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CAP 8 – A JORNADA DE TRABALHO

1 OS LIMITES DA JORNADA DE TRABALHO

Admitamos que a linha AB representa a duração do trabalho necessário, digamos 6 horas.

Se o trabalho for prolongado além de AB em 1, 3 ou 6 horas, obtemos 3 linhas diferentes que representam
jornadas de trabalho diferentes:

JORNADA I (7 horas): A------B-C

JORNADA II (9 horas): A------B---C

JORNADA III (12 horas): A------B-------C

A linha BC representa o trabalho excedente.

A extensão da jornada de trabalho (AC) varia de acordo com a grandeza variável BC, ou seja, com o
trabalho excedente.

A taxa da mais-valia (ou grau da exploração da força de trabalho) é dada ela razão:

𝐵𝐶 𝑇𝑟𝑎𝑏𝑎𝑙ℎ𝑜 𝐸𝑥𝑐𝑒𝑑𝑒𝑛𝑡𝑒 𝑡′
= =
𝐴𝐵 𝑇𝑟𝑎𝑏𝑎𝑙ℎ𝑜 𝑁𝑒𝑐𝑒𝑠𝑠á𝑟𝑖𝑜 𝑡

Elevando-se de 16,67%, a 50% e a 100% nas três jornadas.

A jornada de trabalho não é uma grandeza constante, mas variável. Contudo, varia dentro de certos limites.

No sistema capitalista ela nunca será equivalente ao tempo de trabalho necessário, ou não haveria criação
de valor excedente. E ela não pode prolongar-se além de certo ponto.

Esse limite máximo é determinado duplamente, por um limite físico – o dia tem 24 horas e dentro destas o
trabalhador precisa satisfazer suas necessidades físicas como: se alimentar, vestir-se, lavar-se, etc.,
descansar para repor sua força de trabalho - e por limites morais – o trabalhador precisa de tempo para
satisfazer necessidades espirituais e sociais determinadas pelo nível geral de civilização –.

Assim, Marx destaca a existência de jornadas de 8 horas a 18 horas diárias.

O capitalista compra a força de trabalho por seu valor diário. Seu valor de uso lhe pertence durante uma
jornada de trabalho. Mas o que é um dia de trabalho?

“[...] o capital tem o seu próprio impulso vital, o impulso de valorizar-se, de criar mais-valia, de absorver
com a sua parte constante, com os meios de produção, a maior quantidade possível de trabalho excedente.
O capital é trabalho morto que, como um vampiro, se reanima sugando o trabalho vivo, e, quanto mais o
suga, mais forte se torna” (MARX, 2016, p. 271).

É missão do capitalista obter, com o capital dispendido, maior quantidade possível de trabalho.

“Mas, subitamente, levanta-se a voz do trabalhador que estava emudecida no turbilhão do processo
produtivo:
‘A mercadoria que te vendo se distingue da multidão das outras, porque seu consumo cria valor, e valor
maior que seu custo. Esse foi o motivo por que a compraste. O que, de teu lado, aparece como aumento do
valor do capital é, do meu lado, dispêndio excedente de força de trabalho. Tu e eu só conhecemos, no
mercado, uma lei: a da troca de mercadorias. E o consumo da mercadoria pertence ao comprador, a ti.
Mas, por meio de seu preço diário de venda, tenho de reproduzi-la diariamente para poder vende-la de
novo. [...]. Está continuamente a pregar-me o evangelho da parcimônia e da abstinência. Muito bem.
Quero gerir meu único patrimônio, a força de trabalho, como um administrador racional, parcimonioso,
abstendo-me de qualquer dispêndio desarrazoado. [...]. Quando prolongas desumanamente o dia de
trabalho, pode num dia gastar, de minha força de trabalho, uma quantia maior do que a que posso
recuperar em três dias. O que ganhas em trabalho, perco em substância. A utilização de minha força de
trabalho e sua espoliação são coisas inteiramente diversas. [...]. Pagas-me a força de trabalho de um dia,
quando empregas a de três dias. Isto fere nosso contrato e a lei de troca de mercadorias. Exijo, por isso,
uma jornada de trabalho de duração normal, e sem fazer apelo a teu coração, pois, quando se trata de
dinheiro não há lugar para bondade. [...] Exijo a jornada normal, pois exijo o valor de minha mercadoria,
como qualquer outro vendedor’” (MARX, 2016, p. 272-273).

O capitalista afirma seu direito como comprador de prolongar a jornada o máximo possível. O trabalhador
afirma seu direito, como vendedor, quando quer limitar a jornada de trabalho a determinada magnitude
normal.

Assim, a regulamentação da jornada de trabalho se apresenta, na história da produção capitalista, como luta
pela limitação da jornada de trabalho, um embate que se trava entre a classe capitalista e a classe
trabalhadora.

2 A AVIDEZ POR TRABALHO EXCEDENTE, O FABRICANTE E O BOIARDO

Não foi o capital que inventou o trabalho excedente. Este sempre esteve presente em sociedades em que
uma parcela da população possuía o monopólio sobre os meios de produção, e que o trabalhador, livre ou
não, teve de acrescentar ao tempo de trabalho necessário à sua própria manutenção um tempo de trabalho
excedente destinado as produzir os meios de subsistência para o proprietário dos meios de produção.

“Pouco importa que esse proprietário seja o nobre ateniense, o teocrata etrusco, o cidadão romano, o
barão normando, o senhor de escravos americanos, o boiardo da Valáquia, o moderno senhor de terras
ou o capitalista. É evidente que, numa formação social onde predomine não o valor de troca, mas o valor
de uso do produto, o trabalho excedente fica limitado por um conjunto mais ou menos definido de
necessidades, não se originando da natureza da própria produção nenhuma cobiça desmensurada por
trabalho excedente” (MARX, 2016, p. 273-274).

O trabalho em excesso, até a morte é muito raro no mundo antigo.

Com a produção capitalista o objetivo passa a ser a criação de valores de troca, o objetivo da produção
passou a ser a criação da mais-valia, o que tornou o trabalho em excesso parte integrante do sistema.

Destaca como o trabalho em excesso e o necessário se misturam no processo capitalista, mas eram
fisicamente separados no regime feudal, no qual o servo deveria trabalhar alguns dias na terra do senhor,
corveia, trabalho excedente, e os demais dias, em suas terras para a sua própria subsistência.

“Todavia, a avidez por mais-valia do capitalista se manifesta no empenho de prolongar desumanamente a


jornada de trabalho, e a do boiardo, no empenho de aumentar os dias de trabalho compulsório e gratuito”
(MARX, 2016, p. 275).
A legislação fabril inglesa expõe essa avidez do capitalista. Segundo a lei fabril de 1850 a jordana de
trabalho deveria ser de:

Segunda a Sexta: das 6 às 18 horas = 12 horas, com 30 minutos para a primeira refeição e 1 hora de almoço,
sendo de 10h30m por dia

Sábado: das 6 às 14 horas = 8 horas, com 30 minutos de almoço, sendo de 7h30m

Assim, a jornada semanal equivalia a 60 horas trabalhadas.

