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Tratado Brasileiro

de
Reumatologia
Reumatologia Outros Livros de Interesse

A Neurologia que Todo Médico Deve Saber 2a ed. – Nitrini Guia de Consultório - Atendimento e Administração –
A Questão Ética e a Saúde Humana – Segre Carvalho Argolo
A Saúde Brasileira Pode Dar Certo – Lottenberg Medicina: Olhando para o Futuro – Protásio Lemos da Luz
Artigo Científico - do Desafio à Conquista - Enfoque em Medicina, Saúde e Sociedade – Jatene
Testes e Outros Trabalhos Acadêmicos – Victoria Secaf Nem só de Ciência se Faz a Cura 2a ed. – Protásio da Luz
Artose do Joelho - Gênese e Soluções – José Ricardo O Coração Sente, o Corpo Dói - Como Reconhecer, Tratar
Pécora, Arnaldo José Hernandes e Gilberto Luis Camanho e Prevenir a Fibromialgia – Evelyn Goldenberg
As Lembranças que não se Apagam – Wilson Luiz Sanvito O que Você Precisa Saber sobre o Sistema Único de Saúde –
Células-tronco – Zago APM-SUS
Coluna: Ponto e Vírgula 7a ed. – Goldenberg Osteoporose Masculina – Evelin Goldenberg
Como Ter Sucesso na Profissão Médica - Manual de Promoção de Saúde na Terceira Idade – Goldenberg
Sobrevivência 4a ed. – Mario Emmanual Novais Reumatologia Pediátrica – SPSP
Dicionário de Ciências Biológicas e Biomédicas – Vilela Reumatologia – Editor: Samuel Shinjo - Série Medicina Net
Ferraz Terapias Avançadas - Células-tronco – Morales
Dicionário Médico Ilustrado Inglês-Português – Alves Um Guia para o Leitor de Artigos Científicos na Área da
Epidemiologia – Medronho Saúde – Marcopito Santos
Gestão Estratégica de Clínicas e Hospitais – Adriana Maria
André
Tratado Brasileiro
de
Reumatologia
Editores
Hamid Alexandre Cecin
Antônio Carlos Ximenes

Editores associados
Adil Muhib Samara
João Carlos Tavares Brenol
Mittermayer Barreto Santiago
Wiliam Habib Chahade
EDITORA ATHENEU
São Paulo —  Rua Jesuíno Pascoal, 30
Tel.: (11) 2858-8750
Fax: (11) 2858-8766
E-mail: atheneu@atheneu.com.br

Rio de Janeiro —  Rua Bambina, 74


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Belo Horizonte — Rua Domingos Vieira, 319 — conj. 1.104

PRODUÇÃO EDITORIAL/CAPA: Equipe Atheneu


PROJETO GRÁFICO/DIAGRAMAÇÃO: Triall Composição Editorial Ltda.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)


(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

Tratado brasileiro de reumatologia / editores Hamid Alexandre Cecin, Antônio Carlos Ximenes --
   São Paulo : Editora Atheneu, 2015.

  Bibliografia
  ISBN: 978-85-388-0565-6

   1. Doenças reumáticas - Diagnóstico 2. Doenças reumáticas - Tratamento 3. Reumatologia -- Brasil


I. Cecin, Hamid Alexandre. II. Ximens, Antonio Carlos.

14-09790 CDD-616.723
NLM-WE 544

Índice para catálogo sistemático:


1. Reumatologia : Medicina 616723

CECIN, H. A.; XIMENES, A. C.


Tratado Brasileiro de Reumatologia

© EDITORA ATHENEU
São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, 2015
Algumas imperfeições, erros e falhas certamente existirão.
As críticas serão bem-vindas. A propósito, quando do início deste projeto,
lembramos da advertência do filósofo chinês Sun-Tsu:
“Para escapar da crítica,
não diga nada,
não faça nada,
não seja nada!”

Hamid Alexandre Cecin


e Antônio Carlos Ximenes
Sobre os editores
HAMID ALEXANDRE CECIN
„„ Professor Titular Sênior e Coordenador do Serviço de Reumatologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM);
„„ Consultor ad hoc, na Área de Medicina do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Ministério da
Ciência e Tecnologia (1996-2000);
„„ Titular Member of Pan American League of Associations for Rheumatology (EUA);
„„ Prêmio Sociedade Brasileira de Reumatologia (Prêmio Torres Homem) 1994;
„„ Membro Titular Emérito da Academia Brasileira de Reumatologia.

ANTÔNIO CARLOS XIMENES


„„ Chefe do Departamento de Medicina Interna do Hospital Geral de Goiânia (HGG);
„„ Doutor em Reumatologia pela Universidade de São Paulo (USP);
„„ Coordenador da Pesquisa do Centro Internacional de Pesquisa (CIP);
„„ Master PANLAR;
„„ Presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia de 1996-1998;
„„ Presidente da Liga Panamericana Associações Reumatologia PANLAR 2010-2012.

vii
Sobre os colaboradores
ADIL MUHIB SAMARA
Ph.D. Master of American College of Rheumatology. Professor Emérito de Reumatologia da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp).

ADRIANO JANDER FERREIRA


Médico Assistente da Disciplina de Traumatologia e Ortopedia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Membro
Titular da Sociedade Brasileira de Ortopedia e Traumatologia (SBOT) e da Associação Brasileira de Oncologia Ortopédica (ABOO).

ALOYSIO JOÃO FELLET


Professor Titular de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF). Chefe do Serviço de
Reumatologia do Hospital Casa de Saúde – HTO – Hospitais Reunidos. Presidente da Academia Brasileira de Reumatologia (ABR)
1994/1996. Presidente Atual do Conselho Científico da ABR.

ANA BEATRIZ PEREIRA LIMA STRACIERI


Médica Assistente da Unidade de Transplante de Medula Óssea do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
da Universidade de São Paulo (HC-FMRP-USP).

ANAMARIA JONES
Fisioterapeuta, Doutora em Reabilitação pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp).

ANA PAULA ALEGRETTI


Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Medicina Ciências Médicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

ANA PAULA DEL RIO


Médica Assistente da Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp).

ANDERSON NAPP ROCHA


Especialista em Clínica Médica pelo Hospital Santa Marcelina - São Paulo. Especialista em Reumatologia pela Universidade Estadual
de Campinas (Unicamp). Título de Especialista pela Sociedade Brasileira de Reumatologia.

ANDREA B. VANNUCCI LOMONTE


Pesquisadora do Centro Paulista de Investigação Clínica (CEPIC). Médica Assistente do Serviço de Reumatologia do Hospital
Heliópolis. Médica Assistente do Núcleo de Reumatologia Avançada do Hospital Sírio-Libanês (NARe).

ANDREAS FUNKE
Especialista em Medicina Interna e Reumatologia pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Membro da Comissão de
Vasculopatias da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR).

ÂNGELA LUZIA BRANCO P. DUARTE


Doutora em Reumatologia. Professora Titular da Disciplina de Reumatologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

ix
ANTONIO VLADIR LAZZETTI
Professor Adjunto da Disciplina de Infectologia Pediátrica do Departamento de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo
(Unifesp). Mestre em Pediatria pela Unifesp.

ARLETE MARIA VALENTE COIMBRA


Doutora em Reumatologia pela Faculdade de Medicina da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Pós-doutorada pelo
Instituto de Geriatria e Gerontologia da Universidade da Pensilvânia-EUA. Professora do Programa de Pós-graduação em
Gerontologia da FCM/Unicamp. Médica do Programa de Saúde da Família e Comunidade da FCM/Unicamp.

BEN HUR BRAGA TALIBERTI


Professor Titular de Clínica Médica da Universidade Federal de Uberlândia. Doutor em Reumatologia pela Universidade de São
Paulo. Pós-doutorado na Rheumaforschungsinstitutes Aachen – Alemanha.

BORIS CRUZ
Reumatologista do Biocor Instituto.

CALIL KAIRALLA FARHAT (IN MEMORIAM)


Professor Titular de Pediatria da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Professor Titular de Moléstias Infecciosas da
Faculdade de Medicina de Marília (Famema). Membro Fundador da Sociedade Latino-Americana de Infectologia Pediátrica.
Membro da Academia Brasileira de Pediatria.

CAMILA GUIMARÃES
Membro da Sociedade Brasileira de Reumatologia.

CARLOS ALBERTO VON MÜHLEN


Médico Reumatologista e Patologista Clínico. Diretor Técnico do Centro de Diagnósticos Médicos em Porto Alegre (Metanalysis).

CARLOS EWERTON MAIA RODRIGUES


Professor da Universidade Federal do Ceará (UFC) e da Universidade de Fortaleza (Unifor). Doutor em Ciências Médicas da Disciplina
de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São de Paulo (FMUSP). Ex-residente do Serviço de Reumatologia do
Hospital Geral de Fortaleza (HGF).

CARLOS FERNANDO PEREIRA DA SILVA HERRERO


Médico Assistente do Departamento de Biomecânica, Reabilitação e Medicina do Aparelho Locomotor da Faculdade de Medicina
de Ribeirão Preto (FMRP).

CLAUDIA DINIZ LOPES MARQUES


Doutora em Saúde Pública. Professora Adjunta de Reumatologia da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE).

CLAUDIO ARNALDO LEN


Professor-associado do Setor de Reumatologia do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade
Federal de São Paulo – (EPM-Unifesp).

CRISTIANO A. F. ZERBINI
Diretor do Centro Paulista de Investigação Clínica (CEPIC). Coordenador do Núcleo de Reumatologia Avançada do Hospital Sírio-
Libanês (NARe). Médico Reumatologista do Hospital Heliópolis. Livre-docente em Clínica Médica pela Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto (FMRP).

CRISTINA HUEB BARATA DE OLIVEIRA


Professora Adjunta de Infectologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Doutora em Ciências pela Universidde
Federal de São Paulo (Unifesp).

x Tratado Brasileiro de Reumatologia


DANIEL BRITO DE ARAUJO
Professor Adjunto de Reumatologia do Departamento de Clínica Médica da Universidade Federal de Pelotas. Ex-preceptor do
Serviço de Reumatologia do Hospital do Servidor Público Estadual/Instituto de Assistência Médica ao Servidor Público Estadual
(HSPE/IAMPSE). Doutor em Ciências Médicas – Processos Imunes e Infecciosos da Universidade de São Paulo (USP). Titular da
Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR).

DANIEL FELDMAN POLLAK


Professor Adjunto. Doutor na Disciplina de Reumatologia pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo
(EPM-Unifesp).

DANIELA APARECIDA DE MORAES


Médica Assistente da Unidade de Transplante de Medula Óssea do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo (HC-FMRP-USP).

EDMAR ZANOTELI
Médico Neurologista do Departamento de Neurologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Médico
Assessor do Laboratório Fleury para o Setor de Biópsia Muscular.

ELEUSA FLEURY TAVEIRA


Especialista em Reumatologia. Mestre em Farmacologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Médica Reumatologista
do Hospital Geral de Goiânia. Professora Titular Aposentada em Farmacologia pelo Instituto de Ciências Biológicas da Universidade
Federal de Goiânia (UFG).

EMÍLIA INOUÊ SATO


Professora Titular de Reumatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp).

FÁBIA MARA GONÇALVES PRATES DE OLIVEIRA


Reumatologista. Chefe da Seção de Reumatologia do Hospital Geral de Goiânia (HGG).

FABIANO ELIAS PORTO


Membro Titular do Colégio Brasileiro de Radiologia (CBR). Radiologista do Hospital do Câncer de Barretos.

FÁBIO JENNINGS
Reumatologista. Doutor em Reumatologia pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp).

FERNANDO NEUBARTH
Especialista em Clínica Médica e Reumatologia – Porto Alegre – RS. Diretor de Ensino e Pesquisa do Hospital Psiquiátrico São
Pedro/Secretaria Estadual da Saúde – Porto Alegre – RS. Presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR) 2006-2008.
Secretário Geral da Liga Panamericana de Associações de Reumatologia (PANLAR), 2010-2012.

FIORELLA REHBEIN SANTOS


Médica Reumatologista.

FRANCISCO AIRES CORREA DE LIMA


Criador da Residência Médica de Reumatologia e Ex-chefe da Reumatologia do Hospital Universitário de Brasília (HUB) de 1972 até
2010, época da aposentadoria.

GUSTAVO GOMES RESENDE


Membro do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG).

HELIO MORAES-SOUZA
Professor Titular da Disciplina de Hematologia e Hemoterapia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) e Pesquisador
da Fundação Hemominas.

Sobre os colaboradores xi
HELTON L. A. DEFINO
Professor Titular do Departamento de Biomecânica, Reabilitação e Medicina do Aparelho Locomotor da Faculdade de Medicina de
Ribeirão Preto (FMRP).

IBSEN BELLINI COIMBRA


Professor Doutor de Reumatologia da Faculdade de Ciência Médicas da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).
Pós-doutorado pela Thoma Jefferson University, Filadélfia – EUA. Chefe do Departamento de Clínica Médica da Unicamp. Chefe do
Ambulatório de Osteoartrite do Hospital de Clínicas da Unicamp. Chefe do Laboratório de Biologia Molecular de Cartilagem, FCM-
Unicamp.

IURI USÊDA
Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública.

IVAN FIORE DE CARVALHO


Professor Titular Aposentado do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP). Diretor do
Departamento de Clínica Médica do Hospital das Clínicas da FMRP.

IZAIAS PEREIRA DA COSTA


Mestre e Doutor em Reumatologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Chefe do Serviço de
Reumatologia do Núcleo do Hospital Universitário da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (NHU/UFMS). Professor-
associado da Faculdade de Medicina da UFMS. Supervisor do Programa de Residência Médica do NHU/UFMS. Membro da Academia
Brasileira de Reumatologia.

JAMIL NATOUR
Professor Livre-docente de Reumatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp).

JAQUELINE BARROS LOPES


Doutora em Reumatologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Médica Assistente da Liga de
Osteoporose do Serviço de Reumatologia da FMUSP.

JOÃO CARLOS TAVARES BRENOL


Professor-associado do Departamento de Medicina Interna da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS).

JOÃO FRANCISCO MARQUES NETO


Professor Titular da Disciplina de Reumatologia do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Ciências Médicas da
Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Coordenador do Projeto Educação Continuada em Doenças Osteoarticulares e
Osteometabólicas (Educost).

JOSÉ ALEXANDRE MENDONÇA


Professor Doutor de Clínica Médica e Reumatologia da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC-Campinas).

JOSÉ GILBERTO VIEIRA


Professor Afiliado da Disciplina de Endocrinologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-
Unifesp). Médico Assessor do Grupo Fleury.

JOSÉ GOLDENBERG
Professor Livre-docente de Reumatologia pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp).
Médico do Hospital Israelita Albert Einstein.

xii Tratado Brasileiro de Reumatologia


JOSÉ KNOPLICH
Doutor pela Universidade de São Paulo (USP). Diretor Científico e Editor da Revista Indexada São Paulo Medical Journal da
Associação Paulista de Medicina. Introdutor da Escola de Postura (Back School) no Brasil em 1978. Editado em Livro e em DVD,
“Viva bem com a coluna que você tem” em 2009, na 31ª edição. Autor do Primeiro Tratado em Português sobre “Enfermidades da
Coluna Vertebral”, baseado em evidências (4ª edição em 2010) e “Coluna Vertebral da Criança e do Adolescente” Publicou para
o público leigo “Endireite as costas”, “Fibromialgia – Dor e Fadiga”, “Osteoporose o Que Contém Saber”, “Reumatismo como Dói”.

JOZELIA REGO
Doutora em Ciências da Saúde pela Universidade Federal de Goiás (UFG). Professora Adjunta de Reumatologia da Faculdade de
Medicina da Universidade Federal de Goiás (FMUFG).

JULIANA MORAES SINOHARA SOUZA


Mestre em Infectologia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

JÚLIO CÉSAR VOLTARELLI (IN MEMORIAM)


Professor Titular da Divisão de Imunologia Clínica do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
da Universidade de São Paulo (FMRP-USP).

LEANDRO TAVARES FINOTTI


Professor Auxiliar de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (FAMED/UFMS).
Chefe do Ambulatório de Artrite Reumatoide do Hospital Universitário Maria Aparecida Pedrossian. Especialista em Reumatologia
pela Associação Médica Brasileira (AMB). Residência em Reumatologia pelo Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo
(HSPE/SP).

LEONARDO RODRIGUES DE OLIVEIRA


Médico Especialista em Hematologia e Hemoterapia do Serviço de Hematologia e Hemoterapia da Universidade Federal do
Triângulo Mineiro (UFTM). Médico Hematologista do Laboratório Sabin (Unidade Uberaba).

LÍLIAN TEREZA LAVRAS COSTALLAT


Professora Titular da Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas
(Unicamp).

LUCIA STELLA S. DE ASSIS


Professora Titular de Reumatologia da Universidade Santo Amaro (Unisa). Médica do Hospital Israelita Albert Einstein.

LUIS EDUARDO COELHO ANDRADE


Professor Adjunto da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Médico Reumatologista. Médico Assessor do Laboratório Fleury.

LUIS RONAN MARQUEZ FERREIRA SOUZA


Professor Adjunto, Doutor da Disciplina de Radiologia e Diagnóstico por Imagem da Universidade Federal do Triângulo Mineiro
(UFTM).

MARCELO DE MEDEIROS PINHEIRO


Assistente-doutor da Disciplina de Reumatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (EPM-
Unifesp). Coordenador do Ambulatório de Doenças Osteometabólicas e do Setor de Densitometria Óssea da Disciplina de
Reumatologia da EPM-Unifesp.

MARCELO PIMENTA
Médico Especialista do Hospital Geral de Goiânia. Mestre em Medicina Tropical do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública
da Universidade Federal de Goiás (UFG). Professor da Faculdade de Medicina UniEVEVANGELICA – Anápolis-GO.

MARCELO S. PACHECO
Reumatologista do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro (HSE-RJ). Professor da Universidade Severino Sombra (USS).

Sobre os colaboradores xiii


MARCO ANTONIO PARREIRAS CARVALHO
Professor-associado, Doutor da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

MARCO AURÉLIO SERTÓRIO GRECCO


Médico Assistente da Disciplina de Ortopedia e Traumatologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Mestre em
Ortopedia pela Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Responsável pelo Ambulatório de Membro Superior do Serviço de
Ortopedia e Traumatologia da UFTM.

MARIA AMAZILE FERREIRA TOSCANO


Especialista em Reumatologia. Secretária Geral da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR), 2006-2008. Representante na Liga
Panamericana de Associações de Reumatologia (PANLAR), 2010-2012.

MARIA ANGELA DO AMARAL GURGEL VIANNA


Médica Reumatologista. Médica Assessora do Laboratório Fleury para o setor de Biópsia Muscular.

MARIA CAROLINA DE OLIVEIRA


Professora Associada da Divisão de Imunologia Clínica do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão
Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP).

MARIA FÁTIMA BORGES


Doutora em edocrinologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Professora Associada de
Endocrinologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).

MARIA GUADALUPE B. PIPPA


Doutora em Reumatologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP). Médica Assistente do Serviço de
Reumatologia do Hospital Heliópolis. Professora Assistente da Escola de Medicina Anhembi Morumbi.

MARIA ODETE ESTEVES HILÁRIO


Professora Associada do Setor de Reumatologia do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade
Federal de São Paulo (EPM-Unifesp).

MARIA TERESA R. A. TERRERI


Professora Adjunta, Chefe do Setor de Reumatologia do Departamento de Pediatria da Escola Paulista de Medicina da Universidade
Federal de São Paulo (EPM-Unifesp).

MARISE LAZARETTI CASTRO


Livre-docente, Chefe do Setor de Doenças Osteometabólicas da Disciplina de Endocrinologia da Escola Paulista de Medicina da
Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp).

MARLENE FREIRE
Professora Adjunta da Disciplina de Reumatologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).

MAURO KEISERMAN
Chefe do Serviço de Reumatologia do Hospital São Lucas da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS). Chefe
da Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Medicina da PUCRS.

MITTERMAYER B. SANTIAGO
Serviços Especializados em Reumatologia (SER) da Bahia e Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública (BAHIANA).

NILTON SALLES ROSA NETO


Especialista em Clínica Médica e Reumatologia pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo
(HC-FMUSP).

xiv Tratado Brasileiro de Reumatologia


NILZIO ANTONIO DA SILVA
Professor Emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Goiás (FMUFG). Doutor em Reumatologia pela Faculdade
de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Membro Honorário da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR).

ODIRLEI ANDRÉ MONTICIELO


Professor Adjunto do Departamento de Medicina Interna da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRS).

PATRICIA DREYER
Especialista em Endocrinologia/Metabologia. Pós-graduanda da Disciplina de Endocrinologia pela Escola Paulista de Medicina da
Universidade Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Médica Colaboradora do Grupo Fleury.

PATRICIA GNIESLAW DE OLIVEIRA


Doutora em Medicina, Ciências Médicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

PATRÍCIA MUSZKAT
Médica Endocrinologista, Pós-graduanda da Disciplina de Endocrinologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal
de São Paulo (Unifesp).

PAULO LOUZADA JUNIOR


Professor Associado do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto – USP (FMRP-USP). Presidente
da Sociedade Paulista de Reumatologia, biênio 2012-2013.

PERCIVAL DEGRAVA SAMPAIO BARROS


Assistente-doutor da Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Coordenador
do Registro Brasileiro de Espondiloartrites. Presidente da Comissão de Espondiloartrites da Sociedade Brasileira de Reumatologia
(SBR) (2006 – 2012). Membro Titular do Grupo ASAS (Assessment on SpondyloArthritis international Society).

POLLYANA CRISTINA BERNARDES VALIZE


Médica Hematologista e Hemoterapeuta do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).

PRISCILA LORA
Doutoranda do Programa de Pós-graduação em Medicina, Ciências Médicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

RAFAEL NAVARRETE FERNANDEZ


Professor-assistente de Reumatologia na Pontifícia Universidade Católica de Goiás (PUC-GO). Mestre em Doenças Infectoparasitárias.
Área de Atuação em Reumatologia pelo Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública da Universidade Federal de Goiás (IPTSP-
UFG).

RAIF ANTOUN JÚNIOR


Especialista em Clínica Médica pela Universidade Federal de Uberlândia (UFU). Médico Internista do Hospital das Clínicas da
Universidade Federal de Uberlândia (UFU).

REGINALDO BOTELHO TEODORO


Professor Assistente da Disciplina de Reumatologia da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM).

RENÊ DONIZETI RIBEIRO DE OLIVEIRA


Médico Assistente, Doutor da Disciplina de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto
(FMRP). Pós-doutorado da Universidade de Glasgow.

RICARDO DA CRUZ LAGE


Mestre em Medicina. Membro do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).

Sobre os colaboradores xv
RICARDO FULLER
Médico Assistente, Doutor do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São
Paulo (HC-FMUSP). Professor Colaborador Médico da Disciplina de Reumatologia da FMUSP.

RICARDO MACHADO XAVIER


Médico Reumatologista. Chefe do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas de Porto Alegre e Professor do Departamento
de Medicina Interna da Faculdade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

RINA DALVA NEUBARTH GIORGI


Mestre em Reumatologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Médica Chefe da Seção de Diagnóstico
e Terapêutica no Serviço de Reumatologia do Hospital do Servidor Público Estadual, Francisco Morato de Oliveira (HSPE-IAMSPE).

RITA FURTADO
Reumatologista e Fisiatra. Assistente Doutora da Disciplina de Reumatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade
Federal de São Paulo (EPM/Unifesp). Mestrado e Doutorado pela EPM-Unifesp.

ROBERTO EZEQUIEL HEYMANN


Mestre e Doutor em Reumatologia. Assistente Doutor da Disciplina de Reumatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade
Federal de São Paulo (EPM-Unifesp)

RODRIGO AIRES CORREA LIMA


Chefe do Serviço de Reumatologia do Hospital Universitário de Brasília (HUB). Preceptor de Residência Médica do Hospital de Base
de Brasília. Membro da Comissão de Artrite Reumatoide da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR).

ROGER A. LEVY
Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) e Federico Foundation, Liechtenstein.

ROSA MARIA RODRIGUES PEREIRA


Professora Associada Livre-docente da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Responsável pelo
Laboratório de Metabolismo Ósseo do Serviço de Reumatologia da FMUSP (LIM-17). Responsável pelo Ambulatório de Doenças
Osteometabólicas do Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas da FMUSP. Responsável pela Liga de Osteoporose do Serviço
de Reumatologia do Hospital das Clínicas da FMUSP.

ROSSANA RASSI ALVARENGA


Médica Patologista Clínica. Pós-graduanda na Disciplina de Reumatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal
de São Paulo (EPM-Unifesp).

RUBEM LEDERMAN (IN MEMORIAM)


Membro do Board da International National Osteoporosis Foundation. Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Osteoporose (SBO).
Ex-Presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR).

RUBENS BONFIGLIOLI
Professor Doutor em Clínica Médica pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp). Professor da Disciplina de Reumatologia
da Faculdade de Medicina da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (Puccamp). Membro da Comissão de Espondiloartrites
da Sociedade Brasileira de Reumatologia e Membro do Group for Research and Assessment of Psoriasis and Psoriatic Arthritis
(GRAPPA).

SEBASTIÃO CEZAR RADOMINSKI


Professor Adjunto e Chefe da Especialidade de Reumatologia da Universidade Federal do Paraná (UFPR). Ex-Presidente da Sociedade
Brasileira de Reumatologia (SBR), 2000-2002. Pesquisador do Centro de Estudos em Terapias Inovadoras (CETI).

SERGIO RAGI EIS (IN MEMORIAM)


Diretor e Pesquisador Responsável do Centro de Diagnóstico e Pesquisa da Osteoporose do Espírito Santo (CEDOES). Diretor da
International Society for Clinical Densitometry (ISCD). Médico Ortopedista.

xvi Tratado Brasileiro de Reumatologia


SERGIO SETSUO MAEDA
Mestre em Endocrinologia. Professor da Disciplina Bioquímica da Faculdade de Medicina da Santa Casa de Misericórdia de São
Paulo (FCMSCSP).

SÍLVIO FIGUEIRA ANTÔNIO


Médico Assistente Responsável pelo Ambulatório de Algias Vertebrais do Serviço de Reumatologia do Hospital do Servidor Público
Estadual de São Paulo (HSPE) Francisco Morato de Oliveira. Presidente da Comissão de Coluna Vertebral da Sociedade Brasileira de
Reumatologia, Biênio 2007–2008 e 2009-2010.

SIMONE APPENZELLER
Professora Doutora da Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Ciências Médicas Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

SÔNIA MARIA ALVARENGA ANTI


Médica Reumatologista, Preceptora do Serviço de Reumatologia do Hospital do Servidor Público Estadual de São Paulo (HSPE-SP).
Professora de Reumatologia da Faculdade de Medicina ABC (FMABC).

STEPHÂNIA FLEURY TAVEIRA


Farmacêutica. Mestre em Ciências Farmacêuticas pela Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCRRP-USP).
Doutora em Ciências pela FCFRP-USP. Professora Adjunta de Tecnologia Farmacêutica da Faculdade de Farmácia da Universidade
Federal de Goiânia (UFG).

VALDERÍLIO FEIJÓ AZEVEDO


Médico, Especialista em Reumatologia. Mestre em Medicina pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Doutor em Ciências
da Saúde pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). Professor de Reumatologia da UFPR. Coordenador do
Serviço de Espondilartrites do Hospital das Clínicas da Universidade Federal do Paraná (HC-UFPR). Integrante da Comissão de
Espondiloartrites da Sociedade Brasileira de Reumatologia de Curitiba. Coordenador do Fórum Latino Americano de Biossimilares.

VERA LÚCIA SZEJNFELD


Professora Doutora Adjunta da Disciplina de Reumatologia da Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo
(EPM-Unifesp). Coordenadora do Setor de Doenças Osteometabólicas da Disciplina de Reumatologia da Escola Paulista de Medicina
da Universidade Federal de São Paulo (EPM-Unifesp).

VINICIUS DOMINGUES
New York Presbyterian Hospital-Weill Cornell Medical College.

WALBER PINTO VIEIRA


Chefe do Serviço de Reumatologia do Hospital Geral de Fortaleza (HGF). Professor Colaborador da Faculdade de Medicina da
Universidade Estadual do Ceará (UECE).

WILIAM HABIB CHAHADE


Diretor Técnico do Serviço de Reumatologia do Hospital do Servidor Público Estadual, Francisco Morato de Oliveira (HSPE-FMO-
IAMSPE). Mestre e Doutor em Reumatologia pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP). Maestro em
Reumatologia pela PANLAR desde 2012

Sobre os colaboradores xvii


Dedicatórias

À Nilma, minha mulher, uma inédita síntese das principais


virtudes: bondade, humildade e retidão de caráter.
Aos meus familiares, mestres e ex-alunos de todos os tempos.
Hamid Alexandre Cecin

Dedico esta obra, considerada um tratado, à minha família, e, em especial, à


minha esposa, Rucélia, que me proporcionou todas as condições para sua realização.
Antônio Carlos Ximenes

xix
Agradecimentos

Aos prezados colegas, Prof. Dr. Antônio Carlos Menezes,


Profa. Dra. Helenice Gobbi, Profa. Sálua Cecilio, Prof. Dr. Luiz Ronan
Marquez, Prof. Dr. Luis Andrade Coelho, Dr. Carlos Eduardo de Souza,
Dr. Giovanni Bessa Pereira Lima,

Dr. Giovanni Bessa Pereira Lima, Dr. Mauro José Costa Brandão,
Sra. Maria Izabel Araújo e Silva Cecílio, Soraya Cecin Bichara, Sérgio
de Souza, Márcia Palhares e Edmundo Gomide por terem contribuído
e valorizado sobremaneira este tratado, com os agradecimentos dos
editores Hamid Alexandre Cecin e Antônio Carlos Ximenes.

xxi
Prefácio

Não há arauto mais perfeito da alegria do que o silêncio.


Eu sentir-me-ia muito pouco feliz se me fosse possível dizer a que ponto o sou.
William Shakespeare (1564-1616)

Se a rosa tivesse outro nome, ainda assim teria o mesmo perfume.


Do mesmo brilhante autor.

Da solene saudação ao exercício de poda das roseiras.


Saudar a publicação de um novo livro tem um quê de reinauguração do mundo. Acolho como honraria o convite, mesmo sa-
bendo que talvez o silêncio fosse mais conveniente, permitindo ao leitor ir direto ao que é importante, o conteúdo. Mas tudo tem o
seu propósito e a liturgia é afinal o que dá sentido e valor ao ofício, à celebração. Ao arauto cabe a tarefa de anunciar, de descrever
as virtudes, de apresentar armas, escudos e brasões, de apregoar com solenidade importantes comunicados e até mesmo declarar
guerras, no caso aqui, a longa e permanente contra o desconhecimento. A origem da palavra arauto é a mesma do termo heráldica
que é a arte da criação e identificação de brasões.
O Tratado Brasileiro de Reumatologia de Hamid Alexandre Cecin & Antônio Carlos Ximenes é a representação de uma espe-
cialidade médica num país onde essa, por sua relevância na assistência, no ensino, na pesquisa, mais notável se torna devido ao
inegável desenvolvimento acadêmico e científico. Por outro lado, a prevalência das doenças reumáticas, suas características de
impacto social e econômico a destacam entre outras áreas da saúde. A conquista de novas tecnologias, tanto no diagnóstico quanto
na terapêutica, se por um lado animam e enchem de esperança, preocupam, pelos custos, na busca de acesso mais universal e hu-
manamente democrático.
O desenvolvimento da reumatologia remonta aos primórdios da história médica em nosso país. Iniciou com Torres Homem
e suas Lições de Clínica Médica, consolida-se a partir da criação da Sociedade Brasileira de Reumatologia – SBR, no ano de 1949.
A participação societária atuante e abnegada apresenta frutos em diferentes papéis que assume, na representação em outras enti-
dades e na postura de diálogo e cooperação com gestores. Destaque-se também o compromisso de abrir caminhos para que a infor-
mação correta, segura, através de inserções em veículos de comunicação e redes sociais, possibilite, sempre e mais, ao portador de
doenças reumáticas e à população em geral, o conhecimento em saúde de que tanto necessita. Também se pode falar de um reco-
nhecimento internacional, através da produção científica, da presença crescente em eventos, publicação de artigos e participação
em estudos epidemiológicos compartilhados, além de exemplos de liderança na história da Liga Panamericana de Associações de
Reumatologia (PANLAR). O Congresso Brasileiro de Reumatologia, realizado em Porto Alegre, em 2010, tornou-se um marco pela
representatividade internacional, em número de participantes e pelo fato de ser considerado o terceiro maior do mundo, supera-
do apenas pelos congressos Europeu e Americano. E o segundo maior organizado por uma única associação, a SBR, ficando atrás
apenas do Colégio Americano.
Mas é sempre necessário ir além e nesse rumo, apesar da rapidez com que novos conceitos disseminam-se pelos recursos da
informática, um livro-texto mantém sua importância pela possibilidade de análise e síntese que servem de guia para a formação e
boa conduta de estudantes, residentes, jovens médicos e mesmo para aqueles mais experientes, mas que não podem prescindir de
constante e continuada atualização.
Alguém menos avisado, ainda não familiar à abrangência da reumatologia, poderá se surpreender já na simples visualização
do sumário, uma especialidade eminentemente clínica, que permite e exige o olhar arguto, o horizonte amplo, o exercício pleno da
atenção e do raciocínio investigativo. Uma coisa talvez explique outra e um recente estudo baseado em pesquisa realizada com cole-
gas americanos, e que serviu de mote para matéria do Boletim da SBR, centrou-se na pergunta: “How happy are physicians with their
lives outside of work?” A Medscape lançou a questão, com detalhamentos que buscavam crenças políticas, espirituais, condições de
vida e cuidados com a própria saúde, hábitos para o lazer, férias, trato com as finanças e até que tipo de automóvel o profissional
compraria; as relações afetivas, se casado ou não, e a qualidade desses relacionamentos. Dos quase 30 mil médicos que responde-

xxiii
ram, num universo em torno de 300 mil que receberam o questionário, dentre 25 especialidades, os campeões em felicidade foram
os reumatologistas. Se a explicação deve ser individual, talvez haja algumas sugestões para o coletivo. Lidamos com pacientes que,
em sua maioria, apresentam condições crônicas, sofrem dores não raro quase constantes, requerem cuidados, melhores condições
para conforto do corpo e da alma. E necessitam de quem os ouça, com dedicado interesse. Muitas dessas condições são diagnosti-
cadas somente com o olhar de quem conhece o todo, que bem maneja o foco que busca sinais e sintomas em diferentes, variados,
órgãos e sistemas. É possível dizer-se que escolhemos a especialidade, em parte sim, mas por outro lado é pertinente pensar que a
especialidade também nos escolhe. Vem daí a vocação, o chamado e a realização. E, nesse caminho, moldamos nosso jeito que vai
além da profissão e deve se refletir nas outras esferas.
Servir de guia para esses futuros e atuais especialistas no bom cuidado aos pacientes reumáticos é a motivação maior desse
livro. Mas é também o produto de um sonho conjunto de dois colegas e amigos. Ambos envolvidos com as doenças reumáticas, e
permito-me o trocadilho, de forma visceral. Nomes que certamente dispensariam qualquer apresentação, mas ao prefaciador se dá
esse direito, que entendo até como obrigação, pelo merecido reconhecimento que a eles se deve. Excelentes professores, didáticos,
preocupados com a difusão do saber e que, por consequência natural de suas competências, tem levado o bom nome da reumato-
logia brasileira para além fronteiras, fazendo história e tornando-se parte dela. Antônio Carlos Ximenes, artífice da vivência socie-
tária, ex-presidente da SBR e da PANLAR, personifica como ninguém o entusiasmo e a realização de um reumatologista satisfeito
com o seu papel, sem desprezar jamais, no entanto, a oportunidade de questionamentos, de indagações, em qualquer palestra ou
conferência que assista, sempre nas primeiras filas.
Hamid Alexandre Cecin, mais reservado, é, antes de tudo, um pensador. Legítimo herdeiro da tradição hipocrática, que faz pro-
duzir conhecimento, na observação, na comprovação pela experiência e na capacidade do pensamento lógico. Entre tantos outros
legados, por mérito tem seu nome associado a um novo sinal da propedêutica, sinal de Cecin, que para além do achado e longe de
qualquer vaidade, avoluma-se em significado por ser alternativa a tecnologia cara e, para muitos, inacessível. Um teste simples que
alcança o sublime pela ubíqua reprodutibilidade, isenta de custos e tributos. De uma forma ou de outra, profissionais que, por sua
atuação, fazem diferença e alcançam com seu trabalho benefícios imensuráveis no desenvolvimento da arte médica.
Se o livro que aqui se apresenta é uma espécie de brasão de armas da especialidade no Brasil, pela qualidade dos autores de
seus capítulos e temas, é também a representação de toda uma legião de colegas especialistas ativos e atuantes em todos os setores,
ambulatórios de saúde pública, consultórios, clínicas privadas, escolas médicas, centros de pesquisa e áreas de gestão. Entendo
que o livro, portanto, é também desses tantos outros não autores, não menos qualificados. Afinal, como já dito numa das epígrafes
escolhidas para este prefácio, se a rosa tivesse outro nome ainda assim teria o mesmo perfume.
O prefácio, assim como o livro, tem a pretensão da permanência, mas devo, no entanto, por paradoxal que pareça, alertar para
a humildade que sabe a experiência. Em Medicina, a verdade de hoje pode ser a falácia de amanhã. O conhecimento aperfeiçoa-se,
continuamente. Dato-o, portanto, sem receio, é o melhor retrato desse tempo em que vivemos.
Talvez tenha sido o acaso que me faz escrever esta apresentação num sábado luminoso, início de inverno no hemisfério sul,
véspera de São João, após dedicar-me à tradição da poda anual das roseiras, bucólico exercício de estranhamento no cotidiano
da cidade. Um livro de medicina deve ser tratado da mesma forma, o saber também precisa de uma limpeza periódica, uma poda
benfeita, crítica aliada a critério, retirando imperfeições, desgastes, influências, para permanecer nele o viço e a verdade. Parabéns
aos Editores, publicado está, belo trabalho. Aos leitores cabe desfrutar a beleza, o perfume, a variedade de tons e matizes dessa
especialidade vibrante. E cuidem bem dessa verdade, aprendendo a tratá-la, a renová-la, pois, felizmente, é ávida a brotação de vida
que nela se impõe, com constância, e generosa vontade.

Fernando Neubarth
Porto Alegre-RS

xxiv Tratado Brasileiro de Reumatologia


Sumário

Introdução 1 A Medicina e a Reumatologia em Todos os Tempos................................................................. xxxiii


Hamid Alexandre Cecin

Introdução 2 A História da PANLAR e a Reumatologia Latino-americana......................................................... xli


Fernando Neubarth  Maria Amazile Ferreira Toscano

„„ SEÇÃO 1 AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA 1

Capítulo 1 Bases Científicas da Reumatologia I: A Membrana Sinovial e a Cartilagem Articular.......................3


Ricardo Machado Xavier  Patricia Gnieslaw de Oliveira  Priscila Lora  Ana Paula Alegretti

Capítulo 2 As Bases Científicas da Reumatologia II: Inflamação, Degeneração e Reparação Tecidual


nas Doenças Reumáticas...........................................................................................................21
Nilton Salles Rosa Neto  Ricardo Fuller

Capítulo 3 Mecanismos Imunopatogênicos nas Doenças Reumáticas Autoimunes...........................................37


Paulo Louzada Junior  Renê Donizeti Ribeiro de Oliveira  Ivan Fiore de Carvalho

Capítulo 4 Os Mecanismos da Dor nas Doenças Reumáticas........................................................................65


Roberto Ezequiel Heymann

„„ SEÇÃO 2 FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO 77

Capítulo 5 A Relação Médico-paciente.......................................................................................................79


Fernando Neubarth

Capítulo 6 Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas..........................83


Hamid Alexandre Cecin

Capítulo 6.1 Exame Físico, Imagens e Algumas Doenças Reumáticas.............................................................135


Hamid Alexandre Cecin

Capítulo 7 A Anamnese e Exame Físico Devem Preceder as Imagens no Diagnóstico dos Tumores do
Sistema Músculoesquelético ....................................................................................................155
Hamid Alexandre Cecin  Adriano Jander Ferreira

xxv
Capítulo 8 O Ultrassom na Reumatologia.................................................................................................169
José Alexandre Mendonça

Capítulo 9 Medicina Laboratorial: Autoanticorpos nas Doenças Difusas do Tecido Conectivo.......................181


Luis Eduardo Coelho Andrade  Carlos Alberto Von Mühlen  Fiorella Rehbein Santos
 Rossana Rassi Alvarenga

Capítulo 9.1 Os Fundamentos do Diagnóstico – Medicina Laboratorial. Os Autoanticorpos nas Doenças


Difusas do Tecido Conectivo....................................................................................................183
Luis Eduardo Coelho Andrade  Carlos Alberto Von Mühlen 
Fiorella Rehbein Santos  Rossana Rassi Alvarenga

Capítulo 9.2 Análise e Interpretação Clínica do FAN....................................................................................203


Jozelia Rego

„„ SEÇÃO 3 A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS


REUMÁTICAS 215

Capítulo 10 As Bases Farmacológicas de Medicamentos Utilizados em Reumatologia....................................217


Hamid Alexandre Cecin

Capítulo 10.1 História e Farmacologia dos Anti-inflamatórios não Hormonais.................................................219


Hamid Alexandre Cecin

Capítulo 10.2 História e Farmacologia dos Corticoesteroides..........................................................................229


Hamid Alexandre Cecin

Capítulo 11 Terapêutica: Anti-inflamatórios não Hormonais.........................................................................241


Andreas Funke  Sebastião Cezar Radominski

Capítulo 12 Terapêutica dos Corticosteroides .............................................................................................247


Eleusa Fleury Taveira  Stephânia Fleury Taveira

Capítulo 13 Antimicrobianos nas Doenças Reumáticas: Generalidades.........................................................259


Hamid Alexandre Cecin  Cristina Hueb Barata de Oliveira

Capítulo 14 Terapia Biológica....................................................................................................................265


Antônio Carlos Ximenes  Fábia Mara Gonçalves Prates de Oliveira

Capítulo 15 Biossimilares .........................................................................................................................273


Valderílio Feijó Azevedo

Capítulo 16 Perspectivas de Utilização de Células-tronco no Tratamento das Doenças Reumáticas .................279


Maria Carolina de Oliveira  Daniela Aparecida de Moraes 
Ana Beatriz Pereira Lima Stracieri  Júlio César Voltarelli (in memoriam)

Capítulo 17 Procedimentos Terapêuticos em Reumatologia...........................................................................291


Rita Furtado

Capítulo 18 Princípios Gerais de Reabilitação nas Doenças Reumáticas .......................................................305


Jamil Natour  Anamaria Jones  Fábio Jennings

xxvi Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ SEÇÃO 4 SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS 311

Capítulo 19 Síndromes Sensitivas Centrais..................................................................................................313


Hamid Alexandre Cecin

Capítulo 20 Fibromialgia..........................................................................................................................325
Daniel Feldman Pollak

Capítulo 21 Dor Difusa Regional: Quadril, Joelho, Tornozelo e Pé Doloroso..................................................329


Fábia Mara Gonçalves Prates de Oliveira  Antônio Carlos Ximenes

Capítulo 22 Dor Difusa e Regional: Ombro, Cotovelo e Punho ....................................................................355


Hamid Alexandre Cecin  Marco Aurélio Sertório Grecco

Capítulo 22.1 Ombro..................................................................................................................................357


Hamid Alexandre Cecin  Marco Aurélio Sertório Grecco

Capítulo 22.2 Cotovelo ...............................................................................................................................381


Hamid Alexandre Cecin  Marco Aurélio Sertório Grecco

Capítulo 22.3 Punho....................................................................................................................................387


Hamid Alexandre Cecin  Marco Aurélio Sertório Grecco

Capítulo 23 Síndrome da Dor Regional Complexa......................................................................................397


Hamid Alexandre Cecin

„„ SEÇÃO 5 DOENÇAS REUMÁTICAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO 403

Capítulo 24 Artrites Reativas.....................................................................................................................405


Mauro Kaiserman

Capítulo 25 Osteomielites Simulando Artrite Séptica na Infância .................................................................417


Calil Kairalla Farhat (in memoriam)  Antonio Vladir Lazzetti

Capítulo 26 Febre Reumática.....................................................................................................................421


Nilzio Antonio da Silva

Capítulo 27 Manifestações Reumáticas em Pacientes com HIV/Aids.............................................................425


Hamid Alexandre Cecin  Cristina Hueb Barata de Oliveira

Capítulo 28 Artrite Séptica .......................................................................................................................433


Rafael Navarrete Fernandes  Antônio Carlos Ximenes

Capítulo 29 Doença de Lyme e Sífilis Articular............................................................................................441


Izaias Pereira da Costa

„„ SEÇÃO 6 ESPONDILOARTRITES 453

Capítulo 30 Epidemiologia, Etiologia, Classificação e Diagnóstico das Espondiloartrites................................455


Antônio Carlos Ximenes  Marcelo Pimenta

Sumário xxvii
Capítulo 31 Espondiloartrites – Critérios de Classificação: Evidências e Experiência......................................463
Marco Antonio Parreiras Carvalho  Gustavo Gomes Resende  Ricardo da Cruz Lage

Capítulo 32 Espondiloartrites Indiferenciadas .............................................................................................479


Walber Pinto Vieira  Carlos Ewerton Maia Rodrigues

Capítulo 33 Enteroartrites .........................................................................................................................487


Valderílio Feijó Azevedo

Capítulo 34 Espondilite Anquilosante ........................................................................................................495


Percival Degrava Sampaio Barros

Capítulo 35 Artrite Psoriásica....................................................................................................................505


Rubens Bonfiglioli

„„ SEÇÃO 7 DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONJUNTIVO 517

Capítulo 36 Artrite Reumatoide – Classificação, Epidemiologia, Quadro Clínico e Manifestações Sistêmicas...519


Wiliam Habib Chahade  Daniel Brito de Araujo  Rina Dalva Neubarth Giorgi 
Sônia Maria Alvarenga Anti  Leandro Tavares Finotti

Capítulo 37 Lúpus Eritematoso Sistêmico 1: Classificação e Epidemiologia do Lúpus Eritematoso Sistêmico.....535


Odirlei André Monticielo  João Carlos Tavares Brenol

Capítulo 38 Lúpus Eritematoso Sistêmico 2.................................................................................................545


Emília Inouê Sato

Capítulo 39 Lúpus Eritematoso Sistêmico 3: Manifestações Neuropsiquiátricas..............................................555


Lílian Tereza Lavras Costallat  Simone Appenzeller

Capítulo 40 Síndrome de Sjögren..............................................................................................................563


Ben Hur Braga Taliberti  Raif Antoun Júnior

Capítulo 41 Síndrome do Anticorpo Antifosfolipídeo...................................................................................579


Vinicius Domingues  Marcelo S. Pacheco  Roger A. Levy

Capítulo 42 Esclerose Sistêmica.................................................................................................................589


João Francisco Marques Neto  Ana Paula Del Rio

Capítulo 43 Miopatias Inflamatórias: Generalidades...................................................................................607


Francisco Aires Correa de Lima  Rodrigo Aires Correa Lima

Capítulo 44 Imunopatogenêse e Anatomia Patológica das Miopatias Inflamatórias .......................................617


Maria Angela do Amaral Gurgel Vianna  Edmar Zanoteli

Capítulo 45 Miopatias Inflamatórias: Diagnóstico Clínico e Diferencial ........................................................623


Antônio Carlos Ximenes  Rafael Navarrete Fernandez

Capítulo 46 Miopatias Inflamatórias: Tratamento.........................................................................................629


José Goldenberg  Lucia Stella S. de Assis

xxviii Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ SEÇÃO 7.1 VASCULITES 631

Capítulo 47 Generalidades sobre Vasculites...............................................................................................633


Boris Cruz

Capítulo 48 Polimialgia Reumática, Arterite de Células Gigantes e Vasculites Leucocitoclásticas......................641


Boris Cruz

Capítulo 49 Arterite de Takayassu..............................................................................................................649


Reginaldo Botelho Teodoro  Marlene Freire

Capítulo 50 Síndrome de Churg-Strauss ....................................................................................................655


Boris Cruz

„„ SEÇÃO 8 OSTEOARTRITE (DOENÇA ARTICULAR DEGENERATIVA) 659

Capítulo 51 Etiopatogenia e Classificação da Osteoartrite e Condições Correlatas........................................661


Ibsen Belline Coimbra  Arlete Maria Valente Coimbra

Capítulo 52 Osteoartrite (Osteoartrose): Condições Correlatas, Diagnóstico e Tratamento..............................669


Ricardo Fuller  Nilton Salles Rosa Neto

„„ SEÇÃO 9 DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL 685

Capítulo 53 O Reumatologista e a Coluna Vertebral: Passado, Presente e Futuro...........................................687


Hamid Alexandre Cecin

Capítulo 54 Doenças da Coluna Lombar: História e Características Gerais ..................................................691


Hamid Alexandre Cecin

Capítulo 55 Biomecânica da Coluna Vertebral............................................................................................701


José Knoplich

Capítulo 56 Introdução, Etiopatogenia e Generalidades sobre Doenças da Coluna Lombar...........................715


Hamid Alexandre Cecin

Capítulo 57 Diagnóstico Clínico das Discopatias Degenerativas Crônicas, da Osteoartrite das Articulações
Zigoapofisárias e Outras Condições Patológicas Associadas ....................................................741
Hamid Alexandre Cecin

Capítulo 58 Estreitamento do Canal Raquidiano (Canal Estreito)..................................................................751


Hamid Alexandre Cecin

Capítulo 59 Hérnias Discais.......................................................................................................................759


Hamid Alexandre Cecin

Capítulo 60 Dor Neuropática da Coluna Vertebral......................................................................................787


Hamid Alexandre Cecin

Capítulo 61 Doenças Sistêmicas que Acometem a Coluna Vertebral.............................................................789


Hamid Alexandre Cecin

Sumário xxix
Capítulo 62 Tratamento Conservador das Doenças da Coluna Vertebral.......................................................797
Hamid Alexandre Cecin

Capítulo 63 Dorsalgias e Síndromes Dolorosas da Parede Torácica..............................................................807


Hamid Alexandre Cecin

Capítulo 64 Cervicalgias...........................................................................................................................823
Sílvio Figueira Antônio

Capítulo 65 Hiperostose Idiopática Esquelética Difusa (HIED) ou Dish (Doença de Forestier e Rotes-Querol)....841
Hamid Alexandre Cecin

Capítulo 66 Deformidades da Coluna Vertebral..........................................................................................845


Helton L. A. Defino  Carlos Fernando Pereira da Silva Herrero

„„ SEÇÃO 10 ARTROPATIAS MICROCRISTALINAS E DOENÇAS METABÓLICAS 859

Capítulo 67 Condrocalcinose.....................................................................................................................861
Anderson Napp Rocha  Adil Muhib Samara

Capítulo 68 Gota .....................................................................................................................................871


Aloysio João Fellet

Capítulo 69 Osteomalácia ........................................................................................................................887


Camila Guimarães  Antônio Carlos Ximenes  Rubem Lederman (in memoriam)

„„ SEÇÃO 11 REUMATOLOGIA PEDIÁTRICA 893

Capítulo 70 Esclerose Sistêmica na Infância................................................................................................895


Maria Odete Esteves Hilário  Maria Teresa R. A. Terreri  Claudio Arnaldo Len

Capítulo 71 Síndromes Autoinflamatórias na Infância.................................................................................903


Maria Teresa R. A. Terreri  Claudio Arnaldo Len  Maria Odete Esteves Hilário

„„ SEÇÃO 12 MANIFESTAÇÕES REUMÁTICAS DOS TUMORES DO SISTEMA


MUSCULOESQUELÉTICO 909

Capítulo 72 Síndromes Paraneoplásicas em Reumatologia...........................................................................911


Marcelo Pimenta  Antônio Carlos Ximenes

Capítulo 73 Tumores do Sistema Musculoesquelético...................................................................................915


Hamid Alexandre Cecin  Fabiano Elias Porto

„„ SEÇÃO 13 HOMEOSTASIA DO FERRO E MANIFESTAÇÕES REUMÁTICAS DAS


HEMOGLOBINOPATIAS 927

Capítulo 74 Homeostasia do Ferro nas Doenças Reumáticas - Generalidades...............................................929


Hamid Alexandre Cecin

xxx Tratado Brasileiro de Reumatologia


Capítulo 75 Manifestações Reumáticas das Hemoglobinopatias...................................................................931
Helio Moraes-Souza  Pollyana Cristina Bernardes Valize  Luis Ronan Marquez Ferreira Souza

„„ SEÇÃO 14 DOENÇAS SISTÊMICAS COM MANIFESTAÇÕES REUMÁTICAS 941

Capítulo 76 Sarcoidose.............................................................................................................................943
Ângela Luzia Branco P. Duarte  Claudia Diniz Lopes Marques

Capítulo 77 Gamopatias Monoclonais ......................................................................................................961


Hamid Alexandre Cecin  Leonardo Rodrigues de Oliveira

Capítulo 78 Doença de Paget ...................................................................................................................975


Hamid Alexandre Cecin

Capítulo 79 Febres Periódicas Hereditárias.................................................................................................983


Hamid Alexandre Cecin

Capítulo 80 Policondrite Recidivante..........................................................................................................985


Carlos Alberto Von Mühlen  Fiorella Rehbein Santos

Capítulo 81 Osteoartropatia Hipertrófica e Hipocratismo Digital (Baqueteamento e


Pseudobaqueteamento Digital) ................................................................................................989
Mittermayer B. Santiago  Iuri Usêda

„„ SEÇÃO 15 OSTEOPOROSE 997

Capítulo 82 Epidemiologia da Osteoporose no Brasil..................................................................................999


Marcelo de Medeiros Pinheiro  Vera Lúcia Szejnfeld

Capítulo 83 Classificação e Fisiopatologia da Osteoporose.......................................................................1009


Jaqueline Barros Lopes  Rosa Maria Rodrigues Pereira

Capítulo 84 Osteoimunologia .................................................................................................................1017


Juliana Moraes Sinohara Souza  Cristiano A. F. Zerbini

Capítulo 85 Osteoporose Masculina.........................................................................................................1021


Cristiano A. F. Zerbini  Maria Guadalupe B. Pippa

Capítulo 86 Osteoporose Secundária a Fármacos.....................................................................................1027


Sebastião Cezar Radominski  Cristiano A. F. Zerbini

Capítulo 87 Avaliação Laboratorial de Pacientes com Osteoporose ...........................................................1035


Patricia Dreyer  José Gilberto Vieira

Capítulo 88 O Uso Clínico da Densitometria ............................................................................................1039


Sergio Ragi Eis (in memoriam)  Cristiano A. F. Zerbini

Capítulo 89 Abordagem do Risco de Fratura............................................................................................1045


Cristiano A. F. Zerbini  Sergio Ragi Eis (in memoriam)

Sumário xxxi
Capítulo 90 Modelo FRAX Brasil..............................................................................................................1047
Cristiano A. F. Zerbini

Capítulo 91 Deficiência Adquirida de Vitamina D.....................................................................................1053


Patrícia Muszkat  Sergio Setsuo Maeda  Marise Lazaretti Castro

Capítulo 92 Prevenção e Tratamento da Osteoporose ...............................................................................1063


Cristiano A. F. Zerbini  Andrea B. Vannucci Lomonte

„„ SEÇÃO 16 MANIFESTAÇÕES REUMÁTICAS DAS ENDOCRINOPATIAS 1071

Capítulo 93 Manifestações Reumáticas e Musculoesqueléticas das Endocrinopatias ....................................1073


Hamid Alexandre Cecin  Maria Fátima Borges

Índice Remissivo....................................................................................................................................................

xxxii Tratado Brasileiro de Reumatologia


Introdução 1

A MEDICINA E A REUMATOLOGIA EM TODOS OS TEMPOS


Hamid Alexandre Cecin

Não saber o que aconteceu antes de nós


é continuar eternamente uma criança.
Cícero

Ao emitir esta sentença, tem muita razão o grande escritor e de que a tuberculose era causada por algum micróbio, fato este
jurisconsulto romano, pois o presente e o passado são insepará- confirmado por Koch no século XVIII, oitocentos anos depois.
veis. O progresso da ciência depende da interação do que já existe A história do “reumatismo”, denominação incorreta ainda
e daquilo que ainda não se conhece. A busca pelo desconhecido neste século XXI, é a história dos esforços do homem para ven-
foi o fundamento da pesquisa científica em todos os tempos. cer o longo processo de gestação do que hoje chamamos de
Não saber quem foram Hipócrates, Avicena, Pasteur (mes- reumatologia. O famigerado “reumatismo” de outrora é, muito
mo que não tenha sido médico), Vesalius, Harvey, Claude provavelmente, a mais velha doença do planeta, antecedendo
Bernard, Jenner, Osler, Flemming, Hench, Medauar, e muitos em milhões de anos o aparecimento do homem na Terra, como
outros do mesmo quilate, é o mesmo que nós, médicos, desco- demonstram os estudos paleopatológicos, ao revelarem a pre-
nhecermos a nossa própria identidade como cidadãos. sença de lesões vertebrais da espondilite anquilosante em es-
Alguns argumentam que os conceitos médicos se tornam queletos de dinossauros e de outros fósseis.
obsoletos a cada cinco anos. Daí pode-se fazer a seguinte ilação: A fascinante e intrincada especialidade, que não deixa in-
Simplesmente porque passado não tem nenhuma ou pouca re- dene nenhum sistema ou tecido do corpo humano, a reumato-
levância para o presente, porque daqui a cinco anos ele [o passa- logia, tem acompanhado o homem ao longo da sua evolução
do] cairá no esquecimento. Quando se deixa conhecer a história histórica. Os achados arqueológicos comprovam a existência
da medicina, não sabendo como foi a construção de seus alicer- de alterações osteoarticulares artrósicas e de espondilite an-
ces, dizendo que o passado não nos pertence, tal assertiva é a quilosante no esqueleto do Pithecanthropus erectus − ante-
negação da capacidade empreendedora do ser humano. cessor remoto do homo sapiens − além de outros “achados”
Os desafios atuais com que a medicina atual se defronta encontrados na África − o berço da espécie humana − de onde
são os mesmos da medicina de outras eras. o homem migrou mais para o norte alcançando o Egito, a
No campo da reumatologia, cite-se como exemplo o debate Mesopotâmia e, chegando para o leste em direção à China,
se a plasmaférese tem algum valor no tratamento das doenças a Índia. Daí, através do estreito de Behring, chegou à América
do conjuntivo. Seria o mesmo ou difere muito pouco daquele, pré-colombiana.
se antigamente, em tempos muito remotos, a sangria tivesse Desde esses tempos imemoriais, o homem sempre tem
algum valor. Outro exemplo categórico é sobre a etiologia da ar- procurado justificar a doença em função da luta que empreen-
trite reumatoide, cheia de especulações atuais de toda espécie. de contra ela [doença], para a sua sobrevivência, a saber:
Também, em tempos idos, não se sabia se as doenças infecciosas
eram causadas por micro-organismos vivos; propalava-se que O conceito primitivo da ação dos espíritos
as referidas doenças eram um castigo dos deuses. malignos e do castigo das divindades
Talvez, duas exceções devam ser feitas sobre esta penalida-
de divina: Hipócrates, pai da medicina, sabia que a gota (que Posteriormente, pela existência de substâncias
ele chamava de podagra) não acometia os eunucos, fazendo nocivas estranhas ao seu corpo.
uma ilação de que um fator hormonal estava presente na sua
gênese e que o primeiro ataque de gota se dava no início da Esta teoria foi aceita mais tarde pelo grande Aristóteles, o
puberdade − quando são maiores os níveis séricos de testoste- estagirita,* quatrocentos anos antes da era cristã, de que a na-
rona, como sabemos hoje. tureza não faz nada sem um fim (a saúde plena e a prevenção
Avicena, latinização de Ibn Sina (de onde surgiu o termo * Estagirita: Diz-se de ou habitante de Estagira, cidade da Macedônia
medicina), o Hipócrates árabe do século XII, aventou a hipótese onde Aristóteles nasceu.

xxxiii
para que ela não surja), e que a doença, portanto, estaria ligada
à própria natureza do homem.
O inventor da lógica e do silogismo científico, o estagiri-
ta, admitiu sonhar como pressentimentos (indício de que algo
está prestes a acontecer) do futuro − como era comum em seu
tempo. Entretanto, e apesar disso, ele foi um experimentalista,
adepto e defensor dos princípios baseados na experimentação,
e que uma hipótese consiste na observação e classificação de
um fenômeno em condições controladas. O raciocínio de Aris-
tóteles foi o método científico de Descartes, proposto quase
dois mil anos depois. Platão, seu mestre, pensava o contrário,
cujos ensinamentos eram mais místicos e metafísicos.
Hipócrates antes, e Galeno depois, sucessores do experi-
mentalismo de Aristóteles, foram as principais autoridades do
pensamento médico pagão, cristão e posteriormente do Islã.
Séculos mais tarde surgiram os conceitos químico-bio-
lógicos das doenças e, mais recentemente, “o mecanismo
antígeno-anticorpo, a teoria dos clones proibidos de Burnet e
Medauar, os gatilhos infecciosos em algumas doenças reumáti- Figura I.1 Hipócrates.
cas, o sistema HLA, os avanços da terapêutica com os corticos-
teroides e antibióticos, e que hoje conseguimos vencer grande
As primeiras descrições sobre o referido “reumatismo”
número de enfermidades, como a febre reumática e outras
− infelizmente essa conotação reducionista das doenças reu-
doenças. Em muitas outras, podemos até preveni-las ou mes-
máticas persiste até hoje −, foram sobre a “gota” que o sábio
mo erradicá-las, como aconteceu com a varíola, a poliomielite,
de Cós (uma ilha no mar Egeu) chamou de podagra (do grego
o sarampo, a difteria, a influenza e o tétano.
pódos = pé; e agra = ataque). Outro termo era “artrite”, para
designar qualquer outra doença que acometia as articulações.
„„ A MEDICINA NA CIVILIZAÇÃO EGÍPCIA
Mas não parou por aí o raciocínio e o olho clínico desse gênio
Retrocedendo, muitos séculos antes de Hipócrates, na ve- da medicina − pilares da medicina até hoje −, constatados em
lha civilização egípcia, as doenças reumáticas não passaram seus “aforismos e sentenças”. Para a época em que vivia, ele foi
despercebidas aos médicos dos faraós. No estudo das múmias, longe demais ao relatar que:
das pinturas e dos escritos existentes no papiro de Ebers fo-
ram constatados indícios da presença de espondilite anquilo- „„ Nos idosos poderia haver luxação da segunda vértebra cervical.
sante, espondiloartrose e gota.
„„ O frio é inimigo dos ossos, dos nervos e da medula espinhal
Em relação à terapêutica, embora prevalecessem aqueles
(provavelmente se referia às lombalgias mecânicas, aos lumbagos e
conceitos mágicos sobre as doenças, mesmo assim se encon-
torcicolos). Que neste caso o calor seria útil, com exceção daquelas em
trou, já naquela época, a prescrição de unguentos para dar que houvesse ou poderia haver hemorragias.
flexibilidade às articulações ou para atenuar a dor. Nesses tem-
pos imemoriais, não escapou à argúcia dos médicos de então, „„ As tumorações e as dores articulares em que não se notavam
o atual e conhecido efeito placebo (do latim, placere = agrada- ulcerações, assim como na podagra (gota), as crises se acalmam
rei), vigente até hoje. No papiro de Ebers, já citado, se afirmava e chegam a desaparecer com efusões abundantes de água fria. E
que “a magia está para a medicina, como a medicina está para justificava: O entorpecimento moderado acalma a dor.
a magia”. Essa é uma clara constatação do que se conhece hoje
„„ Os eunucos não padecem de gota, não têm ossos fracos e nem se
sobre a eficácia desse comprimido disfarçado de medicamento tornam calvos.
nos estudos controlados, randomizados e duplo-cegos, e isso é
tão verdadeiro que nos estudos controlados, randomizados e „„ As mulheres não sofrem de gota até que cesse o fluxo menstrual
duplo-cegos o placebo pode funcionar em até 60% dos casos. (menopausa).
O conceito de “reumatismo” e do seu tratamento tornar- „„ Os jovens não sofrem de gota antes de gozar dos prazeres sexuais.
-se-á mais científico na Grécia a partir de alguns séculos antes
de Cristo, durante os 300 a 400 anos, quando da expansão do „„ As dores articulares e os tumores, depois de febres prolongadas, se
Império Romano do Ocidente e do domínio do Islã no Oriente e originam de uma alimentação exagerada.
na península Ibérica. Apesar de todo o progresso da Medicina
nos dias atuais, a magia e as superstições constatadas no papi-
Numa época em que não existiam exames de laboratório,
ro de Ebers, a sua prática milenar continua até hoje. Mesmo a
radiografias, ressonância magnética, histopatológico etc. ape-
grande civilização grega tinha deus para tudo: deus da guerra,
nas com os olhos, os ouvidos, as mãos e, principalmente, com o
deusa do amor, deusa da beleza, deusa da higiene (de higea,
raciocínio lógico e a observação (klinkus = observação à beira
deusa da saúde), e Asclépius, deus da saúde.
do leito, daí surgiu a palavra clínica), o pai da Medicina fazia
diagnósticos. Sem a parafernália do instrumental tecnológico
„„ A MEDICINA NA GRÉCIA ANTIGA
de hoje, o pai da Medicina, Hipócrates, foi muito além do status
Somente com Hipócrates (460-377 a.C.) (Figura I.1) e sua quo vigente quatrocentos anos antes da era cristã.
Escola de Cós, o reumatismo passou a ser considerado uma Em seu livro Aforismos e sentença, faz descrições de doenças e
doença inerente ao ser humano, e não um castigo dos deuses. de conceitos lapidares ainda válidos até hoje, como os das artrites

xxxiv Tratado Brasileiro de Reumatologia


migratórias, das infecções agudas, da espondilite anquilosante, „„ GALENO, O GREGO ROMANIZADO
da relação das infecções com as dores na coluna vertebral e o pa-
pel da coluna vertebral como a causa das deformidades do corpo.
No entanto, a genialidade maior do pai da Medicina foi
descobrir a relação existente entre a gravidez e a evolução das
artrites. Ele já sabia que uma delas, o que é hoje a artrite reu-
matoide, tem sua evolução estancada durante a gestação, fato
este que induziu o raciocínio de Philip Hench que contribui
para a descoberta da cortisona (ver capítulo sobre a Terapêu-
tica em Reumatologia).
Hipócrates comparou o corpo humano com o Universo e
seus quatro elementos.
Hipócrates fundamentou sua prática (e sua forma de com-
preender o organismo humano, incluindo a personalidade) na
teoria dos quatro humores do corpo (sangue, fleuma ou pituí-
ta, bílis amarela e bílis negra) que, consoante as quantidades
relativas presentes no corpo, levariam a estados de equilíbrio
(eucrasia) ou de doença e dor (discrasia). O tratamento tinha
por finalidade restabelecer esse equilíbrio por meio de pres- Figura I.2 Galeno.
crições higienodietéticas, banhos, purgantes e calor, sob várias
formas. Talvez a primeira descrição da artrite reumatoide, ou simi-
Em relação ao aparelho locomotor (a segmentação da medi- lar a ela, foi feita por Galeno, que a chamou, na época, de mor-
cina era impensável naquela época, como o é hoje) e alguma coi- bus arthriticus. A velha podagra de Hipócrates ele a nominou
sa de ortopedia já faziam os esculápios de outrora. Lesões dos de “guta” porque o ataque gotoso seria devido a alteração de
ossos e das articulações compunham uma parte substancial da um humor que se originava no cérebro, e não podendo [hu-
prática médica. A redução de fraturas e a manipulação para tra- mor] ser eliminado pelos emunctórios naturais do organismo,
tar luxações alcançaram alto grau de sofisticação, muitas vezes chegava “gotejando” nas articulações dos pés, um locus minor
até utilizando instrumentos mecânicos. Complexas técnicas de resistencie** onde se acumulava. Sabemos, hoje, que quan-
bandagem de todas as partes do corpo foram encontradas nos to mais distal for a articulação menor é a sua temperatura, e
escritos de Hipócrates, além de vários comentários posteriores. quanto mais proximal, maior ela é. Também se sabe hoje que
Naquela época o suco de papoula (ópio) e da mandrágora existe uma diferença de gradiente de 1,5 °C entre a articula-
(Hyoscyamus) era utilizado para aliviar a dor e para fazer anes- ção esternoclavicular e a do primeiro pododáctilo, local mais
tesia em determinados atos médicos. atingido por um ataque de gota. Um raciocínio desses feito há
1.900 anos demonstra a capacidade de observação desta se-
Com Galeno (130-203) (Figura I.2), um grego romanizado, gunda mais importante figura da história da Medicina.
o conceito humoral de doença volta à tona. Uma quantidade
Por esta razão, Galeno foi a estrela de primeira grandeza da
excessiva daqueles humores seria a causa do “reumatismo” e
medicina romana, no século primeiro D.C. A sua contribuição
daí haveria a necessidade de purificar o corpo, com o emprego
foi muito relevante e duradoura, influenciando durante quin-
de medicação com as características dos quatro humores (frio,
ze séculos os conhecimentos de anatomia e fisiologia, porém
quente, úmido e seco). Purgantes, sangrias e revulsão cutânea
acrescentou muito pouco ao que se conhece hoje como Clínica
eram utilizados.
Médica. “Em primeiro lugar, as condições incertas da Idade Mé-
Classificou todas as doenças em termos de excesso de fluidos: dia produziram um anseio de certeza e autoridade, uma atitude
que também prevaleceu no Islã do Oriente até a conquista árabe
„„ Inflamação, um inchaço vermelho, quente e doloroso
na Espanha, como também no Cristianismo do Ocidente.
(sinais cardinais de processo inflamatório), que eram
O estilo dogmático, didático e até mesmo pedante de Ga-
decorrentes de abundância de sangue. Sabe-se hoje
leno satisfez o seu desejo para o absoluto, aquilo que não per-
que a inflamação decorre de uma vasodilatação dos
mite contestação ou contradição. Galeno não deixava questões
pequenos vasos, com diapedese dos elementos figura-
sem respostas e sempre achava que ele estava certo, como se
dos do sangue.
fosse uma autoridade médica superior a todas as outras.
„„ Tubérculos, pústulas, catarros e linfonodos (frios, gru- Embora com esse defeito, Galeno contribuiu com uma ver-
dentos e brancos) eram devidos a excessos de fleuma. dade constatada ainda hoje nos consultórios dos reumatolo-
„„ Icterícia era o transbordamento da bile amarela. gistas, por ter sido o primeiro a descrever a cervicobraquialgia
„„ A bile negra, a pior e mais malévola de todas, era reser- e a estabelecer a sua relação com a coluna vertebral.
vada para a depressão. Além disso, suas repetidas inserções de raciocínio teológi-
co fizeram com que suas ideias fossem facilmente abraçadas
A melancolia, a depressão de hoje (do grego melas = negra, pelas igrejas da cristandade de antanho. Ninguém se igualou a
e khole = bile), era a denominação medieval da atual depres- ele ou efetivamente o desafiou até que, no século XVI, Vesálio,
são, uma das Síndromes Sensitivas Centrais (SSC) que, por sua o anatomista da renascença, sacudiu os alicerces de sua au-
vez, é um conjunto de síndromes, em que a dor é uma das prin- toridade com a descoberta da circulação do sangue (Lyons e
cipais manifestações. Esse termo (melancolia) era a ligação da Petrucelli, História ilustrada da medicina).
doença psíquica, a depressão e a doença física da bile negra
− que era o câncer. ** Local de menor resistência.

Introdução xxxv
„„ CELSO E A MEDICINA NOS PRIMÓRDIOS DO a observação e a análise dos fatos extraídos da história (ouvir
CRISTIANISMO o paciente) e do exame físico (ver e sentir). Assim, o sábio de
Cós, textualmente, aconselha:
Em Roma, nos primeiros anos da era cristã, desponta uma O médico deve examinar cuidadosamente o corpo do pacien-
outra notável figura da arte médica: Aulus Cornelius Celsus te e perguntar a respeito das evacuações; estudar a respiração,
(Celso), médico romano do tempo de Augusto, que nos dá, o suor, a atitude do paciente e a urina.
ainda hoje, a noção dos quatro sinais cardinais da inflamação
São ensinamentos de um valor perene. A temperatura do
(dor, tumor, calor, rubor). Essa noção continua sendo válida,
corpo era apreciada com a mão colocada sobre o peito do pa-
com algumas tênues diferenças que caracterizam, hoje, o pro-
ciente e o exame físico, embora sem a técnica desenvolvida
cesso atualmente visto nas doenças reumáticas. A diferença é
que sabemos que a inflamação é multifatorial. O termo reuma- posteriormente, já incluía a inspeção, a palpação e a ausculta,
tismo vem do grego “Rheuma” (em grego = eu corro), que seria como se depreende das referências ao tamanho e à consis-
a associação de dois humores, a inflamação “para designar o tência do fígado e aos ruídos ouvidos no tórax. Na coleção
catarro que, ao escoar dos humores frios do cérebro para as dos livros hipocráticos encontra-se o relato de 45 observa-
articulações, seria a origem da dor”. ções clínicas tão completas que só encontram um paralelo a
partir do século XVI.
Na Idade Média, chamada de idade das trevas, quando a
„„ A MEDICINA NA FASE ÁUREA DO ISLà Europa mergulhou no obscurantismo, os centros do saber mé-
Nos cem primeiros anos do Cristianismo, a invasão bár- dico se deslocaram para o Oriente, inicialmente para o impé-
bara do Ocidente, a peste, as epidemias recorrentes, somadas rio bizantino, depois com a expansão do império árabe, para a
ao nefasto e também zeloso anti-helenismo das igrejas cristãs, Pérsia (atual Irã), Índia e alguns países da Europa, principal-
provocaram perdas inestimáveis dos escritos gregos e roma- mente para Espanha e Portugal. Nessa época, entre os anos de
nos, que foram os alicerces da medicina ocidental. 900-1000 surgiu um dos maiores nomes da medicina clínica
de todos os tempos: Abu al Hussein ibn Abdallah ibn Sina, co-
No início da Idade Média, principalmente entre os anos
nhecido por Avicena.
800 e 911, quando o general árabe Tarik Ibn Zayed conquistou
a península Ibérica, ainda dominava nessa região o pensamen- Sobre Avicena, o professor Joffre M. Rezende, professor
to e a obra de Galeno. As condições higiênicas, sanitárias, so- emérito da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de
ciopolíticas e econômicas locais naquela terra, então habitada Goiás e membro das Sociedades Brasileira e Internacional de
pelos vândalos e visigodos, eram pouco propícias para o de- História da Medicina assevera: A genialidade de Avicena foi re-
senvolvimento da medicina. conhecida pela Universidade de Paris, que colocou no seu átrio
Na então península Ibérica a preocupação era mais com a um grande retrato do Hipócrates árabe, uma homenagem ao
peste e a lepra, doenças quase endêmicas, tidas como castigo inestimável legado que deixou para a ciência médica: Os câno-
de Deus e não como doenças infecciosas, o que de certa forma nes da medicina, um tratado de cinco volumes que lá foi adota-
era um retrocesso do ponto de vista científico. do até o século XVII.
Na Espanha muçulmana, no Oriente Próximo e Médio, Ainda segundo Joffre M. de Rezende, Avicena viveu de 980
mais ou menos um século depois da chegada dos árabes na Es- a 1037 d.C. Era dotado de inteligência e memória prodigiosas.
panha, a chamada “idade das trevas” (Idade Média) começou Aos 18 anos conhecia toda a literatura médica da época, que
logo a desaparecer, diante dos avanços da medicina e outras havia sido preservada graças à Biblioteca de Alexandria, às
áreas do saber. transcrições de Oribasius, em Constantinopla, e às traduções
árabes das obras de Hipócrates, Galeno e Aristóteles.
„„ UM PARALELO ENTRE A MEDICINA DE Na medicina, sua obra máxima chamada Os cânones da
medicina (kanun toub, a arte de curar), compõe-se de cinco
HIPÓCRATES E A DE AVICENA
volumes e contém inúmeras histórias clínicas. Descreveu com
Avicena (980-1037), latinização de Hussein Ibn Sina, cha- precisão diversas doenças, como a hidrofobia, a nefrite crôni-
mado “O Príncipe da Medicina”, em seu tratado Os cânones ca, a hidrocele, a estenose pilórica, e outras. Separou os dois
da medicina, já naquela época, levantou a hipótese de que a tipos de paralisia facial, central e periférica, e distinguiu os três
peste, a lepra e a tuberculose seriam causadas por micro-or- tipos de icterícia: obstrutiva, hepática e hemolítica.1
ganismos. Não foi só nessas doenças que Avicena se pontificou Outro importante fator que ajudou a fazer a medicina ára-
como médico e filósofo genial. be prosperar foi a tradução para a língua árabe de textos dos
Depois de Hipócrates, o personagem mais importante da mais variados campos da medicina de outras civilizações, es-
história da medicina foi Avicena. Nascido na Pérsia (atual Irã), pecialmente o que foi traduzido da medicina grega dos volu-
então parte do império árabe, do nome desse gênio (era filó- mes de Hipócrates e Galeno, entre outros.
sofo, matemático e astrônomo) surgiu a palavra medicina para
designar a arte de curar.
„„ JUSTIFICATIVAS DA INTERAÇÃO ENTRE
Hipócrates e Avicena, muito tempo depois, deram início à
FILOSOFIA E MEDICINA
transformação da medicina mágica e do castigo dos deuses, ideias
que até então prevaleciam na medicina racional do nosso tempo. Hipócrates e Avicena faziam uma ligação estrutural do co-
“É necessário”, escreveu Hipócrates, “começar pelas coisas nhecimento entre a filosofia e a medicina. Portanto, a filosofia
mais importantes e aquelas mais facilmente reconhecíveis. É, era a base e a origem do conhecimento, o saber de todos os sa-
também necessário estudar tudo aquilo que se pode ver, sentir beres. Para ser médico era e ainda é necessário conhecer a fi-
e ouvir”. O que o pai da medicina quis dizer com esta adver- losofia. Não existe medicina sem o silogismo científico, ele está
tência? Que o fundamento da medicina como arte e ciência é para a medicina como os números estão para a matemática.

xxxvi Tratado Brasileiro de Reumatologia


Os médicos de antanho − esse amálgama inseparável (fi- „„ A RENASCENÇA OCIDENTAL E O
losofia e medicina) − fizeram com que os médicos de então RECONHECIMENTO DO SENSO CRÍTICO
tivessem uma visão holística do ser humano, capacitando-os
a acessar todos os elementos da estrutura humana como par- Na escola de medicina da Universidade de Paris, no século
te do sistema, pesquisando e elaborando mecanismos de in- XIV, havia duas fotografias de médicos muçulmanos: Rhazes
teração entre esses dois esteios do saber. Mutatis mutandis, e e Avicena. Abu Alí al-Husain Ibn Sina (980-1037) foi a mais
repetindo, diga-se de passagem, que a filosofia está para a me- brilhante inteligência do Islã, médico e filósofo, mas que tam-
dicina como os números estão para a matemática, e como esta bém enveredou pela álgebra, teologia, aritmética e psicologia.
está para a física. Não existe diagnóstico médico sem a aplica- Ele reuniu, junto com o legado dos conhecimentos da medicina
ção do silogismo científico de Aristóteles, aplicado à medicina. grega, as descobertas feitas pelos muçulmanos na gigantesca
Os médicos da antiguidade eram considerados “sábios”, enciclopédia médica, o primeiro tratado de medicina do mun-
pois além de deter a técnica da medicina, detinham também o do, Os cânones da medicina. Essa monumental obra foi traduzi-
conhecimento filosófico, diferentemente de quem se utilizava da para o latim e publicada em Roma por Gerardo de Cremona,
apenas da técnica médica. em 1593, sendo adotada e considerada indispensável para as
Nos dias atuais essa diferença entre quem receita medica- universidades da Europa até o século XVII. Essa obra, de 16
mentos sem saber o porquê, como funciona o fármaco e sem volumes, abordava a clínica médica, patologia, farmacologia,
saber qual o objetivo-alvo (doença), pedindo exames a torto e terapêutica, além de doenças que afetavam todas as partes do
a direito, sem a mínima dose de humanismo – em que a filoso- corpo, da cabeça aos pés. Foi um dos primeiros livros árabes
fia é necessária − o ato médico está fadado ao insucesso. que se viu ser impresso.
Naquela época, há quase mil anos, fez o diagnóstico di-
ferencial entre 15 doenças, prescreveu 760 medicamentos,
„„ O SENSO CRÍTICO
escreveu sobre anatomia e fisiologia do sistema nervoso, iden-
Para construir uma clara imagem da história da medicina tificou a tuberculose, a meningite e doenças inflamatórias,
árabe, os médicos árabes se utilizaram do senso crítico. As tra- investigou doenças neurológicas. Exímio cirurgião, inventou
duções do grego, entre outras línguas, foi um fator relevante vários instrumentos cirúrgicos e operava até algumas doenças
no início de sua ascensão, no entanto rapidamente assimila- da coluna vertebral (ver Capítulo 19). Com ele a medicina islâ-
ram seu criticismo e corrigiram seus excessos, numa época em mica atingiu seu zênite. Desde aquela época, até hoje, a tumba
que ninguém ousaria criticar as opiniões dos médicos gregos desse médico e filósofo em Hamadan (atualmente no Irã) é ob-
como Hipócrates e Galeno. O médico árabe AL Razi (926 d.C.), jeto de piedosa veneração.
no seu livro intitulado Dúvidas sobre Galeno, respondeu aos Para que não pareça um exagerado necrológio − por par-
que o contestavam em sua crítica a Galeno dizendo: “Aquele te deste autor − ao segundo pai da Medicina, assim escreveu
que não ousa se utilizar da crítica não pode ser considerado Geoffrey Chaucer (1342-1400) sobre os grandes nomes da
filósofo”. medicina e filosofia se referindo a Avicena: El conocía bien al
Também Ibn Sina no livro Estatuto da medicina aponta vá- viejo Esculapio y a Dioscórides, y también a Rufus, al viejo Hipó-
rias contradições na medicina de Galeno. Por outro lado, Ibn crates, a Haly y a Galeno; a Serapión, Razes y Avicena; a Aver-
Nafis não hesitou em citar no livro Estudo da anatomia o traba- roes, Damasceno y Constantino... . 3,4
lho crítico de Galeno no campo da anatomia, e sua importância “Enquanto a medicina árabe vivia seus tempos áureos,
quanto à afirmação do senso crítico que guiou a medicina ára- a medicina ocidental vivia no obscurantismo e no subde-
be a uma evidente independência dos conceitos da medicina senvolvimento, baseando seus diagnósticos e tratamentos
grega. em mitos. O príncipe árabe Osama Bin Monqadhr, em suas
Os árabes não apenas legaram seus próprios conhecimen- notas, aponta as barbaridades praticadas pelos médicos eu-
tos para o mundo, como também possibilitaram a existência, ropeus no tratamento dos seus doentes durante as cruzadas
hoje, dos conhecimentos gregos tanto na medicina como em (sec. X d.C.) na região da Síria. Ele citou que na medicina eu-
outros campos científicos. Fato histórico que libertou o Oci- ropeia prevalecia a ideia de que as doenças eram causadas
dente das “prisões” da Idade Média e o fez renascer pela di- por espíritos maléficos como punição por pecados cometi-
fusão do conhecimento e do espírito crítico, preservados, dos, conforme ensinava a Igreja na época, e que a cura era
elaborados ou implementados pelos árabes e, divulgados para obtida não com tratamento ou remédios, mas com o perdão
o Ocidente, permitindo a ascensão e a evolução da medicina dado pela Igreja, que proibia a medicação de seus fiéis e
como a conhecemos hoje. ordenava que fossem queimados os livros de medicina em
circulação, considerados bruxaria e um desafio a Deus. No
„„ TOTALITARISMO E PSIQUIATRIA NO PASSADO entanto, desde o séc. XI d.C. a medicina árabe começou a ter
reflexos no Ocidente, através da região da Sicília, Espanha
A ideia que se destaca na medicina árabe totalitarista (ho- e também pelo conhecimento adquirido pelos cruzados em
lística) é a relação entre o que é material e o que é moral ou regiões árabes.”
psicológico na vida humana − a chamada relação dialética.
A importância da obra de Avicena para a medicina foi tan-
A medicina grega focava primeiramente nas causas físicas ta, que 15 edições foram feitas em latim e uma em hebraico.
da doença; a medicina indiana nas causas mentais e psicológi- Nas palavras de Sir William Osler, médico canadense (1849-
cas da doença. Já a medicina árabe considera as duas vertentes, 1919) um dos clínicos mais proeminentes dos séculos XIX e
juntas, com a mesma importância. Se o médico, por exemplo, XX, o Hipócrates da nossa era, disse que o tratado Os cânones
falha no diagnóstico material, busca analisar também o lado da medicina se manteve como a bíblia médica por mais tempo
psicológico. Há vários volumes sobre psiquiatria nos acervos
do que qualquer outra obra do genero”.5
da literatura médica árabe.2

Introdução xxxvii
„„ AS SANGUESSUGAS: PERSPECTIVA ATUAL doenças reumáticas, na síndrome antifosfolípide primária ou
doença de Hughes) e na doença vascular coronariana em ho-
Avicena (d.C. 1037), também pai da farmacologia, o grande mens.8
médico da dita era do obscurantismo, acreditava que as san-
A eficácia da ação terapêutica da sanguessuga na osteoar-
guessugas tiravam sangue a partir de fontes mais profundas
trite de joelhos foi também testada em estudo controlado e
do que o molhado para degustação. Ele já sabia da sua utili-
randomizado por Andreas Michalsen, MD; Stefanie Klotz, que
zação desde os tempos mais antigos. Em seu tratado, várias
constataram que, embora a diferença entre o grupo-teste e
páginas foram incluídas, instruindo sobre a aplicação de san-
controle em relação à dor, a diferença entre os escores de dor
guessugas.6
do grupo-teste já não era significativa após o sétimo dia. No
Antes de Avicena, a primeira referência sobre a sangues- entanto, as diferenças entre função, rigidez articular e sinto-
suga parece ter sido encontrada no poema de Nicander de mas gerais de qualidade de vida foram significativamente em
Colophon no longínquo século II da era cristã (185-135 d.C.), favor do tratamento com sanguessugas até o fim da observa-
médico e poeta. A relação entre a sanguessuga e a prática mé- ção no 28o dia. Os resultados não foram afetados pela expecta-
dica foi estabelecida mais cedo, e durou até o século XIX. Como tiva de resultado.
alternativa à sangria por instrumentos, ela oferecia algumas
Os autores concluíram que a terapia com sanguessuga
vantagens.7
ajuda a aliviar os sintomas de pacientes com osteoartrite do
Também, Galeno (129-189 d.C.) utilizava as sanguessugas joelho. O potencial da terapia sanguessuga para o tratamento
porque ele acreditava que a sangria retirava do corpo as subs- da osteoartrite e as propriedades farmacológicas da saliva da
tâncias nocivas produzidas pela doença. sanguessuga precisam ainda ser esclarecidos.9
Há pouco mais de 11 anos, Pierre Alain Varisco e cols. Quem criticava com desdém o que se fazia em épocas re-
publicaram no Annals of rheumatic diseases pesquisa sobre a motas teria que se redimir e reconhecer o mérito e a capaci-
utilização empírica das sanguessugas, desde tempos imemo- dade de observação, do heroísmo dos que nos antecederam,
riais no tratamento da inflamação e das artrites em geral. Os que mesmo sem contar com os atuais recursos da tecnologia
referidos autores, muito recentemente, comprovaram a sua complementar acertaram nos alvos específicos da medicina:
eficácia de forma experimental. A hirudina, um inibidor alta- aliviar a dor. Essas e outras futuras pesquisas poderão utilizar
mente específico da trombina, é uma molécula produzida na- as sanguessugas, principalmente por suas propriedades anes-
turalmente pela saliva da sanguessuga (Hirudo medicinalis) tésicas, anti-inflamatórias, anticoagulantes e antitrombóticas
e foi utilizada em seus derivados sintéticos em estudos para em reumatologia e em outras áreas da medicina.
avaliar os seus benefícios em artrite artificialmente induzida.
Por isso, Sir Geoffrey Chaucer, o pai da literatura inglesa,
Antes, a lepirudina, uma hirudina recombinante, tinha sido
não estava equivocado ao destacar em sua obra máxima os no-
usada no tratamento da trombocitopenia induzida por hepa-
mes de quatro médicos árabes: Haly (Alí Ibn al-Abbás), Razes,
rina, na trombose venosa profunda (poderia ser utilizada em
Avicena e Averroes.10

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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Koning: Avicenne. Livre Premier du Canon, Paris, 1903; Biology, Museum of Zoology, The University of Michigan,
Holmyard y Mandeville: Avicennae de Congelatione et 1109 Geddes Avenue, Ann Arbor, Michigan 48109-1079,
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xxxviii Tratado Brasileiro de Reumatologia


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Introdução xxxix
Introdução 2

A HISTÓRIA DA PANLAR E A REUMATOLOGIA LATINO-AMERICANA


Fernando Neubarth  Maria Amazile Ferreira Toscano

Podemos iniciar essa história no ano de 1913, em Berlim, França, Reino Unido, Alemanha, Hungria, Holanda, Noruega,
durante o Congresso Internacional de Fisioterapia. Foi lá que Espanha, Suécia, Rússia e Tchecoslováquia.
Jan van Breemen, um jovem médico holandês, iniciara um mo- E, em 1928, é fundada a Liga Internacional contra o Reu-
vimento que se poderia descrever numa intencional metáfora, matismo (ILAR), tendo Fontescue Fox como seu primeiro
como a primeira e importante articulação para a formação da presidente e van Breemen secretário. Na ocasião foi criada a
Reumatologia enquanto especialidade médica. revista Acta Reumatológica na qual van Breemen fixou em edi-
Animados pelas descobertas e pelos avanços científicos da torial as bases para as publicações sobre doenças reumáticas.
virada do século, os médicos estavam, em sua maioria, voltados O norte-americano Louis B. Wilson, diretor da Mayo Foun-
quase que exclusivamente à busca de prevenção e tratamento dation, que havia viajado para a Europa em 1926, encontran-
de doenças infecciosas agudas. Seu interesse voltou-se às en- do-se com van Breemen e Fox, passou a se interessar também
fermidades crônicas, principalmente às doenças reumáticas. pela incipiente especialidade. Ao retornar, reuniu-se com
Criou um ambulatório em Amsterdã, utilizando-se do então Philip Hench, que também viajou para a Europa em busca de
quase único recurso, a terapia física, e passou a preocupar-se mais conhecimentos, tendo sido nomeado, logo após, chefe da
em difundir conceitos quanto à repercussão dessas doenças Seção de Doenças Reumáticas da Clínica Mayo. Com a partici-
tanto individualmente quanto em relação aos custos econômi- pação de colegas de todo o país, dois anos mais tarde, e sob a
cos e sociais decorrentes das dificuldades no trabalho. direção de Ralph Pemberton, da Filadélfia, é criado o Ameri-
Em Berlim, van Breemen defendeu com apaixonada con- can Committee Against Rheumatism, com o mesmo objetivo
vicção o pioneirismo de sua causa, sendo aprovada uma de promover o desenvolvimento e a investigação das doenças
moção para criar um Comitê Internacional com o propósito reumáticas e com a aprovação de que faria parte do ILAR. Em
fundamental de realizar um estudo mundial para melhor co- 1933 esse Comitê propõe a formação de uma associação, que
nhecimento e consequente controle das doenças reumáticas, deu origem, em 1934, à American Association for the Control
com a formação de uma entidade internacional para esse fim. of Rheumatism, e, em seguida, à American Rheumatism Asso-
O referendo disso ficou marcado para acontecer na reunião se- ciation (ARA), tendo Ernest Irons por presidente, Russel L. Ha-
guinte, em São Petersburgo, no ano de 1917. A I Guerra Mun- den como vice-presidente, e Loring T. Swain, secretário.
dial, de 1914-1918 tornou-se responsável, entre outras coisas, Na América do Sul, Aníbal Ruiz Moreno, da Argentina, jun-
pelo cancelamento da reunião, e postergou o fato. to com outros médicos do seu país, funda em 30 de dezembro
O fio condutor reata-se em 1919 com a fundação da In- de 1937 a Liga Argentina contra o Reumatismo, sendo eleito
ternational Organization for the Investigation of Rheumatism presidente, cargo que exerceu até 1960. Por sua vez, no Uru-
(ICIR), tendo Fontescue Fox, de Londres, como presidente guai, Fernando Herrera Ramos, com outros médicos fundou,
e van Breemen como secretário, e consolida-se em Paris, no em 17 de dezembro de 1939, a Sociedade Uruguaia de Reuma-
ano de 1925, durante o Congresso Internacional de Hidrologia tologia, sendo nomeado seu presidente.
Médica, com novas discussões e a criação do International co- Por essa época, Aníbal Ruiz Moreno e Fernando Herrera
mittee of Rheumatism, tendo como presidente Fontescue Fox e Ramos já faziam parte do ILAR, e foi Aníbal Ruiz Moreno quem
Jan van Breemen, secretário; sendo vogais, o inglês V. Coates, o gestou a ideia de formar uma sociedade que reunisse todas as
suíço F. Kormann, e o checo L. Schmidt. Os objetivos do comitê associações da América e, junto com Herrera Ramos, conta-
eram o de se tornar um corpo consultivo para as campanhas tam o Comitê da ARA, presidido por Pemberton e, depois de
internacionais contra o reumatismo, a organização e assistên- uma luta de três anos, a ARA aceita a ideia de Ruiz Moreno
cia de comitês em diferentes países, e a preparação e difusão e é nomeado um Comitê constituído por Russell Cecil, Robert
de estatísticas sobre as doenças reumáticas. A partir daí, foi Osgood, Ralph Boots, Philip Hench, Loring T. Swain, Paul Hol-
despertado o interesse pela Reumatologia, e entre 1926 e brook e Sands para estudar a proposta de Aníbal Ruiz.
1928 surgiram associações na Bélgica, Áustria, Dinamarca,

xli
Em 1942, com o apoio do Canadá, Chile, Brasil, México e
Uruguai, o Comitê deu seu conceito favorável para a criação de
uma Sociedade Pan-Americana, com a nomeação de uma junta Tabela I.1 Cronologia dos congressos PANLAR.
provisória constituída por Aníbal Ruiz Moreno, presidente; Ri- 1955 Rio de Janeiro e São Paulo – Brasil
chard Freyberg, dos Estados Unidos, vice-presidente; Fernan-
do Herrera Ramos, do Uruguai, secretário, e Wallace Graham, 1959 Washington – EUA
do Canadá, tesoureiro. Em 1943, ingressaram Paraguai e Peru.
1963 Santiago – Chile
Finalmente, depois de uma luta incansável, em 31 de maio
de 1944, se declarou oficialmente fundada a Liga Pan-Ame- 1967 Cidade do México
ricana contra o Reumatismo, conhecida como Pan American
League Against Rheumatism, mudando de nome em 1994, 1970 Punta del Este – Urugaui
para Pan American League of Associations of Rheumatology
(PANLAR). Seu primeiro comitê executivo foi constituído por 1974 Toronto – Canadá
Ralph Pemberton, dos Estados Unidos, presidente; Aníbal Ruiz 1978 Bogotá – Colômbia
Moreno, da Argentina, vice-presidente; Loring T.Swain, dos
Estados Unidos, secretário; Fernando Herrera Ramos, do Uru- 1982 Washington – EUA
guai, tesoureiro.
1986 Buenos Aires – Argentina
Os primeiros objetivos aprovados foram: promover a Reu-
matologia como especialidade, promover a investigação cien- 1990 Guadalajara – México
tífica, a realização de um Congresso Pan-Americano a cada
quatro anos, realização de outras reuniões científicas, criação 1994 Recife – Brasil
de comissões para o estudo e a nomenclatura das doenças reu-
1998 Montreal – Canadá
máticas, criação de Serviços de Reumatologia e dos programas
de pré e pós-graduação, trabalhar pelo paciente reumático, e 2002 Aruba e Venezuela
estreitar os laços culturais entre os países da América.
A primeira reunião do Comitê Central se realizou em Nova 2006 Lima – Peru
York, durante a celebração do VI Congresso do ILAR, em 1949,
2008 Cidade de Guatemala
em que foram aprovados os estatutos e se elegeu uma nova di-
retoria composta por Aníbal Ruiz Moreno, da Argentina, presi- 2010 Santiago – Chile
dente, Richard Freiberg, dos Estados Unidos, vice-presidente,
Fernando Herrera Ramos, do Uruguai, secretário, e Wallace 2012 Punta Cana – República Dominicana
Graham, do Canadá, tesoureiro. A diretoria executiva e os re-
2014 Punta del Este – Uruguai
presentantes dos países assistentes: Argentina, Brasil, Canadá,
Chile, Estados Unidos, México, Paraguai, Peru, Uruguai e Cuba, 2016 Cidade do Panamá
decidiram realizar o Primeiro Congresso Pan-Americano, na ci-
dade do Rio de Janeiro, em agosto de 1955, sob a presidência
de Décio Olinto de Oliveira. Estiveram representados Argentina,
Canadá, Chile, Cuba, Estados Unidos, México, Paraguai, Uruguai,
O domicílio oficial da PANLAR é aquele onde reside seu
Venezuela, Brasil, Bélgica, Espanha, Itália, Suíça e Tchecoslová-
presidente. Tem como idiomas oficiais o espanhol, o português
quia, com a presença de Richard Freiberg, presidente da PAN-
e o inglês. E os fundos são provenientes de cotas das associa-
LAR, Robert Stencker, presidente da ILAR, Aníbal Ruiz Moreno,
ções nacionais, resultado de eventos e doações especiais. Con-
presidente da Sociedade Argentina, Fernando Herrera Ramos,
ta com comitês permanentes, página na internet, reumatologia
fundador da Sociedade Uruguaia (também presente na funda-
pediátrica, educação, intercâmbio com sociedades internacio-
ção da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR, em 1949),
nais, prêmios e grupos de estudos envolvendo doenças reumá-
além de Philip Hench, Nobel de Medicina. Pedro Nava foi vice-
ticas e trabalhos epidemiológicos. Está afiliada à ILAR e tem
-presidente do congresso e Waldemar Bianchi secretário-geral.
ações conjuntas com outras ligas, EULAR (europeia), APLAR
Em 1962 se incorporam à PANLAR: Venezuela, Colômbia, (pacífico asiático) e AFLAR (africana).
Bolívia, Peru e Equador, e no diretório oficial de 1984 figuram
Em matéria de publicações, em setembro de 1950 é cria-
como integrantes: Argentina, Brasil, Canadá, Cuba, Chile, Colôm-
do o Boletim PANLAR. A primeira publicação periódica foi Ar-
bia, Costa Rica, Estados Unidos, Equador, Guatemala, Honduras,
chivos Interamericanos de Reumatologia, editado no Brasil em
México, Nicarágua, Panamá, Peru, Uruguai e Venezuela. Com o de-
três idiomas, que circulou no período de 1958-1962, sob a di-
senvolvimento do interesse pela Reumatologia, e com o passar do
reção de Israel Bonomo e Moisés Mizrraji. Atualmente o Jour-
tempo, foram criadas outras sociedades nacionais e hoje se pode
nal of Clinical Rheumatology, revista médica fundada em 1995
dizer que todos os países da América contam com sua represen-
por Ralph Schumacher é o órgão oficial. Em 2008, na gestão
tação oficial na PANLAR. Uma federação integrada por 21 asso-
de Juan Angulo Solimano (Peru) e sob a direção editorial de
ciações nacionais. No norte: Canadá, Estados Unidos e México. Na
Cecília Rojas (Chile) inicia-se o PANLAR Bulletin Online (www.
região central e Caribe: Cuba, Costa Rica, República Dominicana,
boletinpanlaronline.cl). E a página na internet: www.panlar.
Guatemala, Honduras, Panamá, El Salvador e Nicarágua. Na re-
org mantém-se atualizada e é referência para informações e
gião bolivariana: Bolívia, Colômbia, Equador, Peru e Venezuela.
notícias.
No cone sul: Argentina, Brasil, Chile, Paraguai e Uruguai.

xlii Tratado Brasileiro de Reumatologia


O comitê executivo no biênio 2010-2012, constituiu-se de
1974-1978 Píndaro Martinez Elizondo – México
Antonio Carlos Ximenes (Brasil) presidente; Fernando Neu-
barth (Brasil) secretário-geral, ambos ex-presidentes da So- 1978-1982 Osvaldo Garcia Morteo – Argentina
ciedade Brasileira de Reumatologia, e Joan von Feldt (EUA),
tesoureira. Para cada área geográfica (Norte, América Central 1982-1986 Lawrence Shulman – EUA
e Caribe, região bolivariana e cone sul) há um vice-presidente e 1986-1990 Adil Muhib Samara – Brasil
um vice-secretário, sendo vice-presidentes: Anthony Reginato
Jr. (EUA), Angel Achurra (Panamá), Carlos GlaveTestino (Peru) 1990-1994 Duncan Gordon – Canadá
e Miguel Albanese (Uruguai); e vice-secretários: Mary Carmen
Amigo (México), Hernán García Sancho (Costa Rica), Walter 1994-1998 Hugo Jasin – Argentina/EUA
Camacho Michel (Bolívia) e Ernesto Gutfraind (Argentina). 1998-2002 Abraham Garcia Kutzbach – Guatemala
O presidente eleito para o biênio 2012-2014 é John Reveille
(EUA). Fernando Neubarth e Maria Amazile Ferreira Toscano 2002-2006 Antonio Reginato – Chile/EUA (falecido em exercício)
são os representantes da Sociedade Brasileira de Reumatolo-
2006-2008 Juan Ângulo Solimano – Peru
gia na PANLAR. Antonio Carlos Ximenes é o terceiro brasileiro
a presidir a PANLAR. Antes dele, Pedro da Silva Nava (1963- 2008-2010 Luís Espinoza – Peru/EUA
1967) e Adil Muhib Samara (1986-1990) ocuparam o cargo.
2010-2012 Antonio Carlos Ximenes – Brasil

Cronologia dos presidentes da PANLAR


Uma maior integração dos países pan-americanos e um
1944-1949 Ralph Pemberton – EUA permanente intercâmbio de conhecimentos e intenções para o
desenvolvimento da especialidade é um objetivo perene. Vale
1949-1953 Aníbal Ruiz Moreno – Argentina lembrar as palavras de um visionário que, com justiça, merece
1953-1955 Richard Freyberg – EUA
o título de idealizador desse sonho: Hay que seguir, no importa
que muchos sonrian, no importa que hoy se nos niegue; lo im-
1955-1959 Fernando Herrera Ramos – Uruguai portante es hacerlo, mañana vendrá la realidad. Es necesario
unir las Américas si se quiere realizar algo en Reumatologia.
1959-1963 Wallace Graham – Canadá Aníbal Ruiz Moreno, 1942.
1963-1967 Pedro da Silva Nava – Brasil
– Hay que seguir, no importa que muchos sonrian, no im-
1967-1970 Richard Smith – EUA porta que hoy se nos niegue; lo importante es hacerlo, mañana
vendrá la realidad. Es necesario unir las Américas si se quiere
1970-1974 Fernando Valenzuela – Chile realizar algo en Reumatologia – Aníbal Ruiz Moreno, 1942.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS

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3. Mac Gregor, E G. Breve Historia de la Reumatologia. Venezuela, Reumatologia. Porto Alegre-RS, Editora Kalligraphos, 2007.
Ediciones Astro Data, 2010. 7. Viana de Queiroz, Mário e Seda, Hilton. Quem foi Quem na
4. Página da PANLAR na internet: http://www.panlar.org História das Doenças Reumáticas. Portugal, Lidel Edições
Técnicas, 2008.

Introdução xliii
© TODOS OS DIREITOS RESERVADOS À EDITORA ATHENEU
São Paulo, Rio de Janeiro, Belo Horizonte, 2015
1 Seção

As Bases Científicas da Reumatologia


1

Capítulo
Ricardo Machado Xavier  Patricia Gnieslaw de Oliveira  Priscila Lora  Ana Paula Alegretti

Bases Científicas da Reumatologia I:


A Membrana Sinovial e a Cartilagem Articular
Princípios Gerais de Imunidade Adaptativa e Inata
„„ A MEMBRANA SINOVIAL E A CARTILAGEM Membrana sinovial
ARTICULAR Estrutura da membrana sinovial
Introdução As articulações que permitem a livre movimentação são
denominadas articulações diartrodiais. Esse tipo de articula-
Membrana sinovial, também conhecida por sinóvia, é um ção é delimitado por uma cápsula articular, composta de duas
tecido conectivo membranoso altamente especializado e vas- camadas: uma externa, consistindo de tecido conectivo espes-
cularizado. Entre suas funções está a produção do líquido si- so e fibroso, e uma interna, de tecido delicado e fino, que é a
novial, mantendo o conjunto articular lubrificado e, ao mesmo membrana sinovial, a qual reveste internamente o espaço ar-
tempo, fornecendo os nutrientes necessários para a superfície ticular, com exceção da cartilagem articular. A sinóvia secreta
articular. Portanto, trata-se de tecido essencial para o funcio- um fluido lubrificante intra-articular, denominado líquido si-
namento das articulações. novial, que garante o deslizamento com mínimo de atrito entre
A articulação normal precisa de uma pequena quantidade as cartilagens articulares, bem como a sua nutrição.
de líquido sinovial para o seu funcionamento. Embora a estru- A membrana sinovial apresenta algumas variações na sua
tura do tecido seja simples, sua função é altamente sofisticada. estrutura, dependendo da parte articular que ela reveste, sen-
O tecido sinovial é alvo da maioria das doenças autoimunes do composta de duas camadas: uma fina camada celular na
sistêmicas, e a compreensão de sua estrutura e fisiologia é im- superfície, chamada de íntima, e uma camada subjacente, a
portante para o manejo dessas doenças. subíntima, contendo os elementos vasculares e com função de
A cartilagem articular é um tecido conectivo cujas pro- suporte. A subíntima é constituída por tecido conectivo que
priedades de resiliência, elasticidade e flexibilidade estão ex- pode ser do tipo fibroso, adiposo ou areolar, variando de acor-
cepcionalmente adaptadas à função de recobrir as superfícies do com a estrutura articular.
articulares dos ossos. Sua função é permitir o deslizamento A membrana sinovial do tipo areolar é de um tecido co-
suave das extremidades ósseas, sem atrito, e absorver o cho- nectivo frouxo com muitas células nas duas camadas, íntima e
que durante o movimento articular. É formada por células de- subíntima, rico em vasos sanguíneos. O tipo adiposo tem uma
nominadas condrócitos e condroblastos, matriz extracelular única camada de células achatadas, e a camada subíntima com
e revestimento pelo pericôndrio. Na cartilagem articular não células adiposas. No tipo fibroso, o revestimento celular é fino
existem vasos sanguíneos, nervos e vasos linfáticos. A cartila- e em contato direto com o tecido colagenoso denso. As formas
gem articular é do tipo hialino, mas não apresenta pericôndrio. mistas estão presentes na região juncional entre os diferentes
A cartilagem hialina é encontrada no disco epifisário e nas tipos de membranas sinoviais.
articulações, permitindo o crescimento longitudinal dos ossos. A superfície da membrana sinovial pode ser plana ou com
Nesse disco a cartilagem hialina apresenta os condrócitos dis- projeções, os vilos, que permitem adaptação ao movimento
postos em fileiras ou colunas paralelas, comumente receben- articular.
do a designação de cartilagem seriada. A MEC da cartilagem A íntima da membrana sinovial é composta de células fre-
hialina contém fibrilas de colágeno tipo II imersas em subs- quentemente chamadas de sinoviócitos, que são divididas em
tância fundamental amorfa. É um tecido que, apesar da baixa dois tipos celulares: células do tipo macrófago, conhecidas
atividade metabólica, tem uma extraordinária capacidade de como macrófagos sinoviais (chamadas de células do tipo A),
sustentação de grandes cargas e durabilidade.1 e células do tipo fibroblasto (células do tipo B), denominadas

3
fibroblastos sinoviais.3 Estudos dessas populações de células por mobilização do líquido sinovial durante o movimento ar-
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

foram realizados em uma variedade de espécies, incluindo ticular (Figura 1.1).


humanos, descobrindo que os macrófagos constituem cerca
de 20%, e fibroblastos aproximadamente 80% das células da Morfologia e função das células do tipo A
membrana sinovial. As células do tipo A são representadas por macrófagos,
Os sinoviócitos têm a qualidade peculiar de sintetizar os recrutados a partir da medula óssea. Estruturalmente, essas
componentes da substância fundamental do tecido conecti- células são caracterizadas pela presença de complexo de Gol-
vo (colágeno, proteoglicanos e ácido hialurônico) e lubricina. gi bem desenvolvido, grandes vacúolos, pequenas vesículas e
Além disso, estas células também são fagocíticas, em especial pouco retículo endoplasmático rugoso, ou seja, o fenótipo típi-
as células do tipo A. co dos macrófagos.
Logo abaixo da íntima sinovial, na subíntima, existe uma Os sinoviócitos do tipo A são imunorreativos a diversos
densa rede de pequenos vasos sanguíneos que fornecem nu- anticorpos monoclonais contra macrófagos ou a substâncias
trientes, não só para a membrana sinovial, mas também para a derivadas dos macrófagos. Expressam a molécula de histo-
cartilagem avascular. Essa camada é rica em colágenos do tipo compatibilidade maior de classe II (MHC-II), que desempenha
I, III, V e VI; glicosaminoglicanos; matriz extracelular, incluin- um papel importante na apresentação de antígenos nos está-
do tenascina e lamininas. Em condições normais de saúde, as gios iniciais da resposta imune, e diversas enzimas lisosso-
células inflamatórias são ausentes da camada subíntima, po- mais, como esterase não específica, fosfatase ácida e catepsina
dendo ser encontrados apenas alguns macrófagos e poucos B, D e L. Em condições inflamatórias, essas enzimas são pro-
mastócitos. duzidas de forma irregular e elevada, principalmente as catep-
Na membrana sinovial subíntima existe uma rica rede de sinas, que acabam sendo liberadas para a matriz extracelular,
nervos simpáticos e sensoriais. Os nervos simpáticos são mieli- induzindo dano tecidual.
nizados e têm suas terminações próximas aos vasos sanguíneos, As células do tipo A são normalmente redondas e locali-
onde regulam o tônus vascular. Já os nervos sensoriais respon- zadas na parte superior da camada sinovial íntima, com cerca
dem pela propriocepção e dor através de pequenas e grandes da metade dos corpos celulares projetados sobre a linha da
fibras nervosas mielinizadas, fibras não mielinizadas ou mie- superfície da membrana sinovial. A superfície das células do
linizadas com extremidades nervosas livres não mielinizadas, tipo A é recoberta por microvilosidades e micropregas, que
conhecidas como nociceptores. Alguns neuropeptídeos estão são estruturas desses macrófagos.
presentes, como a substância P, o peptídeo relacionado ao gene Fisiologicamente, as células do tipo A podem absorver e
da calcitonina e o peptídeo intestinal vasoativo. degradar constituintes extracelulares, debris (resto de célu-
Em qualquer posição articular, uma grande parte da car- las mortas), microrganismos e antígenos localizados no líqui-
tilagem está localizada suficientemente próxima para conse- do sinovial e na íntima. Assim, as células sinoviais ficam com
guir nutrição direta através da membrana sinovial. Entretanto, uma quantidade significativa de proteínas em seu interior, e
algumas áreas da cartilagem obtêm nutrientes indiretamente, tornam-se capazes de alterar a composição das proteínas do
podendo fazer difusão através da cartilagem ou possivelmente líquido sinovial.

Tipo B:
Fibroblastos
Tipo A:
sinoviais
Macrófagos
sinoviais

Vaso
sanguíneo
Matriz
colágeno

Figura 1.1 Apresentação esquemática de uma íntima sinovial.

4 Tratado Brasileiro de Reumatologia


As células do tipo A estão desigualmente distribuídas na formável, que facilita o movimento das estruturas dentro da ar-

„„ CAPÍTULO 1
membrana sinovial, mas pouca informação sobre a densida- ticulação. Esse mecanismo de permitir o movimento pode ser
de de distribuição. Acredita-se estar em maior densidade na atribuído à presença de uma superfície livre que permite que o
membrana sinovial areolar do que nos outros tipos. A existên- tecido sinovial permaneça separado dos tecidos adjacentes. O
cia de células do tipo A nas vilosidades é importante em fun- espaço resultante é mantido pela presença de líquido sinovial.
ção de seu contato com as substâncias e os elementos celulares
que permanecem vagando na cavidade articular. Elas podem Deformação
transportar os materiais ingeridos para os canais linfáticos da A deformação tecidual da membrana sinovial normal é
camada subíntima e, eventualmente, retirá-los da articulação. considerável, porque essa estrutura deve acomodar-se de
forma posicional à articulação, os seus tendões adjacentes, os
Morfologia e função das células do tipo B ligamentos e a cápsula articular. Durante o movimento articu-
Células sinoviais do tipo B, ou fibloblastos sinoviais, têm lar ocorre uma expansão e contração normal da membrana
extensões citoplasmáticas proeminentes e ramificadas que sinovial. Esse movimento parece envolver flexibilidade e ca-
se estendem para a superfície do revestimento sinovial. Inva- pacidade de alongamento e relaxamento. É essencial que, du-
ginações frequentes são vistas ao longo da membrana plas- rante os movimentos repetidos de forma rápida, a membrana
mática e apresentam um núcleo grande em relação à área do sinovial não fique pinçada entre as superfícies da cartilagem e
citoplasma. Têm retículo endoplasmático rugoso em grande que possa manter a sua integridade e a integridade dos vasos
quantidade e amplamente distribuído no citoplasma, sugerin- sanguíneos e linfáticos. Enfim, a deformabilidade da membra-
do a síntese ativa de proteínas; complexo de Golgi, vacúolos e na sinovial é uma característica fundamental para sua própria
vesículas apresentam-se de forma discreta. Essas células são preservação como tecido.
também conhecidas por apresentarem filamentos longitudi-
nais de tamanhos diferentes, reforçando a sua classificação Não aderência
como fibroblastos. Outra característica importante da membrana sinovial que
Células do tipo B estão presentes na camada íntima, re- facilita o movimento articular é sua não aderência às superfí-
presentando a população de fibroblastos residentes do re- cies opostas. As células da camada íntima sobre a superfície si-
vestimento sinovial. Pouco se sabe sobre sua origem e como novial aderem às células da base e da matriz, mas não aderem
o seu recrutamento é regulado. A existência de células-tronco nas superfícies articulares e na sinóvia oposta. O mecanismo
mesenquimais na sinóvia seria uma possível origem dos fibro- que preserva esse fenômeno de não adesão é desconhecido e
blastos na membrana sinovial, porém esses dados não estão pode envolver o arranjo das moléculas da superfície celular e
definitivamente comprovados. da matriz, como o colágeno, fibronectina e o ácido hialurônico.
As células do tipo B estão envolvidas na secreção de com- A não aderência pode resultar em parte aos movimentos regu-
ponentes contidos no líquido sinovial, como lubricina e ácido lares da sinóvia.
hialurônico. Além disso, produzem colágenos, glicosamino-
glicanos, metaloproteinases, inibidores de metaloproteinase, Lubrificação
citocinas, fibras reticulares, elásticas e glicoproteínas encon- A característica da membrana sinovial, que é essencial
trados na matriz extracelular. para o movimento articular, é o mecanismo de lubrificação
A expressão de moléculas de adesão na superfície dos fi- eficiente, que facilita a movimentação de cartilagem sob carti-
broblastos sinoviais provavelmente direciona a passagem de lagem. Em uma articulação normal, a cartilagem é submetida
algumas populações de células, como neutrófilos, para o líquido a várias forças de compressão e de atrito durante toda a vida.
sinovial e a retenção de outras na membrana sinovial, como os Para uma articulação manter a sua função deve haver meca-
leucócitos mononucleares. Metaloproteinases, citocinas, molé- nismos de proteção biológica, como a lubrificação, que ajudam
culas de adesão e outras moléculas de superfície celular estão a minimizar o desgaste e os danos resultantes das atividades
desreguladas em estados inflamatórios. O dano tecidual estimu- diárias normais.
la os fibroblastos e induz a sua mitose. Lubrificação limítrofe refere-se ao efeito protetor das mo-
léculas lubrificantes em função de repelir a interface oposta
Funções da membrana sinovial da membrana sinovial. Assim, os lubrificantes exercem seus
As funções das células sinoviais são múltiplas e complexas. efeitos, alterando as características físico-químicas de uma su-
A membrana sinovial, que inclui as células residentes e infil- perfície articular, reduzindo o atrito e o desgaste, garantindo
trantes, vasos sanguíneos, nervos e a matriz intercelular tem um revestimento liso e escorregadio.4
várias funções especializadas, essenciais para o movimento
articular normal, para a formação do líquido sinovial, nutrição Formação e função do líquido sinovial
dos condrócitos e proteção da cartilagem em várias localiza- Líquido sinovial (ou fluido sinovial) é um líquido transpa-
ções anatômicas. Essas funções devem ser preservadas ao lon- rente e viscoso presente nas cavidades articulares e bainhas
go da vida para manter a máxima mobilidade. A ausência de dos tendões. Tem função importante durante a realização dos
elementos essenciais do líquido sinovial, da cartilagem ou pro- movimentos articulares, atuando como um “amortecedor” do
teção inadequada resulta na disfunção articular precoce, que tecido sinovial, permitindo seu movimento suave e indolor,
pode evoluir para falhas locais ou conjuntas das articulações.3 além de ser um reservatório de lubrificantes para a cartilagem.
É produzido e liberado pelas células da membrana sinovial,
Movimento articular formado parcialmente por um ultrafiltrado do plasma através
Três características da sinóvia são essenciais para o mo- da membrana sinovial, cujas células secretam ácido hialurôni-
vimento articular – deformação, aderência e lubrificação da co e lubricina, além de uma pequena quantidade de proteínas
cartilagem. A sinóvia saudável é uma estrutura altamente de- de alto peso molecular (tais como fibrinogênio e globulinas), a

Bases Científicas da Reumatologia I: A Membrana Sinovial e a Cartilagem Articular 5


qual se soma a esse ultrafiltrado. Como essa filtração plasmá- células que produzem a lubricina são os sinoviócitos do tipo
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

tica não é seletiva, exceto no que diz respeito a essas proteínas fibroblasto, encontrados na camada íntima.
de alto peso molecular, o líquido sinovial normal tem essen-
cialmente a mesma composição bioquímica do plasma. Ácido hialurônico
A permeabilidade sinovial para a maioria das pequenas Ácido Hialurônico (AH), um polissacarídeo de alto peso
moléculas é determinada por um processo de difusão livre molecular, é o principal componente do líquido sinovial e
através da barreira dupla de endotélio e interstício, limitado da cartilagem. Produzido em grandes quantidades por sino-
principalmente pelo espaço intercelular entre as células da viócitos do tipo fibroblasto, o AH ocorre em três formas nos
membrana sinovial. Para a maioria das pequenas moléculas, mamíferos, HAS1, HAS2 e HAS3, que são sintetizadas pela
a permeabilidade sinovial é inversamente proporcional às di- AH-sintase na membrana plasmática e liberadas diretamente
mensões da molécula, sendo a principal fonte de nutrientes para o compartimento extracelular. A atividade da AH-sintase
para as cartilagens. e a secreção de AH são estimuladas por citocinas pró-infla-
Evidências sugerem que a passagem de alguns solutos matórias, incluindo interleucina-1β e fator de crescimento
através da membrana sinovial é facilitada por sistemas de transformador-β (TGF-β). O AH também é sintetizado por
transporte específicos, capazes de mover a água para fora do muitas outras células do esqueleto e é um importante compo-
espaço articular, possivelmente por um mecanismo de bom- nente da matriz extracelular. Originalmente considerado como
beamento. Todas as proteínas plasmáticas são capazes de o principal lubrificante articular, atualmente é reconhecido
atravessar o endotélio, atravessando o interstício sinovial e por ter um importante papel fisiológico na manutenção da vis-
entrando no líquido sinovial. A eficiência desse processo é de- cosidade do líquido sinovial.
terminada pelo tamanho molecular da proteína e do diâmetro
dos poros endoteliais. Proteínas menores, como a albumina, Cartilagem articular
entram facilmente, enquanto que moléculas maiores, como o
fibrinogênio, penetram com maior dificuldade. Em contraste, Tipos de cartilagem
o processo de remoção das proteínas e outros componentes Existem três tipos principais de cartilagem, dependendo
presentes no líquido sinovial através de drenagem linfática é da composição da matriz: cartilagem hialina, a mais comum
irrestrito e consideravelmente mais eficiente. A concentração e cuja matriz possui fibrilas constituídas principalmente por
no líquido sinovial de qualquer proteína reflete o equilíbrio di- colágeno tipo II; cartilagem elástica, que possui poucas fibrilas
nâmico entre a entrada e a saída em um dado momento. Como de colágeno tipo II e abundantes fibras elásticas; e cartilagem
a saída é mais eficiente que o ingresso, a pressão do espaço fibrosa, que apresenta matriz constituída principalmente por
articular é normalmente subatmosférica. A pressão intra-ar- fibras de colágeno tipo I.1
ticular negativa é considerada importante na manutenção da
estabilidade articular. Embriologia da cartilagem
Quando a articulação fica inflamada, uma maior permea- A cartilagem articular tem origem embrionária a partir
bilidade endotelial permite a entrada abundante de todas as das células-tronco mesenquimais, que se diferenciam antes
proteínas, e as mudanças mais evidentes são o aumento das da oitava semana de gestação. Essas células do mesênquima
concentrações de moléculas maiores. Assim, o aumento do vo- agregam-se formando o blastema. As células assim formadas
lume de líquido sinovial também reduz a estabilidade do con- recebem o nome de condroblastos, que começam a sintetizar e
junto articular. Em contraste com as moléculas hidrofílicas, as secretar a matriz cartilaginosa. A diferenciação das cartilagens
moléculas solúveis de gordura podem difundir-se através e en- se dá de dentro para fora, de modo que as células mais centrais
tre as membranas celulares, e sua passagem através da super- já apresentam características de condrócitos, enquanto que as
fície sinovial é menos restrita. Toda a superfície da membrana da periferia ainda se apresentam como condroblastos típicos.
sinovial está disponível para a difusão de moléculas lipofílicas O tecido mesenquimal superficial dá origem a uma membrana
para dentro e fora do espaço articular. Fisiologicamente, as chamada pericôndrio.
moléculas solúveis de gordura mais importantes são os gases
respiratórios – oxigênio e dióxido de carbono. Quando a articu- Estrutura e composição
lação está inflamada, o líquido sinovial pode apresentar baixa A análise da complexa estrutura da cartilagem hialina ar-
pressão parcial de oxigênio, alta pressão parcial de dióxido de ticular é essencial à compreensão de sua biologia e função. É
carbono, diminuição do pH, e aumento na produção de lactato. encontrada nas articulações do tipo diatrodial (articulação
A hipóxia e a acidose resultantes podem ter implicações sérias livremente móvel), sendo de consistência firme, superfície
para o metabolismo sinovial microcirculação e condrócitos. lisa e deslizante, resistente à deformação plástica. Microsco-
picamente, a cartilagem articular é composta principalmente
Lubricina de matriz envolvendo um único tipo de célula, os condrócitos.
A lubricina está presente na superfície da cartilagem, e é a Não existem vasos sanguíneos, vasos linfáticos ou nervos na
principal responsável pela lubrificação das articulações diar- cartilagem articular. Em concentrações decrescentes, a matriz
trodiais. É uma glicoproteína, solúvel em água. Através de mi- é constituída por água, proteoglicanos (PG), colágeno (princi-
croscopia eletrônica a molécula da lubricina mostra-se como palmente do tipo II), e uma variedade de outras proteínas e
uma haste flexível e parcialmente alongada. Essa característica glicoproteínas.5
ajuda na sua capacidade lubrificante. Além disso, está presen-
te no líquido sinovial e na superfície (camada superficial) da Condrócitos
cartilagem articular e, portanto, desempenha um papel im- Os condrócitos são células altamente especializadas, pre-
portante na lubrificação articular e na homeostase sinovial, sentes somente na cartilagem articular. Essas células são de-
tornando-se essencial na redução do atrito da cartilagem. As rivadas de células-tronco mesenquimais que se diferenciam

6 Tratado Brasileiro de Reumatologia


antes da oitava semana de gestação. Ocupam menos de 10% Uma pequena porcentagem de água está contida no espaço in-

„„ CAPÍTULO 1
do volume total da cartilagem, sendo esparsamente distri- tracelular; cerca de 30% é encontrada no espaço intrafibrilar do
buídas dentro da matriz, tendo contato intercelular limitado. colágeno; e o espaço dos poros moleculares da matriz contém o
O aporte nutricional ocorre por difusão atravessando a dupla restante. O fluido do tecido extracelular contém sais inorgânicos
barreira da cartilagem (Figura 1.2 A e B). dissolvidos, incluindo sódio, cálcio, cloreto e potássio. O fluxo de
Os condrócitos sobrevivem com baixa concentração de água através da cartilagem e em toda a superfície articular ajuda
oxigênio e, portanto, dependem de metabolismo anaeróbio. no transporte de nutrientes aos condrócitos.
A forma e o tamanho dos condrócitos variam de acordo com A água contida na cartilagem tem uma função crucial na
sua posição zonal na cartilagem. As células da zona superfi- sua biomecânica. Em interação com os PGs, a água proporcio-
cial são elipsoidais e estão alinhadas paralelamente à super- na à cartilagem articular resistência à compressão. O pequeno
fície articular. As células da zona de transição são esféricas e tamanho dos poros da matriz causa alta resistência ao fluxo do
distribuídas de forma aleatória na matriz. As células da zona fluido extracelular. É essa resistência, juntamente com a pres-
profunda têm aspecto colunar, dispostas perpendicularmente surização da água dentro da matriz, que é responsável pela
à zona calcificada. força global da cartilagem articular para suportar altas cargas.
A principal função dos condrócitos é manter a matriz, pois
sintetizam todos os seus componentes, incluindo colágeno Colágenos
do tipo II, PGs e proteínas não colagenosas, além de regular Existe uma variedade de tipos de colágeno, sintetizados
seu metabolismo. Os condrócitos raramente se dividem após por condrócitos, os quais compõem as principais macromo-
a conclusão do crescimento ósseo. Entretanto, são capazes de léculas estruturais da matriz. Colágenos contribuem com
responder a estímulos do ambiente e de mediadores solúveis, aproximadamente 60% do peso seco da cartilagem e são dis-
incluindo fator de crescimento e interleucinas, sendo sensí- tribuídos em todas as zonas e em concentrações relativamente
veis a cargas mecânicas, alterações de pressão hidrostática, uniformes, porém com orientação variável. A estrutura de co-
mudanças de pressão osmótica, lesões e artrite degenerativa.6 lágeno fornece à cartilagem articular sua força de tensão.
O colágeno na cartilagem articular é 90 a 95% do tipo II,
Matriz extracelular com contribuições menores dos tipos V, VI, IX, X e XI. Todos os
Na cartilagem articular normal, 65 a 80% do peso total é tipos de colágeno são compostos de três cadeias polipeptídicas
água. Colágeno e PGs são as duas maiores moléculas presentes (cadeias α), enroladas em uma tripla hélice. A composição de
na cartilagem articular. Outras moléculas compõem o restante da aminoácidos das cadeias polipeptídicas é principalmente
matriz, como lipídios, fosfolipídios, proteínas e glicoproteínas.1 de glicina e prolina, com a hidroxiprolina proporcionando es-
tabilidade através de pontes de hidrogênio ao longo do com-
Água primento da molécula.
Aproximadamente 80% do peso úmido da cartilagem arti- As fibras visíveis à microscopia eletrônica são formadas
cular encontra-se na zona superficial, e 65% na zona profunda. principalmente por colágeno tipos II, IX e XI. Estas se esten-

Ácido
Colágeno hialurônico Proteína ligante
Tipo II/XI
Pericelular

Ácido
hialurônico

Condrócito

Região rica
Territorial em SQ

Região rica
Interterritorial
em SC
Proteína
ligada
Condrócito
A B C

Figura 1.2 Estrutura da cartilagem articular de um humano adulto. (A) Estrutura do condrócito da articulação na zona profunda; (B) Ma-
triz extracelular dividida em regiões, com base na proximidade dos condrócitos; (C) Molécula de glicosaminoglicano, com ligação dos dois
principais dissacarídeos: queratan e condroitim sulfatados. SQ – queratan sulfatado; SC – condroitim sulfatado.

Bases Científicas da Reumatologia I: A Membrana Sinovial e a Cartilagem Articular 7


dem por todo o tecido cartilaginoso proporcionando rigidez carídeos e oligossacarídeos agregados. Essas proteínas são
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

tensional e força. Além disso, também agem como uma malha encontradas junto à matriz e estão envolvidas na manutenção
para fixar as macromoléculas de PGs. A cartilagem obtém sua da estrutura da cartilagem articular. Incluem ancorina CII,
resistência à compressão devido em parte ao inchaço, por re- uma proteína de superfície dos condrócitos; proteína oligomé-
tenção de água, desses PGs retidos entre a malha de fibras de rica da cartilagem, uma proteína ácida encontrada dentro da
colágeno. A Tabela 1.1 apresenta todos os diferentes tipos de matriz territorial; e fibronectina e tenascina.
colágenos encontrados na cartilagem articular e suas respec-
tivas funções.
Zonas da cartilagem articular
Morfologicamente a cartilagem articular é melhor descri-
ta em quatro zonas distintas: superficial, de transição, radial-
-profunda e calcificada (Figura 1.3).7
Tabela 1.1 Os diferentes tipos de colágeno presentes na A estrutura e a composição da cartilagem variam dentro de
cartilagem articular e suas funções. cada zona, incluindo a morfologia dos condrócitos, o tamanho
Tipo de Localização Função original das fibras de colágeno, sua forma e orientação, bem
colágeno morfológica como os PGs e a concentração de água.

II Principal componente das Resistência à tensão Zona superficial


macrofibras (90 a 95%)
Esta é a mais fina de todas as camadas. É composta de
VI Matriz pericelular Auxilia os condrócitos a células achatadas, de forma elipsoide, que se encontram dis-
manter a matriz estável
IX Está misturado à superfície Propriedades de tensão e
das macrofibras conexões interfibras Zonas
X Altamente relacionado com Apoio estrutural e auxílio na
as células hipertrofiadas mineralização da cartilagem Lubricina
na camada de cartilagem Superficial
calcificada
XI Entre ou sobre as Formação dos núcleos das
macrofibras fibras

Transicional
Proteoglicanos
Proteoglicanos (PGs) compõem cerca de 10 a 15% do peso
úmido e fornecem a resistência à compressão da cartilagem
articular. Os PGs são produzidos pelos condrócitos e secre-
tados na matriz. Essas macromoléculas complexas são polis-
sacarídeos, que consistem de parte central proteica (cerne)
e cadeias laterais de glicosaminoglicanos (GAG) sulfatados,
associadas por ligação covalente. Até 200 PGs se associam a
uma molécula de ácido hialurônico através de uma proteína
de ligação, formando grandes agregados macromoleculares
conhecidos como agrecanos. Os agrecanos ligam-se às fibras Radial
de colágeno formando o arcabouço da matriz da cartilagem. (profunda)
Os glicosaminoglicanos (GAGs) são dissacarídeos, dividi-
dos em dois tipos: condroitim sulfatado e queratan sulfatado
(Figura 1.2 C). Há dois tipos de condroitim sulfatado, tipo 4 e Cartilagem Colágeno
tipo 6; o tipo 6 permanece constante ao longo da vida, enquan- calcificada tipo X
to o tipo 4 diminui com a idade.
Osso subcondral
Os proteoglicanos mantêm o equilíbrio dos fluidos e dos
eletrólitos na cartilagem articular. Essas macromoléculas têm
carga negativa nos grupos sulfato e carboxilato, atraindo mo- Figura 1.3 Estrutura da cartilagem articular, apresentando as
léculas carregadas positivamente, repelindo as moléculas com zonas de distribuição celular. Zona de cartilagem normal (zona
cargas negativas. Isso aumenta a concentração total de íons superficial ou de repouso): cartilagem hialina sem alterações mor-
inorgânicos (e.g sódio) dentro da matriz, aumentando a osmo- fológicas. Zona de cartilagem seriada (transicional ou de multipli-
laridade da cartilagem articular. cação): com colunas paralelas de células achatadas e empilhadas
no sentido longitudinal do osso (resultado da multiplicação dos
Proteínas não colagenosas e glicoproteínas condrócitos). Zona de cartilagem hipertrófica (radial ou profun-
da); os condrócitos aparecem mais volumosos. Zona de cartilagem
As proteínas não colagenosas e as glicoproteínas são pro- calcificada: ocorre a mineralização da matriz e morte dos condró-
teínas pouco estudadas, ocasionalmente contendo monossa- citos (não observamos mais os núcleos).

8 Tratado Brasileiro de Reumatologia


tribuídas paralelamente à superfície articular, recobertas por maior diâmetro, paralelas à zona superficial e perpendicula-

„„ CAPÍTULO 1
uma fina película de líquido sinovial contendo concentrações res à zona radial, garantindo dessa forma a função de prover
elevadas de lubricina. resistência e rigidez. Essa região é distinguível das outras pela
A lubricina é uma glicoproteína secretada por fibroblas- formação de agregados de proteoglicanos.
tos sinoviais e condrócitos articulares da zona superficial. A
lubricina é responsável por fornecer a lubrificação das su- Biologia e função da cartilagem
perfícies opostas da cartilagem articular, proporcionando seu
deslizamento. Além disso, tem propriedades condroproteto- A cartilagem articular é um tecido formado e mantido por
ras essenciais, como a inibição do crescimento excessivo dos condrócitos. Os condrócitos sobrevivem sem vasos sanguí-
sinoviócitos, evitando assim o desgaste da cartilagem. neos, vasos linfáticos ou nervos, estando isolados dentro da
Os condrócitos nessa zona sintetizam altas concentrações matriz. Além disso, os condrócitos criam uma estrutura capaz
de colágeno e baixas concentrações de proteoglicanos, tornan- de manter e reparar o tecido cartilaginoso.
do-a a zona com maior teor de água. O arranjo paralelo das A cartilagem hialina utiliza glicose pelo mecanismo anae-
fibras é responsável por fornecer uma maior força de tensão e róbio, com pouca concentração de oxigênio, com formação de
resistência. O rompimento dessa zona altera as propriedades ácido lático como produto final. Os nutrientes trazidos pelo
mecânicas da cartilagem articular e, portanto, contribui para sangue atravessam o pericôndrio, penetram na matriz da car-
o desenvolvimento da osteoartrite. Além disso, essa camada tilagem e alcançam os condrócitos mais profundos. Entretan-
também atua como um filtro para as macromoléculas. to, ainda não está claro de que forma os condrócitos realizam
sua nutrição. O contato entre a cartilagem articular e o osso
Zona de transição subcondral vascularizado parece ser crucial para sua manu-
tenção. Além disso, o líquido sinovial proporciona aos condró-
A densidade de células nessa zona é menor, com células
citos nutrientes através de difusão. A dupla barreira de difusão
predominantemente na forma esferoidal, distribuídas na ma-
requer passagem através da membrana sinovial, seguido por
triz, que está presente de forma abundante. As fibras de colá-
passagem pela matriz, chegando aos condrócitos.
geno têm grande diâmetro e são dispostas aleatoriamente, e os
PGs estão em maior concentração nessa zona. Condrócitos são metabolicamente ativos, apesar da apa-
rência estática dessas células. A conservação da superfície
Zona radial (ou profunda) articular requer que os condrócitos renovam as biomacromo-
léculas da matriz através da substituição dos componentes
Essa zona contém as fibras de colágeno de maior diâmetro degradados da matriz. Assim, os condrócitos devem ser capa-
e maior concentração de proteoglicano. No entanto, a densida- zes de responder às mudanças na composição da matriz (que
de celular é mais baixa, as células estão dispostas perpendicu- ocorrem com a degradação macromolecular), sintetizando ti-
larmente à superfície e têm forma esferoidal. pos e quantidades adequadas dessas biomacromoléculas.
Zona calcificada A matriz tem um papel importante na transmissão de si-
nais químicos, elétricos e mecânicos aos condrócitos, como
Essa zona mineralizada contém pequeno volume de células durante carga exercida sobre a superfície articular. Os condró-
incrustadas numa matriz calcificada, as quais apresentam uma citos respondem alterando a estrutura da matriz, e as citocinas
atividade metabólica muito baixa. Os condrócitos nessa zona ex- podem atuar sobre essas células como os mensageiros, de ma-
pressam fenótipo hipertrófico e sintetizam colágeno tipo X, res- neira autócrina ou parácrina.
ponsável por fornecer integridade estrutural e amortecer forças PGs são sintetizados, agregados, sulfatados e secretados na
exercidas junto ao osso subcondral. Essa camada mais profunda matriz pelos condrócitos. O controle sobre a síntese do PG é
ancora a cartilagem hialina ao osso subcondral. Por ser de alta através de estímulos biomecânicos, mecânicos e físicos. A ma-
densidade, provavelmente bloqueia o transporte de nutrientes nutenção da cartilagem articular requer contínua degradação
a partir do osso subjacente, tornando a cartilagem articular de- e liberação de PGs. Mediadores solúveis, como a interleucina 1,
pendente do líquido sinovial para seu suporte nutricional. podem acelerar essa degradação.
A matriz dentro de cada zona também pode ser dividida Fatores de crescimento têm um papel importante no meta-
em regiões distintas, com base na proximidade dos condróci- bolismo da cartilagem. Contudo, a forma com que esses fatores
tos. Essas regiões foram definidas como região pericelular, ter- interferem sobre os condrócitos ainda não está totalmente cla-
ritorial e interterritorial, e diferem no conteúdo, no diâmetro e ra. Os receptores de superfície celular para os fatores de cres-
na organização das fibras de colágeno (Figura 1.2 B). cimento estão presentes na superfície celular dos condrócitos.
A matriz pericelular circunda completamente os condróci- O fator de crescimento plaquetário (PAF) parece ter um efeito
tos, formando uma camada fina ao redor da membrana celular. mitogênico sobre os condrócitos. Fator de crescimento tipo
Essa região da matriz é rica em PGs e proteínas não colageno- insulina-1 (IGF-1) e o fator transformador de crescimento-β
sas, como as moléculas de ancorina CII e decorina, com pouca (TGF-β) são estimuladores na produção da matriz na cartila-
ou nenhuma fibra de colágeno, apenas colágeno não fibrilar gem articular.
do tipo VI. Os próprios condrócitos síntetizam enzimas proteolíticas
Matriz territorial cerca a região pericelular e está presente que são responsáveis pela degradação da matriz cartilaginosa.
em toda a cartilagem. Ela contém fibras de colágeno finas e or- As principais proteinases envolvidas incluem as metaloproteases
ganizadas de forma transversal, formando uma rede em torno (colagenase, gelatinase e estromelisina) e as catepsinas (catepsi-
dos condrócitos, protegendo-os de impactos mecânicos. na B e D), que têm a capacidade de degradar o agrecano dos PGs.
Finalmente, a região interterritorial é a maior de todas O movimento articular é obrigatório para manter a estru-
e a que mais contribui para as propriedades da cartilagem tura e a função da cartilagem articular de um adulto normal. A
articular. Essa região é composta de fibras de colágeno com imobilização articular prolongada leva à degeneração da carti-

Bases Científicas da Reumatologia I: A Membrana Sinovial e a Cartilagem Articular 9


lagem e a difusão de nutrientes do líquido sinovial fica diminuí- Trauma
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

da. Além disso, o teor de PG também diminui e sua estrutura


fica alterada. A remobilização pode reverter essas alterações. Os O forte impacto sobre a superfície articular ou a força re-
médicos atualmente são mais agressivos sobre a manutenção petitiva exercida sobre a cartilagem articular podem causar
do movimento articular após um ferimento ou uma cirurgia por microdanos aos condrócitos, levando à degeneração e à morte
causa da maior compreensão dos efeitos deletérios à cartilagem celular. Isso também gera um dano da matriz de colágeno, com
pelas imobilizações rígidas e prolongadas.6, 7 um aumento da hidratação, fissura na cartilagem e espessa-
mento do osso subcondral. Trauma também leva à diminuição
na produção de proteoglicanos pelos condrócitos. Nesses ca-
Biomecânica sos, apesar de sua superfície externa parecer estar intacta, a
cartilagem real tende a ser frágil e delicada.9
A cartilagem articular tem importante função no corpo hu-
mano, permitindo a transmissão de carga através das articula-
ções. Sua estrutura permite armazenar, transmitir e dissipar „„ PRINCÍPIOS GERAIS DE IMUNIDADE ADAPTATIVA
energia mecânica durante as atividades diárias normais. Caso E INATA
contrário, ocorreriam perdas permanentes de sua espessura
pelas forças e desgastes exercidos sobre ela. O sistema imune compreende um conjunto de células efe-
A cartilagem articular tem propriedades de tensão e com- toras e moléculas que têm como função proteger o organismo
pressão bem-definidas. As ligações cruzadas entre as fibras de contra agentes agressores potencialmente patogênicos. Para
colágeno representam o principal mecanismo responsável por exercer essa proteção, o sistema imune necessita desempe-
essa resistência à tensão, mas pouco faz para resistir à com- nhar quatro atividades principais: reconhecimento do agen-
pressão. Os PGs e água retidos na malha de colágeno, exercen- te invasor; funções efetoras de neutralização e eliminação do
do uma pressão causada pelo edema, oferecem resistência à agente; regulação para controlar e ajustar a intensidade da
compressão. resposta imune; e memória para uma resposta mais rápida
e efetiva após exposições subsequentes com o mesmo agente.
A cartilagem articular é bifásica, e essa característica é
essencial para sua capacidade de resistir a altas cargas con- O sistema imune é tradicionalmente dividido em sistema
secutivas a que está exposta ao longo das décadas. A fase imune inato e adaptativo. O sistema imune inato é composto
sólida compreende os elementos macromoleculares de colá- de barreiras físicas e químicas que proporcionam as linhas ini-
genos, PGs e proteínas não colagenosas; e a fase fluida refere- ciais de defesa contra microrganismos. A pele, o trato respira-
-se à água contida no tecido. As propriedades biomecânicas tório e gastrointestinal, os quais são revestidos por epitélios,
da cartilagem articular dependem da interação entre essas constituem as primeiras barreiras físicas de proteção contra
duas fases. a invasão de patógenos. Se os patógenos conseguirem romper
essas barreiras epiteliais, eles encontram outras células efeto-
A matriz da cartilagem é um tecido poroso e permeável,
ras no tecido subepitelial. Ainda são componentes do sistema
permitindo o fluxo de água quando pressões são aplicadas,
imune inato as células fagocíticas (neutrófilos e macrófagos)
proporcionando à cartilagem articular suas propriedades
e células matadoras naturais (NK – natural killers) e as subs-
mecânicas de deformabilidade e relaxamento. Essas proprie-
tâncias antimicrobianas produzidas nas superfícies epiteliais
dades mecânicas resultam do fluxo de fluido que a matriz da
(barreiras químicas), sistema do complemento, mediadores
cartilagem articular gera quando é comprimida. O mecanismo
da inflamação e citocinas. Os mecanismos da imunidade inata
da deformação se dá em razão de o material viscoelástico res-
são estimulados pelo reconhecimento de estruturas molecu-
ponder de forma rápida quando uma carga constante é aplica-
lares que são comumente encontradas em várias espécies de
da, seguido por uma deformação lenta, até atingir o seu estado
microrganismos.2
de equilíbrio.
O sistema imune adaptativo é composto de linfócitos B,
É a malha de fibras de colágeno que restringe a expansão
linfócitos T e seus produtos. A resposta imune adaptativa é
dos PGs com aumento do fluido do tecido. A falha mecânica
capaz de amplificar e aprimorar o combate a patógenos, além
da matriz e a osteoartrite resultam na ruptura da estrutura
de apresentar capacidade de memória. Esse sistema é ativado
dessas fibras de colágeno e consequente expansão de PGs, que
através de uma ligação específica a um antígeno. Os linfóci-
leva a um aumento da concentração de água na cartilagem.
tos B, após reconhecerem os antígenos, são capazes de gerar
Essa diminuição na sua rigidez e o aumento na permeabilida-
modificações no seu DNA, sofrer rearranjo isotípico e hiper-
de da matriz fazem com que o tecido se torne menos capaz de
mutação, gerar clones celulares e produzir anticorpos com
suportar cargas.6
especificidade crescente para ligação ao antígeno que foi re-
conhecido. Por sua vez, os linfócitos T reconhecem os antíge-
Alterações relacionadas à idade nos por seus receptores celulares (TCR), que são apresentados
pelas moléculas do complexo de histocompatibilidade (MHC)
A idade é um forte fator de risco para o desenvolvimento de presentes nas células chamadas apresentadoras de antígenos
osteoartrite e de outras injúrias articulares. O envelhecimento (APC) – células B, macrófagos e células dendríticas.
reduz a hidratação e aumenta o conteúdo total de proteínas na
cartilagem articular. Os condrócitos tornam-se maiores com o
envelhecimento, e ocorre um aumento nas atividades de síntese Sistema imune inato
proteica e mitoses, além de aumento na produção de enzimas
Células
lisossomais. Como resultado dessas alterações, a cartilagem
articular aumenta sua rigidez, diminuindo sua elasticidade, As principais células efetoras da imunidade inata são os
aumentando a suscetibilidade a lesões articulares relaciona- neutrófilos, fagócitos mononucleares e células NK. Cada uma
das à idade.8 dessas células desempenha um papel distinto na resposta con-

10 Tratado Brasileiro de Reumatologia


tra os patógenos. Os macrófagos e células NK secretam citocinas As células NK também reconhecem anticorpos ligados

„„ CAPÍTULO 1
que promovem o recrutamento de outros leucócitos circulan- a antígenos-alvos através do receptor FcyRIIIa (CD16), um
tes para o local da infecção. O acúmulo desses leucócitos e sua receptor de baixa afinidade para a porção Fc de IgG1 e IgG3.
ativação para destruir os patógenos invasores caracterizam Como resultado desse reconhecimento, as células NK matam
uma resposta complexa do organismo aos insultos, conhecida células-alvo que foram revestidas com anticorpos, por meio
como inflamação. Além disso, ocorre um aumento da permea- de um processo chamado citotoxicidade celular anticorpo-
bilidade vascular e extravasamento de várias proteínas plas- -dependente.
máticas no sítio inflamatório. Tanto as células NK quanto os linfócitos T citotóxicos ma-
tam as células infectadas por vírus através dos grânulos pre-
Fagócitos (monócitos/macrófagos e neutrófilos) sentes nos citoplasma dessas células, os quais contêm uma
Os fagócitos expressam receptores de membrana que proteína chamada perforina, que cria poros nas membranas
identificam, fagocitam e digerem patógenos. Os neutrófilos, das células-alvo, e enzimas chamadas granzimas, que entram
também chamados polimorfonucleares por causa da segmen- na célula-alvo através dos poros criados e induzem sua apop-
tação do núcleo em três a cinco lóbulos, são os leucócitos mais tose. As células NK desempenham várias funções importantes
abundantes da corrente circulatória e participam nas fases na defesa contra micróbios intracelulares. Elas matam células
iniciais da resposta inflamatória. O citoplasma dessas células infectadas por vírus antes da resposta antígeno-específica dos
contém grânulos constituídos por enzimas, como a lisozima, linfócitos T citotóxicos tornar-se plenamente ativa, isto é, du-
colagenase, elastase, lisossomias, entre outras. Os neutrófilos rante os primeiros dias após a infecção viral.
migram para os locais de infecção dentro de poucas horas após
a entrada do patógeno invasor.10
Reconhecimento de patógenos pelo sistema
Os monócitos são fagócitos mononucleares circulantes na
imune inato
corrente sanguínea. São gerados na medula óssea e podem
permanecer na circulação por prolongados períodos. Depois As células do sistema imune inato, após serem ativadas
de penetrarem nos tecidos, os monócitos se diferenciam em pelo reconhecimento do patógeno, secretam citocinas e qui-
macrófagos teciduais. Essas células são estrategicamente re- miocinas que sinalizam uma situação de “perigo” às outras
sidentes no tecido conectivo subepitelial, no interstício de células. A primeira resposta desencadeada é a inflamação no
órgãos parenquimatosos, no fígado, no baço e nos gânglios sítio da infecção e o recrutamento de outras células do sistema
linfáticos. As células dendríticas (DCs) representam uma for- imune, incluindo neutrófilos. Os neutrófilos agem rapidamen-
ma distinta de diferenciação do monócito e são fundamentais te liberando espécies reativas de oxigênio e proteases, causando
tanto na ativação da imunidade adaptativa quanto em manter assim dano de maior ou menor extensão ao tecido do hospe-
a tolerância imunológica.11 deiro. Essa ação é essencial para a eliminação efetiva do pa-
Dessa maneira, os fagócitos desempenham uma importan- tógeno, para ativar o sistema imune adaptativo e para levar à
te função efetora na eliminação de micróbios através de ações, reconstrução tecidual. Inflamação é, dessa forma, potencial-
como recrutamento de células sanguíneas para o sítio de infec- mente danosa, mas essencial, e se torna um problema somente
ção, reconhecimento de patógenos, fagocitose e produção de quando é excessiva ou persistente.
espécies reativas de oxigênio e enzimas lisossômicas, as quais Um dos mecanismos que induzem a resposta imune ina-
destroem os micróbios fagocitados. ta é o reconhecimento de estruturas moleculares associadas
a patógenos, conhecidas como PAMPs (pathogen-associated
Células NK molecular patterns). Os PAMPs são usualmente estruturas
O principal papel das células NK na imunidade inata é a moleculares essenciais para a sobrevivência dos patógenos e
sua capacidade de eliminar células infectadas por vírus e al- normalmente não são encontrados no animal hospedeiro. Um
guns patógenos intracelulares, induzindo-as a sofrer apoptose dos exemplos mais clássicos de PAMP é o lipopolissacarídeo,
sem a necessidade de ativação adicional. Essas células circu- presente na membrana de bactérias gram-negativas (LPS).2
lam na corrente sanguínea e no baço, apresentam-se como No entanto, em situações onde não há necessidade de elimi-
linfócitos maiores contendo inúmeros grânulos citoplasmáti- nar um componente externo ao organismo, mas há necessidade
cos. Contudo, ao contrário dos demais linfócitos, as células NK de regeneração tecidual, como no trauma tecidual, a ativação
não expressam receptores gerados através de recombinação do sistema imune é feita através da presença de padrões mo-
somática e, portanto, dependem de receptores codificados leculares associados a dano (DAMPs – damage-associated
pela linhagem germinal (sem modificações genéticas) para si- molecular patterns), que receberam essa terminologia pela
nalizar as suas respostas contra as células infectadas pelo pa- comparação com os PAMPs. Porém, cabe ressaltar que há uma
tógeno. Esses receptores são conhecidos como KIR (killer cell importante distinção entre esses dois tipos de moléculas:
immunoglobulin-like receptors). DAMPs são moléculas próprias do indivíduo, enquanto PAMPs
As células NK realizam a sua função através do balanço são moléculas que pertencem a patógenos. Um exemplo de
de receptores KIR de ativação e inibição que reconhecem a DAMP é a molécula HMGB1 (high mobility group box 1). Essa
molécula de MHC classe I, expressa na superfície da maioria molécula é um componente da cromatina e assim reside no
das células de vertebrados. A presença de MHC classe I em núcleo das células. A presença dessa molécula em um contexto
níveis normais a altos inibem a atividade citolítica das célu- extracelular indica que houve morte celular e sinaliza ao siste-
las NK. As células NK seletivamente matam células que estão ma imune a mensagem de “perigo”.13
expressando níveis baixos de MHC classe I, em que os ligantes As células do sistema imune inato expressam inúmeros re-
para os receptores inibitórios de células NK são perdidos. Isso ceptores de reconhecimento desses padrões vinculados a pató-
ocorre tanto em células infectadas por vírus quanto em célu- genos (PRRs – pattern-recognition receptors), que são capazes
las tumorais.12 de reconhecer os PAMPs e posteriormente ativar uma série

Bases Científicas da Reumatologia I: A Membrana Sinovial e a Cartilagem Articular 11


de cascatas que focam a destruição e eliminação do patógeno. intracelulares. Por exemplo, enquanto TLRs 1, 2, 4, 5 e 6 são
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

Além disso, esse reconhecimento é importante também para o expressos na superfície das células, os TLRs 3, 7, 8 e 9 são en-
desenvolvimento e direcionamento da resposta imune adapta- contrados quase que exclusivamente em compartimentos in-
tiva, mediada por células T e B. tracelulares. A sinalização celular dos TLRs resulta na ativação
Os PRRs são expressos de forma constitutiva pelas células de cascatas que levam à produção de citocinas pró-inflamató-
do hospedeiro. O mecanismo básico utilizado para a respos- rias e quimiocinas.2
ta do sistema imune inato por PRRs e PAMPs é extremamente
conservado entre espécies, desde plantas até mamíferos. Inflamassoma
Esses receptores podem ser divididos, conforme o tipo de
PAMPs que reconhecem, em quatro famílias. A família mais es- Inflamassomas são complexos de proteínas que fazem a
tudada é a dos receptores tipo toll (toll-like receptors, TLRs), ligação entre o reconhecimento de produtos microbianos com
que reconhecem uma variedade de PAMPs microbianos oriun- a proteólise da pró-interleucina 1β, gerando a sua forma ativa
dos de bactérias, vírus, protozoários e fungos. Mas existem IL-1β, via ativação de caspases inflamatórias. Dentre os infla-
pelo menos outras três famílias de receptores, os receptores massomas, o NAPL3, da família dos NALP, destaca-se pela sua
citosólicos NLRs [receptores NOD (nucleotide binding oligo- ação em algumas doenças reumáticas, como a gota. Caracteri-
merization domain)-like] – que reconhecem bactérias, os re- za-se por ter proteínas com domínios de pirina. Esse complexo
ceptores RLRs [receptores RIG-I (retinoic acid-inducible gene de proteínas provavelmente está envolvido na patogênese de
1)-like] – que reconhecem vírus, e os receptores CLRs (recep- alguns processos inflamatórios com indução da expressão ele-
tores do tipo lecitina C) – que reconhecem fungos. vada de IL-1β.
Atualmente, existem 12 membros na família dos TLRs. O NAPL3 ativa caspases inflamatórias, nesse caso a capa-
Esses receptores são expressos por várias células do sistema se 1. Essa caspase cliva pró-interleucina-1β (pró-IL-1β) para
imune, incluindo macrófagos, células dendríticas, células T, produzir IL-1β, bem como também ativa IL-18 e IL-33. Seu
células B e ainda células não pertencentes ao sistema imu- mecanismo de ativação é bem conhecido atualmente. Sabe-se
ne, como fibroblastos e células epiteliais. Os TLRs podem ser que inúmeros ligantes exógenos e patógenos são capazes de
expressos na superfície das células ou em compartimentos ativá-lo, incluindo RNA de bactéria, adenosina trifosfato (ATP)
e ácido úrico. Ativação do NAPL3 pelo ácido úrico seria o prin-
cipal mecanismo desencadeador da intensa resposta inflama-
tória da crise de gota. Mutações ativadoras do NAPL3 também
podem levar a síndromes autoinflamatórias.
Tabela 1.2
Moléculas recombinantes que inibem a atividade da IL-1β,
PRRs PAMPs que reconhem Patógeno como o competidor do receptor solúvel de IL-1 (IL-1Ra – ana-
kinra) e o anticorpo monoclonal anti-IL-1, foram desenvol-
Toll like vidos como fármacos e vêm sendo utilizados no tratamento
TLR 1 Lipoproteínas e peptideoglicanos Bactérias gram-positivas de patologias que envolvem a produção exacerbada de IL-1β,
como a gota e síndromes autoinflamatórias.14
TLR 2 Lipoproteínas e peptideoglicanos Bactérias gram-positivas
TLR 3 dsRNA Vírus
Sistema complemento
TLR 4 Lipopolissacarídeos Bactérias
O sistema Complemento (SC) é uma importante ferramen-
Heat-shock protein 60 e 70 Hospedeiro ta da imunidade inata pelo seu papel altamente eficiente na
Fibrinogênio Hospedeiro defesa contra patógenos, como bactérias, células infectadas
por vírus e parasitas. Trata-se de um sistema complexo defi-
TLR 5 Flagelo Bactérias
nido como uma cascata de proteínas séricas solúveis ativadas
TLR 6 Gliclolipídeo Micoplasma sequencialmente, resultando em morte celular através da lise
direta e/ou ativação de fagócitos. Em mamíferos, esse sistema
TLR 7 ssRNA
consiste em mais de trinta proteínas séricas e de membrana
TLR 8 ssRNA celular produzidas principalmente pelo fígado.
TLR 9 DNA Vírus A ativação da cascata do complemento pode ser iniciada
através da via clássica (dependente de anticorpo), via alter-
NLRs nativa (espontânea), ou via da lectina (mediada pela ligação
NOD RNA bacteriano da lectina-manose). Após a sua ativação, os fragmentos gera-
dos do complemento atuam modulando as reações humorais e
Toxinas
celulares, principalmente quimiotaxia e anafilaxia, através da
Cristal de urato monossódico interação desses fragmentos de ativação com receptores celu-
ATP
lares ou pela deposição dos complexos proteicos na membra-
na celular.
outros A via clássica, um potente mecanismo efetor da imunidade
RLRs humoral, é ativada através da interação do componente C1 do
complemento aos domínios da fração constante (FC) das imu-
RIG-I RNA viral Vírus noglobulinas (Ig) IgM ou IgG complexadas ao antígeno (com-
plexo imune antígeno-anticorpo). O C1 é formado por três
proteínas (C1q, C1r, C1s). Após essa ligação, o C1q sofre uma

12 Tratado Brasileiro de Reumatologia


mudança conformacional que gera ativação do C1r e clivagem na membrana da célula-alvo, formando o complexo de ataque

„„ CAPÍTULO 1
do C1s que, por sua vez, é capaz de clivar C4 e C2. O fragmento à membrana (MAC – membrane attack complex), (Figura 1.4).
C4b liga-se à membrana celular do patógeno e permite a liga- A unidade funcional do MAC é um poro inserido na bicamada
ção de C2a; o complexo formado C4b2a é a C3-convertase da fosfolipídica que interfere na propriedade de permeabilidade
via clássica.15 seletiva da membrana, permitindo a entrada de água, íons e
A via alternativa é ativada diretamente por partículas ricas pequenas moléculas para o citosol da célula-alvo, levando à
em carboidratos presentes na superfície do microrganismo sua ruptura.
invasor (independentemente da presença de Ig), envolvendo Além de uma ação efetora contra os patógenos, o comple-
a ligação de C3b (presente de forma solúvel no plasma) e de- mento possui outras atividades biológicas no organismo como:
mais componentes da via alternativa: o fator B, o fator D e a opsonização, facilitando a fagocitose; solubilização e remoção
properdina (fator P). O fator B, após sua clivagem pelo fator D, de complexos imunes e de células apoptóticas; interface entre
liga-se ao C3b formando C3bBb (C3-convertase da via alterna- a imunidade inata e adaptativa; e ação pró-inflamatória. Esses
tiva). A properdina tem a capacidade de estabilizar o complexo efeitos ocorrem através da ligação dos produtos de ativação
C3bBb, que pode clivar outras moléculas de C3.16 com receptores de membrana específicos presentes em dife-
A via das lectinas é ativada através da ligação da lectina rentes tipos de células. Atua também como imunorregulador
ligante da manose (MBL – mannose-binding lectin), um compo- na imunidade humoral, modulação da imunidade de células T
nente solúvel no nosso organismo, com carboidratos presen- e regulação da tolerância para antígenos próprios nucleares.
tes na superfície do microrganismo-alvo. A MBL é membro da Quando o complemento é ativado por anticorpos direcio-
família das lectinas dependentes de cálcio e possui a estrutura nados a antígenos de origem externa, mas também eventual-
semelhante ao C1q. Após sua ativação, ocorre a interação com mente a antígenos próprios, a ativação explosiva e inespecífica
serinoproteases associadas à MBL (MASPs – MBL-associated da via comum final e a formação excessiva de mediadores da
serine protease), que incluem MASP-1, MASP-2 e MASP-3, que inflamação podem causar danos a tecidos e células autólogas.
clivam estruturas do complemento C4 e C2, gerando a C3-con- Para proteger ou conter esses danos, o SC é fortemente regu-
vertase (C4b2a).17 lado por substâncias solúveis ou ligadas à membrana celular.
Portanto, as três vias de ativação convergem para a geração As células normais, que são resistentes à lise autóloga me-
de enzimas proteolíticas, denominadas C3-convertases, que diada pelo complemento, possuem um sistema regulador do
clivam a proteína C3 em C3a e C3b. O fragmento C3b gerado se complemento na membrana celular constituído por proteínas,
combina com a C3-convertase, dando origem à C5-convertase, sendo as principais o CD55, o fator acelerador de degradação
a qual cliva C5 em C5a e C5b. O fragmento C5b se agrega com (DAF – decay accelerating factor) e o CD59, ou inibidor da lise
C6 e C7 para formar o complexo de inserção C5b-7; após essa de membrana (MIRL – membrane inhibitor of reactive lysis). O
etapa, ocorre o recrutamento de C8 e múltiplas unidades de C9 CD55 inibe a formação de novas C3 e C5 convertases, preve-

Via clássica Via das lectinas Via alternativa


(imunocomplexo) (MBL-carboidrato) (C3b-patógeno)

CI MASPs C3b

Fator B,
Fator D,
C4, C2 Fator P
C3 e C5
convertase
C3a,C5a C3b

C5b-C9

Inflamação MAC Opsonização

Kemper.Nature Reviews Immunology, 2007, adaptada


Figura 1.4 O complemento pode ser ativado através da via clássica, via das lectinas e da via alternativa. O componente C1 é composto de
C1q, C1r e C1s e reconhece o imunocomplexo ligado à membrana celular; a lectina ligante da manose (MBL) reconhece certos carboidratos
na membrana de alguns patógenos específicos; e o C3b reconhece carboidratos presentes na membrana dos patógenos. Todas as vias de
ativação originam a formação da C3 e C5 convertase, que geram anafilatoxinas C3a e C5a, a opsonina C3b e o complexo de ataque à mem-
brana (MAC). O C3b também amplifica a via alternativa.

Bases Científicas da Reumatologia I: A Membrana Sinovial e a Cartilagem Articular 13


nindo a clivagem de C3 e C5, além de acelerar a degradação Esses peptídeos produzidos no citoplasma são transportados
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

dessas enzimas pré-formadas. A proteína CD59 é o único re- por uma proteína transportadora de peptídeos, denominada
gulador de membrana que interfere diretamente na estrutu- TAP, para o lúmen do retículo endoplasmático, onde se ligarão
ração do MAC através de sua incorporação física ao complexo às moléculas MHC de classe I. O complexo peptídeo-MHC I é
em formação, impedindo a ligação das unidades de C9 ao com- transportado para a superfície celular, onde será reconhecido
plexo C5b-8.18 por células T CD8, as quais são ativadas a matar as células que
apresentam patógenos intracelulares.22
As moléculas MHC de classe II apresentam peptídeos de-
„„ SISTEMA IMUNE ADAPTATIVO
rivados de proteínas de origem extracelular que tiveram aces-
O sistema imune adaptativo é assim chamado porque tem so ao interior da célula dentro de vesículas intracelulares. As
a capacidade de reconhecimento de qualquer patógeno, ou moléculas MHC de classe II recém-sintetizadas são dirigidas
toxinas, invasores do nosso organismo. Essas moléculas que do retículo endoplasmático para as vesículas endocíticas, onde
podem ser reconhecidas pelo sistema imune são denominadas ocorre o carregamento de peptídeos derivados das proteínas
de antígenos. extracelulares. O complexo peptídeo-MHC II é transportado
As células envolvidas na imunidade adaptativa são os lin- para a superfície celular onde é reconhecido por células T
fócitos. Linfócitos são leucócitos do sangue que possuem apa- CD4, que são especializadas em ativar outras células do siste-
rência semelhante, não distinguível à microscopia, mas que ma imune.23
podem ser classificados conforme suas diferentes funções. Durante o reconhecimento do antígeno pelo linfócito
Dentre os subtipos existentes estão linfócitos T, linfócitos B e T, o TCR entra em contato com resíduos de aminoácidos do
linfócitos matadores naturais NK. Uma maneira de diferenciar peptídeo, bem como resíduos polimórficos das moléculas de
esses diferentes tipos de linfócitos é pelo tipo de marcador ou MHC. Mas para que as células T se tornem ativadas é neces-
marcadores celulares que essas células apresentam na super- sária a emissão simultânea de um sinal coestimulatório pelas
fície, os chamados CD (cluster of differentiation). células apresentadoras de antígeno especializadas. As mólé-
culas coestimulatórias principais, encontradas na superfície
Cada célula T ou célula B tem um único receptor antigêni-
das APCs, são as glicoproteínas B7.1 e B7.2, denominadas mo-
co, o qual é formado por um rearranjo aleatório de diversos
léculas B7. O receptor para moléculas B7, denominado CD28, é
segmentos de genes durante seu processo de amadurecimen-
encontrado na superfície de células T.24
to. O resultado final desse processo de seleção é a expansão ou
morte de cada um desses clones de células T e B e determina o A ligação do complexo peptídeo-MHC ao receptor de cé-
repertório do sistema imune, ou seja, sua capacidade de reco- lula T (TCR) e a ligação de B7 ao CD28 desencadeiam a ativa-
nhecimento de uma diversidade de antígenos.19 ção e expansão de células T. Ocorre a indução da expressão e
secreção de interleucina 2 (IL-2), assim como a expressão de
receptores de alta afinidade para IL-2 na superfície das célu-
Componentes do sistema imune adaptativo las T antígeno-específicas. A união da IL-2 com o receptor de
alta afinidade permite a progressão ao longo do ciclo celular.
Células T
As células T assim ativadas podem se dividir durante vários
Os linfócitos T se subdividem em linfócitos T citotóxicos e dias, gerando clones celulares, todos portadores de um mes-
linfócitos T auxiliares (helpers – Th). Essa subdivisão é basea- mo receptor específico para o antígeno. A ativação das células
da na expressão diferenciada de CDs. Cada subtipo linfocitário T causa também a expressão, na superfície celular da célula T,
vai auxiliar a resposta imune de maneira distinta. Linfócitos de uma molécula chamada CD40 ligante. Essa molécula se liga
T citotóxicos expressam CD8 e têm ação de indução de morte à CD40 na superfície das células B, induzindo sua ativação.25
celular da célula infectada; já linfócitos T auxiliares expressam Uma vez que as células T sejam ativadas, elas passam a exi-
CD4 e são capazes de liberar citocinas que vão ativar outras bir um receptor adicional, chamado CTLA-4, que se assemelha
células do sistema imune. com a sequência de CD28. As moléculas B7, presentes na su-
A célula T precursora gerada na medula óssea migra até o perfície das APCs, ligam-se com mais avidez ao CTLA-4 pre-
timo e inicia o rearranjo genético para formação do TCR nes- sente na superfície de células T do que ao CD28. A ligação de
se microambiente. O processo de maturação dos linfócitos T B7 a CTLA-4 emite um sinal inibitório à célula T ativada para
no timo consiste numa complexa sequência de eventos bioló- que a resposta proliferativa seja efetivamente interrompida e
gicos, compreendendo a proliferação das linhagens celulares para que seja produzida uma menor quantidade de IL-2.26
precursoras, a expressão diferencial de proteínas de membra- Então, durante o processo de reconhecimento de antíge-
na, rearranjos gênicos do receptor de antígeno, a seleção do nos pelo linfócito T, dois sinais são necessários para a ativação
repertório de linfócitos maduros, morte celular programada dessas células:
dos linfócitos não selecionados e, finalmente, a migração celu-
lar para a corrente circulatória.20 a) Sinal 1: reconhecimento do antígeno processado –
peptídeo estranho ligado a uma molécula MHC na su-
Os linfócitos T de um indivíduo reconhecem antígenos
perfície da célula apresentadora de antígeno.
próprios ou estranhos que são processados, ligados e apresen-
tados nas moléculas de MHC próprias desse indivíduo pelas b) Sinal 2: fornecido pela interação de uma segunda mo-
células apresentadoras de antígenos. Os linfócitos T CD4 reco- lécula de superfície, por exemplo, B7 presente na cé-
lula apresentadora de antígeno com a molécula CD28
nhecem peptídeos ligados a moléculas MHC classe II, enquan-
presente nas células T auxiliares.
to que T CD8 reconhecem peptídeos ligados a moléculas de
classe I do MHC.21 O sinal 1 sem o sinal 2 pode inativar a célula T (processo
As moléculas MHC de classe I ligam peptídeos derivados de chamado anergia); isto está relacionado com a tolerância imu-
proteínas citosólicas degradadas pelo sistema proteassoma. nológia (Figura 1.5).

14 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 1
MHC II CD4
Sinal 1
Ativação do
TCR
LT linfócito TCD4

B7
B CD28 Sinal 2
APC

MH I
MHC CD8
Sinal 1

TCR Ativação do
LT linfócito TCD8

B7 CD28 Sinall 2
APC

MHC
MH II CD4
Sinall 1
Anergia
TCR (sem o 2º sinal
LT o
coestimulatório)

CD28
APC

Figura 1.5 São necessários dois sinais para a ativação dos linfócitos T(LT): sinal 1: reconhecimento do antígeno processado ligado a uma
molécula MHC na superfície da célula apresentadora de antígeno (APC); e sinal 2: fornecido pela interação de moléculas coestimulatórias
de superfície, por exemplo, B7 presente na célula apresentadora de antígeno com a molécula CD28 presente nas células T auxiliares ou
citotóxicas.

Subtipos de linfócitos T imune inato na defesa de patógenos. IFN-γ e IL-12 iniciam a


diferenciação de células Th1, que são caracterizadas pela alta
Linfócitos T auxiliares Th1, Th2 e Th17
produção de IFN-γ e são indispensáveis para eliminar patóge-
A diferenciação de células CD4 + naive (nunca ativadas) nos intracelulares. Em contraste, IL-4 provoca a diferenciação
em células T auxiliadoras é iniciada pelo engajamento do das células Th2, fundamentais na organização do organismo
TCR (sinal 1) e ligação das moléculas de coestímulo (sinal 2), na defesa contra parasitas multicelulares e no auxílio das célu-
na presença de citocinas específicas produzidas pelo sistema las B a produzir anticorpos.

Bases Científicas da Reumatologia I: A Membrana Sinovial e a Cartilagem Articular 15


Classicamente, o desequilíbrio na direção de uma resposta lécula que fará as ações de ativar o complemento ou se ligar à
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

Th1 pode levar à destruição tecidual e à inflamação crônica, superfície das células.
enquanto que alterações nas respostas do tipo Th2 podem O desenvolvimento das células B desde a célula progeni-
causar alergia e asma. tora na medula óssea (célula-tronco) até a célula B madura
Estudos recentes descreveram uma população de célu- pode ser dividido em duas fases principais. O estágio inicial
las Th que produzem IL-17 e que são dependentes de IL-23, de transformação de célula progenitora em célula B madura
conhecidas como Th17. A principal função das células Th17 acontece nos órgãos linfoides primários (fígado fetal e medula
pode ser a eliminação de patógenos que não são adequada- óssea no adulto). Já o estágio final de diferenciação em sub-
mente controlados por células Th1 ou Th2, como bactérias ex- populações de células B (células B de memórias ou células B
tracelulares e fungos. No entanto, as células Th17 são potentes produtoras de anticorpos – plasmócitos) acontece nos órgãos
indutores da inflamação e têm sido associadas com a patogê- linfoides secundários, como baço, linfonodos, amígdalas e pla-
nese experimental de muitas doenças autoimunes e condições cas de Peyer do intestino, onde as células vão interagir com os
inflamatórias humanas, como a artrite reumatoide, a asma, o antígenos exógenos.
lúpus eritematoso sistêmico e a rejeição de transplantes. A IL- Durante o desenvolvimento dos linfócitos B, as células
17 também medeia a mobilização neutrofílica, permanecendo passam por diferentes fases. Em cada uma dessas fases são
como um elo entre a imunidade inata e a adaptativa.27 expressas diferentes moléculas de superfície. Inicialmente a
célula progenitora pró-B pode ser identificada pela expressão
T regulatórias (Treg) de CD19 e CD10, além de CD20, CD21, CD22, CD38, CD40 e
MHC de classe II. Na sequência, a célula pré-B sintetiza uma
As células Tregs atuam na manutenção periférica da auto-
molécula que poderia ser considerada precursora do anticor-
tolerância e são de grande importância para a manutenção da
po, a cadeia pesada µ. A produção dessa molécula é produto
homeostase do sistema imunitário. São comprometidas com
do rearranjo VH DH JH. (genes referentes a produção da cadeia
a inibição da ativação e expansão de linfócitos autorreativos
pesada – H: heavy). Acredita-se que o sinal produzido por esse
nos tecidos periféricos e também apresentam capacidade de
receptor indica que o rearranjo VDJ foi bem-sucedido e tam-
regulação negativa da resposta imune diante de antígenos exó-
bém que serve de sinal positivo para o desenvolvimento das
genos. Elas são capazes de inibir várias células, tanto relacio-
células B.
nadas à imunidade inata quanto à adaptativa. Para exercerem
sua função supressora, elas necessitam de ativação via TCR e Em seguida, o rearranjo e a produção das moléculas de ca-
IL-2. Essas células são constitutivamente caracterizadas pela deia leve κ ou λ fazem com que seja produzido um linfócito
expressão da proteína transmembrana CD25 (cadeia α do re- B imaturo. Esse linfócito produz uma imunoglobulina de su-
ceptor da IL-2), CTLA-4 (cytotoxic T lymphocyte antigen-4) e perfície, BCR, e poderá ser induzido à morte caso seja capaz
pelo fator de transcrição Foxp3 (forkhead transcription factor), de reconhecer antígenos próprios – seleção negativa. Estudos
além do CD4.28 em camundongos têm demonstrado que os estágios seguintes
da maturação dos linfócitos B ocorrem no baço. Nessa etapa
o fator ativador de linfócitos B (BAFF) apresenta uma função
Linfócitos T citotóxicos crucial na determinação final do tamanho do repertório des-
As células T CD8 citotóxicas ativadas são essenciais na de- ses linfócitos. Quanto maior for a concentração de BAFF, maior
fesa do hospedeiro contra os agentes patogênicos que vivem será o repertório e o número total dos linfócitos B. Diversas
no citosol (exemplo: vírus). As células T CD8 citotóxicas po- doenças autoimunes, principalmente o lúpus eritematoso
dem eliminar qualquer célula que hospede tais agentes, reco- sistêmico, apresentam concentrações elevadas desse fator.
nhecendo os peptídeos estranhos que são transportados para Anticorpo monoclonal anti-BAFF (belimumab) foi recente-
a superfície celular, ligados a moléculas MHC classe I. Elas de- mente reportado como eficaz no controle dessa doença.30 Para
sempenham sua função lítica pela liberação de granzimas, que a formação do linfócito B maduro é necessário que ocorra a
induzem apoptose da célula-alvo; e perforina, que perfura a produção e expressão simultânea das moléculas de superfície
membrana celular das células-alvo possibilitando a penetra- IgM e IgD.31
ção das granzimas.29
Apresentação de antígenos
Células B
A ativação de células B via apresentação de antígenos que
O principal papel das células B é a produção de anticorpos necessitam de ativação concomitante de células T (os chama-
(imunoglobulinas) que podem se apresentar na forma solúvel dos antígenos T dependentes) ocorre nos tecidos linfoides
ou como proteínas de membranas. Anticorpos são glicoproteí- secundários, chamados centros germinativos. Dois subtipos
nas sintetizadas pelos plasmócitos (células B diferenciadas) de células B podem ser gerados: as células B de memória e
que apresentam capacidade de se ligarem de forma específica as células B secretoras de anticorpos – os plasmócitos. Nessa
aos antígenos. Os anticorpos são formados por cadeias leves, etapa acontece a maturação por afinidade e troca de classe ou
kappa (κ) e lambda (λ), sendo que um anticorpo possui so- isotipo de imunoglobulina.
mente uma ou outra, e cadeias pesadas. Existem cinco tipos de As células T que auxiliam nessa resposta antigênica são as
cadeias pesadas, e cada um corresponde a um isotipo (classe) células auxiliadoras, CD4+ naive. Nos tecidos linfoides secun-
de imunoglobulina: γ (gama) – IgG, µ (mu) – IgM, α (alfa) – IgA, dários elas serão apresentadas ao antígeno pelas células apre-
ε (épsilon) – IgE, ∆ (delta) – IgD. sentadoras de antígenos, como as células dendríticas. Nesse
Existe uma diferenciação de funções dada por duas dife- mesmo tecido linfoide secundário, no entanto, em outra região
rentes porções do anticorpo. A porção Fab (Fragment Antigen (folículos), as células B estarão sendo apresentadas ao mes-
Binding) é a responsável pela ligação com o antígeno, enquan- mo antígeno e serão induzidas a migrar para a zona marginal,
to a porção Fc é a com função efetora, pois é a porção da mo- onde estão localizadas as células T.

16 Tratado Brasileiro de Reumatologia


A ligação entre a célula T e a célula B depende de inúme- de qual resposta estiver sendo ativada. Células T citotóxicas

„„ CAPÍTULO 1
ros correceptores que são ativados após a ligação do antíge- vão ativar citocinas relacionadas à destruição celular, como
no à imunoglobulina de membrana. Alguns exemplos dessas indução do Fas-ligante e TNF-α, indutores de apoptose. As
ligações entre correceptores são: B7 (linfócito B) com CD28 células T auxiliares (Th) apresentam resposta segmentada
(linfócito T) e MHC de classe II (linfócito B) com CD4 (linfócito em Th1, que direciona a uma resposta imune celular com a
T). A expressão da molécula B7 induz a expressão da molécula liberação de IFN-γ, um forte ativador de macrófagos, Th2 que
CD40 nos linfócitos B e CD40L (CD40 ligante) nos linfócitos T. induz a uma resposta humoral pela liberação de IL-4, IL-5 e
As células B de memória vão ser responsáveis pela res- IL-10, as quais promovem a ativação e proliferação de células
posta imune secundária. Ou seja, quando essas células B reco- B, ou ainda Th17, com produção de IL-17, indutora de respos-
nhecerem o antígeno que as ativou, ele será capaz de realizar ta inflamatória e provavelmente envolvida na patofisiologia
uma resposta mais rápida e mais eficaz do que a produzida das doenças autoimunes.
pelo primeiro encontro. Essa resposta requer uma quantidade O conhecimento do papel das diversas citocinas na res-
antigênica menor e produz maiores títulos de anticorpos. Já a posta imune estimulou esforços para a manipulação de suas
produção de plasmócitos parece estar relacionada a IL-5 e IL-6 diversas ações com fins terapêuticos. Hoje já existem terapias
e ser bloqueada pela ligação CD40-CD40L.32 para as doenças autoimunes que focam na inibição da ação
das citocinas, seja através de ligação direta dessas citocinas
por anticorpos monoclonais ou receptores solúveis, seja por
Citocinas bloqueio do receptor, ou ainda através da regulação da sinali-
As citocinas são proteínas solúveis secretadas pelos linfóci- zação intracelular dessas moléculas.33
tos e outras células, com três características marcantes: agem
como mediadoras da resposta imune, podem possuir ação lo- Tolerância
cal ou sistêmica e se ligam a receptores específicos. São nor-
malmente polipetídeos ou glicoproteínas com peso molecular Tolerância imunológica é um estado imunológico de não
inferior a 30KDa, usualmente produzidos após estímulos para responsividade que pode ser induzido tanto por antígenos
sua transcrição e tradução, e sua ação ocorre por alterações próprios quanto não próprios. É fundamental para evitar o
na expressão dos genes das células-alvo. Fenotipicamente sua reconhecimento e a ativação do sistema imune por autoantí-
ação leva a alterações na taxa de proliferação, diferenciação e genos (antígenos próprios do indivíduo), o que poderia oca-
função das células-alvo que expressam o receptor. As citoci- sionar respostas autoimunes. Os mecanismos que mantêm a
nas também agem sobre as células do sistema hematopoiético. autotolerância podem ser divididos em centrais (tolerância
Várias citocinas podem desencadear respostas similares em central) e periféricos (tolerância periférica). A diferença é
uma determinada célula (redundância), e uma mesma citoci- que a primeira ocorre nos órgãos linfoides primários, como
na pode desencadear diferentes respostas em distintas células timo e medula óssea, e a segunda ocorre nos órgãos linfoides
(pleiotropismo). secundários e demais tecidos, quando as células B e células T
As citocinas têm ação crucial no desencadeamento da res- já estão maduras.
posta imune e na definição da natureza e magnitude da res- Estima-se que 20 a 50% das recombinações gênicas aleató-
posta imune adaptativa. As principais citocinas envolvidas em rias que geram os receptores de células B e T produzam recep-
uma resposta imune normal estão demonstradas a seguir na tores com certa capacidade de reconhecer antígenos próprios,
Figura 1.6. Na resposta imune inata três citocinas em particu- ou seja, clones de linfócitos com potencial de autorreatividade.
lar parecem ser importantes iniciadoras da resposta: fator de Considerando-se que a incidência das doenças autoimunes na
necrose tumoral a (TNF-α), IL-1 e IL-6. Já na resposta imune população é de 3 a 8%, pode-se ter uma ideia da importância
adaptativa, o padrão de produção de citocinas vai depender dos mecanismos de autotolerância.34

Atividade
pró-inflamatória
Célula Célula Atividade
+ IFN-γ Célula IL-17
Th 1 Th 17 pró-inflamatória
Imunidade APC
celular
IL-18 TCR
MHC IL-6
+ +
IL-12 Célula TGF-β
Imunidade T virgem IL-23
humoral
+ IL-4
Respostas IL-5 Célula IL-18 IL-18 Célula Homeostase
TG-β
alérgicas IL-10 Th 2 + + T reg do sistema imune
+ IL-13 IL-4 IL-6
Respostas
anti-helmintos

Figura 1.6 Principais citocinas envolvidas na resposta imune.

Bases Científicas da Reumatologia I: A Membrana Sinovial e a Cartilagem Articular 17


Tolerância de células T como IL-10 e TGF-β, além da capacidade de indução de su-
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

O timo é o sítio da indução de tolerância central das célu- pressão mediada por contato célula-célula.37
las T. Os progenitores linfoides originados na medula óssea se Entre as células T, várias subpopulações apresentam pro-
dirigem ao timo, onde sofrem um processo de seleção e matu- priedades regulatórias, como as células Tr1, produtoras de
ração. À medida que migram para o córtex do timo em direção IL-10, que suprimem algumas respostas de células T in vivo,
à medula, os linfócitos imaturos (timócitos) interagem com as as células TH3, capazes de suprimir mediante a produção de
células epiteliais tímicas, células dendríticas e macrófagos; e é TGF-β, entre outras. De modo particular, entre as células T com
através dessas interações que ocorrem os fenômenos de sele- função imunorregulatória, tem havido grande destaque para
ção positiva e negativa.35 as células Tregs (CD4+CD25++FOXP3), as quais são principal-
A seleção positiva é o processo no qual os timócitos no mente capazes de suprimir a ativação, a proliferação e/ou a
córtex que passaram a expressar um TCR na superfície se li- função efetora dos linfócitos TCD4+, TCD8+, sendo indispensá-
gam fracamente (baixa avidez) ao complexo peptídeo-MHC e, veis para a manutenção dos mecanismos de tolerância.
então, são estimulados a sobreviver. Os timócitos cujos TCRs
Tolerância de células B
não reconhecem as moléculas de MHC próprias morrem por
apoptose. Isso garante que as células T maduras sejam restri- Apesar de os mecanismos de tolerância de células T serem
tas ao MHC próprio. Na seleção positiva também há restrição amplamente descritos, a tolerância de células B está bem me-
de moléculas de classe I ou de classe II do MHC com os subti- nos esclarecida.
pos de linfócitos T, assegurando que as células T CD8+ se li- Na geração de uma célula B madura, inicialmente há a pro-
guem especificamente a peptídeos expostos pelas moléculas dução de um receptor de membrana, que é a imunoglobulina
de MHC classe I, e que as células T CD4+ se liguem às molécu- M de superfície (sIgM). Esse receptor é testado para tolerância
las de MHC classe II associadas ao peptídeo. contra autoantígenos na medula óssea. Em caso de forte reati-
A seleção negativa (ou deleção clonal) é a eliminação por vidade, o desenvolvimento é interrompido através de uma sé-
apoptose dos timócitos cujos TCRs ligam-se com alta avidez a rie de mecanismos: os receptores necessários para entrada da
algum antígeno próprio apresentado pela molécula de MHC. célula B nos tecidos linfoides secundários não são expressos;
Dessa forma, ocorre a eliminação das células T que são for- a produção de receptores para BAFF é diminuída; e, por fim, é
temente autorreativas contra antígenos próprios expressos mantida a expressão dos genes RAG 1 (recombination-activa-
pelas células próprias. ting gene 1) e RAG 2 – o que possibilita reinício da recombina-
Mesmo sendo um mecanismo eficiente, é sabido que cé- ção gênica e produção de um novo receptor da célula B.
lulas com algum potencial intermediário de autorreatividade No entanto, se mesmo assim essas células B imaturas fo-
conseguem amadurecer. Na periferia, essas células podem ser rem capazes de reconhecer antígenos próprios multivalentes,
ativadas se forem apresentadas ao autoantígeno em condições essas células serão deletadas por apoptose por mecanismos
adequadas e, dessa forma, acarretar uma resposta autoimune. como inibição da expressão de BCL-2 (importante para sobre-
Os mecanismos de tolerância periférica são responsáveis em vivência) ou ativação de receptores de morte Fas.
impedir essa ativação e envolvem barreiras anatômicas (falta Já a anergia clonal ocorre quando a imunoglobulina de
de acesso da célula autorreativa ao sítio onde se encontra o membrana IgM reconhece antígenos próprios solúveis. Então
autoantígeno), indução de anergia (estado de não responsivi- a célula passa a expressar baixas concentrações de IgM e altas
dade do linfócito) ou modulação por supressão específica por concentrações de IgD e não gera uma resposta imune ao antí-
células T regulatórias.36 geno que reconheceu.38
Um clone de linfócito T pode se tornar anérgico quando o Mecanismos periféricos de manutenção da tolerância das
reconhecimento dos peptídeos associados ao MHC pelo TCR células B também são importantes, principalmente durante
ocorre na ausência ou em baixa concentração de moléculas o processo de ativação nos centros germinativos foliculares,
coestimuladoras, como as moléculas B7 presentes em APCs onde ocorre uma maturação na afinidade dos anticorpos pelo
ativadas e o seu ligante em linfócito T, o CD28. processo de hipermutação somática, que altera as regiões V
Entre os mecanismos de tolerância periférica existem dos genes da imunoglobulina a cada multiplicação celular. As
várias populações celulares específicas com função regula- células B são então selecionadas, dependendo da afinidade do
tória, definidas em conjunto, como células imunorregulató- anticorpo produzido com o antígeno que desencadeou a ativa-
rias. Para exercerem sua função, essas células apresentam ção; células com produção de anticorpos com baixa afinidade
a capacidade de produção de citocinas imunossupressoras, ou com potencial de autorreatividade têm desvantagem com-
petitiva e acabam sendo eliminadas.

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Bases Científicas da Reumatologia I: A Membrana Sinovial e a Cartilagem Articular 19


2

Capítulo
Nilton Salles Rosa Neto  Ricardo Fuller

As Bases Científicas da Reumatologia II: Inflamação,


Degeneração e Reparação Tecidual nas Doenças Reumáticas
Degeneração e Reparação Tecidual
„„ INTRODUÇÃO em remodelamento. A longo prazo, essa mudança pode acar-
retar perda progressiva de função.
As doenças reumáticas são caracterizadas pela presença
O balanço necessário para a preservação da função arti-
de inflamação. A resposta a uma lesão tecidual, seja ela loca-
cular depende da interação entre as estruturas relacionadas,
lizada seja sistêmica, desencadeia diversas modificações com
fundamentalmente osso, cartilagem e sinóvia. Em estados fi-
o intuito de eliminar potenciais agentes agressores, limitando siológicos eles trabalham em sintonia, como pode ser verifi-
dano tecidual e tentando restaurar a integridade da estrutura cado na Figura 2.1. Contudo, em situações de lesão, as células
lesada. Os estímulos ambientais aliados a determinantes gené- podem inapropriadamente aumentar a destruição tecidual,
ticos desencadeiam sinais moleculares, regulam a homeosta- uma vez que podem secretar citocinas pró-inflamatórias e
se, a regeneração e o remodelamento tecidual. enzimas de degradação, e a baixa capacidade regenerativa
A homeostase também implica remoção de células senes- cartilaginosa passa a impedir a completa recuperação. A con-
centes através de fagocitose ou apoptose. Essas células são sequência do estudo das citocinas e das vias de sinalização
fonte de autoantígenos que orientam o sistema imune no reco- intracelular levou ao desenvolvimento de diversas terapias
nhecimento entre self e non-self. As doenças autoimunes resul- biológicas que atuam contra a inflamação e que também apre-
tam da quebra na autotolerância (perda do reconhecimento) sentam efeitos positivos na formação óssea.
dentro de um contexto de inflamação. Isso pode culminar em Em casos de trauma, mesmo com curto período de infla-
destruição tecidual e suas complicações. mação, nem sempre a articulação retorna ao seu estado ante-
Na osteoartrite (OA), verifica-se uma insuficiência articu- rior. Já em casos de inflamação crônica, a ativação das células
lar. Há doença óssea, sinovial, cartilaginosa, meniscal, além perpetua a resposta inflamatória facilitando a progressão da
da fraqueza muscular, ligamentar e das alterações de sistema lesão tecidual.
nervoso central e periférico no que tange a modulação da dor. Na ossificação endocondral, as células mesenquimais que
A qualidade e a massa ósseas podem ser alteradas por de- se diferenciaram em condrócitos localizam-se nas placas de
feitos genéticos, como ocorre na osteogênese imperfeita, em crescimento e produzem matriz extracelular cartilaginosa que
que o osso torna-se frágil, e na doença de Paget, na qual há au- os envolve e leva a aumento da distância entre as células. Pau-
mento da massa óssea sem melhora da sua qualidade. Entre- latinamente os condrócitos hipertrofiam-se e distanciam-se
tanto, estados inflamatórios também podem exercer influência da camada basal. Esse maior espaço diminui a nutrição e leva
nessas características, aumentando globalmente o risco de os- à hipóxia tecidual, modificando as funções celulares, produzin-
teoporose e o aparecimento de fraturas, ou localmente (pró- do enzimas degradantes de matriz (metaloproteinases de ma-
ximo ao local inflamado), facilitando o desenvolvimento de triz [MMPs] e agrecanases) formando espaços que são então
erosões ósseas, como na doença periodontal, nas doenças gra- preenchidos por colágeno I e X específicos de osso. Finalmente
nulomatosas e na sinóvia inflamada e hipertrofiada (pannus) ocorre a apoptose dos condrócitos e a calcificação da matriz,
da artrite reumatoide. gerando osso maduro até que ocorra a ossificação completa
da placa. O osso possui alta capacidade de regeneração e re-
modelamento.
„„ HOMEOSTASE ARTICULAR
Já a cartilagem articular tem um baixo turnover e caracte-
As respostas teciduais almejam recuperação de função, po- risticamente não é vascularizada ou inervada tornando a rege-
rém nem sempre resultam em regeneração tecidual, mas sim neração pouco eficaz. Nesse ambiente de hipóxia, sua função

21
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

Fatores Fatores
inflamatórios anti-inflamatórios

Interleucina-10
Fator de necrose tumoral Antagonista do receptor de
Interleucina-1 Interleucina-1
Prostaglandinas Receptores solúveis de TNF-α
CTLA-4

Degeneração Reparação

Metaloproteinases de matriz Inibidores teciduais das


RANK-L metaloproteinases de matriz
Osteoclastos Osteoprotegerina
Pannus Fatores de crescimentos
(proteínas ósseas morfogenéticas)

Figura 2.1 O balanço entre dano e reparo, ou seja, inflamação e regeneração, é determinante de gravidade e prognóstico nas doenças in-
flamatórias crônicas. Modificado de Luyten et al. TNF: fator de necrose tumoral; RANK-L: ligante do receptor ativador do fator nuclear κB;
CTLA-4: antígeno 4 do linfócito T citotóxico.

é absorver e distribuir as cargas de impacto nas articulações O TGF-β promove a síntese de colágeno tipo II e proteogli-
e diminuir a fricção entre as estruturas. Verifica-se assim um canos e influencia negativamente na produção de enzimas de
gradiente de oxigênio na cartilagem, necessitando que ele seja degradação. Além disto, o TGF-β exerce um efeito antagônico a
difundido para cumprir suas funções. Mediadores inflamató- IL-1, efeito este diminuído com o aumento da idade.
rios diminuem a tensão de oxigênio articular e o suprimento As proteínas ósseas morfogenéticas, da mesma superfamí-
fica comprometido, o que ocorre na artrite reumatoide (AR) e lia TGF-β, também aumentam a síntese de proteoglicanos e de
na osteoartrite (OA). colágeno tipo II e inibem os efeitos da IL-1. A BMP7 inibe a
A qualidade da matriz é de fundamental importância para indução de MMP-13 por IL-1β.
a manutenção dessas propriedades. É conhecida a perda da O fator de crescimento de fibroblastos é mitógeno para
qualidade da cartilagem articular com o aumento da idade – condrócitos, estímulo adicional para manter a síntese de ma-
diminuição do tamanho da molécula de agrecan e menor li- triz cartilaginosa. Entretanto, o bFGF liberado em casos de le-
gação entre as fibras colágenas – o que associado ao acúmulo são pode estimular a produção de MMPs 1, 3 e 13 ganhando
de sobrecarga ou traumas ativam os condrócitos e diminuem papel na patogênese da osteoartrite.
a integridade da matriz, acarretando perda das propriedades As proteínas WNT participam da osteoblastogênese, por
elásticas e capacidade hidrofílica. No entanto, na osteoartrite, meio do receptor LRP5/6 que ativa a diferenciação de células
além dessas alterações relacionadas à idade, ocorrem infla- mesenquimais via GSK3 e β-catenina.
mação e necrose, levando a um desbalanço entre processos As MMPs são as principais enzimas de degradação de ma-
anabólicos e catabólicos, ativando ainda mais os condrócitos triz cartilaginosa. A maior parte é liberada como pró-enzima,
– postulando-se nesse ponto influência genética. As rupturas necessitando de clivagem para se tornar ativa. Os genes que
cartilaginosas favorecem a lesão do osso subcondral e poste- codificam as MMPs podem ser ativados por intermédio de
rior reação óssea formando osteófitos. IL-1 e TNF-α. Na osteoartrite as principais enzimas envolvi-
Os fatores anabólicos envolvidos na preservação da carti- das na degradação da matriz são a MMP-1 (colagenase-1) e
lagem são o fator de crescimento transformador (TGF-β), as a 13 (colagenase-13), que tem como inibidores endógenos a
proteínas ósseas morfogenéticas (BMP), os fatores de cresci- α2-macroglobulina e as TIMPs (inibidores teciduais de meta-
mento de fibroblastos (FGF) e insulina-símile (IGF), e as glico- loproteinases).
proteínas da família wingless (WNT). Do outro lado, os fatores As agrecanases fazem parte da família das ADAMTS (de-
catabólicos são as metaloproteinases de matriz, as agrecana- sintegrina-metaloproteinase com domínio idêntico à trom-
ses e as citocinas catabólicas – interleucina (IL)-1 e fator de bospondina). Apenas as ADAMTS-2, 4, 5, 9 e 15 são chamadas
necrose tumoral α (TNF-α). A Figura 2.2 ilustra a atuação dos agrecanases. Elas são mais ativas nas fases precoces de os-
fatores anabólicos e catabólicos sobre o condrócito. teoartrite, principalmente as ADAMTS-4 e 5.

22 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 2
Citocinas Citocinas
anabólicas anabólicas


TGFβ + IL-1

+

BMPs TNF-α
+

IL-6
IGF-1
+

+
FGF-2 Condrócito Enzimas de
degradação
+ – de matriz

+
+ – – MMPs

Matriz +
extracelular – ADAMTS

Degradação

+
iNOS

EROs

Apoptose

Figura 2.2 Homeostase da cartilagem: interação entre fatores anabólicos e catabólicos. Modificada de Hashimoto et al. TGF: fator de cres-
cimento transformador; BMP: proteína óssea morfogenética; IGF: fator de crescimento insulina-símile; FGF: fator de crescimento de fibro-
blastos; IL: interleucina; TNF: fator de necrose tumoral; MMP: metaloproteinase de matriz; ADAMTS: desintegrina-metaloproteinase com
domínio idêntico à trombospondina; iNOS: sintase de óxido nítrico induzível; ERO: espécies reativas de oxigênio.

„„ O PAPEL DO CITOESQUELETO vando a forma celular, e propiciando resistência a impactos e


deformidades. Atua também na mitose dos condrócitos.
O citoesqueleto de todas as células é formado por microfi-
Não se sabe ainda se as alterações no citoesqueleto podem
lamentos de actina, microtúbulos de tubulina e por filamentos predispor ao desenvolvimento de osteoartrite ou se as modi-
intermediários de vimentina. ficações secundárias dessa doença acarretam perda de função
A actina está envolvida nos aspectos morfológicos celulares, do citoesqueleto.
movimentos das organelas, adesão e migração celular, endocitose
entre outras funções. A tubulina atua na mobilidade celular, divi-
são celular (formação do fuso mitótico) e transporte de organelas. „„ RESPOSTA TECIDUAL FISIOLÓGICA VERSUS
A vimentina tem função de transdução de sinais intracelulares. PATOLÓGICA
O citoesqueleto na cartilagem articular se constitui numa A lesão ocorre quando se perde a homeostase. A resposta
interface entre a matriz extracelular e os condrócitos, auxilian- do organismo frente à lesão, como já mencionado, tem por ob-
do a detecção e organizando a resposta aos estímulos, preser- jetivo recuperar a função e a integridade da estrutura afetada.

As Bases Científicas da Reumatologia II: Inflamação, Degeneração e Reparação Tecidual nas Doenças Reumáticas 23
Dependendo das estruturas afetadas, do grau de inflama- da inflamação. Células inflamatórias produzem citocinas
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

ção, da permanência do fator promotor ou desencadeante, que favorecem a reabsorção óssea resultando em erosões
entre outros fatores, essa resposta pode variar entre recupe- ósseas, osteíte e osteopenia. Nas espondiloartrites há ain-
ração e restauração completa de estrutura e função; reparo es- da a ossificação peri-inflamatória, promovendo a formação
trutural com função preservada totalmente, parcialmente ou de entesites, sindesmófitos e anquilose. Essas alterações na
com perda de função; remodelamento com função preservada remodelação óssea e na estrutura contribuem para o maior
ou perda de função; e falha de reparo ou remodelamento. risco de fraturas vertebrais (em AR e EA) e de fraturas não
Embora a etiologia da osteoartrite e da artrite reumatoi- vertebrais (em AR), e esse risco está relacionado com a gravi-
de seja distinta, ambas apresentam degradação da cartilagem dade da doença e é independente do risco basal do paciente
articular, resultado da atividade de enzimas proteolíticas. Na em questão.
OA, a perda de proteoglicanos e colágeno tipo II ocorre ini- O sistema receptor ativador do fator nuclear κB, seu li-
cialmente na superfície da cartilagem articular, porém, ocorre gante, e a osteoprotegerina (RANK/RANK-L/OPG) represen-
também evidência de dano pericelular em zonas mais pro- ta o principal controlador da osteoclastogênese. Como pode
fundas; simultaneamente iniciam-se mecanismos compen- ser verificado na Figura 2.3, o RANK-L (ligante do RANK) par-
satórios de regeneração. Já na AR, a atividade condrolítica ticipa da homeostase óssea de duas maneiras, na sua forma
é derivada dos próprios condrócitos ativados pela interface solúvel e na forma ligada à membrana, juntando-se ao RANK
pannus-cartilagem, e a síntese de colágeno tipo II mantém-se presente nas membranas dos osteoclastos, ativando-os na
diminuída. Ainda na AR, evidencia-se maior atividade de os- sequência. A OPG é um receptor decoy que, ao se ligar ao
teoclastos, levando à formação de erosões ósseas e à perda de RANK-L, inibe-o.
função por destruição articular.
Já na espondilite anquilosante há predomínio da respos-
ta por osteoblastos, levando a uma “cicatrização” excessiva e
Erosões ósseas e cartilaginosas
também ocasionando perda de função por restrição. A sequência de aparecimento da erosão óssea em sinovites
crônicas inicia-se pela destruição da superfície cartilaginosa a
„„ OSTEOIMUNOLOGIA – O PAPEL DO SISTEMA partir da inflamação da membrana sinovial que a envolve. Pos-
teriormente, guiada por macrófagos, células T e fibroblastos
RANK/RANK-L/OPG
sinoviais, ocorre a estimulação de osteoclastos que vão reab-
O conceito de osteoimunologia baseia-se nas relações sorver a porção profunda mineralizada da cartilagem e abrir
entre os sistemas imunológico, ósseo e vascular, em termos espaço para a atuação diretamente no osso subcondral culmi-
celular e molecular. Tanto em AR quanto em EA, o osso é alvo nando com a erosão óssea.

RANK-L solúvel
Osteoprotegerina

Osteoblasto

RANK
RA
ANK
RANK-L de
membrana

Osteoclasto

Figura 2.3 Sistema RANK/RANK-L/OPG. RANK: receptor ativador do fator nuclear κB; RANK-L: ligante do RANK; OPG: osteoprotegerina.

