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VOLUME 4
Lana Machado
― Mamadeira?
― Peguei.
― Fralda?
― Peguei.
― Lenço?
― Peguei.
― Pomada? Naninha? A bolsinha de remédios...?
Téo e Maysa deixaram os olhos um do outro para me encararem no
topo da escada.
E lá estavam as carinhas mais entediadas do século XXI!
― Eu peguei tudo, Müller ― ele respondeu devagar como se
estivesse falando com um bebê de um ano. No caso, o bebê de um ano por
aqui era Maysa, mas ela me encarava como se o seu cérebro fosse mais
evoluído que o meu de vinte e seis.
― Só tô me certificando, ué... ― eu disse, começando a descer os
degraus.
― Não, você tá falando como uma mãe neurótica ― meu marido
rebateu, mesmo sabendo que eu odiava esse negócio de mãe neurótica.
― Não tô, não!
― Você me perguntou se eu peguei tudo umas três vezes.
Mentira! Não perguntei três vezes...!
Bom, pelo menos não enumerando cada objeto que deveria estar na
bolsa...
― Porque ― comecei a dizer quando cheguei em frente aos dois ―
é a primeira vez que ela vai dormir fora de casa, e na casa da sua tia não tem
tudo o que ela precisa... Sou uma mãe consciente, só isso!
Consciente sim, consciente é um adjetivo ao qual quero estar ligada!
Sorri para Maysa, tentando receber qualquer sinal de concordância
da minha filha, mas tudo o que ela fez foi virar a cabeça e encarar Téo,
enquanto ele a encarava também.
A mãe tá neurótica.
Tá sim, terrorista.
Tenho certeza de que foi isso o que disseram um ao outro. Eles estão
sempre conversando mentalmente ― ainda que Maysa não consiga dizer
frases ainda.
― Eu também sou um pai consciente, por isso peguei tudo...
repetindo pela quarta vez ― Téo debochou, com um sorrisinho de canto
que, há sete anos, me tiraria do sério ao mesmo passo que molharia a minha
calcinha. Nesse momento em especial, depois de dois anos de casados, só
me tirou do sério mesmo. Por sorte, encontrei uma falha de iniciante logo
que botei os olhos no sofá.
― Acho que você tá se esquecendo de algo bem importante, Ferrero
― falei com o meu sorriso espertinho. Téo franziu levemente o cenho,
questionando-me, então acompanhou a direção do meu olhar quando
gesticulei para o sofá.
Embaixo de um cobertor embolado, jazia uma parte de barbatana. O
bichinho de pelúcia preferido da nossa filha, o qual ela não conseguia ficar
sem, estava meio escondido, mas eu conhecia bem os dentes pontudos do
tubarão branco que, por insensatez do cosmos, Maysa achava o máximo...
Eu podia comprar ursinhos, girafas, elefantinhos e até mesmo
unicórnios de pelúcia, a minha garota gostava mesmo era do bicho mais
perigoso da natureza. Foda-se a sua selachofobia, mãe.
Cruzei os braços e olhei vitoriosa para Téo, mas tudo o que recebi
foi um olhar blasé enquanto ele ajeitava Maysa no colo.
― Eu não me esqueci, Müller.
― Ah, vai se foder, Téo! ― Eu ri e passei por ele, para pegar a
pelúcia debaixo do cobertor. ― Você estava se esquecendo...
― Claro que não. Ontem mesmo prometi pra ela que, quando
crescesse mais um pouco, eu deixaria nadar numa piscina de tubarão ― ele
respondeu.
Ao mesmo passo que descobri o bicho, virei-me para ele e cerrei o
olhar.
― Você não pode prometer isso a um bebê. Ela nem sabe o que
significa.
― Vamos ver se não vai se lembrar quando começar a falar, então...
― Téo piscou.
Caralho, Téo... Hoje você tá que tá, heim!
Acabei relevando o deboche do meu marido quando ele passou por
mim, rindo, e me deu um beijo antes de pegar o tubarão para dar a Maysa.
― Não sou uma mãe neurótica ― falei por último e argumentei da
maneira mais clara: ― Se fosse, não estaria deixando a minha filha com a tia
pra passar a Lua de Mel com o meu marido.
Enquanto Maysa agarrava o tubarão com os seus braços gordos e o
apertava como se ela fosse o ser mais perigoso do mundo, Téo deu um
sorriso, só que, dessa vez, um dos seus verdadeiros. E, por mais que ele
fosse doutor em tirar do sério, nada se comparava ao potencial do seu
repuxar de lábios quando sorria de boa vontade. Aliás, fazia um tempo que
eu não via esse tipo de sorriso no seu rosto... Na verdade, há um bom tempo.
Eu acho que... pela primeira vez em sua vida, Téo Ferrero estava
perdido. Não que ele fosse admitir isso em voz alta ou deixar transparecer,
já que eu tentei dizer isso e só recebi uma frase rebatida: só é um mês
cansativo, Müller, só isso...
Mas, se o meu marido me conhece o suficiente, eu também o
conheço: Téo está longe de ser ele mesmo nestas últimas semanas.
O meu garoto problema, desde o Ensino Médio, é a pessoa mais viva
que já conheci, especialmente porque Téo sabe quem é de verdade. Por isso
ele traça planos o tempo inteiro, pois sabe o que vai ser bom para si, seja
algo grande ou não. Foi assim que aconteceu desde cedo: uma faculdade em
Porto Alegre, longe de tudo o que conhecia. Téo riscou a meta quando
passou no vestibular e, ainda, fez toda a mudança com o dinheiro que sua
mãe deixou para ele antes de morrer, além das suas economias. Na outra
cidade, se sustentou com o estágio e trabalho aos sábados em oficina,
enquanto cursava mecânica. Para completar, terminou a graduação e passou
num concurso da prefeitura, não de qualquer estado, de São Paulo.
Eu sou casada com um homem que é praticamente movido à
combustível quente e ativo. Não foi à toa nem apenas por conta da sua mãe
que Téo decidiu ser mecânico: ele tem alma de ferro forjado. E quem forjou
foi ele mesmo.
É por isso que eu não aceito vê-lo perdido com o que ama fazer
agora. Há várias coisas que o definem, além de trabalho, e eu admiro cada
uma delas... Porém, concordo totalmente com a ideia de que “o trabalho
dignifica o homem”. Sinceramente? Por mais que eu seja várias coisas das
quais me orgulho, como ser mãe e escaladora nos fins de semana vagos, o
meu trabalho é meu lugar no mundo. Posso ficar de saco cheio às vezes,
quando tudo está uma merda no jornal onde trabalho, mas é como jornalista e
fotógrafa que sinto os meus pés se fincarem para criarem frutos. É assim que
eu me sinto parte de um todo.
Téo não está se sentindo mais desse jeito há um bom tempo, e eu sei
por quê: ele não gosta de trabalhar na prefeitura. Não é porque ele reclama
de acordar cedo ou dos seus colegas ― Téo sempre teve problemas com as
manhãs e com as pessoas no geral, porque meu marido não tem paciência
para nada e é mal-humorado pra caralho ―, então não é nada disso.
O problema é que Téo trabalha em escritório, apenas revisando
projetos. Ele lida com papelada diariamente, como um daqueles caras de
filmes que estão sempre reproduzindo as mesmas coisas em mais um
cubículo de setor. Apenas uma vez ele assumiu uma obra para lidar, mas
agora grande parte do que faz é mexer com documentos e desenhos ― coisas
que ele odeia. Tudo piora quando há falta de verba e, se tratando do Estado,
isso é o que mais acontece. Obras se tornam intermináveis, e o dinheiro que
deveria ser encaminhado para a qualidade de vida vai para o bolso dos
outros... É assim que Téo perde a fé no trabalho. Então ele se frustra a ponto
de ter dores de cabeça ― no fim de semana passado foi uma enxaqueca
durante dois dias ― e chega em casa mais cansado do que deveria, fazendo
um esforço mental para não mandar tudo à puta que pariu. Tirando o pequeno
incidente que ocorreu na quarta-feira...
Foi pensando nisso que eu inventei uma Lua de Mel depois de um
ano de casados. Nós nunca tivemos uma, porque Maysa só tinha três meses
quando dissemos sim, e tudo o que fizemos foi ir para casa depois da festa
de casamento, pedindo a Deus que a nossa bebê dormisse bem para
conseguirmos transar como um casal de recém-casados.
Nem preciso dizer que não deu certo. Ela precisou mamar três vezes
naquela noite e ainda fez Téo caminhar pelo corredor até que arrotasse e
golfasse nele, então, nem de perto foi uma boa noite de núpcias. Foda-se a
idealização de que éramos uma família realizada, pais que amam a sua
pequena e aquela ladainha toda...
Nosso quarto tinha cheiro de leite materno vomitado. Nós dois
também.
Depois dos primeiros meses de Maysa, pensei em planejar uma Lua
de Mel, mesmo que pequena, para que eu e Téo curtíssemos um pouco
sozinhos. Agora, era o momento ideal, porque Maysa já tinha um ano e
estava acostumada com a casa da tia Rose; nós dois finalmente poderíamos
ter um momento só nosso; e, longe de tudo, seria mais fácil fazer Téo
encontrar uma solução para ele mesmo.
Pelo menos era o que eu esperava.
― Tem certeza de que o check-in é ao meio-dia? ― Téo perguntou
enquanto saíamos de casa.
― Tenho, sim. Estava escrito na programação que, logo depois de
hospedar, a gente teria um almoço e...
― Tem uma programação? ― seu tom de voz ficou hostil.
Considerando que Téo me fodeu durante uma excursão com
programação escolar e religiosa, ele não é o tipo que gosta muito de seguir o
que programam para ele...
― É uma boa! Quem organizou o fim de semana foi aquela terapeuta
de quem eu fiz a matéria aquela vez... Ela que levou o projeto de casais pra
pousada... Lembra? A Dra. Simoni Ogawa?
Eu tinha falado isso a Téo no começo da semana, mas sabia que ele
não se lembraria. Foi por telefone, quando fiz a nossa reserva numa pousada
incrível em meio à natureza e praticamente decidi por nós dois que
tiraríamos o fim de semana. Mas, ultimamente, ele não filtrava muito o que
eu dizia, principalmente quando estava trabalhando.
― Pode ser... ― foi o que Téo respondeu, com os olhos
desconfiados. Depois de abrir a porta traseira do carro, colocou Maysa na
cadeirinha, que continuava deixando o tubarão todo babado. ― Mas a gente
não vai fazer terapia de casal, né?
Caralho... O que eu devo dizer?!
― Não... Não terapia, terapia ― eu disse, fazendo um gesto para
que o Gato viesse para a garagem, entrar no carro também. ― Vão ter alguns
momentos de casais... só isso.
Na verdade, a Dra. Simoni Ogawa tinha pós-doutorado em
Psicologia e era terapeuta de casais. Atualmente, ela estava difundindo um
projeto chamado “Alma Nem Tão Gêmea”, o qual eu pesquisei para
escrever uma matéria sobre casamentos contemporâneos, há um mês.
Basicamente, a sua proposta era de que, para fazer um relacionamento dar
certo, duas pessoas precisam fazer a sua parte. Para isso, elas devem estar
conectadas de corpo e alma, uma vez que se relacionar é algo que pode ser
difícil para o homem individualista da pós-modernidade, então a empatia e
validação do outro são elementos que devem ser exercidos diariamente
dentro de um casamento.
Eu concordo plenamente com o posicionamento dela e acredito que
eu e Téo tenhamos empatia e validemos os sentimentos e palavras em casa.
Não precisamos de terapia para entendermos isso, muito menos para lidar
um com o outro. Porém, considerando que meu marido não está se dando
conta de como lidar consigo mesmo, pensei que seria uma oportunidade boa
entrar em contato com uma terapeuta que nos faça refletir. Talvez, passando
um tempo em um lugar isolado da cidade, ele finalmente pare de negar que
não nasceu pra ficar em escritório, com as mãos cuidadas demais para um
mecânico.
― Puta que pariu! Vai ter terapia! ― Téo concluiu antes de entrar no
carro. Ele chegou a ficar vermelho e não só de raiva... ― Porra, Sofia! Essa
viagem não devia ser de Lua de Mel?
― Mas é! ― falei, meio exaltada também. Não queria que Téo
voltasse atrás apenas por causa da ideia de terapia. ― Não é como se fosse
uma excursão, com programação o tempo todo... só vai ter um encontro com
a doutora, essa tarde, depois estamos livres.
Eu entendia: se Téo não queria conversar comigo sobre as suas
frustrações, quem diria uma terapeuta. Depois de quarta-feira, então, tudo
ficou pior...
Mas o que eu podia fazer? Sim, eu sabia lidar com o meu marido...
só que dessa vez estava mais difícil que o habitual.
Fiz uma carinha de súplica, o meu último recurso, para que ele não
desistisse do nosso fim de semana. Depois de me analisar, Téo acabou
levantando as sobrancelhas, nem um pouco convencido, mas soltou num tom
mais relaxado:
― Pensei que a única programação de uma Lua de Mel fosse foder.
Ao invés de rebater imediatamente, como faria há dois anos, o
instinto me fez abaixar o cenho e fiscalizar Maysa dentro do carro, mesmo
que Téo tenha falado tudo baixo.
Ela tinha parado de morder o tubarão e agora encarava diretamente
os olhos plastificados dele, como se tentasse desvendar alguma coisa que
não tivesse nada a ver com a conversa dos pais. A minha filha ainda era
muito pequena para saber que o seu pai era um pervertido e achava que sexo
era a resposta para tudo.
Olhei-o novamente por cima do carro.
― Isso não tá fora da programação, Ferrero ― falei para apaziguá-
lo. ― Na verdade, vai ser a programação da madrugada inteira.
Dessa vez, o sorriso que tirei dos lábios de Téo não foi puro, mas
sujo, bem sujo. Ele me analisou com os olhos pequenos enquanto cruzava a
garagem:
― Você sabe como me dobrar, Müller.
Então vamos ver se consigo te dobrar mais uma vez, mecânico.
Depois que o Gato saiu de casa todo preguiçoso e subiu nos bancos
de trás do carro como se fosse parte da realeza, fechei a porta e entrei ao
lado de Téo. Com as malas todas lá dentro, deixamos a nossa casa por este
fim de semana. Olhei para o portão se fechando, e, como se tirasse um tipo
de peso dos ombros, relaxei no banco de passageiro.
Na avenida, em meio à grande movimentação dos carros, já comecei
a sentir a animação de viagem. Isso me lembrava de quando eu e Téo
decidíamos fazer longas viagens, parando em hotéis baratos e cidadezinhas
que se criavam para nos receber. Téo adorava dirigir o Impala nas estradas
e, quando escurecia, amava me foder em cima dele, debaixo das estrelas.
Eram tempos mais simples, aqueles, sem tanta pressão da vida adulta...
Agora tínhamos que dar conta dos empregos e do tempo. Havia
Maysa, e ela era a coisa mais importante das nossas vidas. Só de pensar que
teríamos que deixá-la este fim de semana, só de pensar no peso do verbo
deixar, eu sentia um aperto no peito enquanto Téo conversava com ela, com
os olhos no retrovisor. As respostas que ele recebia eram apenas sílabas
meio desconexas e palavras decoradas como “tubaão”, “miau” e “papá”...
Uma vozinha que, mesmo infantil, tinha sua profundidade. E eu passaria o
fim de semana inteiro sem ouvi-la...
Para não ficar neurótica, como Téo sugeriu antes, liguei o rádio que
ele não se deu ao trabalho de ligar, mesmo que meu marido fosse o tipo de
pessoa que liga o carro e o rádio ao mesmo tempo: nem música para ir
trabalhar ele escutava mais. A prova disso é que não havia pen drive
conectado, e eu tive que caçar um no porta-luvas, encontrando apenas um
que era meu, dos tempos de faculdade.
A primeira música que tocou foi “I Love Rock ‘n’ Roll”, o que me
fez sorrir na mesma hora. Acho que passei metade da vida escutando Joan
Jett, essa era a minha trilha sonora em Porto Alegre. Definitivamente, o meu
espírito animal.
Bem, pelo jeito, não apenas o meu.
No momento que o refrão chegou, Maysa começou a bater palmas e
erguer as pernas para cima e para baixo. Ela estava tentando seguir o ritmo,
o que era a cena mais fofa de se assistir. A minha garota gostava de rock,
como os pais. Nesses últimos dias, ela realmente tinha virado fã de Fernando
Biz... Não que o pai dela tenha gostado muito de ver a filha apaixonada pelo
padrinho, mas, depois que Biz botou os pés em São Paulo para não sair e
conquistou Maysa aos poucos, ele não podia fazer muita coisa quando ela
tinha passado a cumprimentar Biz com bitoquinhas nos lábios. Aquele
cantorzinho de meia tigela tinha mesmo um dom pra conquistar mulheres,
fossem Ferrero ou Marques.
Eu estava tentando tirar fotos escondidas de Maysa, esperando que
ela não parasse de se mexer só de pirraça, quando Téo parou em frente à
casa da tia e ficou imóvel, ao invés de sair. Depois de fotografar Maysa
pegando nos próprios pés (um alongamento invejável), abaixei a câmera
fotográfica e encarei-o. Ele estava com os olhos vidrados nela, pensativo e
sério, como se estivesse prestes a dizer...
― Acho que é melhor a gente cancelar a reserva e ficar com ela,
amor ― de fato, ele disse.
Respirei fundo e esperei que Téo me olhasse de volta, mas ele não
olhou. Ergueu um braço para tocar Maysa e abriu um sorriso quando ela
voltou a bater palmas.
― É só um fim de semana, Téo. Ela vai ficar bem com a sua tia.
― Eu sei. Mas se alguma coisa acontece, e a gente não tá por perto?
― A pousada não fica longe. Se qualquer coisa acontecer, sua tia vai
ligar...
Téo tirou as mãos de Maysa, mesmo que tenha demorado um pouco
mais a tirar os olhos. Quando se voltou pra mim, desligou o rádio, e Joan Jett
parou de falar sobre a sua má reputação.
― A gente não precisa tirar essa Lua de Mel agora, Müller ― ele
me falou, parecendo não levar a sério a ideia de uma viagem de casamento.
― No meio do ano, se eu conseguir pegar férias, a gente se programa com
mais calma pra ir a algum lugar melhor e levar a Maysa junto. Ela ainda é
muito pequena pra ficar sem nenhum de nós dois ― disse com o olhar tão
firme que me fez desviar o meu próprio olhar firme.
Porra... Para Téo Ferrero dispensar uma única noite sem empata-
foda, numa pousada no meio do nada, ele só podia estar muito fora de si.
Isso não queria dizer que não fosse protetor com Maysa, porque ele era e
muito, mas Téo nunca teve problemas de deixá-la na casa dos outros à noite,
sair só comigo e me comer, seja no carro, no motel ou em qualquer outro
lugar que nos desse um espacinho confortável ou nem tanto.
Isso é por causa de quarta-feira? Ou é porque você sabe, no fundo,
que vai ter terapia e vai ter que falar sobre o seu estresse uma hora ou
outra?
― São só dois dias... ― insisti.
― Então pra que ir, porra? ― ele perguntou.
― Porque eu tô entediada! ― aumentei o tom de voz, mais nervosa
que irritada. Passei a língua nos lábios secos e o encarei de volta. ― E você
tá estressado e cansado. O que a gente precisa é dar uma pausa nessa rotina,
e você sabe!
Téo ficou um tempo com o olhar preso ao meu, sério, porém um
pouco perdido.
Ele era o tipo de homem que batia o martelo. Era foda, só que, se
Téo tivesse certeza das suas decisões, ele seguia caminho por elas e fim de
conversa. Se decidisse que ficar em casa este fim de semana era a melhor
maneira de fugir de uma conversa, ele ficaria, e não haveria argumento
algum que eu pudesse usar para arrastá-lo comigo.
― Por favor, amor ― pedi.
Foi a vez de Téo desviar o olhar firme do meu. Ele encarou Maysa
novamente pelo retrovisor, parecendo um pouco frustrado, como estava nos
últimos dias, mas acabou gesticulando a cabeça e saiu do carro para entrar
na casa da tia. Desci do carro também e, como estava mais próxima da porta
da cadeirinha, peguei Maysa, enquanto Téo ia até a campainha para tocá-la
uma, duas, três vezes... (Eu devia ter escutado Ana Lu quando ela alertou
sobre eu me casar com um satanáries. Eles não têm paciência, e isso exige
uma paciêeeencia).
Rose apareceu na porta com pressa, como sempre fazia para atender
Téo. Abriu o portão e, conforme nos aproximávamos com Maysa, o seu
sorriso de tia-mãe se repuxava.
― Deixa eu ver essa menina bonita ― ela pediu e estendeu os
braços.
Maysa ainda estava com a careta de manhã, igual a de Téo. Foi o sol
bater nos seus olhos sensíveis quando saímos do carro que toda a animação
gerada por Joan Jett desapareceu num segundo. Ela aceitou ir para o colo da
tia Rose, mas foi esfregando os olhos com as mãos gordinhas e sem dar um
único sorriso de cumprimento.
― Mas que carinha emburrada é essa, meu deuso? ― Rose
perguntou a ela depois que a beijei. ― Tudo isso é porque os pais vão
viajar? ― Riu para mim.
O Gato passou correndo para dentro da casa antes que entrássemos.
Tive que lhe dar licença antes de respondê-la:
― Talvez... e porque obrigamos a acordar cedinho.
― E o pai dela? ― A tia olhou para Téo, que a cumprimentou com
um beijo rápido. ― Por que tá emburrado assim, filho? ― Ela colocou a
mão no seu rosto.
Téo até tentou sorrir, só que os cantos dos lábios mal se
movimentaram.
― Tô meio cansado. Não dormi direito essa noite.
Nem nas últimas...
Tia Rose me olhou de volta, com o cenho meio franzido,
estranhando-o logo de cara. Ela estava acostumada a vê-lo impaciente,
sarcástico ou irritado, mas nunca desanimado. Por mais que Téo tivesse uma
personalidade complicada desde novo, chegando até a ser meio pessimista e
mal-humorado de vez em quando, ele não era o tipo de gente pra baixo. Na
verdade, era o contrário: Téo era o tipo de homem que andava com a cabeça
erguida, os olhos e boca afiados para tudo, qualquer pessoa ou qualquer
situação. Ele tinha um espírito forte e original, bem mais vivo do que
aparentava agora.
Acabei fazendo um gesto para que a Rose relevasse.
― Fiz um cafezinho. Por que não entram antes de viajar? ― Ela já
foi entrando, enquanto Maysa descansava a cabecinha no seu ombro.
Téo me olhou com uma cara de não podemos demorar, mas eu fui
atrás da tia, doida para tomar o café dela. Estava cruzando a sala até a
cozinha quando escutei um barulho vindo da escada, e, no momento que
aquela garota me viu, soltou um gritinho e acelerou o passo ao descer os
degraus.
― Duda! ― Eu a abracei quando a caçula dos Ferrero se jogou em
cima de mim, apertando-me do jeitinho carinhoso que só ela tinha. Será que
ainda havia alguma chance de Maysa crescer e ficar como ela?
Duda me soltou com um sorriso largo, muito longe da carinha
emburrada da minha filha.
É, acho que há zero chances.
― O que você tá fazendo aqui, peste? ― Téo perguntou quando
entrou na sala, e Duda se jogou para cima dele também. Nem parecia que
tinha nos visto no fim de ano. ― A tia não me falou que você vinha pra cá.
― Ele beijou a têmpora dela antes que se afastassem, todo carinhoso com a
irmã.
Talvez Maysa tenha uma chance, talvez...
― Eu também não sabia que vinha ― Duda respondeu, ajeitando a
franjinha que, apesar de lhe dar um ar meigo, não escondia o rosto que já
parecia de mulher jovem adulta. Ela só era uma adolescente, mas a
menininha que gostava de montar barraca no quarto já parecia distante.
Depois dos treze, Duda amadureceu muito e, agora, todos pensavam que ela
era mais velha que Roberta, que ao contrário dela ainda tinha carinha de
bebê. ― É que a Roberta foi passar o fim de semana na casa de umas amigas
em Vitória pra surfar, aí a minha mãe e o pai inventaram de viajar ontem,
mas eu não quis ir com eles, então vou ficar aqui com a tia e ver uns amigos
meus também.
― Vai ficar até quando?
― Não sei, depende do quanto a tia vai me aturar.
― Pra sempre! ― tia Rose gritou da cozinha.
Nós duas rimos, e eu vi Téo repuxar os lábios e abaixar a cabeça.
Fazia um bom tempo que a Rose morava sozinha, sem criança alguma para
lhe encher o saco ― e, considerando que conviveu com Téo durante três
anos, ela já tinha batido a cota. Porém, a tia sempre ficava feliz quando as
meninas decidiam passar um tempo com ela. Ficava toda nostálgica tendo
uns Ferrerinhos por perto.
― A tia disse que vocês vão viajar hoje também ― Duda comentou,
grudando em Téo no momento que começamos a caminhar para a cozinha.
― A gente tá de volta na segunda, daí você passa um tempo lá em
casa também ― ele respondeu.
― Falando na sua casa... ― Duda começou a dizer, com os olhinhos
verdes espertos ― bem que você podia emprestar as chaves pra eu dar uma
festinha lá amanhã, né.
A caçula sempre conseguiu as coisas da família de duas formas:
1. Pedindo com jeitinho, como estava fazendo com Téo agora.
2. Dando ordens diretas, porque ela tinha talento para a coisa.
Como sempre foi bastante inteligente, Duda sabia quando podia usar
um método ou outro. Com Téo, sabia também que o primeiro funcionava
muito bem.
― Uma festinha pra quantas pessoas? ― foi o que ele perguntou.
― Oito. Quatro meninas contando comigo e quatro meninos.
Téo me olhou disfarçado por cima da cabeleira loira, e eu ri da sua
desconfiança.
Sim, amor, talvez role uns pegas aí.
― Quantos litros vocês já compraram? ― ele fez mais perguntas.
Duda se desgrudou dele e parou no corredor, com os olhos
arregalados.
― Como assim?
Ele fechou os olhos nela, que deu uma risadinha de quem foi pega no
flagra. Talvez tivesse se esquecido que o seu irmão era quem dava as
festinhas para oito pessoas quando tinha a sua idade.
― Você sabe do que eu tô falando, pequena.
Duda deu uma enrolada, olhando para os lados, mas depois falou
baixinho, provavelmente para a tia não escutar:
― As meninas compraram duas garrafas de destilados, e os meninos
compraram não sei quantos litros de chopp...
― É... ― Téo fingiu pensar, passando a mão na nuca. ― Não vai
rolar.
― Por que não?! ― Duda ficou chocada com a negação que veio
junto do deboche. Deus... Téo seria um pai insuportável quando Maysa
tivesse idade! Negaria pedidos adolescentes só por poder, por achar graça...
― Não vou deixar ninguém exagerar nem zoar a sua casa, Téo... Prometo!
Também não vou ficar enchendo a cara nem fazer nada com ninguém... ― ela
implorou e, em seguida, virou-se para mim: ― Diz pra ele, Sô!
No meu caso, Duda sabia que podia usar das duas formas de
persuasão. Digo, ela e Roberta foram as irmãs que eu ganhei depois de ter
perdido uma na adolescência, então eu basicamente passei sete anos, desde
que comecei a namorar Téo, fazendo as suas vontades, mesmo que fosse para
pegar o Impala do seu irmão escondido ou deixá-lo sem sexo para fazer
caça-tesouros de Natal nas madrugas do Papai Noel.
O que eu posso dizer? Os Ferrero me manipulam a entrar em
confusão! Não foi à toa que me casei com um deles!
― Eu acredito que você é responsável ― Téo interrompeu antes que
eu tirasse as minhas chaves do bolso e entregasse a ela. Era só uma festinha
de adolescente, e eu sabia que eles poderiam ser terríveis, mas confiava
mesmo na baixinha. ― Só que, dos seus amigos, cinquenta por cento devem
ser o contrário, porque metade é moleque. E eu não confio em moleque
babaca.
― Você era um moleque babaca ― eu disse levantando a
sobrancelha. E ele estava longe de negar, porque até Duda sabia que Téo
botou fogo no closet da mãe dela quando tinha mais ou menos a sua idade.
― Por isso mesmo, Müller ― foi o que ele respondeu. ― Tenho
experiência aqui. Uma festa fica pra próxima, pequena.
Duda revirou os olhos, mas logo voltou a sorrir quando se encontrou
com Maysa na cozinha, já sentada na cadeirinha. Ela estava esperando a
Rose lhe entregar um potinho de framboesas até que a sua tia a tirou da
cadeirinha para apertá-la e beijá-la e mordê-la. Duda só parou quando
Maysa soltou um barulho frustrado.
― Não adianta reclamar ― a baixinha disse a ela de volta na
cadeirinha. ― Você vai ser obrigada a aturar meus beijos pra sempre.
Maysa ignorou Duda e pegou o potinho de framboesas. A tia Rose
riu.
― Então estão todos bem no Rio? ― perguntei a ela enquanto
tomávamos o café.
― Tão, sim. Mas o pai tá com saudades de vocês.
― A gente passou o Natal com ele ― Téo falou, franzindo o cenho.
― É, ele não disse que tava com saudade, você sabe como o pai é...
Eu vi que, no fundo, ele ficou meio deprê por causa da Maysa.
Eu e Téo tentávamos pegar férias no Rio sempre que podíamos,
principalmente depois que Maysa nasceu. Duda e Roberta diziam que Maysa
não podia crescer com duas tias estranhas, elas queriam estar próximas da
primeira sobrinha, e com o pai de Téo não era diferente.
Augusto era o tipo de homem turrão ― Téo teve, sim, a quem puxar.
Só não tinha a aparência do pai, pois veio como cópia da mãe, assim como a
minha filha era cópia dele. Porém, de resto, na personalidade, os dois eram
muito parecidos: sentiam muito no peito e não diziam em voz alta. Augusto
não era de jogar Maysa pro alto como Téo, ou conversar balbuciando
palavras inexistentes como eu fazia; só que, quando a pegava no colo, não a
soltava mais. E Maysa ficava com ele horas e horas deitada no sofá ou perto
da piscina, antes de dormir... A minha filha também tinha puxado o avô,
então apreciava o silêncio tanto quanto ele.
― Primeira neta, né, filha ― Rose disse enquanto colocava o cabelo
mais comprido de Maysa atrás das orelhas. ― A gente fica bobo mesmo.
― Pode ser... ― Duda respondeu, comendo um pedaço de queijo. ―
Mas acho que é porque ela lembra a mãe do Téo. Tem até o nome dela, né.
Tia Rose tirou os olhos da última sobrinha e botou em cima do
primeiro sobrinho. Téo estava observando a conversa, porém, depois do que
a irmã disse, deu um meio-sorriso e abaixou a cabeça. Só levantou para me
olhar, aí sorriu de verdade, como não fazia há um bom tempo. Buscou a
minha mão debaixo da mesa, e, finalmente, depois de semanas sentindo-o tão
distante de mim, enxerguei o meu marido dentro de mim, como sempre
levávamos um ao outro.
Você vai voltar pro seu eixo, amor. Só precisa de uma boa viagem...
