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Breves loucuras

VOLUME 4

Lana Machado

Copyright © 2019 Lana Machado


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A violação aos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei nº
9.610/98 e previsto pelo artigo 184 do Código Penal Brasileiro.
Para as garotas da minha ilha, CLM
Capítulo 1
SOFIA

― Mamadeira?
― Peguei.
― Fralda?
― Peguei.
― Lenço?
― Peguei.
― Pomada? Naninha? A bolsinha de remédios...?
Téo e Maysa deixaram os olhos um do outro para me encararem no
topo da escada.
E lá estavam as carinhas mais entediadas do século XXI!
― Eu peguei tudo, Müller ― ele respondeu devagar como se
estivesse falando com um bebê de um ano. No caso, o bebê de um ano por
aqui era Maysa, mas ela me encarava como se o seu cérebro fosse mais
evoluído que o meu de vinte e seis.
― Só tô me certificando, ué... ― eu disse, começando a descer os
degraus.
― Não, você tá falando como uma mãe neurótica ― meu marido
rebateu, mesmo sabendo que eu odiava esse negócio de mãe neurótica.
― Não tô, não!
― Você me perguntou se eu peguei tudo umas três vezes.
Mentira! Não perguntei três vezes...!
Bom, pelo menos não enumerando cada objeto que deveria estar na
bolsa...
― Porque ― comecei a dizer quando cheguei em frente aos dois ―
é a primeira vez que ela vai dormir fora de casa, e na casa da sua tia não tem
tudo o que ela precisa... Sou uma mãe consciente, só isso!
Consciente sim, consciente é um adjetivo ao qual quero estar ligada!
Sorri para Maysa, tentando receber qualquer sinal de concordância
da minha filha, mas tudo o que ela fez foi virar a cabeça e encarar Téo,
enquanto ele a encarava também.
A mãe tá neurótica.
Tá sim, terrorista.
Tenho certeza de que foi isso o que disseram um ao outro. Eles estão
sempre conversando mentalmente ― ainda que Maysa não consiga dizer
frases ainda.
― Eu também sou um pai consciente, por isso peguei tudo...
repetindo pela quarta vez ― Téo debochou, com um sorrisinho de canto
que, há sete anos, me tiraria do sério ao mesmo passo que molharia a minha
calcinha. Nesse momento em especial, depois de dois anos de casados, só
me tirou do sério mesmo. Por sorte, encontrei uma falha de iniciante logo
que botei os olhos no sofá.
― Acho que você tá se esquecendo de algo bem importante, Ferrero
― falei com o meu sorriso espertinho. Téo franziu levemente o cenho,
questionando-me, então acompanhou a direção do meu olhar quando
gesticulei para o sofá.
Embaixo de um cobertor embolado, jazia uma parte de barbatana. O
bichinho de pelúcia preferido da nossa filha, o qual ela não conseguia ficar
sem, estava meio escondido, mas eu conhecia bem os dentes pontudos do
tubarão branco que, por insensatez do cosmos, Maysa achava o máximo...
Eu podia comprar ursinhos, girafas, elefantinhos e até mesmo
unicórnios de pelúcia, a minha garota gostava mesmo era do bicho mais
perigoso da natureza. Foda-se a sua selachofobia, mãe.
Cruzei os braços e olhei vitoriosa para Téo, mas tudo o que recebi
foi um olhar blasé enquanto ele ajeitava Maysa no colo.
― Eu não me esqueci, Müller.
― Ah, vai se foder, Téo! ― Eu ri e passei por ele, para pegar a
pelúcia debaixo do cobertor. ― Você estava se esquecendo...
― Claro que não. Ontem mesmo prometi pra ela que, quando
crescesse mais um pouco, eu deixaria nadar numa piscina de tubarão ― ele
respondeu.
Ao mesmo passo que descobri o bicho, virei-me para ele e cerrei o
olhar.
― Você não pode prometer isso a um bebê. Ela nem sabe o que
significa.
― Vamos ver se não vai se lembrar quando começar a falar, então...
― Téo piscou.
Caralho, Téo... Hoje você tá que tá, heim!
Acabei relevando o deboche do meu marido quando ele passou por
mim, rindo, e me deu um beijo antes de pegar o tubarão para dar a Maysa.
― Não sou uma mãe neurótica ― falei por último e argumentei da
maneira mais clara: ― Se fosse, não estaria deixando a minha filha com a tia
pra passar a Lua de Mel com o meu marido.
Enquanto Maysa agarrava o tubarão com os seus braços gordos e o
apertava como se ela fosse o ser mais perigoso do mundo, Téo deu um
sorriso, só que, dessa vez, um dos seus verdadeiros. E, por mais que ele
fosse doutor em tirar do sério, nada se comparava ao potencial do seu
repuxar de lábios quando sorria de boa vontade. Aliás, fazia um tempo que
eu não via esse tipo de sorriso no seu rosto... Na verdade, há um bom tempo.
Eu acho que... pela primeira vez em sua vida, Téo Ferrero estava
perdido. Não que ele fosse admitir isso em voz alta ou deixar transparecer,
já que eu tentei dizer isso e só recebi uma frase rebatida: só é um mês
cansativo, Müller, só isso...
Mas, se o meu marido me conhece o suficiente, eu também o
conheço: Téo está longe de ser ele mesmo nestas últimas semanas.
O meu garoto problema, desde o Ensino Médio, é a pessoa mais viva
que já conheci, especialmente porque Téo sabe quem é de verdade. Por isso
ele traça planos o tempo inteiro, pois sabe o que vai ser bom para si, seja
algo grande ou não. Foi assim que aconteceu desde cedo: uma faculdade em
Porto Alegre, longe de tudo o que conhecia. Téo riscou a meta quando
passou no vestibular e, ainda, fez toda a mudança com o dinheiro que sua
mãe deixou para ele antes de morrer, além das suas economias. Na outra
cidade, se sustentou com o estágio e trabalho aos sábados em oficina,
enquanto cursava mecânica. Para completar, terminou a graduação e passou
num concurso da prefeitura, não de qualquer estado, de São Paulo.
Eu sou casada com um homem que é praticamente movido à
combustível quente e ativo. Não foi à toa nem apenas por conta da sua mãe
que Téo decidiu ser mecânico: ele tem alma de ferro forjado. E quem forjou
foi ele mesmo.
É por isso que eu não aceito vê-lo perdido com o que ama fazer
agora. Há várias coisas que o definem, além de trabalho, e eu admiro cada
uma delas... Porém, concordo totalmente com a ideia de que “o trabalho
dignifica o homem”. Sinceramente? Por mais que eu seja várias coisas das
quais me orgulho, como ser mãe e escaladora nos fins de semana vagos, o
meu trabalho é meu lugar no mundo. Posso ficar de saco cheio às vezes,
quando tudo está uma merda no jornal onde trabalho, mas é como jornalista e
fotógrafa que sinto os meus pés se fincarem para criarem frutos. É assim que
eu me sinto parte de um todo.
Téo não está se sentindo mais desse jeito há um bom tempo, e eu sei
por quê: ele não gosta de trabalhar na prefeitura. Não é porque ele reclama
de acordar cedo ou dos seus colegas ― Téo sempre teve problemas com as
manhãs e com as pessoas no geral, porque meu marido não tem paciência
para nada e é mal-humorado pra caralho ―, então não é nada disso.
O problema é que Téo trabalha em escritório, apenas revisando
projetos. Ele lida com papelada diariamente, como um daqueles caras de
filmes que estão sempre reproduzindo as mesmas coisas em mais um
cubículo de setor. Apenas uma vez ele assumiu uma obra para lidar, mas
agora grande parte do que faz é mexer com documentos e desenhos ― coisas
que ele odeia. Tudo piora quando há falta de verba e, se tratando do Estado,
isso é o que mais acontece. Obras se tornam intermináveis, e o dinheiro que
deveria ser encaminhado para a qualidade de vida vai para o bolso dos
outros... É assim que Téo perde a fé no trabalho. Então ele se frustra a ponto
de ter dores de cabeça ― no fim de semana passado foi uma enxaqueca
durante dois dias ― e chega em casa mais cansado do que deveria, fazendo
um esforço mental para não mandar tudo à puta que pariu. Tirando o pequeno
incidente que ocorreu na quarta-feira...
Foi pensando nisso que eu inventei uma Lua de Mel depois de um
ano de casados. Nós nunca tivemos uma, porque Maysa só tinha três meses
quando dissemos sim, e tudo o que fizemos foi ir para casa depois da festa
de casamento, pedindo a Deus que a nossa bebê dormisse bem para
conseguirmos transar como um casal de recém-casados.
Nem preciso dizer que não deu certo. Ela precisou mamar três vezes
naquela noite e ainda fez Téo caminhar pelo corredor até que arrotasse e
golfasse nele, então, nem de perto foi uma boa noite de núpcias. Foda-se a
idealização de que éramos uma família realizada, pais que amam a sua
pequena e aquela ladainha toda...
Nosso quarto tinha cheiro de leite materno vomitado. Nós dois
também.
Depois dos primeiros meses de Maysa, pensei em planejar uma Lua
de Mel, mesmo que pequena, para que eu e Téo curtíssemos um pouco
sozinhos. Agora, era o momento ideal, porque Maysa já tinha um ano e
estava acostumada com a casa da tia Rose; nós dois finalmente poderíamos
ter um momento só nosso; e, longe de tudo, seria mais fácil fazer Téo
encontrar uma solução para ele mesmo.
Pelo menos era o que eu esperava.
― Tem certeza de que o check-in é ao meio-dia? ― Téo perguntou
enquanto saíamos de casa.
― Tenho, sim. Estava escrito na programação que, logo depois de
hospedar, a gente teria um almoço e...
― Tem uma programação? ― seu tom de voz ficou hostil.
Considerando que Téo me fodeu durante uma excursão com
programação escolar e religiosa, ele não é o tipo que gosta muito de seguir o
que programam para ele...
― É uma boa! Quem organizou o fim de semana foi aquela terapeuta
de quem eu fiz a matéria aquela vez... Ela que levou o projeto de casais pra
pousada... Lembra? A Dra. Simoni Ogawa?
Eu tinha falado isso a Téo no começo da semana, mas sabia que ele
não se lembraria. Foi por telefone, quando fiz a nossa reserva numa pousada
incrível em meio à natureza e praticamente decidi por nós dois que
tiraríamos o fim de semana. Mas, ultimamente, ele não filtrava muito o que
eu dizia, principalmente quando estava trabalhando.
― Pode ser... ― foi o que Téo respondeu, com os olhos
desconfiados. Depois de abrir a porta traseira do carro, colocou Maysa na
cadeirinha, que continuava deixando o tubarão todo babado. ― Mas a gente
não vai fazer terapia de casal, né?
Caralho... O que eu devo dizer?!
― Não... Não terapia, terapia ― eu disse, fazendo um gesto para
que o Gato viesse para a garagem, entrar no carro também. ― Vão ter alguns
momentos de casais... só isso.
Na verdade, a Dra. Simoni Ogawa tinha pós-doutorado em
Psicologia e era terapeuta de casais. Atualmente, ela estava difundindo um
projeto chamado “Alma Nem Tão Gêmea”, o qual eu pesquisei para
escrever uma matéria sobre casamentos contemporâneos, há um mês.
Basicamente, a sua proposta era de que, para fazer um relacionamento dar
certo, duas pessoas precisam fazer a sua parte. Para isso, elas devem estar
conectadas de corpo e alma, uma vez que se relacionar é algo que pode ser
difícil para o homem individualista da pós-modernidade, então a empatia e
validação do outro são elementos que devem ser exercidos diariamente
dentro de um casamento.
Eu concordo plenamente com o posicionamento dela e acredito que
eu e Téo tenhamos empatia e validemos os sentimentos e palavras em casa.
Não precisamos de terapia para entendermos isso, muito menos para lidar
um com o outro. Porém, considerando que meu marido não está se dando
conta de como lidar consigo mesmo, pensei que seria uma oportunidade boa
entrar em contato com uma terapeuta que nos faça refletir. Talvez, passando
um tempo em um lugar isolado da cidade, ele finalmente pare de negar que
não nasceu pra ficar em escritório, com as mãos cuidadas demais para um
mecânico.
― Puta que pariu! Vai ter terapia! ― Téo concluiu antes de entrar no
carro. Ele chegou a ficar vermelho e não só de raiva... ― Porra, Sofia! Essa
viagem não devia ser de Lua de Mel?
― Mas é! ― falei, meio exaltada também. Não queria que Téo
voltasse atrás apenas por causa da ideia de terapia. ― Não é como se fosse
uma excursão, com programação o tempo todo... só vai ter um encontro com
a doutora, essa tarde, depois estamos livres.
Eu entendia: se Téo não queria conversar comigo sobre as suas
frustrações, quem diria uma terapeuta. Depois de quarta-feira, então, tudo
ficou pior...
Mas o que eu podia fazer? Sim, eu sabia lidar com o meu marido...
só que dessa vez estava mais difícil que o habitual.
Fiz uma carinha de súplica, o meu último recurso, para que ele não
desistisse do nosso fim de semana. Depois de me analisar, Téo acabou
levantando as sobrancelhas, nem um pouco convencido, mas soltou num tom
mais relaxado:
― Pensei que a única programação de uma Lua de Mel fosse foder.
Ao invés de rebater imediatamente, como faria há dois anos, o
instinto me fez abaixar o cenho e fiscalizar Maysa dentro do carro, mesmo
que Téo tenha falado tudo baixo.
Ela tinha parado de morder o tubarão e agora encarava diretamente
os olhos plastificados dele, como se tentasse desvendar alguma coisa que
não tivesse nada a ver com a conversa dos pais. A minha filha ainda era
muito pequena para saber que o seu pai era um pervertido e achava que sexo
era a resposta para tudo.
Olhei-o novamente por cima do carro.
― Isso não tá fora da programação, Ferrero ― falei para apaziguá-
lo. ― Na verdade, vai ser a programação da madrugada inteira.
Dessa vez, o sorriso que tirei dos lábios de Téo não foi puro, mas
sujo, bem sujo. Ele me analisou com os olhos pequenos enquanto cruzava a
garagem:
― Você sabe como me dobrar, Müller.
Então vamos ver se consigo te dobrar mais uma vez, mecânico.
Depois que o Gato saiu de casa todo preguiçoso e subiu nos bancos
de trás do carro como se fosse parte da realeza, fechei a porta e entrei ao
lado de Téo. Com as malas todas lá dentro, deixamos a nossa casa por este
fim de semana. Olhei para o portão se fechando, e, como se tirasse um tipo
de peso dos ombros, relaxei no banco de passageiro.
Na avenida, em meio à grande movimentação dos carros, já comecei
a sentir a animação de viagem. Isso me lembrava de quando eu e Téo
decidíamos fazer longas viagens, parando em hotéis baratos e cidadezinhas
que se criavam para nos receber. Téo adorava dirigir o Impala nas estradas
e, quando escurecia, amava me foder em cima dele, debaixo das estrelas.
Eram tempos mais simples, aqueles, sem tanta pressão da vida adulta...
Agora tínhamos que dar conta dos empregos e do tempo. Havia
Maysa, e ela era a coisa mais importante das nossas vidas. Só de pensar que
teríamos que deixá-la este fim de semana, só de pensar no peso do verbo
deixar, eu sentia um aperto no peito enquanto Téo conversava com ela, com
os olhos no retrovisor. As respostas que ele recebia eram apenas sílabas
meio desconexas e palavras decoradas como “tubaão”, “miau” e “papá”...
Uma vozinha que, mesmo infantil, tinha sua profundidade. E eu passaria o
fim de semana inteiro sem ouvi-la...
Para não ficar neurótica, como Téo sugeriu antes, liguei o rádio que
ele não se deu ao trabalho de ligar, mesmo que meu marido fosse o tipo de
pessoa que liga o carro e o rádio ao mesmo tempo: nem música para ir
trabalhar ele escutava mais. A prova disso é que não havia pen drive
conectado, e eu tive que caçar um no porta-luvas, encontrando apenas um
que era meu, dos tempos de faculdade.
A primeira música que tocou foi “I Love Rock ‘n’ Roll”, o que me
fez sorrir na mesma hora. Acho que passei metade da vida escutando Joan
Jett, essa era a minha trilha sonora em Porto Alegre. Definitivamente, o meu
espírito animal.
Bem, pelo jeito, não apenas o meu.
No momento que o refrão chegou, Maysa começou a bater palmas e
erguer as pernas para cima e para baixo. Ela estava tentando seguir o ritmo,
o que era a cena mais fofa de se assistir. A minha garota gostava de rock,
como os pais. Nesses últimos dias, ela realmente tinha virado fã de Fernando
Biz... Não que o pai dela tenha gostado muito de ver a filha apaixonada pelo
padrinho, mas, depois que Biz botou os pés em São Paulo para não sair e
conquistou Maysa aos poucos, ele não podia fazer muita coisa quando ela
tinha passado a cumprimentar Biz com bitoquinhas nos lábios. Aquele
cantorzinho de meia tigela tinha mesmo um dom pra conquistar mulheres,
fossem Ferrero ou Marques.
Eu estava tentando tirar fotos escondidas de Maysa, esperando que
ela não parasse de se mexer só de pirraça, quando Téo parou em frente à
casa da tia e ficou imóvel, ao invés de sair. Depois de fotografar Maysa
pegando nos próprios pés (um alongamento invejável), abaixei a câmera
fotográfica e encarei-o. Ele estava com os olhos vidrados nela, pensativo e
sério, como se estivesse prestes a dizer...
― Acho que é melhor a gente cancelar a reserva e ficar com ela,
amor ― de fato, ele disse.
Respirei fundo e esperei que Téo me olhasse de volta, mas ele não
olhou. Ergueu um braço para tocar Maysa e abriu um sorriso quando ela
voltou a bater palmas.
― É só um fim de semana, Téo. Ela vai ficar bem com a sua tia.
― Eu sei. Mas se alguma coisa acontece, e a gente não tá por perto?
― A pousada não fica longe. Se qualquer coisa acontecer, sua tia vai
ligar...
Téo tirou as mãos de Maysa, mesmo que tenha demorado um pouco
mais a tirar os olhos. Quando se voltou pra mim, desligou o rádio, e Joan Jett
parou de falar sobre a sua má reputação.
― A gente não precisa tirar essa Lua de Mel agora, Müller ― ele
me falou, parecendo não levar a sério a ideia de uma viagem de casamento.
― No meio do ano, se eu conseguir pegar férias, a gente se programa com
mais calma pra ir a algum lugar melhor e levar a Maysa junto. Ela ainda é
muito pequena pra ficar sem nenhum de nós dois ― disse com o olhar tão
firme que me fez desviar o meu próprio olhar firme.
Porra... Para Téo Ferrero dispensar uma única noite sem empata-
foda, numa pousada no meio do nada, ele só podia estar muito fora de si.
Isso não queria dizer que não fosse protetor com Maysa, porque ele era e
muito, mas Téo nunca teve problemas de deixá-la na casa dos outros à noite,
sair só comigo e me comer, seja no carro, no motel ou em qualquer outro
lugar que nos desse um espacinho confortável ou nem tanto.
Isso é por causa de quarta-feira? Ou é porque você sabe, no fundo,
que vai ter terapia e vai ter que falar sobre o seu estresse uma hora ou
outra?
― São só dois dias... ― insisti.
― Então pra que ir, porra? ― ele perguntou.
― Porque eu tô entediada! ― aumentei o tom de voz, mais nervosa
que irritada. Passei a língua nos lábios secos e o encarei de volta. ― E você
tá estressado e cansado. O que a gente precisa é dar uma pausa nessa rotina,
e você sabe!
Téo ficou um tempo com o olhar preso ao meu, sério, porém um
pouco perdido.
Ele era o tipo de homem que batia o martelo. Era foda, só que, se
Téo tivesse certeza das suas decisões, ele seguia caminho por elas e fim de
conversa. Se decidisse que ficar em casa este fim de semana era a melhor
maneira de fugir de uma conversa, ele ficaria, e não haveria argumento
algum que eu pudesse usar para arrastá-lo comigo.
― Por favor, amor ― pedi.
Foi a vez de Téo desviar o olhar firme do meu. Ele encarou Maysa
novamente pelo retrovisor, parecendo um pouco frustrado, como estava nos
últimos dias, mas acabou gesticulando a cabeça e saiu do carro para entrar
na casa da tia. Desci do carro também e, como estava mais próxima da porta
da cadeirinha, peguei Maysa, enquanto Téo ia até a campainha para tocá-la
uma, duas, três vezes... (Eu devia ter escutado Ana Lu quando ela alertou
sobre eu me casar com um satanáries. Eles não têm paciência, e isso exige
uma paciêeeencia).
Rose apareceu na porta com pressa, como sempre fazia para atender
Téo. Abriu o portão e, conforme nos aproximávamos com Maysa, o seu
sorriso de tia-mãe se repuxava.
― Deixa eu ver essa menina bonita ― ela pediu e estendeu os
braços.
Maysa ainda estava com a careta de manhã, igual a de Téo. Foi o sol
bater nos seus olhos sensíveis quando saímos do carro que toda a animação
gerada por Joan Jett desapareceu num segundo. Ela aceitou ir para o colo da
tia Rose, mas foi esfregando os olhos com as mãos gordinhas e sem dar um
único sorriso de cumprimento.
― Mas que carinha emburrada é essa, meu deuso? ― Rose
perguntou a ela depois que a beijei. ― Tudo isso é porque os pais vão
viajar? ― Riu para mim.
O Gato passou correndo para dentro da casa antes que entrássemos.
Tive que lhe dar licença antes de respondê-la:
― Talvez... e porque obrigamos a acordar cedinho.
― E o pai dela? ― A tia olhou para Téo, que a cumprimentou com
um beijo rápido. ― Por que tá emburrado assim, filho? ― Ela colocou a
mão no seu rosto.
Téo até tentou sorrir, só que os cantos dos lábios mal se
movimentaram.
― Tô meio cansado. Não dormi direito essa noite.
Nem nas últimas...
Tia Rose me olhou de volta, com o cenho meio franzido,
estranhando-o logo de cara. Ela estava acostumada a vê-lo impaciente,
sarcástico ou irritado, mas nunca desanimado. Por mais que Téo tivesse uma
personalidade complicada desde novo, chegando até a ser meio pessimista e
mal-humorado de vez em quando, ele não era o tipo de gente pra baixo. Na
verdade, era o contrário: Téo era o tipo de homem que andava com a cabeça
erguida, os olhos e boca afiados para tudo, qualquer pessoa ou qualquer
situação. Ele tinha um espírito forte e original, bem mais vivo do que
aparentava agora.
Acabei fazendo um gesto para que a Rose relevasse.
― Fiz um cafezinho. Por que não entram antes de viajar? ― Ela já
foi entrando, enquanto Maysa descansava a cabecinha no seu ombro.
Téo me olhou com uma cara de não podemos demorar, mas eu fui
atrás da tia, doida para tomar o café dela. Estava cruzando a sala até a
cozinha quando escutei um barulho vindo da escada, e, no momento que
aquela garota me viu, soltou um gritinho e acelerou o passo ao descer os
degraus.
― Duda! ― Eu a abracei quando a caçula dos Ferrero se jogou em
cima de mim, apertando-me do jeitinho carinhoso que só ela tinha. Será que
ainda havia alguma chance de Maysa crescer e ficar como ela?
Duda me soltou com um sorriso largo, muito longe da carinha
emburrada da minha filha.
É, acho que há zero chances.
― O que você tá fazendo aqui, peste? ― Téo perguntou quando
entrou na sala, e Duda se jogou para cima dele também. Nem parecia que
tinha nos visto no fim de ano. ― A tia não me falou que você vinha pra cá.
― Ele beijou a têmpora dela antes que se afastassem, todo carinhoso com a
irmã.
Talvez Maysa tenha uma chance, talvez...
― Eu também não sabia que vinha ― Duda respondeu, ajeitando a
franjinha que, apesar de lhe dar um ar meigo, não escondia o rosto que já
parecia de mulher jovem adulta. Ela só era uma adolescente, mas a
menininha que gostava de montar barraca no quarto já parecia distante.
Depois dos treze, Duda amadureceu muito e, agora, todos pensavam que ela
era mais velha que Roberta, que ao contrário dela ainda tinha carinha de
bebê. ― É que a Roberta foi passar o fim de semana na casa de umas amigas
em Vitória pra surfar, aí a minha mãe e o pai inventaram de viajar ontem,
mas eu não quis ir com eles, então vou ficar aqui com a tia e ver uns amigos
meus também.
― Vai ficar até quando?
― Não sei, depende do quanto a tia vai me aturar.
― Pra sempre! ― tia Rose gritou da cozinha.
Nós duas rimos, e eu vi Téo repuxar os lábios e abaixar a cabeça.
Fazia um bom tempo que a Rose morava sozinha, sem criança alguma para
lhe encher o saco ― e, considerando que conviveu com Téo durante três
anos, ela já tinha batido a cota. Porém, a tia sempre ficava feliz quando as
meninas decidiam passar um tempo com ela. Ficava toda nostálgica tendo
uns Ferrerinhos por perto.
― A tia disse que vocês vão viajar hoje também ― Duda comentou,
grudando em Téo no momento que começamos a caminhar para a cozinha.
― A gente tá de volta na segunda, daí você passa um tempo lá em
casa também ― ele respondeu.
― Falando na sua casa... ― Duda começou a dizer, com os olhinhos
verdes espertos ― bem que você podia emprestar as chaves pra eu dar uma
festinha lá amanhã, né.
A caçula sempre conseguiu as coisas da família de duas formas:
1. Pedindo com jeitinho, como estava fazendo com Téo agora.
2. Dando ordens diretas, porque ela tinha talento para a coisa.
Como sempre foi bastante inteligente, Duda sabia quando podia usar
um método ou outro. Com Téo, sabia também que o primeiro funcionava
muito bem.
― Uma festinha pra quantas pessoas? ― foi o que ele perguntou.
― Oito. Quatro meninas contando comigo e quatro meninos.
Téo me olhou disfarçado por cima da cabeleira loira, e eu ri da sua
desconfiança.
Sim, amor, talvez role uns pegas aí.
― Quantos litros vocês já compraram? ― ele fez mais perguntas.
Duda se desgrudou dele e parou no corredor, com os olhos
arregalados.
― Como assim?
Ele fechou os olhos nela, que deu uma risadinha de quem foi pega no
flagra. Talvez tivesse se esquecido que o seu irmão era quem dava as
festinhas para oito pessoas quando tinha a sua idade.
― Você sabe do que eu tô falando, pequena.
Duda deu uma enrolada, olhando para os lados, mas depois falou
baixinho, provavelmente para a tia não escutar:
― As meninas compraram duas garrafas de destilados, e os meninos
compraram não sei quantos litros de chopp...
― É... ― Téo fingiu pensar, passando a mão na nuca. ― Não vai
rolar.
― Por que não?! ― Duda ficou chocada com a negação que veio
junto do deboche. Deus... Téo seria um pai insuportável quando Maysa
tivesse idade! Negaria pedidos adolescentes só por poder, por achar graça...
― Não vou deixar ninguém exagerar nem zoar a sua casa, Téo... Prometo!
Também não vou ficar enchendo a cara nem fazer nada com ninguém... ― ela
implorou e, em seguida, virou-se para mim: ― Diz pra ele, Sô!
No meu caso, Duda sabia que podia usar das duas formas de
persuasão. Digo, ela e Roberta foram as irmãs que eu ganhei depois de ter
perdido uma na adolescência, então eu basicamente passei sete anos, desde
que comecei a namorar Téo, fazendo as suas vontades, mesmo que fosse para
pegar o Impala do seu irmão escondido ou deixá-lo sem sexo para fazer
caça-tesouros de Natal nas madrugas do Papai Noel.
O que eu posso dizer? Os Ferrero me manipulam a entrar em
confusão! Não foi à toa que me casei com um deles!
― Eu acredito que você é responsável ― Téo interrompeu antes que
eu tirasse as minhas chaves do bolso e entregasse a ela. Era só uma festinha
de adolescente, e eu sabia que eles poderiam ser terríveis, mas confiava
mesmo na baixinha. ― Só que, dos seus amigos, cinquenta por cento devem
ser o contrário, porque metade é moleque. E eu não confio em moleque
babaca.
― Você era um moleque babaca ― eu disse levantando a
sobrancelha. E ele estava longe de negar, porque até Duda sabia que Téo
botou fogo no closet da mãe dela quando tinha mais ou menos a sua idade.
― Por isso mesmo, Müller ― foi o que ele respondeu. ― Tenho
experiência aqui. Uma festa fica pra próxima, pequena.
Duda revirou os olhos, mas logo voltou a sorrir quando se encontrou
com Maysa na cozinha, já sentada na cadeirinha. Ela estava esperando a
Rose lhe entregar um potinho de framboesas até que a sua tia a tirou da
cadeirinha para apertá-la e beijá-la e mordê-la. Duda só parou quando
Maysa soltou um barulho frustrado.
― Não adianta reclamar ― a baixinha disse a ela de volta na
cadeirinha. ― Você vai ser obrigada a aturar meus beijos pra sempre.
Maysa ignorou Duda e pegou o potinho de framboesas. A tia Rose
riu.
― Então estão todos bem no Rio? ― perguntei a ela enquanto
tomávamos o café.
― Tão, sim. Mas o pai tá com saudades de vocês.
― A gente passou o Natal com ele ― Téo falou, franzindo o cenho.
― É, ele não disse que tava com saudade, você sabe como o pai é...
Eu vi que, no fundo, ele ficou meio deprê por causa da Maysa.
Eu e Téo tentávamos pegar férias no Rio sempre que podíamos,
principalmente depois que Maysa nasceu. Duda e Roberta diziam que Maysa
não podia crescer com duas tias estranhas, elas queriam estar próximas da
primeira sobrinha, e com o pai de Téo não era diferente.
Augusto era o tipo de homem turrão ― Téo teve, sim, a quem puxar.
Só não tinha a aparência do pai, pois veio como cópia da mãe, assim como a
minha filha era cópia dele. Porém, de resto, na personalidade, os dois eram
muito parecidos: sentiam muito no peito e não diziam em voz alta. Augusto
não era de jogar Maysa pro alto como Téo, ou conversar balbuciando
palavras inexistentes como eu fazia; só que, quando a pegava no colo, não a
soltava mais. E Maysa ficava com ele horas e horas deitada no sofá ou perto
da piscina, antes de dormir... A minha filha também tinha puxado o avô,
então apreciava o silêncio tanto quanto ele.
― Primeira neta, né, filha ― Rose disse enquanto colocava o cabelo
mais comprido de Maysa atrás das orelhas. ― A gente fica bobo mesmo.
― Pode ser... ― Duda respondeu, comendo um pedaço de queijo. ―
Mas acho que é porque ela lembra a mãe do Téo. Tem até o nome dela, né.
Tia Rose tirou os olhos da última sobrinha e botou em cima do
primeiro sobrinho. Téo estava observando a conversa, porém, depois do que
a irmã disse, deu um meio-sorriso e abaixou a cabeça. Só levantou para me
olhar, aí sorriu de verdade, como não fazia há um bom tempo. Buscou a
minha mão debaixo da mesa, e, finalmente, depois de semanas sentindo-o tão
distante de mim, enxerguei o meu marido dentro de mim, como sempre
levávamos um ao outro.
Você vai voltar pro seu eixo, amor. Só precisa de uma boa viagem...
― Imagina quando for o seu bebê ― a tia falou para Duda, que
começou a imitar Maysa comendo, cheia de graça. ― O Augusto vai te fazer
voltar pra casa e criar a criança ali do ladinho dele. ― Ela riu.
― Deus me livre, tia! Isso aí tá bem longe, viu! O meu irmão ainda
precisa ter mais cinco filhos antes de mim, porque a Roberta já não quer
muito, então...
― Cinco?! ― perguntei, dando uma risada nervosa. Era o que eu
sempre fazia quando Biz vinha com essas ideias de me incentivar a ter mais
crias. Dizia que assim faria uma puta banda com as crianças dos putos
quando elas tivessem idade... ― Tá maluca, Duda? A gente tá pensando em
fazer um agora e depois já chega.
― Ah, vocês estão mesmo tentando?! ― tia Rose já ficou toda
animada.
Encarei Téo e sorri para ele, um pouco vermelha. Nós estávamos
conversando sobre ter um segundo bebê agora, mesmo que eu tenha dito
milhares de vezes que preferia esperar a Maysa crescer um pouco mais.
A troca de plano aconteceu há algumas semanas, depois que a minha
menstruação não desceu, e eu pensei estar grávida de novo. Já fazia um
tempo que eu tinha parado com o anticoncepcional para tomar injeções, só
que dessa última vez a menstruação não desceu certinha como as outras, o
que me deixou neurótica e já me fez imaginar que estava inchada, com os
mamilos escuros, com um cansaço além do normal... Tudo coisa da minha
cabecinha fértil.
Fiquei meio nervosa quando cogitei a gravidez, só que, conversando
com Téo, eu fiquei muito mais calma. Ele me fez enxergar que estávamos
num bom momento para ter um segundo filho: nós tínhamos uma casa que era
nossa, empregos consistentes, boa idade para dar conta de dois pestinhas e
muito amor para distribuir ― na verdade, este último ele não disse, mas foi
isso o que eu entendi quando, no chuveiro, Téo desenhou com o dedo uma
cruz na minha barriga.
Acabei ficando apaixonada por um bebê que ainda não existia e, logo
que o exame de sangue deu negativo, do nada, chorei na frente da enfermeira.
Ela não entendeu por que eu chorei, mas Téo me abraçou e suspirou fundo,
meio triste também...
Afinal, era uma mudança de plano que queríamos que fosse real.
A partir desse dia, viemos conversando sobre tentar de verdade.
Reavaliei a minha situação profissional e, depois de falar com outras
jornalistas do trabalho que já engravidaram, disse para Téo que a licença-
maternidade não duraria muito, mas que eu tinha fibra para lidar com um
bebezinho pequeno e com trabalho.
Tantas mulheres faziam isso diariamente até numa situação mais
exaustiva, certo? A gente tem raça pra qualquer coisa, se quiser.
Então a minha médica disse que eu já poderia parar com a injeção,
mas que a gravidez poderia demorar a acontecer, porque iam-se bons meses
até o meu corpo se readaptar. Téo riu e apostou com ela que até o seu
aniversário eu estaria grávida. De um molequinho, ainda.
Nunca quis tanto que ele ganhasse uma aposta.
― Por que você acha que a gente vai fazer uma Lua de Mel logo
agora, tia? ― Téo riu e fez um gesto pra Maysa, piscando. ― Sem a empata-
foda mirim aí, não vai precisar nem de treino...
― Téo! ― nós três o repreendemos juntas, porém, Duda traiu o
movimento com uma risada final.
Maysa mostrou a língua, sabendo que o pai estava falando mal dela.
Em seguida, enfiou a boca num canudo que a tia deu e ficou olhando as
estrelinhas do copo de água.
E esta é minha filha: uma pequena contradição que curte tanto
tubarões quanto estrelinhas.
É aí que o Müller tem força, porra!
Depois que tomamos o café e conversamos um pouco, Téo se
levantou e disse que era melhor pegarmos a estrada o quanto antes se
quiséssemos chegar à tempo à pousada. As três Ferrero nos levaram até o
portão, de maneira que foi difícil soltar a mais nova delas a partir do
momento que ela foi para o meu colo e me beijou sem que eu pedisse
(normalmente tenho que implorar um pouquinho). Maysa estava com cheiro
de perfume Johnson’s como mamãe sempre passou em mim, só que ela
estava tão pesadinha no meu colo que eu já estava imaginando o momento em
que deixaria de usar perfume de bebê...
Porra, passava tão rápido. Esses dias ela era tão pequena que
parecia um pacotinho apoiado nos meus braços, agora estava alta, andando
bem, comendo sozinha, prestes a passar a noite longe de mim...
Entre no carro agora mesmo, Sofia, senão você não vai conseguir.
Sentei-me no banco de passageiro enquanto Téo a abraçava e se
despedia, lembrando-se de entregar o seu tubarãozinho de pelúcia. Duda riu
quando me viu revirar os olhos molhados, porque ela tinha sido a culpada
por fazer a minha filha gostar do animal, mas acabei rindo também quando
Maysa apertou o tubarão bem forte. Pensei que ela o envolveria embaixo do
braço como sempre fazia, mas, depois de dar um beijo no pai, entregou-lhe o
tubarão e disse: tó pá vucê.
Aí, obviamente, eu comecei a chorar.
Téo ficou meio abalado emocionalmente também. Apontou para mim
e disse a Maysa: olha a bebê chorona ali, terrorista, só que os olhos dele
ficaram vermelhos quando a beijou de novo no rostinho e na cabeça. Enfiou
o tubarão debaixo do braço e deu a volta no carro acenando, enquanto Duda
e Rose seguravam suas mãozinhas para conduzi-la de volta para dentro.
― Não diz pra gente ficar, por favor ― pedi para o meu marido
quando ele fechou a porta e botou o tubarão no meu colo, o bichinho cheio
de dentes e pontudas barbatanas. Olhei-o, com o coração apertado de mãe, e
disse: ― Porque... se você disser... eu fico.
Téo me encarou por um tempo, muito sério. Por mais que os seus
olhos estivessem enegrecidos de cansaço e os cabelos meio compridos e
bagunçados, porque nem cortar quis nos últimos dias, ele ainda era o garoto
problema mais bonito que já conheci. E eu precisava desse garoto, ele
precisava desse garoto, porque era ele quem gostava de cumprir desafios o
tempo todo, quem queria pegar a estrada para sair da rotina, quem não
aceitava viver pela metade. Essa era a parte dele pela qual eu me apaixonei
loucamente, e eu queria que Téo notasse que não precisava abrir mão dela só
porque agora era um adulto com família.
Ele era bom em arranjar problemas ainda, principalmente em fins de
semana.
Depois de limpar uma das minhas lágrimas, Téo tirou os olhos de
mim e encarou o rádio. Trocou as pastas de música do pen drive até se
deparar com a que queria.
― Quer ir pro inferno de novo, Müller? ― foi o que me perguntou
quando AC/DC começou a tocar o rock nosso, que fazia o motor e os nossos
corpos tremerem.
Passei a mão nas bochechas molhadas e dei risada.
Éramos só nós dois de novo, sem sinais de pare ou limites de
velocidade...
― Você sabe a resposta dessa, Ferrero ― respondi aumentando o
volume do som.
Estávamos prontos para queimar.
Capítulo 2
SOFIA

Téo decidiu encostar quando viu que não tinha outra opção.
E, para parar o carro, pode crer que ele estava zerado.
― Não acredito que essa porra me para de funcionar justo hoje! ―
ele falou, puto, girando a chave de ignição para pegar o GPS que estava no
suporte. ― Nem uso, caralho!
Fiquei bem quietinha, analisando o seu cenho franzido e vermelho,
conforme meu marido mexia no aparelho a fim de fazê-lo sair da tela de
procura. Talvez eu me lembrasse de que, no meio da semana, tive que pegar
o carro para ir até a casa da minha mãe, que fez uma boa travessa de torta de
frango. No caminho, talvez eu tivesse batido com a bolsa no GPS e meio que
travado a sua tela inicial...
Talvez eu lembrasse... Mas estava longe de dizer em voz alta,
também.
― Amor ― eu chamei ―, talvez seja melhor seguir o mapa que eu
printei mesmo, como a gente tava fazendo. Faz um bom tempo que o GPS não
tá funcionando.
Um bom tempo significava assim que saímos da cidade.
― Você tentou de novo conectar o 4G? ― Téo ignorou a minha
sugestão.
― Tentei ― respondi com um revirar de olhos. Mas logo sorri, para
não me deixar contaminar pelo seu mau-humor. ― Aqui não pega internet.
Tirei os olhos de um Téo metendo o dedo na tela do GPS e abri a
janela, na tentativa ver melhor onde estávamos. Não que houvesse muito
para ver, porque o mapa da pousada nos direcionou a uma estradinha bem
fim de mundo, onde havia só uma passagem de pedras e grama ao redor.
Também havia uma casinha pequena um pouco mais à frente, mas era a única
coisa construída pelo homem aqui.
Como há pessoas que vivem num lugar como este, tão perto de uma
cidade grande e ao mesmo tempo tão distante? Aliás, como há pessoas que
se esquecem de outras a ponto de não dar oportunidade alguma para que
construam uma vida melhor?
Respirei o ar puro por um tempo até voltar a cabeça na direção de
Téo. Ele parecia estar prestes a conseguir conectar o destino quando o GPS
voltou tudo ao início.
Não é possível que uma batidinha de bolsa tenha feito isso com um
aparelho...
― Merda ― Téo xingou mais uma vez e jogou o GPS no painel. Em
seguida, passou a mão no rosto e alisou os cabelos para trás, sem paciência.
Eu até poderia ponderar que isso era característica da sua personalidade,
mas hoje, nos últimos dias... estava demais. ― Esse caminho não tá certo. A
gente vai ter que voltar pra BR de algum jeito.
― Por que não tá certo?
― Olha pra essa estrada meia-boca, Sofia. Não tem como dar pra
pousada, não tem placa nenhuma... nem pista asfaltada tem!
― Mas de acordo com o mapa tá certo... ― eu imagino.
― Não era pra ter entrado aqui. Era lá atrás.
― Não sei, não. Aqui no mapa não tem aquele desvio.
― Esse mapa nem tá atualizado.
― Quem falou?
― Eu tô falando. ― Téo me olhou por um momento, os olhos
estáticos, o maxilar trincado e as veias das têmporas nervosas. Foi assim
que ficou quando teve os dias de enxaqueca. Ele engoliu em seco, então
percebeu que estava pegando pesado e disse: ― Eu conhecia essas
estradas... Sempre vinha quando peguei o Impala do Fausto.
Pendi a cabeça com um meio-sorriso.
― Isso já faz anos, garoto do Impala.
Téo não sorriu de volta, mas as minhas palavras foram o suficiente
para aliviarem a tensão do rosto. Ele apoiou os braços no volante e abaixou
a cabeça, dando-me a visão do seu nariz reto, a boca entreaberta, o olhar
pensativo...
Pois é, um dia Téo tinha sido o cara que amava estradas. Eu soube
disso a primeira vez que me contou sobre a sua mãe, que vivia salvando os
fins de semana com viagens próximas à cidade em que viviam. Maysa tinha
até um mapa com pequenas descobertas que fez na região: restaurantes,
bares, penhascos, igrejas... Téo tinha guardado até hoje, na bagunça do
escritório.
Mas ele não era mais o garoto que ganhou um Impala numa aposta de
truco e tirava os finais de semana só para diversão. Téo tinha mais
compromissos agora, eu e Maysa... Não era mais possível viajar e se perder
e se encontrar todo fim de semana.
Eu só gostaria de te ver animado por pegar o volante e atravessar
estrada que for, asfaltada ou não...
― Talvez a gente poderia perguntar se tá no rumo certo ― fiz outra
sugestão.
Téo virou o rosto, sarcástico.
― Pra Deus, Müller? ― ele falou, engraçadinho. Fiz uma careta que
o fez rir. ― Perguntar pra quem? Só tem mato nessa porra.
― Tem aquela casinha ali na frente. ― Fiz um gesto para que olhasse
também.
Ele levantou a cabeça para encontrar a casa humilde com um
cercadinho baixo, improvisado de arame. Era bem velha, de maneira que a
madeira parecia ter durado séculos, desbotada e suja pelo tempo. Uma
varanda de entrada sustentava alguns varais com roupas de cama
penduradas, então vazio o lugar não devia estar.
― A gente não precisa perguntar. Certeza que a entrada certa era lá
atrás, linda ― Téo falou, recompondo-se e ligando o carro de novo. Isso,
pelo menos, o animou: ― Vou dar um jeito de voltar pra BR...
No entanto, eu não fiquei animada com a sua tomada de decisão.
Quem tinha visto a droga da pousada há dias fui eu! Quem viu o mapa
fui eu! Quem inventou essa viagem de Lua de Mel fui eu!
― Não é lá pra trás, Téo ― discordei antes que ele desse ré. ―
Pode até ser mais pra frente, mas pra trás não é. Tirei esse mapa aqui do site
da pousada, eles não deixariam desatualizado.
― De qualquer jeito a gente tem que voltar pra BR.
― Pra quê? Se a gente não sabe de porra nenhuma? ― falei, fazendo
um gesto com a mão. ― Não é melhor descer e perguntar pra alguém daquela
casa? Aí a gente já descarta essa estradinha...
Téo passou a língua nos lábios e, apesar do que eu argumentei, disse:
― Não vou descer, Sofia. ― E começou a dar ré.
Se antes eu estava me esforçando para ser compreensiva, aturando
todo o seu estresse durante a viagem, agora Téo havia zerado a minha calma
também. Ele poderia ter acumulado carga pesada até aqui, mas isso não
justificava ser um imbecil, descartando tudo o que eu dizia como se eu fosse
uma idiota. Eu era sua esposa, sua parceira. Casamento não é sobre fazer o
que der na telha e fim de conversa. Téo deveria saber disso, considerando
que estava comigo há quase oito anos.
Por isso, no momento que ele fez o contorno e deu uma parada rápida
para afastar o GPS do seu campo de visão, respondi:
― Tudo bem. Eu desço. ― E, longe de abaixar a cabeça, abri a porta
e saí do carro.
Escutei Téo bufar quando coloquei os pés no gramado, mas fechei a
porta antes que dissesse alguma coisa. Se ele não queria perguntar, que
ficasse esperando. Depois que eu tentasse me informar, poderíamos voltar
para a BR, se essa fosse a resposta.
Porém, quando comecei a caminhar em direção à casinha a alguns
metros, escutei a porta se abrir e soube que Téo estava longe de abaixar a
cabeça para mim também.
― Quer parar de ser teimosa e voltar pro carro? ― ele gritou,
usando o tom de voz marido de saco cheio. Com certeza deveria estar
sussurrando para si mesmo: porra, essa mulher só me fode... Como se as
esposas só dessem trabalho por caminharem com os próprios pés! Homens
casados são muito bons em se superestimar.
― Eu tô sendo teimosa? ― Virei-me para ele e senti uma rajada de
vento bagunçar os meus cabelos. Mas fiquei firme, parada, encarando Téo na
porta, o braço apoiado em cima do carro. Acredite, Ferrero, você é quem me
fode.
Eu não sabia dizer exatamente o que fez Téo rir, mas ele abaixou a
cabeça e soltou uma boa risada. Em seguida, encarou-me de volta e, com um
sorriso de quem me tem (mesmo que, nesse momento, não me tivesse porra
nenhuma), ainda disse:
― Nem senso de direção você tem, linda, até em São Paulo se
confunde no volante.
Filho de uma puta.
Senti o meu rosto ficar vermelho, perguntando-me como havia casais
que comemoravam bodas de cristal, porcelana, prata, diamante... ouro!
Como mulheres héteros conseguiam passar décadas com seus maridos
metidos a espertinhos sem usarem suas pedras preciosas para tacarem na
cabeça deles?!
― Vai se foder ― sintetizei todo o meu sentimento em uma única
frase, que saiu com bastante vontade dos meus lábios. Em seguida, dei-lhe as
costas e voltei a caminhar.
― Por que você não volta pro carro e deixa eu te foder, hum, amor?
― o maldito se lixou para o meu xingamento e levou a coisa para outro
caminho. Um que era bastante conveniente para ele. ― A gente já aproveita
que nem Deus tá aqui ― ainda acrescentou.
― Mas ele tá! ― gritei sem me virar, pisando duro na grama.
Desconfiei que agora Téo estivesse vindo atrás. ― E provavelmente tá te
mandando ir se foder também!
― Qual o seu problema, porra?! ― sua voz estava mais próxima,
isso queria dizer que veio atrás mesmo. E que estava ficando puto comigo.
― Você traz a gente pra uma pousada na puta que pariu, e eu que me fodo?
Você não disse isso, Ferrero...
Parei de caminhar novamente e dei meia volta, enxergando Téo mais
perto agora. O vento forte bateu em nós dois, bagunçando os meus cabelos,
bagunçando os dele... Talvez fosse para combinar com as nossas cabeças,
fora de lugar.
― Olha aqui, Téo ― comecei a dizer e fui até ele de uma vez ―, eu
não planejei essa viagem pra você ficar estressadinho com GPS e estrada
sem asfalto. Virou o que agora? Burguês mimado? ― perguntei a fim de
provocá-lo também. Talvez assim eu conseguisse lhe tirar alguma coisa.
Claramente consegui, considerando que Téo vinha de família
burguesa que só andava de jatinho e não tinha que se preocupar com erro de
rota. Porém, ele também vinha da sua mãe, que deu às costas a toda essa
vida e o criou de um jeito simples, com batismo em igrejinha de estrada e
natação em lago de chácara ― e era essa última parte que se sentia atacada
pelo meu afronte.
Vi o seu rosto se tencionar de novo, mas agora o olhar colérico vinha
diretamente na minha direção. Até coloquei os cabelos atrás das orelhas
para vê-lo por completo.
― Volta pro carro, Sofia ― foi o que ele respondeu para não dizer
outra coisa.
Respirei fundo.
Porra, Téo.
Antigamente você cedia à minha provocação. Você sabia que eu
aguentaria o que quer que você botasse na minha mira.
Ao invés de respondê-lo com o mesmo nervosismo de antes, ergui as
mãos para arrumar os seus cabelos, tirando as mechas compridas dos olhos
tão bonitos com cílios pretos, apesar das olheiras. Téo não negou o meu
toque, nem desviou o olhar.
Anos poderiam passar, mas ele ainda era a pessoa que se demorava
em me olhar quando ninguém mais o fazia.
Logo que a exaltação diminuiu entre nós, coloquei os seus cabelos
atrás das orelhas também e comecei a dizer:
― Eu sei que você tá cansado. Que queria estar em casa, com a
Maysa, porque a semana toda foi só chumbo na sua cabeça e vem sendo
assim há um bom tempo... ― falei com calma e firmeza. ― Mas você não
precisa levar os tiros sozinho.
Pela primeira vez, ele fez menção a desviar o olhar, mas eu segurei o
seu rosto com as duas mãos, obrigando-o a deixar a cabeça direcionada para
mim. Eu não aguentava mais essa situação, de vê-lo sobrecarregado, perdido
de si, mas negando ajuda. Por que Téo estava fazendo isso se tinha a mim?
Não fazia sentido.
― Eu casei com você e repeti toda aquela promessa católica... ―
continuei ― e, por mais decorada que seja, eu disse sério na alegria e na
tristeza. Se marquei esse fim de semana só pra gente, foi pra você sumir de
São Paulo um pouco e descobrir comigo qual é o problema e como a gente
pode dar um jeito nisso ― falei, disposta a qualquer coisa para vê-lo se
sentir bem na estrada novamente.
Pensei que tivesse conseguido uma chance, com um Téo tão próximo
de mim, sem mais nada ao redor para nos atrapalhar. Ele me encarou
pensativo, e, enquanto eu admirava o seu rosto mais maduro, pensei que só
estivesse organizando o que sentia para desabafar...
Porém, no momento seguinte, Téo tocou as minhas mãos e as tirou do
seu rosto.
― Você já começou com o problema solucionado: eu tô cansado ―
ele me deu a mesma resposta de todas as noites. ― Eu e mais vinte milhões
de brasileiros... O médico disse que seria normal depois daquele inferno de
enxaqueca.
Ele veio com respostas fáceis, mas eu não consegui segurar: estava
na hora de complicá-las. Por isso, refiz a postura e argumentei, pesando no
tom de voz:
― Eu já vi você cansado muitas vezes, e dessa vez é bem diferente,
tanto é que ficou dois dias de cama sem nem aguentar ver a luz do sol. E
depois, na quarta-feira...
― Porra, Sofia... Não começa, por favor.
Ponto fraco. Droga.
― Por que você não quer falar sobre isso? ― perguntei a ele, longe
de desistir da discussão. Já tinha deixado Téo adiar o suficiente.
― Porque não tem porquê! ― ele aumentou o tom de voz, o rosto
ficou vermelho em segundos. As pintinhas nas bochechas magras até
pareceram mais intensas.
― Tudo tem um porquê! ― rebati.
Téo desviou o rosto do meu, impaciente. Ao invés de continuar com
o jogo de bate e volta, preferiu me ignorar e me dar as costas:
― Só dá meia volta e vem pro carro ― foi tudo o que disse. Na
verdade, disse nada, uma vez que ele estava claramente fingindo que nada
aconteceu na quarta-feira e sabia disso.
Eu já não sabia mais o que fazer, mas me juntar ao seu fingimento era
algo que eu estava cansada de encenar. A gente era sempre honesto um com o
outro, mesmo quando fazíamos algo ruim ou vergonhoso... Eu não perderia
uma das melhores coisas do nosso relacionamento por causa de uma coisa
tão comum e... humana.
Então, quando Téo me deu as costas e voltou a andar em direção ao
carro, soltei um ar indignado que estava acumulado há quatro dias e gritei
para a estrada, para o vento, para ele, que precisava ouvir a realidade em
voz alta:
― Puta merda! Você broxou, Téo! ― Ergui os braços, dando mesmo
bastante ênfase ao verbo. Funcionou, porque ele parou de caminhar na
mesma hora, congelando o passo duro. Satisfeita, eu continuei, firme: ― Só
aceita que nem o seu pau consegue subir mais por causa desse cansaço que
você anda sentindo...!
No momento que o meu marido se virou para me encarar, eu pensei
que ele teria um derrame no meio da estrada, no meio do nada. De repente,
foi como se eu tivesse anunciado o fim do mundo em voz alta, como naqueles
filmes em que o casal está longe da filha e precisa voltar à cidade grande
para salvá-la antes que o apocalipse a engula.
Isso significava broxar no vocabulário de Téo: juízo final.
Mas o que ele poderia fazer se foi isso o que aconteceu na última
quarta-feira? E não era como se fosse algo frequente, caso de especialista,
medicamento ou cirurgia, foi a primeira vez na vida! Sobrecarregado como
estava, como ele queria cobrar um ânimo do pau que nem ele estava sentindo
ultimamente?!
Eu estava prestes a dizer isso a ele, para tentar acalmá-lo e impedir
que ele explodisse feito uma bomba atômica só porque eu disse em voz alta
algo completamente natural que aconteceu na nossa cama. Também já
pensei em acrescentar a ideia de universalidade: por que você quer ser
diferente quando todo mundo já passou por isso? Você é humano, amor, e
humanos broxam às vezes... É, acho que seria um discurso bem consistente
― e não, eu não estou fazendo piada com consistência por aqui.
No entanto, logo que resolvi continuar, os olhos de Téo passaram de
mim para algo além de mim. Escutei uns passos se aproximando logo atrás
também e, dando meia volta, encontrei ali, no fim de mundo, um casal
adolescente, talvez de dezesseis ou dezoito anos, com as mãos dadas e olhos
arregalados na nossa direção. A garota, loira como Ana Lu, dona de olhos
pretos marcantes, estava com a boca meia aberta, enquanto o garoto, negro
de olhos verdes e corpo de atleta, estava com um semi-sorrisinho de quem
poderia muito bem rir... num contexto mais descontraído.
Ah, meu Deus...
Eu acabei de anunciar para dois adolescentes que meu marido não
conseguiu levantar...
Agora o apocalipse se concretiza.
― Oi...? ― eu cumprimentei os dois, que estavam meio
constrangidos, ainda que abismados. Não olhei para Téo de novo, mas tinha
certeza de que o barulho de grama atrás de mim era dos seus passos voltando
para o carro. ― Oi ― falei com mais clareza, dando um sorriso. Os dois
relaxam também e acenaram com a cabeça. ― Posso pedir uma informação?
Vocês moram aqui...?
A garota olhou rapidamente para o garoto, apertando o seu braço de
um jeito carinhoso. Tinha um olhar bem apaixonado, do tipo: você é tão
lindo que eu não vejo a hora dessa mulher ir embora pra poder sentar na
sua cara. Era algo que eu pensava com frequência quando conheci Téo e,
dependendo da situação, até hoje me dava o maior tesão quando ele dizia:
senta na minha boca, linda... ou vagabunda gostosa.
― Meu avô mora aqui. A gente mora numa cidadezinha perto... ― o
garoto respondeu, e eu tive que concordar com a menina: ele era mesmo
lindo. Tinha aparência de quem praticava esportes de bastante resistência,
como natação. ― Pode falar, moça. ― Me sorriu.
Gostei de ser chamada de moça, porque, quando se vira mãe, o lado
adulto fala tão alto o tempo todo que a gente acha que perdeu a adolescência
ainda existente em nós. Até sorri em agradecimento, mas como a garota me
passou o olhar feio, falei de uma vez:
― Vocês sabem aonde fica a pousada Sun Lake? Eu até estava com
um mapa, mas como a gente não conhece muito por aqui, não sei se entramos
na estrada certa...
― Ah, é por aqui mesmo! ― a garota respondeu como se já tivesse
respondido a essa pergunta antes. ― Essa estrada é um pouco vazia mesmo,
parece que não vai dar em lugar algum... Só que, mais pra frente, a
sinalização vai começar a aparecer, daí vocês vão entrar em uma estrada de
pedras grandes, onde vai ter o campo que leva ao Sun Lake ― ela explicou
tudo bem calma, gesticulando como eu mesma costumava fazer quando
explicava algo a alguém.
Eu sabia que o mapa estava certo, Ferrero.
Assenti para os garotos e agradeci pela ajuda, deixando os
pombinhos para trás quando decidi voltar ao carro. Não podia ver Téo, que
já estava lá dentro, mas tinha certeza do quanto devia estava puto, bem mais
do que esteve com o GPS pifado.
Antes de entrar, pensei bastante no que deveria dizer a ele, sem que...
machucasse o seu ego de homem com pau indestrutível. Mas eu não ficaria
fingindo que não aconteceu, nem a quarta-feira nem a discussão sobre isso.
Estava cansada de chamar uma broxada de incidente, para amenizar o que
não precisava ser amenizado. Aquilo foi um sinal claro de estresse! A prova
exteriorizada de que ele estava de saco cheio da vida que levava no
trabalho! Por que era tão difícil de reconhecer?!
Entrei no carro, analisando o seu olhar preso à estrada a frente, um
dos antebraços apoiado no volante. Téo não me olhou de volta, ignorou com
força quando falei que a pousada ficava nesta estrada mesmo, até quando
repassei tudo o que a garota informou.
Porra... É assim mesmo que a viagem vai continuar?
Téo deixou claro que sim quando ligou o carro e continuou a dirigir
pela estradinha, em silêncio, com o rosto tensionado, porque provavelmente
estava acabando comigo nos seus pensamentos. Até pensei em ligar o rádio
de novo, mas ele havia tirado, assim como o GPS tinha sumido de vista.
― Amor... ― eu o chamei com calma, fechando os olhos: por favor,
Deus, faça com que esse homem seja menos cabeça-dura e não permita
que a minha filha seja igual, porque sei que as chances são grandes... ―
Eu não queria te ofender ― comecei a dizer, sem receber qualquer resposta
dele. Continuei: ― Na verdade, isso nem é uma ofensa, porque... broxar
acontece! Todo mundo broxa, sabe? Mulheres não gostam de dar quando
estão muito cansadas, e os homens também não... Broxar não tem a ver com
não ser homem, mas com ser homem! É a natureza do corpo! ― falei,
sentindo que tinha repetido o verbo broxar muitas vezes, considerando que
seus punhos ficaram bem firmes no volante de repente.
Eu posso dizer que queria que Téo cedesse, mas não que tinha
esperança de que o fizesse: provavelmente, na sua cabeça, Deus estava
julgando o seu pau por todo pecado cometido no decorrer dos anos, a
começar pela nossa excursão de formatura, onde ele vivia duro debaixo do
nariz de um corpo estudantil religioso. Nem parecia cogitar que broxar
estava longe de ser punição divina...
A punição vinha da sua identidade, por ele estar desistindo dela
diariamente.
― Téo... ― tentei chamar a sua atenção de novo.
― Só me deixa quieto, Sofia. Por favor ― ele me interrompeu, sem
paciência, sem ânimo, sem nada...
Numa estrada fim de mundo.

