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IMPOSTOR

Julianna Costa
Todos os direitos reservados e protegidos pela Lei 9.610 e 19/02/1998.
Este livro, ou qualquer parte dele, não pode ser reproduzido por quaisquer meios sem prévia
autorização expressa da autora
Prólogo
Eu e meu irmão somos exatamente idênticos.
E essa é a única coisa que temos em comum.
Um único óvulo fecundado que - por falta do que fazer ou excesso de
determinação - decidiu gerar duas vidas ao invés de uma só.
O Aglomerado Número Um nasceria com olhos verdes e cabelos escuros. Seu olhar
seria respeitável, seu sorriso módico, sua barba bem feita e sua aparência sempre
alinhada.
O Aglomerado Número Dois nasceria com os mesmos olhos verdes e os mesmos
cabelos escuros. Mas seu olhar seria atrevido, seu sorriso ousado, sua barba iria
crescer sem ser contida e sua aparência não receberia qualquer tipo de cuidado
específico.
Eu era o aglomerado número dois. O aglomerado que abandonou os negócios da
família por um estúdio de tatuagem no litoral. O aglomerado que aposentou o
paletó e a gravata pelo corpo marcado de sol e de tinta. O aglomerado que não
falava com a família há quase dois anos e que tentava manter uma vida pacata e
discreta longe dos holofotes da imprensa e das intenções de milionários.
Talvez por tudo isso a ligação de Antônio tenha me surpreendido naquela
tarde.
Ou talvez eu não esperasse ouvir notícias dele em pleno dia de seu casamento.
- LUCA! - Alma gritou da frente do estúdio enquanto eu trabalhava em um
estêncil, assistindo meu telefone vibrar sobre a mesa branca - VOCÊ JÁ ACABOU AÍ?
As letras escuras e imensas na tela do meu aparelho narravam o nome "Antônio"
além de qualquer dúvida.
As últimas ligações que recebi da família foram de minha mãe.
Foi ela quem me ligou há três meses para avisar que Tony se casaria em breve.
Foi ela quem me ligou há dois meses para perguntar se eu já tinha recebido o
convite e se viria.
Foi ela quem me ligou há um mês para insistir que eu abandonasse minhas
"bobagens" e fosse prestigiar meu irmão.
Foi ela quem me ligou há duas semanas para perguntar se eu não iria mesmo ao
casamento.
Foi ela quem me ligou há uma semana para dizer que Fernanda estava noiva e
que eu "deveria aparecer para mostrar a ela o que tinha perdido" em uma última
tentativa desesperada de me convencer a participar.
Era ela quem me ligava.
Não Tony.
Nem mesmo meu pai.
Mas ali estava.
Meu irmão mais novo por alguns minutos… ligando para mim pela primeira vez em
meses.
No dia do seu casamento.
- Já vou. - avisei para Alma - Estou no telefone. - anunciei antes de
respirar fundo para atender - Tony?
- Luca! Graças a Deus!
Ele soava exausto e sem ar. Mas era bom ouvir sua voz.
Nossa distância tinha sido imposta muito mais pelo contexto familiar que por
uma inimizade e, embora ele achasse que eu não desconfiava de suas verdadeiras
razões, eu as conhecia muito bem.
Sempre tentando me ajudar quando meu pai não estava olhando… Se não fosse por
ele, eu jamais teria conseguido me estabelecer ali.
Ele era uma boa pessoa, o meu irmão.
Um bom homem.
Era bom ouvir sua voz.
- Tony, por que diabos está me ligando? Não deveria estar experimentando um
paletó caro demais ou algo assim? - brinquei - Ah e parabéns. - acrescentei por
motivo nenhum além de etiqueta - Não sou o maior fã de casamentos, você bem sabe,
mas…
- Luca, preciso te pedir um favor. - cuspiu, aflito.
- Cara, você tá legal? - baixei o tom de voz por nenhuma razão - O que
aconteceu?
Mas ele não parecia me ouvir.
- Preciso te pedir um favor. - repetiu - Um favor imenso.
- Antônio, você está me deixando preocupado. Aconteceu alguma coisa?
- Se aconteceu alguma coisa? - havia um tom quase cômico em seus desespero.
Como se houvesse acontecido coisas demais para narrar ou impossíveis demais para
descrever - Eu deveria estar me casando. - suspirou. Sua voz era idêntica a minha
o que servia para intensificar meu nervosismo diante de suas palavras balbuciadas
e incompreensíveis - Luca, eu… eu preciso que você volte para casa. Hoje. -
sussurrou, em pânico - Preciso que vista meu paletó caro demais e… preciso que
case no meu lugar.
Eu comecei a rir.
Foi espontâneo e delicioso.
Ou era uma pegadinha idiota, uma prenda de despedida de solteiro ou um
artifício para me convencer a ir ao casamento. Todas as três possibilidades eram
igualmente estúpidas e cômicas.
- Ótimo. - gargalhei - Quer que eu vá na noite de núpcias também? Já vou
estar por lá, mesmo.
- Não, eu acho que chego antes de vocês partirem.
- Ah, que pena. - murmurei, rindo - Mas estou por aqui, se precisar.
- Luca, eu não estou brincando.
- Claro que não. Só me ligou para pedir para experimentar meu pior pesadelo
ficando de pé em um altar e esperando para casar com sua mulher. Cara, sei que te
devo por causa de toda a coisa com o estúdio… - brinquei - Mas isso é um
pouquinho demais.
- Não estou pedindo por causa…! - ele começou, exaltado, mas então se
controlou - Sinto muito, Luca, imagino como deve ser uma perspectiva desagradável
pra você. Mas já faz tempo demais e…
- Não tempo suficiente.
- Você foi longe demais, Luca! O que aconteceu com a Fernanda foi uma merda,
mas você simplesmente não superou. Foi horrível para nós que te amávamos ter que
assistir…
- É, o que aconteceu com a Fernanda foi uma merda. Uma merda que você parece
ter esquecido ou não faria essa piada cruel de pedir para outra pessoa casar no
seu lugar.
- Luca, não é piada. E não é crueldade. Você… você não entende. - ele parecia
em pânico. Pânico genuíno e absoluto.
- Então, me explique.
- Eu estou muito longe. Tive um problema… uma questão muito grave e muito
pessoal. Precisou de minha atenção imediata. Ainda precisa.
- Pois então ligue para sua noiva. Não para mim.
- Luca, por favor! - sussurrou - Estarei lá essa noite. Mas não há condições
de chegar a tempo para o casamento! Mesmo que eu pegasse o avião agora, não
chegaria a tempo. Estarei lá essa noite! Só preciso de algumas horas suas. Só
algumas horas! Fico te devendo pelo resto da vida.
- Você tá falando sério? - me inclinei contra o telefone.
- Muito sério. Você… você não entende. É uma coisa muito grave, Luca, eu não
pediria se não fosse. Sabe que eu não pediria! Eu teria que deixar Gabrielle no
altar, Luca. E ela é uma pessoa boa. Não… não merece isso.
Filho da puta.
Estava apelando pro meu ponto fraco e sabia disso.
- Você quer que eu volte pra casa, me enfie nas suas roupas e case com a
mulher como se fosse você? Não está escutando como isso é ridículo?
- Se você não tiver feito nenhuma tatuagem no rosto ou nas mãos, vai dar
certo.
- Tony… - eu esfreguei os olhos - Eu tenho que trabalhar. Não posso largar
tudo para… casar por você.
- Cara, eu odeio ter que usar essa carta, mas você está me devendo. -
suspirou - E olha: Nossas assinaturas são quase idênticas, o terno está pronto e
vai caber perfeitamente. Meu barbeiro está esperando. Ele faz o mesmo corte e
barba em você. Só algumas horas, Luca! Estarei lá a noite.
- Calma, calma… o que nossas assinaturas têm a ver?
- Vai precisar assinar os documentos por mim.
- Ah, então você quer que eu case com sua noiva? De fato?
- Ninguém vai saber! Ninguém! O paletó cobre suas tatuagens e ninguém presta
atenção no noivo nessas coisas mesmo.
- Ninguém vai saber? Nem… sei lá, talvez… SUA NOIVA?
- Ela não vai notar. - prometeu.
- Que ótimo, hein, Tony? Vai casar com uma mulher que nem sentiria sua falta?
- Só aperte umas mãos, sorria pras fotos e vá ao banheiro masculino do prédio
anexo quando o carro chegar para levar vocês para o aeroporto. Eu estarei lá, a
gente troca as roupas e eu te devo um favor imenso.
- Tony, não…
- Vai me fazer deixá-la no altar, cara? Esperando sozinha, sem saber o que
aconteceu?
- Isso não é minha responsabilidade. É sua. E onde você está?
- Luca. - ele respirou fundo - Meu barbeiro está avisado. Tem uma passagem de
trem comprada, no seu nome, esperando por você. Meu motorista estará na estação
para te levar a todos os lugares que precisa ir. Se decidir fazer isso, vou ficar
te devendo. Muito! Mas, se decidir não fazer, Gabrielle vai ficar esperando,
porque eu não tenho como chegar lá a tempo.
- Cara, você não pode fazer isso.
- Tenho que ir, Luca. Por favor, faça isso.
- Vai pro inferno, Antônio! Ligue pra sua noiva. Você não pode fazer isso!
Antônio!
Ele tinha desligado o telefone.
Alma estava na porta assistindo o fim da minha ligação.
- Que houve? - ela cruzou os braços com uma sobrancelha erguida.
Deixar uma noiva no altar.
Respirei fundo.
E ele estava certo: eu o devia um favor.
Amarrei meu cabelo em um nó apertado e não consegui acreditar no que disse:
- Preciso que cancele minha agenda para o resto do dia, Alma. Tenho um
compromisso.
1 – Até que a morte os separe
Me aproximo do rapaz que segura a placa com meu nome no desembarque do trem.
Ele me encara desconfiado antes de murmurar.
- Senhor Luca? - arrisca.
- Sou eu.
- Luca Zummo? - confirma.
- Eu, de novo. - sorrio.
- Oh, o senhor Tony disse que vocês eram idênticos e eu…
- Cabelo comprido, barba e tatuagens não são muito o estilo do seu chefe,
han?
- Nem um pouco. - ele ri - E o senhor parece mais alto. - ele se oferece para
carregar minha mochila, mas eu recuso.
- Bem, isso não é bom. - meu estômago embrulha diante da perspectiva do que
precisa ser feito.
- Eu sou Marco. - acrescenta depressa, guiando o caminho - O barbeiro já está
esperando. - explica. Marco é alto e esguio. Parece ser poucos anos mais velho do
que eu. Cabelos castanhos bem arrepiados e olhos miúdos e escuros. Tem um jeito
agitado que eu começo a achar contagiante - Depois vou levá-lo para o alfaiate e
de lá para a igreja. O senhor Tony pediu que eu mostrasse algumas fotos da
senhorita Gabrielle, caso o senhor tenha esquecido! Já estão no carro.
Hesito.
Tony contou os detalhes para o motorista?
- O… o que?
- As fotos. - acrescenta - Já estão no carro.
Aceno devagar, seguindo suas direções.
- Escute, Marco… O que o Tony te contou que eu iria fazer aqui?
- Ocupar o lugar dele no casamento? E não se preocupe! - continua, sem
esperar uma resposta - Ele já deve estar a caminho! Vou buscá-lo essa noite no
aeroporto e aviso quando ele já estiver na recepção, para vocês dois…
destrocarem. Já sabe como vai fazer para esconder as tatuagens? Eu sei que tem
umas maquiagens que…
- Acho que o paletó resolve.
- Ah, sim! Inteligente! Mas é melhor não tirá-lo durante a noite. A camisa
por baixo é branca. Pode ser que deixe aparecer alguma coisa. O tecido é bom,
então não acho que seria exatamente transparente, mas nunca se sabe como as
pessoas são perceptivas, não é senhor Luca, essa gente nessas festas é sempre
muito perceptiva!
- Tenho certeza que sim.
- Vi uma pesquisa na revista "Eras" na semana passada. O senhor lê a revista
"Eras"? Eles dizem que as pessoas tendem a prestar atenção nos outros baseado no
que as incomoda em si mesmas. Então, se uma pessoa nota que você tem o nariz
comprido é porque elas acham que elas têm nariz comprido. Ou queriam ter nariz
comprido. Ou não queriam. Não sei. Talvez eu precise ler a revista de novo. O
senhor já conheceu a senhorita Gabrielle?
Não, eu não a conhecia.
Quando eles começaram a namorar, eu já devia estar longe há alguns meses.
Eu não tenho qualquer intenção em compartilhar tudo isso com Marco. O que é
perfeito, já que Marco parece não precisar de respostas para as perguntas que
faz.
- Ela é incrível. Muito talentosa. E responsável. E bonita. - toca minhas
costelas com o cotovelo de um jeito que eu acho muito inapropriado. Minha
resposta não vem com palavras, já que ele parece ignorá-las, mas com uma careta
de desagrado que ele prontamente compreende - Não que isso faça diferença, quero
dizer, sei que é a mulher do seu irmão. E que ela deve ser tipo homem pro senhor.
A não ser que o senhor goste de homens, aí ela seria tipo mulher mesmo. Não seria
estranho, a revista "Eras" disse que gêmeos idênticos têm coisas diferentes tipo
as impressões digitais e até questões de sexualidade. Teve um caso na Rússia em
que gêmeos idênticos nasceram com olhos diferentes, mas trocados. Um castanho e
um verde. Mas o que era o olho esquerdo em um era o direito no outro.
Completamente iguais na genética não fosse por…
- Marco, nós já estamos perto do carro? - olho ao redor no estacionamento.
Que loucura acometeu Tony para contar para o General Falador sobre seus
planos sigilosos era algo que eu nunca compreenderia, mas, em poucas horas, a
vida de Tony seria problema de Tony.
- Oh, já chegamos. - abre a porta de um carro que esteve ao nosso lado todo
esse tempo e pega minha mochila para guardá-la - O senhor quer beber alguma
coisa? Posso fazer uma parada antes do barbeiro. Pode ser melhor ter algum álcool
no estômago antes de… sabe? Quero dizer, não é todo dia que a gente casa com a
mulher do irmão! - brinca e recebe outra carranca - Mas por outro lado não é bom
beber demais e…
- Obrigado, Marco. - fecho a porta do carro apenas para tentar conseguir
calá-lo. Estou sentindo minhas têmporas se aquecerem enquanto eu considero parar
para uma bebida, como o motorista ofereceu. Talvez não fosse uma má ideia.
E é nisso que eu estou pensando: em más ideias, quando vejo as fotos no
painel do carro a minha frente. As impressões são novas e brilhantes, como se
tivessem acabado de ser feitas exclusivamente para o meu benefício. Mas não é a
qualidade das fotos o que me impressiona, ou sequer a ideia de que alguém ainda
imprime fotos, mas sim a mulher nas imagens. O cabelo castanho e muito cacheado,
os grandes olhos cor de mel, a pinta bem acima da sobrancelha esquerda que por
mais minúscula que fosse ainda conseguia atrair o olhar, como uma marca delicada
que existisse para provar que aquele ser humano é único, e não como os outros.
E única, ela era.
Puta que pariu.
Gabrielle.
Tony disse seu nome mais cedo no telefone.
Mamãe também a mencionou. Devia estar lá escrito no convite de casamento que
eu nunca abri.
Mas eu não tinha associado o nome à pessoa.
Eu nunca poderia associar o nome à pessoa.
Gabrielle.
Escondo as mãos nos olhos e começo a rir.
Tony ia casar com Gabrielle.

**********************

- Agora sim! - Marco sorri, satisfeito.


Meus cabelos tinham sido reduzidos a um corte tradicional e elegante que,
suspeitei com algum nível de convicção, deveria ser exatamente o mesmo do meu
irmão. A barba foi feita até existir nada no meu rosto além de pele lisa e
sensível.
- Mas ainda está diferente. - espreme os olhos - Você parece mais alto que o
senhor Tony. - avisa assim que o barbeiro se vai.
- Não sou mais alto que ele, Marco.
- Mas parece. - decide, olhando para o relógio - Tenho que levá-lo para o
alfaiate, já estamos atrasados. Conseguiu dar uma boa olhada nas fotos?
Não sei se uma "boa olhada" é uma definição. Mas eu tinha dado "alguma
olhada".
"Olhada suficiente" para perceber que meu irmão tinha se apaixonado por nossa
antiga colega.
Éramos um bando de moleques mal saídos da puberdade e recém iniciados na
universidade quando conhecemos Gabrielle. Ela estudava engenharia e conseguiu um
estágio na Zummo Automóveis certa que aquilo lhe garantiria experiência e
contatos.
Até hoje deveria amaldiçoar o dia que descobriu que a vaga seria para
"assistir" um adolescente perturbado e um ano mais velho que ela.
Nunca soube exatamente por que meus pais acreditaram que eu ou Tony
precisávamos de assistentes, mas por um ano inteiro, Gabi ficou encarregada de
ser praticamente minha babá e, por Deus, como ela detestava. Eu, é claro, estava
vivendo os dias mais enlouquecidos de minha vida de universitário e nunca fiz
questão de lhe facilitar o trabalho. Tenho vagas memórias de uma ou duas ocasiões
em que até pedi a ela que se livrasse de namoradas por mim.
Tudo aquilo parecia distante… uma outra vida. Antes de minhas
responsabilidades. Antes de assumir parte da empresa. Antes de Fernanda. Antes de
abandonar tudo.
Mas para Gabrielle foi um ano inteiro de sua vida. Ela me detestava e, pelo
tempo que sobreviveu no trabalho, sempre deixou isso muito claro.
Tony, no entanto, era diferente.
Ela e Tony sempre tinham funcionado em uma frequência mais próxima. E quando
Gabi desistiu de mim e considerou pedir demissão, foi meu irmão quem veio ao seu
resgate, sugerindo que trocássemos de assistentes. Não éramos mais tão próximos,
eu e meu irmão. Tínhamos sido íntimos na infância, mas na adolescência… eu sequer
sabia por quanto tempo ele deve ter mantido Gabi como sua assistente, antes de
lhe conseguir um estágio na engenharia da Zummo.
Gabrielle.
O insano do meu irmão ia casar com Gabrielle.
O alfaiate me entrega as peças para vestir e o pânico me preenche quando
compreendo qual deveria ser a diferença entre nossos tipos físicos que Marco
tinha dificuldades em descrever. As calças vestiram bem o que sugeria que a
genética tinha sido milimetricamente precisa com nossas alturas. Mas a camisa e
colete estavam justos demais e eu sequer tinha vestido o paletó.
Crossfit, esportes variados e pelo menos dois tipos de artes marciais tinham
se tornado um vício na minha vida há alguns anos, enquanto Antônio era adepto de
caminhadas curtas e visitas a academia em dias alternados. Era magro e esguio ao
contrário do meu forte e largo.
Não deveria ser tão menor do que eu, ou as roupas sequer caberiam, mas eu era
mais forte, sem dúvidas. Sua camisa se agarra nos meus bíceps de um jeito
desconfortável e eu tenho que puxar as mangas para baixo em tentativas frequentes
de ganhar algum espaço para me mover.
O alfaiate me observa, intrigado, antes de perguntar se há algo errado.
- Devo ter ganhado algum peso desde a última medida. – minto, com um sorriso
– Mas está ótimo assim.
- Fale mais devagar. – Marco instrui assim que saímos do alfaiate com o terno
devidamente protegido naqueles sacos ridículos de carregar roupas.
- Perdão? – ergo uma sobrancelha. Eu conhecia Marco há cinco segundos e já
achava que ele deveria ser a última pessoa da Terra a mandar alguém “falar mais
devagar”.
- O senhor Antônio fala mais devagar. Mais educado. O senhor é muito casual.
- Certo. – aceno ao entrar no carro.
Eu conheço a igreja. Era a mesma em que meus pais se casaram, a mesma que
minha família frequentava aos domingos. Escolha intencional, sem dúvidas. O ar de
familiaridade quase foi suficiente para me acalmar, não fosse o coletivo de mãos
que tomaram o controle do meu corpo assim que passei pelas portas.
Há pelos menos duas figuras reconhecíveis. Amigos antigos de Tony. Escola,
faculdade… o resto eram apenas um punhado de rostos e, em certos momentos, não
mais que vultos.
Muitos tapas nos ombros, votos de parabéns e piadas diversificadas sobre
casamento envolvendo escravidão, fugas e mais todo tipo de clichê.
Eu já tinha passado por aquilo.
Já tinha vivido aquilo.
Em outra igreja, claro. Fernanda queria uma catedral, uma basílica, um altar
religioso em ouro e diamantes, se assim houvesse. A igreja simples em que todos
os outros membros de minha família tinham se casado não era suficiente para ela e
eu, apaixonado e compreensivo, não hesitei em gastar dinheiro demais em uma festa
de casamento que acabou inutilizada.
Pelo menos Tony tinha priorizado a tradição. Quero dizer… pulando a parte de
efetivamente casar com sua própria noiva…
Estou sendo conduzido para o quarto que me foi designado quando uma voz
familiar demais faz meu coração pular uma batida.
- Tony, querido.
- Mamãe. – sorrio, devagar.
Cuidado. Cuidado agora.
Tento procurar Marco e sinalizar um pedido de socorro. Se havia uma pessoa
naquela festa capaz de captar as diferenças, sem dúvidas, seria ela.
Mas está tão perto. Seu sorriso carinhoso e gestos maternais.
Senti sua falta.
Mais do que gostaria de admitir.
Disse coisas das quais me arrependi e nunca soube como pedir desculpas. Nunca
soube se ela as aceitaria em sua plenitude, a ponto de desistir de esperar
qualquer tipo de reencontro ou reconciliação. Ela me ligava, eu lhe dizia que
estava bem. E era isso: tudo a que tinha se reduzido nosso contato.
Tony, no entanto, era seu filho querido. Tony ganhou um abraço que eu recebi
em seu lugar, apertei-a com carinho e talvez por tempo além do que seria
justificável.
- Está lindo. – aperta minha bochecha e eu sorrio. Ela ainda fazia isso.
Ainda apertava bochechas. – Um banho e coloque as roupas. – ordena com um
indicador autoritário e um sorriso caloroso – Já está na hora.
- Eu levo suas coisas. – Marco toma meu saco de roupas e guia o caminho que
Tony deveria conhecer muito bem, embora Luca não fizesse ideia.
Deus abençoe o falador.
Parece que Tony realmente sabia o que estava fazendo quando confiou nele.

**********************

No dia do meu casamento, eu estava ansioso.


Estapeando o chão com um sorriso mal contido.
Compreensível.
Eu estava apaixonado.
E Fernanda estava demorando um pouco demais para, finalmente, aparecer.
Claro que noivas demoram por definição. Mas quase uma hora de atraso já
estava começando a romper os limites da etiqueta.
Não consigo lembrar exatamente quando percebi que ela não chegaria.
Certamente não no dia anterior, quando ela fez todo tipo de dengo do lado de fora
da joalheria até ganhar o bracelete de brilhantes que eu não tinha motivos para
lhe comprar. Certamente não no dia do casamento, quando ela me ligava a cada dois
minutos querendo fazer trocas no buffet por considerar que não tinha sido
elitista o suficiente, e a prima distante que veio apenas para o seu casamento
iria ver na marca do caviar escolhido uma mensagem subliminar que indicaria que
seu novo marido estava em vias de falência, ou algo igualmente absurdo.
Certamente não na primeira meia hora de seu atraso, enquanto alguns convidados
ainda estavam de pé pelo salão, escolhendo seus lugares. Certamente não quando
meu melhor amigo e padrinho de casamento me deu tapinhas no ombro e
congratulações.
Eu não conseguia parar de sorrir.
Compreensível.
Eu estava apaixonado.
Mas Fernanda estava, de fato, demorando um pouco demais para, finalmente,
aparecer.
Talvez o pensamento tenha passado pela minha cabeça pela primeira vez quando
o tempo se prolongou em silêncio suficiente para me fazer considerar que horas
seriam. Olhei para o relógio, começando a sentir os primeiros traços do incômodo.
Não era educado fazer tanta gente esperar daquele jeito.
Não minha avó doente e debilitada. Não a prima invejosa que veio apenas para
criticar marcas de caviar.
Se sua entrada tivesse sido anunciada ali, no entanto, era pouco provável que
meu incômodo tivesse sido sequer lembrado. Ela entraria: bela e maravilhosa, em
toda sua glória e eu ia me desfazer em sorrisos como o estúpido apaixonado que
era.
No entanto, ela não entrou.
E ali estava eu.
Enfiado em um terno, de pé em um altar, esperando por uma mulher. Exatamente
como jurei que nunca mais faria na minha vida.
Tony estava me devendo um favor imenso.
Eu estava querendo expandir o estúdio, não era? Tony Zummo ia voltar de
viagem e se descobrir, mais uma vez, investidor da indústria de tatuagem. Era
isso que ia acontecer.
Respiro fundo e percebo que não estou ansioso.
Não estou apaixonado dessa vez.
E, se fosse abandonado, seria mais um alívio que um infortúnio.
No entanto, rápido demais, a música começa.
Todos estão em seus lugares e a porta se abre dando passagem a uma moça de
branco acompanhada pelo meu pai.
Tudo bem.
De todas as pessoas que se distanciaram de mim, meu pai tinha sido a mais
resoluta.
Ele não tinha tempo ou paciência para jovens dramáticos - palavras dele, não
minhas - e, se eu quisesse fugir por causa de uma mulher, que fugisse de uma vez
e deixasse de ser uma vergonha para o nome da família.
Desvio o olhar dele.
Encará-lo me deixa mais nervoso que o terno, o altar ou a noiva.
Prefiro observar a chegada de Gabi.
Ela está linda. Justiça lhe fosse feita: Gabrielle sempre foi uma mulher
bonita. Aquele corpo cheio de curvas exuberantes que atiçavam a imaginação e a
língua. E ali estava: Curvas invejáveis delineadas intencionalmente por um
vestido de noiva, justo em locais provocantes, sem jamais abandonar o pudor que a
situação exigia, principalmente de uma mulher vestida de branco em tais
circunstâncias. Nunca confessei isso a ela - embora o tivesse feito ao meu irmão
em mais de uma ocasião - mas meu corpo adolescente se deliciou com imagens
inapropriadas de minha assistente por bastante tempo. Ela ficava especialmente
linda quando estava furiosa. Algo no modo como mordia os lábios me fazia imaginar
que ela queria me morder.
E eu deixaria. Claro que deixaria.
Não mais, no entanto.
Em pouco tempo ela seria uma mulher casada e minha cunhada.
Ou algo muito perto disso, considerando que fui eu quem a recebeu no altar.
Mantenho o porte ereto e um sorriso suave, e é apenas quando recebi sua mão
na minha que começo a entrar em pânico de novo.
Ok.
Ela era a noiva de Tony.
Mas sou eu que vou dizer as palavras na frente do padre.
Sou eu que vou assinar o documento.
E, considerando o peso religioso de minha família, a parte do padre era ainda
mais definitiva que a parte legal. Ou seja, se alguém descobrisse, mesmo um
divórcio não seria suficiente para colocar as coisas de volta no lugar.
Para todos os efeitos, Tony tinha me fodido e quem ia casar com Gabrielle era
eu. Só me restava que ninguém nunca descobrisse. A começar pela própria noiva,
que seria perfeitamente capaz de comer meu fígado se descobrisse quem era o homem
que tinha pela mão.
- Oi, docinho. - ela sorri. Há algo em seu sorriso. Algo como uma troca de
confidência entre dois amigos muito antigos. Parte de mim sentiu ciúmes de meu
irmão. Mas a outra parte de mim estava preocupada com um problema de dimensão
infinitamente superior.
Ai cacete. Eles têm apelidos um pro outro? Que eu faço agora?
Sorrio com os lábios apertados ao aceitar sua mão e espero que seja
suficiente.
Ela me observa com um canto do olho e alguma curiosidade divertida. Acho
melhor ignorar.
Ignorar a noiva no dia do casamento.
Tony ia ter uma cerimônia de merda. Mas… se ele quisesse uma memorável que
viesse ele mesmo.
Seguro a mão de Gabi na minha e tento não tremer. Ela parece calma de um
jeito quase real. Bem diferente da assistente descontrolada que, em uma noite
particularmente constrangedora, me arrastou pelos cabelos para fora de uma festa
que eu nunca deveria ter ido, devido a prova importante que tinha no dia
seguinte.
O padre Arnold tinha uns 70 anos e era um velho conhecido da família.
Vagarosamente, disse todas as palavras certas e leu as passagens da Bíblia mais
tradicionais que um casamento poderia ter.
Toda a cerimônia que Antônio e Gabrielle escolheram era convencional a ponto
de me levar ao tédio, mordo minha própria língua em uma tentativa desesperada de
não bocejar na frente do pobre homem e da noiva desinformada. Foi mais ou menos
na metade da cerimônia que eu lembrei que precisaria beijar Gabrielle.
E, em meu pesadelo de antecipação, a segunda metade da cerimônia pareceu voar
em uma agilidade que esteve completamente ausente em sua primeira metade.
Eu disse as palavras que foram ordenadas.
Gabrielle disse as palavras que foram ordenadas.
Um papel se fez presente a nossa frente e uma caneta estava na minha mão.
Nossas assinaturas são quase idênticas.
Tomara que sejam mesmo.
Um rabisco incompreensível fazia as vezes da primeira letra, que poderia ser
um A ou um L, e então o sobrenome. Nunca antes estive tão ciente de minha própria
grafia e quase demorei demais apenas para assinar na linha.
A declaração de marido e mulher.
Ai merda. Tony estava me devendo muito.
O "pode beijar a noiva".
Eu ia franquear meu estúdio de tatuagem. Ia abrir novas filiais pelo mundo
todo e Antônio seria o patrocinador da empreitada.
Eu deveria me inclinar, tomar Gabi nos braços e beijá-la. Era o que eu
deveria fazer.
O que eu conseguiria fazer, no entanto, era um assunto diverso.
Abençoada seja ela, por ter tomado a iniciativa.
Seu rosto de lábios carnudos aproxima-se até misturar nossos hálitos.
Acontece em um instante.
Um único instante, ínfimo e fugaz: assim que sinto sua saliva em meus lábios.
Algo aconteceu ali.
"O que" eu não saberia dizer… mas definitivamente algo.
Algo que se traduz em um ardor em meu peito, como se metade dos meus órgãos
tivessem decidido se liquefazer.
Gabrielle na minha boca.
Tomo sua cintura nos braços, trazendo-a para perto e odiando-me eternamente
por me permitir ser beijado.
Ela me beija, casta e lenta, fazendo com que eu me sentisse amaldiçoado por
saber que aqueles beijos suspirados, intercalados com sorrisos de cumplicidade,
eram, na verdade, dedicados a outro homem.
Rápido demais, afasta-se. Melhor assim. Não há benefício em me perder em
sonhos diurno envolvendo a boca de minha cunhada.
Seja lá qual o problema de Tony, deveria ser muito grave. Acho que poucas
coisas na vida justificariam perder aquele beijo.

**********************

Eu percebi duas coisas.


Primeiro, Tony estava certo: quase ninguém prestava atenção no noivo.
Segundo, fingir estar apaixonado por Gabrielle era quase fácil demais.
Ela tinha um sorriso lindo, um jeito carinhoso de tomar meu braço e deveria
ser a pessoa mais espirituosa da festa. Seus sussurros em meu ouvido eram íntimos
e constantes, narrando fatos ridículos sobre uma festa tradicional demais e cheia
de gente que ela e Tony mal deveriam conhecer. Era impossível não rir diante de
seus comentários sagazes e eu logo estava me divertindo muito. Foi então que
compreendi que a cerimônia deveria ter sido integralmente organizada por mamãe,
Gabi apenas foi o ser humano de coração imenso que - ao contrário de Fernanda -
ligava pouco para festas e muito para os sentimentos alheios. Ela e Tony estavam
agradando mamãe e eu não conseguia deixar de admirá-los por isso. Principalmente
ao considerar meu próprio histórico no quesito "matrimônios".
- Meu bom Deus e eu achava que soutiens eram desconfortáveis. - reclama,
roubando goles da minha taça de champanhe, ao repuxar o topo de seu decote quando
ninguém estava olhando - Esse pano rígido chique é pior, eu juro.
- O que está te incomodando? - analiso - Posso ajudar?
- Depende. Quer trocar? - aponta para nossas roupas, rindo.
- Posso dispensar os saltos? - considero.
- Claro que não! - faz uma careta de ultraje.
- Oh, droga. Tá, tudo bem, eu dou um jeito. - prometo, fazendo-a rir.
Ela mexe os ombros como se procurasse uma posição mais confortável para o
vestido e então expira como se fosse uma atividade impossível. Poucos minutos
depois, ela esquecia que tinha desistido, e lá estava ela, lutando contra o
vestido mais uma vez.
- Não se preocupe. - passo o braço pelos seus ombros, tentando lhe distrair -
Logo, logo, você vai tirá-lo.
Minha intenção era apenas fazer uma constatação informal, mas as palavras
estalam safadas na minha língua.
- É? - sorri - E é você quem vai tirar?
O ponto em meu tórax, que até então fazia nada além de se derreter em ardores
por Gabrielle, contrai-se em horror. Estou lutando para não deixar o pânico
transparecer porque receio da nudez na noiva na noite de núpcias não parece ser o
perfil de um noivo apaixonado. Mas… abandonar a noiva e deixá-la para casar com
seu próprio irmão também não parece, então Tony teria que me perdoar.
- Ei, você tá bem? - ela acaricia meus cabelos. Sua mão escorrega pela minha
bochecha, o polegar demorando-se em minha pele e eu desejei que ela fosse
solteira.
Se ela fosse solteira, eu viria ao casamento do meu irmão e daria em cima
dela.
Faria isso porque ela era doce, carinhosa, linda e sagaz.
Faria isso porque adoraria levá-la para jantar e ouvir seus comentários
ousados.
Faria isso porque a ideia de ser eu a retirar seu vestido estava começando a
afundar em minha alma mais do que eu gostaria.
Mas ela é casada.
Com meu irmão.
E me detesta.
Então, é melhor eu beijar sua bochecha, sorrir de seus comentários e esquecer
de tudo aquilo assim que Tony chegar e eu puder lhe devolver o paletó e a noiva.
- Estou. - prometo. Sua mão está em meu rosto e eu puxo sua palma para beijá-
la.
- Você já quer ir? - sorri - É nosso casamento, sabe? Ninguém vai ligar se a
gente desaparecer um pouco. E sempre podemos dizer que estávamos consumando o
casamento no banheiro. - ela belisca meu estômago e o ponto em meu tórax está se
contraindo de novo.
- Não, é nossa festa. - gaguejo - Vamos aproveitar.
- Tony, você detesta essas coisas. - lembra - Eu detesto essas coisas. A sua
mãe insistiu e agora está feito. Mas se precisar ir…
- Gabi, eu estou bem. - prometo - Você quer dançar? - sorrio, sugestivo.
- Nossa! Achei que você nunca ia perguntar! - exagera e eu a tomo pela
cintura.
Era difícil transitar com Gabrielle. Eu ainda conseguia escapar aqui e ali,
sem ser percebido. O vestido de noiva, no entanto, parecia forçar todas as
pessoas a menos de dois metros de distância a se aproximar com mais um abraço ou
mais uma palavra de felicitações. Chegar a pista de dança já seria um trabalho
árduo o suficiente mesmo que eu não a tivesse visto se aproximar.
Mas eu a vi.
Fernanda.
A mulher consegue dar uma nova definição para a palavra exuberante, porque,
aparentemente, era pedir demais que ela tivesse ficado opaca e infeliz depois de
me abandonar. Pelo contrário, está radiante com seu sorriso imenso e seus cabelos
dourados caindo em cascatas pelo seu corpo esguio.
A maldita é linda.
Eu sinto palpitações.
Eu só a vi uma vez depois do fatídico acontecimento e não era uma lembrança
calorosa… mas ela e Gabrielle tinham sido amigas na universidade, foi através de
Gabi que a conheci, inclusive. Então, acho que sua presença na festa fazia
sentido. E mamãe tinha me avisado…
- O que ela está fazendo aqui? - Gabi está rígida ao meu lado. Demoro para
compreender que ela se refere à mesma pessoa que tinha minha atenção.
Fernanda está perto demais.
Engulo em seco.
- Tony… Gabi! Está linda! Parabéns! - ela abraça Gabrielle primeiro, mas não
encontra muita simpatia em minha noiva. - A cerimônia foi belíssima! Estou
invejando seu vestido. - desce os dedos longos pela renda que incomodava
Gabrielle.
- Pode invejar vários modelos, Fê. - Gabi sorri, amarela - Basta continuar
fugindo de casamentos e terá oportunidade de experimentar todos.
Suas palavras são ácidas, mas Fernanda ri como se fossem apenas jocosas.
- Você é mesmo horrível! - gargalha - Não que haja motivos para
ressentimentos em nossa amizade, não é? Afinal, eu até peguei o outro, mas você
conseguiu um para você, também. - aponta para mim. Eu estou congelado, mas não o
suficiente para impedir a curiosidade. Havia igual acidez nas palavras de
Fernanda, em uma sugestão evidente de que havia algo nas profundezas da interação
entre as duas que eu ainda desconhecia. - Tony. - Ela vira-se para mim, plantando
um beijo em cada bochecha e espalhando seu perfume pela minha roupa. Estou
começando a ficar tonto quando ela se afasta. O casamento, os trajes formais, a
proximidade com Fernanda… tudo me envolvia quase a ponto de sufocar e meu
estômago já estava se revirando.
- Fernanda. - murmuro, muito baixo em uma tentativa de cumprimento.
- Tony, Gabi. - Vicenzo nos cumprimenta, cortês.
O homem tinha sido meu melhor amigo.
Talvez não O Melhor. Mas certamente um dos.
Tínhamos intimidade suficiente para que eu não imaginasse que ele iria acabar
ficando com minha ex-noiva.
Gabi apenas mantem seu sorriso amarelo, tempo suficiente para que eles
percebam que não são bem vindos. Vicenzo guia Fernanda para longe dali enquanto
ela ainda sorri através de elogios ao vestido de noiva que, na verdade, soam cada
vez mais como ofensas.
A parte de mim que não está em pânico pela proximidade com a mulher está
começando a se questionar o que eu tinha visto nela. Se apenas ela não estivesse
tão linda… E aquela porra daquele perfume…
- Não acredito que ela veio! - Gabi segura minha mão de um jeito
descontraído.
- Achei que vocês eram amigas. - murmuro quando reencontro o oxigênio.
- Ha ha. Muito engraçado. - revira os olhos - Eu sei que sua mãe a convidou
por causa do Vicenzo e da coisa toda com a revista, mas eu não achei que eles iam
aparecer! Quero dizer, e se o Luca tivesse vindo?
Tento engolir em seco apenas para me descobrir sem saliva.
- Se o Luca tivesse vindo, acho que eles se comportariam.
- Se o Luca tivesse vindo, acho que eu os colocaria para fora. - resmunga -
Os dois.
Um meio sorriso em meus lábios me surpreende.
- Sua lealdade ao meu irmão é comovente.
- Lá vem você, de novo. - me belisca - Seu irmão é o demônio, mas ele não
merecia aquilo.
- Se me lembro bem, você lhe disse que "engolisse o choro e superasse". -
recito parte das palavras que ela rosnou para mim no dia do meu casamento, depois
que percebi que tinha sido abandonado.
- Porque a Fernanda não valia a pena! E não acredito que ele te contou isso!
- encara-me e eu me sinto tremer - Não foi um dos meus melhores momentos. - ergue
um ombro.
- Por que não? - eu preciso mudar de assunto antes que cometesse outro
equívoco. Mas a curiosidade é tão intensa…
- Nossa, Tony… você lembra. O Luca, ele… - seu olhar cai - ele ficou tão
destruído. Não merecia aquilo. E o Vicenzo… Meu Deus! Não acredito que eles
vieram! - reclama.
Não faz bem permanecer nesse assunto.
Ou eu iria acabar entregando o pequeno segredo que agora compartilhava com
meu irmão, ou iria começar a reviver um dos piores dias da minha vida.
- Bem, mas aí está. - respiro fundo - Vem! Íamos dançar, lembra?
- Sim! - ela junta as mãos, sorridente, e eu a guio para a pista de dança
mais uma vez. Eu a giro e alguns convidados sorriem ao abrir caminho para nós. Já
tínhamos tirado as fotos e cumprimentado quase todos. Para Gabrielle, só lhe
faltava esperar o carro e partir para a Lua de Mel e sua vida de casada. Para
mim, só me faltava que Tony aparecesse.
Não sei exatamente quando percebi que Antônio não viria.
Até porque era um pensamento verdadeiramente absurdo considerar que o homem
faltaria a própria noite de núpcias sem qualquer preocupação.
Apenas dancei com Gabi e me permiti alguns instantes de diversão enquanto
tentava ignorar que eu e Fernanda compartilhávamos o mesmo planeta.
Mas Antônio estava demorando e um calor subia pelo meu peito, um receio real
de que eu fosse abandonado em um casamento de novo, dessa vez, pelo noivo. Quando
Marco aparece em meu horizonte, é como se eu tivesse respirado pela primeira vez.
Até porque Gabi já tinha me avisado que o carro estava nos esperando para nos
levar ao aeroporto, antes de se retirar para trocar a roupa.
- Ótimo. - suspiro quando o motorista me encontra com ares de segredo - Já
estava ficando preocupado. Ele já está lá?
Marco fica em silêncio.
A verdade é que qualquer resposta para minha pergunta, que não fosse um
imediato "sim", me deixaria nervoso.
Mas conhecendo Marco, o seu silêncio me parece o pior dos agouros.
- O que houve?
- Não sei… - enfia a mão nos cabelos arrepiados - Algum problema. Não consigo
falar com o senhor Tony. - sussurra - Mas ele não estava no voo. Perguntei no
balcão da companhia aérea! Ele não embarcou.
- Como assim não embarcou? - eu estou segurando Marco pela manga da camisa.
- Não sei, senhor. - está lívido - Só sei que não embarcou e… não está aqui.
- Certo. - solto sua manga, olhando ao redor. Alguém me cumprimenta a
distância, oferecendo um brinde. Devolvo um aceno e um sorriso nervoso, puxando o
motorista para um canto longe de olhares. - O que a gente faz, então? Posso dizer
a Gabi que houve uma emergência e que preciso… que tipo de emergência afastaria
Tony?
Marco dá de ombros com uma careta de desespero.
- Ele é muito responsável, senhor Luca.
- Shhh! - ordeno - Não diga esse nome.
- Ele é muito responsável, senhor. - corrige-se - Nada o afastaria de um
compromisso marcado assim.
- É mesmo? E por que diabos não está aqui? - lembro, com os dentes
semicerrados, mas ele apenas dá de ombros mais uma vez.
Ótimo. Quando eu precisava de quietude, Marco não conseguia calar a boca. Mas
agora eu precisava de ideias e era como se ele tivesse feito um voto de silêncio.
- Ele vai aparecer, cedo ou tarde.
- Maravilha! - rosno - "Tarde" não me serve, Marco!
Arregala os olhos como se tivesse uma ideia fantástica.
- O que? - imploro.
- O senhor pode ir com a senhorita Gabrielle! Imitou o senhor Tony muito bem!
Ela não vai desconfiar.
- É mesmo? - transbordo sarcasmo - E eu faço o que com ela essa noite?
Consumo o casamento?
- Não, senhor! - acena - Não vai haver problemas.
- Ah, não?
- Não! Veja bem, eu só preciso de tempo para encontrar o senhor Tony. Ele
logo chega até vocês, na Lua de Mel, e vocês destrocam lá.
- E se ele não aparecer?
- Qual a alternativa? Se o senhor for embora, agora, vai levantar muitas
suspeitas! - gesticula, nervoso - Qualquer desculpa que der vai gerar mais
perguntas. Perguntas que o senhor pode não saber responder! E se desaparecer sem
dar desculpas será pior ainda!
- E o que diabos eu faço com a noiva em uma Lua de Mel que não é minha,
Marco?
Ele respira fundo como se considerasse possibilidades.
- Não vai haver problemas.
- Você já disse isso. - reclamo.
- É, mas não vai… - seus ombros caem em desistência - A senhorita Gabrielle…
ela é virgem.
Eu entalo com o ar.
Puro ar.
Nem saliva, nem nada.
Bastou o ar e eu estou entalado e tossindo compulsivamente.
- É o quê?
- Ela nunca teve a companhia de um cavalheiro na…
- Marco! Eu sei o que "virgem" significa!
- Então, por que perguntou, se…
- Não entendo como ela… ela ser virgem vai me ajudar em algo.
- Ela não deve ter pressa, não é? Se o senhor disser que quer fazer algo
especial, pode adiar a consumação em alguns dias. Até o senhor Tony chegar. E aí
ele se vira. Parece bom?
- Meu Deus. - esfrego os olhos - Mas que bela merda.
- Além do mais, vocês devem passar a primeira noite no avião! Vão dormir no
voo e chegar lá cansados e durante o dia. Se o senhor Tony conseguir chegar lá
depressa, vocês sequer terão qualquer noite juntos!
- Como assim "qualquer noite juntos"? MARCO! - rosno - Minha preocupação é
apenas a primeira noite. Não vou passar mais do que uma noite na Lua de Mel com
Gabrielle de jeito nenhum, você me entendeu? Se Tony não aparecer amanhã, eu vou
embora e ele que lide com as suspeitas que isso causar. Está entendendo?
- Sim, senhor, perfeitamente.
- Ótimo. E escute…
- Marco, o carro está pronto?
Nos viramos de sobressalto.
- Sim, senhorita Gabrielle.
Ela tinha trocado o vestido de noiva por um vestido longo, casual e pesado de
algodão cinza, com um decote folgado que mostra o topo de seus seios de um jeito
apetitoso.
Merda, Luca, é sua cunhada. Presta atenção!
- Vamos? - ela sorri, erguendo a mão para que eu a tomasse.
Puta merda.
- Vamos. - sorrio.
2 – Lua de Mel
É uma questão de tempo até isso dar merda.
Eu estou casado com uma mulher que não é minha noiva. Uma mulher que sequer
namorei.
Uma mulher que me detesta com violenta convicção.
E agora tinha partido com ela para a Lua de Mel.
Gabi pega no sono pouco depois da decolagem e eu a teria acompanhado se minha
mente não estivesse me pregando peças, exibindo cenários vívidos em que ela me
castrava depois de descobrir quem eu era.
Com Tony, ela é um doce. Segura seu braço, entrelaça seus dedos, beijos
carinhosos na bochecha, confidências amigáveis e brincadeiras internas que eu -
por motivos óbvios - nem sempre acompanho.
Comigo, ela tinha sido bem diferente.
Verdade, eu a provocava. E sequer podia dar como desculpa o fato de que eu
era adolescente, porque meu irmão também era.
Viro o rosto para assisti-la dormir na poltrona ao meu lado.
Deus, como eu a enlouquecia.
No começo, achei divertida a ideia de trabalhar na Zummo. No entanto, bastou
que eu percebesse que o trabalho ia exigir mais tempo e dedicação do que eu
estava disposto a comprometer, para que minha animação minguasse.
E eu, filho do chefe, não podia ser demitido.
Essa compreensão - somada a minha falta de interesse - foi fatal.
Não para mim, mas para Gabrielle que constantemente precisava de minha
participação ou não conseguiria terminar os projetos a tempo. Ela era a
estagiária modelo no percurso para se tornar uma engenheira de sucesso e eu…
Eu era a pedra no seu caminho.
Imaturidade foi a palavra-chave por boa parte daquele ano e o moleque
inconsequente dentro de mim realmente chegou a acreditar que Gabi apenas "fingia"
estar irritada. Como se fosse nossa própria piada interna. Eu era impossível
apenas para lhe fazer graça e então ela ficava furiosa fazendo com que eu lhe
obedecesse, concluindo nossa cena até a próxima vez. Foi apenas quando ela avisou
que iria se demitir que eu percebi o quanto eu tinha sido irritante de verdade.
Prometi que a deixaria em paz, mas ela - é claro - não acreditou. O mais
triste é que eu fui genuíno: não queria que ela precisasse pedir demissão.
Gostava dela, apesar de tudo, e queria que ela conquistasse sua posição na
empresa da minha família, algo que não seria possível se ela demonstrasse
desistir diante de desafios. Meu pai nunca aceitou fraquezas muito bem e um
pedido de demissão depois de menos de um ano precisando acompanhar um adolescente
seria visto por meu pai como nada menos que a mais pura debilidade.
Foi a primeira vez que Tony a resgatou.
Ou, pelo menos, a primeira vez que me lembro.
Será que eles já estavam juntos desde aquela época? Ou talvez antes… talvez
mesmo quando ela ainda era minha assistente.
"Você merecia que algo horrível acontecesse com você, mas nunca algo assim"
Eu lembrava de suas palavras na semana que sucedeu a minha tentativa de
casamento. Gabi estava lá, sentada na igreja, me assistindo ser abandonado. E
depois, quando todos tentavam me consolar, ela e meu pai eram os únicos que
chiavam para que eu deixasse de exageros. Meu pai, no entanto, demonstrava seu
amor com uma boa dose de falta de interesse, enquanto Gabi arriscou fazer um ou
dois discursos empolgados sobre porque eu deveria superar.
Claro que, na época, eu estava apaixonado e desiludido… o que significava que
minha audição estava comprometida e tudo que eu queria era ser deixado em paz.
Eu devo ter conseguido dormir por uma hora ou duas antes do avião pousar.
Um sono atribulado de sonhos que mais pareciam profecias, recheados de
lembranças de um passado que eu preferia esquecer. Minha acompanhante, no
entanto, conseguiu dormir muito tranquilamente e alcançou o resort pronta para um
dia de piscina.
- Podemos nos encontrar mais tarde se você preferir dormir um pouco. - ela já
está com o vestido de verão por cima do biquíni quando me faz a oferta. Eu
considero aceitar, mas a noite eu já deveria estar bem longe dali, de volta em
meu estúdio e minha vida… Era delicado admitir, mas seria bom aproveitar o dia
com Gabi.
- Não. Piscina! - aceito com uma falsa animação que a faz rir.
Foi apenas quando revirei as malas do meu irmão na busca por um calção que me
lembrei do mais terrível de meus problemas: A tatuagem tribal que eu tinha ao
redor do meu antebraço esquerdo e a rosa dos ventos tatuada em aquarela na parte
frontal do meu ombro direito, descendo pelo meu tórax.
Não haveria piscina para mim. Eu teria que mudar de ideia: resolveria dormir
durante o dia enquanto ela aproveitava o sol sozinha. Era mais seguro.
Já tinha enchido os pulmões para lhe explicar a mudança de planos quando vejo
a camiseta esportiva de mangas compridas na mala do meu irmão. É uma dessas com
proteção UV. Eu mesmo tenho uma porção dessas para surfar ou fazer trilhas. Não é
estranho usá-las dentro d'água. Talvez fosse um pouco estranho usá-las na Lua de
Mel, mas se Antônio a tinha colocado na mala, então ele pretendia usar. E se ele
pretendia usar, quem sou eu para impedi-lo?
Arranco a blusa da mala junto com um calção de banho e vou ao banheiro.
A camisa fica colada demais no meu corpo, evidenciando meus músculos de um
jeito preocupante.
É bom que Gabrielle seja virgem mesmo. Porque se ela e Tony tivessem ficado
nus juntos, ela certamente perceberia que aquele tórax não lhe pertencia.
Jogo uma toalha sobre o ombro em uma tentativa desesperada de disfarçar minha
largura e, fosse minha sagacidade, ou fosse a falta de conhecimento de Gabrielle
quanto ao corpo do marido, o fato é que funcionou. Estamos a caminho da piscina e
minha decisão de usar a camisa sequer foi questionada, meus músculos também não
receberam muita atenção. No máximo alguns olhares quando estávamos no elevador e
Gabi não conseguiu se impedir.
Eu fiquei muito parado esperando que ela não fizesse qualquer investida
sexual ou eu estaria fodido.
Bocejei para lembrá-la de que eu deveria estar muito cansado e ela passou a
mão em meus cabelos repetindo a sugestão de que eu deveria dormir um pouco.
O pátio do resort faz "5 estrelas" parecer subestimado. O lugar é paradisíaco
com sua piscina de borda infinita terminando com o mar por horizonte. E que mar!
A água é linda, as ondas são incríveis, a areia é incomparável. Eu sinto vontade
de passar a semana inteira surfando…
Mas então Gabrielle tira o vestido e a vontade passa.
Ela usa um biquíni vermelho que tapa muito pouco, preso em seu corpo por
cordinhas que não parecem capazes de resistir aos meus dentes, se a oportunidade
surgisse.
Bom que eu estivesse usando óculos escuros, porque desviar os olhos do corpo
de Gabrielle se tornou uma missão bem próxima do impossível. Seu cabelo cacheado
cai em uma trança por cima de um dos ombros e ela desce os óculos bronze que
trazia no topo da cabeça para proteger seus olhos.
- Vou entrar na água. - avisa, com um sorriso.
Eu apenas aceno por medo de babar caso tente exprimir palavras.
Ela sempre foi gostosa daquele jeito?
Eu lembrava que ela era gostosa, mas por Deus, isso é um crime.
Ela entra na água e eu estou brincando com a possibilidade de acompanhá-la, o
que é uma ideia igualmente péssima e deliciosa.
Ela é a mulher do seu irmão. É a mulher do seu irmão.
Mulher.
Do seu.
Irmão.
Deitei na espreguiçadeira e fechei os olhos. Ignorar Gabi pelo resto da manhã
foi uma atividade excepcionalmente cansativa, considerando que eu deveria ser o
marido apaixonado, de modo que logo depois que almoçamos, eu achei melhor voltar
ao plano inicial e lhe dizer que eu estava muito cansado.
- Posso subir com você. - sugere.
- Não, não. Eu estou bem. Só preciso dormir um pouco.
Não é mentira.
Não é exatamente verdade, mas o que fazer?
O quarto é nosso e ficar sem camisa está fora de consideração. Visto a blusa
de manga comprida de pano mais fino que consigo encontrar e me jogo na cama.
Minhas pálpebras pesam depois da noite sem dormir e o estresse acumulado, logo eu
estou flutuando para dentro e para fora do sono, como um reino fluido de
existência da minha consciência.
Ora eu estava no quarto, revoltado por não poder me livrar da camisa, ora eu
estava acampando com meu pai, só nós dois na viagem que meu irmão não quis fazer.
Mas, em um nível ou outro, minha consciência sempre me trazia de volta para os
casamentos. O com Fernanda. O com Gabrielle. Fernanda me fazia cafuné e juras de
amor apenas para me abandonar. Gabrielle me jurava ódio eterno apenas para casar
comigo. Fernanda estava rindo enquanto invejava os vestidos alheios. Gabrielle
estava lhe dizendo que podia ficar com o maldito vestido, se quisesse, já que ela
o detestava mais que soutiens.
As palavras que Fernanda não me disse no dia do nosso casamento.
As palavras que Gabrielle disse para Luca.
As palavras que Gabrielle guardou para Tony.
Meu irmão caía em um buraco escuro enquanto eu tentava desesperadamente
resgatá-lo, apenas para descobrir que estava olhando no espelho e era eu quem
caía. Não havia ninguém para me resgatar.
Mas o pesadelo logo se transmutava de volta em um sonho e era Gabi quem me
fazia as juras de amor e eu podia jurar que sentia suas mãos em minha cabeça.
Precisei de alguns segundos para que minhas pálpebras se afastassem,
trazendo-me de volta a realidade o suficiente para perceber que o cafuné era tão
real quanto a presença de Gabi na cama, ao meu lado. Seu carinho era
despretensioso e descompromissado. Quase como se ela não soubesse existir ao meu
lado sem demonstrar amor.
Existir ao lado de Tony.
Fico quieto, respirando devagar, para que ela não se afaste.
Aquele carinho preguiçoso nos meus cabelos faz os pelos dos meus braços se
arrepiarem sob o pano fino do camisa. Era aquele tipo de interação que eu buscava
quando comprei uma aliança e reservei a igreja. Mas meus planos se desfizeram,
assim como aconteceria com o cafuné de Gabi assim que seu verdadeiro dono
voltasse para reclamá-lo.
Um beijo quente no meu ombro e eu me percebo com ciúmes da vida do meu irmão.
Inclino-me pelos travesseiros buscando a pessoa que me beija e encontro o
colo de Gabrielle, caloroso e receptivo. Abraço seu quadril, ainda sonolento e
deixo que me acaricie os cabelos.
- Dormiu bem?
- Hmm. - emito um grunhido que não significa nada em particular.
- Ainda está dormindo?
- Hmm. - o grunhido um pouco mais suave para que ela o compreenda como uma
afirmativa.
- Quer que eu te deixe em paz?
A resposta certa seria "sim, por favor", mas eu aperto seu quadril sob minha
cabeça e ela permanece ali, entretida em seu cafuné.
- Lembra daquela festa que você nos arrastou em Saint Tropez? - ela murmura -
Quando deveríamos estar trabalhando?
Eu, obviamente, não tinha como lembrar, porque era uma experiência que -
infelizmente - não vivi. Permaneço em silêncio, culpando meu sono, esperando que
ela continue.
- Acho que passamos mais de 48 horas sem dormir, porque você é louco! - ri -
E agora está aí morrendo por umas poucas horas mal dormidas.
- Eu era mais novo. - arrisco - Sou um senhor de idade, agora.
- Ah, claro! - gargalha - Vou te manter acordado algumas noites seguidas,
como vingança, então.
Sua brincadeira é quase inocente, mas há um ardor nas palavras que não pode
ser ignorado. Eu queria que ela me mantivesse acordado por muitas noites! Desde
que eu era adolescente que eu queria aquilo!
Mas, então, ela trabalhava para mim e não seria apropriado. Eu era imaturo e
inconsequente, mas não era um pervertido. E, agora, eu poderia tê-la já que era
minha esposa por qualquer critério, mas, eu permanecia não sendo um pervertido. E
o consenso dado a um não é um consenso dado a todos. Não importa o quanto "todos"
sejam parecidos com "um".
Eu não vou tocar em Gabrielle, mas receber aquele cafuné embalado em seu colo
está além das minhas capacidades de recusa.
Eu sou solitário.
Acompanhado por mulheres nuas com alguma frequência - embora não tantas
quanto muitos suspeitavam - mas nunca por pessoas que me conhecessem. Nunca por
pessoas que tivessem me dito verdades quando eu mentia para mim mesmo. Nunca por
pessoas que me defendessem mesmo quando eu não estava olhando.
Essa experiência não tinha durado sequer um dia e eu já estava repensando
toda minha vida.
Caí em uma paixão arrebatadora pela mulher errada e perdi a cabeça.
Meu irmão se apaixonou pela mulher certa e estava recebendo seus cafunés.
Ou estaria, se tivesse se incomodado em aparecer.
- Já está de noite, Tony. - ela suspira, deslizando ao meu lado para alinhar
nossos olhares. Eu sinto seu hálito em minha pele e tenho certeza que seus olhos
mel estão a centímetros dos meus, caso eu ousasse abri-los.
Encará-la sentindo sua respiração quente me parecia o pior dos planos.
- Vamos jantar? - pede, cutucando-me - Levante. - ri. Seus dedos provocam o
pano fino da minha camisa de modo que eu consigo sentir o raspar de suas unhas. O
raspar de seu hálito, de suas palavras, de seus cabelos.
Os arrepios que eu sentia desciam pela coluna até se apoderar de minha
virilha.
Afasto-me um pouco antes de arriscar abrir os olhos.
- Vamos, só me dê um instante. – peç, fugindo para o banheiro.
Eu preciso ir embora dali.
Busco meu celular em pânico e quase o derrubo duas vezes antes de conseguir
fazer a tela acender.
Vamos, por favor!
Mas… nada.
Não há qualquer mensagem ou ligação não atendida no meu celular.
Porra, Antônio! Onde você está?
Não há desculpa que justifique sua ausência por tanto tempo… simplesmente não
há.
Busco seu número na minha lista de contatos e ligo quatro vezes antes de
desistir. Mando uma mensagem cheia de perguntas e palavrões. E depois mando
outras duas apenas para que ele compreenda minha urgência.
Havia um peso sobre meus ombros que se compensava em uma tensão na minha
virilha e uma revolta no estômago.
Eu tinha ido bem até ali, mas passei o dia fingindo sonolência. O que
aconteceria no dia seguinte quando eu estivesse bem descansado e Gabrielle
quisesse conversar sobre a festa de Saint Tropez que eu nunca tinha ido? Ou
qualquer um dos lugares que nunca visitei ou experiências que nunca vivi? Ou
pior: o que aconteceria quando a noite chegasse e uma Gabrielle virgem quisesse
ser tomada pelo marido?
O que caralho eu ia fazer?
Simular uma impotência não parecia viável considerando que bastou um cafuné
para despertar minha masculinidade. Se ela aparecesse provocante e interessada,
seminua para mim, eu não conseguiria impedir uma ereção pela minha vida.
Que desculpa poderia lhe dar então?
Cansaço, de novo, talvez ainda funcionasse essa noite.
Dor de estômago poderia ser útil na noite seguinte. Talvez bebida demais em
uma terceira?
Eu preciso ir embora!
Ligo para Marco, desesperado por uma solução.
Ele, pelo menos, atende-me prontamente.
- Marco! Onde ele está? - sussurro, encarando a porta em uma tentativa de
calcular qual volume seria suficiente.
- Senhor Luca… sinto muito, senhor… eu… eu não sei.
- Você não sabe?
- Não consigo falar com ele. Não atende. Liguei o dia inteiro, até para o
número de emergências, mas acho que ele não deve ter levado esse porque chama até
cair, e agora não funciona mais. Deve ser porque…
- Marco, estou te avisando que vou matar meu irmão. Pode ficar sabendo logo,
para avisar a polícia quando acontecer. - esfrego minhas têmporas.
- Sim, senhor.
Tento respirar apenas para descobrir que não consigo.
- Marco, eu vou embora. - decido - É arriscado fazer isso, eu sei. Mas é mais
arriscado ficar aqui. Alguém vai descobrir! Vou embora amanhã logo cedo e depois
Antônio resolve como quer justificar seu desaparecimento.
- Mas senhor…
- Não posso ficar aqui, Marco! Simplesmente não posso, está bem? Então,
quando meu irmão decidir nos abençoar com a graça de sua presença, diga isso pra
ele.
- Sim, senhor.
Desligo o telefone. Lavo o rosto. Escovo os dentes.
O peso em meus ombros ainda está ali e não parece ter qualquer intenção de me
deixar em paz.
Vou te levar pra jantar, Gabi.
Mas, depois disso, eu preciso ir.

**********************

O inferno de conhecer muita gente rica é que você sempre acaba encontrando
alguém nesses lugares mais caros.
Assim que entramos no restaurante a beira-mar, Gabi acena para um casal em
uma das mesas e, pelos sorrisos que me dedicaram, imaginei que eu deveria acenar
também.
Não faço ideia de quem são. Não tenho como perguntar.
Dado que meu plano é ir embora em poucas horas, não me incomodo em tentar
descobrir.
Tínhamos uma reserva em meu nome - ou no de meu irmão - que eu nunca iria
saber se deveria ter sido feito por mim ou não. Uma música latina suave toca como
plano de fundo quando nos sentamos.
Velas foram acesas e era um jantar romântico.
Minha noite estava sendo uma merda.
Por um lado, eu estava acompanhando de uma mulher interessante e linda que eu
adoraria fazer nada além de conhecer mais intimamente.
Por outro lado, eu não podia me permitir entreter por ela qualquer interesse
porque era uma mulher casada e da minha família.
E havia ainda um terceiro lado… o lado que mais me fodia: o lado que me
obrigava a lhe dar carinho, atenção no perfeito papel de apaixonado.
Veja bem, passar a noite com Gabi seria fácil. As conversas, as danças,
talvez até os beijos.
Se ela tivesse saído com Luca, aquela noite seria incrível.
Acompanhar a esposa de meu irmão também não seria de todo mal.
Ela me detestava, mas se ela tivesse saído com Luca, eles poderiam trocar
brincadeiras disfarçadas de ofensas, falar sobre Tony e tentar passar o tempo
mantendo uma distância apropriada.
Mas eu precisava ter o pior dos dois mundos.
Eu não podia ser apenas o cunhado, porque precisava ser o marido.
Mas também não podia ser o marido, porque era o cunhado.
Seria risível se Gabrielle não me tocasse com tanta frequência.
Será que ela estava montando o clima para a noite? Não que ela precisasse…
quero dizer, se tinha resguardado sua virgindade até ali, certamente havia a
suposição de que as núpcias seriam consumadas em breve, com clima ou sem.
Viro minha bebida e peço mais água.
Toda essa coisa de pensar em virgindade e consumações não está me fazendo
bem.
- Você está preocupado. - ela alisa minha mão e eu quero que pare.
- Não, só um pouco cansado ainda. - explico - Vou estar melhor depois de uma
noite de sono de verdade.
- Você sempre dorme tão bem em aviões… - ergue uma sobrancelha - O que houve?
- Nada. - sorrio, mas não estou convencendo nem a mim mesmo.
- Tony… - seu olhar meigo cai sobre o meu rosto - Você não está nervoso com
isso ainda, está?
- Hm? Não. - parece ser a resposta certa
- Porque eu já te disse um milhão de vezes que, por mim, tudo bem. De
verdade. - entrelaça nossos dedos - Você bem sabe que não me imagino casada com
nenhum outro homem nessa Terra. - sorri.
- Eu sei. - sorrio.
Ela lhe dedica tanto carinho.
Tanto carinho.
Nunca tive uma namorada que fosse assim… genuína.
Alisa meu braço esquerdo preso a mão que estava entrelaçada a sua. A camisa
subiu um pouco, beirando minha tatuagem e eu começo a ter palpitações. Solto sua
mão, voltando-me ao cardápio.
- Bem… o que há para comer aqui?
Ela ainda me observa como se me achasse curioso.
Ou estranho.
Ou ambos.
Logo aquela curiosidade e estranheza iam crescer para algo bem inescapável e
eu pretendia estar bem longe dali antes que acontecesse.
A comida, no entanto, é deliciosa. E, quando dei por mim, Gabrielle estava
conversando sobre surf e rock clássico, o que acabou tornando a conversa ainda
melhor que a comida.
Era fácil.
Conversar com Gabi não exigia qualquer esforço.
Ela te fazia sentir querido em poucos instantes e, ao fim da noite, eu tinha
decidido voltar para casa no Natal. Claro, ela estaria casada com Tony… Mas eu
iria lhe pedir desculpas do jeito apropriado. Comprar uma prancha de surf decente
para lhe dar de presente de natal. Não estaria concorrendo por seu amor, nem nada
assim, mas ela era uma pessoa incrível e eu realmente queria sua amizade.
- Vem! – estou rindo quando ela termina sua história sobre mais uma de suas
tentativas frustradas em cima de uma prancha - Vamos dançar! Quem sabe sobre
pernas você tem mais sucesso!
- Ei! Pelo menos eu tento! Ao contrário de certas pessoas. - arregala os
olhos indicando que Antônio nunca deveria se arriscar.
- Tá, tá. - dou de ombros, puxando sua mão quando ela se põe de pé,
abandonando o guardanapo em cima da mesa.
- Boa noite! - nosso percurso é interrompido por uma mulher de cabelos de um
ruivo tão forte que é quase laranja.
- Oh, olá. - gaguejo.
- Tony, querido! - ela beija minha bochecha e eu não sei como reagir - Gabi!
Que coincidência! Chegamos agora a noite, estão em sua Lua de Mel?
- Olá, Paola. - Gabi devolve - Augusto! Como está?
Paola e Augusto. Certo.
- Bem! A cerimônia foi linda, Gabi. Muitas felicidades para vocês.
- Obrigada. - ela sorri e eu imito sua gratidão.
- Precisamos nos encontrar amanhã! - a mulher laranja insiste - Vamos sair de
barco pela costa! Vocês precisam nos acompanhar!
- Paola, eles estão em Lua de Mel. - Augusto repreende. Ele é baixo e
redondo, com um bigode farto e bem cuidado.
- Ora, mas só um passeio de algumas horas - ela insiste e eu busco Gabrielle
com o olhar, desesperado por instruções. Ela mantém um sorriso educado que de
nada me serve - E não é como se eu estivesse atrapalhando-os durante a noite,
han? - ela nos oferece uma piscadela exagerada e perturbadoramente inconveniente.
Augusto tenta fazer a esposa desistir da ideia, mas ela parece tão
determinada quanto sem noção, pendurada em meu braço, exigindo que eu cedesse ao
seu convite.
Se eu tivesse certeza que eram apenas amigos inconvenientes poderia me livrar
deles. Mas e se fossem sócios? Parceiros de negócios? E se fosso o tipo de gente,
na vida de Tony, para quem não se diz "não" levianamente?
Eu não quero prejudicar meu irmão.
Deus, eu tenho uma aliança no meu dedo para provar que não quero prejudicar
meu irmão.
E, de todo modo, eu já tinha resolvido partir no dia seguinte, não era? Que
Tony lidasse com seus amigos sem limites.
- Claro. - aceito, finalmente - Vai ser divertido.
- Olhe aí, Augusto! Um cavalheiro! Além do mais, um lugar maravilhoso como
esse não está completo sem um papo de mulheres, han Gabi? - mexe os ombros -
Quero ouvir tudo sobre a noite de núpcias! - ri alto fazendo um comichão de
desagrado descer pela minha espinha.
Eles se despedem depois de nos dar os detalhes sobre o dia seguinte e eu
estou com as pernas fracas quando alcançamos a pista de dança.
A música latina está mais dinâmica e eu me atrapalho tentando acompanhá-la.
- Desaprendeu? - ergue uma sobrancelha, investigando meus tropeços.
Ah, merda. Antônio dança.
Estou fodido.
- Estou meio duro de sono, vai precisar ter paciência. - sorrio, desajeitado.
A música, abençoada seja, ficou mais lenta nessa altura e eu pude tomá-la
pela cintura sem me preocupar com minha falta de coordenação musical.
No entanto, ao mesmo tempo que "mais lento" queria dizer "menos tropeços",
"mais lento" também queria dizer "mais perto".
E lá estava ela.
Mais perto.
Muito perto.
Tão perto.
Sua blusa subiu apenas um pouco onde minha mão tocava a parte baixa de suas
costas, meus dedos roçando de leve em sua pele quente.
Eu tinha uma lembrança com Gabrielle que se destacava acima das outras. Uma
que eu tinha suprimido por tempo suficiente até que pudesse esquecer que, na
verdade, ela sempre esteve ali, mais brilhante que qualquer outra.
Um grupo de adolescentes brincando de verdade ou consequência em uma festa da
universidade. Gabi sempre pedia "verdade", sempre achava mais seguro. O problema
dela, como sempre, era eu: eu e minha técnica de girar a garrafa para que ela
sempre apontasse para onde eu quisesse. Bastava que fosse minha vez e Gabi
certamente seria minha vítima.
- Ah, que inferno! - eu já tinha lhe feito três perguntas desagradáveis
quando a garrafa apontou para ela uma quarta vez.
- Se eu fosse o último homem do mundo, você ficaria comigo? - perguntei, sem
titubear ou perder o sorriso - A última pessoa do mundo! E diga a verdade,
Gabrielle! A última! - lembrei - Ou eu ou ninguém. O que você prefere?
- Acho que prefiro ninguém. - torceu o nariz.
- Ficaria sozinha para sempre? - encarei seus olhos, sabendo que ela mentia.
Ela deixou a respiração escapar, em desistência.
- Tá, acho que se você fosse a última pessoa do mundo e não houvesse mais
nenhuma outra jamais… acho que ficaria com você. - ela ficou muito vermelha com
sua confissão e eu não deixei que passasse despercebido.
Outra pessoa girou a garrafa e mal tinha caído nela, de novo, nossos amigos
já estavam se manifestando.
- Pergunta pra ela o que ela faria com o Luca se ficasse com ele! - alguém
provocou.
- Consequência! - Gabrielle gritou - Não quero mais verdade. - estirou a
língua.
A pessoa que comandava a rodada, no entanto, parecia ter planos ainda piores.
- Tudo bem. Deixa o Luca pegar na sua bunda por trinta segundos.
- É o quê? Não. Verdade. - mudou de ideia.
- Você já escolheu consequência, Gabrielle. - o dono da garrafa lembrou - Mas
tudo bem! O que você faria com o Luca se ficasse com ele? Com detalhes!
- Ah, nossa! Por que vocês me odeiam?
- Todo mundo está recebendo perguntas horríveis, Gabi. - uma de suas amigas
riu.
- Tá bem, então. Vem, Zummo, levanta. - rosnou.
Eu lembro de ter ficado em choque, no momento.
Eu nunca, nunca, nunca, sequer considerei que ela poderia obedecer a
brincadeira.
Parar de jogar, reclamar com todo mundo, ir embora… todas possibilidades
viáveis.
Mas "Vem, Zummo, levanta" não me parecia real.
- É o quê?
- Não demora, garoto! - latiu, saindo da sala, para o quarto de sua amiga,
separado para as consequências que, em jogos de adolescentes, sempre pareciam ser
inescapavelmente safadas.
Eu a segui ainda sem acreditar. Tinha os braços cruzados e uma expressão de
impaciência assim que fechei a porta atrás de nós.
- Gabi, não precisa fazer isso. - apontei para a porta - Eu digo pra eles que
você deixou e que me deu um tapa depois, parece bom?
- Acha que eu sou covarde, Zummo?
- Credo, garota! - reclamei - Não tô dizendo isso! Só tô falando que não
precisa…
- Estou participando da brincadeira e vou fazer isso!
- Tá, tá! Calma! - abanei as mãos. Foi só aí que percebi que estava tremendo
- É só porque você trabalha pra…
- Não trabalho mais pra você, trabalho pro seu irmão.
- Tá legal. - aceitei.
Ela se aproximou, resoluta.
- Vamos lá.
- Ahm… - eu movi minhas mãos desajeitado, sem coragem de colocá-las em seu
corpo.
- Ai meu Deus. - suspirou e tomou minhas mãos. Encaixou-as nas nádegas e meu
corpo jovem começou a ter ideias indevidas no mesmo segundo. Eu a estava
abraçando, nossas virilhas coladas enquanto minhas mãos agarravam-se a sua saia,
duras e imóveis. Suor frio se condensava em minhas têmporas e quando Gabrielle
segurou meus braços como apoio, encarando o relógio, percebi que minha ereção
estava ficando indisfarçável.
Ela corou e nos manteve próximos, mesmo quando eu fiz menção de dar um passo
para trás.
Trinta segundos.
Então, nós voltamos para a sala e para a brincadeira. Ela, inabalável. Eu,
tremendo como uma vara verde.
Acho que, de certo modo, aquilo tinha sido uma vingança, mesmo que ela não
tivesse percebido.
E agora eu a tinha nos braços de novo.
Apoiada em meus ombros, dançando devagar. Nossas virilhas não estavam
coladas, mas a distância era tão pouca que quase daria no mesmo se estivessem.
Eu devo ter falado alguma bobagem porque ela riu, a testa tocando meu ombro.
Tão linda.
Eu quis beijá-la.
Eu quis que aquele beijo na cerimônia não precisasse ser o único.
Mas era errado.
Claro que era.
- O que houve? - pergunta. O nariz tão próximo do meu que eu mal precisaria
me inclinar para senti-los se tocarem.
- Quero te beijar. - confesso.
- Ora! - ela gargalha - Pois então beije!
Solto sua cintura, tomando seu rosto nas mãos. Algo confuso brilha em seus
olhos assim que a encaro. Há urgência em meu olhar, mas mais ainda em meus
lábios.
Beijo sua boca lentamente, beijos castos como ela tinha me dedicado na
cerimônia.
Beijos castos que me causavam os mesmos contínuos arrepios.
Beijos castos que não eram mais suficientes.
Uma de minhas mãos está em seus cabelos, mas a outra tomou sua cintura.
Envolvendo seu corpo e trazendo-a para bem perto. Colando nossas virilhas até que
não houvesse dúvida de sua proximidade.
E eu a beijei.
Por Deus, a beijei.
Entreabrindo seus lábios para sentir seu gosto na minha língua. Suas mãos se
agarram aos meus ombros, subindo, buscando meus cabelos, perdendo-se no momento.
Eu estou gemendo baixinho, me amaldiçoando pelo tanto que a achei deliciosa.
Mas então seus lábios desaparecem. Estalando nos meus quando coloca um de
seus braços entre nós.
Ainda considero me inclinar para continuar a beijá-la, mas meus olhos se
abriram o suficiente para que eu visse o pânico em seu rosto. A lividez em suas
bochechas.
- Você… - ela suspira em uma rouquidão doentia - Você não é o Tony.
O pânico certamente se espalhou dela para mim enquanto eu ainda tento salvar
minha situação.
- O… O que? Gabi, claro que…
Havia horror em seu semblante.
Horror puro e genuíno.
- Luca? - murmura, seca.
Eu estou arfando, entre o beijo e a angústia.
- Gabi, eu posso explicar. - prometo.
- Ai meu Deus. - ela leva as mãos a boca - Ai meu Deus! - seu braço entre nós
se fez mais presente e mais urgente. Empurrando-me para longe, instrução que
prontamente obedeci.
Ela já está saindo do restaurante quando eu começo a aceitar que aquilo
realmente aconteceu.
3 – Troca
- Seu TARADO! - ela joga uma almofada na minha cabeça assim que entro no
quarto. E então joga outra - PERVERTIDO! PERTURBADO! MIMADO! IRRESPONSÁVEL!
A fúria de Gabrielle era realmente admirável se comparada com a mulher doce e
afetuosa das últimas horas.
- Gabi…
- Seu moleque! - ela para de atirar coisas em mim e passa a esfregar as
próprias têmporas - Seu moleque arrogante e inconsequente! Ficou louco? - vira-se
para mim com olhos demoníacos e eu não sei se devo ou não responder - Ficou
louco! - aceita sem esperar uma definição de minha parte - Isso é alguma
brincadeira? Isso é engraçado pra você? - está andando na minha direção e eu dou
uma porção de passos para trás, tentando escapar de sua cólera.
- Não, senhora. Nada engraçado. - respondo com as mãos esticadas a minha
frente como proteção.
- "Vou trocar de lugar com meu irmão e pregar uma peça em sua esposa"! Era
isso que estava pensando? - eu fico mudo e em pânico - Responde! - vocifera.
- Não foi ideia minha, foi ideia do Tony. - é o meu melhor argumento e acho
melhor dizê-lo bem depressa enquanto ainda tenho chances de ser ouvido.
- Ideia do Tony?
- Ideia do Tony. - repito devagar.
Gabi abandona as têmporas para esfregar os olhos como se calculasse alguma
coisa.
- Tony queria que você passasse a noite de núpcias comigo? - ela faz uma
careta irritada e eu não percebi o sarcasmo que deveria estar em suas palavras -
É isso que está tentando me dizer?
- Não. - rio - Não exatamente.
- Do que está rindo?
- De nada. - me calo, imediatamente.
- Luca. - ela prende a respiração, seus seios incham devido ao volume em seus
pulmões deixando seu decote ainda mais em evidência. Mantenho os olhos longe de
seus peitos ou eu apanho, sem dúvidas - Você tem um minuto para me explicar o que
diabos está acontecendo! E mande Tony vir até aqui, porque é bem provável que eu
só acredite se ouvir dele.
- Hmmm… não sei se vai ser possível cumprir essa parte. - gesticulo com muito
cuidado - Tony não está aqui.
- Como pode não estar aqui? Foi embora essa tarde? Vocês trocaram de lugar
quando ele subiu para descansar, não foi?
Ok. Eu achei que ela tinha percebido tudo.
Mas… aparentemente, ainda não tinha entendido a pior parte.
- Não… nós trocamos… antes. - murmuro.
- Antes? - ela está se aproximando mais uma vez, com aquela postura homicida
que me causa aflições - Eu não me separei de Tony desde o aeroporto. Como vocês
dois conseguiram fazer isso sem que eu notasse?
- Bem…
Seus olhos se abrem forçosamente quando a compreensão a atinge como um
porrete.
- Não. - ela diz, simplesmente - Não, não. - está rindo. Rindo de desespero.
- O Tony me ligou ontem, ele disse que…
- Não… - repete.
- Ele teve alguma emergência, não conseguiria chegar a tempo, mas não quis
cancelar o casamento.
- Meu Deus, oh meu Deus… - ela está curvada sobre o próprio estômago - Eu
casei com você? - me encara em pânico.
- Não! - gesticulo depressa - Não, não, não! Você casou com o Antônio. Eu fui
só… só um procurador. Sabe? Ele não podia ir, eu fui no lugar dele. Escuta, Gabi,
ninguém precisa saber disso. Nunca! Eu não vou contar, prometo.
- Ah! O Luca prometeu! - dessa vez o sarcasmo é perceptível - Claro que
podemos confiar na palavra dele.
- O Tony não vai contar, você não vai contar. Pronto! E agora que você já
sabe, eu posso ir. - estou indo para a porta quando ela passa por cima do sofá
para fechar o meu caminho.
- Agora que eu já sei? Eu não sei de nada! Onde está o seu irmão?
- Pois então somos dois sem saber de nada. Eu também não faço ideia de onde
ele está. Só me ligou dizendo que ia ter que deixar a noiva no altar a não ser
que eu lhe fizesse esse favor. Bem cruel da parte dele cutucar essa ferida, han?
- E aí você veio e o que?
- Vesti as roupas dele e o resto você já sabe.
- Era você? Desde ontem?
- Desde ontem. Olha, não me mata, está bem? Eu só estava tentando ajudar o
meu irmão. E ele deveria ter aparecido ontem a noite na recepção. Ele nunca me
pediu para vir com você na Lua de Mel!
- E por que veio?
- Porque eu já estava enfiado na história! E ele desapareceu. Marco me
convenceu a vir e…
- Marco? - ela piscou, homicida - Marco?
- Marco, o motorista.
- Eu sei quem é Marco, Zummo! - ralha - Ele também sabe, então?
- Tony contou para ele! - aceno, em rendição - Não tenho nada a ver com isso,
se resolva com seu marido.
- É! SÓ QUE ELE NÃO É MEU MARIDO!
- É seu marido. Gabrielle, não exagere.
- Exagerar? Eu? Você abandona vida e família por causa de uma mulher que não
prestava e eu sou a exagerada?
- Ai. - reclamo - Isso foi desnecessário.
- Oh, me perdoe se não estou no clima para amenidades, Luca! Não acredito que
é você! - esfrega os olhos - Eu vou matar seu irmão.
- Eu ajudo! - brado.
- E você não sabe onde ele está?
- Não faço ideia.
- E o Marco?
- Também não sabe. Estava tentando falar com ele e trazê-lo até aqui antes
que…
- Antes que eu percebesse. - mordisca o interior dos lábios.
- Precisamente. Por favor, não me mate. - repito.
- Ainda não decidi. - avisa - E então, qual o plano?
- Bem, agora o plano é eu ir embora.
- Você não pode ir embora!
- Por que não?
- Porque eu e seu irmão estamos casados e eu não vou arriscar que alguém
perceba que não foi exatamente isso o que aconteceu. E você já aceitou sair
amanhã para navegar com os Adriatic, esqueceu? Não podemos desmarcar, eles podem
suspeitar. Deus, do jeito que aquela gente é fofoqueira, com certeza vão
suspeitar. E aí quando perguntarem para onde o Tony foi, o que eu digo? E se o
assunto chegar nos seus pais? O que eu digo?
- Olha, com todo o respeito, mas acho que isso não é da minha conta.
- Não seria da sua conta se você não tivesse aparecido. Teríamos adiado o
casamento ou cancelado ou sei lá! - ruge.
- Você preferia ter sido deixada na igreja? - balbucio.
- Pelo menos teria sido pelo seu irmão! Ele se explicaria e resolveríamos!
Mas agora… agora, se a explicação não for suficiente podem perceber o que
aconteceu! E foi você quem aceitou a porcaria do convite para amanhã! Não vai me
deixar sozinha!
- Tudo bem, tudo bem! - eu ia apertar seus ombros, mas sinto que não seria
seguro - Eu fico até ele aparecer. A gente sai com os… seja lá quem forem… e
espera o Tony aparecer. Ele não deve demorar… não é possível.
Gabrielle senta no sofá e parece estar se acalmando.
- Você quer uma água?
- Máquina do tempo. - geme - Você tem?
- Não, sinto muito. - sento ao seu lado - Não fiz pra te provocar, sabe? Pra
falar a verdade nem sabia que era você quem ia casar com ele.
- Seu cuidado me comove. - rosna.
- Gabi, eu só estou tentando pedir desculpas, você deixa?
Ela fica em silêncio fitando meu pedido.
- Desculpe. - eu digo, cauteloso - Realmente, só queria ajudar.

