Todos os direitos reservados. A violação aos direitos autorais é crime estabelecido pela Lei nº 9.610/98 e previsto pelo artigo 184 do Código Penal Brasileiro. Para as garotas da minha ilha, CLM CAPÍTULO 1 TÉO
Eu estava fodido da cabeça, tão fodido que precisava socar alguns
sacos de pancada ao invés de socar quem eu realmente queria socar, já que, segundo a norma social, não se pode sair fechando o punho na fuça de quem te fodeu. Eu não nasci pra viver em sociedade. Assim que a minha filha nascesse, estava cogitando deixar todo esse inferno de São Paulo para trás e ir viver em uma cabana no meio do nada, perto das comunidades onde a minha mulher faz trabalho comunitário. Sofia disse que eu estava exagerando quando cheguei do trabalho e contei a ela o que tinha acontecido na prefeitura. Ela me deitou no sofá, massageou os meus ombros e falou que trabalhar com os outros era difícil mesmo, mas que eu deveria ter paciência, porque cada um tinha o seu tempo. O problema é que eu não tenho paciência e muito menos tempo para compreender o tempo dos outros. Quando cheguei à prefeitura no primeiro dia de trabalho e me disseram que eu teria que trabalhar ao lado de outro engenheiro, além de um supervisor geral, eu até relevei o fato de que teria que lidar com mais duas pessoas durante o dia. Conheci a supervisora, Diana, que já trabalhava na prefeitura há vinte anos e que se mostrou gente boa ao me receber no seu setor. No decorrer dos dias, eu aprendi pra caralho com ela, bem mais do que aprendi com qualquer outro orientador ou professor da faculdade. O sistema era complicado e se pegava com o tempo, o que eu acabei me acostumando bastante rápido depois de algumas semanas. O problema não começou com a Diana. Começou com o segundo engenheiro. Henrique. Eu devia saber que aquele cara era um mau sinal desde que escutei o seu nome pela primeira vez e o cumprimentei no hall da prefeitura. Eu não tenho um bom histórico com o nome Henrique. Aparentemente, o nome é uma praga. Mas até aí estava tudo bem quando o conheci. Ele tinha o mesmo nome do ex-namorado da minha noiva? Aquele filho da puta que, mesmo que a visse tão pouco no decorrer dos anos, fazia questão de abraçar a minha mulher como se ainda fosse amigo íntimo dela? Tinha; mas eu acreditava que ele não seria um segundo Henrique a foder o meu psicológico e me fazer ter vontade de socar a cara dele contra o chão. E, como sempre, eu estava enganado pra porra. Sério, já estava até me acostumando ao quão errado eu poderia estar depois de viver vinte e cinco anos me deparando com momentos assim. Nas primeiras semanas de trabalho com Henrique, tudo estava tranquilo. Na maioria das vezes ele ficava com a parte técnica dos trabalhos que eram enviados ao nosso setor, enquanto eu ficava com a prática, sujando as mãos de óleo como sempre gostei de fazer. A equipe que nos ajudava também era tranquila em acatar ordens, então eu não tinha problema em executar a tarefa junto deles e conversar com a Diana depois de finalizar, para que ela fizesse a supervisão. Mas em menos de dois meses, esse filho da puta do Henrique iniciou o seu projeto de foder todo mundo do setor. Tudo começou com um projeto de sistema de energia que recebemos e tivemos que trabalhar em cima com mais atenção, porque teríamos que desenvolver protótipos maquinários renovados. Dessa vez, eu tive que mexer com os desenhos gráficos também, além de voltar a estudar, mas estava sendo do caralho criar um projeto novo até o Henrique começar a tomar decisões sem a minha autorização ou a opinião do resto da equipe. Apenas porque a parte técnica era a sua área, ele pegou o esqueleto do projeto que tínhamos e o terminou sozinho, sem me contar nada, e no outro dia pediu para começarem a trabalhar no protótipo. Isso já tinha me deixado puto pra porra e eu acabei discutindo com ele pela primeira vez, mas o que me deixou mais estourado foi notar que o projeto dele tinha detalhes a serem revistos e, mesmo assim, estava em progresso debaixo do meu nariz. O que me levou cogitar estourar o nariz de Henrique no soco hoje foi que Diana olhou o projeto pela primeira vez e viu falhas intensas. Então ela comeu o nosso rabo, mesmo que aquela porra não fosse minha, nem mesmo o protótipo que estava em manutenção cara pra caralho. Esperei que o engenheiro filho da puta assumisse a culpa e dissesse que fez tudo sem a minha autorização, mas o imbecil ficou quieto. Eu até tive o impulso de contar o que tinha acontecido, mas Diana estava puta e com razão; se eu falasse a verdade e a estressasse mais ao reclamar do meu colega de trabalho, era capaz da supervisora me mandar para o Ensino Fundamental novamente. Deus era o tipo de cara que me testava desde que eu entrei na escola e precisei lidar com pessoas. Hoje não tinha sido diferente, porque eu só não soquei o filha da puta porque Ele me deu uma luz: se você matar o imbecil, vai ser demitido por justa causa, e daqui quatro meses você vai ter uma filha que vai precisar de, pelo menos, um pai empregado, já que você não é o dos mais pacientes. Então eu deixei os punhos formigarem, saí da prefeitura, entrei no carro e liguei para o bando de putas que combinaram de ir à academia de boxe depois do trabalho. Se eu não socasse alguns sacos de pancada hoje, na segunda-feira eu não seria capaz de não fazer o mesmo com o segundo pau no cu que brotou na minha vida. Depois de sair da ducha, peguei as