***

Depois das instruções que recebi do casal de adolescentes, chegar à


pousada foi fácil. A garota estava certa: era só seguir toda vida pela
estradinha sem asfalto até chegar à estrada de pedras, onde havia uma
enorme placa ilustrando uma nascente com a seguinte informação: Sun Lake
a quinhentos metros.
Téo teve que diminuir a velocidade enquanto passávamos na nova
estrada, uma vez que o Fusion era baixo e acabava batendo nas pedras
grandes do caminho. Mas não demorou muito para que avistássemos os
campos de flores aos arreadores antes de chegarmos a uma linda entrada de
toras de madeira, com um porteiro muito simpático que nos abriu o portão do
estacionamento. Téo ainda não estava muito conversador, por isso não deu
muito crédito ao homem que nos elogiou, dizendo que éramos, com certeza, o
casal mais bonito que chegou (não contem a ninguém ― ele sussurrou
quando nos passou um cartão de entrada). Porém, como eu estava de frente
para uma pousada incrível, com natureza colorindo e cheirando a paz e
calmaria, não me deixei contaminar pelo mau-humor do meu marido e
agradeci, elogiando o porteiro também antes de nos despedir.
Apesar de tudo, Téo pegou a mala e a minha bolsa sozinho, dizendo
que ele mesmo poderia levar aos quartos quando um dos funcionários
mostrou serviço. Na recepção, muito bem ventilada, também trabalhada na
ideia de madeira grande com decoração bem natural de plantas e
comodidade, recebemos a chave do nosso quarto e já fomos informados de
todos os horários. Percebi que Téo franziu rapidamente o cenho quando a
secretária entregou a programação, que avisava primeiramente o horário do
almoço no restaurante e, em seguida, uma sessão de yoga de casais.
Considerando que eu e meu marido não estávamos nos falando desde o
incidente na estrada (e não estou falando da broxada na quarta-feira, mas sim
do anúncio que fiz aos adolescentes sobre isso), eu tinha quase certeza de
que yoga estava fora de cogitação. Não me surpreenderia se Téo dormisse
após o almoço, apenas para me provocar pelo incidente.
Continuamos sem nos falar até chegarmos ao quarto, sendo deixados
pelo funcionário que teve que nos guiar, pois a pousada era enorme, com três
repartições entre quartos, restaurante e área de lazer. Atrás de tudo isso,
ficava o lago onde o sol refletia todas as manhãs, com a vista que escolhi ver
quando reservei o quarto que dava para ele. Havia uma sacada que se
parecia com um espaço de retiro espiritual: com vasos de plantas grandes,
bambu, sinos de vento e uma banheira de hidromassagem que, puta que pariu,
era enorme! O quarto também era espaçoso, com uma decoração clean e
cama grande que parecia feita sob medida especial. Téo colocou a mala em
cima do colchão a partir do momento que ficamos sozinhos e, sem nem me
passar um olhar, foi direto para o chuveiro do banheiro, que ficava à direita.
Sentei-me na cama confortável, com os lençóis cheirando a flores, e
dei um longo suspiro olhando para o teto do quarto.
Isso está bem longe do que imaginei que seria.
Pensei em me juntar a ele debaixo do chuveiro, só que desisti quando
repassei a nossa discussão na cabeça, notando que tinha sido paciente
demais e que não era a minha culpa os dois adolescentes terem escutado
aquilo. Quem estava estressado, distante e perdido era ele, só que como eu
poderia ser boa quando não me deixava ajudar? Se ele se fechou tanto a
ponto de me pôr para fora de si?
Eu tentei conversar no carro, mas Téo não quis saber, então decidi
que era melhor largar a mão. Fiz minha parte. Queria ficar puto comigo
durante o fim de semana todo, num lugar maravilhoso como este? Que
ficasse! O yoga poderia ser de casal, mas eu sabia muito bem fazer sozinha!
Depois de um bom tempo, ele saiu do banheiro apenas com a toalha
enrolada no quadril, o corpo meio úmido de quem não tinha saco para se
secar por completo. Mesmo que ficasse gostoso pra porra jogando o cabelo
compridinho para trás (que poderia ser desleixo da sua parte, mas que
funcionou muito bem no filho da puta), evitei olhá-lo desfilando ao lado,
com suas tatuagens brilhando nos músculos duros e suas costas de macho
treinado. Permaneci deitada, como se precisasse só de descanso.
Não me importo que eu esteja num quarto de casal, longe de
criança, com o meu marido de folga do trabalho...
Não quero dar não quero dar não quero dar...
Fiquei repetindo isso mentalmente enquanto os cheiros de shampoo,
sabonete e homem tomavam o quarto. Téo se aproximou da mala que estava
aberta ao meu lado, procurando pelas roupas organizadas, enquanto eu
continuava o mantra não quero dar...
Talvez uma hora se tornasse realidade...
Eu estava tentando acompanhar escondido os movimentos de Téo
revirando a mala quando ele encontrou um saquinho de pano que eu tinha
escondido bem no cantinho, preso a um elástico. Provavelmente ele achou
que lá estariam as roupas íntimas e puxou rápido. No entanto, o saquinho
escapou da sua mão e, por não ter zíper nem nada, caiu no chão cuspindo
todo o conteúdo que deveria ficar guardado.
Ah, porra...!
Meu tronco se levantou na mesma hora quando vi o brilho de
pequenos objetos pulando do saco, de maneira que olhei para o chão quando
tudo caiu, assim como Téo o fez... A não ser pela parte que ele estava bem
mais surpreso que eu, porque, ao contrário de mim, não esperava encontrar o
que botei ali...
Ótimo! Ótimo jeito de inserir produtos de sex shop desde a última
quase relação sexual, Sofia! Meus parabéns!
Por conta disso, fiquei nervosa quando vi a compra de segunda-feira
toda espalhada no chão. Eu tinha ido junto das meninas: Mel comprou um
vibrador bem pequeno e diferente, Clara comprou uma fantasia de
enfermeira e calcinhas de gosto, Júlia comprou um daqueles objetos
metálicos para a prática de sounding, e Ana Lu comprou o que todas elas
compraram, mais algemas e chibatas novas.
Já eu, diferente das minhas amigas, comprei objetos para outro
orifício...
Fazer o quê. De nós cinco, eu era a única que dava o cu.
Portanto, tudo o que se via ali no chão do quarto era: lufrificante,
bolinhas tailandesas, óleos de massagem e...
Um plug anal. Com rabo de gatinha.
E Téo se agachou para pegar justamente este acessório, com o cenho
levemente franzido conforme analisava o rabo peludinho e preto com a ponta
metálica que caberia perfeitamente na minha bunda. Depois de se levantar,
ficando de frente, ele finalmente botou os olhos em mim.
Eu não disse nada, mas também não fiquei vermelha. Há muito tempo
já passei da fase de ficar com vergonha da putaria que nos envolve. Ele sabe
que eu gosto de ir ao sex shop, inovar no sexo... dar o cu. E gosta que eu
goste de tudo isso também.
― De onde veio isso ― Téo começou a perguntar baixo, a voz rouca
me envolvendo tanto quanto a intensidade do seu olhar ―, tem mais?
O filho da puta sabia. Téo foi sempre bom em ler pessoas, ainda
mais a mim, que consigo ficar mais transparente perto dele. Não consegui
disfarçar, mesmo que estivesse guardando mais alguns segredos na mala...
― Uhum ― foi o que sibilei, dando uma olhadinha rápida no
compartimento ainda fechado. E ficaria, porque Téo só veria aquilo quando
estivesse no meu corpo.
Contudo, quando o encarei de novo, notei que o meu marido deixava
transparecer curiosidade também, com a cabeça meio inclinada para o lado e
os traços do rosto ansiosos para que eu dissesse mais. Sua cabeça devia
estar borbulhando ideias, fantasias, loucuras... E eu adorava reconhecer que
era capaz de provocá-lo como se ainda tivéssemos dezoito anos, num chalé
esquecido.
Por isso, ao invés de esconder o ouro por completo, resolvi atiçá-lo
um pouco mais e até me fazer de inocente que não mede as palavras para
soltar:
― Eu... mandei fazer uma fantasia igual àquela que tinha da aposta
da excursão ― completei a última peça do seu quebra-cabeça.
Se antes Téo estava de cara fechada, ignorando-me desde a estrada,
agora sua atenção em mim era cem por cento com a menção da fantasia. Ele
apenas ficou parado na minha frente, com o cabelo pingando um pouco e a
boca entreaberta de surpresa.
Deus... Eu posso ser casada com este homem há dois anos e conhecê-
lo desde a adolescência, mas uma coisa que nunca vou entender é que porra
ele viu em uma fantasia de Mulher-Gato fajuta que comprei na estrada,
depois de uma partida de Aero Hockey. E eu não estou falando sobre uma
fantasia fiel aqui, estilo Michelle Pfeiffer lambendo os lábios do Batman.
Estou falando de um macacão colado, imitação de couro, que cobria até os
dedos e tinha um rabo. Uma merda de rabo. E nem vou mencionar as orelhas
peludas... Foi a fantasia mais ridícula que vesti na frente de todo o colegial!
Depois de uma briga que tivemos, acabei me livrando da fantasia
como desculpa, mas Téo nunca superou aquela droga. Então acabei
desenhando um esboço do recorte da fantasia, comprei couro e pedi para
uma costureira fazer uma nova para mim. Segundo ela, provavelmente a
antiga fantasia poderia ter uma costura diferenciada na parte de trás ―
motivo pelo qual meu marido adorava ver a minha bunda nela. Fizemos
algumas modificações, no entanto: essa tinha um recorte desde a boceta até
parte da minha bunda, onde eu colocaria o rabinho adaptado... Ainda não
compreendia a apelação do macacão, mas tudo bem, na alegria e tristeza,
nas fantasias sexuais com sentido ou sem.
Inclinei a cabeça da mesma maneira que Téo fez.
Agora eu que esperava uma resposta.
E ele não demorou muito para dar, considerando que putaria foi a
sua primeira formação junto de sarcasmo e sinceridade:
― Você se lembra da primeira vez que eu fodi o seu cu? ― foi o que
perguntou sem pudor algum.
Por mais que eu esperasse por algo sujo, não vi essa pergunta chegar.
Não sei, estávamos falando da fantasia de gata... Não pensei que Téo sairia
dela tão cedo depois de ter ficado com o rosto todo tenso e surpreso de
tesão.
Subi os meus dedos da nuca para os cabelos e cocei a cabeça, agora
ficando eu com tesão ao me lembrar, sim, daquele dia. Como eu podia
esquecer? Foi uma das experiências sexuais que só tivemos um com o
outro... e foi tão bom aprendermos juntos como sentir um novo tipo de prazer
que meu corpo se arrepiava inteirinho quando me lembrava dos primeiros
anos de namoro.
É... Porto Alegre foi... lindo.
― Porra... Você me fez perder a cabeça naquele dia ― Téo
continuou a falar, mas, dessa vez, riu consigo mesmo. Foi um riso tão rápido,
mas tão gostoso de se ouvir, que apenas fiquei olhando para ele, esperando o
próximo. ― Perder a cabeça com você nunca foi difícil, na excursão eu
vivia sem ela, e depois, quando você começou a fazer parte da minha rotina,
eu só queria te ter toda hora, mas... A gente já tava junto há dois anos quando
aconteceu. Era semana de prova, só prova fodida, e você tinha aquele
trabalho pra entregar de... Comunicação ― se lembrou.
E ele riu mais um pouco e, quando eu ri com o meu marido, ele riu
mais ainda... Deus, quase chorei por vê-lo tão leve, de repente. Nem tinha
percebido o quanto o meu corpo e o meu peito estavam pesados até que Téo
sorriu como um moleque sem preocupação alguma e... tudo fez sentido de
novo: ele, nós, a vida juntos. Gesticulei com a cabeça, incentivando para que
ele falasse mais, mesmo que fosse do passado e não do presente. Eu só
queria continuar a assistir a esse sorriso, que sumiu por tantos dias...
― Tinha tudo pra ser um aniversário de namoro fraco. Você tinha
medo do professor de Comunicação, eu tinha medo de Eletro... Porra, a gente
tava no inferno aquela semana ― ele continuou. ― Deitei no chão da sala,
depois de ter matado aula pra passar a tarde estudando, e não tava
conseguindo pensar em mais nada até que você veio do quarto usando aquela
camiseta do AC/DC, sem calcinha, gostosa pra caralho... Perguntei aonde
você queria ir pra comemorar, e você disse que não queria sair. Perguntei o
que queria comer, você disse que a gente via depois... Daí eu meti a mão na
sua bunda enquanto te beijava, você melada, pingando toda em mim... Eletro
foi pra puta que pariu quando você disse quero que você me coma de um
jeito que nunca comeu ninguém antes...
Senti as pernas formigarem quando ele disse as últimas palavras
voltando a me olhar, agora mais sério, gostoso... Mudou de novo, da água
pro vinho, e agora me fazia visualizar aquela memória também: ele estirado
no chão da sala do apê, eu sentada em cima dele esfregando a boceta no seu
abdômen, suas mãos burlando a camiseta larga, apertando os meus peitos
com força para depois descerem agarrando a minha pele até chegarem a
bunda, onde Téo começou a bater de mão cheia, enquanto devorava o meu
pescoço, chupando-o com intensidade...
Fiquei toda arrepiada. Toda.
E Téo notou. Não precisou de muito, porque eu entreabri os lábios e
pedi com os olhos por ele, para que se aproximasse de mim e continuasse
lembrando-nos daquela noite tão distante, mas tão dentro da gente.
― Eu já tinha botado o dedo em você antes, Müller. E você,
vagabunda, gostou ― Téo soprou e, num gesto lento, aproximou-se a ponto
de se inclinar na cama. Colocou os joelhos no colchão prendendo-me entre
as suas pernas, e a toalha mal amarrada não demorou a cair... ― Uma
semana antes você tinha rebolado como uma cachorra enquanto eu te
chupava e enfiava o polegar no seu cu... Você se lembra do que eu respondi
depois que me disse aquilo?
Os meus braços apoiados no colchão cederam, enfraquecidos quando
Téo depositou o peso do peitoral em cima de mim. Sua pergunta soou tão
próxima à minha boca que pude sentir o calor dos seus lábios, nossas
respirações se perdendo num compasso, conforme nossos olhos continuavam
presos na mesma vontade, na mesma lembrança.
― Se você estiver melada com a ideia de dar o cu, eu vou te foder
mais duro ainda, sua puta ― repeti, lembrando-me de um Téo que agarrou
os meus cabelos e meteu dois dedos na minha boceta, depois levou o polegar
ao meu cu...
Porra.
Eu queria que ele fizesse isso agora. Que metesse a mão em todos os
meus orifícios e me deixasse refém de um desejo tão fresco. Ele estava todo
em cima de mim, e, no momento que o pau duro roçou na minha barriga,
enquanto gotas de perfume masculino respingavam, eu me senti molhar como
naquele dia, só com a ideia de tê-lo fodendo o meu cu. Os meus mamilos
ficaram duros, principalmente quando ele continuou falando:
― E você tava melada só de imaginar o meu pau te comendo por
trás... Eu te levei pro quarto, e, quando a gente chegou, você tinha acendido
velas e incenso e botou lubrificante e óleo no criado... Você sabia que eu não
tinha sonhado comer o cu de ninguém até te ver daquele jeito, não sabia? ―
Téo perguntou com os lábios colados na minha orelha a ponto de me fazerem
deitar no colchão completamente. Fechei os olhos, não só porque sua voz
envolvia a ponto de me fazer enxergar aquela primeira vez, mas porque a
cabeça do seu pau se esfregava em mim. E o filho da puta pressionou mais o
volume grosseiro na minha virilha, fez gesto de metida, fodendo os meus
neurônios. ― Nunca passou pela minha cabeça antes de te conhecer que dali
dois anos eu ia ter uma vadia dividindo cama e vida comigo, me pedindo em
voz alta pra meter no cu... Porque você pediu, Müller. ― Téo envolveu parte
do meu cabelo com uma das mãos, puxando com força e pressionando mais o
pau em mim. ― Você implorou. Você gritou. Deitou de bruços e ficou toda
arrepiada, igual tá agora, enquanto eu passava óleo na sua bunda e deslizava
os dedos pra meter na sua boceta e depois no cu, na boceta e depois no cu...
Quando eu te batia, você se melava mais, gemia feito uma puta que quer ser
maltratada... E eu te maltratei, gostosa. Lambuzei a gente de lubrificante e
comecei a meter devagar, enquanto te tinha presa na minha mão.
Téo não estava metendo, me agarrando, ao menos me beijando... mas,
narrando a lembrança, respirando tão próximo... era como se estivesse. Senti
que podia gozar só com o seu pau se esfregando em mim e a sua voz me
dizendo nas entrelinhas para fazê-lo. Ao mesmo tempo, queria que ele me
arrancasse as roupas e me fodesse: na boceta, no cu, na boceta de novo, nos
dois, de todos os jeitos...
Sou louca por você, porra... Sou tão louca que te deixo fazer o que
quiser comigo.
― Foi aí que eu perdi a cabeça ― ele continuou, para me fazer
perder a minha. ― Você com a bunda empinada, rebolando no meu pau,
pedindo pra meter mais... Porra, Müller, eu perdi a cabeça e meti tudo de
uma vez... E você gemeu, gritou que era desse jeito que queria, meu pau
atolado no seu cu apertado... Como é apertado, caralho...
― Téo... ― eu o chamei, gemendo baixinho. Não conseguia nem me
mover com a sua força toda sobre mim... Eu não ousaria me mover.
― O que foi? ― ele perguntou, e eu abri os olhos para enxergar os
seus, que tinham uma tonalidade escura, dizendo-me que queriam me comer
também, de todos os jeitos, até o amanhã, em todos os cantos desse quarto de
pousada. ― Fala, porra.
― Come o meu cu. De novo ― pedi, implorei do jeito que ele
lembrou, tudo o que o meu marido queria que eu falasse como uma maldita
submissa que se entrega porque gosta de ser maltratada feito puta mesmo. ―
Por favor, me come, aqui e agora...
Pensei que eu fosse morrer quando terminei de pedir, porque minha
respiração estava muito acelerada. O cheiro dele era tão forte que meu olfato
também não conseguia absorver tudo, fazendo com que o sentido falhasse
por vezes. O pau estava todo pressionado em mim, duro e, com certeza,
cheio de veias pulsando como eu imaginava. Só de imaginá-lo se perdendo
na minha bunda...
― Como é, vagabunda? ― o filho da puta queria me ver repetir.
― Come meu cu ― fiz o que mandou.
Téo me encarou. Eu era toda sensível, desejosa, fácil. Ele podia
começar do jeito que quisesse: podia meter direto na minha boceta ou no cu,
podia botar o pau na minha cara, batê-lo na minha boca até eu me engasgar,
podia botá-lo entre os meus seios e me pedir pra abrir a boca quando fosse
gozar, para que eu engolisse tudo, olhando pra ele e amando ser a única puta
da sua vida...
Contudo, depois de ver Téo sorrir de canto como se tivesse
alcançado alguma ideia, completado um desafio, senti a sua mão acariciar o
meu cabelo de maneira... gentil. Então ele me encarou com carinho e, num
gesto rápido, beijou a minha...
Testa...? Senti até o formato do selinho ali.
― O que você tá fazendo...? ― perguntei quando ele começou a sair
de cima de mim. O seu pau duro se distanciou a ponto que eu não consegui
ao menos agarrá-lo.
Vi Téo pegando a toalha de banho para amarrar em torno do quadril
novamente, mesmo que ele ainda estivesse duro pra caralho, criando volume
no tecido. Fiquei esperando que me olhasse de volta, que me desse uma
porra de resposta, porque eu estava sedenta pra caralho aqui esperando que
ele metesse em qualquer arrombo de mim!!!
― Vou comer o seu cu só quando você botar aquela fantasia de gata,
amor ― foi o que o maldito respondeu, alisando o cabelo comprido para
trás, orgulhoso de si mesmo. ― Até lá, você vai ficar molhada só pensando
no estrago que eu vou fazer... ― E piscou, piscou!, saindo da frente para
finalmente encontrar uma boxer na mala e ir até a sacada, com o peitoral
estufado de macho que tem a mulher melada nas mãos.
Acompanhei-o desfilando, puta até mesmo para me satisfazer sozinha
no imenso colchão. Então decidi me levantar e ir também tomar uma ducha
de água gelada, bem gelada, para me acalmar...
Quando eu botar aquela fantasia, Ferrero... Quando eu estiver com
aquele rabo...
Você não perde por esperar.
Capítulo 3
SOFIA

Eu não conseguia mais parar de rir. O garçom tinha vindo até a nossa
mesa servir o chopp e com certeza pensou que eu já cheguei bêbada ao
restaurante. Deixou as canecas na mesa e passou um sorrisinho amarelo para
o meu marido, que ainda fez uma expressão de fazer o quê? É a minha
mulher.
― Meu Deus, Téo... ― consegui dizer depois da intensa crise de
riso, e, no momento que ele quis repetir o que disse antes, coloquei as duas
mãos na sua boca e voltei a gargalhar, escorando-me nele. Téo riu também,
abafado pelas minhas mãos, mas me segurou pelos antebraços. ― Você vai
pro pior lugar do inferno!!! ― falei, por fim.
― E você vai junto, Müller ― ele respondeu quando tirei as mãos da
sua boca.
Limpei as lágrimas dos cantos dos olhos e voltei a me sentar como
alguém decente à mesa. Não olhei para a fonte do restaurante de novo, a fim
de me recompor.
― Não vou, não... Sou mãe, Ferrero! ― Peguei a caneca de chopp e
expliquei: ― Se vão pro inferno, mães ficam onde o fogo queima menos.
Téo fechou os olhos em mim, achando graça.
― Você é minha esposa. Eu te arrasto comigo. Na riqueza e na
pobreza, na Terra e no inferno...
― Eu não prometi essa última parte!
― A partir do momento que entrou no Impala, prometeu, sim.
Balancei a cabeça em negação e tomei um pouco do chopp. Quase
não consegui engolir quando Téo voltou a fazer as suas piadinhas maldosas e
perguntou:
― Pra qual lugar do inferno você acha que aquela senhora vai?
Você vai direto para o inferno, sem direito à purgatório!!!
Sem conseguir me conter, voltei a olhar para a fonte do restaurante,
onde encontrei o casal de senhores, de aparentemente uns sessenta anos,
sentado na mesa mais próxima. O senhorzinho de boina ainda estava falando
algo para a mulher, a senhora que não tirava os olhos da fonte,
especificamente de uma estátua grega que ficava no centro: um Aquiles em
miniatura sendo atingido no tornozelo pela flecha de Paris. Porém, o
problema não era esse...
Como a maioria das estátuas gregas, o guerreiro estava seminu, de
maneira que os olhos da senhora ficaram vidrados nos contornos de Aquiles
desde o momento que ela e seu marido chegaram ao restaurante. Ela nem
devia estar escutando o que ele dizia, apenas não desviava os olhos do pau
da estátua!
O primeiro a perceber isso foi Téo, que apontou disfarçado para que
eu a olhasse e começou a fazer piadas sobre a pobre senhora. Foi isso o que
me deu a crise de riso em seguida. As maldades do meu marido eram a
minha flecha no calcanhar.
― Ela só tá sensibilizada, tá bom? ― ainda tentei defendê-la. ―
Talvez ela goste de Arte!
― Vou te dizer do que ela gosta, Müller... ― ele rebateu, bebendo do
chopp.
― Téo! ― reprendi... mas não deu muito certo, porque eu ri no final.
― Talvez ela esteja pensando nos grandes dias do marido, porque ele era
mais como Aquiles...
― Jeito leve de dizer que ela tá com tesão numa estátua de
restaurante. ― Téo deu um sorriso de canto, afiado. ― O velho que se
prepare, essa noite ela aparece com um elmo e uma flecha no quarto.
Vai morar com o próprio capeta...
Acabei rindo com ele, porque eu não tinha escolha agora. Que Deus
me ajudasse para que Maysa me puxasse mais para os arredores do inferno
do que para o centro...
― Não sou muito fã de Aquiles, sabia? ― decidi mudar um pouco de
assunto para tentar nos salvar.
Téo percebeu isso e riu baixinho, mas entrou na onda:
― Por que não?
― Porque ele estava só atrás de glória quando foi lutar em Tróia. A
mãe disse que tinha uma profecia: se ele matasse um filho de Apolo,
morreria... mas Aquiles era tão convencido que seguiu em frente pra travar
uma batalha que nem pertencia a ele.
O garçom se aproximou com os pratos e talheres, e, depois que eu
agradeci (sim, eu estou perfeitamente sã... ainda), Téo argumentou:
― Mas não era isso o que a maioria dos heróis gregos procurava...
Glória? Na época, ser um guerreiro fodido era a maior conquista do homem.
Ele queria ser lembrado, mesmo que precisasse ser morto...
― Não sei se Aquiles acreditava que poderia ser morto... Ele não
contava com a flecha no calcanhar ― eu disse, com um sorrisinho quando
Téo olhou para a fonte e imitou a senhora. Ri um pouco, mas ainda falei: ―
Enquanto uns queriam alimentar o ego, outros estavam lutando pela pátria.
Esses são os verdadeiros heróis.
Ele desviou os olhos para mim de novo e agarrou a minha coxa por
baixo da mesa:
― Então você seria uma troiana?
Assenti. ― Com certeza. Aqueles gregos foram uns filhos da puta.
― Podem até ser sido... mas tudo aconteceu porque aquele príncipe
de Tróia roubou Helena, não é? Sei que ela quis fugir junto, só que o marido
deve ter ficado devastado, porra. E na época era questão de honra. Ser corno
doía bem antes de Cristo.
― Paris devia ter ficado na dele, sim, mas Helena foi só uma
desculpa pro Agamenon arrastar os soldados pra Tróia ― falei, sentindo a
sua mão fazer um carinho gostoso na minha coxa. Fazia tempo que você não
me tocava assim... ― Pra mim, sabe quem foi o verdadeiro herói de Ilíada?
Que morreu com honra em defesa do seu povo?
Téo encarou o meu sorriso, depois voltou aos meus olhos com a
resposta:
― Heitor.
― Heitor ― eu disse com a boca cheia. ― Ele defendeu a família e
Tróia até o fim. Aceitou o combate com Aquiles porque a sua conduta sabia
que era o certo, por ter matado Pátroclo por engano... Pena que ele teve o
final mais triste de todos, porque não conseguiu salvar o que queria. Mas,
pra mim, Heitor foi o verdadeiro homem da guerra.
― Então você acha que era para o pau dele que a senhora devia estar
olhando agora? ― o palhaço ainda fez piada, o que me causou risos de novo.
Olhei para a fonte e a vi, agora, com os olhos presos ao marido, pegando a
mão enrugadinha dele enquanto o escutava... até os seus olhos traidores se
voltarem para Aquiles de novo. Dessa vez, até ajeitou a armação dos óculos
para ver melhor.
― É ― respondi, rindo. Téo fazia o mesmo, ainda acariciando as
minhas coxas. ― Era o Heitor que devia estar seminu na fonte de um
restaurante.
O garçom voltou com as nossas porções de comida, que estavam com
uma cara muito boa. Então Téo teve que se distanciar e tirar as mãos da
minhas coxas, mas, logo que se encostou à sua cadeira, me disse com um
sorriso particular:
― Heitor é um bom nome, Müller.
Meus sentidos se aqueceram além do fato de estar num restaurante
bonito, com comida cheirosa e conversas e risadas gostosas. Imediatamente
a imagem de um bebê se desenhou na minha cabeça, um menininho com
rostinho inchado e mãos pequenas em volta dos meus seios. Também podia
me ver pegando os seus pés para fazê-los caberem nas mãos e os meus
braços ao seu redor, aquecendo-o, conforme ele fazia o mesmo comigo...
Heitor...
É, sim, um ótimo nome.
Téo não disse mais nada sobre isso durante o almoço, acho que só
quis nos instigar com a ideia de ter um moleque. Ele já tinha dito que queria
um, mas nunca dava para ter certeza. Talvez viesse outra menininha, dessa
vez mais parecida comigo que com ele... Quem sabe? Eu não reclamaria nem
um pouco por finalmente ter uma criança que sorria mais, porque Maysa...
Maysa não sorria, mas, com certeza, eu já sentia saudade da sua
carinha emburrada, dos barulhos de monstro que fazia com seu tubarão
branco, das palavras que tentava dizer enquanto assistia a algum desenho ou
quando brincava com os brinquedos de desenvolvimento... Téo deve ter lido
isso nos meus olhos, porque, a partir do momento que terminamos de
almoçar, ele fez uma chamada de vídeo para o celular da tia Rose. Não que
Maysa tenha dado muita bola, no entanto. Ela, a tia e Duda estavam no
Ibirapuera, e Duda a colocou numa cadeira atrás da bicicleta. Maysa nem
queria saber dos pais quando se divertia sozinha. Geralmente, ela dava mais
bola para o Téo, mandando beijo quando o via por vídeo, mas dessa vez só
nos olhou por pouco tempo e bateu na cadeirinha para que Duda voltasse a
pedalar. Estão vivos? Ótimo. Agora segue a trilha, tia!
― Acho que o último momento que essa garota dependeu de mim pra
alguma coisa foi pra mamar ― eu falei quando demos tchau, ouvindo a
risada de Maysa só porque Duda aumentou a velocidade da pedalada.
― Relaxa, Müller ― Téo disse enquanto caminhávamos para o salão
aonde aconteceria a aula de yoga. ― A terrorista vai sentir um pouquinho de
falta quando perceber que a gente ainda não voltou pra buscar...
― Ou vai capotar de tanto ter se divertido no parque.
― Melhor assim, então, não é? Se for dormir tarde e ver que não tem
o pai pra acompanhar, ela vai embaçar.
Concordei com a cabeça, sentindo o seu braço envolver os meus
ombros e os lábios beijando o meu rosto. O caminho pelo qual seguíamos até
o salão era envolto de árvores que faziam sombra fresca na passagem de
madeira e, de minuto a minuto, pássaros cruzavam de uma palmeira pra
outra, como se brincassem de pega-pega.
Porém, eu era a única a dar valor a isso, pois Téo estava com os
olhos mais em mim do que no resto... E não posso negar que gostei disso.
Gostei porque já fazia semanas que ele levantava de manhã sem me dar
atenção alguma. Depois, quando eu descia para a cozinha, ele já estava com
os olhos presos aos papéis do trabalho e me dava o beijo mais automático
para ir trabalhar. Fazia o mesmo quando chegava, reclamando de um novo
problema na prefeitura, e dedicava a pouca atenção que restava a Maysa. Os
seus banhos se tornaram mais longos também. Uma hora de banho. E eu
podia entrar com ele, massagear os ombros tão tensos que pareciam
inchados, abrir as pernas para gemermos juntos... Os seus olhos se
desviavam no momento que desligava o chuveiro.
Então, para a falar a verdade, eu precisava que ele se focasse em
mim agora, mesmo que fosse para tentar subir a minha saia sem que os outros
casais vissem. Eu precisava escutar no ouvido que estava gostosa, que ele
não via a hora de me ver fantasiada, que ele amava quando eu gargalhava até
perder o ar, escorando-me nele como se precisasse de apoio para carregar o
meu senso de humor... E acho que Téo notou isso, porque, durante o caminho
todo, ele me provocou, me divertiu e me adorou.
Chegamos ao salão para a aula, com os seus braços ao meu redor, os
dentes no pescoço, mordendo-me como se tivesse descoberto o gosto da
minha pele agora. Alguns casais já sentados nos tapetes de yoga nos
encararam meio chocados, e eu pude ouvir a voz da Júlia claramente na
minha cabeça: arranjem um quarto! Que não seja na minha casa...
― Olá... Tudo bem? ― uma mulher, que deveria ser a professora de
yoga, aproximou-se com um sorriso educado. Então notei, no salão, que os
olhares masculinos se dividiram em dois tipos: os disfarçados e os
descarados. Os que conseguiram desviar logo a atenção da professora não
foram fuzilados pelas esposas, já os que não tiveram noção de fazê-lo...
Também a analisei, mas, no meu caso, concluí que se Helena de Tróia fosse
desse século, esta seria sua aparência. ― Meu nome é Bia. Sou a professora
de yoga da pousada. Vocês são...? ― ela perguntou olhando para a lista em
suas mãos.
― Téo e Sofia ― Téo respondeu e apontou para os nossos
sobrenomes, os últimos da lista.
― Ah, legal...! ― ela assentiu, e eu olhei rapidamente para o meu
marido, tentando avaliar que tipo de olhar ele dava para a professora.
Esperto demais, ele não deixou que eu notasse qualquer coisa. Apertou a
minha cintura e me olhou com o mesmo tesão de antes. É bom ele estar só
direcionado a mim, Ferrero... ― É um prazer ter vocês aqui neste fim de
semana. Espero que gostem da aula! Podem se sentar aonde acharem
melhor... ― Bia sugeriu, estendendo o braço para que ficássemos à vontade.
Agradeci a ela, e caminhamos até o lado direito da sala, onde havia
menos casais. Téo até sorriu para mim num primeiro momento, mas, depois
que encontramos um tapete, ele se sentou um pouco desconfortável. Pelo
jeito notou quando foi a vez de as mulheres encararem um homem bonito
passando, porque eu contei umas quatro conferindo o meu marido. Elas só
não levaram bronca dos seus porque mulheres são mais espertas para isso do
que homens. No momento que relaxamos, então, recebi a confirmação da
mensagem: um casal de homens atrás da gente também deu uma boa olhada
em Téo e ambos levantaram os polegares para mim. Um deles até sibilou
well done, girl.
― Você é o cara gostoso da sala ― sussurrei no seu ouvido.
Téo fechou os olhos em mim, dando o sorriso de garoto problema,
que pegava geral no Colégio Mão de Deus. Para quem tinha sido baixista de
palco mais novo, ainda estava sabendo lidar e aproveitar a atenção feminina.
― E você é a garota gostosa ― ele respondeu.
― A professora é a garota gostosa.
― Não mais que você, linda.
― Então você achou ela gostosa? ― Levantei a sobrancelha.
Eu não queria saber a sua resposta sincera, e Téo sabia, por isso
respondeu:
― Agora minha cabeça só tá ligando a ideia de ‘gostosa’ a você
com aquele rabo no...
― Vamos começar com a aula, pessoal? ― Bia quase cortou a nossa
conversa.
― Cu ― Téo terminou dizendo a palavra no meu pescoço. Fiquei
toda arrepiada com a sua respiração quente na pele sensível e virei um
pouquinho o rosto só para piscar para o casal dos polegares.
Afinal, Téo só estava aqui por minha causa. Ele até já tinha feito
algumas posições de yoga comigo, no começo da gravidez da Maysa, mas
era só para me incentivar a relaxar em casa. Téo nunca gostou muito de
socializar em aulas de casais, só que, depois de ter me provocado como um
filho da puta no quarto, esfregando o pau em mim e falando em comer meu
cu, acho que ficou com peso de consciência e nos colocou na lista da aula de
yoga. Ele sabia muito bem como ceder quando havia putaria em jogo.
A professora Bia se apresentou de novo e falou um pouco de yoga,
principalmente do yoga em conjunto como faríamos agora com nossos
parceiros. Enquanto ela explicava que, nessa prática, trabalhávamos o
equilíbrio entre corpo, mente e espírito, assim como fazíamos com quem
convivíamos, eu me dividia entre prestar atenção e avaliar a mão de Téo no
meu joelho subindo até a coxa: você não vai pegar na minha boceta, vai?
Como ele não dava a mínima para práticas como yoga, sua diversão foi me
provocar... o que não é uma grande novidade.
Mas, quando a aula começou de verdade, Téo até se soltou mais do
que eu imaginava. Primeiramente, a professora nos deu uns exercícios bem
tranquilos, para torção, alongamento e equilíbrio. Nos de torção e equilíbrio,
Téo se saiu bem, mas na parte de alongamento, principalmente das pernas, eu
vi o meu marido e os outros maridos penando para deixarem suas pernas
eretas. Vê-lo vermelho, reclamando de dor, me fez ter crise de riso de novo,
daí foi mais difícil me equilibrar em uma só perna. Tudo bem, eu tinha feito
aulas de ballet durante metade da vida, mas isso não quer dizer que rir e
manter só cinco dedos de apoio é fácil. Téo ainda soltava piadas o tempo
todo; na hora do alongamento, então, encheu o meu saco porque eu ainda
continuava bem alongada. Por isso eu me casei com você e te quero fazendo
desse jeito só mim foram coisas que escutei no pé do ouvido durante a aula.
Por sorte, nós não éramos os únicos a perdermos a seriedade. O casal logo
atrás estava pegando fogo... Até pensei ver um dos paus duros, sério.
Depois que os exercícios mais fáceis foram dados, Bia passou alguns
de resistência e força: os que eu mais gostava. No fim de semana
antepassado, eu tinha escalado com o papai, depois peguei pesado no treino,
deixando meus músculos firmes o suficiente para até mesmo suportar o peso
de Téo. Ele também deu conta de todos os exercícios, parando com as
brincadeirinhas quando se viu realmente desafiado. Daí era questão de
glória de Aquiles, ser o melhor marido daqui.
A aula terminou com uma sessão de massagem para relaxarmos. A
professora ficou passando entre nós para fazer um comentário de cada casal
e, quando chegou próxima de nós, perguntou se já tínhamos o costume de
fazer yoga. Eu respondi que não, que na verdade eu era a única que gostava
de fazer quando tinha tempo. Bia nos elogiou, dizendo que devíamos fazer
com mais frequência, por conta da boa harmonia, e ainda disse que nunca viu
um casal com tanta química.
Foi aí que Téo abriu a boca:
― Porra, olha pra minha mulher, Bia... O que você espera do marido
dela?
― Concordo. ― E a professora me olhou. Digo, ela realmente me
olhou. Pro meu colo suado, pro decote da regata e depois pra minha boca.
Não nego que fiquei meio orgulhosa de mim mesma... Se uma mulher com
aquele corpo de Boas Formas estava me achando gostosa, queria dizer que
eu estava bem pra caralho!
Depois que ela saiu para falar com o casal logo atrás, olhei para Téo
para ver se ele havia percebido a professora me encarando com um pouco de
segundas intenções. O que era uma dúvida muito ingênua, porque era óbvio
que sim:
― Eu disse que você era garota gostosa da sala, linda. Até a
professora achou... ― sussurrou, rindo.
Revirei os olhos, mas já fiquei louca para mandar no grupo das
meninas que a professora de yoga ficou mais encantada comigo que com o
meu marido. Acho que Mel e Paola achariam o máximo saber que o um dos
músicos do antigo Tribos, tão cobiçado pelas garotas, no fim, ficou de
escanteio.
― Agora a gente vai direto pro quarto, né? ― Téo perguntou quando
nos levantamos do tapete, depois que todo mundo aplaudiu e agradeceu à
professora.
Olhei-o e dei risada, enxergando o jeito afobado que ele botava os
chinelos. Pensei que depois da ceninha de provocação que dramatizou lá no
quarto, estivesse todo sob controle, só esperando me ver implorar um pouco
mais... Aparentemente, ele não estava mais tão bom nisso.
― Mas já? ― perguntei.
― Perdendo a cabeça... ― Téo agarrou a minha cintura.
Nos meus planos, antes de o meu marido xeretar onde não devia, eu
colocaria a fantasia e o plug à noite, porque durante o dia queria aproveitar a
pousada, as trilhas e o lago que havia aos arredores.
Porém, lembrando-me da maneira que ele estava se esfregando duro
em cima de mim, falando tanta sacanagem, xingando tanto no pé do meu
ouvido... Talvez fosse melhor uma mudança de planos...
Quais eram as minhas chances de me vestir de Mulher-Gato e dar o
cu num sábado à tarde se estivesse em casa? Ainda mais com uma Maysa
andando para lá e para cá? Muito poucas.
Estava prestes a deixar Téo me puxar para fora do salão, depois de
ter colocado os chinelos também, quando uma nova presença apareceu,
usando um vestido longo e florido e carregando uma aura de tanta paz e
sabedoria que me fez parar no mesmo momento para admirá-la ir até o
centro do salão, ao lado da professora Bia.
― Boa tarde a todos ― a Dra. Simoni Ogawa cumprimentou,
juntando as mãos e dando uma rápida olhada em torno do salão. Todos
ficaram em silêncio quando a viram chegar, um dos homens logo atrás, o que
me passou o well done, comentou que ela se parecia com a Frida Kahlo do
nosso século, e, tirando pela parte que a doutora era japonesa, eu não podia
concordar mais. ― Pra quem não me conhece, eu sou Simoni Ogawa, a
terapeuta de casais que as suas esposas andam falando muito ultimamente,
senhores maridos... A não ser pelos casais de duas mulheres, porque, aí,
aposto que ambas devem me conhecer.
O pessoal riu, passando acenos com a cabeça para ela, a não ser pelo
meu marido que estava sorrindo antes, quando estávamos prestes a ir para o
quarto, e deixou o sorriso morrer quando se lembrou: vai ter terapia, porra.
Passei um olhar pedindo-lhe só um pouco mais de paciência. No
vídeo que a doutora publicou no seu Instagram, sobre o fim de semana na
pousada, ela deixou bem claro que não era do seu interesse dar uma palestra
ou fazer sessão de terapia com os casais. Por isso, eu sabia que ela não
demoraria a se apresentar.
― Como eu conferi que todos os casais estavam aqui na aula de yoga
da professora Bia, decidi aproveitar a deixa e atrapalhar só um pouquinho o
tempo de vocês neste lindo lugar ― ela continuou, com um sorriso pleno.
― Atrapalhar? ― Téo sussurrou no meu ouvido. ― Eu chamaria de
outra coisa...
Franzi o cenho e o encarei dizendo com os olhos: cala a porra da
boca, Ferrero. Então Téo deu um sorrisinho de canto, como se fosse uma
criança de dez anos aprontando, e voltou a se sentar comigo, vencido,
quando a doutora fez o pedido.
― Bem ― ela retomou quando todos nos aconchegamos nos tapetes
novamente ―, eu não vou fazer uma longa apresentação da minha formação,
nem vou falar o que me motivou a estudar a interação entre sujeitos
casados... O que é importante que vocês saibam é que meu estudo pondera
em cima da validação que deve existir entre o casal. O que seria uma
validação? ― perguntou, e todos fizeram caretas encabuladas até que ela
esclarecesse: ― Não, não é nenhum termo inventado pela psicologia ou por
mim ― riu um pouco com seus ouvintes ―, é exatamente o que está no
dicionário: o ato de declarar válido, de atribuir valor. Vocês decidiram se
relacionar, acredito eu, para validar muitas coisas entre você e o seu
companheiro ou companheira, para atribuir valor a quem ele ou ela é, ao que
pensa, ao que produz, ou seja, ao que comunica, certo?
“Por conta disso, o que eu vim discutir rapidamente com vocês, que
finalmente conseguiram um tempo a sós, longe da cidade, longe das
obrigações, é a comunicação, o fio condutor que nos leva à validação do
outro.”
“Nós, humanos, temos uma gama de comunicação. Vocês devem ter
aprendido isso quando entraram na escola e com a experiência. Nós
podemos nos comunicar por meio de um gesto, de uma imagem, de um som,
de um toque... Quando se passa a conhecer alguém, você pega todos os sinais
de comunicação que esse alguém costuma dar, aprende a interpretá-los,
certo? Você sabe que ele franze a boca quando está irritado, você sabe que
ela dá dois toquinhos no seu ombro para que pegue leve. Quando se trata de
sexo, então, você se esforça para capturar logo os sinais! Nós nos
comunicamos com o outro o tempo todo. Até o fato de não querer
comunicação quer dizer algo. Não estamos sozinhos no mundo, estamos
cercados de pessoas, e humanos sempre estão dizendo algo. Até por isso
temos a Arte para nos representar.”
“Mas... a comunicação que eu gostaria de dar maior importância
neste meu discurso é uma das mais, se não a mais explícita que temos: a
verbal. E eu sei que não é de agora que vocês escutam que casais devem
conversar, discutir, dizer o que estão pensando um ao outro, mas, por mais
que isso esteja no senso comum do que é um casal saudável, pessoas não
praticam isso.”
“Eu já sou terapeuta de casais há quinze anos, e eu posso afirmar que
noventa e nove por cento dos problemas entre casais, que muitas vezes
levam até a separação, são parte do não dito. Agora, o não dito é um termo
que eu coloco na minha tese, e ele é o elemento que precisa ser comunicado
com palavras, porque os demais sinais de comunicação não são capazes de
expressá-lo inteiramente. Aposto que vocês já ouviram também que o outro
não é obrigado a ler os seus pensamentos. E eu vou te dizer o porquê: se
você dizendo o que pensa já torna difícil para o seu parceiro ou parceira te
compreender inteiramente, imagine se não diz! Nós falamos sempre sobre
nos colocarmos no lugar do outro, calçar os seus sapatos para entender a sua
realidade, mas isso, inteiramente, é possível? São os seus olhos, sua
vivência, a realidade enxergada pela sua perspectiva... É impossível
entender o mundo sendo alguém que você não é, e por mais que você
conheça o seu companheiro ou companheira, você não o é!”
“Portanto, se você não diz o que precisa ser comunicado ao outro,
quais são as chances de ele buscar uma realidade que não existe nele e
compreendê-la como apenas sua para depois conseguir validá-la? Não
olhem pra mim desse jeito... Vocês também foram avisados de que
relacionamentos amorosos não eram fácil...”
Mais algumas risadas surtiram, mas, dessa vez, eu deixei os olhos da
Simoni e olhei disfarçadamente para Téo, tentando desvendar sua reação a
tudo aquilo. Eu já tinha lido a tese dela, sabia de tudo isso o que ela estava
falando, então para mim era importante ver o que ele achava sobre isso,
porque... eu queria validá-lo. Por mais que eu não soubesse exatamente o
que se passava na cabeça de Téo, como o trabalho o invadiu a ponto de lhe
causar dores de cabeças extremamente fortes e até impotência sexual, eu
queria que ele me desse a chance de calçar a sua vivência para tentar
encontrar um caminho de entendê-lo com os meus próprios olhos. Eu estava
cansada de ser deixada de escanteio, onde ele me colocava para que eu não
saísse do conforto do casamento.
Eu nunca gostei de conforto, e ele também não. Nós vivíamos por
coisas que abalavam as nossas estruturas, tiravam nosso ar e nos faziam
perder a cabeça.
A gente traduzia a nossa própria loucura para viver e não apenas
existir.
Então eu precisava que Téo soubesse que podia me tirar do conforto,
porque eu não o queria, nunca quis, nem mesmo quando me submeti a ele na
adolescência. Porque conforto poderia fazer doer, e ninguém merece viver
na dor.
Analisei o meu marido enquanto a doutora continuava o seu discurso,
levando-o para a individualidade do sujeito desse século, um sujeito que era
mais produto de um sistema que ele mesmo, em seguida, explicou até sobre a
falta de tempo que às vezes nos impossibilitava de sair do automático. Téo
não demostrava muito o que estava achando, no entanto, para que eu tentasse
interpretar os seus sinais. Sua comunicação sempre foi mais direta, de
maneira que era mais fácil vê-lo dizer o que pensava com sinceridade do
que ser sutil com outros sinais. Eu só precisava que ele quebrasse logo essa
contradição de agora.
― Acho que vou chegando ao fim, porque está calor, e a piscina da
pousada é o lugar mais convidativo para estar agora ― a doutora Simoni
concluiu rápido como eu imaginei, fazendo Téo se remexer ao meu lado.
Quando me viu com os olhos nele, meu marido sorriu e, com o coração mais
aberto, pegou a minha mão e beijou a ponta dos dedos. Tudo bem. Acho que
tudo vai ficar bem, afinal. Nós só precisamos de uma conversa esclarecida,
o que nunca foi difícil para nós dois... ― Mas eu gostaria de propor um
desafio pra todos vocês ― a terapeuta continuou, o que fez nós dois
girarmos os rostos para encará-la novamente. ― Para quem estiver disposto
a fazer uma mudança de planos para este dia, tente aproveitar a tarde com o
seu companheiro ou companheira aqui na pousada, seja na piscina, fazendo
caminhadas pelas trilhas ou até mesmo interagindo com outro casal. Se
esqueçam da rotina e de todo o resto, só se divirtam ― ela falou, dando uma
passos lentos de um lado para o outro. Porém, em seguida, parou novamente
e finalizou com um pouco mais de cautela que seu tom de voz poderia ter: ―
E, à noite, quando vocês estiveram na cama, no mais completo silêncio da
noite, eu proponho que olhem para a pessoa que está do seu lado e digam
quem ela é, sob a sua perspectiva. Depois quero que digam uma única coisa
que você gostaria para ela, que ela pensasse ou repensasse na vida. Essa é
uma conversa que pode durar um bom tempo, até a madrugada inteira, se
ambos tiveram muita coisa a dizer. Então eu proponho que vocês se
comuniquem com palavras e deixem qualquer outra comunicação de lado...
“Inclusive sexo.”
... Como é que é?
Depois que a voz da Dra. Simoni Ogawa se esvaneceu pelo salão
enquanto suas palavras ecoavam o sentido, eu senti a minha boca cair, assim
como a de várias pessoas ao redor que até soltaram um som surpreso com a
proposta.
Ela estava... falando sério? Sobre o sexo?
A doutora em casais estava dizendo que seria melhor se não
transássemos na única noite que tínhamos a sós de tudo...?
Eu ainda estava com a boca aberta, como todos ali, quando uma
risada seca e irônica cortou o silêncio do salão. A terapeuta estava prestes a
dizer mais alguma coisa, mas então a sua boca aberta congelou antes que
pudesse continuar. Então ela olhou para o canto direito, mais ou menos na
minha direção, bem ao lado...
― Isso foi uma piada... Não foi? ― Téo perguntou. Claro que
perguntou. De repente, voltei os dias, meses e anos. Vi-me sentada numa
carteira de escola, olhando para o fundo da sala e enxergando o único aluno
que tinha a pretensão de rir diante do que alguém dizia lá na frente.
Ah, meu Deus...
O garoto problema agora não.
― Não, dessa vez não... ― a doutora Simoni riu, mas de uma
maneira interessada, até mesmo curiosa enquanto analisava o meu marido.
Não pergunte por que não pergunte por que não pergunte... ― Por quê?
Porra.
― Porque você não pode acreditar que a gente vai pagar oitocentos e
noventa reais por um quarto de casal e deixar de transar ― ele respondeu
sincero, claro que respondeu.
Como se novamente estivéssemos na escola, no primeiro ano do
Ensino Médio em que os alunos começam a conhecer os seus colegas, as
pessoas ao redor não resistiram e abriram as bocas, chocadas. O casal atrás
de nós soltou um oh my, enquanto as mulheres inclinavam mais a cabeça
para olhar o dono da resposta afiada.
E aqui estava Téo Ferrero, senhoras e senhores, dizendo o que todo
mundo pensava e tinha medo de verbalizar. Mesmo que fosse algo que não
deveria dizer, porque agora quem estava sentada do seu lado era eu!
― Qual é o seu nome...? ― a dra. Simoni ainda deu trela, o que me
fez morder a boca por dentro.
― Téo ― disse com a expressão blasé. Um filho da puta que não
ligava de ser.
― Téo... ― ela refletiu por um instante. Em seguida, aproximou-se
um pouco: ― Então você veio passar o fim de semana aqui especialmente
para transar?
Se eu desse um tapa ou até mesmo se tentasse cutucá-lo escondido,
ela veria. Agora ela tinha se aproximado bastante de nós, de maneira que eu
só podia enviar a mensagem mental: responda só com um palavra, Téo, e
cale a porra da boca.
― Você acabou de contextualizar tudo, doutora ― ele soltou num tom
bem-humorado, apesar de ainda parecer bastante sarcástico. ― Nós não
temos tempo pra nada hoje em dia. Eu e ela trabalhamos, e nós temos uma
filha de um ano. ― O filho da puta apontou para nós dois. A doutora me
olhou. Nem um sorriso amarelo eu consegui dar. ― Que tipo de
comunicação você acha que gente quer trocar longe de tudo isso? Porque
você se esqueceu de dizer que sexo é uma das formas de comunicação mais
importante de um casal... Estou errado? ― perguntou, bancando o espertinho
como fazia com o pastor Elias.
Agora havia maridos dando broncas baixas nas mulheres que
estavam com os olhos colados no meu. Exatamente como na porra do
colegial.
― Não ― foi o que ela respondeu com um sorriso longe de parecer
incomodado... ou encenando isso muito bem. ― Se você me permite a
pergunta... Sexo é um fio condutor para o seu relacionamento? Mais
importante que a conversa?
Não diga a verdade...
― A gente se conheceu transando. Mas a gente conversa e transa.
Isso nunca foi um problema ― ele respondeu, um pouco mais sério. ― Eu
não preciso me deitar na cama com a minha esposa e dizer o que eu sei sobre
ela. Eu lido com ela todos dias.
Força Superior, seja qual for, sob a percepção de qualquer
religião, por favor, faça com que o meu marido me olhe agora mesmo e
veja que as minhas bochechas coradas simbolizam o ódio que estou
sentindo por ele... Por favor.
― Tudo bem... ― a doutora Simoni assentiu e abaixou a cabeça. Por
pouco tempo. ― Mas você consegue me dizer rapidamente quem é ela?
Engoli em seco, imaginando as diferentes versões de putaria que
poderiam sair da boca de Téo, por tudo parecer muito natural para ele. E
era. Mas não numa discussão com uma terapeuta de casais na frente de
vários casais, caralho!!!
Dessa vez, girei o rosto para que ele notasse que eu o encarava, e
Téo fez o favor de me olhar de volta. A merda já estava feita, então apenas
pedi com os olhos para que ele não ultrapasse o limite da sinceridade ―
que, por mais impossível que pareça, é algo que ele alcança com muita
facilidade.
Vi o seu breve sorriso de canto antes que se virasse novamente para
a terapeuta. Em seguida, ele voltou a ficar mais sério e começou a dizer tudo
de uma maneira prática e rápida, como ela pediu:
― A minha esposa é uma mulher que acorda todo dia seis e meia da
manhã sem precisar de despertador, porque ela é tantas coisas que quase não
cabe num dia. Ela é jornalista e fotógrafa e dá conta de trabalho comunitário,
escalada, academia, yoga e de uma amiga maluca que nasceu com o rei na
barriga. E ela tem uma queda por filosofia e psicologia, por isso estamos
aqui hoje, num fim de semana que deveria se parecer com uma Lua de Mel,
escutando a terapeuta propor uma coisa que não faz sentido algum,
principalmente pra nós dois.
Puta. Que. Pariu. Ferrero. Puta que pariu...
EU VOU TE MATAR COM UM BAMBU QUANDO CHEGARMOS
AO QUARTO!
Não consegui segurar: soltei um som ofendido e me esqueci da
terapeuta, da professora de yoga atentíssima, dos demais casais, inclusive
daquele que achou o meu marido uma boa conquista, porque, na verdade, ele
era um imbecil com ego que inchava tanto a sua cabeça que só não saía
flutuando por aí por minha causa!
Com a boca cheia de boas verdades, então, eu fiz questão de lembrá-
lo que seus pés deveriam estar na porra do chão:
― Você se esqueceu da parte que eu também me casei com um
marido com rei na barriga, que se acha esperto o suficiente pra discutir com
uma terapeuta com pós-doutorado!
She did it! She did it!, um dos caras sussurrou atrás de mim, enquanto
o salão inteiro tinha se tornado uma sala de adolescentes assistindo a uma
treta de casal.
Mas Téo não pareceu se irritar com o que eu disse. Tudo o que fez
foi me olhar da mesma maneira que encarou a doutora Simoni, com um
sorriso sarcástico, a não ser pela parte que falou com intimidade:
― Ela pode até entender de relacionamento no geral, Müller, mas do
nosso só eu e você entendemos ― ele rebateu, como se aquilo estivesse na
ponta da língua há horas. ― Ou você precisa que eu abra a mala de novo pra
provar? ― acrescentou, repuxando o sorriso safado de quem descobriu a
fantasia e os demais objetos de sex shopp.
Fechei os olhos nele, sentindo um tipo de ódio que fazia muito tempo
que eu não sentia por Téo.
Adivinha, Ferrero? Você ainda não vai acertar ‘as contas’ com o cu
ninguém...
Seu pau no cu dos infernos!!!
Levantei-me do tapete e comecei a andar, passando por dois casais
na minha frente, para depois passar pela doutora Simoni:
― Me desculpe ― pedi antes de sair da salão.
Ela estava sem reação diante do que viu, mas assentiu e fez uma
expressão solidária para me deixar ir, então dei passos duros para longe
dali, longe de olhar para trás.
E o que a minha comunicação queria dizer agora era: vá para o
pior lugar do inferno sozinho, Téo Ferrero.
Capítulo 4
SOFIA