Os relatórios dos inspetores mostravam que o fabricante roubava do trabalhador 1 hora por dia de segunda
à sexta e 40 minutos no sábado, ao obrigar o trabalhador a entrar 15 minutos antes e sair 15 minutos depois,
reduzir os 30 minutos de refeição a 20 minutos, roubando mais 10 por dia, e da 1 hora de almoço para 40
minutos, ganhando mais 20 minutos.

O total do ganho por semana é de 5 horas e 40 minutos, no ano isso equivale a 27 dias de trabalho excedente,
fora o trabalho excedente da jornada normal de 60 horas semanais.

Existiam fiscais próprios para verificar o cumprimento destas e seus relatórios forneciam estatísticas
regulares e oficiais sobre a avidez capitalista por trabalho excedente.

“Quando surpreendemos os trabalhadores em atividade, em hora de refeição ou em qualquer hora ilegal,


é dada muitas vezes a desculpa de que eles não querem abandonar a fábrica e que é necessário coagi-los
a interromperem seu trabalho [...] O lucro extra que se pode obter com o trabalho além do tempo legal
parece ser uma tentação demasiadamente grande para os fabricantes a ela resistirem. Eles contam com a
probabilidade de não serem descobertos e acham que, se o forem, o pequeno valor da multa e das custas
judiciais assegura-lhes um saldo lucrativo. O tempo de trabalho extra no curso do dia através de múltiplos
pequenos furtos dificilmente deixa margem aos inspetores para fazerem prova do delito praticado”
(MARX, 2016, p. 281).

“Em começo de junho de 1836, foram encaminhadas denúncias aos magistrados de Dewsbury (Yorkshire),
relativas a violação da lei fabril dos proprietários de 8 grandes fábricas, nas proximidades de Batley.
Alguns desses cavalheiros eram acusados de ter posto a trabalhar 5 meninos de 12 a 15 anos das 6 horas
da manhã de sexta-feira até as 4 horas da tarda do sábado seguinte, sem lhes conceder nenhum descanso,
além do tempo das refeições e uma hora para dormir à meia noite. E esses meninos tiveram de realizar
essas 30 horas de trabalho permanecendo na verdadeira caverna onde são desmanchados os trapos de lã
e onde nuvem de poeiras de resíduos etc. forçam mesmo o trabalhador adulto a tapar continuamente a
boca com o lenço a fim de proteger os pulmões. Os cavalheiros acusados afirmaram, o seu escrúpulo
religioso de quacres impedia de prestarem juramento, que tinham, com sua grande compaixão, permitido
aos miseráveis meninos dormir 4 horas, mas os obstinados não queriam de modo nenhum ir para cama.
Os quacres foram multados em 20 libras. Dryden prefigurou esses quacres:

‘Uma raposa que simula santidade, tem medo de jurar, mas capaz de mentir como o demônio, com ar
piedoso e penitente, mas de olhar oblíquo, que não ousa pecar, sem antes fazer sua oração’” (MARX,
2016, p. 281).

Nesta época era comum chamar o homem que poderia trabalhar a jornada inteira de “tempo inteiro”, e os
meninos e menos de 13 anos de “meio tempo”, em razão de só poderem trabalhar meia jornada. Isso
evidencia, como o trabalhador não passava de tempo de trabalho personificado.
3 RAMOS INDUSTRIAIS INGLESES ONDE NÃO HÁ LIMITES LEGAIS À EXPLORAÇÃO

Nesta seção do capítulo Marx examina os ramos industriais ingleses nos quais não há limites à exploração
da força de trabalho.

“O juiz do condado de Broughton, presidindo uma reunião na prefeitura de Nottingham, em 14 de janeiro


de 1860, declarou que naquela parte da população, empregada nas fábricas de renda da cidade, reinava
sofrimentos e privações em grau desconhecido no resto do mundo civilizado. [...]. Às 2, 3 e 4 horas da
manhã, as crianças de 9 e 10 anos são arrancadas de camas imundas e obrigadas a trabalhar até as 10,
11 ou 12 horas da noite, para ganhar o indispensável à mera subsistência. Com isso, seus membros
definham, sua estatura se atrofia, suas faces se tornam lívidas, seu ser mergulha em torpor pétreo,
horripilante de se contemplar. [...]. Não nos surpreendemos que o Sr. Mallet e outros fabricantes se levante
para protestar qualquer discussão. [...] O sistema, como o descreveu o reverendo Montagu Valpy, constitui
uma escravidão ilimitada, escravidão em sentido social, físico, moral e intelectual [...] que pensar de uma
cidade onde se realiza uma reunião pública para pedir que o tempo de trabalho para os homens se limite
em 18 horas por dia! [...]” (Daily Telegraph, 17/01/1860, apud MARX, 2016, p. 283)

Compara tal trabalho com a escravidão americana, moralmente condenado pelos mesmos que explorarão a
tal ponto a mão de obra livres, tais condições não são tão desprezíveis quanto à escravidão?

Sobre a indústria de cerâmica de Stanffordshire, objeto de inquéritos cujos resultados encontram-se em


relatórios de 1860 a 1863.

“Pelo que ocorre com as crianças pode-se deduzir o que se passa com os adultos, principalmente com
meninas e senhoras, numa indústria ao lado da qual a fiação de algodão e outras atividades semelhantes
pareceriam agradáveis e sadias” (MARX, 2016, p. 283-284).

Marx cita alguns depoimentos de crianças que afirmam trabalhar 15 horas por dia desde os 7 anos de idade.

“J. Murray, um menino de 12 anos, depõe:

‘Lido com formas e faço girar a roda. Chegou ao trabalho às 6 horas da manhã, às vezes às 4. Trabalhei
toda a noite passada, indo até 6 horas da manhã. Não durmo desde a noite passada. Havia 8 ou 9 garotos
que trabalharam durante toda a noite passada. Todos, menos um, voltaram essa manhã. Recebo por
semana 3 xelins e 6 pence. Nada recebo a mais por trabalhar toda a noite. Na semana passada trabalhei
duas noites.’

Fernyhough, um garoto de 10 anos, diz:

‘Nem sempre tenho uma hora para almoço; frequentemente só tenho meia hora, às quintas, sextas e
sábados’” (MARX, 2016, p. 284).

Os relatórios médicos atestam que a duração de vida nos centros da indústria cerâmica é extremamente
curta. Sendo que somente cerca de 30% da população tem mais de 20 anos e que cerca de 2/3 dos óbitos
são causados por doenças pulmonares dos trabalhadores.

“Cada nova geração de trabalhadores de cerâmica é mais raquítica e mais fraca que a anterior” (Dr.
Boothroyd apud MARX, 2016, p. 283).

Sobre a indústria do fósforo, destaca que a doença peculiar de seus trabalhadores é o trismo, contratura
dolorosa da musculatura do maxilar, constituindo sinal característico do tétano.

