Você está na página 1de 44

��������

como o homem foi condenado a comer seu pão com o suor


de seu rosto; mas é a história do pecado original econ-
����������� ômico que nos revela como pode haver gente que não tem
nenhuma necessidade disso. Seja como for. Deu-se, assim,
A assim chamada acumulação que os primeiros acumularam riquezas e os últimos
primitiva acabaram sem ter nada para vender, a não ser sua própria
pele. E desse pecado original datam a pobreza da grande
massa, que ainda hoje, apesar de todo seu trabalho, con-
tinua a não possuir nada para vender a não ser a si mesma,
1. O segredo da acumulação primitiva e a riqueza dos poucos, que cresce continuamente, embora
há muito tenham deixado de trabalhar. São trivialidades
Vimos como o dinheiro é transformado em capital, como como essas que, por exemplo, o sr. Thiers, com a solenid-
por meio do capital é produzido mais-valor e do mais-val- ade de um estadista, continua a ruminar aos franceses, out-
or se obtém mais capital. Porém, a acumulação do capital rora tão sagazes, como apologia da proprietéa. Mas tão logo
pressupõe o mais-valor, o mais-valor, a produção capit- entra em jogo a questão da propriedade, torna-se dever
alista, e esta, por sua vez, a existência de massas relativa- sagrado sustentar o ponto de vista da cartilha infantil
mente grandes de capital e de força de trabalho nas mãos como o único válido para todas as faixas etárias e graus de
de produtores de mercadorias. Todo esse movimento desenvolvimento. Na história real, como se sabe, o papel
parece, portanto, girar num círculo vicioso, do qual só po- principal é desempenhado pela conquista, a subjugação, o
demos escapar supondo uma acumulação “primitiva” assassínio para roubar, em suma, a violência. Já na eco-
(“previous accumulation”, em Adam Smith), prévia à acu- nomia política, tão branda, imperou sempre o idílio.
mulação capitalista, uma acumulação que não é resultado Direito e “trabalho” foram, desde tempos imemoriais, os
do modo de produção capitalista, mas seu ponto de únicos meios de enriquecimento, excetuando-se sempre, é
partida. claro, “este ano”. Na realidade, os métodos da acumulação
Essa acumulação primitiva desempenha na economia primitiva podem ser qualquer coisa, menos idílicos.
política aproximadamente o mesmo papel do pecado ori- Num primeiro momento, dinheiro e mercadoria são tão
ginal na teologia. Adão mordeu a maçã e, com isso, o pouco capital quanto os meios de produção e de subsistên-
pecado se abateu sobre o gênero humano. Sua origem nos cia. Eles precisam ser transformados em capital. Mas essa
é explicada com uma anedota do passado. Numa época transformação só pode operar-se em determinadas circun-
muito remota, havia, por um lado, uma elite laboriosa, in- stâncias, que contribuem para a mesma finalidade: é pre-
teligente e sobretudo parcimoniosa, e, por outro, uma sú- ciso que duas espécies bem diferentes de possuidores de
cia de vadios a dissipar tudo o que tinham e ainda mais. mercadorias se defrontem e estabeleçam contato; de um
De fato, a legenda do pecado original teológico nos conta lado, possuidores de dinheiro, meios de produção e meios
�������� ��������

de subsistência, que buscam valorizar a quantia de valor livre vendedor de força de trabalho, que leva sua mer-
de que dispõem por meio da compra de força de trabalho cadoria a qualquer lugar onde haja mercado para ela, ele
alheia; de outro, trabalhadores livres, vendedores da pró- tinha, além disso, de emancipar-se do jugo das corpor-
pria força de trabalho e, por conseguinte, vendedores de ações, de seus regulamentos relativos a aprendizes e ofici-
trabalho. Trabalhadores livres no duplo sentido de que ais e das prescrições restritivas do trabalho. Com isso, o
nem integram diretamente os meios de produção, como os movimento histórico que transforma os produtores em tra-
escravos, servos etc., nem lhes pertencem os meios de balhadores assalariados aparece, por um lado, como a
produção, como no caso, por exemplo, do camponês que libertação desses trabalhadores da servidão e da coação
trabalha por sua própria conta etc., mas estão, antes, livres corporativa, e esse é único aspecto que existe para nossos
e desvinculados desses meios de produção. Com essa po- historiadores burgueses. Por outro lado, no entanto, esses
larização do mercado estão dadas as condições fundamen- recém-libertados só se convertem em vendedores de si
tais da produção capitalista. A relação capitalista pres- mesmos depois de lhes terem sido roubados todos os seus
supõe a separação entre os trabalhadores e a propriedade meios de produção, assim como todas as garantias de sua
das condições da realização do trabalho. Tão logo a existência que as velhas instituições feudais lhes ofereciam.
produção capitalista esteja de pé, ela não apenas conserva E a história dessa expropriação está gravada nos anais da
essa separação, mas a reproduz em escala cada vez maior. humanidade com traços de sangue e fogo.
O processo que cria a relação capitalista não pode ser Os capitalistas industriais, esses novos potentados,
senão o processo de separação entre o trabalhador e a pro- tiveram, por sua vez, de deslocar não apenas os mestres-
priedade das condições de realização de seu trabalho, pro- artesãos corporativos, mas também os senhores feudais,
cesso que, por um lado, transforma em capital os meios so- que detinham as fontes de riquezas. Sob esse aspecto, sua
ciais de subsistência e de produção e, por outro, converte ascensão se apresenta como o fruto de uma luta vitoriosa
os produtores diretos em trabalhadores assalariados. A as- contra o poder feudal e seus privilégios revoltantes, assim
sim chamada acumulação primitiva não é, por con- como contra as corporações e os entraves que estas
seguinte, mais do que o processo histórico de separação colocavam ao livre desenvolvimento da produção e à livre
entre produtor e meio de produção. Ela aparece como exploração do homem pelo homem. Mas se os cavaleiros
“primitiva” porque constitui a pré-história do capital e do da indústria desalojaram os cavaleiros da espada, isso só
modo de produção que lhe corresponde. foi possível porque os primeiros exploraram acontecimen-
A estrutura econômica da sociedade capitalista surgiu tos nos quais eles não tinham a menor culpa. Sua ascensão
da estrutura econômica da sociedade feudal. A dissolução se deu por meios tão vis quanto os que outrora permitiram
desta última liberou os elementos daquela. ao liberto romano converter-se em senhor de seu patronus
O produtor direto, o trabalhador, só pôde dispor de sua [patrono].
pessoa depois que deixou de estar acorrentado à gleba e de O ponto de partida do desenvolvimento que deu ori-
ser servo ou vassalo de outra pessoa. Para converter-se em gem tanto ao trabalhador assalariado como ao capitalista
�������� ��������

foi a subjugação do trabalhador. O estágio seguinte consis- qualquer que fosse o rótulo feudal a encobrir sua pro-
tiu numa mudança de forma dessa subjugação, na trans- priedade. Nos domínios senhoriais maiores, o arrendatário
formação da exploração feudal em exploração capitalista. livre tomara o lugar do bailiff (bailio), ele mesmo servo em
Para compreendermos sua marcha, não precisamos re- outras épocas. Os assalariados agrícolas consistiam, em
montar a um passado tão remoto. Embora os primórdios parte, em camponeses que empregavam seu tempo livre
da produção capitalista já se nos apresentem esporadica- trabalhando para os grandes proprietários, em parte, numa
mente, nos séculos XIV e XV, em algumas cidades do classe de trabalhadores assalariados propriamente ditos,
Mediterrâneo, a era capitalista só tem início no século XVI. classe essa independente e pouco numerosa, tanto em ter-
Nos lugares onde ela surge, a supressão da servidão já está mos relativos como absolutos. Ao mesmo tempo, também
há muito consumada, e o aspecto mais brilhante da Idade estes últimos eram, de fato, camponeses economicamente
Média, a existência de cidades soberanas, há muito já autônomos, pois, além de seu salário, recebiam terras de 4
empalideceu. ou mais acres para o cultivo, além de cottages. Ademais,
Na história da acumulação primitiva, o que faz época junto com os camponeses propriamente ditos, desfrutavam
são todos os revolucionamentos que servem de alavanca à das terras comunais, sobre as quais pastava seu gado e que
classe capitalista em formação, mas, acima de tudo, os mo- lhes forneciam também combustíveis, como lenha, turfa
mentos em que grandes massas humanas são despojadas etc.191 Em todos os países da Europa, a produção feudal se
súbita e violentamente de seus meios de subsistência e caracteriza pela partilha do solo entre o maior número pos-
lançadas no mercado de trabalho como proletários abso- sível de vassalos. O poder de um senhor feudal, como o de
lutamente livres. A expropriação da terra que antes perten- todo soberano, não se baseava na extensão de seu registro
cia ao produtor rural, ao camponês, constitui a base de to- de rendas, mas no número de seus súditos, e este dependia
do o processo. Sua história assume tonalidades distintas da quantidade de camponeses economicamente
nos diversos países e percorre as várias fases em sucessão autônomos . Isso explica por que o solo inglês, que de-
192

diversa e em diferentes épocas históricas. Apenas na pois da conquista normanda se dividiu em gigantescos
Inglaterra, e por isso tomamos esse país como exemplo, tal baronatos, um único dos quais costumava incluir 900 dos
expropriação se apresenta em sua forma clássicab 189. antigos senhorios anglo-saxônicos, era entremeado de
pequenas propriedades camponesas, apenas aqui e ali in-
2. Expropriação da terra pertencente à terrompidas por domínios senhoriais maiores. Tais con-
população rural dições, somadas ao florescimento simultâneo das cidades,
que caracteriza o século XV, permitiam aquela riqueza
Na Inglaterra, a servidão havia praticamente desaparecido popular que o chanceler Fortescue descreve com tanta elo-
na segunda metade do século XIV. A maioria da popu- quência em seu Laudibus Legum Angliae, mas excluíam a
lação190 consistia naquela época, e mais ainda no século riqueza capitalista.
XV, em camponeses livres, economicamente autônomos,
�������� ��������

O prelúdio da revolução que criou as bases do modo de pequenas propriedades camponesas desapareceram, que o
produção capitalista ocorreu no último terço do século XV campo alimenta muito menos gente, que muitas cidades estão
e nas primeiras décadas do século XVI. Uma massa de pro- arruinadas, embora algumas novas floresçam [...]. Eu teria
algo a contar sobre cidades e aldeias que foram destruídas
letários absolutamente livres foi lançada no mercado de
para ceder lugar a pastagens de ovelhas e onde só restaram as
trabalho pela dissolução dos séquitos feudais, que, como
casas dos antigos senhores.”
observou corretamente sir James Steuart, “por toda parte
lotavam inutilmente casas e castelos”c. Embora o poder As queixas dessas velhas crônicas são invariavelmente
real, ele mesmo um produto do desenvolvimento burguês, exageradas, mas ilustram exatamente a impressão que a re-
em sua ânsia pela conquista da soberania absoluta tenha volução nas condições de produção provocou nos homens
acelerado violentamente a dissolução desses séquitos, ele daquela época. Uma comparação dos escritos do chanceler
não foi, de modo algum, a causa exclusiva dessa dissol- Fortescue com os de Thomas More evidencia o abismo
ução. Ao contrário, foi o grande senhor feudal que, na mais entre os séculos XV e XVI. De sua idade de ouro, como diz
tenaz oposição à Coroa e ao Parlamento, criou um prolet- Thornton corretamente, a classe trabalhadora inglesa de-
ariado incomparavelmente maior tanto ao expulsar brutal- caiu, sem qualquer fase de transição, à idade de ferro.
mente os camponeses das terras onde viviam e sobre as A legislação se aterrorizou com esse revolucionamento.
quais possuíam os mesmos títulos jurídicos feudais que ele Ela ainda não havia alcançado aquele ápice civilizacional
quanto ao usurpar-lhes as terras comunais. O impulso ime- em que a “wealth of the nation”, isto é, a formação do capital
diato para essas ações foi dado, na Inglaterra, particular- e a exploração e empobrecimento inescrupulosos das mas-
mente pelo florescimento da manufatura flamenga de lã e sas populares são considerados a última Thule de toda a
o consequente aumento dos preços da lã. A velha nobreza sabedoria de Estado. Em sua história de Henrique VII, diz
feudal fora aniquilada pelas grandes guerras feudais; a Bacon:
nova nobreza era uma filha de sua época, para a qual o
“Naquele tempo” (1489) “aumentaram as queixas sobre a
dinheiro era o poder de todos os poderes. Sua divisa era,
transformação de terras de lavoura em pastagens” (para cri-
por isso, transformar as terras de lavoura em pastagens de ação de ovelhas etc.), “fáceis de vigiar com poucos pastores; e
ovelhas. Em sua Description of England. Prefixed to Holin- as propriedades arrendadas temporária, vitalícia ou anual-
shed’s Chronicles, Harrison descreve como a expropriação mente (dos quais vivia grande parte dos yeomend) foram
dos pequenos camponeses significa a ruína do campo. transformados em domínios senhoriais. Isso provocou uma
“What care our great incroachers!” (Mas o que isso importa a decadência do povo e, em decorrência, uma decadência das
nossos grandes usurpadores?) As habitações dos cam- cidades, igrejas, dízimos [...]. Na cura desse mal, foi ad-
poneses e os cottages dos trabalhadores foram violenta- mirável, naquela época, a sabedoria do rei e do Parlamento
[...]. Adotaram medidas contra essa usurpação que despo-
mente demolidos ou abandonados à ruína.
voava os domínios comunais (depopulating inclosures) e o
“Se consultamos” – diz Harrison – “os inventários mais anti- despovoador regime de pastagens (depopulating pasture) que o
gos de cada domínio senhorial, vemos que inúmeras casas e acompanhava.”
�������� ��������

Uma lei de Henrique VII, de 1489, c. 19e, proibiu a O que o sistema capitalista exigia, ao contrário, era uma
destruição de toda casa camponesa que tivesse pelo menos posição servil das massas populares, a transformação des-
20 acres de terra. Numa lei 25f, de Henrique VIII, confirma- tas em trabalhadores mercenários e a de seus meios de tra-
se a disposição legal anterior. Diz-se, entre outras coisas, balho em capital. Durante esse período de transição, a le-
que gislação procurou também conservar os 4 acres de terra
contíguos ao cottage do assalariado agrícola e proibiu-lhe
“muitos arrendamentos e grandes rebanhos de gado, espe-
abrigar subinquilinos em seu cottage. Ainda em 1627, sob
cialmente de ovelhas, concentram-se em poucas mãos, pro-
vocando um aumento considerável das rendas fundiárias e, Carlos I, Roger Crocker de Fontmill foi condenado por ter
ao mesmo tempo, uma grande diminuição das lavouras construído, no solar de Fontmill, um cottage desprovido
(tillage) e a demolição de igrejas e casas, de maneira que dos 4 acres de terra como anexo permanente; ainda em
enormes massas populares se veem impossibilitadas de 1638, sob Carlos I, nomeou-se uma comissão real para a
sustentar a si mesmas e a suas famílias.” implementação das velhas leis, especialmente a que es-
tabelece os 4 acres de terra; também Cromwell proibiu a
A lei ordena, por isso, a reconstrução das propriedades
construção de qualquer casa, num raio de 4 milhas ao
rurais arruinadas, determina a proporção entre campos de
redor de Londres, que não estivesse dotada de 4 acres de
cereais e pastagens etc. Um decreto de 1533 se queixa de
terra. Ainda na primeira metade do século XVIII havia
que um número considerável de proprietários possuíam 24
queixas quando o cottage do trabalhador agrícola não dis-
mil ovelhas e restringe seu número a 2 mil193. As queixas
punha, como complemento, de 1 ou 2 acres de terra. Hoje,
populares e a legislação, que desde Henrique VII, e dur-
tal trabalhador está feliz quando sua casa é dotada de uma
ante 150 anos, condenou a expropriação dos pequenos ar-
pequena horta ou quando pode arrendar, longe dela, umas
rendatários e camponeses, foram igualmente infrutíferas.
poucas varas de terra.
O segredo de seu fracasso nos é revelado por Bacon, sem
que ele se aperceba disso. “Os proprietários fundiários e os arrendatários” – diz o dr.
Hunter – “agem, nesse caso, de comum acordo. Uns poucos
“A lei de Henrique VII” – diz ele em seus Essays, Civil and acres no cottage tornariam os trabalhadores demasiado inde-
Moral (seção 29) – “foi profunda e admirável por ter estabele- pendentes.”194
cido explorações agrícolas e casas rurais de determinado
padrão, isto é, por ter garantido aos lavradores uma parcela Um novo e terrível impulso ao processo de expropri-
de terra que os capacitava a trazer ao mundo súditos dotados ação violenta das massas populares foi dado, no século
de uma riqueza suficiente e de condição não servil, conser- XVI, pela Reforma e, em consequência dela, pelo roubo co-
vando o arado nas mãos de proprietários e não de trabal-
lossal dos bens da Igreja. Na época da Reforma, a Igreja
hadores mercenários (to keep the plough in the hand of the owners
católica era a proprietária feudal de grande parte do solo
and not hirelings).”193a
inglês. A supressão dos monastérios etc. lançou seus mor-
adores no proletariado. Os próprios bens eclesiásticos
�������� ��������

foram, em grande parte, presenteados aos rapaces favori- motrizes puramente econômicas da revolução agrícola. O
tos do rei ou vendidos por um preço irrisório a especu- que procuramos são os meios violentos por ela
ladores, sejam arrendatários ou habitantes urbanos, que empregados.
expulsaram em massa os antigos vassalos hereditários e Sob a restauração dos Stuarts, os proprietários fundiári-
açambarcaram suas propriedades. A propriedade, garan- os instituíram legalmente uma usurpação, que em todo o
tida por lei aos camponeses empobrecidos, de uma parte continente também foi realizada sem formalidades legais.
dos dízimos da Igreja foi tacitamente confiscada195. Pauper Eles aboliram o regime feudal da propriedade da terra, isto
ubique jacetg, exclamou a rainha Elizabeth após um giro é, liberaram esta última de seus encargos estatais, “inden-
pela Inglaterra. No 43º ano de seu reinado não havia mais izaram” o Estado por meio de impostos sobre os cam-
como impedir o reconhecimento oficial do pauperismo, poneses e o restante da massa do povo, reivindicaram a
mediante a introdução dos impostos de beneficência. moderna propriedade privada de bens, sobre os quais só
possuíam títulos feudais, e, por fim, outorgaram essas leis
“Os autores dessa lei se envergonharam de enunciar suas
de assentamento (laws of settlement), que, mutatis mutandis,
razões e, por isso, violando toda tradição, lançaram-na ao
mundo sem nenhum preamble (exposição de motivos).”196 tiveram sobre os lavradores ingleses os mesmos efeitos que
o édito do tártaro Boris Godunov sobre os camponeses rus-
A lei 16 Carolus I, 4h estabeleceu a perpetuidade desse sosi.
imposto, e, na realidade, somente em 1834 ela recebeu uma A “Glorious Revolution” (Revolução Gloriosa)j conduziu
nova forma, mais rígida197. Esses efeitos imediatos da Re- ao poder, com Guilherme III de Orange200, os extratores de
forma não foram os mais perduráveis. A propriedade da mais-valor, tanto proprietários fundiários como capitalis-
Igreja constituía o baluarte religioso das antigas relações tas. Estes inauguraram a nova era praticando em escala co-
de propriedade da terra. Com a ruína daquela, estas não lossal o roubo de domínios estatais que, até então, era real-
podiam se manter198. izado apenas em proporções modestas. Tais terras foram
Ainda nas últimas décadas do século XVII, a yeomanry, presenteadas, vendidas a preços irrisórios ou, por meio de
uma classe de camponeses independentes, era mais nu- usurpação direta, anexadas a domínios privados201. Tudo
merosa que a classe dos arrendatários. Ela constituíra a isso ocorreu sem a mínima observância da etiqueta legal. O
força principal de Cromwell e, como reconhece o próprio patrimônio do Estado, apropriado desse modo fraudu-
Macaulay, era superior aos sórdidos fidalgos bêbados e lento, somado ao roubo das terras da Igreja – quando estas
seus lacaios, os curas rurais, obrigados a desposar a “cri- já não haviam sido tomadas durante a revolução republic-
ada favorita” do senhor. Os assalariados rurais ainda eram ana –, constituem a base dos atuais domínios principescos
coproprietários da propriedade comunal. Em torno de da oligarquia inglesa202. Os capitalistas burgueses favore-
1750, a yeomanry havia desaparecido199 e, nas últimas déca- ceram a operação, entre outros motivos, para transformar
das do século XVIII, o último resquício de propriedade o solo em artigo puramente comercial, ampliar a superfície
comunal dos lavradores. Abstraímos aqui as forças da grande exploração agrícola, aumentar a oferta de
�������� ��������

