por que os pinos doem muito.
—Talvez uma caminhada pela manhã ajude. — Ele
aconselhou. — O que acha de caminhar comigo amanhã de
manhã? Hoje nos caminhamos muito, mas não com as roupas
adequadas.
—Dylan Wilson saudável? — Ela inclinou a cabeça para trás
em gargalhada atenta ao caminho. — Que estranho, você só comia
porcaria.
—Você também — replicou sorridente — Nós dois éramos
mesmo bem negligentes nessa parte, adoro a comida da Estela, na
minha casa em Nova York eu tenho alguém que me ajuda nessa
área, mas como viajo muito, não paro em casa, nos últimos dois
anos na fazenda eu e os meus irmãos tínhamos algumas pessoas
que nos auxiliavam também com o lugar, aprendi a fazer minha
própria comida.
—Que aplicado.
—Você cozinha?
—Quando tenho tempo sim, mas tenho uma boa alimentação
graças a Estela, como você disse a comida dela é maravilhosa.
—Você perdeu bastante peso.
Não tinha como não perceber, mas não era prioridade dela
falar daquilo, Amélia desanimou do assunto.
Bem, talvez aquela ferida em si não houvesse cicatrizado.
—Não quer falar sobre isso?
—Você quer falar do meu peso? Para que? Por quê?
—Bem, só observei que mudou, não quer me falar sobre o
processo?
—Eu emagreci devido ao trabalho excessivo nas colheitas e
nas plantações, Estela sempre trabalhou para mim, ela vivia falando
para eu comer, mas eu parei de comer besteiras e passei a ser mais
criteriosa porque eu estava acima do peso e aquilo não me fazia tão
bem — explicou a contra gosto — Hoje eu não sou muito magra,
mas eu acho que eu melhorei mais na questão da minha
alimentação, não que eu me importasse com o meu peso de antes
pela estética, é que eu me cansava com frequência e suava muito,
me prejudicava no meu desempenho na lavoura, eu não conseguia
andar grandes distâncias e também, eu era adolescente, é algo que
eu entendo que foi uma transição.
—Eu não me importo que fosse gorda, Mel, foi apenas uma
pergunta, eu gosto de vê-la comendo e que se alimente bem, por
que come com prazer, não fica sofrendo com as folhas de alface,
por acaso eu vi uma horta no fundo do seu quintal, adoraria fazer
uma salada para você, o que acha?
—Pode ser, mas eu já aviso que não sou muito chegada,
depois da festa na casa de Leo, podemos ir ao centro e fazer algo
juntos antes do jantar o que você acha?
—Será ótimo!
Amélia tinha planos para aquela ida a Palermo, planos que
talvez Dylan odiaria.
Dylan está noivo?
Ela passou na casa de artesanatos da cidade e pegou o vazo
já embalado para presente, passou também na livraria, aproveitou e
pegou alguns livros para si própria vendo que Dylan pegava alguns
para ele em inglês, depois foram para casa de Leo que ficava num
bairro classe média da cidade, as duas afilhadas Julia e Antônia
foram correndo recebê-la assim que viram seu carro e pareceram
encantadas quando viram Dylan, Amélia fez as apresentações,
então entraram com os presentes.
Anika como sempre sorridente e feliz, adorou os presentes, a
casa estava cheia, italianos falando alto e comendo aperitivos,
bebendo do seu vinho, as reuniões sem máscaras retornaram
depois de longos períodos de isolamento e vacinas, talvez por
aquele momento celebrar em família fosse algo tão precioso para
todos, nos dois anos anteriores esteve ali usando máscaras, a
quantidade de pessoas era bem baixa e os idosos não puderam
participar, Amélia estava feliz de saber que toda a família da
comadre estava ali em peso.
Ela fez questão de dar algumas garrafas para Leo algumas
semanas atrás, sempre dava em épocas especiais, ela já tinha
conhecido Anika assim na cadeira de rodas, segundo Leo seu
compadre, a comadre havia ficado paraplégica num acidente de
carro ainda muito pequena. Quando adolescentes eles haviam se
apaixonado e com apenas dezoito anos haviam se casado, eram
jovens, e a paralisia da esposa não havia impedido ela de conceber
as duas filhas que o casal tinha, ela adorava os eventos na casa de
Leo por que todos sempre a recebiam muito bem e a tratavam-na
como da família, suas duas afilhadas Antônia e Julia sempre
conversavam com ela sobre escola, e Anika, sempre foi bastante
receptiva com ela, gentil assim como Leo, que começou a trabalhar
com ela com ela desde que ela fizera as primeiras contratações
para o Parque das Uvas, era um bom homem, dedicado ao lar e um
funcionário fiel.
Logo antes do almoço começar a ser servido, Anika fez um
comunicado que surpreendeu a todos, inclusive a ela.
—Eu estou grávida... de novo!
A família comemorou é claro, Anika ainda era jovem, tinha
apenas trinta e oito anos, seria um pequeno desafio, Amélia sabia
das limitações da comadre, porém ficou muito feliz por ela,
imaginava que deveria ser maravilhoso carregar um bebê dentro
dela e sentir todos os momentos do processo desde o início até o
parto, ver os filhos crescendo, acompanhar tudo de pertinho.
Viu ano a após anos suas funcionárias todas conceberem,
terem filhos e os filhos delas crescerem, enquanto ela sabia que não
poderia nunca ter o seu próprio filho, aquilo doía em muito dentro de
Amélia no começo, porque além de saber que havia perdido um
filho, ela sabia que nunca poderia ter outro, mas foi algo do qual se
acostumou.
Comemorou com todos eles, não tinha os seus, mas tinha
suas afilhadas, e aprendeu a se afeiçoar a ambas como se fossem
suas, as meninas iam durante as férias a sua casa ou aos fins de
semana quando Leo permitia, era um pai muito rígido e cobrava
muito de ambas.
Leonardo ficou muito emocionado quando a esposa
comunicou a gravidez, ele foi até ela e a encheu de beijos, depois
de sete anos mais um bebê? Era claro que ele ficaria surpreso e
maravilhado. A primeira pessoa para quem ele olhou foi para ela,
ela conhecia aquele olhar, o olhar que ele fez quando pedira para
ela ser a madrinha das duas meninas que ainda eram pequenas
quando ela havia contratado ele para trabalhar no Parque das Uvas.
—Você vai aceitar o desafio comadre? —Ele perguntou muito
sorridente.
—Eu nunca fujo de um — respondeu ela bem-humorada —
Salute al nuovo figlioccio.
Era saúde ao novo afilhado.
—Salute — responderam os italianos erguendo suas taças
cheias de vinho.
Talvez um dia conseguisse adotar uma criança, teria seu
amor, seria seu filho, começou a pensar nas chances de adoção
com mais cuidado durante o almoço, serviram risoto, lasanha e é
claro, o bom vinho dela para acompanhar, e quando mais tarde
depois do almoço, ela e Dylan partiram rumo ao centro de novo
pensou melhor sobre a possibilidade da adoção.
Sua mãe logo viria, não seria um grande desafio cuidar de
uma criança, poderia ser até uma maiorzinha, ela não se importava
desde que fosse apenas seu, e quem sabe um dia fosse
merecedora de ser chamada de "mamãe" por um filho adotivo? Ela
sabia como era ser adotada, era difícil, pelo menos foi por doze
anos de sua vida.
—Você merecia bebês — Dylan colocou a mão na coxa dela
com todo o carinho do mundo e acariciou o local com o polegar —
Sinto por isso.
—Não sinta. — Ela colocou os óculos escuro. — Eu sou feliz,
eu vou adotar uma criança logo que as coisas estiverem estáveis, a
minha mãe está vindo do Brasil e apesar de eu não apreciar muito a
ideia da família em casa, eu vou pegar alguma criança no abrigo
para criar.
—É jovem ainda, sinto como se tivesse arrancado seus
sonhos. — Ele disse com amargura. — Me perdoe.
A voz de Dylan era carregada de sinceridade e transparência.
—Não quero falar disso — falou séria de novo — Podemos
fazer um trato de não falar mais sobre isso?
Ele respirou fundo. Amélia manobrava a caminhonete para
longe do bairro residencial.
—Precisamos falar sobre isso, não entendo porque você fica
se esquivando. — Ele falou e passou a mão nos cabelos.
O vento entrava pelas janelas jogando os cabelos de Dylan
para os lados, os olhos dele fixos nela, Amélia ignorou o charme por
trás da visão do homem que ocupava boa parte do espaço no
banco, tentou não prestar atenção nele, usava jeans e uma camisa
de moletom, tênis, de fato parecia bem mais jovem do que era.
—Não acredito que vá nos levar há lugar algum ficar falando
sobre isso.
—Para que tudo se resolva temos que falar sobre isso.
—Não sei se tenho alguma pendência com você Dylan.
—Eu tenho com você — Dylan não escondeu a ponta de
estresse — Não conheço nada aqui, como faço para procurar um
corretor? Nem falo italiano!
—Coitado — brincou vendo-o ficar irritado.
—O que pensa em fazer depois de se instalar em Palermo?
—Bem, vim com planos de me casar!
Ela ficou tensa com a resposta.
Como assim se casar? Então ele era noivo?
Amélia apertou as mãos no volante sentindo a tensão daquilo
sobre si, depois se sentiu irritada, como não? Deveria fazer algum
sentido ele dizer que queria se resolver com ela para depois se
casar?
—Mel, imagino que não seja o melhor para você é claro, mas
não quero e nem vou desistir disso—ele afirmou com certeza na voz
— Quero me casar, ter um lar.
—Foi para isso que veio? Para esfregar na minha cara que
vai se casar? Que eu não posso ter filhos? — perguntou sentindo-se
traída pelas suas prévias conclusões.
Dylan quer casar-se

—Não. — Ele falou prontamente — Bem, eu sei que você


não está preparada, mas eu quero fazer as coisas certas dessa vez,
para isso temos que nos casar, não é?
Ela pisou no freio bruscamente e o carro os jogou para frente,
sentiu o solavanco do cinto puxando-os para trás, depois lentamente
olhou para o lado vendo um meio sorriso nos lábios vermelhos de
Dylan.
—Ficou maluco?
Ele havia dito que queria se casar com ela? Casamento?
Não! Com certeza havia ouvido errado.
—Repete, Dylan, não brinca comigo.
—Eu falei com Pet ele não se recusou em aceitar o nosso
matrimônio, quero que nos casemos o mais rápido possível. — Ele
falou com um enorme sorriso agora — Por que acha que eu vim?
—Disse... disse... disse que ia abrir negócios na área de
vinho, que estava fechando sua empresa para investir no novo ramo
foi isso o que eu entendi — falou trêmula, ouvindo o barulho da
buzina atrás dela.
Nervosa ligou a ignição e o carro voltou a andar, ainda
sentada poderia sentir que cairia a qualquer momento, as pernas
estavam bambas quando voltou a dirigir, tentou se acalmar e ser
mais cuidadosa.
Deus, Deus, Deus! O que aquele homem tinha? Estava
louco?
Deveria estar.
—Vim para acertar as coisas entre nós, achei que estivesse
deixado isso bem claro na carta... ah é você a queimou — lembrou
calmamente — Não importa, vamos nos casar, eu já vendi a
empresa e não pretendo ir embora, quero morar aqui com você,
aprender a cuidar da vinícola, eu acho que não vai ser muito difícil,
meus irmãos ficaram felizes em saber que eu vou me casar, sou o
único solteiro é claro.
—Isso não é um comunicado, eu espero.
—Não é, eu quero te pedir formalmente para ser minha
esposa.
—Você enlouqueceu se por acaso acha que as coisas são
assim tão simples — as conclusões a assustaram novamente —
Você planejou tudo isso antes de vir? Acha certo de que faça essas
coisas? —perguntou exasperada, definitivamente ele estava louco.
—Claro que sim, mandei a carta, esperei um mês, falei com
Pet, aliás eu vendi a empresa para ele, foi um bom negócio, aquele
mão de vaca, mas foi ótimo, depois que o reencontrei numa
conferência em Washington, eu o persegui até ele me falar o seu
paradeiro, mas já tinha intenções claras de descobrir onde você
estava mesmo que sozinho, precisava só de coragem, tinha medo
de que não me aceitasse na sua casa, mas Pet falou que iria entrar
em contato com você e falar sobre mim — revelou Dylan olhando
pela janela as encantadoras ruas estreitas de pedra da cidade
antiga — Ele não falou sobre nenhum relacionamento por que não
sabia, eu decidi que de qualquer forma viria e tentaria reconquistá-
la, se fosse casada, pediria perdão e iria embora, mas você não se
casou graças a Deus, você poderia aceitar um pedido formal de
casamento e esperar sua mãe chegar?
—Dylan você... você... você por acaso ficou louco ou coisa
assim? Não nos vemos há dez anos, e já vem com isso? Ficou
louco só pode ser — disse nervosa, as mãos escorregavam no
volante de tão soadas — Não quero me casar!
—Mas vamos nos casar, já está com vinte e oito anos e
precisa de um marido que vai cuidar de você, ajudá-la nas colheitas
e no Parque das Uvas — justificou ele ainda bastante tranquilo —
Quero investir na fábrica, ajudá-la sempre, vai ser ótimo para nós
dois, fomos namorados, nos conhecemos.
Aquilo era tão absurdo.
—Foi tudo de mentira — negou a cabeça com veemência.
—Não, não foi, você me amava e eu fui um idiota, na época
talvez não a merecesse, mas agora estou disposto a mostrar que
posso merecer seu amor e um lugar na sua vida, eu não vou
embora, eu vou me casar e vou morar aqui com você.
Amélia só queria ter argumentos, mas a ideia era tão absurda
que ainda deixava ela sem palavras.
—Vamos conhecer com calma, tudo no seu tempo.
—Você enlouqueceu.
—Suas suposições sobre mim são um pouco equivocadas,
amor.
Ela o encarou de forma severa e foi ignorada.
—Você está confundindo as coisas, só estou sendo gentil
com você.
—Você gosta de se enganar, não é? Sabe que temos química
e que isso nunca vai mudar entre nós, podemos ficar horas e horas
conversando e ainda sim nunca parece suficiente, sei que ainda
nutre sentimentos por mim, Honey é a prova disso.
Ela quase riu da ousadia daquele homem.
—Eu não posso...
—Sei o que vai dizer e não me importo, podemos adotar uma
criança como você mesma falou, quero um casamento no civil e no
religioso, quero um lar, quero você como a minha esposa, como
disse lembra? Filhos de sangue ou não serão nossos do mesmo
jeito, quero provar que não sou mais aquele garoto medroso que
você conheceu, que nunca fui, sou diferente agora, quero que
fiquemos juntos como ontem, que conversemos sempre, adoro a
sua companhia, adoro o seu cheiro, adoro seu sorriso Amélia e não
estou disposto a perdê-la de novo.
Ela o ouvia descrente, ele continuou.
—Já fiquei muito tempo tentando me enganar quanto a isso,
dizendo para mim mesmo não sentir nada, que foi apenas um
engano, mas não foi, eu me apaixonei por você.
Ouvir aquilo mexia profundamente com ela.
—Tive casos, tentei esquecê-la, mas não consegui, nenhuma
delas me completa como você me completou, você sempre foi
carinhosa comigo, sei que em algum lugar aquela menina está aí,
não quero que finja ser durona e ranzinza, ontem foi apenas a única
amiga que eu tive em toda a minha vida, quero me casar com ela,
com a Amélia que eu conheci, por quem me apaixonei.
—É tão fácil falar, não é Dylan? Você causou tudo isso.
—Eu sei que não mereço você, tenho consciência do que eu
fiz, mas eu mudei e só vou conseguir provar se você me der essa
chance.
Ele fez uma breve pausa.
—Temos que falar sobre isso para podermos ser felizes, sei
que me odiou, que me culpou, todos esses anos eu me senti o pior
homem do mundo, mas me arrependi, queria que o nosso bebê
tivesse sobrevivido, quem sabe hoje nos dois não estivéssemos
casados? Fiquei arrasado quando soube que havia perdido a
criança, a pior parte disso foi eu saber que foi por minha culpa,
pelas idiotices que eu falei, e era tudo mentira, por que você estava
linda, estava perfeita, eu amava o seu corpo Mel, amava tudo, mas
para eu admitir isso para mim mesmo tive que perdê-la, perder o
nosso bebê.
Os pedidos de Dylan

Ela ficou em silêncio atenta ao caminho, sentindo que as


batidas do coração vinham a garganta com as declarações dele.
Queria, deveria acreditar nele?
Amélia imaginou certa vez que Dylan estivesse casado, com
filhos e feliz com alguns milhões de dólares nos bolsos, mas agora,
ele vinha atrás dela, pedia perdão e a pedia em casamento?
Um Dylan mudado, diferente do que ela conheceu, carinhoso,
atencioso, e dizia que estava apaixonado por ela, que queria uma
nova chance, mas ela poderia confiar nele novamente? Deveria se
apegar aquele novo Dylan e esquecer o que tanto causou dor e
sofrimento no passado? Ela sabia que não saberia logo de cara,
porque ela nem se quer havia pensado em tentar.
Deveria correr riscos? Valeria apena? E se não desse certo?
E pior, e se ele estivesse de novo envolvido em alguma trama
apenas para se aproveitar dela?
Agora não era mais uma herdeira rica, ela era uma mulher
milionária, tinha seu próprio negócio, era dona de uma grande
marca, tinha receio de que aquilo fosse mais atraente para ele do
que a ideia de ela ser atraente aos seus olhos como foi anos atrás.
Até onde sabia o ramo dele nada tinha a ver com o dela
então concluiu que não era apenas pelos negócios, a verdade era
que naquele sentido Dylan não precisaria dela para muita coisa, era
muito mais rico que ela pelo que havia dito, ficou confusa, indecisa,
um homem como ele não precisaria de muito esforço para deixar
qualquer mulher mal com um término de um caso, seria bem mais
fácil se ele a seduzisse e depois sumisse, um casamento era algo
bem mais comprometedor, ela sabia, um caso ia e vinha, casamento
era para sempre assim, Amélia acreditava desde sempre nisso.
—Me dê a chance, não vou desperdiçar, eu prometo — sério
tocou a face dela com o indicador — Prometo que desta vez, vou
fazê-la muito feliz.
Ela era feliz com ou sem ele e talvez aquela fosse toda a
diferença do que houve antes entre eles.
Não era uma menina cativa de atenção de homem algum, ela
de fato nunca se importou muito com aquilo depois de tudo, havia se
dedicado nos últimos dez anos unicamente aos seus negócios, não
se sentia solitária, não queria que nenhum espaço fosse preenchido
ou complementado porque não havia espaço algum para que
alguém fizesse aquilo e algo também do qual não suportava era a
ideia de ter um homem querendo mandar na vida dela, tinha sua
independência, seu espaço.
