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Texto 7: Políticas públicas: educação, habitação, saneamento, saúde, transporte,

segurança, defesa, desenvolvimento sustentável;

1- A cidade como mercadoria

A vida nas cidades se transformou numa mercadoria. O espaço público se fragmentou,


se privatizou, a segregação se impôs. Bairro rico de um lado, com todos os tipos de
serviços públicos disponíveis. Bairros pobres e favelas de outro, ocupações com
habitações precárias autoconstruídas, sem esgoto e muitas vezes sem água

Silvio Caccia Bava

Nas décadas passadas a vitória do neoliberalismo restaurou o poder dos interesses


empresariais no comando das cidades. Muitas das empresas públicas desapareceram e
cederam seu espaço para a exploração desses serviços por grandes conglomerados
empresariais, nacionais e estrangeiros. As grandes empreiteiras de obras públicas, que agora
estendem seus domínios para a prestação de serviços como a coleta do lixo e a administração
de rodovias; o cartel dos transportes públicos; a indústria automobilística e seu interesse na
expansão dos negócios; os empresários do setor imobiliário: são eles que retomam o controle
dos governos e passam a dar as cartas definindo que urbanismo serve a seus interesses.

A extinção da Companhia Municipal de Transportes Coletivos (CMTC), em São Paulo, em


1995, na gestão de Paulo Maluf, e de outras empresas públicas municipais de transportes em
outras cidades é um bom exemplo. Com o fim da empresa pública o governo municipal perde a
capacidade de intervir diretamente nas empresas privadas concessionárias do serviço, não
controla mais a planilha de custos, submete-se ao peso de um cartel no qual hoje, no caso de
São Paulo, apenas dois empresários detêm 7 mil ônibus, a metade da frota em circulação.

É da mesma época, no governo de Fernando Henrique Cardoso, a Lei n. 8.987, de


Concessões de Serviços Públicos, que cria um marco regulatório para privatizar as
companhias de serviços de saneamento. A chegada das operadoras multinacionais à área de
saneamento contou com o estímulo e o incentivo do governo federal, por meio de programas
de privatização e reestruturação, com recursos financeiros da Caixa Econômica Federal e do
Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).

O Estado perde sua capacidade reguladora em defesa do interesse público, adota critérios de
mercado para estabelecer as políticas e os preços das tarifas públicas, e ignora a realidade
social. É preciso garantir o lucro das operadoras.

Os cidadãos são considerados apenas consumidores, o que vale dizer que as empresas
concessionárias se mobilizam para atender aqueles que podem pagar pelos serviços
privatizados; os outros, os que não podem pagar, não entram nos planos desse urbanismo.

Essa lógica de encarar a cidade como oportunidade para bons negócios estimula a
especulação imobiliária e expulsa os antigos moradores pobres do centro para a periferia, pois
eles não têm dinheiro para alugar ou comprar os imóveis nessa região; estimula o uso do
automóvel e ao mesmo tempo impede mais de 30% dos moradores das metrópoles brasileiras
de usar o transporte coletivo. Estes não têm dinheiro para isso. Andam a pé.

É essa mesma lógica da maximização do lucro que levou o governo do estado de São Paulo a
reajustar indevidamente o pedágio nos contratos com a CCR, em 2006. Hoje o Ministério
Público acusa a CCR, com a conivência do governo, de se apropriar indevidamente de mais de
R$ 2 bilhões dos cidadãos que pagam o pedágio.

Muitos dos serviços públicos de saúde, educação, assistência social, transportes e segurança
foram terceirizados, isto é, transferidos para ser executados por empresas privadas. Sem uma
ação fiscalizadora efetiva por parte do governo, o resultado é o mesmo por toda parte: cai a
qualidade do serviço, os cidadãos deixam de ser atendidos, piora a qualidade de vida para
grande parte dos cidadãos.

Os investimentos na infraestrutura urbana, um elemento central para definir o padrão de


urbanismo, se orientam para a produção de pontes e viadutos, para a duplicação das avenidas
marginais, principalmente para garantir a circulação dos automóveis, enquanto o metrô e os
corredores de ônibus ficam para trás como prioridade. Aos interesses públicos – que
necessitam dos transportes coletivos – se sobrepôs o interesse das empresas que comandam
a política.

A vida nas cidades se transformou numa mercadoria. O espaço público se fragmentou, se


privatizou, a segregação se impôs. Bairro rico de um lado, com todos os tipos de serviços
públicos disponíveis, shoppings, espaços de lazer, polícia privada garantindo a segurança.
Bairros pobres e favelas de outro, ocupações com habitações precárias autoconstruídas, sem
esgoto e muitas vezes sem água potável, com a eletricidade vinda de ligações clandestinas,
em áreas de risco sujeitas a deslizamentos e inundações, sem equipamentos de educação e
saúde, sem transporte público adequado, acossados por uma polícia que criminaliza a
pobreza.