proletários absolutamente livres, provenientes do campo lugar dos senhores feudais, quando exige “uma lei parla-
etc. Além disso, a nova aristocracia fundiária era aliada mentar geral para o cercamento das terras comunais”, ad-
natural da nova bancocracia, das altas finanças recém-saí- mitindo, com isso, ser necessário um golpe de Estado par-
das do ovo e dos grandes manufatureiros, que então se lamentar para transformar essas terras em propriedade
apoiavam sobre tarifas protecionistas. A burguesia inglesa privada, e, por outro lado, quando reivindica ao poder le-
atuava em defesa de seus interesses tão acertadamente gislativo uma “indenização” para os pobres expropria-
quanto os burgueses suecos, que, ao contrário, em aliança dos204.
com seu baluarte econômico, o campesinato, apoiaram os Enquanto o lugar dos yeomen independentes foi ocu-
reis na retomada violenta das terras da Coroa em mãos da pado por tenants-at-will, arrendatários menores sujeitos a
oligarquia (desde 1604, mais tarde nos reinados de Carlos ser desalojados com um aviso prévio de um ano, isto é, um
X e Carlos XI). bando servil e dependente do arbítrio do landlord, o roubo
A propriedade comunal – absolutamente distinta da sistemático da propriedade comunal, ao lado do roubo dos
propriedade estatal anteriormente considerada – era uma domínios estatais, ajudou especialmente a inchar aqueles
antiga instituição germânica, que subsistiu sob o manto do grandes arrendamentos, que, no século XVIII, eram cha-
feudalismo. Vimos como a violenta usurpação dessa pro- mados de fazendas de capital205 ou arrendamentos de mer-
priedade comunal, em geral acompanhada da transform- cador206, e a “liberar” a população rural para a indústria,
ação das terras de lavoura em pastagens, tem início no fi- como proletariado.
nal do século XV e prossegue durante o século XVI. Nessa No entanto, o século XVIII ainda não compreendia, na
época, porém, o processo se efetua por meio de atos indi- mesma medida que a compreendeu o século XIX, a iden-
viduais de violência, contra os quais a legislação lutou, em tidade entre riqueza nacional e pobreza do povo. Disso
vão, durante 150 anos. O progresso alcançado no século resulta a mais encarniçada polêmica na literatura econôm-
XVIII está em que a própria lei se torna, agora, o veículo do ica da época em torno do inclosure of commons [Cercamento
roubo das terras do povo, embora os grandes arrendatários de terras comuns]. Da grande quantidade de material de
também empreguem paralelamente seus pequenos e inde- que disponho, apresento aqui algumas poucas passagens,
pendentes métodos privados203. A forma parlamentar do pois assim será possível obter uma ideia viva das
roubo é a das “Bills for Inclosures of Commons” (leis para o circunstâncias.
cercamento da terra comunal), decretos de expropriação
“Em muitas paróquias de Hertfordshire” – escreve uma pena
do povo, isto é, decretos mediante os quais os proprietários
indignada – “24 arrendamentos, cada um deles com uma mé-
fundiários presenteiam a si mesmos, como propriedade dia de 50 a 150 acres, foram fundidos em 3 arrendamen-
privada, com as terras do povo. Sir Francis Morton Eden tos.”207 “Em Northamptonshire e Lincolnshire tem predomin-
refuta sua própria argumentação espirituosa de advogado, ado o cercamento das terras comunais, e a maior parte dos
na qual procura apresentar a propriedade comunal como novos senhorios surgidos dos cercamentos foi convertida em
propriedade privada dos latifundiários que assumiram o pastagens; em razão disso, hoje muitos senhorios não têm 50
�������� ��������

acres sob o arado, onde antes eram arados 1.500 acres [...]. ao mercado para obter tudo de que precisam [...]. É possível
Ruínas de antigas habitações, celeiros, currais etc.” são os úni- que mais trabalho seja realizado, porque há mais compulsão
cos vestígios dos antigos habitantes. “Em alguns lugares, 100 para isso [...]. Cidades e manufaturas crescerão, porque mais
casas e famílias foram reduzidas [...] a 8 ou 10 [...]. Na maioria pessoas em busca de trabalho serão impelidas para elas. Essa
das paróquias em que o cercamento se deu há apenas 15 ou é a forma como a concentração dos arrendamentos natural-
20 anos, o número de proprietários fundiários é muito mente opera e o modo como efetivamente tem operado, neste
pequeno em comparação com o daqueles que cultivavam a reino, há muitos anos.”210
terra no regime de campos abertos. Não é nada incomum ver
4 ou 5 ricos pecuaristas usurparem senhorios recém-cercados, Assim ele resume o efeito global dos inclosures:
que antes encontravam-se em mãos de 20 a 30 arrendatários e
“Em termos gerais, a situação das classes inferiores do povo
outros tantos pequenos proprietários e camponeses. Estes úl-
tem piorado em quase todos os sentidos; os pequenos propri-
timos e suas famílias foram expulsos de suas propriedades
etários fundiários e arrendatários foram rebaixados à con-
juntamente com muitas outras famílias, que eram por eles
dição de jornaleiros e trabalhadores mercenários, ao mesmo
ocupadas e mantidas.”208
tempo que se tornou cada vez mais difícil ganhar a vida nessa
O que o landlord vizinho anexava, sob o pretexto do cer- condição.”211
camento, não era apenas terra alqueivada, mas eram fre- Com efeito, a usurpação da terra comunal e a con-
quentemente terras cultivadas comunalmente ou mediante seguinte revolução da agricultura surtem efeitos tão
um determinado pagamento à comunidade. agudos sobre os trabalhadores agrícolas que, segundo o
“Refiro-me aqui ao cercamento de campos abertos e terras já próprio Eden, entre 1765 e 1780 o salário desses trabal-
cultivadas. Mesmo os autores que defendem os inclosures ad- hadores começou a cair abaixo do mínimo e a ser comple-
mitem que estes últimos aumentam o monopólio dos grandes mentado pela assistência oficial aos pobres. Seu salário, diz
arrendamentos, elevam os preços dos meios de subsistência e ele, “já não bastava para satisfazer as necessidades vitais
provocam despovoamento [...] e mesmo o cercamento de ter- mais elementares”.
ras desertas, como o praticam agora, despoja os pobres de Ouçamos ainda por um instante um defensor dos en-
uma parte de seus meios de subsistência e incha arrendamen-
closures e adversário do dr. Price.
tos que já são grandes demais.”209 “Quando” − diz o dr. Price
– “a terra cai em mãos de alguns poucos grandes arrendatári- “Não é correto concluir que haja despovoamento pelo fato de
os, os pequenos arrendatários” (anteriormente caracterizados não se ver mais gente desperdiçando seu trabalho em campo
por ele como “uma multidão de pequenos proprietários e ar- aberto [...]. Se, após a conversão dos pequenos camponeses
rendatários, que se mantêm a si mesmos e a suas famílias com em gente que tem de trabalhar para outrem, mais trabalho é
o produto das terras cultivadas por eles mesmos e com as posto em movimento, isso constitui, de fato, uma vantagem
ovelhas, aves, porcos etc. que criam nas terras comunais, que a nação” (à qual os convertidos naturalmente não per-
tendo assim pouca necessidade de comprar meios de sub- tencem) “deve desejar [...]. O produto será maior se seu tra-
sistência”) “se transformam em pessoas que têm de obter sua balho combinado for empregado num só arrendamento:
subsistência trabalhando para outrem e que são forçadas a ir desse modo, formar-se-á produto excedente para as
�������� ��������

manufaturas e, por meio deste, as manufaturas, uma das mi- na verdade, varrê-las de seres humanos). Todos os méto-
nas de ouro desta nação, se multiplicarão em proporção à dos ingleses até agora observados culminaram no
quantidade de cereais produzida.”212 “clareamento”. Como vimos na parte anterior, ao descre-
A imperturbabilidade estoica com que o economista vermos a situação moderna, agora, quando já não há cam-
político encara as violações mais inescrupulosas do poneses independentes a serem varridos, passou-se ao
“sagrado direito de propriedade” e os atos de violência “clareamento” dos cottages, de modo que os trabalhadores
mais grosseiros contra as pessoas, sempre que estes sejam agrícolas já não encontram o espaço necessário para suas
necessários para produzir as bases do modo de produção moradias, nem mesmo sobre o solo cultivado por eles. Mas
capitalista, demonstra-nos, entre outros, o “filantrópico” o real significado de clearing of estates só se pode aprender
sir F. M. Eden, que, além de tudo, apresenta certa tendên- na terra prometida da moderna literatura de romance, na
cia tory. Toda a série de pilhagens, horrores e opressão que alta Escócia. Lá, o processo se distingue por seu caráter sis-
acompanha a expropriação violenta do povo, do último temático, pela magnitude da escala em que foi executado
terço do século XV até o fim do século XVIII, induz Eden com um só golpe (na Irlanda, os senhores fundiários o im-
apenas a esta “confortável” reflexão final: plementaram ao ponto de varrer várias aldeias ao mesmo
tempo; na alta Escócia, trata-se de áreas do tamanho de
“Era necessário estabelecer a proporção correta (due) entre as ducados alemães) e, finalmente, pela forma particular da
terras de lavoura e de pastagens. Ainda durante o século XIV, propriedade fundiária subtraída.
e na maior parte do século XV, para cada acre de pastagens
Os celtas da alta Escócia formavam clãs, sendo cada um
havia 2, 3 e até mesmo 4 acres de lavoura. Em meados do
deles o proprietário do solo em que se assentava. O repres-
século XVI, essa proporção transformou-se em 2 acres de pas-
tagens para 2 acres de lavoura; mais tarde, 2 acres de pasta- entante do clã, seu chefe ou “grande homem”, era apenas o
gens para 1 acre de lavoura, até que, por fim, alcançou-se a proprietário titular desse solo, do mesmo modo como a
proporção correta de 3 acres de pastagens para 1 acre de rainha da Inglaterra é a proprietária titular do solo nacion-
lavoura.” al inteiro. Quando o governo inglês logrou reprimir as
guerras intestinas desses “grandes homens” e suas con-
No século XIX, naturalmente, perdeu-se até mesmo a tínuas incursões nas planícies da baixa Escócia, os chefes
lembrança do nexo entre o lavrador e a propriedade dos clãs não abandonaram de modo nenhum seu velho ofí-
comunal. Para não falar de tempos posteriores, que farthing cio de bandoleiros; apenas modificaram a forma. Por conta
de indenização recebeu alguma vez a população rural própria, transformaram seu direito titular de propriedade
pelos 3.511.770 acres de terras comunais que lhes foram em direito de propriedade privada, e, como os membros
roubados entre 1810 e 1831 e que os landlords presentearam do clã impusessem resistência, decidiram expulsá-los por
aos landlords mediante o parlamento? meios violentos.
O último grande processo de expropriação que privou “Com o mesmo direito, um rei da Inglaterra poderia ser
os lavradores da terra foi a assim chamada clearing of es- autorizado a lançar seus súditos ao mar”, diz o prof.
tates (clareamento das propriedades rurais, o que significa,
�������� ��������

Newman213. Essa revolução, que teve início na Escócia de- sua maioria servos ingleses de arrendatários. No ano de
pois do último levante do pretendentek, pode ser acom- 1825, os 15 mil gaélicos já haviam sido substituídos por 131
panhada em suas primeiras fases, nas obras de sir James mil ovelhas. A parte dos aborígines jogada na orla marí-
Steuart214 e James Anderson215. No século XVIII, proibiu-se tima procurou viver da pesca. Tornaram-se anfíbios,
também a emigração dos gaélicos expulsos de suas terras, vivendo, como diz um escritor inglêsl, metade sobre a
a fim de impeli-los violentamente para Glasgow e outras terra, metade na água e, no fim das contas, apenas metade
cidades fabris216. Como exemplo dos métodos dominantes em ambas218.
no século XIX217, bastam aqui os “clareamentos” realizados Mas os bravos gaélicos deviam pagar ainda mais caro
por ordem da duquesa de Sutherland. Essa pessoa, in- por sua idolatria romântica de montanheses pelos
struída em matérias econômicas, decidiu, logo ao assumir “grandes homens” do clã. O cheiro de peixe subiu ao nariz
o governo, aplicar um remédio econômico radical, trans- dos grandes homens. Estes farejaram algo lucrativo nesse
formando em pastagens de ovelhas o condado inteiro, cuja assunto e arrendaram a orla marítima aos grandes comer-
população já fora reduzida a 15 mil em consequência de ciantes de peixes de Londres. Os gaélicos foram expulsos
processos de tipo semelhante. De 1814 até 1820, esses 15 pela segunda vez219.
mil habitantes, aproximadamente 3 mil famílias, foram sis- Por último, no entanto, uma parte das pastagens para
tematicamente expulsos e exterminados. Todos os seus vil- ovelhas foi reconvertida em reserva de caça. Na Inglaterra,
arejos foram destruídos e incendiados; todos os seus cam- como é sabido, não há florestas propriamente ditas. Os ani-
pos transformados em pastagens. Soldados britânicos fo- mais que vagam pelos parques dos grandes são inques-
ram incumbidos da execução dessa tarefa e entraram em tionavelmente gado doméstico, gordo como os aldermen
choque com os nativos. Uma anciã morreu queimada na [conselheiros municipais] londrinos. A Escócia é, assim, o
cabana que ela se recusara a abandonar. Desse modo, a último asilo da “nobre paixão”.
duquesa se apropriou de 794 mil acres de terras que desde
“Nas Terras Altas” – diz Somers em 1848 – “as áreas florestais
tempos imemoriais pertenciam ao clã. Aos nativos ex-
se ampliaram muito. Aqui, temos, de um lado de Gaick, a
pulsos ela designou cerca de 6 mil acres de terras, 2 acres nova floresta de Glenfeshie, e lá, do outro lado, a nova
por família, na orla marítima. Até então, esses 6 mil acres floresta de Ardverikie. Na mesma linha, temos o Bleak-
haviam permanecido ermos, e seus proprietários não Mount, um imenso deserto, recém-inaugurado. De leste a
haviam obtido renda nenhuma com eles. Movida por seu oeste, das vizinhanças de Aberdeen até os penhascos de
nobre sentimento, a duquesa chegou ao ponto de arrendar Oban, há uma linha contínua de florestas, ao passo que, em
o acre de terra por 2 xelins e 6 pence às pessoas do clã que outras regiões das Terras Altas, encontram-se as novas flores-
por séculos haviam vertido seu sangue pela família Suther- tas de Loch Archaig, Glengarry, Glenmoriston etc. [...]. A
transformação de sua terra em pastagens de ovelhas [...] im-
land. Toda a terra roubada ao clã foi dividida em 29
peliu os gaélicos para terras estéreis. Agora, o veado começa a
grandes arrendamentos, destinados à criação de ovelhas;
substituir a ovelha e lança os gaélicos numa miséria ainda
cada arrendamento era habitado por uma só família, em mais massacrante [...]. As florestas de caça219a e o povo não
�������� ��������

podem existir um ao lado do outro. Um ou outro tem inev- 3. Legislação sanguinária contra os
itavelmente de ceder espaço. Se no próximo quarto de século
deixarmos que as florestas de caça continuem a crescer em
expropriados desde o final do século XV.
número e tamanho, como ocorreu no último quarto de século, Leis para a compressão dos salários
logo não se encontrará mais nenhum gaélico em sua terra nat-
al. Esse movimento entre os proprietários das Terras Altas se Expulsos pela dissolução dos séquitos feudais e pela ex-
deve, por um lado, à moda, aos pruridos aristocráticos, à propriação violenta e intermitente de suas terras, esse pro-
paixão pela caça etc.; por outro lado, porém, eles praticam o letariado inteiramente livre não podia ser absorvido pela
comércio da caça exclusivamente com um olho no lucro. Pois manufatura emergente com a mesma rapidez com que fora
é fato que uma parte das terras montanhosas, convertida em trazido ao mundo. Por outro lado, os que foram repentina-
reserva de caça, é em muitos casos incomparavelmente mais mente arrancados de seu modo de vida costumeiro tam-
lucrativa do que se convertida em pastagens de ovelhas [...]. pouco conseguiam se ajustar à disciplina da nova situação.
O aficionado que procura uma reserva de caça só limita sua
Converteram-se massivamente em mendigos, assaltantes,
oferta pelo tamanho de sua bolsa [...]. Nas Terras Altas, foram
impostos sofrimentos não menos cruéis do que aqueles im-
vagabundos, em parte por predisposição, mas na maioria
postos à Inglaterra pela política dos reis normandos. Aos vea- dos casos por força das circunstâncias. Isso explica o surgi-
dos foi dado mais espaço, enquanto os seres humanos foram mento, em toda a Europa ocidental, no final do século XV e
acossados num círculo cada vez mais estreito [...] Roubou-se ao longo do século XVI, de uma legislação sanguinária
do povo uma liberdade atrás da outra [...]. E a opressão ainda contra a vagabundagem. Os pais da atual classe trabal-
cresce diariamente. Clareamento e expulsão do povo são hadora foram inicialmente castigados por sua metamor-
seguidos pelos proprietários como princípios inexoráveis, fose, que lhes fora imposta, em vagabundos e paupers. A le-
como uma necessidade agrícola, do mesmo modo como são gislação os tratava como delinquentes “voluntários” e
varridos as árvores e os arbustos nas florestas da América e
supunha depender de sua boa vontade que eles continu-
da Austrália, e a operação segue sua marcha tranquila, ad-
equada aos negócios.”220
assem a trabalhar sob as velhas condições, já inexistentes.
Na Inglaterra, essa legislação teve início no reinado de
O roubo dos bens da Igreja, a alienação fraudulenta dos Henrique VII.
domínios estatais, o furto da propriedade comunal, a Henrique VIII, 1530: mendigos velhos e incapacitados
transformação usurpatória, realizada com inescrupuloso para o trabalho recebem uma licença para mendigar. Em
terrorismo, da propriedade feudal e clânica em pro- contrapartida, açoitamento e encarceramento para os vag-
priedade privada moderna, foram outros tantos métodos abundos mais vigorosos. Estes devem ser amarrados a um
idílicos da acumulação primitiva. Tais métodos con- carro e açoitados até sangrarem; em seguida, devem pre-
quistaram o campo para a agricultura capitalista, incorpor- star juramento de retornarem à sua terra natal ou ao lugar
aram o solo ao capital e criaram para a indústria urbana a onde tenham residido durante os últimos três anos e de
oferta necessária de um proletariado inteiramente livre. “se porem a trabalhar” (to put himself to labour). Que ironia
cruel! Na lei 27 Henrique VIIIm, reitera-se o estatuto
�������� ��������

anterior, porém diversas emendas o tornam mais severo. idade, ser escravos dos mestres, que poderão acorrentá-los,
Em caso de uma segunda prisão por vagabundagem, o in- açoitá-los etc., como bem o quiserem. Todo amo tem per-
divíduo deverá ser novamente açoitado e ter a metade da missão para pôr um anel de ferro no pescoço, nos braços
orelha cortada; na terceira reincidência, porém, o réu deve ou nas pernas de seu escravo, para poder reconhecê-lo
ser executado como grave criminoso e inimigo da melhor e estar mais seguro de sua posse221. A última parte
comunidade. desse estatuto prevê que certos pobres devem ser
Eduardo VI: um estatuto do primeiro ano de seu re- empregados pela localidade ou pelos indivíduos que lhes
inado, 1547, estabelece que quem se recusar a trabalhar de- deem de comer e de beber e queiram encontrar trabalho
verá ser condenado a se tornar escravo daquele que o de- para eles. Esse tipo de escravos paroquiais subsistiu na
nunciou como vadio. O amo deve alimentar seu escravo Inglaterra até o avançar do século XIX, sob o nome de
com pão e água, caldos fracos e os restos de carne que lhe roundsmen (circulantes).
pareçam convenientes. Ele tem o direito de forçá-lo a Elizabeth, 1572: mendigos sem licença e com mais de 14
qualquer trabalho, mesmo o mais repugnante, por meio de anos de idade devem ser severamente açoitados e ter a
açoites e agrilhoamento. O escravo que fugir e permanecer orelha esquerda marcada a ferro, caso ninguém queira
ausente por 14 dias será condenado à escravidão perpétua tomá-los a serviço por 2 anos; em caso de reincidência, se
e deverá ser marcado a ferro na testa ou na face com a letra com mais de 18 anos de idade, devem ser executados, caso
S; se fugir pela terceira vez, será executado por alta traição. ninguém queira tomá-los a serviço por 2 anos; na segundan
Seu dono pode vendê-lo, legá-lo a herdeiros ou alugá-lo reincidência, serão executados sem misericórdia, como
como escravo, tal como qualquer outro bem móvel ou traidores do Estado. Estatutos similares: 18 Elizabeth, c. 13o
gado doméstico. Os escravos que tentarem qualquer ação e os do ano 1597221a.
contra os senhores também deverão ser executados. Os Jaime I: alguém que vagueie e mendigue será declarado
juízes de paz, assim que informados, deverão perseguir os um desocupado e vagabundo. Os juízes de paz, nas Petty
velhacos. Quando se descobrir que um vagabundo esteve Sessionsp, têm autorização para mandar açoitá-los em
vadiando por 3 dias, ele deverá ser conduzido à sua terra público e encarcerá-los, na primeira ocorrência, por 6
natal, marcado com um ferro em brasa no peito com a letra meses, e na segunda, por 2 anos. Durante seu tempo na
V e acorrentado para trabalhar nas estradas ou ser utiliz- prisão, serão açoitados tanto e tantas vezes quanto os
ado em outras tarefas. Se o vagabundo informar um lugar juízes de paz considerarem conveniente... Os vagabundos
de nascimento falso, seu castigo será o de se tornar escravo incorrigíveis e perigosos devem ser marcados a ferro no
vitalício dessa localidade, de seus habitantes ou da corpor- ombro esquerdo com a letra Rq e condenados a trabalho
ação, além de ser marcado a ferro com um S. Todas as forçado, e se forem apanhados de novo mendigando de-
pessoas têm o direito de tomar os filhos dos vagabundos e vem ser executados sem perdão. Essas disposições legais,
mantê-los como aprendizes: os rapazes até os 24 anos, as vigentes até o começo do século XVIII, só foram revogadas
moças até os 20. Se fugirem, eles deverão, até atingir essa por 12 Ana c. 23.
�������� ��������

Leis semelhantes foram promulgadas na França, onde, continua, é claro, a ser empregada, mas apenas excepcion-
em meados do século XVII, estabeleceu-se um reino de almente. Para o curso usual das coisas, é possível confiar o
vagabundos (royaume des truands), em Paris. Ainda nos trabalhador às “leis naturais da produção”, isto é, à de-
primeiros anos de reinado de Luís XVI (ordenança de 13 pendência em que ele mesmo se encontra em relação ao
de julho de 1777) dispôs-se que todo homem de constitu- capital, dependência que tem origem nas próprias con-
ição saudável, entre 16 e 60 anos, caso desprovido de dições de produção e que por elas é garantida e perpetu-
meios de existência e do exercício de uma profissão, devia ada. Diferente era a situação durante a gênese histórica da
ser mandado às galés. De modo semelhante, o estatuto de produção capitalista. A burguesia emergente requer e usa
Carlos V para os Países Baixos, de outubro de 1537, o a força do Estado para “regular” o salário, isto é, para
primeiro édito dos Estados e Cidades da Holanda, de 19 de comprimi-lo dentro dos limites favoráveis à produção de
março de 1614, e o plakaatr das Províncias Unidas de 25 de mais-valor, a fim de prolongar a jornada de trabalho e
julho de 1649 etc. manter o próprio trabalhador num grau normal de de-
Assim, a população rural, depois de ter sua terra viol- pendência. Esse é um momento essencial da assim cha-
entamente expropriada, sendo dela expulsa e entregue à mada acumulação primitiva.
vagabundagem, viu-se obrigada a se submeter, por meio A classe dos assalariados, surgida na segunda metade
de leis grotescas e terroristas, e por força de açoites, ferros do século XIV, constituía nessa época, e também no século
em brasa e torturas, a uma disciplina necessária ao sistema seguinte, apenas uma parte muito pequena da população,
de trabalho assalariado. cuja posição era fortemente protegida, no campo, pela eco-
Não basta que as condições de trabalho apareçam num nomia camponesa independente e, na cidade, pela organiz-
polo como capital e no outro como pessoas que não têm ação corporativa. No campo e na cidade, mestres e trabal-
nada para vender, a não ser sua força de trabalho. Tam- hadores estavam socialmente próximos. A subordinação
pouco basta obrigá-las a se venderem voluntariamente. No do trabalho ao capital era apenas formal, isto é, o próprio
evolver da produção capitalista desenvolve-se uma classe modo de produção não possuía ainda um caráter espe-
de trabalhadores que, por educação, tradição e hábito, re- cificamente capitalista. O elemento variável do capital pre-
conhece as exigências desse modo de produção como leis ponderava consideravelmente sobre o constante. Por isso,
naturais e evidentes por si mesmas. A organização do pro- a demanda de trabalho assalariado crescia rapidamente
cesso capitalista de produção desenvolvido quebra toda a com cada acumulação do capital, enquanto a oferta de tra-
resistência; a constante geração de uma superpopulação re- balho assalariado a seguia apenas lentamente. Grande
lativa mantém a lei da oferta e da demanda de trabalho, e, parte do produto nacional, mais tarde convertida em
portanto, o salário, nos trilhos convenientes às necessid- fundo de acumulação do capital, ainda integrava, nessa
ades de valorização do capital; a coerção muda exercida época, o fundo de consumo do trabalhador.
pelas relações econômicas sela o domínio do capitalista A legislação sobre o trabalho assalariado, desde sua ori-
sobre o trabalhador. A violência extraeconômica, direta, gem cunhada para a exploração do trabalhador e, à
�������� ��������

medida de seu desenvolvimento, sempre hostil a ele222, foi Desde o século XIV até 1825, ano da revogação das leis
iniciada na Inglaterra, em 1349, pelo Statute of Labourers anticoalizão, considerava-se crime grave toda coalizão de
[Estatuto dos trabalhadores] de Eduardo III. A ele corres- trabalhadores. O espírito do estatuto trabalhista de 1349 e
ponde, na França, a ordenança de 1350, promulgada em de seus descendentes se revela muito claramente no fato
nome do rei João. As legislações inglesa e francesa seguem de que o Estado impõe um salário máximo, mas de modo
um curso paralelo e são idênticas quanto ao conteúdo. Na algum um mínimo.
medida em que os estatutos dos trabalhadores procuram No século XVI, como se sabe, a situação dos trabal-
impor o prolongamento da jornada de trabalho, não vol- hadores piorou consideravelmente. O salário em dinheiro
tarei a eles, pois esse ponto já foi examinado anteriormente subiu, mas não na proporção da depreciação do dinheiro e
(capítulo 8, item 5). ao consequente aumento dos preços das mercadorias. Na
O Statute of Labourers foi promulgado em razão das re- realidade, portanto, o salário caiu. Todavia, permaneceram
clamações insistentes da Câmara dos Comuns. em vigor as leis voltadas a seu rebaixamento, acompanha-
das dos cortes de orelhas e das marcações a ferro daqueles
“Antes” – diz ingenuamente um tory – “os pobres exigiam
“que ninguém quis tomar a seu serviço”. O estatuto dos
salários tão altos que ameaçavam a indústria e a riqueza. Ho-
je, seu salário é tão baixo que igualmente ameaça a indústria e aprendizes 5 Elizabeth c. 3 autorizou os juízes de paz a fix-
a riqueza, mas de outra maneira, e talvez com muito maior ar certos salários e a modificá-los de acordo com as es-
perigo do que então.”223 tações do ano e os preços das mercadorias. Jaime I es-
tendeu essa regulação do trabalho aos tecelões, fiandeiros e
Uma tarifa legal de salários foi estabelecida para a cid- a todas as categorias possíveis de trabalhadores224, e Jorge
ade e para o campo, para o trabalho por peça e por dia. Os II estendeu as leis anticoalizão a todas as manufaturas.
trabalhadores rurais deviam ser contratados por ano, e os No período manufatureiro propriamente dito, o modo
da cidade, “no mercado aberto”. Proibia-se, sob pena de de produção capitalista estava suficientemente fortalecido
prisão, pagar salários mais altos do que o determinado por para tornar a regulação legal do salário tão inaplicável
lei, mas quem recebia um salário mais alto era punido mais como supérflua, mas se preferiu conservar, para o caso de
severamente do que quem o pagava. Assim, as seções 18 e necessidade, as armas do velho arsenal. A lei 8 Jorge II
19 do Estatuto dos Aprendizes da rainha Elizabeth impun- ainda proibia que os oficiais de alfaiataria recebessem, em
ham 10 dias de prisão para quem pagasse um salário mais Londres e arredores, salários acima de 2 xelins e 71/2 pence
alto, e 21 dias para quem o recebesse. Um estatuto de 1360 por dia, salvo em casos de luto público; a lei 13 Jorge III c.
tornava mais rigorosas as penas e, inclusive, autorizava o 68 transferiu aos juízes de paz a regulamentação dos salári-
patrão a empregar a coação física para extorquir trabalho os dos tecelões de seda; em 1796, foram necessárias duas
pela tarifa legal de salário. Todas as combinações, con- sentenças dos tribunais superiores para decidir se os man-
vênios, juramentos etc. pelos quais pedreiros e carpinteiros datos dos juízes de paz sobre salários também valiam para
se vinculavam entre si, eram declarados nulos e sem valor. os trabalhadores não agrícolas; em 1799, uma lei do
�������� ��������

Parlamento confirmou que o salário dos mineiros da Escó- recorrer numa greve ou lock-out (greve dos fabricantes coli-
cia devia ser regulado por uma lei da época da rainha El- gados, realizada mediante o fechamento simultâneo de
izabeth e por duas leis escocesas, de 1661 e 1671. O quanto suas fábricas) são subtraídos ao direito comum e sub-
as condições se haviam alterado nesse ínterim o demonstra metidos a uma legislação penal de exceção, cuja inter-
um fato inaudito, ocorrido na Câmara Baixa inglesa. Aqui, pretação cabe aos próprios fabricantes, em sua condição de
onde há mais de 400 anos se haviam fabricado leis fixando juízes de paz. Dois anos antes, a mesma Câmara dos
o máximo que o salário não deveria, em nenhum caso, ul- Comuns e o mesmo sr. Gladstone, com a proverbial hon-
trapassar, Whitbread propôs que se fixasse um salário radez que os distinguem, haviam apresentado um projeto
mínimo legal para os jornaleiros agrícolas. Pitt opôs-se, de lei que abolia todas as leis penais de exceção contra a
porém admitiu que “a situação dos pobres era cruel classe trabalhadora. Porém, jamais se permitiu que tal pro-
(cruel)”. Por fim, em 1813, as leis de regulação dos salários jeto chegasse a uma segunda leitura, e assim a questão foi
foram revogadas. Elas eram uma ridícula anomalia, desde protelada até que o “grande partido liberal”, por meio de
que o capitalista passara a regular a fábrica por meio de uma aliança com os tories, ganhou finalmente a coragem de
sua legislação privada, deixando que o imposto de bene- se voltar resolutamente contra o mesmo proletariado que o
ficência complementasse o salário do trabalhador rural até conduzira ao poder. Não satisfeito com essa traição, o
o mínimo indispensável. As disposições do Estatuto do “grande partido liberal” autorizou os juízes ingleses,
Trabalho sobre contratos entre patrões e assalariados, sempre a abanar o rabo a serviço das classes dominantes, a
prazos para demissões e questões análogas, que permitem desenterrar as proscritas leis sobre “conspirações” e a
apenas uma ação civil contra o patrão por quebra contratu- aplicá-las às coalizões de trabalhadores. Como vemos, o
al, mas uma ação criminal contra o trabalhador que comet- parlamento inglês só renunciou às leis contra as greves e
er essa mesma infração, permanecem em pleno vigor até o trades’ unions contra sua vontade e sob a pressão das mas-
momento atual. sas, depois de ele mesmo ter assumido, por cinco séculos e
As cruéis leis anticoalizões caíram em 1825, diante da com desavergonhado egoísmo, a posição de uma perman-
atitude ameaçadora do proletariado. Apesar disso, caíram ente trades’ union dos capitalistas contra os trabalhadores.
apenas parcialmente. Alguns belos resíduos dos velhos es- Já no início da tormenta revolucionária, a burguesia
tatutos desapareceram somente em 1859. Finalmente, a lei francesa ousou despojar novamente os trabalhadores de
parlamentar de 29 de junho de 1871 pretendeu eliminar os seu recém-conquistado direito de associação. O decreto de
últimos vestígios dessa legislação classista, reconhecendo 14 de junho de 1791 declarou toda coalizão de trabal-
legalmente as trades’ unions. Mas uma lei parlamentar da hadores como um “atentado à liberdade e à Declaração
mesma data (An act to amend the criminal law relating to viol- dos Direitos Humanos”, punível com uma multa de 500
ence, threats and molestations) restaurou, de fato, a situação libras e privação, por um ano, dos direitos de cidadania
anterior sob nova forma. Por meio dessa escamoteação ativa225. Essa lei, que por meio da polícia estatal impõe à
parlamentar, os meios a que os trabalhadores podem luta concorrencial entre capital e trabalho obstáculos
�������� ��������

convenientes ao capital, sobreviveu a revoluções e pequenos proprietários livres, encontravam-se submetidos


mudanças dinásticas. Mesmo o regime do Terrort a a relações de propriedade muito diferentes, razão pela
manteve intocada. Apenas muito recentemente ela foi qual também foram emancipados sob condições econôm-
riscada do Code Pénal [código penal]. Nada mais caracter- icas muito diferentes.
ístico que o pretexto deste golpe de Estado burguês. Na Inglaterra, a primeira forma de arrendatário é a do
“Ainda que seja desejável” – diz Le Chapelier – “que o bailiff, ele mesmo um servo da gleba. Sua posição é análoga
salário ultrapasse seu nível atual, para que, desse modo, a do villicusu da Roma Antiga, porém com um raio de ação
aquele que o receba escape dessa dependência absoluta mais estreito. Durante a segunda metade do século XIV,
condicionada pela privação dos meios de primeira ne- ele é substituído por um arrendatário, a quem o landlord
cessidade, que é quase a dependência da escravidão”, os provê sementes, gado e instrumentos agrícolas. Sua situ-
trabalhadores não devem ser autorizados, contudo, a pôr- ação não é muito distinta da do camponês. Ele apenas ex-
se de acordo sobre seus interesses, a agir em comum e, por plora mais trabalho assalariado. Não tarda em se converter
meio disso, a mitigar sua “dependência absoluta, que é em metayer [meeiro], meio arrendatário. Ele investe uma
quase a dependência da escravidão”, porque assim feriri- parte do capital agrícola, o landlord a outra. Ambos re-
am a “a liberdade de seus ci-devant maîtres [antigos amos], partem entre si o produto global em proporção determin-
dos atuais empresários” (a liberdade de manter os trabal- ada por contrato. Essa forma desaparece rapidamente na
hadores na escravidão!), e porque uma coalizão contra o Inglaterra e dá lugar ao arrendatário propriamente dito,
despotismo dos antigos mestres das corporações – que valoriza seu capital próprio por meio do emprego de
adivinhe – equivaleria a restaurar as corporações abolidas trabalhadores assalariados e paga ao landlord, como renda
pela constituição francesa!226 da terra, uma parte do mais-produto, em dinheiro ou in
natura.
4. Gênese dos arrendatários capitalistas No século XV, enquanto o camponês independente e o
servo agrícola – que trabalha ao mesmo tempo como as-
Depois de termos analisado a violenta criação do proletari- salariado e para si mesmo – se enriquecem com seu
ado inteiramente livre, a disciplina sanguinária que os próprio trabalho, a situação do arrendatário e seu campo
transforma em assalariados, a sórdida ação do Estado, que, de produção continuam medíocres. A revolução agrícola,
por meios policiais, eleva o grau de exploração do trabalho que ocorre no último terço do século XV e se estende por
e, com ele, a acumulação do capital, perguntamo-nos: de quase todo o século XVI (com exceção, porém, de suas últi-
onde se originam os capitalistas? Pois a expropriação da mas décadas), enriqueceu o arrendatário com a mesma
população rural, diretamente, cria apenas grandes propri- rapidez com que empobreceu a população rural227. A
etários fundiários. No que diz respeito à gênese do arrend- usurpação das pastagens comunais etc. permite-lhe
atário, poderíamos, por assim dizer, tocá-la com a mão, aumentar, quase sem custos, o número de suas cabeças de
pois se trata de um processo lento, que se arrasta por mui-
tos séculos. Os próprios servos, e ao lado deles também
�������� ��������

gado, ao mesmo tempo que o gado lhe fornece uma maior acumulação primitiva. À rarefação da população rural in-
quantidade de adubo para o cultivo do solo. dependente, que cultivava suas próprias terras, corres-
No século XVI, a isso se soma mais um elemento de im- pondeu um condensamento do proletariado industrial, do
portância decisiva. Naquela época, os contratos de arren- mesmo modo como, segundo Geoffroy Saint-Hilaire, o
damento eram longos, frequentemente por 99 anos. A con- condensamento da matéria cósmica em um ponto se ex-
tínua queda no valor dos metais nobres e, por conseguinte, plica por sua rarefação em outro230. Em que pese o número
do dinheiro, rendeu frutos de ouro ao arrendatário. Ela re- reduzido de seus cultivadores, o solo continuava a render
duziu, abstraindo as demais circunstâncias anteriormente tanta produção quanto antes, ou ainda mais, porque a re-
expostas, o nível do salário. Uma fração deste último foi in- volução nas relações de propriedade fundiária era acom-
corporada ao lucro do arrendatário. O constante aumento panhada de métodos aperfeiçoados de cultivo, de uma
dos preços do cereal, da lã, da carne, em suma, de todos os maior cooperação, da concentração dos meios de produção
produtos agrícolas, inchou o capital monetário do arrend- etc., e porque não só os assalariados agrícolas foram obri-
atário sem o concurso deste último, enquanto a renda da gados a trabalhar com maior intensidade231, mas também o
terra, que ele tinha de pagar, estava contratualmente fix- campo de produção sobre o qual trabalhavam para si mes-
ada em valores monetários ultrapassados228. Desse modo, mos se contraiu cada vez mais. Com a liberação de parte
ele se enriquecia, a um só tempo, à custa de seus trabal- da população rural, liberam-se também seus meios ali-
hadores assalariados e de seu landlord. Não é de admirar, mentares anteriores. Estes se transformam, agora, em ele-
pois, que a Inglaterra, no fim do século XVI, possuísse uma mento material do capital variável. O camponês deixado
classe de “arrendatários capitalistas”, consideravelmente ao léu tem de adquirir de seu novo senhor, o capitalista in-
ricos para os padrões da época229. dustrial, e sob a forma de salário, o valor desses meios ali-
mentares. O que ocorre com os meios de subsistência tam-
5. Efeito retroativo da revolução agrícola bém ocorre com as matérias-primas agrícolas locais da in-
sobre a indústria. Criação do mercado dústria. Elas se convertem em elemento do capital
constante.
interno para o capital industrial
Suponha, por exemplo, que uma parte dos camponeses
A intermitente e sempre renovada expropriação e expulsão da Vestfália, que no tempo de Frederico II fiavam linho,
da população rural forneceu à indústria urbana, como vi- ainda que não de seda, fosse violentamente expropriada e
mos, massas cada vez maiores de proletários, totalmente expulsa da terra, enquanto a parte restante fosse transfor-
estranhos às relações corporativas, uma sábia circunstância mada em jornaleiros de grandes arrendatários. Ao mesmo
que faz o velho Adam Anderson (não confundir com tempo, ergueram-se grandes fiações e tecelagens de linho,
James Anderson), em sua história do comércio, crer numa nas quais os “liberados” passaram a trabalhar, agora por
intervenção direta da Providência. Temos de nos deter, salários. O linho tem exatamente o mesmo aspecto de
ainda por um momento, no exame desse elemento da antes. Não se modificou nem uma única de suas fibras,
�������� ��������

mas uma nova alma social instalou-se em seu corpo. Ele atenção. São colocadas em segundo plano. Trata-se de um
constitui, agora, uma parte do capital constante dos erro grave, pois só estas últimas constituem um componente
patrões manufatureiros. Antes, ele era repartido entre in- realmente importante da riqueza do povo [...]. A fábrica re-
unida (fabrique réunie) enriquece prodigiosamente um ou dois
úmeros pequenos produtores, que, com suas famílias, o
empresários, mas os trabalhadores são apenas jornaleiros
cultivavam e fiavam em pequenas porções; agora, ele se
melhor ou pior remunerados e não têm qualquer participarão
concentra nas mãos de um capitalista, que coloca outros no bem-estar do empresário. Na fábrica separada (fabrique sé-
para fiar e tecer para ele. Anteriormente, o trabalho extra parée), ao contrário, ninguém fica rico, mas uma porção de
gasto na fiação do linho resultava em receita complement- trabalhadores se encontra em situação confortável [...]. O
ar para inúmeras famílias camponesas ou, à época de Fre- número de trabalhadores aplicados e parcimoniosos crescerá,
derico II, em impostos pour le roi de Prusse [para o rei da pois eles mesmos reconhecem que uma vida baseada na
Prússia]. Ele se realiza, agora, no lucro de poucos capitalis- prudência e na atividade é um meio de melhorar substancial-
tas. Os fusos e teares, antes esparsos pelo interior, agora se mente sua situação, em vez de obter um pequeno aumento
salarial que nunca poderá significar algo importante para o
concentram em algumas grandes casernas de trabalho, do
futuro e cujo único resultado será, no máximo, que os homens
mesmo modo que os trabalhadores e a matéria-prima. E
vivam um pouco melhor, mas sempre com uma mão na
fusos, teares e matéria-prima, que antes constituíam meios frente e outra atrás. As manufaturas individuais e separadas,
de existência independentes para fiandeiros e tecelões, de geralmente vinculadas à pequena agricultura, são as únicas
agora em diante se transformam em meios de comandá- livres.”233
los232 e de deles extrair trabalho não pago. Quando se ob-
serva as grandes manufaturas, bem como os grandes ar- A expropriação e expulsão de uma parte da população
rendamentos, não se percebe que são constituídos de mui- rural não só libera trabalhadores para o capital industrial, e
tos pequenos centros de produção, nem que se formaram com eles seus meios de subsistência e seu material de tra-
pela expropriação de muitos pequenos produtores inde- balho, mas cria também o mercado interno.
pendentes. No entanto, um olhar imparcial não se deixa De fato, os acontecimentos que transformam os
enganar. À época de Mirabeau, o leão da revolução, as pequenos camponeses em assalariados, e seus meios de
grandes manufaturas ainda eram chamadas de manufac- subsistência e de trabalho em elementos materiais do cap-
tures réunies, oficinas reunidas, assim como falamos de la- ital, criam para este último, ao mesmo tempo, seu mercado
vouras reunidas. interno. Anteriormente, a família camponesa produzia e
processava os meios de subsistência e matérias-primas que
“Veem-se apenas” – diz Mirabeau – “as grandes manufaturas, ela mesma, em sua maior parte, consumia. Essas matérias-
onde centenas de seres humanos trabalham sob as ordens de primas e meios de subsistência converteram-se agora em
um diretor e que são habitualmente chamadas de manufatur-
mercadorias; o grande arrendatário as vende e encontra
as reunidas (manufactures réunies). Já aquelas onde há um
seu mercado nas manufaturas. Fios, panos, tecidos gros-
número muito grande de operários trabalhando de modo dis-
perso, e cada um por sua própria conta, quase não merecem seiros de lã, coisas cujas matérias-primas se encontravam
�������� ��������

no âmbito de toda família camponesa e que eram fiadas e último terço do século XV, tal pesquisador encontra re-
tecidas por ela para seu consumo próprio, transformam-se, clamações contínuas, interrompidas apenas durante certos
agora, em artigos de manufatura, cujos mercados são for- intervalos, sobre o avanço da economia capitalista no
mados precisamente pelos distritos rurais. A numerosa cli- campo e a aniquilação progressiva do campesinato. Por
entela dispersa, até então condicionada por uma grande outro lado, volta sempre a reencontrar este campesinato,
quantidade de pequenos produtores, trabalhando por con- ainda que em menor número e em situação cada vez pi-
ta própria, concentra-se agora num grande mercado, or235. A causa principal é a seguinte: a Inglaterra é predom-
abastecido pelo capital industrial234. inantemente, ora cultivadora de trigo, ora criadora de
Desse modo, a expropriação dos camponeses que antes gado, em períodos alternados, e com essas atividades varia
cultivavam suas próprias terras e agora são apartados de o tamanho da empresa camponesa. Somente a grande in-
seus meios de produção acompanha a destruição da in- dústria proporciona, com as máquinas, o fundamento con-
dústria rural subsidiária, o processo de cisão entre manu- stante da agricultura capitalista, expropria radicalmente a
fatura e agricultura. E apenas a destruição da indústria imensa maioria da população rural e consuma a cisão entre
doméstica rural pode dar ao mercado interno de um país a a agricultura e a indústria doméstica rural, cujas raízes – a
amplitude e a sólida consistência de que o modo de fiação e a tecelagem – ela extirpa236. Portanto, é só ela que
produção capitalista necessita. conquista para o capital industrial todo o mercado inter-
No entanto, o período manufatureiro propriamente no237.
dito não provocou uma transformação radical. Recor-
demos que a manufatura só se apodera muito fragmentari- 6. Gênese do capitalista industrial
amente da produção nacional e tem sempre como sua
ampla base de sustentação o artesanato urbano e a in- A gênese do capitalista industrial238 não se deu de modo
dústria subsidiária doméstica e rural. Toda vez que a man- tão gradativo como a do arrendatário. Sem dúvida, muitos
ufatura destrói essa indústria doméstica em uma de suas pequenos mestres corporativos, e mais ainda pequenos
formas, em ramos particulares de negócio e em determina- artesãos independentes, ou também trabalhadores
dos pontos, ela provoca seu ressurgimento em outros, pois assalariados, transformaram-se em pequenos capitalistas e,
tem necessidade dela, até certo grau, para o processamento por meio da exploração paulatina do trabalho assalariado e
da matéria-prima. Ela produz, assim, uma nova classe de da correspondente acumulação, em capitalistas sans phrase
pequenos lavradores, que cultivam o solo como atividade [sem floreios]. Durante a infância da produção capitalista,
subsidiária e exercem como negócio principal o trabalho as coisas se deram, muitas vezes, como na infância do sis-
industrial para a venda dos produtos à manufatura, direta- tema urbano medieval, quando a questão de saber qual
mente ou por meio do comerciante. Essa é uma causa, em- dos servos fugidos devia se tornar mestre ou criado era
bora não a principal, de um fenômeno que, inicialmente, geralmente decidida com base na data mais ou menos re-
desconcerta o investigador da história inglesa. A partir do cente de sua fuga. Entretanto, a marcha de lesma desse
método não correspondia em absoluto às necessidades
�������� ��������

comerciais do novo mercado mundial, que fora criado a uma amarga luta das corporate townsv contra essas novas
pelas grandes descobertas do fim do século XV. Mas a incubadoras industriais.
Idade Média havia legado duas formas distintas do capital, A descoberta das terras auríferas e argentíferas na
que amadureceram nas mais diversas formações so- América, o extermínio, a escravização e o soterramento da
cioeconômicas e, antes da era do modo de produção capit- população nativa nas minas, o começo da conquista e
alista, já valiam como capital quand même [em geral]: o cap- saqueio das Índias Orientais, a transformação da África
ital usurário e o capital comercial. numa reserva para a caça comercial de peles-negras carac-
terizam a aurora da era da produção capitalista. Esses pro-
“Hoje em dia, toda a riqueza da sociedade passa primeiro
cessos idílicos constituem momentos fundamentais da acu-
pelas mãos do capitalista [...] ele paga a renda ao proprietário
da terra, o salário ao trabalhador, ao coletor de imposto e díz- mulação primitiva. A eles se segue imediatamente a guerra
imo aquilo que estes reclamam e guarda para si mesmo uma comercial entre as nações europeias, tendo o globo ter-
parte grande – que na realidade é a maior e, além disso, restre como palco. Ela é inaugurada pelo levante dos
aumenta a cada dia – do produto anual do trabalho. O capit- Países Baixos contra a dominação espanhola, assume pro-
alista pode agora ser considerado o primeiro proprietário de porções gigantescas na guerra antijacobina inglesa e
toda a riqueza social, ainda que nenhuma lei lhe tenha conce- prossegue ainda hoje nas guerras do ópio contra a China
dido o direito a essa propriedade [...]. Essa mudança na pro- etc.
priedade foi realizada pela cobrança de juros sobre o capital
Os diferentes momentos da acumulação primitiva
[...] e não é menos estranho que os legisladores de toda a
repartem-se, agora, numa sequência mais ou menos cro-
Europa tenham procurado deter esse processo mediante leis
contra a usura [...]. O poder do capitalista sobre a riqueza in- nológica, principalmente entre Espanha, Portugal, Holan-
teira do país é uma revolução completa no direito de pro- da, França e Inglaterra. Na Inglaterra, no fim do século
priedade, e por meio de que lei ou série de leis ela foi realiz- XVII, esses momentos foram combinados de modo sis-
ada?”239 têmico, dando origem ao sistema colonial, ao sistema da
dívida pública, ao moderno sistema tributário e ao sistema
O autor deveria ter dito que revoluções não se fazem protecionista. Tais métodos, como, por exemplo, o sistema
por meio de leis. colonial, baseiam-se, em parte, na violência mais brutal.
O regime feudal no campo e a constituição corporativa Todos eles, porém, lançaram mão do poder do Estado, da
nas cidades impediram o capital monetário, constituído violência concentrada e organizada da sociedade, para im-
pela usura e pelo comércio, de se converter em capital in- pulsionar artificialmente o processo de transformação do
dustrial240. Essas barreiras caíram com a dissolução dos sé- modo de produção feudal em capitalista e abreviar a
quitos feudais e com a expropriação e a parcial expulsão transição de um para o outro. A violência é a parteira de
da população rural. A nova manufatura se instalou nos toda sociedade velha que está prenhe de uma sociedade
portos marítimos exportadores ou em pontos do campo nova. Ela mesma é uma potência econômica.
não sujeitos ao controle do velho regime urbano e de sua
constituição corporativa. Na Inglaterra se assistiu, por isso,
�������� ���������

Sobre o sistema colonial cristão, afirma W. Howitt, um mais de 80 mil habitantes; em 1811, apenas 8 mil. Eis o
homem que faz do cristianismo uma especialidade: doux commerce [doce comércio]!
É sabido que a Companhia Inglesa das Índias Orientais
“As barbaridades e as iníquas crueldades perpetradas pelas
obteve, além do domínio político nas Índias Orientais, o
assim chamadas raças cristãs, em todas as regiões do mundo
e contra todos os povos que conseguiram subjugar, não en- monopólio do comércio de chá, bem como do comércio
contram paralelo em nenhuma era da história universal e em chinês em geral e do transporte de produtos para a
nenhuma raça, por mais selvagem e inculta, por mais des- Europa. Mas a navegação costeira na Índia e entre as ilhas,
apiedada e inescrupulosa que fosse.”241 assim como o comércio no interior da Índia, tornaram-se
monopólio dos altos funcionários da Companhia. Os
A história da economia colonial holandesa – e a Holan- monopólios de sal, ópio, bétel e outras mercadorias eram
da foi a nação capitalista modelar do século XVII – minas inesgotáveis de riqueza. Os próprios funcionários
“apresenta-nos um quadro insuperável de traição, sub- fixavam os preços e espoliavam à vontade o infeliz indi-
orno, massacre e infâmia”242. Nada é mais característico ano. O governador-geral participava nesse comércio
que seu sistema de roubo de pessoas, aplicado nas ilhas privado. Seus favoritos obtinham contratos em condições
Celebes para obter escravos para Java. Os ladrões de pess- mediante as quais, mais astutos que os alquimistas,
oas eram treinados para esse objetivo. O ladrão, o intér- criavam ouro do nada. Grandes fortunas brotavam de um
prete e o vendedor eram os principais agentes nesse negó- dia para o outro, como cogumelos; a acumulação primitiva
cio, e os príncipes nativos eram os principais vendedores. realizava-se sem o adiantamento de 1 único xelim. O pro-
Os jovens sequestrados eram mantidos escondidos nas cesso judicial de Warren Hastings está pleno de tais exem-
prisões secretas das ilhas Celebes até que estivessem ma- plos. Eis um caso. A certo Sullivan é atribuído um contrato
duros para serem enviados aos navios de escravos. Um re- de fornecimento de ópio, e isso no momento de sua partida
latório oficial diz: “Esta cidade de Macassar, por exemplo, – em missão oficial – para uma região da Índia totalmente
está repleta de prisões secretas, uma mais abominável que afastada dos distritos de ópio. Sullivan vende seu contrato
a outra, abarrotadas de miseráveis, vítimas da cobiça e da por £40.000 a certo Binn. Este, por sua vez, vende-o, no
tirania, acorrentados, arrancados violentamente de suas mesmo dia, por £60.000, e o último comprador e executor
famílias”. do contrato declara que, depois disso tudo, ainda obteve
Para se apoderar de Málaca, os holandeses subornaram um lucro enorme. Segundo uma lista apresentada ao Parla-
o governador português. Este, em 1641, deixou-os entrar mento, de 1757 a 1766 a Companhia e seus funcionários
na cidade. Os invasores apressaram-se à casa do gover- deixaram-se presentear pelos indianos com £6 milhões!
nador e o assassinaram, a fim de se “absterem” de pagar- Entre 1769 e 1770, os ingleses provocaram um surto de
lhe as £21.875 prometidas como suborno. Onde pisavam, fome por meio da compra de todo arroz e pela recusa de
seguiam-nos a devastação e o despovoamento. Ban- revendê-lo, a não ser por preços fabulosos243.
juwangi, uma província de Java, contava, em 1750, com
��������� ���������

O tratamento dispensado aos nativos era, natural- país a desenvolver plenamente o sistema colonial,
mente, o mais terrível nas plantações destinadas exclusiva- encontrava-se já em 1648 no ápice de sua grandeza
mente à exportação, como nas Índias Ocidentais e nos comercial. Encontrava-se “de posse quase exclusiva do
países ricos e densamente povoados, entregues à matança comércio com as Índias Orientais e do tráfico entre o
e ao saqueio, como o México e as Índias Orientais. Tam- sudoeste e o nordeste europeu. Sua pesca, frotas e manu-
pouco nas colônias propriamente ditas se desmentia o faturas sobrepujavam as de qualquer outro país. Os capi-
caráter cristão da acumulação primitiva. Esses austeros e tais da República eram talvez mais consideráveis que os de
virtuosos protestantes, os puritanos da Nova Inglaterra, es- todo o resto da Europa somados”aa.
tabeleceram em 1703, por decisão de sua assembly [as- Gülich se esquece de acrescentar: em 1648, a massa do
sembleia], um prêmio de £40 para cada escalpo indígena e povo holandês já estava mais sobrecarregada de trabalho,
cada pele-vermelha capturado; em 1720, um prêmio de mais empobrecida e brutalmente oprimida do que as mas-
£100 para cada escalpo; em 1744, depois de Massachusetts- sas populares do resto da Europa somadas.
Bay ter declarado certa tribo como rebelde, os seguintes Hoje em dia, a supremacia industrial traz consigo a su-
preços: £100 da nova moeda para o escalpo masculino, a premacia comercial. No período manufatureiro propria-
partir de 12 anos de idade; £105 para prisioneiros masculi- mente dito, ao contrário, é a supremacia comercial que
nos, £50 para mulheres e crianças capturadas, £50 para es- gera o predomínio industrial. Daí o papel preponderante
calpos de mulheres e crianças! Algumas décadas mais que o sistema colonial desempenhava nessa época. Ele era
tarde, o sistema colonial vingou-se nos descendentes – que o “deus estranho” que se colocou sobre o altar, ao lado dos
nesse ínterim haviam se tornado rebeldes – dos piedosos velhos ídolos da Europa, e que, um belo dia, lançou-os por
pilgrim fathers [pais pelegrinos]x. Com incentivo e paga- terra com um só golpe. Tal sistema proclamou a produção
mento inglês, foram mortos a golpes de tomahawkw. O Par- de mais-valor como finalidade última e única da
lamento britânico declarou os cães de caçay e o escalpela- humanidade.
mento como “meios que Deus e a Natureza puseram em O sistema de crédito público, isto é, das dívidas
suas mãos”. públicas, cujas origens encontramos em Gênova e Veneza
O sistema colonial amadureceu o comércio e a nave- já na Idade Média, tomou conta de toda a Europa durante
gação como plantas num hibernáculo. As “sociedades o período manufatureiro. O sistema colonial, com seu
Monopolia”z (Lutero) foram alavancas poderosas da con- comércio marítimo e suas guerras comerciais, serviu-lhe de
centração de capital. Às manufaturas em ascensão, as incubadora. Assim, ele se consolidou primeiramente na
colônias garantiam um mercado de escoamento e uma acu- Holanda. A dívida pública, isto é, a alienação
mulação potenciada pelo monopólio do mercado. Os te- [Veräusserung] do Estado – seja ele despótico, constitucion-
souros espoliados fora da Europa diretamente mediante o al ou republicano – imprime sua marca sobre a era capit-
saqueio, a escravização e o latrocínio refluíam à metrópole alista. A única parte da assim chamada riqueza nacional
e lá se transformavam em capital. A Holanda, primeiro que realmente integra a posse coletiva dos povos
��������� ���������

modernos é... sua dívida pública243a. Daí que seja inteira- mais infalível do que a alta sucessiva das ações desses ban-
mente coerente a doutrina moderna segundo a qual um cos, cujo desenvolvimento pleno data da fundação do
povo se torna tanto mais rico quanto mais se endivida. O Banco da Inglaterra (l694). Esse banco começou emprest-
crédito público se converte no credo do capital. E ao surgir ando seu dinheiro ao governo a um juro de 8%, ao mesmo
o endividamento do Estado, o pecado contra o Espírito tempo que o Parlamento o autorizava a cunhar dinheiro
Santo, para o qual não há perdão, cede seu lugar para a com o mesmo capital, voltando a emprestá-lo ao público
falta de fé na dívida pública. sob a forma de notas bancárias. Com essas notas, ele podia
A dívida pública torna-se uma das alavancas mais po- descontar letras, conceder empréstimos sobre mercadorias
derosas da acumulação primitiva. Como com um toque de e adquirir metais preciosos. Não demorou muito para que
varinha mágica, ela infunde força criadora no dinheiro im- esse dinheiro de crédito, fabricado pelo próprio banco, se
produtivo e o transforma, assim, em capital, sem que, para convertesse na moeda com a qual o Banco da Inglaterra to-
isso, tenha necessidade de se expor aos esforços e riscos in- mava empréstimos ao Estado e, por conta deste último,
separáveis da aplicação industrial e mesmo usurária. Na pagava os juros da dívida pública. Não lhe bastava dar
realidade, os credores do Estado não dão nada, pois a com uma mão para receber mais com a outra: o banco, en-
soma emprestada se converte em títulos da dívida, facil- quanto recebia, continuava como credor perpétuo da
mente transferíveis, que, em suas mãos, continuam a fun- nação até o último tostão adiantado. E assim ele se tornou,
cionar como se fossem a mesma soma de dinheiro vivo. pouco a pouco, o receptáculo imprescindível dos tesouros
Porém, ainda sem levarmos em conta a classe de rentistas metálicos do país e o centro de gravitação de todo o crédito
ociosos assim criada e a riqueza improvisada dos financis- comercial. À mesma época em que na Inglaterra deixou-se
tas que desempenham o papel de intermediários entre o de queimar bruxas, começou-se a enforcar falsificadores de
governo e a nação, e abstraindo também a classe dos notas bancárias. Nos escritos dessa época, por exemplo,
coletores de impostos, comerciantes e fabricantes privados, nos de Bolingroke, pode-se apreciar claramente o efeito
aos quais uma boa parcela de cada empréstimo estatal que produziu nos contemporâneos o aparecimento súbito
serve como um capital caído do céu, a dívida pública im- dessa malta de bancocratas, financistas, rentistas, cor-
pulsionou as sociedades por ações, o comércio com papéis retores, stockjobbers [bolsistas] e leões da Bolsa243b.
negociáveis de todo tipo, a agiotagem, numa palavra: o Com as dívidas públicas surgiu um sistema inter-
jogo da Bolsa e a moderna bancocracia. nacional de crédito, que frequentemente encobria uma das
Desde seu nascimento, os grandes bancos, condecora- fontes da acumulação primitiva neste ou naquele povo.
dos com títulos nacionais, não eram mais do que so- Desse modo, as perversidades do sistema veneziano de
ciedades de especuladores privados, que se colocavam sob rapina constituíam um desses fundamentos ocultos da
a guarda dos governos e, graças aos privilégios recebidos, riqueza de capitais da Holanda, à qual a decadente Veneza
estavam em condições de emprestar-lhes dinheiro. Por emprestou grandes somas em dinheiro. O mesmo se deu
isso, a acumulação da dívida pública não tem indicador entre a Holanda e a Inglaterra. Já no começo do século
��������� ���������

XVIII, as manufaturas holandesas estavam amplamente ul- violenta expropriação do camponês, do artesão, em suma,
trapassadas, e o país deixara de ser a nação comercial e in- de todos os componentes da pequena classe média. Sobre
dustrial dominante. Um de seus negócios principais, entre isso não há divergência, nem mesmo entre os economistas
1701 e 1776, foi o empréstimo de enormes somas de capit- burgueses. Sua eficácia expropriadora é ainda reforçada
al, especialmente à sua poderosa concorrente, a Inglaterra. pelo sistema protecionista, uma de suas partes integrantes.
Algo semelhante ocorre hoje entre Inglaterra e Estados Un- O grande papel que a dívida pública e o sistema fiscal
idos. Uma grande parte dos capitais que atualmente in- desempenham na capitalização da riqueza e na expropri-
gressam nos Estados Unidos, sem certidão de nascimento, ação das massas levou um bom número de escritores,
é sangue de crianças que acabou de ser capitalizado na como Cobbett, Doubleday e outros, a procurar erronea-
Inglaterra. mente naquela a causa principal da miséria dos povos
Como a dívida pública se respalda nas receitas estatais, modernos.
que têm de cobrir os juros e demais pagamentos anuais O sistema protecionista foi um meio artificial de fabri-
etc., o moderno sistema tributário se converteu num com- car fabricantes, de expropriar trabalhadores independ-
plemento necessário do sistema de empréstimos públicos. entes, de capitalizar os meios de produção e de subsistên-
Os empréstimos capacitam o governo a cobrir os gastos ex- cia nacionais, de abreviar violentamente a transição do
traordinários sem que o contribuinte o perceba de imedi- modo de produção antigo para o moderno. A patente
ato, mas exigem, em contrapartida, um aumento de impos- desse invento foi ferozmente disputada pelos Estados
tos. Por outro lado, o aumento de impostos, causado pela europeus, que, a serviço dos extratores de mais-valor,
acumulação de dívidas contraídas sucessivamente, obriga perseguiram esse objetivo não só saqueando seu próprio
o governo a recorrer sempre a novos empréstimos para povo, tanto direta, por meio de tarifas protecionistas,
cobrir os novos gastos extraordinários. O regime fiscal quanto indiretamente, por meio de prêmios de exportação
moderno, cujo eixo é formado pelos impostos sobre os etc., mas também extirpando violentamente toda a in-
meios de subsistência mais imprescindíveis (portanto, pelo dústria dos países que lhes eram contíguos e deles de-
encarecimento desses meios), traz em si, portanto, o germe pendiam, como ocorreu, por exemplo, com a manufatura
da progressão automática. A sobrecarga tributária não é, irlandesa de lã por obra da Inglaterra. No continente
pois, um incidente, mas, antes, um princípio. Razão pela europeu, que seguia o modelo de Colbert, o processo foi
qual na Holanda, onde esse sistema foi primeiramente ap- simplificado ainda mais, e parte do capital original do in-
licado, o grande patriota de Witt o celebrou em suas máxi- dustrial passou a fluir diretamente do tesouro do Estado.
mas como o melhor sistema para fazer do trabalhador as- “Por que”, exclama Mirabeau, “procurar tão longe a
salariado uma pessoa submissa, frugal, aplicada e... sobre- causa do fulgor manufatureiro da Saxônia antes da Guerra
carregada de trabalho. A influência destrutiva que esse sis- dos Sete Anos? 180 milhões de dívidas públicas!” 244
tema exerce sobre a situação dos trabalhadores Sistema colonial, dívidas públicas, impostos
assalariados importa-nos aqui, no entanto, menos que a escorchantes, protecionismo, guerras comerciais etc., esses
��������� ���������

rebentos do período manufatureiro propriamente dito mais nada, de uma população. O que mais se requisitava
cresceram gigantescamente durante a infância da grande eram dedos pequenos e ágeis. Logo surgiu o costume de bus-
indústria. O nascimento desta última é celebrado pelo car aprendizes” (!) “nas diferentes workhouses paroquiais de
Londres, Birmingham e outros lugares. E assim muitos, mui-
grande rapto herodiano dos inocentes. Como a marinha
tos milhares dessas pequenas criaturas desamparadas, entre
real, as fábricas recrutam por meio da coerção. Sir F. M.
os 7 e os 13 ou 14 anos, foram despachadas para o norte. Era
Eden, tão impassível diante dos horrores da expropriação habitual que o patrão” (isto é, o ladrão de crianças) “vestisse,
da população rural, que se viu despojada de suas terras alimentasse e alojasse seus aprendizes numa casa de aprend-
desde o último terço do século XV até a época desse autor, izes, próxima à fábrica. Capatazes eram designados para vigi-
isto é, o final do século XVIII, e que tão vaidosamente se ar o trabalho. O interesse desses feitores de escravos era
regozija com esse processo, por ele considerado “ne- sobrecarregar as crianças de trabalho, pois a remuneração dos
cessário” para “estabelecer” a agricultura capitalista e “a primeiros era proporcional à quantidade de produto que se
proporção devida entre lavoura e pastagem”, não dá conseguia extrair da criança. A consequência natural foi a
crueldade [...]. Em muitos distritos fabris, especialmente de
provas, no entanto, da mesma compreensão econômica no
Lancashire, essas criaturas inocentes e desvalidas, consig-
que diz respeito à necessidade do roubo de crianças e da
nadas aos senhores de fábricas, foram submetidas às torturas
escravidão infantil para a transformação da empresa man- mais pungentes. Foram acossadas até a morte por excesso de
ufatureira em empresa fabril e o estabelecimento da devida trabalho [...] foram açoitadas, acorrentadas e torturadas com
proporção entre capital e força de trabalho. Diz ele: os maiores requintes de crueldade; em muitos casos, foram
esfomeadas até restar-lhes só pele e ossos, enquanto o chicote
“Talvez mereça a atenção do público a questão de se uma
as mantinha no trabalho. Sim, em alguns casos, foram levadas
manufatura, que, para ser operada de modo eficaz, tem de
ao suicídio! [...] Os belos e românticos vales de Derbyshire,
saquear cottages e workhouses em busca de crianças pobres,
Nottinghamshire e Lancashire, ocultos ao olhar do público,
que serão divididas em turmas, esfalfadas durante a maior
converteram-se em lúgubres ermos de tortura e, com frequên-
parte da noite e terão seu descanso roubado; uma manufatura
cia, de assassinato! [...] Os lucros dos fabricantes eram
que, além disso, amontoa uma multidão de pessoas de ambos
enormes. Mas isso só aguçava mais sua voracidade de lobi-
os sexos, de diferentes idades e inclinações, de tal modo que a
somem. Implementaram o trabalho noturno, isto é, depois de
contaminação do exemplo tem necessariamente de levar à de-
terem esgotado um grupo de operários pelo trabalho diurno,
pravação e à licenciosidade, se tal manufatura pode aumentar
já dispunham de outro grupo pronto para o trabalho noturno;
a soma da felicidade nacional e individual.”245
o grupo diurno ocupava as camas que o grupo noturno
“Em Derbyshire, Nottinghamshire e especialmente em Lan- acabara de deixar, e vice-versa. Em Lancashire, dizia a
cashire” – diz Fielden – “a maquinaria recém-inventada foi tradição popular que as camas nunca esfriavam.246
empregada em grandes fábricas, instaladas junto a corren-
Com o desenvolvimento da produção capitalista dur-
tezas capazes de girar a roda-d’água. Nesses lugares, afasta-
dos das cidades, requeriam-se subitamente milhares de ante o período manufatureiro, a opinião pública europeia
braços, e principalmente Lancashire, até então comparativa- perdeu o que ainda lhe restava de pudor e consciência. As
mente pouco povoado e infértil, agora necessitava, antes de nações se jactavam cinicamente de toda infâmia que
��������� ���������

constituísse um meio para a acumulação de capital. Leia- trabalhadores assalariados, em “pobres laboriosos” livres,
se, por exemplo, os ingênuos anais comerciais do ínclito A. esse produto artificial da história moderna248. Se o din-
Anderson. Neles é trombeteado como triunfo da sabedoria heiro, segundo Augier, “vem ao mundo com manchas nat-
política inglesa o fato de que, na paz de Utrecht, a urais de sangue numa de suas faces”249, o capital nasce
Inglaterra arrancara dos espanhóis, pelo Tratado de Asi- escorrendo sangue e lama por todos os poros, da cabeça
entoab, o privilégio de explorar também entre a África e a aos pés250.
América espanhola o tráfico de negros, que até então ela só
explorava entre a África e as Índias Ocidentais inglesas. A 7. Tendência histórica da acumulação
Inglaterra obteve o direito de guarnecer a América espan- capitalista
hola, até 1743, com 4.800 negros por ano. Isso propor-
cionava, ao mesmo tempo, uma cobertura oficial para o No que resulta a acumulação primitiva do capital, isto é,
contrabando britânico. Liverpool teve um crescimento con- sua gênese histórica? Na medida em que não é transform-
siderável graças ao tráfico de escravos. Esse foi seu método ação direta de escravos e servos em trabalhadores assalari-
de acumulação primitiva, e até hoje a “respeitabilidade” de ados, ou seja, mera mudança de forma, ela não significa
Liverpool é o Píndaro do tráfico de escravos, que – cf. o es- mais do que a expropriação dos produtores diretos, isto é,
crito citado do dr. Aikin, de 1795 – “eleva até a paixão o es- a dissolução da propriedade privada fundada no próprio
pírito de empreendimento comercial, forma navegantes trabalho.
afamados e rende quantias enormes de dinheiro”ac. Em A propriedade privada, como antítese da propriedade
1730, Liverpool empregava 15 navios no tráfico de escra- social, coletiva, só existe onde os meios e as condições ex-
vos; em 1751, 53; em 1760, 74; em 1770, 96; e, em 1792, 132. ternas do trabalho pertencem a pessoas privadas. Mas,
Enquanto introduzia a escravidão infantil na Inglaterra, conforme essas pessoas sejam os trabalhadores ou os não
a indústria do algodão dava, ao mesmo tempo, o impulso trabalhadores, a propriedade privada tem também outro
para a transformação da economia escravista dos Estados caráter. Os infinitos matizes que ela exibe à primeira vista
Unidos, antes mais ou menos patriarcal, num sistema refletem apenas os estágios intermediários que existem
comercial de exploração. Em geral, a escravidão disfarçada entre esses dois extremos.
dos assalariados na Europa necessitava, como pedestal, da A propriedade privada do trabalhador sobre seus
escravidão sans phrase do Novo Mundo247. meios de produção é o fundamento da pequena empresa, e
Tantae molis erat [tanto esforço se fazia necessário]ad esta última é uma condição necessária para o desenvolvi-
para trazer à luz as “eternas leis naturais” do modo de mento da produção social e da livre individualidade do
produção capitalista, para consumar o processo de cisão próprio trabalhador. É verdade que esse modo de
entre trabalhadores e condições de trabalho, transform- produção existe também no interior da escravidão, da ser-
ando, num dos polos, os meios sociais de produção e sub- vidão e de outras relações de dependência, mas ele só flor-
sistência em capital, e, no polo oposto, a massa do povo em esce, só libera toda a sua energia, só conquista a forma
��������� ���������

clássica adequada onde o trabalhador é livre proprietário propriedade privada constituída por meio do trabalho
privado de suas condições de trabalho, manejadas por ele próprio, fundada, por assim dizer, na fusão do indivíduo
mesmo: o camponês, da terra que cultiva; o artesão, dos in- trabalhador isolado, independente, com suas condições de
strumentos que manuseia como um virtuoso. trabalho, cede lugar à propriedade privada capitalista, que
Esse modo de produção pressupõe o parcelamento do repousa na exploração de trabalho alheio, mas formal-
solo e dos demais meios de produção. Assim como a con- mente livre251.
centração destes últimos, ele também exclui a cooperação, Tão logo esse processo de transformação tenha decom-
a divisão do trabalho no interior dos mesmos processos de posto suficientemente, em profundidade e extensão, a
produção, a dominação e a regulação sociais da natureza, o velha sociedade; tão logo os trabalhadores se tenham con-
livre desenvolvimento das forças produtivas sociais. Ele só vertido em proletários, e suas condições de trabalho em
é compatível com os estreitos limites, naturais-es- capital; tão logo o modo de produção capitalista tenha con-
pontâneos, da produção e da sociedade. Querer eternizá-lo dições de caminhar com suas próprias pernas, a socializa-
significaria, como diz Pecqueur com razão, “decretar a me- ção ulterior do trabalho e a transformação ulterior da terra
diocridade geral”ae. Ao atingir certo nível de desenvolvi- e de outros meios de produção em meios de produção so-
mento, ele engendra os meios materiais de sua própria cialmente explorados – e, por conseguinte, em meios de
destruição. A partir desse momento, agitam-se no seio da produção coletivos –, assim como a expropriação ulterior
sociedade forças e paixões que se sentem travadas por esse dos proprietários privados assumem uma nova forma.
modo de produção. Ele tem de ser destruído, e é destruído. Quem será expropriado, agora, não é mais o trabalhador
Sua destruição, a transformação dos meios de produção in- que trabalha para si próprio, mas o capitalista que explora
dividuais e dispersos em meios de produção socialmente muitos trabalhadores.
concentrados e, por conseguinte, a transformação da pro- Essa expropriação se consuma por meio do jogo das
priedade nanica de muitos em propriedade gigantesca de leis imanentes da própria produção capitalista, por meio
poucos, portanto, a expropriação que despoja grande da centralização dos capitais. Cada capitalista liquida mui-
massa da população de sua própria terra e de seus tos outros. Paralelamente a essa centralização, ou à expro-
próprios meios de subsistência e instrumentos de trabalho, priação de muitos capitalistas por poucos, desenvolve-se a
essa terrível e dificultosa expropriação das massas pop- forma cooperativa do processo de trabalho em escala cada
ulares, tudo isso constitui a pré-história do capital. Esta vez maior, a aplicação técnica consciente da ciência, a ex-
compreende uma série de métodos violentos, dos quais ploração planejada da terra, a transformação dos meios de
passamos em revista somente aqueles que marcaram época trabalho em meios de trabalho que só podem ser utilizados
como métodos da acumulação primitiva do capital. A ex- coletivamente, a economia de todos os meios de produção
propriação dos produtores diretos é consumada com o graças a seu uso como meios de produção do trabalho so-
mais implacável vandalismo e sob o impulso das paixões cial e combinado, o entrelaçamento de todos os povos na
mais infames, abjetas e mesquinhamente execráveis. A rede do mercado mundial e, com isso, o caráter
��������� ���������

internacional do regime capitalista. Com a diminuição con- do povo por poucos usurpadores; aqui, trata-se da expro-
stante do número de magnatas do capital, que usurpam e priação de poucos usurpadores pela massa do povo 252.
monopolizam todas as vantagens desse processo de trans-
formação, aumenta a massa da miséria, da opressão, da
servidão, da degeneração, da exploração, mas também a
revolta da classe trabalhadora, que, cada vez mais nu-
merosa, é instruída, unida e organizada pelo próprio
mecanismo do processo de produção capitalista. O
monopólio do capital se converte num entrave para o
modo de produção que floresceu com ele e sob ele. A cent-
ralização dos meios de produção e a socialização do tra-
balho atingem um grau em que se tornam incompatíveis
com seu invólucro capitalista. O entrave é arrebentado. Soa
a hora derradeira da propriedade privada capitalista, e os
expropriadores são expropriados.
O modo de apropriação capitalista, que deriva do
modo de produção capitalista, ou seja, a propriedade
privada capitalista, é a primeira negação da propriedade
privada individual, fundada no trabalho próprio. Todavia,
a produção capitalista produz, com a mesma necessidade
de um processo natural, sua própria negação. É a negação
da negação. Ela não restabelece a propriedade privada,
mas a propriedade individual sobre a base daquilo que foi
conquistado na era capitalista, isto é, sobre a base da co-
operação e da posse comum da terra e dos meios de
produção produzidos pelo próprio trabalho.
A transformação da propriedade privada fragmentária,
baseada no trabalho próprio dos indivíduos, em pro-
priedade capitalista, é, naturalmente, um processo incom-
paravelmente mais prolongado, duro e dificultoso do que
a transformação da propriedade capitalista – já fundada,
de fato, na organização social da produção – em pro-
priedade social. Lá, tratava-se da expropriação da massa
���������
a Cf. Louis-Adolphe Thiers, De la proprieté (Paris, 1848), p. 36, 42 190 “Os pequenos proprietários, que cultivavam suas próprias
e 151. (N. E. A. MEGA)
terras com as próprias mãos e desfrutavam de um modesto bem-
b Na edição francesa, no lugar das três últimas frases, lê-se: estar [...] constituíam então uma parte muito mais importante da
“Essa expropriação só se realizou de maneira radical na nação do que em nossos dias [...]. Não menos que 160 mil propri-
Inglaterra: por isso, esse país desempenhará o papel principal em etários, que, com suas famílias, deviam constituir mais de 1/7 da
nosso esboço. Mas todos os outros países da Europa ocidental população total, viviam do cultivo de suas pequenas parcelas
percorreram o mesmo caminho, ainda que, segundo o meio, ele freehold” (freehold significa propriedade plenamente livre). “O
mude de coloração local, ou se restrinja a um círculo mais es- rendimento médio desses pequenos proprietários fundiários [...]
treito, ou apresente um caráter menos pronunciado, ou siga uma é avaliado entre £60 e £70. Calculou-se que o número daqueles
ordem de sucessão diferente”, Karl Marx, Le Capital, cit., p. 315. que cultivavam sua própria terra era maior que o dos arrend-
(N. T.) atários que trabalhavam terras alheias”, Macaulay, Hist. of Eng-
189 A Itália, onde a produção capitalista se desenvolveu mais land (10. ed., Londres, 1854), v. I, p. 333-4. Ainda no último terço
cedo, foi também o primeiro país a manifestar a dissolução das do século XVII, 4/5 da população inglesa era formada de agri-
relações de servidão. O servo se emancipa, aqui, antes de ter cultores (ibidem, p. 413). – Cito Macaulay porque, como falsific-
garantido para si, por prescrição, qualquer direito à terra. Assim, ador sistemático da história, ele “poda” tais fatos o máximo que
sua emancipação o transforma imediatamente num proletário ab- consegue.
solutamente livre, que, no entanto, já encontra seus novos sen- 191 Não se deve esquecer jamais que o próprio servo era não
hores nas cidades, em sua maior parte originárias da época ro- apenas proprietário, ainda que sujeito a tributos, da parcela de
mana. Quando, no final do século XV, a revolução do mercado terra pertencente a sua casa, como também coproprietário das
mundial acabou com a supremacia comercial do norte da Itália, terras comunais. “Le paysan y [...] est serf” [“Lá” (na Silésia) “o
surgiu um movimento em sentido contrário. Os trabalhadores camponês é servo”]. Não obstante, esses serfs [servos] possuíam
urbanos foram massivamente expulsos para o campo e lá deram bens comunais. “On n’a pas pu encore engager les Silésiens au part-
um impulso inédito à pequena agricultura, exercida sob a forma age des communes, tandis que dans la nouvelle Marche, il n’y a guère de
da horticultura. [Revolução do mercado mundial: Marx refere-se village où ce partage ne soit exécuté avec le plus grand succès” [“Até
aqui às consequências econômicas das grandes descobertas geo- agora não se conseguiu induzir os silesianos à partilha das terras
gráficas do fim do século XV. A descoberta do caminho marítimo comunais, enquanto no Novo Margraviato [Neumark] não há
para a Índia, das ilhas das Índias Ocidentais e do continente praticamente nenhuma aldeia em que essa partilha não se tenha
americano provocou uma enorme expansão no comércio mundi- efetuado com enorme êxito”], Mirabeau, De la Monarchie Prussi-
al. As cidades comerciais do norte da Itália (Gênova, Veneza, enne (Londres, 1788), t. II, p. 125-6.
entre outras) perderam sua predominância. Em contrapartida, o 192 O Japão, com sua organização puramente feudal da pro-
papel principal no comércio mundial passou a ser exercido por
priedade fundiária e sua desenvolvida economia de pequena ag-
Portugal, Holanda, Espanha e Inglaterra, países favorecidos por
ricultura, fornece um quadro muito mais fiel da Idade Média
sua localização geográfica, com acesso direto ao Oceano
europeia que todos os nossos livros de História, ditados em sua
Atlântico. (N. E. A. MEW)]
��������� ���������

maior parte por preconceitos burgueses. É realmente muito cô- a opinião geral entre homens de melhor julgamento em questões
modo ser “liberal” à custa da Idade Média. de guerra [...] é que a principal força de um exército consiste em
c James Steuart, An Inquiry into the Principles of Political Economy, sua infantaria, ou tropas a pé. E para formar uma boa infantaria
cit., p. 52. (N. E. A. MEW) são necessários homens educados não de modo servil ou indi-
gente, mas de algum modo livre e abastado. Portanto, se um
d Yeomen, yeomanry, assim se chamava um extrato de pequenos Estado se distingue na maior parte dos casos por seus nobres e
camponeses ingleses, não sujeitos a prestações feudais, que desa- gentlemen, ao passo que os camponeses e lavradores se mantêm
pareceram aproximadamente em meados do século XVIII, dando reduzidos a mera mão de obra ou a servos dos primeiros, ou
lugar aos pequenos proprietários fundiários. Arqueiros ha- mesmo a inquilinos de casebres, que não são mais do que mendi-
bilidosos, os yeomen formavam o núcleo do exército inglês antes gos albergados, esse Estado poderá dispor de uma boa cavalaria,
da introdução das armas de fogo. Marx escreveu que, durante a mas jamais terá tropas de infantaria boas e estáveis [...]. E isso
revolução inglesa do século XVII, os yeomen constituíam a prin-
pode ser visto na França, na Itália e em outras regiões do es-
cipal força militar de Oliver Cromwell. Na versão francesa d’O
trangeiro, onde, com efeito, tem-se apenas a nobreza ou o cam-
capital, Marx identifica a yeomanry com o “proud peasantry [orgul- ponês miserável [...] a tal ponto que esses países são forçados a
hoso campesinato] de Shakespeare”, numa provável referência às empregar tropas de mercenários suíços etc. para formar seus
palavras de Ricardo III a seu exército: “Fight, gentlemen of England,
batalhões de infantaria. De onde resulta também que essas nações
fight, bold yeomen!” [“À luta, cavalheiros da Inglaterra! À luta, bra-
tenham muita população e poucos soldados”, The Reign of Henry
vos yeomen!”], Shakespeare, A tragédia do rei Ricardo III, ato V,
VII... Verbatim Reprint from Kennet’s [Compleat History of] England,
cena 3. (N. T.)
ed. 1719 (Londres, 1870, p. 308). [Marx traduz “cottagers” por
e A 19ª lei promulgada naquele ano. (N. E. A. MEW) “Häusler” (“inquilino aldeão”). O cottager (em latim medieval: cas-
f Uma lei promulgada no 25º ano do reinado de Henrique VIII. alinus ou inquilinus) dispunha geralmente de um casebre e de
(N. E. A. MEW) uma horta muito pequena. (N. T.)]
193 Em sua Utopia, Thomas More fala de um estranho país, onde
194 Dr. Hunter, em Public Health, “Seventh Report”, cit., p. 134. –
“as ovelhas devoram os homens” (trad. Robinson, Arber, Lon- “A quantidade de terra fixada” (pelas antigas leis) “seria hoje
dres, 1869, p. 41). considerada grande demais para trabalhadores e capaz de
transformá-los em pequenos fazendeiros”, George Roberts, The
193a Nota à segunda edição: Bacon expõe a conexão entre um
Social History of the People of the Southern Counties of England in
camponês livre e bem acomodado e uma boa infantaria. “Era ex-
Past Centuries (Londres, 1856), p. 184.
tremamente importante para o poder e a solidez do reino que as
fazendas fossem de um tamanho suficiente para manter um
195 “The right of the poor to share in the tithe, is established by the ten-
corpo de homens capazes, libertos da miséria, e vincular grande our of ancient statutes” [“O direito dos pobres a participar nos dízi-
parte das terras do reino mediante sua posse pela yeomanry ou mos da Igreja é estabelecido pelos antigos estatutos”], Tuckett, A
por pessoas médias, de uma condição intermediária entre os gen- History of the Past and Present State of the Labouring Population, cit.,
tlemen e os inquilinos de casebres (cottagers), ou camponeses. Pois v. II, p. 804-5.
��������� ���������

g “O pobre está por toda parte subjugado.” A citação da rainha a tutela do contratante, a culpa recairia sobre este último, pois a
Elizabeth I refere-se ao verso de Ovídio, em Fastos, I, 218: “Hoje paróquia teria cumprido seu dever para com esses mesmos
em dia nada importa, a não ser o dinheiro; a riqueza gera honras, pobres. Nosso receio, porém, é de que a atual lei não admita
amizades; o pobre está por toda parte subjugado”. (N. T.) qualquer medida prudencial (prudential measure) desse tipo; mas
196 William Cobbett, A History of the Protestant Reformation, §471. podeis estar certo de que os demais freeholders [arrendatários]
deste condado e dos condados vizinhos se somarão a nós para in-
h A quarta lei promulgada no 16º ano do reinado de Carlos I. (N. citar seus representantes na Câmara dos Comuns a propor uma
E. A. MEW) lei que permita a reclusão e o trabalho forçado dos pobres, de
197 O “espírito” protestante pode ser reconhecido, entre outras modo que seja vedado qualquer auxílio a toda pessoa que recuse
coisas, no fato seguinte. No sul da Inglaterra, vários proprietários seu próprio encarceramento. Isso, esperamos, impedirá que pess-
fundiários e arrendatários abastados congregaram suas inteligên- oas em estado de indigência requeiram ajuda (will prevent persons
cias e formularam dez perguntas acerca da correta interpretação is distress from wanting relief)”, R. Blakey, The History of Political
da Lei de Beneficência da rainha Elizabeth, submetendo-as em Literature from the Earliest Times (Londres, 1855), v. II, p. 84-5. – Na
seguida a um célebre jurista daquele tempo, Sergeant Snigge [Os Escócia, a abolição da servidão ocorreu séculos depois de sua ab-
sergeants, ou sergeants-at-law (“serventes da lei”), diferentemente olição na Inglaterra. Ainda em 1698, Fletcher, de Saltoun, de-
dos humildes sergeants militares, integravam um corpo superior clarou no Parlamento escocês: “O número de mendigos, na Escó-
de juristas, abolido em 1880. (N. T.)] (mais tarde juiz sob Jaime I), cia, é estimado em não menos que 200 mil. O único remédio que
para que este desse um parecer. “Questão 9 – Alguns dos arrend- eu, um republicano por princípio, posso sugerir é restaurar o an-
atários mais ricos da paróquia imaginaram um modo engenhoso tigo regime de servidão e tornar escravos todos os que sejam in-
pelo qual todos os inconvenientes da aplicação dessa lei podem capazes de prover sua própria subsistência”. Do mesmo modo,
ser evitados. Eles propuseram a construção de uma prisão na Eden, The State of the Poor, or an History of the Labouring Classes in
paróquia. A todo pobre que se negasse a ser ali encarcerado seria England etc., cit., livro I, c. 1, p. 60-1 – “Da liberdade dos cam-
negado o auxílio. Seria então anunciado à vizinhança que aqueles poneses [no original de Eden, consta: “Da decadência da villein-
que estivessem dispostos a arrendar os pobres dessa paróquia age...”] data o pauperismo [...]. As manufaturas e o comércio são
deveriam apresentar ofertas lacradas, num determinado prazo, os verdadeiros pais dos pobres de nosso país”. Eden, como
pelo preço mais baixo pelo qual ele os retiraria de nosso estabele- aquele republicano escocês por princípio, equivoca-se apenas em
cimento. Os autores desse plano supõem que nos condados vizin- que não foi a abolição da servidão, mas a abolição da pro-
hos haja pessoas avessas ao trabalho e desprovidas de fortuna ou priedade do camponês sobre a terra que o converteu em pro-
crédito para obter um arrendamento ou um barco [Marx traduz letário ou, mais precisamente, em pauper. – Na França, onde a ex-
literalmente a expressão inglesa “to take a farm or ship”. Nesse con- propriação ocorreu de outro modo, as leis de beneficência ingle-
texto, porém, “ship” não significa “barco”, mas “empresa”, sas tiveram suas correspondentes na ordenança de Moulins, de
“negócio”. (N. T.)] de modo a viver sem trabalhar (so as to live 1566, e no édito de 1656. [Villeinage era o sistema de servidão em
without labour). Tais pessoas podem ser levadas a fazer propostas que o villain pagava com trabalho gratuito (villain service) a
muito vantajosas à paróquia. Se um ou outro pobre morresse sob
��������� ���������

permissão que lhe era concedida de cultivar para si mesmo uma 1695, is a public instance of the king’s affection, and the lady’s influence
parcela de terra. (N. E. A. MEW)] [...]. Lady Orkney’s endearing offices, are supposed to have been – foeda
198 O sr. Rogers, embora fosse então professor de economia labiorum ministeria” [A grande concessão de terras a lady Orkney,
política na Universidade de Oxford, sede da ortodoxia protest- na Irlanda, em 1695, é um exemplo público da afeição do rei e da
ante, chama a atenção, em seu prefácio à History of Agriculture, influência da referida lady [...]. Os inestimáveis serviços de lady
para a pauperização da massa do povo pela Reforma. Orkney consistiram supostamente em – foeda labiorum ministeria
[obscenos serviços labiais], em Sloane Manuscript Collection, con-
199 A Letter to Sir T. C. Bunbury, Baronet: on the High Price of Provi- servada no Museu Britânico, n. 4.224. O manuscrito é intitulado:
sions, by a Suffolk Gentleman (Ipswich, 1795), p. 4. Até mesmo o The Charakter and Behaviour of King William, Sunderland etc. as Rep-
fanático defensor do sistema de grandes arrendamentos, o autor
resented in Original Letters to the Duke of Shrewsbury from Somers,
[J. Arbuthnot] de Inquiry into the Connection of Large Farms etc. Halifax, Oxford, Secretary Vermon etc. Repleto de curiosidades.
(Londres, 1773), p. 139, diz: “I most lament the loss of our yeomanry,
that set of men, who really kept up the independence of this nation; and
201 “A alienação ilegal dos bens da Coroa, em parte por venda,
sorry I am to see their lands now in the hands of monopolizing lords, em parte por doação, constitui um capítulo escandaloso da
tenanted out to small farmers, who hold their leases on such conditions história inglesa [...] uma fraude gigantesca contra a nação (gigant-
as to be little better than vassals ready to attend a summons on every ic fraud on the nation)”, F. W. Newman, Lectures on Political
mischievous occasion” [“O que mais deploro é a perda de nossa Economy (Londres, 1851), p. 129-30. {Pode-se ver detalhadamente
yeomanry, esse conjunto de homens que, na realidade, sustentava como os atuais latifundiários tomaram posse de suas terras em
a independência desta nação, e lamento ver agora suas terras nas [N. H. Evans] Our Old Nobility. By Noblesse Oblige (Londres, 1879).
mãos de lords monopolizadores, sendo arrendadas a pequenos (F. E.)}
fazendeiros, que obtêm seus arrendamentos sob tais condições 202 Leia-se, por exemplo, o panfleto de E. Burke sobre a casa
que são pouco mais que vassalos prontos a serem convocados em ducal de Bedford, cujo rebento é lord John Russell “the tomtit of
qualquer situação adversa”]. liberalism” [o rouxinol do liberalismo].
i Em 1597, sob o domínio de Fiódor Ivanovitch (1584-1598), mas 203 “Os arrendatários proíbem os inquilinos de casebres de
sendo Bóris Godunov o governante de fato da Rússia, foi promul- manter qualquer ser vivo além deles mesmos, sob o pretexto de
gado um édito de acordo com o qual os camponeses fugitivos que a posse de gado ou aves os levaria a furtar ração dos celeiros.
seriam procurados por 5 anos e, depois de recapturados, seriam Dizem também: mantende os cottagers na pobreza e os conser-
devolvidos a seus antigos senhores. (N. E. A. MEW) vareis laboriosos. A realidade, porém, é que assim os arrendatári-
j Assim é chamado golpe de Estado que, em 1689, derrubou o rei os usurpam integralmente os direitos sobre as terras comunais”,
James II e o substituiu por Guilherme III de Orange, consolid- A Political Enquiry into the Consequences of Enclosing Waste Lands
ando, assim, a monarquia constitucional. (N. T.) (Londres, 1785), p. 75.
200 Sobre a moral privada desse herói burguês, veja-se, entre out-
204 Eden, The State of the Poor, or an History of the Labouring Classes
ras coisas: “The large grant of lands in Ireland to Lady Orkney, in in England etc., cit., prefácio, p. XVII, XIX.
��������� ���������

205 “Capital farms”, Two Letters on the Flour Trade and the Dearness mais completa inatividade, porque os ricos estavam de posse do
of Corn. By a Person in Business (Londres, 1767), p. 19-20. solo e empregavam escravos na lavoura, em vez de trabalhadores
206 “Merchant-farms”, An Inquiry into the Present High Prices of livres”, Apiano, Guerras civis romanas, 1, 7. Essa passagem se ref-
Provision (Londres, 1767), p. 111, nota. Esse belo escrito, public- ere à época anterior à lei licínia. O serviço militar, que tanto acel-
ado anonimamente, é de autoria do reverendo Nathaniel Forster. erou a ruína dos plebeus romanos, foi também um dos meios
principais empregados por Carlos Magno para promover, como
207 Thomas Wright, A Short Address to the Public on the Monopoly numa incubadora, a metamorfose dos camponeses alemães livres
of Large Farms (1779), p. 2-3. em servos da gleba [Hörige] e servos semilivres [Leibeigener]. [Re-
208 Rev. Addington, Enquiry into the Reasons for or against Enclos- ferência à lei agrícola dos tribunos romanos Licínio e Sexto, que
ing Open Fields (Londres, 1772), p. 37-43 passim. entrou em vigor no ano de 367 a.C. em razão da luta dos plebeus
209 Dr. R. Price, Observations on Reversionary Payments, cit., v. II, contra os patrícios. Segundo a lei, um cidadão romano não poder-
p. 155-6. Ler Forster, Addington, Kent. Price e James Anderson e ia tomar da propriedade estatal da terra mais de 500 jugera (cerca
comparar com a miserável tagarelice, própria de um sicofanta, de 125 hectares) para sua posse. Após o ano de 367, as exigências
que MacCulloch apresenta em seu catálogo The Literature of Polit- dos plebeus foram satisfeitas com terras conquistadas em guer-
ical Economy (Londres, 1845). ras. (N. T.)]
210 Dr. R. Price, Observations on Reversionary Payments, cit., p.
212 [J. Arbuthnot,] An Inquiry into the Connection between the
147-8. Present Prices of Provisions etc., p. 124, 129. Semelhante, mas com
uma tendência contrária: “Os trabalhadores são expulsos de seus
211 Ibidem, p. 159-60. Recordemos o que ocorria na Roma An-
cottages e forçados a procurar emprego nas cidades [...]; desse
tiga. “Os ricos se haviam apoderado da maior parte das terras in-
modo, porém, obtém-se um excedente maior, e assim o capital é
divisas. Confiando nas circunstâncias da época, supunham que
aumentado” R. B. Seeley, The Perils of the Nation (2. ed., Londres,
ninguém lhes tomaria essas terras e, por isso, adquiriam os lotes
1843), p. XIV.
dos pobres situados nas cercanias, em parte com o consentimento
destes, em parte pela violência, de modo que agora lavravam
213 “A king of England might as well claim to drive his subjects into
domínios imensamente vastos em vez de campos isolados. Util- the sea”, F. W. Newman, Lectures on Political Economy, cit., p. 132.
izavam escravos para a agricultura e para a pecuária, pois os ho- k Com sua revolta de 1745-1746, os partidários dos Stuarts esper-
mens livres se haviam retirado do trabalho para o serviço militar. avam forçar a subida ao trono do chamado jovem pretendente,
A posse de escravos também lhes proporcionava grandes lucros, Charles Edward. Ao mesmo tempo, o levante refletia o protesto
uma vez que estes, liberados do serviço militar, podiam das massas populares da Escócia e da Inglaterra contra sua ex-
multiplicar-se sem perigo e faziam uma porção de filhos. Desse ploração pelos senhores de terra e contra a expulsão massiva dos
modo, os poderosos se apoderaram de toda a riqueza, e em toda pequenos lavradores. O esmagamento da sublevação teve por
a região pululavam escravos. Os ítalos, ao contrário, tornavam-se consequência a completa aniquilação do sistema de clãs escocês.
cada vez menos numerosos, consumidos pela pobreza, tributos e A expulsão dos camponeses de suas terras prosseguiu ainda mais
serviço militar. Em épocas de paz, porém, estavam condenados à intensamente do que antes. (N. E. A. MEW)
��������� ���������

214 Steuart diz: “A renda” (ele transfere equivocadamente essa possível, e para isso se prescinde da mão de obra agora tornada
categoria econômica ao tributo que os taksmen pagam ao chefe do inútil [...]. Os camponeses expulsos de suas terras buscam seu
clã) “é absolutamente insignificante quando comparada com a ex- sustento nas cidades fabris” etc., David Buchanan, Observations
tensão das terras arrendadas, mas, no que concerne ao número de on... A. Smith’s Wealth of Nations (Edimburgo, 1814), v. IV, p. 144.
pessoas que um arrendamento mantém, verificar-se-á que um “Os grandes senhores da Escócia expropriaram famílias como
pedaço de terra nas Terras Altas da Escócia alimenta dez vezes quem extirpa ervas daninhas, fizeram com aldeias inteiras e sua
mais pessoas do que terra do mesmo valor em províncias mais população o mesmo que os índios, ao vingar-se, fazem com as co-
ricas”, An Inquiry into the Principles of Political Economy, cit., v. I, c. vas dos animais selvagens [...]. O ser humano é imolado em troca
XVI, p. 104. [Os taksmen (de “tak”, parcela de terra que conferiam de uma pele de ovelha ou uma pata de carneiro, ou menos ainda
a cada membro do clã) formavam, dentro do clã escocês, uma cat- [...]. Quando da invasão das províncias do norte da China,
egoria imediatamente subordinada ao chefe, a quem pagavam propôs-se ao Conselho dos Mongóis exterminar os habitantes e
um pequeno tributo. Quando a propriedade coletiva do clã se converter sua terra em pastagens. Essa proposta foi posta em
converteu em propriedade privada do chefe, os taksmen se torn- prática por muitos landlords escoceses, em seu próprio país e con-
aram arrendatários capitalistas. Marx fornece um relato do papel tra seus próprios conterrâneos”, George Ensor, An Inquiry Con-
dos taksmen no sistema de clãs em seu artigo “Wahlen – Trübe cerning the Population of Nations (Londres, 1818), p. 215-6.
Finanzlage – Die Herzogin von Sutherland und die Sklaverei” (cf. l Henry Roy. (N. E. A. MEGA)
MEW, v. 8, p. 499-505). (N. T.)]
218 Quando a atual duquesa de Sutherland recebeu em Londres,
215 James Anderson, Observations on the Means of Exciting a Spirit com grande pompa, a autora de Uncle Tom’s Cabin [A Cabana do
of National Industry etc. (Edimburgo, 1777). Pai Tomás], Harriet Beecher Stowe, a fim de exibir sua simpatia
216 Em 1860, os camponeses violentamente expropriados foram pelos escravos negros da república americana – o que ela, tal
deportados para o Canadá, com falsas promessas. Alguns fu- como seus confrades aristocratas, absteve-se sabiamente de fazer
giram para as montanhas e ilhas vizinhas. Foram perseguidos durante a guerra civil, quando cada “nobre” coração inglês
pela polícia, entraram em choque com ela e escaparam. pulsava pelos escravocratas –, expus, na New York Tribune, a situ-
217 “Nas Terras Altas”, diz Buchanan, o comentador de Adam ação dos escravos da família Sutherland. Carey, em The Slave
Smith, em 1814, “o antigo regime de propriedade é diariamente Trade (Filadélfia, 1853), p. 202-3, aproveitou algumas passagens
subvertido pela força [...]. O landlord, sem consideração pelos ar- desse texto. Meu artigo foi reproduzido num periódico escocês e
rendatários hereditários” (também esta é uma categoria aplicada desencadeou uma bela polêmica entre este último e os sicofantas
erroneamente), “oferece a terra ao melhor ofertante, e se este for dos Sutherland.
um melhorador (improver), introduzirá imediatamente um novo 219 Algo interessante sobre esse comércio de peixe encontramos
sistema de cultivo. O solo, antes coberto de pequenos cam- em Portfolio, New Series, do sr. David Urquhart. – Em seu escrito
poneses, estava povoado em proporção a seu produto; sob o póstumo, já citado anteriormente, Nassau W. Senior qualifica “o
novo sistema de cultivo melhorado e de rendas maiores, obtém- procedimento em Sutherlandshire como um dos clareamentos
se a maior quantidade possível de produtos com o menor custo
��������� ���������

(clearings) mais benéficos que encontram registro na memória hu- au meilleur prix. Toutes cas causes le ruinent insensiblement, et il se
mana”, Principes fondamentaux de l’écon. pol., cit., p. 282. trouverait hors d’état de payer les impôts directs à l’échéance sans la
219aAs deer forests [florestas de caça] da Escócia não contêm uma filerie; elle lui offre une ressource, en occupant utilement sa femme, ces
única árvore. Retiram-se as ovelhas e introduzem-se veados nas enfants, ses servants, ses valets, et lui-même: mais quelle pénible vie,
montanhas desnudas, e a isso se chama uma “deer forest”. Nem même aidée de ce secours! En été, il travaille comme un forçat au labour-
mesmo silvicultura, portanto! age et à la récolte; il se couche à 9 heures et se lève à deux, pour suffire
aux travaux; en hiver il devrait réparer ses forces par un plus grand re-
220 Robert Somers, Letters from the Highlands; or, the Famine of pos; mais il manquera de grains pour le pain et les semailles, s’il se dé-
1847 (Londres, 1848), p. 12-28 passim. Essas cartas foram original- fait des denrées qu’il faudrait vendre pour payer les impôts. Il faut donc
mente publicadas no Times. Os economistas ingleses, natural-
filer pour suppléer à ce vide [...] il faut y apporter la plus grande as-
mente, atribuíram a fome dos gaélicos em 1847 à sua... superpop- siduité. Aussi le paysan se couche-t-il en hiver à minuit, une heure, et se
ulação. Eles certamente “exerceram pressão” sobre seus meios al- lève à cinq ou six; ou bien il se couche à neuf, et se lève à deux, et cela
imentares. – O “clearing of estates”, ou, como se chama na Ale-
tous les jours de sa vie si ce n’est le dimanche. Cet excès de veille et de
manha, a Bauernlegen [expulsão dos camponeses], teve lugar travail usent la nature humaine, et de là vient qu’hommes et femmes
neste país especialmente depois da Guerra dos Trinta Anos e
vieillissent beaucoup plutôt dans les campagnes que dans les villes” [“O
ainda em 1790 provocou revoltas camponesas no Eleitorado da
linho constitui, com efeito, uma das grandes riquezas do agri-
Saxônia. Prevaleceu especialmente no leste da Alemanha. Na
cultor do norte da Alemanha. Infelizmente para a espécie hu-
maioria das províncias prussianas, Frederico II assegurou pela
mana, ele é apenas um paliativo contra a miséria, e não um meio
primeira vez o direito de propriedade dos camponeses. Após a
de prover o bem-estar. Os impostos diretos, as corveias, as ser-
conquista da Silésia, ele forçou os proprietários fundiários à re-
vidões de todo tipo esmagam o agricultor alemão, que, além
construção das cabanas, celeiros etc., e a prover os domínios cam-
disso, paga impostos indiretos sobre tudo o que compra [...] e
poneses de gado e instrumentos de trabalho. O rei necessitava de
para o cúmulo de sua desgraça, ele não se atreve a vender seus
soldados para seu exército e de contribuintes para o tesouro
produtos onde e como quer, e não se atreve a comprar o que ne-
público. De resto, a seguinte passagem de Mirabeau nos permite
cessita dos mercadores que poderiam oferecer-lhe os melhores
vislumbrar que prazerosa vida levavam os camponeses sob a de-
preços. Todas essas causas o arruínam de modo insensível, e sem
sordem financeira de Frederico II e sua mistura governamental a fiação ele não teria condições de pagar os impostos diretos no
de despotismo, burocracia e feudalismo: “La lin fait donc une des prazo determinado; essa atividade lhe oferece um recurso, ocu-
grandes richesses du cultivateur dans le Nord de l’Allemagne. Mal- pando utilmente sua mulher, filhos, servos, criados e ele mesmo;
heureusement pour l’espèce humaine, ce n’est qu’une ressource contre la mas que vida penosa, mesmo com esse auxílio! No verão, ele tra-
misère, et non un moyen de bien-ètre. Les impôts directs, les corvées, les balha como um condenado, na aradura e na colheita, deita-se às 9
servitudes de tout genre, écrasent le cultivateur allemand, qui paie en- horas da noite e se levanta às 2, para terminar seu trabalho; no in-
core des impôts indirects dans tout ce qu’il achète [...] et pour comble de verno, ele teria de recompor suas forças mediante um repouso
ruine, il n’ose pas vendre ses productions où et comme il le veut; il n’ose maior; mas faltar-lhe-iam grãos para o pão e a semeadura se ele
pas acheter ce dont il a besoin aux marchands qui pourraient le lui livrer se desfizesse dos produtos que tem de vender para pagar os
��������� ���������

impostos. É preciso fiar, portanto, para preencher esse vazio [...] e arrendamentos destinados à criação de ovelhas em Suther-
é preciso fazê-lo com a maior assiduidade. Também o camponês, landshire, pela qual se ofereceu há pouco tempo, ao expir-
no inverno, deita-se à meia-noite, ou à 1 hora da manhã, e se le- ar o contrato de arrendamento vigente, uma renda anual
vanta às 5 ou 6 da manhã, ou então se deita às 9 horas da noite e de £1.200, será transformado em deer forest! Os instintos
se levanta às 2, e isso todos dias de sua vida, excluindo os domin- feudais renascem [...] como no tempo em que os conquista-
gos. Esse excesso de vigília e de trabalho desgasta a natureza hu- dores normandos [...] destruíram 36 aldeias para criar a
mana, e daí decorre que homens e mulheres envelheçam muito New Forest [...]. Dois milhões de acres, que abrangem algu-
mais prematuramente no campo do que na cidade], Mirabeau, De mas das terras mais férteis da Escócia, são transformados
la Monarchie Prussienne, cit., t. III, p. 212s. Adendo à segunda em desertos. O pasto natural de Glen Tilt era considerado
edição: Em abril de 1866, dezoito anos depois da publicação do um dos mais nutritivos do condado de Perth; a deer forest
escrito de Robert Somers anteriormente citado, o professor Leone de Ben Aulder era o melhor solo forrageiro no amplo dis-
Levi proferiu uma conferência perante a Society of Arts sobre a trito de Badenoch; uma parte da Black Mount Forest era a
transformação das pastagens para ovelhas em florestas de caça, pradaria escocesa mais favorável às ovelhas de cara preta.
na qual descreveu o avanço da desertificação nas Terras Altas es- Podemos ter uma ideia da extensão do solo convertido em
cocesas. Diz ele, entre outras coisas: “O despovoamento e a trans-
terras desertas para a prática da caça quando consid-
formação em simples pastagens para ovelhas ofereciam o meio
eramos que ele abarca uma superfície muito maior que a
mais cômodo para um rendimento sem gastos [...]. Nas Terras
de todo o condado de Perth. A perda de fontes de
Altas era comum que uma pastagem para ovelha fosse transform-
produção que essa desolação forçada significa para o país
ada numa deer forest. As ovelhas são expulsas por animais
pode ser calculada se considerarmos que a Ben Aulder
selvagens do mesmo modo como antes os seres humanos haviam
Forest poderia alimentar 15 mil ovelhas e que ela não rep-
sido expulsos para ceder lugar a ovelhas [...]. É possível caminhar
resenta mais do que 1/30 da área total ocupada pelas reser-
desde as fazendas do conde de Dalhouise, em Forfarshire, até
John o’Groats, sem abandonar jamais a área florestal [...]. Em
vas de caça da Escócia [...]. Toda essa área destinada à caça
muitas” (dessas florestas) “se aclimataram a raposa, o gato
é absolutamente improdutiva [...]. Ela poderia igualmente
selvagem, a marta, a doninha, o mangusto e a lebre alpina, ao ter sido afundada nas águas do mar do Norte. O braço
mesmo tempo que o coelho, o esquilo e o rato abriram caminho forte da lei deveria dar um fim nesses descampados ou
até a região. Enormes faixas de terra, que figuram na estatística desertos improvisados”.
da Escócia como prados de excepcional fertilidade e extensão, es-
m O número que antecede o nome do monarca indica o ano de
tão agora excluídas de todo cultivo e melhoria, e destinadas uni- reinado em que a lei em questão foi promulgada. Neste caso,
camente aos prazeres cinegéticos de umas poucas pessoas e dur- portanto, trata-se da lei promulgada no 27º ano de reinado de
ante apenas um curto período do ano”. Henrique VIII. (N. T.)

O Economist de Londres, na edição de 2 de junho de


221 O autor do Essay on Trade etc. (1770) observa: “Durante o re-
inado de Eduardo VI, os ingleses parecem ter-se dedicado real-
1866, diz: “Na última semana, um periódico escocês in-
mente, e com toda a seriedade, ao fomento das manufaturas e a
forma, entre outras novidades [...] ‘Um dos melhores
��������� ���������

dar ocupação aos pobres. Isso podemos depreender de um assim, não passava um ano sem que trezentos ou quatrocentos
notável estatuto, segundo o qual todos os vagabundos devem ser deles fossem levados à forca, num lugar ou noutro”, Strype, An-
marcados a ferro”, p. 5. nals of the Reformation and Establishment of Religion, and other Vari-
n No original: “na terceira”. (N. T.) ous Ocurrences in the Church of England during Queen Elisabeth’s
Happy Reign (2. ed., 1725), v. II. Em Somersetshire, segundo o
o O número que sucede a abreviação “c.” (“chapter”) indica o mesmo Strype, num único ano foram executadas 40 pessoas, 35
número da Act (lei) promulgada no ano indicado. (N. T.) foram marcadas a ferro, 37 foram chicoteadas e 183 foram soltas
221a Thomas More diz, em sua Utopia [p. 41-2]: “E é assim que como “malfeitoras incorrigíveis”. Porém, diz esse autor, “esse
um glutão voraz e insaciável, verdadeira peste de sua terra natal, grande número de acusados não inclui sequer 1/5 dos delitos
pode apossar-se e cercar com uma paliçada ou uma cerca mil- penais, graças à negligência dos juízes de paz e à compaixão es-
hares de acres de terras, ou, por meio de violência e fraude, túpida do povo”. E acrescenta: “Os outros condados ingleses não
acossar de tal modo seus proprietários que estes se veem obri- estavam numa condição melhor que Somersetshire, e muitos até
gados a vender a propriedade inteira. Por um meio ou por outro, mesmo numa condição pior”.
por bem ou por mal, eles são obrigados a partir – pobres almas, p Na Inglaterra, sessões judiciais de menor importância. (N. E.
simples e miseráveis! Homens, mulheres, esposos, esposas, cri-
A. MEW)
anças sem pais, viúvas, mães lamurientas com suas crianças de
peito e toda a família, escassa de meios mas numerosa, pois a ag-
q Inicial de “rogue”: vagabundo. (N. T.)
ricultura precisa de muitos braços. Arrastam-se, digo eu, para r Em holandês: “ato de abjuração”. (N. T.)
longe de seus lugares conhecidos e habituais, sem encontrar onde 222 “Whenever the legislature attempts to regulate the differences
repousar; a venda de todos os seus utensílios domésticos, embora between masters and their workmen, its counsellors are always the mas-
de pouco valor, em outras circunstâncias lhes teria proporcion- ters.” “L’esprit des lois, c’est la propriété” [“Sempre que a legislação
ado um certo ganho; mas, por terem sido expulsos de modo re- tenta regular as diferenças entre os patrões e seus operários, seus
pentino, eles tiveram de vendê-los a preços irrisórios. E tendo conselheiros são sempre os patrões” − diz Adam Smith. “O es-
vagabundeado até consumir o último tostão, que outra coisa re- pírito das leis é a propriedade” – diz Linguet.]
staria a fazer, além de roubar, e então, ó Deus!, serem enforcados
223 J. B. Byles, Sophisms of Free Trade. By a Barrister (Londres,
com todas as formalidades da lei ou passar a esmolar? Mas tam-
1850), p. 206. E acrescenta, com malícia: “Estivemos sempre à dis-
bém desse modo acabam jogados na prisão, como vagabundos,
posição para intervir pelo empregador. Não podemos fazer nada
porque vagueiam de um lado para o outro e não trabalham; eles,
pelo empregado?”
a quem ninguém dá trabalho, por mais ardentemente que se
ofereçam”. Desses pobres fugitivos, dos quais Thomas More diz 224 De uma cláusula do estatuto Jaime I, 2, c. 6, depreende-se que
que eram obrigados a roubar, “foram executados 72 mil certos fabricantes de pano se arrogavam, como juízes de paz, o
pequenos e grandes ladrões, durante o reinado de Henrique direito de ditar oficialmente a tarifa salarial em suas próprias ofi-
VIII”, Holinshed, Description of England, v. I, p. 186. Na época de cinas. – Na Alemanha, principalmente depois da Guerra dos
Elizabeth, “os vagabundos eram enforcados em série; ainda Trinta Anos, foi frequente a promulgação de estatutos para
��������� ���������

manter baixos os salários. “Era algo muito prejudicial para os fundamentais da constituição francesa a supressão de todos os ti-
proprietários fundiários, nas terras despovoadas, a falta de cria- pos de corporações do mesmo estamento (état) e profissão, é
dos e trabalhadores. Proibiu-se a todos os aldeões alugarem quar- proibido restabelecê-las de fato, sob qualquer pretexto ou em
tos a homens e mulheres solteiros, e todos os inquilinos desse qualquer forma. O artigo IV reza que, no caso de cidadãos per-
tipo deviam ser denunciados às autoridades e encarcerados, caso tencentes às mesmas profissões, artes ou ofícios tomarem deliber-
não quisessem se tornar serviçais, mesmo quando se ações ou realizarem convenções com o objetivo de recusar um
mantivessem graças a outra atividade, como semear para os cam- acordo ou de não consentirem no socorro de sua indústria ou de
poneses por um salário diário, ou até mesmo negociar com din- seus trabalhos a não ser por um preço determinado, tais consultas
heiro e cereais (Kaiserliche Privilegien und Sanctiones für Schlesien, I, e acordos [...] serão declarados inconstitucionais e como atenta-
125). Por todo um século, aparecem repetidamente, nas orde- dos à liberdade e à declaração dos direitos do homem etc., ou
nações dos soberanos, amargas queixas contra a canalha maligna seja, como crimes de Estado, exatamente como nos velhos estat-
e petulante, que não aceita se submeter às duras condições e não utos dos trabalhadores”], Révolutions de Paris (Paris, 1791), t. III, p.
se satisfaz com o salário legal; é proibido ao proprietário indi- 523.
vidual pagar mais que o estabelecido pela taxa em vigor na tDitadura jacobina, de junho de 1793 a junho de 1794. (N. E. A.
província. E, no entanto, depois da guerra as condições de tra- MEW)
balho são às vezes ainda melhores do que seriam cem anos mais
226 Buchez et Roux, Histoire parlementaire, t. X, p. l93-5 passim.
tarde; em 1652, na Silésia, os criados ainda recebiam carne duas
vezes por semana, ao passo que em nosso século há distritos u Na Roma Antiga, o villicus (de villa, pequena fazenda rural),
silesianos onde eles só recebem carne três vezes por ano. Tam- embora também ele servo, desempenhava o papel de capataz dos
bém o salário diário era, depois da guerra, mais alto do que seria demais escravos e de administrador da fazenda. As funções do
nos séculos seguintes (G. Freytag). bailiff medieval se assemelhavam muito às do villicus, de quem,
ademais, costumava conservar o nome. (N. T.)
s Uma lei para emendar a lei penal em relação a violência,
ameaças e molestamento. (N. T.) 227 “Arrendatários”, diz Harrison em sua Description of England,
“para os quais antes era difícil pagar £4 de renda, agora pagam
225 O artigo I dessa lei diz: “L’anéantissement de toutes expèces de
£40, £50, £100 e ainda acreditam ter feito um mau negócio se, no
corporations du même état et profession étant l’une des bases fonda-
término de seu contrato de arrendamento, não acumularam de 6
mentales de la constitution française, il est déféndu de les rétablir de fait
sous quelque prétexte et sous quelque forme que ce soit” [...] “des citoy- a 7 anos de rendas”.
ens attachés aux mêmes professions, arts et métiers prenaient des 228 Sobre a influência da depreciação do dinheiro, no século XVI,
délibérations, faisaient entre eux des conventions tendantes à refuser de sobre as diversas classes da sociedade, cf. A Compendious or Briefe
concert ou à n’accorder qu’à un prix déterminé le secours de leur indus- Examination of Certayne Ordinary Complaints of Diverse of our Coun-
trie ou de leurs travaux, les dites délibérations et conventions [...] seront trymen in these our Days. By W. S., Gentleman (Londres, 1581). A
déclarées inconstitutionnelles, attentatoires à la liberté et à la déclara- forma de diálogo desse escrito contribuiu para que durante muito
tion des droits de l’homme etc.” [“Sendo uma das bases tempo sua autoria fosse atribuída a Shakespeare, e ainda em 1751
��������� ���������

ele voltou a ser publicado sob seu nome. Seu autor é William todos que têm arrendamentos ou fazendas para sua própria ma-
Stafford. Numa passagem, o cavaleiro (knight) raciocina da nurance (isto é, cultivo) e pagam a renda antiga, pois se pagam se-
seguinte maneira: “Knight: ‘You, my neighbour, the husbandman, gundo as taxas antigas, vendem segundo as novas; ou seja,
you Maister Mercer, and you Goodman Copper, with other artificers, pagam muito pouco por sua terra e vendem caro tudo que sobre
may save yourselves metely well. For as much as all things are deerer ela cresce [...]’ – Knight: ‘E qual o grupo que, em vossa opinião,
than they were, so much do you arise in the pryce of your wares and oc- terá nisso um prejuízo maior do que o lucro dos outros?’ –
cupations that yee sell agayne. But we have nothing to sell where by we Doutor: ‘O de todos os nobres, gentlemen e todos os outros que
might advance ye pryce there of, to countervaile those things that we vivem de uma renda ou estipêndio fixos, ou que não manure (cul-
must buy agayne” [...] “I pray you, what be those sorts that ye meane. tivam) eles mesmos o solo, ou não se dedicam a comprar e
And, first, of those that yee thinke should have no base hereby?’ – Dokt- vender’”].
or: ‘I meane all these that live by buying and selling, for, as they buy 229 Na França, o régisseur, administrador e coletor dos tributos ao
deare, they sell thereafter’. – Knight: ‘What is the next sorte that yee say senhor feudal na Alta Idade Média, não tarda a se converter num
would win by it?’ – Doktor: ‘Marry, all such as have takings or fearmes homme d’affaires [homem de negócios], que, mediante extorsão,
in their owne manurance” (d.h. cultivation) “at the old rent, for where fraude etc., ascende maliciosamente à posição de capitalista.
they pay after the olde rate, they sell after the newe – that is, they paye Esses régisseurs eram, às vezes, eles mesmos senhores proemin-
for their lande good cheape, and sell all things growing thereof deare...’ – entes. Por exemplo: “C’est li compte que messire Jacques de Thoraisse,
Knight: ‘What sorte is that which, ye sayde should have greater losse chevalier chastelain sor Besançon rent es seigneur tenant les comptes à
hereby, than these men had profit?’ – Doktor: ‘It is all noblemen, gentle- Dijon pour monseigneur le duc et comte de Bourgoigne, des rentes ap-
men, and all other that live either by a stinted rent or stypend, or do not partenant à la dite chastellenie, depuis XXVe jour de décembre
manure” (cultivate) “the ground, or doe occupy no buying and selling’” MCCCLIX jusqu’au XXVIIIe jour de décembre MCCCLX” [“Esta é a
[“Knight: ‘Vós, meu vizinho, o lavrador, vós, senhor comerciante, conta que o sr. Jacques de Thoraisse, cavaleiro castelão de Bes-
e vós, compadre copper [caldereiro], bem como os demais ançon, presta ao senhor que, em Dijon, leva as contas para o sen-
artesãos, podeis vos arranjar muito bem. Pois na mesma medida hor duque e conde de Borgonha, sobre as rendas pertencentes à
em que todas as coisas se tornam mais caras do que eram, dita castelania, desde o XXV dia de dezembro de MCCCLIX até o
aumentais os preços de vossas mercadorias e serviços, que ven- XXVIII dia de dezembro de MCCCLX”], Alexis Monteil, Histoire
deis novamente. Mas não temos nada para vender cujo preço des matériaux manuscrits etc., p. 234-5. Aqui já se evidencia como,
pudéssemos aumentar para contrapesar tudo aquilo que temos em todas as esferas da vida social, a parte do leão cabe ao inter-
de comprar de novo’. Em outra passagem, pergunta o Knight ao mediário. Na área econômica, por exemplo, quem fica com a nata
doutor: ‘Dizei-me, vos rogo, quem são essas pessoas que men- dos negócios são os financistas, operadores da Bolsa, negociantes
cionais. E, primeiramente, quem dentre elas não terá com isto, se- e pequenos comerciantes; nos pleitos civis, o advogado depena as
gundo vossa opinião, algum prejuízo?’ – Doutor: ‘Refiro-me a to- partes; na política, o representante vale mais que os eleitores, o
dos aqueles que vivem da compra e venda, pois por caro que ministro mais que o soberano; na religião, Deus é empurrado
comprem, em seguida o vendem’. – Knight: ‘Qual é o próximo para o segundo plano pelo “mediador”, e este, por sua vez, é
grupo que, a vosso parecer, ganhará com isso?’ – Doutor: ‘Ora, deixado para trás pelos padres, que são, por sua vez, os
��������� ���������

intermediários imprescindíveis entre o bom pastor e suas ovel- 234 “Twenty pounds of wool converted unobtrusively into the yearly
has. Na França, como na Inglaterra, os grandes domínios feudais clothing of a labourer’s family by its own industry in the intervals of
se dividiam numa infinidade de pequenas explorações, mas sob other work – this makes no show; but bring it to market, send it to the
condições incomparavelmente menos favoráveis para a popu- factory, thence to the broker, thence to the dealer, and you will have
lação rural. No século XIV, surgiram os arrendamentos, chama- great commercial operations, and nominal capital engaged to the
dos de fermes ou terriers. Seu número cresceu continuamente, amount of twenty times its value [...]. The working class is thus emerced
chegando a bem mais de 100 mil. Pagavam, em dinheiro ou in to support a wretched factory population, a parasitical shopkeeping
natura, uma renda da terra que oscilava entre 1/12 e 1/5 do produto. class, and a fictitious commercial, monetary and financial system”
Os terriers eram feudos, subfeudos etc. (fiefs, arrière-fiefs), de [“Vinte libras de lã, tranquilamente transformadas na vestimenta
acordo com o valor e a extensão dos domínios, sendo que alguns anual de uma família de trabalhadores – por seus próprios es-
continham apenas poucos arpents [o equivalente a 10 mil m2]. forços, nos intervalos entre seus outros trabalhos –, não é algo
Todos esses terriers possuíam algum grau de jurisdição sobre os que impressione; mas leveis a lã ao mercado, a envieis à fábrica,
moradores da área; havia quatro graus. Compreende-se a pressão depois ao intermediário, depois ao negociante e tereis grandes
sofrida pela população rural sob todos esses pequenos tiranos. operações comerciais e capital nominal empregado num mont-
Monteil diz que, nessa época, havia na França 160 mil tribunais, ante de vinte vezes o seu valor [...]. A classe trabalhadora é assim
onde hoje bastam 4 mil (incluindo juízes de paz). explorada para sustentar uma miserável população fabril, uma
230 Em seu Notions de philosophie naturelle (Paris, 1838). classe parasitária de lojistas e um sistema comercial, monetário e
financeiro fictício], David Urquhart, Familiar Words, cit., p. 120.
231 Um ponto que é ressaltado por sir James Steuart. James
Steuart, An Inquiry into the Principles of Political Economy, cit., v. 1,
235 A exceção constitui, aqui, a época de Cromwell. Enquanto
livro 1, c. 16. durou a república, a massa do povo inglês se ergueu, em todas as
suas camadas, da degradação em que havia afundado sob os
232 “Je permettrai” [...] “que vous ayez l’honneur de me servir, à condi-
Tudors.
tion que vous me donnez le peu qui vous reste pour la peine que je
prends de vous commander” [“Permitirei”, diz o capitalista, “que
236 Tuckett sabe que a grande indústria da lã é derivada das
tenhais a honra de me servir, sob a condição de que me deis o manufaturas propriamente ditas e da destruição da manufatura
pouco que vos resta pelo incômodo que me causa comandar- rural ou doméstica, acarretada pela introdução da maquinaria.
vos”], J.-J. Rousseau, Discours sur l’économie politique (Genebra, Tuckett, A History of the Past and Present State of the Labouring Pop-
1760), p. 70. ulation, cit., v. I, p. 139-44. “O arado e o jugo foram invenções dos
deuses e ocupação de heróis: são de origem menos nobre o tear, o
233 Mirabeau, cit., p. 20-109 passim. Que Mirabeau também con- fuso e a roca? Separai a roca do arado, o fuso do jugo, e tereis
sidere as oficinas dispersas como mais econômicas e produtivas fábricas e albergues de pobres, crédito e pânico, duas nações in-
que as “reunidas” e veja nestas últimas apenas plantas artificiais imigas, a agrícola e a comercial”, David Urquhart, Familiar Words,
de invernáculo, cultivadas pelos governos, é algo que se explica
cit., p. 122. Mas então chega Carey e acusa a Inglaterra, certa-
pela situação em que àquela época se encontrava grande parte
mente não sem razão, de tentar converter os demais países em
das manufaturas continentais.
��������� ���������

meros povos agrícolas, tendo a Inglaterra como fabricante. Ele próprias autoridades, constituindo-se, assim, elas mesmas em
diz que, desse modo, a Turquia teria sido arruinada, porque “aos condados (county of itself, county of a town, county corporate). (N. T.)
proprietários e cultivadores do solo jamais foi permitido” (pela 241 William Howitt, Colonization and Christianity. A Popular His-
Inglaterra) “que fortalecessem a si mesmos por essa aliança nat- tory of the Treatment of the Natives by the Europeans in all their Colon-
ural entre o arado e o tear, o martelo e a grade”, The Slave Trade, ies (Londres, 1838), p. 9. Sobre o tratamento dado aos escravos,
p. 125. Segundo ele, o próprio Urquhart é um dos agentes prin- uma boa compilação encontra-se em Charles Comte, Traité de la
cipais da ruína da Turquia, onde teria feito propaganda do livre- législation (3. ed., Bruxelas, 1837). É preciso estudar essa questão
câmbio a serviço de interesses ingleses. O melhor de tudo é que em detalhe, para ver o que o burguês faz de si mesmo e do trabal-
Carey – grande servo dos russos, diga-se de passagem – quer de- hador lá onde tem plena liberdade para moldar o mundo se-
ter esse processo de cisão por meio do sistema protecionista, que gundo sua própria imagem.
o acelera.
242 Thomas Stamford Raffles (late Lieut. Gov. of that island), The
237 Economistas filantrópicos ingleses, como Mill, Rogers, Gold- History of Java (Londres, 1817), v. II, p. CXC, CXCI.
win, Smith, Fawcett etc., e fabricantes liberais, como John Bright e
consortes, perguntam aos aristocratas rurais ingleses, tal como
243 Somente na província de Orissa, em 1866, mais de 1 milhão
de indianos morreu de inanição. Não obstante, procurou-se en-
Deus perguntara a Caim sobre seu irmão Abel: onde foram parar
riquecer o erário indiano com os preços pelos quais se forneciam
nossos milhares de freeholders [pequenos proprietários livres]?
Mas de onde viestes vós? Da destruição daqueles freeholders. Por alimentos aos famintos.
que não seguis adiante e perguntais onde foram parar os tecelões, x Assim é chamado o grupo de colonos ingleses que se estabele-
fiandeiros e artesãos independentes? ceu em Plymouth, Massachusetts, em 1620. (N. T.)
238 Industrial, aqui, em oposição a agrícola. Em sentido w Pequenos machados usados pelos índios americanos. (N. T.)
“categórico”, o arrendatário é um capitalista industrial tanto y No original: Bluthunde, “sabujos”. (N. T.)
quanto o fabricante. z Sociedades que detinham o monopólio legal para a exploração
239 The Natural and Artificial Right of Property Contrasted (Londres, de certos ramos de indústria e comércio (N. T.)
1832), p. 98-9. Autor desse escrito anônimo: T. Hodgskin. aa Gustav von Gülich, Geschichtliche Darstellung des Handels, der
240 Ainda em 1794, os pequenos fabricantes de pano de Leeds Gewerbe und des Ackerbaus der bedeutendsten handeltreibenden
enviaram uma delegação ao Parlamento, solicitando-lhe uma lei Staaten unsrer Zeit (Jena, 1830), t. I, p. 371. (N. E. A. MEW)
que proibisse qualquer comerciante de tornar-se fabricante. (Dr. 243a William Cobbett observa que, na Inglaterra, todas as institu-
Aikin, Description of the Country from 30 to 40 miles round
ições públicas são denominadas “reais”, mas que, a título de com-
Manchester, cit.)
pensação, existe a dívida “nacional” (national debt).
v Cidades que, por privilégio real, obtinham a autonomia em re- 243b “Si les Tartares inondaient l’Europe aujourd’hui, il faudrait bien
lação ao condado circunvizinho, isto é, o direito a eleger suas
des affaires pour leur faire entendre ce que c’est qu’un financier parmi
nous” [“Se os tártaros inundassem hoje a Europa, seria muito
��������� ���������

custoso fazê-los entender o que vem a ser, entre nós, um finan- aceitar uma idiota”. [Na revista Nova Gazeta Renana (maio-out.
cista”], Montesquieu, Esprit des lois (Londres, 1769), t. IV, p. 33. 1850), Marx escreve: “Desde 1845, Peel foi tratado como traidor
244 “Pourquoi aller chercher si loin la cause de l’éclat manufacturier de pelo partido tory. O poder de Peel sobre a Câmara Baixa repousa
la Saxe avant la guerre? Cent quatre-vingt millions de dettes faites par sobre a plausibilidade de sua eloquência. Quando lemos seus mais
les souverains!”, Mirabeau, De la monarchie prussienne, cit., t. VI, p. famosos discursos, vemos que eles consistem num volumoso
101. amontoado de lugares-comuns, entre os quais são habilmente in-
seridos alguns dados estatísticos”. King’s Bench (ou Queen’s
245 Eden, The State of the Poor, or an History of the Labouring Classes Bench): suprema corte de justiça no Reino Unido. (N. T.) ]
in England etc., cit., livro II, c. I, p. 421.
ab Denominação dos acordos pelos quais a Espanha concedia a
246 John Fielden, The Curse of the Factory System, cit., p. 5-6. Sobre Estados estrangeiros e pessoas privadas o direito de fornecer es-
as infâmias do sistema fabril em suas origens, cf. dr. Aikin, De- cravos negros africanos para seus assentamentos americanos, do
scription of the Country from 30 to 40 miles round Manchester, cit., século XVI até o século XVIII. (N. E. A. MEW)
1795, p. 219, e Gisborne, Enquiry into the Duties of Men (1795), v. II.
Uma vez que a máquina a vapor transplantou as fábricas antes
ac O trecho citado diz o seguinte: “[...] has coincided with that spirit
construídas no campo, próximas às quedas-d’águas, para o of bold adventure wich has characterised the trade of Liverpool and rap-
centro das cidades, o extrator de mais-valor, sempre “disposto à idly carried it to its present state of prosperity; has occasioned vast em-
renúncia”, encontrou à mão o material infantil, sem a necessidade ployment for shipping and sailors, and greatly augmented the demand
das remessas forçadas de escravos das workhouses. – Quando sir for the manufactures of the country” [“[O tratado] coincidiu com
R. Peel (pai do “ministro da plausibilidade”) apresentou em 1815 esse espírito de audaz aventura que caracterizou o comércio de
sua bill em proteção das crianças, F. Horner (luminar do Bullion Liverpool e o levou rapidamente a seu estado atual de prosperid-
Committe e amigo íntimo de Ricardo) declarou na Câmara Baixa: ade; ocasionou um vasto emprego de barcos e marinheiros, e
“É notório que, entre os efeitos da falência de um fabricante, está aumentou em grande medida a demanda pelas manufaturas do
o de que um bando, se me permitem essa expressão, de crianças país”]. (N. T.)
de fábrica foi anunciado e arrematado, em leilão público, como 247 Em 1790, as Índias Ocidentais inglesas contavam com 10 es-
parte da propriedade. Há dois anos” (em 1813) “apresentou-se ao cravos para 1 homem livre, nas francesas, 14 para 1, nas holan-
King’s Bench um caso terrível. Tratava-se de certo número de desas, 23 para 1. Henry Brougham, An Inquiry into the Colonial
rapazes. Uma paróquia de Londres os havia consignado a um Policy of the European Powers (Edimburgo, 1803), v. II, p. 74.
fabricante, que, por sua vez, os transferiu a outrem. Finalmente, ad Virgílio, Eneida, I, 33, onde se lê: “Tantal moeis erat komanenn
eles foram descobertos por alguns filantropos, em estado de abso- condre gentem” [“Tanto esforço para fundar o povo romano”]. (N.
luta inanição (absolute famine). Outro caso, ainda mais atroz, E. A. MEW)
chegou a meu conhecimento como membro da comissão parla-
248 A expressão “labouring poor” [pobres laboriosos] é encontrada
mentar de inquérito. Há não muitos anos, num convênio entre
nas leis inglesas desde o momento que a classe dos assalariados
uma paróquia londrina e um fabricante de Lancashire, estipulou-
se torna digna de atenção. Os “labouring poor” encontram-se em
se que o comprador, para cada vinte crianças sadias teria de
��������� ���������

oposição, por um lado, aos “idle poor” [pobres ociosos], mendigos seguro, e é possível aplicá-lo em qualquer parte; com 20%, torna-
etc.; por outro, aos trabalhadores que ainda não se tornaram gal- se impulsivo; com 50%, positivamente temerário; com 100%,
inhas depenadas, mas permanecem proprietários de seus meios pisoteará todas as leis humanas; com 300%, não há crime que não
de trabalho. Da lei, a expressão “labouring poor” passou à eco- arrisque, mesmo sob o perigo da forca. Se tumulto e contenda
nomia política, desde Culpeper, J. Child etc., até A. Smith e Eden. trouxerem lucro, ele encorajará a ambos. A prova disso é o con-
A partir disso, pode-se julgar a bonne foi [boa fé] do “execrable trabando e o tráfico de escravos”, T. J. Dunning, Trade’s Unions
political cantmonger” [execrável traficante de hipocrisia política] and Strikes, cit., p. 35-6.
Edmund Burke, quando declara a expressão “labouring poor” ae Constantin Pecqueur, Théorie nouvelle d’économie sociale et poli-
como uma “execrable political cant” [execrável hipocrisia política]. tique (Paris, 1842), p. 435. (N. E. A. MEW)
Esse sicofanta, que a soldo da oligarquia inglesa desempenhou o
papel de romântico contra a Revolução Francesa, exatamente
251 “Nous sommes [...] dans une condition tout-à-fait nouvelle de la so-
ciété [...] nous tendons à séparer [...] toute espèce de propriété d’avec
como antes, nos primeiros momentos das agitações na América,
toute espèce de travail” [“Encontramo-nos [...] numa condição total-
atuara como liberal, a soldo das colônias norte-americanas, contra
a oligarquia inglesa, não era senão um burguês ordinário: “As mente nova da sociedade [...] tendemos a separar [...] toda espécie
de propriedade de toda espécie de trabalho”], Sismondi,
leis do comércio são as leis da natureza e, por conseguinte, as leis
Nouveaux principes de l’économie politique, cit., t. II, p. 434.
de Deus”, E. Burke, Thoughts and Details on Scarcity, Originally
Presented to the Rt. Hon. W. Pitt in the Month of November 1795, cit., 252 “O progresso da indústria, de que a burguesia é agente
p. 31-2. Não é de admirar que ele, fiel às leis de Deus e da passivo e involuntário, substitui o isolamento dos operários, res-
natureza, tenha sempre vendido a si mesmo a quem pagasse mel- ultante da competição, por sua união revolucionária resultante da
hor! Nos escritos do reverendo Tucker – apesar de pároco e tory, associação. Assim, o desenvolvimento da grande indústria retira
Tucker era, quanto ao mais, um homem correto e competente dos pés da burguesia a própria base sobre a qual ela assentou o
economista político – encontramos uma boa caracterização desse seu regime de produção e de apropriação dos produtos. A
Edmund Burke durante seu período liberal. Diante da infame burguesia produz, sobretudo, seus próprios coveiros. Seu de-
falta de caráter que hoje em dia impera e da crença mais devota clínio e a vitória do proletariado são igualmente inevitáveis [...].
nas “leis do comércio”, é um dever estigmatizar repetidamente os De todas as classes que hoje em dia se opõem à burguesia, só o
Burkes, que se distinguem de seus sucessores por uma única proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária. As
coisa: talento! outras classes degeneram e perecem com o desenvolvimento da
249 Marie Augier, Du crédit public (Paris, 1842), p. 265. grande indústria; o proletariado, pelo contrário, é seu produto
mais autêntico. [...] As camadas médias – pequenos comerciantes,
250 “O Capital”, diz o Quarterly Reviewer, “foge do tumulto e da pequenos fabricantes, artesãos, camponeses – combatem a
contenda, e é tímido por natureza. Isso é muito certo, porém não burguesia porque esta compromete sua existência como camadas
é toda a verdade. O capital abomina a ausência do lucro, ou ao médias [...] são reacionárias, pois pretendem fazer girar para trás
lucro muito pequeno, assim como a natureza o vácuo. Com um a roda da História”, K. Marx e F. Engels, Manifesto Comunista, cit.,
lucro adequado, o capital torna-se audaz. Com 10%, ele está p. 51, 49).

Você também pode gostar