― Imagina quando for o seu bebê ― a tia falou para Duda, que
começou a imitar Maysa comendo, cheia de graça. ― O Augusto vai te fazer
voltar pra casa e criar a criança ali do ladinho dele. ― Ela riu.
― Deus me livre, tia! Isso aí tá bem longe, viu! O meu irmão ainda
precisa ter mais cinco filhos antes de mim, porque a Roberta já não quer
muito, então...
― Cinco?! ― perguntei, dando uma risada nervosa. Era o que eu
sempre fazia quando Biz vinha com essas ideias de me incentivar a ter mais
crias. Dizia que assim faria uma puta banda com as crianças dos putos
quando elas tivessem idade... ― Tá maluca, Duda? A gente tá pensando em
fazer um agora e depois já chega.
― Ah, vocês estão mesmo tentando?! ― tia Rose já ficou toda
animada.
Encarei Téo e sorri para ele, um pouco vermelha. Nós estávamos
conversando sobre ter um segundo bebê agora, mesmo que eu tenha dito
milhares de vezes que preferia esperar a Maysa crescer um pouco mais.
A troca de plano aconteceu há algumas semanas, depois que a minha
menstruação não desceu, e eu pensei estar grávida de novo. Já fazia um
tempo que eu tinha parado com o anticoncepcional para tomar injeções, só
que dessa última vez a menstruação não desceu certinha como as outras, o
que me deixou neurótica e já me fez imaginar que estava inchada, com os
mamilos escuros, com um cansaço além do normal... Tudo coisa da minha
cabecinha fértil.
Fiquei meio nervosa quando cogitei a gravidez, só que, conversando
com Téo, eu fiquei muito mais calma. Ele me fez enxergar que estávamos
num bom momento para ter um segundo filho: nós tínhamos uma casa que era
nossa, empregos consistentes, boa idade para dar conta de dois pestinhas e
muito amor para distribuir ― na verdade, este último ele não disse, mas foi
isso o que eu entendi quando, no chuveiro, Téo desenhou com o dedo uma
cruz na minha barriga.
Acabei ficando apaixonada por um bebê que ainda não existia e, logo
que o exame de sangue deu negativo, do nada, chorei na frente da enfermeira.
Ela não entendeu por que eu chorei, mas Téo me abraçou e suspirou fundo,
meio triste também...
Afinal, era uma mudança de plano que queríamos que fosse real.
A partir desse dia, viemos conversando sobre tentar de verdade.
Reavaliei a minha situação profissional e, depois de falar com outras
jornalistas do trabalho que já engravidaram, disse para Téo que a licença-
maternidade não duraria muito, mas que eu tinha fibra para lidar com um
bebezinho pequeno e com trabalho.
Tantas mulheres faziam isso diariamente até numa situação mais
exaustiva, certo? A gente tem raça pra qualquer coisa, se quiser.
Então a minha médica disse que eu já poderia parar com a injeção,
mas que a gravidez poderia demorar a acontecer, porque iam-se bons meses
até o meu corpo se readaptar. Téo riu e apostou com ela que até o seu
aniversário eu estaria grávida. De um molequinho, ainda.
Nunca quis tanto que ele ganhasse uma aposta.
― Por que você acha que a gente vai fazer uma Lua de Mel logo
agora, tia? ― Téo riu e fez um gesto pra Maysa, piscando. ― Sem a empata-
foda mirim aí, não vai precisar nem de treino...
― Téo! ― nós três o repreendemos juntas, porém, Duda traiu o
movimento com uma risada final.
Maysa mostrou a língua, sabendo que o pai estava falando mal dela.
Em seguida, enfiou a boca num canudo que a tia deu e ficou olhando as
estrelinhas do copo de água.
E esta é minha filha: uma pequena contradição que curte tanto
tubarões quanto estrelinhas.
É aí que o Müller tem força, porra!
Depois que tomamos o café e conversamos um pouco, Téo se
levantou e disse que era melhor pegarmos a estrada o quanto antes se
quiséssemos chegar à tempo à pousada. As três Ferrero nos levaram até o
portão, de maneira que foi difícil soltar a mais nova delas a partir do
momento que ela foi para o meu colo e me beijou sem que eu pedisse
(normalmente tenho que implorar um pouquinho). Maysa estava com cheiro
de perfume Johnson’s como mamãe sempre passou em mim, só que ela
estava tão pesadinha no meu colo que eu já estava imaginando o momento em
que deixaria de usar perfume de bebê...
Porra, passava tão rápido. Esses dias ela era tão pequena que
parecia um pacotinho apoiado nos meus braços, agora estava alta, andando
bem, comendo sozinha, prestes a passar a noite longe de mim...
Entre no carro agora mesmo, Sofia, senão você não vai conseguir.
Sentei-me no banco de passageiro enquanto Téo a abraçava e se
despedia, lembrando-se de entregar o seu tubarãozinho de pelúcia. Duda riu
quando me viu revirar os olhos molhados, porque ela tinha sido a culpada
por fazer a minha filha gostar do animal, mas acabei rindo também quando
Maysa apertou o tubarão bem forte. Pensei que ela o envolveria embaixo do
braço como sempre fazia, mas, depois de dar um beijo no pai, entregou-lhe o
tubarão e disse: tó pá vucê.
Aí, obviamente, eu comecei a chorar.
Téo ficou meio abalado emocionalmente também. Apontou para mim
e disse a Maysa: olha a bebê chorona ali, terrorista, só que os olhos dele
ficaram vermelhos quando a beijou de novo no rostinho e na cabeça. Enfiou
o tubarão debaixo do braço e deu a volta no carro acenando, enquanto Duda
e Rose seguravam suas mãozinhas para conduzi-la de volta para dentro.
― Não diz pra gente ficar, por favor ― pedi para o meu marido
quando ele fechou a porta e botou o tubarão no meu colo, o bichinho cheio
de dentes e pontudas barbatanas. Olhei-o, com o coração apertado de mãe, e
disse: ― Porque... se você disser... eu fico.
Téo me encarou por um tempo, muito sério. Por mais que os seus
olhos estivessem enegrecidos de cansaço e os cabelos meio compridos e
bagunçados, porque nem cortar quis nos últimos dias, ele ainda era o garoto
problema mais bonito que já conheci. E eu precisava desse garoto, ele
precisava desse garoto, porque era ele quem gostava de cumprir desafios o
tempo todo, quem queria pegar a estrada para sair da rotina, quem não
aceitava viver pela metade. Essa era a parte dele pela qual eu me apaixonei
loucamente, e eu queria que Téo notasse que não precisava abrir mão dela só
porque agora era um adulto com família.
Ele era bom em arranjar problemas ainda, principalmente em fins de
semana.
Depois de limpar uma das minhas lágrimas, Téo tirou os olhos de
mim e encarou o rádio. Trocou as pastas de música do pen drive até se
deparar com a que queria.
― Quer ir pro inferno de novo, Müller? ― foi o que me perguntou
quando AC/DC começou a tocar o rock nosso, que fazia o motor e os nossos
corpos tremerem.
Passei a mão nas bochechas molhadas e dei risada.
Éramos só nós dois de novo, sem sinais de pare ou limites de
velocidade...
― Você sabe a resposta dessa, Ferrero ― respondi aumentando o
volume do som.
Estávamos prontos para queimar.
Capítulo 2
SOFIA
Téo decidiu encostar quando viu que não tinha outra opção.
E, para parar o carro, pode crer que ele estava zerado.
― Não acredito que essa porra me para de funcionar justo hoje! ―
ele falou, puto, girando a chave de ignição para pegar o GPS que estava no
suporte. ― Nem uso, caralho!
Fiquei bem quietinha, analisando o seu cenho franzido e vermelho,
conforme meu marido mexia no aparelho a fim de fazê-lo sair da tela de
procura. Talvez eu me lembrasse de que, no meio da semana, tive que pegar
o carro para ir até a casa da minha mãe, que fez uma boa travessa de torta de
frango. No caminho, talvez eu tivesse batido com a bolsa no GPS e meio que
travado a sua tela inicial...
Talvez eu lembrasse... Mas estava longe de dizer em voz alta,
também.
― Amor ― eu chamei ―, talvez seja melhor seguir o mapa que eu
printei mesmo, como a gente tava fazendo. Faz um bom tempo que o GPS não
tá funcionando.
Um bom tempo significava assim que saímos da cidade.
― Você tentou de novo conectar o 4G? ― Téo ignorou a minha
sugestão.
― Tentei ― respondi com um revirar de olhos. Mas logo sorri, para
não me deixar contaminar pelo seu mau-humor. ― Aqui não pega internet.
Tirei os olhos de um Téo metendo o dedo na tela do GPS e abri a
janela, na tentativa ver melhor onde estávamos. Não que houvesse muito
para ver, porque o mapa da pousada nos direcionou a uma estradinha bem
fim de mundo, onde havia só uma passagem de pedras e grama ao redor.
Também havia uma casinha pequena um pouco mais à frente, mas era a única
coisa construída pelo homem aqui.
Como há pessoas que vivem num lugar como este, tão perto de uma
cidade grande e ao mesmo tempo tão distante? Aliás, como há pessoas que
se esquecem de outras a ponto de não dar oportunidade alguma para que
construam uma vida melhor?
Respirei o ar puro por um tempo até voltar a cabeça na direção de
Téo. Ele parecia estar prestes a conseguir conectar o destino quando o GPS
voltou tudo ao início.
Não é possível que uma batidinha de bolsa tenha feito isso com um
aparelho...
― Merda ― Téo xingou mais uma vez e jogou o GPS no painel. Em
seguida, passou a mão no rosto e alisou os cabelos para trás, sem paciência.
Eu até poderia ponderar que isso era característica da sua personalidade,
mas hoje, nos últimos dias... estava demais. ― Esse caminho não tá certo. A
gente vai ter que voltar pra BR de algum jeito.
― Por que não tá certo?
― Olha pra essa estrada meia-boca, Sofia. Não tem como dar pra
pousada, não tem placa nenhuma... nem pista asfaltada tem!
― Mas de acordo com o mapa tá certo... ― eu imagino.
― Não era pra ter entrado aqui. Era lá atrás.
― Não sei, não. Aqui no mapa não tem aquele desvio.
― Esse mapa nem tá atualizado.
― Quem falou?
― Eu tô falando. ― Téo me olhou por um momento, os olhos
estáticos, o maxilar trincado e as veias das têmporas nervosas. Foi assim
que ficou quando teve os dias de enxaqueca. Ele engoliu em seco, então
percebeu que estava pegando pesado e disse: ― Eu conhecia essas
estradas... Sempre vinha quando peguei o Impala do Fausto.
Pendi a cabeça com um meio-sorriso.
― Isso já faz anos, garoto do Impala.
Téo não sorriu de volta, mas as minhas palavras foram o suficiente
para aliviarem a tensão do rosto. Ele apoiou os braços no volante e abaixou
a cabeça, dando-me a visão do seu nariz reto, a boca entreaberta, o olhar
pensativo...
Pois é, um dia Téo tinha sido o cara que amava estradas. Eu soube
disso a primeira vez que me contou sobre a sua mãe, que vivia salvando os
fins de semana com viagens próximas à cidade em que viviam. Maysa tinha
até um mapa com pequenas descobertas que fez na região: restaurantes,
bares, penhascos, igrejas... Téo tinha guardado até hoje, na bagunça do
escritório.
Mas ele não era mais o garoto que ganhou um Impala numa aposta de
truco e tirava os finais de semana só para diversão. Téo tinha mais
compromissos agora, eu e Maysa... Não era mais possível viajar e se perder
e se encontrar todo fim de semana.
Eu só gostaria de te ver animado por pegar o volante e atravessar
estrada que for, asfaltada ou não...
― Talvez a gente poderia perguntar se tá no rumo certo ― fiz outra
sugestão.
Téo virou o rosto, sarcástico.
― Pra Deus, Müller? ― ele falou, engraçadinho. Fiz uma careta que
o fez rir. ― Perguntar pra quem? Só tem mato nessa porra.
― Tem aquela casinha ali na frente. ― Fiz um gesto para que olhasse
também.
Ele levantou a cabeça para encontrar a casa humilde com um
cercadinho baixo, improvisado de arame. Era bem velha, de maneira que a
madeira parecia ter durado séculos, desbotada e suja pelo tempo. Uma
varanda de entrada sustentava alguns varais com roupas de cama
penduradas, então vazio o lugar não devia estar.
― A gente não precisa perguntar. Certeza que a entrada certa era lá
atrás, linda ― Téo falou, recompondo-se e ligando o carro de novo. Isso,
pelo menos, o animou: ― Vou dar um jeito de voltar pra BR...
No entanto, eu não fiquei animada com a sua tomada de decisão.
Quem tinha visto a droga da pousada há dias fui eu! Quem viu o mapa
fui eu! Quem inventou essa viagem de Lua de Mel fui eu!
― Não é lá pra trás, Téo ― discordei antes que ele desse ré. ―
Pode até ser mais pra frente, mas pra trás não é. Tirei esse mapa aqui do site
da pousada, eles não deixariam desatualizado.
― De qualquer jeito a gente tem que voltar pra BR.
― Pra quê? Se a gente não sabe de porra nenhuma? ― falei, fazendo
um gesto com a mão. ― Não é melhor descer e perguntar pra alguém daquela
casa? Aí a gente já descarta essa estradinha...
Téo passou a língua nos lábios e, apesar do que eu argumentei, disse:
― Não vou descer, Sofia. ― E começou a dar ré.
Se antes eu estava me esforçando para ser compreensiva, aturando
todo o seu estresse durante a viagem, agora Téo havia zerado a minha calma
também. Ele poderia ter acumulado carga pesada até aqui, mas isso não
justificava ser um imbecil, descartando tudo o que eu dizia como se eu fosse
uma idiota. Eu era sua esposa, sua parceira. Casamento não é sobre fazer o
que der na telha e fim de conversa. Téo deveria saber disso, considerando
que estava comigo há quase oito anos.
Por isso, no momento que ele fez o contorno e deu uma parada rápida
para afastar o GPS do seu campo de visão, respondi:
― Tudo bem. Eu desço. ― E, longe de abaixar a cabeça, abri a porta
e saí do carro.
Escutei Téo bufar quando coloquei os pés no gramado, mas fechei a
porta antes que dissesse alguma coisa. Se ele não queria perguntar, que
ficasse esperando. Depois que eu tentasse me informar, poderíamos voltar
para a BR, se essa fosse a resposta.
Porém, quando comecei a caminhar em direção à casinha a alguns
metros, escutei a porta se abrir e soube que Téo estava longe de abaixar a
cabeça para mim também.
― Quer parar de ser teimosa e voltar pro carro? ― ele gritou,
usando o tom de voz marido de saco cheio. Com certeza deveria estar
sussurrando para si mesmo: porra, essa mulher só me fode... Como se as
esposas só dessem trabalho por caminharem com os próprios pés! Homens
casados são muito bons em se superestimar.
― Eu tô sendo teimosa? ― Virei-me para ele e senti uma rajada de
vento bagunçar os meus cabelos. Mas fiquei firme, parada, encarando Téo na
porta, o braço apoiado em cima do carro. Acredite, Ferrero, você é quem me
fode.
Eu não sabia dizer exatamente o que fez Téo rir, mas ele abaixou a
cabeça e soltou uma boa risada. Em seguida, encarou-me de volta e, com um
sorriso de quem me tem (mesmo que, nesse momento, não me tivesse porra
nenhuma), ainda disse:
― Nem senso de direção você tem, linda, até em São Paulo se
confunde no volante.
Filho de uma puta.
Senti o meu rosto ficar vermelho, perguntando-me como havia casais
que comemoravam bodas de cristal, porcelana, prata, diamante... ouro!
Como mulheres héteros conseguiam passar décadas com seus maridos
metidos a espertinhos sem usarem suas pedras preciosas para tacarem na
cabeça deles?!
― Vai se foder ― sintetizei todo o meu sentimento em uma única
frase, que saiu com bastante vontade dos meus lábios. Em seguida, dei-lhe as
costas e voltei a caminhar.
― Por que você não volta pro carro e deixa eu te foder, hum, amor?
― o maldito se lixou para o meu xingamento e levou a coisa para outro
caminho. Um que era bastante conveniente para ele. ― A gente já aproveita
que nem Deus tá aqui ― ainda acrescentou.
― Mas ele tá! ― gritei sem me virar, pisando duro na grama.
Desconfiei que agora Téo estivesse vindo atrás. ― E provavelmente tá te
mandando ir se foder também!
― Qual o seu problema, porra?! ― sua voz estava mais próxima,
isso queria dizer que veio atrás mesmo. E que estava ficando puto comigo.
― Você traz a gente pra uma pousada na puta que pariu, e eu que me fodo?
Você não disse isso, Ferrero...
Parei de caminhar novamente e dei meia volta, enxergando Téo mais
perto agora. O vento forte bateu em nós dois, bagunçando os meus cabelos,
bagunçando os dele... Talvez fosse para combinar com as nossas cabeças,
fora de lugar.
― Olha aqui, Téo ― comecei a dizer e fui até ele de uma vez ―, eu
não planejei essa viagem pra você ficar estressadinho com GPS e estrada
sem asfalto. Virou o que agora? Burguês mimado? ― perguntei a fim de
provocá-lo também. Talvez assim eu conseguisse lhe tirar alguma coisa.
Claramente consegui, considerando que Téo vinha de família
burguesa que só andava de jatinho e não tinha que se preocupar com erro de
rota. Porém, ele também vinha da sua mãe, que deu às costas a toda essa
vida e o criou de um jeito simples, com batismo em igrejinha de estrada e
natação em lago de chácara ― e era essa última parte que se sentia atacada
pelo meu afronte.
Vi o seu rosto se tencionar de novo, mas agora o olhar colérico vinha
diretamente na minha direção. Até coloquei os cabelos atrás das orelhas
para vê-lo por completo.
― Volta pro carro, Sofia ― foi o que ele respondeu para não dizer
outra coisa.
Respirei fundo.
Porra, Téo.
Antigamente você cedia à minha provocação. Você sabia que eu
aguentaria o que quer que você botasse na minha mira.
Ao invés de respondê-lo com o mesmo nervosismo de antes, ergui as
mãos para arrumar os seus cabelos, tirando as mechas compridas dos olhos
tão bonitos com cílios pretos, apesar das olheiras. Téo não negou o meu
toque, nem desviou o olhar.
Anos poderiam passar, mas ele ainda era a pessoa que se demorava
em me olhar quando ninguém mais o fazia.
Logo que a exaltação diminuiu entre nós, coloquei os seus cabelos
atrás das orelhas também e comecei a dizer:
― Eu sei que você tá cansado. Que queria estar em casa, com a
Maysa, porque a semana toda foi só chumbo na sua cabeça e vem sendo
assim há um bom tempo... ― falei com calma e firmeza. ― Mas você não
precisa levar os tiros sozinho.
Pela primeira vez, ele fez menção a desviar o olhar, mas eu segurei o
seu rosto com as duas mãos, obrigando-o a deixar a cabeça direcionada para
mim. Eu não aguentava mais essa situação, de vê-lo sobrecarregado, perdido
de si, mas negando ajuda. Por que Téo estava fazendo isso se tinha a mim?
Não fazia sentido.
― Eu casei com você e repeti toda aquela promessa católica... ―
continuei ― e, por mais decorada que seja, eu disse sério na alegria e na
tristeza. Se marquei esse fim de semana só pra gente, foi pra você sumir de
São Paulo um pouco e descobrir comigo qual é o problema e como a gente
pode dar um jeito nisso ― falei, disposta a qualquer coisa para vê-lo se
sentir bem na estrada novamente.
Pensei que tivesse conseguido uma chance, com um Téo tão próximo
de mim, sem mais nada ao redor para nos atrapalhar. Ele me encarou
pensativo, e, enquanto eu admirava o seu rosto mais maduro, pensei que só
estivesse organizando o que sentia para desabafar...
Porém, no momento seguinte, Téo tocou as minhas mãos e as tirou do
seu rosto.
― Você já começou com o problema solucionado: eu tô cansado ―
ele me deu a mesma resposta de todas as noites. ― Eu e mais vinte milhões
de brasileiros... O médico disse que seria normal depois daquele inferno de
enxaqueca.
Ele veio com respostas fáceis, mas eu não consegui segurar: estava
na hora de complicá-las. Por isso, refiz a postura e argumentei, pesando no
tom de voz:
― Eu já vi você cansado muitas vezes, e dessa vez é bem diferente,
tanto é que ficou dois dias de cama sem nem aguentar ver a luz do sol. E
depois, na quarta-feira...
― Porra, Sofia... Não começa, por favor.
Ponto fraco. Droga.
― Por que você não quer falar sobre isso? ― perguntei a ele, longe
de desistir da discussão. Já tinha deixado Téo adiar o suficiente.
― Porque não tem porquê! ― ele aumentou o tom de voz, o rosto
ficou vermelho em segundos. As pintinhas nas bochechas magras até
pareceram mais intensas.
― Tudo tem um porquê! ― rebati.
Téo desviou o rosto do meu, impaciente. Ao invés de continuar com
o jogo de bate e volta, preferiu me ignorar e me dar as costas:
― Só dá meia volta e vem pro carro ― foi tudo o que disse. Na
verdade, disse nada, uma vez que ele estava claramente fingindo que nada
aconteceu na quarta-feira e sabia disso.
Eu já não sabia mais o que fazer, mas me juntar ao seu fingimento era
algo que eu estava cansada de encenar. A gente era sempre honesto um com o
outro, mesmo quando fazíamos algo ruim ou vergonhoso... Eu não perderia
uma das melhores coisas do nosso relacionamento por causa de uma coisa
tão comum e... humana.
Então, quando Téo me deu as costas e voltou a andar em direção ao
carro, soltei um ar indignado que estava acumulado há quatro dias e gritei
para a estrada, para o vento, para ele, que precisava ouvir a realidade em
voz alta:
― Puta merda! Você broxou, Téo! ― Ergui os braços, dando mesmo
bastante ênfase ao verbo. Funcionou, porque ele parou de caminhar na
mesma hora, congelando o passo duro. Satisfeita, eu continuei, firme: ― Só
aceita que nem o seu pau consegue subir mais por causa desse cansaço que
você anda sentindo...!
No momento que o meu marido se virou para me encarar, eu pensei
que ele teria um derrame no meio da estrada, no meio do nada. De repente,
foi como se eu tivesse anunciado o fim do mundo em voz alta, como naqueles
filmes em que o casal está longe da filha e precisa voltar à cidade grande
para salvá-la antes que o apocalipse a engula.
Isso significava broxar no vocabulário de Téo: juízo final.
Mas o que ele poderia fazer se foi isso o que aconteceu na última
quarta-feira? E não era como se fosse algo frequente, caso de especialista,
medicamento ou cirurgia, foi a primeira vez na vida! Sobrecarregado como
estava, como ele queria cobrar um ânimo do pau que nem ele estava sentindo
ultimamente?!
Eu estava prestes a dizer isso a ele, para tentar acalmá-lo e impedir
que ele explodisse feito uma bomba atômica só porque eu disse em voz alta
algo completamente natural que aconteceu na nossa cama. Também já
pensei em acrescentar a ideia de universalidade: por que você quer ser
diferente quando todo mundo já passou por isso? Você é humano, amor, e
humanos broxam às vezes... É, acho que seria um discurso bem consistente
― e não, eu não estou fazendo piada com consistência por aqui.
No entanto, logo que resolvi continuar, os olhos de Téo passaram de
mim para algo além de mim. Escutei uns passos se aproximando logo atrás
também e, dando meia volta, encontrei ali, no fim de mundo, um casal
adolescente, talvez de dezesseis ou dezoito anos, com as mãos dadas e olhos
arregalados na nossa direção. A garota, loira como Ana Lu, dona de olhos
pretos marcantes, estava com a boca meia aberta, enquanto o garoto, negro
de olhos verdes e corpo de atleta, estava com um semi-sorrisinho de quem
poderia muito bem rir... num contexto mais descontraído.
Ah, meu Deus...
Eu acabei de anunciar para dois adolescentes que meu marido não
conseguiu levantar...
Agora o apocalipse se concretiza.
― Oi...? ― eu cumprimentei os dois, que estavam meio
constrangidos, ainda que abismados. Não olhei para Téo de novo, mas tinha
certeza de que o barulho de grama atrás de mim era dos seus passos voltando
para o carro. ― Oi ― falei com mais clareza, dando um sorriso. Os dois
relaxam também e acenaram com a cabeça. ― Posso pedir uma informação?
Vocês moram aqui...?
A garota olhou rapidamente para o garoto, apertando o seu braço de
um jeito carinhoso. Tinha um olhar bem apaixonado, do tipo: você é tão
lindo que eu não vejo a hora dessa mulher ir embora pra poder sentar na
sua cara. Era algo que eu pensava com frequência quando conheci Téo e,
dependendo da situação, até hoje me dava o maior tesão quando ele dizia:
senta na minha boca, linda... ou vagabunda gostosa.
― Meu avô mora aqui. A gente mora numa cidadezinha perto... ― o
garoto respondeu, e eu tive que concordar com a menina: ele era mesmo
lindo. Tinha aparência de quem praticava esportes de bastante resistência,
como natação. ― Pode falar, moça. ― Me sorriu.
Gostei de ser chamada de moça, porque, quando se vira mãe, o lado
adulto fala tão alto o tempo todo que a gente acha que perdeu a adolescência
ainda existente em nós. Até sorri em agradecimento, mas como a garota me
passou o olhar feio, falei de uma vez:
― Vocês sabem aonde fica a pousada Sun Lake? Eu até estava com
um mapa, mas como a gente não conhece muito por aqui, não sei se entramos
na estrada certa...
― Ah, é por aqui mesmo! ― a garota respondeu como se já tivesse
respondido a essa pergunta antes. ― Essa estrada é um pouco vazia mesmo,
parece que não vai dar em lugar algum... Só que, mais pra frente, a
sinalização vai começar a aparecer, daí vocês vão entrar em uma estrada de
pedras grandes, onde vai ter o campo que leva ao Sun Lake ― ela explicou
tudo bem calma, gesticulando como eu mesma costumava fazer quando
explicava algo a alguém.
Eu sabia que o mapa estava certo, Ferrero.
Assenti para os garotos e agradeci pela ajuda, deixando os
pombinhos para trás quando decidi voltar ao carro. Não podia ver Téo, que
já estava lá dentro, mas tinha certeza do quanto devia estava puto, bem mais
do que esteve com o GPS pifado.
Antes de entrar, pensei bastante no que deveria dizer a ele, sem que...
machucasse o seu ego de homem com pau indestrutível. Mas eu não ficaria
fingindo que não aconteceu, nem a quarta-feira nem a discussão sobre isso.
Estava cansada de chamar uma broxada de incidente, para amenizar o que
não precisava ser amenizado. Aquilo foi um sinal claro de estresse! A prova
exteriorizada de que ele estava de saco cheio da vida que levava no
trabalho! Por que era tão difícil de reconhecer?!
Entrei no carro, analisando o seu olhar preso à estrada a frente, um
dos antebraços apoiado no volante. Téo não me olhou de volta, ignorou com
força quando falei que a pousada ficava nesta estrada mesmo, até quando
repassei tudo o que a garota informou.
Porra... É assim mesmo que a viagem vai continuar?
Téo deixou claro que sim quando ligou o carro e continuou a dirigir
pela estradinha, em silêncio, com o rosto tensionado, porque provavelmente
estava acabando comigo nos seus pensamentos. Até pensei em ligar o rádio
de novo, mas ele havia tirado, assim como o GPS tinha sumido de vista.
― Amor... ― eu o chamei com calma, fechando os olhos: por favor,
Deus, faça com que esse homem seja menos cabeça-dura e não permita
que a minha filha seja igual, porque sei que as chances são grandes... ―
Eu não queria te ofender ― comecei a dizer, sem receber qualquer resposta
dele. Continuei: ― Na verdade, isso nem é uma ofensa, porque... broxar
acontece! Todo mundo broxa, sabe? Mulheres não gostam de dar quando
estão muito cansadas, e os homens também não... Broxar não tem a ver com
não ser homem, mas com ser homem! É a natureza do corpo! ― falei,
sentindo que tinha repetido o verbo broxar muitas vezes, considerando que
seus punhos ficaram bem firmes no volante de repente.
Eu posso dizer que queria que Téo cedesse, mas não que tinha
esperança de que o fizesse: provavelmente, na sua cabeça, Deus estava
julgando o seu pau por todo pecado cometido no decorrer dos anos, a
começar pela nossa excursão de formatura, onde ele vivia duro debaixo do
nariz de um corpo estudantil religioso. Nem parecia cogitar que broxar
estava longe de ser punição divina...
A punição vinha da sua identidade, por ele estar desistindo dela
diariamente.
― Téo... ― tentei chamar a sua atenção de novo.
― Só me deixa quieto, Sofia. Por favor ― ele me interrompeu, sem
paciência, sem ânimo, sem nada...
Numa estrada fim de mundo.
***
Eu não conseguia mais parar de rir. O garçom tinha vindo até a nossa
mesa servir o chopp e com certeza pensou que eu já cheguei bêbada ao
restaurante. Deixou as canecas na mesa e passou um sorrisinho amarelo para
o meu marido, que ainda fez uma expressão de fazer o quê? É a minha
mulher.
― Meu Deus, Téo... ― consegui dizer depois da intensa crise de
riso, e, no momento que ele quis repetir o que disse antes, coloquei as duas
mãos na sua boca e voltei a gargalhar, escorando-me nele. Téo riu também,
abafado pelas minhas mãos, mas me segurou pelos antebraços. ― Você vai
pro pior lugar do inferno!!! ― falei, por fim.
― E você vai junto, Müller ― ele respondeu quando tirei as mãos da
sua boca.
Limpei as lágrimas dos cantos dos olhos e voltei a me sentar como
alguém decente à mesa. Não olhei para a fonte do restaurante de novo, a fim
de me recompor.
― Não vou, não... Sou mãe, Ferrero! ― Peguei a caneca de chopp e
expliquei: ― Se vão pro inferno, mães ficam onde o fogo queima menos.
Téo fechou os olhos em mim, achando graça.
― Você é minha esposa. Eu te arrasto comigo. Na riqueza e na
pobreza, na Terra e no inferno...
― Eu não prometi essa última parte!
― A partir do momento que entrou no Impala, prometeu, sim.
Balancei a cabeça em negação e tomei um pouco do chopp. Quase
não consegui engolir quando Téo voltou a fazer as suas piadinhas maldosas e
perguntou:
― Pra qual lugar do inferno você acha que aquela senhora vai?
Você vai direto para o inferno, sem direito à purgatório!!!
Sem conseguir me conter, voltei a olhar para a fonte do restaurante,
onde encontrei o casal de senhores, de aparentemente uns sessenta anos,
sentado na mesa mais próxima. O senhorzinho de boina ainda estava falando
algo para a mulher, a senhora que não tirava os olhos da fonte,
especificamente de uma estátua grega que ficava no centro: um Aquiles em
miniatura sendo atingido no tornozelo pela flecha de Paris. Porém, o
problema não era esse...
