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INTRODUÇÃO
A importância da obra de Weber para as mais diversas áreas das ciências sociais e
humanas é indiscutível. Nos cursos universitários nestas áreas, no Brasil, ele ocupa,
junto com Durkheim e Marx (na Alemanha também junto com outros), a tribuna
daqueles que merecem ser considerados os fundadores da sociologia. Na opinião de seu
intérprete alemão mais respeitado, Johannes Winckelmann, a grande contribuição
epistemológica de Weber -sua sociologia compreensiva como teoria das relações
sociais, e sua teoria política como sistema explicativo das relações de poder ou de
dominação, ambas construídas na prática ativa do cientista como acadêmico e como
homem público - é de tamanha magnitude que ainda hoje não foi suficientemente
analisada em toda a dimen-são que esta obra nos impõe. Como conseqüência, nem na
pró-pria Alemanha teria Weber o reconhecimento e o valor a que faz justiça
(WINCKELMANN, 1992).
Ainda segundo este weberiano, a obra de Weber, na medida em que, realmente, oferece
fundamentos para o entendimento das relações sociais e da estrutura da personalidade
humana sob as
dimensões política e econômica, dimensionadas para tempos, lu-gares e seres
específicos, desperta o interesse de pesquisadores de variados matizes. Portanto, ela tem
merecido inúmeras publica-ções, nem sempre fiéis ao conjunto organizado pelo próprio
teóri-co. Assim, as diversas edições intituladas "textos selecionados" que se propagam
pelo mundo, em diferentes idiomas, já apresentam um recorte dado pêlos organizadores
das coletâneas, o que evidentemente retraiam apenas as dimensões escolhidas que por
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estudo das relações sociais capitalistas: integra-da na totalidade de seu projeto teórico e
metodológico, o objetivo dessa análise era procurar o entendimento do homem e das
suas relações sociais sob as condições de vida na sociedade capitalista de seu tempo.
Diversos desses intérpretes têm-se dedicado ao exa-me de diferenças entre o
pensamento de Weber e de Marx, o que é correto, outros a tentativas de demonstrar
como Weber se contra-põe a Marx no sentido de refutá-lo ou recusar a teoria marxiana,
o que é incorreto, já que este não era o projeto de Weber, embora possa se considerar
como legítimo valer-se da teoria weberiana para criticar e negar algumas assertivas do
marxismo (SILVA, 1988).
Uma outra situação é conseqüência da nacionalidade do autor, tornando sua produção
disponível numa língua de difícil acesso e que, por isso, tem sido farta em traduções.
Sobre as implicações para a produção intelectual dependente de informações que são
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disponibilizadas através de traduções, o próprio Weber, coerente com o seu projeto para
as ciências sociais, nos apresenta importante ponto de vista. Em seu texto introdutório
ao trabalho sobre a sua sociologia das religiões, ao registrar os limites do trabalho e
comunicar que suas conclusões eram provisórias e apenas hipotéticas, assinala que um
dos fatores que deveriam ser considerados na limitação do estudo que divulgava era o
fato de ter ficado submetido à condição de ter que usar traduções sobre algumas das
religiões que abordava. Segundo Weber, o cientista que ficar sujeito a usar informações
traduzidas de um idioma que ele desconhece precisa estar ciente que ele já está
trabalhando com informações modificadas, no mínimo selecionadas. Ele precisa estar
ciente que pode estar utilizando dados controversos e não os mais apropriados dentro do
conjunto infinitamente mais rico e maior das fontes originais, situação que ele próprio
não tem condições de avaliar (WEBER, VzR, p. 353). Essa é uma situação importante
sobre as nossas possibilidades de entendimento de Weber.
Se Silva e Winckelmann têm razão, os textos de Weber, dis-poníveis em tradução, já
operaram um recorte daquilo que nos é possível ler de sua monumental obra. É preciso
acrescentar a isso o fato de que uma tradução nunca consegue ser fiel ao original, já que
um idioma é produto social e expressa também formas de pensamento e de cultura. Um
texto traduzido é, portanto, apenas a comunicação literal possível daquilo que foi
pensado e escrito por alguém numa outra estrutura de pensamento - toda tradução é, em
certa forma, também uma interpretação.