“A metade dos trabalhadores são meninos com menos de 13 anos e adolescentes com menos de 18. Essa
indústria é tão insalubre, repugnante a mal-afamada que somente a parte mais miserável da classe
trabalhadora, viúvas famintas etc., cede-lhe seus filhos, ‘crianças esfarrapadas, desnutridas, sem nunca
terem frequentado escola’. Dentre as testemunhas inquiridas pelo comissário White (1863), 270 tinham
menos de 18 anos, 40 menos de 10, 10 apenas 8 e 5 apenas 6. O dia de trabalho variava entre 12, 14 e 15
horas, com trabalho noturno, refeições irregulares, em regra no próprio local de trabalho, empesteado
pelo fósforo. Dante acharia que foram ultrapassadas nesta indústria suas mais cruéis fantasias infernais”
(MARX, 2016, p. 286).

Na fabricação de papéis pintados por 6 meses do ano o trabalho tem duração, quase em interrupção, de mais
de 16 horas por dia, das 6 da manhã às 10 da noite ou mais.

As moças eram mantidas acordadas aos gritos, os trabalhadores não conseguiam abrir os olhos de cansaço.
Uma criança de 13 anos relata que gritava todas as noites de dores nos pés.

Um pai relata que seu filho de 7 anos trabalhava 16 horas por dia e que deveria alimentá-lo na máquina,
pois esta não podia parar e nem a criança podia abandoná-la para se alimentar.

Os donos de fábricas que os trabalhadores operam máquinas afirmam que “o trabalho a máquina é fácil”.

Os donos de fábricas que os trabalhadores realizam trabalho manual afirmam que “o trabalho manual é
melhor para a saúde que o trabalho a máquina”. “Mas os patrões são unânimes em protestarem
indignados contra a proposta ‘de parar as máquinas, pelo menos, durante as refeições’” (MARX, 2016,
p. 288).

“O relatório da Comissão opina ingenuamente que o receio de algumas firmas importantes de perderem
tempo (tempo durante o qual se apropriam do trabalho alheio) e, com o tempo, os lucros não é razão
suficiente para privar meninos com menos de 13 anos e jovens com menos de 18 anos de seu almoço
durante 12 a 16 horas, ou para fazê-los inserirem sua refeição como as máquinas consomem carvão e
água, a lã, sabão, e a roda, óleo; são equiparados ao instrumental que absorve os materiais acessórios no
processo de produção” (MARX, 2016, p. 286).

Sobre a indústria do pão, esta passa a ser submetida a fiscalização a partir de 1863, em razão de um comitê
de inquérito desmascarar a incrível falsificação do pão, principalmente em Londres.

Os padeiros trabalhavam 18 horas ou mais, das 23 às 17, por um salário de 12.

Os empregados das padarias figuravam entre os trabalhadores que viviam pouco, depois de escapar da
dizimação infantil normal da classe trabalhadora, raramente atingiam 42 anos de idade. Mesmo assim,
sempre havia candidatos a tal cargo.

Nas revoltas dos trabalhadores por melhores condições sempre vencem os patrões com seu poder de demitir
os insatisfeitos.

O trabalhador agrícola da Escócia possuía uma jornada de trabalho de 13 a 14 horas por dia e mais 4 horas
no domingo.

“Ao mesmo tempo, estão diante do ‘Grand Jury’ de Londres três ferroviários, um condutor, um maquinista
e um sinaleiro. Um grande desastre ferroviário mandou centenas de pessoas para o outro mundo. Aponta-
se como causa do desastre a negligência dos ferroviários. Unanimemente, declaram aos jurados que seu
trabalho, há 10 ou 12 anos, tinha duração de 8 horas por dia. Durante os últimos 5 a 6 anos, foi sendo
aumentado progressivamente para 14, 18 e 20 horas e, nas ocasiões de maior movimento, nos períodos
das excursões e passeios, estendia-se muitas vezes a 40 ou 50 horas sem interrupção. Eram homens
comuns, e não ciclopes. Além de certo ponto, falhava sua força de trabalho. O torpor dominava-os. O
cérebro parava de pensar, e os olhos, de ver” (MARX, 2016, p. 294).
O veredito do júri foi homicídio culposo e, num adendo suave, solicitava que os magnatas das ferroviárias
comprassem, no futuro, um número necessário de força de trabalho e explorassem menos a força de trabalho
paga.

Em julho de 1863 uma modista de 20 anos morre por excesso de trabalho, 26,5 horas sem interrupção, num
quarto superlotado numa renomada casa de modas. Nesta, as moças trabalham ininterruptamente 16,5 horas
e durante a temporada às vezes 30 horas consecutivas, sendo reanimadas quando fraquejam com vinho ou
café.

“Elas formavam grupos, ficando cada grupo de 30 num aposento cuja capacidade cúbica mal chegava
para conter o ar necessário para elas. À noite, elas se revezavam duas a duas numa cama que ficava dentro
de um dos cubículos de madeira em que se dividia um quarto de dormir” (MARX, 2016, p. 295).

O médico chefe do hospital de Londres afirma:

“As costureiras de toda espécie, as modistas e suas auxiliares sofrem de um tríplice infortúnio: excesso de
trabalho, carência de ar e deficiência de alimentação ou de digestão. [...] [a modista que trabalha na casa
de moda] torna-se uma simples escrava, ao sabor das flutuações da sociedade. Ora está em casa num
cubículo, morrendo de fome ou quase; ora trabalha 15, 16 e até 18 horas das 24 em atmosfera insuportável,
sem poder digerir os alimentos, mesmo se forem bons, por falta de ar puro. É por causa dessas vítimas que
se prolifera a tísica” (MARX, 2016, p. 295).

Os escravos brancos são levados ao túmulo por estafa, morrendo silenciosamente.

“A palavra de ordem é trabalhar até morrer, não só nas oficinas das modistas, mas em milhares de outros
lugares onde se desenvolvem as atividades” (MARX, 2016, p. 296).

4 TRABALHO DIURNO E NOTURNO, SISTEMA DE REVEZAMENTO

“Os meios de produção, o capital constante, só existem, do ponto de vista da criação da mais-valia, para
absorver trabalho e, com cada gota de trabalho, uma porção proporcional de trabalho, excedente. [...] O
prolongamento do trabalho além dos limites diurnos naturais, pela noite adentro, serve apenas de paliativo
para apaziguar a sede vampiresca do capital pelo sangue vivificante do trabalho. O impulso imanente da
produção capitalista é apropriar-se do trabalho durante todas as 24 horas do dia. Sendo fisicamente
impossível, entretanto, explorar, dia e noite sem parar, a mesma força de trabalho, é necessário, para
superar esse obstáculo físico, revezar as forças de trabalho a serem empregadas nos períodos diurno e
noturno” (MARX, 2016, p. 297).

Entre os esquemas de revezamento um modo comum corresponde ao qual o trabalhador em uma semana
trabalha no horário diurno e na outra no noturno.

Contudo, o funcionamento da fábrica 24 horas por dia permite que jornada de trabalho se prorrogue acima
das 12 horas em montante que horroriza.