Não é que o governo seja incompetente, incapaz de oferecer serviços públicos de qualidade. É
que ele não se propõe ou não consegue fazer isso. A gestão da cidade atende aos interesses
de acumulação do capital, que vê a produção e a reprodução do urbano como negócio, como
fonte de lucro.

Esse é o mundo no qual a ética neoliberal − de um intenso isolamento do indivíduo, de


ansiedade e neurose, de consumismo − se impôs como padrão. Quem tem dinheiro usufrui a
cidade; quem não tem encontra aí uma vida cada vez mais insuportável.

É esse o cenário no qual o aumento dos R$ 0,20 na tarifa dos ônibus em São Paulo
desencadeou as mobilizações de junho, que levaram mais de 2 milhões de pessoas às ruas
em quase quatrocentas cidades brasileiras.

O que essas mobilizações põem em xeque não é o aumento da tarifa, mas sim o urbanismo
privatista que transforma tudo em mercadoria e acaba com os direitos dos cidadãos. O grande
motivo para as mobilizações é a luta contra a espoliação urbana e todo o sofrimento que ela
impõe aos trabalhadores. Espoliação urbana, como nos ensina Lúcio Kowarick,1 é o somatório
de “extorsões que se opera pela inexistência ou precariedade de serviços de consumo coletivo,
que conjuntamente ao acesso à terra e a moradia apresentam-se como socialmente
necessários para a reprodução dos trabalhadores e aguçam ainda mais a dilapidação
recorrente da exploração do trabalho ou, o que é pior, da falta deste”. A falta de prioridade e de
investimentos nas políticas públicas castiga a todos que precisam do transporte público, da
moradia, dos serviços de saúde, educação, assistência social, previdência e segurança,
políticas garantidas como direitos por nossa Constituição.
A força das ruas e um novo urbanismo democrático

De uma perspectiva histórica, é a mobilização dos cidadãos insatisfeitos que pode mudar as
coisas. Quando eles se revoltam contra a precariedade das políticas públicas, a desigualdade
social e a segregação na vida das cidades, abre-se o horizonte para mudanças no
comportamento dos políticos e na execução dessas políticas.

A participação popular é a mobilização da cidadania pela democratização dos governos e da


vida em sociedade, pela melhoria da vida nas cidades, pelo respeito aos direitos sociais e
políticos. Seu objetivo maior é que a cidadania organizada, expressando os múltiplos
interesses das grandes maiorias, participe das decisões, junto com os gestores públicos, sobre
o modelo de cidade e as políticas públicas. Fazer isso implica também o controle social sobre
os gastos e as iniciativas de governo.

É com a redemocratização do país que o direito à cidade se afirma como uma referência para o
surgimento de um novo urbanismo. São as ações dos movimentos de moradia, sua articulação
com outras lutas, com o movimento em defesa da saúde, com a luta por creches, com a luta
por transportes e uma infinidade de outras mobilizações que colocam para a sociedade e para
os governos as demandas populares. Esses movimentos, por sua vez, constroem uma
plataforma comum de reivindicações, se articulam em redes, como o Fórum Nacional da
Reforma Urbana, denunciam a espoliação urbana, politizam a precariedade da vida das
maiorias, cobram a democratização da gestão.

A luta pelo direito à cidade, nos últimos trinta anos, obteve muitas conquistas: inseriu um
capítulo específico sobre política urbana na nova Constituição brasileira de 1988; criou um
marco normativo geral com o Estatuto da Cidade; obrigou todos os municípios com mais de 20
mil habitantes a produzir Planos Diretores de urbanização tendo como referência o Estatuto da
Cidade; fez pressão para a criação do Ministério das Cidades, assim como para a
democratização da gestão com a criação dos Conselhos da Cidade em todos os níveis da
federação, uma nova institucionalidade participativa; lutou pela destinação de recursos e
criação de mecanismos específicos de financiamento para habitação popular, que veio a se
concretizar com a criação do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social. Mesmo o
programa maciço de construção de casas populares – o Minha Casa, Minha Vida – também
pode ser visto como uma resposta às demandas populares e à crise urbana.

Além disso, o movimento pela reforma urbana produziu impactos internacionais. O direito à
cidade foi introduzido em várias novas constituições, como as da Venezuela, Colômbia, Bolívia,
Equador; também inspirou, por exemplo, a criação nos Estados Unidos, em 2007, da Aliança
Nacional pelo Direito à Cidade, com expressiva atuação em cidades como Nova York e Los
Angeles. O Orçamento Participativo tornou-se uma referência e está presente hoje em mais de
2.600 cidades em todo o mundo.

