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Autores: Giselle Tanaka, Fabricio Leal de Oliveira, Luis Régis Coli e Fernanda dos
Santos
Introdução
1 Artigo publicado no livro RENA, Natacha; FREITAS, Daniel; SÁ, Ana Isabel; BRANDÃO, Marcela;
(orgs.) 2º Seminário Internacional Urbanismo Biopolítico. Belo Horizonte: Associação Imagem
Comunitária, 2019.
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de laboratórios universitários e apoio de articulações políticas envolvendo redes de
movimentos sociais e militantes.
A análise dos casos tem como suporte pesquisas realizadas ao longo desta última
década pelo Núcleo Experimental de Planejamento Conflitual, que integra o Laboratório
Estado, Trabalho, Território e Natureza do Instituto de Pesquisa e Planejamento Urbano da
Universidade Federal do Rio de Janeiro – NEPLAC/ETTERN/IPPUR/UFRJ. Tais casos,
brevemente apresentados, contaram com metodologias de acompanhamento, pesquisa-ação,
participação em reuniões, negociações e ações nas quais integrantes do NEPLAC se
envolveram durante o transcurso dos acontecimentos. O acompanhamento dos casos incluiu
levantamentos de informações junto aos atingidos e aos seus apoiadores, a sistematização
de informações oficiais disponíveis, a realização de visitas aos locais e o registro de
depoimentos.
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retomada de um projeto desenvolvimentista, e de atender a interesses de empreiteiras,
empresas da construção civil e incorporadoras imobiliárias, que buscavam fontes de
financiamento público e desobstruções legais para expandir seus negócios. A conjuntura de
crise econômica internacional que teve seu ápice em 2008, converte o PAC também em um
programa anticíclico, associando a ele medidas de incentivo ao consumo.
Como parte integrante do PAC, dentro da linha “infraestrutura social e urbana”, foi
criado, em 2009, o programa “Minha Casa, Minha Vida” (PMCMV), declaradamente um
programa para gerar crescimento econômico, emprego e renda, além de resguardar o setor
da construção civil da crise imobiliária global (Rolnik, 2015), por meio do financiamento da
construção de unidades habitacionais que, como se observa, vem impondo novos vetores de
espraiamento da área urbana às cidades brasileiras. O PMCMV destinou um volume
expressivo de recursos públicos para a produção habitacional em grande quantidade
(chegando a mais de 4,5 milhões de unidades contratadas em 2016) e foi desenhado de tal
forma que coube aos agentes do mercado imobiliário (empreiteiras responsáveis pela
produção habitacional) a definição da localização dos empreendimentos (conjuntos
habitacionais), bem como das características da produção e do “produto” final a ser entregue
(Maricato, 2011, p. 67). O resultado foi a produção em massa de conjuntos habitacionais para
baixa renda nas periferias urbanas mais extremas, onde o solo é mais barato.
Nas lutas urbanas, especialmente nos conflitos que envolvem grupos e movimentos
organizados, se projetam na arena política demandas e pautas que nos permitem um olhar
crítico sobre a produção do espaço urbano. Na cidade neoliberal, um dos elementos centrais
para a legitimação do poder é a construção de um consenso em torno de projetos voltados
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para o crescimento econômico e a garantia de lucros para o setor privado e financeiro. Na
visão dominante, o conflito é apresentado como disfunção social e, portanto, como secundário
ou marginal à estrutura social e à reprodução do sistema (Vainer, 2013).
A leitura que se apresenta parte do entendimento oposto, de que estão nos conflitos
urbanos as fontes criativas para a construção de cidades justas e democráticas. A democracia
seria o regime em que o potencial criativo e inovador do dissenso seria reconhecido. Em uma
cidade profundamente desigual, o conflito teria o papel de gerar as condições necessárias
para uma mudança:
Avançando ainda mais nessa proposição, é importante lembrar que na ação política
se constituem sujeitos coletivos autônomos, entendendo sujeito coletivo como “uma
coletividade onde se elabora uma identidade e se organizam práticas através das quais seus
membros pretendem defender seus interesses e expressar suas vontades, constituindo-se
nessas lutas”. A condição de sujeito não pressupõe necessariamente a autonomia, mas a
primeira condição é necessária para a segunda. O sujeito coletivo abre a possibilidade da
construção da autonomia, entendida como a capacidade de reelaborar sua identidade e seu
discurso em função daquilo que define como sua vontade (Sader, 1988, p. 55-56).