― Porra, Sofia! Amor... ― Téo vinha trás de mim no corredor da


pousada, onde o nosso quarto era o último. Quando cheguei à porta, pensei
em trancá-lo para fora e estava pronta para fazê-lo, mas ele colocou o pé no
vão antes que eu trancasse: ― Sério que você quer me botar pra fora?! ―
ele perguntou pela fresta com o olhar indignado. Como se ele tivesse direito
de estar indignado comigo!
Bufei de ódio, repassando na memória toda a ceninha que ele fez no
salão, com a doutora Simoni Ogawa. Minhas bochechas queimaram
novamente, e eu só consegui responder com um rosnado:
― O QUE VOCÊ ACHA?!
Larguei a porta e larguei Téo para trás, uma vontade imensa de estar
no topo de uma montanha, longe dele e de tudo!
Como Téo teve coragem de alfinetar uma mulher com pós-doutorado,
terapeuta de casais há anos, só por causa de uma sugestão de comunicação?!
Como teve coragem de fazer aquilo, se sabia como era importante pra
mim...?!
― Puta merda, linda... Vai me dizer que você não achou aquilo um
absurdo também, hum? ― ele perguntou, fechando a porta do quarto. Estava
calor aqui dentro, um pouco abafado, o que me fez suar mais por cima do
suor da aula de yoga. Preciso de um banho. Água fria, de novo. Fui até a
mala pegar o meu hidratante, para desta vez lavar os cabelos também. ― Se
você botou uma fantasia na mala, Müller, é porque você queria uma noite
diferente. É pra isso que se viaja, pra sair da rotina! E a gente precisa fazer
isso com foda também! É o que você sempre diz!
Me livrei da regata e, depois de jogá-la no chão, com agressividade,
apoiei-me na cama e fechei os olhos.
Força divina, me dê paciência... porque eu ainda estou cogitando a
ideia de matá-lo com os bambus da sacada.
― É, Téo, eu não gostei tanto da sugestão que ela deu também, assim
como ninguém ali adorou ― respondi, tentando manter a voz controlada,
virando-me para ele. ― Mas você me viu afrontar a mulher usando deboche
na frente de todo mundo?
Consegui desarmá-lo, eu soube, quando Téo deixou os ombros
caírem. Ele também estava suado, os cabelos pretos colados na testa. Então
ele os alisou para trás e disse:
― Talvez eu tenha exagerado...
― Talvez?! ― aumentei o tom de voz de novo, puta, puta demais. Ele
vivia dizendo que eu era cabeça-dura, mas quando Téo Ferrero admitia estar
errado?! Que caralho!
― Eu só respondi o que ela perguntou, porra!
― Você respondeu do mesmo jeito que respondia pro Elias nas aulas
de religião! O problema é que dessa vez você me envergonhou!
Vi o semblante de Téo mudar. Se antes estava usando respostas
espertinhas comigo, esqueceu-se de que eu era a última a dar crédito a elas.
― Você quer mesmo falar de envergonhar o companheiro, Sofia? ―
ele perguntou com sarcasmo cáustico e se aproximou até parar na minha
frente, respirando alto. ― Igual ao que fez comigo na estrada, na frente
daqueles dois adolescentes?
Ah, sério que você vai jogar isso na minha cara agora?!
Revirei os olhos e isso fez Téo franzir mais o cenho, com certeza
indignado com a falta de importância que dei ao que aconteceu.
Era só uma broxada, porra! Ele morreria por causa disso agora?!
― Bom, se você tivesse conversado comigo de boa, até mesmo na
quarta-feira, nada disso teria acontecido ― disse para ele, colocando as
mãos nos quadris e olhando-o de volta. ― Mas você não quis conversar, né,
Téo? Preferiu me ignorar todos os últimos dias... O que você acharia se
estivesse no meu lugar, hãm? De me ver sem tesão e te evitando logo em
seguida?
Téo tencionou o maxilar como fez no carro e desviou o olhar do meu.
Mas, dessa vez, disse algo:
― Eu não estava sem tesão...
― Então o que aconteceu?
Fiquei esperando suas palavras, pelo menos seu olhar de volta, mas
Téo ficou em silêncio, ignorando-me mais uma vez.
Estou cansada disso.
Respirei fundo, sem saber como abordá-lo de novo. Ele não queria
conversar, então não tinha como eu forçá-lo a isso.
Virei-me para a mala e peguei o meu hidratante, chateada. Nem raiva
sobrava mais pelo que ele fez antes no salão, parecia em vão bater naquela
tecla.
― E depois ainda diz que a terapeuta não tem razão... ― eu disse
antes de lhe dar as costas e caminhar até o banheiro.
Escutei Téo xingar baixinho enquanto eu contornava a cama, ficando
mais chateada ainda. Eu vinha escutando seus xingamentos sussurrados,
geralmente seguidos por alguma reclamação do que aconteceu na prefeitura,
há tempo demais. Ele não dizia diretamente para mim, no entanto, discutia
com colegas de trabalho por celular e com a tela do notebook, que usava só
para trabalho.
― Sofia ― Téo me chamou antes que eu entrasse no banheiro. ―
Olha pra mim.
Instantaneamente, parei com o pedido. Pensei duas vezes se deveria
olhá-lo, mas acabei me virando, porque não conseguia negar esse tipo de
coisa.
Téo não disse nada de imediato quando nossos olhos se encontraram
de novo. Ele analisou o meu rosto, depois o meu corpo e voltou ao rosto,
com o olhar desanimado. Os cabelos estavam desgrenhados, meio
amarrados, sendo que alguns fios não obedeciam a ordem. A boca meio
aberta estava paralisada, assim como os olhos pequenos e castanhos.
― Eu realmente não quero perder esse fim de semana brigando por
algo que não tem importância alguma. Não vim aqui com você pra passar
estresse ― foi o que ele disse em seguida, sério, gesticulando a mão a fim
de me envolver nas suas palavras. ― Você queria que essa fosse a Lua de
Mel que a gente não teve, não é? ― perguntou.
Os meus ombros endurecidos caíram quando vi o seu olhar me
pedindo para não lhe dar às costas. E, por mais que parte de mim quisesse
dar, porque ele merecia, porque era o Téo vinha fazendo comigo, não fiz
isso. Fiquei parada apenas olhando-o como uma idiota, depois limpei a
garganta e disse:
― É, era isso o que eu queria...
Desviei o olhar para o vão escuro da porta, depois para o chão.
Eu queria você.
― Ela não largava do seu peito, né? ― Téo lembrou depois de um
tempo. ― E depois que mamava, não dormia. Não sei quantas vezes andei
naquele corredor de um lado pro outro... E eu sabia que você tinha comprado
uma camisola branca de noiva pra usar, mas não pôde, porque quando ela
não vomitava em mim, os seus seios vazavam... ― Assim que voltei os olhos
para ele, quase houve um sorriso. Seus olhos estavam no chão como os meus
estiveram, mas parecia haver um pouco de saudade também...
Só de me lembrar daquela noite, em que tudo girava em torno de leite
materno e muito longe de sexo como uma noite de núpcias deveria ser, eu
sorri fraco, porque pais aprendem a sorrir assim quando ganham um bebê,
mesmo estando esgotadas às vezes... Finalmente, Téo fez o mesmo ao botar
os olhos em mim.
― Até meu vestido de noiva tinha cheiro de leite. ― Fiz careta.
― Meu terno também. Depois do jantar, ela não quis sair do colo...
― Ele gesticulou os ombros tensos.
― Garota esperta...
Encostei a cabeça no vão da porta, encarando só o seu silêncio após
ouvir o que eu disse. Pelo menos isso ainda não era desconfortável para nós:
apenas trocas de olhares, nada de palavras. Pelo menos essa comunicação
ainda tínhamos.
Mas não demorou muito, e eu o vi caminhar na minha direção, os
ombros ainda tensos, enquanto os meus pareciam estar querendo o chão. Não
me esquivei das suas mãos quando ele as esticou, porque também não
conseguia com ele assim, todo saudoso e sorrindo bonito pra mim, e me
deixei ser puxada pela cintura, pelo menos por um instante.
Eu era uma puta idiota.
― Agora a gente tá aqui, como naquele aniversário de dois anos em
Porto Alegre, só nós dois ― ele disse, com o suor colado no meu, o coração
batendo contra o meu. Téo ergueu o braço para acariciar os meus cabelos e a
maçã do rosto, contornando com o polegar de um jeito tão bom que até
fechei os olhos. Em seguida, ele encostou a testa na minha e pediu: ―
Namora comigo de novo, amor.
O filho da puta é bom. Ele sempre foi bom, desde a primeira vez que
aceitei fugir ao seu lado até agora, em que eu posso senti-lo correr pelas
minhas veias.
Téo lê o que eu quero, sempre leu, e me oferece caminhos maliciosos
de alcançar, principalmente quando o que eu quero é ele.
Porém, por mais que Téo esteja certo ao dizer que a gente se resolve
também no sexo, dessa vez, quando suas mãos tocaram a minha pele e me
desejaram mais que tudo, não me pareceu certo seguir por esse caminho,
mesmo que fosse algo nosso. Até quarta-feira, estávamos transando normal,
e isso não serviu para que se abrisse comigo. Como poderia ajudar agora se
ele não conseguia nem olhar na minha cara quando eu tocava no assunto?
― Só vou te namorar ― comecei a dizer, ignorando a nossa
proximidade ― depois que você me deixar ser sua esposa, em primeiro
lugar.
Não fiquei muito tempo encarando a sua expressão confusa e
contrariada, fechei a porta do banheiro e torci para que o meu marido,
sozinho, se desse conta do quanto essa situação de sobrecarga não
prejudicava somente a ele, mas a nós também. Talvez fosse isso que Téo
precisasse, afinal: ficar sozinho e lidar consigo mesmo, para depois
conseguir conversar comigo.
Pensando nisso, demorei-me no banho e, ao invés de ficar olhando
para o segundo chuveiro ali fechado, apertei os olhos e pensei sobre um
segundo bebê. Não fazia sentido algum imaginar um quando eu e Téo não
estávamos no melhor momento do casamento, mas visualizar um recém-
nascido me acalmou, mesmo que de maneira superficial. Visualizei um
pequeno dormindo no meu colo, mergulhado num tipo de sono que parecia
puro e seguro. Talvez fosse mais parecido comigo, mas eu enxergava Téo ali
também: o narizinho bem desenhado, as sobrancelhas retas, o cabelo
escurinho... O pequeno príncipe da nossa civilização.
É, eu ri de mim mesma enquanto me secava. Nem estava grávida
ainda e já estava criando toda a fantasia romântica materna. Por sorte, o
bebezinho da Mel e da Paola estava quase chegando para dar a mim só as
boas partes de lidar com um recém-nascido.
Saí do banheiro com a toalha amarrada no corpo, a boa sensação de
encontrar um quarto muito diferente do meu, novo. No entanto, fiquei meio
desconfiada no momento que vi a mala de viagem arrumadinha e fechada no
canto do quarto, enquanto uma camiseta e bermuda de Téo estavam dobradas
sobre a cama...
Você arrumou as nossas coisas, Ferrero? Você, o cara que tira a
colcha da cama para dormir embolando a roupa jogada tudo junto?
Dei uma boa olhada no quarto grande para procurá-lo, depois um
passo para ver o espaço com poltronas de descanso, mas não vi Téo ali
também. Imaginei que talvez ele tivesse saído para uma caminhada... até
perceber que, na sacada, as cortinas, antes amarradas à estrutura de toras,
estavam soltas, cobrindo a sacada da visão do lago. Estranhei e fui até lá,
perguntando-me por que Téo teria puxado a cortina.
E a resposta, num primeiro momento, me deixou meio surpresa,
porque, quando passei pelo compartimento de vidro, encontrei o meu marido
descansando na hidromassagem. Ele estava com os braços estirados e
apoiados e a cabeça descansando no encosto, uma expressão toda satisfeita:
os olhos fechados e os lábios até se repuxavam um pouquinho. Por isso
acabei me surpreendendo, porque raramente Téo gosta de ficar parado numa
hidro para se aliviar... a não ser que eu esteja com ele, mas daí não ficamos
parados... e nos aliviamos de outro jeito...
― O que você tá fazendo? ― perguntei, desconfiada.
Devagar, Téo abriu os olhos e endireitou a cabeça para me encarar.
Ele não tinha despejado o saquinho de espumas, mas vi que despejou o de
sais. O motor estava ligado, criando movimentação na água, enquanto parte
do peito de Téo ainda estava para fora...
Era uma puta visão, devo admitir. Ainda mais com aquele cabelo
jogado para trás, ele se parecia um herói de guerra se banhando na lagoa
próxima ao acampamento...
Puta que pariu, Sofia... Fantasiar um bebê de príncipe tudo bem...
Agora, fantasiar o seu marido de herói de narrativa grega é pra
acabar!
― Você estava usando o chuveiro. Eu estava com calor ― Téo
respondeu como dois mais dois são seis... Abaixei o olhar para tentar
enxergar além da água...
Não, Sofia, dois mais dois são quatro! Você tá comendo merda, sua
louca?! Tira os olhos do pau do seu marido agora!!!
Subi o olhar novamente.
― Mas você nem gosta de hidro. Vive dizendo que o barulho do
motor incomoda e que é desconfortável pra ficar sentado ― argumentei.
Minha voz saiu meio irritada, não entendi por que, porém, fiz gestos e
caretas na sua direção também.
― Essa é mais quieta ― Téo respondeu, voltando a encostar a
cabeça. ― Acho que posso ficar aqui por um bom tempo...
Fiquei com inveja. Mas não porque ele estava todo esparrado numa
hidro espaçosa sentido uma pressão gostosa nas costas...
Fiquei com inveja dos sais de banho flutuando em volta dele...
Qual é o meu problema, por Deus?!
― Não quer entrar? ― Téo me perguntou como quem não quer nada.
― Você gosta de hidro, linda ― ele falou com um sorriso safado, de garoto
que vai me comer onde for, seja numa excursão religiosa, seja numa...
Espera aí.
Foi nesse instante, sentindo uma vontade latente de dar pro único
sorriso largo de Téo, que eu percebi o que ele estava fazendo, o maldito
pelado na hidro...
Ele estava tentando me seduzir! Todo gostoso, herói mitológico, que
de dia matava um exército inteiro de inimigos e de noite fodia a sua esposa
porque foi por isso que lutou, para começo de conversa, para comê-la todos
os dias e fazer mais herdeiros...
Ótimo. Agora Ana Lu invadiu a minha mente!
― Eu não vou abrir as pernas pra você, Téo ― disse a ele, meio que
na defensiva. Porém, para não ficar por baixo (mesmo que eu quisesse ficar
por baixo dele), dei um sorriso de volta, de quem descobriu a trama toda
antes de me foder.
No caso, antes de ele me foder.
Não que tenha adiantado muito: Téo não mudou de expressão,
continuou me encarando como se eu fosse uma garota usando camisola na
praia:
― Não agora... ― provocou com um sorrisinho de canto. Em
seguida, no entanto, suavizou os lábios e falou: ― Só tô te chamando pra
ficar comigo.
Ele pareceu sincero, pareceu sim.
Mas eu conheço meu marido. Ele nunca pensa no A sem pensar no
resto do dicionário junto.
― Conheço esse ficar comigo... ― eu disse, beirando a hidro, sem
fazer menção de entrar. ― Foi assim que a gente fez a Maysa.
Antes que eu colocasse apenas um dedinho na temperatura da água,
sua risada encheu a sacada, assim como tinha acontecido no restaurante
antes. O som da natureza tão próxima intensificava ainda mais a música que
Téo cantava quando relaxava de verdade, e isso acabou me descontraindo
também, de maneira que comecei a sorrir como se há pouco não tivesse
entrado no quarto puta da vida com ele.
― Sério, Müller? Eu tenho uma versão muito diferente da coisa...
― Ah, é? Qual?
Téo se mexeu, e eu ajeitei a toalha ao redor do corpo depois de ver
que a temperatura da água estava perfeita, assim como o dono no corpo ali
dentro...
― Você me puxando pro banheiro da casa da Dorta, querendo testar
um novo óleo de massagem ― ele respondeu com uma expressão engraçada.
Téo sempre adorou irritar Júlia e descobriu muito cedo que uma das
maneiras mais divertidas é fazendo putaria perto dela, ou melhor, na casa
dela.
― Tem tanta certeza assim de que foi ali que eu engravidei?
― Essa é a versão que eu vou contar pra Advogada do Diabo até o
fim da vida.
Não consegui me segurar e tive que rir, mesmo que fosse com ele
para o pior lugar do inferno depois da vida.
A verdade é que uma parte de pequena de mim, bem pequena,
também se casou com Téo Ferrero porque gosta das suas piadinhas do mal.
Eu sempre dou risada quando vejo a carinha emburrada da Júlia diante dos
apelidos que ele dá a ela e sinto até falta se os dois passam muito tempo sem
discutir por isso. Caio disse que também sente quando a gente demora pra
fazer churrasco ou se reunir... É sempre desses momentos que saem as
melhores piadas.
Téo acompanhou a minha risada até que me deixou sozinha nela.
Ficou um tempo me observando e, depois que eu parei, perguntou:
― Faz quanto tempo que a gente não conversa e ri assim?
Tombei a cabeça para o lado. Os meus lábios enfraqueceram com a
sua pergunta.
― Umas boas semanas... ― respondi, com toda a verdade que
consegui exprimir.
O clima mudou de um momento para o outro, apesar de tudo o que
nos rodeava aqui: a sacada com cortinas brancas se movimentando por conta
da brisa, as cores verdes das plantas e o dourado do sol chegando pelas
frestas do tecido... Ficamos crus. Téo tirou os olhos de mim por um
momento, para olhar a paisagem a qual a cortina não cobria, mas voltou
logo, sem medo algum de me encarar de volta agora que o assunto tinha
vindo à tona.
― Eu sei como ser um marido de merda às vezes, né? ― ele disse,
meio pensativo. ― Às vezes... Tô sendo generoso pra um filho da puta ―
acrescentou mais amargo.
Franzi o cenho, porque de maneira alguma esperava ouvir isso, ainda
mais desse jeito. Aproximei-me da hidromassagem e sentei na borda.
― Téo... Não fala assim ― pedi balançando a cabeça.
― Me desculpa ― ele soltou do nada. Levantei as sobrancelhas, sem
conseguir respondê-lo na mesma hora, então ele continuou: ― Pelo que eu
disse pra terapeuta. Pelo que eu disse pra você. Não quis te constranger, nem
mesmo a ela... Fiquei meio desesperado com a ideia de não te ver vestida da
gata de novo. ― Repuxou um sorriso fraco que nem pareceu sorriso.
Deus, eu queria beijá-lo! Não pensando no que viria depois de um
beijo, eu só queria beijá-lo e segurá-lo um pouco entre os meus braços,
como tantas vezes Téo já fez comigo. Queria tirar os fios de cabelo grudados
da testa e rir baixinho: viu como você sabe pedir desculpas, garoto
problema? E você é bom quando decide fazer isso.
― Me desculpa pelo que aconteceu na estrada ― eu também pedi,
repuxando um sorriso parecido com o dele. ― Eu só queria conversar...
― Então vem cá, linda ― Téo me chamou com um gesto que fez água
da banheira ir e vir, como se me chamasse junto para os seus braços.
E eu fui.
Tirei a toalha do corpo e molhei o corpo novamente, afundando na
água morna da hidro e indo diretamente em sua direção, cativada pela sua
maneira de ceder tão suave. Se antes senti falta do seu tesão todo
concentrado em mim, agora sentia do seu carinho e da sua honestidade. Nós
tínhamos que conversar, e, pela primeira vez, Téo estava com a guarda baixa
para isso.
Sentei-me entre as suas pernas, encostando as minhas costas no seu
peitoral para relaxar também. Os sais de banho circulavam abaixo de nós,
purificando a pele, e a massagem que recebi não foi da hidro, e sim de Téo,
que deu um beijo na minha nuca e a envolveu com as suas mãos grandes,
apertando-me de leve.
Fechei os olhos e aproveitei a sensação de os dedos se afundando
deliciosamente, mas logo Téo cortou a minha plenitude com uma de suas
piadas:
― A terapeuta empaca-foda...
Virei a cabeça para ele. ― Ela não estava tentando empacar, Téo!
Ele riu quando enxergou a minha careta e voltou a apertar a nuca.
― Tudo bem... ― falou antes de seguir pelo caminho que quase
resultou na sua morte com bambu. ― Ela sugeriu que a gente dissesse uma
coisa que quisesse um pro outro, não é? ― ele perguntou, um pouco
desconfortável, porque, no fundo, eu sabia que ele achava isso desnecessário
para nós... mas, dessa vez, finalmente, fez um esforço: ― Posso começar?
Encostei-me mais a ele e ergui a cabeça para enxergar o seu lindo
maxilar relaxado.
Não era que alguns minutos refletindo sozinho adiantaram? Quando
Maysa crescesse um pouco e começasse a compreender mais virtudes e
erros, eu faria o mesmo com ela também...
― Claro ― respondi, aliviada.
Téo desceu as mãos da minha nuca e as levou até a barriga. Começou
uma massagem ali como fazia quando eu estava...
― Eu te quero grávida ― foi o que disse na minha orelha. Tive que
dar risada, não só por causa do que ouvi, mas porque os seus lábios me
fizeram cócegas: ― O quê? ― ele quis saber o motivo da gargalhada.
Olhei-o de canto. O sol agora pegava em parte o seu rosto, deixando-
o meio dourado, muito lindo...
― Isso não é uma coisa que eu decido sozinha ― falei e fiz um gesto
com a mão, rodando-a: ― Depende de todo um sistema reprodutor aqui...
― Eu sei. Mas eu tô louco pra fazer outro filho. Penso nisso o tempo
todo desde que a gente levou aquele susto. ― Ele me abraçou, e a água fez o
mesmo, caindo fresca nos meus braços.
Olhei para a paisagem ao nosso lado: boa parte do lago refletindo
uma paisagem que nem parecia fazer parte do estado de São Paulo, de tão
natural.
Foi assim que eu me senti antes de fazer o teste de sangue... até
descobrir que, na verdade, não estava grávida. Para mim, um bebê crescendo
dentro de mim já era uma ideia natural, o que não se planeja e mesmo assim
cresce porque faz parte da gente, da felicidade que a gente vai conhecendo
aos poucos... Ver o negativo em letras garrafais no papel me deixou tão triste
que eu só deitei a cabeça no peito de Téo e, desiludida, chorei feito um
bebê, sem conseguir expressar por meio de palavras por que aquilo me
deixou tão triste. Eu digo que, quando a gente vira mãe, fica mais tonta...
― Você sabe que pode vir uma garota de novo e não um garoto, né?
― disse a ele, esquecendo-me desse episódio do passado. Com o tempo, o
natural cresceria, como tudo nessa vida. Então decidi pegar no pé do meu
marido e bancar a espertinha como ele fazia comigo: ― Sinto informar que
você carrega dois tipos de cromossomos, o Y e o X.
Ergui a cabeça novamente e capturei um Téo com sobrancelhas
cruzadas e olhos prestes a se revirarem... Contudo, ele acabou rindo e disse:
― Descontando, né? ― Puxou o meu nariz de leve, e eu ri. ― Não é
que eu queira só moleque ― ele começou a se explicar enquanto eu fazia
uma cara irônica de hã? ― Não quero é ter que me preocupar com duas
garotas chegando tarde em casa ao invés de uma. A Maysa vai dar trabalho
nisso, você sabe. Aquela terrorista já tá pouco se fodendo agora, imagina
quando descobrir que pode sair de casa sem precisar da gente ― Téo
argumentou com uma expressão pensativa, como se estivesse visualizando
uma Maysa adolescente querendo ir sozinha para shows, excursões e
estrada...
Infelizmente, o fruto não cai longe da árvore, já repetia dona
Luciana.
― Ela vai pular a janela ― concluí, ficando puta antes do tempo.
― Vai. ― Téo balançou a cabeça. ― E vai me chamar de otário
quando botar os pés na rua.
Repuxei os lábios. Pobre papai...
― Duvido que ela faça isso ― tentei dar alguns créditos aos meus
dois amores. ― Você é o companheiro de madruga dela. Talvez te chame
pros shows também... ― sugeri, mesmo que soubesse que talvez eu não
fosse chamada. Aquela garota é uma paga-pau só do pai...
― Não me faz de trouxa antes da hora, Müller ― foi o que Téo
respondeu, mais desesperançoso que eu.
Mordi o lábio repuxado e, depois de acariciar o seu rosto, deixando
a barba rala fazer cócegas nas pontas dos dedos, continuei a conversa:
― Mas se for uma menina?
Dessa vez, Téo abaixou a cabeça para me encarar. Ele ficou
intercalando o olhar de um olho para o outro, enquanto, no fundinho da
pupila, eu via o seu pequeno desespero de ter três mulheres em casa. Mas
meu marido saberia lidar, se acontecesse.
― Vai ser o amor da minha vida. ― Ele repuxou um sorriso sincero.
Mas, em seguida, brincou: ― Daí eu que vou cagar pra terrorista.
Abri a boca, chocada.
Se Maysa algum dia soubesse que ele falou isso, vish... Quando
entendesse que não era a terrorista preferida, não reagiria bem. Ela já sentia
ciúme do pai até perto de outras mulheres, imagine de outra menininha...!
― Que horror, Ferrero! Acho que é melhor a gente focar no
cromossomo Y mesmo...
Téo riu um pouco e beijou o meu rosto, abraçando-me de volta no
seu peito. Então ficamos em silêncio de repente, ambos concentrando os
olhos na vista, enquanto suas mãos continuavam a massagear a minha
barriga.
Foi de repente também que uma felicidade grata encheu o meu peito,
talvez resultado de todos os sentidos sendo agradados, mas bem mais
provável que fosse pela epifania de tudo o que aconteceu na minha vida nos
últimos anos...
Eu não estaria aqui, se não tivesse desistido da ideia de ser uma
bailarina profissional. Provavelmente, com a minha idade, eu estaria já em
uma companhia, teria entrado por meio de contatos, e estaria me matando
para conseguir uma participação em repertório, mesmo que não fosse o
papel principal. Estaria em uma cidade americana, sozinha, cansada e...
perdida, completamente perdida.
Então eu estava grata, sim, por ter uma vida cheia de coisas que eu
amava ser e fazer, até mesmo as pequenas coisas, que a gente não dá tanta
importância até avaliar o quanto custa ser feliz...
Segundo Téo, oitocentos e noventa reais, num quarto de pousada
com hidro.
― Você imaginou, amor? ― Téo falou depois que os carinhos
subiram um pouco mais, e ele começou a massagear os meus seios. ― Fazer
o Heitor olhando pra essa vista...
Encostei a cabeça no seu ombro e fechei os olhos, sentindo as mãos
grandes tomarem todo o volume dos seios, esfregando os mamilos entre os
dedos conforte fazia movimentos circulares...
Ah, Deus... Isso é tão bom...
― Foi por isso que reservei esse quarto. Essa versão é bem melhor
que a da Maysa ― respondi, ainda com os olhos fechados, um suspiro
escapando pelos lábios.
― É... ― ele sussurrou e, descendo uma das mãos pela minha
barriga, começou a massagear a virilha, enquanto a outra mão dava conta dos
dois peitos. ― Vou me lembrar sempre da mãe gostosa dos meus filhos...
gemendo com os meus dedos... rebolando no meu pau... sendo fodida de
quatro nessa hidro, ao pôr do sol...
Gesticulei a cabeça conforme ele falava, sentindo o meu corpo se
arquear, cheio de vontade. No momento que me movi, Téo se aproximou com
a sua boca para tomar os meus lábios e pressionou a minha barriga para que
eu me colasse mais a ele. Então beijei-o de volta, suas mãos descendo a
minha virilha para encontrar o que soube dedilhar desde a nossa primeira
vez. Uma das melhores escolhas que fez na vida foi ter optado por aprender
a tocar baixo. Funcionou no Tribos, funcionou comigo.
O barulho das gotas de água se atiçando dava ritmo aos nossos beijos
longos, intensos... Nada de afobação agora. Suas mãos continuavam
massageando meus peitos, beliscando bem de leve cada mamilo, enquanto os
seus dedos me causavam arrepios entre as pernas. Gemi contra os seus
lábios por isso, mordendo-o, pedindo por mais nas entrelinhas. Téo entendeu
rápido, mas estava indo aos poucos mais abaixo, mais abaixo, como se
estivesse me conquistando devagar, para, em seguida, me ter nas suas mãos e
me comer de todas as maneiras que que-...
Espera um pouco.
Espera. Um. Pouco.
E a nossa conversa...?
Uma fita voltou na minha cabeça: eu fora da banheira dizendo que
não abriria as pernas para Téo. Me vi ali paradinha, toda esperta, jurando de
pés juntos que não entraria na hidro com ele para transar...
E Téo não só conseguiu que eu entrasse na hidro, como estava
prestes a abrir as minhas pernas flexíveis para meter em mim! Por enquanto,
eram apenas os dedos, mas eu o conhecia e me conhecia o suficiente para
saber que, daqui poucos minutos, estaríamos os dois fazendo a água
respingar para todo lado...!
― Ah, puta merda... Téo! ― Eu me afastei dele no momento que me
toquei o que o maldito estava fazendo. ― Você tá me manipulando! Você me
chamou pra conversar na hidro e usar o nosso filho que ainda nem nasceu pra
gozar! ― joguei na cara dele, além da água que atirei bem no seu rosto.
Téo fechou os olhos quando a água o atingiu e, passando a mão
rapidamente no rosto, confessou tudo no sorriso de canto em seguida:
― Gozar é uma consequência, amor... ― foi o que disse em resposta.
Mas que...
Cerrei o olhar, tão indignada com a manipulação quanto com a graça
que achava nela.
Como ele podia ser tão cara de pau, porra?! Tudo bem que eu tinha
sido ingênua e sabia que foi uma péssima decisão entrar na hidro com ele...
Mas é porque eu sempre a relaciono com motel! Nós nunca tivemos uma
hidro, nem mesmo banheira, o único lugar que usamos uma é quando vamos
ao motel... E, quando eu penso em motel, minha cabeça rapidamente
relaciona à sexo, obviamente!
― Consequência que você ama conquistar, né, seu pilantra ― rebati
e, em seguida, levantei-me um pouco, ficando de joelhos. ― Puta que pariu!
Como você pode ser tão sujo, e eu posso ser tão imbecil depois de todos
esses anos...?! ― tive que verbalizar.
Ele parou de dar o sorrisinho orgulhoso quando viu que eu realmente
estava indignada com a coisa toda. Então se desencostou e agarrou a minha
coxa:
― Vem aqui... ― ele pediu, começando a me puxar para ele. Mas eu
ignorei, cruzando os braços sobre os peitos. Téo olhou rapidamente para
eles, passou até a língua nos lábios, mas voltou a implorar num tom
extremamente pacífico: ― Imbecil nada, linda... Vem aqui...
Os meus olhos deixaram os seus por um instante e se abaixaram. No
entanto, ao invés de se fixarem ao pensamento não vou abrir as pernas
porra nenhuma, meu olhar caiu na ereção de Téo debaixo da água. Não dava
para enxergar certinho, mas, só na maneira que ele me tocava, chamando-me
de linda, implorando com a voz rouca para que eu me aproximasse de novo,
dava para ver que estava ficando com tesão naquilo...
O meu marido é uma pequena contradição às vezes. Gosta de me
foder de quatro, metendo tapa na minha bunda e puxando meu cabelo para me
chamar de puta? Gosta. Mas, de vez em quando, adora tanto implorar pela
minha boceta que eu posso pedir qualquer coisa em troca que ele faz de bom
grado. Por exemplo, um striptease.
Não que Téo assuma que, no fundo, ama ser submisso de boceta. Na
sua cabeça, só faz porque eu fodo com ele por maldade... Ele se esquece que
gosta de se sentir desafiado, de ter seu controle tirado das mãos por alguém
com potencial para jogar com ele.
― Você sabe que quer essa versão também, gostosa ― Téo falou
quando ergui os olhos para encará-lo. Viu que eu estava com os olhos no seu
pau e se aproveitou disso para me puxar com ambas as mãos. ― Quer pra
ficar molhada toda vez que se lembrar de como a gente fez o nosso filho...
A parte complicada é que Téo também é um jogador páreo para mim.
Por isso, no momento que eu me aproximei um pouquinho sem querer,
ele botou a mão na minha bunda e a apertou com tanta força que eu soltei um
gemido satisfeito. Em seguida, usando da minha paralisia gerada por um
tapa, ele aproximou todo o tronco de mim para beijar a barriga.
Foi assim que ele me beijou na nossa primeira vez. Foi assim que me
ganhou: começando de baixo para cima...
Fechei os olhos por um instante, gemendo baixinho por sentir a sua
boca me comendo ― porque era assim que Téo me beijava: me fodendo bem
antes de realmente fazê-lo. Era assim que deixava o meu corpo todo seu, de
maneira que, em consequência, a minha cabeça se deixava levar pela loucura
de pertencer a alguém.
Então eu aproveitei a sensação de os seus lábios raspando contra a
barriga, enquanto a língua lambia os quadris para depois sugá-los. Téo
investia dentes, tomando a minha pele com a sua fome, depois me beijava
com o seu amor de homem de uma mulher só... Ele estava certo: essa era a
Lua de Mel que eu queria para nós.
Porém, quando abri os olhos e abaixei o rosto para ver os seus
cabelos pretos bagunçados e molhados, tocando os dois lados do rosto para
acariciar as bochechas magras também, eu me senti uma idiota por estar
permitindo que mais uma transa me distanciasse do meu marido.
Por mais que nós nos encontrássemos um no outro quando ficávamos
assim, ultimamente, Téo se esquecia de qualquer encontro depois de gozar e
voltava para a rotina de exaustão, em que ele acabava consigo mesmo na
tentativa de ser homem de casa.
Tirei as mãos do seu rosto e acariciei os seus cabelos antes de dizer,
na minha vez, o que queria para ele:
― Eu quero que você largue o emprego ― falei em alto e bom som,
justamente para que Téo me escutasse dessa vez.
E eu me faria ser escutada.
Como a mulher da casa.
Capítulo 5
SOFIA

― O que você disse? ― Téo levantou a cabeça na mesma hora e me


encarou com o cenho franzido. Parecia estar pensando quê porra...?, como
se estivesse surdo.
Mantive meus olhos nele, longe de voltar atrás agora. Tinha
imaginado mil maneiras de sugerir que Téo saísse da prefeitura, em
diferentes contextos diferentes desse, mas se não fosse aqui, agora, eu não
chamaria tanto a sua atenção. Por isso, falei de novo, levantando-me
definitivamente da hidromassagem para ficar de pé:
― Eu quero que você saia da prefeitura.
Téo ainda me encarou duvidoso, perdido. Pareceu não saber o que
fazer durante alguns segundos, franzindo levemente o cenho... Até que se
levantou também para ficar frente a frente comigo, o rosto próximo ao meu:
― De onde você tirou isso? ― foi o que perguntou, e seu tom rouco
saiu pesado.
Os olhos que antes me encararam com desejo, agora percorreram o
meu rosto com uma seriedade que eu não vi antes, porque na estrada ele
parecia mais irritado que sério. Não era como se eu tivesse tocado numa
ferida exposta, mas sim nos mecanismos da sua cabeça que nunca diminuíam
a velocidade.
Engoli em seco, sentindo uma brisa gelada bater no meu corpo
molhado. No segundo seguinte, tentei falar da maneira mais clara possível:
― Você odeia trabalhar lá, Téo. Desde que entrou até hoje, que já faz
uns dois anos, eu nunca te vi satisfeito. Você só saiu uma vez pra revisar um
projeto já em andamento e depois te trancaram num escritório, onde tem que
trabalhar igual a um robô programado. É isso o que te deixa exausto já no
começo do dia, antes mesmo de chegar lá... Esse cargo que não tem nada a
ver com a sua vocação profissional. Não era assim que você ficava quando
fazia estágio em indústria, lembra? Supervisionando tudo ali, era pesado na
maior parte do tempo, só que você tinha tesão de acompanhar a engrenagem
de dentro, até de botar a mão, se fosse necessário... E agora nem falar
comigo sobre o trabalho você fala, porque ele não te acrescenta em nada...!
Desde quando você se submete a coisas inúteis?!
As últimas palavras saíram rápidas, um pouco desesperadas até, só
que não tinha como velar o meu desespero. Eu estava preocupada com ele.
Muito. E me desesperava que ele não se preocupasse consigo também. Fazer
pouco de si mesmo nunca foi parte do seu caráter.
Téo me escutou com atenção, pela primeira vez, deixando de me
interromper ou de rebater com respostas práticas, como estou cansado igual
mais tantos brasileiros... Ele sabia que já tinha usado essa e que não seria
agora que eu engoliria.
Esperei qualquer tipo de resposta verdadeira, porque o sentia aqui
comigo, disposto a discutir, mesmo que fosse para ser passional, extravasar
tudo de uma vez.
Contudo, quando Téo aproximou o rosto do meu, eu não esperava
ouvir o que ouvi:
― E você acha que eu já não pensei nisso antes, Sofia? ― perguntou
duro, os olhos fixos nos meus. ― Acha que já não pensei em tocar o foda-se
e dar o fora o quanto antes da prefeitura? ― Ele balançou a cabeça, fazendo
o meu corpo gelar mais ainda com as perguntas retóricas. ― Sou eu que tô
fazendo trabalho de robô, não sou? Acha que eu não sei de tudo isso o que
você disse?
Téo me derrubou aí. Numa única resposta, fez a minha boca secar a
ponto de a aridez se estender até a minha cabeça e me deixar sem palavras.
Ele compreende o que está acontecendo...? Ele compreende o que
está acontecendo e... está deixando acontecer?
Fiquei sem ar.
Era pior do que eu imaginava.
― Você quer me dizer que... aceitou, então? ― perguntei incrédula,
com os olhos molhados. ― Abriu mão de você mesmo e foda-se...?
Ele desviou o olhar de mim com o maxilar ainda travado,
gesticulando a cabeça como se pensasse você não entende. E eu não
entendia mesmo. Não entendia porra nenhuma do que estava acontecendo
com o meu marido! Até agora, eu pensava que ele estava evitando a coisa
toda, negando-se, como um viciado que não quer admitir o problema... Mas
não! Ele sabia, sabia que a prefeitura não era lugar dele, que estava
perdendo o profissional dentro de si, que não estava feliz com quem era e...
abraçava a autodestruição! Como Téo queria que eu entendesse um absurdo
desses?!
― Não é mais só sobre mim ― Téo respondeu, bastante conformado.
Comecei a gesticular a cabeça em negação. Ele saiu da hidro, mas não
deixou de me olhar para continuar: ― Não sou mais um moleque de
dezenove que foi bancado pelo pai e tem herança da mãe pra decidir o que é
bom só pra mim. Eu tenho uma família agora, tô pensando em aumentar essa
família... Como você espera que eu largue um emprego concursado que pode
garantir o nosso futuro?
Eu estava com muito frio, com muito frio mesmo, por isso decidi
deixar a hidro também, pegar a minha toalha e sair da sacada para voltar ao
quarto. Caminhei para longe de Téo, ainda muito indignada, e do lado de
dentro me senti mais esquentada... fisicamente. Por dentro, ainda não
conseguia entender como ele pôde levar o tranco de aceitação sozinho,
enquanto eu, a esposinha de casa e puta paga ficava de lado.
― Eu pensei que você quisesse conversar ― Téo disse atrás de mim
quando entrou no quarto.
Peguei minhas roupas na mala depois de me secar mais ou menos,
pensando no que deveria dizer de volta. Ele estava certo: eu dei tudo para
conversar sobre isso, esclarecer que ele precisava reavaliar suas decisões e
me deixar servir de apoio para o que quisesse...
Mas essa opção ele já tinha descartado, pelo jeito.
― Por que você se casou comigo? ― perguntei meio sem pensar,
olhando-o por cima do ombro.
Téo não respondeu na hora. O silêncio martelou e martelou, depois
ele rebateu:
― Por que tá me perguntando isso agora? ― Eu não estava olhando
diretamente para ele, mas podia ver sua careta confusa de acordo com o tom
de voz.
Bufei, superestressada com a situação, mas consegui botar a calcinha
e enfiar um vestido pela cabeça antes de me virar para ele novamente. Téo
tinha enrolado a cintura com uma toalha, os cabelos ainda pingavam um
pouco e os pés queriam vir na minha direção, mas vacilavam.
― Porque... ― comecei a falar, e, sem poder frear, lágrimas pularam
dos meus olhos e a minha voz travou com um engasgo, mas consegui
continuar: ― eu não me sinto a sua esposa agora. Pra que eu te sirvo, Téo?
Só pra te dar filhos? Pra te fazer gozar quando chega do trabalho...? ―
perguntei, limpando as lágrimas com as costas das mãos. ― É assim que
você anda me tratando, como se a minha função girasse em torno da prole e
do seu prazer! Pra puta que pariu todo resto, minha mulher é das antigas!
Ele franziu mais o cenho e soltou um ruído revoltado. O que eu disse
finalmente trouxe todas as suas paixões obscuras e os sapos que não queria
engolir, porque eram meus, e o filho da puta, quando se tratava de mim, não
engolia!!!
― Eu nunca te vi assim... Sofia... Porra! Quando que te quis mulher
submissa, hãm?! ― Téo perguntou de volta, aumentando o tom como eu. ―
Sempre te apoiei a ter a sua vida, a fazer o que você quer...! ― Ele passou a
mão nos cabelos, que insistiam em cobrir a sua visão. ― Puta merda, como
você pode dizer que eu sou esse marido filho da puta?!
― Você me deixou na cama pra ir bater punheta no banheiro, Téo ―
eu tive que dizer em voz alta, mesmo que aquele último acontecimento fosse
seu ponto fraco. A minha voz saiu... derrotada. Meus ombros pesaram de
novo e, dessa vez, jurei que eles estavam o chão, assim como tudo aqui. ―
Você não conseguiu levantar depois de ter pedido pra eu ir por cima, depois
de pedir pra eu te chupar... Aí, quando não conseguiu, você me largou na
cama sem nem olhar na minha cara e foi pro banheiro dar conta sozinho,
como se o problema fosse eu ― falei, relembrando-me da sensação que a
sua distância me causou na cama. Meu rosto enrugou. ― É dessa maneira
que você trata a sua mulher com respeito...?
Foi aí que eu o derrubei. Com uma pergunta, eu o derrubei.
Téo me encarou calado, agora sem respostas na ponta da língua, e
ficou parado, só me olhando chorar. Não demorou muito, e vi os seus olhos
ficarem molhados e o rosto e o pescoço avermelharem a ponto de os olhos
ficarem mais escurecidos.
― Eu... ― ele começou a dizer, segurando-se para não chorar. Que
caralho! Que maldito! Depois de tudo, ele ainda estava se segurando pra não
chorar! Em meio às minhas lágrimas quentes, eu o vi franzir os lábios e
desviar os olhos por um momento até me encarar novamente. ― Porra, eu...
fiquei com vergonha...
Mais lágrimas escaparam dos meus olhos. Tive que fechá-los com
força e abrir de novo para ver o seu rosto com clareza.
― Vergonha de mim, Téo...? De mim?
― Eu estava esgotado na quarta-feira ― ele respondeu. Sem
conseguir evitar, duas lágrimas rolaram, uma de cada olho. ― Tudo deu
errado na prefeitura. Não tinha ninguém no meu setor pra me ajudar, eu fiquei
sobrecarregado pra porra, não consegui fazer metade das coisas que tinha
que fazer... ― ele explicou depressa. ― Você tava no quarto, passando
creme nas coxas, e eu te olhei e... Eu te acho gostosa pra caralho, você sabe,
nunca precisei de muito pra sentir tesão em você... Mas a minha cabeça tava
tão fodida com o que aconteceu lá que eu não conseguia me manter ali e...
Você estava esperando e me beijando e... Nem levantar a porra do pau eu
conseguia aquele dia! Era o mínimo que eu tinha que fazer como homem, e
nem isso...!
Abaixei a cabeça, abraçando-me, porque eu não compreendia por
que ele demorou tanto tempo para dizer isso.
Eu não me importava com uma noite sem sexo por causa de cansaço,
estava me fodendo pra isso enquanto Téo estivesse de cama por causa de dor
de cabeça e falta de vida no corpo. O que aconteceria depois disso?
Depressão...? Eu já tinha passado por isso e não permitiria que acontecesse
com ele.
― Por que você não me contou? Sobre o seu dia...? ― perguntei
mais baixo, gesticulando a cabeça. De repente, Téo pareceu ter a idade de
Maysa, pequeno, frágil... Doeu tanto em mim que eu engasguei antes de
continuar. ― Eu não... Eu não quero ser só a mulher que te abre as pernas...
Não é só assim que sei te receber na minha vida.
Téo esfregou o rosto com as mãos, ainda vermelho. Endureceu o
rosto quando me olhou, para não chorar, de novo, e se aproximou de mim.
― Porque eu sou um puta de um babaca que estudou pra caralho pra
passar nesse concurso, que ganha bem mais que a média, que tá com o futuro
garantido pra dar pra filha... E, mesmo assim, tô na merda ― Téo falou, com
a voz mais calma e mais triste também. ― E você é a melhor pessoa desse
mundo, que dorme em rede e até no chão pra ajudar gente miserável que não
tem metade do que a gente tem... Porra, Sofia, você fica feliz de tirar uma
foto bonita da Maysa junto com o Gato. Isso faz seu dia. Pra que eu vou
estragar isso te deixando infeliz comigo...?
Terminando de se aproximar, Téo tocou no meu rosto, limpando as
minhas lágrimas com os polegares. Ele tinha muito o que pensar: sobre a
prefeitura, sobre ele mesmo, sobre toda a sua concepção de planos e futuro e
até mesmo sobre...
Nós.
Sobre esse último, decidi lhe dar mais um pouco, mesmo que a minha
cabeça estivesse exausta da discussão também:
― Desde que a gente se conheceu e ficou junto pra valer, eu te disse
com todas as letras que vou até o inferno com você... Porque eu não quero
ficar em outro lugar, nem mesmo no céu, se você não estiver comigo ―
respondi a ele, sem chorar mais, sem abaixar a cabeça. Encarei-o dura,
como ele fez antes, e falei: ― Esse foi o casamento que eu escolhi viver
quando te esperei naquele altar.
O silêncio finalmente prevaleceu, derrubando a nós dois juntos. Téo
ainda ficou um tempo segurando o meu rosto, olhando para os meus olhos,
talvez esperando que eu dissesse algo... Mas, dessa vez, a comunicação não
precisava ser explícita.
Ele sabia que, nessa situação, eu não me permitiria ficar mais.
Chega de esposa que se cala pra não ferir o ego do homem.
Chega de esposa que espera a melhor hora para resolver as coisas.
Chega de esposa que chora de frente para um marido que se
reprime...
Não sou mulher feita de lã, Ferrero.
E não aceito homem que não seja de carne.
Téo desviou a cabeça depois de me olhar por um tempo e tirou as
mãos de mim para se sentar na cama. Ele inclinou o tronco para frente numa
respiração pesada e botou os olhos no chão para concluir, baixo:
― Preciso dar uma volta sozinho.
Eu não disse nada em resposta, porque não sabia dizer se isso era
uma coisa boa ou ruim. Ele queria um tempo para pensar. Isso pelo menos
mostrava que a nossa conversa o abalou o suficiente para avaliar alguma
coisa, só que, por outro lado...
Não pensei que fosse ser tão difícil assim a ponto de nos desligarmos
um do outro justo aqui, num lugar tão lindo para ficarmos juntos.
Como fiquei quieta, Téo se levantou e se trocou rapidamente,
colocando o primeiro calção e a primeira camiseta que encontrou na mala.
Assisti-o se trocando em silêncio, esperando ele sair para me mover dali.
Senti um aperto no peito quando pegou as chaves do carro e não me deu
tempo de dizer mais nada.
Ele fechou a porta e foi para a estrada.