Mas a disputa pelo modelo de urbanismo e pela democratização da gestão teve outros
capítulos recentes. Para atender à política de coalizão, o Ministério das Cidades foi entregue
pelo governo federal a políticos fiéis aos interesses especulativos e imediatistas; o programa
Minha Casa, Minha Vida, concebido pelo governo em articulação com os empresários da
construção civil, passou ao largo de todo esse acúmulo normativo e institucional que
incorporava a participação cidadã. O Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social ficou
sem fundo, e o dinheiro para o Minha Casa, Minha Vida, sem controle social; os Planos
Diretores municipais foram ignorados para definir a locação desses novos empreendimentos.

Os efeitos perversos dessa guinada na política urbana se fazem sentir: para os trabalhadores,
a vida nas cidades, principalmente nas cidades grandes, se torna a cada dia mais insuportável.
As práticas de resistência a essa mercantilização da vida trazem para o centro da agenda
política o tema do direito à cidade. E para que o direito à cidade oriente a estratégia de
desenvolvimento urbano, as questões da descentralização, da democratização da gestão e da
participação cidadã tornaram-se essenciais.

Reinventar a cidade para todos

“A questão de qual cidade nós queremos não pode estar dissociada da questão de que tipo de
pessoas nós queremos ser, que tipo de relações sociais nós procuramos, que relações com a
natureza queremos, que estilo de vida queremos, que valores estéticos valorizamos.

O direito à cidade é bem mais que o direito dos indivíduos ou grupos sociais terem acesso aos
recursos que a cidade tem. É o direito de mudar e reinventar a cidade a partir de suas
aspirações e desejos, o que depende do exercício coletivo do poder sobre os processos de
urbanização.”2 Em outras palavras, tornar a cidade um espaço público de encontro e
solidariedade, de trabalho cooperativo, onde os serviços públicos sejam eficientes, de
qualidade, atendam a todos e sejam considerados bens públicos comuns. Ninguém paga
qualquer taxa para se servir deles. É o conjunto dos contribuintes, por meio de seus impostos,
que paga a conta.

Somente a força dos movimentos sociais pode impor mudanças de peso, estruturais, nas
políticas públicas. Do sistema político nós não podemos esperar senão a defesa do status quo.
Porque está em disputa a manutenção desse equilíbrio político, a estratégia de favorecimento
do empresariado e a alocação privatista da receita pública. Reforma política, tributária, agrária,
urbana, todas estão fora das agendas da classe capitalista e de nossas elites. Elas ameaçam
seus interesses.

As lutas por essas reformas se darão nas ruas e serão orientadas para a construção de um
Estado de bem-estar social. Tardiamente, ao arrepio do desmonte do welfare state na Europa,
podem surgir condições para o Brasil avançar em políticas públicas como educação, saúde,
transportes, moradia, assistência social, previdência, criação e valorização de espaços públicos
e de lazer. Avançar significa priorizar os interesses dos trabalhadores e investir muitos bilhões
e rapidamente. E criar formas de gestão pública participativa e transparente para garantir a
efetividade do controle social do gasto público.

É evidente que se trata de uma disputa pelos recursos públicos e pela orientação das políticas
públicas. Os trabalhadores, no seu lato sensu, todos que vivem do seu trabalho, querem uma
vida boa, bons serviços públicos, e para isso um governo que atenda a seus interesses. Os
capitalistas, por meio de suas empresas privadas, querem um governo que favoreça seus
interesses de acumulação. É do jogo de pressões entre essas forças que surgirá o novo. Na
Europa ocidental, especialmente, esse jogo resultou – em sua época – em um enorme salto de
qualidade de vida para toda a população.

A pressão das ruas pede a democratização do sistema político, luta por assegurar a
participação cidadã na gestão pública. A forma de governar não pode mais ser hierárquica,
centralista, autoritária, burocrática. Ela tem de se democratizar e descentralizar. Essa é uma
oportunidade para os governos enfrentarem a crise do sistema político: fortalecer seus laços
com a cidadania e construir sua legitimidade como governante.

