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A CONSTRUÇÃO DO CONTEÚDO DO TEMA - CONTROLE SOCIAL E A DESCENTRALIZAÇÃO DO

SUS- NO PROJETO DE INCENTIVO AO CONTROLE SOCIAL E À PARTICIPAÇÃO NO SUS NO


ESTADO DO PIAUÍ

José Ivo dos Santos Pedrosa

"como o processo no qual a população participativa, através de representantes, na definição,


execução e acompanhamento das políticas públicas, as políticas do governo”.

"É o momento de consulta ampliada à sociedade [...] |quando] o que é mais importante é o
que se discute em cada município, em cada localidade".

''legitimidade de seus membros e a paridade em sua constituição".

A Constituição Brasileira, outorgada em 1988, da qual emergem as Leis que definem o


Sistema Único de Saúde, estruturado na existência de Conselhos nos três níveis de gestão,
tem como bases a representação de um vir a ser ainda não presente na realidade
cotidiana.

O regime democrático instituído no País define novas arenas de debates políticos acerca
de projetos apresentados pelos atores sociais. Entretanto, isto não quer dizer que, ao
definir uma arena, todos os contendedores estejam armados com os mesmos
instrumentos. Os atores sociais, quando-penetram nas arenas, não estão em iguais
condições. A estas condições pode-se chamar de recursos de poder

Neste sentido, DEMOCRACIA, CONTROLE SOCIAL, REPRESENTATIVIDADE, PARIDADE,


LEGITIMIDADE são termos que fazem parte do vocabulário.

INFORMAÇÃO E COMUNICAÇÃO NO CONTROLE SOCIAL DA POLÍTICA


NACIONAL DE ASSISTÊNCIA
SOCIAL
Desirée Cipriano Rabelo

A Constituição de 1988 garantiu o controle da sociedade sobre as ações do Estado por


meio de conselhos de políticas, conferências, audiências públicas, ação popular e ação
civil.

Ainda que com características e funções diferentes, essas instâncias e instrumentos são
estimuladas a atuar de forma articulada, num processo de fortalecimento mútuo e
otimização de seus resultados.
Por um lado, os movimentos e as organizações sociais precisam mobilizar suas bases, articular-
se e qualificar-se para exercer plenamente tal direito.

Já as organizações do Estado carecem de mudanças profundas em suas estruturas e cultura


institucional para atender às demandas de ordem democrática.

Para o debate sobre controle social da sociedade sobre o Estado, tomamos como referência
fundamental o conceito gramsciano de Estado ampliado.
Comunicação como um processo que, envolvendo instâncias e atores distintos (com funções
também distintas), orienta-se para a produção de ações e sentidos pró-controle social
democrático.

O sentido aqui atribuído ao termo informação corresponde a sua definição primeira, no


dicionário: dado, ou medida de redução de incerteza, sobre um determinado estado de coisas,
por meio de uma mensagem (DICIONÁRIO, 1993).

No sentido empregado em nossa análise, esses dados ou informação alimentam os processos


comunicacionais citados. Ou seja, o acesso às informações qualificadas é essencial para a
tomada de decisões, monitoramento e avaliação da política pelos fóruns colegiados de
controle social.

Considerando-se que os fluxos de informação abordados neste trabalho ocorrem no espaço


formado pela interação de atores sociais como gestores e técnicos do Estado, organizações
vinculadas à assistência social e sociedade civil, este processo também é conhecido como
Comunicação Pública, cujo sentido é mais amplo que o de informar.

Criar essas condições é um dever do Estado, como assinalam os documentos internacionais


que oferecem as bases jurídicas da garantia de acesso às informações públicas e de
participação cidadã nas sociedades democráticas.

Nesse sentido, a consolidação da democracia no Brasil e de seus instrumentos e espaços de


controle social democrático estimularam o debate de questões como: prestação de contas e
transparência das organizações do Estado; qualificação para o uso das informações, direito de
acesso etc. (HERKENHOFF; RABELO, 2011).