Uma situação particular deve ser ainda mencionada acerca das traduções de Weber
disponíveis em português. Uma grande parte delas é originária de versão do inglês ou
do espanhol, e, portanto, já sofreu um processo anterior de interpretação. Temos
também tido acesso a traduções portuguesas e o que dissemos an-teriormente vale para
a situação do nosso idioma - é um em Portu-gal e outro no Brasil, o que, às vezes, nos
acarreta grandes dificul-dades de entendimento.
Não pode deixar de ser registrada ainda a grande dificul-dade para se lidar com as
traduções de Weber por ser sua obra produzida em alemão - um idioma igualmente rico
e difícil, com vocabulários e expressões verbais apropriados para determinadas áreas do
conhecimento, prefixos apropriados para si-tuações sociais carregadas de sentidos
diferentes, o que acarre-ta para leitores e tradutores inúmeras situações de dúvidas,
enganos e controvérsias.
Com estas observações gostaria de deixar claros a dimensão do texto que se segue e os
limites encontrados para produzi-lo para que, coerente com a lição do mestre, ele possa
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A Ciência Social que queremos praticar é uma Ciência da realidade concreta. O que
queremos é entender a singularidade da vida social, tal como ela nos apresenta e se
desenrola. De um lado queremos entender todas as relações concretas dos
acontecimentos sociais com a realidade social e cultural contemporâneas e, de outro
lado, queremos entender as causas históricas que definem que sejam dessa forma c não
de outra (WEBER, OSE, p. 212).
Dessa forma, o texto que se segue, como a maioria dos textos disponíveis que procuram
apresentar Weber e sua obra, usará, como recurso didático, a nomeação de algumas
categorias analíticas, não necessariamente nomeadas pelo teórico. Entretanto,
tentaremos manter a argumentação coerente com o projeto epistemológico de Weber -
procurar esclarecer por que, para ele, aquelas categorias têm o sentido que ele lhes
atribuiu e não outro. É esse o fio condutor que usaremos para tentar explicitar, em
Weber, algumas lições essenciais para que os educadores possam encontrar em sua
teoria social pistas para o entendimento da função social da escola e da educação.
É possível entender a teoria social de Weber sem relacionar a sua produção com as suas
condições particulares, condicionadas histórica e concretamente na sociedade e no
tempo onde viveu? Esta seria uma questão típica da própria teoria weberiana: - o que
possibilitou a Weber edificar a sua teoria social e por que estas são "as suas
contribuições" e não outras?
Weber nasceu em 21 de abril de 1864 em Erfurt, em uma família da alta classe média.
Vários membros da família de seu pai eram empresários bem-sucedidos e juristas de
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renome. O pró-prio pai era, quando Weber nasceu, um jurista respeitado, tendo se
tornado posteriormente um parlamentar influente em Berlim. A mãe de Weber vinha de
uma família com tradição intelectual: vários de seus familiares eram ativos em círculos
culturais e intelectuais, inclusive professores universitários. Weber (como seu irmão
Alfred Weber, também cientista social de projeção na Alemanha) foi iniciado bem cedo
em estudos de línguas e humanidades tendo recebido sua formação básica c secundária
em Berlim, entre 1873 c 1882, no ramo da escola de tradição humanista-intelcctual e
propedêutica ao ensino superior (das Gymnasium). Na sua formação universitária
dedicou-se simulta-neamente aos estudos de direito, administração, história, filosofia e
teologia. Casou-se também em família da alta burguesia inte-lectual. Sua mulher
(Marianne Weber) foi criada participando de círculos intelectuais e culturais como
sobrinha e cunhada de projetados professores universitários. Consta que foi sua grande
incentivadora e colaboradora e, posteriormente ã sua morte, a sua mais importante
biógrafa.
Weber viveu na Alemanha em momento histórico muito particular: em estado de
reorganização social (a transição do reino alemão para a República de Weimar). Viveu,
como homem, como cidadão e como político (Weber foi Constituinte e oficial do
exército alemão tendo atuado como administrador de um grande hospital durante a
Primeira Guerra), o processo de tentativa de consolidação de um Estado Federado e,
portanto sob uma particularmente forte onda de nacionalismo. Viveu a difusão do
marxismo dentro dos próprios matizes sociais oferecidos pelo legado deixado por Marx
- o marxismo doutrinário e o marxismo científico. Testemunhou o estágio de um
capitalismo diferente do estágio analisado por Marx, principalmente na Alemanha.