Amélia havia se tornado de certa forma até amarga, por que
tivera de saber lidar com homens sempre, e homens sempre eram
homens em todas as circunstancias, alguns possuíam educação
outros eram grossos e muito mal educados, havia ficado dura e
ranzinza ao lidar com os funcionários da vinícola e da fábrica,
alguns até batiam boca com ela no começo, e ela sempre acabava
vencendo as ofensas e as barreiras da diferença sexual, aquilo
havia feito com que ela ficasse com a boca suja e seu gênio
piorasse, Dylan não sabia o que ela certamente às vezes poderia
ser quando irritada, o demônio. concluiu.
—Bem, eu não sou mais como antes trabalho num mundo em
que homens são líderes, aprendi cedo a lidar com eles, vem e vai eu
e Leo discutimos sobre o Parque das Uvas, esse mês me pegou
tranquila, mas sempre tem o mês que vem — disparou na defensiva
— Não sou carinhosa ou ingênua, tenho defeitos muito feios Dylan e
garanto, eu não sou nenhum pouco sombra daquela menina que
conheceu...
—De que isso importa? — Ele riu — Eu sei, eu já conversei
com você sobre isso, eu sei muito bem que você é arisca e fica
possessa quando acontece algo que não te agrada, que é
competitiva e que você tem uma boquinha bem suja.
Corou profundamente.
E teve a terrível impressão de que Dylan talvez não fosse
desistir tão fácil da ideia, será mesmo que ele estava disposto a
largar a boa vida de herdeiro solteiro para se casar com ela? Ela
queria saber, e só saberia se concordasse, mas a que preço sua
curiosidade poderia ser paga? Se casar com o homem que a havia
feito sofrer só para ver se dava certo? Se ele a suportava?
Casamento era viver o amor em sua forma mais pura, a
união, ela havia desistido da ideia há muito tempo, o fato de não
poder ter filhos havia só ajudado ela na tese de que homem algum
poderia fazer parte do que hoje ela entendia por amor, havia se
isolado em sua vinícola, nunca saia mais que o necessário no dia a
dia, para as duas fábricas e as vezes para o centro, fora isso, ficava
em casa ou cuidando das videiras com o pessoal, ela não tinha um
encontro a mais de dez anos, só tivera encontros com Dylan.
—Casa comigo?
—Por que eu me casaria com você? Não tenho um bom
motivo Dylan Wilson.
—Eu estou disposto a dedicar todos os dias da minha vida a
você, quer algo melhor que isso?
Ele poderia ter dito qualquer coisa, qualquer outra coisa do
mundo e ter dado outro motivo qualquer, exceto por aquele. Aquilo
mexeu profundamente com ela, com seu coração.
—Não quero ser cuidada, eu sei me cuidar.
—Não envolve só cuidados, eu vou me dedicar a você, será
apenas nós dois dessa vez, sem negócios, sem acordos, apenas eu
e você.
Estava tensa porque ele falava bastante sério, mas quanto a
fazer todos os seus dias felizes... aquilo ela duvidava.
—Amélia por favor, eu prometo que desta vez as coisas
serão diferentes — Ele disse por fim parecendo apenas cansado do
assunto — Já chega disso, case-se comigo, mostrarei que sou
capaz de fazê-la muito feliz.
—Não vai dar certo. — acreditava pouco nele.
—Vai dar certo! — afirmou e colocou a mão na coxa dela de
novo — Apenas me dê uma chance, juro que dessa vez não vai se
arrepender querida.
—Dylan ... posso ao menos pensar?
—Tem todo o tempo do mundo, esperei dez anos, posso
esperar um pouco mais!
Passeios e Recordações
Eles tomaram um sorvete numa das praças centrais da
cidade de Palermo a famosa Piazza Pretoria ou também chamada
de Praça da Vergonha devido a sua história, obra de Francesco
Camilliani no ano de era cercada por uma arquitetura histórica com
uma fonte em formato redonda com esculturas de gesso, a fonte
central era o ponto focal de dezesseis estátuas nuas de ninfas,
humanos, sereias e sátiros. Ela soube temos depois que se mudou
que a história da fonte representava no século XVIII os municípios
corruptos da época, em Palermo foi apelidada a praça com a nudez
das estátuas de Praça da Vergonha, tudo tinha a ver também com
as questões voltadas à época da inquisição espanhola. Observou as
pessoas transitando e refletiu mais sobre as poucas oportunidades
que teve de conhecer toda a ilha, não era algo do qual pudesse
desfrutar.
Dylan estava ali ao seu lado olhando aquelas esculturas
antigas e tomando um sorvete, como quando saíam em Los Angeles
e ela mostrava todos os pontos turísticos, alguns turistas tirando
fotos, foi como se um filme do passado se passasse em sua cabeça,
mas não eram tão jovens, ela não era uma estudante que saia para
se divertir e passear com seu então namorado.
E quando ele sorria para ela não queria sentir aquele calor
incomum que sempre sentia quando ele estava perto demais, não
conversaram depois que haviam saído do carro, e ela achou melhor
assim porque não estava pronta para nenhuma conversa do tipo.
Amélia preferia o silêncio, e sabia que ele estava respeitando
aquilo, dando espaço para que ela pensasse, mas Dylan não se
afastaria e ela sabia que aquilo implicava um monte de coisas
complicadas, a atormentava hipótese de perdoar fácil e deixar o
passado pois tinha aquele receio de se machucar.
Era tentador ceder ao pedido dele e não queria se sentir
daquela forma.
Era errado.
Observar aquele homem grande parado ao lado dela
tentando tocar sua mão com as pontas dos dedos traziam a ela o
calor estranho que queria banir de seu corpo, Dylan a olhava muitas
vezes como se olhasse para a garota que um dia ela foi e se sentia
confusa sobre as sensações que vinham ao corpo dela.
Os corpos de ambos haviam mudado em todos os sentidos,
ele havia ficado mais musculoso, e ela tinha emagrecido, ela sabia
que nunca teve um corpo desejável aos olhos de um homem
quando mais jovem, contudo, agora ver que ele a olhava daquela
forma ainda era meio revelador, ele era indiscreto e não hesitava em
ficar encarando-a, aquilo a deixava desconfortável.
Acharam um lugar para se sentar e ela continuou em silêncio,
Dylan sentado ao seu lado, ele passou o braço envolta dela e a
puxou para junto de si, Amélia ainda sentia que deveria afastá-lo,
mas cada vez mais parecia mais difícil, era impossível ficar longe
dele quando ele insistia em ficar tão perto.
Dylan se esgueirou para seu rumo e mordeu a casquinha de
seu sorvete de forma impertinente, ela se irritou mordeu a casquinha
dele também, ele apenas riu como se divertisse com aquilo, ela
grunhiu e continuou tomando o sorvete em silêncio, há anos que
não vinha a Palermo tomar sorvete, não tinha tempo, exceto por
algumas vezes que passou ali para pegar encomendas, quando
estava com as afilhadas elas estavam na vinícola com ela correndo
para cima e para baixo, gostava de passeios principalmente nos
dias quentes, mesmo que naquele sábado não estivesse fazendo
tanto calor, o dia foi mediano, ela nem havia tirado a jaqueta, estava
apenas fresco.
—Gosto daqui. — Ele disse olhando envolta depois pousou o
olhar sobre ela. — É lindo!
Amélia ficou vermelha.
—A Sicília em si é um bom lugar. — Ela afirmou olhando
envolta — Gosto do clima também, mas a épocas no ano que o
calor fica insuportável.
—Nunca me falou profundamente sobre da sua infância no
Brasil, como foi?
—Foi a melhor com certeza — sorriu pensativa —
Morávamos numa cidade do interior de São Paulo, reformei a casa
dos meus pais lá, eu quero muito voltar lá um dia, pelo menos
passar algumas férias, penso em fazer isso daqui a alguns anos,
como mamãe vai vir eu não posso ir agora.
—Conhecia o Rio? — perguntou ele colocando o braço
envolta dela, puxando-a para perto.
—O meu sonho sempre foi ir ao Cristo, morava em
Campinas, é uma cidade localizada um pouco longe do Rio de
Janeiro, não tínhamos dinheiro e papai era pedreiro, eu gostava
quando ele me levava as obras dele, acho que foi por isso que eu
não sofri tanto, ele me ensinou até a preparar a massa — mordeu a
casquinha crocante — Se eu tivesse sido criada por Petter, hoje eu
não estaria na Sicília, provavelmente seria uma estressada como
ele que só pensa em dinheiro e negócios.
—Eu já nasci com a missão de destruir lares. — Ele disse e
aquilo a fez rir. — Falo sério, meu pai é respeitado, mas tem muitos
inimigos também, ele já derrubou muitos homens de negócios e fez
muitas inimizades, eu também me tornei assim com o passar
desses dez anos, muitos inimigos, poucos amigos, por isso com o
tempo eu cansei, Petter ficou feliz em saber que a W.W Consultoria
vai para as mãos dele, não é uma rede, é um prédio apenas, mas
fazíamos quase trezentos milhões ao ano, tive muita sorte da
herança da minha mãe me ajudar nesse sentido.
—Petter comprou por quanto?
—2 Bilhões. — ele disse com tranquilidade, mas Amélia ficou
boquiaberta. — O que foi? Achou que eu iria dar a minha empresa
para ele? Eu tinha pedido 5 bi, e ele chorou, chorou, falando que
seriamos parentes, acabei vendendo a esse preço.
—Foi de graça — disse ainda incrédula — Deveria ter posto
na minha mão, Petter iria penar para conseguir a esse preço, eu
teria feito ele me pagar dez.
Eles riram juntos e ela recostou-se no ombro de Dylan, se
sentindo confortável com o calor que o corpo dele proporcionava,
ela não se importava se ele era rico ou não, aquilo para ela de fato
nunca havia sido um obstáculo, eles sempre haviam pertencido a
classes sociais iguais, mas pelo visto, sempre foi uma grande
barreira para ele, pensando bem.
Dylan se sentiu pressionado justamente por ser um herdeiro
com responsabilidades, um homem com muitos compromissos, ele
só queria ser o orgulho do pai porque foi aquilo que o pai dele
pregou que ele deveria ser desde muito cedo.
Ao imaginar alguém agredindo uma criança com um tapa na
cara se sentiu mal, não conseguia nem pensar naquilo porque nem
seus pais adotivos nem Petter nunca haviam levantado a mão para
ela, já Dylan soube o que era aquilo de perto todos os dias. Claro
que ela nunca apoiaria aquilo e mesmo que não justificasse ela
sabia que não era certo o que o pai dele forçou ele a fazer anos
atrás.
Dylan fez aquilo por puro medo do pau.
Mas ele poderia ter sido sincero desde o começo, é claro que
ela sabia o quanto ter um pai rico poderia custar milhares de coisas,
desde que se mudou para Los Angeles com Petter ela havia
mudado completamente sua vida, deixado as escolas públicas de
lado e ido para uma escola particular, largado os amigos com quem
brincavam na rua livremente, e convivido com o conforto de ter um
salão de jogos só dela, mas aquilo nunca mudou o fato de que ainda
preferiria correr no meio da chuva e brincar com outras crianças.
Dylan não teve aquela infância então não conheceu o outro
lado da moeda, talvez por aquele motivo teve tanto medo de perder
o que tinha e o que poderia conquistar.
Já ela viveu parte da vida como pobre e a outra vivia como
rica, Petter a proibiu de sair e muitas vezes obrigava ela a ir a
eventos com ele, o que era um tédio para uma menina de treze
anos na época, quando ela conheceu Dylan quando tinha acabado
de completar dezessete anos, pareceu quase uma libertação, ela
lembrava daquele dia como se fosse hoje.
—Às vezes eu acho que você não vive nesse mundo —
Dylan comentou tirando ela dos pensamentos, a voz presente os
lábios bem próximos aos dela — O que foi desta vez?
—Ah, nada!
Olhou envolta, já estava anoitecendo, o sol estava se pondo
bem ali no horizonte, ainda estava ali, sentada num dos degraus de
pedra do lugar, sendo abraçada pelo ex-namorado, Amélia percebeu
o quanto estava sendo permissiva com aquela proximidade e se
afastou se levantando, se esticou, não queria ficar assim tão perto
de Dylan e ao mesmo tempo ficava, não queria tomar nenhuma
decisão precipitada, mas em sua mente definitivamente não
funcionava daquela forma.
E se ele houvesse de fato mudado? Ele foi obrigado a fazer
aquilo, certo?
—Vamos comer — determinou — O que acha de uma boa
pizza?
—Ótimo. — Ele levantou parecendo apenas paciente demais.
— Mel, estava pensando em nós?
—Estava pensando o quanto você é ruim no Mario —
apontou divertida.
—Hei, eu sou bom — alegou rindo — Só não sou viciado
como você.
Foi um dos bons passatempos que tiveram durante algumas
tardes de domingo. Lembrou.
Pensando bem, teve muitos momentos bons na companhia
de Dylan, sendo ou não verdadeiro por parte dele, sabia que ele
havia dado a ela a felicidade de desfrutar de uma boa companhia.
Eles acharam uma pizzaria bem ali perto, onde ela escolheu
uma mesa do lado de fora do lugar, a noite estava agradável e
parecia muito cheio do lado de dentro do restaurante, um garçom
apareceu com dois cardápios e ela escolheu sua pizza de quatro
queijos, com um Villa Antinori para acompanhar, Dylan pediu o
mesmo.
—Olha, olha, olha, se não é a minha concorrente querida!
Amélia ergueu o olhar deparando-se com o charmoso
Antônio Carlos Mancha, ele era um produtor assim como ela, tinha
sua linha de vinhos também e atualmente vivia sendo um ótimo
concorrente, Antônio era bonito, um homem forte e muito alto assim
como Dylan, solteiro e segundo as más línguas locais, o mais
cobiçado da região, da Itália talvez, ela o vira na última vez em uma
conferência de produtores rurais na prefeitura sobre cuidados com o
campo e pesticida.
Antônio sorria como sempre muito sexy, mas ela bem sabia
que ele a via como um obstáculo a ser superado, ele e mais uns dez
que produziam na Sicília, ou na Itália, sabia separar as coisas, sorriu
e levantou para um breve abraço, ele estava acompanhado, a
companhia não das melhores, ela conhecia também Sofie, era uma
modelo, filha de um amigo produtor de vinhos da região, ela certa
vez havia batido boca com Sofie porque a moça havia ofendido um
de seus funcionários em uma visita ao parque das uvas meses
atrás, pobre Antônio, não sabia o que o aguardava certamente.
—Saindo com o fidanzato? — Antônio perguntou em inglês,
todo malicioso. — Ou amanti?
Ele era indiscreto e despudorado, sabia daquilo.
Fidanzato na Itália, era namorado, mas ela não era namorada
de Dylan. Ao menos não por enquanto, muito menos amante.
Um Amor inacabado
—Ele é um amigo da América do Norte— explicou dando dois
tapas no braço forte de Mancha — Andou malhando, Toninho?
—Ah querida, para o seu prazer eu nunca malho, trabalho
muito isso sim, podemos nos juntar? — perguntou ele
simpaticamente.
—Claro — por educação e paciência — Me diga, como vão
os negócios?
—Já comecei a colheita, ouvi falar que você também —
Antônio disse se sentando a pequena mesa estendendo a mão para
Dylan — Antônio Carlos!
—Dylan Wilson. — Ele disse apertando a mão do homem
com firmeza — Fala inglês?
—Sim, você não é o cara da W.W. Consultoria? Vi no El
Espanhol que vendeu sua empresa —Antônio perguntou
simpaticamente.
—Sim, vendi, não sabia que aqui na Itália as pessoas sabiam
ao meu respeito — Dylan falou com um sorriso.
— Sua namorada? — Amélia questionou.
Antônio não pareceu incomodado.
—Sofie é a minha prima, ela é insuportável, faço apenas o
papel de irmão protetor — Antônio explicou e lançou um olhar de
pura malícia para Amélia — Amélia nunca a vi tão linda, por acaso,
você está belíssima, cara mia.
Ela não era querida por Antônio, mas sabia que ele gostava
de provocar.
—Não sabia que vocês eram parentes — comentou Amélia
— Antônio, você nunca me disse que Sofie era sua prima.
—É um desprazer constante — Sofie olhou para ela com
desinteresse—Antônio e eu não nascemos um para o outro, ele é
grosso e um primo chato.
—Eu acho que aí tem mais coisa — Amélia falou rindo,
vendo-a ficar constrangida e Antônio desconfortável — Vai, fala logo
Antônio, por que anda falando que Sofie é a sua prima?
—Esse é o problema, viemos a Cecilia juntos e descobrimos
que nossos pais são irmãos — Antônio revelou inquieto — Agora
teremos que romper é claro.
—Que idiotice — Amélia falou sincera.
—Foi o que eu falei para ele — Sofie concordou com tristeza
— Antônio é bem fiel as tradições, de fato, irei para a França em
breve, e você, Amélia, ainda me odeia muito por aquela briga com
seu funcionário?
—Eu odeio todo mundo — Amélia disse sarcástica e todos
riram daquilo — Por que não ficam juntos? Primos ficam juntos
todos os dias e isso não mataria ninguém.
—Antônio não quer se casar — Sofie deu de ombros — E eu
quero me aposentar e comer mais, ter filhos, um lar.
—Pelo menos amadureceu um pouco — Amélia comentou
surpresa —Antônio, por que não casa com ela?
—Sabe que eu não nasci para o amor Amélia, assim como
você é claro — Antônio estava sério — Nesse mundo em que
vivemos nunca temos tempo para nada, quero chegar aos cinquenta
bem, meu pai nunca aceitaria.
—Se eu fosse você não faria isso amigo — Dylan aconselhou
calmamente — Já fiz esse tipo de coisa para agradar o meu pai e
acabei perdendo a mulher da minha vida, acredite, ela era bem mais
importante que dinheiro ou negócios.
Amélia se sentiu enternecida com o comentário e ficou
constrangida com a forma como o casal a olhou, é claro que estava
se referindo a ela, mas merda, por que Dylan estava falando assim
tão abertamente a respeito deles?
—Vai sair do ramo de consultoria? — Antônio perguntou
chamando o garçom.
—Já sai — Dylan afirmou — Vou investir no Parque das
Uvas!
—Decidiu arruinar de vez a minha vida Amélia? — Antônio
falou bem-humorado — E ainda fica colocando na cabeça da minha
mulher para que eu case com ela, isso sim é pegar pesado.
—Bem, é como dizem, negócios são negócios!