“Trata-se de promover uma prática inovadora capaz de criar instituições públicas que impeçam
a corrupção, garantam a participação, a representação e o controle dos interesses públicos e
dos direitos pelos cidadãos. Numa palavra, uma invenção democrática”, nos alerta Marilena
Chauí.3

Silvio Caccia Bava: Diretor e editor-chefe do Le Monde Diplomatique Brasil

Fonte: http://www.controversia.com.br/index.php?act=textos&id=16676 

2- REDUÇÃO DA MAIORIDADE PENAL - REFLEXÕES IMPORTANTES


No Brasil, o debate em tomo da redução da maioridade penal sempre acontece em
momentos de comoção nacional - geralmente na esteira de algum crime brutal
envolvendo a participação de adolescentes, como foi o caso da trágica morte do menino
João Hélio, de apenas seis anos. Nesse cenário permeado pela emoção e pela
indignação da sociedade, cada vez mais cansada de pagar impostos e não ter de volta
do Estado a garantia dos serviços públicos básicos, é tarefa complexa a tentativa de
refletir com maior profundidade sobre a questão da violência e sua relação com os
jovens.

Campanha Nacional Pelo Direito À Educação

Mas é de fundamental importância lançar algumas luzes nessa discussão para que os mitos e
as verdades sejam de conhecimento público e, a partir disso, a população e as autoridades
possam, em parceria, agir no enfrentamento dessa grave mazela social, com maturidade e
responsabilidade. Como coordenadora da Frente Parlamentar em Defesa dosDireitos da
Criança e do Adolescente no Senado, Patrícia Saboya tem participado ativamente das
discussões em torno do problema da violência, buscando, ao lado dos representantes de
movimentos sociais e do Poder Público, caminhos concretos para que o Brasil possa superar
esse drama. A seguir, apresentamos uma compilação de dados, informações e argumentações
dos especialistas da área da infância acerca desse tema.

Pesquisas realizadas em vários países do mundo mostram que a pobreza e a violência


atingem especialmente as pessoas mais jovens. O Brasil tem 25 milhões de adolescentes,
cerca de 15% da população brasileira, segundo o último censo do IBGE. É um País marcado
pelas desigualdades sociais, onde 1% da população rica concentra 13,5% da renda nacional,
contra os 50% dos mais pobres que detêm 14,4%, de acordo com dados do IBGE de 2004. Tal
desigualdade traz conseqüências diretas para as crianças e os adolescentes. Muito embora
92% das pessoas entre 12 e 17 estejam matriculadas na escola, 5,4% ainda são analfabetas.
Na faixa etária de 15 a 17 anos, 80% dos adolescentes estão nas escolas, mas somente 40%
estão no nível adequado à sua idade e apenas 11% dos adolescentes entre 14 e 15 anos
concluíram oensino fundamental. Na faixa de 15 a 19 anos, diferentemente do que ocorre entre
7 e 14 anos, a escolarização diminui à medida que aumenta a idade. Segundo pesquisas
recentes da Unesco, a escolarização bruta de jovens de 15 a 17 anos é de 81,1%, caindo para
51,4% quando a faixa etária é de 18 a 19 anos.
Lamentavelmente, e ao contrário do que se argumenta, nossos adolescentes são muito mais
vítimas do que algozes nessa triste guerra. Segundo dados do Unicef, 16 crianças e
adolescentes brasileiros morrem, por dia, vítimas da violência. E as pessoas com idades entre
15 e 18 anos representam 86,35% dessas vítimas. Enquanto a taxa de mortalidade por
homicídios de adolescentes está em torno de 35 por 100 mil habitantes, a da população em
geral encontra-se em 27 por 100 mil segundo dados do Datasus. Além disso, pesquisa
divulgada pela Organização dos Estados Ibero-Americanospara a Educação, Ciência e Cultura
(OEI) revela aumento das mortes violentas de jovens no Brasil. Não existe Nação, entre as 65
comparadas, onde os jovens morram mais vitimados por armas de fogo do que no Brasil. O
país é também o terceiro, entre 84, onde mais morrem jovens por homicídios. Segundo estudos
da Unesco, a morte por causas externas na população jovem brasileira é de 72% e, desse
universo, 39,9% referem-se a homicídios praticados contra os jovens. Já em relação ao
restante da população, a taxa de óbitos é de 9,8% e, desse total, os
homicídios representam apenas 3,3%.
Por outro lado, de acordo com o Ilanud (Instituto Latino-Americano das Nações Unidas para
Prevenção do Delito e Tratamento do Delinqüente), o percentual de jovens com idade inferior a
18 anos que comete atosinfracionais é de menos de 1% da população total nessa faixa etária.
Levantamento da Secretaria de Direitos Humanos mostrou que há cerca de 40 mil
jovens cumprindo alguma medida socioeducativa no País, o que corresponde a 0,2% da
população brasileira entre 12 e 18 anos. Desse total,em torno de 15 mil adolescentes estão em
medidas de internação e internação provisória. Em uma década - de 1996 a 2006 - aumentou
de 4.245 para 15.426 o número de jovens em unidades de internação.
Uma pesquisa realizada em 2002 pelo Ministério da Justiça e pelo IPEA traçou o perfil dos
jovens que estavam em unidades de internação e confirmou o grau de vulnerabilidade deles.
Entre esses adolescentes, 90% eram do sexo masculino, 76% tinham entre 16 e 18
anos, 63% não eram brancos (e, destes, 97% eram afrodescendentes), 51%
não freqüentavam a escola, 90% não concluíram o ensino fundamental, 49% não trabalhavam,
81% viviam com a família quando praticaram o ato infracional, 12,7% viviam com famílias que
não possuíam renda mensal, 66% eram de famílias com renda mensal de até dois salários
mínimos e 85,6% eram usuários de drogas.
É fundamental lembrar que, segundo dados divulgados recentemente pela Subsecretaria dos
Direitos da Criança e do Adolescente e publicados no
Jomal O Globo, na edição de 23 de fevereiro de 2007, o Estado brasileiro gasta 4.400 reais,
POR MÊS, para manter um adolescente internado nessas instituições. Para termos uma idéia
de comparação, o custo de um aluno no ensino fundamental é de cerca de 1.900 reais por
ANO (158,33 por mês). Ou seja: o custo de um adolescente internado equivale ao gasto com
28 estudantes do ensino fundamental. É evidente que há algo de errado nisso tudo. Mais uma
vez, fica reforçada a tese de que o melhor caminho para prevenir a violência é o investimento
maciço em educação.