São nos conflitos, nas lutas políticas, que os sujeitos se constituem e somente eles,
por sua condição social, seriam capazes de “introduzir desequilíbrios e rupturas numa cidade
que se produz e reproduz em escala ampliada a desigualdade”. Somente através dos conflitos
“será possível constituir e impor políticas realmente transformadoras das estruturas e
dinâmicas fundiárias de nossas cidades” (Vainer, 2007, p. 6). Visando, portanto, destacar as
possíveis alternativas aos modelos de planejamento que se pretendem consensuais,
delinearam-se concepções voltadas à reflexão sobre iniciativas contra-hegemônicas que, em
variadas escalas, são direcionadas a desafiar, ou mesmo transformar, estruturas sociais,
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políticas e econômicas que criam e mantém o status quo. A noção de planejamento conflitual,
construída em articulação com processos autônomos de planejamento em contexto de
conflito social, refere-se aos processos que surgem “de dentro do próprio processo de
constituição de sujeitos coletivos” e que são parte desta construção, refletindo e alimentando
“o processo de constituição de um sujeito que se constrói simultaneamente enquanto sujeito
político e técnico” (Vainer, 2009, p.10).
Os planos populares expostos neste trabalho buscaram, sob tal suporte conceitual e
político, apoiar populações em situação de conflito, constituindo-se em um contraponto à
hegemonia de experts e consultores - e de seus modelos - contratados por agências estatais
e empresariais. Eles surgem em um município no qual uma sequência de administrações
públicas consolidou uma estratégia de gestão e planejamento que, com variações
relacionadas aos perfis políticos específicos dos prefeitos e suas coalizões de poder,
privilegiou a íntima relação com o empresariado e a realização de parcerias público-privadas
na transformação da cidade. As Olimpíadas de 2016 e a Copa do Mundo 2014 e os correlatos
vultuosos investimentos em grandes projetos de todo tipo (estádios, estruturas de mobilidade,
etc.) reforçaram os vetores de ampliação da desigualdade que sempre acompanham as
estratégias de gestão e planejamento empresarial das cidades.
2 A licitação para a construção do Parque Olímpico foi vencida pelo consórcio formado pelas empresas
Carvalho Hosken S.A, (grande proprietária de terras no entorno do Parque), Odebrechet e Andrade
Gutierrez. Sobre os detalhes dessa PPP, ver Medeiros (2016).
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Como a valorização fundiária é o coração do sistema de financiamento das
operações urbanas e parcerias público-privadas de forma geral, as populações de baixa
renda, as favelas, as habitações precarizadas apresentam um risco para os negócios e são,
portanto, indesejáveis, como mostra amplamente a literatura3.
3 Ver, por exemplo, os trabalhos de Mariana Fix, João Whitaker Ferreira e Erminia Maricato sobre as
operações urbanas em São Paulo, a análise crítica de Álvaro Pereira (2014) e Thiago do Pinho (2016)
sobre o projeto Porto Maravilha, a pesquisa de Lucas Faulhaber (2012) sobre remoções no Rio de
Janeiro e os dados sistematizados pelo Comitê Popular da Copa e das Olimpíadas do Rio de Janeiro
sobre as remoções no Morro da Providência e nas ocupações de prédios na área portuária carioca.
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planejamentos alternativos no Brasil e no Sul Global e, possivelmente, insumos e incentivos
para lutas urbanas por igualdade, democracia e justiça social.