24 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ O PAPEL CELULAR participam da destruição da cartilagem levando ao desequilí-

„„ CAPÍTULO 2
brio e rápida deterioração tecidual.
Osteoclastos As proteinases relacionadas à fase ativa da sinovite reuma-
Os osteoclastos são células gigantes multinucleadas, re- toide que destroem cartilagem são as MMP 1, 8 e 13 (colagena-
sultantes da fusão de até vinte células unitárias, cuja função ses 1, 2 e 3), MMP 2 e 9 (gelatinases), MMP-3 (estromelisina 1)
primordial é a reabsorção óssea. Derivam da célula progeni- e MT1-MMP e MMP 14 (MMP de membrana tipo 1). A degrada-
tora hematopoética através da linhagem de monócitos. Essas ção do agrecan é atribuída principalmente à ação das ADAMTS
células são, portanto, indispensáveis à remodelação óssea, 4 (constitutiva) e 5 (mediada por inflamação), que podem ser
permitindo a formação e estruturação do esqueleto a partir inibidas in vitro pela TIMP-3. As catepsinas B, L, D e K também
do nascimento e relacionando-se à perda de massa óssea em contribuem para a quebra da matriz cartilaginosa.
idosos. As principais citocinas envolvidas na destruição da cartila-
Existem dois mecanismos pelos quais o osteoclasto ab- gem articular na AR são a IL-1 e o TNF-α, grandes estimulado-
sorve o osso: 1) uma bomba de prótons (ATPase) responsável res da produção de citocinas pró-inflamatórias, proteinases e
pela acidificação do meio entre a célula e o osso permitindo inibidores de síntese de matriz.
a solubilização de cálcio da matriz; 2) metaloproteinases de É fundamental lembrar que todos os mecanismos que
matriz e catepsinas, favorecidas pela acidificação do meio, de- interagem na promoção da inflamação, como citocinas, qui-
gradam colágeno e removem substâncias não mineralizadas. A miocinas, moléculas de adesão, entre outros, podem lesar a
catepsina K cliva o colágeno tipo I e as catepsinas B e L, os co- cartilagem direta ou indiretamente, tornando complexo o con-
lágenos II, IX e XI. O resultado é a formação de um “buraco” no trole do processo degenerativo.
osso, que posteriormente é preenchido por osteoblastos que
vão, novamente, sintetizar matriz.
Fibroblastos sinoviais
O acúmulo de osteoclastos no tecido sinovial inflamado,
estimulado pelos mediadores produzidos localmente, permite Os fibroblastos sinoviais, ou sinoviócitos tipo B, são res-
a formação das erosões ósseas, como ocorre, por exemplo, em ponsáveis pela nutrição da cartilagem adjacente produzindo
sinovites crônicas (principalmente artrite reumatoide e artrite proteínas que, por difusão, chegarão a esse tecido. Também
psoriásica) e em metástases ósseas. participam da lubrificação da cavidade articular produzindo
O estímulo proveniente da sinóvia inflamada leva à dife- ácido hialurônico e participam do turnover cartilaginoso sin-
renciação dos monócitos, habitualmente presentes no teci- tetizando colágeno e enzimas de degradação.
do, em osteoclastos. Isso ocorre principalmente por causa da Na artrite reumatoide, antes mesmo do aparecimento da
produção de mediadores por fibroblastos sinoviais, que ex- inflamação sistêmica ou tecidual, essas células são ativadas e
pressam o RANK-L, e células T ativadas que, além do RANK-L, estão intimamente ligadas à promoção e manutenção do pro-
produzem IL-17. As outras citocinas envolvidas nessa fase são cesso inflamatório sinovial, produzindo citocinas pró-inflama-
o TNF-α, IL-1 e IL-6. A reabsorção óssea encontra-se prejudi- tórias e moléculas lesivas às matrizes cartilaginosa e óssea,
cada em estados deficientes de catepsina K. além de atrair leucócitos, principalmente células T CD4+. Essa
Sabe-se que a inibição de osteoclastos em modelos de indução ocorre por estímulos infecciosos e não infecciosos
artrite previne o aparecimento de erosões ósseas, porém em que, por meio da imunidade inata (via toll-like receptors (TLR)
nada interfere na reação inflamatória. As erosões, marcos da 2, 3 e 4), levam a um aumento de moléculas efetoras nos fibro-
atividade da artrite reumatoide, estão intimamente ligadas ao blastos sinoviais. Essa ativação nem sempre é dependente de
desenvolvimento de deformidades e tornaram-se um dos al- citocinas. Ela pode ser consequência de sequências genéticas
vos do tratamento atual dessa doença. incorporadas ao DNA celular derivadas de vírus ou de onco-
genes. Na artrite reumatoide é importante notar que essas
células resistem à apoptose, contribuindo para o crescimento
Condrócitos desordenado e destrutivo do pannus.
A cartilagem articular adulta é composta de matriz extra-
celular, a qual é formada essencialmente pelos colágenos dos Células dendríticas
tipos II, IX e XI e pelo agrecan. Os condrócitos compõem apro-
ximadamente 5% do volume da cartilagem e, fisiologicamente, As células dendríticas (CDen), que provêm também da me-
mantêm o seu lento turnover. Isto é o que diferencia essa car- dula óssea, são as principais células apresentadoras de antíge-
tilagem da que forma a placa de crescimento que rapidamente nos, desempenhando papéis tanto na resposta imune inata – na
se renova. A nutrição dessas células, uma vez que não há vas- qual estimulam citotoxicidade mediada por células NK e NKT
cularização, ocorre por difusão por meio do osso subcondral – quanto na adquirida – em que participam da apresentação
ou do líquido sinovial. A proliferação celular é limitada, e o à célula B, que posteriormente terminará produzindo anticor-
condrócito está habituado a um estado de hipóxia. Isso acar- pos. A Figura 2.5 ilustra suas funções. Elas são as únicas células
reta um grande equilíbrio nesse tecido, permitindo que essa apresentadoras de antígenos (APC) capazes de induzir linfóci-
cartilagem seja mais resistente. tos T naïve (que não tiveram nenhum contato anterior com an-
Na artrite reumatoide, a destruição da cartilagem ocorre tígenos) e de se transformarem em auxiliadores ou citotóxicos,
em áreas de invasão do pannus, cujas células liberam as pro- além de participar da maturação tímica dos linfócitos T.
teinases que promoverão a degradação da matriz. A Figura A ativação dessas células via fator nuclear (NF)-κB pode
2.4 ilustra esse processo. Essa invasão permite a chegada dos ocorrer por meio de moléculas derivadas de patógenos (li-
osteoclastos à cartilagem mineralizada subcondral e o de- popolissacarídeo [LPS] de bactérias Gram negativas, DNA ou
senvolvimento das erosões ósseas. Os próprios condrócitos, RNA), citocinas pró-inflamatórias (IL-1, IL-6 e TNF-α), fatores
estimulados pelas citocinas pró-inflamatórias já liberadas, teciduais, como fragmentos de ácido hialurônico, heparan sul-

As Bases Científicas da Reumatologia II: Inflamação, Degeneração e Reparação Tecidual nas Doenças Reumáticas 25
CDen
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

LB

Monócito

IL-6 IL-23
TGF-α IL-12

LTreg LTh2 LTh17 LTh1 IL-1


TNF-α

IL-4
IL-10 IL-2 IL-1
IL-5 IL-17
TGF-β IL-21 TNF-α
IL-13
IFN-γ

Ponnus
Cartilagem
articular

IL-1
IL-1 TNF-α
TNF-α
Condrócitos
Fibroblastos
Macrófago sinoviais
sinovial
IL-6
IL-8
SDF-1 MMPs
IL-32 ADAMTS
NO
PGE2

Figura 2.4 Esquema explicativo das citocinas e células envolvidas na resposta inflamatória e formação do pannus na artrite reumatoide.
Modificada de Otero et al. Cden: célula dendríticas; LB: linfócito B; LTreg: linfócito T regulador; LTh2: Linfócito T auxiliar 2; LTh17: Linfócito
T auxiliar 17; LTh1: Linfócito T auxiliar 1; IL: interleucina; TGF: fator de crescimento transformador; IFN: interferon; TNF: fator de necrose
tumoral; MMP: metaloproteinases de matriz; ADAMTS: desintegrina-metaloproteinase com domínio idêntico à trombospondina; PGE2:
prostaglandina E2; NO: óxido nítrico; SDF: fator de crescimento derivado de célula estromal.

fato ou proteínas de choque térmico, sinais originados a par- ção celular em resposta a lesões e doenças, ou mesmo turnover
tir de células T (CD154) e migração endotelial de outras CDen fisiológico.
procedentes de outros tecidos inflamados. Dentre as variadas populações de células-tronco, as me-
Na artrite reumatoide, as células dendríticas participam senquimais (CTM) derivam da medula óssea e dos tecidos co-
da patogênese da doença permitindo o aparecimento de au- nectivos, sendo capazes de se diferenciar em osso, cartilagem,
toanticorpos em razão da perda da autotolerância, infiltrando gordura e músculo, entre outras linhagens.
tecido sinovial e apresentando antígenos localmente, partici- Elas são encontradas na membrana sinovial, líquido sino-
pando da liberação de citocinas e outros mediadores inflama- vial, periósteo e cartilagem articular.
tórios e perpetuando a doença. Na AR acredita-se que, além dos fibroblastos sinoviais, as
Além disso, as células dendríticas têm um papel na acelera- CTM tenham papel na formação do pannus e promovam a des-
ção da aterosclerose. A disfunção endotelial aumenta a adesão e truição tecidual. Na OA, onde já foi evidenciada a diminuição de
a transmigração de células dendríticas em sinóvias inflamadas. número e função das CTM, a formação do osteófito pode estar
ligada à manutenção da atividade osteogênica, ao passo que as
atividades adipogênicas e condrogênicas estariam reduzidas.
Células-tronco mesenquimais
O potencial modulatório das CTM em relação à resposta imu-
Células-tronco adultas encontram-se presentes em todos ne do hospedeiro ocorre principalmente por inibição da prolife-
os tecidos e têm como função o auxílio na regulação homeos- ração de células T. Isso leva a crer que a sua utilização pode ser
tática, remodelamento e reparo tecidual, promovendo reposi- eficaz em controle de artrites em que a resposta celular T é mais

26 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 2
Célula dendrítica imatura
Precursor célula Produção LT
Apresentação de antígenos
dendrítica reguladores
mecanismo de tolerância periférica

T T
Migração para T T
Proliferação T Deleção
o tecido linfoide
T T T
T T T
T T
T T
T T

Precursor
Célula dendríca ativa
Patógeno célula Produção de LT
Apresentação de antígenos-
dendrítica citotóxica, LB e
mecanismo de resposta imune
anticorpos

B B B B
M
Migração para Proliferação e
T T Y
o tecido linfoide ativação
Y T
T B
B
T Y Y
B B
T T
T
Y

Figura 2.5 Comparação entre as ações das células dendríticas. Superior: mecanismo de tolerância periférica; Inferior: mecanismo de res-
posta imune. Modificada de Lutzky et al. LT: linfócitos ou células T; LB: linfócitos ou células B.

proeminente. Alguns estudos em que se utilizaram modelos ex- nos. Suas moléculas atraem monócitos e células dendríticas
perimentais de artrite induzida por colagéno revelaram melhora e influenciam a transformação do macrófago de acordo com
de escores clínicos e biológicos após infiltração intra-articular de funções pró- ou anti-inflamatórias. Essas funções são media-
CTMs derivadas de tecido adiposo ou de medula óssea. das por TNF-α, entre outras citocinas. O estímulo em relação a
A busca por maior conhecimento a respeito da atuação das linfócitos também ocorre tanto com inibição quanto com esti-
CTMs e dos marcadores relacionados a elas nas doenças reu- mulação de suas funções nos locais de inflamação.
máticas pode resultar no desenvolvimento de novas terapias, Uma grande característica dos neutrófilos é sua função
focando regeneração (ou condroproteção) ou mesmo outros autorreguladora, que possui um mecanismo anti-inflamatório
mecanismos de regulação da resposta inflamatória. posto em prática quando sua função está próxima do fim, por
meio de mecanismos que suprimem sua própria ativação, di-
„„ INFLAMAÇÃO minuem o recrutamento de outros neutrófilos, estimulam a
apoptose e orientam a atividade reparadora dos macrófagos.
Papel celular Essa característica pode ser alvo de terapia em AR e OA para
reduzir inflamação. Entretanto, o grande risco infeccioso de-
Endotélio corrente da neutropenia relacionada a essa tática não favorece
O endotélio tem um papel de extrema importância na res- a sua utilização prática, pois prejudica a principal função neu-
posta inflamatória, uma vez que sua ativação promove o au- trofílica: a de eliminar patógenos.
mento da permeabilidade vascular e consequente formação
de edema, além de recrutamento leucocitário. É conhecida sua Mastócitos
disfunção prévia ao desenvolvimento de aterosclerose e de si- Tecido sinovial de articulações com inflamações crônicas
novite após estímulos imunológicos. geralmente apresentam maior número de mastócitos. Sugere-
-se que nesses casos seu papel seja de participante ativo no
Granulócitos processo inflamatório e não apenas de sentinela, como comu-
mente exercido em tecidos mucosos do organismo.
Neutrófilos Na articulação normal identificam-se mastócitos, contu-
Os neutrófilos têm um papel significativo no recrutamento, do suas presença e função ainda não são compreendidas. Nas
ativação e programação de células apresentadoras de antíge- doenças que afetam a sinóvia, seja decorrente de deposição

As Bases Científicas da Reumatologia II: Inflamação, Degeneração e Reparação Tecidual nas Doenças Reumáticas 27
de cristal (gota), infecção direta (tuberculose), traumáticas ou Estudos in vitro mostraram que as células NK de pacientes com
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

autoimunes/autoinflamatórias (AR, Artrite Idiopática Juvenil artropatias inflamatórias podem produzir citocinas Th1 e es-
– AIJ, Artrite Psoriásica – APs) verifica-se a mastocitose locali- tariam envolvidas na produção do dano ósseo. Essas células
zada. As explicações aventadas para esse acontecimento são o interagem com monócitos, células dendríticas, fibroblastos, si-
aumento da divisão celular, a maturação local de precursores noviócitos, ajudando a iniciar ou manter a resposta inflamatória.
celulares, o recrutamento de precursores circulantes e a dimi-
nuição da apoptose local. Entretanto nenhuma ainda pode ser Linfócitos T
comprovada. As células, ou linfócitos T, são os maestros da resposta imu-
A ativação dos mastócitos promove a desgranulação. Os me- ne adaptativa, e seus receptores de célula T (RCT), os grandes
canismos envolvidos também ainda encontram-se indefinidos. reconhecedores antigênicos, via MHC de classe I, trabalhando
Especula-se que os principais candidatos sejam: TNF-α, CD30L, na distinção entre próprio e o não próprio (self e non-self).
anafilatoxinas do sistema complemento, interação IgE/FcεRI, Existem os linfócitos cujo RCT é αβ, que compreendem os au-
interação IgG/FcγR, interação SCF/c-kit (fator de crescimento xiliadores (CD4+) – divididos em Th1, Th2 e Th17 –, os cito-
de célula estromal/CD117) e via receptores toll-like. tóxicos (CD8+) e os reguladores (CD4+CD25+), e os linfócitos
Acredita-se que o envolvimento dos mastócitos em artrites cujo RCT é γδ (CD4 e CD8 variáveis).
agudas ocorra nas fases iniciais dos processos inflamatórios, Em artrite reumatoide as interações célula-célula (APC, ma-
atuando no aumento da permeabilidade vascular, recrutamen- crófagos, T reguladoras e fibroblasto sinovial) e célula-citocina
to e ativação leucocitária, além da ativação dos sinoviócitos (IL-6, IL-8, IL-12, TNF-α e MIP-1, entre outras) são necessárias
(macrófagos e fibroblastos). Essas funções ocorrem principal- para indução e manutenção da ativação da célula T efetora
mente pela liberação de histamina. (Th1/Th17), que atua como uma das responsáveis pela destrui-
Já em artrites crônicas a interação célula-célula torna-se ção tecidual, conforme pode se verificar na Figura 2.6.
o foco principal dos mastócitos. Atuam como apresentadores
de antígenos, recrutando neutrófilos, macrófagos, linfócitos T Linfócitos B e plasmócitos
CD4+ e CD8+. O papel na estimulação de linfócitos B é incerto. As células, ou linfócitos B, na idade adulta amadurecem
parcialmente na medula óssea e finalizam em órgãos linfoides
Macrófagos periféricos. Seus desenvolvimento e diferenciação dependem
Os macrófagos teciduais são monócitos circulantes que de fatores de crescimento e da expressão de moléculas de
migraram para o tecido alvo e tornaram-se ativados. Suas adesão até serem consideradas prontas. Nessa fase são conhe-
funções abrangem fagocitose (via receptores scavenger e cidas como células naïve. Os principais tipos são as células B
toll-like), apresentação de antígenos via complexo principal de foliculares, as da zona marginal e as células B-1 B. A via final
histocompatibilidade (MHC) classe II, produção de citocinas pode ser o plasmócito, célula produtora das imunoglobulinas
pró-inflamatórias, proteinases, citocinas que alteram a adesivi- transformada a partir da célula B ativada, ou células B de me-
dade endotelial e o tônus vasomotor e proteínas da cascada do mória, armazenadas em folículos linfoides. As imunoglobuli-
complemento, além de produzir fatores pró-coagulantes, espé- nas, moléculas efetoras do sistema imune adaptativo, podem
cies reativas de oxigênio, oxido nítrico induzível e eicosanoides. ser solúveis ou ligadas a membranas, e desempenham inúme-
A sinóvia inflamada da artrite reumatoide é repleta de ras funções na defesa do organismo, como opsonização, ativa-
macrófagos, contribuindo sobremaneira para a perpetuação ção de complemento e citotoxicidade celular dependente de
da inflamação e destruição articular. É sabido que o grau de anticorpos, nesses casos via imunidade inata; e estimulação ou
destruição articular e de progressão radiográfica associam- neutralização de antígenos de maneira direta.
-se a maior infiltração sinovial por macrófagos. O papel dos Em estados de autoimunidade, as células B agem através
macrófagos não se restringe à articulação estando relacionado de diversos mecanismos, incluindo apresentação de antígenos
também à progressão de placas ateroscleróticas em pacientes e produção de citocinas pró-inflamatórias, interagindo com as
com essa doença. células T por meio do MHC classe II. Células B produtoras de
fator reumatoide são mais efetivas na apresentação, e a ativa-
A maior parte da ativação macrofágica ocorre por meio de
ção pode ocorrer diretamente via receptores toll-like a partir
interação célula-célula, principalmente a partir de fibroblas-
do contato com imunocomplexos.
tos sinoviais, via IL-6, IL-8 e fator estimulante de colônias de
granulócitos e macrófagos (GM-CSF). Os macrófagos ativados Em pacientes com AR, as células dendríticas e os fibroblas-
também interagem com células T, sendo produzidos por estes tos sinoviais produzem fatores que influenciam a sobrevida e
TNF-α e IL-6 e por aqueles MMPs, IL1α e IL-1β. O estímulo a organização das células B, contribuindo para maior recru-
também atinge as células endoteliais promovendo maior atra- tamento e permanência delas na sinóvia inflamada, formando
ção de monócitos em razão da alteração de expressão de inte- estruturas que se assemelham a centros germinativos.
grinas e selectinas na membrana.
Plaquetas
Células Natural Killer A função primordial plaquetária é a de hemostasia. Além
Células Natural Killer (NK) são tradicionalmente parte da disso, as plaquetas exercem papel no sistema imune inato, pois
imunidade inata, atuando na defesa contra microrganismos e apresentam moléculas importantes na resposta inflamatória
células neoplásicas. Recentemente estudos sugerem que as cé- e no recrutamento celular. Elas são capazes de secretar IL-8,
lulas NK estejam envolvidas nas respostas de imunidade adqui- quimiocina RANTES Regulated upon Activation, Normal T-cell
rida. Elas podem ser encontradas em locais de inflamação, como Expressed, and Secreted (ou ligante com motivo C-C – CCL-5),
nas placas de psoríase ou na sinóvia reumatoide, e há dúvidas CD62P, fator plaquetário-4, proteína inflamatória macrofágica-
em relação ao seu adequado funcionamento nesses locais. 1α e TGF-β, todos responsáveis por recrutamento leucocitário,

28 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 2
T regulador

CD 223
TCR
CD 103

IL-10
MHC
Classe II - TNF-α
EC TGF-β Macrófago
IL-6 sinovial
Célula
apresentadora CD 54
de antígeno CD 11a/18
CD 80/86 CD 28
CD 254 CD 265
CD 275 CD 278 TH17

CD 154 CD 40
CD 252 CD 134
MHC
Classe II - CD 154 DC 6 IL-17
TCR
EC CD 11a/18
CD 2

IL-6
TNF-α CD 265

IL-1β
TGF-β

CD 54 CD 58

CD 40 CD 166
MHC CD 254
Fibroblasto
Classe II-
sinovial
EC

Figura 2.6 Esquema de interação linfócito Th17, linfócito T regulador, célula apresentadora de antígeno, macrófago sinovial e fibroblasto
sinovial em artrite reumatoide. Modificada de Lundy et al. TGF: fator de crescimento transformador; IL: interleucina; TNF: fator de necrose
tumoral; MHC: complexo maior de histocompatibilidade; EC: epítopo compartilhado; CD: grupamento de diferenciação.

e serotonina, histamina, prostaglandina (PG) E2 e PGD2, molé- As plaquetas, como já mencionado, são fragmentos celula-
culas com propriedades vasoativas. res capazes de estimular a inflamação, liberando fatores pró-
Como mecanismo de defesa podem secretar TNF-α, TRAIL -inflamatórios, como fatores de crescimento e citocinas após
(ligante indutor de apoptose relacionado ao TNF), IL7, FasL aderirem-se à parede vascular lesada. Ocorre assim recruta-
mento leucocitário.
(ligante do Fas) e CD154 por estímulo de microrganismos, e
atrair APC, além de promover a apoptose celular. As funções do fator tecidual e da trombina são induzidas
por citocinas pró-inflamatórias. O fator tecidual participa,
As plaquetas também podem ativar o sistema complemen-
além da iniciação da cascata de coagulação, de modulação de
to, tanto por via clássica quanto por via alternativa. Elas ex- reações inflamatórias, e a trombina participa como ativadora
pressam sítios para ligação do C1q, da via clássica, e podem de receptores PAR (receptores ativados por proteinases) em
produzir e secretar a P-selectina, ativadora da via alternativa; plaquetas e células endoteliais. A fibrina atua recrutando e ati-
e o fator D, responsável pela clivagem do fator B, também da vando plaquetas e leucócitos.
via alternativa. As vias anticoagulantes, como o inibidor da via do fator teci-
dual, a antitrombina, as proteínas C e S e, principalmente, a trom-
Coagulação  inflamação bomodulina, também possuem propriedades anti-inflamatórias.
As células endoteliais atuam na hemostasia, limitando a
A defesa do organismo acontece de diversas maneiras. En- formação de coágulos e na inflamação, direcionando células
quanto a resposta inflamatória é responsável pela proteção e inflamatórias ao local de lesão. Estados inflamatórios modifi-
manutenção da integridade tecidual, a coagulação é um meca- cam a função endotelial tornando-a pró-trombótica.
nismo de controle de sangramentos. Ambos são interligados, Assim, doenças inflamatórias crônicas aceleram a atero-
possuindo vias comuns de ativação e de retroalimentação. trombose e aumentam o risco de tromboembolismo venoso.

As Bases Científicas da Reumatologia II: Inflamação, Degeneração e Reparação Tecidual nas Doenças Reumáticas 29
Angiogênese O papel dos eicosanoides – derivados do ácido
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

araquidônico
A angiogênese é a neoformação de vasos a partir de va-
sos sanguíneos existentes. Na AR, a angiogênese facilita o O ácido araquidônico é um ácido graxo derivado da mem-
estado inflamatório crônico permitindo a chegada de célu- brana celular, de onde é liberado por meio da ação da enzima
las inflamatórias, de nutrientes e de oxigenação para que o fosfolipase A2, e seus metabólitos são conhecidos por eico-
pannus se prolifere. Assim, verifica-se maior área de super- sanoides (20 átomos de carbono como base). Quando esses
fície de endotélio, maior produção de moléculas de adesão e metabólitos são submetidos à ação de duas enzimas, a ciclo-
de citocinas, principalmente de fator de crescimento endo- -oxigenase e a lipo-oxigenase, formam as prostaglandinas,
telial vascular – VEGF, contribuindo para a invasão sinovial. tromboxanos e leucotrienos.
O resultado é a destruição cartilaginosa e o aparecimento de A formação do infiltrado inflamatório, e também de res-
erosões ósseas. Entretanto, ainda não está claro se é isso um postas alérgicas, depende de níveis de PGD2, leucotrieno (LT)
dos recursos relacionados à doença ou apenas consequência B4, e leucotrienos cisteinilados C4, D4 e E4. Existem dois recep-
do processo inflamatório. tores para PGD2, o DP1 e o DP2. Ambos são encontrados em eo-
sinófilos, basófilos, monócitos. Células dendríticas e linfócitos
O papel do sistema complemento Th1 e Th2 expressam o DP1 e linfócitos Th2 e citotóxicos, o
DP2. A principal função já reconhecida é a de ativação direta
Componente das imunidades inatas, o sistema comple- via DP2 dos linfócitos Th2. Há dois receptores para LTB4, o BLT1
mento tem um papel de extrema importância em situações e o BLT2, porém este de menor afinidade. Ambos são encon-
de defesa do organismo, liberando fragmentos que atuam na trados em neutrófilos, monócitos, eosinófilos e mastócitos. O
quimiotaxia de células inflamatórias, estimulam fagocitose primeiro também é identificado em linfócitos T CD4 e CD8, e o
por neutrófilos e macrófagos, ativam células B e T e aceleram a segundo, em células dendríticas. Atuam, via BLT1, promoven-
remoção de imunocomplexos. do quimiotaxia, desgranulação e adesão celular leucocitária.
Existem três vias de ativação do complemento, todas Os leucotrienos cisteinilados participam principalmente da
com um único objetivo: clivar e ativar o componente C3. A resposta alérgica, incluindo broncoconstrição, aumento da
primeira via é a clássica, iniciada por complexos antígeno- permeabilidade vascular e ativação leucocitária. Há também
-anticorpo que ligam o componente c1. Este é composto por dois receptores: CysLT1 e CysLT2, encontrados em eosinófilos,
três subunidades (C1q, C1r, C1s). Após uma modificação de mastócitos, macrófagos, linfócitos T, entre outras.
conformação pela ligação com complexo via C1q, ocorre a Em relação à cartilagem articular, as prostaglandinas têm
ativação via C1r e posterior clivagem e ativação de C1s. Este, propriedades condroprotetoras, e o uso de anti-inflamatórios
por sua vez, cliva C4 em porções C4a e C4b. O C4b une-se pode reduzir essa função, principalmente via inibição de COX-1.
ao C2 que se cliva e gera C2a. Sua união resulta na C4b2a, De outro lado, os leucotrienos são catalisadores do catabolismo.
uma convertase de C3. O C1q reconhece moléculas de célu-
las apoptóticas ligando-se diretamente via conexão com IgG
e IgM, promovendo a iniciação da cascata de complemento. Papel das proteinases
A deficiência de C1q relaciona-se ao desenvolvimento de As proteinases são enzimas responsáveis por quebras de
doenças lúpus-símile. ligações entre peptídeos e atuam nas mais diversas funções
A via da lectina é iniciada por meio de proteínas plasmá- fisiológicas do organismo, como síntese de colágeno e apop-
ticas (ligadoras de manose – MBL) que reconhecem essas es- tose, por exemplo. Sua atividade requer controle para evitar
truturas na superfície de patógenos mas também de células degradação inapropriada de proteínas. Os condrócitos secre-
necróticas e apoptóticas. A ligação entre a proteína e o carboi- tam proteinases no processo de remodelamento de maneira
drato estimula a ação da enzima esterase de serina que parti- fisiológica, assim como os osteoclastos as utilizam para a reab-
cipa da ativação de C4 e C2 e formação da convertase de C3. sorção óssea. Em doenças reumáticas, como a AR e a OA, há
A ativação da via alternativa é desencadeada pela hidroli- desregulação dessa atividade e consequente dano tecidual.
zação espontânea de C3 plasmático que, após a mudança con- Essas enzimas são classificadas em exopeptidases, quando
formacional, liga-se ao fator B. Isso estimula outra esterase, o clivam porções terminais amino ou carboxi, e endopeptidases,
fator D, que cliva o fator B em Bb, que ligado ao C3b gera outra chamadas também de proteinases, clivam porções dentro das
convertase de C3, a C3bBb. cadeias de polipeptídeos, e classificam-se de acordo com o
Após a ativação da convertase de C3, o próximo passo é ati- grupo químico responsável pela hidrólise, atuando no meio in-
vação e clivagem de C5 em porções C5a e C5b. O C5b liga-se a tracelular em pH ácido, quando o grupo possui os aminoácidos
C6 e C7 e fixa-se à membrana celular. A etapa seguinte consiste aspartato, cisteína e treonina, e no meio extracelular em pH
da ligação de C8 e múltiplos componentes C9 no C5bC6C7, re- neutro, se possui serina ou metais.
sultando no complexo de ataque à membrana (CAM). Na artrite reumatoide, a característica é a destruição de
Além da formação do CAM, os componentes e subunida- cartilagem, tendões e osso por ação de MMPs sendo a perda
des liberados são dotados de funções biológicas. O C3a atua de agrecans a alteração inicial mais importante. A sinóvia reu-
como anafilatoxina, indutor de quimiotaxia e desgranulação matoide, os condrócitos ativados, os osteoclastos e os fibro-
de mastócitos e eosinófilos, além de contribuir para contração blastos sinoviais são os principais responsáveis pela produção
da musculatura lisa. O C5a interage com granulócitos e monó- e secreção de catepsinas e MMPs. Na osteoartrite, o processo
citos/macrófagos aumentando a quimiotaxia, a desgranulação patogênico resulta de danos mecânicos, bioquímicos e enzi-
de mastócitos, o estímulo à adesão endotelial e a liberação de máticos. Disso resulta a falha dos condrócitos em manter a
fatores pró-coagulantes, e produção de espécies reativas de homeostase cartilaginosa. Também aqui a perda de agrecans
oxigênio. torna-se o evento inicial, mediada por ADAMTS-4 e 5. Os con-

30 Tratado Brasileiro de Reumatologia


drócitos ativados e os fibroblastos sinoviais secretarão as pro- (iNOS ou II) e a endotelial (eNOS ou III). Em sinóvia inflamada

„„ CAPÍTULO 2
teinases que promoverão a destruição articular. A Figura 2.7 encontram-se macrófagos, condrócitos, osteoblastos e osteo-
ilustra a comparação entre AR e OA. clastos expressando iNOS. A iNOS é ativada por meio da ação
Apesar de a investigação sobre a fisiopatologia da OA se de TNF-α mas também pode ser via LPS.
concentrar em cartilagem e osso periarticular, há um cres- As espécies reativas de oxigênio que derivam do NO (su-
cente reconhecimento de que há acometimento de todos os peróxido, peróxido de hidrogênio e peroxinitrito) podem mo-
tecidos, incluindo a sinóvia. As alterações histológicas ob- dificar certas proteínas presentes nas articulações. As suas
servadas na membrana sinovial na OA geralmente permitem funções incluem indução de fagocitose, ativação de citocinas
inferir a presença de sinovite. Pode ser evidenciada a hiper- e de TLR. Dentro das células são bactericidas e ativam fatores
plasia de sinoviócitos, infiltração de macrófagos e de linfóci- transcripcionais. Efeitos patológicos (quando suas concentra-
tos, neoangiogênese e fibrose, e o padrão da reação sinovial ções persistem no local além do tempo esperado) incluem oxi-
varia de acordo com a fase da doença, levando-se em conta a dação de lipídios, dano ao DNA celular e apoptose e necrose.
duração e a presença de alterações metabólicas e estruturais.
Fatores como inflamação e sobrecarga mecânica levam à
Sugere-se que a presença de sinovite na OA está associada à
mais dor e à maior disfunção da articulação e que a sinovite produção de NO, tanto em osteoartrite quanto em artrite reu-
poderia predizer maior rapidez de perda de cartilagem em matoide. Existe associação entre polimorfismos da iNOS e sus-
certas populações. ceptibilidade a AR.
Há clara relação entre o elevado nível de NO e o aumento
de níveis de prostaglandinas e leucotrienos, além de perturba-
Óxido nítrico e espécies reativas de oxigênio ção da função de linfócitos T via interferência na formação da
O óxido nítrico (NO) é um radical livre que participa de cadeia ζ do RCT. Por tudo isso aceita-se a participação do NO
inúmeros processos, como controle de tônus vascular e brôn- na patogênese da AR.
quico, inflamação, neurotransmissão e apoptose. A síntese do Os mecanismos de ação nessas situações, entretanto, ain-
NO deriva da ação de NO sintetases (NOS) na L-arginina. Há da são incertos, podendo estar relacionados, entre outros, à
três isoformas da NOS: a neuronal (nNOS ou I), a induzível nitrosilação de radicais sulfidrila, indução de biogênese mi-

Osteoartrite Artrite
reumatoide

Lesão
biomecânica
Inflamação
sinovial

IL-1 RANK-L
Condrócitos Fibroblastos
Macrófagos sinoviais
uPA
ADAMTS 4 Inflamação
ADAMTS 5 Osteoclastos Condrócitos
sinovial Proteinases Proteinases
IL-1
Agrecan
ecan
Fibroblastos Catepsina K uPA uPA
MMP 1
sinovais TNF-α MMP 13 tPA ADAMTS 4
MMP 13
MMP 1 ADAMTS 4 ADAMTS 5
uPA MMP 9 MMP 13 MMP 13
Colágeno tipo II tPA MMP 12 MMP 1 MMP 1
ADAMTS 4 MMP 14 MMP 8 MT-2 MMP
MMP 2 MT-1 MMP MMP 2
MMP 9 MMP 1
MMP 13 MMP 2 MMP 9
MPP 8 MMP 9
ntação
Fragmentação
Catepsina K
MT.1 MMP Catepsina D
MMP 2
MMP 9

Destruição articular Destruição articular

Figura 2.7 Papel das proteinases na destruição articular em osteoartrite e artrite reumatoide. Modificada de Rengel et al. IL: interleuci-
na; TNF: fator de necrose tumoral; uPA: ativador de plasminogênio tipo uroquinase; tPA: ativador de plasminogênio tecidual; ADAMTS:
desintegrina-metaloproteinase com domínio idêntico à trombospondina; MMP: metaloproteinase de matriz; MT-MMP: metaloproteinase
de matriz tipo membrana; RANK-L: ligante do receptor ativador do fator nuclear κB.

As Bases Científicas da Reumatologia II: Inflamação, Degeneração e Reparação Tecidual nas Doenças Reumáticas 31
tocondrial. Fisiologicamente as ações do NO são via guanilato O tônus simpático encontra-se aumentado nesses pacien-
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

ciclase. Em humanos, o efeito do uso de anti-TNF em pacientes tes por causa da necessidade de manter normotensão, ho-
com AR relaciona-se à redução da expressão de iNOS em mo- meostase glicêmica, entre outras funções. Isso tende a acelerar
nócitos e linfócitos. Nas doenças, o nível de NO produzido por o risco de aterosclerose e doença arterial coronariana.
mecanismos inflamatórios ou mecânicos pode ser modificado Verifica-se também o aumento de desidroepiandrosterona
de acordo com a tensão de oxigênio articular. Experimental- (DHEA) e de androstenediona na fase ativa e uma diminuição
mente inibidores de NO podem retardar a progressão de OA. do DHEAS (DHEA Sulfato). Com o passar do tempo, a tendência
É importante ressaltar que o NO e as espécies reativas é a diminuição da produção desses hormônios, provavelmente
de oxigênio derivadas, além de suas ações destruidoras, de- por estímulo de IL-6 e de TNF-α.
sempenham funções protetoras, por exemplo, reduzindo e
modulando a dor (aumento do fluxo sanguíneo diminuindo O papel dos estrogênios
isquemia, diminuição da irritação neuronal e estímulo às vias As diferenças entre incidência de doenças inflamatórias crô-
analgésicas próprias do organismo). nicas, infecções e mortalidade entre homens e mulheres é reco-
nhecida e atribui-se a isso influência hormonal, principalmente
Papel do sistema nervoso da presença de elevados níveis de estrogênio em mulheres pré-
-menopausa. De fato, as evidências clínicas demonstram que o
O sistema nervoso tem grande atuação no mecanismo fi- ciclo menstrual, a gravidez, e a menopausa, nos quais podem ser
siopatológico de diversas doenças inflamatórias articulares. verificadas flutuações de estrogênios endógenos, influenciam
Pacientes com história de poliomielite ou hemiplegia, ao de- significativamente o curso das doenças autoimunes.
senvolverem AR, por exemplo, uma doença tradicionalmente Em pacientes com AR, identificaram-se em fibroblastos si-
de acometimento bilateral, tendem a apresentar quadros uni- noviais e macrófagos receptores estrogênicos (ER) α e β, sen-
laterais poupando o membro afetado pelo déficit neurológico. do este último preponderante. Demonstrou-se que a hipóxia
Entretanto, seu papel como gerador ou perpetuador da infla- reduz a expressão de Erα, e o estresse oxidativo aumenta ERβ.
mação crônica é incerto. Esse desbalanço entre a presença dos receptores pode alterar
Os nociceptores são receptores de estímulos sensoriais, o efeito hormonal dos estrógenos.
terminações nervosas, que reconhecem diversas qualidades O estrógeno interfere com as células inflamatórias e suas
de sensações, entre eles os estímulos algogênicos, geradores funções encontram-se resumidas na Tabela 2.1. Por inibir a
de dor. Se o estímulo é nocivo, logo fenômenos inflamatórios, supressão de células T sobre células B, estimula a produção
como rubor, calor e edema, além da dor, associam-se à respos- de anticorpos. Porém, níveis elevados de 17-β-estradiol supri-
ta do organismo. A hiperalgesia ocorre quando o estímulo pro- mem os precursores das células B. Em doenças autoimunes
duz uma resposta de dor desproporcional à sua intensidade. A em que a célula B tem maior participação, os níveis de estrogê-
alodínia, por sua vez, é a sensação de dor frente a um estímulo nio auxiliariam a promover a agressividade da doença.
previamente não algogênico. Em relação à célula T, o estrógeno em níveis periovula-
As fibras nervosas sensitivas pertencem a quatro tipos: Aα tórios e gestacionais aumenta a secreção de IL-4, IL-10 e de
(grupo I) espessamente mielinizadas e condutoras rápidas; Aβ IFN-γ de maneira dose dependente inibindo a sua função. Seu
(grupo II) finamente mielinizadas e são ligadas a receptores de efeito sobre o TNF-α é bifásico, sendo estimulador em doses
tato; Aδ (grupo III) finamente mielinizadas e de condição inter- baixas e supressor em doses altas (periovulatório e gestacio-
mediária, ligadas à nocicepção; e C (grupo IV) não mielínicas, de nal). Assim, espera-se que sua atuação na idade fértil seja de
baixa velocidade de condução e também ligada à nocicepção. A proteção. Com a IL-1β ocorre o mesmo padrão de influência
maioria das fibras aferentes sensitivas são do grupo IV. que o do TNF-α. Acredita-se que isso seja consequência da ini-
Na articulação são encontradas fibras mielínicas e amie- bição do NF-κB em concentrações elevadas.
línicas na cápsula articular, no osso subcondral, no periósteo, Quando os níveis caem, o efeito protetor se perde, estimu-
nos ligamentos e meniscos. A sinóvia somente apresenta fibras lando TNF-α e consequentemente a inflamação. Especula-se
amielínicas. Já a cartilagem, conforme já mencionado, não é que isso ocorra antes ou durante a evolução de doenças au-
inervada. A dor relacionada à articulação depende da ativação toimunes.
de fibras Aδ e C. Estados inflamatórios articulares prolongam a Níveis elevados de estrogênio também reduzem a ativi-
ativação dos nociceptores ali localizados e aumentam sua sen- dade de células NK e a expressão de moléculas de adesão e
sibilidade. Essa ativação resulta na sensibilização central, fator aumentam TGF-β, bFGF, KGF e BMPs. Na presença de inflama-
importante na cronificação da dor. ção, o estrogênio em altos níveis inibe a produção de NO e, na
sua ausência, a estimula. Também ocorre menor apoptose de
células imunes, efeito considerado como pró-inflamatório. Os
Mecanismos neuroendócrinos
estrogênios podem reduzir também os efeitos terapêuticos de
Em pacientes com AR já é conhecido o déficit relativo da drogas modificadoras de doença.
secreção de cortisol. Esperar-se-ia que em decorrência de es- O efeito bimodal dos estrogênios deve ser considerado nas
tresse inflamatório o cortisol aumentasse, via resposta do eixo discussões sobre efeitos pró- e anti-inflamatórios. Quando a
hipotálamo-hipófise-adrenal. Entretanto, os níveis encontra- célula B é o ator principal, seja por apresentação de antígenos,
dos são semelhantes a controles normais. Quando submetidos produção de autoanticorpos seja secreção de citocinas, os ní-
a estresses leves – infecção, exercício –, os níveis de cortisol veis elevados de estrógeno acelerarão o desenvolvimento da
tendem a diminuir e o sistema imune tende a ativar-se. Já em doença autoimune na fase reprodutiva. Desse modo esperar-
estresses maiores, como hipoglicemia, o efeito é o aumento -se-ia que a gestação estimulasse o aparecimento dos fenôme-
do cortisol, diminuindo a ativação do sistema imune – ou seja, nos, porém os níveis de progesterona tendem a reduzir o risco.
imunossuprimindo-o. O que não ocorre no período pós-parto.

32 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 2
Tabela 2.1 Efeitos do estrogênio sobre a resposta imune. TGF: fator de crescimento transformador; BMP: proteína óssea
morfogenética; KGF: fator de crescimento de queratinócito; FGF: fator de crescimento de fibroblastos; IL: interleucina; TNF:
fator de necrose tumoral; IFN: interferon.
Níveis elevados de estrogênio Observações

Células T Inibição
Supressão de precursores de células B
Células B Estímulo
se níveis excessivos de 17-β-estradiol
Células NK Inibição
↑IL-10, IL-4, IFN-γ ↑TFN-α, IL-1β se baixos níveis de estrogênio
Citocinas
↓TNF-α, IL-1β (pós-menopausa)
Moléculas de adesão Redução
Fatores de crescimento ↑TGF-b, FGF, KGF, BMP
Mecanismo de apoptose Inibição

Quando as células T e B participam igualmente da patogê- a atenção às consequências de longo prazo das doenças, aos
nese, o início da doença será retardado pelos efeitos estrogê- problemas decorrentes dos danos estruturais e à disfunção/
nicos de inibição de LT e estimulação de LB. Quando os níveis reabilitação.
hormonais reduzirem-se no final da menacme ou na pós-me- A obrigação do reumatologista é identificar precocemente
nopausa, o efeito perde-se e a doença se instala. O fato de se os pacientes afetados para controlar a inflamação e prevenir
poder detectar autoanticorpos anos antes do desenvolvimento a destruição articular. Por vezes será necessário somar trata-
da doença permite considerar de grande importância o efeito mentos para conseguir o controle, e mesmo assim, em alguns
dos estrogênios na fisiopatologia das doenças autoimunes. A casos a recuperação da função só será obtida por meio de pro-
Tabela 2.2 ilustra as diferenças entre a fase reprodutiva da mu- cedimentos cirúrgicos ou do auxílio de órteses e instrumentos.
lher e a incidência de doenças autoimunes. O papel do reumatologista, por ora, não é só procurar co-
nhecer os mecanismos fisiopatológicos envolvidos na doença
Alvos terapêuticos que seu paciente, isoladamente, possa apresentar, mas tam-
bém entender que não há somente um alvo a ser atingido
A introdução de terapias direcionadas ao alvo mudou quando oferecemos a ele o tratamento. As doenças de natu-
drasticamente a evolução e o prognóstico dos pacientes com reza reumatológica são multifacetadas, com diversos aspectos
artropatias crônicas. Após o controle da inflamação e, conse- ainda pouco compreendidos, o que mantém constante o desa-
quentemente, da maior parte dos sintomas da doença, volta-se fio de alcançar o bem estar dos pacientes.

Tabela 2.2 Relação entre autoimunidade e fase reprodutiva em mulheres. Modificada de Straub RH.

Menacme Menopausa

Estrogênio Elevado Baixo


acordo com as fases reprodutivas da mulher
Incidência de doenças autoimunes de

Progesterona Elevado Baixo


Autoimunidade Baixo estímulo estrogênico
Elevado estímulo estrogênico
Células B (diminuição da autoimunidade B)
Autoimunidade Baixa inibição estrogênica
Elevada inibição estrogênica
Células T (aumento da autoimunidade T)
Esclerose múltipla, doença celíaca, lúpus
eritematoso sistêmico, dermatite herpetiforme,
Doenças autoimunes
miastenia grave, tireoidites, nefropatia por IgA,
Células B >> T
hepatites autoimunes, doença mista do tecido
conectivo
Pênfigo vulgar, cirrose biliar primária, artrite
Doenças autoimunes
reumatoide, esclerose múltipla, doença mista do
Células T > B
tecido conectivo

As Bases Científicas da Reumatologia II: Inflamação, Degeneração e Reparação Tecidual nas Doenças Reumáticas 33
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As Bases Científicas da Reumatologia II: Inflamação, Degeneração e Reparação Tecidual nas Doenças Reumáticas 35
3

Capítulo
Paulo Louzada Junior  Renê Donizeti Ribeiro de Oliveira  Ivan Fiore de Carvalho

Mecanismos Imunopatogênicos nas


Doenças Reumáticas Autoimunes

„„ INTRODUÇÃO ção celular. A clara caracterização dos mecanismos efetores


de cada tipo das reações resultou em ampla aceitação dessa
Este capítulo versa sobre os processos reacionais por inter- proposta que perdura até os dias de hoje. Entretanto, atri-
médio dos quais o sistema imunitário reage contra o próprio bui-se à classificação maior conveniência didática do que
organismo. Em uma apreciação teleológica, não deixa de ser fisiopatológica, pois, na maior parte das doenças autoimu-
paradoxal que os mecanismos efetores na autoimunidade se- nes, as reações de imunidade humoral e celular estão entre-
jam os mesmos que ocorrem no organismo no desenvolvimen- tecidas, nem sempre agindo isoladamente umas das outras
to de uma resposta imune de defesa (protetora), mas também (Tabela 3.1).
podem conduzir à lesão tecidual (agressora). Compreende-se O substractum da doença autoimune é relacionado a uma
então a repercussão do célebre conceito dogmático criado por condição de suscetibilidade genética com defeito dos mecanis-
Paul Ehrlich – horror autotoxicus – para respostas imunes mos normais de preservação da autotolerância de células B,
agressivas ao próprio e que tanto influenciou os imunologistas T, e expansão de linfócitos autorreativos. Embora a etiologia
nas primeiras décadas do século passado. precisa dessas doenças ainda não esteja suficientemente com-
Historicamente, Coombs e Gell classificaram em 1975 preendida, a participação de fatores genéticos e ambientais é
os mecanismos imunopatogênicos nas doenças imune-me- evidenciada, entre outros indícios, pelos levantamentos de al-
diadas em quatro tipos de “reações de hipersensibilidade”: terações da prevalência da doença observadas em populações
1. Anafilática; 2. Citotóxica ou citolítica; 3. Tipo Arthus ou de migrantes e na concomitância da ocorrência em gêmeos
antígeno-anticorpo mediada e; 4. Retardada ou de media- monozigóticos.

Tabela 3.1 Doenças reumáticas autoimunes: mecanismos imunopatogênicos.

Mediação
Anticorpo Celular
Imunocomplexos

Participante IgG/IgM IgG/IgM Células T


Antígeno Celular, Extracelular Solúvel circulante Solúvel, associado a célula
Mecanismo de lesão Ativação do complemento Ativação de macrófagos
Opsonização e fagocitose de Lise de células-alvo
células-alvo
Mobilização e ativação de
neutrófilos, macrófagos via
receptores Fc e de complemento
Doença FrA, lúpus neonatal, LES, AR, vasculites LES, AR, AIJ
Vasculite (ANCA)
FrA: febre reumática aguda; LES: lúpus eritematoso sistêmico; AR: artrite reumatoide; AIJ: artrite idiopática juvenil; ANCA: anticorpo anticitoplasma de neutrófilo.

37
Vale lembrar que o autorreconhecimento pode acontecer artrite seja dominante no quadro da doença. Como a inflama-
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

normalmente durante o desenvolvimento de resposta imune ção sinovial deve conter as pistas subjacentes à patogênese da
do organismo, mas a reação autoimune tem um caráter tran- doença, será o alvo da atenção deste texto. Considerando os
sitório e, sem delonga, é autolimitada por mecanismos que limites do capítulo, aqui serão apresentadas de maneira re-
regulam a ativação de linfócitos bloqueando o processo au- sumida três rotas de mediação imune, dissociadas da pletora
torreativo danoso. Ainda assim, é preciso considerar que pro- das reações implicadas na patogênese da doença: ativação das
teínas próprias (autoantígenos) nem sempre são totalmente células T; ativação das células B; hiperplasia sinovial, osteo-
eliminadas do organismo na resposta imune específica e, con- clastogênese e angiogênese. A apoptose, pela importância do
sequentemente, a oferta contínua do autoantígeno favorece a seu envolvimento em autoimunidade, será apresentada sepa-
persistência de uma resposta intensificada por mecanismos de radamente. Cabe lembrar que essas vias não se desenvolvem
retroalimentação positiva. Na condição de falência da autoto- isoladamente, mas sim constituem uma malha de intercepções
lerância, a resposta imune, uma vez iniciada e ao contrário de recíprocas entre seus componentes.
proteção, é mantida de maneira anômala, sobrevindo lesão de
células e tecidos próprios em processo inflamatório crônico.
A percepção do efeito lesivo da atividade inflamatória, proce-
Ativação de células T
dente da fase efetora de respostas imunopatológicas, estimu- Admite-se que células T desempenham função basilar na
lou a produção de centenas de novas drogas anti-inflamatórias imunidade protetora do organismo por suas atividades de re-
nas últimas quatro décadas, constituindo-se, possivelmente, lação com outras células e funções efetoras na mediação das
no mais numeroso grupo de fármacos de aplicação médica. respostas imunes. Entretanto, anormalidades na regulação
Entretanto, a disponibilidade de tamanho número de alter- da ativação e da proliferação dessas células podem ser peri-
nativas medicamentosas simplesmente revela que o objetivo gosamente deletérias. O processo da diferenciação das células
precípuo – resolução terapêutica – das doenças reumáticas T começa pela liberação de sinais do receptor de célula T, de
ainda não tinha sido alcançado. Neste capítulo serão conside- moléculas coestimulatórias e de receptores de citocinas.
rados apenas os mecanismos representativos envolvidos nos No evento inicial, a ativação de células T CD4+ “naives” exi-
eventos da patogênese relacionados às manifestações clínicas ge dois sinais em conjunção: 1) reconhecimento do fragmento
das principais doenças reumáticas autoimunes. A discussão antigênico complexado à molécula MHC de classe II pelo RCT
de todos os detalhes de biologia celular das reações, interação (receptor de célula T); 2) pelo menos um dos sinais providos
de receptores e mediadores, formas moleculares, seria tão ex- por moléculas coestimulatórias (CD80/CD86, CD40) expres-
tensa e complexa que excederia o alcance dos objetivos deste sadas na superfície de célula apresentadora de antígeno (CAP)
texto. Os pormenores podem ser esclarecidos em capítulos es- ao engajar-se com receptores (CD28 e CD54, respectivamente)
pecíficos disponíveis em tratados de referência. na célula T. Assim, constitui-se uma conexão imunológica fun-
Em um contexto de imunologia básica, espera-se que o es- cional pelo contato interativo entre a célula T e a CAP, intima-
clarecimento dos mecanismos da resposta imune conduza ao mente correlacionada com a ativação da célula T naive. Nesse
planejamento racional de moléculas capazes de suprimir sele- processo, a célula Th1 exprime por tempo curto a molécula
tivamente o desencadeamento das reações de natureza autoa- CTLA-4 (entre 24 a 48 horas após a ativação), outra receptora
gressivas. Esse é o desafio enfrentado atualmente. para CD80, porém de caráter inibitório e com afinidade muito
maior que a observada para CD28. Funcionalmente, a ligação
„„ ARTRITE REUMATOIDE (AR) CD28-CD80 ou CD86 principia a reposta Th1, ao passo que a
interação CTLA-4/CD80 ou /CD86 promove uma supressão
A AR é uma doença incapacitante, de caráter inflamatório da resposta proliferativa e da secreção de citocinas da pro-
crônico, com manifestações sistêmicas e articulares, afetando gênie de células Th1 ativadas (seria o sinal regulatório para
articulações diartrodiais de maneira progressiva, irreversível, interromper o processo, quando necessário)*. A estrutura da
destruindo cartilagem e osso adjacente. A etiopatogenia ainda articulação dispõe dos elementos propícios para ativação das
continua incompletamente esclarecida: estão listados múlti- células T: moléculas CD28 expressas nas células T sinoviais e
plos fatores endógenos (resposta imune anormal) e exógenos ligantes CD80, CD86 expostos nas APCs (células dendríticas,
(infecções, alimentação, tabagismo, poluição química, estres- monócitos, células B). Muita atenção foi dispensada no passa-
se) desencadeantes da doença em uma condição de susceti- do à participação de células T auxiliares com fenótipo Th1 na
bilidade genética. Na mediação dos processos imunológicos patogênese da AR, mas, recentemente, o foco de investigações
determinantes das manifestações inflamatórias articulares es- está sendo dirigido a outra subpopulação – Th17 – provocado
tão envolvidas células T, B, plasmócitos, macrófagos e células particularmente por resultados obtidos nos modelos experi-
dentríticas, infiltradas na sinóvia reumatoide e com tendência mentais da doença. No contexto da ativação e expansão, três
à formação de agregados linfoides organizados de maneira se- subpopulações são diferenciadas: a) Th1 – ativam macrófagos,
melhante aos centros germinativos. Enquanto a literatura indi- produzem interferon-γ (IFN-γ), interleucina-2 (IL-2) e linfo-
ca uma concordância sobre as linhagens celulares envolvidas toxina (LT), importantes na defesa contra agentes invasivos
na patogênese, há, em contraste, muita discussão concernente intracelulares; b) Th2 – ativam células B, secretam IL-4, IL-5,
ao destaque da função que cada tipo de célula, seus produtos IL-10, IL-13 e IL-25, essenciais na produção de anticorpos e
e os supostos autoantígenos desempenham nos mecanismos na defesa contra agentes extracelulares e; c) Th17 – secretam
imunopatogênicos. Trata-se de uma complexa rede interativa IL-17, IL-21 e IL-22, exercendo possivelmente proteção contra
de vias da mediação imune implicadas na origem, desenvolvi- certos patógenos não controlados pelas respostas Th1 e Th2.
mento e manutenção dos processos inflamatórios da doença, Entretanto, a ocorrência de defeitos na regulação da expansão
em um contexto permeado de numerosas lacunas de com-
preensão. No fio destes comentários, deve ser notado que a
AR também apresenta alterações extra-articulares, embora a * Polimorfismo da molécula CTLA-4 está associado à autoimunidade.

38 Tratado Brasileiro de Reumatologia


e atividade das células T podem conduzir a efeitos imunopato- cia. Acredita-se que o subtipo mieloide esteja envolvido com

„„ CAPÍTULO 3
lógicos. Assim, a atividade exacerbada de Th1 está associada acentuação da resposta imune, enquanto que o subtipo plas-
a doenças autoimunes, a produção descontrolada de citocinas macitoide esteja envolvido com a tolerância imunológica. O
Th2 se relaciona com a atopia e, há evidências experimentais processamento e a apresentação de autoantígeno pode im-
da participação de células Th17 em situações de autoimuni- pelir uma inflamação autoimune relacionada com produção
dade. Células Th17, com especificidade autorreativa, caracte- desmedida de citocinas entre as quais se destaca o TNF*, par-
rizam-se por alta atividade inflamatória, pois expressam IL-6, ticularmente no encetamento da artrite. Por outro lado, a fun-
IL-17, IL-21, IL-22, IL-26, TNF (fator de necrose tumoral) e ção das células dendríticas encontra-se sob controle de células
GM-CSF (fator colônia – estimulante de granulócito – macró- Treg em íntimo contato na membrana reumatoide, formando
fago) agindo sinergicamente com IL-1 e TNF. Relacionada com aglomerados perivenulares que podem ter suas constituições
a patogênese, o destaque é para IL-17, uma potente indutora alteradas com a progressão da doença e com a resposta aos
de RANKL (receptor ligante do ativador do fator nuclear κB). tratamentos. Além desse aspecto pró-inflamatório, as células
Em adição, IL-17 exerce ação pró-inflamatória por promover dendríticas têm mostrado importante papel no controle da
a expressão de IL-6, IL-8, GM-CSF, quimiocinas e metalopro- resposta autoimune quando promovem tolerância ao induzi-
teinases em vários tipos de células. Outras citocinas têm sido rem o surgimento de células Treg produtoras de IL-10.
identificadas com potencial papel na fisiopatogênese da doen- No compartimento sinovial a ativação de sinoviócitos resi-
ça, por exemplo: a IL-33, um novo membro da família da IL-1, dentes sob influência de citocinas (IL-1, IL-6, IL-17, GM-CSF e
participa da ativação de mastócitos e células T sinoviais; BLyS TNF) difunde proteases no milieu inflamatório reumatoide e
e APRIL são fatores críticos para a manutenção de células B promove destruição das estruturas cartilaginosas.
autorreativas; por fim, as adipocinas, recentemente descober-
tas, proporcionam uma intrincada relação entre a ativação dos Ativação de células B
tecidos adiposos, a síndrome metabólica e o processo inflama-
tório articular. Os mecanismos iniciais que conduzem a perda A existência de centros germinativos ectópicos na sinóvia
da tolerância das células T ainda não estão satisfatoriamente é por si própria indicativa de que a função das células B na fi-
esclarecidos, mas uma vez estabelecida em um contexto autoi- siopatologia da AR extrapassa a condição de simples precurso-
mune, fatores desencadeantes promovem alvos articulares, e ra passiva de plasmócitos. A produção de IL-7 por monócitos,
células T CD4+ induzidas ao estado de efetoras passam a ex- macrófagos e células dendríticas induz a ativação de células T
primir citocinas e outros fatores, e ativam monócitos, macró- na dependência de contato intercelular, provocando espalha-
fagos e células dendríticas. Segue-se a produção de citocinas mento de ativação de células T circunvizinhas relacionado ao
pró-inflamatórias, fatores de crescimento e produtos solúveis, reconhecimento de autoantígeno e, concomitantemente, esti-
constituindo-se em rota de lesão tecidual (Figura 3.1). mulando a maturação por afinidade de células B que recebem
Considerando que as citocinas estão diretamente relacio- auxílio de células T in situ na sinóvia reumatoide. As células
nadas com várias reações imunes envolvidas na patogênese da B ativadas, além de funcionarem como apresentadoras de
AR, existe um interesse crescente na definição do papel que antígeno em um contexto autoimune (via moléculas MHC de
elas exercem na complexa rede da mediação imunopatológi- classe II), produzem citocinas inflamatórias e se diferenciam
ca. Na sinóvia reumatoide, a pesquisa de citocinas derivadas em plasmócitos secretores de autoanticorpos de alta afinida-
de potencialmente patogênicos [particularmente o Fator Reu-
de células T revela (entre alguns resultados discrepantes) um
matoide (FR) e o antipeptídeo citrulinado cíclico (CCP)]. Foi
quadro de relativa escassez, com tendência ao predomínio
verificada a produção desses anticorpos precocemente antes
da resposta Th1, apesar de afastamentos da norma: presen-
do início das manifestações clínicas da doença (dez anos para
ça da expressão de IFN-γ, LT, receptores CCR5 e CXCR3 (as-
o FR e quatorze anos para anti-CCP), o que evidencia a perda
sociados ao padrão Th1), mas ausência de IL-2, em contraste
precoce de tolerância das células imunes. Na articulação infla-
com a expressão de IL-10 nas células T sinoviais. Células T
mada há deposição de fibrina proveniente de extravasamento
também se diferenciam em Treg (T regulatórias), com fe-
de fibrinogênio na superfície sinovial e cartilagem. Por ação
nótipo CD4+CD25+high, as quais expressam FOXP3. A ação
da enzima PAD4 (peptidilargininadeiminase) processa-se uma
regulatória envolvida dependeria de um mecanismo contato-
deiminação da fibrina e os resíduos citrulil constituem alvo
-dependente, antígeno-inespecífico, e com a participação de
antigênico de autoanticorpo anti-CCP, altamente específico
TGF-b (fator de crescimento transformador b), com ativida- para AR. Outras proteínas podem sofrer o mesmo processo de
de supressiva sobre a proliferação e a produção de citocinas citrulinização, como a filagrina, o colágeno, a vimentina e as
pelas células autorreativas. A função das Treg parece estar histonas. Anticorpos contra essas proteínas citrulinadas es-
diminuída em períodos de atividade da doença e pode ser tão presentes nos pacientes com artrite reumatoide. Convém
restaurada após alguns tratamentos, como com os anticorpos enfatizar que além da inflamação proveniente da resposta au-
monoclonais e moléculas bloqueadoras do TNF e o rituximabe toimune, o tabagismo também aumenta a ocorrência do pro-
(anticorpo monoclonal anticélula B), ressaltando sua possível cesso de citrulinização, favorecendo a formação de anticorpos
importância no controle da agressão ao próprio. Todavia, na anti-CCP em indivíduos com AR. Seguindo-se a ligação com o
doença ativa, persiste a inflamação, indicando o predomínio anticorpo, ocorrem os efeitos pró-inflamatórios, vazamento de
da atividade de caráter deletério da resposta imune sobre a fibrinogênio, polimerização, ação da PAD4 e formação de fi-
ação supressiva das Tregs no líquido sinovial (Figura 3.2). brina deiminada, completando uma alça de retroalimentação,
Ultimamente, tem chamado atenção o papel das células
dendríticas na modulação da resposta imune. Essas células
podem ser divididas em dois subtipos, mieloide e plasmacitoi- * Sigla preferida para substituir a denominação TNFα, uma vez que a
de, sendo capazes de influenciar todos os tipos de linfócitos, forma b foi identificada como linfotoxina. O bloqueio de TNF consti-
podendo levar à imunidade (ou autoimunidade) ou à tolerân- tui uma eficiente terapia para 50 a 60% dos pacientes com AR.

Mecanismos Imunopatogênicos nas Doenças Reumáticas Autoimunes 39


„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

APC Fatores desencadeantes:


ambientais?
infecciosos?
tabagismo?

MHC II CD80

Ativação autorreativa

Fator
desencadeante? TCR CD28
TLR
CR CD4+
T
naive

Supressão
Ativação Tregs

IL-12, IFNγ IL-6, TGFβ, IL-21, IL-23

Th1/Th17

CTLA-4 Inativação CD80

IFN-γ
Ativação/contato Macrófagos GM-CSF
Fibroblastos Medidores solúveis
Células endoteliais IL-17
Monócito
IL-1, IL-6, IL-12, Célula dendrítica
IL-15, IL-18, IL-23,
TNF, TGFβ

IL-7, IL-17, TNF, TNF, IFN-γ, IL-22, GM-CSF, RANKL


Inflamação – lesão tecidual

Figura 3.1 Representação esquemática parcial de vias imunopatogênicas envolvidas na artrite reumatoide: ativação de célula T. Estão as-
sinalados apenas os principais mediadores. APC = célula apresentadora de antígeno; MHC II = complexo principal de histocompatibilidade
classe II; CD80 = molécula coestimulatória; CD28 = proteína receptora para CD80; TCR = receptor de células T; TLR = receptor toll-like;
CR = receptor de citocinas; TCD4+ = célula T com expressão de molécula CD4; Tregs = células T regulatórias; TGFb = fator de crescimento
transformador b; IFN-γ = interferon γ; IL = interleucina; Th = célula auxiliar; CTLA-4 = antígeno T citotóxico 4; GM-CSF = fator colónia-
-estimulante de granulócito/macrófago; TNF = fator de necrose tumoral; RANKL = ligante do receptor ativador do fator nuclear κB.

40 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 3
TNF, IL-1, IL-6, IL-12, IL-15, IL-17
IL-18, GM-CSF, M-CSF, VEGF, PD-GF
LIF, Oncostatin M

Anti-inflamação Inflamação

TGF-β, IL-10, IL-11, IL-13


sTNF-R, IL-1ra

Figura 3.2 Representação esquemática do desequilíbrio entre a atividade pró- e anti-inflamatória na artrite reumatoide. Estão assinalados
apenas os principais mediadores. TNF = fator de necrose tumoral; IL = interleucina; GM-CSF = fator colónia-estimulante de granulócito/
macrófago; M-CSF = fator colónia-estimulante de macrófago; VEGF = fator de crescimento endotelial vascular; PD-GF = Fator de crescimen-
to derivado de plaquetas; LIF = fator inibidor de leucemia; Oncostatin M = citocina IL-6 símile; TGFb = fator de crescimento transformador;
sTNFR = receptor solúvel de TNF; IL-1ra = receptor antagonista de IL-1.

possivelmente associada à cronicidade da inflamação. Nesse da AR, a destruição da cartilagem é acompanhada por lesão ero-
contexto, também deve ser lembrada a ativação de células B siva do osso. Em adição, deve ser registrada também a presença
independentemente do auxílio de células T, pela participação de mastócitos associada à expressão do fator de células-tronco
de receptores toll-like (TLRs)*, receptores FcγIIb e outros, ini- (SCF) por fibroblastos sinoviais. A ação dos mastócitos é cre-
ciando/propagando a resposta humoral. O estudo da sinóvia ditada à composição das proteases contidas nos seus grânulos
reumatoide mostrou que esta é particularmente responsiva a secretórios. Há 2 tipos: o MCT contém triptase e, em número au-
estímulos para os TLR2, TLR3 e TLR9, resultando em aumento mentado, está associado com infiltrados mononucleares; o tipo
da produção local de citocinas pró-inflamatórias. MCTC contém quimase, catepsina G, carboxipeptidase, triptase
Enfim, com a presença de autoantígenos [principalmente e está presente nas áreas de fibrose. A ação conjunta de duas
IgG (fragmento Fc, mais raramente Fab) e CCP, entre outros] dessas proteases – triptase e quimase – fomenta o processo de
completam-se as condições locais para a formação de imuno- fibrose. A triptase estimula a formação de pró-colágeno por fi-
complexos (ICs) e, consequentemente, a mobilização do sistema broblastos, enquanto que a quimase cliva pró-colágeno inician-
complemento e ativação de células fagocitárias (Figura 3.3). do a formação de fibrilas. A população sinovial de fibroblastos
Isso ocorre essencialmente na articulação inflamada. Os está sujeita a uma complexa e heterogênea interação inter/ex-
indícios de ativação do complemento em nível sistêmico são, tracelular com células imunes/não imunes e seus produtos, que
aparentemente, consequência da difusão de componentes influenciam o seu comportamento. É necessário atentar, parti-
para o espaço extra-articular. Presume-se que os ICs circulan- cularmente, para o meio de citocinas e fatores de crescimento
tes na AR detêm uma capacidade fraca de ativar C1 (1º com- na regulação do metabolismo celular do fibroblasto e nas alte-
ponente do complemento), mas na vasculite reumatoide foi rações decorrentes do processo inflamatório. In toto, a resultan-
demonstrada a atividade de FR do isotipo IgM na mobilização te dos efeitos provocados por estímulos inflamatórios poderá
do complemento. Na doença, encontram-se valores elevados conduzir ao restauro pela atividade de degradação e remodela-
de proteína C-reativa, o que levanta suspeitas de envolvimento mento da matriz extracelular ou, no caso de persistir a motiva-
também dessas moléculas na ativação do complemento. ção inflamatória, à destruição e fibrose. O papel desempenhado
pelos fibroblastos é crucial, pois eles podem ser ativados por:
a) fatores desencadeantes ambientais; b) via imune por TLRs
Hiperplasia sinovial, osteoclastogênese e e; c) células T ativadas (por contato celular, citocinas). Segue-
angiogênese -se uma geração anormal de citocinas, com aumento da concen-
tração de IL-7 (imunorreguladora, eficaz na indução de funções
Contrastando com a hipocelularidade da sinóvia normal, na efetoras de células T artritogênicas e outras da imunidade inata
doença reumatoide vai se desenvolver uma hiperplasia carac- e adquirida) no “caldo” inflamatório sinovial. Por sua vez, os fi-
terizada por infiltração de macrófagos, linfócitos, plasmócitos, broblastos, neutrófilos, condrócitos e macrófagos, sob estímulo
fibroblastos, células dendríticas e um profuso crescimento de de citocinas e fatores de crescimento, produzem metaloprotea-
tecido de granulação fibrovascular invasivo – o pannus – prove- ses (MMPs) responsáveis pelo remodelamento da matriz extra-
niente da reação inflamatória. Essas células apresentam como celular no processo de reabsorção tissular. Afora a ação lesiva,
característica resistência à apoptose, justificando a perpetuação essas proteases têm participação fundamental no processo da
delas na articulação comprometida. O TNF é um dos fatores angiogênese, degradando a membrana basal do endotélio e in-
principais em impedir a ocorrência desse processo nessas cé- terstício, facilitando o crescimento endotelial por meio de vasos
lulas. Esse aspecto será abordado em item particular neste ca- pré-existentes. O processo de neovascularização é sustentado
pítulo. Na cronicidade da doença o pannus se expande, invade o pela produção incessante de citocinas, fatores de crescimento,
espaço intra-articular e adere à cartilagem, instalando o proces- enzimas degradadoras da matriz celular (principalmente cola-
so de deterioração da estrutura subjacente. Nas fases avançadas genase e gelatinases), moléculas de adesão molecular e outros
fatores originados de macrófagos e células inflamatórias, ativa-
ção de células endoteliais e mobilização de leucócitos. Na sinó-
* Assim nominados pela homologia à proteína encontrada na Droso- via reumatoide, o consumo tissular de O2 é muito maior que o
phila Toll; função: reconhecimento de patógenos, ativação de res-
observado para o tecido normal, somando-se o fato da pressão
posta imune.

Mecanismos Imunopatogênicos nas Doenças Reumáticas Autoimunes 41


Coestímulo
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

peptídeo/MHC

Fator T Ligante
desencadeante? naive TLR

Ativação

Difusão de
T IFN-γ
reconhecimento IFN-γ
CD4+ IL-17
autoantígeno
IL-7 circunvizinha IL-7

Monócitos
Fibroblasto
macrófagos
sinovial
células dendríticas
Auxílio

BAFF BAFF, APRIL

Ligante TLR APC/autoantígeno


B
FcγRII

TNF, IL-6
Plasmócitos
IL-10, LT

FR?
Autoanticorpos
Anti-CCP?

Mobilização e ativação
Imunocomplexos
de leucócitos

Inflamação – lesão tecidual

Figura 3.3 Representação esquemática parcial de vias imunopatogênicas envolvidas na artrite reumatoide: ativação de células B. Estão
assinalados apenas os principais mediadores. MHC = complexo principal de histocompatibilidade; TLR = receptor toll-like; IFN-γ interferon
γ; IL = interleucina; TCD4+ = célula T com expressão de molécula CD4; BAFF = fator ativador de célula B; APRIL = ligante indutor de prolife-
ração; APC = célula apresentadora de antígeno; B = células B; FcγR = receptor Fc para IgG; TNF = fator de necrose tumoral; LT = linfotoxina;
FR = fator reumatoide, CCP = peptídeo citrulinado cíclico.

positiva, criada pela efusão sinovial para configurar o cenário de IL-6, IL-8, IL15, destacando-se a citocina TNF como importante
isquemia por hipoperfusão (patenteada por redução do pH, di- promotora da atividade angiogênica procedente de macrófagos.
minuição da tensão de O2 e aumento dos níveis de lactato no lí- A neovascularização é estimulada também por fatores de cres-
quido sinovial). Mesmo na vigência de angiogênese exuberante, cimento: PDGF (derivado de plaquetas); EGF (epidermal); IGF1
a relação vasos/tecido-dependente é insatisfatória, e a hipóxia (insulina-símile 1), TGF-b (com atividade estimulatória ou ini-
decorrente constitui um potente estímulo angiogênico para a bitória dose-dependente) e por quimiocinas, como as ELR+CxC
produção do “fator de crescimento endotelial vascular” (VEGF) (contendo o motivo glutamil-leucil-arginil) e seus receptores
por fibroblastos e monócitos/macrófagos expostos a TNF, IL-1, (Figura 3.4).

42 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 3
VEGF, PDGF, PD-ECGF, EGF
IGF-I, Oncostatin M
TNF, IL-1, IL-6, IL-15, IL-18
Quimiocinas ELR + CXC, CXCR2
Moléculas de adesão celular
Componentes da matriz extracelular
Enzimas degradadores da matriz

Inibição da neo
Angiogênese
vascularização

IFN-γ, IFN-α, IL-4, IL-12, IL-13, LIF


Quimiocinas ELR-CXC
Inibidores celulares de MMPs

Figura 3.4 Representação esquemática do desequilíbrio entre fatores pró-angiogênicos e angiostáticos na artrite reumatoide. Estão as-
sinalados apenas os principais mediadores. VEGF = fator de crescimento endotelial vascular; PDGF = fator de crescimento derivado de
plaqueas; PD-ECGF = fator de crescimento de célula endotelial derivado de plaquetas; EGF = fator de crescimento epidermal; IGF-I = fator
de crescimento insulina-símile; Oncostatin M = citocina IL-6 símile; TNF = fator de necrose tumoral; IL = interleucina; IFN = interferon; LIF
= fator inibidor de leucemia; MMPs = metaloproteases.

Induzida a morfogênese vascular por migração de células sea, atribui-se ao TNF um papel fundamental pela intensa
endoteliais, proliferação mitótica e formação do tubo vascu- osteoclastogênese (a partir de monócitos) promovida pela
lar, ocorre a expressão de moléculas de adesão (selectinas, IL-7 via célula T-dependente e mediada pela indução do li-
integrinas). Há ainda alguma controvérsia na atividade an- gante RANKL. Em adição, discute-se uma amplificação da
giogênica dessas moléculas expressadas na parede de cé- atividade lesiva sobre cartilagem e osso atribuída à presen-
lulas endoteliais: como são sujeitas à clivagem enzimática, ça de ICs no local.
os seus fragmentos solúveis por ligação com os receptores Normalmente esperar-se-ia que, uma vez concluída a
endoteliais atuariam como angiostáticos; ao contrário, a função inflamatória, deveria ocorrer o “despovoamento”
ação angiogênica (e pró-inflamatória) foi demonstrada ex- pelas células envolvidas. Não é o que acontece na AR: a mo-
perimentalmente com moléculas solúveis de E-selectina e bilização, a multiplicação e a permanência no local superam
de adesão vascular-1 (VCAM-1). Seja como for, leucócitos ex- os processos de saída ou morte (apoptose) das células in-
pressando ligantes de selectina movem-se sobre a superfície flamatórias, instalando-se a cronicidade das reações lesivas
endotelial com ligação frouxa de início e, na sequência, por e a evolução nociva para as estruturas articulares. A identi-
maturação de afinidade de integrina (estímulo de quimioci- ficação de processos responsáveis pela evolução crônica da
nas), expressam ICAM-1, ICAM-2 (moléculas de adesão in- AR é, obviamente, objeto de interesse pela possibilidade de
tercelular 1,2), aderem firmemente, atravessam o endotélio sinalizar uma terapêutica remissiva. Nessa suposição, uma
(diapedese) de vênulas pós-capilares e migram para o foco análise comparativa dos mecanismos imunopatogênicos
inflamatório (quimiotaxia) sinovial. Na fixação das células atuantes em artrites autolimitadas e em aquelas marcadas
inflamatórias ocorre também a ação interativa de receptores por cronicidade poderia ser proveitosa. Com esse propó-
quimiocinas funcionando como sinais para “colonização” das sito, a ação das TLRs está sendo investigada. Receptores
células inflamatórias (Figura 3.5). toll-like funcionam como adjuvantes da resposta imune na
Na fase inicial da crise aguda da inflamação reumatoi- defesa do organismo contra infecções: estimulam a produ-
de, observa-se um predomínio de neutrófilos: são atraídos ção de citocinas (IL-6, TNF) responsáveis por ativar células
por mediadores lipídicos [LTB4 (leucotrieno B4), FAP (fator circunvizinhas na indução de quimiocinas, moléculas de
ativador de plaquetas)], por proteínas-peptídeos formi- adesão, promovendo enfim, uma reação inflamatória local
lados (produzidos no compartimento sinovial), IL-1, IL-8 no combate ao patógeno. No início, esse processo depende
(originado de monócitos no pannus) e fragmento C5a do do contato com componentes não próprios do agente inva-
complemento (presença de ICs). O efeito lesivo é decor- sivo. Entretanto, foi descoberta uma brecha na barreira de
rente do processo de degranulação dessas células e, conse- tolerância desse processo, na circunstância da presença de
quentemente, da difusão de proteases (mieloperoxidases, restos celulares remanescentes de lesão inflamatória. Pro-
colagenases, elastases, catepsina G), hidrolases ácidas, dutos originados da morte celular podem se constituir em
metabolitos tóxicos de O2 e MMPs, entre outros produtos, ligantes endógenos, capazes de ativar TLRs na condução de
no mileu inflamatório. Aparentemente, neutrófilos aderen- uma resposta inflamatória, mas, agora, em um contexto de
tes na superfície cartilaginosa permeada por ICs também autoimunidade. Resumindo: após um processo agudo de
exercem atividade lesiva pela, assim denominada, fagocito- inflamação, o surgimento de fatores endógenos pode con-
se “frustrada”, desencadeada na tentativa de fagocitar alvos duzir, via ativação de TLRs, a uma alça de retroalimentação
de tamanho excessivo, com a formação de pseudovacúolos inflamatória, com o potencial de sustentar a cronicidade.
delimitados pela superfície atacada e degranulação direta Resta esperar a confirmação dessa suposição sobre a imu-
sobre a estrutura envolvida. No que diz respeito à lesão ós- nopatogênese da AR.

Mecanismos Imunopatogênicos nas Doenças Reumáticas Autoimunes 43


„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

T
naive

IL-12 IL-6
IFN-γ TGFβ

Th1/Th17 Auxílio

IFN-γ, IL-17, IL-21, IL-22


B

Autoanticorpos
Macrófago Fcγ RI
IL-6
TGFβ
Imunocomplexos

F
IL-1, IL-17, TNF
i
RANKL, M-CSF
b
r
o
b Hipóxia
Linhagem l
Condrócito
precursora a
s
t
o
M-CSF Diferenciação bFGF VEGF
s
TNF TGFβ
A MMPs
D latente
A
Células endoteliais
Mastócito M Osteoclasto
neutrófilo T FcγRI-IC
S

MMPs Catepsina Catepsina


Neo-vascularização
ativa MMPs MMPs
Proteases

Inflamação Degradação da matriz extracelular Angiogênese


fibrose
Erosão de cartilagem Ressorção óssea

Inflamação – lesão tecidual

Figura 3.5 Representação esquemática parcial de vias imunopatogênicas envolvidas na artrite reumatoide: hiperplasia sinovial, osteoclasto-
gênese e angiogênese. Estão assinalados apenas os principais mediadores. IL = interleucina; IFN-γ = interferon γ; TGFb = fator de crescimento
transformador b; Th = célula T auxiliar; B = célula B; FcγR = receptor Fc para IgG; TNF = fator de necrose tumoral; RANKL = ligante do receptor
ativador do fator nuclear κB; M-CSF = fator colónia-estimulante de macrófago; bFGF = fator básico de crescimento de fibroblasto; VEGF = fator
de crescimento endotelial vascular; ADAMTS = proteases (desintegrina/metaloprotease); MMPs = metaloproteases; IC = imunocomplexos.

Apoptose na AR Dessa forma, um melhor entendimento dos mecanismos que


contribuem para essa resistência pode proporcionar novas
Os mecanismos que levam à inflamação crônica persis- perspectivas para o desenvolvimento de novas abordagens te-
tente na AR não estão bem esclarecidos. Um deles indica rapêuticas para a AR.
que ocorre apoptose insuficiente das células que compõem
O termo apoptose descreve o processo biológico respon-
o pannus, contribuindo para o acúmulo local dessas células.
sável pela morte celular programada e foi primeiramente in-

44 Tratado Brasileiro de Reumatologia


troduzido por Kerr, Wyllie e Currie. Apoptose é um termo de

„„ CAPÍTULO 3
origem grega e significa desfolhar. Ele representa uma analo-
gia ao aparente suicídio das folhas que ocorre no outono de Mecanismo de
países com clima temperado, que resulta em folhas com vários indução de
tipos de cores e que, por fim, caem das árvores. Similarmente, APOPTOSE
as células obedecem a uma sequência preordenada de even-
tos, resultando em morte e remoção do organismo.
Apoptose é um processo fisiológico de morte celular que
ocorre quando as células são lesadas ou não são mais necessá-
rias. Uma de suas principais participações é na manutenção da Intrínseco ou
tolerância imune periférica, através da eliminação de células T Extrínseco ou
tipo II via
e B ativadas durante o curso de uma infecção e, então, finaliza- tipo I via
mitocôndria –
ção da resposta imune. Quando a apoptose se torna disfuncio- Fas-FasL
citocromo c
nal (ou excessiva, ou diminuída), uma variedade de diferentes
estados de doença pode ser desencadeada. Por exemplo, foi
verificado que a apoptose de neutrófilos, que ocorre espon-
taneamente na artrite induzida por colágeno em ratos, não é
suficiente para melhorar ou atenuar a inflamação crônica e a Ativação
destruição articular. Consequentemente, a resolução da infla- das
mação crônica parece necessitar da apoptose das células efe- caspases
toras – macrófagos e fibroblastos sinoviais do pannus –, e não
simplesmente apoptose de células que não são essenciais para
a patogênese, como os neutrófilos.
Diversos mecanismos foram identificados em macrófagos,
fibroblastos sinoviais e células T que protegem essas células
contra a ocorrência de apoptose. Existem duas vias princi-
pais que medeiam a apoptose: extrínseca ou tipo I (via Death APOPTOSE
Receptor – DR); e a intrínseca ou tipo II (via sinalização mi-
tocondrial). Após o estímulo inicial, segue-se a uma fase de
degradação celular mediada por proteinases denominadas
caspases (Figura 3.6).
A ativação das caspases induzida pelo DR (por exemplo, in-
Figura 3.6 Mecanismos de indução de apoptose. Fas-FasL: intera-
teração entre Fas* e Fas-Ligante) é inibida pela molécula FLIP,
ção do receptor Fas e de seu ligante FasL.
que inibe a ativação da caspase 8. Um ponto importante é que
a FLIP é ativada via TNF. Assim, substâncias que reduzem os ní-
veis de TNF articular [como bloqueadores do TNF (anticorpos
monoclonais anti-TNF – Infliximabe, adalimumabe, golimumabe a patogênese. Na Tabela 3.2 estão listados e apresentados de
ou certolizumabe) ou receptores solúveis do TNF (etanercepte)] forma resumida os principais mediadores inflamatórios envol-
são efetivas no tratamento da AR tendo como um dos principais vidos na AR.
mecanismos terapêuticos a inibição do FLIP. Outro mecanismo Um breve comentário sobre uma questão frequentemente
de inibição da apoptose é via NF-κB. O TNF estimula a formação levantada por reumatologistas: Por que a AR afeta preferencial-
do NF-κB, impedindo a ocorrência de apoptose das células que mente certas articulações? Algumas investigações tentam lidar
compõem o pannus reumatoide. Consequentemente, seguindo com a dificuldade. Assim, foi detectada na doença uma expan-
o mesmo raciocínio acima, este seria outro mecanismo tera- são óligo-clonal de células B, com repertório limitado e secreção
pêutico relacionado às substâncias que reduzem o TNF intra- de imunoglobulinas de heterogeneidade diminuída na sinóvia
-articular na AR. Além dos bloqueadores do TNF, o metotrexate reumatoide. Esses achados foram considerados sugestivos de
induz apoptose de células do pannus reumatoide, principal- uma restrita estimulação antigênica sinóvia-específica in situ
mente monócitos e células T. Essas observações indicam que as de células B, que aconteceria de modo independente em cada
mais frequentes medicações utilizadas para o tratamento da AR espaço sinovial e não sistematicamente na totalidade das arti-
podem funcionar, em parte, por meio da indução de apoptose culações. Em que pese a originalidade do trabalho, resta saber
das células inflamatórias efetoras e, consequentemente, cessar se essa expansão clonal está relacionada ao estímulo antigêni-
a inflamação articular crônica. co inicial desencadeante da doença e não secundariamente na
A inflamação crônica de articulações é característica co- propagação e manutenção do processo inflamatório. Em outras
mum da doença reumatoide do adulto e da criança, e o en- palavras, não seria um epifenômeno? Mais recentemente foi
volvimento de citocinas no processo de desenvolvimento e chamada a atenção para as, assim denominadas, nurse-like cells
progressão da artrite não pode ser subestimado. Essa questão (NLCs)† encontradas na sinóvia reumatoide e provenientes da
tem constituído o foco de um número crescente de investiga- migração de células fibroblásticas (FSCs) do estroma da medula
ções, tendo em vista que, além de refletir o estado da condição óssea para o compartimento articular adjacente. As NLCs têm a
inflamatória em curso, a monitoração de mediadores no fluido
sinovial e em circulação pode indicar pistas para esclarecer
† Denominação possivelmente motivada pela propriedade dessas cé-
lulas de prover sustento para diferenciação e viabilidade de outras
* Fas = Factor of apoptosis stimulus células.

Mecanismos Imunopatogênicos nas Doenças Reumáticas Autoimunes 45


„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

Tabela 3.2 Principais mediadores do processo inflamatório na artrite reumatoide.

Citocinas pró-inflamatórias

IL-1

Origem Função

Monócitos, macrófagos, „„ Ativação de células B, T


linfócitos, células endoteliais „„ Indução de IL-6; IL-8 (condrócitos); TNF (macrófagos); proliferação de sinoviócitos, expressão de moléculas de adesão no
endotélio vascular
„„ Liberação do ligante RANKL para osteoclastos
„„ Liberação de enzimas degradadores de cartilagem, de outros mediadores inflamatórios de células endoteliais (NO, COX-2,
PAF)
„„ Promove ressorção óssea
„„ Sinergia com TNF: estimula fibroblastos a produzir proteases, citocinas e prostaglandinas
Manifestações clínicas:
„„ Nano-doses: febre, mialgia, artralgia, cefaleia, anorexia
„„ Doses grandes: hipotensão, choque

IL-15
Monócitos, fibroblastos, „„ Em sinergia com TNF fomenta a expressão de NKG2D em células T CD4+ CD8-, possibilitando uma via à autorreatividade
células dendríticas, miócitos. „„ Ativa células T, B, NK, neutrófilos, macrófagos, células dendríticas
Adipócitos „„ Otimiza a relação afim entre células T/macrófago, conduzindo a liberação de TNF
„„ Estimula a proliferação de células T e liberação de citocinas
„„ Regula a interação de células dendríticas/células T
„„ Promove degranulação de células NK
„„ Protege células T, NK e fibroblastos da apoptose
„„ Ação pró-angiogênica: ativação e migração de células endoteliais

IL-17
Células Th17, NK, neutrófilos „„ A expressão de IL-17 é intensificada por IL-15
„„ Promove ativação de células endoteliais
„„ Ativação de osteoclastos e ressorção óssea
„„ Promove hematopoiese (particularmente a grânulopoiese )
„„ Estimula a migração e ativação de leucócitos

IL-18
Macrófagos, condrócitos „„ Em sinergia com IL-12 e IL-4 amplifica a geração da resposta Th1 e Th2, respectivamente
e sinóviocitos fibroblasto- „„ Ativa macrófagos, neutrófilos e células NK
símiles (FLS) „„ Atua na proliferação e sobrevivência de células endoteliais
„„ Quimiotaxia para células T que expressam o receptor
„„ Em sinergia com IL-12 e IL-15 promove a liberação de TNF e IFN-γ por células T, macrófagos e subsequente expressão de
RANKL e osteoclastogênese
„„ Favorece a degradação de cartilagem por reduzir a proliferação de condrócitos, intensificar a liberação de NO,
glucoseaminoglicana e aumentar a expressão de estromelisina e ciclo-oxigenase 2
IL-23
Principalmente células „„ Em sinergia com IL-6 induz diferenciação de células T naive em Th17
da linhagem monócito/ „„ Estimula produção de IL-17, IL-22, TNF e INF-γ
macrófago
TNF
Principalmente células „„ Indução da síntese de IL-1, IL-6, GM-CSF, IL-8, RANTES
da linhagem monócito/ „„ Ativação de células B e T, macrófagos, neutrófilos, células endoteliais
macrófago; outras: células B „„ Intensifica migração de leucócitos por: aumento da permeabilidade vascular, expressão de moléculas de adesão de células
e T, fibroblastos, mastócitos, endoteliais para leucócitos (E-selectina, ICAM-1, VCAM-1)
células NK, células „„ Indução da síntese de proteínas da fase aguda da reação inflamatória, da expressão de proteínas pró-coagulantes
endoteliais, neutrófilos,
„„ Indução de enzimas degradadores de tecido (metaloproteases) por sinoviocitos e condrócitos
osteoclastos
„„ Promoção da apoptose
„„ Manifestações clínicas: febre, caquexia, choque

(Continua)

46 Tratado Brasileiro de Reumatologia


(Continuação)

„„ CAPÍTULO 3
Tabela 3.2 Principais mediadores do processo inflamatório na artrite reumatoide.
GM-CSF, G-CSF, M-CSF
Principalmente macrófagos „„ GM-CSF, G-CSF: promoção do desenvolvimento de granulócicos/macrófagos por meio de precursores mieloides;
e fibroblastos na AR; mas „„ GM-CSF: regula a função de neutrófilos (quimiotaxia, fagocitose, citotoxicidade dependente de anticorpo, produção
também: células T, células de radicais O2); intensifica a expressão de moléculas de adesão em sinoviocitos, diferenciação de células B, inibição de
endoteliais, condrócitos e crescimento de células T
fibroblastos „„ Participação na resposta imune com ativação de macrófagos, indução de antígenos MHC II em monócitos
„„ M-CSF: promove a expansão do pool de osteoclastos
„„ G-CSF: as evidências sobre a função exercida na AR são indiretas

Citocinas pró/anti-inflamatórias

IL-6
Macrófagos, condotrócitos „„ Diferenciação e ativação de células T CD4+, células B, osteoclastos, células-tronco hematopoiéticas
fibroblastos sinoviais „„ Reduzir a expressão de TNF, IL-1 e das quimiocinas CXCL8/IL-8 e CXCL1/MIP-2 (quimiotaxia/neutrófilos)
„„ Intensifica a expressão de moléculas de adesão endotelial, maturação de osteoclastos e erosão óssea
„„ Indução hepática de proteínas da fase aguda da reação inflamatória
„„ Manifestações Clínicas
„„ Febre, leucocitose, trombocitose, anemia, microcítica, retardo do crescimento, autoanticorpos (FR, AAN), hipoalbuminemia,
anorexia
IFN-γ
Células Th1, células NK „„ É a mais notável citocina na mediação de resposta imune pelo poder de ativar macrófagos e indução de moléculas classe II
do MHC
„„ Intensifica a diferenciação de células T e B, e atividade lítica de células NK
„„ Inibe a síntese de colágeno
„„ Aumenta a expressão de receptores de TNF e induz moléculas de adesão VCAM-1 e ICAM-1
„„ Em contraste: bloqueia a produção de metaloproteases, inibe as atividades mediadas por TNF (GM-CSF, colagenase,
proliferação de FLS), neutraliza os efeitos de IL-4 e bloqueia a angiogênese dependente de FGF ou VEGF
„„ Inibe a proliferação de células Th2

Citocinas anti-inflamatórias

TGF-b
Macrófagos, células Suas funções promovem atividades complexas como:
dendríticas, condrócitos, „„ Inibição da proliferação e formação de citocinas em células T
células endoteliais, „„ Indução do receptor CXCR4 em células T sinoviais resultando no acúmulo destas na sinóvia reumatoide
fibroblasto-símile
„„ In vitro, sobre FLS: limitação da morte celular por apoptose, redução da secreção de ácido hialurônico e aumento da
sinoviocitos, plaquetas
formação de matriz rica em fibronectina
„„ Modular a função de células dendríticas
„„ Atuação fisiológica na cicatrização de feridas (por bloqueio da ação pró-fibrogênica de PDGF e FGF) e, patologicamente, na
fibrose (intensificando a síntese e deposição de colágeno
„„ Estimular ou inibir a angiogênese na dependência das condições
„„ Inibição da ativação de macrófagos

Citocinas imuno-regulatórias

IL-7
FLS, monócitos, células „„ É uma linfopoietina
dendríticas foliculares, „„ Induz ativação de células Th1
macrófagos e células „„ Estimula atividade citotóxica mediada por células T CD8+
epiteliais de tecidos
„„ Induz a produção de IFN- por células T CD4+ e CD8+
linfopoiéticos, e outras
células „„ Reforça a função de células NK maduras
„„ Induz em células mononucleares a produção de TNF e IL-17
„„ Influencia a atividade de células B (efeito dependente de células T?)
„„ Em doses altas induz em monócitos a secreção de IL-1, IL-6, IL-8, TNF e MIP-1β
„„ Promove perda óssea por intermédio da osteoclastogênese dependente de RANKL

(Continua)

Mecanismos Imunopatogênicos nas Doenças Reumáticas Autoimunes 47


(Continuação)
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

Tabela 3.2 Principais mediadores do processo inflamatório na artrite reumatoide.

IL-12

Macrófagos, células „„ Principal indutor da diferenciação de células Th1 sustentando a polaridade da resposta Th1 na AR e APs
dendríticas „„ Promove a secreção de IFN- por células T e NK
„„ Induz altos níveis de TNF e IFN- em sinergia com IL-15/IL-18
„„ Ativação de células NK
„„ Mediação de efeitos de retroalimentação em macrófagos e células dendríticas

Quimiocinas

CCL2, CCL5, CXCL1, CXCL5, CXCL6, CXCL8, CXCL10, CXCL12, CX3CL1

Macrófagos, FLS e também Família enorme de proteínas com muitas superposições entre os membros e considerável atividade iterativa de funções na
células T, células dendríticas, regulação do trânsito de linfócitos:
plaquetas e células CXCLs:
endoteliais „„ quimiotáticas para neutrófilos, linfócitos, monócitos
„„ promoção/inibição da angiogênese
„„ ativam leucócitos
CCLs:
„„ quimiotáticas para monócitos, linfócitos

IL = interleucina; TNF = fator de necrose tumoral; RANKL = ligante do receptor ativador do fator nuclear κB; NO = óxido nítrico, COX-2 = ciclo-oxigenase 2; PAF =
fator ativador de plaquetas; NK = natural killer; IFN = interferon; GM-CSF = fator estimulante de colônia granulócito-macrófago; RANTES = fator quimiotático p/
monócitos, células T memória, células NK, eosinófilos e basófilos; ICAM-1 = molécula de adesão intercelular-1; VCAM-1 = molécula de adesão de célula vascular-1;
G-CSF = fator estimulante de colônia granulócito; MHC II = complexo principal de histocompatibilidade de classe II; M-CSF = fator estimulante de colônia macrófago;
AR = artrite reumatoide; FR = fator reumatoide; AAN = anticorpo antinuclear; FLS = fibroblasto sinovial-símile; FSGF = fator de crescimento fibroblasto; VEGF = fator
de crescimento endotelial vascular; PDGF = fator de crescimento derivado de plaquetas; MIP-1b = proteína inflamatória de macrófago; APs = artrite psoriásica.

capacidade funcional de promover processo inflamatório, pois vamente na evolução dos pacientes, acentuando a gravidade
são detentoras das seguintes propriedades: a) pseudoemperi- do quadro clínico e dificultando o controle da doença. Estudos
polese (interação com outras células, agregando-as por aderên- maiores, alguns deles prospectivos, mostraram sem dúvida o
cia); b) expressão de moléculas de adesão vascular VCAM-1; c) efeito do tabagismo como risco para o aparecimento de AR em
expressão de BST-1 (antígeno de FSC da medula óssea-1) envol- ambos os sexos, sendo estes complementados por outros, os
vido na regulação da imunidade humoral; d) indução da pro- quais tinham por objetivo investigar se havia associação do
dução de anticorpos por células B; e) estímulo da diferenciação tabagismo com algum fator genético. Isso foi claramente de-
de osteoclastos por meio de precursores mieloides independen- monstrado por grupos de diferentes países, deixando claro
temente de RANKL e; f) proteção dos linfócitos da apoptose. É que o tabagismo era fator de risco para o aparecimento de AR
pertinente lembrar que o mecanismo da apoptose Fas-mediado FR positivo em indivíduos portadores do epítopo compartilha-
ocorre no compartimento sinovial (não na medula óssea) e a do do HLA-DRB1.
sua inibição pode conduzir a uma intensificação do crescimento Com a descoberta da importância dos peptídeos citrulina-
populacional de FSCs, como observado na hiperplasia sinovial dos na inflamação da AR, logo surgiram estudos mostrando de
da doença reumatoide. Enfim, a conjectura acerca da localização forma mais clara a interação entre fator genético e fator am-
do processo artritogênico em determinadas articulações consi- biental. À semelhança do que foi visto para o FR, diversos gru-
dera a facilidade de acesso (presença) de células migrantes fo- pos também provaram a associação entre tabagismo e HLA-DR
mentadoras da reação inflamatória a essas articulações; se non naqueles indivíduos com AR anti-CCP positivo.
è vero, è ben trovato... O tabagismo também foi associado ao aparecimento do an-
ti-CCP em indivíduos portadores do SNP 620W da PTPN22. Foi
proposto um mecanismo de somatória de eventos genéticos
Tabagismo e AR
e ambientais, semelhante ao modelo de múltiplas agressões,
Há pelo menos duas décadas que os estudos populacionais no qual o indivíduo portador do epítopo compartilhado ou do
sobre AR fazem referência à influência do tabagismo na etio- SNP 620W e tabagista teria maior risco relativo de desenvol-
patogenia e na evolução da doença. Não havia concordância ver anticorpos anti-CCP, e AR como consequência. Por esse
entre os estudos, seja por metodologia, por interpretação de modelo, ser homozigoto para os genes do epítopo comparti-
resultados, seja por número de indivíduos. Assim, o tabagis- lhado ou do SNP 620W representaria maior risco relativo que
mo já foi considerado fator protetor contra AR. A melhora na a heterozigose, sendo o estado de homozigose para ambos o
qualidade dos estudos veio mostrar a importância do taba- de maior risco relativo.
gismo como fator de risco para AR, já no início da década de Na Figura 3.7, está representada uma sequência de even-
1990, época em que se associava o efeito do tabagismo como tos sugerindo o aparecimento da autoimunidade contra peptí-
secundário à ação antiestrogênica deste. No final da década já deos citrulinados por meio da exposição pulmonar da fumaça
havia a comprovação de que o tabagismo influenciava negati- do cigarro, em indivíduos geneticamente predispostos.

48 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 3
Indução anti-CCP via fumaça cigarro
em indivíduo com predisposição genética

Fumaça no Ativação
pulmão (cigarro, Indivíduo SE+ macrófagos
silica, carvão)

Apoptose/necrose celular
Produção de
anticorpos anti-CCP
Aumento da sintese PADI

Resposta
imune contra Ligação EC Aumento da citrulinização
proteínas peptídeo-TCR de proteínas
citrulinadas

Figura 3.7 Proposta de mecanismo para surgimento de anti-CCP em indivíduos predispostos e tabagistas.
Adaptada de Klareskog L et al., Lancet, 2009

„„ LÚPUS ERITEMATOSO SISTÊMICO (LES)


É o protótipo da doença autoimune sistêmica, afetando Tabela 3.3 Fatores ambientais envolvidos no LES.
múltiplos órgãos, caracterizada por perda da tolerância ao
próprio, hiper-reatividade de células B, deposição de autoan- Fatores ambientais Efeitos
ticorpos patogênicos e ICs sobre os tecidos-alvos com efeito Radiação UV luz solar „„ Perda da restrição de MHC II a
lesivo. Como em outras doenças de autoimunidade, a etiologia Drogas (procainamida, autoantígenos, alteração da sinalização de
continua enigmática e, em linha com as evidências de anorma- hidralazina, etc.) TCRs e aumento da produção de anticorpos
lidades na imunorregulação, o papel exercido pelas moléculas
do MHC é o foco da maioria dos estudos genéticos sobre fa- Infecções „„ Mimetismo molecular pela introdução
tores causativos. Sobre a patogênese, não pode deixar de ser de epitopos antigênicos semelhantes a
citado o artigo premonitório de Klemperer, Pollack e Baehr antígenos próprios
publicado em 1942 – época em que a imunologia estava se Mercúrio „„ Indução de autoimunidade em modelos
libertando de um longo período de desconhecimento. Os au- experimentais (fêmeas são mais suscetíveis)
tores tiveram a percepção do caráter sistêmico da doença, en-
Sílica „„ Adjuvante não específico da resposta imune,
volvendo o tecido conectivo em toda parte do organismo, e da
indução de apoptose e da produção de TNF
possibilidade dos mecanismos patogênicos serem semelhan- e IL-1
tes àqueles atuantes em outras doenças do tecido conectivo,
como a febre reumática e o escleroderma difuso. Essa criativa MHC II = complexo principal de histocompatibilidade de classe II; TCR =
receptor de célula T; TNF = fator de necrose tumoral; IL-1 = interleucina 1.
ideia foi convalidada (pelo menos em parte) quatro décadas
após com a observação de que o lupus band test* pode ser posi-
tivo em várias doenças reumáticas autoimunes: AR, esclerose de outros fatores, como os ambientais (resumidos na Tabela
sistêmica progressiva, dermato-polimiosite e síndrome CREST. 3.3), e o envolvimento de hormônios com os elementos gené-
Em outras palavras: não se trata de uma doença estritamente ticos na autoimunidade.
órgão-específica, o que já introduz a dificuldade de identifica-
ção das imunoanormalidades centrais subjacentes ao proces- Nessa linha, a impressionante frequência com que o LES
so da patogênese. Seja como for, acredita-se que, basicamente, afeta praticamente dez vezes mais mulheres em idade de pro-
a autoimunidade no LES seja um processo impulsionado por criação do que homens aponta para a participação de hormô-
antígeno (ligação do autoantígeno à imunoglobulina na super- nios sexuais na patogenia da doença. Os dados disponíveis
fície de célula B), produção de anticorpos IgG de alta afinidade indicam que os estrógenos contribuem para a quebra de to-
e mediação de células T. Não há dúvidas sobre o caráter mul- lerância, agindo via receptores ER-α e b expressos em células
tifatorial da patogênese do LES e, além da imunorregulação T e B, influenciando o limiar de ativação e de apoptose. De
anômala, é fundamental a predisposição genética, a interação maneira semelhante, células B e T expressam receptores para
prolactina, e as concentrações de prolactina se correlacionam
com atividade da doença em mulheres com LES. Segundo ob-
* Análise microscópica por imunofluorescência de depósito de imu- servado em modelos experimentais da doença, a prolactina
noglobulinas e complemento na junção dermo-epidermal, reflexo protege células autorreativas da apoptose, resultando em uma
imunopatológico de lesão por imunocomplexos. maior sobrevida das células B.

Mecanismos Imunopatogênicos nas Doenças Reumáticas Autoimunes 49


Anormalidades linfocitárias: perda da tolerância c) A expressão dos TLRs e os fragmentos de ácidos nu-
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

imune cleicos degradados ocorrem em espaços celulares dis-


tintos e;
Células T autorreativas podem escapar do mecanismo d) Existem deoxioligonucleotídios (originados de DNA
normal de controle da tolerância central (deleção tímica) e próprio) com atividade inibitória sobre a sinalização
difundir-se perifericamente. Caracteristicamente, são células de TLR.
hiperexcitadas com fenótipo expressando marcadores de ati-
vação, limiar de ativação alterado, TCR marcado por avidez Entretanto, no contexto das alterações patogênicas do LES,
baixa para antígenos próprios, reativos a autoantígenos nu- esses mecanismos de tolerância são rompidos, por mecanis-
cleares (DNA/histonas, SmB, U1A, U1D e hn RNP) e sensíveis mos ainda pouco esclarecidos.
a reações cruzadas para autoantígenos distintos. Os clones A mecanística normal do processo de remoção de células
de células T reativas às ribonucleoproteínas são CD4+. A ex- apoptóticas não é inflamatória; ao contrário, induz a liberação
pansão dessa população autorreativa se deve possivelmente de fatores anti-inflamatórios, como: IL-10, TGF-b, FAP e pros-
à geração de epítopos crípticos originados do processamento taglandina E2. Entretanto, na circunstância de necroses se-
apoptótico de antígenos próprios, à atividade auxiliar desre- cundárias (consequentes à ineficiência da remoção de células
gulada de células T, ao aumento de sinais coestimulatórios, e à mortas), a exposição prolongada dos restos celulares induz a
deficiência da atividade de células T regulatórias. Outras anor- maturação de fagócitos e a produção de citocinas pró-inflama-
malidades de ativação da célula T implicadas na patogênese da tórias: IL-1, IL-8 e TNF. Nucleossomos (subprodutos derivados
doença são a resistência à apoptose (em processo dependente da desintegração da célula morta, contendo DNA/histonas) e
de COX-2) e uma reduzida morte celular ativação-induzida. É antígenos (Ro, La e fosfolipídeos aniônicos) são expostos em
nesse contexto de alterações que ocorrerá o favorecimento da protrusões na superfície da célula apoptótica e, ao invés de
maturação e da sinalização de diferenciação das células pro- serem eliminados em um contexto de imunotolerância, como
dutoras de autoanticorpos, bem como a mobilização de outros são imunogênicos, podem desencadear resposta imune-de-
tipos de células relacionadas ao processo inflamatório que pendente da intervenção de células T. Linfócitos, neutrófilos,
conduzirá à lesão tecidual. Na doença em atividade é obser- monócitos e macrófagos de pacientes com LES sofrem apop-
vada uma redução do número de células T. Tipicamente são tose acelerada, e há evidências de maior concentração de nu-
células TCD4+ com a propriedade de reconhecer autoantígeno cleossomos circulantes em um contexto de menor remoção
no contexto HLA-DR e prover auxílio para células B produto- das células apoptóticas. A remoção é dependente da atividade
ras de autoanticorpos. Relacionada à atividade auxiliar, há um de anticorpos IgM “naturais”, de complemento (C1q, C2 e C4),
aumento da expressão do ligante CD40. São células produto- DNAse, PCR (proteína C-reativa), SAP (amiloide P sérico), fa-
ras de grandes quantidades de IFN-γ e IL-10, mas deficientes tores que podem estar deficientes na vigência da doença. Seja
na secreção de IL-2. A população de Tregs (CD4+CD25+) é como for, ocorre uma sobrecarga de material apoptótico con-
deficiente, mas há evidências de atividade supressora sobre tendo autoantígenos que vão sofrer um processo de internali-
células T secretoras de IL-2. Nos últimos anos muito se tem zação em macrófagos (via Fc e endocitose), em células B (via Fc
discutido acerca do papel fisiopatológico das células Th17 no e receptores BCR) e em células dendríticas (via receptores Fc).
LES. Tem sido observado por diversos grupos que pacientes O material internalizado entra em contato com endossomos
com LES apresentam elevados níveis plasmáticos de IL-17, contendo ácidos nucleicos ligantes de TLRs (TLR7 para ENA e
expansão de células produtoras de IL-17 no sangue periférico TLR9 para CpG-DNA bacteriano hipometilado), promovendo,
e infiltração de Th17 em órgãos-alvo, notadamente nos rins. por intermédio destes, a produção de citocinas inflamatórias:
Além disso, os níveis circulantes de IL-17 parecem ter relação IL-6, IL-12, TNF e IFN-γ (Figura 3.8).
direta com a atividade da doença. Também aparece entre os restos celulares o HMGB1 (gru-
po de alta mobilidade “box” 1)* que, liberado no meio extra-
celular, exerce forte atividade inflamatória, como quimiotaxia
Origem e processamento de autoantígenos para monócitos, macrófagos e estimulação da secreção de IL-
Os autoantígenos alvos dos autoanticorpos no LES são 1, IL-6 e TNF. Funcionalmente, não deixa de ser um adjuvan-
constituintes intracelulares (ex.: DNA, RNA, RNP, histonas, te da resposta imune. É importante notar que os resultados
nucleossomo, cromatina, Sm, Ro, La, ribosomal-P, Ku e de muitas investigações sobre o papel das citocinas conduz a
PCNA); da membrana celular (de linfócitos, hemácias, pla- interpretações divergentes – para não dizer conflitantes. Isso
quetas e neurônios e proteínas de estresse); componentes se deve à diversidade de substratos utilizados, dos métodos
séricos (fosfolipídeos), ou extracelulares. Existe um corpo de detecção e à variabilidade de reagentes comerciais. Além
de evidências associando a participação da apoptose, em dessas dificuldades, acrescentem-se os polimorfismos de fun-
diferentes contextos, como fonte de autoantígenos (prin- ção desses mediadores e as interações com células em dife-
rentes fases de diferenciação nos protocolos das investigações.
cipalmente nucleossomos) e função na imunopatogênese
O desafio a ser enfrentado, para a compreensão do papel das
da doença, particularmente no evento da instalação de res-
citocinas na patogênese do LES, consiste na caracterização es-
posta autoimune. Normalmente, pela morte de uma célula
pecífica das funções regulatórias celulares nas multifacetadas
própria, a ingestão e o processamento de ácidos nucleicos
vias da imune-desregulação. A Tabela 3.4 apresenta, de ma-
próprios não expõem o organismo a uma resposta autorrea-
neira resumida, as atividades representativas das principais
tiva por diversos fatores:
citocinas na doença.
a) Pela labilidade – os ácidos nucleicos são rapidamente
degradados;
b) A expressão dos TLRs (7 e 9) afins é reduzida nas célu- * Proteína altamente conservada com função biológica na ativação da
las com atividade fagocítica; expressão gênica.

50 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 3
Células
apoptóticas

Necrose secundária?

Restos celulares Anticorpos lgM naturais


(ácidos nucleicos, C1q, C2, C4
imunocomplexos
DNAse, CRP
contendo ácidos
Remoção SAP, β2 glicoproteína l
nucleicos, HMGB1)
FCγ receptor

Remoção deficiente
nucleosomos

Sobrecarga autoantígenos

Internalização

Endocitose BCR
Fc Fc
Fc

TLR TLR TLR


Macrófagos Células B Células dendrítica

Autoanticorpos

TNF, IL-6, IL-12, IFN-α

Figura 3.8 Fonte e processamento de autoantígenos. HMGB1 = grupo alta mobilidade “box” 1; CRP = proteína C-reativa; SAP = amiloide-P
sérico; Fcγ = receptor Fc gama; TLR: receptor toll-like; BCR = receptor de célula B; TNF = fator de necrose tumoral; IL – interleucina; IFN =
interferon. Estão assinalados apenas os principais mediadores e constituintes.

Mecanismos Imunopatogênicos nas Doenças Reumáticas Autoimunes 51


„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

Tabela 3.4 Atividade de citocinas no lúpus eritematoso sistêmico.

Citocina Atividade

IL-2 A produção está defeituosa: problemas intrínsecos (atividade “promoter”); exaustão das células T; coestimulação reduzida; função supressora
excessiva.
Consequência: deficiência das células T nas funções dependentes de IL-2 (proliferação; diferenciação; morte celular, ativação-induzida).
IL-4 Citocina multifuncional. No LES a função ainda não está definida com precisão: resultados discrepantes sobre as concentrações séricas e na
expressão celular em biópsias de rim nos pacientes com nefrite.
IL-6 Ações polimórficas: imunoreguladora e pró-inflamatória. Nos pacientes as células B expressam receptores para IL-6 (ao contrário dos saudáveis).
Contribui para hiperatividade de células B: níveis séricos se correlacionam com a atividade e gravidade da doença, produção de anti-dsDNA e
anemia.
IL-10 Estimuladora eficaz de células B: concentração sérica aumentada em 30% dos pacientes; correlações com a atividade e gravidade da doença; há
indícios que níveis elevados predispõem e podem preceder o início da doença.
IFN-α Induz a diferenciação de monócitos em células dendríticas com atividade de APC, intensifica resposta de células B e impulsiona a mudança de
classe da imunoglobulina em produção. Níveis séricos aumentados se correlacionam com: atividade e gravidade da doença; ativação imune e
manifestações clínicas (febre, linfocitopenia e erupção cutânea).
IFN-γ Ações polimórficas: induz ou intensifica a expressão de MHC de classe II nas células, inibe a proliferação de Th2, produz a mudança de classe na
produção de imunoglobulina. Concentrações séricas: resultados divergentes (com e sem relação com a atividade da doença), no início – níveis
mais altos (coincidindo com aumento da expressão de MHC de classe II); tardiamente – níveis menores (maior produção de citocinas Th2).
TGF-b Ações polimórficas: imunoreguladora e pró-inflamatória: supressão das funções de células B e T. Níveis séricos diminuídos favorecem
autoimunidade, pois implicam na redução de Tregs na doença ativa (células T naives dependem de TGF-b para diferenciação em Tregs). Inibe
proliferação de células B e pode induzir a apoptose de células B e plasmócitos.
TNF Ações antagônicas sobre o desenvolvimento do LES: protetora ou ativadora. Níveis séricos: sem relação com a atividade, podem estar aumentados
ou diminuídos na vigência de nefrite. Administração de anti-TNF resulta em melhoria clínica apesar de promover aumento da concentração de
autoanticorpos.
IL-1 Atividades biológicas múltiplas incluindo a pró-inflamatória. Níveis aumentados no sangue e no fluido cérebro-espinhal de pacientes com LES
envolvendo SNC.
IL-5 Aparentemente exerce papel na expansão de células B-1, e o significado dessa atividade na patogênese do LES não está esclarecido.
IL-17 Capaz de estimular produção de quimocinas/citocinas por diversas células, promovendo proliferação, maturação e recrutamento de neutrófilos,
macrófagos e linfócitos. Promove sobrevivência e proliferação de células B, bem como a diferenciação destas em células produtoras de anticorpos.
IL-12 Reguladora da resposta Th1 e ação adjuvante na produção de IgG por células B. Produção de IL-12 se correlaciona positivamente com IFN-γ sérico,
negativamente com IL-10 e com a atividade da doença. O papel exato de IL-12 no LES ainda não está totalmente explicado.
BLyS Associado à hiperativação da imunidade humoral: promove a proliferação, sobrevivência de células B e produção de autoanticorpos;
concentrações séricas de BLyS se correlacionam com os valores de anti-dsDNA.
dsDNA = ac. deoxiribonucleico de dupla hélice; APC = célula apresentadora de antígeno; MHC II = complexo principal de histocompatibilidade de classe II;
Tregs = células T regulatórias; SNC = sistema nervoso central; TGF-b = fator de crescimento transformador; BLyS = estimulador de linfócito B.

Anormalidades das células B canismos dependentes, quanto independentes da mediação


por células T. Em que pesem os indícios de auxílio anormal por
Ao contrário do observado na situação de higidez, onde parte da célula T, adjutório inespecífico também pode estar
autoanticorpos “naturais” são geralmente do isotipo IgM, não associado à autoimunidade nas situações em que as células B
patogênicos, poliespecíficos e auxiliam na remoção de células não são apenas circunstantes passivas na doença. Admite-se
mortas, no LES os autoanticorpos são produtos de mudança que o contato de célula B com antígeno próprio na vigência
de classe (IgG, principalmente) e de maturação por afinidade*
de auxílio derivado de célula T induz a quebra de tolerância
(indicando processo operacional antigen-driven dependente
imune, mas, pelo menos experimentalmente, a barreira da
de célula T), e têm vida longa e a propriedade de causar lesão.
tolerância também pode ser superada sem o apoio de célula
Surpreendentemente, células B autorreativas se desenvolvem
T. Independentemente dessa observação em modelos experi-
precocemente (até nove anos antes do início das manifesta-
mentais (que ainda precisa ser demonstrada na doença huma-
ções clínicas da doença), a julgar pelo aparecimento de au-
na), merece atenção a capacidade das células B funcionarem
toanticorpos na circulação. Na realidade, a hiperatividade de
também como apresentadoras de antígeno, como produtoras
células B autorreativas constitui característica marcante da
doença, e a produção de autoanticorpos ocorre tanto por me- de autoanticorpos, de citocinas (IL-6 e IL10), enfim, com a
capacidade de mobilizarem outras células do sistema imune
para atividade funcional (Figura 3.9).
* Seleção de células B que expressam moléculas de imunoglobulina Concernente à hiperatividade de células B, vale lembrar que
que ligam antígenos mais eficientemente que a imunoglobulina de a função do receptor BCR na sinalização encontra-se alterada no
superfície original. LES por anomalias dos receptores CR2 (complemento), FcγRII e

52 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 3
Radiação Drogas
UV demetiladoras

Infecção Predisposição Estrógeno


vírus? genética prolactina

Antecedente de autoativação imune


início da imunopatogênese

APC
Estimula maturação cel.
Restos celulares Ag TLRs pDC IFN-a dendrítica mieloide
complexos proteína- aumenta função APC
ácido necleico célula B

macrófago IL-1, IL-6, IL-10, IL-12, TNF, BLγs

Coestímulo Ag Reconhecimento autoantígeno


contexto MHC

TCR

Ativação
TCD4+

Interação Sinais de diferenciação


Ag
bidirecional maturação
Lesão tecidual no local
do autoantígeno BCR
TLR BAFF R

IL- 6 Estimula
Cel. B IL-10 apoptose
ativação

Autoanticorpos
Imunocomplexos Vasculite
fixadores de
circulantes glomerulonefrite
complemento

Figura 3.9 Ciclo esquemático da produção de autoanticorpo. Estão assinalados apenas os principais constituintes e mediadores. UV =
ultravioleta; APC: célula apresentadora de antígeno; Ag = antígeno; TLR = receptor toll-like; pDC = células dendríticas plasmocitoides;
IFN-α = interferon α; IL = interleucina; TNF = fator de necrose tumoral; BLys = fator estimulador de linfócito B; MHC = complexo maior de
histocompatibilidade; BCR = receptor de célula B; BAFF R = receptor do fator ativador de célula B.

por redução da expressão de Lyn kinase (molécula responsável sencadeadas por receptores IgD e IgM quando estimulados:
por sinal negativo). Ainda nesse contexto, precisa ser conside- aumento significativo do fluxo de Ca++ intracitoplasmático,
rado o antagonismo das interações com BAFF (fator de ativação de maneira semelhante à observada na sinalização de células
de células B) e com APRIL (ligante indutor de proliferação pro- T autorreativas. O receptor CR2 (complemento) é uma das
teína A), o que afetará a sobrevivência das células. moléculas consideradas como importante intensificadora de
A produção do BAFF por células dendríticas é estimulada sinais associados ao receptor BCR. Entretanto e curiosamen-
por IFN-α e conduzirá à produção de anticorpos de células B te, a sua expressão é diminuída nas células B no LES. Aparen-
independentemente de célula T. A essas alterações somam- temente trata-se de um defeito adquirido, o que contribuiria
-se anormalidades na cascata de reações bioquímicas de- para a manutenção da tolerância imune de células B a antíge-

Mecanismos Imunopatogênicos nas Doenças Reumáticas Autoimunes 53


nos próprios, pelo menos na fase inicial da seleção negativa Apoptose e lúpus eritematoso sistêmico
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

de células B. É necessário considerar também a existência de


regulação negativa no controle da hiperatividade de células As células apoptóticas são consideradas fontes de DNA,
B: é o caso do FcγRII (CD 32), receptor Fc de baixa afinida- histonas e complexos de nucleoproteínas iniciadores da pro-
de para imunocomplexos apresentados ao BCR e associado a dução de anticorpos no lúpus. A apoptose consiste de uma
uma sinalização inibitória, no caso, mal funcionante. Nessa li- sequência substrato específica. Em adição a esse processo,
nha, as considerações tornam-se repetitivas: a resultante das mudanças morfológicas ocasionam novas interações molecu-
múltiplas anormalidades da imunorregulação de células B, T lares e rearranjo do conteúdo celular. Como resultado, células
e de vias apoptóticas é a produção exagerada de autoanticor- em estágios mais avançados de apoptose geram uma grande
pos sem paralelo em relação a outras doenças autoimunes diversidade de autoantígenos.
(um estudo recente relacionou a ocorrência de 116 autoan- A apoptose proporciona modificação de vários autoantí-
ticorpos no LES!). Essa comprovação não deixa de guardar genos lúpicos, agrupados e redistribuídos em protrusões da
certa coerência com o caráter sistêmico da doença. superfície celular chamadas de blebs. Algumas das alterações
estruturais mais importantes são a condensação e a fragmen-
Atividade lesiva de autoanticorpos tação do núcleo, seguidas do movimento desses fragmentos
nucleares para a superfície da célula.
Possivelmente os autoanticorpos anti-DNA e dupla fita As interações entre células apoptóticas e linfócitos podem
(dsDNA) são os mais estudados da doença: são bastante es- ocorrem em vários momentos durante o estágio de desenvol-
pecíficos (presente em 50 a 70% dos doentes contra 0,5% de vimento e maturação da resposta imune, como na eliminação
saudáveis) e, frequentemente a concentração sérica guarda de células B e T autorreativas, exclusão de linfócitos ineficazes
relação com a atividade da doença. De uma maneira geral,
e regulação da extensão da resposta imune. Foi demonstrado
para a maioria dos autoanticorpos conhecidos, ainda não foi
que, durante o desenvolvimento, os linfócitos B compartilham
demonstrada a capacidade de provocar lesão tecidual dire-
locais anatômicos com células apoptóticas, sendo que a ligação
tamente, mas existem exemplos convincentes da atividade
IgG mediada de linfócitos B imaturos com células apoptóticas
patogênica, como:
na medula óssea poderia oferecer oportunidade para indução
a) O alvo autoantigênico é componente da superfície ce- de autotolerância.
lular (antieritrócito, antiplaquetas, antilinfócitos) e, à O encontro entre linfócitos e células apoptóticas que ocor-
ligação do autoanticorpo, segue-se destruição lítica, re em tecidos periféricos pode romper a tolerância e ocasionar
ou eliminação por fagocitose ou ainda morte celular formação de anticorpos, levando à autoimunidade. Os defei-
induzida pela ativação de células NK; tos de clearance podem contribuir com esse resultado por
b) Deposição de imuno-complexos em tecidos vulnerá- providenciar tecidos ricos em autoantígenos específicos para
veis (ex: IC de DNA-anti-DNA nos rins), ou formação as células B circulantes. A seleção positiva de linfócitos B que
do IC in situ por ligação do autoanticorpo, e o desen- se ligam a complexos proteolipídicos montados na superfície
volvimento de reação inflamatória mediada pela ativa- de células durante a apoptose que contêm proteínas séricas,
ção do complemento e mobilização de fagócitos;
como a Beta-2-Glico-proteína I ou protrombina, sugerem a es-
c) Situações nas quais características físico-químicas timulação de células B autorreativas por células apoptóticas.
dos imunorreagentes favorecem a ligação antígeno- A observação de que a administração de células apoptóticas a
-anticorpo, por exemplo, anticardiolipina reage com
camundongos gera transitoriamente a expressão de anticor-
fosfolipídeos negativamente carregados no trofo-
pos antifosfolípide corrobora esse achado.
blasto (placenta), promovendo ativação de C3 e per-
da fetal; A luz ultravioleta é um potente estímulo na indução de
d) A penetração intracelular in vivo do autoanticorpo, si- apoptose. O Fas pertence à superfamília do receptor do TNF e
tuação que tem sido objeto de discussão na literatura, quando ligado ao seu ligante (Fas-L) desencadeia apoptose. No
há mais de quatro décadas, por meio de evidências da lúpus eritematoso discoide, estudos demonstraram apoptose
presença de IgG nas células epidermais (obtidas por em 90% das biópsias cutâneas, sendo que, por meio de técnicas
biópsia de lesão cutânea) e, posteriormente, de anti- de PCR (polymerase chain reaction), avaliou-se a presença da
corpos anti-RNP em células T; expressão de Fas em ceratinócitos epidérmicos e no infiltrado
e) Antifosfolipídeos podem afetar a cascata de reações dérmico em 80% dos casos e Fas-L em 90%. A expressão exa-
envolvidas na coagulação; cerbada de Fas e Fas-L é correlacionada diretamente à extensão
f) 1. Experimentalmente: a infusão de autoanticorpos da apoptose no LE discoide, e estudos sugerem que pode estar
anti-SSA/Ro em pele humana enxertada em camun- diretamente relacionada com a patogênese da doença.
dongo tem efeito lesivo; A expressão da proteína p53 ocasiona suspensão do ciclo
2. Anti-60 κD SSA/Ro está envolvido em situações de de proliferação celular em células com DNA danificado, dando
neutropenia e na redução da produção de prostaci- o tempo necessário à célula para o reparo. Se o dano não pu-
clina endotelial, aumentando o risco de trombose; der ser corrigido, a proteína p53 induz apoptose. O papel do
3. IgGs anti-SSA/Ro – SSB/La por passagem trans- p53 foi investigado no LE discoide – observou-se um estado
placentária à circulação fetal estão envolvidos na hiperproliferativo na epiderme desses doentes, comprovado
indução de fibrose do nó atrio-ventricular fetal, por meio da expressão aumentada de Ki-67 em ceratinócitos,
responsável pelo bloqueio cardíaco congênito. Essa principalmente na camada basal e também de p53. A proli-
situação se insere no mecanismo de hipersensibili- feração celular aumentada poderia ser seguida da expressão
dade tipo 2 (citotóxica ou citolítica). de p53 ativando apoptose, como mecanismo compensatório.
Algumas explicações alternativas da hiperexpressão da p53,

54 Tratado Brasileiro de Reumatologia


como a presença de um vírus polioma ou mutações no gene da participação do sistema complemento nas alterações patogê-

„„ CAPÍTULO 3
p53, também foram sugeridas. nicas de diversos setores do organismo afetado por LES.
Os nucleossomos são antígenos presentes na patogênese Finalmente, apesar de decorridas seis décadas da descober-
do lúpus, e as células apoptóticas são fontes de nucleosso- ta das células LE e da disponibilidade de um volumoso corpo de
mos. A detecção de nucleossomos e complexos nucleossomo- investigações sobre a doença, a patogênese do LES permanece
-anticorpo em soro de camundongos autoimunes, bem como a desafiando o discernimento de imunologistas e o engenho de
demonstração desses depósitos na pele e em lesões renais de médicos na busca do controle definitivo da autorreatividade.
pacientes com LES, contribui para a hipótese de que a presen-
ça de apoptose gera autoanticorpos capazes de causar doença
cutânea e sistêmica clinicamente aparente.
„„ FEBRE REUMÁTICA† (FR)
É doença de caráter inflamatório multifocal envolvendo
Sistema do complemento no LES primariamente o coração, articulações, sistema nervoso cen-
tral e tecido subcutâneo, afetando principalmente crianças
A determinação da atividade hemolítica e dos componen- e adultos jovens com suscetibilidade genética. Essa doença
tes do complemento na doença está geralmente diminuída*; constitui o exemplo mais convincente de etiologia autoimune
na maioria das situações a hipocomplementemia é adquirida pós-infecciosa como consequência tardia, não supurativa, da
como parte da doença. Deficiências totais ou homozigóticas infecção de garganta (não tratada) por Streptococcus pyoge-
dos componentes iniciais da via clássica (C1q, C1r/C1s, C4 e nes (grupo A). É reconhecida há tempos a formação de anticor-
C2) são raras (menos de 2% dos casos) e estão associadas com pos de reação cruzada contra componentes do estreptococo
o LES ou doença LES-símile. Deficiência homozigótica ou he- e de tecido cardíaco no início da doença, mas o processo in-
terozigótica de C4, principalmente a ocorrência de alelos null flamatório que conduz às lesões marcantes da Fr nas valvas,
para isotipo C4A é mais comum, principalmente em pacientes endocárdio e músculo cardíaco é, essencialmente, dependen-
caucasianos; 30% dos portadores de deficiência de C2 desen- te da imunidade celular. Entretanto, nessa interação entre as
volvem doença autoimune, com lesões cutâneas exuberantes. respostas imunes humoral e celular ainda persistem algumas
A deficiência completa de C1q é a que revela maior conformi- questões merecedoras de mais esclarecimentos, entre outras,
dade com a diátese lúpica em seus aspectos de produção de a comprovação dos mecanismos de mimetismo molecular mo-
autoanticorpos e a ocorrência de glomerulonefrite. Conside- bilizados na ruptura da barreira de imune-tolerância. Outro
rando o potencial do sistema complemento intacto em prover aspecto intrigante para os investigadores da área diz respei-
fragmentos biologicamente ativos (inclusive pró-inflamató- to à evolução e aos mecanismos de cronificação do processo
rios) mediante ativação por anticorpos, em uma análise per- inflamatório que pode persistir por longo tempo, mesmo em
functória não deixa de ser ilógica a relação entre deficiência do uma suposta condição de erradicação do agente patogênico.
complemento e a manifestação da doença. Porém, observando Como em outras doenças de caráter autoimune, também nes-
que essa correlação é observada particularmente para os com- ta existe a participação de fatores genéticos além da resposta
ponentes iniciais do complemento, a interpretação dos me- imunitária do hospedeiro à infecção estreptocócica.
canismos patogênicos subjacentes considera: a) o defeito de
remoção de restos celulares apoptóticos de componentes nu-
cleares (em que participam componentes iniciais do comple-
Estreptococo b-hemolítico do grupo A
mento) leva à sobrecarga de autoantígenos e facilita a quebra Concernente aos objetivos deste texto, não é necessário
da tolerância imune (Figura 3.7) e; b) a deficiência do comple- discorrer extensivamente sobre questões como a origem dos
mento na função de opsonização, solubilização, transporte e isolados bacteriológicos (orofaringe), nem mesmo sobre a
remoção de ICs conduz a uma continuada presença dos ICs em complexidade da tipagem sorológica da proteína M (sem igno-
circulação e favorece a deposição em tecidos, provocando rea- rar a importante característica estrutural de homologia com
ção inflamatória e lesão tecidual. Aos defeitos hereditários do proteínas do tecido cardíaco). A consulta bibliográfica mostra
complemento somam-se problemas originados de deficiências um enorme número de investigações sobre a resposta humo-
adquiridas: 1) consumo de C3, resultante da geração de C3Nef ral associada à reatividade cruzada entre componentes antigê-
(autoanticorpo que estabiliza C3 convertase da via alternati- nicos do estreptococo e diversos tecidos humanos. Entretanto,
va); 2) anticorpo anti-C1q, este além de mimetizar deficiên- limitando o texto aos mecanismos considerados centrais à
cia de C1q, exerce atividade patogênica potenciando in situ a patogênese da cardite reumática, a Tabela 3.6 apresenta, de
fixação de ICs contendo C1q; 3) deficiência de CR1 (receptor maneira resumida, epitopos componentes do estreptococo e
de complemento tipo 1) responsável pela ligação de ICs opso- do tecido cardíaco relacionados com o mimetismo molecular.
nizados por complemento presente em eritrócitos – contribui Admite-se que a proteína M do estreptococo é a mais impor-
para remoção, transporte e redução do risco de deposição de tante entre as relações antigênicas, ao passo que, possivelmente,
ICs em tecidos. Apesar de fatores genéticos também estarem a miosina cardíaca seria o principal alvo autoantigênico. Neste
envolvidos na sua deficiência, essa é principalmente adquiri- capítulo não será considerada a resposta humoral aos compo-
da no curso da doença. Em contrapartida, os ciclos de perda e nentes extracelulares da bactéria, classicamente associada ao
regeneração de CR1 protegeriam o rim durante uma crise da diagnóstico sorológico da infecção por estreptococo do grupo A.
doença, ou seja, uma atividade benéfica. A Tabela 3.5 resume a


Essa denominação desconsidera a sequela mais grave da doença – o
* É necessário ter cautela com as determinações do complemento: coração, conforme já apreciado por Lasègue em sua histórica ob-
por causa da labilidade dos seus componentes, há o risco de valores servação “... é uma doença que lambe as articulações, mas morde o
alterados simplesmente significarem manuseio pré- analítico ina- coração”. As alterações patológicas da artrite nessa doença são re-
dequado das amostras de sangue. versíveis na sua totalidade.

Mecanismos Imunopatogênicos nas Doenças Reumáticas Autoimunes 55


„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

Tabela 3.5 Participação do complemento na patogênese do LES.

Sistema Fisiopatologia

Renal Imunocomplexos (ICs): remoção deficiente, deposição excessiva, ativação do complemento (v. alternativa?): fragmentos
biologicamente ativos no glomérulo, túbulos, interstício. Atividade inflamatória (C3a), quimiotática (C5a). Autoanticorpos: anti-C1q,
C3Nef, antifosfolipídios: glomerulopatia trombótica. Ativação do complemento no compartimento tubular: proteinúria.
Comorbidade: prejuízo na formação de componentes do complemento: CR1 (anemia), C3 (má nutrição), C3, C4 (alterações
hepáticas).

Hematopoiético Anemia hemolítica intravascular e extravascular (junto com receptores Fc); trombose microvascular e vasculite neutrofílica:
fragmentos de ativação do complemento ativam plaquetas; MAC afeta numerosas funções plaquetárias: adesão, degranulação,
fluxo de Ca++, síntese de tromboxana.

Tegumentar Deposição de C3/imunoglobulina na junção dermo-epidermal; vasculite leucocitoclástica (dependente de deposição de i.cs.; de
receptores Fc e da mobilização de neutrófilos).

Respiratório Doença pulmonar intersticial crônica (deposição de complemento); síndrome de disfunção pulmonar transitória (associada à
elevação de C3a).

Sistema nervoso central Astrocitos e células da microglia sintetizam produtos do complemento; na doença ativa do SNC há aumento de componentes no
CSF, mas esses achados não são específicos de LES, sendo encontrados também em outras alterações inflamatórias.

Vascular Deposição de ICs na parede de vasos ativa complemento, C3a e C5a são liberados, mobilizando neutrófilos, fagócitos, basófilos,
mastócitos e gerando mediadores inflamatórios, instalando-se o quadro de vasculite. Arterioesclerose: encontra-se acelerada no
LES, possivelmente em razão da persistente ativação do complemento. Comorbidade: redução do número de CR1 nos eritrócitos,
formação continuada de ICs e remoção deficiente destes.
C3a, C5a = anafilatoxinas; C1q = molécula do 1o componente do sistema complemento; C3Nef = fator nefrítico C3; CR1 = receptor de complemento tipo 1; C3,
C4 = componentes do complemento; Fc = receptor da região Fc de IgG; MAC = complexo de ataque à membrana (componentes terminais do complemento); CSF =
fluido cérebro-espinhal.

Tabela 3.6 Mimetismo molecular na febre reumática: reatividade cruzada entre epitopos estreptocócicos e cardíacos.

Epítopos

Ensaio Streptococo Coração Referência

Anticorpo M5/M6 Miosina Cunnigham, M. W. et al. 1989.


Antimiosina pentapeptídeo

Clones células T M5 Peptídeos miosina, Yoshinaga, M. et al. 2001.


Infiltrantes* 2 peptídeos proteínas valvares

Clones células T M5 Frações de proteínas cardíacas, Guilherme, L. et al. 2001.


Intralesionais* e periféricos peptídeos miosina

Clones células T e periféricos M5 Miosina Ellis, N. M. et al. 2005.


3 epitopos 3 epitopos

Clones células T M5** Miosina, ** Faé, K. C. et al. 2006.


intralesionais* (região LMM) proteínas valvares
* originados de cardite reumática.
** 3 padrões de reatividade cruzada.

Resposta imunitária nese da Fr. Nessa linha, é necessário enfatizar a importância da


participação brasileira, por intermédio de contribuições semi-
A eventual natureza autoimune da Fr foi apontada há mais nais de Luiza Guilherme* e associados do Instituto do Coração
de seis décadas. Posteriormente, a demonstração de depósitos
de imunoglobulinas e complemento no miocárdio levou, ipso
facto, à inculpação da resposta imune humoral às lesões car- * Entre outras: o trabalho publicado no Circulation, v. 92, p. 415-420,
díacas, suposição que persistiu por certo tempo. Subsequen- 1995, é reconhecido internacionalmente como a original e mais
convincente demonstração do significado do mimetismo molecular,
temente, o desenvolvimento das investigações sobre a cardite obtida por clones de células T originados de espécimes de cardite
reumática trouxe evidências claras do papel da imunidade ce- reumática, reativos tanto a peptídeos de proteína M (estreptococo)
lular no processo do mimetismo molecular atuante na patogê- quanto a proteínas derivadas do tecido cardíaco.

56 Tratado Brasileiro de Reumatologia


(Incor) de São Paulo, no esclarecimento da imunopatogênese macrófagos, neutrófilos, a produção de radicais livres de oxigê-

„„ CAPÍTULO 3
da doença. nio e neopterina, corroboram a atividade lesional dependente
A teoria do mecanismo de mimetismo molecular foi con- da imunidade celular, em um cenário inflamatório, interpreta-
ceituada, inicialmente, em termos do fenômeno de reações do por alguns como comorbidade do processo de erradicação
cruzadas dependentes de anticorpos que exibiam a proprie- do estreptococo. Vale lembrar que a expressão hipersensibili-
dade de reconhecerem peptídeos lineares curtos, originados dade se associa a uma conotação imunoprotetora, mas detém
do agente patogênico e de antígenos próprios ou, também, da um potencial imunopatológico caso o antígeno desencadeante
relação conformacional entre epitopos de origens diferentes. do processo não seja eliminado em prazo adequado. Isso pode
Entretanto, em relação às células T, a questão é mais complica- acontecer na autoimunidade, por disponibilidade contínua de
da, pois, o reconhecimento ocorrerá com a estrutura peptídica antígeno, criando condições propícias para o estabelecimento
ligada ao MHC, restringindo o número (pequeno) de aminoá- de reações imunoadversas. Seja como for, o processo lesivo tis-
cidos àqueles que possibilitam a ligação ao MHC e àqueles que sular leva a mais produção de antígenos próprios, possivelmen-
fazem contato com TCR. Disso deflui que dois peptídeos, ape- te favorecendo a persistência da resposta autoimune. A Figura
sar de apresentarem baixa similaridade sequencial, podem es- 3.10 apresenta, de maneira resumida, os passos da imunopato-
timular uma mesma célula T (uma vez atendida a exigência da gênese das principais manifestações clínicas da febre reumática.
conservação de resíduos críticos) ou, mutatis mutandis, uma A questão da cronicidade do processo inflamatório per-
determinada célula T teria o potencial de reconhecer vários sistente na Fr, observada mesmo em situações de erradicação
peptídeos semelhantes. No contexto de patogênese, o termo do estreptococo por profilaxia com antibióticos, não deixa de
mimetismo molecular* é usualmente aplicado às situações ser intrigante. Vale notar que os mecanismos imunopatogêni-
nas quais a célula T autorreativa reconhece peptídeos de an- cos atuantes na doença são fundamentados na manutenção da
tígenos próprios e do micróbio no curso de uma infecção, caso resposta autoimune em um contexto de ausência do microrga-
em que a ativação dessa célula imune pode desencadear um nismo invasor, pois, até então, tentativas de detectar antígenos
processo de autoimunidade. É nessa condição que atualmente estreptocócicos no tecido cardíaco lesado foram infrutíferas. En-
está inserida a patogenia da Fr. tretanto, em pesquisa recente, autores chilenos, com o emprego
Em uma concepção simplificada, estreptococo do grupo A de técnica de biologia molecular (“polymerase chain reaction”),
infecta a orofaringe de hospedeiro detentor de suscetibilida- informaram a presença de DNA bacteriano em espécimes de
de genética. Antígenos bacterianos de epitopos de reatividade tecido valvular de pacientes com cardiopatia reumática crônica
cruzada com tecido autólogo são processados e apresentados (seria o microrganismo ou fragmento antigênico persistente?).
por APCs às células T responsivas em conjunção com moléculas Se esse achado for confirmado, a interpretação da imunopato-
MHC de classe II, em contexto de certo grau de degenerescên- gênese da Fr deverá ser reanalisada. Considerando a natureza
cia* das ligações intermoleculares. A apresentação anômala, ou pós-infecciosa da doença e a grave morbidade associada, há
alteração do processamento antigênico em situação de coesti- muito interesse no desenvolvimento de vacinas eficientes. Ape-
mulação (exacerbada?), conduz ao rompimento da imunotole- sar dos esforços com o uso da proteína M3 purificada, as ten-
rância de células T e B resultando em proliferação e ativação tativas não foram bem sucedidas. Outros alvos antigênicos do
descontrolada de células de reatividade cruzada (possivelmente estreptococo estão sendo, alternativamente, pesquisados, como
sob influência de IL-2, pois a ativação de células T pode aumen- peptidase C5a (endopeptidase da superfície), a proteinase es-
tar tremendamente a formação de IL-2). A ativação de células B treptocócica e complexos de carboidratos-proteína, com a meta
estimula a produção de anticorpos de reatividade cruzada que, de prover uma proteção duradoura.
além do reconhecimento de autoantígenos no tecido cardíaco, A participação da autoimunidade permeia os mecanismos
facilitam a infiltração celular, por aumento da expressão de mo- patogenéticos de várias doenças reumáticas. Pareceu-nos
léculas VCAM-1 na superfície endotelial, resultando em infla- apropriado realçar a artrite reumatoide, o lúpus eritemato-
mação e lesão cicatricial de valvas. Acredita-se que populações so sistêmico e a febre reumática, por envolverem aspectos
de células T CD4+ periféricas migram para o tecido cardíaco e distintos da fenomenologia autoimune. Os processos sub-
sofrem expansão oligoclonal, constituindo-se nas principais jacentes às reações inflamatórias de mediação imunológica
efetoras da reatividade autoimune (via mimetismo molecu- discutidos nessas doenças podem, com as devidas restrições
lar), envolvendo epitopos da miosina cardíaca e peptídeos da particulares, ser considerados para outras doenças reumá-
proteína M5 estreptocócica. Foram identificadas no miocárdio ticas de caráter autoimune. As Tabelas 3.7 e 3.8 apresentam
e valvas numerosas células relacionadas com a produção de uma sinopse contemporânea da imunopatogênese das es-
TNF (pró-inflamatória) e IFN-γ (pró/antinflamatória) e IL-10 pondiloartropatias e outras doenças, atendendo o limite de
(regulatória), típicas do perfil de citocinas Th1. O desequilíbrio espaço de um capítulo.
das respostas padrão Th1/Th2 é revelado pela abundante pre- Como remate: a busca de conhecimento é uma atitude
sença de células IL-4 (citocina anti-inflamatória) positivas no transcendental inerente ao ser humano. Certamente, o texto
miocárdio, em contraste com a escassez delas no tecido valvar deste capítulo não trouxe as respostas últimas para as ques-
(em concordância com a evolução para valvulite). A liberação tões discutidas, mas, se ao leitor foi capaz de engendrar per-
de linfocinas, a ativação de células NK, células citotóxicas, guntas, então o seu intento foi alcançado.

*
Wucherpfennig, K. W. et al. (2007) – seminário internacional, trata da conceituação e terminologia de “molecular mimicry”, “cross-reactivity”,
“degeneracy”, “polyspecificity” e “plasticity and flexibility”, na biologia do linfócito.

Mecanismos Imunopatogênicos nas Doenças Reumáticas Autoimunes 57


„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

Suscetibilidade genética

Streptococcus pyogenes Proteína M


Carboidratos parede celular
Membrana protoplástica
Cápsula hialuronato

APC

Contexto ags. strp


MHC II prp

TCR
NK
Anticorpos macrófagos
T CD4+ Ativação
antilisogangliosídeo B auxílio c. citotóxicas
Antígeno-específica mononucleares
sensibilizada IFN-y, IL-2 periféricas
Miosina IL-17?
Célula neuronal Anticorpos
pept. estrepto reações cruzadas
prot. valvares
IL-1, IL-6, TNF, IFN-y, IL-10
Migração
Liberação
Laminina antígenoimpulsionada
dopamina DNA?
(valva)
facilitação
VCAM-1 VLA-4 infiltração
células T
Coração

Infiltração células T Espalhamento epitopo


TNF, IFN, inflamação reconhecimento vários ags.
reatividade anti-epitopo próprio
Corea Sydenham Valvulite inflamação
Cardite
Figura 3.10 Imunopatogênese das principais manifestações clínicas da febre reumática. APC = célula apresentadora de antígeno;
ags = antígenos; strp = estreptococo; prp = próprio; TCR = receptor de célula T; VCAM-1 = molécula de adesão de célula vascular-1;
VLA-4 = antígeno de ativação tardio-4.

Tabela 3.7 Espondiloartropatias: imunopatogênese.

Doença Sinopse patogenética

Espondilite ancilosante „„ Mimetismo molecular entre peptídeos próprios (epitopos derivados de colágeno tipo VI?) e peptídeos oriundos de
(Forte predisposição genética bactérias*; indução de autorreatividade por células T CD8 + B27 restritas.
associada a HLA-B27) „„ Peptídeos originados de moléculas B27 (similares a peptídeos bacterianos) seriam artritogênicos no caso de
apresentação por B27 às células T citotóxicas ou em moléculas do MHC de classe II às células T CD4+.
„„ Células apresentadoras de antígeno produzem IL-23, que na presença de IL-6 induzem a diferenciação de um subtipo
de células T CD4+, as Th17, havendo grande produção de IL-17A e citocinas Th1.
„„ Estímulo patofisiológico pode induzir à “dobra” defeituosa das cadeias pesadas de B27 e formação de homodímeros;
estes se ligariam a receptores em células B e macrófagos/monócitos com estímulo para liberação de TNF.
*Klebsiella pneumoniae, Bacteroides?
Observação: na doença são detectados diminuição de células T marcadas para IL-2 e IFN-γ circulantes e aumento da
concentração sérica de TNF, IL-6, indicando prejuízo na resposta Th-1. Possivelmente isso está associado à atividade menor
de célula T na defesa contra bactérias, principalmente no intestino e facilitaria a cronificação do processo infeccioso ou
mesmo a autoimunidade.

(Continua)

58 Tratado Brasileiro de Reumatologia


(Continuação)

„„ CAPÍTULO 3
Tabela 3.7 Espondiloartropatias: imunopatogênese.

Doença Sinopse patogenética

Artrite psoriásica „„ Disfunção vascular: TNF, TGF-b, VEGF e PDGF; aumento da expressão de moléculas de adesão (ICAM-1, E-selectina),
(Predisposição genética associada adesão e trânsito de células T para a derme (CD4+ auxiliares) e epiderme (CD8+ citotóxicas); expansão oligoclonal
a HLA-B27, HLA-Cw6 e MICA-002) impulsionada por antígeno (não identificado).
„„ Ativação e intensificação das funções efetoras T citotóxicas, indução de citocinas: IFN-γ, TNF, IL-1, IL-2, IL-10
e IL-15 (monócitos e células T); aumento da expressão de NFκB e, sinergicamente, TNF e RANKL estímulo da
osteoclastogênese, levando à erosão óssea.
Observação: as alterações ocorrem na pele e na membrana sinovial. A expressão de citocinas é semelhante à observada
na AR, e o processo inflamatório resulta nas “placas” psoriásicas.
Artropatias enteropáticas „„ Infecção gastrointestinal (outros fatores nocivos); reação inflamatória mucosal; alteração de permeabilidade; absorção
Associadas à doença inflamatória de produtos exógenos (microbianos?); resposta imune humoral (maior produção de IgA); mobilização de linfócitos T e
intestinal: doença de Crohn e B; e localização em articulações (células T de memória, imunocomplexos?) e, sinovite.
colite ulcerativa. „„ Expressão de citocinas: resposta padrão Th1 é maior na doença de Crohn (aumento de IFN-γ); na colite ulcerativa: não
Predisposição genética: ocorre desequilíbrio Th1/Th2. Nas 2 doenças há liberação local de citocinas pró-inflamatórias: TNF, IL-1, IL-6 e IL-8.
HLA-B27 = comprometimento
axial; CARDI-15 = sacroiliíte
(Doença de Crohn).
Artrite reativa* Infecção no trato urogenital (Chlamydia) ou digestório (Salmonella, Yersinia). Fagócitos circulantes transportam os
(Predisposição genética HLA-B27) patógenos às articulações onde persistem (intactos viáveis/componentes).
„„ Atividade artritogênica de componentes bacterianos:
1. reconhecimento por TLRs;
2. peptideoglicanos podem induzir macrófagos a expressar moléculas coestimulatórias e produzir TNF e IL-6;
3. peptídeo muramil exerce capacidade pró-inflamatória e; 4. lipopolissacarídeo intensifica a ativação de NFκB e
secreção de TNF por monócitos.
„„ Resposta imune celular: há oligoclonalidade de células T sinoviais reativas às proteínas secretadas por Yersinia
e a 2 antígenos de Chlamydia (57kD HSP e 18kD Hcl histona-símile). Células T CD8+ reconhecem 9 peptídeos
imunodominantes de Chlamydia; há mimetismo molecular entre peptídeos derivados de B27 e de Chlamydia: ruptura
de tolerância ao próprio, prejuízo da eliminação de patógenos (detrimento de reconhecimento do não próprio).
„„ Sinóvia: maior presença de células IL-4 positivas do que IFN-γ positivas; a relação IL-10/IL-12 indica predomínio
de citocinas Th2 (favorecendo a persistência de bactéria na articulação por insuficiência relativa de citocinas
antimicrobianas). TNF: importante na inflamação espinal; paradoxalmente, TNF seria deletério na fase aguda (mediação
de apoptose de células CD4+), mas benéfico na cronicidade (mediador da produção de NO na exclusão de patógenos).
* Evolução nomenclatural de “s. Reiter”, “artrite pós-infecciosa”.

Tabela 3.8 Outras doenças reumáticas autoimunes.

Doença Sinopse patogenética


1. Polimiosite (PM) e „„ PM: predomínio de células T CD8+ e macrófagos no endomisio; expansão oligoclonal de células com TCR restrita em
Dermatomiosite (DM) resposta a antígeno não caracterizado.
(Etiologia: fatores ambientais „„ DM: principalmente células T CD4+ com TCR mais policlonal, células B e macrófagos no perimisio. Alterações na
e genéticos) microvasculatura: presença de C5-C9 (MAC) precedendo infiltração de células inflamatórias.
„„ PM/DM: espessamento de células endoteliais (capilares e vênulas); aumento da expressão de ICAM-1 e VCAM-1;
migração de células inflamatórias. Citocinas: IL-1α (afeta suprimento nutricional); no tecido muscular: IL-4; IL-6;
IL-15; IL-17; TNF (afeta contractilidade e inibe regeneração de fibras musculares), IFN (α e γ), IL-1 e TNF: indução da
expressão de moléculas MHC de classe I e II em fibras; TGFb: anti-inflamatória, mas estimula fibrose. Expressão de
quimiocinas: CCL3 (atração de células B e T, intensifica adesão de células CD8+ à matriz extracelular); CCL4, CCL5
(atração de células CD4+) e, MCP (atração de monócitos).
„„ Resposta humoral (PM/DM): produção de anticorpos AAN e autoanticorpos associados à miosite reativos a
antígenos citoplasmáticos/nucleares [Jo-1 (síndrome antissintetase); SRP (polimiosite aguda) e Mi-2 (dermatomiosite)].
Em resumo: citotoxicidade, moléculas de citocinas e outras, alteração da microcirculação e hipóxia, resultam em
inflamação e distúrbios metabólicos levando à fraqueza e fadiga muscular.

(Continua)

Mecanismos Imunopatogênicos nas Doenças Reumáticas Autoimunes 59


(Continuação)
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

Tabela 3.8 Outras doenças reumáticas autoimunes.

Doença Sinopse patogenética


2. Esclerose Sistêmica „„ Fatores desencadeantes: anticorpo anticélula endotelial (ACE), citocinas inflamatórias, granzimas, infecção (viral?),
Etiologia: HLA (associado a apoptose, ativação de célula endotelial, liberação de endotelina-1 (ET-1) levam à lesão microvascular.
autoanticorpos); infecção viral; „„ ET-1: vaso-constrictora; há adesão de leucócitos, proliferação da musculatura lisa e fibrose adventicial conduzindo ao
fatores ambientais. estreitamento luminal progressivo culminando com obliteração e hipóxia. Paradoxalmente a hipóxia induz a expressão
de VEGF, mas o estímulo angiogênico não se concretiza por carência de progenitores endoteliais CD34+ circulantes (há
diminuição do número de vasos na doença).
„„ Anormalidades de células T: expansão oligoclonal de CD3+ e CD4+ infiltrantes perivasculares; expressam HLA-DR;
TCR de especificidade restrita; ativadas (antígeno não caracterizado), secretam citocinas fibrogênicas e quimiocinas. Há
polarização para o fenótipo Th2 (IL-4, IL-5 e IL-13) com poucas Th1 (IFN-γ).
„„ Anormalidades de células B: a população B “naive” está expandida, a de B “memória” encontra-se reduzida
(apoptose?), mas ativada e hiper-reativa (aumento da expressão de CD19). Há ruptura da tolerância (mimetismo
molecular?, alteração da expressão e/ou localização de peptídeo autoantigênico?) e, produção de autoanticorpos [AAN,
ACE, anticentrômero, anti-RNA polimerase III, antitopoisomerase 1 (Scl-70), anticolágeno I, III, IV, VI e antilaminina] e
de citocinas [IL-6, IL-10 (induzem resposta Th2 predominante); TGF-b (estimula síntese de colágeno por fibroblastos e
promove expansão de células Th2 antígeno-específica)].
„„ Processo fibrótico: 1. TCF-b (ativa a produção de matriz extracelular em fibroblastos, inibe síntese de MMPs e
estimula a produção de inibidores de proteases), conduz à fibrogênese patológica por transdiferenciação de células
mesenquimais em miofibroblastos; 2. CTGF: promove a proliferação de fibroblastos e a síntese de colágeno e
fibronectina.
3. Policondrite recidivante „„ Eventos iniciais: lesão enzimática (lisossomos) da cartilagem* expõe antígenos privilegiados (colágeno tipo II?,
Predisposição genética: matrilina-1?); quebra da tolerância; resposta imune humoral (predomínio de IgG), deposição de anticorpos e ICs na
HLA-DR4 junção fibro-cartilaginosa; ou,
„„ Resposta imune perpetuada pela lesão inflamatória da cartilagem. Expressão de quimiocinas: concentração sérica de
MCP-1, MIP-1b e IL-8 (estado de ativação macrofágica?).
* local privilegiado imunologicamente por ser estrutura avascular e, questionavelmente, sem desenvolvimento de tolerância aos seus componentes antigênicos.

REFERÊNCIAS CONSULTADAS

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62 Tratado Brasileiro de Reumatologia


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AGRADECIMENTO
Os autores agradecem à eficiente assistência secretarial da
Sra. Teresa Cristina Lopes Guimarães na preparação do texto.

Mecanismos Imunopatogênicos nas Doenças Reumáticas Autoimunes 63


4

Capítulo
Roberto Ezequiel Heymann

Os Mecanismos da Dor nas Doenças Reumáticas


„„ INTRODUÇÃO tecidual que a originou, desaparecendo com a sua resolução.
Quando ocorre sua cronificação, há perda da relação direta com
A sobrevivência dos organismos vivos é garantida pela in- a sua causa original, podendo tornar-se independente da lesão
teração de dois sistemas altamente especializados; o primeiro tecidual inicial. Perde sua característica de atuar como um me-
controlado pelo cérebro e o restante do sistema nervoso, que canismo de proteção e alarme, passando a se constituir em um
apresenta habilidade em detectar e memorizar o perigo; o se- sintoma prejudicial à qualidade de vida do doente.
gundo pelo sistema imune, que protege contra a invasão exter- A dor também pode ser classificada de acordo com o seu
na. Ambos os sistemas atuam conjuntamente, compartilhando mecanismo fisiopatológico em inflamatória, neurológica, fun-
vias neurológicas, neurotransmissores, mediadores químicos cional ou nociceptiva (Figura 4.1).
e células. Enquanto o sistema imunológico atua normalmente
Quando a origem do estímulo doloroso provém de uma le-
de forma despercebida, o sistema sensitivo neural é imediata-
são direta sobre o tecido neurológico, a dor é denominada de
mente acionado conscientemente, pois sua função primária é a
neuropática. Essa modalidade dolorosa sempre envolve lesão
de alertar a aproximação de um eventual perigo com potencial
tecidual nervosa, central ou periférica. Como exemplos de dor
de causar dano tissular (percepção dolorosa) e, secundaria-
neuropática periférica podemos citar as neuropatias diabética,
mente, de prepará-lo para sua resposta frente a esse perigo
herpéetica, compressivas periféricas e as compressões radicu-
(reação à dor). A dor portanto, deve ser considerada como um
lares. Lesões medulares, a esclerose múltipla e os acidentes
sinal de alarme a possíveis danos tissulares que podem resul-
vasculares centrais isquêmicos são exemplos de patologias
tar em modificações das condições normais de um ser vivo.
que podem cursar com dor neuropática central. A dor de ori-
Esse alarme é necessário para que o organismo possa apre-
gem nociceptiva é o desconforto que experimentamos no dia
sentar capacidade de responder ao agente agressor quando
a dia, resultante de uma lesão ou trauma simples. Geralmente
possível e se adaptar às modificações que possam ocorrer no
a dor somática e a visceral envolvem mecanismos nocicepti-
seu meio ambiente. vos. A dor inflamatória caracteriza-se pelo envolvimento de
A dor pode ser definida como uma sensação física e emo- mediadores inflamatórios nos mecanismos geradores de dor.
cional desagradável, criada por um estímulo nocivo, que atinge A artrite reumatoide e as espondiloartropatias são excelentes
o sistema nervoso central por meio de vias específicas. Por- exemplos que cursam com dor do tipo inflamatória. A dor fun-
tanto, já na sua definição, fica clara a presença de dois com- cional é aquela em que ocorre um processamento anormal da
ponentes na sensação dolorosa. O primeiro é o componente dor. Nesta observamos uma resposta sensorial da dor amplifi-
discriminativo-perceptivo, responsável pela capacidade de cada, embora não existam defeitos neurológicos periféricos ou
localizar, qualificar e quantificar a intensidade do estímulo no- centrais que possam explicá-la. O maior exemplo dessa catego-
ciceptivo e memorizá-lo. O segundo componente é o cognitivo ria dolorosa é a fibromialgia.2
afetivo, que determina as feições emocionais que vão colorir
a experiência dolorosa e determinar a resposta comporta-
mental à dor. Este último componente explica a subjetividade „„ PERCEPÇÃO NORMAL DA DOR
da sensação dolorosa, pois influências externas e internas de O termo nocicepção refere-se ao processo no qual a in-
cada ser vivo vão modulá-la.1 formação sobre a lesão tecidual na periferia é transmitida no
sistema nervoso central (SNC), resultando na experiência sen-
„„ CLASSIFICAÇÃO DA DOR sorial da dor. Os principais processos envolvidos na experiên-
cia sensorial da dor são: transdução ou geração do estímulo
Podemos classificá-la de várias maneiras, seja de acordo doloroso, transmissão, percepção e modulação da dor.
com a sua duração (aguda ou crônica), localização (somática
ou visceral), seja em relação a sua etiologia em oncológica ou Geração do estímulo doloroso
não oncológica.
A dor aguda é autolimitada, persistindo no máximo por três Os mecanismos envolvidos na gênese do impulso nervo-
meses e geralmente apresenta uma relação direta com a lesão so doloroso diferem de acordo com os diferentes tipos de dor.

65
Embora didaticamente separássemos os tipos de dor quanto a bras aferentes dos neurônios de primeira ordem, cujos núcleos
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

sua origem e mecanismos fisiopatológicos, na prática clínica situam-se no gânglio da raiz dorsal. São sensíveis a traumas
observamos o envolvimento de uma mescla desses mecanis- mecânicos ou outros estímulos com potencial de gerar lesão
mos, com a predominância de um deles. (pressão, calor ou frio ou substâncias químicas). A partir da sua
Na dor neuropática, após a lesão da fibra nervosa, surgem sensibilização ocorre a transdução, processo no qual a energia
novos canais de sódio próximos das áreas de regeneração e proveniente de estímulos nociceptivos (térmicos, mecânicos ou
reparação da lesão. Essa proliferação de novos canais de sódio químicos) é convertida em energia elétrica (impulso nervoso). A
torna a fibra nervosa altamente sensitiva, despolarizando-se a dor de origem nociceptiva, de acordo com sua localização, pode
qualquer estímulo ou até de forma espontânea sem a necessi- ser somática quando provém dos estímulos no tecido de revesti-
dade de estimulação externa. Quando a lesão ocorre em teci- mento cutâneo, subcutâneo, tecido ósseo, articular e músculos,
do nervoso periférico, o estímulo é então transmitido ao SNC ou pode ser visceral quando originado de estruturas viscerais
pelas fibras aferentes responsáveis pelas transmissões de es- (Figura 4.2). A diversidade e as concentrações de nociceptores
tímulos dolorosos de outras origens. Em geral, as dores de ori- nos diversos tecidos explicam as diferentes características das
gem neuropáticas apresentam forte potencial de cronificação, dores de origem somática e visceral. A dor somática superficial,
pois a geração espontânea de estímulos pode perdurar mesmo geralmente originária (pele e subcutâneo) de tecidos ricos em
após a reparação do tecido lesionado (Figura 4.1). nociceptores, apresenta-se bem caracterizada e bem localizada.
Nas dores de origem inflamatória, há a presença de um Como há menos nociceptores no tecido muscular, articular e ós-
processo inflamatório periférico, com intensa proliferação seo, a dor somática profunda é sentida mais caracteristicamente
de células inflamatórias e mediadores químicos responsáveis como um entorpecimento ou um dolorimento difuso. Por causa
pela ativação local dos receptores de estímulos nociceptivos da pobre presença de nociceptores nas vísceras, as dores vis-
(nociceptores), ou pela irritação direta de fibras nervosas, fa- cerais manifestam-se como espasmos profundos nem sempre
cilitando sua despolarização, gerando estímulos nociceptivos. bem localizados, ou podem até serem referidas em outras áreas
Dentre os principais mediadores inflamatórios envolvidos (dor do tipo referida).3-6
nesses mecanismos podemos citar as bradicininas, serotonina,
histamina, prostaglandinas, peptídeo relacionado à calcitoni-
Transmissão e percepção do estímulo doloroso
na e a substância P. (Figura 4.1).
A dor nociceptiva inicia-se após algum estímulo nocicepti- Existem basicamente três fibras aferentes que são impor-
vo que tenha causado lesão tecidual, seja ele mecânico, térmi- tantes no mecanismo de nocicepção. As fibras Aβ, de maior
co, seja ele químico. Essa dor resulta em alterações plásticas diâmetro e mielinizadas, apresentam velocidade rápida de
teciduais e/ou na liberação de mediadores inflamatórios que condução dos estímulos nervosos, sendo em sua maioria, res-
sensibilizam receptores específicos, os nocireceptores (Figura ponsáveis em detectar estímulos inofensivos que ocorrem na
4.1), frequentemente encontrados na pele, fáscias, tendões, pe- pele, músculo e articulações, e portanto não participam da
riósteo, vasos sanguíneos, vísceras e músculos. Os nociceptores transmissão dolorosa normal. Em condições normais, essas
fazem parte da estrutura das terminações nervosas livres das fi- fibras têm papel modulador da dor conforme veremos a se-

Dor nociceptiva Inflamação Dor inflamatória


Calor Dor Dor espontânea
Macrófagos
Frio Resposta autonomica Hipersensibilidade dolorosa
Reflexo de retirada Mastócitos
Força alodinia e hiperalgesia
Granulócitos
mecânica
Neurônio nociceptivo sensitivo neutrófilos
intensa Neurônio nociceptivo sensitivo
Córtex Córtex
Irritantes Lesão
químicos tecidual
Medula
Medula

Dor neuropática Dor “funcional”


Dor espontânea
Dor espontânea
Hipersensibilidade dolorosa

Nervos e tecidos
Lesão neurológica Córtex
AVC periféricos normais
periférica

Processamento
Lesão medular central anormal

Figura 4.1 Modalidades de dor de acordo com o seu mecanismo fisiopatológico.

66 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Raiz posterior

„„ CAPÍTULO 4
Gânglio espinhal

T.E.T

Divisão posterior
Raiz anterior

Nocicepção
Gânglio simpático

Víscera
Ia. b
Ad, C
Vasos sanguíneos
Aa
Tendão Ab
C
Ad Musculatura esquelética

Fibra muscular Pele

Figura 4.2 Distribuição dos receptores nociceptivos.

guir. A propagação dos estímulos dolorosos na periferia em redor ou próximo da area da lesão tissular. Os estados de dor
situações normais ocorrem em outros dois tipos de fibras afe- crônica envolvem a hiperalgesia das fibras C, pois observamos
rentes, as mielinizadas de diâmetro médio Aδ e as não mielini- que a persistência do estímulo inicial nessa fibra resulta em
zadas C com diâmetro menor que as demais.7-11 cronificação dessa sensação dolorosa tardia.19-21
As fibras C são polimodais, apresentam receptores que são Estas fibras aferentes penetram pelo corno posterior da
sensibilizados por estímulos mecânicos de limiar baixo, estímulos medula espinhal (CPME) e fazem sinapses com neurônios
térmicos e químicos, ainda existindo um subgrupo de fibras C que de segunda ordem, que projetam seus axônios para centros
apresentam receptores sensíveis aos mediadores inflamatórios e neurológicos supramedulares. Na maioria das vezes, essas si-
algogênicos liberados pelo tecido lesado, tais como leucotrienos, napses se dão no mesmo nível medular em que penetram no
bradicininas, serotonina, histamina, íons de potássio, acetilcolina, CPME, mas podem também ocorrer um ou dois níveis abaixo
substância P e fatores de ativação plaquetária.12-16 ou acima. As fibras aferentes C e Aδ possuem sinapses com
Existem duas classes de fibras Aδ, ambas responsivas aos os neurônios de segunda ordem nas lâminas superficiais I e
estímulos mecânicos intensos, diferenciando-se de acordo II, sendo que as fibras Aδ podem fazê-las também na lâmina
com sua resposta aos estímulos térmicos. As fibras Aδ, por V do CPME. As fibras Aβ realizam suas sinapses na lâmina IV
apresentarem velocidade de condução maior que as fibras C, do CPME (Figura 4.4). Entre as espécies de neurônios cujos
em torno de 5 a 25 m/s, são responsáveis pela sensibilidade corpos celulares encontram-se no CPME e que participam
dolorosa inicial, geralmente bem localizada e fisicamente bem do processo nociceptivo normal podemos citar: os nocicep-
caracterizada como uma dor em pontada ou agulhada.17-18 tores específicos (NS) que respondem somente a estímulos
As fibras C, por serem mais lentas, com uma velocidade nociceptivos provenientes de fibras aferentes C e Aδ, e se lo-
em torno de 1 a 2 m/s, respondem pela sensibilidade dolorosa calizam nas lâminas I, II, IV e V do CPME; os interneurônios
tardia, que é sentida segundos após a dor inicial (Figura 4.3). que podem ser excitatórios ou inibitórios, cuja função é a de
Sua estimulação crescente provoca uma sensação ascenden- modular a transferência sináptica dos estímulos nervosos
te de desconforto ou queimação, em uma área não muito bem periféricos entre fibras aferentes e os neurônios de segunda
delimitada, maior que a da lesão tissular. Um subgrupo de fi- ordem (Figura 4.5); e os neurônios “Wide Dynamic Range”
bras C possui a capacidade de liberar substâncias algogênicas (WDR), que respondem a vários tipos de estímulos aferentes
e vasoativas, sendo responsável pela regulação da resposta (mecânicos, térmicos e químicos), provenientes das fibras C,
inflamatória local, geralmente observada como um eritema ao Aδ e Aβ. Os WDR são encontrados nas lâminas I, II, IV, V, VI e

Os Mecanismos da Dor nas Doenças Reumáticas 67


demonstram graus variados de ativação dependendo da in- dolorosa aguda, ao contrário dos WDR, cuja resposta se inicia
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

tensidade do estímulo aferente. As fibras do tipo NS e WDR ao término do estímulo.22-24


também podem ser ativadas por ação direta dos interneurô- Outro subgrupo de neurônios localizados no CPME deno-
nios excitatórios. Ambas são responsáveis pela transmissão minados não nocipetivos (N-NOC) não participa do processo
dolorosa para áreas da formação reticular, tálamo e outras nociceptivo propriamente dito, mas tem influência nos meca-
regiões supramedulares. Os NS apresentam uma resposta nismos supressores da dor. Recebem estímulos propiocepti-
imediata e prolongada ao estímulo inicial. Dessa forma, eles vos e os não nociceptivos (de baixa intensidade), mecânicos e
codificam a intensidade da dor e contribuem para a sensação térmicos provenientes das fibras Aβ.22,23

Fibras aferentes primárias

a) b)
Aα β
Fibras aferentes primárias

Aα e Aβ Limiar térmico
Mielinizada

Voltage
nenhum
Diâmetro grande
Propriocepção, tato leve
Aδ C

Finamente mielinizada 53 oC tipo I
Tempo
Diâmetro médio
o
Mecânico, térmico e químico 43 C tipo II Primeira dor

Segunda dor
“C”
Não mielinizada o
Diâmetro pequeno 43 C
Nocicepção
Mecânico, térmico e químico

Figura 4.3 Fibras aferentes que compõem os nervos periféricos do gânglio da raiz dorsal e que participam dos mecanismos de nocicepção.

Ad
I
II
C

III

Ab IV

Figura 4.4 CPME: lâminas medulares em que ocorrem as sinapses entre neurônios aferentes de primeira e segunda ordem.

68 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Terminal central

„„ CAPÍTULO 4
nociceptivo Neurônio do
trato espinhal

G Kainate
G Córtex
G AMPA
Glutamato Dor

GABA
Glicína

Interneurônio
inibitório

Figura 4.5 Sinapse nervosa localizada no corno posterior da medula. O terminal nervoso nociceptivo corresponde à fibra aferente de pri-
meira ordem que faz sinapse com o neurônio de segunda ordem (neurônio do trato espinhal). Os interneurônios têm o papel regulador da
taxa de liberação de neurotransmissores na sinapse.

O glutamato e o seu receptor ácido alpfa-amino-3-hidro- matosensório I e II, pré-frontal e o cingular anterior, na insula
xi-5-metil-4-isoxazolepropionico (AMPA) são a principal com- e em estruturas limbicas.26, 27
binação neurotransmissor/receptor presente nessas sinapses,
embora a substância P (SP), o aspartato e o peptídeo relacio-
nado ao gene da calcitonina (CGRP) também possuam partici-
Modulação da dor
pação na transmissão dolorosa aguda. A percepção dolorosa, resultante de lesões similares, é sen-
A maioria dos neurônios de segunda ordem cruza a medu- tida com intensidade variável entre indivíduos sendo também
la espinhal e projeta seus axônios aos centros supramedulares, influenciada pelas circunstâncias em que ocorre. Podemos ob-
formando diversas vias ascendentes transmissoras de impul- servar, por exemplo, atletas suportarem lesões sérias com sen-
sos nociceptivos. sação reduzida de dor. O conhecido efeito placebo nada mais é
A via espinotalâmica é formada por neurônios de segunda que um sugestionamento psicológico que cria uma expectativa
ordem cujos axônios se projetam aos núcleos localizados nos de melhora da dor. Observamos também situações inversas, na
complexos laterais, postero medial e intralaminar do tálamo. No qual indivíduos, ao apresentarem uma expectativa grande de
tálamo s neurônios fazem sinapse com os neurônios de terceira dor para determinado procedimento (por exemplo, durante
ordem que se projetam ao córtex cerebral somatosensório I e II uma colheita de sangue para análise laboratorial), respondem
(SI e SII). A região do SI é envolvida basicamente nos aspectos com uma percepção dolorosa intensificada e desproporcional
discriminativos e sensoriais da dor. A área SII está envolvida no à lesão provocada pelo procedimento em questão.
reconhecimento e na memorização dos eventos dolorosos. Esta Os efeitos que a expectativa e outras variáveis exercem na
via é a responsável pelos componentes discriminativos e objeti- intensidade da percepção dolorosa demonstram que existem
vos da dor, como sua localização, tipo de dor, etc.25 circuitos cerebrais envolvidos na modulação da atividade de
Outra via, denominada espinoreticular, é caracterizada transmissão nociceptiva, e que devem sofrer influências emo-
pela presença de neurônios cujos axônios se projetam para cionais, culturais, genéticas, entre outras. Esses mecanismos
substância reticular do tronco cerebral e substância cinzenta moduladores da dor envolvem a liberação de peptídeos opioi-
periaquedutal, fazendo então sinapses com neurônios de ter- des, aminas biogênicas e outros neurotransmissores.28
ceira ordem que se projetam a regiões do SNC responsáveis Os principais mecanismos envolvidos na modulação da
pela modulação afetiva da dor e pelo controle da resposta au- dor são regulados pela via descendente central, pelos inter-
tonômica (Figura 4.6). Essa via é responsável pelo desconforto neurônios que atuam nas sinapses entre os neurônios de pri-
e pela reação emotiva, afetiva e autonômica observada na per- meira e de segunda ordem, localizados no CPME e pelas vias
cepção dolorosa.25 aferentes Aβ.
As vias ascendentes espinomesencefálica e a espino-hi- A liberação do GABA pelos interneurônios inibitórios ali
potalâmica também contribuem no componente afetivo da localizados diminui a liberação sináptica de glutamato, subs-
percepção dolorosa. A espinomesencefálica está envolvida tância P (SP) e de CGRPD por parte do neurônio aferente de
na ativação do trato descendente de modulação dolorosa que primeira ordem, inibindo a transmissão dolorosa em dire-
será descrito a seguir. ção às vias supramedulares. Por outro lado a estimulação de
A interpretação do estímulo doloroso inicia-se no tálamo interneurônios excitatórios resulta em um efeito contrário.
medial e lateral, sendo depois complementada nos córtices so- Dessa forma, os interneurônios atuam regulando a libera-

Os Mecanismos da Dor nas Doenças Reumáticas 69


„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

Córtex
somatosensorial

Córtex
Tálamo frontal

Córtex
Hipotálamo insular

B
Mesencéfalo
Estrutura
C
límbica
D Formação
Modulação reticular

Chifre A
dorsal

Estimulação
nóxia

Figura 4.6 Vias ascendentes nociceptivas. A: espinoreticular; B: espinotalâmica; C: espinomesencefálica e; D espinohipotalâmica.

ção sináptica de neurotransmissores no CPME, aumentando contém receptores opioides que são ativados pela ação de en-
ou diminuindo a intensidade e o ritmo de transmissão dos dorfinas, principalmente as encefalinas e as β endorfinas.
impulsos nervosos que serão enviados às vias supramedu- Do ponto de vista prático, a analgesia observada pelos an-
lares. A região do corno posterior da medula apresenta rica tidepressivos se dá através do aumento de disponibilidade de
concentração de receptores GABAergicos e opiáceos, o que serotonina e noradrenalina no tecido nervoso, favorecendo a
explica o mecanismo de ação das drogas opioides e GABAer- inibição descendente.
gicas.29, 30 A modulação dolorosa também pode ocorrer por inibição
O outro mecanismo implicado na modulação dolorosa no competitiva entre as fibras sensoriais. A transmissão perifé-
CPME está associado à via descendente moduladora de dor. rica de estímulos não nociceptivos pelas fibras Aβ é capaz de
Estímulos provenientes do córtex frontal e do hipotálamo inibir ou diminuir a transmissão dolorosa pelas fibras C e Aδ,
ativam neurônios da região cinzenta periaquedutal do me- diminuindo a aferência dolorosa periférica.34
sencéfalo. Os neurônios dessa região projetam seus axônios
descentes através do funículo dorsolateral (FD) e do funículo „„ PERCEPÇÃO ANORMAL DA DOR
ventrolateral (FV), atingindo o CPME. No CMPE, esta via des-
cendente controla a passagem dos estímulos nociceptivos nas A dor crônica pode ser de origem neuropática, inflamató-
sinapses ali localizadas. O FD quando ativado favorece a anal- ria ou nociceptiva. Pode estar associada a uma causa especí-
gesia, sendo a via de inibição descendente. Já o FV é conside- fica, como um trauma ou uma lesão cancerígena, ou a outras
rado de facilitação descendente, pois sua ativação favorece a patologias músculoesqueléticas, como as artropatias inflama-
nocicepção. Portanto a modulação dolorosa exercida pelo tra- tórias ou não, a fibromialgia e a dor lombar. Ela pode surgir
to descendente no CPME resulta de um balanço entre a inibi- mesmo na ausência de lesão aguda, e muitas vezes os fatores
que a perpetuam não apresentam relação com a sua causa ini-
ção (FD) e a facilitação (FV) descendentes. A via descendente
cial. A dor crônica, por sua vez, perde seu caráter protetor e
exerce sua influência no CPME diretamente nas sinapses ali
passa a causar prejuízo à qualidade de vida de quem a sente.
localizadas ou indiretamente através de ativação ou inibição
Portanto, a abordagem terapêutica da dor aguda deve ser a
dos interneurônios.31, 32, 33
mais efetiva possível, minimizando o risco de sua cronifica-
Vários neurotransmissores atuam na via descendente, in- ção. Para tanto, algumas questões devem ser compreendidas:
fluenciando tanto positivamente quanto negativamente, am- Por que uma lesão tecidual traumática, por exemplo, local,
bos funículos que a compõem. O FD responsável pela inibição pode cronificar em um grupo de indivíduos, resultando em
descendente apresenta como neurotrasmissores principais a dor crônica, intratável e prejudicial à qualidade de vida? Que
serotonina, proveniente do núcleo da rafe, e a noradrenalina, mecanismos são responsáveis para essa cronificação? Por que
fornecida pelo locus cereleus (Figura 4.7). Várias dessas es- algumas dores respondem melhor aos AINHs e outras, aos
truturas que compõem a via desendente modulatória de dor opioides, por exemplo?

70 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 4
GABA β-EP/µ
DYN/K CCK 2
Opioid/µ
CB1
ENK/δ NT/NT1?
BDNF – + + + + GABA
+ EM/µ + –

SP +
+ GLU/NMDA + –
+ ACH/Nic/Musc
+ NO
NPVF +
– INIBIÇÃO GLU/NMDA & AMPA CB 1 – FACILITAÇÃO +
DESCENDENTE + DESCENDENTE
OFQ –
– CCK2 +
NT2 + –
+ + NO
NA/α 1
GAL + DOR
– EXIN EXXIN
– +
Hist/H 2
MC +
+ –
Interneurônios Interneurônios
ININ ININ

Fibras Fibras
aferentes aferentes

+ +
– – – +
– neurônios
+ Estímulo
Estímulo + + neurônios
+ +
nocivo 2 ordem 2 ordem nocivo
Lesão Lesão
tecidual tecidual

Direto Indireto

Figura 4.7 Visão dos vários mecanismos envolvidos na modulação da atividade entre as vias descendentes inibitórias e facilitadoras da
percepção dolorosa da via moduladora descendente. Os mecanismos envolvidos na inibição descendente de dor inibem as células da
medula rostroventromedial utilizando a noradrenalina e a serotonina como neurotransmissores. A ativação da via facilitadora de dor
ativa células presentes na medula rostroventromedial utilizando outros neurotransmissores. Abreviações no texto: EXIN, Interneurônios
excitatórios; ININ, inibitórios; NO, óxido nítrico; CCK, colecistokinina; NT, neurotensina; GLU, glutamato; NMDA, N-methyl-d-aspartate;
ACh, acetilcolina; musc, muscarínico; nic, nicotínico; DYN, dinorfina; ENK, encefalina; EP, endorfina; EM endomorfina; GABA, ácido hidro-
xibutirico; Hist, histamina; CB, canabinoide; NA, noradrenalina; SP, substância P; NPVF, neuropeptídio VF; OFQ, orfanina FQ (nociceptina).

Sensibilização periférica Sensibilização central


Em situações normais, impulsos nociceptivos são carrea- A “sensibilização central” corresponde ao estágio em que
dos pelas fibras C e Aδ e os inócuos, pelas fibras Aβ. Quando os nervos de segunda ordem encontram-se sensibilizados. O
há um processo inflamatório intenso, com concentrações lo- processo de “sensibilização central” inicia-se a partir de uma
cais elevadas de mediadores inflamatórios, ou quando ocorre estimulação periférica intensa e crescente, proveniente das
estimulação nociva intensa, repetida ou prolongada, ocorre fibras aferentes C ou de fibras nervosas lesadas diretamente.
o fenomeno da “sensibilização periférica”. Os nociceptores Essa estimulação intensa é responsavel pela ativação dos re-
quando se encontram “sensibilizados” têm o limiar reduzido ceptores N-metil D-aspartato (NMDA) pos sinápticos, presen-
para ativação, apresentando a capacidade de gerar estímulos tes nas fibras de segunda ordem. Na nocicepção aguda normal,
com uma frequência aumentada e com maior facilidade. Al- a transmissão sináptica ocorre pela ligação do glutamato ao
guns nociceptores C, quando sensibilizados, são responsáveis seu receptor AMPA pos sináptico, enquanto os receptores
pela liberação retrógrada (no tecido periférico) de mediado- NMDA encontram-se “adormecidos”, com sua atividade blo-
res e neurotransmissores pronociceptivos (Figura 4.10). Essa queada por uma molécula de magnésio. Nas circunstâncias
intensa atividade nociceptiva periférica pode ser amplifica- em que há uma somação temporal de estímulos, vinda da
da pela sensibilização das fibras aferentes Aβ, que passam a periferia pelas fibras C, há liberação de grandes quantidades
transmitir impulsos nociceptivos. Dessa forma a sensibiliza- de glutamato na sinapses do CPME. Essa intensa atividade
ção periférica envolveria a hiperexitabilidade de aferentes C e neurotranmissora consegue remover a molécula de magnésio
Aδ e o agrupamento de fibras Aβ ao processo nociceptivo.34-39 bloqueadora do receptor NMDA, ativando-o. Ao fenômeno de

Os Mecanismos da Dor nas Doenças Reumáticas 71


ativação do receptor NMDA damos o nome de “Wind Up” (Fi- nociceptiva supramedular leva à amplificação “neuroplásti-
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

gura 4.8).40-46 ca” de regiões corticais e subcorticais associadas à percepção


Após o fenômeno de “Wind Up”, ocorrem alterações plás- dolorosa, tanto discriminativa quanto, sobretudo, a subjetiva
ticas pré- e pós-sinápticas, que serão responsáveis por uma associada ao desconforto, cognição e afeto.40,-50
transmissão amplificada de estímulos nociceptivos do CPME
às áreas supramedulares. A ativação do receptor NMDA permi- Desinibição
te o influxo de cálcio, aumentando seus níveis intracelulares,
ativando pois kinases cálcio dependendentes. Essas kinases Esse incremento da atividade nociceptiva, com liberação
são responsáveis pelo aumento intracelular de óxido nítrico e intensa de prostaglandinas e óxido nítrico e outros mediadores
pela degradação do ácido araquidônico em subprodutos, como nociceptivos no CPME, estimula a apoptose de interneurônios,
prostaglandinas, que potencializarão o processo inflamatório diminuindo a capacidade inibitória GABAergica no CPME. A in-
e nociceptivo. O óxido nítrico estimula a liberação sináptica tensa estimulação ascendente é responsável, por meio de me-
de SP, que se ligam nos receptores NK1, ampliando o proces- canismos sinápticos medulares e supramedulares centrais, por
so de sensibilização. Ocorrem ainda alterações na expressão uma menor atuação da via descendente inibitória de modulação
de genes que serão responsáveis pelas mudanças fenotípicas dolorosa. A modulação dolorosa por inibição competitiva en-
nervosas observadas, como a fosforilização de novos canais tre as fibras sensoriais desaparece, pois as fibras Aβ passam a
de sódio e de receptores NMDA. Isso se traduz em um incre- transmitir impulsos nociceptivos. Dessa forma há perda da ca-
mento no número e tipo de receptores, neurotransmissores pacidade de inibição da transmissão asecendente nociceptiva,
e mediadores inflamatórios nas terminações nervosas pré- e fenômeno denominado de “desinibição” (Figura 4.9C).40, 45, 47, 48,
pós-sinápticas. Portanto, essa cascata de eventos resultará em 49, 50
(Quadro 4.1).
uma sensibilização central importante e consequente amplifi- O resultado da “sensibilização periférica e central” e da
cação da intensidade e da área de percepção dolorosa. Nessas “desinibição” explica a hiperalgesia e a alodinia observadas
circunstâncias há hiperescitabilidade dos neurônios de segun- em pacientes com dor crônica. O termo hiperalgesia é utilizado
da ordem, que passam a responder a qualquer estímulo ou até quando um indivíduo, estimulado por estímulos nociceptivos,
espontaneamente, transmitindo informação nociceptiva aos apresenta uma percepção dolorosa maior e desproporcional
centros neurológicos superiores de forma ampliada (Figura s ao estímulo. A alodinia é o termo utilizado quando estímulos
4.8 e 4.9A). A intensa ativação de receptores aliada à liberação não nociceptivos são sentidos como dolorosos (Figura 4.9D).
substancialmente maior de neurotransmissores propicia um A hiperalgesia pode ser primária quando a área de hiperalge-
meio capaz de envolver fibras nervosas adjancentes que esta- sia corresponde à área da lesão, sendo consequência direta da
vam adormecidas e que passam a participar desse processo sensibilização periférica. A hiperalgesia secundária é aquela
nociceptivo (Figura 9.B). Esse fenômeno de “neuroplasticida- percebida em área não relacionada à lesão inicial, estando as-
de” explica a amplificação da área dolorosa para limites além sociada à sensibilização central. O fenômeno da neuroplastici-
daquele envolvido na lesão inicial. Essa intensa estimulação dade explica a amplificação da área dolorosa para regiões sem
relação com lesão tecidual.40, 46, 51, 52

Dor aguda Dor crônica

Glutamato Substância P
Glutamato
Canal de K+ fechado
Guanil sintetase

NMDA NK-

AMPA NMDA

PKC
Mg+
Na+ K+ Na+ K+ Ca+
Mg+

Óxido nítrico
sintetase

Figura 4.8 Fenômeno “Wind Up”. À esquerda observamos na nocipepção aguda o receptor NMDA “adormecido” e bloqueado pela molécula
de magnésio. À direita, após a estimulação de intensa e crescente de nociceptores C, ocorre a ativação do receptor NMDA.

72 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 4
“Wind Up” Neuroestimulação

Fosforilação
EP
AMPA PGE2
NMDA EP
NK1 Hipersensibilidade AA COX-2
TrkB dolorosa EP transcrição

IL1-b

Dor difusa

A B

Apoptose Córtex cerebral

Hiperalgesia
Hipersensibilidade
dolorosa Alodinia
Amplificação
Diminuição dos
dos estímulos mecanismos
nociceptivos Medula moduladores
 Redução transmissão inibitória.
 Perda do interneurônio inibitório
 Alteração da modulação descendente cerebral

C D

Figura 4.9 Corno posterior da medula, eventos associados à amplificação dolorosa central. (A) fenômeno do “Wind Up”, que se relaciona
diretamente com a ativação do receptor NMDA e liberação de concentrações maiores de neurotransmissores pronociceptivos. (B) com a
ativação do receptor NMDA ocorrem alterações plásticas tanto pré quanto pós sinápticas, que culminam com o aumento da área recepto-
ra pré e pós sináptica e liberação de mediadores pronociceptivos. (C) esta estimulação nociceptiva intensa é responsável pela queda da
capacidade moduladora inibitória dos interneurônios e da via descendente. (D) o conjunto desses fenômenos explicam a hiperalgesia e a
alodinia observada nos casos de dor crônica.

„„ APLICAÇÃO DESSES CONCEITOS NAS


DOENÇAS REUMATOLÓGICAS
Quadro 4.1 “Eventos que resultam na amplificação dolorosa
central”. A sensibilização periférica é observada nos casos de in-
flamação articular das artropatias inflamatórias. Nessas
Percepção dolorosa amplificada por disfunção central
condições as fibras aferentes C, além de serem ativadas pelo
„„ Sensibilização central processo em si, são capazes de liberar retrogradamente para a
„„ Aumento da resposta a estímulos nociceptivos ou não periferia mediadas pro inflamatórios e vasoativos. Dessa forma
„„ Aumento dos níveis de neurotransmissores pronociceptivos ocorre um intenso processo inflamatório (caldo inflamatório)
„„ Hiperexcitabilidade (Figura 4.10) capaz de “sensibilizar” os nociceptores presen-
„„ Aumento de receptores pré- e pós-sintáticos
tes na estrutura articular. A sensibilização das fibras aferen-
tes da estrutura articular são essenciais para a percepção da
„„ Agrupamento de fibras “adormecidas” – “neuroplasticidade”
dor articular “inflamatória”. A sensibilização de nociceptores
Desinibição articulares resulta na ativação de aferentes primários geral-
mente não responsivos e que passam a ser ativados por es-
„„ Diminuição de impulsos inibitórios
tímulos não nociceptivos, tais como leve movimentos, toques
„„ Diminuição da modulação inibitória descendente cerebral
e até durante o repouso. A SP é o principal neurotransmissor
„„ Perda de interneurônios inibitórios
envolvido e contribui com a resposta inflamatória, pois esti-
„„ Diminuição dos níveis de neurotransmissores inibitórios mula células locais a produzirem uma variedade de citocinas
e mediadores pró-inflamatórios. A SP é capaz de ativar mastó-

Os Mecanismos da Dor nas Doenças Reumáticas 73


citos, sinoviócitos, neutrófilos, linfócitos T e B e macrófagos, diminuída de serotonina e noradrenalina no tecido nervoso
„„ SEÇÃO 1   AS BASES CIENTÍFICAS DA REUMATOLOGIA

amplificando o processo inflamatório. O óxido nítrico também desses pacientes, amplificação de áreas centrais de percepção
exerce seu papel na dor proveniente da inflamação articular. dolorosa e os estudos clínicos que documentam a alodinia e
Muitas vezes a dor é desproporcional ao quadro inflamatório hiperalgesia são alguns dos dados que corroboram com a am-
articular, o que pode ser explicado pela Sensibilização Central plificação dolorosa na fibromialgia.56-59
(Figura 4.10).52, 53, 54, 55 Nas neuropatias compressivas o mecanismo envolvido e
Nas dores articulares mecânicas, a dor é proveniente de o trauma mecânico, inicialmente. A fibra nervosa lesada sofre
nociceptores localizados nos ligamentos, cápsulas, enteses e suas tranformações e passa a transmitir estímulos de dor mais
vasos sanguíneos, e eles são ativados pelo aumento da pressão frequêntes e dolorosos. Esse processo pode ser sustentado por
intra-articular que ocorre em função das deformidades, forças um processo inflamatório neurogênico local estimulado pela
e torque anormal, ou até pequenas efusões locais. liberação de mediadores químicos pela fibra C.
A fibromialgia é um exemplo clássico de dor disfuncional. Grande parte das manifestações dolorosas como “dor re-
A sua causa inicial é obscura, mas os estudos demonstram ferida”, “dor do tipo inflamatória” e “sensibilidade dolorosa”,
tratar-se de uma amplificação dolorosa central, na qual obser- associadas às desordens musculoesqueléticas crônicas, resul-
vamos os fenômenos de sensibilização central e desinibição, tam muito provavelmente de sensibilização periférica e/ou
sem encontrarmos anormalidades na periferia. Clinicamente central. O melhor conhecimento dos mecanismos envolvidos
traduz-se na hiperalgesia e alodinia difusa observados nes- na dor musculoesquelética crônica podem otimizar e revelar
ses pacientes. Os níveis aumentados de SP e a disponibilidade novas terapêuticas para o alívio dessas manifestacões.60

Célula mestre
ou neutrófilas
Sensibilização periférica
Caldo inflamatório

Substância
P
Histamina
DRG corpo celular
Bradicina NGf

Lesão 5-HT
tecidual Prostaglandinas
ATP
H+
CGRP
Substância P

Vaso
sanguíneo

Cordão espinhal

Figura 4.10 Modelo de artropatia inflamatória: produção de mediadores inflamatórios pela lesão tecidual e pela fibra aferente ativada
levando a um processo inflamatório intenso que sensibiliza as fibras aferentes locais e as adjacentes ao processo.

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Os Mecanismos da Dor nas Doenças Reumáticas 75


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76 Tratado Brasileiro de Reumatologia


2 Seção

Fundamentos do Diagnóstico
5

Capítulo
Fernando Neubarth

A Relação Médico-Paciente
Acompanhar as mudanças na prática médica nas últimas apresentam doenças tipicamente crônicas, de longa evolução,
décadas e no início deste novo milênio é um privilégio. Os quando também a relação médico-paciente se pretende dura-
avanços científicos e tecnológicos; o reconhecimento de novos doura, hábil para manter-se sólida em situações de instabilida-
saberes e seu compartilhamento à instantaneidade de meios de, evitando contratransferências e abandonos de tratamento.
de comunicação inimagináveis há tão pouco; novas luzes so- Por outro lado, a utilização de novos medicamentos, muitos
bre etiologias e fisiopatologias; a identificação e o mapeamen- de alto custo e acesso restrito, a atuação crescente de alguns
to de bases genéticas; a qualidade e a possibilidade de outros colegas em pesquisas clínicas e os limites éticos na interferên-
meios diagnósticos, mais precisos, mais seguros; a realidade cia da indústria farmacêutica tornam necessárias as reflexões
dos transplantes; o caráter cada vez menos invasivo dos pro- com base nestas, até então pouco usuais, condutas e práticas.
cedimentos cirúrgicos; o arsenal terapêutico crescente, mais É sabido que a formação de um bom médico baseia-se em
eficiente, mais específico, modificando a evolução de doenças, conhecimentos, habilidades e atitudes. O conhecimento se or-
transformando em meta possível a cura, na qual antes reina- ganiza com base nas informações. A habilidade depende do
va a contemplação piedosa; pode-se afirmar sem medo que a treinamento. E a atitude está diretamente relacionada à for-
medicina nunca esteve tão capacitada e senhora de seus obje- mação e identidade psicológicas. Para Mello Filho, o resultado
tivos: promover saúde, aliviar sofrimento, cuidar, curar, salvar da prática médica é, em síntese, função de nossa capacitação
vidas; vive-se cada vez mais e com melhor qualidade. técnica e da possibilidade de construirmos um bom relaciona-
A globalização, o acesso à informação, às novas tecnologias mento com nosso paciente.
e possibilidades gera uma demanda natural, mas também de- Dentre os aspectos de que se ocupa a bioética, pode-se
corrente das necessidades de um mercado que mesmo se não discutir a relação médico-paciente pelos modelos teóricos. O
visasse também o lucro, já necessitaria de muito para cobrir os mais tradicional é o modelo Hipocrático, também conhecido
elevados custos financeiros; é, via de regra, a iniciativa privada por consequencialista ou sacerdotal; há a preocupação do pro-
que faz suas apostas em novas conquistas. Por outro lado, a fissional com a consequência do seu ato (fazer o bem). É uma
estruturação de sistemas de saúde, tanto públicos quanto pri- relação marcada pelo paternalismo. A decisão tomada pelo
vados baseia-se sempre na esteira de demandas assistenciais, médico prescinde da opinião, desejo ou crenças do paciente.
com pouca ou nenhuma capacidade de ação mais preventiva; Mais do que autoridade, o médico está no exercício do poder.
esta última resta quase como exclusividade natural do Estado, Ele domina enquanto o paciente se submete. Age de acordo
que pobre, à mercê e vilipendiado pelos interesses politiquei- com seu conhecimento e sua capacidade de discernimento, e
ros, mesmo quando bem-intencionado, pouco pode. Nesses convicto de que o faz visando o bem do paciente.
novos tempos, o médico adota a pressa, desvalorizado, mal Na década de 1970, com a valorização de um maior respei-
remunerado, enfrentando más condições de trabalho, substi- to à autonomia dos pacientes, outros modelos foram identifi-
tui a capacidade de observação e o raciocínio pela solicitação cados, a partir de Veatch:
de exames, premido pela cultura desinformada de que estes
aumentariam a certeza no diagnóstico. Servem-lhe de bali- 1. No modelo científico ou engenheiro os fatos são apresenta-
za também os próprios pacientes, os planos e as instituições dos ao paciente e a ele cabe decidir. O profissional de saúde
de saúde. E o medo do patrulhamento por processos que, na mantém a neutralidade e acata a decisão do paciente. É um
maioria das vezes não visam o imprescindível direito à justiça, modelo considerado de baixo envolvimento, caracterizado
mas o viés comercial de uma má advocacia. mais pela acomodação do médico do que pela dominação
Apesar de todas as conquistas, o médico e seu papel na so- ou imposição do paciente. O paciente é um cliente com
ciedade, no entanto, sofrem uma situação crítica, até lamentável. uma demanda de prestação de serviços.
Dentre tantas especialidades, a reumatologia destaca-se 2. No modelo deontológico ou centrado no paciente, respei-
entre as mais aquinhoadas pela aquisição de novos conheci- ta-se a vontade deste, mas com base em pressupostos bem
mentos e opções terapêuticas, mas mantém sua condição es- definidos: o paciente só poderá decidir adequadamente se
sencialmente clínica, ocupando-se de pacientes que, em geral, estiver plenamente capaz; cabe aos profissionais de saúde

79
prestar toda a informação necessária para a tomada de de- que está doente; médicos devem ser pessoas moralmente
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

cisão; o paciente não pode sofrer qualquer coação; as von- íntegras; médicos devem respeitar e compreender a ambi-
tades dos pacientes devem ser respeitadas mesmo que, na guidade moral das decisões que enfrentam, mas não devem
visão do profissional, possam causar algum prejuízo ao seu deixar de procurar o que é bom e certo em cada decisão.
próprio bem-estar físico. Nesse modelo o consentimento 8. No modelo reducionista biológico, descrito por Goldim
informado escrito é essencial no caso de qualquer procedi- e Francisconi, mais recentemente ao observar um fenô-
mento invasivo. meno assistencial dos novos tempos, quando alguns pro-
3. No modelo negócio, os profissionais de saúde e os pacien- fissionais de saúde resumem sua atenção aos pacientes
tes acertam-se, estabelecendo preços para um determinado simplesmente nas orientações de natureza orgânica. Eles
“produto”. Os aspectos éticos são os de um prestador de ser- não se envolvem com os valores dos pacientes. Agem, por
viços e seus clientes, e aplicam-se princípios de códigos de exemplo, limitando-se a prescrever drogas, enquanto ou-
consumidores. Não há preocupação com o bem do paciente tro colega assume os cuidados clínicos dos pacientes, fa-
e seus valores nas tomadas de decisões não exploradas. zendo aconselhamento, por exemplo, em casos de atenção
4. No modelo contratualista fica estabelecido que o médico a problemas genéticos. Este último modelo também pare-
mantém sua autoridade, com seus conhecimentos e ha- ce cada vez mais presente e familiar, salvo engano de inter-
bilidades, no controle das decisões técnicas. O paciente pretação, em nossa especialidade, com o advento do uso de
também participa no processo de tomada de decisões. A biológicos, muitas vezes realizado em clínicas de infusão
negociação é muito valorizada. O processo acontece com sem o acompanhamento direto do reumatologista clínico.
efetiva troca de informações e a tomada de decisões pode Como afirma, em lúcida análise, Bernard Lown em A arte
ser de médio ou alto envolvimento, baseada no compro- perdida de curar – nesta época de avanço tecnológico é fácil
misso assumido entre as partes. A principal falha como esquecer que um dos elementos essenciais dos cuidados mé-
modelo é o fato de aceitar que as relações entre as partes dicos deriva de uma arte que se formou desde os primórdios
são simétricas, deixando de lado a realidade existencial de da civilização. Dois mil e quinhentos anos atrás, disse Hipócra-
um doente grave ou com a percepção de que sua doença tes, “... pois onde quer que haja amor humano também existe
pode ser muito séria. A fragilização extrema nesses cená- amor à arte. Alguns pacientes, embora cientes de sua perigosa
rios demonstra o quanto assimétrica pode se tornar essa situação, recuperam a saúde simplesmente por causa de sua
relação. satisfação com o médico”.
5. No modelo interpretativo descrito por Linda e Ezequiel Desde o primeiro momento é premissa básica a cordiali-
Emanuel em 1992 (eles também descreveram o modelo a dade, o interesse que também se manifesta por uma postura
seguir – o deliberativo), cabe aos profissionais tentar elu- atenta e atenciosa, educada, acolhedora, mesmo que objetiva,
cidar os valores dos pacientes e estimulá-los na escolha da num ambiente adequado, permitindo assim já na elaboração
decisão que mais coincida com esses valores. O profissio- da anamnese, empática sintonia.
nal age como um conselheiro, sempre focando os valores
Para Richard Gordon, autor de A assustadora história da Me-
dos pacientes. dicina, uma das maiores contribuições de Hipócrates foi mos-
6. No modelo deliberativo há um envolvimento mais pro- trar que a aplicação prática da medicina clínica resulta apenas
fundo entre as partes. O profissional mune o paciente de da observação inteligente: “Como o que importa é o homem
informações completas e corretas, tentando entender os doente, não as teorias sobre a doença, a atenção deve estar vol-
valores que levará em conta para tomar suas decisões. tada para o paciente, bem como para o ambiente que o cerca”.
Pode persuadir um paciente a seguir um caminho, através De fato, ele é considerado o pai da Medicina não apenas porque
do diálogo, como um professor ou um amigo, mas jamais aplicou a ela as especulações de muitos filósofos, mas também e
com coação. principalmente porque as combinava com observações feitas à
7. No modelo beneficente ou da virtude, a meta é o equilíbrio beira da cama do doente, a quem escutava com atenção.
ideal entre a busca do bem e o respeito à autonomia do pa- Nas ponderações do psicanalista e escritor Cyro Martins, a
ciente. Segundo Pellegrino, é o modelo mais adequado aos interposição dos recursos tecnológicos entre médico e pacien-
médicos. Defende que a benevolência (o desejo do bem) é te leva à desumanização da medicina. Não há dúvida, segue
mais importante do que a beneficência (fazer o bem), tra- ele, que os sofisticados recursos tecnológicos adquiriram, em
zendo implícito na primeira, a benevolência, um traço de ca- toda parte, dimensões de mito. Demais, comunicar-se sempre
ráter do profissional em buscar fazer o bem por motivação foi difícil aos homens, não somente no exercício da medicina,
interna. Na segunda, a beneficência, assume que fará o bem, mas na arte de viver em geral. Daí a tendência a agarrar-se aos
em algumas circunstâncias não porque isso represente seus meios mecânicos, que nos dão a ilusão de podermos substituir
valores, mas porque pode estar sendo controlado ou punido o inigualável instrumento de intercâmbio que é a palavra. É
caso não faça o bem. Ao tentar conciliar esses princípios, de como antítese que se impõe o humanismo médico contempo-
beneficência e autonomia, Pellegrino cria a ideia de “bem- râneo. Mas, questiona Cyro, em que consiste o humanismo mé-
-negociado”: os profissionais de saúde e seus pacientes bus- dico contemporâneo? E mais uma vez ensina: no respeito que
cam a melhor decisão que satisfaça tanto, e principalmente, devemos à personalidade do paciente, seja ele previdenciário,
os valores dos pacientes quanto dos profissionais que os es- conveniado, indigente, seja particular e rico, adulto, adoles-
tão atendendo. Esse modelo é baseado em axiomas: tanto o cente ou criança. Para ele, essa consideração no trato já é, por
médico quanto o paciente devem ser livres para tomar deci- si só, um remédio, o mais universal e eficiente, o vínculo que
sões baseadas no conhecimento dos fatos e agir de maneira singulariza o acontecer emocional entre a pessoa do pacien-
plena como agentes morais; médicos têm responsabilidade te e a pessoa do médico. Se falhar, possivelmente todo o resto
maior na relação médico-paciente porque existe uma dife- irá mal... E pondera ainda que todo o doente, não importa a
rença inerente de informação e poder entre ele e o paciente natureza do seu mal, do corpo ou da alma, quando chega na

80 Tratado Brasileiro de Reumatologia


frente do médico se encontra num estado emocional regres- relação a certas tendências à identificação com o paciente. A

„„ CAPÍTULO 5
sivo. Basta atendê-lo como gente para robustecer-lhe o ego e melhor conduta será tratá-lo como capaz de colaborar, desde a
com essa atitude, composta de tato e objetividade, o paciente primeira consulta, para não viciar o estilo da assistência. Uma
é chamado a brios, e para isso não são necessárias palavras. É conduta que poderá parecer dura, mas que na verdade é uma
algo próprio da linguagem pré-verbal, inerente, à simples pre- mensagem de estímulo à recuperação da saúde.
sença do médico. Sir William Osler foi direto ao ponto: “Tão importante
Ainda segundo Cyro Martins, quando o medicamento mé- quanto conhecer a doença que o homem tem, é conhecer o ho-
dico, de que fala Balint, é oferecido sob a forma paternalista, mem que tem a doença”.
o médico presta um desserviço a seu paciente, pois contribui É nesse conhecer que se estabelece o relacionamento ideal.
para que piore a sua condição como pessoa. Assim, sem que se A relação médico-paciente é, e sempre será, o esteio da
estabeleça a atmosfera de espontaneidade e intimidade para arte médica. E é possível afirmar que quanto mais humana,
uma boa conduta, mais distante ele fica da possibilidade in- mais eficiente. Discuti-la, compreendê-la e reforçar sua impor-
terna de assumir a sua doença, o que retardará fatalmente a tância é, mais do que um exercício, uma necessidade, um dever
marcha do tratamento. E adverte que é preciso estar alerta em permanente de reflexão do bom profissional.

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A Relação Médico-Paciente 81
6

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin

Exame Físico e Anamnese:


Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas
Quem não sabe o que procura não entende o que encontra. conhecimento da arte de ouvir, palpar, olhar e perscrutar mi-
Claude Bernard nuciosamente o corpo do paciente, justifica essa denominação
que lhe foi dada desde os primórdios da medicina como arte
e ciência.
„„ FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO
Propedêutica (do grego pró, que vem antes; e paidevos, eu
Para levar a cabo esta etapa fundamental existe um roteiro ensino) é o ensinamento preliminar, que deve ser executado
em que não pode haver atalhos se se quiser um diagnóstico com perfeição e profundidade, a partir do qual devem ser ge-
preciso, principalmente numa especialidade sistêmica e de rados quaisquer exames complementares, sejam eles de alta
alta complexidade como a reumatologia. A seguir, os passos a ou baixa tecnologia.
serem dados: Até é bom relembrar que, além da propedêutica, é rele-
„„ O interrogatório ou anamnese (do grego ana, novo; vante que outras palavras tenham sua etimologia conhecida,
mnesesis, memória) que consiste em relembrar aspec- já que a sua utilidade no diagnóstico é por todos conhecida,
tos passados e atuais dos sintomas e sinais, estes per- a saber:
ceptíveis pelo paciente ao longo de sua moléstia. Este „„ Semiologia, do grego semeion, sinais e sintomas; e lo-
ato é um dos mais díficeis em medicina geral, e princi- gos, discurso, ciência. Atualmente, os sinais são ma-
palmente, em reumatologia, pelas razões expostas no
nifestações de caráter objetivo, enquanto os sintomas
parágrafo anterior. Tal ato exige do médico grande pre-
são as sensações subjetivas da doença.
paro técnico e capacidade de raciocínio, para interligar
as informações recebidas do paciente com aquilo que „„ Síndrome, do grego sin, com; dromos, carreira, curso.
o médico sabe sobre a suposta doença que o paciente Isso seria um conjunto de sintomas e sinais que correm
possa ter. paralelamente e que têm a mesma evolução, podendo
ser de uma só causa ou de várias outras causas.
„„ Ser detalhista, minucioso, insistente nos detalhes, mes-
mo que ele [médico] suponha não existir uma relação „„ Patognomônico, do grego pathos, doença ou paixão; e
direta e manter um elo lógico com os sintomas ou in- gnomon, indicador. Geralmente, é um sinal clínico bem
cômodos relatados pelo paciente. Nos dias de hoje essa característico, achado laboratorial, radiológico ou his-
tarefa é uma utopia pelo aviltamento de nossa profissão. topatológico (geral e relativamente, padrão ouro), qua-
„„ Tentar caracterizar as várias nuanças da dor do pacien- se exclusivo de uma doença.
te, sem se esquecer de levar em conta os fatores psicos- „„ Pródromos, do grego pro, adeante; dromo, marcha. São
sociais envolvidos, fatores estes chamados de sinais de os primeiros sinais e sintomas a aparecerem numa
alerta amarelos. doença, porém muito vagos e inespecíficos.
„„ Prognóstico, do grego pro, antes, antecipadamente; e gig-
Atualmente, em reumatologia, e mesmo em outras áreas da
nosko, eu conheço. Para tanto, conhecer as diversas fases
medicina, os avanços da tecnologia dos exames complementares
da evolução da doença é um imperativo fundamental.
têm dado à anamnese e ao exame físico um papel secundário. Ora,
se a própria denominação de complementares já os considera se- Hipócrates, o sábio de Cos, 460 a.C. é o fundador da medi-
cundários, o que vem antes não pode sucedê-los na escala de im- cina como ciência e já conhecia tudo isso. O que caracterizava
portância que devem ter na execução do ato médico. a sua arte de curar era a observação e o estudo do corpo hu-
A propedêutica médica que os engloba, ao juntar o racio- mano. Lá surgiu o que hoje denominamos “clínica” em grego,
cínio clínico baseado no silogismo científico de Aristóteles, ao Klinicus, significa observação à beira do leito.