Outro levantamento, da Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, mostrou que a


participação de menores de 18 anos em crimes graves, registrados no Estado em 2003, não
alcançou 1% dos casos. Dos 9.150 casos de homicídios dolosos, 89 tiveram o envolvimento de
adolescentes (0,97%). Em 2002, o percentual ficou em 0,9%.

http://www.controversia.com.br/index.php?act=textos&id=16250 
3-Falta de política de pessoal e distribuição de médicos agravam
problemas no SUS
Embora avaliado como “muito bom”/“bom” e “regular” pela maioria dos
brasileiros (71,5%), dificuldade de acesso ainda é principal “doença” do
sistema

Alessandro Silva

Acesso mais fácil, rápido e oportuno aos serviços prestados pelo Sistema Único de Saúde
(SUS). Esse é o modelo desejado pela maioria dos brasileiros, segundo pesquisa realizada
pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) no final de 2010. A maioria dos
entrevistados aponta a falta de médicos (58,1%), em primeiro lugar, depois a demora em ser
atendido (35,4%) e conseguir consulta com especialista (33,8%) como os principais problemas
da saúde pública no Brasil. “O aumento do número de médicos pode ser entendido pela
população como uma solução para os problemas que vivencia, quando, na busca de serviços
no SUS, ocorre demora em conseguir marcar uma consulta ou utilizar outro tipo de serviço de
saúde”, afirma a pesquisa, que ouviu 2.773 pessoas em várias regiões do país.

Para o governo federal, a falta evidente de médicos no Brasil (sintoma) justifica as ações do
Programa Mais Médicos. “Talvez o maior desafio de todos é suprir a rede de saúde com
profissionais em quantidade suficiente para atender com qualidade toda população. Não
apenas aos que têm a sorte de morar perto de hospitais públicos ou de pagar pelo seu
atendimento. Mas atender também os que vivem nas periferias mais desassistidas, ao que
moram nas cidades pequenas, nas cidades médias, aos que moram em todas as regiões”,
disse, no lançamento do programa (8/07), a presidente Dilma Rousseff.

Pesquisa do Datafolha (27 e 28/06) mostra que, para os brasileiros, a saúde é o principal
problema do país (48%), mais que a violência e o desemprego, temas preponderantes há dez
anos. Criado no Brasil em 1988, o SUS tornou o acesso gratuito à saúde direito de todo
cidadão. Até então, o modelo de atendimento era dividido em três categorias: os que podiam
pagar por serviços de saúde privados, os que tinham direito à saúde pública como segurados
da previdência social (ou seja, tinha registro em carteira) e os que não possuíam direito algum.