Como a maioria das estátuas gregas, o guerreiro estava seminu, de
maneira que os olhos da senhora ficaram vidrados nos contornos de Aquiles
desde o momento que ela e seu marido chegaram ao restaurante. Ela nem
devia estar escutando o que ele dizia, apenas não desviava os olhos do pau
da estátua!
O primeiro a perceber isso foi Téo, que apontou disfarçado para que
eu a olhasse e começou a fazer piadas sobre a pobre senhora. Foi isso o que
me deu a crise de riso em seguida. As maldades do meu marido eram a
minha flecha no calcanhar.
― Ela só tá sensibilizada, tá bom? ― ainda tentei defendê-la. ―
Talvez ela goste de Arte!
― Vou te dizer do que ela gosta, Müller... ― ele rebateu, bebendo do
chopp.
― Téo! ― reprendi... mas não deu muito certo, porque eu ri no final.
― Talvez ela esteja pensando nos grandes dias do marido, porque ele era
mais como Aquiles...
― Jeito leve de dizer que ela tá com tesão numa estátua de
restaurante. ― Téo deu um sorriso de canto, afiado. ― O velho que se
prepare, essa noite ela aparece com um elmo e uma flecha no quarto.
Vai morar com o próprio capeta...
Acabei rindo com ele, porque eu não tinha escolha agora. Que Deus
me ajudasse para que Maysa me puxasse mais para os arredores do inferno
do que para o centro...
― Não sou muito fã de Aquiles, sabia? ― decidi mudar um pouco de
assunto para tentar nos salvar.
Téo percebeu isso e riu baixinho, mas entrou na onda:
― Por que não?
― Porque ele estava só atrás de glória quando foi lutar em Tróia. A
mãe disse que tinha uma profecia: se ele matasse um filho de Apolo,
morreria... mas Aquiles era tão convencido que seguiu em frente pra travar
uma batalha que nem pertencia a ele.
O garçom se aproximou com os pratos e talheres, e, depois que eu
agradeci (sim, eu estou perfeitamente sã... ainda), Téo argumentou:
― Mas não era isso o que a maioria dos heróis gregos procurava...
Glória? Na época, ser um guerreiro fodido era a maior conquista do homem.
Ele queria ser lembrado, mesmo que precisasse ser morto...
― Não sei se Aquiles acreditava que poderia ser morto... Ele não
contava com a flecha no calcanhar ― eu disse, com um sorrisinho quando
Téo olhou para a fonte e imitou a senhora. Ri um pouco, mas ainda falei: ―
Enquanto uns queriam alimentar o ego, outros estavam lutando pela pátria.
Esses são os verdadeiros heróis.
Ele desviou os olhos para mim de novo e agarrou a minha coxa por
baixo da mesa:
― Então você seria uma troiana?
Assenti. ― Com certeza. Aqueles gregos foram uns filhos da puta.
― Podem até ser sido... mas tudo aconteceu porque aquele príncipe
de Tróia roubou Helena, não é? Sei que ela quis fugir junto, só que o marido
deve ter ficado devastado, porra. E na época era questão de honra. Ser corno
doía bem antes de Cristo.
― Paris devia ter ficado na dele, sim, mas Helena foi só uma
desculpa pro Agamenon arrastar os soldados pra Tróia ― falei, sentindo a
sua mão fazer um carinho gostoso na minha coxa. Fazia tempo que você não
me tocava assim... ― Pra mim, sabe quem foi o verdadeiro herói de Ilíada?
Que morreu com honra em defesa do seu povo?
Téo encarou o meu sorriso, depois voltou aos meus olhos com a
resposta:
― Heitor.
― Heitor ― eu disse com a boca cheia. ― Ele defendeu a família e
Tróia até o fim. Aceitou o combate com Aquiles porque a sua conduta sabia
que era o certo, por ter matado Pátroclo por engano... Pena que ele teve o
final mais triste de todos, porque não conseguiu salvar o que queria. Mas,
pra mim, Heitor foi o verdadeiro homem da guerra.
― Então você acha que era para o pau dele que a senhora devia estar
olhando agora? ― o palhaço ainda fez piada, o que me causou risos de novo.
Olhei para a fonte e a vi, agora, com os olhos presos ao marido, pegando a
mão enrugadinha dele enquanto o escutava... até os seus olhos traidores se
voltarem para Aquiles de novo. Dessa vez, até ajeitou a armação dos óculos
para ver melhor.
― É ― respondi, rindo. Téo fazia o mesmo, ainda acariciando as
minhas coxas. ― Era o Heitor que devia estar seminu na fonte de um
restaurante.
O garçom voltou com as nossas porções de comida, que estavam com
uma cara muito boa. Então Téo teve que se distanciar e tirar as mãos da
minhas coxas, mas, logo que se encostou à sua cadeira, me disse com um
sorriso particular:
― Heitor é um bom nome, Müller.
Meus sentidos se aqueceram além do fato de estar num restaurante
bonito, com comida cheirosa e conversas e risadas gostosas. Imediatamente
a imagem de um bebê se desenhou na minha cabeça, um menininho com
rostinho inchado e mãos pequenas em volta dos meus seios. Também podia
me ver pegando os seus pés para fazê-los caberem nas mãos e os meus
braços ao seu redor, aquecendo-o, conforme ele fazia o mesmo comigo...
Heitor...
É, sim, um ótimo nome.
Téo não disse mais nada sobre isso durante o almoço, acho que só
quis nos instigar com a ideia de ter um moleque. Ele já tinha dito que queria
um, mas nunca dava para ter certeza. Talvez viesse outra menininha, dessa
vez mais parecida comigo que com ele... Quem sabe? Eu não reclamaria nem
um pouco por finalmente ter uma criança que sorria mais, porque Maysa...
Maysa não sorria, mas, com certeza, eu já sentia saudade da sua
carinha emburrada, dos barulhos de monstro que fazia com seu tubarão
branco, das palavras que tentava dizer enquanto assistia a algum desenho ou
quando brincava com os brinquedos de desenvolvimento... Téo deve ter lido
isso nos meus olhos, porque, a partir do momento que terminamos de
almoçar, ele fez uma chamada de vídeo para o celular da tia Rose. Não que
Maysa tenha dado muita bola, no entanto. Ela, a tia e Duda estavam no
Ibirapuera, e Duda a colocou numa cadeira atrás da bicicleta. Maysa nem
queria saber dos pais quando se divertia sozinha. Geralmente, ela dava mais
bola para o Téo, mandando beijo quando o via por vídeo, mas dessa vez só
nos olhou por pouco tempo e bateu na cadeirinha para que Duda voltasse a
pedalar. Estão vivos? Ótimo. Agora segue a trilha, tia!
― Acho que o último momento que essa garota dependeu de mim pra
alguma coisa foi pra mamar ― eu falei quando demos tchau, ouvindo a
risada de Maysa só porque Duda aumentou a velocidade da pedalada.
― Relaxa, Müller ― Téo disse enquanto caminhávamos para o salão
aonde aconteceria a aula de yoga. ― A terrorista vai sentir um pouquinho de
falta quando perceber que a gente ainda não voltou pra buscar...
― Ou vai capotar de tanto ter se divertido no parque.
― Melhor assim, então, não é? Se for dormir tarde e ver que não tem
o pai pra acompanhar, ela vai embaçar.
Concordei com a cabeça, sentindo o seu braço envolver os meus
ombros e os lábios beijando o meu rosto. O caminho pelo qual seguíamos até
o salão era envolto de árvores que faziam sombra fresca na passagem de
madeira e, de minuto a minuto, pássaros cruzavam de uma palmeira pra
outra, como se brincassem de pega-pega.
Porém, eu era a única a dar valor a isso, pois Téo estava com os
olhos mais em mim do que no resto... E não posso negar que gostei disso.
Gostei porque já fazia semanas que ele levantava de manhã sem me dar
atenção alguma. Depois, quando eu descia para a cozinha, ele já estava com
os olhos presos aos papéis do trabalho e me dava o beijo mais automático
para ir trabalhar. Fazia o mesmo quando chegava, reclamando de um novo
problema na prefeitura, e dedicava a pouca atenção que restava a Maysa. Os
seus banhos se tornaram mais longos também. Uma hora de banho. E eu
podia entrar com ele, massagear os ombros tão tensos que pareciam
inchados, abrir as pernas para gemermos juntos... Os seus olhos se
desviavam no momento que desligava o chuveiro.
Então, para a falar a verdade, eu precisava que ele se focasse em
mim agora, mesmo que fosse para tentar subir a minha saia sem que os outros
casais vissem. Eu precisava escutar no ouvido que estava gostosa, que ele
não via a hora de me ver fantasiada, que ele amava quando eu gargalhava até
perder o ar, escorando-me nele como se precisasse de apoio para carregar o
meu senso de humor... E acho que Téo notou isso, porque, durante o caminho
todo, ele me provocou, me divertiu e me adorou.
Chegamos ao salão para a aula, com os seus braços ao meu redor, os
dentes no pescoço, mordendo-me como se tivesse descoberto o gosto da
minha pele agora. Alguns casais já sentados nos tapetes de yoga nos
encararam meio chocados, e eu pude ouvir a voz da Júlia claramente na
minha cabeça: arranjem um quarto! Que não seja na minha casa...
― Olá... Tudo bem? ― uma mulher, que deveria ser a professora de
yoga, aproximou-se com um sorriso educado. Então notei, no salão, que os
olhares masculinos se dividiram em dois tipos: os disfarçados e os
descarados. Os que conseguiram desviar logo a atenção da professora não
foram fuzilados pelas esposas, já os que não tiveram noção de fazê-lo...
Também a analisei, mas, no meu caso, concluí que se Helena de Tróia fosse
desse século, esta seria sua aparência. ― Meu nome é Bia. Sou a professora
de yoga da pousada. Vocês são...? ― ela perguntou olhando para a lista em
suas mãos.
― Téo e Sofia ― Téo respondeu e apontou para os nossos
sobrenomes, os últimos da lista.
― Ah, legal...! ― ela assentiu, e eu olhei rapidamente para o meu
marido, tentando avaliar que tipo de olhar ele dava para a professora.
Esperto demais, ele não deixou que eu notasse qualquer coisa. Apertou a
minha cintura e me olhou com o mesmo tesão de antes. É bom ele estar só
direcionado a mim, Ferrero... ― É um prazer ter vocês aqui neste fim de
semana. Espero que gostem da aula! Podem se sentar aonde acharem
melhor... ― Bia sugeriu, estendendo o braço para que ficássemos à vontade.
Agradeci a ela, e caminhamos até o lado direito da sala, onde havia
menos casais. Téo até sorriu para mim num primeiro momento, mas, depois
que encontramos um tapete, ele se sentou um pouco desconfortável. Pelo
jeito notou quando foi a vez de as mulheres encararem um homem bonito
passando, porque eu contei umas quatro conferindo o meu marido. Elas só
não levaram bronca dos seus porque mulheres são mais espertas para isso do
que homens. No momento que relaxamos, então, recebi a confirmação da
mensagem: um casal de homens atrás da gente também deu uma boa olhada
em Téo e ambos levantaram os polegares para mim. Um deles até sibilou
well done, girl.
― Você é o cara gostoso da sala ― sussurrei no seu ouvido.
Téo fechou os olhos em mim, dando o sorriso de garoto problema,
que pegava geral no Colégio Mão de Deus. Para quem tinha sido baixista de
palco mais novo, ainda estava sabendo lidar e aproveitar a atenção feminina.
― E você é a garota gostosa ― ele respondeu.
― A professora é a garota gostosa.
― Não mais que você, linda.
― Então você achou ela gostosa? ― Levantei a sobrancelha.
Eu não queria saber a sua resposta sincera, e Téo sabia, por isso
respondeu:
― Agora minha cabeça só tá ligando a ideia de ‘gostosa’ a você
com aquele rabo no...
― Vamos começar com a aula, pessoal? ― Bia quase cortou a nossa
conversa.
― Cu ― Téo terminou dizendo a palavra no meu pescoço. Fiquei
toda arrepiada com a sua respiração quente na pele sensível e virei um
pouquinho o rosto só para piscar para o casal dos polegares.
Afinal, Téo só estava aqui por minha causa. Ele até já tinha feito
algumas posições de yoga comigo, no começo da gravidez da Maysa, mas
era só para me incentivar a relaxar em casa. Téo nunca gostou muito de
socializar em aulas de casais, só que, depois de ter me provocado como um
filho da puta no quarto, esfregando o pau em mim e falando em comer meu
cu, acho que ficou com peso de consciência e nos colocou na lista da aula de
yoga. Ele sabia muito bem como ceder quando havia putaria em jogo.
A professora Bia se apresentou de novo e falou um pouco de yoga,
principalmente do yoga em conjunto como faríamos agora com nossos
parceiros. Enquanto ela explicava que, nessa prática, trabalhávamos o
equilíbrio entre corpo, mente e espírito, assim como fazíamos com quem
convivíamos, eu me dividia entre prestar atenção e avaliar a mão de Téo no
meu joelho subindo até a coxa: você não vai pegar na minha boceta, vai?
Como ele não dava a mínima para práticas como yoga, sua diversão foi me
provocar... o que não é uma grande novidade.
Mas, quando a aula começou de verdade, Téo até se soltou mais do
que eu imaginava. Primeiramente, a professora nos deu uns exercícios bem
tranquilos, para torção, alongamento e equilíbrio. Nos de torção e equilíbrio,
Téo se saiu bem, mas na parte de alongamento, principalmente das pernas, eu
vi o meu marido e os outros maridos penando para deixarem suas pernas
eretas. Vê-lo vermelho, reclamando de dor, me fez ter crise de riso de novo,
daí foi mais difícil me equilibrar em uma só perna. Tudo bem, eu tinha feito
aulas de ballet durante metade da vida, mas isso não quer dizer que rir e
manter só cinco dedos de apoio é fácil. Téo ainda soltava piadas o tempo
todo; na hora do alongamento, então, encheu o meu saco porque eu ainda
continuava bem alongada. Por isso eu me casei com você e te quero fazendo
desse jeito só mim foram coisas que escutei no pé do ouvido durante a aula.
Por sorte, nós não éramos os únicos a perdermos a seriedade. O casal logo
atrás estava pegando fogo... Até pensei ver um dos paus duros, sério.
Depois que os exercícios mais fáceis foram dados, Bia passou alguns
de resistência e força: os que eu mais gostava. No fim de semana
antepassado, eu tinha escalado com o papai, depois peguei pesado no treino,
deixando meus músculos firmes o suficiente para até mesmo suportar o peso
de Téo. Ele também deu conta de todos os exercícios, parando com as
brincadeirinhas quando se viu realmente desafiado. Daí era questão de
glória de Aquiles, ser o melhor marido daqui.
A aula terminou com uma sessão de massagem para relaxarmos. A
professora ficou passando entre nós para fazer um comentário de cada casal
e, quando chegou próxima de nós, perguntou se já tínhamos o costume de
fazer yoga. Eu respondi que não, que na verdade eu era a única que gostava
de fazer quando tinha tempo. Bia nos elogiou, dizendo que devíamos fazer
com mais frequência, por conta da boa harmonia, e ainda disse que nunca viu
um casal com tanta química.
Foi aí que Téo abriu a boca:
― Porra, olha pra minha mulher, Bia... O que você espera do marido
dela?
― Concordo. ― E a professora me olhou. Digo, ela realmente me
olhou. Pro meu colo suado, pro decote da regata e depois pra minha boca.
Não nego que fiquei meio orgulhosa de mim mesma... Se uma mulher com
aquele corpo de Boas Formas estava me achando gostosa, queria dizer que
eu estava bem pra caralho!
Depois que ela saiu para falar com o casal logo atrás, olhei para Téo
para ver se ele havia percebido a professora me encarando com um pouco de
segundas intenções. O que era uma dúvida muito ingênua, porque era óbvio
que sim:
― Eu disse que você era garota gostosa da sala, linda. Até a
professora achou... ― sussurrou, rindo.
Revirei os olhos, mas já fiquei louca para mandar no grupo das
meninas que a professora de yoga ficou mais encantada comigo que com o
meu marido. Acho que Mel e Paola achariam o máximo saber que o um dos
músicos do antigo Tribos, tão cobiçado pelas garotas, no fim, ficou de
escanteio.
― Agora a gente vai direto pro quarto, né? ― Téo perguntou quando
nos levantamos do tapete, depois que todo mundo aplaudiu e agradeceu à
professora.
Olhei-o e dei risada, enxergando o jeito afobado que ele botava os
chinelos. Pensei que depois da ceninha de provocação que dramatizou lá no
quarto, estivesse todo sob controle, só esperando me ver implorar um pouco
mais... Aparentemente, ele não estava mais tão bom nisso.
― Mas já? ― perguntei.
― Perdendo a cabeça... ― Téo agarrou a minha cintura.
Nos meus planos, antes de o meu marido xeretar onde não devia, eu
colocaria a fantasia e o plug à noite, porque durante o dia queria aproveitar a
pousada, as trilhas e o lago que havia aos arredores.
Porém, lembrando-me da maneira que ele estava se esfregando duro
em cima de mim, falando tanta sacanagem, xingando tanto no pé do meu
ouvido... Talvez fosse melhor uma mudança de planos...
Quais eram as minhas chances de me vestir de Mulher-Gato e dar o
cu num sábado à tarde se estivesse em casa? Ainda mais com uma Maysa
andando para lá e para cá? Muito poucas.
Estava prestes a deixar Téo me puxar para fora do salão, depois de
ter colocado os chinelos também, quando uma nova presença apareceu,
usando um vestido longo e florido e carregando uma aura de tanta paz e
sabedoria que me fez parar no mesmo momento para admirá-la ir até o
centro do salão, ao lado da professora Bia.
― Boa tarde a todos ― a Dra. Simoni Ogawa cumprimentou,
juntando as mãos e dando uma rápida olhada em torno do salão. Todos
ficaram em silêncio quando a viram chegar, um dos homens logo atrás, o que
me passou o well done, comentou que ela se parecia com a Frida Kahlo do
nosso século, e, tirando pela parte que a doutora era japonesa, eu não podia
concordar mais. ― Pra quem não me conhece, eu sou Simoni Ogawa, a
terapeuta de casais que as suas esposas andam falando muito ultimamente,
senhores maridos... A não ser pelos casais de duas mulheres, porque, aí,
aposto que ambas devem me conhecer.
O pessoal riu, passando acenos com a cabeça para ela, a não ser pelo
meu marido que estava sorrindo antes, quando estávamos prestes a ir para o
quarto, e deixou o sorriso morrer quando se lembrou: vai ter terapia, porra.
Passei um olhar pedindo-lhe só um pouco mais de paciência. No
vídeo que a doutora publicou no seu Instagram, sobre o fim de semana na
pousada, ela deixou bem claro que não era do seu interesse dar uma palestra
ou fazer sessão de terapia com os casais. Por isso, eu sabia que ela não
demoraria a se apresentar.
― Como eu conferi que todos os casais estavam aqui na aula de yoga
da professora Bia, decidi aproveitar a deixa e atrapalhar só um pouquinho o
tempo de vocês neste lindo lugar ― ela continuou, com um sorriso pleno.
― Atrapalhar? ― Téo sussurrou no meu ouvido. ― Eu chamaria de
outra coisa...
Franzi o cenho e o encarei dizendo com os olhos: cala a porra da
boca, Ferrero. Então Téo deu um sorrisinho de canto, como se fosse uma
criança de dez anos aprontando, e voltou a se sentar comigo, vencido,
quando a doutora fez o pedido.
― Bem ― ela retomou quando todos nos aconchegamos nos tapetes
novamente ―, eu não vou fazer uma longa apresentação da minha formação,
nem vou falar o que me motivou a estudar a interação entre sujeitos
casados... O que é importante que vocês saibam é que meu estudo pondera
em cima da validação que deve existir entre o casal. O que seria uma
validação? ― perguntou, e todos fizeram caretas encabuladas até que ela
esclarecesse: ― Não, não é nenhum termo inventado pela psicologia ou por
mim ― riu um pouco com seus ouvintes ―, é exatamente o que está no
dicionário: o ato de declarar válido, de atribuir valor. Vocês decidiram se
relacionar, acredito eu, para validar muitas coisas entre você e o seu
companheiro ou companheira, para atribuir valor a quem ele ou ela é, ao que
pensa, ao que produz, ou seja, ao que comunica, certo?
“Por conta disso, o que eu vim discutir rapidamente com vocês, que
finalmente conseguiram um tempo a sós, longe da cidade, longe das
obrigações, é a comunicação, o fio condutor que nos leva à validação do
outro.”
“Nós, humanos, temos uma gama de comunicação. Vocês devem ter
aprendido isso quando entraram na escola e com a experiência. Nós
podemos nos comunicar por meio de um gesto, de uma imagem, de um som,
de um toque... Quando se passa a conhecer alguém, você pega todos os sinais
de comunicação que esse alguém costuma dar, aprende a interpretá-los,
certo? Você sabe que ele franze a boca quando está irritado, você sabe que
ela dá dois toquinhos no seu ombro para que pegue leve. Quando se trata de
sexo, então, você se esforça para capturar logo os sinais! Nós nos
comunicamos com o outro o tempo todo. Até o fato de não querer
comunicação quer dizer algo. Não estamos sozinhos no mundo, estamos
cercados de pessoas, e humanos sempre estão dizendo algo. Até por isso
temos a Arte para nos representar.”
“Mas... a comunicação que eu gostaria de dar maior importância
neste meu discurso é uma das mais, se não a mais explícita que temos: a
verbal. E eu sei que não é de agora que vocês escutam que casais devem
conversar, discutir, dizer o que estão pensando um ao outro, mas, por mais
que isso esteja no senso comum do que é um casal saudável, pessoas não
praticam isso.”
“Eu já sou terapeuta de casais há quinze anos, e eu posso afirmar que
noventa e nove por cento dos problemas entre casais, que muitas vezes
levam até a separação, são parte do não dito. Agora, o não dito é um termo
que eu coloco na minha tese, e ele é o elemento que precisa ser comunicado
com palavras, porque os demais sinais de comunicação não são capazes de
expressá-lo inteiramente. Aposto que vocês já ouviram também que o outro
não é obrigado a ler os seus pensamentos. E eu vou te dizer o porquê: se
você dizendo o que pensa já torna difícil para o seu parceiro ou parceira te
compreender inteiramente, imagine se não diz! Nós falamos sempre sobre
nos colocarmos no lugar do outro, calçar os seus sapatos para entender a sua
realidade, mas isso, inteiramente, é possível? São os seus olhos, sua
vivência, a realidade enxergada pela sua perspectiva... É impossível
entender o mundo sendo alguém que você não é, e por mais que você
conheça o seu companheiro ou companheira, você não o é!”
“Portanto, se você não diz o que precisa ser comunicado ao outro,
quais são as chances de ele buscar uma realidade que não existe nele e
compreendê-la como apenas sua para depois conseguir validá-la? Não
olhem pra mim desse jeito... Vocês também foram avisados de que
relacionamentos amorosos não eram fácil...”
Mais algumas risadas surtiram, mas, dessa vez, eu deixei os olhos da
Simoni e olhei disfarçadamente para Téo, tentando desvendar sua reação a
tudo aquilo. Eu já tinha lido a tese dela, sabia de tudo isso o que ela estava
falando, então para mim era importante ver o que ele achava sobre isso,
porque... eu queria validá-lo. Por mais que eu não soubesse exatamente o
que se passava na cabeça de Téo, como o trabalho o invadiu a ponto de lhe
causar dores de cabeças extremamente fortes e até impotência sexual, eu
queria que ele me desse a chance de calçar a sua vivência para tentar
encontrar um caminho de entendê-lo com os meus próprios olhos. Eu estava
cansada de ser deixada de escanteio, onde ele me colocava para que eu não
saísse do conforto do casamento.
Eu nunca gostei de conforto, e ele também não. Nós vivíamos por
coisas que abalavam as nossas estruturas, tiravam nosso ar e nos faziam
perder a cabeça.
A gente traduzia a nossa própria loucura para viver e não apenas
existir.
Então eu precisava que Téo soubesse que podia me tirar do conforto,
porque eu não o queria, nunca quis, nem mesmo quando me submeti a ele na
adolescência. Porque conforto poderia fazer doer, e ninguém merece viver
na dor.
Analisei o meu marido enquanto a doutora continuava o seu discurso,
levando-o para a individualidade do sujeito desse século, um sujeito que era
mais produto de um sistema que ele mesmo, em seguida, explicou até sobre a
falta de tempo que às vezes nos impossibilitava de sair do automático. Téo
não demostrava muito o que estava achando, no entanto, para que eu tentasse
interpretar os seus sinais. Sua comunicação sempre foi mais direta, de
maneira que era mais fácil vê-lo dizer o que pensava com sinceridade do
que ser sutil com outros sinais. Eu só precisava que ele quebrasse logo essa
contradição de agora.
― Acho que vou chegando ao fim, porque está calor, e a piscina da
pousada é o lugar mais convidativo para estar agora ― a doutora Simoni
concluiu rápido como eu imaginei, fazendo Téo se remexer ao meu lado.
Quando me viu com os olhos nele, meu marido sorriu e, com o coração mais
aberto, pegou a minha mão e beijou a ponta dos dedos. Tudo bem. Acho que
tudo vai ficar bem, afinal. Nós só precisamos de uma conversa esclarecida,
o que nunca foi difícil para nós dois... ― Mas eu gostaria de propor um
desafio pra todos vocês ― a terapeuta continuou, o que fez nós dois
girarmos os rostos para encará-la novamente. ― Para quem estiver disposto
a fazer uma mudança de planos para este dia, tente aproveitar a tarde com o
seu companheiro ou companheira aqui na pousada, seja na piscina, fazendo
caminhadas pelas trilhas ou até mesmo interagindo com outro casal. Se
esqueçam da rotina e de todo o resto, só se divirtam ― ela falou, dando uma
passos lentos de um lado para o outro. Porém, em seguida, parou novamente
e finalizou com um pouco mais de cautela que seu tom de voz poderia ter: ―
E, à noite, quando vocês estiveram na cama, no mais completo silêncio da
noite, eu proponho que olhem para a pessoa que está do seu lado e digam
quem ela é, sob a sua perspectiva. Depois quero que digam uma única coisa
que você gostaria para ela, que ela pensasse ou repensasse na vida. Essa é
uma conversa que pode durar um bom tempo, até a madrugada inteira, se
ambos tiveram muita coisa a dizer. Então eu proponho que vocês se
comuniquem com palavras e deixem qualquer outra comunicação de lado...
“Inclusive sexo.”
... Como é que é?
Depois que a voz da Dra. Simoni Ogawa se esvaneceu pelo salão
enquanto suas palavras ecoavam o sentido, eu senti a minha boca cair, assim
como a de várias pessoas ao redor que até soltaram um som surpreso com a
proposta.
Ela estava... falando sério? Sobre o sexo?
A doutora em casais estava dizendo que seria melhor se não
transássemos na única noite que tínhamos a sós de tudo...?
Eu ainda estava com a boca aberta, como todos ali, quando uma
risada seca e irônica cortou o silêncio do salão. A terapeuta estava prestes a
dizer mais alguma coisa, mas então a sua boca aberta congelou antes que
pudesse continuar. Então ela olhou para o canto direito, mais ou menos na
minha direção, bem ao lado...
― Isso foi uma piada... Não foi? ― Téo perguntou. Claro que
perguntou. De repente, voltei os dias, meses e anos. Vi-me sentada numa
carteira de escola, olhando para o fundo da sala e enxergando o único aluno
que tinha a pretensão de rir diante do que alguém dizia lá na frente.
Ah, meu Deus...
O garoto problema agora não.
― Não, dessa vez não... ― a doutora Simoni riu, mas de uma
maneira interessada, até mesmo curiosa enquanto analisava o meu marido.
Não pergunte por que não pergunte por que não pergunte... ― Por quê?
Porra.
― Porque você não pode acreditar que a gente vai pagar oitocentos e
noventa reais por um quarto de casal e deixar de transar ― ele respondeu
sincero, claro que respondeu.
Como se novamente estivéssemos na escola, no primeiro ano do
Ensino Médio em que os alunos começam a conhecer os seus colegas, as
pessoas ao redor não resistiram e abriram as bocas, chocadas. O casal atrás
de nós soltou um oh my, enquanto as mulheres inclinavam mais a cabeça
para olhar o dono da resposta afiada.
E aqui estava Téo Ferrero, senhoras e senhores, dizendo o que todo
mundo pensava e tinha medo de verbalizar. Mesmo que fosse algo que não
deveria dizer, porque agora quem estava sentada do seu lado era eu!
― Qual é o seu nome...? ― a dra. Simoni ainda deu trela, o que me
fez morder a boca por dentro.
― Téo ― disse com a expressão blasé. Um filho da puta que não
ligava de ser.
― Téo... ― ela refletiu por um instante. Em seguida, aproximou-se
um pouco: ― Então você veio passar o fim de semana aqui especialmente
para transar?
Se eu desse um tapa ou até mesmo se tentasse cutucá-lo escondido,
ela veria. Agora ela tinha se aproximado bastante de nós, de maneira que eu
só podia enviar a mensagem mental: responda só com um palavra, Téo, e
cale a porra da boca.
― Você acabou de contextualizar tudo, doutora ― ele soltou num tom
bem-humorado, apesar de ainda parecer bastante sarcástico. ― Nós não
temos tempo pra nada hoje em dia. Eu e ela trabalhamos, e nós temos uma
filha de um ano. ― O filho da puta apontou para nós dois. A doutora me
olhou. Nem um sorriso amarelo eu consegui dar. ― Que tipo de
comunicação você acha que gente quer trocar longe de tudo isso? Porque
você se esqueceu de dizer que sexo é uma das formas de comunicação mais
importante de um casal... Estou errado? ― perguntou, bancando o espertinho
como fazia com o pastor Elias.
Agora havia maridos dando broncas baixas nas mulheres que
estavam com os olhos colados no meu. Exatamente como na porra do
colegial.
― Não ― foi o que ela respondeu com um sorriso longe de parecer
incomodado... ou encenando isso muito bem. ― Se você me permite a
pergunta... Sexo é um fio condutor para o seu relacionamento? Mais
importante que a conversa?
Não diga a verdade...
― A gente se conheceu transando. Mas a gente conversa e transa.
Isso nunca foi um problema ― ele respondeu, um pouco mais sério. ― Eu
não preciso me deitar na cama com a minha esposa e dizer o que eu sei sobre
ela. Eu lido com ela todos dias.
Força Superior, seja qual for, sob a percepção de qualquer
religião, por favor, faça com que o meu marido me olhe agora mesmo e
veja que as minhas bochechas coradas simbolizam o ódio que estou
sentindo por ele... Por favor.
― Tudo bem... ― a doutora Simoni assentiu e abaixou a cabeça. Por
pouco tempo. ― Mas você consegue me dizer rapidamente quem é ela?
Engoli em seco, imaginando as diferentes versões de putaria que
poderiam sair da boca de Téo, por tudo parecer muito natural para ele. E
era. Mas não numa discussão com uma terapeuta de casais na frente de
vários casais, caralho!!!