**********************

Eu acordo sentindo o desconforto dos meus pesadelos e pensamentos, incerto


sobre onde um acabava para dar lugar ao outro. Movo os ombros tentando alongá-
los, sem sucesso. O sofá era confortável o bastante para que eu quase o
confundisse com uma cama em meu torpor de sono. Levo alguns segundos para
reproduzir os últimos eventos do dia em minha mente, como uma projeção absurda de
um filme sem sentido, antes de sentar nas almofadas longas, massageando minha
nuca com rígida e dolorida com uma das mãos.
Gabrielle.
Tony.
O casamento.
A descoberta.
Meus olhos ainda estavam fechados. O sono tinha me abandonado, mas eu não
encontro em mim coragem para abri-los e encarar o quarto que eu divido com Gabi.
Ela mal tinha dito qualquer palavra depois do meu pedido de desculpas. Trancou-se
no banheiro com o celular por um longo período em que a ouvi deixar mensagens
para Tony que iam do “triste” ao “aflita”.
Estive tão distraído pelo caos que me cercava que não dediquei qualquer
segundo a considerar o quanto aquela situação era horrenda para ela. Preso em meu
próprio ego pensei apenas em como ela detestaria se perceber ali comigo. Mas foi
apenas ao ouvir sua voz titubeante e apreensiva deixando mensagens para seu noivo
ausente que processei como ela detestava se perceber ali sem ele.
A mim coube apenas respirar fundo e me recolher ao sofá, orando aos céus que
ela não chorasse dentro daquele quarto comigo, porque aí sim eu não saberia o que
fazer.
Mas ela não chorou.
Não sei se dormiu.
Respondeu meu desejo de boa noite com algum murmúrio incompreensível e foi
isso.
Fechei os olhos no sofá e dormi ainda combatendo os pensamentos indesejados
antes de ser arrebatado pelos pesadelos que, agora, eu afastava com minha
massagem mal feita em minha nuca dolorida.
Ainda estava escuro e foi o movimento das longas cortinas brancas e
translúcidas ao meu lado que chamou minha atenção para o lado de fora.
A porta de vidro entreaberta deixa entrar nada além do vento salgado e o
barulho das ondas. Além dela, um vulto reclinado na penumbra da sacada observa a
escuridão ao redor.
Gabi.
Era pouco provável que ela quisesse minha companhia.
Mas, era sua Lua de Mel e puta merda… era o pior lugar possível para
alimentar um poço de tristeza.
Levanto do sofá virando os últimos goles do copo de água que deixei ao meu
lado antes de dormir e respiro fundo. Eu sabia que aquela decisão não era boa… o
problema é que eu não sabia se havia uma boa decisão naquele inferno.
Ainda não tinha decidido o que dizer quando abri a porta de vidro para
atravessá-la. Gabi move o rosto em um ângulo discreto de quem nota sua presença
mas não decide interagir. Usa o short curto e a camiseta regata do pijama, os
cachos volumosos dos cabelos presos em um rabo de cavalo desajeitado. Paro ao seu
lado, apoiando os cotovelos sobre o parapeito de pedra nua.
Eu sabia como era ser abandonado pela pessoa que você ama.
Não era feliz.
Nem um pouco.
Gabi deveria estar se afundando em mágoas e autodepreciação.
O que eu fiz de errado?
O que não percebi?
O que poderia ter feito?
A gente sempre acha que é culpa nossa antes de encontrar sua verdadeira
fonte.
- Desculpe se te acordei. - murmura depois de algum tempo.
- Não foi culpa sua. Não sei nem como consegui dormir.
Ela acena sem me observar diretamente.
- Você… - arrisco, antes de uma pausa para limpar a garganta - Você conseguiu
falar com ele?
Ela balança a cabeça em um "não" comedido.
- Deixei uma porção de mensagens. - a objetividade em sua voz me surpreende.
Quando Fernanda me abandonou eu mal conseguia formar uma frase coerente.
- Gabi. - chamo, devagar. Eu preciso falar sobre aquilo, mesmo que ainda seja
um assunto delicado - Eu apenas imagino o quanto você deve estar furiosa. Mas
estou começando a ficar preocupado com meu irmão. É normal o Tony desaparecer
assim?
- Ele não desapareceu. - ela enche os pulmões, encarando o mar escuro com uma
serenidade difícil de fingir - Só não está atendendo, mas eu sei onde ele está.
- Sabe? - me inclino em sua direção esperando que o mistério finalmente
encontre uma solução.
Mas:
- Sei. - é tudo que ela diz.
Aguardo por um complemento que não vem.
- Se incomoda em compartilhar os detalhes? – peço, incomodado - Ele está em
apuros?
- Não. Ele está bem. - explica, amena - Não sei o que aconteceu, mas sei onde
ele está.
Ela não está com raiva dele?
- Onde? – não acredito que ela está me forçando a fazer a pergunta, ao invés
de contar de uma vez - Onde ele está?
Gabi, no entanto, apenas me observa com o canto do olho, antes de se voltar
para o mar.
- Ah, ótimo. - resmungo sarcástico - Não me conte! Eu só vim até aqui casar
com você. - rosno - Evitar que o Tony te deixasse para humilhação pública. Coisa
pouca. Ele é o escroto e eu preciso aceitar calado.
- Ninguém te forçou a vir. Não precisa ser grosseiro com ele.
- Ele me enfiou nessa e me abandonou sem qualquer explicação! Acho que isso
me dá o direito de ser grosseiro se eu quiser. - reclamo, com os dentes
semicerrados.
- Talvez ele esteja colocando os próprios interesses na frente dos seus, uma
vez na vida. - dessa vez ela me encara sem paciência - Já pensou nisso?
Calma.
Ela estava defendendo ele?
ELE?
O cara que a deixou no altar?
- Agora virou culpa minha?
- O que isso quer dizer?
- Quer dizer que você está resistindo em culpar o Tony pela merda em que
estamos, mas não vê qualquer problema em me culpar.
- Não estou "resistindo em culpar o Tony". - Ela se vira para mim, fazendo as
aspas no ar com raiva. Os cachos escapam de seu rabo de cavalo em fios ondulados,
tomando a frente de seus olhos cor de mel. Gabrielle é uns vinte centímetros mais
baixa do que eu, mas quando começa a ficar irritada, parece dobrar de tamanho. E
de beleza. Algo na sua postura mandona, inclinando-se na minha direção como se
fosse capaz de me dar palmadas, simplesmente me enlouquecia. Seu lábio inferior
treme ao defender o seu homem e eu nunca invejei tanto alguém na minha vida - Mas
eu sei que ele teve motivos. O Tony não coloca as pessoas em situações
impossíveis sem uma boa razão. - gesticula, arisca - Ele não é você.
Golpe baixo.
- Nossa, Gabrielle, eu vim aqui te salvar e você…
- Oh, MUITO obrigada, Luca, por ter mentindo para salvar a donzela indefesa
que eu sou! - cospe, sarcástica - Não te ocorreu que me explicar o que estava
acontecendo seria muito mais inteligente?
- Pronto! É minha culpa DE NOVO! - bato no meu tórax, estupefato.
Meu gesto traz o olhar de Gabi para o meu peitoral nu e ela se demora em uma
de minhas tatuagens.
Suas palavras rolam arredias por sua língua, mas seus olhos demoram alguns
segundos a mais para se afastar do meu corpo.
- Ai, garoto! - aperta os punhos - Por que você precisa ser impossível?
- Novidade, Gabi: Eu não sou mais um garoto. Eu sou um homem. - há calor na
minha palavra e ela se encolhe com um tremor de reflexo.
- Então pare de agir como um garoto. - devolve, atrevida.
Eu quero mordê-la e dar um palmada naquela bunda escondida por trás do
shortinho.
- Vim até aqui para ajudar meu irmão, porque é família e eu o amo. Porque ele
soou como se estivesse com problemas e precisasse de mim. Sinto muito se não foi
o que você planejava. Mas acredite: não foi o que eu planejei também.
- Ah não? - pisca os olhos - Porque isso parece bem coisa sua.
- Ah, Gabrielle, pelo amor de Deus! - urro, frustrado - QUANDO foi que eu
aprontei algo assim com você?
Ela arregala os olhos e eu sinto que poderia gargalhar na minha cara.
- Quer a lista em ordem cronológica ou de prioridade?
Mordo o lábio.
- Isso foi antes. Não sei se te contaram nas aulas de biologia, linda, mas as
pessoas crescem.
- Vai pro inferno.
- Sério? "Vai pro inferno"? É assim que você quer conversar?
- Eu queria conversar antes de casar com você. - dá um tapa curto em meu
peito e o sente rígido. Pode ter sido impressão minha, mas juro que senti sua mão
perdurar - Devia ter me contado, Luca! Devia ter me deixado resolver.
- Oh Gabrielle! Acorda, garota! - levo as mãos aos cabelos, farto - O que
você teria resolvido? Cancelar o casamento? Porque algo me diz que isso ia foder
o teu Tony querido amorzinho sabor de mel! Não ia, não?
Abre e fecha a boca.
Palavras não vieram.
- Aí você ia resolver o quê? Casar comigo para salvar ele de seja lá o que
for? Então meu plano continua sendo melhor! Se o Antônio tivesse aparecido quando
disse que ia aparecer, você nunca teria ficado sabendo e tudo estaria resolvido.
Seria uma mentira inocente que protegeria todo mundo. Mas, sinto te dizer isso
até porque ele é um irmão maravilhoso, mas… o Tony foi um noivo merda pra você.
Ele te largou aqui sozinha para fazer Deus sabe o quê, sem te dar qualquer
explicação, te enganando para proteger e si mesmo e ainda não atende o telefone.
Então, gata, se você quer soltar os cachorros em cima de alguém… acho que abriu
as portas do canil na frente do cara errado.
- Vai embora. - murmura, esfregando os olhos como se eles doessem - Vai
embora. - repete, enfática.
- Logo cedo. - sorrio, forçosamente - Com prazer.

**********************

Gabi

Eu estava casada com Luca Zummo.


Casada.
Luca Zummo.
Deus me salve.
Ninguém nunca me tinha feito considerar um homicídio como aquele homem, e
"adolescência" não me serviria como desculpa para seu comportamento demoníaco por
meses a fio. Ele deveria ser um arrogante que me detestava, ou um sádico que se
divertia às minhas custas… em verdade, eu não sabia qual das duas opções era
"menos pior".
Era bom que Tony tivesse uma explicação maravilhosa para aquele teatro e,
embora eu já suspeitasse qual seria, era bom que ela viesse acompanhada de um
pedido de desculpas incrível, margaridas e um monte de chocolates.
Eu precisava respirar muito fundo pelo menos uma vez por minuto para
preservar a sanidade e, mesmo assim, quando ele tirou aquela porcaria daquela
camisa, eu duvidei que fosse possível permanecer firme no curso quaisquer que
fossem os hábitos de meus pulmões.
Não é questão de amor e ódio.
Nunca foi assim entre eu e ele.
"Ódio" era uma palavra forte.
"Amor" ainda mais.
"Tesão e desprezo", no entanto, eram um duo de terminologias que me serviam
bem melhor.
Eu o desprezava em uma intensidade visceral: Seu sorriso arrogante, seu jeito
inconsequente, seu descaso pelas necessidades alheias, seu egocentrismo furioso.
O homem era desprezível.
Mas, por Deus, como eu queria que me comesse.
Antônio, por sua vez, tinha exatamente as mesmas feições de Luca, mas sua
gentileza era imensuravelmente superior fazendo dele um par muito mais
aconselhável.
Mais gentil, mais educado, mais perfeccionista.
Menos arrogante, menos inconsequente, menos egoísta.
E menos gostoso.
As pequenas diferenças entre um e outro acabavam fazendo Luca mais apetitoso
às coxas e à língua, o que era irritante e errado na mesma medida.
Irritante porque sempre me detestei por, desde o fim da adolescência, nutrir
sonhos ousados dos quais ele nunca deveria ter sido convidado a participar. E
errado porque… bem… fosse como fosse, eu era sua cunhada agora.
E eu amava Tony.
De um modo que nunca amaria Luca.
Mesmo que meu casamento não fosse exatamente… convencional, eu nunca
colocaria Tony nessa posição.
Luca atravessa o quarto com uma toalha enrolada na cintura e eu quero esfolá-
lo com uma lixa de unha. Deixá-lo em carne viva para, talvez, diminuir a coceira
entre minhas pernas.
- Você não ia embora bem cedo?
- Antes das nove é cedo pra mim. - ele para no meio do quarto para sorrir
para mim e eu me odeio por querer encarar seu corpo.
- E precisa fazer isso?
- Pegar roupas? - oscila.
- Sabe do que estou falando. - ele ainda tem o corpo molhado - Quer mesmo
tornar as coisas mais desagradáveis do que já são?
- Só esqueci de pegar o que precisava, Gabi. - rende-se - Não estou em uma
jornada para te atormentar. Preferia que eu tivesse saído do banheiro sem nada?
- Preferia que não esquecesse.
- Anotado. - ergue um polegar, voltando ao banheiro - Caso a gente se case
por acidente, de novo, eu não vou esquecer de levar as roupas para o banheiro na
Lua de Mel de mentira, está bem?
Faço uma careta para sua piada idiota sem perceber que o pior ainda estava
por vir.
As roupas de Tony mal cabem em seu corpo largo e eu tenho vontade de
gargalhar. Porque não é suficiente que o Destino tivesse me trancado em um quarto
com o cara que foi O desejo libertino de minha vida como jovem adulta, Ele também
precisa obrigá-lo a andar por aí com roupas que colam em seus músculos como se
fossem adesivos.
O Destino parece um ex namorado que não liga muito pra minha vida mas ainda
se diverte com a probabilidade de que eu esteja na merda.
Respiro fundo.
Uma vez atrás da outra.
Orando para que seja suficiente.
"Sou casada com o irmão dele".
"Casada com o irmão dele".
Bem…
Não exatamente, não é mesmo?
Ele toca meu braço arrancando-me de meus devaneios com um sobressalto.
- Calma. - afasta-se, encarando-me com curiosidade - Seu celular está
tocando. - anuncia.
Tony.
Corro para o celular.

**********************

Luca

- Tony? Ah, ainda bem! - expira aliviada, agarrada ao celular - Onde você
está? É, eu já percebi o que vocês fizeram. Por que não me contou? O que…
Ótimas perguntas.
Eu gostaria de respostas para todas elas também, assim que possível, por
favor.
Gabrielle fica em silêncio enquanto Tony tece suas explicações.
Seu rosto se derrete em compreensão e eu me sinto arrebatar pela cólera: o
que diabos um cara pode dizer para sua noiva para justificar seus atos dos
últimos dois dias com tanta velocidade?
Ela o ama.
Se Fernanda tivesse chegado atrasada para o nosso casamento alegando uma unha
encravada, eu não ligaria.
Não ligaria se ela tivesse me feito esperar uma hora ou duas. Aceitaria
qualquer motivo estúpido que ela me desse como justificativa, desde que a tivesse
ao meu lado no fim da noite.
Eu estava apaixonado.
E "paixão" e "estupidez" são duas coisas frequentemente atreladas.
Eu tive minha chance.
Agora, aparentemente, era a vez de Gabrielle.
- Entendo, querido, claro. Não se preocupe comigo, faça o que a Giseli
precisar. Tem algo que eu possa…? - ela pergunta e se cala, diante de mais
instruções - Não… - seu olhar corre para mim - Ele ainda está aqui. É…
Ergo as mãos, questionando o que se passava.
- Tudo bem. - ela engole em seco - Vou passar pra ele. Seu irmão quer falar
com você. - entrega-me o celular.
Encaro o aparelho em suas mãos como se ele fosse capaz de explodir, mas o
pego mesmo assim. Com cuidado e receio.
- Antônio, onde caralhos você se enfiou?
- Luca, escuta, me perdoa! - pede, apressado - Sei que te devo um pedido de
desculpas mais elaborado do que isso, mas…
- Pode apostar que deve! Tony, mas que merda, cara?
- Luca, eu sei! Escuta! Se você apenas me escutar por um instante. - pede -
Eu não tenho como te contar tudo agora, mas vou fazer isso! Em breve, juro que
vou!
- Não, Tony, você vai me explicar agora!
- Cara, confia em mim. Preciso que confie em mim. Eu sei que isso parece
loucura e que… ah… merda. Eu sei, tá bem? Mas preciso… preciso de verdade que
confie em mim dessa vez. Não posso explicar tudo agora, não desse jeito. Não
quero… não quero que você me odeie. - suspira.
- Você é meu irmão. - murmuro, sem entender - Eu te amo, não importa o que
seja, está bem? Mas puta que pariu, Tony, você tá me deixando preocupado.
- Eu estou bem e… e vai ficar tudo bem. Eu prometo. Mas não posso… não posso
agora, Luca, por favor acredite em mim. Só… só confia em mim.
- Tá, tá. Ai, inferno, Tony, tudo bem. Você me conta quando chegar, é isso?
Quer que eu te espere?
Ele demora um pouco demais para responder.
- Quero. - murmura, vazio - Quero que espere eu voltar. Pode fazer isso?
- Posso. Claro, cara. Que merda… que horas você chega?
- Ahm… - ele deixa o lamento no ar e eu começo a entender que a dimensão da
pergunta feita foi diferente do que eu compreendi.
- Antônio. - rosno baixinho - Você está chegando hoje, não está?
Ele fica em silêncio.
Encaro Gabi e a vejo desviar o olhar.
Puta merda.
- Antônio? - sibilo.
- Devo demorar mais alguns dias, Luca.
- ALGUNS DIAS? Você… você PERDEU O JUÍZO! Cara, PUTA MERDA, vocês está
CASADO! VEM FICAR COM SUA MULHER, AGORA!
Do outro lado, Tony está tentando falar, mas eu não tinha parado de gritar:
- Gabrielle quer que eu vá embora e na boa, irmãozinho, ela está certa! Se
você chegar hoje, ok, eu te espero. Se não chegar, me liga quando estiver na
cidade e a gente conversa!
- … você não entende!
- Pode apostar essa porra desse teu pau orgulhoso que eu não entendo! Você
arranja uma mulher espetacular pra casar e foge do casamento! Foge da Lua de Mel!
Que cacete tá acontecendo?
- Luca, se você precisa ir embora, eu entendo. Claro que… droga… droga. Eu
entendo! - repete - Você já me ajudou muito e eu sei que tem sua vida, seus
amigos, seu estúdio, seu trabalho… droga, cara, eu sei! Mas… mas se puder fazer
isso por mim… Se puder ficar, vai salvar minha vida. Vai… vai resolver tudo. Se
não puder, eu entendo e te agradeço pelo que já fez. - ele parece cansado. Parece
exausto - Mas se puder… Luca, se puder… vou ficar te devendo pelo resto da vida.
Aperto minhas têmporas encarando o chão.
Mesmo sendo mais velho por pouco mais de dois minutos, essa porra desse
complexo de Irmão Mais Velho sempre me fodeu. Eu não consigo dizer "não" ao ouvir
meu irmãozinho me implorando para salvá-lo.
- O que você precisa que eu faça? - murmuro, sem vida.
- Ai, Luca, obrigado!
- Calma que eu ainda não concordei, idiota. - resmungo - O que precisa?
- Só preciso que fique aí! Dez dias em um hotel cinco estrelas! Você pode…
pode surfar e fazer trilhas! Jantar, spa, tudo por minha conta! - acelera-se em
seu discurso - Só fique aí com Gabi e… quando voltarem, eu encontro vocês em
casa. Eu juro!
Ai que merda.
- Espera. - murmuro, afastando o telefone do rosto - Ele quer que eu fique,
você sabe disso?
Gabi se abraça como se temesse que algum segredo escapasse.
- Sei.
- E por você tudo bem?
- Por mim tudo bem. - engole em seco.
- Sério? - arregalo os olhos com uma risada de descrença.
- Luca, olha… me desculpa. - ela acena devagar - Sei que fui irritante e… Eu
só tomei um susto, está bem? Nós não somos exatamente a pessoa favorita do outro.
Eu podia ter sido mais simpática.
- Meu Deus. – balanço a cabeça - O que está acontecendo?
- Por quê?
- Porque você estava pronta para me amarrar do telhado há cinco minutos e
agora está pedindo desculpas.
- O Tony precisa disso, agora. Ele precisa da nossa ajuda. - murmura e não
sei se ela acredita nas próprias palavras.
Dei de ombros.
Eles são casados, não são? Então que se resolvam.
- E você atende o telefone quando eu ligar? – rujo para o celular.
- E eu atendo o telefone quando você ligar! - promete.
Preciso respirar fundo duas vezes inteiras antes de dizer:
- Tá. Tá bem. Fico até você voltar.
- Obrigado, cara! Obrigado! Estou te devendo.
- Pelo resto DA VIDA, Antônio!
- Pelo resto da vida!
Desligo o telefone e o devolvo.
- Acho que não vou embora cedo, no fim das contas.
- Obrigada. - ela sussurra, miúda, deixando o aparelho sobre a mesa.
- Gabi… - peço - O que tá acontecendo?
- Ele disse que ia te contar?
- Disse! Mas aí começou uma série de outras afirmações que fez sentido
nenhum.
- Tipo?
- Tipo achar que eu vou odiá-lo!
Ela acena como se aquilo, na verdade, fizesse bastante sentido. Meus ombros
estão duros e sofríveis, larguei o peso do corpo no sofá e desisti.
- Ok. Acho que não vou conseguir respostas de nenhum de vocês dois, hoje.
- Não é uma resposta minha para dar, Luca. - ela ainda se abraça - Não acho
certo você ficar aqui sem… sem saber de nada. Mas não é uma resposta minha. É
dele. É do seu irmão.
Atento para os seus trejeitos. Parecia nervosa. Parecia… triste.
Curioso como a ideia de que Gabi estava triste me incomodava mais que
qualquer outra loucura naquele cenário surreal.
- Bem! - dou de ombros - Você quer companhia?
- Companhia? - seu olhar frio se aquece, focando-se em mim.
- Sim, para sua trilha.
- Ah, eu… - olha para os lados como se confusa - Eu ia fazer sozinha, o Tony…
Tony não gosta de trilhas.
- É, mas o Tony não está aqui. E parece que não vai estar por algum tempo.
Então, - sorrio - quer companhia?
4 – A garrafa italiana
E aí eu descobri que Gabrielle gostava de trilhas.
Mais do que eu, o que foi surpreendente até certo ponto, porque Tony as
detestava.
- Cansado, Zummo? - ela provoca alguns metros a minha frente.
- Não estou dando o meu máximo para não te deixar constrangida. - puxo a
garrafa de água.
- Hmhum. - ela ri, esperando-me.
A trilha é suficientemente bem demarcada, a não ser em uma das pradarias em
que tivemos que usar um pouco do instinto para descobrir qual direção seguir. Mas
o dia está lindo, não tínhamos nada além daquilo para fazer e nos perder em um
gramado verde e alto debaixo de um Sol gostoso acabou sendo uma ideia excelente.
Seja lá qual o problema de Tony, que tinha deixado Gabi cabisbaixa e
entristecida, o fato é que ele não estava mais em sua mente e vê-la sorrir foi um
alívio bem recebido.
Poder me livrar das mangas compridas também.
A trilha serpenteia em uma subida brusca antes de se aplanar mais uma vez.
Gabi espera por mim no ponto mais alto, enquanto eu dou os últimos passos ladeira
acima. Escondo meu arfar cansado, fingindo uma energia plena que não é exatamente
verdadeira e ela me devolve apenas um olhar entediado.
Ou deveria ter sido um olhar entediado… se ela não tivesse se demorado
libidinosamente nos meus músculos.
- Viu algo que te interessou? - roubo sua atenção - Gostou das minhas
tatuagens?
- Não. - desfaz-se, subitamente. Voltando a caminhar.
- Então só está encarando meu corpo? - provoco, irritante.
- As tatuagens. - decide, virando-se de lado, os polegares enfiados nas alças
da mochila - As tatuagens são bonitas.
- Oh, obrigado, Gabi! - exagero na gratidão, como se ela tivesse sido
perfeitamente genuína - Já pensou em fazer alguma?
- Por enquanto, mais nenhuma.
- Mais nenhuma? Você já tem uma?
- Tenho. - murmura, descontraída.
Freio minha caminhada imediatamente com os olhos bem abertos.
- Onde?
- Não é da sua conta.
Acho que meu sorriso talvez tenha sido safado demais quando a persegui,
agitado.
Minha virilha perturba-se com as cócegas que precedem a ereção. Cada pessoa
tem suas preferências sexuais, as minhas frequentemente envolviam mulheres
tatuadas. Mesmo antes do estúdio, ou de aprender qualquer coisa sobre a arte, eu
já tinha um tesão meio animal por uma mulher com alguma tinta na pele. Me fazia
perder a razão.
- Eu te vi de biquini - lembro - e não vi qualquer tatuagem.
- Estava encarando meu corpo, então? - devolve.
- Sagaz. - parabenizo.
- Obrigada. - ergue um ombro.
- Gabi? - peço.
- Luca? - ri.
- Onde é a tatuagem? - imploro.
- Talvez seja em um lugar secreto. - vira-se para assistir minha angústia -
Ou talvez eu esteja inventando para te provocar.
- Precisa ser pequena. - considero - Teu biquini era minúsculo, não cobria
muita coisa. E se for fora do biquini… tem que ser muito pequena mesmo, ou eu
teria notado.
Ela tira uma garrafa de água da lateral da mochila para se servir:
- Qual o seu problema com tatuagens?
Fico duro só de pensar em uns traços de tinta nesse teu corpo gostoso.
Não.
Péssima resposta.
- Interesse profissional.
Ela morde o canto do lábio úmido pelos goles de água e parece considerar me
absolver.
- É pequena. - confirma - Mas está fora do biquini.
Melhor assim.
Pensar na sua região púbica depilada e tatuada ia me foder com força.
- Vai me contar o que é?
- Vou te deixar tentar descobrir. - dobra o lábio e eu rio.
- Tudo bem. Desafio aceito.
Seguimos quase em silêncio pela próxima meia hora. Nenhum assunto se forma de
forma relevante. Apenas comentários sobre o percurso ou o cenário.
E a vista.
Meu bom Deus, a vista.
- Tony é um estúpido. - eu resmungo finalmente - Tem que ser muito babaca pra
perder uma vista dessas!
Gabi me responde com uma risada gostosa.
- Mesmo que ele tivesse vindo, ainda teria perdido a vista. Até parece que
ele ia subir isso tudo!
- Verdade! - lembro – Preguiçoso.
- "Acomodado", eu diria. - pisca um olho.
- Nossa. - meu desconforto sai grave e gutural - Você realmente o ama muito.
- Por que diz isso?
- O modo como o defende. - aceno - E o fato de estar tão na boa com tudo
isso.
- Não estou "tão na boa". - ergue um ombro - Mas estou lidando. - completa,
com maturidade.
É verdade.
Não devia ser fácil, mas ela estava lidando como podia.
Conheço a sensação de ser abandonado no casamento, mas a parte boa daquilo
tudo - se é que houve uma parte boa - é que pelo menos acabou logo. Fernanda
deixou um bilhete rabiscado às pressas que tinha nenhuma consideração e muita
objetividade. Era terminal e resoluto. Acabou e é isso e seguimos.
Mas para Gabi… era um eterno estado transitório. Como se a espera no altar
estivesse se prolongando por dias. Não deveria ser nem um pouco agradável e eu
sequer conseguia imaginar qual desculpa Tony tinha lhe dado para tornar aquilo
aceitável.
Minha suspeita é que a desculpa - seja lá qual fosse - era péssima, e
Gabrielle só a tinha aceitado porque o amava.
Mas, se eu estivesse certo, sua paciência não ia se sustentar eternamente.
E se Antônio não voltasse, eu podia apenas imaginar sua dor.
Fico em silêncio por alguns passos, quando o terreno se tornou lamacento e
tivemos que experimentar sair da trilha para escolher um percurso mais
transitável.
- Deu pra perceber o quanto você gosta dele. - assinto, depois do que parece
uma eternidade de silêncio.
- Ele é meu melhor amigo. - ela sorri, quieta, e eu sinto a pontada de inveja
me atacar de novo.
O homem é idêntico a mim… e ainda assim tinha conseguido um sucesso absoluto
onde eu fracassei epicamente.
- Estou feliz por vocês. - devolvo o sorriso e sei que não é mentira.
É, eu estou cobiçando sua esposa e invejando suas decisões amorosas, mas eu
amava aquele puto e saber que ele tinha uma vida pela frente com uma mulher como
Gabi… eu estava feliz por ele.
Não acho que um cara consegue muito melhor do que isso na vida.
- Assim como ficou feliz por mim e André?
- Aquilo foi diferente! - engulo em seco, desesperado para trazer a conversa
de volta para um terreno seguro - É sério, Gabi, eu sei que você não confia em
mim, mas… Você tá rindo?
Ela estava rindo.
Estava se divertindo às minhas custas.
- Sua mulher maldita. - eu praguejo baixinho - Quase me mata do coração.
- Está nervoso, gatinho? - provoca.
- Estou querendo paz pelos próximos dias.
- Hmhum. - ri.
- E o André não prestava.
- Hmhum.
- É sério, Gabrielle! Se você ouvisse as coisas que ele falava de você para
os caras!
- Até você lhe dar um murro?
- Alguém precisava fazer alguma coisa. - murmuro, contrariado.
- E o murro foi porque ele falava de mim e não porque ele pegou a tua garota?
- Ela não era minha garota. - estreito os olhos pra ela, impaciente.
- Sei. - ela ri.
- É sério! Meu Deus, você não acredita em nada que eu digo, não é?
- Tenho uma certa dificuldade. - admite. Mas não estava brigando. Acho que
era a primeira vez que conseguíamos falar do passado sem discutir – Mas foi legal
ver o André apanhar.
- Viu? De nada.
- E foi legal ver você apanhar também. - ela ri mais alto.
- Eu não apanhei! - revolto-me - Dei uma surra nele, de nada.
- E ele deu outra em você. Foi uma troca. - constata.
- Ele não me deu… Oh, Gabrielle, ele não bateu em mim!
- Luca, eu estava lá. Você levou uns três murros.
- Que não doeram. O André não sabe bater. O Tony também não, por sinal. Vai
ver você tem um tipo.
Ela ri muito alto.
- Tá, vou fingir que acredito em você. Mas não se preocupe, porque eu finjo
muito bem.
- Sabe? Você devia me dar uma chance. - reclamo - Nem que fosse uma bem
pequenininha.
- Uma chance? Pra quê? Já sei que você não sabe se comportar. É impossível.
- "Não sei me…" Ei! Estou me comportando muito bem!
- Antes ou depois de ter dito que queria me beijar? - ela cora
instantaneamente.
Instantaneamente.
Não consegue esconder.
- Me perdi no momento. - confesso.
- É, mas eu não chamo isso de "se comportar". Estava se aproveitando da
situação e da minha inocência, e isso é tão típico, Luca. Você e essa sua mania
de agir como se fosse invulnerável, às vezes não pensa em como… - ela se aquieta
- Não. Eu prometi. - respira fundo.
- Você não gosta mesmo de mim, não é? - considero.
Gabi solta os punhos que tinha em riste.
Ela foi um período curioso na minha vida.
Eu fui um período detestável na dela.
- Você deve amá-lo muito. - acrescento antes que ela respondesse - Para
aceitar tudo isso.
- Eu amo. - acena.
Nós continuamos. Ultrapassando alguns grupos que andavam mais devagar.
Um jovem andava sozinho com a caixa de som do celular tocando Beyonce mais
alto do que seria aceitável.
Um casal parou para sentar em algumas pedras e fazer um lanche rápido
enquanto a mulher reclamava da sua garrafa térmica, exigindo que o companheiro
fosse mais cuidadoso.
- Isso é uma termal com duplo isolamento térmico, Davi. Comprei na Itália!
Não deixe cair! É italiana!
Sussurro pra Gabi quando ela revira os olhos para a interação alheia.
- Não vai me contar mesmo o que ele disse?
- Vai ter que perguntar pra ele. - observa-me com o canto do olho.
- Tá. Então, pelo menos me conta da sua tatuagem? - rio.
- Voltamos para esse assunto? - ela sorri.
- Acho que nunca saímos!
A subida termina em um pequeno cume de pedras rosadas que se fecham em uma
queda íngreme em todas as direções menos uma… Logo a esquerda, nossa trilha
continuava miúda, entre as pedras, descendo para a vista deslumbrante que
observávamos lá de cima.
O lago muito azul, cercado por suas margens de pedras cinzentas e circulares,
a mata verde que se fechava em todas as direções e as montanhas, lá do outro
lado, enquadrando a paisagem.
- Nossa… - o olhar de Gabrielle se perde na distância e eu a acompanho.
Ela se vira, animada, para descer a trilha até o lago. Lá embaixo algumas
pessoas já se sentavam espalhadas entre sanduíches, ou experimentavam a água.
Colocamos nossas coisas sobre as pedras em uma parte mais afastada e vazia.
Gabrielle tira a calça primeiro e eu prendo a respiração. Usava um biquini
largo por baixo, ou um short muito muito curto, era difícil definir.
- Não vai entrar no lago?
- Vou. - gaguejo - Claro.
Quando tiro a camisa e a calça para ficar apenas com o calção de banho
escuro, Gabi já estava de biquini, afastando-se em direção à água.
Finjo que estou procurando sua tatuagem mas, em meu coração, eu sei que é só
uma desculpa para apreciar a vista.
Sua cunhada.
Mulher do seu irmão.
Família.
Fechei os olhos, bem apertado e…
- Luca? Você vem?
- Shh. Não me chama assim! - peço, olhando para os lados. Ela leva a mão a
boca em uma careta de desculpas - Não sou eu quem está enrascado caso alguém
descubra, sabia? - me aproximo depressa, puxando-a pela mão e condenando sua
falta de cuidado.
- Eu sei. - morde as palavras, seguindo-me - Mas é estranho te chamar de
Tony.
- Invente um apelido que faça sentido.
- Tipo "amor"? - ri.
Baixo os olhos para a água que já alcançava nossas cinturas enquanto
entrávamos no lago.
- É. Na falta de algo melhor.
- Certo. Amor. - murmura com um tom forçadamente erótico que deveria ser uma
brincadeira, mas foi dito mais ou menos na mesma merda de segundo em que descobri
onde estava sua tatuagem. Aí o efeito me fodeu.
- Achei. - mordo a boca.
- Han? - ela ainda estava se divertindo com as próprias brincadeiras.
Coloco o indicador em suas costelas, abaixo da tatuagem. Duas linhas de tinta
escura, em uma caligrafia discreta bem abaixo do seio direito.
- Ah. Parabéns. - busca meus olhos. Mas eu não consego desviar minha atenção.
"O melhor olá" era a primeira frase.
A segunda permaneceu um mistério porque ela se afastou, afundando nas águas
cristalinas antes que eu pudesse lê-la.
"O melhor olá"?
Normalmente tatuagens têm um significado específico para o sujeito que a
tatua. Mas - normalmente - é algo que dá para inferir. Ou pelo menos imaginar.
Mas… "O melhor olá"? O que diabos era isso?
- O que significa? - vou atrás dela como um cachorrinho.
- Vou te deixar imaginar. - balança os ombros dentro da água.
E "imaginar" foi o que eu fiz.
Enquanto nadávamos.
Enquanto compartilhávamos histórias de infância que envolviam acampamentos,
lagos, rios ou perder-se na natureza.
Enquanto a via sorrir como se não tivesse qualquer preocupação na vida.
Por algum motivo, estávamos de mãos dadas quando saímos da água.
Acho que ela quase escorregou nas pedras lisas. Ou talvez tenha sido eu.
Ela se apoiou em mim. Eu me apoiei nela.
As mãos estavam entrelaçadas e eu me contorcia para dar mais uma olhada em
sua tatuagem.
Gabi correu, rindo e cobriu-se depressa com a toalha de rosto, trazida na
mochila para ocupar menos volume.
- Não vai conseguir se esconder pra sempre.
- Mas posso tentar. - pisca um olho, provocando.
- Vou te amarrar na areia e…
Um gemido.
Por um lado, foi bom, já que era pouco provável que minha frase sobre
"amarrar Gabi na areia" tivesse algum final apropriado.
Por outro lado, era um claro gemido de sexo o que era… bem… péssimo.
Nós dois vasculhamos os arredores e encontramos os corpos ondulando-se não
muito longe de nossas mochilas, enfiados na vegetação que - para infelicidade dos
amantes - não era fechada o suficiente.
Aparentemente não fomos os únicos a escolher a parte mais vazia para baixar
acampamento.
Não que o lugar estivesse lotado… O lago era imenso e não havia mais que oito
ou nove pessoas em toda sua circunferência.
Gabi tapa a boca de queixo caído entretendo uma risada e se apoia em meu
ombro, às minhas costas, como quem quer gritar "OLHA PRA ISSO!"
Eu preciso rir de sua crise.
- EI! - exclamo para os amantes no mato que se cobrem depressa em um
sobressalto de pânico. Os risos de Gabi se fizeram audíveis - Precisam de uma
camisinha aí?
- Ahm… não. - ele não devia ter mais de 17 anos. Ela também não. Por Deus…
ainda bem que ainda estavam vestidos. Não completamente, mas… pelo menos não
estavam nus - Obrigado. - ele ergue um polegar.
- Será que vocês podiam encontrar outro lugar? - peço - O lago é bem grande e
eu não curto ouvir gemidos de desconhecidos durante o almoço. - aponto para a
refeição que nos aguardava em nossas mochilas embora estivesse certo que eles
deveriam estar alheios aos meus gestos, concentrando-se apenas na inconveniência
de minhas palavras - Ou talvez arranjar um quarto. - sugiro.
A garota se afastou primeiro, descendo ao longo da circunferência do lago
para se afastar ainda mais da concentração de pessoas.
- Não esqueçam a camisinha, pelo amor de Deus. - lembro, quando o garoto
ergue a mão em um cumprimento desajeitado.
- Coitados, amor. - Gabi ri, sentando nas pedras - Devia deixar eles
terminarem. A gente ia pra outro lugar.
- Sério? - sento ao seu lado - Eu estou prestando um serviço público! Melhor
eles aprenderem a ficar ligados comigo que sou de paz do que com o casal tipo a
mulher da garrafa térmica que vimos no caminho.
- Oh, ela era horrível.
- Fazer sexo em público é uma arte. Eles têm que ficar atentos desde cedo. -
aceno, aceitando o sanduíche, antes de lembrar de uma questão delicada.
Virgem.
Ela é virgem.
Todo esse assunto de sexo devia ser realmente embaraçoso.
- Ah… "melhor olá"? - mudo de assunto depressa.
Ela não responde com nada além de um sorriso promissor.
- Vou descobrir. - prometo antes da primeira mordida.
- Não acha sempre desagradável quando as pessoas ficam te perguntando a razão
por trás da tatuagem?
- Acho, mas que se dane, estou curioso. - ralho e ela se desfez em
gargalhadas gostosas.
A jornada até ali levou horas mas valeu cada minuto.
E a companhia fazia a coisa toda valer ainda mais.
Um almoço preguiçoso, seguido de um banho de sol nas pedras antes de nos
enfiar de volta nas roupas e preparar nosso retorno. Já estaria escurecendo
quando chegássemos de volta no hotel.
Eu queria ficar ali para sempre.
Principalmente se as coisas fossem diferentes e eu pudesse de fato ficar ali
para sempre.
Com ela.
- Italiana! Não deixe cair, Davi! Cuidado, Davi!
- Nossa. - Gabi faz um muxoxo - Que pena do Davi.
Eu concordo, infeliz.
Davi deixa a bendita garrafinha nas pedras e vai se encontrar com a namorada
na beira da água. Eles usam uma pulseirinha plástica de acesso a um resort
vizinho ao nosso. Outro cinco estrelas.
Gente rica reclamando de coisa cara.
Espremo a boca sentindo o moleque sapeca dentro de mim tomar o controle.
- Você tá com tudo aí?
- Han?
- Pronta pra correr?
- O quê? - enruga a testa.
Eu me abaixo depressa, roubo a garrafinha italiana e agarro a mão de
Gabrielle.
- Vem! - ordeno, baixinho.
Ela inspira para me repreender, mas a emergência é maior e corre atrás de
mim, embalada subida acima, até chegar ao topo do pequeno monte onde tínhamos
visto o lago pela primeira vez. Mas eu continuo a correr para ter certeza que ia
colocar uma boa distância entre nós e meu crime.
- Você é louco! - zomba - Além de, obviamente, um criminoso.
- Admita: foi divertido.
- Meu coração ainda está acelerado. - toma o próprio peito enquanto eu
abandono a garrafinha sagrada no meio da trilha, em cima de uma pedra
particularmente larga - E você sabe que o pobre Davi vai levar a culpa, não é?
- Só até eles voltarem, aí vão encontrar no meio do caminho.
- Louco! - repete, caçoando - E criminoso!
- Mas foi divertido. - aviso.
Ela sorri.
Tão linda.
- É. - confessa - Foi divertido.
Não estávamos mais correndo.
Não soltei sua mão.

**********************

- Certo! - a lua está alta, brilhando um caminho prateado sobre o mar escuro.
Dividíamos uma espreguiçadeira larga, sentados lado a lado com nossos pés
descalços enfiados na areia enquanto a música da festa estava distante o
suficiente para que fosse pouco mais que um fantasma sonoro. As luzes tremeluziam
ao nosso redor brincando com nossas sombras, fazendo-as se fundir e entrelaçar
como nossos corpos, provavelmente, jamais fariam - Momento mais constrangedor da
sua vida? - pergunto.
- Não. De jeito nenhum. Não vamos fazer isso. - aceita o copo de dose que lhe
ofereci.
- Ah, vai, Gabi! A gente está bebendo tequila! É claro que a gente tem que
fazer isso.
- Não tem! - ri.
- Não dá pra beber tequila sem conversa constrangedora, está no manual que
vem com a garrafa. - empurro-a com o ombro.
- Você é ridículo!
- E cheio de momentos constrangedores que você só vai descobrir se brincar.
Ela tem diversão estampada nos olhos e eu faço uma dancinha curta,
estimulando-a a participar.
- Tá, vai! Mas você começa! - estica o indicador para mim - Momento mais
constrangedor?
- Calma, mulher, a gente vira primeiro. - aviso, chamando seu copo para um
brinde antes de engolir a tequila. Ele me acompanha e bebe a sua também. - Tudo
bem! Momento mais constrangedor… - reviro minha memória procurando um bom - Aqui
vai: então, eu tinha uns 15 anos, certo? Estava louco por essa garota da minha
escola, vamos chamá-la de Vanessa. Nomes fictícios para preservar a integridade
dos envolvidos. - aviso.
- Lógico. - ela serve mais dois copos com a garrafa de tequila que esperava
aos nossos pés, cortesia do meu irmão.
- Nós nos aproximamos bastante, voltávamos juntos da escola quase todos os
dias, cinema, festas… a gente sempre se encontrava e o papo era sempre ótimo.
- Garanhão.
- E aí! Um belo dia, ela me dá uma carta. Eu penso: uma carta? Quem dá uma
carta para outra pessoa hoje em dia? Mas eu abro o negócio, não é? Ela me pede
para ler, eu leio. - explico, gesticulando - E é uma porra de uma declaração de
amor.
- Uuuhh.
- Gabi, eu já estava sorrindo antes de terminar de ler a parada. Eu tava
louco a fim dessa garota e ela me escreve uma declaração de amor? Aí eu terminei
de ler e devolvi a carta para ela. Meu sorriso ia de uma orelha até a outra. O
Coringa perdia pra mim.
- E ela?
- Ela me perguntou o que eu achava. E eu disse algo tipo: incrível, melhor
carta que eu já li. E ela: ótimo, eu queria ouvir a opinião de um amigo antes de
entregar ela pro Arthur. - deixo meu sorriso amarelo descrever minha decepção
enquanto Gabi ri às minhas custas.
- Ah, coitadinho!
- Eu não sabia onde me enfiar depois disso.
- E você pegou a garota depois?
- Não. Nunca. Mas eu superei. – faço uma careta fofa de doído.
- Calma. - enruga a testa - "Vanessa" é a Vanessa do marketing? Ela era
colega do seu irmão na escola, então…
- NOMES FICTÍCIOS! - exclamo, tentando esconder a verdade enquanto Gabi
gargalha ainda mais alto - TUDO FICÇÃO!
- Claro, claro. Perdão. - leva a mão ao peito, teatral.
- Sua vez, querida. - aponto - Momento mais constrangedor?
- Hmm. - aperta os olhos, vasculhando a memória assim como eu tinha feito -
Tenho uma boa pra você.
- Me impressione. - peço.
- Eu estava ficando com esse cara.
- "Vanessa" também?
- Vamos chamá-lo de Arthur! - ri, malvada.
- Ai. - reclamo.
- Aí o Arthur, todo cavalheiro, correu para abrir a porta para mim, quando
chegamos no restaurante. Encurtando a história, ele escorregou em alguma coisa,
caiu no chão e machucou a parte baixa das costas.
Estreito os olhos decepcionado.
- Sério, Gabi? Isso é o melhor que consegue fazer? Uma queda?
- Escuta o resto da história! - dá um tapa na minha perna - Acontece que
Arthur se machucou pra valer! Tivemos que interromper o jantar para ir ao
hospital. Era nosso terceiro encontro, eu não tinha muita intimidade com o cara,
mas não ia deixá-lo lá sozinho, não é?
- Claro que não. - concordo.
- E aí tudo bem. Ele vestir um daqueles roupões ridículos pra fazer uns
exames. Sabe do que estou falando? Aqueles que te deixam meio pelados?
- Rá! Agora a história tá melhorando.
- Hm. E quando o médico de plantão chegou… era meu ex-namorado. E aí eu tive
que ficar lá, apresentar os dois e assistir meu ex vendo o meu atual semi-nu.
- Nossa! - levo a mão aos olhos, impressionado - Momento mais constrangedor
foi um sucesso. - brindamos e viramos a segunda - Pior arrependimento?
- Você é horrível. - torce o nariz - A gente não pode só beber feito gente
normal?
- O Manual da Tequila…
- Tá, tá!
- E você vai primeiro dessa vez. - aviso.
- Ah, sei lá, a gente se arrepende de tanta coisa. - dá de ombros.
- Escolha um.
- Não sei, Luca.
- Se tem tantos arrependimentos, não deve ser difícil lembrar de um só!
- Luca…
- Só um! – peço, puxando seus braços - Vamos lá, um só!
- Ter te apresentado a Fernanda. - fala, de repente.
Assim que liberta as palavras, percebo que talvez ela tivesse se arrependido
de ter dito isso também.
Uma menção ao seu nome e o mundo todo ficou morno e em câmera lenta.
- Eu devia ter antecipado algo assim. Eu a conhecia! Sabia bem quem ela é. -
continua, baixinho - Acho que sempre senti como se tivesse minha parcela de culpa
pelo que te aconteceu e…
- Gabi, não. - puxo-a para mim - Não foi culpa sua. De nenhum modo possível.
Ergue um único ombro para o rosto de um jeito tímido.
- Você não sabe como foi, Luca.
- Seja lá o que for, não foi culpa sua. Foi culpa dela. E minha. E só. – faço
um carinho em seu braço, tentando confortá-la.
Ela inspira profundamente, soltando o ar devagar como se lutasse com a ideia
de finalmente revelar algo que guardou por muito tempo.
- O que foi? - peço.
- Eu tinha… - balança a cabeça, colocando os fios atrás da orelha - Eu tinha
essa coisa por você. - admite com um sorriso discreto - Mesmo quando você era
irritante e impossível. Sei lá, essa coisa de hormônios, enfim… - desfaz-se e eu
congelo onde estava - Mas eu tinha essa… essa…
- Coisa? - ajudo.
- Essa coisa por você. - repete, tentando achar graça do fato de que não
achava nenhuma graça - E a Fernanda sabia disso. Quando apresentei vocês,
inclusive, foi meio aquela coisa de "olha esse é o cara que te falei".
- Isso não torna nada do que aconteceu culpa sua, Gabi.
- A Fernanda estava sempre competindo comigo, Luca. Minhas amigas tentavam me
avisar, mas eu achava isso lenda de quem quer cria inimizade, sabe? É, ela era
ambiciosa e competitiva, mas não achei que era algo específico comigo. Mas era. -
acena - E ela foi atrás de você porque… - ela engole em seco, envergonhada -
Porque achou que eu te queria, não sei… E… talvez ela tenha gostado de você. Mas
talvez tenha sido só pra "ganhar" e eu devia ter te avisado. Se eu tivesse dito
algo, pelo menos você poderia ficar atento aos sinais.
- Gabi. - seguro seus braços, trazendo seus olhos para mim - Gabi, para. O
que a Fernanda faz é responsabilidade da Fernanda. Só dela. De mais ninguém.
Então, por favor, não faz isso. Você não tinha como saber. Não tinha. - repito -
Mas… obrigado.
Ela assente, timidamente.
- Ei. - chamo - Foi isso que ela quis dizer no casamento? Quando falou sobre
ela ter pego o outro, mas agora você também ter um para você?
- Foi, ah meu deus! - exclama, levando as mãos à boca - O casamento! Você
precisou… precisou se controlar na frente da Fernanda! De todas as pessoas, logo
ela!
- É. Não foi fácil. Mas já estabelecemos que o Tony está me devendo pelo
resto da vida.
- Verdade. - murmura - Bem, e você? Maior arrependimento?
Coço a cabeça. Eu também tinha muitas opções. Escolhi uma que me pareceu
terreno seguro:
- Ter ido embora da empresa.
- A Zummo?
- A Zummo. - encaro o mar escuro, tentando encontrar alguma paz no barulho
das ondas - Acho que nunca admiti isso em voz alta. - confesso.
Gabi se manteve em um silêncio de respeito enquanto eu decidia se deveria
continuar ou não.
- Eu adoro o que faço agora. - explico - Adoro arte, adoro trabalhar perto do
mar. Adoro fazer meu próprio horário! E se te dizem que você pode fazer isso
sendo dono de uma empresa do porte da Zummo, é mentira. - sorrio. Gabi aperta meu
joelho e, agora, é ela quem me conforta - Mas… droga, sabe? Não tem emoção igual
a trabalhar no design de um novo carro modelo. Aquela arte onde o céu é o limite.
Não tem sensação igual a testar uma máquina nova na pista. Nossa! - suspiro, sem
conseguir afastar o sorriso - Aquelas preparações para as feiras de carro de
Frankfurt ou Tokyo… eram as melhores semanas da minha vida. Eu adorava a loucura.
Mas… não conseguia ficar lá. Não com o meu pai sendo… bem… sendo o meu pai. Eu
precisava de tempo para cicatrizar e superar o que aconteceu.
- Você realmente a amava. - sussurra.
- É. Acho que sim. E tudo aquilo me magoou muito. - busco sua mão em meu
joelho e estou apertando seus dedos antes que percebesse - Eu tive uma
adolescência furiosa, como você bem sabe.
- Eu bem sei. - concorda, tentando aliviar o clima.
- Mas eu estava pronto, sabe? A coisa do ter uma casa, uma esposa, uma
família. Filhos, quem sabe. - sorrio - Eu estava finalmente pronto. E eu e
Fernanda estávamos juntos há tempo suficiente para eu acreditar que seria ela.
Mas então…
- Então, não foi.
- "Não foi". Boa definição. - saúdo.
Segurando sua mão.
Encarando o mar.
- Nossa! A brincadeira da Tequila devia ser divertida! - reclamo e ela ri
alto.
- Acho que vai precisar pegar o manual, no fim das contas. Parece que estamos
brincando do jeito errado.
- Outra? - nos servi e ela aceita.
- Eu tenho uma! - exclama, animada.
- Deus abençoe! Por favor, nos salve, Gabi.
- Melhor sexo da sua vida?
Eu tossi a tequila.
Ela ia querer falar de sexo?
Ok.
- Ahh… Certo! Eu… ahm…
- Luca. - pede, delicada.
- Hm?
Aproxima seus olhos dos meus, investigando-me. Ela é linda. E assim, tão
perto, é irresistível.
- Não minta. - avisa - Eu vou saber.
- Não. - gaguejo - Não vou mentir. Ok. Melhor sexo. É… Uma garota me amarrou
na cama uma vez. - balbucio - Foi… ahm… foi bem legal.
- "Uma garota te amarrou na cama"? Sério? Eu precisei te arrancar de um
quarto com três garotas nuas em um avéspera de prova e quer me dizer que
"amarrado na cama" é o primeiro lugar?
- Não fico muito a vontade respondendo essa pergunta. - admito, abraçando-me.
- Que pena. Foi você quem inventou a brincadeira. - pisca, sem se abalar.
- Certo. - expiro, irritado. Era melhor admitir de uma vez - O nome dela era
Bianca. Foi a primeira garota tatuada com quem eu fiquei. Eu sabia que eu tinha
um tesão por tatuagens, mas foi com ela que eu descobri como era forte. Minha
vez. - aviso - Se você pudesse trabalhar onde quisesse, no mundo, ainda ficaria
na Zummo?
Gabi está confusa.
- Não quer que eu responda a pergunta do sexo?
Agora Luca está confuso.
- Se você quiser… - gesticulo - Mas imaginei que não teria opções, sabe? Você
sendo…
- "Sendo"?
- Bem… - gaguejo - Você sendo virgem e tudo o mais.
- EU SENDO O QUE? - arregala os olhos com violência.
- Ah, eu pensei que… Você não é?
- Não! Luca! Por que achou que eu era virgem?
- Ahm… - coço a testa.
- Luca? - rosna, autoritária.
- O Marco disse que você era.
- Por que diabos o Marco diria isso?
- Eu sei lá! - gesticulo, rápido - Isso você pergunta pra ele. Estava
tentando me convencer a vir passar a noite de núpcias com você, no lugar do Tony,
e disse que não seria problema porque você era virgem, então não se incomodaria
em adiar. – explico depressa, antes que sobrasse pra mim.
- Talvez ele tenha mentido para te convencer.
- Talvez. - eu estou tonto, meu sangue está fugindo para toda parte - Então…
você não é?
- Não. - resmunga - Não sou. E o melhor sexo da minha vida foi com o Matheus.
E, de repente, meu sangue volta.
- O Matheus? Da faculdade? - boquiaberto - Você transou com o Matheus?
- É! Qual o problema?
- Eca! Por que…? Ele era… Você sabia, não é? Ele era descarado, nunca
prestou… Credo, Gabrielle, você arranja os… Sabe o que ele dizia de… ECA! POR
QUÊ?
Ela está rindo.
- Bem, o que ele dizia, eu não sei. Mas o homem lambia como poucos.
- Eu acho que vou vomitar. - reclamo - E não é nem por causa da tequila.
Nossa, garota, acho que a gente precisa transar qualquer dia para você ver como…
- eu só percebi o tamanho da MERDA que eu tinha dito quando já era tarde, tão
tarde. Gelo, engolindo as palavras e a sinto tesa ao meu lado - Ai, puta merda!
Desculpa Gabi… eu… ah, eu sou um idiota. Não quis ser...
- Tá tudo bem. - me exime do crime, imediatamente. Provavelmente porque,
assim como eu, não queria falar daquilo por nem mais um segundo.
Mas aí eu notei uma coisa.
- Espera. Então, o Tony não é o melhor sexo da sua vida? Me parece ser o tipo
de coisa que uma esposa deveria dizer nem que fosse por educação.
- É, mas…
- Eu preciso dar umas dicas pro meu irmão? - estreito os olhos.
- Talvez. - engole em seco - Eu não saberia dizer.
Eu rio da sua piada até perceber que não era uma piada.
- Calma. Você e o Tony nunca transaram?
Gabi não parece feliz em precisar dizer as palavras, mas as disse ainda
assim:
- Eu e Tony nunca transamos.
- Casou com um cara sem ter transado com ele?
- Há cinco minutos você achava que eu era virgem!
- É, e há cinco minutos essa tua afirmação faria sentido. Meu Deus!
Encolhe-se, desfazendo-se de minha descrença.
- Nosso relacionamento é diferente.
- Estou vendo. - atesto - Tá, eu tenho outra pergunta! - lembrei de algo
importante - Quem é Giseli?
- Chega de perguntas! - ela sorri, tomando os copos de dose - Temos que
acordar cedo amanhã para encontrar os Adriatic, lembra? Você prometeu que iríamos
navegar a costa com eles.
Puxa-me pelo braço, colocando-me de pé.
Finjo que ela tinha conseguido me enganar.
Só esperava que ela soubesse que não seria por muito tempo.
5 – Migalhas
Agora que Gabi já sabia de tudo e tínhamos nos livrado do estranhamento
inicial, eu estava consideravelmente mais calmo. Ou talvez tenha sido apenas a
tequila. Seja como for, minha noite de sono no sofá foi bem menos permeada de
pesadelos.
E por "bem menos" eu quero dizer que os pesadelos foram oportunamente
substituídos pelo que me pareceram longas horas de sonhos safados envolvendo
cenários errados com minha mais nova cunhada.
Acordo ereto, me esfregando nas almofadas e sentindo meu corpo queimar de
vergonha.
Talvez eu devesse ter uma vida sexual mais ativa… se tivesse ficado com
algumas mulheres recentemente, talvez estivesse mais calmo. Mas - ao contrário do
julgamento equivocado que muitos faziam ao meu respeito - eu prefiro o
relacionamento de verdade. Sexo puro é bom, mas nunca se compara ao sexo com
emoção.
O problema é que ser largado no altar é o tipo de coisa que fode com sua
confiança e não te deixa exatamente receptivo para novas experiências. Então,
eram águas estranhas essas que eu navegava: tentando me aproximar o suficiente de
mulheres a ponto do sexo ser interessante, mas não demais a ponto de começar a
esperar algo.
O resultado disso era um sexo frequente, mas não tanto. E inexistente nas
duas semanas que antecederam o casamento do meu irmão e, consequentemente, toda a
brincadeira da tequila com Gabrielle.
Jogo uma das almofadas sobre o meu colo, quando a vejo saindo do quarto para
a ante sala onde eu dormia.
- Pronto para hoje?
- Não exatamente. – bagunço os cabelos - O que eu preciso saber sobre essa
gente?
- Paola e Augusto Adriatic. - senta ao meu lado, bebendo o seu café - Tem
negócios com o seu pai, com a Zummo. Fizeram uma fortuna com um produto novo no
mercado. São boas pessoas, mas acabam sendo meio intrometidas. É uma pena.
- Pena?
- É. - ela respira fundo - São decentes e simpáticos… mas se esforçam demais.
- Precisa me dar mais detalhes do que isso. - resmungo, ainda sonolento.
- Tony não se dá muito bem com eles. Seu irmão é muito privado e eles são
muito intrusivos. Ela principalmente. Não faz por mal, dá pra notar… mas faz,
ainda assim.
- Tudo bem. Então só preciso falar pouco e esperar o dia acabar? Se eles não
são íntimos do Tony não vão perceber nada, certo?
- Mais ou menos. - coloca-se pé quando termina o café - Eles conseguem ser…
Espero que ela conclua, mas Gabi parece incapaz de escolher uma palavra.
- Fofoqueiros. - decide, por fim - De novo: não fazem por mal. Mas estão
sempre querendo criar assuntos e guiar conversas. Acabam falando demais e sobre
tudo.
- Então, se eu escapar algum detalhe, eles podem passar isso adiante?
- Exato.
- É bom que eles sejam fofoqueiros. A integridade da informação sempre é
questionada quando vêm de fontes assim.
- É, mas eles são os típicos "fofoqueiros do bem". Não gostam da fofoca em
si, gostam da conversa.
- O que eles dizem têm credibilidade. - compreendo.
- Parece ridículo, não é?
- É. Mas… casar com a mulher do seu irmão também parece. - dou de ombros -
Vamos agilizar as coisas por aqui porque se eu vou precisar ser cuidadoso com
essa gente… primeiro, eu vou precisar de café.

**********************

Não demorei a entender o que Gabrielle quis dizer com "intrusivos".


Paola e Augusto pareciam ansiosos para descobrir o novo lado da sociedade que
se abriu diante deles quando enriqueceram de um modo rápido e obsceno. A
sociedade, por sua vez, não parecia tão ansiosa em devolver a gentileza. Então,
eles gostavam de festas. Gostavam de esbanjar muito dinheiro. Gostavam de chamar
atenção.
Paola principalmente.
Augusto já parecia estar ultrapassando a barreira do constrangimento,
possivelmente imaginando que, se esse novo mundo não o queria, seria mais fácil
lhe dar as costas por resposta. Sua esposa, no entanto, estava determinada em um
curso imediatamente oposto.
- Deixe-os em paz, Paola, por favor. - implora.
- Ora, Augusto! Você faz parecer que eu sou maluca! Foi só um convite.
Um que ela já tinha feito oito vezes, para uma festa que nem eu nem Gabrielle
tínhamos qualquer interesse em comparecer. Tony, talvez, menos ainda.
- Os problemas são as datas. - Gabi sorri, educada - De verdade, seria um
prazer mas precisamos verificar as datas antes de prometer.
- Eu entendo, claro! - ela responde, altiva - Viu, Augusto? Nenhum problema
aqui.
- Vi, Paola, vi. - resmunga.
O "passeio de barco" na verdade era um "passeio de iate". Um que Paola
Adriatic parecia ter comprado por motivo nenhum. A tripulação usava uniformes
combinando e até o cachorro da família foi convidado para a viagem.
Eles eram peculiares.
Sua história de vida deveria ser fascinante.
Mas eu não podia fazer qualquer pergunta porque desconhecia o que "Tony"
deveria saber.
Então, acabei escutando pela maior parte do tempo, demonstrando interesse
para que ele se sentisse convidado a continuar.
- Não sabia que tinha tatuagens. - Augusto arrisca oferecendo-me algo de uma
bandeja prateada que eu recuso.
- São novas. - Gabi responde rápido demais - Foi o irmão dele quem fez. -
explica - Ele é tatuador, tem um estúdio na praia.
- Oh, fantástico! - Augusto sorri, satisfeito. Emborca a garrafa de champanhe
em minha taça apenas para percebê-la vazia. Gabrielle parece nervosa.
- Eu pego outra. - oferece.
- Não é necessário, querida. Arturo! - Paola chama pelo garçom.
- Não é incômodo algum! - Gabi caminha até a lateral do deck buscando a nova
garrafa enfiada no gelo, em uma tentativa nervosa de ocupar as mãos e a mente.
- Eu ajudo. - sigo minha esposa.
Ela se atrapalha entre taças novas e qual garrafa deveria ser a escolhida.
- Henna. - murmuro.
- O que? - devolve, baixinho. A aflição em sua voz ainda é perceptível.
- Deveria ter dito que as tatuagens são de henna. Agora, Tony vai precisar se
tatuar.
Ela abre os olhos deixando transparecer sua angústia.
- Ele vai adorar a novidade. - rio, imaginando o pavor que meu irmão sempre
teve de agulhas.
- Ai, droga.
- Gabi. Você precisa se acalmar. – peço, baixinho.
- Como você conseguiu sobreviver ao casamento? Eu estou tendo palpitações.
- Calma. - acaricio seu braço, mas meu toque parece deixá-la ainda mais
arredia. Tomo sua cintura com distinta educação e nos conduzo de volta aos
anfitriões que não tinham deixado a conversa sobre tatuagens morrer em nossa
ausência.
- Nunca te imaginei como o tipo que gostasse de tatuagens - Augusto começa
quando sento ao seu lado e Gabi segue Paola para as espreguiçadeiras no sol.
Provavelmente tentando fugir da conversa.
- Gosto da ideia de ter no meu corpo algo que escolhi. - dou de ombros - Algo
que tenha uma história.
Ele dobra o lábio como se tivesse adorado minha resposta.
- E você? - dou um tapa amigável em seu ombro - Já considerou fazer alguma?
- Eu? RÁ! - tosse uma gargalhada ruidosa, achando graça demais em minha
pergunta - Não tenho um corpo como o seu, han Tony?
- Não acho que tatuagem é uma questão de corpo, Augusto. É uma questão de
espírito. Vamos lá! - encorajo - Se fosse escolher algo para ficar na sua pele
para sempre… o que escolheria?
- Vou ter que pensar com cuidado sobre essa! - sorri.
- Leve o tempo que precisar. - brinco.
- … absurdo, é para isso que estão ali. Tony! - Paola acena para mim da parte
descoberta do iate e Gabi parece particularmente transtornada.
- Que houve? - aproximo-me depressa.
- Sua esposa precisa de ajuda com o bronzeador! - sorri - E a amiga dela
também! - uma piscadela na minha direção - Augusto, venha até aqui ou vou
precisar explorar o Tony.
Colo em Gabi e tomo seu bronzeador antes que Paola cumprisse suas ameaças.
- Onde precisa? - imploro.
Em meu pânico de livrar-me de Paola, eu parecia ter esquecido que havia
destino bem pior em Gabrielle.
Ela ergue os cabelos sugerindo as costas cobertas por absolutamente nada além
do nó que impedia a queda da parte superior de seu biquini amarelo.
Tudo bem.
Colocar as mãos na pele nua de Gabrielle.
Massagear um creme na pele nua de Gabrielle.
Realizar a operação sem pensar na pele nua de Gabrielle.
- Ahm… - eu me atrapalho com o pote, sentado na espreguiçadeira ao seu lado e
engulo em seco. Ela coloca em minha palma a quantidade de bronzeador que
considera apropriada.
- Aqui. - explica.
- Certo. Ok. Tudo bem.
- Tony. - a ênfase que dá em meu nome falso é uma instrução clara. "Luca, não
faça merda. Não estrague tudo."
Aceno e ela se vira, mais uma vez, tirando os cabelos do caminho.
Uso os dedos para colocar pontos do produto cremoso em suas costas antes de
começar a espalhá-lo.
É absurdo supor que seres humanos emitem eletricidade, não é? Mas eu não
saberia qual outra palavra usar para descrever o que se passa quando meus dedos
tocam suas costas. Talvez eu devesse apenas esfregar a coisa de qualquer jeito e
ir embora dali para uma sessão de exorcismo. Meus dedos, no entanto, têm um plano
diverso e muito bem definido: não pretendem se afastar tão cedo e executariam com
esmero a tarefa que lhes foi incumbida.
Meu toque é suave e lento, espalhando o produto por cada centímetro de pele,
certificando-me que estaria homogêneo. Meus polegares descendo pela sua coluna,
encontrando a curva de sua cintura, seguindo para baixo até suas costas acabarem
no pano da parte inferior do biquini. O produto já está perfeitamente disperso em
suas costas, mas eu não consigo reunir forças para me afastar. A tarefa
transformou-se em um carinho e foi apenas quando vi os pelos da nuca de Gabi se
eriçarem em um arrepio indisfarçável que percebi que estou prendendo a
respiração.
Tiro as mãos de seu corpo e ela se afasta como se despertasse de um transe.
- Obrigada. - murmura, sem emoção e sem fôlego.
- Oh, as pernas, querida! - Paola lembra e eu quero matá-la - Não deixe as
coxas queimarem desiguais. – instrui enquanto seu marido se ocupa com uma
atividade similar a minha.
- Sim, claro. Tony. - pede, colocando mais bronzeador em minhas mãos. - Tudo
bem, amor. - autoriza, hesitante, antes de se deitar de bruços sobre a
espreguiçadeira, usando meu apelido arbitrário para reforçar nosso segredo.
Tá, ela autorizou. Mas e aí?
Gabrielle, meu bem, eu não consigo fazer isso.
Não consigo massagear tuas coxas e tua bunda com essa porra sem ficar duro.
Está percebendo meu problema?
Me ocupo de suas panturrilhas porque me pareceu a parte mais segura para
começar.
"Tons de azul" penso, experimentando ocupar a mente, "Liste tons de azul,
Luca".
Minhas mãos sobem até a parte interna de seus joelhos.
Anil, Petróleo. Concentre-se.
Ela é tão suave. Macia.
Como se fosse feita de seda e pétalas de rosa.
Cobalto.
Meu toque desliza pelo princípio de suas coxas e eu sinto um tremor
involuntário em seu músculo, atraindo minha atenção para o biquini amarelo.
Turquesa, Marinho. Vamos lá.
Mantenho a mão espalmada em uma tentativa desesperada de acabar com aquilo
mais depressa. O que não funciona, já que abertos daquele modo, meus dedos se
curvam como garras transmitindo às minhas terminações nervosas a mensagem
equivocada de que eu estava agarrando as coxas macias de Gabrielle.
Royal, Índigo.
E o corpo jovem de um homem sadio normalmente responde ao ato de "agarrar
coxas macias" invertendo o fluxo sanguíneo para irrigar uma parte bastante
inapropriada que começa a acordar.
Celeste.
Atinjo a popa de sua bunda e percebo a ereção iminente. O amarelo de seu
biquini atraindo meu olhar como cheiro de comida faria a uma criatura faminta.
Safira, Prússia, Meia Noite.
Amarelo.
Amarelo.
Amarelo.
Toco sua bunda devagar, orando aos céus que ela me interrompa, dizendo que
aquela parte não precisava de bronzeador ou qualquer absolvição similar.
No entanto, se absolvição havia, ela não veio. Pelo menos não de Gabrielle,
que manteve-se silente enquanto eu esfregava sua bunda, condenando-me ao inferno.
Eu estou duro. Retorcido contra mim mesmo, curvado na espreguiçadeira
tentando disfarçar o volume que, logo, seria mais evidente do que qualquer um
gostaria, acariciando aquela bunda maravilhosa até as pontas dos meus dedos
roçarem no pano amarelo que lhe cobria.
Um toque deslizando e dois de meus dedos ultrapassaram o limite do pano.
Apenas um pouco, mas foi suficiente para que eu despertasse por completo.
- Está bom. - gaguejo.
- Obrigada. - ela sorri ao virar o rosto apoiado sobre os braços.
Eu queria não sentir vontade de beijá-la.
Ia ser maravilhoso não sentir essa vontade, de verdade.
Mas ali está, aquela compulsão para lhe esfregar creme no corpo inteiro… por
baixo do biquini, inclusive. E depois lhe dar um beijo carinhoso no ombro e outro
na boca antes de me levantar. De preferência, sem a ereção, já que, tendo-a
durante a noite, eu poderia me controlar melhor sob o Sol.
- Acho que vou dar um pulo no mar. - anuncio, retirando-me de costas aos
presentes. Augusto estava fazendo alguma recomendação que eu ignorei. Assim como
ignorei a escada na lateral por completo e acho que esqueci até de tirar a regata
antes de me jogar na água.