***
Decidi que era melhor sair do quarto ao invés de ficar chorando com
a cara enfiada no travesseiro ou ligando para a Rose e importunando Maysa
e o seu passeio. Eu estava triste, até meio passada depois da discussão que
eu e Téo tivemos, mas ficar num quarto de casal sozinha só pioraria as
minhas dúvidas.
Téo voltaria ainda hoje?
Eu não tinha tantas razões para acreditar que não, mas sempre havia
uma pequena parte de mim que ficava apreensiva com isso. Não era uma
grande surpresa ele sair para ter um tempo consigo, Téo sempre pegou o
carro sozinho nas nossas discussões muito pesadas, inclusive, fez isso
quando descobriu que eu estava grávida, na praia do residencial. E, naquela
noite de ano novo, ele voltou porque sabia que eu precisava que voltasse.
Porque nós precisávamos dele.
Mas agora ele tinha motivos o suficiente para voltar? Eu nunca o vi
tão envergonhado em toda a vida... Será que queria olhar para mim ainda
hoje depois de tudo?
Peguei a câmera fotográfica pendurada no pescoço e, para me
distrair, comecei a fotografar a trilha pela qual passava. Notei que a maioria
dos casais estavam aproveitando as disposições da pousada ao invés de
descobrirem o que havia nos arredores, e entrei na primeira trilha para qual
fui direcionada pelas placas. Mesmo estando sozinha, em ambientes como
este, eu nunca me sentia solitária de verdade. Havia tantos pássaros nas
árvores que o silêncio perdia a beleza fácil. Era um som totalmente contrário
à capital, onde o trânsito era dono dos nossos ouvidos. Aqui, a mãe natureza
comandava, como se virasse dona do mundo todo, principalmente de mim.
Fazer uma caminhada era tipo um bom abraço, apesar das
circunstâncias. A certo ponto me lembrei, ainda, de quando estive em
Manaus para o trabalho comunitário. Lá era bem maior, claro, o verde nunca
parecia ter fim, a não ser quando os enormes rios começavam, mas... a
sensação era a mesma: distante do toque do homem, a vida ficava mais
fresca e cheirosa. Eram as crianças que viviam em terras indígenas as
primeiras a dizerem isso: fui na cidade e lá era fervo e fedido. Da última
vez que fiz um trabalho, em uma aldeia em Parelheiros, uma delas até me
perguntou como eu vivia lá. Eu não soube o que dizer, apenas dei risada na
hora, e mais tarde conclui que São Paulo só me tem porque me criou ―
única explicação que encontrei para aquela pergunta.
Já estava voltando o caminho depois que vi o meu cartão de memória
cheio. Havia fotos e vídeos de Maysa que eu não tinha descarregado e estava
com dó de apagar. Além disso, a trilha não parecia muito mais distante,
então resolvi voltar ao ponto onde poderia pegar outra, àquela que me
levaria até o lago da pousada. Talvez pegar um pôr do sol ali fosse uma
maneira de apaziguar a minha noite sem os braços de Téo ao meu redor.
Contudo, antes que eu pudesse aproveitar o resto da trilha sozinha,
fora a presença dos pássaros e dos outros animais pequenos, encontrei uma
pessoa chegando na minha direção e logo reconheci a Dra. Simoni. Ela
estava usando roupas mais largas agora e tênis, seguindo a trilha sozinha
como eu.
Não tive como desviar, no momento que ela levantou o rosto de uma
descidinha complicada, me viu chegando também. Sorriu para mim de um
jeito simpático que não me parecia falso, ainda que a nossa primeira
apresentação não tenha sido das melhores. Infelizmente, Téo não me deixou
passar uma boa impressão.
― Oi... ― fui a primeira a dizer, desligando a câmera em minhas
mãos para deixá-la pender. A terapeuta se aproximou e parou junto comigo,
respirando fundo de cansaço.
― Oi... ― ela cumprimentou de volta e, na primeira chance que teve,
sentou-se em um tronco que serviu como banco. Colocou a mão no peito e
disse, ainda meio sem ar: ― Me desculpe, eu não perguntei o seu nome.
Franzi um pouco o cenho, percebendo que ela estava mesmo cansada,
parecia até que tinha acabado de correr até aqui.
― Sofia ― eu respondi rapidamente. ― Você está bem? Quer ajuda
pra voltar ou... quer que eu busque ajuda?
Sentei-me ao lado dela e coloquei a mão nas suas costas, sem pensar
que talvez ela achasse meu toque íntimo. Eu trabalhava com pessoas, sabia
que algumas podiam ser esquivas, mas a doutora não pareceu incomodada
nem mesmo preocupada consigo mesma. Fez um gesto com a mão de fique
tranquila e respirou fundo mais umas vezes, recompondo-se.
― Isso se chama idade, Sofia. Está tudo bem ― ela falou com mais
facilidade. Eu não dava nem sessenta anos olhando para ela, mas Simoni
tinha sessenta e cinco. Depois de fazer um artigo sobre esta mulher, sabia até
mesmo a data em que ela publicou o seu primeiro capítulo de livro. ― O
meu é Simoni. ― Ela me estendeu a mão. ― Você já sabe disso, mas não
tive a chance de cumprimentar as sós.
Assenti e, quando ela intercalou os olhos da câmera para mim, fiquei
meio vermelha. Senti o sangue correr nas bochechas até as têmporas.
Eu não devia ter saído do salão daquela maneira...
― Sobre mais cedo... ― comecei a dizer.
― Não precisa se desculpar de novo ― ela me cortou antes que eu
pedisse outras desculpas. E eu ia pedir, não só porque realmente pensava
que devia, mas porque a achava foda demais, a ponto de me sentir até
intimidada por estar sentada ao seu lado agora. A mulher tinha mais de dez
livros publicados, viajou praticamente pelo mundo todo, e, numa das minhas
pesquisas, descobri que era dona de trinta mil livros (sua casa tinha uma
biblioteca). Sabe o conhecimento que você acha que tem? Então, perto dela,
você não tem nada, não. ― Você está bem? ― ela fez a mesma pergunta.
― Sim... Claro ― respondi, mas em seguida cocei o nariz porque ele
pinicou, sensível como os olhos.
A doutora Simoni me analisou por pouco tempo. Nessa hora pareceu
ter sessenta e cinco mesmo, pela densidade do olhar de quem já viveu muito
e entende das coisas.
― E o Téo? ― ela se lembrou do nome dele. Claro, como poderia se
esquecer do abusadinho que ironizou a sua sugestão?
― Ele... ― comecei a responder, mas meu nariz pinicou mais, o que
me fez parar. Desviei os olhos dela e dei uma risadinha nervosa, sem graça,
meio triste também. Se eu não tivesse parado com as injeções há poucos
dias, desconfiaria já de gravidez. Sentia muita coisa para dar conta agora.
Precisava de duas Sofias para isso.
― Ficou no quarto? ― a doutora resolveu me ajudar.
Neguei com a cabeça, inclinando o meu tronco para me ajeitar
melhor naquele improviso de banco.
― Foi pra estrada... E eu fiquei ― respondi, agora com a tristeza
dominando tudo.
Não tive uma resposta dela na mesma hora nem sei se deveria
esperar por uma. Por mais que fosse terapeuta, que estivesse ligada à
pousada a qual divulgou nas suas redes sociais, ela não tinha obrigação de
me escutar como profissional. Este não era o objetivo dela, trabalhar com
terapia individual num fim de semana que devia ser só de casais dividindo
momentos entre si. Por isso, fiz o mesmo gesto de mão e tentei não pensar em
Téo pela estrada, trabalhando sozinho nas suas decisões.
Porém, depois de um tempo em silêncio, Simoni Ogawa riu sozinha.
Olhei para ela, agora respirando normalmente, e soube que ela estava
pensando em algo. Ou, pelo que disse em seguida, relembrando:
― Ele é genioso, não é? ― foi o que me perguntou, generosa demais.
Já eu estaria pensando: ele é um puta atrevido, não é?
― Você percebeu? ― brinquei, para ser generosa com Téo também.
A doutora riu comigo e se sentou da mesma maneira que eu, com o
tronco inclinado. Não sei se percebeu que as minhas pernas estavam
ansiosas, porque as folhas começaram a fazer barulho no chão, mas ela
entrou no assunto de uma vez:
― Vocês vieram aqui para uma Lua de Mel, ele disse...
Levantei a cabeça e olhei para ela de novo, enxergando o rosto
pacífico e cheio de paciência que só uma boa terapeuta tinha. Será que ela
me leu tão rápido a ponto de saber que preciso conversar sobre Téo senão
vou chorar no travesseiro do quarto?
― Foi... ― respondi, sem saber se deveria simplificar ou não. Para
não abusar do seu tempo, resolvi falar pouco tentando dizer muito: ―
Quando a gente se casou, nossa filha só tinha três meses, então a gente não
aproveitou tanto a fase de recém-casados... Bom, não como a gente queria.
― Ri um pouco.
― Pais de primeira viagem primeiro que tudo ― a doutora concluiu,
e eu balancei a cabeça. Já fiquei com vontade de ligar a câmera fotográfica
de novo e mostrar fotos da Maysa, mas Júlia me avisou esses dias que eu
tinha que parar com esse costume insuportável de mãe, de querer mostrar
fotos do filho sem ninguém pedir. Como sempre foi, Dorta é um coice de
mula que machuca, mas machuca com verdades. ― Vocês já estavam juntos
há...? ― a doutora retomou o meu casamento.
― Cinco anos. A gente se conheceu e praticamente já foi morar
junto.
― Vocês deviam ser novos...
― Ele tinha dezenove, eu dezoito.
― Uau... Vocês se fizeram juntos, então.
Meus olhos se molharam um pouquinho. A gente se fez... e agora tô
morrendo de medo de ele se desfazer. Mesmo assim, tentei sorrir:
― Foi isso mesmo.
A doutora Simoni gesticulou a cabeça, sorrindo de volta, sem dizer
mais nada. Contudo, quando o silêncio entre nós durou, ela fez um sinal com
os olhos, como se dissesse: continue.
Engoli em seco, num primeiro momento, duvidando se ela realmente
queria me ouvir. Claro que percebeu a minha tristeza, ainda mais depois que
contei sobre Téo na estrada, só que... ela realmente queria me dar uma
sessão gratuita?
― Nem sei por onde começar ― disse, sem graça.
― Comece com que achar melhor ― ela incentivou.
Desviei os olhos e analisei os dois lados da trilha, caminhos de ida e
volta. Não queria ficar falando e falando e falando, até porque não queria
chorar, e era isso o que eu faria caso começasse a descrever as peças do
quebra-cabeça que formavam toda a situação com Téo e o seu trabalho...
Então, depois de respirar fundo, como a doutora fez antes ao se
sentar, decidi começar pelo que o feria:
― O problema é que... o Téo está num emprego que não é pra ele, e
ele sempre foi o tipo de pessoa que tem que se sentir motivada pelas coisas
que faz ― falei, tentando soar mais clara e estável possível. ― Mas ele não
se sente agora, e como é concursado pela prefeitura... não quer sair.
Ultimamente, ele tá me deixando de lado, disse que não quis compartilhar os
problemas pra não me ver infeliz com ele. Só que... ― engoli o engasgo que
se formou ― eu tô infeliz de qualquer jeito por causa da situação,
principalmente porque parece que ele me acha fraca, sabe? ― Balancei a
cabeça, pegando aonde feria em mim. ― Parece que ele não pode contar
comigo pro pior. Só quer que eu seja a boa esposa na cama e a mãe que vai
gerar o próximo filho dele...
Decidi parar de falar aí para dar conta das palavras. Achei que
tivesse falado demais ou talvez muito pouco do que realmente aconteceu na
discussão... Não sei. Simoni estava certa: ninguém consegue alcançar a visão
de mundo de outra pessoa com os próprios olhos. Nem ela, que era
terapeuta, acredito.
Ela esperou que eu realmente me calasse e, quando me viu pronta
para escutá-la, me disse com a mesma voz calma e pausada de antes:
― Até hoje os homens dão muito crédito à imagem de homem da
casa. Eles têm que dar conta da família e do sustento dela, não podem
mostrar fragilidade nenhuma nem se dar por vencidos diante de qualquer
conflito... ― ela explicou, intercalando o olhar entre os meus olhos e uma
folha que ela pegou do chão. ― Como foi a criação dele? ― Simoni
perguntou em seguida.
― A mãe criou durante a infância... daí, quando ela faleceu, ele foi
morar com o pai, mas não tinha um bom relacionamento com ele ― fui
breve. Não achava que devia alongar uma história que não fosse minha,
mesmo sendo a do meu marido.
A doutora balançou a cabeça, passando o dedo no meio da folha. Em
seguida, me esclareceu:
― Ele nunca viu as duas figuras paternas trabalhando juntas.
― Não...
Seria isso? Téo tinha dificuldade de lidar com essa parte do
casamento por não ter tido exemplo quando menor?
― Mas... Posso dizer o que eu acho, Sofia? ― Simoni perguntou,
dizendo o meu nome como se tivéssemos nos apresentado há muito tempo.
Gostei disso, porque me senti mais confortável para balançar a cabeça e
confiar nela: ― Não acho que esse é o maior medo do seu marido. Digo, a
questão de não querer dividir os problemas.
Franzi o cenho: não esperava por isso. Para mim, esse era o
principal problema, fora o fato de que ele odiava ser robô de organizar
papel.
― Ele disse uma coisa muito interessante lá no salão ― ela
continuou quando me aproximei para ouvi-la melhor. ― Eu já fiz terapia
com muitos casais, já conheci homens com diferentes masculinidades, mas
nunca tinha ouvido um homem falar da esposa como o Téo falou de você. ―
Ela sorriu breve antes de falar: ― Ele disse: ela é tantas coisas que quase
não cabe num dia. E ainda enumerou tudo o que você é como se estivesse
ali, na ponta da língua...!
Abri um sorriso de volta, dessa vez porque pensei:
― Ele sempre tem as palavras na ponta da língua. ― Meio que
revirei os olhos e ri com ela, que até bateu palmas duas vezes.
― Homens, em geral, não tem esse costume... quando se trata de
dizer as coisas do peito ― ela disse e voltou à posição em que estava antes.
Olhou-me de canto: ― Se ele tivesse mais paciência, acho que conseguiria
dizer até mais sobre você... Ela é tantas coisas que quase não cabe num
dia... ― repetiu como se repetisse um bom pensamento filosófico.
Na hora, não notei que Téo disse isso durante o pequeno bate-bola
que fez com ela. Fiquei tão presa ao fato de que ele estava contrariando a
proposta da noite sem sexo que deixei passar tudo o que disse sobre mim...
A doutora Simoni ficou algum tempo pensativa, olhando para a
natureza que nos rodeava. Parecia com sessenta e cinco de novo, com aquele
ar de estou tentando agarrar o sentido da coisa. Tentei fazer o mesmo,
aproveitando o silêncio para pensar sobre tudo o que eu e Téo dissemos um
ao outro.
Quando que te quis mulher submissa, hãm?!, ele me perguntou,
chateado e irritado porque eu falei sobre ele me tratar como uma mulher de
outro século. Sempre te apoiei a ter a sua vida, a fazer o que você quer, a
ser o que tem vontade...!
Mas... se Téo me achava tudo o que disse para Simoni e se não me
queria submissa, por que me deixou no escuro por semanas? Por que chegou
em casa nos últimos dias e se demorou para me olhar de volta quando eu o
olhava? Por que só dizia que estava cansado e não falava comigo sobre os
problemas, para dividirmos pesos como iguais que éramos? Por que me
deixou na cama e se trancou no banheiro sozinho, tentando dar jeito na
ereção? A exaustão, a enxaqueca e o incidente eram resultado da pressão de
não pertencer a um lugar que se obrigava a estar.
Mas por que aceitar na solidão sem ao menos recorrer a mim?
Simoni, quando eu menos esperava, colocou a mão nas minhas costas
e me consolou como fiz com ela. Em seguida, me disse:
― Ele não pensa que você é uma mulher fraca, Sofia... Ao contrário
disso, por tudo o que disse, ele ama todas as suas facetas, te admira e te acha
um verdadeiro modelo... ― Simoni botou a folhinha que segurava na minha
perna, entregando-me um caminho no limbo com várias ramificações.
“O que o Téo tem medo é de ser um homem fraco pra você.”
Capítulo 6
TÉO

Nunca me senti tão otário em toda a vida. E olhe que eu já fui otário
um bom par de vezes, mas agora, agora...
Puta que pariu.
Eu não tinha ideia de onde estava. Sabia que estava longe da BR,
mas não tinha ideia de onde a pousada ficava mais. Antigamente, eu poderia
dirigir o tempo que for, com o quer que martelasse na cabeça, eu me
lembrava dos caminhos por onde passava. Não precisava de porra de GPS,
mapa, instrução... Eu comandava o volante o tempo todo, tinha instinto pra
isso. Ainda mais em São Paulo, onde aprendi a dirigir na teimosia, rodando
carro de 67 pra cruzar asfalto ou só pedraria, eu estava acostumado a pegar
estrada e ter senso de direção para ir e voltar. Meu cérebro funcionava
melhor com o motor ligado...
Mas agora, depois de anos, eu era só um otário num fim de mundo.
Parado no meio de uma estrada que não passava carro algum há uns dez
minutos, estava em dúvida se pegava à direita ou à esquerda, caminho
rodeado de plantação ou de campo... Faz menos de duas horas que saí,
como posso ter me esquecido desse caralho?!
Não era novidade que meu cérebro não funcionasse mais, nem
mesmo com influência de motor. Ele já não estava dando conta de mim há um
bom tempo, e isso me fazia sentir pior que um otário...
Me fazia sentir louco ― e não de um jeito bom.
Eu sempre dei conta de mim, sempre. Lembro que até de moleque eu
sabia o que queria fazer de mim, mesmo que fossem coisas erradas. Eu
tomava decisões e, ainda que houvesse consequências, estava pronto para
dizer a minha mãe: fiz, fiz mesmo, porque me deu na telha. Eu conhecia qual
era a minha telha, a minha mãe também, por isso me dava os piores castigos,
como me botar em cima dum tronco de árvore e me deixar gritando até todos
os vizinhos saírem. E ela estava pouco se fodendo para o que os outros
achavam, me olhava lá de baixo com o rosto duro e rebatia: tudo o que você
faz pode afetar os outros. Aprende a se desculpar, moleque!
Maysa me ensinou a pedir desculpas... Ela provavelmente diria isso
aos outros hoje, se me visse sendo mal-educado. Ela se desculpava o tempo
todo por minha causa: me desculpe se ele te responde, me desculpe se ele
entrou onde não devia, me desculpe se ele está tirando sarro, me desculpe
se ele veio à igreja sem blusa...
Então, nos seus últimos dias, pedia desculpas pra mim. Por morrer.
Por me deixar fazendo o que me desse na telha.
Esse era o meu problema, agora? Não pedir desculpas? No começo
do namoro, Sofia me disse que pedir desculpas tinha a ver não só com os
outros, mas com a gente, porque nós também precisamos nos retratar
conosco...
Eu precisava me retratar comigo mesmo? Caralho, que importância
tinha se as minhas decisões de merda se voltassem para mim quando havia
Sofia, o que eu a fiz passar?! Como eu poderia ser mais importante que a
minha mulher?! E ainda tinha a nossa filha, porra... Como a minha mãe, eu
nunca me importei com o que pensavam de mim, mas com o que Maysa
pensaria quando tivesse idade... Ela tinha que entender por que me chamava
de pai... Ela tinha que entender o peso dessa palavra...
Encostei a cabeça no banco e tentei usar o resto de produção que o
meu cérebro conseguia dar conta.
Primeiro, eu tinha que voltar à pousada. Disse a Sofia que precisava
dar uma volta, botar a cabeça no lugar, mas não adiantou porra nenhuma, e,
pensando bem, eu sempre acabo me fodendo nisso de pegar o carro e me
meter na estrada. Quando descobri sobre a gravidez de Maysa, não me
esqueci do caminho para voltar ao residencial, mas peguei um puta
engarrafamento, o que quase me fez perder a cabeça por não chegar logo
para a minha mulher no último dia do ano. E, por mais que Sofia esteja
chateada comigo agora, sei que ela pilha mais ainda quando não sabe aonde
eu vou.
Ela está errada: não vai para o lugar menos ardido do inferno. Sofia
vai para o céu... se houver um. E não é nem por ser mãe.
É por me aturar.
Liguei o carro e dirigi um pouco até conseguir ver sinal no celular,
talvez estivesse bem perto da pousada sem saber, mas teria que usar o GPS...
E odeio essa porra. O que estava nos bancos de trás, estragado, só comprei
porque Sofia precisa, mas eu não, nunca precisei, nem mesmo em Porto
Alegre...
O 4G funcionou, estava uma merda, mas funcionou. Eu tinha acabado
de colocar o destino quando o GPS ficou em segundo plano para a ligação
que eu estava recebendo. Num primeiro momento, quando o aparelho vibrou,
imaginei que fosse Sofia, mesmo sabendo que ela não era de correr atrás
nessas situações...
E eu estava certo, porque quem me ligava era o meu pai.
Mantive o carro desligado e o celular no suporte. Coloquei no vivo a
voz antes de atender:
― Oi.
― Oi, Téo ― a voz do velho Ferrero saiu meio fraca por conta do
sinal, mas eu conseguia escutar no silêncio de fim de mundo. ― Como vai?
― Bem... E aí?
― Tudo bem... Estou ligando pra saber da sua irmã. Ela disse que
ligaria mais tarde pra mãe dela, depois de ter chegado aí, mas até agora
nada... Você está com ela? ― ele usava um tom calmo, mas escutei-o bufar,
de saco cheio, quando alguém trocou palavras com ele, provavelmente a
Angélica querendo saber da Duda.
― Não. Eu não tô em São Paulo... ― respondi, pensando que talvez
fosse melhor voltar para casa hoje mesmo. Eu e Sofia tínhamos discutido
pesado, não havia mais clima para ficar depois da nossa última conversa...
― Mas falei com a Duda mais cedo, e ela foi ao parque com a tia e a Maysa
― retomei. ― Se não estão lá ainda, devem estar comendo ou sei lá... Você
sabe como a tua filha é, Augusto, não gosta de ficar dando sinal de vida toda
hora.
Não acho que Angélica seja uma mãe ruim, mas, porra, nunca vi uma
mulher ficar ligando e mandando mensagem pras filhas como ela faz. Nem a
Luciana enchia o saco da Sofia em Porto Alegre assim. Duda é adolescente,
tudo bem, mas tá com a tia Rose e não vai viajar pra ficar no telefone com
mãe.
O meu pai deu a resposta para Angélica, que disse mais algo que não
escutei. Em seguida, a voz dela se distanciou. Provavelmente o saco do
Ferrero já tinha dado.
― A Duda é difícil, também. Se não vai ligar, por que diz que vai?
Esses filhos adolescentes... ― ele comentou, dando uma curta risada no
final. Sabia que estava me incluindo ali, principalmente eu. Duda e Roberta
não davam metade do trabalho que eu dei no meu tempo. ― Mas ela não
disse que você não estava em São Paulo... Viajou pra Arthur Nogueira
ou...? ― ele pigarreou um pouco. Até hoje tem algum receio de me perguntar
as coisas, justamente por causa da minha adolescência.
― Não, não... ― Pigarreei também. Se o velho Ferrero tem
problema para me perguntar, eu também tenho para responder. Uma coisa
que eu não fazia com a idade da Roberta e Duda era dar satisfação ou até
mesmo responder com complemento. Respondia sim ou não, quando estava
com vontade. ― Tô numa pousada com a Sofia. Ela quis tirar um fim de
semana pra gente fazer uma Lua de Mel ― dei complemento e abaixei a
cabeça. Nossa noite de núpcias, com Maysa acordada e cobrando leite, tinha
sido bem melhor que isso. Pelo menos naquele dia eu ainda dava conta de
ser um marido...
― Ah... ― o Ferrero soltou e depois ficou meio quieto, o jeito de
não saber como continuar conversa. ― Tô atrapalhando, então... Pede
perdão pra Sofia...
― Eu não tô com ela ― não sei por que soltei isso. Até levantei a
cabeça, como se tivesse acordado num pulo, e vi meu cenho enrugado no
retrovisor.
― Não...? ― o meu pai perguntou num tom de quem quer saber mais.
Porra.
Por que eu não disse que ia desligar para conseguir voltar logo?
― Tô na estrada. Ela ficou na pousada ― fui curto.
― Brigaram? ― ele prosseguiu, agora tossindo.
Eu não sabia como responder, já que comecei falando merda que não
devia. Fazia tempo desde que fui o adolescente que mandava na cara do meu
pai que era ele quem devia ter morrido ao invés da minha mãe, que testou a
sua paciência até que me tirasse da sua casa, que evitou suas ligações
durante três anos em São Paulo... Eu superei essa revolta desde o fim do
colegial. Mas isso não queria dizer que fôssemos pai e filho tão próximos, a
ponto de eu desabafar por causa de briga com mulher. Já tinha feito isso uma
vez, quando Sofia sumiu para a excursão em Manaus, mas aquilo foi um
extremo...
― Foi só uma discussão ― respondi. Não sabia como continuar, nem
porque era o meu pai no telefone, mas porque eu... ainda estava com uma
vergonha da porra, e era um sentimento tão filho da puta que, além de fazer
meu rosto queimar, secava a garganta por completo. Parecia que, finalmente,
os meus anos passados de vício no cigarro estavam fazendo efeito e me
dando um maldito câncer.
Ele não me disse nada por um tempo. O silêncio da ligação se
estendeu, porém tínhamos nos acostumado tanto com essas pausas que nem
constrangia.
― Bom ― o Ferrero retomou num tom de voz estranho... ou talvez
fosse a ligação ―, você deveria voltar, sabe... o quanto antes. Não vai
querer tornar a discussão maior do que já é ― ele sugeriu com cautela.
De novo, eu não soube o que dizer, como um moleque que fez uma
merda grande e, na frente de uma autoridade, não tem coragem de falar. O
que era muito irônico, porque, antigamente, eu estava me fodendo pra
qualquer autoridade e não tinha medo de dizer nada. Agora, além de tudo, me
tornei um covarde. Aliás, foi por isso que Sofia chorou, não foi? Porque ela
me viu admitir que eu estava num trabalho que me consumia até não sobrar
nada de positivo em mim e, mesmo assim, mantive o bico calado e aceitei.
Abriu mão de você mesmo e foda-se...?
Esfreguei o rosto com as mãos, exausto de voltar pro mesmo
caminho, como andava fazendo há meses. O trabalho me deixava tão
ignorante que até mesmo pensar sobre sair dele me deixava confuso, como se
essa parte da minha vida tivesse se tornado a porra de um labirinto sem
saída. E eu não podia ficar parado dentro... porque quem me colocou ali fui
eu mesmo.
― É, vou voltar... ― disse a ele.
― É melhor ― o meu pai confirmou.
Quando o silêncio voltou, eu soube que ele estava prestes a desligar.
Se tudo estivesse normal, ele ainda me perguntaria de Maysa, nesse caso,
sem receio algum, e eu responderia de volta tudo sobre a minha filha,
sorrindo que nem um idiota por tê-la colocado no mundo. Assim era mais
fácil ser filho de verdade dele, porque sentíamos o mesmo orgulho ― ele
sendo avô, eu sendo pai.
Contudo, quando ouvi o velho Ferrero suspirar do outro lado da
linha, eu me vi querendo que ele não desse adeus. Não sei o que me deu,
mas, antes que eu pudesse dar conta, num impulso, soltei uma pergunta que
nunca tinha feito pra ele nem pra ninguém:
― Você é feliz fazendo o que faz no trabalho?
Puta que...
Apertei os lábios e senti a careta que fiz provocar várias rugas...
O velho ia me achar maluco, porra.
Que tipo de pergunta era essa? Você é feliz fazendo o que faz no
trabalho... Minha cabeça tinha se tornado um livro de autoajuda agora?!
Depois de anos, tudo o que minha mãe lia de reflexão motivacional estava
ressuscitando...?!
O Ferrero pareceu não entender também, porque demorou a
responder. Quando falou, foi com uma risadinha confusa:
― Feliz, ‘feliz’? ― perguntou. Passei a língua nos lábios secos,
porque não sabia responder a essa pergunta. Ele estava aqui perguntando
conceito de felicidade, e eu não tinha conceito pra isso. Sabia o que me
deixava feliz, mas... Por que tô pensando nisso, caralho? ― Hum... Eu faço
o meu trabalho desde que me conheço por homem, Téo. Nunca fiz outra
coisa e, com o tempo, nos cargos que ocupava na empresa, eu ia me
sentindo mais confortável ― ele retomou quando percebeu que eu fiquei
constrangido. ― Se você quer dizer feliz no sentido de me fazer sentir
ótimo, eu... Não. Me sinto ótimo na hora do lazer, quando posso descansar
e tomar decisões só na minha vida. Não vinculo tanto trabalho com
felicidade, mesmo que hoje me reconheça nele ― explicou.
Entendi o que ele disse, só que não me encontrei ali, nem mesmo na
parte de me reconhecer fazendo o que faço...
Eu só analiso projetos de obras públicas. Sento numa mesa e repasso
os olhos em arquivo e documentação o dia todo, depois faço relatórios
físicos e financeiros pra pagar quem presta os serviços. Não consigo nem me
lembrar da última vez que estive perto de máquinas, para controlar um
processo, elaborar plano de manutenção ou até mesmo fazer uma perícia
técnica...
― Certo ― falei.
O velho Ferrero ficou em silêncio de novo, o que eu achei melhor do
que ouvir perguntas conclusivas. Aí esperei que ele desligasse dizendo que
precisava voltar para Angélica ― os dois estavam viajando só os dois
também, não foi o que Duda falou? ― e desejando que eu me acertasse com
a minha mulher.
Porém, depois que eu me calei também, Augusto pareceu limpar a
garganta. Em seguida, decidiu usar outro tom de voz comigo:
― Mas... Isso sou eu ― o meu pai completou, mais grave, ainda que
soasse... Não sei, meio sentimental? Só parecia prestes a falar de algo... ―
Sua mãe pensava diferente.
Importante.
Fiquei acelerado quando ele a mencionou. Olhei bem para o celular,
o escrito pai ali, e me vi pegando o aparelho em mãos, como se mudasse
alguma porra estar com ele mais próximo.
― É? ― perguntei, e perguntei para ele continuar. É raro o Ferrero
falar da minha mãe; a última vez foi para dizer que, enquanto Maysa, minha
filha, gostava de tubarão, Maysa, minha mãe, gostava de tartarugas. Disse
que ela vivia desenhando o animal em guardanapos... o que eu estranhei
porque, perto de mim, nunca a vi desenhando... Às vezes cantava uma música
de carnaval dizendo que a tartaruga deu um baile, mas do jeito que não
decorava uma música certo, ela podia estar trocando palavras...
Fiquei esperando que ele continuasse, principalmente porque parecia
estar longe da Angélica pra isso:
― Claro. Ela era apaixonada por máquinas. Qualquer tipo,
carregava ferramenta até nas folgas... ― O meu pai riu. Foi a primeira vez
que o ouvi rindo por causa dela. ― Quando eu a conheci, ela trabalhava
numa oficina, e... era trabalho pesado, ela vivia com queimadura de solda,
pegando peso e batendo boca com cliente. Mas também saía do trabalho
sorrindo, todo dia, com ou sem machucado ― ele contou algo que eu já
sabia, sobre ela ter trabalhado em oficina de carro, mas... foi diferente ouvir
nas suas palavras. Era como se víssemos a mesma Maysa agora. ― Ela
nunca achou bom que eu trabalhasse na empresa. Me aconselhava a sair
de lá e fazer uma faculdade que era mais parecida comigo... No tempo,
dizia que eu me daria bem na área da saúde.
Levantei as sobrancelhas.
Aí estava uma Maysa que eu não conheci: a que conheceu Augusto.
― Você não pensou sobre fazer o curso...? ― Como ele estava
falando bastante, me senti mais disposto a perguntar.
― Pensei. Eu deixei a empresa por um tempo... mas, nesse período,
não trabalhei na saúde. Tinha planos pra depois... ― respondeu, soando
bem... até que acrescentou: ― Só que depois voltei pra empresa.
Eu não sabia o que significava os seus depois, mas devia ser algo
muito particular, porque o velho Ferrero foi tão curto quanto eu para
responder. Por mais curioso que eu ficasse, a história dele e da minha mãe
era coisa muito antiga, e eu não queria que ele a desenterrasse só por mim
mais uma vez.
― Você acha que fez o certo, voltando? ― perguntei.
― Eu não sei te dizer ― ele foi sincero.
Deixei o celular no colo e apoiei os antebraços no volante,
abaixando a cabeça. Fiquei olhando para pai escrito na tela e acabei
pensando na minha filha...
Um dia eu estaria no celular assim com ela, também. Desconfiava
que Maysa tinha pegado o gene Ferrero de ser fechado e talvez fosse tão
difícil se abrir comigo como era difícil para mim agora...
― Sofia acha que... ― franzi o cenho ― eu não sou feliz na
prefeitura ― soltei de uma vez.
Pensei que o velho fosse demorar a responder, como estávamos
fazendo desde que eu entrei no assunto, mas ele logo perguntou:
― E é verdade?
― Eu estudei pra poder fazer o que faço.
― E você consegue fazer o que faz, sem problemas?
Respirei fundo. Aí estava o que Sofia veio jogar na minha cara:
fazendo o que faço, eu estava me tornando um marido de merda nas últimas
semanas. E não, ela não estava errada... pelo menos não completamente
errada quando disse que eu a tratava só como mãe da minha prole e minha
puta pra extravasar...
A vergonha queimou a minha garganta de novo, eu podia jurar que, se
abrisse a boca, soltaria fumaça.
Eu... Eu não me vi tratando a minha mulher assim nesses dias, quero
dizer... Eu estava alienado por causa da quantidade de trabalho, mas... Porra!
Não queria ter tratado Sofia do jeito que ela cuspiu durante a discussão...!
Não queria que ela tivesse se sentido tão diminuída, justo ela, caralho, que
não era mulher de viver de migalha...
O que eu faço...? O que dá pra eu fazer... pai?
― Não posso sair de lá ― disse a ele, a única coisa que eu sabia,
mesmo que a cabeça começasse a latejar por isso. Mas não era de queimar
neurônio por causa dessa discussão. Era água entrando em combustão que
não tinha mais como conter...
― Por que não? ― ele perguntou rápido de novo.
E não consegui conter porra nenhuma mesmo. Nem com a força das
engrenagens...
No segundo seguinte, água encheu os olhos. Água fervendo. E eu me
vi soltá-la por estar queimando as minhas córneas, torrando as pálpebras e
fazendo tudo dentro de mim parar de vez.
― Porque... ― franzi os lábios e tentei passar por cima do câncer na
garganta para terminar ― foi a minha decisão, caralho ― disse em voz alta.
― Téo... ― meu pai começou a falar quando eu tive que engolir
aquele tipo de doença ilusória.
Mas eu engoli, engoli o bastante para cortá-lo e dizer a única maldita
coisa que sabia agora:
― Foi uma decisão que eu tomei sozinho. Eu, só ― falei, sentindo o
gosto salgado na boca de uma porção de água que eu não quis derramar na
frente da Sofia. Meu rosto já estava molhado, e eu não me importei de limpar
a este ponto... Continuei: ― Quando o concurso saiu, me inscrevi antes de
falar com ela. Eu decidi passar e me matei de estudar, e ela só me assistiu
mudar a nossa vida de cidade. De novo. ― Cerrei os dentes.
De sentir vergonha, senti raiva de mim. Fiquei tão puto quando soltei
o que soltei em voz alta que eu vi que merecia estar perdido num fim de
mundo como este, porque eu era um filho da puta orgulhoso que vivia
cantando que tomava as decisões certas, que fazia planos de fibra quando na
verdade...
Eu era a porra de um homem quadrado: enxergava só do meu jeito,
fazia as coisas só do meu jeito e metia os outros na vida só do meu jeito. E,
se Sofia não era mulher de receber migalha de afeto, quem dirá viver presa
entre quatro paredes...
Ela não merecia isso... Eu não a merecia.
― Téo ― meu pai retomou de novo, a voz tensa ―, quando vocês
moravam em Porto Alegre, a Sofia sempre falou que seria bom voltar pra
São Paulo...
― Foda-se o que dizia... ― eu disse a ele e a mim mesmo. Engoli
mais do gosto salgado. Estava chorando a porra dum mundo neste carro,
nesta estrada. ― Eu não perguntei o que ela queria! A gente não teve aquela
conversa de vamos voltar?, eu passei no concurso e tirei ela de Porto
Alegre, assim como tirei de São Paulo...
― Ô, filho, foi a decisão dela ir embora com você... ― agora ele
parecia desesperado. Será que estava tão claro na minha voz que eu estava
acabado?
Eu estava? Acabado...?
Ergui o rosto, evitando me olhar no para-brisa, e parei os olhos no
conjunto de árvores magras na minha frente. Pensei em Sofia na pousada,
sozinha, em volta de um monte de casal num fim de semana. Pensei com
força nela e nas coisas que a faziam ser quem era... Tudo o que eu disse para
aquela terapeuta... Tudo o que faltava dizer...
Por que eu fiz isso com você, linda? Por que eu te tirei de Porto
Alegre pra te esgotar com a minha carreira? Por que não deixei você fazer
um plano, pelo menos dessa vez...?
― Foi, mas... ela se ajustou por minha causa, porque eu fui primeiro
― falei com menos raiva, porém a minha garganta estava contaminada
demais: ― A Sofia tá sempre se ajustando às coisas, desde que eu a
conheço. Ela faz essa tipo de merda pela família... Sempre foi assim. Dá o
sangue por quem ama. ― Balancei a cabeça, pensando no seu rosto, nas
suas lágrimas... Ela parecia tão machucada por mim que, se eu fizesse
esforço, poderia ver sangue saindo dos olhos... Passei a língua nos lábios
para continuar a falar: ― E há dois anos se ajustou em São Paulo por uma
decisão minha... Pra eu terminar o dia doente por causa de trabalho. ―
Abaixei a cabeça de novo, e as lágrimas caíram na tela do celular.
O meu pai ficou em silêncio por um tempo, como se estivesse
absorvendo o que eu disse. Ele devia estar fazendo a matemática na cabeça
para chegar ao resultado de que o seu filho mais velho era um moleque e não
um homem como fazia pintar em todas as visitas ao Rio.
― A sua tia me falou mesmo da enxaqueca... ― ele sussurrou mais
para si que para mim. ― Merda... ― ainda xingou baixo.
Acredite, velho, a enxaqueca não foi o pior...
― Não posso sair da prefeitura ― disse de novo, negando com a
cabeça. ― Também não tem só a ver com a consequência da minha decisão,
tem a Maysa. ― Esfreguei o rosto, tentando ficar um pouco mais são com a
vista clareada. ― Como eu vou deixar um cargo concursado tendo uma
família pra cuidar? Isso é segurança pro futuro delas... Essa
responsabilidade é minha, porra.
Sofia estava certa: eu preferia abrir mão de mim. Que eu me fodesse.
O trabalho era uma consequência do que eu quis, mas a vantagem era que ele
garantia muita coisa a ela e a Maysa. E eu não abriria mão disso, não tinha
como.
Cacete... Eu escuto a minha mulher contar sobre gente marginalizada
que ela ajuda nas comunidades precárias ou indígenas. Eu a escuto se
sensibilizar com relatos de miséria e ficar horas olhando para uma única foto
que tirou de crianças sem oportunidade...
A vida que a gente tem, o emprego que eu tenho, tá dentro de uma
pequena porcentagem de privilegiados do país. Quando a Maysa crescer, vai
aprender com a mãe a valorizar o que tem, porque não é pouco, porque vou
dar tudo o que puder pra ela.
Você me entende... Não entende, Augusto?
Pensei que, nesse ponto, o meu pai fosse ponderar o que eu disse.
Porque ele também é homem com filhos pra criar e sabe que isso exige
posicionamento. Contudo, depois de levar tempo no silêncio, o tom de voz
tranquilo e grave quis pesar no meu peito, como deveria estar pesando no
dele:
― Sabe qual é a maior segurança que você pode dar pra sua
família, Téo? ― perguntou, e eu deixei que respondesse: ― Você.
Não me vem com uma frase autoajuda agora... Sequei a porrada de
lágrimas de uma vez e balancei a cabeça:
― Augusto...
― Se você ficar doente ― ele me cortou como fiz antes ―, não tem
finança que compense. Olha pra mim, filho. Olha pra mim...! ― repetiu
para que eu não o cortasse de novo. ― Quando você era criança, eu... era
doente da cabeça e não soube como ser seu pai. Não sabia te conhecer
quando você se mudou pra cá. Te enfiei em um monte de aula particular
porque não sabia como lidar com você...
“Olha pra mim.”
Senti rosto tencionar e os olhos inchados se arregalarem um pouco.
Não, não era uma novidade que, no passado, ele tivesse me enchido
de compromissos pra não ter um comigo. Por isso eu ficava mais revoltado
com ele, porque nem depois que a minha mãe morreu, Augusto foi presente...
Só que... me surpreendeu o peso de consciência e, principalmente, a
comparação entre nós. Isso até me assustou, para ser honesto.
― Eu não facilitei também ― tentei dizer.
― Sua mãe morreu. Você só me via de ano em ano. Eu era um
estranho pra você ― ele disse taxativo, meio nervoso até. ― Não tinha
como uma criança aceitar isso de uma hora pra outra...
Fiquei quieto. Se fosse antes, diria algo irônico como: que puta
conclusão, heim! Mas agora... não tinha mais o que dizer sobre nós.
Aconteceu. Merdas acontecem com todo mundo.
A ligação estava baixa, só que ele respirava tão alto que eu escutava
as exaladas de ar ao continuar:
― Os meus problemas não tinham só a ver com trabalho, mas eu
não conseguia me relacionar com você... Na verdade, com ninguém da
família. Não conseguia falar nem com a Angélica, nem com a sua tia...
Perdi muito de ser marido, irmão e seu pai por isso.
“Eu sei que é difícil tomar esse tipo de decisão, filho, você tem
prioridades mais importantes agora e não quer abrir mão de uma
conquista que até então era uma das suas maiores, e porque gira em torno
da sua esposa também... Eu entendo.”
“Nunca foi fácil pra mim também, me mostrar fraco,
principalmente pra família... Mas, se a Sofia está te cobrando, é porque
isso já chegou a um nível que afeta. Entende o que eu quero dizer? Sei que
você a ama, não tenho dúvidas de que ela ocupa um dos primeiros lugares
na sua vida... Eu vi isso desde aquela formatura.”
“Só que precisa lembrar que você também é prioridade dela. Ela
também ajudou a construir um namoro e agora um casamento. Você não
fez tudo sozinho, filho.”
Eu nunca escutei o meu pai dizer algo tão imparável quanto o que
disse. Talvez quando me contou sobre a fuga da minha mãe, mas... ele não
tentou com tantas forças me aconselhar, como fazia agora, com sinceridade e
até meio emotivo, ou bastante... Não sei dizer até onde Augusto consegue
chegar, sendo que sou limitado também. Sou tão limitado que nem com a
Sofia consegui falar, e ela é única pessoa que mais me enxerga nesse
mundo...
Por que eu não falei com você? Você sempre me fez esquecer de
qualquer vergonha... Por que não consegui te enxergar agora?
Eu queria ter algo mais elaborado para dizer a Sofia quando voltasse
à pousada. Eu sempre consigo dizer, encontrar uma resposta que a faça se
sentir segura diante dos nossos problemas, mas, agora... Não tinha porra
nenhuma...
Acho... Acho que precisava dela para isso, para encontrar o que
dizer, uma resposta de segurança. Meu pai estava certo: não fiz a gente
sozinho. Ela também se dedicou, se entregou e se deixou suportar por muita
coisa... Claro que fez isso, o que a minha mulher não consegue fazer?
― Você acha que eu tenho que escutar...? ― perguntei ao meu pai, e
ele esperou que dissesse mais. ― Escutar a Sofia e... sair da prefeitura?
― Você não está feliz, ela não está feliz... É matemática, Téo ― ele
falou, e eu me vi mexendo a cabeça... Nunca pensei que isso fosse acontecer
com tanta intensidade. O velho é cabeça-dura e fez um filho assim também.
― Só volte pra pousada e converse com ela, mesmo que não decidam nada
agora. Vocês vão dar um jeito ― assegurou de uma maneira que não me
deixou duvidar. ― Só... não se torne um estranho pra ela e depois perca
Maysa também ― a consciência pesou de novo nas suas palavras.
Botei o celular no suporte novamente e me deixei olhar no retrovisor:
o rosto todo fodido de choro. Eu parecia o moleque lá de cima da árvore,
com raiva da minha mãe por me colocar num lugar tão alto, gritando para me
descer, enquanto ela cobrava as minhas desculpas por ter crescido pra cima
dela.
Nós pedimos desculpas pros outros, e pra nós mesmos, por termos
errado...
Esfreguei o rosto mais uma vez e expirei forte, tentando lidar com o
inchaço.
Só vou conseguir fazer isso se você estiver do meu lado, linda. Não
vou conseguir me desculpar tão fácil, como você faz comigo...
Olhei para a ligação, pronto para voltar, pronto para dar uma chance
ao conselho do meu pai, que agora me parecia o conselho mais claro que já
recebi de qualquer pessoa. Porém, antes de desligar e voltar para onde não
devia ter saído, quis confortar o velho de alguma maneira também, já que ele
ainda respirava pesado.
― Ela se lembrou de você essa semana ― soltei de uma vez.
Ele demorou a entender. Mas quando pensou entender, quis se
certificar:
― A Maysa?
― É... ― Abri a janela do carro e deixei o vento aliviar o calor...
Acho que os campos vêm antes da pousada... ― Tem um vídeo com uma
música de tubarão e... tem uma parte que fala do vô tubarão. Ela disse vovô e
apontou pra mim, pra eu confirmar ― contei, meio sem jeito, até porque eu
sorri ao me lembrar da terrorista.
Aquela música era insuportável. E o que me deixava mais puto era
que quem se saía bem cantando pra ela era o puto do Biz.
Ele fazia a dancinha das crianças do vídeo, mexendo as mãos e o
corpo como se tivesse cinco anos, então Maysa não podia vê-lo que já
cantava doo-doo-doo-doo...
O filho de uma curitibana tinha conquistado a minha filha na lábia, e
agora ela o cumprimentava até com beijo na boca, porra.
Eu teria que dar um jeito de entrar na onda desse “Baby Shark” uma
hora ou outra.
― Como sabe que ela estava falando de mim e não do pai da
Sofia? ― meu pai perguntou, mais animado com a notícia de agora.
Caralho, eu não devia ter aberto o bico... Agora vou ter que
explicar.
― Porque depois ela veio no meu colo e deitou quietinha, só me
olhando de canto... ― eu disse, passando a língua nos lábios e encarei o
visor com pai ainda na ligação: ― Ela gosta de ficar assim com você.
Tudo ficou em silêncio de novo, um bom silêncio, para ser honesto.
Tinha a impressão de que, enquanto eu sorria daqui, o velho Ferrero sorria
de lá... Dois imbecis da porra com saudade de uma pessoa que ainda tá
aprendendo a falar palavrão.
Sofia engravidando de novo, seja de menino ou menina, eu tô
fodido. Vou ficar mais imbecil dos dois jeitos...
― É bom ouvir isso, filho ― foi o que meu pai suspirou e, depois de
mais um intervalo, me liberou para a estrada: ― Volta pra sua mulher, que
eu tenho que voltar pra minha.
Me despedi, sorrindo com as suas palavras, e liguei o carro de novo.
Escutei o barulho sutil do motor dar vida à máquina, o que foi bom, mas me
fez pensar no Impala, que era mais barulhento.
Fazia tempo que o carro estava parado, lá no fundo de casa. Depois
que o motor fundiu por causa da bomba de óleo, acabei me esquecendo,
mesmo não tendo coragem de me desfazer dele. Logo que aconteceu, eu e
Sofia estávamos no último ano em Porto Alegre e depois veio Maysa... O
Impala de truco ficou para trás.
Não precisei ligar o GPS de novo. A pousada ficava na estrada
rodeada de campos, eu me lembrei. Mesmo que não estivesse falando com a
minha mulher quando chegamos, eu a espiei pelo canto dos olhos enquanto
ela botava a cabeça para fora, a fim de ver a paisagem.
Vou voltar, amor. Vou voltar...
Porque sou louco por você, porra ― do nosso jeito.
Capítulo 7
TÉO