“‘Ninguém’, diz o relatório, ‘pode pensar na quantidade de trabalho que, segundo o depoimento de
testemunhas, é realizado por crianças de 9 a 12 anos, sem concluir irresistivelmente que não se pode mais
permitir esse abuso [...] Esse prolongamento, em muitos casos, é mais do que cruel, é inacreditável. Entre
os meninos, ocorre frequentemente, por este ou aquele motivo, que um ou mais deixem de vir trabalhar.
Um ou mais garotos presentes que já concluíram seu horário de trabalho têm de preencher o claro’”
(Relatório oficial inglês apud MARX, 2016, p. 299).
O nível de instrução da força de trabalho é vergonhoso, revelado pelas respostas dada a comissão de
inquérito:

“Jeremiah Haynes, 12 anos de idade: ‘[...] 4 vezes 4 são 8, mas 4 quatros são 16. [....] Um rei é quem tem
todo o dinheiro e todo o ouro. Dizem que temos um rei, ele é uma rainha, o nome dela é princesa Alexandra.
Dizem que se casou com o filho da rainha. Uma princesa é um homem’. William Turner, de 12 anos: ‘Não
vivo na Inglaterra. Penso que é um país, mas não sabia disso’. [...] Henry Mattewman, de 17 anos: ‘às
vezes vou à igreja. [...]. Pregam muito um nome, um certo Jesus Cristo, mas não posso dizer nenhum outro
nome e nada posso dizer sobre ele. Ele não foi morto, morreu como qualquer um. Em certos pontos, ele
não era como as outras pessoas, pois era religioso em certos pontos e outras pessoas não são’. [...] ‘O
diabo é uma boa pessoa. Não sei onde ele vive. Cristo era um perverso’” (MARX, 2016, p. 300).

Na fábrica de papel o trabalho noturno é regra. Em alguns casos, o trabalho noturno com revezamento
prossegue de domingo à noite até a meia-noite do sábado seguinte.

“Meninos com menos de 13 anos, jovens com menos de 18 anos e mulheres são postos a trabalhar à noite
sob esse sistema. No sistema de revezamento em cada período de 12 horas, têm eles, às vezes, em virtude
da ausência de substituto, de trabalhar 24 horas, dobrando a jornada. Os depoimentos de testemunhas
provam que meninos e meninas realizam, com muita frequência, trabalho extraordinário, que não raro,
leva sua jornada a estender-se a 24 horas e até 36 horas, sem interrupção” (MARX, 2016, p. 300).

O capital protesta contra leis que impeçam menores de exercer trabalho noturno.

“Surgiriam grandes dificuldades se menores de 18 anos fossem proibidos de trabalhar a noite. A principal
seria o aumento dos custos com o emprego de adultos em vez de menores” (Industrial da usina de aço,
laminação e forja apud MARX, 2016, p. 303).

Além disso, defendem o funcionamento de suas fábricas 24 horas em razão de manter sempre aquecido os
fornos e não perder tempo com variação de temperatura que provocaria o funcionamento de uma única
jornada.

“Com a mesma delicadeza de consciência, observaram os fabricantes de vidro que não era possível
conceder aos meninos refeições regulares, porque se perderia, se desperdiçaria determinada quantidade
de calor que os fornos irradiam” (MARX, 2016, p. 305).

Os meninos que trabalham nos fornos que fazem garrafas andam, durante a execução do seu trabalho
ininterrupto, 24 a 32 km em 6 horas. O trabalho dura frequentemente 14 a 15 horas. Durante a semana o
período de descanso mais longo é de 6 horas, destes deve-se deduzir o tempo de ir e voltar da fábrica, lavar-
se, vestir-se, alimentar-se, descansar, não sobra tempo para brincar e respirar ar puro.

5 A LUTA PELA JORNADA NORMAL DE TRABALHO. LEIS QUE PROLONGAM


COMPULSORIAMENTE A JORNADA DE TRABALHO, DA METADE DO SÉCULO XIV AO
FIM DO SÉCULO XVII

Para o capital o dia de trabalho compreende as 24 horas, descontadas as poucas horas de pausa sem as quais
a força de trabalho fica absolutamente impossibilitada de realizar novamente sua tarefa.

O trabalhador nada mais é do que força de trabalho a ser empregado na expansão do capital.
“Não tem qualquer sentido o tempo para educação, para o desenvolvimento intelectual, para preencher
funções sociais, para o convívio social, para o livre exercício das forças físicas e espirituais, para o
descanso dominical, mesmo no país dos santificadores do domingo” (MARX, 2016, p. 306).

Assim, o capital “Usurpa o tempo que deve pertencer ao crescimento, ao desenvolvimento e à saúde do
corpo” (MARX, 2016, p. 306).

Não se importa com a duração da vida da força de trabalho e sim com o máximo de força que possa ser
colocada em movimento. Esse objetivo é atingido encurtando a duração da força de trabalho, provocando
o esgotamento prematuro e morte dos trabalhadores.

Dada elevada mortalidade das indústrias, principalmente, cerâmica, panificação, têxtil1, etc., em certas
épocas faltavam trabalhadores.

Em 1834 os fabricantes propuseram aos membros da Comissão de Assistência aos Pobres que mandassem
para o Norte a população agrícola excedente que eles a absorveriam e consumiriam.

Os agentes da comissão faziam listas com os nomes das pessoas e os fabricantes faziam a seleção que lhe
convinham e as famílias eram remetidas ao Sul da Inglaterra.

“A Câmara dos Comuns dificilmente acreditará nisso, mas esse comércio regular, esse tráfico de carne
humana, prosseguia, e essa gente era vendida pelos agentes de Manchester aos fabricantes locais de
maneira tão normal quanto os negros aos plantadores de algodão dos Estados Unidos. [...] O ano de 1860
marca o apogeu da indústria têxtil de algodão. [...]. Faltaram novamente braços. Os fabricantes voltaram-
se para os agentes de carne humana [...] e estes percorreram as dunas de Dorset, as colinas de Devon e
os plantios de Wilt, mas a população excedente já fora consumida” (MARX, 2016, p. 309).

Depois dos agentes terem percorrido todos os distritos agrícolas em vão, os fabricantes voltaram-se para o
departamento de assistência aos pobres com o fim de obter o fornecimento de órfãos e crianças internados
em asilos de trabalho.

“[...] o fabricante faz um contrato com a administração do asilo por período determinado. Alimenta, veste
e aloja os meninos e lhes dá um pequeno suprimento em dinheiro. [...]. Essa espécie de mão de obra (dos
meninos do asilo) só é procurada quando não se acha nenhuma outra, pois é mão de obra cara. O salário
comum de um menino de 13 anos é de cerca de 4 xelins por semana; mas alojar, vestir e alimentar 50 ou
100 desses meninos, com assistência médica e supervisão adequada, dando-lhes além disso, uma pequena
remuneração, não é algo que se possa conseguir por 4 xelins por cabeça semanalmente. [...] como o
trabalhador pode fazer tudo isso por seus filhos, ganhando eles um salário individual de 4 xelins por
semana, se o fabricante não consegue isso para 50 ou 100 meninos que são alojados, sustentados e
supervisionados todos juntos” (MARX, 2016, p. 310).

Assim, essa mão de obra cara só é usada quando não há mão de obra barata para contratar, como ocorreu
em 1860 ano de prosperidade para a indústria têxtil.

O trabalhador explorado morre cedo e logo é substituído por outro, sem que a exploração diminua. O capital
não tem a menor consideração com a saúde e com a vida do trabalhador, a não ser quando a sociedade o
obriga a tê-lo.