83
Uma das muitas contribuições de Hipócrates é que as doen-
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

ças não eram consequência de um planejamento divino, mas sim,


que tinham uma explicação racional, e serem de natureza física, Expectativas do médico
o que confere um substrato científico à medicina. A sua primeira „„ Será que o paciente está realmente com a doença?
descoberta foi o baqueteamento dos dedos, daí o surgimento des-
„„ Qual seria esta doença e sua causa?
se sinal conhecido como hipocratismo digital, em homenagem ao
„„ Quais as consequências que ela está provocando?
fundador da medicina como ciência. Como os reumatologistas de
hoje, Hipócrates já sabia que osteoartropatia hipertrófica tinha „„ O paciente tem fatores predisponentes de risco?
uma relação intíma com as afecções pulmonares. „„ Podem eles gerar complicações?
Assim, ele descreveu este primeiro sinal da História da „„ Quais os tratamentos anteriormente feitos?
Medicina: “a água acumula, o paciente tem febre e tosse, a res- „„ Quais os resultados esperados do tratamento a ser feito?
piração é rápida, o pé fica inchado e o paciente sofre como se „„ Qual a evolução e o prognóstico?
dentro dele [pé] tivesse pus”... “se você colocar o seu ouvido no
seu peito ouvirá uma fervura como um vinho em fermentação”. Como o paciente pode ajudar o médico para se chegar a
Durante séculos o sinal era tido como o prenúncio de uma terrível um diagnóstico correto? Tanto um quanto outro tem alguns
doença interna. deveres:
Com a introdução da radiografia, no fim do século XIX, notou-
-se que o baqueteamento dos dedos se acompanhava de uma
neoformação periosteal nos ossos longos.1
Deveres do médico e do paciente
Nas doenças reumáticas, o exame físico não se deve restrin-
gir ao exame do aparelho locomotor; todos os sistemas e órgãos
Paciente Médico
devem ser examinados, pois nenhum deles é indene à ação dele-
téria (em maior ou menor grau) das doenças reumáticas. Deve fazer Deve fazer
As doenças do aparelho locomotor constituem uma das prin-
cipais causas de dor, sofrimento e incapacidade, que acometem „„ Informar com precisão a queixa „„ Fazer uma anamnese minuciosa
milhões de pessoas, tanto no Brasil quanto em todo o mundo. principal e sintomas pregressos, sobre a queixa principal e a
Apesar de sua alta prevalência e dos enormes custos finan- procurando não esquecer e/ou história pregressa da moléstia
ceiros impostos ao estado brasileiro, as referidas doenças do omitir. atual.
aparelho locomotor ainda são negligenciadas, tanto em rela- „„ Informar se o problema é „„ Examinar o paciente como um
ção ao diagnóstico, tratamento, além do ônus gerado pela rea- antigo ou atual e se repete com todo.
biltação das incapacidades para o trabalho que elas causam. frequência. „„ Perguntar sobre antecedentes,
A origem desse problema é a falta de prioridades na di- „„ Ser objetivo e não enveredar por hábitos de vida e se tem
vulgação da especialidade, desconhecida por muitos até hoje, detalhes que não se relacionem histórico de doenças na família.
fazendo com que diagnósticos, tratamentos e reabilitação ina- com o motivo principal da „„ Deixar o paciente falar sem
dequados façam delas as principapis causas de afastamentos e consulta. interrompê-lo até determinado
aposentadorias pela Previdência Social. „„ É importante que ele saia do ponto.
A razão desse fato está na educação médica deficiente adqui- consultório entendendo todas
rida nos bancos acadêmicos, uma vez que em poucas faculdades as orientações sobre exames e
de medicina existia a reumatologia como disciplina autônoma. tratamentos (se for o caso).
Entre os inúmeros fatores que contribuem para tal, não
apenas na reumatologia, mas em todos os campos da medici- Não deve fazer Não deve fazer
na, está o abandono dos príncipios da ciência e da arte hipo-
cráticas, cujos alicerces são a História e o Exame Físico, que „„ Omitir a verdade, por vergonha, „„ Interromper o relato do paciente
são os pilares que sustentam a prática médica em geral. medo ou conduta inapropriada. logo nos primeiros minutos.
Antes de chegar ao reumatologista, o paciente com doenças „„ Relatar minuciosamente ao „„ Pedir exames complementares
reumáticas já fez uma longa peregrinação, que afeta sobrema- médico detalhes não relacionados antes de fazer a anamnese e o
neira o seu psiquismo, a sua saúde física e a de seus familiares. com o problema. exame físico.
Ao se consultar especificamente com o reumatologista, ou- „„ Ficar aborrecido por ter de „„ Desaprovar ou constranger o
tros especialistas da área do aparelho locomotor ou generalis- esperar muito tempo para paciente em relação a atitudes,
tas, antes de mais nada, algumas interrogações e expectativas ser atendido, principalmente hábitos e estilo de vida.
devem ser respondidas para que o produto final dê bons resul- quando é com hora marcada. „„ Em casos de retornos, não
tados, como se constata no quadro abaixo: „„ Chegar ao consultório e de chamar a atenção do paciente
imediato dar ao médico um se fez algo que não lhe foi
diagnóstico feito por si próprio recomendado ou vice-versa.
ou por qualquer pesquisa feita
Expectativas do paciente na rede.
„„ O que está errado? „„ Pedir ao médico receitas de
„„ Por que está errado? medicamentos porque vizinhos
„„ O que o médico pode fazer? e amigos teriam uma doença
supostamente semelhante
„„ Em que eu posso ajudar?
à sua.
„„ Estou agindo corretamente?
„„ Solicitar ao médico que peça
„„ Por que será que não melhoro já que estou recebendo o melhor
exames para fazer um check-up.
tratamento?

84 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ IMPORTÂNCIA DA INTERPRETAÇÃO CORRETA Para que isso aconteça (sucesso do ato médico), é preciso

„„ CAPÍTULO 6
DOS ACHADOS CLÍNICOS que a competência clínica do médico esteja baseada no pro-
fissionalismo, no conhecimento, no domínio da especialidade
Quem não sabe para onde vai, qualquer estrada serve. e na sua habilidade prática em doenças musculoesqueléticas,
como se pode ver na Figura 6.1.
Provérbio americano

Qualquer achado clínico (e também laboratorial), para


que seja útil no diagnóstico, tem que ser valorizado de acor-
do com a sensibilidade, especificidade, valor preditivo posi- Conhecimento
teórico
tivo e valor preditivo negativo do método utilizado para tal. atualizado
Quanto maior a sua sensibilidade e menor a especificidade,
melhor aplicação terá o sinal e/ou o sintoma. Nesse aspecto,
respectivamente (sensibilidade maior, menos falsos-negati-
vos e mais falsos-positivos) se a especificidade do teste for
menor, menos falsos-positivos e mais falsos-negativos. Para Competência clínica
Atitude
utilizar esse raciocínio é preciso que estudos populacionais profissional e Habilidades
em grande escala tenham sido feitos, para validar essas va- boa relação práticas e
riáveis epidemiológicas que possibilitem fazer comparação médico-paciente Bons resultados experiência
terapêuticos
entre a sensibilidade do achado no doente que examinamos
com aquele na população geral.2
Para exemplificar: o teste do fator reumatoide, se utilizado
na população sadia, sem que esteja associado com os critérios
clínicos estabelecidos pelo Colégio Americano de Reumatolo-
gia (ACR), terá uma sensibilidade e especificidade diferentes Ouvir o paciente
daqueles em que tais critérios do ACR estejam presentes. e examiná-lo
sem pressa
A dificuldade que existe é que, no caso, poucos sinais e
sintomas de doenças reumáticas foram submetidos a uma
avaliação epidemiológica e estatística, enquanto a maioria de-
Figura 6.1 Habilidades e preparo do médico.
les [sinais e sintomas] não foi submetida à referida avaliação
epidemiológica e estatística, o que dificulta a sua aplicação no
diagnóstico final da doença. Nesse caso, por exemplo, um teste A competência clínica tem como requisitos essenciais o
laboratorial mais específico seria necessário (ANTI-CCP). Daí a conhecimento teórico, a experiência prática e a atitude do pro-
necessidade de validar essas variáveis epidemiológicas e esta- fissional na abordagem do paciente com doenças musculoes-
tísticas e aplicá-las aos elementos mais tradicionais da história queléticas.
e do exame clínicos. Por quê?
Porque a história e o exame clínico são as etapas mais im- „„ URGÊNCIAS E EMERGÊNCIAS EM
portantes no diagnóstico das doenças reumáticas. No quadro REUMATOLOGIA
a seguir, alguns dos pontos-chave que precisam estar na mente
do reumatologista, quando da primeira consulta e/ou atendi- As urgências e, muito raramente, as emergências em reu-
mento, a saber: matologia não são muito prevalentes no nosso meio. No entan-

A história e o exame clínico são as etapas mais importantes nas doenças reumáticas. Alguns dos pontos-chave precisam estar na mente do
reumatologista, quando da primeira consulta e/ou atendimento do paciente, a saber:

„„ Identificar e caracterizar o problema que o aflige, de modo que permita chegar ao diagnóstico e suas consequências, alcançar os objetivos da terapêutica a
ser instituída, como também monitorar a curto e longo prazos a eficácia ou não do tratamento. Infelizmente, esse desiderato não é factível na saúde pública
brasileira e até mesmo nos planos de saúde de 80 milhões de brasileiros.
„„ O exame clínico, através dos seus sinais e sintomas, utilizando o raciocínio lógico do diagnóstico diferencial dos conhecimentos e a experiência do
facultativo, deve levar o médico a detectar quais foram as causas das alterações das estruturas anatômicas e de suas funções e, como corolário, decidir qual
foi o impacto dessas [alterações] sobre as atividades da vida diária, o grau de limitação e restrição que elas provocaram.
„„ Fazer uma abordagem dos problemas em linguagem simples, de tal forma que o paciente compreenda os termos técnicos por ele utilizados, uma vez que a
doença seja identificada com o objetivo de facilitar o seu tratamento e reabilitação.
„„ Na anamnese é relevante determinar com precisão a queixa principal que leva o paciente ao médico e nela concentrar o seu interrogatório, e quais são as
expectativas do paciente e o que dele [médico] espera.
„„ Do diagnóstico correto depende o sucesso do tratamento.
„„ Inteirar-se dos problemas pessoais e familiares do paciente – quando isso for possível – e facilitar uma boa relação-médico paciente constituem a pedra
angular do acabamento do ato médico.

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 85


to, nessas situações que exigem atendimento emergencial ao Pancoast, hemofilias e infecções devem ser incluídas
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

paciente, o diagnóstico diferencial correto entre doenças reu- no diagnóstico diferencial através da anamnsese e do
máticas e não reumáticas contribui para o encaminhamento exame físico:
adequado para os especialistas específicos.
Nesse aspecto, urge conhecer a prevalência e a sequência
de prioridades de atendimento como se vê na Figura 6.2, de
baixo para cima:
Sinais de alerta vermelhos
1. Condições patológicas mais comuns e pequena prioridade
no atendimento como se vê na figura abaixo (dor lombar „„ História de dependência química, câncer, infecções (artrites bacterianas
aguda, hérnia de disco, lesões por traumas, distensões, por HIV, hepatite C).
gota, ombro doloroso, torcicolo). „„ Perda de peso.
2. Condições menos comuns (fraturas, Artrite Reumatoide „„ Traumas diretos violentos (acidentes de automóvel).
(AR) estreitamento artrósico do canal, Osteoartrite (OA)). „„ Sintomas e sinais de comprometimento neurológico.
3. Condições mais raras: tumores (a não ser com sinais de
alerta, malformações congênitas (displasias).

„„ OMBRO DOLOROSO. A HISTÓRIA CLÍNICA NAS


DOENÇAS DOS OMBROS Sinais de alerta amarelos
Alguns aspectos são relevantes para o diagnóstico, tais como: „„ Queixa de dor desproporcional ao exame físico.
„„ Paciente com problemas financeiros e conjugais.
„„ Ouvir o paciente nos mínimos detalhes. Deixe-o falar e
„„ Conflitos com a Previdência.
não sugira os sintomas que o caracterizam.
„„ Infidelidade.
„„ Indague sobre “sinais de alerta amarelos e verme-
„„ Afastamento temporário – “Encosto” – pelo INSS.
lhos”; confira se eles estão presentes ou não, fazendo
„„ Falta de condicionamento físico e vida sedentária.
um minucioso exame clínico. A tuberculose, sinovite
„„ Descrença em tratamentos anteriores e ausência de uma boa relação
vilonodular pigmentada, tumores benignos e malig-
médico-paciente.
nos, a síndrome da dor regional complexa, tumor de

EMERGÊNCIAS

Condições incomuns
(tumores ósseos,
malformações)

Condições menos comuns


(fraturas, AR, estenose espinhal)

Condições comuns (dores lombares,


entorses, distensões, OA)

Figura 6.2 Os níveis estruturais relacionados com a prevalência e a urgência utilizados no desenvolvimento do atendimento e encaminhamento.

86 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6
Exame físico e semiologia das doenças reumáticas

Exame físico do ombro

„„ Observar cuidadosamente quando o paciente tira a camisa ou o paletó e, quando mulher, inquirir se há dificuldade de tirar blusa, vestido e sutiã.
„„ Fazer comparação entre o ombro doente e o sadio.
„„ Observar se há atrofia muscular, sinais cardinais de inflamação e tumores.
„„ Fazer manobras para provocar ou reproduzir a dor, avaliar a força muscular através de testes isométricos/excêntricos.
„„ Pacientes com limitação dos movimentos devem ser examinados fazendo principalmente as manobras de abdução e rotação externa.
„„ A força muscular diminuída no braço pode ser decorrente da dor, de bursites, rupturas parciais ou totais ou compressão do músculo supraespinhoso no
espaço entre o acrômio e a grande tuberosidade do úmero.
„„ A fraqueza do tendão do supraespinhoso quando se faz a abdução e rotação externa indica ruptura e compressão da coifa dos rotadores do ombro.
„„ O sinal do “arco de corda” é também um indício de tendinose do supraespinhoso.

Antes do exame dos ombros é muito importante proceder a À ectoscopia, é importante observar se há edema, atrofia
um exame da coluna cervical e neurológico dos membros supe- e/ou deformidades. Procurar se há “pontos dolorosos” para
riores, pois a dor nos ombros pode ser decorrente de compres- afastar síndrome miofascial ou outras síndromes associadas
sões em razão da compressão radicular dos nervos cervicais. à SSC.
Fratura da
Reticulopatia cervical Separação clavícula
laceração do manguito acromioclavicular
rotador Anterior
Posterior

Laceração do
manguito rotador Síndrome do impacto e
Encarceramento laceração do manguito
do nervo ulnar rotador
Radiculopatia Ombro congelado
Fratura da
cervical Artrite glenoumeral
diáfise do úmero
Fratura da ruptura do Fratura do úmero
escápula tendão do bíceps proximal
Síndrome do desfiladeiro
torácico
Artrose do ombro

Clavícula Articulação acromioclavicular


Acrômio
Bursa subacromial
Tendão músculo
supraespinhoso
Tendão músculo
infraespinhoso

Tendão do músculo
redondo menor
Laceração do manguito rotador
Síndrome do impingamento Junção escápula Úmero
Ombro congelado torácica
Radiculopatia cervical Escápula

Figura 6.3 Anatomia do ombro e localização da dor nas várias condições patológicas.

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 87


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

A. Palpação B. Crepitação
das lesões
da coifa dos
rotadores

Movimento do paciente

C. Supraespinhoso Resistência oposta pelo examinador

D. Subescapular

E. Infraespinhoso

Rotação
interna
com
limitação

F. Rotação interna
limitada em abdução

Figura 6.4 Exame físico do ombro.

88 Tratado Brasileiro de Reumatologia


A. Testes de força

„„ CAPÍTULO 6
Músculo subescapular Anterior
A mão do braço afetetado é levantada
fora das costas pelo examinador, e o pa-
ciente é perguntado se consegue manter
a posição Úmero

Posterior

Flexão
90o

O teste é considerado positivo quando o paciente


não consegue manter a posição

B. Testes de força
Posterior

Músculos
O examinador rotaciona passivamente
supraespinhoso e
o braço em rotação externa plena
infraespinhoso

Anterior
Abdução
Flexão 20o
90o Úmero

O teste é considerado positivo quando o paciente é


incapaz de manter a posição em rotação externa completa

Figura 6.5 Testes clínicos recomendados para avaliar doenças da coifa dos rotadores. (A) Teste de relaxamento da rotação interna (mús-
culo subescapular). (B) Teste de relaxamento da rotação externa (músculos supraespinhoso e infraespinhoso).

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 89


C. Testes de força
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Anterior

A mão do braço afetado é levantada fora das Músculo


costas pelo examinador, e o paciente é subescapular
perguntado se consegue manter a posição
Úmero

Posterior

Flexão
90o

O teste é considerado positivo quando o paciente


não consegue manter a posição

Figura 6.5 (C) Teste de relaxamento da rotação interna (músculo subescapular).

Escápula Posterior

Músculo
infraespinhoso
Escápula
Músculo
subescapular
Acrômio Músculo
subescapular
Clavícula
Redondo menor

Rotação externa Rotação interna


iniciada pelo infraespinhal e iniciada pelo
redondo menor músculo
Vista por cima subescapular

Figura 6.6 Rotação interna com adução para testar a função do músculo subescapular (ver Capítulo 20.1). A incapacidade de o paciente
não conseguir atingir com a mão a projeção da 6ª ou 7ª vértebra torácica é indicativa de lesão desse músculo. Se o paciente mantiver a mão
afastada desta posição, o músculo subescapular encontra-se rompido. Se houver limitação desse e de outros movimentos do ombro, é um
indício de capsulite adesiva.

90 Tratado Brasileiro de Reumatologia


A

„„ CAPÍTULO 6
120 o

Sem dor

Arco doloroso entre 60 o e 120 o 90 o

60 o Sem dor

180 o Arco
B 170 oecromioclavicular
doloroso
Indolor 120 o

Arco
glenoumeral
doloroso

Indolor
45o - 60o

Arco doloroso entre 45 o e 180 o

Figura 6.7 Abdução do braço em 90º, iniciada ao nível da escápula para testar a função do músculo supraespinhoso. Fase A. Quando o
braço estiver em 60º, entram em ação os músculos subescapular e redondo menor. Se o paciente sentir dor é indicativo de tendinite da
coifa dos rotadores, que é constituída pelos músculos supraespinhoso, infraespinhoso e redondo menor, e inflamação ou não da bursa sub-
acromial. Fase B. O paciente não sente dor entre 45 e 60º; depois de 60º até 120º o arco é doloroso; depois de 120º até 170º é indolor. Se
após 170º aparecer dor é indicativo de artrose acromioclavicualar. Ver Capítulo 22.1.

Músculo
infraespinhoso

Escápula
Músculo
subescapular
Acrômio Músculo
subescapular
Clavícula
Redondo menor

Rotação externa Rotação interna


iniciada pelo infraespinhal e iniciada pelo
redondo menor músculo
Vista por cima
subescapular

Figura 6.8 Rotação externa do ombro contra resistência oposta pela mão do examinador para testar a rotação externa do ombro. O apare-
cimento de dor indica tendinopatia ou fraqueza dos músculos infraespinhoso e redondo menor.

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 91


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 6.9 Teste isométrico do tendão do músculo infraespinhoso em posição neutra. Essa manobra é utilizada para averiguar a integrida-
de e a força desse músculo e a intensidade do processo inflamatório de seu respectivo tendão. O cotovelo do paciente é mantido em flexão
de 90º e o braço fixado a seu corpo. Pede-se ao paciente para girar ativamente o braço contra resistência oposta pela mão do examinador
colocada sobre seu punho. Caso o examinador note força, esforço e/ou desconforto em sua mão, as funções do tendão infraespinhoso do
paciente estão conservadas.

Figura 6.10 Teste de Jobe. O paciente com os braços caídos entre Figura 6.11 Supraespinhoso. Paciente com os braços em ângulo
40º e 45º resiste a uma força oposta às mãos do examinador ao de 45º com o toráx. O paciente tenta oferecer resistência em sen-
tentar levantar os braços. O teste é considerado positivo se o pa- tido contrário à força oposta pelos punhos do examinador. Se o
ciente acusar dor no(s) ombro(s) com irradiação para o braço até paciente sentir dor na região do ombro é um indício de lesão do
o cotovelo do lado acometido. Esse teste é indicativo de tendinite tendão do supraespinhoso.
do supraespinhoso e/ou bursite subacromial.

92 Tratado Brasileiro de Reumatologia


180o

„„ CAPÍTULO 6
170o Arco
acromioclavicular
doloroso
120o
Indolor

Arco
glenoumeral
doloroso

45o - 60o
Indolor

Figura 6.12 Sinal do arco de corda: Quando a dor desaparece com o braço acima de 120º indica tendinite do supraespinhoso e/ou bursite
subacromial. A dor detectada quando o sinal de Neer for positivo está relacionada mais frequentemente com o contato do manguito rota-
dor com o labro glenoide do que com o acrômio, como é geralmente acreditado. Entre 120º e 170º a dor desaparece; o seu reaparecimento
é indicativo de artrose e/ou afecções da articulação acromioclavicular.

Figura 6.13 Teste de elevação do braço. Pede-se para o paciente fazer a elevação do braço ao máximo, até que fique paralelo à cabeça. Quando
o paciente não consegue fazê-lo e na ausência de paralisia decorrente de lesão nervosa, indica limitação da articulação glenoumeral. O apare-
cimento de dor no arco do movimento acima de 60º é indício de tendinopatia do supraespinhoso e/ou deltoide (ver Capítulo 22.1).

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 93


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

90 o

Dor
subacromial

60 o Indolor

Figura 6.14 Teste de abdução do braço com estabilização ao nível da escápula pela mão do examinador (não mostrado). O aparecimento
de dor entre 60º e 90º (como na foto) é indício de tendinopatia (tendinite/bursite) do supraespinhoso (ver Capítulo 22.1).

Escápula
Posterior
Músculo
Plano coronal infraespinhoso

30o – 45o Escápula Músculo


subescapular

Acrômio Músculo
subescapular
Plano da Clavícula
Redondo menor
escápula

Rotação externa Rotação interna


iniciada pelo infraespinhal e iniciada pelo
redondo menor músculo
subescapular
Vista por cima

Figura 6.15 Teste de adução do braço. A adução dolorosa no ombro e braço é indício de tendinopatia dos músculos subescapular e redon-
do menor – (ver Capítulo 22.1). Os principais adutores do braço são os músculos peitoral maior e grande dorsal, auxiliados de maneira
eficaz pelo redondo maior. Tem sido assinalada a ação adutora da porção longa do tríceps e do coracobraquial, mas na verdade esses dois
músculos parecem agir como fixadores, impedindo o deslocamento da cabeça do úmero inferiormente, que a ação adutora do peitoral e
grande dorsal tendem a produzir.

94 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6
Figura 6.16 Teste de força – A abdução do braço fazendo um ângulo de 90º com o antebraço, com o examinador estabilizando o cotovelo do
paciente e a adução dolorosa do braço contrarresistência oposta pelo examinador no punho da paciente são indícios de lesão dos músculos
infraespinhoso e redondo menor (ver Capítulo 22.1).

Figura 6.17 Teste de acometimento músculo subescapular. Com o braço do paciente em ângulo de 90º com o antebraço, a tentativa de se
fazer um movimento no sentido posteroanterior contrarresitência oposta pela mão do examinador é indicativo de lesão desse músculo e/
ou de seu tendão (ver Capítulo 22.1).

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 95


Músculo
Músculo Anterior supraespinhoso
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

deltoide

Músculo
subescapular

Bíceps
braquial
Direito

Figura 6.18 Solicita-se que o paciente coloque as mãos atrás da região lombar. Se ele não conseguir fazê-lo há limitação da extensão da
articulação glenoumeral ou de sua rotação medial (interna). Se houver aparecimento de dor no arco do movimento, considerar que ocorre
em função da tendinite do músculo subescapular e afecção da articulação glenoumeral (ver Capítulo 22.1).

Figura 6.19 Solicita-se que o paciente faça abdução do braço com flexão total do cotovelo e coloque as mãos entrelaçadas atrás da nuca. Se
ele não conseguir fazê-lo há limitação da extensão da articulação glenoumeral ou de sua rotação lateral (externa). Se houver aparecimento
de dor no arco do movimento, considerar que em função da tendinite do músculo supraespinhoso, subescapular e afecção da articulação
glenoumeral (ver Capítulo 22.1).

96 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6
Exame físico do joelho

Metodologia do exame dos joelhos4

„„ Ouvir com atenção as queixas do paciente.


„„ Examinar primeiro o lado sadio, deixando o paciente ficar numa posição confortável.
„„ Começar a inspeção e a palpação primeiro do lado sadio para um melhor relaxamento do joelho doloroso.
„„ Pedir que o paciente sente na mesa de exame com as pernas pendentes.
„„ Observar se não há atrofias dos quadríceps e panturrilhas.
„„ Uma assimetria pode indicar uma inflamação que pode ser constatada pela temperatura do local.
„„ Com o paciente agora deitado, a perda do sulco peripatelar de um lado ou de outro é um sinal precoce de derrame articular. Imobilizando a patela com os
dedos polegar e indicador, dando alguns piparotes com o anular, o examinador pode comprovar o processo inflamatório se houver flutação.
„„ Observar se há aumento dos aspectos laterais e mediais dos joelhos; se houver, é um indício de comprometimento dos ligamentos colaterais.
„„ Para detectar a presença de líquidos na articulação, principalmente os de pequena quantidade, empurra-se a patela no sentido caudal e com uma das mãos
„„ Imobiliza-a nessa posição. Em seguida, com a outra mão faz-se uma percussão (piparotes) com o dedo indicador, sendo possível sentir uma flutuação do
líquido acima referido.
„„ A presença de gordura nos aspectos mediais e laterais do joelho com aumento da temperatura e vermelhidão são indícios de doença de Hoffa.
„„ Com a palma de uma das mãos colocada em cima da patela e com a outra flexionando os joelhos, a presença de ruídos (crepitação) é um sinal importante
de doença articular degenerativa (osteoartrite).
„„ Para investigar se o paciente apresenta artrose ou condromalácia de patela, o examinador empurra a patela em sentido caudal e pede que o paciente
contraia o quadríceps. Se o paciente sentir dor no local, a manobra é considerada positiva.

Em seguida, fazer as manobras como consta na Figura 6.20:

Figura 6.20 Teste de Mac Murray. O examinador flexiona o joelho do paciente até que o seu calcanhar encoste na mesa de exame. Em se-
guida, aplica uma força com a mão direita no sentido médio-lateral e outra no sentido contrário. O aparecimento de dor no aspecto medial
do joelho é indício de lesão do menisco medial.

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 97


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 6.21 Teste de Appley para lesão de meniscos. Fase 1: com o paciente em decúbito prono, o examinador com uma das mãos estabi-
liza a coxa do paciente, e com a outra aplica uma força vertical sobre o seu pé.

Figura 6.22 Teste de Appley. Fase 2: em seguida, faz uma rotação externa/interna do joelho. Se o paciente acusar dor no aspecto medial,
existe lesão no menisco medial. Se for no aspecto lateral, a lesão está no menisco lateral.

98 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6
Figura 6.23 Teste para lesão do ligamento colateral medial. Paciente em decúbito supino. O examinador estabiliza com uma das mãos a
face lateral inferior da coxa; com a outra mão no tornozelo aplica uma força no sentido médio-lateral e, com a outra mão, no sentido inverso.
Se o paciente sentir dor no aspecto lateral do joelho, existe lesão no menisco lateral.

Figura 6.24 Teste de lesão do ligamento colateral lateral. Paciente em decúbito supino. O examinador estabiliza com uma das mãos a face
medial inferior da coxa; com a outra mão no tornozelo, aplica uma força no sentido lateromedial, e com a outra no sentido inverso. Se sentir
dor no aspecto medial do joelho, existe lesão no ligamento colateral medial.

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 99


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 6.25 Doenças do compartimento femuropatelar. O examinador imobiliza a rótula do paciente e a pressiona no sentido crâniocaudal.
Em seguida, pede-se ao paciente para contrair o quadríceps. Se ele sentir dor nesse compartimento do joelho, há indício de condromalacia
ou outras afecções dessa articulação.

Figura 6.26 O teste de Lachman é um teste de movimento passivo acessório do joelho, que é executado para identificar a integridade do
ligamento cruzado anterior. Foi desenvolvido para avaliar a instabilidade do joelho no plano sagital. Com o joelho ligeiramente flexionado
entre 20º e 30º, o examinador com uma das mãos estabiliza o terço inferior da coxa e, com a outra mão, aplica uma força na extremidade
superior da perna no sentido médio-lateral. Se o paciente tiver dor, ou exacerbação dela se anteriormente existia, é indicativo de lesão
de ligamento cruzado anterior. O teste é o mais sensível e específico para as injúrias do Ligamento Cruzado Anterior, principalmente nas
lesões agudas.

100 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6
Figura 6.27 Teste da gaveta. O teste é realizado com o paciente em decúbito dorsal, com os joelhos flexionados em cerca de 90º. O exa-
minador senta-se em ambos os pés do paciente e coloca suas mãos em torno da tíbia superior da perna a ser examinada. Os polegares de
ambas as mãos devem estar próximos da tuberosidade anterior da tíbia. Com essa posição, o examinador puxa a tíbia para si. Esse teste é
considerado positivo se houver translação anterior excessiva e uma sensação de fim de movimento mole, que é indicativa de que o movi-
mento é parado não pelo Ligamento Cruzado Anterior, mas sim por estruturas secundárias. O examinador deve fazer o mesmo teste com
a outra perna para comparação.

„„ EXAME FÍSICO DA COLUNA VERTEBRAL

Figura 6.28 Teste de compressão do topo do crânio para averiguar compressão radicular cervical. O paciente fica sentado com o pescoço
em discreta extensão. O examinador faz uma compressão axial no topo do crânio. Se o paciente sentir dor dermatomérica em toda extensão
do braço até uma das mãos, há compressão de raiz cervical por discopatia degenerativa, hérnia de disco e/ou uncartrose. Observação: este
teste pode ser utilizado como sinal inorgânico (simulação) se o paciente acusar dor na coluna lombar.

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 101


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 6.29 Teste de compressão do topo do crânio para averi- Figura 6.30 Teste de compressão do topo do crânio para averi-
guar compressão radicular. Com o paciente sentado e o pescoço guar compressão radicular. Paciente sentado com o pescoço em
em discreta extensão, o examinador faz uma compressão axial no extensão total. O examinador faz uma compressão axial no topo
topo do crânio do paciente. Se o paciente sentir dor dermatomé- do crânio. Se o paciente sentir dor localizada na coluna cervical
rica em toda extensão do braço esquerdo até a mão esquerda, há ou dor dermatomérica mais intensa em toda extensão do braço
compressão de raiz cervical nervosa à esquerda; se não houver esquerdo ou direito (até uma ou outra mão), há compressão de
irradiação, ele pode ter discopatia degenerativa crônica e/ou un- raiz nervosa cervical à esquerda ou à direita.
cartrose.

Figura 6.31 Compressão radicular direita. O examinador lateraliza o pescoço do paciente para a direita; se o paciente acusar dor é indício
de comprometimento degenerativo dos processos unciformes à direita (uncoartrose); se houver irradiação da dor para o ombro e o braço
sem ultrapassar o cotovelo, é indicativo de compressão de raízes C4, C5.

102 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6
Figura 6.37 Sinal de Lasegue 20º. Com uma das mãos o examinador imobiliza a bacia do paciente; com a outra mão levanta o seu membro
inferior. Se o paciente sentir dor no trajeto do nervo ciático até este ponto, o sinal é indicativo de compressão radicular, apenas. (Ver Capí-
tulo 59, Hérnias Discais).

Figura 6.38 Sinal das pontas. Fase 1: o paciente marcha sobre


a ponta dos pés. Não conseguindo manter-se em uma delas nes- Figura 6.39 Sinal das pontas. Fase 2: marcha sobre os calca-
sa posição, é um sinal que traduz uma falência dos músculos da nhares. Com o paciente não conseguindo impedir que a parte da
região posterior da perna, que é inervada pela raiz S1 do lado frente dos pés toque o solo, é o sinal do “calcanhar” que traduz
em que não foi possível manter-se. Nesse caso, o diagnóstico de a falência dos músculos da região posterolateral da perna, que é
hérnia discal com compressão radicular é mandatório. Esse sinal inervada pela raiz L5. Nesse caso, o diagnóstico de hérnia discal ou
pode também estar presente em doenças intra ou extramedulares. outras causas de compressão radicular é imperativo.

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 105


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 6.42 Manobra de Barré. Fase 1: coloca-se o paciente em


decúbito ventral, com as pernas fletidas formando ângulo de 90º
Figura 6.40 Manobra de Mingazini. Fase 1: coloca-se o pacien- das pernas com as coxas. Havendo queda ou oscilação imediata
te em decúbito supino, fazendo-o fletir as pernas em ângulo reto ou progressiva de uma ou de ambas as pernas é indício de déficit
sobre as coxas, e estas sobre a bacia. Conseguindo mantê-las (as motor dos músculos flexores da perna sobre a coxa, inervados por
pernas) nessa posição, a manobra é indicativa de normalidade. L1, L2 e L3. Essa manobra também é útil para localizar o nível da
hérnia de disco e doenças com as quais se impõe fazer o diagnós-
tico diferencial.

Figura 6.41 Manobra de Mingazini. Fase 2: Em caso de o pacien-


te não conseguir manter uma das pernas na posição da figura
anterior por algum tempo (2 min), havendo oscilação ou queda
progressiva ou brusca, é indício de déficit motor do quadríceps
(perna) e/ou da coxa (psoas ), ou de ambos, inervados pelas raízes Figura 6.43 Manobra de Barré. Fase 2: positiva. É indício de défi-
L2 e L3. Isso pode ocorrer em compressões radiculares, em que a cit motor dos músculos flexores da perna sobre a coxa, inervados
dor não ultrapassa o joelho. por L1, L2 e L3. Coxas.

106 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6
Figura 6.44 Pesquisa para aquisição do reflexo aquileu, que é cen- Figura 6.45 Pesquisa do reflexo patelar utilizando manobras de
trado nas raízes L5-S2. O paciente se ajoelha na mesa de exame reforço (manobra de Jendrassik). O paciente sentado na mesa de
com os pés ligeiramente relaxados e colocados para fora da mesa. exame, com os joelhos em semiflexão, totalmente relaxado e com as
Com o martelo o examinador percute o tendão de aquiles do pa- pernas pendentes. Pede-se ao paciente para fazer cálculos. Percute-se
ciente. A resposta consiste numa contração do tríceps sural com com uma das mãos o tendão rotuliano diretamente ou com a interpo-
extensão do pé sobre a perna. Quando houver a referida contração sição do dedo do examinador; com a outra mão segura-se a coxa do
o teste é considerado normal. Na ausência de contração, é indica- paciente. A aquisição (reflexo presente) se dá com a extensão da per-
tivo de doença neurológica ou compressão radicular por hérnias na em consequência da contração do quadríceps femoral, cujo centro
extrusas volumosas e de compressão da cauda equina. é L2-L4. Esses testes são importantes no diagnóstico diferencial das
doenças neurológicas com as afecções discovertebrais.

Figura 6.46 Teste de flexão do primeiro pododátilo. A diminuição da força de flexão do primeiro pododátilo pode ocorrer nas hérnias
discais, em que há principalmente compressão da raiz L4, podendo também haver compressão de L5, porque o músculo tibial anterior que
executa esse movimento é inervado pelo segmento L4, mas também pode receber inervação de L5.

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 107


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 6.47 Síndrome do piriforme. Teste de Patrick. O paciente é colocado em decúbito supino, com o joelho direito flexionado, e com
o tornozelo apoiado no joelho esquerdo. Em seguida, o examinador com uma das mãos imobiliza o terço superior da coxa contralateral e
com a outra mão apoiada no joelho opõe resistência à adução da coxa feita pelo paciente. Se o paciente sentir dor na virilha e no grande
trocânter do fêmur esquerdo, ele pode ser portador da síndrome do Piriforme. A dor é decorrente da compressão do tendão do piriforme
e do nervo ciático, que se cruzam por trás da articulação do quadril, na região glútea profunda. Ambas as estruturas possuem cerca de 1
centímetro de diâmetro. Outros diagnósticos diferenciais devem ser analisados.

Figura 6.48 Teste da integridade do músculo piriforme. Com o paciente em décubito supino e com o joelho em flexão máxima, pede-se que
o paciente faça adução da coxa contra uma resistência oposta pela mão do examinador e este, num segundo momento, com a outra mão,
aplica uma força em sentido contrário (lateromedial). O aparecimento de dor no trajeto do ciático do paciente é indício de acometimento
desse nervo, quando de sua passagem nas adjacências do músculo piriforme.

108 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6
Figura 6.49 Síndrome piriforme. Manobra de Beatty. O paciente faz uma abdução ativa da coxa esquerda em posição de décubito lateral. Se
sentir dor na nádega homolateral e não sentir nada na coluna lombar, o referido paciente é portador dessa síndrome. Outros diagnósticos
diferenciais devem ser analisados.

A B

Figura 6.50 Sinal do arco da flecha. (A) Distância normal ociputoparede. (B) Quando o paciente não consegue encostar a cabeça na parede
é indicativo de anquilose total da coluna cervical por espondilite anquilosante. O olhar do paciente está sempre dirigido para o chão; é o
chamado sinal do “farol baixo”.

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 109


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

A C

Figura 6.51 Medição da distância mento-manúbrio esternal (A) e diminuição da expansibilidade torácica (B) são outros indicativos de
anquilose da coluna cervical por espondilite anquilosante. É o ponto em que o paciente sente mais intensamente a dor nas sacroileítes (C).

A B

Figura 6.52 (A) Topografia da dor nas doenças da articulação sacroilíaca. Em alguns casos a dor pode se estender até o joelho (meia cia-
talgia) e ser alternante, um dia para uma coxa, outro dia para a outra coxa, simulando uma cruralgia por hérnia de disco. (B) Detecção de
acometimento da articulação sacroilíaca. O paciente é colocado em decúbito lateral, e em seguida o examinador aplica com as mãos uma
força de cima para baixo no osso ilíaco. Se o paciente sentir dor na nádega é indicativo de sacroileíte.

110 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6
A B

Figura 6.53 (A) Aferição de desnível de cristas ilíacas para avaliar encurtamento de membros inferiores. Só valorizar diferenças acima de
2 cm, aferição que pode ser confirmada ou não por radiografia convencional de bacia em posição ortostática, com os joelhos em extensão
total, pés em rotação interna de 10º, estando o tubo de RsX 1,80 m de distância do paciente. Nessa situação, em caso de dúvida, a escano-
metria é outra alternativa. Alguns falsos diagnósticos de atitude escoliótica podem ser evitados, assim como o aumento da sola de sapatos.
O desnível acima de 2 cm pode ser uma das causas de lombalgia mecânica. (B) O encurtamento dos membros pode também ser medido
com uma fita métrica fixada na espinha ilíaca anterior e a outra ponta fixada na parte inferior do maléolo externo do tornozelo. Embora
não seja tão exata quanto a medida feita pela radiografia convencional acima citada é, no entanto, o primeiro procedimento a ser feito.

Figura 6.54 Teste de prumo de pedreiro. Coloca-se o prumo na altura da 2ª ou 3ª vértebra torácica, com o paciente com discreta extensão
da coluna lombar. Se o fio passar paralelo ao sulco interglúteo, a coluna vertebral não apresenta desvios no plano sagital. Se o prumo se
afastar do sulco interglúteo é indício de desvios do eixo vertebral. Quando há desvio de eixo o ângulo toracobraquial de um lado é maior
que o outro.

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 111


„„ EXAME FÍSICO DA SÍNDROME DO TÚNEL DO CARPO
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

B C

Figura 6.55 (A) Manobra de Phalen. O aparecimento de dor, dormência e formigamento no território do nervo mediano é indicativo de
síndrome do túnel carpal. Ver Capítulo 22.3. (B) Manobra da Phalen: Também outra forma alternativa de pesquisa: o aparecimento de dor,
dormência e formigamento no território do nervo mediano é indicativo de síndrome do túnel carpal. Ver Capítulo 22.3. (C) Manobra de
Phalen: 2ª forma alternativa: o aparecimento de dor, dormência e formigamento no território do nervo mediano é indicativo de síndrome
do túnel carpal. Ver Capítulo 22.3.

Figura 6.56 Teste de força na STC. Se o polegar do paciente resistir à força aplicada pelo dedo do examinador e conseguir levantar o seu, o
diagnóstico de STC está excluído. É um excelente teste para detectar simulação em demandas trabalhistas (Ver Capítulo 22.3).

112 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6
Figura 6.57 Teste de força na STC. Se o polegar do paciente conseguir aduzir o seu polegar, apesar da resistência oposta do examinador, o
diagnóstico de STC está excluído. É um excelente teste para detectar simulação. Ver Capítulo 22.3.

Figura 6.58 Sinal de Tinel. Faz-se a extensão total do punho e percute-se com o martelo a projeção do nervo mediano. Se o paciente sentir
dor, formigamento e dormência é indicativo de lesão ou compressão do nervo mediano. Ver Capítulo 22.3.

Figura 6.59 Teste de simulação de STC. Pede-se ao paciente para levantar com o seu polegar os dedos do examinador que aplicam uma
força em sentido contrário. Se conseguir fazê-lo é indício de que a força do polegar está conservada, não havendo acometimento do nervo
mediano na STC. Se não conseguir, pode ser uma STC real.

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 113


„„ EXAME FÍSICO EM OUTRAS DOENÇAS REUMÁTICAS
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 6.60 Manobra para diagnóstico da doença de Quervain. O paciente aduz o seu polegar até atingir o seu dedo mínimo. O examina-
dor, nessa posição, faz uma adução máxima do punho do paciente. Se este sentir dor na projeção da articulação rizocarpeana (tendões do
extensor longo e adutor curto), com irradiação para o polegar, é indicativo de tenosinovite estenosante de Quervain.

Figura 6.61 Manobra de Roth para diagnóstico da síndrome do Figura 6.62 Fase B: Manobra de Roth para síndrome do desfila-
desfiladeiro cervical. Fase A: o paciente coloca o braço em abdu- deiro cervical. Se houver dor, formigamento, oscilação ou queda
ção e em ângulo reto, com o antebraço em flexão de 90º. Depois do braço, o teste é indicativo de compressão do feixe neurovascu-
abre e fecha as mãos de 2 a 5 minutos. lar no desfiladeiro cervical.

Raízes nervosas
Artéria subclávia
de C8 a T1

Veia
subclávia Músculo
escaleno
médio
Músculo
subclávio

Figura 6.63 O desfiladeiro cervical é um túnel formado pelos escaleno anterior, escaleno médio e subclávio, por onde transitam o feixe
neurovascular formado pelas raízes nervosas de C8 a T1.

114 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6
Figura 6.65 Fase B do teste de Adson: Abduz-se o braço do pa-
ciente e flexiona-se ligeiramente o cotovelo; ao mesmo tempo
pede-se para o paciente fazer uma inspiração profunda e, simuta-
neamente, olhar para o mesmo lado do braço levantado. Se hou-
Figura 6.64 Teste de Adson, fase A: Coloca-se o braço do paciente ver dor e desaparecimento do pulso, é indicativo de síndrome do
em abdução de 45º e pega-se o pulso radial. desfiladeiro cervical.

Figura 6.66 Pede-se ao paciente para fazer uma hiperabdução do ombro como acontece no enquadramento militar ou na posição de sen-
tido. Pede-se ao paciente, ao mesmo tempo, inspirar profundamente. Em ocorrendo formigamento e/ou dormência, o teste é indicativo de
síndrome do desfiladeiro cervical.

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 115


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 6.67 Teste para diagnóstico de epicondilite lateral. O examinador com uma das mãos imobiliza o braço e o antebraço do paciente.
Com o polegar faz uma pressão sobre o côndilo lateral. Caso sinta dor, o referido paciente é portador de epicondilite lateral.

Figura 6.68 Teste para diagnóstico de epicondilite medial. O examinador com uma das mãos imobiliza o punho do paciente, com o cotovelo
flexionado. Com o polegar faz uma pressão sobre o côndilo medial. Caso sinta dor, o referido paciente é portador de epicondilite medial.

Figura 6.69 Teste para força de extensão do punho. O examinador segura a mão da paciente e faz uma extensão do punho sobre o antebra-
ço para avaliar a mobilidade e o aparecimento de dor. O examinador, em seguida, pede à paciente para tentar voltar à posição neutra incial,
opondo resistência ao seu movimento. Caso haja exacerbação da dor, é indicativo de doença da articulação rádiocarpeana e do complexo
músculoligamentar dessa região.

116 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6
Figura 6.70 Teste para força de flexão do punho. O examinador segura a mão da paciente e faz uma flexão do punho sobre o antebraço para
avaliar a mobilidade e se há aparecimento de dor. O examinador, em seguida, pede à paciente para tentar voltar à posição neutra inicial,
opondo resistência ao seu movimento. Caso haja exacerbação da dor, é indicativo de doença da articulação radiocarpeana e do complexo
musculoligamentar dessa região.

Figura 6.71 Teste da escada. Paciente com dermato/polimiosite não consegue subir a escada para deitar-se na cama, assim como também
tem dificuldade para descer dela.

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 117


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Aspectos especiais e específicos do exame clínico


(história e exame físico)
Problema
Urgências/“sinais de alerta” vermelhos
Ação requerida

Reconhecer e saber discernir se se trata de uma urgência e encaminhar o paciente imediatamente para um especialista, fazendo antes um interrogatório rápido,
exame físico dirigido, diagnóstico diferencial no contexto do momento e investigação complementar sucinta, nas seguintes condições:
„„ Fraturas expostas justa-articulares ou intra-articulares (lesão aguda de menisco).
„„ Síndrome da cauda equina (hérnia de disco).
„„ Artrite séptica que necessita de intervenção ortopédica.
„„ Infecção de pele e subcutâneo (eczema).
„„ Osteomielite.
„„ Arterite de células gigantes (amaurose súbita).

Aspectos especiais e específicos do exame clínico


(história e exame físico)
Problema
Traumas de extremidades
Ação requerida

„„ Interrogatório dirigido para caracterizar a origem e os fatores desencadeantes do trauma.
„„ Caracterizar as fraturas de ossos longos.
„„ Luxações articulares.
„„ Contusões e distensões.
„„ Avaliar a intensidade (energia) do trauma.

Aspectos especiais e específicos do exame clínico


(história e exame físico)
Problema
Problemas não traumáticos
Ação requerida

„„ Artrite reumatoide.
„„ Formas periféricas de espondiloartropatias.
„„ Osteoartrite.
„„ Gota.
„„ Reumatismos de partes moles (bursites, tendinites, entesites, compressões radiculares, por exemplo, a síndrome do desfiladeiro cervical).
„„ Miopatias.
„„ Sinais de alerta para câncer e infecções.

Aspectos especiais e específicos do exame clínico


(história e exame físico)
Problema
Doenças da coluna vertebral
Ação requerida

Considerando que essas doenças têm mais de 150 causas, o conhecimento e a habilidade de raciocínio são essenciais para o diagnóstico nas:
„„ Lesões destrutivas vertebrais por infecção, tuberculose, metástases.
„„ Deformidades vertebrais: cifose, escoliose.
„„ Fraturas osteoporóticas e traumáticas.
„„ Espondiloartrites.
„„ Diferenciações das causas mecânico-degenerativas.
„„ Compressões de raízes nervosas e estruturas intradurais.

118 Tratado Brasileiro de Reumatologia


MISCELÂNEA

„„ CAPÍTULO 6
„„ ASPECTOS GERAIS E ESPECIAIS DA HISTÓRIA
E DO EXAME FÍSICO NAS INFECÇÕES E
MANIFESTAÇÕES REUMÁTICAS ASSOCIADAS
A propedêutica (do grego pro, antes; paidevos, ensinamento) é o
procedimento primeiro; logo, ele tem de vir antes e não depois.
O exame complementar não faz diagnóstico, apenas o confirma.

„„ HISTÓRIA CLÍNICA
As infecções dos MMII às vezes passam despercebidas ao
reumatologista quando a queixa é de dor nas pernas. A diver-
sidade das causas e a complexidade dessa região anatômica
torna muito difícil o diagnóstico diferencial, reduzindo-o a
umas três ou quatro entidades: reumáticas, vasculares, ósseas
ou neurológicas.
Figura 6.73 Atrofia dos músculos interósseos, deformidades nos
„„ As infecções, entre as quais a osteomielite e a sua rela- dedos em pacientes com hanseníase.
ção com o diabetes mellitus, podem passar ao largo se
o médico não interrogar o paciente sobre antecedentes
de diabetes e traumas nos membros inferiores.
„„ Outra condição patológica em que a história pode ser de
extrema importância é na Hanseníase. Perda da sensibi-
lidade dolorosa, térmica e táctil, diminuição e/ou perda
da sudorese com ressecamento da pele, associada à po-
liartrite, principalmente de mãos e pés, alterações cutâ-
neas, como vasculite, impotência sexual em homens,
febre de origem aparentemente indeterminada, parali-
sias e paresias são alguns do sintomas dessa doença in-
fecciosa de evolução desfavorável, quando o diagnóstico
não for feito. Perda dos pelos da(s) sobrancelha(s) (Fi-
gura 6.72), nodulações, edema e dor neuropática.

Outro aspecto digno de nota é a não caracterização da dor:


muitas vezes a dor não decorre de condições patológicas do
local apontado pelo paciente, como na cólica renal, mas podem
ser originárias da coluna lombar, da bacia, das articulações sa-
croilíacas, das articulações coxofemorais e de suas estruturas Figura 6.74 Detalhe de atrite na 2ª articulação metacarpofalan-
musculotendíneas. geana.

Figura 6.72 Hanseníase com perda dos pelos das sobrancelhas – Figura 6.75 Fotomicrografia de biópsia de pele mostrando infiltra-
sinal de Madarozzi. do inflamatório mononuclear e globias (setas). Ziehl-Neelsen, 200x.

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 119


Geralmente, o reumatologista concentra o seu enfoque nas
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

doenças predominantemente articulares, inflamatórias,


metabólicas ou degenerativas e dá menos atenção ao com-
plexo aparelho músculo-tendíneo-ligamentar, às bursas e
estruturas meniscais.
Tanto a primeira junta [joelho] quanto a segunda [ombro]
são dotadas de um aparelho músculo-tendíneo-ligamentar
muito rico, além de possuírem várias bursas e, no caso dos joe-
lhos, possuírem outros elementos anatômicos, como amorte-
cedores, os meniscos lateral e medial. Esses “amortecedores”
propiciam um movimento de translação sobre si mesmos, ab-
sorvendo choques e possibilitando a esta articulação fazer um
pequeno movimento em todos os planos. Por causa da com-
plexidade estrutural e funcional dessa juntura, exige-se que
o examinador tenha um vasto conhecimento de propedêutica
clínica.
Além dos habituais e já conhecidos sinais de inflamação
(edema, calor e rubor), derrames e crepitação, outras mano-
Figura 6.76 Fotomicrografia de biópsia de pele mostrando infil-
trado linfo-histiocitário, com numerosas células xantomizadas bras semióticas devem fazer parte do arsenal de conhecimen-
(setas), características da forma virchowiana da hanseníase. He- tos do reumatologista.
matoxilina e eosina, 400x. Outro aspecto que merece consideração é saber se esses
sinais são decorrentes de doenças primárias e exclusivas dos
joelhos ou se são manifestações de doenças sistêmicas (hemo-
Exame físico filia, neoplasias, anemia falciforme, entre outras), que podem
acometer os joelhos. Por isso, é importante que se conheçam as
Pelo exame físico, que deve ser minucioso, é possível ca- manobras semióticas capazes de definir se o problema é local
racterizar a origem da dor, se ela está ou não associada a fa- ou um reflexo de uma doença sistêmica que deles está distante.
tores outros, sistêmicos, como febre e calafrios, úlceras, como
Além das estruturas osteoarticulares em si – ossos e ar-
no caso da doença de Hughes e do diabetes mellitus, eritemas,
púrpuras (como na doença de Henoch-Shonlein), inchaços, de- ticulações –, interessa também ao reumatologista saber se a
formidades dos pés, tofos, neuropatias, alodinia, insuficiência causa da dor, derrame articular e limitação dos movimentos
e/ou trombose arterial e venosa. decorre de lesões dos ligamentos e dos meniscos, passíveis
também de causar sintomas e sinais semelhantes.
Diferenciação entre úlceras arteriais e venosas Se os meniscos são estruturas que amortecem as pressões
As primeiras comprometem, preferencialmente, os pés e a que os joelhos estão submetidos, os ligamentos têm como
pododáctilos. As venosas se localizam logo acima dos maléo- função limitar passivamente o movimento da referida articula-
los lateral e medial. Convém assinalar que carecem de tecido ção do joelho. Essa função limitadora confere aos joelhos uma
de granulação e são dolorosas na ausência de uma neuropatia estabilidade protetora contra possíveis movimentos bruscos e
coexistente. anormais. Uma outra função, a estabilizadora, se faz através
dos ligamentos cruzados anterior e posterior, o ligamento co-
Úlceras do diabetes mellitus: são fatores de risco para os-
lateral e medial, da cápsula articular e ainda dos cornos ante-
teomielite e, geralmente, são mais prevalentes nas áreas onde
riores e posteriores dos meniscos. Esse conjunto funciona ao
ocorre maior pressão, como a sola dos pés.
mesmo tempo, e quando uma das partes de sua estruturas está
Outras causas de osteomielite são ferimentos, mesmo que
lesionada, a amplitude normal do joelho como um todo é afeta-
superficiais, em pacientes com baixa resistência e insuficiência
da. A partir daí surgem os primeiros sintomas.
vascular. A osteomielite deve entrar no diagnóstico diferencial
das doenças reumáticas que acometem os membros inferio- Nas doenças degenerativas, como a osteoartrite (antiga-
res, principalmente a artrite séptica, porque os sintomas e mente, osteoartrose), a participação dos meniscos tem papel
sinais clássicos de infecção (febre, calafrios, leucocitose com relevante. Estes têm uma estrutura fibrocartilaginosa de for-
desvio para a esquerda e hemossedimentação elevada) não ma semilunar, que adere às superfícies do fêmur e da tíbia. O
estão presentes ou estão mascarados pela neuropatia e vascu- menisco lateral é maior que o medial e menos aderido do que
lopatia periféricas3 (mais detalhes seção 5). o medial à superfície da tíbia, resultando disso sua maior mo-
bilidade. O medial está firmemente fixo à capsula articular e ao
ligamento colateral médio, e por essa razão não tem nenhuma
„„ ASPECTOS GERAIS E ESPECIAIS DA HISTÓRIA E
mobilidade.
DO EXAME FÍSICO NAS DOENÇAS MÚSCULO-
LIGAMENTO-TENDÍNEAS DOS JOELHOS
„„ CARACTERÍSTICAS CLÍNICAS DA OSTEOARTRITE
História (OSTEOARTROSE) DE JOELHOS
O joelho é uma articulação de pouca mobilidade, se mo- A osteoartrite de joelhos é uma das condições reumáticas
vimentando apenas quando se faz a flexão e a extensão do mais prevalentes em todo o mundo. A história e o exame físico
membro inferior, ao contrário do ombro no qual a movi- permitem que se faça o diagnóstico já no consultório ou à beira
mentação do membro superior se dá em todos os planos. do leito.

120 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6
Dados clínicos principais exigíveis5
LCP
Fêmur Vista superior „„ Idade avançada, depois dos 40 anos.
Côndilo Posterior
Côndilo „„ Pode ocorrer antes dos 40 anos em consequência de traumas diretos
medial Menisco LCP Menisco ou indiretos.
lateral LCA
lateral medial „„ Nesta faixa etária, a OA pode ser consequência de anomalias
LCL LCM congênitas dos membros inferiores (pés planos e valgos, genuvalgo ou
varo, tíbia vara etc.
„„ A dor é protocinética, que aparece logo no início dos primeiros
Menisco movimentos da articulação.
Menisco medial A sua melhora com o repouso é uma característica fundamental da
Platô „„
lateral doença.
LCA tibial
Patela „„ Nos casos avançados o processo álgico pode surgir à noite, e mesmo
Anterior em repouso.
Tíbia
„„ Rigidez matinal de curta duração que melhora aos primeiros
Fíbula Ligamento movimentos é outro aspecto clínico da maior importância.
lateral „„ Limitação da amplitude do movimento se acompanha de dor,
especialmente se for mais intensa no fim do movimento.
Figura 6.77 Anatomia do joelho direito. LCL: ligamento colateral „„ Um edema duro (firme) pode ser palpado nas margens da articulação
em razão dos osteófitos.
lateral; LCA: ligamento cruzado anterior; LCP: ligamento cruzado
posterior; LCM: ligamento colateral medial. „„ Discreta sinovite pode estar presente nas fases de agudização do
processo osteoartrítico.
„„ Crepitação palpável durante o movimento da articulação pode ser indício
de OA estrutural avançada, podendo ser, no entanto, assintomática em
alguns casos.
„„ A sua prevalência apresenta uma relação direta com a obesidade,
diabetes mellitus e algumas outras condições patológicas.

Diagnóstico diferencial da osteoartrite: sintomas e sinais

Doença Sintomas Exame físico

Artropatias inflamatórias Rigidez matinal importante < que uma hora de duração Dor e edema nas juntas comprometimento poliarticular

Coxartrite Dor e sensibilidade escrotal, irradiação que não ultrapassa Dor aos movimentos (rotação principalmente)
os joelhos

Síndrome da tensão tibial medial Dor no aspecto medial da tíbia, abaixo do joelho
(distalmente)

Bursite anserina (em pata de Sensibilidade dolorosa distal, logo abaixo do joelho, na face
ganso) medial da tíbia

Gota ou pseudogota Acometimento de outras articulações Dor e inchaço em outras juntas

Bursite trocantérica Dor na face lateral da coxa Dor à pressão na projeção do grande trocânter, com
irradiação para a face lateral da coxa

Condromalacia de patela Pacientes jovens Dor somente sobre a articulação femoropatelar


Sintomas femoropatelares

Síndrome da banda ileotibial Sensibilidade dolorosa na banda ileotibial sobre a inserção


do ileotibial na cabeça da fíbula, no aspecto lateral do
joelho, ou acima dela [fíbula], quando ela passa sobre o
côndilo femoral lateral

Ruptura do menisco Sintomas mecânicos acentuados, como esforço e Dor à pressão sobre interlínea articular e teste de Mac
travamento Murray positivo

Tumores articulares Dor noturna e persistente

Ruptura do ligamento cruzado Sintomas mecânicos acentuados Teste de Lachman positivo, que é considerado positivo
anterior se há excessiva translação anterior da tíbia com o joelho
flexionado a 30º.

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 121


Polimialgia Reumática (PMR)
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Existe uma relação muito estreita entre a Polimialgia Reu-


Fêmur mática (PMR) e a ACG. Embora seja rara uma vasculite de pe-
quenos vasos em torno de uma artéria temporal e, por isso,
Erosão da
talvez também subestimada, alguns autores afirmam que a
cartilagem
relação entre elas é muito grande porque de 40 e 60% dos pa-
articular
cientes com PMR evoluem para ACG.7
Embora a prevalência de AT pura ainda seja controversa, a
Diminuição da relação dela com PMR varia, no entanto, entre 0 e 41%.8
fenda articular Dessa forma, ao se conhecer os sintomas e sinais de poli-
mialgia reumática é possível estabelecer uma relação precoce
Osteófitos entre a PMR e a ACG.
Esses sinais e sintomas da PMR se encontram no quadro
Tíbia Menisco abaixo:9
Fíbula medial

Cistos e
esclerose „„ Dor e rigidez da mesma intensidade na cintura escapular e pélvica (70
óssea a 95%).
„„ Essa associação (dor e rigidez) é imprescindível. Se a dor for menor na
cintura pélvica do que na cintura escapular, a condição patológica pode
não ser PMR.
„„ Pode haver comprometimento das estruturas musculotendíneas da
Figura 6.78 Alteração das estruturas anatômicas na osteoartrite
coluna cervical e do quadril.
de joelho.
„„ As atividades da vida diária podem ser prejudicadas.
„„ Podem ocorrer fadiga, emagrecimento e febre.
„„ Sinovite transitória de várias articulações, inclusive a articulação
„„ ASPECTOS GERAIS E ESPECIAIS DA HISTÓRIA E esternoclavicular.
DO EXAME FÍSICO NAS VASCULITES
Arterite de células gigantes „„ ARTERITE DE TAKAYASU (DOENÇA SEM PULSOS)
Por que em algumas situações a abordagem minuciosa A arterite de Takayasu é uma inflamação granulomato-
através da história e do exame físico pode ser tão relevante sa da aorta e de suas ramificações maiores, descoberta pelo
como na Arterite de Células Gigantes (ACG)? oftalmologista japonês Michishige Takayasu, que observou a
Um exemplo que pode ilustrar essa questão é quando nos ausência de pulsação nas artérias do olho e, por causa disso,
deparamos com um paciente com dor de cabeça, mialgias di- recebeu a denominação de doença sem pulsos. Posteriormen-
fusas e dor nas cinturas escapular e pélvica, além de fadiga. te, observou-se que uma inflamação granulomatosa da aorta
Se raciocinarmos com apenas uma das inúmeras causas de ocluía um ou mais dos grandes ramos do arco aórtico.
cefaleia, lógico que a etiologia está longe de ser determinada. Os sintomas do quadro abaixo10 podem estar presentes em
Porém, com a associação da dor de cabeça com os outros even- 60 a 80% dos pacientes:
tos que a acompanham, a hipótese de uma arterite temporal
não pode ser descartada. Assim, se o paciente tem polimialgia
reumática pregressa, claudicação de mandíbula, perda de peso,
febre, diplopia, perda repentina e transitória da visão, fosfatase „„ Fadiga
alcalina e hemossedimentação muito altas no curso da doença „„ Anorexia
ou até quando só apresenta polimialgia reumática, o diagnósti- „„ Artralgias e mialgias
co de Arterite Temporal (AT) não pode ser postergado. „„ Depressão e ansiedade
E se o fizermos, estaremos prevenindo uma grave compli- „„ Dor na região lombar esquerda e na parede torácica
cação desta doença: a cegueira. „„ Carotidínia
A imediata intervenção solicitando os exames complemen- „„ Claudicação nos membros
tares acima mencionados e, depois, biópsia de artéria temporal „„ Sudorese noturna
poderá, com a instituição do tratamento, impedir o aparecimen- „„ Alterações oculares na retina
to tardio de complicações graves e até a morte do paciente. „„ Ausência ou diminuição dos pulsos
A introdução de corticoterapia em altas doses mudou o „„ Hipertensão arterial (diferenças maiores de 20 mm de um membro para
prognóstico da arterite de células gigantes. Aielo et al.,5 revisou outro)
a experiência da Clínica Mayo, e analisando 245 pacientes diag- „„ Pacientes maiores que 40 e/ou 50 anos
nosticados como tendo AT, que tinham feito exame oftalmológico „„ Diferença maior que 10 mm na pressão arterial entre os braços ou
completo no momento do diagnóstico ou logo no ínicio do trata- pernas
mento, notaram que a probabilidade de perda visual depois de „„ Presença de sopros ao exame das artérias
cinco anos era em torno de 1% e que uma perda visual adicional „„ São considerados critérios maiores para o diagnóstico, além da
para aqueles que já tinham alguma perda visual era de 13%.6 angiografia, os três últimos citados

122 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ MANIFESTAÇÕES OCULARES DA ARTERITE DE Na maioria dos casos não se acha uma causa (idiopática) e

„„ CAPÍTULO 6
TAKAYASU nesse caso é chamada de eritromelalgia primária.
As doenças mieloproliferativas, trobocitoses (principal-
As manifestações oculares ocorrem em 40% dos pacientes mente policitemia vera), e medicamentos (bromocriptina,
e são de extrema importância, como se nota no quadro abaixo:11 nifedipine, felodipina, nicardipina e isopropanol tópico) po-
dem estar associados. Plaquetose e VHS elevada podem estar
presentes.
„„ Microaneurismas
Outras causas menos frequentes são: artrite reumatoide,
lúpus eritematoso sistêmico, HIV, diabetes mellitus e gota. A as-
„„ Hemorragias
pirina, ao levar a um alívio dramático dos sintomas, constitui
„„ Neovascularização da retina
um elemento diagnóstico de certeza dessa condição descober-
„„ Hipotonia
ta no século passado por Gerhard e Mitchel.14
„„ Glaucoma
„„ Vermelhidão da íris
Dor
„„ TROMBOANGEÍTE OBLITERANTE Queimação
(DOENÇA DE BUERGER)
A tromboangeíte obliterante é uma doença inflamatória Eritema
não aterosclerótica que acomete os pequenos e médios vasos
das extremidades, ainda de etiologia não conhecida, e que tem
uma relação muito grande com o tabagismo. Essa relação se
comprova pela melhora dos sintomas quando os pacientes pa-
ram de fumar. O diagnóstico diferencial deve ser feito com a
síndrome CREST. Os achados angiográficos podem mimetizar
aqueles encontrados na esclerose sistêmica e nos distúrbios
protrombóticos.12, 13 Figura 6.79 Manifestações clínicas da Eritromelalgia.

„„ HISTÓRIA E EXAME FÍSICO „„ OSTEOMIELITE EM PACIENTES COM DIABETES


MELLITUS. ASPECTOS PONTUAIS DA HISTÓRIA E
DO EXAME FÍSICO
„„ Descoloração das extremidade dos dedos e artelhos
„„ Poliartralgias A osteomielite e outras infecções são muito prevalentes na
„„ Dor nas pontas dos dedos que se agrava com a exposição ao frio prática clínica. O diabetes mellitus, as lesões de pele, as doen-
„„ Longa história de tabagismo ças vasculares e as neuropatias periféricas são fatores predis-
„„ Desaparecimento ou melhora sintomática considerável com a cessação ponentes para a eclosão do processo infeccioso. Por isso, ao se
do tabagismo fazer a anamnese, algumas indagações são necessárias:
„„ Diminuição ou ausência dos pulsos periféricos
1. Duração do diabetes, se do tipo 1 ou 2.
2. Se está controlado ou não.
„„ CONDIÇÕES PATOLÓGICAS ESPECIAIS E 3. Se teve traumas recentes e úlceras.
INFREQUENTES 4. Se tem parestesias em “bota”.
5. Se tem dor e sensação de inchaço nos pés ao levantar-se
Eritromelalgia pela manhã.
(de eritros, vermelho; melos, membro; algos, dor)
É uma condição patológica sindrômica dos membros in-
feriores, e menos dos membros superiores, caracterizada por Exame físico: principais sinais
dor, queimação, dormência, formigamento, eritema da pele.
Essas alterações decorrem do aquecimento das extremidades „„ Febre e calafrios
pelo calor, ou é dele dependente. Muitas vezes os pacientes ti- „„ Presença de úlceras (alteraçãos da cor da pele, profundidade, a
ram o cobertor dos pés durante a noite para ter alívio. Durante presença de pus e o tamanho da úlcera
o dia os sintomas são aliviados pelo esfriamento (com água
„„ Deformidades nos pés
fria ou gelo) e podem demorar alguns minutos ou dias para
desaparecer, impedindo o paciente de deambular. „„ Insuficiência venosa ou arterial
Raramente as alterações chegam até os joelhos. O com-
prometimento pode ser bilateral, mas não é necessariamente Muitas vezes não é fácil distinguir úlceras venosas e ar-
simétrico. A ocorrência de Raynaud entre as crises pode apa- teriais das úlceras diabéticas. As úlceras venosas são mais
recer, porém pode ser, também, mera coincidência. encontradiças acima dos maléolos laterais e mediais do torno-
Os pulsos periféricos são normais e eventualmente pode zelo e têm bordas irregulares. As arteriais são vistas nos arte-
ocorrer acrocianose. lhos e/ou nas canelas.15

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 123


„„ SARCOIDOSE 5. Vale lembrar que o lúpus pérnio nada tem a ver com o Lú-
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

pus Eritematoso Sistêmico, e o paciente não apresenta os


Características clínicas gerais critérios exigidos pelo American College of Rheumatology
Poliartralgias nas mãos e nos pés, sem rigidez matinal de para tal diagnóstico.16,17
longa duração, alterações articulares objetivas ao exame físico, 6. Embora apenas 10% dos pacientes com sarcoidose apre-
associdas a doença pulmonar crônica, radiologicamente seve- sentem manifestações neurológicas como dor de cabeça,
ra e manifestações extrapulmonares são alguns aspectos que paralisias de nervos cranianos, ataxia, fraqueza e convul-
direcionam o raciocínio para o diagnóstico de Sarcoidose. sões, nos pacientes que vão à necrópsia, 25% mostram al-
terações histológicas do sistema nervoso. Convém lembrar
que as alterações neurológicas podem ser detectadas antes
Manifestações cutâneas do diagnóstico inicial da sarcoidose em 74% dos pacientes.
1. Lesão eritematoviolácea nas asas e na ponta do nariz, mas 7. Os olhos e anexos são comprometidos em 25 a 80% dos
sem exacerbação com a luz, é o que caracteriza o chamado pacientes, sendo detectados através do exame rotineiro
“lúpus pérnio”, que difere do LES por não exacerbar com a com lâmpada de fenda. A uveíte anterior aguda é o achado
exposição ao sol. O lúpus pérnio é uma lesão cutânea, ver- mais comum.
melho-purpúrica ou violácea que afeta não apenas a ponta
O coração pode estar comprometido em 5% dos casos e
do nariz, mas, também, as orelhas, as bochechas e os lábios.
em 25% das necropsias.18
  Às vezes há comprometimento da cartilagem e erosão
Para mais detalhes, veja Capítulo 76 da Seção 14.
dessas estruturas, desfigurando, principalmente, o nariz,
como o faz a policondrite recorrente. O lúpus pérnio im-
plica em prognóstico reservado e sinaliza que pode haver
comprometimento mais severo dos pulmões.
2. Pele espessada com lesões eritematodescamativo-indura-
das, em placas, nos membros inferiores, no tronco e na face.
3. O eritema nodoso é outro sinal da doença que precede
as referidas alterações acima citadas. Biópsia em fase
inicial da doença mostra apenas uma paniculite septal
inespecífica (ver Figura 6.83), que não afasta e também
não confirma o diagnóstico dessa doença e se associa a
lesões.
4. As lesões pulmonares se situam com mais frequência nos
dois terços superiores dos pulmões, no septo intralobu-
lar e em regiões subpleurais. Nas tomografias computa-
dorizadas de alta definição, com janela para mediastino,
geralmente são encontrados linfonodos intratorácicos e
adenopatia hilar bilateral em 50 a 85% dos casos. Adeno-
patia paratraqueal direita pode estar associada.
Figura 6.81 Lúpus pérnio.

Figura 6.80 Esclerose cutânea. Figura 6.82 Lúpus pérnio.

124 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6
Figura 6.83 Eritema nodoso.

Figura 6.86 Fotomicrografia de pele apresentando na derme gra-


nulomas epitelioides não caseificantes. Hematoxilina e eosina le-
genda 100x.

Figura 6.84 Nessa tomografia axial computadorizada notam-se mi- Figura 6.87 Fotomicrografia de pele apresentando na derme gra-
cronódulos pulmonares predominando nos lobos superiores, com nulomas epitelioides não caseificantes. Hematoxilina e eosina le-
espessamento nodular do interstício peribronquiovascular, dos genda 200x.
septos interlobulares e das cisuras (aspecto em conta de rosário).

Figura 6.85 Fotomicrografia de pele apresentando na derme gra- Figura 6.88 Fotomicrografia de pele apresentando na derme gra-
nulomas epitelioides não caseificantes. Hematoxilina e eosina, 40x. nulomas epitelioides não caseificantes. Hematoxilina e eosina le-
genda 200x.

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 125


Achados histopatológicos „„ Histiócitos.
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Os cortes histológicos mostram pele exibindo epiderme „„ Grandes células linfoides atípicas, tanto nas artérias
com mínimos focos de degeneração vacuolar das células da quanto nas veias de caratér destrutivo, associadas ao
camada basal. Na derme subjacente há fibrose e leve infil- vírus Epstein-Barr (VEB).
trado inflamatório linfomononuclear perivascular, por vezes O espectro da doença varia desde um quadro clínico ines-
permeando parede vascular, além de focos de granulomas pecífico e indolente até o de um devastador linfoma de grandes
epitelioides. A pesquisa de fungos pela coloração de Grocott células. Esse quadro clínico inicial, pela ausência de sintomas e
resultou negativa. A pesquisa de bacilos-álcool-acidorresis- sinais sistêmicos de maior importância, pode retardar o diag-
tentes pela coloração de Ziehl-Neelsen resultou negativa. nóstico.
Não foram identificados elementos de malignidade no pre-
A pele é, depois dos pulmões, o tecido mais acometido pela
sente material.
LG. O eritema nodoso associado ou não a múltiplas pápulas
eritematosas no tronco e membros e ulceração dessas lesões
„„ GRANULOMATOSE LINFOMATOIDE pode ser a primeira manifestação dessa doença. Sintomas
constitucionais, como fadiga, suores noturnos, poliartralgias
A granulomatose linfomatoide é uma vasculite, e as vascu- e mialgias podem preceder o acometimento cutâneo. Os pul-
lites são estudadas em reumatologia, uma vez que a abrangên- mões são os órgãos mais acometidos e praticamente todos os
cia dessa especialidade vai desde as afecções osteoarticulares pacientes em alguma fase da evolução da doença mostram al-
até quaisquer outras estruturas onde exista tecido conectivo, gumas de suas diversas facetas anatomoclínicas, como infiltra-
em que as alterações da resposta imune normal possam oca- do retículo-nodular difuso nas bases, nódulos pulmonares de
sionar os seus efeitos deletérios. aspecto irregular e mal-definidos. A VHS muito aumentada e a
Manifestações reumáticas são encontradas em 8,4% a tríade angiite, necrose e infiltrado celular pleomórfico em pa-
79,5% dos pacientes e se apresentam, respectivamente, com cientes que tenham os sintomas e sinais acima citados fecham
dor muscular e articular, além de queixas sistêmicas, como fe- o diagnóstico de granulomatose linfomatoide.
bre e perda de peso. Essa entidade nosológica foi descrita pela primeira vez
O granuloma é a lesão histopatológica mais comum, como por Liebow em 1972, quando se estabeleceu que o seu diag-
acontece com outras vasculites reumáticas autoimunes, entre nóstico requeria a tríade angiite, necrose e infiltrado celular
as quais a granulomatose de Wegener, a sarcoidose e a doença pleomórfico em pacientes que tinham um compatível quadro
de Chrug-Strauss. Os achados histopatológicos que a caracte- clínico.
rizam são: Numa pesquisa retrospectiva realizada nos arquivos da
„„ Lesões vasculares inflamatórias difusas. seção de hematopatologia do laboratório de patologia do Ins-
tituto Nacional do Câncer dos EUA, em que foram analisados
„„ Angiocêntricas. vinte casos de GL com comprovado acometimento pulmonar e
„„ Linfoproliferativas com infiltração pleomórfica de lin- cutâneo, entre 1970 e 2000, sendo, ainda, incluídos como cri-
fócitos. térios a presença de lesões de pele com ou sem acometimento
„„ Plasmócitos. de rins, SNC e outros órgãos.

A B

Figura 6.89 Policondrite recorrente. (A) Orelha em abano em razão de atrofia do pavilhão da orelha por falta de sustentação cartilaginosa
em consequência da condrite auricular. (B) Destruição da cartilagem do nariz com o chamado nariz em cela ou em baioneta.

126 Tratado Brasileiro de Reumatologia


A LG tem um pico de prevalência entre os 40 e 60 anos Nesses vinte pacientes, em 16% as lesões de pele precede-

„„ CAPÍTULO 6
de idade, embora possa incidir em todas as idades, com uma ram o diagnóstico dos pulmões em três meses; sete pacientes
discreta predileção para o sexo masculino na proporção de as tiveram (lesões de pele) no ato do diagnóstico; e nove as
2,5/1. Os pulmões são os órgãos mais acometidos e, prati- desenvolveram entre três meses a quatro anos depois do diag-
camente, todos os pacientes, em alguma fase da evolução da nóstico do acometimento pulmonar. Num caso não se conse-
doença, mostram algumas de suas diversas facetas anatomo- guiu estabelecer o tempo de aparecimento das lesões cutâneas
clínicas. Pode haver, também, em grau variável de extensão, com múltiplas pápulas eritematosas no tronco e nos membros,
comprometimento da pele, do SNC, rins, trato respirató- ulcerações dessas lesões, eritema nodoso, além de febre. Fadi-
rio superior e gastrintestinal, além de uma impressionante ga, suores noturnos, infiltrado reticulonodular difuso nas ba-
agressão ao tecido linfoide. ses, nódulos pulmonares de aspecto irregular e mal definidos
Quando há sintomas constitucionais, comprometimento e VHS muito aumentada eram os outros achados.
do SNS e acometimento simultâneo de vários, o prognóstico Com comprovado acometimento pulmonar e cutâneo,
é geralmente pior e complicações respiratórias associadas a sendo, ainda, incluídos como critérios a presença de lesões de
infecções podem ocorrer. pele com ou sem acometimento de rins, SNC e outros órgãos.
A maioria dos pacientes de ínicio apresentou os seguintes
sintomas e sinais:

Respiratórios

„„ Tosse, 60%
„„ Dispneia, 45%
„„ Sinusite crônica, 20%
„„ e/ou dor no peito, 10%

Sintomas constitucionais (80% dos casos)

„„ Febre
„„ Perda de peso
„„ Fadiga
„„ e/ou suores noturnos

Manifestações neurológicas (35% dos casos)

„„ Neuropatia periférica
„„ Fraqueza
„„ e/ou convulsões

Outras manifestações
Figura 6.91 TC de tórax demonstrando pequenos nódulos pul-
„„ Artralgias/artrite monares sólidos com escavação central esparsos na periferia do
„„ Anemia parênquima pulmonar.
„„ Agamaglobulinemia (um paciente)
„„ Artrite reumatoide „„ MASTOCITOSE INDOLENTE SISTÊMICA
„„ Linfoma de Hodgkin (um paciente) As raridades existem; mas é preciso procurá-las.
(anônimo)

A mastocitose é uma doença caracterizada pela prolifera-


ção anormal de mastócitos e liberação elevada de mediadores
químicos por essas células. Em algumas ocasiões ela se apre-
senta com dor lombar e manifestações cutâneas que são simi-
lares àquelas que são vistas nas doenças do tecido conectivo.
Pode acometer diversos órgãos, como medula óssea, baço,
fígado, linfonodos, trato gastrintestinal e sistema musculoes-
quelético. A sua prevalência na população ainda é desconhe-
cida, podendo ocorrer em ambos os sexos com uma discreta
predominância no sexo masculino (1,5:1,0), sem ocorrência de
fatores familiares.19
Embora as manifestações sistêmicas sejam raras, evi-
dências de comprometimentos de múltiplos órgãos podem
ser demonstradas em até 50% dos casos, secundários à ação
sistêmica da histamina, fatores quimiotáticos de neutrólifos
eosinófilos, leucotrienos, heparina-hexosaminidade, b-glucu-
ronidase, b-d-galactosidase.20 O diagnóstico da mastocitose
Figura 6.90 Eritema nodoso. deve incluir os exames macro e microscópico da pele e dos

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 127


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Linfócitos reativos

Linfócito B atípico
Linfócitos reativos
A C

B D

Figura 6.92 (A) Tecido adiposo infiltrado por pequenos linfócitos reativos e linfócitos ativados atípicos. Os primeiros apresentam núcleos
pequenos e hipercromáticos e citoplasmas indistintos. Os últimos apresentam citoplasmas escassos e núcleos vesiculosos, com grandes
nucléolos, estes únicos em cada célula. (B) Pequenos linfócitos reativos e linfócitos maiores, com grandes nucléolos em volta de vasos
sanguíneos. (C) Infiltrado pleomórfico, pequenos linfócitos em meio a neutrófilos, vasos sanguíneos com endotélios espessos e células de
natureza indefinida com citoplasmas abundantes e claros, e núcleos pequenos. (D) Duas células gigantes multinucleadas do tipo corpo
estranho em tecido conectivo frouxo.

órgãos envolvidos, devendo ser excluídas as formas mielopro- denciadas em estudos radiológicos em que são observadas
liferativas e mielodisplásicas, que podem estar associadas a lesões líticas ou condensadas.23
essa doença.21,22 Dores ósseas acometem de 19 a 28% dos pacientes, po-
dendo estar associadas a fraturas patológicas.
Fisiopatologia e quadro clínico A osteoporose e a esclerose na mastocitose indolente
sistêmica podem ser difusas (a mais comum) ou limitadas,
A referida entidade nosológica se caracteriza pela pro- caracterizadas por fraturas em 16% dos casos e alterações ra-
liferação anormal de mastócitos em vários tecidos, com ma- diológicas em 70% no diagnóstico inicial.19,20
nifestações clínicas secundárias à liberação de mediadores A osteoporose é decorrente da reabsorção óssea elevada,
químicos, tais como fadiga, perda de peso, sudorese, dor ab- em consequência do aumento de osteoclastos, em razão do ex-
dominal, prurido e urticária, hipertensão e hipotensão arte- cesso de excreção urinária de hidroxiprolina.
rial, artralgia e dor óssea, e o sinal de Darier.19 O diagnóstico
é suspeitado pela clínica e a confirmação definitiva se faz pela
histopatologia do tecido acometido. A mastocitose indolente Achados laboratoriais
sistêmica é a forma mais comum, mostrando comprometimen- As alterações bioquímicas, como aumento da fosfatase
to do trato gastrintestinal, sistema linforreticular, sistema es- alcalina, os níveis plasmáticos ou urinários elevados de hista-
quelético e a medula óssea, daí a importância de fazer parte do minas ou de seus metabólitos, metabólitos da prostaglandina
diagnóstico diferencial das doenças reumáticas. D2 na urina ou triptase dos plasmócitos no plasma, não esta-
A infiltração da medula óssea por mastócitos pode induzir belecem o diagnóstico, porém aumentam a suspeita de mas-
a alterações ósseas, predominantes em ossos longos proxi- tocitose.21-23
mais, pelve, costelas e crânio. Tais alterações podem ser evi-

128 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Manifestações cutâneas

„„ CAPÍTULO 6
Entre as manifestações cutâneas e passíveis de serem con-
fundidas com doenças do conectivo, a urticária pigmentosa é a
manifestação mais comum de uma das formas dessa doença, a
mastocitose indolente. A demonstração de infiltrado de mastóci-
tos nas lesões cutâneas estabelece o diagnóstico de mastocitose.

Diagnóstico diferencial
Na ausência de lesões cutâneas como as que se veem nas
Figuras 6.93 e 6.94, o paciente deve ser submetido à biópsia e
aspirado de medula óssea para confirmação diagnóstica e/ou
exclusão de distúrbios hematológicos (síndromes Mieloproli-
ferativas, síndrome Dismielopoéticas, Leucemias, Linfomas).19

Importância do diagnóstico
Figura 6.95 RsX tórax AP com lesões líticas definidas no gradeado
Apesar da sua relativa raridade da mastocitose, o seu diag- costal.
nóstico é importante, tanto pela similitude das manifestações
clínicas comuns às doenças reumáticas, quanto pela gravidade
de seu prognóstico, pelo risco de sua associação a processos
neoplásicos, como se pode constatar no capítulo sobre as sín-
dromes neoplásicas.

Figura 6.96 Biópsia de pele. Infiltração difusa de mastócitos (se-


tas) nas dermes papilar e reticular.

Figura 6.93 Lesões de pele.

Figura 6.97 Biópsia de pele. Mastócitos nas dermes papilar e re-


ticular, com grânulos citoplasmáticos realçados em azul-escuro
Figura 6.94 Lesões de pele. pela coloração de Giemsa.

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 129


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 6.98 Macroscopia do intestino delgado mostrando nódu-


los fazendo saliência na mucosa (setas).

Figura 6.101 Fotomicrografia de biópsia de medula óssea mos-


trando difuso infiltrado por células mononucleadas. Hematoxilina
e eosina, 200x.

Figura 6.99 Fotomicrografia de biópsia de intestino delgado mos-


trando difuso infiltrado inflamatório mononuclear. Hematoxilina
e eosina, 200x.
Figura 6.102 Mesma biópsia da Figura 6.101, corada pelo Giemsa,
que revela a riqueza de mastócitos (seta). 200x.

Figura 6.100 Mesmo caso da Figura 6.99 corado pelo Giemsa res- Figura 6.103 Fotomicrografia de biópsia hepática mostrando in-
saltando os mastócitos (setas). 200x. filtrado mononuclear e fibrose. Hematoxilina e eosina, 200x.

130 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ A ARTRITE IDIOPÁTICA JUVENIL E A importante e, para tal, a existência de critérios diagnósticos fa-

„„ CAPÍTULO 6
ARTICULAÇÃO TEMPOROMANDIBULAR cilitaria a sua prevenção. A utilização de ultrassom em adultos
ainda é controversa. Tais critérios se veem no quadro abaixo:
A Artrite Idiopática Juvenil (AIJ) é a doença reumática
mais prevalente da infância, principalmente naqueles paí-
ses em que a febre reumática foi praticamente erradicada
ou é pouco prevalente. Apesar de acometer com mais fre- Os critérios exigíveis para o diagnóstico clínico de AIJ ativa da ATM
quência as articulações diartrodiais periféricas, quaisquer são:
uma delas – periféricas ou não – podem ser afetadas, como
„„ Distância interdental máxima < 40 mm.
as pequenas articulações sinoviais, as cricoaritenoides, as
esternoclaviculares, as que se situam entre os ossículos do „„ Dor ou sensibilidade dolorosa no espaço articular ou na palpação da
ouvido e as temporomandibulares (ATM). Nestas últimas, cabeça do côndilo ou no movimento do queixo.
a artrite pode ser a manifestação inicial e ser também a „„ Sinais de deformidade da TJM: assimetria mandibular, retrognatismo,
primeira articulação afetada. A referida juntura (ATM), por movimentos assimétricos do queixo e/ou assimétricos da boca.
causa de suas características singulares de ontogênese,
anatomia e cartilagem, o risco de distúrbios de crescimento
costuma ser bastante alto.24 A aferição da abertura máxima da boca em pacientes com
AIJ é recomendada e, em havendo diminuição ou restrição dela
A artrite é apenas uma de muitas outras condições pato-
[abertura], mesmo na ausência de dor, assimetria e sensibili-
lógicas que acometem a ATM, como a má oclusão dentária,
dade, é um sinal de acometimento; a possibilidade de doença
doenças neoplásicas, em adultos [que aqui não é o caso] e as
da ATM não pode ser descartada.
dentaduras que não se encaixam adequadamente. O conjun-
to dessas afecções é uma síndrome, chamada de síndrome de
Costen, em homenagem ao otorrinolaringologista americano Diagnóstico por imagem
James Costen (1895-1961).
A utilização de ultrassom para o diagnóstico deve ser evi-
A mandíbula está ligada ao crânio pelas Articulações Tem-
tada, por sua baixa sensibilidade para AIJ antes do surgimento
poromandibulares (ATMs), que são duas articulações que se
do dano estrutural; a ressonância magnética parece ser o úni-
localizam frente ao ouvido, nos dois lados da face. As ATMs
co método capaz de detectar alterações estruturais precoces e
são duas das mais complexas articulações do corpo humano,
sua validade nesse desiderato necessita de estudos ulteriores
conectadas pelas mandíbulas e que não podem trabalhar de
prospectivos.28
forma independente.25

Terminações
Diagnóstico clínico
nervosas
Essa síndrome se caracteriza por dor pulsante intensa na
ATM, que piora durante a mastigação, havendo limitação dos
seus movimentos e sons de “clique” durante o ato mastigató-
rio. Podem ocorrer dor não pulsante, tinido e surdez.
É oportuno lembrar que a dor nessa articulação pode fazer
Músculos
parte das Síndromes Sensitivas Centrais, estudadas no Capítu-
lo 22, envolvendo o processo álgico decorrente de ansiedade,
depressão e fatores psicossociais.
Um fator complicador no diagnóstico da artrite da ATM ATM
é que sintomas e sinais não são detectáveis, pode retardar o Disco Dentes fora
diagnóstico e agravar o prognóstico26,27 articular do lugar
No momento em que a assimetria da mandíbula inferior
se instalar ou o retrognatismo se tornar óbvio, o dano condi-
lar já estabelecido pode ser irreversível. Por essa razão, para Figura 6.105 prevmania.com.br Detalhes anatômicos da articula-
que esta complicação não aconteça, o diagnóstico precoce é ção temporomandibular e estruturas adjacentes.

Boca fechada Boca aberta

Ouvido
Ouvido

Perfuração
lobular
Figura 6.104 blog.marcelomatos.com

Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 131


Disco
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Músculo
masseter
profundo Canal do
ouvido
Côndilo
Tecido retrodiscal
Músculo
pterigóideo lateral

Figura 6.106 Corte sagital da ATM portal.dordtm.com.br Figura 6.108 Lesões eritematobolhosas em membros inferiores
da paciente IAC.

„„ CRIOGLOBULINEMIA
A crioglobulinemia é uma condição clínica pouco prevalen-
te na prática médica. Em razão da sua baixa prevalência, alguns
aspectos da anamnese e do exame físico podem ser úteis no
diagnóstico diferencial. As artrites, artralgias, astenia, púrpuras,
neuropatia periférica e nefrite decorrentes da deposição de imu-
nocomplexos podem ser a forma de sua apresentação inicial.
Comprometimento cutâneo pode ocorrer em razão do
depósito de proteínas do vírus da hepatite C, porém o dano
vascular ocorre e se desenvolve pela presença de IgG e IgM,
juntamente com depósito de complemento. Nas Figuras 6.107,
6.108 e 6.109, paciente com crioglobulinemia, com anteceden-
te de hepatite B. A pesquisa de crioglobulinas foi positiva com
valor de 1.590 microgramas/mL de IgA monoclonal lambda.
Proteinúria de 2.040 mg/24h. A biópsia de pele indicou vas-
culite leucocitoclástica com imunofluorescência positiva para
IgA, IgM e IgG.

Figura 6.107 Púrpuras nos membros inferiores de paciente com Figura 6.109 Úlceras e crostas em membros inferiores da pacien-
crioglobulinemia. te com crioglobulinemia.

132 Tratado Brasileiro de Reumatologia


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

„„ CAPÍTULO 6
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Exame Físico e Anamnese: Aspectos Especiais em Algumas Doenças Reumáticas 133


6.1

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin

Exame Físico, Imagens e


Alguns Casos de Doenças Reumáticas
Em medicina, a primeira regra é a evidência: “não admitir ne-
nhuma coisa como verdadeira se não a reconheço evidentemen-
te como tal. Em outras palavras, evitar toda precipitação e toda
prevenção (preconceitos) e só ter por verdadeiro o que for claro
e distinto, isto é, o que eu não tenho a menor oportunidade de
duvidar.” René Descartes.

Figura 6.112 Alargamento transverso do tórax e anquilose da ar-


ticulação do ombro em consequência de anemia falciforme.
Figura 6.110 Anquilose total de cotovelo e ombro na artrite reu-
matoide, tendo sido feito tratamento anterior com acupuntura.

Figura 6.111 Vasculite pelo diclofenaco; importância de se per- Figura 6.113 Teste de Lasègue. Imobilizar sempre a bacia para
guntar se existiu algum efeito adverso quando da utilização ante- pesquisá-lo.
rior do medicamento.

135
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 6.114 Pesquisa do reflexo patelar. Figura 6.116 Hanseníase virchowiana.

Figura 6.117 Conjuntivite hemorrágica no lúpus eritematoso sis-


Figura 6.115 Queratodermia blenorrágica na doença de Reiter. têmico.

136 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6.1
Figura 6.121 Conjuntivite na doença de Reiter.

Figura 6.118 Púrpura trombocitopênica no LES.

Figura 6.122 Ulceração marginal corneana, necrose de esclera,


vasos conjuntivais dilatados e sinéquias posteriores em olho es-
querdo de paciente com periarterite nodosa.

Figura 6.119 Balanite circinada na doença de Reiter.

Figura 6.123 Periarterite nodosa. Arteríola com espessamento ir-


regular da camada íntima (provavelmente, coloração de Verhoeff-
Figura 6.120 Queratodermia blenorrágica (Reiter). -van Gieson, negro, fibras elásticas e vermelho, colágeno).

Exame Físico, Imagens e Alguns Casos de Doenças Reumáticas 137


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 6.124 Vasculite granulomatosa, compatível com granulo- Figura 6.127 Vasculite reumatoide com infecção secundária.
matose de Wegener. Nesta figura, pulmão com extensa necrose.

Figura 6.125 Vasculite e hemorragias retinianas no LES. Figura 6.128 Pós-tratamento da figura anterior (Vasculite reuma-
toide).

Figura 6.126 Pioderma gangrenoso na vasculite por AR com com- Figura 6.129 Doença mista do tecido conectivo com AR inicial de-
provação por biópsia. pois lúpus eritematoso sistêmico e finalmente esclerose sistêmica.

138 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6.1
Figura 6.130 Dermatomiosite.

Figura 6.132 Trombose venosa profunda da panturrilha direita


na doença de Hughes (síndrome antifosfolípide).

Figura 6.131 Hanseníase-vasculite hansênica (fenômeno de Figura 6.133 Trombose venosa profunda da panturrilha direita
Luccio) comprovação por biópsia do nervo. na doença de Hughes (síndrome antifosfolípide). Vista de frente.

Exame Físico, Imagens e Alguns Casos de Doenças Reumáticas 139


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 6.134 Úlcera na doença de Hughes ( sindrome antifosfolípide). Figura 6.135 Doença de Hughes.

Figura 6.136 Acidente vascular isquêmico em doença de Hughes. Sequência FLAIR de RM do encéfalo, demonstrando área de isquemia
crônica córtico-subcortical no lobo frontal e em núcleos da base à direita com gliose (hipersinal) da substância branca profunda adjacente.

140 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6.1
Figura 6.140 Gota tofácea associada à artrite reumatoide. Radio-
Figura 6.137 Tofo gotoso gigante. grafia dos punhos com acometimento bilateral e assimétrico das
articulações radiocárpicas e intercárpicas, evidenciando redução
do espaço articular, esclerose e diminutas alterações císticas sub-
condrais nos componentes articulares.

Figura 6.138 Tofo gotoso gigante.


Figura 6.141 Policondrite recidivante – orelhas em abano.

Figura 6.139 Gota tofácea ulcerada. Figura 6.142 Policondrite recidivante – nariz em sela.

Exame Físico, Imagens e Alguns Casos de Doenças Reumáticas 141


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 6.143 Sinal de Madarozzi na hanseníase. Figura 6.146 Vasculite livedoide no LES.

Figura 6.144 Micrognatia na AR em consequência de tratamento Figura 6.147 Dermatomiosite.


com corticosteroides.

Figura 6.145 LES (fácies de “cara suja”). Figura 6.148 Sinal de Gottron na dermatomiosite.

142 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6.1
Figura 6.151 Radiografia de seios da face com opacificação dos
seios maxilares e etmoidais. Sinusite na granulomatose de Wege-
ner (figura anterior).

Figura 6.152 Dermatomiosite.

Figura 6.149 Manifestações cutâneas na granulomatose de Wegener.

Figura 6.150 Manifestações cutâneas na granulomatose de Wegener. Figura 6.153 Alopecia no LES.

Exame Físico, Imagens e Alguns Casos de Doenças Reumáticas 143


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 6.156 Radiografia em perfil do crânio, demonstrando le-


Figura 6.154 Artrite do ombro na anemia falciforme como no são lítica arredondada e definida no osso parietal. Lecemia linfoi-
caso da Figura 6.112. de aguda diagnosticada antes como E.A.

A B

Figura 6.155 Leucemia linfoide aguda, diagnosticada antes como Figura 6.157 Leucemia linfoide aguda diagnosticada anterior-
espondilite anquilosante (células com citoplasmas escassos e nú- mente como espondilite anquilosante. Radiografia do braço (A)
cleos pequenos, redondos ou ovoides), além de outros achados e tomografia computadorizada da bacia com lesões líticas defini-
existentes nas Figuras 6.156, 6.157 e 6.158. das, esparsas, acometendo a medular óssea e cortical (B).

Figura 6.158 Leucemia linfoide aguda diagnosticada antes como EA. Cortes axiais de TC de coluna lombar com envolvimento difuso da medu-
lar óssea dos corpos vertebrais por lesões líticas definidas, confluentes, determinando afilamento da cortical e estendendo-se para pedículos.

144 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6.1
Figura 6.159 Artrite infecciosa. Paciente com tornozelo esquerdo quente, edemaciado e hiperemiado. Terço distal da perna quente,
edemaciada e hiperemiada. Dor e limitação dos movimentos. A amplitude desses movimentos estava 80% reduzida. Outras articulações:
normais. Imagens de RM de tornozelo no plano sagital ponderadas em T2, com saturação de gordura demonstrando derrame articular com
sinovite nas articulações tíbiotalar e subtalar posterior associada a edema ósseo subcondral e afilamento da cartilagem.

Figura 6.160 Tuberculose vertebral. Imagem axial T2 FSE de RM Figura 6.162 Eritema nodoso na granulomatose linfomatoide.
coluna vertebral com componente inflamatório em partes moles
paravertebrais (setas) no nível do disco intervertebral.

Figura 6.163 Granulomatose linfomatoide. TC de tórax eviden-


Figura 6.161 Artrite reumatoide juvenil poliarticular com eritema. ciando linfonodomegalia hilar à esquerda (seta), espessamento
peribroncovascular e nódulos centrolobulares à direita.

Exame Físico, Imagens e Alguns Casos de Doenças Reumáticas 145


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 6.164 Granulomatose linfomatoide.

Figura 6.165 Necrose fibrinoide. Infiltrado angiocêntrico na gra-


nulomatose linfomatoide (vaso sanguíneo com parede espessada à
custa de material eosinofílico, com aspecto suspeito para fibrina e
restos de núcleos. Em volta do vaso abundantes linfócitos atípicos).

Caso clínico Figuras 6.166 até 6.170


Queixa e duração: manchas avermelhadas em todo o corpo e “verrugas” na região dos olhos há seis anos.
HPMA: com o tempo foram aumentando e mudando de coloração. Alguns meses depois, começou a sentir dor articular, astenia acentuada, mialgia
difusa, fraqueza muscular. Nega que durante esse período tivesse tido febre, adenopatia generalizada, icterícia ou diarreia. Há 12 meses, e eventual-
mente, tinha dores abdominais difusas, que melhoravam sem qualquer medicação. Na sua cidade procurou facultativo que, após biópsia de pele, fez
um diagnóstico e o encaminhou, inicialmente, para outros serviços. Não seguiu as orientações por ele dadas. Foi submetido a uma cirurgia no punho
direito em razão da dor no local, perda de força e dormência nos dedos (D). Em 2006 fez inúmeros exames, entre os quais um mielograma, que revelou
a presença de 6% de plasmócitos e uma eletroforese de proteínas normal. Por iniciativa própria, e de forma irregular, tomava “deflazacort” em doses
que variavam de 18 a 30 mg, que aliviavam a dor articular e muscular. Nos últimos seis meses apresentou exacerbação do quadro cutâneo e acentuada
limitação dos movimentos dos ombros e dificuldade de deambulação.
Exame físico (dados positivos): As alterações cutâneas que serão mostradas. Na região perianal foram vistas lesões semelhantes ao condiloma
acuminado e a xantomas. Mucosas coradas e anictéricas, edema e ulcerações na língua, articulações com movimentos fisiológicos preservados, exceto
ombros; ausculta cardíaca e pulmonar normais, fígado e baço dentro de seus limites anatômicos, baço não percutível, ausência de adenomegalias,
panículo adiposo abdominal endurecido, edema de MMII com cacifo de ++/+++. Exame neurológico sem alterações.

Figura 6.166 Amiloidose: manchas avermelhadas em todo o Figura 6.167 “Verrugas” na amiloidose.
corpo e “verrugas” na região dos olhos há seis anos (figura ao
lado).

146 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6.1
Caso clínico (Continuação)

Figura 6.168 G.G.Q. 61 anos, masculino, branco, natural e procedente de Goiás.

A B

D E

Figura 6.169 (A) Amiloide: material avermelhado e homogêneo, em ninhos, em meio a colágeno, esse fasciculado, também vermelho,
,mas levemente mais azulado (hematoxilina e eosina). (B) Amiloide: material vermelho-cenoura (coloração vermelho do congo, ilumi-
nada com luz não polarizada). (C) e (D). Amiloide, material verde (setas; coloração de vermelho do congo iluminada com luz polariza-
da). (E) Arteríola com depósitos de amiloide, homogêneos, avermelhados, na camada média (hematoxilina e eosina).

Exame Físico, Imagens e Alguns Casos de Doenças Reumáticas 147


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Caso clínico (Continuação)

Figura 6.170 Amiloide, material vermelho e homogêneo, depositado no tecido conectivo e nas paredes de vasos (setas).

148 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6.1
B

Figura 6.171 Sarcoidose. (A) Tecido conectivo, provavelmente derme, com granuloma pobre em linfócitos e rico em colágeno. (B e C)
Tecido adiposo extensamente substituído por cicatriz, com granuloma com células gigantes multinucleadas do tipo Langhans, com abun-
dante colágeno e poucos linfócitos. (D) O mesmo tipo de granuloma em tecido conectivo fibroso.

Figura 6.172 Sarcoidose: granulomas com células gigantes multinucleadas do tipo Langhans, com abundante colágeno e poucos linfócitos.

Exame Físico, Imagens e Alguns Casos de Doenças Reumáticas 149


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 6.173 Lúpus pérnio na sarcoidose.

Figura 6.174 Granulomatose de Wegener. Tomografia


computadorizada dos seios da face com erosão do seg-
mento anterior e inferior do septo nasal ósseo.

A B

Figura 6.175 Linfoma de Hodgkin (do rapaz acima). Imagens sagitais ponderadas em T2 de Ressonância Magnética da coluna toracolombar
com infiltração da medula óssea dos corpos vertebrais (seta laranja) e pedículos além de linfonodomegalias retroperitoneais (seta vermelha).

150 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6.1
Caso clínico Figuras 6.176 a 6.178
J.A.S., 40 anos, brasileiro, masculino: Dor na região lombar, com irradiação para a coxa, há três meses.
Há três meses, após esforço de flexão, começou a sentir dor na região lombar, face lateral e medial da coxa direita, acompanhada de dormência
e formigamento. A dor era protocinética e piorava à noite. Exacerbava com a deambulação de alguns metros, obrigando-o a parar. Tosse seca e ema-
grecimento de sete quilos. Fez tratamentos e tomou IINH. Os sintomas se agravaram de vinte dias para cá.
Flexão da coluna lombar dolorosa e limitada. Dor à pressão de L2 a L5. Manobras semióticas de compressão radicular de L4 e L5 negativas.
Reflexo de Babiski ausente. Extensão da coxa em decúbito prono dolorosa (teste do estiramento). Barre-Mingazini positivo à D. Exame físico geral
sem alterações dignas de nota. Sem adenomegalias e hepatoesplenomegalia. VHS, 38 mm na primeira hora. PCR 5mg/dl. Outros exames normais.
RsX e RM serão mostrados. Diagnóstico final: tuberculose pulmonar e acometimento da coluna vertebral (mal de Pott).

A B

Figura 6.176 Imagens sagitais de RM da coluna lombar ponderadas em Figura 6.177 RsX tórax, evidenciando opacidade parenqui-
T1 pós-contraste (A) e T2 (B) com saturação de gordura, demonstrando matosa heterogênea projetada na região superior dos pul-
erosões nas placas terminais oponentes de L2-L3 associadas a compo- mões, predominando à direita, com alguns nódulos.
nente inflamatório do disco intervertebral e da medula óssea dos corpos
vertebrais com edema e realce pós-contraste. Há, ainda, alteração infla-
matória do plano adiposo anterior aos corpos vertebrais (A).

Figura 6.178 Imagem de TCAR de tórax demonstra nódulos acinares irregulares, predominando no lobo superior direito, e nódulos
pulmonares centrolobulares com padrão de árvore em brotamento (seta) indicando disseminação endobrônquica.

Exame Físico, Imagens e Alguns Casos de Doenças Reumáticas 151


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 6.179 Aneurisma de aorta abdominal simulando hérnia de Figura 6.182 Herpes zoster na polimiosite.
disco.

Figura 6.180 Aneurisma da foto anterior. TC abdome com con- Figura 6.183 Lúpus gangrenoso. Tegumento de epitélio escamoso
traste endovenoso demonstrando dilatação aneurismática aórti- estratificado com paraceratose focal, com fenda entre o epitélio e
ca com dissecção, formando 2 lúmens vasculares, um verdadeiro o estroma e com moderada infiltração de línfócitos. Não há necro-
(menor) e outro falso (maior). Há remodelamento da cortical ós- se nesta amostra.
sea anterior do corpo vertebral adjacente.

Figura 6.181 Herpes zoster na polimiosite. Figura 6.184 Lúpus gangrenoso. Moderada infiltração de linfóci-
tos em tecido conectivo frouxo.

152 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 6.1
Figura 6.187 Síndrome SAPHO.

Figura 6.185 Síndrome SAPHO.

Figura 6.188 Síndrome SAPHO.

Figura 6.186 Síndrome SAPHO. Figura 6.189 Síndrome SAPHO.

Exame Físico, Imagens e Alguns Casos de Doenças Reumáticas 153


7

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin  Adriano Jander Ferreira

A Anamnese e o Exame Físico Devem Preceder as Imagens no


Diagnóstico dos Tumores do Sistema Musculoesquelético
Visão Crítica do Reumatologista e do Ortopedista
Médicos são homens que prescrevem remédios sobre os quais pouco Somente em 1858 recebeu o nome atual de Ortopedia (do gre-
sabem, para curar doenças que conhecem ainda menos, em seres huma- go orthos: reto, direito, correto, teso, levantado; Paidion: criança).
nos de quem não sabem nada.
Para vencer os desafios dos tumores do sistema muscu-
Voltaire
loesquelético, exige-se conhecimento e paciência.
Tinha razão o sábio chinês Sun Tzu, e podemos aplicar a
Para ser aceitável como conhecimento científico, uma verdade deve
sua sabedoria ao “imperador de todos os males”:1
ser a dedução de outras verdades.
Aristóteles Consta que se conhecermos nossos inimigos e a nós mesmos,
não correremos perigo em cem batalhas; se não conhecermos nossos
inimigos, mas nos conhecermos, ganharemos uma e perderemos outra;
Talvez o genial filósofo e escritor francês Voltaire tivesse
se não conhecermos nossos inimigos nem a nós mesmos, correremos
razão, duzentos anos atrás. Para levar a cabo e vencer os desa- perigo em cada batalha.
fios com os quais a Medicina se defronta ante as avassaladoras
derrotas que o câncer lhe impõe, a Reumatologia e a Ortopedia Igualmente, a Reumatologia, ao contrário do que se pensa-
talvez sejam as especialidades em que os desafios são, apesar va setenta anos atrás, em que tudo era “reumatismo” e a dor
do pleonasmo, mais desafiadores. O sutil e traiçoeiro sintoma nas juntas era e ainda é a sua apresentação inicial, o “impera-
‒ a dor nas estruturas do aparelho locomotor‒, por ser um dor de todos os males” podia ser uma das trezentas causas de
sintoma de alta prevalência nessas especialidades, se a causa dor nas articulações como sabemos hoje.
não for diagnosticada a tempo, o prognóstico da doença que a Dessa forma, para ganharmos uma batalha contra o cân-
gerou pode ser sombrio. A história e o exame físico benfeitos, cer, ou todas elas, é imperativo que saibamos que uma das re-
etapas fundamentais da Medicina, propiciam através de dedu- feridas trezentas causas pode ser uma neoplasia (benigna ou
ções lógicas evitar a ação do “imperador de todos os males”, o maligna). Para não corrermos o risco de não perdermos a luta
câncer. Por essa razão, o aforisma de Aristóteles faz da Medi- contra o “mal de todos os males”, urge que sigamos os seguin-
cina uma ciência, sem nos esquecermos de que ela também é tes passos e obedeçamos a este roteiro:
uma arte.
É um longo caminho a percorrer nesse desiderato, em que „„ O interrogatório ou anamnese (do grego ana, novo;
não pode haver a pressa como atalho fácil, comum nas con- mnesesis, memória), que consiste em fazer o paciente
sultas de dez minutos, se se quiser um diagnóstico preciso, se lembrar dos aspectos passados e atuais dos seus sin-
principalmente, numa especialidade sistêmica e de alta com- tomas e sinais, como a sua evolução ao longo da molés-
plexidade que é a Reumatologia, e em outra não menos desa- tia, é a chave-mestra da ciência médica.
fiadora, que é a Ortopedia. „„ Este ato é um dos mais difíceis em medicina em geral e,
Convém lembrar que, nesta última especialidade, não se principalmente, por ser ele uma tênue fronteira entre a
deve agir apenas dentro da exígua interpretação do termo, reumatologia/ortopedia, pelas razões expostas no pa-
quando do seu surgimento no alvorecer da Medicina, quando rágrafo anterior. Os especialistas nessa área devem ter
era denominada Ortopraxia; que significa “correções das de- vastos conhecimentos técnicos e grande capacidade de
formidades do corpo” (do grego praksis, eos: ação, o fato de raciocínio para interligar as informações recebidas do
agir + ia). Ela atualmente não se limita apenas às deformida- paciente, com qualquer presumível substrato da doen-
des do corpo. ça que ele (o paciente) possa ter.

155
„„ Ser detalhista, minucioso, insistente nos detalhes, mes- 4. O histopatológico pode ser uma armadilha de ultrapassar
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

mo que ele (médico) suponha ‒ inicialmente ‒ não haver as etapas do estadiamento (tumor marrom ou de células
um nexo causal lógico com os sintomas ou incômodos gigantes)?
relatados pelo paciente. Esse fato é uma das armadi- 5. O que o reumatologista precisa saber para não cair nessas
lhas em que os menos avisados podem cair. Essas são armadilhas?
comuns nos dias de hoje, porque essa tarefa de ouvir, 6. O que não se deve fazer com relação à interpretação dos
examinar, perscrutar é uma utopia no exercício da práti- resultados dos exames complementares?
ca médica, em razão do aviltamento de nossa profissão.
„„ Caracterizar as várias nuanças da dor do paciente e não
se esquecer de levar em conta os fatores psicossociais Interrogações complementares
envolvidos no processo álgico, os chamados “sinais de „„ Além da idade, quais interrogações devem ser feitas:
alerta amarelos”, que são importantes fatores capazes quanto tempo tem a sua dor?
de alterar o raciocínio do facultativo. Por outro lado, é
„„ Qual o horário em que ela se acentua?
mandatória a procura pelos “sinais de alerta verme-
lho”. (Ver em outros capítulos deste livro, quais são eles.) „„ Ela o acorda à noite?
„„ A dor muda de lugar ou sempre está no mesmo lugar?
Atualmente, alguns dos especialistas em reumatologia/
ortopedia e mesmo em outras áreas da medicina, como con- „„ As juntas incham ou não?
sequência dos avanços da tecnologia dos exames comple- „„ Teve sangramento na boca/gengivas?
mentares, têm relegado à anamnese e ao exame físico um „„ Notou alguma íngua (ou caroço) no pescoço, nas axilas
papel secundário. Ora, se a própria denominação de comple- e nas virilhas?
mentares já os considera secundários, o que vem antes deles „„ Os movimentos da articulação coxofemoral são doloro-
(anamnese e exame físico) não pode sucedê-los na escala de sos e com limitação de movimentos?
importância que lhes é inerente na execução do ato médico.
„„ Emagreceu mais de três quilos nos últimos três meses?
A propedêutica* médica, da qual [anamnese e exame físico]
são os seus alicerces. O raciocínio clínico tem como base o silogis- „„ Teve dificuldade para urinar ou dificuldade em conter
mo científico de Aristóteles,** associado ao conhecimento teórico a urina?
e à arte de ouvir, palpar, olhar e perscrutar minuciosamente o cor- „„ A dor o acordou alguma vez de madrugada e passou
po do paciente. Justifica-se essa denominação [propedêutica] que com AINHs ou aspirina?
lhe foi dada desde o alvorecer da medicina como arte e ciência. „„ Teve dor lombar de grande intensidade com ou sem ir-
A propedêutica (do grego pró, que vem antes; e paidevos, eu radiação que não melhorava com opiáceos ou opioides?
ensino) é o ensinamento preliminar que deve nortear a hipóte- „„ Teve dor no(s) ombro(s) que não melhorou com qual-
se diagnóstica, que deve ser executado com perfeição e profun- quer outro tipo de tratamento?
didade, a partir do qual devem ser gerados quaisquer exames
complementares, sejam eles de alta ou baixa tecnologia. Como „„ Sentiu diferenças no tamanho das pupilas? Teve dor no
ensinamento preliminar, sempre deve vir antes, nunca depois. tornozelo com inchaço ou sem ele?
Nesse contexto, diante da sutileza com que se manifestam „„ Fez radiografias de coluna e lhe disseram que era os-
os primeiros sintomas e sinais do câncer, corretamente de- teoporose com fratura?
nominado de “imperador de todos os males” por Siddhartha „„ Fez exame de velocidade de hemossedimentação em
Mukhergee, professor de Oncologia da Universidade de Colum- razão da doença reumática e estava ela (VHS) acima
bia, fizemos neste capítulo – embora nos Capítulos 72 e 73 o as- de 80 mm na primeira hora e 90 na segunda e/ou PCR
sunto seja abordado – um roteiro de perguntas, interrogações, acima de 60 mg; e lhe disseram que era AR ou outra
dúvidas inerentes ao “imperador de todos os males” e respos- doença do tecido conectivo?
tas/soluções, através das quais é possível chegar, com razoável e „„ Teve dor difusa nos ossos associada a adenomegalias,
até em certos casos com grande precisão, ao diagnóstico. Ei-los: prurido cutâneo e febre vespertina?
„„ Conseguia encostar o polegar no antebraço? Tinha dor
Perguntas, interrogações e dúvidas nas juntas e/ou unha em vidro de relógio?
1. Além da idade, qual a interrogação mais importante? „„ Teve dor e o médico lhe disse que o seu baço estava
muito grande? Chegou a se internar em hospital por
2. Quais os achados mais relevantes do exame físico? Como
causa de dor intensa na coluna, principalmente notur-
procurar? Como interpretar os achados? (“Quem não sabe o
na, que não passava nem com morfina?
que procura não entende o que encontra”, Claude Bernard.)
3. Qual a base e o ápice da pirâmide do diagnóstico? Imagem,
anamnese ou exame físico? „„ RESPOSTAS E SOLUÇÕES
Suspeita de neoplasia musculoesquelética, algumas
respostas do paciente podem ser as palavras-chave
* Propedêutica: corpo de ensinamentos introdutórios, preliminares ou da solução.
básicos de uma disciplina (semiologia). Do grego papaideuo, ensinar;
pró, antes; e paideuo, ensinar, ou seja, ensinamentos preliminares. Por exemplo:
** Silogismo científico: aquele que é adequado à prática científica, pois
se constitui de premissas e conclusões que não admitem refutação, 1. A idade do paciente pode nos indicar a natureza da lesão.
por se tratarem de proposições universais e necessárias. Nos indivíduos mais idosos, com lesão óssea, a probabili-

156 Tratado Brasileiro de Reumatologia


dade de estarmos diante de uma lesão óssea metastática é 4. O aumento de volume localizado na região justa-articular

„„ CAPÍTULO 7
maior do que uma neoplasia maligna primária. No entanto, ou em extremidades (membros superiores e inferiores),
em jovens o inverso pode não ser verdadeiro. Em alguns associado ou não à presença de circulação colateral é um
pacientes, já na segunda década de vida, a probabilidade dado chamativo para a existência de uma etiologia, que im-
maior é de serem portadores de neoplasia primária ós- plique um diagnóstico reservado (neoplasia).
sea. Em crianças ou jovens ainda na puberdade, a queixa 5. Os sangramentos inexplicáveis principalmente na boca e
de dor nos membros inferiores com sintomas existentes, sem causa aparente devem ser valorizados no contexto de
apesar de não revelados pelo paciente ou pelo pais durante um diagnóstico diferencial preocupante. Quando acompa-
a anamnese, mas se procurados pelo médico, podem ser nhados de hepatoesplenomegalia e adenomegalias podem
decorrentes de neoplasias. Nesses casos, o diagnóstico an- sugerir uma neoplasia do tecido mieloide e/ou linfoide.
terior pode ter sido feito como “dor de crescimento” ou “fi- 6. O aumento dos gânglios linfáticos associados à dor arti-
bromialgia infantil”. Por essa razão, a anamnese e o exame cular e/ou óssea resistente a todo e qualquer analgésico,
físico não podem ser superficiais. Aprofundar nesse e em inclusive opiáceos, pode sugerir com maior ou menor pro-
outros quesitos é imperativo. Alargar o leque de diagnós- babilidade uma neoplasia de origem hematopoiética ‒ lin-
ticos diferenciais não é apenas imperativo, mas sim man- fomas, mielomas.
datório. Daí se depreende que a idade não é exclusiva de 7. Quando há diminuição da amplitude do movimento articu-
nenhuma doença. lar, tal achado nem sempre é sinônimo de doença articular
2. O processo doloroso tem um ritmo circadiano. Quando a degenerativa. Deve-se estender o raciocínio para além dos
dor é de caráter noturno e é aliviada com aspirina e/ou bloqueios articulares mecânicos de natureza não degenera-
anti-inflamatórios não esteroides (AINEs), a possibilidade tiva. Neoplasias também podem limitar os movimentos das
é de estarmos diante uma neoplasia óssea benigna. Expli- articulações.
ca-se: esses tumores produzem prostaglandinas que são 8. Paciente com poliartralgias, astenia, anorexia, hipocra-
inibidas pelos referidos medicamentos. Provavelmente, a tismo digital, alterações cutâneas e emagrecimento sig-
explicação de ser noturna se deve também ao ritmo cir- nificativo pode ser indício de neoplasia e/ou síndrome
cadiano de produção de cortisol, que é praticamente zero paraneoplásica. O intervalo de tempo entre o início desses
entre meia-noite e a quarta hora da madrugada. sintomas e o diagnóstico da neoplasia pode ser entre seis
3. Dor migratória tem características benignas ou malignas. meses e dezoito meses.
Existem duas possibilidades: a dor benigna sem artrite pode 9. Neoplasias com retenção ou incontinência urinária podem
ser de uma síndrome sensitiva central (ver Capítulo 19), ser sintomas de comprometimento medular, por compres-
com artrite franca e migratória, pode ser febre reumática. são mecânica ou in situ. Como exemplos, podemos citar o
No entanto, neoplasias epifisárias (condroblastoma e tu- linfoma “não Hodgkin” e tumores metastáticos vertebrais
mor de células gigantes (Figura 7.9)) e leucemias podem ou intramedulares (meningiomas).
simular um quadro de artrite reumatoide.

Figura 7.2 Cisto ósseo aneurismático. Radiografia em AP da perna


Figura 7.1 Condrossarcoma. Radiografia em AP do quadril direito esquerda demonstrando volumosa lesão osteolítica (seta), insufla-
evidenciando massa com componente calcificado que se origina tiva, no segmento metadiafisário proximal da fíbula, com importan-
do osso púbico e se estende para partes moles adjacentes. te afilamento cortical além de reação periosteal sólida adjacente.

A Anamnese e o Exame Físico Devem Preceder as Imagens no Diagnóstico dos Tumores... 157
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 7.3 Cisto ósseo simples (unicameral) em paciente de quinze anos. Radiografia do quadril direito em perfil e AP. Lesão osteolítica
alongada, definida, com fina margem esclerótica na metáfise proximal do fêmur, determinando remodelamento endosteal.

Figura 7.6 Osteoma osteoide – tomografia computadorizada do


fêmur proximal evidenciando lesão radiolucente (nicho) com es-
Figura 7.4 Osteoma osteoide. Radiografia em perfil de quadril clerose óssea marginal em criança de 8 anos de idade.
com nicho radiolucente e bem-definido circundado esclerose da
medula óssea adjacente e reação periosteal sólida na transição
metadiafisária proximal femoral.

Figura 7.5 Radiografia da perna esquerda demonstrando osteo- Figura 7.7 Sarcoma de partes moles. Radiografia de coxa (AP)
ma osteoide com neoformação óssea periosteal no segmento mé- evidenciando volumosa massa densa junto ao plano muscular do
dio da diáfise tibial. compartimento medial.

158 Tratado Brasileiro de Reumatologia


O paciente tinha febre vespertina aferida? Tinha baqueteamento e da face, é uma das causas do referido acometimento ocular. No

„„ CAPÍTULO 7
de dedos? Tinha contração das pupilas, enoftalmia (recessão tumor de Pancoast (Figura 7.11) pode estar presente a síndro-
do globo ocular na órbita), ptose parcial da pálpebra e às me de Claud Bernard Horner, em que se observam alterações do
vezes ausência de suor no lado afetado da face? Teve algum diâmetro da pupila e ptose palpebral.
nódulo na mama? Fez toque de próstata nos últimos seis meses
ou no último ano? As fezes eram (ou estão) enegrecidas?
A febre pode ser um sintoma importante e ser causada por
neoplasias ósseas, como nos tumores da família Ewing (sarco-
ma de Ewing e PNET (tumores neuroectodérmicos primitivos
e Askin)). Quando presente, a febre muitas vezes pode induzir
a um diagnóstico errôneo de osteomielite; nessas neoplasias
pode haver também leucocitose e alterações significativas das
provas inflamatórias, consideradas comuns na infecção dos os-
sos. Acometimento dos olhos também pode ser observado em
alguns casos, em decorrência da compressão de estruturas ner-
vosas adjacentes. A doença de Paget, que lesa os ossos do crânio

Figura 7.10 Radiografia do ombro direito (AP). Lesões líticas me-


tastáticas na cabeça e metáfise do úmero secundárias a carcinoma
de pulmão.

Figura 7.8 Microscopia da lesão da Figura 7.7 mostra sarcoma


constituído por células globosas, com citoplasma acidófilo, nú-
cleos volumosos e nucléolos proeminentes.

Figura 7.9 Radiografia de joelho em AP de esqueleto maduro evi- Figura 7.11 (A) Tumor de Pancoast. Radiografia direcionada para
denciando lesão lítica metaepifisária, exentrica e de limites definidos o segmento superior do hemitórax esquerdo. Massa no ápice pul-
característica do tumor de células gigantes. monar (seta) determinando destruição do 1o arco costal. Paciente
com diagnóstico anterior de “bursite”. (B) Tumor de Pancoast. Re-
formatação coronal de TC do tórax do paciente da Figura 7.11A.

A Anamnese e o Exame Físico Devem Preceder as Imagens no Diagnóstico dos Tumores... 159
Quais os exames que se deveria pedir em primeiro lugar?
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Partir logo para RM, tomografia, cintilografia ou radiografia


convencional? Quais exames de sangue e em que ordem se
deveria pedir? Qual o momento de pedir biópsia e como fazê-
-la? O histopatológico pode ser uma armadilha ao ultrapassar
etapas? Deve se comunicar com o patologista e lhe mandar
os exames de imagem, os dados do exame físico e a suspeita
clínica levantada, além das hipóteses diagnósticas mais prováveis?
1. Quando se suspeita de uma neoplasia do sistema musculoes-
quelético, a radiografia simples deve ser sempre o primeiro
exame a ser solicitado. A referida radiografia pode evidenciar
lesões ósseas diversas, bem como dar informações relevantes
sobre a agressividade da lesão tumoral e, em determinados
casos, mostrar calcificações de partes moles.
2. A tomografia axial computadorizada tem mais valor na
avaliação das estruturas ósseas e de algumas partes moles,
sendo, neste desiderato, superior à ressonância magnéti-
ca na avaliação da cortical óssea e inferior à tomografia na
avaliação de partes moles. A solicitação de exames labora-
toriais pode ser útil para o diagnóstico e prognóstico nos
tumores ósseos. Sendo assim, devemos solicitar uma ro-
tina que deve incluir hemograma, dosagem de eletrólitos,
função renal, deidrogenase lática (DHL), fosfatase alcalina,
eletroforese de proteínas, imumoeletroforese de proteínas
séricas e urinárias, além de antígeno prostático específico
(PSA) livre e total.
3. O diagnóstico de tumores ósseos deve sempre ser feito
Figura 7.12 Neurinoma da raiz de L5. RM sagital ponderada em com uma correlação entre a clínica, a imagem e a histopa-
T1 pós-contraste da coluna lombar demonstrando nódulo sólido, tologia do material biopsiado. Dessa forma, uma interação
definido, com realce predominantemente homogêneo, no interior multidisciplinar se faz necessária e aponta para um diag-
do canal vertebral em topografia de raiz descendente de L5. nóstico correto.
4. Lesões que apresentem células gigantes e multinucleadas
no histopatológico são patognomônicas de tumor marrom
do hiperparatireoidismo ou de um tumor gigantocelular.
É oportuno lembrar que células gigantes multinucleadas
também podem ser detectadas em outros tipos de tumo-
res, como o condroblastoma, e em lesões pseudotumorais,
como aquelas do cisto ósseo aneurismático (Figura 7.2).

O que o reumatologista e o ortopedista precisam saber para


não cair nessas armadilhas? Uma doença de Paget pode
sofrer transformação maligna? Uma dermatomiosite pode ser
manifestação de câncer? Quando é que se deve suspeitar se
uma fratura é patológica ou não? Alterações líticas nos dedos
das mãos podem ser confundidas com metástases ósseas?
1. A valorização da clínica, a solicitação de exames comple-
mentares baseada em critérios clínicos e a interação com o
médico patologista são de fundamental importância para
o correto diagnóstico das neoplasias ósseas malignas ou
benignas, articulares e justa-articulares.
2. Existe, sim, malignização da doença de Paget, que é rela-
tada em torno de 1% dos casos. Quando isso ocorre, há
transformação em osteossarcoma; se tal acontece numa
idade mais avançada, o prognóstico da doença pode ser
sombrio.
3. As lesões líticas distais ao cotovelo e ao joelho (lesões
acrais) raramente acontecem, e quando o fazem, devemos
suspeitar de uma neoplasia primária pulmonar com metás-
Figura 7.13 RM coronal ponderada em T2 de joelho de paciente tase óssea; porém, as lesões líticas em ossos das mãos, fre-
de 37 anos, evidenciando lesão cística bem delimitada e homo- quente e geralmente, são encondromas que são descobertos
gênea, de crescimento lento, junto à periferia do menisco medial. ao acaso, por ocasião de trauma ou fratura patológica.
Cisto parameniscal.

160 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Que erro pode ser cometido quando um laudo afirma que se

„„ CAPÍTULO 7
trata de um tumor benigno e/ou maligno?
Não ter feito e/ou respondido a todos os quesitos anteriores.

Figura 7.16 Imagem no plano sagital ponderada em T2 de RM da


coluna do paciente das figuras 7.14 e 7.15, demonstrando lesão
intraóssea hiperintensa, comprometimento do corpo, pedículo e
faceta articular de T7, estendendo-se para o neuroforame. (Cisto
ósseo aneurismático.)

Figura 7.14 Radiografia em perfil da coluna torácica de paciente


de treze anos de idade com história de paraparesia de membro in-
ferior. Nota-se lesão lítica no aspecto posterior do corpo vertebral
de T7. (Cisto ósseo aneurismático).

Figura 7.17 RM axial ponderada em T2 no nível do corpo ver-


Figura 7.15 TC axial do paciente da Figura 7.16, demonstrando tebral de T7 do paciente da figura acima. Destacam-se o aspec-
lesão lítica acometendo a região posterior do corpo de T7, bem to heterogêneo da lesão cística com septações internas, além de
como seu pedículo direito e demais elementos posteriores deste melhor definição de suas margens, a destruição da cortical dos
lado, estendendo-se para o neuroforame e canal vertebral. (Cisto elementos posteriores, e extensão para o canal vertebral compri-
ósseo aneurismático.) mindo o saco dural.

A Anamnese e o Exame Físico Devem Preceder as Imagens no Diagnóstico dos Tumores... 161
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 7.18 RM coronal T2 com saturação de gordura do braço de


paciente de oito anos de idade. Lesão hiperintensa, definida, com
finas septações internas e discreto recorte endosteal na região
diafisária proximal do úmero. (Cisto ósseo simples.)

Figura 7.20 Radiografia simples do braço do paciente das figuras


anteriores, com seis meses de evolução após fratura patológica
por cisto ósseo simples. Nota-se resolução da lesão após conso-
lidação da fratura.

Figura 7.19 Radiografia em AP do braço do paciente da Figura


7.18, demonstrando fratura diafisária do úmero secundária a
volumosa lesão lítica definida e insuflativa, que determina afila- Figura 7.21 Adolescente de quatorze anos de idade com quadro
mento cortical. Destacam-se fragmentos ósseos junto ao foco da clínico de sinovite do joelho esquerdo (dor e derrame articular). A
descontinuidade cortical, aspecto típico de fratura secundária a radiografia simples evidencia lesão lítica definida na região epifi-
cisto ósseo simples. sária do côndilo femoral medial. Condroblastoma.

162 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 7
A

Figura 7.22 Radiografia simples do quadril de paciente feminino,


com 48 anos de idade. Focos de calcificação na medular óssea da
porção superior do colo femoral. Paciente foi tratada durante seis
meses como tendo bursite trocantérica. Os achados radiográficos
podem representar tumor condroide.

Figura 7.23 RM axial ponderada em T1 do quadril da paciente da


figura anterior. Lesão hipointensa na medular óssea do colo femo- B Anterior Posterior
ral determinando recorte endosteal posterior, aumentando o risco
de fratura iminente. Condrossarcoma grau I.
Figura 7.25 (A) Cintilografia panorâmica de bacia de paciente fe-
minino de 42 anos de idade. Extensa área lítica discretamente in-
suflativa, heterogênea, com trabeculações internas, localizada no
osso ilíaco e no segmento proximal femoral à esquerda. Associa-se
deformidade em varo do colo femoral. Displasia fibrosa poliostó-
tica. (B) Cintilografia óssea com hipercaptação do radiofármaco
de forma mais intensa no hemicorpo esquerdo, principalmente na
diáfise tibial.

Figura 7.26 Radiografia simples


da mão de paciente com 32 anos
de idade e história de trauma. Le-
são lítica, definida, insuflativa, com
afilamento da cortical da falange
proximal do quinto dedo, além de
calcificações no seu interior. Há
Figura 7.24 RM coronal STIR do quadril da paciente acima de-
foco de descontinuidade da cortical
monstrando lesão hiperintensa definida no colo femoral, com
ulnar (fratura patológica). Encon-
focos de baixo sinal no interior em seu aspecto mais superior, re-
droma.
presentando calcificações condroides. Condrossarcoma grau I.

A Anamnese e o Exame Físico Devem Preceder as Imagens no Diagnóstico dos Tumores... 163
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

A B

Figura 7.27 (A) Radiografia (AP) do joelho esquerdo de pacien-


te com 47 anos de idade. Calcificações heterogêneas e irregulares
de localização central na medular óssea da metadiafisária distal
do fêmur. O aspecto radiográfico faz diagnóstico diferencial com
infarto ósseo e encondroma calcificado. (B) RM sagital pondera-
da em T1 do joelho do paciente anterior. Área definida ovalada,
heterogênea, com calcificações arredondadas e irregulares (focos
de baixo sinal) na medular óssea da região metadiafisária femoral,
sem extensão para a cortical. O aspecto sugere neoplasia de linha-
gem condral de baixa agressividade. Figura 7.30 TC com reformatação no plano sagital do quadril da
paciente da figura anterior. Fratura por estresse do colo femoral
com esclerose óssea reparativa.

Figura 7.28 Radiografia simples


do joelho de adolescente mas-
culino com treze anos de idade.
Achado incidental de área lítica,
definida, de margens escleróti-
cas, excêntrica e subcortical na
região distal da diáfise femoral
de bordos escleróticos. Fibroma
não ossificante.

Figura 7.31 Radiografia simples da coxa direita de paciente com


Figura 7.29 Fratura de estresse. Radiografia AP de quadril de pa- 65 anos de idade. Fratura patológica da região diafisária proximal
ciente de 52 anos de idade. Foco linear de descontinuidade da cor- femoral secundária à lesão lítica destrutiva. Os diagnósticos prin-
tical medial do colo femoral associado à esclerose óssea adjacente. cipais a serem considerados são metástase e plasmocitoma.

164 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 7
Figura 7.34 Doença de Paget. Radiografia panorâmica de bacia de
paciente com sessenta anos de idade, demonstrando espessamen-
to cortical difuso associado a esclerose e alteração grosseira do
trabeculado ósseo, acometendo toda a cintura pélvica.

Figura 7.32 Osteocondroma séssil. Radiografia (AP) do segmen-


to distal da coxa direita de paciente de quatorze anos de idade.
Exostose óssea definida, de base larga, junto à cortical medial da
diáfise femoral.

Figura 7.35 Radiografia simples da perna direita de paciente de


56 anos de idade, evidenciando, na diáfise proximal da fíbula, le-
Figura 7.33 Osteocondroma pediculado. Radiografia (AP) do são lítica definida, insuflativa, com afilamento cortical e focos de
segmento distal de coxa de paciente de dezoito anos de idade. calcificação no seu interior. O aspecto de imagem pode corres-
Exostose óssea definida, de base estreita, junto à cortical lateral ponder à neoplasia de natureza cartilaginosa como encondroma
da diáfise femoral. e condrossarcoma.

A Anamnese e o Exame Físico Devem Preceder as Imagens no Diagnóstico dos Tumores... 165
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 7.38 TCG (tumor de células gigantes). Radiografia simples


do punho esquerdo de paciente com 32 anos de idade. Lesão lítica
definida, insuflativa e com finas septações internas, estendendo-se
para a extremidade articular da região metadiafisária distal da ulna.

Figura 7.36 Radiografia simples do crânio de paciente de 52 anos


de idade com múltiplas lesões líticas definidas na calota craniana. Os
diagnósticos de probabilidade são mieloma múltiplo e metástase.

Figura 7.39 Cisto ósseo aneu-


rismático. Radiografia simples
do tornozelo de adolescente
de onze anos de idade com
imagem lítica, insuflativa e
com septações internas, que
respeita os limites da placa
fisária.

Figura 7.40 Radiografia simples do joelho de paciente de 36 anos


de idade, sexo feminino, com extensa lesão lítica permeativa e des-
Figura 7.37 Osteossarcoma. Radiografia simples do segmento trutiva na região metadiafisária proximal da tíbia, com rompimen-
proximal da coxa direita de paciente de dezesseis anos de idade. to da cortical lateral. Há, ainda, perda da mineralização óssea nos
Massa osteoblástica na diáfise femoral, de aspecto agressivo, com côndilos femorais que pode representar osteopenia por desuso do
reação periosteal espiculada em “raios de sol”, estendendo-se para membro. A lesão tem características agressivas e deve ser biopsia-
partes moles adjacentes. da após estadiamento local e a distância.

166 Tratado Brasileiro de Reumatologia


REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

„„ CAPÍTULO 7
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A Anamnese e o Exame Físico Devem Preceder as Imagens no Diagnóstico dos Tumores... 167
8

Capítulo
José Alexandre Mendonça

O Ultrassom na Reumatologia
„„ INTRODUÇÃO osteoarticular, diminuindo a subjetividade do exame clínico,
ainda que somado às escalas métricas virtuais analógicas ou
O Ultrassom (US) articular, como outros métodos de ima- questionários de avaliação de função ou dor. Da mesma for-
gem, pode auxiliar o seguimento, a evolução e a identificação ma também completa a definição e estadiamento de atividade
da diminuição real dos sinais e sintomas na Artrite Reumatoi- inflamatória, medida pelos índices laboratoriais, como hemos-
de (AR).1, 2 sedimentação e proteína C reativa.14 O US revelou-se também
Os avanços tecnológicos têm resultado em acentuada me- mais sensível do que avaliações clínicas para detectar as en-
lhora na qualidade e definição da ultrassonografia, como ins- tesites em pacientes com espondilite anquilosante15 e pode
trumento de avaliação de estruturas osteoarticulares, tanto ser uma técnica sensível e quase específica para detectar cal-
que tem sido utilizada com muita frequência na propedêuti- cificações de partes moles ou articulares.16 Pode mesmo ser
ca de pacientes com artrite e outras síndromes dolorosas.3-6 comparável à eletroneuromiografia, ainda que apenas baseada
Achados recentes na ultrassonografia das articulações justifi- em verificações morfológicas na síndrome do túnel do carpo,
cam um amplo espectro de indicações, desde a avaliação da podendo ser ferramenta útil na complementação diagnóstica
sinovite articular, tendinites, bursites, seguimento da ativida- dessa patologia.17, 18 Relatos indicam sua utilidade no auxílio
de inflamatória, monitoração aspirativa, infiltrações guiadas diagnóstico da arterite temporal e até na arterite de Takaya-
para punções terapêuticas e diagnósticas.7, 8 Hoje em dia, a ul- su, além de poder contribuir para a avaliação de condições da
trassonografia fornece uma avaliação satisfatória pelo Power
irrigação em polpa digitais na esclerose sistêmica e em outras
Doppler (PD). A qualidade dos resultados da ultrassonografia
doenças do tecido conectivo.19 O PD apresenta fundamental
depende das características do equipamento e do seu opera-
importância nas artropatias inflamatórias, pois tem a capa-
dor, exigindo conhecimento de anatomia, patologia e das téc-
cidade de captar baixo fluxo sanguíneo, detectando atividade
nicas permitidas pelo equipamento.9
inflamatória sinovial, quando esta não se faz presente na ava-
A sinovite ainda subclínica pode ser diagnosticada pre- liação clínica.
cocemente nas doenças inflamatórias pela ultrassonografia,
Há importância do uso de uma sonda linear de alta fre-
podendo mesmo sua evolução ser acompanhada, definindo
quência que varie de 7,5 a 18 MHz para escala cinza, que na
assim o estadiamento de oligoartrites e poliartrites.10 A defi-
avaliação de pequenas articulações e estruturas superficiais,
nição da ultrassonografia facilita o reconhecimento precoce
das artrites e permite a instituição de uma terapêutica mais é necessário.
precoce.11 A avaliação radiológica detecta danos estruturais O US osteoarticular é um método de imagem, que pode ser
ósseos tardiamente, já a ultrassonografia caracteriza altera- considerado uma ferramenta sensível em relação à radiografia e
ções articulares bem recentes e assim, facilita o diagnóstico apresenta semelhante acurácia, quando comparado à ressonân-
inicial da AR.12 cia, sendo útil para a detecção e seguimento da atividade infla-
A utilização da escala cinza e do PD tem se demonstrado matória e dano estrutural nos diversos tipos de artropatias. 20-24
instrumento confiável na verificação de variações estruturais,
definindo diferentes graus de lesão na AR e na artrite psoriá- „„ O US NA ARTRITE REUMATOIDE
sica, desse modo avaliando a atividade dessas doenças através
da caracterização da sinovite. O US tem se revelado impor- O US na AR demonstra o processo inflamatório através de
tante no monitoramento de tratamento com medicações de uma escala heterogênia de matizes e contrastes que reflete as
alta complexidade, como os biológicos, por exemplo, os anti- características e a extensão das estruturas inflamadas, defi-
-TNFs.13 Além disso, a ultrassonografia nos estudos clínicos nindo suas fases evolutivas e até seu grau de agressividade. Es-
tem se mostrado capaz de avaliar a dimensão da efusão e a ses achados incluem a coleção fluídica, cavidades comuns que
atividade da microcirculação sinovial, ao comparar grupos de se alargam, bainhas de tendões que se espessam, proliferação
pacientes controles dos tratados com agentes terapêuticos. sinovial, edema dos tecidos moles e aumento da perfusão
Assim, a ultrassonografia pode complementar os tradicio- sanguínea local.25,26 Ainda, o US de alta sensibilidade conse-
nais recursos de avaliação clínica nos pacientes com doença gue diferenciar uma sinovite proliferativa quando a imagem

169
prevalente é hipoecoica, de uma exsudativa, caracterizada por quantificar o processo inflamatório em vários tecidos através
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

uma imagem exclusivamente anecoica, então a escala cinza ca- da resistência interna (RI), que mede as alterações do fluxo
racteriza semiquantitativamente o grau de atividade inflama- sanguíneo, caracterizado pelo seguinte cálculo realizado pela
tória em 0 (ausente), 1 (leve) com discreta imagem hipoecoica máquina:
ou anecoica na cápsula articular, 2 (moderada) com elevação
da cápsula articular, 3 (importante) caracteriza importante
distensão da cápsula articular (Figura 8.1); já o PD pode ca- (Mínimo pico do fluxo sistólico – final do fluxo
racterizar 0 (ausente), com nenhum sinal de PD, ou seja, fluxo diastólico) fluxo sistólico
intra-articular, 1(leve), com 1 sinal de PD, 2 (moderada), com 2
ou 3 sinais de PD, ou seja < 50% de fluxo intra-articular, 3 (im-
portante), ou seja, > 50% de fluxo intra-articular (Figura 8.2).27 sendo considerado normal um RI ≥ 1 e um RI < 1, indica ativi-
Os sítios articulares, mais importantes elegíveis para análise dade inflamatória tecidual. Em estudos prévios, o RI em pessoas
na AR, são os punhos, as metacarpofalângicas e as interfalân- saudáveis foi mais alto do que nos pacientes com AR, variando
gicas proximais.28 de 0.65 a 0.76 e 0.4 a 0.7, respectivamente (Figura 8.5).31
Existe a possibilidade de vários escores que caracteri-
zam o número de articulações utilizado para seguimento de O US na artrite psoriásica
tratamento, variando de 7 a 20 articulações, já descrito na
literatura.29, 30 A artrite psoriásica atinge 1/3 da população acometida pe-
las manifestações cutâneas e muitas vezes são diagnosticadas
anos após surgirem essas lesões. Mais de 50% dos pacientes
„„ A IMPORTÂNCIA DO PD NA REUMATOLOGIA desenvolvem danos articulares progressivos, ocasionando o
O PD foi o maior ganho na avaliação da inflamação nas comprometimento funcional e da qualidade de vida desses
doenças reumáticas para caracterizar atividade inflamatória indivíduos.
subclínica, sinal considerado positivo quando detectado em A presença de entesopatia em pacientes com psoríase
alterações teciduais, para avaliar predição de futuro dano es- pode ser subestimada em razão do seu envolvimento, muitas
trutural articular em tecido adiposo, podendo ocasionar uma vezes clinicamente oligossintomático (Figura 8.6).32-34
sinovite iminente (Figura 8.3) em tecido cartilaginoso (Figu- O US na psoríase avalia cinco principais estruturas,35 ca-
ra 8.4) e em cortical óssea. O Doppler Espectral (DE) pode racterizadas na Tabela 8.1 e na Figura 8.7.

SG 2
SG 0

C
1 1
L

R L C C
R

SG 1 SG 3

T
T

1 1
S
S

R C R L C
L

Figura 8.1 Escala semiquantitativa para SG, dorsal do punho: 0 a 3; C = cartilagem; T = tendão; S = sinovite; R = rádio; L = lunato; C = capitato.

170 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 8
R S
L

C R

L
C
PD 2
PD 0

R
C
L
C
PD 1 L
PD 3

Figura 8.2 Escala semiquantitativa para sinal de PD, dorsal do punho: 0 a 3; S = sinovite; R = rádio; L = lunato; C = capitato.

C
L

Figura 8.3 Sinovite exsudativa, com invasão da microcirculação Figura 8.5 Avaliação quantitativa de inflamação pelo RI < 1, em
em tecido adiposo e proliferação sinovial em fase inicial. metacarpofalângica, pelo sinal de PD detectado em recesso sinovial.

A B

Figura 8.4 (A) Avaliação de sinal preditor de dano estrutural cartilaginoso. (B) Avalição de sinal preditor de dano estrutural ósseo, ambas
as figuras caracterizam as metacarpofalângicas.

O Ultrassom na Reumatologia 171


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

A B

Figura 8.6 Entesopatia em tendão de Aquiles, com atividade inflamatória detectada pelo PD em paciente com comprometimento subclíni-
co; (A) Corte longitudinal e (B) Corte transversal.

Tabela 8.1 Principais danos ecotexturais na artrite psoriásica.

Estruturas Alterações Ecotexturais

Entese Estágio inicial: entesite com ecotextura normal, com ou sem PD+

Estágio tardio: entesófito; calcificações; erosão óssea

Articulação Efusão e proliferação sinovial com ou sem PD + erosão óssea

Tendão „„ Perda do padrão fibrilar ecogênico


„„ Proliferação sinovial peri bainha tendínea com ou sem PD+
„„ Ruptura parcial ou completa
„„ Dactilite

Pele „„ Aumento da espessura da epiderme e da derme, com ou sem PD+


„„ Sombra acústica pelo espessamento da epiderme

Unha „„ Perda do padrão trilaminar da unha


„„ Aumento da espessura (> 2,5 mm) e do sinal do PD no leito ungueal

PD: Power Doppler; +: positivo.

„„ O US NAS MICROCRISTALINAS Os cristais de urato têm um tropismo pela interface con-


dro-sinovial superior da cartilagem, mostrando um sinal de
Gota espessamento da interface condro-sinovial (Figura 8.8), e na
As microcristalinas são as formas mais comuns de artropa- sinóvia, um aspecto “arenoso” (Figura 8.9), muitas vezes ca-
tia inflamatória, com prevalência aumentada em todo o mun- racterizado por um tempo de hiperuricemia assintomático,
do. A gota afeta mais homens, e as articulações mais afetadas que não é detectado pela radiografia convencional.42
são os pés.36, 37 Há um depósito de pequenos tofos, em 34% de pacientes
O US de alta resolução é muito sensível na detecção de assintomáticos e um aumento no sinal do PD, indicando ativi-
artropatias por depósitos de cristais. As imagens detectadas dade inflamatória em 23% desses pacientes.43-45
pelo ultrassom dependem do estágio clínico em que o pacien-
te se encontra.38 Condrocalcinose
O US caracteriza mudanças na precipitação de cristais de
monourato de sódio, considerado muito útil em casos clíni- É uma doença causada por depósitos intra-articulares de
cos atípicos, como aqueles com níveis subclínicos de normal pirofosfato de cálcio, o que pode levar a diversas apresentações
ou baixa taxa de ácido úrico e envolvimento das articulações clínicas. Pode apresentar-se na forma de AR-like em 5% ou
das mãos.39-41 mesmo assintomática (Figura 8.10). A forma primária ocorre,

172 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 8
Figura 8.7 Onicopatia em paciente com psoríase, com atividade inflamatória ungueal subclínica. A figura mostra detecção de inflamação
no leito ungueal com RI < 1 pelo DE, com alterações pelo PD positivo em cortes longitudinal e transversal, e aumento de recesso ventral
ungueal (> 2,5 mm) pelo modo B.

principalmente, em adultos jovens, e a secundária é predomi-


nante nos idosos, quase sempre, associada à osteoartrite ou
ao hiperparatireoidismo secundário. O diagnóstico é feito por
meio do achado de cristais birrefringentes de pirofosfato de
cálcio no líquido sinovial. No US ocorre o depósito de cristais
de cálcio intracartilagem.46-48

A
Figura 8.9 Sinovite de aspecto “arenoso” em metatarsofalângica.

O US nas osteoartrites
O US de alta resolução pode identificar mínimas alteraçãos
e ajudar no diagnóstico precoce da osteoartrite. A osteoartri-
te erosiva é mais agressiva, acometendo mais as mãos (Figura
8.11), principalmente as interfalângicas distais e às vezes as
B interfalângicas proximais. A osteoartrite geralmente pode es-
tar associada com a condrocalcinose.49
Figura 8.8 (A) Imagem que caracteriza presença de tofo em me- O US colabora na avaliação de cartilagem e nos seus graus
tacarpofalângica; a seta indica o espessamento da interface con- de comprometimento, até atingir o osso subcondral, e, assim,
dro-sinovial (duplo contorno), sinal ultrassonográfico específico consegue mostrar o dano estrutural cartilaginoso e ósseo (Fi-
de depósito por monourato de sódio. (B) Tofo com envolvimento
gura 8.12).50-52
pelo PD.

O Ultrassom na Reumatologia 173


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 8.10 Imagens de calcificação (setas) em várias articulações das mãos e punhos.

Figura 8.11 Imagem de sinovite com PD positivo, causada pela


presença de osteofitoses, em interfalângica distal; paciente com Figura 8.12 Dano estrutural cartilaginoso, com irregularidade do
três semanas de início do quadro clínico doloroso. osso subcondral.

174 Tratado Brasileiro de Reumatologia


O US nas espondiloartrites O uso da RM pode ser limitado em algumas situações,

„„ CAPÍTULO 8
como em relação a custo e também disponibilidade na prática
A atividade inflamatória nas sacroilíacas é a manifestação clínica.56, 57
de comprometimento articular mais frequente nas espondi-
O Color Doppler (CD) é uma técnica que pode ser usada
loartrites, como: espondilite anquilosante; artrite psoriásica;
para detecção de fluxo sanguíneo em recesso sinovial sa-
espondiloartrites indiferenciadas; e artropatias reativas. O
croilíaco (Figura 8.13), sendo um método que poderá ser
conjunto dessas espondiloartrites apresenta prevalência eleva-
ampliado sua utilização, principalmente no seguimento das
da de 0.5 a 1.9%.53
espondiloartrites. O DE pode quantificar essa atividade in-
O diagnóstico inicial estabelece um tratamento ideal da flamatória pelo RI (Figura 8.14).
sacroiliíte, melhorando o resultado clínico. A avaliação clínica
O US de alta frequência avalia entesite, e o PD ou o color
e exame físico não são específicos, causando a necessidade de
Doppler pode detectar atividade inflamatória diretamente
um método de imagem para fortalecer o diagnóstico. De acordo
em locais que não deveria existir microcirculação, carac-
com o critério do diagnóstico do Grupo Europeu de Estudo de
terizando as entesites, tenossinovites, sinovites, bursites,
Espondiloartrites, a ressonância (RM) pode demonstrar alte-
dano estrutural ósseo em processo inflamatório ativo e nas
rações, como inflamações iniciais da doença, através do edema
sacroiliítes.58-64
ósseo.54, 55

Cortical óssea do ilíaco Sacro


Cortical óssea do ilíaco

Sacro

Lado esquerdo Lado direito

Figura 8.13 (A) Atividade inflamatória em recesso sacroilíaco detectado pelo PD. (B) Recesso sacral sem atividade inflamatória.

O Ultrassom na Reumatologia 175


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

A B

Figura 8.14 Imagens de sacroilíacas esquerda (A) e direita (B), com DE, caracterizando em recesso sacroilíacos, atividade inflamatória
pelo RI < 1.

O US nas vasculites acomete vasos de médio e grande calibre; é um método não


O CD avalia a velocidade e direção das hemácias e repre- invasivo em que a mudança dos parâmetros do fluxo sanguí-
senta a média da frequência do Doppler e demonstra melhor neo da artéria estudada pode identificar piora ou melhora da
grandes vasos, em que o fluxo sanguíneo apresenta alta veloci- vasculite (Figura 8.15).65
dade, diferindo do PD que caracteriza a amplitude do sinal do O estudo do risco cardiovascular pode ser realizado atra-
Doppler, sendo mais sensível para pequenos vasos, nos quais o vés do espessamento da camada íntima e média da carótida,
fluxo sanguíneo apresenta baixa velocidade. O CD pode ser de pela radiofrequência QIMT (RF), em que caracteriza o proces-
grande utilidade no segmento terapêutico das vasculites, que so aterogênico nas doenças reumatológicas (Figura 8.16).66

A B

Figura 8.15 (A) Imagem demonstra a avaliação do color Doppler espectral no lúmen da carótida, com RI = 1.0, considerado aumentado
pela estenose do vaso em uma paciente com Takayassu. (B) Avaliação do CD em artéria carotídea da mesma paciente, com diminuição do
lúmen do vaso, pelo espessamento de sua parede.

176 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 8
Apelido: J Nome:
Apelido:
Data nascimento: J JUNHO 1981
16 Nome:
Age: 31 y
Data nascimento:
Gênero: 16 JUNHO 1981 Age: 31 y
Gênero:
Identificação: DESCONHECIDO Data do exame: 14 aug 2012
Identificação:
Número de adesão: DESCONHECIDO Data do assistente:
Médico exame: 14 aug 2012
Número
Operadorde adesão: Médico assistente:
Admissão de diagnóstico: Esclerose sistêmica
Operador
Realizar o médico Admissãodata:
Relatório de diagnóstico: Esclerose sistêmica
14 AUG 2012
Realizar o médico Relatório data: 14 AUG 2012
QIMT Esquerda
QIMT Esquerda: QIMT
495Esquerda micras
QIMT Esquerda: 495 micras
QIMT Direito
QIMT Direita: QIMT Direito
455 micras
QIMT Direita: 455 micras
QIMT (RF)
QIMT (RF)
QIMT (RF): 495 micras
SD
QIMT (RF): 17
495 micras
Diâmetro:
SD 8,1
17 milímetro
micras
SD:
Diâmetro: 0,26
8,1 milímetro
WIDTH:
SD: 14,9
0,26 milímetro
EXPECTED
WIDTH: QIMT: 460
14,9 micras
milímetro
EXPECTED QIMT: 460 micras

Figura 8.16 Avaliação das camadas íntima e média, medidas por radiofrequência- QIMT (RF) em paciente com esclerose sistêmica.

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O Ultrassom na Reumatologia 177


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O Ultrassom na Reumatologia 179


9

Capítulo
Luis Eduardo Coelho Andrade  Carlos Alberto Von Mühlen 
Fiorella Rehbein Santos  Rossana Rassi Alvarenga

Medicina Laboratorial: Autoanticorpos


nas Doenças Difusas do Tecido Conectivo

181
9.1

Capítulo
Luis Eduardo Coelho Andrade  Carlos Alberto Von Mühlen 
Fiorella Rehbein Santos  Rossana Rassi Alvarenga

O s Fundamentos do Diagnóstico – Medicina Laboratorial.


Os Autoanticorpos nas Doenças Difusas do Tecido Conectivo
„„ INTRODUÇÃO Defeitos congênitos devem ser recordados na investigação
de monoartrite em crianças e adolescentes. A gota e a artrite
A medicina laboratorial tem papel importante no subsídio reativa são mais comuns em homens. Episódios prévios seme-
ao diagnóstico e monitoramento das doenças reumáticas em lhantes sugerem artropatia induzida por cristais e causas não
suas várias vertentes. Como forma de organização didática, infecciosas. Vermelhidão periarticular é uma pista importante,
este capítulo será dividido em seções que abordarão separa- direcionando as opções diagnósticas para artrite séptica ou in-
damente os recursos laboratoriais empregados no manejo de duzida por cristais.
artropatias agudas, doenças osteometabólicas e doenças au- Nos casos persistentes por mais de três meses, outras con-
toimunes. dições devem ser lembradas, como artropatias inflamatórias
ou degenerativas, tumores benignos, como a sinovite pig-
Artropatias agudas mentada vilonodular, e corpos estranhos. Artrites infecciosas
também devem ser suscitadas, porém por agentes etiológicos
Dor articular é uma queixa comum e necessita investi- distintos daqueles associados a artrites agudas.
gação primorosa para diagnóstico e tratamento precoces, Quadros mais arrastados podem ser causados por tuber-
principalmente no caso das doenças mais graves. Intitulamos culose, hanseníase, fungos e brucelose, entre outros; dife-
artrite o acometimento de uma articulação por processo in- rentemente dos quadros agudos causados por gonococos e
flamatório. Na monoartrite a doença atinge apenas uma arti- estafilococos.
culação, podendo ser classificada em aguda, quando de curta Havendo história de trauma, o mecanismo de lesão pode
duração, ou crônica, caso permaneça por um tempo maior do indicar as estruturas envolvidas. Um impacto de maior inten-
que três meses. sidade sinaliza a possibilidade de fratura, luxação ou ruptura
Praticamente todas as desordens articulares, assim como ligamentar e/ou meniscal. Naqueles em que o quadro articu-
diversas enfermidades sistêmicas, podem ter como primeira lar não for controlado dentro do tempo esperado, após a ins-
manifestação uma monoartrite, o que a transforma em um de- tituição do tratamento uma nova investigação será necessária,
safio de diagnóstico. A intensidade da dor também auxilia no com expansão do diagnóstico diferencial, inclusive de causas
diagnóstico. Doenças inflamatórias, tendinites, hemartroses e inusitadas.
lesões ligamentares costumam apresentar dor de leve à mode- Exames gerais têm utilidade limitada na investigação de
rada intensidade, enquanto processos infecciosos e induzidos monoartrite aguda. A presença de leucocitose periférica asso-
por cristais geram dor de forte intensidade. ciada à neutrofilia, bem como elevação dos níveis das provas
A monoartrite aguda é causada corriqueiramente por de atividade inflamatória, poderiam sugerir processo infec-
artrite infecciosa, artrite induzida por cristais, secundária a cioso, mas não descartam a possibilidade de artrite gotosa
traumas (fraturas, lesões ligamentares ou meniscais) ou com- aguda. Portanto, apresentam sensibilidade e especificidade
plicações da osteoartrose. Causas menos usuais incluem he- insuficientes para confirmar ou excluir um quadro infeccio-
martrose, necrose isquêmica ou tumores. Também pode ser o so. Recentemente, tem sido demonstrado que níveis séricos
prelúdio de uma enfermidade poliarticular, como artrite reu- elevados do marcador procalcitonina teriam alta especifida-
matoide, artrite reumatoide juvenil, artropatia soronegativa, de para processos sépticos, apresentando potencial utilidade
sarcoidose ou doença de Whipple. Em razão da gravidade po- para o diagnóstico diferencial da artrite gotosa.
tencial, deve-se considerar uma monoartrite como infecciosa A investigação dos níveis séricos do ácido úrico pode ser
até que se prove o contrário. Nos jovens sexualmente ativos útil na avaliação e manejo de pacientes com gota, mas não
devemos suspeitar de artrite gonocócica ou de artrite reativa. se prestam para afastar ou confirmar uma possível origem

183
microcristalina de uma artrite aguda, pois uma porcenta- microbiológica completa, com exame bacterioscópico,
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

gem considerável de doentes com hiperuricemia não apre- cultura e antibiograma. A presença de líquido sinovial
senta manifestações articulares de gota. Além disso, boa hemorrágico (exceto em casos de acidente de punção)
parte dos pacientes pode apresentar uricemia normal na é observada em quadros traumáticos, e/ou por desar-
vigência de um episódio agudo de gota. Sua determinação é ranjo articular, em coagulopatias, neoplasias e na sino-
útil, entretanto, na suspeita de doença gotosa e na monito- vite vilonodular. A necrose asséptica e exacerbações da
ração dos níveis de ácido úrico em pacientes sob tratamento osteoartrose usualmente apresentam líquido sinovial
hipouricemiante. Preferencialmente, deve ser dosada a uri- de características não inflamatórias.
cemia fora do período que cerca uma crise de artrite gotosa, „„ Bioquímica: apesar da baixa sensibilidade, redução
pois pode haver redução da uricemia durante a fase de crise. na concentração de glicose, níveis reduzidos de pH e
Hiperuricemia persistente é uma anormalidade bioquí- aumento nos níveis de LDH podem sugerir infecção
mica comum que resulta da excessiva produção de urato ou bacteriana.
diminuída excreção renal de ácido úrico. Pode ser dividida „„ Exame bacterioscópico e cultura: o líquido para aná-
em duas categorias: primária, quando se refere à supersa- lise pode ser transportado na própria seringa (preferí-
turação de urato na ausência de comorbidades ou drogas vel para pequenas quantidades) ou inoculado em um
que alterem a produção ou excreção do ácido úrico; e secun-
meio de cultura. O detalhe crítico é que o transporte ao
dária, quando se refere à excessiva produção de urato ou
laboratório deve ser imediato, pois a viabilidade bacte-
reduzida depuração renal, sendo resultado de outra doença,
riana reduz-se rapidamente após a retirada do líquido
droga ou produtos da dieta. Algumas doenças que podem
da cavidade sinovial.
causar hiperuricemia secundária são: distúrbios mielo- ou
linfoproliferativos, psoríase cutânea extensa, policitemia „„ Pesquisa de cristais: deve ser realizada sob luz pola-
vera, deficiência de vitamina B12, pré-eclâmpsia e nefropa- rizada e o mais rápido possível, pois esses analitos se
tia por chumbo. dissolvem no líquido sinovial com o tempo, levando a
A dosagem do ácido úrico excretado no período de 24 ho- resultados falso-negativos. Cristais de monourato de
ras (uricosúria de 24 horas) também pode ser útil na avaliação sódio são identificados em cerca de 95% dos derrames
de nefrolitíase, bem como para classificar um paciente com articulares em pacientes com artrite aguda por gota,
gota como superprodutor, normoexcretor ou hipoexcretor, e menos frequentemente encontrados na artrite gotosa
orientar adequadamente a terapia apropriada. crônica e nas articulações não inflamadas. Por outro
lado, são extremamente abundantes no material extraí-
Na suspeita de quadro séptico, a procura do foco primário
pode auxiliar no diagnóstico do agente etiológico. Em aproxi- do dos tofos gotosos. Exige mais experiência do técnico
madamente 50% das infecções causadas pelos estafilococos e a detecção de cristais de pirofosfato de cálcio associa-
estreptococos, as hemoculturas são positivas. Caso haja sus- dos à condrocalcinose. Outros cristais visualizáveis no
peita de infecção por gonococo devemos recorrer à pesquisa líquido sinovial são de colesterol e de hidroxiapatita. O
do agente nas regiões uretral, endocervical, faríngea e retal, achado de cristais em Cruz de Malta (gotículas de gor-
mesmo em casos assintomáticos. dura) é frequente, indicando quadro inflamatório ines-
pecífico. A presença de gotas de gordura deve levantar
Na maioria dos casos de monoartrite aguda, a coleta do
a suspeita de fratura intra-articular. Por último, lembrar
líquido sinovial é mandatória. Isso pode se entender pelo
que a presença de cristais não afasta definitivamente
fato de que as causas mais frequentes de mono ou oligoar-
quadros infecciosos, pois já foram documentados casos
trite aguda são infecciosas e por deposição de cristais, cir-
de coexistência de artrite séptica em articulações aco-
cunstâncias estas que podem ser identificadas pelo exame
metidas por depósito de cristais (Tabela 9.1).
direto do líquido sinovial. Portanto, a artrocentese deve ser
realizada em todos os pacientes com derrame monoarticular
que apresentem sinais de inflamação. Seu propósito princi- Doenças osteometabólicas
pal é avaliar se o líquido sinovial apresenta características
inflamatórias, infecciosas, hemorrágicas ou evidências de de- Novos conhecimentos sobre fisiopatologia e novidades nas
pósito de cristais. modalidades terapêuticas e nos testes diagnósticos tornaram
o campo na área de diagnósticos das doenças osteometabóli-
A análise do líquido sinovial deve consistir dos seguintes
exames: cas mais complexo, efetivo e interessante. O diagnóstico dife-
rencial das hiper e hipocalcemias, assim como a definição e o
„„ Inspeção visual: contagem total e diferencial de leu-
seguimento da terapêutica para osteoporose, são duas áreas
cócitos – normalmente a contagem é inferior a 2.000 nas quais progressos sensíveis puderam ser constatados. En-
leucócitos/mm3, com menos de 75% de polimorfonu-
tretanto, o aproveitamento de todo esse processo exige dos
cleares. Quanto maior a contagem de leucócitos e maior
profissionais atuantes nessa área um conhecimento cada vez
a proporção de polimorfonucleares, maior a probabili-
maior, de forma que o emprego dos novos testes seja feito com
dade de artrite séptica. Líquidos infectados geralmente
eficácia e coerência.
possuem uma contagem de 20.000 a 50.000 leucóci-
tos/mm3. Contagens superiores a 100.000 células/μL As principais enfermidades osteometabólicas são, muitas
com forte predomínio de polimorfonucleares sugerem vezes, oligo- ou assintomáticas em sua fase inicial. É nessa fase
quase sempre etiologia infecciosa. No entanto, deve-se que a intervenção terapêutica seria mais conveniente e, por-
ter em mente que nas primeiras 24 a 48 horas de um tanto, a fase na qual o emprego de métodos laboratoriais e/
processo infeccioso, a contagem de leucócitos no líqui- ou de imagem é fundamental. Do ponto de vista laboratorial,
do sinovial pode não ser expressiva. Quando há sus- os principais testes são as dosagens de cálcio e fósforo séricos
peita de quadro séptico, deve-se recorrer à pesquisa e urinários. Elas constituem o elemento básico de diagnóstico

184 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 9.1
Tabela 9.1 Classificação dos tipos de líquido sinovial e possíveis enfermidades subjacentes.

Tipo inflamatório

> 2.000 células/µL „„ Infecciosa: gonocócica e não gonocócica.


„„ Por deposição de cristais: monourato de sódio, pirofosfato de cálcio e hidroxiapatita.
„„ Apresentação monoarticular de doença sistêmica ou poliarticular: por exemplo, artrite psoriática,
febre reumática, artrite reativa.

Tipo não inflamatório

Entre 200 e 2.000 células/µL Osteoartrose, osteonecrose, sinovite vilonodular, osteocondromatose sinovial, neoplasia, neuropáticas,
reumatismo palindrômico, distrofia simpático-reflexa.

Tipo hemorrágico

Líquido sinovial hemorrágico na ausência de Coagulopatias, sinovite vilonodular, neoplasias, traumas, fraturas.
acidente de punção

de qualquer doença osteometabólica. Os ensaios para a medi-


da de PTH e 25OH-vitamina D, associados à medida de cálcio
sérico, possibilitam o direcionamento preciso para a elucida- Tabela 9.2 Marcadores bioquímicos do metabolismo ósseo.
ção das causas de hipercalcemia e hipocalcemia. Fosfatase alcalina óssea e/ou total (soro)
Nas condições de hipoparatiroidismo autoimune, ou pós- Formação Osteocalcina (soro)
-cirúrgico, muitas vezes os níveis de PTH não são indetectáveis, PINP e PICP (soro)
mas inapropriados para os níveis de cálcio. Tal condição tem
como base uma quantidade de tecido secretor insuficiente. Hidroxiprolina (urina)
Diversos marcadores bioquímicos no soro e urina forne- Interligadores do colágeno (cross-links) (urina e soro)
cem informação sobre o metabolismo ósseo (Tabela 9.2). A „„ Piridinolina e/ou deoxipiridinolina livre
indicação e escolha dos marcadores bioquímicos do meta- Reabsorção „„ N-telopeptídeo (NTx)
bolismo ósseo dependem da circunstância em que se deseja
„„ C-telopeptídeo (CTx)
avaliar a atividade metabólica óssea. No caso da patologia
óssea mais comum, a osteoporose, utopicamente o marcador Fosfatase ácida tartarato-resistente (soro)
bioquímico ideal seria aquele que nos permitisse discriminar
qual paciente se beneficiaria com um tratamento preventivo, e *PINP: pró-peptídeo aminoterminal do pró-colágeno tipo I.
avaliar precocemente o grau de resposta à terapêutica intro- *PICP: pró-peptídeo carboxiterminal do pró-colágeno tipo I.
duzida. Afora condições específicas, como a doença de Paget,
em que a fosfatase alcalina (mesmo a total) é o marcador de
eleição, a escolha do marcador a ser potencialmente utilizado
depende da disponibilidade, das facilidades de coleta e de ar- valores é a significativa diferença de meia-vida biológica entre
mazenamento, e do custo. fosfatase alcalina óssea (em torno de 1,6 dia) e osteocalcina
Vários fatores podem interferir na determinação dos mar- (menos de uma hora). Consequentemente, fenômenos agudos
cadores bioquímicos do metabolismo ósseo. Assim, a remode- são mais bem representados pelos níveis de osteocalcina, en-
lação óssea apresenta um ritmo circadiano com maiores níveis quanto os níveis de fosfatase alcalina óssea são mais estáveis e
durante a noite e, em função disso, a primeira urina da manhã reprodutíveis, variando num prazo mais longo.
e/ou a amostra de soro colhida no início da manhã refletem o
pico de reabsorção óssea e apresentarão valores seguramen- Doenças autoimunes
te mais altos do que as amostras colhidas em outro horário.
Adicionalmente, os níveis de marcadores bioquímicos, prin- Uma das características marcantes das doenças reumáti-
cipalmente os de formação óssea, variam ao longo do ciclo cas autoimunes (DRAI) é a formação de autoanticorpos contra
menstrual, sendo mais elevados durante a fase lútea, compa- diferentes antígenos intracelulares, estejam eles presentes no
rativamente à fase folicular. Alterações importantes na função núcleo, nucléolo, placa cromossômica/aparelho mitótico ou
renal também podem interferir significativamente no metabo- mesmo no citoplasma. O lúpus eritematoso sistêmico (LES)
lismo e excreção dos marcadores bioquímicos, principalmente e seus subtipos, a esclerose sistêmica (ES) e suas variantes,
da osteocalcina. Portanto, a correta interpretação dos valores síndrome CREST, doença mista do tecido conectivo (DMTC),
de marcadores bioquímicos do metabolismo ósseo requer co- síndrome de Sjögren (SSj) e polimiosite/dermatomiosite
nhecimento das condições de coleta da amostra, bem como da (PM/DM) são algumas das DRAI, nas quais os autoanticorpos
condição geral do paciente. podem ser detectados em diferentes porcentagens. A história
Quanto aos marcadores séricos de formação, um aspecto clínica ou queixa do paciente nem sempre possibilita a iden-
importante a ser considerado na indicação e interpretação dos tificação da enfermidade, e muitas vezes também ocorre uma

Os Fundamentos do Diagnóstico – Medicina Laboratorial. Os Autoanticorpos nas Doenças Difusas do Tecido... 185
superposição de manifestações clínicas que não nos permite marcados podem ser detectados pela emissão de luz quando
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

chegar a um diagnóstico. Nesse contexto, os autoanticorpos excitados por luz de comprimento de onda apropriado. Na
podem representar auxílio diagnóstico precioso. No entanto, a rotina técnica de imunofluorescência dos vários laboratórios
estratégia do diagnóstico das DRAI é complexa. Os testes labo- comerciais, os corantes mais utilizados são a fluoresceína e a
ratoriais devem ser interpretados à luz dos achados da anam- rodamina, e cada um deles absorve luz e emite luz em um com-
nese e exame físico e, muitas vezes, apenas a evolução durante primento de onda distinto. Assim, o olho humano enxerga a
certo tempo permitirá o diagnóstico exato de uma doença au- fluoresceína como verde e a rodamina como vermelho.
toimune, ou sua exclusão. A coloração do anticorpo fluorescente das moléculas das
É fundamental determinar a sensibilidade e especificida- membranas celulares ou componentes do tecido pode ser feita
de do teste, lembrando que sensibilidade é a porcentagem de de maneira direta ou indireta. Na imunofluorescência direta o
resultados positivos em um grupo de pessoas realmente doen- anticorpo específico é conjugado diretamente com fluoresceí-
tes. Já especificidade é a porcentagem de resultados negativos na e se liga no substrato em caso de reação positiva (teste da
entre indivíduos que não apresentam a doença, normalmente banda lúpica, por exemplo). Na imunofluorescência indireta,
um grupo controle de indivíduos acometidos por doença de de aplicação mais ampla em reumatologia, o anticorpo primá-
apresentação clínica similar. No caso das DRAI, os testes diag- rio não é marcado (eis que se encontra no próprio soro de um
nósticos representados pelos autoanticorpos usualmente têm paciente, por exemplo) e é detectado com um reagente conten-
alta especificidade, mas têm sensibilidade restrita. Portanto, a do o fluorocromo. Vários reagentes foram desenvolvidos para
ausência desses marcadores específicos não exclui a possibi- a coloração indireta, sendo o mais comumente representado
lidade da enfermidade em questão, mas sua presença é forte- por um anticorpo anti-imunoglobulina humana marcado com
mente sugestiva da mesma. fluorocromo: IgG de cabra, anti-IgG de camundongo, marcada
Um ponto importante a ser ressaltado é que os autoanti- com fluoresceína, por exemplo.
corpos podem ser determinados por um grande número de
A estratégia da imunofluorescência indireta tem duas
métodos, havendo hoje em dia uma profusão de técnicas em
principais vantagens sobre a imunofluorescência direta: o an-
uso nos diversos laboratórios. Nesse cenário, é importante
ticorpo primário não necessita estar conjugado com um fluo-
saber que alguns métodos apresentam maior sensibilidade às
rocromo, e os métodos indiretos aumentam a sensibilidade
custas de menor especificidade, o que pode contribuir para re-
da coloração por causa da ligação das moléculas múltiplas do
sultados falso-negativos.
reagente à cada molécula de anticorpo primário, aumentando
a quantidade de luz emitida no local.
Autoanticorpos A imunofluorescência tem sido aplicada para identificar
Os autoanticorpos são imunoglobulinas capazes de reco- subpopulações de linfócitos, principalmente as de células T
nhecer antígenos presentes nas células e órgãos do próprio CD4+ e CD8+, além de identificar espécies bacterianas, com-
indivíduo. Historicamente, esses elementos autorreativos fo- plexos Antígeno-Anticorpo (Ag-Ac) nas doenças autoimunes,
ram descritos em condições inflamatórias crônicas, ditas au- detectar complemento nos tecidos e localizar hormônios, re-
toimunes, como o lúpus eritematoso sistêmico (LES), artrite ceptores e outros produtos celulares corados in situ. Técnicas
reumatoide (AR) e tiroidite de Hashimoto. De fato, autoanti- de FAN (fator antinúcleo ‒ teste para autoanticorpos contra
corpos em altos títulos são uma característica marcante des- antígenos intracelulares) em células HEp-2, bem como de
sas enfermidades e alguns deles são marcadores específicos anti-dsDNA em Crithidia luciliae, são exemplos de aplicações
dessas enfermidades. No entanto, autoanticorpos podem ser da imunofluorescência indireta no dia a dia do reumatologista.
encontrados também em condições não autoimunes, infecções
e neoplasias, bem como em indivíduos sadios. Estes últimos Reações de aglutinação
são conhecidos como autoanticorpos naturais, que caracteris-
ticamente ocorrem em baixos títulos, têm baixa avidez e são A interação entre o anticorpo e um antígeno particulado
polirreativos. Em contraste, os autoanticorpos presentes em resulta na formação de pequenos agregados, sendo denomi-
condições patológicas, especialmente aqueles associados a nada de aglutinação. Na técnica de hemaglutinação utilizam-
doenças autoimunes, têm especificidade restrita, ocorrem em -se hemácias como carregadoras dos antígenos. Os anticorpos
títulos elevados e apresentam alta avidez. No laboratório clíni- que produzem essas reações são denominados de aglutininas.
co os ensaios rotineiros são em geral ajustados para detecção As reações de aglutinação dependem de uma ligação cruzada
destes últimos. de antígenos polivalentes, sendo inibidas por um excesso de
anticorpo – a essa inibição se dá o nome de efeito pró-zona.
Uma variedade de exames é usada na detecção de autoan-
ticorpos, existindo geralmente mais de um tipo de teste dispo- Exames de hemaglutinação para a determinação de au-
nível para cada especificidade. toanticorpos perderam terreno para técnicas mais moder-
nas, em consequência de problemas de reatividade cruzada
Imunofluorescência com anticorpos heterófilos (anticorpos heterófilos são por
definição anticorpos contra imunoglobulinas animais ou imu-
Em 1944, Albert Coons mostrou que os anticorpos pode- noglobulinas contra várias espécies de animais e que estão
riam ser marcados com moléculas que têm a propriedade de presentes em cerca de 3% das amostras).
emitir fluorescência. As moléculas fluorescentes absorvem Nos ensaios imunométricos eles podem formar uma ponte
luz em um comprimento de onda (excitação) e emitem luz entre os anticorpos de captura e o traçador, simulando a presen-
em outro comprimento de onda (emissão). Se as moléculas ça do antígeno, levando, portanto, a um resultado falso-positivo.
de anticorpos são marcadas com um corante fluorescente, ou Raramente os anticorpos heterófilos podem propiciar resulta-
fluorocromo, os complexos imunes contendo esses anticorpos dos falso-negativos, e isso ocorre em situações em que anticor-

186 Tratado Brasileiro de Reumatologia


pos heterófilos se ligam diretamente ao anticorpo de captura, Vem sendo largamente substituída nos últimos anos por

„„ CAPÍTULO 9.1
não permitindo que o antígeno em questão forme o “complexo técnicas não radioativas, principalmente por ensaios imu-
sanduíche” com os anticorpos de captura e traçador. noenzimáticos e quimioluminométricos.

Imunodifusão ELISA (ensaio imunoadsorvente ligado à enzima)


Esta plataforma metodológica detecta anticorpos ou an- É semelhante em princípio ao radioimunoensaio, porém
tígenos com base na precipitação de imunocomplexos numa depende de uma enzima em vez de um marcador radioativo.
meio semissólido, como o ágar ou agarose. A imunodifusão Uma enzima conjugada a um anticorpo reage com um subs-
pode ser radial ou dupla (Figura 9.1). A contraimunoeletro- trato incolor para produzir um produto colorido. Diversas
forese, mais rápida, combina a técnica de identificação por variações do ELISA foram desenvolvidas, permitindo a deter-
imunodifusão dupla com a aceleração dada pela eletroforese. minação qualitativa ou quantitativa, quer do antígeno, quer do
anticorpo. Técnicas ELISA estão hoje disponíveis para determi-
Em ambos os casos uma mistura de antígenos é colocada em
nação de vários autoanticorpos, como anti-SS-A/Ro, anti-RNP,
um poço ou canaleta do gel, enquanto os soros a serem tes-
anti-Jo1, etc. De forma geral, os ensaios de ELISA apresentam
tados são colocados em poços adjacentes. As macromoléculas
sensibilidade superior àqueles baseados em imunodifusão. No
difundem-se no meio semissólido, gerando um gradiente de
entanto, em que pese o grande esforço e progresso tecnológico
concentração decrescente a partir de sua origem. Na região
por parte da indústria, esses testes apresentam a desvantagem
de correspondência equimolar de antígenos e anticorpos for-
de também apresentar menor especificidade diagnóstica.
mam-se grandes imunoclomplexos que tendem a se precipitar,
ocasionando a formação de uma linha brancacenta. Essa pla- Western Blotting
taforma metodológica foi a base para a descoberta e caracteri-
zação clínica e imunológica da maior parte dos autoanticorpos Nesta técnica, uma mistura proteica é separada por eletro-
relevantes para o diagnóstico das DRAI, como anticorpos con- forese em gel de poliacrilamida e então as bandas de proteína
tra Sm, U1-RNP, SS-A/Ro, SS-B/La, Jo-1, Scl-70, Ku, PM/Scl, en- são eletroforeticamente transferidas para uma membrana de
tre outros. Os testes baseados nessa metodologia apresentam nitrocelulose. Após a incubação dessa membrana com soro hu-
grande especificidade clínica. mano contendo autoanticorpos, a membrana é exposta a um
conjugado anti-imunoglobulina humana, permitindo a visuali-
Radioimunoensaio zação das bandas proteicas reconhecidas pelos autoanticorpos
presentes no soro. Essa plataforma é preferencialmente utili-
É uma das técnicas mais sensíveis para detecção de antíge-
zada em laboratórios de pesquisa, mas tem sido adaptada para
nos ou de anticorpos, tendo sido desenvolvida em 1960 para
laboratórios clínicos para detecção de alguns autoanticorpos,
determinar os níveis dos complexos insulina-anti-insulina em
como antiproteína P ribossomal, antifibrilarina e outros.
diabéticos. O princípio do radioimunoensaio envolve a ligação
competitiva de um antígeno radiomarcado e um antígeno não
marcado com um anticorpo de alta afinidade. Nefelometria e turbidimetria
Essas técnicas permitem a detecção de interação antíge-
no-anticorpo em fase líquida, baseado na interferência dos
imunocomplexos sobre um feixe de luz incidente. No caso da
turbidimetria, monitora-se a absorção de luz pelos imunocom-
plexos. No caso da nefelometria, mede-se o grau de espalha-
mento da luz pelos imunocomplexos presentes na amostra.
Esta é a técnica mais difundida para a determinação da con-
centração de fator reumatoide em uma amostra de soro ou
líquido sinovial.

Anticorpos antinucleares
Os anticorpos antinúcleo foram inicialmente descobertos
na década de 1940 mediante a técnica das células LE. Esse tes-
te teve grande importância histórica, mas não é mais utilizado
em razão da menor sensibilidade e da suscetibilidade a erros
técnicos e de interpretação. O método inicial indicado para o
rastreamento de anticorpos antinúcleo é a imunofluorescência
indireta, que detecta anticorpos antinucleares ou o fator antinu-
clear (ANA ou FAN). Apesar da nomenclatura histórica, o teste
permite de fato a detecção de anticorpos contra vários compar-
Figura 9.1 Ensaio de imunodifusão dupla. A fóvea central contém timentos celulares, incluindo o núcleo, nucléolo, citoplasma e
extrato antigênico e as fóveas periféricas contêm soro dos pa- aparelho mitótico. Portanto, tem sido proposta a substituição
cientes. As linhas esbranquiçadas representam a reatividade de pelo nome “Pesquisa de Anticorpos contra Antígenos Celulares”.
autoanticorpos presentes nas amostras de soro. As linhas que se Variados substratos celulares foram utilizados nessa metodolo-
encontram harmonicamente representam identidade de autoan- gia, mas há décadas está padronizado mundialmente o uso das
ticorpos nas amostras das respectivas fóveas. As linhas que se células HEp-2 de linhagem epitelial humana, que permite ótima
cruzam representam autoanticorpos distintos nas amostras das visualização de estruturas intracelulares.
respectivas fóveas.

Os Fundamentos do Diagnóstico – Medicina Laboratorial. Os Autoanticorpos nas Doenças Difusas do Tecido... 187
O teste FAN-HEp-2 é muito sensível para o diagnóstico de patológicos. Na verdade, o nível de autoimunidade fisiológi-
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

algumas doenças autoimunes, como o LES e a ES. De fato, o ca, ou “autoimunidade basal”, pode flutuar na dependência
encontro de um teste de FAN-HEp-2 negativo em um pacien- de sobrecargas a que o sistema imunológico seja exposto.
te não tratado torna pouco provável o diagnóstico de LES. Assim, é sabido que autoanticorpos frequentemente ocorrem
Por outro lado, o teste tem baixa especificidade, pois é posi- no cenário de infecções, neoplasias e uso de medicamentos.
tivo em diversas condições clínicas e pode ser detectado em Uma característica importante do teste FAN-HEp-2 é dada
até 13% da população geral na titulação de rastreamento de pelo padrão de imunofluorescência, pois o mesmo represen-
1/80. Portanto, é necessário critério para a interpretação de ta o mapa da distribuição topográfica dos antígenos alvos
um resultado positivo do teste FAN-HEp-2. Algumas caracte- dos autoanticorpos presentes no soro. Há padrões que quase
rísticas podem ser úteis na valorização do teste FAN-HEp-2. sempre são associados a um contexto de autoimunidade sis-
Indivíduos sem doença autoimune apresentam normalmente têmica, como é o caso dos padrões de fluorescência nucleares
FAN-HEp-2 em baixos títulos, enquanto pacientes autoimunes, pontilhado grosso e homogêneo. Em contrapartida, o padrão
geralmente, títulos médios ou altos, com algumas exceções em nuclear pontilhado fino denso, recentemente caracterizado,
ambos os cenários. Surge então a problemática existente en- é um dos mais frequentemente observados em pessoas sem
tre o crescente número de pedidos indiscriminados do teste doença autoimune com exame positivo ao teste do FAN-HEp-2.
FAN-HEp-2 e de outros autoanticorpos na clínica corriqueira e A indústria tem oferecido algumas alternativas para a pes-
sua correta interpretação (Tabela 9.3). Deve-se ter em mente quisa de anticorpos antinúcleo, baseadas em ensaios de ELISA,
que o fenômeno da autoimunidade não é exclusivo de estados em que o substrato antigênico é representado por uma coleção
de autoantígenos recombinantes ou purificados acrescidos ou
não de extrato celular. Diversas evidências trazem à atenção
a possibilidade de que essas técnicas não apresentam corres-
Tabela 9.3 Possibilidades de interpretação de um teste pondência adequada ao ensaio FAN-HEp-2. Recentemente, o
positivo de FAN-HEp-2. Colégio Americano de Reumatologia elaborou um documento
em que reitera que o padrão ouro para pesquisa de anticorpos
Associação evidente com uma condição autoimune antinúcleo é o teste FAN-HEp-2.
Nenhuma associação evidente com uma condição autoimune Os resultados do FAN são liberados de acordo com padrões
morfológicos distintos e com o título de autoanticorpos. A uti-
„„ “Incidentaloma”? lização da célula HEp-2 permitiu o reconhecimento de mais
„„ Autoanticorpos associados a doenças inflamatórias crônicas? de trinta padrões nucleares e citoplasmáticos. Os principais
„„ Distúrbio autoimune transitório? padrões de fluorescência estão descritos na Tabela 9.4 e ilus-
„„ Infecção? trados na Figura 9.2.
„„ Drogas? Um teste de imunofluorescência negativo para pesquisa de
„„ Câncer? anticorpos antinucleares é forte evidência contra o diagnósti-
„„ Traço familiar de autoimunidade? co de LES, porém títulos baixos ou ausentes não excluem uma
„„ Manifestação mínima de um espectro de condições autoimunes?
doença reumática, principalmente em casos de forte suspeita
„„ Manifestação precoce de uma doença autoimune incipiente?
clínica. Assim, apenas 2% dos casos de lúpus ativos apresen-
tam FAN negativo quando a triagem é feita em células HEp-2,

Tabela 9.4 Exemplos de padrões de ANA-HEp-2, autoantígenos associados e possíveis correlações clínicas.
Padrão de ANA-HEp-2 Autoantígeno(s) associado(s) Correlação clínica
DNA nativo LES
DNA de hélice simples Artrite juvenil idiopática;
LES induzido por drogas e LES idiopático.
Nuclear homogêneo Histona (H1, H2A, H2B, H3, e H4) LES idiopático; LES induzido por drogas; AR; Síndrome de
Felty; Artrite juvenil idiopática; Esclerose sistêmica; Cirrose
biliar primária; Hepatite autoimune.
Nucleossomo (cromatina) LES
SS-B/La Síndrome de Sjögren, LES, LES neonatal, LES cutâneo.
Nuclear pontilhado fino SS-A/Ro Síndrome de Sjögren, LES, LES cutâneo, LES neonatal, AR,
miosite e esclerose sistêmica, polimiosite.
Sm LES
Nuclear pontilhado grosso
U1-RNP (22, 34 e 70 kDa) DMTC; LES; Esclerose sistêmica.
Nuclear pontilhado grosso Ribonucleoproteínas heterogêneas (hnRNP) LES, DMTC, outras doenças reumáticas, doenças
reticulado inflamatórias crônicas e mesmo em indivíduos hígidos.

(Continua)

188 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 9.1
Tabela 9.4 Exemplos de padrões de ANA-HEp-2, autoantígenos associados e possíveis correlações clínicas. (Continuação)
Padrão de ANA-HEp-2 Autoantígeno(s) associado(s) Correlação clínica

Doenças reumáticas autoimunes, hepatopatias, doenças


Membrana nuclear Laminas, Lamina B, gp210
virais e também em indivíduos hígidos.

p80 coilina (80 kDa) Síndrome de Sjögren; doenças inflamatórias; indivíduos


Raros pontos nucleares
hígidos.

Múltiplos pontos nucleares Sp-100 Cirrose biliar primária.

Antígenos de célula em proliferação (34 kDa) (PCNA) LES; condições neoplásicas.


Nuclear pleomórfico
CENP-F (340 kDa)

Centromérico Proteínas associadas ao centrômero (CENP-A de 17 kDa, CREST, esclerose sistêmica, cirrose biliar primária, síndrome
CENP-B de 80 kDa e CENP-C de 140 kDa) de Sjögren.

Fibrilarina (34 kDa) Esclerose sistêmica.


(Nucleolar grumoso puro)

PM/Scl (20-110 kDa) Polimiosite/esclerose sistêmica em superposição. Menos


(Nuclear homogêneo e nucleolar pontilhado fino) comum na polimiosite, dermatomiosite, esclerose sistêmica.
Nucleolar
RNA polimerase I (10 a 220 kDa) Esclerose sistêmica.
(Nucleolar pontilhado e pontos isolados na placa metafásica)

Scl-70 (70 e 86 kDa) Esclerose sistêmica, predominando na forma difusa, mas


(Nuclear e nucleolar pontilhado fino.) pode ocorrer na forma limitada.

Citoplasmático pontilhado fino Proteína P ribossomal, PL-7, PL-12 LES; Polimiosites.


denso

Citoplasmático pontilhado fino Jo-1,outras sintetases Polimiosites.

Citoplasmático pontilhado Antígenos mitocondriais Cirrose biliar primária.


reticulado

Figura 9.2 Imagens dos principais padrões de imunofluorescência indireta em células HEp-2.

Os Fundamentos do Diagnóstico – Medicina Laboratorial. Os Autoanticorpos nas Doenças Difusas do Tecido... 189
constituindo-se em casos com presença de antifosfolípides, an- São encontrados em cerca de 40 a 70% dos pacientes com
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

ti-RNP ribossomal, e raríssimos casos com anti-SS-A/Ro ou anti- LES e doença ativa. Estão claramente implicados na patogêne-
-dsDNA que não apresentam reatividade no teste FAN-HEp-2. se do LES, com formação de imunocomplexos e deposição nos
A sensibilidade do FAN varia muito entre as doenças autoi- glomérulos, resultando inflamação local (glomerulonefrite).
munes (Tabela 9.5). Reações falso-negativas são mais comumente Sua presença, por conseguinte, está relacionada com maior
encontradas na presença de anticorpos anti-SS-A/Ro, autoantíge- probabilidade de acometimento renal e de nefrite ativa. Bai-
no que pode ser eliminado durante o processo de fixação na lâ- xos títulos podem ocorrer raramente na artrite reumatoide,
mina; na presença de anticorpos anti-DNA de fita simples, o qual hepatite crônica ativa, lúpus induzido por drogas, síndrome de
torna-se inacessível após a formação da fita dupla; na presença Sjögren e infecções como esquistossomose e malária.
de imunocomplexos ou baixos títulos de anticorpos, que podem Sua detecção é usualmente feita por IFI (empregando o ci-
estar indetectáveis pela neutralização por antígenos circulantes; netoplasto da Crithidia luciliae como substrato) e por ELISA. A
e durante o uso de terapia imunossupressora. técnica de imunoprecipitação em fase líquida (teste de Farr)
também pode ser utilizada, mas por causa de sua complexi-
dade é geralmente utilizada em estudos científicos. O teste de
IFI em Crithidia tem menor sensibilidade, mas grande especi-
Tabela 9.5 Sensibilidade do FAN-Hep2.
ficidade para a detecção dos anti-nDNA, já que no cinetoplasto
não são detectados antígenos como histonas ou DNA de fita
Classes de doenças Sensibilidade (%) simples. Já o teste de ELISA, que permite detecção de anticor-
pos de menor avidez, tem maior sensibilidade em detrimento
Doenças reumáticas autoimunes
da especificidade. Pela técnica de ELISA, pode-se alcançar de
Lúpus eritematoso sistêmico 95-100 1 a 30% de positividade em outras doenças reumáticas autoi-
Doença mista do tecido conectivo 100 munes, geralmente em baixos títulos. Um dos fatores que cau-
Lúpus induzido por drogas 100 sa essa grande variabilidade é o kit comercial utilizado.
Esclerodermia 60-80
Síndrome de Sjögren 40-70 Anticorpos anti-DNA de cadeia simples (ss-DNA)
Polimiosite/Dermatomiosite 60 São anticorpos diretos contra as bases púricas e pirimídi-
Artrite reumatoide 50 cas, presentes em cerca de 70% dos pacientes com LES ativo,
Vasculites 30-50 não sendo porém específico para nenhuma doença. Apesar da
Lúpus discoide 15 baixa especificidade, pode ser útil nos pacientes com forte sus-
peita de LES e FAN persistentemente negativo.
Doenças não reumáticas
Hepatite autoimune 100 Anticorpos anti-histonas
Doença de graves 50 Histonas são proteínas encontradas em células eucariotas
Tireoidite de Hashimoto 46 associadas ao DNA genômico. Anticorpos anti-histonas ocor-
Hipertensão pulmonar primária 40 rem em 50 a 70% dos pacientes com LES e em mais de 96%
dos pacientes com LES induzido por drogas. As drogas mais
relacionadas são procainamida, hidralazina, clorpromazina e
Testes específicos para detecção dos autoanticorpos quinidina, de pouco uso no armamentário mais moderno. Vale
Isoladamente, o teste de FAN-HEp-2 não permite pontuar ressaltar que cerca de 80% dos pacientes em uso de procaina-
precisamente o antígeno reconhecido nem mesmo associá-lo mida por 1 a 2 anos vai desenvolver FAN positivo sem desen-
a alguma doença. Para esse propósito, alguns outros testes volver lúpus clínico induzido por drogas.
são tradicionalmente utilizados na identificação de autoanti-
corpos em doenças reumáticas autoimunes, como a imunodi- Anticorpos antinucleossomo (-cromatina)
fusão dupla (IDD), que se presta à identificação de diversos A cromatina presente nas células eucarióticas é formada
autoanticorpos contra antígenos nucleares (SS-A/Ro, SS-B/ por um conjunto de subunidades denominadas de nucleosso-
La, Sm, U1RNP, Jo-1, Scl-70, PM/Scl), e a imunofluorescência mo, que contém aproximadamente duzentos pares de bases de
indireta com substratos específicos, como a Crithidia luciliae, DNA envolvidos por histonas H2a, H2b, H3 e H4. Anticorpos
na detecção de anticorpos anti-DNA nativo. antinucleossomo (anti-NCS) podem ser encontrados em 50 a
Mais recentemente têm sido desenvolvidos kits comerciais 90% dos pacientes com LES e aparentemente correspondem
baseados em ensaios em fase sólida, como ELISA, hemagluti- aos anticorpos antigamente detectados pela técnica das célu-
nação, “line blot”, “dot blot” e ensaios multiplex. Como mencio- las LE.
nado anteriormente, o desempenho desses testes é altamente Os anticorpos anti-NCS também parecem ser específicos
dependente da qualidade dos insumos. Além disso, sua enor- do LES, principalmente quando em títulos moderados ou altos.
me sensibilidade enseja um número apreciável de resultados Entretanto, alguns estudos encontraram que pacientes com
falso-positivos. hepatite autoimune (40 a 50% dos casos), esclerose sistêmica
e síndrome de Sjögren também podem apresentar anti-NCS
Anticorpos anti-DNA nativo ou de cadeia dupla (nDNA) em baixos títulos.
Os anticorpos anti-DNA nativo (anti-nDNA) foram descri- Na maioria dos estudos com pacientes com LES e em mo-
tos há mais de cinquenta anos em quatro estudos independen- delos animais, a presença de anti-NCS teve correlação com a
tes em pacientes com LES, e seu papel na patogênese da nefrite nefrite. Outras associações clínicas, como manifestações he-
do LES foi sugerida desde 1967 por Koffler e col após a detec- matológicas, artrite e eritema malar, também foram descritas.
ção de anti-nDNA ds no eluato de biópsias renais. Apesar de apresentarem boa correlação com os níveis de anti-

190 Tratado Brasileiro de Reumatologia


-nDNA, os anticorpos anti-NCS podem estar presentes em 11 são mais sensíveis e capazes de detectar anticorpos em baixas

„„ CAPÍTULO 9.1
a 51% dos casos de LES com pesquisa de anti-nDNA negativa. concentrações e de baixa avidez, além de serem mais fáceis de
executar, podendo ser utilizados na maior parte dos labora-
Anticorpos antiproteína P ribossomal tórios clínicos. Por isso, há um grande apelo comercial para
Os anticorpos anti-P ribossomal estão voltados para antí- migração para os ensaios de ELISA e hemaglutinação. Contu-
genos presentes em três proteínas fosforiladas (P0, P1 e P2) do, é necessário ter cautela, pois as associações clínicas dos
da subunidade 60S dos ribossomos. Inicialmente foi feita uma ENAs, estabelecidas pelos ensaios de difusão, nem sempre são
associação entre o anti-P ribossomal e as manifestações neu- mantidas com os ensaios de ELISA e hemaglutinação. Isso é es-
ropsiquiátricas do LES, mas essa correlação é bastante contro- pecialmente aplicável quando a concentração de autoanticor-
versa. O anti-P ribossomal pode ser encontrado em 15 a 30% pos no soro do paciente for baixa, correspondendo a valores
dos pacientes com LES, e um dos pontos de maior interesse é de densidade óptica (D.O.) anormais, mas baixos, nos ensaios
a alta especificidade desses autoanticorpos para o diagnóstico de ELISA. Em outras palavras, um resultado positivo, em que
dessa doença. Além disso, o anti-P ribossomal apresenta uma a D.O. esteja próxima ao valor de corte (cutoff) da reação, tem
correlação com a atividade da doença, principalmente com a significado duvidoso, não sendo comparável a um resultado
nefrite (forma membranosa) e a hepatite. positivo obtido por imunodifusão dupla.
Em alguns estudos foi descrita a associação entre os an- Os principais anticorpos anti-ENA são:
ticorpos anti-P ribossomal e outros anticorpos específicos do „„ Anticorpos anti-Sm e anti-RNP
LES, como o anti-Sm e o anti-nDNA. Em outros estudos nos Os autoanticorpos anti-Sm e anti-U1-RNP são dirigidos
quais não há relato de sua associação com manifestações neu- contra uma estrutura envolvida na síntese do RNA-m
ropsiquiátricas do LES, há descrição de sua associação com ar- denominada spliceossomo, formada por complexos de
trite e atividade de doença. Há relato de que o anticorpo anti-P RNA e proteínas. Entretanto, enquanto o anti-Sm apre-
ribossomal aparece em jovens com LES, com manifestações senta especificidade para as subunidades RNA U2, U4,
articulares graves e com presença de quadro depressivo, mas U5 e U6, o antiU1-RNP está dirigido para o RNA-U1.
sem correlação com sua gravidade. O antígeno Smith leva o nome da primeira paciente
A detecção de anticorpos anti-P ribossomal pode ser feita na qual foi encontrado. É um complexo de proteínas
por IDD, western blot (WB) e ELISA. nucleares não histona que se ligam a RNAs pequenos
formando complexos envolvidos no processamento do
Anticorpos anti-ENA (“antígenos nucleares extraíveis”) RNA mensageiro. São encontrados em 10 a 30% dos
Vários antígenos presentes nas células podem ser extraí- pacientes com LES e raramente encontrados em pa-
dos a partir de tecidos homogeneizados em soluções salinas. cientes com outras condições, o que lhes confere alta
Os ENAs são, na verdade, antígenos celulares extraíveis e não especificidade.
apenas antígenos nucleares. Inicialmente a denominação ENA Anticorpos anti-U1-RNP são dirigidos contra a fração
referia-se apenas aos antígenos Sm e RNP. Entretanto, vários nuclear das ribonucleoproteínas, aparecendo em bai-
outros autoantígenos foram posteriormente identificados nos xos títulos em 30 a 40% dos pacientes com LES, lúpus
extratos salinos celulares, podendo, portanto, ser considera- discoide, esclerose sistêmica, artrite reumatoide e sín-
dos ENAs lato sensu. drome de Sjögren. Altos títulos de RNP na ausência de
Tradicionalmente os anticorpos contra antígenos nuclea- anti-Sm são fortemente sugestivos de doença mista do
res extraíveis (ENAs) têm sido pesquisados por imunodifusão tecido conectivo (DMTC).
dupla e contraimunoeletroforese. Como exposto anterior- „„ Anticorpos anti-SS-A/Ro e anti-SS-B/La
mente, essa metodologia baseia-se na formação de linhas de O complexo antigênico SS-A/Ro e SS-B/La é formado
precipitação (linhas de Ouchterlony) pela reação dos autoan- por três proteínas (Ro 52KDa, Ro 60KDa, La) e por qua-
ticorpos presentes no soro do paciente com os ENAs presen- tro pequenas partículas de RNA. Os anticorpos anti-SS-
tes em uma fonte de antígenos. As linhas obtidas com o soro -A/Ro e o anti-SS-B/La são geralmente encontrados
do paciente são comparadas com as linhas adjacentes obtidas em pacientes com Síndrome de Sjögren, mas já foram
com soros-padrão, de especificidade conhecida (anti-SS-A/Ro, descritos em diversas doenças autoimunes, como no
anti-SS-B/La, anti-RNP, anti-Sm, anti-Scl-70 e anti-Jo-1). A con- LES (30%), AR, síndromes de superposição e na cirro-
tinuidade entre as linhas de precipitação do soro padrão e do se biliar primária (CBP). Portanto, são autoanticorpos
soro teste representa identidade de anticorpos nos respecti- característicos dessa síndrome, apesar de não serem
vos soros, enquanto o cruzamento das duas linhas representa específicos dela.
diferentes especificidades nos dois soros. Esse princípio é uti- Anticorpos anti-SS-A/Ro estão presentes em cerca de
lizado para determinação da especificidade do autoanticorpo 60% dos pacientes com síndrome de Sjögren primária
em uma amostra desconhecida. e em 10 a 15% dos casos de Sjögren associados à artrite
As técnicas de imunodifusão dupla e contraimunoeletro- reumatoide, além de 40% dos casos de LES, nestes ten-
forese foram os métodos responsáveis pela descoberta desses do associação com fotossensibilidade, lúpus cutâneo su-
sistemas de autoanticorpos, bem como pelo estabelecimento bagudo, vasculite cutânea, doença intersticial pulmonar,
de suas associações clínicas. São métodos artesanais e demo- lúpus neonatal e bloqueio cardíaco congênito. Nos casos
rados, que detectam apenas a presença de anticorpos precipi- de síndrome de Sjögren, altos títulos estão associados
tantes em concentrações suficientes para produzir uma linha com uma maior incidência de manifestações extraglan-
de precipitação visível, além de necessitarem de mão de obra dulares, especialmente púrpura e vasculite.
especializada para sua realização e interpretação. Aproximadamente 50% dos pacientes com LES que
Mais recentemente tem sido possível testar os anticorpos apresentam anti-SS-A/Ro também apresentam anti-
anti-ENA também por ELISA e hemaglutinação. Esses testes -SS-B/La, um antígeno intimamente relacionado ao

Os Fundamentos do Diagnóstico – Medicina Laboratorial. Os Autoanticorpos nas Doenças Difusas do Tecido... 191
RNA proteico. Esse anticorpo está fortemente asso- ao uso de prednisona e maior necessidade de uso de
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

ciado à síndrome de Sjögren, podendo ser encontrado um segundo imunossupressor. Geralmente esse pior
também em pacientes com cirrose biliar primária e he- prognóstico está associado a uma maior prevalência
patite autoimune. Raramente é encontrado na ausên- de doença pulmonar intersticial (DPI). Em estudo com
cia do anti-SS-A/Ro. 156 pacientes com DM/PM, a prevalência de DPI foi
As principais indicações para a pesquisa de anti-SS-A/ maior no grupo de pacientes que tinham anti-Jo-1 po-
Ro e anti-SS-B/La são: gestantes lúpicas; mulheres de sitivo. Apesar disso, a evolução clínica pulmonar (disp-
filhos com bloqueio cardíaco congênito; pacientes com neia e alteração das provas de função pulmonar) foi
fotossensibilidade e erupções cutâneas em investigação; semelhante ao grupo anti-Jo-1 negativo.
pacientes com forte suspeita de LES porém com FAN „„ Anticorpos anticentrômero
negativo; pacientes com xerostomia, ceratoconjuntivite São fortemente associados à esclerose sistêmica, es-
sicca ou aumento de glândulas salivares e lacrimais. pecialmente às formas limitadas. Sua presença indica
„„ Anticorpos anti-Scl-70 um aumento no risco de desenvolver a doença em pa-
Desde o início dos anos 1960, a presença de FAN foi cientes com fenômeno de Raynaud. Podem ser obser-
descrita como um marcador diagnóstico de esclerose vados também na cirrose biliar primária e na síndrome
sistêmica (ES). Posteriormente, foi identificado um au- de Sjögren. São mais frequentes em mulheres da raça
toanticorpo especificamente associado à ES, voltado branca, e estão fortemente associados ao tipo limita-
contra uma proteína de 70 KDa (Scl-70). Os anti-Scl-70 do da esclerose sistêmica, embora de 5 a 7% dos pa-
estão dirigidos contra a enzima topoisomerase-I, en- cientes com o anticorpo presente venham a apresentar
volvida nos processos de transcrição e duplicação do esclerose sistêmica difusa. Também apresentam risco
DNA. Anticorpos anti-Scl-70 mostram alta especifici- aumentado para o desenvolvimento de hipertensão
dade para a esclerose sistêmica (97 a 100%), princi- arterial pulmonar, embora não tenha sido evidenciado
palmente quando usadas técnicas de imunodifusão risco para vasculopatia digital grave.
dupla. Entretanto, sua sensibilidade é baixa, pois está Podem ser pesquisados por ensaios ELISA específicos
presente em não mais do que 20% dos casos. Ambos para alguns dos antígenos envolvidos, porém o método
os padrões da doença estão associados com a pre- mais utilizado é a imunofluorescência indireta em cé-
sença desses anticorpos, com predominância do tipo lulas HEp-2, em que ocasionam um padrão de imuno-
difuso23. São fortes preditores de fibrose pulmonar e fluorescência característico.
úlceras digitais, havendo associação dos níveis de anti- São mais raramente encontrados em outras doenças
corpos com a atividade da esclerose sistêmica. reumáticas ou em pessoas saudáveis, principalmente
A pesquisa do anti-Scl-70 é tradicionalmente realizada quando em baixos títulos. Dificilmente coexiste com anti-
através da técnica de imunodifusão dupla (IDD) com -Scl-70 ou outros autoanticorpos na esclerose sistêmica.
extrato de timo de coelho que apresenta boa sensi- „„ Anticorpos anti-Mi-2
bilidade e especificidade. Outras técnicas também
Reagem com helicases nucleares, parte do complexo de
utilizadas são a contraimunoeletroforese, imunopreci-
deacetilase que remodela o nucleossomo e com papel
pitação, immunoblotting e ELISA.
na transcrição gênica, aparecendo exclusivamente na
„„ Anticorpos anti-Jo-1 dermatomiosite em cerca de 20% dos pacientes. Po-
Os autoanticorpos específicos das miopatias inflama- dem ser detectados por imunodifusão dupla, imuno-
tórias estão, em sua maioria, dirigidos contra comple- precipitação e “line blot”.
xos de RNA/proteínas envolvidos na síntese proteica. „„ Anticorpos anti-Ku
O mais bem caracterizado é o anti-histidil-tRNA sinte-
Dirigidos contra um par de proteínas (p70/80) com
tase (anti-Jo-1), presente em 11 a 20% dos pacientes
alta afinidade pelo DNA. São encontrados na esclero-
com polimiosite (PM). Esse anticorpo geralmente é
dermia, LES, síndromes de sobreposição e hipertensão
mais prevalente em pacientes de PM com doença pul-
pulmonar primária. Podem ser detectados por imuno-
monar intersticial, quando são descritos em 40 a 70%
precipitação e imunodifusão dupla.
dos casos.
A especificidade do anti-Jo-1 por ID pode ser compro- Anticorpos antifosfolípides (AFL)
vada pela baixa prevalência desse anticorpo em indiví-
duos sadios, pacientes com outras DRAI e pacientes com São autoanticorpos contra fosfolipídeos carregados nega-
distrofias musculares. Além do valor diagnóstico, alguns tivamente (anticardiolipinas ‒ aCL, anticoagulante lúpico-AL),
autores sugerem uma correlação com a atividade da que levam a manifestações vaso-oclusivas e hematológicas.
doença. Os anticorpos anti-Jo-1 e também aqueles con- Frequentemente coexistem com anticorpos contra a β2-
tra outras tRNA sintetases apresentam uma associação glicoproteina-I (β2GP-I), que têm o mesmo significado clínico.
clínica peculiar, constituída de miosite, artrite não ero- A presença dos AFL pode ser demonstrada pela combinação
siva, hiperceratose da face ulnar das palmas, fenômeno de ensaios baseados na coagulação e testes imunológicos.
de Raynaud e doença pulmonar intersticial (DPI). Esse
quadro é conhecido como síndrome antisintetase. Ensaios de coagulação para anticoagulante lúpico (AL)
Em estudo com 81 pacientes com PM, foi encontrada São testes indiretos sensíveis aos passos da coagulação
uma correlação positiva entre os níveis de anti-Jo-1 e sanguínea dependente de fosfolípides: tempo de trombo-
o aumento de enzimas musculares, artrite e fraqueza plastina parcial ativado (KTTP), teste do veneno de víbora de
muscular. Quanto ao prognóstico, estudos apontam Russel, tempo de coagulação da kaolina e teste de inibição da
uma associação do anti-Jo-1 com uma baixa resposta tromboplastina tecidual. Consensos internacionais recomen-

192 Tratado Brasileiro de Reumatologia


dam a testagem em duas etapas, a primeira com teste mais São observados dois padrões principais de imunofluores-

„„ CAPÍTULO 9.1
sensível, a segunda com teste específico. O teste é desenvol- cência:
vido em três etapas, incluindo o rastreamento, a não correção „„ cANCA: granulações finas com acentuação central ca-
pela adição de soro normal e a comprovação pela adição de racterística no citoplasma dos neutrófilos (Figura 9.3).
excesso de fosfolipídeos. O antígeno em 90% dos casos é a proteinase 3 (PR3),
De forma geral, o teste para anticoagulante lúpico fica uma proteinase serina neutra dos neutrófilos, forte-
prejudicado em pacientes em uso de anticoagulantes, e o tra- mente associada à GW. Alguns autores consideram que
tamento com heparinas não fracionadas pode causar testes os níveis de ANCA são úteis na monitorização da ativi-
falso-positivos. dade da doença, sendo o teste positivo em mais de 90%
dos indivíduos com GW generalizada ativa e em cerca
„„ Ensaios imunológicos de 30% com doença inativa ou com formas localizadas.
„„ Dosagem de anticorpos anticardiolipina (aCL): a A associação entre atividade da doença e os níveis séri-
cardiolipina é um fosfolípide aniônico, componente cos de ANCA pode ser observada em alguns pacientes,
das membranas celulares. O método usado na investi- mas não é um parâmetro absoluto. A especificidade é
gação é o ELISA, podendo detectar e quantificar anti- alta, acima de 80%, principalmente quando há positi-
corpos específicos das classes IgG, IgM e IgA. O isotipo vidade simultânea por imunofluorescência indireta e
IgG parece ser mais específico que o IgM para diagnós- ELISA específico para PR3.
tico de síndrome AFL, e normalmente está presente em
níveis moderados a elevados. Quando presentes em
outras doenças, como artrite reumatoide, tuberculose,
sífilis, hanseníase, infecção pelo HIV, geralmente estão
presentes em níveis baixos, sendo mais comumente do
isotipo IgM. O isotipo IgA tem maior prevalência em
populações negras ou mestiças.
„„ Dosagem do anticorpo anti-b2-glicoproteína-1
(anti-b2-GP-1): a b2-GP-1 é um cofator sérico atuan-
te no processo de coagulação, sendo necessário para
a ligação do anticorpo anticardiolipina à cardiolipina.
Sua dosagem foi recomendada como critério sorológi-
co adicional para classificação da SAF.
Vale ressaltar que testes negativos não afastam com-
pletamente a presença de anticorpos AFL, e que na
vigência de uma trombose aguda os títulos desses anti-
corpos podem se reduzir a níveis normais. Na suspeita
clínica, deve-se repetir os testes após passado o perío- Figura 9.3 Imagem de imunofluorescência indireta em neutrófi-
do agudo da doença. los humanos, evidenciando o padrão pANCA.