faixas, protetor bucal e luvas e soquei na mochila. Enfiei o primeiro calção e camiseta que encontrei pelo caminho, botei os tênis e saí do quarto, procurando por Sofia. Encontrei-a no segundo quarto da casa temporária onde estávamos ficando até a construção da nossa casa acabar. Provavelmente Maysa nasceria antes de nos mudarmos, por isso estávamos decorando o quarto ao lado do nosso, ou melhor: a minha sogra estava decorando. Nada daqueles caralhos de bailarina ou a cor rosa enjoativa que os quartos das suas filhas tinham, porque, obviamente, Sofia não quis e muito menos eu, mas havia papel de parede de flores no pequeno quarto amarelo. Não vejo a hora de sentir o seu cheiro... Vai ser o melhor perfume do quarto, pequena. Aproximei-me por trás de Sofia, que estava sustentando o peso do corpo em apenas uma perna. As suas mãos estavam coladas uma na outra e provavelmente os olhos estavam fechados, porque yoga exigia paz. E eu só teria paz quando metesse o punho em um saco. Mas quando abracei a minha mulher e inalei o seu cheiro, os meus músculos relaxaram junto com os dela. Beijei o seu rosto e o pescoço, depois desci a mão até a sua barriga que já estava grande e exposta para que eu sentisse o calor da sua pele e da nossa filha lá dentro. ― Você é a grávida mais gostosa que existe, sabia? ― eu disse na sua orelha. Sofia tombou a cabeça para o lado e sorriu, colocando as mãos em cima das minhas. ― Você acha? ― Ela mordeu o canto do lábio. Apoiei o queixo no seu ombro e abaixei os olhos para fitar os seus peitos no top que estava usando. Eles estavam tão grandes que eu ficava excitado só de olhá-los. ― Eu posso te mostrar quando chegar do boxe... ― eu respondi, enquanto ela girava o tronco para me fitar. Os nossos olhos se encontraram e Sofia abriu ainda mais o sorriso naqueles lábios carnudos só dela. Perguntei-me se a nossa filha teria essa facilidade em repuxar os lábios quando me fitasse também. ― Você vai imaginar um Henrique em um saco? ― ela leu os meus pensamentos. ― Vou imaginar dois por falta de um. ― Téo... ― Sofia riu, gesticulando a cabeça. ― Isso não é um carma, o nome não tem nada a ver. Você já discutiu com ele sobre o que aconteceu, talvez depois disso nem se repita mais ― ela disse, generosa. ― Debaixo do meu nariz não vai mesmo... ― falei. ― É, não vai... Você é Téo Ferrero ― a minha noiva disse em um tom... sarcástico? Em seguida, ela fez uma carinha sapeca para continuar: ― O garoto do Impala. O fodedor do Olimpo. O macho alfa mais viril dessa São Paulo! ― zombou, rindo de mim. Fechei os olhos nela, que estava toda engraçadinha esta noite. De repente, eu me senti no Ensino Médio de novo, nas últimas estantes da biblioteca, com Sofia Müller me chamando de convencido por tabela. ― Você tá tirando comigo, Müller? ― perguntei, colocando as mãos nos seus quadris e induzindo-a a caminhar para trás. Sofia continuou a rir, ainda que tentasse prender a gargalhada entre os lábios. ― Claro que não, lindo... Eu nunca tiro com a cara de um semideus como você! ― ela continuou zombando. Repuxei o lábio, analisando o rosto de anjo perverso da minha mulher. Você está tão fodida, amor. ― Você me acha viril? ― eu perguntei e levantei a sobrancelha. ― Super ― Sofia disse pausadamente em uma provocação pecaminosa. ― Um semideus? ― Eu a encostei na parede do quarto, subindo a mão pelo seu tronco até descansar a mão no seu pescoço. Olhei para as seus lábios repuxados, tentados. Pressionei a carne com o polegar. Ela correspondeu ao meu toque subindo a perna pelo comprimento da minha coxa até o quadril. ― O semideus mais lindo, com o pau mais maravilhoso do mundo ― Sofia respondeu, estreitando o olhar castanho-fogo em mim também, ainda que o sorriso fosse o mais debochado possível. Safada maldita... Pressionei o meu corpo contra o dela, tomando cuidado para não apertar muito a sua barriga, e subi a outra mão pelo seu corpo até apertar o seio emoldurado. Aproximei o meu rosto do seu, travando o seu pescoço contra a parede: ― Por que eu não te fodo com ele agora, huh? ― perguntei e senti o seu mamilo endurecer por baixo do tecido. Percebi que Sofia fechou os olhos e soltou um suspiro baixo quando a belisquei de leve, então continuei: ― Por que eu não te deixo toda dolorida e marcada como o meu ego gigantesco quer? Sofia sorriu de novo quando me ouviu dizer o atributo que ela costumava dar a mim, mas, no momento que eu comecei a beijar o seu pescoço, ela suspirou: ― Você pode fazer o que quiser com a sua noiva, Ferrero... ― Ela desceu a mão pelo meu peitoral até alcançar o cós do calção. Em seguida, os seus dedos invadiram o tecido e acariciaram o meu pau. ― Desconta a sua raiva em mim ― Sofia pediu em tom de súplica. As suas mãos me tocando, os seus mamilos endurecidos contra o top e os lábios entreabertos e naturalmente vermelhos, pedindo que eu mordesse toda a sua carne quase me tirou a consciência e me deixou louco. Tudo o que eu queria era virar o seu corpo, puxar os fios do seu cabelo até que Sofia se arqueasse e então queria meter tão fundo dentro dela repetidas vezes, impulsionando-a contra a parede e escutando o som grosso da sua pele contra a minha e o som fino do seus gritos mais perversos. Puta merda, como eu queria... Mas ela estava grávida, porra. Se fosse no começo da gravidez ainda tinha como foder a minha mulher do jeito que a gente fodia antes, mas agora, com a barriga... Da última vez que a gente