Viveu as mudanças sociais marcantes no continente europeu da virada do século e as
grandes rupturas sociais que produziram a Primeira Grande Guerra. No plano intelectual
conviveu com intensa controvérsia entre os paradigmas dominantes das ciências sociais:
o retorno às "ciências do espírito" (Geistwissenschaften); surgimento de um "novo
kantismo"; a presença permanente de Hegel; a penetração da crítica nietzscheana e o
auge da corrente sócio-histórica representada por Dilthey. Os círculos intelectuais na
Alemanha, essencialmente aqueles vinculados à área das ciências sociais e humanas,
enfrentavam uma reflexão aguda sobre a luta política e as perspectivas de transformação
social, juntamente com um processo que parecia ser continental (Durkheim na França)
de firmar a sociologia como ciência (questões de método e a discussão em torno da
objetividade e neutralidade).
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Segundo Baumgarten nenhum desses fatores pode ser esquecido para entender Weber, o
homem, o político e o cientista social. De um lado, o político envolvido nos grupos que
aspiravam à formação de uma Nação Alemã, cujo poder deveria assegurar a
legitimidade dos ideais de justiça endireites sociais e com eles a vida digna dos homens
e a sua felicidade - nesta dimensão pode-se entender em Weber sua resistência aos
movimentos dogmáticos sustentados pelo marxismo, tanto da classe trabalhadora
quanto de círculos acadêmicos, pois, na sua ótica, o perigo do dogmatismo consistia em
prometer uma sociedade impossível de se consoli-dar na prática (via a sociedade
socialista preconizada pêlos mar-xistas como uma utopia) e comprometer o projeto
nacionalista da Alemanha porque as lutas e as cisões internas enfraqueciam o país
internamente e o colocavam em situação desfavorável no continente. Dentro desta
perspectiva, ainda segundo Baumgarten, pode-se entender por que Weber era contra a
política expansionista, primeiro de Bismark e depois de Guilherme II, e um fervoroso
defensor dos camponeses do leste alemão na questão agrária com a Polónia, que ele não
analisou apenas como uma questão de fronteira territorial e de soberania nacional,
analisando também como se davam as questões de vida social dos envolvidos,
oferecendo, em seus escritos, um verdadeiro tratado de análise das questões sociais do
momento"1. Do outro lado, o cientista, profundo conhecedor da filosofia alemã,
dialogando igualmente com Hegel, Nietzsche e so-bretudo com Kant, que é capaz de
conduzir uma reflexão contu-maz para provar a incompatibilidade da filosofia para dar
conta de explicar a sociedade e oferecer novas perspectivas de vida social porque ela
pretendia ser absoluta, universal e atemporal. É sobre-tudo em Dilthey (1833-1911) que
Weber toma a sustentação para seu projeto de contrapor ao pensamento filosófico uma
teoria soci-al concreta. Ao firmar uma corrente de análise hermenêutica histórico-social,
Dilthey se projeta como um "filósofo social" embora fosse filósofo (ocupava na
Universidade de Berlim a cátedra de filosofia antes ocupada por Hegel) e assume lugar
importante como precursor da sociologia na Alemanha. Para Dilthey, a interpretação do
mundo no seu suceder histórico, através dos processos sociais vividos pêlos homens
seria a condição básica para entender a so-ciedade construída pelo homens. O método
de investigação que leva ao conhecimento da realidade social deve, portanto, substi-tuir
os conceitos formados pela razão (como na tradição da filo-sofia) pela busca de
esclarecimento (interpretativo) com base na compreensão das relações do social com a
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história. Coerente com sua identificação com essa nova corrente, Weber procura
aprimo-rar sua formação sociológica. Forma com Simmel (1858-1918), Tónies (1855-
1936) e Sombart (1863-1941) um grupo seleto de cientistas sociais para tentar dar
estatuto à nova disciplina, e, neste grupo, enfrenta as grandes polémicas das ciências
sociais em torno das questões teóricas e metodológicas. Com eles edita a partir de 1903
a revista Arquivos de detidas Sociais e Sociologia Política, e com o último cria em 1909
a Sociedade Alemã de Sociologia (BAUMGARTEN, 1992).
Sua vida profissional foi marcada por irregularidades devido a questões de saúde que,
por diversas vezes, lhe afastaram do exercício de suas atividades de professor e
pesquisador. Como profissional sempre esteve dividido entre a Ciência e a Política
embora ele próprio tenha sempre se declarado como intelectual.