Anticorpos Anticitoplasma de Neutrófilos (ANCA)


„„ pANCA: coloração perinuclear, que representa um ar-
Em 1982, anticorpos contra antígenos citoplasmáticos de
tefato causado pela redistribuição citoplasmática dos
neutrófilos foram descritos em pacientes com glomerulonefri-
antígenos para o espaço perinuclear durante a fixação
te pauci-imune. Esses anticorpos estão dirigidos contra antí-
pelo etanol (Figura 9.4). O autoanticorpo mais comum
genos localizados nos grânulos presentes no citoplasma dos
neutrófilos e monócitos, e são geralmente do subtipo IgG. Os
alvos predominantes dos ANCA são a proteinase 3 (PR3) e a
mieloperoxidase (MPO). Em 1985 foram associados à granu-
lomatose com poliangeite (granulomatose de Wegener, GW)
e, vários anos depois, a relação não só com a GW, mas com a
poliangiíte microscópica e outras vasculites necrotizantes sis-
têmicas, já era bem estabelecida. Alguns autores sugerem um
papel adicional dos ANCA na monitorização da doença, mas há
dados que questionam essa associação.
Os testes comumente usados são a imunofluorescência
indireta em neutrófilos humanos e o ELISA. O Consenso Inter-
nacional para Diagnóstico de Vasculites Sistêmicas recomenda
a realização dos dois tipos de teste simultaneamente, o que
agrega sensibilidade e especificidade diagnóstica. Isso se deve
ao fato de que entre 1 e 15% dos pacientes apresentam au-
toanticorpos que só reagem na imunofluorescência indireta
ou em ELISAs para MPO e PR3. Isso provavelmente deve-se a
diferenças no repertório de epítopos apresentados em cada Figura 9.4 Imagem de imunofluorescência indireta em neutrófi-
plataforma metodológica. los humanos, evidenciando o padrão cANCA.

Os Fundamentos do Diagnóstico – Medicina Laboratorial. Os Autoanticorpos nas Doenças Difusas do Tecido... 193
nesse padrão é dirigido contra a mieloperoxidase
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

(MPO), presente em abundância nos grânulos primá-


Tabela 9.6 Doenças associadas à presença de fator reuma-
rios dos neutrófilos. Tem uma sensibilidade variando
de 30 a 80% para a glomerulonefrite rapidamente pro- toide.
gressiva com crescentes e está presente em cerca de Frequência de fator
Doenças
40% dos pacientes com síndrome de Churg-Strauss, reumatoide
além de se associar à alveolite hemorrágica e à polian-
„„ Artrite reumatoide
giíte microscópica.
„„ Síndrome de Sjögren
Em doenças não vasculíticas pode aparecer um padrão „„ Doença mista do tecido conectivo Alta
de ANCA atípico, de coloração similar, porém não idêntica
ao pANCA, associado a anticorpos contra outras enzimas „„ Hepatites B/C
citoplasmáticas, como elastase, lactoferrina e catepsina G, „„ Crioglobulinemia mista
bem como a proteínas ligadas à heterocromatina. Esse pa- „„ Lúpus eritematoso sistêmico
drão é encontrado na doença inflamatória intestinal, colan-
gite esclerosante e hepatite autoimune tipo 1. Pode ocorrer „„ Polimiosite/Dermatomiosite
também em decorrência do uso de algumas drogas. Nes- „„ Endocardite Média
ses casos sempre realizar um ELISA específico para MPO e
„„ Fibrose pulmonar idiopática
PR3, que habitualmente será negativo. Alguns exemplos de
drogas associadas à indução de ANCA (e eventual doença „„ Cirrose biliar primária
clinicamente manifesta) são a hidralazina, minociclina e „„ Tuberculose
propiltiouracil.
„„ Hanseníase
Deve-se realizar pesquisa de ANCA nas seguintes situa-
„„ Neoplasias
ções: casos de glomerulonefrite aguda sem fator causal, asso- Baixa
ciada a problemas respiratórios; na suspeita de granulomatose „„ Asma
de Wegener localizada ou inicial, a qual pode ter apenas envol- „„ Sarcoidose
vimento persistente e grave do trato respiratório alto ou baixo;
em casos de hemorragia alveolar pulmonar inexplicada; e em „„ Idade acima de 65 anos
pacientes nos quais a biópsia está contraindicada.
Anticorpos Contra Peptídeos Citrulinados (ACPA)
Fator Reumatoide (FR)
Uma nova classe de autoanticorpos, os anticorpos con-
É um autoanticorpo que pode ser de qualquer classe de tra peptídeos citrulinados, tem auxiliado sobremaneira aos
imunoglobulinas, mais comumente IgM, e que tem especifi- clínicos nos últimos anos no que tange ao diagnóstico da ar-
cidade contra a fração Fc da molécula de imunoglobulina G trite reumatoide. A citrulina é um aminoácido modificado pós-
(IgG). Várias técnicas laboratoriais foram desenvolvidas para -tradução a partir de resíduos de arginina e está presente em
identificar a presença de fator reumatoide (FR). A técnica de alta frequência na cadeia peptídica da filagrina, fibrina e vi-
Waaler-Rose é baseada na observação de que soros de pacien- mentina. As regiões ricas em citrulina parecem ser o alvo dos
tes com artrite reumatoide aglutinam eritrócitos de carneiro anticorpos antifator perinuclear (APF) e antifilagrina, identifi-
recobertos com IgG de coelho. O método de aglutinação pelo cados na artrite reumatoide em 1964 e 1989, respectivamente
látex utiliza pérolas de látex sensibilizadas com IgG humana, (Figura 9.5). Após a demonstração de que o alvo comum des-
e o resultado é expresso pela recíproca da maior diluição que ses autoanticorpos são peptídeos contendo um resíduo argi-
apresenta atividade de aglutinação. A nefelometria e a turbidi- nina, desenvolveram-se um ensaio imunoenzimático estável e
mentria são capazes de medir quantitativamente o FR, sendo padronizável a partir de uma coleção de peptídeos sintéticos
os métodos mais indicados atualmente. cíclicos ricos em citrulina (anti-CCP-2). O anti-CCP-2 é mui-
Apesar do nome, o FR não é específico para artrite reu- to específico (96 a 98%) para a artrite reumatoide no adulto
matoide, podendo ter sua produção induzida em uma ampla (AR), com uma sensibilidade de 60 a 70%.2
gama de doenças autoimunes, inflamatórias ou infecções com Mais recentemente ensaios adicionais foram desenvolvi-
estimulação antigência crônica (Tabela 9.6). A prevalência dos com outros substratos ricos em citrulina (vimentina, fibri-
também aumenta com a idade, e cerca de 5% dos indivíduos nogênio e outros), que apresentam desempenho diagnóstico
sadios apresentam FR em seu soro. Pode não estar presente semelhante. Pelo fato de existirem múltiplos ensaios para de-
na artrite reumatoide inicial, mas pode preceder a eclosão da finição dessa classe de anticorpos, instituiu-se a nomenclatura
doença em alguns indivíduos. anticorpos antipeptídeos citrulinados (ACPA, do Inglês Anti-
O valor preditivo positivo é de cerca de 25% para artrite -Citrullinated Peptide Antibodies).
reumatoide (AR), sendo de 35% para outras doenças reumáti- A pesquisa de ACPA é especialmente útil no diagnóstico
cas; e o valor preditivo negativo é de 90% para AR e 85% para diferencial da poliartrite recente, pois tem aparecimento pre-
outras doenças reumáticas. O leitor deve manter em mente, no coce e alto valor preditivo positivo para AR. Apesar da boa
entanto, que valores preditivos são dependentes da frequên- especificidade para a AR, resultados positivos em títulos bai-
cia da artrite reumatoide em sua população regional. O título xos podem ocorrer em outras doenças, como tuberculose e
de FR também é importante, sendo que títulos mais altos se algumas doenças reumáticas, como LES (15%), síndrome de
associam a formas mais graves, com artrite erosiva e compro- Sjögren (14%), polimiosite ou dermatomiosite (23%) e escle-
metimento sistêmico, particularmente nódulos subcutâneos e rodermia (6%). Portanto, resultados com valores pouco acima
vasculite. do valor de corte devem ser considerados com cautela.

194 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Aproximadamente 80% dos pacientes com febre reumáti-

„„ CAPÍTULO 9.1
ca mostram aumento no título de antiestreptolisina.

Reagentes de fase aguda


Denomina-se resposta de fase aguda a alteração na con-
centração sérica de certas proteínas após o dano tecidual, al-
gumas respondendo com elevação (biomarcadores positivos),
e outras respondendo com diminuição (biomarcadores nega-
tivos) de suas concentrações, associadas a mudanças compor-
tamentais e alterações fisiológicas, bioquímicas e nutricionais
(Tabelas 9.7 e 9.8).

Tabela 9.7 Biomarcadores inflamatórios positivos*.


Sistema de coagulação/fibrinólise
Figura 9.5 Imagem de imunofluorescência indireta em células „„ Fibrinogênio, Plasminogênio, Proteína S, Inibidor do ativador de
da mucosa oral humana, evidenciando anticorpos antifator pe- plasminogênio tecidual
rinuclear.
Sistema complemento
„„ C3, C4, C9, Fator B, Inibidor C1, Lectina ligadora de manose

Em uma amostragem brasileira o anti-CCP-2 foi mais espe- Proteínas de transporte


cífico que o FR para AR, incluindo doença inicial. Níveis séricos „„ Ceruloplasmina, Haptoglobina, Hemopexina
acima de 50 U/mL para anti-CCP e acima de 200 UI/mL para
Participantes da resposta inflamatória
FR aumentaram a probabilidade de AR. A combinação de am-
„„ Fosfolipase A2 secretória, Antagonista do receptor de IL-1, Fator
bos os testes positivos gerou maior probabilidade de doença
estimulador de colônias
em uma população com baixa probabilidade de AR pré-teste.
Pacientes com ACPA e AR recente têm um risco aumentado Antiproteases
de dano articular e rápida progressão radiológica. Mas talvez „„ α1-Antiprotease, α1-Antiquimiotripsina, Inibidor da tripsina
essa associação se deva ao fato de que o ACPA permite filtrar pancreática
mais adequadamente os casos que realmente serão AR, por- Outros
tanto aqueles com doença mais erosiva. Por outro lado, estu-
„„ Proteína C-reativa, Proteína sérica amiloide A, α1-glicoproteína ácida,
dos com AR bem estabelecida têm falhado em demonstrar que Fibronectina, Ferritina
esse autoanticorpo define doença mais agressiva.
(*Modificada de Carvalho e Rosa Neto, ref. 8)
Embora possa ser observada uma diminuição nos títulos
de ACPA em pacientes tratados efetivamente com biológicos
ou drogas modificadores da doença (DMARDs), esse não é um
fenômeno consistente e não deve ser utilizado com parâmetro Tabela 9.8 Biomarcadores inflamatórios negativos*.
de resposta terapêutica.
„„ Albumina
Antiestreptolisina-O „„ Transferrina
„„ Transtirretina
Na avaliação do paciente com suspeita de febre reumática
aguda, a antiestreptolisina-O (ASLO) é útil para demonstrar „„ α2-HS glicoproteína
evidência de uma infecção estreptocócica prévia. Evidências „„ α-feto proteína (AFP)
fortes de uma infecção incluem: (*Modificada de Carvalho e Rosa Neto, ref. 8)

„„ Aumento da ASLO ou outros anticorpos antiestrepto-


cocos. Os biomarcadores da inflamação dividem-se em quatro
grupos:
„„ Cultura positiva para um estreptococo β-hemolítico do
grupo A. „„ Proteínas de defesa do hospedeiro: participam do
„„ Febre escarlatina recente. reconhecimento e eliminação de patógenos: proteína
C-reativa, lectina ligadora de manose, proteínas do
Crianças saudáveis em idade escolar normalmente apre- complemento, fibrinogênio.
sentam títulos entre 200 e 300 unidades Todd/mL, devendo
„„ Inibidores de proteinases séricas: atuam na limi-
no Brasil ser desconsiderados valores de referência de litera-
tação do dano tecidual, neutralizando enzimas prote-
tura entre 100 e 200 unidades, valores estes copiados de estu-
olíticas e metabólitos de oxigênio: α1-antiproteinase,
dos americanos. Depois de uma faringite estreptocócica, o pico
α1-antiquimiotripsina, α2-antiplasmina, inibidor do C1.
de resposta do anticorpo é entre quatro e cinco semanas, o que
corresponde geralmente à segunda ou terceira semana de uma „„ Proteínas de transporte com atividade antioxidan-
febre reumática. Os níveis caem rapidamente nos próximos te: responsáveis pela contenção da reação inflamatória
meses, e mais lentamente depois de seis meses, e não devem e restauração da estrutura original lesada: ceruloplas-
ser utilizados como avaliação da atividade da febre reumática. mina, hemopexina, haptoglobina.

Os Fundamentos do Diagnóstico – Medicina Laboratorial. Os Autoanticorpos nas Doenças Difusas do Tecido... 195
„„ Outras: proteína sérica amiloide A, antagonista do re- Diversos fatores podem interferir na interpretação do va-
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

ceptor de IL-1, α1-glicoproteína ácida, fosfolipase A2 lor de VHS, como erro de diluição, inclinação do tubo, demora
secretória do grupo IIA. em realizar o exame após a coleta e temperatura ambiente.
Pode haver influência do uso de medicamentos, como anticon-
Proteína C Reativa (PCR) cepcionais orais e anticoagulantes. Tende a ser maior no sexo
É o biomarcador de fase aguda mais estudado e utilizado feminino, em idosos e gestantes.
na prática clínica, promove a interação entre as imunidades Alguns estados patológicos não inflamatórios podem alterar
humoral e celular. Sua produção ocorre no fígado por estímulo a VHS. Tendem a aumentá-la: baixo hematócrito, macrocitose e
de IL-6 e sua função é ligar-se a patógenos e células lesadas hipercolesterolemia. Tendem a diminuí-la: hipofibrinogenemia,
ou apoptóticas e iniciar sua eliminação através da ativação do hipogamaglobulinemia, policitemia, microcitose, anemias he-
sistema Complemento e da interação com a porção Fc de imu- molíticas e hemoglobinopatias.
noglobulinas nos fagócitos (opsonização), além de regular a É especialmente útil na suspeita clínica de polimialgia reu-
extensão e intensidade da resposta inflamatória. mática ou arterite de células gigantes, e também bastante usa-
A ativação do Complemento ocorre através da via clássica, do para monitorizar a atividade da artrite reumatoide.
por deposição dos fragmentos de C3 e C4 na PCR e no ligante,
formação da C3 convertase clivando o C3 em C3a, uma anafila- Fibrinogênio
toxina que induz a liberação de histamina de basófilos e mas- Proteína abundante no plasma, tem papel fundamental na
tócitos, e C3b, que atua como opsonina, atraindo fagócitos ao hemostasia. Nas reações inflamatórias possui provável papel
local da inflamação. A ativação não converte C5, ou seja, não no reparo tecidual e cicatrização. Sua molécula é composta de
há amplificação dos efeitos pró-inflamatórios ou formação do duas subunidades ligadas por uma ponte dissulfeto. A cliva-
complexo de ataque à membrana (CAM) diretamente pela PCR. gem por trombina resulta em dois fibrinopeptídeos, e a mo-
A interação entre a PCR e a porção Fc de imunoglobulinas lécula resultante polimeriza-se e mantém-se estável em razão
dá-se em fagócitos, levando à indução de fagocitose e à secre- do fator XIII e de pontes interplaquetárias (ligação do fibrino-
ção de citocinas pró-inflamatórias como interleucina (IL)-1 e gênio a glicoproteínas IIb/IIIa), formando a fibrina.
fator de necrose tumoral (TNF)-α. Já em neutrófilos, a intera- Através de receptores semelhantes aos das glicoproteínas
ção promove regulação negativa da inflamação com inibição IIb/IIIa, interage com o endotélio e interfere na adesão, motili-
da resposta quimiotática, clivagem de L-selectina, diminuindo dade e organização do citoesqueleto. Uma vez formada a fibrina,
a marginação de leucócitos e a endocitose de receptores IL-6. estimula a adesão, dispersão e proliferação de células endoteliais.
Verifica-se, portanto, que a PCR tem funções pró e anti-infla-
matórias. a1-glicoproteína ácida
Durante a resposta de fase aguda, os níveis de proteína C
A α1-glicoproteína ácida (AGP) é composta de alta porcen-
reativa aumentam rapidamente, atingindo seu pico em 48 ho-
tagem de carboidratos e resíduos de ácido siálico, possuindo
ras. Com a resolução da resposta, os níveis declinam após 18
grande carga negativa e solubilidade em água. É sintetizada
horas. Como há várias condições que induzem sua produção,
pelo fígado, granulócitos e monócitos, e durante a fase aguda
um aumento em seus níveis não tem especificidade diagnósti-
inflamatória sofre mudança do padrão de glicosilação, o que
ca. A despeito da natureza inflamatória, esclerodermia, poli-
altera sua função biológica. Possui atividade pró-inflamatória
miosite e dermatomiosite têm pouco ou nenhum aumento da
e anti-inflamatória.
proteína C reativa. No LES a PCR frequentemente não está ele-
vada ou está moderadamente elevada. Caso haja intenso au- Dentre suas funções está a inibição da resposta quimiotá-
mento da PCR em paciente com LES, existe alta probabilidade tica e da produção de superóxidos por neutrófilos, a inibição
de infecção associada. da agregação plaquetária e a indução da liberação de citocinas
O método mais utilizado para determinação da PCR é a de monócitos (IL-1β, IL-6, IL12, TNF-α, IL-1Ra e receptor de
imunonefelometria, que fornece resultados quantitativos e re- TNF-α solúvel).
produtíveis, facilitando a interpretação clínica e permitindo o
Eletroforese de proteínas
acompanhamento laboratorial de cada caso.
É uma técnica simples para separar uma série de proteínas
Velocidade de Hemossedimentação (VHS) passíveis de identificação no soro. Consiste na colocação do
Reflete o aumento da concentração plasmática de proteí- soro em um meio sólido ou semissólido umedecido e a apli-
nas de fase aguda, principalmente a de fibrinogênio. Repre- cação de carga elétrica para que haja deslocamento das pro-
senta, portanto, uma forma indireta de avaliar o conjunto das teínas do polo positivo ao negativo de acordo com seus pesos
proteínas de fase aguda. As hemácias, por causa de suas cargas moleculares e propriedades físicas. Em condições normais,
negativas, tendem a se repelir. Na presença de outras molécu- encontram-se cinco bandas: albumina, α-1, α-2, β (podendo se
las carregadas positivamente pode haver a neutralização da subdividir em β-1 e β-2) e gamaglobulinas.
repulsão e a formação do rouleaux – agregação eritrocitária A banda da albumina é relativamente homogênea, porém
em torno do mesmo eixo – que, sendo mais pesado, tende a as demais são compostas de uma mistura de diferentes pro-
se depositar mais rapidamente. Quanto mais macromoléculas, teínas.
maior a agregação, e maior a velocidade com que as hemácias „„ Albumina: é a proteína mais abundante no plasma
se depositam, o que significa maior valor de VHS, dentro da aproximando-se de 60% da concentração total de pro-
hora de análise. Recomenda-se como padrão-ouro a técnica de teínas, sintetizada exclusivamente pelo fígado. Suas
Westergren para análise da VHS. funções compreendem transporte de diferentes subs-
Dentre as proteínas plasmáticas, a que tem maior efeito agre- tâncias e manutenção da pressão oncótica plasmática.
gante é o fibrinogênio, seguida das globulinas e da albumina. Encontra-se diminuída em doenças hepáticas, desnu-

196 Tratado Brasileiro de Reumatologia


trição, síndrome nefrótica, infecções crônicas, gravidez Pode ser utilizada para avaliação de síndrome de ativação

„„ CAPÍTULO 9.1
e queimaduras. Pode estar aumentada em pacientes macrofágica (hemofagocítica), na qual podem ser encontrados
desidratados. Doenças inflamatórias, agudas e crôni- valores maiores do que 10.000 μg/L. Atualmente, tem sido
cas, são as maiores causas de queda da concentração utilizada com preditor de parto prematuro, de gravidade de
plasmática de albumina, por causa da hemodiluição, síndrome do estresse respiratório agudo, trauma cranioence-
aumento da permeabilidade vascular levando à perda fálico e preditor de doenças cardiovasculares, assim como a
extravascular, aumento do consumo celular local e me- PCR de alta sensibilidade. Pode estar elevada em casos de leu-
nor síntese, decorrente de inibição por citocinas. cemias agudas e crônicas, neuroblastoma, melanoma maligno,
„„ α1-Globulinas: α1-antitripsina (α1-antiproteinase-1), tumores de linhagem germinativa, necrose hepática aguda e
α1-glicoproteína ácida e alfafetoproteína, entre outras. hemocromatose. Entretanto, nessas condições, raramente
Os níveis se elevam nas doenças inflamatórias agudas seus níveis se encontram acima de 3000 μg/L.
e crônicas, neoplasias, após traumas ou cirurgias e Para o reumatologista é particularmente importante sua
durante a gravidez. Nos hepatocarcinomas a elevação determinação no acompanhamento da doença de Still infantil
pode acontecer pelo aumento da alfafetoproteína. En- ou do adulto, com níveis que paralelizam a atividade do quadro.
tretanto, doenças hepáticas podem ocasionar diminui-
ção global dessa faixa de reativos. Sistema complemento
„„ α2-Globulinas: Haptoglobina, α2-macroglobulina e ceru- É o principal componente da imunidade inata contra bac-
loplasmina. Encontram-se aumentadas em insuficiência térias e um complemento à resposta humoral desencadeada
adrenal, uso de corticoterapia, diabetes mellitus avançado por anticorpos – daí derivando seu nome. Consiste em pro-
e síndrome nefrótica; e diminuídas em desnutrição, ane- teínas séricas que medeiam várias vias de reações enzimáti-
mia megaloblástica, enteropatias perdedoras de proteína, cas em cascata. A ativação dessas vias resulta na deposição
doenças hepáticas graves e doença de Wilson. de componentes do Complemento em alvos patológicos e na
„„ β-Globulinas: possuem dois picos – o β-1 – composto liberação de fragmentos que promovem respostas imunes e
essencialmente de transferrina, e o β-2, composto de inflamatórias.
β-lipoproteínas, além de C3 e outros componentes do Inicialmente há um processo de amplificação quando os
complemento, β2-microglobulina e antitrombina III. componentes são ativados por proteólise. Esses componentes
Há aumento dessas globulinas nas inflamações agudas, ativados têm atividade enzimática, clivando dois ou mais com-
síndrome nefrótica, hipotireoidismo, anemia ferropriva, ponentes subsequentes e os convertendo em serino-proteases.
hipertensão maligna, icterícia obstrutiva, gravidez e em São reconhecidas três vias do sistema complemento: clás-
alguns casos de diabetes mellitus. Encontram-se diminu- sica, alternativa e da lectina. O maior objetivo das três vias é
ídas nos casos de desnutrição. a deposição de um fragmento de C3 (C3b) no alvo, com opso-
„„ γ-Globulinas: imunoglobulinas, predominantemen- nização, o que leva à eliminação por células fagocíticas. Além
te IgG. As imunoglobulinas A, D, E, M e a PCR encon- disso, C3b inicia a ativação do sistema que leva à formação
tram-se na área de junção beta-gama. A ausência ou do complexo de ataque citolítico (formação de poros nas cé-
a diminuição da banda gama indica imunodeficiência lulas-alvo, com a implosão destas por maior pressão oncótica
congênita ou adquirida. O aumento sugere elevação intracelular e influxo de água). Cada via também promove a
de gamaglobulinas associadas a doenças inflamatórias liberação de anafilotoxinas (C3a, C4a, C5a) e reúne o complexo
crônicas, imunes ou não, doenças hepáticas ou, mes- de ataque à membrana.
mo, neoplasias, todas de caráter policlonal. Em condições patológicas envolvendo autoanticorpos e
complexos imunes, a ativação do Complemento contribui para
As bandas monoclonais ocorrem em razão da prolifera-
o dano celular e tecidual. Em estados agudos (apoptose, necro-
ção de um clone de plasmócitos que secretam uma determi-
nada imunoglobulina que, encontrada em grande quantidade se, dano à membrana) ou depósitos de substâncias (lipídios,
no plasma, torna-se responsável pelo pico visto no exame. O cristais, pigmentos), esse sistema desempenha importante pa-
uso diagnóstico mais comum da eletroforese de proteínas é pel na resposta do hospedeiro.
para o reconhecimento dessas paraproteínas, especialmente
Via clássica
o componente M do mieloma múltiplo. Podem ser encontra-
dos picos monoclonais também em macroglobulinemia de Ativada quando anticorpos IgM ou IgG se ligam a antíge-
Waldenström, amiloidose primária, gamopatia de significado nos, como vírus, bactérias ou autoantígenos. Sua ativação é
indeterminado, leucemia de células plasmáticas, plasmocito- avaliada através da redução da dosagem de C2 e C4, com valo-
ma solitário e doença de cadeia pesada. res normais de fator B.

Ferritina Via da lectina


É uma proteína encontrada em todas as células, especialmen- Ativação similar à da via clássica, exceto pela substituição
te nas envolvidas na síntese de compostos férricos e no metabo- do anticorpo por uma lectina, como a MBP (lectina ligadora de
lismo e reserva do ferro. Sua concentração aumenta em resposta manose). Essas lectinas estão associadas a uma serino-protea-
a infecções, traumatismos e inflamações agudas. A elevação ocor- se e ativam C4 e C2.
re nas 24 a 48 horas iniciais de um episódio inflamatório, com um
pico no terceiro dia, e se mantém por algumas semanas. Via alternativa
As metodologias mais utilizadas são a quimioluminescên- A via alternativa é um sistema de defesa mais primitivo que
cia e a imunonefelometria. A presença de hemólise e lipemia não necessita de anticorpos ou lectinas para funcionar. Está
no soro constituem-se em fatores interferentes. continuamente ativado em um nível baixo, podendo aumentar

Os Fundamentos do Diagnóstico – Medicina Laboratorial. Os Autoanticorpos nas Doenças Difusas do Tecido... 197
a ativação através de um mecanismo de retroalimentação. Sua „„ Tipo III: O crioprecipitado é formado por imunocom-
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

ativação é avaliada através da redução dos níveis de C3 e fator plexos compostos de imunoglobulinas policlonais e
B, com níveis normais de C4. aparecem em 40 a 50% dos casos, geralmente secun-
Uma vez ativado, o sistema Complemento modifica a com- dárias a doenças do tecido conectivo e hepatite C.
posição das membranas celulares e promove inflamação. Há
opsonização das bactérias para que possam ser ligadas a re- O soro a ser testado é colocado em tubos pré-aquecidos e
ceptores específicos em células do sangue periférico, especial- é centrifugado a 37 oC, sendo depois exposto a 4 oC por 7 a 10
mente os fagócitos. Além disso, há a formação do complexo de dias, com avaliação visual em busca de precipitados. São vistos
ataque à membrana, que perfura a membrana celular, com de- altos níveis no tipo I, mas em geral não há correlação com a
sequilíbro osmótico e resultante lise da bactéria. gravidade do quadro. Nos tipos II e III há fator reumatoide ge-
ralmente presente no crioprecipitado e no sangue periférico,
Também há a liberação de peptídeos que são potentes me-
diadores da resposta imune e inflamatória. Tais fragmentos, sendo os níveis de C4 comumente diminuídos no tipo II.
também conhecidos como anafilatoxinas, ligam-se aos res-
Antígeno Leucocitário Humano (HLA)
pectivos receptores e iniciam a inflamação, ao causar a movi-
mentação das células aos sítios inflamatórios (quimiotaxia e O complexo de histocompatibilidade principal humano,
quimiocinese), liberação de histamina dos mastócitos, ativa- cuja sigla, MHC, deriva do inglês (“Major Histocompatibility
ção de macrófagos, células epiteliais e a maioria das células Complex”), é denominado HLA (“Human Leukocyte Antigens”).
imunocompetentes, contração da musculatura lisa, dilatação Os antígenos leucocitários humanos (HLA) são proteínas pre-
de vasos sanguíneos e exsudação plasmática. sentes na superfície celular codificadas por genes do complexo
A nefelometria e a turbidimetria são os métodos de esco- de histocompatibilidade principal. Esses genes são extrema-
lha para dosagem de componentes do Complemento, mais ro- mente polimórficos, isto é, para cada lócus existem diferentes
tineiramente o C3, C4 e C1q. Para rastreamento da integridade alelos. Além disso, apresentam codominância, portanto, tanto
de todo o sistema Complemento, lança-se mão de um ensaio os genes paternos quanto os maternos são expressos. Há três
funcional, denominado Complemento hemolítico total (CH50 grupos de genes do MHC, denominados de classe I, classe II e
ou CH100), em que promove-se a lise de hemácias (ou outro classe III.
corpúsculo esférico) mediante a ação concatenada de todos Os antígenos HLA de classe I compreendem proteínas co-
os componentes do Complemento presentes na amostra a ser dificadas por genes nos loci HLA-A, HLA-B e HLA-C. Os antíge-
testada. É um bom método para acompanhar a atividade do nos HLA de classe II compreendem as proteínas codificadas
LES. Algumas limitações se devem ao fato de que vários com- por genes nas regiões HLA-DP, HLA-DQ e HLA-DR. Os genes
ponentes do Complemento se comportam como reagentes de da região denominada classe III não codificam antígenos HLA,
fase aguda, tendo sua síntese aumentada em casos de infecção mas em sua maioria são proteínas envolvidas com o sistema
ou processo inflamatório. Outra possível interferência ocorre imunológico. Cada alelo HLA era inicialmente identificado por
nos casos de deficiência genética de um dos componentes do um conjunto de letras e números, por exemplo, HLA-A2, HLA-
sistema Complemento em pacientes com LES, sendo as mais -B5, HLA-DR3. Atualmente a nomenclatura completa de uma
comuns as de C2 e C4. variante alélica dos genes HLA é um número de quatro ou
mais dígitos precedido por um asterisco. Por exemplo, HLA-
Crioglobulinas -DRB1*0401 significa o alelo 0401 do gene 1 que codifica a
A precipitação de proteínas do sangue a temperaturas cadeia β da molécula de classe II da família DR.
inferiores a 37 oC é chamada de crioprecipitação. São reco- A caracterização de antígenos HLA de grande número de
nhecidos dois tipos de crioprecipitados: a crioglobulina, uma indivíduos com e sem doenças reumáticas autoimunes tem
imunoglobulina ou mistura de imunoglobulinas e componen- mostrado que alguns alelos são mais frequentes em doentes
tes do Complemento que precipitam no soro e plasma; e o crio- do que na população em geral. Por exemplo, pacientes com
fibrinogênio, que se refere somente ao precipitado do plasma. espondilite anquilosante de origem europeia apresentam em
Crioglobulinemia é o nome dado à presença de crioglobu- 90% dos casos o alelo HLA-B27. Atualmente já foram descritos
linas no soro do paciente quando estas causam uma síndrome mais de trinta variantes moleculares do HLA-B27 de acordo
inflamatória, geralmente envolvendo vasculite de pequenos e com a distribuição geográfica dos pacientes, sendo as mais co-
médios vasos. nhecidas as da população caucasiana (HLAB *2705 e *2702) e
Uma classificação tradicional das crioglobulinemias foi a da população asiática (HLAB*2704 e * 2707).
proposta por Brouet: Esse alelo está associado também a artropatias reativas do
tipo síndrome de Reiter, artrite psoriática e à artropatia asso-
„„ Tipo I: O crioprecipitado é constituído por uma imu- ciada com as doenças inflamatórias intestinais. Nesse grupo de
noglobulina monoclonal (geralmente IgG ou IgM); é doenças alguns autores sugerem que a presença do HLA B-27
responsável por 5 a 25% dos casos. A causa subjacente está associada a um maior risco de desenvolvimento de doen-
é geralmente de ordem hematológica, tipicamente ma- ça do esqueleto axial. O valor diagnóstico e prognóstico do HLA
croglobulinemia de Waldenström ou mieloma múltiplo.
B-27 ainda é bastante controverso. Alguns autores recomendam
„„ Tipo II: O crioprecipitado é formado por imunocomple- sua pesquisa em pacientes com lombalgia do tipo inflamatória,
xos compostos de uma imunoglobulina policlonal e uma mas sem alterações radiológicas características ou oligoartrites
monoclonal (IgM ou IgA) com atividade de fator reuma- e entesites em investigação. Como esse alelo também é encon-
toide. Também é chamada de crioglobulinemia mista e trado em indivíduos sadios, mas apenas 5% deles desenvolve-
é responsável por 40 a 60% dos casos. São geralmente rão espondilite anquilosante, certamente existem outros fatores
causadas por infecções virais persistentes, particular- genéticos e ambientais que levam ao desenvolvimento da doen-
mente hepatite C e imunodeficiência adquirida (HIV). ça. Portanto, a identificação do alelo HLA-B27 em determinado

198 Tratado Brasileiro de Reumatologia


paciente não é determinante diagnóstico, mas sim um elemento plificado. Na PCR em tempo real, a amplificação específica é

„„ CAPÍTULO 9.1
a se agregar ao raciocínio clínico. monitorada ao longo da reação.
A pesquisa de HLA-B27 foi originalmente estabelecida Algumas das várias doenças que se correlacionam com a pre-
pela técnica de microlinfocitotoxicidade. Mais recentemente, sença de alguns antígenos HLA podem ser vistas na Tabela 9.9.
métodos alternativos têm surgido, como a citometria de fluxo
e métodos de biologia molecular, que apresentam maior sensi- Outros exames
bilidade e especificidade. No laboratório de Imuno-Reumato-
Uma baixa concentração de hemoglobina nos pacientes
logia da Unifesp, a pesquisa do HLA-B27 é feita por reação em
cadeia da polimerase (PCR) a partir de DNA isolado do sangue reumáticos é geralmente em razão da anemia de doenças crô-
periférico do indivíduo. A PCR é realizada de modo a permi- nicas, deficiência de ferro ou hemólise. Deve-se levar em conta
tir a amplificação de um trecho de DNA genômico específico também que várias drogas podem causar anemia aplástica.
do alelo HLA-B27. Na PCR tradicional, após a amplificação, o A anemia de doenças crônicas ocorre em consequência de
produto da reação é submetido a uma eletroforese em gel de uma redução da liberação do ferro armazenado no sistema
agarose para detecção da banda correspondente ao trecho am- monocítico-fagocitário, resultando em uma eritropoese inefi-

Tabela 9.9 Associação de alelos HLA/MHC e doenças autoimunes.


Doenças autoimunes Associação MHC

Artrite reumatoide DRB1*0401/*0404/*0405/*0408/*0410/*1001/*0101/*0102/*1402,


DQB1*0302
Artrite reumatoide juvenil DRB1*1104, DRB1*1602, DRB1*13

Espondilite anquilosante B*2702, B*2705


Espondilite anquilosante juvenil B*2705
Artrite psoriática Cw*0602, DRB1*07

Artrite reativa ou síndrome de Reiter B*27


Polimialgia reumática DRB1*0401, DRB1*0404
Psoríase Cw*0602, DRB1*07
Escleroderma DRB1*1104, DP*1301
Lúpus eritematoso sistêmico DRB1*03, B*08
Síndrome de Sjögren DRB1*03
Síndrome de Goodpasture DRB1*15
Granulomatose de Wegener VAP-1, MICA, TAP-1
Síndrome de Guillain-Barré DQB1*03
Doença de Behçet B*51
Esclerose múltipla DRB1*15
Doença celíaca DQB1*02, DQB1*08
Doença de Crohn DRB1*0, DRB1*03, DRB1*07,
Retocolite ulcerativa DRB1*15, HLA-G (expressão), DR07 e DR08 (fenótipo)
Sarcoidose BTNL2, DQB1*02
Diabetes insulino-dependente (tipo I) DRB1*03, DRB1*04, DQB1*0201, DQB1*0302
Tiroidite de hashimoto (hipotiroidismo) DQB1*05
Doença de graves (hipertiroidismo) Cw*03, Cw*07, Cw*16, DRB1*03, DRB1*04
Doença de Addison DQA1*0501-DQB1*0201, DQA1*0301-DQB1*0302, DRB1*03, DRB1*04
Hepatite autoimune DRB1*13
Cirrose biliar primária DRB1*0801-DQA1*0401-QB1*0402,
Colangite esclerosante primária DRB1*0301-DQA1*0501-DQB1*0201 (DR3) e HLA-DRB1*1301-DQA1*0103-
DQB1*0603 (DR6)
Arterite de células gigantes (temporal) DRB1*0401, DRB1*0404

Os Fundamentos do Diagnóstico – Medicina Laboratorial. Os Autoanticorpos nas Doenças Difusas do Tecido... 199
ciente. Esta pode ser normocítica e normocrômica ou micro- laboratoriais para avaliar os riscos da terapia utilizada. Os exa-
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

cítica e hipocrômica. Por outro lado, a anemia ferropriva é de mes mais frequentemente solicitados são:
caráter microcítico e hipocrômico, geralmente secundária a
sangramentos gastrointestinais causados pelo uso frequente „„ Provas de função hepática: albumina, transaminases,
de anti-inflamatórios. O diagnóstico diferencial deve ser feito bilirrubinas, fosfatase alcalina e fator V da coagulação,
com a dosagem do ferro sérico, ferritina e da capacidade de este último um dos itens mais sensíveis da função he-
ligação do ferro. patocelular, em conjunto com o tempo de protrombina.
A anemia por hemólise pode aparecer em cerca de 10 a „„ Provas de função renal: ureia, creatinina, exame qua-
30% dos pacientes com LES, sendo normocítica e normocrô- litativo de urina e depuração da creatinina endógena,
mica, com contagem de reticulócitos aumentada e teste de quando indicado.
Coombs direto positivo. Pode apresentar também aumento de „„ Glicemia de jejum.
DHL e queda dos níveis de haptoglobina.
Outra alteração comum nos pacientes reumáticos é a va- Casos de alteração nos exames devem ser inicialmente
riação na contagem dos leucócitos, tanto um aumento quanto avaliados para então decidir qual a melhor abordagem, indo
uma diminuição. Leucocitose pode ser secundária ao uso de desde a redução da dose até a suspensão do medicamento.
corticosteroides ou por atividade de doença nos casos de vas- Em grande parte das avaliações de triagem, além dos exa-
culites sistêmicas e artrite idiopática da infância. Atentar para mes relacionados à sintomatologia apresentada, devem ser
a presença de neutrofilia com aumento de bastões, que pode incluídas:
significar infecção, principalmente nos pacientes em uso de
imunossupressor. Neutropenia e linfopenia podem estar pre- „„ Provas de função da tireoide: algumas tireopatias
sentes tanto em consequência do uso de drogas, quanto ciclo- podem se apresentar inicialmente com dores difusas
fosfamida, metotrexate, penicilamina, azatioprina, quanto em e artralgias.
razão da atividade do LES. „„ Sorologias virais para hepatite: são úteis no ras-
Também pode haver eosinofilia na artrite reumatoide, treamento de hepatites virais, que podem cursar com
síndrome de Churg-Strauss e outras vasculites. Processos in- sintomas álgicos, e também para avaliar possíveis con-
flamatórios podem levar à trombocitose secundária, e alguns traindicações a anti-inflamatórios e outras drogas he-
pacientes lúpicos desenvolvem trombocitopenia, podendo ser patotóxicas.
profunda e causar hemorragia. Na síndrome de Felty, a marca
hematológica é a neutropenia associada à artrite reumatoide e Cada caso deve ser sempre visto individualmente, lem-
esplenomegalia, podendo estar presente trombocitopenia por brando que os exames de laboratório são excelentes testes
causa do sequestro esplênico. complementares ao exame clínico, não podendo, entretanto,
substituí-lo. Vale ressaltar a importância da relação custo-
Avaliações de rotina -benefício de um teste laboratorial, além de conhecer sua
Em razão da ampla gama de medicamentos utilizados sensibilidade e especificidade para uma melhor avaliação
na reumatologia, e ao fato de alguns deles apresentarem he- diagnóstica. Vale aqui o velho axioma de que só se deve solici-
patotoxicidade, nefrotoxicidade ou risco de desenvolver hi- tar exames que sabemos interpretá-los, e apenas quando uma
perglicemia, devem ser realizados rotineiramente exames conduta poderá ser alterada com seu resultado.

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Os Fundamentos do Diagnóstico – Medicina Laboratorial. Os Autoanticorpos nas Doenças Difusas do Tecido... 201
9.2

Capítulo
Jozelia Rego

Análise e Interpretação Clínica do FAN


„„ INTRODUÇÃO a) possuem um grupo de antígenos em maior concentração;
b) apresentam maior tamanho das células e sua relação
O termo “anticorpos antinucleares” refere-se a um grupo
núcleo-citoplasma em favor do núcleo, facilitando o re-
diverso de autoanticorpos dirigidos contra antígenos localiza-
conhecimento dos vários padrões fluorescentes;
dos no núcleo e no citoplasma.1
c) permitem a identificação clara e fácil de várias estrutu-
Os antígenos são comuns a todas as células nucleadas, têm
ras, tais como nucléolos e organelas citoplasmáticas.7
funções na transcrição ou na tradução, no ciclo celular, ou como
proteínas estruturais, e são denominados de acordo com: O resultado da maior oferta de antígenos levou a expres-
sivo aumento na sensibilidade do ensaio. Aumentou-se o rol
a) a sua estrutura química (ex.: DNA de dupla hélice);
de autoanticorpos passíveis de serem detectados e reduziu-se
b) a doença associada (ex.: SS-A e SS-B, na síndrome de o limiar de concentração sérica a partir do qual os mesmos
Sjögren); passaram a ser detectados.5
c) o indivíduo no qual foram primeiramente descritos O aumento na sensibilidade trouxe um prejuízo na especi-
(ex.: Ro, La, Sm); ficidade do teste, pois indivíduos sem evidência clínica ou la-
d) a sua localização celular (ex.: nucleolar, centromérico); boratorial aparentes de doença autoimune também passaram
e) a partícula onde são encontrados (ex.: U1 snRNP).1 a apresentar resultados positivos em células HEp-2.8
Anticorpos antinucleares são detectados no soro de pa-
cientes com várias doenças reumáticas e não reumáticas, bem „„ INTERPRETAÇÃO DO TESTE FAN – HEP-2
como em pacientes sem uma síndrome clínica definida. Esses
anticorpos podem ser detectados usando-se uma variedade de O FAN – Hep-2 apresenta-se como um importante método
substratos e técnicas.2 de triagem de autoanticorpos, pois possibilita o conhecimento
A história dos anticorpos antinucleares começa com Har- dos anticorpos previamente envolvidos.7
graves, em 1948, com a descrição da célula LE.3 A interpretação e a valorização do resultado devem estar
Na década de 1950, através dos experimentos de Peter fundamentadas no conhecimento da sensibilidade e especifici-
Miescher, a célula LE foi confirmada como um anticorpo an- dade do mesmo e no contexto clínico.9
tinuclear.4 Isoladamente, o teste de FAN por imunofluorescência indire-
Durante essa década, vários esforços foram empreendidos ta (ANA – IFI) não permite definir precisamente o antígeno reco-
para melhorar os métodos de detecção e simplificar os siste- nhecido e vincular o resultado encontrado a uma dada doença.
mas de testes para a rotina diagnóstica. Dentro desse contexto, Para esse fim, são necessários testes laboratoriais específicos.5
George Friou foi o primeiro a aplicar a técnica de imunofluo- O resultado do teste deve informar se o teste é negativo ou
rescência para detecção de anticorpos antinucleares.4 positivo na diluição de corte. Quando positivo, deve descrever
Diferentes substratos, tais como cortes de tecidos, células o padrão de fluorescência e o título de diluição final no qual o
descamadas, eritrócitos de galinha e células HeLa, já foram uti- padrão é observado.10
lizados.4
Nas últimas duas décadas passou-se a utilizar cada vez „„ RELEVÂNCIA CLÍNICA DOS PADRÕES DE
mais como substrato as células HEp-2. Trata-se de uma linha- FLUORESCÊNCIA
gem de células tumorais derivadas de carcinoma de laringe
humana cultivadas em monocamadas sobre lâminas de vidro.5 Em ensaios de imunofluorescência indireta é possível ob-
O uso desse substrato permite a identificação de mais de vinte servar padrões morfológicos resultantes da maneira como a
padrões de fluorescência.6 fluorescência se distribui no substrato e que correspondem à dis-
Comparativamente aos cortes de tecidos de roedores, as tribuição dos autoantígenos reconhecidos pelo soro do paciente.6
células HEp-2 apresentam várias vantagens:

203
No Brasil, por causa da falta de uniformidade da descri- 4. Aparelho mitótico. (Figura 9.6).
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

ção dos padrões de fluorescência, realizou-se, em 2000, o I


Consenso Nacional para padronização dos laudos de FAN em Em um segundo Consenso, realizado em 2002, acrescen-
células HEp-2. De acordo com esse Consenso, os padrões de tou-se ao algoritmo de classificação anterior os padrões Mis-
fluorescência devem ser classificados em quatro grupos:7 tos.9 São categorizados como padrões mistos todos os casos
em que é observada a coloração de compartimentos celulares
1. Nucleares; distintos (núcleo, nucléolo, citoplasma ou aparelho mitótico)
2. Nucleolares; ou de diferentes padrões de fluorescência em um mesmo com-
3. Citoplasmáticos; partimento celular.8 (Figura 9.7)

NUCLEARES

Aparelho
mitótico
Homogêneo
Homogêneo Pontilhado
periférico

PMCI(–) PMCI(+) PMCI(–) PMCI(+) Centríolo

Menbrana Fino Centromérico Ponte


nuclear intercelular

Contínua Grosso Fuso


Frio denso mitótico
Pontilhada Grosso
reticulado Numa II

Pleomórfico
PCNA

Pontos
isolados

NUCLEOLARES

CITOPLASMÁTICOS
Nucleolares

Fibrilar Pontilhado
Homogêneo Aglomerado Pontilhado

PMC Linear Polar


PMC(–) PMC(+)
amorfa
Com pontos
Fiamentar
LEGENDA isolados

Laudo opcional Fino


Segmentar
denso
Laudo obrigatório
Fino
Planta metafásica cromossômica
PMC(+) (Positiva) Reticulado
PMC(–) (Negativa)

Figura 9.6 Árvores de classificação dos padrões de fluorescência – FAN –HEp-2. (Cortesia dos profs. Paulo Luiz C. Francescantonio,
Wilson de Melo Cruvinel e Flávia Ikeda e Araújo – PUC-GO).

204 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 9.2
MISTOS

Misto do tipo nucleolar homogêneo


e nuclear pontilhado grosso com
placa metafásica decorada em anel
(cromossomos negativos)

Misto do tipo nuclear e nucleolar


pontilhado com placa metafásica
positiva

Misto do tipo citoplasmático Figura 9.8 Padrão nuclear tipo membrana nuclear. (Cortesia dos
pontilhado fino denso a homogêneo Profs. Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo Cruvinel e
e nuclear homogêneo Flávia Ikeda e Araújo – PUC-GO).

Misto do tipo nuclear pontilhado fino


com fluorescência do aparelho
mitótico

Figura 9.7 Exemplos de padrões mistos – FAN – Hep-2. (Cortesia


dos Profs. Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo Cruvinel
e Flávia Ikeda e Araújo – PUC-GO).

Padrões nucleares
Nuclear tipo membrana nuclear
Esse padrão pode resultar de anticorpos contra proteínas
do envelope nuclear e pode ser observado na cirrose biliar pri-
mária e em hepatites autoimunes. Raramente está associado a
doenças reumáticas. Pode ser observado em indivíduos sem
evidência aparente de autoimunidade, principalmente quando
Figura 9.9 Padrão nuclear homogêneo. (Cortesia dos Profs. Paulo
em títulos baixos (Figura 9.8).8 Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo Cruvinel e Flávia Ikeda e
Araújo – PUC-GO).
Nuclear homogêneo
O padrão nuclear homogêneo representa a distribuição
da cromatina no núcleo11 e pode resultar de anticorpos anti-
-DNAds, anti-DNAss e anti-histonas.12 O antígeno Sm é um complexo grupo de quatro proteínas
Anticorpos para DNAds ou DNA nativo estão fortemente complexadas a snRNA U1, U2, U4-U6 e U5. Cerca de 80% das
associados ao lúpus eritematoso sistêmico, com concentra- amostras séricas que apresentam anticorpos para Sm também
ções elevadas reportadas em, aproximadamente, 60% dos serão positivas para anticorpos anti-RNP, com os quais divi-
pacientes. A concentração de anti-DNAds é útil tanto para o dem determinantes antigênicos.1
prognóstico quanto para a monitorização dos pacientes.1 Cerca de 15 a 30% dos pacientes com LES têm anticorpos
Alguns anticorpos anti-histonas (anti-H1) estão associa- anti-Sm. Quando presente, ele é altamente específico para
dos com o fenômeno da célula LE. Outros anti-histonas estão doença12 e tem sido associado com risco aumentado para se-
associados com lúpus induzido por droga (Figura 9.9).12 rosite e manifestações do sistema nervoso central.13
O antígeno RNP é altamente pleomórfico, sendo formado
Nuclear pontilhado grosso por três proteínas complexadas ao snRNA U1.1
O padrão nuclear pontilhado grosso representa o mapa Anti-RNP é encontrado, em altos títulos, em 95 a 100% dos
de distribuição das proteínas envolvidas no processamento pacientes com doença mista do tecido conectivo.13
do RNA mensageiro, também conhecido como spliceossome. Anti-RNP pode ser encontrado, sem associação ao anti-Sm,
Essas proteínas são reconhecidas pelos anticorpos anti-Sm e em pacientes com LES, em um subgrupo com menor frequên-
anti-U1 RNP.11 cia de anticorpos para DNAds e doença renal (Figura 9.10).1

Análise e Interpretação Clínica do FAN 205


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 9.10 Padrão nuclear pontilhado grosso. (Cortesia dos


Profs. Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo Cruvinel e
Flávia Ikeda e Araújo – PUC-GO). Figura 9.11 Padrão nuclear pontilhado fino. Cortesia dos Profs.
Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo Cruvinel e Flávia
Ikeda e Araújo – PUC-GO).

Nuclear pontilhado fino


Esse padrão pode resultar de anticorpos anti-SS-A/Ro e
anti-SS-B/La.8,9
O antígeno SS-A consiste de proteínas de 52 e 60 kDa
(chamadas Ro 52 e Ro 60) complexadas aos RNAs Y1 – Y5. An-
ticorpos para o antígeno Ro 52 quase sempre aparecem em
associação com anticorpos para o antígeno Ro 60.1
Anticorpos para Ro 52 são mais frequentemente obser-
vados em pacientes com síndrome de Sjögren primária, en-
quanto os anticorpos para Ro 60 são mais frequentemente
encontrados em pacientes com LES.1
Anticorpos anti-SS-A (Ro 52 e Ro 60) são observados em
35% dos pacientes com LES e podem estar associados a lúpus
neonatal e bloqueio cardíaco fetal (parcial ou completo).1
Anticorpos anti-SS-A/Ro são frequentemente vistos em
pacientes com esclerose sistêmica e ocorrem concomitante
aos anticorpos específicos da doença. A presença desses an-
ticorpos (especialmente com anti-SS-B/La) define um subtipo
de 5 a 10% de casos com doença limitada e alta prevalência de
envolvimentos renal e pulmonar.1 Figura 9.12 Padrão nuclear pontilhado centromérico. (Cortesia
Anticorpos anti-SS-B/La são descritos em, aproximada- dos Profs. Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo Cruvinel
mente, 40% dos pacientes com síndrome de Sjögren, quando e Flávia Ikeda e Araújo – PUC-GO).
detectados por contraimunoeletroforese. São também descri-
tos em LES, artrite reumatoide, polimiosite1 e lupus neonatal
(Figura 9.11).8,9
Nuclear pontilhado fino denso
Nuclear pontilhado centromérico
Esse padrão pode resultar do anticorpo antiproteína p75
Anticorpos para proteínas centroméricas são dirigidas (cofator de transcrição) denominado LEDGF/p75.8
contra epítopos localizados no cinetocoro dominante do cro- Esse padrão é responsável por 30% dos FAN positivos e está
mossomo, sendo três os antígenos principais: CENP-A, B e C.1 associado a indivíduos com queixas inespecíficas e sem diagnós-
Anticorpos anticentrômero são encontrados na esclerose tico efetivo, pacientes com processos inflamatórios específicos
sistêmica forma CREST (calcinose, fenômeno de Raynaud, eso- e inespecíficos, tireoidite autoimune e, menos frequentemente,
fagopatia, esclerodactilia e telangiectasia), podendo preceder pacientes com doenças autoimunes reumáticas. (Figura 9.13) 14
essa forma por anos.8
Os anticorpos também podem ser encontrados, em menor Nuclear pontilhado tipo pontos isolados
frequência, na artrite reumatoide, no LES, na síndrome de Sjö-
gren primária e em um subgrupo (aproximadamente 20%) de Esse padrão pode resultar de anticorpos anti-p 80 coilina e
pacientes com cirrose biliar primária (Figura 9.12).1 anti-Sp 100 (anti-p 95).8,9

206 Tratado Brasileiro de Reumatologia


O anticorpo anti-p 80 coilina não possui associação clínica dos como alvos incluem: Scl-70, RNA polimerase I, fibrilarina

„„ CAPÍTULO 9.2
definida. O anticorpo anti-Sp 100 é descrito na cirrose biliar associada a U3-RNP e PM-Scl.12
primária (Figura 9.14).8,9 Anticorpos para Scl-70 são dirigidos contra DNA topoiso-
merase I e são encontrados em 20 a 25% dos pacientes com
esclerose sistêmica. Raramente ocorrem em outras doenças
autoimunes.1 Está associado com a forma cutânea difusa e ma-
nifestações viscerais precoces, tais como doença renal e envol-
vimento pulmonar.13
À imunofluorescência observa-se um padrão misto do tipo
nuclear e nucleolar pontilhado fino com placa metafásica corada
(Figura 9.16).8
Anticorpos anti-RNA polimerase I e II usualmente apare-
cem em combinação. Anti-RNA polimerase I é marcador de
esclerose sistêmica, e anti-RNA polimerase II aparece em di-
versas condições autoimunes.8

Figura 9.13 Padrão nuclear pontilhado fino denso. (Cortesia dos


Profs. Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo Cruvinel e
Flávia Ikeda e Araújo – PUC-GO).

Figura 9.15 Padrão nuclear pontilhado pleomórfico. (Cortesia


dos Profs. Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo Cruvinel
e Flávia Ikeda e Araújo – PUC-GO).

Figura 9.14 Padrão nuclear tipo pontos isolados. (Cortesia dos


Profs. Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo Cruvinel e
Flávia Ikeda e Araújo – PUC-GO).

Nuclear pontilhado pleomórfico


Esse padrão está associado ao anticorpo contra núcleo de
células em proliferação (anti-PCNA) e é encontrado especifica-
mente em pacientes com LES (Figura 9.15).8,9

Padrões nucleolares
O padrão nucleolar está comumente associado à esclerose Figura 9.16 Padrão misto do tipo nuclear e nucleolar pontilhado
sistêmica. Nessa doença, os antígenos específicos identifica- (anti-Scl 70). (Cortesia dos Profs. Paulo Luiz C. Francescantonio,
Wilson de Melo Cruvinel e Flávia Ikeda e Araújo – PUC-GO).

Análise e Interpretação Clínica do FAN 207


À imunofluorescência observa-se um padrão misto do tipo
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

nuclear pontilhado fino e nucleolar pontilhado (Figura 9.17).8


Anticorpos para fibrilarina são encontrados em cerca de
8% dos pacientes e são mais prevalentes em homens.13 Estão
associados com pior prognóstico, risco aumentado de envolvi-
mentos cardíaco e renal e hipertensão pulmonar grave.1
À imunofluorescência observa-se um padrão nucleolar
aglomerado (Figura 9.18).8

Figura 9.19 Padrão nucleolar homogêneo. (Cortesia dos Profs.


Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo Cruvinel e Flávia
Ikeda e Araújo – PUC-GO).

Padrões citoplasmáticos
Os padrões citoplasmáticos dividem-se em citoplasmáti-
cos fibrilares e citoplasmáticos pontilhados.

Padrões citoplasmáticos fibrilares


Quando em títulos baixos ou moderados, esses padrões
Figura 9.17 Padrão nucleolar pontilhado. (Cortesia dos Profs. podem não ter relevância clínica definida.8
Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo Cruvinel e Flávia
Ikeda e Araújo – PUC-GO). São subdivididos em: Fibrilar Linear, Fibrilar Filamentar e
Fibrilar Segmentar.
O padrão Citoplasmático Fibrilar Linear pode resultar dos
anticorpos antiactina e antimiosina, encontrados em hepato-
patias.8
O padrão Citoplasmático Fibrilar Filamentar pode re-
sultar dos anticorpos antivimentina e antiqueratina. Esses
anticorpos são descritos em várias doenças inflamatórias e
infecciosas.8
O padrão Citoplasmático Fibrilar Segmentar pode resultar
de anticorpos antialfa-actina, antivinculina e antitropomiosi-
na. Esses anticorpos são encontrados na miastenia gravis, na
doença de Crohn e na colite ulcerativa (Figura 9.20).8

Padrões citoplasmáticos pontilhados


Dentre os padrões citoplasmáticos pontilhados destacam-
-se, por sua relevância clínica, os padrões pontilhado fino, pon-
tilhado fino denso, pontilhado reticulado e pontilhado polar.

Padrão citoplasmático pontilhado fino


Esse padrão pode resultar do anticorpo anti-histidil t RNA
Figura 9.18 Padrão nucleolar aglomerado. (Cortesia dos Profs.
Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo Cruvinel e Flávia sintetase (Jo1).8,9
Ikeda e Araújo – PUC-GO). Anticorpos anti-Jo 1 são parte de um grupo de anticorpos
da família das aminoacil-t RNA sintetases. São encontrados
em 20 a 40% dos pacientes com polimiosite agressiva, ge-
Anticorpo anti-PM-Scl é descrito em 25% dos casos de su- ralmente em associação com doença pulmonar intersticial e
perposição de esclerodermia e miosite. Os pacientes têm ma- artralgia.1
nifestações de esclerodermia limitada, a miosite é usualmente Um significativo número de amostras com anti-Jo 1 não
responsiva à terapia e o prognóstico é bom.13 mostra qualquer fluorescência em células HEp-2. Portanto, ha-
À imunofluorescência observa-se um padrão nucleolar ho- vendo suspeita clínica, a detecção desse anticorpo deve ser fei-
mogêneo (Figura 9.19).9 ta por técnica específica (por exemplo, ELISA) (Figura 9.21).1

208 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 9.2
Figura 9.20 Padrão citoplasmático fibrilar filamentar (Cortesia Figura 9.22 Padrão citoplasmático pontilhado fino denso. (Corte-
dos Profs. Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo Cruvinel sia dos Profs. Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo Cru-
e Flávia Ikeda e Araújo – PUC-GO). vinel e Flávia Ikeda e Araújo – PUC-GO).

Figura 9.21 Padrão citoplasmático pontilhado fino. (Cortesia dos Figura 9.23 Padrão misto do tipo citoplasmático pontilhado fino
Profs. Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo Cruvinel e denso a homogêneo e nucleolar homogêneo. (Cortesia dos Profs.
Flávia Ikeda e Araújo – PUC-GO). Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo Cruvinel e Flávia
Ikeda e Araújo – PUC-GO).

Padrão citoplasmático pontilhado fino denso


Esse padrão pode resultar dos anticorpos anti-PL 7, anti- Entretanto, a observação de padrão semelhante é comum,
-PL 12 e antiproteína P-Ribossomal.8,9 não estando relacionado a anticorpos antimitocôndria, sendo
Os anticorpos anti-PL 7 e anti-PL 12 são raramente encon- necessária a realização de testes específicos (Figura 9.24).8,9
trados na polimiosite (Figura 9.22).8,9
O anticorpo antiproteína P-Ribossomal é marcador de LES Padrão citoplasmático pontilhado polar
e está mais frequentemente relacionado à psicose lúpica. À
imunofluorescência observa-se um padrão misto do tipo ci- Esse padrão pode resultar de anticorpos antigolginas (cis-
toplasmático pontilhado fino denso a homogêneo e nucleolar ternas do aparelho de Golgi).8,9
homogêneo (Figura 9.23).8 Esses anticorpos podem ser observados no LES, na sín-
drome de Sjögren primária e em outras doenças autoimunes
Padrão citoplasmático pontilhado reticulado
sistêmicas. Também são relatados em infecções virais (EBV e
Esse padrão pode resultar de anticorpo antimitocôndria, HIV). Quando em títulos baixos ou moderados podem não ter
marcador de cirrose biliar primária e raramente encontrado relevância clínica definida (Figura 9.25).8,9
na esclerose sistêmica.8,9

Análise e Interpretação Clínica do FAN 209


„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Figura 9.24 Padrão citoplasmático pontilhado reticulado. (Cor- Figura 9.26 Padrão aparelho mitótico tipo centríolo. (Cortesia
tesia dos Profs. Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo dos Profs. Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo Cruvinel
Cruvinel e Flávia Ikeda e Araújo – PUC-GO). e Flávia Ikeda e Araújo – PUC-GO).

Figura 9.25 Padrão citoplasmático pontilhado polar. (Cortesia Figura 9.27 Padrão aparelho mitótico tipo ponte intercelular.
dos Profs. Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo Cruvinel (Cortesia dos Profs. Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo
e Flávia Ikeda e Araújo – PUC-GO). Cruvinel e Flávia Ikeda e Araújo – PUC-GO).

Padrões do aparelho mitótico Aparelho mitótico tipo NuMa-2


Esse padrão pode resultar de anticorpo anti-HsEg
Aparelho mitótico tipo centríolo
5/NuMa-2. Está associado a diversas condições autoimunes,
Esse padrão pode resultar de anticorpo antialfa-enolase. com baixa especificidade. Tem relevância clínica somente
Em baixos títulos não tem associação clínica definida e em al- quando em altos títulos (Figura 9.28).8
tos títulos pode estar associado à esclerose sistêmica (Figura
9.26).8,9 Aparelho mitótico tipo NuMa-1
O anticorpo anti-NuMa-1 está associado à síndrome de
Aparelho mitótico tipo ponte intercelular Sjögren, podendo também ocorrer em outras condições au-
Esse padrão pode resultar de anticorpo antibeta-tubulina. toimunes ou inflamatórias crônicas. Quando em títulos baixos
Esse anticorpo pode ser encontrado no LES e na doença mista ou moderados pode não apresentar relevância clínica. À imu-
do tecido conectivo. Tem relevância clínica somente quando nofluorescência observa-se um padrão misto do tipo nuclear
em altos títulos (Figura 9.27).8 pontilhado fino com fluorescência do aparelho mitótico.8

210 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 9.2
revisaram os soros de pacientes com altos títulos de FAN após
períodos variados: seis meses,21 cinco anos22 e dez anos23 e não
encontraram correlação entre altos títulos e autoimunidade.
Outro destaque refere-se à população geriátrica. Estudo
brasileiro, desenvolvido por Santos e cols.,24 demonstrou que a
frequência de títulos altos de FAN em indivíduos hígidos acima
de 65 anos foi significativamente maior do que nos controles
doadores de sangue abaixo dos quarenta anos, porém não fi-
cou estabelecida a associação com queixas de “reumatismo”.

„„ POSSIBILIDADES DE INTERPRETAÇÃO DO FAN


POSITIVO NA AUSÊNCIA DE UMA DOENÇA
AUTOIMUNE DEFINIDA
O crescente número de pedidos indiscriminados do teste
de FAN na prática clínica leva a situações conflitantes em que
resultados positivos são confrontados com dados clínicos in-
consistentes.5
O problema ocorre quando não há nenhuma associação
Figura 9.28 Padrão aparelho mitótico tipo NuMA-2. (Cortesia dos
evidente com uma condição autoimune. Para a correta inter-
Profs. Paulo Luiz C. Francescantonio, Wilson de Melo Cruvinel e
Flávia Ikeda e Araújo – PUC-GO).
pretação dessa condição, Dellavance e Andrade5 orientam
avaliar as seguintes possibilidades: incidentaloma, distúrbio
autoimune transitório, traço familiar de autoimunidade, mani-
festação mínima de um espectro de condições autoimunes ou
manifestação precoce de uma doença autoimune incipiente.

„„ RELEVÂNCIA CLÍNICA DOS TÍTULOS DE Incidentaloma


FLUORESCÊNCIA Existe um certo grau de autoimunidade fisiológica que se
O título do anticorpo antinuclear é uma medida indireta da inicia no período intrauterino e persiste ao longo de toda a vida.
quantidade total de anticorpos séricos. Quanto maior o título, Esse fenômeno é confirmado pela demonstração dos autoanti-
maior a quantidade de anticorpos.15 corpos naturais. Portanto, uma primeira interpretação é de que
O título de ANA pode ser útil no diagnóstico, mas não deve o achado do autoanticorpo represente um “incidentaloma”.5
ser usado para monitorar atividade de doença.16
Distúrbio autoimune transitório
Em vários laboratórios clínicos, títulos de 1:80 ou menores
são considerados duvidosos ou inespecíficos. Entretanto, há ex- O nível de autoimunidade fisiológica ou basal pode flutuar
ceções. Primeiro, essa interpretação não se aplica a pacientes na dependência de sobrecargas a que o sistema imunológico
pediátricos. Em crianças, um título de 1:20 ou até 1:40 pode ser seja exposto. Está bem demonstrada a presença de autoanti-
clinicamente importante e pode requerer análise de sua espe- corpos desencadeada transitoriamente por infecções, por me-
cificidade. Segundo, alguns autoantígenos estão em pequena dicamentos e por neoplasias.5
quantidade nas células e/ou são facilmente extraídos durante a Drogas como a procainamida e a hidralazina podem alterar
realização do teste. Isso leva a baixos títulos em relação a outros o repertório imune. A procainamida, frequentemente, induz an-
mais estáveis e com maior quantidade de antígenos. Terceiro, ticorpos antinucleares e, algumas vezes, uma síndrome lúpus-
o cutoff do título depende de cada laboratório, da técnica e do -símile. Drogas como as penicilinas e as cefalosporinas podem
equipamento (microscópio) utilizados, fatores estes que podem agir como haptenos e produzir autoantígenos imunogênicos.25
levar à diminuição da sensibilidade e baixos “cutoff”.16 Outras drogas também estão associadas ao desenvolvi-
Em geral, os pacientes autoimunes tendem a apresentar mento de anticorpos antinucleares, tais como: isoniazida,
títulos moderados (1:160 e 1:320) e elevados (igual ou maior anticonvulsivantes, derivados de fenotiazina, metildopa, clor-
que 1:640), enquanto os indivíduos sadios com FAN positivo talidona, sulfonamidas, clofibratos, propiltiuracil e contracep-
tendem a apresentar baixos títulos (1:80), havendo, no entan- tivos orais.19
to, exceções de ambos os lados.5 Doenças infecciosas virais, principalmente hepatites (B e
O título é intermediário em alguns pacientes com doença C), síndrome da imunodeficiência adquirida (AIDS) e parvovi-
do tecido conectivo, bem como em indivíduos com uma grande rose estão comumente associadas a autoanticorpos.26
variedade de condições.15 Essas condições incluem: idosos,15,17
Anticorpos antinucleares também são descritos em outras
gestantes,15,18 parentes de pacientes com doença do tecido
doenças infecciosas crônicas, tais como hanseníase,27,28,29 ma-
conectivo,15,17 outras doenças autoimunes (cirrose biliar pri-
lária30,31 e doença de Chagas.32
mária, tireoidite autoimune),15 infecções crônicas,15,19 neopla-
sias15,19 e pessoas sadias.15,17,20 Anticorpos antinucleares e contra antígenos citoplasmá-
ticos são descritos em pacientes com leucemia, melanomas
É importante destacar que título alto (igual ou maior que
malignos, carcinoma de pulmão, mama, gastrointestinal, gine-
1:640) não significa necessariamente presença de doença au-
cológico, nasofaríngeo, próstata, hepatocelular e em síndro-
toimune, como demonstraram os trabalhos de Vaile et al.21
mes neurológicas paraneoplásicas.33
Myckatyn e Russell22 e Wijeyesinghe e Russell.23 Esses autores

Análise e Interpretação Clínica do FAN 211


Traço familiar de autoimunidade Além das situações anteriormente destacadas, deve-se
„„ SEÇÃO 2   FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO

Sabe-se que as doenças autoimunes apresentam impor- avaliar também a possibilidade da presença de FAN positivo
tante componente genético. É comum que os familiares de em indivíduos sadios:
primeiro grau de pacientes com doenças autoimunes apresen- A frequência de FAN positivo na população geral exibe
tem a mesma enfermidade que o probando ou outras doenças ampla variação na literatura, o que provavelmente reflete di-
autoimunes. É descrito o aumento da frequência de autoanti- ferenças étnicas, ambientais e técnicas (substrato, conjugado
corpos em familiares de pacientes com doenças autoimunes.5 e microscópio).36
Fritzler et al,37 avaliando 2500 soros de doadoras de san-
Manifestação mínima de um espectro de condições
gue, entre 20 e 50 anos, encontraram os seguintes resultados:
autoimunes
título 1:10, em 35,6%; título 1:20, em 15,9%; título 1:40, em
As doenças autoimunes apresentam um caráter espectral. 4,5%; e título maior que 1:80, em 1,1% dos casos.
Há formas completas e graves, formas intermediárias e formas Tan et al20, em um grande estudo multicêntrico realizado
leves e incompletas. Portanto, deve-se considerar a possibili- com indivíduos hígidos, entre 20 e 60 anos, encontraram as
dade de que um autoanticorpo isolado represente a mínima seguintes porcentagens de testes positivos: 31,7% com título
manifestação espectral de uma condição autoimune não cla- 1:40; 13,3% com título 1:80; 5% com título 1:160; e 3,3% com
ramente manifesta.5 título 1:320.
Manifestação precoce de uma doença autoimune incipiente Dentre os estudos brasileiros, Santos e cols24 encontraram
positividade do FAN em 8,8% dos 259 soros de indivíduos ido-
Evidências demonstram que certos autoanticorpos podem sos. Fernandez et al.38 detectaram anticorpos antinucleares em
anteceder a expressão clínica e o diagnóstico de condições, 22,6% dos soros de 500 doadores de sangue com idade entre
como o LES, a esclerose sistêmica e a artrite reumatoide.16 18 e 60 anos. No estudo de Mariz et al,39 um teste ANA-HEp2
Estudo desenvolvido por Arbuckle et al.34 demonstrou que positivo foi observado em 12,9% dos soros de 918 indivíduos
autoanticorpos estão presentes muitos anos antes do diag- sadios, sem diferenças de prevalência quanto ao sexo ou idade.
nóstico de LES (cerca de 9,4 anos, média de 3,3 anos). Nesse
estudo, os anticorpos antinucleares foram os anticorpos mais Os anticorpos antinucleares detectados em indivíduos
prevalentes, observados antes do diagnóstico, e ocorreram em sadios são diferentes daqueles detectados em pacientes com
78% dos pacientes. doenças do tecido conectivo. Eles mostram fraca reativida-
Kallenberg et al.35 avaliaram, durante seis anos, pacientes de, têm baixa afinidade, são geralmente da classe IgM, estão
encaminhados por causa de fenômeno de Raynaud e concluí- presentes em baixas concentrações e são polirreativos.40,41 Os
ram que determinados anticorpos antinucleares tinham valor anticorpos produzidos por pacientes com doenças do tecido
prognóstico para o desenvolvimento de determinadas doen- conectivo pertencem predominantemente à classe IgG, estão
ças, tais como a esclerose sistêmica. presentes em níveis muito altos e mostram alta afinidade para
Entretanto, apesar dessas evidências, alguns indivíduos ligação a antígeno.41
podem seguir décadas com autoanticorpos circulantes sem
desenvolver qualquer sinal de enfermidade autoimune.5

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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212 Tratado Brasileiro de Reumatologia


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Análise e Interpretação Clínica do FAN 213


3 Seção

A Terapêutica e as suas Bases


Farmacológicas nas Doenças Reumáticas
10

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin

As Bases Farmacológicas de Medicamentos


Utilizados em Reumatologia

217
10.1

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin

História e Farmacologia dos Anti-inflamatórios não Hormonais


„„ INTRODUÇÃO
A utilização de anti-inflamatórios não hormonais (AINH)
existia desde tempos imemoriais, muito antes do alvorecer da
medicina moderna. As mais antigas referências conhecidas so-
bre o uso medicinal da murta e da casca de salgueiro, fontes
originais da aspirina*, pode ser atribuída aos antigos egípcios,
há mais de 3500 anos.
A aplicação de casca de salgueiro (Figura 10.1) em articu-
lações rígidas e dolorosas é recomendada no papiro Ebers, um
texto completo de 110 páginas sobre a arte médica, em que
se faz referência a 877 tratamentos de várias doenças físicas,
mentais e espirituais. O referido papiro Ebers surgiu durante o
reinado de Amenhotep I, cerca de 1534 antes de Cristo.1
O Papiro Ebers, um dos mais antigos documentos da histó-
ria da Medicina, foi adquirido por um inglês, Edwin Smith, que
esteve durante quatro anos no Egito, a partir de 1858. Naquela
ocasião, ele adquiriu de Mustafá Aga, mercador de Teba, o aci-
ma citado papiro de 211/2 colunas, que foi doado por sua irmã
à Sociedade de História de Nova Iorque. Em 1930, Breasted,
da Universidade de Chicago, encontrou o papiro, traduziu-o e
publicou os resultados encontrados.
Também há referências sobre a utilização da casca do
salgueiro em textos das antigas civilizações do Médio Orien-
te, como a Suméria e a Assíria.
Hipócrates, no século V a.C., o sábio de Cós (460-377 A.C.)
e pai da Medicina, que passou vários anos no Egito estudan-
do medicina, também observou que a mastigação das folhas
amargas do salgueiro reduzia a dor, e recomendou este remé-
dio para mulheres em trabalho de parto.2 O pai da medicina
científica escreveu, também, que o pó ácido da casca do sal- Figura 10.1 Salgueiro ou chorão.
gueiro ou chorão (que contém salicilatos, mas é potencialmen-
te tóxico) aliviava dores e diminuía a febre.
A descoberta da estrutura química da aspirina pelos ale- No entanto, as tais controvérsias em relação aos efeitos ad-
mães em 1897 por Felix Hoffmann, como afirma a Bayer ‒ em- versos foram dirimidas depois de uma publicação na revista
bora vários outros peritos digam que foi Arthur Eichengrun ‒, The Lancet, em 1938, feita por Douthwaite Lintott. Nessa oca-
a precursora dos atuais AINHs, suscitou desde então e durante sião, o autor utilizou a endoscopia rígida para demonstrar que
muitos anos polêmicas e controvérsias sobre seus efeitos cola- a aspirina induzia o aprecimento de lesões ulcerosas gástricas
terais sobre o tubo digestivo. numa série de pacientes.
Entrementes, como advertiu Linttot, no caso da aspirina e
seus sucessores AINHs, apesar de sua relativa eficácia em al-
* A palavra aspirina vem de acetil; Spir se refere a Spiraea ulma- gumas condições patológicas de natureza inflamatória, os seus
ria (planta que fornece o ácido salicílico); e o in era um sufixo efeitos colaterais muitas vezes estão associados a comorbida-
utilizado na época, formando o nome Aspirin, que depois foi aportu- des e, em alguns casos, com elevada mortalidade, como com
guesado para Aspirina.

219
alguns dos recentes inibidores da COX-2. Esses efeitos adver- trombóticos nesse grupo ‒ e outros fatores menos propícios
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

sos podem ser evitados com algumas medidas preventivas em de modificar outro fator de risco, como a angiopatia amiloi-
pessoas que apresentem fatores de risco.3 de ‒ é atualmente, importante fator predisponente de maior
A preocupação feita por Douthwaite Lintott em 1938 sobre risco para hemorragias intracerebrais do que a hipertensão
esse efeito colateral (lesão gástrica) foi em razão de relatos so- arterial mal controlada.
bre o aumento de sangramentos gastrinestinais e de sua com- Portanto, se a prevalência de hemorragia intracerebral
provação endoscópica. nesse grupo etário permanecer relativamente inalterada, o
Na década de 1940, Lawrence L. Craven, um clínico geral número de tais casos vai provavelmente aumentar.8
praticante de Glendale, Califórnia, observou um aumento de Esse aumento potencial do ônus de hemorragia intrace-
sangramento em crianças que mascavam goma de aspirina rebral não era esperado que acontecesse a partir dos dados
após amigdalectomia. de mortalidade anteriores, que se limitaram a uma população
com idade inferior a 75 anos. Desde que, pelo menos, dois ter-
Efeitos inesperados benéficos da aspirina ços de casos de hemorragia intracerebral e 50% de todos os
derrames ocorrem acima dessa idade, fazer estudos sobre a
Apesar disso, a temeridade sobre os efeitos colaterais sobre prevalência de acidentes vasculares cerebrais da população
o tubo digestivo foi logo ofuscada por um enorme e inesperado mais velha é um imperativo vital.9,10
benefício, atualmente comprovado por inúmeros trabalhos so- Nesse aspecto, a utilização de AINHs em pessoas de idade
bre a matéria: a inibição da agregação de plaquetas. muito avançada requer uma série de cuidados na avaliação da
Craven inferiu que a aspirina poderia ser um droga eficaz relação risco-benefício, haja vista que existe uma expectativa
na profilaxia de eventos cardiovasculares e começou a prescri- de aumento da prevalência da angiopatia amiloide com o en-
ção de uma aspirina por dia para homens de meia-idade, com velhecimento da população, e com isso há a possibilidade –ló-
estilos de vida sedentários com sobrepeso, e também para pa- gica ‒ de que o número absoluto de casos possa aumentar nas
cientes que se recuperaram de ataques cardíacos anteriores. próximas décadas.
Depois de supostamente ter tratado com ela [aspirina] cerca
de 8 mil pacientes, e observando não ter havido um único in-
farto do miocárdio ou acidente vascular cerebral entre eles, „„ FARMACOLOGIA DOS AINHs
Craven recomendava a aspirina como “um método seguro e
Em seres humanos, essencialmente, o ácido araquidôni-
eficaz de prevenção de trombose coronariana”.
co, sintetizado a partir dos glicerofosfolípidos existentes na
Suas recomendações foram amplamente ignoradas pela membrana celular, é mobilizado pela fosfolipase A2. A sua
classe médica, em parte porque elas foram publicadas em um subsequente transformação [do ácido araquidónico] em pros-
periódico médico um tanto obscuro, como era a revista médica taglandinas se deve à ação catalisadora da ciclo-oxigenase
do Vale do Mississippi. (COX), que a transforma em prostaglandina G2/H2 sintetase,
Em 1968, O’Brian mostrou que a aspirina inibe a agrega- e posteriormente, de forma sequencial em prostaglandina G2
ção das plaquetas humanas4 e, em 1974, revisões sistemáticas (PGG2) e prostaglandina H2 (PGH2).
mostraram que a utilização da aspirina estava associada a uma
Além dessas atividades teciduais específicas das prosta-
redução na prevalência do infarto miocárdio e acidentes vas-
glandinas sintetases, numa fase seguinte, as PGH2 se trans-
culares cerebrais.5
formam em outras prostaglandinas e tromboxanas, cada uma
No entanto, se em tais acidentes vasculares cerebrais a com funções diferentes em diversos tecidos do corpo humano,
prevalência de hemorragia intracerebral nesse grupo etário como se vê no Quadro 10.1.
permanecer relativamente inalterada, o número de tais casos,
em razão da inibição da agregação plaquetária, vai provavel- A transformação do ácido araquidônico em outros deri-
mente aumentar.8 vados que agem como anti-inflamatórios, antitrombóticos,
protetores do tubo digestivo e anti-alérgicos, se dá como se
Mas foi somente em 1980, quarenta anos depois, que a
observa no Diagrama 10.1 e 10.2.
Food and Drug Administration (FDA) finalmente aprovou re-
comendação do Dr. Craven6,7 para sua utilização na prevenção Neste quadro pode-se notar que as ciclooxigenases (COX-1
da doença coronariana. e COX-2) transformam o ácido araquidônico em Prostaglandi-
nas G2 e, numa etapa seguinte, a peroxidase em Prostaglandi-
Se esse efeito protetor da aspirina em relação ao infarto do
miocárdio e acidentes vasculares cerebrais isquêmicos dimi- nas H2, que são as tromboxanas (TXA 20, prostacilinas PGI2 e
nui a sua prevalência, um fato inesperado e perigoso foi cons- em prostaglandinas PGE2, PGF2 e PGD2, que são substâncias
tatado com o aumento da vida média média dos mais idosos na mediadoras da inflamação. Se por um lado essas substâncias
últimas duas décadas. atuam desencadeando o processo inflamatório, por outro lado,
têm uma função fisiológica vital na proteção do tubo digestivo
Nesse ínterim, em pessoas com mais de 75 anos que usam,
e na manutenção da função renal.
sistematicamente, a aspirina e/ou agentes antitrombóticos,
pode ocorrer efeito contrário, aumentando a prevalência de As lipoxigenases atuam também como mediadoras da in-
acidentes vasculares cerebrais hemorrágicos. Neste aspecto, flamação (leucotrienos) e nos processos alérgicos.
os esforços para diagnosticar a hipertensão arterial e tratá- Porém, de todas as enzimas citadas, a mais importante é
-la tenham diminuído no Reino Unido nos últimos 20 anos, a Fosfolipase A2, que ao ser seletivamente inibida pelos corti-
porém, o risco de hemorragias intracerebrais neste grupo coesteroides, impede que os glicerofosfolípidos da membrana
etário antes dos 75 anos, porque estes estudos não incluíam celular se transformem em ácido araquidônico, bloqueando
as pessoas com 75 ou mais anos. Essa tendência de queda na raiz o desencadeamento do processo inflamatório. Por essa
na prevalência de acidentes vasculares pode ser diferente razão, eles [corticoesteroides] são as drogas mais potentes e
em pessoas de 75 anos ou mais. A utilização de agentes anti- eficazes nas doenças reumáticas autoimunes ou não, alérgicas

220 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 10.1
Quadro 10.1 As prostaglandinas e suas diversas ações sobre o organismo.

PGH2 Ação

Prostaglandina PGD2 Regulação do sono e reações alérgicas.

Prostaglandina PGF2 Atua no controle das contrações do útero durante a menstruação e parto.

Prostaciclina PGI2 Dilata os vasos sanguíneos e inibe a agregação.

Prostaglandina E2 PGE2 Atua nos mecanismos da dor, inflamação e febre. Tem atuação protetora sobre a mucosa do estômago.

Tromboxana A2 TXA2 Provoca constrição dos vasos sanguíneos e facilita a agregação plaquetária.

Cascata do ácido araquidônico

Fosfolípides
Fosfolipase A2

Ácido araquidônico
5 - Lipooxigenase Ciclooxigenases

15 - LO 15 - HPETE 5 - HPETE
PGG2
Peroxidase
Lipoxina A Lipoxina B Leucotrieno A 4 (LTA 4 )
PGH2

Leucotrino B4 LTC 4
(LTB4 ) LTD 4
Tromboxane Prostaciclina
Prostaciclina
Prostaglandina
(TxA 2 ) (PGl
(PGI22)
LTE 4

PGE 2 PGF 2 PGD 2

Diagrama 10.1 Cascata de ácido araquidônico.

e, em outras condições patológicas que têm a inflamação como trite. Em outras, como as autoimunes, são menos eficazes ou
substrato fundamental da doença. mesmo não tem alguma eficácia. Isso é explicável, porque o
Esta, a cascata do ácido araquidônico já era conhecida seu efeito [dos AINHs] anti-inflamatório não tem o poder de
desde 1971 por John Vane, ao descobrir que a aspirina e seus suprimir, ou pelo menos atenuar, a inflamação como fazem os
sucessores similares (os AINHS) atuam inibindo a produção esteroides da córtex das suprarrenais, porque eles [AINHs]
de prostaglandinas. Posteriormente, ele [John Vane] e outros agem numa etapa secundária na cascata do ácido araquidô-
pesquisadores demonstraram que a aspirina e outros AHINs nico. Os AINHs inibem as ciclooxigenases, enquanto os cor-
ao bloquearem numa etapa seguinte (posterior) à ação das ticoesteroides inibem a fosfolipase A2, numa etapa anterior
enzimas COX (cicloxigenases), inibindo a biotransformação e mais potente na produção e consequente diminuição das
do ácido araquidônico em prostaglandinas H2, apresenta- prostaglandinas endógenas. Depois dos antibióticos, senão
vam efeitos analgésicos e anti-inflamatórios. Se por um lado mesmo antes deles, são os medicamentos mais prescritos no
tinham tais efeitos benéficos, amplamente utilizada na práti- mundo.
ca clínica, por outro lado também causavam lesões gástricas, A utilização dos AINHs impõe que se faça uma análise
sangramentos, lesões renais e outros efeitos adversos.11-13 Os dos riscos e benefícios, principalmente quanto àqueles do
anti-inflamatórios não esteroides ou não hormonais (AINHs) trato gastrintestinal, onde a sua prevalência de tais riscos
são armas indispensáveis – apesar de sua limitada eficácia– é maior.
no tratamento de algumas doenças reumáticas, por exemplo, No Quadro 10.2 estão os fatores de risco adicionais predis-
naquelas que acometem as partes moles, a gota e a osteoar- ponentes a lesões ulcerosas no trato gastrintestinal:

História e Farmacologia dos Anti-inflamatórios não Hormonais 221


„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

A cascata do ácido araquidônico

cPLA 2 OOOH
Fosfolipídeos de
membrana
Corticoides Ácido araquidônico COX-1 COX-2
5-Lipoxigenase (5-LOX)
(FLAP)

Inibidores de 5-LO AINEs COOH


O
Clássicos
OOH
COX-2 seletivos
COOH COOH
HO
OH
OOH
Efeitos cardíacos PGG 2
5-HPETE PGI 2 (Prostaciclina
inibição da agregação)
O
COOH OH OH
COOH COOH

O COOH
LTA 4 OH PGH2
LTB 4 O TXA2
OH
Vasoconstricção
OH Quimiotaxia
COOH potencializam o
Agregação plaquetária
edema
HO HO
LTC 4
COOH COOH
OH
OH Vasoconstricção O OH HO OH
COOH PGD2 PGF COOH
broncoespasmo
HO
LTD4 aumento da O O
OH TXB 2
permeabilidade COOH

HO OH
OH PGE 2
COOH

LTE 4 Inflamação

(Adaptado de Cashman, 1996)

Diagrama 10.2 (Diz-se de ácido graxo (C20H32O2), precursor da biossíntese das prostaglandinas e leucotrienos araqui [do grego arákhos ou
cizirão, espécie de grão-de-bico de dois frutos, Houaiss).

O baixo potencial de inibir o processo inflamatório dos


AINH em relação aos corticoestroides já foi constatado em
Quadro 10.2 Cautela na interpretação dos resultados.
meados do século passado. Naquela época, em 1969, quando
História anterior de eventos gastrintestinais Risco: 4 a 5 vezes maior o Ibuprofen começou a ser comercializado, a sua eficácia em
dezoito pacientes com artrite reumatoide não foi superior ao
Pacientes com mais de sessenta anos Risco: 5 a 6 vezes maior placebo. Apesar disso continua sendo usado até hoje em ou-
(principalmente mulheres) tras condições patológicas de menor intensidade inflamatória,
Doses elevadas Risco: 10 vezes maior
talvez em razão de sua ação analgésica.15,16
Depois do lançamento do Ibuprofen, cinquenta ou mais
Uso concomitante de esteroides Risco: 4 a 5 vezes maior AINHs diferentes surgiram no mercado e são os medicamen-
tos mais frequentemente prescritos no mundo.
Uso concomitante de anticoagulantes Risco: 10 a 15 vezes maior
*A avaliação dos fatores de risco é recomendada para identificar pacientes nos quais a
profilaxia da úlcera gástrica ou duodenal deveria ser mais considerada.14 „„ MECANISMO DA AÇÃO ANALGÉSICA
DOS AINHs
Depois da aspirina (AAS), o primeiro AINH sintetizado foi Os AINHs, além de inibirem a resposta inflamatória, exer-
o Ibuprofen, que além de atuação menos significativa no pro- cem uma ação analgésica em diversas condições patológicas
cesso inflamatório, tinha também efeitos analgésicos e antipi- ao agirem sobre estruturas do sistema nervoso central (SNC) e
réticos. periférico, como também tecidos de outros órgãos, como rins,

222 Tratado Brasileiro de Reumatologia


vias biliares, lesões de tecidos moles e condições dolorosas, Analgésico × Anti-inflamatório

„„ CAPÍTULO 10.1
como tensão pré-menstrual e cefaleias. No SNC o alívio da dor (em relação à dor), qual é superior?
se dá através de efeitos nociceptivos centrais e viscerais, como
se nota no Quadro 10.3. No que concerne as diferenças entre o efeito analgésico e
o anti-inflamatório, não houve comprovação estatisticamente
significante em relação a esse fato.19
Nos Estados Unidos, nas décadas de 1980 e 1990 do século
Quadro 10.3 Efeitos antinoceptivos centrais.
passado, eram 60 milhões de prescrições de AINHs, 4% de to-
O alívio da dor se dá por sua ação no sistema nervoso central: das as prescrições médicas, sendo que destas [prescrições], 16
mil toneladas são de AAS, com custo anual de 9 (nove) bilhões
„„ Pela inibição dos sistemas descendentes opioides, serotoninoérgicos e de doláres anuais.
outros, que interferem nos impulsos da dor. Paralelamente, outro aspecto nocivo relativo ao grande nú-
„„ O diclofenaco potássico produz antinocepção em modelo de dor mero de prescrições dos AINHs, como acima referido, são os seus
visceral. O efeito é revertido pela naloxana. efeitos colaterais. Estes, constituem de 21 a 25% de todos os efei-
tos adversos de remédios prescritos no Reino Unido e nos Esta-
Como analgésicos, os AINHs são indicados para as dores de dos Unidos, causando 2500 mortes/ano somente nos portadores
pequena a média intensidade. Alguns têm propriedades anti- de Artrite Reumatoide (Ver Diagrama 10.4). Tal fato exige que a
-inflamatórias mais eficazes, como o diclofenaco e a indometa- prescrição desses medicamentos seja feita com cautela, calcada
cina, eficácia esta que pode variar de paciente para paciente, e no conhecimento de sua farmacodinâmica, interações medica-
quando não há resposta a um deles, a sua substituição por ou- mentosas e efeitos adversos, não apenas sobre o tubo digestivo,
tro de diferente classe do ponto de vista químico é desejável, mas também sobre outros sistemas orgânicos.17,18
senão necessária. Nessa situação, a falta de resposta acontece
em pacientes que utilizam AINHs por mais de quatro sema-
nas, podem desenvolver resistência a eles em consequência de 60 milhões de prescrições, 16.000 toneladas de
“turnover” celular. AAS consumidos (U.S.A), U$ nove bilhões.
Existe um grande número de anti-inflamatórios não hor-
monais (AINHs) com mecanismos de ação muito semelhantes
do ponto de vista farmacológico, apesar de terem uma estru-
tura molecular diferente. No entanto, os ensaios comparativos
entre uns e outros, raramente, mostraram diferenças estatis-
ticamente significativas entre si quanto à sua ação terapêu- 21 a 25% de todos os efeitos colaterais de
tica.17,18 Isso é sinônimo de sua pequena e relativa eficácia, e remédios (Reino Unido e EE.UU.)
poucos deles atingem os objetivos almejados.
Além das indicações nas doenças reumáticas, os AINHs
têm outras indicações terapêuticas para tratar a dor conforme
o Diagrama 10.3. Diagrama 10.4 Prescrições de AINHs versus efeitos colaterais.

Osteoartrite

Cólicas Tensão pré-


biliares -menstrual

Cirurgia
Lesões de dentária
(recomenda-se a
tecidos retirada da aspirina
moles por 7 dias antes
AINHs do ato cicúrgico)

Dor pós- Cólicas


-operatória renais

Cefaleias Cólicas
uterinas
Diagrama 10.3 Outras condições clínicas e
cirúrgicas em que os AINHs podem ser uti-
lizados.

História e Farmacologia dos Anti-inflamatórios não Hormonais 223


„„ FARMACOCINÉTICA
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

Algumas diferenças entre composição química, concentra- Quadro 10.5 Estrutura química.
ção tecidual e locais de ação são vistas no Quadro 10.4 abaixo:
Salicilatos Como o mais proeminente sucessor da aspirina

Ácido arilacnoico Diclofenaco, indometacina, nabumetone


Quadro 10.4 Ácido arilpropiônico Ibuprofen, Cetoprofen, Naproxen, Flubiprofen

„„ Tanto os inibidores da COX-1, quanto os da COX-2, têm concentração Ácidos fenâmicos Ácido mefanâmico, ácido meclofenâmico
preferencial nos tecidos inflamados.
„„ Podem ter ação nociva sobre a cartilagem articular porque a maioria Pirazolonicos Fenilbutazona (retirada do mercado)*
dos AINHs é ácida. Portanto, esse efeito colateral é um paradoxo. O
Oxicans Piroxicam, Meloxicans, Tenoxicam
quadril indometacina é um exemplo do dano, quando deveria ser
benefício. Sulfonanilidas Nimesulidas
„„ Por ser ácida a maioria dos AINH, a sua prescrição exige cautela.
„„ Os AINHs lipossolúveis (Cetoprofen, Ibuprofen, Naproxen) atravessam
a barreira hematoliquórica, alterando, assim, a função cognitiva e
o estado de ânimo. O Ibuprofen, em decorrência disso, pode causar
meningite asséptica em alguns poucos casos. Quadro 10.6 Outras classes de AINHs.
„„ A resposta terapêutica e os efeitos adversos dos AINHs dependem das
concentrações plasmáticas, existindo uma relação linear entre estas e „„ Aceclofenaco
aqueles [efeitos adversos]. „„ Cetorolaco
„„ Clonixnato de Lisina
„„ Etodolaco
No que concerne à sua estrutura química molecular quan-
** Mais detalhes no Capítulo 11.
to à ação terapêutica, os anti-inflamátorios não hormonais di-
ferem muito entre si, dependendo se é inibidor da COX-1 ou da
COX-2, a saber (Diagrama 10.5).
Os AINHs, no que concerne às características da estrutura Os diferentes AINHs seletivos COX-2 e não seletivos são,
química, são classificados em diversos grupos, dependendo da respectivamente, iguais quanto aos seus efeitos adversos, com
sua configuração estrutural, a saber Quadros 10.5 e 10.6. exceção da aspirina. Os primeiros aumentam potencialmente
Como classe de medicamentos, embora as drogas AINHs o risco de comprovados efeitos cardiovasculares, e os segun-
sejam diferentes em sua estrutura química, como se observa dos, sangramento gastrintestinais sérios com risco de morte.
nos Quadros 10.5 e 10.6 entretanto, a sua farmacocinética Isso decorre do fato de os AINHs, ao inibirem a cicloxigenase
e, suas propriedades farmacológicas, em última análise elas COX-1, bloquearem importantes funções fisiológicas das pros-
[drogas] compartilham de um mesmo mecanismo de ação.3 taglandinas no trato gastrintestinal.

Diferenças no mecanismo de ação dos AINHs


COX-1 e COX-2

Inibidores equipotentes Flubiprofen, Ibuprofen


de COX-1 e COX-2 Meclofenamato

Piroxicam, Indometacina,
Inibidores preferenciais Glucametacina (retirada
de COX-1 do mercado)

Meloxicam, Nimesulida,
Inibidores de COX-2 Nabumetone (6-MNA)
Celecoxib, Rofecoxib

Neutralização de radicais
2
livres de O2 liberados pela
ativação da cascata do ácido Nimesulide
araquidônico

Diagrama 10.5 Diferenças no mecanismo de ação dos AINHs.

224 Tratado Brasileiro de Reumatologia


No que concerne ao COX-2, a FDA determinou que nas bu- O anti-inflamatório ideal é aquele que inibe somente a COX-2

„„ CAPÍTULO 10.1
las desses medicamentos deve constar uma contraindicação e não exerce qualquer efeito sobre a COX-1. Ele ainda não apa-
de seu uso no pós-opertatório imediato de cirurgias de revas- receu no mercado.
cularização coronária,3,20 além de outros graves efeitos adver-
sos em outros órgãos e sistemas. O rofecoxib foi retirado do
mercado pelas inúmeras mortes causadas, principalmente nos
„„ FATORES DE RISCO
Estados Unidos. Vários são os fatores de risco, alguns até graves, incidindo
sobre diversos órgãos e sistemas, mais prevalentes em deter-
„„ DIFERENÇAS E SEMELHANÇAS ENTRE OS AINHs minadas faixas etárias e mais incidentes no sexo masculino ou
feminino.
As diferenças existem porque há duas isoformas de ciclo- Quanto ao tipo de droga utilizada, os AINHs apresentam a
xigenase, que atuam nos mecanismos que inibem a resposta seguinte condição:
inflamatória: as Cicloxigenases COX-1 e a COX-2. A sua estru-
tura molecular tem 60% de semelhança na sequência dos
aminoácidos que fazem a catálise do ácido araquidônico, que
Quadro 10.8 Diferenças entre os fatores de risco.
induz ao raciocínio de não existir grandes diferenças quanto
a sua ação terapêutica. Abaixo, no Quadro 10.7, estão as di- Menor risco Ibuprofen e diclofenaco (menos úlcera)21
ferenças.
Maior risco Pirazolonas (em alguns países foram retiradas do
mercado), indometacina, cetoprofen e piroxicam

Quadro 10.7 Mecanismo de ação do COX-1 e COX-2. Outros fatores de risco para utilização de AINHs estão no
COX-1 COX-2 COX-1 COX-2 Diagrama 10.6.22
↓ ↓ ↓ ↓

„„ Administra „„ Enzima „„ Interleucina „„ Corticoes-


„„ O FÍGADO E OS AINHs
os processos indutível 1 (estimula) teroides Existe um mito quase folclórico sobre as inúmeras supos-
normais da „„ Aumenta (inibem) tas crendices sobre esse órgão vital, a usina do corpo humano.
célula e é durante a Qualquer mal-estar abdominal se atribui ao fígado, inclusive
inibida por inflamação
todos AINH aos medicamentos utilizados no tratamento das doenças reu-
„„ Inibida pelos
máticas. O risco é pequeno: 23 casos/625.307 (3,7%/100.000)
AINH
em 2 milhões de prescrições (1,1%/100.000). Quando outras
„„ Recentes
drogas são usadas em associação, o risco é maior. Por exemplo:
COX-2
pacientes com A.R., em que 3 drogas são utilizadas o risco é dez
vezes maior que na Osteoartrite, quando se utiliza apenas um

Dosagem
alta
Utilização Idade
de mais de maior que
um AINH 65 anos

Maior em
Fumo Fatores de
mulheres do
Risco para
que em
AINHs
homens

Álcool Histórico
de úlcera
Administração
junto com
corticoesteroides
Diagrama 10.6 Outros fatores de ris-
co para utilização de AINHs.

História e Farmacologia dos Anti-inflamatórios não Hormonais 225


anti-inflamatório. Outro exemplo é a associação de Methotrex-
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

ate e o AAS, na qual há uma diminuição de 20% do clearence


Quadro 10.10 Efeitos renais em pacientes hemodinamica-
renal do MTX (mthotrexate)*.
mente comprometidos.

„„ OUTROS EFEITOS ADVERSOS NOCIVOS „„ Aqueles com insuficiência cardíaca severa.


„„ Aqueles com cirrose com ou sem ascite.
Quadril indometacina „„ Aqueles com diurese exagerada (agem na liberação de renina, sobre o
transporte tubular de íons e trocas de água).
A coxo-femoral tornando-se menos dolorosa pelo uso de
„„ Diminuem em 20% o clearence renal do metothrexate (cuidado no seu
AINH fica suscetível ao estresse mecânico. Uma artropatia de
uso em crianças).
Charcot iatrogênica.
Os efeitos colaterais gástricos ocorrem qualquer que seja
a via de administração, seja retal, parenteral ou endovenosa,
efeitos estes que podem ser evitados com as drogas de eficácia Quadro 10.11 Efeitos fisiológicos citoprotetores positivos
terapêutica profilática, como no Diagrama 10.7. das prostaglandinas.
Em relação à prevenção de efeitos nocivos sobre úlceras
gástricas e duodenais, pode-se ver no esquema acima a eficá- „„ Aumentam a produção de bicabornato.
cia ou ineficácia de certos medicamentos. „„ Aumentam a resistência do epitélio.
„„ Aumentam a recuperação da mucosa.
Observação: „„ Preservam a integridade da micro-vasculatura.
A utilização do omeprazol a longo prazo não está isenta de riscos.
O misoprostol tem sua venda proibida.

Quadro 10.12 Efeitos citonocivos.


Efeitos sobre a pressão arterial
„„ Estudos de metanálise mostram poucos efeitos uma
baixa prevalência. „„ Aumentam os radicais livres.
„„ Aumentam a produção de leucotrienos.
„„ Aumentam em média 5 mm/Hg; o piroxicam, 6,3 mm.
„„ Diminuem a ativação dos neutrófilos.
„„ Diminuem os efeitos anti-hipertensivos dos beta-blo-
queadores.23
„„ PREVENÇÃO DO CÂNCER
Em editorial publicado no New England Journal of Medicine
Quadro 10.9 Efeitos sobre o sangue e a medula óssea – riscos por Markowitz Sanford D., sobre a aspirina e o câncer de cólon,
maiores com a indometacina, fenilbutazona e seus derivados. com enfoque numa estratégia de prevenção, o autor afirma que
existem evidências convincentes de que o uso a longo prazo,
„„ Anemia, neutropenia, tromocitopenia. principalmente da aspirina ou alguns anti-inflamatórios não
„„ As alterações sobre a coagulação provocadas pelo AAS são irreversíveis hormonais (AINHs), o risco de câncer de cólon pode ser dimi-
e duram durante todo o ciclo vital das plaquetas (duas semanas em nuído. Tal fato tem implicações importantes na prevalência do
média). câncer, especialmente o câncer de cólon que é a segunda princi-
„„ A função normal das plaquetas retorna depois de três vezes a vida pal causa de morte entre as neoplasias malignas.
média, após a parada da ingestão do AINH (maiores com fenilbutazona A aspirina e AINHs não selectivos cada um, ao inibirem as
e indometacina – risco relativo: 4,2).
duas ciclooxigenases que desencadeam a produção de pros-
taglandinas, a COX-1 e COX-2, enzimas estas que iniciam a
* Cuidado no seu uso em crianças.

Eficácia comprovada da terapia profilática

Úlcera gástrica Úlcera duodenal

Prostaglandinas (Misoprostol) + +

Bloqueadores H – +

Omeprazol + +

Sucralfato – ?

Diagrama 10.7 Eficácia comprovada da terapia profilática na úlcera gástrica e duodenal.

226 Tratado Brasileiro de Reumatologia


síntese de prostaglandinas. Os AINHs que são seletivos para Avaliação dos exames pré-operatórios25-27

„„ CAPÍTULO 10.1
a COX-2 também inibem a produção de prostaglandinas. A
COX 1 é formada significativamente no cólon, porém a COX-2 Interromper a administração dos AINHs*, no mínimo, três
é produzida e acentuadamente controlada em muitos cânce- meias-vidas antes da cirurgia para evitar o efeito antiplaque-
res de cólon. Pesquisas intervencionistas mostraram uma di- tário. Por exemplo, o ibuprofeno, que tem uma meia-vida de
minuição do risco de desenvolvimento de adenomas de cólon cerca de 2,5 horas, suspender 7,5 horas antes. A aspirina, que
em pessoas de alto risco para as quais foram dados aspirina inibe de forma permanente a ciclooxigenaseplaquetária, é in-
e antagonistas seletivos de COX-2; por outro lado, pesquisas terrompida pelo menos uma semana antes da cirurgia para
observacionais associaram uma diminuição do risco do can- permitir a produção de plaquetas novas. Inibidores seletivos
cer de cólon em pessoas que usavam aspirina.24 da COX-2 não interferem com a função plaquetária e, portan-
to, não parecem aumentar o risco de hemorragia. No entanto,
uma vez que a COX-2 pode ter um papel na cicatrização de fe-
ridas e da função renal, inibidores seletivos COX-2 devem ser
utilizados com precaução no perioperatório. Agentes biológi-
Quadro 10.13 Atenção: regras de prescrição. cos (Imunossupressores) interferem com a ação do TNF-.
„„ Receitar de acordo com a experiência.
„„ Familiarizar-se com alguns e conhecer a fundo a sua farmacodinâmica. Pontos-chave
„„ Não se deixar influenciar pela propaganda da indústria.
„„ Alguns dos AINHs, além de aliviarem a inflamação re-
„„ A falta de resposta a um AINH não significa ausência de resposta a
outro da mesma classe ou de outra. sultante da inibição da síntese das prostaglandinas,
„„ A dosagem é importante na eficácia. Analisar se é mais conveniente
são eficazes como analgésicos, antitérmicos e anties-
uma ou duas vezes ao dia. pasmódicos.
„„ As preparações de vida média longa devem ser evitadas em idosos. „„ A aspirina, em razão da inibição da agregação plaque-
„„ A caracterização da doença reumática subjacente deve influenciar a tária, tem sua eficácia comprovada na prevenção se-
seleção. cundária da doença vascular coronariana.
„„ Nas doenças não reumáticas, com distúrbios da coagulação, deve haver „„ Na osteoartrite, artrite reumatoide e dor somática de-
cuidado com o ácido acetil salicílico (AAS). corrente de afecções de partes moles, a eficácia dos
„„ Não adianta usar AINH na fibromialgia e na osteoartrose severa. AINHs é variável, e em alguns casos ligeiramente supe-
Os analgésicos são melhores. rior, senão igual ao placebo.
„„ A ineficácia de um AINHs não significa que outro de dife-
rente classe também o seja; a sua substituição pode ter
sucesso.
Quadro 10.14 Indicação dos anti-inflamatórios (segundo
experiência pessoal).
Artrite reumatoide Indometacina, Diclofenaco Potássico,
Glucametacina

Artrite reumatoide (juvenil) Naproxen, Indometacina, Diclofenaco


Potássico

Osteoartrose Meclofenamatos, Ibuprofen, Diclofenaco


Potássico e Cetoprofen

Doenças de partes moles Ibuprofen

Gota Fenilbutazona (retirada do mercado),


Indometacina

Quadro 10.15 Interações medicamentosas.

Anticoagulantes Fenilbutazona, Azopropazona

Lítio (por inibição renal) Todos os AINH (menos o AAS)

Hipoglicemiantes orais Fenilbutazona, Azopropazona

Fentoína Fenilbutazona, Azopropazona Figura 10.2 Vasculite por diclofenaco.

Observação: apesar da eficácia da fenilbutazona e de seus derivados, como a


azopropazona e outros, foram retirados do mercado por causa de poucos e graves efeitos
colaterais. * AINHs, COX-2 e altas doses de COX-1 são passíveis de causar infarto
agudo do miocárdio, com exceção do Naproxen. Também exite risco
de hipertensão, insuficiências cardíaca e renal.3

História e Farmacologia dos Anti-inflamatórios não Hormonais 227


Efeitos adversos graves, como sangramento gastrintes- Uma regra mandatória é a prescrição da menor dose
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

„„ „„
tinal, perfuração e obstrução, podem levar à morte se o possível e durante curto espaço de tempo.
diagnóstico não for feito precocemente. „„ A utilização de inibidores da secreção gástrica deve
„„ No entanto, esses riscos são dose e tempo de uso de- ocorrer somente quando há história anterior de lesão
pendentes, em algumas vezes efeitos graves podem gastrintestinal.
surgir como na Figura 10.2 que é uma vasculite.

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228 Tratado Brasileiro de Reumatologia


10.2

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin

História e Farmacologia dos Corticoesteroides


„„ A HISTÓRIA DE UMA DAS MAIORES Como se relatou no ínicio deste capítulo, a largada para
DESCOBERTAS DA MEDICINA esta fantástica descoberta foi dada em 1929 pelo reumato-
logista Philip Hench, um dos fundadores da Sociedade Ame-
A história de uma das maiores descobertas da Medicina, a ricana de Reumatologia, e pelo bioquímico Edward Kendall,
cortisona, começou em 1929, por iniciativa de dois grupos de ambos da Clínica Mayo, em Rochester.
fisiologistas. Um era o de Hartman, da Universidade de Buffalo, Em 1º de abril de 1929 – esse não foi o dia da mentira, pelo
e outro de Swingle e Pfiffner na Universidade de Princeton. menos aqui no Brasil –, Hench tratava de um paciente com artri-
Esses pesquisadores foram os primeiros a preparar os te reumatoide, cujos sintomas desapareceram, misteriosamen-
extratos da córtex adrenal, que controlavam com sucesso os te, após uma doença aguda acompanhada de icterícia. Hench
sintomas de insuficiência adrenal em animais adrenalectomi- também observou uma melhora nos sintomas de pacientes com
zados, e em pacientes que tiveram doença de Addison. A.R. durante a gravidez ou após uma cirurgia recente, e intriga-
Os bons resultados obtidos chamaram a atenção de Edward do com o fato, levantou a hipótese de que essas duas condições
Kendal, bioquímico da Mayo Clinic, em Rochester, nos Estados médicas [icterícia e gravidez] induziriam a liberação de alguma
Unidos, para quatro compostos desses extratos que foram cha- substância que agisse sobre a causa da doença – a A.R.
mados no seu laboratório como A, B, E e F. Por causa do limitado Além disso, ele também especulou que as prováveis altera-
fornecimento dos referidos extratos, foi decidido que todo o ma- ções hepáticas causadoras da icterícia teriam alguma relação com
terial extraído da glândula adrenal deveria ser usado apenas em o misterioso fenômeno que provocava a remissão da doença.
animais de pequeno porte e que nenhum deveria ser utilizado Nesse mesmo ano, 1929, Kendall envidou seus esforços cien-
para investigações de seus efeitos em seres humanos. tíficos para isolar os grupos químicos associados às glândulas
Com base nas experiências feitas com animais, aumentou a suprarrenais. Em razão do sucesso obtido no tratamento da in-
expectativa de que esses compostos extraídos da córtex adre- suficiência da córtex suprarrenal em animais, remessas regulares
nal poderiam ajudar pacientes que sofreram traumas, queima- de tecidos adrenais provenientes de matadouros de Chicago co-
duras, ou que tinham certos tipos de infecções. Mas quando meçaram a chegar em seu laboratório, com o objetivo de encon-
essa hipótese foi testada com os extratos, os resultados obti- trar um princípio ativo relacionado com as glândulas adrenais.
dos não foram animadores. Durante muitos anos, poucos acre- Na década de 1930, Kendall conseguiu isolar seis hormô-
ditavam que todo o produto da córtex adrenal iria encontrar nios provenientes das adrenais bovinas, identificando-as cada
aplicação na prática clínica, para alguns dos relativamente uma com letras de A a F. Quatro dos compostos tinham ativi-
poucos pacientes que tinham a doença de Addison. dade fisiológica (A, B, E e F). O composto A (11-desidrocorti-
Por essa razão, não é de estranhar que a indústria farma- costerona) e o composto E (cortisona) foram escolhidos para
cêutica estivesse desinteressada, pois não vislumbrava vanta- os estudos iniciais, por causa de sua simplicidade estrutural. O
gem financeira na produção e comercialização desses extratos composto E era 17-hidroxi-11-deidro-corticoesterona.
para doenças da córtex adrenal. Os laboratórios farmacêuti- Entrementes, em 1941, como a participação americana na
cos, num primeiro momento, não imaginavam o que poderia Segunda Guerra Mundial evoluiu e nessa [guerra] os Estados
advir de sua aplicação em outras doenças que não aquelas da Unidos se engajaram com afinco, surgiram no front rumores
cortex adrenal. Por qual razão? alarmantes de que cientistas alemães produziam extratos da
Porque ninguém naquela época acreditava que a partir córtex adrenal, que permitiriam aos pilotos da Luftwaffe (for-
desses extratos surgiriam a cortisona e seus derivados, gran- ça aérea alemã) voar em altas altitudes, depois que recebiam
des descobertas da Medicina, que revolucionaram a terapêu- injeções desses hormônios sem se tornarem hipóxicos, fazen-
tica de inúmeras doenças reumáticas e não reumáticas. Em do-os suportar altos níveis de estresse, perder o sono e fica-
relação à utilização desses compostos, que inicialmente tinha rem mais vigilantes. Tal fato possibilitou que ataques noturnos
como alvo a doença de Addison, mais tarde se percebeu que o fossem desferidos sobre as tropas aliadas. Portanto, a síntese
espectro de ação sua benéfica atingiria doenças de quase to- desses hormônios tornou-se uma questão de vital importância
dos os órgãos e sistemas do corpo humano. e em caráter emergencial para os Estados Unidos da América.

229
Se no início não houve interesse sobre a aplicação dos Em setembro de 1948, Hench constatou o primeiro “mila-
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

esteroides na medicina, posteriormente, a pesquisa sobre os gre” que aconteceu quando o primeiro paciente que recebeu
compostos A e E foi generosamente financiada pelo governo o Composto E e, outros resultados milagrosos semelhantes,
americano, sendo ela [pesquisa] considerada como da mais também, foram observados em 30 pacientes com artrite reu-
alta prioridade, tendo preferência sobre o desenvolvimento matóide atendidos na Clínica Mayo nos próximos 7 meses.
de drogas como a penicilina e medicamentos contra a malária. O referido milagre se deu quando pacientes confinados aos
Em 1942, um químico da Merck and Company, Lewis Sarett, leitos durante anos recuperaram os movimentos articulares
trabalhou por três meses no laboratório de Kendall e depois e bailes foram realizados nas enfermarias. Conta-se que uma
voltou para a Merck, com o objetivo de desenvolver em grande paciente que havia anos que não tomava banho, depois em um
só dia chegou a fazê-lo dez vezes. Em 1949, Hench deu ao com-
escala métodos sintéticos para compostos A e E.
posto E o nome genérico de “cortisona”, como um acrônimo
Nas primeiras experiências os rendimentos esperados dos para corticosterona, para evitar confusão com a vitamina E.
efeitos dos esteroides individualmente foram baixos, com ape- Assim foi o relato de Hench sobre os primeiros resultados com
nas entre 85 e 500 mg de cortisona isolado de 100 kg de glân- o primeiro esteroide (cortisona): “Em primeiro lugar, o com-
dulas suprarrenais.2 ponente fibrótico (rigidez articular e muscular) foi o primeiro
Por isso, foi inicialmente acordado que o uso de esteroides a começar a diminuir, com frequência dentro das primeiras 48
deveria limitar-se aos estudos com animais de pequeno porte e horas... E com frequência ficava acentuada ou completamente
não deveria ser usado em nenhum estudo no campo da pesqui- aliviada dentro de poucos dias. Em segundo lugar, diminuíam a
sa clínica.3 Embora o composto sintético A tivesse a sua ativida- sensibilidade articular e a dor aos movimentos.
de fisiológica demonstrada em animais, no entanto, não houve Então, diminuíam os edemas articulares... E em três casos,
efeitos benéficos em pacientes com a doença de Addison. Como pequenas deformidades de flexão dos joelhos e cotovelos desapa-
resultado desse insucesso, a atenção foi rapidamente desviada receram em sete a dez dias. Pacientes antes incapazes ou pouco
para o composto E, estreitamente relacionado com o primeiro capazes de realizar esforços rotineiros, tais como deitar-se e le-
(A), e que foi o passo histórico para a síntese do 37-ácido deso- vantar-se sem auxílio, levantar-se da cadeiras, abrir portas com
xicólico, sendo a pesquisa publicada por Sarett em 1946.1 uma mão, subir escadas, adquiriram maior facilidade ou mesmo
Após o início da Segunda Guerra Mundial, o financiamento capacidade normal para sua realização. Com a interrupção do
federal para as pesquisas com esteroides adrenal rapidamente tratamento, davam-se as recaídas dentro de dois a quatro dias;
diminuiu, mas a Merck continuou a sua colaboração com Ken- a VHS voltava a seu valor original ou mesmo se tornava maior.”
dall e Hench. Por outro lado, a grande relação do ACTH com o compos-
A Merck e Companhia estava diante de um problema: a to E, de onde surgiu a cortisona, foi estudada por Thorn, em
quem esse material deveria ser dado e como essas poucas 1949, na Universidade de Harvard em outras afecções, para
gramas seriam usadas? Por muitos meses, nenhuma respos- determinar a sua ação fisiológica no homem. Thorn observou
ta satisfatória foi dada e esse fato agora foi uma evidente de- que o ACTH foi capaz de causar remissão da febre reumática,
do lúpus eritematoso, da Artrite Reumatoide e até da gota. Tal
monstração de que, ainda, muito pouco se conhecia sobre a
fato indicava um elo entre o hormônio adrenocorticotrófico
função da córtex adrenal.
(ACTH) pelas células corticotróficas da hipófise e a secreção
No verão de 1947 ficou evidente que um método prático da córtex da suprarrenal. Uma dessas substâncias secretadas
poderia fazer com que o composto E pudesse logo ser obtido. era o hormônio S,idêntico à cortisona, com uma diferença de
Daquele momento em diante, a tarefa progrediu sem contra- que o “S” não tinha o átomo de oxigênio na posição 11.
tempos. Os primeiros gramas do composto E surgiram em maio Anos depois de Kendall, Hench e Reichstein foram agracia-
de 1948 e outros mais foram produzidos durante o verão. dos com o Prêmio Nobel de Medicina por suas pesquisas pio-
Porém, nesse mesmo verão de 1948, o composto E foi ad- neiras sobre os esteroides adrenais, como a cortisona e outros
ministrado – da mesma forma como anteriormente feito – pelo análogos sintéticos, do ponto de vista molecular, estruturalmen-
Dr. Sprague da clínica Mayo a um paciente com doença de Ad- te relacionados. Os corticosteroides, desde então, permanecem
dison e o resultado foi encorajador. Houve uma notável melho- entre os medicamentos mais amplamente prescritos em todo
ra nas condições do paciente. mundo. A “ameaça tripla” de uma fantástica combinação de um
Como Hench já tinha observado, quase na mesma época cientista básico (Kendall), de um químico industrial e farmacêu-
que mulheres acometidas de artrite reumatoide experimen- tico (Sarett) e de um médico (Hench) criou o paradigma final
tavam remissão de seus sintomas durante a gravidez, ele que continua a liderar a rápida integração e implementação de
lembrou que outros pesquisadores também notaram reversi- testes e procedimentos com sucesso na prática clínica.3-6
bilidade da doença em hepatites e icterícias. Embora passados 63 anos da descoberta que revulocio-
Hench sabia que os ácidos biliares continham na sua estru- nou não apenas o tratamento das doenças reumáticas, mas de
tura química núcleos de natureza esteroide, e ele admitiu por inúmeras outras, mitos e inverdades ainda cercam esses medi-
um raciocínio lógico que deveria haver uma relação entre a Ar- camentos, que mudaram a evolução e prognóstico de muitas
trite Reumatoide e distúrbios funcionais da córtex suprarrenal. doenças, como o que se vê no Quadro 10.16 e que ao longo
deste capítulo serão esclarecidas e desmistificadas.
Daí surgiu a ideia, em decorrência daquela ilação lógica, de
que a causa de tais remissões seria decorrente desse hormô-
nio da suprarrenal. A remissão da artrite reumatoide durante
a gravidez é explicada pela grande abundância de DHEA pela Quadro 10.16 Mitos ou verdades.
córtex suprarrenal durante a vida uterina, com objetivo de, por
„„ Aumentam a pressão arterial?
ser ele [DHEA] precursor do estrogênio, aumentar a sua con-
„„ Em que doses causam osteoporose?
centração no tecido placentário. Sabe-se que logo após o nas-
„„ Realmente causam psicose?
cimento, a taxa de estrogênio volta ao normal, o que motivaria
a recrudescência da doença.2 „„ Realmente retêm sódio e excretam potássio nas doses habituais?

230 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ BIOSSÍNTESE DOS CORTICOESTEROIDES roides e mineralocorticoides, apesar das semelhanças de sua

„„ CAPÍTULO 10.2
configuração molecular, é na sua ação sobre o metabolismo:
Além dos corticosteroides a córtex suprarrenal secreta os primeiros [corticosteroides] regulam o metabolismo dos
outros hormônios, como os mineralocorticoides e os androgê- carboidratos e os últimos [mineralocorticoides] regulam o
nios. Como se vê na Figura 10.3 e 10.4, a estrutura química equilíbrio hidro-eletrotrolítico. No caso dos corticosteroides,
dos primeiros tem 21 átomos de carbono, enquanto os andro- um dos efeitos adversos, entre muitos outros, resultante da
gênios têm apenas dezenove. A diferença entre os corticoste- utilização desses medicamentos é o diabetes mellitus. Em seres

H 3C 21
22
H 3C 20 23 27
CH 3
18 17 24
12 16 25
H 3C 19 11 13 D 15 26 CH
9 C 3
10
1 14
8
2
A B
3 6
7 Colesterol
4
HO 5

CYP11A1
CH 3 CH 3

C O C O O
H 3C H 3C
- OH
H 3C CYP17 H 3C CYP17 H 3C

HO HO HO
Pregnenolona 17α-hidroxipregnenolona Desidroeplandrosterona

CH 3 CH 3
3β-HSD 3β-HSD
C O C O
H 3C H 3C
- OH
H 3C CYP17 H 3C

O O
Progesterona 17α-hidroxiprogesterona

CYP21 CH 2 OH CH 2 OH
CYP21 CH 2 OH
C O C O C O
H 3C H 3C H 3C
- OH HO OH
H 3C H 3C CYP11B1 H 3C

O O
O
Desoxicorticosterona 11-desoxicortisol Cortisol

CYP11B2 CH 2 OH CH 2 OH CH 2 OH
C O C O
H 3C H COH CHO C O
HO HO 2 HO
H 3C CYP11B2 H 3C CYP11B2 H 3C

O O O
Corticosterona 18-hidroxicorticosterona Aldosterona

Figura 10.3 Vias de biossíntese dos corticoesteroides. As vias estroidegênicas usadas na biossíntese dos corticoesteroides são exibidas
juntamente com as estruturas dos intermediários e produtos finais. As vias exclusivas da zona glomerulosa são mostradas em azul, ao
passo que as que ocorrem na zona fascicular interna e na zona reticular são mostradas em cinza. A zona reticular não expressa 3β-HSD e,
assim, sintetiza preferencialmente a DHEA. CYP11A1, a enzima que cliva a cadeia lateral do colesterol; 3β-hidroxiesteroide-desidrogenase;
CYP17, esteroide 17α-hidroxilase; CYP21, esteroide 21-hidrosilase; CYP11B2, aldosterona-sintase; CYP11B1, esteroide 11β-hidroxilase.7

História e Farmacologia dos Corticoesteroides 231


„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

Cortisona: mudança de HO
por = O no carbono 11

Prednisona: ligação
21
CH2 OH covalente em 1 e 2

20 Prednisolona: troca da
C O ligação = O por HO no
18
OH carbono 11
HO 12 17
13 16 CH3
11

1 19 9 14 15
2
Triamcinolona: átomo de flúor no
10 F 8
carbono 9
3 5 7
Dexametasona: CH3 no carbono 16 e
4 6
O flúor no carbono 9
CH3

Cortisol (hidrocortisona)

Figura 10.4 A estrutura química dos corticoesteroides tem como base a configuração molecular da cortisona, na qual a hidroxila do car-
bono 11 é trocada por um átomo de oxigênio, e os outros esteroides sintéticos decorreram de alterações na estrutura original como se
constata na figura acima. A hidrocortisona (cortisol) produzida pela córtex suprarrenal é de 16 mg/dia em média, com um valor mínimo
de 12 mg e máximo de 29 mg. A produção matinal é quatro vezes maior que às 16 horas da tarde.

humanos o cortisol é o principal glicocorticoide, enquanto a Na ausência do córtex suprarrenal ou na sua hipofunção, a
aldosterona é o principal mineralocorticoide. A hidrocortisona sobrevivência somente seria possível na ausência dos fatores
ou cortisol se difere de seus sucessores sintéticos pela troca estressantes acima mencionados. Como relatamos na história
no carbono 11 por ligação = O, radicais HO, Ch3, acréscimo de da descoberta da cortisona, a utilização da cortisona pelos pi-
átomo de flúor, como se vê com mais detalhes na Figura 10.4. lotos da luftwaffe comprovou a sua importância em condições
de grande estresse, quando dos ataques noturnos desferidos
sobre os exércitos aliados na Segunda Guerra Mundial.
„„ EFEITOS FISIOLÓGICOS E A HOMEOSTASE DO
MEIO INTERNO
„„ A PRODUÇÃO DO CORTISOL
Além dos efeitos do cortisol sobre as alterações no meta-
bolismo dos carboidratos, proteínas e lipídios e a manutenção Efeitos farmacológicos
do equilíbrio hidreletroliticos, outras funções são vitais, como
As principais ações anti-inflamatórias e imunossupres-
a manutenção do equilíbrio fisiológico do sistema cardiovas-
soras dos corticoesteroides são a principal utilização dessa
cular, do sistema nervoso, da função imune e renal, da higidez
classe de fármacos na terapêutica clínica, além da função de
do sistema músculoesquelético e do sistema endócrino.
mecanismo protetor do organismo em situações fisiológicas
Os corticosteroides são também uma consequência e pro- relatadas anteriormente.
duto da evolução do homem. Como em épocas imemoriais,
Muitos dos mediadores químicos liberados em resposta
eles [corticosteroides] conferiam ao organismo humano a ca-
ao processo inflamatório diminuem o tônus vascular e po-
pacidade de resistir a circunstâncias adversas (de luta ou fuga)
dem causar colapso cardiovascular se não forem inibidos e/
para garantir a sua sobrevivência. Hans Hugo Bruno Selye, mé-
ou controlados pelos corticosteroides suprarrenais. “Essa
dico e químico húngaro, em 1936, elaborou na Universidade
hipótese é corroborada pelo fato de que a taxa diária de pro-
de Montreal a sua teoria que chamou de Stress, hoje aportu-
dução de cortisol pode aumentar em pelo menos dez vezes
guesado para estresse*. O estresse de hoje é causado por es-
na presença de estresse intenso. Alem disso, conforme será
tímulos nocivos decorrentes de assaltos, da poluição sonora,
discutido mais adiante, as ações farmacológicas dos cor-
ambiental, do trânsito e da insegurança nas grandes cidades.
ticosteroides nos diferentes tecidos e muitos de seus efei-
tos fisiológicos são mediados por um mesmo receptor. Por
* Estresse pode ser definido como: (a) a soma de respostas físicas conseguinte, os vários derivados glicocorticoides utilizados
e mentais causadas por determinados estímulos externos (estres- como agentes farmacológicos apresentam, em geral, efeitos
sores) e que permitem ao indivíduo (humano ou animal) superar colaterais sobre os processos fisiológicos que acompanham
determinadas exigências do meio ambiente; (b) o desgaste físico e
sua eficácia terapêutica”.7
mental causado por esse processo.

232 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 10.2
Níveis supra-
hipotalâmicos

ESTRESSE

Hipotálamo

Hormônio liberador
de corticotrofina

Hipófise anterior
Estimula

Picos máximos pela manhã ACTH... Liberação pulsátil


(varia de minuto a minuto)

Córtex suprarrenal Inter


leucina1 ACTH

Feedback negativo Cortisol

Induz
Inibe a produção
e ação
Corticoesteroides

Figura 10.5 A produção do cortisol decorre de estímulos centrais supra-hipotalâmicos decorrentes do estresse e outros fatores intrínse-
cos, que agindo sobre o hipotálamo, através do hormônio liberador de corticotrofina, faz a hipófise anterior produzir ACTH, que por sua
vez estimula a córtex suprarrenal a produzir cortisol. A produção de ACTH é pulsátil variando de minuto a minuto, tendo picos máximos
pela manhã. A interleucina 1 estimula a produção de ACTH a produzir corticoesteroides, que por sua vez inibem a sua produção [da Inter-
leucina].

Mecanismos de ação

Quadro 10.17 Efeitos sobre a resposta inflamatória e imune.8

Linfomonocitopenia Inibição do acúmulo de monócitos e macrófagos no sítio da inflamação

Neutrofilia circulante Liberação acelerada de neutrófilos da medula óssea; bloqueio no sítio da inflamação

Eosinopenia circulante Depressão da atividade bactericida dos monócitos; ausência de efeitos sobre a capacidade bactericida e fagocítica dos
neutrófilos: a inibição da quimiotaxia somente se dá quando se utliza doses suprafarmacológicas

Outros efeitos sobre a resposta inflamatória e imune

„„ Não há diminuição na produção de anticorpos específicos


„„ Não há efeitos sobre o metabolismo do complemento
„„ Diminuição da síntese de prostaglandinas e leucotrienos

A ação dos corticoesteroides sobre as células se dá no seu


núcleo, que ao agir sobre receptores celulares específicos, mo-
Observação importante
difica a transcrição do RNA mensageiro, alterando desta forma
Em relação à troca de um corticoesteroide por outro de
o grau de síntese de proteínas específicas. O resultado final
classe diferente, não se pode retirar abruptamente o que
desste ciclo é a modificação fenotípica da informação genética. estava sendo usado, porque o receptor celular ocupado
A conclusão prática é que mesmo que não exista mais corticoi- pelo primeiro está ocupado. A troca tem que ser gradativa e
de circulante, o efeito sobre as células permanece. Isso expli- depende da dose utilizada.
caria o porquê de alguns efeitos adversos continuarem muito
tempo depois da sua retirada terapêutica.

História e Farmacologia dos Corticoesteroides 233


„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

Membrana celular Corticoide

Receptor
Receptor

Núcleo
Núcleo Transcrição
Transcrição
do RNA Alteração no grau de síntese de
do RNA
proteínas específicas

Resultado final

Modificação da expressão
Conclusão prática: mesmo quando não existe mais fenotípica da informação genética
corticoide na circulação, o efeito sobre as célular
permanece.

Figura 10.6 Mecanismos de ação dos corticoesteroides na membrana celular.9

„„ FARMACOCINÉTICA tando-a ou diminuindo-a de acordo com a resposta terapêu-


tica obtida.
Absorção, transporte, metabolismo e excreção Uma reavaliação periódica da atividade da doença tanto do
Absorção. A hidrocortisona e numerosos congêneres, incluindo ponto de vista clínico quanto laboratorial, e à medida que a ati-
os análogos sintéticos, são utilizados por via oral, intramuscular vidade da doença subjacente estiver declinando, e/ou quando
(IM), intravenosa e peridural. A utilização por via IM na forma surgirem efeitos adversos, a dose deve ser diminuída. A adminis-
de acetato proporciona efeitos farmacológicos prolongados; na tração de uma dose única de glicocorticoide, mesmo sendo uma
forma de fosfato podem agir já nos primeiros minutos. grande dose, durante pouco tempo (uma semana), quase não
causa danos graves. No entanto, doses elevadas e utilizadas du-
A taxa de absorção, o tempo de ínicio do efeito e a duração rante muito tempo podem ter graves efeitos colaterais incapaci-
de ação desses fármacos podem variar conforme pequenas al- tantes. Além de 1 semana, observa-se um aumento, relacionado
terações em sua estrutura química, como a metilação da pred- com o tempo e a dose, na incidência de efeitos incapacitantes e
nisolona em metilprednisolona. Outras vias de administração até potencialmente letais. É bom lembrar que os glicocorticoi-
podem ser usadas em reumatologia, como nas infltrações in- des na verdade não agem sobre a história natural da doença, são
tra-articulares e intralesionais. A via epidural é discutida no apenas paliativos, pois inibem a resposta celular e tecidual em
capítulo das hérnias discais (Capítulo 59). virtude de suas ações anti-inflamatórias e imunossupressoras.
Diferença entre glicocorticoides e mineralocorticoides: A diminuição da dose deve ser gradual, pricipalmente nos trata-
mentos prolongados, porque a sua interrupção abrupta está as-
„„ Glicocorticoides: Cortisol e derivados sociada ao risco de insuficiência suprarrenal, que pode ser fatal.
„„ Alta potência na deposição hepática de glicogênio Esses princípios têm varias implicações para a prática clí-
nica. Quando é necessário administrar glicocorticoides por
„„ Mineralocorticoides: aldosterona
longos períodos, a dose deve ser determinada por ensaio e
„„ Altamente potente na retenção de sódio erro, devendo ser a menor possível capaz de produzir o efeito
desejado. Quando a terapia tem por objetivo aliviar sintomas
„„ EFEITOS TERAPÊUTICOS dolorosos ou incapacitantes não associados a uma doença com
risco de morte imediato, não se procura obter alívio completo,
A indicação dos corticoides deve ser feita com base na e a dose de esteroide deve ser reduzida gradualmente até que
experiência clínica, alicerçada também nos relatos e revisões o agravamento dos sintomas indique a dose mínima aceitável.
sistemáticas da literatura. Considerando a grande gama de Quando possível, a substituição por outras medicações, como
compostos sintéticos de diferentes formulações e relativa gra- anti-inflamatórios não esteroides, pode facilitar o processo de
vidade dos efeitos colaterais potenciais, dose dependentes, a redução gradual da dose uma vez obtido o efeito desejado.7
decisão quanto à utilização de glicocorticoides exige sempre
uma cuidadosa análise dos riscos e benefícios relativos de pa-
Medidas preventivas quando da utilização dos
ciente para paciente.
corticoesteroides
Qualquer que seja doença e as características indivi-
duais do paciente, a dose apropriada para obter um efeito Segundo Weisman, M. H, a prevenção de perda de massa ou
terapêutico especifico deverá ser a menor possível, aumen- de osteoporose10 pode ser evitada da seguinte forma:

234 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Reumatismos de partes moles

„„ CAPÍTULO 10.2
„„
Interações
medicamentosas „„ Artrite reumatoide

„„ PRINCÍPIOS GERAIS DA TERAPÊUTICA


Fentoina
Dosagens adequadas a longo prazo
Rifampicina
Barbitúricos Do ponto de vista exclusivamente clínico, qual a dose consi-
derada segura para pacientes com artrite reumatoide? – 5 mg/
Acelera dia para mulheres e 7,5 mg/dia para homens.
Existiria uma dose que melhorasse a função e reduzisse a
atividade da doença, e em consequência disso, neutralizasse
Atividade enzimática dos
os efeitos deletérios dos corticoesteroides sobre o esqueleto?
microssomas hepáticos
Embora os corticosteroides sejam considerados menos tó-
xicos para o trato gastrintestinal superior do que os AINHS,
Aumento os corticoides o risco de efeitos adversos sobre o trato gastro
intestinal tais como gastrite, ulceras e sangramentos, é mui-
to pequeno, para não falar que praticamente é inexistente.
Metabolismo dos O aumento de risco nesses eventos gastrintestinais é muito
corticoides pequeno, com o risco relativo estimado variando de 1.1(não
significante) a 1.5 (marginalmente significante),11,12 ou seja,
irrisório. Na experiência pessoal nunca constatamos qualquer
Diminui evento dessa natureza, mesmo com doses superiores a 40 mg,
isoladamente utilizadas.
Diminuição dos seus Na literatura, a maioria dos estudos sobre a toxidade e os
níveis séricos efeitos adversos dos corticoesteroides são observacionais, re-
trospectivos e com vieses, como a utilização de doses maiores
do que as necessárias para controlar a doença em que uma
dose menor resolveria o caso.
Figura 10.7 Interações medicamentosas entre os corticoesteroi- Os efeitos colaterais com a corticoterapia acima citados são
des e algumas drogas. comuns; no entanto, se sabe muito pouco sobre os reais fatores
que tornam os pacientes propensos a desenvolverem tais efei-
tos, os quais podem variar de pessoa para pessoa, por exemplo:
Vitamina D ou 25-hidroxivitamina D3 (monitorar os níveis sé- „„ Velocidade de metabolismo
ricos e urinários de cálcio). Fazer a reposição até a normaliza- „„ Velocidade de excreção
ção dos níveis séricos e urinários de cálcio.
„„ Diminuição dos níveis de albumina plasmática e da
„„ Estrógeno/progesterona para mulheres na pós-meno- proteína ligante ao cortisol
pausa; testosterona para homens. „„ Dose e tempo de duração da terapia
„„ Calcitoninas. Bifosfonatos.
„„ Aumentar densidade óssea em todos os pacientes.
„„ INTERRUPÇÃO DO TRATAMENTO
„„ Reduzir a dose ou parar o tratamento se possível.
„„ Exercícios contra a gravidade.
Princípios gerais
„„ Manter ingestão adequada de cálcio.
„„ Hidroclortiazida (se o cálcio urinário > 4 mg/kg/dia). 1. Não suspender o tratamento abruptamente.
2. Diminuir gradativamente a dose de acordo com a evolução
clínica e com os parâmetros laboratoriais.
Tratamento
3. Depois de tratamento prolongado, a interrupção brusca
Teriam os corticoesteroides indicação no tratamento da pode causar insuficiência suprarrenal aguda, porque o
gota? eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal está suprimido par-
Existiria outra ação da corticotrofina na gota, exceto a es- cial ou totalmente.
timulação adrenal? 4. O risco relativo desse feito acontecer tem uma variação
significativa, dependendo da intensidade (grau) e duração
„„ Pulsoterapia com metilprednisolona da supressão.
„„ Os estudos de toxidade a longo prazo são inadequa- 5. O risco relativo desse acontecimento é de difícil determi-
dos para responder à importante pergunta sobre os nação.
seus efeitos colaterais.10 6. A recuperação funcional do eixo hipotálamo-hipófise-su-
„„ Infiltrações intra-articulares prarrenal suprimido varia de semanas a meses. Em algu-
„„ Osteoartrose aguda/sub-aguda mas pessoas pode levar anos.

História e Farmacologia dos Corticoesteroides 235


7. A dosagem do ACTH pode dar algumas informações sobre
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

a intensidade da supressão.
Quadro 10.19 Exacerbação de efeitos colaterais em pacien-
8. A terapia utilizando doses em dias alternados reduz o risco tes com fatores de risco subjacentes e/ou utilização conco-
de efeitos adversos, quando do seu uso a longo prazo. mitante de outros medicamentos.
9. Nos pacientes que receberam doses suprafisiológicas de
glicocorticoides por um período de duas a quatro sema- „„ Acne vulgar
nas no ano precedente, deve-se considerar a existência de „„ Diabetes mellitus
algum grau de comprometimento do eixo HHSR em situa- „„ Hipertensão arterial
ções de estresse agudo, devendo-se ministrar o tratamento „„ Úlcera péptica
apropriado.
10. A suspensão do corticoide depois de uso prolongado pode
levar à síndrome de abstinência de glicocorticoide, cha-
mada também de “reumatismo pseudo-cortisônico”, que
se caracteriza por artralgias, fraqueza, dor muscular, mal- Quadro 10.20 Quando se mantém o tratamento em níveis
-estar e, raramente, febre. Esse quadro clínico pode ser suprafisiológicos.
difícil de diferenciar da doença subjacente para a qual foi „„ “Fácies” cushingoide
indicado. „„ Supressão do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal
11. Por fim, o pseudotumor cerebral, uma síndrome clínica „„ Demora na cicatrização de feridas
que se caracteriza por elevação da pressão intracraniana „„ Miopatia
com papiledema, é uma afecção rara, algumas vezes asso-
„„ Osteonecrose
ciada a uma redução ou interrupção da terapia com corti-
„„ Aumento da suscetibilidade às infecções
costeroides.
12. Outro efeito colateral, o pseudotumor cerebral, apesar
da sua raridade, é uma síndrome que se caracteriza pela
elevação da pressão intracraniana com papiledema, e em
algumas algumas situações pode estar associada a uma re- Quadro 10.21 Situações insidiosas devido a utilização a lon-
dução ou interrupção da terapia com corticosteroides. go prazo, provavelmente dependente de dose cumulativa.
„„ Ateroesclerose
„„ EPIDEMIOLOGIA DOS EFEITOS COLATERAIS „„ Catarata

Como qualquer medicamento eficaz e que age na história „„ Fígado gorduroso (esteatose hepática)
natural da doença, quanto maior for a sua eficácia, também „„ Retardo no crescimento
mais intensos e abundantes serão seus efeitos adversos. Daí, „„ Osteoporose
se pode inferir que como qualquer medicamento potente (por- „„ Atrofia cutânea
tanto eficaz), ele não está isento de efeitos colaterais.
No caso, sobre esses efeitos existem muitos mitos, equí-
vocos e controvérsias.13 Osteoporose, obesidade, glaucoma,
catarata, hipertensão arterial, miopatias, doença coronariana,
Quadro 10.22 Condições raras e imprevisíveis.
queda de resistência imunológica são equívocos e mitos, que
ainda persistem 64 anos após a sua descoberta por Hench e „„ Glaucoma
Kendall. Sabe-se que de 1 a 3% dos adultos pelo mundo uti- „„ Pancreatite
lizam os corticoesteroides, e que desse contingente a maioria „„ Pseudo tumor cerebral
usa uma dose de 7,5 mg a 10 mg de prednisolona, o que his- „„ Psicose
toricamente é considerada uma dose baixa. Uma revisão com
base em estudos sobre a matéria mostrou que houve uma re-
dução na prevalência da miopatia, glaucoma, osteoporose e
doença cardiovascular nessa posologia retrocitada. Quando comparadas com taxas anteriores ao advento dos
Nesse aspecto, a prevalência de efeitos adversos tem que medicamentos biológicos (47%), parece que o uso dos corti-
levar em conta a dose, o tempo de utilização e a classe do es- coesteroides na artrite reumatoide e em outra doenças reu-
teroide usada. Doses menores que 7,5 mg de prednisolona são máticas permanece ainda bastante prevalente, embora desses
seguras, mesmo que tomadas por até 5 anos.14,15 recentes biológicos se esperava que fossem poupadores dos
potentes e tradicionais anti-inflamatórios.16,17
Dos efeitos adversos referidos no Quadro 10.18, os dis-
túrbios do sono e da pele são encontrados em quase todos os
Quadro 10.18 Efeitos adversos inevitáveis nas fases iniciais pacientes; o aumento do peso ocorre em 80%; catarata em
da terapia. 15%; e fraturas (em geral 12%) foram relatadas com menos
frequência, mas ainda foram comuns.
„„ Labilidade emocional
Um dos mais temíveis e perigosos efeitos adversos desses
„„ Ganho de peso
AINHs são as fraturas do colo de fêmur e da coluna vertebral,
„„ Insônia
embora em outros ossos não sejam elas [fraturas] preocupan-
„„ Ansiedade
tes, principalmente em idosos.

236 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Um estudo transversal italiano publicado no periódico 2. Em idosos e hipertensos, com hipertensão pré-tratamento,

„„ CAPÍTULO 10.2
Bone, por Angeli A., Guglielmi G., Dovio A., et al., mostrou uma provavelmente, tal fato [idade e hipertensão] explica me-
alta prevalência de fraturas vertebrais em pacientes assin- lhor essas alterações do que os corticosteroides propria-
tomáticos numa extensa gama de doenças subjacentes, que mente ditos.20
requeriam corticoesteroides – uma dose equivalente cumula- 3. Apesar dos estudos observacionais já citados admitirem
tiva maior que 1350 mg. Contudo, em outros estudos, a baixa que tais efeitos adversos surjam com iguais ou maiores
densidade mineral óssea (DMO) não estava relacionada com a de 10 mg, uma amostra realizada nos Estados Unidos não
ocorrência de fraturas.18 confirmou essa assertiva.21
Tanto na prática clínica quanto em outros estudos sobre a 4. Com doses de 20 mg reduzidas até 5 mg em 3 meses, o nível
matéria, é forte a associação entre efeitos colaterais e a dose das lipoproteínas não afetam os níveis séricos de lipopro-
utilizada; no entanto, tais efeitos não são dependentes tão so- teínas, desde que outros fatores de risco sejam controla-
mente da dose, mas também do tempo de seu uso e de carac- dos. Outros estudos têm sugerido que os corticoesteroides
terísticas individuais que variam de paciente para paciente, são capazes de reverter um perfil lipídico desfavorável.21,22
relacionadas às propriedades farmacocinéticas, anteriormen- Frente às propriedades medicamentosas e os possíveis
te citadas. Como corolário, pode-se afirmar que os esteroides efeitos adversos dos glicocorticoides, deve-se avaliar o
da córtex suprarrenal são, na menor dose, eficazes, durante o paciente como um todo e pesar os riscos e benefícios da
menor espaço de tempo. Conhecer a história natural e a evo- corticoterapia, individualmente, paciente a paciente. O
lução das doenças para as quais foram indicados é um impe- ideal é acompanhar periodicamente os pacientes em uso
rativo que se impõe, a fim de prescrever com cautela a dose e de corticoesteroides para melhor avaliação de seus efeitos,
o tempo de seu uso [do medicamento]. Determinar com preci- indicando a possível substituição do corticoesteroide diá-
são absoluta a menor dose ideal é uma tarefa hercúlea diante rio pelo uso em dias alternados, fato este que pode resultar
da extrema variabilidade do ser humano, pois supõe-se que em redução substancial de alguns efeitos indesejáveis, sem
efeitos colaterais possam ocorrer em dosagens muito baixas.19 prejuízo da resposta terapêutica.
Dentre os efeitos adversos, os que mais preocupam médi-
cos e pacientes são os relacionados ao coração e vasos, mesmo Outro aspecto muito importante quando do tratamento
que as doses usadas sejam de 20 mg, reduzidas gradativamen- com esteroides ocorre em pacientes que os utilizam e neces-
te até 5 mg durante três meses. sitam de cirurgias eletivas ou emergenciais. No quadro abaixo,
os procedimentos e providências a serem tomadas a fim de
Não é infrequente pacientes que utilizam esses fármacos
evitar complicações intra e pós-operatórias, quando não uma
suspenderem o tratamento a pedido de seus médicos e até mes-
insuficiência aguda de suprarrenal.
mo de leigos, sob a alegação de que eles causariam aumento da
pressão arterial, do perfil lipídico,23 retenção salina, ateroes- Para pacientes com insuficiência de córtex suprarrenal que
clerose e até eventos coronarianos. Esses supostos adversos se serão submetidos a cirurgia com anestesia geral, alguns proce-
baseiam em estudos observacionais; portanto estão sujeitos a dimentos pré e pós-operatórios são obrigatórios, a saber:
tendenciosidades e vieses de interpretação de resultados.
Existem razões para tais preocupações, pois se sabe que a Primeiro passo
retenção de sódio, a saber: Veja Figura 10.8.
1. Pode sim ocorrer porque os corticoesteroides potencializam Segundo passo
a resposta pressora às catecolaminas e à angiotensina II.
Veja Figura 10.9.

Avaliação clínica

Fraqueza muscular
esquelética, perda de peso, Na+ e K + séricos
anorexia, náuseas, glicemia hematócrito
hipertensão, ACTH
hiperpigmentação, corticoides plasma e urina
desidratação, hiperperexia

Figura 10.8 Avaliação clínica e pesquisa laboratorial são indispensáveis no pré-operatório.

História e Farmacologia dos Corticoesteroides 237


„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

Determinar a
urgência da cirurgia

Urgente Eletiva

Tratamento com Determinar a causa da


corticoides insuficiência córtico suprarrenal
Hidrocortisona 100 mg
I.V. seguidos de 50 mg
I.V. de 6/6 horas

Reposição da volemia
Glicose por perfusão I.V.
Destruição córtex
suprarrenal,
Tratamento crônico metástases, doença
com corticoesteroides granulomatosa
Estabilização (dias)
hemorragia, sepsis
fulminante

Mudar para dexametasona


0,75 – 1,0 mg/dia

Determinar se há resposta
da córtex suprarrenal

Prova de estimulação
ACTH

Conduta anestésica

Corticoides pré- Líquidos e eletrólitos Glicose


operatórios

Perfusão de Tratamento do
glicose diabetes

Figura 10.9 Conduta para situações de cirurgia em casos de urgências, emergências e cirurgias eletivas.
Fonte: Decisões em anestesia.

238 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 10.2
Quandro 10.23 Avaliação dos exames pré-operatórios.24-26 Quadro 10.24 Cobertura de corticoesteroides para reumá-
ticos crônicos.24-26
„„ Hemograma: pode haver anemia hemolítica, leucopenia ou
plaquetopenia. Caso haja indicação de hemotransfusão, avaliar „„ Pequenas cirurgias ou procedimentos (infiltrações) com
volume de acordo com função renal e cardíaca. Caso não haja anestesia local: continuar com a mesma dose.
resposta adequada à hemotransfusão, discutir com reumatologista a „„ Cirurgias de médio porte: tomar a dose matinal habitual + 50 mg
necessidade de imunoglobulina. de succinato de hidrocortisona 3 a 4 horas antes do ato cirúrgico, além
„„ Função renal: ureia, creatinina, sumário de urina (rastrear nefrite). da mesma dose de succinato de hidrocortisona de 8/8 nas 24 horas
„„ Glicemia de jejum: Pacientes em uso crônico de corticoides podem subsequentes. Depois de 12 horas da última última dose, retornar ao
apresentar hiperinsulinemia ou resistência periférica à insulina. esquema anterior à cirurgia.
„„ Coagulograma. „„ Grandes cirurgias: tomar a dose matinal habitual + 100 mg de
succinato de hidrocortisona 3 a 4 horas antes do ato cirúrgico e 50 mg
„„ Avaliação cardiológica: ECG, Ecocardiograma (pesquisar pericardite
de succinato de hidrocortisona de 8/8 nas 24 horas seguintes. Reduzir
e valvopatias).
a dose pela metade no primeiro dia do pós-operatório. Retornar à dose
habitual no segundo dia do pós-operatório.

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História e Farmacologia dos Corticoesteroides 239


11

Capítulo
Andreas Funke  Sebastião Cezar Radominski

Terapêutica: Anti-inflamatórios não Hormonais


„„ INTRODUÇÃO ibuprofeno, que passou a ser comercializado em 1969.1,11 John
Vane, em 1971, em estudos com a aspirina e outro AINE ‒ a
Os anti-inflamatórios não esteroides (AINEs) são uma indometacina ‒, elucidou o mecanismo de ação dos AINEs em
importante classe de medicamentos capazes de combater a geral: a inibição da enzima responsável pela síntese das pros-
dor, a febre e a inflamação.1 Esses medicamentos agem atra- taglandinas, conhecida hoje como prostaglandina-endoperóxi-
vés da inibição da ciclo-oxigenase (COX), uma enzima chave do sintase ou ciclo-oxigenase (COX).2,3 Diversos outros AINEs
na produção das prostaglandinas, substâncias relacionadas ao foram lançados posteriormente, incluindo o diclofenaco, em
processo inflamatório.2,3 Os AINEs podem ser utilizados para 1974, e o naproxeno, em 1976.14 Diversas pesquisas a partir de
o tratamento da dor leve a moderada de origem somática,1 1989 revelaram a existência de pelo menos duas isoformas da
bem como para o tratamento de inúmeras doenças reumáti- COX: a ciclo-oxigenase 1 (COX-1), existente de forma constitu-
cas inflamatórias agudas ou crônicas, entre as quais podemos tiva (fisiológica) em diversos órgãos e tecidos, e a ciclo-oxige-
mencionar a artrite reumatoide,1,4 a espondilite anquilosan- nase 2 (COX-2), cuja produção é induzida durante o processo
te,5,6 a osteoartrite4,7 e as artropatias microcristalinas ‒ gota8 inflamatório.1,11,15,16 Após essa descoberta observou-se que
e condrocalcinose.9 O seu emprego adequado depende do co- diferentes AINEs possuem diferentes potências relativas na
nhecimento pelo médico das suas principais propriedades far- inibição da COX-1 e da COX-2, e que inibidores preferenciais
macológicas, incluindo os mecanismos de ação e de toxicidade, da COX-1 apresentavam maior incidência de efeitos adversos
interações medicamentosas, benefícios esperados e efeitos gastrintestinais.3,17 Esses achados estimularam a busca por
adversos potenciais, bem como de estratégias de prevenção AINEs capazes de inibir a COX-2 de forma seletiva ou exclu-
desses efeitos adversos. siva, não atuando, portanto, de forma significativa na COX-1
quando utilizados em doses terapêuticas. Nasceram assim os
„„ HISTÓRICO primeiros inibidores “seletivos” da COX-2, também conhecidos
como “coxibes”. Em 1998 foi lançado o celecoxibe e, em 1999, o
O uso de AINEs para tratar a dor e a inflamação ocorre des- rofecoxibe, e posteriormente o parecoxibe/valdecoxibe, o eto-
de a antiguidade. Há registros da recomendação do uso tera- ricoxibe e o lumiracoxibe. Apesar do entusiasmo inicial com a
pêutico de folhas de salgueiro entre os assírios10 e de folhas de menor incidência de complicações gastrintestinais com os ini-
murta e de salgueiro no Egito Antigo (1500 a.C.).11 Na Grécia bidores seletivos da COX-2, uma outra forma de toxicidade, a
Antiga, médicos, entre os quais Hipócrates de Cós (460-377 incidência aumentada de complicações cardiovasculares, tor-
a.C.), também indicavam o uso das folhas ou da casca do salguei- nou-se evidente e acabou resultando na retirada do rofecoxibe
ro para o alívio da dor.1,10 Em 1828, Johann Andreas Buchner do mercado em 2004, seguida, em 2005, pela retirada também
obteve a salicilina, um extrato parcialmente purificado da do valdecoxibe.11
casca do salgueiro, e em 1838, Raffaelle Piria extraiu o ácido
salicílico da salicilina. Em 1853, Charles Friedrich Gerhardt
„„ MECANISMO DE AÇÃO1,2,4
preparou pela primeira vez ácido acetil salicílico com baixo
grau de pureza e estabilidade. Em 1859, após ter desvenda- Os AINEs agem bloqueando a ciclo-oxigenase (COX) e
do a estrutura química do ácido salicílico, Hammond Kolbe consequentemente inibindo a biossíntese de prostaglandinas
conseguiu sintetizá-lo permitindo a sua produção em escala (PGs). As prostaglandinas são os produtos finais do metabolis-
industrial. Em 1897, Felix Hoffman aperfeiçoou a síntese do mo de ácidos graxos presentes na membrana celular, tais como
ácido acetil salicílico, obtendo-o numa forma pura e estável, a o ácido araquidônico (AA), pela COX, que catalisa uma reação
qual foi denominada aspirina.10,11,12 A primeira substância de- inicial do AA com duas moléculas de oxigênio (O2), originando
nominada de anti-inflamatório não esteroide, a fenilbutazona, a Prostaglandina G2 (PGG2), e subsequentemente uma reação
foi introduzida na prática clínica em 1949, três anos depois da de peroxidase, na qual a PGG2 é convertida em prostaglandina
dramática demonstração das propriedades anti-inflamatórias H2 (PGH2). Esta, por sua vez, é convertida por outras prosta-
dos glicocorticoides.13 Em 1959, John Nicholson sintetizou o glandina-sintases tecido-específicas em diferentes prostaglan-

241
dinas, tais como a prostaglandina D2 (PGD2), prostaglandina „„ Ácidos arilalcanoicos: diclofenaco, indometacina, na-
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

E2 (PGE2), prostaglandina F2α (PGF2α), prostaciclina (PGI2) e bumetona, sulindaco


tromboxano A2 (TxA2), as quais exercem funções variadas de „„ Ácidos 2-arilpropiônicos ou profenos: ibuprofeno,
acordo com o tecido envolvido. As prostaglandinas agem lo- flurbiprofeno, cetoprofeno, naproxeno
calmente e são rapidamente metabolizadas, de forma que os „„ Ácidos N-arilantranílicos ou ácidos fenâmicos: áci-
efeitos decorrentes da inibição da COX pelos AINEs surgem de do mefenâmico, ácido meclofenâmico
forma relativamente rápida e intensa.
„„ Derivados da pirazolidina: fenilbutazona
As duas isoformas da COX, a COX-1 e a COX-2, são inibidas
„„ Oxicans: piroxicam, meloxicam
em graus variados pelos diferentes AINEs. Enquanto os efeitos
terapêuticos sobre a dor e a inflamação decorrem da inibição „„ Sulfonanilidas: nimesulida
da COX-2 (induzida no processo inflamatório), os efeitos ad- „„ Diaril-heterociclos (coxibes): celecoxibe, valdecoxibe,
versos gastrintestinais são mediados pela inibição da COX-1 rofecoxibe, etoricoxibe
(constitutiva). A inibição da COX-2 (constitutiva) renal pode „„ Outros
resultar na retenção de sódio observada tanto com os AINEs
tradicionais quanto com os coxibes, enquanto o bloqueio da
Quanto ao grau de inibição e seletividade pelas
COX-1 renal pode resultar na diminuição da taxa de filtração
glomerular. As plaquetas possuem apenas COX-1 e portan- isoenzimas da COX4
to o seu bloqueio leva à inibição da síntese de tromboxano e „„ Inibidores completos e não seletivos da COX-1 e
da agregação plaquetária. A prostaciclina (PGI2) é sintetizada COX-2: aspirina, ibuprofeno, diclofenaco, indometaci-
nas células endoteliais principalmente pela COX-2 e possui na, naproxeno, piroxicam
efeito antiagregante plaquetário ‒ portanto a sua inibição „„ Inibidores da COX-2 com seletividade de 5 a 50 ve-
preferencial pelos coxibes pode levar a um desequilíbrio pró- zes: celecoxibe, etodolaco, meloxicam, nimesulida
-trombótico, o qual não é observado com o uso de inibidores
„„ Inibidores da COX-2 com seletividade > 50 vezes:
não seletivos da COX-1 e 2. Já a inibição preferencial da COX-1
rofecoxibe (uso descontinuado)
(como a efetuada pela aspirina e possivelmente pelo naproxe-
no) resulta em ação antitrombótica. „„ Inibidores fracos de ambas as isoenzimas: ácido
5-aminossalicílico, nabumetona, sulfassalazina
Existe uma importante diferença entre os mecanismos de
ação da aspirina e dos demais AINEs. A aspirina inibe a COX por
acetilação irreversível (não competitiva), enquanto os outros „„ PROPRIEDADES FARMACOCINÉTICAS E
AINEs inibem a COX de forma reversível (competitiva). Essa di- DOSAGEM
ferença é importante no caso das plaquetas, que são incapazes
de efetuar a síntese novamente da COX, e portanto a agregação Embora geralmente o mecanismo de ação seja comparti-
plaquetária pode ser inibida pela aspirina durante todo o ciclo lhado entre os diferentes AINEs, cada um deles possui determi-
de vida da plaqueta, resultando numa ação cardioprotetora efi- nadas propriedades farmacocinéticas que podem influenciar
ciente, o que já não se observa com os demais AINEs. na seleção de um AINE específico, dependendo das caracterís-
ticas do paciente e dos objetivos do tratamento. Na Tabela 11.1
encontramos algumas características farmacocinéticas de um
„„ CLASSIFICAÇÃO DOS AINEs pequeno grupo de AINEs para exemplificar essas caracterís-
Quanto ao grupo químico1,4 ticas, sendo aconselhável que o médico familiarize-se com as
características do produto a ser prescrito consultando textos e
„„ Salicilatos: ácido salicílico, aspirina (ácido acetilsa- referências detalhadas e específicas para essa finalidade.
licílico)

Tabela 11.1 Propriedades farmacocinéticas selecionadas de alguns AINEs.14,18,19


AINE Meia-vida (h) Pico (h) Eliminação renal (%) Dose na osteoartrite (mg/d)

Celecoxibe 11 3 27 100-200

Cetoprofeno 2,1 ≤2 80 100-200

Diclofenaco 2 2 65 100-150

Etoricoxibe 22 1 75 60

Ibuprofeno 2 1-2 45-79 1200-3200

Meloxicam 15-20 4-5 50 7,5-15

Naproxeno 12-17 2-4 95 500-1000

Nimesulida 1,80-4,73 1,22-2,75 50,5-62,5 100-200

Piroxicam 50 3-5 67 10-20

242 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ EFEITOS ADVERSOS DOS AINEs produtora de prostaciclina (vasodilatadora arterial e antiagre-

„„ CAPÍTULO 11
gante plaquetária) desacompanhada da inibição concomitante
Efeitos adversos gastrintestinais da COX-1 plaquetária produtora de tromboxano (proagregan-
Cerca de 15 a 40% dos usuários de AINEs apresentam te), alterando o equilíbrio entre ambos os mediadores.4,26 En-
queixas subjetivas de pirose, dispepsia e náusea. Erosões su- tretanto, a toxicidade cardiovascular dos AINEs não pode ser
perficiais e úlceras assintomáticas e que podem cicatrizar-se explicada somente por esse mecanismo, já que tanto os AINEs
espontaneamente ocorrem em 5 a 20% dos usuários de AINEs. seletivos para a COX-2 quanto os AINEs tradicionais (não se-
Úlceras gastroduodenais graves sintomáticas com complica- letivos) aumentam o risco de eventos adversos cardiovascu-
ções potencialmente fatais, tais como perfuração e sangra- lares.26 Indivíduos em tratamento por hipertensão arterial
mento, ocorrem em 1 a 2% dos usuários crônicos de AINEs, tendem a apresentar síntese aumentada de prostaglandinas
com uma taxa de mortalidade de 10 a 15%.1 Além dos efeitos vasodilatadoras sendo portanto mais suscetíveis ao aumento
adversos no trato digestivo alto, relata-se que de 8,4 a 88% da pressão arterial decorrente do uso concomitante de AI-
dos usuários de AINEs apresentam enteropatia induzida por NEs.27 Outros mecanismos de toxicidade cardiovascular dos
AINEs, que pode ser ou não sintomática20,21 e raramente é ob- AINEs incluem a vasoconstricção sistêmica e aumento da pós-
servada hepatotoxicidade induzida por AINEs.22 A toxicidade -carga em pacientes com insuficiência cardíaca, diminuição
gastrintestinal dos AINEs pode resultar da sua ação tópica na da excreção de sódio e da filtração glomerular pela inibição
mucosa digestiva, resultando em necrose epitelial superfi- da COX renal, interferência do ibuprofeno e do naproxeno no
cial,23 bem como de seus efeitos sistêmicos através da inibição efeito antiagregante plaquetário da aspirina, morbidade car-
da COX-1 e consequente falha dos mecanismos de proteção da diovascular secundária ao aumento da pressão arterial indu-
mucosa gastrintestinal dependentes de prostaglandina (cama- zido pelos AINEs, disfunção endotelial, produção alterada de
da de muco, secreção de bicarbonato, perfusão sanguínea da óxido nítrico e início e/ou aceleração da aterogênese.1,24,26,27,28
mucosa).1,4,23 Uma vez enfraquecidos os mecanismos de pro- Os principais fatores de risco adicionais para a toxicidade car-
teção da mucosa, uma segunda onda de lesão causada pelo diovascular dos AINEs estão listados na Tabela 11.3.
ácido intraluminal pode induzir ulceração profunda, hemorra-
gia ou perfuração.1 Os principais fatores de risco associados à
ocorrência de efeitos adversos gastrintestinais em usuários de
AINEs estão listados na Tabela 11.2. Tabela 11.3 Fatores de risco para efeitos adversos cardio-
vasculares em usuários de AINEs.1,7,23,27
„„ Seletividade para COX-2

„„ Doses elevadas de AINE


Tabela 11.2 Fatores de risco para efeitos adversos gastroin-
„„ AINEs com meia-vida longa
testinais em usuários de AINEs.1,7,23
„„ Hipertensão arterial
„„ Idade > 60 anos
„„ Insuficiência cardíaca
„„ História prévia de úlcera péptica
„„ Outros fatores de risco cardiovascular (tradicionais)
„„ Doses elevadas de AINE
„„ Interação com aspirina em doses baixas
„„ Maior duração de uso do AINE
„„ Obesidade, sexo masculino, idade ≥ 65 anos (para aumento da pressão
„„ Uso simultâneo de múltiplos AINEs
arterial)
„„ AINEs com meia-vida longa

„„ Uso associado de aspirina, corticosteroides, anticoagulantes ou


inibidores seletivos da recaptação da serotonina Efeitos adversos renais
„„ Comorbidades (e.g. diabetes mellitus, insuficiência cardíaca, artrite Estes incluem retenção de sódio e água, edema, diminui-
reumatoide) ção da filtração glomerular e mais raramente síndrome ne-
„„ Infecção por Helicobacter Pylori frítica, nefrite intersticial, nefropatia membranosa, síndrome
nefrótica por doença de lesões mínimas, necrose papilar renal,
hipercalemia e insuficiência renal aguda ou crônica.1,7,29 Esses
efeitos adversos são explicados pelo menos em parte pela ini-
Efeitos adversos cardiovasculares
bição da COX pelos AINEs e podem ocorrer tanto com o uso de
O uso de AINEs pode resultar em elevação da pressão ar- AINEs seletivos para a COX-2 quanto com os AINEs não seleti-
terial, eficácia diminuída de medicações anti-hipertensivas, vos, já que a retenção de sódio é mediada primariamente pela
descompensação de insuficiência cardíaca preexistente, risco inibição da COX-2 e a diminuição da filtração glomerular, pela
aumentado de infarto do miocárdio e acidente vascular cere- inibição da COX-1.4
bral.1,23,24,25 Embora inicialmente associados ao uso de inibido-
res seletivos da COX-2, os efeitos adversos cardiovasculares Reações de hipersensibilidade
também estão associados ao uso de AINEs não seletivos com
possível exceção do naproxeno.23 Há diversos mecanismos po- O uso de AINEs está associado a reações de hipersensi-
tenciais pelos quais os AINEs produzem toxicidade cardiovas- bilidade aguda (imediata ou várias horas após a exposição),
cular. A observação inicial de toxicidade cardiovascular com tais como asma, rinite, urticária, angioedema e anafilaxia, e
os inibidores específicos da COX-2 levou à hipótese da geração reações de hipersensibilidade tardia (> 24 horas após a expo-
de um estado protrombótico pela inibição da COX-2 endotelial sição), tais como erupções medicamentosas fixas, reação cutâ-

Terapêutica: Anti-inflamatórios não Hormonais 243


nea bolhosa grave – síndrome de Stevens-Johnson e necrólise
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

epidérmica tóxica, pneumonite, meningite asséptica, nefrite


e dermatite de contato. As reações agudas podem ser provo- Tabela 11.4 Contraindicações importantes ao uso de
cadas pela inibição da COX-1, geralmente apresentando nesse AINEs.1,30,35
caso reação cruzada com múltiplos AINEs diferentes, possivel- „„ Insuficiência cardíaca
mente menos intensa ou ausente com inibidores específicos
da COX-2 ou inibidores fracos da COX (e.g. paracetamol), ou „„ Insuficiência renal (clearance de creatinina < 50 mL/min)
podem ser mediadas por IgE/atopia, situação em que decor- „„ Hiponatremia
rem da exposição a um AINE específico não sendo comum a
„„ Hipovolemia
reação cruzada com múltiplos AINEs diferentes. Já o mecanis-
mo das reações de hipersensibilidade tardia é a reação do tipo „„ Síndrome nefrótica
IV mediada por células T citotóxicas medicação-específicas, „„ Insuficiência hepática
podendo ou não haver reação cruzada entre múltiplos AINEs.30
„„ Ulceração gastrintestinal ativa/recém-diagnosticada
„„ Efeitos adversos hematológicos:31 anemia, tromboci-
„„ Hipersensibilidade significativa a AINEs
topenia, neutropenia e anemia aplástica (rara);
„„ Pós-operatório imediato de revascularização miocárdica
„„ Efeitos adversos no sistema nervoso central:31 ce-
faleia, meningite asséptica, sonolência, alterações de
humor, náusea, tinnitus.

Uso clínico
Tabela 11.5 Estratégias de seleção de AINEs conforme risco
Assim como em outras áreas da medicina, os benefícios gastrintestinal (GI) e cardiovascular (CV).
esperados, os riscos potenciais e as contraindicações devem
ser levados em conta antes de prescrever-se um AINE. Deve-se Risco CV‡
sempre que possível limitar a exposição do paciente à menor Baixo Alto
dosagem e duração de tratamento necessários para obter o
resultado terapêutico desejado, minimizando-se assim a ocor- Risco GI Naproxeno
Baixo AINE-ns
rência de efeitos adversos. É também recomendável que sejam (considerar IBP)
utilizadas estratégias terapêuticas adicionais aplicáveis a cada Moderado COX-2 ou Naproxeno + IBP
caso, sejam farmacológicas ou não farmacológicas, como o uso (1 a 2 fatores de AINE-ns +
de medicações modificadoras do curso da doença (MMCDs ou risco†) IBP
DMARDs) e fisioterapia, visando o controle do quadro subja-
cente à dor e à inflamação, tornando assim possível o trata- Alto (> 2 fatores de COX-2 + IBP Não usar AINEs
mento com AINEs por um tempo menor e/ou com doses mais risco† ou hemorragia
digestiva prévia)
baixas. O uso de AINEs por via tópica ao invés da via sistêmica
em pacientes com quadros passíveis de tratamento por essa IBP: Inibidor de Bomba de Prótons; AINE-ns: AINE não seletivo; COX-2: AINE
seletivo para a COX-2; † Vide Tabela 1.2; ‡Risco > 10% nos próximos 10 anos,
via é outra forma de reduzir a exposição sistêmica a esses me- calculado com ferramenta apropriada.36
dicamentos e consequentemente minimizar a incidência e a Adaptada das referências 1 e 37.
gravidade dos efeitos adversos dela decorrentes.32,33,34 Antes
do início do tratamento crônico com AINEs recomenda-se a
avaliação dos exames de função renal, enzimas hepáticas, he-
mograma e contagem de plaquetas. Contraindicações dignas inflamação aguda ou crônica. Entretanto, não pode mais ser
de nota para o uso de AINEs estão listadas na Tabela 11.4. entendida como correta a utilização indiscriminada desses
Na Tabela 11.5 listamos recomendações práticas para a medicamentos sem uma avaliação consciente dos riscos a eles
seleção do esquema terapêutico ideal de acordo com a estra- associados, os quais graças a achados inicialmente associados
tificação de risco gastrintestinal e cardiovascular do paciente aos inibidores seletivos da COX-2 e posteriormente estendidos
a ser tratado. à maioria dos AINEs incluem o aumento do risco cardiovascu-
lar, bem como os efeitos adversos já previamente conhecidos
„„ CONSIDERAÇÕES FINAIS no trato gastrintestinal e em outros órgãos e sistemas. Embora
as novas revelações possam, de um lado, reduzir o entusiasmo
Apesar dos grandes avanços da Medicina e da Reumatolo- com o uso dessa classe de medicamentos, de outro lado elas
gia com novas opções terapêuticas eficazes para o controle da contribuem para aumentar a importância da qualificação do
artrite reumatoide e outras patologias inflamatórias crônicas, médico e estimulam o estabelecimento de uma adequada re-
inúmeras oportunidades continuam a existir para a utilização lação médico-paciente como parte do processo de tomada de
racional dos AINEs no atendimento a pacientes com dor ou decisão na escolha do tratamento mais adequado a cada caso.

244 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 11
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Terapêutica: Anti-inflamatórios não Hormonais 245


12

Capítulo
Eleusa Fleury Taveira  Stephânia Fleury Taveira

Terapêutica dos Corticosteroides


„„ INTRODUÇÃO são sobre os esquemas de redução de doses e recomendações
do uso de corticosteroides em Reumatologia.
A introdução dos corticosteroides na terapêutica come-
çou no início dos anos 1930. P.S. Hench, quando trabalhava na
Clínica Mayo, observou que pacientes portadores de artrite „„ ANATOMIA DAS SUPRARRENAIS E A
reumatoide melhoravam quando engravidavam. Dessa forma, PRODUÇÃO DOS CORTICOSTEROIDES
inferindo-se que, a remissão dos sintomas poderia estar rela-
cionada com a hipersecreção adrenocortical na gravidez. As suprarrenais podem ser divididas em duas partes: o
Em 1948, Hench, pela primeira vez, fez uso de 100 mg/mL córtex da suprarrenal, e a medula da suprarrenal. O córtex su-
de cortisona em uma paciente portadora artrite reumatoide prarrenal ainda é dividido em três zonas concêntricas, deno-
há 4 anos, obtendo resposta clínica surpreendente. Em 1949, minadas zona glomerulosa, zona fasciculada e zona reticulada.
ele publicou esse caso e, um ano após sua publicação, rece- A zona glomerulosa é a camada mais externa, constitui
beu o prêmio Nobel de Medicina. Kendal e Richtein também 15% do córtex adrenal e secreta aldosterona. A zona fascicula-
foram premiados por seus trabalhos de isolamento e síntese da é a camada intermediária, constitui 75% do córtex adrenal,
dos corticosteroides. Entretanto, a euforia provocada por es- secreta os corticosteroides (cortisol e corticosterona) e peque-
sas primeiras pesquisas não se estenderam por muito tempo, na quantidade de hormônios sexuais. Já a zona reticulada é a
principalmente por causa da descoberta dos seus efeitos cola-
camada mais profunda, responsável pela secreção dos andró-
terais. Dessa forma, descobriu-se que essas moléculas também
genos adrenais (dehidroepandrosterona e androstenediona).
têm capacidade de reter sódio, resultando no efeito denomina-
do mineralocorticoide, proveniente da sua administração em Vale ressaltar que a produção de aldosterona na zona glome-
altas doses e por longos períodos de tempo. rular é regulada principalmente pelo sistema renina angio-
tensina, enquanto a secreção dos hormônios das duas zonas
Dentro desse contexto, na tentativa de solucionar os pro-
blemas decorrentes dos seus efeitos colaterais, os químicos internas é controlada pelo ACTH.2
têm despendido décadas de pesquisas tentando alterar a es- Este capítulo vai abordar principalmente os aspectos far-
trutura dos esteroides, através da síntese de análogos, com a macológicos dos corticosteroides sintéticos e naturais. Os
finalidade de reduzir a atividade mineralocorticoide e aumen- mecanismos envolvidos na secreção dos corticosteroides na-
tar a ação metabólica (atividade glicocorticoide). Além disso, o turais serão abordados nos tópicos subsequentes.
desenvolvimento de novas formulações de liberação controla-
da tem aumentado as expectativas quanto à redução dos efei-
tos colaterais encontrados. Manutenção dos níveis de corticosteroides:
Os corticosteroides, também denominados de glicocorti- eixo hipotalâmico-hipófisário-suprarrenal (HHSR)
coides ou corticoides, têm demonstrado efetividade significa- O núcleo hipotalâmico paraventricular recebe vários sinais,
tiva como anti-inflamatórios e imunossupressores. Assim, vem
que vão estimular ou inibir a liberação do neuropeptídeo corti-
sendo utilizados em várias especialidades clínicas, dentre elas
cotrofina (CRH). Esses estímulos incluem as conexões nervosas
a Reumatologia, para o tratamento do lúpus eritematoso sis-
têmico, artrite reumatoide, vasculites, polimialgia reumática, (sistema límbico e tronco cerebral inferior), estímulos endócri-
miosites, dentre outras.1 nos (níveis de cortisol), além de citocinas, eicosanoides e endo-
Dessa forma, neste capítulo, serão abordados a produção toxinas. O CRH é secretado no plexo capilar primário do sistema
e o controle da secreção dos corticosteroides naturais. Os cor- porta sendo transportado à hipófise anterior onde induz a se-
ticosteroides sintéticos também serão abordados incluindo a creção do hormônio adrenocorticotrófico (ACTH). Este por sua
relação entre a estrutura química e a atividade das moléculas. vez estimula as células adrenocorticais (córtex da suprarrenal).
A farmacologia e toxicidade dessas substâncias serão descritas Esses três órgãos em conjunto são denominados eixo hipotála-
e o seu uso em nas infiltrações e pulsoterapia serão menciona- mo-hipófise-suprarrenal (HHSR). Esse sistema integrado man-
dos. Por fim, o leitor encontrará, de forma sucinta, uma discus- tém os níveis apropriados de glicocorticoides e, juntamente

247
com o sistema nervoso autônomo (simpático) e a medula adre- estímulo do eixo hipotálamo-hipófise-suprarrenal pelos sinais
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

nal, são responsáveis pela homeostase relacionada ao estresse.3 citados (neurais, endócrinos e citocinas) causa imunossupres-
O ACTH induz a formação do AMPc (monofosfato cíclico de são. A baixa atividade do eixo HHSR, bem como baixos níveis
adenosina) através da ativação da adenilciclase na membrana de corticosteroides, aumenta a suscetibilidade e a gravidade
celular (camada fasciculada), que por sua vez ativa as enzi- das inflamações.4
mas intracelulares à formação dos hormônios adrenocorticais
(mineralocorticoides, glicocorticoides e fracos andrógenos). O Efeitos das reações inflamatórias imunes mediadas
ACTH segue um ritmo circadiano com valores mais elevados no eixo HHSR
pela manhã (8 e 10h) e o nadir entre 18 e 23h (menos da me- As citocinas podem ser produzidas por lesão tecidual, in-
tade do valor matutino). Seguem o mesmo ritmo o CRH e o
fecção e doenças variadas, principalmente autoimunes. Assim,
cortisol. Como o estímulo do CRH à síntese do ACTH é pulsátil,
formam uma rede de moléculas de sinalização que integram as
qualquer tipo de estresse (físico, emocional, químico, hipóxia,
ações de macrófagos, linfócitos T e dos linfócitos B na produ-
dor, hipoglicemia aguda, exposição ao frio, cirurgia) pode alte-
ção das respostas imunes. Algumas citocinas são importantes
rar o ritmo diurno normal. Dessa forma, provocando aumento
na estimulação do eixo HHRS, como IL1, IL6, e TNFα.
periódico da sua secreção ao longo do dia ou uma secreção
prolongada em momentos de estresse crônico. A produção aumentada de corticosteroides inibe o siste-
Existe um feedback negativo do cortisol na secreção de ma imune através das diferentes citocinas (IFN, 6M-CSF, IL1,
ACTH tanto a nível hipotalâmica como hipofisária, e o ACTH IL2, IL3, IL6, ILg, IL12, TNFα). O sistema imune e o eixo HHA
também exerce feedback negativo em sua própria secreção, nos apresentam interações bidirecionais em resposta ao estresse.4
momentos em que o organismo não está em estado de estresse.
A interação do HHSR, sistema nervoso e componentes do „„ FARMACOLOGIA
sistema imune é de fundamental importância no controle da
inflamação e da imunidade. As citocinas e mediadores inflama- Biossíntese dos corticosteroides
tórios ativam os receptores periféricos da dor, cuja via axonal
projeta no corno dorsal, fazem sinapse com o trato leminiscal O colesterol é o substrato para a síntese de todos os hor-
e chegam ao tálamo e córtex somato-sensorial. O caminho final mônios esteroidais. As células do córtex adrenal captam o co-
desses nociceptores é a ativação do eixo HHSR. As citocinas lesterol da circulação (LDL e HDL) ou sintetizam o colesterol
podem ainda atuar diretamente no cérebro (células endote- de novo através do acetato. O suprimento adequado do subs-
liais e gliais), ativando o hipotálamo (HHSR). A IL1 apresenta trato para esteroidogenese é assim mantido por essas fontes
ampla ação nessa função, estimula a liberação de CRH pelos pelo córtex adrenal.5
neurônios hipotalâmicos, a hipófise e a suprarrenal, levando O ACTH estimula a síntese dos corticosteroides por in-
à produção dos corticosteroides. Estes, por sua vez, inibem a termédio do receptor de melanocortina (MC2R) acoplado a
síntese de citocinas (feedback negativo). proteína G, estimulando a adenilciclase e aumentando o AMP
A alteração do eixo neuroendócrino por hiper ou hipoativi- cíclico (camada fasciculada). As vias de biossíntese dos cor-
dade causa mudanças sistêmicas na inflamação e imunidade. O ticosteroides (Figura 12.1) demonstram a produção tanto da

Colesterol

CYP11A1

Pregnenolona

CYP17

CYP17
Progesterona 17α-hidroxipregnenolona Desidrolpiandrosterona

3β-HSD

17α-hidroxiprogesterona
Aldosterona CYP21
CYP11B1
11-desoxicortisol Cortisol

Zona fasciculada

Figura 12.1 Via de biossíntese dos corticosteroides. Destaque na cor azul para a zona fasciculada onde ocorre a produção do cortisol.7

248 Tratado Brasileiro de Reumatologia


aldosterona, quanto do cortisol e dos fracos andrógenos. Cada Ao longo dos anos, mudanças na estrutura química dos

„„ CAPÍTULO 12
um deles é sintetizado em diferentes zonas da córtex adrenal. corticosteroides permitiram aumento da sua atividade e, em
A primeira reação na via de biossíntese dos corticosteroi- alguns casos, até a diminuição dos efeitos colaterais. As subs-
des é a conversão do colesterol em pregnenolona, etapa que li- tâncias que sofreram essas modificações são denominadas de
mita a velocidade de produção de hormônios esteroides, e esta, corticosteroides sintéticos.
por sua vez, é uma reação catalisada pela CYP11A1, (1ª enzima
de clivagem da cadeia lateral do colesterol). A pregnenolona Características da estrutura química dos
deixa então a mitocôndria, tornando-se o precursor obriga-
corticosteroides sintéticos
tório dos corticosteroides e andrógenos adrenais. A zona fas-
ciculada expressa duas enzimas, a esteroide 17α-hidroxilase Os derivados sintéticos resultam em produtos com maior
(CYP17) e a 11β-hidroxilase (CYP11B1), que catalisam a pro- potência anti-inflamatória e ação prolongada. Para tanto, fo-
dução de glicocorticoides2,6 (Figura 12.1). ram realizadas modificações químicas estruturais demonstra-
das na Tabela 12.1 e na Figura 12.3.
Transporte dos corticosteroides no sangue
Os glicocorticoides secretados na circulação sistêmica
estão ligados reversivamente a uma globulina específica: a Tabela 12.1 Modificações na estrutura química dos corti-
transcortina (CBG). Aproximadamente 75% do cortisol estão costeroides sintéticos.2,7,8,9
ligadas a CBG, enquanto que 15% estão ligados a albumina
e 10% estão livres, que representam a fração ativa. A trans- Modificação química Fármaco
cortina funciona como um reservatório, controlando assim a
Anel A Dupla ligação C1 – C2, grupo Prednisona
quantidade de cortisol ativo disponível. Além disso, participa
cetona em C11
da sua eliminação, limita a supressão de esteroide da liberação
de ACTH. Estudos recentes mostram que a taxa de produção Dupla ligação C1 – C2 e grupo Prednisolona
diária de cortisol gira em torno de 10 mg/dia, sendo a concen- hidroxil em C11
tração plasmática no sangue periférico de 16 µg/100 mL às 8h
e de 4 µg/100 mL às 16h (ritmo circadiano).2 Anel B Grupo metil na posição C6 Metilprednisolona

Anel C Grupo fluoreto na posição C9 Dexametasona,


Inter-relação entre estrutura química e atividade da prednisolona triancinolona,
betametasona
O principal corticosteroide é a hidrocortisona (cortisol).
Anel D Grupo hidroxil em C16 do Dexametasona,
Sua estrutura básica é o ciclopentanoperidrofenantreno, que
composto fluorado triancinolona,
é comum a todos os esteroides (Figura 12.2). betametasona
Os corticosteroides naturais possuem uma estrutura quí-
mica básica que conferem a molécula a sua atividade, como:
As alterações estruturais nos derivados sintéticos acar-
„„ Dupla ligação em C4 – C5
retaram mudança na farmacocinética dos corticosteroides. O
„„ Grupo cetona em C3 desenvolvimento de novas formas farmacêuticas também foi
„„ Grupo hidroxil em C11 (atividade glicocorticoide) influenciado pelas pesquisas realizadas na área farmacêutica,
„„ Grupo hidroxil em C17 (aumenta a atividade glicocor- levando ao desenvolvimento de diferentes especialidades far-
ticoide) macêuticas, propiciando o uso oral, parental e tópico.

CH 2 OH

C=O
OH OH
12 17
11 13 16
D
C
14 15
1 9
2 10 8
A B
3 5 7
O 4 6

Figura 12.2 Núcleo básico da estrutura química dos corticosteroides, representado pelos anéis B, C, C, e D.2,7,8,9

Terapêutica dos Corticosteroides 249


„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

CH 2 OH CH 2 OH

C=O C=O
OH OH O OH

Cortisol Cortisona
O O

CH 2 OH CH 2 OH

C=O C=O
OH OH O OH

Prednisolona Prednisona
O O

CH 2 OH
CH 2 OH
C=O
OH C=O
OH
OH OH
CH3

Metilprednisolona
F Dexametasona
O
O
CH3

CH 2 OH CH 2 OH

C=O C=O
OH OH OH OH
OH

F F
Triancinolona Fludrocortisona
O O

Figura 12.3 Estrutura química dos corticosteroides naturais e sintéticos.7

250 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Corticosteroides e sistemas de

„„ CAPÍTULO 12
liberação modificada
Tabela 12.2 Classificação e características farmacológicas
As necessidades clínicas foram as forças que impulsiona- dos corticosteroides.12,13,14
ram o desenvolvimento dos sistemas de liberação modificada
de fármacos. Estes se caracterizam por serem formas farma- Duração da ação Potência Potência Dose
anti- retentora de equivalente
cêuticas destinadas a liberar o fármaco de forma programa-
-inflamatória Na+ (mg)
da, melhorando a absorção de fármacos, cujos objetivos não
podem ser alcançados como as formas farmacêuticas conven- Ação curta (AC)*
cionais. Podem ser caracterizados desde revestimentos espe- Cortisol 1 1 20
cializados em comprimidos até o desenvolvimento de sistemas Cortisona 0,8 0,8 25
sofisticados com nanopartículas.
As formas farmacêuticas convencionais são desenvolvi- Ação intermediária
das para serem ingeridas e liberar o fármaco de forma rápida (AI)*
e completa in vivo. Entretanto, nas sucessivas administra- Prednisona 4 0,8 5
ções, a concentração de fármaco no plasma flutua entre as Prednisolona 4 0,8 5
doses. Fármacos com tempo de meia-vida plasmática curtos Metilprednisolona 5 0,5 4
podem ser significativamente prejudicados, pois a manuten- Triancinolona 5 0 4
ção das concentrações plasmáticas terapêuticas é suscetível Deflazacort 4 0 7,5
aos esquecimentos de dose e aos períodos noturnos sem
administração da dose (“over night no-dose period”). Dentre Ação prolongada
desse contexto, as formas farmacêuticas têm sido desenvol- (AP)*
vidas para minimizar esses picos de concentração plasmática Betametasona 25 0 0,6
do fármaco e, assim, reduzir também efeitos colaterais advin- Dexametasona 25 0 0,75
dos dessas razões.
*AC: meia-vida biológica de 8 a 12h; AI: meia-vida biológica de 18 a 36h; AP: meia-vida
No caso dos corticosteroides, muitos estudos estão sendo biológica de 36 a 54h.
realizados para liberação do fármaco de acordo com o ritmo
circadiano e secreção das citocinas. O pico de níveis plasmáti-
cos de mediadores pró-inflamatórios, como IL6 e TNFα duran- Farmacocinética
te a noite e nas primeiras horas do dia, resultam em sintomas Os corticosteroides podem ser utilizados por diferentes
pronunciados nos pacientes portadores de artrite reumatoide vias de administração, tais como: via oral (VO), intra-muscular
no período matutino (rigidez matinal). (IM), intra-articular (IA), endovenosa (EV), tópica, entre ou-
Para esse propósito, novas formas farmacêuticas de libe- tras. Para a administração oral, devem estar na forma de ace-
ração modificada de comprimidos de prednisona têm sido tato para sua maior absorção (difusão passiva). Para via IM e
desenvolvidas. Nesse caso, o comprimido é administrado no EV, existem preparados especiais na forma de ésteres solúveis
período noturno e o fármaco liberado somente 4 horas após (succinato, hemissuccinato ou fosfato), utilizados principal-
administração. Em um estudo recentemente publicado,10 foi mente para ação imediata. No entanto, quando há necessida-
administrado comprimido de liberação modificada em 288 de de uma ação prolongada, os sais de acetato são utilizados
pacientes com artrite reumatoide. Foi evidenciado que o com- (acetato de metilprednisolona, acetato de dexametasona ou
primido de liberação modificada de prednisona mostrou ser dipropionato de betametasona), pois apresentam lenta absor-
clinicamente e significativamente melhor do que o convencio- ção. Estes também podem ser associados aos ésteres solúveis,
nal em relação à redução de rigidez matinal das articulações. proporcionando uma ação combinada, ou seja, um efeito ime-
Os dados de 12 meses do estudo demonstram uma eficácia diato e também prolongado.
continuada na redução da rigidez matinal e dos níveis de IL6, Para o uso crônico, os corticosteroides são utilizados pre-
combinado à segurança da forma farmacêutica.10 Essas estra- ferencialmente pela via oral. Sendo que, as formas mais usadas
tégias tecnológicas têm reduzido as doses administradas dos em Reumatologia é a prednisona e prednisolona. A biodispo-
fármacos e, consequentemente, os efeitos colaterais dos cor- nibilidade desses dois fármacos é alta, porém a da prednisona
ticosteroides. é menor do que a da prednisolona, pois, a primeira necessita
Recentemente (Julho de 2012), foi aprovado pelo FDA de conversão a nível hepático para se transformar em compos-
(Food and Drug Administration) o medicamento Rayos®, que to ativo. Dessa forma, a prednisona pode ser administrada em
consiste em comprimidos de liberação modificada de 1, 2 e pacientes grávidas, pois o fígado do feto não consegue metabo-
5 mg de prednisona. Esse comprimido foi revestido com uma lizá-la. A prednisolona também pode ser administrada nessas
camada polimérica inativa, que atrasa a liberação do fármaco pacientes, já que na placenta existe a enzima (11-β desidroge-
quando a forma farmacêutica entra em contato com os fluidos nase placentária), que converte esse fármaco em prednisona,
gastrintestinais.11 não metabolizada pelo feto. A dexametasona e betametasona
atravessam a barreira placentária e atuam no feto.
Classificação dos corticosteroides Os corticosteroides têm diferentes afinidades pelas pro-
teínas plasmáticas. Os naturais, por exemplo, ligam-se a
Os corticosteroides podem ser classificados quanto à dura- transcortina (corticosteroid-binding globulin – corticosterói-
ção da sua ação (curta, intermediária e prolongada). A Tabela de CBG), enquanto os sintéticos têm pouca ou nenhuma afi-
12.2 também demonstra informações sobre as características nidade por essa proteína. Além disso, os sintéticos ligam-se
farmacológicas dos corticosteroides. à albumina em proporções variadas. Tanto o grau de ligação

Terapêutica dos Corticosteroides 251


com as proteínas plasmáticas, quanto a quantidade da for- O complexo RC-corticosteroides, que permanece no cito-
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

ma livre, são doses dependentes. Dessa forma, as proteínas plasma celular, pode estimular as proteínas anti-inflamatórias,
agem como um reservatório de corticosteroides, funcionan- denominada ativação não genômica.
do como suprimento constante da forma livre para as célu- Os corticosteroides podem ainda interagir com outros fato-
las-alvo. res de transcrição, tais como NF-κB, que regulam a expressão
Os corticosteroides são compostos lipofílicos que se dis- de diversos componentes do sistema imune. Essas interações
tribuem livremente nos espaços extra e intracelular após atra- reprimem a expressão dos genes que codificam as proteínas
vessarem a membrana celular. A meia-vida é de 80 minutos inflamatórias (citocinas) importantes nos processos imunes e
para o cortisol e mais prolongada para os sintéticos, cerca de inflamatórios, explicando assim os efeitos anti-inflamatórios
1 hora para a prednisolona e 4 horas para a dexametasona.7 e imunosupressores dos corticosteroides. Essas interações
Os corticosteroides naturais e sintéticos são metaboliza- ocorrem em baixas doses dos corticosteroides e são chamadas
dos no fígado, sendo os sintéticos mais lentamente devido às de mecanismos genômicos (Figura 12.4). Outro mecanismo é
alterações químicas estruturais. 9,5% dos metabolitos esteroi- a sinalização através da membrana associada a receptores e
dais são eliminados pelos rins. A variabilidade genética pode segundo mensageiro, chamado de mecanismo direto.
influenciar o clearance dos esteroides. Também são excretados Os efeitos metabólicos dos corticosteroides são mediados,
em pequena quantidade no leite materno. Estudos relatam a a maioria das vezes, pela ativação transcricional (efeitos cola-
presença de 0,23% no leite materno após a administração de terais), ao passo que os efeitos anti-inflamatórios, são media-
5 mg de prednisona.15 dos por transrepressão.
Acredita-se ainda que o efeito rápido dos corticosteroides
Interações medicamentosas seja por ativação do óxido nítrico endodelial, β-receptores,
endonucleases e endopetidases neutras. Já a modulação da
Certos medicamentos, como hidróxido do alumínio e mag- expressão gênica e a síntese de proteínas não são efeitos ime-
nésio, podem diminuir a biodisponibilidade dos corticosteroi- diatos, aparecendo após várias horas4 ou dias (efeitos imunos-
des. Outros fármacos podem aumentar a concentração sérica supressores e anti-inflamatórios).19
dos corticoides, como a eritromicina, azitromicina, cetocona-
zol, indometacina, naproxeno e anticoncepcionais, por dimi-
nuírem as enzimas hepáticas metabolizadoras de fármacos.
„„ EFEITOS FISIOFARMACOLÓGICOS
Enquanto outros podem reduzir a concentração sérica dos DOS CORTICOSTEROIDES
corticosteroides, como o fenobarbital, fenitoína, carbamazepi- Efeitos fisiológicos
na e rifampicina, por aumentarem as enzimas metabolizado-
ras. Não há interação entre os corticosteroides e azatioprina, Os corticosteroides apresentam efeitos fisiológicos sobre
ciclosporina, metotrexato e ranitidina.16,17,18 o metabolismo intermediário de carboidratos, lipídeos e pro-
Os corticosteroides potencializam as ações dos diuréti- teínas. Por exemplo:
cos, aumentando a perda de potássio. Também aumentam
1. Carboidratos e proteínas: os corticosteroides afetam o me-
os efeitos colaterais dos AINEs. Quando administrados con-
tabolismo da glicose estimulando a sua produção pelo fígado
comitantemente com as quinolonas, potencializam os efei-
a partir de aminoácidos e glicerol. Atuam no armazenamento
tos tóxicos sobre os tendões, podendo levar à tendinite e à
da glicose na forma de glicogênio hepático, na absorção, na
sua rotura.
redução do consumo periférico da glicose, na degradação e
Em doses imunossupressoras, os corticosteroides dimi- redução da síntese de proteínas e, ainda, ativam a lipólise. To-
nuem os efeitos terapêuticos das vacinas inativadas, aumen- dos esses efeitos conduzem ao aumento da glicemia.
tam os efeitos tóxicos de vacinas vivas e diminuem as repostas
2. Lipídios: atuam na redistribuição da gordura corporal.
protetoras das mesmas.15
Além disso, participam da facilitação permissiva dos efei-
tos lipolítico de outros agentes, como os hormônios, ele-
Farmacodinâmica e mecanismo de ação vando os níveis de ácidos graxos livres.
3. Equilíbrio hidroeletrolítico: aumentam a taxa de filtra-
Os corticosteroides no plasma sanguíneo difundem atra-
ção glomerular e o fluxo plasmático renal, podendo ainda,
vés das membranas plasmáticas dos órgãos-alvo e interagem
aumentar a capacidade do rim em excretar ácido.
com receptores específicos (receptores dos corticosteroides –
RC), que são membros da família dos receptores esteroidais. 4. Metabolismo do cálcio e dos ossos: aumentam a dife-
Esses RC encontram-se no citoplasma na forma inativada liga- renciação e maturação celulares e estimulam a atividade
da às proteínas do choque térmico (HSP 90 e HSP 70) e a uma osteoblástica, reduzindo a osteocalcina durante o pico de
imunofilina. Assim que ocorre a ligação dos corticosteroides cortisol (ritmo circadiano do cortisol). Esses efeitos fisio-
com os RC há dissociação das proteínas do choque térmico, e lógicos são diferentes do uso prolongado de concentrações
o complexo RC-corticosteroides pode ficar no citoplasma ou farmacológicas dos corticosteroides.
atravessar a membrana nuclear (Figura 12.4).
O complexo RC-corticosteroides que atravessa a mem- Efeitos farmacológicos
brana nuclear interage com as sequências específicas de DNA
em regiões reguladoras dos genes afetados. Essas interações Ações anti-inflamatórias e imunossupressoras
levam ao recrutamento de proteínas coativadoras, que vão Os efeitos farmacológicos dos corticosteroides são alcan-
estimular a formação de proteínas anti-inflamatórias no cito- çados com doses superiores à quantidade produzida no orga-
plasma celular, ou correpressoras, que vão inibir a formação nismo. As principais indicações clínicas decorrem de sua ação
de proteínas inflamatórias.1 anti-inflamatória e imunossupressora. Os corticosteroides

252 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 12
Cortisol Sinais de
ativação NF  B Receptor de
membrana

Cortisona
Degradação
kB
kB
p50 p65
HSP Ativação não
genômica
Inibição

Receptor de Proteínas
P HSP
glicocorticoides anti-inflamatórias
Proteínas
inflamatórias

Indução
Elemento de resposta
RNAm Repressão

D
Elemento NF-kB
Não há
RNAm

p50 p65
Mecanismo
proteína
interferente

Figura 12.4 Mecanismo de ação dos corticosteroides.4

atuam em vários tipos de células (macrófagos, monócitos, cé- „„ Diminuem a liberação de histamina pelos macrófagos;
lulas endoteliais, basófilos, fibroblastos e linfócitos) e media- „„ Reduzem a ação do ativador do plasminogênio;
dores envolvidos no processo inflamatório tendo como efeito
„„ Reduzem a expressão das citocinas pró-inflamatórias
final a importante redução dessa resposta, por exemplo:
(IL-2, IL-6 e TNFα);
„„ Reduzem a permeabilidade endotelial; „„ Reduzem a expressão das moléculas de adesão (ELAM-
„„ Inibem a marginalização e migração dos leucócitos; 1 e ICAM-1);
„„ Dificultam a reposição de fibrina e a proliferação de „„ Reduzem a sobrevida dos eosinófilos.3,4
fibroblastos;
Os corticosteroides atuam na imunidade humoral e na
„„ Mantêm a integridade da membrana celular; imunidade celular, porém as ações anti-inflamatórias estão
„„ Inibem a cascata do ácido aracdônico: altamente interligadas, o que talvez possa ser explicado pelo
„„ Inibindo a expressão de COX-2, NOS2; fato de envolverem a inibição das funções dos leucócitos.
„„ Indução e ativação de lipocortina; Os corticosteroides inibem a resposta dos macrófagos à
apresentação de antígeno e expressões das moléculas da clas-
„„ Indução do MAPK fosfatase; se II do HLA.

Terapêutica dos Corticosteroides 253


Outra ação é a depleção das células T (facilitam a migração, Efeitos tóxicos mais frequentes na clínica
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

inibem a IL2 e induzem a apoptose). Os efeitos na apoptose reumatológica


dos linfócitos são complexos e dependem do estágio de dife-
renciação das células T e seus subtipos. As células T killer não Hipertensão e dislipidemia
sofrem essa ação dos corticosteroides. Os corticosteroides in- O tratamento prolongado pode causar hipertensão arterial
duzem apoptose em células imaturas (timocitos). por retenção de sódio pelos rins e potencialização da resposta
Os corticosteroides interferem mais significativamente no vasopressora da angiotensina II (indução de receptores de an-
número de células T do que nas células B. A síntese de anticor- giotesina II) e catecolaminas. A dislipidemia é encontrada com
pos pelos linfócitos B é lentamente alterada, pois os níveis de certa frequência no uso crônico dos corticosteroides, promo-
anticorpos permanecem inalterados com administração por vendo aumento dos triglicerides e colesterol LDL.
curto tempo e também baixa dosagem. Com a administração
crônica leva à diminuição de anticorpos, possivelmente por Alterações neuropsiquiátricas
inibição das células T help ou aumento de catabolismo dos an- As alterações neuropsiquiátricas podem ocorrer de 4 a
ticorpos, podendo levar à supressão dos níveis de Ig G e Ig A, 36% dos pacientes em uso de doses moderadas a altas, sendo
embora os níveis de IgE sejam elevados.20 demonstrado em vários estudos. As mais notáveis são as alte-
rações do comportamento (depressão, insônia, mania, tentativa
Ações sobre os elementos figurados do sangue
de suicídio). O hipocampo parece ser uma região bastante vul-
Os corticosteroides podem aumentar discretamente o nú- nerável, levando a distúrbios cognitivos. Além disso, os corticos-
mero de eritrócitos e de hemoglobina, sendo que, na anemia teroides abaixam o limiar das convulsões, e quando utilizados
hemolítica, esses efeitos são mais proeminentes. Os corticoste- cronicamente, podem ainda levar à dependência psicológica.
roides também afetam os leucócitos circulantes reduzindo o nú-
Outro distúrbio importante é o pseudotumor cerebral (cefaleia
mero de linfócitos, eosinófilos, monócitos e basófilos, em razão
e papiloedema) que pode ocorrer quando se reduz a dose de
da redistribuição das células. Ocorre aumento dos leucócitos
polimorfonucleares circulantes, principalmente, por causa do corticosteroides, sendo mais frequentes em crianças.
aumento da liberação pela medula óssea e diminuição da taxa
de remoção da circulação. Respostas imunes
Os corticosteroides têm ampla ação inibidora no sistema
„„ TOXICIDADE imune, e seu uso crônico, bem como a dose administrada, está
associado ao aumento de infecções por germes saprófitas. Es-
A toxicidade dos corticosteroides depende basicamente ses passam a atuar como oportunistas, levando à super-infec-
da dose utilizada e da duração do tratamento. Como em Reu- ção. A administração desses fármacos também pode reativar
matologia os corticosteroides são indicados pelas suas ações tuberculose latente. Outra complicação existente é quando os
anti-inflamatórias e imunossupressoras, na maioria das vezes corticosteroides são administrados em pacientes portadores
são administrados cronicamente e em doses suprafisiológicas. de algum parasita. No caso da estrongiloidíase, a administra-
Em função dos seus efeitos pleiotróficos, os efeitos colaterais ção de corticosteroides pode favorecer sua disseminação.8
podem estar presentes (Tabela 12.3).
Efeitos gastrintestinais
Os corticosteroides aumentam a produção do ácido clorí-
drico e de pepsina, porém estudos demonstram que a possi-
Tabela 12.3 Efeitos tóxicos dos corticosteroides.7 bilidade de úlcera péptica aumenta em paciente que utilizam
AINES associados.
Tecidos Efeitos tóxicos
A pancreatite pode ocorrer quando se usa compostos fluo-
Sistema Dislipidemia, hipertensão arterial, trombose, vasculite. rados (dexametasona) e alguns autores a relacionam com a
cardiovascular hipertrigliceridemia.
SNC Supressão do eixo HHRS, alterações de
comportamento, cognição, memória, humor (psicose),
Miopatia
pseudotumor e atrofia cerebral. Os corticosteroides podem levar à fraqueza dos músculos
proximais quando utilizados cronicamente. Os efeitos catabó-
Trato Sangramento gastrintestinal, pancreatite, úlcera
Gastrintestinal péptica. licos dos corticosteroides no músculoesquelético são especí-
ficos dependendo do tipo de fibra. A fibra do tipo II B é a mais
Sistema imune Imunossupressão, ativação de viroses latentes. suscetível aos efeitos da atrofia decorrente da redução das re-
Pele Telangiectasias, atrofia, eritema, hipertricose, servas proteicas. Clinicamente, o paciente pode apresentar di-
fragilidade da pele, dermatide perioral, petéquias, ficuldade para subir escadas e, mais raramente, incapacidade
acne e estrias. para andar. Esse quadro pode ser confundido com atividade
de doença nos portadores de doença difusa do tecido conec-
Sistema músculo Osteonecrose, atrofia muscular, osteoporose, retardo
tivo, mas caracteristicamente, não há alterações das enzimas
– esquelético do crescimento.
musculares. A biópsia muscular pode apresentar-se normal.
Globo ocular Catarata, glaucoma. A miopatia é rara em pacientes tratados com menos de 10
Rins Retenção de sódio e excreção de potássio aumentado.
mg/dia de prednisona ou equivalente. Em doses altas, de 40
a 60 mg/dia de prednisona, a miopatia pode desenvolver em
Sistema Atrofia da glândula suprarrenal, síndrome de Cushing, duas semanas. É possível obter a sua regressão com a redução
endócrino puberdade retardada, retardo do crescimento fetal, gradativa da dose dos corticosteroides, num período de três a
hipogonadismo, diabetes mellitus, aumento de peso. quatro semanas.