trepou mais forte, ela ficou com uma marca na cintura que me fez sentir culpa todas as vezes que eu a olhava. Eu sabia que Sofia curtia tanto quanto eu, mas... a minha filha estava lá dentro, porra! No ultrassom, eu conseguia enxergar a cabecinha e o corpinho formados... Não dava para fazer o que quisesse com a minha noiva quando Maysa era a primeira coisa que eu queria ver daqui pra frente. Tirei a mão do pescoço de Sofia e suavizei o toque no mamilo. ― Vou descontar a raiva em um saco de pancada, depois volto só pra te amar, linda ― disse a ela, beijando a sua testa antes de me afastar. Eu pensei que tivesse dito algo um pouco romântico, mas tudo o que ganhei depois que me afastei da minha mulher foi uma careta. ― Você me provoca e depois não cumpre o que promete, Ferrero? ― ela perguntou, emburrada. Passei a língua nos lábios, analisando os olhos grandes indignados e as bochechas levemente coradas. Tão linda emburrada... ― A única coisa que prometi foi te amar ― respondi, levantando os braços e dando alguns passos para trás, em posição de paz. Sofia fechou os olhos em mim, pronta para rebatar a minha resposta, então joguei com o que podia: ― Depois do boxe, eu passo no mercado e trago sorvete. Um pote. Só pra você. A mãe da minha filha estava pronta para apontar o dedo, mas hesitou ao escutar a palavra sorvete. Então ela cruzou os braços no peito e um sorriso pinicou no seu rosto. Os desejos eram a minha salvação às vezes. ― Você joga tão sujo! ― Sofia falou, gesticulando a cabeça. ― Eu? ― perguntei. ― Quem estava me provocando aqui, Müller? Sofia fez uma expressão inocente, mas eu sabia muito bem que ela estava testando a minha boa paternidade minutos atrás. Se eu também não estivesse tão louco para que a minha filha nascesse logo para voltarmos a foder do nosso jeito, eu tiraria com a cara dela. Mas a vontade era recíproca. ― Ela tá dentro da minha barriga, Téo, protegida por camadas de pele, músculo e útero. Não tem como você machucar a bebê ― Sofia disse. Fazia sentido o que ela dizia, mas o médico informou desde o último ultrassom que tínhamos que pegar leve daqui pra frente. Sofia tinha passado mal pra caralho nos primeiros meses de gravidez, teve que fazer dieta e tomar vitaminas especiais para aliviar as tonturas e enjoo contínuos. Eu não arriscaria a saúde delas nem fodendo. Nem fodendo mesmo. ― São quase oito horas agora, Sofia. Ela deve estar dormindo, tranquila. Deixa a pequena descansar, porra. Quando eu falava assim perto das enfermeiras do hospital, elas suspiravam e diziam que eu seria um ótimo pai. Já Sofia revirou os olhos com força... ― Ela é nossa filha... Acha que vai dormir esse horário? ― ela perguntou, caminhando até o colchonete para se sentar, no meio do quarto. ― Claro dorme nesse horário. Até os vinte anos ela vai dormir cedo! ― eu respondi, enquanto Sofia cruzava as pernas e fazia outra posição de yoga. ― Ah, tá! Aos vinte anos ela vai madrugar... ― Só se for na cama dela. Em casa. ― Com um cara perguntando se pode ir sem camisinha... O quê?! Coloquei a mão no peito, porque, por um momento, senti que havia levado um tiro da minha própria mulher. Sofia vivia dizendo que eu tinha que tranquilizar o meu lado ciumento até que Maysa fosse adolescente, porque ela se tornaria uma mulher com vontades, o que era natural... Eu concordava, mas preferia não pensar muito sobre isso. O velho Ferrero se resolveria com o filho da puta que entrasse no quarto da sua filha. ― Isso dói, sabia? ― eu disse a Sofia. Ela repuxou os lábios e me fitou. ― Pode ser uma garota também, vai saber. ― A minha mulher deu de ombros. Em seguida, Sofia colocou a mão na cabeça para alongar o pescoço. ― Eu não quero sorvete de pistache ― ela disse em seguida. Peguei a mochila que tinha deixado no canto do quarto e chequei o meu celular. Pedro já tinha me ligado três vezes, pior que a minha mulher. ― Pode deixar ― eu respondi. ― Mais alguma coisa, senhora Ferrero? Sofia tinha acabado de fechar os olhos, mas os abriu para dizer: ― Uma foda violenta, senhor Ferrero. Porra... Como gosta de me complicar... ― Daqui quatro meses. ― Pisquei para ela. Sofia fechou os olhos de novo, ignorando o meu bom coração paterno, mas eu ainda falei: ― Volto mais ou menos daqui duas horas, amor. Eu joguei a mochila atrás das costas e estava prestes a sair do quarto quando ela indagou em um tom de voz que eu conhecia muito bem desde que anunciou há cinco meses que estava grávida, na praia de Santa Catarina: ― Duas horas?! O meu corpo todo esfriou, e eu congelei na porta ao invés de partir para o boxe, porque eu sabia o que estava por vir antes mesmo que a respondesse da melhor maneira possível. A parte infernal da gravidez tinha chegado nesta noite de sexta-feira. CAPÍTULO 2
A voz dela... Não há nenhuma voz como a dela.