“A livre competição torna as leis imanentes da produção capitalista leis externas, compulsórias para cada
capitalista individualmente considerado” (MARX, 2016, p. 312).

1
“A indústria têxtil existe há 90 anos. [...] Durante 3 gerações da raça inglesa, consumiu ela 9 gerações de trabalhadores”.
O estabelecimento de uma jornada normal de trabalho é resultado de uma luta entre capitalista e trabalhador.

Contudo a legislação sobre a jornada de trabalho apresenta uma tendência oposta:

1. Enquanto do século XIV até metade do século XVIII o objetivo era o prolongamento da jornada de
trabalho;
2. A legislação moderna tem por objetivo reduzir coercivamente a jornada de trabalho.

“Foi preciso que decorressem séculos para o trabalhador ‘livre’, em consequência do desenvolvimento do
modo de produção capitalista, consentir voluntariamente, isto é, ser socialmente compelido a vender todo
o tempo ativo da sua vida, sua própria capacidade de trabalho, pelo preço dos seus meios de subsistência
habituais; seu direito a primogenitura, por um prato de lentilhas. É, por isso, natural que a jornada de
trabalho prolongada, que o capital procura impor aos trabalhadores adultos por meio de coação do
Estado, da metade do século XIV ao fim do século XVII, coincida aproximadamente com o tempo limitado
de trabalho que, na segunda metade do século XIX, é imposto pelo Estado, com o fim de evitar a
transformação do sangue das crianças em capital” (MARX, 2016, p. 313).

Marx compara as legislações dos dois períodos:

Em 1496 o dia de trabalho durava das 5 horas da manhã às 7 ou 8 da noite, 14 ou 15 horas de trabalho, o
que nunca se pôs em prática. Além disso o tempo das refeições era de 1 hora para o primeiro almoço, 1,5
para o almoço, e 0,5 hora para a merenda, o dobro do prescrito pela lei fabril moderna.

Assim, a jornada efetiva de trabalho era de 11 a 12 horas diárias.

Durante a maior parte do século XVIII, isto é, até a época da grande indústria o trabalho de 4 dias pagava
o salário de uma semana, ou seja, com ele comprava-se os bens de subsistência para uma semana, portanto,
os trabalhadores não encontravam razão para trabalhar os outros 2 dias para o capitalista.

Alguns capitalistas começaram a reclamar e queriam reduzir o salário para que os trabalhadores fossem
forçados a trabalhar os 6 dias da semana, pelo salário de 4 dias. O principal defensor dessa posição é um
livro anônimo, Essay on trade and commerce (apud MARX, 2016, p. 317-318):

“Se descanso no sétimo dia da semana é uma instituição divina, temos de concluir que os outros dias da
semana pertencem ao trabalho [ele quer dizer ao capital, como logo se verá], e compelir a outrem a
cumprir esse preceito não se pode considerar crueldade. [...]. Os trabalhadores nunca devem considerar-
se independentes de seus superiores. [...]. É extremamente perigoso encorajar a ralé num país comercial
como o nosso, onde talvez 7/8 da população ou possui recurso insignificante ou nada possui. [...] A cura
será perfeita quando os trabalhadores das manufaturas se conformarem em trabalhar 6 dias pela mesma
importância que recebem em 4 dias”.

Os defensores dos trabalhadores ingleses afirmavam que estes executavam em 4 dias o trabalho que os
franceses levavam 6 dias para fazer e reduzir o tempo de lazer dos trabalhadores, ao invés de elevar a
produtividade destes, a reduziria.

“Se fossem forçados a trabalhar o ano inteiro todos os 6 dias da semana, repetindo incessantemente a
mesma tarefa, não teriam eles sua originalidade prejudicada, não se tornariam estúpidos, ao invés de
alertas e hábeis, não perderiam nossos trabalhadores, nessa escravidão eterna, seu renome, ao invés de
conservá-lo? Que habilidades artísticas se poderiam esperar de animais estafados? [...]. Muitos deles
realizam, em 4 dias, trabalho que os franceses executam em 5 ou 6. Mas, se os ingleses forem
transformados em eternos escravos do trabalho, é de temer que sua eficiência se torne inferior à dos
franceses” (POSTLETHWAYT apud MARX, 2016, p. 317).
Jacob Vanderlint, outro defensor dos trabalhadores, já declarava em 1734, “que o segredo das queixas dos
capitalistas contra a ociosidade dos trabalhadores consistia apenas em pretenderem eles obter, pelo
mesmo salário, 6 dias de trabalho em lugar de 4” (MARX, 2016, p. 318).

Para atingir tal objetivo e extirpar a preguiça e a liberdade deveria o Estado encarcerar os pobres num asilo
ideal de trabalho.

“Será mister transformar esse asilo em casa de terror. Nessa casa de terror, nesse asilo ideal de
trabalho, haverá obrigação de trabalhar 14 horas por dia, incluindo-se o tempo adequado para as
refeições, de modo que restarão 12 horas inteiras de trabalho” (Essay on trade and commerce apud
MARX, 2016, p. 319).

Marx compara como a legislação da “casa de terror”, 70 anos depois, em 1833 torna-se o limite máximo de
trabalho para menores de 13 a 18 anos. E como os industriais reagiram a tal legislação, “parecia que o dia
do Juízo Final tinha soado para a indústria na Inglaterra”.

A ironia é que 70 anos antes, uma jornada de 12 horas diárias era um castigo, e quem durante esses 70 anos,
a jornada normal chegava a 18 horas em alguns ramos industriais e, em outros, nem folga se tinha no
domingo.

Somente nos estatutos de 1836 a 1856 a jornada de trabalho de menores de 12 anos foi reduzida para 10
horas por dia, e 60 por semana para menores e proibição do trabalho de menores de 10 em fábricas.

Em 1850 na França – lei da jornada diária de 12 horas.

Em Zurique, o trabalho de meninos com mais de 10 anos foi limitado a 12 horas.

Na Argóvia, em1862 e na Áustria, em 1860, o trabalho de menores entre 13 e 16 anos foi reduzido para 12
horas.

“A casa do terror para os indigentes, com a qual a alma do capital ainda sonhava em 1770, ergueu-se
poucos anos mais tarde, gigantesca, no cárcere de trabalho para o próprio trabalhador da indústria. Ela
se chama fábrica. E, desta vez, o ideal empalideceu diante da realidade” (MARX, 2016, p. 320).

Ou seja, as 12 horas de trabalho sonhada pelo capital foram excedidas em muito nas jornadas “normais” de
15 a 18 horas diárias dos trabalhadores das fábricas.

6 A LUTA PELA JORNADA NORMAL DE TRABALHO. LIMITAÇÃO LEGAL DO TEMPO DE


TRABALHO. A LEGISLAÇÃO FABRIL INGLESA DE 1833 A 1864

A partir do nascimento da indústria moderna, no ultimo terço do século XVIII, todas as fronteiras
estabelecidas pela moral, pala natureza, pela idade, pelo sexo, pelo dia e pela noite foram destruídas.

“É extremamente nefasto e profundamente deplorável essa absorção completa do tempo das classes
trabalhadoras, sem interrupções, desde a idade dos 13 anos, e mesmo desde muito antes, nos ramos
industriais ‘livres’”. (MARX, 2016, p. 320).