Diferentes análises concordam que o seu pleno funcionamento supõe a existência de canais
permanentemente de informação entre os vários atores e um amplo sistema comunicação
pública (HERKENHOFF; RABELO, 2011; NOGUEIRA, 2004; PONTUAL, 2008; DEGENSZAJN, 1998).

Na política da saúde, por exemplo, os debates apontaram a necessidade de novas formas de


fazer e entender a comunicação para fortalecer o Sistema Único de Saúde (SUS) (CARDOSO,
2007).

Garantir permanente comunicação entre os conselhos e conselheiros das esferas municipal,


estadual e nacional, o que inclui infraestrutura (espaço físico e equipamentos), pessoal e
veículos próprios de comunicação [...]; Divulgar com antecedência as datas de reunião dos
Conselhos, esclarecer as suas atribuições e estimular a participação da população [...]; Divulgar
as deliberações dos conselhos, conferências, fóruns e plenárias [...]; Informar a população
sobre o papel do Ministério Público, PROCON e dos órgãos e conselhos fiscalizadores das
profissões (CARDOSO, 2007, p. 48).

Para efeito de análise, consideramos a existência de três grupos de atores e/ou instituições: as
organizações do Estado, as instâncias formais (ou institucionalizadas) de controle social e a
sociedade em geral.

De caráter permanente e composição paritária entre governo e sociedade civil, os conselhos


são indicados como as instâncias deliberativas desse sistema descentralizado e participativo
(BRASIL, 1993, art. 5 e 16).

A lei definiu ainda as atribuições do Conselho Nacional de Assistência Social e dos demais
conselhos e, no artigo 17, a sua composição. Representam a sociedade civil os usuários da
política ou suas organizações, as entidades e instituições de assistência social e os
trabalhadores do setor. Esses representantes devem ser escolhidos em foro próprio, sob a
fiscalização do Ministério Público Federal. (BRASIL, 1993; BRASIL, 2006a).

[...] instrumento de efetivação da participação popular no processo de gestão político-


administrativa financeira e técnico-operativa, com caráter democrático e descentralizado.
(BRASIL, 2004, p. 45).

Ou seja, sem a presença militante e politicamente ativa da sociedade civil, os princípios e as


diretrizes da PNAS não se realizam (CAMPOS, 2006).

Nesse sentido, a orientação legal exige pôr em marcha um amplo processo envolvendo
organizações do Estado, com seus técnicos, profissionais; as organizações que atuam na área;
os movimentos e grupos organizados, além dos usuários.

O controle social democrático implica partilha de poder. E um ponto chave dessa partilha
refere-se às informações técnicas, políticas e orçamentárias nas mãos do Estado.

Trata-se da prestação de contas, mas feita de forma sistemática e dirigida a um segmento


específico: os conselheiros, especialmente os representantes da sociedade civil.

De fato, quanto mais informado, melhor a capacidade do conselheiro para analisar e avaliar os
planos de assistência social, especialmente verificar se eles estão de acordo com o
estabelecido nas leis e nas diretrizes das conferências (BRASIL, 2006b).

Todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de
interesse coletivo ou geral, que serão prestados no prazo da lei, sob pena de responsabilidade,
ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado.
(BRASIL, 1988, art. 5, Inciso XXXII).

Embora a Lei de Acesso à Informação (Lei nº12.527, de 18 de novembro de 2011) tenha sido
sancionada em 2011, algumas áreas e legislações orgânicas, inclusive a da assistência social, já
haviam avançado nesse sentido.

Ao definir a gestão da informação, monitoramento e avaliação das ações como um dos pilares
para a execução da política, a PNAS 2004 desencadeou uma série de estudos e debates que
culminou na Política de Tecnologia e Informação do MDS. Entre os resultados dessa iniciativa
está a implantação da Rede SUAS - Sistema Nacional de Informação da Assistência Social - um
conjunto de aplicativos que disponibiliza aos gestores, técnicos, entidades, sociedade civil e
usuários.