Na avaliação de Winckelmann, o que se destaca em Weber pode ser resumido em duas
grandes características: ter sido pioneiro na ciência social empírica e um grande
pensador que almejava descobrir a verdade nas relações sociais. Como pensador, ele
encarnava duas dimensões no relacionamento com o conhecimento - "pensou como
político; foi cientista com olhar de político e foi político com o olhar do cientista", além
disso, ética e tolerância foram características que se mantiveram constantes na sua vida
particular e profissional (WINCKELMANN, 1992, p. IX).
Como intelectual do seu tempo, dialogou com o marxismo como cientista - querendo
entendê-lo como teoria social, almejava completá-lo e não refutá-lo. Como professor
universitário, consta que foi pioneiro na promoção de Marx como cientista social,
levando suas teses para o ambiente universitário e abrindo espaço para a discussão
acadêmica e científica das mesmas, que ele declarava serem "geniais". Consta também
que conviveu com vários marxistas (teria sido professor de Georg Luckács e
companheiro profissional de Eduard Bernstein na Universidade e no Partido Social
Democrata - SPD -, que ambos ajudaram a fundar), além de ter sido ardoroso defensor
de socialistas contra a perseguição nas instituições universitárias (negação de cadeira
para lecionar). Há biógrafos que assinalam que viveu em conflito entre largar a
atividade acadêmico-científica e ingressar ele mesmo nos movimentos sociais
revolucionários, tamanha era sua angústia diante das irracionalidades produzidas pelo
capitalismo (HENR1CH, 1988).
Não é, portanto fortuito que Weber tenha desenvolvido sua teoria social tendo como
foco de análise a sociedade capitalista do seu tempo e tomando a obra de Marx como
interlocutora. É o en-tendimento dessa interlocução que deve e pode orientar um
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enten-dimento correto de sua obra, isentando nossas análises de uma to-mada prévia de
partido diante dela, sustentada apenas por posição ideológica.
Num certo sentido, as premissas marxianas podem explicar o caminho tomado por
Weber. O próprio Engels, ao tentar refutar acusações de que sua (e de Marx) teoria
social excedia no valor atribuído ao peso das determinações econômicas nas relações
sociais, apresenta-nos uma argumentação brilhante para podermos entender Weber:
Engajado socialmente na luta social de seu tempo, Weber busca na própria teoria
marxiana e no marxismo do seu tempo os elementos para construir sua teoria social:
descobrir e explicar quais os fantasmas se alojam na cabeça dos homens, como o fazem,
por que e sob quais condições, quais as suas conseqüências.
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Uma pista essencial para apreender a matriz teórica de Weber está no entendimento da
sua vinculação ao "novo kantismo", que poderia ser tomado como "a moda" nos
círculos intelectuais da Alemanha, como o foi a ligação com Hegel no grupo ao qual
Karl Marx se vinculou anteriormente (Marx e os Jovens Hegelianos). O próprio Weber
teria se declarado adepto desta corrente e dois de seus representantes mais
significativos, W. Windelband e H. Rickert, teriam sido referências mestras nas
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discussões de Weber acerca das diferenças entre ciências naturais e ciências sociais,
fornecendo ao nosso mestre os elementos fundamentais para defender sua sociologia
como uma "ciência da cultura" (BAUMGARTEN, In. WINCKELMANN, 1992, p. XII).
A especificidade de uma análise das condutas humanas impregnadas de sentido,
motivos e significados particulares para os sujeitos envolvidos (sinnvollen sozialen
Verhalten = Verhandeln - resultado das suas Wirtschaften (substantivo) e suas formas
de virstschafíen (verbo), em contraponto às ciências da natureza, evi-dencia, na obra de
Weber, as lições de uma "filosofia social", e sua clara identificação com o novo
kantismo. Assim, as duas matrizes kantianas: (a da irredutibilidade do ser ao saber e a
separação entre juízos de valor e juízos de fato) e a indiscutível subordinação do objeto
de conhecimento aos sujeitos sociais, os pilares do novo kantismo, servem a Weber na
construção de sua matriz para des-vendar a realidade social: Compreender; explicar e
interpretar a realidade de seu tempo, considerar as chances determinadas
his-toricamente e possíveis de serem conhecidas através da análise de uma cadeia de
relações históricas e culturais, empiricamente de-monstradas, este foi o projeto
epistemológico de Weber. Para ele, a ciência havia se tornado uma prática social
produzida na sociedade ocidental na busca premente de uma racionalidade de ordem
técni-ca e de ordem teórica, uma arte de agir com sentido, cada vez mai-or e cada vez
mais necessária para tornar possível a vida dos ho-mens com eles e entre eles. As
ciências sociais não podiam ter um projeto diferente.