Os inspetores das fábricas e médicos afirmavam que para que a população seja sadia é necessário que ela
tenha parcela do dia para dedicar-se ao descanso e lazer.

“A verdade é que, antes da lei 1833, crianças e adolescentes tinham de trabalhar a noite inteira ou o dia
inteiro, ou fazer ambas as coisas ao bel prazer do patrão. [...] A história da legislação fabril inglesa de
1833 a 1864 caracteriza bem o espírito do capital” (MARX, 2016, p. 321).
Segundo a Lei 1833:

1. Jornada normal de trabalho: 5:30 às 20:30, 15 horas;


2. Dentro deste período pode-se empregar menores entre 13 e 18 anos desde que estes não trabalhem
mais de 12 horas, com algumas exceções.
3. Tem-se 1:30 para refeições no curso do dia.
4. Proibido o emprego de crianças com menos de 9 anos, salvo algumas exceções.
5. Meninos entre 9 e 13 anos teve a jornada limitada em 8 horas por dia.
6. Jornada noturna: 20:30 às 5:30, foi proibido a todos os menores entre 9 e 18 anos.

Os capitalistas aplicaram um sistema de revezamento por turno para as crianças que deveriam trabalhar 8
horas (5:30 às 13:30 e 13:30 às 20:30).

O Parlamento suavizou a medida prorrogando o prazo para entrar em vigor a proibição de mais de 8 horas
de trabalho para crianças:

1. Depois de 01.03.1834 - para menores com menos de 11 anos;


2. Depois de 01.03.1835 - para menores com menos de 12 anos;
3. Depois de 01.03.1836 - para menores com menos de 13 anos.

Os mais renomados físicos e cirurgiões de Londres haviam declarado que essa protelação era perigosa.

“Leis são necessárias para impedir a morte, prematuramente infligida sob qualquer forma, e esse método
de provoca-la [praticado nas fábricas] deve ser considerado o modo mais cruel de infligi-la” (DR. FARRE
apud MARX, 2016, p. 321).

Quanto mais se aproximava de 1836, quando a lei entraria em pleno vigor, mais revoltados ficavam os
capitalistas.

A lei entrou em vigor em 1833 e não sofreu nenhuma modificação até 1844.

Durante tal período, principalmente após 1836 os inspetores das fábricas demonstravam em seus relatórios
todos os obstáculos impostos pelos capitalistas que tornavam impossível a execução da lei.

Os patrões adotaram um sistema de turnos múltiplos sem horários regulares para entrada, saída e refeições
dos trabalhadores, principalmente dos menores que trabalhavam somente 8 e 12 horas.

Os trabalhadores das fábricas tinham feito, a partir de 1938, da lei das 10 horas sua bandeira econômica e
da carta do povo sua divisa política e eleitoral.

Por mais que os fabricantes quisessem se ver livres da legislação fabril, os representantes políticos da classe
industrial tinham buscado apoio nas camadas populares para abolir as leis aduaneiras e a proteção aos
cereais, prometendo a estes que dobrariam o tamanho do pão e que adotariam a lei das 10 horas no país.

Assim, nasceu a lei fabril de 07.06.1844, que entrou em vigor em 10.09.1844. Segundo esta:

1. As mulheres maiores de 18 anos tiveram sua jornada reduzida a 12 horas, com proibição do trabalho
noturno.
2. O trabalho de menores de 13 anos foi reduzido a 6:30 por dia e, sob certas circunstâncias para 7:00
horas.
3. Permitia o emprego de crianças de 10 anos desde que trabalhassem em dias alternados, não
consecutivos.
4. A jornada de trabalho das crianças e menores de 18 anos conta-se do momento em que qualquer
criança ou qualquer adolescente comece a trabalhar na fábrica pela manhã.
5. O começo da jornada deve ser marcado obrigatoriamente por um relógio público, por exemplo, o
da estação ferroviária mais próxima, pelo qual tem de ser regular o relógio da fábrica.
6. O fabricante tem de afixar na fábrica um aviso bem legível onde estejam indicados o começo, o fim
e os intervalos da jornada.
7. É proibido empregar, depois das 13:00, as crianças que começaram a trabalhar pela manhã antes
das 12 horas. Constituindo o turno da tarde de outras crianças.
8. A 1:30 para refeições tem de ser concedida nos mesmos intervalos do dia a todos os trabalhadores
legalmente protegidos, dando-se a eles, pelo menos 1:00 para refeições antes das 15:00.
9. Crianças e adolescentes não podem trabalhar mais de 5 horas antes das 13:00, sem ter uma pausa
para refeição de, no mínimo, meia hora.
10. Durante qualquer refeição, as crianças, os adolescentes e as mulheres não podem permanecer em
nenhum compartimento da fábrica onde esteja em curso qualquer processo de trabalho.

Essa legislação minuciosa, surgiu dos problemas detectados na aplicação da legislação de 1833 pelos
inspetores das fábricas.

“Seu efeito imediato foi submeter, na prática, a jornada de trabalho do homem adulto aos mesmos limites,
uma vez que a cooperação das crianças, dos adolescentes e das mulheres é imprescindível na maioria dos
processos de produção. Em suma, no período de 1844 a 1847, vigorou geralmente o dia de trabalho de 12
horas em todos os ramos industriais submetidos à legislação fabril” (MARX, 2016, p. 325-326).

Os fabricantes exigiram como compensação a essas medidas que a idade mínima das crianças aptas para o
trabalho fosse reduzida de 9 para 8 anos, para que a demanda por mão de obra encontrasse oferta disponível.

Entre 1846 e 1847:

1. Revogaram-se as leis sobre os cereais;


2. Eliminaram-se as taxas aduaneiras sobre algodão e outras matérias-primas.
3. Mas a lei das 10 horas, prometida não foi oficializada.

Com isso, intensificou-se os movimentos exigindo tal legislação, apoiados pelos aristocratas prejudicados
pela política de livre comércio.

Em 08.06.1847 a nova lei fabril estabelecia que:

1. Em 01.07.1847 – o dia de trabalho dos adolescentes de 13 a 18 anos e de todas as mulheres seria,


preliminarmente, reduzido a 11 horas;
2. A partir de 01.05.1848 – a 10 horas.
3. Mantendo os demais artigos das leis anteriores.

O capital iniciou uma campanha para tentar impedir o pleno vigo da lei em 01.05.1848.

Baixaram os salários em 10%, nova baixa, quando a jornada se reduziu para 11 horas, de 8,33%, e o dobro
dessa baixa quando veio a redução definitiva para 10 horas.

Por toda a parte os cortes salariais chegaram no mínimo a 25%. Tentaram buscar, com isso, apoio dos
trabalhadores para a revogação da lei de 1847, em vão.

Criticaram o trabalho dos inspetores afirmando que os trabalhadores preferiam não cumprir a lei.