A luta da Vila Autódromo, ao mesmo tempo em que se constituiu como uma luta da
cidade, contra as remoções, teve como base a organização dos moradores na defesa de sua
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moradia, seu bairro e seu modo de vida. Os moradores afirmavam com orgulho que a Vila era
uma comunidade “pacífica e ordeira”, um lugar privilegiado para se viver. A Vila Autódromo
denunciava um projeto de cidade perverso, onde não havia lugar para os pobres, a ausência
de justificativa real para a remoção e reivindicava um tratamento democrático: o direito à
informação e a participar da definição do projeto para o seu bairro. Através do Comitê Popular,
lideranças da Vila propuseram a elaboração de um projeto alternativo ao projeto da prefeitura,
prevendo a construção das instalações olímpicas com a permanência da comunidade e, para
isso, contou com a assessoria técnica de duas universidades públicas: o
NEPLAC/ETTERN/IPPUR/UFRJ e o NEPHU/UFF5 (Vainer et al, 2013).
O Plano Popular da Vila Autódromo foi elaborado pelos moradores com sua
assessoria técnica e se tornou um instrumento de mobilização interna dos moradores, de
defesa de seu modo de vida, de base para a defesa jurídica contra a remoção (assessorada
pelo NUTH), além de ter colaborado para que a Vila Autódromo se configurasse em um caso
emblemático na luta contra as remoções no contexto dos megaeventos esportivos. A partir do
Plano Popular, o Comitê Popular da Copa e Olimpíadas iniciou a campanha “Viva a Vila
Autódromo: Rio Sem Remoções”.
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equipamentos públicos, a ampliação da Associação de Moradores, o aproveitamento dos
espaços públicos, a criação de estratégias de comunicação interna e externa, entre muitas
outras propostas.
6 Ver, por exemplo, as matérias da década de 2010 nos jornais The Guardian, Le Monde Diplomatique,
New York Times, entre outros.
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Minha Vida, e iniciou-se o processo de demolição da Vila Autódromo, que seguiu pelos anos
de 2015 e 2016 até as vésperas das Olimpíadas. Um coletivo organizado, apoiado por uma
rede de movimentos sociais, entidades e lideranças, resistia, mas a cada dia mais famílias
cediam e as demolições das casas reduziam a área da comunidade. Com o aumento da
tensão interna, mulheres da Vila Autódromo assumiram o protagonismo da resistência no
trabalho cotidiano de identificar e organizar as famílias que resistiam, construir diariamente
ações de resistência e visibilidade política e manter ativa uma rede de aliados (Oliveira et al,
2016; Tanaka, 2017).
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Imagem 3. Casas construídas pela prefeitura no local da Vila Autódromo, pouco antes de ser
entregue às famílias, e estacionamentos do Parque Olímpico ao fundo. Fonte: Luiz Claudio Silva, 2016.
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recursos privados na ausência de recursos públicos. Junto com as novas PPPs vieram novas
ameaças de remoção e novas frentes de resistência. As lideranças da Vila Autódromo
passaram a ser procuradas para relatar a experiência e para apoiar ações contra a remoção
em outras comunidades. Novas relações entre as lideranças populares foram se
conformando.
Uma das iniciativas que nasceu nessa nova dinâmica foi a constituição da
Articulação Plano Popular das Vargens, relatada a seguir.
A Articulação Plano Popular das Vargens (APP) foi constituída por moradores e
lideranças da grande região das Vargens7, que abrange 50 km2 de área dos bairros de
Vargem Grande, Vargem Pequena, Recreio dos Bandeirantes, Camorim e Barra da Tijuca,
zona oeste do Rio de Janeiro. A APP reagia às ameaças geradas pela nova legislação
urbanística apresentada pela prefeitura para a região: a Operação Urbana Consorciada (OUC)
e o Plano de Estruturação Urbana (PEU) das Vargens (Projeto de Lei Complementar n.
140/2015). De fato, a prefeitura já vinha modificando a legislação incidente sobre esse
território, atendendo interesses fundiários e imobiliários, principalmente através do aumento
7 A denominação de “Vargens” é uma formulação da Prefeitura do Rio de Janeiro que buscava assim
caracterizar uma relativa homogeneidade da região como área de expansão, o que supostamente
justificaria um tratamento específico na legislação urbanística de um conjunto de bairros e localidades.
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do potencial construtivo e do gabarito permitidos, e alterando de forma expressiva diversas
localidades, com impactos ambientais permanentes.