Encontrar um quarto vazio era a pior coisa que poderia me acontecer


agora. A mala aberta da maneira que ficou assim que eu e ela chegamos, as
toalhas que usamos jogadas, as cortinas da sacada balançando com a força
do vento e o resto do sol se estreitando, iluminando pouco um quarto em que
não havia mais Sofia.
Não que eu esperasse encontrá-la chorando ou algo do tipo. A nossa
discussão foi triste e intensa, mas Sofia não iria afundar a cabeça no
travesseiro num lugar como este e nem deveria: a pousada era a sua cara... A
nossa cara, para ser honesto. Eu gostava de um ambiente natural tanto quanto
ela, até porque nos conhecemos assim. Por isso ela quis nos trazer para um
fim de mundo: a gente gosta de lugares perdidos pra se perder um no outro.
O foda era que eu estava com... saudade. Tinha estado com ela há
poucas horas, só que, considerando que não estive com a minha mulher desse
jeito há semanas, eu estava com uma saudade da porra de olhar para o seu
rosto de traços grandes e delicados, de cheirar o seu perfume que nunca é
muito forte ou muito fraco e de sentir a textura da pele, a quantidade de
costelas que eu consigo contar com a ponta dos dedos até que ela solte uma
risada escandalosa a ponto de acordar todo o céu...
Por isso tive esperanças de encontrá-la no quarto, porque tinha que
compensar o marido de merda que fui durante dias e agora há pouco, quando
a deixei para me perder na estrada.
Onde você tá, amor? Preciso que você me veja...
Tive uma ideia, o que me fez sair de dentro do quarto para caminhar
até a sacada, onde a hidro ainda estava cheia de águas passadas. Ignorei a
lembrança dos olhos de Sofia cheios de lágrimas e fui até a beira da sacada,
tirando a cortina da frente para olhar o lago ali diante do quarto de hotel.
O sol já não iluminava tanto o céu, estava se pondo do outro lado,
então o lago já estava mais escurecido também. Por sorte, havia postes de
luz ao redor que rodeavam boa parte do lago, assim como bancos pequenos
para quem quisesse aproveitar uma vista tão particular num estado como
SP...
Mas o corpo que eu enxerguei não estava sentando num banco e sim
na beira do lago, como se aquilo só fizesse sentido se pudesse ser visto de
muito perto ou tocado, por isso o tronco dela parecia se inclinar para a
margem de hora em hora...
Não poderia ser outra pessoa. Outra pessoa não estaria ali agora,
dispensando qualquer serviço de pousada para se sentar na beira de um lago.
Só a minha mulher se misturaria ao ambiente natural até fazer parte
dele.
Sem pensar, abaixei a cortina e meti o pé do quarto. Eu estava tão
angustiado para vê-la logo que nem notei quando meus pés foram acelerando
o passo, a ponto de eu descer a escadaria correndo até ter acesso ao caminho
que dava para as trilhas e o lago. Trombei com um casal e dois empregados
do hotel no caminho, mas por sorte não passei por cima de ninguém como a
minha cabeça passava. Disse tantos “foi mal” que já me sentia no Tribos de
novo, atravessando uma multidão para chegar onde queria. A diferença era
que, dessa vez, não era até a bebida.
Era a minha mulher.
Finalmente deixei a ala do hotel e segui caminho para o lago por uma
passagem de pedraria, após descer mais uma escada. Fora do quarto parecia
mais escuro, mas os meus pés já haviam decorado como chegar até Sofia há
muito tempo. Foi assim quando voltei da estrada naquele último dia do ano,
quando eu a vi na praia com um vestido branco e o rosto de quem me recebe
não importa a circunstância. Eu nunca me importei com a recepção de
ninguém até a minha mulher aparecer com os seus vários tipos de sorrisos.
Já estava acostumado a receber sorrisos de garotas que iam ao Tribos e me
via orgulhoso por saber decifrá-los, mas... quando foram os de Sofia, eu me
via orgulhoso por ser a razão deles.
Estava aí algo que deixei de dizer àquela doutora em
relacionamentos: Sofia é a testemunha da minha vida. Ela é a pessoa que me
vê chegar de qualquer lugar e me abre um sorriso dizendo: eu sei de onde
você veio. E te amo por chegar até mim.
Porque eu sempre chego até ela. Em todos os planos, realizados ou
falhos, Sofia Müller sempre será o meu destino.
Eu só precisava que ela soubesse disso agora. Pensei que fosse
óbvio depois de todos esses anos juntos, mas as merdas que fiz ultimamente
só foderam comigo e com ela, e porra... A terapeuta lá estava certa, afinal,
sobre esse tal de não-dito, interpretação e validação do companheiro e o
caralho a quatro. Eu tinha que melhorar a minha comunicação para que Sofia
não ficasse pilhada ou se esquecesse da nossa loucura um pelo outro.
Fiquei meio nervoso quando me aproximei dela, longe da construção
da pousada e mais próximo daquele puta lago escuro, mas não parei em
momento algum até estar perto da minha mulher. Sofia logo percebeu que
alguém se aproximava e virou o rosto, enxergando-me por cima do ombro. A
luz sutil dos postes me mostrou a sua expressão aliviada por alguns segundos
até traços de nervosismo aparecerem, os mesmos que se instalaram no seu
rosto quando eu disse que precisava de um tempo sozinho.
Não que isso a tenha impedido de sorrir para mim...
Ela caí do céu e, mesmo assim, está sorrindo, caralho.
Sentei-me na beira do lago também, sem conseguir tirar os olhos
dela, que abaixou um pouco a cabeça e ainda ficou em silêncio. Estava certa
em não me dizer nada, porque o que tinha para dizer já havia dito: ela não
aceitava mais as minhas migalhas. E eu tinha que dizer que não aceitava mais
ser o imbecil em cima da mesa dando-as.
Não preparei nada para dizer como fiz quando soube que ela estava
grávida e isso me deixou meio nervoso logo que soltei a primeira coisa que
veio à cabeça:
― Eu me perdi na estrada. ― É, ótimo jeito de acalmar a minha
mulher depois de ter ficado horas fora.
Mas Sofia ergueu a cabeça para me olhar de volta, o que já foi
alguma coisa. Eu ainda via o receio nos seus olhos, iluminado pelos pontos
de luz artificial, só que a confusão logo ocupou todos os traços do rosto:
― De novo? ― foi o que ela perguntou, sem dó nem piedade. Senti o
ego (que ela diz ser enorme) ser atingido bem no coração da coisa: não sei
mais dirigir em estrada, porra?... Sofia percebeu que foi fundo no mesmo
momento, porque deu um sorriso amarelo e riu um pouquinho após avaliar a
minha expressão baixa: ― Desculpa...
― Não. ― Abri um sorriso amarelo também e gesticulei a cabeça
em negação. ― Eu mereci essa.
Levantei o rosto para olhá-la de novo e decidi que não desviaria
mais, mesmo que ela tenha olhado para o lago e dado um sorriso duvidoso.
Em seguida, ficou em silêncio como se também não soubesse muito bem o
que dizer a mim. A discussão tinha sido foda o suficiente para deixar nós
dois perdidos... Eu não me lembrava de ter passado por isso antes, pelo
menos não dessa maneira...
Respirei fundo e analisei as suas pernas cruzadas, o tronco meio
inclinado para frente e o cabelo grosso caindo em volta do rosto... Parecia
ter dezoito de novo. E eu, me sentia o cara que ainda queria entrar na cabeça
dela.
Mas, depois de um bom tempo em silêncio, Sofia me olhou de volta
com o rosto mais tensionado e o olhar firme, e eu vi muito além da garota da
excursão, assim como me senti muito menos moleque...
― Acho que foi um sinal ― eu comecei a dizer, com os olhos presos
nos dela. ― Os dias de bater boca e sair pra estrada acabaram pra mim.
Sofia me analisou, passando os olhos por todo o meu rosto antes de
perguntar na sua voz suave:
― Acha que tá ficando esquecido pra isso?
― Acho que tô ficando velho pra isso.
― Você não tem nem trinta, Téo ― ela interpretou errado. Devia
estar tão acostumada com esse meu “jeito” de meter o pé que deu nisso.
― Velho pra ser o marido que foge sozinho quando a coisa complica
― expliquei. Então Sofia levantou as sobrancelhas, surpresa com a minha
confissão. Isso fez com que eu sentisse o peso da merda se acumulando nas
costas de novo. ― Não te deixo mais pra trás... Prometo.
Eu senti o impulso de desviar o olhar, com a porra do pescoço
ardendo como se eu tivesse dado uma longa tragada num cigarro e engolido,
mas me forcei a olhá-la. Fiz o que me deu na telha, agora que venham as
consequências... Certo, Maysa?
Sofia abriu a boca lentamente e me olhou como se percebesse algo
diferente. Se ela não tivesse acompanhado o meu cabelo crescer nas últimas
semanas, eu podia jurar que estava notando agora a porra tão comprida a
ponto de ter que amarrar pra não me sentir um daqueles vira-latas peludos
que mal enxergam...
Onde caralhos eu estava com a cabeça que não consegui nem marcar
um horário pra passar a máquina? Puta que pariu...
O cabelo começou a me incomodar aí, então já meti mão para que o
maldito maço não me atrapalhasse de vê-la. Na hora, Sofia notou o meu
desconforto, porque, assim que passei os dedos nervosos, ela veio com os
seus carinhosos, aprofundando-os na cabeça e colocando os rebeldes atrás
das orelhas.
Atrás das orelhas, porra. Virei o quê agora? Almofadinha de
Instagram?!
Como no momento Sofia se virou para mim, para me encher de
carícias, deixei o cabelo de lado e me foquei nela, que poderia estar fodida
depois de tudo o que aconteceu, mas estava aqui, arrumando a minha
bagunça ao invés de me mandar pro caralho...
Puta merda: sempre me desarma no afeto, essa mulher. Nas menores
delicadezas, tem toda a minha atenção só pra ela.
Franzi um pouco o cenho, enquanto ela me encarava sem rancor, sem
raiva alguma... E não entendi como Sofia podia estar tão leve quando, há
poucas horas, me disse que se sentia a mais rebaixada das esposas e me
olhou como se quisesse chorar o sangue de quem não me aguenta mais...
Eu tinha gozado sozinho no banheiro. Naquela quarta, Sofia viu que
eu deixei a cama pra bater punheta e... Caralho, ela ainda segurou esse ácido
na garganta até hoje por minha causa, pra não acabar comigo, que fiz isso
com ela quando não queria saber de mulher pra amar, mal dando conta de
filha pra criar...
Não consigo lembrar o que fiz nessa última semana com a minha
família. Nem na passada, acho que nem no mês...
― Você devia me mandar pra puta que pariu ― soltei pra ela.
Sofia fez uma expressão surpresa de novo, mas, dessa vez, durou
pouco.
― Eu mandei ― ela respondeu, com um sorriso fraco. ― No
corredor. Depois que você fez cena com a doutora Simoni.
Porra...
Mas pode mandar mais. Eu mereço.
― Se você mandar agora, eu vou... de verdade.
Ela abaixou a cabeça de novo e tirou as mãos de mim, mordendo o
lábio inferior inteiro. Ainda estava sorrindo fraco, o que me deixava confuso
pra porra...
― Posso te contar uma coisa que estava pensando mais cedo? ― ela
perguntou subindo os olhos para mim de novo.
Que tipo de pergunta é essa?
― Manda ― no fundo, fiquei com um medo filho da puta de ela ter
pensado em me mandar pra longe mesmo, mas não tinha como meter o pé
agora.
― Pensei em como seria a minha vida nesse instante se eu ainda
fosse uma bailarina ― Sofia soltou de uma vez, algo que eu não esperava
ouvir, uma porque isso era passado, duas porque não importava. Mas ela
estava querendo falar mais pelo jeito que me olhava, e eu não tive outra
opção a não ser deixar: ― Estou quase com vinte e sete, então
provavelmente estaria em uma boa companhia, dependendo dos contatos.
Talvez, talvez, pegando um papel principal de vez em quando... Eu não sei
se ficaria tão boa, meu timing pra contagem era uma merda... ― Ela riu
sozinha, olhando pro lago. Fiquei quieto, apenas observando-a perder o
sorriso aos poucos: ― Eu viveria sozinha. Disso eu tenho certeza. Não
consigo me imaginar me encaixando em outro país, falando outra língua...
Acho que até português de Portugal não faria sentido pra mim... Mas não é só
por isso que eu não ia saber me relacionar com as pessoas. ― Sofia
balançou a cabeça e, depois de suspirar, soltando algumas lágrimas, disse:
― Eu não teria nem uma relação comigo... sabe? Ia viver pra companhia,
minha vida ia girar em torno de papéis de ballet, e eu seria... nada. Não seria
mulher, amiga, esposa, mãe, acho que nem filha da minha mãe... Talvez eu
terminasse ― ela abaixou o olhar ― louca. Louca de pedra.
― Porra, Sofia ― eu a repreendi depois de tudo o que ouvi no peso
fodido das suas palavras. Por que ela estava pensando nessa porra logo
agora? Fazia tanto tempo e aquele tempo, de ser bailarina, foi... Ela quase
sumiu. Pra que se lembrar...? ― Para com isso, amor. ― Comecei a limpar
as suas lágrimas, os dedos trêmulos, mesmo que eu não quisesse
demonstrar...
― Tá tudo bem ― Sofia me cortou e pegou nas minhas mãos antes
que eu continuasse a limpar as suas lágrimas. Ela sorriu em meio a tudo. ―
Como não podia estar? Olha pra minha vida hoje, Téo: eu sou e tenho tudo
que eu nunca imaginei que podia ter naquele tempo. ― Ela mesma limpou as
lágrimas, abrindo mais o sorriso. E me desarmou, de novo, na delicadeza do
carinho. ― Eu tenho uma vida que... porra... Me faz pensar que Deus ou
qualquer divindade me deu preferência na felicidade. Eu não tô sozinha
nunca, nem quando estou só comigo ― Sofia disse, sem vergonha de
expressar o próprio conceito de felicidade.
Sorri de volta, porque, porra, Müller, você não existe. Uma mulher
dessas que cai do céu pra minha vida? Por que eu não me lembro que você é
filha de Deus todos os dias?
Eu queria puxá-la para o meu colo, tomar o seu corpo todo nos meus
braços, mas ela ainda estava bem onde estava, inclinada de frente pra mim,
com as pernas cruzadas e os cabelos que, então, eu coloquei atrás das
orelhas. Deixei que falasse o que quisesse, já que eu não a escutei antes:
― Você estava lá, Téo ― ela me disse, agora com a voz mais
recomposta. Intercalou os olhos nos meus: ― Quando eu estava sozinha,
você chegou.
Balancei a cabeça. ― Uma hora ou outra você ia acordar. Nunca que
terminaria sendo bailarina de companhia...
― Talvez não. Mas eu amei acordar e ver o seu rosto mesmo assim.
Ela me deixou sem palavras.
Essa era a mulher que me recebeu no altar com a nossa filha nos
braços, que me fode até me fazer enxergar que eu quero ser fodido por ela...
― Ainda acho que você deveria me mandar pra puta que pariu.
Sofia negou. ― Você é a pessoa que eu mais admiro nesse mundo.
Acha que me interessei em você pelo quê? Pela fama de garoto problema?
Pelo Impala? Por que você fodia bem? Bom... também por isso ― ela falou
e riu, o que me fez rir junto, como fizemos mais cedo. ― Você sempre foi
dono de si, Téo ― Sofia disse, mais forte. ― Você não tinha nem vinte anos
e agia como se o mundo fosse feito de portas abertas. Pra qualquer coisa
você arranjava motivação e solução. Pra tudo você metia a cara com uma
coragem que eu não entendo de onde vem até hoje... Eu morria de medo de
viver, e você estava lá, jogando os seus planos, as suas convicções, as suas
loucuras na minha cara. Todo mundo que eu conhecia fazendo um esforço
danado pra se encontrar, até mesmo os adultos, e você com a sua maniazinha
irritante de avisar que já tinha desvendado tudo. Os outros eram
principiantes perto de você, mesmo que ninguém consiga ser cem por cento
calejado. Você se sentia calejado, e isso bastava.
Foi a minha vez de ficar surpreso, sem reação, até mesmo sem saber
o que pensar... Não que não me sentisse valorizado pela minha mulher, eu me
sentia, só que...
Caralho. Caralho.
Ela não estava chorando nem falando mais sobre uma vivência
alternativa, o que já me deixava mais tranquilo, mas não consegui respondê-
la ou agradecê-la. Fiquei apenas olhando enquanto Sofia apertava as minhas
mãos e dizia:
― Não acho que você foi a minha salvação ou meu Jesus Cristo. Isso
eu fiz por mim mesma no meu tempo, tanto é que fui embora sozinha pra
Manaus quando tudo chegou num extremo...
“Você não quis carregar nem a mim nem a minha cruz. Não quis
absolver nenhum pecado meu, porque nunca achou que tinha esse direito.
Você nunca nem me pediu pra ser modelo, pra pensar no próximo ou pra
fazer qualquer coisa que as pessoas cobram dos outros sem olhar pro
próprio umbigo. A única coisa que você fez foi me mostrar quem você era e
quais planos fazia com isso, em qualquer situação...”
“E foi por isso, por você não ser a porra de um modelo de perfeição
que me cobrava, que eu comecei a te amar a ponto de me reconhecer nos
seus planos também. Foi porque você não tinha medo de se deixar calejar,
mesmo que acabasse errando o cálculo... Você era, você é, a pessoa mais
humana que eu conheço. E... sabe como é difícil as pessoas serem humanas
hoje em dia...?”
“Por isso eu não vou, nunca, engolir que você continue voltando pra
casa como uma máquina... Porque eu me casei com um homem por quem eu
sou louca até o fim da rodovia. E o fim da rodovia é seu. Foda-se o resto.”
Dessa vez não pude aguentar: tive que agarrá-la. Sofia voltou a
chorar, e a melhor resposta que eu encontro para dar nessas horas está no
meu abraço. Então eu a puxei, marcado por tudo o que ouvi, e a apertei para
que ela sentisse o quanto eu estava agradecido. A minha garganta travou, mas
não foi porque havia vergonha presa ali, foi porque eu não conseguia
expressar como era um puta alívio saber que ela me enxergava assim... e que
me amava, apesar dos erros estúpidos, dos planos tortos e das últimas
perdas.
... você também é prioridade dela. Ela também ajudou a construir
um namoro e agora um casamento, você não fez tudo sozinho, Téo...
Não, não fiz. Eu sentia isso agora nas minhas veias, que, de certa
maneira, pareciam ligadas às dela. Sofia estava me apertando com tanta
força que, para ser honesto, eu me sentia mais dentro do seu abraço que ela
dentro do meu. E... era bom. O alívio. O reconhecimento. O amor, o amor
dela. Aquele sentimento cancerígeno miserável diminuiu e tudo o que eu
conseguia sentir crescer foi o calor da minha mulher.
Isso me fez inclinar o tronco para que os meus lábios ficassem
próximos da sua orelha. Pensei em tudo o que o meu pai disse antes, sobre a
minha mãe, sobre ele... Então senti uma necessidade de pedir com todo o
peso de significado:
― Me desculpa, amor ― sussurrei e ergui o seu rosto para que Sofia
me olhasse dizer, porque eu precisava que ela me perdoasse pelas últimas
semanas. ― Me desculpa por ter te deixado de lado. Me desculpa por ter te
tratado como uma estranha. Me desculpa por ter te deixado na cama depois
de broxar. Me desculpa pela discussão. Me desculpa por ter metido o pé
quando você nunca arreda, nem quando eu mereço...
Me vi parando para chorar, balançando a cabeça para que ela
entendesse o quanto eu sentia por tudo. Eu havia guardado tanta tralha de
estresse, angústia e vergonha que, agora me livrando dela, sentia o seu peso
nos olhos. Minhas pálpebras estavam inchadas porque o choro continuava
fervendo e só foram parar de latejar quando Sofia se aproximou e beijou os
meus olhos, sem se importar com o salgado das lágrimas.
― Eu sei, amor... Eu sei ― ela falou com a voz suave que também
fazia parte das suas carícias. ― Sinto muito por tudo também.
Deixei que ela limpasse o resto do choro e mantive os olhos nela, no
seu rosto de anjo que parecia iluminar tudo a minha volta.
― Me desculpa por ter feito a inscrição do concurso ser te contar ―
pedi por último, porque era o que ainda me faltava. ― Me desculpa por ter
passado e trazido você pra São Paulo pra acabar nisso.
Sofia franziu o cenho, os olhos ficaram confusos em meio ao brilho
das lágrimas.
― O que você tá dizendo, Téo...? Não precisa pedir desculpas por
isso. Eu sou feliz aqui com você, assim como fui em Porto Alegre...
― Eu preciso... Me mata saber que eu tirei o seu direito de decidir
desde o começo.
Ela ainda balançou a cabeça em negação, mas, no momento que
apertei o seu corpo num pedido, Sofia respirou fundo e desistiu do olhar
duvidoso.
― Só não quero que você fique se culpando por tudo agora ― ela
falou, com a voz mais firme. ― A pressão da carreira tá te consumindo...
Tudo o que gira em torno dela, na verdade... Outras pessoas já passaram por
isso, eu comecei a minha vida passando por isso, então não quero te ver se
afundar... Eu preciso de você, amor, a Maysa precisa da gente! Quero que ela
cresça e veja como o pai dela é incrível por tudo o que ele é, não por causa
de uma merda de cargo concursado. E pra isso você precisa de você
também!
Eu ainda sentia o receio nas suas palavras, então tratei de abraçá-la
mais uma vez e de beijar a sua cabeça. Beijei incontáveis vezes, sentindo o
seu corpo se acalmar até que passasse a mesma calma para mim. Assim, foi
mais fácil pensar no que eu deveria fazer sem sentir a cabeça caminhar para
respostas inconsistentes.
― Então o que você quer fazer? ― perguntei.
Sofia se separou um pouco para me encarar de volta.
― Eu quero te ajudar. Quero que a gente decida junto.
― Acho que já deu pra ver que eu tô longe de conseguir fazer um
plano agora... ― falei, repuxando o lábio. ― Sei que tô me acabando, Sofia,
isso vem acontecendo desde que entrei na prefeitura... Mas não sei por onde
eu recomeço ― expliquei, enxergando a sua seriedade conforme eu
continuava a me expor, ao que restou expor. ― Preciso da sua ajuda dizendo
o que você quer que a gente faça. E eu vou fazer, não importa se vai ser
pauleira ou não... Vou seguir seu plano como um cego.
Endireitei o meu tronco quando vi que Sofia fez o mesmo e mantive o
olhar preso no seu rosto, que se desviou para que ela olhasse o lago
novamente. Além da necessidade de me apoiar nela, mesmo que tenha
evitado tanto isso, para mim, as minhas desculpas só valiam se viessem junto
de gestos, e eu precisava que Sofia visse que eu confiava nela não apenas
como mãe da minha filha, mas como a minha esposa também. Queria que ela
visse que me esperar no altar com Maysa valeu à pena, porque nunca foi a
minha intenção me casar para tê-la como acessório ou propriedade.
Eu me casei com Sofia porque, por ela, eu acreditava no céu. Por ela,
eu acreditava que as minhas estradas poderiam me levar além do chão, para
um lugar onde a felicidade me era possível todos os dias.
Loucura acreditar no próprio céu? Talvez, porra...
Mas essa era a minha.
Sofia desviou o olhar do lago e me encarou novamente, com uma
expressão mais compreensiva diante do que eu argumentei. Em seguida,
disse firme:
― Tudo vai dar certo, amor. Apesar do plano, a gente estando junto é
o que importa ― ela garantiu.
E essa era a sua loucura: apenas acreditar.
Assenti com a cabeça e os seus dedos entre os meus.
― Você quer que eu me demita? ― perguntei, ignorando todas as
más perspectivas que me abateram desde a primeira vez que pensei nisso.
Sofia me analisou um pouco antes de dizer alguma coisa. Observou
as nossas mãos unidas e depois levantou a cabeça.
― Sei que você vai ficar pior desempregado, sem nada pra fazer em
casa. Durante a gravidez, eu quase entrei em parafuso por isso... Eu e você
somos o tipo de gente que precisa estar em movimento, não adianta ― Sofia
falou o que sabia, e, porra, ela sempre sabe. Até quando eu penso que não.
― Então acho melhor que a gente procure um emprego pra você antes. Pega
o seu currículo de novo e vai atrás de qualquer cargo ligado à sua
experiência, não importa o salário que receber. E acho que não vai ser
difícil de encontrar, porque São Paulo precisa de mecânicos, engenheiros ou
não.
Engoli em seco, mas não deixei que ela notasse a minha tensão.
Pensar em recomeçar tudo quando eu achava que estava com a vida ganha...
não seria fácil. Mas com certeza seria o melhor pra gente, então pro resto eu
estava me fodendo.
― Acho também que... ― Sofia continuou ― você não deve
absorver tudo isso sozinho. Quero que você converse comigo, sim, Téo, mas
sei também que você não vai gostar de me sobrecarregar o tempo todo,
então... ― ela não terminou, esperando que eu o fizesse quando avaliou os
meus olhos.
― Tenho que ir... Fazer... terapia? ― conclui sentindo a tensão subir
até o meu rosto.
Porra... Óbvio que Sofia me pediria isso. Tínhamos vindo para esta
pousada por causa da recomendação de uma terapeuta que Sofia poderia
falar por horas, endeusando os livros, os artigos, as teses...
Merda.
Acho que você terminou me pegando, né, doutora?
― Só quero que você tente ir, por conta do estresse e da ansiedade...
Ajuda profissional é um dos melhores remédios ― Sofia se apressou a dizer
quando viu a minha reação. Mas a verdade era que eu aceitava sem
pestanejar... por fora. Prometi que entraria no plano dela como um cego,
não? Agora teria que exercitar a porra da fala. ― Se achar que não resolve,
daí não precisa forçar...
― Tudo bem ― eu disse.
Sofia fez uma careta surpresa. Careta mesmo, como um emoji.
― Tudo bem mesmo...? ― Acho que quis garantir que eu estava no
meu próprio corpo.
― Tudo. ― Eu estava no meu próprio corpo, infelizmente.
Ela abriu um sorriso lindo e ajeitou o meu cabelo, colocando-o atrás
da orelha.
De novo.
― Você vai manter o cabelo comprido por um tempo ― ela fez outra
condição, mas essa não fazia sentido nenhum.
― Por quê? ― Franzi o cenho.
― Porque você fica gostoso de coque samurai ― ela respondeu,
rindo baixo.
Eu queria mandá-la se foder por causa dessa história de coque, mas a
sua risada me desarmou. De tensa, ela chegou à leveza num passo. E como
eu não queria fazê-la passar pelo mesmo estresse de antes, aceitei o elogio...
que não parecia tanto um elogio, porque o caralho do maço de cabelo
começou a me irritar mais nos últimos minutos.
― Durante quanto tempo mais ou menos? ― investiguei.
― Até... ― Sofia fez uma carinha pensativa ― o seu aniversário.
Puta que pariu.
Eram mais de dois meses!
― Tá... Tá ― eu tive que aceitar, porque pelo jeito essa mulher tinha
uma tara, e, querendo ou não o cabelo, ele estava a meu favor. ― Corto na
hora que seu teste de gravidez der positivo. Pai de moleque calouro... Ou pai
de garota recomeçando ― eu disse, querendo ver mais do seu riso gostoso.
Contudo, no momento que eu mencionei a gravidez, Sofia pareceu
perceber algo, e o sorriso morreu num único instante.
― Talvez... ― começou a hesitar. ― Talvez ter outro filho agora
não...
Ela não quis terminar, mas eu soube pela tristeza que ocupou as
linhas do seu rosto: ela estava cogitando que nós adiássemos a gravidez.
Comigo não foi diferente: a sensação de desânimo me abateu tanto que água
fervida encheu meus olhos de novo.
― Não me pede isso ― eu falei num gesto de mãos desesperado.
Sofia ficou com os olhos cheios d’água também, mas apertou as
minhas mãos como se quisesse me passar um pouco de compreensão.
― Você vai ficar mais sobrecarregado, amor...
Eu já tinha aceitado que Sofia estava certa e, caralho, entedia o que
ela queria dizer... Já era difícil para mim não pensar na segurança financeira
com Maysa quando me demitisse, com mais um filho, então...
Que inferno. Que inferno, merda!
Mesmo assim, eu me segurei na ponta do que ela não tinha dito... E
não queria que dissesse... Olhei para ela e a lembrei:
― Quando você fez aquele teste de farmácia, e a gente acreditou por
umas horas que tinha outro filho... Aquelas horas, Sofia, foram a nossa maior
felicidade ― eu argumentei, sentindo a porrada de lágrimas cair de novo. ―
Não pensa em tirar isso da gente, por favor. Não diz que isso faz parte do
novo plano. Por favor.
Sofia não chorou, só ficou olhando as minhas lágrimas caírem de
novo, com a respiração acelerada. Em seguida, passou a língua nos lábios e
disse:
― Tudo bem, tudo bem. ― As suas mãos apertaram as minhas, muito
fortes. ― Só não sei se vou conseguir engravidar até o seu aniversário... ―
Ela se apressou a sorrir. ― Depende se o Heitor vai estar com pressa de
chegar ou não...
Graças a Deus, porra.
Sorri de volta pra ela, mais calmo. Não me lembrava de me sentir
nessa montanha-russa de emoções há muito tempo.
― Obrigado ― sussurrei, beijando as palmas das suas mãos. ― Por
tudo.
Ela voltou a me acariciar os cabelos e ficou de joelhos para beijar
todo o meu rosto. Isso era algo que ela fazia muito comigo quando estava na
TPM ou quando Maysa fazia algo que ela considerava incrível, como bater
palmas. Eu e a terrorista reclamávamos, só que, no fundo, a gente se sentia
amado por ela assim, no sufoco.
― Eu sei que você é fã de executar os planos na mesma hora ―
Sofia começou a dizer, com as mãos em volta do meu rosto ―, mas acho que
esse a gente pode deixar pra segunda, né? ― sugeriu, e como ela estava no
volante, assenti. ― O sábado ainda não acabou e tem o amanhã inteiro pra
curtir. ― Ela se levantou e me estendeu os braços, ajudando-me a fazer o
mesmo.
Demorei um tempo olhando-a, abaixando os olhos para o seu corpo
todo, que agora estava diante de mim. Gostei de enxergar uma camisetinha
fina onde eu via o top por baixo, mesmo no escuro, e a legging colada no par
de pernas que tinham entre elas a parte do céu que me deixou viciado pra
porra desde tempos remotos.
― Quando foi a última vez que a gente teve um domingo inteiro sem
empata-foda? ― perguntei quando ficamos de frente e beijei os seus ombros.
Sofia riu. ― Não sou capaz de opinar ― Ela ficou na ponta dos pés
e brincou com o equilíbrio, colocando os braços ao redor do meu pescoço.
― Não lembro de ter paz pra transar desde Porto Alegre, na verdade...
― A gente transava bastante no começo da gravidez ― argumentei.
― Sim... mas você ficava cheio de frescura com medo de me
machucar e pipipi popopo ― ela respondeu, toda engraçadinha.
Num pulo, virou palhaça.
― O médico disse que eu não podia te foder pesado, Müller ― me
defendi, apertando a sua cintura. ― Eu perguntei.
Sofia revirou os olhos e riu, só querendo saber de encher meu saco.
Em seguida, passou as mãos no meu peito e terminou por dar uns tapinhas:
― Bom, agora que não tem empata-foda nem pipipi popopo ― falou,
e eu não sabia exatamente o que significava a última coisa, mas se ela
continuasse a repetir eu mostraria aqui mesmo quem é que tinha frescura...
― Vamos voltar lá pro quarto que a gente já fez a tarefa da doutora Simoni...
― agora sim, começou a falar algo que eu queria que repetisse. Esperava
que acontecesse o mesmo com a foda.
― Quer pedir o jantar e comer na cama? ― perguntei e desci as
mãos até a sua bunda, afundando a boca no seu pescoço.
Melhor legging, porra.
― Talvez... ― Sofia assentiu afundando os dedos nos meus cabelos
para bagunçar tudo o que arrumou antes. Isso fez com que um frio na espinha
subisse e me desse um tesão filho da puta... Acho que deixar o cabelo
comprido por mais um tempo não seria uma ideia tão ruim mesmo... ― A
gente já vai ficar na cama o resto da noite ― ela continuou, fazendo-me
sorrir contra o seu pescoço. Já estava imaginando-a em mil posições
diferentes quando terminou com: ― Nem que eu precise me ajoelhar e
rebolar no seu colo durante horas até você levantar de novo...
Você não...
Sofia se afastou de mim rindo, rindo alto, fazendo-me entender que
sim, ela estava brincando com a minha cara. E eu estava tão dopado depois
de ter chorado como um filho da puta que vê-la rindo da minha cara serviu
de prêmio de consolação.
― Você não acha que é muito cedo pra fazer piada maldosa sobre
isso, Müller? ― Encarei-a escondendo o meu próprio riso.
― Verdade... Desculpa! ― Sofia respondeu e voltou a se aproximar,
me dando beijinhos sufocantes. Dessa vez, me irritou um pouco, e eu me
senti fazendo a careta da nossa filha. ― É que eu não resisti, amor... ― ela
continuou rindo. ― Deve ter sido duro pra você passar por isso... ou não!
Há, há, há, há... Mais risadas e barriga tremendo que faziam o lago se
movimentar como se risse junto. Muito engraçado, na alegria e na tristeza.
― É, continua... ― eu comecei a alertar enquanto a assistia rir.
― Desculpa levantar a minha risada assim... Não quis te ofender
com o tamanho...
É, agora você tá fodida, Müller.
Fingindo que iria me afastar, num impulso, segurei os seus ombros e
não dei tempo a ela de escapar: empurrei Sofia no lago escuro enquanto ela
chorava de rir. Então a gargalhada se transformou num gritinho histérico que
logo foi interrompido pela água tomando a sua cabeça toda.
Ela poderia me matar depois disso? Poderia. Mas não ia.
Eu conheço a minha mulher.
― VOCÊ FICOU LOUCO?!!! ― foi o que Sofia gritou quando saiu
debaixo da água, batendo os braços como uma criança de dez anos. Todo o
silêncio foi interrompido pelo som da água agitada e dos seus rosnados. Daí
foi a minha vez de rir dela quando escutei: ― VOCÊ NEM SABE O QUE
TEM NESSE LAGO! E SE TIVER COBRA?! CROCODILO?! PIRANHA?!
― Ela começou a tentar nadar, mas parecia tão nervosa que perdia a força
das braçadas.
― Piranha eu tô vendo que tem! ― foi o que respondi, recebendo um
grunhido de volta. Tão linda estressada, quando chamo de piranha fora da
cama... Em seguida, antes que ela saísse de vez do lago, tirei as chaves do
carro e o celular do bolso das calças e me juntei a minha esposa: pulei. E
pulei agarrando-a para não deixá-la sair de perto de mim, mesmo que
houvesse animais nos espreitando, nós dois debaixo de água natural como
quando nos reencontramos na lagoa de Arthur Nogueira há anos, quando eu a
vi salva, completamente salva.
E era assim que eu também me sentia, abraçado com a minha mulher
do céu...
Salvo.
Capítulo 8
SOFIA