Dessa vez, girei o rosto para que ele notasse que eu o encarava, e
Téo fez o favor de me olhar de volta. A merda já estava feita, então apenas
pedi com os olhos para que ele não ultrapasse o limite da sinceridade ―
que, por mais impossível que pareça, é algo que ele alcança com muita
facilidade.
Vi o seu breve sorriso de canto antes que se virasse novamente para
a terapeuta. Em seguida, ele voltou a ficar mais sério e começou a dizer tudo
de uma maneira prática e rápida, como ela pediu:
― A minha esposa é uma mulher que acorda todo dia seis e meia da
manhã sem precisar de despertador, porque ela é tantas coisas que quase não
cabe num dia. Ela é jornalista e fotógrafa e dá conta de trabalho comunitário,
escalada, academia, yoga e de uma amiga maluca que nasceu com o rei na
barriga. E ela tem uma queda por filosofia e psicologia, por isso estamos
aqui hoje, num fim de semana que deveria se parecer com uma Lua de Mel,
escutando a terapeuta propor uma coisa que não faz sentido algum,
principalmente pra nós dois.
Puta. Que. Pariu. Ferrero. Puta que pariu...
EU VOU TE MATAR COM UM BAMBU QUANDO CHEGARMOS
AO QUARTO!
Não consegui segurar: soltei um som ofendido e me esqueci da
terapeuta, da professora de yoga atentíssima, dos demais casais, inclusive
daquele que achou o meu marido uma boa conquista, porque, na verdade, ele
era um imbecil com ego que inchava tanto a sua cabeça que só não saía
flutuando por aí por minha causa!
Com a boca cheia de boas verdades, então, eu fiz questão de lembrá-
lo que seus pés deveriam estar na porra do chão:
― Você se esqueceu da parte que eu também me casei com um
marido com rei na barriga, que se acha esperto o suficiente pra discutir com
uma terapeuta com pós-doutorado!
She did it! She did it!, um dos caras sussurrou atrás de mim, enquanto
o salão inteiro tinha se tornado uma sala de adolescentes assistindo a uma
treta de casal.
Mas Téo não pareceu se irritar com o que eu disse. Tudo o que fez
foi me olhar da mesma maneira que encarou a doutora Simoni, com um
sorriso sarcástico, a não ser pela parte que falou com intimidade:
― Ela pode até entender de relacionamento no geral, Müller, mas do
nosso só eu e você entendemos ― ele rebateu, como se aquilo estivesse na
ponta da língua há horas. ― Ou você precisa que eu abra a mala de novo pra
provar? ― acrescentou, repuxando o sorriso safado de quem descobriu a
fantasia e os demais objetos de sex shopp.
Fechei os olhos nele, sentindo um tipo de ódio que fazia muito tempo
que eu não sentia por Téo.
Adivinha, Ferrero? Você ainda não vai acertar ‘as contas’ com o cu
ninguém...
Seu pau no cu dos infernos!!!
Levantei-me do tapete e comecei a andar, passando por dois casais
na minha frente, para depois passar pela doutora Simoni:
― Me desculpe ― pedi antes de sair da salão.
Ela estava sem reação diante do que viu, mas assentiu e fez uma
expressão solidária para me deixar ir, então dei passos duros para longe
dali, longe de olhar para trás.
E o que a minha comunicação queria dizer agora era: vá para o
pior lugar do inferno sozinho, Téo Ferrero.
Capítulo 4
SOFIA
***
Decidi que era melhor sair do quarto ao invés de ficar chorando com
a cara enfiada no travesseiro ou ligando para a Rose e importunando Maysa
e o seu passeio. Eu estava triste, até meio passada depois da discussão que
eu e Téo tivemos, mas ficar num quarto de casal sozinha só pioraria as
minhas dúvidas.
Téo voltaria ainda hoje?
Eu não tinha tantas razões para acreditar que não, mas sempre havia
uma pequena parte de mim que ficava apreensiva com isso. Não era uma
grande surpresa ele sair para ter um tempo consigo, Téo sempre pegou o
carro sozinho nas nossas discussões muito pesadas, inclusive, fez isso
quando descobriu que eu estava grávida, na praia do residencial. E, naquela
noite de ano novo, ele voltou porque sabia que eu precisava que voltasse.
Porque nós precisávamos dele.
Mas agora ele tinha motivos o suficiente para voltar? Eu nunca o vi
tão envergonhado em toda a vida... Será que queria olhar para mim ainda
hoje depois de tudo?
Peguei a câmera fotográfica pendurada no pescoço e, para me
distrair, comecei a fotografar a trilha pela qual passava. Notei que a maioria
dos casais estavam aproveitando as disposições da pousada ao invés de
descobrirem o que havia nos arredores, e entrei na primeira trilha para qual
fui direcionada pelas placas. Mesmo estando sozinha, em ambientes como
este, eu nunca me sentia solitária de verdade. Havia tantos pássaros nas
árvores que o silêncio perdia a beleza fácil. Era um som totalmente contrário
à capital, onde o trânsito era dono dos nossos ouvidos. Aqui, a mãe natureza
comandava, como se virasse dona do mundo todo, principalmente de mim.
Fazer uma caminhada era tipo um bom abraço, apesar das
circunstâncias. A certo ponto me lembrei, ainda, de quando estive em
Manaus para o trabalho comunitário. Lá era bem maior, claro, o verde nunca
parecia ter fim, a não ser quando os enormes rios começavam, mas... a
sensação era a mesma: distante do toque do homem, a vida ficava mais
fresca e cheirosa. Eram as crianças que viviam em terras indígenas as
primeiras a dizerem isso: fui na cidade e lá era fervo e fedido. Da última
vez que fiz um trabalho, em uma aldeia em Parelheiros, uma delas até me
perguntou como eu vivia lá. Eu não soube o que dizer, apenas dei risada na
hora, e mais tarde conclui que São Paulo só me tem porque me criou ―
única explicação que encontrei para aquela pergunta.
Já estava voltando o caminho depois que vi o meu cartão de memória
cheio. Havia fotos e vídeos de Maysa que eu não tinha descarregado e estava
com dó de apagar. Além disso, a trilha não parecia muito mais distante,
então resolvi voltar ao ponto onde poderia pegar outra, àquela que me
levaria até o lago da pousada. Talvez pegar um pôr do sol ali fosse uma
maneira de apaziguar a minha noite sem os braços de Téo ao meu redor.
Contudo, antes que eu pudesse aproveitar o resto da trilha sozinha,
fora a presença dos pássaros e dos outros animais pequenos, encontrei uma
pessoa chegando na minha direção e logo reconheci a Dra. Simoni. Ela
estava usando roupas mais largas agora e tênis, seguindo a trilha sozinha
como eu.
Não tive como desviar, no momento que ela levantou o rosto de uma
descidinha complicada, me viu chegando também. Sorriu para mim de um
jeito simpático que não me parecia falso, ainda que a nossa primeira
apresentação não tenha sido das melhores. Infelizmente, Téo não me deixou
passar uma boa impressão.
― Oi... ― fui a primeira a dizer, desligando a câmera em minhas
mãos para deixá-la pender. A terapeuta se aproximou e parou junto comigo,
respirando fundo de cansaço.
― Oi... ― ela cumprimentou de volta e, na primeira chance que teve,
sentou-se em um tronco que serviu como banco. Colocou a mão no peito e
disse, ainda meio sem ar: ― Me desculpe, eu não perguntei o seu nome.
Franzi um pouco o cenho, percebendo que ela estava mesmo cansada,
parecia até que tinha acabado de correr até aqui.
― Sofia ― eu respondi rapidamente. ― Você está bem? Quer ajuda
pra voltar ou... quer que eu busque ajuda?
Sentei-me ao lado dela e coloquei a mão nas suas costas, sem pensar
que talvez ela achasse meu toque íntimo. Eu trabalhava com pessoas, sabia
que algumas podiam ser esquivas, mas a doutora não pareceu incomodada
nem mesmo preocupada consigo mesma. Fez um gesto com a mão de fique
tranquila e respirou fundo mais umas vezes, recompondo-se.
― Isso se chama idade, Sofia. Está tudo bem ― ela falou com mais
facilidade. Eu não dava nem sessenta anos olhando para ela, mas Simoni
tinha sessenta e cinco. Depois de fazer um artigo sobre esta mulher, sabia até
mesmo a data em que ela publicou o seu primeiro capítulo de livro. ― O
meu é Simoni. ― Ela me estendeu a mão. ― Você já sabe disso, mas não
tive a chance de cumprimentar as sós.
Assenti e, quando ela intercalou os olhos da câmera para mim, fiquei
meio vermelha. Senti o sangue correr nas bochechas até as têmporas.
Eu não devia ter saído do salão daquela maneira...
― Sobre mais cedo... ― comecei a dizer.
― Não precisa se desculpar de novo ― ela me cortou antes que eu
pedisse outras desculpas. E eu ia pedir, não só porque realmente pensava
que devia, mas porque a achava foda demais, a ponto de me sentir até
intimidada por estar sentada ao seu lado agora. A mulher tinha mais de dez
livros publicados, viajou praticamente pelo mundo todo, e, numa das minhas
pesquisas, descobri que era dona de trinta mil livros (sua casa tinha uma
biblioteca). Sabe o conhecimento que você acha que tem? Então, perto dela,
você não tem nada, não. ― Você está bem? ― ela fez a mesma pergunta.
― Sim... Claro ― respondi, mas em seguida cocei o nariz porque ele
pinicou, sensível como os olhos.
A doutora Simoni me analisou por pouco tempo. Nessa hora pareceu
ter sessenta e cinco mesmo, pela densidade do olhar de quem já viveu muito
e entende das coisas.
― E o Téo? ― ela se lembrou do nome dele. Claro, como poderia se
esquecer do abusadinho que ironizou a sua sugestão?
― Ele... ― comecei a responder, mas meu nariz pinicou mais, o que
me fez parar. Desviei os olhos dela e dei uma risadinha nervosa, sem graça,
meio triste também. Se eu não tivesse parado com as injeções há poucos
dias, desconfiaria já de gravidez. Sentia muita coisa para dar conta agora.
Precisava de duas Sofias para isso.
― Ficou no quarto? ― a doutora resolveu me ajudar.
Neguei com a cabeça, inclinando o meu tronco para me ajeitar
melhor naquele improviso de banco.
― Foi pra estrada... E eu fiquei ― respondi, agora com a tristeza
dominando tudo.
Não tive uma resposta dela na mesma hora nem sei se deveria
esperar por uma. Por mais que fosse terapeuta, que estivesse ligada à
pousada a qual divulgou nas suas redes sociais, ela não tinha obrigação de
me escutar como profissional. Este não era o objetivo dela, trabalhar com
terapia individual num fim de semana que devia ser só de casais dividindo
momentos entre si. Por isso, fiz o mesmo gesto de mão e tentei não pensar em
Téo pela estrada, trabalhando sozinho nas suas decisões.
Porém, depois de um tempo em silêncio, Simoni Ogawa riu sozinha.
Olhei para ela, agora respirando normalmente, e soube que ela estava
pensando em algo. Ou, pelo que disse em seguida, relembrando:
― Ele é genioso, não é? ― foi o que me perguntou, generosa demais.
Já eu estaria pensando: ele é um puta atrevido, não é?
― Você percebeu? ― brinquei, para ser generosa com Téo também.
A doutora riu comigo e se sentou da mesma maneira que eu, com o
tronco inclinado. Não sei se percebeu que as minhas pernas estavam
ansiosas, porque as folhas começaram a fazer barulho no chão, mas ela
entrou no assunto de uma vez:
― Vocês vieram aqui para uma Lua de Mel, ele disse...
Levantei a cabeça e olhei para ela de novo, enxergando o rosto
pacífico e cheio de paciência que só uma boa terapeuta tinha. Será que ela
me leu tão rápido a ponto de saber que preciso conversar sobre Téo senão
vou chorar no travesseiro do quarto?
― Foi... ― respondi, sem saber se deveria simplificar ou não. Para
não abusar do seu tempo, resolvi falar pouco tentando dizer muito: ―
Quando a gente se casou, nossa filha só tinha três meses, então a gente não
aproveitou tanto a fase de recém-casados... Bom, não como a gente queria.
― Ri um pouco.
― Pais de primeira viagem primeiro que tudo ― a doutora concluiu,
e eu balancei a cabeça. Já fiquei com vontade de ligar a câmera fotográfica
de novo e mostrar fotos da Maysa, mas Júlia me avisou esses dias que eu
tinha que parar com esse costume insuportável de mãe, de querer mostrar
fotos do filho sem ninguém pedir. Como sempre foi, Dorta é um coice de
mula que machuca, mas machuca com verdades. ― Vocês já estavam juntos
há...? ― a doutora retomou o meu casamento.
― Cinco anos. A gente se conheceu e praticamente já foi morar
junto.
― Vocês deviam ser novos...
― Ele tinha dezenove, eu dezoito.
― Uau... Vocês se fizeram juntos, então.
Meus olhos se molharam um pouquinho. A gente se fez... e agora tô
morrendo de medo de ele se desfazer. Mesmo assim, tentei sorrir:
― Foi isso mesmo.
A doutora Simoni gesticulou a cabeça, sorrindo de volta, sem dizer
mais nada. Contudo, quando o silêncio entre nós durou, ela fez um sinal com
os olhos, como se dissesse: continue.
Engoli em seco, num primeiro momento, duvidando se ela realmente
queria me ouvir. Claro que percebeu a minha tristeza, ainda mais depois que
contei sobre Téo na estrada, só que... ela realmente queria me dar uma
sessão gratuita?
― Nem sei por onde começar ― disse, sem graça.
― Comece com que achar melhor ― ela incentivou.
Desviei os olhos e analisei os dois lados da trilha, caminhos de ida e
volta. Não queria ficar falando e falando e falando, até porque não queria
chorar, e era isso o que eu faria caso começasse a descrever as peças do
quebra-cabeça que formavam toda a situação com Téo e o seu trabalho...
Então, depois de respirar fundo, como a doutora fez antes ao se
sentar, decidi começar pelo que o feria:
― O problema é que... o Téo está num emprego que não é pra ele, e
ele sempre foi o tipo de pessoa que tem que se sentir motivada pelas coisas
que faz ― falei, tentando soar mais clara e estável possível. ― Mas ele não
se sente agora, e como é concursado pela prefeitura... não quer sair.
Ultimamente, ele tá me deixando de lado, disse que não quis compartilhar os
problemas pra não me ver infeliz com ele. Só que... ― engoli o engasgo que
se formou ― eu tô infeliz de qualquer jeito por causa da situação,
principalmente porque parece que ele me acha fraca, sabe? ― Balancei a
cabeça, pegando aonde feria em mim. ― Parece que ele não pode contar
comigo pro pior. Só quer que eu seja a boa esposa na cama e a mãe que vai
gerar o próximo filho dele...
Decidi parar de falar aí para dar conta das palavras. Achei que
tivesse falado demais ou talvez muito pouco do que realmente aconteceu na
discussão... Não sei. Simoni estava certa: ninguém consegue alcançar a visão
de mundo de outra pessoa com os próprios olhos. Nem ela, que era
terapeuta, acredito.
Ela esperou que eu realmente me calasse e, quando me viu pronta
para escutá-la, me disse com a mesma voz calma e pausada de antes:
― Até hoje os homens dão muito crédito à imagem de homem da
casa. Eles têm que dar conta da família e do sustento dela, não podem
mostrar fragilidade nenhuma nem se dar por vencidos diante de qualquer
conflito... ― ela explicou, intercalando o olhar entre os meus olhos e uma
folha que ela pegou do chão. ― Como foi a criação dele? ― Simoni
perguntou em seguida.
― A mãe criou durante a infância... daí, quando ela faleceu, ele foi
morar com o pai, mas não tinha um bom relacionamento com ele ― fui
breve. Não achava que devia alongar uma história que não fosse minha,
mesmo sendo a do meu marido.
A doutora balançou a cabeça, passando o dedo no meio da folha. Em
seguida, me esclareceu:
― Ele nunca viu as duas figuras paternas trabalhando juntas.
― Não...
Seria isso? Téo tinha dificuldade de lidar com essa parte do
casamento por não ter tido exemplo quando menor?
― Mas... Posso dizer o que eu acho, Sofia? ― Simoni perguntou,
dizendo o meu nome como se tivéssemos nos apresentado há muito tempo.
Gostei disso, porque me senti mais confortável para balançar a cabeça e
confiar nela: ― Não acho que esse é o maior medo do seu marido. Digo, a
questão de não querer dividir os problemas.
Franzi o cenho: não esperava por isso. Para mim, esse era o
principal problema, fora o fato de que ele odiava ser robô de organizar
papel.
― Ele disse uma coisa muito interessante lá no salão ― ela
continuou quando me aproximei para ouvi-la melhor. ― Eu já fiz terapia
com muitos casais, já conheci homens com diferentes masculinidades, mas
nunca tinha ouvido um homem falar da esposa como o Téo falou de você. ―
Ela sorriu breve antes de falar: ― Ele disse: ela é tantas coisas que quase
não cabe num dia. E ainda enumerou tudo o que você é como se estivesse
ali, na ponta da língua...!
Abri um sorriso de volta, dessa vez porque pensei:
― Ele sempre tem as palavras na ponta da língua. ― Meio que
revirei os olhos e ri com ela, que até bateu palmas duas vezes.
― Homens, em geral, não tem esse costume... quando se trata de
dizer as coisas do peito ― ela disse e voltou à posição em que estava antes.
Olhou-me de canto: ― Se ele tivesse mais paciência, acho que conseguiria
dizer até mais sobre você... Ela é tantas coisas que quase não cabe num
dia... ― repetiu como se repetisse um bom pensamento filosófico.
Na hora, não notei que Téo disse isso durante o pequeno bate-bola
que fez com ela. Fiquei tão presa ao fato de que ele estava contrariando a
proposta da noite sem sexo que deixei passar tudo o que disse sobre mim...
A doutora Simoni ficou algum tempo pensativa, olhando para a
natureza que nos rodeava. Parecia com sessenta e cinco de novo, com aquele
ar de estou tentando agarrar o sentido da coisa. Tentei fazer o mesmo,
aproveitando o silêncio para pensar sobre tudo o que eu e Téo dissemos um
ao outro.
Quando que te quis mulher submissa, hãm?!, ele me perguntou,
chateado e irritado porque eu falei sobre ele me tratar como uma mulher de
outro século. Sempre te apoiei a ter a sua vida, a fazer o que você quer, a
ser o que tem vontade...!
Mas... se Téo me achava tudo o que disse para Simoni e se não me
queria submissa, por que me deixou no escuro por semanas? Por que chegou
em casa nos últimos dias e se demorou para me olhar de volta quando eu o
olhava? Por que só dizia que estava cansado e não falava comigo sobre os
problemas, para dividirmos pesos como iguais que éramos? Por que me
deixou na cama e se trancou no banheiro sozinho, tentando dar jeito na
ereção? A exaustão, a enxaqueca e o incidente eram resultado da pressão de
não pertencer a um lugar que se obrigava a estar.
Mas por que aceitar na solidão sem ao menos recorrer a mim?
Simoni, quando eu menos esperava, colocou a mão nas minhas costas
e me consolou como fiz com ela. Em seguida, me disse:
― Ele não pensa que você é uma mulher fraca, Sofia... Ao contrário
disso, por tudo o que disse, ele ama todas as suas facetas, te admira e te acha
um verdadeiro modelo... ― Simoni botou a folhinha que segurava na minha
perna, entregando-me um caminho no limbo com várias ramificações.
“O que o Téo tem medo é de ser um homem fraco pra você.”
Capítulo 6
TÉO
Nunca me senti tão otário em toda a vida. E olhe que eu já fui otário
um bom par de vezes, mas agora, agora...
Puta que pariu.
Eu não tinha ideia de onde estava. Sabia que estava longe da BR,
mas não tinha ideia de onde a pousada ficava mais. Antigamente, eu poderia
dirigir o tempo que for, com o quer que martelasse na cabeça, eu me
lembrava dos caminhos por onde passava. Não precisava de porra de GPS,
mapa, instrução... Eu comandava o volante o tempo todo, tinha instinto pra
isso. Ainda mais em São Paulo, onde aprendi a dirigir na teimosia, rodando
carro de 67 pra cruzar asfalto ou só pedraria, eu estava acostumado a pegar
estrada e ter senso de direção para ir e voltar. Meu cérebro funcionava
melhor com o motor ligado...
Mas agora, depois de anos, eu era só um otário num fim de mundo.
Parado no meio de uma estrada que não passava carro algum há uns dez
minutos, estava em dúvida se pegava à direita ou à esquerda, caminho
rodeado de plantação ou de campo... Faz menos de duas horas que saí,
como posso ter me esquecido desse caralho?!
Não era novidade que meu cérebro não funcionasse mais, nem
mesmo com influência de motor. Ele já não estava dando conta de mim há um
bom tempo, e isso me fazia sentir pior que um otário...
Me fazia sentir louco ― e não de um jeito bom.
Eu sempre dei conta de mim, sempre. Lembro que até de moleque eu
sabia o que queria fazer de mim, mesmo que fossem coisas erradas. Eu
tomava decisões e, ainda que houvesse consequências, estava pronto para
dizer a minha mãe: fiz, fiz mesmo, porque me deu na telha. Eu conhecia qual
era a minha telha, a minha mãe também, por isso me dava os piores castigos,
como me botar em cima dum tronco de árvore e me deixar gritando até todos
os vizinhos saírem. E ela estava pouco se fodendo para o que os outros
achavam, me olhava lá de baixo com o rosto duro e rebatia: tudo o que você
faz pode afetar os outros. Aprende a se desculpar, moleque!
Maysa me ensinou a pedir desculpas... Ela provavelmente diria isso
aos outros hoje, se me visse sendo mal-educado. Ela se desculpava o tempo
todo por minha causa: me desculpe se ele te responde, me desculpe se ele
entrou onde não devia, me desculpe se ele está tirando sarro, me desculpe
se ele veio à igreja sem blusa...
Então, nos seus últimos dias, pedia desculpas pra mim. Por morrer.
Por me deixar fazendo o que me desse na telha.
Esse era o meu problema, agora? Não pedir desculpas? No começo
do namoro, Sofia me disse que pedir desculpas tinha a ver não só com os
outros, mas com a gente, porque nós também precisamos nos retratar
conosco...
Eu precisava me retratar comigo mesmo? Caralho, que importância
tinha se as minhas decisões de merda se voltassem para mim quando havia
Sofia, o que eu a fiz passar?! Como eu poderia ser mais importante que a
minha mulher?! E ainda tinha a nossa filha, porra... Como a minha mãe, eu
nunca me importei com o que pensavam de mim, mas com o que Maysa
pensaria quando tivesse idade... Ela tinha que entender por que me chamava
de pai... Ela tinha que entender o peso dessa palavra...
Encostei a cabeça no banco e tentei usar o resto de produção que o
meu cérebro conseguia dar conta.
Primeiro, eu tinha que voltar à pousada. Disse a Sofia que precisava
dar uma volta, botar a cabeça no lugar, mas não adiantou porra nenhuma, e,
pensando bem, eu sempre acabo me fodendo nisso de pegar o carro e me
meter na estrada. Quando descobri sobre a gravidez de Maysa, não me
esqueci do caminho para voltar ao residencial, mas peguei um puta
engarrafamento, o que quase me fez perder a cabeça por não chegar logo
para a minha mulher no último dia do ano. E, por mais que Sofia esteja
chateada comigo agora, sei que ela pilha mais ainda quando não sabe aonde
eu vou.
Ela está errada: não vai para o lugar menos ardido do inferno. Sofia
vai para o céu... se houver um. E não é nem por ser mãe.
É por me aturar.
Liguei o carro e dirigi um pouco até conseguir ver sinal no celular,
talvez estivesse bem perto da pousada sem saber, mas teria que usar o GPS...
E odeio essa porra. O que estava nos bancos de trás, estragado, só comprei
porque Sofia precisa, mas eu não, nunca precisei, nem mesmo em Porto
Alegre...
O 4G funcionou, estava uma merda, mas funcionou. Eu tinha acabado
de colocar o destino quando o GPS ficou em segundo plano para a ligação
que eu estava recebendo. Num primeiro momento, quando o aparelho vibrou,
imaginei que fosse Sofia, mesmo sabendo que ela não era de correr atrás
nessas situações...
E eu estava certo, porque quem me ligava era o meu pai.
Mantive o carro desligado e o celular no suporte. Coloquei no vivo a
voz antes de atender:
― Oi.
― Oi, Téo ― a voz do velho Ferrero saiu meio fraca por conta do
sinal, mas eu conseguia escutar no silêncio de fim de mundo. ― Como vai?
― Bem... E aí?
― Tudo bem... Estou ligando pra saber da sua irmã. Ela disse que
ligaria mais tarde pra mãe dela, depois de ter chegado aí, mas até agora
nada... Você está com ela? ― ele usava um tom calmo, mas escutei-o bufar,
de saco cheio, quando alguém trocou palavras com ele, provavelmente a
Angélica querendo saber da Duda.
― Não. Eu não tô em São Paulo... ― respondi, pensando que talvez
fosse melhor voltar para casa hoje mesmo. Eu e Sofia tínhamos discutido
pesado, não havia mais clima para ficar depois da nossa última conversa...
― Mas falei com a Duda mais cedo, e ela foi ao parque com a tia e a Maysa
― retomei. ― Se não estão lá ainda, devem estar comendo ou sei lá... Você
sabe como a tua filha é, Augusto, não gosta de ficar dando sinal de vida toda
hora.
Não acho que Angélica seja uma mãe ruim, mas, porra, nunca vi uma
mulher ficar ligando e mandando mensagem pras filhas como ela faz. Nem a
Luciana enchia o saco da Sofia em Porto Alegre assim. Duda é adolescente,
tudo bem, mas tá com a tia Rose e não vai viajar pra ficar no telefone com
mãe.
O meu pai deu a resposta para Angélica, que disse mais algo que não
escutei. Em seguida, a voz dela se distanciou. Provavelmente o saco do
Ferrero já tinha dado.
― A Duda é difícil, também. Se não vai ligar, por que diz que vai?
Esses filhos adolescentes... ― ele comentou, dando uma curta risada no
final. Sabia que estava me incluindo ali, principalmente eu. Duda e Roberta
não davam metade do trabalho que eu dei no meu tempo. ― Mas ela não
disse que você não estava em São Paulo... Viajou pra Arthur Nogueira
ou...? ― ele pigarreou um pouco. Até hoje tem algum receio de me perguntar
as coisas, justamente por causa da minha adolescência.
― Não, não... ― Pigarreei também. Se o velho Ferrero tem
problema para me perguntar, eu também tenho para responder. Uma coisa
que eu não fazia com a idade da Roberta e Duda era dar satisfação ou até
mesmo responder com complemento. Respondia sim ou não, quando estava
com vontade. ― Tô numa pousada com a Sofia. Ela quis tirar um fim de
semana pra gente fazer uma Lua de Mel ― dei complemento e abaixei a
cabeça. Nossa noite de núpcias, com Maysa acordada e cobrando leite, tinha
sido bem melhor que isso. Pelo menos naquele dia eu ainda dava conta de
ser um marido...
― Ah... ― o Ferrero soltou e depois ficou meio quieto, o jeito de
não saber como continuar conversa. ― Tô atrapalhando, então... Pede
perdão pra Sofia...
― Eu não tô com ela ― não sei por que soltei isso. Até levantei a
cabeça, como se tivesse acordado num pulo, e vi meu cenho enrugado no
retrovisor.
― Não...? ― o meu pai perguntou num tom de quem quer saber mais.
Porra.
Por que eu não disse que ia desligar para conseguir voltar logo?
― Tô na estrada. Ela ficou na pousada ― fui curto.
― Brigaram? ― ele prosseguiu, agora tossindo.
Eu não sabia como responder, já que comecei falando merda que não
devia. Fazia tempo desde que fui o adolescente que mandava na cara do meu
pai que era ele quem devia ter morrido ao invés da minha mãe, que testou a
sua paciência até que me tirasse da sua casa, que evitou suas ligações
durante três anos em São Paulo... Eu superei essa revolta desde o fim do
colegial. Mas isso não queria dizer que fôssemos pai e filho tão próximos, a
ponto de eu desabafar por causa de briga com mulher. Já tinha feito isso uma
vez, quando Sofia sumiu para a excursão em Manaus, mas aquilo foi um
extremo...
― Foi só uma discussão ― respondi. Não sabia como continuar, nem
porque era o meu pai no telefone, mas porque eu... ainda estava com uma
vergonha da porra, e era um sentimento tão filho da puta que, além de fazer
meu rosto queimar, secava a garganta por completo. Parecia que, finalmente,
os meus anos passados de vício no cigarro estavam fazendo efeito e me
dando um maldito câncer.
Ele não me disse nada por um tempo. O silêncio da ligação se
estendeu, porém tínhamos nos acostumado tanto com essas pausas que nem
constrangia.
― Bom ― o Ferrero retomou num tom de voz estranho... ou talvez
fosse a ligação ―, você deveria voltar, sabe... o quanto antes. Não vai
querer tornar a discussão maior do que já é ― ele sugeriu com cautela.
De novo, eu não soube o que dizer, como um moleque que fez uma
merda grande e, na frente de uma autoridade, não tem coragem de falar. O
que era muito irônico, porque, antigamente, eu estava me fodendo pra
qualquer autoridade e não tinha medo de dizer nada. Agora, além de tudo, me
tornei um covarde. Aliás, foi por isso que Sofia chorou, não foi? Porque ela
me viu admitir que eu estava num trabalho que me consumia até não sobrar
nada de positivo em mim e, mesmo assim, mantive o bico calado e aceitei.
Abriu mão de você mesmo e foda-se...?
Esfreguei o rosto com as mãos, exausto de voltar pro mesmo
caminho, como andava fazendo há meses. O trabalho me deixava tão
ignorante que até mesmo pensar sobre sair dele me deixava confuso, como se
essa parte da minha vida tivesse se tornado a porra de um labirinto sem
saída. E eu não podia ficar parado dentro... porque quem me colocou ali fui
eu mesmo.
― É, vou voltar... ― disse a ele.
― É melhor ― o meu pai confirmou.
Quando o silêncio voltou, eu soube que ele estava prestes a desligar.
Se tudo estivesse normal, ele ainda me perguntaria de Maysa, nesse caso,
sem receio algum, e eu responderia de volta tudo sobre a minha filha,
sorrindo que nem um idiota por tê-la colocado no mundo. Assim era mais
fácil ser filho de verdade dele, porque sentíamos o mesmo orgulho ― ele
sendo avô, eu sendo pai.
Contudo, quando ouvi o velho Ferrero suspirar do outro lado da
linha, eu me vi querendo que ele não desse adeus. Não sei o que me deu,
mas, antes que eu pudesse dar conta, num impulso, soltei uma pergunta que
nunca tinha feito pra ele nem pra ninguém:
― Você é feliz fazendo o que faz no trabalho?
Puta que...
Apertei os lábios e senti a careta que fiz provocar várias rugas...
O velho ia me achar maluco, porra.
Que tipo de pergunta era essa? Você é feliz fazendo o que faz no
trabalho... Minha cabeça tinha se tornado um livro de autoajuda agora?!