Antônio pediu mais um vinho e mais pizza, eles jantaram
falando sobre diversos assuntos, Sofie sobre suas viagens pela
Europa e Antônio sobre as colheitas daquele ano, a vinícula dele
ficava mais a norte de Salemi, nas redondezas, ali degustando um
bom vinho e comendo aquela pizza divina enxergou nele apenas
alguém com quem pudesse conversar sem o receio da
concorrência, eles falavam dos mesmos assuntos, sobre o preço do
imposto, sobre funcionários, Antônio falava a mesma língua que ela,
percebeu que algumas vezes Dylan parecia enciumado assim como
Sofie, mas se deixou levar pelo assunto, durante algumas vezes
Dylan e colocou a mão sobre a dela embaixo da mesa.
Ele era inseguro. Percebeu e não entendeu aquilo.
Ele não precisava ficar com ciúmes, Antônio era apenas um
comerciante assim como ela, e pelo visto parecia não ter olhos nem
poupar descrição quando se tratava de Sofie, ela nunca o vira sair
assim com uma mulher ao ar livre com para jantar, nem ouviu falar
que ele assumiu alguém, Antônio era mais do tipo de se esconder
em sua mansão nas terras dele e nunca sair com mulheres em
público, Sofie certamente era importante, mas ela parecia muito
infeliz, talvez Antônio estivesse resistente a assumir algo sério, ele
nunca assumia se quer um namoro sério.
Desde que ela o conheceu há sete anos numa reunião com
produtores da região ele sempre percebeu um homem impassível e
competitivo nos negócios, não o conhecia profundamente, mas de
longe poderia ser um homem nada discreto quanto ao que queria,
era boca a aberta e sincero com o que buscava em seus interesses
comerciais, para aturar Mancha tinha que de fato ser muito
paciente...
Não era muito diferente dele naquele sentido.
—Podemos combinar um almoço, o que acham? — Antônio
sugeriu quando terminaram as pizzas.
—Ele só fala de negócios eu não aguento mais isso —
reclamou Sofie chateada.
—Só ele? — Dylan disse desprovido de humor.
—É tempo de colheita, já disse Sofie, eu não posso mudar o
foco, já sabia que eu era assim quando me conheceu — Antônio
falou friamente.
—Não falaremos de negócios então, por que vocês dois não
vêm ao Parque das Uvas amanhã ao meio-dia? Antônio seria ótimo
que me desse um de seus vinhos, o que acha? — sugeriu incerta.
Não era algo que costumasse fazer sempre, não recebia
visitantes além do necessário em suas terras ou talvez nunca.
—Pode ser — Antônio falou — Querendo a receita?
—Ah, por favor, todos sabem que o meu vinho é melhor que
o seu — brincou — Não trate Sofie como se ela fosse sua filha ou
prima Antônio, escute Dylan, ele tem razão quando fala que tem que
agarrar as oportunidades.
—Por que eu faria isso? — Antônio disse — É um milagre vê-
la saindo com um homem.
—Bem ele estava se referindo a nós dois, ficamos dez anos
separados, e tomamos decisões precipitadas no passado, Sofie só
quer uma família — aconselhou sem graça — Por que você não
tenta?
—Ela não entende nada da terra, vive reclamando e
choramingando de tudo — praguejou Antônio olhando para Sofie
com seriedade — E ela é a minha prima.
—Até onde eu sei quando Sofie e o pai dela visitaram o
parque das uvas ela sabia plantar e como semear, foi justamente
por isso que nós brigamos, ela estava querendo mandar num
funcionário meu, o problema dela é que não sabe conversar direito
com as pessoas — esclareceu.
—Gosta de plantar? — Antônio perguntou para garota
parecendo contrariado.
—Às vezes — Sofie disse constrangida — Papai me ensinou
é claro, é meio nojentinho, mas eu gosto.
Amélia riu, Dylan mordeu os lábios querendo rir também.
—Bem, que tal amanhã ao meio-dia? Estou de folga — disse
— Podemos almoçar lá em casa, não prometo muita coisa, mas o
vinho fica por minha conta.
—Ah eu terei o maior prazer de levar o meu—Antônio falou
todo competitivo — Confesso que este é o jantar mais aleatório que
eu poderia ter tido nos últimos anos.
—Eu também. — Amélia confessou.
—Idem — Sofie sorriu —, mas e vocês Dylan, como ficam?
—Se dependesse só de mim, já estaríamos — Dylan falou —,
mas acho que em breve, isso vai mudar certo Mel?
Ela sorriu um pouco constrangida e apenas disse:
—Talvez!
Sobre Dylan

—Quer um café?
Amélia se assustou e se voltou para o diário onde
insessavelmente escrevia sentada em seu canto perto da lareira, ela
pensava que Dylan já tinha ido dormir, depois que eles haviam
chegado cada um havia ido para o seu quarto e estabelecido aquele
silêncio estranho que vinha se seguindo desde que haviam partido
de Palermo, ela havia tomado banho e constatado que a
menstruação acabou, se sentiu aliviada ao notar que o período
passou rápido naquele mês, havia assistido as reprises da novela
sozinha, sem graça, se recusando a se sentir mal porque Dylan não
estava ali, por sentir falta dele sentado ao seu lado na cama ou de
pelo menos alguém para conversar, alguma companhia.
Ela não era daquela forma por aquele motivo se sentia
constantemente corrompida pela ideia de ter ele por perto, a
sensação de traição constante, mas por parte dela.
Mostrou a taça de vinho cheia e o queijo italiano num prato
com a faquinha de sempre, ela estava gostando da companhia de
Dylan, ele era atencioso com ela, gostava também do fato de ter
alguém com quem conversar, ela não conversava sobre a sua vida
com ninguém, às vezes com Leonardo seu compadre, mas se abrir
ainda era uma coisa que ela não fazia bem com ninguém, dividia o
necessário.
Ele se aproximou em meio a semiescuridão do lugar depois
se sentou diante dela, Amélia não olhou demais sentindo um arrepio
quase instantâneo percorrer o corpo, ele estava sem camisa, só de
calça. Ela havia vestido um casaco pesado por cima do pijama.
—Beba, esse é um francês Château De Saint-Martin Cru
Classé Grande Réserve 2017 — disse mostrando a taça, mas
atenta a escrita.
Escreveu sobre seu dia com alguns detalhes, sobre o dia
anterior porque havia se esquecido e inevitavelmente sobre o
pedido de Dylan, sobre a proposta de negócios dele.
—São classificados? — Dylan aceitou e bebericou o vinho
devagar — Muito bom!
—Durante a classificação, temos que nos atentar aos tipos de
uva, safra, a vinícola e é claro a graduação alcoólica, essa
classificação se refere a região e ao método de produção do vinho,
precisamos catalogar após classificar cada um deles, cada país tem
um código de catálogo de acordo com as uvas e a região de cultivo,
esse por exemplo é um rose, se não se atentar a essas informações
básicas o vinho se torna apenas uma grande merda com de merda
e cor de merda.
—Uma merda, senhorita Mel?
Ela sorriu olhando para o diário, descrevendo ali o momento
em que estavam na Praça da Vergonha em Palermo.
—Fica com gosto de garapa, com textura de algo magoado e
doce ou azedo, mais ácido que um tomate passado, vira uma coisa
muito, muito ruim — corrigiu-se ouvindo as risadinhas dele.
—Você é tão entendida, o máximo que entendo sobre
bebidas é diferenciar o gosto da cerveja com malte e sem, na
verdade os efeitos dela, fico bêbado mais rápido que não é puro
malte.
— Aqui na Itália temos quatro tipos de rótulos para os vinhos
Vini da Tavola que são os vinhos de mesa, o IGT que se refere a
região onde foi produzido, DOC que são produzidos em uma parte
determinada do país e DOCG tem um selo exclusivo para cada
garrafa, os meus vinhos tem selo DOCG, Denominazione di Origine
Controllata e Garantita, Denominação de origem controlada e
garantida, por isso são um pouco mais caros.
—O que fazem aos domingos já que é folga do pessoal?
—Têm folgas revesadas nas fábricas, a produção é algo que
não para, muitos funcionários folgam durante a semana, somente
aqui na parte da colheita que eu dispenso eles aos domingos,
colocamos redes coletoras para caso de algum imprevisto, eu
preferia que os funcionários parassem todos os domingos, mas nem
sempre é possível porque trabalhamos na linha de produção, na
plantação de azeitonas nos damos folgas aos domingos também ao
pessoal da colheita e colocamos redes — falou pensativa sobre a
pergunta.
—Você é uma excelente chefe — Dylan comentou — Eu me
sinto péssimo em relação a você, sempre exigi muito dos meus
funcionários.
—Eu exijo muito, mas não acho justo que trabalhem sem
descanso nesse sol e não tenham acesso a um repouso digno, sem
falar que quando acaba a colheita, começa a segunda plantação do
ano, damos um mês de férias coletivas e quando retornamos,
começamos do zero a parte de plantação, as oliveiras produzem
bem somente há dois anos, uma oliveira adulta só começa a
produzir após três anos depois do plantio, antes disso eu reformei a
fábrica, eu produzo vinho o ano inteiro, eu sei como é pegar no
pesado por isso eu tento sempre me colocar no lugar de todos,
alguns são apenas pessoas simples e gente muito humilde como eu
já fui um dia.
—Acho que essa sempre foi a diferença entre nós dois. —
Ele falou com amargura. — Você sempre foi apenas você mesma,
tinha sonhos simples, era humilde apesar do dinheiro, e eu... eu fui
ganancioso e mesquinho, pensava somente nos meus propósitos e
no que eu queria ser.
—Poderia ser o que quisesse ao meu lado Dylan, amaria
você do mesmo jeito. — falou e demorou um pouco para se dar
conta do que disse, se arrependeu, mas já era tarde demais.
—Não entendo porque você sempre toca nesse assunto —
complementou — Fica se culpando, por que você não vai dormir?
Descansar?
—Por que eu ... pensei que poderíamos dormir juntos, como
ontem, o que acha?
—Bem, não seria muito adequado...
—Sabemos que isso em comparação ao que já fizemos na
cama não é nada Mel, é besteira, Estela nem está aqui, somos
adultos!
As bochechas dela ficaram vermelhas.
Seria tanta hipocrisia assim recusar? Pior era saber que ele
estava coberto de razão.
Assentiu e fechou o diário se virando para lareira, até quatro
dias atrás o lugar era vazio, silencioso, tão quieto, agora ele estava
ali, apenas dividindo coisas com ela, pedindo uma chance,
arrependido, sendo apenas o Dylan que ela nunca conheceu antes,
ela não se sentia mal com aquilo, não se sentia mais angustiada
como antes, gostava da companhia dele, sentia como se pudesse
falar sobre tudo com ele, ser apenas ela mesma, contudo deveria ir
devagar.
—Podemos subir?
Ela assentiu e depois levantou levando o diário consigo,
subiram em silêncio, depois quando entraram no quarto ela fechou
as cortinas da janela e da sacada, desligou o despertador, não
queria acordar cedo demais, queria descansar ao máximo, já havia
decidido o que preparar para o almoço para o casal brigão, iria
preparar uma tábua de frios e boas massas, sua grande
especialidade é claro, ao dente com molho branco e champignons.
—Vi que comprou uns livros — Dylan comentou assim que se
enfiaram embaixo das cobertas.
—Leio às vezes quando estou com horas vagas nas fábricas
— abraçou Honney e se deitou de bruços como de costume. —
Você gosta de ler?
—Sim, eu gosto, comprei alguns sobre autoajuda — Ele fez o
mesmo ao se deitar de bruços — Gostava quando ia dormir comigo,
era quente!
Difícil Resistir a Dylan
Ela ficou surpresa, porque sempre tivera essa mesma
impressão a respeito a ele, como se Dylan a aquecesse.
—Adorava dormir em cima de você, era ótimo!
—Sei.
—A grande vantagem de ser seu namorado era o fato de que
você nunca teve frescura e sempre foi muito carinhosa comigo,
gostava do jeito como sempre cuidava de mim, deixava café pronto
e torradas as segundas, e sempre organizava as minhas badernas
no quarto.
—Essa mulher aqui não limpa baderna de ninguém além da
dela hoje em dia, saiba.
Ele sorriu, mas ela era verdadeira.
—Você adorava mexer no meu cabelo e eu sempre dormia
quando fazia aquilo, era relaxante!
—Isso também saiu da minha lista das coisas que eu fazia.
—Saiu? E o que mais? Me tocar? Parece que você tem medo
de mim.
Suspirou.
—Sei que você tem medo, mas isso não vai mudar a forma
como me sinto Mel.
—Eu não consigo mais ser como antes e você fica repetindo
que adorava as coisas que eu fazia.
—Ok.
Ficaram em silêncio por alguns momentos se fitando.
—Eu só quero dizer que eu gostava mesmo da garota que
você era comigo.
—Eu entendo.
—Então por que parece inaceitável que eu me refira a você
sobre como me sentia?
—Porque você me humilhou de todas as piores formas Dylan,
você me ridicularizou e me feriu e não dá para esquecer disso e
fingir que está tudo bem. Você fez e me sentir mal com o meu corpo,
com a minha personalidade e com quem eu era, você destruiu todas
as chances de eu ter um bebê, agora é muito fácil aparecer aqui me
cobrindo de elogios e pedindo perdão, mas e quanto a mim? Aos
meus sentimentos.
Foi como tirar algo ruim de dentro de si, um entalo que estava
formado em sua garganta há um bocado de tempo, Amélia respirou
fundo e estava bem, estava aliviada em dizer aquilo da forma mais
sincera possível, já Dylan não, os olhos dele se encheram de uma
emoção forte, então ele lhe deu as costas na cama e abraçou o
travesseiro se encolhendo, Amélia ficou ali observando-o de costas
para ela, ouvindo o som de um fungado baixinho que se misturava
com a respiração dele, os ombros dele subiam e desciam como se
em algum momento estivesse soluçando.
—Sinto muito por tudo, Mel, tem razão sobre tudo o que
disse.
A voz dele estava profundamente rouca, baixa, ele estava
chorando.
—Não fui recíproco, não te amei o suficiente para encarar
meu pai e nem para assumir os meus sentimentos, eu não merecia
nem metade do que me oferecia.
Amélia respirou fundo e se sentiu mal com a situação,
estendeu a mão, ela tocou os cabelos de Dylan e depois seus dedos
acariciaram o couro cabeludo dele com lentidão e suavidade
sentindo na ponta dos dedos os finos e lisos cabelos dele, não eram
mais tão curtos, se acomodou mais próxima dela lado dele
observando os ombros largos em os músculos braçais,
completamente diferente do rapaz mais magro com quem dividiu a
cama diversas vezes.
Ele se virou ficando de lado, e a encarou ali de muito perto,
os olhos cobertos por lágrimas, avermelhados, o castanho perdido e
pela primeira vez em toda a sua vida ela viu uma redenção extrema
no jeito como Dylan a olhava, arrependimento, dor, tristeza, tantas
coisas.
—Me perdoe, Amélia, só posso te pedir que me perdoe por
tudo, que me dê essa chance.
Estendendo a mão, Dylan tocou sua face, depois passou o
braço envolta da cintura dela e a puxou para junto de si, Amélia se
encolheu passando o braço envolta dele também, não se sentia
culpada por dizer como se sentia, aquilo estava dentro dela
atravessando-a desde que ele chegou, tentou evitar falar sobre o
passado a todo custo, mas Dylan insistia.
Era inevitável que em algum momento não expusesse aquilo.
Não havia um lado bom sobre o passado, nem sobre o que
Dylan havia feito.
Mas havia o agora...
—Case-se comigo querida! — Ele pediu de novo. — Não
aguento mais!
Era doce e tentador.
—Disse que iria esperar eu pensar sobre tudo— retrucou
fitando-o — Espere!
—Posso ter esperanças apesar de tudo?
—Talvez uma.
—Já é um começo.
Estendeu a mão e limpou as faces dele, secou suas lágrimas,
tinha certeza de que não haveria volta se optasse por permitir que
Dylan fizesse parte de sua vida novamente, que talvez aquela fosse
a segunda maior tragédia de sua vida, mas também tinha certeza de
que queria ao menos se dar a chance de tentar.
Ou quem sabe de provar para si mesma que mais uma vez
ele estava errado.
—Não sei se posso aguentar tudo isso.
—Não pode esperar pela minha decisão?
—Não me refiro ao casamento. — Ele tocou a face dela com
cuidado —Quero fazer amor com você, Mel, não percebeu?
—Dylan! Que horror! — exclamou vermelha e o viu sorrir
entre lágrimas — Olha o respeito, sexo só depois do casamento!
—Então temos que nos casar o mais rápido possível. — Ele
falou e a puxou mais para junto de si, mantendo os corpos colados
— Eu deveria ter feito tudo diferente desde que a vi naquele quarto
pulando em cima daquela cama.
—Não precisava lembrar disso, eu sei que eu era ridícula! —
admitiu embaraçada.
—Não era, deveria ter dito a verdade naquele dia, mas quis
que fosse só minha, sabia?
—Sua?
—Sim, só minha, me sentia dividido constantemente sobre
tudo o que estava acontecendo, via em você tanta coisa que eu
queria ter, sua beleza interior e exterior, queria poder ter te levado
para viajar e termos tido a oportunidade de ficar juntos.
—É engraçado, quando se é jovem não pensamos nas
consequências das coisas.
—Isso é verdade, lembra daquela vez no elevador?
Ela sentiu as faces esquentarem ao lembrar daquela tarde e
ficou vermelha feito um tomate.
Em algum momento da vida Amélia tinha sido imprudente e
impulsiva, nada do que lembrasse a mulher responsável que ela era
nos dias atuais, ela e Dylan haviam feito pequenas loucuras em
momentos juntos, naquela tarde em especial haviam transado no
elevador de serviço do prédio dele, em pé, ela não lembrava de um
momento tão excitante, Dylan havia prendido o elevador apertando
o botão de parada de emergência, então apenas um olhar para que
ela começasse a puxar a calça para baixo e dar as costas para ele,
eles haviam desenvolvido sua forma própria de se comunicar com o
olhar, tinham uma boa química na cama depois daquela noite no
apartamento dele, haviam apimentado mais o namoro.
—Já deve ter tido milhares de namoradas bem atraentes —
comentou dispersa.
—Talvez, mas nenhuma delas me excitou como você. — Ele
disse com os olhos fixos nos lábios dela. — Adoro o seu sotaque!
—Adora? — perguntou e tocou a face dele, pela primeira vez
se permitindo aquilo, vendo-o fechar os olhos, beijar-lhe a palma
com carinho.
—Queria muito isso. — Ele sussurrou roçando a face na mão
pequena e beijou a palma de novo. — Eu sou seu Amélia, só seu.