É, portanto, como "novo kantiano" que Weber teria lido Marx e é nesta leitura de Marx
e na sua declarada insatisfação com a teoria marxiana para dar conta de explicar a
autonomia dos sujeitos nas relações sociais, associada à sua posição, também declarada,
de resistência aos movimentos sociais marxistas, que ele avalia como dogmáticos, que
Weber busca as motivações para desenvolver sua teoria. De acordo com
BAUMGARTEN (l 992), algumas teses do "jovem Marx" são o ponto de partida de
Weber. Para Marx:
Weber, como uma considerável ala das ciências sociais de seu tempo, na Alemanha,
considerava esta a grande premissa, ou o embrião promissor para consolidar a
sociologia como uma ciência da realidade concreta. Numa direta ligação e aceitação
dessa premissa marxiana, Weber defende a sociologia como "Wissenschaft vom
menschlichen Haiuleln " (ciência da ação humana), na medida em que seria dotada da
possibilidade de explicar o sentido das relações dos homens orientadas para os outros
homens e a sua produção cultural (material e política). Explicara sentido, da ação
humana, esta era a chave de Weber. Explicar o sentido seria buscar (descobrir e
nominar) e esclarecer os significados subjetivos que na cabeça dos sujeitos ativos nas
relações sociais definem sua conduta e produzem as conseqüências da ação. Por isso é
correto afirmar que a sociologia weberiana construiu, no seu núcleo, uma teoria da ação
social - não uma teoria sobre as ações objetivas diretas (como a conduta manifesta ou
expressa), nem uma teoria sobre manifestações de comportamento sustentadas por
visões metafísicas sobre a realidade, nem uma teoria para explicar as causas
inconscientes da conduta, mas sim, uma teoria da ação social que colocou no núcleo o
sentido particular que mobiliza cada sujeito social a agir de uma forma e não de outra".
Nesse sentido é possível entender onde e por que Weber se distancia de Marx. A
premissa marxiana de que é o homem, dotado de conhecimentos e de ferramentas, quem
constrói a sua realidade social, sendo capaz de agir sobre a natureza, interferir nela e
introduzir mudanças, é a mesma encontrada na obra de Weber. Entretanto, diante da
explicação monocausal de Marx, que considera o grau de possibilidades de ação dos
homens condicionado pêlos determinantes econômicos desdobrados das relações de
produção vigentes na sociedade, Weber apresenta as seguintes questões: Com que grau
de liberdade os homens podem agir para superar os determinantes de ordem econômica?
Com que processos particulares eles se organizam para dominar a natureza e edificai-os
caminhos da vida entre eles? Quais as chances de destino social se colocam para os
homens que estão sujeitos a formas específicas de soberania política, de relações de
poder, de relações racionalizadas de produção, de processo político e de direito social?
Esses são, portanto, os temas das análises de Weber (BAUMGARTEN, in WINCKELM
ANN, 1992, p. XXXI).
É com esse entendimento do "projeto weberiano" que nos é possível apresentar e
discutir algumas de suas categorias analíticas que têm merecido a atenção dos autores
das obras de ciências sociais, tanto entre intérpretes de Weber quanto entre editores de
partes selecionadas de sua obra (Concepção de homem e de sociedade, Categorias da
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vocábulos latinos Okonomie e ókonomisch) e que esta é apenas uma das dimensões
daquilo que trata como Wirtschaft".