Diagnóstico – Para quem já entendeu que apenas faltam médicos, cabe um esclarecimento:
há 90 anos, a relação de profissionais por mil habitantes vem crescendo (veja arte) e isso não
foi suficiente. “Os médicos nunca foram tão numerosos, ao mesmo tempo em que persistem
acentuadas desigualdades na distribuição dos profissionais entre as regiões, Estados e
municípios”, descreve o coordenador da pesquisa Demografia Médica no Brasil, Mário
Scheffer, realizada pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) e pelo Conselho Regional de
Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), divulgada em fevereiro deste ano. Segundo a
entidade, projeções mostram que, neste ano, já existem dois médicos para cada mil habitantes,
mais que o recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

De 1970, quando existiam 58,9 mil médicos no país, o Brasil chegou a 2012 com um
crescimento de mais de 500% na quantidade desses profissionais. No mesmo período, a
população brasileira praticamente dobrou. Hoje, 55% deles, cerca de 215 mil médicos, atuam
no Sistema Único de Saúde, segundo pesquisa do CFM. Em 2020, mantida a atual taxa de
crescimento, existirão 500 mil médicos no país – média de 2,4 profissionais por mil habitantes,
marca ainda inferior ao registrado, atualmente, na Argentina (3,2), no Reino Unido (2,7) e no
Uruguai (3,7).

Para o ministro da Saúde, Alexandre Padilha, não existe número ideal de “um médico por mil
habitantes” recomendado pela OMS, porque esse indicador é uma unidade de proporção
estatística para fins de comparação internacional. “O Brasil é um país de dimensões
continentais que tem um sistema de saúde público e universal, ou seja, pretende dar cobertura
gratuita a 100% da população, o que torna suas necessidades por profissionais de saúde
maiores do que a de países que não têm sistemas universais e públicos”, diz (leia entrevista na
pág. 8).

Pode até parecer simples aumentar o número de vagas de medicina nas universidades, mas
não é. “Precisamos de mais condições de atendimento nos hospitais, principalmente nos
hospitais públicos universitários que já se encontram sobrecarregados por uma demanda muito
grande de pacientes, porque não há outros para onde eles possam se dirigir. Necessitaremos
também de mais professores para ensino e supervisão, além e mais salas de atendimento”,
avalia o médico Nelson Adami Andreollo, professor e coordenador da Comissão de Diplomas
de Estrangeiros da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp. Em 1979, quando
Andreollo chegou ao Hospital das Clínicas, em Campinas, a FCM tinha 80 alunos na
graduação e menos de cem residentes. Hoje, são 110 estudantes e 600 médicos residentes
que entram por ano. “Não há espaço físico para colocar mais alunos e residentes na mesma
estrutura, e isso sem contar que também cresceram os alunos de especialização e de pós-
graduação”, destaca, ao defender novos investimentos.

Ainda como exemplo da situação da rede de saúde pública, cerca de 1,2 mil pessoas
aguardam vaga no Hospital das Clínicas de São Paulo, apenas no setor de urologia, para
serem operadas. “O curso de medicina da Universidade Federal de São Carlos está sem aula,
sem equipamentos, sem professores. Mais da metade dos hospitais escola não consegue dar
uma residência em um nível que imaginamos como bom. Você precisa ter uma estrutura
universitária para ter uma residência de qualidade. Se aumentar o número de alunos em
hospitais sucateados, o que esses jovens vão aprender?”, avalia o médico Desiré Carlos
Callegari, 1º secretário do Conselho Federal de Medicina (CFM). A entidade defende a
aplicação de 10% do Produto Interno Bruto na saúde – hoje, o país investe 3,5% do PIB. “Sem
dinheiro, sem financiamento, sem estrutura, não adianta colocar estudante de medicina nem
médicos que venham de fora.”

Resumindo: faltam médicos em algumas regiões do país, não é fácil ampliarrapidamente a


formação desses profissionais e existe uma dificuldade por parte do governo para fixar médicos
em regiões isoladas e nas periferias, apesar dos salários oferecidos. Como resolver isso?
Existem várias questões interligadas que afastam os profissionais e tornam o cenário
complexo.

“O problema principal é a falta de uma política de pessoal no SUS, que não existe até hoje”,
afirma o médicoGastão Wagner de Sousa Campos, professor do Departamento de Saúde
Coletiva da Faculdade de Ciências Médicas (FCM) da Unicamp e ex-secretário executivo do
Ministério da Saúde (2003 a 2005). “Há uma característica do SUS: 70% dos trabalhadores são
contratados por meio de ‘gambiarras’ trabalhistas.” Um exemplo disso, segundo ele, é a
contratação temporária prevista pelo Programa Mais Médicos, um paliativo, mas não
a solução para a dificuldade para fixar médicos em regiões desassistidas.
Já tramita no Congresso uma proposta de criação de plano de carreira que prevê algo como já
existe para magistrados, promotores, por exemplo. Contratados mediante concursos, esses
profissionais iniciariam atividade em localidades menores, de primeira “entrância”, e seriam
promovidos ao longo do tempo para regiões mais bem estruturadas. O ministro da Saúde disse
que o governo apoia a iniciativa, mas desde que os médicos trabalhem em regime de
dedicação exclusiva.