254 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Alterações metabólicas de -1,0. Os bisfosfonatos (alendronato ou risedronato) devem

„„ CAPÍTULO 12
No uso de doses altas ou uso crônico, os efeitos dos corti- ser utilizados na mulher pós-menopausa e propõe-se a reali-
costeroides no metabolismo dos lipídios podem levar à distri- zação de exercícios físicos e a redução do álcool e tabaco.21,22
buição anormal de gordura no corpo, semelhante à encontrada
na Síndrome de Cushing endógena (face em lua cheia, corcova „„ PLANEJAMENTO PARA REDUÇÃO DE DOSES
de búfalo, abdome em avental e tendência à obesidade). DOS CORTICOSTEROIDES
Em pacientes diabéticos torna-se necessário o ajuste das
doses dos hipoglicemiantes ou até a introdução de insulina em Os corticosteroides têm indicação em várias enfermidades
indivíduos com diabetes mellitus previamente estabilizados, os reumáticas crônicas e seu uso prolongado torna-se perigoso
pacientes que já tomam insulina devem ter sua dose aumentada. em várias condições. Com o surgimento de novas medicações
(DMARD e biológicos) há uma tendência atual da redução gra-
Cataratas e glaucoma dual das doses dos corticosteroides assim que as crises agudas
se amenizam, já que os efeitos colaterais a longo prazo são fre-
As cataratas (subcapsulares posteriores) são complica- quentes (hipertensão arterial, osteoporose, etc.).
ções frequentes em cerca de 30% dos pacientes em cujo uso
As reduções progressivas das doses são realizadas para
crônico de doses de 10 a 15 mg/dia de prednisona ou mais. evitar recorrências de atividade da doença ou sintomas de su-
Esses pacientes devem ser submetidos à avaliação oftalmoló- pressão do eixo HHSR. Entretanto, existem algumas condições
gica periódica. Os fatores de risco para desenvolver cataratas em que é necessária a suspensão imediata da medicação, ou
incluem: idade avançada, sexo feminino, tabagismo, diabetes e ainda, sua redução a doses fisiológicas, como em casos de her-
deficiências nutricionais. pes oftálmico e psicose induzida pelos corticoides.
Os corticosteroides aumentam a pressão intra-ocultar po- Os regimes de redução das doses dos corticosteroides ain-
dendo produzir glaucoma. O mecanismo proposto é o aumen- da não apresentam um consenso, estes dependem da patolo-
to do humor aquoso com resistência aumentada ao seu fluxo. gia e do controle da doença. A maioria dos autores orientam
Tanto o uso tópico quanto o sistêmico pode elevar a pres- uma redução de 25% da dose a cada semana, para pacientes
são intraocular, porém os pacientes de risco são os diabéticos, que utilizam a medicação por um período superior a três me-
portadores de miopia e história familiar de glaucoma. ses, com doses de 40 a 100 mg/dia.
Em caso de pacientes que utilizam de 10 a 20 mg/dia de
Osteoporose corticosteroides por mais de 3 meses, ou ainda, 10 mg/dia
Os corticosteroides levam à osteoporose e aumentam o ris- com dose única noturna, deve-se realizar a redução gradual da
co de fraturas ósseas com o seu uso crônico. Podem interferir medicação. Esse procedimento também deve ser adotado para
tanto reduzindo a formação óssea quanto aumentando a reab- pacientes com aparência Cushingoide após o uso de doses aci-
sorção óssea, por exemplo: ma de 20 mg/dia por um período superior a três semanas.
Em alguns casos, em que a redução das doses dos corti-
„„ Diminuem a absorção do cálcio: inibindo o transporte costeroides não é adequada, podem ocorrer alguns sintomas,
ativo transcelular. como artralgia e mialgia. Esses sintomas podem ser decorren-
„„ Aumentam a excreção urinária de cálcio: redução da tes tanto da retirada da medicação quanto da recrudescência
sua reabsorção tubular renal. da doença. Dessa forma, para a distinção dos sintomas, reco-
menda-se o uso de anti-inflamatórios (AINEs) ou analgésicos.
„„ Aumentam a secreção de PTH (aumento de excreção
A redução dos sintomas sugere o pseudoreumatismo. Contu-
de cálcio diminuição da absorção).
do, a persistência desses sintomas indica a recrudescência da
„„ Estimulam a proliferação dos osteoclastos (supressão doença, e nesse caso, é necessário o aumento da dose de 10 a
de síntese da osteoprotegerina e estímulo da síntese 15% e sua manutenção por 2 a 4 semanas.23
do RANK).
„„ Induzem a apoptose dos osteoblastos e osteocitos ma-
„„ INFILTRAÇÕES
duros.
„„ Inibem a produção de osteocalcina. Os primeiros trabalhos com infiltração nas articulações
com corticosteroides foram realizados por holandeses. Eles
„„ Reduzem a expressão dos receptores da vitamina D. estudaram o efeito do acetato de hidrocortisona em 4 mil pa-
cientes e obtiveram boas respostas em bursites e tendinites.
Além dos efeitos diretos dos glicocorticoides na remodela- As infiltrações articulares com corticosteroides são indicadas
ção óssea, ainda atuam no HHA e gonadal, reduzindo a síntese quando há uma ou poucas articulações acometidas ou quando
de todos esteroides (estrogênios, andrógenos e derivados), ocorre resistência a terapêutica sistêmica, como pode ocorrer
consequentemente, aumentando a perda de massa óssea. em casos de artrite reumatoide (AR).
O risco de fraturas parece estar relacionado à dose e du- Alguns autores recomendam repouso após a infiltração
ração da terapia, porém independe da densidade mineral ós- com corticosteroides para melhores resultados. Quando há
sea. Alguns trabalhos mostram o risco de fraturas de 34 a 58% grande derrame articular, é necessária a drenagem antes da
em pacientes com artrite reumatoide usando prednisona 6,5 infiltração com corticosteroides, principalmente para obten-
a 8,6 mg/dia. A literatura mostra que o uso crônico acima de ção de bons resultados.
5 mg/dia pode levar a alterações no esqueleto. Dessa forma o As formas farmacêuticas indicadas são: Metilprednisolona
Colégio Americano de Reumatologia (American College Rheu- (Depo-medrol®) e Hexacetonida de Triancinolona (Triancil®).
matology – ACR) criou um guideline que recomenda a suple- Não há trabalhos randomizados, prospectivos mostrando a
mentação de cálcio e vitamina D3 para pacientes que utilizam eficácia e toxicidade desses produtos. As doses recomendadas
5 mg ou mais por mais de 3 meses e com TScore (DO) abaixo estão descritas na Tabela 12.4.

Terapêutica dos Corticosteroides 255


„„ SITUAÇÕES DE ESTRESSE E USO DOS
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

CORTICOSTEROIDES
Tabela 12.4 Recomendações da dosagem dos corticoste-
roides de acordo com as articulações acometidas. O uso prolongado de corticosteroides pode aumentar o
risco de insuficiência adrenal secundária quando ocorre inter-
Corticosteroides mg Articulações acometidas rupção abrupta da medicação.
Triancinolona 40 Grandes articulações (joelhos e ombros) Situações de estresse, como cirurgias, parto, traumas, etc,
são ocasiões em que a necessidade dos corticosteroides deve
30 Médias articulações (punhos, cotovelos ter as suas doses reajustadas.
e tornozelos)
A dose dos corticosteroides deve ser aumentada de acordo
10 Pequenas articulações (MTFs, IFPs) com o grau do estresse. Em estresse leve a moderado é reco-
mendado dobrar a dose administrada, enquanto em condições
Metilprednisolona 4 Médias e grandes articulações
mais graves, como cirurgia de grande porte, o corticosteroide
2 Pequenas articulações deve ser administrado por via endovenosa em doses de 5 a 10
vezes a fisiológica.23
A associação com a lidocaína não só propicia a anestesia
como também reduz a formação de cristais no local da infiltra- „„ ORIENTAÇÕES PARA O USO TERAPÊUTICO DOS
ção. Essa prática é usada em reumatologia nas tenossinovites,
bursites, entesites, síndromes compressivas (STC), osteoartro-
CORTICOSTEROIDES
se, gota e artrite reumatoide. A seguir estão descritas, em forma de tópicos, algumas
Não é recomendado repetir infiltração com corticosteroi- orientações para o uso terapêutico dos corticosteroides.
des no intervalo inferior a três semanas e não mais de três ve-
zes por ano em uma mesma articulação, apesar de não haver 1. A corticoterapia permanece como área importante na Reu-
evidência clínica que suporta essa recomendação. matologia, deve-se iniciar sempre considerando a gravida-
de da doença de base, relacionando risco/benefício.
A ocorrência de infecções é rara quando a assepsia é bem-
-feita, pode ocorrer atrofia do tecido celular subcutâneo se 2. Regime de dosagens devem ser considerados:
realizado em local não adequado, despigmentação da pele, „„ Dose baixa ≤ 7,5 mg prednisona ou equivalente por dia.
rotura de tendões, lesões de nervos, mais raramente osteone- „„ Dose moderada > 7,5 mg, mas ≤ 30 mg prednisona ou
crose.24,25 equivalente.
„„ Dose alta > 30 mg, mas ≤ 100 mg prednisona ou equi-
„„ PULSOTERAPIA valente.
„„ Pulsoterapia ≥ 250 mg predisona ou equivalente por dia.
É uma forma de administração de corticosteroides intrave-
nosa (metilprednisolona) em “bolus” de aproximadamente 1 g A corticoterapia nas doenças reumáticas são usual-
por dia (3 a 5 dias). mente individualizadas para cada estágio da doença e pa-
É utilizada em manifestações graves e emergenciais das ciente, de maneira que obtenhamos o efeito terapêutico
doenças autoimunes com a finalidade de poupar altas doses máximo com mínimos efeitos colaterais. O aumento das
e tempo prolongado de administração de corticosteroides via doses e da frequência da administração leva ao aumento
oral, ou ainda, em esquemas terapêuticos definidos como no da ação anti-inflamatória e dos efeitos colaterais.
caso da nefrite lúpica. O mecanismo de ação de doses altas de 3. A escolha dos corticosteroides deve levar em conta a sua po-
corticosteroides ainda não está totalmente estabelecido. Alguns tência e seus efeitos colaterais, além de sua farmacocinética.
autores sugerem que há redução da síntese de citocinas (efeito 4. No uso prolongado, deve-se optar por um corticosteroi-
rápido na agregação leucocitária e nas moléculas de adesão), ou de de meia-vida biológica intermediária quando utilizada
por ação direta nas membranas celulares. As alterações físico- dose única diária, e produtos sintéticos que possuam apre-
-químicas nas membranas celulares, como o fluxo de cálcio, as- sentação por via oral.
sociadas às atividades de proteínas de membrana, explicariam a 5. Monitoramento dos efeitos colaterais, o aumento do risco
redução das exacerbações das doenças autoimunes. em comparação ao benefícios envolve revisão da estratégia
Os efeitos anti-inflamatórios e imunossupressores são po- terapêutica. Em reumatologia é recomendado sempre ter a
tencializados e sustentados por semanas ou meses, pela for- certeza diagnóstica para a introdução dos medicamentos
ma de administração e dose (depleção seletiva das células T). de ação lenta ou imunoterápicos para controle da doença,
Porém, os corticosteroides podem inibir o eixo hipotálamo- podendo assim reduzir as doses dos corticosteroides.
-hipofisário por período curto proporcional ao número de dias 6. Recomenda-se observar as interações medicamentosas.
de tratamento. 7. Recomenda-se programas de exercícios aos pacientes fora
Entretanto, essa forma terapêutica de altas dosagens ad- de atividade de doença para reduzir o risco de miopatia e
ministradas de forma rápida pode provocar sérios efeitos osteoporese.
colaterais, como hipertensão arterial, cefaleia, insuficiência 8. Recomenda-se no uso crônico monitorar eletrólitos, glice-
cardíaca congestiva, alterações do equilíbrio hidroeletrolítico mia e pressão arterial.
(K), infecções graves, insônia, psicose e até morte súbita.

256 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 12
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Terapêutica dos Corticosteroides 257


13

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin  Cristina Hueb Barata de Oliveira

Antimicrobianos nas Doenças Reumáticas: Generalidades


„„ ANTIBIÓTICOS A minociclina, um derivado da tetraciclina, mostrou-se
através da inibição da óxido-nítrico-sintetase, agir sobre o
Embora os antibióticos tenham sido utilizados para com- RNA mensageiro, que por sua vez regula a interleucina 10,
bater as infecções desde a II Guerra Mundial (1942), até hoje que desempenha um importante papel na regulação ativa das
a prescrição correta, o conhecimento profundo de sua farma- citocinas na membrana sinovial. Também as tetracilinas têm
cologia e a indicação racional e certeira continuam envoltas de uma atividade imunomodulatória semelhante à cloroquina,
equívocos. Tanto aqui quanto acolá, o diagnóstico clínico das cuja eficácia está fartamente documentada no tratamento de
doenças e as variáveis epidemiológicas são desprezados, a sua algumas doenças reumáticas, principalmente na artrite reu-
venda indiscriminada sem prescrição médica tem causado um matoide (AR), LES.
grande problema de saúde pública, que são as infecções hospi-
talares, sem falar dos seus efeitos adversos graves, às vezes até
mortais. Segundo o Centers for Disease Control and Prevention Escolha dos antibióticos e fatores de risco
de Atlanta (CDC), metade das 100 milhões de prescrições anuais
A escolha dos antibióticos está atrelada ao conhecimento
de antibióticos realizadas nos Estados Unidos são consideradas
de fatores de risco predisponentes e às condições patológicas
desnecessárias, as quais são direcionadas para resfriados, bron-
preexistentes que levam à eclosão das artrites bacterianas. Os
quites, sinusites, amigdalites e outras viroses agudas.¹
mais conhecidos são:
Nas doenças reumáticas infecciosas bacterianas e algumas
outras não bacterianas em que os antibióticos estão indicados,
além dos conhecimentos técnicos, acima referidos, a máxima:
“Use o antibiótico tendo como alvo o patógeno provável” tem Fatores de risco predisponentes
que ser aplicada de forma responsável e peremptória.² Consi-
derando que as artrites sépticas constituem uma importante Próteses articulares Anemia falciforme Redução de fraturas
urgência médica, quando não diagnosticadas e tratadas a tem- abertas
po, poderão causar graves prejuízos funcionais ao paciente, Abuso de drogas Injeções anteriores Artroscopia
quando não levam o paciente ao êxito letal. Por essa razão, o ilícitas intra-articulares de
diagnóstico das artrites sépticas e o seu tratamento têm como corticosteroides
alicerce a suspeita clínica feita por um especialista experiente. Alcoolismo Úlceras cutâneas Osteoartrite
Os antibióticos por suas propriedades antimicrobianas são
Diabetes mellitus Trauma direto na Idade > 80 anos e
utilizados nas artrites por infecções bacterianas que se repro-
articulação recém-natos
duzem e se multiplicam na cavidade articular e naquelas em
que existe uma reação das estruturas articulares a fragmen-
tos desses microrganismos localizados em outros tecidos e
órgãos, a distância. As artrites reativas são o exemplo destas Fatores de risco predisponentes: doenças sistêmicas
últimas.
Artrite reumatoide Hemofilia Transplante de órgãos
Além dessa atividade antimicrobiana, alguns antibióticos
têm uma ação anti-inflamatória por inibir a fosfolipase A2 e Câncer Hipogamaglobulinemia Tuberculose
afetar a cascata da inflamação que se origina no ácido araqui- Aids Insuficiência renal crônica Amiloidose
dônico. Dessa forma, a produção da lipo-oxigenase e das ciclo-
-oxigenases, responsáveis pelo processo, é inibida. Daí a sua
atividade anti-inflamatória. Regras fundamentais para a utilização de antibióticos
Sabe-se que a tetraciclina, in vitro, tem uma atividade so- Antes de tudo, é imperativo determinar o agente etiológico
bre o óxido nítrico, que é um mediador proinflamatório, e in- da infecção, seja através de punção articular, exame direto de
terfere na liberação de radicais livres. secreções ou lesões de possível porta de entrada, hemocultu-

259
ras ou culturas de qualquer outro sítio orgânico, que não te- „„ QUIMIOTERÁPICOS
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

nha sido possível apontar pelo exame clínico. Como as artrites


sépticas constituem uma importante urgência médica, que se A sulfassalazina é um quimioterápico muito utilizado na
não diagnosticadas e tratadas a tempo poderão causar graves AR, espondilite anquilosante com manifestações periféricas
prejuízos funcionais ao paciente, quando não o levam ao êxito e artrites reativas e nos surtos inflamatórios da uveíte an-
letal, a escolha do antibiótico deve seguir algumas regras fun- terior aguda. Ela teria uma ação antibacteriana e anti-infla-
damentais, a saber: matória no cólon ao atuar sobre os “gatilhos” bacterianos na
luz intestinal e nos linfonodos adjacentes. O mecanismo de
a) Antes de tudo, a remoção de material purulento. sua ação se dá pela degradação da sulfassalazina em sulfa-
b) Tratamento adequado de ferimentos contíguos e a distân- piridina e ácido 5 aminosalicílico. A primeira agiria sobre as
cia da junta inflamada. bactérias colônicas, onde chegaria intacta, e o último, como
c) Para maior precisão do diagnóstico etiológico, a punção anti-inflamatório.
da articulação deve ser feita em condições assépticas, a
inseminação do material retirado, como já foi dito, deve Farmacologia, indicação e características especiais
ser feita in loco, para se levar em seguida o material até o dos antibióticos
laboratório. Efetuar lá [no laboratório] esse procedimento
é um fator gerador de resultados falso-negativos. Uma vez feito o diagnóstico de processo infeccioso e o uso
d) Realizar exame do líquido sinovial com exame bacterios- de um antimicrobiano é eminente, alguns pontos têm de ser
cópico e posterior cultura, utilizando vários métodos de observados para que a escolha do medicamento produza os
cultivo. Recomenda-se que a inseminação do material nos efeitos dele esperados.
meios de cultura (que deve ser para aeróbios, anaeróbios) Os antimicrobianos são medicamentos que, embora sejam
seja feita in loco. utilizados de forma individual, são capazes de alterar toda
e) Utilizar de preferência antibióticos bactericidas, apesar do uma microbiota hospitalar ou de uma comunidade através dos
Linezolid (bacteriostático) ser usado por alguns autores. seus portadores sadios.
f) Não existem fortes evidências de que um regime terapêuti- Antes de escolher qual medicamento será utilizado, alguns
co seja melhor que outro. princípios gerais devem ser obedecidos:
g) Depois da retirada do líquido sinovial, até que a cultura
fique pronta, usar de imediato o antibiótico, se orientan-
do pelos dados epidemiológicos quanto à etiologia. Um
esquema tríplice de antibióticos deve ser feito, no qual o Princípios gerais da escolha do antibiótico
espectro antimicrobiano abranja gram-positivos e negati-
vos, quando ainda nenhuma pista nos direcione para uma „„ Diagnosticar a etiologia do processo infeccioso.
etiologia causal segura. „„ Conhecer a microbiota residente (comunitária e hospitalar).
h) Em relação a esses dados epidemiológicos e em se tratando de „„ Isolar e testar a sensibilidade do agente infectante.
crianças, é possível dizer que na faixa etária de 2 a 15 anos há „„ Conhecer as peculiaridades do hospedeiro (estado imunológico, função
uma predominância de infecções por Staphylococcus aureus e renal e hepática, comorbidades associadas).
Streptococcus pyogenes e pneumoniae. Abaixo dos 2 anos são „„ Conhecer a farmacologia do medicamento (farmacocinética,
mais encontradiços o Staphylococcus aureus, Haemophilus in- biodisponibilidade e interações medicamentosas, entre outros).
fluenzae e Streptococcus pyogenes. De 16 a 50 anos, Neisseria „„ Utilizar preferencialmente antimicrobiano bactericida e de espectro
gonorrhoeae e Staphylococcus aureus. Acima dos 50 anos, Sta- restrito.
phylococcus aureus e bactérias gram-negativas. „„ Que ele tenha boa penetração nos tecidos comprometidos e que exerça
i) A aspiração fechada é sempre a indicada. A indicação de seus efeitos na presença de fluidos.
artrotomia aberta não é a melhor alternativa, principal- „„ Que seja um antimicrobiano que permita fazer a troca da via de
mente em crianças, devendo ser reservada para articula- administração quando necessária e possível.
ções de difícil acesso, como as coxofemorais.3,4 „„ Evitar associações e dar preferência para as sinérgicas.
„„ Custo x benefício do esquema terapêutico proposto.
Em outras doenças reumáticas, em que não há evidências
categóricas de uma possível etiologia bacteriana, como a artrite
reumatoide, a utilização de antibióticos é mais por sua ação Como as artrites infecciosas bacterianas são uma situação
imunomoduladora e anti-inflamatória, e menos por sua ação an- de urgência, é imperativo iniciar o tratamento o mais rápido
timicrobiana. Os estudos a respeito existentes são conflitantes. possível, pois sua eficácia depende da precocidade com que o
Em algumas situações, nas quais os DMRDS (drogas modifi- antimicrobiano adequado é utilizado.
cadoras da doença) não foram eficazes ou bem tolerados, e Quando houver mais de um antimicrobiano adequado,
em outras quando é alto o risco de infecções que contraindi- dentre os possíveis antibióticos ativos, deve-se sempre esco-
quem o uso de anti-TNF a, a doxiciclina e a minociclina podem lher com base em: menor toxicidade; via de administração
fazer parte do tratamento como medicação coadjuvante, pois mais adequada; menor indução de resistência; penetração em
há relatos na literatura sobre o achado de fragmentos de molé- concentração eficaz no sítio da infecção; posologia mais cômo-
culas de bactérias no líquido sinovial, além de anticorpos con- da e menor custo.
tra proteus, micoplasmas e micobactérias no soro de pacientes O uso inadequado de antimicrobianos ocorre por causa de
com artrite reumatoide.5 fatores tais como: desconhecimento da terapia antimicrobia-
Dessa forma, pode-se resumir esses aspectos gerais se- na; tendência ao “uso profilático prolongado”; e não identifica-
guindo este o Algoritmo 13.1. ção do agente etiológico.

260 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 13
Paciente com febre, dor e inchaço em
uma ou mais articulações

História e Forte suspeita Diagnóstico diferencial:


exame físico de artrite gota, hemartrose,
bursite, celulite

Punção articular com rigorosa


Remoção do material assepsia, bacterioscopia,
purulento cultura do líquido sinovial e
antibiograma

Tomar outras medidas:


Semear líquido sinovial no Encaminhar ao reumatologista
radiografias e ressonância
local onde foi feita a punção para tratamento específico
magnética

Encaminhar para clínico


geral ou direto para o
reumatologista ou
ortopedista

Internação

• Diagnóstico definido de artrite séptica


• Tratamento com antibiótico de largo
espectro segundo protocolos locais

Alterar o esquema assim que Tratamento antibiótico


Tratamento
chegarem os resultados da específico e medicação
fisiátrico
cultura e antibiograma coadjuvante

Algoritmo 13.1 Roteiro para diagnóstico de artrite infecciosa e a respectiva conduta terapêutica.

Antimicrobianos nas Doenças Reumáticas: Generalidades 261


Para que o antimicrobiano exerça sua atividade, primeira- antimicrobiana prolongada é considerada apenas supressiva e
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

mente deverá atingir a concentração ideal no local da infecção, não curativa.10


ser capaz de atravessar de forma passiva ou ativa a parede Outro aspecto importante na escolha do antibiótico é a ca-
celular, apresentar afinidade pelo sítio de ligação no interior pacidade dos antimicrobianos de:
da bactéria, e permanecer tempo suficiente para exercer seu
efeito inibitório.6,7,8 1. Atravessar a membrana sinovial, atingir as articulações
A indicação dos antibióticos e a eficácia de sua ação impli- e apresentar altas concentrações no líquido sinovial e na
cam no conhecimento de alguns fatores, a saber: cartilagem adjacente.
A ligação dos antimicrobianos com as proteínas plasmáticas. 2. Fatores inerentes ao paciente como idade, estado imunoló-
gico, insuficiência renal etc.
„„ Sua difusão nos tecidos e líquidos orgânicos. 3. O isolamento do agente etiológico, sua sensibilidade e a
„„ A rapidez com que ultrapassa as membranas celulares. possibilidade de resistência bacteriana.
„„ A intensidade de seu efeito antimicrobiano e sua velo- 4. A sua farmacocinética, farmacodinâmica, mecanismo de
cidade de eliminação. ação, sinergismo ou antagonismo, toxicidade, interação
medicamentosa e custos.
„„ Conhecimento do estado nutricional do paciente para
definir sua escolha.
Perspectivas futuras de utilização dos antimicrobianos
Alguns conceitos de farmacologia podem ser relembrados nas vasculites sistêmicas
na tentativa de escolher de maneira racional o melhor esque-
ma terapêutico.9 As vasculites sistêmicas constituem um desafio, não ape-
Os antimicrobianos podem ser classificados por: nas pelas dificuldades em relação ao seu diagnóstico, mas tam-
bém em determinar se há ou não uma participação de outros
fatores etiológicos que desencadeiam a resposta inflamatória
autoimune do endotélio vascular.
Espectro de ação Já de algum tempo para cá, sabia-se da participação de in-
fecção bacteriana das vias aéreas superiores na eclosão da gra-
„„ Ativos contra bactérias gram-positivas
nulomatose de Wegener; da associação do vírus da hepatite B
„„ Ativos contra bactérias gram-negativas
com a Periarterite Nodosa e até mesmo de que os mixovírus
„„ Ativos contra microbactérias teriam uma conexão etiológica com o lúpus eritematoso sistê-
„„ Ativos contra espiroquetas, clamídias e riquétsias mico (LES). Essa hipótese surgiu nas décadas de 1970 e 1980
„„ Ativos contra gram-positivos e negativos, assim como anaeróbios do século passado, quando houve relatos de melhora de pa-
„„ Ativos contra protozoários cientes com síndrome nefrótica lúpica, quando recebiam soro
„„ Ativos contra vírus de pacientes convalescentes de sarampo.
Atualmente, existem evidências da possibilidade de que
Nessa classificação, a análise bacterioscópica do líquido agentes infecciosos estejam envolvidos na gênese das vasculi-
sinovial, embora positiva em torno de 30%, poderá já nos ofe- tes e, por isso, uma possível utilização de antimicrobianos nas
recer 50% de chances de acertar o antimicrobiano apenas ba- vasculites sistêmicas seria desejável.
seando-se no método gram, desde que o exame seja feito por Diante desse fato ‒ associação de infecção às vasculites ‒,
especialista competente e preocupado com a qualidade. o tratamento com antibióticos e antivirais pode ser da maior
relevância, uma vez que a queda da resistência imunológica
causada pelos imunossupressores nessas afecções pode ter
Mecanismos de ação consequências desastrosas sobre a evolução e o prognóstico
de algumas vasculites.11
Há tempos, também, sabia-se que a eclosão das manifesta-
Classificação de acordo com sua ação antibacteriana ções clínicas da granulomatose de Wegener era precedida de
„„ Inibidores da síntese da parede celular infecção das vias aéreas superiores, principalmente nas sinu-
„„ Agentes que alteram a membrana citoplasmática
sites bacterianas por gram-positivos. A posterior constatação
dos anticorpos ANCA nas referidas infecções rinosinusais crô-
„„ Inibidores da síntese proteica (bactericida ou bacteriostático)
nicas, principalmente aquelas por staphylococcus aureus, de-
„„ Agentes que alteram o metabolismo dos ácidos nucleicos
monstra que a resposta do sistema imune com os anticorpos
„„ Antimetabólitos
ANCA se dá em razão da estimulação crônica do referido sis-
„„ Análogos dos ácidos nucleicos tema pela ativação da via policlonal, ou então que a produção
de anticorpos específicos se desenvolve através de uma reação
Preferencialmente, o antimicrobiano deve ser bactericida, cruzada com os antígenos bacterianos (ou virais em outros ca-
com alguma ação sobre as bactérias de crescimento lento, que sos), por um mimetismo molecular, descrito em seguida.
estão protegidas pelo biofilme, como os estafilococos coagu- Esse mimetismo molecular ocorre não apenas nas vascu-
lase negativos. A rifampicina preenche esses requisitos, mas lites, como também em outras doenças reumáticas, como na
nunca deve ser utilizada isoladamente, pois desenvolve resis- febre reumática e na Espondilite Anquilosante.
tência bacteriana muito rápida. Essas doenças estão claramente associadas às infecções
No caso de prótese infectada, a utilização das fluorqui- bacterianas. Na febre reumática (FR), há tempos se sabe que
nolonas pode ser estendida por um longo período se não for o estreptococo beta-hemolítico do grupo A é essencial na
possível a sua remoção. Nessa situação, geralmente, a terapia eclosão das manifestações clínicas da doença, por causa da

262 Tratado Brasileiro de Reumatologia


semelhante configuração molecular entre o estreptococo e a toxicidade hepática e efeitos colaterais menos significativos

„„ CAPÍTULO 13
fibrocélula do coração. sobre os olhos que o seu antecessor mais próximo, a cloroqui-
Na Espondilite Anquilosante [EA], Cecin e cols. demons- na, embora esta fosse ligeiramente superior como droga modi-
traram num trabalho prospectivo e controlado a existência de ficadora das doenças supracitadas.14
uma relação entre ela [EA] e a Klebsiela pneumoniae, atuando Atualmente, a tríplice associação hidroxicloroquina, meto-
esta como “gatilho” da doença (espondilite). A relação se daria threxate e sulfasalazina continua sendo uma alternativa eficaz
pela semelhança da configuração das moléculas da Klebsiela e com menos efeitos adversos na maioria do casos, além de
pneumoniae com as das moléculas do HLA-B27, havendo uma custos muito menores do que com os novos medicamentos
estereoisomeria química entre ambos. A prova desse fato está biológicos no tratamento da artrite reumatoide.15
na resposta terapêutica à sulfassalazina nas formas periféricas A HCQ no LES, principalmente nas formas cutâneas, articula-
das espodiloartrites reativas.12 res, nas serosites ‒ nestas associdas aos corticosteroides ‒ é de
Esses fatos também indicam que microrganismos podem indicação peremptória, como também tem um potencial de re-
estar envolvidos na deflagração da resposta autoimune, que tardar os danos em pacientes com glomerulonefrite em fases ini-
resulta em vasculites sistêmicas ‒ como a EA e FR ‒ e passíveis ciais, e até mesmo naqueles com a forma membranosa da doença
de serem tratadas com antimicrobianos. [LES], aumentando a sua sobrevida e diminuindo a taxa de infec-
No caso das vasculites de vasos de médio calibre, como a ções, muito prevalentes nessa doença do conectivo [LES].16,14
Poliarterite Nodosa (PAN), esta doença tem sido associada ao Além disso, a HCL pode ser usada com segurança na gravi-
vírus da hepatite B e C, sendo a PAN uma afecção mais preva- dez e diminui a possibilidade de anomalias cardíacas no nas-
lente nos países mais ricos, enquanto a associação com o HIV é cituro, cuja mãe é portadora de anticorpos anti-SSA/SSB.17,18
mais prevalente em países menos desenvolvidos. Cita-se ainda o Por analogia, se a HCQ tem uma ação inibitória sobre o
vírus da associação da hepatite C com a vasculite crioglobulinê- metabolismo dos plasmódios da malária, “mutatis mutandis”
mica. A vasculite seria decorrente, provavelmente, do depósito (com as mudanças necessárias), não é de surpreender que ela
excessivo de imunocomplexos constituídos de antígenos virais possa agir contra bactérias e vírus.
e anticorpos aparentados (cognatos) na parede dos vasos, que
Nos parágrafos anteriores ficou evidente que não se pode
teriam como resultado final a inflamação do endotélio vascular.
descartar a etiologia viral das vasculites. Estudos mostram que
Diante desses fatos, a ilação que se faz é que “gatilhos” in-
quando o tratamento das doenças do tecido conectivo utiliza a
fecciosos bacterianos e virais desempenhariam um papel rele-
HCQ, o risco de infecções associadas a elas é inferior, quando
vante na deflagração, no desenvolvimento e na reativação de
comparado com outras drogas imunossupressoras.
muitas vasculites ainda idiopáticas.13
Outro estudo de análise caso-controle mostrou que a única
Naquelas sabidamente associadas a microrganismos,
variável que estava significativamente associada com menor
como a PAN, a granulomatose de Wegener e a crioglobuline-
risco de infecções foi aquela em que os antimaláricos foram
mia associada à hepatite C, a utilização de antimicrobianos é
usados no tratamento.19
mandatória.
Desses fatos pode deduzir-se que a HCQ é o padrão-ouro no
tratamento de fundo da AR e LES, além de ter um alcance maior
„„ HIDROXICLOROQUINA – NOVAS PERSPECTIVAS de indicações terapêuticas em outras condições médicas, como
o diabetes mellitus, coagulopatias, câncer e doenças infecciosas.14
Os medicamentos derivados da quina foram usados du-
rante muito tempo para tratamento e profilaxia da malária. A No caso das doenças reumáticas associadas a infecções bac-
utilização da quinacrina ‒ um derivado da quina ‒ pelas Forças terianas e virais, o mecanismo pelo qual se dá a sua ação tera-
Armadas americanas nas guerras empreendidas na primeira pêutica é a alcalinização das vesículas intracelulares ácidas pela
metade do século passado mostrou-se eficaz no tratamento de hidroxicloroquina e cloroquina, que teriam um efeito inibitório
pacientes portadores de algumas doenças reumáticas. Isso foi sobre o crescimento intracelular dos vírus e das bactérias.20
observado ao longo de sua utilização na profilaxia da malária. Naquelas doenças reumáticas em que o vírus da Aids tem
Em meados do século passado, em decorrência desse alguma participação, a diminuição da carga viral, especula-se
fato e coincidindo com a ascensão da reumatologia como es- que há rompimento da glicolação pós-translacional da proteí-
pecialidade, até então quase desconhecida, notou-se que um na GP 120, fato que diminui a infectividade das partículas vi-
derivado da quinacrina, a cloroquina, e de seu sucessor, a hi- rais que são produzidas.21,22
droxicloroquina (HCQ) mostrou ser eficaz no tratamento de Na hepatite C, na qual as manifestações osteoarticulares
fundo da artrite reumatoide, e do lúpus eritematoso sistêmico. podem ser a forma de apresentação inicial, tem sido proposto
A diferença entre a cloroquina e a HCQ é que esta tinha menor que a hiroxicloroquina teria um efeito semelhante.23

PONTOS-CHAVE

1. Os portadores crônicos de estafilococo dourado em pacientes com rinosinusites estão relacionados com atividade da gra-
nulomatose de Wegener e nas recorrências da doença.
2. O tratamento com sulfametoxazol + trimetoprima reduziria tais recorrências.
3. As hepatites pelo vírus B (HBV) associadas à PAN têm uma apresentação clínica diferente da PAN não associada ao HVB, e
a primeira exige tratamento com antivirais.
4. A crioglobulinemia tipo 2 requer testagem para vírus da hepatite C.

Antimicrobianos nas Doenças Reumáticas: Generalidades 263


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264 Tratado Brasileiro de Reumatologia


14

Capítulo
Antônio Carlos Ximenes  Fábia Mara Gonçalves Prates de Oliveira

Terapia Biológica
O uso de biológicos como agente terapêutico iniciou-se estima-se que 50% dos trabalhos de pesquisa clínica em de-
na prática médica há séculos notadamente na psiquiatria no senvolvimento em todo o mundo, alguns em fase II e III, sejam
tratamento de depressão através da utilização de extrato de provenientes da terapia com biológicos. Essa opção terapêu-
timo.1 A moderna medicina aliada aos avanços das técnicas de tica ampliou muito nos últimos anos a sua extensão de atua-
biotecnologia e biologia molecular proporcionou a produção ção, principalmente nas doenças como o câncer, autoimunes,
em escala industrial dos agentes biológicos com finalidades infecciosas. A palavra biotecnologia foi usada, inicialmente, em
terapêuticas, como hormônios, citocinas, fatores de transcri- 1919 pelo engenheiro húngaro Karl Ereky.1, 7 A biotecnologia é
ção, etc.1,2 A possibilidade de modificar genes modificadores definida desde 1992 pela Convenção sobre Diversidade Bioló-
de anticorpos monoclonais contra antígenos de superfície ce- gicas das Nações Unidas como “qualquer aplicação tecnológi-
lular obtidos em animais às vezes com características quase ca que use sistemas biológicos, organismos vivos ou derivados
semelhantes aos anticorpos humanos, como os monoclonais destes para fazer ou modificar produtos ou processos para
humanizados, possibilitou a origem dessa nova classe de usos específicos”. Esta definição foi mais tarde ratificada por
medicamentos denominados biológicos. Essa classe de me- 168 países e aceita pela FAO e Organização Mundial de Saúde
dicamentos tem uma ampla indicação em toda a medicina, (OMS). Os biológicos ou biofármacos são elaborados utilizan-
notadamente em endocrinologia, infectologia, oncologia e reu- do matéria-prima procedente de duas origens:
matologia. A introdução dos agentes biológicos na terapia das
1. Componente ativo de origem biológica extraído de micror-
doenças inflamatórias basicamente iniciou no final da década
ganismos, órgãos e tecidos de origem humana ou animal.
de 1990 no tratamento da artrite reumatoide, sendo sem dú-
2. Componente ativo de origem biotecnológica em geral são
vidas um grande avanço terapêutico das doenças articulares
proteínas obtidas a partir de células modificadas genetica-
inflamatórias, tanto agudas quanto crônicas, melhorando mui-
mente para produzi-las.
to os resultados na evolução dessas doenças autoimunes.1, 3, 45
O trabalho de pesquisa tem demonstrado eficácia e também A tecnologia de DNA recombinante resolveu diversos pro-
segurança, porém algumas perguntas ainda estão sem respos- blemas na produção de hormônios, citocinas e enzimas tera-
ta mais conclusiva, como segurança a longo prazo, a escolha pêuticas, como a difícil síntese de proteínas em laboratórios
adequada do alvo terapêutico, predição de resposta, obtenção e os problemas de imunogenicidade e de baixa produtivida-
de cura e melhor caracterização de relação eficácia, seguran- de associados a alguns produtos de origem animal. A maior
ça e custos.3 O desenvolvimento da biotecnologia certamente expansão de avanços na área começou sem dúvidas nos anos
acrescenta novas perspectivas no tratamento de doenças de 1980, através da tecnologia do DNA recombinante ao produzir
alta complexidade etiopatogênica.4, 5 A indústria farmacêutica a insulina humana a partir de bactérias. O conceito clássico de
investe milhões de dólares anualmente na pesquisa de novos genéricos não se aplica aos biológicos.1, 8 Os biofármacos mais
medicamentos. O investimento anual, por exemplo, nos Esta- importantes, atualmente, à disposição na prática médica são:
dos Unidos em pesquisa e desenvolvimento na indústria far-
1. Fatores sanguíneos, como o fator VIII e IX, utilizados como
macêutica atingiu 51,3 bilhões de dólares nos últimos 5 anos,
fator de coagulação para a hemofilia tipo A e B.
dos quais 18,5 bilhões de dólares corresponderam ao desen-
volvimento de biofármacos.6 O desenvolvimento de biológicos 2. Agentes tromboemboíticos, utilizados nos tratamentos
permitiu encontrar opções de tratamento para algumas doen- das síndromes associadas à trombose e embolias.
ças ditas complexas e de grande incidência e prevalência, como 3. Hormônios como a insulina, hormônio de crescimento e as
artrite reumatoide, vasculites, lúpus sistêmico, espondiloartri- gonadotrofinas.
tes e esclerose sistêmica.1, 4, 7 Proteinas e vacinas recombinan- 4. Fatores de crescimento tipo hematopoiéticos como as eri-
tes, terapia gênica, células-tronco e anticorpos monoclonais tropoietinas.
são algumas das possibilidades de terapia biológica. Existem, 5. Interferons a, b e g indicados no tratamento de doenças,
no momento, mais de 350 medicamentos biológicos aprova- principalmente, hepatite C, esclerose múltipla e leucemias.
dos para o tratamento de mais de 150 doenças. Atualmente

265
6) Anticorpo monoclonal produzido por um tipo especifico de Outro componente celular fundamental na resposta imune
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

células imunes a partir de uma célula-mãe única (mono- tanto inata quanto adquirida são as células dentríticas. Funcio-
clonal), geralmente com finalidade específica de bloquear nam como células acessórias na resposta primárias dos anticor-
ou neutralizar citocinas específicas, como na artrite reu- pos. Ajudam na deleção de células autorreativas e expansão de
matoide, lúpus sistêmico, doença de Chron, reto colite ul- células T reguladoras, sendo células fundamentais na patogenia
cerativa.9 das doenças autoimunes.15, 16 A reabsorção óssea é verificada
como um ponto destacado na inflamação crônica das doenças
A complexidade molecular é uma das diferenças entre os autoimunes. Essa reabsorção é regulada por um complexo de-
bilógicos ou biofármacos e os medicamentos químicos con- nominado ligante do receptor ativador do fator nuclear kappa-β,
vencionais. As moléculas de um biofármaco são muito mais levando à diferenciação do osteoclasto e sua maior ação osteo-
pesadas e têm uma estrutura espacial mais complexa e são clástica. A identificação desse novo sistema de receptor ligante
mais diversas que as moléculas pequenas que compõem os demonstrou a participação do sistema ósseo na patogenia infla-
medicamentos tradicionais. Uma molécula de um biofármaco matória imunológica. A interação entre o fator ativador NFkB
também denominado de biológico é uma proteína conformada (RANK) e o seu ligante RANKL é fundamental na formação do
por uma cadeia de centenas de aminoácidos com uma estrutu- osteoclasto e sua consequente atividade.17, 18
ra tridimensional que afetará sua atividade. Os medicamentos Outro conhecimento básico destacado foi a identificação
biológicos são na realidade um pool de moléculas em que a da Osteoprotegerina (OPG), que se ligando ao RANKL, impe-
célula interrompe a sequência de glicosilação, ou seja, adição de essa conexão RANK/RANKL e consequente ativação dos
de uma sequência de açúcares encadeados presos à proteína osteoclastos e a reabsorção óssea. A participação do fator de
em pontos diferentes. Cada célula utilizada para a fabricação transcrição fator nuclear kappa-beta (NF-kB) na inflamação
desses fármacos acarreta um produto diferente em função das observada principalmente na artrite reumatoide estimulou a
interferências na glicosilação. Também afetam a composição o pesquisa de terapia-alvo a esse fator, tanto através de uma ini-
meio de cultura, o modo de operação e o biorreator.11, 12 bição específica quanto inespecífica, através de agentes bioló-
Os mecanismos das doenças autoimunes inflamatórias, gicos, e logo surgindo a necessidade de melhor conhecimento
principalmente as doenças difusas do tecido conectivo e es- de sua atuação na patogenia das doenças autoimunes. A inte-
pondiloartrites, são variados e necessitam de um melhor co- ração e mediação dessas células do sistema imune tanto inato
nhecimento dos mecanismos etiopatogenicos de cada doença quanto adquirido notadamente desse tripé ‒ macrófagos, lin-
e também dos vários componentes celulares e seus receptores fócitos T e linfócitos B ‒ resultante da liberação de mediadores
no complexo do sistema osteoarticular. A prática clínica in- conhecidos como citocinas, que são os verdadeiros mediado-
troduziu no conhecimento a denominação de terapia-alvo de res da inflamação nessas doenças autoimunes reumatológicas,
acordo com o momento a se bloquear, tanto de mediadores reflete o mecanismo básico de atuação da terapia biológica. A
dessas células e seus respectivos receptores, quanto a nível de cascata de ativação das citocinas é, portanto, fundamental e
coestimulação, migração, regulação, transcrição e sinalização essencial nas suas fisiopatologias. Assim sendo no complexo
de moléculas. A célula T é muito importante e fundamental na osteoarticular a degradação e perda óssea são consequentes
efetivação da resposta imune. As funções efetoras iniciam atra- de uma série complexa de interações entre citocinas, recepto-
vés da liberação de citocinas, cooperação e citotoxicidade com res e sinais de sinalização e transdução.18
a ativação das células T CD4 positivas pelos antígenos, os mais Recentes conhecimentos oriundos da medicina translacio-
variados, e nas doenças autoimunes a maioria desses antíge- nal têm permitido novos alvos terapêuticos, como na inibição
nos e possíveis agentes etiológicos são ainda desconhecidos.13 da ativação múltipla de várias citocinas, como o sistema das
As células T reguladoras (Treg) são muito importantes cinases Janus, que inclui a família JAK1, JAK2, JAK3 e Tyk. Os
na prevenção e tolerância do sistema imune no controle das receptores para as várias citocinas, como IL2, IL4, IL7, IL15 e
doenças inflamatórias autoimunes. As células T expressam um IL21, possuem mecanismo comum de sinalização de JAK1 e -3
gene regulador denominado de FOXp3, que tem capacidade STAT. A inibição de JAK2 interfere na ativação de IL6. Um gran-
imunossupressora através de sinais negativos na interação do de desafio na prática clínica é a resposta exagerada do pro-
receptor de célula T, expressa como CD25 na membrana celu- cesso inflamatório, podendo acarretar sérias consequências e
lar. O linfócito B também é de vital importância no controle da efeitos indesejáveis ao paciente.19, 20
resposta imune. O seu receptor é uma estrutura multiproteica O organismo humano apresenta alguns mecanismos regu-
composta de imunoglobulinas associada à membrana que fun- latórios que tentam limitar essa intensa resposta inflamatória.
ciona como unidade que se liga ao antígeno.10, 14, 15 Esse mecanismo é conhecido como SOCS (Supressor of Cytokine
A fase de sinalização com posterior ativação de cinases e Signalling). Atualmente são conhecidas oito proteínas SOCS,
fosforilação com seu equilíbrio vai determinar o índice de si- todas caracterizadas pelo radical SH2. Existem alguns estudos
nalização da ativação de célula B. demonstrando que a SOCS age inibindo a fosforilação de STAT
Outra célula também importante no entendimento da res- após a interação com as proteínas da família JANUS kinases.21
posta imune e na patogenia das doenças autoimune é o macró- Estudos atuais de pesquisa clínica na área de ciência bá-
fago. Os macrófagos podem ser ativados por imuno-complexos sica têm evidenciado outros possíveis alvos terapêuticos
e também pela interleucina 17, que é liberada pelo LT. São co- como o conjunto de proteínas que exercem ação no turnover
nhecidos dois tipos celulares de macrófagos: fibroblasto símile de células-tronco e sua diferenciação, e que receberam a de-
e macrófago símile, que se relacionam na patogenia das doen- nominação de proteínas de sinalização Wingless (Wnt). Es-
ças, principalmente na artrite reumatoide a nível de membra- tudos recentes evidenciam sua participação na patogenia da
na sinovial. O controle de ativação de macrófagos envolve a espondilite anquilosante, artrite reumatoide e osteoartrite. A
depleção e bloqueio de Fc, seja por anticorpos específicos ou inibição desse sistema ‒ Wnt 5, Wnt7A e Beta Catenina ‒ tem
pela inibição de produtos liberados pelo próprio macrófago. evidenciado perspectivas de avanços na terapia de algumas

266 Tratado Brasileiro de Reumatologia


doenças autoimunes inflamatórias reumatológicas, como ar- tuídas pela interação de um ligante nas células apresentadoras

„„ CAPÍTULO 14
trite reumatoide, espondiloartrites e lúpus sistêmico, com fi- de antígeno com um receptor nas células T. Vários pares atuam
nalidades de se bloquear a ação de SOCS nessas doenças.22 como moléculas acessórias sendo o melhor caracterizado e es-
Finalmente, devemos também estar atentos na terapia bioló- tudado e importante na mediação fisiopatológicas das doen-
gica para a interação de citocinas e células efetoras como recen- ças autoimunes o par B7/CD28, constituídos por dois ligantes
temente descritos com as interleucinas 13, 15, 17, 21 e 32 como nas células apresentadoras de antígenos (APC), o B7-1 ou CD
possíveis alvos terapêuticos nessas doenças. Essas interleucinas 80 e o B7-2 ou CD86, e dois receptores nas células T, o CD28 e
em seus efeitos mediadores no processo inflamatório exercem o CTLA-4. Outro par de moléculas coestimuladoras e com in-
um grande efeito pleiotrópico, com uma série de atividades bio- teresse na terapêutica biológica é constituído pelo CD40, ex-
lógicas, principalmente na interação célula T-célula dendrítica.21 presso nas APC e o GP39, expresso nas células T. As moléculas
Na terapia biológica os estudos também têm demonstrado coestimuladoras ou acessórias contribuíram para o melhor
outra possibilidade de intervenção através da interação entre conhecimento da patogenia das doenças reumatológicas in-
as citocinas inflamatórias, principalmente a IL1 e os recepto- flamatórias autoimunes, notadamente na artrite reumatoide.
res toll verificados na Drosophila melanogaster. Foram evi- Atualmente a terapia-alvo desse sistema é uma realidade com
denciados receptores semelhantes em seres humanos agora a inibição da interação B7-2(CD86-) /CTLA-4 com a proteína
denominados toll-like receptor TLR.22 A infecção em humanos de fusão CTLA-4. O produto foi sintetizado com o nome de
por bactérias, fungos ou parasitas ocasiona a ativação desses Abatacepte. Atualmente indicado e aprovado para tratamento
receptores (TLR) tanto nos macrófagos e células dendríticas da artrite reumatoide.23
(imunidade inata), podendo ativar genes do fator de trans- Os trabalhos de protocolos clínicos com perspectiva tera-
crição nuclear KB e de proteínas cinases com produção de pêutica de bloqueio do complexo trimolecular, bem como de
citocinas e moléculas de estimulação muito importantes na seus receptores, e a própria célula T, como CD4 com anticorpos
ativação e regulação, tanto da imunidade inata como adapta- monoclonais, não foram satisfatórios em seres humanos e até
tiva e também na fisiopatologia das doenças inflamatórias do desapontadores por falta de eficácia e reações de imunogeni-
tecido conectivo como artrite reumatoide, lúpus sistêmico e cidade, como a síndrome de liberação de citocinas, bem como
agora também evidenciados nas espondiloartrites. Um avanço a persistência de células T na cavidade articular e profunda
na inibição desses receptores está em estudos, e atualmente depleção no sangue periférico.
se conhece treze receptores de TLR na resposta imune, dividi-
dos em dois grupos como receptores que reconhecem lipídios
associados a bactérias e receptores que reconhecem lipídios
Terapêutica biológica como alvo as moléculas de
também associados a bactérias. O polimorfismo de doenças e adesão
TLR já tem avanços, como a interação de TLR2 na hanseníase e As moléculas de adesão desempenham um papel importante
artrite reumatoide, TLR4 e artrite reumatoide, diabetes tipo 2, na patogenia das doenças inflamatórias autoimunes reumáticas,
colite ulcerativa asma, aterosclerose, doença de Chron, e TLR5 como LES e AR. São importantes na migração das células mono-
no lúpus eritematoso sistêmico.22 nucleares para o processo inflamatório, como na artrite reumatoi-
Esses conhecimentos são fundamentais na estratificação de na migração dessas células para a cavidade articular, onde se
da terapia biológica, visto que, como se sabe, a etiologia da fixam aos sinoviócitos contribuindo para a ativação das células T.
grande maioria das doenças reumáticas, principalmente as As moléculas de adesão são divididas em 5 classes:
autoimunes inflamatórias, ainda são desconhecidas, porém,
com grandes avanços no conhecimento de suas fisiopatolo- a) Selectinas (E, P, L);
gias tendo assim cada vez mais interesse no bloqueio desse b) Ligantes das selectinas;
mecanismo hoje conhecido como terapia-alvo através da tera- c) Integrinas (b2 a4);
pia biológica. Os principais alvos da terapia biológica são sem
d) Ligantes das integrinas (ICAM-1, ICAM-2, ICAM-3 e
dúvidas oriundos da chamada medicina translacional, agora
VCAM-1);
visando principalmente o complexo trimolecular, moléculas
acessórias, células T e B, moléculas de adesão, citocinas, tole- e) Famílias das superimunoglobulinas.
rância oral, angiogênese e mecanismos de apoptose. Atualmente, estão em investigação clínica fases II e III
Uma grande quantidade de dados está atualmente sen- terapia de injeção das selectinas, integrinas e ligantes das
do observada em protocolos clínicos e vários estudos com integrinas através de anticorpos monoclonais anti-ICAM-1
questões referentes aos agentes biológicos em seu impacto quiméricos e humanizados e receptores solúveis de ICAM-1,
imunológico em áreas como complicações infecciosas, imuno- ICAM-2, ICAM-3 e VCAM-1. Esses trabalhos estão sendo desen-
competência do hospedeiro e resposta a vacinas. volvidos em tratamento de artrite reumatoide.24

„„ TERAPIA BIOLÓGICA NO ALVO TERAPÊUTICO Terapêutica biológica como alvo as células T


DO COMPLEXO TRIMOLECULAR E MOLÉCULAS
A terapêutica anticélula T, principalmente anti-CD4, teve no
ACESSÓRIAS
início do século um grande impacto de desenvolvimento em razão
Esta estratégia visa dois pontos importantes na ativação dos conhecimentos da importante participação das células T na
da célula T. O primeiro é o complexo trimolecular/célula apre- patogênese das doenças inflamatórias autoimunes, notadamente
sentadora de antígeno, complexo maior de histocompatibili- artrite reumatoide e lúpus sistêmico. Os resultados desse estudo,
dade e receptores de célula T. O segundo sinal também muito entretanto, foram desapontadores e sem evidencias, em função da
importante e indispensável à ativação de célula T, sendo me- falta de eficácia, imunogenicidade aumentada, aumento da inci-
diado pelas moléculas coestimulação ou acessórias e consti- dência de infecções e síndrome da liberação de citocinas.24

Terapia Biológica 267


Terapêutica biológica como alvo os antagonistas ligante Fas-L, algumas citocinas, como TNF a e seus receptores
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

das citocinas e moléculas, como CD40, CD30 e C27. A inibição da apoptose


quer através de seus mediadores liberados ou inibindo tanto
O bloqueio e a neutralização das citocinas inflamatórias Fas como seu ligante será uma futura opção terapêutica bioló-
atualmente é a perspectiva terapêutica biológica mais evi- gica nas doenças autoimunes, como artrite reumatoide, vas-
dente para o bloqueio do processo inflamatório das doenças culites, lúpus sistêmico, espondiloartrites, esclerose sistêmica,
autoimunes reumáticas, como artrite reumatoide, espondi- etc.28 Outro futuro na terapia biológica será a possibilidade de
loartrites e lúpus eritematoso sistêmico. Atualmente já existe combinar agentes terapêuticos biológicos. Essa possibilidade,
a possibilidade na prática clínica e aprovado seu uso terapêu- ainda teórica, tem sido submetida a estudos experimentais em
tico anti-TNF, anti-IL-1, anti-IL6. A terapêutica anti-TNF a pode modelos humanos. Nos modelos animais, as terapêuticas bio-
ser obtida através de anticorpos monoclonais anti-TNF a, an- lógicas combinadas, como anticorpos monoclonais CD4 e anti-
tagonistas de seus receptores celulares, com os receptores so- corpos monoclonais anti-TNF a, têm revelado sinergismo. Em
lúveis tipos I ou p55 e tipo II ou p75 com o fragmento Fc da IgG estudos com humanos feitos por Genovese em 2005, associan-
humana. Essa modalidade terapêutica biológica continua em do abatacepte com ação anticoestimulação de linfócitos T com
grandes avanços e conhecimentos na sua eficácia, e o tempo outros biológicos anti-TNF a não demonstrou maior eficácia,
e experiência demonstrando os seus resultados na segurança mas sim um aumento de quatro vezes do risco de infecções
com os estudos dos registros e individuais de cada médico e graves.
pesquisador.24, 25
Opções terapêuticas biológicas atuais aprovadas
Futuros alvos terapêuticos
O uso de terapia biológica nas doenças reumáticas, a prin-
Os conhecimentos avançam, as pesquisas continuam e no- cípio na artrite reumatoide, iniciou em 1998 com os primeiros
vas perspectivas surgem, e deverão surgir como a tolerância estudos clínicos aprovados, como o etanercepte e infliximabe,
oral, terapia anti-idiotipos, inibidores da deposição de anti- ambos inibidores da citocinas TNF alfa. Atualmente existem na
-DNA, inibidores do complemento, bloqueio e inibição da an- prática e aprovada para usos terapêuticos cinco agentes anti-
giogenese, agentes angiostáticos e reguladores da apoptose.26 -TNF a, um inibidor da ativação do linfócito B, um inibidor da
A tolerância oral é a capacidade de reduzir a reatividade imu- coetimulção de célula T e um bloqueador de receptor de IL-6
nológica a um antígeno introduzido no organismo em doses para o tratamento da artrite reumatoide. Os anti-TNF a são o
baixas através do intestino.27 A tolerância oral pode também infliximabe, o adalimumabe, etanercepte, golimumabe e o cer-
ser realizada via inalatória ou por outros antígenos não en- tolizumabe. O antilinfócito B é o rituximabe, anticoestimulação
volvidos na patogênese da artrite reumatoide, por exemplo, e linfócito T é o Abatacepte, e o bloqueador de receptor de IL-6 é
sendo conhecida por bystander suppression. O mecanismo de o Tocilizumabe. Estudos clínicos demonstraram que a terapia
ação da tolerância oral não é bem conhecido. Admite-se que biológica isolada ou em combinação com o metotrexate no tra-
os antígenos administrados por via oral induzam nas células tamento da artrite reumatoide é superior à monoterapia com
linfoides do intestino a produção de citocinas supressoras, metotrexate em relação à melhoria clínica e radiológica dos
como IL-4, IL-10, e TGF β, que posteriormente migram para pacientes. Observa-se uma melhora clínica e radiológica a lon-
a cavidade articular. A terapia biológica tem avançado nos úl- go prazo, inclusive com inibição da progressão radiográfica e
timos anos com melhores conhecimentos da patogênese das com bom perfil de segurança. Estudos de Hochberg e Hetland
doenças inflamatórias autoimunes, principalmente as doenças demonstraram similaridades de ação no tratamento da artrite
difusas do tecido conectivo. O endotélio vascular, assim sedo, reumatoide assim sendo sugerido um efeito relacionado a essa
desempenha um papel importante no processo inflamatório classe de medicamentos.
imune, como a apresentação de antígeno, a produção de cito-
cinas, a adesão celular, a angiogênese, o recrutamento de poli- Segurança da terapia biológica
morfo nucleares, bem como nos mecanismos da coagulação.5,28
A angiogênese é um processo dinâmico de neovascularização Referente à segurança, a terapia biológica em estudos de-
que nas doenças inflamatórias autoimunes e neoplásicas monstra maior prevalência de infecção, principalmente tuber-
torna-se patológica. Esse conhecimento desencadeou novas culose. Recente estudo de meta-análise desenvolvido por Sing
pesquisas de terapia em doenças com patogênese semelhante. et al. comparou os efeitos adversos de todos os biofármacos
A angiogênese tem alguns mediadores conhecidos na inflama- disponíveis e aprovados atualmente para tratamento de qual-
ção, como as citocinas, dentre elas a IL-2, IL-8, IL-12, TNF a, quer doença, exceto as de imunodeficiências. Essa meta-análi-
TGF a e b, angiopoietina 1, fatores de crescimento derivados se incluiu 163 estudos clínicos randomizados em um total de
de plaquetas. A angiogênese é um importante alvo no trata- 50.010 participantes, e 46 estudos de extensão em um total de
mento da artrite reumatoide. A formação de neo vasos promo- 11.954 participantes referentes aos nove produtos biológicos
ve penetração de nutrientes e células no pannus favorecendo atualmente comercializados. As bases de busca foram “the Co-
a destruição óssea e cartilaginosa. Outro possível avanço na chrane Library”, MEDLINE e EMBASE.
terapia biológica será o controle da apoptose, considerado um As diversas classes de biológicos associaram a uma taxa
processo fisiológico de lise celular, conhecido como morte ce- estatisticamente significativa de eventos adversos totais e
lular programada. Esse processo está envolvido na remoção de retiradas por causa desses eventos adversos e um aumento
células imunes e inflamatórias e a sua deficiência poderá fa- de reativação de tuberculose quando comparados aos con-
vorecer o mecanismo de patogenia das doenças inflamatórias troles.29 Os eventos adversos considerados graves, como lin-
autoimunes, possivelmente através do acúmulo de células T e fomas, infecções graves, insuficiência cardíaca congestiva e
produção de anticorpos. A apoptose é mediada por várias mo- neoplasias malignas, não foram diferentes de maneira signi-
léculas que a estimulam ou a inibem, como o antígeno Fas e seu ficativas entre os diversos biológicos e tratamento de grupo

268 Tratado Brasileiro de Reumatologia


controle.30 Há descritas na literatura infecções oportunistas Alguns biofármacos têm uma maior associação com certos

„„ CAPÍTULO 14
como eventos adversos aos TNF, dentre elas por Pneumocystis eventos adversos em relação aos controles, mas não houve
carine, legionela, cocidioidomicose, histoplasmose e aspergi- consistência entre os resultados, assim sendo exigido cautela
lose. Estudo realizado na Inglaterra em 7664, em pacientes ao interpretar os resultados. Há necessidade de mais estudos
com artrite reumatoide comparados com 1354 sob uso de de controle e segurança, bem como estudos de registros des-
DMARDs, observou-se uma maior incidência de infecções gra- ses biofármacos. Os registros nacionais e internacionais, bem
ves no grupo sob uso de anti-TNF, entretanto, as diferenças não como outros tipos de dados de bancos desses registros, são
atingiram significância estatística.31 Um aspecto a ser conside- fontes importantes para obtenção de informações em relação
rado como a maior predisposição a esses eventos adversos à segurança, tanto a curto quanto a longo prazo. A conclusão
como infecções refere-se à presença de comorbidades, bem atual de segurança com a terapia biológica é de que os eventos
como o uso de corticoide e outros fatores constitucionais.31 O adversos ocorrem não muito frequentemente, com controle
certolizumabe pergolado foi associado com risco significativo em seu cuidado, geralmente não fatais, e a relação risco bene-
de maior associação com infecções graves em comparação ao fício extremamente boa.35
tratamento controle.32 O infliximabe esteve associado com ris-
co maior de suspensão de uso secundário a eventos adversos
„„ FARMACOLOGIA E FARMACOCINÉTICA
em comparação com a maioria dos outros biológicos. O certo-
lizumabe, apesar de uma pequena estatística, esteve associado Etanercepte
com maiores chances de infecções graves quando comparado
com os demais biológicos em uso na prática médica diária. Os Biológico de forma recombinante do TNF humano que se
estudos clínicos, notadamente com terapia anti-TNF, apesar liga ao fragmento humano (Fc) da imuoglobulina G19 IgG1. O
de não evidenciarem uma prevalência maior de significado seu mecanismo de ação é de se ligar ao TNF endógeno antes de
estatístico no aparecimento de tuberculose, demonstraram sua ligação ao receptor na superfície celular (TNFR). O recep-
nos estudos de vigilância pós-marketing um aumento de sua tor, além de estar presente na superfície de diferente células,
prevalência, geralmente de reativação e em sua forma extra- como neutrófilos, células endoteliais e fibroblastos, está tam-
pulmonar.33 Os trabalhos evidenciaram uma maior incidência bém presente em sua forma solúvel no plasma e líquido sino-
e prevalência de infliximabe quando comparados aos demais vial. O TNF para exercer sua atividade biológica necessita estar
agentes biológicos. A explicação seria em função das diferen- ligado a dois ou três receptores da superfície celular (TNFRs),
ças entre farmacocinética e farmacodinâmica, avidez e talvez assim iniciando a transmissão do sinal celular. A alta afinidade
aspectos imunogenéticos populacionais. As reações infusio- do etanercepte pelos TNF a e b inibe diretamente sua ação. A
nais tanto por via endovenosa quanto subcutânea têm sido sua meia-vida é de quatro dias, assim deve ser administrado
descritas. Essas reações infusionais podem ser tanto locais subcutâneo uma ou duas vezes por semana.36
quanto sistêmicas. Esse evento adverso depende de vários
fatores, como a composição do produto: proteína humana Adalimumabe
estranha ou murina, via endovenosa ou subcutânea, adminis-
tração contínua ou intermitente, uso concomitante de medica- Anticorpo monoclonal IgG totalmente humanizado que se
mentos imunossupressores, como corticoide e methotrexate.34 liga especificamente ao TNF a solúvel e ligado à membrana
A imunogenicidade é outro aspecto considerado na terapia inibindo as ações biológicas da citocina. A dose indicada para
biológica. O seu mecanismo é desconhecido. Admite-se por adultos em artrite reumatoide é de 40 mg subcutâneo a cada
exemplo que os agentes anti-TNF possam modificar a autor- 15 dias. De acordo com estudos clínicos controlados apresenta
reatividade periférica das células T, assim podendo provocar rápido início de ação acarretando redução dos sinais e sinto-
a liberação de citocinas pró-inflamatórias na circulação, oca- mas, bem como da agressão articular com consequente melho-
sionando positividade de autoanticorpos séricos, como FAN, ra da função física e qualidade de vida.37
doenças desmielinizantes, doenças autoimunes, lúpus símile,
polineuropatias. O desenvolvimento de doenças malignas é Infliximabe
um aspecto a ser considerado na terapia biológica, por causa
da natureza imunossupressora desses fármacos.33, 34 Referente Anticorpo monoclonal IgG quimérico composto de 75% de
a tumores sólidos dados com etanercepte, infliximabe e adali- proteína humana e 25% de proteína animal de camundongo,
mumabe, evidenciaram que os números de neoplasias malig- onde está localizado o sítio de ligação do TNF alfa. Apresen-
nas tipo tumores sólidos observados nos protocolos clínicos ta alta afinidade e especificidade ao TNF a solúvel e ligado à
foram idênticos tanto em idade, sexo e raça quanto aos grupos membrana assim inibindo a ação da citocina. É comercializado
controles obtidos do banco de dados do Instituto Nacional de na forma de pó branco em frasco contendo 100 mg do sal para
Câncer do Estados Unidos, através dos resultados finais de infusões endovenosas em soro fisiológico. A dose preconizada
epidemiologia e vigilância. O risco de linfomas, entretanto, é no tratamento da artrite reumatoide é de 3 a 4 mg Kg de peso
mais complexo em consequência de sua incidência aumenta- e sendo administrado nas semanas zero, dois, seis e depois de
da em pacientes com diagnóstico de artrite reumatoide. Os 8/8 semanas.38, 46
dados atuais evidenciam uma taxa maior de linfomas em pa-
cientes sob uso de antagonistas de TNF. A dúvida que ainda Golimumabe
permanece é se os pacientes com artrite reumatoide sob uso e
anti-TNF têm maior predisposição a desenvolver linfomas do Anticorpo monoclonal humano anti-TNF alfa. Apresenta
que somente estão em terapia com DMARDs não biológicos. eficácia e segurança semelhantes aos demais biológicos anti-
Os autores concluíram que no geral, a curto prazo, todos os -TNF alfa. Administrado a cada 30 dias na dose de 50 mg sub-
biológicos disponíveis estavam associados a eventos adversos. cutâneo.39, 40

Terapia Biológica 269


Certolizumabe pergolado Abatacepte
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

É um fragmento Fab de um anticorpo anti-TNF humaniza- Proteína de fusão recombinante consistindo de um domí-
do com elevada afinidade ao TNF conjugado e possuindo tam- nio extracelular de CTLA4 e um fragmento da porção FHC da
bém duas moléculas de polietilenoglicol. IgG humana. Apresentado em forma de pó liofilizado em fras-
Apresenta em sua comercialização em frascos de 200 mg para cos contendo 250 mg do sal para uso endovenoso na dose de
uso subcutâneo com dose de ataque de 400 mg nas semanas zero, 10 mg por peso a cada 28 dias em infusão de 30 minutos. Inibe
dois e quatro, com sequência de dose de manutenção de 200 mg o segundo sinal de ativação do linfócito T ou coestimulação
a cada duas semanas ou 400 mg a cada quatro semanas.41 ao se ligar especificamente aos receptores CD80 e CD 86 das
células apresentadoras de antígenos, assim impedindo a sua
ligação aos linfócitos T.43
Rituximabe
Anticorpo monoclonal dirigido contra o antígeno CD20 Tocilizumabe
da superfície dos linfócitos B. Administrado em infusão intra-
venosa acarreta uma depleção seletiva de subpopulações de Anticorpo monoclonal que se liga ao receptor de IL6, ini-
linfócitos B. A resposta clínica tem demonstrado ser prolonga- bindo o seu feito biológico. O Tocilizumabe demonstrou nos
da com melhora dos sinais e sintomas entre 24 e 48 semanas estudos de pesquisa ser superior em eficácia aos demais bioló-
após sua administração. Aprovado para tratamento da artrite gicos quando usados em monoterapia sem associação ao me-
reumatoide moderada a grave e refratária ao uso de biológicos totrexate. A dose recomendada é de 8 mg por kg peso em uso
anti-TNF alfa. Preconizada a dose para adultos de 1 g diluída endovenoso a cada 28 dias.44, 45
em soro fisiológico em duas dose em intervalos de 15 dias.42

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270 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 14
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Terapia Biológica 271


15

Capítulo
Valderílio Feijó Azevedo

Biossimilares
„„ INTRODUÇÃO 2. Produção da proteína de interesse em biorreatores até a
produção em escala industrial.
As ciências médicas têm apresentado evolução espetacu-
3. Purificação. Importante etapa composta de várias sube-
lar, particularmente nas últimas décadas. Nos dias atuais se
tapas, na qual partículas virais e ou compostos contami-
obtém alívio para o sofrimento originado pelo expressivo nú-
nantes potencialmente imunogênicos são separados da
mero de enfermidades que acometem os seres humanos, ou
proteína de interesse.
se alcança, até mesmo, a cura de algumas delas. Entretanto,
4. Fase de formulação e envase. Tecnologia para a produção de
é inquestionável que esse conjunto de conhecimentos tem
aparatos e envase de biofármacos para entrega e uso pelos
influenciado bem mais o diagnóstico e a terapêutica do que
pacientes. A proteína (biofármaco) obtida geralmente é instá-
a prevenção das doenças ou a promoção da saúde. A ciência
vel, desnaturando-se com variações de vibração, temperatura
farmacológica tem se beneficiado desses portentosos avanços,
e pressão, dentre possíveis alterações físicas. A elaboração de
principalmente os que decorrem da biologia molecular, pro-
aparatos seguros e de fácil uso também se configura em im-
teômica e imunogenética, bem como da informática aplicada à
portante etapa até a utilização final pelos usuários.
área da saúde. Apoiando essa expressiva evolução da farmaco-
logia encontra-se a indústria farmacêutica, que responde pelo É notório que o surgimento dessas moléculas na década
desenvolvimento e produção de novas drogas, além de contri- de 1980 revolucionou a forma com a qual os médicos tratam
buir, de forma predominante em todo o mundo, no custo da seus pacientes, principalmente aqueles que são portadores de
pesquisa clínica. doenças para as quais não havia tratamento eficaz ou mesmo
A geração de biofármacos exige grande aporte de recursos terapias disponíveis.
por ser produzida a partir de processos biotecnológicos caros Como um desdobramento natural das características des-
e demorados, com custos crescentes, estimados entre U$ 500 sas duas classes de moléculas, as drogas sintéticas podem
milhões e U$ 1.24 bilhões a 1.33 bilhões de dólares em estudos ser caracterizadas completamente por sua estrutura atômica
que duram, aproximadamente, de cinco a sete anos.1 mais do que pelos processos utilizados em sua obtenção, e
O advento da tecnologia do DNA recombinante permitiu a estas características permitem aos fabricantes a produção de
produção de biológicos ou biofármacos, uma nova linhagem cópias bioequivalentes de moléculas sintéticas originais em
de medicamentos produzidos a partir de microrganismos.1 Ao termos de mecanismos de ação, eficácia, segurança, rota de
contrário das moléculas sintéticas, de estrutura mais simples, administração e qualidade, denominadas genéricos.3,5 Depois
baixo peso molecular e obtidas por métodos exclusivamente de observadas as bioequivalências, a comercialização dessas
químicos, os biofármacos são compostos bastante heterogê- substâncias é autorizada via de regra com a utilização dos mes-
neos, mais instáveis, com estrutura tridimensional e alto peso mos ensaios clínicos realizados nas moléculas sintéticas origi-
molecular (100 a 1000 vezes maiores do que as moléculas sin- nais. Entretanto, diferentemente das drogas químicas, para as
téticas), obtidos por complexa metodologia que inclui desde a quais é possível a obtenção dos genéricos, não há possibilida-
produção inicial em células de organismos vivos geneticamen- de real de cópia idêntica de um biofármaco inovador. Os que
te modificados (bactérias, fungos ou células de mamíferos) até se denominam biossimilares são, na verdade, essencialmente,
o processamento por métodos de fermentação e purificação, uma tentativa de cópia igual porque duas linhas celulares in-
dentre outros.1-4 (Figura 15.1) dependentes usadas na produção não podem ser considera-
das idênticas.6,7 Pequenas distinções entre linhas celulares em
1. Desenvolvimento da linhagem celular de interesse por bio- qualquer estágio do processo de manufatura das biomolécu-
tecnologia ‒ DNA recombinante no qual se insere a porção las e mesmo na forma de administração aos pacientes podem
de DNA responsável pela produção da proteína de interes- provocar uma grande diferença em termos de efeitos adversos
se no plasmídeo bacteriano (porção autônoma de DNA). (dois biossimilares podem desencadear diferentes respostas
A célula máster é replicada e um banco celular é formado imunogênicas nos seres humanos). Além disso, como conse-
para futuras produções. quência dessas diferenças, a substituição entre biológicos

273
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

1. Desenvolvimento da linhagem celular de interesse por


biotecnologia – DNA recombinante

4. Formulação e
envase

3. Purificação

Down stream – Fase


Up stream – Produção a montante de processamento do
– fase de produção e extração de um material coletado e
medicamento biológico finalização do produto

2. Cultivo celular

Figura 15.1 Representação simplificada do processo de produção de um medicamento biológico – exemplo de uma proteína obtida por
técnica de recombinação de DNA em uma bactéria.

(particularmente entre moléculas inovadoras e biossimila- idênticas às moléculas originais, e para as quais os requisitos
res) pode ter consequências clínicas e até gerar problemas de de análise são baseados apenas em sua composição química.
saúde pública.7 Isto não significa que os biossimilares sejam A própria nomenclatura internacional (International
inseguros, pois de maneira geral, estão sujeitos a um proces- Nonpropietary Name-INN) atualmente utilizada para as molé-
so de aprovação que requer dados adicionais substanciais em culas sintéticas, que é baseada em diferenças moleculares bem
relação àqueles exigidos para os genéricos pelas autoridades definidas e facilmente caracterizáveis, não parece apropriada
regulatórias. São exemplos de biofármacos: anticorpos mono- para uso destinado à nomenclatura de moléculas obtidas por
clonais e proteínas de fusão usados no tratamento de doenças métodos biotecnológicos, pois os diferentes métodos de aná-
oncológicas e reumatológicas (autoimunes).1 Diferenças es- lise estrutural disponíveis carecem de sensibilidade quando
truturais entre biofármacos e drogas sintéticas químicas, rela- aplicados para a caracterização de biomoléculas. Seria tempo
tivas ao peso molecular, instabilidade e heterogeneidade, têm inclusive para repensar nova nomenclatura específica e inde-
sido intensamente debatidas entre a classe médica.2,3,5,6 pendente para as biomoléculas.8,9
Por causa das recentes expirações de patentes de alguns A substituição inadvertida de uma molécula inovadora por
biofármacos inovadores é esperado que hajam estudos para uma biossimilar é outro problema, considerando essa ambi-
produção de versões alternativas denominadas biossimilares. guidade nos nomes dos biofármacos, principalmente porque
Os fabricantes de biossimilares não terão acesso aos processos há necessidade de um sistema de farmacovigilância confiável
de fabricação dos biológicos inovadores porque tais conheci- e distinta entre esses compostos.
mentos são propriedades exclusivas das empresas inovadoras, Uma valiosa lição relativa a como pequenas alterações no
sendo portanto impossível a replicação precisa de qualquer processo de manufatura entre biológicos pode levar a graves
proteína, ao contrário do que ocorre com a produção de me- problemas de saúde foi proporcionada pelas epoietinas. En-
dicamentos genéricos cujas pequenas moléculas químicas são tre 1998 e 2001, houve um leve aumento no número de ca-

274 Tratado Brasileiro de Reumatologia


sos de Aplasia Pura de Células Vermelhas (APCV), seguindo por exemplo, em quantidades errôneas de ácido-base e con-

„„ CAPÍTULO 15
o tratamento subcutâneo com epoietinas, uma complicação sequente aparecimento de variantes de glicosilação, causando
muito rara até aquele tempo. As epoietinas têm sido usadas mudanças conformacionais nas proteínas em questão, depre-
para tratar anemia associada à insuficiência renal, HIV, câncer ciando sua funcionalidade final. O início se dá pela clonagem do
e condições pré-cirúrgicas. Os casos descritos pareciam estar DNA através de um vetor (plasmídeo, dentre outros) e transfe-
ligados ao uso do EPREX® (epoetina alfa; Johnson & Johnson). rência desse DNA clonado para uma célula que posteriormente
O aumento dessa incidência coincidiu com a troca do polisor- expressará a proteína desejada. Depois dessa etapa básica ocor-
bato 80 da albumina sérica humana na formulação do produ- rerá a produção, purificação e validação da proteína. Os anticor-
to.2 Além desses casos, pequenos traços de contaminantes ou pos monoclonais e as proteínas de fusão são reconhecidos como
impurezas já foram implicados em maior desenvolvimento de biológicos de terceira geração, sendo a primeira geração repre-
anticorpos induzidos por biossimilares de insulinas e hormô- sentada pelos biológicos que eram cópias idênticas das proteí-
nios do crescimento. nas produzidas pelo organismo humano, ou seja, proteínas de
O processo de formulação de um biossimilar é crítico para reposição (ex: insulina recombinante e fatores sanguíneos), e a
a estabilidade da molécula proteica e manutenção de sua inte- segunda, por biológicos desenvolvidos como proteínas modifi-
gridade estrutural (evitando-se, por exemplo, a formação de cadas ou análogos (ex: zeta e a eritropoietinas).
agregados) e também para a atividade biológica que vai desde O fato de que mesmo alguns poucos profissionais tenham
a forma de entrega até o uso final por parte do paciente. Tan- citado como vantagem adicional os biossimilares possuírem
to as companhias fabricantes de biossimilares quanto as que via de administração e/ou dosagem diferentes demonstra cla-
originam moléculas inovadoras deveriam reconhecer clara e ramente total desconhecimento sobre o tema. A maioria das
publicamente as diferenças e os possíveis efeitos nocivos ad- medicações sintéticas são ingeridas oralmente enquanto quase
vindos delas, além da necessidade de nomenclaturas ou siste- todos os biológicos são injetados via subcutânea ou endoveno-
mas de prescrição diferentes, unindo esforços para assegurar sa, ou até mesmo inalados, porque como proteínas complexas,
que em todos as etapas (prescrição, dispensação e administra- eles são muito sensíveis à degradação enzimática no trato gas-
ção), a distinção seja feita entre as substâncias.2,4 trintestinal.12 O conceito de biossimilaridade inclui a utilização
Em um estudo realizado com uma amostra de 200 reu- dos biossimilares com dosagens nas mesmas quantidades usa-
matologistas brasileiros, um terço dos profissionais afirmou das pelo produto inovador em seus testes de eficácia, bem como
que desconhecia o que são biossimilares. Embora já existam a administração pela mesma via de introdução no organismo.
biossimilares no mercado brasileiro, principalmente insulinas Por exemplo, um biossimilar do etanercepte deve ser adminis-
e eritropoietinas, o assunto é relativamente novo não só para trado na dosagem de 50 mg via subcutânea, semanalmente.
médicos reumatologistas, mas também para dermatologistas,
O termo “intenção de cópia” tem sido cunhado para molé-
gastroenterologistas, neurologistas e oncologistas.
culas cópias de biológicos inovadores que não passaram por
A perda de patentes de biológicos usados para tratamento todo o processo de biocomparabilidade para a sua aprovação.
de doenças reumáticas no mundo inteiro e particularmente no Esse exercício de comparação biológica inclui comparações
Brasil já foi iniciada. Boa parte dos entrevistados que afirmou “cabeça a cabeça” realizadas com avaliações analítico-estrutu-
conhecer o que são biossimilares respondeu que a imunogeni-
rais, ensaios pré-clínicos e clínicos de fase I e III entre o inova-
cidade de tais moléculas é perfeitamente conhecida por volta de
dor e sua cópia. Diante desse cenário, moléculas cópias que até
sua aprovação, e destes, somente um pequeno número elencou
o momento são comercializadas na América Latina ainda não
a questão da imunogenicidade como um dos principais proble-
atingiram todos os pré-requisitos para serem denominadas
mas relacionados à aprovação das mesmas. Além disso, a gran-
biossimilares e são melhor cunhadas como exemplos de “in-
de maioria optou pelo baixo preço como uma inegável vantagem
tenções de cópias”. Isso vale para o Kikuzuban®, uma molécula
dos biossimilares. De fato, diversos autores afirmam que pro-
cópia do rituximabe dos Laboratórios Roche, produzido pelo
dutos biológicos similares possibilitam uma prescrição médica
laboratório mexicano Probiomed, o Reditux®, também cópia
mais barata, que por sua vez, pode resultar numa redução nos
custos de saúde.2,3 Também argumentam que essas moléculas do rituximabe, produzido pela indiana Dr. Reddy’s Laborato-
podem oferecer à população maior acesso a terapias inovado- ries Ltd. e comercializado em alguns países sul-americanos, e
ras não convencionais, por causa de seu baixo valor agregado e o Etanar®, cópia do etanercepte, comercializado na Colômbia,
menor custo em relação aos biofármacos inovadores. Contudo, mas produzido na China com o nome de Yaisipu pelos labora-
é preciso enfatizar que essa promessa poderá não ser cumprida tórios Shanghai CP Guojian Pharmaceutical Co., Ltd.
caso não haja total transparência de todos os atores envolvidos Existe uma expectativa da comunidade de prescritores e
no processo de regulamentação e aprovação das mesmas. Sabe- de pacientes de que a partir do ano de 2013, moléculas có-
-se que tendo em vista a complexidade das biomoléculas e seu pias de proteínas mais complexas (anticorpos monoclonais e
intrincado processo de fabricação, a estrutura de biossimila- proteínas de fusão) que sejam realmente consideradas bios-
res não será idêntica ao biológico original e, portanto, o perfil similares possam ser comercializadas no mercado mundial,
de eficácia e segurança desses produtos deve ser amplamente sobretudo na América Latina.
discutido entre os médicos prescritores. Além disso, os reuma-
tologistas devem reconhecer que são imprescindíveis medidas
Imunogenicidade de biofármacos e seus biossimilares
de farmacovigilância que garantam que o biossimilar seja tão
seguro quanto o original, protegendo dessa forma o paciente, Conceitualmente, uma medicação biossimilar é aquela
que é objeto de seus cuidados. cuja substância ativa é similar a de um biofármaco autorizado
Os processos envolvidos na fabricação de medicamentos para comercialização no mercado.10-14 Nesse contexto, diversas
biológicos deixam facilmente transparecer a complexidade na preocupações têm surgido para toda a sociedade e especial-
produção dessas proteínas-alvo a partir de células vivas, pois mente para a classe médica, pacientes, indústria farmacêutica
qualquer alteração existente na manufatura poderá acarretar, e agências regulatórias.1 Há vários exemplos demonstrando

Biossimilares 275
que pequenas alterações no processo de manufatura de bioló- valor de modelos murinos transgênicos para as previsões de
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

gicos podem levar a graves problemas para a saúde humana.4,13 imunogenicidade. Contudo, mais correlações entre estudos
Além disso, para que biossimilares possam ser considerados pré-clínicos e dados clínicos serão relevantes para elucidar o
medicamentos seguros, de maneira geral deverão estar sujei- valor da imunogenicidade preditiva de biossimilares.22
tos a um processo de aprovação que requeira dados adicionais Como consequência dessas diferenças, a substituição en-
substanciais em relação àqueles exigidos para os medicamen- tre biológicos (particularmente entre moléculas inovadoras e
tos genéricos, por parte das autoridades regulatórias. 8,15-20 biossimilares) pode apresentar consequências clínicas e mes-
Um dos pontos fundamentais a ser considerado por pa- mo gerar problemas de saúde pública.21
cientes e médicos prescritores é o fato de que fabricantes de
biossimilares não terão acesso integral aos processos de fa-
Estudos clínicos e farmacovigilância
bricação de biológicos inovadores; tais conhecimentos são
propriedades exclusivas de empresas inovadoras, sendo por- Os ensaios clínicos de fase I e III, comparativos entre ino-
tanto impossível a replicação precisa de qualquer proteína, vadores e biossimilares, são basicamente de duas categorias:
ao contrário do que ocorre com a produção de medicamentos Estudos de não inferioridade e Estudos de Equivalência. Atual-
genéricos sintéticos cujas pequenas moléculas químicas são mente, esses estudos são considerados os grandes balizadores
idênticas às moléculas originais e para as quais os requisitos para autorização final de um biossimilar, principalmente em
de análise são baseados apenas em sua composição química. termos de avaliação de sua eficácia. Todavia, a imunogenicida-
Muitos autores consideram que não há possibilidade real de de requer avaliações mais demoradas e muitas vezes somente
cópia idêntica de um biofármaco inovador porque linhas ce- pode ser completamente avaliada ao longo de muitos anos,
lulares independentes, como as usadas na produção de bios- como tem demonstrado nos estudos de farmacovigilância de
similares, não podem produzir cópias idênticas.5,21 Além disso, biofármacos inovadores.7,18,20,22
é notório que embora os métodos analíticos atualmente em- Não há dúvidas de que o problema relativo à prescrição
pregados para verificação da similaridade entre moléculas de de biossimilares é complexo: as autoridades regulatórias eu-
grande complexidade e peso molecular como as dos anticor- ropeias, por exemplo, reconheceram o fato de que havia ne-
pos monoclonais e de certas proteínas de fusão estejam em cessidade de uma legislação específica para aprovação dos
franco desenvolvimento, ainda são bastante limitados. 1,10 biossimilares e, em 2004, a EMA (European Medicines Agency)
Desde pequenas distinções entre linhas celulares, modi- determinou um conjunto específico de regras.20 Por meio des-
ficações em qualquer estágio do processo de manufatura das sa legislação, até o início do ano passado, 14 biossimilares ha-
biomoléculas até alterações na forma de administração aos pa- viam sido aprovados pela União Europeia. Por outro lado, no
cientes podem provocar uma grande diferença em termos de maior mercado de biológicos do mundo ‒ os EUA ‒, a legisla-
eficácia e de efeitos adversos.21 ção pertinente à aprovação desses produtos ainda está sendo
objeto de intenso debate, apesar do esforço do senado ameri-
cano para que haja uma unificação regulatória.
Alterações imunogênicas em seres humanos
Parece haver um consenso de que a imunogenicidade tem
O sistema imune é um notável mecanismo de proteção de impacto em estudos comparativos e na equivalência de bios-
vertebrados, capaz de reconhecer e validar as substâncias do similares. Além disso, a avaliação e atenuação pré-clínica da
próprio corpo e atacar e destruir tudo que é reconhecido como imunogenicidade, se validada em estudos clínicos, pode ter
não próprio, incluindo proteínas estranhas e microrganismos. impacto na segurança do paciente e nos custos de desenvol-
A imunogenicidade, portanto, é a propriedade que um compo- vimento.22 A Organização Mundial de Saúde, preocupada com
nente possui de provocar uma reação imune, seja este compo- a diversificação regulatória referente aos imunobiológicos
nente um agente infeccioso ou mesmo uma grande molécula existente nas diversas nações mundiais, apresentou um novo
como a de um medicamento biológico. A intensidade e as con- grupo de guidelines para produtos bioterapêuticos similares.9
sequências da imunogenicidade de medicamentos biológicos A aplicação segura dos biológicos depende de uso infor-
são variáveis e muitas vezes imprevisíveis. No contexto dessas mado e apropriado por parte dos profissionais de saúde. O pa-
respostas, podem ocorrer diminuição da eficácia de um pro- pel dos médicos prescritores assume grande importância em
duto, reações de hipersensibilidade e, eventualmente, quebra função da responsabilidade final relativa à permuta entre mo-
de tolerância imunológica ‒ uma situação em que o sistema se léculas inovadoras e biossimilares.1,3 Os profissionais podem
confunde e passa a não tolerar as próprias proteínas. Há ca- comunicar imediatamente a perda de eficácia ou sinais que
sos em que pequenos traços de contaminantes ou impurezas apontem diferenças de imunogenicidade.
no processo de produção de biológicos foram implicados em É notório que os médicos só possam tomar decisões sobre
maior desenvolvimento de anticorpos induzidos por biossimi- prescrições de biossimilares se estiverem suficientemente in-
lares de insulinas e hormônios do crescimento. formados a respeito das diferenças fundamentais dessas mo-
Avaliações exaustivas da imunogenicidade são procedi- léculas cópias com as moléculas originais e inovadoras. Toda
mentos obrigatórios nos estudos de desenvolvimento dos e qualquer decisão não informada poderá afetar o tratamento
medicamentos biológicos. A imunogenicidade de terapêuticos de seus pacientes. Ao considerarmos biossimilares como novos
proteicos pode causar anafilaxia, reações infusionais e redu- medicamentos com estrutura diferente dos biofármacos inova-
ção da eficácia da droga, entre outras consequências. Uma li- dores, nos parece de fácil entendimento que resultados terapêu-
mitada quantidade de dados disponíveis atualmente sugere o ticos e efeitos adversos diferentes possam ser esperados.23,24

276 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 15
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Biossimilares 277
16

Capítulo
Maria Carolina de Oliveira  Daniela Aparecida de Moraes 
Ana Beatriz Pereira Lima Stracieri  Júlio César Voltarelli (in memoriam)

Perspectivas de Utilização de Células-tronco no


Tratamento das Doenças Reumáticas
Nas últimas décadas, as células-tronco têm adquirido im- ensaios clínicos objetivam modular quadros inflamatórios, es-
portância crescente nas pesquisas envolvendo o tratamento de timular a angiogênese e promover reparo.
doenças inflamatórias, degenerativas e traumáticas. Embora Neste capítulo, serão abordadas as terapias com células-
constituídas por uma população bastante heterogênea e com -tronco adultas (hematopoéticas e mesenquimais) destinadas
características variáveis, essas células são exploradas por sua ao tratamento das doenças reumáticas. As células embrio-
capacidade imunomoduladora e regenerativa. Em um extre- nárias, por motivos éticos, religiosos e, principalmente, de
mo, encontram-se as células-tronco adultas, obtidas a partir segurança, restringem-se, ainda hoje, na sua maior parte, a ex-
de tecidos maduros, mas que apresentam potencial regenera- perimentos com animais, e não serão, portanto, relatadas no
tivo restrito a alguns tipos celulares ou tecidos (Henningson et presente texto. Entretanto, seu futuro potencial como terapia
al. 2003). Por exemplo, as células-tronco hematopoéticas, ob- das doenças reumáticas não deve ser desprezado.
tidas a partir da medula óssea, dão origem, preferencialmente,
às células do tecido linfo-hematopoético. No outro extremo,
„„ TRANSPLANTES DE CÉLULAS-TRONCO
encontram-se as células-tronco embrionárias, oriundas de te-
cidos imaturos e pouco diferenciados, como os embriões. Es-
HEMATOPOÉTICAS
sas células apresentam grande capacidade regenerativa, que Os transplantes de células-tronco hematopoéticas (TCTH),
pode abranger diversos tipos celulares, pertencentes a mais de mais conhecidos como transplantes de medula óssea, são,
um folheto germinativo. atualmente, a principal aplicação das células-tronco adultas.
As células embrionárias podem ser facilmente cultivadas Essa modalidade terapêutica, antes restrita ao tratamento de
em laboratório, são resistentes e proliferam indefinidamente, doenças hematológicas, como as leucemias, linfomas e ane-
características que lhes conferem o risco de teratogenicidade. mias aplásicas, vem sendo empregada para o tratamento de di-
Assim, como existe uma tendência a crescimento ilimitado in versas doenças autoimunes (DAI), entre as quais se encontram
vitro, o mesmo pode ocorrer após aplicações de tais células in as doenças reumáticas. Assim, esclerose sistêmica, lúpus erite-
vivo. As células adultas, por outro lado, apresentam a vanta- matoso sistêmico (LES), artrite reumatoide do adulto (AR) ou
gem da segurança, apesar da sua fragilidade quando colocadas juvenil (ARJ) e as vasculites, entre outras doenças reumáticas,
em cultura. são tratadas com transplantes de células-tronco em diversos
centros de pesquisa ao redor do mundo.
Ainda dentro do grupo das células adultas, existem as
O transplante de células-tronco hematopoéticas (CTH) en-
células mesenquimais, que apresentam propriedades imu-
volve a destruição ou ablação do sistema imunológico vigente
nomoduladoras, são facilmente expandidas em laboratório,
através de altas doses de quimioterapia ou radioterapia, geral-
apresentam baixo risco de teratogenicidade e estimulam o re- mente associadas a agentes antilinfocitários mais específicos,
paro de tecidos lesados por vias parácrinas (Le Blanc e Ring- como a globulina antitimocitária ou anticorpos monoclonais
dén 2007; Djouad et al. 2009). Embora nem todas as células contra linfócitos T. Depois disso, o sistema imuno-hematoló-
mesenquimais apresentem características de células-tronco, gico é reconstituído através da infusão de células-tronco au-
considera-se que, após a expansão em laboratório, a popula- tólogas, quando do próprio paciente, ou alogênicas, quando
ção de células mesenquimais contenha uma subpopulação de provêm de um doador voluntário. Existem diversas evidên-
células-tronco mesenquimais, e é provável que estas sejam as cias de que, após o transplante, um novo sistema imunológico
principais responsáveis pelos efeitos terapêuticos observados. seja gerado, desta vez tolerante aos autoantígenos (Marmont
As células mesenquimais têm sido recentemente aplicadas em 2000; Burt et al. 2004). Assim, cessam as agressões imunoló-
seres humanos, com comprovações de que são seguras, mas gicas aos tecidos e há oportunidade para o reparo das lesões,
com efeitos terapêuticos ainda indefinidos e controversos quer por mecanismos endógenos, quer por influência das cé-
(Carvalho et al. 2008; Cho et al. 2013; Connick et al. 2007). Tais lulas-tronco infundidas.

279
A maioria dos pacientes com doenças reumáticas subme- probabilidade sobrevida livre de doença, em cinco anos, foi de
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

tidos ao transplante de medula óssea recebe células-tronco 50%. Os níveis de anti-DNA nativo, fator antinúcleo (FAN) e
hematopoéticas autólogas, que são mobilizadas da medula SLEDAI (systemic lupus erythematosus disease activity index)
óssea para o sangue periférico com ciclofosfamida endoveno- permaneceram baixos por 60 meses. A mesma população de
sa, seguida de fator de crescimento de colônias granulocíticas pacientes foi avaliada quanto à síndrome antifosfolípide (SAF),
(G-CSF). As células-tronco hematopoéticas são coletadas por provável em 17% e definida em 44% dos pacientes (Statkute et
leucoaférese, depois selecionadas ou não em colunas de afini- al. 2005). Os marcadores laboratoriais da SAF desapareceram
dade comerciais e, finalmente, criopreservadas em nitrogênio após o TCTH na maioria dos pacientes e em 18 (82%) deles,
líquido ou em freezers mecânicos de baixas temperaturas. Os que eram refratários à anticoagulação, foi possível interrom-
regimes de condicionamento (imunossupressão pré-trans- per esta terapia em média quatro meses após o transplante,
plante) variam de acordo com a doença de base, mas a maioria sem recorrência de fenômenos trombóticos.
deles inclui ciclofosfamida em altas doses e globulina antitimo- Atualmente, o grupo americano da Northwestern Univer-
citária (ATG ‒ antithymocyte globulin). Um pequeno número sity conduz um estudo de transplante alogênico para LES, vi-
de grupos americanos utiliza a irradiação corporal total (TBI sando diminuir a incidência de reativações da doença após o
‒ total body irradiation), principalmente para esclerose sistê- transplante. Nesse estudo, será avaliada a segurança da forma
mica e artrite reumatoide. Outros pesquisadores defendem, mais agressiva de transplante e, secundariamente, eficácia
ainda, o uso de células-tronco halogênicas para o tratamento em controlar a atividade da doença (registrado no endereço
de doenças autoimunes, em razão do efeito enxerto-contra- eletrônico www.clinicaltrials.gov, sob código NCT 00278590,
-autoimunidade, em que os linfócitos do doador eliminam os último acesso em 4 de maio de 2013). Um segundo grupo
linfócitos autorreativos remanescentes no paciente receptor, americano, da Universidade Johns Hopkins (Bolaños-Meade,
evitando, portanto, a reativação da doença. Por outro lado, os comunicação pessoal em 2013), planeja iniciar um programa
linfócitos do doador podem lesar tecidos normais, causando a de transplantes alogênicos haplo-idênticos com condicio-
reação do enxerto-contra-hospedeiro, que apresenta significa- namento de intensidade reduzida para pacientes com LES.
tiva morbimortalidade. O objetivo é diminuir a incidência de reativações da doença
Entre as doenças reumáticas, a esclerose sistêmica é, após o transplante, porém a toxicidade de tal regime ainda
atualmente, a doença mais transplantada. Até sua última di- precisa ser avaliada.
vulgação, em abril de 2013, o registro europeu de transplantes
contabilizava 341 transplantes para a doença, além de outras Artrite reumatoide do adulto
dezenas relatadas pelos Estados Unidos (Burt et al. 2013; Pas-
quini et al. 2012). Doenças como o LES e a artrite reumatoide Em 2004, dados de 76 pacientes dos registros europeu
têm sido transplantadas com frequência decrescente, princi- e americano (EBMT e ABMTR), combinados, foram publica-
palmente em função do aparecimento dos medicamentos bio- dos. Dos 73 pacientes transplantados, três tiveram resposta
lógicos no mercado, como o rituximab e os agentes anti-TNF. completa, 58 resposta parcial (ACR 20-70) e 12 não respon-
deram. A maioria dos pacientes (85%) apresentou atividade
da doença pós-transplante, reiniciando tratamento, que pas-
Lúpus eritematoso sistêmico sou a funcionar em metade dos casos (Snowden et al. 2004).
Em um importante estudo, o grupo europeu relatou sua Em 2005, um grupo holandês relatou que, apesar da alta taxa
experiência com TCTH para LES em 53 pacientes, dos quais de reativações pós-TCTH, observava-se significativa redução
62% apresentavam nefrite lúpica. Houve sete óbitos (13%) da destruição ósteo-articular, avaliada radiologicamente, pa-
por toxicidade do transplante, mais quatro por progressão ralelamente à melhora dos índices de qualidade de vida (Ver-
da doença (7,5%) e um por causa não relacionada (suicídio). burg et al. 2005, Teng et al. 2005). Os resultados indicam que
A mortalidade foi associada a maior duração da doença pré- o transplante é pouco eficaz em controlar a atividade da artrite
-transplante. Observou-se remissão da doença em 66% dos reumatoide, mas que pode interferir na evolução da doença,
pacientes avaliáveis (33/50), dos quais 32% (10/31) recaíram induzindo um curso mais benigno e responsivo.
posteriormente (Jayne et al. 2004; Marmont e Burt 2008). A Na experiência de Chicago, o condicionamento com ci-
experiência da Northwestern University com transplante au- clofosfamida associada à ATG aplicado à artrite reumatoide
tólogo de células-tronco selecionadas in vitro mostra evolu- manteve remissão em apenas dois de quatro pacientes, le-
ção semelhante. De 15 pacientes com LES refratário à terapia vando o grupo a explorar regimes de condicionamento mais
convencional, dois recaíram, 30 e 40 meses após o transplante agressivos, incorporando irradiação corporal total (TBI) ao
(Traynor et al. 2002). Não foi registrado qualquer óbito nos transplante autólogo e adotando transplantes alogênicos não
pacientes submetidos à transplante nessa série, mas cinco pa- mieloablativos em pacientes com doadores compatíveis (Burt
cientes morreram antes de serem transplantados. Dois deles et al. 1999; 2004a). O primeiro paciente submetido a este úl-
sofreram complicações após a mobilização (cerebrite lúpica e timo tipo de transplante foi condicionado com ciclofosfamida,
mucormicose cerebral, respectivamente), e outros três, antes fludarabina e alemtuzumab (anti-CD52), e obteve remissão em
da mobilização (2 casos de sepse e um de miocardiopatia), re- seguimento de dois anos. Contrariando esses dados, na Alema-
fletindo a gravidade do estado clínico dos pacientes selecio- nha, um outro paciente que recebeu transplante alogênico não
nados para transplante. Em 2006, o mesmo grupo americano mieloablativo para AR concomitante com mieloma múltiplo,
publicou uma casuística ampliada de 55 pacientes, recrutados apresentando recidiva da doença articular dez meses após o
para transplante de 1997 a 2005 (Burt et al. 2006). O condicio- transplante (Tapprich et al. 2003). Uma estratégia alternativa,
namento foi realizado com ciclofosfamida 200 mg/Kg e ATG de também em discussão, é a introdução de imunossupressão em
coelho. Dos 48 pacientes transplantados, nenhum foi a óbito baixas doses (metotrexato ou leflunomida) logo após a enxer-
por causas relacionadas ao TCTH, mas seis morreram por ati- tia, como terapia de manutenção. Porém, faltam estudos para
vidade da doença. A sobrevida em cinco anos foi de 84%, e a avaliar a prática.

280 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Frente às altas taxas de recidivas, é baixo o número de te de células-tronco hematopoéticas autólogas, sendo que 37

„„ CAPÍTULO 16
transplantes de medula óssea realizados para a artrite reuma- apresentavam acometimento cutâneo difuso (Binks et al. 2001).
toide desde o ano 2001, período marcado pelo uso dos agen- Antes do transplante, 76% dos pacientes apresentavam envol-
tes biológicos ‒ opções terapêuticas utilizadas com sucesso na vimento pulmonar pela doença, sendo que, em dezoito, havia
maioria dos casos. diminuição da capacidade vital forçada e, em sete, hipertensão
pulmonar. Em um seguimento médio de doze meses, 20/29
(69%) dos pacientes avaliáveis apresentaram melhora de pelo
Artrite Idiopática Juvenil (AIJ) menos 25% do espessamento cutâneo, avaliado pelo escore
Mais de cinquenta pacientes com as formas sistêmica ou cutâneo de Rodnan modificado, enquanto dois pacientes (7%)
poliarticular da artrite idiopática juvenil, submetidos a TCTH evoluíram com piora cutânea. A função pulmonar estabilizou
autólogo, foram incluídos no registro europeu (Gratwohl et nos pacientes que apresentavam acometimento pré-trans-
al. 2005; Tyndall e Saccardi. 2005). A evolução de 34 crian- plante e não houve progressão de hipertensão pulmonar. Sete
ças, sendo 28 com a forma sistêmica e seis com a poliarticular, pacientes (19%) apresentaram progressão da doença após o
seguidas por um tempo médio de 29 meses, foi relatada na transplante em um intervalo de tempo mediano de 67 (49-255)
literatura (Wulffraat et al. 2003; De Kleer et al. 2004). Ao con- dias, e outros onze (27%) evoluíram para óbito, sete (17%) dos
trário da AR do adulto, nas formas juvenis observa-se melhor quais por causas relacionadas ao procedimento (infecções, san-
taxa de resposta ao transplante, especialmente na forma sistê- gramentos e toxicidade de órgãos).
mica da doença. A maioria desses pacientes foi transplantada Os resultados acima foram atualizados, em 2004, numa se-
na Holanda e recebeu condicionamento com ciclofosfamida gunda publicação do mesmo grupo, excluídos os dados norte-
(200 mg/kg), TBI (400 cGy) e ATG. Desses pacientes, 18 (53%) -americanos, em que o número de pacientes transplantados
obtiveram remissão clínico-laboratorial completa e duradou- havia aumentado para 57 (Farge et al. 2004). Desses, cinquen-
ra, com descontinuação da terapia, incluindo sete crianças com ta apresentavam forma cutânea difusa da doença, e quarenta,
a forma sistêmica de AIJ que haviam sido refratárias a agentes algum tipo de acometimento pulmonar. Assim como no relato
anti-TNF. Entretanto, duas dessas crianças apresentaram sino- anterior, aproximadamente 60 a 70% evoluíram com melhora
vite transitória dos joelhos e quadris após quadros infecciosos cutânea significativa e duradoura, havendo estabilização do
(erupção por herpes zoster e amigdalite bacteriana), e outras comprometimento pulmonar. Comparada com a publicação
três apresentaram reativação da doença três a seis meses após anterior, entretanto, nessa divulgação observou-se melhora
o transplante, facilmente controlada com anti-inflamatórios da sobrevida e diminuição da mortalidade associada ao trans-
esteroidais ou não esteroidais (Wulffraat et al. 2003). Seis plante, refletindo a curva de aprendizado dos centros trans-
outros pacientes (18%) mostraram resposta parcial ao TCTH plantadores. Cinco (8,6%) pacientes morreram por causas
associadas ao transplante e outros oito (14%) por progressão
e também melhoraram com a terapia anti-inflamatória. Por
da doença, em seguimento médio de 22 meses. Aproximada-
outro lado, sete pacientes (21%) foram resistentes ao TCTH e
mente 35% dos pacientes apresentaram progressão da doença
passaram a ser tratados com altas doses de imunossupresso-
durante observação média de 10 meses pós-transplante.
res; dois desses pacientes morreram de infecção 13 e 15 me-
ses após o transplante. Em 2008, uma associação de um centro francês e dois cen-
tros holandeses publicou os resultados de um estudo realiza-
Ainda na mesma população de pacientes holandeses, hou-
do em protocolo conjunto, com dados mais homogêneos, em
ve outros três óbitos, causados pela síndrome de ativação ma-
que 27 pacientes foram submetidos a transplante autólogo,
crofágica associada a infecções: uma pelo vírus Epstein-Barr,
todos condicionados com ciclofosfamida, seguidos de 1998 a
outra provavelmente bacteriana, na fase de aplasia, e uma ou-
2004 (Vonk et al. 2008). Doze pacientes apresentavam aco-
tra por toxoplasmose disseminada. Para evitar essa síndrome,
metimento cutâneo difuso e 14 tinham envolvimento visceral,
nos novos protocolos, infecções são monitoradas e tratadas principalmente pulmonar. Em um período médio de 5,3 anos,
mais precocemente (De Kleer et al. 2004). Crianças de baixa 81% dos pacientes apresentaram melhora clínica com o trans-
idade que responderam ao TCTH recuperaram o crescimen- plante. Houve melhora significativa dos valores dos escores
to atrasado pela doença, mas o mesmo não foi observado nas de Rodnan modificado em 94% dos pacientes e estabilização
crianças mais velhas e com doença mais avançada (Wulffraat das funções pulmonar, renal e cardíaca em período de segui-
et al. 2003). mento de cinco anos. A sobrevida global estimada por curva
Uma outra pequena publicação incluiu cinco pacientes de Kaplan-Meier foi de 96,2% em cinco anos, e 86,8% em sete
com forma poliarticular e sistêmica, transplantadas após um anos. Seis (28%) dos pacientes apresentaram reativação da
regime de condicionamento baseado em ATG, ciclofosfamida doença após o transplante, necessitando de tratamento imu-
e fludarabina, seguida por ciclosporina após o transplante au- nossupressor adicional. Desses, somente um evoluiu com pro-
tólogo. A toxicidade relacionada ao transplante foi leve, mas gressão da doença.
todos os pacientes, após uma resposta completa ou parcial, Nos Estados Unidos, uma publicação multicêntrica rela-
apresentaram reativação da doença após 12 meses (Rabusin tou, em 2007, 34 pacientes com envolvimento cutâneo difuso,
et al. 2008). submetidos a condicionamento com irradiação corporal total,
ciclofosfamida e globulina antilinfocitária de cavalo (Nash et al.
Esclerose sistêmica 2007). Assim como relatado nas demais publicações, observou-
-se melhora cutânea significativa e estabilização das funções
Várias publicações de grupos europeus e norte-americanos pulmonar, renal e cardíaca. Nesse estudo, de forma inédita, a
exibem a evolução dos pacientes transplantados para esclerose melhora do acometimento cutâneo foi comprovada por biópsias
sistêmica (ES). Em 2001, uma grande publicação multicêntrica, de pele, realizadas antes e seis meses após o transplante. Houve
com dados europeus e norte-americanos, relatou 41 pacientes doze óbitos durante o estudo, sendo oito relacionados ao trans-
portadores de esclerose sistêmica submetidos ao transplan- plante e quatro por progressão da doença.

Perspectivas de Utilização de Células-tronco no Tratamento das Doenças Reumáticas 281


Dados da Northwestern University, Chicago, publicados em a última avaliação, quatro anos após o TCTH (Shiratsuchi et al.
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

2007, mostram os resultados de estudo fase I do TCTH autólo- 2008). Casos esporádicos de transplantes alogênicos vêm sen-
go em dez pacientes com esclerose sistêmica de mau prognós- do relatados desde 2004, com resultados animadores, porém
tico. As células-tronco foram mobilizadas com ciclofosfamida ainda insuficientes para comprovar segurança e superioridade
e G-CSF e não foram selecionadas in vitro. O condicionamento aos transplantes autólogos.
foi realizado com 200 mg/kg de ciclofosfamida e 7,5 mg/kg de Atualmente, dois grandes estudos multicêntricos randomi-
ATG de coelho. Houve melhora significante do escore cutâneo zados encontram-se em andamento, visando avaliar compa-
de Rodnan e estabilização das funções cardíaca, pulmonar e rativamente os efeitos do transplante autólogo para esclerose
renal. Um paciente com doença avançada foi a óbito dois anos sistêmica (Farge et al. 2004; Tyndall e Furst 2007). O estudo
depois do TCTH, por progressão da doença. Em uma média de ASTIS, europeu, vigente desde 2001, compara pulsos de ciclo-
25,5 meses, a sobrevida foi de 90% e a sobrevida livre de pro- fosfamida com o transplante autólogo realizado com drogas
gressão foi de 70%. Concluiu-se que, comparado ao TCTH mie- linfoablativas: 200 mg/kg de ciclofosfamida e globulina antilin-
loablativo, condicionado com irradiação corporal total, o TCTH focitária de coelho (rATG). Recentemente, o recrutamento de
não mieloablativo, com ciclofosfamida, gerou melhora cutânea pacientes foi encerrado e os resultados dos 150 pacientes incluí-
semelhante, mas com menor toxicidade (Oyama et al., 2007). dos deverão ser divulgados nos próximos meses. O protocolo
Esse estudo demonstra, ainda, que séries de transplantes rea- SCOT, norte-americano, também com recrutamento encerrado,
lizadas em um único centro tendem a apresentar melhores re- compara pulsos de ciclofosfamida com transplante autólogo
sultados, com menor mortalidade associada ao procedimento, mieloablativo, realizado com irradiação corporal total acrescida
do que estudos multicêntricos, nos quais cada um de vários de 120 mg/kg de ciclofosfamida e ATG de cavalo (hATG).
centros de transplante contribui com pequeno número de pa- Recentemente, um terceiro estudo randomizado foi con-
cientes. A diferença reflete a curva de aprendizado necessária cluído e divulgado (Burt et al. 2012). Dezenove pacientes com
para o sucesso no manejo dos pacientes. esclerose sistêmica foram randomizados para transplante
A esclerose sistêmica encontra-se entre as doenças autoi- autólogo ou tratamento convencional com pulsos mensais
munes com maior mortalidade associada ao transplante, refle- de ciclofosfamida. O estudo foi interrompido precocemen-
tindo a gravidade e labilidade clínica dos pacientes. Portanto, te em função da significativa diferença entre braços; o grupo
atenção e experiência no manejo de particularidades específi- transplantado apresentou resultados muito superiores aos do
cas da doença são fundamentais. Assim, recentemente, alguns grupo controle. Dez pacientes foram transplantados e todos
autores têm enfatizado a importância da seleção criteriosa de apresentaram melhora do envolvimento cutâneo e pulmonar,
pacientes para o TCTH, evitando o recrutamento de pacien- com redução do escore de Rodnan e aumento dos valores de
tes com doença excessivamente avançada. Nesse processo, a capacidade vital forçada e difusão de monóxido de carbono
participação de um reumatologista com experiência em trans- (CO). Dentre os nove pacientes do grupo controle, oito apre-
plantes pode contribuir favoravelmente. Avaliações cardíacas, sentaram progressão da doença e um, estabilização. Sete des-
em especial, têm se mostrado essenciais antes dos transplan- ses pacientes foram, então, transplantados, todos também
tes. Entre outros órgãos, sabe-se que a esclerose sistêmica evoluindo com melhora. Embora o tempo de seguimento te-
acomete o coração, tanto no sistema de condução, provocando nha sido curto, de dois anos em média, o estudo mostrou que
arritmias, quanto no miocárdio, comprometendo contratili- o transplante é significativamente superior ao tratamento
dade e relaxamento. Como essas manifestações podem ser convencional disponível. Além disso, quando aplicado pre-
subclínicas, evidenciando-se somente após sobrecarga hídrica cocemente, o transplante pode não somente estabilizar, mas
e uso de ciclofosfamida, durante o transplante, diversos auto- também reverter o quadro pulmonar. Tais resultados deverão
res têm preconizado a realização de múltiplas avaliações de ser comprovados pelos outros dois estudos randomizados em
função cardíaca pré-transplante, incluindo ecocardiograma, andamento, ASTIS e SCOT.
cateterismo cardíaco e ressonância magnética de músculo car-
díaco (Burt et al. 2013; Miniati et al. 2007).
Vasculites e outras doenças reumáticas
Embora o TCTH autólogo venha se consolidando como
alternativa terapêutica para o tratamento da esclerose sistê- Várias outras doenças reumáticas, além das mencionadas
mica, as altas taxas de progressão da doença pós-transplante acima, têm sido tratadas com TCTH autólogo, seja na forma
estimulam a procura de esquemas mais agressivos de trata- de casos isolados, seja em protocolos clínicos de fases I/II.
mento. Em Seattle, duas pacientes com pneumopatia grave re- Assim, o registro europeu contém casos de artrite psoriásica,
ceberam transplante de medula óssea alogênico mieloablativo. dermatopolimiosite, doença mista do tecido conectivo, espon-
Ambas apresentaram resposta clínica, mas uma delas evoluiu dilite anquilosante, síndrome de Sjögren e algumas vasculites
com sepse fatal por Pseudomonas, 18 meses após o transplan- (Gratwohl et al. 2005; Tyndall e Saccardi 2005). Entre estas
te (Nash et al. 2001). Em Chicago, um paciente recebeu um últimas, foram transplantados três casos de granulomatose de
TCTH alogênico não mieloablativo, e apresentou melhora pro- Wegener, com duas reativações, três casos de crioglobuline-
gressiva da doença cutânea, com enxertia completa de células mia, com duas respostas completas, um caso de poliarterite
do doador, sem doença do enxerto contra hospedeiro ou com- nodosa com remissão completa, e quatro casos de doença de
plicações infecciosas (Burt et al. 2004b), o mesmo ocorrendo, Behçet, sendo que dois apresentavam manifestações pulmo-
mais tarde, em Seattle (Nash et al. 2006). No Japão, foi rela- nares (Fiehn e Hensel 2003; Hensel et al. 2001). Um desses
tado recentemente o caso de uma paciente com pneumopatia pacientes com doença de Behçet, de Gênova, apresentou refra-
intersticial, submetido a TCTH alogênico não mieloablativo, tariedade ao TCTH autólogo e ao infliximab pós-transplante
com TBI e fludarabina. Um ano após o transplante, a pacien- e foi tratado com transplante alogênico não mieloablativo,
te desenvolveu glomerulonefrite membranosa por DECH, que obtendo, então, remissão da doença (Gualandi et al. 2004).
melhorou com prednisolona. O escore cutâneo melhorou con- Dois outros pacientes com doença de Behçet, apresentando
sideravelmente, e a função pulmonar permaneceu estável até manifestações neurológicas, foram submetidas a transplantes

282 Tratado Brasileiro de Reumatologia


autólogos, evoluindo com recuperação neurológica e melhora Sul (Pasquini et al. 2012). Desses, quinze eram portadores de

„„ CAPÍTULO 16
das imagens de ressonância magnética (De Cata et al. 2007). esclerose sistêmica, dos quais nove sobreviveram até a data
Em Viena, Áustria, uma paciente com granulomatose de We- da publicação, três apresentavam lúpus, dois quais um evo-
gener, de nove anos de idade, apresentava pancitopenia e re- luiu para óbito, e os demais, outras doenças autoimunes não
cebeu transplante alogênico, evoluindo somente com doença reumáticas. Em resumo, o transplante alogênico parece estar
do enxerto contra hospedeiro leve. Em seguimento de oito associado a menores taxas de reativação da doença de base,
anos, mantinha remissão (Lawitschka et al. 2011). O grupo da porém a incidência de complicações e a mortalidade relacio-
Universidade de Heidelberg relatou também os transplantes nada ao procedimento ainda são consideradas excessivas, de-
de um paciente com poliarterite nodosa, que obteve remissão sestimulando a aplicação rotineira (Hügle e van Laar 2010).
completa duradoura e de outro com vasculite indiferenciada,
com resposta parcial. Um segundo grupo alemão, de Dresden,
também relatou o caso de uma paciente de 24 anos, portadora Experiência internacional – conclusões
de granulomatose de Wegener grave e refratária a tratamento Em conclusão, a experiência internacional com várias cen-
com diversos imunossupressores durante nove anos, submeti- tenas de pacientes transplantados para doenças reumáticas
da a transplante alogênico de medula óssea, tendo como doa- graves e refratárias à terapia convencional, em protocolos de
dora a irmã HLA-idêntica (Bornhäuser et al. 2010). Não houve fase I e II, revelou o potencial dessa terapia para induzir re-
intercorrências durante ou após o procedimento e a paciente missão prolongada na maioria desses pacientes, com a notá-
permanecia em remissão quatro anos após o transplante. vel exceção da artrite reumatoide do adulto. A toxicidade e a
O banco de dados do EBMT/EULAR, na Basileia, possui mortalidade do transplante autólogo ainda são significativas,
registros de sete pacientes portadores de polimiosite/derma- principalmente para pacientes com LES e ES afetados por dis-
topolimiosite submetidos a TCTH autólogo, com apenas uma funções importantes de órgãos vitais, como os pulmões e os
resposta completa, três respostas parciais e um óbito por toxi- rins. Ainda assim, esses resultados são encorajadores, dado
cidade à ATG no condicionamento (Tyndall, comunicação pes- o mau prognóstico da maioria dos pacientes transplantados.
soal em 2010). Em relatos de casos individuais, um paciente Tais resultados deverão ser comprovados pelos estudos ran-
com polimiosite associada ao anticorpo Jo-1 foi transplantado domizados em andamento.
com sucesso na Bélgica (Baron et al. 2000), enquanto outro A experiência adquirida durante as últimas décadas tem
na Inglaterra teve recidiva precoce, obtendo resposta parcial estimulado mudanças na seleção de pacientes e na intensida-
com reintrodução da imunossupressão com metotrexato e ci- de dos regimes de condicionamento, visando diminuir a to-
closporina; está em remissão, atualmente, após ter se recupe- xicidade do procedimento. Existe uma tendência atual em se
rado de uma micobacteriose atípica (Bingham, comunicação incluir para o transplante pacientes em fases mais iniciais e
pessoal em 2010). Duas pacientes com polimiosite juvenil, de inflamatórias de doença, o que poderá resultar em melhores
oito e nove anos de idade, também obtiveram remissão clíni- resultados e, possivelmente, maior reversibilidade das lesões
ca e laboratorial após transplante autólogo de células-tronco instaladas.
hematopoéticas com depleção de células T e B (Holzer et al.
2010). Finalmente, um paciente com policondrite recidivante
obteve remissão completa e duradoura após TCTH autólogo „„ EXPERIÊNCIA BRASILEIRA EM TRANSPLANTE DE
realizado na Finlândia (Hiepe et al. 2004), o mesmo aconte- CÉLULAS-TRONCO HEMATOPOÉTICAS PARA
cendo com outro paciente, portador de síndrome de Sjögren, DOENÇAS REUMÁTICAS
transplantado em Trieste, na Itália, e que continuava receben-
do azatioprina cerca de quatro anos após o transplante (Rabu- No Brasil, como mencionado acima, foi realizado um dos
sin, comunicação pessoal em 2009). primeiros TCTH para DAI isolada no mundo, em abril de 1996,
no Hospital Albert Einstein-SP, em uma paciente com crioglo-
bulinemia (Ferreira et al. 1996), seguido por outro, da mesma
Transplantes alogênicos doença, em 1999, ambos com resultados favoráveis (Tabela
Embora o número de transplantes autólogos para doenças 16.1). Na Universidade Católica de Porto Alegre, também em
autoimunes predomine, alguns centros vêm aplicando trans- 1999, foi transplantado um paciente com esclerose sistêmica
plantes alogênicos para casos selecionados, com resultados (ES), com comprometimento cutâneo, pulmonar e digestivo,
variáveis. Além dos relatos isolados de transplantes alogêni- o qual recebeu condicionamento de baixa dose (1,5 g/m2 de
cos não mieloablativos, descritos nas seções acima, uma pu- ciclofosfamida e 105 mg/m2 de fludarabina) e infusão de 2 x
blicação de 2009, mais uma vez baseada nos dados do EBMT, 106 CTH autólogas/kg. Houve melhora transitória do quadro
descreve 35 pacientes portadores de DAI, que receberam 38 intestinal, mas 3 meses após o transplante, apresentou crise
transplantes alogênicos. Onze tinham doenças reumáticas hipertensiva e recrudescimento do quadro intestinal, sendo,
como indicação: doença de Behçet (2), crioglobulinemia (1), então, repetido o esquema imunossupressor do condiciona-
poliarterite nodosa (1), granulomatose de Wegener (1), LES mento (3 e 5 meses pós-transplante). Entretanto, um ano após
(2), dermatomiosite (1), AR (3). Desses, dois evoluíram para o transplante, ocorreu obstrução intestinal, provavelmente
óbito por causa de infecções durante o transplante, sendo um por recidiva da doença de base, pneumonia aspirativa e óbito
portador de doença de Behçet e o outro de LES. Entre os nove (von Mühlen et al. 2004) (Tabela 16.1).
restantes, houve quatro remissões parciais, três remissões Em um Workshop Internacional realizado em Ribeirão
completas e dois pacientes que responderam inicialmente Preto em outubro de 2000, com a presença de especialistas
tornaram a apresentar reativação da doença (Daikeler et al. em TMO da Europa, dos EUA e dos principais grupos do país,
2009). De modo semelhante, o registro americano de trans- ao lado de especialistas em DAI, decidiu-se iniciar um projeto
plantes divulgou 29 pacientes submetidos a transplantes alo- piloto (de fases I/II) de TCTH para DAI, cooperativo de âmbito
gênicos em centros localizados nas Américas do Norte e do nacional, coordenado pelo Centro de Terapia Celular do He-

Perspectivas de Utilização de Células-tronco no Tratamento das Doenças Reumáticas 283


„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

Tabela 16.1 Primeiras experiências brasileiras em transplante de células-tronco hematopoéticas para doenças autoimunes.

Diagnóstico Idade/Sexo Instituição Data do TCTH Mobilização Condicionamento Evolução e complicações


Casos Isolados
1. AHAI e crioglobulinemia 58/F HIAE-SP Abril/96 G-CSF CY 200 mg/kg RC, sem IS
2. Crioglobulinemia 45/F HIAE-SP Abril/99 Cy + BEAM + anti-CD20 RC, recaída em 12/01, tratada
Vincristina + pós-TCTH com Rituximab, IgEV para
Prednisona hipoga maglobulinemia

3. ES 46/F Univ. Católica de Setembro/99 G-CSF Cy 500 mg/m2 + RP, recaída D + 360, punção
(pele, pulmão, aparelho Porto Alegre, RS Fludara 105 mg/m2 aspirativa, óbito
digestivo)
HIAE-SP: Hospital Israelita Albert Einstein; RC: remissão completa; RP: remissão parcial; IS: imunossupressão; IgEV: imunoglobulina humana endovenosa.

mocentro de Ribeirão Preto e pela Unidade de TMO do Hospi- -transplante, mantém remissão do quadro. O terceiro desses
tal das Clínicas da FMRP-USP. Os transplantes foram iniciados pacientes apresentava síndrome nefrótica secundária a nefrite
em junho de 2001, primeiramente em formas graves de lúpus lúpica proliferativa difusa e obteve remissão clínica e laborato-
eritematoso sistêmico (LES), ES e esclerose múltipla refratá- rial após o TCTH por 24 meses, quando cursou com reativação
rias à terapia convencional, empregando CTH autólogas não da doença, e óbito secundário à sepse. O quarto paciente cursou
manipuladas, com depleção in vivo de células T com globulina com insuficiência renal crônica, permaneceu em hemodiálise
antitimocitária (ATG) (Voltarelli et al. 2002). O protocolo se por 3 anos após o TCTH, e há 7 anos foi submetido a um trans-
estendeu para outras DAI e mesmo para doenças inflamató- plante renal. O quinto paciente, atualmente com 12 meses após
rias de etiopatogenia indeterminada. Até novembro de 2013, o transplante, mantém estabilização da neurite óptica.
foram incluídos no estudo, 61 pacientes com doenças reumáti-
cas, sendo dez pacientes com lúpus eritematoso sistêmico, 45
com esclerose sistêmica, três com Arterite de Takayasu, e três
Esclerose sistêmica
pacientes com outras patologias. A evolução desses pacientes Quarenta e cinco pacientes com esclerose sistêmica fo-
será discutida a seguir, separada por doenças específicas. ram incluídos no protocolo brasileiro, sendo 41 procedentes
do Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto ‒ USP e quatro de
Lúpus eritematoso sistêmico outros serviços. Três não chegaram a ser transplantados, pois
um foi a óbito antes do transplante, por reativação da doença
Dos dez pacientes com LES incluídos no protocolo de e complicação infecciosa pós-mobilização, e dois obtiveram
TCTH, nove eram portadores de glomerulonefrite refratária grande melhora cutânea após a mobilização com ciclofosfa-
a imunossupressão com pulsos de ciclofosfamida endoveno- mida e G-CSF, optando por não prosseguir para o condiciona-
sa e outras drogas imunossupressoras, e o último apresentava mento e transplante. Dos 42 pacientes transplantados, todos
neuromielite refratária. Um deles apresentava sobreposição tinham acometimento cutâneo difuso, sendo que 27 deles
com ES. Três pacientes não chegaram a receber a infusão de apresentavam também envolvimento pulmonar, e 30, gastrin-
CTH, pois o primeiro foi a óbito dois dias antes da infusão pro- testinal. Houve um óbito, por sepse, 23 dias após o transplante.
gramada (D-2) por insuficiência renal aguda e septicemia, o Todos os demais pacientes cursaram com grande melhora ini-
segundo (que apresentava sobreposição com ES) faleceu em cial da elasticidade cutânea, mas sete deles voltaram a apre-
consequência de vasculite de SNC, por reativação do LES, entre sentar piora cutânea após o transplante. Dois deles também
a mobilização e o condicionamento, e no terceiro, o número evoluíram com progressão do quadro pulmonar. Três óbitos
de CTH obtidas foi insuficiente após quatro tentativas de co- tardios foram registrados. Dois ocorreram 22 meses após o
leta. Nesse paciente, houve reativação do LES, com hemorra- transplante. Em um deles, a paciente apresentava simultanea-
gia alveolar e nefrite lúpica, após as tentativas de mobilização, mente o diagnóstico de displasia arritmogênica, e não se sabe
reiniciando-se a imunossupressão. se a causa do óbito foi por progressão da esclerose sistêmica
Dos sete pacientes submetidos ao TCTH, cinco apresenta- ou pela cardiopatia. No outro, a causa do óbito foi por progres-
ram insuficiência renal aguda concomitante ao regime de con- são da doença. O terceiro óbito ocorreu 10 meses após o trans-
dicionamento com ciclofosfamida e ATG, e dois deles foram a plante, após quadro de dispneia súbita. Os demais pacientes
óbito em consequência de septicemia. Dos cinco pacientes mantiveram melhora da elasticidade da pele e estabilização do
sobreviventes, um mantém remissão da nefrite, após 130 me- acometimento pulmonar, com tempo de seguimento médio de
ses do transplante, sem o uso de qualquer imunossupressor. O 34,4 meses (6 a 90 meses).
segundo permaneceu em remissão até 97 meses após o trans-
plante, quando apresentou elevação importante dos níveis de Vasculites
proteinúria de 24 horas, com biópsia renal compatível com
nefrite membranosa; recebeu inicialmente tratamento com Três pacientes com Arterite de Takayasu foram subme-
rituximabe, seguido por pulsos mensais de ciclofosfamida, e tidos ao transplante autólogo, sendo o primeiro deles, o pri-
após, azatioprina diariamente; atualmente, com 140 meses pós- meiro da literatura para vasculite de grandes vasos (Voltarelli

284 Tratado Brasileiro de Reumatologia


et al. 2004). A paciente apresentava obstruções arteriais múl- nossupressão em altas doses. Isso só poderá ser conseguido

„„ CAPÍTULO 16
tiplas, inclusive carotídea, que vinham se agravando apesar de quando os estudos prospectivos randomizados (de fase III),
várias formas de imunossupressão instituídas. O transplante, atualmente em andamento na Europa e EUA, combinados com
realizado com ciclofosfamida e ATG de coelho, como regime de os progressos na estratificação prognóstica das DAI, permiti-
condicionamento, transcorreu sem complicações, com melho- rem o uso do TCTH em fases mais precoces dessas doenças.
ra sintomática e angiográfica já após dois meses, estado que Para os pacientes de alto risco, como os atualmente selecio-
se manteve no seguimento de 156 meses. A rápida reparação nados para transplante, outra estratégia é resgatar uma parte
das lesões vasculares após o TCTH, nesse caso, sugere, além deles com terapias inovadoras, como agentes anticitocinas, an-
do efeito anti-inflamatório da imunossupressão maciça, a pos- ticorpos monoclonais ou novos imunossupressores, que acar-
sível indução de neoangiogênese pelas CTH, a exemplo do que retam menor morbimortalidade do que a imunossupressão
parece ocorrer na esclerose sistêmica (Voltarelli et al. 2004). agressiva do transplante. Entretanto, mesmo nessa nossa ex-
No segundo caso, a paciente também apresentava obstruções periência preliminar, com um grupo de pacientes de alto risco
arteriais múltiplas refratárias a vários imunossupressores. Foi e refratários à melhor terapia imunossupressora disponível,
submetida ao transplante usando-se o mesmo regime de con- a maioria dos pacientes melhorou significativamente e teve a
dicionamento do anterior, com melhora inicial, mas com nova progressão da sua doença interrompida, sem o uso de imunos-
piora clínica após seis meses, piora esta observada também supressão após o transplante ou a mobilização, ilustrando o
em angio-ressonância. Foi tratada com etanercept, sem suces- enorme potencial remissivo dessa terapia.
so, e atualmente, com 35 meses após o transplante, vem em Esse projeto se expandiu e evoluiu para o tratamento de
uso de tocilizumabe, com resposta parcial. O terceiro paciente, outras DAI, em que o TCTH já foi testado, como a artrite reu-
também com o diagnóstico de Arterite de Takayasu, mantém matoide e variantes, polineuropatias desmielinizantes, mias-
melhora clínica e laboratorial, e estabilização em angio-resso- tenia gravis, pênfigos e a doença de Crohn, e diabetes mellitus
nância oito meses após o transplante. do tipo I (Voltarelli et al. 2007; Couri et al. 2009).
Um outro transplante, para doença de Behçet, realizado no Atualmente, estamos próximos de responder se o TCTH é
Hospital das Clínicas de São Paulo ‒ USP, apesar de cursar com eficaz no tratamento da ES, através dos estudos randomizados,
várias complicações infecciosas, que foram revertidas, resul- ASTIS e SCOT, em andamento.
tou em remissão completa do quadro clínico após 18 meses
A experiência clínica internacional acumulada até agora
de seguimento. Atualmente, perdeu o contato com o serviço.
em TCTH para doenças autoimunes mostrou apenas a poten-
cialidade da terapia, mas não respondeu ainda a inúmeras
Artrite idiopática juvenil questões importantes a ela relacionadas. Sabe-se que a mor-
bimortalidade do TCTH autólogo para determinadas doenças
Uma paciente feminina de 20 anos de idade, com uma for- autoimunes pode ser superior à observada nos transplantes
ma gravemente progressiva de AIJ, refratária a várias drogas para doenças onco-hematológicas, sendo maior na esclerose
imunossupressoras, incluindo agentes biológicos anti-TNF, foi sistêmica, LES e artrite reumatoide juvenil do que na artrite
incluída no protocolo de TCTH no Hospital Sírio Libanês-SP, reumatoide do adulto e na esclerose múltipla. Essa diferença
sendo transplantada em 2005. Após o TCTH, necessitou do uso pode ser explicada pela seleção dos pacientes, que geralmente
de Rituximabe por dois anos, em razão de reativação da doen- são transplantados em fase avançada, com comprometimen-
ça. Não há informações do quadro atual da paciente. to de órgãos vitais pela doença básica ou por terapia prévia e
pelas características dos transplantes. A depleção de linfócitos
Experiência nacional – Conclusões T e B, por exemplo, empregada na maioria dos protocolos, au-
menta consideravelmente as complicações infecciosas (Crippa
A experiência brasileira global já foi relatada na literatu- et al. 2002). Portanto, em razão da toxicidade do transplan-
ra nacional (Voltarelli et al. 2005b) e internacional (Voltarelli te, particularmente para algumas doenças, como o LES e a
et al. 2005a) e atualizada em vários encontros e congressos, esclerose sistêmica, há uma tendência em se esgotar as al-
enquanto a experiência com os quatro primeiros casos de ne- ternativas terapêuticas de imunossupressão, empregando
frite lúpica foi apresentada na literatura nefrológica nacional anticorpos monoclonais anti-TNF, anti-CD20 (rituximab), anti-
(Voltarelli et al. 2003). Nesses trabalhos são analisados de- -CD52 (alemtuzumab), micofenolato de mofetil e outras abor-
talhadamente os aspectos de significativa morbimortalidade dagens inovadoras, antes de indicar o transplante.
do procedimento, e as medidas implantadas para reverter o Entretanto, com o aperfeiçoamento dos critérios de se-
quadro inicial. Para o LES e ES, por exemplo, a seleção mais leção, evitando a inclusão de pacientes com lesões irreversí-
criteriosa dos pacientes, excluindo aqueles com doença exces- veis, e do manejo das complicações específicas, a toxicidade
sivamente avançada, tem evitado óbitos adicionais. Uma aná- do TCTH tem diminuído nos últimos anos e se aproximado
lise dos dados brasileiros mostra que o aperfeiçoamento do daquela observada em doenças onco-hematológicas (mortali-
transplante vem trazendo resultados que se aproximam dos dade em torno de 5%) (Tyndall et al. 2005; Burt et al. 2002;
internacionais. Marmont 2000). Os resultados dessa “curva de aprendiza-
As complicações clínicas pós-transplante serão, certa- gem” deverão ficar mais nítidos nos estudos randomizados
mente, reduzidas com a maior experiência das equipes em recém-iniciados na Europa e EUA, os quais revelarão a mor-
manejá-los (“curva de aprendizagem”), como ocorreu em ou- bimortalidade do procedimento em sua fase mais madura e,
tros centros internacionais (Marmont 2000; Burt et al. 2002). principalmente, sua eficácia comparada ao melhor tratamen-
Entretanto, mesmo com os maiores avanços nesse manejo, a to convencional disponível. De posse dessas informações, os
morbimortalidade relacionada ao transplante não poderá ser especialistas que cuidam dos pacientes com DAI graves, em
completamente eliminada ou trazida a níveis ínfimos em uma conjunto com os próprios pacientes, poderão tomar decisões
população de pacientes com comprometimento sistêmico gra- bem fundamentadas sobre a melhor alternativa terapêutica a
ve, refratária ao tratamento convencional, e que recebe imu- ser seguida. Antes disso, a escolha é ainda baseada largamen-

Perspectivas de Utilização de Células-tronco no Tratamento das Doenças Reumáticas 285


te na visão subjetiva e nas preferências do especialista e do MSCs autólogas e alogênicas como produtos semelhantes, algu-
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

paciente, o qual, muitas vezes, toma a iniciativa de procurar mas revisões no conceito de ausência de imunogenicidade têm
o transplante em função do grande sofrimento infligido pela sido propostas (Badillo et al. 2006; Eliopoulos et al. 2005). Assim,
sua doença e pelas complicações do tratamento convencional. quando aplicadas repetidamente em organismos imunocompe-
Outro fator importante a ser considerado na indicação do tentes, as MSCs parecem induzir resposta imunológica, sendo
TCTH para doenças autoimunes graves e refratárias é o custo consequentemente rejeitadas. Esse efeito parece estar associado
do procedimento, comparado ao das terapias convencionais à presença de interferon-gama (IFN-γ) no ambiente inflamatório
mais modernas. Nos Estados Unidos, o cuidado médico es- do organismo receptor, que induz expressão de HLA classe II na
timado a um paciente com AR varia de 60 a 120 mil dólares superfície das MSCs (Tolar et al. 2006). Essa observação favo-
americanos por toda a vida, e o TCTH autólogo, com custo receria o uso de células alogênicas na prática clínica. Por outro
aproximado de 60.000 dólares se mostra vantajoso. Em nosso lado, alguns autores têm mostrado que MSCs provenientes de pa-
país, esta relação favorece ainda mais o transplante autólogo, cientes portadores de doenças autoimunes poderiam apresentar
visto o custo das drogas biológicas. Além disso, especialmente deficiência de expansão em cultura e menor capacidade de imu-
para populações pobres, mas não exclusivamente, a descon- nomodulação quando testadas em ensaios de inibição linfocitária
tinuidade da imunossupressão crônica, proporcionada pelo in vitro (Tang et al. 2012; Sun et al. 2007). Esse conceito, embora
TCTH bem-sucedido, representa um benefício que não pode estimule o uso de MSCs provenientes de fontes alogênicas, ainda
ser medido apenas monetariamente. é controverso e exige confirmação. Em resumo, ainda não há con-
Em conclusão, a aplicação do transplante de CTH ao tra- senso sobre a melhor fonte, autóloga o alogênica, de MSCs.
tamento das DAI representa uma promissora alternativa As MSCs têm sido aplicadas com frequência crescente na
terapêutica a um grupo de doenças de grande importância mé- clínica. Originalmente, as MSCs foram usadas em pacientes
dico-social. Com todas as dificuldades da nossa realidade, a Me- pós-transplante alogênico de medula óssea que haviam de-
dicina brasileira alcançou resultados significativos nessa área: senvolvido formas graves e refratárias de doença do enxerto
contra o hospedeiro (DECH). Tais estudos revelaram que essas
1. Realizando um dos primeiros transplantes no mundo para células eram bastante eficazes para o controle de formas agu-
DAI isolada (Ferreira et al. 1996); das da DECH (Le Blanc et al. 2004; 2007; 2008). Posteriormen-
2. Realizando o primeiro transplante no mundo para uma te, estudos passaram a investigar o efeito terapêutico das MSCs
vasculite de grandes vasos (Voltarelli et al. 2004); em doenças autoimunes, cujos resultados, ainda iniciais, têm
3. Desenvolvendo o primeiro protocolo mundial de TCTH para sido divulgados nos últimos anos (Uccelli e Prockop 2010).
diabetes mellitus do tipo 1, alcançando independência insulíni- Um estudo chinês descreveu melhora de nefrite lúpica
ca duradoura na maioria dos pacientes (Voltarelli et al. 2007); proliferativa, refratária a pulsos de ciclofosfamida, em quatro
4. Aliviando o sofrimento de dezenas de pacientes intratáveis pacientes que receberam infusões endovenosas de MSCs as-
por meios tradicionais, portadores de doenças reumáticas. sociadas a novos pulsos de ciclofosfamida endovenosa (Sun
Esses benefícios serão, certamente, multiplicados muitas et al. 2009). O mesmo grupo publicou, recentemente, uma
vezes, quando os principais problemas médico-biológicos atualização dos dados, com 87 pacientes portadores de lú-
do procedimento forem resolvidos, melhorando sua rela- pus refratário ao tratamento convencional, submetidos a uma
ção custo/benefício e permitindo sua aplicação, em larga única infusão de MSCs alogênicas e seguidas por uma média
escala, a pacientes em fase inicial da doença, como ocorre, de 27 meses (Wang et al. 2012). Houve 27% de reativações
por exemplo, com as doenças autoimunes da medula ós- durante o seguimento, e cinco pacientes evoluíram para óbito
sea, como a anemia aplástica adquirida. em decorrência de atividade da doença. Os demais pacientes
mantiveram remissão sustentada da doença. Um segundo es-
tudo, chileno, avaliou infusões de MSCs, sem imunossupressão
„„ CÉLULAS-TRONCO MESENQUIMAIS adicional, em duas pacientes com LES (Carrion et al. 2010).
Nos últimos anos, a terapia celular tem evoluído, proporcio- Houve aumento dos níveis de células T reguladoras, mas não
nando alternativas terapêuticas para o tratamento das doenças se observaram alterações na atividade da doença.
autoimunes, visando, sobretudo, minimizar os riscos. Nesse Um grupo chinês, da Universidade de Nanjing, iniciou um
contexto, as células-tronco mesenquimais (MSC) têm sido recen- protocolo de infusões de MSC para esclerose sistêmica, que ain-
temente aplicadas, fundamentadas por seus efeitos imunossu- da está recrutando pacientes, sem resultados divulgados (regis-
pressores e por seu potencial regenerativo (Djouad et al. 2009). trado no endereço eletrônico www.clinicaltrials.gov, sob número
Essas duas características são bastante aplicáveis às doenças reu- NCT00962923). O mesmo grupo divulgou, em 2012, os resulta-
máticas que, por um lado, apresentam inflamação de tecidos e, dos de infusões de MSCs em pacientes com síndrome de Sjögren
por outro, lesões teciduais já estabelecidas. Ao contrário das de- (Xu et al. Blood 2005). Vinte e quatro pacientes com síndrome
mais células-tronco adultas, as MSC se destacam por seu poten- de Sjögren primária receberam infusões de MSCs alogênicas,
cial imunomodulador, interagindo com diversos componentes do por via endovenosa. Houve melhora significativa e progressiva,
sistema imunológico, diminuindo a inflamação e aumentando o ao longo de um ano, dos sintomas de xerostomia e xeroftalmia,
número e função de células reguladoras (Keating 2012). Como as do escore de atividade da síndrome de Sjögren (SSDAI), do fluxo
MSCs dispensam o uso de quimioterápicos ou imunossupresso- de saliva produzida e de manifestações extraglandulares, além
res, sua aplicação é considerada segura, conferindo-lhes grande da negativação dos autoanticorpos anti-Ro e anti-La. Em relação
vantagem. Adicionalmente, acredita-se que essas células sejam a artrite reumatoide, há dois estudos em andamento, sendo o
pouco imunogênicas, por não expressarem espontaneamente primeiro em Xianxim, na China (NCT01547091), usando infu-
HLA de classe II, portanto é possível usar células provenientes sões endovenosas de MSCs de cordão umbilical, e outro condu-
de doadores não aparentados, ou mesmo de um banco de célu- zido por uma empresa nos Estados Unidos, também avaliando
las mesenquimais. Entretanto, embora estudos tenham avaliado injeções de MSCs alogênicas (NCT01851070).

286 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Numerosos estudos avaliam o efeito reparador das MSCs, O mesmo grupo publicou os resultados de um pequeno estudo

„„ CAPÍTULO 16
localmente implantadas em órgãos e tecidos lesados ou de- piloto, envolvendo seis pacientes com osteoartrose de joelhos,
generados (Carvalho et al. 2008; Hannouche et al. 2007). A submetidos a injeções intra-articulares, sem molde, de MSCs
reumatologia tem especial interesse em tais estudos, princi- (Emadedin et al. 2012). Os pacientes apresentaram melhoras
palmente por causa da possibilidade de regenerar articulações parciais de dor e função, não significativos estatisticamente e
acometidas por osteoartrose. Assim, um grupo espanhol divul- com tendência a piorar após seis meses do tratamento. As ima-
gou recentemente os resultados de um estudo piloto incluindo gens de ressonância de três, dos seis pacientes, constataram
doze pacientes com osteoartrose de joelhos que haviam rece- melhora da qualidade da cartilagem articular.
bido injeções intra-articuares de MSCs autólogas (Orozco et al.
2013). Houve melhora álgica e funcional, além de aumento da
qualidade da cartilagem articular às imagens de ressonância
AGRADECIMENTOS: Aos Drs. Alan Tyndall (Basileia ‒ Suíça),
magnética. O grupo pretende agora iniciar um segundo estu-
Javier Bolãnos-Meade (Johns Hopkins University ‒ EUA), Da-
do, comparativo com grupo controle na Universidade do Cai-
vid Jayne (Cambridge University ‒ Inglaterra), Sarah Bingham
ro, um protocolo encontra-se em andamento, visando avaliar
(Leeds ‒ Inglaterra) e Marco Rabusin (Trieste ‒ Itália) por
os efeitos de MSC implantadas por artroscopia em defeitos
fornecerem informações não publicadas às equipes de Trans-
osteocondrais (clinicaltrials.gov NCT00891501). De modo se-
plante de Medula Óssea dos centros participantes do estudo e
melhante, uma segunda pesquisa, no Irã, avalia a capacidade
à FAPESP, CNPq, FINEP, FUNDHERP-Hemocentro-RP e FAEPA-
das MSC repararem lesões de cartilagem do joelho, quando
-HCFMRP-USP pelo apoio financeiro.
cultivadas sobre um molde (clinicaltrials.gov NCT00850187).

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Perspectivas de Utilização de Células-tronco no Tratamento das Doenças Reumáticas 289


17

Capítulo
Rita Furtado

Procedimentos Terapêuticos em Reumatologia

„„ RESUMO procedimentos formam um conjunto de intervenções (Quadro


17.1) muito pertinentes à reumatologia por terem o aparelho
Os procedimentos em reumatologia, sejam diagnósticos ou musculoesquelético como o mais frequentemente acometido
terapêuticos, podem diferenciar o reumatologia em sua práti- pelas suas enfermidades e pela habilidade do reumatologista
ca diária. A grande maioria deles é relacionada às infiltrações em lidar com a semiologia osteo-músculo-ligamentar. Esses
intra ou periarticulares utilizando corticosteroides. Em casos procedimentos “armam” o reumatologista no diagnóstico de
de infiltrações intra-articulares a melhor droga a ser utilizada casos difíceis e na otimização do seu tratamento.
é o hexacetonide de triancinolona (maior tempo de perma- Este capítulo se destina à abordagem teórico-prática dos
nência intra-articular e maior poder atrofiante de sinóvia). Em procedimentos “terapêuticos” mais frequentes na prática clí-
casos de infiltrações periarticulares não devem ser utilizados nica do reumatologista.
corticosteroides atrofiantes. Outras drogas a serem lembradas
para o uso intra-articular são os radioisótopos e o ácido hialu-
rônico. Os procedimentos em reumatologia podem ser realiza- „„ HISTÓRICO
dos às cegas ou guiados por imagem. O reumatologista pode
Os procedimentos invasivos em reumatologia foram intro-
ser treinado no uso da fluoroscopia e do ultrassom para guiar duzidos na prática médica por Thorn, com o primeiro relato de
procedimentos de realização mais complexa. O ultrassom tem IIA com cortisona, mas não publicado, e sim, apenas comuni-
como principais vantagens em relação à fluoroscopia o fato de cado pessoalmente a Hollander. Este, por sua vez, indexou em
não expor o paciente à radiação e ao uso de contraste, além de 1951 o primeiro estudo utilizando a hidrocortisona via intra-
permitir a visualização de partes moles. Procedimentos mais -articular em pacientes com várias enfermidades reumatoló-
elaborados, como infiltrações peridurais com corticosteroide gicas. Nesse estudo, observou-se o aparecimento de sinovite
e lavagem articular, podem otimizar o tratamento de casos medicamentosa exuberante em alguns casos e duração média
refratários de radiculopatias e osteoartrite, respectivamente. de efeito do rocedimento de seis a treze dias em pacientes com
AR, dependendo da articulação infiltrada.1 Desde então, as IIAs
„„ Histórico
têm feito parte do cotidiano do reumatologista que, utilizando
„„ Infiltrações intra-articulares e periarticulares: consi- uma gama de fármacos intra-articulares diferentes, otimizan-
derações gerais do a ação de fármacos já conhecidos e criando novas técnicas
„„ Drogas mais utilizadas de procedimentos, tem se diferenciado na abordagem de casos
„„ Técnicas para realização de infiltrações osteomusculares refratários.
„„ Procedimentos mais elaborados em reumatologia
„„ INFILTRAÇÕES INTRA-ARTICULARES (IIAS)
A intervenção é uma das práticas do reumatologista, que E PERIARTICULARES (IPAS):
auxilia a abordagem tanto diagnóstica quanto terapêutica, CONSIDERAÇÕES GERAIS
principalmente do comprometimento osteoarticular dos
doentes reumáticos. Atualmente a reumatologia intervencio- As IIAS e IPAs podem ser realizadas às cegas no consultó-
nista abrange uma série de procedimentos que vão desde as rio médico, ou com auxílio de imagem, habitualmente em am-
habituais infiltrações intra-articulares (IIAs) apendiculares biente hospitalar.2, 3, 4
com corticosteroides, radioisótopos ou ácido hialurônico; pas- Para o sucesso das IIAs é necessário que o espaço intra-
sando por infiltrações de articulações mais profundas, como -articular seja adequadamente atingido, e isso é facilmente
coxo-femoral, ombro e médio-pé; por infiltrações axiais, como comprovado com a visualização do refluxo de líquido sinovial
peridurais, de articulações zigoapofisárias, foraminais e intra- (Figuras 17.1 e 17.2). No entanto, em articulações com apenas
discais; até procedimentos diagnósticos invasivos, como bióp- proliferação sinovial, pode-se não conseguir realizar aspiração
sia sinovial, óssea, muscular e de glândula salivar. Todos esses desse líquido.2, 3, 4

291
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

Quadro 17.1 Principais procedimentos diagnósticos e terapêuticos pertinentes à prática da reumatologia.


Procedimentos diagnósticos Procedimentos terapêuticos
Intra-articulares Periarticulares Intra-articulares (IIAs) Periarticulares(IPAs)
„„ Artrocentese diagnóstica „„ Biópsia de glândula „„ IIA c/ corticoides „„ IPA c/ corticoide
„„ Biópsia sinovial „„ Salivar (BGS) „„ IIA c/ ac. hialurônico „„ Injeção peridural c/ corticoide
„„ Biópsia óssea „„ IIA c/ radioisótopos „„ Punção-aspiração de calcificações
„„ Biópsia muscular „„ Lavagem articular „„ Aponevrotomia por agulha
(Dupuytren)
„„ Injeção de TBA p/Sd. Miofacial
„„ Injeção de forame vertebral c/
corticoide
„„ Injeção intra-discal c/ corticoide

Procedimentos às cegas Procedimentos guiados por imagem


„„ A maioria dos procedimentos apendiculares „„ Mais frequentemente com auxílio de:
„„ Biópsias: sinovial, óssea, muscular, BGS „„ Fluoroscopia
„„ Lavagem articular „„ Ultrassonografia
IIA: infiltração intra-articular; IPA: infiltração periarticular; TBA: toxina botulínica tipo A; BGS: biópsia de glândula salivar.

Teoricamente, qualquer articulação pode ser submetida a


uma infiltração, desde que se conheça a anatomia loco-regio-
nal com seus reparos anatômicos e recessos capsulares e que
se tenha intimidade com meios de imagem que possibilitem a
abordagem de articulações profundas.2, 3, 4

Infiltrações intra-articulares (IIAs)


As IIAs fazem parte do arsenal terapêutico para o trata-
mento local principalmente das sinovites crônicas refratárias.
Esses procedimentos são também conhecidos como “sinovec-
tomias químicas”, “sinoviortese”, “sinoviólise”, ou ainda, “sino-
vioterapia”, e têm como objetivo destruir ao máximo a sinóvia
doente, seja por enfermidades inflamatórias, proliferativas ou
de depósito.5
Apesar de muito frequentes na prática do reumatologis-
ta, existem poucos trabalhos controlados e prospectivos que
avaliam a sua efetividade. Sem dúvida a grande maioria das
Figura 17.1 Refluxo de líquido sinovial em IIA de punho. IIA foi e continua sendo realizada com corticosteroides (prin-
cipalmente o hexacetonide de triancinolona – fármaco melhor
abordado no tópico “Drogas mais utilizadas”), que por sua vez
são drogas habitualmente usadas por outras vias no controle
da atividade inflamatória articular. 6, 7
Apesar de alguma discordância entre autores, existem algu-
mas indicações universalmente aceitas para a utilização da IIA
em pacientes com doença articular inflamatória crônica:2, 3, 6

„„ Controle de sinovite pauciarticular;


„„ Controle das articulações residuais mais inflamadas
dentro de um cortejo de atividade poliarticular em
pacientes portadores de doença inflamatória articular
crônica;
„„ Em grandes articulações de pacientes com artrite reu-
matoide (AR) pode-se acrescentar o uso de IIA como
teste terapêutico quando não há certeza da causa da
dor articular;
„„ Em articulações com osteoartrite secundária exube-
rante de pacientes com contraindicação absoluta de
Figura 17.2 Refluxo de líquido sinovial em IIA de interfalangeana protetização pelos riscos clínicos da cirurgia;
distal. „„ Quando se deseja retardar a protetização da articulação.

292 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Existem situações em que se observa falha da IIA. Como com artrite reumatoide juvenil (ARJ), existem relatos prove-

„„ CAPÍTULO 17
causa de falha no procedimento, existem algumas condições nientes de trabalhos abertos que demonstram manutenção da
potenciais, como:2, 3, 6 melhora da sinovite pós IIA em 60 a 82% dos pacientes por
mais de 6 meses; de 45 a 67% por mais de um ano; e de 58%
„„ Técnica inadequada com perda do fármaco para o meio de melhora por mais de 2 anos.3
extra-articular;
Pelo receio de uma potencialização na degeneração arti-
„„ Presença de septos intra-articulares dificultando a di- cular (dado ainda não confirmado por evidência científica),
fusão uniforme esperada da droga na cavidade intra- alguns autores recomendam um intervalo de pelo menos 3
-articular; meses entre IIAs em uma mesma articulação.10
„„ Uso do fármaco inadequado (como corticosteroide de A superioridade da IIA monoarticular com corticoste-
curta duração); roide (hexacetonide de triancinolona) em relação a seu uso
„„ Doença com atividade sistêmica ou poliarticular exu- sistêmico foi confirmada quanto a promover melhora rápi-
berante, na qual apenas uma articulação seja infiltrada. da e consistente de variáveis articulares locais (dor, edema
e rigidez matinal no joelho), sem provocar efeitos colaterais
Como em qualquer procedimento invasivo, existem algu- locais ou comprometer variáveis sistêmicas.11 A superio-
mas complicações que podem estar associadas à IIA (prin- ridade da poli-infiltração com corticosteroide sobre a ad-
cipalmente com corticosteroides atrofiantes). Segundo a ministração sistêmica da droga já havia sido sugerida em
literatura relacionada, as complicações mais frequentemente pacientes com AR pelos trabalhos abertos realizados por
citadas seriam as seguintes:2, 3, 6 McCarty et al. (1972, 1995) com hexacetonide de trianci-
nolona9, 12 e pelo trabalho de Proudman et al. (2000) com
„„ Atrofia e/ou hipocromia cutânea (por perda do hexa- metilprednisolona.13 Essa superioridade foi confirmada no
cetonide de triancinolona para o meio extra-articular), estudo controlado de Furtado et al. (2005), que concluiu
ruptura de tendão, hemartrose, lesão neural, artri- que a poli-infiltração com hexacetonide de triancinolona
te séptica, aceleração da degeneração cartilagínea em pacientes com artrite reumatoide (AR) foi superior ao
(ainda não confirmada por trabalhos controlados), uso sistêmico de acetonide de triancinolona, a médio prazo,
sinovite autolimitada induzida pelo cristal de cor- quanto à variação da dosagem sérica do ACTH, ao menor
ticosteroide, calcificação periarticular (identificada número de articulações dolorosas e de efeitos colaterais sis-
por radiografia), osteonecrose (associação com IIA têmicos, à atividade da doença segundo o paciente, e a curto
ainda não baseada em evidência) e paresia de muscu- prazo, para os critérios de melhora da atividade da doença
segundo o ACR (20, 50 e 70%).14
latura periarticular.

Efeitos sistêmicos são inegáveis, sobretudo com prepara- Infiltrações periarticulares (IPAs)
ções solúveis de corticosteroides, sendo observada na prática
médica, há melhora da inflamação de articulações a distância, As IPAs podem ser um recurso valioso no tratamento de
eosinopenia, detecção do fármaco infiltrado no plasma (prin- reumatismos de partes moles refratários ao tratamento sistê-
cipalmente se corticosteroide solúvel) e diminuição do corti- mico ou mesmo a primeira escolha em certas situações. É útil
sol plasmático após o procedimento.2, 3, 6, 7 também na abordagem de desordens inflamatórias refratárias
peri estruturas nervosas (Quadro 17.2).
Quanto às complicações sistêmicas, os eventos mais cita- Nesses procedimentos, a estrutura a ser atingida não é a ca-
dos são:2, 3, 6 vidade articular, e sim, estruturas periarticulares, como bursas,
bainhas tendíneas, ênteses e fáscias ou perinervosas.4, 15
„„ Rubor facial, cefaleia, reação de hipersensibilidade ao
corticosteroide (raro) ou ao veículo, metrorragia, e Em algumas situações, como nas tendinites, deve-se
anedoticamente, hipercortisolismo. lembrar de sempre depositar o fármaco na região eminente
à inflamada e nunca infiltrar o tecido intra-tendíneo para
As contraindicações absolutas e relativas para a realização evitar rupturas indesejadas. Nas entesites e bursites, a agu-
de uma IIA são as seguintes: lha deve encontrar o perióstio adjacente e fazer movimen-
tos em leque enquanto se introduz a medicação. Em casos
„„ Absolutas: artrite séptica, bacteremia, celulite periar- de estruturas neurológicas, ao menor sinal de parestesia ou
ticular, hipersensibilidade ao veículo da medicação dor referida, a agulha deve ser reposicionada antes do fár-
injetada, fratura osteocondral, prótese articular, osteo- maco ser injetado.4, 15
mielite adjacente, endocardite bacteriana e distúrbios Para uma maior praticidade no momento da intervenção,
graves de coagulação. ao contrário da maioria das infiltrações intra-articulares, a
„„ Relativas: terapia anticoagulante, instabilidade arti- droga injetada (habitualmente corticosteroide não atrofiante)
cular, diabetes mellitus não controlada, hemartrose e pode já estar misturada a lidocaína a 2% sem vasoconstrictor,
úlceras de decúbito. na mesma seringa. O repouso da região infiltrada por 48 horas
após a intervenção também deve ser aconselhado.4, 15
A duração do efeito benéfico da IIA com corticosteroide é Procedimentos mais simples, como os acima citados, po-
indefinida, e muitos trabalhos lançam dados divergentes de dem ser realizados após uma antissepsia comum. No entanto,
acordo com variáveis como idade e repouso articular. Com o procedimentos periarticulares mais complexos, como injeções
hexacetonide de triancinolona demonstrou-se manutenção peridurais e foraminais de corticosteroide, devem ser realiza-
da ação desse procedimento por um período de 90 dias 8 até das com o maior rigor possível de antissepsia (material estéril
7 anos (em casos de pacientes poli-infiltrados)9. Em crianças e médico paramentado).4, 15

Procedimentos Terapêuticos em Reumatologia 293


„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

Quadro 17.2 Estruturas mais frequentemente beneficiadas por IPA.


Bursas Bainhas tendíneas Énteses Fáscias Espaços

„„ Sub-acromial „„ Tendões do manguito rotador „„ Ângulo da escápula „„ Palmar (Doença de „„ Túnel do tarso
„„ Olecraneana „„ Tendão do extensor longo e „„ Epicôndilo lateral Dupuytren) „„ Túnel do carpo
„„ Trocantérica abdutor curto do polegar „„ Epicôndilo medial „„ Plantar „„ Espaço peridural
„„ Isquiádica „„ Tendão flexor do dedo „„ Tuberosidade da tíbia „„ Forame vertebral
„„ Pré-patelar „„ Tendão patelar „„ Calcâneo
„„ Pré-aquiliana „„ Tendão extensor ulnar do carpo
„„ Intermetatársicas „„ Tendão tibial posterior
„„ Tendões fibulares
„„ Tendão calcâneo
IPA: infiltração periarticular.

„„ DROGAS MAIS UTILIZADAS


Corticosteoides Quadro 17.3 Solubilidade de alguns corticosteroides utili-
zados em IIA.6, 10
Os corticosteroides, com suas propriedades anti-inflamató-
rias e anti-proliferativas, bem como capacidade de atrofiar a si- Corticosteroide Solubilidade (% wt/vol)
nóvia, é a medicação mais utilizada para a realização de IIAs.2, 3, 16
„„ Acetato de hidrocortisona 0,002
Os mecanismos de ação local atribuídos aos corticoste-
„„ Acetato de metilprednisolona 0,001
roides e pelos quais se justifica o seu uso intra-articular no
combate local da atividade inflamatória são: diminuição da „„ Terbutato de prednisolona 0,001
angiogênese e da migração dos neutrófilos para a cavidade ar- „„ Acetato de triancinolona 0,004
ticular; redução da liberação de enzimas lisossômicas prove- „„ Hexacetonide de triancinolona 0,0002
nientes dos neutrófilos; inibição da produção de superóxidos IIA: infiltração intra-articular.
locais; supressão de genes moduladores da destruição celular;
inibição das enzimas ciclo e lipo-oxigenase; diminuição da
produção de colagenase; e aumento da produção de proteo- A absorção sistêmica do corticosteroide é inegável e exis-
glicanos.2, 3, 16 tem relatos de eventos como flushing facial, cefaleia, reação de
hipersensibilidade ao corticosteroide (raro) ou ao seu veículo,
Os benefícios dessa proposta terapêutica foram descober-
metrorragia e hipercortisolismo após IIA.2, 3, 6
tos ao longo dos anos e com a síntese de novos corticosteroi-
des. O efeito das IIAs com corticosteroides em pacientes com Em estudo de farmacocinética pós-IIA, observou-se que a
AR foi observado com muitas apresentações, como dexameta- média de tempo de permanência intra-articular do HT, do AT e
sona, acetato de metilprednisolona, acetato e fosfato de beta- da betametasona são, respectivamente, 6 dias, 3,75 dias e 2,8
metasona e acetato de prednisolona.2, 3, 16 dias. Detectou-se nível sérico de triancinolona e de betameta-
sona após a IIA, respectivamente, por 15 dias e 6,3 dias após
Com o domínio da técnica e o melhor entendimento da bio-
a IIA, observando-se clearence total da articulação de todas as
disponibilidade intra-articular dos corticosteroides, percebeu-
três drogas. Após três dias da IIA, somente 35 a 40% da dose
-se que o efeito da IIA era mais duradouro quanto maior fosse
de hexacetonide de triancinolona é absorvida do ambiente
o tempo de permanência da droga no ambiente intra-articular,
intra-articular em comparação com 58 a 67% de acetonide de
e que esse tempo estava diretamente relacionado com a inso-
triancinolona e 78% de betametasona.18
lubilidade do corticosteroide.2, 3, 16 Daí então o surgimento dos
ésteres de triancinolona, que são corticosteroides sintetizados Apesar de o procedimento de IIA ser utilizado há mais de
a partir da introdução de um composto fluorado à predniso- cinco décadas e o HT ser conhecido como a melhor opção para
lona, conferindo maior potência, e de um sal acetonado, que essa modalidade terapêutica, são poucos os trabalhos compa-
diminui a solubilidade e prolonga sua ação.17 Existem sob a rando a IIA de corticosteroides a outros tratamentos sistêmi-
forma de acetonide, diacetonide e hexacetonide e, por serem cos, seja por via oral ou parenteral. A maioria deles comparou
os corticosteroides com a menor solubilidade (Quadro 17.3), o uso do hexacetonide com outros corticosteroides, como suci-
possuem maior tempo de ação e melhor resposta para o uso nato de hidrocortisona, AT, metilprednisolona e prednisolona,
intra-articular, de acordo com a literatura.10, 6 e demonstraram superioridade inquestionável do HT em rela-
ção à intensidade e duração de efeito na melhora da sinovite
O hexacetonide de triancinolona (HT) apresenta solu-
em pacientes com AR, assim como menor incidência de efeitos
bilidade de 0,0002 a 0,0004% em água a 25 °C e completo
colaterais sistêmicos.2, 3, 6, 16
clearence da cavidade articular em período superior a duas
semanas. A dose de equivalência, quando comparada à pred- Outros trabalhos controlados com HT em pacientes reu-
nisona, é de 4:5, assim como o acetonide de triancinolona matoides compararam o efeito dessa droga apenas em relação
(AT) e a metilprednisolona. Entretanto, apresenta o inconve- ao uso intra-articular de outros fármacos não corticosteroides
niente de não poder ser administrado por via intramuscular com ação anti-inflamatória ou antiproliferativa sinovial, mais
nem por via endovenosa. Já o AT pode ser usado pela via in- uma vez demonstrando a superioridade do HT na maioria das
tramuscular (IM).6,10 variáveis estudadas,2, 3, 6, 16 com exceção à rifampicina, na qual

294 Tratado Brasileiro de Reumatologia


o efeito terapêutico, assim como os efeitos colaterais locais do ro de complicações. A combinação de cirurgia e sinovectomia

„„ CAPÍTULO 17
HT foram potencializados com o seu acréscimo.19 com 90Y para sinovite vilonodular pigmentada extensa é consi-
Drogas anti-TNF introduzidas via intra-articular já foram derada segura e eficaz.22, 24
avaliadas para o tratamento de sinovite refratária de joelho Antes de realizar a sinovectomia radioisotópica, algumas
em pacientes com AR. Em trabalhos abertos, essas drogas não recomendações devem ser seguidas, como: intervalo de duas a
apresentaram benefício em AR. Em trabalho controlado com- seis semanas entre a radiosinovectomia e procedimentos como
parando o uso de anti-TNF versus corticosteroide (etanercept artroscopia ou cirurgia articular; repetição do procedimento
versus metilprednisolona), via intra-articular, não houve dife- em intervalo superior a seis meses; realizar a intervenção em
rença entre os grupos.20 ambiente de medicina nuclear por profissional qualificado; se-
Portanto, o benefício do uso do HT via intra-articular já guir as normas de bio-segurança para manuseio do material ra-
é bem estabelecido se comparado a outros corticosteroides, dioativo; realizar o procedimento sob radioscopia, exceto para
bem como quando comparado a outros fármacos.6 o joelho; uso concomitante do HT para evitar sinovite reativa e
O uso de corticosteroide via periarticular não pode se ba- prolongar o tempo do fármaco na articulação; repouso articular
sear nos mesmos conceitos da via intra-articular. Não se pode com órtese após a intervenção por 48 horas.25
esquecer que o corticosteroide é por si, uma droga atrofiante, Os efeitos adversos relatados na literatura são hemorragia
cujo poder varia de acordo com sua apresentação. Pela via pe- local, infecções, necrose de partes moles, reações alérgicas e
riarticular deve ser utilizado um corticosteroide de depósito febre. São poucos os estudos controlados com sinovectomia
não atrofiante, como a betametasona, dexametasona ou metil- radioisotópica, mas existem evidências da superioridade do
prednisolona.4, 15 érbio 169 e do rênio 186 em relação à infiltração com corticos-
O acetonide de triancinolona também é uma opção para a teroide. Em meta-análise com 2190 articulações tratadas
via periarticular. No entanto, deve-se lembrar que esta última prospectivamente com sinovectomia radioisotópica (estudos
droga pode provocar lesões atrofiantes leves a moderadas se de 1971 a 1999), foram observados melhores resultados em
injetada muito superficialmente (no tecido subcutâneo, por pacientes hemofílicos, com sinovite vilonodular pigmentada e
exemplo). Deve ser reservada, portanto, para infiltrações pe- em pacientes reumatoides sem alteração degenerativa.26
riarticulares profundas (bursas profundas, por exemplo). O
Muito utilizada na Europa, a radiosinovectomia é um proce-
hexacetonide de triancinolona jamais deve ser utilizado nas
dimento aparentemente mais efetivo que a sinovectomia química
infiltrações periarticulares pelo risco real de provocar lesão
isolada com corticosteroide. No entanto, ainda não se confirmou
de estruturas periarticulares (mesmo profundas) e cutâneas,
a superioridade do conjunto de radioisótopos utilizados para
em razão de sua marcante característica atrofiante.4, 6, 15
esse fim em relação ao hexacetonide de triancinolona.26, 27, 28, 29
Recentes trabalhos com Samário-153 hidroxiapatita
Radioisótopos (153SmPHYP) têm sido desenvolvidos,30, 31 inclusive no Brasil
A sinovectomia com o uso de radioisótopos (sinoviórtese) (UNIFESP-EPM), onde já existe tecnologia e produção dessa
foi utilizada pela primeira vez em 1952 e é amplamente usada droga (IPEN ‒ Instituto de Pesquisas Energéticas e Nucleares).
na Europa. Como a cartilagem é naturalmente hipóxica e ra- Apesar de não ter sido efetiva para promover sinovectomia ra-
dioresistente, esse tipo de abordagem é interessante, pois pro- dioisotópica em joelho de pacientes com AR,32 especula-se que
move sinovectomia segura e mais agressiva, uma vez que essas essa droga possa ser útil em associação ao HT, principalmente
substâncias são de pequeno tamanho (2 a 10 µm) (facilidade em articulações de médio porte (cotovelos, punhos, tornoze-
para a fagocitose pelos sinoviócitos, apresenta menor escape los), pois apresenta penetração tecidual semelhante ao 186Re
extra-articular e efeito radioativo sistêmico), bem como são (3,1 mm).
capazes de emitir radiação β e possuem meia-vida curta.21
Os radiofármacos mais utilizados para a radiosinovecto- Viscossuplementação
mia são o 90Y (ítrio) (emissão de radiação β, penetração mé-
dia tecidual de 3,6 mm, meia-vida de 3 dias, usado mais em A viscossuplementação é a utilização intra-articular de áci-
grandes articulações); 186Re (rênio) (emissão de radiação β e do hialurônico (AH), principalmente em pacientes com osteoar-
γ, penetração média tecidual de 1,1 mm, meia-vida de 4 dias, trite (OA). Tem como finalidade melhorar a concentração de AH
utilizado em médias articulações); 169Er (érbio) (emissão β, e, consequentemente, restaurar a viscoelasticidade e proprieda-
penetração média tecidual de 0,3 mm e meia-vida de 9, usado des nociceptivas e anti-inflamatórias do líquido sinovial.33
em pequenas articulações).22, 23 O hialuronato de sódio é um polissacarídeo natural, for-
O radiofármaco com propriedade de emissão de radiação mado pela repetição de duas unidades de dissacarídeos (ácido
β, tem penetração em tecidos moles e pode ser administrado glicurônico e n-acetilglicosamina, ligados por pontes glicosídi-
via intra-articular para promover necrose das camadas sino- cas), que atuam como lubrificantes e como suporte viscoelás-
viais e preservação da integridade da cartilagem adjacente.22 tico. Atua inibindo a liberação de ácido araquidônico, diminui
A principal indicação da radiosinovectomia é o tratamento o metabolismo das proteoglicanas e a produção de prostaglan-
da sinovite da AR que não respondeu a pelo menos uma IIA com dinas E2 pelo estímulo da interleucina -1, assim como, modula
HT. Ela pode ser utilizada também para o tratamento de outras a proliferação, migração e fagocitose de leucócitos.33, 34
artropatias refratárias (artrite hemofílica, artropatia por depo- Por causa da pequena meia-vida intra-articular, promove
sição de cristais de pirosfosfato de cálcio, sinovite vilonodular resposta lubrificante e biomecânica fugaz e acredita-se que
pigmentar e sinovite persistente após colocação de prótese).22, 23 seus efeitos a longo prazo sejam decorrentes da ação anti-
As vantagens da sinovectomia radioisotópica em relação à -inflamatória, inibição da atividade de neuro-receptores e da
cirúrgica são o menor custo e tempo de hospitalização, além alteração do metabolismo da cartilagem e do comportamento
de ser um procedimento menos invasivo e com menor núme- do sinoviócito.33, 34

Procedimentos Terapêuticos em Reumatologia 295


De modo geral, a concentração do ácido hialurônico é de cutânea da agulha utilizada em uma IIA bem-sucedida. No
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

10mg/mL na maioria das apresentações. Nas articulações de entanto, em quase todas as articulações a serem infiltradas, é
grande e médio porte utiliza-se a dose de 2 a 2,5 mL; e nas de interessante que a seringa que aborda o espaço intra-articular
pequeno porte, como as interfalângicas, a dose recomendada contenha apenas lidocaína a 2% sem vasoconstrictor. Essa dro-
é de 0,3 a 0,5 mL. As infiltrações são realizadas semanalmente, ga servirá muito mais para explorar e se certificar do espaço
podendo a frequência variar de 3 a 5 aplicações consecutivas. intra-articular, do que para anestesiar. Quando a primeira se-
O tratamento pode ser repetido após um período de seis me- ringa se desconecta da agulha já bem posicionada e se observa
ses. A duração do efeito benéfico da viscossuplementação ain- o refluxo da lidocaína ou de líquido sinovial, tem-se a certeza
da não foi definida, mas estudos mostram uma melhora da dor da localização adequada no espaço intra-articular. Uma segun-
e função por 6 a 12 meses.33, 35 da seringa, agora com o fármaco a ser injetado (geralmente
A viscossuplementação pode ser utilizada em casos de os- com corticosteroide), pode ser então conectada à agulha para
teoartrtrite de joelhos, quadril, glenoumeral, tíbio-talar e ri- a finalização do procedimento.4, 6, 15
zoartrose. Na maioria dos estudos, esse procedimento é bem A seringa com corticosteroide deve sempre conter 0,5 a 1 mL
tolerado e as reações adversas são raras (exantema cutâneo, de ar, que será injetado no final do procedimento e servirá
prurido ou urticária). Existem relatos de “flare” articular após para o preenchimento do túnel deixado pela agulha, evitando
a infiltração, que pode ser minimizado com o uso combinado o refluxo cutâneo do corticosteroide injetado e suas conse-
de HT na primeira aplicação.33, 34 quências.4, 6, 15
Estudos controlados avaliando efetividade a curto e lon- Como enfatizado em tópicos anteriores, as IIAs com cor-
go prazo em pacientes com osteoartrite de joelho mostraram ticosteroide sempre devem ser realizadas com hexacetonide
superioridade da viscossuplementação em relação ao placebo de triancinolona (droga mais efetiva para uso intra-articular),
(habitualmente solução salina) para os seguintes parâme- que jamais deve ser utilizada propositalmente em um ambien-
tros: dor no repouso e ao movimento, capacidade para subir te periarticular, já que possui alto poder atrofiante.4, 6, 15, 16, 17, 18
degraus, tempo de caminhada, amplitude de movimento e
O paciente deve ser lembrado antes da IIA que deverá
escores funcionais. Esses resultados são suportados por me-
permanecer em repouso articular após a intervenção. A artro-
tanálise com trabalhos que enfatizam a efetividade da viscos-
centese pré-introdução da droga no ambiente intra-articular
suplementação por um período de 5 a 13 semanas na melhora
é indicada por diminuir os metabólitos danosos à cartilagem
da dor, função, e avaliação do paciente.36
do meio intra-articular,40 e o repouso da articulação, apesar
Estudos comparando a efetividade dos derivados do AH de ainda não bem definido quanto ao tempo, se no leito ou se
à de corticosteroides de depósito ainda são conflitantes, e através de órteses, também deve ser recomendado por pelo
quando se compara à efetividade intra-articular do derivado menos 48 horas, no intuito de retardar ao máximo o clearence
do AH a do HT também não se encontram respostas definidas
articular da droga infiltrada, além de diminuir as perdas pe-
na literatura. Aparentemente o HT é mais efetivo a curto pra-
riarticulares da droga injetada.41
zo, enquanto os trabalhos apontam para uma ação mais dura-
doura a longo prazo do derivado do ácido hialurônico.37, 38 No Não existem guias de conduta baseados em estudos con-
entanto, não existem ainda estudos comparando essas duas trolados para definição da dose ideal de corticosteroide para
drogas em que o HT tenha sido usado em uma dose suficiente cada articulação. Obviamente essa dose deve variar de acordo
para promover sinovectomia química na articulação estudada. com o porte da articulação infiltrada. Em se tratando do HT,
A adição intra-articular do AT ao AH fez essa associação supe- recomendam-se doses de 5 a 10 mg para pequenas e de 20
rior ao uso isolado do AH (dor articular) para o tratamento da a 40 mg para médias articulações, apesar de alguns autores
osteoartrite de joelho.39 utilizarem doses maiores (de 5 a 20 mg para pequenas arti-
culações de mãos) e de na prática diária haver citações de uso
Mais estudos são necessários, inclusive com associação
de até 80 a 100 mg para articulações de grande porte, como
com corticosteroides e em outras enfermidades osteoarticu-
joelho e coxo-femoral.2, 6, 9, 12
lares para comprovar o real papel da viscossuplementação na
melhora clínica dos pacientes reumáticos. Várias são as articulações apendiculares passíveis de IIA
às cegas. No Quadro 17.4 estão listadas as articulações mais
comumente infiltradas às cegas, os reparos anatômicos utili-
„„ TÉCNICAS PARA REALIZAÇÃO DE INFILTRAÇÕES zados para esse procedimento, o tamanho da agulha a ser uti-
Para a otimização do efeito das infiltrações osteoarticula- lizada.4, 6, 15 e a dose de hexacetonide sugerida para a IIA em
res algumas considerações prévias devem ser lembradas. pacientes com AR.
Na quase totalidade das IIAs o paciente deve se encontrar
em repouso, ou seja, em decúbito dorsal, na tentativa de evitar „„ PROCEDIMENTOS MAIS ELABORADOS EM
desautonomias. Esses procedimentos, exceto para coluna verte- REUMATOLOGIA
bral e para articulações como glenoumeral e coxo-femoral, po-
dem ser realizados após uma antissepsia comum, realizada com Injeção peridural com corticosteroide
povidine tópico ou cloroexidine e luvas de procedimento.4, 6, 15 As infiltrações peridurais ou epidurais são intervenções
É muito importante a utilização de seringas de rosca para através das quais se punciona o espaço epidural para a intro-
a realização das infiltrações intra-articulares. Quando bem co- dução de corticosteroide isoladamente ou em associação com
nectadas à agulha, evitam a soltura e a perda do conteúdo a ser anestésico com intenção terapêutica e foi primeiramente des-
infiltrado em procedimentos onde haja difícil penetração do crita por Liévre et al.42 em 1953. É prática sub-utilizada pela
líquido no ambiente intra-articular.4, 6, 15 maioria dos reumatologistas, exceto pelos europeus que fazem
O uso de anestésico para bloqueio cutâneo é desnecessá- desse procedimento rotina para o tratamento de lombociatal-
rio e aumenta o desconforto local no momento da penetração gia refratárias.43

296 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 17
Quadro 17.4 Técnica de abordagem às cegas para IIA de algumas articulações apendiculares.

Articulação Reparos anatômicos Agulha Dose de HT

Glenoumeral Ponto a 1 cm lateral e inferior ao processo coracoide 40 x 8 mm 80 mg (4 mL)

Ponto central de triângulo formado pelo epicôndilo lateral, olécrano e


Cotovelo 30 x 7 mm 60 mg (3 mL)
ponto equidistante

Punho (radio-cárpica) Fosseta dorsal do carpo 25 x 7 mm 30 a 40 mg (1,5-2 mL)

MCF Sulco na articulação provocado pela tração distal do dedo Insulina 10 a 20 mg (0,5-1 mL)

1,5 cm medial e inferior a ponto de cruzamento entre linha imediatamente Espinhal ou de


Coxo-femoral* 100 mg (5 mL)
acima do TMF e linha coincidente com a EIAS raquianestesia

Joelho Ponto a 2 cm supero-lateral ao ângulo supero-lateral da patela 40 x 8 mm 80 a 100 mg (4-5 mL)

Tornozelo (tíbio-talar) Depressão imediatamente medial ao TTA na altura do maléolo medial 40 x 8 mm 60 mg (3 mL)
IIA: infiltração intra-articular; HT: hexacetonide de triancinolona; MCF: metacarpofalangeana; TMF: trocânter maior do fêmur; EIAS: espinha ilíaca ântero-superior; TTA:
tendão do músculo tibial anterior.
* Não é aconselhável realizar IIA dessa articulação às cegas.

A indicação mais habitual dessa intervenção é a dor ra-


dicular refratária provocada pela compressão de uma hérnia
discal. No entanto, várias são as indicações encontradas na li-
teratura para o seu uso: lombalgia ou dorsalgia, dor radicular
ou compressão de raiz nervosa lombar (principalmente ciá-
tica), protrusão, prolapso ou herniação de discos interverte-
brais lombares, dor discogênica, síndrome pós-laminectomia
e estenose do canal lombar.44
Além da ação anti-inflamatória local, o uso do corticoste-
roide através do espaço epidural tem como racional a quebra
do ciclo de dor, a lise de aderências e a mudança de relação
entre disco e raiz.44, 45
O acetato de metilprednisolona em doses de 40 a 120 mg
é o corticosteroide usado na maioria dos estudos publicados,
sendo sugerido inclusive que, além do efeito anti-inflamatório,
essa droga poderia ter uma ação “anestésica símile”.43
Várias são as vias de abordagem do espaço epidural para
a infusão de medicação. As vias menos comuns são a transla-
Figura 17.3 Injeção peridural de corticosteroide através do hiato
minar (apenas relatada para uso torácico) e a transforaminal sacral.
(que aborda o aspecto ventral do canal medular). As vias mais
habitualmente utilizadas são a caudal e a lombar. A caudal é
obtida inserindo-se a agulha através do hiato sacral no espa-
ço epidural caudal, que é contínuo ao espaço epidural lombar. retenção de sal e água, exacerbação da dor radicular durante a
O hiato sacral se localiza habitualmente ao nível do início da infiltração, reação vaso-vagal à agulha, rubor facial ou eritema
prega interglútea (Figura 17.3). A lombar se obtém inserindo generalizado ou ambos, reação alérgica ou pseudo-alérgica,
a agulha no espaço entre os processos espinhosos ao nível da síndrome de Cushing e supressão do eixo hipotalâmico-hipo-
crista ilíaca. Uma vantagem da abordagem caudal é que pode fisário-adrenal.44, 45
ser tecnicamente de mais fácil realização e menos arriscada, As complicações maiores são: infecção e meningite quí-
o que pode facilitar a sua utilização por médicos menos expe- mica aguda, provavelmente por ação irritativa do veículo
rientes.46, 47 “polietileno glicol” presente na maioria das apresentações da
O número ideal de infiltrações peridurais ainda permanece metilprednisolona e lipomatose epidural.44, 45 De acordo com
indefinido. Segundo Brown (1977), não há nenhum benefício duas séries de mais de 5 mil infiltrações epidurais de CE, não
adicional com mais de três infiltrações com intervalo de uma foram encontradas nem aracnoidite, nem sequela neurológica
semana entre elas.48 após o procedimento.49
As contraindicações absolutas à infiltração epidural são: Enquanto revisões e trabalhos controlados sugerem a efe-
infecções locais e sistêmicas, deficiência de fatores da coagula- tividade desse procedimento quando comparado a placebo,
ção e compressão medular aguda.44, 45 outros apontam apenas para uma tendência a bons resultados
Dentre as complicações menores podemos citar: punção e com poucos efeitos colaterais.50, 51 Em recente guideline para
dural e cefaleia pós punção, ganho de peso juntamente com diagnóstico e tratamento de lombalgia, a infiltração epidural

Procedimentos Terapêuticos em Reumatologia 297


com corticosteroide deve ser cogitada para casos de lombocia- mente útil nessas enfermidades quando há presença no líqui-
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

talgia refratária.52 do sinovial de “corpos de arroz”, considerados um dos fatores


Preditores de um resultado ruim após infiltração peridural de manutenção da sinovite. No entanto, a sua retirada adequa-
com corticosteroide incluem: desemprego em consequência da requer grandes quantidades de solução salina (3 litros) e
da dor, exame neurológico normal, presença de aspectos psi- um acesso articular de grande calibre (4 mm).54, 58
cológicos, doença ocupacional, dor óssea, dor pós-laminecto- No momento, as indicações propostas para a lavagem arti-
mia e paralisia (deficits motor e sensitivo e arreflexia).45 cular na artrite reumatoide incluem: sinovite inflamatória re-
Os benefícios da infiltração peridural com corticosteroide sistente ao tratamento de base mais IIA de corticosteroide ou
devem otimizar a sua indicação na prática do reumatologista sinovectomia por radioisótopo, especialmente se os “corpos
por causa de seu potencial em reduzir a duração da dor, da de arroz” estiverem presentes no líquido sinovial.54, 58
incapacidade e a perda de produtividade em pacientes com No tratamento da artrite séptica, a lavagem articular pode
lombociatalgia. ajudar na drenagem do material purulento rico em bactérias,
fibrina e enzimas proteolíticas, que continuam a danificar a
cartilagem até mesmo quando o microrganismo foi erradica-
Lavagem articular
do. Além disso, os antibióticos podem ser menos efetivos sem
A lavagem articular é uma técnica que utiliza a passagem a drenagem adequada da articulação infectada, e a alta pressão
de grande volume de soro fisiológico através de uma articu- intra-articular persistente, por causa da efusão, pode contribuir
lação com artropatia crônica como opção de tratamento. Tem para o dano da cartilagem. A lavagem articular não cirúrgica
como racional principal a retirada de produtos de degradação pode ser realizada imediatamente após a admissão do paciente
da cartilagem articular, através do grande volume de líquido com artrite séptica, sob anestesia, sem ser guiada por artrosco-
infundido e de uma agulha de grosso calibre (2 mm).53, 54 pia, enquanto é realizada conjuntamente biópsia sinovial para a
É utilizada rotineiramente em centros europeus, princi- análise bacteriológica. Uma cânula de 4 mm e um grande volu-
palmente na França, como procedimento ambulatorial para me de solução salina são necessários nesses casos.53, 54
diferentes enfermidades articulares (osteoartite, artrite in- Indepedentemente da indicação da lavagem articular ambu-
flamatória e artrite séptica), principalmente em joelho, por se latorial, ela pode ser realizada através de duas técnicas, e ambas
tratar de articulação de grande porte e de fácil acesso.53, 54 se aplicam melhor ao joelho, articulação mais frequentemente
É na osteoartrite em que o uso da lavagem articular é mais submetida a esse procedimento. Em uma delas são utilizadas
difundido. Teoricamente, através desse procedimento remo- duas agulhas, e em outra, apenas uma. A primeira é rotineira-
vem-se mais eficazmente do que numa artrocentese comum mente utilizada por reumatologistas franceses e a segunda, ava-
os elementos envolvidos na inflamação articular e produtos liada e validada por pesquisadores americanos.53, 54, 57
da degradação da cartilagem e do osso subcondral, e distende- A lavagem articular deve ser realizada em condições rigo-
-se de forma importante a cápsula articular (contra-aferência rosamente assépticas por médico paramentado e a articulação,
cerebral), o que pode contribuir para a analgesia articular. A isolada através de campos esterelizados. Com o paciente em de-
fagocitose dos produtos da degradação da cartilagem pelos cúbito dorsal, o joelho é abordado por via lateral, 2 cm superior
macrófagos sinoviais pode ser estímulo constante para a res- e lateralmente ao ângulo supero-lateral da patela. Em casos de
posta inflamatória da membrana sinovial.53-55 difícil acesso, a via medial pode ser utilizada. A artrocentese
Os efeitos sintomáticos benéficos da lavagem foram ob- de joelhos é seguida da introdução de anestésico, como a li-
servados por curto período de tempo: três a doze meses.56 No docaína 1% sem vasoconstritor; 10 mL intra-articular e 5 mL
estudo envolvendo lavagem articular de joelhos com o maior no trajeto da cavidade intra-articular até a pele, para que o
número de pacientes incluídos,57 a efetividade da lavagem ar- paciente não apresente desconforto durante a introdução e
ticular foi avaliada em 180 pessoas com osteoartrite de joelhos posicionamento da agulha. A agulha a ser utilizada deve ter diâ-
divididas em dois grupos: 89 submetidos à lavagem articular metro de no mínimo 2 mm e comprimento suficiente para al-
e 91 a procedimento simulado. No final de um ano, não foi ob- cançar sem dificuldade o ambiente intra-articular sub-patelar.
servada diferença entre os grupos para as variáveis relaciona- No Brasil não dispomos de uma agulha descartável com essas
das à dor e função. No entanto, nenhum fator preditivo para a dimensões. No entanto, a agulha de Cope, utilizada para biópsia
efetividade da lavagem articular foi determinado nesse estudo. Pleural, pode ser utilizada para esse fim. Ela deve ser acoplada
Apesar da não existência de guidelines para a indicação da com um sistema fechado que possibilite a infusão de 1000 mL
lavagem articular, a impressão clínica nos centros que reali- de solução fisiológica a 0,9% no ambiente intra-articular (Figu-
zam rotineiramente esse procedimeto é que as melhores in- ra 17.4). Gradualmente um volume de 50 a 80 mL é infundido
dicações para a lavagem de joelho na osteoartrite seriam as na articulação e drenado após a mobilização do joelho com 10o
seguintes: condrólise radiográfica aguda, sinovite crônica re- a 20o de flexão e extensão combinadas para promover a irriga-
sistente ao repouso e ao uso de drogas, como anti-inflamató- ção de todo o compartimento tibiofemoral.53, 54
rios não esteroides, e as IIAs com HT em doença de estágio A lavagem articular descrita pelo grupo francês utiliza o
não grave, sem sintomas de rotura de menisco instável ou mesmo procedimento, porém com duas agulhas descartáveis,
grandes corpos livres intra-articulares. Outras indicações da uma introduzida via lateral e outra via medial. Dessa forma o
lavagem seriam na osteoartrite sintomática de joelhos sem sistema fechado não precisa ser desacoplado para drenagem
sinovite, sem resposta ao tratamento médico conservador e do líquido infundido. As complicações que podem ser desen-
reabilitação, ou na osteoartrite avançada com ou sem sinovite, cadeadas pelo procedimento são artrite séptica, tromboflebi-
em pacientes que se recusam a fazer cirurgia ou se esta última tes e fístula sinovial, todas muito raras.53-55
estiver contraindicada.53-55 Apesar de dados conflitantes na literatura quanto à efetivi-
Na artrite reumatoide, a efetividade da lavagem articular dade da lavagem articular, trata-se de procedimento utilizado
ainda está indefinida. A lavagem articular pode ser especial- por mais de cinquenta anos na rotina de alguns centros para

298 Tratado Brasileiro de Reumatologia


centagem de erro em atingir o espaço intra-articular mesmo

„„ CAPÍTULO 17
de articulações de grande porte, como o joelho.59
Em recente trabalho realizado em 96 pacientes (232 ar-
ticulações infiltradas) para avaliar a acurácia das IIAs apen-
diculares realizadas por um reumatologista sub-especializado
em intervenção músculoesquelética, obteve-se os seguintes
resultados: acurácia de 100% para joelho e cotovelo; de 97,4%
para metacarpo-falangeana; de 97,3% para punho; de 82,3%
para glenoumeral; e 77,7% para tornozelo.60 Esses achados
sugerem que mesmo para um reumatologista treinado, as arti-
culações glenoumeral e tornozelo (tíbio-talar) devem ser infil-
tradas com o auxílio de imagem.
Vários são os métodos de imagem dos quais o reumatolo-
gista pode lançar mão para esse auxílio. A fluoroscopia com
certeza é, dentre eles, o método com o qual o reumatologista
teve, desde o início do advento da reumatologia intervencio-
nista, maior intimidade.61 Recentemente foi agregada a habi-
lidade de manuseio do ultrassom, que assim como em outras
Figura 17.4 Lavagem articular de joelho realizada utilizando agu-
especialidades, está passando cada vez mais a fazer parte, não
lha de Cope.
só do arsenal diagnóstico, mas também do arsenal terapêu-
tico do reumatologista, auxiliando em intervenções intra ou
periarticulares mais elaboradas.62, 63 A tomografia computa-
o tratamento da osteoartrite, principalmente de joelho. A ne- dorizada e a ressonância magnética são métodos dos quais o
cessidade da “limpeza” da cavidade articular, principalmente reumatologista lançam mão muito mais timidamente e habi-
na osteoartrite de joelho, aliada ao baixo custo e risco do pro- tualmente em associação com o radiologista.
cedimento, torna essa técnica um procedimento a ser consi-
É mandatório o uso de métodos de imagem para guiar IIAs
derado em países em desenvolvimento, principalmente para
de fármacos como os radioisótopos, em qualquer articulação
o tratamento de uma enfermidade ainda com poucos recursos
em questão, exceto o joelho, de acordo com as normas de se-
terapêuticos de grande impacto, como é o caso da osteoartrite.
gurança para manuseio de material radioativo utilizado biolo-
gicamente25 para evitar lesões actínicas.
Infiltrações guiadas por imagem A fluoroscopia ou radioscopia, como é mais conhecida em
nosso meio, foi introduzida com o intuito de guiar infiltrações
Sabe-se que na maioria das escolas de reumatologia as IIAs
intra-articulares em 197964 e pode ser utilizada para guiar IIA
apendiculares são realizadas às cegas, e o custo-benefício dessa
em várias articulações de difícil abordagem às cegas64 (Figuras
abordagem é aparentemente satisfatório. No entanto, várias são
17.5 e 17.6).
as articulações cuja abordagem às cegas é de difícil realização,
seja pela profundidade, seja pela dificuldade de acesso.4, 6, 15 Para usar a fluoroscopia, o reumatologista deve estar ha-
bituado à visão indireta deste método, ao manuseio de con-
É no sentido de “armar” o reumatologista que a habilidade
trastes iônicos e não iônicos, devendo ser conhecedor das
no manuseio de métodos de imagem vem auxiliar sobremanei-
melhores vias de acesso intra-articular.4, 64
ra a abordagem de articulações ou estruturas de difícil acesso
às cegas no momento de uma intervenção (Quadro 17.5).

Quadro 17.5 Estruturas ou articulações de abordagem be-


neficiada com o auxílio de métodos de imagem.
„„ Articulação glenoumeral** „„ Disco intervetebral*
„„ Articulação coxofemoral** „„ Cápsulo distensão articular**
„„ Articulação sacroilíaca* „„ Calcificação periarticular**
„„ Articulação subtalar* „„ Bursites, tendinites e entesites
„„ Articulações de médio pé** refratárias a IPA às cegas ***
„„ Articulação interfacetária* „„ Neuroma de Morton***
„„ Articulação 1a „„ Sd. do túnel do tarso ou carpo
metacarpocárpica* refratárias a IPA à cegas***
„„ Forame vertebral*
IPA: infiltração periarticular; * Abordagem preferencial pela fluoroscopia;
** Abordagem possível pela fluoroscopia ou ultrassom; *** Abordagem
preferencial pelo ultrassom.

A necessidade do uso de métodos de imagem para guiar


procedimentos em reumatologia é reforçada por estudos pu-
blicados na literatura relacionada que enfatizam a grande por- Figura 17.5 IIA de articulação coxo-femoral guiada por fluoroscopia.

Procedimentos Terapêuticos em Reumatologia 299


„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

Figura 17.6 IIA de articulação sub-talar guiada por fluoroscopia.

O uso do ultrassom é prática cada vez mais útil como ex-


tensão do exame físico na procura de achados subclínicos arti- Figura 17.7 IIA de joelho guiada por ultrassom através da técnica
culares e monitorização do efeito de drogas antirreumáticas na perpendicular ao transdutor.
progressão da doença articular. Além disso, tem um benefício
muito importante a ser agregado na prática reumatológica: o
de guiar procedimentos tanto de aspiração intra-articular diag-
nóstica (principalmente de coleções menores do que 5 mm),
quanto de introdução intra-articular de fármacos atrofiantes de
sinóvia ou condroprotetores. Essa proposta terapêutica é corro-
borada por relatos de erro de técnica em até 50% das IIAs rea-
lizadas às cegas.59 Infiltrações periarticulares, como de bursas,
peritendões, túnel do carpo, periênteses e cistos tenossinoviais,
podem ser realizadas com o auxílio desse método, evitando le-
sões indesejáveis de nervos ou tendões.62, 63
Os transdutores devem ser de preferência lineares, de fre-
quência de pelo menos 7 a 13 MHz, e pode-se utilizar o recurso
de introduzir “ar” como “contraste” para a certificação da loca-
lização intra-articular da agulha.62, 63
KOSKI (2000) considera duas técnicas de uso do ultrassom
para guiar procedimentos intra ou periarticulares:

1. A técnica de marcação de suprefície pelo ultrassom e de- Figura 17.8 IIA de articulação de punho guiada por ultrassom
pois abordagem às cegas; através da técnica paralela ao transdutor (visão externa).
2. A técnica de visualização direta com introdução da agulha
paralela ou perpendicular ao transdutor62 (Figuras 17.7,
17.8 e 17.9).
De acordo com a frequência do transdutor (13 a 20 MHz), Agulha
mesmo pequenas articulações, como metacarpo ou metatar-
sofalangeanas e interfalangeanas, podem se beneficiar do au-
xílio do ultrassom para guiar IIAs.65 *
Quando comparada a efetividade de procedimentos guia-
dos por ultrassom com procedimentos realizados às cegas, Radio
alguns autores comprovaram benefício do uso do ultrassom Carpo
para guiar IPA sub-acromial,66 enquanto outros não evidencia-
ram esse benefício para guiar IIA de punho.67
Embora com custo-benefício ainda indeterminado, deve-
-se agregar às vantagens do uso do ultrassom pelo reumato-
logiasta a evidência do posicionamento adequado de agulha
intra-articular em apenas 59% dos casos de infiltrações às
cegas comparado a 96% quando guiadas por ultrassom,68 as- Figura 17.9 IIA de articulação de punho guiada por ultrassom
sim como sucesso em realizar aspiração de líquido sinovial em através da técnica paralela ao transdutor (imagem ultrassonográ-
97% dos casos quando a punção articular foi realizada com o fica) * sinóvia.

300 Tratado Brasileiro de Reumatologia


auxílio do ultrassom em comparação a 32% do procedimento A habilidade no manuseio de métodos de imagem para

„„ CAPÍTULO 17
realizado às cegas.68, 69 guiar procedimentos, tanto diagnósticos quanto terapêuti-
Como não poderia deixar de ser existem vantagens e des- cos, pode otimizar o manejo das enfermidades reumáticas, e
vantagens no manuseio dos aparelhos de imagem,62 e o co- é prática cada vez mais frequente entre reumatologistas, prin-
nhecimento desses detalhes ajuda na escolha do método ideal cipalmente europeus, que têm essa prática como parte de sua
para auxiliar o reumatologista no momento de uma interven- formação.
ção (Quadro 17.6). A reumatologia intervencionista pode ser uma prática
excitante no dia a dia do reumatologista contemporâneo. No
entanto, existem poucos trabalhos de boa metodologia abor-
dando o assunto assim como uma heterogeneidade dos ser-
Quadro 17.6 Vantagens e desvantagens do uso da fluoros- viços formadores de reumatologistas quanto ao ensinamento
copia e do ultrassom para guiar procedimentos em reuma- das técnicas de IIA e IPA.
tologia. As infiltrações intra-articulares são procedimentos inti-
mamente relacionados ao surgimento da reumatologia, a base
Vantagens Desvantagens da reumatologia intervencionista, que ajuda a diferenciar o
reumatologista dos outros especialiastas do aparelho osteo-
Fluoroscopia „„ Aborda qualquer „„ Radiação -articular e que é extremamente útil no tratamento das sino-
articulação „„ Uso de ontraste vites crônicas. É necessária, portanto, uma desmistificação da
„„ Fácil treinamento „„ Não visualiza vasos e mesma, para que haja um aprimoramento uniformizado de
„„ Permite visão panorâmica coleções suas técnicas entre os reumatologistas, e para que com isso
esse procedimento passe a agregar valor à especialidade.
Ultrassom „„ Permite visão direta „„ Operador dependente
„„ Ausência de radiação/ „„ Maior tempo de
contraste treinamento
„„ Facilidade de mobilização „„ Visão em um único
„„ Visualização de vasos e plano
coleções

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Procedimentos Terapêuticos em Reumatologia 303


18

Capítulo
Jamil Natour  Anamaria Jones  Fábio Jennings

Princípios Gerais de Reabilitação nas Doenças Reumáticas

Os objetivos da reabilitação em reumatologia são: preven- terapeuta ocupacional, ortopedista, fonoaudiólogo, nutricio-
ção de disfunção, restauração e/ou manutenção da função e nista, enfermeiro, assistente social e psicólogo.
diminuição da dor e da incapacidade dos pacientes. Estas me- Para a prescrição de reabilitação em pacientes reumáticos
tas podem ser alcançadas por meio da educação do paciente,
é primordial uma avaliação criteriosa do diagnóstico clínico,
de orientações de proteção articular e conservação de ener-
das alterações biomecânicas, das limitações osteoarticula-
gia, de órteses, de auxiliares de marcha e de programas de
exercícios de flexibilidade, fortalecimento e condicionamento res, do tratamento medicamentoso instituído e do impacto
aeróbio. A maioria dessas intervenções tem eficácia baseada da doença na vida diária e profissional do indivíduo. Além da
em evidências científicas, mas muito ainda é feito com base história médica e do exame físico, vários métodos são utiliza-
na experiência pessoal ou da comunidade dos profissionais de dos para avaliar o paciente antes do início do tratamento, para
saúde. planejar a estratégia a ser adotada e acompanhar a evolução,
A equipe de reabilitação deve idealmente ser multidisci- medindo o efeito das intervenções realizadas. A Tabela 18.1
plinar e formada por reumatologista, fisiatra, fisioterapeuta, mostra algumas dessas medidas.

Tabela 18.1 Instrumentos de medida para a avaliação do paciente com doenças reumáticas.

PKQ (Patient Knowledge Questionnaire) – Artrite reumatoide


Medidas de conhecimento
doença-específico FKQ (Fibromyalgia Knowledge Questionnaire) – Fibromialgia
LKQ (Low-Back Pain Knowledge Questionnaire) – Lombalgias
ADM (amplitude de movimento)
Medidas estáticas
Força muscular (0-5)
AVDs (atividades de vida diária)
Medidas dinâmicas Dinamometria – dinamômetros portáteis (pinch e dinamômetro de preensão) e equipamento isocinético
Avaliação da marcha (descritiva e quantitativa)
Intensidade da dor (escala visual analógica)
HAQ (artrite reumatoide)
AIMS (artrite reumatoide)
Lequesne de joelho e quadril (osteoartrite)
WOMAC (osteoartrite)
Medidas de função, dor e da Roland-Morris (lombalgia)
qualidade de vida FIQ (fibromialgia)
EPM-ROM (Amplitude de movimento)
SF-36 (genérico para qualidade de vida)
Escala de Berg (equilíbrio)
Body dysmorphic disorder examination (imagem corporal)

305
„„ EDUCAÇÃO DO PACIENTE da vida diária (AVD), sem esgotar as energias no meio de uma
„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

tarefa ou no meio do dia. Conselhos simples como deslizar ob-


Em reumatologia, a educação é considerada parte da abor- jetos ao invés de levantá-los, intercalar períodos de descanso
dagem terapêutica dos pacientes e mostra-se como um recur- durante o dia, não concentrar as atividades mais fatigantes em
so efetivo. Educação do paciente é um conjunto de atividades um mesmo dia podem promover melhora da qualidade de vida
educacionais planejadas para melhorar o comportamento dos e da produtividade do indivíduo.
pacientes em relação à doença e, por meio disso, melhorar seu
Outra medida utilizada em reabilitação é o repouso, que
estado de saúde com resultados de longa duração. Os benefí-
pode ser sistêmico ou localizado em uma articulação ou re-
cios da educação refletem-se em vários aspectos nos pacien-
gião. O repouso diminui a dor e as contraturas musculares,
tes com doenças reumáticas crônicas. Um deles é a melhora
mas, se for prolongado, pode enrijecer estruturas periarticula-
dos sintomas, por exemplo, por meio das informações para o
uso adequado de medicações. Outra área de benefício é a ati- res, comprometer a integridade da cartilagem, diminuir a ca-
vidade física. A limitação funcional e a fraqueza muscular po- pacidade cardiopulmonar, a massa óssea e a massa muscular,
dem ser melhoradas ou prevenidas através da implantação de além de gerar efeitos emocionais negativos, às vezes de difícil
programas de exercícios físicos regulares em grupos e do uso abordagem, comuns entre pacientes com lombalgia, por exem-
apropriado de órteses. No aspecto emocional, o conhecimento plo. A orientação geral para os pacientes reumáticos é que se
sobre as implicações e as consequências potenciais da doença realize curtos períodos de repouso, intercalados com as ativi-
e de seu tratamento serve para reduzir a ansiedade e facilitar dades que não piorem a dor.
os ajustes ao novo estilo de vida. Os programas educacionais
mostram-se ainda capazes de reduzir os custos do sistema de Exercícios físicos
saúde por meio da redução da necessidade de medicações, do
número de visitas ao médico e do uso de serviços hospitalares. Os exercícios físicos têm como meta manter ou melhorar
Os programas educacionais determinam benefícios aos pa- os principais elementos da aptidão física: a flexibilidade, a
cientes por meio dos seguintes mecanismos: força muscular e o condicionamento aeróbio. Antes da pres-
crição de um programa de exercícios, contudo, deve-se reali-
„„ Retenção de conhecimento específico sobre a zar além da avaliação do aparelho locomotor, uma avaliação
doença: informando os pacientes sobre a doença e cardiopulmonar do paciente para rastrear limitações ou con-
suas consequências, eles podem aderir melhor ao tra- dições que contraindiquem exercícios mais vigorosos. O alon-
tamento e às mudanças no estilo de vida; gamento pode ser definido como o aumento sistemático do
„„ Autoeficácia: os programas educacionais ajudam os comprimento das unidades musculotendinosas resultando em
pacientes a desenvolverem confiança (chamada de uma redução na tensão passiva. Recomenda-se o alongamen-
to frequente (diário), pois admite-se que os efeitos são tran-
autoeficácia) na sua habilidade de enfrentar a doença,
sitórios. Existem diferentes técnicas de alongamento, porém,
por meio de comportamentos benéficos;
em reumatologia, indica-se a estática que consiste em alongar
„„ Suporte social: o ambiente social é fonte de retorno e lentamente um músculo até próximo do final da amplitude
de ganhos que afetam a qualidade e a frequência dos de movimento (ponto de tensão sem induzir desconforto) e
comportamentos exibidos. Assim, se o ambiente apoia manter essa posição por 15 a 30 segundos. Os exercícios de
as atitudes benéficas dos pacientes em relação à doen- alongamento podem ser realizados de forma ativa ou passiva.
ça, ele pode estar correlacionado com a melhora dos Os alongamentos passivos têm indicação limitada em reuma-
sintomas e da capacidade funcional. tologia pelo risco de ultrapassar o limite oferecido pela dor e
determinar lesões nas estruturas periarticulares. Os alonga-
Proteção articular e conservação de energia mentos ativos estáticos, nos quais o próprio paciente mantém
o posicionamento articular, são os mais indicados.
Ao realizar o tratamento de reabilitação do paciente reu- Os exercícios de alongamento bem executados podem aju-
mático, deve-se ter em mente dois conceitos fundamentais: dar a manter e melhorar a amplitude de movimento (ADM) de
proteção articular e conservação de energia. A proteção arti- uma articulação ou de um grupo de articulações. Nos pacien-
cular engloba todas as medidas adotadas com a finalidade de tes reumáticos, há o comprometimento da ADM desde as fases
minimizar a sobrecarga mecânica sobre determinada articula- iniciais da doença, provocado não somente pelo encurtamento
ção. O uso de bengalas ou outras órteses, a orientação ergonô- muscular, mas também pelo acometimento articular. Assim, é
mica e a divisão do trabalho entre diversas articulações podem fundamental a introdução dos alongamentos no programa de
diminuir a sobrecarga sobre as estruturas mais afetadas pela reabilitação.
doença. A orientação para proteção articular é particular para Uma prescrição em geral deve seguir algumas diretrizes:
cada articulação, devendo-se sempre respeitar o limite da dor.
Assim, quando qualquer atividade ou exercício provocar dor, „„ Realizar um exercício de aquecimento que preceda o
deve-se diminuir sua intensidade ou frequência, ou mesmo alongamento com objetivo de aumentar a temperatura
abandoná-lo. basal muscular;
O conceito de conservação de energia parte do princípio de „„ Concentrar os alongamentos nos grupos musculares e
que os pacientes com doenças reumáticas apresentam dimi- articulações que possuem ADM reduzida;
nuição da massa muscular e da velocidade de sua contração e „„ Executar os exercícios pelo menos 2 a 3 vezes por se-
que articulações inflamadas e instáveis consomem mais ener- mana e idealmente 5 a 7 vezes por semana;
gia para manter a função. Além disso, a postura e a marcha
anormais também consomem mais energia do paciente. Como „„ Alongar sem induzir desconforto significativo e manter
há este balanço desfavorável, o paciente deve racionalizar o a posição por 15 a 30 segundos.
dispêndio de energia para que possa exercer suas atividades „„ Realizar de 2 a 4 repetições para cada alongamento.