Porém, qualquer iniciativa para enfrentar o déficit de acesso dos conselheiros à Rede SUAS e
outras fontes qualificadas implica, entre outras questões, promover a formação para
compreender e trabalhar com esse tipo de dados.

Efetivamente, o despreparo dos conselheiros para exercer suas funções, especialmente os


representantes da sociedade civil, tem sido um tema constante nas conferências de assistência
social.

[...] como conselheiro você é um agente público que deve ter compromisso com o princípio da
publicidade. Ou seja, você tem a responsabilidade de informar o cidadão sempre que for
solicitado e ter um papel ativo, levando informações importantes para serem debatidas nas
audiências públicas, ou nos meios de comunicação (rádio, jornal etc). (BRASIL, 2006b, p. 25).
Ou seja, para além da democratização do próprio Estado, a própria sociedade precisa
democratizar-se, estimular e assumir uma cultura de participação e da ética de
responsabilidade pública (TEIXEIRA, 2000). Na expressão de Campos (2006), o conselho precisa
ser mobilizado e mobilizador.

Enfim, ao compartilhar informações e sentidos o conselheiro impulsiona a mobilização (TORO;


WERNECK, 1997).

Nos conselhos de assistência social, por exemplo, os representantes da sociedade civil


raramente repassam os debates em pauta às suas organizações ou, quando o fazem, repassam
apenas questões polêmicas ou de interesse da própria categoria (BRAVO, 2006).

Como alerta Carvalho (1998), absorvidas pela luta travada no interior dos conselhos, as
lideranças terminam sem tempo para se informar e mobilizar suas bases sociais.

Evidentemente, também se espera que as organizações provoquem seus representantes a


oferecer informações sobre os pontos de interesse, estabeleçam um debate e, assim, atuem
também na participação do processo da elaboração da política – ampliando o controle social.

Entretanto, o mais comum é a figura do conselheiro isolado e desmotivado pelo pouco (ou
nenhum) diálogo ou manifestações de apoio de suas bases (RABELO et al., 2009)

Para agravar, a escolha desses representantes raramente é feita por assembleias. Pelo
contrário, o próprio dirigente assume a função, reforçando estruturas de poder e impedindo a
formação de novos quadros para assumir tal tarefa. Além disso, é comum que o dirigente,
além das tarefas normais da organização ou movimento se veja obrigado a participar de vários
conselhos ao mesmo tempo. Nasce, assim, a figura do super-conselheiro.

Teixeira (2000) avança ao propor que, nas assembleias das entidades ou de fóruns mais
amplos, haja espaços de interlocução onde o cidadão não organizado também possa
participar.

O que exigiria uma nova dinâmica nas organizações e movimentos para ampliar o interesse
pelos temas em debate no conselho.

Nesse sentido, os conselhos podem ajudar na consolidação de uma cultura de participação e


de uma ética de responsabilidade pública.

As dificuldades relatadas são agravadas pelo desconhecimento da população sobre o papel dos
conselhos e outros mecanismos de controle democrático.

Falta-lhes visibilidade e, por consequência, a legitimidade para que faça valer sua força legal e
as instituições participativas sejam uma realidade inconteste no Brasil (INSTITUTO DE
PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2010).

Levantamentos oficiais revelam que entre 1988 e 2009 foram realizadas 80 conferências
nacionais sobre variados temas.

Mais da metade delas (55,68%) aconteceram nos dois mandatos do Presidente Luiz Inácio Lula
da Silva.