Depois de anos, tudo o que minha mãe lia de reflexão motivacional estava
ressuscitando...?!
O Ferrero pareceu não entender também, porque demorou a
responder. Quando falou, foi com uma risadinha confusa:
― Feliz, ‘feliz’? ― perguntou. Passei a língua nos lábios secos,
porque não sabia responder a essa pergunta. Ele estava aqui perguntando
conceito de felicidade, e eu não tinha conceito pra isso. Sabia o que me
deixava feliz, mas... Por que tô pensando nisso, caralho? ― Hum... Eu faço
o meu trabalho desde que me conheço por homem, Téo. Nunca fiz outra
coisa e, com o tempo, nos cargos que ocupava na empresa, eu ia me
sentindo mais confortável ― ele retomou quando percebeu que eu fiquei
constrangido. ― Se você quer dizer feliz no sentido de me fazer sentir
ótimo, eu... Não. Me sinto ótimo na hora do lazer, quando posso descansar
e tomar decisões só na minha vida. Não vinculo tanto trabalho com
felicidade, mesmo que hoje me reconheça nele ― explicou.
Entendi o que ele disse, só que não me encontrei ali, nem mesmo na
parte de me reconhecer fazendo o que faço...
Eu só analiso projetos de obras públicas. Sento numa mesa e repasso
os olhos em arquivo e documentação o dia todo, depois faço relatórios
físicos e financeiros pra pagar quem presta os serviços. Não consigo nem me
lembrar da última vez que estive perto de máquinas, para controlar um
processo, elaborar plano de manutenção ou até mesmo fazer uma perícia
técnica...
― Certo ― falei.
O velho Ferrero ficou em silêncio de novo, o que eu achei melhor do
que ouvir perguntas conclusivas. Aí esperei que ele desligasse dizendo que
precisava voltar para Angélica ― os dois estavam viajando só os dois
também, não foi o que Duda falou? ― e desejando que eu me acertasse com
a minha mulher.
Porém, depois que eu me calei também, Augusto pareceu limpar a
garganta. Em seguida, decidiu usar outro tom de voz comigo:
― Mas... Isso sou eu ― o meu pai completou, mais grave, ainda que
soasse... Não sei, meio sentimental? Só parecia prestes a falar de algo... ―
Sua mãe pensava diferente.
Importante.
Fiquei acelerado quando ele a mencionou. Olhei bem para o celular,
o escrito pai ali, e me vi pegando o aparelho em mãos, como se mudasse
alguma porra estar com ele mais próximo.
― É? ― perguntei, e perguntei para ele continuar. É raro o Ferrero
falar da minha mãe; a última vez foi para dizer que, enquanto Maysa, minha
filha, gostava de tubarão, Maysa, minha mãe, gostava de tartarugas. Disse
que ela vivia desenhando o animal em guardanapos... o que eu estranhei
porque, perto de mim, nunca a vi desenhando... Às vezes cantava uma música
de carnaval dizendo que a tartaruga deu um baile, mas do jeito que não
decorava uma música certo, ela podia estar trocando palavras...
Fiquei esperando que ele continuasse, principalmente porque parecia
estar longe da Angélica pra isso:
― Claro. Ela era apaixonada por máquinas. Qualquer tipo,
carregava ferramenta até nas folgas... ― O meu pai riu. Foi a primeira vez
que o ouvi rindo por causa dela. ― Quando eu a conheci, ela trabalhava
numa oficina, e... era trabalho pesado, ela vivia com queimadura de solda,
pegando peso e batendo boca com cliente. Mas também saía do trabalho
sorrindo, todo dia, com ou sem machucado ― ele contou algo que eu já
sabia, sobre ela ter trabalhado em oficina de carro, mas... foi diferente ouvir
nas suas palavras. Era como se víssemos a mesma Maysa agora. ― Ela
nunca achou bom que eu trabalhasse na empresa. Me aconselhava a sair
de lá e fazer uma faculdade que era mais parecida comigo... No tempo,
dizia que eu me daria bem na área da saúde.
Levantei as sobrancelhas.
Aí estava uma Maysa que eu não conheci: a que conheceu Augusto.
― Você não pensou sobre fazer o curso...? ― Como ele estava
falando bastante, me senti mais disposto a perguntar.
― Pensei. Eu deixei a empresa por um tempo... mas, nesse período,
não trabalhei na saúde. Tinha planos pra depois... ― respondeu, soando
bem... até que acrescentou: ― Só que depois voltei pra empresa.
Eu não sabia o que significava os seus depois, mas devia ser algo
muito particular, porque o velho Ferrero foi tão curto quanto eu para
responder. Por mais curioso que eu ficasse, a história dele e da minha mãe
era coisa muito antiga, e eu não queria que ele a desenterrasse só por mim
mais uma vez.
― Você acha que fez o certo, voltando? ― perguntei.
― Eu não sei te dizer ― ele foi sincero.
Deixei o celular no colo e apoiei os antebraços no volante,
abaixando a cabeça. Fiquei olhando para pai escrito na tela e acabei
pensando na minha filha...
Um dia eu estaria no celular assim com ela, também. Desconfiava
que Maysa tinha pegado o gene Ferrero de ser fechado e talvez fosse tão
difícil se abrir comigo como era difícil para mim agora...
― Sofia acha que... ― franzi o cenho ― eu não sou feliz na
prefeitura ― soltei de uma vez.
Pensei que o velho fosse demorar a responder, como estávamos
fazendo desde que eu entrei no assunto, mas ele logo perguntou:
― E é verdade?
― Eu estudei pra poder fazer o que faço.
― E você consegue fazer o que faz, sem problemas?
Respirei fundo. Aí estava o que Sofia veio jogar na minha cara:
fazendo o que faço, eu estava me tornando um marido de merda nas últimas
semanas. E não, ela não estava errada... pelo menos não completamente
errada quando disse que eu a tratava só como mãe da minha prole e minha
puta pra extravasar...
A vergonha queimou a minha garganta de novo, eu podia jurar que, se
abrisse a boca, soltaria fumaça.
Eu... Eu não me vi tratando a minha mulher assim nesses dias, quero
dizer... Eu estava alienado por causa da quantidade de trabalho, mas... Porra!
Não queria ter tratado Sofia do jeito que ela cuspiu durante a discussão...!
Não queria que ela tivesse se sentido tão diminuída, justo ela, caralho, que
não era mulher de viver de migalha...
O que eu faço...? O que dá pra eu fazer... pai?
― Não posso sair de lá ― disse a ele, a única coisa que eu sabia,
mesmo que a cabeça começasse a latejar por isso. Mas não era de queimar
neurônio por causa dessa discussão. Era água entrando em combustão que
não tinha mais como conter...
― Por que não? ― ele perguntou rápido de novo.
E não consegui conter porra nenhuma mesmo. Nem com a força das
engrenagens...
No segundo seguinte, água encheu os olhos. Água fervendo. E eu me
vi soltá-la por estar queimando as minhas córneas, torrando as pálpebras e
fazendo tudo dentro de mim parar de vez.
― Porque... ― franzi os lábios e tentei passar por cima do câncer na
garganta para terminar ― foi a minha decisão, caralho ― disse em voz alta.
― Téo... ― meu pai começou a falar quando eu tive que engolir
aquele tipo de doença ilusória.
Mas eu engoli, engoli o bastante para cortá-lo e dizer a única maldita
coisa que sabia agora:
― Foi uma decisão que eu tomei sozinho. Eu, só ― falei, sentindo o
gosto salgado na boca de uma porção de água que eu não quis derramar na
frente da Sofia. Meu rosto já estava molhado, e eu não me importei de limpar
a este ponto... Continuei: ― Quando o concurso saiu, me inscrevi antes de
falar com ela. Eu decidi passar e me matei de estudar, e ela só me assistiu
mudar a nossa vida de cidade. De novo. ― Cerrei os dentes.
De sentir vergonha, senti raiva de mim. Fiquei tão puto quando soltei
o que soltei em voz alta que eu vi que merecia estar perdido num fim de
mundo como este, porque eu era um filho da puta orgulhoso que vivia
cantando que tomava as decisões certas, que fazia planos de fibra quando na
verdade...
Eu era a porra de um homem quadrado: enxergava só do meu jeito,
fazia as coisas só do meu jeito e metia os outros na vida só do meu jeito. E,
se Sofia não era mulher de receber migalha de afeto, quem dirá viver presa
entre quatro paredes...
Ela não merecia isso... Eu não a merecia.
― Téo ― meu pai retomou de novo, a voz tensa ―, quando vocês
moravam em Porto Alegre, a Sofia sempre falou que seria bom voltar pra
São Paulo...
― Foda-se o que dizia... ― eu disse a ele e a mim mesmo. Engoli
mais do gosto salgado. Estava chorando a porra dum mundo neste carro,
nesta estrada. ― Eu não perguntei o que ela queria! A gente não teve aquela
conversa de vamos voltar?, eu passei no concurso e tirei ela de Porto
Alegre, assim como tirei de São Paulo...
― Ô, filho, foi a decisão dela ir embora com você... ― agora ele
parecia desesperado. Será que estava tão claro na minha voz que eu estava
acabado?
Eu estava? Acabado...?
Ergui o rosto, evitando me olhar no para-brisa, e parei os olhos no
conjunto de árvores magras na minha frente. Pensei em Sofia na pousada,
sozinha, em volta de um monte de casal num fim de semana. Pensei com
força nela e nas coisas que a faziam ser quem era... Tudo o que eu disse para
aquela terapeuta... Tudo o que faltava dizer...
Por que eu fiz isso com você, linda? Por que eu te tirei de Porto
Alegre pra te esgotar com a minha carreira? Por que não deixei você fazer
um plano, pelo menos dessa vez...?
― Foi, mas... ela se ajustou por minha causa, porque eu fui primeiro
― falei com menos raiva, porém a minha garganta estava contaminada
demais: ― A Sofia tá sempre se ajustando às coisas, desde que eu a
conheço. Ela faz essa tipo de merda pela família... Sempre foi assim. Dá o
sangue por quem ama. ― Balancei a cabeça, pensando no seu rosto, nas
suas lágrimas... Ela parecia tão machucada por mim que, se eu fizesse
esforço, poderia ver sangue saindo dos olhos... Passei a língua nos lábios
para continuar a falar: ― E há dois anos se ajustou em São Paulo por uma
decisão minha... Pra eu terminar o dia doente por causa de trabalho. ―
Abaixei a cabeça de novo, e as lágrimas caíram na tela do celular.
O meu pai ficou em silêncio por um tempo, como se estivesse
absorvendo o que eu disse. Ele devia estar fazendo a matemática na cabeça
para chegar ao resultado de que o seu filho mais velho era um moleque e não
um homem como fazia pintar em todas as visitas ao Rio.
― A sua tia me falou mesmo da enxaqueca... ― ele sussurrou mais
para si que para mim. ― Merda... ― ainda xingou baixo.
Acredite, velho, a enxaqueca não foi o pior...
― Não posso sair da prefeitura ― disse de novo, negando com a
cabeça. ― Também não tem só a ver com a consequência da minha decisão,
tem a Maysa. ― Esfreguei o rosto, tentando ficar um pouco mais são com a
vista clareada. ― Como eu vou deixar um cargo concursado tendo uma
família pra cuidar? Isso é segurança pro futuro delas... Essa
responsabilidade é minha, porra.
Sofia estava certa: eu preferia abrir mão de mim. Que eu me fodesse.
O trabalho era uma consequência do que eu quis, mas a vantagem era que ele
garantia muita coisa a ela e a Maysa. E eu não abriria mão disso, não tinha
como.
Cacete... Eu escuto a minha mulher contar sobre gente marginalizada
que ela ajuda nas comunidades precárias ou indígenas. Eu a escuto se
sensibilizar com relatos de miséria e ficar horas olhando para uma única foto
que tirou de crianças sem oportunidade...
A vida que a gente tem, o emprego que eu tenho, tá dentro de uma
pequena porcentagem de privilegiados do país. Quando a Maysa crescer, vai
aprender com a mãe a valorizar o que tem, porque não é pouco, porque vou
dar tudo o que puder pra ela.
Você me entende... Não entende, Augusto?
Pensei que, nesse ponto, o meu pai fosse ponderar o que eu disse.
Porque ele também é homem com filhos pra criar e sabe que isso exige
posicionamento. Contudo, depois de levar tempo no silêncio, o tom de voz
tranquilo e grave quis pesar no meu peito, como deveria estar pesando no
dele:
― Sabe qual é a maior segurança que você pode dar pra sua
família, Téo? ― perguntou, e eu deixei que respondesse: ― Você.
Não me vem com uma frase autoajuda agora... Sequei a porrada de
lágrimas de uma vez e balancei a cabeça:
― Augusto...
― Se você ficar doente ― ele me cortou como fiz antes ―, não tem
finança que compense. Olha pra mim, filho. Olha pra mim...! ― repetiu
para que eu não o cortasse de novo. ― Quando você era criança, eu... era
doente da cabeça e não soube como ser seu pai. Não sabia te conhecer
quando você se mudou pra cá. Te enfiei em um monte de aula particular
porque não sabia como lidar com você...
“Olha pra mim.”
Senti rosto tencionar e os olhos inchados se arregalarem um pouco.
Não, não era uma novidade que, no passado, ele tivesse me enchido
de compromissos pra não ter um comigo. Por isso eu ficava mais revoltado
com ele, porque nem depois que a minha mãe morreu, Augusto foi presente...
Só que... me surpreendeu o peso de consciência e, principalmente, a
comparação entre nós. Isso até me assustou, para ser honesto.
― Eu não facilitei também ― tentei dizer.
― Sua mãe morreu. Você só me via de ano em ano. Eu era um
estranho pra você ― ele disse taxativo, meio nervoso até. ― Não tinha
como uma criança aceitar isso de uma hora pra outra...
Fiquei quieto. Se fosse antes, diria algo irônico como: que puta
conclusão, heim! Mas agora... não tinha mais o que dizer sobre nós.
Aconteceu. Merdas acontecem com todo mundo.
A ligação estava baixa, só que ele respirava tão alto que eu escutava
as exaladas de ar ao continuar:
― Os meus problemas não tinham só a ver com trabalho, mas eu
não conseguia me relacionar com você... Na verdade, com ninguém da
família. Não conseguia falar nem com a Angélica, nem com a sua tia...
Perdi muito de ser marido, irmão e seu pai por isso.
“Eu sei que é difícil tomar esse tipo de decisão, filho, você tem
prioridades mais importantes agora e não quer abrir mão de uma
conquista que até então era uma das suas maiores, e porque gira em torno
da sua esposa também... Eu entendo.”
“Nunca foi fácil pra mim também, me mostrar fraco,
principalmente pra família... Mas, se a Sofia está te cobrando, é porque
isso já chegou a um nível que afeta. Entende o que eu quero dizer? Sei que
você a ama, não tenho dúvidas de que ela ocupa um dos primeiros lugares
na sua vida... Eu vi isso desde aquela formatura.”
“Só que precisa lembrar que você também é prioridade dela. Ela
também ajudou a construir um namoro e agora um casamento. Você não
fez tudo sozinho, filho.”
Eu nunca escutei o meu pai dizer algo tão imparável quanto o que
disse. Talvez quando me contou sobre a fuga da minha mãe, mas... ele não
tentou com tantas forças me aconselhar, como fazia agora, com sinceridade e
até meio emotivo, ou bastante... Não sei dizer até onde Augusto consegue
chegar, sendo que sou limitado também. Sou tão limitado que nem com a
Sofia consegui falar, e ela é única pessoa que mais me enxerga nesse
mundo...
Por que eu não falei com você? Você sempre me fez esquecer de
qualquer vergonha... Por que não consegui te enxergar agora?
Eu queria ter algo mais elaborado para dizer a Sofia quando voltasse
à pousada. Eu sempre consigo dizer, encontrar uma resposta que a faça se
sentir segura diante dos nossos problemas, mas, agora... Não tinha porra
nenhuma...
Acho... Acho que precisava dela para isso, para encontrar o que
dizer, uma resposta de segurança. Meu pai estava certo: não fiz a gente
sozinho. Ela também se dedicou, se entregou e se deixou suportar por muita
coisa... Claro que fez isso, o que a minha mulher não consegue fazer?
― Você acha que eu tenho que escutar...? ― perguntei ao meu pai, e
ele esperou que dissesse mais. ― Escutar a Sofia e... sair da prefeitura?
― Você não está feliz, ela não está feliz... É matemática, Téo ― ele
falou, e eu me vi mexendo a cabeça... Nunca pensei que isso fosse acontecer
com tanta intensidade. O velho é cabeça-dura e fez um filho assim também.
― Só volte pra pousada e converse com ela, mesmo que não decidam nada
agora. Vocês vão dar um jeito ― assegurou de uma maneira que não me
deixou duvidar. ― Só... não se torne um estranho pra ela e depois perca
Maysa também ― a consciência pesou de novo nas suas palavras.
Botei o celular no suporte novamente e me deixei olhar no retrovisor:
o rosto todo fodido de choro. Eu parecia o moleque lá de cima da árvore,
com raiva da minha mãe por me colocar num lugar tão alto, gritando para me
descer, enquanto ela cobrava as minhas desculpas por ter crescido pra cima
dela.
Nós pedimos desculpas pros outros, e pra nós mesmos, por termos
errado...
Esfreguei o rosto mais uma vez e expirei forte, tentando lidar com o
inchaço.
Só vou conseguir fazer isso se você estiver do meu lado, linda. Não
vou conseguir me desculpar tão fácil, como você faz comigo...
Olhei para a ligação, pronto para voltar, pronto para dar uma chance
ao conselho do meu pai, que agora me parecia o conselho mais claro que já
recebi de qualquer pessoa. Porém, antes de desligar e voltar para onde não
devia ter saído, quis confortar o velho de alguma maneira também, já que ele
ainda respirava pesado.
― Ela se lembrou de você essa semana ― soltei de uma vez.
Ele demorou a entender. Mas quando pensou entender, quis se
certificar:
― A Maysa?
― É... ― Abri a janela do carro e deixei o vento aliviar o calor...
Acho que os campos vêm antes da pousada... ― Tem um vídeo com uma
música de tubarão e... tem uma parte que fala do vô tubarão. Ela disse vovô e
apontou pra mim, pra eu confirmar ― contei, meio sem jeito, até porque eu
sorri ao me lembrar da terrorista.
Aquela música era insuportável. E o que me deixava mais puto era
que quem se saía bem cantando pra ela era o puto do Biz.
Ele fazia a dancinha das crianças do vídeo, mexendo as mãos e o
corpo como se tivesse cinco anos, então Maysa não podia vê-lo que já
cantava doo-doo-doo-doo...
O filho de uma curitibana tinha conquistado a minha filha na lábia, e
agora ela o cumprimentava até com beijo na boca, porra.
Eu teria que dar um jeito de entrar na onda desse “Baby Shark” uma
hora ou outra.
― Como sabe que ela estava falando de mim e não do pai da
Sofia? ― meu pai perguntou, mais animado com a notícia de agora.
Caralho, eu não devia ter aberto o bico... Agora vou ter que
explicar.
― Porque depois ela veio no meu colo e deitou quietinha, só me
olhando de canto... ― eu disse, passando a língua nos lábios e encarei o
visor com pai ainda na ligação: ― Ela gosta de ficar assim com você.
Tudo ficou em silêncio de novo, um bom silêncio, para ser honesto.
Tinha a impressão de que, enquanto eu sorria daqui, o velho Ferrero sorria
de lá... Dois imbecis da porra com saudade de uma pessoa que ainda tá
aprendendo a falar palavrão.
Sofia engravidando de novo, seja de menino ou menina, eu tô
fodido. Vou ficar mais imbecil dos dois jeitos...
― É bom ouvir isso, filho ― foi o que meu pai suspirou e, depois de
mais um intervalo, me liberou para a estrada: ― Volta pra sua mulher, que
eu tenho que voltar pra minha.
Me despedi, sorrindo com as suas palavras, e liguei o carro de novo.
Escutei o barulho sutil do motor dar vida à máquina, o que foi bom, mas me
fez pensar no Impala, que era mais barulhento.
Fazia tempo que o carro estava parado, lá no fundo de casa. Depois
que o motor fundiu por causa da bomba de óleo, acabei me esquecendo,
mesmo não tendo coragem de me desfazer dele. Logo que aconteceu, eu e
Sofia estávamos no último ano em Porto Alegre e depois veio Maysa... O
Impala de truco ficou para trás.
Não precisei ligar o GPS de novo. A pousada ficava na estrada
rodeada de campos, eu me lembrei. Mesmo que não estivesse falando com a
minha mulher quando chegamos, eu a espiei pelo canto dos olhos enquanto
ela botava a cabeça para fora, a fim de ver a paisagem.
Vou voltar, amor. Vou voltar...
Porque sou louco por você, porra ― do nosso jeito.
Capítulo 7
TÉO
É curioso como a gente cresce sem perceber. Num dia, você está no
colegial, amaldiçoando uma lista de Matemática que parece uma pegadinha
chata; no outro, está no trabalho, amaldiçoando o Windows que exige
atualização justo quando está para finalizar uma matéria. Num dia, você está
saindo da faculdade para um happy hour sem previsão de voltar tão cedo
para casa; no outro, está saindo do trabalho se perguntando o que a sua filha
gostaria de comer e se tem fruta o suficiente em casa para fazer uma
vitamina, ela gostando ou não.
Acho que a vida vai cobrando tão depressa o amadurecimento que a
gente vai se adaptando como pode e, quando vê, bam!, você é um adulto! Ou
está tentando ser um ― acho que isso se encaixa melhor...
A coisa é que você começa a acumular responsabilidades e nem
percebe que um dia não foi assim. Um dia você é apenas uma garota que
brinca na rua a tarde toda e sobe no telhado para salvar o mundo no esconde-
esconde. Hoje, você é uma mulher que é dona da sua família, do seu trabalho
e do seu telhado, pelo qual você paga um IPTU absurdo. Ainda sobra tempo
pra brincar, mas é isso o que a vida se tornou: um salvo o mundo de
verdade.
Isso estava muito óbvio para mim há meia hora, quando eu e Téo
finalmente conseguimos encontrar um caminho de retorno para nós. Eu soube
naquele momento, olhando-o tão transparente na minha frente, o quanto
tínhamos crescido e amadurecido juntos, e agora ele precisava de um apoio
que nunca precisou antes. Eu não estava ao seu lado para ser a salvadora do
mundo nem queria isso, só que... nunca o vi tão frágil. Tudo o que ele disse
sobre não querer mais me deixar para trás e as desculpas que pediu, várias
delas, me fizeram ver que ele precisava respirar: sentar no meio-fio, debaixo
da sombra de uma árvore, e apenas respirar. E eu nunca negaria o seu pedido
de tomar conta da rua enquanto ele estivesse recuperando o fôlego. Se era
isso o que Téo precisava, eu ficava feliz de suprir, e, quando ele estivesse
bem para levantar de novo, voltaríamos ao caminho juntos, donos da nossa
vida de amor e loucura.
Porque é isso o que adultos fazem: se reconstroem o tempo todo. É
assim que conseguimos maturidade, afinal.
O que não queria dizer que estávamos sendo muito maduros agora
enquanto corríamos molhados dos pés à cabeça pela pousada. Eu sabia disso
porque as pessoas que esbarravam conosco à caminho dos quartos olhavam
surpresas quando viam o quanto de água eu e Téo deixávamos para trás
conforme corríamos. Não que a gente tenha se contido, porque, desde que
saímos do lago depois de jogar água um no outro até tossir, não
conseguíamos mais parar de rir... Mas, pra começo de conversa, a culpa foi
do Téo, não minha! Quem começou a correr atrás de mim para fazer cócegas
foi ele, e nunca que eu cairia na ladainha velha de que queria contar as
minhas costelas... Tive uma crise de riso quando quase escorreguei na grama
para fugir da perseguição, o que me impedia de parar de rir ao escutar a
risada dele atrás de mim agora.
― Você sabe aonde isso vai terminar, Müller! ― Téo gritou na
escadaria. Eu estava pulando de dois em dois degraus, porque sabia que ele
fazia o mesmo. Não podia olhar para trás, senão com certeza ia me
desconcentrar mais da fuga, e o meu marido me pegaria. ― Na cama! Com
você presa pedindo por socorro!
Um cara, provavelmente empregado da pousada, estava descendo e
deu um pulo para o lado quando me viu avançando como uma louca. Vi a sua
careta horrorizada ao escutar o que Téo gritou, mas não tive tempo de
explicar: pode ficar tranquilo, moço, meu marido não é um psicopata. A
não ser que conseguisse me pegar para a tortura de cócegas... Por isso tive
que continuar correndo.
― Vou te trancar pra fora! Você vai dormir com cheiro de musgo! ―
gritei de volta.
― Porra, você vai se contorcer! ― Escutei a sua risada rouca mais
alta.
O corredor do hotel logo começou, e eu me vi almejando chegar até o
último quarto como se a minha vida dependesse disso. Considerando que
fazia anos que eu não brincava de pega-pega, estava me saindo muito bem,
porque dei uma espiadinha para trás e vi que Téo até estava distante...
Até que eu tropecei.
Foi muito rápido: enxerguei Téo com os cabelos molhados e o rosto
vermelho da corrida e, em seguida, enxerguei o chão bem na minha frente,
quando tropecei e caí de quatro, conseguindo, por sorte, apoiar as mãos
antes de dar de cara. Mas aí a brincadeira já estava perdida, porque logo
ouvi Téo dizer antes de gargalhar mais alto:
― Do jeito que eu queria!
Eu até tentei engatinhar numa tentativa boba de escapar, só que não
consegui voltar a correr. Não dava para parar de rir, e isso já tirava o meu
ar, dando aquela dorzinha bem na extremidade do abdômen... Fui pega.
Como um psicopata da pior espécie, Téo puxou o meu tornozelo
direito, de maneira que eu já comecei a sentir cócegas aí e virei me
debatendo e pedindo arrego. Só que, impiedoso, ele me puxou no chão do
corredor, prendendo o outro tornozelo enquanto ficava de joelhos.
― Nãaaaa...! ― Não tive tempo de terminar o não. No momento que
Téo me mobilizou com as suas pernas e veio para cima, os seus dedos
tocaram as minhas costelas e iniciaram uma sessão infernal de cosquinhas.
Infernaaaaaal!
Vou morrer vou morrer vou morrer... Para para para para!!!
Eu tinha a consciência de que a minha risada estava beirando ao
animalesco, que lágrimas saíam dos olhos e que qualquer pessoa dos quartos
podia me ouvir tentando pedir arrego, mas nunca me lixei tanto para os
outros desde que saí da fase adolescente. Eu e Téo estávamos gargalhando
como duas crianças, e, ainda que eu pensasse estar prestes a morrer de tanta
cócega, o meu peito batia com orgulho. Orgulho de mim, dele, de nós...
Vou morrer vou morrer vou morrer... de amor por você...
― Pa-pa-para ― eu implorei mexendo a cabeça e tentando empurrá-
lo, mas ele era muito forte, e eu estava completamente debilitada. ― TÉO-
OOOOO!
― Relaxa, Müller! ― Ele pegou os meus pulsos, prendendo-os com
uma só mão em cima da minha cabeça, e diminuiu a rapidez da cócega para
intensificar o toque infernal. ― Tô quase terminando a contagem... ― Sua
camiseta estava pingando em mim, assim como os seus cabelos. Ele parou de
rir, mas o seu sorriso ainda estava enorme pra caralho, deixando-me ver a
fileira de dentes e o brilho da língua.
Continuei a me debater, fechando os olhos para suportar a cócega, até
que a porta ao lado se abriu e revelou os pés de uma mulher... no meu campo
de visão. Assim que Téo notou a presença de alguém ali, parou de me
infernizar e ergueu a cabeça, então tive a chance de respirar fundo depois de
quase morrer (sei que a probabilidade de morrer disso é mais baixa do que
morrer comida por um tubarão, mas no momento não parecia) e olhar para
cima também.
Quem estava ali parada era a dra. Simoni Ogawa.
― Pensei que estivesse acontecendo um extermínio aqui na pousada!
― ela falou, deixando a surpresa se esvair para rir da situação.
A terapeuta nos analisou no corredor: eu deitada imobilizada, Téo
em cima de mim me prendendo de todas as formas, ambos encharcados de
água de lago.
Um casal extremamente digno de respeito.
Senti o meu rosto corar um pouco, mas entrei na brincadeira dela:
― Não... é um... extermínio ― eu expliquei ainda com falta de ar.
Dei um sorriso bobo. ― Mas ele tá me matando. ― Joguei toda a culpa no
meu marido, como qualquer mulher sensata faria.
A dra. Simoni me abriu um sorriso íntimo, como se dissesse ele
voltou.
Sim, ele sempre volta...
Mas agora acho que sempre vai ficar.
Depois de assentir disfarçado, os olhos dela subiram para Téo, que
não disse nada, mas também não saiu de cima de mim.
― Não era sexo o fio condutor do seu casamento? ― a doutora
perguntou rindo mais um pouco, usando do que Téo disse no bate-boca para
quebrar o seu desconforto.
Ele finalmente soltou os meus braços e tombou para o lado,
sentando-se no corredor. Assim, pude ver a sua expressão, e, logo que o
encarei, Téo me olhou de volta.
Ele sorriu, pestinha. Eu sorri, pirralha.
― De vez em quando ela me pede por cócegas também ― o pilantra
disse, e eu ri ainda de barriga para cima. ― Um bom parceiro tem que
validar tudo o que a parceira quer, não é, doutora? ― Téo a olhou.
Ela estreitou um pouco os olhos, bem-humorada.
― Que bom que você concordou com pelo menos uma coisa do que
eu disse, Téo.
Decidi me levantar, e Téo acabou fazendo o mesmo ― não que isso
nos tenha dado algum tipo de dignidade, porque ainda nos parecíamos com
dois cachorros que dormiram na chuva. A marca do meu corpo estava
claramente desenhada no chão do corredor.
― Olha ― Téo começou a falar, passando a mão nos cabelos,
botando-os para trás ―, me desculpa sobre o que eu disse antes ― pediu
com o tom de voz recomposto, muito diferente do psicopata que me torturou
rindo. ― Não queria tirar a sua autoridade.
Eu não deveria franzir o cenho, mas franzi. Sem minha permissão,
meu cérebro fez uma procura por algum momento parecido em que Téo pediu
desculpas cheio de formalidade, terminando com um não queria tirar a sua
autoridade.
Tirar autoridade dos outros é simplesmente uma das atividades
favoritas do meu marido. É o outro esporte que pratica fora o boxe.
Mas tratei de gesticular a cabeça em apoio quando ele me olhou pelo
canto dos olhos, porque não queria desmotivá-lo. Na verdade, achava o
pedido de desculpas tão necessário quanto ele, ainda que a doutora tenha
balançado a mão do mesmo jeito que fez para mim mais cedo.
― Eu não queria ter atrapalhado a... ― Simoni refletiu um pouco ―
brincadeira de vocês ― ela decidiu nos tratar como crianças mesmo. E eu
gostei, me senti mais travessa ainda. ― Estava de saída para o jantar no
restaurante... como estou desacompanhada, não tenho necessidade de pedir o
serviço de quarto ― disse de uma maneira levemente sugestiva.