Deveria resistir? Poderia? Queria?
Dele?
Percebeu que não.
Ela não quis resistir, ela também queria aquilo, ela não queria
ter que se arrepender, mas tinha certeza de que não se
arrependeria, ela poderia confiar nele aquela noite, poderia proteger
o coração por agora, mas queria muito aquilo, queria ser tocada por
Dylan, beijada, queria poder pertencer a ele nem que apenas por
algumas horas.
Mais tarde ela poderia se martirizar.
—Não vou te machucar, eu prometo.
—Não é bom em promessas Dylan — Ela o empurrou
gentilmente e se sentou na cama diante dele — Nem eu em não
confiar em você.
Tirou o casaco e depois a blusa do pijama ficando apenas de
sutiã, depois tirou a calça do pijama sem graça e puxou as cobertas
tirando a calcinha de algodão, aconchegou-se a ele e o beijou sem
conseguir criar motivos para fazer ao contrário. Dylan a
correspondeu, a língua explorando a boca dela com pressa, nada
doce, nada gentil, os lábios explorando sua boca com força bruta,
ele a puxou para junto de seu corpo colocando a mão na coxa dela,
fitando-a, ela não entendeu por que parecia impaciente.
—Eu quem deveria despi-la — Ele praguejou e mordiscou o
lábio dela com leveza — E nem pense que vai ficar de sutiã!
—Não? Você não deixa? — questionou olhando no fundo dos
olhos dele. — Sabe que eu nunca me importei com essas coisas.
—Mas eu me importo!
Ele a beijou, agora com paixão, intensidade, ela se perdeu
entre os beijos ferozes dele, a mão se enfiando dentro dos cabelos
dele enquanto a mão de Dylan tocava seu quadril nu, os lábios dele
estavam quentes e úmidos, sentiu arrepios rápidos tomarem seu
corpo quando ele deixou seus lábios e percorreu uma trilha de
beijos pelo pescoço até o colo fazendo com que ela se acomodasse
entre os travesseiros.
Ele era bastante experiente, Dylan havia tido muitas
namoradas com o passar dos anos, enquanto ela, se sentiu um
tanto tímida e travada quando ele abriu o feixo do sutiã, ele retirou a
peça do corpo dela e o jogou para longe, o corpo de Amélia havia
mudado muito, tinha algumas cicatrizes nos locais das cirurgias, de
onde colocou pinos, de onde fraturou o corpo, do local de sua
cesariana, ainda havia dentro dela um bocado de vergonha naquele
sentido.
Estar com Dylan era bom porque já o conhecia, o olhar dele a
analisava em silêncio, mas era familiar, contudo, também era
diferente porque aquele Dylan não era o mesmo com quem dividiu a
cama anos atrás, ela deveria se sentir mais confiante com o corpo,
mas não conseguiu se sentir tão confortável.
—O que foi? — ele perguntou e deu um selinho nela. —
Ainda está menstruada?
—Não, já acabou, é que eu não fico confortável com você me
vendo assim, posso me cobrir?
—Não, como vamos fazer sexo com você coberta?
—Debaixo do cobertor.
—Você acha que eu trepo assim?
Amélia sentiu o sangue subindo às faces.
—Você trepa?
—Trepo.
—Quem é você?
—O Amor da sua vida.
Então Amélia riu a beça com a cantada furada e se ele tinha
o intuito de fazer ela relaxar conseguiu, Dylan a beijou novamente e
depois se ergueu, ele tirou as mãos dela da frente de seu corpo e
observou os seios medianos em silêncio depois segurou os joelhos
dela e os separou fazendo com que ela abrisse as pernas
completamente, a observou também daquele jeito, Amélia queria
poder se enfiar em algum buraco e se esconder.
—É, parece tudo normal por aqui.
—Seu idiota.
Ele sorriu.
—Tentei te seduzir sem camisa, acho que funcionou.
—Você tem péssimas técnicas de sedução.
Dylan se inclinou e segurou seu pé, então começou a beijar
desde a pontinha do seu dedão até suas canelas, os beijinhos eram
leves e quentes, cada beijo causava arrepios bons pelo corpo dela,
ele ergueu o olhar quando chegou na barriga dela e beijou todo o
canto onde havia a cicatriz da gravidez que foi interrompido. Os
olhos dela se encheram de lágrimas e se sentiu bem com aquilo, ela
entendia os gestos de Dylan, ela compreendia que ele levava aquilo
bastante a sério e que queria se redimir, mas que acima de tudo ele
tinha consciência de que foi pai de um bebê, que ele também sofreu
com a perda prematura.
Talvez tenha sofrido tanto quanto ela por ter que lidar com a
culpa do acidente.
Dylan beijou toda a sua barriga, depois sua boca tomou um
dos seios de Amélia e ele a olhou apertando o outro seio com a
mão, ele sugou aquele mamilo e quando soltou apertou com os
lábios a pele rosada, arfou com o prazer que aquilo lhe
proporcionou.
—Você é linda! — disse — Sempre foi!
—Você vai acabar me convencendo — disse sem jeito
observando os braços enormes envolta dela.
O viu se erguer e puxar a calça de pijama para baixo
juntamente com a cueca, arregalou os olhos horrorizada.
—Dylan...
Ela cobriu os olhos com as mãos se sentindo constrangida,
era tolice, já o viu nu muitas vezes, mas antes ele não era daquele
jeito, era menor.
—Não vou machucá-la. — Ele disse deitando-se sobre ela. —
Algum dos seus ex-namorados não tinha intimidade assim com
você?
—Dylan o meu ex-namorado era você — respondeu
envergonhada, mas ainda com as mãos tapando os olhos.
—Como assim eu? — Ele perguntou tirando as mãos dela
dos olhos, fitando-a com total incredulidade.
—Foi você eu disse que não sai com ninguém —respondeu
desviando o olhar para o lado — Não faço isso há mais de dez
anos, eu disse que não havia saído com ninguém, pensei que havia
entendido.
—Querida...
Ele é Meu

Ele fez com que ela o fitasse e a beijou com todo o carinho
do mundo naquele momento, se estava cometendo mais um grande
erro em acreditar naquilo ela sabia, mas sabia que queria viver,
queria aproveitar cada instante e queria poder se permitir ter mais
momentos como aqueles com um homem.
O beijo foi terno, a boca estava úmida e a língua entendia a
dela muito bem, não beijava há muito tempo, mas beijar Dylan era
uma sensação doce e maravilhosa sempre, ele sabia como beijar
ela e como fazer ela gostar daquilo, ele brincou com sua língua e
arrancou um pequeno sorriso de seus lábios.
Ela mordeu o lábio inferior dele e depois lambeu sentindo que
a boca dele tomava sua língua sem pressa para depois aprofundar
no seu de sua boca, as mãos dela se ergueram e ela tocou os
braços dele, apertou cada músculo e aquilo despertou nela um
desejo desenfreado por mais.
Queria tocar mais, beijar mais, sentir mais.
Há anos não sabia o que era estar com um homem, não era
diferente do que haviam tido, mas também era porque ele era mais
experiente e estava mais preocupado com seu bem-estar, ele a
cobria de uma atenção que antes não dava, ele sorria enquanto se
beijavam ele realmente queria estar ali com Amélia por ela, para ela.
Amélia se sentiu um tanto tensa quando ele separou suas as
pernas de novo e se inclinou, a penetrou-a devagar, não foi muito
agradável e doeu um pouco, mas ela apenas tentou relaxar,
colocando os braços envolta dos ombros dele, recebendo-o
lentamente.
—Abra mais sim? — Ele pediu entre o beijo. — Abra mais
para mim meu amor!
Obedecendo dobrou os joelhos enquanto ficava
completamente aberta para ele, Dylan se ergueu apoiando as mãos
dos lados dela e então investindo completamente, penetrando-a
mais uma vez e preenchendo-a totalmente, ela deixou que um
gemido de dor saísse e seu corpo subiu sendo totalmente tomado
pelo dele.
—Calma, meu amor.
—Ok.
Ele tocou sua face e ficou parado, afastou os cabelos dela
para longe de suas faces e a fitou, Amélia tentou se acomodar, ele
puxou sua perna e beijou o joelho dela se inclinando para o lado, os
lábios com um sorriso satisfeito.
—Tudo bem até aqui, amor?
—Sim.
—Se doer podemos parar, ok?
—Está bem.
Talvez ele estivesse sendo mais cuidadoso até do que na
primeira vez deles, ela sabia que sim, apesar do incomodo pela
penetração, sentiu como se um alívio imenso tomasse seu corpo
alguns instantes depois a tensão foi embora conforme ele começou
a se mover de encontro a ela, se beijavam, tocou as costas dele e
seu pé foi escalando a panturrilha de Dylan enquanto ele se movia
no vai e vem lento.
Sorriu quando ele segurou-lhe o quadril e a estimulou a se
mover com ele e aos poucos se entregou aos movimentos lentos,
ela conseguia ver a união gloriosa que ambos os corpos
compartilhavam agora, claramente, diante dos olhos o corpo nu e
musculoso investindo dentro dela, enquanto dentro dela, algo ficava
quente e viscoso, ela sabia que ele despertava os desejos mais
secretos, ficava excitada facilmente com Dylan e adorava aquela
química que ambos possuíam quando estavam juntos numa cama.
Dylan a puxou pelos quadris e rolaram na cama, deu uma
risada alta toda arfante, ele a deixou por cima e tocou seus seios,
seus quadris, ele a segurou pela cintura e a moveu em cima dele,
aquilo nunca haviam feito antes, se sentiu tomada por sensações
intensas de poder enquanto dava prazer para ele daquela forma.
Dentro dela nunca se sentiu tão empoderada quanto naquele
momento.
Tinha o controle da situação, do prazer que compartilhava
com ele, seus quadris se moviam rápido de forma involuntária, o
instinto falava mais alto, Dylan tocou suas coxas enquanto a
penetração se tornava mais intensa e forte, ele estendeu a mão e
tocou seus lábios, sua face, seu pescoço, ela se apoiou em seu
peito e rebolou em cima dele mais rápido.
Ele se ergueu e puxou as pernas dela, então começou a
meter bem fundo dentro de Amélia, ela o enlaçou pelo pescoço, sua
umidade a fazia pular em cima dele com facilidade, os lábios se
encontravam e emitiam gemidos altos que ela não conseguia
entender, sons e grunhidos, alguns palavrões, a quentura dela dava
um prazer inestimável para Dylan e ele dava para ela metidas
intensas de puro prazer.
A quentura no meio das pernas aumentava conforme sentia
as metidas firmes dentro dela, fechou os olhos sentindo que aos
poucos apenas cedia, e cedia com Dylan, rompendo qualquer
dúvida que pudesse ter em relação a aquilo, ela o beijou enquanto
ele a empurrava na cama e afundava dentro dela com intensidade,
em sua forma animalesca de ser, ela o recebia do mesmo jeito, as
pernas abertas e o corpo implorando por mais.
Em dado momento apertou os olhos porque pareceu
insuportável demais lidar com o prazer que sua sensibilidade vaginal
proporcionava, ela sentiu uma vibração intensa vindo do clítoris e
estremeceu dos pés a cabeça recebendo o orgasmo forte.
Ele a segurou e esperou que o primeiro orgasmo passasse,
enfiado nela, sentindo sua vibração, sua cavidade úmida, a carne
feminina revestindo-o com os reflexos do corpo dela, então voltou a
se mover e ela sentiu novamente que entrava em uma nova onda de
prazer intenso.
Não demorou muito, mais uma vez enquanto ele a penetrava
com rapidez, Amélia começou a gozar, ele se inclinou e beijou-lhe
os seios, ele a fitou e a soltou na cama, gozou também, a
acompanhou, Amélia tremia de forma descontrolada, ele gozou mais
uma vez se masturbando diante de seus olhos, na barriga dela, ela
sorriu e tentou respirar fundo, totalmente suada e arfante, Dylan se
inclinou e a beijou parecendo um bicho apressado e afoito.
—Preciso limpar isso, espere um momento.
—Aham.
Ela mal conseguia pensar em se mover, Dylan saiu da cama
e foi até o banheiro, retornou com papel higiênico, cuidadosamente
ele pegou algumas folhas e limpou a barriga dela, todo o local,
depois foi ao banheiro e ela ouviu o som da torneira, instantes
depois ele retornou e se deitou em cima dela, a beijou novamente
agora com muito carinho, sem pressa.
—Te amo querida.
Amélia sorriu e o beijou de novo abraçando-o pelo pescoço,
adorando o calor que o corpo suado proporcionava ao dela, as
pernas agarradas a cintura dele, antes nunca havia feito sexo
daquela forma, mas adorou, ele a abraçou com carinho enfiando a
mão nos cabelos dela, talvez houvesse se esquecido do quanto era
ótimo ficar com ele, beijá-lo, ser tocada por Dylan.
Tinha esquecido como era bom estar com ele, eles nunca
haviam compartilhado momentos assim antes, claro que se
beijavam e trocavam alguns toques em público, mas ela quem
sempre foi a mais carinhosa, agora era o contrário, ele quem estava
sendo carinhoso com ela, e ela preferiu assim, ainda era cedo,
queria esperar para ver como ele lidaria com tudo.
Ainda tinha seu tempo para pensar, ela queria pensar muito
bem antes de qualquer coisa, mas primeiro queria se certificar de
fato que ele não a machucaria como fez no passado, que ele era
apenas ele mesmo e que estava ali pelos próprios motivos, sem
influência de ninguém, que tomava decisões por si próprio.
—Você é linda doçura, fiquei muito enciumado quando
Antônio a abraçou — Dylan comentou observando-a— Se
identificam muito e fiquei morrendo de ciúmes por isso.
—Antônio e eu somos concorrentes, é a mesma coisa se
você e Petter se sentarem para conversar — disse recostada ao
peito quente.
—Eu fico feliz em saber disso — falou acariciando a nuca
dela com carinho — Quero te provar que sou merecedor do seu
amor.
—Espero que sim — beijou-lhe o peito — Espero que sim,
senhor Wilson!
Amo Dylan
Ela acordou primeiro, ainda era cedo, mas não quis acordar
Dylan logo de cara, naquela manhã ela despertou e estava em cima
dele, Amélia sorriu e silenciosamente escorregou para fora da cama,
depois apanhou um dos casacos e o vestiu observando o belo
moreno que dormia em cama, seria maravilhoso poder continuar ali
deitada com ele, mas já era 07:17, e precisava começar a preparar
o almoço para chegada de Mancha, e o café naturalmente para
ambos.
Preparou café novinho no pano e passou para térmica, fez
ovos mexidos com torradas e espremeu algumas laranjas, Dylan
talvez ainda gostasse de pão com queijo derretido, então ela
colocou dois no Grill, queria que ele comesse os mistos bem
quentes.
Estava tentando se entender com o processador quando
sentiu os braços enormes envolverem-na num forte abraço, ela
sorriu e fechou a tampa do processador com as uvas frescas dentro,
depois o ligou vendo as uvas rapidamente virarem um suco escuro e
grosso no coletor da máquina.
—Bom dia! — Ele disse baixinho logo que ela desligou o
processador.
—Bom dia — respondeu e olhou para cima — Sente-se,
pensei que ia dormir mais.
—Como? Sem o meu cobertor longe de mim? — Ele a beijou
de leve — Preparou um banquete para mim, meu amor?
—Tem que se alimentar bem — sorriu sem graça — Ainda
gosta de mistos?
—Claro que sim — afirmou virando-a para si beijando-a com
carinho.
Amélia o correspondeu colocando os braços envolta do
pescoço dele, ficando na pontinha dos pés para fazê-lo, Dylan a
puxou pelas pernas fazendo com que ficasse pendurada nele,
depois enfiou as mãos dentro do casaco tocando as coxas com
força.
—Dylan ...
—Quero agora sim?
—Mas e...
—Te quero agora!
Ela tirou o casaco rápido depois se ergueu enlaçando-o pelos
quadris com as pernas, Dylan se colocou entre suas pernas e
Amélia abaixou os quadris sobre a rigidez latente, ele estava nu,
agora ela também estava e aquilo a fez rir, não se importava
nenhum pouco com aquilo.
O prazer da excitação começou a tomá-la rapidamente
quando os lábios dele começaram a traçar beijos úmidos até os
seios dela, ele entrou bem devagar dentro dela, se movia sem
pressa, ela apoiou as mãos na pedra da cozinha permitindo que ele
a invadisse com mais intensidade.
A boca dele encontrou a dela e ele começou a investir
daquela forma dentro dela, os seios de Amélia pulavam a cada
metida, ela apertou os olhos tentando se segurar na pedra, parecia
difícil tentar se equilibrar enquanto as metidas se tornavam mais e
mais fortes.
—Vamos amor, aguenta metida na buceta.
—Ah! — gemeu alto e depois apertou os lábios entre os
dentes, horrorizada.
—Isso.
Ele riu e começou a meter mais rápido, com força, Amélia o
fitou e estremeceu olhando para cima logo em seguida, o corpo
pulando com o jeito que ele a penetrava, os lábios vermelhos de
tanto ela pressionar entre os dentes, se contorceu querendo se
mover com ele, os quadris se movendo rapidinho.
—Fode comigo, amor. — Ele pediu segurando os quadris
dela com firmeza —Mete comigo do jeito que me deixa louco.
—Com força. — implorou — Por favor.
—Você me completa Mel.
Não haviam beijos, nem carícias, apenas quadris latentes,
incansáveis, gritos, gemidos, sem pudor algum, pareciam dois
selvagens atracados na cozinha, ele investindo com força em
movimentos forte, ela deslizando completamente úmida, ambos
desfrutando de todo o prazer que poderiam oferecer um ao outro, a
firmeza dele a espantava e a encantava ao mesmo tempo, não a
machucava mais, pelo contrário, e excitava mais e mais, senti-lo
dentro dela era maravilhoso, potente e pulsante, sempre fazia com
que ela desejasse mais e mais.
Faziam barulho com força dos movimentos, mas ele não se
importou, certa hora desnorteada e louca se tocou adorando o
frenesi que se espalhava por seu corpo a invadiu com força
animalesca como se punisse de alguma forma, Dylan dava metida
dentro dela que fazia com que ela perdesse por alguns momentos
os sentidos, o orgasmo veio com intensidade e ele a segurou, mas
não parou.
Aquela ponta imensa de prazer era tão forte e foi quase como
um reflexo automático de seu corpo receber o orgasmo múltiplo, não
era algo que entendesse tão fácil, mas ela o recebeu em seu corpo
feito um raio que caia em algum lugar do mundo, voraz e intenso.
—Isso amor— Ele riu puxando-a para junto de si, abraçando-
a com força.