É curioso como a gente cresce sem perceber. Num dia, você está no
colegial, amaldiçoando uma lista de Matemática que parece uma pegadinha
chata; no outro, está no trabalho, amaldiçoando o Windows que exige
atualização justo quando está para finalizar uma matéria. Num dia, você está
saindo da faculdade para um happy hour sem previsão de voltar tão cedo
para casa; no outro, está saindo do trabalho se perguntando o que a sua filha
gostaria de comer e se tem fruta o suficiente em casa para fazer uma
vitamina, ela gostando ou não.
Acho que a vida vai cobrando tão depressa o amadurecimento que a
gente vai se adaptando como pode e, quando vê, bam!, você é um adulto! Ou
está tentando ser um ― acho que isso se encaixa melhor...
A coisa é que você começa a acumular responsabilidades e nem
percebe que um dia não foi assim. Um dia você é apenas uma garota que
brinca na rua a tarde toda e sobe no telhado para salvar o mundo no esconde-
esconde. Hoje, você é uma mulher que é dona da sua família, do seu trabalho
e do seu telhado, pelo qual você paga um IPTU absurdo. Ainda sobra tempo
pra brincar, mas é isso o que a vida se tornou: um salvo o mundo de
verdade.
Isso estava muito óbvio para mim há meia hora, quando eu e Téo
finalmente conseguimos encontrar um caminho de retorno para nós. Eu soube
naquele momento, olhando-o tão transparente na minha frente, o quanto
tínhamos crescido e amadurecido juntos, e agora ele precisava de um apoio
que nunca precisou antes. Eu não estava ao seu lado para ser a salvadora do
mundo nem queria isso, só que... nunca o vi tão frágil. Tudo o que ele disse
sobre não querer mais me deixar para trás e as desculpas que pediu, várias
delas, me fizeram ver que ele precisava respirar: sentar no meio-fio, debaixo
da sombra de uma árvore, e apenas respirar. E eu nunca negaria o seu pedido
de tomar conta da rua enquanto ele estivesse recuperando o fôlego. Se era
isso o que Téo precisava, eu ficava feliz de suprir, e, quando ele estivesse
bem para levantar de novo, voltaríamos ao caminho juntos, donos da nossa
vida de amor e loucura.
Porque é isso o que adultos fazem: se reconstroem o tempo todo. É
assim que conseguimos maturidade, afinal.
O que não queria dizer que estávamos sendo muito maduros agora
enquanto corríamos molhados dos pés à cabeça pela pousada. Eu sabia disso
porque as pessoas que esbarravam conosco à caminho dos quartos olhavam
surpresas quando viam o quanto de água eu e Téo deixávamos para trás
conforme corríamos. Não que a gente tenha se contido, porque, desde que
saímos do lago depois de jogar água um no outro até tossir, não
conseguíamos mais parar de rir... Mas, pra começo de conversa, a culpa foi
do Téo, não minha! Quem começou a correr atrás de mim para fazer cócegas
foi ele, e nunca que eu cairia na ladainha velha de que queria contar as
minhas costelas... Tive uma crise de riso quando quase escorreguei na grama
para fugir da perseguição, o que me impedia de parar de rir ao escutar a
risada dele atrás de mim agora.
― Você sabe aonde isso vai terminar, Müller! ― Téo gritou na
escadaria. Eu estava pulando de dois em dois degraus, porque sabia que ele
fazia o mesmo. Não podia olhar para trás, senão com certeza ia me
desconcentrar mais da fuga, e o meu marido me pegaria. ― Na cama! Com
você presa pedindo por socorro!
Um cara, provavelmente empregado da pousada, estava descendo e
deu um pulo para o lado quando me viu avançando como uma louca. Vi a sua
careta horrorizada ao escutar o que Téo gritou, mas não tive tempo de
explicar: pode ficar tranquilo, moço, meu marido não é um psicopata. A
não ser que conseguisse me pegar para a tortura de cócegas... Por isso tive
que continuar correndo.
― Vou te trancar pra fora! Você vai dormir com cheiro de musgo! ―
gritei de volta.
― Porra, você vai se contorcer! ― Escutei a sua risada rouca mais
alta.
O corredor do hotel logo começou, e eu me vi almejando chegar até o
último quarto como se a minha vida dependesse disso. Considerando que
fazia anos que eu não brincava de pega-pega, estava me saindo muito bem,
porque dei uma espiadinha para trás e vi que Téo até estava distante...
Até que eu tropecei.
Foi muito rápido: enxerguei Téo com os cabelos molhados e o rosto
vermelho da corrida e, em seguida, enxerguei o chão bem na minha frente,
quando tropecei e caí de quatro, conseguindo, por sorte, apoiar as mãos
antes de dar de cara. Mas aí a brincadeira já estava perdida, porque logo
ouvi Téo dizer antes de gargalhar mais alto:
― Do jeito que eu queria!
Eu até tentei engatinhar numa tentativa boba de escapar, só que não
consegui voltar a correr. Não dava para parar de rir, e isso já tirava o meu
ar, dando aquela dorzinha bem na extremidade do abdômen... Fui pega.
Como um psicopata da pior espécie, Téo puxou o meu tornozelo
direito, de maneira que eu já comecei a sentir cócegas aí e virei me
debatendo e pedindo arrego. Só que, impiedoso, ele me puxou no chão do
corredor, prendendo o outro tornozelo enquanto ficava de joelhos.
― Nãaaaa...! ― Não tive tempo de terminar o não. No momento que
Téo me mobilizou com as suas pernas e veio para cima, os seus dedos
tocaram as minhas costelas e iniciaram uma sessão infernal de cosquinhas.
Infernaaaaaal!
Vou morrer vou morrer vou morrer... Para para para para!!!
Eu tinha a consciência de que a minha risada estava beirando ao
animalesco, que lágrimas saíam dos olhos e que qualquer pessoa dos quartos
podia me ouvir tentando pedir arrego, mas nunca me lixei tanto para os
outros desde que saí da fase adolescente. Eu e Téo estávamos gargalhando
como duas crianças, e, ainda que eu pensasse estar prestes a morrer de tanta
cócega, o meu peito batia com orgulho. Orgulho de mim, dele, de nós...
Vou morrer vou morrer vou morrer... de amor por você...
― Pa-pa-para ― eu implorei mexendo a cabeça e tentando empurrá-
lo, mas ele era muito forte, e eu estava completamente debilitada. ― TÉO-
OOOOO!
― Relaxa, Müller! ― Ele pegou os meus pulsos, prendendo-os com
uma só mão em cima da minha cabeça, e diminuiu a rapidez da cócega para
intensificar o toque infernal. ― Tô quase terminando a contagem... ― Sua
camiseta estava pingando em mim, assim como os seus cabelos. Ele parou de
rir, mas o seu sorriso ainda estava enorme pra caralho, deixando-me ver a
fileira de dentes e o brilho da língua.
Continuei a me debater, fechando os olhos para suportar a cócega, até
que a porta ao lado se abriu e revelou os pés de uma mulher... no meu campo
de visão. Assim que Téo notou a presença de alguém ali, parou de me
infernizar e ergueu a cabeça, então tive a chance de respirar fundo depois de
quase morrer (sei que a probabilidade de morrer disso é mais baixa do que
morrer comida por um tubarão, mas no momento não parecia) e olhar para
cima também.
Quem estava ali parada era a dra. Simoni Ogawa.
― Pensei que estivesse acontecendo um extermínio aqui na pousada!
― ela falou, deixando a surpresa se esvair para rir da situação.
A terapeuta nos analisou no corredor: eu deitada imobilizada, Téo
em cima de mim me prendendo de todas as formas, ambos encharcados de
água de lago.
Um casal extremamente digno de respeito.
Senti o meu rosto corar um pouco, mas entrei na brincadeira dela:
― Não... é um... extermínio ― eu expliquei ainda com falta de ar.
Dei um sorriso bobo. ― Mas ele tá me matando. ― Joguei toda a culpa no
meu marido, como qualquer mulher sensata faria.
A dra. Simoni me abriu um sorriso íntimo, como se dissesse ele
voltou.
Sim, ele sempre volta...
Mas agora acho que sempre vai ficar.
Depois de assentir disfarçado, os olhos dela subiram para Téo, que
não disse nada, mas também não saiu de cima de mim.
― Não era sexo o fio condutor do seu casamento? ― a doutora
perguntou rindo mais um pouco, usando do que Téo disse no bate-boca para
quebrar o seu desconforto.
Ele finalmente soltou os meus braços e tombou para o lado,
sentando-se no corredor. Assim, pude ver a sua expressão, e, logo que o
encarei, Téo me olhou de volta.
Ele sorriu, pestinha. Eu sorri, pirralha.
― De vez em quando ela me pede por cócegas também ― o pilantra
disse, e eu ri ainda de barriga para cima. ― Um bom parceiro tem que
validar tudo o que a parceira quer, não é, doutora? ― Téo a olhou.
Ela estreitou um pouco os olhos, bem-humorada.
― Que bom que você concordou com pelo menos uma coisa do que
eu disse, Téo.
Decidi me levantar, e Téo acabou fazendo o mesmo ― não que isso
nos tenha dado algum tipo de dignidade, porque ainda nos parecíamos com
dois cachorros que dormiram na chuva. A marca do meu corpo estava
claramente desenhada no chão do corredor.
― Olha ― Téo começou a falar, passando a mão nos cabelos,
botando-os para trás ―, me desculpa sobre o que eu disse antes ― pediu
com o tom de voz recomposto, muito diferente do psicopata que me torturou
rindo. ― Não queria tirar a sua autoridade.
Eu não deveria franzir o cenho, mas franzi. Sem minha permissão,
meu cérebro fez uma procura por algum momento parecido em que Téo pediu
desculpas cheio de formalidade, terminando com um não queria tirar a sua
autoridade.
Tirar autoridade dos outros é simplesmente uma das atividades
favoritas do meu marido. É o outro esporte que pratica fora o boxe.
Mas tratei de gesticular a cabeça em apoio quando ele me olhou pelo
canto dos olhos, porque não queria desmotivá-lo. Na verdade, achava o
pedido de desculpas tão necessário quanto ele, ainda que a doutora tenha
balançado a mão do mesmo jeito que fez para mim mais cedo.
― Eu não queria ter atrapalhado a... ― Simoni refletiu um pouco ―
brincadeira de vocês ― ela decidiu nos tratar como crianças mesmo. E eu
gostei, me senti mais travessa ainda. ― Estava de saída para o jantar no
restaurante... como estou desacompanhada, não tenho necessidade de pedir o
serviço de quarto ― disse de uma maneira levemente sugestiva.
Vi que Téo quis rir, mas fingi tropeçar para agarrar o seu braço e dar
um apertão.
Acabei eu mesma soltando uma risadinha.
― Espero que os empregados não se importem com a bagunça que a
gente fez aqui ― comentei enquanto ela fechava a porta atrás de si.
― Eles não devem estar acostumados com esse tipo de bagunça ― a
doutora falou depois de olhar rapidamente para o chão ―, mas tenho certeza
de que estão acostumados com bagunças em geral, considerando que o
público alvo são casais.
Sorri de volta, apertando um pouco mais o braço de Téo. ― Acho
que sim.
Simoni assentiu com a cabeça e, ao olhar para o meu parceiro, deu o
mesmo sorriso sábio de quem escreveu artigos e teses e livros de quando
conversamos na trilha.
― Boa noite, Téo ― ela disse como se o boa noite fosse um termo
da psicologia que não sabíamos. ― Boa noite, Sofia. ― Passou a mão no
meu braço e provavelmente se arrependeu, porque eu ainda estava molhada
de água de lago.
― Boa noite ― eu e Téo dissemos juntos quando ela acenou para
nós e saiu andando pelo corredor. Ele não esperou que ela sumisse para me
perguntar: ― É impressão minha ou ela estava me analisando?
Considerando que fiz uma sessão de graça com ela hoje à tarde,
bem no meio do mato?
― Talvez estivesse ― foi o que respondi. Em seguida, olhei-o dos
pés à cabeça de propósito: ― Você tá um charme parecendo um pinto
molhado, sabe... ― tirei sarro.
Eu não queria provocá-lo... Bem, não muito. Só não estava
conseguindo resistir à crise de riso e às piadinhas que ela fazia girar na
minha cabeça...
Por Deus, Téo tinha até grama colada na orelha! Eu estava no meu
direito de rir dele até amanhã, obrigada!
Pensei que ele rebateria dizendo o mesmo sobre mim (com certeza o
meu cabelo devia estar com mais nós que uma corda de escoteiro), mas tudo
o que Téo fez foi cerrar o olhar no meu e garantir uma única coisa:
Ele faria com que eu me contorcesse na cama, sim. Com as costelas
contadas.
Fiz o que o instinto de autopreservação comandou como antes: saí
correndo. O problema era que dessa vez eu não conseguiria escapar e teria
que ficar trancada no quarto com um psicopata de dedos torturantes.
Por isso voltei a rir antes mesmo que Téo botasse as mãos em mim e
nem tentei fechar a porta quando nós dois passamos por ela, meio
tropeçando, meio nos tocando. Chegamos ao meio do quarto com as mãos no
abdômen para compensar a respiração desconcertada. Virei-me para ele, que
aparentemente desistiu por um segundo de me atormentar, e não resisti:
aproximei-me do meu marido quando ele endireitou o tronco e passei os
braços ao redor do seu pescoço. O quarto estava meio escuro, ele não tinha
acendido a luz depois de ter fechado a porta, mas eu podia enxergar o seu
olhar por conta da luz bem sutil da noite clara.
Depois de rir tudo o que não ri em dias, senti a alma se acalmar,
purificada.
Aqueles olhos pequenos, cheio de cílios escuros... eram os mesmos
do garoto que eu encontrava nas madrugadas da praia, os que me tocavam em
lugares que eu não me lembrava de ter em mim mesma.
― Você me tem há quase oito anos e até hoje não sabe falar o
resultado da minha costela? ― perguntei a ele, com os lábios cansados de
tanto sorrir. Mas, mesmo assim, sorrindo.
Téo abaixou a cabeça ao mesmo passo que passou os braços em
volta da minha cintura. Quando descansou a mão na minha bunda, puxou-me
para ele.
― Tenho que ir relembrando com o passar dos anos.
De repente, meus olhos se molharam.
Eu queria que Téo contasse as minhas costelas até quando suas mãos
estivessem enrugadas. Era uma tortura que eu simplesmente estava disposta a
passar até a velhice.
― Amo a sua risada ― Téo falou envolvendo-me com a sua voz
baixa, rouca. Ele estava com o rosto inclinado para mim, de maneira que eu
via perfeitamente os lábios se movimentando. ― Sempre amei, desde que
você ficava bêbada na praia me perguntando coisa pra caralho. ― Ele sorriu
grande de novo.
Ri um pouco, gostando de perceber que Téo balançava sutilmente o
meu corpo de um lado para o outro, como se estivesse dançando bem
devagar.
― Eu perguntava coisa pra caralho?
― Perguntava. Umas besteiras que eu nem sabia o que responder.
― Tipo o quê?
― Tipo... ― Téo levantou um pouco o rosto, pensativo. Eu gostava
das nossas vozes conversando à noite, em meio a todo o silêncio.
Combinavam, como duetos só nossos. ― Uma noite você perguntou sobre
uma coisa pequena, boba, que me deixou feliz.
Movi o rosto para refletir como ele e, na memória, encontrei aquela
noite guardada. Não me lembrava dos detalhes, mas tínhamos chegado do
show de rock... não era? Eu estava um pouquinho bêbada, Téo estava
extremamente lindo (disso lembro muito bem), e eu apenas queria conversar
com ele para ouvir as nossas vozes cantando, assim.
― Era besta... mas você respondeu. ― Ele me falou sobre o pai,
sobre a conversa boa ao telefone que teve, sendo que nunca tinha acontecido
antes.
― Respondi ― Téo assentiu, inclinando o rosto de novo. ― Só que
não a primeira coisa que eu pensei.
― E o que era?
― Na gente, ali ― ele respondeu com um sorriso franco. ― Nunca
tinha parado pra pensar no que me deixava feliz. No geral, eu sabia... Mas
depois que você perguntou, vi que ficar feliz do seu lado era fácil, mesmo a
gente fazendo algo bobo. ― Téo subiu a mão pelas minhas costas num
carinho que fez o meu corpo ficar muito leve. Pensei que ele fosse me beijar
quando se inclinou um pouco mais, porém, ele apenas roçou os lábios nos
meus para dizer sussurrado: ― Ainda é a coisa mais fácil que consigo sentir
na vida.
Fechei os olhos quando nossos corpos pararam de balançar, mas não
quis desencostar a boca da dele. Nem Téo se distanciou.
Ficamos alguns segundos no silêncio, no meio escuro, lembrando-nos
do que era apenas ser dois. Muitas vezes poderia ser barulhento, cheio de
estrondos; outras... ser dois era fácil. Com Téo, ser eu, sermos nós, sempre
foi.
― Você tá feliz agora? ― fiz mais uma pergunta besta que precisava
de resposta. A partir de segunda-feira, não seria fácil para ele lidar com os
planos, seria uma mudança brusca na sua vida quando deixasse a prefeitura e
começasse a verbalizar todos os receios que ele gostava de resolver
sozinho. Pelo menos agora eu queria que Téo estivesse tão leve e confiante
como eu estava em seus braços, a ponto de voltar a ter dezessete anos com
corpo molhado e coração aberto.
O seu polegar acariciou a minha bochecha e, de uma maneira
incrível, os meus lábios se encaixaram completamente aos dele. Então Téo
me beijou como não beijava há muito tempo: intenso demais para uma rotina
maçante. Era parecido com o beijo que me deu no dia em que Maysa nasceu,
quando ela se juntou, pela primeira vez, aos nossos braços. Um toque
marcante de todas as formas possíveis.
― Você é minha esposa, minha mulher, linda ― Téo parou o beijo
para dizer aos sussurros. Suspirei quando a sua mão envolveu o meu
pescoço, fazendo-me, de fato, sua. Meu corpo se aqueceu por inteiro com a
resposta: ― Sempre sou feliz com você.
É curioso como a gente cresce sem perceber, é muito curioso...
Mas agora, aqui, eu me senti crescer um pouco mais com Téo. Com
as suas mãos me tocando tão firme, com a sua respiração quente batendo
contra a minha e com a sua conversa melodiosa enchendo o silêncio, senti,
no peso do corpo, o amadurecimento do nosso casamento, da nossa parceria.
Os votos nunca fizeram tanto sentido como agora.
Respondi abocanhando a sua boca e, se antes ele me beijou com a
intensidade de fazer família comigo, eu o beijei com o desejo do princípio:
só nós dois, sem empaca-foda, pra variar.
Aí a loucura nunca fez tanto sentido quanto agora, porque a sanidade
mandou abraços quando coloquei as mãos nos seus cabelos molhados e os
puxei para intensificar os beijos. Me esqueci do que nos aguardava quando
fôssemos embora daqui ou de qualquer choro que aconteceu no quarto...
Eu só precisava de Téo. Porra, como eu precisava de Téo.
O meu corpo já quente desejou o seu por cima, nu, com os músculos
pesados contra a minha carne. As suas mãos já estavam me tocando nas
costas, cintura, quadris, bunda... e eu queria que ele apertasse mais, que
afundasse os dedos em mim do jeito que sempre afundou: sem medo de me
fazer quebrar. Eu nunca fui frágil, como uma bailarina de vidro. Por isso eu o
amei, por isso o amava: ele enxergava quem eu era e metia as mãos no meu
corpo e na minha alma.
Ele viu que eu fiquei desesperada por ele, porque as minhas mãos
estavam tentando tirar a sua calça, mas não estava fácil puxar o botão. Então
Téo me ajudou: tirou o botão e depois arrancou a camisa enquanto eu
deslizava o seu zíper e abaixava a calça molhada. Quando eu consegui
deslizá-la pelas suas coxas, ele terminou de tirá-las com os pés conforme me
agarrava para arrancar a legging que eu usava. Num puxão, ele desnudou a
minha bunda, e ao senti-la livre, apertou-a com a mesma urgência que a
minha em tocar os seus músculos dos braços.
Téo também precisava de mim. Em todos os sentidos.
Depois que eu arranquei a regata, ele se ajoelhou diante de mim,
como um religioso cheio de adoração. Ergueu o rosto para me olhar e foi
tirando a minha calcinha assim, com os olhos nos meus, vendo-me apesar do
escuro. A minha respiração estava alterada, seu toque estava me deixando
ansiosa, e tudo o que eu fiz foi balançar de leve a cabeça.
Me desnuda, amor, me desnuda mais uma vez...
A respiração de Téo também estava alta e se intensificou quando ele
aproximou a boca dos lábios da minha boceta e começou a beijá-los. As
minhas pernas bambearam por um segundo, mas ele segurou as coxas,
beijando intensamente cada uma, para depois voltar a beijar de língua a
boceta.
Ah, amor, puta merda...
Como eu amo a sua boca...
A sensação de sentir os seus cabelos molhados entre os meus dedos e
o cheiro de banho em lago me fizeram lembrar de momentos parecidos,
como quando eu reencontrei Téo em Arthur Nogueira após chegar de Manaus
e as férias que se seguiram nas praias do Rio e de Santa Catarina... Eu
sempre sentia um calor transcendental quando transávamos assim, com essa
água tatuada na gente, me sentia a primeira mulher do mundo, e via em Téo o
primeiro homem, desfrutando do mesmo prazer do qual nossos corpos foram
feitos.
― Porra... ― Téo gemeu massageando as minhas coxas e abaixando
a cabeça para beijar mais abaixo. ― Não tem nada como o seu gosto, amor...
Sempre me deixa louco...
Tombei a cabeça para trás quando ele enfiou a língua em mim,
sorvendo o que saía. Em seguida, lambeu toda a minha boceta, passando o
melado até o clitóris, que foi inchando conforme os seus lábios comiam junto
dos dentes. Assim estavam os seus dedos também, cravados nas minhas
coxas, mantendo-me firme no chão. Ele gostava de me ver imobilizada. Na
maioria das vezes quando transávamos, ele me prendia nas suas mãos e
comandava: fica.
Agora, porém, a maneira como ele me tocava era diferente. Ainda
queria que eu ficasse firme, enquanto a sua boca me comia com afinco, mas
não era imposição que eu sentia nos seus dedos e sim um sustento.
Comecei a sorrir conforme o sentia dessa maneira, tão devoto, tão
parceiro. Toquei os seus cabelos molhados e acompanhei-o se inclinar um
pouco mais para morder de leve o interior das coxas, depois subir me
lambendo até a dobra da virilha, onde inseriu chupões. Caminhei os dedos
até os cabelos próximos à nuca e prendi-os com força quando Téo voltou ao
clitóris, pressionando os dentes contra a carne e sugando e lambendo,
sugando e lambendo, suas mãos apertando mais as minhas coxas, sugando,
sua respiração contra os meus lábios, lambendo, seu gemido grosso
misturado ao meu, sugando, seu toque contornando até chegar até a minha
bunda, lambendo, um apertão intenso, sugando, o dedo passando pela minha
bunda até chegar à boceta, lambendo...
Ele meteu dois dedos em mim, bem devagar, como se fosse a
primeira vez a fazer isso...
E, Deus do céu, a sensação foi maravilhosa.
Como se cada nervo de mim sentisse o seu toque, tive a sensação de
que corria uma nova toxina no meu corpo. Algo pesado, gostoso,
enlouquecedor. Era como se a minha pele aguentasse a febre que Téo
provocava e os músculos tremessem por causa de um tipo de adrenalina
sensivelmente obscena...
― Olha pra você... ― Téo arreganhou mais a boceta. ― Geme tão
gostoso pra mim...
Eu estava me perdendo. Me perdendo na sua saliva, no seu tato, no
seu olhar, na sua maneira de fazer amor com a minha boceta, só com ela.
Estava me perdendo no momento, com Téo ajoelhado à frente totalmente
dedicado ao meu prazer. Eu sabia que não havia nada na sua cabeça além de
mim, e a sensação de ser o único pensamento do meu marido fez com que eu
me distanciasse um pouco para me inclinar para ele. Téo ficou um segundo
sem compreender o que eu estava fazendo ― provavelmente esperava me
ver gozar antes ―, mas a minha alma precisava que ele sentisse a mesma
adrenalina tomando-o para que fizéssemos isso juntos. Eu queria que Téo
estivesse em mim como não esteve há dias e que compartilhasse comigo todo
ele também.
Toquei o seu rosto duvidoso e puxei os lábios para mim, para que eu
pudesse me sentir nele. Foi bom provar do meu próprio gosto na sua boca,
mesmo que eu tivesse certeza de que seus lábios eram apenas meus. Acabei
me ajoelhando na sua frente também, tentando não desconectar os nossos
lábios, e levei as mãos até os cabelos para depois descer pela nuca e fazer
caminho pelas costas. Téo me envolveu em um abraço e me beijou os olhos,
as orelhas e desceu para o pescoço. Pendi a cabeça para trás, as mãos
caminhando pelos seus músculos e, quando afundei um pouco as unhas e
percorri até os ombros voltando à nuca, escutei os seus gemidos mais
intensos:
― Que saudade de você, porra... ― Téo voltou aos meus lábios e
agarrou a minha bunda com ambas as mãos. ― Que saudade, linda... ― ele
repetiu, apertando-a. Por um momento, aumentou o nosso ritmo e pareceu
exaltado quando tomou o meu rosto com uma mão para continuar a dizer
entre um beijo e outro: ― Eu fui... Eu sou um imbecil... Como fiquei sem
você desse jeito? Olha pra você, toda minha... Como eu terminei aquela
noite sozinho no banheiro...?
Eu aceitei os seus beijos, mas não o que ele dizia. Não queria que
Téo olhasse para o passado agora e remoesse os sexos fora de órbita ou
inacabados... Ele já tinha pedido desculpas por isso, e eu o perdoei com
todo o meu coração.
Agora precisávamos estar aqui, um ajoelhado para o outro, honrando
o presente que também se fez de um passado de amor e que se faria de um
futuro com novos planos. Por isso, botei os dedos na sua boca para calá-lo e
falei:
― Você tá aqui agora... sendo só meu... ― Inclinei-me e beijei o seu
maxilar todo. Quando tirei os dedos da sua boca, movi as mãos até a sua
boxer e desci o elástico, para agarrá-lo duro em seguida. Téo gemeu quando
comecei a masturbá-lo e se deixou levar pelo meu corpo pendendo para ele.
― Eu ainda sou sua... sempre vou ser... Me deixa te mostrar... Me deixa
arrancar a saudade, amor... ― pedi.
E ele deixou.
Téo deixou o seu corpo pender para trás e se sentou comigo vindo
por cima. Terminei de arrancar a sua boxer, e ele me abraçou para tirar o
sutiã, mamando em mim logo que o tudo se foi. Abracei-o de volta, subindo
a mão das costas até agarrar os cabelos novamente. Com a outra mão,
coloquei o seu pau já lambuzado de porra na minha boceta e sentei de uma
vez, até o fim.
― Porra... ― soltamos juntos quando ele me preencheu por
completo. O quarto pareceu dobrar os graus e a noite, o meio-escuro se
dissolveu até que meus olhos enxergassem tudo com mais clareza. As
tatuagens do braço de Téo criaram vida quando ele agarrou os meus quadris
e me acompanhou deslizar pelo seu pau devagar para sentar de uma vez
novamente. Fiquei mais molhada, escutando o som do melado conforme eu
sentava nele, visualizando nós dois pelo espelho do quarto.
Corpos nus colados um no outro. Braços tomando um ao outro.
Cabelos borrando tudo. Éramos lindos juntos, a combinação mais bonita de
homem e mulher.
Téo voltou a beijar o meu busto, logo unindo os meus seios para
tomar os mamilos com a língua e boca. Continuei cavalgando, nem muito
lento nem muito rápido, queria aproveitar o máximo possível as sensações
dele em mim. Meus olhos ainda estavam presos ao espelho, a nós, o que me
deixava mais excitada, além de os nossos prazeres ecoando pelo quarto.
― Você é linda, não é? Com esses olhos, essa boca, esse corpo... ―
Téo perguntou quando olhou para o espelho também e viu o que meus olhos
acompanhavam. Sorri para ele com a boca aberta, porque não conseguia
parar de gemer sempre que eu sentava até o fim. Ele sorriu de volta e moveu
uma mão até os meus lábios, para alisar com o polegar. ― Dona do paraíso,
porra... ― Ele beijou a minha boca de um jeito tão gostoso que eu prendi o
seu lábio com os dentes antes que se afastasse.
― Do seu paraíso ― eu disse. Em seguida, inclinei o seu tronco
para que se deitasse no chão. Comecei a beijar o seu pescoço e o peitoral,
massageando os seus cotovelos com os dedos enquanto segurava os
antebraços. Notei que Téo virou o rosto para assistir-nos sozinho pelo
espelho. ― E você sempre foi o meu paraíso pessoal, garoto...
Raspei o nariz na sua pele. Não sabia dizer se Téo sorriu torto por
cócegas ou por causa do que eu tinha dito. Essa conversa de paraíso
libertava lembranças de excursão.
― Gostosa do caralho... ― ele disse mais baixo, botando a mão na
minha panturrilha e fazendo caminho até a coxa. O seu toque estava tão
carinhoso que deitei a cabeça contra o seu peito, então Téo me abraçou e
flexionou os joelhos, para se preparar para meter. ― Vai gemer, amor? Bem
alto pra eu saber como você ama dar pra mim?
Enfiei o nariz no seu pescoço, sentindo cheiro de homem que tomou
banho de lago.
Agora já estávamos secos e queimávamos um pelo outro. Minha pele
contra a sua, ainda completamente colada enquanto nos esfregávamos, só
fazia com que tudo sobre mim derretesse e melasse toda a boceta.
― Vou ― sussurrei contra a sua pele e ajeitei a cabeça no seu peito,
com os olhos no espelho.
Téo subiu o carinho para a minha bunda e, depois de agarrá-la,
impulsionou-se para dentro de mim, num movimento mais bruto, que a minha
natureza não permitiu fazer antes. A primeira metida fez o meu corpo tremer,
de maneira que ele me abraçou mais firme para que eu ficasse, e o gemido
veio barulhento e se seguiu assim enquanto Téo metia num ritmo energizado.
Eu podia escutar o seu coração batendo forte e, ao mesmo tempo, me
deliciar com o som das investidas. Comecei a dizer o seu nome repetidas
vezes, enquanto Téo me instigava a gozar. Ele subiu uma das mãos pelas
costas, afundou-a nos meus cabelos e sussurrou:
― Goza gostoso, linda... Olha pra você toda excitada, sente como tá
molhada se derramando em mim... e goza...
A sua voz mergulhada num tesão extravasado fez com que o meu
clitóris se inchasse mais esfregando na sua virilha. Era óbvio que
acompanhar os movimentos de Téo pelo espelho, conforme ele agarrava
todo o meu tronco e impulsionava os quadris com as pernas endurecendo os
músculos, estivesse me deixando louca, a ponto escorrer. Nossos corpos
estavam tão quentes que começaram a suar juntos, e eu não me desgrudaria
daqui de maneira alguma.
Contudo, ao invés de olhar para a imagem do espelho, eu quis olhar
para ele. Conseguia enxergar o seu rosto endurecido de prazer, mas eu
precisava ver os detalhes, os traços que faziam o meu amor ser quem era,
por isso levantei a cabeça, só um pouco, e respondi aos sussurros
deliciosos:
― Vou gozar... olhando pra... você.
Téo ainda prestava atenção ao espelho, mas também encarou de volta
quando me escutou intercalando gemidos e palavras. Os seus olhos pequenos
com as sombras dos cílios nunca pareceram tão sentimentais, e quando ele
começou a acariciar a minha cabeça, agarrando os cabelos com delicadeza,
eu logo fui preenchida por toda emoção que cabia dentro de mim e, como
muitas vezes acontecia, derramei lágrimas.
Sorri para Téo quando isso aconteceu antes de voltar a gemer, e ele
sorriu de volta, o sorriso sincero que eu amava presenciar. Então ele agarrou
um pouco mais os meus cabelos e levou a minha boca a sua, mesmo que eu
mal conseguisse beijá-lo por conta dos gemidos. Só de sentir a sua língua
traçando caminho pelos meus lábios, já pude sentir todas as sensações se
ampliando no início da virilha. O meu sexo virava paraíso.
― Vem, amor... ― ele ainda conseguiu dizer meio sem fôlego, com
os olhos em mim como os meus estavam nele. Investiu os dentes contra os
meus lábios e depois chupou, fazendo-me gritar mais alto. Eu... Porra...
Estava quase lá... ― Goza comigo... agora.
Eu chorei mais, sendo levada por todos os sentimentos e sensações
até um lugar só nosso ― o nosso paraíso que ficava longe da razão do
mundo.
Então eu gritei quando o orgasmo se libertou, meu corpo inteiro se
contraindo, o suor molhando a pele, os nossos olhos se unindo e os sexos,
meu e dele, perpetuando a loucura do espírito e da carne.
Este era o princípio... A loucura... Foi assim que a gente cresceu e
continuava crescendo, vivendo do nosso jeito cheio de acertos e falhas, mas
nosso, sempre nosso.
Téo gozou em mim, soltando a porra quente e forte de homem que
libera o mundo dentro da mulher. Fazia tempo que não gozávamos juntos
assim, no mesmo tempo de clímax, o que fez o momento se eternizar em mim,
na memória do corpo. Quando o gozo terminou de se derramar, ungindo-nos
úmidos e lambuzados, eu ainda fiquei em cima de Téo, sem forças para
mover as pernas. Enquanto a respiração se recompunha, voltei a deitar a
cabeça no seu peito, que ainda estava agitado, martelando contra a minha
orelha como se fosse explodir. Fiz uma massagem com os dedos e logo senti
um sorriso exausto se repuxar na minha imobilidade.
Agora sim você está desculpado. Perdoei com o coração antes, mas
agora...
Ficamos minutos, longos minutos deitados no chão, meio mortos, mas
vivos, muito vivos... mesmo que eu ainda não conseguisse mover as pernas.
Elas pareciam ter se engessado!
Téo também não se mexeu, manteve a mão na minha bunda, a outra
nos meus cabelos e ficou respirando pela boca, como se estivesse quase
dormindo. Só que ele não estava, eu via o rosto acordado no espelho. Não
sorria bobo como eu, mas parecia em paz, extremamente em paz. Isso me fez
repuxar os lábios antes de cortar o silêncio:
― Me diz uma coisa pequena que te deixou feliz.
Téo se surpreendeu com a minha voz, porém, virou o rosto para o
espelho, onde nós dois estávamos acabados um no outro. Me olhou com um
quase sorriso.
― Isso não foi pequeno... ― ele refletiu, baixo.
― Não mesmo.
― ... Não tô conseguindo pensar depois dessa foda... Como você
tava gostosa, puta merda...! Ainda tá, na verdade... toda jogada em cima de
mim.
Téo desceu a mão para as minhas costas, enquanto a outra mão
acariciava as coxas. Me senti muito gostosa mesmo enquanto ele assistia as
próprias mãos na minha pele, ainda meio dopado pelo gozo.
― Posso dizer a minha, então? ― perguntei, ajeitando-me no seu
peito.
― Manda...
― Você olhando pra Maysa hoje no carro, na casa da sua tia, quando
foi dar tchau... Toda vez que você olha daquele jeito, eu só sei que nunca vai
faltar nada pra ela... Você nunca vai deixar isso acontecer.
Sem novidade alguma quando se trata de mim, comecei a chorar de
novo. Não de derrubar várias lágrimas, mas, porra, eu estava megassensível
depois do sexo, e me lembrar da minha filha deu saudade. Se estivéssemos
em casa, depois de gozar, teríamos que dar uma olhada nela... Era estranho
não fazer esse ritual agora.
Téo ficou um tempo em silêncio depois do que eu disse. Deixou o
olhar do espelho para encarar o teto.
― Se algum dia eu deixar faltar...
― Você não vai. Tenho certeza.
Notei que foi bom dizer isso a ele, porque Téo me apertou num
abraço e depois virou o rosto de novo, com a expressão leve de antes.
― Você também não, linda.
― É, mas... você sabe... Aquela garota é mais filha sua que minha.
Ele riu, dando um tapinha carinhoso na minha bunda.
― Para de ser neurótica, porra.
― Não sou neurótica! ― Me agitei um pouco, só que não sai de cima
dele. ― Só tô falando o óbvio: ela prefere você. Todo mundo sabe...! É pra
você que ela sorri, é pro seu colo que vai e é com você que conversa
mentalmente...
Ele riu mais. ― Você sabe que ela ainda não sabe formar uma frase,
né?
Isso é o que vocês dão a entender pra mim.
― Já aceitei ― falei. Não tinha aceitado completamente, porque
passei pelo meu medo de tubarões por causa daquela garota que assiste
sorrindo Animal Planet: Predadores e ainda não faz questão de mim. Mas
afirmei: ― Não precisa ter pena.
Acha! Bato até palmas junto com ela quando aqueles tubarões-
martelo aparecem...
― O próximo bebê vai preferir você. Ainda mais se for Heitor ―
Téo me consolou.
― Promete que vai deixar ele ou ela pra mim?
― Você tá mesmo tão desesperada?
― Tô!
Nós dois rimos juntos, peitos tremendo um contra o outro.
― Olha, Müller ― ele começou a dizer num tom um pouco mais
sério ―, tem várias coisas que a Maysa gosta que eu ensine mesmo... Só que
tem uma coisa que eu nunca vou poder fazer: ensinar a ser mulher ― Téo
falou do jeito firme que não me deixa duvidar de nada. Foi a minha vez de
apertá-lo num abraço. ― Quando ela entender isso, vai ver que tem uma puta
sorte de ter você como mãe... e que eu posso ser um imbecil quando ela
começar a dormir na casa do namorado.
Só de imaginar uma possível cena dei risada: Maysa adolescente
apresentando um garoto, e Téo com a cara fechada e braços cruzados, apenas
esperando-o cometer a primeira falha para infernizá-lo. Óbvio que eu seria a
preferida quando esse dia chegasse.
― Você tá mesmo tão desesperado?
― Não tanto... Sei que você vai sacar se o namorado é filho da puta
ou não. Se for, você me avisa...
Assenti, mesmo que não soubesse nada sobre o futuro. Talvez Maysa
não fosse de levar namorado em casa ou talvez ela preferisse uma
namorada... ou talvez preferisse ficar sozinha... Téo podia ficar tranquilo, de
qualquer jeito: ele seria sempre o homem preferido dela. Mais uma das
minhas certezas.
― Será que a gente fez outro bebê agora? ― perguntei sorrindo com
a ideia.
― Quero pensar nessa versão, linda... Mas se demorar um pouco até
você engravidar, a gente ajeita os planos de novo.
Fechei os olhos, feliz, simplesmente feliz.
Téo tinha voltado. E ficaria, por mim, por Maysa e pelo nosso futuro.
― Eu te amo pra caralho ― sussurrei para ele.
― Eu sei ― Téo respondeu e, beijando a minha cabeça, completou:
“E eu nunca te amei mais por isso.”
Capítulo 9
TÉO

Jantamos no quarto, como a terapeuta sugeriu antes. Depois de foder


daquele jeito no chão, eu não queria mesmo sair daqui, estava cansado pra
porra, mas pensei que, por Sofia, nós iríamos ao restaurante. O hotel serviria
comida japonesa e, pelo que eu vi na programação, haveria uma atração:
aquele malabarismo com comida sendo jogada pra cima e brasas de fogo...
A cara dela. E a partir de agora eu estava disposto a fazer tudo o que fosse a
cara dela, mesmo que não fosse a minha também. Durante esses dias e
principalmente hoje, Sofia tinha sido... Nem sei como dizer, porque chamá-la
de anjo a este ponto era eufemismo. Ela era bem melhor que uma porra de
anjo.
Ela era uma mulher.
Minha esposa.
Eu não tenho ideia de como funciona o casamento das outras pessoas,
nem quero saber. O que eu sei é do meu e, puta merda, não tem como eu me
arrepender um dia por ter encontrado Sofia no altar e ter dito aqueles votos
religiosos que todo mundo repete. A única pessoa que poderia passar a
alegria e tristeza e todo o resto de antagonismos comigo é ela. Sofia é a
única que me conhece por completo, e eu sou o único que a conheço por
completo também. A gente sabe das nossas felicidades, medos, gostos e
traumas e se constrói ajudando um ao outro.
Por isso decidi fazer questão de honrar tudo isso ao invés de ficar
remoendo os erros passados. Enquanto a gente tomava banho, eu disse a ela
que poderíamos jantar no restaurante de novo, fazer amizade com
desconhecidos que nunca mais veríamos na vida (a não ser que ela decidisse
adicionar no Facebook) e bater palmas para os japoneses brincando com
peixe ― não disse nessas palavras, claro, fingi que estava animado. Também
falei que poderíamos fazer uma caminhada depois, já que havia pontos de luz
na trilha, ou que poderíamos dançar no salão onde haveria drinks e jazz ―
eu não sei dançar porra nenhuma, sou o cara mais engessado que alguém já
conheceu, mas Sofia sabe se virar com isso quando consegue me puxar pra
pista.
Contudo, depois de ter entrado debaixo do chuveiro, ela relaxou bem
os ombros quando o jato de água bateu e, soltando um suspiro, disse:
― Acho que a gente pode terminar a noite aqui mesmo, amor. Pede
serviço de quarto e amanhã aproveita o resto.
Ela passou o shampoo rindo quando escutou o meu suspiro aliviado.
A gente enrolou no banho, não só porque eu adoro ver a minha
mulher molhada e lavá-la, mas porque Sofia começou a falar sem freio do
seu trabalho na hora que perguntei. Contou que teve uns problemas pra
escrever um resumo (ela diz que é péssima no gênero, mas exagera), contou
que foi chamada por um colega para fotografar um circuito de arte em
Paraisópolis no próximo mês, contou que rolou uma discussão por causa de
um quadrinho preconceituoso e que a editora praticamente jogou um artigo
de racismo reverso na cara do cartunista. Eu não sabia dizer se ela já tinha
me contado isso e eu não prestei atenção ou se não me contou antes para não
me encher, mas, sendo qual fosse, eu tinha perdido. Porque estava com a
cabeça em outro lugar, perdi as semanas dela e não estive do seu lado para
dizer que ela exagera quando se trata dos resumos e incentivá-la sobre o
novo projeto de fotografia...
Mas Sofia saiu do chuveiro e foi secando os meus cabelos até o
quarto, andando de costas para continuar falando e falando, e não sorrir foi
difícil. Porra, agora que estava de banho tomado, ela parecia ligada no
duzentos e vinte de novo, como se não tivesse desabado em cima de mim
depois de gozar daquele jeito. Quando a comida chegou, então, ela ficou
ainda mais animada, o que me fazia perguntar coisas banais apenas para
ouvi-la falar o que cada cor de post-it nos textos queria dizer. Brincou com a
comida crua e fez piadas sobre o meu cabelo comprido ― como sempre, ela
banca uma linha tênue entre gozação com a minha cara e tesão... na minha
cara também. Me deixar levar por tudo isso acabou sendo a coisa mais fácil
que eu tinha feito nos últimos dias, então apenas anotei que nunca na vida
poderia perder isso de novo.
― O que você acha que ela tá fazendo agora? ― finalmente Sofia
perguntou, dando uma olhada rápida no celular. Já se passava das dez, e ela
sabia que, a essa hora, Maysa devia estar assistindo a alguma coisa (Animal
Planet?) para depois ir dormir. Nossa filha, com um ano e alguns meses, já
tem programação de suas noites. Ontem mesmo ela só foi capotar depois de
ver uma hiena fêmea acabar com um macho que pegou sua comida, o que eu
achei um ótimo exemplo pra ela.
― Provavelmente assistindo a luta de um hipopótamo com um
crocodilo ― respondi enquanto tirava as bandejas de comida. ― Quer fazer
uma ligação de vídeo?
Na verdade, eu não precisava perguntar: Sofia estava olhando para o
celular nos últimos cinco minutos, provavelmente esperando uma ligação da
minha tia. Por isso, peguei o celular de uma vez e liguei enquanto ela se
aproximava do meu ombro.
― Oi, filho! Oi, filha! ― tia Rose atendeu ajeitando-se no sofá. Ao
fundo alguém gritava na TV: cuidado para não lacerar o pulmão! ― Como
está indo tudo aí na pousada?
― Melhor impossível ― Sofia respondeu quase tampando a minha
cara, como se eu fosse responder algo errado. E ia. ― A Maysa ainda tá
acordada? Estão assistindo ao quê?
― Tá, sim. ― Depois de um pouco de esforço, ela conseguiu
enquadrar Maysa na câmera também. ― Eu estava passando por uns
canais, acabei deixando numa série de médico, e ela gostou... Vai
entender! Diz ‘oi’ pro papai e pra mamãe, meu amor!
Maysa ainda estava com o olhar vidrado na TV, só que desviou
quando a tia apontou para o celular, e fixou bem os olhos pequenos na gente,
com a boquinha meio aberta.
Então franziu o cenho, emburrada.
Nessa hora, entendi por que Sofia insiste tanto na ideia de Maysa ser
minha cópia.
Porra, ela é!
Não parecia lá muito animada por nos ver, estava meio brava, pelo
jeito, como se estivesse perguntando: vocês não vêm me buscar, não? Daí
fiquei com uma puta saudade mesmo, querendo estar do seu lado e sentir o
cheiro de bebê, meu bebê.
― Oi, meu amor! ― Sofia se jogou mais em cima da câmera, e o seu
cotovelo quase amassou o meu saco. ― Tá se divertindo com a tia Rose?
― Fala: tô, sim, mamãe... Conta que andou de bicicleta no parque
hoje, que tomou sorvete caseiro, que brincou e dançou com a Duda, que
comeu gororoba da tia...
Por mais que a minha tia e Sofia estivessem sorrindo, Maysa
continuava séria, analisando as duas interagirem por uma câmera de celular.
Depois que Sofia usou aquela voz de alienígena que, ainda assim, não
convenceu Maysa a sorrir, vimos o dedinho minúsculo sendo apontado
enquanto ela dizia: papai. Sofia foi um pouco para trás, surpresa porque ela
tinha dito todas as sílabas corretamente, e eu sorri fingindo que isso já não
tinha acontecido na semana passada. Em seguida, Maysa pediu o tubaão
(esse não saiu certinho), e eu peguei o bicho de pelúcia que estava em cima
da cômoda.
― Não vai me dizer que tá com mais saudade do baby shark que de
mim, terrorista ― eu disse e balancei o tubarão.
Maysa abriu a boca, ficando mais agitada quando viu o bicho
favorito, e estendeu a mão de novo para dizer me dá.
É, Müller, no fim das contas, ela prefere a porra de um tubarão de
pelo que a gente.
― O pai volta amanhã pra te dar ― falei piscando. ― Onde a Duda
tá?
― Saiu com os amigos.
― Você viu os amigos?
― Pelo amor de Deus, Téo... ― Sofia revirou os olhos.
― O quê? Tô só perguntando, porra.
― São meninos bonzinhos, filho, não se preocupa. Vieram aqui em
casa buscar.
― Bom... ― Concordei com a cabeça, mas, para ser honesto, não era
tão bom. Logo que desligasse aqui, mandaria uma mensagem para Duda, pra
ela me ligar caso acontecesse alguma coisa. Acabei me arrependendo por
não deixá-la com as chaves de casa. Pelo menos lá, eu poderia dar uma
espiada nela pelas câmeras...
― Depois eu que sou neurótica... ― Sofia sussurrou baixo como se
lesse os meus pensamentos. ― Então a Maysa se divertiu hoje? Não deu
trabalho, Rose...?
― Se divertiu e me divertiu... Ainda não está na fase de dar
trabalho, Sofia, espera mais uns anos... ― Tia Rose riu. Eu não.
A ligação terminou com Maysa bocejando e só dando tchau com a
mão porque a tia pegou no pulso dela e fez o gesto. Ainda estava com o
cenho franzido: se não voltarem hoje, nem precisam voltar mais. Como se
tivesse alguma escolha... A terrorista que me aguardasse indo buscá-la aos
vinte.
― É isso... ― Sofia suspirou quando o cenho levemente franzido
desapareceu. ― Primeira noite separados, e quem sofre somos nós dois...
Ela vai fazer igual a gente quando sair do colégio: dar no pé. A única
diferença é que vai ligar bem menos do que a gente ligava pra família.
Para ser honesto, eu só ligava pra minha porque Sofia insistia. Mas
achei melhor não lembrá-la disso, senão ela botaria em mim a culpa de
Maysa ser desnaturada.
― Olha pelo lado bom, Müller... ― eu disse quando ela se levantou
da cama, usando apenas a minha camiseta, sem calcinha nenhuma. ― Pelo
menos ela vai parar de empacar as nossas fodas.
Sofia ia caminhar até a mala, que agora estava no chão, mas parou e
me olhou:
― Não acredito que você tá pensando por esse lado!
― Ué! Não é você que sempre diz que eu devo ser mais positivo?
― Você fala isso agora, que a coisa tá longe de acontecer. Mas tenho
certeza de que vai ser o primeiro a sofrer com a síndrome do ninho vazio.
Ela disse tudo isso se inclinando para mala, infelizmente, arrebitando
a bunda para o outro lado. Não consegui ver a sua boceta nem mesmo
apoiando o braço no colchão e tombando a cabeça... Porra. Sofia continuou
mexendo na mala, no entanto, e daí me lembrei de algo que estava lá, em
algum compartimento. Algo que eu precisava.
Ela vai pegar a fantasia de gata?
― Não vai? ― Sofia se levantou com uma pequena bolsa em mãos.
Certeza que ali estavam suas coisas de higiene pessoal e não metros de
couro vagabundo. ― ... Sofrer quando a Maysa sair de casa?
― Não tô dizendo que não vou ― respondi voltando a olhá-la.
Toquei o meu pau por cima da boxer enquanto admirava o seu rosto: aqueles
olhos que ficavam travessos muito rápido, o nariz de anjo, a boca que me
chupava tão bem... Tudo isso num corpo fantasiado, então, era pra foder. ―
Mas, quando ela sair, vou meter a língua na sua boceta pra me consolar. Em
qualquer lugar da casa.
Sofia abriu a boca por um momento, depois riu.
― Como passamos da nossa filha pra sexo em um segundo?
― Não foi assim que a gente fez a terrorista?
― Ah...! ― Sofia começou a caminhar até o banheiro, apenas com a
bolsa pequena. ― Você e suas respostas certeiras, Ferrero... Foi exatamente
assim que a gente começou a treinar a Maysa desde a excursão...
Pulei da cama quando ela entrou de vez e dei uma espiada rápida na
mala antes de ir atrás. ― Falando nisso...
― Nisso...?
― Você e eu. Só você e eu.
Sofia passava alguma coisa no cabelo quando cheguei por trás.
Estava tão cheirosa que rocei o nariz nos fios quase secos. Ela me olhou
pelo espelho, desconfiada, enquanto eu colocava os braços ao redor da sua
cintura e apoiava as mãos na pedra da pia.
― Você não tinha algo dentro da mala pra mim? ― perguntei de uma
vez.
Não dava para esperar. Não tinha condições de ir dormir sabendo
que havia uma fantasia de Mulher-Gato em algum lugar deste quarto. Fazia
quanto tempo desde a última vez? Anos! Porra, que ela não tivesse me
enganado...
― Tinha...? ― Sofia se fez de inocente, a maldade viva nos olhos
castanho-fogo.
― Não faz isso, linda... ― pedi balançando de leve a cabeça.
― Fazer o quê?
― Tortura. Pensei em você vestida de gata o tempo todo, porra.
Tenho que te ver naquele couro... E ainda tem a sua bunda com aquele rabo...
Preciso ver o plug no seu cu, você curtindo isso enquanto eu te como...
Era impossível não imaginar a coisa toda: corpo fantasiado, rabo de
gata, o rosto vermelho de tesão, os gemidos de puta que gostava de receber
tanto na boceta quanto no cu, ao mesmo tempo. Eu já estava muito duro, não
só o pau, o corpo todo. Fiquei tenso com a possibilidade de Sofia ter jogado
verde só para me provocar quando chegamos aqui...
Me diz que essa fantasia existe, gostosa. Diz que vai botar pra mim
agora...
― Era pra ser uma surpresa, sabia? ― Sofia falou mais séria, o que
fez o alívio bater quando notei que era real. A fantasia estava neste quarto,
caralho! ― Não era pra você ter visto nem o plug mais cedo...
― Eu sei ― respondi, pressionando o pau na sua bunda. ― Mas,
acredita em mim, linda, tô surpreso até agora...
Por onde começo? Já meto agora ou espero a fantasia? Não tem
como meter com a fantasia, nem botar o plug... Faço a vagabunda me
chupar antes? Meto entre os peitos dela? Isso dá pra fazer com a
fantasia...
― Posso colocar agora ― Sofia falou e empinou mais a bunda para
eu me esfregar ―, mas você vai ter que me esperar fazer uma maquiagem
também...
― Pra quê maquiagem?
― Porque faz parte da fantasia, ué! Olho preto e batom vermelho.
Imaginei os lábios vermelhos em volta do meu pau, deixando-o todo
marcado de tanto abocanhar fundo...
É, boto pra chupar primeiro.
― Como você quiser, gostosa.
Voltamos ao quarto, mas Sofia me pediu para ficar na sacada, para
que ela pudesse se trocar longe da minha vista, então sentei numa das
cadeiras e comecei a esperar. Ela até me deu o celular para que eu me
distraísse, mas nunca tive tanto interesse em internet e não seria agora que
despertaria. Só conseguia pensar em todas as vezes que vi Sofia vestida de
gata, lá em Porto Alegre, dias que ela queria fazer surpresa e conseguia, dias
que eu a pegava passando o couro pelas pernas, e ficava vermelha quando eu
a flagrava tentando caber no macacão. Parecia não ter ideia que eu só ficava
louco com a fantasia porque era ela quem a vestia, mesmo que eu já tivesse
dito ― mais de uma vez nesses anos ― que ela era dona de todas as putarias
da minha cabeça.
Por mais que as memórias fossem boas e mantivessem o meu pau
pronto, a demora dela começou a me tirar a paciência. Cheguei a desencher a
hidro e nada da Sofia terminar com a produção. Pedi uma, duas, três vezes
pra entrar de volta no quarto, e na terceira ela disse meu nome como se eu
estivesse pressionando. Fiquei na porta da sacada, com a respiração pesada,
só avisando que, quando botasse as mãos nela, ela ia gemer o meu nome
como uma puta na minha mão, como ficou hoje quando implorou pra eu
comer o seu cu. Escutei a sua risada depois disso e nada mais.
Porra... É só passar uma porcaria preta na pálpebra e batom nos
lábios já cheios... Por que essa demora toda, Sofia?
Depois de mais uns dez, vinte minutos, Sofia me chamou, e eu
finalmente deixei a sacada para fechar o vidro do quarto e ir até a parte da
cama. Ajeitei o pau e senti os meus lábios se repuxarem, antecipando o
sorriso que me receberia logo em seguida.
Vou te foder até essa fantasia ficar toda esporrada, gostosa do
caralho...
Antes de chegar até ela, tive a chance de ver o seu reflexo no
espelho, parecendo uma miragem da mulher que eu conhecia, mas que não
via há muito tempo. Ela estava ao lado da cama, em pé, só que estava de
costas, e a sua bunda...
Está sem nada...?!
Deixei os olhos do espelho e acelerei o passo até o espaço se abrir,
revelando-me a minha mulher vestida de gata num couro preto que...
Puta... Puta que...
Caralho.
Eu chamo Sofia de linda, amor, safada, gostosa, vagabunda, puta
quando a gente fode. Sempre a chamei, principalmente porque ela se revela e
cresce sendo chamada assim. Amo comê-la com essas palavras por isso: ela
se sente mulher, assim como eu me sinto homem quando a faço gozar e gritar
o meu nome. É enlouquecedora pra porra.
Só que agora, agora... Todos esses apelidos... Eu não sabia qual
dizer. Geralmente sinto quando devo dizer, tem o momento certo pra cada
um, só que agora, puta merda...
A fantasia tinha uma abertura entre as pernas, porra. E a bunda estava
de fora também, o couro desenhando as suas ondas na pele bronzeada que
depois escurecia um pouco, conforme começava a boceta... Ela se virou, e
eu vi os lábios, pouco deles porque ela estava de pé, mas estava ali o acesso
para que eu fodesse essa mulher sem precisar tirar a fantasia do resto do
corpo coberto de couro, que emoldava o corpo todo, desde as pernas até a
cintura fina e os peitos...
Puta que pariu, bicho.
Sofia ainda estava usando uma máscara que escondia só um pouco o
rosto, o batom vermelho nos lábios repuxados, os cabelos soltos e
compridos em volta...
Era a mulher do pornô da minha vida.
― Então... ― ela disse na voz baixa, gostosa, perfeita ― sentiu
saudade?
Passei os olhos mais uma vez por ela, de cima a baixo, com a boca
sedenta para chupá-la agora também...
Já não sabia mais por onde começar, porra.
― Pra caralho... Pra caralho... ― respondi me aproximando. Minhas
mãos voaram até a sua bunda, e eu a puxei para mim, porque isso tudo era
meu... ― Mas foda-se, vou acabar com essa saudade agora...
Começaria pelo óbvio: comendo-a com a boca. Depois seguiria os
nossos prazeres e dominaria o nosso instinto. Tinha a noite toda para fazer
isso, de qualquer jeito...
― Espera um pouco ― Sofia colocou as mãos enluvadas na minha
boca e distanciou o meu rosto do seu. Franzi o cenho, porque não parecia
certo ela me mandar esperar logo agora, depois de ter me feito esperar na
sacada. E eu não tinha um bom pressentimento sobre o tom que ela estava
usando... ― Ainda tem mais uma coisa, lindo.
O lindo, o sorriso que dava, os olhos brilhantes e quentes na máscara
preta...
― O plug? O lubrificante? ― perguntei, ficando exaltado de novo.
Ela estava querendo já no cu? Porra...
― Não ― Sofia respondeu com os lábios franzidos naquele
sorriso... Sorriso de porra louca. ― Tem mais uma novidade, fora isso.
Mais cedo, eu já havia deixado cair daquele saco um universo de
novidades. Provavelmente ela comprou metade do sex shop.
O que mais eu não poderia ter visto?
Sofia se agachou um pouco, apenas para pegar uma mala meio
pequena que estava aos seus pés. Eu me lembrava de que ela disse que ali
tinham sapatos quando colocou no carro, mais cedo. Não prestei atenção que
a mala estava aqui agora, mas peguei a alça quando ela me entregou.
― O que mais você tá aprontando? ― perguntei beijando o seu
maxilar. ― Hum, gostosa...? ― Mas, no fundo, estava mesmo era jogando
verde.
― Eu... Aprontando? ― Sofia riu.
Puta que pariu. Ela tá aprontando.
Comecei a abrir a mala sem tirar os olhos dela. Me senti meio
ansioso, tanto porque estava claro que a minha mulher guardava alguma
coisa naqueles olhos sapecas e porque ela estava gostosa pra caralho vestida
naquele couro, com a boceta e cu livres.
Meu pau chegava a pulsar.
Finalmente abri todo o zíper e arregacei a mala. Sofia tirou os olhos
de mim para olhar lá dentro, como se fosse uma novidade para ela também, e
o meu reflexo foi de fazer o mesmo, uma vez que a ânsia estava me fodendo.
Que caralhos é...?
Depois de olhar meio por cima, meti a mão e agarrei um tecido para
tirar de lá.
Era um colete. Não um colete de verdade, com tecido resistente e
grosso, era...
Cetim, essa porra?
Havia uma gravata presa à gola preta também e, quando olhei para o
bolso do colete, havia um emblema da...
Polícia.
― Que porra é essa, Sofia? ― perguntei de idiota, porque sabia o
que era, principalmente quando olhei de novo para a bolsa e encontrei ali um
quepe e o meu Ray-Ban.
Era uma fantasia de policial.
Uma porcaria de fantasia de policial.
― Antes pensei que... ― Sofia começou a responder, agitada,
pegando uma boxer com cinto que eu não tinha visto dentro, ou que o meu
cérebro ignorou para a minha dignidade. ― Se eu iria me fantasiar, você
poderia também... ― Ela abriu um largo sorriso, sorriso de uma mulher que
teve a ideia mais genial para uma foda.
Não... Não...
Não era uma ideia genial porra nenhuma.
― Não vou me fantasiar de policial ― falei, taxativo. Nem fodendo
eu me vestiria como um imbecil. Eu não me fantasiava nem para festas à
fantasia!
― Por que não? ― ela ainda perguntou, agora com os olhos
arregalados. Mesmo assim, sorria largo.
― Você sabe que eu não curto essas coisas... Olha pra esse colete e
esse cinto, caralho!
― Eu olhei! E gostei! Por isso comprei pra você usar!
― Você só pode estar tirando com a minha cara...
Encarei-a, otário, esperando que ela voltasse atrás, que dissesse que
era pegadinha, que eu poderia comê-la logo na fantasia de gata, de todas as
maneiras que a nossa noite sozinhos faria render...
Mas Sofia... Sofia estava com o demônio do corpo, eu conhecia. Ela
já tinha me feito de imbecil no sexo antes, não era sempre, mas quando
pegava pra fazer... Ia de striptease à ladeira abaixo. Eu só não esperava que,
dessa vez, fosse tão baixo quanto no inferno.
― Sério, Müller. ― Joguei a bolsa e o colete na cama. Aproximei o
rosto do dela e tirei a sua máscara, para que ela me olhasse sem brincadeira:
― Por que você quer me fazer usar isso?
Fiquei com vontade de pegá-la de uma vez quando ela me olhou com
a carinha insolente, os peitos quase pulando do decote da fantasia conforme
a respiração ficava mais funda e rápida... Mas a porra louca deu um passo
para trás, longe de permitir o que mais queríamos: foder com força. Eu
fodendo-a, tanto a boceta quanto o cu.
― Porque... ― Sofia disse menos insolente, dando um sorriso mais
leve ― você não gosta de como essa fantasia de Mulher-Gato te traz boas
lembranças? ― ela perguntou, levantando os braços para envolver o meu
pescoço na sua armadilha. ― Eu também queria recuperar boas lembranças,
tipo da gente transando no Impala até policiais aparecerem... Pensei que
agora, você sendo o policial, não seria problema praticar um ― ela
aproximou a boca vermelha da minha orelha ― ato obsceno...
O meu maxilar travou, a respiração acelerou o dobro que a dela e
meu pau, antes já pulsando, ficou tão duro que eu pensei que fosse explodir.
Ela não podia fazer isso comigo.
― A gente não está nem em local público ― eu argumentei.
― Se tem um policial em trabalho, claro que sim.
Não...
― Amor... ― Envolvi o seu corpo e a apertei contra mim, para
esfregar o pau nela.
― Qual é o problema, Téo? ― Sofia se afastou e colocou as mãos
nos quadris. ― Eu tô usando fantasia, já usei várias vezes, e agora que eu
peço você não pode?
― É diferente...
― Diferente por quê? Porque eu sou mulher? Porque mulher tem que
estar num pornô fantasiada, enquanto o homem não tem obrigação nenhuma
de realizar fantasias...
― Você sabe que não é isso, porra.
― Então...?
Franzi a boca, tenso, enquanto Sofia levantava as sobrancelhas:
então...?
Por que justo hoje ela decidiu me fazer de otário, porra?! Justo
hoje que eu posso fazer o que quiser, sem empaca-foda no quarto do lado?!
― Não tenho cara pra fazer isso ― respondi a verdade.
Sofia revirou os olhos. ― Anos juntos, e você tá com vergonha? Já
fez até strip pra mim! Mais de uma vez!
― Nunca foi ideia minha ― rebati.
― Mas você fez e, no fundo, gostou! ― Sofia rebateu de volta.
Fechei os olhos nela, com a certeza: ela não me deixaria comê-la hoje se eu
não botasse essa porra de fantasia. Foi tudo planejado, antes mesmo que eu a
provocasse fazendo-a implorar por comida de cu. Uma filha da puta safada,
a minha mulher. ― Ah, amor, não faz assim... Você sabe que gosta de me dar
prazer... ― ela veio pra cima com aquele tom de quem está prestes a
implorar. E eu adoro pra porra quando ela implora.
― É o que eu mais gosto quando te fodo...
― Então! Bota a fantasia... Por favor ― Sofia implorou colando o
corpo no meu. Passei o braço em volta dela. O corpo moldado no couro, pra
me foder. ― Só te de imaginar com ela, eu já fico toda molhada... Olha...
Sofia tirou um dos braços de mim para levar a mão à boceta.
Acompanhei os seus dedos delicados percorrerem desde o início até se
enterrarem no meu fim, entre as suas pernas. Quando tirou de lá, vi os dedos
melados, cheirando forte, que ela lambuzou a minha boca logo em seguida,
pra me tirar da realidade, porque seu gosto não era desse mundo.
Eu não queria ser um imbecil, mas, convenhamos, não foi isso que fui
com ela nas últimas semanas? Desde que ela me recebeu de braços abertos,
como sempre faz, prometi a mim mesmo que faria tudo o que Sofia quisesse
pra nós, qualquer plano... Não que eu esperasse por isso, de porra de
fantasia de policial, só que tinha escolha? Ela estava vestida de gata de
novo, bicho! Se não a fodesse desse jeito, meu pau faria o inferno na minha
cabeça. Sendo assim, preferia o dela, ao qual eu já estava queimando há
anos.
Olhei para os seus olhos, tão animados, lindos, desejosos...
A quem eu queria enganar? Estava longe de negar qualquer coisa
vindo dela.
― Eu vou botar, então ― aceitei de uma vez, e vi o seu sorriso ficar
mais largo e os seus braços me apertarem. Botei novamente a máscara no seu
rosto, que dava a ela um ar de perversa, por isso avisei: ― Mas se você der
risada, Sofia...
Ela mordeu o canto dos lábios como uma puta. ― O que vai fazer?
Depois que eu me trocar, Müller... Quando te tiver nas minhas
mãos, submissa...
― Trouxe pomada? ― perguntei, terminando de lamber o gosto dela.
“Você vai precisar.”
Capítulo 10
TÉO