306 Tratado Brasileiro de Reumatologia


A força muscular e a endurance muscular exercem im- O programa deve incluir atividades adaptadas ao esta-

„„ CAPÍTULO 18
„„
pacto direto sobre as AVD. Essas atividades requerem uma do funcional do paciente;
determinada capacidade muscular do indivíduo para que se- „„ Realizar os exercícios de 3 a 5 vezes por semana com
jam executadas de maneira eficaz. O aprimoramento da força duração de 20 a 60 minutos;
e endurance musculares permitem que os pacientes reumáti-
cos realizem suas atividades com menos estresse fisiológico e „„ Iniciar com sessões curtas e aumentar a duração do
ajuda a manter a independência funcional. A melhora da força exercício de forma gradual;
muscular através dos exercícios de resistência (treinamento „„ A intensidade do exercício pode variar desde leve até
com pesos) proporciona benefícios relacionados com a saúde intensa (60 a 90% da frequência cardíaca máxima)
com evidências científicas em várias doenças reumáticas como dependendo do estado funcional do paciente. Para a
artrite reumatoide, osteoartrite, lombalgias e fibromialgia. maioria dos pacientes são prescritos exercícios na faixa
Geralmente, a intensidade do treinamento de força é defi- de 70% da frequência cardíaca máxima;
nida por meio da determinação da maior carga que o indivíduo „„ Devem ser evitados exercícios de alto impacto e repeti-
consegue suportar ao realizar uma repetição do exercício, o tivos em pacientes com articulações com lesões prévias.
que é chamado de 1 repetição máxima (1 RM). Em pacientes
reumáticos, os exercícios de força devem inicialmente ser de Os programas de exercícios têm-se mostrado benéficos e
leves a moderados (aproximadamente de 40 a 70% de 1 RM) seguros como parte da reabilitação de pacientes com doenças
podendo-se progredir, em alguns casos, para exercícios mais reumáticas primordialmente inflamatórias como a artrite reu-
intensos (aproximadamente 80 a 90% de 1 RM) à medida matoide, nas doenças degenerativas como a osteoartrite e nas
que o paciente adquira aptidão. Para estimular uma melhor não inflamatórias como a fibromialgia e as lombalgias mecâni-
adaptação do paciente no intuito de atingir metas específicas, cas. As evidências científicas auxiliam no delineamento da pres-
utiliza-se um programa de fortalecimento resistido progressi- crição de exercícios para cada doença (Tabelas 18.2 a 18.5).
vo. Esse programa baseia-se na progressão gradual de cargas e
de exercícios de acordo com reavaliações periódicas. As carac-
Meios físicos
terísticas ideais dos programas específicos de fortalecimento
incluem contrações concêntricas, excêntricas e isométricas em A utilização dos meios físicos deve ser considerada den-
exercícios bilaterais e unilaterais, além de exercícios que uti- tro das limitações destes métodos, sobretudo nas artropa-
lizam uma ou múltiplas articulações. Para indivíduos inician- tias inflamatórias. Os meios físicos são úteis antecedendo os
tes, recomendam-se exercícios em séries de 8 a 12 repetições, exercícios, por promoverem relaxamento da musculatura ou
duas a três vezes por semana. diminuição da rigidez articular, utilizando-se, por exemplo,
Para a prescrição dos exercícios de força e endurance, al- TENS (estimulação elétrica nervosa transcutânea) e turbilhão
gumas diretrizes devem ser obedecidas: respectivamente. No entanto, deve-se considerar a falta de evi-
dências e seu efeito efêmero em doenças que frequentemente
„„ Escolher uma modalidade de exercício que seja confor- são crônicas e progressivas.
tável através de toda a ADM, seja por meio de máqui-
nas, de faixas elásticas ou de pesos livres;
„„ Realizar de 8 a 10 exercícios para os principais grupos
Órteses e adaptações
musculares dos membros superiores, membros infe- As órteses são úteis no manejo do paciente reumático e
riores e tronco; têm como metas diminuir a dor e a mobilidade, dar estabili-
„„ Executar as duas fases do exercício, ou seja a concêntri- dade, manter a articulação ou o segmento em melhor posição
ca e a excêntrica, de maneira controlada para prevenir e/ou melhorar sua função. Incluem, entre outras, bengalas
lesões; para proteger uma articulação do segmento inferior como, por
„„ Exercitar cada grupo muscular por 2 a 3 dias por sema- exemplo, na osteoartrose de joelho, talas para imobilização do
na, porém em dias não consecutivos. punho na síndrome do túnel do carpo ou para posicionamento
noturno de mãos reumatoides, cintas e coletes para as doen-
Os exercícios de condicionamento aeróbio visam aprimorar a ças da coluna vertebral e palmilhas para melhorar os sintomas
capacidade do coração de fornecer oxigênio aos músculos ativos de esporão de calcâneo e da fascite plantar. O uso de órteses
e a capacidade dos músculos gerarem energia com esse oxigênio. requer um tempo de adaptação quando ocorre um aumento
Esses exercícios englobam as atividades que utilizam grandes transitório do consumo de energia e mudanças de hábitos que
grupos musculares de forma rítmica e aeróbia por períodos pro- devem ser monitorizados.
longados, como caminhadas, corrida, natação e ciclismo. As adaptações são frequentemente negligenciadas em
Os pacientes reumáticos têm redução comprovada do nosso meio. A independência, a produtividade e o conforto do
condicionamento aeróbio. Em estudos envolvendo pacientes paciente e da própria família podem melhorar com medidas
capazes de realizar testes em cicloergômetro, a capacidade como remoção de obstáculos, elevação de cadeiras, do vaso sa-
aeróbia encontrava-se reduzida em torno de 50%. Consequen- nitário e do leito e colocação de corrimões. Outros exemplos
temente, programas de condicionamento aeróbio têm-se mos- de adaptações são: engrossadores de cabos que facilitam a
trado eficazes na melhora da dor, função e qualidade de vida preensão, alongadores para vestuário e para pegar objetos que
em várias doenças como artrite reumatoide, lupus eritemato- ficam fora do alcance, alça em objetos para facilitar a pinça,
so sistêmico, espondilite anquilosante e fibromialgia. Especi- uso de antiderrapante para auxiliar na força ao abrir um pote,
ficamente nas artropatias inflamatórias, os estudos mostram porta ou torneira e adaptações de outros utensílios do lar e
que os exercícios físicos não pioram a atividade da doença. As- do trabalho. O treino em uma sala de atividade de vida diária
sim, os exercícios aeróbios devem fazer parte da reabilitação ou em domicílio facilita a introdução e a aceitação dos equipa-
desses pacientes com as seguintes recomendações: mentos por parte do paciente em seu cotidiano.

Princípios Gerais de Reabilitação nas Doenças Reumáticas 307


„„ SEÇÃO 3   A TERAPÊUTICA E AS SUAS BASES FARMACOLÓGICAS NAS DOENÇAS REUMÁTICAS

Tabela 18.2 Prescrição de exercícios em artrite reumatoide.

Tipo de exercício Benefícios Prescrição

Caminhada, bicicleta, exercícios aquáticos.


Melhora a capacidade aeróbia e mobilidade articular. Intensidade: baixa a moderada (50 a 70% da FC máxima)
Aeróbio Seguro em todos os estágios da doença, inclusive em Frequência: 3 vezes por semana.
doença ativa desde que combinado com tratamento
medicamentoso adequado. Duração: 20 a 60 minutos com aumento progressivo.
Avaliar calçados adequados no caso de caminhadas ou corrida leve.
Intensidade: baixa a moderada (40 a 70% de 1 repetição máxima),
Melhora força muscular, capacidade funcional e 10 a 12 repetições para cada exercício.
Fortalecimento muscular
qualidade de vida. Frequência: 2 a 3 vezes/semana.
Ajuste progressivo da carga.
Melhora rigidez e mantém e/ou melhora a amplitude de Alongamentos estáticos para todos os grupos musculares.
Alongamento
movimento de articulações acometidas. Duração 4 repetições de 10 a 30 segundos.

Tabela 18.3 Prescrição de exercícios em osteoartrite.

Tipo de exercício Benefícios Prescrição

Caminhadas, bicicleta, exercícios aquáticos.


Intensidade: baixa a moderada (50 a 70% da FC máxima).
Frequência mínima de 3 vezes por semana.
Aeróbio Reduz dor, melhora incapacidade.
Duração mínima: 20 minutos.
Evitar exercícios de impacto como corrida em pacientes com OA
de quadril e joelhos.
Fortalecimento principalmente de quadríceps, glúteos e
estabilizadores de tronco.
Frequência mínima: 2 a 3 vezes por semana.
Fortalecimento muscular Melhora força muscular, dor e incapacidade.
Combinar com exercícios aeróbios.
Preferência para exercícios isotônicos e de cadeia fechada.
Iniciar com exercícios isométricos em pacientes com muita dor.
Alongamentos estáticos de membros inferiores especialmente de
isquiotibiais, quadríceps e iliopsoas.
Alongamento Melhora amplitude de movimento e capacidade funcional.
Duração: 4 repetições de 10 a 30 segundos.
Frequência: 3 a 4 vezes por semana.

Tabela 18.4 Prescrição de exercícios em fibromialgia.

Tipo de exercício Benefícios Prescrição

Caminhadas, bicicleta, exercícios aquáticos e dança.


Intensidade: baixa a moderada (55 a 70% da frequência cardíaca-
Aeróbio Melhora capacidade cardiopulmonar, dor e bem-estar. FC máxima).
Frequência mínima de 3 vezes por semana.
Duração mínima: 20 minutos.
Intensidade: baixa a moderada com cargas iniciais de 40 a 60% da
Melhora da força muscular, da dor e sintomas força máxima (1 repetição máxima).
Fortalecimento muscular
depressivos. Frequência mínima: 2 vezes por semana.
Exercícios excêntricos devem ser prescritos com cautela.
Exercícios de alongamento estático para todos os grupos
Prescritos dentro de um programa geral de musculares.
Alongamento condicionamento físico têm efeitos positivos na
Duração: 4 repetições de 10 a 30 segundos
melhora dos sintomas.
Frequência: 2 a 3 vezes por semana.

308 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 18
Tabela 18.5 Prescrição de exercícios em lombalgia.

Tipo de exercício Benefícios Prescrição

Intensidade: moderada (60% da FC máxima).


Melhora o condicionamento cardiovascular e melhora
Aeróbios dor, principalmente em lombalgia crônica. Reduz dias de Duração mínima: 20 min, aumentando-se progressivamente
afastamento do trabalho. até 45 minutos. Para lombalgia aguda, iniciar com menor
duração.
Prescrição individualizada considerando-se os déficits
musculares em cada paciente.
Melhora estabilidade do tronco, dor e capacidade
Fortalecimento muscular Preferência para os exercícios de fortalecimento de
funcional.
musculatura estabilizadora de tronco. Frequência mínima de
2 vezes/semana.
Frequência: mínimo 2 vezes/semana.
Melhora da amplitude de movimento e da capacidade Duração: 10 a 30 segundos cada exercício; 3 repetições.
Alongamento
funcional. Cautela com movimentos de torção, flexão e extensão da
coluna lombar que podem piorar dor.

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Princípios Gerais de Reabilitação nas Doenças Reumáticas 309


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310 Tratado Brasileiro de Reumatologia


4 Seção

Síndromes Dolorosas Regionais


19

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin

Síndromes Sensitivas Centrais


„„ HISTÓRIA adjacente. Kahler Hench, em 1976, sugeriu o termo “fibro-
mialgia” como sendo o mais apropriado, em decorrência do
Alguns séculos atrás, a dor muscular difusa era reconhe- suposto acometimento da musculatura estriada, que em de-
cida como um tipo de reumatismo extra-articular, que se ca- terminados pontos eram sensíveis à digitopressão. Outros
racterizava, principalmente, pela mudança da dor de um lugar autores observaram que tais pacientes com esse tipo de dor
para outro, como também pela ausência de qualquer mani- difusa tinham depressão e distúrbios do sono, chamando es-
festação clínica objetiva nas partes moles, músculos, ossos e sas condições dolorosas de “Distúrbios do Espectro Afetivo”.
articulações. Tentava-se, então, fazer uma associação entre os aspectos
Hipócrates, também, três séculos antes da era cristã, já somáticos e emocionais, ou senão mesmo fazer uma conexão
tinha algum conhecimento a respeito deste tipo de dor. Pa- direta entre uns [dor difusa] e outros [depressão e distúrbios
cientes que apresentavam dor menos intensa e que não tinha do sono].2-6
forte associação com podagra, não causava inchaço nas articu- Posteriormente, no fim dos anos de 1980, mais precisa-
lações, era de localização e características imprecisas, e tinha mente, em 1981, Yunus e colaboradores publicaram pesquisa
relação com as condições climáticas. O pai da Medicina dizia: realizada com 50 pacientes portadores da então denominação
“a rigidez, a sensibilidade dolorosa e a fadiga que este tipo de proposta por Kahler Hench de “fibromialgia”, e, com base nos
dor causa poderia ter ligação com a prática de exercícios exte- critérios de Smythe,6 conseguiram, na época, demonstrar, cla-
nuantes em atletas sem preparo físico adequado. Com muita ramente, a existência desta suposta “doença” como sendo uma
probabilidade ele se referia o que hoje conhecemos como “sín- nova entidade nosológica clínica, ao compararem os portado-
drome fibromiálgica” e não “fibromialgia”.1 res de “fibromialgia” com indivíduos-controles normais.
O senhor William Gower, em 1904, com base na crença Em 1990, o Colégio Americano de Reumatologia (ACR),
de que havia um processo inflamatório do tecido fibroso de- adotou o neologismo Fibromialgia, em uma reunião de um de
nominou esta condição dolorosa de fibrosite. Outros termos seus comitês, capitaneada por Fredrick Wolffe, para aqueles
utilizados na metade do século XX eram o do “reumatismo pacientes que apresentavam dor difusa e persistente, sem
extra-articular” e “reumatismo psicogênico”. qualquer manifestação objetiva durante o exame clínico, e que
O primeiro – “reumatismo extra-articular” – nada mais era faziam jus a receberem uma rubrica oficial do ACR, que os con-
do que a fibrosite com outro nome, sendo, na época, aparente- siderasse como tendo uma doença real.
mente o mais adequado, pois denotava um acometimento do Nesta ocasião, o ACR – formador de opinião em Reumatolo-
tecido fibroso em virtude de uma sequela de processo infla- gia em todo o mundo – publicou, então, os critérios relacionados
matório de alguma estrutura específica do corpo humano, que no Quadro 19.1, exigíveis para o diagnóstico do que se conside-
seria o tecido conectivo fibroso. rava a nova entidade nosológica em Medicina, a “fibromialgia”.7
Tal fato dava mais credibilidade às queixas dos pacientes
e os induzia a pensar que realmente estavam com uma doen-
ça do que tinha um substrato anatômico – o suposto “tecido
fibroso”. As denominações posteriores de reumatismo extra-
-articular e reumatismo psicogênico, já na segunda metade Quadro 19.1 Esses critérios eram:
do século XX, tinham para os pacientes uma conotação pe- „„ Dor difusa
jorativa, pois lhes dava a impressão de que a sua dor teria
„„ Alterações do sono
um caráter imaginário, e, por isso, carregavam o rótulo de
„„ Fadiga crônica
hipocondríacos.
„„ Presença de 12 tender points ou pontos dolorosos à digito-
A alcunha de “Fibrosite” era mais que imprópria do pon- pressão (que inicialmente eram 18)
to de vista etiopatogênico, pois em momento algum e por
„„ Depressão
nenhum método se comprovou a existência de qualquer
„„ Ansiedade e outras manifestações psicológicas
processo inflamatório no tecido muscular ou no conectivo

313
Os 12 “tender points”, além da ansiedade e da depressão, Ele, nesta mesma entrevista, disse que os pacientes não
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

caracterizariam a doença e são até hoje utilizados. se queixam apenas de dor crônica, mas de muitos outros sin-
Até hoje não há exames de sangue ou de imagem que diag- tomas, o que a tornaria uma síndrome e não uma doença em
nostiquem a “fibromialgia”. O veredicto é do médico, que se si. Neste desiderato, ela deve ser considerada uma síndrome
baseia na análise de dor em 18 pontos específicos no corpo e não doença, este autor pede desculpas a quem pensa e ad-
humano, e 11 deles devem ser doloridos para que o paciente mite o contrário.
tenha a doença. Ora, como atualmente se exige que a medicina Mais recentemente, foi observado por vários pesquisado-
seja baseada em evidências concretas, a necessidade de pro- res a sobreposição da “fibromialgia” com diversas outras enti-
vas cabais é mandatória, cai, então, por terra a hipótese de que dades clínicas, também sem um substrato anatômico definido
a “fibromialgia” é uma entidade clínica nosológica. (portanto, não são entidades clínicas nosológicas), nas quais
Entrementes, já há algum tempo, alguns autores duvidam da não foram demonstradas, claramente, as alterações fisiopato-
especificidade desses tender points dolorosos, como sendo ex- lógicas responsáveis por seu desenvolvimento.
clusivos desta “nova doença”, pois podem ser encontrados em Em razão da inexistência do referido substrato anatômico
muitas pessoas com problemas psicológicos e até em doenças e com base em outros fatos, Mohamed Yunus10 e colaboradores
reumáticas como AR, LES, síndromes paraneoplásicas e até
classificaram todas essas supostas entidades em um grupo co-
como manifestação inicial de câncer.
nhecido como Síndromes Sensitivas Centrais, termo que vem
Em relação a este fato, em 2005, Nortin Hadler ironizou os
tais tender points dizendo que eles são encontrados na insufi- ganhando aceitação na literatura.
ciência cardíaca ou até mesmo na pobreza.8 Considerar que as síndromes alocadas na Figura 19.1 se-
riam uma somatização de distúrbios de natureza psicoafetiva
e sem manifestações objetivas é um equívoco, pois, achados
„„ MUDANÇA DE CONCEITOS de imagem pela ressonância magnética funcional puderam
A medicina é a ciência das verdades transitórias. comprovar a presença de alterações de fluxo sanguíneo nesses
(Afrânio Peixoto, médico e professor da FNM) pacientes, quando comparados com controles normais. Des-
tarte, rotular tais pacientes como somatizadores ou neuróti-
A medicina evolui e os conceitos mudam. A peste, a tuber- cos é criar um clima de hostilidade passível de causar danos
culose e outras doenças infecciosas eram consideradas cas- aos pacientes.
tigos de Deus. Embora Avicena, muitos séculos atrás (século Frederick Wolfe no Editorial Fibromyalgianess (publica-
XII), se contrapôs a esta hipótese, Kock, Pasteur e muitos ou- do no Arthritis & Rheumatism)11 diz que as anormalidades
tros ícones da medicina provaram que não. neurobiológicas e de imagem encontradas na “fibromialgia”
Na fibromialgia, aconteceu a mesma coisa. Um grande salto e a consequente ideia (errada) de que esta é uma doença
rumo à verdade foi dado na primeira década do século XXI. seriam uma decorrência de amostragem e de um viés de
Frederick Wolfe, diretor do banco nacional de dados sobre seleção.
doenças reumáticas e o principal autor dentre os participantes É fácil demonstrar a significância estatística quando você
daquela reunião em 1990 do ACR (Colégio Americano) e um dos está examinando as extremidades de uma distribuição. É mais
autores do primeiro documento que definiu “fibromialgia” como difícil, mas muito mais informativo examinar toda a distribui-
uma entidade nosológica, agora se mostra cético e desencorajado ção. A dicotomização, mesmo simplificada, perde informações
em relação ao seu diagnóstico como sendo uma doença.* e distorce o significado.
O reumatologista Nortin Hadler, professor de medicina na A Fibromyalgianess do acima referido editorial de Frede-
Universidade da Carolina do Norte, EUA, tem escrito diversos ar- rick Wolfe seria uma abstração do termo “fibromialgia”, ou
tigos sobre a “fibromialgia” e admite que o diagnóstico se agrava seja, “fibromialgia” conhecida como tal não é doença”, porém
quando as pessoas são encorajadas a pensar que estão doentes. como síndrome ela é real e digna de estudo, mas corretamente
O próprio Frederick Wolfe, que presidiu o Comitê do ACR deve ser estudada.10
naquela ocasião, e autor dos estudos em que ele conceituou a
Por sua vez, Daniel Claw diz que está cada vez mais cla-
“fibromialgia”, já admite não existir mais esta definição de que
ro que a “fibromialgia não é exatamente Fibromialgia”,12 pelo
a referida “fibromialgia” é uma doença e diz:†
fato de que agora existem significativas evidências, de que as
SSC são parte de uma série muito mais ampla de muitas outras
* “Hoje penso que as dores (da fibromialgia) são respostas físicas condições dolorosas, entre as quais estão as síndromes somá-
para o estresse, a depressão e a ansiedade social e econômica. As- ticas funcionais, as doenças multissintomáticas crônicas, os
sim ele disse textualmente numa reportagem dada ao New York Ti- distúrbios somatiformes, os quais são sintomas do ponto de
mes em 14 de janeiro de 2008.”9 Para ser mais fiel aos fatos, assim vista médico inexplicáveis.
foi o texto na língua original:
“The director of the National Databank for Rheumatic Diseases and
Ele, Claw, concorda com Yunus que a denominação, talvez a
the lead author of the 1990 paper that first defined the diagnostic gui- mais apropriada, seria a de SSC. Como se pode notar na Figura
delines for fibromyalgia, says he has become cynical and discouraged 19.1, a “fibromialgia” faz parte de um espectro de condições
about the diagnosis. He now considers the condition a physical response dolorosas muito prevalentes na prática clínica em que existe a
to stress, depression, and economic and social anxiety”.9 sobreposição de umas sobre as outras. Não é raro que pacien-
† “Pensei que tínhamos identificado realmente uma doença, mas clara-
mente sabemos que não é”. Tornar as pessoas doentes, lhes dar uma tes com “fibromialgia” tenham ao mesmo tempo enxaqueca,
doença, foi uma coisa errada”, ele arremata em entrevista ao New York cefaleia de tensão, síndrome do cólon irritável e dismenorreia.
Times em 2008. Essas síndromes foram descritas em um diagrama de Venn, em
“Some of us in those days thought that we had actually identified a di- 1984, por Yunus.13
sease, which this clearly is not,” Dr. Wolfe said. “To make people ill, to
give them an illness, was the wrong thing.”

314 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 19
Cefaleia
tensional

Síndrome Síndrome
Espasmo
fibromiálgica do colón
muscular
irritável

Síndrome de
dismenorreia
primária

Figura 19.1 Diagrama de Venn adaptada de Yunus, modificada.21

„„ EXISTÊNCIA OU NÃO DE SUBSTRATO tente somente no âmbito da subjetividade humana, ideias, ima-
ANATÔMICO COM LESÃO ESTRUTURAL ginação, lembranças etc.)

Por outro lado, mesmo que tais síndromes não tenham Aliás, as declarações de Frederick Wolfe ao New York Times
um substrato anatômico e lesão estrutural, mas, em que os em 2008 (ver página 314) e o editorial mencionado reforçam
pacientes sentem dor e outras manifestações clínicas, é um a tese de que este respeitado reumatologista desconsiderou a
equívoco considerar as condições patológicas alocadas na sua proposta inicial.
Figura 19.1, como sendo simplesmente uma somatização
de distúrbios de natureza psicoafetiva e mesmo que não te- „„ RÉPLICA DAS CRÍTICAS DA PROPOSTA DE
nham manifestações objetivas. YUNUS SOBRE A DENOMINAÇÃO SÍNDROMES
Hoje em dia, os achados de imagem detectados pela res- SENSITIVAS CENTRAIS
sonância magnética funcional puderam comprovar a presen-
ça de alterações de fluxo sanguíneo nestes pacientes, quando Segundo Yunus, autores alemães, entre eles Mc Farlin e
comparados com controles normais. Destarte, rotular tais pa- cols. levantam a questão de que a denominação “Intolerância
cientes como somatizadores ou neuróticos é criar um clima de às síndromes de estresse e hipersensibilidade à dor” (ISSHD
hostilidade passível de causar danos aos pacientes, uma vez ou SIPH, em inglês, são mais abrangentes do que “síndromes
que alterações do fluxo sanguíneo cerebral podem ocorrer em sensitivas centrais” (SSC).14 Ainda segundo ele as ISSHD ao
pacientes com dor de qualquer natureza. contrário das SSC, não indicam uma distinção fundamental
O termo Fibromyalgianess não tem tradução ao pé da letra entre os mecanismos periféricos e centrais da hipersensibili-
para o português, mas o sufixo ness dá uma ideia de abstração, dade à dor, sendo esta terminologia (SIEHD) restrita somen-
algo fora da realidade concreta. Assim, o monumental Dicioná- te à “fibromialgia” e à síndrome da fadiga crônica, excluindo
rio Houaiss da língua portuguesa ensina: muitos outros importantes membros da SSC.
Yunus concluiu que tanto as ISSHD ou SIPH e as SSC são
*Abstração: operação intelectual, compreendida por Aristóte- superponentes e modelos úteis que necessitam de explora-
les e Sto. Tomás de Aquino como a origem de todo o processo ção e mais pesquisa. Entretanto, as ISSHD ou SIPH deixam
cognitivo, na qual o que é escolhido como objeto de reflexão de incluir muitos importantes membros das SSC, e, além do
é isolado de uma série de fatores que comumente estão rela-
mais, a importância da natureza central da hipersensibilida-
cionados na realidade concreta (como ocorre por exemplo na
de à dor nelas não é especificada.
consideração matemática que despoja os objetos de suas qua-
“A relação de causa e efeito entre o estresse e suas manifes-
lidades sensíveis).
tações neuroimunoendócrinas não é clara. A fadiga da síndro-
*Abstrato: que não é concreto, que opera unicamente com ideias, me da fadiga crônica pode, na maioria das vezes, ser explicada
com associação de ideias, não diretamente com a realidade por outros fatores que acompanham o estresse e está associa-
sensível, que possui alto grau de generalização. Realidade exis- da a fatores biológicos.”

Síndromes Sensitivas Centrais 315


O mais importante é que o conceito de ISSHD ou SIPH é Os fatos mencionados não deixam dúvidas, diante das evi-
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

inespecífico, uma vez que se aplica a outras importantes doen- dências significativas atuais de que a “fibromialgia” não é ape-
ças além das SSC, inclusive aquelas em que existem alterações nas e exclusivamente uma entidade nosológica independente,
histopatológicas. mas sim uma síndrome que faz parte de um conjunto muito
maior, que ao longo do tempo recebeu muitas denominações,
Corolário não sendo, portanto, uma entidade autônoma como se supu-
Dessa forma, a denominação de SSC parece ser mais apro- nha antes. Por isso Kobby Ablin e Daniel J. Clauw, afirmam
priada”,15 por ser uma classificação que engloba outras sín- categoricamente, que a “fibromialgia não era apenas fibro-
dromes dolorosas em uma só condição: Síndromes Sensitivas mialgia”.18
Centrais. O argumento em contrário, de que elas [SSC] não te-
riam uma base anatomofisiológica clara e seriam puramente Outras síndromes de sobreposição
uma disfunção ou transtorno de natureza psiquiátrica, psico-
lógica e psicossocial16 é um equívoco. A estas condições causadas por dor e fadiga crônicas inex-
Neste aspecto, Mohamed Yunus demonstra em sua répli- plicáveis pode-se acrescentar ainda as síndromes de exposição
ca de que não seriam tão só e meramente uma disfunção ou como a “enfermidade” da guerra do golfo, chamada também de
transtorno de natureza psiquiátrica, psicológica e psicossocial, síndrome da fadiga crônica (que acometia os soldados ame-
mas que existiria, sim, um nexo causal fisiopatológico entre si ricanos no front quando repatriados, e em seis meses os sin-
tomas desapareciam), os implantes mamários de silicone, a
das várias Síndromes Sensitivas Centrais.17
síndrome do mal das construções, distúrbios somatoformes,
Alguns aspectos de seus argumentos merecem ser citados:
que acometem 4% da população com sintomas inexplicáveis e
nenhum achado de lesão orgânica.

Quadro 19.2 Argumentos de Yunus sobre a existência de „„ SÍNDROMES SENSITIVAS CENTRAIS: UM


um nexo fisiopatológico entre as síndromes SSC e os trans- ESPECTRO MAIOR DO QUE SE PENSA
tornos de natureza psiquiátrica, psicológica e psicossocial. As síndromes dolorosas hoje inseridas nas SSC (ver Figu-
1. As doenças ou síndromes que compõem as SSC têm como base ra 19.2) já foram descritas em 1984 por Yunus como em um
fatores biológicos e psicológicos com implicações sobre os resultados diagrama de Venn (ver Figura 19.1) em 1984, enfatizando os
do tratamento dos pacientes, sobre a educação médica e outros dados epidemiológicos e clínicos de sobreposição entre as di-
cuidados dos próprios pacientes. Questionar a veracidade da SSC é versas síndromes. Nesse diagrama, o espasmo muscular foi o
indesculpável. conceito colocado no centro, sendo considerado o elemento
2. O reconhecimento da mútua associação das supostas doenças que unificador comum entre os vários componentes do espectro
constituem a SSC é útil e facilita o seu diagnóstico e dispensa as representado.
desnecessárias e caras investigações diagnósticas, evitando mesmo Desde então, o diagrama de Venn foi ampliado continua-
cirurgias “brancas” que poderiam causar danos aos pacientes.
mente e, atualmente, inclui, pelo menos, 13 diferentes entida-
3. As SSC têm mecanismos fisiopatológicos similares (mas não iguais), des clínicas 19,20 por Yunus, e depois por Claw.
e a elucidação de um determinado mecanismo etiopatogênico ou
eficácia de tratamento em uma delas pode-se aplicar a outras.
4. A presença de uma Sensibilização Central (SC) em uma doença „„ OUTRAS CONDIÇÕES DOLOROSAS CRÔNICAS
com base anatomopatológica definida, como, AR. OA (osteoartrite), (MISCELÂNEA) SUPERPONÍVEIS
LES, alertaria o médico para avaliar se uma concomitante SSC está
presente, como, por exemplo, a síndrome da fibromialgia, com base
“O que vai acontecer com a ‘fibromialgia’ vai ser exata-
na história e na simples procura de um tender point.
mente a coisa que aconteceu com a depressão com o Prozac”,
5. Essas síndromes, como um grupo são, provavelmente, o mais disse dr. Clauw. “Essas são condições e problemas legítimos
comum dos problemas médicos nos consultórios. Daí a necessidade
que precisam de tratamentos. O dr. Claw disse que os scans do
de pesquisa acadêmica e a criação de um fundo de investimentos
se faz necessária. Convém lembrar que muitos diagnósticos de cérebro de pessoas que têm “fibromialgia” revelam diferenças
“Fibromialgia” como já citado antes, podem ser outras doenças que na forma como eles processam a dor, embora os médicos re-
se manifestam por dor difusa, como as hepatites B e C, mieloma conheçam que eles não podem determinar quem irá fazer um
múltiplo, linfomas e síndromes paraneoplásicas. laudo que o paciente tem “fibromialgia”, somente analisando
6. Considerando que muitos distúrbios (síndrome do cólon irritável um scan.
e síndrome das pernas inquietas) podem acometer um mesmo Em geral, pacientes com “fibromialgia” (a melhor deno-
paciente, pode haver um aumento da sensibilização central (CS), minação é síndrome fibromiálgica) não se queixam apenas
causando um surto de sofrimento no paciente. da dor crônica, mas de muitos outros sintomas, disse Wolfe.
7. As SSC talvez sejam as condições dolorosas mais comuns na prática Um estudo de 2.500 pacientes com “fibromialgia” publica-
médica, e é imperativo que haja maior interesse dos médicos e maior dos em 2007 pela Associação Nacional de Fibromialgia in-
investimento em pesquisa, assim como maior atenção às condições dicou que 63% deles relataram sofrer de dores nas costas,
não reumáticas associadas, porém com nexo causal comum como 40% de síndrome de fadiga crônica, e 30% de zumbido nos
distúrbios da ATM, SCI, TPM, enxaqueca, síndrome miofascial.
ouvidos, entre outras condições clínicas. Muitos também
8. A presença da SSC junto com doenças que tenham um substrato relataram que a “fibromialgia” interferiu em suas vidas diá-
patológico estrutural necessitam de uma abordagem terapêutica rias, com atividades como caminhar ou subir escadas, disse
diferente e um manejo terapêutico holístico mais amplo, evitando
o dr. Wolfe ao NY Times.
medicações desnecessárias ou danosas.

316 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 19
Síndrome Síndrome
Distúrbios do
Fibromiálgica da Fadiga
Estresse Pós-
(SG) Crônica Síndrome
-Traumático
(SFC) de Colón
Depressão
Lombalgia em Irritável
(DEPT-D)
que não se achou (SCI) Cefaleia/
a causa Cefaleia de
(Idiopática) Tensão
(C - CT)

Prostatite (P) Distúrbios da


SENSIBILIDADE Articulação
CENTRAL Temporomandibular
(DATM)
Síndrome da
Fadiga Crônica
(SFC) Síndrome da
Bexiga Dolorosa
Síndrome da (SBD)
Uretra Feminina
(SUF) Síndrome
das Pernas
Inquietas
Cistite Intersticial (SPI)
(CI) SSC Sensibilidade
Movimentos Química
Periódicos dos Múltipla
Membros Durante (SQM)
o Sono (MPMS) Enxaqueca
Dor
Pélvica Crônica Síndromes (E)
e Endometriose Dolorosas
Síndrome Dismenorreia das Partes
(DPC-E)
Miofascial Primária Moles (SDTM)
(SM) (DP)

Figura 19.2 Componentes da Síndrome Sensitiva Central (SSC) como uma sobreposição de relações entre si e um elo fisiopa-
tológico comum com uma sensibilização central. Síndrome do colón irritável; cefaleia de tensão; síndrome da fadiga crônica;
lombalgia que não se achou a causa (idiopática); prostatite; síndrome da bexiga dolorosa; dor pélvica crônica e endome-
triose; síndrome dolorosa de tecidos moles; distúrbios da articulação temporomandibular; síndrome miofascial; síndrome
da dor regional de tecidos moles; movimentos periódicos dos membros durante o sono; sensibilidade química múltipla;
síndrome da uretra feminina; cistite intersticial; distúrbio de estresse pós-traumático.

A maioria das pessoas “consegue passar pela vida com


algumas vicissitudes, mas que se adaptam”, disse o dr. Geor-
ge Ehrlich, reumatologista e professor adjunto da Univer- Quadro 19.3 Outras condições patológicas disfuncionais.
sidade da Pensilvânia. “As pessoas com fibromialgia não se Dor crônica na presença de fatores periféricos (inflamação ou lesão
adaptam”. tecidual)
“Além dos transtornos observados na Figura 19.1 Daniel
„„ Sinusite crônica „„ Síndrome da boca urente
J. Clauw e cols. admitem que outras síndromes podem se so-
brepor à SSC, como sinusite crônica, síndrome miofascial, „„ Dor toráxica não cardíaca „„ Costocondrite
síndrome de esforços repetitivos, dor torácica não cardíaca, „„ Discinesia biliar, vulvodinia, „„ Síndrome pós-colecistectomia
discinesia biliar, síndrome pós-colecistectomia, vulvodinia, vulvite bulbar
vestibulite vulvar e a síndrome da “boca urente”. Dor regional musculoesquelética crônica
Essas outras condições patológicas disfuncionais (Quadro
19.3) seriam síndromes dolorosas regionais de caráter crôni- „„ Dor na coluna cervical

co, onde fatores “periféricos” desenvolveriam um papel menor „„ Lesão por esforços repetitivos
ou mesmo nenhum papel na sua fisiopatologia.22 „„ Síndrome miofascial
„„ Dor na coluna lombar
„„ Tendinoses (ombro, cotovelo e punho)

Síndromes Sensitivas Centrais 317


„„ EPIDEMIOLOGIA-PREVALÊNCIA gêmeos, também, nas síndromes sensitivas centrais (SSC) exis-
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

tem evidências de que há uma forte predisposição de um com-


O percentual das principais síndromes que fazem parte ponente familiar em todas elas. Esta observação decorreu de
das Síndromes Sensitivas Centrais (SSC) citam-se: um bem elaborado estudo em gêmeos comparando uma grande
gama de síndromes somáticas funcionais com a “fibromialgia”
(síndrome fibromiálgica, seria a correta denominação).
No que concerne ao desenvolvimento desta referida sín-
Quadro 19.4 Principais síndromes que compõem as SSC.
drome fibromiálgica, Arnold e cols. demonstram que parentes
“Fibromialgia”, síndrome do Colón Irritável 32 a 80% de primeiro grau dos indivíduos com a síndrome fibromiálgica
apresentavam um risco oito vezes maior de desenvolvê-la do
Cefaleia tipo tensional e enxaqueca 10 a 80%
que aqueles indivíduos na população em geral.28
Distúrbio da articulação temporomandibular 75% Por outro lado, as pessoas com “fibromialgia” de uma mes-
Síndrome miofascial, síndrome da uretra feminina, ma família são mais propensas a ter dor do que as pessoas de
13 a 21% um grupo controle de outras famílias, independentemente de
Cistite Intersticial
elas terem ou não dor.
Síndrome da fadiga crônica 21 a 80%
Os indivíduos com “fibromialgia” membros de uma mesma
Sensibilidades químicas múltiplas 33 a 55% família, provavelmente, têm mais transtornos relacionados com
Dor pélvica crônica 18% ela (“fibromialgia”), como enxaquecas, cefaleias de tensão ou
outras, síndrome do colón irritável, disfunção da articulação
temporomandibular e outras síndromes dolorosas regionais.29
além de outras23,24 como se constata na Figura 19.1.
Da mesma forma, foi observada uma forte predisposição
A “fibromialgia” (síndrome fibromiálgica) não é tão preva- genética para se ter dor crônica, e quase todas as síndromes
lente como muitos acreditam. A estimativa de prevalência, em sensitivas centrais, fato este concordante com os trabalhos rea-
um estudo feito nas áreas metropolitanas de Nova York/Nova lizados sobre gêmeos, sugerindo que, existe 50% de risco de de-
Jersey foi de 3,7%. Entre uma comunidade de mulheres com senvolverem um destes transtornos, se deve a fatores genéticos
“fibromialgia” somente 14,3% diziam saber a causa de sua dor. e outros 50% a fatores ambientais.30,31
Os outros 75% das pacientes com dor disser que consultaram Essa noção de que há dois conjuntos de traços hereditários
médicos nos últimos seis meses para se tratar e 90,4% delas [genéticos] que se sobrepõem, sendo um para a dor e amplifi-
tomaram medicamentos e/ou fizeram outros tratamentos du- cação sensorial e outro para o humor e afeto, o que é também
rante este período. visto em outros estudos genéticos de síndromes dolorosas
Destes 90,4% das pacientes, somente 11,9% apresentavam idiopáticas.
os critérios do Colégio Americano de Reumatologia, exigíveis As pesquisas em gêmeos foram úteis para ajudar a des-
para o tal diagnóstico de “fibromialgia”. Disseram, ainda, que o vendar potenciais mecanismos subjacentes versus epifenôme-
médico generalista ou o profissional de saúde que as atendeu nos.32 Buchwald e cols. compararam pacientes com síndrome
nunca tinham falado que elas tinham “fibromialgia”.25 da fadiga crônica e “fibromialgia” em gêmeos idênticos com
e sem sintomas e descobriram que, em muitos casos, os dois
„„ ETIOPATOGENIA gêmeos compartilham anormalidades no sono e/ou na função
imune, embora tenham perfis muito diferentes em relação aos
Fukuda, Kato e cols,26,27 utilizando registros de um grande sintomas.33 Esses investigadores têm sugerido que isto é a evi-
prontuário sueco de gêmeos, realizaram uma série de estudos dência de que há um problema com a amplificação perceptiva
mostrando que comorbidades com dor crônica generalizada e nos gêmeos afetados.34,35
um conjunto de síndromes somáticas funcionais, analisaram Neste diagrama se nota a interação dos mecanismos biop-
posteriormente a relação entre seus sintomas [de ambas] com sicossociais envolvidos na sensibilização central, nas SSC e
os da depressão e ansiedade. no sistema nervoso autônomo. A relação entre sensibilização
Os resultados desses estudos demonstraram claramente central e as SSC é bidirecional. A cronicidade pode acentuar a
que as síndromes somáticas funcionais como a “fibromialgia”, sensibilização central.
síndrome da fadiga crônica, síndrome do intestino irritável e
a dor de cabeça têm características latentes que são diferen-
„„ FISIOPATOLOGIA – MECANISMOS DE
tes, mas se sobrepõem um pouco aos distúrbios psiquiátricos,
como ansiedade e depressão.26,27
SENSIBILIZAÇÃO CENTRAL
Curiosamente, tais resultados são exatamente os encon- A sensibilização central é uma amplificação anormal e in-
trados em estudos funcionais de neuroimagem em que, por tensa da dor por mecanismos que o Sistema Nervoso Central
exemplo, os indivíduos somente com “fibromialgia” tinham dispõem em condições de sofrimento e estresse emocional.
aumento de atividade nas regiões do cerébro que codificam a A dor é um indício da ativação de nociceptores periféri-
intensidade dos estímulos sensoriais (os córtex (ices) soma- cos situados em tecidos somáticos e viscerais decorrentes de
tossensitivos primários e secundários, a instula posterior, o processos inflamatórios, de qualquer irritação ou mesmo de
talámo), ao passo que, nos pacientes com fibromialgia e co- pequenos traumas. Quando isso acontece, mediadores infla-
morbidades como depressão, havia também aumento de ati- matórios são liberados no local, como histamina, bradicinina,
vidade nas regiões cerebrais que codificam o processamento serotonina e substância P.
afetivo da dor como a amígdala e a ínsula anterior. Alguns modelos, como o utilizado no laboratório de dor
Conforme se relatou no parágrafo anterior, nas pesquisas humana, com base no reflexo de recepção nociceptiva em ní-
sobre a prevalência de dor crônica e síndromes correlatas em vel do cordão espinhal, demonstraram que esses pacientes

318 Tratado Brasileiro de Reumatologia


apresentam sensibilização central, que é aferida por neuro- lulas nervosas pós-sinápticas, com alterações na membrana,

„„ CAPÍTULO 19
transmissores e/ou neuromoduladores que são passíveis de influxo intracelular de cálcio e ativação da proteína quinase.
mensuração. Essas modificações geram uma hiperexcitação proveniente de
Ultimamente, vem sendo desenvolvidos exames de ima- vários estímulos periféricos.
gem por ressonância magnética funcional, que conseguem Imagens do cérebro humano revelaram que a dor aguda re-
demonstrar que esses pacientes apresentam diferenças na sulta da ativação de uma rede de regiões do cérebro, incluindo
ativação de certas áreas do sistema nervoso central, quando o córtex somatossensorial, insular, córtex pré-frontal e córtex
comparados com controles normais, o que pode explicar o cingulado. Ao contrário, muitas outras investigações relatam
mecanismo desencadeador dessas enfermidades. Porém há pouca ou nenhuma alteração na atividade cerebral associada à
necessidade de estudos mais aprofundados para uma melhor dor crônica, particularmente a dor neuropática.
elucidação. Postula-se que a dor neuropática resulte de má interpre-
A sensibilização central é clínica e funcionalmente caracteri- tação da atividade talamocortical e evidências atuais indicam
zada por hiperalgesia, alodinia e expansão (prolongamento) dos que existe uma alteração do ritmo talamocortical em indiví-
campos receptores, sendo mediada pelo sistema nervoso central. duos com dor neuropática.
A referida sensibilização central (SC) envolve a ativação de Realmente, por quase quatro décadas aventava-se a hipó-
nociceptores de fibra A delta e C nos tecidos periféricos pela tese de que a dor neuropática pudesse ser mantida por uma
bradicinina, serotonina, prostaglandinas e substância P, entre central geradora discreta, possivelmente dentro do tálamo.
outros mediadores, posterior a uma inflamação decorrente de Recentemente, utilizam-se várias técnicas de imagem cerebral
um evento traumático menor. para explorar as mudanças centrais ocorridas em indivíduos
As fibras C estão envolvidas na dor crônica. Estas fibras C com dor neuropática do nervo trigêmeo submetidos a trata-
ativadas liberam vários neurotransmissores ou neuromodula- mento cirúrgico.
dores (como por exemplo: substância P, fator de crescimento Os resultados obtidos da análise das imagens sugerem
nervoso, peptídeo gene relacionado com a calcitonina, peptí- que a dor neuropática crônica está associada à alteração da
deo intestinal vasoativo, glutamato, aspartato). Esses neuro- anatomia e da atividade do tálamo, o que pode resultar em
transmissores causam um aumento dos impulsos na sinapse, desequilíbrio dos circuitos talamocorticais. Essa atividade ta-
promovendo hiperexcitação dos receptores pós-sinápticos, e, lamocortical desordenada pode resultar em uma percepção
em decorrência disso, ocorre uma mudança fisiológica nas cé- ininterrupta da dor.36

Predisposição
genética
Disfunção do
Sono de má
sistema nervoso
qualidade
autônomo

Trauma físico/ Fatores


nocicepção psicológicos/
periférica Disfunção neuro- estresse
imunoendócrina

Infecções/ Trauma neonatal


inflamação e na infância

Hiperexcitação de
Ruído ambiental/
Outros fatores neurônios centrais
produtos químicos/
outros

Sensibilização central

Sensibilização Outros
central mecanismos

SSC

Figura 19.3 Neste diagrama se nota a interação dos mecanismos biopsicossociais envolvidos na sensibilização central, nas
SSC e no sistema nervoso autônomo. A relação entre sensibilização central e as SSC é bidirecional. A cronicidade pode acen-
tuar a sensibilização central.

Síndromes Sensitivas Centrais 319


Convém lembrar que a dor tem um importante compo- A nosologia “Síndromes Sensitivas Centrais” foi primeiro
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

nente psicológico, isto é, a dimensão ativa, bem como aspectos cunhada por Yunus em 2000 com base na observação de que
cognitivos. A sensibilização central também pode ser diminuí- existe uma ligação fisiopatológica comum entre os seus mem-
da por neurotransmissores que inibem a dor, incluindo a se- bros.
rotonina, norepinefrina, encefalina, ácido gama-aminobutírico Com base no que foi discutido, as síndromes sensitivas
e dopamina. Portanto, a SC pode ocorrer em consequência de centrais vêm cada vez mais sendo consideradas doenças e não
excesso de neurotransmissores excitatórios, assim como por simplesmente enfermidades, uma vez que estudos recentes
diminuição de neurotransmissores inibitórios. estão demonstrando a fisiopatologia dessas condições.
Entrementes, a sensibilização central pode não ser somente
o único mecanismo fisiopatológico das SSC. Outros fatores po-
„„ DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL COM OUTRAS
dem ou não estar relacionados com ela, como os genéticos, a
hiperatividade simpática, as disfunções endócrinas, infecções CONDIÇÕES DOLOROSAS
virais, fatores geradores de nocicepção periférica, alterações no O diagnóstico da dor difusa é, como já mencionado, um dos
sono, estímulos ambientais e estresse psicológico. No entanto, muitos desafios da prática médica, especialmente, na reuma-
a participação dos fatores genéticos discutidos anteriormente tologia. Afastadas todas as síndromes dolorosas descritas nos
têm sido bem documentada em quase todas as SSC. parágrafos anteriores, outras condições patológicas devem en-
Paralelamente à sensibilização central, mecanismos imu- trar no diagnóstico diferencial, a saber:
nológicos também são reconhecidos. A ativação de células
gliais no sistema nervoso central pode liberar citocinas pró-
-inflamatórias e aumentar a excitabilidade neuronal, a sensi-
Quadro 19.5 Diagnóstico diferencial entre as SSC e outras
bilização das estruturas centrais e como resultado final deste
processo – a dor.
condições patológicas.
Há grande número de referências na literatura sobre trans- „„ Hepatite C e B
tornos dolorosos, inclusive as síndromes sensitivas centrais,
„„ Infecções virais (rubéola, influenza A, HIV etc.)
que erroneamente são denominadas de sintomas médicos inex-
plicáveis, pois muitos autores ainda acreditam que não há uma „„ Hipotireoidismo
base orgânica e patológica que explique que não é verdade. Os
„„ Polimialgia reumática
pacientes com estes sintomas, lamentavelmente, na maioria das
vezes, são rotulados como neuróticos ou simuladores. „„ Miopatias inflamatórias
Como já foi amplamente e anteriormente relatado, cada
„„ Síndromes paraneoplásicas
vez mais vem sendo cabalmente demonstrado que, nestes ca-
sos (sintomas médicos inexplicáveis), existem alterações no „„ Metástases tumorais
sistema neuroimunoendócrino desses pacientes. Uma inte-
„„ Estágios iniciais de artrite reumatoide. Lúpus eritematoso sistêmico e
ração entre os eixos do sistema nervoso central, endócrino e
espondiloartrites
imunológico está fortemente assentado na literatura.
Embora os sintomas das Síndromes Sensitivas Centrais te- „„ Terapia com estatinas
nham uma explicação fisiopatológica clara, outros estudos mais „„ Síndromes de hipermobilidade articular (Marfan)
profundos e contundentes são necessários para dirimir dúvi-
das, embora a sensibilização central possa explicar vários dos „„ Síndrome de Sjögren
sintomas das síndromes sensitivas centrais por ela provocados.
„„ Osteoartrite difusa
Tal explicação é que um desbalanço entre neurotransmis-
sores excitatórios e inibitórios da dor seria o responsável pela „„ Carcinomas (Figura 19.4), linfomas e gamopatias monoclonais
síndrome dolorosa. „„ Síndrome da dor regional difusa
Tal fato pode ser evidenciado pelo efeito da melhora da
dor com drogas serotoninérgicas, dopaminérgicas e noradre-
nérgicas. Está claro que o efeito analgésico central é diferente
„„ DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL COM CAUSAS
dos seus efeitos antidepressivos, porque as drogas modulam o
processo de dor ao nível da medula espinhal.
PSICOSSOMÁTICAS
Fatores psicológicos estão associados à sensibilização cen- Distúrbios emocionais podem levar à dor lombar ou agra-
tral, como se demonstrou em estudos utilizando a ressonância var as queixas resultantes de outras causas orgânicas pree-
magnética funcional. Nesses estudos constatou-se uma ativação xistentes. A anamnese é fundamental para identificar o fator
de áreas cerebrais relacionadas com a emoção, antecipação e psicogênico, comprovadamente importante nas formas crôni-
aspectos de atenção da dor. cas de dor lombar. “Fibromialgia” e síndrome miofascial (ver
Apesar de todas as evidências apontarem nesta direção, Capítulo 21). São causas frequentes de dor lombar. Ambas não
não se sabe ainda, com absoluta certeza, se a sensibilização têm um claro substrato anatomopatológico que as confirme,
central seria apenas o fator desencadeante para desenvolvi- mas existem evidências de contraturas musculares e hipóxia
mento das síndromes sensitivas cerebrais ou a cronicidade da tissular das estruturas da coluna vertebral. A presença de pon-
dor causaria a sensibilização central. O que parece é que am- tos dolorosos (entre outros achados), alguns deles na região
bas hipóteses podem ser verdadeiras. lombar, pode ocorrer na síndrome fibromiálgica e em outras
Sendo assim, as Síndromes Sensitivas Centrais poderiam SSC como na síndrome miofascial. Nas síndromes miofasciais
ser reconhecidas como condições baseadas em um modelo a dor é desencadeada pela digitopressão de “pontos gatilho” e
biopsicossocial, como acontece com outras doenças crônicas. sentida em estruturas distantes deles.

320 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 19
Figura 19.4 O paciente sentia dor generalizada, diagnosticada como “fibromialgia” por dois anos. Nos últimos três meses
apresentava febre, tosse e emagrecimento. Diagnóstico: carcinoma de pulmão (seta).

„„ SÍNDROMES SENSITIVAS CENTRAIS SEM Doença: 1. Condição de não estar bem. 2. Literalmente,
MANIFESTAÇÕES REUMÁTICAS a falta de felicidade; uma condição patológica do corpo, que
apresenta um grupo de sinais e sintomas clínicos e de achados
As SSC talvez sejam as condições mais comuns na prática laboratoriais peculiares a esta condição e que classificam tal
médica. Por isso, é imperativo que haja maior interesse dos condição como uma entidade anormal, diferente de outros es-
médicos em se aprofundar nos conhecimentos sobre a matéria, tados orgânicos normais ou patológicos.
através de maior investimento em pesquisa e, principalmente,
O conceito de doença pode abranger a condição de enfer-
dedicar maior atenção àquelas condições e transtornos sem
midade e de sofrimento, não necessariamente advindos de
manifestações reumáticas específicas (LES, A.R, etc.), porém
alterações patológicas no organismo. Existe uma importante
com nexo causal comum, como distúrbios da síndrome da dor
diferenciação entre doença e enfermidade, visto que a primei-
na articulação temporomandibular, síndrome do colón irritável,
ra é comumente tangível e pode mesmo ser medida, enquanto
tensão pré-menstrual, enxaqueca e síndrome miofascial.
que a enfermidade é altamente individual e pessoal, por exem-
No primeiro caso, temos observado os supostos problemas plo, em um caso de dor, sofrimento e angústia.
dentários tidos como causadores de dor na Articulação Tem-
No entanto, alguns autores defendem que, na verdade, os
poromandibular (ATM), em que foram adotadas as medidas
termos doenças e enfermidades são falhos, pois acreditam que
odontológicas corretivas. Nesses casos, não houve o resultado
em todas elas há um componente psicológico e fisiopatológico.
terapêutico esperado. Segundo alguns autores, 75% dos pacien-
É um erro tratar todos os pacientes que têm uma mesma
tes diagnosticados como “Fibromialgia” tinham dor na ATM.37
doença da mesma maneira, pois no espectro desta existe uma
variação na sua apresentação, na evolução e no prognóstico.
„„ DIFERENÇAS ENTRE ENTIDADE NOSOLÓGICA Subgrupos de pacientes dentro de uma mesma doença exis-
(DOENÇA) E ENFERMIDADE tem e devem ser individualizados. Se isso não ocorrer, poderá
ocasionar falha no tratamento.
É oportuno diferenciar doença de enfermidade. Do ponto Quanto à discussão de que o número de pontos preconi-
de vista [médico-científico], Taber38 (cientista visitante da Es- zados pelo ACR como sendo uma característica peculiar da
cola de Saúde Pública da Universidade de Harvard) [Dicionário “fibromialgia” e da dor difusa, alguns autores discordam. Tais
Médico Enciclopédico Taber 17ª Edição] assim as classifica: autores observaram que os referidos pacientes com dor difusa

Síndromes Sensitivas Centrais 321


que não preenchessem os critérios para o número de Tender Os referidos autores concluem que as várias síndromes elen-
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

Points teriam sintomas menos severos do que os pacientes cadas na Figura 19.2, como síndrome do cólon irritável, enxa-
com “Fibromialgia”. Nessas duas síndromes, era comum que queca, e síndrome dolorosa da ATM (temporomandibular),
o componente psquiátrico extraído na história de ambos, exis- cistite intersticial e outra fariam parte de um espectro de dor
tiam scores mais altos de depressão e ansiedade. Uma pesquisa chamado Síndromes Sensitivas Centrais, a menos que existam
por Ömer e cols39 realizada em 150 pacientes com “fibromialgia” outros mecanismos, uma vez que o processo álgico na dor neu-
diagnosticados segundo os critérios do ACR e 42 desses com dor ropática seria decorrente de uma lesão de nervos periféricos
difusa mostrou que havia uma significativa relação entre o nú- por vários agentes lesionais (ver capítulo sobre dor neuropáti-
mero de Tender Points e a dor neuropática da “Fibromialgia”; e ca), não sendo, portanto, essa [dor neuropática] uma entidade
que a origem da dor teria uma origem central e/ou neuropática. clínica autônoma.40

PONTOS-CHAVE

„„ A denominação atual das síndromes dolorosas difusas, acompanhadas de outros sinais e sintomas sem causa definida,
é de Síndromes Sensitivas Centrais.
„„ Existe, nessas síndromes, aumento de atividade nas regiões do cerébro que codificam a intensidade dos estímulos sen-
soriais (os córtices somatossensitivos primários e secundários, a ínsula posterior e o tálamo).
„„ Em uma das SSC, a síndrome fibromiálgica e comorbidades como depressão e ansiedade, há aumento de atividade nas
regiões cerebrais que codificam o processamento afetivo da dor na amígdala e na ínsula anterior.
„„ A “fibromialgia” não é uma entidade clínica nosológica.
„„ A dor é um indício da ativação de nociceptores periféricos situados em tecidos somáticos e viscerais, como resposta a
estímulos nóxicos (inflamação ou pequenos traumas).
„„ Em consequência, mediadores são liberados no local como histamina, bradicinina, serotonina e substância P.
„„ A fisiopatologia das SSC ainda carece de uma explicação concisa, porém crescem as evidências de que tais síndromes
não são doenças de cunho psicossomático.
„„ Os sintomas inexplicáveis relatados por estes pacientes resultam de alterações do sistema neuroimunoendócrino.
„„ Uma das possíveis causas seria o desbalanço entre neurotransmissores excitatórios e inibitórios de dor. Isso pode ser
evidenciado pela melhora dos sintomas com drogas serotoninérgicas, dopaminérgicas e noradrenérgicas.
„„ A modulação do processo da dor se dá a nível da medula espinhal, enquanto que os antidepressivos agem no SNC.
„„ Fatores psicológicos estão associados à sensibilização central, como se demonstrou em estudos utilizando a ressonân-
cia magnética funcional. Nestes estudos, constatou-se uma ativação de áreas cerebrais relacionadas com a emoção,
antecipação e aspectos de atenção da dor.
„„ As Síndromes Sensitivas Centrais poderiam ser reconhecidas como condições baseadas em um modelo biopsicossocial,
como acontece com outras doenças crônicas.
„„ Sendo assim, as Síndromes Sensitivas Centrais poderiam ser reconhecidas como condições baseadas em um modelo
biopsicossocial, como acontece com outras doenças crônicas.
„„ A nosologia “Síndromes Sensitivas Centrais” foi primeiro cunhada por Yunus em 2000 com base na observação de que
existe uma ligação fisiopatológica comum entre os seus membros.
„„ Com base no que foi discutido acima, as síndromes sensitivas centrais vêm cada vez mais sendo consideradas doenças e
não simplesmente enfermidades, uma vez que estudos recentes estão demonstrando a fisiopatologia dessas condições.

Tratamento
Vários tratamentos medicamentosos, e não medicamentosos, podem ser eficazes, quase em qualquer um dos trans-
tornos da SSC. Tal fato reforça ainda mais a atual convicção de que as SSC constituem um amplo transtorno de condições
disfuncionais do SNC, mas com um real substrato neuroimunoendócrino, em que se sobrepõem a várias entidades autô-
nomas independentes que se juntam umas às outras. As alterações do fluxo sanguíneo cerebral, cabalmente demonstra-
das por ressonância magnética funcional, neste capítulo, comprovam que existe uma base disfuncional real, e que a causa
da dor nestes portadoes de SSC não simuladores que a sua dor é imaginária, e eles seriam meros hipocondríacos. Existem
dados significativos sugerindo que os antidepressivos tricíclicos sejam eficazes para tratar a maior parte dos componen-
tes da SSC. Na prática clínica, observa-se que esta eficácia é apenas temporária e que, após alguns meses, precisam ser
trocados por outro antidepressivo. Os novos inibidores da recaptação da serotonina, noradrenalina e opioides como o
tramadol parecem eficazes em algumas condições e, tal como a duloxetina, seriam mais eficazes naqueles casos em que
há depressão associada. As pregabalinas e gabapentina seriam eficazes em uma grande gama de situações. No entanto,
qualquer uma dessas classes funcionaria em apenas um terço dos casos, o que é consistente com a teoria de que há um
forte transtorno genético, porém poligênico que requer diferentes tratamentos em diferentes indivíduos.41

322 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 19
Fazendo uma analogia entre as vias de processamento da dor e a hipertensão arterial essencial, utiliza-se, nesta última, de
8 a 10 tipos diferentes de drogas anti-hipertensivas que atuam em diferentes sistemas corporais e diversos alvos moleculares
para controlar esta doença.
Em alguns indivíduos com a referida hipertensão arterial essencial, as drogas funcionam, em outras não. Da mesma forma,
isso acontece nas SSC: as drogas utilizadas podem ser úteis ou não. Na prática clínica, tem-se observado que, apenas em um
terço dos pacientes, alguma resposta é obtida, o que é consistente com a teoria de que há, nos diferentes transtornos que se
inserem nas SSC, uma forte base genética poligênica, o que requer diferentes tratamentos para diferentes indivíduos.42
Não obstante, os farmácos utilizados na dor de origem central não são tão eficazes quanto aqueles usados na hipertensão
essencial, o que justifica a sua pouca eficácia ou nenhuma eficácia, esta seria uma das razões do porquê de estas síndromes
serem difíceis de tratar, o que vai ao encontro do que constatamos na prática clínica.
Reumatologistas, gastroenterologistas, cirurgiões dentistas, ginecologistas, neurologistas, de uma mesma forma, têm per-
cebido que, quando a dor central ou a sensibilidade dolorosa é reconhecida como a feição mais importante de uma deter-
minada entidade clínica, tanto o senso comum quanto a abordagem prática afirmam que a terapêutica visa a influenciar a
transmissão da dor no sistema nervoso central.43
Somente quando Anderson vaticinou que reconhecendo “inteiramente novas leis, conceitos e generalizações” começamos
a entender o que pensamos, que a dor tenha sido uma discreta condição reumática, tornou-se de fato uma metáfora para nos
lembrar que a referida dor e qualquer outro sintoma corpóreo, posteriormente, experimentado no cérebro, que ambos (dor e
sintoma corpóreo) inexoravelmente estão conectados à mente e ao corpo.44,45

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324 Tratado Brasileiro de Reumatologia


20

Capítulo
Daniel Feldman Pollak

Fibromialgia
A fibromialgia é uma síndrome dolorosa crônica, referida A fibromialgia tem distribuição universal, não havendo di-
principalmente, mas não exclusivamente, nos ossos, músculos ferenças raciais, de cor ou condição socioeconômica. Embora
e tendões. Caracteristicamente, a dor acomete todo o corpo, acometa todas as faixas etárias, o pico de prevalência está en-
embora não necessariamente de maneira concomitante. Para tre a 4ª e 6ª décadas. Já a sua incidência aumenta com a idade,
definir que um paciente está acometido por fibromialgia, a tornando-se mais frequente na 7ª década. As mulheres são
queixa deve ser expontânea e, muitas vezes, auxiliada por dia- mais acometidas, em uma proporção de até 10 mulheres para
grama. 1 homem. De maneira geral, e de acordo com diversos estudos
Em mais de 80% dos casos, a dor vem acompanhada por populacionais, a prevalência entre mulheres gira em torno de
sintomas de fadiga, sono não reparador e rigidez matinal. 3 a 4% e nos homens de 0,5 a 0,8%.
Os pacientes apresentam hiperalgesia difusa, especial- Estima-se que 5% das consultas em ambulatório de clínica
mente tátil, traduzida no exame físico por dor à palpação em médica e até 30% em serviço de reumatologia sejam decorren-
múltiplas áreas; com a finalidade de classificar pacientes para tes de fibromialgia.
estudos populacionais e para sistematizar melhor o exame fí-
sico, foram adotados nove pares de pontos, os assim chamados „„ FISIOPATOLOGIA
pontos dolorosos ou tender points, distribuídos ao longo do
corpo. Deve-se frisar que o encontro isolado de pontos dolo- Embora clinicamente bem caracterizada, a sua etiologia
rosos no exame físico, sem queixa álgica, não permite fazer o e os mecanismos fisiopatológicos ainda não estão completa-
diagnóstico de fibromialgia. Da mesma maneira, embora onze mente esclarecidos.
pontos dolorosos sejam necessários para classificar um indi- Estudos com gêmeos idênticos, assim como de agregação
víduo como portador da síndrome, o diagnóstico de cada pa- familiar sugerem fortemente a influência genética nesta sín-
ciente pode ser feito mesmo com um menor número de pontos drome. Genes que regulam a secreção de monoaminas, como
dolorosos. serotonina, noradrenalina e dopamina e outros neuropeptí-

Dor regional Dor difusa

Figura 20.1 Fibromialgia – Conceito de dor difusa.

325
deos tem sido identificados como estando expressos em maior Do ponto de vista de sintomas emocionais e afetivos, 30%
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

ou menor quantidade do que esperado na população normal. dos pacientes com fibromialgia apresentam depressão maior,
Em indivíduos predispostos, diferentes agentes agressores, e até 70% apresentam histórico de depressão. Já a ansiedade é
como o estresse emocional, as infecções virais e os traumas fí- muito frequente, mas fica difícil de diferenciá-la daquela cau-
sicos (especialmente lesões da coluna cervical), poderiam pro- sada pela presença contínua da dor.
vocar alterações na regulação do sistema aferente nociceptivo, O exame físico destes pacientes caracteriza-se pela hipe-
facilitando-o, ou, no sistema inibitório descendente, inibindo-o, ralgesia tátil difusa. Por isso, foram padronizados os pontos
levando a uma situação de hiperalgesia e alodínia. dolorosos, nove pares, que devem ser dolorosos a uma pressão
Estas alterações podem, por um fenômeno em cascata, digital de 4 Kg.
provocar desequilíbrios em sistemas regulatórios de sono, ei- A presença de um número determinado de pontos doloro-
xos hormonais endócrinos e redes imunológicas de síntese de sos no exame físico não é essencial ao diagnóstico do paciente
citocinas que culminariam provocando o quadro clínico diver- individual.
sificado que estes pacientes apresentam.
„„ TRATAMENTO
„„ QUADRO CLÍNICO
O objetivo do tratamento é a melhora de qualidade de vida
O sintoma cardinal da fibromialgia é a dor difusa e crôni- através do controle dos principais sintomas, incluindo sempre
ca. Descreve-se dor difusa como aquela da qual o indivíduo se a dor. Como a sua etiologia não é conhecida, não pode ser ofe-
queixa, mesmo que não concomitante, em todos os segmentos recida a cura da fibromialgia.
corporais, incluindo o esqueleto axial. O tratamento destes pacientes implica a ação conjunta de
Embora sem dor não há fibromialgia, este não é o único modalidades farmacológicas e não farmacológicas, e, de diver-
sintoma. Fadiga, rigidez corporal matinal e sono não repa- sos especialistas de maneira integrada quando a diversisade
rador estão presentes em mais de 80% dos pacientes. Com ou intensidade dos sintomas assim o requerer.
menos frequência, sensação de inchaço nas extremidades,
parestesias sem padrão definido, tonturas vertiginosas, boca
Tratamento não farmacológico
seca, precordialgia atípica e dificuldades cognitivas também
fazem parte do quadro. A atividade física regular é o melhor caminho para o con-
Sintomas ou síndromes dolorosas disfuncionais como en- trole da dor e da fadiga a médio e longo prazo. Diferentes
xaqueca, distúrbio temporomandibular, colon irritável e sín- estudos têm demonstrado que os exercícios aeróbicos são
drome uretral feminina são mais frequentes nos pacientes superiores a outras modalidades para fibromialgia. Seguindo
com fibromialgia. o axioma: baixo impacto, baixa intensidade e alta frequência,

Sensibilidade 88,4%
Especificidade 81,1%

1. História de dor difusa, persistente por mais de


3 meses.
    Dor difusa:
• À direita e à esquerda da escapula;
• Acima e abaixo da cintura escapular;
• Um segmento do esqueleto axial.

2. Dor em 11 dos 18 pontos dolorosos (tender


points) já estabelecidos (em discussão).

Figura 20.2 Critérios do American College of Theumatology (ACR).

326 Tratado Brasileiro de Reumatologia


a grande maioria de pacientes toleram o exercício e não de- c) Antidepressivos de inibição da recaptação de seronina/no-

„„ CAPÍTULO 20
sistem após um tempo. Toda e qualquer outra atividade física radrenalina. O seu mecanismo de ação é parecido com o dos
deve ser considerada adjuvante, e não necessariamente au- tricíclicos, com a vantagem teórica de não agirem sobre ou-
menta a eficácia terapêutica dos exercícios aeróbicos. tros receptores, como os muscarínicos, tornando-os mais
Acupuntura e outras modalidades analgésicas não têm tolerados. Tanto a Duloxetina nas doses de 30 a 90 mg/dia,
conseguido demonstrar eficácia em estudos randomizados e como o Milnasciprano nas doses de 100 a 200 mg/dia, têm
controlados. Contudo, deve-se apontar para o fato de que mui- demonstrado eficácia no controle dos sintomas da fibro-
tos pacientes parecem beneficiar-se com elas; como nenhum mialgia. Os estudos com a Venlafaxina, outro representante
efeito adverso grave tem sido descrito, o uso destes tratamen- deste grupo, são menos consistentes, mas alguns pacientes
tos deve ficar a critério do médico e do paciente. se beneficiam nas doses de 75 a 150 mg/dia.
As terapias psicológicas, especialmente a terapia cognitivo d) Nesta classe, a Gabapentina (900 a 2.400 mg/d) e a Prega-
comportamental parecem ser úteis em número significativo balina (150 a 450 mg/d) têm demonstrado ser eficazes no
de pacientes, e devem ser indicadas peremptoriamente quan- tratamento.
do existir comorbidade psiquiátrica diagnosticada.
Algumas notas importantes:

Tratamento farmacológico a) Embora muitos fármacos sejam usados rotineiramente em


associação, não há estudos esclarecendo os possíveis efei-
Diversos fármacos apresentam resultados superiores a tos colaterais, e, mesmo que biologicamente corretos, nem
placebo em diferentes estudos clínicos e de metanálise. Como sequer há provas de que são superiores à monoterapia.
nenhum deles foi comparado com outro para estabelecer supe- b) Anti-inflamatório não hormonais e corticosteroides so-
rioridade, daremos apenas a relação deles (mesmo que a maio- mente devem ser usados para o tratamento de comorbida-
ria não tenha indicação específica para fibromialgia na bula). des inflamatórias quando estas estão presentes. Estudos
clínicos demonstram a sua ineficácia quando usados isola-
a) Antidepressivos tricíclicos. Baseiam a sua ação na capaci-
damente para o controle da dor da fibromialgia.
dade de inibir a recaptação de serotonina e noradrenalina;
são os mais antigos e comprovadamente eficazes. De todos c) Benzodiazepínicos não devem ser usados no tratamento
eles, a Amitriptilina em doses de 12,5 a 50 mg, dada à noite da fibromialgia.
é mais eficaz. Deve-se notar que a dose é bem menor do d) Opiáceos fortes como morfina e os seus derivados não de-
que a necessária como antidepressivo. vem ser usados no tratamento destes pacientes.
Nesta categoria, por analogia estrutural, embora sem
ação antidepressiva nenhuma, deve-se considerar a Ciclo- „„ PROGNÓSTICO
benzaprina nas doses de 5 a 30 mg, também à noite, com
efeitos semelhantes aos da Amitriptilina. Não há cura para fibromialgia. Com o uso adequado de tra-
b) Antidepressivos inibidores seletivos da recaptação da se- tamento farmacológico e não farmacológico, a maioria dos pa-
rotonina. Com exceção da Fluoxetina em doses superiores cientes conseguem um controle adequado dos seus sintomas,
a 45 mg/dia, quando deixa de ser seletiva para serotonina, melhorando significativamente a sua qualidade de vida.
os outros membros desta classe de antidepressivos não tem
demonstrado efetividade no tratamento da fibromialgia.

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328 Tratado Brasileiro de Reumatologia


21

Capítulo
Fábia Mara Gonçalves Prates de Oliveira  Antônio Carlos Ximenes

Dor Difusa Regional: Quadril, Joelho, Tornozelo e Pé Doloroso

„„ INTRODUÇÃO „„ DOR MIOFASCIAL REGIONAL


A abordagem deste capítulo são as doenças dolorosas Dor muscular localizada, mais prolongada e acompanha-
regionais de membros inferiores, que têm espectro amplo e da de locais doloridos e endurecidos na musculatura (“pon-
variado, não relacionados entre si, mas atingindo regiões de- tos-gatilhos”). A dor é contínua e profunda, às vezes associada
finidas. As dores regionais decorrentes de doenças sistêmicas à sensação de queimação ou pontada (Figura 21.1 B e C).
ou decorrentes de patologia descritas em capítulos diferencia- Os pontos-gatilhos são indurados, e a palpação reproduz a
dos deste livro, não serão novamente explicitadas. dor. Eles costumam estar localizados no centro do múscu-
A dor em quadril nos idosos geralmente surge em decorrência lo, provocando dor em uma “zona-alvo” distante do ponto-
de osteoartrite de articulação coxofemoral, mas este diagnóstico -gatilho. Os pontos-gatilhos podem ser resultantes de trauma
não pode ser utilizado como único e/ou mais provável para dor agudo, de microtraumas repetitivos na vida diária, por uma
em membros inferiores, pois mesmo que alterações radiográficas cronificação de trabalho ou hábitos de vida sedentários. A
da osteoartrite possam ser vistas, várias alterações de partes mo- síndrome dolorosa miofascial pode ser um distúrbio primá-
les podem coexistir, sendo, às vezes, fácil de diagnosticar e tratar. rio ou pode ser secundária a outros distúrbios dolorosos,
A dor e a incapacidade que atingem os membros inferiores como espondilopatia facetária, radiculopatia ou a afecções
podem ser de origem intrínseca, referida de outras estruturas; ou musculoesqueléticas de naturezas diversas, como artríti-
parte de uma doença sistêmica. A maioria ocorre em associação cas, neuropáticas ou visceropáticas. Apesar desta síndrome
com movimentos ou são resultantes de trauma. Frequentemen- ser uma das causas mais comuns de dor e incapacidade em
te, um defeito estrutural mínimo pode predispor um indivíduo a doentes que apresentam algias de origem musculoesquelé-
uma lesão relacionada com o esporte ou outro esforço qualquer.1 tica, muitos profissionais da área de saúde e doentes não a
Uma história clínica e um exame físico bem feitos podem reconhecem, pois o diagnóstico depende exclusivamente da
elucidar grande parte dos diagnósticos e sugerir manejos mais história clínica e dos achados do exame físico.
indicados e estratégias de prevenção eficazes.
As alterações que ocorrem nos tecidos moles, também cha- „„ TENDINOPATIAS E BURSITES
madas reumatismos de partes moles ou dor reumática dos teci-
dos moles, estão divididas em cinco grandes grupos, segundo A tendinopatia, antes chamada tendinite, é uma altera-
Sheon e colaboradores (Quadro 21.1). ção patológica e clínica com características comuns de dor
local, disfunção, inflamação e degeneração, frequentemente
resultante de excessos (overuse). A tendinopatia pode ser re-
sultante de doenças reumáticas inflamatórias ou distúrbios
Quadro 21.1 Dor reumática em tecidos moles. metabólicos, como deposição de cristais de cálcio. Uma anam-
nese bem-feita pode sugerir o envolvimento sistêmico.
1. Dor miofascial regional: dor regional com pontos gatilhos (Figura 21.1) A bursite é a inflamação de estruturas saculares que se
2. Tendinites e bursites. formam para proteger os tecidos moles das proeminências
ósseas. É um diagnóstico fundamentado no dolorimento local
Desordens estruturais, como exemplo: membro inferior mais curto,
3. onde as bursas estão localizadas, dor ao movimento e repouso
escoliose, subluxação patelar lateral, pé plano.
e, às vezes, limitação dos movimentos ativos. Além de trau-
4.
Compressão neurovascular, como síndrome do desfiladeiro torácico, matismo ou fricção, outras causas de inflamação das bursas
síndrome do túnel do carpo, síndrome do túnel do tarso. seriam doenças sépticas, metabólicas, hematológicas e infla-
Distúrbios álgicos generalizados, tais como fibrosite, síndrome álgica matórias do colágeno. Por conseguinte, além dos traumatis-
5. benigna crônica, distrofia simpática reflexa e reumatismo psicogênico mos, as bursas podem ser afetadas por todas as doenças que
(Figura 21.1A e B). afligem as articulações sinoviais, embora a resposta do líquido
Fonte: Sheon RP. Soft Tissue Rheumatic Pain.¹
sinovial geralmente seja menos intensa.

329
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

2
1

A Dor superficial

Dor profunda
Dor superficial

Dor profunda

B C

Figura 21.1 Pontos-gatilhos.

„„ DESORDENS ESTRUTURAIS ósseo por doença ou tumorações. Pode ocorrer ainda por sinovite
dos tendões flexores longos por uso excessivo, estados retentores
As alterações estruturais mais frequentemente encontra- de líquidos e inflamação sistêmica.
das são frouxidão ligamentar, seguida de movimento articular
restrito (tensão muscular), além de escoliose, perna curta ou
subluxação patelar lateral. Clinicamente, uma alteração estru- „„ DISTÚRBIOS ÁLGICOS GENERALIZADOS
tural raramente é mencionada na história do paciente, mas ela Aqui estão incluídas a síndrome de hipermotilidade, fi-
deve ser considerada e investigada, fazendo-se, então, a corre- bromialgia, polimialgia reumática e alterações somatoformes.
lação clínica. Estes distúrbios geralmente não têm características patogno-
mônicas, e a avaliação clínica cuidadosa se faz importante.
„„ COMPRESSÃO NEUROVASCULAR As doenças e desordens descritas aqui são regionais e
localizadas em membros inferiores. As manifestações locais
A compressão neurovascular pode ocorrer no canal espinhal decorrentes de doenças sistêmicas assim como as doenças de
(estenose) ou ao longo do curso do nervo periférico. Clinicamen- membros superiores serão discutidas em outros capítulos.
te, uma sensação de edema, dor e parestesia distal ao local da
compressão podem sugerir esta patologia. A compressão pode
Quadril
resultar de traumatismo externo ou de fatores próprios do canal,
como tenossinovite por distúrbios reumáticos sistêmicos, espes- A dor no quadril é uma queixa frequente na clínica diária e
samento do retináculo, hipertrofia muscular, doenças infiltrativas deve ser avaliada com cautela, já que determinar exatamente a
do canal (mieloma, mixedema ou amiloidose) ou envolvimento sua origem pode-se tornar um desafio. O paciente pode definir

330 Tratado Brasileiro de Reumatologia


como “quadril” parte da coluna lombossacral, coxas, nádegas mobilidade e de papel fundamental na marcha e no ortosta-

„„ CAPÍTULO 21
ou virilha, e o leque de diagnósticos diferenciais se torna bem tismo, além de suporte do peso corporal. O seu comprometi-
amplo.2 A dor irradiada para quadril pode também surgir de mento traz prejuízos funcionais ao indivíduo, seja em sua vida
locais inesperados como parede abdominal, trato genituriná- diária, profissional ou esportiva.
rio ou espaço retroperitoneal.4 É uma articulação do tipo esférica formada pela cabeça do
Estudos demonstram que aproximadamente 2,5% das le- fêmur e a cavidade do acetábulo. Os ligamentos que formam
sões relacionadas com esporte ocorreram no quadril, e, nos essa articulação são:
Estados Unidos da América, 14,3% dos adultos acima de 60
anos de idade relataram dor no quadril na maioria dos dias, „„ Cápsula articular: é forte e espessa, formada por
em um acompanhamento de 06 semanas.4 Em outro estudo tecido fibroso denso, envolvendo toda a articulação
prospectivo feito na Holanda, 12% dos pacientes que se quei- coxofemoral. É mais espessa nas regiões proximal e an-
xaram de dor no quadril ao clínico geral evoluíram em três terior da articulação, onde se requer maior resistência.
anos para prótese total de quadril e 22% após seis anos.5 Posteriormente e distalmente é delgada e frouxa. Junto
com os ligamentos abaixo citados se torna uma das es-
Uma avaliação criteriosa do paciente inclui sempre uma
truturas mais resistentes do corpo humano.
definição clara das características da dor, a determinação da
causa exata do sintoma (pela história clínica e o exame físico), „„ Ligamento iliofemoral: é um feixe bastante resisten-
um entendimento básico de alterações radiográficas e o conhe- te, situado anteriormente à articulação. Está intima-
cimento do diagnóstico diferencial em potencial.2 Uma vez a dor mente unido à cápsula e serve para reforçá-la.
sendo atribuída ao quadril, um grande número de diagnósticos „„ Ligamento pubofemoral: insere-se na crista obtura-
diferenciais devem ser considerados, o que determina o método tória e no ramo superior da pube; distalmente funde-se
de imagem mais adequado. Nos últimos anos, o conhecimento com a cápsula e com a face profunda do feixe vertical
sobre a anatomia funcional envolvendo o quadril, e o diagnós- do ligamento iliofemoral.
tico mais preciso de alterações envolvendo partes moles na dor „„ Ligamento isquiofemoral: consiste de um feixe trian-
do quadril, teve um aumento acentuado tanto em decorrência gular de fibras resistentes, que nasce no ísquio distal e
dos avanços na ressonância magnética, quanto pela explosão de posteriormente ao acetábulo e funde-se com as fibras
procedimentos de artroscopia em coxofemorais.6 circulares da cápsula.
„„ Ligamento da cabeça do fêmur: é um feixe triangular,
„„ ANATOMIA7,9 um tanto achatado, inserindo-se no ápice da fóvea da
cabeça do fêmur e na incisura da cavidade do acetá-
A articulação coxofemoral faz parte do grupo das articula- bulo. Tem pequena função como ligamento e, algumas
ções sinoviais (diartroses). Esta é uma articulação de grande vezes, está ausente.

Espinha ilíaca anterossuperior

Espinha ilíaca anteroinferior

Ligamento iliofemoral
(ligamento em Y de Bigelow
Bolsa iliopectínea (sobre o espaço
Trocânter maior nos ligamentos)

Ramo superior do osso púbico

Linha intertrocantérica

Crista obturatória

Ligamento Pubofemoral

Trocânter menor

Figura 21.2 Anatomia do quadril.

Dor Difusa Regional: Quadril, Joelho, Tornozelo e Pé Doloroso 331


„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

Ligamento iliofemoral

Ligamento isquiofemoral

Zona orbicular

Espinha isquiática Trocânter maior

Crista intertrocantérica

Espinha ilíaca anteroinferior Trocânter maior

Protrusão do saco sinovial

Figura 21.3 Anatomia do quadril.

Face semilunar do acetábulo

Cartilagem articular
Espinha ilíaca anterossuperior
Cabeça do fêmur
Espinha ilíaca anteroinferior

Trocânter maior
Eminência iliopúbica
Colo do fêmur

Lábio do acetábulo (fibrocartilaginoso)

Gordura na fossa do acetábulo


(coberta por membrana sinovial)

Artéria obturatória

Ramo anterior da artéria


Linha intertrocantérica obturatória
Ramo posterior da artéria obturatória

Ligamento redondo Membrana obturatória


(ligamento da cabeça Tuberosidade
do fêmur) (seccionado) Artéria acetabular
isquiática
Ligamento acetabular transverso
Trocânter menor

Figura 21.4 Anatomia do quadril.

332 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Orla acetabular: é uma orla fibrocartilagínea inserida

„„ CAPÍTULO 21
„„
na margem do acetábulo, tornando, assim, mais pro-
funda essa cavidade. Ao mesmo tempo protege e nivela Quadro 21.2 Algoritmo das doenças do quadril.
as desigualdades de sua superfície, formando, assim, Displasia do quadril
um círculo completo que circunda a cabeça do fêmur e Nascimento
Luxação congênita
auxilia na contenção desta em seu lugar.
1 a 2 anos Artrite séptica do quadril
„„ Ligamento transverso do acetábulo: é uma parte da
orla acetabular, diferindo dessa por não ter fibras car- Tuberculose do quadril
tilagíneas entre suas fibras. Consiste em fortes fibras 2 a 4 anos Coxa vara congênita
achatadas que cruzam a incisura acetabular. Sinovite transitória

Bursas Doença de Perthes


4 a 10 anos
Doença de Still
São estruturas que se localizam nas inserções tendíneas,
protegendo os tendões, onde eles se cruzam com as protube- Epifisiólise proximal do fêmur
râncias ósseas. Existem aproximadamente 18 bursas no quadril, Tumores benignos
10 a 16 anos
sendo as mais importantes a trocanteriana e a iliopectínea. A Osteocondrite dissecante do quadril
bursa trocantérica é palpável na posição sentada ou em decúbi- Fratura por avulsão
to lateral, e a dor nesta região indica geralmente a bursite, po-
rém deve-se fazer diagnóstico diferencial com fraturas ocultas, Espondilite anquilosante
fratura de estresse e doença metastática do fêmur. Artrose secundária a displasia
Tumores Malignos (Osteosarcoma/Sarcoma de Ewing
Adulto jovem
Músculos – de 0 a 20 anos)
Osteonecrose
Os músculos em torno da articulação coxofemoral podem
Osteoporose transitória
ser classificados em quatro grandes grupos:
Artrite reumatoide
„„ Grupo flexor – iliopsoas, trocanter menor, reto femoral;
Meia – idade Artrose secundária a outras doenças
„„ Grupo extensor – glúteo máximo, bíceps femoral; Osteonecrose
„„ Grupo adutor;
Tumores metastáticos
„„ Grupo abdutor. Doença de Paget
Idade avançada
Artrose primária
O quadril tem múltipla função, incluindo locomoção, sus-
Fratura de pelve e colo femural
tentação de peso, mobilidade articular e defesa dos órgãos
pélvicos. Daí possuir estruturas e disposições estruturais tão Artropatias inflamatórias
peculiares.9 Todas as idades
Infecções (articulares ou periarticulares)
Fonte: Marco Antônio P. Carvalho e al. Reumatologia: Diagnóstico e Tratamento
Achados clínicos1,2,9 (Modificado).

História Exame físico


Na anamnese do paciente com dor em quadril, é importan- Começa com a observação de como o paciente se levanta
te determinar, de forma mais precisa possível, a localização da da cadeira, fica de pé e caminha. Observa-se também a movi-
dor e as atividades associadas a ela, pois são os indicadores mentação de toda a coluna (flexão, extensão, rotação e late-
mais seguros da possível causa. Dor localizada primariamente ralização) e, se necessário, complementar com manobras que
na virilha e associada ao suporte de peso ou alteração do mo- descartem ou confirmem as espondiloartropatias (ex. Teste de
vimento está mais relacionada com alterações intra-articula- Schober, medida da expansibilidade torácica).
res. Já uma dor no quadril iniciada na região lombar baixa, com Inicia-se o exame com o paciente em decúbito dorsal, e os
irradiação para nádegas e face posterior de membro inferior e movimentos do quadril considerados normais são:
lateral do pé geralmente está relacionada com radiculopatia.
Assim como a dor mais localizada em face lateral de coxofe- „„ Flexão – de 120 a 135°
moral provavelmente se relaciona com bursite trocanteriana. „„ Abdução em extensão – 35 a 40°
Diferenciar entre dor aguda ou crônica, início súbito ou insi- „„ Abdução em flexão – 70 a 75°
dioso, constante ou intermitente, intensidade da dor, atividades
„„ Adução – 25 a 30°
ou posturas que exacerbam ou melhoram a dor, são caracteriza-
ções fundamentais para diagnóstico e melhor conduta terapêu- „„ Rotação interna em extensão ou flexão – 45°
tica. Os sintomas associados à dor também são importantes na „„ Rotação externa em extensão ou flexão – 45°
diferenciação de dores por alterações localizadas ou por doen- „„ Extensão de coxofemoral – 20 a 30°
ças sistêmicas (ex. presença de febre, lesões cutâneas ou outras
manifestações sistêmicas associadas à dor no quadril). Uma avaliação importante é a medida do comprimento da
A maior parte dos autores correlaciona as causas de dor no perna, realizado também como paciente em decúbito dorsal. O
quadril com a idade do indivíduo, sendo que várias das mani- comprimento real da perna se mede da crista ilíaca ao maléolo
festações no quadril adulto se devem a doenças não tratadas medial, e o comprimento aparente se mede da linha umbilical
ou tratadas incorretamente na infância. (Quadro 21.2) ao maléolo medial. Indivíduos normais podem apresentar até

Dor Difusa Regional: Quadril, Joelho, Tornozelo e Pé Doloroso 333


1 cm de diferença entre os comprimentos dos membros infe- Estudos de imagem
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

riores, sem sintomatologia alguma. Várias condições que causam dor no quadril têm sido hoje
Complementamos o exame físico com a avaliação de abdo- melhor entendidas em decorrência da melhora nos procedi-
me, dorso, virilhas e um exame neurológico apropriado para a mentos de imagem, como ultrassonografia musculoesqueléti-
apresentação clínica de cada indivíduo. ca e ressonância magnética, além do aumento no número de
Algumas manobras especiais são realizadas para otimizar procedimentos de artroscopia de quadril inclusive em atletas;
o exame físico do quadril: fatos estes que aprimoraram e refinaram o conhecimento da
anatomia funcional desta articulação.4,6
„„ Manobra (ou Sinal) de Trendelenburg: detecta o
envolvimento dos músculos estabilizadores do quadril
(glúteo médio e mínimo). O paciente fica de costas para Radiografia convencional
o examinador, que marca um ponto em cada espinha É o método mais utilizado para a avaliação de doenças ar-
ilíaca posterior. O paciente se apoia em um pé e eleva o ticulares e ósseas por diversos motivos, entre eles seu baixo
outro, sendo o lado que suporta o peso o lado que está custo, acesso praticamente universal a essa técnica e a alta
sendo avaliado. Se a pelve “cair” para o lado que está resolução para as estruturas ósseas. Ressalta-se, ainda, que é
elevado, dizemos que o teste é positivo e sugere doen- um método de execução simples, não é operador-dependente
ça afetando os músculos abdutores (apesar de não ser e é de fácil reprodução, o que permite avaliações comparati-
específico para nenhuma doença). vas de imagens em estudos seriados. As radiografias simples
„„ Manobra de Patrick (mnemonicamente também cha- também são úteis na avaliação de manifestações extra-articu-
mada de fabere – flexion, abduction, external rotation e lares, porém apresentam baixa resolução para partes moles,
extention) – é a manobra que detecta doenças intrín- não avaliando adequadamente as alterações de medula óssea,
secas do quadril quando ocorre a dor no momento em membrana sinovial e cartilagem articular. Outras limitações
que o examinador pressiona o joelho e a coxa para bai- incluem distorção geométrica inerente ao exame, dificuldade
xo, estando o paciente em decúbito dorsal, com o pé do na detecção de pequenas erosões e o uso de radiação ionizan-
membro afetado colocado na altura do joelho oposto. te, o que deve ser considerado principalmente em pacientes
Indiretamente, este teste também pode produzir dor pediátricos que necessitem de avaliações seriadas.10
em sacroilíaca quando inflamada, ou dor por radiculo- As radiografias simples continuam ainda sendo a base da
patia em L4. avaliação do quadril. O posicionamento padrão inclui a vista
„„ Sinal de Erichsen: o examinador pressiona os ossos em anteroposterior da pelve e oblíqua ortostática (para me-
do ilíaco; a presença de dor indica envolvimento infla- lhor visualização da porção anteros-superior do colo femoral)
matório de sacroilíacas e não de coxofemorais. e a posição “em rã”.
„„ Teste de Ober: usado para detectar contraturas da ban-
da iliotibial. Paciente em decúbito lateral (DL), o mem- Artrografia
bro inferior em contato com a mesa é fletido. O outro
membro inferior, o qual está sendo testado, é abduzido Neste procedimento, obtém-se a imagem após injetar um
e estendido. O joelho desse membro é fletido a 90°. O agente de contraste, sendo importante no quadril para visua-
examinador, então, solta o membro para que volte para a lizar anormalidades do labro, especialmente quando realizado
mesa; se o membro não voltar, o teste é positivo. junto com a ressonância magnética (artro-RM). Esta conjunção
de artroscopia e ressonância magnética é o teste mais especí-
„„ Teste de Ortolani: identifica deslocamento congênito fico e mais sensível para detectar ruptura de labro. Também é
do quadril em lactentes. O lactente é posicionado em um exame importante para detectar infecção e deslocamento
decúbito dorsal (DD) com os quadris fletidos a 90° e de prótese em paciente com artroplastia total. 2,10
joelhos totalmente fletidos. O examinador segura as
pernas dos lactentes de modo que seus polegares po-
sicionem-se na parte medial das coxas e dos dedos na Tomografia computadorizada (TC)
parte lateral das coxas do lactente. As coxas são abdu-
A tomografia possui alta resolução espacial, permitindo
zidas delicadamente, e o examinador aplica uma força
boa diferenciação entre o osso cortical e o osso medular e ex-
leve nos trocanteres maiores com os dedos de cada
celente definição da anatomia óssea. No entanto, esse método
mão. O examinador sentirá resistência a cerca de 30°
tem emprego relativamente limitado nas doenças reumato-
de abdução e, se houver deslocamento, sentirá um es-
lógicas em função de sua resolução relativamente baixa para
talido na redução do deslocamento.
partes moles e do uso da radiação ionizante em altas doses. A
„„ Teste de Galeazzi: detecta deslocamento unilateral TC permite avaliar nas articulações de anatomia complexa (co-
congênito do quadril em crianças. A criança é posicio- xofemorais, esterno-claviculares, sacroilíacas, temporomandi-
nada em DD com os quadris fletidos a 90° e os joelhos bulares) a presença de erosões, redução de espaço articular,
completamente fletidos. O teste é positivo se um joelho formações osteofíticas, calcificações, corpos livres e alterações
estiver mais alto que o outro. da densidade óssea. Também permite uma boa avaliação de
„„ Teste provocativo de Barlow: identifica instabilidade massas e formações císticas em partes moles e lesões císticas
do quadril em lactentes. Com o bebê na mesma posição ósseas.10
usada para o teste de Ortolani, o examinador estabiliza Na avaliação de pelve e quadril, a TC é muito útil na ava-
a pelve entre a sínfise e o sacro com uma mão. Com o liação principalmente de fraturas complexas. Fraturas ace-
polegar da outra mão, o examinador tenta deslocar o tabulares, sequela óssea de deslocamento de coxofemorais e
quadril com uma pressão posterior leve mas firme. fragmentos ósseos intra-articulares são mais bem visualiza-

334 Tratado Brasileiro de Reumatologia


dos na TC que na radiografia convencional.2 Portanto, o trau- surgir em crianças após pequenos traumas. Radiogra-

„„ CAPÍTULO 21
ma é a principal indicação de se realizar uma TC no paciente ficamente normal, é uma alteração autolimitada. Pode,
com queixa de dor em quadril.4 às vezes, ser o primeiro sinal de espondiloartropatia,
quando irradia para sacroilíacas, no adolescente pode
ocorrer na doença de Perthes precoce e no adulto uma
Ressonância magnética (RM)
primeira manifestação de artrite reumatoide.
A ressonância magnética vem tornando-se o método de „„ Artrite tuberculosa: inicia-se no acetábulo ou na ca-
escolha para a investigação da maioria das doenças reumato- beça femoral. Dor, claudicação e limitação progressiva
lógicas, principalmente nas fases iniciais. O método apresenta de movimentos, na criança ou no adulto jovem, que
excelente resolução espacial e de contraste, permitindo visuali- evolui com deformidade coxofemoral e atrofia de glú-
zação direta de cartilagem articular, osso subcondral, músculos teo e musculatura de coxa, além de poder formar um
e tendões que envolvem a articulação e a membrana sinovial abscesso frio no local.
espessada. As limitações do método incluem o longo tempo de
„„ Doença de Perthes: considerada um tipo de osteocon-
aquisição das sequências, dificultando a realização do exame
drite ou possível necrose avascular da cabeça femoral
em crianças e idosos; a impossibilidade de realizar o exame em
idiopática, acomete, preferencialmente, meninos bran-
indivíduos claustrofóbicos e/ou portadores de dispositivos que
cos, entre 5 e 7 anos de idade, havendo bilateralidade
possam sofrer influência do campo magnético (marca-passos
em até 20% dos casos. O diagnóstico é eminentemente
cardíacos, clipes de aneurismas e bombas de infusão), o custo
clínico e radiográfico: evolução gradual de claudicação,
ainda elevado e a disponibilidade ainda restrita.10
dor em quadril irradiada para coxa e joelho, espasmo
No quadril doloroso, a RM é o exame de escolha para diag- muscular e limitação funcional, evoluindo para atrofia
nóstico precoce de osteonecrose de cabeça femoral, assim muscular. Na radiografia, é visto um aumento de den-
como para pesquisa de fraturas ocultas em idosos. Também é sidade e “sinal do halo” no núcleo epifisário. Na fase
um método preciso para investigação de fraturas de estresse regenerativa, nota-se fragmentação do núcleo epifisá-
no quadril, e é o melhor método para o diagnóstico de osteo- rio, e a forma e o tamanho finais da epífise, após a cura
necrose transitória de quadril. Também é utilizada para esta-
do processo, dependerão da extensão do dano sofrido.
diamento de tumores ósseos e de partes moles no quadril.2
Bem antes das alterações radiográficas, a RM pode
demonstrar edema ósseo medular, irregularidade dos
Ultrassonografia musculoesquelética (US) contornos do núcleo epifisário e/ou áreas de baixo si-
nal no seu interior.
É um método de baixo custo, bem tolerado pelos pacien-
tes, podendo ser realizada rapidamente, repetida em qualquer „„ Osteomalacia: dor em região do quadril associada à
momento e permite uma avaliação dinâmica do paciente. As marcha anserina, resultante de espasmo do adutor e da
aplicações da US na reumatologia têm crescido muito e, além miopatia que pode acompanhar esta patologia.
do diagnóstico precoce de várias lesões, o método pode ser „„ Necrose asséptica de cabeça femoral: ocorre já em
uma importante ferramenta no controle da resposta ao tra- adultos jovens até meia-idade, pode ser idiopática ou
tamento. Punções percutâneas, diagnósticas e terapêuticas, secundária a doenças com LES, doença de Gaucher,
podem ser guiadas prontamente, com significativo impacto no anemias hemolíticas, terapia prolongada com corti-
prognóstico do paciente. Aparelhos equipados com Doppler costeroides, embolia gordurosa etc. Assim como na
colorido permitem o estudo da vascularização tecidual, o que doença de Perthes, a radiografia exibe uma área radio-
auxilia bastante na avaliação do grau de inflamação local.4, 10 paca em forma de cunha, porém a RM pode oferecer
As limitações incluem a incapacidade de demonstrar alte- imagens que permitem um diagnóstico mais precoce
rações de medula óssea, e cartilagem e é um método que de- evitando sequelas maiores.
pende muito da habilidade, do conhecimento e da experiência „„ Osteoartrite de quadril (coxoartrose): geralmente
do operador. As principais aplicações da US na reumatologia ocorre em adultos de meia-idade ou mais, unilateral
incluem avaliação de sinovite e derrame articular, erosões em e a dor piora com esforço físico e peso. É uma doença
fases precoces, entesites, lesões císticas periarticulares, lesões de caráter crônico, evolução lenta e sem repercussões
musculares e tendíneas, dentre várias outras indicações.10 sistêmicas. A discussão sobre Osteoartrite é vista em
capítulo específico, portanto, vale somente lembrar
Diagnósticos diferenciais2,4,6,9,11,12 aqui que esta doença é uma das causas mais frequentes
de dor em quadril e joelho em indivíduos com mais de
Como vimos anteriormente, a idade é um dado crucial na 60 anos. Radiograficamente, diminuição de espaço ar-
avaliação do indivíduo com dor no quadril. ticular, por dano em cartilagem, osteofitose femoral e
acetabular, esclerose subcondral e cistos subcondrais.
„„ Artrite séptica: neonatais são susceptíveis a infecções Na RM, são vistas também degeneração do labro e al-
de disseminação hematogênica e podem apresentar terações de medula sugestivas de edema subcondral,
artrite séptica, com dor acentuada em quadril e defor- além de ajudar na diferenciação do diagnóstico de
midade em flexão fixa de articulação coxofemoral, com necrose asséptica ou de fratura por estresse oculta e
febre alta e comprometimento de estado geral. Punção verificar a presença de corpos livres. A TC é útil na de-
articular com avaliação do líquido sinovial pode ser tecção de calcificações periarticulares e corpos livres
crucial para o diagnóstico e o tratamento. intra-articulares, notadamente aqueles calcificados.
„„ Sinovite transitória (quadril irritável): dor aguda Também é utilizada no planejamento da artroplastia
no quadril e limitação de movimentos, que podem total de quadril.

Dor Difusa Regional: Quadril, Joelho, Tornozelo e Pé Doloroso 335


„„ Artrite reumatoide: doença autoimune de caráter in- artro-RM (90% sensibilidade e 100% especificidade).
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

flamatório, que afeta todas as estruturas sinoviais, por Artroscopia é indicada para debridamento e reparação
conseguinte, afeta bilateralmente o quadril, junto com labral.
as demais articulações. Radiologicamente, vê-se dimi- „„ Corpos livres: podem ser ossificados, não ossificados,
nuição ou perda do espaço articular, desmineralização osteocondrais, condrais, fibrosos ou corpo estranho.
óssea, erosões e esclerose subcondral. Uma manifesta- Frequentemente associado a outras doenças do qua-
ção característica da artrite reumatoide no quadril é a dril, como condromatose sinovial, sinovite vilonodu-
chamada pelve de Otto, ou seja, a protrusão acetabular, lar, osteocondrite dissecante, osteoartrite ou necrose
que também pode ser bilateral. A TC na artrite reuma- avascular. O achado mais comum no exame físico é a li-
toide é utilizada somente em casos específicos, como mitação da amplitude do movimento ou “travamento”.
no diagnóstico de fraturas por insuficiência. O US nas Estes corpos livres dentro da articulação coxofemoral
articulações periféricas destaca-se na capacidade de podem causar destruição da cartilagem hialina, levan-
diagnosticar o derrame articular, as erosões corticais do a uma osteoartrite secundária. Artroscopia tem sido
e a proliferação sinovial com maior sensibilidade que o padrão-ouro para a remoção de corpos livres, que
o RsX convencional ou a TC. A RM tem-se tornado o quando ossificados ou osteocondrais podem ser vistos
método ideal para diagnóstico de sinovite e erosões por TC, e os cartilaginosos são vistos por RM com con-
na fase inicial da artrite reumatoide, possibilitando, traste de gadolínio.
assim, intervenção mais precoce na doença e menos
„„ Síndrome do impacto acetabular: pode ocorrer por
índice de sequelas. O estudo detalhado da artrite reu-
anormalidade da junção cabeça – colo femoral ou por
matoide também é visto em outro capítulo. Importante
alteração acetabular. O indivíduo se queixa dor aguda
lembrar que pacientes em todas as idades são suscep-
quando flexiona, faz rotação interna ou abdução de
tíveis a uma grande variedade de artropatias inflama-
coxofemoral, limitando estes movimentos ao exame fí-
tórias que podem também afetar as articulações de
sico. Na radiologia, em posição anteroposterior e oblí-
membros inferiores, merecendo destacar as espondi-
qua, os sinais do impacto podem ser vistos, mas a RM
loartropatias e as artrites por depósito de cristais.
permite um diagnóstico mais precoce e mais seguro.
Outras causas de dor em coxofemoral são vistas no Qua- „„ Ruptura do ligamento redondo: geralmente se ma-
dro 21.3. Citamos aqui mais causas intra-articulares de dor no nifesta associado a outras condições como ruptura la-
quadril: bral, avulsão óssea ou lesões cartilaginosas. Pacientes
se queixam de sintomas inespecíficos s, na artroscopia,
„„ Ruptura labral: inicialmente descrita em pacientes conseguem-se bons resultados terapêuticos.
com displasia do quadril ou osteoartrite. Posterior-
mente descrita também como secundária à doença Como causas extra-articulares de dor no quadril:
de Perthes, traumas, epifisiólise de cabeça femoral.
Atualmente vista frequentemente em atletas de fute- „„ Tendinite iliopsoas: é a causa mais comum de dor na
bol, hockey, corredores e bailarinas por movimentos virilha em corredores, também frequente em bailari-
repetitivos de coxofemoral. A queixa de dor é gradual nos. Paciente refere dor em face anterior da virilha,
(aguda nos traumas), com irradiação para virilha e, quando flexiona coxofemoral. Também pode haver
às vezes, glúteo. Piora com atividades, caminhar ou se queixa de dor lombar baixa associada e presença de
sentar por períodos prolongados. A radiografia mos- estalidos. Na ultras-sonografia, pode ser visto espes-
tra alterações degenerativas de acetábulo e cabeça fe- samento e hipoecogenicidade do tendão, bursite com
moral, mas o exame de escolha para o diagnóstico é a líquido envolvendo o tendão ou aumento do fluxo san-
guíneo pelo Doppler.
„„ Bursite de grande trocanter/tracto iliotibial: pa-
ciente descreve dor sobre o grande trocanter, com
Quadro 21.3 Causas de dor em torno do quadril. irradiação na face lateral da coxa para baixo, com difi-
culdade de se deitar deste lado por compressão da bur-
Intra-articular Extra-articular Simuladores sa, que se inflama por repetitiva fricção entre o grande
trocanter e o tracto iliotibial. Radiografia geralmente é
Tendinopatia de
Ruptura labral
Iliopsoas
Pubalgia do atleta negativa, a não ser quando há calcificações dentro da
bursa, sendo mais indicado o US dinâmico.
Corpos livres Tracto iliotibial Hérnia por esporte
„„ Lesões de glúteos médio e mínimo: dor em face
Impacto Glúteos médio e lateral de quadril, com dolorimento na inserção do
Osteíte púbica
femuroacetabular mínimo músculo glúteo e fraqueza na abdução do quadril. As
Bursite do grande radiografias são negativas, e a indicação é RM que pode
Frouxidão da cápsula perceber uma alteração precoce e pode distinguir entre
trocânter
ruptura parcial ou completa e avaliar a atrofia gorduro-
Ruptura do ligamento sa dos músculos glúteos e ver calcificação na inserção.
Fratura por estresse
redondo
„„ Síndrome do piriforme: pode ocorrer por variação
Dano condral Síndrome do piriforme anatômica do músculo piriforme ou do nervo, por hi-
Doenças de artic. pertrofia ou espasmo do músculo piriforme ou por
sacroilíacas fibrose muscular pós-trauma. Há uma compressão e
Fonte: L. M. Tibor e J. K. Sekiya. Differential diagnosis of pain around de hip joint, 2008. irritação do nervo ciático pelo músculo piriforme, cau-

336 Tratado Brasileiro de Reumatologia


sando dor lombar baixa e em face posterior da coxa. como estalidos, edema, travamento, ou perda de movimenta-

„„ CAPÍTULO 21
Parestesia e fraqueza de membro inferior são raras. A ção.1 A dor pode também ser referida do quadril e pode ter
RM de coluna lombar é normal, e a RM de pelve mos- origem intrínseca ou extrínseca.
tra um músculo piriforme atrofiado ou hipertrofiado e
edema em torno do nervo ciático, na altura do músculo
piriforme.
Anatomia
Anatomicamente, o joelho se divide em três compartimen-
Outras alterações que simulam dor em coxofemoral são: tos, o tibiofemoral medial, o tibiofemoral lateral e o patelo-
„„ Dor em articulação sacroilíaca femoral; todas dividindo uma cavidade sinovial em comum.
Cada um deles engloba várias estruturas que são passíveis de
„„ Pubalgia do atleta acometimento doloroso, gerando síndromes distintas. A ca-
„„ Osteíte púbica beça fibular se localiza dentro da cápsula do joelho, mas não
„„ Neurológicas: Meralgia parestésica participa da superfície de suporte de peso. A patela é um osso
sesamoide envolto pelo tendão do quadríceps que se articula
„„ Compressão de raiz nervosa lombar (L2 a L4)
com o sulco troclear do fêmur. Sua função é aumentar a capa-
„„ Vascular: Aterosclerose de Aorta ou ilíacas cidade mecânica do quadríceps.
„„ Dor referida: Coluna dorso-lombar As linhas articulares são formadas pelos côndilos femorais
„„ Estruturas intra-abdominais e o platô tibial. A cartilagem meniscal se encontra no espaço
entre os ossos, e esses são cobertos pela membrana sinovial
„„ Estruturas retroperitoneais.
e pelos ligamentos colaterais. O menisco promove a absorção
do choque e tem participação na lubrificação articular. Os li-
„„ JOELHOS gamentos cruzados anterior e posterior estabilizam o joelho
quando em flexão e extensão, e os ligamentos colateral medial
O joelho é a maior articulação humana em termos de volu- e lateral promovem o suporte para estes planos.
me e de área de superfície de cartilagem articular. É também a A banda iliotibial é uma fáscia espessa que é a porção distal
articulação mais complexa do corpo humano e aquela que tem do tensor da fáscia lata e a fáscia do vasto lateral. Ela cruza a
a maior susceptibilidade ao trauma, uso excessivo, desarran- proeminência do côndilo femoral lateral para se fixar na cabe-
jos internos, osteoartrite, artropatias inflamatórias e artrite ça fibular e se mistura ao retináculo patelar próximo à linha
séptica. Também podem ocorrer alterações vasculares ou neu- articular lateral.
rológicas gerando dor nos joelhos.2 Assim como no quadril, a evolução nos procedimentos de
Nesta avaliação, devemos levar em consideração a idade imagem e da artroscopia, trouxeram um avanço significativo
do paciente, alguma lesão precedente e o padrão da dor. O em diagnóstico e tratamento das doenças causadoras de dor
modo de início, a localização e as manifestações associadas em membros inferiores.

Trato iliotibial Músculo vasto lateral


Músculo Cabeça longa
bíceps femoral
Cabeça curta
Tendão do quadríceps femoral
Bolsa abaixo do trato iliotibial

Ligamento fibular colateral e bolsa


abaixo deste Patela

Músculo plantar Retináculo patelar lateral


Tendão do bíceps femoral e
sua bolsa subtendínea inferior
Epicôndilo medial do fêmur
Nervo fibular comum
Ligamento patelar
Cabeça da fíbula

Músculo gastrocnêmio

Músculo sóleo Tuberosidade da tíbia


Músculo tibial anterior
Músculo fibular longo

Figura 21.5 Anatomia de joelhos – vista lateral.

Dor Difusa Regional: Quadril, Joelho, Tornozelo e Pé Doloroso 337


„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

Músculo sartório

Músculo grácil
Músculo vasto medial
Tendão do músculo semitendinoso

Músculo semimembranoso e seu tendão


Tendão do quadríceps femoral
Tendão do adutor maior
Epicôndilo medial femoral
Fibras paralelas Ligamento colateral
Patela Fibras oblíquas tibial
Bolsa do semimembranoso
Retináculo patelar medial
Bolsa anserina abaixo dos tendões
Cápsula articular
Semitendíneo

Grácil Pata de ganso


Ligamento patelar
Sartório

Músculo gastrocnêmio
Tuberosidade da tíbia
Músculo sóleo

Figura 21.6 Anatomia de joelhos – vista medial.

Fêmur
Músculo vasto intermediário
Músculo articular do joelho

Músculo vasto lateral


Trato iliotibial Músculo vasto medial

Retináculo patelar lateral


Tendão do reto femoral (origina
Epicôndilo lateral do fêmur o tendão do quadríceps femoral)
Patela
Ligamento colateral
fibular e bolsa Epicôndilo medial do fêmur
Retináculo patelar medial
Tendão do bíceps femoral e sua
bolsa subtendínea inferior Tendões do ligamento
colateral tibial
Linha descontínua que indica a bolsa
abaixo do trato iliotibial
Inserção do trato iliotibial no tubérculo Semitendíneo
de Gerdy e linha oblíqua da tíbia
Grácil
Sartório
Nervo fibular comum Bolsa anserina
Côndilo medial da tíbila
Ligamento patelar
Cabeça da fíbula

Músculo fibular longo


Tuberosidade da tíbia
Músculo extensor longo dos dedos
Músculo tibial anterior Músculo gastrocnêmio

Figura 21.7 Anatomia de joelhos – vista anterior.

338 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 21
Fêmur

Músculo articular do joelho


Bolsa (sinovial) suprapatelar
Membrana sinovial (borda do corte)
Ligamentos cruzados (cobertos pela
Côndilo lateral do fêmur membrana sinovial)
Origem do tendão do poplíteo (coberto
por uma membrana sinovial) Côndilo medial do fêmur
Receso subpoplíteo Prega sinovial infrapatelar
Menisco medial
Menisco lateral
Pregas alares (cortadas)
Ligamento colateral fibular
Corpo adiposo infrapatelar (coberto
Cabeça da fíbula pela membrana sinovial)
Patela (face articular na face posterior)

Bolsa (sinovial) suprapatelar


(refletida inferiormente)
Músculo vasto lateral
(refletido inferiormente) Músculo vasto medial
(refletido inferiormente)

Figura 21.8 Anatomia de joelhos – vista anterior.

Ligamento cruzado anterior


Ligamento cruzado posterior

Côndilo medial do fêmur (face articular)

Menisco medial
Côndilo lateral do fêmur
(superfície articular) Ligamento colateral tibial
Tendão do poplíteo
Côndilo medial da tíbia
Ligamento cruzado posterior
Ligamento colateral fibular
Ligamento cruzado anterior
Menisco lateral
Ligamento menisco-
Ligamento transverso do joelho femoral posterior

Cabeça da fíbula

Côndilo lateral do fêmur


(superfície articular)
Tubérculo de Gerdy
Tubérculo do adutor no epicôndilo medial do fêmur Ligamento colateral fibular
Menisco lateral

Menisco medial
Cabeça da fíbula
Ligamento colateral tibial

Côndilo medial da tíbia

Figura 21.9 Anatomia de joelhos.

Dor Difusa Regional: Quadril, Joelho, Tornozelo e Pé Doloroso 339


Achados clínicos1,2,9 mando na mesa de exame. O agachamento pode estar prejudi-
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

cado por derrame articular, artrite moderada ou avançada em


História joelho, lesões nos ligamentos de suporte ou qualquer condição
A dor no joelho pode ser classificada como consequência que reduza a força do mecanismo de suporte do quadríceps.
de uma ou mais das seguintes alterações: A manobra denominada ”caminhar de pato” ou “gingado de
pato” testa a estabilidade do joelho e a habilidade de realizar
„„ Um processo intra-articular como uma lesão meniscal tarefas complexas; sendo o paciente solicitado a agachar e, en-
ou ligamentar (desarranjo interno) ou por fratura; tão, mover-se para frente, transferindo o peso do lado direito
„„ Disfunção patelar; para o lado esquerdo, o que requer ligamentos cruzados e co-
„„ Perda da cartilagem por osteoartite ou sinovite; laterais íntegros e ausência de doenças meniscais, efusões ou
artrite. No Quadro 21.4, estão dispostas várias causas de dor
„„ Bursite ou tendinopatia periarticular;
em joelho, de acordo com os compartimentos envolvidos, exa-
„„ Dor referida do quadril, fêmur ou eixo vertebral; me físico e manobras, e suas indicações de forma a facilitar o
„„ Artropatia inflamatória (sinovite). raciocínio diagnóstico.

Na investigação de dor em joelho, deve-se incluir na histó- „„ Membros pendentes: paciente em DV com as pernas
ria não só as manifestações ligadas à dor, mas também a histó- para fora da maca – observar o tensionamento dos ís-
ria familiar, acometimento de outras articulações (precedente quios tíbiais.
ou simultaneamente), trauma recente ou remoto, resposta „„ Flexão e extensão (ativa e passiva): observar o grau
da dor à atividade ou ao repouso. Investigar sobre presença de força muscular, sempre testando primeiro ativa-
de edema, claudicação, crepitações ou estalidos na articula- mente e depois passivamente.
ção. Manifestações associadas incluem câimbras, fraqueza de
membros inferiores, rigidez matinal e sintomas constitucio- „„ Teste de McMurray: paciente em decúbito dorsal, com
nais como febre, tremores, queda do estado geral. flexão máxima do joelho, roda-se a tíbia lateral e me-
dialmente em relação ao fêmur, enquanto se estende
Exame físico o joelho até 90° de flexão e faz-se uma força de varo e
valgo. O sinal é positivo quando desencadeia dor com
Um exame físico cuidadoso inclui avaliação da aparência ou sem estalido, em rotação externa para menisco me-
do membro e da articulação em questão, com o indivíduo dei-
dial e rotação interna para menisco lateral.
tado, levantando-se, de pé e caminhando. Um andar antálgi-
co, atáxico, ou marcha de Trendelenburg indicam presença de „„ Sinal de Apley: paciente em decúbito ventral e joelho
doenças. com 90° de flexão, faz-se a compressão do pé no senti-
do da mesa de exame, com rotação lateral e medial. O
Durante o exame físico, deve-se observar, de forma sucinta:
teste é positivo quando há dor na interlinha.
„„ Maneira de caminhar, alinhamento e deformidades; „„ Teste da “gaveta”: é usado para verificar a integridade
„„ Presença e localização de aumento de temperatura; do ligamento cruzado anterior. Com o joelho flexiona-
do 90°, o pé é estabilizado. A tíbia proximal é segurada
„„ Presença e localização de edema;
com firmeza com ambas as mãos e forçadamente pu-
„„ Capacidade de movimentação passiva e ativa; xada anteriormente, observando-se qualquer dor, frou-
„„ Mobilidade, apreensão e sulco patelar; xidão ou movimento anormal comparado com o lado
„„ Estabilidade colateral e cruzada; oposto. A diferença de um centímetro comparado com
o joelho oposto sugere ruptura completa do ligamento.
„„ Testes meniscais (Teste de McMurray e Sinal de Apley);
A ruptura parcial é caracterizada por dor e perda da
„„ Dolorimentos à palpação e localização; elasticidade.
„„ Dor ou rigidez do quadril; „„ Teste do rechaço: percutir com 2 dedos em cima da
„„ Avaliação neurológica e vascular. patela e observar se ela vai flutuar. Observar também
o movimento dela (passivamente), se há crepitação ou
Algumas alterações de alinhamento também auxiliam hipersensibilidade.
no raciocínio diagnóstico, e incluem genu recurvatum (hipe-
„„ Teste para joelho de saltador: impõem-se resistên-
rextensão de joelho com patela alta), genu varum ou vagum,
alinhamento anormal de patela, anteversão femoral. A dege- cia contra o movimento de extensão do joelho, detecta
neração meniscal medial vista na osteoartrite, por exemplo, tendinite patelar (infra, supra) ou do quadríceps (aci-
resulta geralmente em angulação em varus; enquanto os qua- ma de 3 dedos).
dros inflamatórios, como a artrite reumatoide, criam uma de- „„ Teste cruzado: detecta instabilidade anterolateral do
formidade em valgus. joelho. Com o paciente em pé e com a perna não afeta-
O objetivo de observar a marcha do paciente é analisar o da cruzada sobre a perna de teste, o examinador firma
impacto da condição do joelho na capacidade de deambular. o pé da perna de teste pondo o seu próprio pé cuida-
O ato de caminhar requer uma articulação de joelho flexível, dosamente sobre ele. O paciente roda o dorso superior
ligamentos de suporte intactos, um músculo quadríceps forte para o lado oposto da perna lesada aproximadamente
e raízes nervosas da coluna lombossacral íntegras. Outra ava- 90°. Nesta posição, o paciente é solicitado a contrair os
liação, o agachamento, demonstra a flexibilidade do joelho, a músculos do quadríceps. Se a contração produzir uma
força do músculo quadríceps e a influência da dor na sua mo- sensação de “falha” no joelho, então o teste é positivo.
bilidade geral. O paciente é solicitado a se agachar o máximo „„ Teste de Godfrey: detecta frouxidão do LCP. Paciente
que a dor permitir, tanto estando de pé sem apoio, ou se fir- DD – segura-se a perna do paciente distalmente em 80°.

340 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 21
Quadro 21.4 Exame detalhado do joelho.

Sinais ao exame Diagnóstico Confirmação


„„ Pressão da patela contra o fêmur causando dor retro-patelar e #1 – Síndrome Radiografias em axial de joelhos para avaliar subluxação
crepitação** patelofemoral patelar ou alterações inflamatórias.
„„ Estalido (click) patelar com a flexão passive e extensão
„„ Manobra do instalador positiva (dor retropatelar com a contração do
quadríceps)

„„ Dolorimento na linha medial** #2 – Osteoartrite de Radiografias dos joelhos em AP de pé, mostrando


„„ Rigidez ou flexão incompleta compartimento estreitamento da cartilagem articular.
„„ Crepitação com flexão e extensão passiva medial
„„ Medida nádega – calcanhar diferente em cada lado**

„„ Perda das reentrâncias pré-patelar (derrames de 5 a 10 mL) Derrame (efusão) em Aspiração e análise laboratorial do líquido sinovial
„„ Sinal da “ordenha” sinovial joelho para contagem celular, diferencial, pesquisa de cristais,
„„ Sinal da “tecla” para grandes efusões bacterioscopia para gram e cultura.
„„ Distensão da bursa pré-patelar

„„ Edema cístico sobre a porção antero-inferior da patela** Bursite pré-patelar Aspiração e análise laboratorial do líquido sinovial
„„ Sem perda de amplitude de movimentação para contagem celular, diferencial, pesquisa de cristais,
bacterioscopia para gram e cultura.
„„ Espessamento da bursa pré-patelar** Bursite pré-patelar Bloqueio anestésico da bursa.
„„ Sem perda de amplitude de movimentação crônica

„„ Dolorimento na linha articular lateral ou ao estímulo ou ambas** Osteoartrite de Radiografias dos joelhos em AP de pé, mostrando
„„ Enrijecimento ou flexão incompleta compartimento lateral estreitamento da cartilagem articular.
„„ Crepitação com flexão e extensão passiva

„„ Dolorimento sobre o platô tibial medial, 3 a 4 cm abaixo da linha Bursite anserina Bloqueio anestésico da bursa, 2 a 3 cm acima da bursa.
articular**
„„ Sem dor com teste de stress valgus
„„ Amplitude de movimento normal do joelho

„„ Dolorimento sobre o platô medial extendendo acima ou abaixo da Lesão de ligamento Tratamento empírico com 3 a 4 semanas de imobilização
linha articular medial** colateral medial da perna afetada.
„„ Dor se agrava pelo teste do stress valgus
„„ Dor se agrava com a rotação externa da tíbia

„„ Dolorimento sobre o platô tibial lateral extendendo acima ou abaixo da Lesão de ligamento Tratamento empírico com 3 a 4 semanas de imobilização
linha articular medial** colateral lateral da perna afetada.
„„ Dor se agrava pelo teste do stress varus
„„ Dor se agrava com a rotação interna da tíbia sobre o fêmur

„„ Sinal da “gaveta” anterior dolorosa** Lesão do ligamento Artroscopia ou RM


„„ Dor ou incapacidade de agachamento completo ou “caminhar como pato” cruzado anterior

„„ Dolorimento na linha articular e travamento mecânico ou estalido a Rotura meniscal Artroscopia ou RM


linha articular**
„„ Incapacidade de “caminhar como pato”
„„ Estalido com agachamento

„„ Cisto palpável no lado medial da fossa poplítea** Cisto poplíteo ou US ou aspirado característico
„„ Amplitude de movimento incompleto se o cisto for volumoso Cisto de Baker
„„ Edema distal

„„ Sinal da apreensão patelar com subluxação lateral** Subluxação ou Diagnóstico clínico


deslocamento patelar
„„ Dolorimento no côndilo femoral lateral** Síndrome da banda Bloqueio anestésico local
„„ Exame normal do ligamento colateral lateral Iliotibial
„„ Sem evidência ativa de compartimento lateral
„„ Osteoartrite
** É usado para identificar o sinal mais significativo; ou seja, o sinal mais especifico para o diagnóstico em questão.
#1 e #2 se referem às duas condições mais comuns que afetam o joelho.
Fonte: UpToDate on line 17.3; 2010.

Dor Difusa Regional: Quadril, Joelho, Tornozelo e Pé Doloroso 341


Teste positivo se houver um deslizamento da tíbia pos- „„ Teste do toque ou deslizamento (esfregadela):
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

teriormente. identifica um derrame leve no joelho. Começando abai-


„„ Childress: detecta lesão meniscal. Paciente irá aga- xo da linha articular na face medial da patela, o exami-
char-se com uma perna fletida e a outra estendida. nador desliza proximalmente a palma e os dedos até a
Pedir para ele se levantar; caso haja lesão meniscal, o bolsa suprapatelar. Com a mão oposta, o examinador
paciente relatará dor neste movimento. desliza os dedos sobre a face lateral da patela. O teste
é positivo se uma onda de líquido aparece como uma
„„ Teste de Hugston (sinal de solavanco): identifica a
leve saliência na borda distal medial da patela.
presença de instabilidade rotatória anterolateral do
joelho. O paciente deita em DD com o joelho fletido em „„ Teste de estresse da adução (varo): o examinador
90°. O examinador segura o pé do paciente com uma aplica um estresse varo no joelho do paciente enquan-
mão enquanto a outra mão apoia-se sobre a face late- to o tornozelo está estabilizado. O teste é feito com o
ral proximal da perna distalmente ao joelho. Uma força joelho do paciente em extensão completa e, então, com
em valgo é aplicada no joelho, e a tíbia é rodada inter- 20 a 30° de flexão. Um teste positivo com o joelho es-
namente enquanto o joelho é lentamente estendido. tendido sugere um rompimento importante dos liga-
O teste é positivo se, quando o joelho é gradualmente mentos do joelho, enquanto um teste positivo com o
estendido, entre 30 e 40° de flexão, o platô tibial lateral joelho fletido é indicativo de lesão de ligamento cola-
repentinamente subluxa para frente com uma sensa- teral lateral.
ção de solavanco. „„ Teste de estresse da abdução (valgo): o examinador
„„ Teste de Lachman: identifica lesão no ligamento cruza- aplica um estresse valgo no joelho do paciente enquan-
do anterior (LCA). O paciente deita-se em DD e o exami- to o tornozelo está estabilizado. O teste é feito primei-
nador estabiliza o fêmur distal com uma mão e segura a ramente com o joelho em extensão completa e depois
tíbia proximal com a outra mão. Com o joelho mantido repetido com o joelho a 20° de flexão. O movimento
em flexão leve, a tíbia é movimentada para frente sobre excessivo da tíbia distanciando-se do fêmur indica um
o fêmur. O teste é positivo quando há uma sensação final teste positivo. Os achados positivos com o joelho em
macia e um movimento excessivo da tíbia. extensão completa indicam um rompimento importan-
te dos ligamentos do joelho. Um teste positivo com o
„„ Teste de Losee: identifica instabilidade rotatória ante-
joelho fletido é indicativo de lesão do ligamento cola-
rolateral do joelho. Com o paciente em DD e relaxado, o
teral medial.
examinador apoia o pé do paciente de modo que o joe-
lho fique fletido a 30° e a perna externamente rodada „„ Teste de desvio à palpação de Steinman: com o
e encostada no abdome do examinador. Mão na fíbula paciente em DD, flexionar o quadril e o joelho a 90°.
+ extensão da perna + rot. int. (inversão) + apoio em Colocar os dedos polegar e indicador sobre as linhas
valgo no joelho. articulares medial e lateral do joelho respectivamente.
Com a mão oposta, pegar o tornozelo e alternadamen-
„„ Teste MacIntosh (deslocamento pivô lateral): identi-
te, flexionar e estender o joelho enquanto você palpa a
fica instabilidade rotatória anterolateral. O examinador
linha articular. Quando o joelho é estendido, o menisco
segura a perna com uma mão e coloca a outra mão so-
move-se para frente; e quando é flexionado, o menisco
bre a face lateral proximal. Com o joelho em extensão,
move-se para trás. Se o paciente sentir a “dor” mover-
aplica-se uma força em valgo e roda-se internamente a
-se anteriormente na extensão, ou posteriormente
perna enquanto o joelho é fletido. Entre 30 a 40° de fle-
quando o joelho é flexionado; então é suspeitada uma
xão, observa-se um salto repentino quando o platô tibial
ruptura ou lesão do menisco.
lateral, que tinha subluxado anteriormente em relação
ao côndilo femoral, repentinamente se reduz. „„ Teste de tração de Apley: detecta lesão ligamentar. O
paciente deve estar na mesma posição do teste acima,
„„ Teste Slocum ALRI: identifica instabilidade rotatória
só que se fazendo uma tração no lugar de uma com-
anterolateral. O paciente deita-se em DL sobre a perna
pressão. O teste dará positivo se o paciente relatar dor.
não afetada, com os quadris e joelhos fletidos a 45°. O
pé da perna de teste é apoiado sobre a mesa em rota- „„ Teste de retorno: identifica lesões meniscais. O pa-
ção medial com o joelho em extensão. O examinador ciente deita-se em DD, e o examinador segura o cal-
aplica uma força em valgo no joelho enquanto o flete. canhar do paciente com a palma da mão. O joelho do
O teste é positivo se a subluxação do joelho é reduzida paciente é fletido totalmente e, então, estendido passi-
entre 25 e 45°. vamente. Se a extensão não for completa ou apresentar
uma sensação elástica (“bloqueio elástico”), o teste é
„„ Teste de Slocum: identifica lesão anterolateral do
positivo.
joelho. O paciente é posicionado em DD, com o joelho
fletido a 90° e o quadril fletido a 45°. O examinador „„ Teste de Helfet: identifica lesões meniscais. O meca-
senta-se sobre o pé do paciente, que está rodado in- nismo de “parafuso” é observado durante a extensão
ternamente a 30°. O examinador segura a tíbia e aplica completa. Com um menisco lacerado e bloqueando a
sobre ela uma força direcionada anteriormente. O teste articulação, o tubérculo tíbial permanece levemente
é positivo se o movimento tibial ocorre primeiramente medial em relação à linha média da patela, impedindo-
do lado lateral. O teste também pode ser usado para -o de atingir o limite final da rotação externa.
identificar instabilidade rotatória anteromedial. Esta „„ Teste da plica de Hughston: identifica uma plica su-
versão do teste é feita com o pé rodado lateralmente prapatelar anormal. Com o paciente em DD, o exami-
a 15°; o teste é positivo se o movimento tibial ocorre nador flete o joelho e roda medialmente a tíbia com
primariamente no lado medial. braço e mão enquanto que, com a outra mão, a patela é

342 Tratado Brasileiro de Reumatologia


levemente deslocada medialmente com os dedos sobre a tíbia roda posteriormente em demasia sobre a face

„„ CAPÍTULO 21
o curso da plica. O teste é positivo se um pop é provo- lateral quando o examinador a puxa posteriormente.
cado na plica enquanto o joelho é fletido e estendido „„ Teste da gaveta posteromedial de Hughston: identi-
pelo examinador. fica instabilidade rotatória posteromedial do joelho. O
„„ Teste de O’Donogue: detecta lesões meniscais ou ir- paciente em DD com o joelho fletido a 90°. O examina-
ritação capsular. O paciente deita-se em DD e o exa- dor fixa o pé em leve rotação
minador flete o joelho em 90°, roda-o medialmente e „„ Gaveta ativa do quadríceps (LCP): senta-se no pé do
lateralmente 2 vezes e, então, o flete completamente e paciente, em um ângulo de 90°, e pede-se que empurre
roda-o novamente. O teste é positivo se a dor aumentar o pé ativamente.
na rotação.
„„ Teste de Wilson: identifica osteocondrite dissecante.
Diagnósticos diferenciais
O paciente senta-se com a perna na posição penden-
te. O paciente estende o joelho com a tíbia rodada me- As causas de gonalgia que necessitam ser diagnosticada
dialmente até a dor aumentar. O teste é repetido com a com urgência são:2
tíbia rodada lateralmente durante a extensão. O teste
é positivo se não houver dor quando a tíbia estiver ro- „„ Artrite séptica: geralmente associada à história de
dada lateralmente. dor grave, contínua, de início agudo e exacerbada por
movimentos ou suporte de peso; edema, febre, cala-
„„ Teste de apreensão: identifica deslocamento da pate-
frios e queda do estado geral. Ao exame físico, limita-
la. O paciente deita-se em DD com o joelho em 30° de
ção de movimentos associados à dor, sinais flogísticos
flexão. O examinador, cuidadosa e lentamente desloca
na articulação e na efusão. A punção articular com
a patela lateralmente. Se o paciente parece apreensivo análise do líquido sinovial é o principal procedimento
e tenta contrair o quadríceps para trazer a patela de para o diagnóstico, já que os exames de imagem só po-
volta à posição neutra, o teste é positivo. dem mostrar alguma alteração em fase mais tardia.27 A
„„ Sinal de Clarke: identifica a presença de condroma- apresentação clínica pode ser indistinguível de artrite
lacia da patela. O paciente deita-se relaxado com os por depósito de cristais (gota, condrocalcinose), mas é
joelhos estendidos, enquanto o examinador pressiona imprescindível uma diferenciação o mais rápido possí-
proximalmente a base da patela com a mão. O paciente, vel; pois o diagnóstico e o tratamento precoces são es-
então, é solicitado a contrair o quadríceps enquanto o senciais para minimizar o dano cartilaginoso e o risco
examinador aplica mais força. O teste é positivo se o de vida por sepse.
paciente não consegue completar a contração sem dor. „„ Oclusão arterial: paciente com história de dor aguda
„„ Teste de Perkin: para sensibilidade patelar, com o joe- e constante, que não cede com nenhum dos cuidados,
lho apoiado em extensão completa, as bordas das fa- associado à alteração de sensibilidade e força no mem-
cetas medial e lateral são palpadas enquanto a patela bro afetado. Geralmente, a dor se difunde por todo o
é deslocada medial e lateralmente. No caso de condro- membro, e não fica localizada somente na articulação.
malacia, esta manobra revela graus variáveis de sensi- Os achados ao exame físico são ausência de pulso pe-
bilidade. dial, cianose, diminuição de temperatura da pele. As
„„ Teste de Waldron: identifica condromalacia da patela. complicações no retardo do diagnóstico são paralisia,
O paciente faz diversas flexões lentas e acentuadas do síndrome do compartimento, contraturas, gangrena e
joelho enquanto o examinador palpa a patela. O teste amputação, portanto o reconhecimento da oclusão ar-
é positivo no caso de dor e crepitação durante o mo- terial aguda precocemente é essencial.
vimento. „„ Síndrome patelofemoral: é a causa mais comum de
„„ Teste de recurvatum na rotação externa: detecta dor crônica anterior do joelho. O paciente queixa-se de
falseios que resultam de insuficiência muscular e/ou
instabilidade rotatória posterolateral do joelho. Exis-
dor súbita, porém raramente caem ao chão como, por
tem 2 métodos para esse teste. Ambos são feitos com
exemplo, na instabilidade crônica ligamentar. A dor
o paciente em DD:
ocorre quando sobe ou desce escadas e ao se levantar
1º) o examinador eleva as pernas do paciente se- após um período sentado (“sinal do teatro”). A origem
gurando no hálux do paciente. O teste é positivo se o desta dor é desconhecida, e como possíveis locais afe-
tubérculo tibial roda lateralmente enquanto o joelho tados temos o osso subcondral, a gordura infrapatelar,
faz um recurvatum; sinóvia anterior ou retináculo.13, 14 Esta é uma desor-
2º) o examinador flete o joelho a 30 ou 40°. O joe- dem heterogênea com vários fatores contribuintes,
lho, então, é lentamente estendido enquanto a outra incluindo excesso de uso, excesso de carga, problemas
mão do examinador segura a face posterolateral do biomecânicos, disfunção muscular.15, 16 O tratamento é
joelho para palpar o movimento. O teste é positivo no essencialmente clínico, com melhora de condiciona-
caso de hiperextensão e rotação lateral excessiva no mento físico e força muscular, restabelecendo a função.
membro lesado. „„ Ligamentos cruzados: tanto nos danos agudos ou
„„ Teste de gaveta posterolateral de Hughston: detec- crônicos do ligamento cruzado anterior (LCA) quanto
ta a presença de instabilidade rotatória posterolateral no ligamento cruzado posterior (LCP), os sinais clí-
do joelho. O procedimento é semelhante ao teste pos- nicos incluem deslocamentos, falseios, edema e dor.
teromedial de Hughston, exceto que o pé do paciente Sabe-se que 90% dos indivíduos com insuficiência do
é levemente rodado lateralmente. O teste é positivo se LCA também sofrem de lesões meniscais.

Dor Difusa Regional: Quadril, Joelho, Tornozelo e Pé Doloroso 343


„„ Osteocondrite dissecante (OCD): é uma condição na
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

qual um segmento da cartilagem articular, que está sob


Quadro 21.5 Causas de dor em joelho. o osso subcondral, gradualmente se separa do tecido
osteocartilaginoso que a circunda. Estima-se que três
I – Compartimento anterior:
quartos dos casos de OCD do joelho envolvam a super-
„„ Síndrome da dor patelofemoral (pacientes jovens sem alteração fície não articular da porção lateral do côndilo femoral
significativa) medial. Geralmente, afeta meninos entre 9 a 18 anos de
„„ Osteoartrite patelofemoral (pacientes idosos) idade e, frequentemente, é um achado.19
„„ Síndromes de sobrecarga (lesões osteocondrais em corredores, atletas) „„ Doença de Osgood-Schlatter: é um dano por uso exces-
„„ Síndromes de mau alinhamento (genus valgus ou anormalidades de sivo que ocorre em adolescentes ativos que passaram re-
rotação do membro, displasia de quadríceps, deslocamento patelar, centemente pelo “estirão” de crescimento. A queixa é de
fraturas) dor na face anterior do joelho que aumenta gradualmen-
„„ Outras alt. patelares (patela alta, condromalácia, osteocondrite) te com o tempo. A dor pode ser exacerbada por trauma
„„ Lesão de ligamento cruzado direto, corrida, salto ou ajoelhando-se, e melhora com
„„ Alt. sinoviais (plica, artropatia inflamatória, sinovite vilonodular) repouso. No exame físico, dolorimento localizado e proe-
„„ Neurite pré-patelar, bursite pré-patelar minência da tuberosidade anterior da tíbia; amplitude de
„„ Distrofia simpático-reflexa movimento e estabilidade do joelho estão normais.
II – Compartimento medial:
„„ Síndrome da banda iliotibial: trata-se de um tecido
conectivo que corre do íleo até a fíbula. Esta síndrome
„„ Lesões de ligamentos (frouxidão, síndrome da hipermotilidade, trauma) ocorre quase que exclusivamente em corredores e se
„„ Bursite anserina caracteriza por dor ou queimor no local onde o trac-
„„ Lesões meniscais to passa sobre o côndilo lateral do fêmur e, ocasio-
„„ Síndrome da plica média nalmente, a dor se irradia para a coxa em direção ao
„„ Sinovite quadril. O diagnóstico deve ser aventado em pacientes
„„ Dor referida do quadril
ativos com dolorimento focal, com ou sem um estalido
palpável no côndilo lateral femoral, e um exame de joe-
„„ Osteonecrose
lho praticamente normal.
III – Compartimento lateral: „„ Tendinite dos extensores de joelho: também cha-
„„ Bursite fibular mada de tendinite do saltador, inclui a tendinite pate-
„„ Lesões meniscais
lar, a Síndrome de Larsen-Johannson e a tendinite de
quadril. Há queixa de dor crônica em face anterior do
„„ Lesão de ligamento colateral
joelho que pode piorar após subir ou descer escadas
„„ Síndrome da fricção do tracto iliotibial
ou após sentar-se por tempo prolongado. A localização
„„ Fasciite de fáscia lata
da dor: no ligamento patelar para a tendinite patelar,
„„ Pseudociática no polo inferior da patela para a síndrome de LJ e no
IV – Compartimento posterior: polo superior da patela para a tendinite de quadríceps.
„„ Tendinite do semimembranoso: causa dor postero-
„„ Tendinite
medial no joelho após atividade extenuante, é exacer-
„„ Capsulite
bada por pronação excessiva do pé e torção interna da
„„ Bursite coxofemoral.
„„ Sinovite
„„ Bursite pré-patelar: causada por flexão e extensão
„„ Lesão de nervo peroneal
repetitiva de joelho, o diagnóstico pode ser feito pela
„„ Lesões vasculares
simples inspeção e palpação do joelho. Com a inflama-
„„ Cisto poplíteo ção crônica, as paredes da bursa podem-se espessar e
Fonte: Sheon RP. Soft Tissue Rheumatic Pain.¹ tornam-se fibróticas.
„„ Cisto de Baker: é um alargamento cístico do tecido sino-
„„ Lesões meniscais: a prevalência destas lesões aumen- vial dentro do espaço poplíteo, manifesta-se por efusão
ta com a idade, mas raramente acontece em crianças crônica e possível desarranjo interno. Artropatia degenera-
menores de 10 anos de idade.17 Sintomas mecânicos tiva e ruptura meniscal estão associadas a cisto de Baker.20
podem ser mais comuns que a dor porque somente a „„ Síndrome da plica sinovial: causada por um espessa-
periferia dos meniscos possui fibras nervosas. Estes mento redundante sinovial, geralmente na porção supe-
sintomas incluem travamento, estalidos, edema, dor rior medial do retináculo medial em direção ao tendão
com a rotação ou flexão, dor ao longo da linha articular, do quadríceps. Os pacientes queixam-se de dor e esta-
fraqueza ou falseios. Os sinais de danos meniscais agu- lido quando se levantam da posição sentada. O exame
dos são, entre outros, dolorimento na linha articular, revela dolorimento medial na patela, levemente proxi-
teste de McMurray positivo e restrição de movimen- mal ao polo inferior.14 Se a síndrome da plica sinovial se
to. Já nas lesões meniscais crônicas, a dor e o edema cronifica, pode ocorrer uma atrofia do quadríceps.
são intermitentes e os sintomas mecânicos estão ge- „„ Osteoartrite (Gonoartrose): paciente refere dor de
ralmente ausentes.18 Os sintomas podem mimetizar longa duração, de início insidioso e piora progressiva.
doença articular degenerativa ou as duas condições Os sintomas são geralmente crônicos e exacerbados
podem ocorrer simultaneamente. Quando há dúvida por sobrecarga, como subir escadas ou se levantar
diagnóstica, a RM apresenta precisão de até 98%. da posição sentada.2 A dor geralmente melhora com

344 Tratado Brasileiro de Reumatologia


repouso, e pode haver queixas de travamento e estali- quadros iniciais, mas pode ser útil nos quadros mais

„„ CAPÍTULO 21
dos. Ao exame físico, crepitação, deformidades (varus, avançados para diferenciar os transtornos internos do
valgus), contratura fixa e redução da amplitude de mo- joelho (ex. lesões meniscais).
vimentos podem ser observadas. Sinais inflamatórios
leves e derrames articulares também podem estar O diagnóstico e o manejo da dor no joelho podem ser difí-
presentes. A melhor maneira de avaliar o paciente com ceis. A não ser quando ocorre um trauma importante, a história
suspeita de osteoartrite ainda é através da radiogra- do paciente geralmente é vaga, não permitindo um raciocínio
fia simples em posição anteroposterior (AP) de pé, e, completo. Apresentamos na Figura 21.10 um algoritmo para
para o envolvimento patelar, a posição axial do joelho. diagnóstico de dor no joelho, visto no UpToDate on line 17.3
Ressonância magnética raramente é necessária nos (acessado em fevereiro 2010), que é interessante compartilhar.

Dor no joelho

Traumática Não traumática

Alta energia Baixa energia Intrínseca Extrínseca


(encaminhada)
Avaliação para lesão • Idoso de alto risco
interna importante no PS • Determinar mecanismo • Dor focal no joelho • Dor de localização vaga
• Exame do joelho e sem radiação • Dor que irradia do
membro inferior • Joelho tem fraqueza quadril ou costas
• Obter RsX do joelho • RsX como indicado • ADM de joelho indolor
focal, instabilidade,
• Avaliar possível lesão (regra de Ottawa para • Articulação do joelho
ADM reduzida
do quadril pélvico, joelho) estável e sem derrame
ou derrame
extremidade interior
• Avaliar estado
neurovascular Ver tabela:
causas extrínsecas
Intra-articular Periarticular de dor no joelho
Encaminhamento ortopédico
para fratura importante,
instabilidade articular, • Dor dentro do joelho Pode • Sensibilidade focal no
outra lesão preocupante • Derrame presente coexistir joelho à palpação e
Ver tabela: manobras para exame
• Causas comuns • Avaliar de acordo com
de dor intra-articular localização; ver tabela:
no joelho Causas comuns de dor
periarticular no joelho
em adultos
Inflamatória Estrutural • Examinar compartimento
adjacente do joelho

Resultados de artrocentese:
• Dor em repouso • Dor piora com atividade,
• Hemartrose sugere lesão
• Derrame frequentemente melhora com repouso
intra-articular
crônico ou recorrente • Sintomas mecânicos (p. ex.,
• Leucograma elevado
• Aspiração e análise do falseio, bloqueio)
sugere doença
líquido sinovial pode frequentemente presentes
inflamatória
revelar diagnóstico • Palpação e testes de
• Microrganismos em
integridade estrutural
coloração de Gram
frequentemente revelam
sugerem infecção:
anormalidades
obter cultura
• Exame de imagem
• Presença de cristais
frequentemente confirma
sugere gota ou
ou revela diagnóstico
pseudogota

Figura 21.10

Dor Difusa Regional: Quadril, Joelho, Tornozelo e Pé Doloroso 345


„„ TORNOZELOS E PÉS Anatomia
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

O movimento dos tornozelos e pés ocorre primariamente A articulação do tornozelo é formada na sua porção supe-
nas articulações ditas “essenciais”: o tornozelo (articulação ti- rior pela porção distal da tíbia e fíbula, e inferior pela cúpula
biotalar), a articulação subtalar (talocalcanear), as articulações do tálus.
mediotarsais (talonavicular e calcâneo-cuboide), e as articula- O pé humano é composto de 26 ossos assim distribuídos:
ções metatarsofalangeanas. Cada região tem suas desordens sete ossos do tarso (tálus, calcâneo, cuboide e os três cuneifor-
específicas. Portanto, o raciocínio diagnóstico sobre a dor de mes); cincos ossos do metatarso; 14 falanges (três para cada
tornozelo e de pé se inicia com a correta localização do pro- um dos dedos, exceto para o hálux, que tem apenas duas).
blema, isto é, tornozelo, calcâneo, médiopé ou antepé.2 A chave Os ossos são mantidos unidos através dos ligamentos, que
para entender o pé é iniciar uma avaliação do que comumente se totalizam em um número de 107, formando as articulações.
se chama posição neutra, na qual os ossos tálus e navicular e No pé, as articulações são em número de 33: articulação supe-
sua articulação estão congurentes. A complexidade e a varieda- rior do tornozelo, articulação subtalar, articulação transversa
de das estruturas que formam o tornozelo e o pé tornam sua do tarso, articulações tarsometatarsianas, articulações meta-
avaliação um grande desafio para o raciocínio diagnóstico. tarsofalangeanas, articulações interfalangeanas.

Vista dorsal

Corpo do calcâneo

Tróclea
fibular Tubérculo lateral
Tubérculo medial Apófise
Sulco para o tendão do posterior
flexor longo do hálux
Astrálago (talus)

Tróclea
Seio do tarso
Colo
Articulação transversal Cabeça
do tarso Vista plantar
Navicular
Cuboides Tuberosidade Calcâneo
Tuberosidade do 5o Lateral
osso metatarsal Intermediário Ossos cuneiformes (cunhas) Tuberosidade
Medial
Ossos do Articulação Apófise medial
metatarso tarsometatarsal
Apófise lateral
Base
Falanges Sustentáculo do
Corpo Tubérculo lateral astrálago
Proximal
Sulco do tendão do
Cabeça flexor longo do hálux
Medial Tubérculo medial
Base Astrágalo
Distal (latus) Apófise posterior Tróclea
Corpo fibular
Cuboides
Cabeça Cabeça
Tuberosidade
Articulação transversal Sulco do tendão do
Base do tarso músculo fibular longo
Tuberosidade Navicular
Tuberosidade Tuberosidade do 5o
Lateral osso metatarsal
Intermediário Base
Medial
Articulação
tarsometatarsiana Corpo
Cabeça
Ossos do metatarso
Base
Corpo
Ossos Medial Cabeça
sesamóideos Base
Lateral
Cabeça

Proximal Base

Medial Tuberosidade
Falanges

Distal

Figura 21.11 Ossos do pé.

346 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Os movimentos do pé são realizados pelos músculos, que planta do pé, estes músculos realizam a movimentação dos

„„ CAPÍTULO 21
são classificados em extrínsecos e intrínsecos. Os músculos artelhos.
extrínsecos possuem origem abaixo do joelho e inserção no As funções primárias do tornozelo são flexão plantar (ou
pé, e realizam os movimentos do tornozelo como a dorsifle- plantiflexão) e dorsiflexão, que é o movimento de aproximação
xão, a plantiflexão, a inversão e a eversão, além de atuarem do dorso do pé à parte anterior da perna. A amplitude desse
na movimentação dos artelhos (dedos). Os músculos intrín- movimento é em torno de 20° e os músculos que atuam neste
secos são representados pelos que se originam abaixo da movimento são o tibial anterior, o extensor longo dos dedos e o
articulação do tornozelo, podendo situar-se no dorso ou na fibular terceiro. A plantiflexão consiste em abaixar o pé procu-

Pé direito: visão lateral

Tíbia Ligamento talofibular posterior Componentes do


ligamento
Ligamento calcâneofibular
Fíbula (colateral) lateral do
Ligamento talofibular anterior tornozelo
Ligamento talocalcâneo interósseo
Ligamento talonavicular dorsal
Ligamentos tibiofibulares
anterior e posterior Ligamento calcaneonavicular
Ligamento bifurcado
Ligamento calcaneocuboideo
Ligamentos cuboideonavicular dorsal
Retináculo superior da Ligamentos cuneonaviculares dorsais
fíbula Ligamentos intercuneiformes dorsais
Ligamentos tarsometatársicos dorsais
Tendão calcâneo (de
Aquiles) (seccionado)

Retináculo
tibial inferior

Ligamento talocalcâneo lateral Ligamentos metatársicos dorsal


Ligamento plantar longo Ligamento cuneocuboideo dorsal
Tendão do fibilar longo Osso cuboide
Tendão do fibular curto Ligamento calcâneocuboide dorsal

Pé direito: visão medial

Tíbia
Ligamento medial (deltoide) do tornozelo
Ligamento talocalcaneo medial
Porção tibiotalar posterior
Porção tibiocalcânea
Processo posterior do tálus
Porção tibionavicular
Ligamento talonavicular dorsal Ligamento
Osso navicular talocalcâneo posterior
Ligamentos cuneonaviculares dorsais
Osso cuneiforme (cunha) médio Tendão calcâneo (de
Ligamento intercuneiforme dorsal Aquiles) (seccionado)
Ligamentos tarsometatársicos dorsais
1o osso metatarsal

Tuberosidade
Sustentáculo do tálus
Ligamento (sustentaculum tali)
Tendão do tibial anterior plantar curto
Tendão do tibial posterior Ligamento calcâneo
navicular plantar Ligamento plantar longo
(espiral)

Figura 21.12 Ligamentos e tendões dos tornozelos.

Dor Difusa Regional: Quadril, Joelho, Tornozelo e Pé Doloroso 347


rando alinhá-lo em maior eixo com a perna, elevando o calca- calcâneo, abdução e dorsiflexão, onde o calcâneo move-se em
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

nhar do chão. A amplitude média desse movimento é de 50° e é relação ao tálus. A supinação é o oposto da pronação, ocorren-
realizado principalmente pelos músculos sóleo e gastrocnêmios. do uma inversão do calcâneo, adução e flexão plantar (Figura
Já a inversão (supinação) e a eversão (pronação) são fun- 21.15).8
ções secundárias, sendo que inversão ocorre quando a borda
medial do pé dirige-se em direção à parte medial da perna. A Achados clínicos
amplitude máxima deste movimento é de 20° e é realizado
principalmente pelo músculo tibial posterior, e, auxiliado pe- Os traumas em tornozelos estão entre as causas mais fre-
los músculos gastrocnêmios, sóleo e flexor longo dos dedos. quentes de consultas em emergência,21 principalmente por
Eversão ocorre quando a borda lateral do pé dirige-se em dire- torção de tornozelo (distensão, ruptura parcial ou completa
ção à parte lateral da perna. A amplitude máxima é de 5°. Rea- de pelo menos um tendão). Os ligamentos de tornozelo pro-
lizado principalmente pelos músculos fibular curto e longo, movem estabilidade mecânica, informação proprioceptiva e
auxiliado pelos músculos extensor longo dos dedos e fibular direciona os movimentos da articulação. Torções recorrentes
terceiro (Figura 21.13). de tornozelo podem gerar instabilidade funcional e perda da
Abdução é o movimento que ocorre no plano transverso, com cinética e propriocepção normal desta articulação, causando
os artelhos apontando para fora. A adução consiste no movimen- dor crônica e alterações degenerativas.22
to oposto, de apontar os artelhos para dentro (Figura 21.14). A dor no tornozelo deve ser primeiramente definida se
Pronação é um movimento triplanar, ocorre com uma com- é intra ou extra-articular. A dor intra-articular geralmente
binação de movimentos sendo formado por uma eversão do é sentida na face anterior do tornozelo, mas, às vezes, o pa-

Dorsoflexão

Eversão
Inversão
Posição
neutra

Posição
neutra

Plantoflexão

Figura 21.13 Movimentos dos tornozelos e pés.

Posição
Abdução Adução
neutra

Figura 21.14 Movimentos dos tornozelos e pés. Figura 21.15 Movimentos dos tornozelos e pés.

348 Tratado Brasileiro de Reumatologia


ciente pode queixar-se de dolorimento inespecífico difícil de

„„ CAPÍTULO 21
localizar.
Quadro 21.6 Problemas mecânicos dos pés.
„„ Intra-articular: se houver derrame articular, ele pode- O antepé está invertido em relação ao retropé, quando
rá ser palpável anteriormente, medial e lateralmente Antepé varus a art. subtalar está na posição neutra. A cabeça do
aos tendões extensores, onde eles cruzam a linha arti- 1o MT é mais dorsal que a cabeça do 5o MT.
cular. A movimentação do tornozelo pode estar limita-
O antepé está evertido em relação ao retropé, quando
da e apresentar crepitação.2
Antepé valgus a art. subtalar está na posição neutra. A cabeça do
„„ Extra-articular: as dores tendem a se localizar poste- 5o MT é mais dorsal que a cabeça do 1o MT.
romedial, posterolateral ou anterolateral do tornozelo,
Deslocamento lateral do calcâneo com rotação medial
e seus achados clínicos dependem das estruturas en- Retropé valgus do talus e queda plantar da cabeça talar e do navicular
volvidas em cada compartimento. (pronação do pé).
Os testes para avaliação de tornozelo ao exame físico são: Retropé varus
Deslocamento lateral do calcâneo. Geralmente
congênito ou associado ao pé cavus.
„„ Teste de Thompson: detecta rupturas no tendão de
Perda do arco longitudinal no lado medial e
Aquiles. O paciente é colocado em DV ou de joelhos
Pés planus proeminência do osso navicular e cabeça do talus. O
com os pés estendidos sobre a borda da cama. O terço calcâneo fica evertido (valgus).
médio da panturrilha é comprimido pelo examinador,
e em caso de ausência de uma flexão plantar normal, Arco médio elevado e, nos casos graves, o longitudinal
deve-se suspeitar de ruptura do tendão de Aquiles. também, resultando em encurtamento dos ligamentos
Pés cavus
extensores e encurtamento do pé. O calcâneo fica
„„ Sinal de Homan: detecta a existência de Estenose Ve- invertido (varus).
nosa Profunda, na parte inferior da perna. O tornozelo MT: Metataso.
é dorsifletido passivamente observando-se qualquer
aumento repentino de dor na panturrilha ou no espaço
dose pode causar inflamação aguda de tornozelo, associada à
poplíteo.
presença de eritema nodoso. Artrite reumatoide e espondiloar-
„„ Sinal de gaveta anterior: identifica instabilidade li- tropatia são as causas mais frequentes de artrite crônica de tor-
gamentar do tornozelo. O paciente deita-se em DD e nozelos, geralmente com envolvimento de outras articulações.
o examinador estabiliza a parte distal da tíbia e fíbula Dores persistentes de tornozelos podem sugerir também lesões
com uma mão enquanto segura o pé em 20° de flexão de cúpula talar, como, por exemplo, osteocondrite dissecante ou
plantar com a outra mão. O teste é positivo se, ao trazer fraturas. Osteoartrite em articulação tibiotalar não é comum, a
o tálus para frente no encaixe do tornozelo, a transla- não ser quando secundária a trauma. Já uma doença degene-
ção anterior for maior do que a do lado não afetado. rativa grave desta articulação pode sugerir artropatia neuropá-
„„ Teste de Kleiger: detecta lesões no ligamento deltoi- tica, particularmente se o paciente for diabético. O tratamento
de. O paciente está sentado com os joelhos em 90°. O das artrites agudas de tornozelo geralmente são medidas anti-
examinador segura o pé do paciente e tenta abduzir o -inflamatórias e, após eliminada a possibilidade de infecção ou
antepé. O teste é positivo se o paciente se queixar de trauma, infiltração com corticoide e imobilização com tornoze-
dor medial e lateralmente. O examinador pode sentir o leiras podem ser efetivas. Nos casos crônicos, órteses podem
tálus se deslocar levemente do maléolo medial. ser usadas a longo prazo, mas, nos casos mais acentuados, o
„„ Inclinação talar: identifica lesões do ligamento calca- tratamento torna-se difícil. Artrodese de tornozelo alivia a dor
neofibular. O paciente está em DD ou em DL com o joe- crônica, mas a perda de movimentação pode ser limitante nas
lho fletido a 90°. Com o pé em posição neutra, o tálus é atividades diárias do indivíduo. Artroplastia de tornozelo ainda
inclinado medialmente. O teste é positivo se a adução permanece em desenvolvimento.2, 3
do lado afetado for excessiva.
Extra-articular
Nos pés, os problemas mecânicos devem ser levados em Estas manifestações se dividem de acordo com a região
consideração como causa de dor e são divididos conforme o afetada no tornozelo, (Figura 21.16).
Quadro 21.6. 2, 23

Dor posteromedial do tornozelo


Diagnósticos diferenciais2,9,23-26
„„ Disfunção do Tendão Flexor Longo do Hálux (FLH):
Também serão divididos em intra e extra-articulares no é uma inflamação do tendão FLH em decorrência de
tornozelo. traumas repetitivos e, em situações mais graves, evo-
lui com formação de nódulos e tendinite estenosante.
Intra-articular Causa dor e/ou crepitação na porção posteromedial do
A ocorrência de um quadro agudo de artropatia inflamató- tornozelo, e pode ser reproduzida pela movimentação
ria no tornozelo segue as mesmas diretrizes de investigação das passiva ou ativa do tendão FLH. A dor pode irradiar
demais articulações; sendo as principais causas a serem excluí- em direção ao arco médio, sendo confundida com fas-
das as artrites infecciosas (prioridade na exclusão) e as artrites ciíte plantar. A avaliação atualmente é feita através de
por deposição de cristais. As espondiloartropatias, principal- ultrassonografia, e o tratamento se baseia em repouso
mente as reativas, podem causar dor aguda ou subaguda em e anti-inflamatórios. Em alguns casos refratários, é ne-
tornozelos, geralmente como parte de uma oligoartrite. Sarcoi- cessário cirurgia com liberação do retináculo.

Dor Difusa Regional: Quadril, Joelho, Tornozelo e Pé Doloroso 349


Tendão de
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

aquiles
A B
Síndrome do
túnel do tarso

Tendinite

Disfunção do Doença de
tendão tibial Haglund
Dor na parte Dor na parte
posterior posterior do
posterior do
calcanhar calcanhar

Fratura de Apofisite de
calcâneo Calcâneo
Apofisite de
calcâneo

Fratura
da fíbula
C D Neuroma de
Morton
Torção de
tornozelo
lateral crônica

Fratura no
meio do
pé Fasciíte
plantar
Bunionette

Fratura por
estresse
Fratura de Fasciíte plantar
metatarso proximal
Infração de
Freiberg
Fratura de
falange

Figura 21.16 Localização de dor extra-articular em tornozelos e pés.

„„ Disfunção do Tendão Tibial Posterior (TP): altera- ção biomecânica e detecção de alterações secundárias.
ções degenerativas do tendão TP ocorrem abaixo do O reconhecimento precoce da patologia traz melhoras
maléolo medial, produzindo dor postero-medial do importantes com uso de órteses e, em casos mais avan-
tornozelo e várias deformidades nos pés. A dor (tendi- çados, pode ser necessário tratamento cirúrgico. Os
nite) é reproduzida por palpação e com abdução contra anti-inflamatórios são importantes para o alívio da dor.
resistência do pé. O tendão se torna progressivamente „„ Síndrome do túnel do tarso: o nervo tibial posterior
alongado, fino e enfraquecido, ficando prejudicada a es- pode ser comprimido por uma lesão expansiva den-
tabilidade da articulação mediotarsal e evoluindo com tro do túnel, como um gânglio ou por inflamação dos
a deformidade de pés planos valgus. O desconforto ge- tendões que passam pelo túnel. Dor em queimação e
ralmente é pior após eventos esportivos. O paciente se parestesia nos pododáctilos e sola do pé extendendo
torna incapaz de elevar o calcâneo. Em situações crôni- proximalmente ao maléolo medial, que pode ter alívio
cas, surgem alterações secundárias como síndrome do parcial com movimentos de tornozelo e pé. Firmando o
seio tarsal lateral, dedo em martelo e hálux valgus. Em pé em dorsiflexão forçada e máxima eversão (pronação)
alguns pacientes, ocorrem alterações degenerativas por 15 segundos induz-se uma parestesia em planta do
em articulação subtalar e mediotarsal, resultando em pé, sendo um sinal positivo para a síndrome do túnel do
dor nestas articulações e uma deformidade não redutí- tarso. A causa pode ser trauma no pé com fratura, de-
vel e grave disfunção. Radiografias dos pés em posição formidade de pé valgus, hipermobilidade, fatores ocu-
anteroposterior e perfil com apoio auxiliam na avalia- pacionais e sinovites. A eletromiografia e o estudo da

350 Tratado Brasileiro de Reumatologia


condução nervosa devem ser realizados, mas podem Metatarsalgia: dor em região de cabeça de metatar-

„„ CAPÍTULO 21
„„
estar normais na fase inicial. A ressonância magnética é sos, geralmente com calosidades associadas. As cau-
utilizada quando se suspeita de lesão expansiva. O trata- sas são várias, incluindo uso de salto alto, pé evertido,
mento requer mudança de atividade, anti-inflamatórios trauma, “sesamoidite”, hálux valgus, neuromas, artri-
e correção de pronação anormal. Em casos refratários, é tes, cirurgia nos pés, má distribuição de peso nos pés.
necessário tratamento cirúrgico. „„ Fratura por estresse em metatarsos: fratura espon-
tânea após longas caminhadas. Dor, edema e ocasional-
Dor lateral do tornozelo mente eritema sobre a região do MT afetado, com ou
sem história evidente de trauma local. O segundo MT é
„„ Síndrome do impacto talar posterior: dor “surda” frequentemente o mais afetado, mas pode ocorrer nos
localizada na porção posterolateral do tornozelo, mais outros metatarsos também. Pode acontecer durante
intensa durante atividades forçadas, e flexão plantar eventos esportivos, em pacientes com artrite reuma-
repetitiva. A lesão aguda ocorre geralmente no tipo toide, osteoporose ou indivíduos mais idosos. As radio-
inversão flexão plantar, e o paciente relata um estali- grafias iniciais podem não apresentar anormalidades,
do audível no momento da lesão. Na lesão crônica, o dificultando o diagnóstico.
paciente refere dor e edema na flexão plantar que „„ Neuroma de Morton: mais frequentes em mulheres
aumenta com atividade. Ao exame físico, a dor pode de meia-idade, caracterizado por uma compressão
ser reproduzida na palpação direta lateralmente ao do nervo interdigital geralmente entre o 3º e o 4º po-
processo posterior na altura da articulação subtalar dodáctilo (ocasionalmente entre o 2º e 3º dedos). As
e na flexão plantar forçada, e o edema é frequente. A queixas são de dor em queimação e parestesia mais
radiografia e a tomografia computadorizada ajudam a presente no 4º pododáctilo, que pioram ao caminhar
descartar osteocondrite dissecante, fraturas ou os tri- em superfícies duras ou com calçados de salto alto ou
gonum. A ressonância magnética avalia o envolvimen- bico fino. O diagnóstico somente pela clínica pode ser
to dos tendões. O tratamento se baseia em repouso e difícil, necessitando auxílio de ultrassonografia e/ou
anti-inflamatórios e, caso seja crônica a síndrome, está ressonância magnética para definição terapêutica, que
indicado infiltração com corticoide e até cirurgia. vai desde palmilha para antepés passando por infiltra-
ção com corticosteroides, podendo ser necessário até a
extirpação cirúrgica.
Dor medial do tornozelo „„ Tendinite do flexor longo do hálux: a inflamação pode
As causas de dor medial no tornozelo são discutidas em ocorrer na passagem deste tendão pelo canal fibro-
outras partes, portando estão somente citadas abaixo: -ósseo, posterior ao maléolo medial. Pode evoluir como
tendinite estenosante, com dor na flexão ativa do hálux e
„„ Tendinite do flexor longo do hálux na dorsoflexão passiva. Pode ocorrer ruptura do tendão.
„„ Tendinite tibial posterior „„ Danos nos ossos sesamoides: dor abrupta (pós-trau-
„„ Síndrome do túnel do tarso ma) ou de surgimento gradual nos ossos sesamoides
do hálux. Piora com dorsoflexão deste dedo ou no su-
„„ Tendinite de tendão calcâneo porte de peso. Pode ocorrer por trauma repetitivo (es-
„„ Osteocondrite do tálus porte, dança), fratura por estresse, fratura traumática,
osteocondrite.
As entidades clínicas que afetam o pé também podem ser di-
vididas de acordo com a região afetada, como descrito a seguir.23 „„ Doença de Freiberg: osteocondrite da cabeça do se-
gundo metatarso, geralmente em garotas adolescentes.
Dor e edema local podem ser vistos. Radiografia mos-
Antepé
tra fragmentação, esclerose e deformidade de cabeça
„„ Hálux Valgus: desvio do 1º pododáctilo para lateral do metatarso.
com o desvio do 1º metatarso (MT) para medial. Mais
comum em mulheres, pode ser resultante de tendência Mediopé
genética, tipos inadequados de calçados (ponta fina) „„ Síndrome do seio tarsal: caracterizada por dor na
ou secundário à artrite reumatoide ou osteoartrite. face lateral do pé e instabilidade do tornozelo,24 com
„„ Hálux Rigidus: imobilidade da 1ª articulação metatar- dolorimento ao pressionar a área do seio tarsal. Mo-
sofalangeana, especialmente para extensão. Também vimentos de supinação, pronação, longas caminhadas
pode ocorrer limitação da flexão plantar. A dor é fre- ou permanecer de pé por longo período pode desen-
quente na base do 1º pododáctilo, agravada por cami- cadear a dor e o repouso geralmente a melhora. Ou-
nhar, principalmente de salto alto. A forma primária tros fatores desencadeantes são inflamações como na
ocorre em adultos jovens, e a forma adquirida pode ser artrite reumatoide ou gota, e deformidades como pés
secundária a trauma, osteoartrite, artrite reumatoide cavus, pés planus com instabilidade de retropé ou an-
ou gota. tepés valgus.
„„ Dedo em martelo: a articulação interfalangeana pro- „„ Coalisão tarsal: é a fusão de dois ou mais ossos tar-
ximal fica flexionada e a ponta do dedo fica voltado sais, geralmente congênita, mas pode ser ocasionada
para baixo. Pode ser congênito ou adquirido secunda- também por trauma, cirurgia no pé, inflamação ou de-
riamente a hálux valgus ou calçados impróprios. Pode generação por artrite ou infecção. Manifesta-se por dor
ser visto também em artrite reumatoide. de evolução gradual e é percebida como rigidez ou “fa-

Dor Difusa Regional: Quadril, Joelho, Tornozelo e Pé Doloroso 351


diga” nos pés, mas nem sempre tal manifestação causa ros passos. Evolui com uma melhora inicial e piora no
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

sintoma. Atividades forçadas ou permanecer de pé por passar do dia, principalmente após permanecer de pé
tempo prolongado pode aumentar o desconforto. Ao por período prolongado ou longas caminhadas. A dor
exame físico, o movimento subtalar pode estar limita- é como queimação ou ardor, e a palpação revela dor
do ou ausente, sendo mais frequente o acometimento anteromedialmente ao tubérculo medial do calcâneo
calcaneonavicular. na origem da fáscia plantar. O alongamento passivo
„„ Doença de Köhler: é uma osteocondrite do osso navi- da fáscia plantar e eversão do pé pode exacerbar os
cular. O início é incidioso, por volta dos 5 a 6 anos de sintomas. A fasciíte pode ocorrer como um problema
idade e mais frequente em meninos. Causa sintomas de isolado, mas pode estar associada a doenças reumáti-
desconforto no dorso do pé e claudicação. Ocasional- cas sistêmicas, particularmente com artrites reativas
mente é bilateral. e espondiloartropatias, e já foi relatada em associação
com fibromialgia. Esporões de calcâneo podem estar
Retropé presentes, mas nem sempre são a causa direta da dor.
Estes esporões podem também estar presentes nas es-
„„ Tendinite de calcâneo (Aquiles): geralmente resulta pondiloartropatias. A dor da fasciíte plantar deve ser
de trauma, uso excessivo (esportes) ou calçados im- diferenciada de dor subcalcânea por compressão do
próprios, mas pode também ser resultante de infla- nervo do músculo abdutor do 5º dedo, atrofia do coxim
mação como na espondilite anquilosante, síndrome gorduroso do calcâneo ou fratura de estresse no calcâ-
de Reiter, gota, artrite reumatoide ou condrocalcinose. neo. A radiografia pode afastar outras doenças locais
Caracterizada por dor e edema na êntese deste tendão, de calcâneo, mas a ultrassonografia pode ser mais útil,
às vezes com crepitação ao movimento, aumentando a detectando espessamento da fáscia plantar, hipoecoge-
vulnerabilidade à ruptura. nicidade na inserção no calcâneo e borramento entre
„„ Ruptura de tendão de calcâneo (Aquiles): a ruptura a fáscia e os tecidos circundantes, sugestivo de edema
espontânea deste tendão já é bem conhecida e surge local. O tratamento vai desde medidas não farmacoló-
com uma dor súbita durante dorsoflexão forçada. Um gicas, como diminuir obesidade, escolha de calçados
estalido é ouvido, seguido por dificuldade de caminhar mais adequados ao tipo de pé, mudança de hábitos e
ou ficar na ponta dos pés. O diagnóstico pode ser feito exercícios;3 passando por anti-inflamatórios não hor-
pela manobra de Thompson, e a ressonância magnéti- monais, métodos fisioterápicos até cirurgia em casos
ca pode esclarecer se a ruptura é parcial ou total. extremos e crônicos. A infiltração com corticoide pode
„„ Bursite retrocalcânea: esta bursa está localizada entre ser realizada em casos específicos, já que esta medi-
a superfície interna do tendão de calcâneo e o osso cal- cação pode provocar a atrofia do coxim gorduroso do
câneo. A bursite se manifesta por dor na face posterior calcâneo e predispor a ruptura da fáscia plantar.
do calcâneo, edema neste local e dor a dorsoflexão. Pode „„ Síndrome de Haglund: um aumento do osso proemi-
coexistir com tendinite de tendão de calcâneo e, às vezes, nente superior e posterior do tubérculo do calcâneo,
pode ser difícil distinguir as duas manifestações. A bursi- algumas vezes causando compressão de partes moles
te retrocalcânea pode ser secundária à artrite reumatoi- e dor no local; acima da êntese do tendão calcâneo. Ge-
de, espondilite, síndrome de Reiter, gota ou trauma. ralmente causado por uma combinação de problemas
„„ Fasciíte plantar (Síndrome da dor retrocalcanear):25,26,28 no desenvolvimento e dinâmica alterada do pé, o indi-
ocorre primariamente entre os 40 e 60 anos de idade. víduo procura o médico pela dificuldade de usar calça-
Dor de evolução gradual na face plantar do calcâneo; dos confortavelmente.
que pode surgir por trauma, uso excessivo por atletas, „„ Periostite calcânea: pode ser resultante de trauma,
caminhadas prolongadas ou calçados inadequados, artrite reativa, espondiloartropatias ou artrite reuma-
pés planus ou cavus; entretanto a evidência de asso- toide. A dor geralmente é bilateral, na porção lateral e
ciação com a maioria destes fatores estão limitadas plantar dos calcâneos, pior pela manhã ao levantar e
ou ausentes. Caracteristicamente a dor é sentida pela geralmente acompanhada de rigidez matinal. Os cuida-
manhã, ao se levantar, e é mais acentuada nos primei- dos incluem AINH e repouso.

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Dor Difusa Regional: Quadril, Joelho, Tornozelo e Pé Doloroso 353


22

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin  Marco Aurélio Sertório Grecco

Dor Difusa e Regional: Ombro, Cotovelo e Punho

355
22.1

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin  Marco Aurélio Sertório Grecco

Ombro
„„ OMBRO DOLOROSO Fatores psicossociais
A dor nos ombros é uma das queixas mais comuns de dor „„ Insatisfação no trabalho.
regional musculoesquelética na população em geral, relacio- „„ Estresse psicológico.
nada ou não com o trabalho, em que os membros superiores „„ Trabalho monótono.
são continuadamente exigidos.
„„ Demanda de trabalho.
As doenças da coifa dos rotadores do ombro, dentre todas,
são as mais prevelentes, englobando, por sua vez, um conjunto „„ Relacionamento hostil com os colegas de trabalho.
de alterações patológicas, que varia desde uma alteração dege- „„ Ansiedade e depressão.
nerativa dos tendões em virtude de um impacto sobre a bolsa „„ Expectativa de afastamento do trabalho.
que se situa entre o acrômio e a cabeça do úmero subjacente.
„„ Expectativa de aposentadoria.
O referido impacto gera consequências como o espessamento
parcial ou total destes tendões, com uma possível ruptura par- A maioria dessas doenças pode ser diagnosticada com uma
cial ou total. minuciosa anamnese e cuidadoso exame físico. O tratamento
Embora as alterações degenerativas sejam mais comuns conservador adequado e bem conduzido resolve na maioria
na meia-idade e em idosos, a dor no ombro pode estar asso- dos casos.
ciada a muitas condições patológicas como Espondiloartrites, Uma subclasse de indivíduos jovens, que se apresenta já de
Artrite reumatoide, infecções e neoplasias, como o mieloma início com dor aguda e fraqueza dos músculos depois de um
múltiplo e o tumor de Pancoast. Na maioria das vezes, e em trauma agudo, exige uma investigação pormenorizada a fim de
alguns países, ela está relacionada com o trabalho, em mais ou afastar a possibilidade de ruptura significativa dos tendões da
menos 13% das consultas no atendimento primário.1,2 referida coifa dos rotadores.
Neste caso, tais pacientes devem ser logo encaminhados ao
Relação com atividades ocupacionais ortopedista, subespecialista em doenças dos ombros para uma
potencial intervenção cirúrgica. Geralmente, a maioria dos es-
Embora fatores físicos estejam nitidamente relacionados tudos indica que o tratamento conservador dá resultados sa-
com o trabalho, há também um nexo causal com fatores psi- tisfatórios em mais de 50% nos casos de rupturas parciais com
cossociais como insatisfação no trabalho e altas demandas espessamento total, e em 70% daqueles com a síndrome do
psicológicas.1,3,4,5 impacto.6-9

Fatores físicos
„„ ASPECTOS HISTÓRICOS E EVOLUÇÃO DOS
„„ Trabalho pesado.
CONHECIMENTOS
„„ Trabalho acima dos ombros.
„„ Carregar objetos pesados acima dos ombros. Fisiopatologia e fases evolutivas
„„ Movimentos repetitivos (grande número de repetições). Os primeiros relatos sobre a síndrome do ombro doloroso
„„ Empurrar e puxar objetos pesados. foram atribuídos a Duplay, em 1872, que a considerou como
sendo uma periartrite umeroescapular e/ou a fatores como
„„ Vibração.
reumatismo ou neurite – o pensamento vigente naquela época
„„ Postura inadequada. era que qualquer dor seria “reumatismo”. Infelizmente, alguns,
„„ Tempo de trabalho. até hoje, 143 anos depois, continuam tendo este conceito.

357
No entanto, a verdadeira fisiopatologia do processo pato- Neer, em 1972, identificou três fases evolutivas da síndro-
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

lógico só passou a ser entendida ao longo do século passado me, que, na realidade, são mais formas de apresentação13 do
e, mais recentemente, recebendo as mais variadas denomi- que fases evolutivas.
nações como se verá nas páginas seguintes. Armstrong, em Na fase um, os pacientes acometidos tinham idade inferior
1949,10 e Hammond, em 1962,11 identificaram no acrômio a 25 anos, e a síndrome era caracterizada por edema e hemor-
a principal causa do problema, indicando a acromionecto- ragia envolvendo, principalmente, a bursa subacromial.
mia total como forma de solucioná-lo. Pujadas, em 1970,12 Na fase dois, os pacientes situavam-se entre os 25 e 40
denominou-a de síndrome do ligamento coracoacromial, anos de idade, e o acometimento era caracterizado por fibro-
recomendando a ressecção deste ligamento como forma de se da bursa subacromial e tendinite, especificamente na zona
descomprimir o manguito rotador, que sofreria isquemia crítica de Codman.
pela pressão sobre este ligamento. Neer, em 1972,13 estudou
Na fase três, o quadro era mais grave, com a presença de
um grande número de escápulas dissecadas e observou que,
um esporão acromial anteroinferior (osteófito) e ruptura do
em cerca de 10%, a ponta do acrômio apresentava alterações
manguito, com grau de gravidade variável.
degenerativas na sua face inferior, provavelmente causadas
pela tração do ligamento coracoacromial. Correlacionou o A ruptura, na realidade, era decorrente de processo dege-
impacto sobre os rotadores com as variações na forma do nerativo, com reabsorção parcial ou completa da substância
acrômio e, na época, preconizou a acromionectomia parcial, do tendão, sendo, portanto, de evolução crônica. Entretanto,
ou acromioplastia, e a secção do ligamento coracoacromial em determinados casos, pode ocorrer uma ruptura aguda
como tratamentos de escolha. traumática, geralmente, naquela região anteriormente afetada
pela degeneração crônica.
Um pouco mais tarde, Kessel e Watson, em 1977,14 clas-
sificaram a síndrome do impacto em três tipos com carac- Portanto, as rupturas do manguito rotador são comuns e
terísticas anatômicas diferentes, como também específicas resultam das características anatômicas e fisiológicas exclusi-
indicações terapêuticas: a síndrome posterior, a anterior e a vas desta complexa articulação que é o ombro.
superior. As duas primeiras teriam um bom prognóstico, nas A combinação de fatores vasculares e mecânico-degenera-
quais o tratamento clínico era eficaz, enquanto que para a tivos é responsável pela etiopatogênese desta condição clíni-
última, caracterizada pelo acometimento mais acentuado do ca, altamente prevalente acima dos 40 anos de idade. Se estes
tendão do supraespinhoso, seria resistente às formas de trata- eventos acima citados ocorrem dentro do tendão (intrinseca-
mento conservador. mente), ou se eles são causados por abrasão mecânica externa
Para esses últimos casos, recomendava-se, no passado, o (extrínseca), o resultado final destes eventos é a falência par-
tratamento cirúrgico, que constituía-se na ressecção da ex- cial dos tendões.17 Neste aspecto, a lesão das fibras terminais
tremidade distal da clavícula, desfazendo a articulação acro- do manguito rotador e a sua subsequente ruptura têm, portan-
mioclavicular e na ressecção do ligamento coracoacromial a to, uma etiologia multifatorial, a saber:
alegação para tal ressecção da extremidade distal da clavícula „„ Degeneração intrínseca do tendão.
era justificada pelo fato de a articulação acromioclavicular es-
tar mais degenerada do que se pensava até então, até mesmo „„ Baixo potencial de cicatrização tecidual.
na ausência de sinais radiográficos contundentes. Além do „„ Insuficiência vascular.
mais, a sua ressecção facilitaria a abordagem do ligamento co- „„ Trauma repetitivo e pressão mecânica extrínseca exer-
racoacromial, o principal responsável pelos sintomas. cida sobre o manguito pelo arco coracoacromial.13,18,19
Bigliani et al., em 1986, estudaram exaustivamente a for-
ma do acrômio em 140 cadáveres e identificaram três tipos: o
tipo 1, com forma retilínea ou chata (17%); o tipo 2, encurvado Anatomia e fisiopatologia
(43%); e o tipo 3, em gancho (40%).15 Os ombros são as únicas articulações do corpo humano
Em cerca da metade dos casos, o acrômio tinha a mesma que têm a maior amplitude de movimento e, também, as úni-
forma em ambos os lados. Um terço dos casos apresentavam cas que se movimentam em todos os planos. O descompasso
roturas completas do manguito, 73% das quais associadas ao entre o tamanho menor da cavidade glenoide e o tamanho
acrômio do tipo 3. Desse modo, associaram definitivamente a maior da cabeça do úmero cria um risco de instabilidade da
forma do acrômio à síndrome do pinçamento do manguito ro- articulação. A estabilidade estática do sistema se dá tanto pela
tador e à sua posterior ruptura. cápsula articular e pelo labrum, e a dinâmica pela musculatura
Posteriormente, Morrison e Bigliani (1987) confirmaram do manguito da coifa dos rotadores. A disfunção de qualquer
essa observação em radiografias de pacientes com rotura do uma destas funções e estruturas pode levar à instabilidade da
manguito, sendo que 80% deles eram portadores de acrômio junta, dor e fraqueza.
do tipo 3, os 20% restantes eram do tipo 2.16 Estudos suge- A coifa dos músculos rotadores do ombro é a confluência
rem que os acrômios tipos II e III sejam adquiridos, ao invés dos diversos tendões que dão início ao movimento e mantém
de congênitos ou constitucionais. Parece provável que, na ver- a relação fisiológica normal entre eles e a superfície articular.
dade, eles sejam esporões de tração deste ligamento coracoa- O músculo supraespinhoso efetua a abdução, o infraespi-
cromial. nhoso, o redondo menor, a rotação externa e o subescapular
Entre 30 e 40% dos pacientes com síndrome do impacto efetua a rotação interna. Além disso, os músculos da coifa dos
sem ruptura do manguito eram portadores do acrômio em rotadores mantém o equilíbrio de forças com outros músculos
gancho (tipo 3). Daí em diante, ficou patente a necessidade de do ombro, principalmente com o músculo deltoide. A contra-
melhor avaliação radiográfica do acrômio, através de incidên- ção do deltoide na ausência ou hipofunção do supraespinhoso
cias especiais, e da acromioplastia como forma de solucionar causa uma translocação da cabeça umeral, tornando difícil a
o problema. abdução do braço.20

358 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Uma das causas relacionadas com a maior prevalência Diagnóstico clínico

„„ CAPÍTULO 22.1
da síndrome da coifa dos rotadores do ombro é a elevação
dos braços acima da cabeça, decorrente do trabalho ou ou- A maioria destas doenças pode ser diagnosticada com uma
tras condições como o esporte, como foi relatado anterior- minuciosa anamnese e cuidadoso exame físico. Algumas infor-
mente. mações básicas são de extrema relevância, a saber:
Uma outra visão etiopatogênica é a teoria da colisão „„ Idade do paciente.
entre as diversas e diferentes estruturas desta complexa
„„ Episódio traumático anterior.
articulação, quando os tendões da já referida coifa dos ro-
tadores são comprimidos entre a cabeça do úmero e o arco „„ Prática de esportes.
coracoacromial, e posteriormente, lesados em razão da pres- „„ Tipo de atividade profissional.
são mecânica do impacto a que são submetidos. Tal pressão „„ Microtraumatismos de repetição.
é transmitida ao interior do músculo, promovendo uma de-
sorganização anatômica e funcional. Estas alterações mus- „„ Se houve boa resposta terapêuitica aos medicamentos
culares estariam ligadas ao envelhecimento, contribuindo e ao repouso.
para acelerar o processo degenerativo nos tendões. Neste „„ Se o paciente está afastado de sua atividade e presença
processo, o supraespinhoso desempenha um papel relevante de comorbidades.
e é um fator importante de risco na eclosão deste processo
patológico. A omalgia como o próprio nome diz, a dor é queixa princi-
pal. As lesões no ombro, na sua grande maioria, causam uma
Embora não haja consenso de que os fatores físicos te-
maior ou menor limitação de movimentos. As características
nham alguma relação com o trabalho, como mencionamos
da dor podem apontar para a etiologia:
anteriormente, há também nitidamente um nexo causal com
fatores psicossociais como insatisfação no trabalho e altas de- 1. Nas lesões degenerativas, a dor começa lenta e arrastada.
mandas psicológicas. Nas lesões traumáticas e inflamatórias agudas, a dor é re-
As referidas alterações da coifa dos rotadores com ativi- pentina e insidiosa, se o ombro antes de sua instalação [da
dades ocupacionais têm sido questionadas em estudos de dor] era indolor.
imagem alicerçados na ressonância magnética e na ultrasso- 2. Se, por outro lado, ela é ¨surda¨ e contínua, piorando du-
nografia das estruturas do ombro (Figura 22.1).21-23 rante a noite e ao efetuar os primeiros movimentos ao

Bursa subacromial/ Articulação Tendão


subdeltoide acromioclavicular supraespinhoso
Deltoide
Acrômio

Clavícula

Escápula

Úmero Depósito
de cálcio

Figura 22.1 Principais estruturas da articulação do ombro.

Ombro 359
acordar, tais fatos sugerem que há uma lesão crônica do Inspeção dinâmica
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

manguito rotador.
É avaliada a mobilidade do ombro nos diversos planos (Fi-
3. A dor aguda, latejante ou em agulhada pode ocorrer na
gura 22.2 (A) a 22.2 (E)).29-34
capsulite adesiva, nas tendinites sem calcificação e nas
tendinites calcárias.24-27
Palpação
Ainda pela história do paciente, pode-se chegar a outras
causas como as instabilidades glenoumerais. Algumas interro- A palpação das estruturas (ósseas e musculares) propor-
gações, neste sentido, são esclarecedoras: ciona um método ordenado e sistemático de avaliação da ana-
tomia local. Coloque o paciente sentado e ponha a ponta de um
„„ Qual a idade em que ocorreu o primeiro episódio, pois só dedo para identificar estruturas que estão muito próximas,
pode haver associação com lesões do manguito rota- como a seguir:29-34
dor nos idosos? A ocorrência nos jovens leva à alta por-
centagem de recidivas. „„ Clavícula: verificar a presença de dor, deformidade,
„„ Qual foi a intensidade do trauma? Se foi violento, de edema, crepitação e sinais de externos e internos de
grande instabilidade, causando uma instabilidade trau- traumatismo.
mática unidirecional; ou banal decorrente de fatores „„ Articulação acromioclavicular: verificar a presença
anatômicos predisponentes, como frouxidão ligamentar de dor, edema, crepitação, mobilidade anormal, sinal
levando à instabilidade não traumática multidirecional. da tecla (pressionando a clavícula de cima para baixo,
„„ A frequência da dor, a interferência nas atividades diá- como se fosse uma tecla de piano) e pesquisar sinais
rias do paciente, seja no trabalho ou no esporte (quan- sugestivos de luxação acromioclavicular.
do for praticante), durante o sono, a possibilidade de „„ Fazer a ectoscopia e a palpação da regiões supraes-
recidivas é maior. Tanto nas recidivas voluntárias ou pinhal, infraespinhal e deltoide: a massa muscular
não, não há indicação de cirurgia.28 destes músculos deve ter consistência elástica e trofis-
mo normal.
„„ EXAME FÍSICO PARA TRIAGEM DIAGNÓSTICA „„ A hipotrofia do músculo deltoide sugere lesão do nervo
axilar, e a hipotrofia do infraespinhoso sugere desuso
Inspeção estática do referido músculo, consequência de provável lesão
do seu tendão. Abaixo da camada muscular, procura-
O paciente deve ser examinado desnudo da cintura para -se palpar a bursa subdeltoidea, que pode estar com
cima. O exame começa quando o paciente despe a camisa. Ob- volume aumentado.
serva-se o ritmo de movimentos dos ombros. A movimentação
normal tem qualidades de leveza, naturalidade e bilateralida- „„ Na inserção dos músculos supraespinhoso, infraes-
de; a movimentação anormal aparece unilateral e distorcida. pinhoso e redondo menor na tuberosidade maior do
Deve-se observar: úmero, a dor está presente na tendinite calcárea e au-
sente nas rupturas do manguito rotador.
„„ Deformidades características como sinal em dragona „„ Ao se palpar a tuberosidade menor do úmero, onde se
(situação em que ocorre a perda do contorno arredon- insere o músculo subescapular, em cujo sulco intertu-
dado do ombro após um evento traumático, sugerindo bercular se aloja o tendão da porção longa da cabeça
luxação anterior). do bíceps. Nas tendinites, a palpação do referido sulco
„„ Edemas, hematomas (sinais de lesões traumáticas). provoca dor.
„„ Deformidades na coluna cervical e torácica.
„„ Atrofias musculares por desuso (músculo deltoide, Manobras semióticas especiais e testes específicos
músculo infraespinhoso).
Testes provocativos de dor causada pela compressão dos
„„ Escápula alada; posição anormal do membro superior, rotadores no espaço subacromial
como na paralisia obstétrica.
a) O teste de Neer é a elevação (abdução) passiva antero-late-
O Quadro 22.1 mostra as principais provas relativas à ral do braço do paciente, com uma das mãos do examina-
normalidade da função da articulação do ombro: dor, e com a outra mão, imobiliza a escápula. Nesta ocasião,
o tubérculo maior do úmero se choca contra a extremidade
anterior do acrômio, pinçando o manguito rotador, cau-
sando dor.
Quadro 22.1 Manobras semióticas para avaliar a função do
ombro. b) No teste de Jobe, com o braço (e não o ombro) em abdução
ativa incompleta (± 45°) e em 30° de flexão), rotação inter-
Mão/nádega oposta Apor a mão à nádega oposta. na do antebraço e com os polegares para baixo) e o coto-
velo estendido, o paciente faz o esforço de resistir à força
Mão/dorso Apor a mão ao dorso tentando atingir o ângulo
do examinador, que tenta abaixar seu braço; esse teste é ir-
inferior da escápula oposta.
ritativo, produzindo dor se houver pinçamento e tendinite
Mão/ombro oposto Apor a palma da mão à região deltoide do lado dos rotadores. Esta manobra exclusiva e, principalmente,
oposto. ao mesmo tempo em que ele é um teste funcional, permite
Mão/nuca Apor a palma da mão à nuca. avaliar a força de abdução do músculo supraespinhoso.

360 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 22.1
A C

Figura 22.2 (A) Abdução, realizada no plano coronal, de 0 a 90°.


(B) Elevação anterior do braço de 0 a 180°. (C) Adução, em dire-
ção à linha mediana, realizada com o braço em flexão de 30°, para
passar anteriormente ao tórax, vai de 0 a 75°. Flexão realizada
no plano sagital anteriormente ao plano coronal, vai de 0 a 180°.
Extensão realizada no plano sagital, posteriormente ao plano co-
ronal, vai de 0 a 60°. (D) Rotação externa, com o cotovelo em 90°
de flexão, vai de 0 até 75°. Ou a partir do cotovelo em abdução de
90° no plano coronal, vai de 0 a 90°. (E) Rotação interna é avalia-
da pela capacidade de conseguir apontar o polegar para a coluna
toracolombar. Ou a partir do cotovelo em abdução de 90° no plano
coronal, vai de 0 a 90°.

Ombro 361
c) O teste de Patte, feito com o ombro em abdução e rotação pecífico para avaliar a integridade do subescapular. De
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

externa de 90o, serve para avaliar o comprometimento do regra, o envolvimento maior é do supraespinhoso, onde
músculo infraespinhoso (rotador externo); se houver dor os testes de Neer e de Jobe são positivos; os demais
ou fraqueza, poderá haver tendinite ou ruptura do su- testes trazem informações adicionais sobre o estado
praespinhoso, respectivamente. dos componentes do manguito e devem ser realizados
d) O teste de Hawkins testa também a abdução e a rotação também de rotina. O envolvimento da articulação acro-
externa contra resistência, servindo para avaliar a integri- mioclavicular é avaliado pelo cross arm test, em que o
dade tanto do supraespinhoso como do infraespinhoso. examinador empurra o membro superior para a posição
No teste de Gerber, realizado com o ombro em com- do braço cruzando-o à frente do tronco; havendo altera-
pleta rotação interna e o antebraço no dorso, o paciente ções degenerativas dessa articulação, o paciente refere
faz o esforço de empurrar a mão do examinador; é es- dor (Figura 22.3).29-35

Figura 22.3 Principais testes irritativos para o manguito.

362 Tratado Brasileiro de Reumatologia


e) Testes de instabilidade: No teste da apreensão, o exa-

„„ CAPÍTULO 22.1
minador, colocando-se por trás do paciente, faz com
uma das mãos, com o cotovelo em flexão de 90°, abdu- Quadro 22.2 Causas intrínsecas e extrínsecas de dor no ombro.
ção, rotação externa forçada do braço do paciente, ao „„ Artrites glenoumerais
mesmo tempo em que pressiona, com o polegar da outra „„ Osteoartrite (rara)
mão, a face posterior do úmero. Quando há instabilidade Intrínsecas „„ Poliartrites inflamatórias
anterior, a sensação de luxação provoca temor e apreen- articulares „„ Monoartrites infecciosas (TB)
„„ Instabilidade
são do paciente. „„ Rupturas e lesões labrais
No teste da relocação, o paciente é posicionado em
„„ Tendinoses calcificadas e tendinites
decúbito dorsal, com o cotovelo fletido em 90° e o braço
(consequência da primeira)
é abduzido em 90° realiza-se a rotação externa máxima „„ Capsulite adesiva
por uma das mãos do examinador, enquanto segura com a Intrínsecas „„ Tendinite bicipital
outra mão a cabeça umeral, tracionado-a para cima procu- periarticulares „„ Ruptura da porção longa do bíceps
rando subluxá-la anteriormente. Esta manobra geralmente „„ Bursite escapulotorácica
provoca dor (sem apreensão) nos pacientes com subluxa- „„ Artrose e artrite acromioclavicular
„„ Entorses acromioclaviculares
ção anterior; a seguir, com o paciente na mesma posição, o
examinador empurra a cabeça para baixo, buscando redu- Síndrome „„ Atualmente, estas síndromes fazem parte do
zi-la. (Figura 22.4)29-34 fibromiálgica, que se conhece como síndromes sensitivas
síndrome miofascial centrais (ver capítulo 19)
„„ Fratura de clavícula e úmero
Causas ósseas „„ Cistos ósseos, tumores (pancoast), infecções,
„„ DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL (tuberculose)

Outras causas de dor no ombro Causas extrínsecas


Radiculite e osteoartrite cervical
Cervicalgia de tensão
O diagnóstico diferencial deve ser feito, entre outras coi-
sas, de acordo com o sítio anatômico afetado, se articular, „„ Doenças cardíacas
periarticular, ósseo ou se a dor é referida de outras regiões „„ Doenças do fígado, baço e causas
neurogênicas (herpes-zóster)
anatômicas. Como se vê, o leque deste diagnóstico diferen- „„ Processos diafragmáticos
cial é muito extenso. Portanto, não pode ficar limitado a Dor referida
„„ Síndrome de Personage-Turner (neurite
diagnósticos como “bursite, tendinite, ombro doloroso, etc.” de estruturas
braquial)
adjacentes
e deve aprofundar-se mais na história e no exame físico, „„ Síndrome do desfiladeiro cervical
fazer a suspeita clínica e confirmá-la com exames de boa „„ Síndrome do tunel carpal
qualidade. No Quadro 22.2, causas intrínsecas e extrínsecas „„ Doenças do esôfago
„„ Sinovite vilonodular pigmentada9
de dor no ombro.

B. Teste de relocação
A. Teste de apreensão Examinador
aplicando uma
pressão no sentido
crâniocaudal

Flexão 90o
Examinador Indicação positiva
aplicando pressão na de instabilidade:
face posterior do úmero paciente expressa
alívio

Abdução em 90o
Rotação externa em 90o
Flexão 90o C. Teste de relocação anterior
Abdução Examinador realiza
teste de relocação,
Rotação em 90o
em seguida libera a
externa pressão anteriormente
em 90o aplicada

Indicação positiva
de instabilidade:
paciente expressa
apreensão
e/ou dor
Indicação positiva de
instabilidade: paciente expressa
apreensão e/ou dor

Figura 22.4 Testes clínicos para avaliar a instabilidade anterior do ombro.

Ombro 363
No ombro doloroso, muitas doenças não reumáticas como „„ SÍNDROMES DOLOROSAS ESPECÍFICAS DE
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

as citadas no Quadro 22.5, e excluindo as degenerativas asso- MAIOR PREVALÊNCIA NA PRÁTICA CLÍNICA
ciadas à síndrome dos rotadores. O exame físico é muito pare-
cido, porém uma história pregressa diferente. Nestas doenças Síndrome de pinçamento subacromial do manguito
não reumáticas (e são muitas), não há queixas de poliartral- rotador
gias, poliartrites ou monoartrites, além de manifestações sis-
têmicas nos diversos órgãos. A síndrome do impacto dos rotadores sobre as estruturas
subacromiais é uma das causas mais comuns de dor e disfun-
ção ombro. Geralmente, é unilateral podendo ser eventual-
mente bilateral.
Trabalho com os braços numa posição
Neer, em 1972, foi o primeiro a descrever a “síndrome do
muito elevada (tirar coisas de prateleira alta) impacto”, como sendo o impacto exercido sobre a inserção da
porção tendinosa do tendão supraespinhoso, um dos compo-
nentes do manguito rotador, contra a porção anteroinferior do
acrômio e o ligamento coracoacromial.
Dentre as condições patológicas responsáveis pelo ombro
Alterações degenerativas na coifa dos
doloroso, a síndrome de impacto sobre as estruturas subacro-
tendões rotadores, passíveis de serem vista na RM
miais é uma das causas mais comuns de dor e disfunção, sendo
de todas a mais comum da cintura escapular, geralmente uni-
lateral e eventualmente bilateral.8,13,19,37
Os dados da literatura não são uniformes, mas calcula-se
que cerca de 10% das pessoas tiveram ou possam vir a ter a
síndrome em alguma época da vida, a julgar pelos estudos de
Doenças da coifa dos rotadores diversos autores.19,37,38
Há descrição de incidência de 6% de lesões do manguito
em cadáveres com menos de 60 anos e de 30% de lesões en-
Figura 22.5 Relação hipotética entre o trabalho e os braços ele- contradas em cadáveres acima de 60 anos de idade.39
vados acima da cabeça. A flecha sólida indica parte do percuso Na maioria dos casos, os pacientes são vistos em uma fase
(caminho) explorado na presente investigação por ressonânica já crônica, raramente apresentando-se na fase aguda, visto que
magnética.36 eles se automedicam ou aguardam a melhora espontânea do
processo. É uma síndrome, que pela cronicidade ou tratamen-
Comprova tal situação o fato de que as monoartrites da AR e to inadequado é potencialmente incapacitante, tanto pela dor
das espondiloartrites abrem o quadro clínico com dor nos om- quanto pelas complicações, como a ruptura do manguito e/ou
bros, principalmente na forma de Espondilite Anquilosante Ri- a capsulite adesiva.
zomélica, chamada também escandinava, nas infecções como na
Acomete mais frequentemente mulheres na pós-menopau-
tuberculose miliar, na sinovite vilonodular pigmentada, no tumor
sa, não praticantes de esportes e com atividades que requei-
de Pancoast, na síndrome ombro-mão das algoneurodistrofias ou
ram o uso intensivo dos ombros (dos braços) acima da cabeça
na dor irradiada de uma discartrose cervical, entre outras.
ou do horizonte.
Em três condições menos prevalentes do que aquelas já
Embora seja uma doença comum entre homens e mulheres
citadas, há alguns aspectos importantes no diagnóstico clínico
praticantes de modalidades esportivas que requeiram o uso
diferencial, conforme se constata nos Quadros 22.3 e 22.4.
intensivo do ombro com o membro superior acima da linha da
cabeça ou do horizonte, como a natação, o tênis, o arremesso
de dardo, vôlei etc. Caracteriza-se por dor na face anterolateral
Quadro 22.3 Artrose acromioclavicular. do ombro e limitação dos movimentos dessa articulação, na
„„ Trauma direto sobre a cintura escapular.
maioria das vezes antálgica.
„„ Crepitação palpável.
Anatomia
„„ Dor.
„„ A dor aumenta com a abdução e particularmente com o braço aduzido A articulação do ombro é a que tem a maior amplitude
sobre o tórax, ao mesmo tempo comprimindo a junta. de movimento em todos os planos. O descompasso entre o
„„ Tratamento conservador, raramente cirúrgico. tamanho menor da cavidade glenoide e o tamanho maior da
cabeça do úmero cria um risco de instabilidade da articula-
ção. A estabilidade estática do sistema se dá tanto pela cáp-
sula articular e pelo labrum, e a dinâmica pela musculatura
Quadro 22.4 Ruptura e tendinite bicipital (deslocamento
do manguito da coifa dos rotadores. A disfunção de qualquer
do tendão do bíceps na corredeira bicipital e ruptura da
uma dessas estruturas pode levar à instabilidade, dor e fra-
cabeça longa do bíceps).
queza.31,32,34
Diagnóstico: a área de sensibilidade migra com o sulco bicipital quando o A coifa dos músculos rotadores do ombro é formada pe-
braço é abduzido e colocado em rotação externa. los tendões do músculo subescapular, situado anteriormen-
„„ Sinal de Yergason positivo com o cotovelo em 90° e o antebraço em te e realiza rotação interna do infraespinhoso e do redondo
pronação. menor, de localização posterior e efetuam a rotação externa.
Tratamento: repouso, analgésico, infiltração com corticoides, ultrassom. O músculo supraespinhoso, no plano axial, que fica acima da
„„ Insucesso: cirurgia.
cabeça umeral, faz a abdução. Na Figura 22.6 além do músculo

364 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 22.1
Ligamento acromioclavicular Processo coracoide

Acrômio

Bursa subacromial

Tendão supraespinhoso
Músculo subescapular

Porão longo do bíceps

Músculo redondo maior

Figura 22.6 Tendões, ligamentos, músculos, ossos e bursas envolvidos na síndrome dos rotadores do ombro.

supraespinhoso, se veem as demais estruturas da articulação


do ombro. O manguito rotador abarca os dois terços da cabeça
umeral como se fosse uma coifa e, além de reforçar a cápsula R
articular, mantém, dinamicamente, a cabeça aposta à rasa ca-
vidade glenoumeral.
Embora bem definidos enquanto músculos, a sua porção
tendínea funde-se uma com a outra, sendo impossível encon-
trar um espaço entre eles. Além disso, os músculos da coifa dos
rotadores mantêm o equilíbrio de forças com os outros múscu-
los do ombro, principalmente com músculo deltoide. A contra-
ção do deltoide, na ausência ou hipofunção do supraespinhoso,
causa uma translocação da cabeça umeral, tornando difícil a
abdução do braço. A bolsa sinovial subacromial (bursa) reves- R
te o manguito, o folheto visceral a ele aderido e o parietal em
contato com as estruturas do chamado arco coracoacromial, r
constituído pela apófise coracoide e o acrômio conectados um
ao outro pelo ligamento coracoacromial. A bursa subacromial
é de existência quase virtual, em indivíduos normais, pois suas
paredes são muito tênues, da espessura de poucos milésimos
de milímetros. Em condições patológicas (bursites), ela se es-
pessa, sendo facilmente identificável.
A articulação umeroescapular é constituída por duas esfe-
ras concêntricas, e o conhecimento de tal fato é de relevância
fisiopatológica. A cabeça do úmero sendo a esfera umeral, e a
esfera representada pela superfície inferior do arco coracoacro-
mial. Essas duas esferas dividem o mesmo centro normalmente.
A densidade do manguito rotador, que funciona como espaça-
dor, gera a diferença entre os dois raios. O ombro pode perder a
concentricidade dessas esferas nas seguintes condições:17

Degeneração do tendão do manguito


Cápsula posterior com tensão aumentada. A flexão do om-
bro em rotação interna causa translocação anterossuperior da
cabeça umeral e leva à perda da concentricidade das esferas Figura 22.7 Duas esferas concêntricas da articulação glenoume-
(Figura 22.7). ral. Adaptada de Rockwood e Matsen.40

Ombro 365
O raio r da esfera da cabeça umeral é menor que o raio R da forma retilínea ou chata (17%); o tipo 2, encurvado (43%); e
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

esfera do arco coracoacromial. o tipo 3, em gancho (40%) (Figura 22.8). Em cerca da metade
Quando há lesão do manguito rotador ou contração da dos casos, o acrômio tinha a mesma forma em ambos os lados.
cápsula posterior, a translação da cabeça ocorre em sentido Um terço dos casos apresentava roturas completas do man-
anterossuperior durante a flexão do ombro. Nesta condição, guito, 73% das quais associadas ao acrômio do tipo 3. Desse
os dois raios deixam de ser concêntricos, e os centros deixam modo, associaram definitivamente a forma do acrômio com a
de coincidir.40 síndrome do pinçamento do manguito rotador e sua rotura.
Neer, em 1972, identificou três fases evolutivas da síndro- Posteriormente, Morrison e Bigliani (1987) confirmaram essa
me, que, na realidade, são mais formas de apresentação do que observação em radiografias de pacientes com rotura do man-
fases propriamente ditas.13 guito, sendo que 80% deles eram portadores de acrômio do
Na fase 1, os pacientes acometidos têm idade inferior a 25 tipo 3, os 20% restantes sendo do tipo 2.41
anos e a síndrome é caracterizada por edema e hemorragia en- Estudos sugerem que os acrômios tipo II e III sejam adqui-
volvendo principalmente a bursa; na fase 2, os pacientes têm ridos, ao invés de evolutivos (tipo I). Parece provável que, na
entre 25 e 40 anos de idade, e o acometimento é caracterizado verdade, eles sejam esporões de tração deste ligamento. A carga
por fibrose da bursa e tendinite, particularmente da zona críti- de tração que produz este gancho pode ser resultado de um car-
ca de Codman; na fase 3, o quadro é mais grave, com a presen- regamento do arco pelo manguito e pode estar aumentado com
ça de um esporão acromial anteroinferior (osteófito) e ruptura a dependência crescente do arco acromial no que diz respeito à
do manguito, de variada gravidade. estabilidade superior na dependência crescente do arco cora-
Bigliani et al. estudaram exaustivamente a forma do acrô- coacromial na estabilidade superior na presença de degenera-
mio em 140 cadáveres e identificaram três tipos: o tipo 1, com ção do manguito (Figura 22.9). Entre 30 e 40% dos pacientes

1 2 3

Figura 22.8 Tipos de acrômio, conforme o grau de curvatura.35

A B

C D

Figura 22.9 Processo progressivo de falha do manguito. (A) Relação normal entre o manguito rotador e o arco coracoacromial. (B)
Deslocamento superior da cabeça umeral, comprimindo o manguito de encontro com o arco coracoacromial em virtude da falha do
manguito. (C) Contato e abrasão maior, dando origem a um esporão de tração no ligamento coracoacromial. (D) Grande desloca-
mento superior, ocasionando artropatia do manguito rotator. Adaptada de Rockwood e Matsen.40

366 Tratado Brasileiro de Reumatologia


com síndrome do impacto sem rotura do manguito eram porta-

„„ CAPÍTULO 22.1
dores do acrômio em gancho (tipo 3). Daí em diante, ficou pa-
tente a necessidade de melhor avaliação radiográfica através de
incidências especiais e clínicas do acrômio (Neer, tipo 2), e daí
indicar a acromioplastia como forma de solucionar o problema.
A ruptura é, na realidade, degenerativa, com reabsorção
parcial ou completa da substância do tendão, sendo, portanto,
crônica; entretanto, pode ocorrer a ruptura aguda traumáti-
ca, em geral em região previamente afetada pela degeneração
crônica. Portanto, as rupturas do manguito rotador são co-
muns e resultam da anatomia e fisiologia únicas do ombro. A
combinação de fatores vasculares e mecânicos são responsá-
veis por esta, bastante comum na prática clínica. Apesar de os
médicos poderem debater a sequência de eventos que levam
a uma ruptura do manguito, o impacto dos tecidos moles no
espaço subacromial parece ser a via final em comum.
As consequências finais dependem da topografia: se estes
eventos ocorrem no interior do tendão (intrinsecamente) ou se
eles são causados pela abrasão mecânica externa (extrínseca),
seja uma ou outra forma, o resultado final é a falência dos ten-
dões. A lesão das fibras terminais do manguito rotador e a sua Figura 22.10 Ruptura total do tendão do bíceps (sinal de Popeye).
subsequente ruptura têm etiologia multifatorial, a saber:9,13,17,19

„„ Degeneração intrínseca do tendão. fase; tais sintomas podem não acontecer nos casos de gra-
„„ Baixo potencial de cicatrização. vidade apenas moderada.
„„ Insuficiência vascular. 6. Entretanto, nas fases mais tardias, podem ser (os movi-
„„ Trauma repetitivo. mentos ativos e passivos) um achado frequente e, em casos
mais graves, refletem um comprometimento maior da ar-
„„ Pressão mecânica extrínseca exercida pelo arco cora- ticulação glenoumeral e, às vezes, resulta em ruptura con-
coacromial. sequente à degeneração do manguito rotador ou capsulite
Diagnóstico clínico adesiva secundária (14% dos casos).
7. A amplitude mais comprometida é a da rotação interna
O diagnóstico da síndrome dos rotadores é fundamentado e da adução cruzada anteriormente ao tronco, mas não é
na sua apresentação clínica e em testes específicos irritativos infrequente a limitação da abdução e rotação externa. Em
ou funcionais, e os exames complementares de imagem são in- geral, estas duas condições são antálgicas.
dicados apenas para confirmar a hipótese diagnóstica. A seguir 8. As mulheres, por exemplo, queixam-se com frequência de
encontram-se as características e o seu grau de importância: que não conseguem fechar roupas “por trás das costas”
1. Dor, caracteristicamente na face anterolateral do ombro, (abotoar sutiãs etc.), nem pentear-se. De modo geral, os
com irradiação para o braço, em geral para a região corres- movimentos ativos são mais dolorosos que os passivos,
pondente à inserção do deltoide. mas a elevação passiva do membro superior acima do nível
da cabeça pode produzir dor e crepitação subacromial.
2. Sensação de peso no membro superior. Exacerbação da
dor com exercícios é mais frequente com exercícios e/ou A atrofia do deltoide pode ocorrer nos casos de duração
determinados movimentos, principalmente o de elevação mais longa, do mesmo modo que a fraqueza por desuso dos
do membro superior em abdução acima da linha da cabe- músculos do manguito rotador. Nos casos mais extremos pode
ça, entre 60 e 120°, sendo crítica ao redor dos 90° e mais ser resultante da ruptura do manguito, que interfere com o
amena abaixo e acima disso (arco doloroso). funcionamento normal do deltoide, na medida em que o início
3. Muitos pacientes, entretanto, sentem dor nas mais varia- da abdução esteja prejudicado. Os testes clínicos dirigidos são
das posições, inclusive em repouso, muitas vezes à noite, úteis para complementar o diagnóstico.29-34
interferindo com o sono, cuja intensidade depende da gra- O teste de Neer permite avaliar a força de abdução do su-
vidade do quadro inflamatório da bursa e dos tendões. praespinhoso. O teste de Patte serve para avaliar o comprome-
4. Queixas de dor na face anterior do ombro também são timento do infraespinhoso (rotador externo); se houver dor ou
frequentes, em geral em decorrência do tendão da porção fraqueza, poderá haver tendinite ou ruptura do supraespinho-
longa do bíceps e da sua passagem pela corredeira bicipital, so, respectivamente Figura 22.11. O teste de Hawkins serve
onde pode haver alterações osteofíticas na cabeça do úmero para avaliar a integridade tanto do supraespinhoso como do
com compressão desse tendão, levando à tendinite e até sua infraespinhoso.
posterior ruptura – Sinal de Popeye.* (Figura 22.10) No teste de Gerber, realizado com o ombro em completa
5. No início, o processo é extra-articular, não sendo sua ca- rotação interna e o antebraço no dorso, o paciente faz o esfor-
racterística a limitação dos movimentos ativos e passivos ço de empurrar a mão do examinador; é específico para avaliar
do ombro decorrentes do pinçamento subacromial nessa a integridade do subescapular. Geralmente, o acometimento
maior é do supraespinhoso, onde os testes de Neer e de Jobe
* Popeye: personagem de desenho animado. são positivos; os demais testes trazem informações adicionais

Ombro 367
sobre o estado dos demais componentes do manguito e devem cidos moles (tendões, ligamentos, bursas, músculos)”. Desta
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

ser realizados também de rotina. forma, é obrigatório que o médico solicitante de tais exames
conheça a força e a fraqueza das diversas técnicas de imagem,
sendo absolutamente necessário que o clínico transmita ao
radiologista informações clínicas que permitam a este profis-
Ruptura do supraespinhal sional realizar um exame de qualidade e uma adequada inter-
pretação.43
Desta forma, é fato conclusivo que exames de ultrassom
e quaisquer outros métodos de imagem, isoladamente, sem
clínica compatível, são destituídos de valor diagnóstico. Logo,
os achados de espessamentos, rupturas parciais ou totais do
tendão do supraespinhoso, e outras alterações anatômicas
descritas em laudos, não nos permite concluir que o paciente
realmente o tenha, se o exame não foi feito por mãos experien-
tes e aparelho adequado.