**********************

Eu não consigo tirar os olhos de Gabrielle.


Puta que pariu.
Ela é minha cunhada.
Qual o meu problema?
Sequer tinha pensado nela nos últimos dois anos e agora não conseguia pensar
em outra coisa. Será que aquilo tudo era algum tipo de tesão incompreensível que
tinha crescido após tempo demais de repressão?
Se fosse, era bom que eu desse um jeito de reprimi-lo de volta. E depressa.
Meus olhos dedicados logo conseguiram ler a segunda frase que faltava em sua
tatuagem. A leitura, no entanto, deixou-me ainda mais confuso.
"O pior adeus".
A tatuagem de Gabrielle foi de insana para sombria e "sentido" era uma coisa
que ainda não existia.
Cheguei a duvidar se teria lido corretamente. Mas, rápido demais ela se
cobriu com uma toalha e então de volta no vestido e aí era tarde demais.
Almoçamos ainda no barco. Precisei retirar a camiseta encharcada e colocá-la
ao sol.
- Desculpem. Eu não sei onde estava com a cabeça. – peço desculpas aos nossos
anfitriões por me sentar sem camisa a mesa do almoço.
Mas eles apenas sorriram.
- Não, querido, não se preocupe! - Ela é enfática, mas percebi estranhamento
no olhar dos dois diante do meu pulo súbito na água.
Gabrielle, ao meu lado, está claramente insatisfeita com minhas ações. Ela
queria passar despercebida mas eu tive que tomar uma atitude drástica ou teria
uma ereção evidente. Ela ia ter que me perdoar... A conversa se prolongou e eu
percebi que Paola e Augusto, como Gabi tinha dito, eram boas pessoas.
Um pouco esforçadas demais. Mas boas pessoas.
Boas companhias.
Pelo menos até suas sugestões e convites começarem mais uma vez.
- Paola... - Augusto começa assim que ela passa a língua nos lábios
preparando-se para mais um convite.
- Ora, Augusto, eles podem negar!
- Podem mesmo? Você deixa alguém negar? - incomoda-se.
- O que houve? - pergunto, mesmo imaginando que seria uma má ideia.
- Queria agradecer sua gentileza em nos acompanhar hoje. Sei que estão em Lua
de Mel e que deve ter sido um pequeno esforço! Então reservei uma surpresa para
vocês amanhã a tarde.
- Oh? - pergunto, temendo a resposta.
- Sim! Massagens! No spa do hotel. - sorri - Para nós quatro! Todos no
mesmo horário! Assim podemos tomar um chá na recepção antes das massagens. O que
dizem?
Ok.
Não era exatamente bom.
Mas... nós precisamos ocupar nossas agendas e uma massagem não seria uma
ideia horrível.
- Oh, não tenho certeza se devemos. É bondade demais sua, Paola, mas...
Gabi está com medo de precisar interagir com eles de novo e eu decido deixá-
la resolver.
- Não, Gabi! Imagine, querida! Eu insisto! De todo modo, já está paga e
agendada! Basta não aparecerem se não quiserem. - pisca um olho - Mas não acho
que deveria recusar! Um casal em Lua de Mel recusando massagens! - ri - É quase
parte obrigatória do pacote.
Palavras mágicas para fazer Gabi hesitar.
Se faz parte do pacote obrigatório de uma Lua de Mel, ela claramente vai
querer cumprir para afastar suspeitas.
Paola quis jogar cartas e eu aceitaria qualquer coisa que me distraísse do
corpo moreno e proibido a minha frente. Principalmente agora que ela, nervosa,
mordia os lábios compulsivamente.
Já era fim da tarde quando navegamos de volta para a costa. Mas não antes de
Paola perguntar a Gabi se estava tudo bem. Devia ser a décima segunda vez que ela
fazia essa pergunta.
Eu estava certo: Gabi destruiria nossa operação secreta muito antes de mim.
Ela precisava relaxar.
No fim, talvez a maldita massagem fosse exatamente a cura para o nosso
problema.

**********************

- Já está conseguindo respirar de novo? - toco seu ombro quando entramos no


quarto. Gabi parece ter perdido todo o sangue das bochechas e, a salvo dos
Adriatic, no conforto da suíte, parece ter desistido de fingir e começa a tremer.
- Meu Deus! Como você consegue ficar tão calmo?
- Bem... se isso der errado, não sou eu quem está fodido. - Ela deixa os
ombros caírem em insatisfação.
- Obrigada pela lembrança.
- De nada, querida.
- E o que foi aquilo de se jogar na água? Quer me matar do coração,
é isso?
- Não, eu estava tentando ser discreto.
- Ser discreto tendo uma reação maluca? Deixou todo mundo confuso!
Sorrio, falso e exagerado.
- Você quer mesmo falar sobre isso?
- Qual o problema?
Bem, se ela quer se jogar no assunto constrangedor, eu não vou me resguardar.
- Pensa, Gabi. - sugiro, inclinando-me - O que eu estava fazendo logo antes
de me jogar na água?
Ela revisita a memória por apenas um segundo e:
- Oh. - engulo em seco.
- É. - atesto - "Oh".
- Bem... - mexe nos cabelos, encerrando o assunto - Eu vou tomar um banho.
Mas se ela tinha me jogado em um assunto que eu não queria, seria justo que
eu retribuísse o favor.
- Quem é Giseli? - enfio as mãos nos bolsos.
- Luca, esse segredo não é meu para contar. - murmura - Por favor, só...
- Tony se apaixonou por alguém não foi? Giseli. - atesto - E deixa eu
adivinhar: nossa família nobre, tradicional e conservadora não a aprova. Ela é
alguma artista sem nível superior e papai ia preferir ver Tony morto a casado com
ela.
Gabi engole em seco mantendo os olhos presos em mim.
- Sempre tem algo estranho quando você diz que o ama. - estalo os dedos para
mim mesmo - Algo que não encaixa. Como... um amor de irmãos. Ou um amor não
correspondido.
Gabi inspira fundo e cruza os braços sobre os seios.
Me conte.
Me conte de uma vez.
- Giseli... - murmura com uma risada curta de nervosismo - Você não
entende, Luca. Tony a ama. Precisa vê-lo com ela... É... - admite, antes de
desistir - E ela precisa dele, agora. Eles estão juntos.
- É por isso que ele acha que vou odiá-lo. - compreendo, apertando os olhos -
Porque ele te convenceu a casar para manter as aparências permitindo que ele
continue com a pessoa que ama de verdade. O que aconteceu? Giseli teve uma crise
de pânico no dia do casamento dele e só o deixa voltar depois que a Lua de Mel
acabar? E agora ele acha que vou odiá-lo por isso e quer saber, Gabrielle? Ele
está certo! - rosno - Isso é tão... tão... - cerro os dentes de fúria - TÍPICO do
Antônio. Fazer esse malabarismo furioso só para proteger papai e mamãe. Para não
precisar admitir que ele não é o filho perfeito. Para não desagradar as pessoas e
magoar alguém. E ele te enfiou nisso?
- Ele é meu melhor amigo.
- Você repete isso como um mantra! Está casada com um homem que não te ama
para... Ah MERDA! - levo as mãos aos cabelos quando finalmente entendo - Você
está apaixonada por ele. - sussurro.
- Luca, você não entende...
- Não, Gabi. É você quem não entende. Não dá pra mendigar amor. Não dá pra
ser feliz com migalhas. Ou a pessoa te ama por inteiro, ou ela não te ama. E ele
não te ama do jeito que você espera. Talvez te ame de outros jeitos. - ela se
encolhe - Mas não do jeito que você precisa. Vai destruir sua vida para isso?
- Não é assim.
- Ah, não?
- Não, ele só... ele só precisa de mim por um tempo. Sua mãe estava
pressionando muito e ele precisava pensar. Então fizemos esse plano. É só
por alguns anos.
- Alguns anos? Gabi, você está ouvindo o que está dizendo? Você está bem com
isso? Com colocar sua vida em pausa para...
- Não estou colocando minha vida em pausa! - irrita-se - Eu nunca quis casar,
Luca! Nunca! Acho que o Tony é o único cara com quem eu faria isso.
- É! Mas a recíproca não é verdadeira, você percebe? - urro para o quarto ao
nosso redor - Ou ele estaria aqui com você!
- Eu não devia ter dito nada! - reclama.
- Sério? Isso é tudo que vai dizer?
- Não te devo satisfações!
- Não estou pedindo satisfações, mulher! - minhas mãos fechadas em punhos,
tentando me livrar da insanidade que se prende ao meu redor - Estou te dizendo
que você merece mais do que isso!
- Baseado em como me conhece de forma profunda e íntima? Hipócrita! - murmura
para si mesma.
Travo os dentes no lábio inferior.
Ela tem a pele avermelhada de sol. Os olhos cor de mel furiosos em minha
direção.
Fica linda quando está com raiva. Linda o tempo todo.
Linda a ponto de me fazer querer morrer.
Se eu estivesse no lugar do Tony... Deus... se tivesse uma mulher daquela
apaixonada por mim, usando uma aliança no dedo por minha causa: juro que ia comê-
la todas as noites.
Todas as noites.
A começar pela noite de núpcias.
Meu Deus! Apertava meu peito imaginar que ela estava presa a um homem que não
ia retribuir seu carinho.
- Eu não quero brigar com você.
- Então, pare de me julgar.
Não vou conseguir fazer isso.
Respiro fundo.
- Tudo bem.
Ela balança a cabeça fazendo os cachos largos escaparem de seu nó
improvisado.
Parece triste de novo. A emoção que eu passei o dia lutando para afastar.
Enche os pulmões como se fosse dizer algo. Admitir um crime.
Confessar uma angústia. Reconhecer uma falha.
Mas ao invés disso, apenas solta o ar devagar e encara o chão quando se
afasta.
- Boa noite, Luca.
Ela já tinha ido embora quando eu consegui devolver.
- Boa noite, Gabi.
6 – Abacaxi

Gabi

Eu preciso de sexo.
Eu entendo que Tony não se sente assim por mim e tudo bem.
Mas eu preciso de sexo e Luca não para de me olhar como se estivesse com
fome.
Esquece, Gabrielle! Nem pensa nisso.
Ele é seu cunhado e você mesma disse que nunca colocaria o Tony nessa
situação, não é?
NÃO É?
Ele sai do banheiro com uma regata branca que me faz querer chorar. Lágrimas
verdadeiras e irrepreensíveis. Minha cabeça passa a noite toda revivendo em alta
definição o momento que descobrimos o casal ao sexo na mata. Mas, em meus sonhos,
a história acabava de muitos modos diferentes que não se assemelhavam em nada ao
que realmente aconteceu.
Os detalhes variam, mas, em meus sonhos, no fim, Luca me comia.
Me comia na água.
Sobre as pedras lisas.
Escondido pela vegetação fechada.
No meio da trilha.
Na frente da mulher da garrafa italiana.
Luca me comia em todos os lugares, por todos os lugares e, meu bom Deus, eu
gostava.
Aquilo precisava parar.
Eu amo Tony. Não vou fazer isso com ele.
A voz de Luca, no entanto, permanecia provocando-me.
"Você diz isso como um mantra".
É porque não posso esquecer. Principalmente agora.
Eu amo Tony.
Amo Tony.
Amo…
- Vou até a praia. - avisa, arrancando-me de meu monólogo interior - Quer
vir?
Não estávamos exatamente comunicativos desde nosso desentendimento na noite
anterior, o café da manhã foi particularmente infernal, seguindo - nós dois - em
uma dança em que cada um tentava começar um assunto apenas para vê-lo falhar em
seguida.
Talvez fosse melhor assim. Tínhamos encontrado uma sincronia nos últimos dias
que poderia ser perigosa se nutrida.
Concordo com o plano e o acompanho para o elevador.
Era melhor sermos vistos juntos… Até porque era para isso que ele estava ali.
O calor da areia subia envolvendo meus pés e pernas, fazendo-me afundar em
sua calidez fofa um passo de cada vez. Uma porção de espreguiçadeiras e
namoradeiras de madeira escura e largas almofadas cor de gelo se espalhavam pela
orla à borda do resort, protegidas do calor do sol por imensos guarda-sóis
brancos. Alguns espaços já estavam ocupados por hóspedes que se distraíam entre
um daiquiri ou um suco de laranja. Uma guitarra dedilhada em ritmos latinos se
fazia ouvir, suave, em algum lugar por perto e a música parecia nos abraçar de um
jeito caloroso assim como todo o resto da paisagem.
Mas "paradisíaca" era a vista para o mar.
A areia branca quase imaculada escurecia com a umidade das ondas antes de
abrir espaço para o mar mais azul que eu já tinha visto. Translúcido em suas
ondas frágeis, como se nos convidasse para ver tudo que tinha em si: nenhum
segredo ali naquele mar. Ao contrário do resto de nós…
A baía se fechava tornando as ondas mais calmas desse lado do resort, mas
mesmo a calmaria não era capaz de afastar os surfistas. Os mais inexperientes,
sem dúvida. Um deles, acompanhado de um instrutor que levava as mãos à cabeça
sempre que o garoto falhava em firmar as pernas com o equilíbrio necessário.
- É cedo demais para bebida? - pergunta.
- Estamos de férias. - dou de ombros - E eu não vou contar a ninguém.
O garçom se aproxima vestindo uma camisa de botões e uma bermuda branca.
- Qualquer coisa que tenha rum. - pede.
- Parece bom. Pra mim também.
Ele se foi com sua bandeja e seu sorriso.
Luca encara o mar através de seus óculos escuros. O modo como respira, tenso
e lento, sugere que ele - assim como eu - está querendo dissipar o ar de desastre
que nos rondava desde nosso último embate.
- Temos um acordo. - decido quebrar o gelo. Não para restaurar a sincronia
perigosa, mas para evitar o retorno da animosidade - Eu e seu irmão temos um
acordo.
Seu rosto inclina-se. AS lentes escuras não me deixam saber, com certeza,
para onde olha. Eu suponho, no entanto, que deveria ser para mim.
- Não coloquei minha vida em pausa. - suspiro, cautelosa - Enquanto
estivermos juntos, será um relacionamento discretamente aberto. No sentido de que
não somos exclusivos, mas também não planejamos tornar isso público. Eu sou
apenas um escudo enquanto ele reúne forças e prepara o terreno para contar tudo
para sua família.
- E quando isso acontecer? - seu maxilar se enrijece daquele jeito furioso.
Assim como tinha ficado na noite anterior ao perceber o esquema entre eu e seu
irmão - Ele te joga fora?
- Nos divorciamos. O mesmo acontece se eu encontrar alguém. Tony não quer que
eu destrua minha vida, como você sugeriu. É só algo que funciona agora, para nós
dois. Se deixar de funcionar, então encerramos tudo.
- Gabi. - ele senta - Eu entendo como isso é bom para ele. Entendo que
funciona perfeitamente para o que ele precisa. Mas e você? Não é saudável ficar
assim com um homem que você ama.
- Não se preocupe comigo.
- Mas…
- Não, Luca. - sussurro o nome - Não se preocupe comigo. - insisto.
Eu consigo resistir aos seus olhares de fome e seus braços deliciosos. Mas
aquele cuidado genuíno que se formava nos seus olhos era demais.
Odeio quando ele me olha assim.
Com carinho.
- Eu também estou usando ele. - minto - Tony vai me ajudar a conseguir
investidores para minha start up. Esse é o acordo.
Ele tira os óculos escuros para olhar nos meus olhos. Se demora por cinco
segundos inteiros, quase acho que ele vai me beijar.
- Mentira.
- O quê?
- Você é a pessoa mais certinha que eu conheço. Teve umas vinte coisas
diferentes que poderia ter usado contra mim na nossa adolescência: coisas que
teriam te garantido um lugar de prestígio na Zummo, mas nunca fez isso. E agora
quer me convencer que trocou alguns anos da sua vida por uma porção de
investidores? Duvido.
- Bem…
- Até porque o Tony te conseguiria isso mesmo que não lhe desse nada em
troca.
Eu preciso sorrir.
Meu Tony.
É, ele tinha me oferecido aquilo em troca do casamento.
Mas a verdade é que eu casaria com ele mesmo que não tivesse oferecido nada.
E a verdade é que ele me daria o que ofereceu mesmo que não houvesse
casamento.
Éramos melhores amigos e Luca só ouvia o mantra… não conseguia entender que,
no fim, era verdade.

**********************

Luca

- Deixa eu te ajudar.
O instrutor que Gabi escolheu estava um pouco amigável demais, segurando-a
pela cintura, mostrando, ainda na areia, como ficar em pé em cima da prancha.
Pela cintura.
Ele estava o quê? Com medo que ela perdesse o equilíbrio e caísse? Na areia?
Com os dois pés no chão?
Mordisco o pedaço de abacaxi no meu copo como se fosse uma goma. Não quero
apreciar a fruta, mas destilar a raiva.
Eu trabalho perto da praia, ou seja: conheço o tipo. O cara com o sorriso
jovial e o corpo bronzeado ansioso para ser útil e simpático com qualquer turista
que chegue perto o suficiente. As pessoas, de férias, estão sempre procurando
"amores de verão", mesmo no inverno. Uma turista morena e bonita de cabelos
cacheados e bunda arrebitada era justo o que o instrutor pediu a Papai do Céu
quando acordou aquela manhã.
Eu fico quieto.
Comportado.
Mordendo meu abacaxi.
- Isso, você tem um dom! - elogia - Vai surfar melhor do que eu, já, já.
Agora assim… isso.
Suas instruções começavam a se aproximar de gemidos eróticos ou é impressão
minha?
- Maravilha. - murmura quando Gabi segue suas instruções, simulando braçadas
na areia antes de se colocar de pé na prancha.
"Maravilha".
A merda é que, para ficar de pé do jeito certo, você precisa alongar o torso
primeiro, como um movimento de yoga, aí você se inclina de lado e salta sobre os
dois pés. Todo o movimento deixa sua bunda bem exposta de um jeito que não
interessa a ninguém porque:
1 - É uma ação executada no meio da água, longe dos olhares curiosos,
2 - É uma ação executada de modo veloz.
Gabi, no entanto, saltava agachando-se vez após a outra, para a satisfação do
seu instrutor que, obviamente, estava perfeitamente posicionado às suas costas.
"Maravilha" mesmo.
"Maravilha" que começava a soar - para mim - como se ele estivesse elogiando
seu corpo muito mais que suas habilidades em surf.
Morde o abacaxi, Luca.
Só morde a porra do abacaxi.
Só que minha vida é uma merda e o abacaxi acabou me deixando para morder a
língua, soltando um palavrão furioso.
- Tudo bem aí? - Gabi ergue o olhar para minha irritação diante de si.
- Tudo. - resmungo, infeliz.
- Não pare agora. - ele pede.
"Não pare agora". Dentro de minha mente, eu repetia cada frase do instrutor
com uma voz aguda e infantil.
Tentando deixar seu discurso tão ridículo quanto ele.
- Agora, basta alongar e vamos entrar na água, tudo bem?
Ele segura Gabi pela coluna, descendo o meio do seu corpo enquanto a ordenava
que mantivesse pés e pontas dos dedos no chão. O modo como ele gira o corpo atrás
dela para "lhe dar mais apoio" foi óbvio demais e eu estalo de meu torpor de
línguas e abacaxis.
O maluco vai roçar nela?
- Tá bom, colega. - estico o braço, sem alegria - Ela já entendeu.
- É só o alongamento. - sugere com um sotaque forte.
- Hmhum. Gabi, você sabe alongar sozinha? - não espero uma resposta - Ela
sabe alongar sozinha.
- Tudo bem. - assente.
Gabi me olha feio por um segundo completo.
- Para a água, então? - ele indica.
- Olha, por que você não faz assim? - sugiro enfiando uma nota alta demais na
mão dele - Por que não vai beber alguma coisa? Eu termino aqui.
- Mas vocês me pagaram por…
- É, eu sei. Mas está liberado. Eu assumo a partir daqui. Tchau.
O instrutor olha de mim para Gabi antes de aceitar o dinheiro e partir.
- Com licença? - Gabrielle pisca olhos mel de incômodo - O que pensa que está
fazendo?
- Desculpa. - adianto-me - Não queria decidir por você! Mas o cara era… era…
escorregadio.
- Escorregadio?
- É! Cafajeste, descarado, não presta. Estava se aproveitando de você.
- Se aproveitando de mim?
- Oh Gabi, dá pra parar de repetir tudo que eu digo?
- Assim que você voltar a fazer sentido. - promete.
- O cara tava te pegando pela cintura pra te ensinar a surfar NA AREIA!
- Hm. - cruzou os braços, analisando-me.
- E ainda te ensinou tudo errado. - reclamo - Vem até aqui. - indico a
prancha - Coloca os pés assim… E imagina que tem um quadrado invisível, tá bem?
Daqui até aqui. Isso. Os pés ficam sempre até aqui, nunca depois, como ele estava
mostrando.
- Mas ele disse que…
- Ele queria que você se inclinasse para que pudesse ver tua bunda. -
estreito os olhos - E queria que você caísse bastante para que ele tivesse que
vir com mais dicas para uma segunda rodada. Faz como estou te dizendo.
- Tudo bem. Aqui e aqui? - coloca os pés levemente fora do quadrado.
- Não. Até aqui!
- Ah! Assim?
- Isso, mas não muda a posição. - uso um de meus pés para inclinar um dos
dela - Na mesma inclinação de antes. Não. Aqui. - e eu estou com as mãos na sua
cintura inclinando seu corpo.
Ela vira o rosto para mim, revirando os olhos em uma indicação clara da
ironia, já que eu estou seguindo o exato comportamento que, há menos de dois
minutos, criticava.
- Não é a mesma coisa. - ralho.
- Claro que não. - sarcástica.
- Não é! Porque… porque eu sou teu marido. Fica quieta, Gabrielle. - resmungo
quando ela explode em gargalhadas

**********************

Ela ainda caiu uma porção de vezes, apesar de minhas melhores instruções. Mas
estava progredindo depressa.
Ganhei abraços.
Melhor do que morder abacaxis.
E, dentro da água, os abraços eram molhados, o que por um lado era melhor,
mas por outro, era pior.
Por outro, era bem pior.
A calmaria de Gabi só se foi quando, no começo da tarde, lembrou que
deveríamos encontrar Paola e Augusto.
- Posso dizer que estou passando mal. - retorce o canudo nos dedos.
- Pode. - concordo.
- Eles não vão suspeitar, não é?
- Não vão.
- No máximo vão achar estranho nosso comportamento ontem e vão falar sobre
isso. - dá de ombros.
- Verdade.
- Mas é estranho, não é? Recusar uma massagem de graça? Mesmo quando você é
rico como o Tony, quero dizer, foi um presente.
- É um pouco estranho.
- E deveríamos estar em Lua de Mel. - abraça-se, tentando reduzir o pânico.
- Deveríamos.
- É o tipo de coisa que eles podem comentar, não é?
Eu estou rindo:
- Gabi. Nós vamos. Chegamos em cima da hora e não conversamos muito. Depois
da massagem, eu arranjo uma desculpa e a gente foge.
Ela engole em seco.
- Certo.
Estamos no elevador, descendo todos os andares até o spa, quando ela diz:
- É por isso que o Tony não gosta de encontrar com eles. Nunca é uma vez
só. A Paola sempre te arrasta para uma continuação. - choraminga - Eu não tenho
problemas com eles, mas... nossa situação é delicada.
- Vai ficar tudo bem. - prometo, colocando em minhas palavras mais convicção
do que eu sinto.
Chegamos ao spa um minuto antes da hora marcada e, pela expressão de Paola,
percebo que ela imaginou que nós não viríamos.
- Sentimos muito! - anuncio - Nos... distraímos e perdemos a hora. - minha
piscadela indecente para os dois deixa clara minha motivação que, em uma Lua de
Mel, deveria ser imediatamente perdoada.
- Ah! Claro, claro!
- Que bom que vieram. - Augusto aperta minha mão quando as massagistas entram
na antessala convidando-nos para as cabines de massagem.
Coloco uma mão nas costas de Gabi, conduzindo-a a minha frente. Paola e
Augusto no corredor logo atrás de nós.
- Senhor e senhora Zummo, aqui, por favor. Senhor e senhora Adriatic, na
cabine mais em frente.
Era uma sala só. Éramos dois.
Não deveriam ser duas salas?
- Ahm... devemos ir um de cada vez? - encaro a porta, sem atravessá-la.
- Não, querido! - Paola sorri - É uma massagem para casais.
Eu fiquei parado na porta.

Gabi ficou parada na porta.


O que significa massagem para casais?
Significa que vamos ter que tirar a roupa juntos?
- Ah. - sorrio, sem sentir qualquer alegria. Gabi me encara implorando para
que eu me movesse.
Prendo a respiração e atravesso a porta.
Paola e Augusto despedem-se, continuando para a cabine que lhes cabe e eu
giro sobre os calcanhares.
A cabine é um imenso quarto de luxo.
Duas mesas largas de massagem ocupam o meio do caminho, uma pequena cachoeira
de pedras com águas que caem tranquilas descendo por um longo e suave caminho de
pedras ocupa a lateral mais distante. Duas poltronas gordas, uma de cada lado das
mesas, um biombo de bambu, um longo balcão de pedra com uma porção de potes de
aparência cara e uma pia elegante terminavam de compor a sala.
Há velas por todo lado, um incenso na penumbra e um ar erótico que puta que
pariu.
- Por favor, tirem as roupas e vistam os roupões. - a massagista que nos
guiou tinha uma voz etérea que não podia ser seu tom natural. Outra profissional
já nos esperava dentro da sala, enchendo duas bacias rasas de porcelana com água
quente - Podem ficam com roupas de banho ou completamente despidos. Por causa do
banho de imersão, muitos casais preferem ficar despidos.
- Banho de quê? - que nova desgraça era essa, meu deus?
- O banho de imersão. - pisca, indicando o biombo e, por trás dele, como
sofri ao perceber, uma banheira de cobre.
A porcaria é estreita demais para caber duas pessoas. Ou seja, é bom que o
plano do banho seja um de cada vez, porque nem ter Gabi no meu colo, nem ficar no
colo de Gabi, me parecia ideia sã.
As duas massagistas se retiram para que nós pudéssemos colocar os roupões e
eu acho que vou enfartar.
- Eu não vim de biquíni. - Gabrielle confessa, lívida - Não achei que
seria... - aponta - Nunca fiz...
Ela não consegue terminar a frase mas, sendo sincero, me faria pouca
diferença se terminasse.
- Eu posso ficar de bermuda. - sugiro.
- Não vou ser a única a ficar sem roupas! - ruge.
- Shh! - abano as mãos - Eles estão na cabine ao lado! Vai saber quão finas
são essas paredes!
Ela se cala, com o pescoço rígido.
- Certo. Tudo bem. Podemos fazer isso. - encorajo e me coloco de costas para
ela. Com o canto do olho, ainda a vejo fazer o mesmo antes de me virar por
completo. Tiro as roupas e me enfio no roupão.
- Pronta? - pergunto, sentindo uma fraqueza nas pernas.
- Não. - murmura, e a sinto se apressar - Pronta. - avisa. Nós ficamos em
silêncio esperando as massagistas voltarem e nos sentarem nas poltronas. As
bacias de porcelana com água quente e uma porção de óleos foram colocadas aos
nossos pés e a massagem começou por ali.
Eu não vou conseguir relaxar. Estou bem certo disso.
Então, fomos guiados para as mesas de massagem e as duas mulheres - que Deus
as abençoe - mantêm as toalhas estendidas à nossa frente enquanto despimos os
robes e nos deitamos.
Enfio o rosto no buraco o mais rápido que me é humanamente possível,
horrorizado diante da perspectiva de ter que ver qualquer parte de Gabrielle.
O biquíni amarelo já tinha me causado uma ereção. Ela nua ia me fazer o que?
Gozar no biombo de bambu?
A mulher coloca óleos e mãos sobre meu corpo teso de estresse. Cada pedaço de
mim consciente da nudez de Gabrielle ao meu lado.
Foi a pior massagem da minha vida.
7 - A Banheira de cobre

Gabi

Eu não conseguia relaxar.


Duvido que Luca, ao meu lado, tivesse mais sucesso.
O pior problema é a ameaça que flutuava no ar, resumida pelas palavras "banho
de imersão".
Já estávamos nus.
Já era ruim o suficiente.
E aí iam nos enfiar em uma banheira?
Eu podia simular uma indigestão.
Eu podia dizer que estava cansada.
Passei todo o tempo da massagem considerando o que eu "poderia" fazer.
E então ela acabou e eu ainda não tinha decidido.
A massagista toca meu ombro com cuidado e sugere a uma meia voz que eu vá
para a banheira.
- Acho que vou dispensar. - sorrio - Estou muito relaxada. - movo os ombros,
falsa - Vou voltar para o quarto para dormir um pouco.
- Oh, sem problemas. - ela acena simpática - Creditamos o valor do banho de
imersão de volta na sua conta.
- Hm. - um sorriso falso gela em meu rosto.
Não era minha conta.
O valor seria creditado de volta na conta de Paola.
Ela poderia deixar para lá ou ela poderia ficar curiosa e me perguntar o que
houve.
Conhecendo Paola eu realmente duvidava qual das duas coisas ela faria?
- Na verdade... Já estou aqui. - me inclino, esperando que ela me envolva com
a toalha - Melhor experimentar.
- Tudo bem. - ela guia-me prestativa.
Luca segue minha deixar em silêncio, obedecendo sem questionar. Mas "seguir"
significava "vir atrás", então eu chego na banheira antes dele e ao verificar o
tamanho da porcaria, me encontro diante de uma encruzilhada.
Ou eu entrava primeiro e o colocava entre minhas pernas.
Ou ele entrava primeiro e me colocava entre as suas.
É... ter Luca, viril e imenso, entre minhas pernas cobiçosas é uma péssima
ideia. A mais péssima em toda a lista de ideias horríveis que jamais houve na
história.
- Amor. - digo melódica com ares de ordem - Você entra primeiro.
Ele parece infeliz.
Infeliz como se tivesse acabado de descobrir que o mundo ia se desfazer em um
Vortex de Entropia a partir do exato ponto em que ele se encontra.

E se ele aparenta estar assim, eu posso apenas imaginar a expressão que não
deveria estar em meu rosto.
Ele, no entanto, seguiu obedecendo.
A massagista que o acompanhou manteve a toalha ao seu redor até que estivesse
dentro da banheira e eu nem ousei olhar em sua direção enquanto entrava na água.
Mas agora, eu, de pé diante dele, me descubro em um inferno de categoria
diferente.
A ordem de entrada, por mim escolhida, me forçaria a ficar nua em pelo na
frente de Luca. E ali, deitado no meio da banheira estreita, ou ele fechava os
olhos ou não haveria como escapar.
A toalha escorre ao meu redor e eu tento me enfiar na banheira depressa,
agradecendo mentalmente a um Luca que colocou a mão sobre os olhos como se
coçasse a testa.
Mas a vida me odeia, essa vagabunda, e eu não consigo entrar na banheira tão
fácil quanto ele.
- Ai, por Deus. - rosna, grave, ao se ajoelhar na banheira e me oferecer uma
mão para que entrasse. Finge se distrair com a cachoeira do outro lado da cabine,
desviando o olhar de minha nudez mas, quando me sento entre suas pernas, foi
impossível não sentir sua ereção.
Luca se move, desconfortável, tentando me afastar de seu comprimento ereto.
Mas a banheira é muito curta e ele é muito longo, de modo que nossa desgraça é
completa e não há como impedir seu sexo de me tocar.
Eu tenho palpitações ao ponto de temer um desmaio.
Uma das massagistas se foi e a outra sussurra rapidamente que já estaria de
volta, circulando o biombo para buscar algo sobre a bancada de pedra enquanto a
escutamos mexendo em seus potes.
Luca agarra as bordas da banheira de cobre com força. As linhas das veias em
seus antebraços indicando o nível de sua angústia. Eu não sei o que fazer com
minhas mãos, então as repouso entre minhas pernas. Não exatamente para tapar meu
sexo, já que a pouca espuma na água faz esse trabalho bem o suficiente, mas para
acalmar meu sexo. Uma expressão corporal intencional para avisar à minha vagina
que nem inventasse de criar ideias!
Manter minha coluna reta, sentando afastada de seu tórax, está começando a
doer em meus músculos. A posição é péssima e pouquíssimo confortável. Eu não vou
resistir daquele jeito por muito tempo.
- Gabi. - murmura, sôfrego - Desculpa, mas eu não... não consigo... - ele
arfa, grave, como se estivesse tentando pela sua vida pensar em qualquer coisa
que não fosse meu corpo nu e molhado colado a sua rigidez.
Eu não posso culpá-lo caso ele descobrisse ser impossível.
Impossível.
Nua. Na banheira. Luca Zummo. Ah, merda.
Não ia ter escapatória, não é?

- Luca. - sussurro - Não tem problema. - decido - De verdade.


Inclino o rosto para tentar encorajá-lo com meu olhar.
Não sei se foi uma boa escolha.
Agora seu rosto está muito perto, hipnotizando-me com seu maxilar firme.
- Eu posso encostar em você? – peço, sentindo meu corpo inteiro queimar de
vergonha - Minhas costas estão começando a doer.
Ele fecha os olhos, sentindo o peso da merda em que nos encontramos e balança
a cabeça, em pânico.
- Minha situação vai piorar. - sibila.
- Não tem problema.
Luca me encara longamente antes de assentir.
Deito em seu tórax assim que a massagista volta.
Deus, como ele é quente.
Mais quente que a água.
Seu peito é largo, rígido e imenso. Tento me inclinar para nos distanciar de
algum modo, mas não há para onde.
Recosto a cabeça em seu ombro, perfeitamente ciente que ele não precisaria de
qualquer movimento para ver meus seios precariamente submersos na água e espuma.
Ela volta à massagem, começando com a nuca dele.
Depois deve ter passado para os ombros, mas eu não saberia dizer. Estou
tentando fingir que estou em algum lugar muito distante, mas nem mesmo anos de
ginecologista preparam uma mulher para o nível de abstração criativa que eu
preciso neste instante.
- Está tenso, o senhor pode abaixar os braços, por favor?
Luca, ao meu redor, parecia um bloco de concreto. Imóvel, mal respirava, os
braços agarrados às bordas da banheira como se toda sua integridade moral
dependesse disso.
Solta as mãos lentamente, como se aprendendo a usá-las.
Esticando os dedos para longe do cobre e enfiando-os na água.
O problema permanece o mesmo: espaço falta, e suas mãos flutuam na água
pedindo socorro.
Minha garganta lateja como se escaldada em lava quando resolvo pegar suas
mãos e colocá-las ao meu redor. Um abraço inocente - ou o mais inocente possível
diante de ereção, nudez e água - ao redor do meu estômago.
Luca obedece, tremendo.
Seu corpo inteiro vibra a cada respiração e sua ereção me cutuca as costas
com força, expandindo-se perceptivelmente a cada segundo que passa.
A massagista passa então para minha nuca e ombros. Eu atinjo um estado
meditativo de contemplação plena ao tentar não pensar naquele corpo maravilhoso
de homem ao meu redor. Luca, no entanto, parece ter desistido de alcançar
elevação similar e agarra meu estômago como pouco tempo antes tinha feito às
bordas da banheira.
Parece querer me comer com os dedos.
Parece querer me comer de todo jeito.
Sua ereção se enfia em minhas costas com força, não por intenção sua, mas por
incômodo da posição.
Tento me mover, mas percebo que não vai dar certo. Sua extensão dura está me
incomodando e eu agi sem pensar.
Já estávamos na merda de qualquer modo, mas seria mentira se eu dissesse que
pensei naquele plano antes de executá-lo. Se tivesse pensado, era possível que
tivesse ficado quieta onde estava, recebendo as cutucadas de seu membro largo e
ambicioso.
Mas não pensei.
Apenas tentei relaxar contra as mãos que faziam milagre em minha nuca
exageradamente tensa e me movi para melhorar a posição. Coloquei a mão entre nós
para erguer seu membro, apontando-o para cima, entre nossos corpos, ao invés da
inclinação angular que o fazia estocar minha coluna.
Foi apenas um resvalar de meus dedos em sua extensão, mas Luca reage como se
uma explosão atômica se manifestasse em sua virilha enquanto faz o impossível
para não demonstrar reação.
Suas coxas se contraem ladeando-me, suas mãos em meu estômago fincadas como
garras poderosas, apertando-me contra a ereção que, embora não me causasse mais
incômodo por estocadas, permanecia causando incômodos de um tipo diferente.
Seguro suas pernas como quem pede desculpas. Um toque pesado e denso. Luca
parece capaz de chorar. Ou morrer. Ou um de cada vez, desde que ambos.

- Só um instante. - a massagista se afasta. Não sei se para buscar algo.


Não sei se porque notou meu toque em Luca: que não deveria ser tão raro entre
casais verdadeiros naquela banheira.
Mas, seja lá qual o motivo, o resultado é o mesmo: ela se foi.
Não sabemos se ela vai voltar.
Ou quando.
Luca respira na curva do meu pescoço como se engolisse gemidos e, toda sua
intensidade está fazendo um ardor muito característico se espalhar entre minhas
coxas. Eu estou ficando molhada, não como ficam mulheres em um banho, mas como
ficam mulheres nuas envolvidas por um homem do porte de Zummo.
Minha vagina coça e eu duvido que vá parar tão cedo.
- Gabrielle, larga minhas pernas, pelo amor de Deus. - geme, em sofrimento.
Solto seu corpo depressa.
- Desculpe, eu...
- Não... só... Só, shh. - implora. Seu nariz não se afasta do meu pescoço por
muito tempo. Eu sinto seu hálito atrás de minha orelha causando-me todo tipo de
arrepio. Inclinado como seu rosto está, sei que meus seios estão em perfeita
evidência para o seu olhar. A não ser que estivesse de olhos fechados.
E eu duvido que esteja.
Joga a cabeça para trás e encara o teto.
Parece repetir um mantra mental para manter-se longe de mim.
Parte de mim lhe é grata.
Parte de mim o amaldiçoa.
A massagista volta com alguns sais de banho para completar o tempero daquela
banheira sádica. Oferece-nos quinze minutos de descanso e se vai.
- Levanta. - Luca implora - Levanta, levanta, levanta.
Eu me ergo, pouco me importando - a essa altura - que ele poderia me ver nua.
A espuma ainda cobre parte do meu corpo e enfio-me na toalha enquanto Luca pula
para fora da água como se escapasse de um tanque de serpentes.
Fico de costas enquanto ele busca seu roupão e se esconde atrás do pano
branco.
Ele está trêmulo e fraco quando me viro de volta. O roupão ergue-se glorioso
na área de sua virilha.
- Você está bem?
Esfrega as têmporas, apoiado em uma das mesas de massagem, nutrindo uma dor
de cabeça fora de proporções.
- Vou matar meu irmão. - geme.
- Luca. – faço menção de tocar em seu braço, mas não deve ser apropriado.
Deixo-o em paz.

**********************

Luca

Ainda tínhamos os corpos úmidos quando saímos do spa. Nenhum de nós dois
queria passar um segundo a mais lá dentro. Quer dizer... eu não sei Gabi, mas meu
problema talvez fosse que eu queria passar segundos demais lá dentro.
Eu precisei usar cada instante dos quinze minutos dados pela massagista para
conseguir fazer meu pau voltar ao tamanho flácido normal.
Puta merda.
Eu não tinha uma gota de saliva na boca.
Na verdade, eu não tinha uma gota de nada em lugar nenhum. Tudo tinha descido
pra minha ereção e agora ela ia doer como o inferno.
Paola e Augusto nos acompanharam na saída, conversando divertidamente
enquanto eu e Gabi parecíamos saídos de um enterro.
- Precisamos jantar juntos!
- Paola, deixe-os em paz. - Augusto implora pela centésima vez, enquanto
esperamos pelo elevador - Estão em Lua de Mel.
- Ora, mas já vamos embora amanhã! O que será mais um jantar, não é mesmo? -
brinca - Vamos!
Entreolhamo-nos, eu e Gabi.
Ela respira fundo, mas eu sei o que precisa ser dito.
- As pessoas te enchem a paciência, não é, Paola?
- Perdão? - deixa a incerteza tomar-lhe o semblante.
- Você tem o coração muito bom. Apenas as convida para algo agradável porque
aprecia sua companhia, mas escuta milhões de recusas sempre que tenta. É como se
as pessoas achassem que "recusar" mostra como elas são ocupadas, importantes
ou... superiores. Então, ou você insiste ou nunca consegue fazer acontecer.
- Oh. - ela parece levemente envergonhada. Eu a conhecia há dois minutos e já
suspeitava que deveria ser a primeira vez na História que ela se sentia assim.
- Sabe o que eu acho?
- O quê? - engole em seco.
- Acho que essas pessoas não te merecem. E vou te prometer uma coisa.
- Ah é?
- Vou. - aceno - Vou te prometer que, sempre que me convidar, vou te dizer a
verdade. Se eu puder ir, vou dizer que "sim" já desde a primeira vez que
perguntar. Mas se eu disser "não", não é porque estou me escondendo ou querendo
me livrar. É simplesmente porque não posso... ou porque não quero. - completo e
ela ri - Vou querer ficar sozinho com minha mulher, às vezes, sabe?
- Claro! - ela ri com gosto.
- Então, vamos lá. A sua festa. Pergunte-me.
- Estou organizando uma festa para o próximo mês. Apenas uma reunião de
amigos e gostaria que viessem. - convida.
- E eu gostaria de ir. Mas não sei como está a agenda e só vou descobrir
quando voltar. Ligo para você na semana que estivermos de volta.
- Certo. - aceita, comportada.
- Agora, o jantar. - lembro.
- Ah! - estala - Sim! Querem jantar conosco?
- Não. - respondo - Estou em Lua de Mel e, embora hoje tenha sido muito
divertido, quero aproveitar minha mulher o resto da noite.
Ele ri antes de aceitar com educação.
- Agora é minha vez! - aviso quando o elevador chega.
- Oh?
A dúvida estampada no rosto de Paola é comparável apenas ao divertimento em
Gabi.
- Quero convidar vocês dois para um jantar em nossa casa. Quando voltarmos.
O rosto de Paola se ilumina como se fosse Natal.
- No fim de semana seguinte. Adoraríamos!
- Não. Não no nosso primeiro fim de semana de volta. - pisco - Quero mais um
pouco da minha mulher até aí. Mas no seguinte?
- Ótimo! E pode ser na nossa casa, se...
- Não! Eu estou convidando, Paola, não seja mal educada. - repreendo com um
gracejo e Augusto acompanha Gabi nas gargalhadas dessa vez - Será na minha casa.
Estamos combinados?
- Combinados. - ela aperta minha mão, despedindo-se e nos desejando uma boa
Lua de Mel quando descem em seu andar.
Meu olhar cruza com o de Augusto por apenas um instante. Acho que vi alguma
gratidão ali.
- Você foi incrível. - Gabrielle encara-me surpresa quando estamos sozinhos,
no quarto.
- Você parece impressionada.
- É. Não sabia que você conseguia ser... gentil.
- Vou tentar não deixar isso me ofender.
Gabrielle demora sua atenção sobre mim com um sorriso pacífico de quem se
permite ver algo que nunca viu antes.
A estranheza da situação ainda não tinha se afastado de nós completamente,
mas acho que minha gentileza com Paola deve ter sido um bom primeiro passo para
quebrar o gelo.
- As pessoas crescem, sabe?
- É... acho que sim. Mas quer me dizer que não marcou um jantar em casa só
para provocar o Tony? Quer dizer, ele vai estar de volta. Não será você quem vai
recebê-los.
- Acho que o Antônio precisa crescer também. - constato, infantil.
- Luca. - suspira, pesada.
- Sim?
- Sinto muito, por... - ela está vermelha.
- Gabi, acho que a gente não precisa conversar sobre isso nunca mais na vida.
- peço.
Ela acena com um sorriso curto e eu percebo que, apesar de minhas palavras,
por algum motivo, eu estou mais perto dela agora - depois de minhas palavras
conclusivas - do que antes. Meus pés pareciam levar-me para ela independente de
minha vontade.
Ou talvez meus pés apenas fossem melhores do que eu em admitir minha vontade.
- Acho que vou tomar um banho. - devolvo, grave, aproximando-me ainda mais.
- É uma boa ideia. - murmura, genérica, procurando meus olhos.
- E eu também sinto muito por... sabe?
- Achei que não íamos mais falar sobre isso. - sorri.
- Não quero que as coisas fiquem estranhas. Estávamos indo bem. - toco sua
cintura, quase que por acidente.
- Eu sei. E eu não quis te... te tocar daquele jeito. Não sei no que estava
pensando.
- Tudo bem. - assinto, a mera lembrança de seu toque rápido em meu pau duro
me faz babar por dentro.
Me faz babar por toda parte.
Nua e molhadinha no meu colo.
Por Deus, que desperdício.
Eu quis morder seu pescoço e mandar a cautela para o Diabo.
Quis ela montada em mim ali mesmo.
Meu Deus.

Gabi apoia-se em meus ombros, investigando a parte de minha tatuagem que


aparece pela manga da regata. A rosa dos ventos em aquarela. Sua unha longa raspa
em meu peito, inspecionando o desenho.
Eu fico congelado.
Minhas mãos pesam em sua cintura enquanto o resto do meu corpo responde a
vaga noção de que Gabrielle está nos meus braços.
- Não tem o "N". - constata, experimentando-me. Perto demais.
- Han? - balbucio, embora saiba exatamente do que se trata.
- É uma rosa dos ventos, não é? Tem todas as outras direções. - seu toque
macio desliza pelas outras letras ao redor da minha tatuagem - Mas não tem o "N".
Por que não tem o Norte? É intencional?
- Está me perguntando o que minha tatuagem significa? - desço o rosto para
assistir seus olhos adoráveis revirando-se ao espremer os lábios em teimosia - É
só algo que ouvi há um tempo. - respondo sua pergunta não feita, tentando livrar
minha mente de pensamentos libidinosos - "Quando você perde o Norte, descobre que
pode ir em qualquer direção". - explico, as palavras secas estalando em minha
língua - Acho que, em muitos sentidos, nos últimos anos eu senti como se tivesse
perdido meu Norte. Não só por causa da coisa com Fernanda, mas... ter saído da
Zummo, me distanciado do Tony, a briga com o pai. O modo... - engulo em seco - O
modo como tudo aconteceu com mamãe.
- Ela não te culpa. Sabe disso, não é? - seu toque em meu ombro deixa de ser
um de pesquisa e passa a ser um de carinho.

- Sei. - desfaço-me - Mas eu me culpo. E tenho certeza que o patriarca Zummo


também. - ridicularizo o título - Bem! De qualquer modo, é isso. Uma tatuagem
para me lembrar que... que eu... - engulo as palavras.
- Que não precisa de um norte? - tenta.
- É. - minto, com um sorriso, tentando aliviar o clima tenso entre nós - Sua
vez, senhorita. - peo - Vamos! O que significa?
Ela ri antes de se perder em mim.
Os olhos de Gabi são uma coisa poderosa. Como se toda a força de sua alma
estivesse ali: presa no seu olhar. Capaz de destruir um homem. Eu era seu alvo
naquele instante... e não tinha dúvidas que poderia me destruir. Meu coração bate
nas palmas das minhas mãos, sangue denso de desejo latejando entre meus dedos
ainda cravados em sua cintura.
Suas mãos no meu torso, seu olhar preso ao meu. Ah, inferno.
Eu vou beijá-la.
É uma merda porque ela é minha cunhada e tudo mais. Mas é um fato: eu vou
beijá-la. Não vai ter saída.
- Meu pai costumava dizer que as coisas mais poderosas são as mais simples.
"Amor", por exemplo... ele dizia que se não fosse simples não era verdadeiro.
Você simplesmente olha pra pessoa e a ama. Se precisa buscar justificativas
demais, motivos demais, desculpas demais... não é verdadeiro.

- E isso é "amor"? - deslizo o dedo por suas costelas, logo abaixo do seio
esquerdo onde a tatuagem enigmática marca sua pele por baixo do vestido.
- E o que mais seria? - sorri. Ela tem um sorriso quieto e delicado. Um que
mal faz sua boca se curvar mas, mesmo que seja quase imperceptível, eu posoo
senti-lo como se não houvesse força mais poderosa no universo do que aqueles
lábios - "Amor" é quando a pessoa te faz sentir assim. A pessoa que é o melhor
olá. O pior adeus.
O melhor olá. O pior adeus.
Vou precisar dizer "adeus" pra você, Gabi. E, por Deus, vai ser horrível.
Não sei quem calou primeiro, eu ou ela.
Não sei quem se perdeu no olhar do outro primeiro, eu ou ela. Não sei quem
primeiro deixou claro o desejo que pairava no ar sufocando nós dois.
Mas ela foi a primeira a quebrar o encanto.
Um sorriso que mudava de natureza: aquele de quem acha graça em nada além do
próprio constrangimento. Uma curva envergonhada quando os próprios lábios admitem
pensamentos inconfessáveis.
Coça a testa com o polegar de um jeito híbrido entre o tímido e o desajeitado
antes de se afastar com uma meia explicação que deve ter envolvido a palavra
"chuveiro".
Achei que a tinha perdido quando meus dedos caíram de seu corpo para o vazio,
perdendo-a mesmo que estivéssemos sozinhos e ao alcance de um abraço.
E então ela para. Hesita.
Talvez tenha fraquejado. Ou questionando.
Seja lá o que for... fez com que ela interrompesse sua fuga.
Parada no meio do quarto, decidindo se iria partir ou ficar.
Sabendo que deveria partir.
Sabendo que queria ficar.
Inspira fundo como fazem as pessoas que querem exorcizar um pensamento que as
assombra e que não pode mais ser contido. Sinto o cheiro de sua confissão: mesmo
que ela não viesse com palavras bem enunciadas.
Gabi vira-se de volta para o meu corpo e eu a tomo pela cintura. Já a tenho
em minha boca antes mesmo de decidir beijá-la.
E minha Nossa Senhora das Más Ideias...
Nunca em minha vida um beijo conseguiu ser tão avassalador. Nem o meu
primeiro.
Nem quando perdi a virgindade.
Nem com Fernanda.
Nunca.
Gabrielle me beija e é como se ela arrancasse o ar direto dos meus pulmões,
tirando minha capacidade de respirar ou pensar. Tirando minha capacidade de
existir em qualquer lugar que não fosse ali, agarrado a sua boca, engolindo o
sabor de sua saliva misturado aos restos de sal que ainda cobriam sua pele
queimada.
Tomo seu rosto nas mãos e sinto seus dedos fincados em meus cabelos úmidos,
puxando-me para si como se temesse o arrependimento que viria quando finalmente
tivesse que me soltar.
Arrependimento por me beijar.
Arrependimento por me deixar ir.
Eu lambia sua língua voraz enquanto lutava contra sensações idênticas.
Minha cunhada.
Mas que se foda.
8 – Uma má ideia

Se eu conseguisse pensar com razão, era possível que eu me perdoasse já que


eles tinham um relacionamento aberto e Tony estava, naquele exato segundo,
entretendo a própria amante.
Se eu conseguisse pensar com razão, era possível que eu me condenasse já que
estava interferindo na dinâmica de duas pessoas sem qualquer conhecimento preciso
dos detalhes.
Mas Gabrielle desce as mãos para o meu peito e eu não consigo pensar com
razão.
"Razão", na verdade, é um conceito abstrato que me parece mais e mais
indefinido.
Não sei em que ponto do beijo eu abandonei completamente as amarras da
moralidade e permiti que minha mão ousada descesse para sua bunda, mas ali
estava: dedos arqueados, erguendo o vestido de praia para agarrar a carne coberta
por sua calcinha.
Um aperto violento e ela geme na minha boca.
Uma das mãos em minha nuca, impedindo que eu sequer pensasse em me afastar.
Não que eu estivesse pensando nisso...
Desço a outra mão e a agarro pelo quadril, enfiando as pontas dos dedos nas
bochechas macias roçando-a contra minha ereção.
Tenho certeza que fui eu quem nos guiou para a cama.
Acho que foi ela quem começou a nudez, mas eu queria tanto aquela porra
daquele vestido fora do meu caminho que é difícil dizer.
E, amigo, se eu já estava fodido com Gabrielle vestida, quando ela ficou nua
eu soube que não tinha mais salvação.
A umidade escorria preguiçosa como uma seiva de tesão no meio de suas coxas
roliças fazendo escorregar meu toque vívido de carnívoro que, até então, se
apegava a cada centímetro de pele. E foi só quando mãos e sexos se tocaram que
Gabrielle permitiu que as bocas se separassem. Ela me sentia a mim. Eu a sentia
de volta.
Os pelos escuros e espessos que cobriam sua entradinha molhada, fazendo
cócegas em meus dedos por tato e em meu pau por cobiça.
Fecha os olhos.
Sinal claro de quem se entrega ao prazer mandando a razão tomar devagar no
meio do cuzinho.
Eu quis fechar os olhos também.
Quis me entregar também.
Mas aqueles peitos redondos e fartos sempre me apeteceram mesmo quando
cobertos, provocando-me através de decotes discretos como se me incitassem a
devorá-los. Agora, desnudos, me faziam considerar o crime que seria abandoná-los.
Tomo-a na boca. Uma teta de cada vez.
Tomo-a com lambidas em seu pescoço. Sentido seu sal, seu suor e seu sol.
Tomo-a pelos joelhos e jogo-a na cama.
Nua, entrando na banheira, tinha me enlouquecido. Mas nua, nos lençóis,
esperando por mim parece ser o oposto. Parece sanidade.
Parece ser a única coisa no Universo que faz sentido: Gabi sendo minha. Todo
o resto é que é loucura.
Era loucura ela ter ficado com Matheus ou ter casado com Tony. É minha. Era
para ter sido sempre minha. Jogo-me sobre ela sentindo seios contra meu tórax
aquecido pelo sol.
As pontinhas rígidas apertadas contra mim.
Tomo-os ambos nas mãos. Agarrando-os convicto, enquanto esfrego minha ereção
ainda coberta em sua bocetinha destapada.
Seus lábios tremem em um sussurro e meu corpo inteiro se retesou de pavor
diante da crença que ela me pediria para parar. Era isso que ia acontecer, não
era? Ela lembraria o nome dele e nos interromperia não por vontade nossa, mas
pela de outro.
Mordo seu queixo esperando que ela nos condene.
Um último beijo.
Uma última mordida, antes que ela nos obrigue a parar.
- Por... por favor... - geme, incoerente. Lambo sua boca.
Suas pálpebras tentam se abrir, mas falham vez após vez.
- Luca... - balbucia.
Eu tenho medo de perguntar, então me ponho a morder.
Não, Gabi, por favor, não me pede pra parar.

- Luca... por favor... - insiste. Tenho medo de sua ordem.


Tenho medo de precisar cumpri-la.
- Por favor... - geme.
Beijo sua boca longamente. Solto-a apenas para ouvir:
- Me come.
Certo.
Aí está uma ordem que eu não teria problemas em cumprir. Prendo seus peitos
com força e me enterro no seu calor. Minha ereção invadindo-a com força se, para
mais nada, apenas para confirmar que ela é ainda mais deliciosa do que imaginei.
Fosse em meus momentos proibidos de jovem adulto, enquanto atacava minha
própria carne pensando nela, ou naquela maldita banheira quando senti sua pele
quente e pelada testando meu pau e minha convicção. Assisti a carne ao redor de
seus mamilos escapar esbranquiçada entre o aperto dos meus dedos ferozes e uma
única estocada foi suficiente para que ela começasse a murmurar incongruências.
Olhos revirando-se nas órbitas enquanto toda a força que tinha no corpo era
dedicada a rebolar aquele quadril divino, aumentando a fricção que destruía a nós
dois.
Eu queria conseguir resistir ao peso em minhas pálpebras.
Gabrielle com tesão era uma visão radiante.
Mas é forte demais para mim.
O gemido escapa longo, como um rosnado rouco entre meus lábios roubando meu
ar e minha força de vontade.
Eu estou fodendo Gabrielle e é tarde demais para sequer considerar voltar
atrás. Tenho meu pau duro enfiado até o talo em seu corpo moreno e retorcido,
arqueando as costas em resposta à minha profundidade.
Eu estou comendo minha cunhada e vou ouvi-la gozar.
Um gozo alto e irreprimível.
Condensando-se nela.
Condensando-se em mim.
Ela enfia as unhas em minhas costas, rasgando-me enquanto o clímax a rasgava.
O esporro veio violento pouco depois que a convulsão dela terminou.
Fodi minha cunhada.
Assisti seu orgasmo glorioso.
Esporrei dentro dela.
A única criatura viva naquele hotel com uma respiração mais desesperada que a
de Gabrielle era eu.
Eu ia precisar passar o resto dos dez dias me recompondo. Ou pelo menos foi
isso que achei que aconteceria: mal minha respiração encontrou um compasso
saudável, Gabi estava me puxando para mais um beijo e o chuveiro.
Não houve qualquer palavra dita.
Não houve qualquer segundo de hesitação.
Ela continuou como se bocas ou corpos tivessem se separado nunca.
Guiando-nos para o jato de água quente e o banho longo, lento, lânguido.
A força de minha virilidade não demorou a retornar. Uma mulher molhada e
quente faz isso com você, bem depressa. No entanto, por mais que seu corpo
pudesse me fazer derreter, era por sua boca que eu sofria. Seu rosto em minhas
mãos, acariciando bochechas e cabelos com um carinho que até então eu tinha feito
o impossível para esconder.
Ela gozou, esfregada contra os azulejos. O mel escorrendo de suas coxas como
os pingos de água pelas paredes. Abraça-me com pernas e mãos quando atinge sua
segunda crise da noite, um rebolado curto e preguiçoso que permanece até me levar
à minha.
Voltamos ao colchão nus e molhados.
Silentes.
Fracos.
Mortos.
Dormimos.
O arrependimento viria apenas com o nascer do Sol.
9 – O prato de maçã

Gabi

Certo.
Tudo bem.
Ok.
Sem problemas.
Respira.
Sem desespero.
Eu transei com meu cunhado.
Certo.
O irmão do meu marido está pelado na cama bem atrás de mim.
Ok.
Tenho certeza que consigo sentir sua ereção em minha bunda.
Sem problemas, não é?
Sem problemas.
Eu amo o Tony, mas…
Eu sempre soube.
E o Luca…
Respira, Gabi.
O Luca está pelado atrás de mim, com a ereção cutucando minha bunda, raspando
o nariz no meu ombro, a respiração quente no meu pescoço e as mãos largas na
minha cintura.
O Luca.
Meu.
Cunhado.
Meu Deus, Meu Deus, MEU DEUS.
Estou acordada.
Absolutamente desperta como se alguém tivesse enfiado cafeína com energético
direto na minha veia.
Eu transei com meu cunhado.
O que cacete há de errado comigo?
Eu sabia que ia ser assim.
Sempre soube.
Desde que eu e Tony decidimos fazer aquilo.
Ele está lá com Giseli, exatamente onde deveria estar.
E tudo bem que eu esteja nua na cama com outro homem.
É isso que "relacionamento aberto" quer dizer, não é?
Mas tinha que ser o irmão dele?
O inferno do Luca Zummo.
Aperto meus olhos com força porque nunca se sabe se chegou minha vez na fila
e Deus decidiu me conceder um milagre.
Aí eu pediria para voltar no tempo e…
E fazer o quê?
Não transar com o Luca?
Não casar com o Tony?
Aperto meus olhos com mais força ainda, mas tudo que consigo ver é o chuveiro
no meu velho apartamento da universidade.
Tinham sido duas semanas demoníacas e eu não tive chance de me masturbar
nenhuma vez.
Quatorze dias absolutamente seca.
E aí Luca Zummo sai do banheiro da empresa, molhado do banho, usando uma
toalha ao redor da cintura. Pisca o olho pra mim, provocando-me com seu sorriso
de "você não faz ideia do que eu poderia fazer com você agora".
Eu nem sei como saí de lá sem tropeçar.
Nua, no chuveiro, naquela noite, eu rocei um único dedo no meu clitóris e já
estava gozando.
Gozando de gemer alto.
Eu queria tanto que me comesse.
Acho que nunca quis um homem com tanto ardor na minha vida.
Mas era errado então.
E era absolutamente vil agora.
Minha pele ainda estava sensível onde ele beijou, arranhou e mordeu.
Eu queria que me lambesse.
Tinha sonhos vívidos com sua língua.
E ontem a noite foi exatamente isso que ele fez, não foi?
Ou pelo menos eu acho que foi.
Aconteceu tão rápido.
Se acontecesse de novo, eu prestaria mais atenção.
Acho que esse seria meu milagre, se eu pudesse voltar no tempo: fazer tudo de
novo.
Luca se move, despertando.
Ainda é cedo mas não fechamos as cortinas e o sol não vai deixar nenhum de
nós dois dormir por muito mais tempo.
É trágica a angústia trazida pela sanidade.
Ontem a noite, na loucura dos calores, nenhum de nós dois se importou com
razão.
Ignorância não nos causou nenhum mal.
Era o conhecimento que ia me destruir.
Conhecimento do gosto dele.
Conhecimento da sua extensão dentro de mim.
Conhecimento de que era seu corpo largo e despido que me abraçava.
Conhecimento de que ele ia acordar em breve e não haveria onde esconder o
arrependimento.
Será que existia algum tipo de resort para onde você ia tirar férias das
consequências?
"Faça todas as merdas que quiser e depois venha se esconder aqui" era um
ótimo slogan. E, depois dos últimos eventos, eu certamente pagaria o preço que
fosse.
Luca respira de um jeito estranho… intencional.
Está acordado.
Não adianta mais fingir ou afastar. Abro os olhos e sinto-o apertando-me em
seu abraço.
Tem os lábios em meu ouvido quando respira fundo. Parece hesitar por um
segundo e eu percebo que não apenas ele está desperto há muito tempo, como já
percebeu que eu também. Seja lá o que quer dizer, deve estar refletindo há algum
tempo.
Eu congelo.
Paro de respirar.
É isso.
Não está certo.
Não está tudo bem.
Não está ok.
Ele murmura muito baixo. O calor de seu hálito causando-me arrepios.
- Você decide. - sussurra - Eu te conheço, Gabi. - sua risada é baixa e
genuína. Carinhosa. - Deve estar enlouquecendo agora mesmo, não é? E não precisa.
- ele beija a curva do meu queixo. Para confortar-me. Para despedir-se. - Eu sei:
Você é casada com meu irmão e nós dois… juntos… não é certo. - engole em seco -
Mas também sei que… você não é dele. E isso, Gabi… - aperta-me, respira-me - Por
Deus, Gabrielle, isso não é errado. Não pode ser. - acrescenta, mais para si
mesmo do que para mim - Não pode. Mas a decisão é sua. Se você quiser, eu posso
levantar agora mesmo e nunca mais falo sobre isso de novo. Prometo. Nunca mais. -
suas palavras falham como se doessem - Ou… - murmura quente e seus lábios estão
na minha pele de novo - Eu posso ficar bem aqui e te mostrar uma coisa que eu
gosto de fazer com a língua.
Fecho os olhos porque minha vida não me preparou pra esse tipo de decisão.
- Você escolhe, Gabi. Mas precisa escolher.
Viro-me para ele e Luca me envolve com seus braços imensos, enfiando os dedos
em meus cabelos e pronto para me beijar.
Eu o interrompo com uma mão em seu peito.
Quero a loucura por mais uns instantes.
Não quero a razão.
Quero ficar aqui e fingir que pode ser para sempre porque quando eu tiver que
sair dessa cama eu sei que não vai ser.
Não apenas pelo Tony… mas por mim.
Não posso, Luca.
Se fosse qualquer outro homem, talvez eu pudesse.
Mas você, não.
Vou magoar o Tony.
Vou me apaixonar por você.
E aí o que acontece?
- Será… - peço e ele pausa - Será que a gente podia ficar aqui? Em silêncio,
só… só mais um pouco?
Ela não diz uma palavra.
Desliza os nós dos dedos pelo meu rosto e beija minha testa antes de me
fechar em seu abraço.
Faz cafuné em meus cabelos até eu pegar no sono de novo.

**********************

Luca

Ela cheira a mar.


Movo o rosto, ainda de olhos fechados, enfiando o nariz em seus cabelos.
Eu devia estar duro a essa altura.
Achei que estaria.
Mas foi o oposto.
Manhãs têm a tendência de deixar o pau agitado e quando eu percebi que
Gabriella ainda estava nua com aquela bunda deliciosa bem coladinha comigo, achei
que eu ia morrer de anemia e desidratação. Era fato certo que meu pau ia puxar
todo o sangue que eu tivesse pra dar antes de cuspir todo o esperma que um ser
humano fosse capaz de produzir.
Mas…
Ao invés de abraçar o caos, meu corpo ficou… em paz?
Havia uma calmaria peculiar em ter Gabi em meus braços, respirando o perfume
de sua pele enquanto ela se deixava levar em um sono pesado, raspando os dedos em
meu peito.
Estive dormindo errado por toda minha vida, porque aquele ali era o único
jeito certo de dormir.
Protegendo-a. Embalando-a. Tomando cuidado para não me mover demais e
destruir seu sono.
Eu devo ter ficado ali uma boa hora, apertando-a, de olhos fechados.
Tentando me preparar para o que iria acontecer quando ela finalmente
decidisse.
Cedo demais ela se move entre meus braços, despertando.
Há algo poderoso em acordar ao lado de alguém que você deseja. Parte de você
quer abrir os olhos para ter certeza que é verdade, enquanto outra parte teme
abrir os olhos e descobrir que era mentira.
Mantive-os fechados. Prolongando a ilusão mesmo que apenas mais um pouco,
assim como ela queria.
Senti seu cheiro. O calor de sua pele. A intensidade de nossas lembranças
entrelaçando-se com o toque de nossos corpos nus entre os lençóis.
Arrepios quando a ponta de seu nariz raspou pela base do meu pescoço.
Respirando-me de volta. Lutando contra a mesma dicotomia que eu: acordar ou não
acordar.
Eis a questão.
Ficamos abraçados por muito tempo, progressivamente mais cientes do corpo um
do outro. Mas a eternidade que levávamos para nos mover pareceu ser tempo nenhum
quando ela finalmente se empurrou para longe, afastando-se de mim enquanto ainda
acreditava em minha sonolência.
Entreabri os olhos para vê-la se distanciar.
- Bom dia. - murmuro.
Gabi sorri, constrangida.
Nem um sorriso, na verdade.
Uma curva estranha de mudez em seus lábios. Sinal de quem sabe que não tem
nada para dizer.
Ter certeza que é verdade.
Descobrir que é mentira.
Qual dos dois vai ser, Gabi?
Ela se enrola no lençol branco, puxando-o até cobrir os seios enquanto tenta
sair da cama apenas para se descobrir presa ao colchão.
- Ahm… acha que consegue me passar…? - aponta para uma região no chão onde
seu vestido tinha sido devidamente arrancado na noite anterior.
Cobrindo a própria nudez do homem com quem transou.
Pedindo o vestido antes de responder o "bom dia".
Descobrir que é mentira.
Me empurro na direção da peça e a pesco com dois dedos desajeitados.
Nunca vi uma mulher se vestir tão depressa.
- Bem, eu vou… - aponta para o banheiro.
Ela não ia mais terminar as frases?
Fomos de companheiros de viagem para confidentes e então para amantes, apenas
para terminar como estranhos que sequer conseguiam terminar uma combinação de
palavras com o mínimo de coerência ou conclusão?
Jogo-me, pesado, de volta no colchão.
Mas que bela merda.
Eu pedi que ela escolhesse e ela fez exatamente isso. A pior parte é que
sequer disse as palavras. Sequer se despediu ou me deu algum tipo de
encerramento. Apenas deixou a decisão flutuando no ar como uma brisa de maus
agouros.
Está linda quando sai do banheiro.
Trocou o vestido por uma regata e uma saia que não é curta mas é pesada,
desenhando sua bunda de um jeito criminoso.
Aí lógico que meu pau acorda.
O filho da puta.
E Gabi tem um cheiro bom. De onde caralho ela tira aquele perfume?
Era demais pedir que ela tivesse se enrolado na lama dentro daquele banheiro
e tivesse saído de lá fedendo?
E eu consigo ver a alça do biquini escapando pela lateral da regata. Aquela
porra daquele biquini amarelo DE NOVO. Eu já sobrevivi a isso uma vez, aí Deus
olhou pra mim, riu e disse "Luca, hoje eu vou te foder". Citação literal, tem que
ter sido isso.
Bagunço meus cabelos.
- Você quer usar o banheiro? Acho que vou descer para tomar café, quer que eu
te espere?
Mordo meu lábio porque puta que pariu hein, Gabi?
Você pula em cima de mim uma noite e me coloca na lista como opcional até
mesmo pra porcaria do café da manhã no dia seguinte?
- Vou sim. - sorrio, sem gosto, e me livro do lençol pra sair da cama. Pelado
mesmo, certo? Me falta esse pudor que ela tem de sobra. Tem nada aqui que ela não
tenha visto e agarrado e montado. Ela esconde o rosto ainda assim. Como queira.
Por que eu estou com raiva?
Eu disse que ela podia escolher, não foi?
É.
O problema é que ela não escolheu.
Ela só me pediu mais uns minutos e depois seguiu o bonde.
Isso significa o quê?
Que ela ainda está pensando?
Que ela já decidiu e espera que eu nunca mais mencione o assunto de novo?
Se ela não me quer mais por que não deixar isso claro?
E por que pediu mais alguns minutos e se enroscou em mim como se nada na vida
parecesse uma ideia melhor?
Eu preciso perguntar.
Mas e se ela espera que eu fique em silêncio como eu prometi que faria? Isso
é quebrar a promessa?
Estou de mau humor quando saio do banheiro.
E meu pau ainda está meio duro.
Bem escrota essa atitude dele, por sinal. Tipo: não vou subir de uma vez
porque eu sei que você nem tem chance, mas também não vou descer porque eu quero
mais é que se foda.
Só tenho inimigos dentro desse quarto.
Gabi está sentada no divã, com as pernas cruzadas e, amigos, as coxas da
Gabrielle são uma coisa de fazer parar tráfego aéreo. É sério: deve ter uma lei
em algum lugar que a impede de ficar com as pernas de fora no curso de um avião
ou o piloto se bate com a torre de controle.
E aí meu pau, esse sacana do cacete, resolve subir mais um pouquinho.
Esfrego as têmporas.
- Vamos? - ela convida. Coloca-se de pé depressa, uma das mãos desliza pela
própria coxa e vira-se fazendo girar a saia, exibindo um pouco mais das curvas
até quase a popa da bunda.
Se eu não a conhecesse melhor, diria até que fez de propósito.
Meu pau quer subir mais, mas eu puxo o short e lhe dou uma bronca mental
pensando na minha avó e na minha mãe para tentar lhe dar alguma vergonha.
Mas Gabi ainda está de costas e eu senti aquela bunda nos dentes ontem a
noite.
Não tem imaginação que supere isso.
Estou fodido.
Só tenho inimigos dentro desse quarto.
Só inimigos.