Ela o agarrou pelos ombros e tremeu entre seus braços, os
olhos cobertos por camadas finas de lágrimas, tamanha intensidade
nunca foi experimentada por ela, Dylan a segurou pelos lados da
cabeça e voltou a meter dentro dela rígido e quente, Amélia fez um
bico e seus pés se contorceram, ela comtemplou as irises castanhas
oscilando devido ao prazer, ele a beijou e a colocou sob a pedra.
—Se apoie nos joelhos e fique de costas para mim, abra as
pernas!
—Dylan, o que pensa que está fazendo?
—Faça isso!
Ela obedeceu e de um jeito desengonçado se apoiou nos
joelhos, ela se endireitou colocando aa bunda para fora da pedra,
abriu as pernas, Dylan se aproximou segurando-a pelas ancas e a
penetrou com força bruta, ela gritou um pouco alto e se segurou na
janela da cozinha, ele estendeu a mão para a frente de seu corpo e
começou a masturbar Amélia.
A tocou em seguida deixando-a sem reação diante daquilo,
ele beijou suas costas e a deixou mais excitada, ela se sentiu única,
poderosa, ela nunca se sentiu assim na vida, tão confiante, ele fazia
com que ela se sentisse assim, como se ela pudesse ser dona de
qualquer coisa ou fazer qualquer coisa.
Percebeu logo que aquela não era apenas uma entrega
física, não poderia ser apenas físico, ele passou a se mover mais
devagar, a provocá-la com os dedos, a beijar seu ombro com
carinho, fazendo com que ela relaxasse mais, ela fechou os olhos
se entregando a Dylan não apenas de corpo.
Constatar aquilo a deixou por momentos tensa e
maravilhada.
Ele deu a ela mais momentos de puro prazer torturante,
repletos de espasmos dentro dela, ambos alcançaram o clímax
juntos, algo tão forte e perfeito que parecia inevitável, ainda ali ela
teve certeza que não era somente pelo sexo que se sentia sair do
chão, ela ainda o amava, amava Dylan acima de qualquer dúvida,
magoa, dor, o amor que sentia por ele a completava de tal forma
que a única coisa que fez foi chorar, não era só pelo prazer que a
atingia em cheio causando soluços em sua garganta, era por que
estava completamente apaixonada por Dylan , de novo amando
aquele homem.
Momentos quentes decisões difíceis
Ele a virou para si, os olhos castanhos estavam cobertos de
lágrimas também, viu uma lágrima cair na face dele depois, outra e
mais outra, e aos poucos as lágrimas caiam abertamente das faces
endurecidas, das dela também, estavam chorando juntos. Ela tocou
a face úmida, e o beijou de leve.
Como havia deixado aquilo acontecer?
—Eu te amo tanto. — Ele disse com a voz abafada, falhando
devido ao choro. — Mesmo que não me ame, eu a amo Amélia, me
perdoe.
Ela o beijou pulando em cima dele, abraçando-o com força,
tendo certeza naquele momento de que o passado já não importava
em nenhum sentido, de que seu coração pertencia a ele, de que não
queria mais viver nas sombras da dor, que queria apenas que Dylan
ficasse ao seu lado, ela o amava, ainda mais que antes, e ele
estava ali, chorando, falando aquilo para ela, pedindo perdão.
—Sei que queria que as coisas fossem diferentes, eu
também queria ter agido diferente, mas eu não fiz isso e não sei se
posso conviver com as suas negativas. — Dylan disse entre
lágrimas.
—Chega disso Dylan, já disse para parar — ela limpou as
faces — Não quero falar disso ok? Podemos comer em paz e
planejar as coisas para fábrica?
—Tudo bem. — Ele assentiu encostando a testa na dela. —
Tudo será diferente agora Mel, eu juro!
—Eu sei que sim, agora suba e vista algo, Estela pode até
não estar aqui, mas nunca se sabe — aconselhou e o abraçou com
carinho — Traga a minha calça de pijama.
—Está bem. — Ele sorriu. — Sua mandona!
Dylan saiu da cozinha pelado e voltou vestido, Amélia
colocou o casaco depois a calça de pijama, depois eles tomaram
café na cozinha mesmo, se sentiu uma mimada quando ele a puxou
para o colo dele e a alimentou enquanto ele falava sobre planos
futuros, ele explicou sobre o investimento e que só precisava que
ela pedisse que redigissem um contrato para que ambos
assinassem.
Sabia que quanto mais rápido começassem melhor então ela
mesma entraria em contato com Janice no dia seguinte para pedir
que contactasse o advogado da fábrica, iria pedir também que
anunciassem sobre as contratações e pediria a Leonardo que
cuidasse do restante quanto as questões de separação de pessoal e
seleção de funcionários.
Após o café tomaram banho juntos e mais uma vez, Amélia
experimentou a maravilhosa sensação de sentir os abraços fortes
de Dylan, o carinho dele, seus toques, ficaram por minutos
preciosos debaixo do chuveiro abraçados. Momentos depois saíram
do chuveiro, colocou um vestido mais leve já que o dia estava mais
quente, era um de malha fria de alcinha cor de rosa, ele entrou no
closet momentos depois já de jeans e camiseta polo, ficou olhando
ela de cima abaixo daquele jeito que ela já estava começando a
identificar como olhar de profundo desejo.
—Nem pense nisso — apontou um pouco constrangida. —
Temos que preparar o almoço.
—Está linda meu amor.
—Obrigada — disse tocando o colar no pescoço.
—Te amo — beijou-a lentamente.
Ela o abraçou sentindo a firmeza do corpo de encontro ao
dela como uma rocha, enfiou as mãos dentro da camisa tocando as
costas largas e fortes, depois o peito com poucos pelos e o
abdômen definido.
—Você está bem? — Ele perguntou baixinho.
—Claro que eu estou, só me certificando de que é bem real
— afirmou e ouviu uma risadinha baixa dele — Você vai me fazer a
salada?
—Claro que sim. — respondeu — Tem certeza de que está
bem?
—Sim, por que a pergunta?
—Não estamos transando com camisinha, podemos fazer
exames de sangue o mais rápido possível.
—Sim.
—Eu sei que fui meio agressivo agora a pouco na cozinha,
tem certeza de que está bem?
—Sim, estou ótima.
—Não quero que se sinta forçada a nada Mel.
—Não me sinto, gosto da intimidade que dividimos, eu não
tenho jeito com essas coisas, nem experiência.
—Eu discordo, mas não quero ser só o seu amante —
afirmou mais sério.
Ela entendia o significado de cada uma daquelas palavras.
—Não podemos ser namorados?
—Não.
—E morar juntos?
—Amélia eu quero me casar com você.
—Eu entendi essa parte, mas é rápido.
—Fiquei muito tempo longe, não quero te perder de novo, sei
que precisa do seu tempo, mas as pessoas vão começar a falar e
eu não quero estragar sua reputação, sei que aqui são muito
conservadores.
Era verdade.
—Ao menos seja minha noiva.
—E namorada não?
—Achei que já estivéssemos juntos, amor.
Ela suspirou.
—Tenho saída além de aceitar?
—Não.
—E se eu não estiver pronta para que seja algo além de
sexo?
—Sei que está, sei que tem medo também e isso te assusta,
mas é melhor ao menos que tenhamos compromisso.
—Está bem.
—Está? — os olhos de Dylan reluziam de tanta felicidade.
Ela não acreditava que estava fazendo aquilo, mas merda,
queria fazer.
—Quando estiver com o padre e o juiz de paz pronto, me
avise!
Dizendo isso, saiu closet, ciente de que talvez se
arrependesse da decisão e aquele seria o preço por confiar em
Dylan novamente.
Aceitando o pedido
Desceu rápido e foi para cozinha, mal chegou lá ouviu os
passos ligeiros vindos em sua direção, ele a ergueu nos braços e
rodopiou com ela no lugar, Amélia riu agarrada ao pescoço dele,
Dylan estava tão feliz, tão radiante, um Dylan nunca conheceu na
vida.
—Juro que vou fazer tudo certo. — Ele falou colocando-a no
chão.
—Acredito em você.
—Eu prometo que tudo será diferente. — Ele sorriu tocando-
lhe a face com as mãos. — Vou providenciar tudo o mais rápido
possível, faremos uma grande festa aqui com os amigos, quero que
tenha direito a tudo meu amor, quero que seja a noiva mais linda.
—Está bem!
Ouvir aquilo de Dylan era muito importante porque estava
disposta a dar um voto de confiança para ele, dentro dela tentava se
controlar, explodia de felicidade, mas não queria se sentir tão bem
com aquilo, ela sabia que se em algum momento não desse certo
daquela vez estaria preparada.
Poderiam ser felizes, poderiam ter um lar, teriam um ao outro
e aquilo já bastaria, ele havia dito, ele disse que a amava tantas
vezes, ele havia pedido perdão, estava arrependido, ela precisava
conviver com ele para saber de fato que ele havia mudado, ela iria
se casar com ele, seria o melhor, assim poderia resolver as
diferenças e esquecer o maldito passado que os cercava, poderiam
ser felizes com apenas o presente, com noites de amor e jantares
no centro aos domingos, passeios pela Sicília e algumas noites com
novelas.
Dylan a ajudou a preparar o almoço e fez a tão esperada
salada que ele havia prometido, percebeu também um lado mais
companheiro dele, ele queria ajudá-la em tudo, conversaram sobre
vinhos, uvas, safras, ele sempre muito carinhoso, amigo, bom
ouvinte.
Às vezes sentia como se pudesse ler sua mente, a olhava
com uma malícia de tirar o fôlego, ela se sentia envergonhada e se
voltava para comida no fogão, percebeu então, que ele a conhecia
bem, ele sabia mais sobre ela do que ela supôs, teria ele se
apaixonado antes por ela para lembrar até mesmo dos pequenos
detalhes do namoro deles? Ele havia descrito com perfeição
momentos deles, aquilo deveria significar certamente que sentiu
algo por ela desde o começo.
Antônio e Sofie chegaram ao meio-dia, Antônio trouxe uma
caixa com seus melhores vinhos dando uma de esperto, mas Amélia
não havia sido boba, ela deixou um caixote bem mais decorativo
com o emblema do Parque das Uvas na sala e o exibiu como um
troféu para o concorrente logo que ele entregou sua caixinha de
papelão para Dylan.
—Como sempre querendo passar na minha cara — Antônio
praguejou vendo todos rirem — Não trouxe mais porque Sofie ficou
me apressando.
—Isso é porque você é muito preguiçoso — Sofie apontou
abraçando-o — Vamos nos casar!
—Ah que bom! — Amélia disse feliz pelo casal e foi
cumprimentar Sofie observando o enorme diamante em seu dedo.
— Nossa que lindo!
—Elas vão começar — Dylan disse mostrando o bar para
Antônio —Vamos variar hoje, que tal um conhaque?
—Chega de vinho — concordou Antônio bem-humorado.
Sofie não era em tudo desagradável, ela chegou logo a
conclusão que a garota era apenas infeliz enquanto falava do pai
que assim como o seu próprio nunca teve tempo para ela, e da mãe
que divorciada do pai se casou de novo e imaginem só, aos
quarenta e cinco anos estava grávida do segundo filho, Sofie era
filha única, pelo menos até agora, não seria mais, por parte de mãe,
parecia irritada com a notícia, mas radiante com o noivado, ambas
foram dar uma volta juntas pela vinícola do lugar, onde alguns
poucos funcionários trabalhavam, aos domingos trabalhavam só até
as três e eram apenas cinquenta, ela preferia assim, mas
revezavam sempre, e ela pagava como hora extra.
—Você e o senhor Wilson...
—Vamos nos casar — disse vendo Sofie radiante — Antônio
é como eu, percebi isso ontem, somos muito dedicados a nossos
negócios, deve imaginar que muitas vezes não somos afetuosos,
mas se quer um conselho, tente andar do lado dele, não atrás dele,
seria bom que ele visse que você é diferente e respeitasse esse seu
lado seu.
—É verdade, eu escolhi mais a profissão de modelo porque
mamãe sempre me controlou muito — Sofie confessou — Antônio
sempre fala de você como uma mulher bela e de fibra, eu odeio
isso, mas ele a detesta por isso também.
—É recíproco — elas riram — Antônio é um bom homem, um
ótimo competidor no mercado, mas acho que ele é igual ao meu pai,
pensa que tem dezessete anos e quer viver vadiando, eu sempre o
vejo nos tabloides com namoradas diferentes.
—Soube algo... ontem quando chegamos em casa, brigamos
feio, eu disse para ele que estava disposta a ficar, eu amo Antônio,
mas ele é muito difícil às vezes, não demonstra sentimentos e é
muito seco — Sofie confessou chateada — Estamos juntos a cinco
meses, nem era para eu estar com ele, vim a Sicília a visita de
papai, mas sabe o que aconteceu? Ele me expulsou de casa,
porque a nova amante dele não me queria lá, Antônio por acaso
estava de visitas na casa de papai e me viu sendo expulsa, na
época ele estava namorando uma atriz, aquela mulherzinha me
olhou com uma cara... como eu a odeio!
—É daí? — Ela nunca teve amigas para fofocar, adorava
aquele tipo de casinho.
Diferentes
—Eu fiquei hospedada duas semanas na casa dele como a
pirralha filha do amigo agricultor, durante essas duas semanas ele
me esnobou, me tratou como uma criança e me humilhou, e eu
estava sem um tostão, por que o banco prendeu o meu dinheiro, tive
problemas numa viagem a Paris e devido a uma compra grande que
fiz para uma amiga grávida, o cartão foi bloqueado — Sofie disse —
Ela estava sem nada do enxoval, comprei tudo e comprei um
apartamento para ela na França, ela é muito humilde, na verdade
era moradora de rua, eu a conheci numa noite quando sai de uma
festa, me senti penalizada, ela não tinha onde ficar, contratei uma
governanta e comprei tudo, ela não quer a criança, acho que vou
ficar com a menina para mim.
—Foi muito nobre da sua parte — comentou pegando uma
penca de uva e dividindo com Sofie — E depois?
—Estava sem dinheiro no país, mamãe em lua de Amélia e
papai com a cobra dentro de casa, tive que me conformar até o
banco me liberar, sabe a burocracia, então do nada Antônio
terminou com a cobra da Bianca — Sofie disse com raiva e comeu
uma uva. — Ele me tratava como se eu fosse um lixo, me culpava
pelo termino do namoro de dois meses dele, por que uma vez
Bianca veio me ameaçar e eu não aceitei, ela falou que eu estava
me aproveitando da generosidade de Antônio, que eu queria tomá-lo
dela, nesse dia foi a gota, peguei a mala e decidi ir embora, então
Antônio apareceu me proibindo de ir, eu disse que não ficaria e que
não era obrigada, mas ele falou que se sentia na obrigação de
cuidar de mim, que eu era só uma menina mimada e impertinente
na casa dele.
—Puta merda — falou vendo a moça gargalha e se puniu —
Desculpe.
—Antônio também é um boca suja — admitiu — Enfim,
quando eu me recusei a ficar, falei tudo o que achava dele na cara
dele, prepotente, cínico, grosso e mal educado, sem falar sarcástico,
o demônio em pessoa, isso foi só o começo, sabe, eu já tenho vinte
e cinco anos, sei me cuidar desde os treze quando comecei a
desfilar, eu não sou uma criança, mas ele já tem trinta e sete e se
acha por isso, então, eu fui embora da Santa Helena, e decidi que
daria um jeito de partir, quando eu cheguei na rodoviária, o os meus
pés estavam destruídos, e eu já estava passando mal, Antônio já
me esperava lá, na maior cara de pau.
—Ele é mesmo muito convencido. — Ela riu se deliciando
com mais uma uva.
—Ele me pegou pelo braço e me arrastou de volta para Santa
Helena, vagabundo, eu odeio quando ele quer mandar em mim —
praguejou — Depois disso, vivia passando na minha cara o termino
com Bianca, fazia questão de falar que eu era mimadinha e metida
só pela minha profissão, ele me obrigou a trabalhar como cozinheira
na casa dele por cinco dias, até que o banco liberou o meu dinheiro,
só que... só que nós dois querendo ou não nos envolvemos, afinal
eu fiquei quase um mês na casa dele, ficamos juntos na noite de
natal, foi ótimo... É ótimo, ele nunca fala de sentimentos, mas sei
que o amo, é um grosso, mas um bom homem, quero formar uma
família, ter filhos, um lar, só que ele não quer, ontem depois que
brigamos eu soube o que realmente o motivou a terminar com
Bianca, ela tirou o bebê que esperava deles.
—Oh meu Deus! — exclamou horrorizada — Sério?
—Estava grávida de um mês e meio a vadia — disse ela
magoada — Antônio não quer viver o mesmo também porque ele
teve uma namorada na adolescência que o trocou por um cara rico
e na época ele era só um rapaz pobre que vivia aqui nas plantações
locais de uva para ter comida, o pai dele é irmão do meu pai,
descobrimos isso há pouco tempo, e se ele já não queria se casar
antes ficou com mais receio ainda.
—Não sabiam disso?
—Não, porque eles não se falam a mais de quarenta anos, e
são irmãos só por parte de pai, parece que a nossa avó que já
morreu, traiu o vovô Nikolls com um outro homem, o pai de Antônio
é fruto desse caso, descobrimos depois que fomos para casa à
noite, eu fiz as malas e disse que iria embora, mas ele não deixou,
disse que noivaríamos, mas que seria apenas para que eu esfriasse
a cabeça.
—Acho que ele te ama, mas tem que ter paciência.
—Mais? Falo sempre que o amo, sou uma boa companhia,
gostamos das mesmas coisas, jogamos xadrez e lemos livros
parecidos a noite, sou muito carinhosa e esse é o problema, eu
quero carinho — Sofie sorriu triste — Quero que o Antônio me veja
como a esposa dele não como uma menina.
— Sofie, então tem que ser mais madura e saber esperar—
aconselhou sabiamente, como se visse em parte a história dela e
Dylan no mesmo casal, só que ela como Antônio e Dylan como
Sofie — Não pode querer forçá-lo a isso, se ele a pediu em noivado
não é por que quer que fique, é por que ele a ama, Antônio nunca
noivou nenhuma antes, seja paciente, espere, se ele não mudar em
alguns meses, então siga a sua vida, é linda, jovem, magérrima, vai
ter muitos homens aos seus pés.
—Nunca pensei que encontraria em você uma amiga — Sofie
a abraçou calorosamente —Obrigada pelos conselhos, ainda mais
depois da forma como me portei com seu funcionário, ele ainda está
por aqui?
—Sim, vamos, quero te mostrar minhas terras, mas se eu
fosse você, tiraria esses sapatos para começar!
Amiga?