Vi que Téo quis rir, mas fingi tropeçar para agarrar o seu braço e dar
um apertão.
Acabei eu mesma soltando uma risadinha.
― Espero que os empregados não se importem com a bagunça que a
gente fez aqui ― comentei enquanto ela fechava a porta atrás de si.
― Eles não devem estar acostumados com esse tipo de bagunça ― a
doutora falou depois de olhar rapidamente para o chão ―, mas tenho certeza
de que estão acostumados com bagunças em geral, considerando que o
público alvo são casais.
Sorri de volta, apertando um pouco mais o braço de Téo. ― Acho
que sim.
Simoni assentiu com a cabeça e, ao olhar para o meu parceiro, deu o
mesmo sorriso sábio de quem escreveu artigos e teses e livros de quando
conversamos na trilha.
― Boa noite, Téo ― ela disse como se o boa noite fosse um termo
da psicologia que não sabíamos. ― Boa noite, Sofia. ― Passou a mão no
meu braço e provavelmente se arrependeu, porque eu ainda estava molhada
de água de lago.
― Boa noite ― eu e Téo dissemos juntos quando ela acenou para
nós e saiu andando pelo corredor. Ele não esperou que ela sumisse para me
perguntar: ― É impressão minha ou ela estava me analisando?
Considerando que fiz uma sessão de graça com ela hoje à tarde,
bem no meio do mato?
― Talvez estivesse ― foi o que respondi. Em seguida, olhei-o dos
pés à cabeça de propósito: ― Você tá um charme parecendo um pinto
molhado, sabe... ― tirei sarro.
Eu não queria provocá-lo... Bem, não muito. Só não estava
conseguindo resistir à crise de riso e às piadinhas que ela fazia girar na
minha cabeça...
Por Deus, Téo tinha até grama colada na orelha! Eu estava no meu
direito de rir dele até amanhã, obrigada!
Pensei que ele rebateria dizendo o mesmo sobre mim (com certeza o
meu cabelo devia estar com mais nós que uma corda de escoteiro), mas tudo
o que Téo fez foi cerrar o olhar no meu e garantir uma única coisa:
Ele faria com que eu me contorcesse na cama, sim. Com as costelas
contadas.
Fiz o que o instinto de autopreservação comandou como antes: saí
correndo. O problema era que dessa vez eu não conseguiria escapar e teria
que ficar trancada no quarto com um psicopata de dedos torturantes.
Por isso voltei a rir antes mesmo que Téo botasse as mãos em mim e
nem tentei fechar a porta quando nós dois passamos por ela, meio
tropeçando, meio nos tocando. Chegamos ao meio do quarto com as mãos no
abdômen para compensar a respiração desconcertada. Virei-me para ele, que
aparentemente desistiu por um segundo de me atormentar, e não resisti:
aproximei-me do meu marido quando ele endireitou o tronco e passei os
braços ao redor do seu pescoço. O quarto estava meio escuro, ele não tinha
acendido a luz depois de ter fechado a porta, mas eu podia enxergar o seu
olhar por conta da luz bem sutil da noite clara.
Depois de rir tudo o que não ri em dias, senti a alma se acalmar,
purificada.
Aqueles olhos pequenos, cheio de cílios escuros... eram os mesmos
do garoto que eu encontrava nas madrugadas da praia, os que me tocavam em
lugares que eu não me lembrava de ter em mim mesma.
― Você me tem há quase oito anos e até hoje não sabe falar o
resultado da minha costela? ― perguntei a ele, com os lábios cansados de
tanto sorrir. Mas, mesmo assim, sorrindo.
Téo abaixou a cabeça ao mesmo passo que passou os braços em
volta da minha cintura. Quando descansou a mão na minha bunda, puxou-me
para ele.
― Tenho que ir relembrando com o passar dos anos.
De repente, meus olhos se molharam.
Eu queria que Téo contasse as minhas costelas até quando suas mãos
estivessem enrugadas. Era uma tortura que eu simplesmente estava disposta a
passar até a velhice.
― Amo a sua risada ― Téo falou envolvendo-me com a sua voz
baixa, rouca. Ele estava com o rosto inclinado para mim, de maneira que eu
via perfeitamente os lábios se movimentando. ― Sempre amei, desde que
você ficava bêbada na praia me perguntando coisa pra caralho. ― Ele sorriu
grande de novo.
Ri um pouco, gostando de perceber que Téo balançava sutilmente o
meu corpo de um lado para o outro, como se estivesse dançando bem
devagar.
― Eu perguntava coisa pra caralho?
― Perguntava. Umas besteiras que eu nem sabia o que responder.
― Tipo o quê?
― Tipo... ― Téo levantou um pouco o rosto, pensativo. Eu gostava
das nossas vozes conversando à noite, em meio a todo o silêncio.
Combinavam, como duetos só nossos. ― Uma noite você perguntou sobre
uma coisa pequena, boba, que me deixou feliz.
Movi o rosto para refletir como ele e, na memória, encontrei aquela
noite guardada. Não me lembrava dos detalhes, mas tínhamos chegado do
show de rock... não era? Eu estava um pouquinho bêbada, Téo estava
extremamente lindo (disso lembro muito bem), e eu apenas queria conversar
com ele para ouvir as nossas vozes cantando, assim.
― Era besta... mas você respondeu. ― Ele me falou sobre o pai,
sobre a conversa boa ao telefone que teve, sendo que nunca tinha acontecido
antes.
― Respondi ― Téo assentiu, inclinando o rosto de novo. ― Só que
não a primeira coisa que eu pensei.
― E o que era?
― Na gente, ali ― ele respondeu com um sorriso franco. ― Nunca
tinha parado pra pensar no que me deixava feliz. No geral, eu sabia... Mas
depois que você perguntou, vi que ficar feliz do seu lado era fácil, mesmo a
gente fazendo algo bobo. ― Téo subiu a mão pelas minhas costas num
carinho que fez o meu corpo ficar muito leve. Pensei que ele fosse me beijar
quando se inclinou um pouco mais, porém, ele apenas roçou os lábios nos
meus para dizer sussurrado: ― Ainda é a coisa mais fácil que consigo sentir
na vida.
Fechei os olhos quando nossos corpos pararam de balançar, mas não
quis desencostar a boca da dele. Nem Téo se distanciou.
Ficamos alguns segundos no silêncio, no meio escuro, lembrando-nos
do que era apenas ser dois. Muitas vezes poderia ser barulhento, cheio de
estrondos; outras... ser dois era fácil. Com Téo, ser eu, sermos nós, sempre
foi.
― Você tá feliz agora? ― fiz mais uma pergunta besta que precisava
de resposta. A partir de segunda-feira, não seria fácil para ele lidar com os
planos, seria uma mudança brusca na sua vida quando deixasse a prefeitura e
começasse a verbalizar todos os receios que ele gostava de resolver
sozinho. Pelo menos agora eu queria que Téo estivesse tão leve e confiante
como eu estava em seus braços, a ponto de voltar a ter dezessete anos com
corpo molhado e coração aberto.
O seu polegar acariciou a minha bochecha e, de uma maneira
incrível, os meus lábios se encaixaram completamente aos dele. Então Téo
me beijou como não beijava há muito tempo: intenso demais para uma rotina
maçante. Era parecido com o beijo que me deu no dia em que Maysa nasceu,
quando ela se juntou, pela primeira vez, aos nossos braços. Um toque
marcante de todas as formas possíveis.
― Você é minha esposa, minha mulher, linda ― Téo parou o beijo
para dizer aos sussurros. Suspirei quando a sua mão envolveu o meu
pescoço, fazendo-me, de fato, sua. Meu corpo se aqueceu por inteiro com a
resposta: ― Sempre sou feliz com você.
É curioso como a gente cresce sem perceber, é muito curioso...
Mas agora, aqui, eu me senti crescer um pouco mais com Téo. Com
as suas mãos me tocando tão firme, com a sua respiração quente batendo
contra a minha e com a sua conversa melodiosa enchendo o silêncio, senti,
no peso do corpo, o amadurecimento do nosso casamento, da nossa parceria.
Os votos nunca fizeram tanto sentido como agora.
Respondi abocanhando a sua boca e, se antes ele me beijou com a
intensidade de fazer família comigo, eu o beijei com o desejo do princípio:
só nós dois, sem empaca-foda, pra variar.
Aí a loucura nunca fez tanto sentido quanto agora, porque a sanidade
mandou abraços quando coloquei as mãos nos seus cabelos molhados e os
puxei para intensificar os beijos. Me esqueci do que nos aguardava quando
fôssemos embora daqui ou de qualquer choro que aconteceu no quarto...
Eu só precisava de Téo. Porra, como eu precisava de Téo.
O meu corpo já quente desejou o seu por cima, nu, com os músculos
pesados contra a minha carne. As suas mãos já estavam me tocando nas
costas, cintura, quadris, bunda... e eu queria que ele apertasse mais, que
afundasse os dedos em mim do jeito que sempre afundou: sem medo de me
fazer quebrar. Eu nunca fui frágil, como uma bailarina de vidro. Por isso eu o
amei, por isso o amava: ele enxergava quem eu era e metia as mãos no meu
corpo e na minha alma.
Ele viu que eu fiquei desesperada por ele, porque as minhas mãos
estavam tentando tirar a sua calça, mas não estava fácil puxar o botão. Então
Téo me ajudou: tirou o botão e depois arrancou a camisa enquanto eu
deslizava o seu zíper e abaixava a calça molhada. Quando eu consegui
deslizá-la pelas suas coxas, ele terminou de tirá-las com os pés conforme me
agarrava para arrancar a legging que eu usava. Num puxão, ele desnudou a
minha bunda, e ao senti-la livre, apertou-a com a mesma urgência que a
minha em tocar os seus músculos dos braços.
Téo também precisava de mim. Em todos os sentidos.
Depois que eu arranquei a regata, ele se ajoelhou diante de mim,
como um religioso cheio de adoração. Ergueu o rosto para me olhar e foi
tirando a minha calcinha assim, com os olhos nos meus, vendo-me apesar do
escuro. A minha respiração estava alterada, seu toque estava me deixando
ansiosa, e tudo o que eu fiz foi balançar de leve a cabeça.
Me desnuda, amor, me desnuda mais uma vez...
A respiração de Téo também estava alta e se intensificou quando ele
aproximou a boca dos lábios da minha boceta e começou a beijá-los. As
minhas pernas bambearam por um segundo, mas ele segurou as coxas,
beijando intensamente cada uma, para depois voltar a beijar de língua a
boceta.
Ah, amor, puta merda...
Como eu amo a sua boca...
A sensação de sentir os seus cabelos molhados entre os meus dedos e
o cheiro de banho em lago me fizeram lembrar de momentos parecidos,
como quando eu reencontrei Téo em Arthur Nogueira após chegar de Manaus
e as férias que se seguiram nas praias do Rio e de Santa Catarina... Eu
sempre sentia um calor transcendental quando transávamos assim, com essa
água tatuada na gente, me sentia a primeira mulher do mundo, e via em Téo o
primeiro homem, desfrutando do mesmo prazer do qual nossos corpos foram
feitos.
― Porra... ― Téo gemeu massageando as minhas coxas e abaixando
a cabeça para beijar mais abaixo. ― Não tem nada como o seu gosto, amor...
Sempre me deixa louco...
Tombei a cabeça para trás quando ele enfiou a língua em mim,
sorvendo o que saía. Em seguida, lambeu toda a minha boceta, passando o
melado até o clitóris, que foi inchando conforme os seus lábios comiam junto
dos dentes. Assim estavam os seus dedos também, cravados nas minhas
coxas, mantendo-me firme no chão. Ele gostava de me ver imobilizada. Na
maioria das vezes quando transávamos, ele me prendia nas suas mãos e
comandava: fica.
Agora, porém, a maneira como ele me tocava era diferente. Ainda
queria que eu ficasse firme, enquanto a sua boca me comia com afinco, mas
não era imposição que eu sentia nos seus dedos e sim um sustento.
Comecei a sorrir conforme o sentia dessa maneira, tão devoto, tão
parceiro. Toquei os seus cabelos molhados e acompanhei-o se inclinar um
pouco mais para morder de leve o interior das coxas, depois subir me
lambendo até a dobra da virilha, onde inseriu chupões. Caminhei os dedos
até os cabelos próximos à nuca e prendi-os com força quando Téo voltou ao
clitóris, pressionando os dentes contra a carne e sugando e lambendo,
sugando e lambendo, suas mãos apertando mais as minhas coxas, sugando,
sua respiração contra os meus lábios, lambendo, seu gemido grosso
misturado ao meu, sugando, seu toque contornando até chegar até a minha
bunda, lambendo, um apertão intenso, sugando, o dedo passando pela minha
bunda até chegar à boceta, lambendo...
Ele meteu dois dedos em mim, bem devagar, como se fosse a
primeira vez a fazer isso...
E, Deus do céu, a sensação foi maravilhosa.
Como se cada nervo de mim sentisse o seu toque, tive a sensação de
que corria uma nova toxina no meu corpo. Algo pesado, gostoso,
enlouquecedor. Era como se a minha pele aguentasse a febre que Téo
provocava e os músculos tremessem por causa de um tipo de adrenalina
sensivelmente obscena...
― Olha pra você... ― Téo arreganhou mais a boceta. ― Geme tão
gostoso pra mim...
Eu estava me perdendo. Me perdendo na sua saliva, no seu tato, no
seu olhar, na sua maneira de fazer amor com a minha boceta, só com ela.
Estava me perdendo no momento, com Téo ajoelhado à frente totalmente
dedicado ao meu prazer. Eu sabia que não havia nada na sua cabeça além de
mim, e a sensação de ser o único pensamento do meu marido fez com que eu
me distanciasse um pouco para me inclinar para ele. Téo ficou um segundo
sem compreender o que eu estava fazendo ― provavelmente esperava me
ver gozar antes ―, mas a minha alma precisava que ele sentisse a mesma
adrenalina tomando-o para que fizéssemos isso juntos. Eu queria que Téo
estivesse em mim como não esteve há dias e que compartilhasse comigo todo
ele também.
Toquei o seu rosto duvidoso e puxei os lábios para mim, para que eu
pudesse me sentir nele. Foi bom provar do meu próprio gosto na sua boca,
mesmo que eu tivesse certeza de que seus lábios eram apenas meus. Acabei
me ajoelhando na sua frente também, tentando não desconectar os nossos
lábios, e levei as mãos até os cabelos para depois descer pela nuca e fazer
caminho pelas costas. Téo me envolveu em um abraço e me beijou os olhos,
as orelhas e desceu para o pescoço. Pendi a cabeça para trás, as mãos
caminhando pelos seus músculos e, quando afundei um pouco as unhas e
percorri até os ombros voltando à nuca, escutei os seus gemidos mais
intensos:
― Que saudade de você, porra... ― Téo voltou aos meus lábios e
agarrou a minha bunda com ambas as mãos. ― Que saudade, linda... ― ele
repetiu, apertando-a. Por um momento, aumentou o nosso ritmo e pareceu
exaltado quando tomou o meu rosto com uma mão para continuar a dizer
entre um beijo e outro: ― Eu fui... Eu sou um imbecil... Como fiquei sem
você desse jeito? Olha pra você, toda minha... Como eu terminei aquela
noite sozinho no banheiro...?
Eu aceitei os seus beijos, mas não o que ele dizia. Não queria que
Téo olhasse para o passado agora e remoesse os sexos fora de órbita ou
inacabados... Ele já tinha pedido desculpas por isso, e eu o perdoei com
todo o meu coração.
Agora precisávamos estar aqui, um ajoelhado para o outro, honrando
o presente que também se fez de um passado de amor e que se faria de um
futuro com novos planos. Por isso, botei os dedos na sua boca para calá-lo e
falei:
― Você tá aqui agora... sendo só meu... ― Inclinei-me e beijei o seu
maxilar todo. Quando tirei os dedos da sua boca, movi as mãos até a sua
boxer e desci o elástico, para agarrá-lo duro em seguida. Téo gemeu quando
comecei a masturbá-lo e se deixou levar pelo meu corpo pendendo para ele.
― Eu ainda sou sua... sempre vou ser... Me deixa te mostrar... Me deixa
arrancar a saudade, amor... ― pedi.
E ele deixou.
Téo deixou o seu corpo pender para trás e se sentou comigo vindo
por cima. Terminei de arrancar a sua boxer, e ele me abraçou para tirar o
sutiã, mamando em mim logo que o tudo se foi. Abracei-o de volta, subindo
a mão das costas até agarrar os cabelos novamente. Com a outra mão,
coloquei o seu pau já lambuzado de porra na minha boceta e sentei de uma
vez, até o fim.
― Porra... ― soltamos juntos quando ele me preencheu por
completo. O quarto pareceu dobrar os graus e a noite, o meio-escuro se
dissolveu até que meus olhos enxergassem tudo com mais clareza. As
tatuagens do braço de Téo criaram vida quando ele agarrou os meus quadris
e me acompanhou deslizar pelo seu pau devagar para sentar de uma vez
novamente. Fiquei mais molhada, escutando o som do melado conforme eu
sentava nele, visualizando nós dois pelo espelho do quarto.
Corpos nus colados um no outro. Braços tomando um ao outro.
Cabelos borrando tudo. Éramos lindos juntos, a combinação mais bonita de
homem e mulher.
Téo voltou a beijar o meu busto, logo unindo os meus seios para
tomar os mamilos com a língua e boca. Continuei cavalgando, nem muito
lento nem muito rápido, queria aproveitar o máximo possível as sensações
dele em mim. Meus olhos ainda estavam presos ao espelho, a nós, o que me
deixava mais excitada, além de os nossos prazeres ecoando pelo quarto.
― Você é linda, não é? Com esses olhos, essa boca, esse corpo... ―
Téo perguntou quando olhou para o espelho também e viu o que meus olhos
acompanhavam. Sorri para ele com a boca aberta, porque não conseguia
parar de gemer sempre que eu sentava até o fim. Ele sorriu de volta e moveu
uma mão até os meus lábios, para alisar com o polegar. ― Dona do paraíso,
porra... ― Ele beijou a minha boca de um jeito tão gostoso que eu prendi o
seu lábio com os dentes antes que se afastasse.
― Do seu paraíso ― eu disse. Em seguida, inclinei o seu tronco
para que se deitasse no chão. Comecei a beijar o seu pescoço e o peitoral,
massageando os seus cotovelos com os dedos enquanto segurava os
antebraços. Notei que Téo virou o rosto para assistir-nos sozinho pelo
espelho. ― E você sempre foi o meu paraíso pessoal, garoto...
Raspei o nariz na sua pele. Não sabia dizer se Téo sorriu torto por
cócegas ou por causa do que eu tinha dito. Essa conversa de paraíso
libertava lembranças de excursão.
― Gostosa do caralho... ― ele disse mais baixo, botando a mão na
minha panturrilha e fazendo caminho até a coxa. O seu toque estava tão
carinhoso que deitei a cabeça contra o seu peito, então Téo me abraçou e
flexionou os joelhos, para se preparar para meter. ― Vai gemer, amor? Bem
alto pra eu saber como você ama dar pra mim?
Enfiei o nariz no seu pescoço, sentindo cheiro de homem que tomou
banho de lago.
Agora já estávamos secos e queimávamos um pelo outro. Minha pele
contra a sua, ainda completamente colada enquanto nos esfregávamos, só
fazia com que tudo sobre mim derretesse e melasse toda a boceta.
― Vou ― sussurrei contra a sua pele e ajeitei a cabeça no seu peito,
com os olhos no espelho.
Téo subiu o carinho para a minha bunda e, depois de agarrá-la,
impulsionou-se para dentro de mim, num movimento mais bruto, que a minha
natureza não permitiu fazer antes. A primeira metida fez o meu corpo tremer,
de maneira que ele me abraçou mais firme para que eu ficasse, e o gemido
veio barulhento e se seguiu assim enquanto Téo metia num ritmo energizado.
Eu podia escutar o seu coração batendo forte e, ao mesmo tempo, me
deliciar com o som das investidas. Comecei a dizer o seu nome repetidas
vezes, enquanto Téo me instigava a gozar. Ele subiu uma das mãos pelas
costas, afundou-a nos meus cabelos e sussurrou:
― Goza gostoso, linda... Olha pra você toda excitada, sente como tá
molhada se derramando em mim... e goza...
A sua voz mergulhada num tesão extravasado fez com que o meu
clitóris se inchasse mais esfregando na sua virilha. Era óbvio que
acompanhar os movimentos de Téo pelo espelho, conforme ele agarrava
todo o meu tronco e impulsionava os quadris com as pernas endurecendo os
músculos, estivesse me deixando louca, a ponto escorrer. Nossos corpos
estavam tão quentes que começaram a suar juntos, e eu não me desgrudaria
daqui de maneira alguma.
Contudo, ao invés de olhar para a imagem do espelho, eu quis olhar
para ele. Conseguia enxergar o seu rosto endurecido de prazer, mas eu
precisava ver os detalhes, os traços que faziam o meu amor ser quem era,
por isso levantei a cabeça, só um pouco, e respondi aos sussurros
deliciosos:
― Vou gozar... olhando pra... você.
Téo ainda prestava atenção ao espelho, mas também encarou de volta
quando me escutou intercalando gemidos e palavras. Os seus olhos pequenos
com as sombras dos cílios nunca pareceram tão sentimentais, e quando ele
começou a acariciar a minha cabeça, agarrando os cabelos com delicadeza,
eu logo fui preenchida por toda emoção que cabia dentro de mim e, como
muitas vezes acontecia, derramei lágrimas.
Sorri para Téo quando isso aconteceu antes de voltar a gemer, e ele
sorriu de volta, o sorriso sincero que eu amava presenciar. Então ele agarrou
um pouco mais os meus cabelos e levou a minha boca a sua, mesmo que eu
mal conseguisse beijá-lo por conta dos gemidos. Só de sentir a sua língua
traçando caminho pelos meus lábios, já pude sentir todas as sensações se
ampliando no início da virilha. O meu sexo virava paraíso.
― Vem, amor... ― ele ainda conseguiu dizer meio sem fôlego, com
os olhos em mim como os meus estavam nele. Investiu os dentes contra os
meus lábios e depois chupou, fazendo-me gritar mais alto. Eu... Porra...
Estava quase lá... ― Goza comigo... agora.
Eu chorei mais, sendo levada por todos os sentimentos e sensações
até um lugar só nosso ― o nosso paraíso que ficava longe da razão do
mundo.
Então eu gritei quando o orgasmo se libertou, meu corpo inteiro se
contraindo, o suor molhando a pele, os nossos olhos se unindo e os sexos,
meu e dele, perpetuando a loucura do espírito e da carne.
Este era o princípio... A loucura... Foi assim que a gente cresceu e
continuava crescendo, vivendo do nosso jeito cheio de acertos e falhas, mas
nosso, sempre nosso.
Téo gozou em mim, soltando a porra quente e forte de homem que
libera o mundo dentro da mulher. Fazia tempo que não gozávamos juntos
assim, no mesmo tempo de clímax, o que fez o momento se eternizar em mim,
na memória do corpo. Quando o gozo terminou de se derramar, ungindo-nos
úmidos e lambuzados, eu ainda fiquei em cima de Téo, sem forças para
mover as pernas. Enquanto a respiração se recompunha, voltei a deitar a
cabeça no seu peito, que ainda estava agitado, martelando contra a minha
orelha como se fosse explodir. Fiz uma massagem com os dedos e logo senti
um sorriso exausto se repuxar na minha imobilidade.
Agora sim você está desculpado. Perdoei com o coração antes, mas
agora...
Ficamos minutos, longos minutos deitados no chão, meio mortos, mas
vivos, muito vivos... mesmo que eu ainda não conseguisse mover as pernas.
Elas pareciam ter se engessado!
Téo também não se mexeu, manteve a mão na minha bunda, a outra
nos meus cabelos e ficou respirando pela boca, como se estivesse quase
dormindo. Só que ele não estava, eu via o rosto acordado no espelho. Não
sorria bobo como eu, mas parecia em paz, extremamente em paz. Isso me fez
repuxar os lábios antes de cortar o silêncio:
― Me diz uma coisa pequena que te deixou feliz.
Téo se surpreendeu com a minha voz, porém, virou o rosto para o
espelho, onde nós dois estávamos acabados um no outro. Me olhou com um
quase sorriso.
― Isso não foi pequeno... ― ele refletiu, baixo.
― Não mesmo.
― ... Não tô conseguindo pensar depois dessa foda... Como você
tava gostosa, puta merda...! Ainda tá, na verdade... toda jogada em cima de
mim.
Téo desceu a mão para as minhas costas, enquanto a outra mão
acariciava as coxas. Me senti muito gostosa mesmo enquanto ele assistia as
próprias mãos na minha pele, ainda meio dopado pelo gozo.
― Posso dizer a minha, então? ― perguntei, ajeitando-me no seu
peito.
― Manda...
― Você olhando pra Maysa hoje no carro, na casa da sua tia, quando
foi dar tchau... Toda vez que você olha daquele jeito, eu só sei que nunca vai
faltar nada pra ela... Você nunca vai deixar isso acontecer.
Sem novidade alguma quando se trata de mim, comecei a chorar de
novo. Não de derrubar várias lágrimas, mas, porra, eu estava megassensível
depois do sexo, e me lembrar da minha filha deu saudade. Se estivéssemos
em casa, depois de gozar, teríamos que dar uma olhada nela... Era estranho
não fazer esse ritual agora.
Téo ficou um tempo em silêncio depois do que eu disse. Deixou o
olhar do espelho para encarar o teto.
― Se algum dia eu deixar faltar...
― Você não vai. Tenho certeza.
Notei que foi bom dizer isso a ele, porque Téo me apertou num
abraço e depois virou o rosto de novo, com a expressão leve de antes.
― Você também não, linda.
― É, mas... você sabe... Aquela garota é mais filha sua que minha.
Ele riu, dando um tapinha carinhoso na minha bunda.
― Para de ser neurótica, porra.
― Não sou neurótica! ― Me agitei um pouco, só que não sai de cima
dele. ― Só tô falando o óbvio: ela prefere você. Todo mundo sabe...! É pra
você que ela sorri, é pro seu colo que vai e é com você que conversa
mentalmente...
Ele riu mais. ― Você sabe que ela ainda não sabe formar uma frase,
né?
Isso é o que vocês dão a entender pra mim.
― Já aceitei ― falei. Não tinha aceitado completamente, porque
passei pelo meu medo de tubarões por causa daquela garota que assiste
sorrindo Animal Planet: Predadores e ainda não faz questão de mim. Mas
afirmei: ― Não precisa ter pena.
Acha! Bato até palmas junto com ela quando aqueles tubarões-
martelo aparecem...
― O próximo bebê vai preferir você. Ainda mais se for Heitor ―
Téo me consolou.
― Promete que vai deixar ele ou ela pra mim?
― Você tá mesmo tão desesperada?
― Tô!
Nós dois rimos juntos, peitos tremendo um contra o outro.
― Olha, Müller ― ele começou a dizer num tom um pouco mais
sério ―, tem várias coisas que a Maysa gosta que eu ensine mesmo... Só que
tem uma coisa que eu nunca vou poder fazer: ensinar a ser mulher ― Téo
falou do jeito firme que não me deixa duvidar de nada. Foi a minha vez de
apertá-lo num abraço. ― Quando ela entender isso, vai ver que tem uma puta
sorte de ter você como mãe... e que eu posso ser um imbecil quando ela
começar a dormir na casa do namorado.
Só de imaginar uma possível cena dei risada: Maysa adolescente
apresentando um garoto, e Téo com a cara fechada e braços cruzados, apenas
esperando-o cometer a primeira falha para infernizá-lo. Óbvio que eu seria a
preferida quando esse dia chegasse.
― Você tá mesmo tão desesperado?
― Não tanto... Sei que você vai sacar se o namorado é filho da puta
ou não. Se for, você me avisa...
Assenti, mesmo que não soubesse nada sobre o futuro. Talvez Maysa
não fosse de levar namorado em casa ou talvez ela preferisse uma
namorada... ou talvez preferisse ficar sozinha... Téo podia ficar tranquilo, de
qualquer jeito: ele seria sempre o homem preferido dela. Mais uma das
minhas certezas.
― Será que a gente fez outro bebê agora? ― perguntei sorrindo com
a ideia.
― Quero pensar nessa versão, linda... Mas se demorar um pouco até
você engravidar, a gente ajeita os planos de novo.
Fechei os olhos, feliz, simplesmente feliz.
Téo tinha voltado. E ficaria, por mim, por Maysa e pelo nosso futuro.
― Eu te amo pra caralho ― sussurrei para ele.
― Eu sei ― Téo respondeu e, beijando a minha cabeça, completou:
“E eu nunca te amei mais por isso.”
Capítulo 9
TÉO
Caralho... Caralho...
Eu parecia a porra dum político que tem foto vazada na internet... só
que pior.
Porque eu preferia estar gravando vídeo de punheta do que estar
usando colete, gravata, boxer com cinto e quepe de policial.
Nem me olhei por muito tempo no espelho, pra não dar pra trás logo
agora. Vesti a porra da fantasia no banheiro, o mais rápido que consegui, e
deixei o Ray-Ban pra trás, porque nem fodendo eu meteria em Sofia
olhando-a por trás de lente escura. Ia comer a vagabunda com ela de quatro,
com as pernas arreganhadas, por trás no cu lambuzado. Ia fazê-la me chupar
até engasgar e ia chupá-la, metendo os dedos até ela escorrer. Ia descer a
mão naquela bunda gostosa, morder e chupar os seios, agarrá-la pelo
pescoço e cabelo. E ia fazer isso a madrugada toda. Ela que se esquecesse
do amanhã, da trilha e do caralho a quatro.
Passaria o dia exausta na cama, comigo.
Respirei fundo antes de abrir a porta e vê-la ali, com o sorriso
enviesado que Deus deu à minha mulher. Anos fodendo-a, anos fazendo mil e
uma loucuras e, justo hoje, Sofia me inventa de ter tesão em policial... Pra
puta que pariu, viu.
Decidi sair logo pra não ficar pilhando. No fim, ela estava certa: se
ela vestia a fantasia pra mim, era justo que eu vestisse também, e não havia
razão sentir constrangimento a essa altura. Era só uma fantasia de policial,
eu ainda a teria na minha mão. A ideia de autoridade aqui só reforçava isso.
Abri a porta do quarto e, ao dar um passo e olhar para cima,
enxerguei Sofia na cama, bem de frente pra mim, sentada em cima das
próprias pernas. Eu adorava quando ela esperava por mim assim, parecia
uma caloura ansiosa. Isso me distraiu um pouco quando comecei a caminhar
na direção da cama vestido como um porra de ator pornô.
― Nossa... ― ela soltou enquanto me encarava. Estava rindo um
pouco, mas parecia de surpresa. Botou as mãos na boca suspirando. ―
Ficou mais gostoso do que eu imaginei ― Sofia falou com um sorriso puro
que, contraditoriamente, caía muito bem junto da fantasia de couro e da
máscara.
Gostoso, com esse colete?
É, certo.