**********************

Eu tentei me comportar, tá certo?


Juro que tentei!
Não… não tentei, é mentira.
Tá, mas eu queria ter tentado!
Juro que queria.
Mastigo as frutas como se elas tivessem tentado matar minha família: com
raiva e desgosto.
Gabi ficou um silencio por bastante tempo antes de decidir que seria
apropriado falar sobre a decoração do hotel durante o café da manhã.
É isso mesmo: DECORAÇÃO do hotel.
É neste ponto que chegamos.
Mais quarenta segundos e ela vai começar a discutir o clima.
Acho que é isso.
Acabou.
Foi uma noite e é só. Pode mandar descer as cortinas e acender as luzes. O
show acabou e eu só consigo pensar que vou ter que pegar um trânsito do cacete
pra voltar pra casa. A parte boa terminou e daqui pra frente é só desgraça.
Daqui pra frente é só a noção de que eu não posso tê-la e uma porção de
festas de natal em que, ou eu evito minha família em absoluto, ou tenho que
passar a Ceia tentando não encarar os peitos de minha cunhada.
Sabe aquela história de "ah, estou tão a fim de Fulana, preciso transar com
ela só uma vez pra tirar ela do meu sistema"?
É MENTIRA.
Se alguém te sugerir isso em algum momento da sua vida, CORRE porque é
Satanás falando.
Eu estava na merda antes, quando eu só podia imaginar qual era a textura da
pele dela na minha língua. Mas agora que eu sabia como ela se arrepiava quando eu
atingia o lugar certo e o gosto suave de lamber seus arrepios, principalmente
quando ela gemia daquele jeito doce, apertando as coxas…
Esfrego minhas têmporas.
Não lembro mais qual era o meu ponto.
Mas eu estou fodido, o resumo é esse aí.
E Gabrielle encarou o céu para dizer que parece que vai chover.
Alguém me mata agora, por favor?
Ela vai mesmo ignorar o que aconteceu?
É o velho diálogo de Adão e Eva. É por isso que Machado de Assis não
preencheu as linhas, viu? Porque não dá pra escolher o que dizer quando você está
tendo um caso. Vai ver era isso que Virgília estava dizendo: "vai chover, Brás".
Meu humor não melhorou e eu tentei me comportar.
Eu queria ter tentado.
Já estamos na porta do restaurante quando ela diz que se enganou e talvez não
vá, de fato, chover. E é aí que eu atinjo meu limite.
- Sério, Gabi?
- O que foi?
- "O que foi"? Você está falando sobre o clima!
- E você queria que eu falasse sobre o quê?
- Queria que você respondesse minha pergunta! - exalto-me e ela me belisca,
para que eu fale mais baixo.
- Você não me perguntou nada! Está em silêncio desde que saímos do quarto.
- E o que você quer que eu diga? Você está falando sobre decoração e chuva.
Depois do que acabou de acontecer! - sussurro.
- E o que acabou de acontecer? - rosna.
Eu abro e fecho a boca porque não sei que cacete de pergunta foi essa.
- O quê? - pergunto - Você quer que eu te explique sobre o papai colocando
uma sementinha na mamãe?
Ela me dá um tapa no ombro.
Forte.
Eu gosto.
Gosto porque o tapa não sei vai, mas ela agarra minha carne com força como se
estivesse sofrendo do mesmo mal que eu: ou ela gritava comigo, ou começaria a me
morder.
- O que você quer que eu diga? - devolve, agressiva - Aquilo não foi certo!
- Não foi certo? Gabrielle, olha pra nossa situação! QUE PARTE disso é certo?
- Você vai falar mal do seu irmão de novo?
- Ele é um bom culpado pra situação e, sinceramente, me incomoda que você não
concorde.
- Ah! MEU DEUS! - ela fecha as mãos em punho - Se arrependimento matasse…! No
que diabos eu estava pensando? Você não presta! Não existe nenhuma parte disso
que foi uma boa ideia!
Eu encho os pulmões para devolver, mas algo ao nosso lado atrai minha
atenção.
Não olho diretamente, mas sei que estão ali.
Paola e Augusto Adriatic. Fechando a conta na recepção principal em seu
último dia no hotel.
É difícil saber quanto de nossa discussão eles ouviram porque não estão perto
o suficiente.
Mas a expressão corporal é inegável.
- Ai meu Deus! - Gabi aperta os olhos e sei que ela também já os viu.
Respiro fundo porque só existe uma saída.
- Luca - sussurra - É melhor mesmo você ir embora. Não adianta. A intenção
era que ninguém percebesse que há algo de errado, mas eu e você…
- Eles não devem ter ouvido nada, Gabi.
- Mas sabem que estamos brigando… Eu vou voltar para o quarto. - derruba os
ombros, vencida.
- Casais discutem. - lembro.
- Na Lua de Mel? Não é bom sinal.
Ela está indo embora e faço uma careta de dor porque…
- Se você quer que eles tenham uma boa impressão. - eu a puxo pela cintura e
beijo sua boca.
Beijo com vontade porque o ato não é para mim ou para ela, mas para os
espectadores.
Ou pelo menos deveria ser.
Porque assim que ela enfia os dedos nos meus cabelos e eu sinto seu corpo
colado em mim, eu esqueço o propósito de qualquer outra coisa na Terra.
Enfio minha língua na dela e a aperto em meu abraço.
Ia ser tão mais fácil se aquilo fosse ruim.
Se eu me sentisse mal ou constrangido por querê-la tanto.
Mas não.
Nem um pouquinho.
Na verdade, eu só conseguia pensar que, se eu soubesse que a noite passada
seria nossa única vez eu teria aproveitado com mais cuidado. E já que esse beijo
provavelmente seria o último, eu não ia cometer o mesmo erro duas vezes.
Eu a beijo até oxigênio faltar.
E oxigênio falta.
Gabi encara o chão assim que eu a solto.
Seu sorriso é levemente verdadeiro e levemente falso quando agarra meu pulso
e me conduz para os elevadores. Está apenas tentando escapar do campo de visão de
seus amigos indiscretos. Sei disso porque, assim que estamos seguros, eu apanho
de novo.
- O que está fazendo?
- Mantendo suas preciosas aparências. Não é pra isso que ainda estou aqui?
- Não devia… não devia… - ela tenta dizer, mas ainda está sem fôlego.
Simpatizo.
Sofro de mal semelhante.
Ela morde o canto da boca e eu quero lambê-la. Quero enfiar minha língua bem
ali, empurrá-la contra a parede, e beijá-la até desmaiar. Foda-se o oxigênio.
Não existe isso de tirar uma pessoa do seu sistema.
Eu conseguia ignorar Gabi antes. Mas depois de experimentá-la eu estava
viciado.
Precisava travar meus punhos para impedir minhas mãos de tremerem.
Eu quero mais.
Não foi suficiente.
Nem de longe.
Não sei se algum dia vai ser.
- Não devia o quê? Te beijar? Talvez seja um pouco tarde para nós dois termos
esse tipo de preoc…
Ela tem uma expressão de desespero quando abre a primeira porta ao nosso lado
e enfia nós dois…
Onde?
Parece um armário de toalhas.
O espaço pequeno e apertado é cheio de prateleiras, que vão do chão ao teto,
forradas de toalhas enroladas em cilindros brancos e felpudos. Estoque de
reposição para os hospedes na piscina, possivelmente. Não que logísticas de
hotelaria me incomodem no momento porque o armário é apertado demais para nós
dois e eu consigo pensar em pouca coisa que não seja o corpo de Gabi.
- O que diabos…?
- Os Adriatic! - ela tapa minha boca e, do outro lado da porta fechada,
consigo ouvir a risada de Paola.
- Sério? - resmungo, baixinho.
- Eles devem estar subindo para pegar as malas? Mas já deveriam estar com
elas antes do check out? Isso não faz sentido.
Eu preciso rir porque minha indignação não foi por causa disso.
- O que não faz sentido é o medo que você tem dessa gente!
- Shh! - abana a mão.
Calo a boca.
Mas ela está perto demais e o ar que eu estou respirando é seu hálito
delicado. Raspando em minha pele como carícias.
Aquele armário foi feito para alguém abrir, pegar toalhas e fechar. Não foi
feito para que alguém ficasse ali dentro.
Só cabemos os dois porque:
1 - Desespero.
2 - Gabi está parcialmente sentada em uma das prateleiras e parcialmente
montada em mim.
E a pior parte disso tudo é que ela está de saia.
Com as pernas abertas.
Evitando envolver-me com as coxas por medo do que seríamos capaz de fazer a
seguir.
Nada entre eu e ela além de uma bermuda frágil e um biquini amarelo.
Eu não sei mais qual a pior parte.
Mas estou vagamente ciente de minhas mãos nas coxas dela e isso
definitivamente não é bom.
Ela tem as mãos em meus ombros.
Eu expiro um gemido de dor.
- Sabe, a gente precisa parar de se enfiar nessas situações escrotas em que a
gente fica quase se agarrando.
O "agarrar" não era o problema.
Era o "quase" que me matava.
Ela sorri, mas é por angústia.
Lá fora, Paola ri mais uma vez. E eu tento ajudar Gabi a encontrar uma
posição mais confortável.
Apoio suas coxas em minhas mãos tentando lhe dar algum impulso para que
consiga sentar melhor na prateleira e dou um passo para trás. Mas a combinação
dos fatores quase nos desequilibra e ela encaixa sua virilha na minha com um
impacto que faz meu corpo inteiro achar que estou transando.
Eu pediria desculpas pela minha ereção, mas nesse ponto da jornada… é tipo a
Cobra chegar pra Eva e pedir desculpas por não ter dado um pratinho pra ela comer
a maçã. A essa altura, que diferença faz, não é mesmo?
Respiro fundo.
Estou ficando bem especialista em comer a maçã sem o prato.
O problema é que quando estou prestes a tentar mais uma vez, Gabi rebola
contra mim, esfregando-se inteira, sentindo meu pau na virilha.
Rebola.
- O… O que está fazendo?
Ela fica horrivelmente vermelha.
- Nada! - mas como ninguém vai acreditar nisso, logo corrige-se - Desculpe!
Eu não… Eu não…
- Gabi, tudo bem. - prometo, mas estou suando frio.
Faz de novo.
Ela esconde o rosto nas mãos e suas coxas se contraem de um jeito típico.
Ela está com tesão.
Está com muito tesão.
Daquele jeito insuportável.
Tenta manter o controle, mas falha e está quase rebolando no ar.
- Ei. - eu murmuro, quente, em seu ouvido - Relaxa. - meu polegar desliza até
a parte interna de sua coxa - Relaxa pra mim.
Gabi apoia-se de volta em meus ombros e me observa por um segundo. Um segundo
que parece longo e elétrico. Nossas respirações pesadas se misturando naquele
armário minúsculo, pequeno demais para conter as aflições que agora abriga.
Ela respira fundo. Relaxa as coxas. Eu fico duro como se alguém tivesse dito
ao meu pau que essa é a última chance. Melhor fazer valer.
- Aqui. - coloco minha mão sobre sua entrada. Ela está tão quente ali que eu
tenho vontade de fechar os olhos - Deixa eu te ajudar.
Escorrego meu toque, dedilhando Gabrielle por cima do biquini amarelo e a
assisto fechar os olhos. De início é só uma provocação, os nós dos meus dedos
fazendo cócegas em sua pele. Experimento seu calor, sentindo sua umidade pesar no
tecido. Eu deveria fechar os olhos também, mas ela tem um corpo que merece
reverência e eu descobri que, quando o prazer se acumula, ela ondula suas curvas
de um jeito que faz o Pecado Original parecer um leve mal entendido.
Eu queria ter espaço para me inclinar e lamber seu abdômen. Era só isso que
eu queria.
Mas é pedir muito, aparentemente.
Movo os dedos, sentindo-a por baixo do biquini. Não quero só esfregar isso
aqui de qualquer jeito. Estou procurando um ponto muito específico que…
Gabi grita e eu sei que achei.
- Shh! - imploro não por medo de Paola mas porque suspeito que o que estamos
fazendo não é exatamente certo, por motivos além do matrimônio que nos trouxe até
aqui.
Ela morde os lábios com forca.
- Consegue ficar em silêncio? - pergunto e, só por maldade, ataco seu
clitóris mais uma vez. Seus dentes afundam ainda mais na carne, dela, suas unhas
afundam ainda mais na carne, minha.
Gabi assente, vezes demais, apertando-se contra minha mão.
- Não acho que consegue. - suspiro, rindo, contra sua boca - Mas vamos ver.
Belisco seu clitóris uma vez antes de enfiar um dedo e Gabi me morde no
ombro.
Por mim está ótimo: assim ela deixa o pescoço a minha disposição e eu
aproveito para mordiscá-lo de volta.
- Mais… - gagueja, salivando em minha camisa. Usa todo seu autocontrole para
se impedir de gritar. "Implorar", no entanto, não parece ser um problema.
Eu lhe daria mais.
Eu lhe daria tudo.
Mas existe algo glorioso em bolinar uma mulher assim.
Conduzi-la até o desespero e além.
- Ainda não. - aviso e ela geme de frustração.
- Luca…
- Ainda não. - repito, prendendo sua orelha em meus dentes.
Dentro dela, meu dedo é lento.
Lento suficiente para deixar Gabi doida.
Ela agarra meu pescoço e me arranha inteiro. Sinto o ardor em minha pele onde
suas unhas me rasgam, mas, para mim, ter as costas em carne viva depois do sexo é
sinal de um trabalho bem feito.
- Mais, Luca… Por favor. - ela é tão doce quando implora que eu derreto.
Ouvir o dengo em sua voz acaba comigo.
Beijo sua boca.
- Tá certo, meu amor. O que você quer?
Ela me beija por resposta.
Tudo bem.
Abaixo a bermuda e trago minha ereção para ela. Gabi se empurra na prateleira
para me dar espaço e eu a tomo em uma estocada só. Cubro sua boca com a mão para
abafar seu grito, mas fui estúpido e não lembrei do meu. O urro que escapa de
minha garganta é involuntário. Ela é tão quente e molhada.
Ela está mordendo meus dedos e eu estou bem perto de mordê-la de volta.
Somos dois animais, eu e Gabi. Nos encontramos no mundo e parece que nossa
intenção é manter o outro preso: nos dentes se for preciso.
Ela está atingindo sua crise. Está quase lá.
E eu só preciso de mais uma coisa.
Só mais uma.
- Tira a blusa. - peço.
Ela leva as mãos a barra da roupa, mas é lenta.
- Tira, tira, tira. - eu imploro, com pressa e a ajudo a arrancar a porcaria
do meu caminho.
Não quero ela nua.
Quer dizer… claro que quero.
Mas não agora…
O biquini amarelo é estreito mas suficiente para cobrir sua carne.
Eu mordo o bico do seu peito por cima do pano até senti-lo rígido em minha
língua.
Vou chupar essa porra desse biquini até deixá-lo coberto de saliva. É isso
que vou fazer.
Vou morder esses peitos até deixar a marca dos meus dentes.
Gabi tem meus cabelos presos nos dedos e não parece ter qualquer objeção aos
meus planos.
Gozou pela primeira vez mas suas pernas ainda estão tensas e eu sei que não
vai dar trabalho trazê-la comigo mais uma vez.
Alterno de um mamilo para o outro, mas sempre dando atenção a algum. Estou
perdido ali, com o nariz enfiado entre seus peitos, as mãos apertadas em sua
bunda. Estou tão fundo dentro de Gabrielle. Não sei se já fui tão fundo em alguma
mulher antes. Não parece ser igual. Nada com ela parece ser igual.
Me afasto apenas um pouco para respirar e é isso que me destrói.
Porque é aí que eu vejo sua tatuagem.
Não notei ontem com a atenção que merecia porque estava tão envolvido com
tanta coisa.
Mas ali.
Na penumbra do armário eu vejo as letras escuras furadas em sua pele.
Eu tenho um tesão por Gabi que é uma coisa de bicho.
Instinto mesmo.
Não é civilizado.
A única coisa que chega perto de se comparar, é o tesão que eu tenho por uma
mulher tatuada.
E aí a Gabi tatuada me fode de um jeito que faz minhas pernas pararem de
funcionar.
Deslizo o dedo sobre a tinta em sua pele e sinto meu pau tão duro que dói.
Ela rebola ao meu redor, a fricção basta para levá-la até o limite.
Cabe a mim apenas uma última investida para fazer explodir nós dois.
Eu esporro dentro dela com a língua ainda na sua tatuagem.
Estamos respirando um ao outro, cobertos de suor quando uma batida forte
sobressalta a nós dois.
Gabi se enfia de volta na camisa, colocando o biquini de volta no lugar. Eu
sigo sua deixa e estou dentro do short ainda mais rápido. Abro a porta para
encontrar um funcionário do hotel com uma careta horrível de reprovação e um
silêncio mudo que diz mais do que palavras. Eu ofereço um sorriso de desculpas e
puxo Gabi para o elevador. Não há muito o que dizer, há? Ele sabe exatamente o
que aconteceu ali e eu dizer as palavras em voz alta não vai fazer com que ele
nos aprove.
Ainda estamos tentando recuperar o fôlego, é só por isso que subimos em
silêncio e quase esgotamos o estoque de água do frigobar assim que estamos de
volta na segurança do quarto.
Gabi tem duas gotas de água escapando pelo queixo quando dá mais um gole
sedento. Eu sorrio e resisto tocá-la. Assisto as gotas escorregarem pelo seu
pescoço até a camisa e o biquini.
- Então… - digo finalmente.
As janelas estão entreabertas e a brisa morna balança as cortinas. Ela cruza
os braços e tenta evitar mas acaba por me olhar nos olhos e, quando faz isso,
está presa.
- Então… - repete.
Eu aceno.
- A gente pode não falar sobre isso. Mas não acho que vai ajudar.
- Certo. - concorda.
Já que concordou, espero que diga alguma coisa.
Abro os olhos e espero.
E espero.
Ela se encolhe.
Tudo bem.
Eu falo.
- Você é casada com meu irmão.
- Sou.
- Não vai se divorciar dele.
- Não vou.
- Mas tem um relacionamento aberto.
- Tenho.
Bagunço meus cabelos, essa coisa monossilábica está me enlouquecendo, mas
acho que é melhor do que nada.
- O que significa que você pode ficar com outros caras.
- Posso.
- E ele está com outra mulher agora mesmo.
- Está.
- Certo.
- Certo.
Ela me encara como se esperasse que eu nos salvasse.
Eu respiro fundo e desisto.
- Gabi, olha… Eu disse pro Tony que ia ficar aqui esses dez dias. Ele não vai
voltar antes disso e eu não vou a lugar algum. Antes de ontem, eu te diria que a
gente pode ir pra praia ou fazer uma trilha e tudo bem. Mas agora… - mordo o
lábio e aperto os punhos, sentindo o sofrimento - Eu não sei você, mas eu quero
fazer isso de novo.
- Luca…
- Se a gente nunca tivesse feito… eu defenderia resistir. Mas não é mais o
caso! Já estamos na merda!
Ela abre a boca mas desiste de falar e esfrega as têmporas.
- Então, eu acho que… - continuo - A Ceia de Natal já vai ser estranha pra
cacete de qualquer modo, sabe? Pelo menos a gente pode se divertir.
- O que está dizendo?
- Estou dizendo que a gente pode passar a próxima semana fingindo que isso
não aconteceu… e falhando. Ou a gente pode…
- O quê?
- Ficar em Lua de Mel.
- Está falando sério?
Ela não parece enojada ao fazer essa pergunta. Parece esperançosa.
E é só por isso que eu dou um passo na sua direção e a tomo pela cintura.
- A gente pode passar essa semana se divertindo, Gabi. Se divertindo muito.
- E quando acabar?
- Quando acabar… acabou. O Tony volta pra casa e você volta pra o Tony. Eu
volto pro meu estúdio de tatuagem e…
- … e a Ceia de Natal vai ser estranha pra cacete.
- É. - sorrio - Mas não acho que dá pra evitar essa parte.
Ela ri de volta.
- Não… - respira fundo - Não acho que dá.
Fica em silêncio pelo que parece uma eternidade.
- Você decide. - sussurro - Eu faço o que você mandar. O que quer de mim,
Gabi?
Ela morde o canto do lábio e encara o chão por um instante. Mas quando olha
pra mim, tem um brilho ali.
Tem… alguma coisa.
- Eu quero… - suspira - Eu quero que você me mostre a coisa que gosta de
fazer com a língua.
10 – Votação
A massagista coloca uma porção de sais de banho na água e deveria nos deixar
por quinze minutos, mas eu exagerei na gorjeta para garantir que ela não voltaria
antes de meia hora.
Gabi está nua no meu colo, mais uma vez. A cabeça apoiada em meu ombro, os
olhos fechados. Deslizo os dedos em suas curvas.
- Satisfeito agora? - ela brinca.
- Muito. Obrigado. - beijo sua bochecha e ela ri. Desço meus lábios para seu
pescoço, experimentando um pouco mais de sua pele - Estive pensando em repetir
isso desde a primeira vez.
- Sério? - ela tem as mãos em minhas pernas e quem fecha os olhos sou eu -
Você me implorou pra levantar com tanto desespero que parecia que estava afundado
em fogo.
- É porque daquela vez eu não podia fazer isso. - agarro um de seus peitos na
mão e enfio a outra entre suas pernas. Ela se contrai com um gemido gostoso -
Poder fazer isso deixa essa coisa de banho de imersão muito mais legal.
Ela não concorda com palavras, mas emite um gemido que dá igual.
Envolve meu pescoço com o braço, arranhando minha nuca até me causar
arrepios.
Primeira vez que estive naquela banheira com ela, eu queria muito ir embora.
Agora, no entanto, era o oposto.
Eu não queria que acabasse.
Eu precisava que não acabasse.
Mas eu tinha prometido que não ia falar mais sobre isso.
Aquela semana inteira tinha sido…
Qual a palavra?
Qual a palavra que a gente usa pra descrever uma coisa que é melhor que um
orgasmo sem camisinha dentro de uma mulher que te deixa doido, ouvindo os gemidos
dela enquanto você derrete?
Qual a palavra?
Existe essa palavra?
Era isso que a semana tinha sido.
Cada segundo dela.
E aí dois dias atrás eu lembrei que a contagem regressiva estava se
aproximando bem rápido do zero, mesmo que eu ainda não tivesse planos para o que
fazer quando o zero, inevitavelmente, chegasse.
Aperto-a em meu abraço e deslizo um dedo dentro dela.
É gostoso provocar Gabi. Ela morde os lábios de um jeito adorável sempre que
tenta impedir os gemidos. Não sei por que ela faz isso já que nunca dá certo e
logo ela está ofegando. Mas é tão delicioso assisti-la tentar.
Os cabelos molhados, nenhuma maquiagem no rosto. Mordo seu queixo.
Não quero que acabe.
Não quero que a massagista volte e diga que é hora de sair porque isso
significa que vou ter que voltar para o quarto para fazer as malas.
Nosso voo é amanhã logo cedo.
Nosso zero.
E aí ela volta pro Tony e eu volto para…
Esfrego o rosto.
Eu prometi para ela que não ia mais falar sobre isso.
Prometi que ia parar de nos lembrar que estava acabando.
Aquela semana inteira tinha sido mesmo…
Qual a palavra?
Qual a palavra que a gente usa pra descrever a coisa que acontece quando você
percebe que passou a vida inteira afogando o que sentia por uma mulher, só para
perdê-la e aí descobrir que era…
Era amor?
É isso, Gabi?
Porque não pode ser só luxúria.
Não depois de te comer três vezes por dia como se fosse refeição.
Não depois daquele dia de chuva, que ficamos trancados no quarto assistindo
filmes antigos. Sua cabeça deitada no meu peito. O carinho preguiçoso em meus
braços.
O filho da puta do Antônio…
Tanta mulher no mundo pra ela casar de mentira e tinha que ser justamente a
Gabi?
Minhas opções eram "esquecer Gabrielle" ou "ter um caso com ela", então eu
precisava descobrir se ela estava disposta a ter o caso porque a coisa do
"esquecer" não ia rolar de jeito nenhum, desculpa.
Ela gira em meu colo, encaixa a cabeça em meu pescoço. Eu poderia puxar suas
coxas e deixá-la montada em mim. Poderia assistir seus peitos balançando na
superfície da água enquanto ela recebia minha extensão no ritmo e velocidade que
quisesse, de olhos fechados e com o lábio entre os dentes na sua eterna tentativa
de impedir gemidos incontroláveis.
Eu podia fazer isso.
Mas era tão bom tê-la ali. Bem pertinho.
Tem poucas pessoas no mundo que fazem até o silêncio parecer delicioso.
Beijo o topo de sua cabeça e fico ali.
Calado.
Sem me mexer.
Eventualmente, a massagista volta para nos expulsar. Já estamos vestidos,
esperando o elevador na frente do Spa, quando Gabi entrelaça os dedos nos meus
enquanto verifica algo no celular. É tão natural e espontâneo: pegar minha mão.
Como se eu fosse mesmo seu marido. Aperto seus dedos porque não quero que ela vá
embora. Ri, vendo algo curioso em uma de suas redes sociais e é tão linda que eu
sinto dores. Físicas. De verdade. Não estou imaginando.
Esfrego meus olhos.
O elevador chega.
Malas, última noite e avião.
Não consigo.
Não consigo.
Não consigo.
Ela ainda está vendo algo no celular, mas eu puxo seu queixo e beijo sua
boca.
Doce.
Meigo.
Ela ri de minha espontaneidade antes de se perder em minha língua.
Só quero um beijo, Gabi.
Só quero você.
Mas um beijo só não basta e eu lhe dou outro e mais outro.
Eu a beijo até o elevador apitar, desagradável, para avisar que chegamos na
porcaria do andar e na desgraça das malas e no infortúnio da última noite.
Custava ter demorado mais um pouquinho?
Ter travado entre dois andarem no meio de um dilúvio e o técnico ter demorado
doze horas pra voltar?
Eu poderia transar com Gabrielle no elevador por doze horas. Estou bem certo
que conseguiria.
Apoio minha testa na dela e fecho os olhos.
As portas metálicas se abrem.
- Luca? - ela ri porque eu não fiz qualquer menção de descer.
Respiro muito fundo.
Se apaixonar pela mulher do seu irmão é do caralho, viu?
Se você tiver algum inimigo a quem você deseje uma morte lenta e deplorável,
recomendo bastante.
- Luca. - ela murmura, com um pouco mais de censura, porque percebe meus
pensamentos através do meu silêncio.
Por que eu não fiquei com ela na faculdade?
Por que não a chamei pra sair?
Meu Deus! Já imaginou?
Começar a namorar com Gabrielle no ano que me formei… ela seria minha agora.
- Você sabe que eu estou apaixonado por você, não sabe?
- Luca! - ela recrimina alto.
- Nossa, você consegue dizer meu nome em várias entonações diferentes. É um
dom. - brinco.
Mas ela apenas me encara, recriminando-me em silêncio.
- Vai dizer "Luca!" de novo? - provoco.
Em outro andar, alguém chamou o elevador, porque as portas se fecharam e
estamos andando de novo. Qualquer passeio vertical que nos afaste do fazer de
malas, para mim, é bem vindo, então não reclamo.
- Você não está apaixonado por mim! - ela decide, mas não me olha nos olhos -
Está comigo há dez dias!
- Ah, desculpa, eu não sabia que tinha tempo mínimo de carência pra poder
preencher o formulário. E eu te conheço há uns oito anos!
- E por que nunca agiu antes?
- Você quer punir o Luca do Futuro porque o do Passado foi um idiota?
- Não estou punindo ninguém! Eu sou casada! COM O SEU IRMÃO!
- Ah, me faz o favor. - dou de ombros - Esse casamento de vocês não vale.
- Com licença.
- Não. Vale. - repito, bem devagar - Gabrielle, pelo amor de Deus, eu não
consigo mais discutir isso com você. Você devia se divorciar.
- Pra fazer o quê? Casar com você?
Eu ia lembrar que, no fim das contas, ela meio que já fez exatamente isso.
Mas decido por uma via mais diplomática.
- Você pode se esconder o tanto que quiser, mas eu sei que você também gosta
de mim.
- Eu não estou apaixonada por você! - ultrajada.
- Eu não disse "apaixonada". - enrugo a testa, mas ela está vermelha - Eu
disse "gosta". Está apaixonada por mim, Gabi?
- Não! - ela rosna, enfática demais, enquanto aperta o botão do nosso andar
um milhão de vezes.
- Então, vai voltar pra casa e…?
- Vou voltar pra casa! Pro meu marido! Pro meu trabalho! Pra minha reunião de
investidores! Pra minha vida! - aperta o pobre botão redondo com o número 14
tantas vezes que parece que nosso azar é culpa do coitado. Mas ele já está aceso
e tem pouca coisa mais que ainda lhe reste fazer.
As portas se abrem e dois casais entram no elevador, ainda úmidos de mar ou
piscina. Estão entre sorrisos e uma conversa que mingua assim que as portas se
fecham e estamos todos dividindo o espaço confinado.
Gabi está mordendo palavras e deixou o botão em paz.
Mas é temporário.
Os casais vão para o 12.
Teremos 2 andarem para que ela volte a punir seu novo inimigo.
Eu poderia ficar calado.
Eu deveria ficar calado.
Mas não resisto.
- Com licença. - digo, para nossos companheiros de viagem vertical - Se
incomodam se eu fizer uma pergunta? Eu e minha esposa vimos um filme ontem e…
ainda estamos discutindo uma coisa.
Gabrielle olha para mim como se me matar fosse uma solução tão simples que
lhe causa constrangimento nunca ter pensado nisso antes.
Os casais se entreolham achando graça dessa nova categoria de "conversa de
elevador".
- Se um homem e uma mulher se casam, só por conveniência e tem um casamento
aberto… O casamento vale?
Os quatro estranhos se entreolham mais uma vez.
Uma das mulheres é a primeira a arriscar.
- Depende… a documentação está toda correta?
Aponto para ela porque sua pergunta foi horrivelmente pertinente.
- O cara nem foi ao próprio casamento. Foi tudo feito meio que na
ilegalidade.
- Não foi na ilegalidade! - Gabi se manifesta.
- Para-legalidade. - decido - Uma zona meio cinzenta.
- Eles têm intenção de corrigir a fraude? - minha colaboradora pergunta.
- Tem! - Gabi responde.
- Mas a noiva se apaixonou por outro cara!
- NÃO se apaixonou! - encara-me lívida.
- Sério? - outra das mulheres parece decepcionada - Achei que ela ia se
apaixonar pelo marido.
- O quê? - faço uma expressão de nojo - Não! Por que ela faria isso?
- Não é normalmente assim nos filmes? O casal fica junto por conveniência e
acaba se apaixonando de verdade? A não ser que… não era uma comédia romântica?
- Não. - aceno, soturno - Era uma comédia trágica, na verdade.
- Ah! Dessas que te fazem rir das desgraças do casal?
- Como é seu nome? - pergunto.
- Maria.
- Maria, você está absolutamente certa. Era exatamente assim o filme.
- Então… - um dos caras pergunta - Era um casamento ilegal, os noivos não se
amavam e a noiva ainda se apaixonou por outro cara?
- Precisamente.
- Não acho que isso vale como um casamento de verdade. - concluiu.
- É, acho que não. - Maria e a outra mulher concordaram com ele.
Estou quase abrindo os braços, vitorioso.
- Calma… - o outro cara se manifesta e eu acho que talvez um murro o deixe em
silêncio? - O que é um casamento que "vale"? Se o casal original tem intenção de
corrigir a fraude e permanecer casados… não importa o motivo, importa?
- Mas eles não se amam! - Maria defende.
- E o documento não está de acordo com a lei. - a outra lembra.
- E amor e lei são as únicas coisas que seguram um casamento?
E o que mais segura um casamento, ó Enviado de Satanás?
Estamos todos em silêncio fazendo a mesma indagação coletiva.
- Religião! - lembra - O casamento pode ter sido religioso, isso é importante
para algumas pessoas! Mais que a Lei. Ou pode ter uma razão técnica ou financeira
para que eles queiram continuar casados. A fraude pode ter sido um erro e, por
isso, eles querem corrigi-la. A intenção das partes vale.
Gabrielle estala os dedos e aponta para o seu melhor amigo.
Eu lhe ofereço um sorriso amarelo.
- Vamos votar, sim? Vamos votar. - decido - Quem acha que o casamento não
vale? - pergunto. Maria e os outros dois levantam a mão, eu os acompanho - E quem
acha que vale? - Enviado e Gabi erguem os braços - Quatro votos a dois. -
demonstro, assim que o elevador apita e chegamos ao 12.
Coloco o braço para manter as portas abertas para nossos novos amigos e
agradeço a ajuda.
Maria sorri assim que desce e pergunta:
- Qual o nome do filme?
Eu ainda tenho o sorriso amarelo:
- Não lembro. - aceno antes de ver as portas se fechando sobre sua expressão
frustrada.
- Isso não vale DE NADA. - é a primeira coisa que Gabrielle diz quando
estamos a sós.
- A voz do povo é a voz de Deus.
- E eu vou dormir no sofá.
- O quê? Gabi! Eu estava brincando!
- Não estava! Luca, a gente vai embora amanhã, está bem? Acabou! Foi o nosso
acordo! Então é melhor a gente seguir em frente desde já.
Catorze.
O elevador apita.
Ela desce.
- Gabi! - peço. Ela para na porta. Encara o chão. Esfrega as têmporas. -
Gabi, não faz isso. Por favor. - murcho.
- Luca, vai ser melhor assim. - ela entra no quarto.
Alguém chamou o elevador em outro andar.
As portas se fecham e eu ainda estou lá dentro.

**********************

O voo foi adorável.


Gabi conseguiu não dizer mais que cinco frases para mim o percurso inteiro.
Sua dedicação foi realmente admirável.
Marco estava esperando por nós no desembarque, com um sorriso receptivo e uma
placa com nossos nomes.
Por que a placa com nossos nomes, Marco?
Sabe exatamente quem somos.
Bem, pelo menos ele escreveu "Antônio" e não "Luca" na porcaria.
- Vou ao banheiro. - Gabi aponta, deixando-nos a sós, depois de cumprimentar
o motorista.
Seis frases.
- Como foi de viagem, senhor Tony? - ela pisca um olho para mim que é tão
inapropriado por tantas razões diferentes, que eu decido ignorar.
Mas uma coisa precisa ser dita:
- Marco, por que me disse que a Gabi era virgem?
Ele engole em seco e dá de ombros.
- Achei que seria mais fácil fazer o senhor concordar em ir com ela se
achasse que ela não ia… querer nada. - diz as últimas palavras cheio de
significado.
Respiro fundo.
- Tá. E cadê o Tony? Como vamos fazer isso?
- Ah! - ele tira algo do bolso para me entregar.
Uma passagem. Para mim. De volta.
- O chefe me pediu para comprar essa para o senhor. Está liberado. - anuncia.
Liberado.
E é isso?
Me despeço de Gabi aqui mesmo?
No meio do Terminal Dois.
Droga.
Pego a passagem.
- Ele já está em casa? - compreendo.
- Não.
- Não? Mas já está a caminho?
Ele para por um instante.
- Acho que não. Eu não perguntei, sabe, senhor Luca? Não acho muito
apropriado perguntar coisas demais, às vezes o senhor Tony quer um pouco de
privacidade ou me diz que…
- Marco! - interrompo - Ele ainda não tem data para chegar? E quer que eu vá
embora?
- Eu só estou repassando a informação que me deram, senhor Luca. O senhor
Tony é uma pessoa muito organizada. Se ele disse que o senhor já pode ir, estou
certo que…
- "Muito organizado", sei. - tiro meu celular do bolso e ligo para o meu
irmão. Ele prometeu que ia me atender e é exatamente isso que faz. Tem uma voz
cansada e rouca, mas atende.
- Luca?
- Onde você está? - nem digo "oi".
- Luca, eu estarei de volta assim que puder. Mas não posso te pedir mais
nada. Muito obrigado por tudo! Boa viagem de volta pra casa, eu resolvo o resto
com Gabi.
- Resolve o resto com… Que resto? Antônio, você está se escondendo da
polícia?
- O quê? Não!
- Alguém ameaçou te matar?
- Não!
- Então por que caralhos não está vindo ficar com sua mulher?
- Luca, é…
- "Complicado", é, eu sei. E eu vou te odiar. Sabe o que mais, Tony? Acho que
já chegamos lá. A não ser que você seja um canibal nazista, acho que não tem como
eu te detestar mais do que agora. O que você está fazendo com a Gabi não tem
perdão. Ela tem a reunião com os investidores essa semana! Você prometeu que ia
ajudar! Volta pra casa, seu idiota!
- Ah, merda. - murmura sozinho e eu entendo imediatamente.
- Você esqueceu da reunião, não foi?
- Eu resolvo com a Gabi. Ela vai entender.
- "Ela vai entender"? Antônio, eu te amo, mas vai tomar no meio do seu cu.
Você perdeu o juízo? A mulher está abrindo mão de anos da vida dela por você e
você não consegue pegar uma porra de um avião para vir ajudá-la na maior
oportunidade de sua carreira? Quando foi que você virou um escroto egoísta?
- Luca, eu sei que você está com muita raiva!
- Não! Você não faz ideia!
- Mas eu não posso voltar. E não posso te pedir pra ficar. Então a Gabi vai
ter que entender.
Mordo minha boca, colérico.
- O que precisa ser feito nessa reunião?
- Só apertar umas mãos pra dar credibilidade pra start up. Deixar claro que a
Zummo está investindo também.
- Não precisa saber nada dos números?
- Não, a equipe financeira vai fazer a apresentação antes.
Respiro fundo.
- Luca… você não está pensando em…
- Eu fico e faço sua maldita apresentação.
- Luca! Muito obrigado, eu…
- É, é, eu sei. Eu disse que te amo e é verdade.
- Também te amo, cara.
- Mas eu também disse que você é um escroto que devia ir tomar no cu e isso
também é verdade, ouviu?
- Sim, senhor. - brinca, mas escuto sua respiração de alívio. Ele não queria
prejudicar a Gabi. Sei que não queria.
Nos despedimos e eu desligo o telefone.
Mais uma semana.
Minha cabeça começa a doer.
- Senhor Luca? - Marco chama.
- Hm?
- Um canibal nazista seria só um nazista que come outras pessoas? Ou seria um
nazista que come outros nazistas? Porque se ele mata nazistas, será que ele não
seria, no fim, uma pessoa boa? Não "boa", porque ainda é um nazista, mas "menos
ruim"?
Eu encaro Marco sem palavras porque palavras não há.
- Prontos? - Gabi volta do banheiro e eu lembro que tenho uma excelente
novidade para lhe contar.
- Falei com o Tony. - balanço o celular no ar.
- Foi? E o que ele disse?
Sorrio, já imaginando o que ela vai querer jogar na minha cabeça assim que
estivermos a sós.
- Ah… você vai adorar.
11 - Não
Sabe quando às vezes você está no meio de um dia de merda, mas resolve que
vai manter o pensamento positivo?
E daí que está chovendo, você perdeu o ônibus, está atrasado pro trabalho,
gastou dinheiro pra ver um filme horrível e a garota que você gosta nem sequer
sabe que você está vivo no mesmo século que ela? Podia ser pior.
Sempre podia ser pior.
É mais ou menos assim que eu estou, no momento.
Copo meio cheio.
Sorriso no rosto.
Pensamento positivo.
E daí que o Tony e a Gabi não moram em uma mansão, como eu imaginei, mas sim
em uma casa simples de três quartos sendo que dois foram convertidos em
escritórios?
E daí que eu não tenho opção a não ser continuar dividindo a cama com ela por
mais alguns dias?
E daí que eu estou apaixonado e ela sequer me olha nos olhos desde a noite
anterior?'
E daí que ela acha que eu sou um safado que não merece credibilidade não
importa o que eu diga?
E daí que eu vou precisar jantar com meus pais enquanto estou fingindo ser
meu irmão?
E daí?
Podia ser pior.
Não sei exatamente como, mas tenho certeza que podia.
E tem algo bem forte dentro de mim gritando que já já eu vou descobrir como.

**********************

Gabi

Foi divertido.
Foi muito divertido.
Mas deveria ter acabado.
Antes que ele dissesse que se apaixonou por mim e antes que eu considerasse
responder algo parecido.
Sexo com Luca Zummo era uma ideia fantástica e eu não sei por que me impedi
de experimentar aquilo por tanto tempo até porque, sendo sincera, do jeito que
ele era tarado na faculdade, bastava que eu dissesse "e aí?" e ele diria "claro".
Mas quando você é o tipo de mulher que adora homem que não presta é
importante não esquecer que, se você vacilar é você quem se fode.
E eis o quebra-molas em meu caminho: Adoro o Luca. Pelado, então, é meu
melhor amigo.
Mas ele não presta.
Nunca prestou.
Eu já presenciei sua boca desenhada e deliciosa dizendo "eu te amo" para
mulheres demais até levá-las para a cama e nunca depois. É o tipo de mentira que
não lhe causa dores na consciência.
Mentira que ele repetiu quantas vezes foram precisas até conhecer a Fernanda.
Foi aí que a mentira virou verdade.
E o Luca Caçador, virou o Luca Bichinho de Estimação.
Aquele amor foi de verdade. Da parte dele, pelo menos.
Ele se apaixonou e estava pronto para casar, ter filhos, envelhecer juntos… o
cronograma completo.
Isso é o que eu lembro sobre o Luca e que ele parece ter esquecido: o tanto
que ele ama Fernanda. Digo "ama" no presente mesmo porque eu vi a expressão no
rosto dele quando finalmente percebeu que tinha sido abandonado no altar. Quando
a música parou de tocar, o recado chegou através de uma das damas de honra e o
atraso da noiva era longo demais para ser confundido com um engano qualquer. O
amor que tinha não era correspondido e isso quase o matou. Fez com que fosse rude
com sua mãe, com que desse as costas para o pai, com que abandonasse a carreira e
o emprego que - apesar de todas as suas brincadeiras - sei que amava. Luca fugiu
para bem longe e se escondeu do olhar de todos enquanto degustava a própria mágoa
ao longo do tempo.
Dez dias e ele dizia que estava apaixonado por mim?
Era mentira.
Assim como mentiu para tantas outras.
Talvez ele quisesse, de verdade, estar apaixonado por mim.
De algum modo sociopata e infeliz seria sua desforra diante da agressão
sofrida.
Sua ex ia casar? Pois ele estaria apaixonado.
Todos nós já passamos por isso.
Rejeição dói. Deixa qualquer um irracional.
As coisas que nós fazemos para nos esconder da humilhação da rejeição acabam
por ser ainda mais vergonhosas que a rejeição sozinha.
Eu entendo o que está acontecendo com ele, mas entender não significa que
posso deixar que faça.
Ao contrário de Luca, eu posso me apaixonar por ele de verdade.
Eu já cheguei bem perto vezes demais para contar, e tenho coisas demais para
me preocupar agora: Entre o casamento com Tony, a questão da Giseli, a rodada de
investimentos em minha empresa, a mentira que precisamos contar para sua família,
o jantar que ele prometeu aos Adriatic… Se eu me apaixonar por Luca agora vai ser
um problema a mais do que eu consigo lidar. E eu sequer tenho certeza se consigo
mesmo lidar com os que já tenho.
Então, esse é o plano: sobreviver a semana.
A Lua de Mel foi maravilhosa e está no passado.
É isso.
Simples.
Não pense muito sobre isso.
Parece um ótimo plano.
Ou pelo menos parecia, até ele sair do banheiro vestindo um terno de três
peças.
Minha cabeça está dizendo "Gabrielle, você passou dias vendo o homem pelado,
sem camisa, molhado… qual o problema de vê-lo em um terno? Cresce!"
Mas meu coração está chorando "Por que ele precisa ser tão lindo? Por que ele
deixou essa barba malfeita? Por que ele faz até o tecido parecer ter uma textura
boa de sentir nas mãos? Por que os braços dele precisam ficar tão lindos nesse
paletó? Meu Deus, eu quero um abraço."
E eu concordo, isso já seria patético o suficiente.
Mas o verdadeiro problema não é nenhum desses dois.
O verdadeiro problema é que minha vagina está sorrindo, encarando a bunda
dele e pensando em como roupas assim são boas para nos lembrar de como as pessoas
são quando as despem.
- Pronta? - ele me observa com o canto do olho, prendendo o relógio ao pulso.
- Pronta. - assinto, virando-me para a porta.
Quer dizer, eu acho que estou pronta.
Eu não sei direito, sabe?
Ele saiu do banheiro com aquele paletó e aí eu meio que esqueci como faz pra
andar. Mas estou usando roupa íntima, um vestido, sapatos e acho que coloquei
maquiagem, então está tudo bem.
- Eu vou dizer que não estou me sentindo bem. - anuncia quando entramos no
carro.
Estou evitando falar com Luca porque sempre que olho pra ele lembro que está
disposto a seguir tirando minhas roupas para me fazer rebolar em seus dedos. E,
sempre que olho pra ele, não consigo lembrar por que essa ideia é ruim.
Foco.
Olho pra frente.
Luca é muito bom.
Mas eu já fiquei na fossa por causa desse cara uma vez, não posso deixar
acontecer de novo.
Não posso.
- Assim a gente tem uma desculpa para sair logo. - completa, diante da minha
ausência de palavras.
- Certo. - é tudo que consigo dizer.
Certo.
Isso nunca vai dar certo.
A mãe dele vai perceber que é o filho errado no instante em que disser "boa
noite".
Mas, de algum modo, isso não me preocupa tanto quanto o fato de que, quando
"voltarmos mais cedo" seremos só nós dois de novo.
Sozinhos.
Em uma casa na penumbra.
E aí?
De onde eu arranco resiliência pra resistir as três peças do paletó?
Aperto meus dedos e encaro a rua enquanto Luca segue guiando-nos para a casa
dos seus pais.
Foco, Gabi.
Foco.

**********************

Luca

- Não teve tempo de fazer a barba?


Essa é a primeira coisa que meu pai me diz.
Primeira.
Nada de "boa noite", "como foi a Lua de Mel", "bom te ver, filho". Nada.
- Decidi deixar assim por um tempo. - respondo, passando a mão no queixo -
Mudar um pouco.
Ele enruga a testa em uma careta de reprovação.
- Não parece apresentável, Antônio. Homens de respeito fazem a barba.
- Acho que eu não sou um homem de respeito, então. - brinco, sorrindo e
Gabrielle arregala os olhos como se Jesus Cristo, juro por Deus, como se Jesus
Cristo em pessoa tivesse sido encontrado em uma orgia de homenagem a Gretchen.
Porque aí está uma coisa que eu nunca entendi e não demorei a esquecer: como
Tony tem medo do pai.
Ele chama de "respeito" e "deferência", mas são mentiras covardes. O que ele
tem é medo.
Engulo em seco.
Vai ser especialmente difícil pra mim engolir em silêncio as coisas que eu
devo escutar essa noite.
Assim como foi difícil pra mim não tocar na minha cunhada casada.
E nós já sabemos como isso terminou tão bem.
Coço o pescoço e tento fingir uma brincadeira desajeitada, mas sei que não
fui aprovado. Ele me dá um aperto de mão forte e um olhar arisco, eu recebo ambos
com descaso enquanto tento fingir pompa. Essa noite vai ser um desastre.
Ele nos guia pelo hall de entrada e pelo portal emoldurado em madeira escura
que leva até a sala de estar. O sofá curvo é branco e imperial, ladeando o tapete
felpudo que é cercado ainda por duas poltronas de metal e estofado cinza. Ao
contrário da casa que Tony e Gabi escolheram, meus pais moram em uma propriedade
que era gigantesca mesmo quando eles tinham dois filhos morando em casa. Agora
que são só os dois, parece desnecessariamente grande e escura. Como uma casa que
deveria ser mal assombrada, mas não foi interessante o suficiente sequer para os
fantasmas. Ou talvez seja apenas o passado o que me assombra. O que vivi ali. O
que disse ali. O que fugi dali.
Mas o verdadeiro problema da noite não é a piada que fiz para meu pai ou os
fantasmas que assombram ou não a sala de estar. O problema é a mulher que nos
espera ali.
Minha mãe.
Engulo em seco e tento ficar muito quieto.
Muito elegante e comportado como o menino Antônio. Não como o diabo Luca.
Está sentada no sofá e sorri assim que me vê, como se nós dois
compartilhássemos uma piada interna que ninguém mais pudesse conhecer.
Eu a abraço, sentindo meu peito gelar e, ao mesmo tempo, aquecer, se é que é
possível sentir essas duas coisas assim, juntas.
- Mamãe. - dou um beijo na sua bochecha, mas ao invés de me abraçar ou me
tomar pelo queixo para fazer sua típica inspeção materna, ela vai direto para os
meu braços. Segura cada um em uma mão como se quisesse me observar por um
instante antes de me dar as boas-vindas.
Acho que vi algo em seus olhos.
Acho que vi um sorriso em seus lábios.
Mas é bem provável que seja apenas meu cérebro em desespero.
- Tony, querido. - ela sorri e só então me pega pelo queixo, observa-me e
abraça-me.
Respiro aliviado.
- O que você vai beber, Antônio? - o pai me pergunta.
- Pode ser uísque. - vejo seu copo.
Gabrielle, essa mulher abençoada, congela do meu lado e eu sei que fiz algo
errado.
Ultimamente, a impressão que eu tenho é que até calado eu estou errado.
- Uma bebida de homem! - meu pai aprova - Finalmente.
Gabi sorri desconcertada e mamãe passa a mão por meus ombros:
- Sim, é bom variar às vezes, não é querido? Mas não vamos nos demorar com
bebidas, Fred. As crianças tiveram um voo longo e devem estar com fome.
Crianças.
Mamãe me faz sorrir.
Papai se vira para servir outro copo de uísque e Gabi agarra meu braço.
- Ela sabe. - murmura - Sua mãe, ela sabe.
- Gabi, relaxa. Ela não sabe.
- Ela sabe!
- Se soubesse, teria me chamado para um canto e puxado minhas orelhas para
descobrir o que está acontecendo. Ela não sabe!
- Você já ouviu falar em instinto de mãe?
- Você já ouviu falar em "Coração Delator"? Precisa se acalmar ou quem vai
entregar tudo é você.
Morde a parte interna das bochechas e eu quero rir.
Ela é tão linda, meiga e adorável.
Não consigo resistir, dou um beijo em seu rosto quando passo a mão por sua
cintura.
Aceito a bebida que meu pai oferece e seguimos todos para a sala de jantar. A
mesa de doze lugares está posta para quatro. Espero todos sentarem primeiro
porque eu sei lá se Antônio tem um caralho de lugar reservado e aí eu vou sentar,
inocente, e Gabrielle vai congelar pela vigésima oitava vez da noite.
Sentamos.
Não há assunto.
Eu sorrio.
A última vez que estive tão desconfortável com aquela gente foi quando decidi
ir embora depois da Fernanda.
- Precisa fazer essa barba, Antônio. - ele repete assim que o jantar é
servido.
Experimento minha barba mal feita nas costas da mão. Há menos de um mês ela
estava bem mais longa que isso. Meu cabelo também. O que ele diria se tivesse me
visto assim? Uma pena que eu estivesse fingindo ser o Tony porque, ao contrário
de meu irmão, eu tinha nenhum problema em desagradar nosso patriarca. Uma parte
de mim brilhava de curiosidade para descobrir o que ele diria se eu tivesse, de
fato, sentado naquela mesa de regata, todo tatuado, com o cabelo comprido e uma
barba longa.
- Vou deixar assim por algum tempo, mas obrigado pela sugestão. - É o mais
educado que consigo ser.
- Desalinhado desse jeito não parece um homem de bem. - resmunga.
Eu estou bem perto de lhe perguntar o que é um homem de bem, mas mamãe nos
interrompe para fazer uma oração antes de comermos e, nesta casa, a Dona Ana
Lúcia vem logo abaixo de Deus. Desde que não seja contrária a Bíblia, a palavra
dela é a Lei. Ninguém ousa questioná-la e até o imponente Frederico cala a boca
para seguir a oração.
Não sou do tipo de pessoa que acha que você precisa se dar bem com todo mundo
da sua família, sabe? Eu e Deus nunca tivemos um relacionamento muito bom e tudo
bem. Mas se é importante pra mãe, é importante pra mim.
A oração acaba, o jantar começa.
Meu pai é dono absoluto dos holofotes e só para de falar sobre conquistas
pessoais e histórias de pesca quando mamãe nos pergunta algo sobre a Lua de Mel.
Ela quer saber sobre o hotel. Sobre a viagem. Sobre os passeios.
Gabi responde cada uma de suas perguntas com uma educação que beira o
desespero.
Ela vai nos entregar.
Vai ser a causa da nossa ruína.
E eu bem sei que Gabi consegue ser a ruína de qualquer um.
Seguro sua mão sob a mesa e entrelaço nossos dedos.
Calma, pelo amor de Deus.
Ela aperta minha mão como se estivesse no dentista.
- Ah! - mamãe sorri - E encontrei Paola há dois dias! Ela nos contou que
vocês combinaram de jantar juntos?
- Sim! – meu pai deixa o guardanapo sobre a mesa e me encara irritado - E que
história é essa de tatuagem, Antônio? Paola não calava a boca sobre suas
tatuagens. Aquela mulher irritante. Diga agora mesmo que isso era só fofoca
absurda.
Talvez eu estivesse enganado.
Talvez, o que ia nos foder no fim não eram meus erros ou o desespero da Gabi.
O que ia nos foder eram as tatuagens.
Antônio não ia se tatuar nem com o caralho.
- Fiz algumas, mas me arrependi. - salvo meu irmão - Já marquei algumas
sessões a laser.
Pronto.
Está a salvo das agulhas agora.
- É bom mesmo. - resmunga - Não quero filho com essas histórias de tatuagem!
Como um moleque de gangue! Ou pior! Um desses artistas vagabundos.
- Com licença? - devolvo, mas Gabrielle aperta minha mão com tanta forca que
eu só enfio um pedaço de carne na boca pra me impedir de falar.
- Já me basta o desgosto com o outro. Você não se atreva, Antônio? Me ouviu
bem?
"O outro", no caso, sou eu.
Mastigo minha carne com um sorriso amarelo.
Fico mudo porque se eu abrir a boca agora ele vai ter CERTEZA que eu não sou
o Tony.
- E que história é essa de marcar jantar com os Adriatic? Fique longe daquela
gente, moleque!
- "Daquela gente"? - ah, foda-se, engoli a carne. Não tem mais nada me
impedindo a não ser a mão da Gabi e ela não é forte o suficiente pra superar
minha ira.
- Fofoqueira, preguiçosa, metida com gente que não presta.
- Fred… - mamãe pede.
- Falei alguma mentira? O Augusto estava ontem mesmo no clube fazendo
convites para aquela porcaria de Caridade. Como dá pra chamar aquilo de caridade?
Eu corto mais um pedaço de carne. Com tanta forca que o garfo faz o prato
cantar.
- Ele e a Paola são envolvidos com várias causas, Fred.
- Coisa nenhuma, Ana. Caridade é negócio pra animal preso em óleo ou pra
criança órfã. Dinheiro pra esse negócio de doença de viado é coisa de gente de
sem caráter.
Mordi um pedaço da minha língua junto com a carne.
- Frederico! - mamãe reclama - Pare com isso! AIDS é uma doença séria!
Principalmente em alguns países do…
- É doença de gente libertina que não sabe se cuidar, é isso que é.
- Eu achei que estava com AIDS, uma vez. - não resisto.
Isso cala a boca dele.
Cala a boca dele bem depressa.
- Fiquei com uma garota sem camisinha. Era uma situação meio suspeita. E aí
eu fiz o teste. - minto.
Gabrielle morreu do meu lado.
Está morta.
Pode encomendar o caixão e as velas.
Papai fica em silêncio por dois séculos e meio. Tiveram que mudar o nome da
Era antes que ele voltasse a falar.
- O que foi que disse?
- Eu disse que eu achei que tinha AIDS. - repito bem devagar, sílaba por
sílaba, como se ele genuinamente não tivesse me ouvido - Mas foi só um engano.
Vou contar isso pros Adriatic no nosso jantar! Quando eles pedirem doação para
sua Caridade.
- Isso é uma piada, Antônio? Quer me matar do coração? É isso?
- Não, senhor. Apesar de que eu ouvi dizer que a herança é uma maravilha. -
brinco.
Gabrielle encara o prato, muda. Acho que precisou reencarnar só pra poder
morrer de novo.
- Vai desmarcar o jantar com essa gente!
- São meus amigos! Vou desmarcar coisa nenhuma.
- São pessoas péssimas! Insuportáveis!
- Acho que entendeu errado, pai. Eu convidei eles para um jantar. Não você.
Não precisa vir.
- Moleque, me respeite!
- Pare de me chamar de "moleque" e eu considero fazer isso.
Ele fica vermelho.
Por inteiro.
É bonito de assistir.
- Antônio, escute bem porque eu só vou dizer isso mais uma vez!
- Estou escutando. - sorrio.
- Vai desmarcar esse jantar! Não vai mais se misturar com os Adriatic! E não
vai mais contar essa história ridícula de doença.
- Não. - ergo um ombro, sou a definição de calma enquanto ele treme de cólera
- Mas aprecio as sugestões.
Ele enruga a testa em uma careta furiosa.
- Está falando sério?
- Não. - admito - Não apreciei as sugestões nem um pouco. Estava tentando ser
educado.
- Vai fazer o que eu mandei. - ele segue, falando mais alto, como se volume
por si só fosse um argumento - E vai fazer essa barba!
- Não.
- Não?
- Não. - repito - Minha mulher gosta da barba, pai. Deixa ela excitada.
Entende o que isso quer dizer? Ela acha sensual quando eu estou com a barba por
fazer e eu me preocupo com o tesão dela. Não com o seu. A barba fica e, se você
tem um problema com isso, basta olhar pro outro lado.
Ele fica em silêncio e eu não sei o que o irrita mais: a qualidade dos
argumentos ou o fato de que eu sequer tive coragem de dizê-los.
Ah, foda-se.
Antônio é um cu se aguenta tanta merda em silêncio.
E, já que eu já tinha chegado até aqui, melhor seguir adiante.
- Mãe, obrigado pelo jantar. Mas já é tarde. - coloco meu guardanapo sobre a
mesa - É melhor seguirmos pra casa.
Já levantei da mesa antes que qualquer um se manifestasse. Gabi me segue mas
não parece estar ciente dos próprios pés.
Escuto mamãe ralhando com o marido enquanto eu sigo para pegar meu paletó.
É com muito contragosto que ele diz:
- Antônio, espere. - respira fundo - Venha aqui que eu quero falar com você
um instante.
Encaro-o sem paciência.
- Por favor? - pede.
"Por favor"?
Basta um pouco de brutalidade para ele aprender a ser educado. Quem diria.
Eu concordo com um gesto rápido e beijo a bochecha de Gabi antes de deixá-la
para trás por um segundo.
Está gelada.
Sinto uma dor no coração.
Não pelo meu pai ou pelo Tony.
Mas por ela.
Por você, Gabi.
Eu faço qualquer coisa por você.
Eu devia ter ficado quieto.
Deixá-la triste vai me consumir pelo resto da semana.
Atrapalho-me e volto para lhe dar outro beijo.
Na bochecha, de novo. Queria beijar sua boca, mas não sei o que ela acha
disso. Queria enfiar o nariz em seus cabelos, mandar meu pai pro inferno e ir
embora dali.
Abraçá-la até ela ficar quente de novo.
Esquentá-la de todos os jeitos.
Mas, ao invés disso, eu tento ser um bom garoto e sigo meu pai até seu
escritório.
Ele me passa um monte de documentos da empresa que o Tony precisa ler.
Ótimo.
- Desculpe. - anuncia e eu até acredito - Às vezes eu esqueço que você é um
homem e que tem que cuidar de si. E de sua esposa. - aponta para o meu rosto como
quem faz uma piada de amigos - Sinto muito. E confesso que me orgulha! -
continua, apertando-me os ombros - Quando você se impõe assim. Você sabe o que
acho do seu irmão! - resmunga - Eu e ele nunca nos entendemos como eu e você. Mas
se o Luca tinha uma qualidade era essa: ele não ouvia nada em silêncio. E você…
você precisa de um pouco disso, Tony. Me orgulha que você esteja defendendo suas
posições. Mesmo que eu não concorde. Então, jante com os Adriatic e fique com sua
barba. - ri, mas é como se estivesse me dando permissão para fazer algo que eu já
tinha deixado claro que faria mesmo sem ela - Mas será que pode, por favor,
evitar essas histórias de doença?
Respiro fundo.
- Vou ler isso aqui no fim de semana. - indico os documentos que me passou.
- Preferia se pudesse ler amanhã. Já quero você de volta ao trabalho! Sua mãe
disse que você acabou de voltar de Lua de Mel e deveria pegar leve e mais uma
porção de bobagens. Mas um homem tem que trabalhar.
Respiro fundo.
Tento lembrar de Gabi, gelada e assustada.
Vou ficar quieto, Gabi, só porque tem nada nesse mundo que eu não faça por
você. Porque minha vontade agora era…
- Inclusive a entrevista.
- Entrevista?
- O perfil, para a revista! É bom pra imagem da empresa. Já concordamos que
você faria. Vai fazer a primeira parte amanhã mesmo. Já marquei para você. Tudo
bem? - pergunta, com ares de trégua.
- Ótimo. - dou de ombros.
Já casei com a mulher do Tony, responder umas perguntas por ele é nada perto
disso.
Volto para a sala e pego minha mulher pela mão.
Ela está encolhida, sem saber para onde olhar.
Constrangida dentro do próprio corpo.
Nos despedimos dos meus pais e… um pouco por ela, um pouco por mim… e talvez
porque aquilo já tenha funcionado antes para despistar desconfianças…
Tomo seu queixo nos meus dedos e trago seu sorriso pra mim.
- Ei, linda. - pisco um olho.
- Ei. - ela responde com um sorriso desajeitado.
Estou tão apaixonado por Gabrielle que chega a ser engraçado.
Chega a ser trágico.
Eu sei que eu não devia fazer isso, mas eu consigo sentir seu perfume e minto
para mim mesmo: é só para o público. É só performance.
Puxo seu queixo para mim e a beijo.
E quando eu a beijo é com vontade.
É sempre com vontade.
Quando a solto preciso de ar.
Ela encara o chão como se eu tivesse feito algo errado.
De novo.
Como se eu fosse absolutamente incapaz de fazer algo certo.
Viro-me para dar tchau a mamãe.
Sua expressão me faz pausar.
Ela tem um sorriso divertido que atinge seus olhos com um brilho.
Como se estivesse preparando uma surpresa para mim.
Como se mal pudesse esperar até eu descobrir o que era.
12 – A porta que significa outra coisa
- Vai gritar comigo agora ou só quando a gente chegar em casa? - pergunto,
assim que atravessamos o portão dos meus pais. Os faróis iluminando o asfalto
liso que serpenteia, descendo a colina, de volta para a cidade.
Ela respira muito fundo, a mão sobe para as têmporas como fazem os cansados e
derrotados.
Acho que ela vai dizer alguma coisa, mas seja lá quais foram as palavras que
bateram em sua língua, Gabi decidiu que era melhor engoli-las e digeri-las.
- Diga. - provoco.
Ela abana a cabeça com um sorriso de quem avisa que não vai cair na
armadilha.
- Acha que foi mal educado de minha parte não convidar os dois para o jantar
com os Adriatic? - provoco mais um pouco. Ela ia dizer alguma coisa e eu quero
ouvir o que é.
Ela ergue os ombros, fingindo que não se importa com o resultado. O gesto
universal de "tanto faz", mas com os lábios apertados daquele jeito que, na
verdade, diz é "pela Misericórdia de Maria Mãe de Deus, mude de assunto e de
ideia".
E essa é a chave, não é?
O melhor jeito de ouvir confissões de uma mulher resignada e teimosa é
convencê-la de que você é sim doido o suficiente para cometer insanidades caso
ela não interfira.
- Acho que vou ligar para mamãe e convidá-los.
O respirar fundo mais uma vez.
O dar de ombros.
Ela fica linda quando está com raiva.
- Acho que a gente devia convidar todo mundo.
- Hmm. - concorda, sem mover os lábios.
- De repente o Tony volta com a Giseli e aí vai ser uma festa.
- LUCA!
- Que foi? - derreto, inocente.
- Por quê? POR QUE você precisa ser impossível?
- Preferia que eu fosse apático que nem o teu marido? O Antônio é uma anta se
consegue passar uma noite assim em silêncio, sabia? Eu falei o que precisava ser
dito!
- E eu não discordei de você em momento algum!
Pauso porque… é. Eu achei que ela não tinha gritado comigo ainda. Mas achei
que ia gritar eventualmente. Fiz uma porção de coisas que Tony nunca faria e sei
bem o que Gabi acha dessas minhas explosões de espontaneidade quando deveria
fingir todas as artificialidades típicas de meu irmão.
- Você… não vai gritar comigo?
- Não. - dá de ombros e parece finalmente desistir de guardar para si seja lá
o que fosse - Achei bem apropriado o que você disse e, sinceramente, se
dependesse de mim, seus pais já teriam ouvido essas coisas há muito tempo.
- E por que não ouviram?
- Porque o Tony…
- Ah, Gabi! - reclamo, agarrando o volante.
- "Ah, Gabi", o quê? Não é minha família, não é minha decisão e não é da
minha conta.
Respiro tão rápido que quase engasgo nas palavras.
- Não é sua família? Gabrielle, vocês são CASADOS. Se não é da sua conta, é
da conta de quem?
- Luca, só dirige o carro, tá certo?
- Mimimimimi. - resmungo.
Ela arregala os olhos e me dá um tapa no braço.
- Você tem nove anos de idade? É isso?
- Não vou discutir maturidade com a mulher que chora quando o ET vai pra
casa.
- Ele tinha um vínculo emocional com o Elliot!
- NÃO VOU discutir maturidade com…
- Você não tem coração!
- Não vou discutir.
- Cala a boca, garoto. Você chorou em Toy Story!
- Ô Gabrielle, não chama seu marido de "garoto", está bem? E os brinquedos
FICAM DE MÃOS DADAS PRA MORRER! Não existe maturidade aí, amiga.
- Não dá pra discutir maturidade por filmes, garoto. - reforça mas quando
olho em sua direção tem um sorriso descarado que quase pede palmadas.
- Está me provocando? - pergunto, mas sua risada responde por ela - Está me
provocando. Deixa a gente chegar em casa que eu vou te mostrar se sou um garoto.
Fui inapropriado, mas não acho que ligo.
Não acho que ela liga.
- Vamos assistir Toy Story quando chegar em casa, então?
- Gabrielle… - ela está rindo.
Eu adoro a risada da Gabi. De verdade.
Sabe quando tem uma coisa na sua vida que você gosta tanto que acha que vale
qualquer dinheiro. Talvez seja uma ida ao cinema ou um tipo de comida… aquela
coisa que mesmo quando é cara você faz um esforço porque sabe que, pra você,
aquilo é mais precioso que tudo.
É aquela risada, pra mim.
A Gabi sorri e eu sei que faria qualquer coisa pra mantê-la assim.
Até me passar pelo meu irmão em um jantar com os meus pais, para escutar
homofobias com o sangue fervendo e sem poder dizer um terço do que gostaria.
Ela vale a pena.
Ela vale qualquer coisa.
- Por que disse aquilo? - pergunta.
É o tom em sua voz, sugerindo imoralidades, que me faz pausar.
- O quê? - observo-a com o canto do olho e sei que está evitando olhar pra
mim.
- Por que disse aquilo sobre… sobre a barba?
Suas sílabas falham, a curiosidade lutando para vencer a vergonha.
A resposta é simples:
- Porque é verdade.
- Não é verdade! - afirma, nem sequer ela acredita no que acabou de dizer.
Eu encaro Gabi com descrença e ela está vermelha ao desviar o olhar.
- Como você notou?
- Eu disse que ia fazer a barba um dia de manhã e você me puxou de volta pra
cama umas dezoito vezes.
- Eu não…
- Dezoito. No mínimo.
- Eu…
- Gabi, não tem problema. Eu já te falei que eu tenho tara por tatuagem, qual
o problema se você me disser que tem tara por barba?
- Não tenho tara por barba!
- Claro que não.
- Não tenho! - defende-se, eu estou duvidando mais uma vez quando ela me
interrompe - Tenho tara pela sua barba. É diferente.
Eu desisti de falar mas ainda estou com a boca aberta.
O que foi que ela disse?
Respiro fundo porque não tenho qualquer intenção de deixar esse assunto
morrer, mas Gabi parece ter decidido exatamente o oposto, exatamente no mesmo
segundo.
- Meu Deus! - a mão volta a têmpora - Isso foi errado! Eu não devia… a gente
pode mudar de assunto?
Eu concordo meio que discordando porque ainda não consegui pensar em como nos
manter ali.
"Mudar de assunto", no entanto, acabou sendo "matar o assunto".
Morreu, o coitado.
Estamos os dois em silêncio por todo o caminho. Até o estacionar das
intenções virar o estacionar do carro e Gabrielle fugir pela porta como se o
Anticristo tivesse anunciado que tem televisões de 75 polegadas em promoção na
sala ao lado, e quem não pegar uma vai pro inferno.
Ela não se despede ou me deseja boa noite. Está fechada em seu quarto antes
que eu tranque o carro.
E é isso.
Maravilha, não é?
Eu aqui cheio de tesão pela mulher.
A mulher ali cheia de tesão por mim.
E entre nós uma porta.
Que na verdade é meu irmão, um casamento na igreja, uma amante, algumas
mentiras e uma barba.
Eu queria derrubar a porta, mas ela fica ali do outro lado se certificando
que ela está em pé. O que, pra mim, parece uma grande bobagem, já que a porta já
esteve aberta mesmo e nós dois passamos por ela muitas vezes.
"A porta" é sexo, vocês estão entendendo, não é?
Tudo bem, só confirmando.
Eu tomo banho no banheiro que meu irmão tem em seu escritório que é mais uma
suíte de luxo que qualquer outra coisa. É mais ou menos aí que descubro que não
vou precisar dividir a cama com Gabi. O escritório do Tony é basicamente um
quarto.
Me enfio na cama e tento manter minha mente vazia.
Mas pra homem excitado, mente vazia acaba dando em gente pelada.
Eu queria tanto terminar aquela conversa da barba.
Fico girando nos lençóis por uma hora inteira, o sono foge de mim sempre que
tento alcançá-lo. Agarro minha carne para tentar buscar um alívio sozinho e quem
sabe dormir se torne possível no cansaço, já que não é possível na aflição.
Mas… nada.
Nada na carne.
Nada nos lençóis.
Minha cabeça ainda está pensando na porta e na mulher além dela.
Ah, foda-se.
Eu já to tão fodido nessa história da Gabrielle.
TÃO FODIDO.
A essa altura, o que é mais um esporro?
Levanto a mão para bater na sua porta, mas a maçaneta gira e a Gabi está do
outro lado.
É quase na testa dela que eu bato se não me impedisse no último instante.
Ela cora e prende o ar, assim que me vê.
- Eu… ah… eu ia ao banheiro. - mente.
- Claro que ia. E eu vim aqui terminar nossa conversa, porque você disse que
minha barba te excita e eu não consigo mais pensar em outra coisa.
Eu achei que Gabi estava vermelha antes, mas eu estava claramente enganado.
- Luca. - esconde os olhos atrás da mão como se precisasse de um plano e
treinamento antes de decidir como lidar comigo - Por que faz isso?
- Por que está com vergonha?
- Porque é um assunto delicado!
- Delicado? Gabrielle, eu já te vi nua… toda abertinha, de quatro e de
joelhos. - meu olhar desce pelo seu corpo porque foi impossível evitar, e quem
estamos enganando? Mesmo que fosse possível eu não evitaria - O que sobrou para
ter vergonha?
- Pare, pare! - pede - Meu Deus, pare!
- Eu não consigo entender por que estávamos perfeitamente bem em um dia e
você sequer olha nos meus olhos no outro!
- Porque você começou a confundir as coisas! Não era pra ter sido mais de uma
semana!
- Mas está sendo! Culpa do seu marido. Se é que ele ainda é o seu marido, não
é?
- O quê?
- Gabi, sinceramente, ele não fez os votos, não assinou os papais ou consumou
o matrimônio. Eu tenho cá minhas dúvidas de quem é seu marido de verd…
- Quieto! - ela coloca os dedos sobre meus lábios para me calar, mas agora eu
tenho minha boca em sua pele e não acho que ela considerou as implicações disso
antes de me tocar. Entreabro meus lábios e deixo meu hálito atingi-la. Gabi se
afasta como se tivesse levado um choque. - Eu gostava de você está bem? Quando
éramos universitários e você era impossível! Eu tinha… uma queda por você.
Sabe quando seu coração bate tão alto que você o escuta batendo nos ouvidos?
Eu sequer respirava. Acho que parte de mim tinha medo de fazer qualquer coisa
e descobrir que o que ela disse era mentira.
Ou talvez eu tivesse medo de descobrir que era verdade.
Eu podia ter ficado com ela.
Podia ter ficado com ela desde o começo.
- Você o quê?
- Precisa que eu diga de novo?
- Preciso.
Ela cruza os braços sobre os seios e não em olha nos olhos:
- Eu te achava gostoso, está bem?
- Gostoso?
- É! E não vou dizer mais do que isso porque você só quer que eu faça carinho
no seu ego.
Ego?
Quem caralho está pensando em ego?
Tem várias outras coisas que eu gostaria que ela fizesse carinho.
Ego não entra na lista.
- Quer dizer que… se eu tivesse te chamado pra sair…
- Eu iria recusar porque eu sempre soube que você não presta.
- Eu não presto?
- Luca, eu te conheço! Esqueceu?
- Gabi, eu era descarado na faculdade. Mas isso foi há anos!
- E eu deveria acreditar que você mudou?
Eu pauso por um segundo porque não acredito na pergunta:
- É! - respondo, enfático - Eu cresci. As pessoas crescem, sabe? Não somos
adolescentes e jovens adultos inexperientes pra sempre. Não acredito que você
tinha uma queda por mim!
- Eu ainda vou me arrepender tanto de ter te dito isso. - suspira.
- Nunca te chamei pra sair porque tinha medo que você me arrancasse um braço.
Mas eu sempre te achei gostosa pra caralho. Eu me masturbava pensando em você
sabia? Você se masturbava pensando em mim?
- E olha pra isso! - arregala os olhos - Já estou arrependida!
- E onde minha barba entra nessa história?
Ela revira os olhos, mas respira fundo como se já tivesse ido longe demais
pra voltar.
- Você sempre tinha uma barba mal feita naquela época. E seu cabelo estava
ficando longo. Era… sensual.
Meu queixo cai.
Ela gosta de cabelo grande também?
- Ah, amor… - eu sorrio. Não acredito que cortei meu cabelo por causa do
filho da puta do Antônio.
- Não me chame assim.
- Por que não? - toco sua cintura. Ela não me afasta.
- Porque eu esqueço que tenho que tomar cuidado com você. E começo a lembrar
de…
- De? - encosto meu rosto no dela. Perto o suficiente para sentir seu cheiro
e raspar meu nariz em sua pele.
- De coisas que eu gostaria de fazer com você.
- Me conta? Pode ser que eu deixe.
- Luca… - ela geme.
- Amor. - repito - Do que você tem tanto medo?
Coloco minha mão entre suas pernas, acariciando sua virilha por cima do short
do pijama.
Ela apoia os braços em meu peito e fecha os olhos.
Meu carinho se torna voraz, assim como minha fome, e eu preciso me controlar
para esfregar a carne por baixo do pano. Passando meus dedos por toda sua
entrada, procurando o grelinho. Deixo minhas carícias preguiçosas bem ali até
sentir a umidade atravessar o tecido.
Chupo dois dedos, para cobri-los de saliva, e enfio-os além de short e carne.
Ela arfa e enfia as unhas em meus ombros.
- Bem aí. - mordisco seu queixo enquanto ela rebola.
Enfio o indicador livre na cintura do short para puxá-lo para baixo e para
fora do meu caminho. Levo três segundos para despir Gabrielle e é só então que
tiro os dedos dela. Chupo-os de novo porque é crime desperdiçar um mel doce
desses.
- Vem cá. - ordeno, quente.
- Luca… tem certeza que…
- Gabrielle. - rosno, agarrando sua cintura. Ela passa a língua pelo sorriso
antes de meu beijar. - Não me faz repetir. - aviso, grave.
Ergo um de seus joelhos no braço e me enterro nela. Fodendo Gabi, ali mesmo,
espremida contra a parede do lado do quarto porque não quero nem esperar chegar
na cama.
- E você se depilou. - sussurro.
- O… o quê? - geme.
- Ainda tinha pelos bem aqui quando eu te comi pela primeira vez. - sou lento
no enfiar, não estou com pressa. Gabi, no entanto, rebola como se estivesse -
Quer dizer que você não esperava ser fodida na sua Lua de Mel. O que é… um
desperdício, se quer saber minha opinião.
- Luca… shhh. - pede.
- E aí, no outro dia… no outro dia você estava bem depiladinha. Estava
esperando por mim, não foi? Responde. - belisco sua coxa com força e ela rebola
mais rápido. Tenho que segurar sua bunda para impedi-la de conseguir a fricção
que procura. - Responde ou não goza.
- Foi! - ofega depressa - Foi, foi.
- Foi o quê?
- Me depilei porque queria que você me chupasse.
- Achou que eu não te chuparia se não estivesse depilada? Gabi eu te chuparia
mesmo que você tivesse veneno na boceta.
Eu me enfio fundo e ela arfa.
- Como… como… como…
Eu estou rindo:
- Que foi amor? - me enfio de novo - Não consegue falar se eu faço isso?
Ela tenta respirar mas só consegue gemer. Exige todas as suas forças para
juntar as sílabas:
- Como… você prefere?
Mordo sua boca.
- Como eu prefiro o quê?
- Prefere que eu depile… ou não?
- Prefiro que seja você. - rosno - Eu como de qualquer jeito.
Balança o corpo em tentativas fúteis de se livrar do meu controle, mas minhas
mãos são mais fortes que sua vontade.
- Luca, por favor. - implora, suor escorrendo por seu pescoço - Por favor, me
come direitinho.
Seu rebolado é angustiado.
Mas tudo bem.
Angústia assim faz bem pra saúde.
Eu a seguro firme.
- Não. Ainda não.
- Por favor. - choraminga.
Ela é tão quente e deliciosa.
Resistir não é fácil, mas provocá-la é tão bom.
- Acho que você estava certa: eu não presto. Não é isso que você disse? - vou
ainda mais devagar.
Suas unhas rasgam minhas costas.
- Por favor…
- Não. - mordo seus peitos por cima da camisa.
- Por favor! Amor, por favor…
E aí está.
Ela achou meu ponto fraco e apertou.
É especialmente impressionante porque eu sequer sabia que era um ponto fraco.
Conheci agora. Muito prazer.
Meu quadril reage primeiro.
Eu me enterro nela com uma violência que poucas vezes encontrei na minha
vida.
Ela grita, porque gemidos não são mais suficientes. Fecha os olhos até
atingir sua crise e transcendê-la.
Eu termino dentro dela, meu corpo inteiro vibrando no ritmo do coração dela.
Apoio minha testa na dela. Apenas um minuto de descanso.
Depois, eu a levo para a cama.
Depois, eu a quero de quatro.