O entendimento do conceito de Wirtschaft é de fundamental importância para entender
o conjunto da obra de Weber e, em especial, os textos destinados à análise do
capitalismo e das relações sociais capitalistas. O que Weber pretende anunciar na
apropriação deste vocábulo junto com o vocábulo designador da organização social
(Gemeinschaft) formando o título do seu ensaio não é nada mais nada menos do que
precisar que não vai discutir a sociedade capitalista, sua organização social e seus
mecanismos como na teoria marxiana (as relações de produção como determinantes dos
lugares dos homens na hierarquia social e da conduta dos homens), mas que pretende
exatamente inverter essa relação: como os homens, agindo racionalmente para fins
específicos e determinados, intencional e conscientemente, de posse de meios
escolhidos racionalmente, se organizam para produzir relações sociais particulares,
entre elas o próprio capitalismo e conseqüentemente as relações sociais capitalistas. Seu
objeto de análise é, portanto, o conjunto das instituições sociais produzidas pelos
homens em processos de relação entre eles e com o mundo material. É dessa premissa,
Wirtschaft, não como economia, mas como o espírito da mais alta racionalidade, como
propriedade dos homens organizados na sociedade, e presente nos processos em que os
homens se envol-vem para organizar sua vida social e edificar as suas instituições, é que
podemos entender o alcance do projeto weberiano: o objetivo da ciência social
(sociologia) é compreender a "existência vivida". Para Weber, em essência:
Esta é a lógica que permite a Weber apresentar sua análise da sociedade capitalista
(forma de organização, estratificação social e de ação social, formas de dominação,
organização racional e burocrática) que se encontra sobretudo em alguns dos seus
trabalhos bastante divulgados entre nó.
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Teoria social
Mas a sociedade que analisava naquele momento não era organizada com base em
estamentos, embora marcas de conduta estamental fossem encontradas nas relações
sociais:
Portanto, para Weber, o entendimento de "situação de classe" é coerente com sua lógica
de explicação dos sujeitos agindo e interagindo na sociedade, não apenas em processo
de produção e reprodução de sua vida material. Classe é tomada por ele como um
"conjunto de probabilidades típicas: provisão de bens - posição externa e sentido
pessoal na organização social. A sua classificação das classes tem três categorias: classe
proprietária, classe lucrativa e classe social. Neste sentido, ao usar classe social, já não o
faz no mesmo teor da teoria marxiana. Situação de classe (no sentido econômico
aceitando a classificação marxiana) e classe social, indicam, para Weber, situações
típicas de condições de existência de sujeitos sociais, que se encontram juntamente com
muitos outros iguais ou semelhantes.
Weber não negou os conflitos de classe, mas os explica, com outros fatores e com base
no argumento de causalidades múltiplas: a luta de classe não é o único e sozinho, o
motor de mudanças sociais. Outros fatores, do mercado e do sujeito, surgem como
favoráveis às transformações - contribuem para o rompimento das ordenações
precedentes na sociedade
Na sua teoria social, não há lugar para a luta de classes na perspectiva marxiana como
explicação causal para a gênese do capitalismo, pois os determinantes econômicos estão
também marcados pela ação dos homens.
Para Weber, as conclusões oferecidas pelas ciências são parciais e não globais;
comportam um caráter de probabilidade e não de determinação necessária. Sua teoria
social exclui a possibilidade de que um elemento da realidade seja considerado como
determinante dos outros aspectos da realidade, sem ser também influenciado por eles.
Neste aspecto, demonstra como se distancia do materialismo histórico.
Nessa rejeição da determinação do conjunto da sociedade por um só elemento, rejeita
também a possibilidade de que o conjunto da sociedade futura seja determinado a partir
de certas características da sociedade presente. Analítica e parcial (essa a grande
diferença com a teoria marxiana), a teoria social weberiana não permite prever como
seria a sociedade capitalista do futuro. Apesar de convencido de que o processo de
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Deve-se entender por sociologia - no sentido aqui aceito desta palavra, empregada
usualmente com diversos significados - uma ciência que pretende entender,
interpretando-a, a ação social para, desta maneira, explicá-la em seu desenvolvimento e
efeitos. (WEBER, OSE, p. 192). -Os grifos são nossos.
Assim, o cientista social deve se preocupar com a análise das especificidades das
infinitas relações que se dão nos grupos sociais estabelecidos e hierarquizados; deve
entender e aceitar que a sociologia procura e demonstra causalidades, não
determinações, que ela constrói conceitos-tipo que podem lhe mostrar como o real
acontece e deve empenhar-se para "encontrar as regras gerais do acontecer" (WEBER,
SWV, p. 251).
Dessa perspectiva desdobram-se algumas regras que devem orientar a conduta
científica: considerar, primeiramente, que a ciência, no estágio atual na sociedade
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(nunca foi assim antes -falando de sua época) é resultado do estágio de racionalização
da atividade social (a ciência é positiva e racional); nenhuma ciência poderá dizer aos
homens como devem viver ou ensinar à sociedade como deve se organizar (diverge de
Durkheim); nenhuma ciência poderá indicar à humanidade qual será o seu futuro, pois
este não pode ser predeterminado. O homem terá sempre a liberdade de recusar o
determinismo de condições específicas ou particulares, assim como a possibilidade de
se adaptar a ele de diferentes maneiras (distancia de Marx).