Sofia Müller canta desafinado e ri dela mesma quando isso acontece. Sofia Müller sempre me acorda com um bom dia, lindo, e, ainda que eu odeie manhãs, ouvir o som doce saindo dos seus lábios faz os meus olhos pesados se abrirem um pouco mais para encarar o sol das oito horas. Sofia Müller diz boa noite no meu ouvido e toda vez que ela faz esse desejo, ele se torna real: as noites ao lado dela sempre são boas. Sempre serão. Eu amo a voz da minha mulher, calma, leve e musical... Perfeita. Mas, às vezes, principalmente de cinco meses para cá, a mesma sonoridade amável que sai das suas cordas vocais entram em sintonia com o som grotesco do submundo. Esse lugar é o inferno. Então, tem esses momentos durante a gravidez, que Sofia Müller entra em conjunção com as ondas sonoras de chamas ardentes e de tridentes pontudos. É quando eu percebo que a minha mulher, que se parece com um anjo, tão linda, tão suave, acaba por se tornar o tinhoso mais pé no saco que o diabo criou. Quando Sofia sintonizou o inferno e questionou a minha saída por duas horas, eu soube que o resto de paciência que me sobrou depois da discussão com Henrique estava prestes a desaparecer. Travei na porta, girei o rosto para olhar para ela, e encontrei Sofia com um sobrancelha erguida, enquanto os seus lábios se encrespavam. Deus, entra na minha casa, entra na minha vida, mexe com minha estrutura e não deixe que eu mande a minha mulher para à puta que pariu esta noite! ― O treino de boxe é durante uma hora e meia, linda ― eu respondi o mais sossegado possível, ainda que soubesse que eu poderia cantar para ela que Sofia não me daria a paz que eu queria. ― Até eu passar no mercado vai mais uma meia hora. Então são duas horas mais ou menos ― expliquei. Para ser honesto, até eu treinar, tomar uma ducha na academia, pegar trânsito, comprar a porra do sorvete no mercado e voltar para casa ia aí umas três horas. Mas ela não precisava saber disso... Esperei que uma resposta saísse, mas Sofia apenas ficou me analisando por um tempo, maquinando uma maneira de me fazer queimar. Era o que ela sempre fazia quando queria me enlouquecer: encarava-me, analisava-me e, aos poucos, arranjava maneiras para testar a minha santidade de homem, noivo e pai. Não era uma explosão direta, o diabo sussurrava no seu ouvido com paciência, aquele filho da puta. ― Eu não quero mais sorvete de pistache ― ela finalmente disse algo em resposta. ― Não? ― eu perguntei não sei por que caralho. ― Não. ― Sofia gesticulou a cabeça, então fez uma expressão pensativa: ― Eu quero aquele de paçoca, que fica perto do aeroporto. Quê? Sorvete perto do aeroporto? ― Congonhas? Ela gesticulou a cabeça de novo e disse devagar: ― Guarulhos. Quê? Guarulhos?! A gente morava na zona sul da cidade, nem fodendo eu ia cruzar um trânsito do caralho depois da academia por causa de um sorvete de paçoca! ― Você sabe que Guarulhos fica longe pra porra, não sabe? ― eu perguntei a Sofia, fazendo um gesto com a mão. ― Que tipo de sorvete é esse? ― Eu fui nessa sorveteria com a Ana esses dias e comi. É o melhor sorvete da vida! ― Não deve estar aberto a essa hora... ― Fecha às dez. Você só precisa sair da academia um pouco mais cedo que dá pra chegar a tempo, lindo ― ela disse, abrindo um sorriso malditamente angelical. Porém, eu sabia de onde aquele sorriso vinha, e não era fonte de um dos seus desejos de grávida. Depois de cinco meses, eu já estava acostumado a lidar com as vontades malucas, que no caso dela aconteciam no meio da madrugada. Pelo menos uma vez na semana, Sofia se aproximava de mim à noite, abraçando- me por trás e perguntando se eu poderia ir até a cozinha fazer um milk shake ou se eu poderia ligar para um restaurante, na maioria das vezes japonês, porque, caso contrário, a nossa filha nasceria com cara de sushi. Eu não acreditava muito nessas histórias sobre gravidez, mas, para evitar que Maysa nascesse parecida com Caio, eu fazia os pedidos às duas ou três horas da manhã, além de ter um estoque de sorvete de morango no freezer para fazer o milk shake enquanto o nosso gato zombava da minha cara amassada e sonolenta. Você é o preferido dela agora, cuzão peludo. Deixa a nossa filha nascer daqui quatro meses... Para ser honesto, eu não me importava em fazer esse tipo de coisa, principalmente porque eu era muito bem recompensado depois, mas... Agora não se tratava disso. Eu conhecia a minha mulher. Sabia quando ela se armava para travar uma batalha comigo por motivo algum. Encostei-me ao vão da porta e fechei os braços no peito, olhando para a minha noiva sentada com as pernas cruzadas. Você quer me punir, não quer, Müller? ― Não vou cruzar São Paulo por causa de um sorvete de paçoca, Sofia ― eu disse a ela, sentindo o meu celular vibrar no bolso. Os putos deveriam estar me esperando na academia, enquanto eu estava aqui, preso aos olhos castanho-fogo. ― Compro o de paçoca no mercado ― decidi. Uma das coisas que eu mais gostava em Sofia desde que começamos a namorar era que ela não me monitorava, como eu via as namoradas dos meus amigos fazendo. Se eu quisesse sair tomar uma cerveja com amigos ou passar um tempo sozinho, ela respeitava o meu espaço, até porque eu respeitava o dela também. Ela nunca ficava me ligando repetidas vezes para saber que hora eu chegaria a nossa casa quando estava na rua, nem implicava quando eu saía depois do treino de boxe. Eu nunca fui acostumado a ser monitorado, nem pela minha família, muito menos por mulher alguma. Sofia poderia estar grávida agora, mas isso não queria dizer que eu teria que cair nas garras do tinhoso e deixar que ele me fizesse de lacaio no inferno. Sofia mordeu o lábio inferior e gesticulou a cabeça, visivelmente chateada. Era só a porra de um sorvete, mas parecia ser uma ação decisiva nas nossas vidas. ― Tudo bem ― ela falou de uma maneira compreensiva, levantando- se do colchonete. Pensei que a conexão com o inferno tinha caído quando ela agarrou um moletom no sofá de canto e avisou: ― Eu mesma vou. Merda. ― Sofia... ― Se você não tem paciência pra cruzar São Paulo