Se a falta de carreira de Estado afasta os médicos do SUS, há outra lógica de mercado que
influencia na distribuição de médicos pelo Brasil e agrava o problema, segundo o médico e
professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Alcides Silva de Miranda,
vice-presidente do Centro Brasileiro de Estudos da Saúde (Cebes). O médico afirma que a
maior parte dos profissionais possui duplo vínculo, ou seja, trabalham para o SUS, mas
também para a iniciativa privada. “Se observarmos a distribuição de profissionais no Brasil, os
médicos estão onde há essa possibilidade de duplo vínculo”, avalia. Isso explica a
concentração de profissionais, detectada pelo Ministério da Saúde e pelo CFM, nos grandes
centros urbanos, onde também estão posicionadas as principais unidades de saúde do SUS.

Nesse cenário, formam-se “periferias” desassistidas ou atendidas em parte por médicos. Pior, é
que onde faltam médicos, de fato, poucos “aparelhos” de saúde existem, quando existem. Essa
tem sido a principal linha de argumentos dos médicos contrários às propostas do governo: a
precariedade nas regiões isoladas e nas periferias das grandes cidades, de fato, vai além da
falta de médicos e exige investimentos públicos em infraestrutura. “Com o financiamento que
existe hoje não dá para estruturar o SUS como ele precisa, com unidades básicas interagindo
com unidades de média e alta complexidade. Precisaríamos de, no mínimo, 10% da receita
corrente bruta para o financiamento federal em saúde, conforme projeto de lei há muito tempo
no Congresso”, avalia o médico da Unicamp Jorge Carlos Machado Curi, 1º vice-presidente
da Associação Médica Brasileira (AMB).

Historicamente, quando o mercado, por conta própria, não é capaz de suprir demandas que
envolvem clamor social, apenas o Estado pode resolver o problema, por meio de subsídios e
incentivos, a exemplo da contratação de médicos temporários proposta pelo Ministério da
Saúde. “Não adianta deslocar o médico para os grotões. É preciso montar uma estrutura
nesses locais. Quem irá financiar isso? As medidas [anunciadas] têm algum fundamento social,
acho até que poderiam ser implementadas, mas isso envolveria uma discussão séria com
todos os protagonistas”, afirma o médico Miguel Srougi, professor da Faculdade de Medicina
da Universidade de São Paulo (USP).

Comparado a países que possuem sistema único de saúde, como Inglaterra e Canadá, o Brasil
segue no rumo certo ao defender a estruturação da atenção básica – uma rede com médicos e
enfermeiros que fazem atendimentos clínicos e, principalmente, prevenção de doenças.
Pesquisa do IPEA mostrou que o Programa Saúde da Família é o serviço mais bem avaliado
do SUS, com 80,7% de aprovação (considerado muito bom ou bom). O problema é que, de
acordo com médicos ouvidos, em outros países, o profissional da atenção básica é autoridade
sanitária em sua região, pode determinar a internação de pacientes em outras unidades de
maior complexidade e trabalha em rede com toda a estrutura de saúde. No Brasil, falta
integração dentro da rede de atendimento e, em vez de reforçar essa estrutura, o país tem
investido numa rede de unidades de pronto-atendimento (UPAs), que gastam mais, realizam
50% mais exames e receitam 40% mais medicamentos, afirma o professor de medicina Gastão
Campos, da Unicamp. “E não é com melhores resultados”, afirma. No estudo do IPEA,
urgência e emergência, em 2010, eram os piores serviços do SUS.

Na atenção básica, o profissional médico aproximase e conhece os pacientes, diferentemente


do que ocorre nas UPAs, que deveriam servir apenas para emergências e urgências. No
Canadá, onde há 1,7 médicos por mil habitantes, 99% da população é atendida pela atenção
básica. Pesquisas no Brasil mostram que o aumento do atendimento local no Programa de
Saúde da Família, como resultado, reduz a mortalidade infantil. Formar essa rede de atenção
básica exige uma variada lista de investimentos, incluindo pessoal, não apenas médicos,
ampliação da infraestrutura, aquisição de equipamentos, verbas para custeio etc.

Tratamento – Feito o diagnóstico, resta avaliar o remédio proposto pelo governo federal.
Professores de medicina e representantes de entidades médicas ouvidos até observam
qualidades na proposta, mas divergem sobre a forma de encaminhamento, criticam o que
chamam de falta de debate e a imposição de alguns termos, como o trabalho obrigatório dos
médicos no Sistema Único de Saúde durante o segundo ciclo.