Os patrões faziam adultos trabalhar de 12 a 15 horas e diziam que eram os trabalhadores que preferiam a
prorrogação da jornada para ganhar mais. Contudo, os que trabalhavam além do tempo legal declararam,
em sua maioria, que
“[...] preferiam muito mais trabalhar 10 horas por menos salário, mas não tinham escolha; muitos deles
estavam sem trabalho, muitos fiandeiros obrigados a trabalhar como simples emendadores e, desse modo,
se se recusassem a trabalhar horas extraordinárias, outros tomariam imediatamente seus lugares; a
questão para eles se reduzia, portanto, ao dilema ou trabalhar horas extraordinárias, ou ficar sem
emprego” (MARX, 2016, p. 328).

Os fiscais descobriram que trabalhadores que assinaram petições para revogação da lei (uma minoria
ínfima), o fizeram sob ameaça de demissão, a maioria dos trabalhadores preferia trabalhar menos, as 10
horas, mesmo que isso implicasse salários menores.

A campanha do capital fracassou, entrando em vigor a lei das 10 horas em 01.05.1848.

Contudo, a derrota do partido cartista, “Em seguida, a insurreição de junho de Paris e seu afogamento em
sangue reuniram, tanto na Europa Continental como na Inglaterra, todas as frações das classes
dominantes – senhores de terra e capitalistas, especuladores de bolsa e lojistas, protecionistas e livre-
cambistas, governo e oposição, clérigos e livres-pensadores, jovens prostitutas e velhas freiras – sob a
bandeira comum de salvação da propriedade, da religião, da família e da sociedade. A classe trabalhadora
foi, por toda parte, proscrita, anatematizada, considerada suspeita pelo aparelho de segurança do Estado”
(MARX, 2016, p. 328).

A partir de então, os fabricantes não fizeram mais cerimônia e rebelaram-se contra todas as legislações
trabalhistas, desde 1933, que “procurava de certo modo refrear sua ‘liberdade’ de sugar a força de
trabalho” (MARX, 2016, p. 328).

Passaram a demitir mulheres, crianças e adolescentes, que eram protegidos pelas leis, e a contratar o
trabalho adulto masculino, sem proteção. Além disso, restauraram o trabalho noturno que quase não se
usava mais. “A lei das 10 horas, bradaram eles, não lhes deixava outra saída” (MARX, 2016, p. 329).

Outra medida atingiu os intervalos legais para as refeições. O relato dos inspetores de fabricas revelam que
os fabricantes que contratavam para uma jornada da 9 às 19:00, ou seja, 10 horas, afirmavam que a 1:30 de
refeições deveria ser feita antes das 9:00 ou depois das 19:00, não permitindo intervalo para as refeições
durante as 10 horas de trabalho.

“Os fabricantes sustentaram, portanto, que as determinações meticulosas da lei de 1844 sobre refeições
davam ao trabalhador apenas a permissão para comer e beber antes de entrar na fábrica e depois de sair
dela, ou seja, em casa. E perguntavam por que não poderiam os trabalhadores tomar seu almoço antes
das 9 horas da manhã” (MARX, 2016, p. 329).

Os consultores jurídicos da Coroa decidiram, entretanto, que as refeições deveriam ser feitas em pausas da
jornada normal e que era ilegal fazer trabalhar 10 horas consecutivas, sem interrupção.

Como a lei só abordava o trabalho das crianças no período da manhã. O Capital passa a empregar as crianças
em horários irregulares no período da tarde e noite, e como não se diz nada sobre um intervalo fixo para as
crianças do período da tarde passam a obrigar crianças de 8 anos a trabalharem sem descanso das 14:00 às
20:00, fazendo-as passar fome.

“[...] vigora na Inglaterra a prática de fazer trabalharem até as 8½ da noite crianças de 8 a 13 anos, de
ambos os sexos, junto com homens adultos, quando todos os adolescentes e todas as mulheres já deixaram
o trabalho” (MARX, 2016, p. 330). Mesmo diante de protestos, por motivo de higiene e de ordem moral,
por parte dos trabalhadores e inspetores de fábrica.

Os fabricantes rebelados contra a lei das 10 horas informaram friamente aos inspetores que se colocariam
acima da lei e implementariam de novo o velho sistema de turnos múltiplos por sua própria conta.
Os inspetores fabris agiram judicialmente, mas isso não adiantava, pois, os juízes eram capitalistas e
defendiam sua própria pele ao absolver os amigos infratores das leis fabris, pois com isso, absolviam a si
próprios.

Nas palavras de um inspetor de fábrica:

“Depois que tentei por meio de 10 processos judiciais em 7 circunstâncias diferentes, obter a aplicação
da lei, só encontrando apoio judiciário em um caso, [...] cheguei à conclusão de ser inútil prosseguir nessa
atividade contra a violação da lei. A parte da lei regida para criar uniformidade nas horas de trabalho
[...] não vigora mais em Lancashire. Demais, eu e meus subagentes não dispomos mais de meios para nos
assegurar de que as fábricas onde se aplica o sistema de turnos múltiplos não ponham a trabalhar por
mais de 10 horas adolescentes e mulheres. [...]. No fim de abril de 1849, já trabalhavam por esse método
em meu distrito 114 fábricas, e seu número cresceu recentemente com rapidez. De modo geral, trabalham
agora 13½ horas, das 6 da manhã até as 7½ da noite; em alguns casos, 15 horas, das 5½ da manhã às 8½
da noite” (MARX, 2016, p. 333).

Depois de 2 anos de protestos do capital um 08.02.1850 foi aniquilada a lei das 10 horas. Os trabalhadores
protestaram abertamente contra essa decisão.

“Os inspetores do trabalho preveniram o governo insistentemente a respeito do antagonismo de classes,


que estava atingindo um grau inacreditável de tensão. Uma parte dos próprios fabricantes murmuravam:

‘Em virtude das decisões contraditórias dos magistrados, reina uma situação anormal e anárquica’”
(MARX, 2016, p. 335-336).

A lei em vigor diferia de uma localidade para a outra. Enquanto o fabricante podia burlar impunimente a
lei o da zona rural não o podia.

“O direito fundamental do capital é a igualdade na exploração da força de trabalho por todos os


capitalistas” (MARX, 2016, p. 336).

Os fabricantes e trabalhadores chegaram a um novo acordo consagrado na nova lei fabril de 05.08.1850:

1. A jornada dos adolescentes e das mulheres se elevou nos primeiros 5 dias da semana para 10:30, e
reduzida a 7:30 aos sábados.
2. Jornada: 6:00 às 18:00, com 1:30 de pausa para refeições, a ser concedida ao mesmo tempo e de
acordo com as determinações da lei de 1844.
3. Fim definitivo dos turnos múltiplos.
4. A lei de 1844 continuou em vigor para o trabalho das crianças.

Os fabricantes da seda conseguiram beneficiar-se do trabalho infantil, com exceções na legislação, são
estas:

1. Jornada de 10½ horas diárias para crianças entre 11 e 13 anos (a legislação de 1844 deveria ser de
6:30);
2. Esse ramo ficou isento da obrigação escolar estabelecida para as crianças empregadas em outras
fábricas.

Os argumentos dos industriais da seda para conseguirem tais privilégios eram:

1. “A delicadeza do tecido exige uma leveza de tato que só pode ser adquirida com o início cedo no
trabalho dessas fábricas” (MARX, 2016, p. 337).
Segundo Marx (2016, p. 337): “Por terem dedos com leveza de tato, foram as crianças sacrificadas como
gado na Rússia Meridional por causa da pele e do sebo”.