Estima-se que, nos últimos anos, pelo menos 5 milhões de brasileiros tenham participado de
alguma etapa de conferência cujos impactos não podem ser desprezados (INSTITUTO DE
PESQUISA ECONÔMICA APLICADA, 2010).
DEMOCRACIA PARTICIPATIVA, CONSELHOS GESTORES DE POLÍTICAS PÚBLICAS E CONTROLE
SOCIAL: orçamentos e recursos públicos no palco deliberativo

Liduina Farias Almeida da Costa

Segundo Pateman (1992), na década de 1960, a participação foi amplamente reivindicada por
movimentos sociais de diversos países como a França, a Inglaterra e os Estados Unidos, e
muitos autores – ao considerarem o cenário pós guerra com a emergência de totalitarismos
mediante participação forçada pela intimidação, assim como a instabilidade de ex-colônias –
admitiram a inadequação dos modelos teóricos clássicos de democracia ao entendimento da
perspectiva participativa, negando suas possibilidades de consolidação ampla e posicionando-
se favoráveis à estabilidade dos sistemas políticos, destacando-se entre eles, segundo a
referida autora, Schumpeter, Berelson, Dahl, Sartori e Eckstein.

A justificativa para um sistema democrático em uma teoria da democracia participativa reside


primordialmente nos resultados humanos que decorrem do processo participativo. Pode-se
caracterizar o modelo participativo como aquele onde se exige o input máximo (a participação)
e onde o output inclui não apenas as políticas (decisões), mas também o desenvolvimento das
capacidades sociais e políticas de cada indivíduo, de forma que existe um "feedback" do
output para o input. (PATEMAN, 1992, p. 62, grifo do autor).

Ao refletir sobre a produção teórica acerca da democracia na segunda metade do século XX,
Santos e Avritzer (2002) discutem criticamente sobre uma linha de reflexão que consideraram
como concepção hegemônica que seria uma prática restrita de legitimação de governos.

Tratar-se-ia de enfrentamento a duas concepções de mundo e suas relações com a


modernização do ocidente: de um lado a liberal-democracia e do outro a marxista que
considerava a autodeterminação do mundo do trabalho como centro do exercício de
soberania por parte dos cidadãos (SANTOS; AVRITZER, 2002).

Dessa concepção hegemônica, segundo tais autores, teriam emergido respostas às questões
ligadas: 1) a procedimento e forma reagindo ao pensamento marxista; 2) ao papel da
burocracia na vida democrática que levou Norbert Bobbio a radicalizar o argumento
weberiano da inevitabilidade do controle burocrático dos processos de decisão política e
econômica pela democracia e, portanto a perda desse controle pelos cidadãos; 3) as teses de
Robert Dahl que considerava a representatividade como única solução possível nas
democracias de grande escala.

Conforme Dahl (2001), a representação seria a única solução possível nas democracias de
grande porte e ambas as formas de democracia teriam defeitos: a representativa por causa de
suas origens sombrias em governos não democráticos e a participativa porque teria
dificuldades relacionadas a fatores como tempo, estímulo ou mesmo interesse dos cidadãos
para participar, criando espaço para a participação mais efetiva de outros que agiriam como
representantes, muitas vezes não legitimamente constituídos.

Macpherson (1978), preocupando-se com os meios de chegada à democracia e analisando


possibilidades de alcance de maior participação, propôs um modelo alternativo de estrutura
de governo com a combinação de conselhos piramidais e partidos políticos, considerou a
incompatibilidade desse modelo com a sociedade de mercado e propugnou a necessidade de
transformações sociais.
As concepções hegemônicas, segundo

Santos e Avritzer (2002), deixaram em aberto o debate sobre a relação entre democracia
representativa e democracia participativa, a qual se tornou objeto de reflexão de outros
autores que, paralelamente, teriam constituído uma corrente contra hegemônica. A
democracia, segundo esta corrente, seria considerada “[...] como forma de aperfeiçoamento
da convivência humana [...]”, ou “[...] uma gramática de organização da sociedade e da relação
entre o Estado e a sociedade.” (SANTOS; AVRITZER, 2002, p. 51).

Destacam-se, nesse sentido, conforme os autores ora referidos, a concepção de invenção


democrática de Claude Lefort, as argumentações de Castoriadis em favor da ruptura com o
instituído e da instituição de novas determinações, novas normas e novas leis, bem como as
propostas de Habermas que “[...] abriu espaço para que o procedimentalismo passasse a ser
prática social.” ao postular um princípio de deliberação amplo (SANTOS; AVRITZER, 2002, p.
52), portanto participativo, e uma condição de publicidade pela constituição de uma esfera
pública.