― Que bom que você gostou ― falei subindo em cima da cama e
ficando diante dela. O quepe já estava me enchendo, apertado. Primeira
coisa que vou tirar... Estava prestes a agarrá-la de uma vez quando notei
uma caixinha na minha frente, que Sofia botou os olhos e pegou. ― O que é
isso? ― perguntei.
― Outra novidade ― ela respondeu.
Puta que pariu.
― Quantas novidades ainda tem, Sofia?
― Prometo que essa é a última...
Ela estava mexendo com a minha cabeça. Teve talento pra isso desde
que me conheceu e tempo o suficiente pra se aperfeiçoar. E, agora,
estávamos aqui: ela, eu e meu pau com a cabeça prestes a explodir, porque
eu não aguentava mais esse jogo.
Tirei a tampa da caixa de uma vez quando me entregou e puxei o que
tinha dentro.
Afinal, não era algo tão novo...
― Você pensou em tudo mesmo... ― falei logo que ergui as algemas
simples, leves. Já tínhamos usado algumas vezes, algumas em motel e
quando ela engravidou, principalmente quando engravidou.
Isto, Müller, é uma boa fantasia.
Eu nunca peguei muito pesado com ela durante a gravidez, mesmo
que Sofia quisesse ― acho que por isso apareceu com algemas um dia,
porque ela queria que o meu instinto dominador fosse instigado por ela
presa. E foi... só que eu não podia perder completamente o controle quando
ela carregava meu mundo todo na barriga.
Diferente de agora, que Maysa devia estar dormindo no sofá, e a
vagabunda estava vestida de gata, louca pra dar o cu.
― Não vou te soltar tão cedo... ― falei me aproximando ― sabe
disso, não sabe?
Antes de beijá-la no pescoço, me certifiquei se a cabeceira da cama
tinha fendas...
― Ah, amor... ― Sofia riu baixinho e suspirou quando chupei o seu
pescoço. ― Mas não é você que vai me prender dessa vez... ― Em seguida,
ela agarrou o meu rosto e me fez olhá-la nos olhos rodeados de renda. ― Eu
que vou.
O quê?!
― O quê?!
Sofia pegou as algemas da minha mão e riu, tranquila pra caralho.
― Eu que vou te prender hoje, oficial ― ela repetiu como se eu
fosse a porra de um surdo. Mas já tinha ouvido da primeira vez, eu só...
Não... Não...
Porra, não.
― Eu não... ― O quepe me torrou a cabeça, então o arranquei. ―
Seu tesão não é num policial, caralho?!
― É! E daí...?
― E daí que eu sou o policial...! Eu que devia te prender!
Sofia pareceu levantar as sobrancelhas, não dava para ter certeza
com a máscara. Mas ela afastou um pouco o rosto, com um sorriso
provocando não só os lábios, e girou as algemas nos dedos.
― No caso, eu sou uma ladra de joias muito experiente, Ferrero ―
ela disse usando um tom de jornalista sabe-da-porra-toda comigo. ― Se eu
consigo enganar o Batman, com certeza consigo prender um oficial da
polícia também.
Puta que... Ela realmente está levando isso à sério...
Sofia nunca usou algemas em mim. A única coisa que ela usou para
me prender ao longo dos anos ― e não muitas vezes ― foram laços. Mas
laços eram fáceis de soltar, aliás, era assim que ela gostava, não era?
Quando eu me soltava e descontava todo tesão que passei estando amarrado
por poucos minutos...
Agora, algemas? Por quanto tempo ela queria me prender?!
― Você prometeu que as novidades tinham acabado.
― E acabaram ― ela respondeu com um sorriso sapeca. Mas eu não
sorri de volta, apenas fiquei olhando-a aqui, bem de frente, com cara e corpo
de minha sem ser minha! ― Olha, amor... ― Sofia começou a dizer,
guardando o sorriso e ficando de quatro na cama. Eu só queria fodê-la por
trás, porra...! Isso era pedir muito?! ― No final das contas, você vai me
comer de qualquer jeito, tanto a minha boceta quanto o meu cu... ― Puta
merda, só de escutá-la dizendo isso eu já queria meter a mão nela, na sua
bunda, na sua boceta melada e no cu que eu lambuzaria com o lufrificante, o
gosto dela e a minha porra...
― Pra te comer do jeito certo, eu preciso estar solto. ― Travei o
maxilar.
― Então só assim que você dá conta? ― Ela levantou a sobrancelha.
Filha da puta.
― Não me provoca, Sofia...
Ela riu, o que me deixou mais puto e com tesão ainda. Estava tão
gostosa: os peitos quase pulando da fantasia, o couro agarrando o corpo, a
boceta livre roçando nos lençóis da cama... Ao mesmo tempo, ela tinha feito
tudo isso apenas para me fazer de otário, porque sabia que eu estava louco
pra comer o cu dela desde que chegamos aqui e que a fantasia de gata era o
meu fim...
Merda, meu pau tá doendo.
― Só tenta imaginar... ― Sofia se aproximou de mim quase colando
os nossos corpos. Ela colocou as mãos nos meus braços e falou próxima do
meu maxilar: ― Eu vou estar por cima, cavalgando o tempo todo... Depois
vou te chupar e encher o seu pau de lubrificante... Vou subir em cima de você
de novo, me lambuzar todinha, e enfiar o seu pau no meu cu bem devagar, no
começo, mas depois você vai poder meter no ritmo que quiser, quanto tempo
quiser... ― a maldita narrou tudo e foi impossível não imaginar. Piorou
quando ela me lambeu, uma, duas, três vezes, até chegar à minha boca
agarrando meu lábio com os dentes. ― Ainda vou gemer como a sua puta...
Prometo.
Não sei que caralhos aconteceu comigo, mas a próxima coisa que
senti foi um arrepio ansioso quando ela lambeu a minha boca. Minha alma
gritou: tá bom, porra! Faça o que quiser comigo, só rebole logo em cima
do meu cacete! Em seguida, meu corpo ficou tão quente e a adrenalina bateu
tão alto que eu me vi franzindo o cenho e olhando para as algemas que ela
insinuou.
Essa porra não é resistente o suficiente, não tem chave, só trava...
Vou conseguir me soltar a hora que quiser quando ela estiver
desprevenida...
― Sempre acabo fazendo tudo por você, não acabo? ― perguntei
quando encontrei os seus olhos de novo. Depois de encará-la fundo, ergui o
antebraços e dei meus pulsos, mais submisso impossível. ― Me prende logo
nesse caralho.
Como se ela não soubesse que eu cederia à tentação, a minha mulher
arregalou os olhos, que brilharam em chamas. Mas logo que levantei as
sobrancelhas, impaciente, ela comemorou colocando o quepe apertado na
minha cabeça.
Você não podia se esquecer, né?
Para a sua travessura, Sofia enfim passou as algemas nos meus
punhos e as travou. Gesticulei um pouco os punhos, sentindo-os apertando
como o quepe, e respirei fundo para continuar calmo e conquistar o que
queria só quando fosse a hora. Em seguida, ela descansou as mãos no meu
peitoral e empurrou até que eu me deitasse no colchão. Subiu em cima de
mim, ergueu meus braços e botou a outra parte das algemas na cabeceira da
cama, certificando-se duas vezes para ver se tinha feito certo.
Novata...
― Você tá muito quieto pra quem gosta de comandar tudo... ― Sofia
comentou depois que terminou. Ela estava em êxtase, tão animada que as
mãos corriam meio trêmulas pelo colete. Contudo, ainda estava desconfiada,
e confesso: com razão.
― Tem algo que eu sinta ou queira que você já não saiba, por acaso?
― perguntei.
― Não sei... O que você tá sentindo agora?
― Tudo o que senti da primeira e última vez que a gente fodeu.
Ela parou de correr as mãos por mim e os lábios se abriram
lentamente, surpresos, assim como os olhos grandes ficaram mais
sentimentais e leves agora.
Eu que estou preso, e você que se rende, linda?
― O que você quer? ― ela perguntou mais baixo.
O que eu já quis e o que eu sempre vou querer...
― Foder a louca que eu amo.
Sofia não respondeu... Bom, não com palavras. Ela só inclinou o
rosto em cima do meu e, colocando os cabelos atrás das orelhas como eu não
podia fazer, me beijou devagar. Se eu já estava de braços atados por ela, aí
senti o seu cheiro me pegar pelo pescoço. Perdi o ar com o seu perfume
gostoso que fiquei afobado, transpirando já como um filho da puta. Eu
precisava de mais, precisava de tudo dela.
Ela também ficou sem rumo, correndo as mãos depressa por baixo do
colete. Por mais que eu estivesse preso, os beijos eu que comandava,
envolvendo a sua língua e abocanhando a sua boca enquanto mordia em
volta. Sofia começou a gemer logo aí, subindo em cima de mim ao me
entregar o seu sabor. Contudo, quando o meu pau entrou em contato com a
sua boceta, que se esfregou em cima do tecido molhando-o, a coisa durou
pouco, muito pouco...
Eu não soube o que fazer quando minhas mãos, por impulso, tentaram
alcançá-la. Só vi o instinto ali quando as algemas fizeram um pouco de
barulho na cabeceira e Sofia abriu os olhos para me ver preso enquanto eu
xingava a porra apertada...
E não. Não era a sua boceta apertada, infelizmente.
Meus pulsos que, no máximo, estavam acostumados a lenços macios
e frouxos, nunca amarrando-me à cama, latejaram de sufoco, assim como os
meus braços endureceram. A vontade incontrolável de agarrar o seu quadril
com uma mão e com a outra apertar o pescoço, para fazê-la sentar repetidas
vezes no meu pau, fez com que eu dissesse contra a sua boca:
― Me solta, linda... ― implorei, sentindo o quepe atrapalhar, além
das algemas. ― Deixa eu te conduzir feito a vagabunda gostosa que você é...
Se antes os dedos trêmulos percorriam os meus músculos e a sua
boca correspondia ao ritmo da minha, agora, ela afundou as unhas compridas
e mordeu o meu lábio com mais força, puxando-o até que seu rosto se
distanciasse um pouco.
Então Sofia me olhou.
Olhou com os olhos de quem vai me fazer de otário até quando bem
entender.
― Nem tá dentro de mim e já tá me dando ordem, Ferrero? ― a
safada falou num tom pouco aborrecido. Por dentro devia estar deitando e
rolando, como a porra de uma gata mesmo...
Não era que a merda de fantasia tinha se virado contra mim, no fim
das contas?!
― Não... Tô implorando.
― Não escutei você dizendo por favor...
Porra... E se ela deixar o meu pau desamparado só pra me foder da
cabeça? Quantas vezes já não fez isso antes, com o tinhoso no corpo?
― Por favor, gostosa... Por favor, me solta ― eu fiz o que o diabo
mandou, porque, nessa situação, com uma filha da puta vestida de gata em
cima de mim, eu nunca iria pensar no resto de dignidade que posso usar no
juízo final algum dia.
Não me deixa... Não me deixa de pau duro e preso...
― Acabei de te prender, lindo... Acha mesmo que vou dar liberdade
logo de cara? ― Sofia mordeu o lábio num sorriso e levantou o tronco. No
enquadramento perfeito, consegui enxergar de novo o corpo emoldurado pela
fantasia. Eu odiava quando ela queria pegar a câmera no meio das fodas,
mas, dessa vez, acho que não seria tão ruim guardar recordação. ― Só
aproveita, Ferrero...
Afundei a cabeça no colchão, os braços em volta dela, tão tensos que
chegavam a fazer as veias se pressionarem contra a pele. Dentro da boxer
colada, meu pau acumulou um inferno inteiro de tesão, fazendo queimar a
virilha toda.
Preciso de você preciso de você preciso de você mais que tudo...
Caralho, o que eu faço???
― Me chupa, gostosa ― pedi erguendo a cabeça para enxergá-la de
novo. Parecia mais safada com a máscara, os olhos concentrados em mim
sem pureza alguma. Eu precisava do meu pau livre, e daqueles olhos me
encarando enquanto ela se engasgava com ele. ― Só... me chupa, porra, por
favor...
Ela podia me torturar mais, porém, por um milagre, não torturou.
Apoiou as mãos no colchão, em volta de mim, e de novo minhas mãos
tentaram se soltar.
Essas porcarias são mais resistentes que eu pensei...!
― Isso não vai rolar enquanto você não se acalmar ― Sofia falou
com uma voz doce, que estava me deixando com vontade de cessá-la com
porra.
― Tô calmo, caralho.
Sofia riu. ― Uhum... Ó, como sou muito caridosa, vou colocar um
travesseiro atrás da sua cabeça pra ficar mais confortável, oficial.
Tô preso igual a um vira-lata. Na sua cabeça, como vou ficar
confortável assim?!
Mas ela pegou o travesseiro e, mesmo que isso não me ajudasse no
momento, pelo menos levantou a cabeça para que eu pudesse vê-la melhor
com a boca em mim. Porque, depois de me ajeitar, foi isso o que Sofia fez:
desceu para o meu pau, ainda de quatro, e começou a beijá-lo por cima da
fantasia. O quepe, o cetim e a boxer colada estavam me incomodando pra
porra, mas guardei as reclamações porque vi que ela tinha gostado de
verdade. Nasci pelado, pra mim, fazia sentido que fodesse assim também. Só
que, pelo jeito, Sofia não me libertaria de nada tão cedo, então me contentei
quando ela começou a desabotoar o cinto da fantasia.
― Como você quer que eu te chupe? ― foi o que me perguntou
depois de deslizar o cinto até tirá-lo. Não parava de sorrir, sabendo que a
minha alma era sua.
E a imagem de Sofia fazendo o que estava prestes a fazer tomou a
cabeça.
― Devagar, babado... até engasgar ― respondi. Se eu que estava
preso, o mínimo mesmo era ela fazer tudo do jeito que eu queria. Tirando
que as minhas pernas estavam soltas, o que agilizaria na última parte do
boquete, pelo menos.
O meu peito já estava alterado o bastante. Podia sentir a cabeça do
pau inchada pra caralho só de imaginar Sofia mamando do jeito devoto que
sempre fazia.
Eu queria esse boquete mais que tudo, e ela sabia. Via nos meus
olhos ansiosos, na minha respiração fodida e no som afobado que vinha de
consequência.
Foi por isso que, ao invés de me libertar da boxer, Sofia começou a
passar as unhas em cima de mim, lamber por cima do tecido, gemer que
amava o meu tamanho, a minha grossura... Mas nada de meter a boca de uma
vez. A vagabunda continuava me provocando, até mesmo depois que repeti
por favor ― coisa que eu não estava acostumado a fazer. Era para eu estar
agarrando o seu cabelo e comandando que ela abaixasse de uma vez a porra
da boxer, para eu foder a sua boca...
Tentei me libertar das algemas de novo, que fizeram um puta barulho
na cabeceira.
Sofia parou de me beijar e me encarou.
― Você não tá levando isso à sério, Ferrero ― ela disse mais rígida
que antes.
Contraí o maxilar e os punhos, o coração acabou indo junto...
Como eu queria estar solto pra mostrar quão sério levava a sua boca
em mim.
― Não consigo evitar, gostosa.
― Da próxima vez que você tentar se soltar... vou te punir.
― Já tá me punindo, porra.
Sofia tombou um pouco a cabeça para trás e riu. Riu de mim, a filha
da puta, enquanto poderia estar mamando em mim.
― Isso não chega nem perto do que eu posso fazer ― voltou a
responder rigorosa. Agora me diz, inferno: essa porra de fantasia de policial
servia pra quê, afinal?! Ela só queria me fazer de otário pelo resto da noite?
― Posso continuar sem que você me distraia? ― Sofia perguntou por último.
De primeiro, resmunguei por instinto... Porém, quando senti que ela
se afastou do meu pau, voltei atrás:
― Pode!
Ela queria rir, sei que queria. Tentou disfarçar, mas não sou trouxa.
Quando eu me soltar, Müller...
Ela acabou aproximando o rosto do meu pau de novo, agora, com as
pontas dos dedos arranhando as minhas coxas até chegar ao limite da boxer.
Então sorriu antes de arrancá-la, libertando-me de uma vez. Passou a boxer
pelas pernas, sem pressa, e deu o primeiro beijo na virilha, o que fez o meu
peito acelerar, o coração espancando o pulmão, porque, em seguida, ela
raspou os dentes e continuou beijando em volta do meu pau antes de botá-lo
na boca.
Tive que fazer um esforço do caralho para me manter relaxado e não
forçar os braços ou as pernas para comandar que me engolisse todo e
mamasse a cabeça. Ela me queria rendido no sentido mais impotente da
coisa, sendo que eu estou longe de ser alguém que abre mão do físico.
Apesar de ter sido amarrado algumas poucas vezes, nunca foi como estava
sendo agora, com ela proibindo até mesmo de me mexer. Isso já tinha
ultrapassado os níveis da provocação e da tortura.
A filha da puta estava vestida de gata, porra! Assisti-la me chupar
assim, sem poder tocá-la, era punição!
― Téo, você tá bem...? ― Sofia perguntou justo na hora que ia
mover os lábios pra base no meu pau.
Puta. Que. Me. Pariu.
― Só continua ― eu respondi tentando não soar mandão.
― Sua respiração tá acelerada demais... ― disse, resolvendo se
preocupar justo agora. ― E o seu rosto tá tão vermelho que...
Olhei para ela, impaciente.
― Deve ser porque tem uma ladra vagabunda em cima de mim que tá
roubando todo o ar que me resta.
Sofia arregalou um pouco os olhos, porém, logo após confirmar que
eu não estava prestes a ter uma parada cardíaca, pareceu bastante orgulhosa.
― Acho que vou terminar de tirar o resto, então ― respondeu e,
agarrando a base do meu pau, abocanhou a cabeça e deslizou pelo
comprimento o máximo que conseguiu, soltando-o para abocanhar um pouco
mais e engasgar na primeira chupada.
PUTA QUE PARIU!
A sensação foi tão fodida, a cabeça inchada na língua dela, a pressão
da mamada, o calor da sua saliva, que eu cheguei a urrar de tesão. Meus
punhos se fecharam de novo e, mesmo que meus braços já começassem a
sentir o desconforto da posição, eu me vi franzindo o cenho e os lábios,
louco para que ela continuasse desse jeito.
E foi o que a puta fez: começou a mamar do jeito que eu pedi. Não
fez devagar, me babou inteiro e, mesmo com os olhos enchendo-se de
lágrimas, olhou pra mim conforme tentava chupar até o final.
Porra... Porra... ela era a minha esposa, eu sabia, mas, agora...
Eu não me sentia num quarto de hotel com a minha esposa.
Eu me sentia num puteiro, com uma vadia que, por acaso, eu prometi
amar e respeitar no altar.
― Eu amo o seu pau, Ferrero... ― Ela gemeu entre uma chupada e
outra. Agarrou-me de novo, batendo uma junto. Do caralho...! ― Amo o seu
gosto antes de engolir toda a sua porra forte de uma vez...
Sofia me abocanhou de novo e, depois de chupar mais devagar,
concentrou-se na cabeça pra mamar bem cachorra, com os olhos grandes e
provocantes em mim. Já sentia aquela porra como uma bexiga dura, minhas
veias só corriam para inchar a cabeça do meu pau. Num pulo, me
desconcentrei do que ela havia me pedido para fazer e, movido pelo tesão de
tratá-la como minha, flexionei os joelhos e apoiei os pés no colchão.
Não dei tempo pra ela ver a situação, comecei a meter na sua boca.
Sofia já estava com a cabeça toda inclinada, na posição perfeita para que eu
metesse no rumo, então impulsionei o quadril numa tremedeira por causa da
pressão e do prazer que foder a boca dela era. A puta também estava meio
presa entre as minhas pernas, o que acabou me dando um pouco do controle
que me foi tomado.
Agora sim tô realizando a fantasia. Que boca gostosa, caralho...
Que mulher, a minha...
Num impulso, meus braços reagiram, e a próxima coisa que fiz foi
tentar abaixá-los com rapidez, porque eu precisava agarrar a sua cabeça e
mantê-la paradinha e firme pra foder mais...
De novo, as algemas fizeram barulho na cabeceira.
Sofia não reparou na hora.
Quer saber? Que se foda.
Meus pulsos latejaram de sufoco e os braços arderam de vontade,
então tentei me soltar da merda das algemas, dando por encerrada a
brincadeira particular que essa puta me botou pra encenar. Dei impulso uma
vez, depois dei impulso outra num tranco mais firme... O som metálico
criava um ruído no quarto todo, mas escutei um barulho de trava...? Mais
alguns impulsos com mais força, e eu me soltaria. Tudo fácil, como a boceta
da minha mulher.
Sorri só de prever o que faria com ela daqui a...
― O que você acha que tá fazendo, Ferrero? ― Em questão de
segundos, meu pau saiu do céu onde mergulhava. Sofia ergueu a cabeça e
endireitou o tronco até se sentar em cima das próprias pernas. Ela olhou para
as minhas mãos.
Quase lá, quase lá, porra!
Troquei de posição na oportunidade, erguendo o tronco e abrindo os
braços estilo Cristo para me apoiar na cabeceira da cama.
― Não tô me aguentando...! ― respondi respirando fundo, agora com
o peito chegando a doer, de verdade. Porra... será que ela estava certa em
se preocupar comigo? Porém, a dor não era maior que o desamparo que eu
sentia na pau, então olhei-a implorando. ― Volta me chupar, linda... Tava
mamando tão gostoso...
Sofia tirou a máscara e me encarou com os olhos estreitados,
contrariados.
― Eu não estava mamando porra nenhuma no final, Téo. Você
começou a meter sem dó! ― ela me corrigiu, e eu não podia nem negar,
porque os seus olhos ainda estavam meio úmidos dos engasgos que eu
causei. Mesmo assim, ela ainda estava linda com o rosto vermelho e os
lábios borrados de vermelho do batom. Eu ainda queria tirar o resto daquela
boca cheia...
― E você gostou, não gostou? ― perguntei, avaliando os seus gestos
com mais atenção ao invés de dá-lo ao meu pau ainda sedento. ― Curte
tomar na boca como a única vadia do meu puteiro... Não me engana, não se
engana, amor. ― Repuxei um sorriso não convencido... Não quando tenho
razão do que eu digo. ― Agora volta a me chupar, que eu sei que você já tá
molhada por isso...
Se já estivesse livre, eu a puxaria para mim e com certeza Sofia
viria: seus olhos estavam tão sedentos quanto os meus sentidos.
Ela ficava louca por me ver louco. Tinha tanto tesão no meu pau duro
que até hoje se masturbava com foto minha. Foi sempre assim, e eu esperava
que não mudasse nunca.
― Eu estou completamente molhada ― Sofia confessou com os
olhos presos nos meus. Repuxei mais os lábios e fiz um gesto para descer em
mim de novo. Mas ela levantou a sobrancelha e gesticulou a cabeça em
negação. ― Mas isso não quer dizer que você comanda a minha boceta,
muito menos o resto.
Meu sorriso morreu.
― Só volta pra mim, linda... ― eu comecei a dizer, rodando os meus
pulsos apertados contra o metal fino. Só distraí-la um pouco mais e... ―
Meu pau precisa de você...
Antes que eu pudesse dar mais um impulso para tentar me soltar,
Sofia avançou para cima de mim e agarrou os meus antebraços. Ela fincou as
unhas, fincou de verdade mesmo as unhas na minha pele, o que me fez franzir
uma careta. Mas não foi de dor.
Puta que pariu... Ela era melhor que uma puta boa de chupar.
Ela era uma puta louca pra me fazer só dela.
Agora, mais próximos de novo, senti seu perfume se infiltrar em mim
e perdi o controle das palavras e até mesmo do olhar: ela estava linda me
encarando, mas o decote da fantasia era de foder... e, se eu olhasse um pouco
para baixo, dava para ver as pernas abertas agarradas no couro, a não ser
pela boceta livre, que eu queria com todo o meu ser sentir molhada como ela
disse que estava.
Tô perdendo o controle, o peito, a cabeça...
Então ela aproximou o rosto do meu, a boca borrada da minha, e
falou:
― Eu disse que ia te punir se você tentasse se soltar, Ferrero.
No momento que Sofia se moveu, eu realmente pensei que ela se
sentaria no meu colo. Ela falou que me puniria, mas não podia se levar à
sério...
Pelo menos não muito...
Eu a vi abrir as pernas uma de cada lado das minhas, porém, ao invés
de sentar, ela jogou a outra perna também para o lado direito, para deixar a
cama. Mantive a posição de Cristo, mas a minha cruz era mesmo ver essa
mulher desfilando na fantasia sem poder tocá-la. Ela ainda se inclinou para
pegar algumas coisas no criado, empinando a bunda seminua. O couro se
repuxou mais, apertando a carne.
Vou precisar dessa fantasia pelo menos uma vez por semana a
partir de hoje, nem que eu tenha que deixar Maysa com o Japonês...
Ela se aproximou novamente da cama e, deixando os olhos caírem
nas suas mãos, finalmente notei que pegou o lubrificante e o plug de rabo.
A vagabunda já queria sentir prazer pelo cu. Porra.
A imagem do plug enfiado na bunda dela foi demais, tanto que eu me
vi expirando forte conforme o meu pau se antecipava na sensação de comer
algo tão apertado. Estava preparado para me soltar quando Sofia ergueu a
perna e a apoiou o pé no colchão, bem próxima de mim. Foi nesse ângulo
que enxerguei a sua boceta com mais clareza e me vi prestes a pedir que ela
se aproximasse todo resto, para eu meter a língua ali de uma vez...
― Sabe, Ferrero, eu teria te soltado pra isso ― ela disse antes de
mim, olhando para os objetos nas suas mãos. ― Ia permitir que você
pegasse o lubrificante e passasse em toda a minha bunda. Ia permitir que
você lambuzasse o meu cu metendo o dedo, igual você começou a fazer
quando a gente viu que sentia tesão em anal... Ia permitir que você pegasse
esse plug e botasse na minha bunda, depois tirasse e botasse de novo...
Quando deixasse, eu ia permitir que você me fodesse na posição que
quisesse. E, quando quisesse meter por trás, ia permitir que tirasse o plug e
enchesse o meu cu só de você, até soltar todo o leite em mim.
Me solta me solta me solta me solta me solta...!
Eu não sabia o que dizer. Só sentia que o meu pau precisava de cu
agora mesmo!
― Mas você não merece ser solto ― Sofia falou antes de subir na
cama com o pé que estava apoiado e virar de costas para mim, para se sentar
em cima das minhas pernas estiradas. ― Então vou ter que fazer tudo
sozinha...
Uma parte de mim estava ligada que o som de trava que ouvi antes
era de uma das algemas, provavelmente uma mão já estava solta... Só que
ouvir aquilo me travou.
Como assim vai fazer sozinha...?!
Sofia deixou o plug de lado num primeiro instante e se concentrou em
abrir o lubrificante. Depois de se posicionar com a bunda empinada e as
costas um pouco arqueadas, virando o rosto para trás, ela me encarou como
a personificação do demônio mais tentador que poderia cair do céu.
Você não pode...
Ela moveu a embalagem para trás e, apertando-a, deixou o líquido
cair desde o cóccix até se derramar na bunda toda. Foi tanto que o
lubrificante caiu nas minhas panturrilhas, e Sofia fez um “oh” encenado com
a boca, seguido por uma risadinha tentada.
Ela pode. Porra, como pode...
A não ser pela parte que estava me fazendo assistir a tudo isso preso.
Depois de molhar tudo, a bunda, as minhas pernas, até os lençóis,
Sofia levou a mão atrás de si para se lambuzar. Ela apoiou uma das mãos na
minha canela e, com a outra, começou a lubrificar-se, fazendo a bunda toda
brilhar como se fosse feita pra mim...
― Linda...
― Cala a boca, Ferrero.
Que porra...?
Abri a boca, puto com o comando, mas sem coragem de tirar os olhos
das suas mãos se acariciando, se afundando no vão estreito da bunda.
― Sofia... ― eu a chamei pelo nome, para que ela visse que a coisa
era séria. Suas mãos pararam de se mover por um instante e só aí eu subi os
olhos para os dela. A filha da puta estava rindo bem de leve. ― Na hora que
eu me soltar ― comecei a avisar ―, toda essa punição vai voltar em
dobro...
― Sério? ― provocou com uma sobrancelha erguida.
Ela queria me fazer de otário até o talo? Eu deixaria, deixaria até o
fim. Prometi a mim mesmo que faria o que a minha mulher quisesse hoje e
agora estava aqui, preso à cama, usando fantasia de policial, assistindo a cu
e boceta molhados sem poder meter. Nunca fui otário nesse nível por causa
da sua boceta na vida. Mas tudo bem, se era o que ela queria, minha alma e
punhos eram dela.
Sofia só precisava lembrar que, a partir do momento que me
conquistasse por completo, em resposta, eu a tomaria pra mim também.
Sem provocação, sem paciência, eu a tomaria no duro.
― Vou te foder como nunca te fodi antes ― prometi.
― O que você vai fazer, oficial? ― perguntou, simulando uma voz
ingênua, a mão voltando ao trabalho de lubrificar a bunda. Porém, o
interessante veio mesmo em seguida: ― Me bater? ― Olhei os seus lábios
se movendo. E dos lábios, encarei os olhos num brilho especial.
Estreitei o olhar, instigado.
Por acaso... Isso é uma sugestão?
― É o que você merece ― respondi, sem conseguir evitar seguir o
rumo do sorriso que ela abriu em seguida.
― Talvez mereça... ― disse baixo, mordendo o lábio. No entanto,
depois de pegar novamente o plug anal, toda lubrificada, Sofia completou:
― Mas agora você só assistir de boca calada, Ferrero.
Agora...
Depois, só não vou eu calar a sua boca porque puta minha grita
meu nome.
Os meus punhos se contraíram e o meu maxilar travou quando Sofia,
cheia de cuidado de moça e gemido de mulher, começou a botar o plug no cu.
Ela estava quase de quatro, a não ser pela mão que fazia o trabalho ― que
deveria ser a minha, enquanto a outra passava pelo couro da fantasia...
Ela era uma súcubo do inferno mais baixo.
― Qual é a sensação? ― perguntei enquanto acompanhava tudo: o cu
recebendo o plug e o rabo balançando, ouvia tudo: o som molhado do
lubrificante em contato do metal, cheirava tudo: o perfume, suor e tesão que
exalavam dela.
Sofia gemia baixinho, como se tivesse experimentando algo novo. ―
De prazer no cu? Ou de saber que você tá vendo isso de fora? ― a filha da
puta provocou. De novo.
― Os dois ― entrei no seu jogo.
Então ela me encarou, com os olhos enviesados.
― Melhor, impossível.
Você sabe que está me enganando e se enganando, amor...
Melhor só fica comigo dentro.
Ela terminou de colocar o plug e, no momento que o metal coube
certinho na sua bunda, a puta rebolou pra se exibir pra mim.
Isso fez com que eu corresse as algemas na cabeceira da cama e o
barulho de antecipação ecoasse no quarto.
Vou meter tanto a mão nessa bunda com esse rabo...
― Tem mais alguma coisa que você pode fazer sozinha?
― Claro... O que eu sempre faço quando você me deixa na cama pra
lidar com a outra Müller...