„„ CONSIDERAÇÕES SOBRE O ULTRASSOM


COMO PROVA EM PERÍCIAS JUDICIAIS
“A qualidade da documentação pelo Ultrassom, que deve
ser obtida por um operador (médico), está diretamente ligada
à qualidade do aparelho usado. Equipamentos top (alta quali-
dade) para o US do sistema musculoesquelético deve incluir:
um conjunto de sondas que cubram uma larga frequência (de
5 a mais de 20 MHZ) e um Doppler colorido, potente e sensível
que tenha facilidades para uma visão mais ampla e imagens
em três dimensões.”
“Todos estes requisitos para uma adequada exploração
pelo US depende da experiência do operador (médico) em co-
Figura 22.11 Ruptura total do tendão do supraespinhoso. locar corretamente a sonda e ajustar o equipamento. O feixe
de ultrassom deve ser perpendicular em relação às estruturas
que precisam ser examinadas de tal forma que evitem a pre-
sença de artefatos (imagens fantasmas). Uma mínima mudan-
ça na inclinação do transdutor pode fortemente influenciar
„„ EXAMES COMPLEMENTARES (negativamente) as características da imagem do ultrassom.
Cada estrutura anatômica deve ser explorada em, pelo menos,
O exame clínico é complementado por radiografias con- dois planos, “ponto por ponto.”
vencionais, ultrassom e, quando necessário, e, eventualmente, Enquanto a recente viabilidade e a boa relação custo/be-
por ressonância magnética. nefício favorece a propagação do US, a longa curva de apren-
As radiografias convencionais devem preceder as duas úl- dizado representa o principal obstáculo para o seu rápido e
timas, pois podem fornecer informações sobre a diminuição completo sucesso.44
da distância entre o acrômio e o úmero (menor que 7 mm) Para mais detalhes sobre este método ver capítulo 8: Ul-
ocasionada pela ascensão da cabeça do úmero nas lesões ma- trassom em Reumatologia.
ciças do manguito rotador. Outros achados são: arredonda-
mento da tuberosidade maior, causada pelo impacto contra
o acrômio ou um esporão, alterações císticas ou esclerose na „„ RESSONÂNCIA MAGNÉTICA
área da tuberosidade maior, osteófitos e esporões na articula- A Ressonância Magnética (RM) é o exame padrão-ouro
ção acromioclavicular, calcificações ligamentares e tendinosas para as avaliações do ombro doloroso, embora de alto cus-
e formato do acrômio.42 to (quatro a cinco vezes maior), porém é muito mais espe-
A ultrassonografia, por ser de baixo custo, é o exame de es- cífico e de grande valor preditivo quando comparado com
colha para avaliação das partes moles do ombro, sendo capaz de o ultrassom. As imagens são mais precisas e de mais fácil
mostrar a maioria das lesões. No entanto, para que isso ocorra, visualização (Tabela 22.1). A sensibilidade e especificidade
é imperativo que o examinador tenha conhecimentos profun- para imagem de lesões do manguito rotador estão acima de
dos e grande experiência com o método. A ultrassonografia, 90%, sendo que a artrorressonância (injeção de contraste)
demonstra a existência de aumento ou diminuição da espessu- proporciona ainda uma melhora nestes índices, importantes
ra do manguito, rupturas, coleções líquidas intrabursais, intra- para o diagnóstico final.
-articulares e peritendinosas (porção longa do bíceps) (Figura A RM permite avaliar as lesões dos tendões, o líquido atra-
22.10) depósitos calcários e outras. vessando a descontinuidade do tendão, o grau de retração da
Apesar disso, há equívocos que cercam os exames de ima- lesão, a quantidade de fragmentos de tendões remanescentes,
gem, segundo afirmou o professor Philip W.P. Bearcroft da alterações ósseas e o grau de degeneração gordurosa. A de-
Universidade de Cambridge: “não existe nenhuma técnica de generação gordurosa é detectada em sequências sagitais oblí-
imagem que seja uma panaceia para todas as doenças dos te- quas, permitindo analisar o grau de preenchimento da fossa

368 Tratado Brasileiro de Reumatologia


do tendão do supraespinhoso. Quanto maior o grau de degene-

„„ CAPÍTULO 22.1
ração gordurosa, menor o grau de preenchimento. Esta análise
permite um prognóstico em relação à função do músculo. Um
tendão lesado com grande degeneração gordurosa, mesmo re-
parado, dificilmente terá força para permitir a realização de
uma função normal.24,41,45-49

Características gerais das imagens obtidas pela RM


nas doenças do aparelho locomotor

Tabela 22.1 Rotina das sequências na ressonância magnética


em geral, aplicáveis também às articulações do ombro.
T1 imagem coronal spin-eco oblíqua Detalhes anatômicos do osso e
cartilagem, fraturas e osteonecrose

STIR, T2 ou DP* imagem coronal Lesões musculares, tendinosas,


oblíqua com supressão de gordura doença discal, edema ósseo,
derrames articulares, abscesso,
tumores

STIR, T2 ou DP* imagem sagital Lesões musculares, tendinosas,


oblíqua com supressão de gordura edema ósseo, derrames articulares,
abscessos e tumores (Pancoast,
mielomas etc.)
Figura 22.12 RM coronal oblíquo em T2 com saturação de gor-
STIR, T2 ou DP* imagem axial com Lesões musculares, tendinosas, dura demonstrando ruptura transfixante (setas) do tendão do su-
supressão de gordura doença discal, edema ósseo, praespinhoso (s).
derrames articulares, abscesso,
tumores

2 3 4
3
1 1
5
2 4

8 5
8 6

9 7
6 10 9 7

11

1. Músculo trapézio 6. Cabeça do úmero 1. Músculo trapézio 7. Cabeça do úmero


2. Clavícula 7. Glenoide 2. Clavícula 8. Músculo supraespinhal
3. Tendão supraespinhal 8. Músculo supraespinhal 3. Articulação acromioclavicular 9. Glenoide
4. Músculo deltoide 9. Músculo subescapular 4. Clavícula 10. Músculo subescapular
5. Tuberosidade maior do úmero 5. Tendão supraespinhal 11. Músculo redondo maior
6. Tuberosidade maior do úmero

Figura 22.13 Imagens RM em T1 e T2.

Ombro 369
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

A B

Figura 22.14 Imagem de RM em coronal oblíquo T2 (A) e sagital oblíquo em T2 (B) com gordura saturada demonstrando ruptura total
justainsercional (setas) do tendão do supraespinhoso (SST). Tuberosidade maior do úmero (GT).

Figura 22.15 Imagem de RM em sagital oblíquo T1 mostrando Figura 22.16 Imagem de RM em axial T2 com saturação de gor-
atrofia e lipossubstituição (degeneração) dos músculos do su- dura mostrando ruptura transfixante do infraespinhal (seta).
praespinhoso (ponta de seta) e do infraespinhoso (seta branca).
Músculo subescapular (SSC).

„„ ETIOLOGIA E DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL DA Geralmente, as causas podem ser diferenciadas entre si


SÍNDROME DA COIFA DOS ROTADORES (intrínsecas) e as outras afecções adjacentes (extrínsecas) e
até mesmo de outras regiões distantes da referida articulação.
Do ponto de vista teórico, o diagnóstico diferencial da sín- No que concerne às tendinites e peritendinites, inclusive a
drome do pinçamento do manguito rotador, principalmente do tendinite calcárea aguda, pode acometer indivíduos sem que
supraespinhoso, abarca todas as causas de dor e incapacidade tenham tido história anterior de pinçamento.
funcional do ombro, sejam elas ósseas, tendíneas, infecciosas, No entanto, o referido pinçamento e suas consequências
tumorais e traumáticas. imediatas ou não podem se desenvolver, posteriormente, em

370 Tratado Brasileiro de Reumatologia


decorrência do aumento de volume do tendão. Além das cau- Nestes casos, além da dor, pode haver impotência funcional

„„ CAPÍTULO 22.1
sas acima citadas, podem ocorrer estiramentos e rupturas do ombro e, mesmo, um pinçamento associado do manguito
parciais do supraespinhoso, como resultado de atividades rotador, pela fraqueza ou paralisia dos músculos depressores
esportivas forçadas (overuse), que são mais prevalentes em da cabeça umeral (supraespinhoso e infraespinhoso).
indivíduos mais jovens, cuja característica principal é serem
dolorosas à movimentação ativa resistida e/ou ao alongamen-
to passivo forçado do tendão. Então, pode-se resumir nos se- „„ TRATAMENTO CLÍNICO E CIRÚRGICO
guintes estágios do acometimento das estruturas da síndrome
do manguito rotador: Tratamento clínico
„„ Tendinites com ou sem espessamentos. O tratamento da síndrome do pinçamento do manguito ro-
„„ Tendinites calcárias ou calcificações. tador depende da fase evolutiva da doença, da intensidade dos
„„ Tendinites assintomáticas apesar das calcificações. sintomas e dos achados dos exames complementares. O trata-
„„ Pinçamentos em decorrência do aumento de volume mento clínico pode ter resultado positivo nas fases 1 e 2, mas,
do tendão. com certeza, não na fase 3; do mesmo modo, a resposta ao
tratamento clínico costuma ser muito boa nos casos agudos,
„„ Acometimentos de outras estruturas (peritendinites).
às vezes precipitados por um traumatismo ou por traumatis-
„„ Estiramentos e rupturas parciais por uso excessivo. mos repetitivos. Nos casos crônicos, o tratamento conservador
„„ Bursite subacromial aguda ou não. adequado com corticosteroides por via oral ou por infiltrações
pode resolver na maioria dos casos.
A bursite subacromial é um indicativo forte de pinçamen-
to do supraespinhoso em quaisquer condições e resultado No entanto, sintomas muito intensos e de longa duração,
final do processo patológico. com intensa limitação dos movimentos, apesar de longos perío-
dos de tratamento clínico adequado, mesmo assim a indicação
do tratamento cirúrgico deve ser analisada com muita cautela.
„„ DOENÇAS SISTÊMICAS E DE ESTRUTURAS
PERIARTICULARES ADJACENTES
Tratamento cirúrgico
Além da bursite subacromial, outras condições patológicas
podem acometer a articulação do ombro, a saber: Ausência de melhora na fase 2 de Neer, mesmo que os
„„ Artrite reumatoide. achados radiográficos não denunciem a presença de um es-
porão subacromial e/ou de ruptura do manguito; nesses
„„ Espondiloartrites.
casos, o principal fator de pinçamento pode ser o ligamento
„„ Gota. coracoacromial, cuja liberação cirúrgica da sua origem na face
„„ Infecções como tuberculose, bursite piogênica, Aids. anteroinferior do acrômio promove a melhora do quadro. O
„„ Bursite piogênica decorrente de infiltrações com mate- achado radiográfico de acrômio do tipo III ou de esporão suba-
rial mal esterilizado. cromial, alterações degenerativas no tubérculo maior do úme-
„„ Instabilidade glenoumeral em atletas. ro ou na face inferior do acrômio e artrose acromioclavicular,
„„ Pinçamento por frouxidão capsuloligamentar com e o achado ultrassonográfico ou da ressonância magnética de
subluxação anterior.
„„ Artrose (osteoartrite, termo atual).
„„ Capsulite adesiva (ombro congelado).
„„ Artrose acromioclavicular pós-traumática, com osteó-
fitos inferiores pressionando o manguito.
„„ Tendinite da porção longa do bíceps, na sua passagem
pela corredeira bicipital (esta última tem um quadro
clínico semelhante ao do pinçamento, mas o exame clí-
nico cuidadoso faz a diferença e mostra que a dor está
centrada mais anterior e inferiormente).
„„ Sinovite vilonodular pigmentada.

Causas extra-articulares (extrínsecas)


„„ Destaca-se a radiculopatia cervical, produzindo uma
cervicobraquialgia, com dor irradiada para o ombro
quando o acometimento é das raízes C5 e C6.
„„ Neurite braquial do plexo braquial (“plexite”) com aco-
metimento do nervo supraescapular por compressão
ou irritação do nervo supraescapular, quando de sua
passagem pela chanfradura supraescapular na borda
Figura 22.17 Radiografia em AP do ombro direito com lesão crô-
superior da escápula. nica do manguito rotador caracterizada por ascensão da cabeça
„„ Síndrome do desfiladeiro torácico. do úmero em relação à glenoide.

Ombro 371
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

Figura 22.18 Hemiartroplastia e prótese total reversa para o tratamento de lesão irreparável do manguito rotador (artropatia do manguito).

diminuição da espessura ou de rupturas, mesmo parciais do A patologia da tendinite, segundo Neer, tem três estágios
manguito, levam à indicação primária de tratamento cirúrgico evolutivos (Marc Hocheberg),50 a saber:
da síndrome, mesmo que os sintomas não sejam exuberantes.
Esses achados indicam que a síndrome provavelmente não vai „„ Estágio I: edema e hemorragia do tendão.
regredir com o tratamento clínico, podendo chegar à ruptura „„ Estágio II: fibrose da bursa subacromial e tendinite da
maciça do manguito, sendo que a reconstrução cirúrgica do coifa dos rotadores.
manguito maciçamente rompido é um procedimento muito „„ Estágio III: degeneração do tendão, alterações ósseas
difícil, às vezes impossível, com grande potencial de compli- no acrômio, na cabeça do úmero e uma eventual ruptu-
cações e sequelas incapacitantes. Portanto, que a indicação de ra parcial ou tendão.
tratamento cirúrgico seja antes precoce que tardia. Desta for-
ma, a referida indicação pode ser feita quando o paciente entra O primeiro estágio é consequência dos depósitos de cristais
em um patamar em que o tratamento clínico não progride des- de cálcio que se rompem na bursa que cobre o tendão do su-
de que a intensidade dos sintomas o justifique. praespinhoso. Os cristais de cálcio em contato com a bursa que
Os resultados do tratamento cirúrgico da descompressão é virtual provocam uma inflamação, fazendo com que ela seja
do manguito rotador costumam ser compensadores, com cer- efetivamente real, daí a denominação de bursite, muito preva-
ca de 90% entre excelentes e bons. Nos 10% restantes, apesar lente na população. Este é o sítio mais comum das afecções do
da persistência dos sintomas, não costuma haver grande pre- manguito rotador. Tais depósitos cálcicos variam de consistên-
juízo funcional. Recidivas ocorrem em torno de 30%. Estudos cia, desde a mais pastosa até a mais densa. A primeira descrição
comparativos recentes revelam taxas similares de cicatrização dos depósitos intrabursais foi feita em 1907 por Painter.51
após reparo aberto e artroscópico, com exceção das lesões Em 1934, Codman descreveu a localização dos depósitos
grandes, retraídas e crônicas. nos tendões do manguito rotador, mais precisamente na inser-
ção do supraespinhoso, que ele denominou de zona crítica.52
„„ TENDINOSE* E TENDINITE** CALCÁREA DO
MANGUITO ROTADOR Epidemiologia
A tendinite calcárea do ombro é uma doença muito preva- As tendinites e as tendinoses do manguito rotador acome-
lente na população em geral, caracterizada pela formação de tem mais mulheres na proporção de 3:1 em relação aos ho-
depósitos de cálcio (hidroxiapatita) nos tendões ainda indenes mens.53,54
do manguito rotador. São incomuns na adolescência e nos idosos, e a faixa etária
mais acometida está entre os 30 e 50 anos. O acometimento bi-
lateral varia de 13 a 24%, sendo mais comum o acometimento
* Tendinose é o processo degenerativo do tendão que pode, geral-
mente, ser assintomático durante a evolução da doença de base. unilateral, o lado direito.54 As pessoas que executam serviços
**Tendinite é o processo inflamatório, sintomático, decorrente da ten- leves ou aquelas com vida sedentária parecem ser mais pro-
dinose. pensas a desenvolver tendinite calcária.

372 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Não existe uma nítida relação com atividade esportiva na faixa etária, muitas vezes, a radiografia simples é o único

„„ CAPÍTULO 22.1
ou profissional.53,55 O tendão do músculo supraespinhal é o exame complementar necessário.
mais acometido.55 A Figura 22.20 mostra o processo evolu- A tendinite calcárea pode se apresentar de duas formas ao
tivo da tendinite calcárea que é precedida por uma metapla- raio x,54,55,58 a primeira forma característica do período de sua
sia da fibrocartilagem; posteriormente ocorre a calcificação formação, as imagens apresentam margens bem-definidas,
que se manifesta por uma dor moderada nesta fase. A cal- com aspecto do depósito regular, homogêneo e maior densi-
cificação ocorre no local de inserção do tendão supraespi- dade. A outra forma, característica do período de reabsorção,
nhoso. as imagens apresentam margens maldefinidas, e matriz com
aspecto semelhante a nuvem (Figura 22.19).60
Quadro clínico
A
Dor é o principal sintoma das tendinites calcárias. A sua
intensidade depende da fase clínica da doença.
Uma característica atípica da tendinite calcárea é que o pe-
ríodo crônico antevê a fase aguda. A fase crônica corresponde
ao período de formação. O paciente apresenta dores de leve
intensidade e, na maioria das vezes, os depósitos de cálcio são
um achado radiográfico.56
A dor aguda é característica da fase de reabsorção e pode
ser explicada pelo aumento do volume intratendíneo em virtu-
de da proliferação celular. Nesta fase, o paciente apresenta dor
que é de forte intensidade e incapacitante, aumentando muito
durante o repouso. Dessa forma, o quadro doloroso se inicia na
fase crônica e termina na fase aguda.57,58
Segundo Neer,59 a dor tem uma evolução originada por epi- B
sódios diversos:

„„ O edema local produz tensão no tecido tendinoso.


„„ A bursa espessada.
„„ O músculo edemaciado pode ter um quadro semelhan-
te à síndrome do impacto, em virtude da fibrose cau-
sada pela irritação química que o cálcio promove no
tecido muscular.

„„ EXAMES DE IMAGENS
Radiografia simples
A radiografia simples deverá ser solicitada em todos os ca-
sos em que se investiga a dor decorrente de alterações dentro Figura 22.19 Tendinopatia calcária do manguito rotador. Radio-
grafias em AP de ombro demonstrando depósito cálcico em topo-
do espaço subacromial. Em pacientes com quadro clínico, nos
grafia do tendão supraespinhoso em fase de formação (A) e em
quais suspeitamos de tendinite calcária, e que se enquadram
fase de reabsorção (B).

Estágio pós-calcificação (dor leve) Estágio pré-calcificação (sem dor)


(reconstrução tendínea) Metaplasia da fibrocartilagem

Tendão normal

Fase de reabsorção (dor forte) Fase de formação


(calcificação com consistência) (dor moderada)

Fase de repouso (dor leve)


Estágio de calcificação

Figura 22.20 Evolução da tendinite.

Ombro 373
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

Impulso doloroso Cérebro


Resultado:
queimação, dor
e inchaço
Resposta
do sistema
simpático

Tem início o
ciclo da injúria
(lesão)

Espasmo
vascular
aumenta a dor

Figura 22.24 Síndrome ombro-mão (ver detalhes no Capítulo 23).

„„ Dor difusa com irradiação para a parte ulnar da mão


pode ser causada pela compressão de vasos e nervos
pelo músculo escaleno.
„„ Dor referida dos músculos do pescoço pode se apre-
sentar como dor no ombro e cefaleia.
„„ Dor referida de sítios que não o ombro (pescoço, tórax,
pulmão, diafragma e vesícula biliar), geralmente não
piora com os movimentos do ombro.
„„ Quando a dor é crônica, há frequentemente discrepân-
cia entre os sintomas e o exame físico.
„„ Escute o paciente, não faça um ditado da história dele.
„„ A história DEVE ser dirigida PARA os problemas do pa-
ciente.
„„ Verifique os sinais de alerta vermelhos e amarelos que
permitam fazer um exame clínico sistematizado e que
ofereça informações relevantes. Figura 22.25 A movimentação passiva da articulação glenoume-
„„ Observe, com cuidado, como o paciente se veste e des- ral é examinada fixando a escápula entre o polegar e o indicador,
veste. estabilizando-a quando se faz a abdução do ombro (braço).
„„ Observe se o posicionamento do ombro é anormal, se
existem atrofia muscular e tumorações. „„ Fraqueza da rotação externa e fraqueza do supraespi-
„„ Sempre compare os dois ombros ao examinar os mem- nhoso em abdução e impacto indica ruptura da coifa
bros superiores. dos rotadores.
„„ Em doentes que têm amplitude ativa de movimento „„ Um sinal de apreensão positivo sugere o comprometi-
restrita, deve-se examinar a amplitude dos movimen- mento do complexo capsular/labral na escala extrema
tos de abdução e rotação externa passiva da articula- de movimento em que o atleta está jogando (Figura
ção glenoumeral (Figura 22.25) 22.27). Ausência de sintomas na recolocação fortalece
esta suspeita.
„„ O desencadeamento da dor e a aferição da força mus-
cular devem ser examinados por testes isométricos ex- „„ Inibição da dor após a injeção de lidocaína na bursa su-
cêntricos. A força muscular é influenciada pela dor, por bacromial indica dor subacromial.
lesão nervosa e ruptura de tendões. „„ O teste de Crank deve ser realizado quando a dor em
„„ (Sinal do impacto (choque) positivo sugere que a dor abdução/rotação externa em um atleta não é aliviada
é decorrente de bursite subacromial, estando o movi- por injeção e o sinal de apreensão é negativo (Figura
mento glenoumeral normal (Figura 22.26). 22.28).

376 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 22.1
Figura 22.26 Sinal de Neer. O sinal de Neer ou sinal de impac-
to é pesquisado com o paciente sentado e o examinador estando
em pé. A rotação da escápula é estabilizada com a mão do exami-
nador, enquanto a outra mão levanta o braço fazendo com que a
grande tuberosidade seja comprimida contra o acrômio. Ela tam-
bém causa dor em outras condições dolorosas do ombro. No caso
de compressão decorrente desta manobra, a dor pode ser aliviada
pela injeção de xilocaína debaixo da porção anterior do acrômio.

Figura 22.28 Teste de Crank.

„„ Os anti-inflamatórios não hormonais são efetivos a


curto prazo, os corticosteroides orais e injetáveis intra-
-articulares são mais eficientes a curto e médio prazos,
dependendo da causa principal da capsulite adesiva.
„„ Não existem evidências de que a fisioterapia seja
eficiente.
„„ Os exercícios supervisionados passivos no início e depois
ativos, foram superiores em um estudo randomizado.
„„ A cirurgia é igual ao placebo em pacientes com a sín-
drome de impacto dos rotadores.
„„ Programas de exercícios e conselhos devem levar em
Figura 22.27 Teste para instabilidade anterior do ombro. conta o conhecimento sobre a biomecânica do ombro, o
tecido colágeno, a biomecânica do ombro e a intervenção.

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378 Tratado Brasileiro de Reumatologia


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Ombro 379
22.2

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin  Marco Aurélio Sertório Grecco

Cotovelo
As doenças dos cotovelos são bastante prevalentes na prá- „„ CONSIDERAÇÕES ANATÔMICAS
tica clínica, principalmente nas especialidades que atuam no
aparelho locomotor. O epicôndilo lateral é o ponto mais proeminente da face
lateral do cotovelo, sendo o local de origem dos músculos
O cotovelo é uma articulação semelhante a uma dobradiça,
extensor radial curto do carpo, extensor comum dos dedos,
que funciona como uma polia, com a finalidade de fazer a fle-
extensor próprio do dedo mínimo e extensor ulnar do carpo,
xão, rotação, pronação e a supinação do antebraço. Além disso,
que se originam de um tendão comum aos quatro retrocitados.
uma outra importante função é prover alguns movimentos,
principalmente os de pinça entre o polegar e os outros dedos O extensor radial longo do carpo, que segue trajeto para-
da mão. Tendinites, bursites, gota, apofisites e neurites são as lelo e exerce a mesma função do extensor curto, origina-se da
condições patológicas que acometem esta articulação. Duas crista supraepicondílea e não participa diretamente da doen-
são as mais prevalentes: a epicondilite lateral e a medial. ça. O ancôneo se origina também da crista supraepicondilar,
entre a origem do extensor radial longo e o epicôndilo, abrin-
do-se em leque e inserindo-se na crista dorsal do olécrano;
„„ COTOVELO – EPICONDILITE LATERAL tanto o ancôneo como o extensor comum dos dedos têm pouco
ou nenhum envolvimento na epicondilite lateral.4
Introdução
Ao nível do cotovelo, o nervo radial passa entre os múscu-
A Epicondilite Lateral do Cotovelo é também conhecida los braquial e braquiorradial, dividindo-se nos ramos sensitivo
como “cotovelo do tenista”. Atualmente, esta denominação é radial superficial, que trafega por baixo do braquiorradial, e o
incorreta, pois é encontrada em outras categorias profissio- interósseo posterior, que passa por baixo da arcada de origem
nais. A primeira referência a esta doença é atribuída a Runge, do músculo supinador (arcada de Fröhse), local onde pode
em 1873,1 mas a denominação de lawn tennis arm (“braço do sofrer compressão mecânica, e que dá origem à síndrome do
tênis de grama”), que originou o tennis elbow (“cotovelo do te- nervo interósseo posterior (Figura 22.29).
nista”), deve-se a Morris, que publicou um trabalho sobre esta A epicondilite lateral do cotovelo acomete a origem do
doença no Lancet, em 1882,2 embora Major, no ano seguinte, músculo extensor radial curto do carpo e, às vezes, a borda
também tenha publicado um trabalho especificamente com a anterior do extensor comum dos dedos e a face profunda do
denominação de lawn tennis elbow.1 O fato é que a denomina- extensor radial longo do carpo, tendo todos uma estreita vizi-
ção de “cotovelo do tenista” acabou por designar uma série de nhança de uns com os outros. São doenças correspondentes à
doenças do cotovelo, tornando-se pouco específica, sendo me- epicondilite lateral do cotovelo. A epicondilite medial (golfer’s
lhor a denominação de epicondilite lateral do cotovelo, que é elbow, ou cotovelo do jogador de golfe), é decorrente do aco-
mais específica, embora ainda haja controvérsias sobre a exis- metimento da origem dos músculos pronador redondo e flexor
tência de processo inflamatório na gênese da doença. superficial dos dedos no epicôndilo medial. Outra condição
Apesar de ter sido inicialmente descrita em tenistas, a patológica é a apofisite olecraniana, que acomete a inserção do
doença é muito mais prevalente em pessoas que não prati- músculo tríceps no olécrano. Esta condição é muito rara. Essas
cam o tênis ou mesmo qualquer outro esporte, acometendo três doenças compõem um conjunto que é chamado de “co-
na mesma proporção homens e mulheres. Todavia, pelo me- tovelo do tenista, de jogador de golfe e apofisite olecraniana”.
nos metade dos tenistas são acometidos por ela, pelo menos
uma vez na vida, com sintomas que duram entre seis meses Etiologia
e dois anos e meio. Esta condição patológica não é exclusiva
dos tenistas, podendo estar presente em praticantes de outras O principal fator etiológico parece ser o uso exagerado do
modalidades esportivas (nadadores, praticantes de esportes membro superior em atividades que demandam um esforço
de arremesso), bem como operários que façam uso forçado do excessivo dos extensores radiais do carpo, como ocorre em
antebraço (carpinteiros, encanadores, açougueiros).3 uma série de atividades esportivas, como o tênis, e em profis-

381
Síndrome do túnel do carpo.
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

„„
„„ Tenossinovite estenosante dos flexores dos dedos.
1
„„ Doença de De Quervain, e outras.
2
É importante salientar que os exames complementares de
atividade inflamatória e outros específicos de doenças reumáti-
cas, autoimunes ou não, são absolutamente normais. Esses qua-
6 7 dros são frequentemente bilaterais e se devem, provavelmente,
3 a algum fator predisponente constitucional, de fundo genético,
caracterizando a chamada síndrome mesenquimal (Nirschl,
4 1969), cuja real existência ainda não está comprovada.9
5
Apresentação clínica
A B O quadro clínico, em geral, surge de forma espontânea, e os
sintomas vão aumentando gradativamente. São raros os casos em
que os sintomas se iniciam subitamente, e quando o fazem são
consequência de algum traumatismo.
As queixas são quase sempre de dor na face lateral do co-
tovelo, às vezes irradiando para o antebraço; o processo álgico
melhora com repouso e piora com determinados movimentos.
Nem sempre é possível precisar com segurança quais são
os movimentos desencadeadores da dor, sendo a preensão for-
çada de objetos a queixa mais comum deste fato, muitas vezes
precipitando dor à queda de objetos. Em decorrência disso,
o desempenho das atividades diárias do cotidiano pode ficar
prejudicado e, com o tempo, se o processo patológico não for
adequadamente tratado, pode levar à incapacidade.4
Ao exame clínico, apesar de existir uma inflamação na
C D gênese do processo patológico, o edema do local se houver é
discreto, senão até imperceptível. Pode haver, na maioria das
vezes, dor à palpação em toda a face lateral do cotovelo, mas o
Figura 22.29 Anatomia do cotovelo. (A) Vista posterolateral, ponto de dor mais intensa é sobre o epicôndilo.
mostrando o epicôndilo (círculo) e os músculos braquiorradial
(1), extensores radiais longo (2) e curto (3) do carpo; extensor co- Em alguns casos, pode haver dor também na musculatura dos
mum dos dedos e próprio do mínimo (4), extensor ulnal do carpo extensores do punho anteriormente e no exato ponto correspon-
(5) e ancôneo (6). (B) Vista posterolateral, com a ressecção dos dente à passagem do nervo interósseo posteriormente. Os testes
extensores, mostrando o músculo supinador, com o nervo interós- específicos são os da extensão contra resistência do punho e o da
seo posterior emergindo de sua borda distal. (C) Vista anterior, extensão forçada do cotovelo, com o punho em completa flexão,
mostrando os músculos do epicôndilo medial. (D) Vista ante- mantida esta pela mão do examinador (Figura 22.30).3,8
rior, com a ressecção dos músculos flexores, mostrando o ner- Portanto, o diagnóstico da epicondilite lateral do cotovelo
vo radial (seta) e seus ramos sensitivo superficial e interósseo é feito muito mais com base nas queixas e no exame físico, e
dorsal, imergindo por baixo do supinador (arcada de Fröhse). muito menos em exames complementares. Ao exame clínico,
além da palpação da região, para delimitação dos pontos de
sionais, como o carpinteiro e o marceneiro, especialmente em dor, devem ser realizados os testes específicos.
indivíduos com estrutura musculoesquelética frágil. Os testes específicos são descritos abaixo:3,6,8,10
Dessa forma, a sobrecarga muscular impõe um torque
excessivo à origem do extensor radial curto do carpo, sobre a) O teste de Cozen é realizado com o cotovelo em 90° e o an-
o qual incide uma sequência de microtraumas, provavelmen- tebraço em pronação. Solicita-se ao paciente que realize a
te causando microarrancamentos e microrrupturas. A idade extensão ativa do punho contrarresistência que é imposta
pode, também, ser um fator causal, visto que a doença é muito pelo examinador. O teste será positivo se o paciente referir
mais prevalente entre os 35 e 50 anos de idade, coincidindo dor na origem da musculatura extensora do punho e dor
justamente com a faixa de maior atividade profissional e com no epicôndilo lateral.6,7,10,11
o início do envelhecimento, ocasião em que as estruturas mus- b) Teste Milch é realizado com o punho em dorsiflexão e o co-
culoesqueléticas se tornam menos preparadas para resistir tovelo em extensão. O paciente é orientado a resistir a uma
aos esforços físicos.5-8 força de flexão realizada pelo examinador. Se houver dor no
Dentre os pacientes com epicondilite lateral do cotovelo, epicôndilo lateral, o teste será considerado positivo.6,10,11
alguns parecem ter uma tendência ao desenvolvimento de ten- c) No teste da cadeira, é solicitado ao paciente para levantar
dinites em geral, podendo apresentar, ao longo da vida, quadros uma cadeira com uma das mãos, com o punho em flexão
sucessivos de outras síndromes ligamento-tendíneas, a saber: e o antebraço em pronação. Se houver dor no epicôndilo
lateral, o teste será positivo.3
„„ Tendinite dos manguitos rotadores. d) O teste de Maudsley é positivo se houver dor à extensão do
„„ Epicondilite lateral e medial dos cotovelos. dedo médio contrarresistência oposta pelo examinador.7,12

382 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 22.2
A B

D E

Figura 22.30 Testes clínicos para epicondilite lateral do cotovelo. (A) Teste de Cozen. (B) Teste de Mill. (C) Teste da “xícara de café”. (D)
Teste da cadeira. (E) Teste de Maudsley.

e) Dor no epicôndilo lateral ao levantar uma xícara de café melhante ao de granulação, ricamente vascularizado, que foi
cheia, seria patognomônico de epicondilite lateral de acor- descrito por Nirschl, em 1979, como uma hiperplasia angio-
do com Coonrad.13 fibroblástica.
No entanto, outros autores descreveram tais achados na
Histopatologia histopatologia como simplesmente um tecido cicatricial, dada
a proliferação mesenquimal observada.14 A intensidade e o
O exame macroscópico no intraoperatório mostra a pre- volume desse tecido, que pode infiltrar os tecidos conectivo,
sença de um tecido acinzentado, homogêneo, edematoso e muscular e adiposo vizinhos, parece ser proporcional ao tem-
friável no local de origem do extensor radial curto do carpo, com po de duração da doença. O tecido tendinoso adjacente, não
as mesmas características vistas em outras doenças, como a do invadido pela hiperplasia angiofibroblástica, é hipercelular, de
pinçamento do manguito rotador, a tendinite do tendão calcâ- aspecto degenerado e microfragmentado.
neo e a fasciite plantar.
A ruptura parcial espontânea da origem do tendão do ex- Exames complementares
tensor radial curto do carpo acometido é observada em cerca
de 30% dos casos. O exame histopatológico desse tecido mos- Radiografias convencionais do cotovelo podem ser úteis em
tra um desarranjo da estrutura dos feixes de fibras colágenas, mostrar alguma patologia articular ou calcificação de partes
com invasão desorganizada de fibroblastos e de um tecido se- moles na região do epicôndilo. Nirschl et al. encontraram calci-

Cotovelo 383
ficações ao redor do epicôndilo em 25% dos pacientes, sendo a (negativamente) as características da imagem do ultrassom.
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

frequência maior naqueles pacientes submetidos a infiltrações.15 Cada estrutura anatômica deve ser explorada em pelo menos
Pomerance (2002), em revisão de radiografias de pacien- dois planos, ponto por ponto.”
tes com diagnóstico de epicondilite, encontrou calcificações
Enquanto a recente viabilidade e a boa relação custo/bene-
em 7%, sendo que os achados radiográficos não influenciaram
fício favorece a propagação do US, a imprescindível exigência
no tratamento inicial. Concluiu que as radiografias são dispen-
de uma longa curva de aprendizado do operador representa
sáveis na avaliação inicial.16
o principal obstáculo para o seu rápido e completo sucesso.19
O ultrassom evidencia alterações de tecidos moles adjacen-
tes ao epicôndilo, como presença de líquidos e heterogenei- Diagnóstico diferencial
dade dos tendões.5,7 Este exame tem sua indicação discutível,
como se verá logo abaixo. Devem ser consideradas, primeiro, as possíveis alterações
intra-articulares, como a osteoartrite, às vezes até aquelas com
A ressonância magnética auxilia na exclusão de outras
corpos livres e a frouxidão ligamentar da região, as quais podem
doenças. Fornece imagens mais detalhadas das alterações te-
ocorrer em indivíduos com o mesmo perfil funcional daqueles
ciduais, mostrando a degeneração tendinosa e o acúmulo de
que, geralmente, apresentam a epicondilite lateral do cotovelo.
líquidos. O valor preditivo positivo e a sua especificidade são
muito baixos, sendo, portanto, de pouca valia para o diagnós- No primeiro caso (osteoartrite), as radiografias convencio-
tico final. Pode ser indicada nos casos de dúvida diagnóstica nais costumam mostrar as alterações comuns a outras articu-
ou para avaliação de estruturas ligamentares.17 A eletroneuro- lações e, no segundo caso (frouxidão), o exame clínico apurado
miografia pode ser útil para excluir uma neuropatia compres- pode esclarecer a situação. A compressão do nervo radial no tú-
siva na região (síndrome do túnel radial e síndrome do nervo nel radial e do nervo interósseo posterior na arcada de Fröhse,
interósseo posterior). como também a radiculopatia cervical por artrose, devem ser
também lembradas no diagnóstico diferencial. No entanto, os
Como foi aludido no capítulo referente ao ombro, nas epi-
sintomas e o exame físico, em geral, são diferentes.
condilites em virtude das suas peculiares características, é im-
perativo que o examinador tenha conhecimentos profundos e O exame clínico é indispensável, podendo ser complemen-
larga experiência. Tanto aqui como acolá (ombros) e apesar tado pela eletroneuromiografia, que se corretamente efetuada
disso, equívocos que cercam quaisquer exames de imagem, e bem interpretada é suficiente para evitar enganos. É impor-
segundo afirmou o professor Philip W.P. Bearcroft da Universi- tante lembrar que a associação com a compressão do nervo
dade de Cambridge: “Não existe nenhuma técnica de Imagem interósseo posterior é relativamente comum, sendo que o
que seja uma panaceia para todas as doenças dos tecidos mo- diagnóstico de um não exclui o outro.5,6,7,20
les (tendões, ligamentos, bursas, músculos). Desta forma, é
obrigatório que o médico solicitante de tais exames conheça a Tratamento
força e a fraqueza das diversas técnicas de Imagem, sendo ab-
solutamente necessário que o clínico transmita ao radiologista Firmado o diagnóstico, é útil enquadrar a referida epicon-
informações clínicas que permitam a este profissional realizar dilite lateral do cotovelo em uma das categorias propostas por
um exame de qualidade e uma adequada interpretação.”18 Nirschl (1992), que permitem a sistematização do tratamen-
Dessa forma, é fato conclusivo que exames de ultrassom e to.21
quaisquer outros de imagem, isoladamente, sem clínica com-
1. Quadro agudo, com dor de pequena intensidade após
patível, são destituídos de valor diagnóstico. Logo, os achados
atividades pesadas, que não interferem muito com as
de espessamento, rupturas parciais ou totais de tendão do
atividades rotineiras, e quando ainda não há invasão an-
supraespinhoso e quaisquer outros, as alterações anatômicas
giofibroblástica.
descritas em laudos, se o exame não foi feito por mãos expe-
rientes e equipamento adequado, não tem o menor valor que 1.1. Conduta. O processo doloroso é reversível, com rápida e
permita concluir que o paciente realmente o tenha. duradoura resposta ao tratamento clínico com anti-infla-
matórios não esteroides – os esteroides são muito mais
eficazes, mesmo em baixas doses.
„„ CONSIDERAÇÕES TÉCNICAS SOBRE O
1.2 O ultrassom terapêutico pode ter alguma eficácia, apenas
ULTRASSOM COMO PROVA DIAGNÓSTICA como procedimento coadjuvante.
“A qualidade da documentação do ultrassom que, deve ser 1.3 O afastamento das atividades pesadas é mandatório.
obtida por um operador (médico), está diretamente ligada à 2. Casos crônicos, com episódios de dor intensa após ativida-
qualidade do aparelho usado. Equipamentos top (alta qualida- des pesadas e mesmo em repouso, mas em que as ativida-
de) para o US do sistema musculoesquelético, devem incluir: des rotineiras ainda são possíveis.
um conjunto de sondas que cubram uma larga frequência (de
2.1 Já há invasão angiofibroblástica e a proliferação mesenqui-
5 a mais de 20 MHZ) e um Doppler colorido, potente e sensível
mal é irreversível.
que tenha facilidades para uma visão mais ampla e imagens
em três dimensões.”11 2.2 Ainda pode haver boa resposta com o tratamento clínico.
2.3 Não havendo resposta, o tratamento cirúrgico pode se tor-
“Todos estes requisitos para uma adequada exploração nar necessário.
pelo US dependem da experiência do operador (médico) em 3.1 Quadro de dor crônica, inclusive em repouso, com as ati-
colocar corretamente a sonda e ajustar o equipamento. O feixe vidades rotineiras sendo impossíveis de realizar, com in-
de ultrassom deve ser perpendicular em relação às estruturas vasão angiofibroblástica extensa, às vezes com ruptura
que precisam ser examinadas, de tal forma que evitem a pre- parcial ou completa do tendão.
sença de artefatos (imagens fantasmas). Uma mínima mudan- 3.2 Nesta situação, o tratamento cirúrgico é mandatório.
ça na inclinação do transdutor pode fortemente influenciar

384 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Tratamento clínico adicional, além dos procedimentos Uma boa evolução do processo é obtida, basicamente, pela

„„ CAPÍTULO 22.2
terapêuticos já indicados mudança das atividades que produzem esta condição patoló-
gica, como uso mais racional de ferramentas e equipamentos,
Injeções locais de corticosteroides (infiltrações) podem ser inclusive mais adequados à prática laboral. A utilização even-
úteis para reverter quadros agudos de dor, mas não devem ser tual de órteses pode ser benéfica.
repetidas mais do que três vezes no período de um ano, em vir- No caso da prática do tênis, o esportista deve utilizar-se não
tude do risco de lesão tecidual e ruptura do tendão.21 O medi- só de uma raquete de peso e empunhadura mais adequados,
camento deve ser injetado por baixo do tendão, logo abaixo e como também de encordoamento que produza pouca vibração,
lateralmente ao epicôndilo; se for injetado no tecido subcutâ- que é transmitida ao cotovelo; deve, acima de tudo, aprender a
neo, há o risco de atrofia subdérmica.11 bater na bola, sendo recomendável a intervenção de um instrutor.
A infiltração deve ser realizada no extensor radial curto do No caso de atividades profissionais, o emprego de ferra-
carpo, em um ponto logo anterior e discretamente distal ao mentas adaptadas ao esforço com o braço e o ombro, ao invés
epicôndilo lateral.10 de com o antebraço, e de ferramentas elétricas pode ajudar a
Existem poucos trabalhos controlados e randomizados solucionar o problema.
que possam ser utilizados como parâmetro para a decisão A órtese recomendada é a chamada banda do antebraço,
quanto à utilização de corticosteroides no tratamento da epi- que é uma faixa de material não elástico, dotada de um pe-
condilite lateral do cotovelo. queno coxim, que é atada no terço proximal do antebraço, o
Revisão sistemática realizada por Smidt et al.22 sugere que coxim apoiando-se sobre a massa muscular dos extensores. A
nas avaliações a curto prazo, de até seis semanas, as infiltra- referida órtese, que deve ser bem ajustada ao antebraço, situa-
ções são superiores às outras formas de tratamento. Não hou- ção em que comprime levemente a musculatura e bloqueia a
ve evidência de diferença significativa a médio e longo prazos expansão muscular durante a contração, o que diminui a che-
quanto à superioridade das injeções locais com corticosteroi- gada de força ao ponto vulnerável.4-7
de. Portanto, a literatura não fornece dados para concluir qual O tratamento cirúrgico deve ser considerado se o tratamen-
seria o tipo e a dosagem ideal do corticosteroide a ser utilizado to clínico não produzir nenhum efeito ou se houver recidiva do
nas infiltrações.22 quadro, após breve período de melhora, e os fatores a serem con-
A cicatrização da lesão é proporcionada pelo repouso e siderados para a indicação incluem a longa duração dos sintomas
pelo programa de reabilitação. O repouso refere-se tanto às com mais de um ano, o antecedente de várias injeções locais de
atividades profissionais como esportivas, não significando a corticosteroide, o enquadramento do paciente na categoria 3,
imobilização ou parada total do uso da extremidade. com dor inclusive ao repouso, e a vontade do paciente.3,4,5,10.

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Cotovelo 385
22.3

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin  Marco Aurélio Sertório Grecco

Punho
O punho, embora seja uma região anatômica de pequena talvez em decorrência do início de suas atividades profissio-
superfície, é acometido por várias doenças reumáticas, orto- nais se dar ainda em faixas etárias menores. 3,4,12 Até há pouco
pédicas e até sistêmicas. A Síndrome do Túnel do Carpo (STC) tempo se admitia que a grande maioria dos casos fosse de cau-
é um conjunto de doenças com sintomas comuns a todas elas, sa idiopática*, mas, nos dias atuais, foram identificadas mais
afetando os seus movimentos e os das mãos. Embora possa de 15 causas, entre as quais o diabetes, o hipotireoidismo, a
estar associada a movimentos repetitivos destas regiões, ex- amiloidose, a artrite reumatoide, acromegalia, tenosinovites e
istem ainda áreas “cinzentas” de incerteza e debates sobre a até mesmo estados fisiológicos como a gravidez.13
real importância desta situação, em decorrência da grande Outras causas, como variações anatômicas como a do
complexidade anatômica de seus constituintes. Ligamentos, músculo palmar reverso, dos corpos musculares dos tendões
tendões, ossos, nervos e articulações se imbricam de tal for- flexores anomalamente longos, que invadem o túnel do carpo,
ma, que é difícil atribuir a um só deles a origem dos sintomas. além da persistência da artéria mediana em virtude de sua não
Nos casos em que existe uma possível relação com o trabalho involução, e de crescimentos tumorais benignos e, não neces-
repetitivo, há uma imperiosa necessidade de pesquisas mais sariamente malignos.14,15
profundas e baseadas em estudos randomizados e controla- Neste contexto, o porquê de a artéria mediana ser respon-
dos para dirimir dúvidas sobre o nexo causal, de uma clara e sável por um dos poucos quadros de síndrome aguda do túnel
irretorquível participação de atividades ocupacionais na sua do carpo, é pelo fato de ser ela a única artéria do antebraço no
origem, principalmente porque em alguns casos da compro- feto que involui gradativamente ao mesmo tempo em que se
vada participação da atividade laboral o afastamento do trab- desenvolvem as artérias radial e ulnar. Porém, em um número
alho possa ser necessário.1 variável de pessoas, ela persiste, às vezes, até como uma arté-
ria bem desenvolvida e calibrosa (3 mm de diâmetro), e, em
„„ HISTÓRIA alguns casos, com uma vasa nervorum exuberante. A repercus-
são da STC se faz sobre o polegar, o indicador, o médio e a face
A Síndrome do Túnel do Carpo (STC) é de longe a mais pre- medial do anular.
valente dentre as mononeuropatias compressivas dos nervos
periféricos dos membros superiores. A referida síndrome, em
virtude de sua alta prevalência, é uma das mais estudadas na Pontos-chave
prática médica especializada. „„ A STC provavelmente afeta de 0,2 a 2% da população
Foi descrita pela primeira vez pelo cirurgião inglês Sir Ja- trabalhadora e de sua faixa etária, dependendo da de-
mes Paget, em 1854, mas foram Marie e Foix,2 em 1913, que finição de cada caso.
relacionaram a atrofia, tênar da mão com a compressão do
„„ Diagramas da mão são uma ajuda para extrair do pa-
nervo mediano pelo ligamento transverso do carpo, e sugeri-
ciente uma história clara de sintomas e sinais que po-
ram pela primeira vez a secção do retináculo dos flexores para
dem ser reproduzidos por manobras semióticas (sinais
o tratamento desta condição patológica. No entanto, somente
de Tinel e Phalen).
vinte anos depois, este método foi utilizado como medida tera-
pêutica por Meyerding e Learmonth. „„ A distribuição dos sintomas ao longo do território iner-
Em 1946, Cannon e Love publicaram um artigo descre- vado pelo mediano, afetando extensivamente a supe-
vendo a secção do ligamento transverso do carpo como pro- fície medial dos três dedos já citados e não em outro
cedimento cirúrgico de escolha para descompressão do nervo lugar, é um valoroso indicador de STC.
mediano. Mais tarde, em 1966, Phalen e colaboradores criaram
o termo Síndrome do Túnel do Carpo.2-11 A STC acomete mui- * Relativo à idiopatia; que se forma ou se manifesta esponta-
to mais mulheres do que homens, na proporção média de 9:1, neamente ou a partir de causas obscuras ou desconhecidas;
sendo que a incidência é maior na perimenopausa, enquanto afecção que não é decorrente de si mesma, que tem origem
que os homens costumam ser acometidos mais precocemente, espontânea, que existe por si só.

387
Apesar da tríade clássica: distribuição no território do O nervo mediano é formado pelos ramos superiores (C6-
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

„„
mediano, manobras semióticas e retardo na condução C7) do tronco lateral do plexo braquial e pelos ramos inferio-
– que sustentam o diagnóstico, às vezes pacientes com res (C8-T1) do tronco medial.
apenas uma dessas características podem se beneficiar Os nervos periféricos são densamente vascularizados. Ao
do tratamento. lado da sua estrutura fascicular plexiforme, há uma rede igual-
mente plexiforme constituída de arteríolas longitudinais, situa-
das entre os fascículos e unidas entre si por alças transversais
Anatomia curtas. Ao lado de cada arteríola há duas vênulas e, ao lado de
cada vênula, dois vasos linfáticos, sendo que as arteríolas comu-
O carpo é a base da mão, estando compreendido entre a
nicam-se livremente com as vênulas. Alimentando esse sistema,
superfície articular distal do rádio e os ossos metacarpianos,
há arteríolas de calibre maior, que chegam ao nervo através do
estes os primeiros integrantes dos dedos, já na região corres-
mesoneuro, a partir do tronco arterial que o acompanha (Figura
pondente à palma da mão. A STC, do ponto de vista meramente
22.32). No caso do nervo mediano, a irrigação sanguínea par-
esquelético, é formada pelos oito ossos do carpo, que se dis-
tribuem em duas fileiras, proximal e distal, estando na proxi- te da artéria radial. A extensão da rede vascular intraneural dá
mal, de radial para ulnar, o escafoide, o semilunar, o piramidal e uma ideia do consumo de oxigênio pelo tecido neural, embora
o pisciforme (flutuante), e na distal o trapézio, o trapezoide, o não chegue no mesmo patamar do consumo de órgãos como o
capitato e o hamato. fígado e o coração. Também está muito acima do consumo de
oxigênio dos tendões, seus vizinhos mais próximos.
O chamado túnel do carpo é uma estrutura osteoliga-
mentar bem-definida, situada distalmente à prega do punho Após passar pelo túnel, o nervo mediano envia ramos sen-
e estendendo-se a partir daí por cerca de 4 cm, na projeção sitivos para a superfície volar dos dedos polegar, indicador,
da prega do polegar. É constituído por três paredes ósseas médio, metade radial do dedo anular e um ramo motor tênar,
(tubérculo do escafoide, lateralmente; assoalho do carpo, dor- que se dirige para o músculo abdutor curto, o oponente e a
salmente; o gancho do hamato e pisiforme medialmente) e o porção superficial do flexor curto do polegar. Esta distribuição
ligamento transverso do carpo, anteriormente situado. No seu anatômica tem uma correspondência inequívoca com as mani-
interior transitam os tendões flexores superficiais e profundos festações clínicas observadas nos pacientes, sine qua non até
dos dedos, do indicador ao mínimo, e o tendão do flexor lon- patognomônicas, do ponto vista de diagnóstico sindrômico.
go do polegar, que juntamente com o nervo mediano é o mais O nervo mediano é responsável pelas sensibilidades dolo-
superficial de todos (Figura 22.31). O túnel do carpo é inelás- rosa, tátil e térmica da face palmar dos polegares, dos 2o e 3o
tico, não comportando maior volume do que o já existente, o quirodáctilos e metade radial do 4o quirodáctilo. Na face dor-
que significa que qualquer estrutura crescendo no seu interior sal, é responsável pela sensibilidade das falanges média e distal
fatalmente causará aumento da pressão, pela desproporção dos 2o e 3o quirodáctilos e da metade radial das falanges média
continente-conteúdo. e distal do 4o quirodáctilo. O ramo cutâneo palmar do nervo

A
B Nervo mediano, local
de compressão e dor

Artéria ulnar Retináculo do


Nervo ulnar flexor
Osso hemato Nervo mediano
Tendões flexores
Trapézio
Capitato
Trapezoide

Figura 22.31 (A) Anatomia do túnel do carpo. Notar o nervo mediano (em amarelo) passando sob o ligamento transverso, anteriormente
aos tendões flexores dos dedos e próximo ao pilar lateral (tubérculo do escafoide). (B) Território da inervação do mediano. Como se vê na
figura, a irradiação da dor se dá para polegar, indicador, médio e face medial do dedo anular. (C) Anatomia do túnel do carpo.

388 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ OUTRAS CAUSAS

„„ CAPÍTULO 22.3
Etiologia da síndrome do túnel do carpo

A – Redução da capacidade do canal (túnel-continente)


1. Espessamento do retináculo do flexor (esta condição é difícil de ser
estabelecida, mas a redução ocorre em processos inflamatórios, como a
artrite reumatoide e o mixedema).
2. Redução do canal seguido por desalinhamento ou calo ósseo, associado
a fraturas envolvendo o rádio e ossos do carpo.
3. Compressão do conteúdo do canal com movimentos extremos do punho
em flexão.
4. Acromegalia (alterações ósseas).
B – Volume excessivo do conteúdo
1. C
 ondições inflamatórias e degenerativas: tenossinovites não
Figura 22.32 Desenho esquemático da microanatomia do nervo específicas, tenossinovite reumatoide, gota, gânglio sinovial, amiloidose.
periférico. Notar os vasos sanguíneos chegando ao nervo pelo me-
soneuro e a distribuição da vasa nervorum entre os fascículos e 2. P
 ós-traumático: osteófitos, formação de cicatriz associada à lesão de
dentro deles. tendões.
3. Lesões decorrentes de neoplasias: tumores benignos, tumores
malignos.
mediano deixa o tronco principal do nervo cerca de 3 a 6 cm
próximo ao ligamento transverso do carpo, dando sensibili- 4. O
 utros: mixedema (a infiltração de tecido fibroso pode afetar o volume
dade à área do triângulo palmar, triângulo este compreendido dos tendões), ventre muscular dentro do canal etc.
pela região tênar e parte da palma da mão. Portanto, na síndro-
me do túnel do carpo as alterações sensitivas na região tênar Por este quadro e o anterior pode-se notar que o leque do
e parte da palma da mão geralmente não são observadas.6,14-18 diagnóstico diferencial é amplo e não é fácil se chegar a um
A eminência tênar é a porção muscular na palma da mão diagnóstico causal da STC.20
humana logo abaixo do polegar. É composta por três múscu- Em situações que envolvem trabalho manual em deter-
los intrínsecos da mão: o abdutor curto do polegar, a cabeça minadas atividades profissionais, alguns fatores de risco
superficial do flexor curto do polegar (a cabeça profunda é su- merecem ser citados. Convém lembrar que, em medicina ocu-
prida pelo nervo ulnar), adutor do polegar e o oponente do po- pacional, fator de risco não significa causa, apenas uma pos-
legar. A eminência hipotênar é uma porção muscular da palma sibilidade de ser uma concausa. Nas condições patológicas
da mão, logo abaixo ao dedo mínimo. Consiste em um grupo elencadas nos quadros acima, os fatores desencadeantes po-
de três músculos, que controlam os movimentos desse dedo. dem não ter a menor relação com a atividade do paciente.
Os três músculos são: músculo abdutor do mínimo, músculo
flexor curto do mínimo e o músculo oponente do mínimo.
Pontos-chave e fatores de risco
„„ ETIOLOGIA „„ Existem evidências razoáveis de que o uso regular e
prolongado de ferramentas portáteis com dispositivos
As causas mais comuns da STC são:15,19 que produzem vibrações, mais do que dobram o risco
de se ter a STC.
„„ Também existem fortes evidências de riscos iguais ou
Aumento de volume do conteúdo do túnel do carpo maiores do que flexões e extensões do punho prolongadas
„„ Gravidez e repetitivas, principalmente quando aliadas à forte empu-
„„ Diabetes mellitus, hipotireoidismo, insuficiência renal nhadura (segurar com muita força a raquete de tênis).
„„ Hemodiálise „„ Não exitem elementos de prova de que o mouse e o teclado
„„ Trauma do computador sejam causas de STC. Outras pesquisas, no
„„ Insuficiência cardíaca congestiva mesmo sentido, também provaram que não há relação de
„„ Tenossinovite inespecífica (causa mais comum em indivíduos sadios) causa e feito.21-23 Estudos são necessários para determinar
„„ Infecções com precisão a intensidade, a velocidade e o tempo de uso
„„ Uso de anticoagulantes; hemofilia destes elementos, implicados na gênese da STC.
„„ Neoplasias
„„ Persistência da artéria mediana „„ FISIOPATOLOGIA
„„ Músculos anômalos
„„ Lipoma, neurofibroma
O aumento de pressão no interior do túnel do carpo provo-
„„ Redução do volume do túnel do carpo
ca, de início, dificuldade no retorno venoso do nervo mediano,
pois as vênulas são muito mais suscetíveis à compressão do
„„ Fratura, luxações do carpo
que as artérias. O obstáculo à circulação venosa já ocasiona
„„ Fratura do rádio distal
uma diminuição da velocidade de perfusão arterial, por hi-

Punho 389
pertensão retrógrada, fazendo com que se instale uma anóxia As manifestações clínicas surgem, em geral, lentamente, ao
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

intrafascicular. longo de alguns meses ou anos, mas podem surgir quase que
Nas fases mais avançadas da síndrome, ocorre também subitamente em decorrência de traumatismos ou de doenças
obstrução arteriolar e degeneração da bainha de mielina, que de aparecimento súbito, como a trombose da artéria media-
podem causar degeneração das fibras nervosas e fibrose in- na. Apesar de ser uma síndrome característica da mulher mais
traneural. idosa, pode, como já assinalamos, surgir no decorrer de uma
Muito antes de ocorrer a fibrose intraneural, já ocorre difi- gravidez, às vezes com sintomas muito intensos. Nesses casos,
culdade na transmissão do estímulo nervoso, cuja velocidade a STC decorre, geralmente, do edema generalizado que aconte-
ce neste estado fisiológico da mulher grávida. Na maioria dos
diminui sensivelmente. A anóxia inicial do nervo causa dor,
casos, costuma ter remissão espontânea depois do parto, em-
que pode diminuir nas fases mais avançadas, quando predo-
bora, às vezes, possa ser persistente.
minam os sintomas sensitivos, tipo parestesia e hipoestesia, e
motores, tipo paresia.5,19 A dor e a parestesia irradiam para o território sensitivo do
nervo mediano, que compreende o polegar, os dedos indica-
Dessa forma, ocorre um bloqueio temporário da condução
dor, médio e a metade radial do anular; com muita frequência,
das fibras mielinizadas do nervo mediano, causando pareste-
o paciente refere que o dedo médio está “inchado” ou “engros-
sia e desconforto na mão. Se a elevação da pressão no túnel do
sado”. Os sintomas sensitivos ocorrem mais à noite, durante o
carpo persistir, é possível ocorrer isquemia no nervo mediano,
sono, acordando o paciente, que movimenta a mão no ar ou
resultando em parestesia, dor e comprometimento na estrutu-
deixa-a pendente, em busca de alívio. Não são infrequentes as
ra de mielina do nervo supracitado.
referências de queda de objetos da mão, que deve-se tanto à
Esta compressão pode ocorrer tanto pelo aumento do vo- perda da força do polegar, como à diminuição da sensibilidade
lume do continente ou pela diminuição do volume do conteú- no território do nervo mediano, sinais que devem ser procura-
do das estruturas contidas no interior do túnel. dos pelo examinador.8
Durante o exame clínico, o paciente nem sempre mostra a face
„„ DIAGNÓSTICO CLÍNICO palmar da mão, onde predomina a inervação pelo nervo mediano,
como sede dos sintomas; ao contrário, pode mostrar o dorso, o
Classicamente, a STC se caracteriza por alterações sensiti- que pode confundir o examinador. O exame objetivo pode mostrar
vas e motoras na distribuição do nervo mediano das mãos, as- a atrofia da musculatura da eminência tênar, particularmente do
sociada a claras evidências de um retardo da condução nervosa oponente do polegar, que é o mais superficial. Mais frequente que
através do nervo mediano. O diagnóstico da síndrome do túnel a atrofia é a paresia (perda da força), às vezes já referida pelo pa-
do carpo é eminentemente clínico. As queixas iniciais referidas ciente, que pode existir antes mesmo que a atrofia não seja eviden-
pelo paciente são o formigamento e a dormência no território te e que pode ser comprovada pelo teste específico de avaliação da
do nervo mediano, além de sensações de choque e agulhadas. A força do abdutor curto (o examinador opõe o seu polegar ao do
dor pode, eventualmente, estar presente nesta fase. paciente, estando as palmas das mãos frente a frente).
O examinador deve estar atento às nuanças na forma de A hipoestesia é mais frequente do que se possa imaginar,
apresentação clínica que, embora típica, na maioria dos casos devendo ser comprovada pelos testes do tato leve e da discri-
pode, no entanto, ser polimorfa. A utilização extenuante e vi- minação de dois pontos estáticos (teste de Weber) e dinâmicos
gorosa da mão tende a agravar os sintomas, geralmente várias (teste de Dellon). Nos casos de dúvida, é de grande auxílio o ma-
horas após a atividade laboral ou outra qualquer, fato este re- peamento sensitivo com os filamentos de Simmes-Weinstein, em
levante no diagnóstico. Os sintomas resultam da lesão da ba- geral realizado por um terapeuta da mão (Figura 22.33).6,12,15 Ca-
inha de mielina e se manifestam como latências e velocidade sos graves de anestesia felizmente são raros, mas podem ocorrer,
de condução retardada na eletroneuromiografia. O eletrodiag- devendo ser diferenciados de uma doença sistêmica mais grave,
nóstico se fundamenta nesta diminuição do estímulo elétrico como a neuropatia diabética avançada e a Hanseníase.
através do túnel carpal e exige comparação com uma condu- O exame físico do punho é complementado pelos testes cha-
ção no túnel homolateral.13 mados de “irritativos”. O sinal de Tinel é pesquisado pela percus-
De acordo com as diretrizes da Academia Americana de são do nervo mediano no nível ou logo acima da borda proximal
Neurologia, o roteiro para o diagnóstico clínico da STC é o que do ligamento transverso do carpo, que coincide com a prega flexo-
se vê no quadro abaixo:24 ra do punho Figura 22.34 (B). O paciente refere, categoricamente,
uma sensação de choque elétrico ou formigamento no local da
„„ Dor surda, desconforto na mão, antebraço e braço. percussão, irradiada no território sensitivo do nervo mediano. Op-
„„ Parestesias na mão. cionalmente, pode-se comprimir o nervo externamente, pressio-
nando-o com o polegar sobre a mesma região onde é feito o teste
„„ Fraqueza ou “falta de jeito na mão”.
de Tinel, que é o teste de McMurthry-Durkan Figura 22.34 (C).
„„ Pele seca, inchaço, ou alterações da cor das mãos.
O teste de Phalen Figura 22.34 (A), considerado patogno-
„„ Ocorrência de qualquer das condições acima na distri- mônico, é pesquisado pela flexão acentuada não forçada do
buição do nervo mediano. punho (frequentemente opondo os dorsos das duas mãos em
„„ Aparecimento (provocação) dos sintomas durante o sono; frente ao tronco), e desencadeia os sintomas sensitivos carac-
terísticos da síndrome, semelhantes aos que o paciente refere,
„„ Provocação dos sintomas pela posição da mão e braços
devendo ficar nesta posição citada por aproximadamente 60 se-
levantados.
gundos. Os mesmos sintomas podem ser precipitados pelo teste
„„ Aparecimento dos sintomas por movimentos repetiti- de Gillat, que é realizado com um esfigmomanômetro instalado
vos da mão e dos punhos. no braço e insuflado abaixo da pressão arterial, quando provoca
„„ Atenuação dos sintomas por mudança na postura da o bloqueio apenas do retorno venoso e hipertensão venosa re-
mão ou sacudimento do punho. trógrada Figura 22.34 (D).25,26

390 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 22.3
A B C

Figura 22.33 Avaliação clínica na síndrome do túnel do carpo. (A) Atrofia tenar à esquerda. (B) Teste da discriminação de dois pontos
(Weber e Dellon). (C) Aferição da sensibilidade tátil com os filamentos de Semmes-Weinstein.48

Na Figura 22.34 (E) pode-se aferir a atrofia da eminência rológicas fora do território do nervo mediano distal,
tênar e a força do polegar pela elevação do polegar contra os não é STC.
dedos indicador e médio do polegar do perito examinador, em „„ Em casos de Neuropatia Ulnar que também causam pa-
que o paciente não consegue fazer tal elevação, e é uma prova restesias noturnas como a STC, as do nervo ulnar geral-
incontestável de existência da STC. mente são sentidas na parte medial da mão.
„„ Quando aparece o “dedo branco” em caso de suspei-
Condições patológicas que podem ser confundidas ta de STC, o diagnóstico diferencial com fenômeno de
com síndrome do túnel carpal24 Raynaud – este deve ser diagnosticado pela história de
sintomas de exposição da mão ao frio.
„„ Radiculopatia principalmente de C6/7 – pedir ao ap- „„ O aparecimento de “dedo branco”* quando o paciente
ciente que olhe para o local da dor no pescoço que utiliza ferramentas que vibram é altamente suspeito de
está em movimento. Se houver manifestações neu- ter STC.

A C

B D E

Figura 22.34 Testes irritativos na avaliação clínica da síndrome do túnel do carpo. (A) Manobra de Phalen. (B) Teste de Tinel. (C) Teste de
McMurthry-Durkan. (D) Teste de Gillat. (E) Teste da força do polegar.48

* O dedo branco das mãos e dos pés decorre da doença de Raynaud, que é uma condição que afeta o fluxo sanguíneo nas extremidades do corpo
humano — mãos e pés, assim como os dedos destes, nariz, lóbulos das orelhas — quando submetidos a uma mudança de temperatura inferior
ou estresse. Foi nomeada por Maurice Raynaud (1843-1881): médico francês que descreveu tal enfermidade pela primeira vez em 1862 (Wiki-
pédia). É encontrado na STC, quando o paciente utiliza ferramentas manuais vibratórias.

Punho 391
A osteoartrite da articulação metacarpofalangeana do qualidade do aparelho usado. Equipamentos top (alta qualida-
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

„„
polegar que pode simular uma falsa aparência de des- de) para o US do sistema musculoesquelético devem incluir:
gaste da eminência tênar, porém não existe uma verda- um conjunto de sondas que cubram uma larga frequência (de
deira fraqueza ou déficit de sensório, como acontece 5 a mais de 20 MHZ) e um Doppler colorido, potente e sensível
na STC. que tenha facilidades para uma visão mais ampla e imagens
„„ A tenossinovite de De Quervain, às vezes, pode simular em três dimensões.
STC. Para o diagnóstico diferencial existe uma mano- “Todos estes requisitos para uma adequada exploração
bra específica que é o teste Finkelstein. pelo US depende da experiência do operador em colocar
„„ As neuropatias periféricas generalizadas devem ser corretamente a sonda e ajustar o equipamento. O feixe de ul-
descartadas a partir de uma ampla diversidade de sin- trassom deve ser perpendicular em relação às estruturas que
tomas diferentes da STC, além de alterações de refle- precisam ser examinadas, de tal forma que evitem a presença
xos, que estão presentes e preservados na STC. de artefatos (imagens fantasmas). Uma mínima mudança na
„„ As doenças do neurônio motor podem se apresentar inclinação do transdutor pode fortemente influenciar (nega-
com alterações motoras, perda de força, mas não causa tivamente) as características da imagem do ultrassom. Cada
sintomas sensitivos, como a STC. estrutura anatômica deve ser explorada em pelo menos dois
„„ Uma importante sensação de perda de temperatura planos, ponto por ponto.”
das mãos pode ser uma pista para o diagnóstico de si- Enquanto a recente viabilidade e a boa relação custo/be-
ringomielia, fato que não ocore na STC. nefício favorece a propagação do US, a longa curva de apren-
„„ A esclerose múltipla: deve ser reconhecida pela pre- dizado representa o principal obstáculo para o seu rápido e
sença de alterações neurológicas graves, disseminadas, completo sucesso.28
pela localização e pelo tempo de doença. A tomografia computadorizada pode ser usada para pes-
quisa de deformidades ósseas.
Na suspeita de que a compressão possa dever-se a algum
„„ EXAMES COMPLEMENTARES
crescimento anormal de partes moles, a ressonância magné-
Quando o diagnóstico clínico é duvidoso, a eletroneu- tica pode ser útil. Exames bioquímicos restringem-se quase
romiografia pode esclarecê-lo. É o melhor método para a sempre à glicemia de jejum, glicose pós-prandial e curva glicê-
confirmação do diagnóstico clínico e é importante para o mica, além da dosagem de hormônios tireoidianos, visto que
diagnóstico diferencial com outras doenças, como as mielo- tanto o diabetes como o hipotireoidismo são causas de neuro-
patias cervicais espondiloartrósicas ou não, e neuropatias de patia periférica, e fazem parte do espectro etiológico da STC. O
outros nervos. Desde que haja comprometimento substancial tratamento adequado e o controle destas doenças é altamente
das fibras nervosas, o exame da velocidade de condução sen- efetivo na remissão e até o desaparecimento dos sintomas.
sitiva e motora (VCS e VCM) pode mostrá-las diminuídas ao No que concerne à eletroneuromiografia, a avaliação neu-
nível do túnel do carpo, confirmando tanto o envolvimento rofisiológica é um método de diagnóstico muito sensível e,
do nervo mediano como a topografia da lesão.
eventualmente, mas nem sempre utilizado para confirmar o
Além disso, pode detectar sinais de desinervação/reiner- diagnóstico clínico. Quando o diagnóstico clínico de STC é du-
vação da musculatura tênar muito antes que a atrofia seja vidoso, a eletromiografia pode ajudar, desde que haja compro-
evidente. Nas fases precoces do aparecimento da síndrome, metimento substancial das fibras nervosas; a eletromiografia
são comuns os achados de perda mielínica, que evoluem para
positiva confirma a suspeita clínica de STC, mas, se negativa,
perda axonal nas fases mais tardias, significando denervação.
não a afasta. A sensibilidade para o teste eletrodiagnóstico do
Cabe ressaltar, como já o fizemos em relação ao ultrassom, nervo mediano varia entre 49 e 84%, enquanto especificida-
que o aparelho de eletroneuromiografia e o examinador de- des de 95% ou mais têm sido registradas.29
vem ter alto nível de excelência.
A eletroneuromiografia permite o acompanhamento evo-
lutivo pré-operatório, mas não é o ideal para avaliação de Padrão diagnóstico: convergências e divergências
quadros pós-cirúrgicos. Essas alterações encontradas antes
No conceito original de Phalen,30 já citado, para se suspei-
da cirurgia podem persistir por serem consequência da com-
pressão crônica.3,6,15,27 tar de STC, é necessário um ou mais três achados (ou critérios)
quando se examina o paciente à beira do leito, anteriormente
Os exames radiográficos do punho e do túnel podem
descritos:
mostrar deformidades pós-traumáticas, e as calcificações
detectadas têm valores complementares limitados. O exame 1. Sensibilidade alterada na distribuição do nervo mediano
ultrassonográfico é um método não invasivo de baixo custo, na mão.
mas operador-dependente. Por meio deste exame, mensura-se
2. Sinal de Phalen.
o diâmetro do nervo mediano e observa-se o abaulamento do
ligamento transverso do carpo. 3. Sinal de Tinel.
Como se constata no capítulo sobre epicondilites, é impe- Na época, Phalen não fazia referência à eletroneuromio-
rativo fazer algumas considerações sobre este método. grafia (ENMG), utilizada de forma rotineira nos dias atuais
com o objetivo de confirmar o seu diagnóstico. Neste desidera-
Considerações técnicas sobre o ultrassom como to, algumas revisões sistemáticas conduzidas por sociedades
prova diagnóstica especializadas têm endossado que este procedimento é o de
escolha para a confirmação da referida condição sindrômica.
“A qualidade da documentação do ultrassom que deve ser Nestes consensos, há relatos de que a sensibilidade e a especi-
obtida por um operador (médico), está diretamente ligada à ficidade são, respectivamente, de ordem de 49 a 84% e de 95

392 Tratado Brasileiro de Reumatologia


a 99%.31,32 Percebe-se aqui uma diferença muito grande entre Embora seja rara, a síndrome da dupla compressão é uma

„„ CAPÍTULO 22.3
a primeira e a segunda variações, o que significa que não se possibilidade que precisa ser considerada. A duble crush da
pode confiar de forma absoluta no método em questão. terminolgia anglo-americana, ou seja, há compressão tanto ao
Como qualquer exame complementar, os resultados des- nível do túnel do carpo, como em raízes cervicais, na topogra-
ses dados de sensibilidade e especificidade devem ser exami- fia do cotovelo ou do desfiladeiro cervical.
nados com muita cautela. Não se sabe se foram levados em Outra condição patológica similar é a Síndrome do Pro-
consideração: se os achados clínicos foram computados, por nador Redondo, em que a compressão ocorre na região do
exemplo, sinal de Phalen, Tinel, o que levanta a dúvida de qual cotovelo, causando dor na superfície volar e proximal do ante-
o padrão mais acurado: se o teste à beira da cama ou a ENMG. braço. A diferença é que o teste de Phalen é negativo, ao passo
Também, se foram levados em conta os falsos-negativos, que o teste provocativo de flexão contrarresistência do flexor
falsos-positivos, verdadeiros-positivos, verdadeiros-negati- superficial do indicador e médio é positivo.19,27
vos, valor preditivo positivo e negativo e desvio-padrão esta- Nestas situações, o exame eletroneuromiográfico pode ser
tístico (intervalo de confiança). elucidativo.
Como exemplo de falso-negativo, o exame pode ter sido Ainda, além destas condições retrocitadas e onde há rela-
feito em uma fase intermitente assintomática ou porque os ção com atividades ocupacionais, algumas diferenças podem
sintomas se originam de pequenas fibras desmielinizadas que ser constatadas na Tabela 22.2.
são invisíveis (não tocam) à superfície dos eletrodos do instru-
mento (eletromiógrafo), que detecta apenas fibras mileiniza-
das de grosso calibre.33-35 Tabela 22.2 Diagnóstico diferencial entre as diferentes con-
Além disso, entre outros bias (tendenciosidades ), existem dições patológicas do ombro.
comprovações da literatura de que cirurgiões que operam
STC liberam o túnel carpal em pacientes com ENMG normal. Doença de De Quervain Dor sobre o processo estiloide do rádio
Apesar de pacientes com ENMG positiva que foram operados do punho e edema sensível sobre o primeiro
compartimento do extensor e/ou dor
de STC, os sintomas desaparecem por alguns dias, apesar das
reproduzida pela contrarresistência à
anormalidades de condução persistirem por meses ou anos.36-40 extensão do polegar, ou teste de Finkelstein
Não obstante todas as limitações e tendenciosidades do méto- positivo.
do, muitos médicos se armam na ENMG como a melhor ferra-
menta para o diagnóstico da STC. Tenossinovite de punho Dor ao movimento, localizada sobre as
bainhas dos tendões do punho e sua
No entanto, e por outro lado, a ENMG é bastante útil para reprodução por movimentos ativos contrar-
o diagnóstico diferencial das radiculopatias cervicais, polineu- resistência.
ropatias, doença de De quervain e outras síndromes compres-
sivas do nervo mediano. „„ Dor, parestesias ou perda de
sensibilidade no território do nervo
Neste aspecto, em vários estudos a indicação cirúrgica foi mediano.
compatível com os achados clínicos e uma correlação positiva
com a ENMG.41,42 „„ Teste de Tinel positivo.

As grandes vantagens do ultrassom na STC são a de per- STC (Síndrome do Túnel „„ Teste de Phalen positivo.
mitir a realização de um exame rápido, dinâmico, em tempo Carpal) „„ Exacerbação noturna dos sintomas.
real, e a de representar baixo custo. O exame, no entanto, de-
monstra algumas limitações, como na avaliação das estruturas „„ Deficiência motora com perda da força
ósseas. do músculo abdutor breve do polegar.
O diagnóstico de STC é clínico. Pode ser auxiliado pela ele- „„ Tempo de condução anormal no nervo
troneuromiografia, havendo um crescente interesse na utiliza- mediano.
ção das modalidades de imagem para auxiliar a compreender Adaptada de Palmer, In.
43

as causas desta síndrome.


Deve-se, entretanto, lembrar que o diagnóstico da STC é
„„ TRATAMENTO CLÍNICO E CIRÚRGICO
eminentemente clínico, sendo o exame complementar de ima-
gem apenas ocasionalmente solicitado; quando o mesmo for O tratamento da STC clássica, sem doença sistêmica, mas-
negativo, não afasta definitivamente o diagnóstico. sa no punho, deformidade óssea maior ou infecção, deve ser
iniciado se a sintomatologia interferir nas atividades diárias
„„ DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL do(a) paciente. O tratamento deve ser individualizado para
cada tipo de paciente. O tratamento de uma pessoa com STC
As radiculopatias cervicais comprometendo as raízes C6 e na gravidez é diferente de uma pessoa com atrofia da região
C7, a síndrome do desfiladeiro cervical, mielopatias cervicais tênar. STC causada por gravidez e nas STC leves e intermiten-
artrósicas ou não, esclerose múltipla, polineuropatias, siringomie- tes, com pequena sintomatologia, sem atrofia muscular e sem
lia, plexopatias e outras neuropatias periféricas, como aque- tratamento prévio, preconizamos o tratamento conservador.
las causadas pelo diabetes e pelo hipotireoidismo devem ser Inicialmente, recomenda-se tratamento conservador com
descartadas na STC. Essas doenças, apesar das consideráveis órteses para o punho em posição neutra, modificação da pos-
diferenças clínicas entre si e a síndrome do túnel do carpo, o tura das mãos durante atividades diárias, como digitar com o
comprometimento das primeiras é mais amplo, abrange ou- uso de suporte para o punho, correção dos distúrbios hormo-
tros nervos e tem uma sintomatologia mais florida, enquanto a nais, remoção de constrições e medicações anti-inflamatórias
STC acomete apenas o nervo mediano. não hormonais.44,45

Punho 393
Em relação à infiltração de cortisona no túnel do carpo, ela O tratamento cirúrgico deve ser reservado para casos crô-
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

pode ser indicada nos casos leves em que não há perda da sen- nicos, com sintomatologia exacerbada, com atrofia tênar inten-
sibilidade, atrofia tênar e fraqueza.45,46 sa, com alterações miélicas motoras à eletroneuromiografia e
O índice de melhora como tratamento conservador é re- após tratamento conservador ineficaz.2,12,19,47 Nesses casos, o
lativamente baixo, estando entre 30 e 50% de remissão dos tratamento cirúrgico para pessoas com síndrome do túnel do
sintomas. carpo é significativamente melhor que o conservador.47

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Punho 395
23

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin

Síndrome da Dor Regional Complexa


„„ INTRODUÇÃO mais proximal e, posteriormente, no mais distal. Um exemplo
deste fato é a síndrome ombro-mão, mais encontrada depois
A maioria dos médicos aprende nas faculdades de Medici- de um infarto do miocárdio e, na síndrome coxa-pé após uma
na a diagnosticar as síndromes neuropáticas clássicas, como a doença das coxofemorais. Nomes alternativos para SDRC são
neuralgia pós-herpética, as compressões radiculares do seg- encontrados na literatura, incluindo distrofia simpaticorre-
mento lombar, as cervicobraquialgias e a neuropatia diabética, flexa, atrofia de Sudeck, distrofia pós-traumática, causalgia,
nas quais a lesão do sistema nervoso periférico é fácil de ser osteoporose transitória, algoneurodistrofia, síndrome ombro-
localizada. Contudo, a argúcia diagnóstica e/ou terapêutica -mão, coxa-pé.
pode inexistir em condições em que o dano ao nervo é menos Há alguns anos, considerava-se como causalgia a dor de
óbvio. Este é o caso da Síndrome da Dor Regional Complexa grande intensidade, para a qual não se achava nenhuma causa.
(SDRC), há pouco tempo conhecida como distrofia simpaticor- A causalgia é desencadeada geralmente após trauma ou, como
reflexa e depois algoneurodistrofia. consequência de um processo mais distante como lesão me-
A Síndrome da Dor Regional Complexa (SDRC) foi descrita dular, infarto agudo do miocárdio ou neoplasia. Ainda é bom
pela primeira vez em 1864 com o nome de distrofia simpa- lembrar que outros sintomas e sinais aparecem tardiamente,
ticorreflexa, denominação esta surgida durante a guerra civil na sua evolução como contraturas, tremores, fraqueza e alte-
americana (Guerra da Secessão), como decorrente de lesões rações do trofismo dos tecidos profundos e superficiais com-
dos nervos periféricos causadas por armas de fogo que atin- prometidos. Fatores sociais e psicológicos podem influenciar
giam os soldados americanos. Admitia-se, na época, que os a dor no seu mecanismo intrínseco, contribuindo com a piora
traumas diretos nos membros superiores dos soldados eram do processo álgico.5
a principal causa. Hoje sabe-se que doenças sistêmicas, infar- Dois tipos Algoneurodistrofia ou SDRC são reconhecidos:
to do miocárdio e doenças do sistema nervoso central podem A SDRC tipo I, que corresponde a 90% dos casos e sem se cons-
desencadear esta síndrome complexa, como o próprio nome tatar uma lesão neural definida, e a SDRC tipo II, com lesão
dá a entender. neural presente.9
Como não existe nenhum exame complementar ou teste
diagnóstico de qualquer natureza, o diagnóstico se faz atra-
Etiologia
vés dos sintomas e sinais. Pode ter alguma valia a osteoporose
microcística difusa nas articulações comprometidas, porém, a O início da SDRC geralmente se relaciona com as causas do
maior característica é sua localização na região justa-articular. trauma (contusão, esforço excessivo, pós-fratura, cirurgia), a
A dor difusa ou localizada, urente e surda, não dermatomérica, sua gravidade, a recuperação do déficit motor, espasticidade e
nem segmentar, como nos processos radiculares, nem tam- alterações sensoriais. Em uma das condições citadas, como a
pouco tem alguma semelhança com a distribuição dos nervos subluxação glenoumeral, parece ser decorrente do estiramen-
periféricos, sem nenhum evento patológico anterior à forma to de fibras neurais provocadas pelo trauma sobre o ombro
de apresentação mais comum. Além disso, pode ocorrer ede- parético.7
ma, limitação do movimento, alterações de temperatura, da Também a SDRC pode estar associada a doenças do sis-
sudorese e da cor da pele nas extremidades, sendo estes acha- tema nervoso periférico (Ver Quadros 23.1 e 23.2), como as
dos mais prevalentes nos MMSS e menos nos MMII.11 A única compressões, contusões, polineuropatias de quaisquer natu-
exceção é a síndrome de Kummell-Verneuil, também chamada rezas entre as quais o Diabetes mellitus, o alcoolismo, o her-
de espondilite de Kummell, que se manifesta no tronco quando pes-zóster e as afecções do sistema nervoso central. Neste
o mecanismo desencadeante se localiza na coluna vertebral, aspecto, as causas mais prevalentes se encontram no Quadro
principalmente quando se segue a uma fratura por compres- 23.1 (acidente vascular encefálico, tumores, mielopatia trau-
são de vértebras torácicas.12,13 Outra característica clínica que mática, hemorragia subaracnoidea, poliomielite e esclerose
chama a atenção é o seu aparecimento, primeiro no segmento lateral amiotrófica).

397
A fisiopatologia da SDRC ainda é malcompreendida em vir-
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

tude dos múltiplos mecanismos implicados na sua geração e


na manutenção do seu status quo. A razão desta assertiva é a
Quadro 23.1 Doenças do sistema nervoso periférico e central.
própria complexidade intrínseca de inflamação neurogênica,
Compressões de nervos periféricos Afecções do sistema nervoso central dos mecanismos imunológicos que a deflagram, e da capaci-
dade plástica do sistema nervoso central e simpático em se
Contusões Acidente vascular cerebral
adaptar a ações nóxicas de agentes agressores situados nele
Polineuropatias de quaisquer
Tumores
próprio e a distância.
naturezas A provável fisiopatologia da SDRC se vê na Figura 23.1 O
Diabetes mellitus Mielopatia traumática, poliomielite tecido injuriado em uma extremidade pode resultar de um
trauma neural mínimo, iniciando em cascata, um processo de
Alcoolismo Hemorragia subaracnoidea
liberação de citocinas pró-inflamatórias e neuropeptídios, re-
Herpes-zóster Esclerose lateral amiotrófica sultando em um processo inflamatório, elevando o limiar da
resposta nociceptiva do local lesado, que é chamada sensibi-
Na prática clínica, a síndrome ombro-mão que aparece entre lização periférica.
4 a 8 semanas, após o evento isquêmico do músculo cardíaco, em- Esta resposta pode ser exagerada em indivíduos suscetíveis
bora não seja tão comum, mas também não pode ser considerada à SDRC em virtude de fatores genéticos. Este trauma neural pode
uma raridade. Pelo fato de ser mais prevalente no membro su- também, como consequência, causar uma redução na densida-
perior esquerdo, estabelece, nesta situação, um nexo causal que de das fibras nociceptivas, o que altera a inervação de glândulas
comprova a participação dos nervos periféricos na gênese desta sudoríparas e folículos pilosos na área afetada, cujo resultado fi-
síndrome dolorosa (SDRC). nal é um distúrbio da transpiração. Após o dano inicial, as fibras
Outras condições patológicas, menos prevalentes, po- nociceptivas na área passam a se comportar como receptores
dem ser encontradas na SDRC, como se pode notar no Qua- adrenérgicos, fazendo com que o sistema nervoso simpático e
dro 23.2. Tuberculose e tumores de ápices pulmonares, as catecolaminas circulantes liberadas (em parte, também, em
como o tumor de Pancoast, hipertireoidismo, osteomalacia, decorrência de estresse emocional) possam desencadear e até
uso de medicamentos como fenobarbital e ciclosporina, além perpetuar a inflamação nociceptiva.2
de procedimentos invasivos como fístula arteriovenosa, ar-
Excitação
troscopia6 e trauma vascular abdominal também são citados emoção
como causa da SDRC.9
Representação do limbo
no córtex somatosensorial
Sensibilização central através Cérebro
Quadro 23.2 Outras condições e/ou doenças causadoras da medula espinhal
de SDRC. Chegada final

Tuberculose e tumores de ápices Medicamentos como fenobarbital e


pulmonares ciclosporina
Procedimentos invasivos Osteomalacia, hipertireoidismo
Suscetibilidade
Fístula arteriovenosa, artroscopia Trauma vascular abdominal genética

A etiologia permanece indeterminada entre 2 e 17% dos


casos.3 Como se vê é uma tarefa hercúlea tentar, de pronto, Descarga
achar uma causa entre as inúmeras que dão início ou perpetu- simpática
am esta misteriosa síndrome. Inflamação e
Glândulas adrenais
as

sensibilização
pátic

periférica Catecolaminas
„„ EPIDEMIOLOGIA, HISTÓRIA NATURAL E
s sim

ntes

circulantes
FISIOPATOLOGIA DA SDRC
afere

IL-1b, IL-2, IL-6


rente

TNF-a
tivas
s efe

A epidemiologia e a história natural da SDRC são malcom- CGRP


cicep
fibra

preendidas em virtude da diversidade nas formas de apresen- Bradicinina


s no

tação clínica. A idade média dos pacientes acometidos pela Substância P


fibra

Ligação com as vias


SDRC varia entre os 36 e 46 anos, havendo um predomínio de IL-10 simpáticas aferentes
mulheres (60 a 81%).3 Embora não seja tão frequente, mas Densidade Expressão dos receptores sobre
também não tão rara, a SDRC tem sido relatada em pacientes dos neurônios as fibras nociceptivas
pediátricos. nociceptivos Mão Regulação da sensibilidade dos
Os membros superiores são acometidos em 44 a 61% dos receptores adrenérgicos
Trauma inicial
casos e os membros inferiores em 39 a 51%.3 Tal fato sinaliza
que os membros inferiores, ao contrário do que se observa na Figura 23.1 Prováveis mecanismos da síndrome da dor regional
prática, que a SDRC deve ser procurada com o mesmo afinco complexa. CGRP = peptídeo relacionado ao gene da calcitonina; IL
da sua procura nos membros superiores. = interleucina; TNF = fator de necrose tumoral.

398 Tratado Brasileiro de Reumatologia


A reduzida resposta do sistema nervoso simpático na re- Como sempre acontece, a rápida evolução da medicina

„„ CAPÍTULO 23
gião, após o início do trauma, produz sinais de vasodilatação com o acréscimo de novos conhecimentos, os critérios diag-
e diminui a responsividade termorregulatória. A diminuição nósticos podem se modificar com o tempo, como Bruehl et al.
de tal vazão do sistema nervoso simpático contribui, também, fizeram, recentemente, em 2010, a saber:
para estimular a sensibilidade dos receptores adrenérgicos lo-
cais, cuja resposta vasoconstritora exagerada, na presença de
catecolaminas circulantes, fica afetada. A resultante redução
Quadro 23.4 Critérios diagnósticos para a SDRC modificado
de fluxo sanguíneo na região pode facilitar o acúmulo regional
de Bruehl et al.
de substâncias pronociceptivas que aumentam a hiperalgesia
e contribuem para hipóxia local, com consequente déficit nu- 1. Dor contínua, desproporcional a algum evento inicial.
tritivo e alterações tróficas (por exemplo, pele e unha) asso-
ciadas à SDRC. 2. Deve relatar pelo menos um sintoma em cada uma das quatro
seguintes categorias:
O estímulo nociceptivo contínuo resulta (faz com que en-
Sensorial: relato de hiperestesia.
trem em ação) as ligações simpaticoaferentes periféricas, ati-
Vasomotora: relato de assimetria de temperatura e/ou mudança da
vando outros mecanismos que produzem alterações nas vias
coloração da pele e/ou assimetria da coloração da pele.
nociceptivoespinhais, aumentando a responsividade nocicep-
Sudomotora/edema: relato de edema e/ou mudanças na transpiração
tiva, cujo resultado final é a alodínea e hiperalgesia (sensibili-
e/ou assimetria da transpiração.
zação central). A alteração da entrada do estímulo nóxico nas
Motora/trófica: relato de diminuição da extensão do movimento e/ou
vias aferentes das extremidade após o trauma contribui para
disfunção motora (fraqueza, tremor, distonia) e /ou mudanças tróficas
que haja mudanças da plasticidade cerebral, principalmente (pelo, unha ou pele).
a redução da sua representação somatossensorial da região
afetada no cérebro. Essas mudanças estão associadas à dimi- 3. Deve desenvolver pelo menos um sinal em duas ou mais das seguintes
nuição da sensibilidade tátil.2 categorias:
Sensorial: evidência de hiperalgesia e/ou alodínea.
Vasomotora: evidência de assimetria de temperatura e/ou mudança da
„„ QUADRO CLÍNICO E CLASSIFICAÇÃO coloração da pele e/ou assimetria da coloração da pele.
Não há, do ponto de vista clínico, como discernir a SDRC Sudomotora/edema: evidência de edema e/ou mudanças na
da dor neuropática. No entanto, isto não é verdadeiro quanto transpiração e/ou assimetria da transpiração.
à sua fisiopatologia. Motora/trófica: evidência de diminuição da extensão do movimento
Sintomas e sinais principais: dor, distúrbios da sensibili- e/ou disfunção motora (fraqueza, tremor, distonia) e /ou mudanças
dade, distúrbios vasomotores, edema articular e não articular, tróficas (pelo, unha ou pele).
alterações da sudação (hiper-hidrose) e anormalidades moto-
ras, alodínea e hiperalgesia. Diagnóstico da SDRC
É possível este discernimento retrocitado se levarmos em
conta os tecidos e órgãos envolvidos na produção deste curio- O diagnóstico da SDRC é fundamentado no exame clínico
so e difícil desafio da prática médica. Porém, os alicerces desta e retrata uma forma clínica típica de sintomas sensoriais, mo-
diferença são encontradiços nas Quadros 23.3 e 23.4. tores, autonômicos e psicológicos.1,7 Dentre os sinais e sinto-
mas destacam-se a dor (espontânea, alodínea, hiperalgesia),
distúrbios motores (tremor, fraqueza, falta de coordenação
muscular, diminuição da amplitude de movimento, mioclo-
Quadro 23.3 Critérios diagnósticos de SDRC I e SDRC II nia e distonia), alterações cutâneas (mudanças na coloração,
pela Associação Internacional para o estudo da dor. anormalidades sudomotoras, desrregulação de temperatura,
*SDRC-I (distrofia simpaticorreflexa) edema, transpiração, crescimento ungueal) e alterações psico-
lógicas (ansiedade e depressão).7 Três estágios da SDRC são
1. A presença de um evento nocivo inicial ou uma causa de imobilização. descritos na literatura: O estágio I é caracterizado por dor,
anormalidades sensoriais (alodínea, hiperalgesia), sinais de
2. Dor contínua, alodínea (hiperalgesia) nas quais a dor é desproporcional
a algum evento inicial.
disfunção vasomotora e proeminente edema e distúrbio vaso-
motor, representados nas Figuras 23.2, 23.3 e 23.4. O estágio II
3. Evidência em algum momento de edema, alterações do fluxo sanguíneo ocorre após 3 a 6 meses do início do quadro clínico e é carac-
cutâneo, ou anormalidade da atividade sudomotora na região da dor. terizado por marcada dor, disfunção sensorial e vasomotora,
4. O diagnóstico é excluído pela existência de condições que poderiam com desenvolvimento de significantes alterações motoras e
contribuir para o grau de dor e disfunção. tróficas. O estágio III é caracterizado por diminuição da dor/
distúrbio sensorial, continuado distúrbio vasomotor e marca-
**SDRC-II (Causalgia) da atrofia.4
1. A presença de dor contínua, alodínea ou hiperalgesia após um dano
neural, não necessariamente limitado à distribuição do nervo danificado. Classificação da SDRC
2. Evidência, em algum momento, de edema, alterações no fluxo sanguíneo Dois tipos de SDRC são reconhecidos: SDRC I corresponde
cutâneo ou anormalidade da atividade sudomotora na região da dor.
à distrofia-simpaticorreflexa e ocorre sem uma lesão neural
3. O diagnóstico é excluído pela existência de condições que poderiam, por definida. A SDRC II refere-se a um caso em que uma lesão neu-
outro lado, contribuir para o grau de dor e disfunção. ral está presente, sendo denominada de causalgia. Os critérios
* Nota: Critérios 2-4 devem ser preenchidos. clínicos para o reconhecimento das alterações relacionadas
**Nota: Todos os três critérios devem ser preenchidos. com a SDRC foram publicados pela IASP em 1994 (Quadro

Síndrome da Dor Regional Complexa 399


23.1). Recentemente, Bruehl S et al. propuseram modificações
„„ SEÇÃO 4   SÍNDROMES DOLOROSAS REGIONAIS

nos critérios da IASP na tentativa de aumentar a especificida-


de do diagnóstico da SDRC (Quadro 23.2). Experimentos clíni-
cos têm mostrado que o sistema nervoso simpático está ligado
à manutenção da SDRC em um grupo de pacientes. Roberts
introduziu o termo Simpateticamente Manutenção da Dor
(SMD) para descrever aspectos da dor aliviados pelo bloqueio
do sistema nervoso simpático eferente. Em contraste, simpate-
ticamente independente da dor (SID) refere-se à dor que não é
responsiva ao bloqueio simpático.

Tratamento
O diagnóstico e o tratamento precoce da SDRC são funda-
mentais no manejo desta condição. O tratamento é multidisci-
plinar, incluindo reabilitação, terapias psicológicas e para dor,
e seu objetivo é permitir a restauração da função do membro
afetado. Geralmente, os pacientes melhoram o quadro clíni-
Figura 23.2 Edema e rubor cutâneo na mão esquerda.
co com terapias conservadoras, porém aqueles que não res-
pondem a um nível aceitável após o tratamento por 12 a 16
semanas, deve-se ser questionada a tentativa de terapêuticas
intervencionistas.8

„„ MEDIDAS CONSERVADORAS INCLUEM OS


SEGUINTES TRATAMENTOS NÃO INVASIVOS
OU MINIMAMENTE INVASIVOS
„„ Tratamento farmacológico com drogas tópicas ou
orais.
„„ Terapias psicológicas (por exemplo, cognitivo-compor-
tamentais).
„„ Bloqueios neurais anestésicos locais (por exemplo,
bloqueio simpático local ou bloqueio intravenoso re-
gional).
Figura 23.3 Acentuado edema de mão e atrofia de antebraço.
Se houver uma resposta inadequada ou parcial, ou um in-
sucesso na reabilitação, devem ser realizadas tentativas dos
seguintes tratamentos invasivos:

„„ Bloqueio epidural.
„„ Neuroestimulação.
„„ Injeções e/ou terapia com drogas endovenosas.
„„ Terapia de drogas intratecais.
„„ Simpatectomia.

Tratamento medicamentoso
Estágio I da SDRC
Guidelines desenvolvidos por especialistas em SDRC têm
orientado a iniciar o tratamento da dor em virtude da SDRC no
estágio I com terapia tópica, antidepressivos tricíclicos (ami-
tripilina, nortriptilina), e um anti-inflamatório não esteroidal
(AINES).10

1. Terapia tópica:
„„ Capsaicina creme 0,075%.

Figura 23.4 Edema de membro inferior direito, mais evidente no 2. Antidepressivos tricíclicos:
joelho direito. „„ Amitriptilina.
„„ Nortriptilina.

400 Tratado Brasileiro de Reumatologia


3. AINES:

„„ CAPÍTULO 23
Em casos sem melhora clínica, após uma a duas semanas, é
recomendada a introdução de um anticonvulsivante:
„„ Pregabalina.
„„ Carbamazepina.
„„ Lamotrigina.
„„ Gabapentina.

Estágio II
Para pacientes no estágio II da SDRC, recomenda-se a tera-
pêutica referida no estágio I com acréscimo de glicocorticoide
(Figura 23.5). Uma alternativa adequada para os pacientes re-
fratários ao tratamento é a introdução de calcitonina ou bifos-
fonado e um analgésico opioide.10

1. Prednisona 1 mg/kg dia.


2. Calcitonina 200 UI 2 vezes ao dia.
3. Alendronato 70 mg por semana.

Figura 23.5 Mão esquerda da SDRC depois de tratamento com


corticosteroides e anticonvulsivantes.

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Síndrome da Dor Regional Complexa 401


5 Seção

Doenças Reumáticas
Associadas à Infecção
24

Capítulo
Mauro Kaiserman

Artrites Reativas
„„ HISTÓRICO E CONCEITO o espectro e as manifestações clínicas peculiares a cada agen-
te infeccioso e à resposta imune do hospedeiro e devem ser
Artrite reativa (ARe) é uma das espondiloartrites. Elas ca- estimulados diagnósticos de artrite reativa secundária à in-
racterizam-se por sua forte associação com HLA-B27, padrão fecção por estreptococo (sem critérios para febre reumática),
articular assimétrico com predomínio em membros inferiores, por gonococo (sem artrite séptica), após rubéola, em período
envolvimento das articulações sacroilíacas e coluna, e mani- prodrômico de hepatite viral e na vigência de parasitose in-
festações cutâneas, mucosas e oculares que surgem após al- testinal entre outros.
guns tipos de infecções geniturinárias e intestinais.10-49
Síndrome de Reiter é uma artrite reativa, e este diagnós-
Pode-se especular que a primeira descrição de artrite rea- tico poderia ser referido quando uretrite, artrite e conjuntivi-
tiva é de Hipócrates, que escreveu “um jovem não sofre de gota te estiverem presentes.49 Entretanto, por não ter sido Reiter
até que tenha relação sexual”.12 Também se especula que Cris- o primeiro a descrever a síndrome e por ser artrite reativa
tovão Colombo sofreu uma crise de ARe em 1494, de acordo um termo mais descritivo, ARe tornou-se a terminologia mais
com o relato de grave artrite nos membros inferiores e febre
apropriada, não interessando se as manifestações clínicas en-
após diarreia presumivelmente provocada por Shigella flexneri.
volvem ou não a tríade clássica.12
Colombo teria sofrido nova crise em 1498, desta vez com he-
morragia e dor ocular.3 Seguem-se descrições de artrite após
disenteria ou uretrite por Pierre van Forest em 1507, Thomas „„ EPIDEMIOLOGIA
Sydenham em 1686, Stoll em 1776 e Brodie em 1818.12
A verdadeira incidência de artrite reativa é difícil de ser
Hans Reiter, médico do exército alemão, descreveu, na pri-
estimada. Não há critérios diagnósticos seguros, há diferentes
meira grande guerra, a doença de um jovem que teve artrite,
prevalências de HLA-B27 nas populações e as infecções com
uretrite e conjuntivite alguns dias após um surto de disenteria.
os microrganismos artritogênicos variam ao longo do tempo
Reiter não reconheceu que estas manifestações estivessem re-
nas mesmas comunidades, dificultando a execução de estudos
lacionadas com a infecção intestinal, e chamou-a de spirocha-
epidemiológicos.
etosis arthritica.73 Pouco tempo antes, os franceses Fiessinger
e Léroy descreveram, em quatro pacientes com artrite aguda, Acredita-se que sua prevalência seja 1 a 2%, semelhante à
a síndrome óculo-uretro-sinovial em um surto de disenteria de artrite reumatoide. Maior conscientização e novos métodos
por Shigella.25 de investigação têm aumentado sua pesquisa e seu diagnós-
tico. Mesmo assim, é muito provável que pacientes com diag-
A síndrome passou a ser conhecida como Fiessinger-Lé-
nóstico de artrite indiferenciada tenham, na verdade, artrite
roy-Reiter, mas a denominação síndrome de Reiter foi consa-
reativa.
grada após Bauer e Engelmann, em 1942, descreverem em um
jovem a tríade artrite, uretrite e conjuntivite.8 Em uma clínica de artrite de início recente (até um ano
O termo artrite reativa foi sugerido por Ahvonen em de doença), a incidência anual de pacientes foi de 151 casos
19692 e também por Aho em 1976 e foi conceituada como (115/100.000), sendo 24% (28/100.000) artrite reativa e
artrite transitória nao purulenta (reativa) aparecendo 36% (41/100.000) artrite indiferenciada.83
durante ou até semanas após uma infecção intestinal.24 O mesmo grupo, dois anos depois, avaliou a incidência de
Este conceito deve ser modificado para artrite não purulen- artrite com evolução até três meses. Em 56 pacientes estuda-
ta relacionada com uma infecção recente ou não, não ar- dos, foram encontrados 38% de casos com artrite reativa e
ticular. Assim, também ficam incluídas no grupo as doenças 24% com artrite indiferenciada.84
relacionadas com infecção urogenital, a artrite da febre reu- O aumento na incidência de artrite reativa deverá ocorrer
mática e outras infecções bacterianas, virais e parasitárias graças a critérios diagnósticos com maior sensibilidade e a no-
que podem cursar com artrite e que não são sépticas nem vos recursos tecnológicos como determinação de DNA e RNA
apresentam material cultivável em articulações. Ampliam-se de bactérias.

405
„„ FISIOPATOGENIA para a divisão celular estão intensamente inibidos. Acredita-
„„ SEÇÃO 5   DOENÇAS REUMÁTICAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO

-se que esta forma seja uma alternância para escapar do sis-
Bactérias artritogênicas tema imune e, provavelmente, a forma normal dos estados de
As artrites reativas são principalmente relacionadas com infecção crônica.
prévia infecção urogenital ou intestinal e indivíduos HLA-B27 Estudos em cultura de células demonstraram que inter-
positivos. As bactérias envolvidas são Chlamydia trachomatis feron-gama em baixos níveis induz o aparecimento da forma
e pneumoniae, Campilobacter jejuni, fetus e lari, Clostridium persistente.95 A retirada do interferon-gama do sistema per-
dificile, Salmonella typhimurium e enteritidis, Shigella flexne- mite a diferenciação para corpos elementares infectantes e au-
ri e sonnei e Yersinia enterocolítica e pseudotuberculosa.92,45 mentando-se sua quantidade produz-se uma ação bactericida
Entretanto, pacientes não portadores do HLA-B27 também por ativação de macrófagos que destroem corpos elementares
desenvolvem artrite com as mesmas características das artri- fagocitados.
tes reativas. Mesmo que sejam em menor proporção, também Em estudo recente, comparando-se os níveis de interferon-
podem evoluir cronicamente. Na Tabela 24.1, estão relaciona- -gama no líquido sinovial em pacientes com artrite induzida
das bactérias que foram responsabilizadas por manifestações por Chlamydia (AIC), observou-se que eram significativamente
clínicas que correspondem à definição de artrite reativa. Além mais baixos nos portadores do HLA-B27. Após dois anos de
disso, infecções virais por fungos e parasitoses também foram acompanhamento, dois pacientes HLA-B27 estavam com artri-
descritas como capazes de induzir artrite reativa sem relação te crônica e, em um ano, todos pacientes HLA-B27 negativos
com HLA-B27.92 estavam curados.7

„„ A RESPOSTA IMUNE À CHLAMYDIA


Tabela 24.1 Bactérias artritogênicas.
Resposta Th1 x Th2
Associação com HLA-B27
Diversos mecanismos imunes indutores de inflamação es-
Sim Não estabelecida tão descritos na AIC.29-53 Observações iniciais que requerem
confirmação com maior número de pacientes demonstram al-
Campilobacter Borrelia tos níveis de IL10 e IL4 no líquido sinovial e no sangue e baixos
Chlamydia Brucella níveis de TNF e interferon-gama na AIC. Estas citocinas pró-
-inflamatórias produzidas pelo subtipo Th2 são antagonistas
Clostridium Haemophilus
do subtipo Th1, produtor de interferon-gama. Este desequi-
Salmonella Hafnia líbrio a favor de Th2 parece ser relevante para a patogênese
Shigella Leptospira da AIC uma vez que resposta Th1 eficaz é necessária para a
eliminação da Chlamydia. Portanto, baixas respostas iniciais
Yersinia Mycobacterium das citocinas Th1 predispõem ao desenvolvimento de artrite
Neisseria reativa em oposição aos indivíduos também infectados, mas
que possuem forte produção de Th1.
Estafilococo
Estreptococo
Toll-like Receptors (TLRs)
Ureaplasma
O início de uma resposta imune é sempre dependente de um
Vibrio
microrganismo e, muitas vezes, mediado por toll-like receptors
Helicobacter pylori (TLRs).
Os TLRs reconhecem agentes infecciosos e ativam o siste-
„„ A IMPORTÂNCIA DA CHLAMYDIA ma imune inato. Os receptores TLR-4 reconhecem lipopolis-
sacarídios e sua ação tem sido estudada na fisiopatologia das
TRACHOMATIS (CT)
artrites reativas. Nesse sentido, camundongos deficientes em
Somente 1 a 3% de portadores de uretrite por CT desenvol- TLR-4 expostos à Salmonella tiveram grande aumento da pro-
vem artrite. Entretanto, no mínimo 50% das artrites reativas liferação bacteriana,94 e pacientes com ARe induzida por Sal-
são causadas por CT. Se considerarmos os casos com prostatite monella comparados com o grupo-controle infectado, mas sem
crônica e as oligoartrites indiferenciadas não diagnosticadas, artrite, tinham baixa atividade de TLR-4.50
é possível que a incidência de artrite reativa induzida por CT
seja mais significativa ainda.96,41
Proteínas de estresse (de choque térmico)
Além de seu papel regulador de síntese e transporte de
A persistência da CT
proteínas celulares, as proteínas de estresse (heat shock
O gênero Chlamydia é conhecido classicamente por apre- protein – hsp) têm sido reconhecidas como moduladoras de
sentar uma forma infectante (corpos elementares) e outra resposta imune. Durante o estado persistente da CT, quando
reprodutiva (corpos reticulares). Recentemente, foi identifi- a expressão de genes necessários para a divisão celular está
cada uma terceira forma, persistente, metabolicamente ativa, intensamente diminuída, há estímulo para a produção de hsp.
mas não cultivável, e resistente a antibióticos.13,60,74 Durante o Em particular, hsp 60 estimula a produção de citocinas pró-
estado persistente, a expressão do gene da proteína princi- -inflamatórias por meio de seu reconhecimento por células
pal da membrana externa (omp1) e vários genes necessários mieloides44 e por prover às células infectadas (macrófagos e

406 Tratado Brasileiro de Reumatologia


células dendríticas) resistência a apoptose, permitindo que Artrite reativa

„„ CAPÍTULO 24
produzam mediadores inflamatórios cronicamente.98 Além
desta função, acredita-se que estas moléculas tenham um pa- Inflamação, infecção, fatores ambientais e apoptose po-
pel na resistência bacteriana.98 dem contribuir coletivamente para o início e perpetuação de
autoimunidade e a progressão de autoimunidade “benigna”
Outro mecanismo imune é a produção de anticorpos con-
para doença autoimune estabelecida e suas múltiplas mani-
tra hsp da proteína bacteriana e a geração de resposta inflama-
festações clínicas.38 A relação entre infecção e autoimunidade
tória. As proteínas de estresse são altamente diferenciadas, e
tem sido bastante definida nos últimos 20 anos. Está bastante
é bastante provável a indução de autoimunidade à hsp homó-
claro que, em indivíduos geneticamente suscetíveis, fatores
loga humana.18,75 Levando em conta esta hipótese, é possível
ambientais, principalmente infecções, têm um papel impor-
que seja este o mecanismo que provoca exacerbações de ar-
tante na patogênese de doenças autoimunes.32
trite reativa em pacientes assintomáticos que são afetados por
infecções não iniciadas em mucosa genital e intestinal. Publicações recentes propõem mecanismos que permitem
esta questão.11 Doenças antes reconhecidas como “estéreis”
são, na verdade, induzidas por micróbios. Os mecanismos mo-
Associação com HLA-B27 leculares que protegem o organismo contra infecção podem,
também, provocar lesões e doenças autoimunes.
Os antígenos de Classe I do Complexo Maior de Histocom-
patibilidade têm como função ligar-se a peptídeos específicos Infecções crônicas ou intermitentes levam a condições de
gerados pela ação de proteínas do citoplasma (proteólise) e inflamação persistente, dano tecidual e autoimunidade.
apresentá-los às células T CD8+. Desse modo, bactérias de O controle precoce dos agentes patogênicos é determinan-
ciclo intracelular, após fagocitose por células apresentadoras te para evolução favorável das infecções e não evolução para
de antígenos e internalizadas em vacúolos lisossômicos, são autoimunidade. Neste sentido, a ação citotóxica das células
apresentadas a células T citotóxicas. NK, controlando macrófagos hiperativados, é crítica não só
O lócus B é um dos três loci que codificam as moléculas de para esta finalidade, como também para regular a ativação de
Classe I. A prevalência do alelo B27 na população caucasiana outras células do sistema inato e evitar o desenvolvimento de
é próxima a 10%. Entretanto, a frequência de pacientes HLA- autoimunidade.
-B27 positivos portadores de artrite reativa é maior, variando O sistema imune inato alcança eficácia completa rapida-
por etnia e conforme o agente infeccioso: com Salmonella varia mente após reconhecer um agente patogênico e é a primeira
de 20 a 33%; com Chlamydia, 40 a 50%; com Yersinia, 70 a 80% linha de defesa. O reconhecimento de micróbios e de células
e com Shigella de 80 a 90%. Esta prevalência adquire maior transformadas ou infectadas através dos receptores de reco-
importância quando se constata que mais de 90% dos pacien- nhecimento imune inato (I2R2) inicia respostas pró-inflamató-
tes que evoluem com doença crônica, independentemente do rias e funções efetoras deste sistema.47
microrganismo infectante, são portadores do HLA-B27.92 Embora autoimunidade fosse considerada exclusiva-
Várias hipóteses têm sido sugeridas tentando explicar mente mediada pelo sistema imune adaptativo, estudos
como esta molécula está envolvida na patogênese das artrites recentes identificaram o papel de I2R2, promovendo es-
reativas, mas seu papel não está claramente entendido.37, 45 timulação constitutiva de respostas do sistema inato em
várias doenças autoimunes. A maioria dos I2R2 ativados é
É proposto que o modo como a molécula HLA-B27 apre-
especializada no reconhecimento de micróbios ou ligantes
senta o antígeno à célula T estimularia resposta autoimune
induzidos. Outros I2R2 com propriedades inibitórias co-
através de mimetismo molecular.23 Por outro lado, a própria
nectam-se a ligantes constitutivamente expressos no hos-
molécula B27 pode ser, primariamente, o autoantígeno54 ou
pedeiro. I2R2 inibitórios reconhecem moléculas próprias
sua exposição à bactéria alteraria sua tolerância natural.69
expressas constitutivamente, e quando desregulados, pode-
Permanece sem esclarecimento se a suscetibilidade para riam gerar autoimunidade.
portadores de HLA-B27 decorre de defeitos na apresentação
Também dependente de autoamplificação de resposta in-
do antígeno, por mecanismos não relacionados com sua apre-
flamatória via TLR, DNA endógeno pode estimular resposta
sentação ou uma combinação de ambos.78
imune.11
Poucos estudos analisaram quais alelos do HLA-B27
são mais suscetíveis de desencadear artrite reativa. HLA-
-B27*2705 é o mais frequente nas espondiloartrites e, assim, Artrite infecciosa
permanece na ARe, mas foi encontrado menos vezes quando
A impossibilidade de identificar e cultivar um microrga-
comparado com espondilite anquilosante e controles sadios nismo nas articulações afetadas tem mantido a expressão
também portadores de HLA-B27.77 reativa e sugerido mecanismo de hipersensibilidade para a
Outro estudo relaciona HLA-B27*2703 com a tríade uretri- doença. Neste caso, a resposta inflamatória é induzida por
te, conjuntivite e artrite.21 antígenos bacterianos inativos, e o ambiente articular seria
Finalmente, e bastante intrigante, estudos recentes supor- estéril. Porém, publicações recentes têm demonstrado a pre-
tam que a frequência de HLA-B27 em artrite após infecção sença de DNA e RNA de bactérias tanto no líquido como na
intestinal é de 30 a 50%35,40,57,58 e, mais do que aumentar a sus- membrana sinovial, sugerindo a presença de microrganis-
cetibilidade para desenvolver a doença, seria responsável por mos viáveis.34,56,72,80,89 Outras bactérias, infectando indivíduos
manifestações mais graves e pior prognóstico, facilitando sua não HLA-B27, parecem provocar artrite com manifestações
identificação e diagnóstico.79,85 Por este motivo, a prevalência semelhantes às artrites reativas. Nestes pacientes, há maior
de artrite reativa nos portadores de HLA-B27 seria falsamente tendência a poliartrite, raramente são encontrados restos
mais elevada. Provavelmente, o mesmo seria verdadeiro em bacterianos nas articulações e não parece haver evolução
ARe induzida por Chlamydia. crônica.92

Artrites Reativas 407


Artrite reativa é frequentemente iniciada após infecção
„„ SEÇÃO 5   DOENÇAS REUMÁTICAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO

urogenital ou entérica por uma das bactérias com ciclo vital in-
tracelular obrigatório ou facultativo. Após a infecção da muco-
sa, há disseminação de material bacteriano por via sanguínea
e, no caso de Chlamydia e Yersinia de microrganismos vivos
até a membrana sinovial e tecidos,27,33,43 sendo macrófagos e
células dendríticas os carreadores dos microrganismos até as
articulações.44,86
Por outro lado, foram encontrados ácidos nucléicos de
Chlamydia em indivíduos assintomáticos e em portadores de
osteoartrite.64-81 Estes achados sugerem que interação entre
funções da bactéria e respostas imunes específicas do hospe-
deiro são a chave para o desenvolvimento da artrite.
Deste modo, pelo menos em algumas situações, artrite re-
ativa pode ser, na realidade, artrite infecciosa com característi-
cas peculiares em suas manifestações. Figura 24.1 Dactilite (dedo em salsicha).

„„ MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
História clínica
A manifestação inicial mais frequente é artrite periférica
que podese acompanhar de dor em qualquer região da coluna
vertebral. Interrogatório detalhado é indispensável, pois, com
frequência, os pacientes omitem os sintomas urogenitais (que
podem ser pouco sintomáticos) ou diarreia ocorrida alguns
dias ou semanas antes da artrite. Ocasionalmente, a infecção
genital ocorre meses ou até alguns anos antes do aparecimen-
to da artrite.
Com maior dificuldade será identificada infecção de vias
aéreas quando a bactéria envolvida é Chlamydia pneumoniae.
Febre e queda do estado geral não são frequentes, mas podem
ocorrer e com intensidade variável.
Quando a “bactéria–gatilho” corresponde ao grupo não
relacionado com HLA-B27, as manifestações clínicas extra-ar- Figura 24.2 Entesite.
ticulares são as habitualmente encontradas em cada situação.

Manifestações musculoesqueléticas Palpação cuidadosa em região periarticular dos joelhos


O quadro articular clássico é oligoartrite assimétrica com pode demonstrar a presença de entesite regional. Entesopa-
predomínio em membros inferiores. Poliartrite com compro- tia na bacia e regiões trocantéricas e sacroiliíte unilateral sem
metimento de membros superiores semelhantemente à artri- sinais inflamatórios provocam dor, muitas vezes, de difícil in-
te reumatoide e monoartrite crônica são menos frequentes. A terpretação.
intensidade varia desde artralgia leve à dor intensa e o início Ocasionalmente, monoartrite de punho e dactilite em
costuma ser agudo, mas pode ser incipiente. mãos podem confundir o diagnóstico.
Os pacientes com artrite reativa induzida por Chlamydia O comprometimento da coluna vertebral é menos frequen-
apresentam maior intervalo entre a artrite e o início da infec- te do que artrite e entesopatia periférica. Qualquer segmento
ção, os níveis de proteína C reativa podem ser significativa- da coluna pode ser afetado. Geralmente, os pacientes referem
mente mais baixos e menor número de articulações afetadas. dor em regiões limitadas e persistem alguns dias ou semanas.
Por outro lado, sacroiliíte é mais frequente entre este grupo. Excepcionalmente, haverá dor vertebral aguda e intensa. Com-
Já os pacientes com artrite reativa provocada por outras prometimento das articulações condroesternais e condrover-
bactérias apresentam maior número de articulações com ar- tebrais provocam dor intercostal que pode ser difusa e mal
trite, e os membros superiores são mais afetados.66 avaliada pelo médico.
A presença de dactilite (artrite de interfalangianas de ar- Quando há lombalgia e sacroiliíte com dor irradiada pela
telhos, muitas vezes acompanhada de tendinite, configurando face posterior da coxa até região poplítea, a clínica pode ser
”dedos em salsicha“) é patognomônica de espondiloartrite (Fi- confundida com lombociatalgia.
gura 24.1). Em muitos pacientes, após o desaparecimento da artrite,
Entesite (inflamação nas inserções ósseas de tendões, li- permanecem dores em inserções ou em articulações sem evi-
gamentos e fáscias) e tenossinovite são bastante frequentes. dentes sinais inflamatórios que podem persistir por alguns
Também assumem características assimétricas e são mais en- dias ou meses e costumam ser migratórias. Mais comumente,
contradas nos tendões do calcãneo e nos tendões nas regiões observa-se calcaneodinia, dactilite, dor vertebral e em tendões
dos tornozelos (Figura 24.2). com inserções na bacia, regiões trocantéricas, nos pés e joelhos.

408 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Uma paciente com dor difusa crônica em ênteses (sem his-

„„ CAPÍTULO 24
tória de artrite), esterilidade e anticorpos positivos anti-Chla-
mydia foi encaminhada para laparoscopia. Foram encontradas
salpingite crônica, fibrose periapendicular e importante es-
pessamento e fibrose da cápsula hepática, configurando a sín-
drome de Fitz-Hugh-Curtis (peri-hepatite e periapendicite),
anteriormente relacionado com infecção gonocócica pélvica
ascendente e, atualmente, pelo menos em algumas pacientes,
relacionada com Chlamydia. A paciente foi medicada com do-
xiciclina, e as dores desapareceram após alguns meses (expe-
riência pessoal, não publicada).

Manifestações urogenitais
A uretrite provocada pela Chlamydia trachomatis difere cli-
nicamente da uretrite gonocócica. Aparece tardiamente (cer-
Figura 24.3 Queratodermia blenorrágica.
ca de duas semanas após a contaminação) e, quando a artrite
manifesta-se, a secreção uretral costuma estar discreta ou re-
solvida. Não é raro que se limite a escasso volume matinal ou
somente ser obtida por expressão da uretra. Os sintomas po-
dem ser leves e fugazes. Há situações como ardência miccional
por um dia ou mesmo infecções não percebidas. Os pacientes
com uretrite podem negar contato sexual recente, o mesmo
acontecendo nas recidivas.
Muitos pacientes com artrite reativa têm prostatite crôni-
ca. A principal causa de prostatite crônica é Chlamydia tracho-
matis, e 50% dos pacientes são assintomáticos.
Cervicite por Chlamydia pode ser facilmente diagnostica-
da por exame ginecológico e identificação do microrganismo
por imunofluorescência direta. Entretanto, em clínica gine-
cológica de adolescentes que consultaram para prevenção de
gravidez, 10% estavam com cervicite por Chlamydia e eram
assintomáticas.61
Salpingite aguda e crônica provocadas por Chlamydia po-
Figura 24.4 Pustulose palmar.
dem ser encontradas na artrite reativa. Considerando-se que
salpingite crônica assintomática é a principal causa de esterili-
dade feminina não hormonal e também de gravidez tubária,61
parece sensato investigar as pacientes com artrite reativa sem
história urogenital.
Síndrome de cistite não é frequente. Quando presente, há
bacteriúria com urocultura negativa, e cistoscopia evidenciará
mucosa vesical bastante congesta e edemaciada.

Manifestações gastrointestinais
Infecções intestinais por Yersinia, Salmonella, Shigella,
Campylobacter e Clostridium estão comprovadamente relacio-
nadas com artrite reativa. Há intervalo de dias a semanas entre
as manifestações digestivas e a eclosão da artrite. A diarreia
pode ser profusa e permanecer por vários dias, mas geralmen-
te é leve e, quando os pacientes são avaliados, há pouca chance
de se isolar bactérias das fezes. Infecção intestinal por Yersinia
pode-se manifestar como diarreia em um dia somente e não
será recordada pelos pacientes.

Manifestações cutâneas e de mucosas


As lesões na pele são a queratodermia blenorrágica (Figu-
ra 24.3).
Também conhecida como pustulose palmoplantar (Figura
24.4) e a balanite circinada (Figura 24.5). Figura 24.5 Balanite circinada.

Artrites Reativas 409


São semelhantes à da psoríase, inclusive histologicamen- síveis. Costuma ser unilateral. Clinicamente, observam-se olho
„„ SEÇÃO 5   DOENÇAS REUMÁTICAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO

te. As lesões palmares e plantares inicialmente se manifestam vermelho, fotofobia, dor e variado grau de dificuldade visual.
com flictenas, parecendo haver secreção líquida no seu inte- Pode ser a primeira manifestação ou o único evento de reagu-
rior. Porém, ao se romperem, a pele subjacente está seca e fica dização em um paciente com história prévia de artrite reativa.
indistinguível de psoríase. Também podem estar presentes na Pacientes sem história ocular ou que já tiveram uveíte e este-
região dorsal dos pés e nos artelhos (Figura 24.6). jam assintomáticos devem ser encaminhados para avaliação
A balanite pode-se manifestar como discreta área erite- de sequelas cicatriciais.
matosa ao redor do meato uretral ou ocupar área extensa da
glande. Manifesta-se na crise de artrite, mas pode aparecer
Manifestações cardíacas
isoladamente em um paciente já assintomático. Pacientes com
psoríase também apresentam este tipo de lesão e deve-se estar Distúrbios de condução, principalmente bloqueio do ramo
atento para esta possibilidade para evitar-se erro diagnóstico. direito, são raros. Podem-se manifestar nas crises ou perma-
As lesões orais são raras. São pequenas manchas brilhan- necerem definitivamente. Insuficiência aórtica é também refe-
tes, indolores, que podem ser vistas no palato, bochechas, lín- rida como evento raro, sendo causa de óbito em um paciente
gua e lábios. e necessidade de prótese em outro, na experiência do autor.

Manifestações oculares „„ DIAGNÓSTICO CLÍNICO


Conjuntivites leves e passageiras são mais frequentes do A regra geral para suspeitar-se de artrite reativa é oligo-
que as formas graves. Não há consenso se são secundárias à artrite com predomínio nos membros inferiores. Havendo
contaminação direta pelo paciente a partir da secreção uretral, evidência de infecção urogenital ou intestinal, o diagnóstico
à semelhança da conjuntivite do recém nascido de mãe com clínico é bastante seguro. Igualmente decisivo para suspeita
cervicite. diagnóstica é a presença ou história recente de infecção. Caso
Uveíte anterior aguda é frequente (Figura 24.7). Deve ser contrário, a presença de entesite, dactilite, dor na coluna ver-
identificada rapidamente e adequadamente tratada a fim de tebral, manifestações oculares, em mucosas e cutâneas, assim
evitarem-se sinequias posteriores e alterações visuais irrever- como positividade para HLA-B27 reforçam o enfoque no gru-
po espondiloartrite. Se não há critérios suficientes para diag-
nosticar uma das doenças do grupo, deve-se buscar infecção
crônica assintomática ou história bastante sugestiva de pré-
via infecção urogenital ou intestinal. Como, frequentemente,
infecção urogenital por Chlamydia é assintomática ou cursa
com sintomas leves não percebidos por pacientes e médicos,
parece sensato pesquisá-las incluindo encaminhamento para
urologista e ginecologista com a devida orientação do que está
se buscando. Considerando-se:

1. Que 50% das prostatites crônicas são assintomáticas sen-


do Chlamydia trachomatis o agente infeccioso mais fre-
quente;
2. Que a causa mais frequente de infertilidade feminina não
hormonal é salpingite crônica assintomática por Chlamy-
dia, parece também sensato investigar os pacientes com
diagnóstico de artrite reativa sem história urogenital.

Figura 24.6 Psoríase. Neste momento, é indispensável exame urológico ou gine-


cológico. Revisão das fichas clínicas, muitas vezes através de
contato com os especialistas, pode incluir elementos que le-
vam ao diagnóstico. Uretrites intermitentes, prostatite crônica
assintomática, salpingite aguda tratada há vários anos e não
revisada, esterilidade, entre outras possibilidades, são a chave
para o diagnóstico de artrite reativa.
Por outro lado, quando a porta de entrada é infecção in-
testinal, ou haverá história recente ou dificilmente o paciente
lembrará o surto de diarreia.

„„ INVESTIGAÇÃO LABORATORIAL
Na fase aguda, velocidade de sedimentação globular e pro-
teína C reativa costumam estar bastante elevadas. Geralmente,
há leucocitose que não costuma ser muito alta e raramente há
anemia. Devem ser solicitados exames buscando diagnóstico
de infecção e também para diagnóstico diferencial com outras
Figura 24.7 Uveíte. doenças articulares inflamatórias (Tabela 24.2).

410 Tratado Brasileiro de Reumatologia


método rápido, seguro, mais fácil de executar do que imuno-

„„ CAPÍTULO 24
fluorescência e parecendo mais útil no sorodiagnóstico de AIC.
Tabela 24.2 Investigação de artrite reativa. Exames bacterioscópicos e culturais de secreções coleta-
„„ VSG das em áreas suspeitas e do líquido sinovial podem identificar
„„ Proteína C reativa o agente infeccioso. É importante a pesquisa de cristais no lí-
„„ Hemograma quido sinovial para excluir gota e condrocalcinose.
„„ Exame qualitativo de urina A pesquisa do HLA-B27, além de reforçar a hipótese diag-
„„ TGO, TGP, GGT nóstica, pode prever pior prognóstico e sugerir tratamento
„„ Albumina
mais intensivo.
„„ Creatinina Pesquisa de DNA e RNA de bactérias por PCR em secreção
„„ Fator reumatoide, anticorpos antinucleares uretral, prostática, cervical, líquido sinovial e, principalmente,
„„ Anticorpos anti-Chlamydia IgG, IgA, IgM
tecido sinovial é o método mais acurado para diagnóstico de
artrite reativa. Infelizmente, este teste não está disponível na
„„ Anticorpos anti-Yersinia IgG, IgA, IgM
maioria dos centros e não tem mostrado os resultados deseja-
„„ Outros anticorpos, se indicado
dos, havendo discordância entre laboratórios.52 Aparentemen-
„„ Bacterioscópico e cultura bacteriana de: fezes, urina, secreção uretral,
te, os testes comerciais disponíveis são pouco sensíveis. As
cervical ou faringe
dificuldades sugeridas estão na extração da amostra antes da
„„ Exame do líquido sinovial
amplificação e na localização intracelular dos microrganismos.
„„ Tipagem HLA-B27
Quanto à Chlamydia, as dificuldades aumentam em virtude de
„„ Radiografias, tomografia computadorizada, ressonância magnética sua morfologia atípica e a utilização do plasmídeo como o alvo
„„ Cintilografia de esqueleto das sondas.4,26,51,52
„„ Eletrocardiograma Radiografias das articulações comprometidas só estarão
„„ Pesquisa bacteriana por PCR alteradas após alguns meses de evolução. Entesite em jovens,
„„ Avaliação urológica principalmente de calcâneo, é altamente sugestivo de espondi-
„„ Avaliação ginecológica loartrite e dirige o diagnóstico para artrite reativa na ausência
de critérios para as outras doenças do grupo. Entretanto, em
fases iniciais da doença, o estudo radiológico deve estar nor-
Bacteriúria com exame cultural negativo sugere infecção mal. Nestas ocasiões, cintilografia de esqueleto é extremamen-
com Chlamydia, inclusive nas mulheres. Quando disponíveis te útil para indicar as zonas de inserção óssea e as articulações
e de acordo com as manifestações clínicas, devem ser pes- inflamadas (Figura 24.8).
quisados anticorpos dirigidos às bactérias artritogênicas Ressonância magnética é o exame de eleição para mostrar
(Tabela 24.1). edema justaligamentar e de osso subcondral quando há espon-
A interpretação dos resultados da pesquisa de anticorpos dilite, sacroiliíte e calcanite inicial, podendo ser utilizada para
anti-Chlamydia requer alguns cuidados. Os testes disponíveis acompanhamento e distinção entre doença ativa ou sequela.
têm reação cruzada com Chlamydia pneumoniae, e esta bacté-
ria é causa frequente de infecção de vias aéreas, muitas vezes
não diagnosticada, mas poucas vezes provoca ARe.
A presença de anticorpo IgG isoladamente somente signifi-
ca que o paciente foi infectado por Chlamydia. O anticorpo IgG
costuma permanecer positivo e, muitas vezes, em título alto.
É aconselhável que positividade isolada de IgG seja interpre-
tada à luz de dados clínicos. Pode-se relacionar com infecção
anterior e sem relação com a doença atual e, com frequência,
corresponder à Chlamydia pneumoniae.
IgM está frequentemente ausente porque aparece precoce-
mente na infecção e quando os pacientes desenvolvem artrite,
este anticorpo já desapareceu. Além disso, há casos nos quais
o anticorpo IgM nunca é detectado. Entretanto, quando positi-
vo certamente significa infecção recente.
Especial atenção deve ser prestada ao anticorpo IgA. Sen-
do imunoglobulina de epitélio, é precocemente estimulada
e sua presença e título podem ser orientação fiel tanto para
diagnóstico como seguimento. Esta conduta pode ser seguida
também na infecção por Yersinia.
Em estudo recente,6 17 pacientes com AIC e 20 controles
com outras causas de artrite foram testados para determinar
a prevalência dos anticorpos IgG, IgA e IgM usando-se ELISA e
microimunofluorescência. As melhores sensibilidade e especi-
ficidade foram obtidas com IgG/IgA.
Os autores concluíram que ELISA, usando-se como antígeno
peptídeos derivados da membrana externa da Chlamydia, é um
Figura 24.8 Cintilografia de esqueleto.

Artrites Reativas 411


Tomografia computadorizada é bastante útil para demons- „„ ANTIBIÓTICOS
„„ SEÇÃO 5   DOENÇAS REUMÁTICAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO

trar sacroiliíte unilateral em artrite reativa quando o exame


radiológico ainda é normal ou de interpretação duvidosa (Fi- Artrite reativa aguda
gura 24.9). Artrite reativa de início recente é, por definição, doença
infecciosa e a identificação do agente causal e sua erradicação
com tratamento adequado pode propiciar sua cura. Portanto,
o uso de antibióticos deve ser estimulado.
Quando a porta de entrada da infecção for intestinal, esta-
riam indicados antibióticos somente se ainda houver diarreia
ou outra evidência de infecção ativa.82
São sugeridos períodos curtos de antibióticos e propostos
mecanismos de hipersensibilidade para os cursos clínicos que
se prolongam por semanas ou meses. Entretanto, observações
em acompanhamento de pacientes com uroartrite por Chla-
mydia e enteroartrite por yersinia e salmonella mostram que
20 a 70% dos casos têm alguma dor articular, entesopatia ou
crises intermitentes de lombalgia por alguns anos.17,55,90,97
O achado de anticorpos novos contra Yersinia1 e persistên-
cia de anticorpos IgA anti-Yersinia em artrite reativa reagudi-
zada sem novo surto de diarreia45 parecem indicar infecção
persistente.
Figura 24.9 Tomografia de sacroiliíte unilateral à esquerda. Portanto, à semelhança das infecções por Chlamydia e sua
persistência, quando há evolução crônica, as evidências apre-
sentadas sugerem, também, a persistência de infecção intes-
tinal. As bactérias podem estar presentes simultaneamente
nas articulações e no aparelho geniturinário ou intestino ou
„„ TRATAMENTO somente na porta de entrada, enviando antígenos a distância.
Também não se pode descartar a possibilidade da eliminação
Anti-inflamatórios não esteroides (AINEs)
das bactérias do sítio inicial e colonização em uma ou mais arti-
e analgésicos culações, ou erradicação de bactérias viáveis e persistência por
AINEs devem ser usados de modo sintomático e, com fre- vários anos de restos bacterianos antigênicos incapazes de se-
quência, na dose plena. Não há um AINE específico ou classe rem eliminados pelo sistema macrófagos & HLA & linfócitos T.30,31
que ofereça melhor resultado.68 A escolha deve ser condiciona- A eliminação da bactéria deve ser a meta a atingir, mesmo
da à preferência do médico e, se houver, à experiência prévia nos indivíduos assintomáticos. Um trabalho canadense67 e ou-
do paciente quanto à eficácia e tolerância. A associação com tro norueguês65 demonstram que tratamento precoce, mesmo
bloqueadores de bomba de prótons tem sido bastante utiliza- não modificando o curso clínico, erradicou yersinia com muito
da visando administração por tempo prolongado. Mesmo as- maior rapidez do que placebo. Os argumentos apresentados
sim, há pacientes que não a necessitam. justificam o uso de antibióticos precocemente e por tempo
Artrite reativa pode ser muito dolorosa. Nessa situação, prolongado em artrite reativa, podendo haver alternância de
associam-se analgésicos aos AINEs. São utilizados quaisquer medicamentos ou sua associação. Os resultados terapêuticos
analgésicos, inclusive os de ação central. têm sido controversos, mas publicações recentes são anima-
doras e reforçam esta conduta. Em uma88 ciprofloxacina ou
placebo foram usados durante 3 meses. Avaliação inicial não
Corticoides mostrou diferença significativa entre os grupos. Quando os
pacientes foram reavaliados quatro a sete anos após, 41% do
Não há trabalhos mostrando que corticoides retardem a er-
grupo placebo estavam com doença reumática crônica, compa-
radicação da infecção aguda. Porém, é sensato evitá-los como
rados com 8% de pacientes do grupo tratado com ciprofloxaci-
primeira escolha, mesmo em situações de intensa inflamação.
na. No grupo placebo, dois pacientes estavam com espondilite
Entretanto, em casos especiais, o uso de formulação por via
anquilosante e três tinham uveíte anterior intermitente.
parenteral de ação prolongada oferece excelente alívio que se
mantém enquanto aguarda-se o resultado do tratamento de
base. Esta conduta pode ser de bastante sucesso ou a evolução Artrite reativa crônica
pode continuar desfavorável e haver necessidade de se intro-
duzir corticoide por via oral em doses variáveis dependendo O prognóstico da ARe não é tão bom quanto antes se pen-
da resposta terapêutica. sava e estima-se que 30 a 50% dos pacientes evoluam para
cronicidade.13
Articulações intensamente inflamadas (geralmente joe-
lhos) e com volumosa coleção líquida têm alívio com punção e Há formas distintas da apresentação clínica da forma crô-
injeção local de corticoide de depósito. As injeções intra-arti- nica. Em uma, o paciente permanece com doença ativa na se-
culares não devem ser repetidas com frequência. quência do surto agudo. Outra forma são surtos de artrite ou
entesite entre períodos variáveis assintomáticos. Na grande
O uso tópico nas lesões cutâneas pode ser boa escolha,
maioria dos casos, os pacientes ou não receberam antibióticos
bem como nas manifestações oculares.
ou foram tratados por não mais do que 2 semanas.

412 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Uma terceira forma é diagnóstico tardio de artrite reativa microrganismos viáveis e da necessidade de se usar antibióti-

„„ CAPÍTULO 24
crônica em paciente não investigado nem medicado. cos por longo prazo.42
É indispensável pesquisar-se infecção, que pode estar fa-
cilmente perceptível ou sem manifestação clínica aparente Sulfassalazina
(Tabela 24.2).
Identificando-se infecção, o tratamento com antibióticos Apesar dos resultados contraditórios, tem sido indicada
deve ser prolongado, sendo sugeridos de 3 a 9 meses.46,88 Mo- em artrite reativa crônica. Parece oferecer bons resultados
nitoração periódica pode abreviar o tempo do tratamento. em até 60% dos pacientes, principalmente em artrite periféri-
Porém, em virtude das formas distintas de evolução, há al- ca14,15 e prevenção de uveíte.62 Deve-se iniciar com 500 mg uma
gumas dificuldades no acompanhamento dos pacientes e pode ou duas vezes ao dia e aumentar após duas a quatro semanas
ser bastante difícil avaliar se há infecção ativa no sistema que até três gramas por dia com duas tomadas. Aguardar 04 meses
foi a porta de entrada, se esta persiste em articulações e/ou para avaliar resposta ao tratamento. Devem ser realizados he-
ênteses ou se as manifestações clínicas crônicas se devem a mograma e avaliação hepática após 1 mês e, posteriormente,
mecanismos autoimunes (Tabela 24.3). A conduta deverá ser pelo menos duas vezes por ano.
orientada pelo conhecimento da fisiopatogenia da doença e
por acurado acompanhamento clínico. Pesquisa de DNA ou Methotrexate
RNA do microrganismo infectante e o conhecimento do perfil
de citocinas que caracterizam cada etapa da doença deverão A persistência de antígenos bacterianos não obrigato-
ser desenvolvidos e, deste modo, direcionando adequadamen- riamente viáveis e os mecanismos autoimunes relacionados
te o tratamento a ser feito.22 com proteínas de estresse já são suficientes para justificar a
imunossupressão em artrite reativa crônica. Não é possível ga-
rantir com segurança que o agente infeccioso está erradicado,
mas, após período razoável de tratamento e extensa pesqui-
Tabela 24.3 Dificuldades no tratamento da artrite reativa
sa de infecção negativa, temos usado methotrexate com pro-
crônica.
tocolo semelhante ao de artrite reumatoide. A experiência é
„„ Infecção assintomática interessante, mas, à semelhança dos relatos publicados, faltam
„„ Como detectar reinfecção com segurança? ensaios com maior número de pacientes.16,91
„„ Parceiros sexuais não tratados
„„ Por quanto tempo usar antibióticos?
Anti-TNF
„„ Associar antibióticos?
„„ Trocar antibióticos? Considerando-se os resultados observados em artrite
„„ Uso intermitente de antibióticos? reumatoide e, principalmente, em espondilite anquilosante e
„„ Quando usar sulfassalazina? artropatia psoriásica, a supressão do TNF em artrite reativa
„„ Quando usar imunossupressão? deveria provocar um resultado semelhante. Porém, o papel do
TNF parece ser menos importante na geração da inflamação
do que na artrite reumatoide e já foi demonstrado que pacien-
Escolha do antibiótico tes com mais de 6 meses de doença secretam menos TNF.10
Parece haver consenso quanto à utilização de fluoroquino- Alternativamente, se TNF é necessário ou importante para
lonas nas enteroartrites.20,28,38 a erradicação microbiana, alterando-se os níveis de TNF, pode-
-se, potencialmente, favorecer a persistência da infecção.70
Doxiciclina é o antibiótico de escolha para tratamento de
infecção por Chlamydia.5 Considerando-se tolerância individu- As publicações, até agora, apesar de animadoras são de ca-
al e a possibilidade de ser usado por maiores períodos, outras sos isolados e sem seguimento59,63 ou referem-se a pacientes
opções com aparente mesma eficácia são macrolídeos e qui- com diagnóstico de espondiloartrite indiferenciada.59,70,93 En-
nolonas.19,71,87,88 Em publicação recente, as bem-sucedidas as- tre estes pacientes pode haver casos de artrite reativa crônica,
sociações de doxiciclina ou azitromicina com rifampicina em mas não foram avaliados para esta possibilidade.
infecções sinoviais por chlamydia trachomatis ou pneumoniae Portanto, a indicação de agentes biológicos anti-TNF em
(confirmadas por reação da polimerase em cadeia) usadas du- artrite reativa está aguardando estudos prospectivos contro-
rante seis meses, é mais uma demonstração da presença de lados e com número adequado de pacientes.9

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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416 Tratado Brasileiro de Reumatologia


25

Capítulo
Calil Kairalla Farhat (in memoriam)  Antonio Vladir Iazzetti

Osteomielites Simulando Artrite Séptica na Infância

O termo osteomielite, em senso restrito, significa in- ma ou embolização, geram locais apropriados para a prolife-
flamação de um osso. Geralmente, em clínica, utilizamos o ter- ração de bactérias. Microrganismos provenientes do sangue
mo os­teomielite para designar primariamente os processos podem colonizar a zona relativamente avascular e proliferar,
infecciosos ós­seos metafisários causados por bactérias. protegidos dos mecanismos de defesa do hospedeiro.18-31-34
Aproximadamente uma em cada 5.000 crianças com me- A proliferação bacteriana em um volume relativamente
nos de 13 anos apresenta em sua vida um episódio de osteo- pequeno de tecido fechado por paredes rígidas provoca o acú-
mielite, sendo os meninos acometidos em torno de 2,5 vezes mulo de exsudatos e produtos bacterianos sob pressão contí-
mais que as meninas. Cerca de 40% do total de casos de os- nua. A disposição dos vasos sanguíneos ósseos é tal que essa
teomielite ocorrem em indivíduos com menos de 20 anos de pressão favorece a necrose óssea maciça. E, ainda piorando a
idade. Tais dados estatísticos, carentes em nosso meio, são situação, a anatomia dos vasos sanguíneos não conduz à reab-
provenientes de literatura estrangeira.29 sorção do parênquima ósseo necrosado.
A osteomielite acomete preferencialmente os ossos longos Nos estágios iniciais da osteomielite, uma verdadeira celu-
mais frequentemente os membros inferiores, porção distal do lite da medula, todo o processo descrito pode ser abortado por
fêmur e proximal da tíbia. Apesar disso, ocorrem casos de os- uma terapia adequada. Na ausência de terapia, a necrose da
teomielite também em ossos chatos, co­mo a calota craniana, medula óssea continua, o exsudato sob pressão é forçado atra-
as vértebras e a mandíbula. Quando tais ossos são acometidos, vés do sistema haversiano e canais de Volkmenn para dentro
geralmente existem fatores predisponentes, como punção de do córtex ósseo, provocando necrose e atingindo o periósteo, e
veia do couro cabeludo, presença de algum fator de diminui- finalmente fistulizando para fora.
ção de resistência do paciente, como ocorre na osteomie­lite de
coluna em pacientes com anemia falciforme.
„„ ETIOLOGIA

„„ FISIOPATOGENIA O agente que mais frequentemente provoca a osteomielite


é o Staphylococcus aureus, seguido, em porcentagem muito pe-
A bactéria pode atingir o osso seguindo três caminhos di- quena, pelo estreptococo grupo A.1,23
ferentes: O estafilococo predomina como agente causal da osteo-
a) Inoculação direta seguida a um trauma ou mesmo durante mielite, mesmo no período neonatal, onde suplanta os Gram-
o ato cirúrgico. -negativos que, nesse grupo etário, sempre constituem os
agentes mais comuns das infecções.27
b) Invasão a partir de um foco contíguo de infecção, geral-
mente uma celulite. Outros microrganismos também podem causar osteomieli-
te, mas em condições especiais, como é o caso da Salmonela,2, 7, 17
c) Invasão hematogênica a partir de uma bacteremia ou
nos portadores de anemia falciforme, e a Pseudomona em casos
eventualmente de uma septicemia.18, 31, 32, 34
de escolares que andam descalços e ferem o calcâneo levando
Daqui por diante trataremos de osteomielite hematogênica, infecção de fora para dentro, principalmente em zona rural e
que é a via mais frequente de acometimento ósseo na infância. periferia de cidades.
Nos ossos longos, a infecção se inicia primariamente na
metáfise. A placa epifisária cartilaginosa de crescimento é nu- „„ QUADRO CLÍNICO
trida por difusão de nutrientes a partir de um estreito plexo
capilar, alimentado pelos ramos metafisários da artéria nu- O quadro clínico da osteomielite varia muito de acordo
triente. Esta drena em um extenso plexo sinusoidal que, por com a idade do paciente.
último, se liga ao plexo venoso sinusoidal na medula óssea. No recém-nascido, sendo o córtex ósseo muito fino e o pe-
Tromboses dos sinusoides de fluxo lento, secundárias a trau- riósteo fracamente aderido ao osso, estas barreiras são muito

417
pobres e não impedem a disseminação da infecção. Conse- Ela mostra o aumento localizado de captação do radioi-
„„ SEÇÃO 5   DOENÇAS REUMÁTICAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO

quentemente, o abscesso purulento rapidamente rompe essas sótopo correspondendo ao local da osteomielite aguda. Este
estruturas atingindo a musculatura e, em seguida, fistulizando aumento pode também estar presente em outras lesões, por
através do subcutâneo e da pele. Além disso, nessa idade, os isso devemos ter cuidado com a técnica de realização, com o
capilares metafisários perfuram a placa epifisária de cresci- posicionamento da criança e com a possibilidade de má inter-
mento, o que permite levar a infecção até a articulação adja- pretação.
cente.11,24,26 A 1ª escolha para a cintilografia é o Tecnécio-99.
Em lactentes acima de um ano de idade até o pré-escolar, Os radiosótopos concentram-se avidamente nos locais de
o córtex ósseo mais grosso e o periósteo mais denso atuam hiperemia e de reabsorção óssea, no início induzidos pelo pro-
como barreiras à infecção, sendo o aparecimento de dor local cesso infeccioso. A reparação óssea também contribui para a
com edema ou mesmo abscesso subperiostal, a regra. Nes- atividade no mapeamento do osso nas fases aguda e crônica.
ta idade, os capilares metafisários já são atrofiados e, sendo A cintilografia com tecnécio é realizada classicamente em três
assim, a placa epifisária de crescimento avascular atua como fases:20
uma barreira, impedindo a disseminação da infecção para a
epífise e a articulação adjacente.18, 31, 34 „„ 1ª Fase: cinco segundos a um minuto após a injeção
No criança em período escolar e no adolescente, a lesão é de contraste.
extremamente bem localizada e raramente ultrapassa o córtex „„ 2ª Fase: cinco a quinze minutos após a injeção de con-
ósseo, pois este é bem grosso, impedindo, assim, a evolução da traste.
infecção através do periósteo e partes moles. Como resultado,
„„ 3ª Fase ou tardia: duas a três horas após a injeção de
os sinais e sintomas da doença tendem a ser focais.13, 18, 30, 31, 34
contraste.
A fase bacterêmica da osteomielite pode ser reconhecida
por febre de intensidade variável, mal-estar, ou pode ser total- Classicamente, nas celulites ou infecção de partes moles,
mente subclínica. Não há correlação entre a intensidade dos a difusão ou aumento regional de captação ocorre nas duas
sintomas e a severidade da osteomielite. primeiras fases, mas desaparece ou diminui muito na fase tar-
No recém-nascido, há intensa irritabilidade e dor quando a dia. Na osteomielite, há aumento discreto nas duas primeiras
extremidade afetada é tocada. A pseudoparalisia pode ocorrer fases e aumento intenso localizado no foco infeccioso do osso
em alguns casos e, quando não tratada, a drenagem de mate- na fase tardia.
rial purulento através da pele pode ser vista. Quando o osso não estiver afetado por outras condições
No lactente e em crianças em fase pré-escolar, predomi- patológicas, a análise cintilográfica tem sensibilidade e especi-
nam a dor e a impotência funcional do membro atingido. ficidade de aproximadamente 90%; em osso lesado, a mesma
Em alguns casos, em pré-escolares e nos adolescentes, há me- ainda é sensível 93% e com especificidade de aproximada-
nos restrição funcional da extremidade e o ponto doloroso é mente apenas 34%. Uma cintilografia óssea “fria” ou falso-ne-
bem circunscrito, podendo ser encontrado como uma pequena gativa pode ocorrer na osteomielite aguda em virtude de uma
área de desconforto quando se percute o membro em repouso. trombose medular primária causada por compressão de mi-
crocirculação na medula em virtude de um abscesso intraós-
seo ou por pressão extrínseca da artéria nutriente, por pus
„„ DIAGNÓSTICO subperiostal adjacente e, nesse caso, em vez de hipercaptação,
O diagnóstico etiológico definitivo da osteomielite é feito teremos uma imagem intraóssea de ausência de captação.
pelo isolamento do microrganismo causador, a partir de mate- A 2ª escolha para a realização da cintilografia é com Citrato
rial obtido diretamente por punção óssea ou, mais raramente, de Gálio-67. Ele pode ser transferido das proteínas plasmáti-
a partir de estruturas anatômicas contíguas ao osso. cas (transferrina e lactoferrina) para as membranas de bac-
A cultura de material obtido diretamente do osso oferece térias e neutrófilos e ser incorporado como uma estrutura
positividade em torno de 70 a 80% dos casos (sem antibioti- proteica intracelular.2,24,26 O mapeamento precoce com Gálio
coterapia prévia), enquanto as hemoculturas, que constituem (três a quatro horas após a injeção) dá uma exatidão de 91%
outra forma de identificar o agente etiológico, em apenas 40 a na detecção da osteomielite. Como este isótopo marca os neu-
50% dos casos.29 trófilos, e a bactéria não serve para diferenciar infecção aguda
(osteomielite, celulite ou abscesso muscular), usá-lo na con-
O hemograma apresenta-se, quase sempre, com desvio à
valescença é o ideal pois como a restauração óssea aumenta
esquerda, sendo o dado mais importante a hemossedimenta-
o metabolismo, a cintilografia com Tecnécio continua dando
ção alterada, que se acha sempre elevada, e que servirá tam-
resultado positivo, enquanto que o exame com Gálio, não ha-
bém para critério de avaliação de cura.18
vendo bactérias e neutrófilos, resulta negativo.
O diagnóstico radiológico depende da fase em que se acha a
doença, pois as radiografias só começam a se alterar após o séti- Ressonância magnética (RM) – Tomografia (TC): Nem a
mo dia de evolução e somente após duas semanas, no mínimo, é RM nem a TC são recomendadas como primeira escolha para
que o quadro radiográfico fornece ideia real da extensão do pro- diagnóstico; são exames de alto custo, requerem sedação e
cesso, como o aparecimento da reação periostal e de lesões os- não podem mapear o corpo todo. São usados apenas quando
teolíticas. Daí a radiologia ser um método tardio de diagnóstico, se suspeita de osteomielite de coluna ou pelvis, casos em que a
e que não se presta, portanto, para o acompanhamento precoce interpretação da cintilografia fica extremamente comprometi-
e rápido tratamento que a enfermidade requer.13 da, impossibilitando diagnóstico exato.
Recentemente, o método mais sensível e mais rápido de A TC é superior à RM para detectar sequestro e presença
diagnóstico da osteomielite é o da cintilografia óssea, realizada de gás intraósseo. A RM é particularmente usada para detalhar
com isótopos radioativos (tecnécio ou gálio), que nos fornece o tecido mole e componentes ósseos do envolvimento no es-
certeza da existência de lesão óssea desde o início do quadro.31 queleto axial ou para infecção crônica.31

418 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL ria, dado que a osteomielite é doença de evolução e tratamento

„„ CAPÍTULO 25
prolonga­dos. A dor é combatida com medicação antiálgica.
A osteomielite pode ser confundida com várias outras en-
A antibioticoterapia é muito influenciada pelo fato de o
tidades clínicas que produzem febre, dor e limitação de mo-
Staphylococcus aureus ser responsável por aproximadamente
vimentos das extremidades. Entre elas podemos citar febre 90% das osteomielites agudas hematogênicas e de muitas ce-
reumática, artrite séptica, celulite, sarcoma de Ewing e anemia pas desta bactéria serem produtoras de betalactamase. Sen-
falciforme com infarto ósseo secundário. do assim, utilizamos para crianças após o período neonatal a
Evolução osteomielite → artrite séptica: oxacilina na dosagem de 200 mg/kg/dia por via intravenosa e
ministra­da em quatro doses.
Isto pode ocorrer desde o período neonatal até um ano de Em recém-nascidos, associamos à oxacilina um aminoglico­
idade, pois nessa fase da vida ocorrem dois fenômenos ana- sídeo que, em nossa experiência, é a amicacina, na dosagem de
tômicos que permitem tal tipo de evolução, como vimos na 15 mg/kg/dia, também por via intravenosa em quatro doses.
fisiopatogenia: Em pacientes portadores de anemia falciforme, dada a
grande possibilidade de infecção por salmonela, preconizamos,
a) De zero a um ano de idade a metáfise óssea encontra-se
atualmente, o uso de ceftriaxona na dosagem de 100 mg/kg/dia
inserida dentro da cápsula articular e, consequentemente,
em dose úni­ca por via intravenosa, em associação à oxacilina.
por contiguidade poderemos ter a sua contaminação e for-
mação do abscesso. Em pacientes com osteomielite do calcâneo, com suspeita
de Pseudomonas aeruginosa, utilizamos de início, na admissão
b) Nesta idade, os capilares metafisários perfuram a placa
do paciente, a associação de oxacilina, ceftazidima e amica-
epifisária de crescimento, o que permite levar à infecção
cina, podendo a mesma ser modificada de acordo com o re­
de um lado para o outro. A partir de um ano de idade, a
sultado das culturas obtidas, de acordo com o microrganismo
metáfise óssea sai da cápsula articular, bem como os capi-
en­contrado e orientados pelo antibiograma.
lares metafisários se obliteram, tornando, assim, inviável a
transmissão da infecção de um lado para outro. Atualmente, temos experiência na utilização de terapia
alter­nativa para o estafilococo, utilizando a clindamicina na
Além disso, em crianças maiores, em casos de osteomielite dosagem de 30 a 50 mg/kg/dia, de início por via intravenosa e,
do fêmur proximal, poderemos ter uma evolução para artrite em seguida, por via oral, sempre em quatro doses diárias. Essa
do quadril, pois uma grande parte da cabeça do fêmur encon- forma terapêutica é por nós utilizada em crianças acima de um
tra-se inserida na articulação. mês de idade, e tem a vantagem de poder ser administrada por
Nesse caso, mesmo que não haja invasão articular por via oral, encurtando a permanência do paciente no hospital.
contiguidade, o diagnóstico de osteomielite do fêmur pode O tempo em que a terapia é mantida por via intravenosa é
realmente simular uma artrite piógena. Isso ocorre porque ditado pela curva térmica e a evolução clínica do paciente. O
os casos de artrite do quadril não têm os sinais flogísticos ca- tempo total de antibioticoterapia por nós utilizado é de quatro
racterísticos e que tornam impossível não diagnosticar uma a seis se­manas, utilizando a velocidade de hemossedimenta-
artrite piógena. A articulação do quadril é solidamente fixada ção como cri­tério para suspensão do tratamento; após quatro
pela musculatura crural, a qual impede grande distensão da sema­nas de tratamento, espera-se a VHS abaixo de 30 mm
cápsula articular que tornasse os sinais flogísticos visíveis à para que possa ser suspensa a terapia definitivamente.
infecção. Portanto, ao se executar a propedêutica do quadril Em pacientes que tenham adquirido osteomielite por in-
nos casos de uma osteomielite de fêmur proximal (adução e fecção hospitalar, ou naqueles com etiologia estafilocócica sa-
abdução da perna, e flexão com abdução e adução da coxa so- bidamente meticilino-resistente, usamos a vancomicina ou a
bre a bacia), teríamos dor, e o diagnóstico diferencial só seria teicoplanina.
feito com exames complementares.4, 5 A vancomicina é usada na dose de 50 mg/kg/dia subdivi­
dida em 4 tomadas por via parenteral.
„„ TRATAMENTO A teicoplanina é usada na dose de 8 mg/kg/dia em 2 to­
madas por 2 dias (dose de ataque), seguida de 6 mg/kg/dia
O tratamento da osteomielite baseia-se em três pontos em dose única diária.
fun­damentais: cuidados gerais, antibioticoterapia e tratamen- O tratamento ortopédico na osteomielite aguda varia de
to orto­pédico. acordo com a gravidade do caso, podendo corresponder a
Dentre os cuidados gerais, citamos como mais importante a sim­ples imobilização do membro ou ser necessária punção
hidratação, sempre que necessária, a manutenção do equilíbrio evacua­dora com drenagem cirúrgica e lavagem contínua com
pro­teico, a correção da anemia, caso também se faça necessá- soro fisio­lógico, quantas vezes forem necessárias.35

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Osteomielites Simulando Artrite Séptica na Infância 419


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420 Tratado Brasileiro de Reumatologia


26

Capítulo
Nilzio Antonio da Silva

Febre Reumática
„„ INTRODUÇÃO como guia diagnóstico e para estudos epidemiológicos. Para
aumentar a sua aplicabilidade, esses critérios foram revisados
A Febre Reumática (FR) é uma doença sistêmica, que re- 4 vezes desde a sua publicação, sendo a última em 1992.4 De-
sulta da resposta imune desencadeada pela infecção das vias pois de revisados, os critérios de Jones orientam hoje para o
aéreas superiores, causada pelo Streptococcus β hemolítico do diagnóstico de FR aguda, de coreia reumática, cardite indolen-
grupo A. Ainda tem incidência preocupante no Brasil, afetan- te e recorrência. A abordagem diagnóstica deve levar em conta
do, principalmente, crianças acima de 5 anos de idade e ado- essas formas de apresentações (Tabela 26.1).4
lescentes, mas também acometendo adultos. Convivemos com
excesso de falsos diagnósticos e, por outro lado, retardo ou
erros diagnósticos nos verdadeiros casos de FR. Acreditamos
que, em Reumatologia, talvez seja essa enfermidade a que en- Tabela 26.1 Critérios de Jones (revisados em 1992).4
seja as maiores dificuldades para o correto diagnóstico. Manifestações principais Manifestações menores
Na atualidade, os recursos diagnósticos laboratoriais e de
imagem atingiram elevados níveis de precisão e de sofistica- Cardite Aspectos clínicos:
Poliartrite „„ Artralgia
ção. Mesmo assim, de modo geral, e em particular na febre
Coreia „„ Febre
reumática, a observação clínica continua como a primeira e
mais importante fase do diagnóstico. As informações obtidas Eritema marginado Exames complementares:
da anamnese, na maioria das vezes, permitem estabelecer as
Nódulos subcutâneos Aumento da hemossedimentação e
bases do diagnóstico da FR. E, como resultado da atenta exe-
proteína C reativa
cução desse processo, se alicerça a relação médico-paciente.
Intervalo P-R prolongado
Os necessários testes diagnósticos, se não correlacionados
com os dados clínicos, podem levar a interpretações equivoca- Mais: evidência de infecção prévia por Streptococcus do grupo A: cultura
das. Como principal exemplo desses erros está a busca da evi- de garganta ou teste de antígeno estreptocóccico positivos.
dência da infecção de vias aéreas superiores, seja pela pesquisa
de anticorpos antiestreptocóccicos ou pela cultura, que se po- Define-se como de alta probabilidade o diagnóstico de
sitivam em outras eventualidades e na FR não têm taxa de de- FR aguda, quando há evidência de infecção de vias aéreas
tecção total e não distinguem entre infecção aguda e crônica.1,2 superiores pelo Streptococcus associada a 2 manifestações
Sabendo que os citados meios diagnósticos complemen- principais, ou a 1 manifestação principal e 2 manifestações
tares, além de dispendiosos, na FR não são patognomônicos, menores. O diagnóstico é considerado presuntivo, quando há
destaca-se mais ainda o papel da anamnese e do exame físico coreia isolada ou cardite indolente, e excluídas outras causas
para o diagnóstico. dessas síndromes. Retirados da lista de critérios menores, a
história pregressa de FR aguda e cardiopatia reumática, quan-
Para facilitar o diagnóstico, recordaremos seus aspectos clí-
do existem e há outros sinais sugestivos, fortemente indicam o
nicos mais expressivos, e os critérios diagnósticos atualizados.
diagnóstico de recorrência.
A FR aguda apresenta manifestações clínicas significati-
„„ ANAMNESE E EXAME FÍSICO – DIAGNÓSTICO vas de intensidade variável. Após um período silencioso de 2
a 3 semanas que sucede a infecção de garganta, há o abrupto
Critérios diagnósticos
surgimento de alterações constitucionais, como febre, indis-
A inespecificidade das manifestações e a ocorrência das posição e palidez. Embora inespecífica, a palidez é frequente,
mais específicas em outras enfermidades frequentemente le- persistente até o controle da crise, exigindo diagnóstico dife-
vam a um superdiagnóstico. Esta é a principal razão que le- rencial com enfermidades consumptivas.5
vou ao estabelecimento dos Critérios de Jones, em 1944.3 A Nesta fase, podem surgir os típicos sinais e sintomas, que
respeito das reservas quanto à sua validade, são importantes se constituem nas manifestações principais dos critérios de

421
Jones:3,4 artrite, cardite, coreia, eritema marginado e nódulos são fundamentais para a correta distinção. As mais frequentes
„„ SEÇÃO 5   DOENÇAS REUMÁTICAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO

subcutâneos. Outras possíveis manifestações incluem artral- causas de confusão diagnóstica com a FR são:5,18
gia, epistaxis, serosite, pneumonite, nefrite e encefalite.
A artrite é a mais frequente manifestação, presente em „„ Artrite reumatoide juvenil
80% dos casos, 6,7,8,9 descrita como dolorosa, migratória, e de „„ Lúpus eritematoso sistêmico
curta duração. Geralmente, mais de 5 articulações são atingi- „„ Outras colagenoses, incluindo as vasculites
das, com maior frequência as grandes articulações (joelhos, „„ Endocardite infecciosa
tornozelos, cotovelos, punhos e ombros). A artrite pode ser
aditiva e simétrica, persistindo por semanas se não tratada „„ Artrites reativas
adequadamente. Monoartrite, oligoartrite e comprometi- „„ Espondiloartrites
mento das pequenas articulações das mãos e pés são menos „„ Infecções (Hanseníase, Yersinia, Doença de Lyme)
frequentes. Artrite da 1ª metatarsofalangeana e entesopa-
„„ Febre familiar do mediterrâneo
tia podem aparecer ocasionalmente.5,6 Em cerca de 20% dos
casos, há acometimento do eixo vertebral, também de modo „„ Síndrome dos antifosfolípides
migratório ou aditivo, notando-se lombalgia e cervicalgia, às „„ Leucemias
vezes com limitação funcional.5,6,8 „„ Anemia falciforme e outras hemoglobinopatias
A mais grave manifestação é a cardite, quase tão fre- „„ Sarcoidose
quente quanto a artrite, que pode causar a morte nesta fase
aguda, ou quando em fase crônica.5,7,10,11 Qualquer camada do Consideramos, entre essas, a artrite reumatoide juvenil
coração pode ser acometida, mas predominam as lesões val- (ARJ), a endocardite e o lúpus (LES) como as doenças que
vulares. Raramente ocorre pericardite ou miocardite isolada. apresentam as maiores dificuldades no diagnóstico diferencial
Os principais sinais clínicos são taquicardia, sopros, arritmia com a FR.
e atrito pericárdico. Insuficiência cardíaca na fase aguda é Pericardite isolada é mais frequente na ARJ do que na FR
rara, ocorrendo em virtude de miocardite.7,12 Sopro sistólico aguda. Sopros observados na ARJ podem ser confundidos com
apical, rude, com irradiação para as linhas axilares, e sopro valvulite. O comprometimento articular na ARJ tende a ser
diastólico basal são os sinais mais comuns provocados por mais persistente, enquanto a artrite da FR aguda cede mais
valvulite, nesta doença.6,7,10 A pericardite frequentemente é rápido. Notar que comprometimento cervical não é mais vá-
assintomática, mas pode causar, além do atrito, dor torácica lido para distinguir essas 2 doenças, em suas fases iniciais.
e hipofonese de bulhas. A erupção cutânea macular da Doença de Still é transitória e
A coreia de Sydenham ocorre em 30% dos casos, geral- muito diferente do eritema marginado, que é maior e mais du-
mente como manifestação tardia, meses após a infecção de radouro.5
garganta. Cardite ou artrite acompanham 50% dos casos de A distinção entre LES e FR pode ser difícil, pois há super-
coreia. Na maioria das vezes, é de curso benigno, porém a evo- posição de seus aspectos epidemiológicos, quanto à ocor-
lução pode durar mais de 2 anos. rência em jovens, no sexo feminino, e características clínicas
Os nódulos subcutâneos são observados em 9% dos ca- idênticas, como artrite, febre, coreia e cardite. O LES acomete
sos, medem de 0,5 a 2 cm de diâmetro, são firmes, indolores, múltiplos órgãos e, quando apresenta coreia, esta raramente
isolados ou em grupos. São palpáveis, mais comumente, ao é isolada. As lesões cutâneas são típicas, quando presentes.
longo das superfícies extensoras articulares, proeminências Comprometimento do rim e do sistema nervoso central são
ósseas, tendões, dorso dos pés, região occipital e na linha es- próprios do LES.5
pondílea. Nódulos menores são mais bem palpáveis com a fle- A endocardite infecciosa subaguda tem similaridades com
xão da área onde se localizam. Têm duração de poucos dias e FR aguda. A endocardite deve ser suspeitada em todos os pa-
sua presença está associada à cardite.4,13,14 cientes com disfunção valvular crônica, ou com cardiopatia
O eritema marginado é uma lesão cutânea vermelho- congênita, na presença de febre. Esplenomegalia, petéquias,
-rósea, com centro mais claro, de contornos arredondados e procedimentos invasivos aumentam as possibilidades para o
irregulares, visível no tronco e face interna dos braços e coxas. diagnóstico de endocardite.5
Ocorre em 7% dos casos, não é pruriginoso, desaparece em pou-
cos dias, sendo muito específico para o diagnóstico de FR aguda.
Sua presença é também sugestiva de cardite coexistente.5 „„ TRATAMENTO
Algumas outras manifestações podem ocorrer, mas não A erradicação do agente etiológico, o estreptococos, é pri-
são específicas para FR aguda: febre e artralgia, que fazem mordial. Qualquer antibiótico para o qual essa bactéria seja
parte dos critérios menores de Jones, não são usuais. Epistaxis sensível poderia ser utilizado, contudo a penicilina G benza-
é frequente, intermitente e geralmente bilateral. Em 5% dos tina em injeção única, por aplicação intramuscular (IM), tem
casos, ocorre dor abdominal, causada por peritonite, que pode melhores resultados. A dose deve ser 600.000 U se o paciente
preceder as outras manifestações de FR por horas ou dias, si- tiver até 27 Kg de peso, e 1.200.000 U se tiver mais de 27 Kg.
mulando abdome agudo.15,16 A encefalite, extremamente rara, Nos casos de comprovada alergia á penicilina, o tratamento
manifesta-se por perda gradual da consciência, evoluindo para pode ser feito com eritromicina, 40 mg/Kg/dia, divididos em 4
coma, convulsões e sinais de localização neurológica.17 doses durante 10 dias, ou azitromicina durante 5 dias. Se hou-
ver contraindicação para uso de injeções IM, pode ser utilizada
a penicilina V, 250 a 500 mg de 6/6 horas, por via oral, durante
„„ DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
10 dias.5,13,14
Várias enfermidades exibem características semelhantes O tratamento das manifestações clínicas têm como alvo a
às da FR aguda. Cuidadosa análise e recursos complementares artrite, a cardite e a coreia. O processo inflamatório articu-

422 Tratado Brasileiro de Reumatologia


lar responde bem a salicilatos e a outros anti-inflamatórios recidiva da moléstia e o aparecimento de cardite ou piora de

„„ CAPÍTULO 26
não hormonais, os quais são necessários durante 3 semanas. lesão já existente. O modo mais efetivo é o tratamento com pe-
Se a cardite está presente, o uso de corticosteroides é manda- nicilina G benzatina por injeções IM, 600.000 UI naqueles com
tório por aproximadamente 12 semanas. Nas duas primeiras menos de 27 Kg de peso, e 1.200.000 UI quando o peso ultra-
semanas, a dose deve ser de 1 a 2 mg/kg/dia, até o máximo passar esse valor. Os intervalos das aplicações devem ser de
de 60 mg/dia. Após esse período, a dose deve ser diminuída 3/3 semanas. A duração da profilaxia deve ser estendida por
semanalmente, com o cuidado de não ultrapassar 25% da 5 anos ou até que o paciente complete 21 anos de idade, o que
mesma a cada redução. Nos casos onde a coreia está presen- ocorre por último. Quando ocorre cardite, a duração da anti-
te, tranquilizantes e sedativos são importantes. A preferência bioticoterapia preventiva deve ser estendida por até 10 anos,
é para o uso de haloperidol, iniciando com 0,5 a 1,0 mg/dia, ou até que o paciente complete 40 anos de idade. Em situações
acrescentando-se 0,5 mg de 3/3 dias, até a dose máxima de de alto risco de infecção estreptocócica (profissionais de saú-
5 mg/dia. A melhora é obtida logo na primeira semana, e o de- de, militares, professores, locais de grande incidência de FR), a
saparecimento dos movimentos anormais ocorre em 30 a 40 profilaxia deve ser mantida indefinidamente.5
dias. As alternativas para esse esquema são o ácido valproico, Embora a eficácia possa ser menor, a profilaxia pode ser
15 a 20 mg/kg/dia e a carbamazepina 4 a 10 mg/kg/dia, os feita também por via oral, diariamente. A penicilina V oral
quais devem ser mantidos por maior tempo que o haloperidol. 250 mg 2 x dia é recomendada quando há impedimento ou in-
É discutível o emprego de corticosteroides na coreia. O repou- tolerância ao tratamento com injeções. Em casos de alergia, a
so na cardite e na coreia é fundamental para o êxito do tra- penicilina pode ser substituída por sulfadiazina 500 mg/dia
tamento e, nessa última, atenção especial deve ser dada para (peso menor que 27 kg) a 1.000 mg/dia (peso maior que 27 kg),
manter os pacientes em ambiente tranquilo.5 ou por eritromicina 250 mg 2 × dia.
A profilaxia primária tem como suportes o diagnóstico Pacientes com sequela valvular cardíaca, que precisarem
preciso da infecção pelo streptococcus, o tratamento com o an- de procedimentos cirúrgicos ou dentários, devem fazer pro-
tibiótico correto e a melhoria dos recursos sanitários e higiê- filaxia de endocardite bacteriana (na maioria das vezes, o
nicos. Tais recursos contribuiram para a redução do número agente será o Streptococcus viridans), com amoxicilina por via
de casos da doença nos países mais desenvolvidos. Tão logo oral ou parenteral, 1 hora antes e 6 horas após o procedimen-
se faça o tratamento erradicador da estreptococcia, deve ser to. Em casos de alergia à penicilina, recomenda-se cefazolina,
iniciada a profilaxia secundária. Esta tem como objetivo a pre- ou clindamicina/cefalexina em uma única dose.19
venção de novos surtos de tonsilofaringites, que podem causar

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Febre Reumática 423


27

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin  Cristina Hueb Barata de Oliveira

Manifestações Reumáticas em Pacientes com HIV/Aids


As manifestações reumáticas inflamatórias e autoimunes A desregulação das subpopulações linfocitárias com des-
da Aids, embora pareçam um paradoxo, na realidade são com- balanço entre Th1 e Th2 altera a resposta imune provocando
plicações secundárias frequentes de um distúrbio primário da um estado de imunosupressão e hiper-rectividade imunoló-
resposta imune causada por um vírus, o vírus da Aids. Apesar gica. Clinicamente, quando ocorre soroconversão, pacientes
dos progressos obtidos com as drogas antirretrovirais, a infec- com HIV desenvolvem mialgias e artralgias.
ção pelo vírus da Aids continua sendo um relevante problema Por outro lado, as doenças reumáticas têm na sua pato-
de saúde pública, decorrente não da infecção em si, mas das genia semelhanças com o HIV, como a produção de citocinas
condições patológicas emergentes que surgiram em decorrên- proinflamatórias, fatores quimiotáticos, autoanticorpos e ati-
cia da eficácia do tratamento, prolongando a sobrevida dos vação da secreção de interleucinas IL-10. Recentemente, um
pacientes. importante fator estimulante de células B foi ligado à atividade
O diagnóstico dessas manifestações constituem um de- inflamatória da artrite reumatoide (Quadro 27.1).1
safio no diagnóstico diferencial, e para diagnosticá-las o reu- O fato de ocorrer doenças autoimunes ou inflamatórias no
matologista precisa conhecer os mecanismos pelos quais curso da infecção pelo HIV, apesar da perda aparente da imuno-
isto acontece, como, também, saber as diferenças entre elas e competência causada por este vírus, parece ser um paradoxo.
aquelas outras em que não há a interferência da síndrome de O que se esperava é que doenças mediadas por linfócitos CD4,
imunodeficência primária. como Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) e Artrite Reuma-
As imunodeficiências primárias que afetam a resposta imu- toide (AR), ocorressem com menor frequência nesta situa-
ne inata podem levar a uma inflamação inapropriada e/ou defei- ção, mas não é o que acontece. No entanto, já nas doenças em
tuosa por quebrar os mecanismos que normal e negativamente que o envolvimento dos linfócitos CD8 é predominante, como
regulam a resposta imune. O conhecimento desses fatos pode psoríase, artrite reativa, espondiloartrites e a Síndrome da
propiciar uma nova abordagem terapêutica específica para as Linfocitose Infiltrativa Difusa (DILS) ocorrem nos pacientes
complicações dos pacientes com imunodeficências primárias. infectados com HIV em sua fase inicial e, inclusive, podem ser
as primeiras manifestações de Aids. Da mesma forma, infec-
ções oportunistas estão mais relacionadas com os CD8 por um
mecanismo similar.
Quadro 27.1 Doenças reumáticas possivelmente associa-
A patogênese destas últimas manifestações relacionadas
das a AIDS. com o CD8 pode ser em decorrência da semelhança entre os
A patogenia das doenças reumáticas associadas à Aids ainda não é antígenos HIV e antígenos do hospedeiro, os chamados an-
clara, porém vários fatores estão envolvidos, a saber: tígenos leucocitários humanos (HLA), assim como acontece
em outras infecções virais. Este mimetismo molecular do HIV
Invasão direta pelo vírus HIV entre os antígenos leucocitários humanos (HLA) – DR4, DR2,
Ativação policlonal da células B e consequente hipergamaglobulinemia Proteína Fas, IgG e IgA e as proteínas homólogas do envelope
do vírus HIV resulta em uma resposta autoimune diferente,
Imunocomplexos circulantes
como nas artrites reativas, artrite psoriática, síndrome da leu-
Depleção de células CD4+ e melhora das doenças reumáticas dependentes cocitose infiltrativa, miopatias e vasculites.2
Fatores genéticos e ambientais2-5 Esse mimetismo molecular também está envolvido na pa-
togênese da febre reumática em que há semelhança entre a
Da mesma forma que infecções oportunistas aparecem estrutura molecular da fibrocélula cardíaca e a do estreptoco-
como complicações da Aids pela depleção das células CD4+, co beta-hemolítico do grupo A e na espondilite anquilosante e
há melhora das doenças reumáticas dependentes como o lú- outras espondiloartropatias soronegativas, agora pela seme-
pus eritematoso disseminado e artrite reumatoide, e o apa- lhança entre a estereoisomeria química do HLA-B 27, da Kleb-
recimento de infecções oportunistas, indicando um elo com a siella pneumoniae e talvez de outras bactérias gram-negativas
imunodeficiência causada pelo HIV. intestinais.3

425
„„ SEÇÃO 5   DOENÇAS REUMÁTICAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO

Glicoproteína de transmembrana Glicoproteína de superfície


GT GS
Proteína do capsídio
PC RNA viral

Envelope lipídico
CD4 Correceptor do HIV

Células T inertes Células T ativas

Virion infeccioso

DNA viral
Infecção produtiva

Infecção latente Vírus defeituoso


Apoptose

Ativação da
Anergia
imunidade
Infecção produtiva
Células não infectadas

Figura 27.1 Vias de propagação da infecção pelo HIV a partir da glicoproteína de transmembrana e glicoproteína de superfície de infecção
produtiva e de células não infectadas.

Esta conexão da Aids com as manifestações reumáticas,


que aparecem em qualquer de suas fases evolutivas, está com- Quadro 27.2 Doenças reumáticas associadas ao HIV/Aids.
provada por dados epidemiológicos: de 153 crianças com ar-
tropatia de causa indeterminada, 27% estavam infectadas com Próprias dos pacientes com HIV
o HIV. Nenhuma destas crianças fazia tratamento com antirre- Síndrome da leucocitose infiltrativa difusa
trovirais, e, em 78%, a artropatia foi a forma de apresentação
do HIV. Em 40% delas, a poliartrite foi a forma mais comum, Artrite associada ao HIV
seguida por 34% com manifestações semelhantes às espondi- Miopatia associada ao AZT
loartropatias e 26% de oligoartrites.4 Síndrome articular dolorosa
Encontradas nos pacientes com HIV
„„ CONSEQUÊNCIA DA TERAPÊUTICA COM Síndrome de Reiter associada ao HIV
ANTIRRETROVIRAIS Polimiosite
Se por um lado a terapêutica com antirretrovirais tenha Artrite psoriática
modificado o prognóstico da Aids e prolongado a vida dos pa-
cientes, por outro lado ela modificou a prevalência e a nature- Poliarterite nodosa
za das complicações reumáticas, que esses mesmos pacientes Arterite de células gigantes
apresentam. Nesse aspecto, os reumatologistas devem estar
Angeíte de hipersensibilidade
atentos a estas mudanças, para que não comprometam a acu-
rácia diagnóstica e a consequente eficácia terapêutica.6 Granulomatose de Wegener
Púrpura de Henoch-Schönlein

„„ AUTOANTICORPOS NAS MANIFESTAÇÕES Doença de Behçet


REUMÁTICAS DA AIDS Artrites Infecciosas (bacterianas e fúngicas)
Esclerodermia
Alguns anticorpos em baixos títulos podem ser encontra-
dos em pacientes em estágios mais tardios da infecção por Doença de Jaccoud (febre reumática crônica)
HIV, mas eles têm importância no prognóstico e grande morta- Síndrome de Parsonage-Turner (dor e fraqueza na cintura escapular)5
lidade quando associados a uma contagem baixa de CD4. São
Aquelas que melhoram com a infecção pelo HIV, mas pioram ou
aqueles mais solicitados no LES, doença de Hughes e síndrome
ressurgem com a Síndrome Inflamatória da Reconstituição Imune (SIRI)
de Sjogren, a saber: FAN, anticorpos policlonais anti-IgG, IgA,
IgM, antifosfolípides cardiolipina (IgG, IgM), Anti-B2 Glicopo- Artrite reumatoide
teína 1-anticorpos antiproteína P e C) ribossomal, anticorpo Lúpus eritematoso sistêmico
anti-DNA de dupla hélice e anti-histone, anti-Sm, anti-U1RNP,
SSA e fator reumatoide, anti-ANCA.7,8,9 Sarcoidose

426 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ SÍNDROMES REUMÁTICAS ASSOCIADAS AO HIV sárias. Tais espondiloartrites são encontradas tanto em adul-

„„ CAPÍTULO 27
tos quanto em crianças.
Artralgias e artrites Manifestações extra-articulares como uveítes, uretrites,
As manifestações clínicas das síndromes reumáticas dire- seborreia e queratodermia blenorrágica (Figura 27.4) são
tamente associadas ao HIV são: bastante comuns.17-18 Enteropatias como tendinite aquiliana,
fasciíte plantar e tendinite do tendão do tibial anterior e pos-
Artralgias terior são frequentes. Essas manifestações clínicas respondem
Artralgias de uma ou mais articulações podem aparecer bem aos AINHs.19 As formas mais graves com erosões e peros-
em 2 a 45% do casos, qualquer que seja a fase da Aids. Nos tites necessitam de tratamento com MTX, sulfassalazina e hi-
estágios iniciais da Aids são mais frequentes as oligoartralgias droxicloroquina.20
e, nos estágios finais, são mais comuns as poliartralgias.
Estas geralmente são intermitentes e pouco dolorosas,
com duração de mais ou menos 24 horas, sem evidências ob-
jetivas de inflamação. Tais manifestações têm sido associadas
ao tratamento com retrovirais.10 O tratamento é com AINHs e
analgésicos.

Artrites inespecíficas
A artrite associada ao HIV pode ocorrer em qualquer fase
da evolução da Aids. Como nas espondiloartropatias, ela aco-
mete, predominantemente, as articulações dos membros infe-
riores. Geralmente, é uma monoartrite ou, quando oligoartrite,
é assimétrica. O líquido sinovial tem um discreto aumento dos
leucócitos, de 50 a 2.660 células por mm3. Ela não tem aquelas
características da AR clássica, sem fator reumatoide e com FAN
negativo. A evolução é de mais ou menos dois meses, e o trata-
mento é sintomático.11 Algumas vezes esta forma dura algumas Figura 27.2 Conjuntivite.
horas ou poucos dias, como no reumatismo palindrômico.12

Artrite reumatoide
Os pacientes portadores de Artrite Reumatoide (AR) defi-
nida ou clássica, diagnosticada segundo os critérios do Ame-
rican College of Rheumatology e infectados com HIV, quando
submetidos a tratamento com antirretrovirais, apresentam
remissão da doença. A remissão se deve à imunossupressão
provocada pela depleção dos linfócitos CD 4, decorrente da
ação dos referidos antirretrovirais. Sabe-se que esta célula (CD
4) desempenha um importante papel na cascata inflamatória
responsável pela AR.
Esta relação ainda é controversa e discutível, uma vez que
em outros pacientes que também têm uma depleção dos lin-
fócitos CD 4 I0 abaixo de 20 células por mm3 não há remissão
da doença.13-14
A remissão da AR, nesses casos, se daria porque os pacien-
tes estariam utilizando DMRDS, enquanto em outros, apesar Figura 27.3 Conjuntivite.
de estarem com imunossupressão, a AR continua com a do-
ença em atividade e com erosões ósseas nas radiografias con-
vencionais.15-16

Espondiloartropatias soronegativas (espondiloartrites)


As espondiloatrites – denominação atual segundo a SIEE
– as artrites reativas, a síndrome de Reiter-símile, a artrite
psoriática e a espondiloartrite indiferenciada são as doenças
mais encontradiças e mais prevalentes nos pacientes infec-
tados com o vírus HIV. Destas espondiloatrites a forma mais
comum é a indiferenciada, em que há o comprometimento
inflamatório inicial, sem esclerose, de apenas uma ou ambas
articulações sacroilíacas. Este comprometimento somente é
detectável pela Ressonância Magnética (RM). Não se observa
uma sacroiliíte franca nem comprometimento da coluna ver-
tebral. Não há relatos de que, nesta fase inicial, haja ocorrência
do sinal de Romanus ou de sinovite das articulações zigoapofi- Figura 27.4 Balanite circinada.

Manifestações Reumáticas em Pacientes com HIV/Aids 427


Como os pacientes com Aids têm várias manifestações
„„ SEÇÃO 5   DOENÇAS REUMÁTICAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO

reumáticas e têm aspectos clínicos similares com a contrapar-


te dos não infectados por HIV, como as citadas doenças reu-
máticas, o diagnóstico diferencial entre o lúpus genuíno e o
lúpus-like e outras doenças reumáticas pode ser muito difícil.
A semelhança das manifestações clínicas e laboratoriais entre
elas é muito grande.
Por essa razão, é mandatório pesquisar se há infecção
por HIV em pacientes que apresentam critérios estabelecidos
pelo ACR para tais doenças reumáticas, tendo porém a cautela
quando da história e do exame físico, de não fazer pré-julga-
mentos sobre a orientação sexual ou as atividades sexuais ex-
traconjugais ao solicitar o teste de HIV.
Como podem existir falsos-positivos em qualquer exame
laboratorial, e o teste de HIV também tem os seus. Uma preci-
pitação quanto ao diagnóstico pode causar danos ao paciente.
A confirmação pelo Western-Blott e outros exames específicos
é imperativa.
Outro aspecto de suma importância tanto em um polo
(HIV) como em outro (doenças reumáticas) são as conse-
quências decorrentes do tratamento. Como nas doenças
reumáticas se utilizam drogas que causam uma imunode-
pressão (citotóxicos, corticosteroides, anti-TN alfa), a que-
da da resistência em pacientes infectados com HIV latente
pode desencadear a Aids.
Figura 27.5 Queratodermia blenorrágica decorrente da Aids.
Da mesma forma, se por um lado a introdução dos retrovi-
rais causou uma dramática mudança no padrão das manifesta-
Espondiloartrite psoriásica ções reumáticas, diminuindo a prevalência das manifestações
O comprometimento cutâneo na Aids vai desde a dermati- das artritides inflamatórias não infecciosas, por outro lado
te seborreica até as diferentes formas evolutivas de psoríase, houve um considerável aumento das complicações sépticas e
na Síndrome Inflamatória da Reconstituição Imune (IRIS).
das mais discretas até a psoríase pustular. Como na síndrome
de Reiter e na espondiloartrite psoriásica, a queratodermia
blenorrágica é uma manifestação que pode também ser vista Comprometimento ósseo associado à Aids
em associação com a Aids. Como acontece com os corticosteroides, em que a necrose
Poliartrite assimétrica de MM II, entesites, dor nas nádegas avascular da cabeça do fêmur e dos ossos de outras articulações
e, em apenas 20% dos casos, as sacroiliítes só são perceptíveis pode ser encontrada, também na infecção pelo HIV pode ocorrer.
na RM porque, neste método de imagem, é possível detectar A necrose avascular pode ocorrer independentemente do trata-
alterações inflamatórias em fases iniciais.21 mento com retrovirais. Osteoporose e osteopenia são detectadas,
sendo mais prevalentes em pessoas que tomam antirretrovirais
„„ DOENÇAS REUMÁTICAS SISTÊMICAS do que aquelas que não tomam. As manifestações clínicas são de
dor articular nas juntas que suportam maiores cargas.24
Doenças reumáticas sistêmicas como o Lúpus Eritematoso
Sistêmico (LES), polimiosites, dermatomiosites, miopatias ne- Vasculites
crotizantes não inflamatórias, vasculites, fibromialgia*, doença
de Behçet e síndrome de Sjögren são outras doenças e algu- Das vasculites, a poliarterite nodosa é a mais encontrada
mas outras condições patológicas que podem ser detectadas nos pacientes com Aids. As características clínicas desta e de
nos indivíduos com HIV. Não há grandes diferenças na apre- outras vasculites se assemelham àquelas de pessoas sem a
sentação clínica entre aquelas condições associadas ao HIV e Aids. Os grandes vasos como a aorta e outros de grande cali-
as genuínas sem HIV. bre podem ser acometidos por formações aneurismáticas, cuja
patogenia pode ser a mesma de outras afecções virais, como a
hepatite B e outras.25,26
Lúpus eritematoso sistêmico
No LES de pacientes infectados com HIV, o tratamento com
Poliarterite nodosa
antirretrovirais equilibra o sistema imunológico que desenca- O quadro clínico da PAN na Aids, diferentemente da PAN
deia os surtos de agudização da doença, enquanto a utilização clássica, apresenta-se como uma síndrome caracterizada por
de imunossupressores no seu tratamento leva a uma replicação dor muscular, atrofia muscular, mononeurite e polineuropatia
do HIV e à deterioração progressiva do quadro clínico da infec- sensitivo-motora. Ao contrário da PAN clássica, não é comum
ção pelo referido HIV.22,23 a infecção pelo vírus da hepatite B, em que são frequentes as
manifestações articulares. A PAN do HIV é menos agressiva e
* Uma síndrome do espectro das síndromes sensitivas centrais; não com menor envolvimento sistêmico, não ocorrendo as mani-
uma entidade nosológica. festações neurológicas acima citadas.

428 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 27
Figura 27.6 Vasculite livedoide. Figura 27.7 Vasculite livedoide.

Outras vasculites com menor prevalência estão no Qua-


dro 27.3.

Quadro 27.3 Diferentes vasculites na infecção por HIV.


„„ Poliarterite nodosa (PAN).
„„ Angeíte por hipersensibilidade.
„„ Púrpura de Henoch-Schonlein, arterite de células gigantes.
„„ Arterite de Takayasu, doença de Kawasaki.
„„ Doença de Behçet-símile.
„„ Vasculite de Churg-Strauss.
„„ Granulomatose de Wegener.
„„ Angeíte isolada granulomatosa do Sistem Nervoso Central (SNC).
„„ Crioglobulinemias (tipo 2 e 3).
„„ Vasculite livedoide (Figuras 27.6, 27.7 e 27.8)27

Síndrome da linfocitose infiltrativa difusa


(Sjögren-símile)
Aumento considerável, muito grande, indolor, bilateral das
parótidas e glândulas lacrimais, com linfocitose periférica CD8
e outras manifestações leves de “síndrome seca”, com linfocito-
se CD8 peridural nos achados de biópsia fecham o diagnóstico
de SLID. Esta síndrome pode ser confundida com Sjögren, na
qual o aumento é discreto ou moderado, na biópsia, os linfó-
citos são CD4 e, na região perivascular, os sintomas de “sín-
drome seca” são muito frequentes e os Anti-SSA e SSB e fator Figura 27.8 Vasculite livedoide com úlceras.
reumatoide estão presentes em títulos moderados ou altos.28
e no sangue são os estafilococos dourados e estreptococos do
Artrite séptica grupo C e o pneumoniae. Também, embora com menor frequên-
cia, Neisseria gonorrhoeae, Mycobacterium tuberculosis, Candida
Artrite por infecção bacteriana pode ocorrer em 1 a 3% dos albicans, Salmonella spp podem ser isolados. O aparelho loco-
pacientes infectados pelo HIV, durante episódios de bactere- motor é, depois dos pulmões, a quarta região mais afetada pelo
mia, traumatismos diretos nos ossos e articulações. Geralmen- Mycobacterium tuberculosis. As formas de apresentação podem
te acomete pacientes jovens do sexo masculino, hemofílicos e ser por espondilodiscite, artrite e osteomielite. Mas a resposta
usuários de drogas ilícitas. O quadro clínico não difere da ar- ao tratamento com antibióticos é a mesma da artrite séptica.
trite séptica de pessoas sem Aids. Febre alta, calafrios, suores A história natural da artrite séptica não é afetada pela in-
noturnos e monoartrite de grandes articulações como a coxo- fecção com o HIV porque não existe uma relação entre ela e o
femoral e nos joelhos são os sintomas principais. No entanto, número de linfócitos CD4. O número de CD4 nas artrites pio-
mais raramente, outras articulações podem ser acometidas gênicas está acima de 250 células/mm3. Em casos de infecções
como punhos, ombros, sacroilíacas, zigoapofisárias e esterno- por germes oportunistas, como micobactérias atípicas, no en-
claviculares. Os agentes mais encontrados no líquído sinovial tanto, o número de CD4 cai para menos de 100 por mm3.24

Manifestações Reumáticas em Pacientes com HIV/Aids 429


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Manifestações Reumáticas em Pacientes com HIV/Aids 431


28

Capítulo
Rafael Navarrete Fernandes  Antônio Carlos Ximenes

Artrite Séptica
„„ NÃO GONOCÓCICA
Na presença de bacteremia, dentro de poucas horas, a sinó-
Considerações gerais via torna-se infectada levando a uma proliferação da membra-
na sinovial e infiltração de polimorfonucleares e outras células
Devemos considerar a artrite infecciosa, em particular a
inflamatórias, provocando uma degradação enzimática, neo-
sua forma séptica como uma verdadeira emergência clínica. O
vascularização e desenvolvimento do tecido de granulação.
seu atraso no diagnóstico e no tratamento pode levar a uma
Citocinas mediadas ativam grandes quantidades de metalo-
irreversível destruição articular e risco aumentado de mor-
proteinases da matriz levando à autodigestão da cartilagem.5
talidade. Mesmo com o advento de novos agentes antimicro-
bianos e de técnica de incisão e drenagem articular, a taxa de Como a cartilagem articular é avascular e altamente de-
permanente dano articular em decorrência da artrite séptica pendente da difusão de oxigênio e nutrientes a partir da si-
varia de 25 a 50% e a taxa de mortalidade permanece alta: 5 nóvia, a medida que elementos purulentos se acumulam, a
a 15%, principalmente em pacientes com artrite reumatoide, pressão intra-articular aumenta e o fluxo sanguíneo sinovial
idosos, imunocomprometidos e em uso de prótese articular.1 fica tamponado, resultando em anóxia dessa cartilagem. Sob
essas condições, a degradação da cartilagem se acelera como
Dois patógenos virulentos, a meticilina resistente a Staphy-
evidenciado, por exemplo, em casos de artrite séptica na ar-
lococcus aureus (MRSA) e Stretococcus grupo B, estão aumen-
ticulação do quadril na qual a demora no diagnóstico e tra-
tando em importância.
tamento pressupõe um grande risco de dano à cartilagem,
Não se tem dados oficiais no Brasil, mas, na Itália, em um levando à necessidade de artroplastia.6
estudo recente, a incidência de artrite séptica variou de 2 a 5
Os organismos causadores de artrite séptica não gonocóci-
casos por 100.000 por ano na população geral e 70 casos por
ca em adultos são 75 a 80% cocos Gram-positivos e 20% cocos
100.000 pessoas/ano entre portadores de artrite reumatoide
Gram-negativos. O Staphylococcus aureus é o agente mais comum.
(AR). Na verdade, os indivíduos com AR estão sob um risco
Acomete pessoas de todas as idades.7 Osteomielite e perda da
particular para o desenvolvimento de artrite séptica por di-
função articular ocorrem em 27 a 46% dos casos.8,9 A mortalida-
versas razões: uso prolongado de esteroides, drogas modifica-
de varia de 7 a 18%. A habilidade do S. aureus de induzir uma
doras da doença (DMARDS), terapias biológicas e articulações
vigorosa resposta imune por produção de superantígenos pode
que predispõe a colonização bacteriana (artrite em si).Todos
contribuir para a severidade e mortalidade nessa doença. 10
esses podem diminuir a função imunológica para a proteção
da patogênese.2 Infecções causadas por procedimentos cirúrgicos ou le-
sões penetrantes são causadas, com maior frequência, por S.
aureus e, ocasionalmente, por outras bactérias Gram-positivas
Etiopatogenia ou bacilos Gram-negativos. Estreptococos não A (B, C, G e F)
emergem como patógenos em idosos, e naqueles com diabetes
A artrite séptica é mais frequentemente uma consequência
mellitus, cirrose hepática, doença neurológica, neoplasias e in-
de uma bacteremia oculta. A sinóvia é altamente vasculariza-
fecções severas gastrointestinal e geniturinário.11
da, e a falta de uma membrana protetora torna-a vulnerável ao
crescimento bacteriano.3 De um modo geral, o patógeno alcan- Estreptococos, particularmente do grupo A (Stretococcus
ça o espaço articular por: pyogenes) podem causar uma forma virulenta de artrite sép-
tica em adultos, embora com menor frequência. Os micror-
„„ Disseminação hematogênica de um foco à distância ganismos anaeróbicos, comumente associados à bactérias
(pulmonar, gastrointestinal, geniturinário); anaeróbicas ou facultativas, são encontrados em 5 a 7% das
„„ Inoculação direta; artrites sépticas, geralmente após mordeduras humanas e
quando úlceras de decúbito ou abscessos intra-abdominais
„„ Infecções adjacentes do osso ou partes moles; disseminam-se para articulações adjacentes. Pasteurella mul-
„„ Ocasionalmente por trauma ou uso de medicamentos tocida pode ser encontrada na articulação em casos de morde-
injetáveis.4 dura ou arranhadura de gatos e outros animais.12,13

433
Fatores de risco Quadril 15%, tornozelo 9%, cotovelo 8%, punho 6% e om-
„„ SEÇÃO 5   DOENÇAS REUMÁTICAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO

bro 5% são outros sítios frequentemente acometidos.4 Bursite,


Evidências sugerem que em articulações normais são me- especialmente olecraniana e pré-patelar pode ser a primeira
nores os riscos de desenvolver artrite séptica quando compa- manifestação dessa doença. O envolvimento poliarticular é
radas com pacientes com doenças autoimunes preexistentes,
visto em cerca de 10 a 20% dos casos e é mais comum em ar-
principalmente artrite reumatoide. Insuficiência renal, princi-
trite séptica gonocócica (será discutida adiante), pneumocó-
palmente os que estão em diálise, alcoolismo, abuso de dro-
cica, estreptococos do grupo B e Gram-negativas. Essa forma
gas intravenosas, imunocomprometidos, hemofílicos, diabetes
é geralmente assimétrica e envolve uma média de 4 articula-
mellitus, condições que causam danos na integridade da pele,
como psoríase, eczema e úlceras, transplante de órgãos, hipo- ções. O joelho é o local preferido em 70%.19
gamaglobulinemia, doenças hepáticas e neurológicas e uso de O acometimento do esqueleto axial é infrequente, exce-
prótese articular são os outros fatores de risco. Além dessas to em usuários de drogas.20 Artrite séptica em sacroilíacas é
comorbidades, fatores locais, sociais e a idade tornam as pes- vista geralmente em pacientes mais jovens, apesar de haver
soas mais vulneráveis a terem artrite séptica. relatos também em idosos. A incidência na sínfise púbica é
Outra causa importante de infecção em pacientes em tera- rara, exceto nos usuários de drogas intravenosas, neoplasia
pia com bloqueadores de fator de necrose tumoral (anti-TNF). pélvica ou cirurgias, em atletas, como jogadores de futebol,
Infecções letais por microrganismos incomuns, como Listeria, por superuso dos músculos abdutores do quadril e periosti-
Salmonella e Actinobacillus ureae foram reportados.14-17 te púbica.21
Na história clínica, é importante investigar sintomas que
antecedem a infecção articular a partir de um foco à distância
(pulmonar, geniturinário, cutâneo e gastrointestinal).
Tabela 28.1 A tabela abaixo representa os dados de Garcia-
De La Torre Rheum Dis Clin North Am 2003;29(1):65-75.
Exame físico
Fatores de risco comuns para desenvolver artrite séptica
Importante determinar se o foco da infecção é articular ou
„„ Artrite reumatoide periarticular (bursa, tendão ou pele). As articulações periféri-
„„ Diabetes mellitus cas são acompanhadas de dor, edema, calor, rubor e limitação
„„ Doenças do fígado dos movimentos, enquanto que a inflamação de bursa e ten-
„„ Alcoolismo dão não causam efusão articular. A artrite séptica de quadril é
„„ Insuficiência renal crônica difícil de distinguir, em um primeiro momento da articulação
„„ Malignidades sacroilíaca, que, por sua vês, e pelo seu início súbito, pode fa-
„„ Uso de drogas intravenosas zer confusão com síndromes herniais discais. É comum obser-
Doenças sistêmicas var dor em nádegas e febre. A manobra de Fabere-Patrick é
„„ Hemodiálise
„„ AIDS
uma pista do envolvimento local, apesar de não ser específica
para a infecção.22
„„ Hemofilia
„„ Transplante de órgãos
„„ Hipogamaglobulinemia Exames laboratoriais
„„ Glicocorticoides e drogas imunossupressoras
Deve-se obter amostras de sangue periférico e do líquido
„„ Agentes biológicos
sinovial antes da administração de antibióticos. As provas de
„„ Trauma direto articular atividade inflamatória como VHS e PCR estão alteradas na
„„ Cirurgia articular recente grande maioria. No hemograma, leucocitose com desvio à es-
„„ Redução aberta de fraturas querda é observado. As hemoculturas são positivas em 50%
„„ Artroscopia das infecções por S. aureus, mas o são com menor frequência
Fatores locais nas infecções por outros microrganismos.23
„„ Acupuntura
„„ Artrite reumatoide monoarticular O líquido sinovial apresenta-se turvo, purulento ou se-
„„ Osteoartrite rossanguinolento. Os esfregaços corados pelo Gram mostram
„„ Prótese articular no joelho ou no quadril a presença de grandes quantidades de neutrófilos. Os níveis
de proteínas totais e de DHL estão aumentados e o de glico-
Idade „„ Idosos > 80 anos ou recém-nascidos
se diminuído; no entanto, esses achados não são específicos
„„ Exposição a animais (brucelose) para a infecção. As culturas no líquido sinovial são positivas
Fatores sociais
„„ Baixa renda social: tuberculose em 70 a 90% dos casos. A inoculação de líquido sinovial em
frascos contendo meios líquidos para a hemocultura aumenta
a taxa de resultados positivos da cultura, especialmente se o
Quadro clínico patógeno for um microrganismo exigente ou se o paciente esti-
Trata-se de uma artrite aguda, comumente monoarticular, ver usando antibióticos. Deve-se pesquisar cristais no líquido
de início abrupto e com intensos sinais flogísticos, acompa- sinovial, porque a gota e a pseudogota podem assemelhar-se
nhada de febre e calafrios. O joelho é a principal articulação clinicamente à artrite séptica.24
acometida em torno de 50% dos casos em adultos.4 Em virtu- Uma técnica promissora para a detecção do DNA bacteria-
de de nossa condição bipedal, o enorme estresse predispõe a no no líquido sinovial é por meio do método de reação em ca-
injúria nesse local.18 deia da polimerase (PCR), útil para o diagnóstico em casos de
cultura negativa.25, 26

434 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Estudos por imagem Prótese articular-infecção.