por mim, eu tenho. Puta que me pariu. Passei a língua nos lábios, percebendo o quanto ela tinha se sentido atacada apenas por uma simples negação minha, mas fiquei mais incomodado com a sua paranoia de que eu não podia fazer algo por ela, só por causa de um caralho de sorvete! Coloquei as mãos nos quadris, intolerante, e encarei a minha mulher que subia o zíper do moletom, decidida a sair de casa apenas para infernizar a minha noite. Sofia era uma jornalista. O único jeito de vencê-la era argumentando... ― Clara não disse pra você maneirar na gordura? ― eu perguntei a ela, levantando a sobrancelha. Nunca pensei que usaria a esposa de Pedro a meu favor algum dia na vida, porque Clara era outra maluca, mas ela era uma nutricionista severa que não deixava Sofia escapar da sua dieta. ― Você já comeu muito sorvete essa semana, não é melhor comer algo mais leve essa noite? Sofia estava prestes a me responder, mas então parou para pensar no que eu tinha acabado de dizer. Por favor, Todo-Poderoso, toca na vida dessa mulher pra eu poder sair um pouco e socar um saco de pancada ao invés do teu filho... ― Eu só queria algo doce... ― Sofia acabou comentando ao aliviar o rosto orgulhoso. Respirei fundo. ― Acho que vou fazer um bolo simples, então! É bom que eu ocupo a minha cabeça um pouco... Ae, porra! ― É, isso, amor... ― eu a incentivei, prestes a deixar o quarto para sair de casa. ― Até depois... ― Téo ― Sofia me chamou quando eu tinha acabado, acabado de me virar e enxergar a porta de saída, lá na sala. Também enxerguei o Gato, que tombou a cabeça e se aproximou na escuridão do corredor, como uma entidade maligna. Porra, o tinhoso ainda está presente... ― Você vai ter que passar no mercado de qualquer jeito, pra comer fubá e ovos ― a minha noiva disse quando olhei para ela. Tudo bem. Fubá e ovos. Eu posso comprar depois. ― Claro, amor ― eu forcei um sorriso, batendo levemente no vão da porta. ― Até depois... ― Espera! ― Sofia me chamou de novamente, caminhando para perto de mim. Travei o maxilar e girei o rosto. ― Acho que tem que pegar creme de leite também ― ela acrescentou à lista, falando tão devagar que eu jurava que estava fazendo de propósito: ― E mais leite, porque só tem duas caixas, e fermento... e as frutas da dieta... e carne para o almoço de amanhã na casa dos meus pais... Puta. Que. Me. Pariu. Ela queria que eu fizesse uma puta compra depois do treino e pegasse a fila comum do caixa?! E ainda me vinha com essa história de almoçar com a minha sogra amanhã, sendo que eu tinha visto a Luciana no dia anterior, que ficou enchendo a porra do meu saco enquanto eu colocava o papel de parede no quarto?! Porra, assim você fode a minha paciência, Cristo! ― Eu não vou fazer compra do mês agora, Sofia ― eu disse a ela, ficando puto. Respirei fundo e percebi que o se rosto voltou a se endurecer. Merda. ― Amanhã de manhã a gente vai ao supermercado e compra o que precisa... ― No sábado, você dorme a manhã inteira, Téo. ― Mas não tem como ir agora, porra. Até eu treinar, comprar tudo isso e passar no caixa demora pra caralho... Até você preparar o bolo vai demorar mais ainda! Novamente, Sofia parou de rebater os meus argumentos e colocou o dedo na boca, pensativa. Por um momento, ela voltou a se tornar um anjo de luz naquele quarto florido e disse: ― É, você tem razão ― a minha mulher falou. Abri um sorriso, realizado por escutá-la dizendo algo, enfim, são; então me aproximou dela e envolvido o seu rosto, dando um beijo na boca. ― Eu trago um bolo de fubá pronto, tudo bem? ― eu disse em um sorriso cauteloso. Sofia assentiu, um pouco de má vontade, mas terminou por abrir um sorriso. Até que enfim ela vai me liberar, caralho! Em seguida, dei um beijo rápido na sua barriga e, antes de sair pela porta, avisei Maysa: ― Volto daqui três horas, gatinha... Eu tinha dado o meu primeiro passo para fora do quarto quando Sofia perguntou: ― Três horas? Não eram duas? ― ela indagou, fazendo-me perceber que eu cometi um erro nível Caio, que dizia que pararia de fumar quando estava com um maço de cigarro em mãos, na frente de Dorta. Talvez eu precise de um maço agora. Pra fumar todos e me matar de uma vez! Pensei que não pudesse ficar pior quando Sofia completou: ― Acho que vou ao treino de boxe com você, então ― disse, toda satisfeita com a ideia genial. Puta. Que. Me. Pariu. Você só pode estar brincando com a minha cara, não é, Deus? Não é possível que uma criança tão linda quanto a minha filha possa deixar a minha mulher tão fora de si assim. No corredor, o Gato se aconchegou no chão e ficou olhando para mim com uma expressão: resolve essa agora, mané. Eu não levaria Sofia para o treino nem fodendo. Nem fodendo mesmo. ― Não vai, não ― eu disse a ela, virando o rosto. Sofia parecia animada, mas estreitou os olhos em mim, que já não tinha mais paciência para aturar as suas ideias geniais. ― Por que não? ― Porque não é lugar pra você. No momento que eu soltei aquilo, eu soube que tinha me expressado mal pra caralho e que, depois dessa, não tinha volta. Nunca diga a uma mulher onde ela deve ou não estar. Provavelmente, se ela for igual a minha noiva, vai responder: ― E é você quem decide isso ou sou eu, Ferrero? ― Sofia tombou a cabeça para lado, usando um tom de ataque novamente. Senti o sangue brotar do meu pescoço até o rosto, porque, dessa vez, o seu argumento tinha me pegado. Engoli em seco e me vi sem resposta por cerca de