Espaço onde indivíduos como mulheres, negros, trabalhadores ou integrantes de minorias


raciais podem problematizar em público a condição de desigualdade na esfera privada.
(SANTOS; AVRITZER, 2002, p. 52).

Ao tratar da democracia participativa em países do hemisfério Sul, entre eles o Brasil, Santos e
Avritzer (2002) relacionam-na aos processos de redemocratização e consideram que tais países
tinham como questionamento comum a identidade atribuída pelos Estados autoritários e
discriminadores. Estaria em causa, segundo os autores, um ideal participativo e inclusivo, “[...]
a participação ampliada de atores sociais de tipos diversos em processos de tomada de
decisões.” (SANTOS; AVRITZER, 2002, p. 59).

Realça-se que no Brasil, as reflexões de Habermas desdobraram-se em vários trabalhos nas


áreas de comunicação social, psicologia social, sociologia e serviço social visando à
operacionalização do conceito de esfera pública como uma via para o fortalecimento da
democracia, de modo que, a relação entre representatividade e participação protagonizada
por várias frentes da sociedade civil e pelos conselhos gestores de políticas públicas – que em
razão de serem instâncias deliberativas são também palcos de disputas de variadas ordens,
desde as teóricas até as político-partidárias – instigaram à construção de vários objetos de
pesquisas.

Durante o século XX, segundo Gohn (2001), ter-se-iam destacado três tipos de conselhos: os
comunitários, criados pelo poder executivo visando mediar as relações com movimentos e
organizações populares; os populares, organizados por movimentos populares ou por setores
organizados da sociedade civil, objetivando promover negociações com o poder público; e os
institucionalizados ou conselhos gestores.

A autora, apoiada em Hanna Arendt (1991) e Vera Telles (1990), desenvolveu reflexões sobre
os conceitos de espaço público e esfera pública e considerou que a intensa interpenetração do
público pelo privado no Brasil teria resultado em frágil publicização no campo da assistência
social. Segundo Raichelis (1998, p. 79) a publicização “[...] assume o caráter de estratégia
política de sujeitos sociais que passam a disputar lugares de reconhecimento social e político.”

Mesmo naquele contexto e diante das fragilidades do CNAS, a autora percebeu que era
possível constituir estratégias de publicização no âmbito dos conselhos, desde que
condicionadas à visibilidade, ao controle social, à representação de interesses coletivos, à
democratização e à cultura pública, supondo “[...] o enfrentamento ao autoritarismo social e
da cultura privatista de apropriação do público pelo privado.” (RAICHELIS, 1998, p. 84).

[...] pode-se especular que a noção de controle social parece assemelhar-se mais a uma
espécie de andaime – que permite o acesso a um lugar determinado, mas que depois é
descartado quando novas fundações já estão construídas – do que a um verdadeiro conceito
analítico (ÁLVARES, 2004, p. 173).

Ao dialogar com autores do campo da teoria política, Correia (2002) relaciona o controle social
às distintas concepções de Estado e de sociedade civil. Dependendo da linha interpretativa –
liberal ou democrática –, poderia designar tanto o controle do Estado sobre a sociedade
quanto o de setores organizados da sociedade sobre o Estado. Ao reconhecer que as relações
sociais são construídas sob a égide do sistema capitalista, a autora enfatiza a importância do
controle social sobre as ações do Estado visando à utilização do fundo público, não para a
reprodução do capital, mas principalmente para as políticas sociais.

Tornou-se consenso entre os estudiosos do tema, que no Brasil o controle social do Estado
sobre as classes populares foi prática recorrente, independente do período histórico, ou do
regime político. Por outro lado, as propostas de reversão desta direção do controle social
emergem com as mobilizações contrárias à ditadura de1964, sendo exemplar o
posicionamento do movimento sanitário que, segundo Conh (2001), inspirado na estrutura de
organização do Partido Comunista Brasileiro idealizou os conselhos de saúde como canais
privilegiados de participação. Tratar-se-ia de um segundo passo a ser dado após o da
descentralização que tinha o objetivo de decepar a cabeça do sistema vigente (CONH, 2001).