Caralho... Caralho...
Eu parecia a porra dum político que tem foto vazada na internet... só
que pior.
Porque eu preferia estar gravando vídeo de punheta do que estar
usando colete, gravata, boxer com cinto e quepe de policial.
Nem me olhei por muito tempo no espelho, pra não dar pra trás logo
agora. Vesti a porra da fantasia no banheiro, o mais rápido que consegui, e
deixei o Ray-Ban pra trás, porque nem fodendo eu meteria em Sofia
olhando-a por trás de lente escura. Ia comer a vagabunda com ela de quatro,
com as pernas arreganhadas, por trás no cu lambuzado. Ia fazê-la me chupar
até engasgar e ia chupá-la, metendo os dedos até ela escorrer. Ia descer a
mão naquela bunda gostosa, morder e chupar os seios, agarrá-la pelo
pescoço e cabelo. E ia fazer isso a madrugada toda. Ela que se esquecesse
do amanhã, da trilha e do caralho a quatro.
Passaria o dia exausta na cama, comigo.
Respirei fundo antes de abrir a porta e vê-la ali, com o sorriso
enviesado que Deus deu à minha mulher. Anos fodendo-a, anos fazendo mil e
uma loucuras e, justo hoje, Sofia me inventa de ter tesão em policial... Pra
puta que pariu, viu.
Decidi sair logo pra não ficar pilhando. No fim, ela estava certa: se
ela vestia a fantasia pra mim, era justo que eu vestisse também, e não havia
razão sentir constrangimento a essa altura. Era só uma fantasia de policial,
eu ainda a teria na minha mão. A ideia de autoridade aqui só reforçava isso.
Abri a porta do quarto e, ao dar um passo e olhar para cima,
enxerguei Sofia na cama, bem de frente pra mim, sentada em cima das
próprias pernas. Eu adorava quando ela esperava por mim assim, parecia
uma caloura ansiosa. Isso me distraiu um pouco quando comecei a caminhar
na direção da cama vestido como um porra de ator pornô.
― Nossa... ― ela soltou enquanto me encarava. Estava rindo um
pouco, mas parecia de surpresa. Botou as mãos na boca suspirando. ―
Ficou mais gostoso do que eu imaginei ― Sofia falou com um sorriso puro
que, contraditoriamente, caía muito bem junto da fantasia de couro e da
máscara.
Gostoso, com esse colete?
É, certo.
― Que bom que você gostou ― falei subindo em cima da cama e
ficando diante dela. O quepe já estava me enchendo, apertado. Primeira
coisa que vou tirar... Estava prestes a agarrá-la de uma vez quando notei
uma caixinha na minha frente, que Sofia botou os olhos e pegou. ― O que é
isso? ― perguntei.
― Outra novidade ― ela respondeu.
Puta que pariu.
― Quantas novidades ainda tem, Sofia?
― Prometo que essa é a última...
Ela estava mexendo com a minha cabeça. Teve talento pra isso desde
que me conheceu e tempo o suficiente pra se aperfeiçoar. E, agora,
estávamos aqui: ela, eu e meu pau com a cabeça prestes a explodir, porque
eu não aguentava mais esse jogo.
Tirei a tampa da caixa de uma vez quando me entregou e puxei o que
tinha dentro.
Afinal, não era algo tão novo...
― Você pensou em tudo mesmo... ― falei logo que ergui as algemas
simples, leves. Já tínhamos usado algumas vezes, algumas em motel e
quando ela engravidou, principalmente quando engravidou.
Isto, Müller, é uma boa fantasia.
Eu nunca peguei muito pesado com ela durante a gravidez, mesmo
que Sofia quisesse ― acho que por isso apareceu com algemas um dia,
porque ela queria que o meu instinto dominador fosse instigado por ela
presa. E foi... só que eu não podia perder completamente o controle quando
ela carregava meu mundo todo na barriga.
Diferente de agora, que Maysa devia estar dormindo no sofá, e a
vagabunda estava vestida de gata, louca pra dar o cu.
― Não vou te soltar tão cedo... ― falei me aproximando ― sabe
disso, não sabe?
Antes de beijá-la no pescoço, me certifiquei se a cabeceira da cama
tinha fendas...
― Ah, amor... ― Sofia riu baixinho e suspirou quando chupei o seu
pescoço. ― Mas não é você que vai me prender dessa vez... ― Em seguida,
ela agarrou o meu rosto e me fez olhá-la nos olhos rodeados de renda. ― Eu
que vou.
O quê?!
― O quê?!
Sofia pegou as algemas da minha mão e riu, tranquila pra caralho.
― Eu que vou te prender hoje, oficial ― ela repetiu como se eu
fosse a porra de um surdo. Mas já tinha ouvido da primeira vez, eu só...
Não... Não...
Porra, não.
― Eu não... ― O quepe me torrou a cabeça, então o arranquei. ―
Seu tesão não é num policial, caralho?!
― É! E daí...?
― E daí que eu sou o policial...! Eu que devia te prender!
Sofia pareceu levantar as sobrancelhas, não dava para ter certeza
com a máscara. Mas ela afastou um pouco o rosto, com um sorriso
provocando não só os lábios, e girou as algemas nos dedos.
― No caso, eu sou uma ladra de joias muito experiente, Ferrero ―
ela disse usando um tom de jornalista sabe-da-porra-toda comigo. ― Se eu
consigo enganar o Batman, com certeza consigo prender um oficial da
polícia também.
Puta que... Ela realmente está levando isso à sério...
Sofia nunca usou algemas em mim. A única coisa que ela usou para
me prender ao longo dos anos ― e não muitas vezes ― foram laços. Mas
laços eram fáceis de soltar, aliás, era assim que ela gostava, não era?
Quando eu me soltava e descontava todo tesão que passei estando amarrado
por poucos minutos...
Agora, algemas? Por quanto tempo ela queria me prender?!
― Você prometeu que as novidades tinham acabado.
― E acabaram ― ela respondeu com um sorriso sapeca. Mas eu não
sorri de volta, apenas fiquei olhando-a aqui, bem de frente, com cara e corpo
de minha sem ser minha! ― Olha, amor... ― Sofia começou a dizer,
guardando o sorriso e ficando de quatro na cama. Eu só queria fodê-la por
trás, porra...! Isso era pedir muito?! ― No final das contas, você vai me
comer de qualquer jeito, tanto a minha boceta quanto o meu cu... ― Puta
merda, só de escutá-la dizendo isso eu já queria meter a mão nela, na sua
bunda, na sua boceta melada e no cu que eu lambuzaria com o lufrificante, o
gosto dela e a minha porra...
― Pra te comer do jeito certo, eu preciso estar solto. ― Travei o
maxilar.
― Então só assim que você dá conta? ― Ela levantou a sobrancelha.
Filha da puta.
― Não me provoca, Sofia...
Ela riu, o que me deixou mais puto e com tesão ainda. Estava tão
gostosa: os peitos quase pulando da fantasia, o couro agarrando o corpo, a
boceta livre roçando nos lençóis da cama... Ao mesmo tempo, ela tinha feito
tudo isso apenas para me fazer de otário, porque sabia que eu estava louco
pra comer o cu dela desde que chegamos aqui e que a fantasia de gata era o
meu fim...
Merda, meu pau tá doendo.
― Só tenta imaginar... ― Sofia se aproximou de mim quase colando
os nossos corpos. Ela colocou as mãos nos meus braços e falou próxima do
meu maxilar: ― Eu vou estar por cima, cavalgando o tempo todo... Depois
vou te chupar e encher o seu pau de lubrificante... Vou subir em cima de você
de novo, me lambuzar todinha, e enfiar o seu pau no meu cu bem devagar, no
começo, mas depois você vai poder meter no ritmo que quiser, quanto tempo
quiser... ― a maldita narrou tudo e foi impossível não imaginar. Piorou
quando ela me lambeu, uma, duas, três vezes, até chegar à minha boca
agarrando meu lábio com os dentes. ― Ainda vou gemer como a sua puta...
Prometo.
Não sei que caralhos aconteceu comigo, mas a próxima coisa que
senti foi um arrepio ansioso quando ela lambeu a minha boca. Minha alma
gritou: tá bom, porra! Faça o que quiser comigo, só rebole logo em cima
do meu cacete! Em seguida, meu corpo ficou tão quente e a adrenalina bateu
tão alto que eu me vi franzindo o cenho e olhando para as algemas que ela
insinuou.
Essa porra não é resistente o suficiente, não tem chave, só trava...
Vou conseguir me soltar a hora que quiser quando ela estiver
desprevenida...
― Sempre acabo fazendo tudo por você, não acabo? ― perguntei
quando encontrei os seus olhos de novo. Depois de encará-la fundo, ergui o
antebraços e dei meus pulsos, mais submisso impossível. ― Me prende logo
nesse caralho.
Como se ela não soubesse que eu cederia à tentação, a minha mulher
arregalou os olhos, que brilharam em chamas. Mas logo que levantei as
sobrancelhas, impaciente, ela comemorou colocando o quepe apertado na
minha cabeça.
Você não podia se esquecer, né?
Para a sua travessura, Sofia enfim passou as algemas nos meus
punhos e as travou. Gesticulei um pouco os punhos, sentindo-os apertando
como o quepe, e respirei fundo para continuar calmo e conquistar o que
queria só quando fosse a hora. Em seguida, ela descansou as mãos no meu
peitoral e empurrou até que eu me deitasse no colchão. Subiu em cima de
mim, ergueu meus braços e botou a outra parte das algemas na cabeceira da
cama, certificando-se duas vezes para ver se tinha feito certo.
Novata...
― Você tá muito quieto pra quem gosta de comandar tudo... ― Sofia
comentou depois que terminou. Ela estava em êxtase, tão animada que as
mãos corriam meio trêmulas pelo colete. Contudo, ainda estava desconfiada,
e confesso: com razão.
― Tem algo que eu sinta ou queira que você já não saiba, por acaso?
― perguntei.
― Não sei... O que você tá sentindo agora?
― Tudo o que senti da primeira e última vez que a gente fodeu.
Ela parou de correr as mãos por mim e os lábios se abriram
lentamente, surpresos, assim como os olhos grandes ficaram mais
sentimentais e leves agora.
Eu que estou preso, e você que se rende, linda?
― O que você quer? ― ela perguntou mais baixo.
O que eu já quis e o que eu sempre vou querer...
― Foder a louca que eu amo.
Sofia não respondeu... Bom, não com palavras. Ela só inclinou o
rosto em cima do meu e, colocando os cabelos atrás das orelhas como eu não
podia fazer, me beijou devagar. Se eu já estava de braços atados por ela, aí
senti o seu cheiro me pegar pelo pescoço. Perdi o ar com o seu perfume
gostoso que fiquei afobado, transpirando já como um filho da puta. Eu
precisava de mais, precisava de tudo dela.
Ela também ficou sem rumo, correndo as mãos depressa por baixo do
colete. Por mais que eu estivesse preso, os beijos eu que comandava,
envolvendo a sua língua e abocanhando a sua boca enquanto mordia em
volta. Sofia começou a gemer logo aí, subindo em cima de mim ao me
entregar o seu sabor. Contudo, quando o meu pau entrou em contato com a
sua boceta, que se esfregou em cima do tecido molhando-o, a coisa durou
pouco, muito pouco...
Eu não soube o que fazer quando minhas mãos, por impulso, tentaram
alcançá-la. Só vi o instinto ali quando as algemas fizeram um pouco de
barulho na cabeceira e Sofia abriu os olhos para me ver preso enquanto eu
xingava a porra apertada...
E não. Não era a sua boceta apertada, infelizmente.
Meus pulsos que, no máximo, estavam acostumados a lenços macios
e frouxos, nunca amarrando-me à cama, latejaram de sufoco, assim como os
meus braços endureceram. A vontade incontrolável de agarrar o seu quadril
com uma mão e com a outra apertar o pescoço, para fazê-la sentar repetidas
vezes no meu pau, fez com que eu dissesse contra a sua boca:
― Me solta, linda... ― implorei, sentindo o quepe atrapalhar, além
das algemas. ― Deixa eu te conduzir feito a vagabunda gostosa que você é...
Se antes os dedos trêmulos percorriam os meus músculos e a sua
boca correspondia ao ritmo da minha, agora, ela afundou as unhas compridas
e mordeu o meu lábio com mais força, puxando-o até que seu rosto se
distanciasse um pouco.
Então Sofia me olhou.
Olhou com os olhos de quem vai me fazer de otário até quando bem
entender.
― Nem tá dentro de mim e já tá me dando ordem, Ferrero? ― a
safada falou num tom pouco aborrecido. Por dentro devia estar deitando e
rolando, como a porra de uma gata mesmo...
Não era que a merda de fantasia tinha se virado contra mim, no fim
das contas?!
― Não... Tô implorando.
― Não escutei você dizendo por favor...
Porra... E se ela deixar o meu pau desamparado só pra me foder da
cabeça? Quantas vezes já não fez isso antes, com o tinhoso no corpo?
― Por favor, gostosa... Por favor, me solta ― eu fiz o que o diabo
mandou, porque, nessa situação, com uma filha da puta vestida de gata em
cima de mim, eu nunca iria pensar no resto de dignidade que posso usar no
juízo final algum dia.
Não me deixa... Não me deixa de pau duro e preso...
― Acabei de te prender, lindo... Acha mesmo que vou dar liberdade
logo de cara? ― Sofia mordeu o lábio num sorriso e levantou o tronco. No
enquadramento perfeito, consegui enxergar de novo o corpo emoldurado pela
fantasia. Eu odiava quando ela queria pegar a câmera no meio das fodas,
mas, dessa vez, acho que não seria tão ruim guardar recordação. ― Só
aproveita, Ferrero...
Afundei a cabeça no colchão, os braços em volta dela, tão tensos que
chegavam a fazer as veias se pressionarem contra a pele. Dentro da boxer
colada, meu pau acumulou um inferno inteiro de tesão, fazendo queimar a
virilha toda.
Preciso de você preciso de você preciso de você mais que tudo...
Caralho, o que eu faço???
― Me chupa, gostosa ― pedi erguendo a cabeça para enxergá-la de
novo. Parecia mais safada com a máscara, os olhos concentrados em mim
sem pureza alguma. Eu precisava do meu pau livre, e daqueles olhos me
encarando enquanto ela se engasgava com ele. ― Só... me chupa, porra, por
favor...
Ela podia me torturar mais, porém, por um milagre, não torturou.
Apoiou as mãos no colchão, em volta de mim, e de novo minhas mãos
tentaram se soltar.
Essas porcarias são mais resistentes que eu pensei...!
― Isso não vai rolar enquanto você não se acalmar ― Sofia falou
com uma voz doce, que estava me deixando com vontade de cessá-la com
porra.
― Tô calmo, caralho.
Sofia riu. ― Uhum... Ó, como sou muito caridosa, vou colocar um
travesseiro atrás da sua cabeça pra ficar mais confortável, oficial.
Tô preso igual a um vira-lata. Na sua cabeça, como vou ficar
confortável assim?!
Mas ela pegou o travesseiro e, mesmo que isso não me ajudasse no
momento, pelo menos levantou a cabeça para que eu pudesse vê-la melhor
com a boca em mim. Porque, depois de me ajeitar, foi isso o que Sofia fez:
desceu para o meu pau, ainda de quatro, e começou a beijá-lo por cima da
fantasia. O quepe, o cetim e a boxer colada estavam me incomodando pra
porra, mas guardei as reclamações porque vi que ela tinha gostado de
verdade. Nasci pelado, pra mim, fazia sentido que fodesse assim também. Só
que, pelo jeito, Sofia não me libertaria de nada tão cedo, então me contentei
quando ela começou a desabotoar o cinto da fantasia.
― Como você quer que eu te chupe? ― foi o que me perguntou
depois de deslizar o cinto até tirá-lo. Não parava de sorrir, sabendo que a
minha alma era sua.
E a imagem de Sofia fazendo o que estava prestes a fazer tomou a
cabeça.
― Devagar, babado... até engasgar ― respondi. Se eu que estava
preso, o mínimo mesmo era ela fazer tudo do jeito que eu queria. Tirando
que as minhas pernas estavam soltas, o que agilizaria na última parte do
boquete, pelo menos.
O meu peito já estava alterado o bastante. Podia sentir a cabeça do
pau inchada pra caralho só de imaginar Sofia mamando do jeito devoto que
sempre fazia.
Eu queria esse boquete mais que tudo, e ela sabia. Via nos meus
olhos ansiosos, na minha respiração fodida e no som afobado que vinha de
consequência.
Foi por isso que, ao invés de me libertar da boxer, Sofia começou a
passar as unhas em cima de mim, lamber por cima do tecido, gemer que
amava o meu tamanho, a minha grossura... Mas nada de meter a boca de uma
vez. A vagabunda continuava me provocando, até mesmo depois que repeti
por favor ― coisa que eu não estava acostumado a fazer. Era para eu estar
agarrando o seu cabelo e comandando que ela abaixasse de uma vez a porra
da boxer, para eu foder a sua boca...
Tentei me libertar das algemas de novo, que fizeram um puta barulho
na cabeceira.
Sofia parou de me beijar e me encarou.
― Você não tá levando isso à sério, Ferrero ― ela disse mais rígida
que antes.
Contraí o maxilar e os punhos, o coração acabou indo junto...
Como eu queria estar solto pra mostrar quão sério levava a sua boca
em mim.
― Não consigo evitar, gostosa.
― Da próxima vez que você tentar se soltar... vou te punir.
― Já tá me punindo, porra.
Sofia tombou um pouco a cabeça para trás e riu. Riu de mim, a filha
da puta, enquanto poderia estar mamando em mim.
― Isso não chega nem perto do que eu posso fazer ― voltou a
responder rigorosa. Agora me diz, inferno: essa porra de fantasia de policial
servia pra quê, afinal?! Ela só queria me fazer de otário pelo resto da noite?
― Posso continuar sem que você me distraia? ― Sofia perguntou por último.
De primeiro, resmunguei por instinto... Porém, quando senti que ela
se afastou do meu pau, voltei atrás:
― Pode!
Ela queria rir, sei que queria. Tentou disfarçar, mas não sou trouxa.
Quando eu me soltar, Müller...
Ela acabou aproximando o rosto do meu pau de novo, agora, com as
pontas dos dedos arranhando as minhas coxas até chegar ao limite da boxer.
Então sorriu antes de arrancá-la, libertando-me de uma vez. Passou a boxer
pelas pernas, sem pressa, e deu o primeiro beijo na virilha, o que fez o meu
peito acelerar, o coração espancando o pulmão, porque, em seguida, ela
raspou os dentes e continuou beijando em volta do meu pau antes de botá-lo
na boca.
Tive que fazer um esforço do caralho para me manter relaxado e não
forçar os braços ou as pernas para comandar que me engolisse todo e
mamasse a cabeça. Ela me queria rendido no sentido mais impotente da
coisa, sendo que eu estou longe de ser alguém que abre mão do físico.
Apesar de ter sido amarrado algumas poucas vezes, nunca foi como estava
sendo agora, com ela proibindo até mesmo de me mexer. Isso já tinha
ultrapassado os níveis da provocação e da tortura.
A filha da puta estava vestida de gata, porra! Assisti-la me chupar
assim, sem poder tocá-la, era punição!
― Téo, você tá bem...? ― Sofia perguntou justo na hora que ia
mover os lábios pra base no meu pau.
Puta. Que. Me. Pariu.
― Só continua ― eu respondi tentando não soar mandão.
― Sua respiração tá acelerada demais... ― disse, resolvendo se
preocupar justo agora. ― E o seu rosto tá tão vermelho que...
Olhei para ela, impaciente.
― Deve ser porque tem uma ladra vagabunda em cima de mim que tá
roubando todo o ar que me resta.
Sofia arregalou um pouco os olhos, porém, logo após confirmar que
eu não estava prestes a ter uma parada cardíaca, pareceu bastante orgulhosa.
― Acho que vou terminar de tirar o resto, então ― respondeu e,
agarrando a base do meu pau, abocanhou a cabeça e deslizou pelo
comprimento o máximo que conseguiu, soltando-o para abocanhar um pouco
mais e engasgar na primeira chupada.
PUTA QUE PARIU!
A sensação foi tão fodida, a cabeça inchada na língua dela, a pressão
da mamada, o calor da sua saliva, que eu cheguei a urrar de tesão. Meus
punhos se fecharam de novo e, mesmo que meus braços já começassem a
sentir o desconforto da posição, eu me vi franzindo o cenho e os lábios,
louco para que ela continuasse desse jeito.
E foi o que a puta fez: começou a mamar do jeito que eu pedi. Não
fez devagar, me babou inteiro e, mesmo com os olhos enchendo-se de
lágrimas, olhou pra mim conforme tentava chupar até o final.
Porra... Porra... ela era a minha esposa, eu sabia, mas, agora...
Eu não me sentia num quarto de hotel com a minha esposa.
Eu me sentia num puteiro, com uma vadia que, por acaso, eu prometi
amar e respeitar no altar.
― Eu amo o seu pau, Ferrero... ― Ela gemeu entre uma chupada e
outra. Agarrou-me de novo, batendo uma junto. Do caralho...! ― Amo o seu
gosto antes de engolir toda a sua porra forte de uma vez...
Sofia me abocanhou de novo e, depois de chupar mais devagar,
concentrou-se na cabeça pra mamar bem cachorra, com os olhos grandes e
provocantes em mim. Já sentia aquela porra como uma bexiga dura, minhas
veias só corriam para inchar a cabeça do meu pau. Num pulo, me
desconcentrei do que ela havia me pedido para fazer e, movido pelo tesão de
tratá-la como minha, flexionei os joelhos e apoiei os pés no colchão.
Não dei tempo pra ela ver a situação, comecei a meter na sua boca.
Sofia já estava com a cabeça toda inclinada, na posição perfeita para que eu
metesse no rumo, então impulsionei o quadril numa tremedeira por causa da
pressão e do prazer que foder a boca dela era. A puta também estava meio
presa entre as minhas pernas, o que acabou me dando um pouco do controle
que me foi tomado.
Agora sim tô realizando a fantasia. Que boca gostosa, caralho...
Que mulher, a minha...
Num impulso, meus braços reagiram, e a próxima coisa que fiz foi
tentar abaixá-los com rapidez, porque eu precisava agarrar a sua cabeça e
mantê-la paradinha e firme pra foder mais...
De novo, as algemas fizeram barulho na cabeceira.
Sofia não reparou na hora.
Quer saber? Que se foda.
Meus pulsos latejaram de sufoco e os braços arderam de vontade,
então tentei me soltar da merda das algemas, dando por encerrada a
brincadeira particular que essa puta me botou pra encenar. Dei impulso uma
vez, depois dei impulso outra num tranco mais firme... O som metálico
criava um ruído no quarto todo, mas escutei um barulho de trava...? Mais
alguns impulsos com mais força, e eu me soltaria. Tudo fácil, como a boceta
da minha mulher.
Sorri só de prever o que faria com ela daqui a...
― O que você acha que tá fazendo, Ferrero? ― Em questão de
segundos, meu pau saiu do céu onde mergulhava. Sofia ergueu a cabeça e
endireitou o tronco até se sentar em cima das próprias pernas. Ela olhou para
as minhas mãos.
Quase lá, quase lá, porra!
Troquei de posição na oportunidade, erguendo o tronco e abrindo os
braços estilo Cristo para me apoiar na cabeceira da cama.
― Não tô me aguentando...! ― respondi respirando fundo, agora com
o peito chegando a doer, de verdade. Porra... será que ela estava certa em
se preocupar comigo? Porém, a dor não era maior que o desamparo que eu
sentia na pau, então olhei-a implorando. ― Volta me chupar, linda... Tava
mamando tão gostoso...
Sofia tirou a máscara e me encarou com os olhos estreitados,
contrariados.
― Eu não estava mamando porra nenhuma no final, Téo. Você
começou a meter sem dó! ― ela me corrigiu, e eu não podia nem negar,
porque os seus olhos ainda estavam meio úmidos dos engasgos que eu
causei. Mesmo assim, ela ainda estava linda com o rosto vermelho e os
lábios borrados de vermelho do batom. Eu ainda queria tirar o resto daquela
boca cheia...
― E você gostou, não gostou? ― perguntei, avaliando os seus gestos
com mais atenção ao invés de dá-lo ao meu pau ainda sedento. ― Curte
tomar na boca como a única vadia do meu puteiro... Não me engana, não se
engana, amor. ― Repuxei um sorriso não convencido... Não quando tenho
razão do que eu digo. ― Agora volta a me chupar, que eu sei que você já tá
molhada por isso...
Se já estivesse livre, eu a puxaria para mim e com certeza Sofia
viria: seus olhos estavam tão sedentos quanto os meus sentidos.
Ela ficava louca por me ver louco. Tinha tanto tesão no meu pau duro
que até hoje se masturbava com foto minha. Foi sempre assim, e eu esperava
que não mudasse nunca.
― Eu estou completamente molhada ― Sofia confessou com os
olhos presos nos meus. Repuxei mais os lábios e fiz um gesto para descer em
mim de novo. Mas ela levantou a sobrancelha e gesticulou a cabeça em
negação. ― Mas isso não quer dizer que você comanda a minha boceta,
muito menos o resto.
Meu sorriso morreu.
― Só volta pra mim, linda... ― eu comecei a dizer, rodando os meus
pulsos apertados contra o metal fino. Só distraí-la um pouco mais e... ―
Meu pau precisa de você...
Antes que eu pudesse dar mais um impulso para tentar me soltar,
Sofia avançou para cima de mim e agarrou os meus antebraços. Ela fincou as
unhas, fincou de verdade mesmo as unhas na minha pele, o que me fez franzir
uma careta. Mas não foi de dor.
Puta que pariu... Ela era melhor que uma puta boa de chupar.
Ela era uma puta louca pra me fazer só dela.
Agora, mais próximos de novo, senti seu perfume se infiltrar em mim
e perdi o controle das palavras e até mesmo do olhar: ela estava linda me
encarando, mas o decote da fantasia era de foder... e, se eu olhasse um pouco
para baixo, dava para ver as pernas abertas agarradas no couro, a não ser
pela boceta livre, que eu queria com todo o meu ser sentir molhada como ela
disse que estava.
Tô perdendo o controle, o peito, a cabeça...
Então ela aproximou o rosto do meu, a boca borrada da minha, e
falou:
― Eu disse que ia te punir se você tentasse se soltar, Ferrero.
No momento que Sofia se moveu, eu realmente pensei que ela se
sentaria no meu colo. Ela falou que me puniria, mas não podia se levar à
sério...
Pelo menos não muito...
Eu a vi abrir as pernas uma de cada lado das minhas, porém, ao invés
de sentar, ela jogou a outra perna também para o lado direito, para deixar a
cama. Mantive a posição de Cristo, mas a minha cruz era mesmo ver essa
mulher desfilando na fantasia sem poder tocá-la. Ela ainda se inclinou para
pegar algumas coisas no criado, empinando a bunda seminua. O couro se
repuxou mais, apertando a carne.
Vou precisar dessa fantasia pelo menos uma vez por semana a
partir de hoje, nem que eu tenha que deixar Maysa com o Japonês...
Ela se aproximou novamente da cama e, deixando os olhos caírem
nas suas mãos, finalmente notei que pegou o lubrificante e o plug de rabo.
A vagabunda já queria sentir prazer pelo cu. Porra.
A imagem do plug enfiado na bunda dela foi demais, tanto que eu me
vi expirando forte conforme o meu pau se antecipava na sensação de comer
algo tão apertado. Estava preparado para me soltar quando Sofia ergueu a
perna e a apoiou o pé no colchão, bem próxima de mim. Foi nesse ângulo
que enxerguei a sua boceta com mais clareza e me vi prestes a pedir que ela
se aproximasse todo resto, para eu meter a língua ali de uma vez...
― Sabe, Ferrero, eu teria te soltado pra isso ― ela disse antes de
mim, olhando para os objetos nas suas mãos. ― Ia permitir que você
pegasse o lubrificante e passasse em toda a minha bunda. Ia permitir que
você lambuzasse o meu cu metendo o dedo, igual você começou a fazer
quando a gente viu que sentia tesão em anal... Ia permitir que você pegasse
esse plug e botasse na minha bunda, depois tirasse e botasse de novo...
Quando deixasse, eu ia permitir que você me fodesse na posição que
quisesse. E, quando quisesse meter por trás, ia permitir que tirasse o plug e
enchesse o meu cu só de você, até soltar todo o leite em mim.
Me solta me solta me solta me solta me solta...!
Eu não sabia o que dizer. Só sentia que o meu pau precisava de cu
agora mesmo!
― Mas você não merece ser solto ― Sofia falou antes de subir na
cama com o pé que estava apoiado e virar de costas para mim, para se sentar
em cima das minhas pernas estiradas. ― Então vou ter que fazer tudo
sozinha...
Uma parte de mim estava ligada que o som de trava que ouvi antes
era de uma das algemas, provavelmente uma mão já estava solta... Só que
ouvir aquilo me travou.
Como assim vai fazer sozinha...?!
Sofia deixou o plug de lado num primeiro instante e se concentrou em
abrir o lubrificante. Depois de se posicionar com a bunda empinada e as
costas um pouco arqueadas, virando o rosto para trás, ela me encarou como
a personificação do demônio mais tentador que poderia cair do céu.
Você não pode...
Ela moveu a embalagem para trás e, apertando-a, deixou o líquido
cair desde o cóccix até se derramar na bunda toda. Foi tanto que o
lubrificante caiu nas minhas panturrilhas, e Sofia fez um “oh” encenado com
a boca, seguido por uma risadinha tentada.
Ela pode. Porra, como pode...
A não ser pela parte que estava me fazendo assistir a tudo isso preso.
Depois de molhar tudo, a bunda, as minhas pernas, até os lençóis,
Sofia levou a mão atrás de si para se lambuzar. Ela apoiou uma das mãos na
minha canela e, com a outra, começou a lubrificar-se, fazendo a bunda toda
brilhar como se fosse feita pra mim...
― Linda...
― Cala a boca, Ferrero.
Que porra...?
Abri a boca, puto com o comando, mas sem coragem de tirar os olhos
das suas mãos se acariciando, se afundando no vão estreito da bunda.
― Sofia... ― eu a chamei pelo nome, para que ela visse que a coisa
era séria. Suas mãos pararam de se mover por um instante e só aí eu subi os
olhos para os dela. A filha da puta estava rindo bem de leve. ― Na hora que
eu me soltar ― comecei a avisar ―, toda essa punição vai voltar em
dobro...
― Sério? ― provocou com uma sobrancelha erguida.
Ela queria me fazer de otário até o talo? Eu deixaria, deixaria até o
fim. Prometi a mim mesmo que faria o que a minha mulher quisesse hoje e
agora estava aqui, preso à cama, usando fantasia de policial, assistindo a cu
e boceta molhados sem poder meter. Nunca fui otário nesse nível por causa
da sua boceta na vida. Mas tudo bem, se era o que ela queria, minha alma e
punhos eram dela.
Sofia só precisava lembrar que, a partir do momento que me
conquistasse por completo, em resposta, eu a tomaria pra mim também.
Sem provocação, sem paciência, eu a tomaria no duro.
― Vou te foder como nunca te fodi antes ― prometi.
― O que você vai fazer, oficial? ― perguntou, simulando uma voz
ingênua, a mão voltando ao trabalho de lubrificar a bunda. Porém, o
interessante veio mesmo em seguida: ― Me bater? ― Olhei os seus lábios
se movendo. E dos lábios, encarei os olhos num brilho especial.
Estreitei o olhar, instigado.
Por acaso... Isso é uma sugestão?
― É o que você merece ― respondi, sem conseguir evitar seguir o
rumo do sorriso que ela abriu em seguida.
― Talvez mereça... ― disse baixo, mordendo o lábio. No entanto,
depois de pegar novamente o plug anal, toda lubrificada, Sofia completou:
― Mas agora você só assistir de boca calada, Ferrero.
Agora...
Depois, só não vou eu calar a sua boca porque puta minha grita
meu nome.
Os meus punhos se contraíram e o meu maxilar travou quando Sofia,
cheia de cuidado de moça e gemido de mulher, começou a botar o plug no cu.
Ela estava quase de quatro, a não ser pela mão que fazia o trabalho ― que
deveria ser a minha, enquanto a outra passava pelo couro da fantasia...
Ela era uma súcubo do inferno mais baixo.
― Qual é a sensação? ― perguntei enquanto acompanhava tudo: o cu
recebendo o plug e o rabo balançando, ouvia tudo: o som molhado do
lubrificante em contato do metal, cheirava tudo: o perfume, suor e tesão que
exalavam dela.
Sofia gemia baixinho, como se tivesse experimentando algo novo. ―
De prazer no cu? Ou de saber que você tá vendo isso de fora? ― a filha da
puta provocou. De novo.
― Os dois ― entrei no seu jogo.
Então ela me encarou, com os olhos enviesados.
― Melhor, impossível.
Você sabe que está me enganando e se enganando, amor...
Melhor só fica comigo dentro.
Ela terminou de colocar o plug e, no momento que o metal coube
certinho na sua bunda, a puta rebolou pra se exibir pra mim.
Isso fez com que eu corresse as algemas na cabeceira da cama e o
barulho de antecipação ecoasse no quarto.
Vou meter tanto a mão nessa bunda com esse rabo...
― Tem mais alguma coisa que você pode fazer sozinha?
― Claro... O que eu sempre faço quando você me deixa na cama pra
lidar com a outra Müller...
Sofia deitou a cabeça em cima da minha canela, mas manteve a bunda
empinada, rebolando tão devagar, tão gostoso, que o rabo balançava
sutilmente. Em seguida, guiou uma das mãos entre as pernas e começou a se
masturbar, na posição que me dava total acesso visual a sua boceta
lubrificada do cheiro artificial e do cheiro dela mesma.
Na segunda vez que corri as algemas na cabeceira, percebi que, na
direita, a trava já tinha afrouxado. A outra, provavelmente eu só precisava
de um ou dois impulsos para ceder, e aí me soltar seria questão de
segundos...
Mas eu não faria isso agora. Ainda tinha o que dizer a ela.
― Você se toca vagabunda assim enquanto eu nino a Maysa?
― Eu sou sempre vagabunda.
― Mas é minha vagabunda... No que você pensa pra continuar
molhada?
― Em você me assistindo, como tá fazendo agora...
Porra...
A última sílaba saiu com um gemido mais alto, quase uma súplica de
prazer. Eu já podia sentir a energia do seu corpo mudando de acordo com a
frequência da masturbação e da estimulação do plug: Sofia estava
friccionando de leve, num estado fora de órbita. Ela sempre fez parecer que
o seu prazer não era algo humano, mas algo dos céus, algo que só um astro
meio sol e meio lua poderia alcançar. Por isso eu tinha essa imagem tatuada
no peito: ela era o astro que gemia na minha terra.
Os meus punhos algemados se agitaram de novo.
― Isso não te faz sentir suja? Sua filha inocente no outro quarto
enquanto você só espera eu me livrar dela pra voltar pra você?
― Você tá fazendo muitas perguntas pra quem tem que ficar
caladinho, Ferrero. ― Sofia ergueu o tronco e me fitou por cima do ombro.
― Você desperta a minha curiosidade.
Ela deu um sorriso débil e voltou a se masturbar. Antes de deitar a
cabeça de novo, respondeu:
― Essa é a melhor parte de dar pro pai da minha filha.
Corri com as algemas de novo, o pau estourando.
Eu tô quase...
― O que eu tenho que fazer pra te comer agora?
― Você não se parece muito com o pai da minha filha agora, oficial.
― Sério? Com quem eu me pareço?
― Eu não sei... Que tipo de cara você é agora, assistindo a uma
vagabunda se masturbando?
― O pior tipo.
― O que é o pior?
― O que só tem um impulso.
― Qual?
― O de foder essa sua boca suja e o seu cu e boceta a ponto de te
deixar de cama no dia seguinte.
Sofia parou de se masturbar por um momento, que acabou não
durando muito. Depois de xingar baixinho, levou dois dedos à boceta,
enquanto o polegar se mantinha pressionado no clitóris.
― Que pena você estar preso demais pra fazer isso...
E eu estava. Não os meus punhos, mas a minha atenção estava toda
nela, na maneira que os dedos se afundavam na boceta, deslizando melados
quando ela os tirava pra meter de novo. O rebolado fazia o rabo de gata
tremer tanto quanto as suas pernas, e os gemidos, puta que pariu, que
gemidos...
Eu podia escutar o som de parafusos caindo dentro da minha cabeça.
A manutenção de controle estava se desgastando, assim como a pouca
paciência para a submissão.
Eu não prestava só na supervisão, porra.
Precisava sujar as mãos.
― O que o pai da sua filha faria? ― perguntei por cima dos gemidos
dela, que aumentaram a frequência assim como as veias do meu pau em
resposta. ― Imploraria?
Sofia demorou um pouco a responder, muito imersa no próprio toque.
― Um pouco... Ele também sente tesão quando faço implorar.
Levantei as sobrancelhas.
― Sente?
― Meu marido sabe ser trouxa pra benefício próprio. ― Outro
gemido alto.
‘Trouxa’?
Porra, você tá tão fodida, Müller...
― O que mais ele faria? ― perguntei. As algemas correram na
cabeceira.
― Não calaria a porra da boca ― ela rebateu, puta nos dois sentidos
da coisa. ― Ele tem sérios problemas com falta de controle, mesmo que eu
esteja no comando.
Minha respiração saiu pesada.
― Então você sabe comandar?
A dela saiu ainda mais pesada.
― Por que não me escuta pra ver...?
A primeira vez que ela se masturbou pra mim, fui eu quem pediu.
Naquele chalé vazio, queria ver tudo sobre Sofia, e assisti-la se tocando
sabendo que já tinha feito antes me fantasiando foi um dos ápices do meu
tempo de colégio.
Porque ela fez o que eu pedi. E gostou de como a fiz gozar depois,
como uma puta.
O que tornava contraditório pra porra que, depois de anos juntos,
depois de ter fodido essa mulher incontáveis vezes, explorando toda a sua
safadeza, eu estivesse longe de ter um pedido relevante aqui.
A filha da puta começou a gemer como uma cachorra. Sem os meus
dedos, sem a minha língua, sem o meu pau, Sofia se tocou como se estivesse
sozinha, com os dedos deslizando experientes e o melado começando a
escorrer nos lábios da boceta. Ela ainda mantinha a mesma posição: de
quatro, mas deitada com a cabeça nas minhas pernas. A pintura do rabo de
gata direcionada toda para mim, enquanto os gemidos, como eu não ouvia há
tempo, batiam contra as paredes de hotel.
Não acredito que os nossos vizinhos vão escutar um show do qual
eu não faço parte. Puta que pariu. Só falta essa mulher começar a...
― Ah, Deus... Porra... Porra, porra, po... Ah... ― Sofia gemeu,
fincando as unhas nas minhas panturrilhas. ― Eu vou... Eu vou gozar...!
NEM FODENDO! VOCÊ NÃO VAI GOZAR PORRA NENHUMA
SEM MIM!
Não dava mais. Paciência já tinha ido pra puta que pariu.
Eu vou me soltar e te fazer implorar pra gozar com o meu pau
atolado no seu cu, sua puta.
O que antes era só o barulho irritante das algemas correndo na
cabeceira, virou um som agressivo quando impulsionei os braços com toda a
força para a frente. A posição de Cristo já tinha dado e o meu pau doía como
o inferno de tanto segurar porra.
Caralho, eu precisava meter até o talo.
Caralho, precisava meter a mão nela.
Caralho, precisava do seu corpo por baixo do meu, enquanto eu
metia tudo o que tinha direito dentro dela.
Eu sabia que Sofia estava quase lá, a um bater de asas do orgasmo,
quando dei o segundo e último impulso, soltando a trava da algema esquerda.
O som do metal em colisão com o da cabeceira da cama só não foi mais alto
que o da minha respiração: metade fúria, metade tesão.
Agora eu ia foder essa vagabunda até a loucura.
Nem me dei tempo de pensar em dor latente, em ordem dela, em
fantasia planejada: agarrei Sofia do jeito que ela estava com um só braço,
virei-a para o outro lado da cama e a deitei de bruços, subindo em cima das
suas coxas para prendê-las e afundando a mão na sua nuca contra o colchão.
Ela soltou um grito surpreso misturado ao gemido puto que se perdeu com o
orgasmo quase alcançado, mas não dei muito tempo a isso também: tirei a
porra do quepe apertado e aproximei a boca da sua orelha.
― Eu avisei que quando me soltasse ia te foder como nunca antes ―
falei grosso medindo a sua respiração alterada. Em seguida, grudei a boca na
sua bochecha quente: ― É o meu nome que você vai gritar enquanto goza,
sua puta. E quando acontecer, vou continuar te fodendo até você entender que
só goza assim quando tá comigo.
O tempo acabou aí, com ela submissa em baixo de mim, começando a
choramingar baixinho de tesão, quando me distanciei do seu rosto e,
encaixando a cabeça do meu pau bem na sua boceta, meti tudo de uma vez,
num impulso tão forte como fiz com as algemas antes.
Meu pau se afundou inteiro na boceta molhada e tão quente que eu
podia sentir queimar de prazer as veias que subiam à cabeça. Sofia reagiu
com um gemido que raspou a sua garganta e, comprimindo mais as pernas em
baixo de mim, uma tremedeira dos infernos. Ela gritou meu nome em
seguida.
Puta que pariu.
Eu vou gozar.
Não meti de novo quando percebi que a porra estava para explodi,
porém, me mantive dentro dela, muito longe de sair. Quando escutei-a me
xingar de filho da puta, desabotoei o colete e, num vislumbre, captei o cinto
da fantasia ainda em cima colchão.
O que você vai fazer, oficial?
... Me bater?
Louco pra puni-la, peguei o cinto e, mais louco ainda para vê-la
gostando, puxei o seu cabelo para trás até levantar o rosto do colchão e
passei o cinto em torno do pescoço. Soltei seu emaranhado de cabelo para
pegar a outra ponta do cinto e juntá-las com um torcido em um só antebraço.
No momento que seu rosto se levantou mais, vi que ela comprovou a
loucura: encontrei um sorriso satisfeito nos lábios borrados.
A vagabunda queria, pela primeira vez na vida, que eu descesse a
cinta nela.
Agora isso é uma novidade, gostosa.
― Pede ― mandei, com a adrenalina indo à mil.
Sofia tentou virar o rosto para me olhar por cima dela, mas se
manteve quieta, a não ser pela respiração caótica com o esforço de manter a
cabeça levantada.
Me debrucei sobre ela de novo, apertando um pouco mais o cinto no
pescoço. A puta choramingou tão gostosa que eu grunhi rouco, sentindo a
cabeça do meu pau apertada dentro dela.
― Pede, vagabunda ― alertei pela segunda e última vez.
E, como eu esperava, ela optou por ser teimosa. Só assim
conseguiria o que queria.
― Nã-o ― Sofia rebateu com esforço, olhando-me diretamente com
seus olhos quentes e atentados. Eles brilhavam tanto que eu mal podia
acreditar... Acreditar que ela queria aquilo, apanhar, apanhar pesado...
A não ser pela parte que eu queria descer a cinta nela da mesma
forma.
Por isso, eu não tive problema algum em deslizar o cinto pelo seu
pescoço e, agarrando-a pelo rabo de cabelo de novo, fazê-la se arquear para
que eu descesse o couro contra a lateral da sua bunda.
O barulho de cintada inundou o quarto junto com o seu grito intenso.
Sofia se contraiu em baixo de mim, se contraiu tanto que ela
fraquejou e quase desabou no colchão de novo, mas eu passei o braço em
torno dela antes que isso acontecesse. Coloquei as suas costas contra o meu
peito, sentindo o seu corpo tremer como nunca havia sentido antes. Ela
estava tão vulnerável agora, mas tão frenética na mesma medida. Os dedos
apertavam firmemente os lençóis da cama e seu sorriso era tão alterado que
eu a escutava sorrir.
― Pede ― comandei de novo.
― Não ― ela quis de novo.
Estalei o cinto mais uma vez.
Outro grito. Alto, selvagem. Seu corpo tremeu tanto que ela chorou.
― Pede.
― Não.
Tirei o braço em torno dela e levantei o tronco, deslizando o pau
para fora também. Me dei espaço e, colocando o rabinho do seu cu para o
lado, estalei outra cintada, agora na pele nua e não vestida de couro de gata.
Ela gritou tão cortante dessa vez que eu tremi. Tremi de tesão,
sucumbindo a ele também. A marca da cinta avermelhou na sua bunda de
uma maneira que meu coração bombeou do mesmo sangue, marcando meu
peito em conjunto.
― Pede.
― Não.
Bati do outro lado.
O seu choro se tornou audível, misturado aos gemidos de prazer.
― Pede.
― Não.
Estalei mais forte. Ela gritou mais forte também, outro não.
Estalei de novo.
Gostosa num caralho que eu nunca imaginei antes.
Sofia me olhou de novo, virando um pouco o rosto.
Os olhos nublados de lágrimas. As sobrancelhas cruzadas. As
bochechas pegando fogo.
E o sorriso. O sorriso de quem merecia apanhar.
Desci a cinta mais uma vez e, quando ela tremeu forte, fechando os
olhos e mordendo os lábios com força, passei o braço em torno dela de novo
e, afundando a boca no seu pescoço, mandei uma última vez:
― Pede, safada.
Sofia cedeu os braços, deixando todo o peso do tronco apenas no
meu. Segurei-a ainda contra o peito, louco pra meter de novo, louco para que
ela fosse minha e, uma vez minha, livre para ser a vagabunda que ama ser.
― Me fode, filho da puta ― ela, enfim, se submeteu.
Não dei tempo para que se recuperasse das cintadas: depois de
ajeitar o pau de novo, apoiei o braço no colchão e meti tudo dentro dela. E
meti outra e outra e outra vez, escutando-a gritar meu nome outra e outra e
outra vez. As metidas se tocaram ritmadas, num ciclo barulhento e primitivo.
Era tudo ao mesmo tempo: o som da boceta molhada sendo socada, o cheiro
forte de mulher, o corpo sensível embaixo e junto do meu. Ela tremia se
friccionando, os mamilos dos peitos durinhos no meu braço, o rosto
contraído de prazer. Porra, ela era a única nesse puteiro e não houve e nunca
haveria espaço para nenhuma outra aqui dentro desse casamento.
― Vou tirar esse plug e quero você de quatro agora, entendeu? ―
falei quando senti o rabo peludo me coçar. ― Quero comer seu cu como
nunca comi antes.
Para ser honesto, eu tentaria a chance aqui. Mais que tudo, queria o
cu dela e queria com Sofia de quatro... Só que de quatro era mais
complicado fazer anal, porque a posição doía mais. Nunca conseguimos
fazer assim antes e, por mais que quisesse dar como uma cadela, ela perdia o
tesão quando doía demais.
A não ser que ainda houvesse mais uma novidade hoje...
Ela não hesitou em fazer o que eu mandei: depois que saí de dentro
dela e tirei o plug, a safada se apoiou meio bamba, mas ficou paradinha
quando me viu pegar o lubrificante para passar o que restou no meu pau. Ela
ficou encarando enquanto eu me masturbava um pouco e só se voltou pra
frente quando dei um tapa na sua bunda.
― Mãe de minha filha vai tomar no cu bem gostoso... ― Eu me
posicionei perto e abri um pouco mais as suas pernas, para que a minha
cabeça se encaixasse na sua bunda. ― Vai pagar por ser uma puta tão suja
quando eu deixo a cama...
A respiração de Sofia agora era de expectativa, de ansiedade, por
isso decidi cortar isso pela raiz: meti metade do pau numa primeira
estocada. Sofia gritou de um jeito diferente do que antes, xingando de dor,
então eu meti a não na sua bunda, forte.
― Vai engolir meu cacete ou não, caralho?
A filha da puta rebolou com o meu pau atolado na sua bunda.
Puta, que gostosa...
― Vou... ― ela sibilou baixo.
Meti a mão de novo na sua bunda.
― Então pede, vagabunda.
A minha vida inteira fez sentido quando ela respondeu:
― Mete no meu cu como eu sonhei a semana toda, amor, mete...
Agarrei os seus cabelos mais uma vez e, puxando sua cabeça para
trás, meti de novo no cu, não tudo, mas boa parte. Sofia choramingou, mas
agora não gritou com a dor audível nem se contraiu muito. Dei outro tapa na
sua bunda e, como gostava de ver a sua contrariedade, ela relaxou.
Então comecei a estocar, intercalando os puxões de cabelo e os tapas
na bunda. Por mais que quisesse, não meti tudo, mas me entreguei à sensação
de foder um buraco tão apertado que comecei a xingá-la consecutivamente na
nirvana que se expandia aqui, no calor do momento. A visão de Sofia de
quatro na fantasia era incrível. Meu pau atolando na sua bunda enquanto ela
usava a fantasia era o meu paraíso.
Fodê-la, em qualquer dia, de todas maneiras, com um único
sentimento, era o meu céu na Terra. Nasci pra fodê-la e, graças a Deus, tinha
me casado com ela para morrer assim também.
― Téo... Téo... ― ela gemeu, as pernas mal se mantendo firmes no
colchão. ― Tá tão gostoso, porra... Mete tudo, lindo. Tudo de uma vez... Por
favor.
Fiz o que ela implorou, porém, agarrei a sua coxa e a fiz ceder, em
seguida, fiz o mesmo com a outra até que ela se deitasse de bruços de novo.
Por mais que ela estivesse me recebendo bem de quatro, eu sabia que estava
na linha tênue naquela posição. Pra foder seu cu mais forte, só de bruços
mesmo.
Agarrei a sua nuca e a afundei no colchão de novo, sentindo toda a
sensibilidade em volta dos dedos. Juntei as suas coxas com as minhas pernas
e espremi o possível do que restou do lubrificante na sua bunda de novo,
para lambuzar o cu e meter o meu pau de novo. Dessa vez, fui um pouco mais
fundo, e Sofia gemeu meu nome com um isso, não para.
E, a partir disso, eu não parei.
Comecei a meter no seu cu cada vez com mais força, uma mão na sua
nuca, enquanto a outra estava no colchão. Havia tanto lufrificante que meu
pau deslizava fácil, até porque ela estava mais relaxada agora. Não demorou
muito para que eu perdesse a cabeça e noção de lugar, de espaço, de vida.
Gemi com ela, varado de tesão, suando todo o suor das trepadas que não dei.
Num momento, tirei seu cabelo embaraçado na nuca e lambi e beijei e mordi
ali. Isso a fez voltar a tremer no mesmo nível que tremeu com as cintadas,
mas, na verdade, eu precisava que tremesse para gozar.
Joguei meu corpo para o lado e nos deitei de colchinha, dessa vez,
metendo no seu cu até o fim. Sofia gritou de novo, e eu respondi com uma
palmada na sua boceta, subindo os dedos para o clitóris. Comecei a
masturbá-la enquanto a fodia por trás, sumindo dentro dela. Continuei a
devorar a área de nuca e pescoço e, toda vez que ela se mexia, metia a mão
na sua bunda, na sua coxa, no seu peito, para depois voltar a masturbá-la.
― Eu vou... goz... Amor... ― ela tentou dizer entre os gemidos, mas
nem precisava: eu sentia a fricção do seu corpo nas minhas mãos.
― Me diz que é minha puta, então ― mantive o ritmo circular no
clitóris e aumentei o da metida.
― Sou su-sua... puta...
― Diz que é minha mulher.
― Sua... mulher...
― Agora grita que só goza assim comigo, gostosa do caralho.
E ela gritou.
O meu nome saiu mais forte que qualquer outro barulho no meio do
nada. Se nos últimos meses Sofia se segurava o quanto podia em casa
enquanto gozava, para não alertar Maysa, agora ela gemeu, choramingou e
gritou todo o prazer que engoliu. E foi do caralho ouvir o quanto a minha
mulher conseguia mergulhar na frenesi do próprio orgasmo depois de anos
de vida sexual. Por mais que nem sempre foder fosse desse jeito, ela nunca
entrava no automático. Sofia me levava para o céu com ela no momento que
dizia o meu nome que era dela. Dela de uma maneira que nunca seria de
outra pessoa.
Como não dei tempo a nada desde que me soltei das algemas, virei o
seu corpo de bruços de novo e, no fim do seu orgasmo, enchi o seu cu de
porra, tirando devagar para ver o resto do esporro na auréola da bunda. O
gozo foi tão forte que até fiquei meio tonto, o quarto transformado em puteiro
era demais, tinha a imagem daquele cu vermelho, o cheiro de sujeira nossa, o
som dos meus urros e dos seus gemidos femininos. Minha meta de vida,
desde que Sofia me algemou, foi botar a mão nela e maltratá-la até deixá-la
de cama...
Só que, pelo visto, quem precisaria de cama era eu.
Joguei-me para o lado quando o último jato de porra vazou de mim.
Com o corpo estirado no colchão, pude sentir o corpo num estado
transcendente. De toda força bruta, o corte imediato de esforço me fez ter a
sensação de um peso saindo do meu corpo por segundos, depois que
descansei no colchão. Mas durou pouco, como eu disse, segundos, porque
logo o peso voltou, e eu senti o peso daquela foda no meu pau, nas minhas
pernas, no meu tronco e na cabeça. Os braços começaram a formigar e a
boca secou, enquanto a pele sentia todo suor esfriando.
Puta que pariu, bicho. Puta. Que. Pariu.
Isso sim é uma Lua de Mel... Não acredito que a terrorista empaca-
foda tirou isso da gente por mais de um ano!
Olhei para o lado, para conferir Sofia, e mal consegui ver o seu
rosto: o cabelo castanho escuro bagunçado cobria a testa, colando-se nas
bochechas por causa das lágrimas. Ela estava uma bagunça da porra. Eu não
sabia de onde achei forças para sorrir, só que senti meus lábios se
entortarem completamente.
― Não existe puta mais linda que você, sabia? ― eu disse com uma
risadinha enquanto tirava o cabelo da frente. Penteei para trás até enxergar
um rosto manchado de maquiagem, com marcas de lágrimas. Seus olhos
estavam fechados e o sorriso apareceu enfraquecido.
― Não acredito... nisso ― sussurrou acabada. Não disse o que era,
mas eu sabia.
― Eu também não...
Sofia ainda ficou um tempo sem falar, respirando fundo como se
estivesse mergulhando num sono profundo. Porém, pediu quando me virei de
lado.
― Tira a fantasia pra mim...? Esse couro tá me assando.
Levantar o tronco depois de tudo aquilo foi um ato de coragem que
eu fiz na hora que ela pediu. Tirei o seu cabelo da nuca e do zíper das costas
da fantasia e comecei a descê-lo, desnudando-a com outro tipo de prazer, o
de satisfação.
Toda semana. Foda-se a terrorista, eu preciso disso toda semana.
Quando terminei de tirar o couro dos seus braços e costas, Sofia
tentou se levantar um pouco para que eu passasse pelos quadris. Ela não se
saiu bem na tentativa, por isso passei o braço em torno dela para levantá-la e
puxar o couro até as coxas. Logo que o couro cedeu ao formato dos quadris,
levantei de novo o tronco e foi aí que vi as consequências do que fizemos.
Do que eu fiz.
― Puta que me pariu, porra... ― Minhas mãos pararam de se mover
para tirar o couro e levei uma delas até os olhos, para esfregá-los depois do
que vi. ― Merda.
― O quê...? ― Sofia perguntou baixo.
Ainda não acredito... Que porra eu fiz...
― Eu... ― Olhei para a sua bunda de novo. Já tinha visto Sofia com
vários tipos de marcas vermelhas das minhas mãos, marcas que perdiam a
intensidade absurda depois que a foda terminava. Mas isso... Isso não sairia
tão cedo. ― Peguei pesado pra caralho dessa vez, Sofia... Puta que pariu!
― Tá tudo bem, amor. Nem tá doendo muito... ― ela mentiu.
Estreitei os olhos nos seus, que se abriram. Sério? A este ponto do
campeonato tá mentindo pra mim? Ela sorriu amarelo. ― Eu não ligo.
― Mas eu ligo, porra. Você não trouxe nenhuma pomada pra
machucado?
― Dá uma olhada na necessaire de remédio. Tá no compartimento
menor da mala.
Pulei da cama e fui até a mala, revirando até encontrar a bolsa que
ela falou. Revirei os remédios lá dentro até encontrar um que já usamos em
Maysa, quando ela caiu do berço. Devia servir.
Voltei para cama e terminei de tirar a fantasia do corpo dela. Quando
Sofia relaxou os ombros, comecei a passar a pomada nas marcas vermelhas
cor sangue. Ela sentiu fundo no meu primeiro toque, tanto que se arrepiou
num pulo e gemido de dor.
― Pelo amor de Deus, Téo ― ela falou conforme eu deslizava a mão
com todo o cuidado. ― Para com essa careta. Pra tudo tem uma primeira
vez.
― Primeira e última.
― Não precisa ser a última. Tá bom que tá doendo de um jeito que
eu não quero nem pensar na próxima tão cedo... mas foi gostoso. E você
ficou com tesão também, senão não teria feito.
Não respondi, porque ela tinha razão. Na hora que eu bati nela, foi
do caralho vê-la tão absurdamente imersa naquele prazer masoquista. Sofia
sempre gostou da foda pesada, nada de tratá-la como frágil, ela gostava
mesmo de receber palmada, puxão de cabelo e chupão onde ninguém mais
via a não ser eu. Hoje foi outro nível, um que eu nunca tinha imaginado
curtir... até vê-la implorando com os olhos por isso.
― A gente precisa passar um Hipoglós agora, né ― falei com um
sorriso quando terminei com uma pomada.
― Sabe o que eu preciso antes? ― Sofia bocejou.
― Hum?
― Que você limpe o meu rosto e o meu cu pra eu poder cochilar.
E isso é tudo o que um pai de família quer ouvir.
Dei risada e concordei, deixando a cama novamente para pegar os
lenços umedecidos no banheiro. Quando terminei o trabalho, tirando resíduo
de maquiagem e porra, Sofia já tinha pegado no sono. Ela respirava baixo,
na mesma posição de bruços que ficou desde que eu a coloquei assim. Se
não fosse pela bunda toda marcada com uma cobertura grossa de pomada, se
pareceria com um anjo... Só que era bom lembrar que, apesar de ter a alma
de um, ela ainda tinha espaço para uma loucura parecida com a minha.
Fui para uma ducha sozinho e depois arrumei a cama fazendo todo
silêncio possível, deixando fantasias, algemas e plug de rabo no canto do
quarto. Deitei-me numa cama parcialmente molhada de melado dela, meu e
de lufrificante, mas não tinha jeito de trocar os lençóis agora. Uma vez no
puteiro, o jeito era dormir no puteiro.
Só me surpreendi que, depois de eu me deitar e apagar todas as
luzes, Sofia tenha se mexido para se aconchegar ao meu peito. Passei o
braço em torno ela, beijando os seus cabelos emaranhados, e sussurrei:
― Eu sou seu também... até quando me perco.
Imaginei o seu sorriso, mesmo que ela estivesse muito sonolenta para
dá-lo.
― Eu sei, amor... ― ela respondeu tão baixo que eu tive que
aproximar a cabeça um pouco mais para ouvir o resto: ― Só que a partir de
segunda-feira, pode encontrar seu rumo e voltar pras aulas de boxe... Pensei
que você fosse se soltar das algemas mais rápido.
E foi assim que, exausta e tirando com a minha cara, a minha mulher
dormiu nos meus braços após uma foda que ambos estávamos precisando.
Eu nunca fui dormir desse jeito...
Sorrindo por sentir tão otário.
Capítulo 11
SOFIA

Antes, nunca fui dormir depois de levar cintada.