Sofie obedeceu, e elas caminharam pela extensa propriedade
falando sobre filhos, casamento e coincidentemente novelas, Sofie
assistia a mesma que ela todas as noites, discutiram sobre os
capítulos da trama, e ela viu na moça uma verdadeira confidente,
ela falou muito sobre o relacionamento com Mancha e sobre a
infância com os pais divorciados.
Sofie lembrava em muito Dylan, principalmente na parte que
se referia a ser Sofie influenciada pela mãe, ela se sentiu penalizada
por Sofie se referir a mãe como sempre empresária e chefe, e
lembrou que com Dylan, Wilson sempre parecera assim, mais chefe
que pai.
Voltaram para casa e encontraram os dois homens falando
sobre futebol, elas foram para cozinha e meia hora depois que
colocaram a mesa juntas, Amélia anunciou o almoço, abriram um
dos vinhos tintos de Antônio para ela e Dylan, e um dos seus
brancos para as visitas, brindaram e como sempre Antônio e ela
trocaram farpas sobre o sabor e consistência da bebida, mas no
final acabaram rindo de tudo.
Mancha era um bom entendedor de vinhos, ela sabia, mas
não queria falar sobre negócios, naquele dia queria apenas relaxar,
nunca recebia visitas diferentes das afilhadas de dos compadres,
era ótimo ter amigos de fora visitando, comendo, falando, ela
percebeu, ainda mais na companhia de Dylan, que sempre era
muito atencioso com ela.
—Está mesmo apaixonado por ela — Antônio comentou
quando encerraram o almoço, e Amélia serviu um excelente sorvete
de hortelã com cascas de limão em calda.
—É Claro, ela é a minha mulher, nos casaremos em breve —
Dylan disse timidamente. — E vocês?
—Em breve — Antônio rebateu para surpresa de Sofie — O
que? Não queria se casar?
—Bem, eu quero, mas estou disposta a esperar o tempo que
achar necessário é claro — Sofie disse muito calma.
—O que você falou para minha mulher Costa? — perguntou
Antônio bem-humorado.
—Eu? Eu não falei nada, eu a odeio assim como odeio você
e o seu péssimo gosto por vinhos secos — justificou ela meio cínica,
mesmo assim todos riram — Estou falando sério.
—Todos sabem que os secos são os melhores cara mia —
Antônio disse —Andei falando com o seu noivo, disse que vai
investir na sua fábrica, bem, eu andei pensando numa proposta, já
falei com Wilson sobre isso enquanto vocês estavam andando, eu
estou me aposentando!
—Como? — berraram Sofie e Amélia juntas, os homens
riram.
—Vou vender tudo, é claro que a Santa Helena é uma grande
conquista, mas estou bem cansado — admitiu ele pensativo —
Dylan já me deu um lance.
—Mas... mas... Antônio já está no ramo a mais de vinte anos,
deu o seu sangue pelas terras — Sofie falou exasperada — Não
pode vender, Dylan retire o lance sim? Está falindo? Eu ajudo a
pagar, mas não vai fechar as portas.
Antônio pareceu incrédulo com a revelação da moça, é claro,
durão como sempre não disse nada, mas Amélia percebeu que ele
amava Sofie, ao seu jeito, mas amava, olhou para Dylan
percebendo divertimento nos olhos castanhos, então ela percebeu a
grande sacada.
—Seu filho de uma... Sofie é mentira, estão só brincando —
Acusou Amélia irritada.
Antônio e Dylan caíram na risada dando os pontos, Sofie se
levantou e entre soluços bateu em Antônio com o guardanapo de
papel, depois Antônio a puxou para o colo e a abraçou falando
palavras de conforto em italiano.
—Acho que teremos um casamento duplo então, até nisso
me inveja Costa? — Antônio perguntou apertando a noiva chorosa.
—Não faça mais isso comigo Antônio, não faça — Sofie
pediu entre soluços — Não vai vender a Santa Helena nunca, ela é
a melhor vinícola do mundo... desculpe Mel, mas os secos são os
melhores!
Todos riram, Amélia então foi preparar um café para todos,
depois da sobremesa, saborearam a bebida quente e forte na
varanda, bem sentados nos sofás do lugar, apreciando a bela vista
das videiras carregadas e cobertas por redes, já não havia
funcionários colhendo, apenas o silêncio que se ouvia todos os
domingos, mas daquela vez, Amélia não estava só, estava com
Dylan, e com amigos, ela se sentiu extremamente confortada com
aquilo.
—Para quando vão arrumar o casamento? — Antônio
quebrou o silêncio.
—O mais rápido possível — Dylan disse — Conhece o padre
local?
—Somos muito amigos—Antônio deu de ombros—Wilson,
vamos dar uma volta pela propriedade, quero que me fale o segredo
do vinho da sua noiva.
—Não conte com isso, mas quero que me explique algumas
coisas sobre a plantação— Dylan se ergueu seguindo Antônio —
Vão ficar para o jantar?
—Claro, eu não perco uma boa oportunidade de beber às
custas de Amélia nunca, já disse que os secos dela são os piores...
Amélia viu os dois homens se afastarem até a plantação
conversando calorosamente com suas canecas de café e olhou para
Sofie, ambas riram e depois ela começou a se perguntar, afinal, por
que nunca fizera amigos antes.
Medo
O sol penetrou o quarto lentamente invadindo todo o lugar
através das cortinas abertas, ela se moveu devagar virando o rosto
para o lado, conhecia aquele sol de seis da manhã, o dia não seria
tão amistoso, mas não quis se mover, estava ótimo estar entre os
braços de Dylan, os braços dele envolvendo-a, o corpo dele
esquentando-a, ela não havia sentido frio mesmo com as portas da
sacada e das janelas abertas.
Estavam envolvidos apenas por um fino lençol da cintura
para baixo cobrindo muito pouco, as mãos pesadas se moveram
nas costas dela causando boas sensações em seu corpo, ele a
envolveu num abraço forte e acolhedor, Amélia se encolheu apenas
se sentindo a mulher mais feliz do mundo, não quis sair dali, dos
braços dele, estava ótimo assim, mas precisava trabalhar, precisava
ir as fabricas, e precisava também cuidar de uma centena de coisas
na vinícola.
Como colocar em prática o plano de reativação do antigo
moinho, das casas de fermentação e de tudo, tinha que conversar
com Leo, pedir que ele contratasse mais gente, estava empolgada
com a ideia de ela mesma produzir o velho e bom vinho de sempre.
—Bom dia!
—Bon giorno Dylan!
—Bon giorno! — Ele repetiu com um sorriso preguiçoso. —
Preciso ir a Palermo.
—Te dou uma carona quando for a fábrica antes do almoço, o
que acha?
—Não, eu preciso ir só, não quero atrapalhar a sua rotina,
vou agora enquanto está cedo, depois no horário de almoço, volto
com o carro pode ser?
Ela assentiu engolindo a curiosidade, o que Dylan faria em
Palermo sozinho? ou será que não estaria sozinho? Ela não
questionou mais, ficaram ainda alguns momentos na cama apenas
quietos, se beijando, trocando carinhos, até que ela decidiu que era
hora de levantar, não poderia se atrasar.
—Espere mais um pouco sim? — Ele pediu puxando-a de
volta. — Só mais cinco minutinhos amor!
Ela riu, ele era um bobo, mas foi maravilhoso ouvi-lo chamá-
la assim, como ela havia chamado ele quando namoravam, voltou
para cama e se aninhou a ele, então foram interrompidos pelo
telefone, ela atendeu.
—Si!
—Oi... eu gostaria de falar com Dylan Wilson!
—Quem gostaria?
—É a irmã dele, Mary!
Ela olhou para Dylan e entregou o telefone para ele, a voz da
moça parecia preocupada e chorosa.
—Disse que é a sua irmã—falou incerta.
—Sim Mary... o que houve?...
Amélia saiu da cama antes de ouvir a conversa, foi para o
closet afim de deixá-lo a sós, se a irmã dele estava ligando era por
que deveria ser importante, ela se vestiu e prendeu bem os cabelos
num rabo de cavalo, quando voltou ao quarto, ele estava muito
calado, diria quase que em choque, será que tinha acontecido algo
grave?
—O meu pai teve um infarte — Dylan disse um tanto baixo —
Ele está internado em Nova York, Virginia o abandonou e
abandonou as crianças também, Mary disse que ele não aguentou a
decepção e infartou.
—Meu Deus Dylan, que coisa terrível — disse nervosa.
—Pediu que eu voltasse. — Ele disse. — Não tem com quem
deixar as crianças, ela fugiu com um homem, um ex-sócio do meu
pai.
—Nossa — disse ela podendo sentir toda a raiva possível da
mulher. — Dylan pode ir, não tem problema, sua família precisa de
você!
—Eu não...
—Tudo bem Dylan, tem que ir ficar com o seu pai, com a sua
família, podemos nos falar por telefone sempre, quando as coisas
melhorarem, pode voltar — cortou, ela não poderia jamais pedir que
ele ficasse, não numa situação como aquela.
—Mel, sabe que eu te amo sim? Não poderia... vir comigo?
— Ele perguntou incerto — Seria muito importante que viesse.
—Dylan ... não posso largar tudo assim... sinto muito! —
respondeu sentindo que o coração se contraia com aquilo.
Droga, por que ela simplesmente não dizia sim? Por que não
conseguia? Por que aquilo tinha que acontecer logo agora? Logo
agora que estava tudo perfeito?
—Tudo bem, eu entendo. — Ele apenas assentiu e vestiu a
cueca rápido. — Sei que me acha fraco por isso, mas eu realmente
não tenho alternativa.
—Dylan eu...
—Parece que quando as coisas estão melhorando para nós
dois sempre algo de ruim acontece. — Ele interrompeu com a voz
carregada. — Sinto muito, não posso continuar com isso, eu a amo,
mas não consegue me perdoar, isso me faz mal, duas semanas
comigo em Nova York não fariam mal a vinícola, tem o Leo, ele
cuidaria de tudo, tenho certeza.
—Não é isso Dylan, não é...
—Se não for capaz de me perdoar, não posso me casar com
você Amélia. — Ele a fitou, os olhos cobertos por lágrimas — Sinto
muito, mas não posso ser completo sem isso, se um dia conseguir
me perdoar, engula o seu orgulho e me procure, vou esperar, eu te
amo, adeus Amélia.
Então ele saiu do quarto sem encará-la, Amélia sentiu um
aperto enorme no peito e conseguiu ir até a porta, mas quando
colocou a mão na maçaneta ela desistiu de ir atrás dele, o amava, o
queria, mas tão logo agora diante do primeiro obstáculo não
conseguiam lidar com aqui como poderia ser suficiente para ambos?
De novo a dúvida, aquela dúvida que a matava, sentiu que
lágrimas escorriam por toda a sua face. Então pela primeira vez na
vida experimentou aquela sensação que nunca quis na vida, a de
plena e total covardia.
Se sentiu covarde.
Minutos depois quando ouviu o barulho do carro buzinando
ouviu os soluços ecoarem abertamente no quarto, ele havia partido,
e de novo, ela estava completamente apaixonada por Dylan Wilson.
Coração Partido
Três Meses Depois...

Os meses que se seguiram foram exaustivos.


Amélia decidiu que com ou sem o investimento de Dylan
reabriria o antigo moinho, pelo menos para seleta coleção de vinhos
do Natal, nos finais de semana recebeu a visita de Antônio e Sofie,
ambos vinham almoçar com ela e falavam sobre o casamento, ela
havia explicado para o casal sobre a viagem de Dylan para Nova
York e sobre o rompimento do noivado e os motivos, mas não foi
algo que interferiu as visitas de ambos a sua casa.
Ela preferia falar a verdade a começar a pensar sobre coisas
impossíveis, ele não telefonou, não mandou notícias, e ela decidiu
que o melhor para ambos seria dar aquele tempo, ele com a família
dele e ela com sua vida na em Mazara, o amava, porém não poderia
abrir mão de tudo o que construiu por alguém que no primeiro
obstáculo foi embora, se sentiu egoísta com o pensamento, mas ao
mesmo tempo se julgou forte demais para abandonar tudo por um
homem.
No passado Dylan não havia deixado nada por ela, muito
pelo contrário, ele escolheu sua própria vida cheia de conforto e
riqueza.
E, portanto, não se sentiu na obrigação de só pelo fato de ser
mulher, largar tudo e ir atrás dele, ela não iria implorar pela atenção
dele por mais que o amasse, ela nunca faria aquilo consigo mesma.
Sabia que era o pai dele, os irmãos dele e que aquela deveria
ser a prioridade dele, em algum momento se ele quisesse conversar
com ela já teria ligado, ele poderia ter enviado alguma mensagem,
não deveria custar mais do que dois minutos do dia dele.
Foi uma escolha dele.
Manteve contato com a mãe e foi um momento oportuno para
se ocupar nas horas vagas, organizar a chegada de sua mãe para
sua casa, Maria estava de viagem marcada para dali há algumas
semanas, pelo menos aquilo a alegrou um pouco.
Entraram no mês de setembro com a melhor colheita que já
tinham tido em anos, ela festejou os resultados com o pessoal da
vinícola e da fábrica, na de azeites muitos bons resultados também,
agora era só aguardar a fabricação e a embalagem, porque o mais
importante vinha agora, a fermentação e todo o processo de
embalagem do vinho.
As remessas já estavam basicamente todas vendidas para o
Natal.
O moinho foi restaurado e em menos de duas semanas
depois que Dylan partiu, os funcionários foram contratados ainda na
terceira semana depois que ele partiu e ali tinham uma ótima
produção de vinhos artesanais, Amélia se sentia bem trabalhando,
tentava ocupar sua mente o dia todo, não queria parar porque
quando parava lembrava de Dylan, de todos os momentos que
haviam passado juntos, dos momentos maravilhosos que haviam
divido, ela achava que se pensasse muito nele, acabaria indo para
Nova York, largando tudo e indo atrás dele.
Hoje fazia três meses que ele havia ido embora, acordou
mais emotiva, sabia que não tinha motivo algum para chorar pela
falta dele naquela cama porque não tinha dado tempo de se apegar
tanto, mas algumas vezes era um pouco mais difícil e chorava,
algumas coisas simplesmente o lembravam, ela acabava levantando
e indo trabalhar, Estela vivia reclamando que ela estava deveria se
alimentar demais, que não se alimentava direito, mas ela não se
importava, só queria poder esquecê-lo de novo e prosseguir, mas
daquela definitivamente.
Chegou à conclusão de que não esqueceria ele tão fácil, que
apenas deixou o amor de lado durante aqueles dez anos e deixado
falar mais alto o orgulho e a dor da mágoa. Dylan havia deixado um
número de telefone com Estela, mas nunca ousou telefonar, não
sabia se estava pronta.
Mas questionava-se seriamente sobre ter deixado ele ir sem
terem tido uma conversa profunda, Dylan fez suposições e foi
embora, a deixou para trás sem sequer pensar duas vezes e ela
tinha medo daquilo, tinha medo de que fosse para sempre, com
certeza agora tinha mais motivos para acreditar que ele não iria
querer mais saber dela.
Sabia que na cabeça de Dylan tudo era muito simples, ele já
tinha mostrado para ela o quanto estava arrependido, o quanto a
amava, e ela no primeiro obstáculo deixado ele partir, para ele era
nítido que ela deveria ter dado um jeito, deveria ter ido com ele ou
de segui-lo quando na verdade não se tratava daquilo para ela.
Ele confiava em Amélia e ela sentia que em menos de cinco
dias direito confiava piamente nele novamente, contudo, não
poderia simplesmente virar as costas para a vinícola e ir atrás dele,
algumas coisas somente ela fazia ali, principalmente assinar papéis
importantes das fábricas.
Sofreu muito para conquistar tudo aquilo, sofreu muito por
culpa de Dylan e no momento atual sofria porque ele não estava ali
novamente, mas não era algo que pudesse mudar só porque ele
tinha seus achismos, os negócios não eram mais importantes que o
amor, contudo ela sabia que se olhasse no dia seguinte para a
vinícola não correria todos aqueles riscos de ouvir de alguém um
duro “se não vier comigo vou assim mesmo”.
Amélia se levantou para mais um dia, cansada de pensar nas
possibilidades, de chorar, quis ter coragem para ligar para Dylan,
mas ainda parecia cedo demais para uma conversa ou para ouvir o
que ela já sabia, ela não queria telefonar para ele para ouvir um
“não vou voltar”.
Ela sabia que ele não iria voltar e talvez aquele fosse seu
pequeno fardo, ter acreditado só por um momento que poderia dar
certo.
Não deu, novamente.
Perdão
Amélia saiu para fora, ela carregava sua mochila, teria que ir
a fábrica para resolver algumas pendências, quando ouviu o som de
uma caminhonete se aproximando, a caminhonete de vidros
escuros parou diante da casa grande, havia um grande volume de
malas atrás, ela viu duas crianças saírem do carro primeiro e depois
mais uma, pela porta da frente.
—O que está havendo aqui? — questionou-se confusa.
Não era período de visitas escolares na vinícola ou na
fábrica.
Então ela o viu, achou que estava vendo alguma alucinação
ou algo assim, Dylan Wilson estava um pouco abatido, precisava
fazer a barba, mas sorriu para ela assim que a viu. O coração
disparou, aquela alucinação parecia em muito real, porém ele de
repente parou de sorrir ao ver a mochila na mão dela, Dylan se
aproximou rápido, mais sério, fechado, depois tomou a mochila com
facilidade da mão dela, Amélia ficou sem graça, esperava pelo
menos por um "oi".
—Para onde pensa que está indo? — Ele perguntou sério.
—Trabalhar — respondeu — Estava de saída.
—Não vai mais precisar ir. — Ele disse com firmeza. — Olá
para todos!
Dylan cumprimentou Marcelo, depois Estela que veio logo ao
encontro deles, convidou todos a entrar, Amélia se voltou para as
três crianças diante dela, deveriam ter entre doze e sete anos, eram
dois meninos e uma menina, a menina era mais nova com certeza,
se pareciam com Dylan, principalmente os olhos castanhos e os
cabelos escuros, aqueles deveriam ser os irmãos dele, filhos da
madrasta, ela ficou tensa, como estaria o pai dele? Esperava que
bem.
—Jacob, Emily e Jason — Dylan apontou para cabeça de
cada um — Estão sob minha custódia, são meus irmãos, espero
que não se incomode é claro.
—Têm muitos quartos vagos na casa — afirmou sem graça,
eram crianças lindas.
—Essa é a minha noiva Amélia—Dylan falou gentilmente.
—Disse que ela era fofinha — reclamou Emily sorridente,
exibindo a janelinha dos dentes de leite recém caídos.
—Ela é fofinha — Dylan corrigiu pegando-a no colo —
Podemos entrar?