Os primeiros contornos do controle social das políticas públicas pelos seus usuários estão na
Constituição de 1988 (Artigos 198 e 204), e adquirem nitidez depois da aprovação da Lei
Orgânica da Saúde (LOS) em 1990 e da Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS) em 1993,
ampliando-se para as demais políticas públicas.

O exercício democrático de acompanhamento da gestão e avaliação da Política de Assistência


Social, do Plano Plurianual de Assistência Social e dos recursos financeiros destinados a sua
implementação, sendo uma das formas de exercício desse controle zelar pela ampliação e
qualidade da rede de serviços socioassistenciais para todos os destinatários da Política (BRASIL,
2010, p. 5).

Tratar-se-ia da capacidade de intervenção participativa da sociedade organizada nas políticas


públicas, interagindo de modo tridimensional (política, técnica e ética) com o Estado na
definição de prioridadese na elaboração dos planos de ação do município, estado ou do
governo federal.

[...] acompanhamento do ciclo de elaboração, monitoramento e avaliação da política pública,


incluindo a fiscalização, controle e avaliação da qualidade dos serviços, programas, projetos e
benefícios executados pela rede socioassistencial, tanto pública quanto privada (BRASIL, 2010,
p. 5).

Destaque-se que o exercício do controle social na política de assistência social só começaria a


ultrapassar o campo das possibilidades, depois de 2003, quando se iniciou um governo de
coalizão liderado pelo Partido dos Trabalhadores, durante o qual foi oficializado o Sistema
Único de Assistência Social (SUAS), depois de aproximadamente uma década de quase
suspensão dessa política, conforme mencionado anteriormente. Com a implementação do
SUAS, multiplicam-se os conselhos gestores de assistência social2, e com eles as demandas por
capacitação, motivando uma previsão metas do controle social para a década de 2005 a 2015
(BRASIL, 2005a).

CONTROLE DEMOCRÁTICO DE POLÍTICAS PÚBLICAS E LUTA ANTICORRUPÇÃO: a experiência


da Força Tarefa Popular

Teresa Cristina Coelho Matos

A formulação clássica do conceito de democracia, no contexto do Estado moderno, diz de um


sistema de governo no qual as decisões políticas levam em consideração a manifestação da
vontade dos cidadãos. Mas, ao longo da história, tem a democracia recebido vários
entendimentos e definições nos diferentes tipos de regimes políticos, sendo mais correntes as
abordagens em torno dos modelos de democracia direta, democracia representativa e
democracia deliberativa.

Como assinala Miguel (2005), o significado atribuído a cada tipo tem relação direta com o
contexto social e os interesses e concepções políticas dos que a defendem.

Democracia direta tem origem na Grécia antiga e, conforme os escritos filosóficos de


Aristóteles (384-322 a.c), consiste na ativa participação da grande maioria do povo na
formação do governo, sendo os assuntos públicos discutidos e decididos pelo povo, sem
intermediários.

No quadro do Estado moderno, encontra-se essa democracia fundada na ideia de que “[...] só
a vontade geral pode dirigir as forças do Estado, de acordo com a finalidade de sua instituição,
que é o bem comum.”, representada na teoria clássica por Rousseau (1978, p. 430) que
propõe um contrato social para se estabelecer as bases de constituição e funcionamento do
Estado organizador da sociedade, a partir da livre associação entre os homens que,
deliberadamente, resolvem formar um tipo de sociedade à qual passam a prestar obediência
em respeito à vontade geral.

Conforme destaca Pateman (1992), essa concepção de democracia com máxima participação
popular passa a ser questionada, sobretudo, no início do século XX, com o avanço da
sociedade industrial e o surgimento das organizações burocráticas. Nesse contexto, os regimes
de democracia representativa passam a ser difundidos no mundo, especialmente nos países
ocidentais, com o argumento de que a ênfase à participação direta incorreu na instauração de
governos fascistas e totalitários que conseguiram, muitas vezes pelo uso de coação, capturar a
lealdades das massas.