Do ponto de vista metodológico, o conhecimento sobre a realidade só pode ser obtido e
afirmado em termos de chances, de probabilidades. Todo conhecimento da realidade é
apenas probabilístico, toda explicação é relativa e provisória.
A ação científica é uma ação racional por excelência. É racional com relação a um
objetivo - busca a verdade. O cientista se propõe a enunciar proposições factuais,
relações de causalidade e interpretações que sejam universalmente válidas. Mas é
também racional com relação a um valor, porque o cientista parte de um juízo de valor -
ele se mobiliza para a investigação a partir de um julgamento sobre o valor da verdade,
demonstrado pêlos fatos ou por argumentos. O respeito do cientista para com as regras
da lógica e da pesquisa assegura que os resultados encontrados sejam válidos.
Segundo Weber, as ciências humanas são animadas e orien-tadas por questões dirigidas
à realidade social, e, assim, o interesse das respostas depende do interesse das questões.
Weber não consi-dera "mau" ou "negativo" que cientistas que estudam determinado
fenômeno tenham interesse pessoal por ele - assim, o político pode investigar questões
de política e o religioso questões de religião. A orientação metodológica é que deve
preservar a imparcialidade. A racionalidade científica resulta do respeito do cientista
para com as regras da lógica e para as regras da pesquisa. A essência da Ciência é a
sujeição da consciência aos fatos e às provas. A orientação metodológica é que vai
preservar a imparcialidade do cientista, o seu distanciamento para ver e tratar o
problema cientificamente. Assim, a relação parcialidade x imparcialidade é uma questão
de conduta científica. Como superar os riscos do envolvimento cientí-fico com o
objeto? Para Weber, é preciso ter o senso de interesse daquilo que os homens viveram
para compreendê-los autenticamente; mas é preciso distanciar-se do próprio interesse
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para encontrar uma resposta universalmente válida a uma questão inspirada pelas
paixões do homem histórico (WEBER, BW, p. 353).
Weber não produziu uma teoria sociológica da Educação, não considerou, diretamente,
a organização social Escola ou a instituição Educação como objeto de análise. Em toda
a sua obra encontramos apenas dois textos em que o tema é diretamente abordado: "Der
Literatenstand in China" ("Os letrados chineses"), que é um capítulo de sua obra sobre o
estudo das religiões (Wirtschaftsethik der Weltreligionen - traduzida como Sociologia
das religiões) e o ensaio, originalmente uma conferência, Vom inneren Berufzur
Wissenschaft, traduzido como A ciência como vocação.
Entretanto há estudos significativos sobre educação que assinalam, em passagens
específicas da obra de Weber, uma aná-lise da função social da escola'1' e indicam que,
das análises de Weber sobre o poder e sua legitimação na ordem social, deriva uma
soci-ologia da educação. O eixo de uma sociologia da educação de Weber está na
demonstração de que através dos sistemas escolares (e das práticas sociais no interior
destes sistemas) se desenvolve um pro-cesso peculiar de imposição dos caracteres dos
grupos sociais e do poder estabelecido. Na obra de Weber é possível demonstrar como,
através de processos de inculcação e legitimação de determinados tipos de conduta e de
certos bens culturais, se estabelece o proces-so de manutenção e reprodução dos
modelos reinantes na estrutura social. Esta "sociologia weberiana da educação" está
sustentada particularmente nas análises de Weber sobre os mecanismos de
fun-cionamento da ordem capitalista e nos estudos sobre a sociologia das religiões.
São dois os focos enfatizados: primeiro, o entendimento de Weber de classe social e os
mecanismos (as relações sociais) de manutenção ou não deste modelo; segundo, os
processos de dominação como eixos estruturantes da vida social.
O fato de Weber diferenciar "condição de classe" e criar "uma classificação de classe
social" ampliada com relação ao modelo marxiano permite o enunciado da primeira
questão - que papel exerce a educação na sociedade? Como condição de classe,
encontramos em Weber o entendimento de que situações de pro-priedade ("ter" - ser
proprietário ou não de bens de trabalho em relação ao mercado) definem as condições
de existência, separando, portanto, os homens com relação a possibilidades de acessos a
bens culturais e materiais não disponíveis igualmente para todos. Na estratificação
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social apresentada por Weber, "as outras proprieda-des" permitidas aos homens (os bens
culturais) existem distribuí-das de formas muito diferentes a partir das formas
"permitidas" de vida social nos grupos de status (ou estamentos): "ser" de acordo com
características particulares de seu lugar social define modos de conduzir a existência.