2. Seria impossível comprar a força de trabalho adequada e suficiente se só pudessem empregar


meninos com mais de 13 anos por 10 horas e de 11 a 13 por 6:30.

A taxa média de mortalidade nos distritos de tal indústria é excepcionalmente alta, sendo mais elevada para
a parcela feminina do que a dos distritos têxteis.

A lei de 1850 não regulou o trabalho adulto e não alterou o período de início e fim do trabalho das crianças
(5½ da manhã, 8½ da noite). O que permitia prolongar o dia de trabalho masculino a 15 horas, com a ajuda
das crianças.

A experiência dos três anos seguintes mostrou que a resistência dos homens empregados ocasionava o
fracasso de tentativas dessa natureza.

A lei de 1850 foi finalmente completada em 1853 com a proibição de ‘empregar crianças, pela manhã, antes
e, à noite, depois dos adolescentes e das mulheres’.

Daí em diante a lei fabril de 1850 regulava, com pequenas exceções, a jornada de todos os trabalhos dos
ramos industriais a ela submetidos. Havia meio século que fora promulgada a primeira lei fabril.

Memorial dos trabalhadores da fiação dirigido aos empregadores:

“Falando francamente, nossa vida é para nós um fardo pesado, e, enquanto nós ficamos presos na fábrica
quase dois dias a mais por semana [20 horas] do que os outros trabalhadores, sentimo-nos em nosso país
como se fôssemos hilotas e condenamos a nós mesmos por perpetuar um sistema que prejudica, moral e
fisicamente, a nós e nossos descendentes [...] Por isto, informamo-los, respeitosamente, de que, a partir do
primeiro dia do ano, não trabalharemos um minuto a mais além das horas por semana, das 6 às 6, com o
desconto de pausas legais de 1½ hora” (MARX, 2016, p. 338).

Diferentemente da Lei de 1844 a Lei sobre estamparias de algodão de 1845 regulava:

1. A jornada de trabalho de crianças de 8 a 13 anos e das mulheres - 16 horas, entre 6:00 às 22:00, sem
qualquer pausa legal para as refeições;
2. Permite-se que se empregue dia e noite, sem limites, trabalhadores masculinos com mais de 13 anos.

O progresso da legislação fabril foi mais rápido a partir de 1860, quando os fabricantes sob a legislação de
1850 condenavam a exploração do trabalho pelo capital dos setores “livres”.

Em 1860, as tinturarias e branquearias foram submetidas à lei fabril de 1850, e em 1861, as fábricas de
rendas e meias. A partir de 1863, os fabricantes de cerâmica, fósforo de atrito, entre outras indústrias.

Em 1863, as lavanderias ao ar livre e a panificação foram submetidas a duas leis específicas, proibindo a
primeira, dentre outras coisas, o trabalho de crianças, adolescentes e mulheres à noite (20:00 às 6:00), e a
segunda, utilizarem-se os empregados de panificação, menores de 18 anos, entre 21:00 e 5:00.

7 A LUTA PELA JORNADA NORMAL DE TRABALHO. REPERCUSSÃO DA LEGISLAÇÃO


FABRIL INGLESA NOS OUTROS PAÍSES

“[...] a produção de mais-valia ou a extração de trabalho excedente constitui o conteúdo e o objetivo


específicos da produção capitalista” (MARX, 2016, p. 341).
Os trabalhadores fabris ingleses foram os campeões de toda a classe trabalhadora moderna a conquistar
seus direitos de jornada normal de trabalho, assim como os teóricos inglese foram os primeiros a desafiar a
teoria do capital.

A França vem atrás da Inglaterra, foi preciso a revolução de fevereiro para surgir a lei das 12 horas, e fixar
o trabalho das crianças no período entre 5:00 e 21:00.

Contudo, tal método revolucionário, embora tenha imposto uma lei inferior à inglesa, impôs a todas as
oficinas e fábricas, sem distinção, o mesmo limite para a jornada de trabalho, enquanto a legislação inglesa
foi fazendo concessões, caso a caso, conforme a pressão das circunstâncias.

Nos EUA, depois da guerra civil que pôs fim à escravatura, surgiu a campanha pelas 8 horas, que
demandavam leis que estabelecesse como jornada normal de trabalho, em todos os Estados, 8 horas diárias.

Argumentavam que a longa jornada de trabalho

“[...] longe de deixar o trabalhador tempo para repouso e educação, o reduz à condição de servo, apenas
ligeiramente melhor do que a de escravo. Por isso, resolvemos que 8 horas bastam para uma jornada de
trabalho e devem ser legalmente reconhecidas como suficiente” (MARX, 2016, p. 345).

Em setembro de 1866 o Congresso Internacional dos Trabalhadores, em Genebra, propôs como limite legal
do dia de trabalho jornada de 8 horas.

O movimento dos trabalhadores surgiu das próprias condições de produção.

Segundo os inspetores das fábricas uma legislação trabalhista é indispensável para a redução da exploração
do trabalho, sem ela os trabalhadores “livres” não conseguem defender-se da ganância do capital:

“Estas maquinações [as manobras do capital de 1848 a 1850, por exemplo] proporcionaram, além disso,
prova incontestável da falsidade da afirmativa tantas vezes feita de que os trabalhadores não precisam de
proteção, mas devem ser considerados agentes livres ao disporem de sua única propriedade – o trabalho
de suas mãos e o suor de seus rostos. [...] Trabalho livres, se assim pode ser chamado, precisa do braço
forte da lei para proteger-se, mesmo num país livre” (MARX, 2016, p. 346).

O capítulo termina com Marx fazendo uma análise da evolução do trabalhador.

“Temos de confessar que nosso trabalhador sai do processo de produção de maneira diferente daquela em
que nele entrou. No mercado, encontramo-lo como possuidor da mercadoria chamada força de trabalho,
em face de outros possuidores de mercadorias; vendedor, em face de outros vendedores. O contrato pelo
qual vendeu sua força de trabalho ao capitalista demonstra, por assim dizer, preto no branco, que ele
dispõe livremente de si mesmo.

Concluído o negócio, descobre-se que ele não é nenhum agente livre, que o tempo em que está livre para
vender sua força de trabalho é o tempo em que é forçado a vende-la e que seu vampiro não o solta
‘enquanto houver um músculo, um nervo, uma gota de sangue a explorar’.

Para proteger-se contra ‘a serpente de seus tormentos’, têm os trabalhadores de se unir e, como classe,
compelir a que se promulgue uma lei que seja uma barreira social intransponível, capaz de impedi-los
definitivamente de venderem a si mesmos e à sua descendência ao capital, mediante livre acordo que os
condena à morte e à escravatura. O pomposo catálogo dos direitos inalienáveis do homem será, assim,
substituído pela modesta Magna Carta que limita legalmente a jornada de trabalho e estabelece
claramente, por fim, ‘quando termina o tempo que o trabalhador vende e quando começa o tempo que lhe
pertence’. Que transformação!” (MARX, 2016, p. 345-346).

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