—Sim, claro, vou preparar os quartos, devem estar cansados
e famintos, gostam de suco de uva? — perguntou enquanto subia
os degraus da varanda.
—Sim—respondeu Emily contente — Podemos te chamar de
Mel? O Dylan te chama assim!
—Podem sim, Estela, prepare algo para as crianças.
—Ah graças a Deus, ainda bem que o senhor chegou, ele
está gritando feito louca comigo ao lado dela —resmungou Estela
para Dylan.
Ela fechou a cara, mas sabia que vivia mais estressada com
a ausência dele do que nunca.
—Ela ficará bem Estela — Dylan garantiu.
Amélia os deixou ali na sala e subiu depressa para o andar
de cima, o coração apertado e muitos medos expostos, localizou o
primeiro quarto onde imaginou que as crianças poderiam ficar, viu-
se chorando em silêncio.
Dylan havia voltado.
Tristeza e felicidade explodiam dentro dela, Amélia não
imaginaria que ele voltaria depois de tudo, Dylan deveria ter
precisado de apoio e muita força, precisado e um ombro amigo,
tantas coisas que ela não soube se poderia oferecer...
—Por que está chorando?
Ela terminou de colocar o travesseiro na cama recém trocada
e limpou as faces rápido, precisava muito daquilo, se quisessem
recomeçar não poderiam viver assim, só Dylan falando sobre amor,
sobre planos, e ela com seu silêncio e orgulho.
—Bem, eu pensei que ficaria feliz, não vim antes por que
estava resolvendo algumas coisas na empresa...
—Dylan eu te amo — cortou fitando-o — Eu te amo desde
sempre, sempre te amei, sempre foi parte de mim, eu fiquei muito
magoada com o nosso passado quero que saiba, perder a criança
foi o pior para mim, era apenas uma menina cheia de sonhos, queria
ter realizado todos com você. Você sempre foi o homem da minha
vida, eu acredito em você, eu o perdoo, mas fiquei com medo, não
queria me entregar por medo de que me magoasse de novo.
Ele atravessou o quarto em três passos e a abraçou com
força, fazendo com que ela sentisse todo o seu amor naquele único
abraço, Amélia o apertou chorosa, havia sentido tanta falta dele que
doía ficar longe dele, como o amava, o queria por perto, ele era a
melhor coisa que aconteceu em sua vida desde...desde sempre.
—Senti tanto a sua falta. — Ele disse beijando a face dela, as
pálpebras, o nariz, a bochecha. — Nunca mais vou fazer isso, nunca
mais vou permitir que me afaste de você meu amor.
—Eu também não vou.
Aspirou profundamente o cheiro dele, mas ela sentiu algo
diferente, um gosto estranho na boca, Amélia o empurrou, e correu
para o banheiro, e só deu tempo chegar até vaso, ela vomitou com
força o líquido amarelado e viscoso, não havia comido nada naquele
dia, ela colocou a mão no abdômen sentindo outra náusea, e
vomitou de novo, tossindo com aquilo.
—Querida! — Dylan se ajoelhou ao lado dela e segurou-lhe
os cotovelos — O que foi?
—Eu não sei —respondeu cabisbaixa ainda se sentindo
muito mal — Dylan saia daqui, não quero que me veja assim!
—Não mesmo. — Ele afirmou sério. — Vamos ao hospital!
—Não...
—Vamos ao hospital, se sente assim ultimamente?
—Nunca me senti assim.
—Mel... você está grávida?
Ela riu tristemente, o período estava normal, claro que não
tinha mais hemorragias como antes, mas vinha um pouco
acompanhado de cólicas fortes nos últimos três meses, não podia
estar grávida, ela não podia conceber, como estaria grávida?
—Vamos ao médico mesmo assim, emagreceu muito!
—Tenho outra alternativa?
—Não.
Grávida
Amélia se sentiu um pouco melhor depois que lavou o rosto e
com a ajuda dele voltou ao quarto, se sentiu fraca e uma terrível dor
de cabeça a atingiu em cheio, só quis cama, mas ele insistiu para
que fosse a Palermo ao médico, ela acabou pegando a bolsa e
pedindo para que Estela olhasse as crianças, mas nem precisaria,
estavam entretidas demais com suas afilhadas correndo entre as
videiras da vinícola.
Chegaram depressa e esperaram na recepção do hospital
por atendimento, Dylan bastante agitado, era de se compreender,
ele chegou ali e não esperava encontrar alguém doente e sim
alguém que fosse recebê-lo, ele comprou dois cafés numa máquina
que havia ali no hospital, o líquido quente fez bem, ela ainda
conseguiu comer duas torradinhas daquelas de saquinho, mas
nada, quando foi chamada, Dylan entrou com ela.
A enfermeira mediu a pressão e fez perguntas de praxe,
perguntou também sobre a data da última menstruação dela e se
havia sofrido algum acidente, ela explicou a situação atual, depois
foi encaminhada para uma sala onde um residente a examinou
silenciosamente.
—Coloque a camisola — o homem apontou para o vestuário
— Já sei o que você tem!
Amélia ficou assustada e obedeceu, depois voltou para maca,
onde o homem esperava com uma aparelhagem cheia de botões e
uma pequena teve ligada, parecia jovem e impaciente, mas apenas
ligou o aparelho e pediu que ela tirasse a calcinha e abrisse as
pernas, Dylan se postou ao lado dela parecendo chateado com o
jeito que o homem falou com ela, parecia que ia fazer algum exame
de Papa Nicolau ou algo assim, preparou o equipamento e enfiou o
pequeno ferro com um preservativo novo nela, depois de alguns
segundos ela ouviu o primeiro som, Amélia se assustou e olhou
para tela preto e branca sem entender nada.
—Parabéns, você vai ser mamãe de... gêmeos — informou o
rapaz com um sorriso.
—Como? — Ela berrou incrédula — Não, moço, você está
enganado eu não... eu não posso ter filhos!
—Bem, aqui eu vejo dois corações batendo dizendo o
contrário — o homem falou circulando os pontinhos pretos no
aparelho que se refletia na tela — Essa transvaginal sempre
funciona, ouça!
E ela ouviu o barulho descompassado de dois coraçõezinhos
batendo rapidamente no aparelho, a mão de Dylan tomou a dela,
fria, suada, ela o encarou boquiaberta, incrédula. O exame foi
finalizado de forma bem breve, o rapaz a orientou sobre o pré-natal
e Saíram do consultório do médico com muitas guias para ela fazer
a bateria de exames de sangue e urina, também o encaminhamento
para o pré-natal, ela estava com aproximadamente treze semanas e
três dias de gestação, caminhando para o quarto mês, gravidez de
gêmeos, ela estava grávida de dois bebês!
Estavam chocados em silêncio o percurso até o carro foi
silencioso, ele tomou a estrada principal, mas nenhuma palavra foi
dita, ela não conseguia acreditar no que aqueles papéis diziam,
treze semanas exatas da primeira vez que ela e Dylan haviam feito
amor pela primeira vez.
Os médicos haviam garantido que ela nunca poderia
conceber, agora esperava dois bebês de uma vez? Aquilo só podia
ser mesmo um lindo e maravilhoso milagre de Deus, sim, somente
Deus para permitir aquilo.
—Petter vai me matar!
Ela olhou para Dylan e ambos riram, ele estacionou no
acostamento e ela pulou nos braços dele para um abraço forte, iriam
ter bebês!
—Mal acredito.
—Ainda estou em choque, mas antes quero levá-la a um
lugar.
Amélia assentiu, minutos depois quando viu o carro parando
diante do Cartório da cidade o fitou perplexa.
—Não quero mais esperar! — Dylan falou tirando o cinto —
Era isso o que eu planejava fazer naquele dia de manhã, quando se
ofereceu para vir comigo, queria fazer surpresa, vamos, as
testemunhas nos esperam!
Ela engoliu a seco, depois subiram de mãos dadas os
degraus do prédio imenso, quando chegaram na sala onde
assinariam o civil, ficou incrédula ao ver Sofi e Antônio lá também, a
amiga pareceu tão ou mais chocada que ela quando se abraçaram.
—Ele não me falou nada — Sofie disse surpresa — Você
parece abatida!
—Eu estou grávida!
—Oh meu Deus Amélia isso é incrível — disse ela feliz pela
amiga — Vamos buscar a bebê na França semana que vem.
—Deixem para conversar depois — Antônio aconselhou
nervoso — Vamos logo com isso, não quero que Sofie fuja!
Foi realizado um matrimônio duplo, onde ambos os casais
foram testemunhas um do outro, Amélia assinou o livro com orgulho
vendo que aderia mais um nome ao seu, havia ficado gigantesco,
mas ela amou a ideia, Sofie estava emocionada é claro, mas ambas
muito felizes, Antônio estava nervoso e Dylan como sempre muito
tranquilo, depois que pegaram as certidões os dois casais saíram do
lugar em silêncio.
—Que tal um vinho lá em casa? — sugeriu Antônio quando
saíram do cartório — Preciso de uma bebida, eu nunca me casei
relâmpago.
—Não foi relâmpago, nos planejamos há meses para isso
Antônio — Dylan notificou bem-humorado — Já disse que vou ser
pai?
—Até nisso quer sair na minha frente não é mesmo Costa?
Quer dizer Wilson? — Antônio perguntou chateado.
Todos riram e Amélia assentiu feliz com aquilo, a aliança de
ouro no dedo, tocou o ventre com orgulho, duas bençãos dentro
dela, dois filhos de Dylan, ela agora era sua esposa, não poderia
estar mais feliz com aquilo.
—Vamos aceitar. — Ela disse por fim. — Ouvi falar que vão
adotar uma menina, eu e Dylan já temos três, saímos na frente
nisso também Toninho.
Antônio xingou em italiano, mas todos riram, depois foram
para casa de Antônio na Santa Helena, Amélia se sentiu bem
melhor com um chá e torradas, Sofie mostrou o quartinho onde a
bebê ficaria, e já havia dado um nome, Helena, ela ficou muito
orgulhosa por Sofie ter se tornado alguém mais madura ao ponto de
adotar uma criança, ela sabia que se não pudesse conceber, ela
adotaria uma, mas agora estava grávida, grávida de gêmeos, estava
muito feliz, tanto que queria gritar.
Eu te amo Dylan hoje e sempre
Eles se despediram dos Mancha e Antônio prometeu uma
visita logo que voltassem da França, depois foram para casa,
durante o percurso Dylan não falou muito, ela sabia que ambos
estavam processando ainda os acontecimentos daquele dia, quando
Amélia acordou jamais imaginou que se casaria ou que estaria
grávida, ela só acordou disposta a esquecer o fato de que ele não
estava mais ali.
E enfim, agora Dylan estava ali segurando sua mão e
conduzindo-a para o quarto Amélia mal havia tirado as sapatilhas e
ele já estava beijando-a, mal cabia em si de felicidade, era como se
fosse todos os sonhos realizados de uma só vez. Ali na cama
dividiram mais intimidade, fizeram amor com pressa, com paixão, e
carinho, havia sentido muita falta dele na cama, do toque dele, do
beijo dele, e Dylan pelo visto havia sentido falta dela mais ainda,
prolongou o prazer por minutos torturantes, se movendo as vezes
mais rápido e quando ela estava prestes a alcançar o seu limite ele
diminuía, causando arrepios em seu corpo, orgasmos duradouros a
invadiam com força causando as mais maravilhosas sensações
dentro dela. Alcançaram juntos todo o apogeu maravilhoso daquela
busca, gemeram juntos em meio ao clímax forte, depois ele rolou
para o lado levando-a junto, os lábios nos dela num beijo
completamente apaixonado.
—Não quero amassar os nossos bebês — Dylan disse depois
de alguns momentos, quando as respirações de ambos voltaram ao
normal, colocou a mão no ventre dela com carinho — Dois amor?
Dois bebês!
—Eu também não acredito — sorriu e colocou a mão sobre a
dele. — Vamos ter dois bebês!
—Mas você anda se negligenciando muito. — Ele ficou sério.
— Está magra demais, vai ter que se alimentar bem para os bebês
nascerem sadios.
—Eu não sabia — lamentou envergonhada. — Vou me cuidar
agora, amor.
—Senti falta disso. — Ele sorriu. — Fala de novo!
—Amor — disse feliz — Amor, amor, amor, te amo, te amo, te
amo, amor eu te amo!
Ele riu e a encheu de beijinhos em toda a face, depois
quando achou os lábios não os largou por um segundo, Amélia o
correspondeu deitando-se em cima dele, tocando as faces, tinha
mesmo emagrecido um pouco, ele precisava fazer a barba também,
ela teria que organizar uma centena de coisas agora que teria Dylan
morando com ela, seu marido, seu Dylan, e logo em breve o mais
um quarto para os dois membros ou membras da família.
—Por que achou que não estava grávida? — Ele perguntou
alguns momentos depois.
—Bem, a minha menstruação estava vindo, em menos fluxo,
mas estava vindo e eu estava sentindo cólicas menstruais absurdas,
pensei que fosse por culpa da cólica que viesse pouco, quase não
veio na verdade nesse último mês, vou agendar o mais rápido
possível com a minha ginecologista, não quero nenhuma
complicação, e se for de risco?
Poderia falar com Loren e verificar todas aquelas
informações, faria aquilo o mais rápido possível.
—Ligue agora então, amor.
—Farei isso.
Pegou o celular na mesinha ao lado da cama e discou o
número da ginecologista, foi atendida prontamente apesar de ser
sábado, Amélia explicou a situação, a médica pareceu surpresa, e
marcou para segunda bem cedo, falando para ela não se preocupar,
uma vez que a dilacerações e feridas em seu útero já estavam
cicatrizadas, mas para ela repousar e se alimentar bem.
—O que ela falou? — Dylan perguntou preocupado assim
que ela desligou.
—Para eu repousar e que os bebês vão ficar bem porque as
feridas e dilacerações já estão saradas, a maior preocupação acho
que seja essa, se não tem isso, deve ser porque já cicatrizaram —
respondeu aconchegando-se a ele — Senti sua falta.
—Eu sei, Estela me falava!
—Como assim? — Ela o encarou perplexa.
—Eu liguei todos os dias para cá, mas em horários que você
não estava falei com Estela para saber se você estava bem —
respondeu constrangido — Não poderia desistir de você meu
coração, nunca, precisei ir, mas com a ajuda de Antônio e Estela
consegui arrumar a papelada do casamento, um padre vira amanhã
para realizar a cerimônia no religioso.
—Poxa. — Ela sorriu feliz e o abraçou — Obrigada por ter
voltado.
—Vamos começar do zero, quero ajudá-la em tudo, agora
que virão mais bebês vai precisar de muita ajuda no Parque das
Uvas, Estela falou que reativou a antiga fábrica.
—Sim eu reativei e estamos a todo vapor, ainda vai precisar
daquelas garrafas de vinho?
—Claro que eu vou.
—Então, pague meu amor.
Ela o viu rir bastante daquilo.
—Faço, faço tudo o que você pedir meu amor.
Amélia o olhou apoiada no cotovelo, o homem diante dela
aquele era o verdadeiro amor de sua vida, Dylan estava feliz ao lado
dela, a mão repousava em sua barriga acariciando com carinho o
ventre onde os bebês deles cresciam, ela então decidiu que a partir
daquele momento tentaria esquecer o passado, e viveria no
presente, com o seu Dylan, com a sua família, ela o perdoara, não
poderia estar mais feliz com a única certeza de que a amava, ele
era o seu grande amor.
—Está pronta para recomeçar agora?
—Sim, mais que pronta.
—Tudo será diferente agora.
—Será.
Felicidade
Foi realizada uma cerimônia apenas com os amigos é
funcionários que estavam no horário de almoço no parque das
Uvas, Amélia ganhou outro anel, dessa vez uma safira emoldurada
por diamantes que a encantou profundamente, o padre os declarou
marido e mulher 14:00 da tarde em ponto, e depois foi servido um
banquete para todos preparado por Estela e Anika com a ajuda das
cozinheiras do refeitório, ela fez questão que todos os seus
funcionários que estavam lá participassem.
O padre notificou que realizara também uma pequena
cerimônia na Santa Helena pela manhã, ela telefonou para Sofie
dando os parabéns, e ouvindo o choro emocionado da moça, ela
ficou muito feliz por Sofie também.
Após o almoço, Amélia decidiu descansar um pouco, o
marido a levou logo para cama, mas eles não fizeram amor, ficaram
deitados fazendo companhia um ao outro, trocaram carinhos, beijos
olhares, ela se sentia tão completa e feliz, não poderia se sentir
mais completa. Conversaram sobre o pai dele, e sobre a família,
colocaram a conversa em dia.
—Ele melhorou do infarte e se recupera. —Ele disse mais
sério — Está na casa de Mary e todos estão cuidando dele, papai é
muito teimoso, mas acabou concordando em passar a empresa para
os meus irmãos, eles vão administrar por que eu não quis, e se
vendêssemos papai teria um grande desgosto, todos entendemos
que em parte devemos manter a Wilson na família.
—E a bruxa?
—Virginia ingressou com a ação de divórcio, mas... você não
sabe como esse mundo dá voltas — Dylan sorriu muito maldoso —
O namorado dela a largou, porque ele percebeu a mulher que ela
era, o juiz me deu a guarda definitiva dos meninos, por abandono de
incapaz, no dia do infarte do meu pai, ela deixou as crianças
sozinhas em casa com papai infartando, se não fosse por Jacob o
mais velho papai teria morrido.
—Que mulher baixa — comentou chateada — E seu pai
voltou atrás?
—Não, e ele não vai voltar, falou que quer ficar só, que
Virginia estava insuportável nesses últimos anos de convivência e
que vai se recuperar para depois reassumir a empresa. — Ele a
beijou de leve — Virginia se deu mal porque o casamento deles era
com separação total de bens, então ela não tem direito a nada,
nesse lado papai foi bem esperto, ela não o ajudou em nada na
empresa, vai sair só com as roupas do corpo.
—Bem-feito — disse.
—Pensei que não poderíamos ter filhos e achei que seria um
bom começo cuidar deles, são crianças boas, sem a mãe por perto
para influenciá-los, ficaram muito felizes em saber que moraríamos
numa vinícola eu quero matriculá-los na escola local.
E ela não se opunha, eram os irmãos dele e precisavam dele.
—Vai ser ótimo amor.
Eles adormeceram e acordaram de noitinha com batidas na
porta, era Estela.
—Sim! — disse ainda sonolenta.
—Visitas para senhora — Estela falou feliz— Pediu que
descesse logo!
"Senhora"
Ela sorriu porque estava agarrada ao seu marido e não
queria descer, mas Dylan levantou logo puxando ela com todo o
carinho do mundo beijando-a.