Weber, portanto, já anuncia uma questão central na análise da função social: os bens
educacionais existem para uns e são negados a outros; os bens educacionais existem em
formas diferentes para grupos sociais de status diferentes. Com que mecanismos sociais
este processo seria sustentado? Quais as relações sociais e de que modo se desenvolvem
para produzir estas relações e para garantir a sua manutenção? Chega-se, portanto, às
estruturas e aos mecanismos de dominação estudados por Weber. Nesta perspectiva, os
estudos de religião oferecem uma contribuição essencial: sua sociologia da religião é
uma sociologia do poder:
Portanto, pode-se encontrar em Weber também uma tipologia dos sistemas de educação,
que LERENA (1985) consegue enunciar de forma muito feliz, retratando os tipos de
educação associadas às construções tipo-ideais da metodologia weberiana para os
sistemas de dominação. Assim, Weber demonstra, em sua obra, a existência de três
tipos de educação que correspondem aos três tipos de dominação - a dominação
carismática, a dominação legal e a dominação tradicional.
Nosso teórico admite, em "Os letrados chineses", que, historicamente, podem ser
identificadas duas metas nas finalidades atribuídas pelas instituições educacionais:
fomentar o carisma (estimular as qualidades heróicas ou dotes mágicos) ou possibilitar a
formação especializada. O objetivo educacional é cultivar o aluno para uma conduta de
vida de caráter mundano ou religioso ou criar condições de existência dentro de um
grupo de status. A partir dos demais trabalhos onde se explicitam os modos de vida dos
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sentido de formação. A educação especializada existe para instruir o aluno para que
adquira uma utilidade prática com fins profissionais e utilitários na vida social, o seu
resultado é o homem instruído (das augebildet Mensch).
O grande mérito das lições de Weber para o entendimento da educação na atualidade, e
que tem sido devidamente apropriada na sociologia da educação, pode ser sintetizada
em duas amplas dimensões.
De um lado, a abordagem do sistema escolar dentro do processo de racionalidade
burocrática, de seus mecanismos de organização e de suas funções práticas, objetivas,
do papel que desempenham, para os sujeitos escolarizados e para grupos profissionais,
permite, não só o entendimento de seus mecanismos de funcionamento e sua função
social na ordem estabelecida, mas permite também o desvelamento da sua ideologia.
Mas a grande contribuição encontra-se nas possibilidades abertas para entendimento dos
processos de relação do sistema escolar com a macroestrutura, para o estudo dos seus
mecanismos particulares de dominação. Em especial podemos apontar, como
possibilidades abertas pela sociologia compreensiva de Weber, para as análises da
escola, os seguintes, temas, atualmente caros à sociologia da educação e que se
encontram nas diferentes vertentes de tratamento da escola na estrutura social como
aparato de dominação cultural e simbólica: estudos dos processos e mecanismos de
reprodução social através da reprodução de estruturas escolares (arbitrariedade de
formas curriculares e práticas sociais de seus agentes), estudo dos sistemas de educação
com sistemas de dominação; valor social dos diferentes tipos de diplomas e de culturas
escolares; processos sociais particulares de grupos sociais (ou de camadas sociais) em
relação às suas possibilidades e qualidades de educação; reflexões sobre o
conhecimento e o saber especializado na ordem social racional da sociedade pós-
industrializada e os estudos de desvelamento e crítica da ideologia da escola.
Como anotação final, é importante assinalar que, embora a presença de Weber seja forte
em várias correntes sociais da atualidade (Estrutural-funcionalismo, Interacionismo
Simbólico, Escola de Frankfurt, Teorias da Reprodução Cultural), caras às pesquisas da
sociologia da educação, registra-se, entre nós, uma carência de literatura que discuta as
nuances de como sua teoria é apropriada e redimensionada nestas contribuições.
VILELA, Rita Amélia Teixeira. “Max Weber – 1864 – 1920. Entender o homem e
desvelar o sentido da ação social”. In: TURA (org.). opus cit, pp. 63-96.