alguns segundos, enquanto encarava a jornalista crescendo para cima de mim. Ótimo. Agora a porra ficou séria. ― Não foi isso o que eu quis dizer, Sofia ― eu respondi. ― Não? ― ela questionou, colocando as mãos nos quadris. Eu tinha me expressado mal, mas, mesmo assim, eu não a levaria para o treino de boxe nem se Jesus Cristo descesse do seu agora e dissesse que era a única maneira de acalmar o diabo que possuía o corpo dela. Primeiro que nenhum dos putos levava mulher pro boxe, porque era um momento sagrado que a gente tinha para socar sacos de pancada e falar merda pra cacete. Segundo que Sofia ficaria entediada e, quando eu estivesse no tatame para boxeador com alguém, ela não gostaria de me ver metendo o soco ou sendo socado de volta. Assistindo UFC ela já ficava toda comovida, ao vivo, começaria a chorar por causa dos hormônios... Nem fodendo. Nem fodendo mesmo. ― Não tem o que você fazer lá, Müller ― eu falei para ela, ajeitando a alça da mochila do ombro para deixar o quarto de uma vez. Eu estava louco para sair e desestressar um pouco de tudo o que aconteceu na prefeitura. Por que ela não entendia que eu precisava de paz?! ― Só vão os putos, nem a Paola vai, então é melhor você ficar aqui e me esperar, porra. Eu não sei por que caralhos, mas a parte do esperar pareceu ofendê- la mais ainda. ― Mas eu não quero ficar esperando por você, Téo! ― Sofia reclamou. ― E eu não quero te levar pro boxe, Sofia! ― rebati. Dessa vez, eu só percebi que tinha soado grosseiro pra caralho quando ela ficou com os olhos molhados e engoliu o que ainda queria dizer. Ah, não... Eu vou fazer a minha mulher chorar... Esfreguei o rosto quando me dei conta das suas lágrimas e estendi o braço para que ela se aconchegasse no meu peito. Eu não podia ter dito nessas palavras, mas, porra, eu só queria que ela voltasse a ser a namorada que não ficava me monitorando e que entendia que eu precisava de um pouco de folga, depois de uma semana cheia de trabalho. Porém, antes que eu pudesse alcançar o seu corpo, Sofia desviou do meu braço e passou por mim para sair do quarto da nossa filha. Escutei o barulho do seu choro no corredor e, antes de ir atrás dela, fitei as paredes amarelas com ilustrações de pequenas flores, depois o berço no canto do quarto, vazio por pouco tempo, já que daqui quatro meses esse quarto teria realmente cheiro de flor, como o meu tinha o da minha noiva. Eu teria duas Müller daqui algumas semanas, porra. E uma delas iria me dar a outra, porque era Sofia que estava gerando a nossa filha, não eu. É, nada de boxe esta noite... Saí do quarto depois de notar que até o Gato estava com as orelhas cabisbaixas e fui até o nosso quarto, onde encontrei Sofia sentada na cama, com os olhos molhados fixado na parede cheia de fotografias. Porém, quando me encostei no vão para analisá-la com mais atenção, percebi que os seus olhos estavam fixos em uma fotografia específica, dela mesma. De todas as fotos que existiam de Sofia Müller, esta, em que ela estava no estágio de jornalismo, era uma das minhas preferidas. Ela estava sozinha, sentada em uma enorme cadeira na frente de um computador. A sua cabeça estava encostada e ela sorria com os lábios e os olhos, enquanto os dentes sapecas mordiam o lábio inferior. Já fazia mais de um ano que essa foto tinha sido tirada, quando ainda morávamos em Porto Alegre e ela frequentava o escritório do jornal onde estagiava. Foi lá que ela conseguia escrever os melhores artigos, inclusive, publicou um em uma revista internacional, em uma matéria com as suas próprias fotografias da região da cidade. Abaixei o rosto e deixei a mochila no chão do quarto, pela primeira vez ignorando o meu estresse diário para me focar apenas nela. Talvez o choro não fosse só hormonal e talvez ela quisesse que eu ficasse em casa com ela por outro motivo... ― Me desculpa ― eu disse a ela, aproximando-me devagar até me sentar ao seu lado no colchão. Sofia tirou os olhos da fotografia e me fitou, com uma careta surpresa. Você dizendo a palavra “desculpa”? ― Pra você sempre fez sentido dizer ― eu respondi à indagação dos seus olhos. Sofia não limpou as lágrimas que caiam, mas abriu um sorriso mais leve para mim, como aquele que ela estava dando na foto. ― Me desculpa também ― respondeu baixo. ― Pelo quê? ― eu perguntei, aproximando o rosto para beijar o seu ombro. Investiguei antes para ver se eu estava autorizado, e quando os seus olhos piscaram e ela olhou para o próprio ombro, eu beijei a sua pele. ― Por estar possuída, porra louca? ― brinquei depois que me vi livre do tinhoso. Sofia fez um barulhinho ofendido, mas não aguentou e caiu na risada em seguida. Então ela limpou as poucas lágrimas da bochecha e disse: ― É, eu sei que eu estou insuportável esses dias... ― A minha noiva gesticulou a cabeça, tirando os olhos de mim para olhar para as fotografias a sua frente. ― É só... ― ela começou a dizer, hesitando com uma respiração funda. ― Só...? ― incentivei-a a dizer. Sofia abaixou o rosto e olhou para a sua barriga, perfeitamente e redonda. Depois que seu olhar se levantou, esbarrou-se comigo, intercalando as íris entre as minhas. Quando ela fazia isso, eu me lembrava da garota da excursão que se encontrava comigo na praia de madrugada. A garota que se sentava na pedra um pouco distante do mar e soltava coisas sobre ela, fazendo-me entrar na sua loucura e dizer coisas sobre mim também... ― Não quero que você entenda