**********************

Tem algo calmo em ficar deitado com Gabi.


Algo que não dá pra descrever com uma palavra só. Eu precisaria de algumas
centenas de palavras e ainda assim suspeito que não seriam suficientes.
Mas agora eu não estou calmo. Tem algo apertado no meu peito me trazendo
turbulências.
Deitada de lado no travesseiro, tem uma das mãos apoiadas no meu peito. Eu
faço um carinho preguiçoso em seu braço enquanto suas pálpebras fecham. Está
quase dormindo. Mas não pode dormir. Ainda não.
- Amor. - sussurro.
- Pare. - resmunga, de olhos fechados.
Sorrio.
- Gabi?
- Hm? - ela abre os olhos e espera.
Eu preciso de um segundo antes de decidir o que preciso dizer.
- Por favor, não acorda amanhã e decide que isso foi uma má ideia?
- O quê?
- Você faz isso. A gente está bem. E aí você decide que não está e me afasta.
Não me afasta mais. Por favor.
- Luca, você fala como se a situação fosse simples.
- Mas é. O plano ainda é o mesmo, não é? Enquanto o Tony não volta nada
impede que a gente se divirta.
Ela respira muito fundo e quando solta o ar parece que algo dentro dela dói.
- Gabi, é idiota a gente ficar tentando resistir. Na boa, eu já parei de
tentar. E você quer fazer a mesma coisa! Você gosta de mim. Gosta de estar
comigo. Eu só queria que você parasse de fingir que não gosta.
Ela engole em seco.
- O que foi? - peço - Seja lá o que for, me diz. Por favor?
Seus olhos se fecham como se aquilo fosse mais do que seus sentidos suportam.
Encolhe-se no travesseiro e nas cobertas. Encolhe-se em mim.
Sua voz é miúda e tenho que fazer um esforço para ouvi-la.
- O que acontece se eu me apaixonar por você?
Meu sorriso é involuntário.
- Você diz isso como se fosse um coisa ruim.
O sorriso dela é tímido.
Desliza as pontas dos dedos pelo meu peito, como se quisesse que os toques a
distraíssem do que acabou de dizer.
- Luca, eu não acho que você está entendendo a nossa situação.
Ela se encolhe ainda mais.
Não sabe o que fazer.
Está assustada. Mesmo que não tenha razão para estar.
O problema é que eu descobri que tenho um instinto selvagem dentro de mim que
fica querendo manter Gabi a salvo de qualquer coisa, mesmo que seja um receio
ilusório que só existe na cabeça dela.
Eu a abraço. Preciso protegê-la.
- E eu acho que a gente pode viver um dia de cada vez. - decido - Sem todas
essas discussões e detalhes! E eu vou deixar minha barba crescer. E o cabelo
também, já que foi aprovado.
Eu não achei que meu dia poderia ficar melhor, mas Gabi ri e eu percebo que
estava enganado.
- Foi um crime quando a Fernanda te fez cortar tudo! - sua careta exagerada
de horror me faz rir - Você estava mesmo louco por ela para se submeter a isso,
han?
Suas palavras hesitam quase como se a pergunta trouxesse mais do que eu
imagino.
Mas a verdade é que o nome de Fernanda sempre tinha sido o golpe de
misericórdia que me colocava de joelhos. Seu nome trazia de volta todo o trauma
e…
"Sempre". Mas não agora.
Gabi falou o nome dela e… nada.
Se eu soubesse que ela era o remédio, já tinha engolido há muito tempo.
Tinha engolido ela todinha.
- Vou deixar crescer, de novo. - Beijo sua boca uma vez e então de novo e de
novo - E não vou cortar a não ser que você queira.

**********************

As cortinas abertas deixam a luz do sol entrar em abundância.


Beijo Gabi na testa e nos cabelos antes de buscar sua boca.
Saio do quarto com a toalha enrolada na cintura porque todas as minhas roupas
estão no escritório de Tony. No quarto de Tony? Não sei como chamar aquele
cômodo.
Uma batida rápida na porta.
- Entra! - eu digo, porque acho que é Gabi. Mas estou bem errado e já vou
descobrir isso.
- Senhor Zummo? - uma mulher de meia idade que eu nunca vi na vida está
parada a porta - Tenho aqui uma jornalista que diz ter uma entrevista marcada com
o senhor? Vai recebê-la aqui ou…
Encaro a mesa de Tony… É formal o suficiente e fora da linha de visão do
resto do quarto.
Dou de ombros.
- Aqui mesmo está bem, peça que espere um pouco, já vou recebê-la.
- Pra que formalidades, Tony? - a voz que entra pela porta é assustadoramente
familiar e eu percebo que a mulher de meia idade foi seguida de perto pela
jornalista - Somos quase família!
Fernanda atravessa a porta com uma saia grafite colada e uma blusa de seda
com botões demais abertos.
Meu corpo congela.
Caralho, ela é linda.
É absurdamente linda.
E se estou imune ao seu nome, ótimo.
Mas ela em carne e osso é um problema de dimensão superior.
Paro de respirar.
- Fernanda. - cumprimento. Mas ela já veio até mim. Coloca suas unhas bem
feitas em meus ombros ao me dar dois beijos e seu perfume arranca o ar dos meus
pulmões.
Olha por cima do meu ombro para…
Ah, puta que pariu!
- Gabi já te colocou para fora da cama, Tony? - brinca, percebendo a cama
atrás de mim, que foi precariamente usada na noite anterior. Apenas o suficiente
para que os lençóis ficassem inquestionavelmente usados.
- Longa história. - digo apenas.
- E eu vou adorar ouvi-la. Seu pai nos prometeu acesso total!
Aperto os olhos tentando compreender minha própria sina.
- Mas você vai me levar para tomar café, não vai? Há um lugar ótimo em… - ela
observar meu corpo. Demora-se. Atrás dela, a senhora que a trouxe parece
genuinamente horrorizada e eu sei que não deve ter percebido que foi seguida até
meu escritório. Fernanda tem um jeito de… se enfiar em situações assim.
- Por que não espera na sala? Eu vou colocar umas roupas e já saímos.
Preciso tirá-la daqui.
Preciso tirá-la daqui antes que comece a perceber mais e mais detalhes.
- Essas tatuagens são novas? - ergue uma sobrancelha.
Sorrio, em pânico.
- Uma longa história também.
Mas algo brilha em seus olhos, dessa vez.
Observa-me com um meio sorriso de dúvida e morde o canto da boca antes de
dizer:
- Ah! Pois eu vou adorar ouvi-la.
13 – Quantos omeletes?
"Eu tenho cá minhas dúvidas de quem é seu marido de verdade".
Era isso que Luca tinha dito e, por Deus, ele não estava errado.
Estou bem certa que o casamento pode ser anulado se você foi enganada quanto
ao sujeito com quem se casou. Mas a pergunta é: eu iria querer anular um
casamento com Luca? Eu teria recusado um casamento com Luca?
E foi, sim, ele quem disse os votos, assinou os papeis… e, Deus me salve, foi
ele quem consumou o casamento.
Esfrego o sabão pelo corpo no modo "exorcismo", lavagem terapêutica que eu
conheço bem desde que toda essa confusão começou.
Eu poderia me apaixonar por ele, seria fácil e arrebatador, até porque duvido
que talvez já esteja mesmo nesse caminho.
Visto-me depressa, dizendo a mim mesma que tenho um compromisso, mas a
verdade é que seria muito ótimo se Luca pudesse me comer de novo antes de
sairmos. Especialmente se eu conseguisse fazer isso E não chegar atrasada.
- … soube que ela não gosta muito de decoração! Mas a casa está linda!
A voz é familiar de um jeito desagradável.
Sabe quando você escolhe um determinado som como toque do seu despertador, e
aí sempre que o escuta em qualquer outro lugar sente um calafrio descendo a sua
espinha?
É isso que aquela voz me causa.
A voz que significa problema independente do contexto.
- Gabi! Querida!
É tão difícil uma pessoa usar a palavra "querida" de um jeito sincero, não é?
Normalmente soa sarcástica e odiosa. O tipo de coisa que alguém te chama quando
quer te colocar dentro de um tambor de gasolina e acender um fósforo.
E, no caso da Fernanda, essa última possibilidade não está além dos seus
pensamentos. Meu sorriso precisa ser forçado porque a coisa toda do fósforo e
tambor de gasolina seria mútua mesmo que ela estivesse sozinha, algo que, no
momento, ela não está. Fernanda me incomodaria mesmo que existisse no vácuo,
cercada de Nada, mas cercada pelo Luca sem camisa, a palavra "incômodo" de
repente não parece bastar.
- Não lembro de ter te convidado. - sorrio porque se houve um período em que
eu me preocupava em ser educada com Fernanda, caiu um meteoro no Período e matou
ele.
- Foi o Tony. E o pai dele. - O jeito como ela diz o nome "Tony" me incomoda.
Muito.
- Eu tive que insistir por seis meses! - sorri - Mas eu queria muito essa
entrevista, acho que ganhei os dois pelo cansaço, não foi? - ela desliza a mão no
braço nu do homem ao seu lado que para de respirar como se tivesse levado um
choque.
Ele ainda gosta dela.
Que merda, Gabi.
Parabéns.
Você SABIA que isso ia dar errado.
Sabia.
Ergo o indicador para Luca Zummo com um comando para que ele venha ficar
perto de mim.
- Por que não vai se vestir? - é uma pergunta, mas soa como uma ordem.
Veja bem, se assinou os papeis e disse os votos, o homem é meu, está bem? E
ela vai ter que tirar as mãos nesse exato segundo.
Luca nem hesita e obedece ao comando do meu dedo como se fosse um chicote o
que eu segurasse. Não conhecia esse lado obediente dele mas estou bem satisfeita.
- Entrevista? - pergunto.
- Um perfil para a revista. - ela responde, sem tirar os olhos dele.
- Ah é! - sorrio - Esqueci que você estava perseguindo homens ricos como
profissão agora. Vai trocar o Vicente por um modelo mais potente assim que a
garantia dele vencer, não é?
Fernanda ri como se eu tivesse feito uma piada apesar de nós duas sabermos
que não temos mais intimidade ou carinho para esse tipo de troca.
- Cuidado, querida. Imagina se eu descubro que o "modelo mais potente" é um
que já tem dona. - ela encara as costas de Luca cheia de uma sugestão que me
desagrada em níveis coléricos.
Quando Lulu Santos disse "não desejamos mal a quase ninguém" era da Fernanda
que ele tava falando.
Meu sorriso é vil e amarelo. Venenoso de um jeito que eu dedico a poucos.
Luca se vestiu depressa.
Lula se vestiu como um foguete movido a oxigênio líquido se vestiria caso
usasse um paletó de três peças. A roupa é do irmão e dizer que serviu nele é uma
gentileza. Não vai sobreviver naquilo o dia inteiro. A costura se enfia em seus
músculos de um jeito que só deveria ser permitido a atores da indústria adulta,
pensamento que ocorre, ao mesmo tempo, a minha mente e minha língua.
- Entrevista, han? - eu o encaro esperando que se manifeste.
Luca dá de ombros como se a culpa não fosse dele até porque, de fato, não é.
Não posso responsabilizá-lo pelo que aconteceu até agora, mas tudo que acontecer
a partir daqui é outra conversa.
Mordo meu lábio inferior e espero que minha fúria lhe dê uma saída viável do
presente que lhe foi dado por seu pai e irmão.
Ele foi capaz de se enfiar em um jantar com os Adriatic e de escapar no meio
de um jantar com seus pais… deve ser capaz de fugir de uma mísera entrevista.
No entanto… silêncio.
Vinte minutos com Fernanda e nossa charada vai restar destruída. Ela vai
perceber. A mãe dele já percebeu e sabe-se lá por qual Graça da Misericórdia
resolveu ficar em silêncio. Fernanda, no entanto, dificilmente seria acometida
por bondade da mesma natureza.
Ele não pode ir.
- Achei que a reunião era hoje, pela manhã. - minto, tentando empurrá-lo na
direção certa.
Mas o IDIOTA do Luca Zummo me encara como se não fizesse a menor ideia do que
estou falando.
Sua confusão encoraja o discurso de Fernanda que apenas acena:
- Não, não. Eu confirmei com a secretária dele ontem e, de novo, hoje pela
manhã. Tenho duas horas. - pisca um olho.
Duas horas?
Não.
Não, não, não, não, não.
- Não. - eu digo, em voz alta. Os dois me encaram, entre um sorriso e uma
surpresa.
Merda.
Vinte minutos ela percebe que é o Luca. E depois disso?
Mais uma hora na frente desse decote estúpido e o imbecil se apaixona de
novo. Sobram quarenta minutos e eu sei bem o que ele consegue fazer com esse
tempo.
- Qual o problema, Gabi? - ela sorri - Está com medo que o tipo de mulher que
um homem prefere seja definido pela genética? Porque o Luca… - ela lambe o nome
nos lábios e eu quero enfiar uma das minhas mãos na cara dela e a outra também.
Eu não sei o que essa mulher tem que suscita tanta violência dentro de mim.
Senhor, me dá paciência, porque se me der força…
Luca não diz uma palavra.
Tudo bem, não é? Eu vou fazer o quê?
Mastigo a parte interna dos meus lábios e me despeço dos dois.
Mas não sem marcar meu território.
Puxo Luca pela gravata para beijar sua boca. Nossos eternos beijos que nunca
deveriam ser para nós dois e apenas para demonstração, que acabam vertendo-se em
beijos de outra categoria porque o desejo dos corpos é intenso demais para se
disfarçar atrás de pretensões.
Sua língua desliza pela minha, tomando meu rosto em uma das mãos e minha
cintura na outra, eu esqueço que Fernanda está ali. Espero que ele tenha
esquecido também, mas ela limpa a garganta e é ele quem interrompe o beijo. Mudo,
ainda. Mudo, sempre.
Disse que está apaixonado por mim!
Você disse, Luca!
Não pode voltar atrás.
Por favor, não volte atrás.
Ele vira-se para observá-la e eu o puxo para mais um beijo. Um rápido. Nos
lábios. Quase uma despedida.
Fernanda ri e eu lembro que a gente tem réu primário é pra gastar mesmo.
- Cuidado, Gabi. - recomenda - Ou eu vou pensar que isso tudo é insegurança.
- aponta para o que sobrou do beijo.
Luca me solta, mas meu toque ainda perdura em suas roupas até ele ir.
E ele vai.
E ela vai.
E eu fico sozinha.
Era disso que eu estava com medo, não é?
Era exatamente disso.
De gostar dele.
Gostar do cara que fazia a palavra "complicado" parecer um sonho minimalista.
Meu peito dói.
Não é receio pela nossa mentira que precisa ser preservada.
É receio pela parte da mentira que virou verdade.
To apaixonada por ele.
E ele ainda está apaixonado pela Fernanda.

**********************

Luca

Se eu abrir minha boca para falar mais um A, a Fernanda vai perceber que é um
A de Luca e que Tony nem leva essa letra.
Estou em silêncio.
Ela viu meu corpo e as tatuagens. Ela me conhece bem o suficiente para
perceber as sutilezas.
O café da manhã, na verdade, é um campo minado.
Bastou que ela aparecesse na minha frente naquela manhã para que eu
percebesse o tanto que realmente me importava com a Mentira.
Até então tinha sido uma grande brincadeira, não é? Se tudo der errado, o
Tony que volte e resolva a bagunça que ele criou.
Agora, no entanto, eu tinha algo a perder.
Sem a mentira, a Gabi me deixaria ficar? Me beijaria a boca ao se despedir
como se quisesse que eu ficasse? Me deixaria fazer carinho em seus cabelos até
que pegasse no sono em meu peito?
Fecho os olhos por um segundo.
Gabi mudou tudo.
O que eu sinto por Gabi mudou tudo.
Minha inconsequência diante de meus pais tinha sido estúpida mas inocente
porque se eles descobrissem o que estávamos fazendo iriam querer resolver tudo
discretamente e, considerando seu catolicismo incondicional, era bem capaz que
quisessem me manter casado com Gabi, já que era aquela a união que tinha sido
feita perante Deus.
Minha inconsequência diante de Fernanda, no entanto, seria demônio de um
círculo do inferno bem inferior.
- Omeletes? - ela pergunta.
Eu seria capaz de comer uns dezoito e ela sabe disso. Mas quantos o Tony
comeria?
Eu sempre fui do tipo comer muito, me exercitar mais.
O Tony era do tipo fazer dieta.
Respiro fundo.
Peço um e um suco.
Vou precisar tomar outro café da manhã quando sair daqui.
- Luca, eu queria te agradecer por fazer isso por mim, sei o quanto Gabi deve
ter sido contra.
Assinto e estou prestes a dizer "problema nenhum" só para que ela comece com
suas perguntas quando percebo a gafe.
- Luca? - enrugo a testa.
- Oh. - ela sorri, maldita - Desculpe! Você está tão mais parecido com seu
irmão.
Engulo em seco.
- Vou tomar isso como um elogio.
- Claro que vai. - pisca um olho - De todo modo, sei que você foi contra essa
entrevista por muito tempo e sei que Gabi ainda deve ser. Então, obrigada. Não
precisava ter feito isso. E se foi apenas para aplacar os rumores, não se
incomode, tenho certeza que não duram muito tempo.
Rumores?
Tony perguntaria?
Não. O Tony é um frouxo.
- Como posso te ajudar, Fernanda? Do que precisa? - o Tony é um frouxo mas é
educado pra caralho.
- Isso vai ser longo. - avisa, verificando as perguntas em seu tablet - Eu
disse que ia precisar de duas horas, lembra?
- Claro.
Ela tem um enorme sorriso de satisfação quando começa suas perguntas.
São dezenas. Centenas. Técnicas em sua maioria, o que facilita minha vida já
que cresci com Tony e conheço de perto todos os detalhes que ela precisa. Talvez
algumas das minhas respostas estejam alguns anos desatualizadas, mas, de novo, se
meu irmão tem um problema com o jeito como respondo a sua entrevista, ele pode
vir aqui dar as respostas ele mesmo.
- … mergulhar com os tubarões em Fernando de Noronha, com os golfinhos em
Nápoles. - respondo, com um gesto rápido, a mais uma de suas infinitas perguntas.
- Ah! Eu lembro dessas férias! Em Nápoles! Eu estava com o Luca, lembra?
Lembro.
- Claro.
- Foi quando ele me pediu em casamento. - baixa os olhos, pesarosa.
Foi.
Fica em silêncio por um instante. Parece desconcertada.
- Me desculpe.
- Pelo quê? - engulo em seco.
- Não quis desviar do assunto.
Minha garganta está seca.
Na praia.
De noite.
Com o anel pesando em meu bolso enquanto eu tentava encontrar as palavras
certas.
Palavras certas dificilmente me ocorrem.
As erradas, no entanto, costumam ser minhas melhores amigas.
- Como pediu Gabi em casamento? - pergunta, tentando afastar o rápido
desconforto - Algo loucamente romântico, tenho certeza!
Droga.
Não sei como foi.
- Não tão romântico quanto Gabi merecia. - aceno, diplomático. As palavras me
faltam. Tony é pragmático, o casamento foi por conveniência. Na verdade, ele deve
ter feito pedido nenhum. Mas qual a mentira que contaram? Uma que poderia ser
real? Ou exageraram para atrair o típico deslumbramento que frequentemente afasta
perguntas?
- Hm, tenho certeza. Gabi merece o mundo. - quase a percebo revirando os
olhos - Mas me dê detalhes! - inclina-se - Detalhes suculentos!
Abro a boca.
Meu Deus.
Certo. Qualquer mentira vai ter que servir.
Diga algo genérico.
Algo que pode ser interpretado de muitos modos.
- Um… jantar. - começo.
- Um jantar?
- É. Com flores. - limpo a garganta. - Champanhe.
- Senhor Zummo? - a voz masculina às minhas costas me assusta e alivia ao
mesmo tempo.
- Marco?
- Temos uma pequena emergência, senhor. Exige sua imediata atenção.
- Pequena emergência? - Fernanda ergue a sobrancelha - Em uma fábrica de
carros? Foi algum acidente?
- Não! - Marco preza pela imagem da empresa mesmo pego na mentira.
- Então, o quê? - ela cruza os braços, invasiva.
Eu estou prestes a lhe pedir que deixe Marco em paz já que o assunto pode ser
sigiloso ou simplesmente não da sua conta.
Meu motorista, no entanto, tem outros planos.
- Foi o desenho da válvula de calibre. A senhora sabe o que é?
- Não, eu…
- Pois a senhora imagine que é uma coisa muito importante, tipo o salto do
salto alto. Não dá pra tirar, que aí fica só "alto" e "alto” sozinho não é mais
um calçado, é só uma palavra, não é? É um substantivo, eu acho? Ou um adjetivo.
Não sei. Mas junto, é uma válvula que é importante e tem um desenho que é mais
importante porque é do desenho que vem a válvula, a senhora está acompanhando?
- Estou, eu acho que sim. Houve um problema com o desenho?
- Não! Alguém disse isso? - assusta-se.
- Você! - ela afirma.
- Não, eu estava só começando a explicar a história. A questão é a Laura, que
é a desenhista, ela mora com a Arlene do departamento de recursos humanos e a
senhora sabe que esse pessoal é o encarregado de todas as demissões! Bem como!
Todas as contratações também, é importante não esquecer. A Arlene namorou com um
rapaz que tinha uma plantação de bois. Não, não é plantação o nome. Como é que
chama quando é de bicho?
- Ah…
- Ele criava um monte de bichos, mas não é mais. Não é mais o namorado da
Arlene, eu quis dizer, talvez ele ainda crie os bois, aí eu não sei, a senhora
quer que eu verifique?
Fernanda pisca, confusa.
Mas Marco, como de costume, não precisa de uma resposta.
- Eles acabaram e foi assim que a Arlene foi morar com a Laura. Elas já se
conheciam de antes, mas quando a Laura ainda trabalhava na secretaria. Hoje, quem
está na secretaria, a senhora sabe, é a Dona Inês. E eu, um pouco, ajudo ela como
posso não é? Mas a Dona Inês sabe o funcionamento de toda a empresa! Inclusive
quando dá problemas desse tipo. Foi ela quem logo notou e mandou chamar a Laura,
porque o Miguel quis dizer que não recebeu o rascunho!
- Que rascunho?
- Da válvula! A senhora não está prestando atenção? Senhor Zummo, o senhor
precisa vir agora mesmo! Depois o senhor explica. – balança a cabeça como se a
falta de compreensão de Fernanda fosse um defeito horrível dela, e não
incapacidade comunicativa sua – Agora mesmo. – ele puxa a cadeira para que eu me
levante e colocou tanto dinheiro sobre a mesa que da pra pagar três cafés da
manhã – Depois ele explica pra senhora, viu dona? E eu descubro a coisa dos bois
do ex-namorado da Arlene que a senhora queria saber e já mando a informação.
Minha cabeça ainda está girando quando entro no carro.
- Marco… O que… O que caralho foi aquilo?
- Eu estava sentado na mesa de trás, escutando. E o senhor gostou do “temos
uma pequena emergência, exige sua imediata atenção”? Eu vi isso em um filme,
senhor Luca! – abre os olhos, encarando-me pelo retrovisor – Um desses com algum
presidente americano quando tem um monte de coisas que explode.
- Como assim?
- Olhe, eu acho que são efeitos especiais. Tudo coisa de computador. Mas eu
ouvi dizer que às vezes eles explodem mesmo! E filmam tudo de verdade.
- “Como assim” você estava sentado na mesa de trás?
- Ah! Caso o senhor precisasse. Eu achei que era bom deixar o senhor
responder algumas perguntas para disfarçar. Mas depois que deixei vocês dois na
porta, eu estacionei bem depressa e procurei um lugar logo atrás. O senhor sabe
se essa coisa de válvula existe mesmo? Essa parte eu tive que inventar. Agora, a
coisa do ex-namorado da Arlene é verdade! O senhor acredita mesmo nisso?
- Marco, quieto! Eu vou te fazer perguntas e você responde com “sim” ou
“não”, entendeu?
- Nem sempre dá, hein, senhor Luca. Às vezes, tem umas perguntas que…
- MARCO.
- Entendi. Sim! – enfatiza, como se tivesse acabado de lembrar qual a palavra
que deveria usar.
- Gabrielle mandou você me vigiar?
- Não.
- Tony?
- Não.
- Você fez porque quis?
- Essa pergunta é meio…
- MARCO.
- Sim.
Respiro fundo.
Solto a gravata.
- Eu não quis me meter, não, senhor. Eu só…
- Marco… - aperto seu ombro com carinho – Muito obrigado. Muito muito
obrigado.
Ele sorri, acena e volta a falar sobre doze milhões de coisas.
Ao mesmo tempo.

**********************

Fernanda

Eu não consegui fazer minha pergunta sobre as tatuagens.


Não que faça diferença.
Aquele homem não era o Tony.
Talvez, se eu o tivesse visto com seu paletó de três peças desde o início eu
não tivesse suspeitado.
Mas eu conhecia aquele corpo. E mais: Tatuagens? No Tony?
Nunca.
Era mais fácil a Gabrielle conseguir, finalmente, ter Luca na cama dela.
O que, aparentemente, era o que tinha acontecido.
Mordo a ponta da minha unha.
Eu não preciso desse maldito perfil pra revista. Eu mal preciso de um
emprego.
O que eu preciso é descobrir qual o melhor modo de usar essa informação.
Que informação?
Massageio minha nuca de leve.
Eu sei que aquele é o Luca.
Mas por quê?
Por que ele está fingindo que é o irmão?
E onde está o Tony?
Ele sabe que sua esposa está tendo um caso?
Ou…
Mordo o sorriso porque isso seria bom demais para ser verdade.
E se os rumores forem verdadeiros?
E se a Gabi estiver com o Luca na cama, coisa nenhuma?
É, a Gabi sempre foi ridícula. Por um tempo eu a mantive por perto, na
faculdade. Ela conhecia os melhores caras, embora tivesse chances com nenhum. Ela
tirava boas notas, era queridinha dos professores e excelente para se ter em
trabalhos em grupo. Mas bastou que eu encontrasse o Luca para que ela não
soubesse lidar. E daí se eu estava ou não apaixonada por ele? Por que isso era da
conta dela?
"Você vai magoá-lo, vai partir seu coração, bla bla bla".
Nunca foi da conta dela.
O Vicente tinha mais dinheiro, se ela queria o Tony que faca bom uso.
Mas o Tony.
Não o Luca.
O Luca é meu.
E ela sabe disso. Aquele beijo desnecessariamente longo na minha frente foi
só para tentar contestar o incontestável.
Eu só preciso provar que os dois não estão juntos de verdade.
E já tenho algumas ideias de como fazer isso.
14 - Verbatim
Luca

Eu ainda lembrava como fazer isso.


Mais do que lembrar: eu gostava.
Já era metade da tarde quando eu percebi que o dia estava acabando e eu
sequer o senti passar. No meu estúdio de tatuagem eu também trabalhava com
prazer, mas mexer com carros era mais do que prazer, era… vocação.
A estratégia de gerenciamento de Antônio era baseada em técnica para deixar o
pai orgulhoso, a minha era baseada em paixão para deixar o cliente satisfeito.
Não estou dizendo que eu sou melhor do que ele, mas juntos funcionávamos bem.
Sozinho, ele tinha feito coisas que eu discordaria caso estivesse presente.
Mas eu não estava presente.
Porque a Fernanda me abandonou no altar e aí eu briguei com minha família
inteira e fui lamber minhas feridas escondido.
Olhando em retrospectiva, eu sentia vergonha. Veja bem: se fosse a Gabi que
tivesse me abandonado, faria sentido, não é? Perder uma mulher incrível que eu
amava poderia fazer meu coração sangrar o suficiente para justificar toda o
comportamento que se seguiu. Mas a Fernanda? Essa bagunça inteira na minha vida
por causa de uma mulher vil que só queria dinheiro?
Eu sentia saudades daquele trabalho.
Era impossível não admitir, depois do dia que eu tive.
- Senhor Zummo! Só mais esses e está livre! - a secretária deixou os papeis
sobre minha mesa.
"Está livre". Por Deus, eu não queria ir embora.
Não queria que o trabalho tivesse acabado.
Mas, se só faltava aquilo…
Marco está na porta e quer saber se já pode trazer o carro. Eu não respondo
porque estou encarando os documentos.
A caneta pesa em minha mão porque sei que estou a dois segundos de cometer
fraude.
Eu não sou o presidente da Zummo. Não tenho autoridade para assinar aquilo
ali.
Estou analisando os papeis quando Marco se aproxima.
- Senhor Zummo? Eu já trago o carro?
- Ahm… - não estou prestando atenção no que ele diz.
- Senhor Zummo? - ele murmura com um tom sugestivo.
- O que foi?
- Eu já mudei os documentos, o senhor pode assinar.
- Mudou o quê? - abro os olhos em pânico. Se ele colocou o meu nome no fim
dos documentos, ao invés do de Antônio, ele me salvou da fraude mas me condenou a
Gabrielle que, certamente vai me matar assim que descobrir - Marco, ninguém pode
saber que… - olho rápido para a porta, certificando-me que estamos sozinhos.
Mas ele apenas expira como se fosse engraçado que eu acho que ele é louco.
Pega um dos documentos e leva até a última folha. Logo abaixo da linha da
data e da linha para assinatura, está lá: "Presidente".
Só isso.
Só a palavra solta, sem nenhum nome para acompanhá-la.
- Marco… isso dá no mesmo. Eu não sou…
- É sim. Seu irmão nunca fez a palestra pra tirar seu nome.
- Palestra? - do que diabos ele está falando?
- Reunião, conselho, audiência, votação… eu não sei como chama, seu Luca. Mas
O senhor Zummo, o outro Zummo, o senhor seu irmão, nunca fez a papelada que
precisa pra tirar seu nome. O senhor é presidente igual a ele, desde que saiu.
Ele dizia: "Marco", e preste atenção que ele dizia assim mesmo, porque ele dizia
pra mim, não foi ninguém que me contou! Ele dizia: "Marco, meu irmão pode entrar
por aquela porta amanhã e vai mandar mais do que eu". Era isso que ele dizia, bem
assim mesmo. Palavra por palavra! Tem uma palavra não tem, senhor Zummo? Que quer
dizer isso?
- Que quer dizer o quê?
- "Palavra por palavra"? Tem uma palavra que serve como palavra pra
substituir todas as palavras? Dessa expressão, eu quis dizer. Não da língua.
- "Palavra por palavra"? Verbatim? - sugiro.
- Essa! - ele aponta, muito satisfeito - "Verbatim" significa o mesmo que
"palavra por palavra"! - conclui, alegre. Não imaginei que Marco tivesse tanta
felicidade apenas por conhecer uma nova palavra, ele já parece conhecer muitas e
usá-las bem e com frequência. Mas aí está: aprendeu mais uma.
Eu posso assinar.
Minha cabeça gira não por causa dos Monólogos do Motorista porque com esses
já estou me acostumando, mas porque não consigo acreditar que Tony realmente fez
isso.
Assino os documentos e peço a Marco que traga o carro.
Não posso sequer dizer que fiquei absolutamente triste pelo dia de trabalho
ter terminado porque acabei de lembrar que meu irmão me deixou não apenas uma
empresa mas também uma esposa. E abandonar uma pelo dia significa ter a outra
pela noite.

**********************

- Teve um bom dia, querido? - ela sorri.


Acho que estamos sendo divertidos e carinhosos, só por isso respondo.
- Excelente, querida, e o seu?
Os olhos de Gabrielle ardem como se a chama de Lúcifer tivesse escolhido ali
como novo lar e é mais ou menos aí que eu percebo: julguei ser carinho o que na
verdade era sarcasmo. E fúria.
- O que foi que eu fiz? - pergunto, sem respirar.
- Teve um bom café da manhã? - não levo um tapa no braço, mas ela espreme os
punhos como se a intenção fosse essa - Se alimentou direitinho? TEVE BOA
COMPANHIA?
Ah.
Foi isso que eu fiz.
- É você quem vive dizendo que eu preciso agir como o Tony!
- E você NUNCA escuta! - leva as mãos aos cabelos. Está usando uma blusa
amarela com detalhes dourados no decote farto e uma saia de pregas que não é
longa o suficiente para cobrir os joelhos mas não é curta o suficiente para minha
língua - Você nos enfia em um milhão de coisas com os Adriatic, briga com seu
pai, sai no meio do jantar da sua mãe… Mas quando é uma chance de sair com a
Fernanda, aí você não liga de ser o Tony?
- Gabi, você não está dizendo que…
- Estou dizendo, sim, Zummo! Estou dizendo que você é muito cara de pau!
Arrogante! Descarado! - ela aperta as mãos a cada palavra, prende os lábios e
parece lutar contra o impulso de enfiar seus minúsculos murros em meu peito -
Você não consegue se controlar perto daquela mulher, não é? Você é muito idiota!
IDIOTA! Ela nunca gostou de você! Você podia ter dito "não"! Era até mais seguro
do que dar uma entrevista… Mas você faz isso? Não! - morde a palavra - Você faz o
que ela quer porque é um imbecil! IMBECIL! - espreme os punhos contra os olhos -
Imbecil, imbecil, imbecil! E sabe o que mais? Você é casado! É casado, Zummo,
então não estou nem aí se ela…
Eu enfio os dedos pelos seus cabelos e a beijo porque não acho que dá pra
fazê-la ficar quieta de nenhum outro jeito.
O beijo, que era para ela, agora é pra mim. Estou perdido na sua boca, uma
das mãos enfiadas em seus cabelos, a outra em sua cintura puxando-a para mim.
Longo e delicioso, sentindo sua língua macia buscando a minha. Ela tem um cheiro
bom e um calor que faz meu corpo derreter.
- Você é casado. - resmunga baixinho, quando a solto por um instante.
- Sou casado. - confirmo, querendo mais um beijo.
- Não vai mais ficar sozinho com ela.
- Com quem? - pergunto, porque minha mão desceu pra sua bunda e eu meio que
esqueci qual o assunto.
- Com a Fernanda! - ralha.
- Ah! Eu não quero ficar sozinho com ela, ficou louca! O café da manhã foi
horrível. - tomo seu rosto nas mãos e a beijo de novo - Foi a pior parte do meu
dia.
- Ah é? - ela ri - Quer dizer que trabalhar na Zummo foi a melhor parte do
seu dia?
- Não. - murmuro, grave, contra sua boca - A melhor parte do meu dia é essa
aqui.
Ela tem as mãos na minha camisa. Parece querer agarrá-la, parece querer
despi-la. Uma coisa ou outra, desde que com a mesma intensidade.
Beijar uma pessoa que te enlouquece é um ato curioso. Parece que começa com
um beijo mas só o toque das bocas não basta por muito tempo. E aí você precisa
das línguas, das mãos, dos suspiros, da ausência de roupas. A vontade de apertar
tanto uma pessoa até ela entrar em você ou você entrar nela.
- Eu não gosto dela. - Gabi resmunga, mordendo meus lábios.
- Eu também não.
- Detesto ela!
- Eu também. - apresso-me, ofegando para roubar sua língua de volta, apenas
levemente certo de quem ela está falando.
- Como você pode gostar dela?
- Eu sou imbecil. - não solto sua boca por nada. Ela escapa tentando me
ofender, pois, no que depender de mim, vai me ofender depressa porque não quero
ficar sem ela por muito tempo.
- É um imbecil!
- Sou!
Beijo seu pescoço. Não foi uma boa ideia liberar sua boca porque agora ela
consegue voltar a reclamar, mas puta que me pariu a Gabi tem um pescoço
delicioso!
Agarro seus cabelos com as mãos e sugo sua pele fazendo o caminho até seu
ombro e de volta.
- Ela deu em cima de você?
- Não.
- Não… o quê?
Hesito, confuso.
- Não, senhora?
É isso que ela quer? Eu não sei que caralho ela quer, mas vai ter o que
quiser porque esse pescoço é bom demais pra ser deixado sozinho.
- LUCA! Eu quis dizer COMO ASSIM ela não deu em cima de você?
- Ah, sei lá. Não dando.
- Eu duvido!
- Talvez tenha dado.
Ela me empurra.
- Talvez?
Ah, inferno, eu só queria o pescoço.
Reviro os olhos.
- Ela fez aquelas coisas lá que a Fernanda faz. Só isso.
- E você deixou?
- Deixei o quê?
- Deixou ela… ela… - Gabrielle morde os lábios e parece não ter certeza do
que deve fazer. Parece não ter certeza do que pode fazer - Você é MEU marido! -
explode de repente - Casou comigo e pronto. Está entendendo? - sua voz treme e
seus olhos ardem.
Eu interrompo o tesão porque… acho que sei o que está acontecendo.
- Gabi… - sorrio, tomando seu rosto. Não apenas porque quero tocá-la (e eu
sempre quero tocá-la), mas porque quero ver seus olhos. Deslizo meu polegar em
sua bochecha sentindo-a quente e nervosa - O que você quer ouvir? Escolhe. Eu
digo. - prometo.
- Luca… - ela ameaça olhar para o chão, mas eu não deixo.
- "Se divorcia do Antônio e fica comigo"? Acho que isso eu já disse. - lembro
- "Estou apaixonado por você"? Já disse também, mas posso repetir.
- Luca. - ela engole em seco e tenta se encolher, mas não há espaço além do
meu peito e, por isso, é para o meu abraço que ela vem. Linda, com seu rosto
corado e os lábios inchados de minhas mordidas. Os cabelos cacheados escorrendo
pelo meu corpo assim como pelo dela.
- E se eu disser "Nem lembro se Fernanda deu em cima de mim, meu amor, porque
eu não estava prestando atenção. Porque eu to tão apaixonado por você que eu mal
consigo ver qualquer outra coisa"? Se eu disser isso, serve?
Ela escorrega o toque para minha ereção então eu acho que serviu sim. Começa
a despir minha camisa e eu sou um garoto bem treinado, então estou despindo a
dela de volta.
Um beijo vira dois e três e então vira um beijo único que acaba apenas quando
estamos os dois sem ar e quase sem roupas.
- Eu… eu não sei o que estou fazendo.
Ela admite, nossos hálitos se misturando ao tesão, ao carinho e seja lá o que
mais há entre nós dois.
- Está se apaixonando por mim. É isso que está fazendo.
- Eu não sei se devo. - aperta os olhos.
- Acho que já é um pouquinho tarde pra isso, amor. Vai ficar tudo bem. Você
não ama o Tony desse jeito. Ele vai voltar e nós vamos resolver isso tudo.
- Como?
Preciso rir.
- De um jeito bem simples, Gabi. Porque você está certa: eu sou teu marido.
Só que você repete isso e esquece de uma coisa. Se eu sou teu marido, você é
minha mulher. - mordo sua boca - É minha. Se o Tony te quiser, vai ter que passar
por cima de mim.
Ela me agarra o pescoço e quer mais um beijo. E eu vou dar tudo que ela
quiser.
Minha.
Aperto sua cintura.
A campainha toca.
Meu sangue congela.
É o Tony. É ele, não é?
É ele e toda essa conversa de "minha" vai precisar ter uma pausa súbita.
Visto-me de qualquer jeito porque quero mesmo que ele saiba que eu to comendo
essa mulher incrível que eu queria colocar em uma redoma de cristal enquanto ele
pegou emprestada só pra usar e devolver.
Gabi mal enfiou-se na roupa quando eu abro a porta para encontrar… Fernanda.
Ela tinha um sorriso no rosto.
“Tinha”, no passado, porque viu minha situação e a de Gabi e se desfez do
sorriso para limpar a garganta com desdém e um toque de cólera.
- Tony, boa noite. - torce o nariz - Espero que não se incomode, mas precisei
passar aqui.
Encaro o relógio.
Não cheguei cedo em casa.
Gabi não chegou cedo em casa.
O que significa que já é mais tarde do que seria educado para uma visita não
anunciada.
- O que houve, Fernanda? - pergunto sem paciência porque ainda estou
claramente duro querendo foder uma mulher que acabou de aceitar que é minha.
- Eu só queria saber se você poderia me passar o contato do Luca.
- O quê? - eu achei que era eu que tinha dito, mas foi a voz de Gabi que
escutei - Pra que você quer falar com o Luca?
Fernanda encara uma Gabrielle mal vestida como ficam as que estão em vias de
serem muito bem fodidas e respira fundo como se para recuperar a sanidade.
- Algo que conversamos hoje, Tony. Me fez perceber que eu terminei as coisas
de um jeito horrível com o seu irmão. Nossa conversa sobre todas aquelas férias
que passamos juntos me fez lembrar que… talvez ainda haja algo ali para viver. -
seu sorriso é módico e falso.
Que "todas conversas" foram essas?
Gabi para de respirar ao meu lado e eu entendo que Fernanda está fazendo um
pequeno teatro de ciúmes.
Mas pra quê?
- Já está tarde, Fernanda. Se me ligar amanhã, posso te dar esse contato.
- Ah, tudo bem, então. - ela sorri, tem um sorriso maldoso. Maldito - Eu
liguei para o estúdio de tatuagem mais cedo e me disseram que ele não está lá há
semanas. Parece que o último dia que trabalhou foi bem o dia do seu casamento,
Tony. De todo modo, tem uma secretária bem receptiva que aceitou tentar me ajudar
a encontrá-lo. Vou até lá ver se consigo falar com ele. Se quiser avisar para ele
que estou indo, acho que seria melhor. Para que ele não seja pego desprevenido.
Engulo em seco.
- Vou fazer isso.
- Boa noite. - ela deseja a nós dois.
Eu fecho a porta.
Ok.
Agora eu estou fodido.

**********************

Fernanda

É o Luca.
É óbvio que é o Luca.
Aquelas tatuagens, aquele corpo.
Aquele não é o Tony de modo algum.
Eu só preciso descobrir por quê antes de começar a destruir tudo.
E não se engane: eu VOU destruir tudo.
Ela está mesmo transando com ele? Quem ela pensa que é?
Eu sabia que o Luca estava ajudando a disfarçar o desaparecimento do Tony por
alguma razão, mas não imaginei que ele estivesse mesmo comendo a própria cunhada!
E, mais que isso! A GABRIELLE?
Que tipo de história era essa? Em que depois de tudo que eu passei, e tudo
que tive que ouvir daquela ali, ela acabava com o homem que sempre quis?
Não, não, não.
O Luca Zummo era meu hoje, do jeito que sempre foi.
Ele teve que fugir, destruído, quando descobriu que eu não o quis não foi?
Era meu.
Se ela o tinha nu agora, era temporário e casual e eu precisava mesmo lembrar
os dois disso.
Uma visita ao estúdio vazio de Luca Zummo ia comprovar minhas dúvidas.
E, caso ele corresse até lá para tentar fingir que estava tudo certo… aí eu
teria Luca Zummo sozinho.
Sinceramente, não sei qual das duas opções me parece melhor.
15 – Uma dessas coisas é mentira

Luca

Até aqui, sempre que eu usei a frase "Passei a noite em claro com Gabi" era
por uma razão excelente pra caralho.
Mas passar a noite em claro, correndo para conseguir um trem que nos levasse
de volta pra costa antes de Fernanda aparecer por lá, não estava na minha lista
de predileções.
O curso correto aqui seria ligar para Antônio, dizer que acabou a brincadeira
de verdade e que ele precisava voltar antes de ser exposto. Porque aí
apareceríamos os dois na frente da Fernanda: ele com o braço ao redor de Gabi, eu
solteiro, e estaria tudo resolvido.
Quer dizer… "tudo" menos a parte do braço dele ao redor de Gabi.
No começo, eu queria que Tony voltasse logo porque ver Gabi de biquini sem
poder reagir estava me enlouquecendo.
Aí eu reagi e a loucura passou.
Então eu queria muito que Tony voltasse logo porque minha cunhada era uma
mulher fantástica e eu ia me apaixonar por ela.
Aí eu me apaixonei e agora tudo se tornou nulo, não é?
Eu queria que Tony voltasse pra quê?
Gabi estava nua na minha cama durante a noite, e com a mão colada na minha
durante o dia. Ou durante as madrugadas enquanto corríamos para pegar um trem que
acabamos por perder.
O retorno de meu irmão agora ia me colocar de volta sem reação diante da Gabi
de biquini. Ia quebrar meu coração e meu espírito.
A volta de Tony seria minha loucura.
Então, não: não liguei pra ele e, sinceramente, não pretendia mais ligar. O
que o destino jogasse na minha porta, eu ia atender e encaminhar na direção
correta porque enquanto eu conseguisse fazer isso sozinho, Gabi era minha. E eu
precisava pra caralho que Gabi fosse minha.
- Luca, isso é loucura! - ela diz pela centésima vez, assim que abro a porta
do meu apartamento sobre o estúdio. O cheiro de mar é forte aqui. Mar, conforto e
alguma coisa que eu devo ter deixado fora da geladeira, às pressas, porque quando
saí deveria ter sido só por uma noite.
- Gabi, confia em mim! Ela não vai perceber nada!
- Era melhor ela achar que você estava de férias, que não está na cidade.
- Se ela não me encontrar, vai aumentar suas suspeitas de que é porque eu
estou, na verdade, no lugar do meu irmão.
- Então você concorda que ela suspeita?
- Eu vou dar um jeito.
- Você é um péssimo mentiroso!
- Então vou colocar algumas verdades no meio das mentiras para ficar mais
fácil.
- Luca…
Gabrielle está corada e em pânico.
Percebe?
É exatamente por isso que eu a trouxe comigo: ela está sempre a cinco
segundos de ligar pro Antônio. Preciso vigiá-la para que não faça isso.
Não estou pronto pro meu irmão voltar. Ainda não.
Só mais um pouquinho.
- Isso é loucura! - ela repete.
- Tá, mas ela deve chegar no estúdio a qualquer instante, verifico o relógio.
Então a loucura já está feita.
Poucos minutos.
Nós pegamos o primeiro trem do dia, mas havia outro que saía uma hora depois
mas fazia menos paradas. Se Fernanda pegou esse (e conhecendo os horários de suas
manhãs, sua dedicação e sua pressa, ela provavelmente pegou esse) não estava
muito atrás de nós.
- Luca, eu… - ela vai reclamar de novo, mas algo em minha estante chama sua
atenção - "Alice no País das Maravilhas". - recita, incrédula.
Ela pega o exemplar do original de Lewis Carroll, exatamente o mesmo que ela
me emprestou anos atrás.
- Você nunca leu, não foi? - julga com olhos apertados.
Abro minha boca vazia de palavras porque não consigo mentir pra ela.
- Cara de pau! - ela pega o exemplar e enfia dentro da própria bolsa - Encheu
minha paciência para que eu te emprestasse! Desaparece com o meu livro! E nem
sequer lê?
- Você vivia dizendo que era incrível! Eu fiquei curioso.
- Curioso o suficiente para roubar meu livro, mas não para lê-lo? Cara de
pau! - repete, investigando minha estante - O que mais tem por aqui que não é
seu?
- É um livro infantil!
Gabrielle ergue um dedo para mim como se eu estivesse errado em mais níveis
do que ela tem disposição para explicar e eu me calo.
- Um box fechado de livros de Kafka, isso foi presente do Tony, com certeza.
- Como você sabe?
- É o autor favorito dele.
- Sério?
- O homem eternamente preso em uma vida, trabalho e relacionamentos que
detesta. - recita baixinho e eu não faço mais perguntas porque, de algum modo, me
parece muito pessoal - Não leu nenhum desses também, não é?
- Kafka, não. Tentei começar O Processo algumas vezes, mas muito chato.
- ESSE AQUI você já leu! - anuncia, pescando uma Playboy do meio dos livros.
- Um amigo me deu isso! De brincadeira!
- Claro. - sarcástica - A calcinha no seu sofá foi presente também?
- O quê? - eu encaro meu sofá depressa e vejo a calcinha fio dental de um
azul bem claro e paro de respirar.
Acho que me lancei com muito afinco contra as almofadas, em uma jornada fútil
para esconder a peça porque quando anuncio "isso aqui não é nada", a Gabi respira
como se mentira maior nunca tivesse sido dita em voz alta.
- Eu fiquei com alguém uns dias antes do Tony ligar. Já tinha esquecido!
Achei a calcinha embaixo da cama e coloquei aí para lembrar de devolver e…
Ela leva a mão ao peito em uma demonstração exorbitantemente exagerada de
choque:
- Dormiu com outra nas vésperas do nosso casamento? Cachorro!
Não foi na véspera, mas deixo meus ombros caírem porque ela vai me provocar o
resto do dia por causa dessa calcinha. Melhor eu aceitar.
Mais fácil.
- Pode rir.
- Eu vou! - ela tem um sorriso lindo que me derrete um pouco. Abandona minhas
estantes e vem tomar a calcinha da minha mão - A gente pode deixar isso… - joga a
peça longe de nós dois com uma careta nervosa.
- Pode. - quem está sorrindo sou eu. Tomo sua cintura e apoio a testa na
dela. Gabi não me olha nos olhos porque está deslizando os dedos pelos meus
ombros e verificando minhas tatuagens, a mostra sob a regata.
- Vai precisar colocar outra camisa. Ela viu as tatuagens no outro dia.
Assinto.
Sei que, provavelmente, deveria ir me trocar logo porque trem com menos
paradas e tudo o mais, mas sabe quando você chega em casa depois de um dia filho
da puta, toma um banho quente, veste pijama mais confortável, pega um pote de
Nutella, se enfia embaixo dos cobertores e liga um filme na Netflix?
A Gabi é isso.
A Gabi é casa e conforto.
Quando ela se encaixa nos meus braços daquele jeito faz a distância parecer
detestável.
Não consigo soltá-la.
Ela raspa os dedos sobre a rosa dos ventos em aquarela pintada em minha pele,
refazendo os traços com as unhas, todos os pontos cardeais, menos o Norte. Menos
a parte que ficou faltando na minha vida.
- Eu vou te dar um beijo. - suspiro, a verdade escapando sem que eu tenha
decidido dizê-la.
- Vai começar a anunciar a partir de agora? - tem um sorriso tímido.
Eu tenho uma resposta espertinha pronta, mas não tem nada que eu possa dizer
que seja melhor que beijar Gabi e aí é isso que eu faço.
Ela tem um jeito de apertar meus ombros e enfiar as mãos em meus cabelos que
me causa um tesão quase maior que as tatuagens.
Adoro o gosto que ela tem. O gosto da sua língua, do seu suor, do seu
sorriso.
Devia ter sido eu.
Devia ter sido eu a pedi-la em casamento desde o início.
Estou prestes a lhe dizer isso quando escuto a campainha tocar.
Não no estúdio. No meu apartamento.
O caralho da Fernanda.
A mulher foi posta na Terra pra me infernizar nos piores momentos possíveis.

**********************

Gabi

Luca respira fundo como se quisesse dizer algo e detestasse ter que esperar.
- Isso é loucura. - sussurro porque sei quem está do outro lado da porta -
Essa bagunça toda só para não precisar chamar o Antônio, Luca. Toda essa confusão
só pra, no fim, você ainda ter que passar um monte de tempo preso comigo. -
murmura - É loucura.
O carinho que faz em minha bochecha é com tanta ternura que parece que me
amou a vida inteira.
- Não, meu amor. - ele murmura, com a testa na minha - Loucura é todo o
resto. - beija minha mão e me leva até seu quarto.
Confesso que, de todas as vezes que imaginei Luca Zummo me levando para o
quarto dele depois de me beijar e me chamar de "meu amor", aquela nunca foi uma
possibilidade.
Beija minha testa e me deixa ali, sozinha. Fecha a porta atrás de si, mas o
apartamento é quase um flat. Vou conseguir ouvir tudo através da porta e,
sinceramente, não sei se quero.
- Fernanda? - escuto sua voz de falsa surpresa.
Ah meu Deus, Luca. Finge melhor do que isso, por favor.
- Luca! Quanto tempo! - a voz dela é falsa também, mas Fernanda é falsa com
frequência. Difícil saber se é especial dessa vez.
- Hm. Eu não quero parecer grosseiro, mas o que caralho você está fazendo
aqui?
- Isso é você "não querendo parecer grosseiro"?
- Talvez eu queira um pouquinho. E não te convidei pra entrar!
Fernanda ri com desdém e há um segundo de silêncio.
- Azul-claro, Luca? Nunca foi sua cor favorita.
- E desde quando você sabe minha cor favorita?
- Fio-dental é tão deselegante.
- Ah, é por isso que você tem tantos?
- Ainda está pensando em minhas lingeries?
- O que caralho você está fazendo aqui?
- Sua secretária disse que você não estava em casa, ontem.
- Isso não responde minha pergunta.
- Não vim aqui responder suas perguntas.
- Ótimo. Então, já pode ir. - a porta se abre.
- Sua secretária disse que você desapareceu no dia do casamento do seu irmão.
Mas não vi você por lá. Ficou escondido durante a festa, Luca? Estava com medo de
me ver?
Toco a porta que nos separa.
Consigo ouvir quando ele respira fundo.
É exatamente por isso que ele não quis ir ao casamento.
Porque ainda a ama.
Porque ainda… há algo.
"Misturar verdades com as mentiras". Tudo bem, Luca. Diga pra ela que ainda a
ama. Eu vou entender.
Vai doer como se tivessem me derrubado nua em água fervente, mas eu vou
entender.
- É melhor você ir embora, Fernanda.
- Por que não quis ir ao casamento, Luca?
- Não é da sua conta.
- É, se você estava com medo de me ver.
- Eu estava com medo de ver a Gabi. - explode.
- O quê? - consigo ouvir o nojo e a incredulidade em sua voz - Por quê?
- Porque… - ele ri de desespero - Porque eu a amo. Eu amo aquela mulher mais
que… E ela casou com o meu irmão. E eu preferi desaparecer em uma trilha do meio
do nada por uns dias.
- Você não é apaixonado pela Gabi. - decide - Está dizendo isso pra me
magoar!
- Lembra do que eu te disse na noite que a gente se conheceu?
- Não! - reclama, como quem lembra sim, mas se recusa a admitir - Você não é,
nem nunca foi, apaixonado pela Gabrielle. Você só quer me magoar por causa do que
eu fiz.
- É, o que você fez comigo foi nojento pra cacete. Mas não tem mais nada a
ver com você. Isso tudo é a Gabi. Sempre foi a Gabi.
- Bela tatuagem. - ela diz com raiva.
Fecho os olhos e mordo meus dedos.
Ele não trocou de camisa.
- Obrigado. - é tudo que ele responde.
- Seu irmão tem uma igualzinha, sabia?
- Claro que eu sabia. Quem você acha que tatuou ele?
Ela pausa.
- Fizeram tatuagens idênticas?
- Não são idênticas. Se olhar de perto vai ver que as linhas, na minha, são
mais certinhas. O Tony não parava de tremer com medo da agulha… foi um processo.
Mentiras e verdades.
Respiro fundo.
Aquilo é louco, mas soa verdade.
É a cara do Tony.
- Eu o vi ontem. Ele está mais… atlético.
- Não é? Está fazendo uma rotina de exercícios que eu recomendei. A que ele
tinha antes era uma porcaria.
- Vocês ainda se falam com frequência?
- Ele é meu irmão, Fernanda.
- Claro, claro.
- Veio até aqui só pra isso?
Silêncio.
Muito silêncio.
Acho que a ouvi respirar fundo.
- Não.
- E o que quer?
- Você?
- Fernanda, tenha um bom dia.
- Luca! Por favor, só me dá um minuto.
- 59 segundos, vai.
- Eu acho que eu estava com medo. Eu não estava pronta para casar, não estava
pronta para um compromisso.
- Isso é uma tentativa de pedir desculpas?
- Eu sinto muito. Não devia ter feito as coisas daquele jeito.
- Está desculpada.
- Luca.
- Inferno, Fernanda, o que mais você quer?
- Eu quero que você me diga que não teria dado certo! Quero que me diga que
nós dois juntos seríamos uma má ideia.
- Filha de uma… Você quer que eu te convença a não casar com o Vicente? Não,
meu bem, se você quiser ser sacana com o Noivo Número Dois, assuma sua
responsabilidade.
- Eu preciso ouvir da sua boca. Eu não consigo parar de pensar em você, Luca.
Nunca consegui! Se você me disser que a gente nunca teria dado certo, eu vou
acreditar e posso seguir com a minha vida.
- A gente nunca teria dado certo. Nunca.
- Olha nos meus olhos quando diz isso!
Ele pausa por um instante.
- A gente NUNCA teria dado certo. - repete.
- Não acredito em você.
- Filha da… Fernanda, sai da minha casa.
- Eu saio depois que você provar que não me ama.
Eu escuto os sons de desdém que Luca emite, sem conseguir acreditar que ela é
capaz daquilo.
Mas é.
Ela é capaz de qualquer coisa para não perder algo que acha que tem.
Principalmente se for pra perder pra mim.
Vai embora, vai embora, vai embora.
- E eu faço como pra provar? Um teste de revista? Pode me mandar por e-mail,
viu? Respondo com muito gosto.
- Talvez eu esteja usando um fio dental por baixo dessa roupa, Luca.
Filha da puta!
Não, não, não.
Estou apertando minhas têmporas.
Ela é maldita mas eu sei que é gostosa.
É o tipo de coisa que ninguém consegue olhar pra ela e negar.
E o Luca… é o Luca.
Meu coração se espreme e afunda.
Ela vai colocar as mãos nele. Ela vai beijá-lo.
- Eu achei que fio dental era deselegante.
- Quem liga pra elegância? - ela murmura - E o que estou usando agora é da
sua cor favorita. Quer vir descobrir se eu sei qual é?
- Você está noiva.
- Eu não preciso estar.
Ele não sabe o que dizer.
- Fernanda, vai embora.
- Lembra de quando eu te deixei no altar? Eu imagino como você não ficou com
raiva… principalmente quando soube do Vicente. Eu fui horrível com você, não fui?
Fui uma garota má. E se eu te mostrar o fio dental da sua cor favorita e te
disser que você pode me punir como quiser?
- Fernanda, não!
A voz dela está se aproximando. Ela vai entrar no quarto.
Vai entrar no quarto e vai me ver.
Por um lado, acabou a charada. Por outro, ela vai tirar as mãos dele.
Eu me pego na certeza de qual via seria a minha favorita.
- Pode me foder com a força que quiser, Luca. - ela está do outro lado da
porta. Imediatamente do outro lado. - E eu posso implorar o tanto que você
quiser.
- Eu ainda te amo! - ele grita e eu congelo.
O silêncio parece que vai acabar nunca.
- O quê?
- Eu ainda te amo. Eu estava tentando te magoar. Mas não quero você desse
jeito.
- Quer que eu acabe com o Vicente?
Eu aperto minhas mãos em punhos tão fortes que enfio as unhas na carne.
Misturar mentiras e verdades.
Não pode amar nós duas.
Qual das duas foi a mentira, Luca?
Qual das duas foi a verdade?
- Não. Mas eu não posso ficar com você desse jeito. Você precisa decidir o
que quer. Não vou fazer com o Vicente o que ele fez comigo.
- Luca… - ela derrete.
Está distante da porta, o que significa que está perto dele.
Mal consigo ouvir o que diz, deve estar tão perto dele agora que precisa
apenas suspirar.
Meus olhos ardem.
Ele mentiu agora, Gabi.
Ele não a ama.
Ele ama você.
Ele só disse isso para mantê-la longe da porta.
Pode ser que ele a beije para mantê-la longe da porta.
Pode ser que prometa amá-la pra sempre pra mantê-la longe da porta.
Eu DETESTO essa merda dessa porta.
Mas e se não foi?
E se não foi completamente mentira?
E se ainda há algo ali, mesmo que só um pouco?
Ela vai beijá-la e ele vai lembrar.
Vai ligar pro Tony, vai se livrar de mim.
E se casar com ela?
Abri a porta.
Não sei por quê.
Mas está aberta.
Estou tremendo.
- Gabi? - ela me encara como se nada no planeta fosse mais impossível. - O… o
que…?
Atrás dela, Zummo fecha os olhos e derruba a cabeça no ar.
- Terminei de olhar os rascunhos, Luca. Tem alguns que gostei bastante, mas
eu queria mais cor.
- Mais cor? - ela pergunta, erguendo uma sobrancelha. Está linda, a
miserável. Os cabelos loiros presos em um rabo de cavalo majestoso e um vestido
vermelho que desenha todas as curvas que ela tem: naturais e artificiais.
- A Gabi quer fazer uma tatuagem nova. - ele entende minha deixa.
Ela pausa por tempo suficiente para curvar os lábios em um sorriso quase
cartunesco.
- Claro que quer.
Se ela tinha alguma dúvida antes, agora tem certeza.
Luca está no lugar do Tony e eu estou apaixonada por meu cunhado.
Ela sabe.
É absolutamente inegável.
Luca ainda conseguiu fazer muitas mentiras parecerem quase palatáveis. E se
ela achasse de fato que ele está apaixonado por ela, é possível que seu ego
gigante a cegasse para todo o resto.
Mas agora…
Agora, ela sabia.
Mas, pelo menos, não ia mais beijá-lo.
Eu não consigo respirar.
- Bem. Acho que é a minha deixa. - ela acena - Luca. Nos vemos em breve.
É uma promessa.
É uma ameaça.

**********************

Luca

- O que diabos foi isso? - exclamo assim que Fernanda partiu há tempo
suficiente para estar bem longe.
Gabi tapa os olhos nas mãos e se encolhe até curvar o corpo.
- Eu não sei! Não sei!
- Ela estava acreditando em mim! Estava tudo sob controle!
- Eu sei! Mas você… - ela levanta e seus olhos estão úmidos. A Gabi triste é
um negócio que me destrói - Você disse que a amava. Disse que a amava e eu…
- Eu estava mentindo! Ela ia entrar no quarto!
- Você disse que ainda a amava!
- Gabi! - eu levo as mãos aos cabelos antes de ir até ela. - Eu te amo. -
tomo seu rosto nas mãos e coloco seu olhar em mim - Está me ouvindo? Consegue
entender isso? Eu te amo. Amo você. Mais ninguém. Eu passei a odiar meu irmão por
ele ter tomado você. Passei a me odiar por ter sido idiota por tanto tempo. E eu
sei que nossa vida agora é uma bagunça, mas eu te amo! Olha pra mim. - repito
devagar - Te amo. Por favor, aceita isso.
- Eu estraguei tudo. - ela se encolhe no meu peito e eu beijo seus cabelos.
- Não, meu amor.
- A gente vai precisar ligar pro Tony, agora.
Respiro fundo porque… é. Acho que vamos precisar.
- Acho que está na hora. - sinto meu peito doer.
- Mesmo? - choraminga, agarrada a minha camisa - Não acha que tem mais nada
que a gente pode fazer?
O quê?
Ela não quer ligar pro Tony.
Ela também não quer ligar pro Tony.
Beijo seus cabelos de novo, tentando impedir meu sorriso.
Aperto meu abraço ao seu redor.
- Sabe? Acho que ainda tem mais algumas coisas que a gente pode tentar.
16 - Norte
Gabi não quis voltar pra casa.
Ela quis fazer amor no meu sofá, comer omeletes no café da manhã, tentar
surfar com uma das minhas pranchas e conhecer o estúdio de tatuagem.
Foi isso que Gabi quis fazer e foi isso que a gente fez.
Esquecer o mundo por um dia. Acho que ela estava se despedindo. Acho que ela
não acreditou que eu ia dar um jeito de resolver a Fernanda e que o Tony voltaria
em breve.
Eu curti o nosso dia de fuga assim como curtia qualquer segundo que eu
passava com ela. Mas isso não ia ser uma despedida. Mesmo que Fernanda tivesse
descoberto tudo: entre ela saber e ela conseguir provar, havia um abismo. O que
ela ia fazer? Arrancar um fio de cabelo meu para fazer um teste de DNA? O
resultado seria prova nenhuma.
Na pior das hipóteses o Tony ia ter que, de fato, fazer a tatuagem e começar
o crossfit. Mas sinceramente? A essa altura do campeonato, o Tony que se foda.
Ele é bem grandinho, ele é capaz de fazer um sacrifício ou dois.
Seria a nossa palavra contra a da Fernanda.
E a palavra da Fernanda não valia de muita coisa, principalmente considerando
seu histórico com nossa família.
O sol já está se ponto quando entramos no meu apartamento.
- Pegamos o trem amanhã cedo? - pergunto.
Ela dá de ombros, na linguagem internacional de "é o jeito".
- A gente pode fugir por mais um dia, se você quiser. O Marco resolve tudo. -
assinto.
Sua risada é alta.
- Que foi? Eu sei que a gente pode confiar nele, agora. - concordo.
Mas ela me ignora.
Quando se vira pra mim, com a pele dourada e os cabelos cacheados ainda
úmidos, apenas estende uma mão.
- Vem me dar um banho.
Não é uma pergunta, até porque ela já sabe a resposta.
Mordo meu sorriso e a sigo para o meu chuveiro.
Ela está nua antes que eu tire a camisa. Vem me despir e eu não faço nada
para ajudá-la porque está tão quente e pelada nas minhas mãos que quero que
demore o máximo possível.
Mordo um de seus peitos com força, ela ri e liga o chuveiro. Eu a empurro
para debaixo da água, agarrado ao beijo, antes de me livrar da bermuda. Jogando
nós dois contra a parede com a pressa que o tesão exige, escuto-a reclamar porque
a angústia foi tanta que sequer notei tê-la apertado contra a torneira do
chuveiro. Beijo sua boca, apertando seu corpo… tem uma bermuda no meu caminho
atrapalhando minha vida. Não demoro a me livrar dela e aí somos só nos dois e a
água. Não acho que estou fazendo um trabalho muito bom em dar um banho em Gabi,
como ela pediu, mas acho que estou fazendo o possível com o que me foi dado e não
escutei qualquer reclamação dela, então sigo.
E sigo.
E sigo.
Até restarem só as línguas e os corpos.
Nenhum pensamento.
Nenhum receio.
Nenhuma bermuda (essa parte é importante).
Ela atinge sua crise gemendo meu nome, mordendo o meu lábio, e aí é
impossível afastar a minha.
O banho, depois disso, é lento, descompromissado. Enrolo uma toalha ao redor
da minha cintura e outra ao redor dela antes de ir fazer uns sanduíches.
Quando volto para o quarto, Gabi está inspecionando minhas roupas. Enfiou-se
em uma de minhas camisas e está analisando uma porção de outras.
- Acha que preciso de mais paletós, como Tony?
- Acho que você ficaria gostoso nisso aqui! - mostra uma camisa que escolheu.
- Fico. Eu fico gostoso em tudo. Fico gostoso sem nada também.
Ela solta minha toalha e ergue uma sobrancelha.
- Verdade.
- Posso me vestir? - rio.
- Hmm. Não. - decide.
- Você se vestiu!
- Eu coloquei uma de suas camisas! - ela anuncia, como se fosse explicação
suficiente - Estou nua por baixo.
Estou prestes a discordar, mas ela senta na cama e coloca o próprio braço
entre as coxas quando se empurra para trás no colchão. O movimento faz com que a
barra de minha camisa se enfie entre suas pernas, esfregando-se bem direitinho na
sua…
Parece acidental, mas ela me encara para deixar claro que é de propósito.
- Cuidado com essa camisa, é minha favorita!
- Ah! - ela se preocupa - Eu não sabia! Peguei a primeira que…
- Não, não era a favorita antes. - explico, deixando os pratos sobre o criado
mudo para poder apertá-la contra os lençóis - É minha favorita agora.
Enfio minha mão entre suas coxas, esfregando a barra da camisa contra seu
clitóris. Bem devagar e maldito.
Ela fecha os olhos.
- O que está fazendo?
- Só pra ter certeza que ela vai ficar com teu cheiro pra sempre.
Mas a barra da minha camisa é como a bermuda: me atrapalha.
Tiro ela do caminho e escorrego minha boca pelo corpo semi nu de Gabi.
Trago sua boceta inteira pra minha boca e fico ali.
É curioso porque não tenho qualquer pressa. Não é tanto sexo oral quanto é…
um beijo?
Passo minha língua devagar por todos os lugares, mordisco o que couber entre
meus dentes, chupo só para provocá-la. O corpo de Gabi, no entanto, não parece
sentir diferença entre meu beijo e um sexo oral. Ela se contorce como se fosse o
segundo quando claramente deveria ser só o primeiro.
Mas olha, eu gosto de beijo de língua, é por isso que enfio a minha nela. Seu
corpo se arqueia inteiro, arranhando meus ombros, agarra meus cabelos puxando-me
para cima.
- Luca, Luca…
Só que eu não vou sair daqui, não, viu meu bem? Se você quiser conversar,
arranje outra pessoa.
Agarro suas coxas tentando mantê-la quieta. O problema é que Gabi rebola de
um jeito capaz de me fazer esporrar no colchão.
- Luca, não.
Palavra mágica.
Paro.
- O que foi, amor?
- Para.
- Fiz algo errado?
- Não. Fez algo certo. - está sem fôlego - Mas eu estou morrendo de fome e se
você continuar eu vou acabar desmaiando. Só, por favor, não faz a piada de
primeiro comer o sanduíche e depois me comer.
- Jamais! - minto - Quer assistir alguma coisa?
Ligo a televisão e me jogo nos travesseiros ao seu lado. Um sanduíche pra
cada. Ela devora o seu em minutos e depois vem morder meus lábios. Eu ainda estou
comendo, mas levar mordidas de Gabrielle é uma coisa que me incomoda em nada.
Me livro dos pratos assim que terminamos, para deixar que ela me morda
melhor.
- Você está com gosto de maionese. - murmura.
- É? Deixa eu ver do que é que você tem gosto. - enfio minha língua em sua
boca, puxando-a para um beijo que, dependesse só de mim, demoraria horas.
Ela ri na minha boca e me deixa beijar seu decote antes de deitar a cabeça em
sua barriga. Fica ali provocando suas coxas em um carinho preguiçoso, beliscando
seus seios quando ameaça perder sua atenção.
Seus dedos em meus cabelos fazendo um cafuné que quase me faz cochilar.
Sua respiração é calma. Tranquila.
Estou quase pegando no sono.
- Fui apaixonada por você por anos. - sussurra.
Ergo o olhar.
Ela parece desistir. Parece estar se despedindo.
Apoio-me nos cotovelos para levar minha boca para a dela.
Um beijo.
Um só.
- Pede o divórcio. - imploro - Vocês não se amam, Gabi. Pede o divórcio e vem
ficar comigo. O Tony se vira.
- Luca…
- Ele é um homem adulto, precisa aprender a enfrentar o pai.
- E você acha que sua família ia entender? Se eu me divorciasse de um irmão
para casar com o outro?
Meu choque é tão grande que eu demoro dois segundos para responder.
- Gabrielle, quem liga? Olha bem pra mim! Eu tenho cara de quem se importa se
minha mãe acha que Jesus não está feliz comigo?
- Do jeito que você fala tudo parece simples. Eu estou tentando ser uma boa
amiga e uma boa pessoa.
- Diz que não me ama.
- O quê?
- Olha pra mim e diz que não me ama.
Ela engole em seco e me encara em silêncio.
Pânico e silêncio.
- Então me faz um favor? - peço.
- O quê?
- Diz que me ama. Porque acho que ainda não te ouvi dizer.
Ela derrete e cola o nariz no meu.
- Te amo.
- Viu? - eu tenho certeza que tenho um sorriso idiota na cara - Não dói.
- Não, não dói.
- Quer experimentar de novo?
- Te amo. - repete - Te amo.
Eu a beijo.
E de novo.
E mais uma vez.
- Pede o divórcio. Ele vai voltar, Gabi, mas você não é dele. Você é minha.
Vem ficar comigo.
- O que você disse pra ela?
- O quê?
- Na noite que vocês se conheceram? Você disse pra Fernanda que disse algo
pra ela. O que foi?
Dou uma risada baixa.
- Foi você que nos apresentou, lembra?
- Lembro. - sua careta deixa claro que não é uma memória agradável.
- Quando comecei a conversar com ela… eu estava querendo dicas de como dar em
cima de você.
- O quê?
- É, ela estava me provocando e disse algo como "todas as mulheres aqui
dariam pra você" e eu disse "menos a Gabrielle". Ela respondeu com algo como "a
Gabi seria a primeira da fila", e essa frase me interessou bastante. Eu sabia que
ela era sua amiga, pelo menos na época ela era… e aí pensei que talvez eu pudesse
pegar alguma dica. Eu devo ter passado uma boa hora falando de você enquanto ela
dava descaradamente em cima de mim. Com o tempo, ela me ganhou pelo cansaço. E
depois, me envergonha dizer, me ganhou de outros jeitos.
- Te ganhou pelo cansaço? Você levou ela pra casa naquela noite!
- O Luca adolescente se cansava rápido. - defendo e ganho um tapa.
- Vinte e um anos é adolescente?
- Minha adolescência foi um estado de espírito que durou um pouco mais que
isso, acho que você vai concordar.
Ela assente.
- Mas você não respondeu minha pergunta.
Faz carinho em meus braços.
- Não posso me divorciar do Tony assim, Luca. Você não entende, não é tão
simples assim. Eu não sou o tipo de pessoa que o deixaria sozinho em um momento
como esse. Ele precisa de tempo e precisa de mim. E vai ter essas duas coisas. Se
isso faz com que você me deteste, eu entendo mas…
- Quanto tempo?
- Não sei.
- E se eu esperar?
- Luca… você não conseguiu esperar por mim por uma noite. Acha que seria
capaz de esperar meses?
- Eu esperaria anos.
- Você me pediu um favor e agora eu vou te pedir um.
- O que quiser.
- Por favor, não promete coisas que não pode cumprir.
- Gabi….
- Por favor.
Eu a abraço e me calo.