“Estender o curso de medicina não ajudará a resolver a situação. Essa tentativa de fazer com
que os médicos façam treinamento em postos de saúde, em pronto-socorro e emergência, é
totalmente válida, só que isso pode ser feito perfeitamente durante o curso”, avalia o
médico Nelson Andreollo, da Unicamp. Na região de Campinas, por exemplo, os alunos de
medicina da Unicamp realizam, desde 2000, atividades supervisionadas na rede pública de
saúde durante três dos seis anos do curso, do 4º ao 6º ano, para contribuírem e entenderem a
realidade do SUS.

Além disso, aumentar o tempo de duração do curso de medicina, segundo o Conselho Federal
de Medicina, pode inviabilizar a carreira. “Quem neste país ficará tanto tempo para se formar?”,
indaga o médico Desiré Callegari, do CFM. Hoje, além dos seis anos de graduação, os
médicos enfrentam de três a cinco anos de especialização antes de entrarem de vez no
mercado. Pior, as vagas de residência não são suficientes para todos e a disputa por elas é
acirrada. Cerca de 180 mil de médicos (46% do total) não possuem especialização. Há ainda o
receio de que, esticando a graduação, aumente a escassez de especialistas.

No último dia 24 de julho, o Ministério da Educação (MEC) divulgou que estuda proposta para,
em vez de ampliar em dois anos o curso de medicina, transformar o segundo ciclo em uma
residência obrigatória a ser realizada em unidades do SUS. Nessa mesma semana, o
Ministério da Saúde anunciou o investimento, para este ano, de R$ 560 milhões no Programa
Nacional de Reestruturação dos Hospitais Universitários.

Segundo médico Gastão Campos, da Unicamp, outros países criaram um sistema de


contratação para a rede de atenção básica que une a contratação de profissionais, dentro de
uma carreira, e o preenchimento compulsório de vagas remanescentes por meio da residência
médica. Para ele, todos os residentes – e hoje 90% deles estudam com bolsas públicas no
Brasil – poderiam passar um ano, obrigatoriamente, na atenção básica antes de completar a
especialização. “Há ideias boas nas propostas do governo, mas que foram atiradas ao barro
pela forma de encaminhamento, pela falta de discussão, e podemos perder uma oportunidade
para um tema essencial para a saúde dos brasileiros: mexer na formação dos médicos, na
distribuição desses profissionais e fortalecer a atenção primária básica da família”, avalia o
professor.
De forma unânime, professores e representantes de entidades médicas ouvidos não aprovam o
plano de expansão de vagas na graduação em medicina, mas concordam com a ampliação de
vagas apenas nos cursos públicos, como forma de assegurar a qualidade dos futuros médicos.

No último dia 23 de julho, o Ministério da Educação (MEC) instituiu a Política Nacional de


Expansão das Escolas Médicas das Instituições Federais de Ensino Superior, que estabelece
regras para a criação de novos cursos de medicina e expansão de vagas em cursos já
existentes. Por exemplo, as universidades públicas e privadas só poderão ofertar vagas caso
tenham número de leitos disponíveis por aluno maior ou igual a cinco; número de alunos por
equipe de atenção básica menor ou igual a três; existência de estrutura de urgência e
emergência, mais pelo menos três programas de residência médica nas especialidades
fundamentais: clínica médica, cirurgia geral, ginecologia-obstetrícia, pediatria, medicina de
família e comunidade.

Médico estrangeiro no Brasil? Só com o diploma revalidado, aprovado no exame nacional, o


Revalida (que no ano passado reprovou 91% dos médicos estrangeiros). Para professores
entrevistados, o exame deveria analisar os conhecimentos teóricos e práticos dos candidatos,
a exemplo do que ocorre em outros países, como os Estados Unidos. Apenas na Bolívia,
segundo levantamento realizado pelo Conselho Regional de Medicina de São Paulo, cerca de
20 mil brasileiros estudam medicina, a maioria em cursos precários. A maior parte dos
diplomados no exterior que presta o revalida vem da Bolívia, mas são os mais reprovados: em
2012, 411 candidatos fizeram a prova, mas apenas 15 (4%) foram aprovados. Segundo os
entrevistados, um exame de revalidação assegura a qualidade dos serviços médicos.

Sobre a contratação temporária, entrevistados pelo Jornal da Unicamp consideraram a


medida um paliativo e defenderam a criação de um plano de carreira. O Programa Mais
Médicos registrou 2.552 municípios (24/07) interessados em receber esses médicos, o
equivalente a 45,8% das cidades brasileiras.

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