Na verdade, nunca nem levei cintada.
Os meus pais sempre foram contra a educação com base em
palmadas ― a não ser pela exceção dos beliscões, e eu não posso culpá-los
por perderem a paciência porque eu realmente era um pequeno demônio
quando queria.
Mas cintada? Nunca levei. Nunca fui dormir de bunda dolorida
porque desci no corrimão de escada alheia quando mamãe me alertou para
não fazer isso.
Bem... Isso até esta última noite.
E não, não apanhei por descer no corrimão ao invés de usar os
degraus.
Apanhei porque eu... pedi.
Quando comprei a fantasia de oficial da justiça para o meu marido,
talvez eu tenha pensado na ideia de ser punida com o cinto, só que não levei
à sério até o momento em que o vi vestido daquela maneira, puto comigo,
puto como um policial poderia ficar. Eu imaginava que levar cintada doía e
não sabia se a minha sensibilidade permitiria que eu me aventurasse por essa
fantasia, mas, conforme assistia ao olhar de Téo se estreitar em mim e
acompanhava a contração do maxilar e dos punhos, como um comandante
contrariado, mais eu sentia vontade de me deixar testar, mesmo que acabasse
odiando, mesmo que estragasse tudo, mesmo que nunca mais quisesse
repetir, eu precisava descobrir que tipo de prazer as masoquistas tinham.
E, porra, muitas poderiam parecer completamente loucas por se
submeterem a um nível de surra, mas, acredite em mim: elas têm um ponto.
Não que eu e Téo tenhamos chegado a um nível muito elevado,
acredito que algumas cintadas podem ser fichinha para quem gosta de
apanhar durante o sexo. No entanto, eu me senti no limite do meu prazer,
andando bem na beira do precipício, onde a adrenalina parece acelerar o seu
coração e te transformar em algo além.
E, de fato, me transformei no além de mim mesma, porque pedi
implicitamente pela cintada várias vezes, conforme Téo acompanhava os
meus passos em direção ao limiar daquele tipo de prazer. Uma das melhores
partes foi que ele gostou da vista tanto quanto eu. Nunca vou me esquecer do
desejo dos seus olhos quando me via estremecer e chorar de tesão absurdo...
Mas essa era só a boa parte de encarnar uma personagem masoquista
de romance erótico.
A parte ruim eu estava provando nesta manhã de domingo, em que
acordei com a bunda doendo pra caralho, sem conseguir ao menos me sentar
no vaso sanitária sem choramingar ai, ai, ai!
Como as pessoas masoquistas conseguem não amaldiçoar as
parceiras no dia seguinte? Eu estou quase pegando o bambu da sacada
para entochar no meu marido dorminhoco!
Depois que consegui fazer xixi, fui até o espelho do banheiro avaliar
o estrago.
Havia dois desenhos escuros, um de cada lado da minha bunda, e um
deles, ironicamente, se parecia com uma cruz.
Por Deus, até assim Téo consegue ser debochado.
Acabei desistindo de tomar banho, mesmo que estivesse cheirando à
sexo porque não tomei nem ducha antes de capotar ontem. Estava com medo
de a água quente fazer a dor piorar, e, no fim, tudo o que eu queria era voltar
para cama. Escovei os dentes rapidamente e, olhando uma última vez para a
cruz roxa, próxima ao meu quadril, voltei ao quarto. Téo ainda estava
deitado na mesma posição: de bruços, os braços estirados tomavam boa
parte do colchão. Consegui analisar seu rosto num sono gostoso, de maneira
que nem o cabelo desgrenhado parecia incomodá-lo.
Uma hora eu ainda pegaria o bambu... Ele que me aguardasse...
Fui para o meu lado do colchão e, tentando me deitar em silêncio,
falhei miseravelmente quando me sentei e o meu novo refrão matutino ― ai,
ai, ai ― reverberou.
Nem sentar... Nem mesmo sentar!
Minhas reclamações fizeram Téo acordar, então ele ergueu o tronco
meio sonolento e acompanhou o meu esforço em câmera lenta.
― Tá tão ruim assim? ― perguntou.
― Você já levou cintada alguma vez na vida?
― Já.
― Lembra como doeu?
― Não.
― Vou te refrescar a memória: parece que uma escola de samba
passou por cima da minha bunda.
Téo colocou os lábios para dentro escondendo a risada. Tudo bem
que tinha sido engraçada a comparação, mas a sensação não era, então eu
não queria escutar nenhuma risadinha agora.
― Foi você que quis, amor ― ele respondeu, deitando-se de lado
depois de mim.
― Eu sei... mas agora vou ter que passar o dia todo na cama. Nem
vou poder aproveitar o domingo aqui!
― Quer que eu dê um jeito de arrumar mais pomadas e talvez umas
compressas?
― Onde você vai encontrar isso aqui?
― Talvez aquela senhora que tava manjando o Aquiles no restaurante
tenha.
Eu não queria saber das suas risadinhas, mas ele com certeza
despertou as minhas com esse comentário. Gargalhar fez até com que eu me
esquecesse um pouco da dor para me focar no convidado especial e raro: o
bom-humor de Téo num domingo de manhã. Ele estava com um dos seus
sorrisos preguiçosos, olhos inchados e bochechas coradas.
Tão lindo que nem parecia que batia.
― Não acredito que não vou ter a chance de ver ela flertando com a
estátua hoje ― respondi com biquinho.
― A gente pode voltar aqui semana que vem, linda, pra você
conseguir aproveitar.
― Mas a senhorinha não vai mais estar aqui.
― Quer que eu procure por ela e peça pra te adicionar no Facebook?
Daí vocês podem conversar sobre a paixão por heróis gregos...
Sorri satisfeita quando Téo colocou o meu cabelo para trás e beijou
o pescoço, carinhoso. Talvez passar o dia na cama não fosse ruim de
maneira alguma. Eu senti falta dele por tantos dias que isso era como o fim
de uma longa trajetória, em que ambos estávamos cansados (um de nós
machucado, no caso), mas... finalmente, juntos no fim da estrada, para
começar outra.
― Acho que consigo deixar a cama pra almoçar. Agora, caminhada,
aulas de casais e qualquer coisa que exija esforço físico não vai estar dando
mesmo.
― A gente volta na semana que vem.
― Vai querer deixar a Maysa de novo?
― Ela tá cagando pra gente de qualquer jeito...
― E vai deixar com quem dessa vez, heim?
― A Dorta e o Japonês nunca ficaram com ela.
― O quê? ― Chocada, arregalei os olhos depois de escutar isso
saindo da boca do meu marido superexigente. ― Você deixaria a terrorista
com o Caio? Vive falando que qualquer ser vivo que fica sob a tutela dele
morre!
― Você não me deixou escolha depois que arrumou a fantasia de
Mulher-Gato de novo, Müller. Mereço te ver com ela pelo menos uma vez
por semana a partir de agora, nem que eu tenha que deixar Maysa correr o
risco de queimar a casa da Dorta pra ficar sozinho com você novo.
Gargalhei muito mais, até a minha barriga doer por falta de ar. ―
Maysa queimaria a casa deles...?!
― E o cuzão só ia perceber quando a fumaça entrasse no semicampo
de visão dele ― ele completou, rindo mais enquanto jogava os cabelos para
trás.
― Que porra, Téo... Não sei o que você vê em fantasia de gata,
sabia? ― resolvi dizer, acariciando o seu rosto enquanto me juntava um
pouco mais a ele. ― Nem posso me olhar muito no espelho com ela porque
fico com vontade de rir.
Téo passou a língua nos lábios e franziu um pouco o cenho.
― Mas me ver fantasiado de policial não te deixou com vontade de
rir...?
― Na hora que eu fui comprar, eu até ri... só que gostei da ideia do
cinto.
― Você tava sozinha? ― ele perguntou justo o que eu não queria
responder.
Ah, merda... Agora ele vai meio que me matar.
― Não... ― Desviei o olhar, apesar de estar bem de frente para ele,
sem chance de fugir. Téo segurou o meu queixo, como se dissesse me olha
de volta, porra, e eu não tive opções: ― As meninas estavam junto...
Téo bufou e deixou o meu queixo, jogando-se de barriga para cima.
Então esfregou o rosto, provavelmente irritado com a ideia de que Mel,
Clara, Ana Lu e especialmente Júlia sabiam da fantasia, e talvez jogassem na
roda no próximo churrasco do grupo...
― Não basta pra você me foder da cabeça no quarto, Müller? ― Téo
virou o rosto para me encarar, e foi a minha vez de espremer os lábios um
contra o outro. ― Tem que foder em público também?
― Ninguém vai contar, lindo...
― Ninguém vai contar? Sua melhor amiga é uma boca-aberta da
porra! Que namora o pau-mandado mais boca-aberta da porra! ― Téo
xingou Biz numa manhã de domingo. E agora sim hoje se parecia como
qualquer outro domingo. ― E ainda tem a Dorta. Já tô até vendo ela me
infernizando por causa disso! Porra, Sofia... Torce pra Maysa queimar a casa
do satã com ele junto!
Gargalhei mais, jogando o corpo ao lado para que a minha barriga
ficasse para cima, tremendo a cada impulso de risada. Porém, quando caí
como Téo, senti a minha bunda doer tudo de novo, e a risada se mixou ao ai,
ai, ai, ai!
Sério, como as masoquistas fazem?!
― Deixa eu ver o estrago, vai ― Téo pediu quando notou que eu não
estava exagerando nem um pouco na descrição da escola de samba. Virei-me
de costas para ele e não fiz o esforço de empinar a bunda, ele mesmo
aproximou o rosto dela. ― Porra... Tem uma cruz preta no seu rabo ― ele
reconheceu como eu.
― Teeeem ― choraminguei, meio dolorida, meio feliz. Fazia parte.
Acho que era isso o que uma pessoa masoquista diria.
― Não quer tomar um banho pra passar pomada de novo? ― Téo
perguntou na minha orelha, abraçando-me por trás, ainda que evitasse
esbarrar na bunda torturada.
― Não ― respondi e segurei o seu braço forte e meu. Fechei os
olhos e sorri mais um pouco, de satisfação, de alívio, de saudade que ficou
pra trás. Não havia problema algum em passar o resto do dia só na cama
com ele. ― Quero ficar abraçada assim até dormir de novo, posso? Ainda tô
exausta de ontem...
Téo raspou o nariz no meu pescoço e subiu até o meu rosto usando
seus beijos de intermédio. Sorriu na minha bochecha:
― Não vejo a hora de você usar a fantasia de novo, linda ― o
pilantra disse. Claro, não foi a bunda dele que a cinta pregou.
― E eu não vejo a hora de me sentar de novo... ― Suspirei antes de
cair no sono outra vez.
***

Um celular estava vibrando na cômoda ao lado, e eu não sabia se era


o meu. Porém, mesmo se fosse, recusava-me a sair da posição em que estava
agora, aconchegante, quentinha... E Téo ainda dizia que eu não era capaz de
dormir por oito horas seguidas!
Escutei-o acordar também, bufando quando resgatou o celular. Abri
só um pouco os olhos para vê-lo avaliar a tela. Ainda que eu estivesse meio
sonolenta, perguntei:
― É a tia Rose? ― Já pensei em Maysa.
― Não. Meu pai ― ele respondeu sem colocar os olhos em mim. O
celular continuava vibrando enquanto Téo parecia pensar se atenderia ou
não. ― Vou lá fora falar com ele. Volta a dormir, amor ― disse e deu um
beijo rápido no meu braço antes de pular da cama e caminhar em direção à
sacada do quarto.
Uau... Eu não tive que insistir para ele atender?
Por mais que Téo tenha dito para voltar ao sono e ainda que eu
realmente estivesse confortável o suficiente, não consegui mais pregar os
olhos enquanto escutava a voz dele ao telefone, ficando cada vez mais baixa
conforme saía do quarto. Normalmente, ele deixaria a ligação cair na caixa
postal e retornaria para o pai só quando estivesse acordado...
Acho que essa é a verdadeira definição de ‘milagre’.
Acabei me levantando também, a fim de analisar outra vez as marcas
da minha bunda, quando dei alguns passos mais em direção à sacada do que
ao banheiro. Não foi totalmente intencional xeretar ― a não ser pela parte
que foi... Mas fingi que estava apenas pegando as roupas de uma cadeira de
canto para me aproximar da porta de vidro e enxergar Téo sentado na beira
da hidro, com o rosto abaixado.
― ... Não era o que eu queria fazer, mas vou fazer... Eu sei, eu sei
que é o melhor. A gente conversou, e prometi que faria o que ela achasse
melhor... Não tô pensando, não vou pensar desse jeito enquanto ela tomar
a frente. Sempre confiei, agora não seria diferente... ― Seu tom de voz
estava calmo, baixo e natural, muito diferente do que já esteve há alguns
anos ao celular com Augusto.
Demorou para que Téo e o pai encontrassem um modo desse para
falar um com o outro. Por mais que o meu marido tenha repensado o seu
relacionamento desde que terminou o colegial, ele levou anos para se sentir
confortável com conversas, seja por telefone ou pessoalmente. Uma vez,
acho que na primeira viagem que fizemos para o Rio, eu espiei Téo e
Augusto sentados um de frente para o outra na cozinha. Eu estava lendo um
livro, mas contei que os dois ficaram vinte e três minutos tomando café sem
trocarem uma só palavra. Se Téo havia puxado muito da aparência de
Maysa, Augusto contribuiu completamente na personalidade. Ambos só
conseguiam se descontrair de verdade perto de pessoas próximas a eles, por
isso levaram anos até que os laços se estreitassem o suficiente para que o
intervalo de silêncio passasse a ser apenas uma característica da
personalidade deles.
― Lembro dele... Trabalhava com projetos de máquinas, não é? ―
Téo continuou a conversa, que estava sendo levada para um rumo bem
curioso... ― Eu fiz consultoria só algumas vezes, quando era estagiário
ainda... Você entrou em contato com ele ontem? Puta merda, pai... Por que
não deixou pra segunda? Infernizar o cara no fim de semana... Não sei,
teria que ver se daria certo... Porque precisaria conversar com o
Alexandre primeiro... Não, não é orgulho... Não tem nada a ver com ganhar
cargo por sua causa... Não adoro a ideia mesmo, porra... É, talvez eu seja
orgulhoso porque você também é... Eu não vou ligar pro cara hoje! É
domingo!... E daí que ele é seu amigo?... Combinei com a Sofia que
resolveria isso a partir de amanhã, entendeu?... Você não precisa se
preocupar comigo, eu vou ficar bem... Elas vão ficar também. Vou fazer o
possível pra ficarem... Você acabou de fazer uma piada? Não sabia que
velhos Ferreros podiam fazer isso...
Téo acabou rindo e, num vislumbre, vi Augusto dando o mesmo
sorriso descontraído e raro do outro lado da linha. De todas as vezes que os
vi conversando, acho que nunca vi Téo se sentindo tão filho como agora.
Meus olhos até se molharam por causa disso, e eu acabei me aproximando
demais da porta sem perceber, até que Téo erguesse a cabeça e me
encontrasse ali, xeretando. Mas ele não se importou. Sorriu leve para mim
enquanto terminava a conversa e, no momento que desligou, fez um gesto
para eu terminar de me aproximar de uma vez.
― Pode perguntar ― instigou assim que fiquei de frente para ele, em
pé, entre as suas pernas. Leu meus pensamentos, tanto a minha curiosidade
sobre a conversa que ouvi, quanto a impossibilidade de agarrar a minha
bunda agora. Téo se contentou em botar as mãos nas minhas coxas, enquanto
os olhos estavam sempre nos meus.
― Ele falou com algum amigo dele? Pra te indicar como consultor?
― Eu não queria criar mil expectativas sobre isso, mas estava sendo difícil
esconder a animação.
Téo me encarou por um tempo antes de gesticular de leve a cabeça.
― O cara começou a expandir na área de consultoria nesses últimos
meses. Antes, trabalhava só com projetos de máquinas e disse que agora tá
precisando completar a equipe de engenheiros. Meu pai me pressionou pra
entrar em contato logo... Parece que ele quer conversar pra eu acompanhar a
equipe dele daqui duas semanas, numa consultoria industrial ― explicou
passando os olhos por todo o meu rosto. Sua expressão estava tão, tão
relaxada. Homem mais lindo, impossível.
Ergui as sobrancelhas e, depois de sentir os ombros de Téo
relaxados debaixo do meu toque, não criar expectativas foi impossível. Eu
só... não resisti e imaginei Téo em um novo ambiente de trabalho, ao invés
de preso em um escritório.
Ele estaria solto entre máquinas. Imaginei-o fazendo uma análise
acirrada de estrutura e funcionamento de um setor específico e repensando
um novo projeto de otimização. Imaginei-o dando duro nisso em casa,
revisando as peças e substituindo novas ideias pelas velhas. Imaginei-o me
chamando para que eu desse a minha opinião sobre a sua apresentação de
ideias, sabendo que, afinal, ele só gostaria de me colocar em cima da mesa
de escritório, para se desligar um pouco do trabalho e focar toda a sua
atenção em mim, entre as minhas pernas...
Se isso for bom pra você como estou imaginando...
Ah, Deus, espero que seja!
― É perfeito, não é?! Trabalhar em indústria foi o que você sempre
quis quando entrou na faculdade...! ― Eu corri as mãos para o seu rosto,
esperando uma reação mais animada da parte dele, já que minha voz subiu
umas três notas... Mas Téo continuava me encarando do mesmo jeito: o rosto
completamente leve, como se já estivesse satisfeito. ― Só não vai me dizer
que seu pai estava certo sobre o orgulho, Téo. Não tem problema algum
conseguir trabalho por causa de indicação e contato dele. Isso faz de você
um profissional privilegiado, sim... mas não tem nada de errado em aceitar.
Finalmente sua expressão mudou por alguns segundos: ele revirou os
olhos.
― Por que todo mundo acha que eu não gosto das coisas fáceis?
― Porque você é ariano.
― Sério? Astrologia até nisso, Müller?
Dei risada. ― Bom, querendo ou não, isso explica muito bem a sua
cabeça-dura.
Ele estreitou os olhos em mim, mas, dessa vez, não pôde dar um
tapinha na minha bunda para me repreender.
― Não tô sendo orgulhoso ― ele enfim respondeu, com firmeza. ―
Vou ligar pro Alexandre ainda essa semana, como eu falei: é tudo questão de
conversa. Preciso saber o que ele precisa de mim, de qual indústria estamos
falando, se vou ter disponibilidade...
― Você vai pegar essa consultoria, Téo ― eu o cortei.
Ele congelou o olhar no meu de novo, encarando-me instigado.
― Vou? ― perguntou e correu as mãos das minhas coxas até a
cintura.
― Vai. Faz parte do começo do plano ― respondi.
Apareceu um sorriso torto, aquele que eu estava acostumada a ver na
excursão do Terceirão. Completamente especial. Em seguida, Téo voltou a
sorrir leve, o rosto relaxado, inclusive o maxilar nas minhas mãos agora.
― É, faz... ― sussurrou.
― Então por que você não tá mais animado?! ― eu quis saber.
― Eu tô, amor. ― Téo deslizou as mãos até as minhas costas. ―
Só... ― ele fechou os olhos um pouco mais em mim ― queria deixar pra
pensar nisso amanhã. Hoje o meu plano é passar o dia todo olhando pra
esses seus olhos sorrindo e pra essa sua boca gostosa ― disse, aproximando
o meu corpo do seu rosto para que beijasse a minha barriga. E eu não podia
negar: amei o plano. ― Ou foda-se essa segunda ― ele continuou. ― A
gente pode só ir embora daqui na próxima semana... A Maysa nem vai notar.
Dei uma risadinha, porque até parece que a gente conseguiria ficar
longe dela durante uma semana toda.
― Tenho certeza que ainda hoje ela vai querer dormir do seu lado.
― Maysa poderia ser independente, mas nem tanto... Além do fato de que
estávamos com o seu tubarãozinho de pelúcia. Ela iria reivindicá-lo em
algum momento.
Ficamos em silêncio, apenas respirando a brisa boa que batia na
sacada. Téo olhou para o lago longo e brilhante, que era a vista que tínhamos
de bandeja, e eu me juntei a ele na admiração, enchendo os olhos de cores
naturais. Passei os braços ao redor do meu marido, ainda em pé, e beijei
algumas pintinhas do seu rosto.
Da vida, ele era a minha cor natural favorita.
― Caralho... ― Téo falou baixo depois de um tempo. ― A gente não
é mais aqueles dois que foram morar na puta que pariu assim que acabou o
colegial, né? ― Olhei para ele, curiosa com a reflexão, mas ele manteve o
olhar no lago. ― A gente não tinha nem meio ano de namoro, teve que
aprender a lidar um com o outro na marra, morando debaixo do mesmo teto...
E o que mais me estressava naquele tempo era você riscar o Impala. Mas
depois te foder como reconciliação era fato. ― Ele riu sozinho, e eu o
acompanhei. ― Agora a gente é pai e mãe, querendo encomendar outro bebê
terror...
A careta que Téo fez foi tão cômica que eu pensei que ele não
estivesse mais aqui. Pelo menos, não o ele de agora, adulto com família.
Se antes o garoto problema havia ocupado o sorriso torto, nesse
momento, parecia estar em todo lugar, analisando com estranhamento a
maneira que a sua vida tomou rumo. Acabei visualizando o garoto que
fumava nas prateleiras do fundo da biblioteca, enquanto eu, com cara de
menina e desejo de jovem, perguntava: você veio aqui soprar essa fumaça
na minha cara? Téo estava certo: caralho...
― O que você acha que o garoto do Impala diria se visse um bebê no
seu futuro? ― aproveitei para perguntar
Ele tirou os olhos do lago para me encarar de novo. O jeito
sarcástico se empertigava por todos os traços do rosto.
― Quem foi a louca que quis ter filhos comigo? ― foi a sua
resposta.
Levantei a sobrancelha. ― E se descobrisse que é Sofia Müller?
― Pensei que ela fosse normal, porra!
Tombei a cabeça para trás enquanto Téo voltava a beijar a minha
barriga incontáveis vezes, raspando os dentes em mim até fazer cócegas.
Pelo volume da minha risada, estava claro que eu tinha alguns parafusos a
menos.
― Eu pensava que fosse normal também... ― falei afundando as
mãos nos seus cabelos escuros e compridos. Téo me olhou de volta, e eu
mordi o lábio. Caralho...
Eu pensava muitas coisas diferentes de hoje, aos meus dezessete,
dezoito anos.
Pensava que seria bailarina de companhia. Pensava que não me
casaria. Pensava que não viveria no Brasil. Pensava que, para amar e honrar
a memória da minha irmã mais velha, eu precisava ser como ela, mesmo
estando longe de saber quem realmente ela foi...
Olhei para Téo de novo e encontrei o seu olhar preso em mim,
executando o único plano que tinha para este domingo... até que o amanhã
chegasse e iniciássemos um novo plano, dessa vez, juntos.
Aos meus dezessete, dezoito anos, eu pensava que, na vida, só se
poderia fazer um único plano e que não havia maneira de recomeçar ou de se
refazer. Sair dessa norma era loucura. E eu nunca pensava em mim mesma
como alguém louco...
― Graças a Deus aconteceu... ― Téo falou mais baixo dessa vez,
mas consegui ouvi-lo para me surpreender com as suas palavras.
― Deus, Ferrero?
O garoto com que eu estudei no Colégio Mão de Deus não era
cristão.
O garoto com quem eu dividi cama de chalé tinha uma cruz tatuada no
peito.
Para mim, ele era louco...
― Só assim pra explicar você na minha vida. ― Téo me sorriu, e,
nesse momento, não havia muitos traços daquele garoto, ainda menos do
marido da semana passada.
Téo Ferrero estava se refazendo, com outros planos, em outras
estradas, bem longe da norma.
― Graças a Deus... ― sussurrei de volta.
Graças a Deus éramos loucos para viver nossas vidas.
Apenas viver.
Epílogo
SOFIA

2 meses depois

Há dias que você realmente precisa de mais de vinte e quatro horas


para dar conta.
Por exemplo, hoje, o dia não está nem na metade, e eu ainda tenho
muito trabalho a fazer. Não tive tempo nem de dar uma única espiadinha em
grupo de WhatsApp ou de atender ao telefonema do papai mais cedo no
jornal. Acordei com a mensagem de uma colega pedindo que revisasse uma
redação e confirmasse o uso de algumas fotografias. Entre me levantar e ir
para o trabalho, tive que respondê-la enquanto fazia o lanche de Maysa e
organizava a sua bolsa. Escutei Téo xingando alto quando o chuveiro do
banheiro do corredor queimou com Maysa debaixo e o vi apressado
levando-a para o nosso banheiro. Repassei a camisa de Téo quando ele
passou por mim com ela toda amarrotada ― alguém tem mania de passar
rápido para economizar tempo ―, enquanto ele trocava Maysa, que fez uma
pequena bagunça com leite e mel. Xinguei quando o Gato deixou um maldito
rato de presente no meio da sala e escutei Maysa reproduzir tudo o que ela
escutou de manhã logo que Téo a botou no carro para levá-la à escolinha.
Eu ainda estava esperando por uma ligação da professora do
maternal querendo uma pequena reunião para falar sobre as novas palavras
que Maysa anda aprendendo...
― Água ― ela pediu assim que parou de se lambuzar com a ameixa
nas mãos. Havia sumo da fruta por todo o seu rosto, até mesmo na pálpebra
que ela coçou. Porém, Maysa se limpou sozinha, enquanto eu enchia sua
canequinha de água, e estendeu a mão no momento que me aproximei: ― Dá,
dá, dá!
Quanta impaciência!
― Dá não ― eu a corrigi. ― Diz obrigada.
Maysa ficou mexendo os dedos ainda, mas balbuciou um obrigada
que saiu parecido com o do Cebolinha. Ela notou que soou errado, então
começou a falar a palavra repetidas vezes, cobrando que eu a ajudasse na
pronúncia.
E assim são os meus almoços com uma criança virginiana. Ela
precisa pensar que faz tudo certinho.
Depois que coloquei o prato dela junto com os outros na pia para
lavar rápido, vi Téo entrar novamente na cozinha, de banho tomado e
inaugurando o segundo round de pressa. Eu também tinha que voltar logo ao
trabalho, mas não resisti e, enquanto ensaboava um copo, virei-me para ele e
o admirei na camisa e calças novas que lhe dei de presente. O cabelo ainda
molhado estava jogado todo para trás e um relógio preto, presente de
aniversário de Augusto, preenchia o pulso de onde a mão forte colocava uma
nova troca de roupa para Maysa na cadeira.
Se a nossa filha não estivesse aqui, eu diria que ele estava tão
gostoso que eu gostaria de atrasar todo nosso dia para transar na mesa da
cozinha. Mas, como nossos almoços não eram mais exclusivos há quase dois
anos, apenas falei:
― Você é o consultor mais bonito que eu já vi.
Téo estava com um lenço molhado na mão para limpar Maysa quando
levantou os olhos para mim. Pareceu meio surpreso com o elogio... mas por
pouco tempo. O meu garoto problema nunca teve dificuldade ou modéstia
quando enxergava uma mulher querendo dar pra ele.
― Bonito? Pensei que você tinha pensado em outra palavra, Müller...
― ele respondeu com um sorriso de filho da puta safado. ― O pai tá bonito,
Maysa? ― Virou-se para ela de novo.
― Bonito... Pai ― essas palavras a virginichata falou certinho. E
bateu palmas para ela mesma quando aconteceu. Téo sorriu cheio de orgulho
também, ficava todo exibido porque Maysa falava melhor que outras
crianças da idade dela.
Acabei deixando o copo na pia e, depois de secar as mãos, caminhei
até eles com um sorriso curioso.
― Tá animado pra hoje? ― perguntei, colocando a mão no braço de
Téo. Esfreguei um pouquinho, meio eufórica.
Ele acompanhou o meu gesto e, com um olhar estreitado, falou:
― Essa é a terceira vez que eu faço consultoria, e você continua
perguntando isso.
― Pois é. Um emprego só fica velho depois de meses... No caso de
um consultor, depois de dez consultorias!
― Então ainda vai me perguntar a mesma coisa mais sete vezes?
― Pode crer que vou, Ferrero.
Eu já estava acostumada com a chatice de Téo quando dizia respeito
ao carpe diem, mas o conhecia o suficiente para saber que ele usava relógio
porque estava inquieto com a consultoria de hoje. Meu marido apenas fica
nervoso quando está animado. No dia que a minha bolsa estourou, e eu
avisei que Maysa estava perto de nascer, o coração dele bateu tão alto que
podia escutar enquanto ele andava de um lado para o outro no quarto.
Naquele momento, eu ainda não estava com dor, então dei risada. Téo ficou
todo ressentido quando fiz uma piadinha de ele ser meu parteiro se não
houvesse tempo de chegar ao hospital.
― Sua mãe é louca ― Téo falou se voltando para Maysa de novo.
Depois de trocar a blusinha dela, inclinou-se para sibilar: ― Repete
comigo: lou-ca.
― Téo! ― Dei um tapinha no seu braço duro. Queria ficar mais
brava, mas acabei meio impressionada com os seus músculos. Desde que ele
voltou a fazer aulas de boxe regularmente, tinha ficado complicado implicar
com ele assim. ― Você não pode ensinar isso pra ela!
― Por que não?
― Porque louca é uma palavra séria? Ou porque ela repete tudo o
que a gente diz na escolinha? E vou te dizer, nesse caso, a fala correta dela
não nos favorece.
Vi dois Ferreros trocando olhares e, no fundo, sabia que os dois
tinham uma conversa mental sobre algo e me excluíam da jogada.
Eu realmente preciso de um bebê que converse mentalmente
comigo. Algum deus que habita na força maior, por favor? Me dê um ainda
este ano, sim?
― Então a sua mãe é consciente. Diz consciente ― Téo disse todo
sarcástico, penteando os cabelinhos de Maysa para o lado e colocando atrás
das orelhas. Maysa até tentou falar, mas essa ela não conseguiu, o que gerou
uma repetição de sílabas na cozinha.
Revirei os olhos.
Eu só não ia parar com as gracinhas de Téo porque, intimamente, ele
estava feliz com o trabalho de hoje, que não envolvia nada de prefeitura e
salas fechadas. Ele poderia parecer nem aí o quanto quisesse, eu sabia que
meu marido chegaria mais tarde e falaria sobre como foi a visita à indústria
textual por um bom tempo. Das primeira e segunda vezes que fez a
consultoria para a empresa do Alexandre foi assim. Chegou me dizendo o
absurdo de dinheiro que gastavam com a parte hidráulica sendo que havia
projetos bem mais simples para otimizar. Contou que já tinha começado a
pensar em um novo projeto com outro engenheiro e que o administrador que
os acompanhou na consultoria era prático e gente boa pra porra. De
madrugada, ele levantou até para fazer desenhos no notebook, e eu fiquei
alguns minutos olhando-o, antes de cair no sono.
Mais uma vez, Téo estava se forjando aos poucos e, puta merda,
como a imagem do fogo em seus olhos era inspiradora. Por mais que ele
continuasse na prefeitura, estar dentro da indústria nesses últimos dois
meses, discutindo o que ele sabia discutir e reparando erros e sistemas
ultrapassados... Deus, como ele estava melhor. A prefeitura ainda o
desgastava, sim, eu via algumas vezes os seus olhos exaustos e a vontade de
ficar na cama num dia de trabalho quase vencendo-o. Mas agora ele me
dizia. Ele pedia ajuda quando precisava. Ele conversava com os amigos
sobre isso. Ele fazia exercícios para se desligar do trabalho, como a
psicóloga passou. Até quando se sentia desconfortável, deitava-se no meu
colo como um molequinho e esperava meu carinho, meu conselho. E, na
verdade, acho que nunca tinha sentido as juras de altar tão verdadeiras
quanto nesse momento de nossas vidas. Quando eu mergulhava as mãos nos
seus cabelos e beijava as pintinhas da testa, lembrar-me do eu aceito numa
igrejinha de estrada parecia a escolha mais honesta e invencível que tomei
na vida.
Eu aceitava Téo Ferrero todos os dias na minha vida, até quando ele
não facilitava com o seu sarcasmo e chatice naturais.
― Você conseguiu falar com a Diana? ― perguntei pela segunda vez
essa semana. Já fazia alguns dias desde que Téo disse a sua supervisora que
deixaria o cargo. No entanto, ela respondeu que isso era conversa para outra
hora e estava até agora enrolando-o o quanto podia. Claro, havia trabalho em
andamento, que ela não queria deixar pela metade, nem mesmo Téo queria,
mas... Alexandre já tinha proposto um lugar fixo na sua empresa, e Téo
estava trabalhando demais tendo que conciliar o cargo na prefeitura com a
consultoria.
Eu não esperava que me desse a resposta que eu queria ouvir dessa
vez até escutá-lo:
― Consegui.
Virei-me novamente na sua direção.
Sua atenção tinha saído de Maysa e agora estava toda em mim. Os
olhos, que até então mantinham-se determinados, pareciam mais sossegados.
Foi impossível não me lembrar do olhar que ele me deu naquele domingo, no
quarto de pousada.
― E...? ― perguntei, ansiosa.
― Ela perguntou se eu tenho certeza ― Téo respondeu... não
exatamente o que eu queria.
― E o que você respondeu? ― fui ao ponto de uma vez.
Por mais que tudo estivesse se encaminhando, com o novo trabalho
de consultor de indústria e uma maior abertura de sua parte para lidar com as
mudanças de plano, eu sentia que Téo ainda tinha medo de deixar a
prefeitura. Ele se apegou tanto a ideia de que o cargo era nossa garantia de
futuro desde que passou no concurso que era difícil para ele abrir mão de
uma hora para outra.
Por isso, fiquei com um pouco de receio por saber que Diana
perguntou se ele tinha certeza. Eu só... não queria que Téo abrisse mão de um
futuro que fosse bom para ele, porque só assim seria bom para mim e Maysa
também.
O filho da mãe enrolou para dizer. Sentou-se na cadeira e me puxou
para sentar no seu colo, com o arzinho satisfeito, com o quase-sorriso
aparecendo. Parecia que queria preparar terreno e me comer nele ao mesmo
tempo...
― Vou entregar o cargo daqui duas semanas, linda ― sua resposta
veio com o terreno pronto. E, se ele não podia me comer agora, porque
Maysa estava com o queixo apoiado na mesinha olhando para nós, com
certeza me comeria hoje à noite!
Soltei um gritinho e, aproveitando que estava no seu colo, joguei os
braços ao redor do seu pescoço e o apertei, apertei, apertei muito. Acho que
Téo só não reclamou que eu o sufocava porque ele achou graça quando
enfiei a boca no seu pescoço para abafar os xingamentos de celebração.
Escutei a sua risada e senti que ele estava gesticulando algo para Maysa com
a boca, mas nem liguei.
Tudo parecia certo agora... ou pelo menos caminhando para o
caminho certo. Estávamos nos movendo, Téo estava se movendo, em direção
ao seu, nosso futuro.
― Tô tão feliz que você não vai ter mais benefícios de servidor
público! ― eu disse olhando para ele, só que não resisti ao enxergar o seu
rosto descontraído e o sorriso raro se alargando, então o agarrei de volta.
Isso fez Maysa reclamar por ter sido deixada de lado, então soltei-o só para
pegá-la na cadeirinha e jogá-la nos seus braços também. A partir daí,
sufoquei os dois, que reclamaram bastante, mas que também suportaram
porque era o mínimo que podiam fazer aqui.
― Amor, já tá bom, né? ― Téo falou quando Maysa começou a fazer
birra. ― Se isso continuar, ou você nos atrasa ou mata a sua família.
Larguei dos dois e olhei para Maysa com uma careta no rostinho
vermelho. Seu cabelo estava bagunçadinho, de maneira que a franja se
parecia com um bigode.
― Mamãe faz isso porque te ama ― eu falei para ela.
― Mamãe faz isso porque é... ― Téo arregalou os olhos para ela.
― Lou-ca ― Maysa respondeu, falando a palavra certinha.
Filho da puta.
― Isso não é justo ― eu disse.
Ele riu. ― Relaxa, Müller. Agora ela vai crescer sabendo que as
melhores pessoas são loucas como a mãe dela ― respondeu, sabendo
exatamente como enfeitar o terreno já preparado. Sorri enquanto ele a
olhava: ― O pai também é louco, terrorista.
― Ah, é mesmo ― eu concordei, decidindo que era a minha vez de
ter terreno. ― E é exatamente assim que vai ficar agora com a surpresa que
eu preparei pra você...
Téo estava arrumando o cabelo de Maysa quando parou e me encarou
com um brilho específico nos olhos.
― Não me diz que vai botar a fantasia de gata, Müller ― ele deduziu
errado, mas, considerando que eu usei a palavra surpresa num contexto que
o deixaria louco, o chute não foi descabido. ― Porque se ela estiver
preparada lá em cima, acabou meu dia como profissional e pai ― ele
completou.
Meu Deus do céu... O que eu fiz revivendo essa fantasia de novo?
Ignorei o fato de que Téo estava meio obcecado (de novo) pela
fantasia de gata. Nos últimos dois meses, ele pediu para que eu a colocasse
umas quatro vezes e, por mais que já estivesse cansada dela, sabia que não
custava nada fazer o meu marido com tara em couro feliz.
Mas, caralho... Você nunca se cansa mesmo?
― Posso usar hoje à noite se quiser, mas agora a surpresa é outra ―
acabei dizendo.
Finalmente consegui tirar palavras da sua boca, e ele se levantou da
cadeira desconfiado, botando Maysa no chão. Coloquei um dedo nos lábios,
em sinal de segredo para a minha filha, e pela primeira vez hoje ela riu pra
mim e me imitou. Eu havia mostrado a surpresa assim que chegamos para o
almoço, mas acho que só estava achando engraçado o gesto. Peguei a sua
mão e a conduzi à porta da cozinha que dava para a varanda de casa. Téo
veio atrás, olhando de um lado para o outro.
Na lateral esquerda, havia a área com churrasqueira, e na direita,
havia uma estrutura não finalizada, onde Téo gostaria de fazer uma pequena
oficina. Mas ela ainda estava só no gesso, porque não restou dinheiro para
terminar ali quando construímos a casa. Não havia nada dentro, a não ser
resto de material e um carro antigo...
Téo não perguntou nada enquanto entrávamos na construção
inacabada. Acendi a luz que improvisamos há algumas semanas para
procurarmos por um balde de tinta e fui até o primeiro carro do garoto
problema, o Impala 67. Ele analisou todos os meus gestos enquanto eu tirava
a lona que colocamos por cima dele e segurou a mão de Maysa antes que ela
fosse aonde não devia. Para manter a graça da coisa, fui rápida ao abrir o
capô e exibir um motor que Téo nunca tinha tocado antes.
Surpresa, amor.
Ele se aproximou do carro com o cenho franzido, os olhos aguçados,
a boa meio-aberta. Uma mão se apoiou no capô erguido enquanto Téo
inclinava o tronco para analisar melhor. Tocou o motor com a outra mão e,
enfim, botou os olhos em mim de novo.
Você não fez isso, Müller.
Mas eu tinha feito. Com muito esforço ao guardar segredo e manter o
tipo de surpresa que sou ótima para estragar, eu fiz!
― Você trocou o motor ― Téo não perguntou, mas seus olhos
estavam tão chocados agora que ele buscou resposta nos meus.
― Quer apostar que sim, Ferrero? ― perguntei-lhe com um sorriso e
fiz um gesto para que entrasse no Impala.
Téo não esperou um segundo sequer. Ele cruzou o carro com pressa,
pegou Maysa e entrou, sentando-se com ela no colo. A terrorista logo botou
as duas mãos no volante, enquanto ele girava a chave que eu já tinha deixado
pronta na ignição.
Num segundo, o motor roncou, mais alto que o do Fusion, mais
nostálgico... Téo exalou tão forte que seu peito foi pra frente.
― Como...? ― ele perguntou girando o rosto pra mim. Eu não me
lembrava de vê-lo tão embasbacado quanto estava agora, seus olhos até se
molharam! ― Quando você trocou? Com que grana, Müller?
Inclinei-me e beijei o seu rosto, rindo. Rindo da sua surpresa, rindo
do ronco do motor, rindo de felicidade.
― Um mês atrás, comentei com a Ana Lu que queria fazer essa
surpresa pra você. Eu já tinha conversado com um mecânico especialista em
Impala, mas precisava encontrar o motor... O Biz escutou a conversa, como
sempre, e me ajudou com os contatos dele e nos gastos. Consegui pagar
metade, e ele me ajudou com o resto... Mas prometi que ia pagar de volta.
― O mecânico veio aqui quando...?
― Todas as tardes da última semana.
O queixo de Téo quase caiu na cabeça da Maysa. Ele botou os olhos
no volante que tremia um pouco por conta do motor e riu, balançando a
cabeça.
― Porra, que saudade... ― sussurrou.
Acho que já fazia uns quatro, cinco anos que o Impala estava parado.
Desde que o motor original estragou quando ainda morávamos em Porto
Alegre, Téo não teve grana para comprar outro. Motores e peças em geral de
carros antigos assim eram difíceis de encontrar, além de serem caríssimos.
Sem Biz, eu nunca teria encontrado vendedor, que nem do Brasil era. Só de
frete de entrega foi um absurdo. Provavelmente eu demoraria a pagar, mesmo
que Biz não quisesse ouvir sobre isso. Toda vez que eu tocava no assunto
essa última semana, ele começava a cantar “As Curvas Da Estrada De
Santos” e desviava a conversa, inventando que poderíamos fazer uma
viagem para Santos, para visitar a Karen. Daí, quando começava a tagarelar,
eu entrava na conversa dele sem perceber.
Bem que Ana Lu dizia que o cantorzinho de meia tigela era bom de
dar a volta nos outros. Agora que Téo sabia da dívida, seria mais fácil de
ser firme com ele do meu lado. Eu acho...
Dei a volta no carro, louca para me sentar no banco de passageiro.
Não que eu e Téo nunca mais tivéssemos entrado no Impala desde que o
motor parou... Na verdade, no mês passado, fizemos um pouco de arte
dentro dele.
Tudo bem. Não sei por que estou sendo sutil aqui.
Nós trepamos como animais. Eu dei pra ele como uma cadela no cio,
Téo me comeu como um filho da puta irracional, enquanto Maysa tirava uma
soneca no seu quarto.
Paternidade: nós temos que aproveitar os minutos de sono da criança
o quanto possível.
Não que tivéssemos planejado foder no Impala naquela tarde.
Viemos aqui ao fundo apenas procurar pela lata de tinta que restou, porque
os gêmeos tinham vindo em casa, e Thales estava com mania de pintar tudo o
que via pela frente. Acabou desenhando alguma coisa indecifrável na parede
do corredor (ele apontou para o Gato quando Clara perguntou brava), mas eu
nem liguei, achei engraçada e fofa a carinha que ele fez. Enchi Thales de
beijos, depois disse que eu poderia passar um pouco de tinta, só para não
ficar marca. Depois que eles foram embora, pedi para Téo improvisar uma
luz enquanto eu procurava pela tinta, e uma coisa levou a outra e...
Eu terminei o dia levando pintada ao invés de pintar outra coisa. E
sei que isso não é novidade alguma, mas foi aí que tive a ideia de dar um
jeito no Impala, porque vi como Téo sentia falta do seu carro de truco.
Depois que terminamos a nossa putaria, nos bancos de trás, ele contou pela
milésima vez a história de como conseguiu o carro, e eu acabei percebendo
que talvez Fausto só tenha aberto mão porque viu o quanto Téo era louco
pelo Impala. Um dia eu me lembraria de perguntar a ele...
― Queria que desse tempo de dar uma volta agora ― eu disse a Téo
sentada ao seu lado. Maysa tentou botar a mão na chave e, quando ele
interrompeu, ela o encarou indignada. Devia estar ansiosa para andar tanto
quanto eu fiquei na primeira vez que entrei no carro do seu pai.
― É... ― Téo respondeu, apertando a buzina e ajudando Maysa a
fazer o mesmo. Ela riu quando conseguiu, e ele gesticulou a cabeça
orgulhoso quando a terrorista buscou aprovação. Em seguida, Téo olhou ao
redor do carro até parar em mim. Ele não disse nada, só me encarou: os
olhos molhados, o maxilar relaxado, os lábios curvados. Ergueu a mão e
pegou na minha coxa, apertando-a de leve, e descansou a cabeça no banco.
― Eu também te amo pra caralho ― respondi mesmo que Téo não
tenha dito nada. Eu sabia que ele estava pensando isso, não sabia como, mas
sempre tive certeza do seu amor como tive do meu por ele.
― O que eu faço com uma mulher que me dá tudo de melhor dessa
vida?
Encostei a cabeça no banco também e toquei o seu rosto, fazendo um
carinho rápido antes que Maysa resolvesse ficar de pé querendo subir no
volante.
― Você leva pra estrada, em um Impala ― respondi.
― Aonde ela quer ir?
― Com você? Pra qualquer lugar.
Téo não ligou que Maysa estivesse com a gente: ele agarrou o meu
pescoço e levou os meus lábios até os dele. Beijou-me como já tinha beijado
milhares de vezes, com intensidade e fome. Apesar de ter provado esse
homem em todos esses anos, eu nunca me cansava de sentir a sua língua
provocando a minha, os lábios marcando os meus com a promessa de que me
daria mais. E, Deus, ele já havia me dado tanto que, só de pensar no que
ainda viria mais pra frente, eu me sentia arrepiar, sorrir, chorar...
Qual seria a nossa próxima estrada?
Ela me deixaria mais louca por Téo do que eu já era?
― Põe o cinto, linda.
― O quê?! Você vai sair com o Impala agora?
Ele sorriu como um diabo.
― Com a gente é sempre agora, Müller.
Maysa bateu palmas quando Téo botou uma mão no volante e com a
outra mudou a marcha. Então ela me olhou com o mesmo brilho louco do
olhar do pai, e eu tive que pegá-la no colo para que Téo abrisse o portão do
barracão, que também dava para a rua.
― A gente vai se atrasar ― eu disse a ele assim que entrou de novo
no Impala.
― Foda-se.
― A gente não é mais adolescente. Tem horário de trabalho pra
cumprir...
― Relaxaaa, Müller.
Abaixei o rosto, rindo, enquanto Maysa se jogava nos braços de Téo
para comandar o volante também. E ele deixou que ela se ajeitasse no seu
colo enquanto saía com o carro, mesmo que a gente pudesse se foder nessa
brincadeirinha...
Mas eu estava longe de sair agora. Se Téo precisava de uma volta no
Impala, eu também precisava. Era assim que a gente funcionava: num agora
que era nosso sempre.
― Seu pai e a sua mãe são loucos, pequena... Acho que você já
percebeu isso a esse ponto... ― ele disse na orelha de Maysa enquanto
ajeitava as mãos dela no volante. Por último, o maior problema que já
entrou na minha vida me sugeriu, desafiador: ― Vamos ensinar pra ela
como se faz, Müller? ― Téo sorriu, contraditoriamente, como a resolução
mais tentadora que já encontrei, também.
Eu não sabia qual seria a próxima estrada... Eu não tinha ideia de
quais votos de casamento renovaria nos próximos meses ou anos...
Mas loucos?
Sempre seríamos.

FIM
AGRADECIMENTOS
Até pouco tempo, sempre imaginei o trabalho do escritor como um
ofício que se realizasse sozinho. Não sei se isso se deu por conta de uma
imagem de senso comum ― de um sujeito descabelado batendo nas teclas de
máquina de escrever ―, ou por conta de um primeiro período estando
solitária durante a minha produção no Wattpad.
Escrevi meu primeiro livro com dezesseis e finalizei aos vinte anos.
Tinha leitores, mas nunca consegui muita conexão com eles, a não ser um
único amigo que me dava feedbacks de cada capítulo. Acabei desistindo
desse primeiro por não me conectar mais com a história e, num belo dia,
acordei de um sonho com uma nova ideia.
Comecei a escrever Sua loucura com as expectativas mais baixas em
relação a público e feedback. Havia deixado uma narrativa para trás, mas
sabia que não podia viver sem escrever outra, por isso comecei a caminhar
novamente por uma estrada solitária. Isso não quer dizer que não queria ser
lida. Eu queria. Por isso postei no Wattpad os primeiros capítulos de um
romance, em que uma garota conhece um garoto. Divulguei um pouco, pedi
para lerem na cara dura. Muita gente leu e continuou, e, certo dia, liguei o
Wi-Fi e as notificações do Wattpad começaram a vibrar por tanto tempo, uma
atrás da outra, que, meio sonolenta, me perguntei se não tinha um vibrador
ali na cama comigo ao invés do celular.
Depois disso, Sua loucura só continuou a crescer. Não divulguei
mais nem pedi para lerem. Minhas leitoras começaram a fazer isso por mim
e votavam e comentavam e me mandavam recadinhos por inbox. Logo
percebi que tinha em mãos não a história de uma garota que conhece um
garoto. Eu tinha em mãos a história de Sofia e Téo. E não fui eu quem fez
isso, foram vocês.
Por muito tempo, eu acreditei na solidão do escritor, seja
profissional ou amador, como eu, acreditei que narrativas se faziam apenas
pelas mãos que teclavam palavras.
Mas, hoje, depois de mais um milhão de leituras no Wattpad, eu
enxergo meu ofício como parte de um conjunto. Se escrevo sobre alguém
chamada Sofia, minhas leitoras a moldam e dão sopro a ela. Se escrevo
sobre alguém chamado Téo, minhas leitoras o desenham e o beijam com
amor (para não dizer outras coisas).
Não escrevo sozinha. Sempre que estou com os dedos no teclado do
notebook, vocês estão na minha cabeça, dando pitaco, rindo, chorando,
brigando, botando meme e figurinhas. Sofia e Téo começam a existir a partir
daí, num universo particular, mas que, na nossa cabeça, é tão real que se
torna parte da gente. Não conseguiria continuar essa trajetória sem vocês ―
e sei o quanto isso soa clichê pra caralho, mas nunca fui de evitar um clichê
verdadeiro nas minhas histórias, não será agora que farei.
Por isso tenho muito a agradecer a todas que chegaram a mais uma
estrada comigo, mas, principalmente àquelas a quem dediquei esta breve
loucura de Téfia: às minhas amigas do CLM. Elas foram as pessoas para
quem eu gravei longos áudios sobre todo o universo de SL e para quem
contei inúmeros spoilers. Elas foram as pessoas que me deram os feedbacks
mais frescos e me xingaram quando fui um pouquinho maldosa (foram só
vinte dias! Superem!). Elas que me ajudaram nos bloqueios, me cobraram
capítulo, me respeitaram nas decisões, me botaram pra cima e me deixaram
num topo de escritora que nem sei se mereço, mas que me faz ver que estou
fazendo algo certo. Seja uma história sobre uma garota que conhece um
garoto, seja uma história sobre Sofia e Téo, eu estou fazendo parte de uma
obra com coisas positivas que, num mundo e, principalmente, num Brasil tão
escuro, nos trazem alívio e, talvez, esperança que mais ofícios se façam pela
união.
Agradeço, de coração, a todas que fizeram a leitura desta obra, e
agradeço, com saudação e muitas lágrimas, às garotas do CLM, que são
minhas leitoras, críticas, amigas e as pontas do meu fio vermelho. Toda a
minha gratidão a vocês, que passam dias e noites contribuindo para as
histórias, que me atendem no privado, que me mandam piadinhas pra zoar a
cara do Téo e que, afinal, me deram ideias para que Breves loucuras 4 fosse
possível. Um dia, com a benção da Netflix ou de qualquer outra produtora
com potencial (estou aceitando ofertas), estaremos na nossa ilha bem
distante e rica, desfrutando do Barrueco e do Sebastião como o bom CLM
comanda: SEM LIMITES!!!
Logo mais, nos veremos novamente para encontrar Téfia em outra
loucura, como muitos outros casais que já vieram e estão por vir!
(Spoiler do bem: só vem, Heitor!).
Com carinho,
Lana Machado

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