**********************

Eu acordo antes dela.


Eu a assisto dormir por uma hora que na verdade parece um minuto.
Beijo seus cabelos assim que começa a acordar.
Levanto para fazer o café e… outra coisa.
Uma coisa que está na minha mente desde a hora que acordei.
Rascunho no pedaço de papel enquanto ela fica pronta.
- É melhor irmos ou vamos perder mais um dia! - avisa - E temos o jantar com
os Adriatic hoje a noite. Vai ser um dia longo.
- Hm. Eu desenhei uma coisa para você. - ergo o bloco.
- Um carro! - brinca.
- Talvez um dia. - estou rindo. Ela me dá um beijo rápido:
- O que é?
- Você vai precisar de uma tatuagem.
- O quê?
- Disse pra Fernanda que ia fazer uma tatuagem, lembra?
- Ah, eu…
- Ainda posso salvar isso, mas a história precisa bater. Você precisa pelo
menos de uma arte.
- Fez a arte de uma tatuagem pra mim?
- É claro que não precisa fazer. É seu corpo. Mas, é bom pelo menos ter uma
arte para mostrar, caso ela pergunte.
- Posso ver?
Viro o bloco para que ela veja o desenho feito em aquarela.
Observo seu rosto quando ela para de respirar e pega a folha nas mãos.
- Luca…
- É só uma arte. Só se precisar.
Desliza os dedos pelas linhas. Os traços e a paleta de cores seguem a minha.
Mas o pedaço da rosa dos ventos que desenhei para ela, está cortado. Apenas a
parte superior. Apenas um ponto cardeal. Apenas o Norte.
A parte que faltava em mim é ela.
17 – Vidro ou cristal
Abro a porta do carro para a Gabi e ela toma minha mão assim que desce. Sou
eu quem entrelaça nossos dedos. Não é um gesto intencional de nenhuma das partes.
É natural. É porque ela é minha e eu prefiro ter sua mão aqui. É porque eu sou
dela e ela toma a parte do meu corpo que quiser.
Verifico as horas e sei que estamos quinze minutos atrasados, mas Paola disse
que não se incomodava quando ligamos, ainda no caminho. O jantar naquela sexta-
feira, que deveria ser na nossa casa, foi transferido para um restaurante chamado
Alho Vermelho que inaugurava naquele mesmo dia.
Paola conseguiu reservas, não sei como, e nos convidou. Gabi achou melhor
assim porque poderíamos ir embora a hora que fosse conveniente. Eu não sofro do
mesmo problema porque sei que eu e Paola já nos entendemos com uma boa dose de
honestidade.
A porta é de vidro, as paredes da entrada também. Tudo transparente a não ser
por uma única linha de pedra vermelha, bem fina e discreta que parece atravessar
toda a fachada do lugar.
Os lustres de luz indireta e o tapete cor de carvão deixam bem claro que o
lugar é chique e caro. Alguns lugares colocam na porta um cartaz escrito
"americano 8,99", outros colocam o cardápio em cima de um pedestal pra você saber
se dá pra entrar ou não. E outros, colocam poltronas de vidro em cima de um
tapete persa escuro e aí você já sabe se cabe no bolso ou não só de conferir a
mobília.
Se bobear é um desses lugares New Wave que o chef é quem decide o que você
vai comer, e nenhum dos doze pratos servidos na noite oferecem mais que uma
garfada.
Veja bem, eu sei que cresci no luxo, mas a verdade é que sempre fui o cara do
americano 8,99.
Essa coisa de não escolher o que eu vou comer e pagar pra sair com fome não é
combina com minha personalidade. E quem diabos senta em uma poltrona de vidro?
O piano de cauda na recepção tem um tampo de vidro, o balcão do bar é todo de
vidro, grosso e transparente, deixando a mostra garrafas caras de vinho,
organizadas em um padrão digno de deixar qualquer transtorno obsessivo compulsivo
dormir tranquilo. As mesas são de vidro, não só o topo, mas também os pés. Os
copos e pratos, também transparentes, desaparecem na mobília fazendo parecer que
as pessoas estão comendo e bebendo no ar. Garçons dançando pelo salão com
bandejas de vidro e eu estou começando a achar que tem vidro na comida.
As cadeiras são desconfortáveis, mas pelo menos não são de vidro.
- Belíssimo o lugar, não é? - Paola diz assim que terminamos os cumprimentos
e estamos sentados.
- Não é muito meu estilo. - ergo a sobrancelha, verificando os arredores -
Mas vou confiar em você.
- Faço o pedido por todos? - ela pergunta.
- Paola… - Augusto começa sua longa noite de colocar limites em sua esposa.
- O que foi Augusto? Eu só…
- Eu prefiro pedir minha comida, Paola. - cantarolo, piscando um olho. Ela ri
porque nossa amizade aparentemente se baseia em uma dose sobrenatural de
honestidade seca.
E acaba que, exatamente por isso, aquela é a última pergunta inconveniente de
Paola pela noite.
Sempre que ela está perto de algo incômodo, eu mesmo dou o limite ou respondo
antes que ela pergunte. Ela ri sem falha. Acho que nunca foi tratada de modo tão
espontâneo por alguém de fora de seu círculo familiar.
Gabi segue minha liderança e depois de pouco tempo está, ela também,
respondendo perguntas antes que nossa amiga tenha coragem de fazê-las.
Amiga.
Paola é uma amiga, sem dúvidas.
Uma amiga estranha.
Mas quem não tem amigos estranhos não teve uma vida bem vivida.
Depois de dois pratos e duas tacas de vinhos, até o sempre tão discreto
Augusto já se sente a vontade para compartilhar algumas de suas histórias
constrangedoras ao lado da esposa. Histórias que, sem dúvidas, deve preferir
esconder por modéstia ou vergonha mas que, sentindo-se seguro, agora conta em
narrativas rebuscadas sem poupar palavras.
Está rindo - e fazendo rir - agora mesmo, no meio de uma história, quando
sinto a mão em meu ombro.
- Boa noite. - ela interrompe a frase de Augusto de um modo bem mal-educado,
se me perguntar, já que ele parecia estar na conclusão.
- Fernanda. - respiro fundo.
Parece um encosto recém-adquirido.
Até semana passada eu podia até esquecer que ela existia.
Agora, eu não conseguia atravessar uma porta sem esbarrar com ela do outro
lado.
Gabi dá um longo gole na sua taca de vinho e finge que não a viu.
- Gabi, querida! E Paola, como vai? Seu vestido está belíssimo!
Do outro lado da mesa, os olhos de Paola brilham. Ela adora ser incluída em
qualquer grupo de amizades e o elogio a encanta imediatamente.
- Oh, obrigada! Mas o seu ainda ganha! - evidencia.
Eu encaro meu prato.
- Acha mesmo? - percebo-a descendo as mãos pelas curvas ao meu lado, tentando
trazer o olhar de todos não para o vestido, mas para seu corpo.
- Acho!
- Você é um anjo! E quando podemos marcar aquele jantar? - ela aponta para
trás de si - Amor!
- Boa noite. - Vicente cumprimenta e eu tenho que respirar fundo.
Gabi aperta minha coxa por baixo da mesa, mas a porcaria é toda de vidro e eu
tenho medo que sejamos pegos em nossa pequena troca de conforto.
- Boa noite. - cumprimento, amarelo.
- Amor, estamos devendo um jantar para Paola e Augusto, lembra?
- Não, não é necessário… - Augusto começa.
- Ora, mas será um prazer recebê-los! – Paola interrompe o marido - É só
dizer o dia!
- Próxima semana! - Fernanda sorri com uma simpatia que não lhe cabe.
- Perfeito! - Paola gesticula - Na sexta?
- Eu te ligo para combinarmos os detalhes!
Augusto encara o vazio de vidro e eu imagino que aquela conversa já deve ter
se repetido algumas vezes. O convite nunca deve ter sido realmente aceito e o
jantar seria, sem dúvidas cancelado. Mas sua esposa gostava de manter esperanças
e ele não gostava de privá-la do que quer que fosse.
- Nos vemos na sexta, então! - sorri.
- Certo, mas oh… por que não nos… Vocês não se incomodam se nos juntarmos a
vocês?
Ela chama o maitre antes mesmo que alguém responda sua pergunta e já pediu
uma mesa com mais duas cadeiras. O restaurante é chique e não parece ser do tipo
que gosta de acomodar mais pessoas do que uma mesa suporta. Ao mesmo tempo, no
entanto o restaurante é chique e não parece querer que seus clientes saiam
insatisfeito. As duas cadeiras de vidro aparecem, assim como mais talheres,
pratos e copos.
- Nós já começamos a jantar… - Gabi ainda ensaia, mas é tarde demais. Estão
sentados e fizeram seus pedidos.
Paola espalha-se, e é o reflexo da felicidade.
Fernanda lhe dá um pouco de atenção e parece saber exatamente como fazer a
outra funcionar.
Eu encaro Gabi por um segundo e coloco minha mão sobre a mesa para que ela
entrelace os dedos nos meus.
Augusto se cala porque o conforto que sentia quando éramos quatro não é o
mesmo que sente agora que somos seis. Até mesmo porque Fernanda deixa pouco
espaço para outra pessoa falar e isso é muita coisa considerando que divide a
mesa com Paola.
O silêncio domina o resto de nós que deixa a conversa ser conduzida pelas
duas até que…
- Ah! Eu encontrei com o Luca essa semana!
- Ele me contou. - decido rápido, tentando matar o assunto.
- Luca é o irmão gêmeo do Tony. - explica para Paola que, rainha das
conversas paralelas em todos os círculos, certamente já conhece aquela informação
- Eles são idênticos. Muito idênticos.
- Gêmeos univitelinos, não é Tony? - Vicente quer saber. Eu apenas assinto.
- Mas é mais que isso! Eles têm até as mesmas tatuagens! Já imaginou? -
Fernanda provoca.
Augusto acena para mim com interesse.
Gabi, no entanto, parece estar muito perto de perder a paciência. Solta os
talheres no prato e esconde os olhos atrás da mão.
- Luca é tatuador. Foi ele quem fez a arte.
- O que significa? - Fernanda entrelaça os dedos - As tatuagens?
- É pessoal.
- Ora vamos, Tony. Por que não nos conta? - adoraríamos saber.
- Só se não se incomodar! - Paola, já acostumada com nosso excesso de
honestidade, aprendeu depressa a conhecer meus limites.
- É algo íntimo. Entre eu e meu irmão.
- Deixe de bobagens, Tony. Estamos em família aqui! Não é, Paola?
- Família? Por quê? - Gabi explode - Por que você o deixou no altar e o
trocou pelo Vicente? E o que o Vicente acha de você sair às pressas no meio da
semana para visitar um ex-noivo? Talvez eu devesse contar para ele o que te ouvi
dizer quando estava lá?
- Você também estava lá, Gabi? - Vicente ergue uma sobrancelha. Não sei que
história Fernanda lhe contou, mas ele parece suspeitar de algo, agora, pela
primeira vez.
Gabi se desconcerta.
- Gabi foi fazer uma tatuagem. Não é, Gabi? - Fernanda pergunta, bem devagar
- Por que não nos mostra?
- Fui só ver a arte. - engole em seco.
- Foi até lá só ver uma arte? Ele não podia ter mandado a imagem. Que
estranho, hein Tony? Sabendo do passado da Gabi, eu no seu lugar teria receio de
deixar aqueles dois sozinhos.
- E eu no teu lugar tinha receio de abrir a boca pra falar da vida dos outros
ou eu…
- Gabi! - peço e ela cala.
Aperta minha mão espremendo meus dedos.
- É que vocês dois são tão idênticos. Acho que se trocassem de lugar, ninguém
iria perceber! Já imaginou que loucura! Até as tatuagens são iguais. E o Luca eu
ainda entendo… mas você sempre detestou agulhas, Tony.
Ela sabe.
Está se divertindo às nossas custas.
Plantando a dúvida em um casal que adora fofoca e deixando-os causar o
incêndio em seu lugar.
Eu vou agradecer a companhia e dizer que estou com muita dor de cabeça. É
melhor. É mais fácil.
O estrago já está feito.
Mas aí…
- Eles são realmente idênticos. Quando subiram os dois no iate eu achei que
está vendo em dobro, não foi, Augusto? Eu disse "Augusto, o que você colocou na
minha bebida, porque estou bêbada".
Fernanda cala e o sorriso desaparece. A mesa inteira está olhando para Paola.
- Você… já viu o Luca?
- Sim, por coincidência estávamos no mesmo resort que esses dois aqui foram
para Lua de Mel! E o Luca apareceu no primeiro dia. Ou foi no segundo? Não lembro
mais! E como eles já não estavam mais a sós mesmo, arrastei todos para um almoço!
- Luca e Tony? No resort? - Fernanda parece tentar resolver uma equação.
- E são realmente idênticos! Até a tatuagem. Nenhuma diferença.
Fernanda para de respirar.
- Os dois tinham a mesma tatuagem?
- No braço e no ombro, não é? - Augusto parece entender o que a esposa está
fazendo.
Gabrielle nem respira.
- Mas o Luca tinha outra, não tinha? - Paola arrisca.
Eu engulo em seco e decido assumir, porque dependendo do que ela diga, vai me
foder.
- No antebraço. - digo.
- Exato. - ela aponta - Não lembro mais o que era, mas lembro que ele estava
tentando te convencer a fazer a mesma, para ficarem idênticos.
- E você queria fazer uma de mentira! - Augusto ri - O Luca brincou que você
tinha medo de agulhas e só faria outra se fosse das de chiclete.
Uma risada de confidência se espalha baixa pela mesa e Fernanda está
atordoada.
- O que o Luca estava fazendo na sua Lua de Mel? - ela ergue a sobrancelha.
Respiro fundo, mas Paola é mais rápida:
- Ele queria cumprimentar o casal, mas não queria ver você. - sorri - E
ninguém pode culpá-lo, não é? Principalmente considerando que ele já seguiu com a
vida dele e você ainda vai visitá-lo mesmo noiva.
- Paola, isso é inapropriado. - Vicente, leva o guardanapo aos lábios.
- Inapropriado é o que ela disse para o Luca quando foi vê-lo. - repete a
sugestão de Gabi.
Fernanda olha para Gabrielle em choque como se não acreditasse que ela já
tivesse contado aquilo a alguém. Principalmente a Paola, de todas as pessoas.
Gabi dá de ombros sem dizer uma única palavra. Apenas dá mais um gole no seu
vinho para tentar esconder o sorriso.
- Eu não disse nada demais ao Luca! - mente para o noivo - Mas eu queria
perguntar ao Tony aqui o que…
- Não. - Paola decide - Olha, garota, você é muito mal educada.
- Perdão? - leva a mão ao peito, em choque.
- Mal educada! - repete - Nós estávamos aqui, jantando em paz. Você chega, se
convida para jantar na minha casa, depois se convida para senta conosco,
sequestra a conversa para passar uma hora falando de si e depois entope meus
amigos de perguntas desagradáveis. Acho melhor você levantar.
- O quê?
- Estou te dizendo para levantar. Essa mesa é minha. A reserva é minha. E é
para quatro. Prefiro que saia. E também prefiro que não vá pra minha casa na
sexta. E nem em nenhum outro dia.
Vicente já respirou fundo e se colocou de pé. Mas Fernanda ainda encara
Augusto antes de ter qualquer reação.
- Você ouviu minha esposa. - é tudo que ele diz, com infinita paciência.
Agora sou eu quem esconde o sorriso atrás do gole de vinho.
Os Indesejáveis se vão e eu me preparo porque sei que vou precisar dar uma
explicação.
Alguma explicação.
Qualquer explicação.
Mas Gabi é mais rápida:
- Paola, eu…
Ela ergue a mão.
- Meu bem, não se incomode. - pede - Eu sei que eu gosto de conversar e fazer
perguntas, mas… - ela dá de ombros com um sorriso módico que nunca combina com
ela - Eu também sei que a privacidade de uma pessoa é… privada. - conclui, como
se a explicação fosse desnecessária - E aquela garota é muito desagradável e
merecia ouvir algumas verdades.
Gabi ri.
- Obrigada.
- Não precisa agradecer.
- Paola… - é minha vez.
- Eu disse que não precisa agradecer! E você sabe que eu sou honesta! Pelo
menos com você. - brinca.
Fernanda e Vicente terminam o jantar em outra mesa.
Nós terminamos a noite em paz.

**********************
Fernanda

- Fernanda! O que está fazendo?


- Só peça a conta, Vicente. - reclamo.
Luca e os outros três saíram da mesa e o garçom está chegando para recolher
tudo.
Consigo vê-los a distância. Do outro lado da parede de vidro, esperando o
manobrista.
Pouco me importa se vão me ver.
Tem duas certezas que eu tenho na minha vida e não importa o quanto Gabi ou
Paola tentam me convencer do contrário:
1 - O homem que vi nos últimos dias NÃO é o Tony.
2 - A Gabi não vai ficar com meu Luca.
Se vai ser preciso um pequeno inferno para resolver essa situação, então sou
eu quem vai abrir os portões.
A abordagem indireta não funcionou, então vamos voltar para o que funciona.
Só preciso de uma prova definitiva e uma visita aos seus pais.
Pego a taça de cristal que Luca usou durante o jantar. Ainda há um pouco de
vinho ali, mas não é isso que me interessa.
O que me interessa são as impressões digitais que ele deixou pra trás.

**********************

Luca

Eu cheguei em casa achando que tinha feito as pazes com o Destino.


Parecia que, além de todas as nossas expectativas de desastre, no fim ia dar
tudo certo.
Tentei convidar Paola e Augusto para outro jantar, conhecendo a animação da
mulher diante de convites, confesso que sua recusa me fez hesitar. Ela, no
entanto, me garantiu que a recusa não era por falta de vontade e pediu que eu
repetisse o convite na semana seguinte.
Eu só assenti e concordei.
Ela recusou por receio que o convite tivesse surgido apenas por educação
depois de suas mentiras em nosso favor.
Estava enganada, mas era compreensível.
- Não pode esquecer de convidar Paola e Augusto de novo na próxima semana, ou
ela vai pensar que…
Eu beijo Gabrielle na boca para que se cale porque já sei o que ela vai dizer
e, sinceramente, é até curioso que ela estivesse remoendo exatamente a mesma
questão que eu.
- Quer assistir um filme na cama? - pergunto.
Ela pausa, com um sorriso que é quase um choque.
- Você ouviu o que eu disse?
- Ouvi. E você ouviu o que eu disse?
Respira fundo como se já tivesse aprendido que, às vezes, não vale a pena
lutar contra minhas loucuras.
- Nunca achei que Luca Zummo fosse o tipo gentil que assiste filme na cama.
- Bem… eu ainda não disse que filme a gente vai assistir.
Gabi apoia-se no sofá para tirar os saltos. Um de cada vez. E eu me permito
admirar suas coxas sob o vestido curto. Só um pouco, nada demais.
- Ah é? - ri.
- Morenas Fogosas 7.
Ela ri muito alto.
- Por que esses filmes sempre têm um milhão de sequências?
- Porque o mundo tem muitas morenas fogosas.
Levo um tapa no peito mas agarro sua cintura com força.
- Luca, se você disser "e tem uma bem aqui" você vai dormir sozinho hoje!
Enfio a mão por baixo de sua saia para deslizar um dedo em sua calcinha.
Bem lento e preguiçoso.
Um toque tão suave que é mais raspar que agarrar.
Ela se contrai, apertando meus ombros. Beijo o canto de sua boca e vou
respirar em seu pescoço quando tiro a calcinha do caminho. Meu toque nunca é
rápido, nunca é agressivo. É só um… carinho. Fico especialmente lento quando
encontro o pontinho inchado bem acima da sua entrada. Esfrego meu polegar bem
ali, bolinando-a até perceber o tremor em suas coxas e em sua resiliência. Há
pouco nessa Terra que deixe mais claro os desejos de uma mulher com tesão do que
um tremor involuntário nas pernas. Ela está úmida quando eu suspiro:
- E tem uma bem aqui. - provoco - Ainda quer que eu vá dormir sozinho? -
ameaço tirar a mão mas ela agarra meu pulso mantendo-me no lugar.
- Você nem se atreva!
Estou rindo e esperando que ela venha beijar meu sorriso quando o telefone
toca.
- Deixa tocar. - pede, esfregando-se em minha mão.
Veja bem, eu sou um cara de poucas pretensões.
Uma mulher gostosa que me deixa doido só com um gemido, se esfregando na
minha mão e me pedindo pra ficar, é bem o topo da minha escala de eventos. A não
ser que a pessoa no telefone seja o Tony, ligando pra dizer que foi embora pra
sempre e que, na verdade, nós dois fomos trocados na maternidade então o Tony
casado com a Gabi, na real, sou eu mesmo… é bem difícil que aquela ligação seja
mais importante que a mulher na minha mão.
Principalmente agora que ela começou a me morder.
Vou deixar tocar.
É claro que eu vou deixar tocar.
Na verdade, não sei nem porque ela me pediu isso já que eu nem estava
considerando atender.
Mordo os lábios de Gabrielle e enfio minha língua na dela.
Tem dia que você tem vontade de pegar uma mulher com carinho e fazer amor.
Mas tem dia que você tem vontade de comer ela com tanta força que pornô
começa até a parecer comédia romântica.
Eu estou bem nesse segundo espírito é por isso que, quando o telefone começa
a tocar de novo, eu estou levemente incomodado.
Gabi ficou nua porque eu não brinco em serviço e ela pelada na minha língua
faz meu sangue inteiro descer. O som do telefone fica até mais baixo já que eu só
consigo escutar meu coração batendo.
É só quando o telefone toca pela terceira vez que ela ofega, irritada e
revira os olhos.
- Deixa tocar! - sou eu quem imploro.
Ela respira fundo e coloca uma mão no meu peito que significa "calma".
Eu detesto aquela mão no meu peito que significa "calma".
Duro de tesão com uma mulher boa pelada na minha língua.
E ela quer que eu tenha calma pra ir atender o telefone.
Tá né?
Fazer o quê?
Atendo o telefone com raiva, mas a Gabi também é gente e está tão molhada que
é quase um desperdício eu ter que parar agora. Então, ela acha de bom tom me
morder.
Eu também acho o tom ótimo.
Os dentes dela no meu queixo enquanto eu digo alô.
As mãos abrindo os botões e se enfiando por minha camisa.
O tom é maravilhoso.
O da Gabi.
Porque o da pessoa do outro lado é o da senhora minha mãe e, acredite, tem
pouca coisa nesse mundo capaz de fazer um homem brochar tão depressa quando a voz
da sua mãe dizendo "Filho?".
Pouca coisa.
Quase nenhuma.
- Mãe. - empurro Gabi pra longe porque aquelas ali são duas sensações que meu
cérebro não consegue receber ao mesmo tempo.
Ela segura a risada porque entende meu problema de imediato. Mas agora ela se
afastou usando nada além de uma lingerie verde-clara e eu estou sentindo algo
dentro de mim explodir.
Gabrielle tem uma bunda que me faz pensar que quem devia estar dando as
mordidas era eu.
- Oi mãe.
- Filho, está tudo bem?
Defina "bem".
- Tudo ótimo e a senhora?
- Tudo… estranho.
Gabi morde a ponta da língua percebendo que meu olhar não a abandonou. Começa
a despir a lingerie ali mesmo, no meio da sala e eu estou suando frio.
Eu vou foder a Gabrielle tão forte dali a cinco minutos… Vai ser punição
mesmo. Foder aquela boca travessa e aquela bocetinha molhada até fazê-la perder a
visão.
Ou pelo menos esse era o meu plano, quando eu ainda achava que eu e o Destino
tínhamos feito as pazes e tudo ia dar certo.
Aí a minha mãe diz:
- A Fernanda acabou de passar por aqui.
- O quê?
- Eu também achei estranho! Chegar essa hora na casa de alguém sem ligar
antes.
- O que ela queria?
- Ela queria uns trabalhos da escola seus e do Tony. Esses que crianças fazem
com as mãos nas tintas. Ela disse que queria impressões digitais, disse que pegou
um copo seu hoje e contou uma história estranhíssima sobre você e seu irmão terem
trocado de lugar.
Engulo em seco e descubro que não tenho mais saliva.
- Eu dei a ela o que pediu e seu pai a colocou pra fora. Ele estava tentando
ser gentil com ela por causa da coisa do perfil na revista, ele acha que é bom
pra sua visibilidade e pra da empresa. Mas agora ele percebeu que ela só deve
estar querendo criar caso. Eu disse tanto que essa coisa de perfil era uma
péssima ideia, mas ele não me escuta!
Gabi nua, esperando por mim no corredor, deve ter visto em meu semblante que
algo não estava certo. Escondeu-se de volta no vestido e veio para perto de mim.
Eu me despeço de mamãe e desligo o telefone.
- O que houve? - segura meu rosto nas mãos.
Eu apoio minha testa na dela.
Preciso de um segundo de silêncio.
Vou precisa fodê-la, mas também vou precisar fazer amor.
Vou precisar fazer com ela tudo que sempre quis e deixar que tenha tudo que
quer.
O Destino me fodeu de novo.
Acho que essa é nossa última noite.
18 – Eu ou ele
Eu fico deslizando o dedo pela sua tatuagem.
"O melhor olá"
"O pior adeus"
Ela estava certa.
Amor era exatamente isso.
Aquela ia ser a pior despedida da minha vida.
Respiro fundo.
Parte de mim fica sempre imaginando como seria ter Gabrielle sem precisar
ficar constantemente com medo de perdê-la. Nem sei o que eu ia fazer com tanta
paz.
Minha língua em sua tatuagem, seus dedos nos meus cabelos. Paixão é uma coisa
arrebatadora e intensa, mas amor é diferente.
Amor é discreto e silencioso.
É só aquela coisinha simples que está sempre ali, inafastável, inesquecível.
Sempre ali.
Ela não vai deixar o Tony.
Mas eu também não consigo deixá-la.
Aí a gente faz como?
- Você vem me ver? - peço - Já sabe onde eu moro.
Arranha meus braços como se me detestasse por sempre precisar quebrar nossos
momentos com lembranças da realidade. Mas caralho, né? Ela quer que eu faça o
quê? Me apaixone e dê "tchau" como se significasse nada? Ela deveria entender
aquilo muito bem. Ela tatuou o cacete do problema na pele.
- Gabi? - insisto, porque ela não respondeu.
- Acho que sim. - murmura.
"Acho que sim" é o jeito chique de dizer "não".
Eu nunca fui chique.
- Fala a verdade.
Engole o silêncio.
- Não posso ter um caso com o irmão do meu marido. - esconde o rosto no
travesseiro.
- Ah, claro que não. - assinto - Transar com ele enquanto fingem que estão
casados, tudo bem. Mas um relacionamento é demais.
- O que você quer que eu faça, Luca? Fique casada com o Tony e vá te visitar
um fim de semana no mês pra umas duas noites de sexo?
- Eu queria que você pedisse o divórcio e ficasse comigo o mês inteiro.
- Será que a gente podia passar um dia sem discutir isso? Um dia só?
- Não, não dá, Gabi. Eu…
Ela me encara com dor porque vamos precisar ligar pro meu irmão assim que
levantarmos daquela cama.
A impressão digital vai ser irrefutável, ele precisa voltar pra dizer que a
Fernanda forjou as evidências e tirar a prova.
Entrelaça nossos dedos como se implorasse e o carinho que me faz é meu ponto
fraco.
- Tá. Um dia. - reclamo - Mas um dia só.
Ela me puxa pelas orelhas e me dá um beijo.
É um jeito bom de me manter calado e obediente. Não que eu vá dizer isso pra
ela, não estou preparado para lhe dar esse tipo de poder.
- Você pode pensar de outro jeito. - sugere - Vai ser bom se ver livre de mim
porque você pode voltar pra mulher do fio dental azul lá do seu apartamento.
Mulheres tem um jeito curioso de fazer isso: ela faz uma brincadeira para
dizer que não liga, mas na verdade liga muito sim e quer que você negue sua
afirmação para aplacar o seu ciúme.
Mas eu sou bem filho da puta de vez em quando.
- Verdade! Nem tinha pensado nisso. Eca, Gabrielle, sai logo daqui.
Recebo um peteleco na orelha que deveria ser brincadeira mas dói como se
fosse sério.
- O nojento do Luca tarado gosta de fio-dental vagabundo. - torce o nariz.
- O Luca tarado gosta da mulher que estava usando o fio-dental – digo e ela
arregala os olhos, indignada - Você precisava ver como ela era boa.
Gabi tenta se afastar mas eu a agarro em um abraço, enfia seus cotovelos em
minhas costelas.
- Vai ficar com ela, então! Aposto que ela deve ter uma coleção inteira de
roupa íntima vagabunda pra te manter entretido!
- Não fica com ciúmes, Gabi!
- Ah é? - encolhe-se - E por quê?
- Eu prefiro a tua roupa íntima vabagunda. - dou risada e os cotovelos voltam
a tentar me assassinar.
- Eu sei o que está fazendo! - rosna - Sei o que está fazendo!
- E ainda assim está funcionando!
- Minha roupa íntima não é vagabunda.
- É por isso que está me perdendo pra Mulher da Calcinha Azul. Precisa fazer
uns furos nos sutiãs, Gabi, ou eu vou embora.
- Pois vá embora. Você sabe quando custa uma roupa íntima boa?
- Não. Deixa ver se a sua ainda tem etiqueta, vem aqui.
- Ridículo! E aposto que você nem lembra o nome dela!
Estreito os olhos:
- Eu quero dizer "Heloísa", mas não tenho certeza.
- Claro que não tem. Nem sei por que eu perco meu tempo. Daqui a duas semanas
vai esquecer meu nome também. - murmura, afastando-se. Seu tom mudou e eu acho
que a brincadeira acabou. Eu podia pedir pra ela ficar comigo e dizer que a amo
de novo, mas prometi um dia sem essas discussões.
E eu sou um homem meio curto na inteligência emocional. Tendo poucos métodos
para distrair uma mulher prefiro focar no que eu sei ter um resultado certo.
Puxo Gabi pelo pulso e não deixo que saia da cama, prendo seu corpo contra o
colchão. Suas bochechas coradas de raiva e vergonha, tem os lábios apertados de
quem não quer ceder.
- Você é ridículo. - repete.
- Sou. Sou um desastre. - concordo, rouco - Abre a boca.
- O quê?
- Mandei abrir a boca. - sussurro em seus lábios.
Ela obedece e lambe bem os dois dedos que eu coloco ali, antes de enfiá-los
em outro lugar.
O gemido que escapa com sua respiração me deixa duro no mesmo instante, mas
ela ainda não parece excitada o suficiente para perder a razão, até porque está
rindo de alguma coisa.
- Disse algo engraçado? - pergunto.
- Você sempre faz isso.
- O quê?
- Não "sempre", mas "muito". - corrige-se.
- O quê?
- Enfia os dedos primeiro. - ri.
- Não gosta? - curvo os dedos agarrando-a por dentro, ela se contrai mas
ainda consegue se controlar bem.
- Gosto. - dá de ombros como quem diz "sim" por não querer dizer "não".
- Tá falando sério? - murcho.
- Luca… - ela esfrega os olhos como se não quisesse ter que discutir isso
agora - Você é ótimo, não leve a mal. É só que às vezes você podia dar uma
atualizada no seu repertório, sabe? Toda vez que a gente transa eu preciso pensar
em outra pessoa.
Eu paro. Meus dedos ainda dentro dela.
O que você faz quando a mulher te diz que você não é bom o suficiente
enquanto você tá comendo ela?
- Pensar em outra pessoa?
Ela confirma com um gesto rápido e está… mordendo o sorriso.
- Eu penso na mulher da calcinha azul, sabe? Ela sim sabe o que está fazendo.
Filha de uma…
Eu enfio quatro dedos dentro de Gabrielle e tenho quase o punho inteiro
dentro da sua boceta.
Ela se contrai, repuxando braços e coxas, revirando os olhos de um jeito
inquestionável.
- Muito engraçada. - reclamo - Muito engraçada.
Se a brincadeira é ser sacana, acho que eu ganho. Tiro os dedos dela e deixo-
a pura e encharcada.
- Luca! - abre os olhos assim que a abandono.
- Que foi? - pergunto, sonso.
Acho que ela já estava muito perto, porque leva a mão ao clitóris e se
masturba, furiosa.
- Não. - tiro sua mão dali e dou um tapa na sua bocetinha. Ela geme e morde
os lábios - Não mexe. - sussurro.
Enfio o nariz no seu pescoço e chupo sua pele, estou tentando manter algum
tipo de controla, mas Gabi se esfrega na minha coxa como uma cachorrinha, arfando
de angústia e eu não sei que homem no planeta conseguiria manter o controle
diante daquilo por muito tempo.
- Luca, por f…
Agarro sua boceta em uma das mãos para diminuir seu movimento e tapo sua boca
com a outra.
- Não implora. - aviso - Se você implorar, eu vou esporrar nos lençóis.
Ela acena.
Controle é superestimado.
Tem nada mais delicioso que perder o controle.
E perder o controle junto com a Gabi é um negócio que…
Mordo os lábios dela, mordo os meus, mordo o queixo e o peito, nem sei mais o
que estou mordendo.
Guio minha cabecinha até sua entrada e fico raspando ali. Uma carícia que
seria gentil não fosse a animosidade das intenções. Suas unhas arranham-me por
toda a parte enquanto ela tenta engolir gemidos.
Estou assistindo seus seios pularem enquanto ela insiste em rebolar. O rosto
corado, os olhos quase fechados. Está lacrimejando, não consegue respirar. Vejo a
única gota de suor que começa a se formar, ameaçando descer por sua pele quente.
- L-Luca…
- Quieta. - meu grunhido é rouco - Nem uma palavra.
Mas ela não consegue.
Ela vai implorar.
E aí eu estou fodido.
Me enterro nela de uma só voz e escuto seu gemido virar um grito curto e
insano de desespero misturado a alívio.
Agarro seus quadris e assisto seus seios saltando com maior violência.
Belisco um dos mamilos.
- Quieta. - tento.
Mas é inútil.
- Amor, por favor. - geme, incoerente - Porfavorporfavorporfavor. - sequer
respira.
Abocanho uma porção do seu peito entre meus dentes e esporro dentro dela.
Tenho a impressão que passo tempo demais perdido no orgasmo, sentindo meus
membros ficarem moles e derretidos. Ela ainda se esfrega em mim porque não me
acompanhou. Levo a mão ao seu clitóris e sou eu quem a masturba dessa vez. Forte
e duro ouvindo seus gemidos aumentarem até suas unhas se enfiarem na minha carne.
Um último grito e está derretida ela também.

**********************

Eu peguei no sono.
Peguei no sono antes de pensar como seria o dia seguinte.
Peguei no sono antes de ligar pro Tony.
Peguei no sono antes de decidir o que a gente iria fazer.
É por isso que quando o telefone toca às oito da manhã, eu tenho alguma
convicção de que estou fodido.
- Alô?
- Filho?
- Mãe?
A porta do banheiro está entreaberta, escuto o chuveiro ligado.
Talvez Gabi já tenha ligado pro Tony? Talvez ela já tenha resolvido tudo
enquanto eu estava aqui, rendido e incapaz, recusando-me a seguir em frente por
saber que significava seguir sozinho.
- O seu pai quer que você fale com os advogados, mais tarde. E eu acho que
ele está certo. A Fernanda está assediando nossa família, isso já foi longe
demais.
- Assediando?
- Ela só queria entrevistar você como uma tentativa macabra de se aproximar
da família! Eu sempre soube disso, mas seu pai não me ouvia! E agora ela está
fazendo essas acusações que você e seu irmão trocaram de lugar. É inaceitável.
Engulo em seco.
- Seu pai quer processá-la e eu acho que devemos mesmo fazer isso! Pode falar
com os advogados ainda hoje?
- O que ela disse, mãe? A… Fernanda? - digo o nome baixo, certificando-me que
o chuveiro ainda está ligado.
- Ela queria fazer um exame da sua digital… que deu em nada, é claro. E
agora, o seu pai está com medo que ela siga nesse caminho louco! Eu acho que ela
ainda deve ser…
- Espera, espera! - paro de respirar - O que houve com a digital?
- Eu te disse, ontem! Ela quis provar que você era o Luca! Acredita nisso? Aí
pegou sua digital e fez o teste. O resultado já saiu e, obviamente, você não é o
Luca. Seu pai acha que um processo é o melhor caminho, mesmo que ela não tenha
feito nenhuma acusação pública, isso não é brincadeira que se…
O resultado saiu?
Fico de pé e bagunço meus cabelos.
Não apenas saiu como disse que eu sou… o Tony?
- O que você acha? - ela continua - Acha melhor falar com os advogados
também?
- Mãe… O que… o que a Fernanda usou como referência?
Ela pausa por um segundo.
Respira fundo.
- Uns trabalhos infantis. Daqueles com os dedos nas tintas. - ela repete - Um
seu e um do Luca. Dei um de cada pra ela verificar.
Ela sabe.
Aperto os lábios e fecho os olhos.
Gêmeos não tem a mesma digital.
O único jeito da Fernanda ter descoberto que eu tenho a digital do Tony é se
a impressão que ela tem como referência não fosse do Tony.
Mamãe trocou os trabalhos.
- Tony? - ela chama com uma sugestão que é clara demais para passar
despercebida.
Engulo em seco.
Tenho um sorriso curto porque eu não sei que loucura me acometeu para achar
que seria possível enganar uma mãe.
- Não acho que a gente deve processá-la, mãe. - falo devagar - Melhor deixar
as coisas como estão. A Fernanda pode decidir se defender procurando mais provas
o que pode… nos incomodar ainda mais. - ela faz muito silêncio e sei que está me
entendendo.
- Melhor deixar para lá e seguir?
Assinto, mesmo que ela não esteja no quarto comigo.
- Melhor deixar pra lá.
- Tudo bem. Vou dizer ao seu pai para cancelar com o advogado.
- Obrigado. E… mãe?
- Filho? - ela não me chama de Tony. Quase nunca me chama de Tony.
- Eu te amo. - murmuro.
Ela fica quieta por um instante e tenho certeza que está sorrindo.
- Eu sei, meu filho. E eu também te amo demais.

**********************

Dois meses depois


Luca

México?
Um dos meus amigos da faculdade levou a esposa pro México na Lua de Mel e
parece que gostou.
Ou talvez Canadá?
Argentina podia ser bom.
Uruguai.
Ou algum lugar bem longe, tipo Índia.
- E o Egito? - pergunto.
- Pode ser.
- A gente pode colocar uma semana a mais e ir pro Marrocos também. Dizem que
conhecer o deserto é uma experiência bem única.
- Pode ser.
- Ou de repente, a gente fica mais perto. Vai pra praia em Fernando de
Noronha? A gente gosta de praia. E trilha. Vai ser tipo uma segunda Lua de Mel.
Gabi sorri e acena.
Mas só diz:
- Pode ser.
Fecho o laptop e deixo de volta na mesa.
Ela está colocando os saltos e parece estar pronta.
Aniversário do pai é o tipo de evento que não me apetece. Ele vai querer
fazer algum discurso e meu progenitor é o tipo de ser humano medíocre que não
consegue dizer quinze palavras em sequência sem ofender alguém. Mas ele tem
dinheiro e uma porção de amigos igualmente medíocres que, ao invés de julgar, só
aplaudem. O que, na minha opinião, é ainda pior.
Mas mamãe me pediu pra ir e Gabrielle se enfiou em um vestido azul marinho
com um decote baixo que me faz salivar de fome.
Minha mulher.
Casados há três meses. Estou tão acostumado com minha aliança que já até
esqueci que talvez um dia tenha que tirá-la.
Paramos de conversar sobre O Dia.
O dia do adeus.
O dia do acabou.
O dia do Tony.
Paramos de falar sobre ele e passamos a fingir que ele não existia.
Meu irmão não ligou. Nós também não.
Ela me garantiu que ele estava bem e a salvo, acho que os dois se falavam
ainda.
Mas nós paramos de conversar sobre O Dia.
No começo eu precisava evitar o assunto ativamente.
Só que as semanas trouxeram a rotina e eu… esqueci. Gabrielle era minha
mulher e quanto mais semanas se passavam, mais eu acreditava que O Dia do Tony
seria apenas o dia que ele ia voltar e descobrir que seria um cara divorciado.
Ela me amava.
Eu sei que amava.
Me amava quando me abraçava enquanto eu guardava as compras.
Me amava quando fazia cafuné nos meus cabelos até eu pegar no sono.
Me amava quando fazia amor comigo.
Me amava quando sorria para minhas brincadeiras idiotas.
Me amava quando ralhava para que eu não provocasse tanto meu pai.
Me amava.
O Tony ia voltar e ia descobrir que a vida que ele deixou para trás não ficou
congelada no tempo esperando por ele.
E, enquanto isso, eu planejava o meu Natal.
- E que tal a Rússia? - sugiro - Como será que os russos comemoram o Natal?
- Provavelmente em janeiro. - responde, procurando a chave na bolsa - Já que
são Ortodoxos.
- Hm. Então não serve.
- É. - sorri, mas não tem vida no seu sorriso - Não serve.
Já estamos no carro e no caminho quando eu desisto de dar sugestões.
- Você prefere ficar em casa no Natal? Eu imaginei que você ia querer viajar
porque passar o Natal com o meu pai…
- A gente pode ficar em casa. - decide.
Silêncio.
Gabi fica retorcendo os próprios dedos.
Eu fico retorcendo suas palavras.
- Você não quer fazer planos para o Natal. - murmuro, por fim - Não comigo.
- Luca.
Parece que ela vai dizer mais alguma coisa, mas não diz.
- O Tony pode voltar. - compreendo - E você não quer fazer planos para o
Natal porque pode ser que ele volte.
Ela não responde.
Nunca responde quando eu falo dele.
Sua lealdade ao seu melhor amigo é realmente algo digno de nota. Mesmo depois
de meses sendo deixada a sós, ainda é fiel a uma amizade que eu, pra ser sincero,
nem acho que é recíproca.
- Nos fins de semana a gente vai pra praia surfar. A gente vai pro cinema.
Mas você nunca faz planos com mais de uma semana de antecedência. A gente não
consegue ir ao teatro ou ver um show. Não posso planejar uma viagem… porque o
Tony pode voltar.
- Eu sei que não é ideal e se você preferir…
- Gabrielle, eu juro por Deus, se você me disser que eu posso ir embora se eu
quiser…
- Mas pode!
Eu agarro o volante com força e acelero pelas pistas escuras.
- Sério? Esse é o seu argumento toda vez?
- Você não é um prisioneiro, Luca!
- Eu não aguento mais! - estou gargalhando. Estou furioso, mas estou
gargalhando - Não aguento mais! Não aguento mais ser perseguido pelo que vai
acontecer quando o Tony voltar. O Tony não volta porque não dá a mínima pra você!
E nem pra mim. - acrescento baixinho - E eu to apaixonado, querendo passar o
Natal com a mulher que eu amo e… você faz isso comigo! Eu não entendo! Você não
faz a menor ideia de como…
- Como dói? - rosna - Acha que eu não sei? Acha que eu estava planejando me
apaixonar por você? Eu aceitei casar com o Tony porque ele é meu amigo e
precisava de mim. A parte do acabar casando com o cara por quem eu fui apaixonada
por anos e descobrir que ele gosta de mim de volta não estava nos planos.
- Você diz isso como se fosse algo ruim!
- Eu também não aguento mais discutir isso, Luca! Eu também preferia que
fosse simples!
- Mas é! Gabrielle, complicado seria se você não me amasse. Está dizendo que
não me ama?
- Estou dizendo que não é simples como você imagina. Você não sabe o que o
Tony está… - ela morde os lábios e parece que vai chorar. Mas não chora. Respira
fundo - Eu queria muito fazer isso, Luca. Te dizer que "sim" e ir embora para
alguma praia esquecida por Deus. Passar o resto da vida surfando mal e assistindo
filmes idiotas. Fazer amor em um dia de chuva e ficar conversando embaixo do
cobertor. Mas… mas que tipo de pessoa eu seria se desse as costas para o Tony?
- Ele deu as costas para você!
- Você não sabe do que está falando! Eu não posso, Luca! Eu não posso
abandonar um amigo em um momento como esse. Ele precisa de mim e eu queria muito…
Eu… - respira fundo - Eu te quero demais! E eu queria tanto que fosse simples
como você acha que é! Mas eu não posso ser a pessoa que abandona um amigo. Eu não
sou essa pessoa.
- Por que não me diz o que está acontecendo, então?
- EU QUERO! Eu queria não ter integridade, Zummo. Eu queria te dizer tudo e
ir embora com você e ligar o foda-se. Eu queria! Mas não posso. Não consigo. Eu
nunca ia conseguir conviver com minha consciência. O Tony nunca te contou isso e
não cabe a mim contar. E eu não posso abandoná-lo. E eu sei que isso é
desagradável e eu sei que…
- Gabi, para. - interrompo - Isso já foi longe demais. Não estamos falando de
semanas, estamos falando de meses.
Estaciono na casa dos meus pais. Já tem carros espalhados em todos os
lugares, mas os convidados já devem estar lá dentro. Seguro a mão de Gabi no
escuro.
- Você é uma pessoa boa e decente. - digo - Mas isso já foi longe demais.
Agora, são só umas férias de Natal. Mas e se quisermos mudar de casa? Ter filhos?
Eu não quero passar o resto da minha vida esperando o Tony. Você precisa decidir.
Ou está comigo, ou está com ele.
- E preciso decidir agora?
Sinto meu coração bater pesado porque tenho medo da sua resposta.
Mas esse é um momento de lucidez que eu dificilmente teria, principalmente
quando sinto seu perfume. E a razão é demais para ignorar.
- Isso não é justo com nenhum de nós dois. Se você me ama o suficiente, eu
espero por você. Mas se não ama, Gabi… Se o plano ainda é voltar pro Tony… Você
precisa me deixar ir.
Silêncio.
Um silêncio que dói e se faz sentir.
Ela abre a fecha a boca como se tivesse tantos pensamentos que precisam ser
ditos e tempo nenhum para dizê-los.
- Luca… será que a gente pode só sobreviver essa festa de aniversário? E
conversar quando chegar em casa? Por favor?
Eu assinto e ela desce do carro.
Atravessa o estacionamento como se fugisse de mim.
Respiro fundo e desço do carro.
Estou apertando os olhos e tentando entender por que caralho inventei de
começar essa discussão agora quando escuto uma voz familiar atrás de mim.
Uma voz muito familiar porque é minha voz.
- Luca?
Ali está ele.
Depois de todo esse tempo.
Usando uma camisa vinho e calcas sociais. Minha altura, meus olhos, meu
cabelo.
Está usando um corte diferente e a barba está feita.
Mas é quase meu reflexo.
- Tony? - a palavra saiu entre a descrença e a angústia.
Ele sorri.
Tem um sorriso imenso e acolhedor.
- Voltei, maninho. - dá de ombros com as mãos enfiadas nos bolsos - Está
livre agora. Já pode ir.
19 – No altar, de novo
Ah, mas nem fodendo.
- É o quê?
Eu amo meu irmão. Mas às vezes é normal a gente querer que alguém que a gente
ama vá tomar no cu.
- Luca…
- Você liga pra mim no dia do seu casamento, diz "vai lá casar por mim, por
favor" e DESAPARECE, Antônio, por TRÊS MESES, e depois me vem com "obrigado, pode
ir"? Nem fodendo!
- Luc…
- NEM FODENDO, irmãozinho. Você me deve uma palestra de oito horas de
explicações detalhadas, com meia hora aberto a perguntas no final.
- LUCA! - ele olha ao redor em pânico e me arrasta para uma parte mais
escondida do quintal - Você está certo! Eu te devo um milhão de explicações e
respostas! E vou te dar isso tudo! Te devo um obrigado e um pedido de desculpas
muito mais apropriado do que qualquer coisa que posso fazer em quinze segundos.
- Ótimo, estou esperando. Pode começar!
- Luca, por favor. Se alguém nos vir aqui… Depois do aniversário do pai?
Espera por mim lá em casa e eu te conto tudo que quiser. Por favor?
- Eu já to bem de saco cheio de te fazer favor, sabia? - meu rugido é furioso
mas ele tem um sorriso calmo.
Calmo porque eu e o Antônio somos irmãos do tipo que compartilhou um útero.
Eu amo aquele idiota mais que quase qualquer coisa na vida e sei que ele me
ama também.
Respiro fundo.
- Se a situação fosse inversa - ele diz - eu faria o mesmo por você.
- É, imbecil, a diferença é que eu nunca te pedi pra casar no meu lugar.
- Isso é porque quando eu te peço pra casar com alguém, a mulher no altar é a
Gabi. Se você me pedisse pra casar com a Fernanda, eu te jogava de um penhasco. -
acena.
Mordo minha fúria porque seu comentário foi pertinente.
Ele ainda tem um meio sorriso no rosto.
- Senti sua falta! - diz, por fim.
Imbecil.
- Idiota. - resmungo e o puxo pelo ombro pra um abraço.
Amor fraterno é diferente de qualquer outra coisa. Não é como um amor
familiar comum, não é como o que você sente pelos seus pais.
É um vínculo único. Um negócio que não dá pra explicar direito. Só dá pra
sentir.
- Me desculpa. - ele diz - Eu acho que nunca vou conseguir te agradecer
direito.
- Nunca vai conseguir me agradecer direito. - respondo e ele ri - Mas vai
você me esperar em casa. Eu termino aqui.
Tony arregala os olhos em legítima confusão.
- Quer passar a noite com o papai e os amigos dele? Voluntariamente?
Enrugo a testa.
Não é no papai que estou pensando.
É nela.
Eu pedi pra ela escolher e sua resposta foi "depois a gente conversa".
Eu queria ficar porque queria ficar com ela.
Mas, ao mesmo tempo, o que vai acontecer quando eu cruzar aquelas portas?
Gabrielle vai passar a noite inteira sem conseguir me olhar nos olhos porque sabe
que, quando finalmente tiver que me dar uma resposta, ela vai ser do tipo que
destrói meu coração e minha esperanças. Principalmente agora que Tony está de
volta.
- Tá… - assinto - Diz pra Gabi que…
- Eu explico pra ela. Não se preocupa.
Tem algo na expressão do meu irmão que é…
Parece um pouco de alívio, mas muito pouco.
Ele está pálido e cansado. Como se tivesse uma dor muito profunda que vai
precisar esconder. Vergonha misturada com angústia.
Tenta disfarçar tudo isso, mas não tem muito sucesso.
- Você tá legal?
- Mais tarde. - pede - Lá em casa. Espera por mim? Eu te explico tudo. - o
sorriso discreto e tímido.
Concordo com um gesto lento.
Ele me dá um meio abraço e dois tapinhas no ombro.
- Ela te ama. - eu digo. Não sei por quê. Mas digo.
Seu sorriso aumenta. Parece ter um pouco mais de vida.
- A Gabi é…
- … sua melhor amiga? - recito, exausto de ouvir aquela afirmação.
Ele acena por um segundo como se procurasse as palavras:
- Existem vários tipos de amigos, não é? Tem os colegas, os conhecidos, os
amigos das horas boas, os amigos íntimos… e tem… Tem amigos que são família. -
gesticula - Aquela pessoa do mundo que você sabe que não importa quão fodida seja
a situação, você pode contar com ela. Você pode ligar pra ela do meio da
tempestade com um pedido impossível e ela vai vir te salvar. A Gabi é essa amiga
pra mim. Ela é minha amiga da tempestade. Ela é família.
- Você pediu pra ela se casar pra te ajudar e ela aceitou.
- É.
- Eu não entendo, sabe? Não entendo como ela pode se colocar nessa situação
por você!
Tony tem um olhar curioso, quase divertido.
- Não entende? Luca… foi exatamente o que você fez por mim.
- É, mas…
- Fez porque me ama. Porque é família. A Gabi também.
Ótimo.
Se já não bastasse ter um caso com minha cunhada agora parece que estou tendo
um caso com uma meia-irmã. É melhor eu ir embora antes que o Tony me coloque em
mais algum subgênero de pornô.
- Acho que eu acabei de ter os piores meses da minha vida, Luca. A Gabi me
salvou. Você me salvou. E se algum dia precisarem de mim… estou aqui! - ele
promete, sério, antes de se interromper preocupado - Menos pra casar com a
Fernanda. Por favor, não me pede isso.
- É? Eu tive que fazer uma entrevista com a Fernanda por você. - tenho um
sorriso psicopata e ele fica pálido ao perceber que tinha esquecido desse
compromisso - Você me deve uns três casamentos, Antônio.
Ou um divórcio.
- Tá. - ele ri, rendido. Olha ao redor - Eu acho que preciso… - aponta para a
porta de entrada.
- Vai.
- Mais tarde? Lá em casa?
Eu aceno, concordando.
Estou quase de costas.
- Luca?
- Hm?
Ele tem uma expressão frágil. Abre a boca como se fosse se desculpar ou
agradecer, como se fosse admitir um fracasso ou celebrar uma vitória. Como se
fosse dizer que me ama e que sente muito.
Eu ergo a mão porque sei exatamente o que ele quer dizer e apesar de minhas
investidas eu sei que dificilmente há palavras.
- Eu sei. - prometo.
Ele sorri e se vai.
Eu sei.
Entro no carro de volta e agarro o volante com as duas mãos.
Minha respiração está pesada.
O pior adeus.
Parece que estou no altar de novo. Esperando uma Fernanda que não aparece.
Rejeição é uma merda.
Rejeição me destruiu naquele dia.
Me fez fugir da família e de responsabilidades.
Estive me escondendo e me reconstruindo.
E foi só a Fernanda.
O que aconteceria comigo quando a rejeição viesse da Gabi?
Quando ela finalmente respondesse minha pergunta e dissesse que eu fui seu
marido por algumas semanas, mas o Tony era sua família há anos.
Ela não vai se divorciar dele.
E ele voltou.
É o marido dela.
Não tem lugar pra mim.
Estou sozinho no altar esperando por uma mulher que não vem.
De novo.
É mais ou menos aí que percebo que não importa o que o Tony me diga, não vai
fazer com que eu me sinta melhor.
Ele pode ser um espião com uma vida dupla e uma família em outro hemisfério e
ainda assim… eu não vou conseguir tirar os olhos da mulher dele.
Vou ouvir a palestra de oito horas e a única pergunta que eu vou ter, ao
final, ainda vai ser "E aí Gabi? Eu ou ele?". E para essa pergunta, apesar de
todos os meus desejos e esperanças, eu já sei a resposta.
Ouvi-la em voz alta vai me fazer bem nenhum.
Dou a partida no carro e sigo pelas ruas ao pôr-do-sol, indo pra casa.
Mas não pra do Tony.
Pra minha.
Acelerando pela pista, no escuro, perdido em pensamentos.
Até sentir o cheiro do mar.

**********************

Gabi

Qual o meu problema?


O Luca me fez uma pergunta e eu sabia exatamente o que queria responder.
E o problema sequer era articular as palavras.
Eu o amava e já tinha dito isso.
Queria ficar com ele, mas como dizer isso?
Eu queria tanto o Luca.
Eu o quis por anos.
Tê-lo era… era como se a realidade tivesse se esforçado bastante pra ser
melhor que minha imaginação. Quando ele tirava a camisa e se enfiava na cama, de
noite, me apertando contra seu peito quente com seus beijos em meus cabelos e seu
jeito doce de dizer que me amava… Era tão bom que parecia mentira.
E se uma coisa parece boa demais pra ser verdade, é porque provavelmente é.
Três meses não eram três dias, mas dificilmente era uma vida inteira.
Eu ainda era novidade, o sexo novo com uma mulher proibida.
Ele ainda me amaria quando se tornasse rotina?
Relacionamento bom é aquele que te faz sentir confortável e o Luca era
maravilhoso mas nunca fazia eu me sentir segura. Talvez fosse meu preconceito por
conhecer seu passado, talvez não fosse.
O Luca não era do tipo que ficava.
Ele nunca ficou por muito tempo com mulher nenhuma.
E, quando finalmente parecia que ia ficar com a Fernanda, ela foi embora e
ele sequer ficou para lidar com o depois.
Virou as costas e fugiu, como normalmente faz.
O Luca não é do tipo que fica.
E o que acontece comigo quando ele decidir ir embora?
O que acontece quando eu trair a confiança do meu melhor amigo que precisa de
mim para dar uma chance a um cara que nunca mereceu qualquer crédito?
Não se abandona um amigo por um cara.
Você termina perdendo o cara, o amigo e o respeito que tem por si mesma.
O Tony é minha família.
Eu sabia no que estava me metendo quando aceitei ajudá-lo.
Passo os dedos pelos meus cabelos e cumprimento o aniversariante.
- O Tony está estacionando o carro! - explico, olhando para a porta e
percebendo que…
Ele está com raiva.
Está com raiva de mim.
Está furioso.
Pego uma taca de champanhe e tento distrair meus pensamentos.
Falho.
Não há distração que me preserve porque, daqui a pouco, Luca vai passar por
aquela porta e eu posso passar a festa inteira ignorando-o, mas, quando voltarmos
pra casa, ele ainda vai querer uma resposta para a pergunta que me fez.
Bem… eu tenho três possibilidades.
Eu posso dizer que "não". É a saída mais segura: fiz uma promessa ao Tony e
pretendo cumpri-la. E se isso fizer com que o Luca vá embora… acho que a
probabilidade é que ele acabasse indo embora de qualquer modo. E é exatamente
isso que ele vai fazer: ele vai embora. E eu vou passar minhas noites sozinha,
derretendo-me em arrependimento, envelhecendo e pensando no que teria sido da
minha vida se eu tivesse dito "sim".
Eu posso dizer que "sim". Meu coração bate mais forte diante da mera
possibilidade: peço o divórcio do Tony e caso com o irmão dele. Vamos morar na
praia em cima do estúdio de tatuagem? Eu vou ter que abandonar minha empresa? Ou
ele vai ficar na cidade comigo? Como vai ser a convivência com sua família? Com
uma cunhada que divorciou de um para casar com outro? Como vou encarar o Tony
depois disso e pior: como vai ficar a situação do Tony?
Esfrego minhas têmporas.
Acho que a opção três vai ser a menos nefasta: sofrer um ataque dos nervos,
fugir da cidade e me juntar a algum convento.
Tem um no interior, há três horas daqui… Lembro que o visitei quando era
pequena, era bem bonito o lugar.
Será que eles aceitam uma adúltera mentirosa?
A porta da casa se abre.
Passo o dedo nos meus lábios onde ele me beijou aquela manhã.
Onde ele me beija todas as manhãs.
Tem outra opção, Gabi.
Você pode ser honesta com ele.
Pode dizer "Luca, eu estou em uma situação impossível. Eu sei que te machuca
e que você não aguenta mais ouvir isso, mas me machuca também e, acredite, também
não aguento mais falar. Eu te amo e não quero que vá embora, mas também não posso
abandonar o seu irmão. Eu queria muito que ele te ligasse e explicasse tudo que
está acontecendo porque não acho justo te manter no escuro, mas também não é
justo roubar esse momento do Tony. A confissão não é minha para fazer. Então eu
fico presa aqui nesse limbo de desespero em que te amo, mas não posso ir embora
contigo. Não posso deixar meu melhor amigo depois que prometi ajudá-lo, mas sei
que vou ressenti-lo porque eu te quero tanto que me dói pensar em te deixar ir
embora. É por isso que eu evito essa conversa. Não porque não quero te machucar,
mas porque não sei o que fazer. Porque a única coisa que faz sentido pra mim é te
pedir pra esperar por mim. Te pedir que me ame tanto que vai aguentar esperar
apesar da loucura, apesar da falta de respostas, apesar da incerteza. Te pedir
que me ame tanto a ponto de confiar em mim mesmo sem fazer ideia de pra onde está
indo. Mas é egoísta, não é? É ridículo e egoísta pedir que você espere por mim.
Pedir que aperte o botão pra pausar tudo. Como você pede esse nível de
compromisso a alguém que está com você há três meses? Não dá. É por isso que
evito essa conversa, Luca. Porque a única coisa que eu tenho vontade de te dizer
é uma coisa que eu não deveria dizer."
Respiro fundo e fecho os olhos por um instante.
Posso ser honesta com ele.
Talvez não seja o melhor caminho, mas pelo menos é sincero.
Respiro fundo.
É isso.
Honestidade.
E agora mesmo, nada de esperar chegar em casa ou eu perco a coragem.
Seu toque pesa em meu ombro e eu já tenho as primeiras palavras na língua
quando me viro de volta e:
- Oi, docinho. - ele tem um sorriso cansado mas familiar.
Arregalo os olhos no mesmo instante porque, mesmo que não o tivesse
reconhecido, ele poderia dizer para anfitriões e convidados que fez a barba antes
de sair de casa, mas não poderia me enganar e dizer que fez no carro.
O homem que saiu de casa comigo era largo, imenso e viril com sua barba mal
feita e seu olhar carnívoro.
O homem que estava na minha frente agora era atlético e gentil, com seu
sorriso exausto e um olhar de desculpas.
Como as pessoas tinham conseguido confundir os dois era algo que eu nunca
iria entender.
- Tony! - eu o abraço com força porque independente de qualquer outra
insanidade, ele é meu melhor amigo e senti sua falta.
- Gabs, eu não sei se algum dia vou conseguir te agradecer por…
- Não se preocupa com isso! Como… como ela está?
Ele olha ao redor e ergue um ombro.
- Viva. - murmura baixinho. Tem tanta dor em sua voz que faz meu problema
desaparecer por um segundo.
A dor que eu sinto não se compara a dele.
- Vai ficar tudo bem! - prometo.
Ele acena, fingindo concordar com algo que não acredita.
E aí o segundo de reflexão acaba e eu lembro do meu problema.
- O… o seu irmão!
- Encontrei com ele lá fora. O Marco organizou tudo pra mim. Ele vai esperar
lá em casa.
- Vai contar tudo pra ele?
- Vou.
Aperto seus ombros e lhe dou outro abraço.
Tony treme sob meu toque e eu sei que ele precisou ser a rocha de todos ao
seu redor pelos últimos três meses sem ter ninguém para ser a sua.
Ele está fraco e cansado.
Cumprimenta o pai e dá um abraço na mãe.
Ela o encara de cima a baixo e começa a encher suas mãos de comida.
- Está doente? - seu pai pergunta.
- Indisposto. Acho que peguei alguma virose. - mente.
- Coma. - sua mãe gesticula, diante de outro prato de comida que ela parece
ter materializado de lugar nenhum. Olha para o filho como se quisesse pegar a dor
dele e senti-la em seu lugar se aquilo fosse capaz de poupá-lo - Coma, e coma
mais.
Não demoramos na festa.
O cansaço de Tony é o motivo real.
A virose falsa é a desculpa perfeita.
E eu… eu estava contando os segundos.
Estou recitando meu discurso em silêncio enquanto Marco nos leva de volta pra
casa.
Tony está no telefone com Giseli e eu…
Eu recito meu discurso.
Eles vão precisar conversar, os dois, a sós.
E depois vou precisar conversar com cada um.
Ou pelo menos com o Luca.
Estou nervosa e ansiosa e angustiada e aliviada e feliz e triste e excitada.
Meu corpo vibra como se quisesse fugir da pele.
Mal Marco estaciona e eu já desci do carro e passei pelas portas para
encontrar a casa no escuro.
- Luca? - chamo, para o vazio.
Talvez ele tenha ido dar uma volta.
Faz sentido.
Muita coisa para pensar.
Sento no sofá, balançando minhas pernas compulsivamente.
Tony vai tomar um banho. Luca não atende o telefone.
Eu fico sentada no sofá esperando.
Tony volta e se junta a mim por algum tempo antes de desistir de esperar e ir
dormir.
Eu fico sentada no sofá.
Esperando.
Me recusando a acreditar que foi isso.
Que acabou sem sequer uma despedida.
O Luca não é do tipo que fica.
Estou limpando minhas lágrimas de madrugada.
Eu sabia que ia ser assim.
Sabia.
20 – O par de brincos
Duas semanas depois
Luca

Meu travesseiro ainda cheirava ao seu perfume.


Ela tinha esquecido um par de brincos na pia da última vez que viemos para o
fim de semana.
O exemplar de Alice no País das Maravilhas em cima da mesa de cabeceira
porque ela estava tentando me convencer a ler alguns trechos.
Eu tinha passado tempo demais dentro daquele apartamento com Gabrielle.
Sair para caminhar não me trazia muita paz. Era a praia onde ela estava
aprendendo a surfar, a cafeteria onde tomávamos café da manhã, a loja de souvenir
em que ela já tinha comprado tanta besteira que tinha feito amizade com o
vendedor.
Jogo-me no sofá e respiro fundo.
Eu gosto de tatuagens.
Gosto de marcar meu corpo.
São cicatrizes com significado que foi você quem escolheu.
Uma dor com um propósito.
Aumento o volume do som no meu celular e tento fechar os olhos. Mas não
consigo.
Não consigo porque sempre que o ócio me domina, aquela marquinha bem ali
atrai minha atenção.
A marca esbranquiçada ao redor do meu dedo anular onde o sol passou três
meses sendo barrado pela minha aliança.
Uma cicatriz com um significado que fui eu que escolhi.
Uma dor com um propósito.
Eu deveria gostar.
Mas e se doer demais?
E se a tatuagem nunca parasse de sangrar? Eu ainda ia querer algumas?
Como é que uma coisa que eu sequer tinha conseguiu se tornar tão
indispensável em três meses?
Não era nem o tempo de uma gestação.
Levanto do sofá e vou me enfiar na cama.
Eu podia trocar as fronhas e lavar minha roupa de cama com alvejante, mas
quem eu estou enganando?
Eu me tornei o idiota que anda por aí com um par de brincos no bolso,
choramingando sobre uma marca no dedo e fungando em travesseiros usados.
Saudade é uma merda.
Saudade é um negócio que te coloca no fundo de um poço que você não sabia que
tinha cavado.
Gabi ligou uma porção de vezes.
O Tony também.
E mamãe.
Mas eu não consegui atender nenhum deles.
Eu não queria ouvir as explicações de Tony ou as desculpas de Gabi.
Se era pra ser temporário, é isso que foi. E agora que acabou, se o que eu
deveria fazer era seguir em frente, então eu seguiria em frente. Assim que
parasse de respirar fundo no travesseiro dela era exatamente isso que eu ia
fazer.
Mas sabe o que é uma desgraça?
Música.
Música é uma desgraça.
Música é tipo uma inimiga que passou a vida inteira te detestando escondida,
e aí na primeira oportunidade ela chega pra te foder.
Me diz por que, POR QUE, minha playlist aleatória achou que seria uma boa
ideia tocar "Can't help falling in love", hoje, de todos os dias?
Encolhido no meu colchão, sentindo meu coração sangrar por uma mulher que eu
queria mais que tudo e que - mais que tudo - não poderia ter. E aí tenho que
escutar uma versão melódica e romântica me perguntando "se seria um pecado, se eu
não conseguisse evitar e me apaixonasse por você?".
É, Playlist, é um pecado, está bem?
Na minha mente, estou xingando minha playlist e mandando ela se foder,
sabendo muito bem que quem está fodido, na verdade, sou eu.
Amo demais o meu irmão, mas estou afogando em inveja. Eu queria sua vida, seu
trabalho, sua casa, seu carro. E, mais que tudo, eu queria sua mulher.
Mais que tudo.
Queria que ela me quisesse.
O telefone toca interrompendo meus pensamentos e eu aperto meus olhos porque
tenho até medo de descobrir quem está ligando.
Mamãe.
É a pior das opções e, de todas, a única que eu realmente não deveria ter
tanta resistência em atender.
- Filho? - ela chama, do outro lado. Ainda sem usar meu nome.
- Mamãe.
- Como você está? - ela pergunta como se soubesse de tudo e, suspeito, talvez
saiba mesmo.
- Estou bem. Estou ótimo. - resmungo.
- Hm. - não parece acreditar - Esperamos você para o Natal. Você vem?
Vou?
Não sei.
Melhor ser honesto com minha mãe. Acho que talvez Deus até me perdoe pelas
mentiras que contei até aqui, mas já foram tantas que é melhor eu parar.
- Não sei. - digo.
- Vamos comemorar na praia. Não na sua. - complementa - Na nossa casa, na
praia. Vamos nos mudar para lá esse verão.
- Mudar?
- É. Seu pai está aposentado e eu quero sair da cidade. É melhor para todo
mundo. Já levei boa parte de nossas coisas e estamos esperando todos lá para o
Natal. Vamos ficar no resort durante a semana porque a casa precisava de umas
reformas e talvez não fique pronta a tempo. Posso reservar um quarto pra você?
- Mãe…
- Um monte de nossos amigos também vai estar lá. Vai ser uma comemoração não
oficial da aposentadoria do seu pai. Seria ótimo se você pudesse ir.
- Não sei se é uma boa ideia, mãe. Você sabe que o pai não vai querer me ver.
- O que eu sei é que já passou tempo demais, Luca. Está na hora de todos nós
seguirmos em frente. Não quero ser insensível com seus sentimentos, filho, mas a
Fernanda não merece todo esse luto de sua parte.
Não estou em luto pela Fernanda, mãe.
- E, já que estamos falando de Natal. - ela continua - Você surfa, não é?
- Eu… o quê?
- Você surfa? Entende se surf?
- Entendo… por quê?
- A Gabi começou a surfar. - solta o nome como se ele fosse o verdadeiro
prêmio que ela ligou para me entregar - Mas parece que ela não tem uma prancha,
estava usando uma emprestada de alguém.
Minha.
Usava a minha.
- Pode me sugerir alguma? Para lhe dar de presente de Natal?
Com frequência, eu me pego lembrando de um dia ainda durante a Lua de Mel,
quando a Gabi estava escolhendo uns colares em uma lojinha. Ela é tão linda. Tem
um jeito de deixar os lábios entreabertos quando está concentrada que me faz ter
vontade de roubar um beijo. Revira os olhos sempre que nota que eu estou
encarando, mas tem um meio sorriso que me faz sorrir por inteiro. Eu a amo. Eu a
amo há muito tempo e ainda não estou curado. Porque é doença. É claro que é.
Doença ou sina. Se eu pudesse escolher, me apaixonaria por alguém que não me
deixasse sozinho no altar ou fosse casada com meu irmão. Mas eu não tinha
escolha. E, quando o assunto era a Gabi, eu não tinha qualquer escolha. Eu era
dela e ia demorar a me libertar. Eu era dela de um jeito que nunca fui de mulher
alguma.
E, naquele dia, entre os colares, na lojinha, ela tinha o cabelo escuro
amarrado em um rabo de cavalo bem farto e a corrente da bijuteria prendeu seu
penteado.
Eu queria uma desculpa para toca-la. Qualquer desculpa. Passei o braço pelos
seus ombros para soltar seu rabo de cavalo. Meu nariz estava tão perto do dela.
Eu queria beijá-la.
Eu quis beijá-la ali, na lojinha.
Eu queria beijá-la agora, na minha cama.
E, próxima semana, no Natal, eu provavelmente ia querer beijá-la também.
Mas caralho, vê-la era uma ideia boa de entreter.
- Luca? - mamãe me chama - Pode me dizer onde comprar uma boa?
Esfrego meus olhos porque minha playlist trocou de música.
Escolheu "Some Say", dessa vez, a filha da puta.
E eu preciso ouvir meu apartamento ser preenchido pelo refrão, exclamando
"diga que vai me amar um dia e eu espero, eu espero".
Eu estou fodido.
Estou fodido desde o dia que disse "sim" para o meu irmão e para a Gabi.
- Não. - engulo em seco.
- O quê?
- Não compra a prancha. Deixa que eu compro. - decido - Eu vou pra casa no
Natal.

**********************

Gabi

Tony desligou o telefone e tem os ombros arqueados.