A esse argumento, como explica Przeworski (2010), soma-se o de que os ideais democráticos
de herança grega e nos moldes roussonianos, fundados na vontade geral, encontram limites
na realidade das divisões sociais, econômicas e políticas estabelecidas pela implantação e
supremacia da ordem capitalista em uma sociedade mais ampla e mais complexa. Esse
contexto sociopolítico sustenta outro argumento que, amparado em pesquisas empíricas,
torna-se preponderante nos países ocidentais, como destaca Pateman (1992): o de que, como
grande parte da população, especialmente os grupos de baixa renda, é indiferente às questões
políticas, a sua participação direta nessas questões traria instabilidade ao sistema
democrático.

Um dos principais defensores dessa ideia,

Joseph Schumpeter (1983, p. 336), apresenta, no estudo Capitalismo, socialismo e democracia,


uma critica fundamentada à centralidade dada à participação pela teoria da democracia direta
e propõe um novo arranjo democrático, definindo-o como [...] certo tipo de arranjo
institucional para se chegar a decisões políticas, no qual os indivíduos adquirem o poder de
decidir utilizando para isso uma luta competitiva pelos votos livres da população.

Como observam Santos e Avritzer (2002), na democracia representativa o voto passa a ser o
canal primordial de participação da população nas decisões políticas, afastando-a da
concepção mesma de democracia exercida pela participação direta. Por esse modelo, funda-se
uma forma nova de se pensar democracia cuja principal característica é a concorrência entre
lideranças políticas pelo voto da população, em eleições periódicas e livres, o que provoca uma
quase total retração da soberania popular advogada por Rousseau.

Esse modelo representativo, que protege o status quo da vontade popular (PRZEWORSKI,
2010), torna-se hegemônico nos países capitalistas ocidentais e também em governos
socialistas, a exemplo do leninismo, na Rússia, vindo a provocar, com o tempo, uma ampla
insatisfação e questionamentos da sociedade, por produzir déficits no campo da justiça social,
da inclusão política e de eficácia governamental (DAGNINO et al, 2006). Nesse quadro, ganha
relevo no debate contemporâneo o modelo de democracia deliberativa, uma alternativa que
se apresenta diante da queda dos regimes socialistas no Leste europeu e da consolidação do
capitalismo global nos países ocidentais.

A democracia deliberativa defende a incorporação da participação dos cidadãos na busca de


soluções e tomadas de decisão política em espaços públicos, à luz dos melhores argumentos
(FÉRNANDEZ, 2010).

Esse método tem amparo na teoria discursiva habermasiana por pressupor a participação da
sociedade a partir de uma dinâmica reflexiva e de trocas argumentativas de opiniões sobre
questões de interesse coletivo.

Pela teoria discursiva de Habermas (2003), o êxito democrático depende da ação coletiva e das
condições de comunicação dos cidadãos através de procedimentos institucionalizados numa
esfera publica em que o agir comunicativo é o principal instrumento de integração social, de
tomada de decisões políticas e de construção da legitimidade democrática referente ao que
for deliberado para que alcance ressonância na esfera parlamentar e administrativa.

O ideal de democracia deliberativa, apresentado por Habermas (2003), mesmo considerando


múltiplos públicos (FUNG, 2004), recebe críticas pelas limitações operativas nas condições
históricas atuais e por não considerar os conflitos de classe e lutas sociais engendradas numa
sociedade civil heterogênea, particularmente, conforme ressalta Maia (2007, p. 108),

[...] no que diz respeito às motivações de pessoas e grupos para se engajarem nas discussões
públicas, às desigualdades deliberativas, [e] às assimetrias de poder e de acesso a recursos.