isso errado ― Sofia falou. ― Então tenta explicar, Müller ― eu pedi. Ela mordeu o canto do lábio e gesticulou a cabeça, um pouco pensativa. Em seguida, ela apoiou os braços no colchão e cruzou as pernas, abraçando a própria barriga. Um dia, eu pensei que o lugar mais interessante que a minha mulher poderia se tocar era entre as pernas... Porém, vê-la passar os dedos pela barriga redonda, como se estivesse escutando a nossa filha dizer alguma coisa, era a visão mais linda que eu acompanhava nos últimos dias. ― Acho que eu estou chata pra caralho porque eu estou... ― ela parou por um momento e levantou os olhos para me encarar: ― entediada ― Sofia soltou, fazendo uma careta. Franzi o cenho enquanto escutava-a dizer aquilo e, incomodado pra cacete com a palavra, eu me aproximei dela no meio do colchão. ― Entediada? ― perguntei. ― É, eu... não sei se essa é a palavra certa ― ela começou a dizer, procurando por outras palavras na sua cabeça. Os seus olhos se molharam mais uma vez, mas o receio se esvaneceu com um sorriso torto: ― Eu só... sinto falta de trabalhar e de fazer as minhas coisas ― Sofia contou, colocando as mechas de cabelo rebeldes atrás das orelhas. ― Eu ainda fotografo em alguns eventos de vez em quando e escrevo bastante desde que a gente se mudou pra São Paulo de novo, mas... eu sinto falta de pressão, sabe. ― Ela deu um riso nervoso e revirou os olhos, como se sentisse boba. ― Eu sinto falta de alguém me cobrando uma matéria ou cobrando que eu escreva melhor. Eu sinto falta de fazer uma trilha de seis quilômetros, fazer trabalho comunitário com um grupo de cem pessoas e escalar um lugar bem alto... ou de viajar e transar no meio da estrada sem que a minha barriga nos complique e toque a buzina do carro sem querer ― ela explicou e riu, dessa vez, incentivando-me a rir leve também. Sofia fechou os olhos e massageou os ombros, gesticulando-os devagar: ― Não é tédio, na verdade, porque a Maysa nunca me deixa entediada ― ela contou, sincera. ― Eu amo sentir a nossa filha crescer, me sinto realizada que ela esteja bem a cada mês e não vejo a hora de me dedicar a cuidar dela quando nascer. Eu sei que ela vai precisar muito de mim por um tempo e isso me faz feliz, mas às vezes eu fico... com saudade de tudo isso ― Sofia explicou e abaixou o rosto. ― Eu acho que essa é a palavra certa. Abaixei a cabeça também, mas, ao invés de me perder em pensamentos como ela, eu me prendi a minha filha, que estava sendo gerada pela mulher mais bonita que eu conheci na vida. Eu tinha sido um pouco cego por me esquecer disso no outro quarto, porque eu demorei para me relembrar que quem estava grávida era Sofia, e ao contrário de mim, ela não poderia escalar um pico em uma cidade do interior para se desestressar. Mesmo que estivesse puto com um colega de trabalho e tivesse levado um esporro mais cedo, eu ainda trabalhava com o que gostava de fazer; já Sofia teve que dar um tempo na sua vida de jornalista e fotógrafa por causa da gravidez. Eu sabia que ela se sentia feliz por tudo o que estava acontecendo: a volta para a sua cidade natal, a proximidade dos seus pais e das suas amigas, Maysa... Mas eu entendia que o seu papel de mãe era mais forte que o meu. Tirei o resto de espeço que nos distanciava e a abracei, sem intenção de deixar a cama para sair de casa. Eu não me lembrava mais como era a minha vida sem Sofia Müller, mas sabia que, sem ela, a minha paz ficaria pela metade. ― Isso não é errado, amor ― eu disse a ela para que Sofia se acalmasse e beijei o seu rosto, que derramou mais lágrimas quando a apertei contra mim. Agora eram os hormônios. ― Sentir saudade não é errado... Queria poder dividir isso com você também. ― Os hormônios iam te matar de raiva, com certeza ― ela respondeu, gargalhando na minha orelha. Sorri para ela e, tomando o seu rosto um pouco molhado, beijei os seus lábios e impulsionei o seu corpo para que ela se deitasse na cama. Por impulso e costume dos velhos tempos, tentei ficar por cima dela, mas a sua barriga estava muito grande e não podia ficar pressionada pelo meu peso. Sofia riu mais um pouco quando tive que ficar ao seu lado no colchão: ― Eu disse que a barriga é complicada. ― Mas é linda ― eu respondi, descendo os beijos pelo seu colo até chegar a ela. Raspei o nariz na pele, sentindo a suavidade e a temperatura quente do corpo, depois voltei a beijar repetidas vezes, de maneira que todo o estresse da semana foi se aliviando no meu peito conforme os meus lábios a marcava. ― Você vai ter a melhor mãe do mundo, pequena ― eu sussurrei para Maysa, pela primeira vez, deixando Sofia me escutar tão bobo pela garota que engatinhava nos meus pensamentos mais frescos. ― Você tem ideia do quanto a gente te ama? Sofia tombou a cabeça para o lado, para me enxergar dizendo tudo aquilo, e os seus olhos sorriam, deixando-a tão linda quanto um anjo. Em seguida, quando coloquei a mão na barriga, uma acontecimento do caralho nos invadiu: eu senti Maysa chutar. Para ser honesto, eu não tinha ideia se ela já podia chutar, mas eu senti que ela se mexeu em resposta do que eu tinha dito, tão presente no quarto como se eu pudesse sentir o cheiro de flor. Puta que me pariu... Puta que me pariu... A minha filha se mexeu agora! Ela se mexeu, caralho! Depois de tirar os olhos da barriga de Sofia e massageá-la à procura de mais respostas, eu olhei para a minha mulher para ter certeza de que eu não estava louco: ― Ela se mexeu agora, não se mexeu, porra...? Sofia levantou um pouco o tronco, boquiaberta também. Ela colocou a própria mão na barriga, junto da minha, então houve uma segunda movimentação, um pouco mais intensa que a anterior. ― É, ela mexeu... Ela mexeu, amor...! ― Sofia suspirou, soltando uma gargalhada animada e colocando a mão na boca para me fitar. Dessa vez, eu não consegui travar: quando fitei os seus olhos lacrimejando, eu soltei as minhas próprias lágrimas cobertas de uma puta felicidade que eu nunca havia sentido antes. A minha filha tá me respondendo, porra... Maysa está... Puta merda, ela está chegando. Ela acordada e está tentando falar comigo também... Encostei a cabeça na barriga de Sofia, sentindo as suas mãos envolverem os meus cabelos. Eu só... estava louco pra caralho para tê-la nas minhas mãos. O corpo e a cabeça pequena como vi na ultrassom... Ela já estava toda formada, porra. E ela estava aqui, agora, bem pertinho de mim, respondendo-me tão forte como prova de que estaria nos meus braços daqui alguns meses... ― Chuta mais. Chuta o quando você quiser... o pai está aqui pra te responder. ― Téo ― Sofia me chamou, engasgando um pouco ―, para com isso senão você vai matar a sua noiva de tanto chorar. Eu te avisei pra não ser fofo pra caralho. Deixei a barriga dela e me aproximei do seu rosto novamente, para beijar tudo o que existia sobre Sofia Müller. Então encostei o lábios no seu pescoço e ritmei a sua pele, sentindo a vibração do seu choro de felicidade. ― Eu te amo mais ― eu disse pra ela, gesticulando a cabeça, ainda surpreso com o que tinha acabado de acontecer. ― Eu pensei que não podia te amar mais, só que... eu te amo tanto agora que eu quero te foder o fim de semana todo. Sofia parou de chorar um pouco para rir. Ela agarrou o meu rosto para me fazer olhá-la e disse: ― Então eu vou te esperar voltar do treino de boxe pra gente fazer isso. O seu rosto estava levemente vermelho e os cabelos bagunçados pra cacete, como eu gostava de ver os fios castanhos no travesseiro. Agora só faltava que ela estivesse nua para ficar mais linda. ― Não vou mais à academia ― eu disse a ela. Sofia franziu o cenho e limpou as minhas lágrimas. ― Eu vou ficar bem com ela aqui ― respondeu, abrindo um sorriso largo. ― Você prometeu que ia descontar a raiva em um saco de pancada pra depois me amar. Eu sei que você precisa do seu tempo pra ficar em paz na segunda-feira, quando encontrar o Henrique-pau-no-cu ― ela disse o nome com uma risada. Eu ri para ela e tirei as mechas da sua testa. ― Eu já encontrei a minha paz agora ― respondi. Sofia enrugou um pouco as sobrancelhas para chorar de novo, mas eu aproximei-me do seu rosto e beijei a sua bochecha: ― Ela chutou forte pra cacete, linda ― falei, animado pra porra. ― Será que ela vai chutar assim todos os garotos que se aproximarem dela? ― brinquei para distrai-la. As lágrimas não voltaram a cair, porque Sofia começou a gargalhar mais ainda, contorcendo-se no colchão e bagunçando todo o lençol. ― Ela vai chutar todos os homens do mundo, menos você, amor ― a minha noiva mentiu. Abracei-a mais uma vez, contentando-me, por enquanto, com o cheiro de flor de apenas uma Müller. Quando abri os olhos de novo, encontrei a parede de fotografias e fixei os olhos em Sofia, trabalhando como uma nerd do caralho em uma mesa de escritório, toda sexy, gostosa pra porra naquela roupa formal... Você sente saudade da antiga rotina, Müller? Vamos recuperá-la então. Depois de beijá-la mais um vez, levantei-me da cama e fui até o guarda-roupa pegar algo que poderia animá-la pra caralho. ― Mudou de ideia, sobre o boxe? ― ela perguntou um pouco confusa. Abri a segunda porta, passando os olhos pelas coisas que estavam guardadas até enxergar uma das malas pequenas de viagem no canto. Agarrei a alça e a puxei para colocar na cama. Fitei a minha mulher novamente. ― Vamos viajar esse fim de semana e transar na estrada, Müller ― eu propus, abrindo um sorriso para ela. Sofia estava com a cabeça encostada no travesseiro, mas a levantou quando me escutou dizer aquilo. A sua boca se abriu e ela intercalou o olhar entre eu e a mala estendida nos seus pés. ― Você tá falando sério, Ferrero? ― Claro. Ela cruzou as sobrancelhas e soltou uma risada surpresa, levantando o tronco. ― Téo! Viajar... assim...? ― Sofia gesticulou o braço. Novamente, lá estava a garota da pedra de encontro, com uma expressão que me acusava de louco por convidá-la a deixar o residencial no meio da madrugada. Cruzei a cama e me aproximei do seu corpo de novo, apoiando o braço no encosto para abaixar o rosto na altura do dela. ― Eu te desafio a viajar comigo e trepar em cima do capô do carro, senhora Ferrero ― eu propus a Sofia. Devagar, um sorriso pinicou nos seus lábios, não qualquer sorriso, um repuxar perverso e instigante que eu me sentia orgulhoso em despertar depois de anos juntos. ― Vamos fazer isso então, papai ― ela respondeu, usando um tom de voz que despertou todos os meus sentidos mais aguçados para provar a mulher da minha vida. Repuxei os lábios também, como ela, sentindo não só paz, mas a loucura que essa mulher me proporcionava todos os dias da minha vida, em doses pequenas ou grandes. Mas, sempre, loucura. ― Com uma condição... ― Sofia falou antes que eu pudesse beijá-la. ― Qualquer uma ― eu me vi muito envolvido para contestar. ― Eu dirijo ― a minha porra louca respondeu, mordendo o canto do lábio. Fodeu.