- Luca? - pergunto, nem sei mais por quê.
- Han? - seu olhar está perdido no vazio - Não, não. - compreende - Era… -
aponta para o celular sobre a mesa.
- Giseli?
- Está bem. - dá de ombros - Está melhor. Por enquanto.
- O que os médicos disseram?
- Ela vai ficar bem. - diz, mas não sei se é isso que os médicos disseram ou
se é nisso que ele quer acreditar - O problema não é ela. É o Rafael.
Aperto seu ombro.
- Tony, você deveria estar lá com eles.
- Eu não posso, Gabi. Você sabe disso. Não até o Natal.
- Tony…
- Eu não vou fazer isso com o papai, eu…
Seguro seus ombros para tentar impedir que entre na sua espiral de desespero.
- Olha pra mim. - aviso - Antônio, você sabe que eu sou sua melhor amiga e
estou tentando de verdade ficar do seu lado, mas isso está saindo do controle.
Isso - aponto para nós dois - era pra ser temporário, lembra? Pra te dar um pouco
de tempo. Eu sei que você estava pensando em uns dois anos e não uns dois meses
quando me pediu isso, mas depois de tudo que aconteceu, Tony, você precisa
refletir! Precisa perder o medo que tem de desapontar o seu pai! Isso está te
impedindo de viver sua vida!
- Você acha que eu não sei?
- Acho! Acho que não faz a menor ideia!
- Você viu como ele agiu com o Luca? E o Luca só estava triste e se
recompondo! Ele trata instabilidade emocional como se fosse fraqueza! Foi capaz
de exilar o meu irmão completamente, o que acha que vai fazer comigo?
- Ele se aposentou mais cedo do que você esperava, Tony. Está se mudando pra
longe, talvez agora seja…
- Porque era o Luca que estava aqui! O Luca, bebendo uísque e falando alto,
se impondo diante do pai e de investidores. Aí o papai fica manso e confortável
porque vê que tem um homem no controle. Eu estou aqui há duas semanas, Gabi, duas
semanas e ele…
- Ele não desistiu da aposentadoria!
- Mas desistiu da mudança!
- Não desistiu da…
- Essa reforma na casa que nunca termina? Ele está procrastinando! Quer ficar
por perto mais um pouco porque eu não sou o Luca e o papai já começou a sentir o
cheiro da fraqueza na água. Vai demorar uma eternidade para confiar e me deixar
sozinho na empresa. Você vai ver: ele vai desistir dessa mudança, já já. Eu só
preciso aguentar mais um pouco, até ele ir embora de uma vez. Mas o Rafael não
entende isso.
- E você pode culpá-lo? Você entenderia?
- Gabi… - ele respira fundo porque já me ouviu dizer aquilo algumas vezes.
- Não vem com esse "Gabi…" pra cima de mim, Tony. Eu estive sendo delicada
todo esse tempo por causa da Giseli. Porque não consigo imaginar como isso deve
ter sido difícil pra todos vocês. Mas você precisa… precisa…
- Preciso o quê?
- Precisa deixar de ser criança, Antônio. Precisa crescer. E daí se seu pai
não aprovar?
- Ele vai me tirar da empresa.
- Não acho que ele pode fazer isso, mesmo que quisesse.
- Se ele me pedir pra sair…
- Se ele te pedir pra sair, você pode mandá-lo pro inferno.
- Acho que você passou tempo demais com o Luca. - ri.
- Ou pode obedecer, Tony. Você não gosta desse emprego. Nunca gostou. Só faz
porque…
- O pai não tem ninguém, Gabi.
- E de quem foi essa escolha? O seu pai é obsessivo! Ele não gosta de nada
que não pode controlar. Se esse tipo de atitude o afastou de todos, isso é culpa
dele! Para de tentar consertar. Você devia mesmo aprender algumas coisas com o
seu irmão!
- Falar alto com o papai e virar as costas? Deixar a mamãe sozinha? O Luca
sempre pode ser inconsequente porque eu ficava para trás para dar um nó nas
pontas que ele deixava soltas.
- E agora ele acabou de passar meses fazendo o mesmo por você! Se você não
tem coragem de falar com o seu pai, devia pedir um conselho a ele.
- O Luca é… é a última pessoa com quem eu deveria conversar agora.
Engulo em seco.
- Ele ainda não te atendeu?
- Nenhuma das vezes que liguei. E eu liguei muitas vezes. Eu acho que ele já
sabe o que vou dizer e não quer ouvir.
- Não acho que é isso. - encolho-me - Eu e Luca não… não terminamos as coisas
em bom tom. Acho que é de mim que ele está com raiva.
Tony ri do que ele acredita ser inocência.
- Você não conhece meu irmão tão bem quanto eu, Gabi. Ele não atende porque
não quer ouvir o que eu tenho pra dizer.
- O Luca não é homofóbico, Tony.
- Não como o meu pai. Mas eu cresci com ele. Eu ouvi as piadas e as
gracinhas.
- Você está errado. Ele não liga se você é gay.
- Eu já vi o Luca ser bem preconceituoso, Gabi.
- Quando era criança? Adolescente? As pessoas crescem! As pessoas mudam.
Talvez, um dia, o Luca tenha pensado como o seu pai. Mas não acredito que ainda
pense. Eu acho que você está errado. Acho que está muito errado e já deveria ter
contado tudo pra ele há muito tempo.
- Ele não me atende! Talvez seja melhor assim.
Eu preciso fechar os olhos e orar por calma e paciência.
- Tony, eu te amo, mas às vezes eu tenho vontade de bater na sua cabeça com
uma panela quente. Você me pediu pra não contar nada pra ninguém, nem pro seu
irmão. Me pediu várias vezes, e eu não contei. Não porque eu concordo, mas porque
isso é algo íntimo. É algo que é seu pra contar. Mas eu perdi as contas de
quantas vezes me veio na língua. O teu irmão te ama tanto que interrompeu a vida
inteira pra vir te ajudar. E você precisava vê-lo, mesmo sem saber, ele te
defendia diante do seu pai. Dizia coisas que deveriam ter saído da tua boca há
muito tempo. Ele te ama e, se algum dia você teve razão para temer contar algo
pra ele, essa razão não existe mais. Ele cresceu. Ele mudou. Se você não quer que
eu conte, eu não conto. É um direito seu e… - engulo em seco porque me dói. Me
dói de um jeito que o Tony nunca vai saber - eu vou respeitar sua privacidade. Do
mesmo jeito que respeitei todos esses anos, quando eu percebi quem você era mesmo
antes de você admitir… Você é meu melhor amigo e eu estou do seu lado, no seu
time. Mas eu discordo. E eu te acho um verdadeiro idiota por tudo que está
fazendo. Por tudo! Tudo, Tony! O que fez com o Luca, mas também o que está
fazendo com o Rafael. E o que está fazendo consigo mesmo.
- Eu sei! Eu sei, eu sei, eu sei. - ele abana os braços, mas não sabe.
- Você disse que precisava de um tempo e eu aceitei casar com você pra te dar
esse tempo. Mas depois de tudo que aconteceu com o Rafa e a Gi… você ainda
precisa de um tempo? Está se escondendo, Tony. Nunca vai ficar pronto. E não foi
com isso que eu concordei. Eu não acho que é saudável pra você. Não acho que é
saudável pra ninguém. Precisa se libertar disso.
Ele fica em silêncio.
Encara o vazio.
Está refletindo.
Acho que vai concordar comigo mas, ao invés disso, tudo que diz é:
- Depois do Natal, Gabi. Depois do Natal.
21 – O plano
Depois do Natal.
Foi o que ele disse.
E as três semanas seguintes se passaram exatamente do mesmo jeito que as
anteriores.
Com o Antônio trabalhando de madrugada a madrugada para provar que merecia um
emprego que já era seu, para um pai que nunca o aprovaria. Eu me enfiei no
trabalho porque era isso que eu fazia melhor. A rodada de investimentos tinha ido
bem e agora cabia a mim garantir a toda aquela gente que eu sabia o que estava
fazendo com seu dinheiro.
Eu trabalhei de madrugada a madrugada também.
Era o plano não era?
Fins de semana na praia não eram o plano.
Um braço forte me agarrando pela cintura, embaixo dos lençóis, não era o
plano.
As indecências sussurradas no ouvido tirando meu sono não era o plano.
O olhar quente que me fazia esquecer o mundo, o polegar deslizando no meu
lábio, o sorriso que precedia o beijo não era o plano.
Não era o plano.
O plano era trabalhar e ajudar meu amigo.
O plano era esquecer e seguir em frente.
Mas toda noite quando eu deitava naquela cama imensa e fechava os olhos para
dormir, eu pensava nele.
Ele, que tinha sido o oposto de um plano.
Tinha sido um acidente, talvez até um erro.
Tony terminou de colocar as malas no carro e eu lhe dou um abraço porque
parece que é disso que ele precisa. Ultimamente, ele sempre parece precisar de um
abraço. Acho que Rafael está bem perto de desistir do relacionamento e eu não
posso culpá-lo.
Depois do Natal. Foi o que o Tony disse.
Pois bem, o Natal tinha chegado. Em uma semana, ele seria um homem livre ou
seria um mentiroso.
- Ela vai estar lá. - anuncia, quando já estamos na estrada.
- Ai. - deixo minha cabeça cair contra o painel. Eu não aguento mais a
Fernanda. De verdade. Ela sabia da troca e tinha desistido de nos incomodar por
medo de uma ação legal, mas não tinha desistido de deixar claro que conhecia
nosso pequeno segredo. E aí o Luca foi embora e minha adorável amiga tinha
trocado de estratégica: ao invés de fazer piadinhas sobre incesto e traição,
tinha voltado ao seu modo normal de operação apenas para deixar claro que uma
mulher como eu nunca teria um cara como o Luca.
Bem…
Ela não estava errada.
Ela era muito boa quando o assunto era maldade.
Mas era muito ruim quando o assunto era ser fiel.
O Vicente descobriu um amante - ou dezoito - e o noivado tinha acabado.
Fazer pouco da infelicidade amorosa de Fernanda seria ótimo para o meu humor
se sua condição de solteira não tivesse permitido que voltasse a falar sobre
conquistar um certo ex que era dela mas também era meu.
E esse era o meu fraco.
- Foi o Azevedo quem organizou tudo e ele a convidou. Vamos todos nos
comportar e tentar ser civilizados. - ele pede.
- A palavra-chave aí é "tentar".
- Gabi…
- Antônio, vai pro inferno! Ela me provoca de propósito!
- Ela só te incomoda porque você deixa.
- Ela só te incomoda porque você deixa"… - repito, infantil, e mordo um
pedaço da tira de doce que tenho na mão.
- Você sabe que eu estou certo.
- Está errado, Tony! Está errado sobre tanta coisa! - aponto a tira pro seu
rosto - É até difícil saber se algum dia, na vida, esteve certo.
Ele ri e tenta morder meu doce, mas eu estou com raiva e tento impedi-lo.
Tenho certeza que vou encontrar Fernanda assim que entrar no saguão principal
do resort, porque a essa altura existe pouca diferença entre minha vida e uma
novela mexicana. Mas, nessa quinta-feira, parece que o roteirista cochilou e
decidiu me deixar em paz. O check in e todo o caminho para o quarto é feito na
Santa Paz do Senhor. Isso se a Santa Paz do Senhor envolver um leve pânico por
saber que seu desafeto vai, muito provavelmente, estar no mesmo salão de jantar
que você em poucas horas.
Agendei uma hora no spa para nós dois porque uma massagem, nessas
circunstâncias, é meio que uma questão de saúde.
O spa.
Era difícil pensar em massagens sem pensar nele.
Mas era difícil pensar em qualquer coisa sem pensar nele.
Supera, Gabi.
Você fez sua escolha.
Tá, o Tony é um covarde e provavelmente foi uma péssima escolha.
Mas foi uma escolha.
Então vamos seguir com a vida.
Com o trabalho.
Com a massagem.
E, infelizmente, com a Fernanda. Que é justamente quem cruza comigo assim que
chego na piscina.
A Santa Paz do Senhor é breve assim como é gloriosa.
- Gabi.
- Nanda.
- Como está o Tony?
- Está ótimo, obrigada.
- E o Luca? Ah! O Luca você não deve saber, não é? Eu esqueço! - finge um
erro honesto e eu sorrio amarela.
- Eu vou pegar uma bebida, se me dá licença. - torço o nariz.
- Não é um pouco cedo para começar a beber? Mas acho que eu também beberia se
tivesse me enfiado na mesma situação que você! - pisca um olho como se fossemos
confidentes, eu viro as costas e me afasto sem lhe dar resposta.
Uma mimosa é champanhe com suco de laranja. É o jeito mais suave de começar a
ficar embriagada. E a embriaguez vai ser necessária, senhoras e senhores, se eu
preciso sobreviver a quatro dias de Fernanda sem cometer um homicídio.
A piscina de borda infinita é virada para o mar.
As ondas são boas e me fazem lembrar dele.
Tudo me faz lembrar dele.
Cumprimento os pais do Tony mas eles estão a caminho do quarto.
Cumprimento Vicente que parece querer fingir ter mais intimidade comigo do
que de fato tem, apenas para provocar sua ex-noiva. Eu toleraria suas investidas
nojentas porque eu detesto Fernanda a esse ponto. Mas ele também é uma coisinha
asquerosa pelo que fez com o Luca e meu estômago não me permite tanta
passividade.
É com Paola e Augusto que eu acabo sentando.
Ela pisca um olho e me pergunta como estamos.
Ela sabe.
Os dois sabem.
Nunca perguntaram e nunca colocaram em palavras.
Mas um dia tinham um amigo chamado Tony e no outro dia tinham um Tony que não
era um amigo.
Era bem claro o que tinha acontecido e eu os amaria para sempre por sua
surpreendente discrição, principalmente diante de algo tão digno de milhares de
perguntas.
Tony toca meu braço com cuidado quando se aproxima.
- Desculpe. - mostra o celular - Acho que ainda vou precisar retornar mais
uma ligação. Estava só falando com papai… Paola, Augusto! - cumprimenta,
rapidamente, com um aperto de mão formal.
- Tony! Espero que esteja bem.
Ele dá de ombros.
- Muito trabalho, mas estou bem. Obrigado. E vocês?
- Natal em um resort, não podemos reclamar.
- Claro, claro. - sorri.
- Ele está preocupado demais! - defendo - Mas não precisa, porque tem tudo
sob controle. - encaro Tony porque sei que todo seu estresse gira ao redor da
opinião do pai e está na hora dele superar.
- Sua confiança em mim é desmerecida. - assente.
- Estou tentando te dar apoio!
- É, mas você é minha mulher. Meio que prometeu me apoiar não importa o que
aconteça, então não sei se vale.
- Essas promessas de casamento não valem de muita coisa. - a voz grave as
minhas costas congela todos os músculos do meu corpo.
O tempo para por segundos inteiros, enquanto Tony leva para olhar além do meu
ombro e sorrir:
- Luca! Não achei que você vinha!
- A mãe me convenceu. - ele aperta a mão do irmão e o puxa para um meio
abraço - Gabrielle. - ele me toma pela cintura para me cumprimentar com um beijo
na bochecha. Suave, íntimo e muito perto da boca. Estou nos seus braços de novo e
ele é imenso ao meu redor. Tenho vontade de fechar os olhos. Ele se demora
respirando minha pele e a coisa toda é quase imoral. Não que o Tony tenha
percebido já que tinha os olhos baixos para o celular mais uma vez.
Ele me solta mas ainda tem as mãos no meu corpo.
- Desculpe, mas não pude ir ao casamento. Foi uma emergência. - sorri,
estreitando os olhos - Uma coisa muito séria, depois te conto o que foi. Ou
talvez eu passe meses dizendo que vou te contar e desista. - acrescenta, tão
rápido que mal o escuto - E quem é essa mulher maravilhosa? - vira-se para Paola.
- Ah! - gaguejo - Paola e Augusto. Esse é Luca, o irmão do Tony.
O Luca ao meu lado está perfeitamente inserido em seu ambiente.
Usa uma calca jeans escura e uma camisa de manga curta que cola no seu corpo
de propósito. Muito de propósito.
Porque ele tem aqueles braços imensos e aquele peitoral bom de morder e sabe
disso. Ele tem uma barba mal feita de semanas, o cabelo está um pouco mais
comprido. Bagunçado como se ele nunca se desse o trabalho de pentear. O sorriso
moleque e aquelas covinhas malditas.
Tem uma tatuagem nova no seu antebraço. Abstrata, apenas algumas linhas e
cores mas é linda.
Ainda não lambi essa.
Queria lamber essa.
Fecho a boca porque percebo que ela estava entreaberta.
- Você quer sair pra jantar comigo, hoje? - ele dá um beijo na mão de Paola -
Só eu e você, sem seu marido. E depois a gente pode fugir juntos.
Ela ri e lhe dá um abraço com gosto.
Augusto aperta sua mão e estamos todos compartilhando um meio sorriso de
confidência.
Todos, menos Antônio que deve estar respondendo alguma mensagem de texto do
Rafael.
Pobre Rafael.
Uma alma paciente e iluminada, porque eu já teria desistido do Tony há muito
tempo.
Assim como o Luca desistiu de mim.
Não faz sentido esperar por alguém que nunca parece vir, não é?
Mas ele parou de flertar com Paola e está me encarando de novo.
Tem uma fome nos seus olhos que me dá saudade.
Deus, faz tempo que eu não transo.
Estiva tão enfiada em tristeza e trabalho que faz muito tempo que eu sequer
me masturbo.
Meu corpo parece ter perdido toda minha libido e ficou seco, vazio e
concentrado. Ou pelo menos até Luca pegar minha cintura há dois minutos. Aí
parece que minha libido acordou. E acordou faminta.
Respiro fundo.
- As tatuagens são mesmo parecidas com as que o Tony tinha. - Augusto
comenta, quase como uma brincadeira.
- Tinha? - Luca ergue as sobrancelhas para um irmão ainda semi distraído.
- É, acabei desistindo delas. Removi a laser.
- Removeu a laser? - Luca ri, satisfeito - Todas? Em três semanas? Fez
quantas sessões?
Tony ergue os olhos, nervoso.
- Suficientes. - gagueja, incerto.
- Claro, claro. - concorda, ainda rindo.
- Tatuagem nunca foi uma boa ideia. Não pra mim. - explica para Paola e
Augusto como se temesse por uma farsa que não percebeu não existir mais.
- Sua mulher gosta. - Luca pisca um olho - Acho que tem uma bem aqui… não é?
- ele tem uma das mãos no meu corpo, deslizando um polegar indecoroso por minhas
costelas bem abaixo do seio no lugar exato onde minha tatuagem está. Acho que ele
seria capaz de encontrá-la no escuro. - Não devia ter se livrado das suas, Tony.
- Me dão licença? - engole em seco - Preciso resolver algumas coisas.
Aponto para o relógio para lembrá-lo do spa. Ele apenas acena depressa antes
de sair.
- Luca!
- Fernanda! - seu sorriso aumenta, mas não é para ela que está olhando: é pra
mim.
- Quanto tempo!
- Você está muito gostosa.
- Oh. - ela leva a mão ao peito e também olha pra mim - Você… - dá um tapa
brincalhão em seu braço.
- Essa coisa de largar noivos te faz muito bem. - completa - Continue assim e
vai ficar jovem pra sempre. Se alimentando das almas de idiotas.
- Está se chamando de idiota, Zummo? - divirto-me.
- Claro que estou. - seu sorriso some - Eu sou muito idiota. Tenho essa mania
imbecil de me apaixonar pela mulher errada.
- E quem falou em apaixonar? - ela tem uma voz baixa e erótica quando
experimenta o antebraço dele - Estamos os dois solteiros. Nada de errado com um
pouco de diversão.
- Nada de errado. - Luca concorda.
- NADA de errado. - eu rosno.
- Algum problema? - ele está me provocando. Está me provocando e se
divertindo.
- Ela tem muitos. - Fernanda ri - Mas não se preocupa agora. Vem cá. - pede,
manhosa.
Eu verifico as horas só por formalidade porque ia embora dali quer fosse hora
da minha massagem quer não fosse. Nem me despeço, mas acho que Paola e Augusto
não vão se incomodar.
Acho que Zummo me seguiu. Sinto uma presença quente as minhas costas mas
estou tão deslumbrada por minha própria fúria que nem me atrevo a verificar.
Estou na recepção do spa com um sorriso psicopata.
- Tenho uma hora marcada para Zummo. - aviso.
A recepcionista já estava me esperando:
- Senhor e senhora Zummo?
- Meu marido está terminando uma ligação, vai chegar depois.
- Não, não. Já estou aqui.
- Podem esperar aqui, por favor, vou só verificar se a sala está pronta para
recebê-los. - ela diz e desaparece.
Deja vu.
- O Tony está vindo. - aviso.
- Claro que está. - resmunga, incrédulo.
- Você não precisa mais fazer isso.
- Não to fazendo por trabalho, não, meu amor. Isso aqui é lazer. - ri.
- A sala está pronta! Podem me seguir por favor.
- Você pode nos dar alguns minutos? - Luca me empurra para seguir a mulher na
direção da sala - Eu e minha esposa estamos no meio de uma discussão. Eu queria
terminar antes da massagem, para poder relaxar.
A recepcionista e as duas massagistas parecem confusas.
- Vinte minutos, pode cobrar do quarto como uma hora adicional?
Ele já colocou as mulheres para fora da sala e fechou a porta.
Eu queria pedir desculpas.
Pedir desculpas pela nossa última discussão e pelo modo horrível como
encerramos tudo. Queria agradecê-lo pelo que fez. Queria contar a verdade sobre o
Tony e pedir a ele que ficasse comigo.
Mas, por alguma razão que um dia Jesus Cristo vai me explicar, eu abro a boca
e só o que sai é:
- O que você tá fazendo aqui? Por que não vai se esconder de volta no seu
estúdio?
- Acha que eu estava me escondendo?
- Não é isso que você faz? Você fica com a Fernanda e se esconde. Mas nem
sempre nessa ordem. - mordo as palavras com raiva.
- Está com raiva porque eu disse que ela é gostosa? Mas ela é gostosa e eu
sou um cara solteiro.
- Vai pro inferno, Zummo! Eu sabia tanto que não devia ter…
- Não devia ter o quê? Aceitado se casar com seu amigo por aparências? Ou ter
fodido o seu cunhado na Lua de Mel?
- Você não é meu cunhado!
- Você tá certa pra caralho, Gabrielle.
- Você não é nada! NADA!
- Nada? Eu sou o cara que disse os votos e te comeu na noite de núpcias. Acho
que sou alguma coisa. O que é isso aqui?
Ele pega minha mão pra verificar minha nova aliança.
- Você não devolveu para o Tony. - explico - A velha. Você levou embora com
você. Ele teve que dizer que perdeu e fizemos uma nova.
- Não "devolvi" para o Tony? "Devolvi"?
- É! Não devolveu! Qual o seu problema?
- Até parece que essa aliança algum dia foi dele.
- Eu não vou ter essa discussão com você de novo.
- Prefere que eu vá comer a Fernanda?
- Você é um pirralho! Um moleque! E eu estou tão arrependida! - espremo os
punhos contra os olhos - Tão arrependida!
- De quê?
- De tudo! De tudo! Vai embora, Luca. Me deixa em paz!
- Se arrepende de quê?
- Você é um idiota, sabia? Eu não estou dizendo que eu e o Tony estamos
certos! Mas você acha mesmo que a melhor solução era ir embora?
- Eu sou um idiota e você é uma covarde! Se arrepende de quê?
- Covarde? Diz o cara que se esconde! Tuas ofensas não significam nada!
- Eu não me escondi! Eu fui embora porque eu ainda tenho alguma dignidade e
preferi ficar sozinho do que ter que te ouvir dizendo que se arrepende de ter
transado comigo!
- É isso que você acha?
- É isso que você ia dizer, não é? Se não fosse covarde demais para me contar
a verdade.
- Eu me arrependo sim!
- De ter transado comigo?
- De ter me apaixonado por você! - grito - De ter me apaixonado por você, seu
imbecil idiota estúpido boçal ignorante… - me faltam palavras.
Ele espera por um segundo:
- Desequilibrado? - ajuda.
- DESEQUILIBRADO! - aceito - Eu me arrependo demais de ter me apaixonado por
você! Mas me arrependo mais ainda de ter casado com o Tony. De ter me colocado
nessa situação em que eu tenho que fazer uma escolha impossível. Impossível
porque eu o amo. Mas eu… eu…
- Me ama.
- Amo você.
O que ele faz em seguida é tão rápido que eu não tenho tempo de reação.
Ele chupa dois dedos, me aperta contra a parede e os enfia em mim.
Minha virilha inteira se contrai de desejo e eu paro de respirar.
- Quanto tempo? - sussurra - Quanto tempo sem?
Fecho os olhos.
- Tempo demais.
Faz carinho no meu clitóris com o polegar e eu rebolo na sua mão.
- É assim que você gosta, não é? Quando eu te dedilho antes de te comer.
- Luca…
- Você me ama mas escolheu ficar com ele.
- Luca, você…
- Gabrielle, se me disser "você não entende" mais uma vez vou te dar umas
palmadas até essa tua bunda gostosa ficar bem vermelhinha.
Mordo o lábio.
Ele fecha os olhos.
- Deus. - sua voz é um rugido rouco e grave - Eu tinha esquecido como esse
teu cheiro é bom. - apoia a testa na minha. Parece estar gostando daquilo mais do
que eu, mas não acho que é possível.
Eu estou tão excitada que basta mais um toque.
Estou quase lá.
- Não vai conseguir. - gaguejo - Eu posso me arrepender de muita coisa, mas
fiz uma promessa ao Tony.
- Ouvi falar. - reclama. Enfia a mão em mim com força. Me fodendo com os
dedos como se me punisse.
Estou gemendo alto.
- Não vai conseguir me conquistar, Luca. Não vai… Não vai conseguir.
- Te conquistar? - ele ri na minha pele e tira os dedos deixando-me oca e
sedenta - Quem foi que disse que eu vim aqui te conquistar? - ele lambe os dedos
que tinha dentro de mim e os limpa em uma toalha sobre a mesa - Gabrielle, eu vim
aqui te enlouquecer.
Pisca um olho e abre a porta.
Eu escuto sua voz no corredor:
- Tenho um compromisso, sinto muito. Minha esposa vai fazer a massagem
sozinha.
Sozinha.
Tento respirar.
É.
Sozinha.

**********************

Luca
Qual é o plano, Luca?
Olha, aqui entre nós, eu vou ser bem sincero contigo: o plano não existe.
Eu queria vir aqui pra…
Sei lá.
Eu queria ver a Gabi, tá bem?
A coisa toda da massagem, do dedo, do enlouquecer ela… isso tudo se chama
"improviso de um cara sem noção".
E é isso.
Agora eu to aqui.
Enfiado em um salão de jantar bem iluminado, com uma dezena de mesas servindo
o buffet mais sofisticado que eu já vi na vida. E olha que eu sou filho da minha
mãe e aquela mulher entende de coisa chique. Mas esse jantar é de fazer
milionário de berço de ouro dizer "Nossa Senhora, pra quê isso?"
E Nossa Senhora nem ia saber o que responder, porque Gabrielle me apareceu
nessa porcaria usando um vestido branco de tecido muito fino e costas nuas, que
faz ela parecer uma daquelas estátuas gregas, sabe? Que não tá pelada, mas tá
quase. Nossa Senhora ia ficar sem palavras, assim como eu.
Talvez Nossa Senhora babasse também, mas por enquanto só posso falar por mim.
Fecho a boca e tento manter meu queixo bem duro e resoluto.
Meu pai passa boa parte da noite me evitando e por mim tá ótimo.
Tony passa boa parte da noite olhando pro celular ou seguindo o pai como um
assistente.
Gabrielle passa boa parte da noite me provocando mesmo que não tenha qualquer
intenção de fazer isso.
Fernanda passa boa parte da noite me encarando a distância e tentando se
aproximar.
E eu…
Eu passo boa parte da noite tentando entender qual foi meu plano.
Ainda sinto o calor nos meus dedos, onde os enfiei nela. Coça como um membro
fantasma.
Gabrielle inteira é um pedaço de mim que foi arrancada.
- Não vai conseguir me evitar a noite toda. - Fernanda suspira.
- Talvez. Mas eu posso tentar! - pisco um olho e já estou longe antes que ela
decida o que dizer.
- Está se divertindo? - mamãe pega meu braço no meio de minha fuga e eu lhe
dou um beijo na bochecha.
- Nem um pouco. Mas estou feliz por vê-la.
Ela aperta meu antebraço de um jeito bem materno, como faria se eu tivesse 12
anos de idade e tivesse acabado de me machucar.
Eu sou duas ou três vezes o tamanho dela, mas basta que me tome pelo braço
para fazer com que eu me sinta pequeno e miúdo. Parece um superpoder das mães,
essa habilidade de se fazer gigante. Ela nos guia de volta até sua mesa. Papai
está sentado ali entre alguns amigos, Tony e - a razão pela qual eu fico sem
reclamar - a mulher dele.
Mamãe me senta do lado de Gabi como se fosse de propósito antes de pegar
outra cadeira para si. O pai acena a cabeça para mim como se educação o obrigasse
a agir mas teimosia o impedisse e, na briga entra as duas coisas, sobrou o aceno.
Eu não aceno de volta porque sou mais teimoso e menos educado.
Viro o resto da minha bebida e peço outra pro garçom porque mamãe começou a
colocar um monte de coisas diante de mim em um prato, e se ela vai me obrigar a
comer eu preciso aumentar a dose de álcool porque não acho que vai me fazer bem
ficar sóbrio ali.
- A empresa da Gabi passou por uma rodada incrível de investimentos. - ela
conta.
Não é novidade pra mim.
Fui eu que sentei com um monte de gente para fazer aquilo acontecer.
- Parabéns. - enuncio com um sorriso.
Ela sorri de volta. Discreta. Quase envergonhada. O topo das bochechas cora e
eu não sei se é maquiagem ou natureza.
Meu Deus, como ela é linda.
E tem um perfume capaz de endoidar um homem.
Helena de Tróia devia cheirar como Gabrielle cheira agora. E aí a gente até
entende o Menelau ter declarado guerra. Eu quero dar uns tapas no Tony e olha que
ele é meu irmão, Páris era só um desconhecido.
Quando a gente tá muito apaixonado e cheio de tesão é muito difícil não ficar
sonhando acordado o tempo inteiro. Eu preciso me lembrar de focar na conversa.
Mas os mamilos da Gabi começaram a endurecer e eu tenho certeza que consigo vê-
los apontar no vestido. Só um pouquinho, mas suficiente pra me roubar a sanidade.
Passo a mão no rosto como se tentasse acordar. Como se tentasse não morrer.
O dedo não foi suficiente.
Eu queria morder ela inteira.
- Não vai funcionar assim, Tony. Isso está errado. – meu pai resmunga quando
Tony tenta explicar pela terceira vez qual seu plano para o primeiro trimestre do
ano subsequente.
Estou aqui há poucas horas e já percebi que essa suposta aposentadoria do pai
não é incondicional. E muitas das condições parecem estar vinculadas ao Tony.
Eu até queria defender o meu irmão, o problema é que eu não concordo com o
plano dele. O pai está certo.
Mas eu prefiro ficar em silêncio do que abrir minha boca para concordar com o
Frederico essa noite. Então eu deixo os dois discutirem.
E é exatamente isso que eles fazem.
Discutem.
Sobre a empresa, o plano e o trimestre.
Sobre família e responsabilidades.
Sobre um time de futebol.
E é patético porque sequer são discussões interessantes mas, ao invés disso,
apenas Tony tentando concordar com nosso pai enquanto o outro faz um esforço
imenso para continuar discordando. Mesmo que isso signifique discordar de si
mesmo.
- … e aí é importante pra um homem focar no trabalho, Antônio!
- Eu sei! Eu estou vivendo por esse trabalho, pai. Não faço outra coisa que
não seja…
- E está abandonando sua família?
- O quê? Não, eu…
- Não pode abandonar sua família. É mais importante que qualquer outra coisa.
Um homem precisa ter filhos, colocá-los no mundo e prepará-los para serem homens
também!
- E se nascer uma mulher? - eu pergunto porque o babaca do meu irmão estava
prestes a concordar - Aí faz a cirurgia de redesignação sexual ainda no berço?
Papai olha pra mim como se achasse um luxo me ter sido permitido respirar no
mesmo ambiente que ele, quem dirá falar.
- Você entendeu o que eu quis dizer.
- Sim, ser um homem é muito importante. - me esforço pra não revirar os olhos
- E sendo um homem é importante que todos saibam que você está mesmo se
esforçando para continuar sendo um homem.
- Você não sabe nada sobre isso. Você não é um homem. - papai resmunga.
- Não sou um homem? Eu tenho um pinto que eu uso de vez em quando. Não sabia
que tinha outro requisito fora esse.
- Luca! - ele rosna.
- Que foi? - me defendo - Eu disse "pinto". Nem usei uma das palavras feias.
- E agora a gente devia te agradecer?
- Eu acho que sim. Se soubesse o autocontrole que me custou pra dizer a
palavra "pinto".
- Luca… - mamãe pede. E aí só porque foi a mãe quem pediu, eu fico quieto.
Mas meu silêncio não vai durar. Eu sei disso, ela sabe disso. Nossa Senhora, lá
do Céu, sabe disso.
Pego alguma coisa que tinha no prato e coloco na boca.
Entre querer dizer umas coisas pro pai e dar umas mordidas na Gabi, é melhor
mesmo eu manter minha boca ocupada.
O problema é que ela está sentada bem ali.
Bem ali. Do meu lado. Sinto seu calor queimando minha pele.
Papai está dizendo pro Tony como um homem de família é respeitado em todos os
lugares, em oposição a um homem da vida.
Eu não sei o que ele quer dizer com isso mas não faz diferença: é de mim que
ele está falando mal. Porque eu tentei ser um homem de família, não deu certo e
eu me escondi para ser um homem da vida. Um hippie vivendo da minha arte na
praia. E isso era calúnia e desgraça moral para um pai como nenhuma outra que
jamais existiu.
Por mim, está ótimo. Amo minha arte e viver na praia me dá um bronzeado do
caralho.
- Por que não tira a Gabi pra dançar? - mamãe me pergunta - A coitada esteve
aqui, de castigo, ouvindo esses dois discutirem a noite inteira.
Bebo um gole de champanhe e encaro a mulher do meu lado. Ela tem uma
expressão bem típica de quem preferia ser enfiada em um espeto do que dançar
comigo e isso faz com que meu sorriso seja ainda maior do que planejei.
- Uma honra! - é o que digo. Já me coloquei de pé e lhe ofereci a mão.
Tony está tão distraído tentando não discutir com papai que nota nada disso.
Amo demais o meu irmão e teria pena dele. Mas idiotice auto infligida é o
tipo de comorbidade que não pede pena. Pede uns tapas.
Gabrielle aceita minha mão, mas tenta andar a oito metros de distância de
mim. Não consegue porque não temos braços de quatro metros, mas era bem isso
mesmo que ela queria.
Assim que chego no meio do salão eu a puxo pra perto. Nem sou discreto porque
não to nem aí. Eu a puxo com gosto mesmo. Colo seu corpo no meu, agarro sua
cintura inteira no meu braço. Deixo-a tão perto que consigo sentir meu coração
batendo na sua pele. Meu plano era sorrir, piscar um olho e provocá-la com alguma
piada de "pra que toda essa distância".
O que fode o ser humano é ser atingido pelo feitiço que lançou.
"Karma" é como algumas pessoas chamam.
Justiça celestial do universo.
Eu chamo de "fodeu" porque é normalmente assim que me sinto.
E aí assim que eu tenho Gabrielle grudada em mim porque era parte do plano,
eu percebo que fodeu e eu esqueci o plano.
O coração dela bate no meu peito.
E ela tem um cheiro muito bom.
Puta que me pariu, se colocassem o cheiro da Gabrielle em um frasquinho
servia de feromônio para masturbação violenta.
E é isso que mais te destrói, não é? Porque quando você está tenso, a solução
pra se acalmar é tentar respirar fundo. Mas respirar fundo como, Jesus Cristo?
Inalar o cheiro de Gabi e esporrar nas calcas vai me ajudar de que modo?
Eu não sei que música tá tocando e não me importo. Estou nos movimentando
para um lado e pro outro, sem qualquer compromisso. Lento.
Minha cabeça pesa enquanto ela tenta manter o rosto erguido, teimosa. Isso
deixa meu nariz perto demais do dela. Apoio minha testa na sua e fecho os olhos.
É, eu sei que é inapropriado pra caralho. Sou o cunhado dela e blá blá blá…
Mas, queridos, se já fodeu mesmo, então que se foda, sabe?
Eu to absolutamente a deriva.
Me afundando em uma hipnose absoluta do momento.
Você sabe que uma mulher é tua dona quando você perde toda a dignidade. E é
assim que eu estou ali, nos braços dela, de olhos fechados: sem dignidade.
A sua mercê.
Se ela estalar os dedos e disser "me chupa", eu fico de joelhos no mesmo
segundo pra perguntar se pode ser agora mesmo, por favor.
- Luca, eu acho melhor você se afastar um pouco. - ela pede, mas não se
afasta.
- E eu acho melhor você pedir o divórcio, mas fazer o quê…
- Você foi embora.
- Você queria que eu ficasse?
- E se quisesse?
- Não queria. - balanço a cabeça.
- E sabe disso como?
- Você queria o Tony.
- Você não faz a menor ideia do que eu quero.
- Eu vim até aqui pra…
- … me enlouquecer. Eu te escutei.
- Foi só uma piada.
- Esse é justamente o problema com você, Luca. Tudo é uma piada. Nada é
sério. Nada é um compromisso.
- Você quer mesmo conversar comigo sobre compromissos?
- Eu me comprometi com seu irmão.
- Gabrielle, eu não aguento mais te ouvir dizer essas palavras. Juro por
Deus.
- Não aguenta porque não entende! Porque não entende o que é se comprometer
com alguém de um modo genuinamente…
- Você não acredita nisso! O Antônio é uma avelã!
- Uma avelã? - torce o nariz sem entender.
- É. Um negócio qualquer que ninguém sabe direito o que é, mas às vezes tá
lá.
- Eu sei o que é uma avelã.
- Ótimo pra você. Mas ninguém liga. Não é um negócio que marca presença,
sabe?
- Você é viciado em Nutella!
- O que isso tem a ver?
- É creme de avelã.
- Nutella é chocolate.
- É avelã. O Tony é Nutella.
- Não! Escolhe outra noz, então!
- Avelã é uma fruta.
- Tenho certeza que é uma noz.
- Noz é fruta também.
- Escolhe alguma outra fruta, então. - rosno.
- Eu não! Você que começou com esse argumento idiota, agora termine.
Mordo meu lábio. Como essa mulher consegue me deixar excitado na mesma medida
que me causa enxaqueca?
- Diz alguma coisa pra me fazer ir embora. - peço - Diz qualquer coisa. Você
casou com meu irmão e eu acho que vocês dois estão loucos com essa farsa
estúpida, mas é isso que decidiu fazer. Então, eu preciso que você me liberte.
Diz alguma coisa pra me fazer ir embora.
Ela ri, triste e parece saber exatamente o que eu preciso ouvir.
- Eu te amo. - suspira - Ainda te amo. Sempre te amei. Mesmo quando você era
um zumbi imbecil apaixonado pela Fernanda, eu te defendia dos comentários. Te
defendia quando seu pai falava algum dos milhões de imbecilidades que ele fala,
até começar a ficar com o Tony e ele me pedir para ser mais discreta. Eu te amava
sem camisa nas festas da faculdade, e até de madrugada, na Zummo, rascunhando
carros-modelo sozinho no escuro quando você achava que ninguém estava olhando
porque, no fundo, você ama demais aquela empresa. Eu te amava me ensinando a
surfar e com ciúmes do instrutor. Eu te amava quando você foi embora depois da
Fernanda e pensava em como seria ter um homem assim pra mim. Eu te amava quando
casei com você achando que tinha casado com outra pessoa e te amava quando você
me beijou e fez amor comigo pela primeira vez. E eu te amava há algumas semanas
também, quando você foi embora, de novo. E te amo agora. Mas de que me serve,
Luca? De que me serve, se você nunca sequer me percebeu? E nem vem me dizer que
me achava gostosa que isso não é a mesma coisa. E aí porque dediquei três meses a
um amigo você acha que é justo me tratar do jeito que quiser? Ir embora sem ouvir
nenhum de nós? Sem se despedir? De que me serve te amar? De nada. Agora, pode ir.
Vai embora, de novo. Vai.
Acho que parei de dançar.
Não tenho certeza.
Mas tenho certeza que peguei seu rosto nas mãos e a beijei.
Eu estava com saudades dela.
Tanta saudade.
Saudade demais.
E eu a amo mais que…
Eu a beijei.
Por três segundos inteiros.
Até ela me empurrar com pânico nos olhos.
- Luca. - murmura, tomada pelo mais absoluto pavor.
Engulo em seco.
Não existe qualquer pessoa naquele salão que não esteja olhando para nós.
22 – Se tiver que doer

- Me dá um tapa. - murmuro.
Gabrielle é a personificação do pânico.
Absoluto horror.
Nunca vi uma mulher tão assustada depois de um beijo. Nem depois daquele
primeiro quando ela percebeu que eu não era o cara com quem ela decidiu casar.
- O quê? - gagueja, baixinho.
- Me dá um tapa. Agora. Rápido. - sussurro, depressa.
Ela obedece.
Estala os dedos na minha bochecha, respira fundo com os lábios ainda trêmulos
e vai embora.
Não sei se ela entendeu meu plano, mas não poupou esforços. Ela desceu a mão
na minha cara com força como se achasse que eu merecesse mesmo aquela surra. Tudo
bem, pelo menos serviu para manter as aparências de um jeito verídico.
Metade do salão ainda está me encarando. Dou de ombros com um sorriso sacana
e digo:
- Acho que ela não gostou do meu presente de natal.
- Luca. - papai rosna como se fosse a voz de Deus, vindo dos Céus, para
anunciar que adiantou o Dilúvio - O que pensa que está fazendo?
- Ah, foi só uma brincadeira, pai. A Gabi é família, eu tava só zoando. Mas
acho que ela não achou graça.
- Brincadeira? Beijar a esposa do seu irmão?
"Beijar"…
Pai, se o senhor soubesse…
- Você é um irresponsável. Vai pedir desculpas a Gabi! E ao seu irmão!
- Tony, me perdoa. - mostro dentes demais no meu sorriso - Eu não sei mesmo o
que passou pela minha cabeça pra achar que estava tudo bem em ficar nessa
situação com a esposa do meu irmão. Você nunca me colocaria em uma situação assim
e eu deveria retribuir a gentileza. - mordo as palavras.
Antônio abaixa os olhos e não consegue dizer as palavras muito alto:
- Tá tudo bem, Luca. Ele tava só brincando, pai. Você conhece o Luca.
- É, você conhece o Luca. - repito - Eu vou atrás da Gabi pedir desculpas
para ela também, tá?
Aponto na direção da saída, mas a multidão ainda está em silêncio
acompanhando meus movimentos:
- Vocês já podem voltar ao que estavam fazendo antes. Se eu beijar minha
cunhada de novo não vai ser no meio do salão, não. Brincadeira, paizão! - pisco
um olho mantendo o sorriso - Só pra descontrair. Não sei por que toda essa gente
está preocupada com a vida alheia. O Francisco largou até o prato, nem parece que
ele tá comendo a babá quando a esposa vai pra academia. E Lurdinha, todo mundo
sabe que você já está na oitava cirurgia plástica. Não é da conta de ninguém,
viu, meu amor? Se te faz bem, faz mais oito, mas para de agir como se ninguém
fosse capaz de notar porque tá todo mundo te chamando de Cassandra pelas costas.
Paola morde uma risada porque metade daquelas coisas foi ela quem me contou.
E a outra metade também.
- Podem voltar a discutir suas próprias imoralidades que eu vou lá resolver a
minha.
Meu pai me deu as costas em algum ponto ao longo do discurso e acho que foi
descobrir se tem como exigir que a segurança do resort me expulse.
Eu estou pagando, assim como ele, então duvido que eu seja convidado a me
retirar.
Tony deu pela ausência de papai tarde demais e se colocou a segui-lo como o
bom golden retriever que é.
Eu sempre amei meu irmão mas nunca o admirei.
E hoje acho que perdi o pouco do respeito que eu ainda tinha por ele.
Atravesso a porta e dou de cara com Marco que aponta em uma direção
específica.
- Ela foi pra lá? - pergunto.
- Não. Acho que ela deve ter ido pro quarto. Mulheres gostam de se esconder
no quarto quando estão tristes, eu acho. Mas homens devem gostar também. É uma
coisa de todo mundo, na verdade. Eu falei "mulheres" não por machismo, senhor
Zummo, mas só por hábito. É uma dessas coisas que a gente diz quando…
- Marco!
- Ela foi pro quarto, mas o senhor espera ali e eu já trago ela.
- Eu posso ir atrás dela.
Ele limpa a garganta sem dizer muitas palavras.
Aqui e ali ainda tem alguém me observando e, mais que tudo, a dois metros de
distância, há uma Fernanda querendo saber exatamente qual caminho eu vou tomar.
Levei o tapa e a humilhação para ajudar a disfarçar as coisas. Se eu seguir
para o quarto de Gabi e lá ficar pelas próximas duas horas, ela vai ter um bom
argumento esperando por mim quando eu sair.
Se o objetivo é ser discreto… É mais fácil ser discreto no business center do
resort do que no quarto da mulher que eu acabei de beijar.
Assinto e vou para a biblioteca.
Fernanda me segue.
Claro que me segue.

**********************

- Por quanto tempo vocês vão tentar esconder isso? - ela fecha a porta,
deixando nós dois ali dentro.
- Boa noite, Fernanda. Você quer alguma coisa? Café, suco, veneno?
- Você e seu irmão estão comendo a Gabi. Os dois. Ao mesmo tempo. E parecem
estar em paz com isso.
- O quê? - torço o nariz. Eu achei que ela já tinha entendido a história a
essa altura, mas Deus preserve sua burrice.
- Olha, eu não ligo para poligamia e Deus sabe que a Gabrielle precisa de um
trato. Mas se o senhor e senhora Zummo ficarem sabendo que seus dois filhos estão
vivendo em pecado desse jeito. Acho que seu pai morre e sua mãe vai querer
morrer.
- Fê, ia ser tão legal se você realmente aprendesse a cuidar da sua própria
vida.
- Como funciona, Luca? Vocês trocam a cada quinze dias? O que acontece se ela
engravidar? Os dois assumem o filho?
- Não precisa nem ser de um jeito radical sabe? Começa devagar, tenta passar
uma semana sem se meter em coisa que não te interessa.
- Você me interessa.
- Fernanda, na boa. - esfrego os olhos - Você não pode, não pode, acreditar
que ainda tem alguma chance comigo. Você me largou NO ALTAR, depois de insistir
que eu gastasse UMA FORTUNA em uma festa de casamento, pra ficar com um dos meus
amigos mais íntimos. Você não pode estar sofrendo de uma alucinação tão maligna e
severa a ponto de achar que existe qualquer possibilidade de alguma coisa ainda
acontecer entre a gente.
- Alucinação? Luca… - ela sorri - Quando eu te conheci você passou a noite
toda falando sobre a Gabrielle. E essa era a história da minha vida na faculdade,
sabe? A Gabi! - encara o horizonte com teatralidade - A Gabi que era tão
simpática e inteligente e gostosa. A Gabi que era aceita em todos os programas e
tirava as melhores notas. Eu perdi a conta de quantos homens eu quis e fiquei sem
porque a bunda da Gabrielle era mais interessante do que eu. E aí você apareceu
e… Luca Zummo! - ela toca meu braço e ri - Você não faz ideia do tanto que a
Gabrielle te queria. Dava pena, de verdade. E aí eu percebi que… você também a
queria. Não é justo, sabe? Uma hora o universo precisava equilibrar as coisas.
Foi aí que eu percebi que eu era o que o universo precisava. Uma semana comigo e
você esqueceu até o nome dela. Uma semana. E aí agora você diz que "depois de
tudo que aconteceu…", Luca eu não acho que você vai me pedir em casamento de
novo. Não na primeira semana, pelo menos. - ri - Mas o sexo era bom. O sexo era
muito bom, isso você não pode negar. Então pode me chamar de louca, se quiser,
mas eu só estou aqui esperando a história se repetir. Uma hora você cansa de
esperar a Gabi e aí eu só preciso de uma semana para te fazer esquecê-la e, Luca…
algo me diz que dessa vez você vai querer que eu te ajude a esquecer.
Ela toca minha camisa. Meu peito.
Ela também tem um cheiro bom.
E apesar da Gabi ser uma delícia, eu nunca neguei que a Fê era gostosa.
Nunca neguei isso.
E ela não está errada: eu quis a Gabi antes e quem me conquistou foi ela. Era
realmente loucura que ela acreditasse que podia repetir o feito?
Ou a loucura na verdade era eu achar que ela jamais teria chances?
Respiro fundo.
É aí que sou invadido por um pensamento de paz. Um pensamento que muda tudo.
Seguro seus pulsos e a afasto de mim.
- Não vai acontecer de novo, Fê. A história não vai se repetir e eu te
agradeceria muito se você parasse de tentar. Em respeito a mim e a si mesma.
Tenha um pouco de dignidade, sabe?
- Não vai acontecer de novo? - ela brinca com as palavras, tem desdém na sua
voz e no seu sorriso.
- Não.
- E posso perguntar por que não?
- Porque eu amo a Gabi. - assinto e Fernanda congela - Eu tinha uma queda
horrível por ela, antes. Mas hoje eu a amo. E mesmo que não dê certo, mesmo que
eu não possa tê-la e mesmo que isso doa mais do que qualquer outra coisa na minha
vida já ousou doer… Ainda assim nada vai acontecer entre a gente.
- Por quê?
- Porque isso ia magoar a Gabi. - suspiro - E eu não consigo magoar a Gabi.
- Eu posso te ajudar a fazer ciúmes nela com…
- Você ouviu o que eu disse?
- Só estou sugerindo que…
- Pare. Tá? Só pare. Eu vou perdê-la. Vai doer e eu vou sobreviver. Mas não
vou machucar aquela mulher. Nunca vou machucar aquela mulher, porque saber que
ela está sofrendo por minha causa só ia fazer doer ainda mais. Então, por favor…
O barulho da porta se fechando atrai nossa atenção.
Olho de volta pra Fernanda.
Ela não viu quem era e eu também não.
Mas só tem uma pessoa que eu estava esperando.
Abandono Fernanda no meio da frase e Marco é a primeira pessoa que eu vejo
quando saio da biblioteca.
- O que aconteceu? - ele pergunta, parece contrariado.
- Era a Gabi?
- Olha, senhor Zummo. - ele esfrega as têmporas - Eu tenho tentado mesmo
gostar do senhor, mas já basta, está bem? A senhora Gabi é uma mulher incrível e
o senhor não para de fazer besteira.
- Marco! Era a Gabi?
- Era!
- Há quanto tempo ela…?
- Entrou quase na mesma hora que o senhor e… - Fernanda passa pela porta
atrás de mim e Marco engasga em cólera - Mas por São Judas das Causas Perdidas!
Eu desisto do senhor. O senhor não tem jeito! E olha que eu nunca desisto de
alguém! Até do meu primo que saía com essa moça que, olha senhor Zummo, eu não
gosto de julgar, mas essa…
- Marco! Pra onde ela foi?
Ele inspira fundo e eu temo que ele vá demorar mais quinze minutos para me
dar uma única resposta simples. Mas, ao invés disso, ele só dá de ombros:
- Saiu por aquela porta ali. Vai dar na praia.
Tudo bem.
Respiro fundo e atravesso a porta.
Já consigo vê-la a distância.
Sentada na areia, na penumbra.
O vento ondulando seu cabelo.
Curvada sobre si mesma em seu vestido branco de estátua grega.
"Acha que pode me tratar como quiser".
Fui embora sem te ouvir.
Sem me despedir.
Tudo bem, Gabi.
Nenhum de nós dois aguenta mais.
Acho que chegou a hora de fazer essas duas coisas.

**********************

Sento ao seu lado na areia.


Ela abraça as pernas. A pouca luz que ainda nos atinge vem da Lua ou do
resort, mas não é suficiente para nos tirar da penumbra.
Fico em silêncio por alguns segundos. Encarando as ondas quebrando no escuro,
ouvindo o ir e vir da maré que vem lamber a areia cada vez mais perto de nós.
Estamos tão distantes da festa que mal escuto sua música, os sons de conversa e
talheres de prata batendo em porcelana cara. Ali eu só consigo ouvir a água
estalando nas rochas e, se eu ficar muito quieto, talvez a respiração da Gabi.
- A gente vai conversar agora? - pergunto - Porque eu não sei quanto da minha
conversa com a Fernanda você ouviu, mas…
- Eu ouvi tudo.
- Tudo? Então, por que está chateada?
- Não estou chateada.
- E está o quê?
Ela respira longamente.
- Não sei se tem um nome pra o que se sente na minha situação, Luca. Não acho
que inventaram um nome pra esse sentimento ainda.
Assinto, devagar. Não acho que ela vê meu gesto de concordância, mas não acho
que importa.
- E agora? - pergunto, por fim.
Ela dá de ombros.
- O covarde do meu irmão que vai precisar de ajuda pra sempre.
- Você não está ajudando.
- Não vim até aqui ajudar. Vim resolver, Gabi. Ou me despedir. Mas… - enfio
as mãos nos cabelos - Lembra na Lua de Mel? Quando eu te disse que era sua
decisão? Que eu poderia ir embora, se você quisesse. Ou eu podia ficar e te
mostra o que gosto de fazer com a língua?
Ela sorri.
- Você é muito bom com a coisa da língua.
- Obrigado. - brinco, mas meu sorriso não dura - É a mesma coisa agora. A
decisão é sua. Eu posso me despedir de você, agora, se quiser. Posso ir embora.
- Ou pode me mostrar o que gosta de fazer com a língua? - devolve, mas seu
tom tem dor demais. Não é uma provocação erótica. É só saudade.
- A decisão é sua.
- Eu te amo. - ela diz e passa as costas da mão pelas bochechas, limpando uma
lágrima que o escuro não me deixou ver - E você me ama.
- Basicamente, isso aí. - concordo.
- Mas eu não posso ir embora agora. E não sei como te pedir pra ficar. Então,
não sei, Luca. Não sei como decidir.
Não sei como te pedir pra ficar.
Essa frase é absolutamente diferente de "não QUERO te pedir pra ficar".
- Desculpa não ter ficado para ouvir vocês. - passo o braço por seus ombros.
Eu ia explicar a lógica por trás da minha fuga, mas ela se encolhe na minha
camisa e eu desisto. Só o pedido de desculpas, assim puro, sem nenhum "mas" é
mais genuíno.
- Desculpa não ter te contado tudo desde o começo. - suspira, em minha
camisa.
Tomo seu rosto pra mim e beijo sua boca. Sinto o gosto das lágrimas na sua
pele.
- Desculpa ter ido embora sem me despedir.
- Desculpa ter te enfiado nessa bagunça.
- Não. - interrompo.
- O quê?
- Me pede desculpa por outra coisa, Gabi. Por qualquer coisa. Mas não me pede
desculpas por nada que me trouxe até aqui. Até você. O resto é uma merda. Mas
essa parte aqui - eu a beijo - Essa parte aqui, não.
Ela enfia os dedos pelos meus cabelos e eu a puxo pra mim. Eu a beijo,
sentindo o sal das lágrimas se misturar com o sal do mar. Seus dedos são ágeis em
desfazer os botões da minha camisa quando eu cubro seu corpo com o meu. Essa
mulher nasceu pra ser minha. Eu nasci pra ser dela. Se o Livro do Destino existe,
é certo que isso está escrito lá em algum lugar.
Beijo seu pescoço, livrando-a do vestido. Tem o colo nu e eu estou quase duro
quando vejo…
Bem ali em seu ombro.
Marcando sua pele bronzeada com traços que cicatrizaram há pouco tempo, nas
mesmas cores que eu escolhi.
O Norte.
O meu norte.
O que eu desenhei.
Ela tatuou.
Tatuou no ombro bem ali, na mesma parte do corpo que eu escolhi pra minha.
Eu tenho tesão por tatuagem, mas tenho um tesão maior pela Gabi. Mordo seu
ombro com forca e levanto seu vestido. Ela livrou-se de minhas calcas com igual
apetite porque estou duro em sua pele. Mordo sua boca, mordo seu queixo. Quero
engoli-la inteira e, talvez, levá-la comigo assim, já que não posso de outro
modo. Tenho a carne de seus peitos em minhas mãos, seu coração batendo em minha
palma. As dentadas que dou em seu pescoço vão deixar marcas. Os arranhões que ele
rasga em minhas costas também.
Não tem nada de muito poético em transar com alguém na areia.
É justamente o oposto. Arranha, é desconfortável e você vai encontrar grão de
areia em todo canto pelos próximos oito anos.
Mas me pergunta se eu ligo pra isso agora?
Gabrielle tá ficando pelada nas minhas mãos e eu to babando na pele dela
porque não consigo controlar minha própria saliva.
Não tem preliminar. Ela já tá molhada assim que eu a sinto na cabecinha do
meu pau. As preliminares foram as últimas semanas de ausências e desejos.
Semanas de promessas de tudo que eu faria com ela se a tivesse mais uma vez
sob o meu corpo e ali está.
Minhas pálpebras pesam assim que me enfio nela. O mundo parece perder a
importância quando eu to com Gabi, mas quando to dentro dela desse jeito, o mundo
parece desaparecer.
Tem areia em todo lugar e eu não quero levar a mão ao seu clitóris para não
machucá-la. Só deixo que rebole até revirar os olhos e começar a gemer. Aí eu
estoco meu pau bem fundo nela, com força suficiente para afundar a areia.
Ela me abraça com as coxas e os restos dos vestidos. Lutando para conseguir
respirar enquanto implora, chamando meu nome.
Gozo dentro dela, como já fiz muitas vezes e a assisto ficar muda no segundo
exato que precede sua crise. Geme alto, deixando o vento levar embora os seus
gritos.
- Te amo. - é só o que consigo dizer. Beijo sua bochecha, sua boca, a ponta
do seu nariz - Te amo tanto.
Ele se encaixa no me abraço e se encolhe ali. Não parece querer sair. Eu não
quero que saia.
- Gabi?
- Hm?
Respiro fundo.
- Me pede pra ficar?
Silêncio.
Ela se move e me observa.
- O quê?
- Me pede pra ficar. Me pede pra esperar por você. Eu fico. Eu espero.
Seus lábios entreabertos.
É preocupação que eu vejo ali. Eu sei. Já aprendi a traduzir suas expressões
antes que ela diga qualquer palavra.
Tem um sorriso desolado e um brilho de dor nos olhos. Vai me dizer que não
pode fazer isso. Não consegue ser egoísta, essa mulher. Mesmo que eu implore por
seu egoísmo. Mesmo que ele seja a única coisa que pode nos salvar.
Fecha os olhos e eu espero seu veredicto.
- Fica. - pede. Meu coração bate tão alto que eu quase não escuto o que ela
diz a seguir - Me espera?
Agarro seus cabelos para puxar seu rosto para mim e a beijo.
Eu a beijo tanto e por tanto tempo que meus lábios doem quando eu a solto e
não sei mais que horas são.
Estamos cobertos de areia quando nos guio de volta para o resort.
Não temos um plano ainda, mas acho que não precisamos de um.
Não agora.
A gente vai dar um jeito.
Eu a trago pela mão. Seus dedos brincalhões entrelaçados nos meus. Um sorriso
no rosto e uma alegria no peito que parece que vai me fazer explodir.
Alegria que nada no mundo seria capaz de destruir a não ser a voz que eu
escuto assim que chegamos na escadaria principal.
- Você é uma vergonha.
Engulo em seco e tento tomar a frente da Gabi em um gesto instintivo de
proteção. Mas não vai adiantar de muita coisa. Ele já viu tudo que tinha que ver.
Já viu nós dois com roupas mal vestidas e sujos de areia em lugares que areia
tinha nenhum assunto em ir visitar.
- Pai. - aceno.
- Você é uma vergonha. - repete - E você! - aponta para Gabi de um jeito que
me faz temer pelo que vou fazer se ele seguir naquele curso - Fez uma promessa
diante de Deus e está traindo essa promessa com um traste?
- Traste? - considero. Ele já me chamou de coisas bem mais deselegantes,
"traste" é até legal.
- Essa pouca vergonha acaba aqui, me ouviram? - ele nos olha com nojo - Aqui
e agora.
- Pai, por que não volta para a festa e vai cuidar da sua vida?
Mas ele só balança a cabeça como se não me ouvisse.
- Esse é o tipo de família que o Antônio quer começar? E eu tenho que confiar
que ele sabe o que está fazendo? Nunca vai ser um pai de família se eu não…
aquele moleque! - rosna - Um moleque, é o que ele é. E é o que você é! Tendo um
caso com a esposa do seu irmão! - brada - Como se atreve? Que tipo de
imoralidade, de…
Ele não encontra uma palavra baixa o suficiente para me xingar como gostaria.
Eu espero paciente, ainda me colocando entre ele e Gabi, mas parece que a
palavra não vem.
- Bem, enquanto você decide o que vai dizer, eu e Gabi vamos trocar de roupa
porque…
- Isso acaba aqui!
- Claro, claro. - resmungo, sem vida.
- Acaba aqui, Gabrielle, ou eu vou pessoalmente ter uma conversa com seus
investidores.
- É o quê? - reclamo - Vai chantagear uma mulher só porque discorda de…
- Estou protegendo minha família! A parte decente que ainda sobra dela.
- Pai…
- Ah, chega! - Gabrielle exclama saindo de minha proteção - Chega!
- Com licença? - meu pai sibila, baixo e ameaçador.
- A mulher dele o largou no altar e ele ficou triste por um tempo! Dá pra
superar isso? Até o Luca já superou e, de acordo com você, ele sequer é um homem.
- recita, cheia de pompa - Ninguém te aguenta mais, punindo família por não ter
se portado exatamente como você queria. Ele ficou triste e precisou de um tempo a
sós. Deixa ele em paz! E o que eu faço com minha vida não é, nem nunca foi, da
sua conta! Você é tão obsessivo querendo controlar tudo mas sequer percebeu que
não faz a menor ideia do que está acontecendo ao seu redor! E se quiser conversar
com meus investidores, converse. Eu sou uma mulher trabalhadora e determinada! Se
sua falta de ética me roubar os investidores que tenho agora, consigo outros!
Eu fico em silêncio.
O pai fica em silêncio.
Eu queria beijar Gabrielle.
Eu sempre quero beijar Gabrielle, mas agora eu queira muito.
- Se me dá licença. - ela passa por meu pai sem lhe dar mais qualquer
atenção.
Eu a sigo de perto porque ela é maravilhosa.
- Você… - estou rindo - Vem pro meu quarto, comigo. - peço - Agora, ele já
sabe mesmo e…
- Ele não vai deixar o Tony em paz. - explica - O Tony só quer que seu pai se
aposente e se mude. Aí ele vai poder ficar na empresa, a sós e tudo fica
resolvido.
- Gabi…
- Luca, eu não te pedi só pra ficar. Eu te pedi pra esperar. Não vai ser um
ano, não vai ser pra sempre. Mas eu não posso deixar o Tony. Eu só preciso
conversar com ele e descobrir qual o plano. Vou explicar pra ele que não quero
mais fazer isso por tantos meses e vamos decidir o que fazer. Eu te pedi pra
ficar e esperar, Luca. Ainda pode fazer isso? - inclina-se - Ou já mudou de
ideia?
Eu beijo sua boca devagar. Sinto seu gosto, sua respiração.
Eu esperaria mesmo que fossem anos, Gabi.
- Eu fico. Eu espero.
Ela sorri, me dá um abraço, morde meu queixo e se vai.
Fico pra trás, sorrindo como um idiota. Pensando na prancha que vou lhe dar
na noite seguinte. Pensando no cronograma de seu plano com Tony e como posso
fazer para vê-la antes dos últimos meses que os dois ainda vão ficar juntos.
Estou feliz e cheio de planos.
Isso porque eu não fazia a menor ideia do que ia acontecer amanhã.
23 - Adeus

Gabi

Pelo jeito como Luca olha pra mim na piscina naquela manhã, parece até que
alguém lhe prometeu um prêmio caso conseguisse me engolir em público sem ninguém
perceber.
Não voltei com ele pro seu quarto, na noite anterior. Mas hoje me enfiei no
biquini amarelo que ele adora e prendi o cabelo em um rabo de cavalo para ter
certeza que nada ia cobrir minha tatuagem nova.
Veio me enlouquecer, não é?
Eu também conheço essa brincadeira.
Um carnívoro faminto, escondendo os olhos nos óculos de sol para tentar
disfarçar o fato que está me seguindo, esquecendo-se que o movimento da cabeça
admite os pensamentos que ele tenta esconder.
- Respira fundo. - eu digo. Em parte para o Tony, em parte para mim mesma.
Ele tem aquele olhar exausto que eu já me acostumei a traduzir.
- O que aconteceu agora?
- Ele vai adiar a aposentadoria. Acabou de me dizer. Vai adiar em seis meses.
Seria um ano, mas não acho que a mãe aceitou.
- Tony…
- Mais seis meses, Gabi. Mais seis meses disso. - gesticula e sei que está se
referindo não ao nosso casamento falso mas às perseguições do pai - Ele sabe. -
sussurra - Sabe sobre mim. Sobre quem eu sou. Sobre o que eu sou. E assim que
sente o cheiro disso fica em pânico.
- Respira fundo. - digo, mais uma vez - Não é a primeira vez que você precisa
lidar com as loucuras do seu pai! Você é bom nisso, lembra?
Era bom nisso.
Depois da Giseli algo aconteceu com o Tony.
Algo o quebrou em algum lugar que não dava pra consertar.
Ele não tinha mais tanta paciência, tanto tato, tanta resiliência.
Tudo que ele tentava esconder estava bem a mostra na superfície e, ele estava
certo, seu pai não tardou a perceber.
- Eu só preciso que ele se aposente. - esfrega os olhos - Só preciso que se
mude pra longe. Só isso.
- Eu já te disse o que penso sobre isso. - dou de ombros.
Ele massageia a nuca encarando o chão.
- Não vou contar pra ele, Gabi. Não agora! Não depois de todo esse esforço!
- Quem liga pro esforço, Tony? Conta pra ele e se livra disso de uma vez.
- Depois de todo o trabalho que eu tive… que nós dois tivemos pra esconder?
- Meu amor, você não precisa se apegar a um erro só porque dedicou bastante
tempo pra cometê-lo. O que passou, passou. Você não vai conseguir viver assim pra
sempre!
- Não é pra sempre. É por seis meses.
É pra sempre.
Ou seria.
Porque agora eu prometi ao Luca que seriam meses, então é esse o tempo que o
Tony tem antes de me perder como boia de segurança.
Esfrego seus braços tentando lhe passar algum conforto.
Vai ter que passar o Natal longe de sua família.
Longe de seus filhos.
E pra quê?
Pra acalentar um pai inacalentável.
- Você devia pedir ajuda ao Luca. Ele parece saber lidar com seu pai muito
bem.
- O Luca? - ri com desdém.
- É. Ele tem aquela boca enorme e nenhum filtro, mas olha só: três meses com
ele e o seu pai não adiou a aposentadoria. Alguma coisa certa ele fez.
- Não é disso que estou falando.
- E do que então?
- Gabi… - ele esfrega os cabelos com violência - O Luca sabe.
Meu coração para de bater.
- Você contou pra ele? - finalmente contou pra ele.
- Não precisei. Olha só como ele está agindo! Primeiro, foi embora assim que
eu voltei, sem sequer falar comigo. - conta nos dedos - Chegou aqui pro Natal
cheio de discursos passivo-agressivos sobre como promessas de casamento não valem
de nada. Fez questão de chamar atenção de todo mundo para minhas tatuagens!
- Tony… - engulo em seco porque tenho alguma certeza que esse comportamento
passivo-agressivo foi muito mais dedicado a mim do que a ele - Acho que você pode
ter interpretado mal o que seu irmão estava dizendo.
- Ele disse pro pai que ele é homem porque tem "um pinto que usa de vez em
quando".
Eu preciso rir porque eu não sei de onde o Luca tira essas coisas.
- Você acha graça? - ralha.
- Tony, o Luca fala essas coisas! Eu não acho que foi uma crítica velada! Até
porque, você também usa o… - não consigo dizer a palavra porque estou rindo de
novo - E mesmo que não usasse ou não tivesse, ainda poderia ser homem... O Luca
só estava querendo irritar o seu pai e você sabe disso.
- Ele fica te encarando como se tentasse descobrir por que aceitou fazer
isso!
Não acho que é por isso que está me encarando.
- Ele deve achar que você é lésbica! E o que foi aquele beijo na frente de
todo mundo? Ele está querendo me constranger, Gabi. Ele já descobriu tudo, me
acha um nojento e um covarde e…
- Respira. - peço - Tony, respira. Você está entendendo tudo errado. Você
precisa muito falar com o seu irmão.
- Não. Você estava errada, Gabi. O Luca não vai conseguir superar o próprio
preconceito e eu não preciso disso agora.
Estou tentando ser paciente.
Estou tentando ser paciente pela Giseli.
Mas não sei quanto mais disso eu aguento.
Até porque não sei quanto mais disso o próprio Tony aguenta.
Nunca o vi assim.
Girando fora de controle. Um barquinho de papel manteiga no meio da
tempestade.
Ele não vai durar.
Não vai resistir.
Existe um limite para a quantidade de estresse que uma pessoa consegue
aguentar.
- Tony, preciso falar com você sobre o Luca. Já que você não vai falar com
ele… preciso te contar uma…
- Antônio. - seu pai o chama a distância e ele se coloca de pé como um animal
de estimação bem adestrado.
Engulo a frase na metade.
A distância, meu sogro me encara como se quisesse me destruir em pequenos
pedaços.
A esposa adúltera. A decepção.
Ele ainda pode destruir meu negócio, se quiser. A diferença é que eu não sou
o Tony. Se ele quer uma briga, que venha.
Fico sentada e em silêncio.
Os dois se vão e como por decisão do destino, meu foco cai no homem de pé, no
bar, logo atrás deles.
Luca tirou a camisa e agora sou eu quem precisa de óculos escuros.
Eu e todas as mulheres na piscina.
Ele termina o uísque e vem na minha direção.
Não, não, não.
Estou de pé e procurando uma rota de fuga porque não sei se posso responder
por mim se aquele homem me abraça sem camisa.
Mas ele me alcança antes que eu possa executar qualquer plano.
- Luca. - aviso, assim que está perto o suficiente.
- Que foi? - sua casualidade é diametralmente oposta a eterna seriedade do
irmão. São absolutamente idênticos, aqueles dois. Mas são absolutamente
diferentes.
- Se seu pai nos vir conversando…
- Eu te dou um beijo e ele vai ter que calar a boca.
- Ficou louco?
- Duvida?
- Nem um pouquinho. E é disso que eu tenho medo.
- Te beijo e digo pra ele que esse casamento de vocês dois seria só de
aparências. "Seria" porque, na verdade, quem casou com você fui eu, já que o Tony
estava bem longe com uma namorada que ele esconde porque o pai não aprovaria.
Digo também que fui eu quem consumou o casamento e que a gente se ama. E aí já
sugiro logo o divórcio pra facilitar as coisas. Falo logo aqui, mesmo, na
piscina. Que aí todo mundo já escuta e a informação já se espalha mais fácil.
- Não pode fazer isso.
- Claro que posso!
- Ia ser o caos!
- Coisa nenhuma. - dá de ombros com descaso - Ia ser uma fofoca genial por
uns dois meses. E só isso.
- Zummo!
- Mas relaxa! A única razão pela qual eu não vou fazer isso é porque eu sei
que ia machucar o Tony e aí você ia ficar com raiva de mim.
- É gentil de sua parte não querer machucar o seu irmão.
- Quem disse que eu ligo pra isso? Ele merece umas porradas, aquele ali, pra
deixar de ser idiota. É a parte de te deixar com raiva que me preocupa.
- Ah é?
- Hm. - assente, antes de se aproximar - Acontece que eu gosto muito mesmo de
ter teus peitos na minha língua. - murmura quente - E algo me diz que não ia me
deixar fazer isso se estivesse com raiva.
- Dois passos para trás. - aviso.
Ele é bem teatral nos exatos dois passos que dá, afastando-se de mim.
Faz-me rir.
E é o sorriso idiota que eu não consigo impedir pelo resto do dia.

*********************

- Eu não sabia que ele vinha! – Paola sorri.