8 Inicialmente eram 30 áreas, mas a Vila Autódromo foi retirada do projeto de lei original e foi objeto de
legislação específica, que modificava o uso e ocupação da área à época destinada às instalações para
os Jogos Panamericanos.
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(defesa do morar e plantar); (2) riscos para a população da privatização do território através de
parcerias público-privadas; (3) ameaça aos campos molhados e várzeas que constituem
grande parte do território; (4) ameaça à conservação ambiental de encostas e montanhas; (5)
proposição de uma ocupação intensiva do território incompatível com a infraestrutura,
principalmente de água e de mobilidade urbana.
O processo de elaboração do Plano Popular das Vargens foi construído pela APP
com a assessoria técnica do NEPLAC, e previa uma metodologia que envolvesse essa rede
de entidades e lideranças e garantisse o protagonismo popular, principalmente da juventude e
das mulheres. Por outro lado, a APP enfrentava um histórico de repressão e ameaças,
principalmente por grupos paramilitares que dominam boa parte do território da zona oeste. A
elaboração de um plano popular foi proposta para mobilização e unificação de pautas
diversas, como forma de se defender das ameaças motivadas pelos interesses de grandes
proprietários, incorporadoras imobiliárias e empreiteiras associadas ao poder público. Como
no caso da Vila Autódromo, o coletivo popular pretendia mostrar que havia outra possibilidade
concreta de futuro para a região, que respeitasse sua população e os modos de vida locais.
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Imagem 4. Aula do Curso de planejadores Populares nas Vargens. Fonte: Acervo
NEPLAC/ETTERN/IPPUR/UFRJ
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Desdobramentos analíticos
Os casos aqui estudados, nesse sentido, parecem bastante ilustrativos. Neles podem
ser percebidos, na dinâmica de construção coletiva, diversos esforços centrados na
“dessingularização” de suas causas, processo que envolveu um recurso que Boltanski (2000)
denominou de “ascensão à generalidade”, pois enquanto determinados atores vão buscar
“esvaziar” os casos – tal como a prefeitura da cidade -, buscando minimizá-los e
particularizá-los, as articulações populares buscarão revelar suas “faces ocultas” e mostrar
que, na realidade, aqueles casos concernem a todos, visando torná-los, assim, “causas
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coletivas”. Os instrumentos capazes de dinamizar a comunicação entre as pessoas e produzir
novas formas de ação, amplamente observados nas mobilizações estudadas, por sua vez,
Ademais, os autores deste trabalho, através da breve exposição que aqui se coloca – e
que, obviamente, está longe de esgotar os muitos aspectos relacionados à temática em
questão – buscam se somar aos esforços que têm como objetivo estimular um amplo conjunto
de reflexões acerca das formas contemporâneas assumidas pelas lutas sociais urbanas e,
assim, apreender as operações de construção de coletivos examinando a formação das
causas coletivas, ou seja, a dinâmica da ação política (Boltanski, 2000). Ora, como lembra
Cefaï (2009) ao valorizar a perspectiva pragmática dos regimes de ação, a ação coletiva está
no agir, mas também no sofrer e no compartilhar, algo que, assim como a ele, tem nos
estimulado a observar as distintas lógicas de racionalidade e de legitimidade que se imbricam
nos cursos de ação, tal como a desenvolver esforços abrangentes de descrição e análise dos
variados casos estudados no âmbito do NEPLAC.
Referências Bibliográficas
GOHN, Maria da Glória. Teoria dos movimentos sociais. São Paulo: Loyola, 1997.
________. Brasil, Cidades: Alternativas para a Crise Urbana. Petrópolis: Vozes, 2001.
TANAKA, Giselle. “Planejar para Lutar e Lutar para Planejar”: Possibilidades e Limites
dos planejamentos alternativos. Tese de Doutorado. Rio de Janeiro: Instituto de Pesquisa e
Planejamento Urbano e Regional da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro,
2017
VAINER, Carlos. Quando a cidade vai às ruas. In: MARICATO, Ermínia et. al. Cidades
Rebeldes: Passe livre e as Manifestações que Tomaram as Ruas do Brasil. São Paulo:
Boitempo: Carta Maior, 2013.
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