—Mais tarde será toda minha senhora Wilson!
—Com certeza!
Saíram do quarto abraçados, e quando entraram na sala de
visitas e ela viu a silhueta magra e mais alta composta por um
vestido longo e um chalé ela riu, riu entre lágrimas, correu sem se
importar muito e pulou em cima dela antes mesmo que ela visse,
Maria estava linda, linda como nunca, começou a chorar logo que
percebeu a filha, ambas ficaram abraçadas por minutos e Amélia
mal queria soltá-la, estava linda sua mãe, perfeita, do mesmo jeito,
desde os cabelos castanhos longos e mais cheios até os olhos cor
de âmbar lindos, como sentira falta dela, como a amava.
—Você só lembra dela?
Amélia olhou na direção do bar avistando Petter saindo de lá
com um copo de uísque na mão, claro que ela não esperava por ele,
aliás o que ele estava fazendo ali? Sua mãe já era esperada, havia
chegado antes da data prevista, mas Petter? Eles não se falavam a
mais de três meses, não que estranhasse, o pai raramente ligava,
agora ele estava bem ali, diante dela, quase dez anos sem vê-lo,
havia mudado muito, muito mesmo, mesmo quando ela via fotos
dele em revistas de negócios conceituadas ou em fotos que ele
mandava das viagens que fazia pelo mundo, Amélia foi até ele e
sem se importar muito o abraçou, como não? se ele havia vindo
deveria ser muito importante, tinham muitas diferenças, mas ele
nunca deixaria de ser seu pai.
—Fiquei surpreso quando cheguei e a encontrei na varanda
— Petter falou olhando rapidamente para Maria — Olhando bem
não é muito feia.
—Petter — falou engolindo o riso da maldade do pai e
apontou para os sofás. — Mamãe, eu me casei.
—Com o pai do bebê! — concluiu Maria pensativa e olhou
para Dylan —Ele é bem bonito, mas eu ainda estou brava por não
ter me esperado.
—Foi surpresa, mamãe depois te falo, tenho outra notícia, eu
estou grávida — disse e colocou as mãos na barriga vendo Petter
se engasgar com o uísque e Maria cair sentada no sofá.
—Seu...—Petter apontou para Dylan furioso.
—Tudo bem eu acho que eu vou...
—Volta aqui seu moleque!
Dylan saiu correndo, Petter atrás dele, Amélia saiu correndo
atrás de Petter tentando acalmá-lo, era para ela repousar... mas a
situação foi até engraçada, mais tarde, quando seu pai se
acalmasse e aceitasse que não era mais um solteirão invicto, ela
daria boas risadas da cena, afinal de contas, a família toda estava
em casa, e quando a família estava em casa, ela sabia que sempre
havia muitas discussões e badernas, mas não se importou, ela
estava apenas feliz, com seu marido, seus novos bebês, e seus três
novos integrantes, com seus pais também, principalmente sua mãe,
por que ela sabia que algo assim nunca acontecera antes, só
conseguiu ser grata a tudo por aquilo.
Uma nova vida
2 anos depois, Parque Das Uvas.

—Você viu o meu sapato?


Para Sofie não tinha jeito mesmo, Amélia riu e com
dificuldade apanhou o sapato e jogou na direção da amiga, Sofie
suspirou com a barriga enorme assim como a dela, se tivessem
combinado não teria dado tão certo, elas iriam ter bebês dali a
algumas semanas, era a primeira gestação de Sofie, e a segunda
dela em dois anos, as gêmeas tinham nascido em Abril do ano
passado, já estavam com onze meses cada, ela dera os nomes de
Linda e Isabela, agora ela esperava por mais duas, chamaria
aquelas de Sam e Liza, Dylan havia escolhido o nomes dessas, com
a ajuda dos outros meninos, ela não poderia estar mais feliz, é claro
que estava exausta, cuidar da pequena tropa e ainda grávida, não
tinha como não ficar, mas ela amava sua família.
Dylan havia ficado definitivamente com a guarda dos
meninos, os irmãos mais velhos dele vinham visitá-los todo fim de
ano, e com as duas últimas gravidezes dela, ele tivera que se
entender com o Parque das Uvas, ele aprendeu bem rápido, era um
excelente patrão, claro que com a ajuda dela, mas Amélia ficava
mais tempo em casa repousando que trabalhando, ele não deixava
ela fazer muita coisa, sempre muito atencioso se desdobrava entre
cuidar dos meninos e das gêmeas, era domingo, dia de folga, os
Mancha haviam vindo com sua pequena Helena, a menina estava
com quase dois aninhos, Sofie estava com a barriga redonda e
enorme, grávida do primeiro filho homem, Antônio como sempre
reclamão, mas muito compreensivo com ela.
Elas desceram devagar segurando no corrimão, o nono mês
era fogo, os pés doíam muito, ela se perguntava como a amiga
conseguia andar de saltos, ela mesma estava de pés descalços,
haviam ido ao quarto dos novos bebês, onde também ficavam as
mais velhas Linda e Isabela já estavam quase andando.
—Tá eu me rendo — disse Sofie jogando os sapatos para
longe — Malditos saltos, esse menino vai ter que me amar muito por
isso.
Elas riram e saíram para varanda, Dylan com o canguru
duplo, dando mamadeiras para as pequenas, enquanto Antônio
dava outra mamadeira para pequena Helena em seu colo, Leo na
outra ponta dando mamadeira para filha mais nova, Aline, enquanto
as suas duas afilhadas corriam no jardim empurrando a cadeira de
rodas de Anika e riam, Emily, Jacob e Jason corriam livremente pelo
lugar.
Ela avistou o casal se aproximando dentre as videiras, tinha
que se acostumar também com aquilo, Petter havia sossegado o
faixo e se casado, com sua mãe... que estranho, ela sempre achava
estranho, mas sempre ficava muito feliz de saber que eles brigavam
muito antes e agora haviam se entendido, sua mãe adotiva com seu
pai biológico, era maravilhoso.
Petter havia deixado mais os negócios de lado, virado marido
e mais pai dela, avô até das crianças, e vinha com frequência visitá-
la, havia roubado Maria dela logo que ela chegou do Brasil há dois
anos, mas eles vinham pelo menos uma vez no mês, sabia que sua
mãe cuidava dele direitinho e o relacionamento deles era ótimo, ela
estava feliz por ambos, Estela na churrasqueira como sempre
reclamando, mas sorrindo em servir todos.
—Por que não se deita logo de uma vez? — Antônio
perguntou para Sofie impaciente — Está com dores? Quer alguma
coisa?
—Não amor eu não quero — Sofie respondeu muito paciente
e foi se sentar ao lado do marido sorrindo para pequena Helena —
Oi meu amor.
—Mamãe — Helena falou sorridente — Papai!
—Ela é mesmo uma sapequinha—Antônio concordou e
beijou a esposa de leve — Já disse que está linda de barriga?
—Não — Sofie disse tocando a barriga enorme por cima do
vestido — O seu filho vai ser bem grande pelo visto.
—Tomara—Antônio disse com orgulho.
Amélia sorriu e caminhou até a extensão do jardim
lentamente se juntando aos pais, ela nunca imaginara em sua vida
que poderia se sentir tão feliz e completa apenas em estar com
ambos por perto, ela abraçou a mãe com carinho, depois o pai,
depois olhou para ambos, estavam muito calados, percebeu
também que os olhos de Maria estavam avermelhados, teriam
brigado? Sabia que às vezes discutiam, ela conhecia bem Petter,
mas será que eles vinham brigando constantemente?
—Sua mãe quer falar algo — Petter disse mais sério — Nós
não planejamos, não achávamos que seria possível, eu estou
estarrecido com isso.
—Não vão se divorciar certo? Eu estou com trinta anos, não
tenho mais idade para isso — reclamou amedrontada.
—Eu estou grávida—Maria disse e começou a chorar de
novo.
—Como? — gritou assustada, incrédula demais, recostou-se
a cerca que separava o jardim do começo das videiras já
carregadas e bem verdes.
—Eu não sei — Maria falou magoada — Até onde eu sabia
não podia ter filhos, por que acha que eu adotei você com o seu
outro pai? Fiquei assustada quando soube, já estou no quarto mês,
o que eu faço? Esse cavalo não entende que não foi minha culpa.
—Não é que eu não entendo Tereza, eu apenas não estou
acreditando que eu com sessenta anos vou ser pai de novo —
berrou Petter furioso chamando a mãe dela pelo seu segundo nome.
—Ok — Amélia respirou fundo — Ok, vamos relaxar e
respirar, eu não quero ver vocês dois brigando por conta disso,
papai por que você é um grosso sempre?
—Não é isso eu só... Amélia, sabe como foi difícil para mim te
perder? Um bebê depois de trinta anos? Isso é loucura. — Ele
passou a mão nos cabelos de forma estressada. — Amo sua mãe,
sabe que sim, mas somos velhos demais para isso.
—Ok, covarde, nossa! — colocou as mãos nas costas
sentindo uma pontada pouco familiar na coluna.
—O que foi? — Petter perguntou preocupado — O que está
sentindo Mel?
Momentos Felizes para sempre
—Foi só uma dor na coluna mesmo — explicou vendo o
marido se aproximar preocupado com as duas bebês no canguru —
Mamãe está grávida!
—Oh — Dylan sorriu e deu um meio abraço o sogro vendo a
cara fechada de Petter — Desculpe, só achei que fosse querer os
parabéns já que há dois anos quase me matou quando soube que
Amélia estava grávida, por acaso não sou guardo rancor.
—Ha ha muito engraçado — Petter disse desprovido de
humor.
—Papai muitos homens já foram pais na faixa dos sessenta e
dois anos, como acha que eles se sentiram?... Oh Deus! — Ela
estremeceu novamente sentindo outra pontada forte nas costas.
Dylan a segurou pelos cotovelos rapidamente, Petter a pegou
no colo com facilidade, Amélia gritou sentindo o líquido viscoso
escorrer pelo vestido, vendo que na varanda, Sofie já estava toda
arfante enquanto Antônio nervoso a ajudava a atravessar o jardim.
—O que eu faço? o que eu faço? — Dylan berrou
desesperado.
Ele tinha motivos, na primeira gestação as gêmeas haviam
nascido de parto cesariana, a médica havia garantido que nesse
também, ela não entendeu por que a bolsa havia rompido, ainda
faltavam alguns dias e a médica havia garantido que seria
cesariana.
—Pega a bolsa no quarto dos bebês — aconselhou — Deixa
as gêmeas com o Leo e a Anika, mamãe fique com elas sim? Cuide
das crianças.
—Sim querida fique calma — aconselhou Maria ainda
chorosa — Pett querido cuide bem da nossa menina.
—Sim querida eu vou cuidar. — Ele falou um tanto nervoso
— Fique calma filha.
—Eu to calma papai — falou sentindo outra contração e
engoliu o grito com um gemido de dor.
—Eu não vou dirigir — Antônio disse logo que alcançaram a
caminhonete dele — Quem vai dirigir? Eu não quero atropelar
ninguém já está nascendo querida? Está doendo muito?
—Maldita médica falou que seria daqui a semanas — gemeu
Sofie nervosa — Oh Deus!
—Respire—Antônio disse trêmulo— Sopra, sopra, respira
fundo... sopra, sopra respira fundo...
Elas duas foram colocadas no banco de trás da caminhonete,
Antônio sentou na frente enquanto Petter dirigia, e Dylan se sentou
atrás ao lado da esposa, Amélia gemeu tentando controlar as
contrações ao máximo, respirando fundo, Dylan contou como o
médico havia explicado, de cinco em cinco minutos, Petter estava
nervoso, mas era o único que parecia não prestar atenção aos gritos
das mulheres nos bancos de trás.
—Eu não aguento mais, Virgem por favor me dá forças —
pediu Sofie apoiando os pés no banco, empurrando.
—Não faça isso Sofie — Dylan berrou nervoso — Respire,
tente se acalmar.
—Meu Deus está saindo — gritou Antônio desesperado, indo
para o banco de trás espremido já que era muito grande — Respire
querida, respire!
Sofie obedeceu, Amélia achou que não aguentaria, dentro
dela aquela dor infeliz, não sentira dores do primeiro parto, não
sentira nada, ela havia acordado de manhã, chegado ao hospital
com as malinhas e depois que dera entrada ao centro cirúrgico,
dado a luz as meninas sob o efeito de uma epidural, não sentira dor
alguma além da dor dos pontos e da recuperação, agora aquela dor
lançante que vinha das costas ao pé da barriga, ela só queria fazer
força, empurrar, empurrar logo para que a dor acabasse, mas não
podia empurrar, eram dois bebês, e se um não estivesse
posicionado? Aguentou firme, foram os quarenta minutos mais
torturantes de sua vida, deram entrada no hospital as onze da
manhã.
Ela e Sofie ficaram no mesmo leito separadas apenas por
cortinas, depois que todos os aparelhos haviam sido colocados, e o
médico feito um ultrassom de emergência, então ela foi autorizada a
fazer força, as pernas penduradas, e Dylan firme ao seu lado, no
parto das gêmeas ele havia ficado sempre do lado dela, uma
enfermeira a colocou no soro, rapidamente enquanto ela ouvia os
gritos de Sofie na outra ponta, maldita médica, por que havia
enganado elas assim?
—Vamos, sei que quer isso, quer trazê-las ao mundo mamãe,
faça força — disse o plantonista muito otimista pelo visto — Só
estão esperando que você as traga ao mundo!
Amélia assentiu e então em meio a outra contração infeliz,
semicerrou os dentes e fez força, ouviu o chorinho da primeira bebê,
sorriu vendo o marido choroso ao seu lado, segurando sua mão com
firmeza, tão pouco saiu a primeira, outra contração forte, ela então
fez força, toda a força que podia, então a segunda bebê chorosa
saiu, ela também ouviu o choro mais forte e alto vindo do outro lado,
mas só conseguiu se sentir mais aliviada, a dor sumira, as
contrações haviam ido embora, Deus, suas bebês haviam nascido
bem, ela havia feito o seu melhor certamente por que ambas as
meninas não paravam de chorar enquanto eram limpas pelas
enfermeiras.
—Elas são lindas amor — Dylan falou beijando-lhe a testa
soada depois os lábios levemente — Obrigado.
—Nada de bebês por um bom tempo.
E ela esperava mesmo que conseguisse ter força de vontade
para cumprir com aquilo.
Epílogo

Uma hora depois já estava no quarto, Dylan chegou com


Flores e uma bela pulseira de brilhantes para ela, Amélia tocou o
colar no pescoço, o primeiro presente que ele dera, e aceitou mais
esse, ela adorava os presentes que o marido lhe dava, amou as
flores, eram lindas, ele estava radiante como sempre, sorridente,
apenas lindo, mais moreno devido aos dias na vinícola mas
irresistivelmente sexy, percebeu que para ela, ele nunca mudaria é
claro, o amava, haviam sido os dois anos mais felizes de sua vida,
Petter apareceu depois com mais flores e balões, ela abraçou o pai
se sentindo feliz, apenas completa, mas sabia que ele ainda estava
nervoso com a gravidez de sua mãe.
—Sabe papai, até dois anos atrás eu não queria você nem a
mamãe por perto, queria ficar só, achava que família significava
problema, achava que viver sozinha era bom, mas depois que eu
me casei e vocês dois passaram a me visitar e eu não consigo mais
me ver sem os dois por perto, eu posso aceitar que vou ter um
irmãozinho, nunca disse, mas eu te amo papai e não quero que
nada de ruim aconteça entre você a mamãe, vocês são a minha
rocha, poderia, por favor não ficar bravo com ela por isso? Não
precisa ter medo, todos nós temos medo de coisas novas, sei que
sofreu quando eu fui sequestrada, que sofreu quando eu sofri o
acidente, e quando me mudei para cá, mas esse bebê merece tudo
isso papai amor e carinho, para nós não é tarde, mas não deixe ficar
tarde demais para ele ok? Te amo muito — disse ela e o abraçou
com força.
—Você... você... ok, posso ser pai aos sessenta — Petter
disse emocionado — Fez um ótimo trabalho, e Sofie também, o
Marcha filho nasceu com mais de quatro quilos, um pequeno
bezerro.
—As nossas nasceram com dois quilos e meio cada, só a
Sam que nasceu trinta e dois segundos depois que nasceu com
umas graminhas de diferença— Dylan disse — São pequenas como
Isa e Linda, mas vão crescer.
—Vou dar a notícia para sua mãe — Petter disse saindo do
quarto — E você Wilson não faça outros bebês na minha filha
enquanto eu saio, ou vai se ver comigo.
Amélia riu e viu o marido se sentar diante dela na cama,
tocou-lhe a face com carinho, ela jamais imaginara em sua vida que
poderia ser tão feliz ao lado de seu primeiro namorado, de seu
primeiro homem, de seu primeiro amor, dois anos de amor, carinho,
cumplicidade, companheirismo e paixão.
Dylan havia provado para ela que todos mereciam segundas
chances, e terceiras e quartas, não importavam os números das
chances, ele havia sido o seu pior, mas agora ele era com certeza o
seu melhor, o seu marido, e ali, com ele só conseguia amá-lo cada
segundinho a mais, a felicidade ficou completa quando a enfermeira
trouxe as bebês, uma para cada um, depois que a mulher saiu.
Ela observou as meninas, a cara dele, todas elas eram
idênticas, mas muito parecidas com o pai, a que ela pegou foi Sam,
só que uma surpresa, os olhos de Sam não eram castanhos ou
azuis, eram verdes, cabelos negros como os de Dylan e bem
pequenas, encolhidas, ela olhou para Liza vendo que os olhinhos
daquela eram verdes também, idênticas em tudo, olhou para o
marido e sentiu o coração se encher de amor por ele.
Estava chorando de novo, na frente dos outros durão e muito
sério, para ela, sempre sensível e carinhoso, ela preferia assim, o
beijou em silêncio, profunda e lentamente sentindo que dos seus
olhos saiam lágrimas, mas lágrimas de pura felicidade, havia
esquecido o passado, hoje ela era feliz com seu presente, e não
pensava no futuro, tinha o mais importante, sua família, seus filhos,
e seu maravilhoso marido, para que ficar lembrando do passado?
Poderia muito bem conviver com apenas Dylan Wilson, seu belo e
sexy marido, um homem, não um rapaz, um pai e ótimo marido.
—Eu te amo meu amor, obrigado! — Ele disse entre o beijo
muito apaixonado.
—Eu te amo meu amor, e ... de nada!
Ela sabia que daquela vez seria para sempre, ela soube
quando disse "sim" para o amor que Dylan lhe oferecia e seria muito
feliz com ele e sua família, hoje e sempre.
Fim!

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