- O Luca? Acho que foi uma decisão de última hora... Eu também não fazia
ideia.
- Ah! Eu não comprei nada para lhe dar de Natal. – ela se encolhe,
insatisfeita – Não imaginei que ele viria.
Prendo meus cabelos um pouco melhor para mantê-los secos e longe da água da
piscina. Paola é o meu oposto e já mergulhou duas vezes antes mesmo de chegarmos
ao bar molhado.
- Tenho certeza que ele não vai se incomodar, Paola!
- Talvez a gente possa convidá-lo para um jantar? – Augusto pergunta. O modo
como me observa é curioso até porque é normalmente sua esposa a responsável por
cobrir os outros de convites – E talvez você pudesse vir também?
Percebo o que quer fazer.
Há perguntas que nunca foram respondidas porque ele nunca teve coragem de
fazê-las.
Engulo em seco.
- Augusto... – olho ao redor para me certificar que não estamos sendo
observados.
Mas estamos.
Fernanda está bem ali com um olho suspeito sobre nós porque Luca está na
borda da piscina e sei que não vai demorar até estar ao meu lado.
- ... Vocês foram muito gentis com toda nossa situação. – encho a palavra de
significado.
- Não estou perguntando nada, Gabi! – acrescenta depressa.
- E nem eu imaginei que estivesse! – sorrio, Paola tem uma mão rápida no meu
braço, um carinho fraternal como se quisesse me dar certeza que estão ao meu lado
– Mas somos todos adultos e eu nunca subestimei sua inteligência, Augusto. Vocês
podem nunca ter perguntado, mas sei que a pergunta está aí. Aprecio sua
discrição. Mais do que posso...
- Gabi. – Paola aperta o toque em meu braço, pedindo-me que cale – Se o
Augusto quer vocês dois em um jantar, dificilmente é para perguntar alguma coisa.
– pisca um olho.
- O... o quê?
Agora é Paola quem olha ao redor. Quando fala, sua voz é baixa e urgente.
- Vocês pareciam bem juntos. – sibila, cheia de segredo – Não sei o que os
colocou nessa posição e nem é da minha conta, mas... Você está feliz, querida?
Sem ele?
Minha boca está entreaberta no sinal universal de surpresa porque uma
operação cupido não está na lista de coisas que eu esperava daqueles dois.
Sorrio.
- Você é muito gentil, Paola. Mas nós já temos... – respiro fundo e foi tempo
suficiente.
Água se espalha ao nosso redor quando Luca entra na piscina. Precisou de dois
segundos para nos alcançar.
- Augusto, você precisa esconder sua mulher em casa, ou vai perdê-la. –
sorri.
Paola lhe dá um beliscão no braço.
- Estou segura! Você só tem olhos para outra! – encara-me em confidência.
- N
ão foi minha intenção trair nosso amor. – avisa, teatral.
- Sempre podemos fugir juntos, amanhã! – ela decide e Augusto ri até entalar
com a cerveja.
- Está decidido! – ele coloca a mão na minha cintura e deixa o polegar
deslizar pela minha pele.
Estou debaixo d’água e ainda assim preciso de um banho frio no segundo que
ele me toca.
- Até quando vai ficar aqui? – ela pergunta.
- Vai me convidar pra jantar?
- Lógico. Você e Gabi.
- Ah? – ele tem um sorriso imenso quando pisca um olho para nossa cúmplice.
Ao contrário de mim, Luca tem nenhum problema em se divertir com nosso pequeno
segredo – Eu iria adorar. Estive mesmo procurando uma razão para levá-la pra
jantar.
Ele vem ficar atrás de mim. Respira nos meus cabelos e ainda me tem nos
braços.
Homem, pare.
Por favor, pare.
Estamos em público.
Sob a luz do dia no meio de uma piscina. Não dá pra ficar mais público que
isso.
Ele, no entanto, não parece notar ou, notando, não parece se importar.
- Não é muito digno de sua parte levar sua cunhada para jantar, Luca. – sua
voz é melódica e vil – principalmente depois daquele beijo. O que as pessoas vão
pensar? – Fernanda provoca.
- Que a gente está tendo um caso. – sibila e eu congelo – O que é meio
verdade.
- Meio? – Fernanda ergue uma sobrancelha e me encara como se fosse capaz de
talhar minha carne para comer ali mesmo.
- Fernanda, deixa de ser criança. – ele se enfia na água apenas por um
segundo. Emerge de volta, agitando os cabelos molhados e passando a mão no rosto
para se livrar de algumas gotas – Todo mundo aqui sabe o que está acontecendo. –
indica nosso pequeno grupo de cinco – Se quer fazer alguma ameaça, faz de uma
vez.
Estou congelada.
Os pais do Luca estão a poucos metros de distância. Fora da piscina, mas
consigo ver minha sogra bem ali, na área coberta próxima ao bar. Sentada em uma
das cadeiras, observando-nos a distância com ares de curiosidade enquanto o
marido reclama de algo com o garçom.
Ela está nos vendo.
- Vocês me dão licença? – prendo a respiração e me afasto dali o mais rápido
que consigo. Levemente consciente de estar sendo seguida.
Luca, certamente, como é de praxe. Vai ser inconveniente assim que me
alcançar.
A entrada da sauna está deserta e eu me enfio lá dentro para fugir dos
olhares.
O calor ataca minha pele mas pelo menos estou sozinha.
Respiro fundo.
Fecho os olhos.
A porta se abre atrás de mim e eu estou pronta para implorar a Luca para que
não piore uma situação que já não é ideal desde o início.
No entanto, é Fernanda que encontro quando me viro.
Usa um biquíni azul e dourado que flerta entre desfile de moda e produção
pornô. Tem o cabelo loiro amarrado em um rabo de cavalo farto de dar inveja em
muitas.
Ela é linda.
Sempre foi linda.
- Está tendo um caso com Luca Zummo? Por quê? O Antônio é gay, não é?
- Por que você não consegue cuidar da própria vida?
- Você aceitou casar com ele pra conseguir dinheiro pra sua start up? – ri –
Gabrielle! Quem diria! Trocar sexo por pagamento é prostituição, sabia?
- Essa é sua lógica? Se ele é gay, por que vai querer sexo, Fernanda?
- Você entendeu o que eu quis dizer. – morde o lábio, cruzando os braços – E
o que fez para o Luca te querer?
- Achei que ele tinha te dito algumas coisas, ontem.
- Ele está tentando proteger o irmão! Agora faz sentido. Ele só quer proteger
o irmão! – encara o vazio como se falasse não para mim, mas para si mesma –
Precisou ficar com você para fingir que era o Tony e agora está com esse papo de
“me apaixonei” para poupar o irmão. Vocês vão usar isso como desculpa para você
poder se divorciar sem pegar mal pro Tony e depois o Luca te larga, não é? E
ainda conseguiu te usar para me magoar no processo. Estou impressionada.
- Você entendeu tudo errado. – eu devia ficar quieta, mas a Fernanda me faz
abandonar a razão.
- Eu entendi tudo errado? Ou será que foi você? Ah, querida. – ela torce o
lábio com falsa pena – Não me diga que acreditou mesmo que o Luca finalmente te
quis. Foram o quê? Cinco anos nutrindo uma paixão por ele? Seria fofo se não
fosse patético. Acha mesmo que depois de tanto tempo ele ia simplesmente te
notar? Ele nunca te quis.
- Por que isso é tão importante pra você? – mordo as palavras – Porque eu
conseguia os estágios e as monitorias. Porque eu tirava notas melhores. Porque o
Matheus quis ficar comigo e não com você. Porque a Laura era mais minha amiga do
que sua. Tem alguma razão, Fernanda, QUALQUER razão, para você ter raiva de mim
que não seja sua própria inveja e infantilidade? Que mal eu te fiz?
- Chame de inveja e infantilidade, se quiser. Desde que eu ganhe, não me
importa. Você ficou sim com o Matheus quando sabia que...
- Isso faz SEIS ANOS, Fernanda! CRESCE!
- Você e a Laura sempre...
- Ela é minha melhor amiga! Olha... chega! Está bem? Chega! Essa briga entre
nós duas, acabou. Eu estou acabando.
- Vai acabar quando eu disser que acabou.
- Se falar alguma coisa sobre o Tony ou o Luca vai ser sua palavra contra a
nossa. E vai machucar outras pessoas muito mais do que a mim.
- Eu sei. Eu não vou fazer isso porque não quero ser a vilã nessa história. –
dá de ombros – Porque quando o Luca acabar com o teatrinho eu o quero de volta na
minha cama.
- Meu Deus, você é louca.
- Sou uma louca que já o viu pelado.
- O que isso tem a ver com...
- Você já o viu pelado, Gabi? Já o teve duro nas mãos? – ela se delicia com
as palavras tentando me constranger, mas não faz ideia de como soa ridícula – Já
o escutou gemendo seu nome quando não conseguia mais respirar?
- Já. – a voz grave me sobressalta. Luca, sem camisa, envolto pelo calor da
sauna que faz seu peitoral brilhar com um suor que deve ser delicioso de ter na
língua – Já. – continua, estreitando os olhos como se estivesse pensando nas
perguntas – E já.
Fernanda sorri com desdém.
- Pode continuar essa charada, se quiser, Luca. Sei que precisa beijá-la aqui
e fingir que estão juntos para o mundo, por causa do Tony. Mas não pense que...
Luca marcha até mim. Me agarra pela bunda quando traz meu corpo para si e me
beija como se aquilo fosse a única coisa que ele pensou em fazer o dia inteiro.
- Eu sei que já se beijaram, Luca. Isso não é qualquer surpresa.
- Quer que eu coma a Gabi na sua frente, Fê? Sem problemas.
Tem os dentes no meu queixo e a mão entre minhas coxas. Dedilha-me por cima
do biquini.
- Luca! – assusto-me.
- Eu já estava mesmo pensando em fazer isso. – geme, na minha boca – Eu não
aguento mais, não, meu amor. Quero você na minha boca. Se ela não sair, vai ter
que assistir e eu não to nem aí.
Enfia um dedo em mim e morde meu mamilo por cima do biquini. Eu penso em
protestar, mas ele beija meu pescoço e aí eu concordo com ele: se ela não sair,
vai ter que assistir mesmo. Porque eu não vou parar.
E parece que ele também não.
- Eu vou chamar alguém! Isso é uma falta de vergonha! – exclama, estridente.
- Eu vou casar contigo. – ele murmura entre os beijos – Vou ser pai dos teus
filhos e te amar até o dia que eu morrer.
- Luca, ela já foi embora. – sorrio.
- Quem? – ele continua a me beijar.
- A... Fernanda. Você não estava querendo provocá-la?
- Gabi. – ele interrompe o beijo para tomar meu rosto nas mãos – Eu vou casar
contigo. – repete – Vou ser pai dos teus filhos e vou te amar até o dia que eu
morrer. Entendeu o plano?
O arrepio começa em minha espinha, mas toma o meu corpo inteiro.
- Entendi.
Ele acena e volta a me beijar.

**********************

Luca

Tenho o dedo fundo em Gabrielle e a língua na sua pele quando escuto o


movimento na entrada da sauna às nossas costas.
- Puta que p... – viro-me com o lábio entre os dentes. Abandono o corpo de
Gabi por um único segundo porque vou gritar bem alto com Fernanda para que ela
entenda, antes de trancar a porta da sauna e deixar o mundo lá fora se foder.
O problema é que Fernanda trouxe com ela o único ser humano no mundo capaz de
aquietar meus planos.
- ... então acho que a senhora pode resolver. – conclui em sua voz maligna
quando enfia a senhora minha mãe ali dentro com o resto de nós. É uma benção que
eu tenha largado Gabi há um segundo mas o jeito desesperado como ela se enfia de
volta no biquini deixa bem clara nossa situação. E mesmo que não deixasse... o
volume em meu calção de banho deixa espaço para pouco questionamento.
- Olhe a situação dos dois! – Fernanda exclama – Você não precisa gostar de
mim, Ana Lúcia, mas acha certo o que seus filhos estão fazendo? Dividindo a mesma
mulher desse jeito? Eu sou a única aqui que se preocupa com os sentimentos do
Tony?
Eu me viro de costas pra porta porque estou bem ereto e... é minha mãe, sabe?
Um homem precisa ter limites.
- Fernanda. – minha mãe a interrompe – Acho que você precisa sair agora.
Eu a escuto respirar fundo. Não preciso olhar para ela para saber que está
sorrindo.
- Bom. – ela murmura – Finalmente, alguém vai colocar ordem nessa falta de
vergonha.
- Falta de vergonha foi você iludir um homem por anos e abandoná-lo no altar.
– mamãe defende – Falta de vergonha é você trocar de noivo como quem troca de
roupa. Falta de vergonha é você querer se meter em assuntos que não lhe dizem
respeito por causa de um inveja de anos atrás. Falta de vergonha é você assediar
nossa família porque não percebe o que está acontecendo diante dos seus olhos.
- Não percebo o que...
- Fernanda, o homem está tão apaixonado que não consegue manter as mãos longe
da mulher que ama mesmo sabendo que é esposa do seu irmão e que pode ser pego a
qualquer instante. Olhe pro coitado, virado de costas, envergonhado de sua
situação. Acha que isso é fácil pra ele? Fácil seria ele tomar você, que é
solteira e barata. Se ele se chegou nesse ponto é porque é tão forte que o deixou
cego. E você acha que tem alguma chance? Você precisa sair, agora. E se voltar a
incomodar minha família, vou processá-la por assédio.
Gabi está muda.
Eu estou mudo.
Escuto a porta da sauna e imagino que estamos a sós. Nós três.
- Luca. – mamãe pede – Olhe pra mim.
- Mãe, se a senhora não se incomodar, eu acho que vou ficar virado de costas
mais um segundo.
- Luca Santiago Zummo! Sou sua mãe e já vi essa coisinha que você tem no meio
das pernas quando você nasceu. Pode ser diferente para outras pessoas agora, mas
para mim dá igual. Olhe pra sua mãe quando estiver falando com ela! – ralha e eu
me viro de frente.
Verdade seja dita, a bronca que deu na Fernanda deu tempo suficiente para que
meu sangue voltasse a circular para o lado certo. Já estou em uma situação bem
menos crítica agora. Mantenho minhas mãos sobre a virilha ainda assim.
- Sim, senhora. – recito.
- Ana Lúcia. – Gabi tenta começar. Gagueja, o que mostra ter muito mais
carinho e admiração por minha mãe do que tem pelo meu pai – Não sei até que ponto
você já...
- Quieta. – ergue o dedo – Eu vou falar agora.
Ficamos calados.
Espero a bronca. Espero o Dilúvio.
Mas ela fica em silêncio por longos segundos.
Está magoada.
Dói meu coração.
- Mãe, eu... Eu sinto muito. Não quis te magoar. Com nada disso.
- Com nada disso? – observa-me, confusa.
- Depois da Fernanda, você tentou me convencer que ela não valia a pena.
Estava certa e eu fui rude. Fui grosseiro e desagradável.
- Não se preocupe com isso, querido. Você estava muito triste. Eu sabia!
Nunca me chateei com aquilo.
- Ah. – bagunço meus cabelos porque... nunca tinha pedido desculpas
explícitas mas sempre imaginei que ela tinha se decepcionado comigo – Bem... –
dou de ombros – Não quis te magoar, me desculpe.
- Não magoou.
- Nem agora. – respiro fundo e olho para Gabi – Mãe, o que está acontecendo
aqui...
- Eu sei o que está acontecendo aqui. – gesticula – Eu sei o que o Antônio
está fazendo.
- Sabe? – Gabi exclama, espontânea e incrédula.
Mamãe apenas sorri.
- Você sabe sobre a Giseli? – pergunto, só para ter certeza que estamos na
mesma página.
Ela respira fundo.
- Não sei os nomes ou os detalhes, mas... Sabe, Luca? – dá de ombros – Essa é
a parte que me magoa. Que meus filhos realmente acreditem que eu os conheço tão
pouco a ponto de não notar o que está acontecendo em suas vidas.
- Mãe...
- Eu sei sobre o Antônio há muito anos. Antes dele mesmo, talvez.
- Mas nunca disse nada. – Gabi está confusa. Mas, mesmo confusa, parece saber
mais do que eu.
- Tony e Luca são muito parecidos e muito diferentes, Gabi. Os dois são muito
privados. Luca só compartilha algo sobre si mesmo quando quer. Não se esconde por
pudor ou receio, mas porque não gosta de ninguém se metendo em sua vida. Não
adianta insistir: se ele quiser te contar algo, você sequer precisa perguntar.
Tony é quieto, mas é o oposto: é vergonha e temor. Se você insistir, ele vai se
esconder e se fechar. Mentir, se for preciso. Ele só te conta algo quando está
pronto.
- Você esteve esperando que ele te contasse quando estivesse pronto.
- Me dói que tenha demorado tanto. Que ainda demore tanto. É meu filho e eu o
vi se afastar por receio de expor seus segredos. Mas, sim. Eu sei que quando ele
estiver pronto vai me procurar. E eu vou esperar o tempo que for preciso.
- E se passar o resto da vida esperando, Ana? – Gabi pergunta - Porque o
Tony... Deus sabe que é meu melhor amigo e o amo muito mas...
- As vezes, precisa de um empurrão? – sorri – É. Talvez precise. Talvez eu
tenha falhado.
- Espera. – balanço as mãos, trazendo a conversa de volta para um ponto que
eu entenda – Então a senhora sabe que o casamento dos dois foi só de aparências?
Ela ri alto.
- Casamento dos dois? Mas foram eles quem casaram? – arregala os olhos
brincalhões para mim.
Encaro Gabi sem saber o que dizer e ela não parece ter mais sucesso que eu em
sua busca por palavras.
- Você lembra quando nos conhecemos, Gabi?
- Na Zummo? – estreita os olhos.
- Não! Não, querida! No evento beneficente do Médicos sem Fronteiras, você
era uma das voluntárias organizando as mesas. Deu um grito horrível em um dos
convidados que parecia mais preocupado em reclamar do jantar do que em fazer
doações. – ri – Algumas de minhas amigas torceram o nariz e disseram que pessoas
assim não deveriam estar naquele evento. Mas eu... – pisca um olho – Eu lembro de
ter pensado, naquele mesmo instante, que era esse tipo de mulher que eu gostaria
de ter como nora. Alguém com prioridades e atitude. E imagine a minha surpresa
quando te vi na entrevista para um estágio na Zummo dias depois!
- A posição de assistente! – aponto para mamãe, finalmente entendendo – Eu
era um adolescente! Eu não precisava de uma assistente! Você inventou essa
posição quando viu a Gabi procurando estágio na empresa!
- Eu imaginei que se vocês passassem algum tempo juntos, talvez...
Gabi tem o queixo no chão. É uma competição e o meu ganha porque o enfiei tão
fundo na terra que quebrei alguma placa tectônica.
- Mas o tempo passou e nada aconteceu! E aí a Fernanda, Deus como eu a
detestava! Mas você e Gabi, filho... Vocês dois sempre pareciam tão perfeitos
juntos. Eu rezei, porque Deus sabe mais do que eu e quando Fernanda te deixou no
altar eu percebi que talvez você precisasse daquilo.
- Mãe, não acredito que fez isso.
- A vontade que eu tinha era bater em suas testas e lhes ordenar que saíssem
juntos, ou seja lá o que for que jovens fazem. Mas eu tento deixar vocês no
controle de suas próprias vidas.
- Não devia ter feito isso. – estou rindo. Acho que ela sabia do que eu
precisava melhor do que eu.
Ela acena.
- E ai o Tony começou a fingir que namorava a Gabi. – esconde os olhos atrás
das mãos e Gabi fica vermelha – Eu sinto muito, querida, mas pouca coisa na vida
era mais falsa que vocês dois juntos. Ele decidiu que ia casar e, no meu coração,
eu pedi a Deus que trouxesse o Luca de volta. Nas vésperas no casamento, se fosse
preciso. Para finalmente perceber o erro que cometeu e levar a Gabi embora. –
junta as mãos como se relembrasse – Ia fazer bem para o Tony também! Ter que
encarar os próprios problemas sem desculpas. Mas O Luca não veio e eu fui a
Igreja naquele dia determinada a acabar com aquela farsa. – explica – Mas
então... então eu chego na igreja e é Luca que está lá. Enfiado nas roupas do
irmão. Eu deixei Deus decidir o que teria que acontecer. E acho que Ele sabia o
que estava fazendo, não é?
Ela me observa com um carinho imenso.
- Vocês dois foram diante de Deus e prometeram amar um ou outro. Pretendem
quebrar essa promessa?
- Não! – Gabi avisa, assim que mamãe aponta pra ela.
- Nem um pouquinho. – estou rindo. Busco a mão de Gabi e entrelaço nossos
dedos.
- Aí está. – decide – Os documentos vocês resolvem depois. E o Tony... –
respira fundo – O Tony vai precisar resolver o Tony.
Preciso de um segundo para perceber que aquilo realmente aconteceu. Estou
fritando dentro da sauna. Estamos todos. Mas o alívio é tão grande que o calor
importa de muito pouco.
- Não está furiosa? – pergunto, ainda sem acreditar.
Ela vem apertar minhas bochechas. Depois aperta as de Gabi e aí dá um passo
para trás.
- Eu quero netos! – ralha, com o indicador em riste e fogo nos olhos –
Muitos.
Gabi se encolhe no meu braço escondendo a risada.
- Sim, senhora. E não se preocupe com o Tony. Ele vai se resolver.
- É. – seu sorriso é cansado – Ele me preocupa, o seu irmão. Me preocupa as
distâncias que ele percorre para agradar o seu pai. Eu tenho medo que, antes
dessa história acabar, ele ainda destrua tudo tentando protege-lo. E eu não vou
me meter, filho. O Tony precisa encontrar seu próprio caminho. E eu tenho muito
medo que ele ainda vai se perder muito antes de se encontrar.

*********************

Gabi

A Ceia de Natal é posta no salão principal.


Ele me dá uma prancha de presente.
Eu lhe dou uma miniatura de um dos carros modelo que ele desenhou. Mandei
fazer há dois meses, quando ainda estávamos juntos e ele genuinamente parece ter
adorado.
Luca me tira para dançar e coloca a mão em minha cintura como se quisesse
mais nada da vida além de me beijar.
Mas se controla.
E por "se controla" eu quero dizer que ele não me beija nem tira minhas
roupas.
O modo como me encara ou sorri, no entanto, é sugestivo por si só.
Acho que acabou, não é?
Sua mãe sabe.
O resto das pessoas vai descobrir mas sua opinião não importa.
Os documentos são problemas pequenos.
Basta cumprir os poucos meses que Tony precisa para se organizar com seu pai
e... é isso.
E falando em Tony, já é bem tarde quando ele coloca o braço sobre meus
ombros. Acho que quase não o vi a noite toda.
Ou o dia todo.
Seus pais acabaram de desejar feliz Natal e avisar que vão se retirar pela
noite quando Tony bate na taça chamando um brinde.
Abraço sua cintura e apoio a cabeça em seu ombro.
Apesar de todas as insanidades foi um bom dia.
Foi um bom Natal.
- Antes de vocês se retirarem, tem algo que eu queira dizer. - anuncia, com
um sorriso.
Enrugo a testa, confusa.
- Nós não queríamos falar sobre isso agora. - ele me encara, sugestivo. Meu
sorriso desaparece. Ele vai mesmo contar a verdade pra todos? Assim em um brinde
de natal?
- Tony, não acha melhor falar com seus pais a sós, primeiro?
- Não, docinho. Acho melhor dizer a todos de uma vez. Queríamos guardar
segredo por mais algum tempo mas… pra que guardar boas notícias, não é? - ele
ergue a taça em um brinde - Gabi está grávida! Vamos ter um bebê.
Acho que minha boca está entreaberta e desprovida de palavras.
É o quê?

**********************

Luca

Não.
Não, não, não, não.
Não.
Não dá.
Eu já levantei e saí.
A Gabi pediu uns meses e eu disse que esperaria anos.
Mas na boa, não dá.
Por que ela não me disse?
Depois de tudo que aconteceu hoje?
Depois da Fernanda e da mamãe?
Ela ainda estava escondendo essa última coisa de mim. Por quê? Porque queria
dar a Antônio os meses que ele precisava e sabia que, se estava grávida, eu teria
um problema com esse plano?
Essa lealdade dela ao melhor amigo só fazia me foder.
Ela ainda tentou interromper o Tony… "melhor falar com seus pais, a sós,
primeiro". SÉRIO, Gabrielle?
Não… sério?
Nem com o CARALHO que esse bebê é do Antônio.
Nem fodendo.
Vaca podia tossir pra afastar a cobra que criou asa e, ainda assim, esse
filho não era do Antônio.
Bem que a mamãe disse que o Tony ainda ia destruir tudo. Ele achava mesmo que
eu ia ficar esperando enquanto ele curtia minha mulher grávida por meses? E se o
papai adiasse a aposentadoria de novo? Qual seria a desculpa que eu ia ter que
ouvir da Gabi dessa vez?
Preciso de ar puro.
Não consigo olhar pra cara do Antônio agora.
Não.
Não, não, não.
Fuji para o estacionamento do resort e alguém veio atrás de mim.
Nem vi quem era, mas já me viro com a palavra na boca:
- Não.
- Luca.
É o Antônio.
A Gabi não veio, claro que não. Ia vir e me dizer o quê?
- Não! - aponto pra ele.
- Eu imagino que você não deva ter uma opinião muito boa ao meu respeito. -
tem os lábios rígidos e a expressão fria - Mas imaginei que poderia, pelo menos,
ficar ao meu lado pra isso?
- Não. - esfrego minhas têmporas.
- Eu sei que vou perdê-los quando chegar a hora. Mas parte de mim esperava
não precisar perder você também.
- Antônio, o que CACETE você está fazendo? Explica bem devagar. E depois
repete.
- Eu sei que você sabe.
- É CLARO QUE EU SEI!
- E eu sei que não me respeita mais.
- Nem um pouquinho. - concordo, sereno.
- E provavelmente me detesta.
- Bem por aí, mesmo.
- Você deve querer me dar um murro.
- Uns três só pra abrir o diálogo.
Ele sorri entre a tristeza e a decepção.
Balança a cabeça no escuro e respira fundo.
- Você percebe o quanto isso é errado, não é? Querer me julgar e me condenar
por isso?
Estou em choque.
De verdade.
O Antônio enlouqueceu.
- Se eu sei o quanto isso é errado? Antônio, você bateu com a cabeça em algum
lugar? Errado é você!
- Eu sou errado? "Errado"?
- Tá achando a palavra complicada? A gente te arranja um dicionário.
- Ou uma Bíblia. - dá de ombros - Acho que lá também tem escrito o tanto que
eu estou errado.
Estou quase concordando, só porque estava no embalo.
Mas…
Calma.
- O quê?
- "Um homem não se deitará com outro homem como faria com uma mulher" ou algo
assim?
Han?
- Você é ótimo, Luca. - rosna com uma careta de raiva - O desapegado que
largou tudo para viver na praia em um estúdio de tatuagem com uma prancha de
surf. Nenhuma responsabilidade, nenhum julgamento. Mas, claro, desde que seja pra
você. Porque julgar os outros tudo bem.
- É o quê?
- Eu te agradeço muito por ter me ajudado quando eu precisei, mas isso não te
dá o direito de ser um preconceituoso arrogante! Eu entendo isso deles! Que são
velhos e… religiosos e… E quer saber? Nem deles eu devia ter que entender! Mas de
você? Depois de tudo que você já passou pra poder ser quem é em paz, você acha
certo me julgar porque eu quis fazer o mesmo? Parabéns, você é mesmo ótimo.
- Antônio, do que caralho você tá falando?
Ele pausa.
Encara-me ao engolir em seco.
- Você… você disse que sabia.
- Eu acho… eu ACHO - enfatizo - que a gente não está falando sobre a mesma
coisa. Do que você está falando?
- Eu… - ele se encolhe e olha ao redor - Eu sou gay. - sussurra.
Eu espero por um segundo porque ainda não entendi se tem mais alguma coisa ou
se esse alvoroço todo foi só por causa disso.
Aí eu lembro de quem é nosso pai e, de repente, meu cérebro funciona no
tranco.
- Ah! - exclamo longamente - Era isso? Que merda, Antônio, por que inferno
você não me disse isso de uma vez?
- Você não sabia? Não suspeitou?
- Eu sempre achei que você podia ser bi. Achei que se fosse gay mesmo teria
me contado há anos.
- Você ficou no meu lugar por três meses, eu… eu achei que tinha feito as
contas.
- A Gabi falou que você estava com "Giseli". Eu achei que você tinha se
apaixonada por alguma stripper mais velha que estava te usando pra roubar teu
dinheiro.
- O quê?
- É. Aí eu imaginei que não ia querer apresentá-la pro pai por causa da parte
do dinheiro ou pra mãe por causa da parte da stripper. E nem pra mim porque eu
era o único que ia realmente conseguir te fazer largá-la.
- Isso é… específico.
- Foram três meses. É bastante tempo pra imaginar coisas.
- E não ficou preocupado comigo?
- Você tem bastante dinheiro. Quanto uma stripper poderia roubar, não é
mesmo? Achei que estava se divertindo um pouco e a Gabi prometeu que você não
estava em problemas. Então imaginei que ela ainda não tivesse te viciado em
drogas.
- Drogas?
- Três meses é bastante tempo, Tony. - dou de ombros e aí lembro de algo -
Então… onde você estava?
- Eu… me apaixonei por alguém.
- Conheceu alguém e decidiu casar com Gabi pra disfarçar?
- Não, nós… Nós estamos juntos há três anos.
Eu me encosto no carro atrás de mim porque essa notícia é demais pros meus
joelhos.
- Tony…
- Eu só preciso que o pai se aposente, Luca. Aí ele me deixa em paz. Mas essa
coisa de "ser homem"… você sabe como ele é. Eu achei que se casasse e começasse
uma família que ele aprova, poderia adiantar as coisas.
- Tony, para! - seguro seus ombros - Manda pararem o carrossel porque você
precisa descer! A vida é sua! E daí se ele te demitir? Você não precisa desse
emprego, você… você sequer gosta desse emprego?
Ele abaixa a cabeça e enfia as mãos nos cabelos.
- Eu não sei. - confessa.
Coloco a mão na sua nuca e lhe dou um segundo.
- Mas… por que você desapareceu? E quem é Giseli?
- O Rafael… - respira fundo - O meu…
Ele não consegue dizer a palavra.
- Teu namorado?
- É. - sorri.
- Ou noivo a essa altura. Nossa Senhora, Tony, três anos. - resmungo.
- Ele foi casado antes. É viúvo. Ele tem dois filhos. Seis e quatro anos e
eu… eu vi essas crianças crescerem. São… são meus também, sabe?
- Giseli é uma das crianças?
- Ela tem quatro anos.
- E ficou doente às vésperas do casamento?
Ele assente.
- Câncer.
- Puta merda, Tony.
- O Rafael… O Rafael não conseguia fazer tudo sozinho. E a Gi, Luca… - seus
olhos se enchem de lágrimas e eu o abraço - Ela parecia que ia desaparecer. Você
não tem noção do quanto um câncer consegue chupar a vida de uma criança. Quatro
anos. Ela era só… e a medicação e as cirurgias… eu não achei que ela ia… Eu não
podia deixá-la lá e não podia deixar o Rafael até saber que eles estavam bem.
- Antônio, você entende que devia ter acabado com essa farsa há muito tempo,
não é? Se eu fosse o Rafael eu tinha te dado um chute há muito tempo! Imagina
ficar com alguém que vira as costas e desaparece ao primeiro sinal de… - engulo
minhas palavras porque elas me atacam do mesmo jeito que a ele.
- É. Acho que eu preciso consertar muitas coisas, principalmente para… - ele
interrompe o discurso no meio da frase e me encara - Espera! Se você não sabia e
não estava com raiva de mim, por que saiu do salão desse jeito?
- Eu não disse que não estava com raiva de você!
- Por que está com raiva de mim?
- Pelo que você fez com a Gabi, idiota! É errado!
- Luca, eu conversei muito com a Gabi antes disso, a gente tem um plano.
- Um plano que envolve você criar o filho dela como se fosse seu, só pelas
aparências? Pra satisfazer as expectativas do teu pai?
- Criar o…? Ela não tá grávida, Luca. Eu só falei isso pra o pai me deixar em
paz com essa coisa de família.
Eu ia chamar o Tony de doente egocêntrico, mas outra coisa me ataca primeiro.
- Ela não está grávida?
- Não. Por que você está triste? - ele enruga a testa e me encara como se eu
não fizesse sentido - Por que está tão interessado na… - e aí arregala os olhos
por um instante. Abre um sorriso imenso de compreensão - Você se apaixonou pela
Gabi. Claro que se apaixonou pela Gabi. - encara o vazio por um segundo como se
não acreditasse que nunca pensou naquilo antes - Meu Deus, vocês são meio que
perfeitos um pro outro.
"Meio que…"?
- Nada de "meio", irmãozinho.
- Perfeitos. - ri.
- É. Fora a parte dela ser minha cunhada.
Ele espreme os olhos com uma careta.
- O lado bom é que perto de um filho gay, o pai nem vai ligar pra um
adúltero.
- De repente ele tem mais um filho pra ser ladrão e aí a gente faz um bingo
de pecados.
Ele ri alto. Balança a cabeça em um silêncio, admirado. Quando me observa de
volta é com muito carinho.
- Eu não acredito que nunca… - sorri - Eu sou um egocêntrico idiota, não sou?
- É sim. Mas o primeiro passo para resolver um problema é admiti-lo.
- Eu sinto muito. Eu vou… vou resolver tudo com a Gabi para que vocês possam…
- Tony, não é só a gente. Você precisa se libertar da insanidade.
- Eu não consigo, Luca. Tá? - morde o lábio com forca - Eu queria ser como
você. Eu queria poder ir embora e não ligar para nada. Mas não consigo. Eu queria
conseguir! Queria mais que tudo! Mas, não sou eu.
Tento ver as coisas pelo seu ponto de vista.
Não dá.
Ele só está com medo.
Mas então…
- Você não consegue. - aponto - Mas eu consigo.
- O quê?
- Você não consegue! - repito, rindo - O Tony não pode ser gay em paz, mas o
Luca pode.
- O quê? Do que diabos você está falando?
Estou rindo.
É estúpido e simples.
- Eu volto lá dentro e digo pro pai que sou gay e estou indo embora. Depois
faço a barba, troco de roupa e assumo teu lugar. E você… - dou de ombros antes de
apontar pro manobrista - Você pede seu carro e vai embora. O Marco te leva o que
precisar, depois.
- Acha mesmo que isso vai dar certo? - seus olhos brilham.
- Não. Nem um pouquinho. Eu acho que você é um covarde que devia ir lá
resolver isso. Mas se você não tem forças pra fazer isso agora, principalmente
depois do ano que teve, eu faço por você.
- Mas e a empresa, e…
- Antônio, eu não sou você. Daqui a um mês ou eu fiz o pai se aposentar ou eu
pedi demissão e fui trabalhar com outra coisa. De um jeito ou de outro, eu conto
toda a verdade pra todo mundo.
- Daqui a um mês?
- Ou dois. - rosno diante de sua covardia - No máximo.
- Não acha que…
- Vai ser uma fofoca desagradável por um tempo. Eu tiro férias. - dou de
ombros - Ninguém vai morrer por causa de fofoca.
- Faria isso por mim?
Preciso rir.
- Tony, eu te amo. Mas… não estou fazendo isso só por você.
Ele concorda devagar.
- Vai fazer isso pra ficar com ela.
- Acho que sou capaz de fazer qualquer coisa pra ficar com ela.
- Até dar um beijo na Fernanda? - brinca.
Aperto os olhos:
- Eu acho bem difícil isso ser um requisito pra ficar com a Gabi.
Ele tem um sorriso imenso.
Como se estivesse livre.
Como se estivesse feliz.
- Cuida bem dela?
- Melhor do que você, idiota! Que deixou a menina no altar! "Cuida bem dela"…
- reclamo e ele começa a rir, culpado - Vai embora daqui antes que eu resolva te
dar os três murros que você ainda merece.
Ele dá um passo para trás, mas aí volta e me dá um abraço.
- Desculpa. - pede.
Bagunço seus cabelos e aperto o abraço ao seu redor.
- Eu quero conhecer o Rafael. - aviso - E se você mentir pra mim de novo, te
enfio em um espeto.
Ele ri e se afasta em direção ao manobrista.
Mas eu o agarro pela camisa e o trago de volta.
- Tem mais uma coisa!
- O quê?
- Tem uma coisa que precisa fazer por mim.
- Que coisa?
Eu sorrio também porque essa parte me interessa:
- Ele é minha, Tony. Você vai ter que assinar um divórcio.
24 - Olá
Marco está esperando por mim assim que saio do banheiro com a barba feita e
as roupas do Antônio.
Tem um olhar nervoso e a boca entreaberta.
- Não vou cortar o cabelo. - aviso, porque já entendi qual o seu problema.
- Mas…
- Sh! - ergo o indicador antes que ele comece - A Gabi gosta do cabelo mais
longo e eu acabei de esgotar o estoque de sacrifícios que estou disposto a fazer
pelo meu irmão.
Ele acena, em silêncio.
Um milagre.
Aí respira fundo e eu espero que dispare com um milhão de palavras por
minuto. Mas tudo que diz é:
- Ele foi embora mesmo? O senhor Tony?
Aperto seu ombro porque sei que eram amigos.
- Foi. Mas ele vai ficar bem. Vou precisar que você leve algumas coisas pra
ele.
- Sim, senhor. - encara o chão por um instante - E, depois… o senhor vai
querer que eu treine um substituto ou já tem alguém em mente?
- O quê?
- Pra… minha vaga?
- Você vai com o Tony?
- Oh, não, senhor. Mas imaginei que o senhor quisesse alguém que fosse de sua
confiança.
Engole em seco e fica muito quieto.
Eu preciso rir.
- Marco, você é o alguém de confiança.
- Sou?
- Acho que sim.
- Tem gente que acha que eu falo demais, senhor. Não confia em mim para ser
discreto.
Estou rindo alto.
- Isso é porque essas pessoas não te conhecem, Marco. - aperto seu ombro, de
novo - O emprego continua sendo seu, enquanto quiser.
- Ah, eu quero, sim, senhor. - sorri - Mas acho mesmo que devia cortar o
cabelo. O senhor Tony o usa muito curto. Não vai enganar ninguém assim.
- E quem disse que eu quero enganar alguém?
Ele me encara, sem entender.
- Eu te disse, Marco. Acabei de esgotar o estoque de sacrifícios que estou
disposto a fazer pelo meu irmão.

**********************

Meu pai torce o nariz assim que abre a porta do quarto para mim.
Vai reclamar que já é tarde e que, se já se recolheu, não quer mais ser
incomodado.
No entanto, a combinação das roupas do Tony com o cabelo do Luca e a ausência
de barba o deixa muito confuso e ele me deixa entrar.
A suíte que ocupa é quase um apartamento de luxo. Me recebe no hall e eu nos
conduzo para a direita onde sei que há um escritório. Ele me segue confuso porque
eu fui mais rápido que seus protestos.
Fecha a porta atrás de nós ainda com confusão no olhar.
Verifico as horas.
Já deu tempo do Tony estar bem longe.
- Luca. - aponto para mim mesmo - Caso esteja confuso.
- Fez a barba e está se vestindo melhor. - aprova - Agora, só falta um pouco
de atitude e pode voltar a presidência da empresa. As coisas com o Tony…
- O que têm as coisas com o Tony?
- Ele não é o mais indicado para um cargo de liderança, Luca. Nós dois
sabemos disso.
Tem algo estranho no seu tom.
Eu fui até ali para dizer pro pai que o Tony tinha ido embora por um tempo e
falar a verdade sobre eu e Gabi. Mas...
- O que está dizendo?
Ele enruga a testa:
- Não foi isso que veio fazer aqui? Com a barba feita e a essa hora da noite?
Me pedir desculpas e dizer que está pronto para voltar?
Eu abro e fecho a boca antes de decidir o que dizer.
- O que quer dizer sobre o Tony não ser indicado para um cargo de liderança?
Ele balança a cabeça.
- A Gabrielle não está grávida de um filho dele, não é?
Fico quieto. Alguns segundos de silêncio e ele continua:
- O Antônio... ele...
Ele sabe.
Sempre soube.
- Deixa pra lá. – decide – O que veio fazer aqui se não foi pedir seu emprego
de volta?
- Não acho que o emprego é seu pra dar. Mas vim até aqui te dizer umas
coisas. Isso vai ser bem delicado porque eu sei que você é meu pai e que te devo
muito, mas você se tornou um crápula arrogante e egocêntrico que está destruindo
a vida das pessoas ao seu redor. E acho que seria de bom tom alguém te avisar.
- O quê?
- O Antônio é gay.
Ele ri com desdém. Mas seus olhos estão secos e frios.
Ele sabia.
- Qual o seu problema, Luca? Por que quer fazer isso comigo? Com sua mãe?
Acha que isso é alguma brincadeira, como as que você aprontava na…
- Pai, acho que você já sabia disso. E tenho certeza que a mãe sabe. Eu
confesso que achei que ele era bi. Mas quando o assunto é relacionamentos… eu
estive mais preocupado com os meus do que com os dele, então não estive prestando
atenção. Algo que, se me perguntar, é até bem saudável, porque ele fica pelado
com quem ele quiser e dificilmente é da conta de algum de nós.
- Luca, chega.
- É, chega. O Tony é gay, pai. Homossexual. Está em um relacionamento há
anos. Praticamente casado e com filhos. A filha dele teve câncer e ele quase
morreu junto, mas precisou esconder isso de todo mundo por causa do medo
sobrenatural que ele tem em te desagradar.
- Ele não é gay! E se é, não é meu filho. – decide, com uma frase tão
ensaiada que, imagino, já deve ter repetido para se mesmo no escuro de sua mente
algumas vezes.
- Ótimo. Então você não tem mais filho algum. O Antônio provavelmente vai me
matar por estar te contando isso desse jeito, mas você está certo: chega. Ele
nunca vai ter coragem de te dizer. Então eu vim aqui resolver o problema pra
vocês dois. Agora, você sabe e ele tá livre.
- Você acha certo chegar aqui e… jogar isso tudo em cima de mim e… o que quer
que eu faça?
- Você tá certo. O ideal seria se o Tony conseguisse te contar isso, ele
mesmo. O ideal seria se você fosse capaz de calar a boca por dois minutos para
ouvi-lo. Mas, pai. Fala a verdade pra mim: você acha mesmo que alguma dessas duas
coisas iria acontecer? Então eu vim aqui pra te dizer algumas coisas.
- E já disse. Pode ir. - torce o nariz, furioso.
- Não, ainda não. Tem mais.
- Você é gay também? Ou está só vivendo em pecado com a mulher do seu irmão?
- Que bom que você perguntou! Porque é justamente sobre isso que eu queria
falar. O Tony nunca casou com a Gabi. Fui eu que casei.
Ele não diz "o quê?" com as palavras mas deu no mesmo porque tem uma
expressão que diz do mesmo jeito.
- É uma história bem longa que eu vou fazer questão de explicar pra todo
mundo. Só o que você precisa saber é: quem fez os votos diante de Deus fui eu.
Quem consumou o casamento fui eu. Eu a amo e a parte legal… está resolvida
também. É minha mulher, não do Tony. E se você ameaçar minha mulher de novo, pai…
- sorrio - Nós dois vamos ter um problema.
Alongo os ombros e nos sirvo duas doses de uísque.
- Eu vou assumir a empresa agora que o Tony foi embora. Do mesmo jeito que
fiz pelos últimos meses. A sua sorte é que, apesar de não concordar com você
sobre quase nada sob o Sol… - estou rindo - Concordo em relação às projeções para
o primeiro trimestre. O Tony não sabe do que está falando e, se estamos sendo
sinceros, ele nunca foi o maior fã da Zummo. É por isso que você queria que eu
assumisse. E é isso que eu vou fazer: você tem um mês - ergo o indicador - Um mês
para se aposentar. Pode ficar por perto observando durante um mês e nem um
segundo a mais. Seu problema comigo era a Fernanda. Ela não existe mais na minha
vida. Agora, eu sou o cara de família que bebe uísque, pode me chamar de Tony se
isso fizer você se sentir melhor. Mas é inteligente da sua parte não nos
confundir. Você vai deixar Gabi e Tony em paz, não vai mais se meter na Zummo
depois desse mês e vai levar a mãe para viajar o mundo como ela sempre quis
fazer. E vai me deixar desenrolar o nó que o Tony deu nas nossas vidas do jeito
que eu achar melhor. Se não fizer qualquer uma dessas coisas, pai… eu não sou o
Tony. Eu peço demissão e vou embora. O Tony vai continuar sendo gay, eu vou
continuar casado com Gabi e você vai ficar pra trás com uma empresa sem herdeiros
e uma mulher que te quer aposentado. Boa sorte. E uma dica de amigo? Trabalhe no
seu preconceito, viu? Idade não é desculpa pra ser idiota. Você já perdeu meu
respeito mas, não sei como, ainda não perdeu o do Tony. Seria inteligente da sua
parte tentar recuperar um dos filhos, ou invés de se ocupar em perder o segundo.
Mas aí a decisão é sua. Faz como preferir. - viro minha dose de uísque - Eu vou
me passar por Tony essa noite como gentileza para os convidados e porque,
sinceramente, eu estou de férias até depois do Ano Novo que é quando eu pretendo
lidar com essa bagunça. Alguma pergunta? Não? Boa noite.
Já abri a porta quando lembro de uma última coisa:
- Ah! Pai? Se ligar para o Tony, colérico, gritando para que ele volte pra
casa imediatamente e deixe de ser gay ou mais qualquer absurdo do gênero… Eu
desço naquele salão, digo pra todo mundo que sou o Luca e como a Gabrielle em
cima da mesa. Por cima do peru de Natal, eu juro por Deus.
- Você é louco. - balbucia, em choque.
- Sou! - aceno - Minha criação foi meio mais ou menos. Te vejo em janeiro,
paizão! Feliz Ano Novo.

**********************

Gabi

Uma pequena parte das pessoas já foi embora, encerrando a noite. Mais dois
terços dos hóspedes ainda estão no salão. A música, a comida, a dança, a
conversa… tudo segue como se nada tivesse acontecido. E, para elas, nada
aconteceu.
Ainda não consigo respirar.
Viro uma taça inteira de champanhe para tentar sobreviver e recebo olhares
constrangidos de conhecidos que acham que eu estou grávida.
Eu vou matar o Antônio.
O que diabos ele tem na cabeça?
Só não matei no exato segundo porque eu tive sérias dificuldades de acreditar
que ele ia mesmo terminar aquele brinde sem gritar "brincadeira!" no final.
E depois ele correu atrás do Luca e eu perdi minha chance.
Luca.
O Luca que foi embora, de novo.
Meu Deus.
Esfrego minhas têmporas e enfio uma porção de comida em um prato.
Nem estou com fome, só estou tentando me manter ocupada. Não aguento os
olhares, mas acho que a solidão do quarto tendo nenhuma companhia fora meus
pensamentos vai ser ainda pior.
Eu vejo quando se aproxima, com o canto do olho.
Mordo meu lábio com raiva porque não queria explodir com ele ali, na frente
de todo mundo. Mas ficar em silêncio é um desafio.
- Não acredito que fez isso. - enfio mais um pão no prato - Ficou louco? -
rosno, rouca, o mais baixo que posso - Tony, eu disse que ia te ajudar enquanto
você se estabelecia para contar a verdade pro seu pai! Não pra me enfiar nessa
espiral de loucura! - estou tremendo de raiva, não consigo olhar pra ele - E eu
tentei ser paciente! Por você, pelo Rafa, pela Gi. Principalmente, pela Gi que
precisava de você! Eu tive medo de contar algo pro seu irmão porque o Luca é
maluco! Ele ia acabar dizendo tudo pro seu pai e aí você, feito o… covarde!
Covarde, covarde, covarde! - espanco alguns camarões - Feito o covarde que é! Ia
voltar correndo e deixar uma garotinha de quatro anos sozinha em uma cama de
hospital! E eu não podia fazer isso com você. Não podia fazer isso com ela! Mas
você devia ter contado pro seu pai! Devia ter contado pro seu irmão! - aperto
minhas têmporas e escondo meus olhos atrás das mãos - O Luca teria entendido, seu
asno! Ele teria te ajudado! Por que, POR QUE, eu aceitei te ajudar? Eu não
esperava que isso fosse acontecer. - falo, mais pra mim do que pra ele - É por
isso que aceitei. Porque eu nunca imaginei que isso poderia acontecer. Nunca! -
esfrego meus olhos - Tony, eu preciso conversar com você sobre o Luca. Eu… eu não
posso mais fazer isso. Sinto muito mesmo. Mas eu… Meu Deus, eu me apaixonei pelo
idiota do seu irmão, sabe? E acho que talvez a gente devesse ir pra algum lugar
mais reservado porque eu preciso conversar com você. - olho ao redor - Todo mundo
já acha que eu estou grávida, vai ser bem legal se alguém ouvir que…
Suas mãos pesam na minha cintura de um jeito estranho.
De um jeito familiar.
Ele me beija com gosto, enfiando os dedos nos meus cabelos. Agarro seus
ombros e sinto sua língua até perdermos o fôlego um no outro.
Mordisca meu lábio inferior quando solta o beijo.
Fez a barba.
Eu sei o que isso significa.
- Não podia ter me avisado?
- E perder a chance de te ouvir reclamar? Você fica tão linda quando está
furiosa.
- Sério?
- E eu nunca tenho a chance de notar porque normalmente é comigo que você
fica furiosa. E aí joga coisas na minha cabeça.
- Não jogo coisas na sua cabeça.
- Não lembra das almofadas quando descobriu que eu não era o Tony?
- Eram almofadas! E você mereceu cada uma delas.
- Foi um bom beijo! - reclama.
- O beijo foi ótimo. Não é disso que estou reclamando.
- Ah não? - se derrete em um sorriso imenso.
Apoio minhas mãos em seu peito e ele me puxa para mais perto.
- Pra onde ele foi?
- Ficar com o… Rafael? - estreita os olhos porque não sabe se decorou o nome
certo. Eu confirmo.
- Já era hora. E aí a gente faz isso por quanto tempo? - engulo em seco.
- Por tempo nenhum, que eu não sou o Tony. Já contei tudo pro pai.
- Contou… - arregalo os olhos.
- Gabrielle, ele já sabia. Não queria admitir. Diz pra mim se você acha que o
Tony ia contar algum dia? Diz pra mim.
- Não ia.
- Não ia! Pois contei pro meu pai. E já resolvi tudo. Daqui a uma semana,
conto pra todo mundo.
- Por que daqui a uma semana?
- Porque eu pensei que a gente podia tirar umas férias e ir virar o ano em
alguma praia bem longe daqui.
- E aí quando você voltar vai ter alguma outra emergência e vai adiar de
novo.
- Você tá me confundindo com o Antônio. Eu digo uma semana só porque achei
que a gente podia passar essa semana sem o estresse da fofoca. Mas, se você
prefere… COM LICENÇA! - pede a atenção das pessoas e eu segura seu rosto em
pânico.
Desse jeito não! Por Deus!
- Não, não… tudo bem. Uma semana. Pra me preparar, pelo menos. - imploro.
Só que metade do salão ainda está olhando pra ele. Sei que estou corada e
constrangida.
Luca me dá um beijo rápido:
- PALIO AMARELO, ESTACIONADO EM LOCAL PROIBIDO. POR FAVOR RETIRE SEU CARRO.
Estou está rindo, encolhida no seu peito.
- Você é louco.
- Eu sei! Já imaginou? Até parece que alguém aqui vai ter um Palio amarelo.
Ei! - chama minha atenção porque ainda estou rindo. Desliza o polegar no meu
sorriso. - O Tony vai assinar o divórcio amanhã. - rosna a última palavra como se
fosse uma promessa - Quando a gente voltar de viagem, casa comigo?
- Você sabe que a gente só está junto há três meses, não é?
- Mas foram TRÊS MESES! - enfatiza.
- Eu sei. Mas… ainda assim, Luca. É pouco tempo. Tem certeza?
Ele considera por um segundo.
Acena, concordando.
- Certo, então vamos fazer o seguinte. Meu pai quer um homem de família pra
guiar a empresa. Então você casa comigo, de mentira, só pra apaziguar o pai. Só
por um tempo, até eu decidir contar pra ele que, na verdade, sou um cara da vida.
Eu já estou lhe enchendo de tapas nos braços desde a quarta palavra.
Ele se desfaz em risos e me agarra pela cintura. Seus braços são largos e
imensos, não consigo me mover dentro do seu abraço.
- Casa comigo? De novo?
- Tá. - dou de ombros - Se eu mudar de ideia daqui pra lá posso te deixar no
altar?
- Ai! - dá risada.
- Muito cedo? - brinco.
- Não, não. Foi boa. Até porque eu, provavelmente, vou ter crise de ansiedade
no dia e vou acabar colocando o Tony no meu lugar.
- Ah é?
- Mas não se preocupa, eu chego pra Lua de Mel.
- Já ouvi essa história antes.
- Coisa nenhuma. - pisca um olho, e murmura em meu ouvido - Você acha mesmo
que eu ia perder a Lua de Mel?
Toma minha boca na sua e me beija até quase esquecer que ainda estamos no
salão.
Procura meus dedos e traz minha mão para si.
- O que…?
Ele me dá mais um beijo rápido e tira minha aliança.
A nova.
A que eu precisei fazer para combinar com a nova do Tony depois que Luca foi
embora levando a velha.
- Vai colocar a velha de volta?
- Não. Vai ficar sem. - beija meu dedo, livre do anel - Porque a próxima que
colocar vai ser a última.
Tenho vontade de beijá-lo. Mas apenas espremo os lábios e digo:
- Você lembra que temos um quarto aqui no resort, não é?
- Gabrielle - Ele ri e estala os dedos como se não acreditasse que esqueceu
disso - É por isso que casei com você.
25 – Lembrança

Eu nos embalo na rede.


O cheiro de sal e água é forte. O som das ondas batendo nas pedras e do
vento, nas folhas.
Gabi está deitada em meu peito, a respiração pesada e os olhos bem fechados.
Está escuro lá fora. Além da varanda do bangalô do resort. Não acendi as
luzes dentro do quarto, sobre nós há apenas a Lua. Dou um beijo em sua testa e
faço um carinho lento em seus cabelos.
Vou fechar os olhos também.
Vou dormir também.
Abraçado com ela naquela rede, desejando mais nada no mundo.
Gabrielle não é só minha felicidade ou tesão. Gabrielle é minha paz.
É mais que amor, aquilo que eu sinto bem ali: é paz, mesmo.
Ela se espreguiça um pouquinho, ainda apertada sobre meu peito e eu entreabro
os olhos.
Vai ser Ano Novo em dois dias.
Ontem, eu passei quatro horas em reunião com quatro advogados que eu trouxe
para o resort especialmente para essa conversa. O divórcio com o Tony foi suave…
uma anulação, na verdade. Houve um erro nos documentos, porque foi comigo que ela
casou. Bastou corrigir os nomes nos documentos e ela era minha. Toda minha.
O problema principal, no entanto, o que tirou meu sono uma noite ou duas era
a lembrança de que alguma ilegalidade poderia ter sido cometida em meus dias como
Presidente da Zummo. Tony e Gabi preocupados com sexualidade e aparências…
esqueceram, os dois, de um problema muito mais repleto de consequências.
Ou talvez não… porque meu irmão - Deus o abençoe - tinha me deixado como
copresidente e Marco - Deus abençoe esse mais ainda - se certificou que toda a
documentação que precisou de minha assinatura durante os últimos meses trazia meu
nome ou nome nenhum.
Nada disso impediu os quatro advogados de me interrogarem por quatro horas
sobre os últimos quatro meses da minha vida.
Foi apenas quando eles se deram por satisfeitos que eu consegui respirar
fundo.
Legalmente, a mulher era minha e nenhum crime tinha sido cometido.
Paz.
Então por que a Gabi se espreguiçou em meus braços e eu despertei angustiado?
O que era que ainda estava em minha mente?
O que é que ainda me incomodava?
- Cama? - ela geme, girando no meu peito - Eu não tenho idade pra dormir em
rede. - brinca.
É o jeito como ela fica de pé, descalça na varanda de madeira do bangalô, o
vestido verde claro balançando com o vento.
É o jeito como ela pega minha mão e me conduz pra cama como se aquela fosse a
coisa mais normal do mundo.
É a rotina.
A rotina que me traz paz.
A ideia de que agora ela é minha e vai ser minha pra sempre.
É isso que me faz perceber o que há de errado.
Eu queria Gabi de branco caminhando, não para o Antônio e um casamento de
aparências, mas para mim.
Eu a queria no vestido de noiva na noite de núpcias para que eu pudesse
despi-la com minha boca.
Eu queria todas as noites até o fim da minha vida, claro.
Mas eu queira aquela primeira também.
Eu queria muito aquela primeira noite e agora era meio como se ela tivesse
sido roubada de mim.
Ela já está de olhos fechados no travesseiro quando eu aperto seu corpo com
gosto.
- Casa comigo?
- Já casei. Um monte de vezes.
- Casa mais uma?
Ela se mexe na cama e respira fundo. Tem um pouco de impaciência ali e eu não
posso culpá-la: quem teve a epifania fui eu, ela não faz ideia do que eu estou
falando.
- Luca, o que foi? - suspira, mal conseguindo abrir os olhos de sono.
- Eu queria um casamento nosso. Eu queria ter uma foto minha beijando minha
mulher no dia do nosso casamento. Sabe?
- Você tem essa foto.
Agora, o impaciente sou eu:
- Não, eu tenho uma foto de um beijo mais ou menos que você daria no Antônio.
Eu quero um beijo de verdade.
- Quer fazer uma festa inteira por causa de uma foto?
- Não, eu quero o beijo, tá?
Ela se estica e me beija, rindo.
- Pronto.
- Gabrielle!
- Tá, tá, a gente faz a festa. Mas acho melhor esperar um ano ou dois, não?
- Casa comigo amanhã?
- Luca…
- Ou depois de amanhã.
- No ano novo?
- Eu não quero virar o ano sem ser teu marido.
- A gente já assinou os papeis.
- Oh, Gabrielle, eu to do lado de cá, no mundo onde casamento é uma coisa
feita por amor e memórias são importantes. E você tá aí sendo pragmática. Será
que dá pra você vir pra cá ficar comigo? Só um pouquinho?
Ela respira fundo.
- Eu nunca quis uma festa grande, a gente só fez aquilo por causa da sua mãe.
Depois que meus pais morreram, eu nunca tive uma família fora o Tony e a Laura.
Nunca fez sentido fazer uma festa imensa.
- E como você queria?
- Só um punhado de amigos na praia? - dá de ombros.
- A gente já tem a praia.
- Você quer trazer sua família e alguns amigos pra cá em 24 horas pra fazer
um casamento?
- Tenho certeza que aqui no resort eles organizam tudo.
- E quem está sendo pragmático agora?
- Minha mãe, talvez meu pai, o Tony, o Rafael e os dois filhos. Quem mais?
Ela sorri.
- Paola e Augusto?
- E o Marco! - aponto.
- Ele pode oficiar a cerimônia?
- Ficou louca? A gente ficaria aqui até o próximo natal.
Ela está rindo.
- Você tá falando sério?
Pisco um olho e beijo sua boca.
Estou.
Estou falando bem sério.

**********************

Tony ajeita minha camisa pela oitava vez da tarde.


- É por isso que as pessoas usam gravata em casamento. - reclama - Pra manter
os outros ocupados.
- O quê?
- Se você estivesse de gravata, agora, eu ia ajeitar sua gravata.
- Ah. - torço o nariz pro seu nervosismo.
Se está nervoso assim pro meu casamento, é até bom mesmo que tenha perdido o
seu.
Tira as mãos dos bolsos e ajeita meu paletó. Aí enfia as mãos nos bolsos mais
uma vez e muda o peso de perna. Parece que vai morrer se parar de se mexer.
Mas não é pra mim que olha. Ou para o altar. Ou para o fim do caminho por
onde Gabi deve entrar em poucos minutos.
É para o nosso pai.
- Tony, relaxa. - suspiro.
- Fácil pra você dizer. - resmunga.
Sorrio para o meu irmão porque esse casamento foi organizado às pressas e sei
que ele está morrendo de vontade de me dizer algumas coisas.
Mas também sei que lhe falta coragem.
- Tony. O que foi? Diga de uma vez.
- Nada. - engole em seco.
- Tony…
- É seu casamento, está bem? Minha irritação pode esperar umas semanas.
- Sua irritação. - cantarolo - Antônio, me dê um pouco de honestidade como
presente de casamento. Vamos lá, você consegue.
- Eu te comprei uma adega de vinhos.
- Uma o quê?
- Uma geladeira só pra vinhos.
- Uma geladeira? Eu tenho uma geladeira.
Ele faz uma careta porque sabe que eu estou provocando.
- Diga de uma vez, Tony.
Morde o lábio inferior olhando ao redor.
- Você está no altar, esperando sua esposa. Não é hora pra…
- Antônio!
- Não acredito que você contou pro nosso pai! - resmunga, controlando-se -
Não era uma coisa sua, Luca. Era uma coisa minha. A decisão sobre contar ou não
deveria ser minha! E você disse que não ia contar! Não durou dois dias! Não
acredito que fez isso comigo!
- Nossa, Tony, você acha mesmo que agora é a melhor hora pra me dizer isso?
Estou me casando! Literalmente no altar, esperando minha esposa.
Ele respira muito fundo.
- Você é impossível.
- E você nunca ia contar nada pro pai. Tony, ele já sabia.
- Ninguém sabia!
- Todo mundo meio que sabia. E quem não sabia é porque não tinha parado pra
refletir.
- Você não devia ter feito isso.
- Ele já sabia! Você estava se destruindo pra nada! Eu sou seu irmão mais
velho, tenho que te proteger mesmo que seja de você mesmo.
- Não vai me enganar com essa frase pronta.
- Que seja, fique com raiva de mim. Mas eu contei e agora está contado.
Acabou, pode viver sua vida em paz.
- Ele nunca vai me perdoar.
- Vai sim.
- Como você sabe?
Dou de ombros.
- Gostei do Rafael. - aperto seu ombro.
- É. - ele ri sem jeito.
Sem jeito.
Mais ou menos como eu fico perto da Gabi.
Está apaixonado.
Fez um monte de burrice por amor.
Quem sou eu para culpá-lo?
- Ainda estou com raiva de você. – avisa.
- Me colocou pra casar no seu lugar e desapareceu por meses, eu tenho
crédito.
- É, porque realmente detestou ter ficado no meu lugar.
- Foi horrível.
- Percebe-se.
- Muito traumático. - estou rindo.
Agora é ele quem aperta meu ombro.
Verifico as horas.
Gabrielle está demorando um pouco para chegar.
Talvez retocando a maquiagem, uma troca de roupa de última hora, um último
abraço ou uma última bebida.
Talvez tenha perdido a noção do tempo.
Mas, seja como for, Gabrielle está demorando um pouco para chegar.
- Quer que eu vá ver onde ela está? - Tony suspira, certo de que meu
histórico com noivas é suficiente para me deixar inseguro e agitado.
No entanto… eu estou em paz.
Acho que essa é a diferença entre um risco e uma certeza, não é?
Eu lembro do segundo exato que percebi que Fernanda não viria. Lembro da dor,
da raiva e da vergonha.
Mas é Gabi.
É Gabi quem está vindo.
Eu seria capaz de passar dez anos de pé naquele altar esperando aquela mulher
sem jamais perder o sorriso.
Ela vem.
E eu vou esperar.
Vou ficar bem aqui.
A música é um quarteto de cordas que iria tocar na virada do ano no resort.
As cadeiras dispostas diante do mar são poucas mas bastante para o punhado de
pessoas em nossas vidas que foram relevantes o suficiente para convidar.
Gabi aparece na areia e é mais linda que o pôr do sol.
O de hoje ou o de qualquer outro dia.
Tem um vestido branco, curto e leve.
Tenho vontade de jogá-la no mar.
Tenho vontade de jogá-la na cama.
Tenho certeza que não vou conseguir parar de sorrir pelo resto da noite.
Tenho certeza que essa noite eu vou arrancar aquele vestido fora com os meus
dentes.
Exatamente como eu queria que fosse.
Ela pisca um olho para mim.
Eu devolvo o piscar.
Tony poderia tê-la conduzido ao altar, mas ela preferiu vir sozinha. Demora
apenas alguns segundos até estar em meus braços e eu a beijo assim que chega ali.
Meu irmão limpa a garganta tentando nos avisar que ainda não é hora para aquilo
mas nenhum de nós dois se importa com cronogramas.
Eu prometo amá-la.
Ela promete me amar.
Nenhuma das duas promessas é novidade, mas são feitas ainda assim. São feitas
muitas vezes pelo resto de nossas vidas, não porque precisamos relembrá-las, mas
porque nos é inevitável repeti-las.
Eu a amo tanto.
E então estamos casados. Um beijo e eu tenho minha foto.
Minha memória.
Ela me beija de novo e pede pra tirarem mais duas fotos.
- Só pra garantir. – ri, na minha boca – Ou você vai querer casar de novo,
próximo mês.
- Não, janeiro vai ser conturbado. Eu estava pensando em maio. – aviso e ela
faz uma careta porque conhece minha loucura o suficiente para suspeitar que não
estou brincando.
Laura nos cumprimenta e abraça. É a melhor amiga de Gabi e talvez a única
pessoa que ela realmente fez questão de convidar. Lembro dela na faculdade,
embora nunca tenhamos compartilhado muitos dos mesmos espaços. Estava morando em
outro país e voltou mais cedo para poder estar ali.
Não esteve no casamento de mentira.
No de Antônio.
Sua presença é como um pequeno presente pra mim. Um cutucar nas costelas que
diz que essa cerimônia foi importante pra Gabi, sim. Independente do tanto que
ela resmungue entre sorrisos dizendo que fez tudo aquilo só por mim.
O momento foi nosso.
Assim como a foto e o beijo.
- ... exatamente como você queria, não é? – Laura sorri – Na época da
faculdade, a Gabi sempre descrevia assim a cerimônia que ela queria, Luca! Com
pouca gente, no fim do dia, na areia. – eu sorrio e vou dizer um “é mesmo?”
apenas para provocar minha mulher, mas Laura não parece esperar pelo interlocutor
antes de continuar – Não que ela falasse muito de casamento! Sempre achei que a
Gabi ia ser uma dessas mulheres hiper poderosas e bem sucedidas com um monte de
namorados e uma carreira incrível. Não achei que ia casar. Ela nunca tinha muita
paciência para os namorados! Mas tenho certeza que é diferente com você! Não quis
ser inapropriada! É só porque a Gabi sempre teve um jeito mais independente, ela
não tinha muita paciência pra relacionamentos!
- Ah, mas o senhor Luca também não! – Marco se aproxima, parece que atraído
pelo fato de que tinha alguém tentando falar mais do que ele – Ele é do tipo que
sempre teve muitos casos e nenhum compromisso. Menos o caso da outra noiva que o
deixou no altar. Mas isso eu também não sei se é apropriado.
- Eu ouvi falar sobre isso! Ela estudava com a gente, na faculdade. Não era
do tipo de pessoa que dá pra confiar, sabe? Ou talvez do tipo que dá pra confiar
as vezes, mas não muito.
- Sei exatamente como é! Eu tive um amigo assim, uma vez! Ou mais um
conhecido! Porque chamar de amigo já é...
Eu e Gabi damos um passo para trás.
- O que está acontecendo? – sussurro.
- Não sei. – ela diz – Mas acho que se a gente for embora agora, eles não vão
notar.
Mamãe beija nossas bochechas e nos faz prometer netos.
Meu pai aperta minha mão a contragosto e sai resmungando alguma coisa sem
cumprimentar mais ninguém.
Ele vai demorar, mas vai aceitar.
Mamãe vai fazê-lo aceitar.
Só precisa de tempo.
- Um jantar quando vocês voltarem de viagem? – Paola brinca – ASSIM que
voltarem! – exagera e sei que está brincando.
- Só nós dois? – peço – Faz tempo que não ficamos a sós. – eu a tiro pra
dançar e ela ri muito alto enquanto Augusto acompanha Gabi em minha brevíssima
ausência.
- Está tudo resolvido agora? – ela pergunta.
- Quase. – dou de ombros – Nossa maior preocupação eram meus pais, e isso
está resolvido. Agora só falta contar para todo mundo.
- Todo mundo?
- É. O resto das pessoas em nossas vidas.
- Seus amigos não estavam no casamento. E o Tony, até onde eu sei, não tem
muitos.
- Muitos conhecidos dos nossos pais. Pessoas que trabalham com a Zummo.
Paola ergue uma sobrancelha.
- E você acha que essa gente vai ligar?
- Você acha que não?
Ela respira fundo.
- Querido, se tem uma coisa que eu aprendi no meu pouco tempo como uma mulher
rica é que... muitas dessas pessoas que vão em eventos pessoais só estavam
marcando presença porque é profissionalmente relevante. Se são colegas do seu
pai, metade delas mal saberia te reconhecer e a outra metade mal saberia
reconhecer tua esposa.
- Mas trabalham com a Zummo, Paola. Comigo.
- É. E você e seu irmão são a cara um do outro.
- O que está dizendo?
- Estou dizendo que se você começar a se introduzir como Luca e disser que as
pessoas se engaram e quem casou com Gabi desde o começo foi você... quem vai
conseguir dizer que não é verdade?
- Mas os convites de casamento...
- E quem nesse mundo guarda os convites de casamento dos outros? Há um
punhado de pessoas que realmente vai saber o que aconteceu, Luca. Só um punhado.
- Bem... mesmo que esteja certa. Ainda preciso lidar com esse punhado.
Ela acena e sorri, devagar.
- Quer que eu faça isso por você?
Sorrio de volta.
- Contar pra todo mundo o que aconteceu pra que eu nem precise lidar com
isso?
- Daqui a duas semanas, quando voltar de férias, todo mundo já está sabendo.
– pisca um olho – Se quiser.
- Eu quero. – aceno, sem hesitar – Agora, sobre aquele jantar... – provoco e
ela está rindo de novo.

**********************

A noiva é minha.
Mais ainda agora que todos se foram.
Ficamos nós e a noite.
Beijo sua boca muito devagar.
É mais uma provocação que um beijo.
Não funciona porque queria provocá-la, mas quem está provocado sou eu.
Quero mordê-la.
Eu me demoro tirando seu vestido branco. Um dia, essa noite vai ser só uma
memória. Quero aproveitá-la enquanto ainda está em minhas mãos. Se é para criar
uma lembrança, quero que seja uma que vai me fazer fechar os olhos sempre que eu
a revisitar.
Há nudez naquela noite.
Há beijos.
Mordidas.
Saliva e desejos.
Eu poderia descrever o traço que as gotas de suor fazem em sua pele quando
arqueia as costas sentindo o prazer atravessá-la.
Poderia explicar como mal consegui assistir seu orgasmo porque minha crise
pesou em minhas pálpebras, fazendo-me fechar os olhos.
Eu poderia narrar os corpos e a febre.
Mas me parece errado fazer isso aqui.
Me parece vil.
Porque essa noite não foi sobre nada disso.
Essa noite foi sobre o jeito íntimo como Gabi mordeu o canto de minha boca
quando eu tentei provocá-la.
Foi sobre o modo como seus gemidos de desejo se transformaram em promessas de
amor sussurradas em meu ouvido.
O bater do seu coração contra minha pele me excitando mais que sua nudez.
Eu a amo.
Talvez eu sempre a tenha amado.
Mas hoje a amo muito.
Muito.
E ela é minha.
É finalmente minha.
Epílogo
- Como você e a tia Gabi se conheceram, tio Luca? - ela me pergunta, cheia de
inquisição em seus olhos de cinco anos.
- Não! - sorrio pra pequena no meu colo - Pergunta como foi que eu casei com
ela. Essa história é muito mais interess…
- Não! - Gabrielle e Tony decidem por mim.
- Acho melhor o tio Luca não contar história nenhuma! - Tony pede.
- A de bica foi a melhor!
- Ibiza. - corrijo.
- Quando ele acordou com uma cabra na coleira, dois pasteis no bolso e uma
passagem pra Cuba depois de ter bebido demais!
- Quem conta esse tipo de história pra uma criança? - meu irmão me recrimina.
- Ah, relaxa. Metade nem foi verdade.
Giseli me encara decepcionada e eu pisco um olho pra ela tentando fingir que
estou enganando meu irmão.
Ela morde o cantinho da boca indecisa se pode ou não acreditar em minhas
palavras.
- Eu te avisei pra mantê-lo longe das crianças. - Gabi avisa.
- Está me julgando? - Tony ri - Você CASOU com ele.
- É, mas foi meio que por acidente. E você quer mesmo descer por esse buraco,
Antônio?
Eu agarro Gabi pela cintura e beijo sua bochecha:
- E que história é essas de "mantê-lo longe das crianças"? - deixo minha mão
pesar em seu estômago.
- Você vai me dar um trabalho horrível, não vai? - resmunga.
- Claro que vou! E ele atendeu? - viro minha atenção para o Tony quando ele
deixa o celular sobre a mesa.
- Atendeu! Desejou feliz natal para todos! Acredita nisso?
- Depois de um ano e da mamãe quase se divorciar dele estava mesmo na hora
dele começar a superar.
- Tio Luca, o que é divorciar?
- É quando os adultos brigam e vão viajar sozinhos, aí deixam as crianças na
casa dos avós comendo Doritos no café da manhã.
Giseli e Daniel arregalam os olhos:
- Pai! Vocês podem se divorciar!
O Rafael ri e tenta desfazer minha explicação enquanto Tony olha pra
Gabrielle cheio de julgamento:
- E você escolheu deixar ele ser pai dos teus filhos.
Ela me olha de cima a baixo:
- Não vai me defender?
- Eu não. Teu histórico é horrível. Teu primeiro marido era gay.
Gabi esconde os olhos atrás das mãos, tentando disfarçar a risada:
- Rafa, ainda tem mais daquele suco de maçã? Acho que eu preciso me acalmar.
Belisco sua cintura e dou outro beijo na sua bochecha.
Linda.
E minha!
Um ano depois.
Vai ser mãe dos meus filhos e acho que estou mais apaixonado por ela hoje do
que no natal passado.
Ela pisca um olho para mim quando se serve de suco e eu derreto inteiro.
Tenho certeza.
Muito mais apaixonado.
- Cama! Todos dois! - Rafael avisa - Pra esperar Papai Noel.
- Por que o Papai Noel só vem no Natal, tio Luca?
- Porque ele é alcoólatra e sua esposa só o deixa sair de casa uma noite no
ano.
- Papai, o que é alcoólatra?
- Por quê? - Tony me encara, em sofrimento - Por quê?
Minha única resposta é um sorriso imenso.
Os dois saem, conduzindo para a cama duas crianças que têm nenhuma intenção
de dormir.
Gabi termina seu suco e me observa a distância.
Eu ainda tenho vontade de mordê-la todinha.
Mesmo depois de tanto tempo.
Mesmo fazendo isso toda noite.
- O que foi? - pergunto.
- Duas crianças é bastante trabalho.
- A gente se vira. - prometo, puxando-a para os meus braços.
- Já contou pro seu irmão que são duas meninas?
- Não! Eu pensei que a gente podia fazer uma daquelas festas de revelar
gênero, sabe?
- Luca, aquilo não é meio brega?
- Mas me escuta! A gente podia colocar dois gladiadores para se enfrentarem
até a morte. E aí quem ganhasse podia escolher o gênero do bebê.
- Não é assim que funciona.
- Mas podia ser assim.
- Não, não podia.
- Eu sou um visionário.
- Você é louco.
- Um gênio, a frente do meu tempo.
- O Tony está certo! - ri, contra o meu peito - Por que foi que eu te escolhi
pra ser pai dos meus filhos?
Eu tomo seu rosto nas mãos e beijo sua boca.
Devagar, como ela gosta.
Sentindo sua língua, mordendo seus lábios.
- Ah. - suspira - Foi por isso.
- Foi por isso. - concordo. E aí talvez meu plano fosse dizer mais alguma
coisa, só que o problema quando eu começo a beijar a Gabrielle é que eu não
consigo mais parar.
E aí eu a beijo aquela noite.
Eu a beijo a vida inteira.
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Uma Mentira Inocente


Leo Oscher é um malabarista, mas não se engane - seu talento não envolve equilibrar bolinhas ou bastões - sua especialidade é
equilibrar mulheres. Ou pelo menos era, até ele conhecer Mia.
Criada em uma cidade pequena, Mia Sampaio é dona de uma inocência que beira a insanidade. Então, quando um total
desconhecido aparece na lanchonete onde trabalha, no meio de um temporal, parece muito sensato convida-lo para passar a noite
em sua casa, enquanto esperam o mecânico.
Completamente encantado e achando que essa seria só mais uma conquista fácil e passageira, o bom Malabarista decide omitir
alguns fatos de sua vida. Ele nunca mais a veria de novo, não é? Era o tipo de falsidade que não causaria mal algum.
Mas quando o encontro acidental vira um carinho genuíno, Leo percebe que não existem "pequenas mentiras" e vai ter que lidar
com as consequências da sua.
Negligê
Lanvi Willex volta para a sua cidade natal após a morte do seu pai, Harrel Willex - o maior magnata da indústria pornográfica
internacional - para a leitura do seu testamento.
Ela queria apenas se livrar do estigma que a prendia àquela polêmica indústria de uma vez por todas, mas o documento é
enigmático e o falecido Willex deixou todo o seu patrimônio para uma pessoa que ele chama apenas de "Matthew" e que
ninguém parece saber quem é.
Tentando desvendar o mistério que Harrel deixou para trás, Lanvi vai encontrar indícios de que ele teria sido assassinado e vai
descobrir o infame Clube Negligê, uma escola de sexo que fazia parte dos negócios de seu pai.
Table of Contents
Prólogo
2 – Lua de Mel
3 – Troca
4 – A garrafa italiana
5 – Migalhas
6 – Abacaxi
7 - A Banheira de cobre
8 – Uma má ideia
9 – O prato de maçã
10 – Votação
11 - Não
12 – A porta que significa outra coisa
13 – Quantos omeletes?
14 - Verbatim
15 – Uma dessas coisas é mentira
16 - Norte
17 – Vidro ou cristal
18 – Eu ou ele
19 – No altar, de novo
20 – O par de brincos
21 – O plano
22 – Se tiver que doer
23 - Adeus
24 - Olá
25 – Lembrança
Epílogo
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