Sofia deitou a cabeça em cima da minha canela, mas manteve a bunda
empinada, rebolando tão devagar, tão gostoso, que o rabo balançava
sutilmente. Em seguida, guiou uma das mãos entre as pernas e começou a se
masturbar, na posição que me dava total acesso visual a sua boceta
lubrificada do cheiro artificial e do cheiro dela mesma.
Na segunda vez que corri as algemas na cabeceira, percebi que, na
direita, a trava já tinha afrouxado. A outra, provavelmente eu só precisava
de um ou dois impulsos para ceder, e aí me soltar seria questão de
segundos...
Mas eu não faria isso agora. Ainda tinha o que dizer a ela.
― Você se toca vagabunda assim enquanto eu nino a Maysa?
― Eu sou sempre vagabunda.
― Mas é minha vagabunda... No que você pensa pra continuar
molhada?
― Em você me assistindo, como tá fazendo agora...
Porra...
A última sílaba saiu com um gemido mais alto, quase uma súplica de
prazer. Eu já podia sentir a energia do seu corpo mudando de acordo com a
frequência da masturbação e da estimulação do plug: Sofia estava
friccionando de leve, num estado fora de órbita. Ela sempre fez parecer que
o seu prazer não era algo humano, mas algo dos céus, algo que só um astro
meio sol e meio lua poderia alcançar. Por isso eu tinha essa imagem tatuada
no peito: ela era o astro que gemia na minha terra.
Os meus punhos algemados se agitaram de novo.
― Isso não te faz sentir suja? Sua filha inocente no outro quarto
enquanto você só espera eu me livrar dela pra voltar pra você?
― Você tá fazendo muitas perguntas pra quem tem que ficar
caladinho, Ferrero. ― Sofia ergueu o tronco e me fitou por cima do ombro.
― Você desperta a minha curiosidade.
Ela deu um sorriso débil e voltou a se masturbar. Antes de deitar a
cabeça de novo, respondeu:
― Essa é a melhor parte de dar pro pai da minha filha.
Corri com as algemas de novo, o pau estourando.
Eu tô quase...
― O que eu tenho que fazer pra te comer agora?
― Você não se parece muito com o pai da minha filha agora, oficial.
― Sério? Com quem eu me pareço?
― Eu não sei... Que tipo de cara você é agora, assistindo a uma
vagabunda se masturbando?
― O pior tipo.
― O que é o pior?
― O que só tem um impulso.
― Qual?
― O de foder essa sua boca suja e o seu cu e boceta a ponto de te
deixar de cama no dia seguinte.
Sofia parou de se masturbar por um momento, que acabou não
durando muito. Depois de xingar baixinho, levou dois dedos à boceta,
enquanto o polegar se mantinha pressionado no clitóris.
― Que pena você estar preso demais pra fazer isso...
E eu estava. Não os meus punhos, mas a minha atenção estava toda
nela, na maneira que os dedos se afundavam na boceta, deslizando melados
quando ela os tirava pra meter de novo. O rebolado fazia o rabo de gata
tremer tanto quanto as suas pernas, e os gemidos, puta que pariu, que
gemidos...
Eu podia escutar o som de parafusos caindo dentro da minha cabeça.
A manutenção de controle estava se desgastando, assim como a pouca
paciência para a submissão.
Eu não prestava só na supervisão, porra.
Precisava sujar as mãos.
― O que o pai da sua filha faria? ― perguntei por cima dos gemidos
dela, que aumentaram a frequência assim como as veias do meu pau em
resposta. ― Imploraria?
Sofia demorou um pouco a responder, muito imersa no próprio toque.
― Um pouco... Ele também sente tesão quando faço implorar.
Levantei as sobrancelhas.
― Sente?
― Meu marido sabe ser trouxa pra benefício próprio. ― Outro
gemido alto.
‘Trouxa’?
Porra, você tá tão fodida, Müller...
― O que mais ele faria? ― perguntei. As algemas correram na
cabeceira.
― Não calaria a porra da boca ― ela rebateu, puta nos dois sentidos
da coisa. ― Ele tem sérios problemas com falta de controle, mesmo que eu
esteja no comando.
Minha respiração saiu pesada.
― Então você sabe comandar?
A dela saiu ainda mais pesada.
― Por que não me escuta pra ver...?
A primeira vez que ela se masturbou pra mim, fui eu quem pediu.
Naquele chalé vazio, queria ver tudo sobre Sofia, e assisti-la se tocando
sabendo que já tinha feito antes me fantasiando foi um dos ápices do meu
tempo de colégio.
Porque ela fez o que eu pedi. E gostou de como a fiz gozar depois,
como uma puta.
O que tornava contraditório pra porra que, depois de anos juntos,
depois de ter fodido essa mulher incontáveis vezes, explorando toda a sua
safadeza, eu estivesse longe de ter um pedido relevante aqui.
A filha da puta começou a gemer como uma cachorra. Sem os meus
dedos, sem a minha língua, sem o meu pau, Sofia se tocou como se estivesse
sozinha, com os dedos deslizando experientes e o melado começando a
escorrer nos lábios da boceta. Ela ainda mantinha a mesma posição: de
quatro, mas deitada com a cabeça nas minhas pernas. A pintura do rabo de
gata direcionada toda para mim, enquanto os gemidos, como eu não ouvia há
tempo, batiam contra as paredes de hotel.
Não acredito que os nossos vizinhos vão escutar um show do qual
eu não faço parte. Puta que pariu. Só falta essa mulher começar a...
― Ah, Deus... Porra... Porra, porra, po... Ah... ― Sofia gemeu,
fincando as unhas nas minhas panturrilhas. ― Eu vou... Eu vou gozar...!
NEM FODENDO! VOCÊ NÃO VAI GOZAR PORRA NENHUMA
SEM MIM!
Não dava mais. Paciência já tinha ido pra puta que pariu.
Eu vou me soltar e te fazer implorar pra gozar com o meu pau
atolado no seu cu, sua puta.
O que antes era só o barulho irritante das algemas correndo na
cabeceira, virou um som agressivo quando impulsionei os braços com toda a
força para a frente. A posição de Cristo já tinha dado e o meu pau doía como
o inferno de tanto segurar porra.
Caralho, eu precisava meter até o talo.
Caralho, precisava meter a mão nela.
Caralho, precisava do seu corpo por baixo do meu, enquanto eu
metia tudo o que tinha direito dentro dela.
Eu sabia que Sofia estava quase lá, a um bater de asas do orgasmo,
quando dei o segundo e último impulso, soltando a trava da algema esquerda.
O som do metal em colisão com o da cabeceira da cama só não foi mais alto
que o da minha respiração: metade fúria, metade tesão.
Agora eu ia foder essa vagabunda até a loucura.
Nem me dei tempo de pensar em dor latente, em ordem dela, em
fantasia planejada: agarrei Sofia do jeito que ela estava com um só braço,
virei-a para o outro lado da cama e a deitei de bruços, subindo em cima das
suas coxas para prendê-las e afundando a mão na sua nuca contra o colchão.
Ela soltou um grito surpreso misturado ao gemido puto que se perdeu com o
orgasmo quase alcançado, mas não dei muito tempo a isso também: tirei a
porra do quepe apertado e aproximei a boca da sua orelha.
― Eu avisei que quando me soltasse ia te foder como nunca antes ―
falei grosso medindo a sua respiração alterada. Em seguida, grudei a boca na
sua bochecha quente: ― É o meu nome que você vai gritar enquanto goza,
sua puta. E quando acontecer, vou continuar te fodendo até você entender que
só goza assim quando tá comigo.
O tempo acabou aí, com ela submissa em baixo de mim, começando a
choramingar baixinho de tesão, quando me distanciei do seu rosto e,
encaixando a cabeça do meu pau bem na sua boceta, meti tudo de uma vez,
num impulso tão forte como fiz com as algemas antes.
Meu pau se afundou inteiro na boceta molhada e tão quente que eu
podia sentir queimar de prazer as veias que subiam à cabeça. Sofia reagiu
com um gemido que raspou a sua garganta e, comprimindo mais as pernas em
baixo de mim, uma tremedeira dos infernos. Ela gritou meu nome em
seguida.
Puta que pariu.
Eu vou gozar.
Não meti de novo quando percebi que a porra estava para explodi,
porém, me mantive dentro dela, muito longe de sair. Quando escutei-a me
xingar de filho da puta, desabotoei o colete e, num vislumbre, captei o cinto
da fantasia ainda em cima colchão.
O que você vai fazer, oficial?
... Me bater?
Louco pra puni-la, peguei o cinto e, mais louco ainda para vê-la
gostando, puxei o seu cabelo para trás até levantar o rosto do colchão e
passei o cinto em torno do pescoço. Soltei seu emaranhado de cabelo para
pegar a outra ponta do cinto e juntá-las com um torcido em um só antebraço.
No momento que seu rosto se levantou mais, vi que ela comprovou a
loucura: encontrei um sorriso satisfeito nos lábios borrados.
A vagabunda queria, pela primeira vez na vida, que eu descesse a
cinta nela.
Agora isso é uma novidade, gostosa.
― Pede ― mandei, com a adrenalina indo à mil.
Sofia tentou virar o rosto para me olhar por cima dela, mas se
manteve quieta, a não ser pela respiração caótica com o esforço de manter a
cabeça levantada.
Me debrucei sobre ela de novo, apertando um pouco mais o cinto no
pescoço. A puta choramingou tão gostosa que eu grunhi rouco, sentindo a
cabeça do meu pau apertada dentro dela.
― Pede, vagabunda ― alertei pela segunda e última vez.
E, como eu esperava, ela optou por ser teimosa. Só assim
conseguiria o que queria.
― Nã-o ― Sofia rebateu com esforço, olhando-me diretamente com
seus olhos quentes e atentados. Eles brilhavam tanto que eu mal podia
acreditar... Acreditar que ela queria aquilo, apanhar, apanhar pesado...
A não ser pela parte que eu queria descer a cinta nela da mesma
forma.
Por isso, eu não tive problema algum em deslizar o cinto pelo seu
pescoço e, agarrando-a pelo rabo de cabelo de novo, fazê-la se arquear para
que eu descesse o couro contra a lateral da sua bunda.
O barulho de cintada inundou o quarto junto com o seu grito intenso.
Sofia se contraiu em baixo de mim, se contraiu tanto que ela
fraquejou e quase desabou no colchão de novo, mas eu passei o braço em
torno dela antes que isso acontecesse. Coloquei as suas costas contra o meu
peito, sentindo o seu corpo tremer como nunca havia sentido antes. Ela
estava tão vulnerável agora, mas tão frenética na mesma medida. Os dedos
apertavam firmemente os lençóis da cama e seu sorriso era tão alterado que
eu a escutava sorrir.
― Pede ― comandei de novo.
― Não ― ela quis de novo.
Estalei o cinto mais uma vez.
Outro grito. Alto, selvagem. Seu corpo tremeu tanto que ela chorou.
― Pede.
― Não.
Tirei o braço em torno dela e levantei o tronco, deslizando o pau
para fora também. Me dei espaço e, colocando o rabinho do seu cu para o
lado, estalei outra cintada, agora na pele nua e não vestida de couro de gata.
Ela gritou tão cortante dessa vez que eu tremi. Tremi de tesão,
sucumbindo a ele também. A marca da cinta avermelhou na sua bunda de
uma maneira que meu coração bombeou do mesmo sangue, marcando meu
peito em conjunto.
― Pede.
― Não.
Bati do outro lado.
O seu choro se tornou audível, misturado aos gemidos de prazer.
― Pede.
― Não.
Estalei mais forte. Ela gritou mais forte também, outro não.
Estalei de novo.
Gostosa num caralho que eu nunca imaginei antes.
Sofia me olhou de novo, virando um pouco o rosto.
Os olhos nublados de lágrimas. As sobrancelhas cruzadas. As
bochechas pegando fogo.
E o sorriso. O sorriso de quem merecia apanhar.
Desci a cinta mais uma vez e, quando ela tremeu forte, fechando os
olhos e mordendo os lábios com força, passei o braço em torno dela de novo
e, afundando a boca no seu pescoço, mandei uma última vez:
― Pede, safada.
Sofia cedeu os braços, deixando todo o peso do tronco apenas no
meu. Segurei-a ainda contra o peito, louco pra meter de novo, louco para que
ela fosse minha e, uma vez minha, livre para ser a vagabunda que ama ser.
― Me fode, filho da puta ― ela, enfim, se submeteu.
Não dei tempo para que se recuperasse das cintadas: depois de
ajeitar o pau de novo, apoiei o braço no colchão e meti tudo dentro dela. E
meti outra e outra e outra vez, escutando-a gritar meu nome outra e outra e
outra vez. As metidas se tocaram ritmadas, num ciclo barulhento e primitivo.
Era tudo ao mesmo tempo: o som da boceta molhada sendo socada, o cheiro
forte de mulher, o corpo sensível embaixo e junto do meu. Ela tremia se
friccionando, os mamilos dos peitos durinhos no meu braço, o rosto
contraído de prazer. Porra, ela era a única nesse puteiro e não houve e nunca
haveria espaço para nenhuma outra aqui dentro desse casamento.
― Vou tirar esse plug e quero você de quatro agora, entendeu? ―
falei quando senti o rabo peludo me coçar. ― Quero comer seu cu como
nunca comi antes.
Para ser honesto, eu tentaria a chance aqui. Mais que tudo, queria o
cu dela e queria com Sofia de quatro... Só que de quatro era mais
complicado fazer anal, porque a posição doía mais. Nunca conseguimos
fazer assim antes e, por mais que quisesse dar como uma cadela, ela perdia o
tesão quando doía demais.
A não ser que ainda houvesse mais uma novidade hoje...
Ela não hesitou em fazer o que eu mandei: depois que saí de dentro
dela e tirei o plug, a safada se apoiou meio bamba, mas ficou paradinha
quando me viu pegar o lubrificante para passar o que restou no meu pau. Ela
ficou encarando enquanto eu me masturbava um pouco e só se voltou pra
frente quando dei um tapa na sua bunda.
― Mãe de minha filha vai tomar no cu bem gostoso... ― Eu me
posicionei perto e abri um pouco mais as suas pernas, para que a minha
cabeça se encaixasse na sua bunda. ― Vai pagar por ser uma puta tão suja
quando eu deixo a cama...
A respiração de Sofia agora era de expectativa, de ansiedade, por
isso decidi cortar isso pela raiz: meti metade do pau numa primeira
estocada. Sofia gritou de um jeito diferente do que antes, xingando de dor,
então eu meti a não na sua bunda, forte.
― Vai engolir meu cacete ou não, caralho?
A filha da puta rebolou com o meu pau atolado na sua bunda.
Puta, que gostosa...
― Vou... ― ela sibilou baixo.
Meti a mão de novo na sua bunda.
― Então pede, vagabunda.
A minha vida inteira fez sentido quando ela respondeu:
― Mete no meu cu como eu sonhei a semana toda, amor, mete...
Agarrei os seus cabelos mais uma vez e, puxando sua cabeça para
trás, meti de novo no cu, não tudo, mas boa parte. Sofia choramingou, mas
agora não gritou com a dor audível nem se contraiu muito. Dei outro tapa na
sua bunda e, como gostava de ver a sua contrariedade, ela relaxou.
Então comecei a estocar, intercalando os puxões de cabelo e os tapas
na bunda. Por mais que quisesse, não meti tudo, mas me entreguei à sensação
de foder um buraco tão apertado que comecei a xingá-la consecutivamente na
nirvana que se expandia aqui, no calor do momento. A visão de Sofia de
quatro na fantasia era incrível. Meu pau atolando na sua bunda enquanto ela
usava a fantasia era o meu paraíso.
Fodê-la, em qualquer dia, de todas maneiras, com um único
sentimento, era o meu céu na Terra. Nasci pra fodê-la e, graças a Deus, tinha
me casado com ela para morrer assim também.
― Téo... Téo... ― ela gemeu, as pernas mal se mantendo firmes no
colchão. ― Tá tão gostoso, porra... Mete tudo, lindo. Tudo de uma vez... Por
favor.
Fiz o que ela implorou, porém, agarrei a sua coxa e a fiz ceder, em
seguida, fiz o mesmo com a outra até que ela se deitasse de bruços de novo.
Por mais que ela estivesse me recebendo bem de quatro, eu sabia que estava
na linha tênue naquela posição. Pra foder seu cu mais forte, só de bruços
mesmo.
Agarrei a sua nuca e a afundei no colchão de novo, sentindo toda a
sensibilidade em volta dos dedos. Juntei as suas coxas com as minhas pernas
e espremi o possível do que restou do lubrificante na sua bunda de novo,
para lambuzar o cu e meter o meu pau de novo. Dessa vez, fui um pouco mais
fundo, e Sofia gemeu meu nome com um isso, não para.
E, a partir disso, eu não parei.
Comecei a meter no seu cu cada vez com mais força, uma mão na sua
nuca, enquanto a outra estava no colchão. Havia tanto lufrificante que meu
pau deslizava fácil, até porque ela estava mais relaxada agora. Não demorou
muito para que eu perdesse a cabeça e noção de lugar, de espaço, de vida.
Gemi com ela, varado de tesão, suando todo o suor das trepadas que não dei.
Num momento, tirei seu cabelo embaraçado na nuca e lambi e beijei e mordi
ali. Isso a fez voltar a tremer no mesmo nível que tremeu com as cintadas,
mas, na verdade, eu precisava que tremesse para gozar.
Joguei meu corpo para o lado e nos deitei de colchinha, dessa vez,
metendo no seu cu até o fim. Sofia gritou de novo, e eu respondi com uma
palmada na sua boceta, subindo os dedos para o clitóris. Comecei a
masturbá-la enquanto a fodia por trás, sumindo dentro dela. Continuei a
devorar a área de nuca e pescoço e, toda vez que ela se mexia, metia a mão
na sua bunda, na sua coxa, no seu peito, para depois voltar a masturbá-la.
― Eu vou... goz... Amor... ― ela tentou dizer entre os gemidos, mas
nem precisava: eu sentia a fricção do seu corpo nas minhas mãos.
― Me diz que é minha puta, então ― mantive o ritmo circular no
clitóris e aumentei o da metida.
― Sou su-sua... puta...
― Diz que é minha mulher.
― Sua... mulher...
― Agora grita que só goza assim comigo, gostosa do caralho.
E ela gritou.
O meu nome saiu mais forte que qualquer outro barulho no meio do
nada. Se nos últimos meses Sofia se segurava o quanto podia em casa
enquanto gozava, para não alertar Maysa, agora ela gemeu, choramingou e
gritou todo o prazer que engoliu. E foi do caralho ouvir o quanto a minha
mulher conseguia mergulhar na frenesi do próprio orgasmo depois de anos
de vida sexual. Por mais que nem sempre foder fosse desse jeito, ela nunca
entrava no automático. Sofia me levava para o céu com ela no momento que
dizia o meu nome que era dela. Dela de uma maneira que nunca seria de
outra pessoa.
Como não dei tempo a nada desde que me soltei das algemas, virei o
seu corpo de bruços de novo e, no fim do seu orgasmo, enchi o seu cu de
porra, tirando devagar para ver o resto do esporro na auréola da bunda. O
gozo foi tão forte que até fiquei meio tonto, o quarto transformado em puteiro
era demais, tinha a imagem daquele cu vermelho, o cheiro de sujeira nossa, o
som dos meus urros e dos seus gemidos femininos. Minha meta de vida,
desde que Sofia me algemou, foi botar a mão nela e maltratá-la até deixá-la
de cama...
Só que, pelo visto, quem precisaria de cama era eu.
Joguei-me para o lado quando o último jato de porra vazou de mim.
Com o corpo estirado no colchão, pude sentir o corpo num estado
transcendente. De toda força bruta, o corte imediato de esforço me fez ter a
sensação de um peso saindo do meu corpo por segundos, depois que
descansei no colchão. Mas durou pouco, como eu disse, segundos, porque
logo o peso voltou, e eu senti o peso daquela foda no meu pau, nas minhas
pernas, no meu tronco e na cabeça. Os braços começaram a formigar e a
boca secou, enquanto a pele sentia todo suor esfriando.
Puta que pariu, bicho. Puta. Que. Pariu.
Isso sim é uma Lua de Mel... Não acredito que a terrorista empaca-
foda tirou isso da gente por mais de um ano!
Olhei para o lado, para conferir Sofia, e mal consegui ver o seu
rosto: o cabelo castanho escuro bagunçado cobria a testa, colando-se nas
bochechas por causa das lágrimas. Ela estava uma bagunça da porra. Eu não
sabia de onde achei forças para sorrir, só que senti meus lábios se
entortarem completamente.
― Não existe puta mais linda que você, sabia? ― eu disse com uma
risadinha enquanto tirava o cabelo da frente. Penteei para trás até enxergar
um rosto manchado de maquiagem, com marcas de lágrimas. Seus olhos
estavam fechados e o sorriso apareceu enfraquecido.
― Não acredito... nisso ― sussurrou acabada. Não disse o que era,
mas eu sabia.
― Eu também não...
Sofia ainda ficou um tempo sem falar, respirando fundo como se
estivesse mergulhando num sono profundo. Porém, pediu quando me virei de
lado.
― Tira a fantasia pra mim...? Esse couro tá me assando.
Levantar o tronco depois de tudo aquilo foi um ato de coragem que
eu fiz na hora que ela pediu. Tirei o seu cabelo da nuca e do zíper das costas
da fantasia e comecei a descê-lo, desnudando-a com outro tipo de prazer, o
de satisfação.
Toda semana. Foda-se a terrorista, eu preciso disso toda semana.
Quando terminei de tirar o couro dos seus braços e costas, Sofia
tentou se levantar um pouco para que eu passasse pelos quadris. Ela não se
saiu bem na tentativa, por isso passei o braço em torno dela para levantá-la e
puxar o couro até as coxas. Logo que o couro cedeu ao formato dos quadris,
levantei de novo o tronco e foi aí que vi as consequências do que fizemos.
Do que eu fiz.
― Puta que me pariu, porra... ― Minhas mãos pararam de se mover
para tirar o couro e levei uma delas até os olhos, para esfregá-los depois do
que vi. ― Merda.
― O quê...? ― Sofia perguntou baixo.
Ainda não acredito... Que porra eu fiz...
― Eu... ― Olhei para a sua bunda de novo. Já tinha visto Sofia com
vários tipos de marcas vermelhas das minhas mãos, marcas que perdiam a
intensidade absurda depois que a foda terminava. Mas isso... Isso não sairia
tão cedo. ― Peguei pesado pra caralho dessa vez, Sofia... Puta que pariu!
― Tá tudo bem, amor. Nem tá doendo muito... ― ela mentiu.
Estreitei os olhos nos seus, que se abriram. Sério? A este ponto do
campeonato tá mentindo pra mim? Ela sorriu amarelo. ― Eu não ligo.
― Mas eu ligo, porra. Você não trouxe nenhuma pomada pra
machucado?
― Dá uma olhada na necessaire de remédio. Tá no compartimento
menor da mala.
Pulei da cama e fui até a mala, revirando até encontrar a bolsa que
ela falou. Revirei os remédios lá dentro até encontrar um que já usamos em
Maysa, quando ela caiu do berço. Devia servir.
Voltei para cama e terminei de tirar a fantasia do corpo dela. Quando
Sofia relaxou os ombros, comecei a passar a pomada nas marcas vermelhas
cor sangue. Ela sentiu fundo no meu primeiro toque, tanto que se arrepiou
num pulo e gemido de dor.
― Pelo amor de Deus, Téo ― ela falou conforme eu deslizava a mão
com todo o cuidado. ― Para com essa careta. Pra tudo tem uma primeira
vez.
― Primeira e última.
― Não precisa ser a última. Tá bom que tá doendo de um jeito que
eu não quero nem pensar na próxima tão cedo... mas foi gostoso. E você
ficou com tesão também, senão não teria feito.
Não respondi, porque ela tinha razão. Na hora que eu bati nela, foi
do caralho vê-la tão absurdamente imersa naquele prazer masoquista. Sofia
sempre gostou da foda pesada, nada de tratá-la como frágil, ela gostava
mesmo de receber palmada, puxão de cabelo e chupão onde ninguém mais
via a não ser eu. Hoje foi outro nível, um que eu nunca tinha imaginado
curtir... até vê-la implorando com os olhos por isso.
― A gente precisa passar um Hipoglós agora, né ― falei com um
sorriso quando terminei com uma pomada.
― Sabe o que eu preciso antes? ― Sofia bocejou.
― Hum?
― Que você limpe o meu rosto e o meu cu pra eu poder cochilar.
E isso é tudo o que um pai de família quer ouvir.
Dei risada e concordei, deixando a cama novamente para pegar os
lenços umedecidos no banheiro. Quando terminei o trabalho, tirando resíduo
de maquiagem e porra, Sofia já tinha pegado no sono. Ela respirava baixo,
na mesma posição de bruços que ficou desde que eu a coloquei assim. Se
não fosse pela bunda toda marcada com uma cobertura grossa de pomada, se
pareceria com um anjo... Só que era bom lembrar que, apesar de ter a alma
de um, ela ainda tinha espaço para uma loucura parecida com a minha.
Fui para uma ducha sozinho e depois arrumei a cama fazendo todo
silêncio possível, deixando fantasias, algemas e plug de rabo no canto do
quarto. Deitei-me numa cama parcialmente molhada de melado dela, meu e
de lufrificante, mas não tinha jeito de trocar os lençóis agora. Uma vez no
puteiro, o jeito era dormir no puteiro.
Só me surpreendi que, depois de eu me deitar e apagar todas as
luzes, Sofia tenha se mexido para se aconchegar ao meu peito. Passei o
braço em torno ela, beijando os seus cabelos emaranhados, e sussurrei:
― Eu sou seu também... até quando me perco.
Imaginei o seu sorriso, mesmo que ela estivesse muito sonolenta para
dá-lo.
― Eu sei, amor... ― ela respondeu tão baixo que eu tive que
aproximar a cabeça um pouco mais para ouvir o resto: ― Só que a partir de
segunda-feira, pode encontrar seu rumo e voltar pras aulas de boxe... Pensei
que você fosse se soltar das algemas mais rápido.
E foi assim que, exausta e tirando com a minha cara, a minha mulher
dormiu nos meus braços após uma foda que ambos estávamos precisando.
Eu nunca fui dormir desse jeito...
Sorrindo por sentir tão otário.
Capítulo 11
SOFIA
2 meses depois
FIM
AGRADECIMENTOS
Até pouco tempo, sempre imaginei o trabalho do escritor como um
ofício que se realizasse sozinho. Não sei se isso se deu por conta de uma
imagem de senso comum ― de um sujeito descabelado batendo nas teclas de
máquina de escrever ―, ou por conta de um primeiro período estando
solitária durante a minha produção no Wattpad.
Escrevi meu primeiro livro com dezesseis e finalizei aos vinte anos.
Tinha leitores, mas nunca consegui muita conexão com eles, a não ser um
único amigo que me dava feedbacks de cada capítulo. Acabei desistindo
desse primeiro por não me conectar mais com a história e, num belo dia,
acordei de um sonho com uma nova ideia.
Comecei a escrever Sua loucura com as expectativas mais baixas em
relação a público e feedback. Havia deixado uma narrativa para trás, mas
sabia que não podia viver sem escrever outra, por isso comecei a caminhar
novamente por uma estrada solitária. Isso não quer dizer que não queria ser
lida. Eu queria. Por isso postei no Wattpad os primeiros capítulos de um
romance, em que uma garota conhece um garoto. Divulguei um pouco, pedi
para lerem na cara dura. Muita gente leu e continuou, e, certo dia, liguei o
Wi-Fi e as notificações do Wattpad começaram a vibrar por tanto tempo, uma
atrás da outra, que, meio sonolenta, me perguntei se não tinha um vibrador
ali na cama comigo ao invés do celular.
Depois disso, Sua loucura só continuou a crescer. Não divulguei
mais nem pedi para lerem. Minhas leitoras começaram a fazer isso por mim
e votavam e comentavam e me mandavam recadinhos por inbox. Logo
percebi que tinha em mãos não a história de uma garota que conhece um
garoto. Eu tinha em mãos a história de Sofia e Téo. E não fui eu quem fez
isso, foram vocês.
Por muito tempo, eu acreditei na solidão do escritor, seja
profissional ou amador, como eu, acreditei que narrativas se faziam apenas
pelas mãos que teclavam palavras.
Mas, hoje, depois de mais um milhão de leituras no Wattpad, eu
enxergo meu ofício como parte de um conjunto. Se escrevo sobre alguém
chamada Sofia, minhas leitoras a moldam e dão sopro a ela. Se escrevo
sobre alguém chamado Téo, minhas leitoras o desenham e o beijam com
amor (para não dizer outras coisas).
Não escrevo sozinha. Sempre que estou com os dedos no teclado do
notebook, vocês estão na minha cabeça, dando pitaco, rindo, chorando,
brigando, botando meme e figurinhas. Sofia e Téo começam a existir a partir
daí, num universo particular, mas que, na nossa cabeça, é tão real que se
torna parte da gente. Não conseguiria continuar essa trajetória sem vocês ―
e sei o quanto isso soa clichê pra caralho, mas nunca fui de evitar um clichê
verdadeiro nas minhas histórias, não será agora que farei.
Por isso tenho muito a agradecer a todas que chegaram a mais uma
estrada comigo, mas, principalmente àquelas a quem dediquei esta breve
loucura de Téfia: às minhas amigas do CLM. Elas foram as pessoas para
quem eu gravei longos áudios sobre todo o universo de SL e para quem
contei inúmeros spoilers. Elas foram as pessoas que me deram os feedbacks
mais frescos e me xingaram quando fui um pouquinho maldosa (foram só
vinte dias! Superem!). Elas que me ajudaram nos bloqueios, me cobraram
capítulo, me respeitaram nas decisões, me botaram pra cima e me deixaram
num topo de escritora que nem sei se mereço, mas que me faz ver que estou
fazendo algo certo. Seja uma história sobre uma garota que conhece um
garoto, seja uma história sobre Sofia e Téo, eu estou fazendo parte de uma
obra com coisas positivas que, num mundo e, principalmente, num Brasil tão
escuro, nos trazem alívio e, talvez, esperança que mais ofícios se façam pela
união.
Agradeço, de coração, a todas que fizeram a leitura desta obra, e
agradeço, com saudação e muitas lágrimas, às garotas do CLM, que são
minhas leitoras, críticas, amigas e as pontas do meu fio vermelho. Toda a
minha gratidão a vocês, que passam dias e noites contribuindo para as
histórias, que me atendem no privado, que me mandam piadinhas pra zoar a
cara do Téo e que, afinal, me deram ideias para que Breves loucuras 4 fosse
possível. Um dia, com a benção da Netflix ou de qualquer outra produtora
com potencial (estou aceitando ofertas), estaremos na nossa ilha bem
distante e rica, desfrutando do Barrueco e do Sebastião como o bom CLM
comanda: SEM LIMITES!!!
Logo mais, nos veremos novamente para encontrar Téfia em outra
loucura, como muitos outros casais que já vieram e estão por vir!
(Spoiler do bem: só vem, Heitor!).
Com carinho,
Lana Machado