O autor ressalta que, mesmo não se vivenciando mais as mesmas condições da Grécia antiga
de reunir os cidadãos em praça pública para decisões políticas, é possível, sob a égide do
sistema representativo em funcionamento, aumentar o nível de participação popular por meio
de mecanismos de democracia direta. Alude que, ocorrendo a exclusão de uma ou da outra, a
usurpação do poder se torna inevitável e, para evitar tal risco, ressalta:

[...] em vez de pensarmos em opor representação e participação direta teríamos, pelo


contrário, de estudar mecanismos que permitam que os dois princípios se completem.
(WEFFORT, 1984, p.121).

Na verdade, regimes de democracia representativa, como o brasileiro, são vulneráveis à


corrupção pelo baixo poder de decisão política dos cidadãos e a pouca participação na gestão
pública. Isso se deve, em parte, conforme analisa Lupia (2003,p. 34), ao fato de essas
democracias funcionarem por meio de cadeias de delegação cujo perigo é o de que “[...] as
pessoas a quem o poder é delegado possam abusar do poder que recebem.”

Lupia (2003), á luz da teoria principalagente4, aponta a transparência e o accountability como


importantes mecanismos, nas democracias representativas, de controle das ações e das contas
públicas pelos cidadãos.

Nesse campo de reflexão, Barowiak (2011) destaca que o atual desafio, no contexto político
global, com espaços públicos mais participativos e de interesses diversos, tem sido o de pautar
a democracia representativa relacionada aos princípios da transparência e accountability
democrático na gestão pública como mecanismos para prevenir práticas corruptas e dotar os
governos de legitimidade.

Com esse propósito, a noção de transparência que o autor apresenta é a de que o agente
público tem que responder pelas ações realizadas e sofrer sansões de acordo com as respostas
e desempenhos dados, sendo sua compreensão de accontability a de responsabilização
democrática, com participação popular e como esforço para, além da punibilidade, criar
parcerias entre governos e sociedade civil que contribuam para a formação da opinião pública
e de novas formas de solidariedade.

Nesse aspecto, merece realce a Lei Complementar nº 135/2010, conhecida como Lei da Ficha
Limpa, criada por iniciativa da sociedade civil, em 2008, a partir da elaboração de Projeto de
Lei de Iniciativa Popular9, que propôs critérios mais rígidos de inelegibilidade para candidatos
a cargos eletivos, com vista à proteção da probidade e moralidade administrativas. Outra
medida de relevo foi a edição da Lei governo e sociedade e da transparência e accountability
das ações do Estado e melhoria da qualidade da participação no exercício do controle social.

Aliás, é relevante destacar que várias organizações e movimentos sociais atuam no Brasil com
base no princípio de democracia direta, utilizando-se, na era da internet, de novos
mecanismos de mobilização, articulando-se em redes local, nacional e global, na luta
anticorrupção.

Contudo, apesar do seu caráter participativo, os conselhos gestores10 são, na verdade,


marcados por uma participação representativa, com eleição de conselheiros que, nos
municípios sem tradição organizativa, ficam vulneráveis à manipulação dos grupos de poder
locais, que negligenciam a prática da transparência e accountability das contas públicas,
comprometendo a qualidade da participação.

Vale salientar, com base em Smulovitzt e Peruzzotti (2003), que a internet amplia a quantidade
de atores no exercício do controle social, promove a punição pública e provoca os órgãos de
fiscalização do Estado a responderem às demandas de responsabilização e de punição
institucional dos agentes públicos que tenham cometido irregularidades. Assim, contribui para
o enfrentamento de um desafio do Brasil e demais países vitimados pela corrupção, que é
avançar nas práticas dos princípios da transparência e accountability democráticos,
imprimindo qualidade ao sistema de integridade institucional, em interação com o sistema de
controle social em funcionamento, do qual a FTP é integrante e atua guiando-se pela ideia de
democracia direta, como mecanismo para estimular o ativismo social e político para a luta
anticorrupção, dentro de uma perspectiva de interação com o Estado que se aproxima da visão
gramsciana de Estado Ampliado, pois se coloca como conteúdo ético na fiscalização da
aplicação dos recursos públicos.

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