„„ CAPÍTULO 28
„„
„„ A drenagem aberta é o procedimento inicial de escolha
1. Radiografia (RsX): nas fases iniciais, não é útil e pode
em crianças com artrite séptica de quadril.
apenas mostrar aumento de partes moles. Em casos de
infecção por Escherichia coli ou anaeróbios, a radiografia „„ Recusa do paciente em aceitar repetidas punções ar-
pode mostrar a formação de gás na articulação. Em 8 a 10 ticulares.
dias após a infecção, o RsX pode mostrar destruição óssea
Após a aspiração, o uso de antibióticos intravenoso deve
subcondral, formação óssea periostal, diminuição do espa-
ser imediatamente administrado com base no resultado do
ço articular e desmineralização óssea.
Gram e da situação clínica com suspeita de artrite séptica. De-
2. Tomografia computadorizada (TC): a TC de alta reso- vem ser usados por pelo menos 6 semanas e, em seguida, por
lução óssea pode ser útil no diagnóstico precoce, princi- 4 semanas por via oral. O uso de antibiótico intra-articular não
palmente nos casos de envolvimento de quadril, ombro, é indicado e pode levar à sinovite química.
esternoclavicular e sacroilíaca, locais de difícil aspiração.
3. Ressonância magnética (RM): a RNM mostra erosões
ósseas precoces bem como a extensão do edema ou abs-
Tabela 28.2
cesso articular e de partes moles. É particularmente útil
na detecção de sacroiliíte séptica, além de osteomielite por Grams do líquido sinovial Antibioticoterapia
contiguidade.
Cocos Gram-positivos Cefazolina 2 g IV a cada 8h
4. Cintilografia óssea: não é um método confiável para a
Cefotaxime 1 g IV a cada 8h
detecção de artrite séptica visto que não diferencia infla-
mação de infecção articular, além de dar falso-positivo em Cocos Gram-negativos Ceftriaxone 1g IV a cada 24h
casos de fratura ou cirurgia recente. Gram-negativos bastões Cefepime 2 g IV a cada 8h
5. Gallium scan: apesar de pouco solicitado é um exame que Piperacilina-tazobactam 4.5 g
diferencia uma infecção de um dano mecânico ao mostrar IV a cada 6h
o aumento de gallium na articulação onde há extravasa-
Fatores de risco ou suspeita de MRSA Vancomicina 1 g IV a cada 12h
mento de proteínas e leucócitos.
Abreviações: IV, intravenoso;
MRSA, Meticilina Resistentes a Staphylococcus Aureus;
Dados: Ross JJ. Septic Arthritis. Infect Dis Clin N Am 2005; 19:799-817.
Diagnóstico diferencial
Artrite séptica apresenta-se geralmente como monoartrite
aguda e ocasionalmente como oligo ou poliartrite. O diagnósti-
Prognóstico
co de monoartrite aguda com manifestações sistêmicas é feito O resultado clínico da artrite séptica e de sua sobrevivên-
com infecção, até que se prove o contrário. cia serão determinados pela duração dos sintomas antes de se
Artrite induzida por cristais (gota ou pseudogota) são as fazer o diagnóstico e de se iniciar o tratamento efetivo, além do
formas mais comuns de diagnóstico diferencial, já que alguns número de articulações envolvidas, da idade e do status imune
casos podem-se manifestar com febre, leucocitose e aumen- do paciente, doença articular precedendo a infecção (ex: artri-
to de células no líquido sinovial. Entretanto, uma história de te reumatoide), da virulência do patógeno e da susceptibilida-
monoartrite recorrente, típico podagra ou evidência radiológi- de do organismo.
ca de condrocalcinose são sugestivas de artrite metabólica. O Em geral, 70 a 85% dos pacientes com infecção estretocóci-
diagnóstico de certeza é por meio da artrocentese com cultura ca do grupo A recuperam sem deixar sequelas residuais. Cerca
do líquido sinovial e a pesquisa de cristais. de 50% dos pacientes com artrite séptica secundária a S. aureus
ou Gram-negativo terão algum dano residual articular.27
Tratamento
„„ GONOCÓCICA
O diagnóstico precoce é a chave do sucesso no tratamen-
to da artrite séptica, bem como a instituição apropriada da Considerações gerais
terapia antibiótica. Os dois procedimentos importantes são
A Neisseria gonorrhoeae é uma das principais causas de
a drenagem articular, mesmo que, por várias vezes, visando
artrite séptica em adultos jovens sexualmente ativos em todo
diminuir a inflamação celular que produz citocinas e enzimas
o mundo. Com o advento da AIDS, o sexo seguro levou a um
proteolíticas que causam permanente dano articular e o uso
declínio de casos dessa doença e consequentemente de artrite.
de antibióticos.
A artrite séptica gonocócica é uma síndrome clínica distinta,
A drenagem cirúrgica aberta com debridamento pode ser geralmente com bom prognóstico. As mulheres são 2 a 3 vezes
indicada quando: mais afetadas que os homens.28
„„ Há falha na resposta da terapia antibiótica em 5 a
7 dias. Patogenia
„„ Coexistência de osteomielite que necessite de inter- A artrite decorrente de N. gonorrhoeae é consequência
venção. de uma bacteremia oriunda da infecção gonocócica ou, com
„„ Envolvimento de articulações que são de difícil drena- maior frequência, de colonização gonocócica assintomática da
gem usando abordagens conservadoras como quadril, mucosa da uretra, colo uterino ou faringe. Ela sempre precede
ombro e sacroilíaca. o desenvolvimento de infecção gonocócica disseminada (DGI).

Artrite Séptica 435


Pessoas com deficiências do complemento, especialmente dos Achados laboratoriais
„„ SEÇÃO 5   DOENÇAS REUMÁTICAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO

componentes terminais, tendem a apresentar episódios recor-


rentes de gonococcemia.29 Com pelo menos 7 dias de infecção, o hemograma mostra
leucocitose com desvio à esquerda. As provas de atividade in-
flamatória como VHS e PCR estão alteradas. As hemoculturas
Quadro clínico são raramente positivas na infecção gonocócica disseminada
(IGD). Se ela for suspeitada, culturas de uretra, cérvice uterina,
A artrite gonocócica apresenta-se com a tríade clássica:
retal e faringe devem ser coletadas. As culturas geniturinárias
poliartrite, lesões dermatológicas e tenossinovites principal-
são positivas em 70 a 90% dos pacientes com IGD, elas devem
mente em dorso dos punhos, mãos, pés e tornozelos.30,31 Outra
ser inoculadas em placa de ágar e Thayer-Martin com 5 a 10%
forma de acometimento é mono ou poliartrite assimétrica em
de concentração de CO2.13, 32,33
menos de 50% dos casos com joelhos, tornozelos e punhos
sendo as juntas mais atingidas.30 O líquido sinovial contém leucócitos com taxas entre 30
e 60.000 mm3. A cultura para N. gonorrhoeae é positiva em
Os sintomas iniciais incluem febre e calafrios. O envolvi-
20 a 50% dos casos, comparados com 70 a 90% das artrites
mento cutâneo consiste de máculas ou pápulas com halo pu-
sépticas não gonocócica. A razão para essa baixa quantidade
rulento no centro, geralmente indolores. A biópsia das lesões
inclui sua patogênese, que pode envolver complexos imunes
mostra inflamação perivascular, vasculite leucocitoclástica, in-
circulantes que bloqueiam o crescimento dessa bactéria.35 O
filtração neutrofílica intraepidermal e microtrombos.30
exame de reação em cadeia da polimerase (PCR) é sensível na
As mulheres estão sob maior risco durante a menstruação, detecção do DNA gonocócico. O teste de amplificação de ácidos
na gravidez e no puerpério. nucleicos no trato geniturinário tem sido desenvolvido com
resultados promissores.33,34

Tabela 28.3 Características clínicas da artrite gonocócica e Estudos por imagem


não gonocócica. São os mesmos para aqueles discutidos em artrite não go-
Características Gonocócica Não gonocócica nocócica.

Recém-nascidos ou
Jovens sexualmente ativos Diagnóstico diferencial
adultos com
Perfil do paciente adultos, principalmente
doença crônica
mulheres O diagnóstico diferencial para IGD inclui a artrite séptica
(diabetes, AR, OA)
poliarticular não gonocócica, endocardite, artrites virais e me-
Dermatite, poliartrite Envolvimento ningococcemia. Formas pós-infecciosas de artrite como febre
Apresentação
migratória, tenossinovite monoarticular reumática e artrite reativa podem também fazer diagnóstico
Padrão de de IGD precoce. Ambos podem estar associados à febre, tenos-
envolvimento Poliarticular ~ 50% Monoarticular ~ 90% sinovite e frequentemente poliartrite.
articular
Positividade da
Menor que 50% Quase 90% Tratamento
cultura
A resposta ao antibiótico é dramática, sendo o tratamento
Geralmente mau
e o controle da gonorreia complicados para a habilidade que a
prognóstico,
Prognóstico
Bom com antibioticoterapia
necessitando de
N. gonorrhoeae tem de desenvolver resistência a alguns agen-
adequada tes microbianos. Nos Estados Unidos da América (EUA), mais
drenagem articular na
maioria dos casos de 15% de infecções por essa bactéria são resistentes a penici-
linas, tetraciclina ou ambos. Atualmente, tetraciclinas (exceto
Abreviações: OA, Osteoartrite; AR, Atrite Reumatoide.
em gestantes) ou penicilinas podem ser usadas em organis-
Dados: Goldberg DL. Septic arthritis. Lancet 1998; 351: 197-202.
mos susceptíveis infectados.
Quinolonas resistentes a N. gonorrhoeae é comum na Ásia
Exame físico e está aumentando nos EUA, principalmente em homossexuais
masculinos.35 (Tabela 28.2)
Artrite gonocócica geralmente envolve de 1 a 5 articula-
ções como joelhos, punhos, tornozelos e cotovelos em ordem A melhora clínica é observada até 48 horas da administra-
de frequência. O exame físico dessas articulações lembra o de ção do antibiótico. Se isso não ocorrer, deve-se mudar o es-
artrite não gonocócica com dor, edema, calor, rubor e impo- quema terapêutico. Na presença de co-infecção por Chlamydia
tência funcional. Quando a tenossinovite está presente há uma trachomatis, doxiciclina ou azitromicina podem ser adiciona-
maior sensibilidade à palpação no dorso de punhos, mãos, pés dos. Tratamento cirúrgico comumente não é necessário.36
e nos tornozelos. As manifestações cutâneas são frequente-
mente assintomáticas e requerem inspeção para a sua detec- Prognóstico
ção. Pápulas e máculas são mais comuns seguidas de pústulas
com uma base eritematosa e um centro necrótico. Esse rash Diferente de outras formas de artrite séptica, o prognós-
é tipicamente encontrado no tronco e extremidades distais. tico da artrite gonocócica é favorável. Somente 1 a 3% dos
Bolhas hemorrágicas, eritema multiforme e lesões vasculíticas casos complicam com pericardite, endocardite, osteomielite,
também têm sido relatadas. piomiosite e meningite.36

436 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 28
Tabela 28.4 Antibioticoterapia recomendada para o tratamento da artrite gonocócica.

Antibiótico Comentários

Cefalosporina parenteral de „„ Ceftriaxona 1 g IV/IM a cada 24 h é a cefalosporina de terceira geração mais usada em DGI
terceira geração „„ Ceftriaxime ou Cefotaxime também são usados

Espectionomicina „„ Reservada para pacientes com alergia a b-bactâmicos


„„ A dose é 2 g IM a cada 12h

Fluorquinolonas „„ Resistência está aumentando na N. gonorrhoeae


„„ Se suscetível, a dose de ciprofloxaxin é 500 mg VO dia
„„ Formulações IV podem ser usadas inicialmente, mas fluoroquinolonas têm excelente biodisponibilidade oral

Cefixime suspensão „„ Dose oferecida é 400 mg VO 2x dia


Penicilina ou Ampicilna „„ Se a N. gonorrhoeae é penilicina suscetível, mudar para um dos seguintes: ampicilina 1g IV 6/6 h, Penicilina G 12 milhões
de unidades IV 4x dia, amoxicilina 500 mg 3x dia ou penicilina V 500.000 U VO 2x dia

„„ USUÁRIOS DE DROGAS Precoce quando ocorre no pré-operatório, seja através de


uma ferida cutânea, equipamento contaminado, bactéria do ar
Antes de 1983, Pseudomonas aeruginosa era responsável no centro cirúrgico ou ainda no pós-operatório imediato em
por 64% dos relatos de artrite séptica em usuários de drogas virtude de cirurgia prolongada, idade avançada do paciente,
intravenosas, com Staphylococcus aureus responsável por ape- doenças crônicas, artrite reumatoide ou doença perioperató-
nas 10%. Após 1983, o papel desses patógenos se inverteu: ria não articular. S. aureus é o microrganismo envolvido.41
P. aeruginosa era resultado de somente 9%, enquanto que
Tardia quando ocorre mais de 1 mês após o procedimento,
S. aureus causava 71% de infecção nesse grupo.20
geralmente causada por um corpo estranho por via hemato-
Essa mudança é explicada pelos diferentes tipos de uso de gênica ou em virtude da baixa virulência de certos patógenos
drogas. Em 1983, havia uma epidemia de abuso de pentazo- como Staphylococcus epidermides, Propionibacterium acnes,
cina-antagonista narcótico da naloxona. Por via oral, seu efei- ou difteroides, introduzidos no momento da cirurgia. Essas
to não era intenso como aplicado por via intravenosa. Nesta infecções são tipicamente causadas por microrganismos que
época, chegou a suplantar a heroína como droga de escolha. crescem em biofilmes, como os citados acima.41
A infecção ocorria em virtude de qualidade da água utilizada,
A falta de circulação na prótese limita a penetração de
geralmente de torneiras de banheiros públicos.37
antibióticos e de respostas imunes do hospedeiro dentro da
Diferentemente da pentazocina que se dilui em água na articulação, como resultado, basta uma baixa inoculação de
temperatura ambiente, a heroína para ser dissolvida tem que microrganismo para desenvolver a infecção.41
ser colocada em água fervendo, e isso diminuiu a contamina-
ção com bactérias do ambiente, como Pseudomonas sp., entre-
tanto não reduziu o risco de infecção por estafilococos.38 „„ CRIANÇAS
As articulações mais acometidas são sínfise pubiana, ester- Estafilococos e estreptococos são os responsáveis pela
noclavicular e sacroilíacas. Esses sítios são infrequentemente maioria dos casos. A artrite séptica por Haemophilus infuenzae
envolvidos em pacientes com artrite séptica não usuários de é agora incomum em virtude da proteção por vacinas conju-
drogas.20, 39,40 Destas, a esternoclavicular é a de maior incidên- gadas.42
cia. Ela é provavelmente infectada a partir de uma flebite lo-
Kingella kingae, um fastígio Gram-negativo do grupo HA-
calizada abaixo da veia subclávia após a injeção de droga se
CEK, tem sido recentemente reconhecido como uma causa
seringas contaminadas nos membros superiores.40
importante não só de artrite séptica, mas também de osteo-
Tomografia computadorizada ou ressonância magnética mielite e discite intervertebral em crianças menores de 2 anos
mostram a infecção que tem alta frequência de complicações de idade. Essa forma de infeção é precedida de faringite ou
como abscesso na parede torácica ou mediastinite.40 estomatite.43-46
Em Houston (EUA), a MRSA (meticilina-resistente a Sta-
„„ PACIENTES COM PRÓTESE ARTICULAR phhylococcus aureus) é a principal causa de infeções mus-
culoesqueléticas estafilocócicas em crianças adquiridas na
Artrite séptica em pacientes com prótese articular tem comunidade levando a uma importante diminuição da mobili-
uma única característica em termos de incidência, fatores de dade articular se não diagnosticada rapidamente.47
risco e tratamento. As taxas de infecção caíram de 10% nas dé-
De modo geral, a articulação do joelho não é dominante,
cadas de 1970 e 1980 para menos de 1% em 1990 em virtude
como em adultos. O quadril e o joelho são infectados em 1/3
da melhora dos equipamentos e técnicas cirúrgicas e do uso de
dos casos cada.
antibióticos no pré-operatório.
Técnicas de PCR podem ajudar a identificar os patógenos
Entretanto, a infecção nas artroplastias é 5 a 10 vezes mais
de difícil encontro na cultura. O uso de antibióticos específicos
provável de acontecer nas revisões ou troca das mesmas. Elas
por via endovenosa por 2 a 4 dias seguida de terapia oral por
podem ser classificadas em precoces ou tardias.41
10 dias e suficiente para tratar uma artrite séptica.48

Artrite Séptica 437


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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438 Tratado Brasileiro de Reumatologia


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Artrite Séptica 439


29

Capítulo
Izaias Pereira da Costa

Doença de Lyme e Sífilis Articular


„„ DOENÇA DE LYME Quando o homem entra em contato com os carrapatos, seja
pelo convívio com animais domésticos infestados ou pela sua
Introdução presença em região de matas, pode contrair a doença, princi-
A Doença de Lyme (DL), descrita por Allen C. Steere, em palmente se for picado pelas ninfas dos carrapatos, que têm
Connecticut (USA), em 1977, foi definida como doença infec- maior índice de infectividade e que pelo seu pequeno tamanho,
ciosa transmitida por carrapatos do gênero Ixodes, cujo agente podem passar desapercebido pelo hospedeiro, possibilitando
etiológico é a espiroqueta Borrelia burgdorferi (Figura 29.1). um maior tempo de contato com o hospedeiro, aumentando a
possibilidade de transmitir a infecção.
Nos EUA, Europa e Ásia, o carrapato transmissor pertence
ao complexo Ixodes ricinus. Sendo que nos EUA encontra-se o Esta doença tem distribuição em todo hemisfério norte,
I. scapularis e o I. pacificus; na Europa, o I. ricinus a, na Ásia, o com identificação de diferentes espécies da Borrelia spp. Dada
I. persulcatus. a essa diversidade de espécies que causam a DL, as Borrelias
são classificadas em sensu strictu, que correponde à B. burg-
A DL é uma zoonose, que tem como reservatórios das
dorferi e as de sensu lato, que compreendem as B. garinii e a B.
B. burgdorferi sensu lato, os pequenos roedores silvestres
afzeli, encontradas na Europa.
e os grandes vertebrados. As larvas e ninfas dos carrapatos,
ao fazerem o repasto sanguíneo nesses animais, contraem a Ainda que na América do Sul, África e Austrália, o agente
infecção, enquanto os artrópodes adultos, por já estarem en- etiológico não tenha sido isolado, síndromes clínicas seme-
gurgitados, utilizam os mamíferos de grande porte para acasa- lhantes àquela descrita nos EUA, foram identificados em vários
lamento e são de baixa infectividade para o homem. países desses Continentes, em pacientes que foram picados ou
que estiveram em contato com carrapatos.
As manifestações clínicas descritas nos EUA e na Europa,
que são similares àquelas apresentadas pelos pacientes brasi-
leiros, incluem a presença do eritema migratório (EM), que se
constitui no maior marcador clínico da doença, no seu estágio
primário de evolução, acompanhadas de queixas de mal-estar
geral, indisposição, artralgias, coriza, caracterizando um qua-
dro semelhante ao gripal.
O EM aparece no local da picada do carrapato, e se carac-
teriza por uma área central clara com um halo hiperemiado,
que se expande centrifugamente por vários centímetros. O seu
aparecimento se dá após 2 a 3 dias após a picada ou pode levar
semanas.
Caso o paciente não seja tratado convenientemente, após
meses ou anos desde as manifestações iniciais, há progressão
do quadro clínico para o estágio secundário, que se caracteriza
por lesões cutâneas, clinicamente semelhantes ao Em, porém
são de menores tamanhos e múltiplos.
Artrite, artralgia, manifestações neurológicas e/ou cardía-
cas podem ocorrer nessa fase, pela disseminação hematogêni-
ca da Borrelia.
Após anos de evolução, as lesões cutâneas assumem ca-
racterísticas esclerodérmicas, denominadas de acrodermatite
Figura 29.1 B. burgdorferi sensu strictu.
atrófica (ACA), principalmente nos pacientes da Europa, que

441
foram infectados pela B. afzelii, constituindo-se o estágio ter-
„„ SEÇÃO 5   DOENÇAS REUMÁTICAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO

ciário de evolução. Nesta fase, acentuam-se as lesões crônicas


neurológicas, cardiológicas e ocorrem distúrbios da cognição.
As artrites se tornaram crônicas, poliarticulares, com lesões
ósseas e sinovite crônica e deformidades articulares.
Alguns pacientes, mesmo não tendo sido mais registra-
da a presença da Borrelia, através de sorologia, cultura e de
PCR, após o tratamento, evoluem com quadro clínico de fadi-
ga crônica, artalgias, mialgias e distúrbios cognitivos, cons-
tituindo-se na Síndrome pós-Doença de Lyme ou Síndrome
Poliorgânica Associada ao Carrapato (tapos, em inglês). A sua
patogenia permanece não explicada.

A doença de Lyme símile no Brasil (síndrome de


Baggio-Yoshinari)
No Brasil, há mais de 20 anos têm sido registrados casos clí-
nicos com sinais e sintomas semelhantes à DL e que apresenta- Figura 29.2 Amblyomma cajennense, ectoparasito encontrado
ram anticorpos anti-B. burgdorferi (cepa G39/40), através das em marsupial (Didelphis albiventris) de Campo Grande – MS.
técnicas de ELISA e Western blotting. Estes métodos diagnósti-
cos, embora úteis para a confirmação diagnóstica, têm se mos- tas estruturas, que morfologicamente lembram Micoplasmas
trado pouco sensíveis e de baixa especificidade, o que sugere e Clamídias, são descritas na Literatura como formas L ou cell
possíveis diferenças antigênicas entre os agentes etiológicos. wall deficient bactéria (bactérias desprovidas de parede), que
Essas técnicas foram padronizadas e desenvolvidas pelo surgem quando espiroquetas são cultivadas em meios inós-
Serviço de Referência para Pesquisa da Doença de Lyme no pitos.
Brasil, da Disciplina de Reumatologia da Faculdade de Medi- Esta possibilidade permite supor que as dificuldades do
cina da Universidade de São Paulo (USP), liderado pelo Prof. cultivo da Borrélia no Brasil decorrem da forma mutante que
Dr. Natalino Hajime Yoshinari, pesquisador pioneiro da DL no
essa espiroqueta apresenta, em razão das diferenças climáticas,
país, têm sido de grande auxílio na identificação de indivíduos
adaptação aos hospedeiros para a sua sobrevivência no meio.
com a Síndrome Doença de Lyme-símile (SDLS).
Desde a descrição inicial desta síndrome no Brasil, diver-
Os resultados positivos dos exames laboratoriais, obtidos
sos epônimos têm sido utilizados para caracterizar esse qua-
pelas respectivas técnicas, somados às informações epidemio-
dro clínico e laboratorial – Síndrome Doença de Lyme-símile
lógicas de contato com carrapato ou de presença em área endê-
(SDLS) ou Síndrome Infecto-Reacional Lyme-símile (SIRLS,
mica e a história de sinais e sintomas clínicos característicos da
pela sua semelhança clínica e epidemiológica com a Doença de
DL, constituem os Critérios Diagnósticos para a SDLS no Brasil.
Lyme descrita nos EUA e na Europa).
O Grupo de Pesquisa em Doença de Lyme liderado pelo
Porém, as diferenças estruturais do agente etiológico
Prof. Dr. Natalino Hajime Yoshinari tem produzido e publicado
encontrado no Brasil, a baixa reatividade imunológica aos
vários trabalhos científicos, nos quais tem demonstrado não
componentes da B. burgdorferi, falha da cultura em meios es-
só a presença de anticorpos anti-B. burgdorferi no soro de pa-
pecíficos e na amplificação de sequência de nucleotídeos espe-
cientes brasileiros, mas também a visualização de estruturas
cíficos pela reação em cadeia de polimerase (PCR), a ausência
com forma de espiroquetídeos e outras formas, em amostras
do carrapato hematófago Ixodes ricinus, a grande frequência
de sangue periférico e de liquor de pacientes com a SDLS.
de recidiva clínica e de cronificação observadas nos pacien-
Porém, as dificuldades do cultivo em meio específico para B.
tes brasileiros, ainda que o espectro clínico seja semelhante
burgdorferi, BSK, não possibilitaram o isolamento do agente
ao da doença de Lyme, permite-nos admitir que esta síndro-
etiológico, embora estudos recentes, por técnicas de biologia
me se constitua em nova zoonose no Brasil e em homenagem
molecular, têm-se mostrado promissores para a sua caracte-
aos pesquisadores pioneiros, no Congresso de Reumatologia
rização genética.
Avançada realizado em 2005, em São Paulo, Brasil, foi denomi-
Dificuldades semelhantes a que temos encontrado para a nada Síndrome Baggio-Yoshinari (SBY).
identificação e cultivo do agente etiológico têm sido descritas
por pesquisadores da região Sul dos EUA, em pacientes com
clínica da Doença de Lyme clássica, que denominaram de Do- A Síndrome de Baggio-Yoshinari (SBY)
ença de Masters. O agente etiológico desta é a Borrelia lonestari,
Definição
que também não é cultivável em meio BSK, tem semelhança
antigênica com a espiroqueta bovina B. theileri e é transmitida É uma zoonose, transmitida por carrapatos não perten-
por carrapatos do gênero Amblyomma. centes ao complexo Ixodes ricinus, cujo agente etiológico são
Os trabalhos científicos brasileiros têm encontrado, como espiroquetas que se apresentam com forma atípica e, na forma
possíveis vetores, os carrapatos do gênero Amblyomma e/ou latente, apresentam-se desprovidas da parede celular e flage-
Boophilus (Figura 29.2). los, constituindo-se na forma L.
Mantovani E, Costa I P, Gauditano G et al. relataram a ocor- A síndrome tem caráter multissistêmico, podendo apre-
rência de espiroquetas de morfologia diferente da habitual, sentar-se de forma aguda ou ter evolução crônica e apresentar
no sangue periférico de doentes com a Doença de Lyme símile recidivas. Na fase tardia, pode apresentar alterações orgânicas
brasileira, quando examinados à microscopia eletrônica. Es- e/ou sistêmicas, decorrentes de fenômenos de autoimunidade.

442 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Etiologia tiplas formas, sendo algumas como espiroquetídeos, outras

„„ CAPÍTULO 29
No Brasil, grande parte dos pacientes com manifestações formas císticas ou que lembram bactérias do gênero Clamydia
clínicas características da Doença de Lyme e com evidência de spp. e Mycoplasma pneumoniae.
ter tido contato com carrapatos ou ter convívio com animais Após estudos por técnicas de biologia molecular, verificou-
domésticos infestados ou ter estado em área de risco (matas -se que as estruturas visualizadas não correspondiam aos
ou zona rural), apresentavam anticorpos contra componentes gêneros das bactérias acima citadas e que poderiam ser alte-
antigênicos da B. burgdorferi sensu lato, ainda que com baixa rações morfológicas (formas L), para a sua adaptação ao meio,
sensibilidade, em relação aos pacientes dos EUA e da Europa. da Borrelia spp.
Afastadas as possibilidades de reações cruzadas com an- Estudos genéticos recentes têm verificado que a expres-
tígenos de outras bactérias espiralares como sífilis e leptospi- são fenotípica da parede e do flagelo é regulada por genes que
rose, por exemplo, estes fatos se constituíram em evidência de podem-se manifestar na dependência do tipo de hospedeiro,
que espiroquetas participariam como agente etiológico da SBY. ou podem ser suprimidos quando em meios cujas condições
Outra evidência de que o agente etiológico da SBY seja es- físicas e químicas sejam desfavoráveis.
piroqueta, foram as observações dessas estruturas em amos- Portanto, as formas L correspondem às bactérias que, para
tras de sangue de pacientes, à microscopia de campo escuro ou a sua adaptação ao meio, perdem o seu exoesqueleto, asseme-
quando coradas por Giemsa ou ácido Panótico (Figura 29.3). lhando-se aos Mycoplasmas.
Foram ainda visualizados espiroquetídeos em liquor de pa- Em resumo, tem sido sugerido que o agente etiológico da
ciente com meningite linfocítica (hematoxilina-eosina) e em SBY seja uma espiroqueta do gênero Borrelia, com caracterís-
espécimes histológicos de lesão cutânea (eritema migratório), ticas de forma mutante, que pode apresentar-se sob as formas
pela coloração pela prata. L (bactérias desprovidas de parede) ou cística, como resultado
No Laboratório de Patologia do Instituto do Coração da Fa- da sua capacidade de adaptação ao meio.
culdade de Medicina da Universidade de São Paulo, utilizando Essas alterações estruturais podem explicar o fato de não
a microscopia eletrônica, evidenciou grande quantidade de serem facilmente visualizadas pelos corantes habituais, e não
espiroquetídeos em sangue periférico de paciente com diag- terem sobrevivência prolongada em meios específicos para
nósticos de SBY. borrelias que possuem as suas paredes celulares íntegras e
No entanto, até o momento, essas estruturas têm-se mos- estruturas flagelares.
trado incultiváveis nos meios específicos para o gênero Bor- Com esses novos conhecimentos e com a ajuda das técni-
relia spp. cas de biologia molecular, a caracterização gênica do agente
Estudos recentes desenvolvidos por Yoshinari e cols., têm etiológico está muito próxima.
registrado a presença no sangue periférico de pacientes com
clínica e sorologia da síndrome, bem como em meios de cultu- Epidemiologia
ras de amostras de sangue de pacientes, estruturas com múl- As borrelioses são de distribuição mundial, pois tem sido
descritas na América do Norte, América Central, América do
Sul, Ásia, África, Europa e Austrália. As manifestações clínicas
têm características distintas conforme a região, mas todos os
agentes são pertencentes ao gênero Borrelia e são transmiti-
dos por carrapatos.
Ambos os sexos podem ser afetados, com uma incidência
um pouco maior em homens, provavelmente pela exposição
maior a áreas de risco.

Vetores e reservatórios
Inquéritos epidemiológicos realizados nos trabalhos cien-
tíficos nacionais têm relatado que, mais de 50% dos pacientes
com diagnóstico da SBY se recordam de ter sido picados por
carrapatos ou terem convívio com animais domésticos que
apresentavam infestação por carrapatos. Os demais haviam es-
tado em área rural ou de mata, antes do início do quadro clínico.
A SBY é considerada uma zoonose transmitida por carrapa-
tos, possivelmente dos gêneros Amblyomma e/ou Boophylus.
Em estudo epidemiológico realizado em Mato Grosso do
Sul, na região Centro-Oeste, foram identificados espiroquetí-
deos semelhantes ao gênero Borrelia SP. em cultura de amos-
tras de sangue de animais silvestres como roedores (Akodon
sp, Orizomis SP.) e marsupiais (gambás), por microscopia de
Figura 29.3 Espiroquetas observadas (microscopia de campo campo escuro. (Figura). Nesse trabalho e, em outros relatados
escuro) em meio de cultura (BSK) de fígado e baço de ratos na literatura, onde ocorreram a doença no Brasil, as espécies
(Akodon spp), sangue de marsupiais (Didelphis albiventris) e de carrapatos coletados dos animais selvagens foram Ixodes
de carrapatos (ninfas de Amblyomma spp), capturados na Re- loricatus (Neumann), Amblyomma cajennense (Fabricius) e
serva Biológica de Campo Grande-MS. Amblyomma aureolatum (Pallas). É importante registrar que

Doença de Lyme e Sífilis Articular 443


não foram identificados carrapatos do complexo Ixodes ricinus
„„ SEÇÃO 5   DOENÇAS REUMÁTICAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO

no Brasil, até o momento.


O gênero Amblyomma pertence à família Ixodidae. Para a
realização do seu ciclo vital parasitário, necessita de três hos-
pedeiros, tendo os equinos como hospedeiros preferenciais,
embora sejam encontrados nos animais domésticos, roedores
e outros animais selvagens.
Possui mais de 100 espécies descritas, sendo o Amblyom-
ma cajennense o de maior importância epidemiológica. É en-
contrado em todas as Américas, tendo preferência por locais
com temperaturas mais elevadas. No Brasil, tem alta prevalên-
cia com distribuição por todas as regiões.
Estudos realizados nas diversas fases (larva, ninfa e adul-
to) de evolução do Amblyomma sp, para verificar o índice de
infectividade, ou seja, em qual fase de evolução o carrapato es-
taria mais infectado pela espiroqueta e, portanto, com maior
potencial de infectar o homem, as formas mais jovens e, prin-
cipalmente, as ninfas, se mostraram com maior número de pa- Figura 29.4 Eritema migratório em paciente com SBY, de
tógenos que os adultos. Campo Grande – MS.
O gênero Boophilus, também da família Ixodidae, tem como
a principal espécie o B.microplus. Tem os bovinos como o seu Associados ao EMC, outros sinais e sintomas podem apare-
principal hospedeiro, embora ovelha, cavalo, veado, cão, cabra, cer, como: cefaleia, nucalgia, mialgia, artralgia, febre, calafrio,
homem e outros possam ser infectados. Têm alta prevalência e disestesia, linfoadenopatia e outros sintomas semelhantes a
incidência no Brasil, constituindo-se em potencial vetor da SBY. um quadro gripal.
Sabe-se que a transmissão do agente etiológico ao homem Em relação ao acometimento musculoesquelético, nesse
e a outros animais, se dá após a fixação do carrapato em al- estágio, é comum os pacientes apresentarem-se com queixas
guma parte do corpo, no seu repasto sanguíneo e posterior de dores articulares, em tendões, músculos ou ossos, em um
regurgitação no local da picada. Portanto, há necessidade da ou vários locais, de duração de horas ou dias, o que correspon-
permanência prolongada do carrapato em contato com o indi- de à disseminação da espiroqueta no organismo.
víduo, para ocorrer a transmissão de patógenos. Ainda que a artrite possa ocorrer precocemente, em torno
de 2 semanas após o aparecimento do EMC, a sua patogênese
Manifestações clínicas
pode ser diferente dos sintomas iniciais, sendo considerada
As manifestações clínicas podem variar, entre os indiví- como uma possível artrite reacional à síndrome.
duos, de intensidade, duração dos sintomas e o tempo entre a Caso o paciente não seja tratado ou o tratamento não tenha
picada pelo carrapato e o tipo de acometimento. sido eficaz, após dias ou semanas da picada pelo carrapato,
O tempo que decorre entre a picada pelo carrapato e o iní- alterações sistêmicas podem ocorrer. Novas lesões cutâneas
cio dos sintomas, pode variar de 2 semanas a anos e não obe- semelhantes à inicial podem aparecer, embora menos expan-
decer uma sequência de eventos clínicos. Por exemplo, pode o sivas, múltiplas, sem relação com o local da picada, denomina-
paciente estar com meningite linfocítica e não ter apresenta- das de eritemas anulares secundários, que, segundo Costa e
do lesões cutâneas ou articulares e ter transcorrido meses ou cols, têm sido observadas em 50% dos pacientes (Figura 29.5).
anos após a picada ou o contato com o carrapato.
No entanto, Yoshinari e cols., propõem classificar a apre-
sentação clínica da doença no Brasil, pelo tempo de início e
forma de evolução em fase inicial (aguda ou recente) e latente
ou recorrente.
Fase inicial (aguda ou recente) – arbitrariamente, e con-
sidera-se até 3 meses de evolução após a picada pelos carra-
patos. Nesse período, que pode variar de 3 dias a semanas,
aparece no local da picada uma lesão cutânea (Figura 29.4),
denominada de eritema migratório (EM), que tipicamente, ini-
cia como uma mácula ou pápula com área central mais clara,
porém pode ser homogênea e que pode expandir centrifuga-
mente, com vários centímetros de diâmetro. Esta lesão, quan-
do presente, se constitui em marcador clínico da síndrome. É
descrita em torno de 50% dos pacientes nos trabalhos nacio-
nais, 70% nos EUA e 50% nos estudos europeus.
Em biópsias realizadas nas bordas dessas lesões, tem-se
verificado em alguns trabalhos a presença da espiroquetídeos,
Figura 29.5 Eritema anular secundário (Foto gentilmente
sugerindo que a expansão da lesão seja determinada pela mi-
cedida pelo Dr. Steere, A C, EUA).
gração da bactéria através do tecido subcutâneo.

444 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Nesse estágio secundário da SBY, que corresponde à fase Costa et al. estudando 15 pacientes com diagnóstico de

„„ CAPÍTULO 29
de disseminação sistêmica da borreliose, outras lesões cutâ- SBY, encontraram manifestações neurológicas em 5 (33,3%).
neas têm sido relatadas nos pacientes brasileiros, como lesões Todos apresentaram meningite de padrão linfomonocitário,
de aspecto esclerodérmico (esclerodermia like) que é similar acompanhada ou não, por neuropatia cranial (incluindo a pa-
à acrodermatite crônica atrófica descrita na Europa, paniculite ralisia facial), radiculoneurite e mielite. Caracteristicamente,
e linfocitoma. os liquores apresentavam, em média, celularidade de 167 cé-
A artrite pode evoluir, com ou sem rash cutâneo ou mani- lulas, com predomínio de 90% das células linfomonocitárias;
festações neurológicas, com episódios recorrentes, presentes a dosagem de proteínas foi de 152 mg%. Os demais elementos
em estudos nacionais entre 25 a 50% dos pacientes e apenas bioquímicos não apresentaram alterações significativas.
artralgia em 40% (Figura 29.6). Similarmente, os estudos norte-americanos têm mostrado
Pode haver derrame articular ou dor aos movimentos, se- uma incidência entre 15 a 20% dos pacientes com manifesta-
manas, meses ou anos após o quadro inicial, que coincide com ções neurológicas na doença de Lyme. As características liquó-
uma marcada resposta humoral e celular à espiroqueta. ricas são descritas com pleocitose linfomonocítica, de 100 a
Em estudos realizados em pacientes dos EUA, foi detecta- 200 células/mm3, com elevação dos níveis de proteína (8 a 400
da a presença de DNA de B. burgdorferi, por PCR (Polymerase mg/dL), a glicose é comumente normal, embora tenha descri-
Chain Reaction), em líquidos sinoviais de pacientes com artrite ção de ligeira diminuição.
de Lyme não tratada ou insatisfatoriamente tratados, podendo A meningite pode-se apresentar com o seu quadro clássico
sugerir a presença de espiroquetas viáveis nas articulações, agudo ou apresentar evolução subaguda, persistindo por 1 a 2
nessa fase. meses e desaparecer em semanas. Pode apresentar um caráter
A sinovianálise mostra um líquido sinovial inflamatório, recidivante, de intensidade variável em um ou mais anos.
com predomínio de neutrófilos. Em estudo retrospectivo, citado por E. Mantovani e cols.,
Artrites intermitentes ou prolongadas, de acometimento de 30 pacientes com manifestações neurológicas da SBY, sen-
monoarticular ou oligoarticular, principalmente de joelhos, é do que 19 deles estavam em acompanhamento clínico por um
visto em 30% dos pacientes que apresentam acometimento tempo médio de 42,8 meses, os seguintes sintomas neuroló-
articular, simulando, às vezes, artrite reumatoide ou artrite gicos foram observados: meningismo (50%), radiculite mo-
reativa. A forma poliarticular é vista em 21% dos pacientes. tora periférica (40%), radiculite sensitiva periférica (33,3%),
hiporreflexia tendínea (16,7%), sintomas oculares (36,7%),
Em muitos pacientes, a artrite pode resolver espontanea-
paralisia do nervo facial periférico (26,7%), distúrbios da
mente depois de alguns dias a poucas semanas. Cerca de 20%
audição (10%), ataxia (10%), disfagia, disartria e perda do
dos pacientes, podem desenvolver sinovite crônica, com um
controle do esfíncter anal ou vesical, tontura (6,7%), perda do
ano ou mais de evolução.
equilíbrio e coma (3,3%).
Caso o paciente não seja tratado convenientemente, agra-
O comprometimento muscular de maior frequência é a
vam-se os períodos de recidiva, com aumento do número de
mialgia, relatada por Costa e cols em 31,2% dos casos de SBY.
articulações acometidas, podendo ocorrer artrite de pequenas
A miosite, bem caracterizada pelo aumento de enzimas mus-
articulações, simulando artrite reumatoide com característi-
culares, alterações eletromiográficas e por biópsia muscular,
cas de acometimento simétrico e poliarticular.
é de ocorrência rara (6,7%) e o quadro de fadiga crônica é
As manifestações neurológicas podem ocorrer semanas ou observada em 8,7% dos pacientes com síndrome de Baggio-
meses após o início da doença, geralmente após a resolução do -Yoshinari.
EMC e é caracterizado, semelhante aos pacientes com DL, pela
Complicações cardíacas têm sido descritas em 5% dos ca-
tríade: meningite linfomonocitária, radiculite craniana e radi-
sos confirmados de SBY, e as alterações constaram de cardio-
culopatia periférica. Casos de encefalite e/ou encefalomielite,
megalia e arritmias.
uveíte e arterite retiniana podem ocorrer.
Dos pacientes tratados na fase inicial, 75% têm obtido a
cura.

Fase latente (recidivante)


Em 25% dos pacientes tratados ou não tratados, bem
como em 75% daqueles em que o diagnóstico de SBY foi feito
após 3 meses de evolução, as recidivas em pele, articulações,
sistema nervoso e coração, têm periodicidade mensal ou anu-
al. Esta fase pode ocorrer semanas, meses ou anos após a pi-
cada do carrapato e é característica da SBY, uma vez que não
é descrita na DL.
Essas manifestações clínicas recidivantes podem ocorrer
sem manifestações gerais como febre, mialgias e mal-estar.
Ou seja, com uma lesão dessa fase, pode ocorrer isoladamente
meningite ou artrite, por exemplo, o que dificulta o diagnósti-
co uma vez que dificilmente, nessas situações, a possibilidade
de ser uma manifestação tardia da SBY será lembrada.
Figura 29.6 Monoartrite de tornozelo esquerdo em paciente Além disso, o fato de ser uma doença de acometimento
com SBY, de Campo Grande-MS. sistêmico, determina uma grande variedade de apresentação
clínica nessa fase, que pode mimetizar algumas doenças mais

Doença de Lyme e Sífilis Articular 445


conhecidas. Além daquelas alterações cutâneas, articulares Diagnóstico
„„ SEÇÃO 5   DOENÇAS REUMÁTICAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO

e neurológicas citadas na fase inicial, que também podem O diagnóstico da SBY deve levar em consideração as ma-
ocorrer na fase latente, associam-se as lesões de caráter mais nifestações clínicas características, informações epidemiológi-
crônico, em cada um desses segmentos. Por exemplo, lesões
cas consistentes como relato pelo paciente de contato direto
de esclerodermia-símile (Figura 29.7), acrodermatite atrófica
ou indireto com carrapatos ou ter estado em área de matas ou
(ACA), linfocitoma, na pele. Meningite linfomonocítica, con-
litorânea, antes do início do quadro e exames laboratoriais que
vulsões, encefalite e esclerose múltipla-símile no sistema ner-
demonstrem a presença de anticorpos anti Borrelia burgdor-
voso central ou polineuropatia desmielinizante como quadro
feri ou a visualização de espiroquetídeos por microscopia de
de síndrome de Guillain-Barré, no sistema nervoso periférico.
Na poliartrite crônica simétrica ou oligoarticular assimétrica campo escuro, em amostras de soro ou liquor.
com deformidades e síndrome da fadiga crônica predominam Pelo fato de não se ter conseguido o isolamento da espiro-
o quadro de acometimento do aparelho locomotor. As altera- queta nacional causadora da SBY, a interpretação dos exames
ções cardiológicas, embora menos frequentes, podem ocorrer laboratoriais se torna difícil e exige cautela, principalmente a
por conta de arritmias ou bloqueios de condução e insuficiên- pesquisa de anticorpos, pois utilizamos como substrato para a
cia cardíaca e a uveíte e arterite retiniana como acometimento realização dos exames Elisa e W. blotting, a B. burgdorgferi, o
ocular. que determina uma sensibilidade baixa do exame e que pode
Nessa fase recidivante ou latente, chama a atenção alte- levar a resultados falsos-negativos ou positivos, pela reação
rações neuro-psiquiátricas observadas em alguns pacientes cruzada com outras espiroquetas (por exemplo, sífilis), com
em relação à diminuição da memória para fatos recentes, autoanticorpos de doenças autoimunes como o Lúpus Erite-
distúrbios do sono, quadros depressivos, dificuldade de con- matoso Sistêmico e Artrite Reumatoide.
centração, fibromialgia, entre outros. Esse quadro é descrito O Centro de Referência de Doença de Lyme, no Brasil (La-
nos pacientes norte-americanos como síndrome pós-doença boratório de Investigação da Interação entre Microrganismo e
de Lyme, o que corresponderia, nos pacientes brasileiros à Artrite, da Disciplina de Reumatologia da FMUSP, SP – LIM-17),
síndrome pós-SBY ou como parte da constelação de sinais e considera o paciente como suspeito de ter a SBY, se apresentar,
sintomas da fase latente. no mínimo, 3 critérios maiores ou 2 maiores e 2 menores.
Como dito anteriormente, é desconhecida a patogenia des- Critérios maiores:
sa fase, porém é razoável levantar a hipótese de que a forma L
da espiroqueta na SBY, a torne resistente aos antibióticos que I. Epidemiológicos: história de picada ou contato com car-
têm sua ação voltada para a parede celular e, além disso, nessa rapato; exposição em áreas de mata, litorânea ou de cam-
forma são capazes de passarem despercebidos pelo sistema po.
imunológico, principalmente se estiverem no ciclo intracelu- II. Clínicos: presença de eritema migratório (EM) ou aco-
lar, na forma latente. metimento de pelo menos um dos sistemas: nervoso, os-
Essa permanência crônica no hospedeiro poderia levar à teoarticular, cardiovascular ou ocular. É necessário haver
estimulação do sistema imunológico, o que pode explicar a nítida relação temporal entre o início dos sintomas e a in-
presença de hipergamaglobulinemia, aumento de IgE, a pre- formação epidemiológica.
sença de anticardiolipinas e autoanticorpos antimembranas III. Laboratoriais: sorologia positiva para B. burgdorferi, pe-
neuronais, como já foi relatado. los métodos de ELISA ou W. blotting. O Laboratório LIM-
17 da FMUSP, considera sorologia positiva:

a) Presença de anticorpos anti-B. burgdorferi, cujos títulos,


pelo método de ELISA, sejam maiores que 1/100 para IgM
e 1/400 para IgG;
b) Presença de, pelo menos, duas bandas para IgM ou quatro
bandas para IgG, isoladamente, ou de uma banda de IgM e
duas de IgG, concomitantemente.

Critérios menores:
„„ Existência de manifestações clínicas recorrentes;
„„ Sintomas clínicos compatíveis com os da Síndrome da
Fadiga Crônica;*
„„ Identificação de espiroquetídeos à análise pela micros-
copia de campo escuro. Estes microrganismos devem
ser capazes de sobreviver temporariamente em meio
de cultura SP4.

* Define-se Síndrome da Fadiga Crônica como cansaço físico ou men-


tal com duração superior a 6 meses que não melhora com repouso e
é exacerbado por exercícios físicos. Deve haver 4 dos seguintes sin-
tomas: fadiga prolongada, cefaleia, mialgia, diminuição da memória,
Figura 29.7 Lesão cutânea esclerodermia-símile, encontrada concentração ou sono, artralgia, dor de garganta ou adenomegalia
em paciente com SBY, de Campo Grande-MS. cervical.

446 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Tratamento que preenchem critérios para Espondiloartrite Reativa (Sín-

„„ CAPÍTULO 29
Na fase inicial da doença (até 3 meses de evolução), drome de Reiter), Lúpus Eritematoso Sistêmico, entre outras.
quando ainda não ocorreu a disseminação sistêmica, o tra- Em uma evolução natural da doença, na forma adquiri-
tamento oral com Doxiclina (100 mg duas vezes ao dia) ou da, classifica-se em primária, onde a lesão característica é o
amoxicilina (500 mg três a quatro vezes ao dia), por um cancro, em secundária quando ocorre a disseminação do T.
período de um mês, tem sido capaz de encurtar a duração pallidum e o rash cutâneo, as artralgias e as dores ósseas são
do EMC e de prevenir a doença. Nos pacientes com artrite, frequentes. Na forma terciária, é onde encontramos a mais te-
sem comprometimento sistêmico, o mesmo esquema acima mida das complicações; no que diz respeito ao comprometi-
é preconizado. mento articular, é quando ocorre a artropatia neuropática ou
Na fase latente (acima de 3 meses de evolução), quando já articulação de Charcot, decorrente da complicação neurológi-
ocorreu a disseminação sistêmica do agente etiológico, as ma- ca, a tabes dorsalis.
nifestações recorrentes cutâneas ou articulares podem ser tra- No tratamento das fases recentes, a Penicilina Benzatínica
tadas com a doxiciclina na mesma dosagem, porém, por tempo está indicada, enquanto nas formas terciárias e na neurossífi-
mais prolongado (3 meses no mínimo). Quando o paciente lis, a Penicilina Cristalina tem sido recomendada.
apresenta manifestações neurológicas, o uso intravenoso de
cefetriaxone 2 g/dia por 30 dias, seguindo-se o uso de doxi- Histórico
ciclina (mesma dosagem anterior), por 2 meses no mínimo. A
associação da hidroxicloroquina 400 mg/dia ou difosfato de Estudos realizados em esqueletos humanos da era Co-
cloroquina, por tempo indeterminado tem sido sugerido por lombiana, encontrados na República Dominicana, mostram
se ter indícios de auxílio dessa droga na eliminação das formas evidências de reações periosteais, principalmente nos ossos
intracelulares do patógeno. da tíbia, mãos e pés, sendo, na sua maioria, de acometimento
A resposta nesta fase costuma ser inconstante e lenta, per- assimétrico.
mitindo recidivas do quadro clínico, ao longo do tempo. Além Essas alterações ósseas são idênticas à periostite, hoje re-
disso, as alterações neuropsiquiátricas não respondem de ma- conhecida como característica das doenças por Treponemas,
neira satisfatória ao tratamento, sendo necessária intervenção principalmente com aquelas confirmadas em pacientes com
de medicações específicas. Sífilis.
Nos pacientes que desenvolveram quadros articulares se- Inúmeros trabalhos paleontológicos realizados em fósseis
melhantes à artrite reumatoide, além dos antimaláricos, o uso humanos na Europa reconhecem aquelas alterações da Sífilis,
de methotrexate, leflunomide e corticoides tem sido de grande nesse Continente, apenas a partir do Século XV, enquanto, no
auxílio na melhora clínica da artrite. A esses pacientes associa- Novo Mundo, encontram-se alterações ósseas compatíveis
mos o antibiótico a longo prazo. com Sífilis óssea, em esqueletos bem mais antigos.
O uso de imunobiológicos tem sido contraindicado por se Os trabalhos paleontológicos recentes têm sugerido que a
tratar de uma doença infecciosa. Sífilis teve sua origem a partir da África, sendo disseminada
Os fenômenos de autoimunidade que os pacientes desen- através da Ásia, para a América do Norte e, bem tardiamente,
volvem na fase tardia, ainda não autorizam o uso de imunos- para a Inglaterra.
supressores por não conhecermos ainda se os autoanticorpos O médico espanhol Francisco Lopes Villalobos (1473-
têm algum papel patogênico na doença ou se são apenas epi- 1560) foi quem relatou a artropatia associada à Sífilis.
fenômenos. Fritz Schaudinn e Erich Hoffmann, em 1905, denominaram
Infelizmente, ainda não dispomos de critérios laborato- de Spirochaeta pallida o agente etiológico e, nos anos seguin-
riais que possam auxiliar na escolha do melhor esquema tera- tes, tiveram o surgimento do tratamento com Arsênico, dos
pêutico para que possamos impedir a sua cronificação. Testes diagnósticos e, por fim, a introdução da Penicilina para
a cura da Sífilis.

„„ SÍFILIS ARTICULAR
Epidemiologia
Resumo
A infecção pelo T. pallidum pode ser transmitida aos indiví-
A Sífilis é uma infecção cujo agente etiológico é o Trepo- duos durante a gestação, através da placenta ou durante o ato
nema pallidum, que pode ser transmitida via transplacentária, do parto, constituindo-se na forma Congênita da Sífilis.
na forma congênita ou, via contato íntimo entre indivíduos, na A Sífilis Adquirida tem como principal meio de transmis-
forma adquirida. são o contato sexual, seja vaginal, anal ou oral e tem como
As manifestações clínicas na forma congênita podem ocor- agente etiológico, o Treponema pallidum, uma espiroqueta que
rer nos primeiros 2 anos de vida ou mais tardiamente (formas é morfologicamente semelhante às outras duas espécies: T.
recente, tardia e latente), na criança. Epifisites, condrites, rash pertenue, responsável pela Bouba e o T. carateum, pela Pinta.
cutâneo e outras manifestações sistêmicas podem estar pre- Após o uso da Penicilina no tratamento da Sífilis, em virtu-
sentes na forma congênita. de de à sua alta eficácia, houve redução drástica na incidência
Na forma adquirida, a Sífilis é capaz de mimetizar várias anual nos Estados Unidos da América, permitindo dizer que
doenças reumáticas, pela sua interação com sistema imune ce- tal enfermidade havia sido erradicada daquele continente.
lular e humoral. No entanto, alguns fatores (epidemia da AIDS, aumento do
Atenção especial tem de se ter nas formas associadas ao número de viajantes internacionais, da permissividade sexual,
HIV, que tem mudado as características de apresentação inicial etc.), têm favorecido o aumento progressivo da incidência na
e de evolução da mesma, tendo sido descrito quadros clínicos população jovem, tanto masculina como na feminina, a partir de

Doença de Lyme e Sífilis Articular 447


2001, segundo dados do Center for Disease Control and Preven- que evidenciam a fase secundária ou secundarismo da Sífilis.
„„ SEÇÃO 5   DOENÇAS REUMÁTICAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO

tion (CDC), com tendência estatística de aumento progressivo. O período entre o fim da fase primária e o início da secundária
Segundo o CDC, entre os anos 2000 e 2004, houve um au- varia entre 3 a 12 semanas.
mento na incidência anual da Sífilis recente, de 2,1 para 2,7 Após essa fase, o que corresponde a período de 4 a 12 se-
casos/100 mil habitantes dos EUA, principalmente entre ho- manas, ocorre um período de latência, no qual a imunidade
mossexuais masculinos jovens. Além dessa população, os ne- celular responde com a formação de granulomas nos tecidos,
gros e hispânicos tiveram um aumento maior da incidência do caracterizando a fase terciária da doença. A pele, os ossos e as
que os brancos. mucosas são os locais de maior agressão nessa fase.
É preocupante observar que a tendência de recrudesci- Além de granulomas isolados, são encontrados também
mento dessa enfermidade tem sido registrada na Inglaterra e granulomas em formas de placas (psoriasiforme) e outros ne-
na China. crosados (gomas sifilíticas), que podem instalar-se em qual-
Esses dados se contrastam com a falta de informações que quer órgão ou tecido.
hoje temos a respeito da incidência no Brasil, bem como as
poucas informações a respeito do comprometimento no sis- Quadro clínico
tema osteoarticular da Sífilis, no entanto, a World Health Or-
ganization (WHO) estimava que, em 1999, havia entre 3 a 4 Em razão do recente aumento da incidência mundial da
milhões de novos casos de Sífilis na América Latina. Sífilis e, principalmente, pela associação com o HIV, nós mé-
Portanto, em virtude de sua alta capacidade mimetizadora dicos temos que estar atentos para as diversas formas clínicas
de doenças, principalmente das doenças reumáticas, acredi- de apresentação dessa enfermidade, em decorrência da sua
tamos que essa velha doença deva fazer parte do diagnóstico grande capacidade de mimetizar algumas doenças autoimu-
diferencial da clínica Reumatológica. nes graves, tanto clínica como laboratorialmente, como: Artri-
te Reumatoide, Espondiloartrite Reativa (Síndrome de Reiter),
Lúpus Eritematoso Sistêmico, Síndrome de Behçet, Vasculites
Fisiopatogenia Cutâneas Autoimunes, Vasculites Isoladas do SNC, Mielites
Quando a infecção fetal se dá nos primeiros meses da Transversas, Osteoartrite, Doenças Inflamatórias Intestinais
gestação, o abortamento é mais frequente. Porém, quando entre outras.
a infecção se dá mais tardiamente na gestação, poderá ter a
ocorrência de natimortos ou a criança nascer infectada, cons- Sífilis congênita recente
tituindo-se na forma congênita. Manifestações osteoarticulares
Didaticamente, esta forma é classificada de acordo com Nesta forma, há uma frequência grande de acometimento
o tempo do aparecimento das manifestações clínicas, após o ósseo, em virtude do acometimento inflamatório das epífises
nascimento: (epifisites) e das cartilagens articulares (condrites), o que leva
a criança a chorar pela dor provocada aos movimentos arti-
„„ Recente: quando surgem dentro dos 2 primeiros anos culares.
de vida;
„„ Tardia: quando se manifestam após os 2 anos; Manifestações cutaneomucosas
„„ Latente: quando a infecção está presente sorologica- Rash cutâneo característico do secundarismo da forma
mente e a criança não apresenta sinais ou sintomas adquirida, que pode confundir com vasculite autoimune ou
clínicos da doença. por outra causa; lesões ulceradas em mucosas da boca, nariz
e ânus; má formação congênita, com fissuras nos orifícios na-
A forma Adquirida da Sífilis se dá com a penetração do T. turais.
pallidum pela pele e/ou mucosas lesionadas, através do ato
sexual ou de outros contatos íntimos, propiciando no local de Manifestações neurológicas
inoculação, o aparecimento de lesão inicial, pouca dolorosa
Neurossífilis com possibilidades de acometimento das
ulcerada, conhecida como cancro, constituindo-se na fase pri-
meninges, parênquima cerebral, vasos cerebrais ou medula
mária da doença. O período de incubação que precede o apa-
espinal.
recimento da lesão inicial varia de 10 a 90 dias.
Caso o paciente não seja tratado convenientemente, ocor- Manifestações gerais
rerá a disseminação hematogênica do T. pallidum, alojando-se
no Sistema Nervoso Central, vasos sanguíneos, ossos, linfo- Perda de peso, febre, trombocitopenia, icterícia e anemia.
nodos, olhos e pele. Nesta fase, o indivíduo infectado poderá
Sífilis congênita tardia
apresentar manifestações clínicas de acometimento geral,
como febre, mialgia, artralgia, dores ao longo dos ossos, prin- Manifestações osteoarticulares
cipalmente na tíbia. Predomina a dor óssea decorrente da osteíte e periostite,
Com a progressão da doença e por decorrência dessa dis- mais frequentemente dos ossos frontal, parietais, tíbias, maxi-
seminação, ocorrem respostas da imunidade humoral, com lares, articulações condroesternais e esternoclaviculares.
produção policlonal de anticorpos, inclusive de autoanticor- Este processo de espessamento inflamatório ósseo e pe-
pos (antinucleares, antifosfolípides, fatores reumatoides e riosteal acaba por dar características fisionômicas próprias
imunocomplexos circulantes), bem como da celular, com libe- aos indivíduos, como: tíbia em lâmina de sabre; nariz em for-
ração de citocinas, que determinarão as manifestações clínicas ma de sela; frontais protuberantes, maxilares curtos.

448 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Manifestações neurológicas Terciária

„„ CAPÍTULO 29
Neurossífilis que acomete em torno de 50% das crianças O quadro clínico apresentado pelos pacientes nesta fase
nesta fase. varia de acordo com o tempo de infecção não tratada, o estágio
de evolução da lesão granulomatosa, sua localização no teci-
Tríade de Hutchinson do/órgão e sua inter-relação com estruturas nobres próximas.
Caracteriza-se por apresentar: surdez labiríntica, dentes
entalhados e ceratite parenquimatosa. Manifestações osteoarticulares
As lesões granulomatosas evoluem com necrose, ulceram
Sífilis adquirida recente e eliminam os materiais necrosados. Localizam-se com maior
Primária. frequência nos ossos longos e clavícula, sugerindo lesões oste-
omielíticas por qualquer outro patógeno.
Manifestações osteoarticulares A outra forma de acometimento osteoarticular e a de mais
Nesta fase,e não há relato de acometimento osteoarticular. difícil manejo clínico e de pior prognóstico é assim denomina-
da: Osteoartopatia Neurotrófica, Osteoartropatia Neuropática
Manifestações cutaneomucosas ou Artropatia de Charcot.
A lesão clinicamente característica dessa fase é a presen- Charcot foi o primeiro a descrever a presença de destrui-
ça do Cancro. Que pode ser única, porém, às vezes, são lesões ção osteoarticular em pacientes portadores da Sífilis, com ta-
múltiplas, pouco dolorosas, localizando-se no local de pene- bes dorsalis (ver no Comprometimento Neurológico, adiante).
tração do Treponema pallidum. A osteoartropatia neuropática é uma artropatia decorren-
te da lesão das vias proprioceptivas e sensitivas que inervam
Secundária estruturas periarticulares e articulares. Lesões de várias etio-
Manifestações osteoarticulares logias da medula espinal ou da coluna vertebral, como infec-
ções (hanseníase e a sífilis) ou doenças metabólicas como a
São descritas, nesta fase, sinovites de acometimento mono, diabetes mellitus, podem levar à destruição daquelas vias ner-
oligo e poliarticular, de pequenas e qrandes articulações, po- vosas e ocasionar a artropatia.
dendo ser assimétrico ou simétrico. As articulações mais frequentemente acometidas são joe-
Osteíte e periostite também podem ocorrer com certa fre- lhos, tornozelos coxofemorais e coluna vertebral (a região to-
quência, o que leva o paciente referir dor óssea em tíbia, ante- racolombar é mais frequente).
braços e clavículas. Duas hipóteses justificam a destruição óssea e articular
que ocorrem nessas condições:
Manifestações cutaneomucosas
Rash a) Neurotraumática: a osteoartropatia neuropática de-
correria da perda das capacidades do indivíduo de
É o grande marcador clínico do Secundarismo da Sífilis.
perceber a dor articular e de estruturas periarticulares
Caracteriza-se por máculas ou pápulas, de distribuição simé-
(neuropatia sensitiva), bem como da propriocepção
trica nos membros, palmas, plantas e tronco, de coloração que
osteoarticular (neuropatia proprioceptiva). Estas neu-
pode variar do vermelho-róseo ao vermelho-escuro. ropatias não permitem ao indivíduo se defender dos
Alguns pacientes podem desenvolver lesões planas e es- microtraumas diários e repetitivos dessas estruturas, o
branquiçadas, em região perineal ou próximo ao local em que que somada à falta da percepção da estabilidade articu-
houve a inovulação primária, denominada de Condiloma lata lar e do equilíbrio durante a marcha, por exemplo, leva-
ou plano. ria a desalinhamento articular e destruição articular;
Alopecia pode ser difusa, porém, mais frequentemente se b) Neurovascular: as neuropatias sensitivas e proprio-
dá em áreas localizadas. ceptivas levariam à perda do tônus simpático vascular
e muscular, propiciando a vasodilatação e hiperemia
Outras manifestações clínicas das estruturas articulares. Esses fatores aumentariam
Citamos a seguir alterações sistêmicas decorrentes da Sífi- a reabsorção óssea local, propiciando o aparecimento
lis secundária, cujos sinais e sintomas podem ser erroneamen- de microfraturas e deformidades articulares.
te confundidos com doenças reumáticas ou outras patologias
Como veremos a seguir, as duas hipóteses parecem ex-
sistêmicas:
plicar a evolução clínica e radiológica de uma articulação de
„„ Gastrointestinal: pode ocorrer por processo infiltrati- Charcot.
vo ou ulcerado da parede intestinal, acometendo gran- Na fase aguda da artropatia neuropática, a articulação
des extensões do intestino. apresenta-se com aumento de volume (edema e derrame arti-
„„ Renal: são descritas alterações como síndrome nefró- cular), hiperemia e calor local. A dor pode variar de intensida-
tica e glomerulonefrite por imunocomplexos. de, de acordo com o comprometimento neurológico, podendo
inclusive estar ausente nessa fase.
„„ Oculares: uveíte anterior, posterior e panuveítes gra-
Por estas características iniciais, o diagnóstico diferencial
nulomatosas, corioretinite, necrose retiniana e neurite
com quadro infeccioso local deve ser feito.
óptica, têm sido encontrados nos pacientes luéticos.
Essas alterações locais evoluem com melhora e desapa-
„„ Neurológicas: neurossífilis que pode ser em forma recimento dos sinais flogísticos e com piora da fragmentação
de meningite com sintomas clínicos ou não e radicu- das cartilagens, fraturas ósseas e destruição e desorganização
lopatias. articular.

Doença de Lyme e Sífilis Articular 449


Posteriormente, na fase crônica, ocorre o processo de Vários outros testes têm sido usados em menor escala. Em
„„ SEÇÃO 5   DOENÇAS REUMÁTICAS ASSOCIADAS À INFECÇÃO

reparação óssea e articular, com neoformações ósseas e an- futuro próximo, a PCR e o Imunoblott deverão constituir-se em
quiloses. arsenais diagnósticos de rotina para confirmação diagnóstica,
por serem altamente sensíveis e específicos para Sífilis.
Manifestações cutaneomucosas É recomendado pela WHO, a realização do teste para HIV
As lesões granulomatosas com necrose (gomas) ou sem, ou em todos pacientes que apresentam a sífilis.
em forma de placas, geralmente localizam-se no couro cabelu-
do, tórax, região posterior do pescoço, nádegas e membros. Diagnóstico por imagem
Essas lesões acometem igualmente as mucosas da boca e „„ Osteíte e periostite: essas alterações, nas suas fases
laringe. iniciais, não são visualizadas pelo RsX convencional.
Tem-se utilizado para a identificação precoce dessas
Manifestações cardiovasculares lesões a cintilografia óssea trifásica e a Ressonância
As manifestações clínicas de acometimento cardiovascu- Magnética (RNM). Ainda que as alterações iniciais vi-
lar, habitualmente, são de aparecimento tardio (acima de 10 sualizadas por esses métodos não sejam característi-
anos do início da doença) e elas decorrem do processo infec- cas da Osteíte/periostite sifilítica, elas já nos permitem
cioso/inflamatório das túnicas da Aorta, após a invasão destas verificar alterações que nos permitem levantar hipóte-
pelo T. pallidum. ses diagnósticas de processo infeccioso/inflamatório.
Como consequência desse processo, têm sido descritos aor- Após a evolução da doença e com a melhor defini-
tite, aneurismas da aorta e obliteração do óstio coronariano. ção da lesão, o RsX convencional passa a ser útil.
Endocardite gomosa tem sido descrita mais raramente. „„ Osteoartropatia neuropática (Charcot): na fase
inflamatória articular inicial, antes de ocorrerem as
Manifestações neurológicas alterações estruturais, o RsX convencional não tem a
Sinais e sintomas clínicos da meningite e hidrocefalia, con- sensibilidade necessária para auxiliar no diagnóstico
vulsões, paralisias motoras em virtude de lesões parenquima- de junta de Charcot., sendo de maior utilidade a RNM e
tosas das gomas sifilíticas são observadas na fase terciária. a Cintilografia óssea trifásica.
Atrofia do nervo óptico pode ocorrer de forma isolada. Nas fases evolutivas posteriores, quando já obser-
Tabes dorsalis – é uma afecção decorrente da lesão das ra- vamos alterações estruturais, como fraturas, alteração
ízes e funículo posterior da medula e do tronco cerebral, le- da densidade óssea e presença de fragmentos, o RsX
vando à: artropatia de Charcot, ataxia, paralisia, hiporreflexia, convencional tem a sua principal indicação.
positividade do sinal de Romberg, dificuldade da acomodação As principais alterações radiológicas observadas
pupilar para objetos (reflexo de Argyll Robertson), e mal per- nas osteoartropatias neuropáticas são a presença de
furante plantar. fraturas intra-articulares, alterações de o alinhamento
articular, fragmentação e reabsorção óssea, escleroses
Forma latente ósseas, derrame articular com pequenos fragmentos li-
Trata-se de uma fase tardia da doença, na qual o indiví- vres e neoformação óssea com formação de osteófitos.
duo não apresenta sintomas clínicos, porém tem a sorologia A tomografia computadorizada tem boa resolução
positiva. no estudo das lesões que comprometem as estruturas
da coluna vertebral.

Diagnóstico
Tratamento
Os testes laboratoriais mais utilizados são:
Medicamentoso
„„ Microscopia de campo escuro: identificação do T. A Penicilina é o antibiótico de escolha, sendo que a dose
pallidum, utilizando material colhido de secreções das diária a ser administrada ao paciente vai depender da fase da
lesões ulceradas ou de gomas. doença e da gravidade da mesma.
„„ VDRL (Venereal Disese Research Laboratory): teste O seguinte esquema medicamentoso é recomendado, para
utilizado para triagem, consiste em utilizar-se como tratamento da Sífilis:
substrato antigênico, uma associação de cardiolipina,
colesterol e lecitina que adicionado ao soro do pacien- „„ Recente (primária, secundária e latente): penicilina
te infectado, dará reação de floculação. Cujos títulos de benzatínica, na dose de 2.400.000 U, de aplicação in-
diluição são considerados positivos a partir de 1:32. tramuscular, em dose única;
„„ FTA-ABS (Fluorescent Test Antibody Absortion): é o „„ Tardia, latente, cutânea e cardiovascular: penicilina
teste usado para confirmação diagnóstica, em virtude benzatínica, na dose de 2.400.000 U, de aplicação in-
de sua alta sensibilidade e especificidade. Através da tramuscular, por semana, durante 3 semanas;
titulação da IgM em teste positivo, identifica os pacien- „„ Neurossífilis: penicilina cristalina aquosa, na dose de
tes que estão em fase ativa da doença. 12.000.000 a 24.000.000 U/dose, de aplicação intrave-
„„ MHA-TP (Microaglutination of T. pallidum): teste ba- nosa, de 6/6 horas.
rato, de fácil realização, usado para triagem. Tem sensi- „„ Nos casos de hipersensibilidade à penicilina, reco-
blidade próxima ao FTA-ABS. menda-se: a Doxiciclina para as formas recente (100

450 Tratado Brasileiro de Reumatologia


mg/via oral de 12/12 horas/14 dias) e tardia, latente, Assim, a imobilização das fraturas, o uso de talas para arti-

„„ CAPÍTULO 29
cutânea e cardiovascular (100 mg/via oral de 12/12 ho- culações instáveis é recomendado.
ras/4 semanas); o Ceftriaxone (2 g/IV/dia/10 a 14 dias. As próteses articulares podem ser indicadas se a doença
estiver sob controle e a neuropatia estiver controlada. Porém,
Não medicamentoso as próteses têm tido menor tempo de duração, pela instabili-
Os acometimentos dos ossos e das articulações necessi- dade articular e pela frouxidão da mesma.
tam, além do tratamento medicamentoso, de alguns cuidados
que objetivam aliviar a dor, reduzir a instabilidade articular e
minimizar as lesões Peri e articulares.

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Doença de Lyme e Sífilis Articular 451


6 Seção

Espondiloartrites
30

Capítulo
Antônio Carlos Ximenes  Marcelo Pimenta

Epidemiologia, Etiologia, Classificação e


Diagnóstico das Espondiloartrites
„„ INTRODUÇÃO em algumas populações do Sudeste Asiático, é o B2709 descrito
na população da Sardenha e em italianos continentais, parecen-
As espondiloartrites (EAPs) são um grupo de doenças reu- do não estarem associados à espondilite anquilosante. A proteí-
máticas crônicas, inflamatórias, que apresentam em comum as- na expressa como HLA B27 apresenta propriedades estruturais
pectos clínicos, fisiopatológicos, radiológicos e genéticos.1 Há um semelhantes a outras moléculas da classe I, mas características
dado clínico comum que é a lombalgia inflamatória crônica, com únicas na ligação a peptídeos. A proteína codificada pelo B27 é
ou sem artrite periférica, envolvimento enteseal e manifestações muito eficaz na apresentação de antígenos, demonstrado em tra-
clínicas extra-aparelho locomotor. Atualmente, de acordo com balhos como no clearance do vírus C da hepatite e na diminuição
critérios estabelecidos estão incluídos neste grupo a Espondilite da progressão da infecção do vírus da imunodeficiência huma-
Anquilosante (EA), Artrite Reativa (Are), Artrite Psoriásica (APs), na. Esta função e os aspectos que envolvem a fase inicial de sua
Artropatia das Doenças Inflamatórias Intestinais (DII), Espondi- síntese, principalmente no processo de misfolding, e a formação
loartrites Indiferenciadas (EAPsI) e Artrites Crônicas da Infância de homodímeros tem muita importância na patogenia das EAPs,
(ACI).2 O termo Síndrome de Reiter não é usado mais como epô- como a teoria do peptídeo artritogênico mimetismo molecular,
nimo, sendo usada a sinonímia desta doença como Artrite Reati- aumento do nível de expressão do HLA B27, alteração do self, e
va.2 As EAPs ainda não tem uma etiologia conhecida, apesar de no deposição de beta-2-microglobulinas.2 A combinação de determi-
grupo das Are serem citados os agentes infecciosos de acometi- nados alelos da região do MHC em uma frequência superior a que
mento da mucosa geniturinária (Chlamidia trachomatis) e muco- seria esperada, bem como o desequilíbrio de ligação envolvendo
sa intestinal como (Escherichia coli). Grandes avanços ocorreram os alelos B27 podem dificultar o estudo de genes de susceptibi-
no entendimento das associações com as participações genéticas lidade às EAPs. Recentemente, outros estudos têm aberto novos
notadamente vinculadas ao 6º par de cromossomo com o antíge- horizontes no entendimento desta intricada relação etiopatogê-
no de histocompatibilidade HLA B27. Estas doenças3 são muitas nica das EAPs envolvendo fatores ambientais, infecciosos, e gené-
vezes similares, necessitando de melhor compreensão desta si- ticos. Cita-se atualmente outros genes do MHC como envolvidos
milaridade para o diagnóstico através de técnicas de imagenolo- na possível vinculação com este grupo de doenças como, por
gia como a ressonância magnética, e atualmente com abordagens exemplo, o HLA B60, alguns polimorfismos do promotor do gene
de melhor visualização como a manobra em STIR para melhor TNF a como TNF 308 e 238.2 Outros fatores também são impor-
definição de processo inflamatório nas articulações sacroilíacas. tantes na sua etiopatogenia como os ambientais. A característica
Vários estudos têm sido realizados sobre as diferentes hipóteses clínica do grupo nos avanços no tratamento também foram con-
explicativas da fisiopatologia das EAPs., o que tem contribuído sideráveis com o melhor conhecimento dos mecanismos patogê-
para um melhor conhecimento das suas bases genéticas. Os fa- nicos com envolvimento autoimune notadamente dos linfócitos T
tores genéticos parecem exercer um papel importante nestas do- e seus caminhos de mensagem vias citocinas principalmente TNF
enças3 principalmente a EA, quer em termos de susceptibilidade alfa. Os novos conhecimentos poderão, em um futuro próximo,
como a concordância em gêmeos univitelinos superior a 90%, contribuir para modificar a avaliação destes pacientes e vislum-
quer em termos de sua atividade e de incapacidade funcional em brar novas abordagens terapêuticas.
que a repercussão é de 51 e 68% respectivamente.4 O Comple-
xo Major de Histocompatibilidade (MHC) e o grupo alélico HLA
B27 em particular têm de forma continuada vindo a ser referidos „„ HISTÓRIA
como marcadores de forte susceptibilidade à EA. Estudos recen-
tes de análise global do genoma e de microarrays confirmam a as- Um fato importante no melhor conhecimento das fases
sociação do MHC com as EAPs, mas apontam para a possibilidade evolutivas de uma doença é o conhecimento de sua história.
de outro genes não pertencentes ao MHC conferirem susceptibi- As EAPs receberem várias denominações como espondilite
lidade ou condicionarem a sua expressão fenotípica. Os subtipos reumatoide, pelve espondilite ossificante, espondilite rizomé-
B27 mais frequentes na EA de correlação na susceptibilidade são lica, enfermidade de Marie-Strumpell, morbus de Bechterew e
B2705, B2702, B2704 e B2707. O B2706 foi identificado apenas espondilite anquilosante.1,4 Sem dúvida, na própria bíblia no

455
capítulo XIII de São Lucas no versículo II, na passagem da fi- to, se aplicarmos aos critérios radiológicos de Nova York de
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

gueira e a mulher encurvada se narra a história de uma mulher 1966, de Amor, em 1990, e, os europeus de 1991, em que se
que pelo período de 18 anos padeceu de uma enfermidade descrevem a etapa II da sacroiliíte unilateral, a entesopatia e a
causada por um espírito maligno e que andava encurvada sem origem infecciosa da síndrome de Reiter, estes pode ser com-
poder virar nem para frente e nem tampouco olhar para cima patíveis com o diagnóstico de espondiloartrite. Um fato histó-
e, quando Jesus a viu, chamou-a e lhe disse “Mulher levanta e rico importante foi a primeira descrição clínica da EA feita por
ande. Colocou sobre ela as mãos e a curou neste momento de Bernard Conner em 1691 em sua famosa tese Medical Doctor
seu endurecimento e encurvamento”, e deu graças a Deus. Se- com o título Une Dissertation Physique sur la Continuite de Plu-
ria este o primeiro tratamento para a EA.5 Referente às EAPs, siers Os, a l’Ocasion d’une Fabriue Suprenante d’une Tronc de
sua história principalmente na fase da antiguidade há muitas Squelette Humain oui lês Vertebres, lês Cotes, l’Os Sacrum, et les
controvérsias e dificuldades em seus relatos. Admite-se que a Os des Iles, qui Naturellment sont Distiner et Separates ne font
EA seja uma doença de fase pré-histórica já observada em fós- qu’un Seul Os Continue et Inseparable. Nesta sua tese, Connor
seis como as lesões demonstradas nos trabalhos de Rothchild descreve bem a fusão das vértebras torácicas inferiores in-
e esqueletos perossodáctilos norte-americanos. Admite se que cluindo as articulações sacroilíacas e costelas. No século XIX,
houve um aumento progressivo nas EAPs no decorrer do tem- em 1824, Carl Wenzell de Frankfurt fez a primeira comparação
po geológico Equidae e Rhinocerotidae e também sugerindo clinicopatológica entre EA e Espondilose Hiperostótica. Outro
muitas dúvidas se houve neste grupo de doenças um avanço dado histórico importante nas EAPs se refere aos estudos de
na sua evolução.6 Há também relatos históricos tanto na era Lyon em 1830 ao fazer os primeiros relatos de o que agora se
pré-histórica como em alguns animais modernos como cro- denomina Artrite Reativa e Artrite Psoriásica.9
codilos até os períodos miocene e Pliocene, dinossauros, urso O primeiro autor a ser reconhecido na história das EAPs
de caverna, tigres saber toohed e primatas mais modernos na referente às manifestações extra-articulares foi Benjamin
escala de lesões na coluna vertebral semelhantes às EAPs. Há, Brodie em 1850 ao publicar um relato da associação de irite
porém, outros estudos de alguns investigadores históricos de com EA em seu livro Doenças dos Ossos. Posteriormente, em
que estas lesões sejam mais degenerativas ou até consequen- 1877, Charles Fagge fez um estudo anatomopatológico em um
tes ao próprio desenvolvimento da espécie. Existem estudos paciente de 34 anos que havia morrido com manifestações clí-
em bases paleopatológicas e paleoepidemiológicas bem carac- nicas de tosse, coluna vertebral rígida e fixa com respiração
terísticas das EAPs de milhares de anos antes de Cristo.7 somente abdominal. Autópsia revelou anquilose dos corpos
Recentemente, estes estudos foram novamente avaliados vertebrais, articulações zigoapofisárias, quadril, ombros, cos-
e estudados desde a 21ª dinastia das múmias do Egito até os telas e também fibrose lobo superior do pulmão, bronquiecta-
esqueletos do século 19 com pesquisa de lesões patológicas sia e lesão cardíaca provavelmente endocardite.
semelhantes à EA. Estes estudos e material foram avaliados O envolvimento extra-axial foi muito importante também
em análise antropológica, demográficas, paleopatológica, ra- na história das EAPs. As alterações cardíacas foram estudadas
diológica e avaliação clínica reumatológica.1 A conclusão par- inicialmente por Bernstein e Broch em 1949 e 1951. Aortite
cial desses estudos foi de que a alta frequência de encontro de e espondlite também teve descrição por Ansell, Bywaters e
EA em material patológico poderia representar mais aspectos Doniach em 1958. O bloqueio cardíaco foi documentado por
de hiperostose esquelética difusa (DISH) do que EA.1,7 Estas Julkunem e Luommaki em 1964. A associação de bloqueio car-
especulações e dúvidas nos estudos das espécies paleopato- díaco e HLA B27 foi bem avaliada por Bergfeld e cols. em 1984
lógicas relatadas na literatura admitem especular que, por e com maiores detalhes posteriormente pelos mesmos auto-
exemplo, a EA possa ser uma doença de origem mais recente res em 1997. O envolvimento pulmonar teve descrição poste-
sugerindo que os casos relatados de EA nas fases históricas rior em 1949 por Hamilton informando sobre sua experiência
iniciais necessitam ser mais bem analisadas e talvez de uma de pacientes com EA e fibrose apical dos pulmões. As lesões
revisão. Na fase histórica egípcia, a EA foi descrita em vários pleuropulmonares foram também descritas em 1977 por Ro-
faraós incluindo Amenhotep, Ramsés II e seu filho Merenptah. senow, Strimlan e Muhn. Há também importância histórica os
Este estudo foi realizado na França em 1976 em estudos ra- trabalhos com comprometimento renal nas EAPs feito pela
diográficos. Há um estudo interessante de Chem analisando primeira vez por Cruickshank quando realizou estudo clássi-
os estudos radiológicos de Ramsés II com conclusão de que o co da patologia na EA confirmando a presença de amiloidose
faraó tenha sido acometido mais de DISH ou Espondilose De- renal. As alterações da vasculatura renal foram bem realizadas
formante do que EA. por Pasternack e cols. em 1970 e Andrei Calin em 1975 em
Elliot Smith descreveu uma múmia egípcia da dinastia XXI, que concluíram não haver alterações da função renal em pa-
1090-1045, do qual se observou sacroiliíte esquerda e artrose cientes com EA. Importante foi o trabalho de Jennette e cols.
do quadril. ao descreverem a nefropatia por IgA em pacientes com EA em
A maioria das lesões dos esqueletos de Núbia e Alexan- 1982. Posteriormente ao relato de Brodie, em 1850, o envol-
dria 3000 AC apresentavam artrite e anquilose nas articula- vimento ocular foi descrito por Buckcley em 1940, Boland em
ções sacrilíacas e nos ossos longos dos membros inferiores.8 1946, Hart e cols. em 1949, Simpson e Stenvenson em 1949,
A explicação para a anquilose mesmo parcial das articulações Parr e cols. em 1951 e Birbeck e cols. em 1951 sendo que es-
sacroilíacas de alguns investigadores da época como Elliott tes últimos autores foram os primeiros a informar que a irite
Smith, Ruffer, Ferguson é que tinham como etiologia um me- pode ser a primeira manifestação da EA. Foram as descrições
canismo de infecção crônica. Estes estudos estão argumentan- na metade do século 19 de três importantes neurologistas, ou
do a hipótese de que haja poucos casos convincentes de EAPs seja, os Drs. A. Strumpell de Leipzig, Vladmir Bechterew de São
nesta fase pré-histórica. em virtude da pouca consistência de Petersburgo e Pierre Marie de Paris.1 Alguns historiadores re-
material de estudos radiológicos, material patológico insufi- forçam entre eles as observações mais científicas de Marie em
ciente e também terminologia científica adequada. De acordo decorrência de um estudo mais completo dos aspectos clínicos
com estes aspectos de estudos paleopatológicos, entretan- e anatômicos da EA com o seu trabalho através de uma apre-

456 Tratado Brasileiro de Reumatologia


sentação à Sociedade Médica do Hospital de Paris com o título de na Harvard University Press, afirmando que a espondilite

„„ CAPÍTULO 30
de Spondylose Rhizomelique (Spondylosis = vértebra, rhiza = reumatoide representasse a localização na coluna vertebral da
raiz, melos = extremidade). Pierre Marie enfatizou o envolvi- artrite reumatoide, entretanto, com os novos avanços,s como a
mento periférico dos ombros e do quadril. Posteriormente, descoberta do fator reumatoide em 1940 por Waaler e depois
em 1906, Pierre Marie e Andre Leri com base nestas obser- por Rose em 1948, ao melhor conhecimento clínico e científico
vações clínicas e patológicas substituíram o nome da doença desta condição, conclui-se que fossem na realidade duas enti-
para Espondilite Anquilosante. Os primeiros relatos sobre EA dades patológicas diferentes, até este conceito se consolidar
na literatura americana foi feita por Bernard Sachs em 1890 em 1963 com o reconhecimento pela American Rheumatism
com a publicação de um trabalho sobre a rigidez anquilótica Association (ARA) aprovado oficialmente o nome de Espondili-
progressiva da coluna.4 Na evolução dos avanços da ciência te Anquilosante. Outro ponto importante na história das EAPs
e da medicina, houve, sem dúvida, melhores esclarecimentos refere-se aos desenvolvimentos da terapia.5
desta intrigante patologia principalmente com os conceitos A evolução do tempo tem demonstrado muitas etapas im-
de doença inflamatória. Roentgen em 1895 com a descoberta portantes até a presente data. No século 16, Sculteus utilizou
dos RsX descortinou novos conhecimentos já a partir de 1930 um método para reduzir a cifose ocasionada pela doença uti-
com a técnica da radiologia das sacroilíacas por intermédio lizando barras que pressionavam a área desta deformidade. Já
de Forrestier, Drebs e Scott. Através dos exames radiológicos, em 1861, Roth introduziu a terapia física e ocupacional para
Forrestier descreveu os sindesmófitos, e, posteriormente, na melhorar a postura. Quanto ao tratamento medicamentoso e
Escandinávia com Romanus e Yden com suas descrições dos também cirúrgico5 a história é rica e com vários relatos ane-
shiny corners. Recentemente, com a ressonância magnética dóticos como paratireidectomia realizada por Leriche e Jung
em um instrumento padrão de investigação e diagnóstico nas em 1931,11 vacina contra febre tifoide, tratamento com bismuto
doenças inflamatórias, houve nesta história das EAPs melhor de sódio, uso de tório, osteotomia da coluna vertebral em 1955
conhecimento para um diagnóstico precoce. Referente à etio- por Smith-Petersen em 1945, artroplastia com molde de vitálio
logia há de se citar a possibilidade de um foco inicial nas áreas por Harmmond e cols. em 1955, e também o uso de rádio, bem
mais distais da coluna vertebral através das veias de Batson. como radioterapia. A primeira grande série desta modalidade
Neste ponto histórico, muito se falou das etiologias infecciosas
de tratamento, ou seja, radioterapia foi realizada por Herna-
apesar de até o momento nenhum patógeno tenha sido iso-
man-Johnson e Law tratando aproximadamente 1.000 pacien-
lado como agente causador destas doenças. Na história das
tes com EA em 1949. O uso de anti-inflamatório teve início em
Are, é citado o papel das infecções de mucosas geniturinárias
1952 com a fenilbutazona, depois a Indometacina em 1963. Os
do grupo das doenças sexualmente transmissíveis e infecções
estudos de Calin e Grahame em 1974 confirmaram ser a fenil-
intestinais. Antes de 1970 pouco se sabia da etiologia e ca-
butazona mais efetiva.13 Em decorrência dos efeitos colaterais,
racterísticas genéticas que possam predispor a EAPs. Grande
principalmente de agranulocitose e aplasia medular, na década
e importante marco histórico neste aspecto foi a descober-
de 1990 se deixou de ser utilizada. A Penicilamina foi utiliza-
ta simultânea da associação do antígeno HLA B27 feita por
da pela primeira vez em 1977 por Bird e Dixon. A sulfasalazina
Schlosstein et al. em Los Angeles e Brewerton et al. em Lon-
começou a ser utilizada em 1984. Demonstrou ser efetiva em
dres.9 Estes trabalhos reforçaram a possível natureza da doen-
melhorar a sinovite das articulações periféricas, porém não no
ça e definitivamente mostraram que era uma doença diferente
envolvimento axial. Vários estudos com metotrexate demons-
da Artrite Reumatoide. Referente aos estudos de genética e
traram que este fármaco não é eficiente nos pacientes com EAPs
estas doenças, devemos reconhecer os estudos,em 1972, de
Seymour White e Paul Terasaky. Descrevendo o aumento em que não respondem aos anti-inflamatórios não hormonais e
três vezes da frequência de HLA 13 e HLA 17 entre os pacien- sulfasalazina. A eficácia da talidomida foi relatada por Brehan
tes com psoríase.13 Estas descobertas serviram não só como nos casos de espondilite anquilosante refratárias em 1999. Pos-
uma nova perspectiva nos conhecimentos da patogenia destas teriormente, em 2002, Walter Macksymowych e cols., em um
doenças bem como um importante instrumento diagnóstico estudo controlado durante seis meses, demonstraram a eficá-
e prognóstico. A hereditariedade das EAPs ainda permanece cia do pamidronato intravenoso em pacientes com EA também
um enigma. Há fortes evidências que o B27 não seja o único refratárias. Quanto à terapia biológica, a história começou em
gene tanto do sistema MHC como não MHC, principalmente 2000 com Philip Mease ao demonstrar a eficácia do etanercepte
não como envolvimento etiológico, mas como marcadores de na APs., e, em 2002, com Braun e cols. em estudo multicêntrico
susceptibilidade. Até o momento, mais de 24 genes alélicos já e controlado ao comprovarem a eficácia do infliximabe no tra-
foram descritos como envolvidos nas patogenias das espondi- tamento da EA. No mesmo ano, Van Den Bosch e cols. obtiveram
loartrites, notadamente da EA.10 Os primeiros estudos sobre os mesmos resultados que Braun ao compararem com place-
diferenças raciais e especialmente a associação de espondilite bo. Merece também destaque na história das EAPs, o seu relato
em raças indígenas no Canadá foram realizados por Robin- quanto aos critérios de classificação, principalmente quanto à
son, Gofton e Price em 1963. Wladmir Bechterew publicou a necessidade de estudos epidemiológicos. Vale a pena ressaltar
ocorrência de casos familiares de EA em mulheres. Ghaham neste propósito a primeira reunião realizada no Instituto Na-
e Uchida reforçaram a possibilidade da doença associada em cional de Saúde em Betheseda USA e, posteriormente, em Roma
irmãos, pais e familiares, com relatos reportados em meados em 1960 em outro simpósio organizado pela Organização Mun-
do século 21. Referente às terminologias das EAPs há muito dial de Saúde para se estabelecer o primeiro critério de classifi-
de se falar nas suas análises históricas. No final dos anos 40 cação para a EA. Estes critérios foram posteriormente avaliados
do século 20 eram reconhecidas com os termos variantes da com o intuito de um diagnóstico e classificação mais precoce e
Artrite Reumatoide.11 Naquela ocasião, os cientistas da Europa que ficou conhecido como ESSG (European Spondyloarthropa-
reconheciam que as EAPs eram entidades distintas da AR, opi- thy Study Group) com objetivo principal de identificar pacientes
nião que não era dos pesquisadores americanos como Charles com espondiloartropatias indiferenciadas. Estes estudos conti-
Short, William Bauer e Wiliam Reynolds que publicaram em nuaram e continuam na tentativa de um conceito unificado a
1957 uma monografia com o título de Espondilite Reumatoi- este grupo de doenças, no sentido de agrupá-las como entida-

Epidemiologia, Etiologia, Classificação e Diagnóstico das Espondiloartrites 457


des clínicas distintas e unificadas por um possível elo etiológico 10,7% e a enteseal pura em 4,7%. O padrão misto (axial, peri-
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

e genético comum ao B27. Já em 1974, foi introduzido na lite- férico e enteseal) foi observado em 47,9% da amostra brasilei-
ratura a terminologia de Espondiloartropatias seronegativas ra. A manifestação extra-articular mais frequente foi a uveite
por Moll e Verna Wright. Este termo foi inicialmente usado para anterior com taxa de 20,2% dos pacientes. O HLA B27 positivo
agrupar várias doenças que tinham em comum aspectos clíni- foi testado e sendo positivo em 69,5%, enquanto a história fa-
cos, radiológicos e sorológicos como o fator reumatoide nega- milial foi observada em 16,2%. Referente à metrologia foram
tivo e com relações genéticas e familiais. Foram nesta ocasião destaques o BASDAI com valor médio de 4,12 e BASFI de 4,53.
incluídas neste grupo a Espondilite Anquilosante, Artrite Pso- A conclusão foi de que nesta primeira grande série da popu-
riásica, Síndrome de Reiter, Artropatias relacionadas com co- lação brasileira, a EA foi a doença mais prevalente das EAPs e
lite ulcerativa e doença de Crohn, doença de Whipple e doença uma alta taxa de envolvimento periférico. Atualmente, há pou-
De Behçet. As dificuldades, entretanto, continuaram surgindo cos relatos da incidência e prevalência de EAPs e EA em geral
nesta terminologia como, por exemplo, alguns pacientes apre- no mundo. Um estudo realizado em Rochester, Minesota USA
sentarem fator reumatoide positivo o termo soro negativo foi em uma população predominantemente branca e descendente
abandonado e sugerido somente espondiloartropatias. No final escandinava houve uma incidência ajustada a sexo e idade de
de 2009, em virtude dos avanços epidemiológicos, genéticos EA de 6,6 por 100.000 habitantes no período de 1935 a 1973
e principalmente clínicos e patológicos com envolvimento de antes dos estudos do antígeno HLA B27 e de 7,3% 100.000 ha-
ênteses e articulações periféricas com substrato inflamatório bitantes no período de 1935 a 1989 no período pós-estudos
adotou-se o termo espondiloartrites. de B27. Os dados epidemiológicos atuais indicam que a inci-
dência de EA e EAPs relatadas variam entre diferentes regiões
geográficas e grupos étnicos. A incidência de EA foi relatada
Epidemiologia como muito baixa no Japão em dois estudos amplos em um
O termo epidemiologia em sentido lato significa o estudo período de 5 anos, o que se poderia ser esperado visto que a
da distribuição de uma doença e os fatores de riscos de sua prevalência de B27 é somente 5%. Uma situação, porém bem-
progressão.14 Em sentido mais amplo inclui os métodos cientí- -definida é de que a maioria dos estudos mostra uma incidên-
ficos usados para diagnóstico, análise e prevenção ou controle cia de 3 a 5 vezes mais frequente entre os homens comparados
de todos os problemas relacionados com a saúde. A interpre- com as mulheres. A idade média de início da doença ocorre
tação de qualquer dado de resultado epidemiológico depende na 3ª década da vida e ainda com retardo de diagnóstico de
da natureza dos critérios utilizados para definição do caso e 5 a 10 anos. A maior prevalência de EA e EAPs relatadas na
é de muita importância quando se compara a ocorrência de Ásia ocorre na China e em Taiwan sendo encontrado uma taxa
taxas observadas. O diagnóstico de EAPs baseia-se em parâ- entre 0,1 a 0,4%. A ocorrência do B27 na população chinesa
metros clínicos, principalmente na lombalgia inflamatória e está entre 2 a 9% e sendo o subtipo B2704 o mais frequente. A
rigidez, apesar de isolados serem de pouco e limitado valor prevalência de EA na área rural da China é de 0,29%. A preva-
clínico. Não existe um teste diagnóstico específico para as lência das EAPs na população europeia tem sido avaliada em
EAPs e mesmo com as provas biológicas de atividade inflama- poucos estudos. São mais comuns no sexo masculino na Grécia
tória não excluem a sua possibilidade diagnóstica. A melhor com 0,24%, Noruega 1,8% e Portugal, mas também bastante
evidência de ajuda diagnóstica é a imagenologia definindo comum no sexo feminino na França. A prevalência de HLA B27
sacroiliíte. Existem duas abordagens de definir a ocorrência e EA é maior entre os nativos da região Ártica e Subártica da
de uma doença em uma determinada população; incidência e Eurásia e América do Norte, com a maior prevalência sendo
prevalência. A incidência de uma doença é o número de no- relatada nos índios Haida vivendo nas ilhas Queen Charlotte
vos casos que ocorrem dentro de um dado período de tem- da Columbia britânica. E no Canadá. Há poucos estudos de
po geralmente anual. A incidência anual de uma determinada prevalência na América Latina.14 Recentemente, dois estudos
doença refere-se à relação a 100.000 pessoas. A prevalência organizados pela Community Oriente Program for Control of
de EAPs no mundo varia de acordo com a região estudada. A Rheumatic Diseases (COPCORD) foram publicados no Brasil
prevalência da EA nos caucasianos é de 0,1 a 0,9%, sendo a e no México. Entre 2.500 indivíduos avaliados no México so-
segunda artropatia inflamatória mais frequente após a artrite mente 2 pacientes com EA foram identificados, sendo a maio-
reumatoide. No Brasil um país continental, embora se conheça ria da população mestiça. O estudo COPCORD no Brasil não
as características clínicas das espondiloartrites em popula- focou sobre as EAPs e EA, mas 78% da população brasileira
ções relativamente com envolvimento somente axial em rela- com EA é B27 positivo, sendo o B2705 o subtipo predomi-
ção aos estudos de formas mistas, a sua taxa é desconhecida. nante. No Iraque, a EA é rara com uma prevalência de 0,07%.
No período de 2006 e 2007, em um protocolo padronizado de- Recente estudo CPCORD no Kwait incluindo 2500 pacientes
nominado de Registro Brasileiro de Espondiloartrites (RBE), na idade senil se detectou somente 2500 pacientes com EA e
analisou-se em 28 centros brasileiros em estudo epidemio- 1 paciente com APs. É também relativamente rara nos Emira-
lógico, clínico e radiológico variáveis de 1.036 pacientes com dos Árabes, Arábia Saudita e Jordânia. Em recente estudo na
EAPs.15 Os resultados demonstraram 72,3% de EA, 13,7% de África do Sul, tem-se confirmado a raridade da EA e EAPs de
APs, 6,3% de Espondiloartrites Indiferenciadas, 3,6% de Are, um modo geral. Atualmente, admite-se pelos estudos que a EA
3,1% de EAPs juvenil e 1% de artrite relatada a doença infla- é uma doença rara no Oeste Africano, onde se sabe que o B27
matória intestinal. Houve uma predominância no sexo mas- não é tão raro na população geral. Em linhas gerais, o raciocí-
culino (73,6%), sendo que 59,5% eram caucasianos, 25,9% nio atual de entendimento é de que as diferenças clínicas em
Afro-brasileiros, 5,2% preto puro, 20,7% mulatos e 14,6% de pacientes B27 positivos versus pacientes B27 negativos são
outras origens raciais (mistura de branco, preto, indígena e similares àquelas observadas em outras populações, ou seja,
ou asiático ocidental). A idade média foi 43,7 anos, com idade os pacientes B27 negativos têm um surto mais tardio, maior
média de início da doença sendo 31 anos. A doença axial pura raridade na agregação familial e ocorrência menos frequente
foi observada em 37,6%, enquanto a artrite periférica pura em de uveíte anterior aguda.

458 Tratado Brasileiro de Reumatologia


A psoríase é uma doença que pode afetar 1 a 2% da popu- comparado com 14 a 17% dos estudos realizados na Europa.

„„ CAPÍTULO 30
lação geral. Em termos médios, a APs representa 5 a 10% da Fica assim bastante claro que a infecção tem um papel impor-
população com psoríase. Em estudos recentes, tem observado tante na etologia das EAPs bem como na atividade clínica e
polimorfismo de HLA classe I e II e microssatélites do lócus exacerbações. A duração da ARe varia. Há estudos Finlande-
do fator de necrose tumoral (TNF) associado à predisposição ses relatando uma duração média da artrite de 3 a 5 meses
genética na psoríase vulgar que ocorre na população brasilei- e cerca de 15% dos pacientes evoluem para a forma crônica,
ra, e, a forma de APs mais frequente é a oligoarticular e o alelo podendo apresentar até sequelas como anquilose ou evoluir
de B2705 em estudo de Bonfiglioli e cols. A presença de HLA para espondiloartrites crônicas. Uma forma persistente e/ou
B27, B39 e DWQ3 identifica pacientes que poderão ter maior prolongada tem sido descrita em 4% dos pacientes com artrite
susceptibilidade a desenvolverem APs. As moléculas do siste- induzida por Yersinia 19% dos pacientes por artrite induzida
ma MHC classe I podem aumentar a suscetibilidade a APs ao por salmonella e 17% por Chlamydia trachomatis.
apresentarem peptídeos artritogênicos à linfócitos CD8 ou por A prevalência de colite ulcerativa varia de 50 a 100 indiví-
seleção de um repertório de células T que são autorreativas na duos por 100.000 na população geral, e mais comum na raça
pele e articulações. Outro mecanismo patogênico da APs com branca, sendo a prevalência de doença de Crohn de 75 por
base em estudos epidemiológicos descreve que atividade de 100.000. O envolvimento do aparelho locomotor nas doenças
células natural killer é controlada através da interação entre inflamatórias do intestino tem uma incidência de 10 a 22%
receptores imunoglobulina like (KIR) e genes MHC classe I dos pacientes com artrite periférica, de 10 a 20% com sacroi-
principalmente CW6. Os pacientes com APs têm um perfil ge- liíte e 7 a 12% com espondililite, e, com uma maior prevalên-
nético de alelos KIK que diminuem o limiar de ativação NK. cia nos pacientes com Crohn. Acomete ambos os sexos e com
Estes estudos têm sido realizados em sua grande maioria em maior prevalência entre os 25 e 44 anos. No grupo brasileiro
casos ou estudos familiais de pacientes com psoríase. com artrite enteropática, notadamente colite ulcerativa e do-
Moll e Wright observaram que 5,5% dos parentes de pri- ença de Crohn, foi mais frequente a oligoartrite e assimétrica
meiro grau de pacientes com APs poderão desenvolver artro- e uma baixa frequência de positividade para o B27. O Brasil,
patia inflamatória um risco de hereditariedade que é maior do sendo um país de grandes dimensões geográficas, necessita
que se observa pacientes com psoríase. de ter uma avaliação melhor das características clínicas e ra-
A idade de início da APs geralmente se situa entre os 20 e 45 diológicas dos pacientes com EAPs. Existem poucos estudos
anos de idade, não sendo comum antes dos 20 anos e após os para se determinar a incidência e a prevalência das espondi-
50 anos. Não há predomínio absoluto de acometimento entre loartrites indiferenciadas (EAPsI). Este termo foi introduzi-
os sexos, porém, na maioria das estatísticas, a forma poliarticu- do na literatura por Burns e Calin e, atualmente endossada
lar simétrica seja mais observada no sexo feminino, enquanto a pelo grupo ASAS. No Brasil, no estudo RBE, a prevalência das
forma axial é mais comum no sexo masculino. No estudo RBE, a EAPsI foi de 6,3%. Sampaio Barros e cols. acompanharam 64
APs foi observada em 13,7% dos pacientes com EAPs. pacientes com EAPs e observaram que 10% dos pacientes evo-
O conceito de Are tem sido ampliado nas últimas déca- luíram para EA e 22% para APs após 2 anos de seguimento.
das com infecções geniturinárias e intestinais. Os pacientes Obsevaram também neste grupo 13% de remissão dos sinto-
com artrite reativa no estudo RBE não foram muito frequen- mas e 75% mantiveram a doença como indiferenciada. Na sua
tes (3,6%), porém representaram uma forte associação com experiência, o HLA B27 foi positivo em 54% sendo a maioria
B27. Em termos gerais no mundo, a prevalência de patógenos caucasianos. As diferenças de metodologias utilizadas como o
capazes de originarem Are em diferentes populações é des- tempo de seguimento variável e os diferentes grupos popula-
conhecido. Com base na presença de anticorpos em popu- cionais dificultam a comparação entre os estudos das espondi-
lações saudáveis, infecção como causa de artrite aguda tem loartrites indiferenciadas.
sido possível como etiologia em 9 a 18% dos pacientes com
artropatia inflamatória. Existem poucos relatos da incidência
Classificação
de Are, sendo os estudos mais relatados na Escandinávia. Uma
incidência de 10 a 30 por 10.000 habitantes, sendo a Campylo-
bacter o agente etiológico mais frequente na Finlândia, onde
a incidência de artrite reativa por Cmpylobacter é de 4,3 por Tabela 30.1 Critérios modificados de Nova York para espon-
100.000 habitantes, enquanto por Shigella varia de 1,3 por dilite anquilosante (1984).
100.000 habitantes. Recentemente, Locht e Krogfelt relataram
Critérios clínicos
sua experiência de Are por Escherichi enterotóxica em 6% dos
pacientes com gastroenterite. Outro trabalho interessante é o „„ Lombalgia e rigidez por mais de 3 meses que melhora com exercício,
de Lehtinem que relatou uma maior frequência de resultados mas não se alivia com repouso.
positivos de anticorpos antichlamydia em pacientes com EA de
„„ Limitação dos movimentos da coluna lombar nos planos sagital e
longa duração cerca de 33% comparados com pacientes com frontal.
artrite reumatoide 8% ou sujeitos-controle 18%. Admite-se
que provavelmente a maioria dos pacientes com EA um gati- „„ Limitação da expansão torácica em referência aos valores normais
lho infeccioso bacteriano seja importante na patogênese da comparados com idade e sexo.
doença, principalmente se for B27 positivo. Fator ambiental, Critérios radiológicos
provavelmente infeccioso, tem sido sugerido como importante
na gravidade e início destas doenças do grupo das EAPs. Na „„ Sacroiliíte grau igual ou maior que 2 bilateralmente ou grau 3-4
África do Norte, os pacientes com condições higiênicas mais unilateralmente.
precárias e de mais baixa condição social têm a doença com
Espondilite Anquilosante definida se os critérios radiológicos estão
maior gravidade. O risco de envolvimento do quadril com
associados a pelo menos 1 critério clínico.
evolução para anquilose após 10 anos de doença foi de 39%

Epidemiologia, Etiologia, Classificação e Diagnóstico das Espondiloartrites 459


Os critérios de classificação das espondiloartrites, apesar
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

de ter sido iniciado em 1966 em Roma, na realidade têm sua


validade com os critérios de 1984 modificados em Nova York Tabela 30.3 Critério grupo europeu estudo espondiloartro-
para espondilite anquilosante e posteriormente de Amor em patias (ESSG).
1990/1991 e do European Spondyloartropathy Study Group Dor axial inflamatória Inovite ou
(EESG) que atualmente enquadra no amplo espectro das es- ou predominante MMII
assiméttrica
pondiloartrites tanto na forma axial como periférica. O critério
de classificação mais recente foi fundamentado segundo estu- E
dos do Assessment of SpondyloArthritid international Society
„„ História familiar positiva
(ASAS) para diagnóstico de casos precoces e estabelecidos
com inclusão da técnica de ressonância magnética (MRI) com „„ Psoríase
inflamação ativa como um importante instrumento para ajuda
de diagnóstico precoce. O grupo ASAS iniciou seus estudos em „„ Doença intestinal inflamatória
1995 no sentido de fornecer estudos com base em evidências
„„ Uretrite, cervicite ou diarreia aguda
para se agrupar vários aspectos deste intrigante grupo das
EAPs em todo o seu espectro medidos em protocolos clínicos, „„ Dor glútea alternante entre a direita e a esquerda
reavaliando os critérios de classificação existentes e o desen-
volvimento de critérios diagnósticos para EAPs. Esta tem sido „„ Entesopatia
a missão do grupo ASAS fazendo a conexão da medicina trans-
lacional para a prática clínica com os seguintes objetivos: 1)
aumentar o conhecimento das espondiloartrites; 2) favorecer
o melhor conhecimento para um diagnóstico precoce; 3) de-
senvolver e validar instrumentos de avaliação e avaliar moda-
lidades de tratamento. Tabela 30.4 Critérios ASAS para classificação de espondi-
loartrites axial aplicada em pacientes com lombalgia crôni-
ca e início em idade menor do que 45 anos.

Tabela 30.2 Critérios de AMOR para espondiloartrites. Sacroiliíte em Imagem mais igual ou de 1 abaixo OU HLA B27

Critérios Pontos Dados Eaps. Mais

Sintomas clínicos ou história passada „„ Lombalgia inflamatória Sacroiliíte em imagem

Dorsalgia ou lombalgia à noite ou rigidez matinal da coluna 1 „„ Artrite Inflamação ativa (aguda) à RM*
dorsal lombar
„„ Entesite (calcâneo) Sacroiliíte radiográfica acordo critérios
Oligoartrite assimétrica 2 NY

Dor glútea 1 „„ Uveíte

Se alternante ora direita ora esquerda 2 „„ Dactilite

Dedo em salsicha ou dactilite 2 „„ Psoríase

Calcaneodinia ou qualquer outra entesite 2 „„ Chron/Colite

Uretrite ou cervicite não gonocócica acompanhando ou 1 „„ Boa resposta a AINH


dentro de 1 mês antes do episódio de artrite
„„ HLA B27
Diarreia aguda acompanhando ou próxima 1 mês antes do 1
„„ Níveis elevados de proteína C Reativa (PCR) no soro
episódio de artrite
*Ressonância Magnética
Presença ou história de psoríase, balanite, ou doença 1
intestinal inflamatória

Aspectos radiológicos

Sacroiliíte grau 2 igual ou > 2 se bilateral; grau 3 se igual ou 3


Tabela 30.5 Critérios ASAS lombalgia crônica (> 3 meses).
> 3 se unilateral
„„ Idade de início < 40 anos
Aspectos genéticos
„„ Início insidioso
HLA B27 positivo ou história familial de espondilite 2
anquilosante, Síndrome de Reiter, Uveíte, psoríase ou „„ Melhora com exercício
enterocolite crônica
„„ Dor noturna (melhora ao levantar)
Resposta ao tratamento
„„ Nenhuma melhora com o repouso
Boa resposta ao tratamento a AINH em menos de 48 horas 2
ou piora da dor em menos de 48 horas se o AINH é suspenso. Os critérios são preenchidos com, pelo menos, 4 dos 5 critérios acima.

460 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 30
Tabela 30.6 Critérios de Calin para lombalgia inflamatória. Tabela 30.9 Especificações das variáveis critério de classi-
ficação (ESSG).
„„ Início idade menor 40 anos
Variável Definição
„„ Lombalgia com duração de mais de 3 meses
Dor axial História ou sintomas presentes de dor axial lombar,
„„ Início insidioso inflamatória cervical, ou dorsal com pelo menos dos 4 dos
„„ Associado à rigidez matinal seguintes:
a) Início antes dos 45 anos de idade;
„„ Melhora com exercício
b) Início insidioso
O critério de Calin será preenchido se pelo menos 4 dos 5 critérios acima c) Melhora com exercício
estiverem presentes. d) Associado à rigidez matinal
e) Duração dos sintomas com pelo menos 3 meses
Sinovite Passada ou presente de artrite assimétrica mais
evidente nos MMII.
História familial Presença de parentes de 1º ou 2º grau de pacientes
Tabela 30.7 Critérios de Berlim para lombalgia inflamatória com:
crônica (duração de mais de 3 meses). a) Espondilite anquilosante;
„„ Rigidez matinal > 30 minutos
b) Psoríase;
c) Uveíte aguda;
„„ Melhora com exercício, mas não com repouso
d) Artrite reativa;
„„ Despertar na segunda metade da noite em virtude de lombalgia e) Doença intestinal inflamatória.
„„ Dor glútea alternante Psoríase Passado ou presente de Psoríase diagnosticado por
um médico.
Doença intestinal Passado ou presente de doença de Crohn ou Colite
inflamatória Ulcerativa diagnosticada por um médico e confirmado
por exame radiológico e endoscopia.
Tabela 30.8 Aspectos típicos da RM das alterações na SSII. Dor glútea Passado ou presente de dor alternante a direita e
alternante esquerda na região glútea.
Alterações inflamatórias ativas (STIR/T1 pós-gadolínio)
Entesopatia Passado ou presente de dor espontânea ou
„„ Edema ósseo (osteíte) sensibilidade dolorosa aumentada ao exame físico
„„ Capsulite nos locais de inserção do Tendão de Aquiles ou fáscia
plantar.
„„ Sinovite
Diarreia aguda Episódio de diarreia ocorrendo 1 mês antes da artrite.
„„ Entesite
Uretrite/cervicite Uretrite ou cervicite não gonocócica ocorrendo no
Alterações inflamatórias crônicas (normal T1) período de 1 mês antes da artrite.
„„ Esclerose óssea Sacroiliíte Bilateral, grau 2-4 ou unilateral, grau 3-4 de acordo
„„ Erosões ósseas
com o seguinte sistema de gradação radiológica.
0 = Normal; 1 = Possível; 2 = Mínimo; 3 = Moderado;
„„ Deposição de gordura 4 = Anquilose.
„„ Pontes ósseas/Anquilose
O critério de classificação de Nova York modificado e esta-
belecido em 1984 estabelece critérios clínicos como lombalgia
e rigidez com pelo menos 3 meses de duração melhorando
Recentemente, em 2004, se estabeleceu um algoritmo pro- com exercício e não aliviado com repouso, limitação da movi-
posto por Rudwailet e cols. com base em taxas de probabilida- mentação da coluna lombossacral nos planos sagital e frontal
de para os parâmetros clínicos, laboratoriais e imagenológicos e limitação da expansibilidade da coluna dorsal de acordo com
típicos de EAPs. Um conceito importante estabelecido foi o valores para a idade e sexo e os critérios radiológicos com sa-
de lombalgia inflamatória para ser aplicado na prática clínica croiliíte grau igual ou maior que 2 bilateralmente e graus 3 e
diária. Este conceito atualmente estabelecido confirma que o 4 unilateral. Define-se como EA se o critério radiológico está
paciente deve ter uma história atual de sintomas dolorosos na associado a pelo menos 1 critério clínico. Ao critério de classi-
coluna vertebral cervical, dorsal e/ou lombar com pelo menos ficação de Amor para EAPs foram acrescentados por este autor
4 horas de duração em pacientes com menos de 45 anos de em um conjunto de sintomas clínicos, antecedentes passado
idade, evolução insidiosa, melhorando com exercícios, associa- de história, aspectos radiológicos, base genética, e resposta ao
do a rigidez matinal e tenha pelo menos 3 meses de evolução. tratamento. O paciente é considerado a ter EAPs, se a soma da
Atualmente, conhece-se 3 critérios de conceito de dor axial in- contagem de pontos é 6 ou mais, sendo considerado provável se
flamatória ou seja de Calin, Berlin e ASAS. tiver uma soma de 5 pontos ou menos. As variáveis usadas para

Epidemiologia, Etiologia, Classificação e Diagnóstico das Espondiloartrites 461


o critério do European Spondyloarthropathy Study Group (ESSG) cortes semicoronais ao longo do eixo do osso sacro. Atenden-
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

foram dor axial inflamatória, sinovite, história familiar, psoría- do a fins práticos, o melhor esquema de avaliação de doença
se, doença intestinal inflamatória, dor alternante nas nádegas, inflamatória da coluna vertebral e articulação sacroilíaca atra-
entesopatia, diarreia aguda, uretrite, cervicite e sacroiliíte. vés de ressonância magnética compreende uma sequência em
Interessantes foram as variáveis de especificação usadas T1, T2 e sequência em STIR com cortes de 4 m de espessura.
pelo grupo ASAS para classificação de espondiloartrite axial.16 O osso sacro em seu total deve ser coberto em seus bordos
Estas variáveis foram lombalgia inflamatória, história familiar anterior e posterior requerendo pelo menos 12 cortes. Após
de artrite, psoríase, doença inflamatória intestinal, dactilite, a administração de gadolínio, se faz imagens em T1 saturada
entesite, uveíte anterior, boa resposta a anti-inflamatório não em gordura em corte sagital que pode fornecer mais detalhes
hormonal, presença do HLA B27, níveis elevados no sangue da de inflamação ativa. Cortes coronais de toda a coluna podem
proteína C Reativa, sacroiliíte evidenciada aos RsX e sacroiliíte ser úteis para avaliação das articulações costovertebrais, cos-
pelo método de ressonância magnética. Estes parâmetros têm totransversais e intervertebrais. Os métodos de quantificação
de ser aplicados em pacientes de 45 anos de idade com lom- para se avaliar a atividade inflamatória da coluna vertebral e
balgia inflamatória crônica articulações sacroilíacas já são usados há tempos e corrobora-
Outra grande contribuição para os critérios de classifica- dos atualmente através dos estudos de Lukas C, Braun J et al.
ção e diagnóstico foi através da ressonância magnética das Outra fase de ajuda diagnóstica se faz através da tecno-
articulações sacrilíacas e coluna vertebral. Melhorou o co- logia de RsX tanto da coluna vertebral como das articulações
nhecimento da evolução da doença fazer um diagnóstico mais sacroilíacas com início desde 1930. Esta técnica detecta so-
precoce e uso de medidas de evolução nos protocolos clínicos. mente alterações crônicas ósseas, consequências do processo
As alterações inflamatórias ativas são mais bem vistas em inflamatório. Não serve esta técnica para diagnóstico precoce
uma sequência turbo spin-echo ou Short Tau Inversion Reco- das EAPs e sim nos casos de doença já estabelecida e se in-
very (STIR) em T2 saturada de gordura em alta resolução em cluem em alguns critérios de classificação e diagnóstico como
que se pode detectar pequenas coleções líquidas como edema o do modificado de Nova York para EA. Como na avaliação das
de medula óssea. A infusão de contraste de gadolínio revela articulações sacroilíacas. As lesões tipo sindesmófitos não fa-
uma perfusão aumentada em sequência T1 com saturação de zem parte dos critérios de classificação para espondilite an-
gordura sugerindo osteíte. As alterações crônicas como dege- quilosante. porém são superiores a MRI incluindo anquilose. O
neração gordurosa e erosão óssea são mais bem visualizadas método preferível para quantificar alterações radiológicas da
na ressonância magnética na sequência T1 saturada em gor- coluna vertebral na prática e em estudos clínicos é o método
dura. A ressonância magnética da coluna vertebral é mais bem modificado de Stoke para quantificar a coluna na espondilite
observada em scanners totais com campo total de 1.0 ou 1.5 anquilosante cuja sigla em Inglês é mSASSS (Stoke Ankylosing
Tesla. As articulações sacroilíacas são melhor estudadas em Spondylites Spinal Score).

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462 Tratado Brasileiro de Reumatologia


31

Capítulo
Marco Antonio Parreiras Carvalho  Gustavo Gomes Resende  Ricardo da Cruz Lage

Espondiloartrites – Critérios de Classificação:


Evidências e Experiência
“O perceptível não tem limites em si mesmo, lações fibrocartilaginosas – como as sacroilíacas e a ma-
mas tão somente, na condição evolutiva nubrioesternal – pode haver limitação articular e mesmo
de cada um de nós”. anquilose óssea fora de proporção com o grau de artrite
erosiva, resultante do acometimento sinovial. Nas entesites
Pietro Ubaldi dos discos e ligamentos da coluna, pode haver erosões nas
bordas vertebrais e a formação de esporões ósseos pode
„„ ESPONDILOARTRITES levar gradualmente a um aspecto denominado sindesmófito;
4. Negatividade para a pesquisa do fator reumatoide pelos
Introdução métodos convencionais;
O termo espondiloartrite abrange um grupo inter-re- 5. Ausência de nódulos reumatoides subcutâneos;
lacionado de doenças que apresentam peculiaridades epi- 6. A agregação familial é marcante nas espondiloartrites,
demiológicas, clínicas, anatomopatológicas, radiográficas e sendo fator maior de risco a positividade para o HLA-B27;
imunogenéticas que permitem sua caracterização como enfer- 7. Há notável tendência à sobreposição clínica entre as diver-
midades clínicas definidas. Pertencem a esse grupo de doenças sas enfermidades, inclusive quanto às manifestações extra-
a espondilite anquilosante, considerada o protótipo do grupo; articulares. Assim, a iridociclite pode ocorrer em todas as
a artrite reativa; a artrite psoriásica; a artrite das enteropatias doenças do grupo, da mesma forma que a insuficiência aór-
(doença de Crohn e a retocolite ulcerativa); a espondiloartrite tica, caracteristicamente relatada na espondilite anquilo-
indiferenciada e a espondiloartrite juvenil.1 sante, o é também nas demais enfermidades relacionadas.
As espondiloartrites apresentam as seguintes característi-
cas epidemiológicas, clínicas e laboratoriais comuns:1, 2 Sabe-se, entretanto, que este espectro de doenças é bem
maior, incluindo oligoartrite, poliartrite, dactilite, uveíte an-
1. Acometimento das articulações sacroilíacas e da coluna terior, além de alterações cutâneomucosas, intestinais, ge-
vertebral, especialmente da coluna lombar; niturinárias, neurológicas, renais, cardíacas e pulmonares.1
2. Envolvimento articular periférico com maior frequência Portanto, ainda não está claro se as espondiloartrites consti-
assimétrico, no qual há predomínio da artrite de grandes tuem uma família de enfermidades com manifestações clínicas
articulações, em especial dos membros inferiores; inter-relacionadas ou se são, na verdade, uma doença única
3. Frequente participação do processo inflamatório no ní- que se expressaria de diferentes formas.3
vel das ênteses, sítios cartilaginosos onde tendões, liga- Em relação à negatividade do fator reumatoide e à ausên-
mentos, cápsula articular e fáscia ligam-se ao osso. Nos cia de nódulos subcutâneos, estas características foram assim
pacientes mais gravemente afetados, essa inflamação não valorizadas há mais de 30 anos, quando estas enfermidades
se limita ao tecido conectivo da êntese, envolvendo tam- eram consideradas “variantes” da artrite reumatoide. Agora,
bém cartilagem e osso e resultando em periostite e osteíte há tantos anos como grupos de enfermidades definidas não se-
erosiva. A inflamação das ênteses leva a graus variáveis riam mais necessárias estas caracterizações. Até porque o fator
de erosões ósseas e, posteriormente, a deposição de osso reumatoide acontece na população saudável e, também, na vi-
reativo pode levar à formação de esporões ósseos, como gência de várias outras doenças reumáticas e não reumáticas.
ocorre na inserção do tendão calcâneo no retrocalcâneo, Dentre as enfermidades do grupo das espondiloartrites,
ou na inserção da fáscia plantar na região subcalcaneana. a espondilite anquilosante é a mais comumente observada
Quando acontece nas ênteses dentro de articulações diar- segundo os vários estudos realizados. Em uma pesquisa en-
trodiais, como as articulações coxofemorais (no nível da volvendo 156 pacientes com espondiloartrites, realizada por
união do ligamento redondo ao acetábulo), ou em articu- Bomtempo, Carvalho et al. (2006), no Serviço de Reumatologia

463
do Hospital das Clínicas da UFMG, a espondilite anquilosante 2. Em muitas ocasiões, as manifestações extra-articulares
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

foi observada em 75 doentes (48,1%), a espondiloartrite indi- das espondiloartrites precedem as manifestações clínicas
ferenciada em 32 (20,5%), a artrite reativa em 24 (15,4%), a articulares, axiais e periféricas, por meses a anos. Em pes-
artrite psoriásica em 22 (14,1%) e a artrite associada às ente- quisa realizada nos Serviços de Reumatologia e Oftalmolo-
ropatias em três (1,9%). Constatou-se história familiar positiva gia do Hospital das Clínicas da UFMG, quando se avaliaram
em parentes de primeiro grau em 19 pacientes (12,18%), onde 100 pacientes consecutivos com uveíte anterior aguda,
13 apresentavam espondilite anquilosante, quatro espondilo- encontraram-se as seguintes doenças:6, 7
artrite indiferenciada e dois outros, artrite reativa. Dos 156 pa- „„ Espondilite anquilosante: 11 pacientes (em um pa-
cientes analisados, o HLA-B27 foi positivo em 53,85%, sendo ciente a uveíte precedeu a artrite em quatro anos);
que a espondilite anquilosante apresentou maior positividade
„„ Artrite reativa: cinco pacientes (em três, a uveíte pre-
quando comparada com as demais doenças.4 Cada uma das
cedeu a artrite por período de dois meses a 10 anos);
enfermidades do grupo das espondiloartrites (espondilite an-
quilosante, artrite reativa, artrite psoriásica e artrite enteropá- „„ Artrite psoriásica: um paciente (a uveíte precedeu a
tica) tem seus próprios critérios de classificação. No entanto, artrite por 36 anos);
existem muitos pacientes que não se enquadram nas catego- „„ Espondiloartrite indiferenciada: 15 pacientes (em
rias relacionadas, são ditos indiferenciados ou incompletos. sete, a uveíte precedeu a artrite por período de seis
Na tentativa de englobar todo este amplo e heterogêneo meses a oito anos).
grupo de pacientes, vários critérios classificatórios foram
propostos. Na prática clínica diária, os critérios propostos em
1991 por um grupo multicêntrico de estudiosos denominado
Grupo Europeu de Estudos das Espondiloartrites são os mais Tabela 31.2 Especificação das variáveis do grupo europeu de es-
utilizados.5 Assim, foram estabelecidos critérios para inclusão tudo das espondiloartropatias (GEEE).
de pacientes na categoria das espondiloartrites (Tabela 31.1). Variável Definição
A especificação das variáveis presentes nesses critérios é defi-
nida na Tabela 31.2. Dor espinhal História ou sintomas presentes de dor lombar, dorsal
inflamatória ou cervical, com pelo menos quatro dos seguintes:
(a) Início antes dos 45 anos;
(b) Início insidioso;
Tabela 31.1 Critérios de classificação do grupo europeu de estu- (c) Melhora com exercício;
do das espondiloartropatias (GEEE). (d) Associada com rigidez matinal;
Sinovite assimétrica ou (e) Pelo menos, três meses de duração
Dor
ou predominantemente em Sinovite Passado ou presença de artrite assimétrica ou artrite
espinhal inflamatória
membros inferiores predominante de membros inferiores
E um ou mais dos seguintes: História familiar Presença em parentes de primeiro ou segundo grau
de um dos seguintes:
„„ História familiar positiva
(a) Espondilite anquilosante;
„„ Psoríase
(b) Psoríase;
„„ Doença inflamatória intestinal
(c) Uveíte aguda;
„„ Uretrite, cervicite, ou diarreia aguda dentro de um mês, precedendo a
(d) Artrite reativa e
artrite
(e) Doença inflamatória intestinal
„„ Entesite
„„ Dor alternante nas nádegas, em áreas glúteas correspondentes às Psoríase Passado ou presença de psoríase diagnosticada por
articulações sacroilíacas médico
„„ Sacroiliíte Doença inflamatória Passado ou presença de doença de Crohn ou
Dougados et al. 1991. intestinal retocolite ulcerativa, diagnosticadas por médico e
confirmadas por exame radiográfico ou endoscopia
Um paciente para ser incluído no grupo das espondiloar-
Dor alternante nas Passado ou presença de dor alternante nas regiões
trites deverá ter um critério maior (dor axial inflamatória e/
nádegas glúteas
ou sinovite que deverá ser assimétrica ou predominante nos
membros inferiores) e um dos critérios considerados meno- Entesopatia Passado ou presença de dor espontânea ou
res, que são observados na Tabela 31.1. Esses critérios têm dolorimento ao exame da inserção do tendão de
uma sensibilidade de 86% e uma especificidade de 87%. Aquiles ou da fáscia plantar
Esses critérios, embora bastante aceitos pela comunidade Diarreia aguda Episódio de diarreia precedendo a artrite dentro de
médica especializada, do ponto de vista da prática clínica do um mês
dia a dia teriam, pelo menos, algumas limitações: Uretrite Uretrite não gonocócica ou cervicite ocorrendo
dentro de um mês antes do início da artrite
1. Pacientes que não apresentem critérios considerados
maiores, mas que tenham vários critérios menores não se-
riam considerados espondiloartríticos. Por exemplo, pes- Sacroiliíte Grau 2-4 bilateral ou grau 3-4 unilateral, de acordo
soas que tenham história familiar positiva, uveíte anterior, com os seguintes achados radiográficos: 0 = normal;
entesite, sacroiliíte radiográfica e HLA-B27 positivo não 1 = possível; 2 = mínima; 3 = moderada; e 4 =
anquilose.
poderiam ser assim classificados, sem dor axial ou sinovite.
Dougados et al. 1991.

464 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Assim, com frequência, o médico-assistente deve realizar objetivos finais de ambos os critérios são distintos. Tais crité-

„„ CAPÍTULO 31
diagnóstico presuntivo de espondiloartrite e tratar o paciente. rios não têm por objetivos avaliar atividade de doença.

3. Os critérios do Grupo Europeu de Estudos das Espondi-


loartrites, na verdade, não são critérios diagnósticos, mas
critérios de classificação, que lhes faz perder em sensibili- Tabela 31.3 Critérios classificatórios do grupo asas para espondi-
dade na prática clínica. loartrite axial e periférica.

Mais recentemente, em outra tentativa de se criar um critério Para pacientes com dor lombar há, pelo Para pacientes
de classificação com melhor desempenho, principalmente para menos, 3 meses (com ou sem manifestações com manifestações
periféricas) e idade de início menor que 45 exclusivamente
abranger pacientes com doença mais precoce, o grupo ASAS (do
anos: periféricas:
inglês Assessment of Spondyloarthritis International society) pu-
blicou em 2009 critérios de classificação para espondiloartrite Imagem de HLA-B27 positivo e Artrite**** ou
axial (conceito novo, comparável à espondiloartrite indiferencia- sacroiliíte* e ou 2 características entesite ou dactilite
da que apresenta acometimento axial) e, em 2011, critérios de 1 característica de EpA mais:
classificação para espondiloartrite periférica (da mesma forma, de EpA
análoga à espondiloartrite indiferenciada com manifestações
Características de EpA Pelo menos 1 dos
exclusivamente periféricas), ver Tabela 31.3.8-10 Nos referidos
„„ Dor lombar inflamatória ** seguintes:
estudos em que estes novos critérios foram anunciados, a sensi-
„„ Artrite „„ Uveíte
bilidade e a especificidade foram, respectivamente, 82,9 e 84,9%
„„ Entesite (calcanhar) „„ Psoriase
para o cenário axial (em que 649 pacientes com dor lombar crô-
nica e menos de 45 anos foram incluídos); e 77,8 e 82,2% para o „„ Uveíte „„ DII (atual)
cenário periférico (que contou com 266 pacientes). „„ Dactilite „„ Infecção (urogenital
„„ Psoríase ou intestinal)
Segundo os especialistas do grupo ASAS, o principal objeti-
„„ HLA-B27
vo dos novos critérios seria estabelecer o diagnóstico precoce „„ DII
„„ Imagem de
de espondiloartrite, o que permitiria um tratamento também „„ Boa resposta ao AINE
sacroiliíte* ou
precoce. Uma das principais novidades desses critérios é a in- „„ História familiar de EpA
clusão da ressonância magnética (RNM) como critério de ima- „„ HLA-B27 + Pelo menos 2 dos
gem para se detectar sacroiliíte. O problema é que a RNM das seguintes:
„„ PCR elevada***
articulações sacroilíacas tem limitações que serão detalhadas „„ Artrite
adiante neste capítulo. „„ Entesite

Como acreditamos que a clínica seja soberana para o diag- „„ Dactilite


nóstico; que quem deve ser tratado é o paciente, indiferente- „„ Passado de DII
mente de qualquer classificação a que este for atribuída e não „„ História familiar
as manifestações de imagem; que se deve levar o paciente aos de EpA
critérios de diagnóstico/classificação e não os critérios ao pa- *Imagem de sacroiliíte = Inflamação ativa (aguda) na RNM altamente
ciente; e pelas limitações da RNM (detalhadas mais adiante), sugestiva de sacroiliíte associada com espondiloartrite (EpA) ou sacroiliíte
não realizamos como rotina, a RNM nestes casos. definida radiograficamente de acordo com os critérios de Nova Iorque
Abaixo, o leitor terá a oportunidade de compreender me- modificados
lhor o que significam critérios de diagnóstico e critérios de **DLI – dor lombar inflamatória = pelo menos 4 dos 5 critérios a seguir:
classificação. 1. Idade de < 40 anos
2. Início insidioso
Critérios: utilização geral 3. Melhora com exercício
4. Não melhora com repouso
Classificação, neste contexto, significa alocar pacientes com 5. Dor noturna (com melhora ao levantar)
alterações particulares, mas que podem ser observadas em di- *** Somente no contexto de DLI
ferentes doenças. Critérios são utilizados para definir quais pa-
**** Artrite periférica = geralmente assimétrica e/ou com predomínio em
cientes pertencem a uma categoria específica de enfermidade e membros inferiores
quais pacientes dela não fazem parte. Existem diferentes tipos
Rudwaleit et al. 2009; Rudwaleit et al. 2011.
de critérios, que são usados para diversos propósitos.1, 2, 11
Uma função de classificar é suprir uma sistemática (taxo-
nomia) para determinadas doenças, por meio da qual sinais Os critérios de diagnóstico aplicam-se a pessoas individu-
e sintomas podem contribuir para separar (ou agrupar) en- ais e não a grupos de pessoas. Objetiva-se estabelecer o diag-
fermidades distintas ou grupos relacionados de doenças. Por nóstico correto para determinado paciente, para isso deve ter
exemplo, a presença de uveíte anterior e/ou insuficiência aór- alta sensibilidade. Quanto mais alta a sensibilidade, maior a
tica, e/ou nefropatia por depósitos mesangiais de IgA, e/ou ba- oportunidade de realização de diagnóstico precoce. Tais crité-
lanite circinada, e/ou envolvimento clínico e/ou radiográfico rios são mais aplicados na prática clínica do dia a dia onde o
das articulações sacroilíacas, e/ou a positividade do HLA-B27, paciente, muitas vezes, tem um menor período de seguimento.
etc. permitem a presunção de uma enfermidade do grupo das Os critérios de classificação, por sua vez, aplicam-se a gru-
espondiloartrites. Nesse contexto, é comum encontrarem-se pos de indivíduos com o propósito de estudos epidemiológicos
os termos critérios de classificação e critérios diagnósticos. e ensaios clínicos terapêuticos. Estes grupos devem ser os mais
Embora o objetivo principal de ambos os critérios seja assegu- homogêneos possíveis e devem ter alta especificidade, isto é, não
rar comparabilidade entre pacientes ou grupo de pacientes, os deve albergar muitos doentes com diagnóstico falso-positivo.

Espondiloartrites – Critérios de Classificação: Evidências e Experiência 465


Nos últimos anos, após o surgimento dos medicamentos Recentemente, com a publicação dos critérios do grupo
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

biológicos, os critérios de classificação para as espondiloartri- ASAS, incluiu-se a ressonância magnética (RM) como uma
tes têm sido sucessivamente revistos com a finalidade de apri- importante ferramenta para se detectar a sacroiliíte precoce.
morar sensibilidade e, sobretudo, especificidade. A questão é que a capacidade da RNM de predizer a sacroili-
Por outro lado, sabe-se que especificidade e sensibilidade íte radiográfica no futuro ainda é controversa, sendo que ela
geralmente são antagônicas ou, em outras palavras, quando parece ter boa sensibilidade, mas baixa especificidade. Estes
se ganha muito em especificidade, perde-se em sensibilidade aspectos serão discutidos ainda neste capítulo.8, 10, 13
e, vice-versa. Portanto, os critérios diagnósticos apresentam,
como norma geral, maior sensibilidade e os de classificação Dor na parede anterior do tórax
maior especificidade. É o resultado do envolvimento das articulações manubrio-
esternal, esterno-clavicular e costoesternal e pode levar à re-
„„ ESPONDILITE ANQUILOSANTE dução da expansibilidade torácica, usada como critério clínico
de acordo com os critérios de classificação modificados de
Introdução Nova Iorque. Essa limitação da expansibilidade, no entanto, é
uma alteração tardia no curso da enfermidade.1, 12
A espondilite anquilosante (EA) pode ser definida como
doença inflamatória crônica que acomete as articulações sa- Artrite periférica
croilíacas, em graus variáveis, a coluna vertebral e, em menor
extensão, as articulações periféricas e as ênteses. Melhor ca- Geralmente ocorre nas articulações maiores e, sobretudo,
racterizada no início do século XX, ainda hoje a ela se associam nos membros inferiores, com frequência oligoarticular. A pre-
os nomes dos três observadores iniciais da doença: Von Be- sença de dactilite (dedos em salsicha), embora mais comum
chterew, Strumpell e Pierre Marie.1, 2 na artrite psoriásica, artrite reativa e espondiloartrite indife-
renciada, pode acontecer nas pessoas com espondilite anqui-
Embora se possa virtualmente encontrá-la, de forma indis-
losante.1, 4
tinta, nos dois sexos, já que o HLA-B27 incide igualmente entre
homens e mulheres, há predileção pelo sexo masculino na pro- Entesite
porção de 2-4:1, e a grande maioria dos pacientes desenvolve
os primeiros sintomas entre os 20 e os 35 anos. Acomete, prin- Comum nos pacientes com espondilite anquilosante e de-
cipalmente, indivíduos caucasianos, possivelmente pela maior mais espondiloartrites, afetam mais frequentemente o calca-
incidência de HLA-B27 nesse grupo étnico, e é enfermidade nhar, a crista ilíaca, a tuberosidade anterior da tíbia, a parede
relativamente comum, ocorrendo em cerca de 0,1 a 0,2% da anterior do tórax e ligamentos da coluna vertebral.1, 4
população em geral. Entretanto se forem consideradas popu-
lações em que a incidência do HLA-B27 é mais alta, como no Manifestações extra-articulares
norte da Europa, a prevalência da doença chega de 0,5 a 1,0% As alterações como uveíte anterior aguda, distúrbios de
da população em geral. Observa-se, também, que a enfermi- condução do ritmo cardíaco, nefropatia por depósitos mesan-
dade é muito mais frequente entre parentes de primeiro grau giais de IgA podem preceder, ser concomitantes ou suceder as
HLA-B27 positivos de pacientes com espondilite anquilosante manifestações osteoarticulares da espondilite anquilosante.
que também têm o antígeno HLA-B27.1, 2 Sua presença, sobretudo se associada à positividade do HLA-
-B27, levanta a possibilidade diagnóstica de espondiloartrite,
inclusive de espondilite anquilosante.7
A importância da clínica para o diagnóstico da
A presença de insuficiência aórtica ou de fibrose pulmonar
espondilite anquilosante
apical denota doença de longa evolução e não contribui para o
Dor vertebral inflamatória diagnóstico inicial.
A dor axial inflamatória que acontece em pacientes com
EA é de início insidioso, inicia-se na coluna lombar, melhora A importância dos estudos de imagem para o
com os exercícios e não melhora com o repouso. Ocorre rigi- diagnóstico da espondilite anquilosante
dez matinal, habitualmente superior a 30 minutos, na doença
em atividade. No início dos sintomas o paciente tem menos O marcador radiográfico comum a todas espondiloartrites
de 40 anos de idade, a maioria deles tem entre 20 e 30 anos. é a concomitância de um aumento da reabsorção óssea evi-
Estes sintomas são mais relevantes se estão presentes por denciada pela presença de erosões, com um aumento da ne-
mais de três meses. Evolui com redução da mobilidade lom- oformação óssea identificada pela presença de sindesmófitos
bar, e a dor e a limitação são usadas como critério clínico de e de anquilose articular. Diferindo da artrite reumatoide, cujo
acordo com os critérios de classificação modificados de Nova comprometimento osteoarticular ocorre, primordialmente,
Iorque.5, 12 nas estruturas sinoviais, as espondiloartrites envolvem, carac-
teristicamente, as ênteses nas junções osteotendíneas ou oste-
Sacroiliíte oligamentares, além do acometimento da membrana sinovial,
A manifestação clínica típica da sacroiliíte é a presença de sobretudo de grandes articulações dos membros inferiores, e
dor na nádega, sobretudo a dor que alterna entre uma náde- das articulações fibrocartilaginosas. As alterações ósseas são
ga e outra. Também ocorre mais no período noturno e pela manifestadas por excrescências ósseas adjacentes às erosões,
manhã, assim como a lombalgia inflamatória.5, 11 Entretanto, a proliferações ósseas no nível das ênteses, periostite e anquilo-
confirmação da presença de sacroiliíte radiográfica é essencial se articular.1, 14, 15
para o diagnóstico de espondilite anquilosante, segundo os Como o próprio nome indica, as espondiloartrites acome-
critérios de Nova Iorque modificados.12 tem tanto a coluna vertebral como as articulações periféricas,

466 Tratado Brasileiro de Reumatologia


mas, sem dúvida, o envolvimento das articulações sacroilíacas na ao paciente dose alta e desnecessária de radiação ionizante

„„ CAPÍTULO 31
é um dos mais importantes para o diagnóstico imagiológico e, além disso, é bem mais onerosa do que a radiografia. A TC
das doenças do grupo, sobretudo da espondilite anquilosante. das sacroilíacas tem ainda a desvantagem de não detectar as
Serão aqui sumarizados os métodos de imagem para avaliação alterações inflamatórias (edema de medula óssea e osteíte sub-
das articulações sacroilíacas, sendo que o envolvimento das condral) que podem ser vistas à ressonância magnética.16
demais articulações será estudado nas seções corresponden- A ressonância magnética (RM) do tecido musculoesque-
tes a cada uma das enfermidades do grupo.5, 11, 12 lético é de grande valia, uma vez que as imagens produzidas
As articulações sacroilíacas estão entre as mais difíceis de apresentam um excelente contraste entre os tecidos moles e
obter-se e interpretar imagens, em virtude de sua complexa o osso. A cartilagem articular, a fibrocartilagem, a cortical e
anatomia e suas superfícies articulares ondulantes e irregula- a medular óssea e a musculatura podem ser facilmente dis-
res. Mesmo assim, devem-se considerar as radiografias con- tinguidas pela intensidade de sinal que cada tecido produz.
vencionais como de eleição para o diagnóstico e seguimento Apresenta ainda, como vantagens, não utilizar radiação io-
evolutivo das espondiloartrites. Têm a desvantagem de reque- nizante, ser um método não invasivo e usar uma substância
rer, do médico assistente, acurácia e experiência, para sua in- de contraste (gadolínio/ácido pentacético-dietilenotriamina)
terpretação.1, 14, 15 menos alergênica e com menor toxicidade. Além disso, per-
A melhor incidência para se radiografar as articulações sa- mite a realização de imagens nos planos transversal, sagital,
croilíacas é a de Ferguson modificada, onde o paciente é colo- coronal e oblíquo sem a necessidade de se mudar o paciente
cado em posição supina, os joelhos e quadris fletidos, o tubo de de posição.14
RsX centrado em L5-S1 e angulado a 25-30 graus em direção A RNM das articulações sacroilíacas é considerada um
cranial. As incidências oblíquas também podem ser úteis.1, 14, 15 método de imagem excelente para analisar uma articulação
As alterações radiográficas típicas da sacroiliíte são, ha- sacroilíaca normal e, claramente, distingue os compartimen-
bitualmente, simétricas e, de forma progressiva, podem-se tos sinovial e ligamentar. Na articulação normal, a cartilagem
encontrar: perda da nitidez dos contornos da articulação, aparece em ambos os lados do compartimento sinovial da
pseudoalargamento do espaço articular, esclerose óssea sub- articulação como uma tênue linha de sinal intermediário nas
condral, erosões nas bordas articulares, formação de traves imagens obtidas em T1 e com hipersinal em T2. Uma faixa fina
ósseas e redução do espaço articular e, em um estágio final, e linear de baixa intensidade de sinal está presente em ambos
fusão das articulações (Figura 31.1). As alterações da porção os lados ilíaco e sacro da articulação, correspondendo ao osso
sinovial da articulação, nos 2/3 inferiores, são resultantes de cortical subcondral normal.14, 15, 17
condrite e osteíte do osso subcondral adjacente. Como a carti- Nas espondiloartrites, a RNM é capaz de detectar altera-
lagem que cobre o lado ilíaco da articulação é mais fina do que ções inflamatórias das articulações sacroilíacas que, segundo
a que cobre o lado sacro, a esclerose subcondral e as erosões alguns autores, podem preceder as lesões estruturais vistas à
costumam ser, inicialmente, observadas do lado ilíaco, sendo radiografia por três a sete anos.18-20 As mais importantes alte-
também mais pronunciadas desse lado. No 1/3 superior da rações inflamatórias vistas à RNM são:
articulação sacroilíaca, onde os ossos são contidos por fortes „„ Edema de medula óssea/osteíte: é mais visualizado
ligamentos intra-articulares, o processo inflamatório pode na sequência chamada STIR (short τ inversion reco-
levar a alterações radiográficas similares sendo, entretanto, very) e aparece, sobretudo, no osso subcondral como
mais tardias. Quando, após vários anos, ocorre a fusão das ar- áreas hiperintensas. O edema de medula óssea é con-
ticulações sacroilíacas, as erosões tornam-se menos óbvias, e siderado muito importante para a definição de sacroi-
a esclerose óssea subcondral desaparece.1, 14, 15 liíte pelos novos critérios do grupo ASAS (Figuras 31.2
A tomografia computadorizada (TC) das articulações e 31.3).8, 10, 21
sacroilíacas mostrou-se mais sensível do que a radiografia „„ Sinovite: é bem visualizada nas sequências em T1 com
simples para a detecção de alterações estruturais, como a es- saturação de gordura e contraste com gadolínio, já que
clerose óssea subcondral e as erosões iniciais, mas proporcio- as imagens em STIR não conseguem diferenciar bem a
sinovite do líquido sinovial fisiológico. Aparece como
uma linha hiperintensa (semelhante à intensidade dos
vasos sanguíneos) na margem sinovial da articulação
sacroilíaca. O achado isolado de sinovite na ausência
de edema de medula óssea é raro e não é suficiente
para definir sacroiliíte secundária às espondiloartrites,
segundo os já referidos critérios de classificação.
„„ Entesite: aparece como sinal hiperintenso tanto nas
imagens obtidas em STIR quanto nas sequências em
T1 com saturação de gordura e gadolínio. Ocorrem nas
junções dos tendões e ligamentos com os ossos, inclu-
sive nos ligamentos interósseos posteriormente.
„„ Capsulite: os sinais produzidos pela capsulite na RNM
têm características muito semelhantes aos da sinovite,
porém as alterações envolvem a cápsula anterior e pos-
terior da articulação sacroilíaca. A capsulite pode-se
Figura 31.1 extender medial e lateralmente em torno do periósteo.

Espondiloartrites – Critérios de Classificação: Evidências e Experiência 467


Os outros tipos de alterações detectáveis à RNM das ar- Recentemente, um consenso produzido por um grupo
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

ticulações sacroilíacas são as lesões estruturais, como a es- de trabalho chamado ASAS/OMERACT(Oucome Measures in
clerose óssea subcondral, as erosões, a formação de pontes Rheumatology) MRI definiu os critérios para se considerar a
ósseas entre as margens articulares e a deposição de gordura presença de sacroiliíte na RNM. Para que se identifique sacroi-
periarticular. Normalmente, essas lesões são bem vistas nas liíte à RNM nos novos critérios de classificação, é necessário
sequências simples em T1, com exceção das erosões que po- haver: uma área de edema medular ósseo (nas sequências em
dem requerer imagens em T1 com saturação de gordura ou STIR) em um único quadrante da articulação sacroilíaca em,
em T2 para ser identificadas. Ressalta-se que os depósitos de pelo menos, dois cortes consecutivos ou, no mínimo, duas áre-
gordura aparecem como áreas hiperintensas em T1. As lesões as de edema medular ósseo em quadrantes distintos das arti-
estruturais, normalmente, são visíveis à radiografia simples culações sacroilíacas no mesmo corte. Segundo os estudiosos
das articulações sacroilíacas.22 do grupo ASAS/OMERACT, não há evidências suficientes para
se considerar as alterações estruturais vistas na RNM nos cri-
térios de classificação, até o momento.22
Embora a RNM apresente-se como excelente método de
avaliação das articulações sacroilíacas, há também limitações.
Quais seriam estes fatores limitantes?

„„ Trata-se de exame altamente dispendioso, pouquissí-


mos são os serviços universitários e serviços públicos
de atenção à saúde, no Brasil, que dispõem de apare-
lhos de RNM;
„„ A capacidade da RNM de predizer a sacroiliíte radio-
gráfica no futuro ainda é bastante controversa. Em um
estudo britânico, a especificidade da RNM para prever
a sacroiliíte radiográfica, após oito anos de seguimen-
to, foi de 33 a 56%, apesar de uma sensibilidade de
100%. Esse fato favorece o superdiagnóstico de espon-
diloartrite axial e, consequentemente, tratamentos ca-
ros e desnecessários;13
„„ A presença de edema no nível da articulação sacroilí-
aca não é específica da espondilite anquilosante, pois
pode acontecer, por exemplo, na presença de pequeno
traumatismo local. Marzo-Ortega et al. (2008) mos-
traram que alterações das articulações sacroilíacas,
demonstradas pela RNM, caracterizadas por edema da
Figura 31.2 medular óssea não são específicas de espondiloartrite
e foi também evidente em pessoas com doença articu-
lar degenerativa e, ocasionalmente, em pessoas nor-
mais.14, 15, 17, 23, 24
„„ Há que se ter muita cautela no uso da RNM para o diag-
nóstico precoce de espondilite anquilosante. Na última
década, o lançamento dos caros medicamentos biológi-
cos despertou grande interesse econômico no manejo
das espondiloartrites e uma infinidade de trabalhos foi
publicada sobre a capacidade da RNM de detectar alte-
rações iniciais nas espondiloartrites. Observa-se que o
objetivo final é a prescrição destes medicamentos logo
no início dos sintomas clínicos, muitas vezes sem pas-
sar por todas as etapas dos protocolos ou guidelines de
tratamento da espondilite anquilosante ou outras es-
pondiloartrites.
„„ Pacientes com claustrofobia (às vezes se faz necessária
anestesia), mas não é contraindicação;
„„ Pacientes com marca-passo têm contraindicação abso-
luta à realização do exame;
„„ Pacientes com próteses articulares podem realizar o
exame se as próteses forem em outros locais e não na
zona de interesse ou se as próteses gerarem poucos ar-
tefatos. Pacientes que têm clip de aneurisma cerebral
e stents precisam mencionar o tipo de material usado
Figura 31.3 nos procedimentos realizados.

468 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Em suma, na opinião dos autores, a radiografia simples Várias são as limitações destes critérios:

„„ CAPÍTULO 31
deve ser o exame de escolha para avaliar as articulações sa-
croilíacas na suspeita de espondiloartrite. A verdade é que, na „„ A “história ou presença de dor na junção dorsolombar
grande maioria dos casos, a história e o exame clínico, quando ou na coluna lombar” tem pequeno valor de discrimi-
bem feitos, permitem fazer o diagnóstico provisório de espon- nação, com baixa especificidade. Não há menção clara
diloartrite indiferenciada e tratar o paciente, e não o exame de ao termo: dor de origem inflamatória;
imagem, de maneira adequada. A RNM das sacroilíacas deve „„ A limitação de 2,5 cm ou menos, para se avaliar a expan-
ser realizada em situações de exceção, em que o resultado con- sibilidade torácica é um achado muito tardio no curso
tribua, realmente, para a decisão terapêutica. evolutivo da doença, traduzindo-se, novamente, em
Reforça-se o que diz a publicação do Conselho Federal baixa sensibilidade. Além do mais, essa alteração pode
de Medicina e do Conselho Regional de Medicina do Paraná ser influenciada pelo tratamento e pelos exercícios.
(2009): “Os exames complementares devem ser usados para Em pesquisa realizada no Serviço de Reumatologia do
detalhar e/ou comprovar diagnósticos, nunca para gerá-los...”.25 Hospital das Clínicas da UFMG (1986), o achado de ex-
pansibilidade torácica igual ou inferior a 2,5 cm, na ava-
liação inicial de 51 pacientes espondilíticos, aconteceu
Diagnóstico em apenas 39,2% deles (Tabela 31.4). Nem sempre, nas
Os critérios de Nova Iorque (1966) e os critérios de Nova etapas iniciais da enfermidade, há, também, redução da
Iorque modificados (1984) são, ao contrário do que preten- mobilidade lombar ou uma sacroiliíte típica.1
diam as publicações originais, critérios de classificação. Isto
porque critérios diagnósticos para serem úteis devem ser al-
tamente sensíveis para o diagnóstico em estágios iniciais de
uma enfermidade.12, 26 Tabela 31.4 Aspectos clínicos, laboratoriais e radiográficos
mais frequentemente observados em 51 pacientes conse-
Por outro lado, critérios de classificação não se aplicam a
cutivos com espondilite anquilosante.
paciente individual, mas a grupos de pacientes com o propósi-
to de estudos epidemiológicos. Aspecto %
Os critérios de Nova Iorque (1966) compreendem itens clí-
nicos e radiográficos.26, 27 Sacroiliíte radiográfica 100,0
Os critérios clínicos são:
Dor lombossacra 98,0
1. História ou presença de dor inflamatória na junção dorso-
lombar ou na coluna lombar; Redução da mobilidade lombar 82,4
2. Limitação da mobilidade lombar em todos os três planos: Aumento de VHS 76,5
flexão anterior, flexão lateral e extensão;
3. Limitação da expansibilidade torácica, igual ou inferior a Coxartrite 72,5
2,5 cm, medida no nível do 4º espaço intercostal.
Presença de HLA–B27 64,7
O critério radiográfico compreende envolvimento das ar-
ticulações sacroilíacas, assim caracterizado: Gonartrite 58,8
De acordo com os critérios de Nova Iorque, a sacroiliíte ra-
Cervicalgia 49,1
diográfica pode ser:

„„ Grau 0: normal; Sindesmofitose 48,5

„„ Grau 1: suspeita de alteração, não há alterações defi- Artrite de ombros 45,1


nidas;
„„ Grau 2: sacroiliíte mínima. Refere-se à perda de defi- Redução da expansibilidade torácica 39,2
nição das bordas articulares e alguma esclerose, po-
Esternalgia 33,3
dendo haver erosões mínimas sem ocorrer redução do
espaço articular; Calcaneodinia 27,5
„„ Grau 3: sacroiliíte moderada, em que há esclerose bem-
-definida em ambos os lados da articulação sacroilíaca, Uveíte anterior aguda 23,5
borramento e irregularidade das superfícies articulares,
erosões e redução do espaço articular (Figura 31.4); Serviço de Reumatologia, Hospital das Clínicas/UFMG
Carvalho, 2008.
„„ Grau 4: as alterações mostram fusão das superfícies
articulares, com ou sem esclerose residual.
Atualmente, os critérios de classificação modificados de
Considera-se que um paciente tem espondilite anquilosan- Nova Iorque (1984) são os mais utilizados e consideram EA
te definida se há sacroiliíte bilateral, graus 3 ou 4, associada a definida quando ocorre sacroiliíte bilateral de graus 2 e 4 ou
qualquer um dos critérios clínicos ou se há sacroiliíte bilateral sacroiliíte unilateral graus 3 e 4, com, pelo menos, um dos se-
de grau 2 ou unilateral de grau 3 ou 4 com o critério clínico 1 guintes critérios clínicos:12
ou ambos os critérios clínicos 2 e 3.

Espondiloartrites – Critérios de Classificação: Evidências e Experiência 469


1. Dor lombossacral com pelo menos três meses de duração, RCU (Tabela 31.5). Na maioria deles, era bilateral e si-
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

que melhora com exercício e não alivia com o repouso; métrica (91,7%).
2. Limitação da mobilidade lombar nos planos anterior, pos- „„ Na espondiloartrite indiferenciada também pode
terior e lateral; acontecer envolvimento das articulações sacroilíacas,
3. Redução da expansibilidade torácica, medida no quarto es- sendo unilateral ou bilateral e, em graus variados. A
paço intercostal, relativa a valores normais para a idade e o Tabela 31.6 detalha as manifestações radiográficas das
sexo. articulações sacroilíacas observadas em 40 pacientes
Uma crítica aos itens dos critérios clínicos é que não exis- com espondiloartrite indiferenciada acompanhados
tem estudos populacionais relativos à expansibilidade torácica no Serviço de Reumatologia do Hospital das Clínicas
com correção para a idade e sexo no Brasil, além deste ser um da UFMG. O envolvimento das articulações sacroilía-
achado tardio na evolução da doença. Observa-se, na prática, cas, observado em sete casos, foi bilateral em quatro e
que a maioria dos reumatologistas utiliza o valor de 2,5 cm unilateral em três pacientes.30
para a avaliação da expansibilidade torácica, valor este que é
atribuído aos critérios de Nova Iorque de 1966.
Portanto, estamos aguardando os valores da expansibili-
dade torácica e da mobilidade lombar para se definir os crité- Tabela 31.5 Alterações radiográficas em articulações sa-
rios de Nova Iorque estabelecidos em 1984. croilíacas de pacientes com doença inflamatória intestinal
Em relação ao critério radiográfico, ou seja, a presença de
(total), Doença de Crohn e colite ulcerativa.
sacroiliíte, no diagnóstico da espondilite anquilosante, pode- Sacroiliíte DII total Doença de Colite
-se considerar: radiográfica (n = 12) Crohn (n = 10) Ulcerativa
„„ A sacroiliíte pode ocorrer em todas as demais enfermi- (n = 2)
dades do grupo das espondiloartrites. Homem/mulher 8/4 7/3 1/1
Na artrite psoriásica o envolvimento das articulações sa-
Unilateral 1 0 1
croilíacas acontece nas formas axiais isoladas em cerca de 5%
das ocasiões e, nesses casos, semelhante ao envolvimento que Bilateral Grau II 1 1 0
se observa na espondilite anquilosante. Assim, há geralmente Grau III 8 7 1
sacroiliíte bilateral e simétrica, frequentemente associada à
positividade do HLA-B27. Por outro lado, em pacientes com Grau IV 2 2 0
formas mistas de envolvimento articular, ou seja, articular pe- Assintomático 2 1 1
riférico e axial pode ocorrer acometimento das articulações Lanna et al. 2008.
sacroilíacas e da coluna vertebral, sobretudo lombar, em cerca
de 20 a 40% dos casos. Nestas situações, a sacroiliíte que se
observa aos RsX é unilateral ou bilateral assimétrica (podendo
tornar-se simétrica depois de longos anos de evolução). Como Tabela 31.6 Características radiográficas de 40 pacientes
se sabe, em aproximadamente 10% dos pacientes com artrite consecutivos com diagnóstico de Espondiloartrite Indife-
psoriásica, as manifestações cutâneas da psoríase sucedem as renciada.
manifestações articulares de meses a anos.28 Portanto, muitos
dos pacientes que recebem diagnóstico inicial de espondili- Alterações radiográficas Número de
te anquilosante, sobretudo aqueles com sacroiliíte unilateral em articulações sacroilíacas pacientes (%)
evoluirão, em futuro variável, para artrite psoriásica.
Grau 2 unilateral 2 (5,6%)
Na artrite reativa, também há acometimento das articula-
ções sacroilíacas em 20 a 30% dos pacientes, na maioria deles Grau 1 bilateral 4 (11,1%)
é unilateral ou bilateral assimétrica, sobretudo nas fases ini-
Grau 1 unilateral 1 (2,8%)
ciais da enfermidade.1
„„ A sacroiliíte que acontece nas enteropatias, ou seja, na Total de pacientes com sacroiliíte 7 (19,4%)
colite ulcerativa (RCU) e na Doença de Crohn (DC), é
Serviço de Reumatologia, Hospital das Clínicas/UFMG
muito semelhante à que ocorre na espondilite anquilo-
sante, portanto, bilateral e simétrica. Lanna, Carvalho Lage et al. 2012.
et al., no Hospital das Clínicas da UFMG, analisaram
130 pacientes com doença inflamatória intestinal [DC
(n = 71) e RCU (n = 59)], e identificaram frequência Portanto, não é incomum pacientes com o diagnóstico ini-
elevada de manifestações articulares – 41,5% no to- cial de espondilite anquilosante apresentarem novas manifes-
tal.29 Artrite periférica ocorreu em 25,4% (29,6% com tações através dos anos e terem seu diagnóstico modificado
DC e 20,3% com RCU) e acometimento axial em 15,6% para qualquer das demais enfermidades do grupo das espon-
(19,7% com DC e 8,5% com RCU). Dor lombar infla- diloartrites.
matória ocorreu em 13 (10%) pacientes no total: oito Resumindo, não há critérios diagnósticos válidos para a
(11,3%) com DC e cinco (8,5%) com RCU. Oito dos tre- EA, mas os critérios de classificação poderiam ser usados como
ze pacientes preenchiam critérios para a classificação uma “lista de sinais e sintomas diagnósticos”, embora muitos
de espondilite anquilosante, todos com DC, sendo seis pacientes com enfermidade inicial possam não preencher os
do sexo masculino. Alterações radiográficas das arti- requerimentos para a classificação. Naturalmente, a decisão
culações sacroilíacas ocorreram em 12/130 pacientes de tratar o paciente se baseará na experiência profissional e
(9,2%); em 10 (14,1%) com DC e em dois (3,4%) com não no preenchimento formal destes critérios de classificação.

470 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ ARTRITE REATIVA haver ainda leucocitose e anemia, ambas de leve a moderada

„„ CAPÍTULO 31
intensidade. O líquido sinovial é de natureza inflamatória e
Introdução não séptica.1
O termo artrite reativa refere-se a uma artrite inflamatória Em pacientes brancos, americanos e europeus com artrite
secundária a uma infecção, na qual não se consegue cultivar o reativa, a prevalência de HLA-B27 é de cerca de 70 a 95%.1
microrganismo causal a partir do líquido sinovial.31 Reconhe- Para a detecção do possível agente desencadeante da en-
cem-se dois modelos epidemiológicos diferentes da síndrome, fermidade, naqueles pacientes cujo evento inicial é de natureza
sendo que um se desenvolve após infecção intestinal e o outro gastrointestinal, deve-se realizar coprocultura, preferencial-
após infecção do trato urogenital, de transmissão sexual. No mente antes de ser ministrados antimicrobianos. Entretan-
primeiro tipo de artrite, têm sido incriminadas as infecções to, passada a fase aguda da sintomatologia gastrointestinal,
por Shigella flexneri, Shigella sonnei, Salmonella typhimurium, quando já apareceram as manifestações clínicas articulares da
Salmonella enteritidis, Campylobacter jejuni, Yersinia entero- doença, a cultura das fezes apresenta menor sensibilidade35, 36
colítica e Yersinia pseudotuberculosis. Há estimativas de que Os exames sorológicos não são úteis para identificar in-
6 a 30% dos indivíduos com infecção intestinal desenvolvam fecções por Shigella, Yersinia, Campylobacter e espécies de
a doença cerca de 2 a 4 semanas após a infecção inicial.31 No Salmonella, pois além de apresentar baixa sensibilidade não
segundo modelo epidemiológico, as infecções por Chlamydia permitem concluir se a infecção é atual ou pregressa.35, 36
trachomatis têm sido a causa encontrada.32 A participação do Nos pacientes com queixas geniturinárias, ou até mesmo
Ureaplasma urealyticum e do Mycoplasma hominis, na gênese naqueles pacientes cuja infecção inicial é inaparente, pode-
das artrites reativas, até o momento, é incerta. Ocorrem em -se realizar a pesquisa de Chlamydia trachomatis através da
cerca de 1 a 3% das pessoas com uretrite não gonocócica e cultura do raspado endouretral ou endocervical. Como a Chla-
as manifestações clínicas articulares acontecem também após mydia trachomatis é um parasito intracelular não faz sentido
2 a 4 semanas da infecção inicial. No entanto, a incidência da pesquisá-la nas secreções. Alternativa é a pesquisa da Chla-
artrite reativa varia muito nas populações estudadas em todo mydia trachomatis por visualização direta após coloração com
o mundo, em parte, pelas amplas variações na positividade do anticorpos fluorescentes (Imunofluorescência direta). É ne-
HLA-B27 nos diferentes grupos étnicos. cessário pesquisar em células epiteliais da uretra ou do colo
Um dos avanços mais significativos dos últimos anos foi uterino, que são coletadas com swab. Considera-se padrão-
a demonstração da persistência de antígenos microbianos na -ouro, na pesquisa de Chlamydia trachomatis, a identificação
membrana e no líquido sinovial de pacientes com artrite rea- por PCR de seu DNA em infecções sintomáticas ou não, seja no
tiva, mas o microrganismo não foi, até o momento, cultivado líquido sinovial ou em outros locais. A amostra de urina apre-
a partir da articulação afetada. Mais recentemente, observou- senta sensibilidade ligeiramente inferior.35,36 A Tabela 31.8
-se que não somente o DNA da Chlamydia pode ser encontrado traz sugestões de propedêutica para identificar microrganis-
no material de biópsia sinovial, mas também o RNA mensa- mos relacionados com a artrite reativa.
geiro.33 Tal fato sugere que a Chlamydia trachomatis possa
encontrar-se viva no interior da articulação. Por outro lado, as
dificuldades de detecção, por PCR, das enterobactérias levanta Diagnóstico
a hipótese de que estas não se encontrariam vivas na articula- Não existem critérios diagnósticos validados para a artri-
ção, mas talvez, em outros locais do organismo. te reativa. Entre os critérios propostos, os mais utilizados são
A artrite reativa, com a mesma frequência, acomete indiví- os do III Workshop Internacional de Artrite Reativa de 1996
duos de ambos os sexos, quando a infecção incitante é de natu- (Tabela 31.7), que definem a doença como uma oligoartrite as-
reza gastrointestinal e predomina no sexo masculino quando simétrica predominante em membros inferiores, associada à
a transmissão da infecção é de natureza sexual. Tem um pico evidência de infecção prévia ou atual através de história e/ou
de incidência dos 20 aos 40 anos e, é incomum em crianças exame físico e/ou por exame laboratorial, excluindo-se outra
abaixo dos 15 anos e nos idosos. enfermidade reumática.37
O termo síndrome de Reiter, proposto em 1942 por Bauer
e Engleman, atualmente está restrito aos casos caracterizados
pela tríade: uretrite, conjuntivite e artrite. Na verdade, hoje o
termo síndrome de Reiter seria muito mais uma homenagem Tabela 31.7 Critérios de classificação das artrites reativas.
a Hans Reiter que, em 1916, descreveu os primeiros sintomas
da enfermidade e poderia ser utilizado como sinônimo de ar- Artrite assimétrica, predominante em membros inferiores e
trite reativa.34 evidência de infecção precedente:

„„ História de diarreia ou uretrite num período de quatro semanas,


A importância do laboratório para o diagnóstico de precedendo a artrite.
artrite reativa „„ Cultura de fezes positiva.
„„ Detecção de Chlamydia trachomatis no exame de urina ou no swab
A natureza inflamatória da artrite reativa é traduzida por urogenital.
elevação da proteína C reativa e da velocidade de hemossedi- „„ Anticorpos contra lipopolissacárides ou outros antígenos específicos
mentação, sendo comuns valores acima de 60 mm na primeira anti-Yersinia ou anti-Salmonella de subtipo IgG-IgA ou IgG-IgM.
hora, nas fases iniciais ou de maior atividade da doença. En- „„ Anticorpos anti-Chlamydia trachomatis.
tretanto, o encontro de marcadores inflamatórios normais não „„ Detecção de DNA de Chlamydia trachomatis por PCR, na articulação.
é incompatível com o diagnóstico de artrite reativa, especial-
mente nas fases de maior cronicidade da enfermidade. Poderá Kingsley et al. 1996.

Espondiloartrites – Critérios de Classificação: Evidências e Experiência 471


„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

Tabela 31.8 Sugestão de propedêutica para diagnóstico etiológico de artrite reativa.

Exame Objetivo Observação

Gram nas fezes Identificar bactérias com morfologia sugestiva de Como a coprocultura específica para Campylobacter
Campylobacter não é disponível em todos os laboratórios, a
visualização de germes com morfologia sugestiva
pode apoiar o diagnóstico
Coprocultura Identificar possíveis patógenos A definição de espécie é feita por sorotipagem.
O exame habitual é seletivo para Shigella spp,
Salmonella spp e cepas patogênicas de E.coli.
Cultura para Yersinia enterocolitica Identificar Yersinia enterocolitica A coprocultura comum não é a mais indicada, pois
este microrganismo demanda temperaturas menores
para crescimento
Pesquisa de Chlamydia trachomatis por Identificar o agente em células epiteliais O uso de anticorpos monoclonais permite
imunofluorescência direta sensibilidade de 80 a 90% com especificidade de 98
a 99%, quando comparado com a cultura. Útil para
detecção de infecções conjuntival, uretral, retal e
endocervical
Cultura para Chlamydia trachomatis Identificar o agente em amostras de raspado A Chlamydia trachomatis cresce e forma inclusões
endocervical e uretral intracitoplasmáticas que são visualizadas 48 a 72h
após incubação. Sua especificidade é próxima a
100% com sensibilidade entre 70 e 90%. Necessário
meio de transporte específico
PCR para Chlamydia trachomatis Identificar DNA de Chlamydia trachomatis em Considerado atualmente padrão ouro. Amostras de
infecções sintomáticas ou assintomáticas urina ou de células epiteliais podem ser pesquisadas,
sendo que a sensibilidade é ligeiramente inferior na
urina. Pesquisa em líquido sinovial pode ser útil

Dificuldades para se estabelecer o diagnóstico de „„ ARTRITE PSORIÁSICA


artrite reativa
Introdução
„„ O quadro clínico relacionado com a infecção incitante
A artrite psoriásica (AP) é uma enfermidade sistêmica de
inicial, frequentemente pode passar despercebido. Ge-
natureza inflamatória, que ocorre em pessoas com psoríase. A
ralmente, o quadro diarreico é autolimitado e, às vezes,
psoríase acontece em cerca de 1 a 3% da população adulta em
de leve intensidade podendo não ser noticiado pelo pa-
geral, e diversas estatísticas indicam que 3 a 24% desenvol-
ciente. De forma semelhante, as queixas de uretrite são
vem uma AP. Estes últimos números podem aumentar muito
muitas vezes discretas. No homem, a disúria pode ser
se doenças degenerativas e queixas inespecíficas de dor mus-
leve e a descarga uretral matinal, muito discreta ou até
culoesquelética forem consideradas.1, 38
inexistir. Na mulher, ainda mais facilmente, a uretrite
pode passar despercebida; A idade na qual comumente aparecem os primeiros sinto-
mas situa-se entre os 20 e 45 anos, sendo infrequente o início
„„ Muitas vezes, o médico-assistente tem o primeiro da doença antes dos 20 e após os 50 anos. Não há predomínio
contato com os pacientes meses a anos após o quadro significativo em relação ao sexo na maioria das estatísticas,
clínico inicial. Nesse ínterim, os pacientes já não se embora a forma poliarticular simétrica seja mais comum no
lembram mais a respeito da infecção inicial; sexo feminino, ao passo que a forma axial é mais frequente-
„„ De certa forma, a artrite reativa de transmissão sexual mente observada no sexo masculino.1, 38
pode acontecer em pessoas com maior índice de pro- Em aproximadamente 75% das ocasiões, as lesões cutâne-
miscuidade. Não é raro que pacientes façam uso pre- as da psoríase precedem o aparecimento das queixas articula-
liminar de antibióticos e, assim, exames laboratoriais res em um período de meses a vários anos, em cerca de 15%
futuros, na pesquisa do agente etiológico da doença dos casos o início da artrite e da psoríase é concomitante e, em
sejam negativos; outros 10% dos pacientes as manifestações articulares prece-
„„ Dificuldades de centros menores e, até grandes cen- dem o início das manifestações cutâneas.38 Quanto ao tipo de
tros, não disporem de exames complementares de ro- psoríase, nos pacientes do tipo 1, de início antes dos 40 anos e
tina que propiciem o diagnóstico presente ou passado forte agregação familiar o quadro cutâneo costuma preceder o
da infecção desencadeante inicial; quadro articular em média em 10 anos, enquanto que no tipo
„„ Diante das dificuldades relacionadas, possivelmente, 2, que se inicia após os 40 anos, este intervalo habitualmente
alguns pacientes com diagnóstico de espondiloartrite é, em média, de apenas um ano.28
indiferenciada teriam, na verdade, artrite reativa.

472 Tratado Brasileiro de Reumatologia


As manifestações articulares na AP apresentam amplo es- nia periarticular em contraponto à artrite reumatoide; artrite

„„ CAPÍTULO 31
pectro clínico e podem ser divididas, didaticamente, segundo periférica mutilante, mostrando osteólise e anquilose; assi-
Moll e Wright, em cinco categorias:39 metria; destruição grosseira de pequenas articulações isola-
damente e periostite. Nos pacientes com acometimento axial,
„„ Artrite oligoarticular, assimétrica, envolvendo, sobretu- a sacroiliíte e a distribuição dos sindesmófitos costumam ser
do joelhos, pequenas articulações dos pés e das mãos, assimétricas. Ao contrário do que se observa em pacientes
associada à entesite e à dactilite (“dedos em salsicha”). com EA, os sindesmófitos são, com frequência, de aspecto mais
A dactilite é uma característica clínica de pacientes de grosseiro e são paramarginais, habitualmente, não se forman-
AP e de artrite reativa, embora possa ser observada em do em vértebras consecutivas.1, 40
todas as enfermidades do grupo das espondiloartrites;
„„ Artrite poliarticular, podendo ser simétrica ou assimé-
Diagnóstico
trica, frequentemente envolvendo articulações interfa-
langeanas distais; Moll e Wright estabeleceram os primeiros critérios de clas-
„„ Artrite distal, quando acontece um acometimento sificação em 1973.39 Por muito tempo foram os critérios mais
exclusivo das articulações interfalangeanas distais, usados em estudos de AP. Um paciente é classificado como
associado ao envolvimento adjacente das unhas pela acometido por AP se apresentar os três seguintes: artrite pe-
psoríase; riférica e/ou sacroiliíte e/ou espondilite, psoríase e teste so-
„„ Artrite mutilante, que representa a forma mais grave rológico negativo para o fator reumatoide. Nas duas décadas
de AP, ocorrendo em uma minoria de pacientes. Podem seguintes à sua publicação, diversos autores experimentaram
acontecer destruições ósseas graves (osteólise), que le- algumas modificações menores aos critérios originais, sem,
vam à reabsorção de falanges, além de anquilose óssea, contudo, alcançar consenso ou pelo menos um mínimo acordo
e a consequência será o aparecimento de deformida- em seu emprego.43 Os critérios do Grupo Europeu de Estudos
des graves; das Espondiloartrites englobam preferencialmente as formas
oligoarticulares e espondilíticas.5
„„ Espondilite anquilosante ocorre em cerca de 5% dos
Em 2006, um grupo internacional de investigadores pu-
pacientes, se for computado, apenas, o acometimento
blicou o CASPAR (Classification Criteria for Psoriatic Arthritis)
axial isolado. Nestes casos, as manifestações clínicas
como resultado de um grande estudo multicêntrico, envolven-
articulares assemelham-se às observadas na EA pri-
do mais de mil pacientes, propondo novos critérios na tentati-
mária, mas vale lembrar que as manifestações axiais e
va de representar melhor todo o amplo espectro de pacientes
a sacroiliíte são, com frequência, encontradas em ou-
com artrite psoriásica (Tabela 31.9).44 Já se demonstrou um
tros subgrupos da AP, podendo ou não, proporcionar
desempenho muito bom do CASPAR em algumas populações,
sintomatologia. Sobretudo nos estágios iniciais da en-
inclusive para pacientes com menos de um ano de início dos
fermidade, a sacroiliíte é unilateral ou, se bilateral, este
sintomas (artrite psoriásica precoce).45-48 Seu grande diferen-
acometimento se faz de forma assimétrica.
cial parece ser valorizar a história familiar de psoríase e não
dar importância absoluta à negatividade do fator reumatoide
No entanto, deve-se ter em mente, que há sobreposições (FR), elevando, assim, sua sensibilidade, pois inclui pacientes
entre as formas clínicas de apresentação da AP e, ao longo dos sem psoríase e que apresentem FR positivo.
anos, muitos pacientes passam de uma forma clínica para ou-
tra, sobretudo da forma oligoarticular para a poliarticular.40
As manifestações clínicas extra-articulares são semelhan-
tes às encontradas em pacientes com espondilite anquilosan- Tabela 31.9 Critérios classificatórios de artrite psoriásica –
te.1, 38 Nos olhos, há predomínio de conjuntivite, geralmente CASPAR (Classification Criteria for Psoriatic Arthritis).
crônica em evolução e com abundante secreção mucoide. A
Doença articular inflamatória estabelecida e
uveíte anterior em pacientes com AP pode ser aguda, como
pelo menos três pontos nos seguintes critérios:
ocorre em pacientes com EA ou pode ter evolução crônica.
Pode preceder, ser concomitante ou suceder as manifestações Psoríase cutânea atual 2 pontos
cutâneas e articulares da doença. Pode ocorrer ainda episcle­ História de psoríase 1 ponto
rite, esclerite e ceratoconjuntivite seca, insuficiência aórtica, ne- História familiar de psoríase 1 ponto
fropatia por depósitos mesangiais de IgA, etc.41 Dactilite 1 ponto
Mais recentemente, assim como em outras doenças infla- Neoformação óssea justa-articular 1 ponto
matórias crônicas como Lúpus sistêmico e Artrite Reumatoide, Fator reumatóide negativo 1 ponto
tem sido associado maior risco de eventos cardiovasculares Distrofia ungueal 1 ponto
(como IAM, AVC e morte súbita) aos pacientes com AP. Tal risco Taylor et al. 2006.
é independente para a presença de artrite, apesar de também já
se ter encontrado associação da AP com outros fatores de risco
historicamente reconhecidos como hipertensão, intolerância
Dificuldades em se estabelecer diagnóstico de artrite
aos carboidratos/diabetes, dislipidemia e obesidade compon-
do o que se classifica como síndrome plurimetabólica.42 psoriásica
Não existem alterações radiográficas específicas da AP, „„ Como não há correlação entre a extensão das lesões
mas algumas delas são bastante sugestivas: predileção pelas cutâneas e a gravidade da artrite, a presença de pso-
articulações interfalangeanas distais; afinamento de falanges ríase discreta, pode passar despercebida ao paciente e
terminais; ausência de ou presença de apenas leve osteope- ao médico;

Espondiloartrites – Critérios de Classificação: Evidências e Experiência 473


Em cerca de 10% dos pacientes com AP, as lesões cutâ- doença intestinal. As articulações mais comumente afetadas
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

„„
neas de psoríase podem suceder em anos o início dos no tipo de artrite sem espondilite são os joelhos e os torno-
sintomas articulares. Nestes casos, a presença de ar- zelos. A artrite periférica pode ser crônica em evolução e de
trite inflamatória oligoarticular assimétrica e/ou com natureza erosiva em 10% dos pacientes.29
envolvimento significativo de articulações interfalan- Em 1998, foi sugerido por Orchard et al. que a artrite pe-
geanas distais, sobretudo com envolvimento ungueal riférica poderia ser subdividida em três padrões: tipo I – oli-
adjacente, a presença de dactilite, de sacroiliíte assimé- goartrite assimétrica; tipo II – poliartrite simétrica; e tipo III
trica ou de sindesmófitos assimétricos na coluna lom- – associada à espondiloartrite. A artrite do tipo I afeta menos
bar, ou ainda a história familiar positiva para psoríase de cinco articulações, tem caráter agudo e autolimitado, dura
lembram a possibilidade de AP sem psoríase; menos que 10 semanas e acompanha a atividade inflamatória
„„ Há que se ter cuidado com a presença de distrofia un- do intestino. A artrite do tipo II acomete cinco ou mais articu-
gueal por outras causas como as secundárias a infec- lações, os sintomas podem durar meses ou anos, não reflete a
ções por fungos e as distrofias traumáticas; atividade da doença intestinal e, eventualmente, precede o seu
„„ A presença do fator reumatoide associada não deve diagnóstico.29, 50, 51
excluir AP. O fator reumatoide é encontrado em cerca O envolvimento axial inclui a espondilite e a sacroiliíte, e
de 13% da população adulta em geral. É observado é, geralmente, mais comum em pacientes com DC (5 a 22%)
também na síndrome de Sjögren, nas demais doen- do que com RCU (2 a 6%). Em contraste com os sintomas da
ças difusas do tecido conectivo e na vigência de várias artrite periférica, a sintomatologia e o curso clínico da sacroi-
enfermidades infecciosas, como a Doença de Chagas, liíte e da espondilite são independentes da evolução da doen-
Leishmaniose, Sarcoidose, Endocardite crônica, Hepa- ça intestinal e apresentam um curso crônico e progressivo. De
tites virais etc. maneira geral, a espondilite ocorre em frequência de 3 a 15%
dos doentes com DC ou RCU. Os sintomas da espondilite asso-
ciados à DC e à RCU são similares àqueles vistos na espondilite
„„ ENTEROARTROPATIAS anquilosante idiopática e há associação com o HLA B27, o que
não ocorre com a artrite periférica.
Introdução
As articulações sacroilíacas são afetadas de forma uni ou
Na sua conceituação mais ampla, a doença inflamatória bilateral, com intensidade variando desde inflamação leve até
intestinal (DII) corresponde a qualquer processo inflamatório anquilose, em frequência que varia de 6 a 43%, principalmen-
envolvendo o trato gastrointestinal, seja ele agudo ou crôni- te em associação com a artrite periférica. A variação deve-se
co. A doença de Crohn (DC) e a retocolite ulcerativa (RCU) re- a diferenças metodológicas entre os estudos. A evidência ra-
presentam as duas principais formas de apresentação da DII, diográfica de sacroiliíte em pacientes com DC e RCU é mais
ambas de causa desconhecida.49 O curso clínico, cujas manifes- comum do que o envolvimento da coluna vertebral e pode ser
tações principais são diarreia, dor abdominal e sangramento assintomático, predominando o acometimento bilateral e si-
retal, caracteriza-se por períodos de remissão e exacerbação métrico.29, 50, 51
e apresenta complicações as mais diversas. Associam-se, com Lanna et al., no Hospital das Clínicas da UFMG, analisa-
certa frequência, manifestações extraintestinais, como arti- ram 130 pacientes com doença inflamatória intestinal [DC
culares, cutâneas, oculares, hepatobiliares e vasculares que (n = 71) e RCU (n = 59)], e identificaram frequência eleva-
podem preceder, ser concomitantes ou suceder a doença in- da de manifestações articulares – 41,5% no total. Artrite
testinal.50, 51 periférica ocorreu em 25,4% (29,6% com DC e 20,3% com
Os sintomas articulares constituem a manifestação ex- RCU) e acometimento axial em 15,6% (19,7% com DC e
traintestinal mais comum nesses pacientes. A frequência das 8,5% com RCU). As articulações periféricas mais acometi-
manifestações articulares associadas à DC e à RCU tem grande das foram joelhos (56,1%), tornozelos (29,3%) e coxofemo-
variação – de 2,8 a 62% – predominando os índices de 14,3 a rais (29,3%). Predominaram os padrões de acometimento
44%.29, 50, 51 articular assimétrico (65,6%) e oligoarticular (84,6%). Dor
São reconhecidos dois padrões principais de acometimen- lombar inflamatória ocorreu em 13 (10%) pacientes no to-
to articular na DC e na RCU. O primeiro seria uma forma de tal: oito (11,3%) com DC e cinco (8,5%) com RCU. Oito dos
artrite periférica chamada artrite enteropática. O segundo treze pacientes preenchiam critérios para a classificação de
padrão, denominado axial, seria a sacroiliíte com ou sem es- espondilite anquilosante, todos com DC, sendo seis do sexo
pondilite. Além disso, podem ocorrer manifestações periarti- masculino. Alterações radiográficas das articulações sacroilí-
culares como entesite, tendinite e periostite. Parece claro que a acas ocorreram em 12/130 pacientes (9,2%); em 10 (14,1%)
artrite periférica e o acometimento axial em pacientes com DC com DC e em dois (3,4%) com RCU. Na maioria deles era bi-
e RCU são formas clínicas distintas. Enquanto o envolvimento lateral (91,7%).29
axial pode preceder o início da doença intestinal em anos, isso Dentre as manifestações clínicas extra-articulares destas
é raro na forma de artrite periférica. O curso da espondilopa- enfermidades, destacam-se: uveíte anterior, mais frequente-
tia não está relacionado com a atividade da doença intestinal, mente bilateral e com tendência à cronicidade; eritema nodo-
enquanto episódios de artrite periférica refletem períodos de so e pioderma gangrenoso.29, 41
atividade inflamatória da doença intestinal.
A artrite periférica em pacientes com DC e com RCU ocorre
Diagnóstico
em uma frequência que varia de 2,8 a 31% nos diversos traba-
lhos publicados. Em geral, o curso clínico é autolimitado, não O diagnóstico da RCU e da DC é realizado através de crité-
evoluindo com destruição articular, e tende a ser recorrente de rios clínico, radiográfico, endoscópico e histológico. Não exis-
acordo com os períodos de exacerbação da atividade clínica da tem critérios diagnósticos estabelecidos para a artrite das DII.

474 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Assim, na prática, são utilizados os critérios de classificação do para EA e um (2,7%) para artrite psoriásica após os oito anos

„„ CAPÍTULO 31
Grupo Europeu para Estudo das Espondiloartrites.5 de seguimento.30

„„ ESPONDILOARTRITE INDIFERENCIADA
Introdução Tabela 31.10 Características clínicas, laboratoriais e radio-
gráficas de 40 pacientes com espondiloartrite indiferencia-
Espondiloartrite indiferenciada (EI) faz referência ao qua- da no momento inicial e após oito anos de seguimento.
dro clínico apresentado por pacientes com alterações clínicas,
laboratoriais e radiográficas sugestivas de espondiloartrite, Após
Início da doença seguimento
mas que não se classificam dentro de uma das enfermidades
estabelecidas do grupo. Os primeiros estudos sobre a EI da- Sexo feminino, n (%) 23 (58) –
tam da década de 1980 e foram conduzidos em parentes de
Não brancos, n (%) 24 (60) –
pacientes com espondilite anquilosante. Somente após a pu-
blicação dos critérios de classificação do Grupo Europeu de Idade de início dos sintomas, média 30 (9 a 63) anos –
Estudo das Espondiloartrites (GEEE), em 1991, esse conceito (amplitude)
foi consolidado.1, 5, 52
História familiar de EpA, n (%) 4 (10) –
A EI engloba subgrupos heterogêneos de pacientes com
manifestações e prognóstico ainda pouco esclarecidos. Ela po- HLA-B27 positivo, n (%) 18 (45) –
deria representar: Artrite periférica, n(%) 20 (56) 24 (67)
1. O estágio precoce de uma das doenças estabelecidas do Artrite de membros inferiores, n (%) 19 (53) 24 (67)
grupo, tornando-se, posteriormente, diferenciada;
Artrite de membros superiores, n (%) 1 (2,8) 16 (44)
2. Uma forma frustra de espondiloartrite definida, que não
desenvolverá o quadro clássico da enfermidade no futuro; Entesite de calcâneo, n (%) 13 (36) 34 (94)
3. Uma nova subcategoria de espondiloartrite, ainda indefi- Dor lombar inflamatória, n (%) 8 (22) 26 (72)
nida do ponto de vista clínico e etiológico;
Dor na nádega, n (%) 3 (8) 14 (39)
4. Uma síndrome de sobreposição que não pode ser diferen-
ciada em apenas uma espondiloartrite definida.53 Coxartrite, n (%) 0 8 (22)

Na maioria dos estudos, a espondiloartrite indiferenciada Dactilite, n (%) 0 6 (17)


foi a segunda síndrome clínica mais prevalente, superada ape- Uveíte anterior aguda, n (%) 5 (14) 13 (36)
nas pela espondilite anquilosante. Predomina em uma faixa
etária semelhante à da EA, entre os 20 e 45 anos, mas as crian- Sacroiliíte radiográfica, n (%) 7 (19) 15 (42)
ças e os mais velhos (acima de 50 anos) manifestam, mais fre- Serviço de Reumatologia de Hospital das Clínicas/UFMG.
quentemente, as síndromes indiferenciadas e menos o quadro
Lage et al. 2012.
clássico da EA.1, 4, 24 Geralmente, predomina no sexo masculino,
mas a prevalência do sexo feminino é aumentada na EI em re-
lação à EA.7, 30, 54 O antígeno HLA-B27 foi encontrado em cerca Diagnóstico
de 70% dos pacientes com EI na maioria das populações estu-
dadas, mas essa prevalência variou de 20 a 100% de acordo Não existem critérios diagnósticos e/ou critérios de classi-
com o grupo étnico avaliado.4, 55-57 ficação para a EI. Historicamente, antes de se estabelecerem os
critérios do GEEE para as espondiloartrites, os pacientes eram
A EI tem um amplo espectro de manifestações clínicas,
classificados e cunhados com os termos mais variados, como:
desde quadros periféricos puros (artrite, entesite, dactilite),
“artrite associada ao HLA-B27”, “oligoartrite HLA-B27 positi-
passando pelos quadros mistos, até os quadros axiais puros
va”, “espondiloartrite não classificada associada ao HLA-B27”,
(dor lombar inflamatória e sacroiliíte). Manifestações extra-
“síndrome soronegativa de entesopatia e artropatia (SEA sín-
-articulares, sobretudo a uveíte anterior aguda unilateral,
drome)”, etc.5, 24, 59, 61
também podem ocorrer entre 6 e 18% dos indivíduos nas
principais casuísticas.58-60 Com a instituição dos critérios do GEEE, a melhor condu-
ta é classificar como espondiloartrite indiferenciada o quadro
De 40 pacientes com espondiloartrite indiferenciada,
clínico apresentado por pacientes que preencham critérios
acompanhados por oito anos no Serviço de Reumatologia do
de classificação do referido grupo de estudos, mas que não
Hospital das Clínicas da UFMG, 23 (58%) eram do sexo femi-
tenham critérios para uma das demais doenças estabelecidas
nino e 24 (60%) não brancos. A média de idade de início dos
do grupo. O mesmo raciocínio é aplicável aos novos critérios
sintomas foi 30 anos e o antígeno HLA-B27 foi positivo em
de classificação do grupo ASAS para as espondiloartrites.5, 8-10
45% dos pacientes. A Tabela 31.10 mostra as principais ma-
nifestações clínicas, radiográficas e laboratoriais observadas
nesse grupo de 40 pacientes com EI. A artrite periférica foi a „„ COMENTÁRIOS FINAIS
manifestação inicial mais frequente (56%), seguida da entesi-
„„ Não é raro acontecer sobreposição entre as doenças do
te de calcâneos (36%). Após o período de acompanhamento, a
grupo das espondiloartrites, ao longo de seu período
entesite predominou (94%). Em relação aos sintomas axiais,
evolutivo, passando de uma forma clínica a outra;
a dor lombar inflamatória ocorreu em 70% dos doentes e a
dor na nádega em 39% durante o estudo. Dos 36 doentes que „„ Pode ocorrer perda, ao longo do tempo evolutivo, da his-
completaram o estudo, nove (25%) preencheram critérios tória de infecção desencadeante inicial ou impossibilida-

Espondiloartrites – Critérios de Classificação: Evidências e Experiência 475


de (por tratamento prévio) de se obter positividade nos critérios de classificação para uma das enfermidades
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

exames complementares nos casos de artrite reativa; estabelecidas do grupo, mas que preencham os crité-
Sacroiliíte, não é apanágio de espondilite anquilo- rios do Grupo Europeu de Estudos das Espondiloar-
sante, acontece em qualquer uma das enfermidades trites ou os novos critérios do grupo ASAS. Segundo
do grupo das espondiloartrites. Assim, “diagnosticar Hipócrates, é mais importante “tratar a pessoa que
precocemente” espondilite anquilosante através de tem a doença que a doença que tem a pessoa”. Por-
método de imagem como RNM, visando “tratamento tanto, este tratamento individualizado deverá con-
precoce” com drogas biológicas, como se pode obser- sistir, além da boa relação médico x paciente, desde
var eventualmente na prática médica diária é, no mí- cuidados gerais e reabilitação física, até a prescrição
nimo, descabido e fora de propósito!Mesmo porque de anti-inflamatórios não hormonais, de corticoides,
não há, até o momento, evidências de que o tratamento de drogas de ação lenta e de medicamentos biológicos.
com imunobiológicos consiga alterar o curso da espon-
dilite anquilosante.
Agradecimentos
„„ Não se tem estabelecido qual o tempo de evolução clí- Os autores agradecem à Dra Cláudia Magalhães Vascon-
nica para que uma espondiloartrite seja considerada cellos Rocha, membro titular do Colégio Brasileiro de Ra-
precoce ou não;
diologia e Diagnóstico por Imagem, pela revisão do texto
„„ Ocasionalmente as manifestações extra-articulares, relacionado com os métodos de diagnóstico por imagem nas
como as uveítes, podem preceder de meses a anos às espondiloartrites e gentil cessão das fotografias. Da mesma
manifestações clínicas articulares que permitirão o forma, ao Dr. Guenael Freire de Souza, Infectologista e mestre
diagnóstico definitivo de uma das doenças do grupo pela UFMG, assessor científico do Instituto Hermes Pardini,
das espondiloartrites; pela revisão dos métodos laboratoriais de diagnóstico das
„„ Deve-se realizar diagnóstico de espondiloartrite indi- infecções intestinais e urogenitais relacionadas com a artrite
ferenciada, naqueles pacientes que não preencham os reativa.

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Espondiloartrites – Critérios de Classificação: Evidências e Experiência 477


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478 Tratado Brasileiro de Reumatologia


32

Capítulo
Walber Pinto Vieira  Carlos Ewerton Maia Rodrigues

Espondiloartrites Indiferenciadas
„„ INTRODUÇÃO A interação entre genes, incluindo, mas não limitada ao antí-
geno de histocompatibilidade principal HLA-B27, com bacté-
Historicamente, espondiloartropatia indiferenciada foi ria e com resposta imune inata e adquirida é um paradigma
primeiro reconhecida por Khan e col.1 e Prakash e col.2 em ainda não completamente esclarecido. A associação entre es-
1983. Em 2009, médicos do grupo ASAS (Assesment on Spo- pondiloartrites e inflamação intestinal tem sido reconhecido
dyloArthritis International Society) propuseram a troca do nos últimos vinte anos. Existem fortes evidências que a mu-
nome do grande grupo das espondiloartropatias para espodi- cosa intestinal é um importante sítio de inflamação relaciona-
loartrites e dividiu em espondiloartrites axiais (Tabela 32.1) e dos com as espondiloartrites e que este tipo de inflamação é
periféricas (Tabela 32.2). imunologicamente relacionado com a doença de Chron.3 Outro
ponto questionado em pacientes com doenças inflamatórias
crônicas, e em espondiloartrites em particular, é o risco car-
Tabela 32.1 Critérios ASAS para classificação da espondilo- diovascular aumentado, o qual pode ser apenas parcialmente
artrite (EAr) axial (para aplicar a pacientes com dor crôni- explicado pelos fatores de risco tradicionais (fumo, sedenta-
ca na região dorsal ≥ 3 meses e idade < 45 anos ao início rismo, obesidade, hipertensão arterial, diabetes). Atualmen-
da dor).8 te, sabemos do papel aterogênico de proteínas de fase aguda
como a proteína C reativa (PCR), o qual é produzido em res-
Sacroiliíte em exame por imagem* HLA-B27 + outros 2 ou mais posta a citocinas inflamatórias como fator de necrose tumo-
+ 1 ou mais achados de EAr achados de EAr# ral (TNF-α) e interleucina 6(IL-6).3 As citocinas inflamatórias
„„ Dor inflamatória na região dorsal „„ Inflamação ativa(aguda) em podem afetar a função endotelial, as quais podem favorecer o
„„ Artrite RM altamente sugestiva de processo aterogênico, levando ao aumento da morbidade car-
„„ Entesite (calcanhar) sacroiliíte associada à ear diovascular.
„„ Uveíte „„ Sacroiliíte grau ≥ 2 Outro aspecto interessante é a avaliação das espondiloar-
„„ Dactilite
bilateralmente ou grau 3 a trites pela resssonância nuclear magnética, que tem-se mos-
4 unilateralmente trado uma técnica atrativa em avaliar o processo inflamatório
„„ Psoríase
da coluna espinhal e sacroilíacas em suas fases mais precoces,
„„ Doença de Chron/ retocolite
sendo importante em avaliar os efeitos anti-inflamatórios das
„„ Boa resposta a AINEs
novas intervenções terapêuticas e detectar mais precocemen-
„„ História familiar de EAr
te os casos de espondiloartrites axiais.
„„ HLA-B27
„„ PCR elevada
* Achados de EAr.
Tabela 32.2 Critérios ASAS para classificação da espondilo-
# Sacroiliíte em exame por imagem. artrite (EAr) periférica.8
Pacientes com queixas de dores lombares são muito fre- Artrite ou Entesite ou Dactilite
quentes nos consultórios médicos. Saber discenir um quadro mais
clínico que necessita de uma investigação mais laboriosa é
uma tarefa nem sempre fácil para o clínico. As espondiloar- ≥ 1 característica das EAr ≥ 2 característica das EAr
trites representam um grupo heterogêneo de doenças que „„ Uveíte „„ Artrite
compartilham algumas características em comum. Nosso en- „„ Psoríase „„ Entesite
tendimento da fisiopatogenia das espondiloartrites perma- „„ Doença de Chron/Colite „„ Dactilite
nece limitado, embora alguns avanços tenham ocorrido nas ulcerativa „„ Dor lombar inflamatória
últimas décadas. Muitos questionamentos ainda estão por ser „„ HLA-B27 „„ História familiar de EAr
respondidos, como lacunas que a ciência anseia em responder. „„ Sacroiliíte pela imagem
„„ RESUMO inflamatórias como TNF-a e IL-6, respectivamente, ou seriam
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

reconhecidos por células TCD4 positiva como um autoantíge-


As espondiloartrites englobam um conjunto de doenças no, daí iniciando o processo inflamatório.
que apresentam características em comum, dentre elas a dor
Em resumo, múltiplos fatores contribuem para essa desre-
axial inflamatória, artrite periférica, entesite, uveíte associada
gulação imune, tendo o HLA-B27 um papel central, suportando
à sacroiliíte em indivíduos com predisposição genética (liga-
as evidências que a doença é determinada geneticamente em
da ao antígeno de histocompatibilidade HLA-B27. As espon-
resposta a fatores do meio ambiente em indivíduos susceptíveis.
diloartrites indiferenciadas (EI) representam um conjunto de
pacientes com características clínicas e/ou radiológicas suges-
tivas de uma espondiloartrite, mas que não preenchem os cri- „„ QUADRO CLÍNICO
térios diagnósticos para espondilite anquilosante (EA), artrite
psoriásica, artrite reativa ou enteropática. O tratamento das O espectro clínico da EI é bastante amplo, resultando de
EI baseia-se no uso de anti-inflamatórios, analgésicos e vários várias combinações de manifestações clínicas e radiólogicas
estudos têm demonstrado a eficácia das drogas anti-TNF, em das espondiloartrites como: artrite periférica (geralmente
espondiloartrites indiferenciadas. pauciarticular, assimétrica, envolvendo preferencialmente os
membros inferiores), entesite, dactilite, dor torácica resul-
tante de costocondrite, dor espinhal inflamatória, sacroiliíte,
„„ CONCEITO E EPIDEMIOLOGIA conjuntivite, uveíte anterior aguda recorrente (Figura 32.1)
e insuficiência aórtica associada a distúrbio de condução.9-13
As espondiloartrites englobam um conjunto de doenças
Cada uma dessas manifestações podem ocorrer isoladamente
que apresentam características em comum, dentre elas a dor
por anos como a única manifestação clínica da doença associa-
axial inflamatória, artrite periférica, entesite, uveíte associada
da na maioria dos casos ao HLA-B27.14-18
à sacroiliíte em indivíduos com predisposição genética (ligada
ao antígeno de histocompatibilidade HLA-B27. Esse conjunto A característica principal das espondiloartrites que é a dor
de doenças inclui espondilite anquilosante, artrite psoriásica, lombar de início insidioso, de caráter inflamatório (rigidez
síndrome de Reiter, espondiloartrites enteropáticas e indife- matinal prolongada, podendo durar até 4 horas e que melhora
renciadas. As espondiloartrites indiferenciadas (EI) represen- com atividade física) associada à dor em nádegas de caráter al-
tam um conjunto de pacientes com características clínicas e/ ternante podendo irradiar para região posterior das coxas até o
ou radiológicas sugestivas de uma espondiloartrite, mas que joelho, simulando uma dor ciática pode não ocorrer, tornando
não preenchem os critérios diagnósticos de nenhuma das o diagnóstico um desafio permanente para o reumatologista.
doenças definidas dentro do grupo.4 É a segunda forma mais A EI é um diagnóstico muitas vezes provisório, engloban-
comum de espondiloartrites. A prevalência tem sido estimada do um grupo heterogêneo de pacientes (Tabela 32.3). Algumas
entre 2 e 0,7%.5 É mais comum em homens, sendo uma do- entidades clínicas como a síndrome SAPHO (caracterizada por
ença predominantemente de adulto jovem.5 Cinco a 15% da sinovite, acne, pustulose palmoplantar, hiperostose de um dos
população geral é HLA-B27 positiva. Aproximadamente 60%
dos pacientes com EI são HLA-B27 positivo6 e, dentre estes,
menos de 5% dos indivíduos desenvolverão outras formas de
espondiloartrites.
De acordo com Zeidler e col.,7 EI não é uma subcategoria
ou uma nova entidade distinta das espondiloartrites, mas
um diagnóstico provisório para diferenciar daqueles pacien-
tes com outras doenças reumáticas inflamatórias. Na opinião
destes autores, EI inclue as fases precoces de formas definidas
de espondiloartrites, formas abortivas ou frustas de espondi-
loartrites que não desenvolveram uma entidade estabelecida, Figura 32.1 Hiperemia ocular unilateral em uma paciente com
síndrome de sobreposição combinando manifestações de mais uveíte anterior aguda.
de uma doença e entidades etiologicamente desconhecidas ou
espondiloartrites que poderão ser diferenciadas no futuro.

Tabela 32.3 Principais características clínicas das espondi-


„„ ETIOPATOGENIA
loartrites indiferenciadas.
Uma considerável proporção de pacientes com EI tem in- Entesopatia associada à lombalgia inflamatória sem sacroiliíte radiológica;
fecções clinicamente silenciosas por patógenos conhecidos
por causar artrite reativa como Clamydia sp e Shiguela sp. Entesopatia ou dactilite associada ao HLA-B27;
Estes patógenos atuariam como um gatilho ambiental e infec- Uveíte anterior aguda recorrente e HLA-B27 positivo;
tariam superfícies das mucosas, disseminando para o espaço
articular mediado por monócitos. Insuficiência aórtica, lombalgia inflamatória e HLA-B27 positivo;
O HLA-B27 parece desempenhar um papel central, embora Costocondrite recorrente e HLA-B27 positivo;
ainda não completamente esclarecido, na gênese das espondi- Paciente com oligoartrite periférica de membros inferiores sem diagnóstico
loartrites. Algumas hipóteses postulam que através da seme- clínico definido;
lhança estrutural entre segmentos do HLA-B27 e sequências
peptídicas bacterianas (mimetismo molecular), levaria à ativa- Paciente com início após os cinquenta anos de edema em mãos e pés
associado à entesite, HLA-B27 positivo, sintomas constitucionais e provas
ção policlonal de células TCD8 positivas que estimulariam os
de atividade inflamatória elevada.
linfócitos B e macrófagos a produção de anticorpos e citocinas

480 Tratado Brasileiro de Reumatologia


ossos da parede torácica e osteíte estéril) é classificada por EA. Sampaio-Barros e col.22 estudaram uma casuística de 68

„„ CAPÍTULO 32
algumas autoridades como espondiloartrite em virtude da si- pacientes adultos sintomáticos (lombalgia inflamatória sem
novite poder envolver o esqueleto axial e periférico associada sacroiliíte radiológica, oligoartrite predominando em gran-
a uma prevalência aumentada do HLA-B27 em alguns desses des articulações de membros inferiores e/ou entesopatia de
pacientes.19 A EI pode também constituir um estágio precoce calcâneo) com diagnóstico de EI, acompanhados por prazo
da espondilite anquilosante (EA) ou um quadro de entesopa- mínimo de dois anos. Observaram que 75% dos pacientes
tia (Figura 32.2) associada à lombalgia inflamatória sem sa- permaneciam com doença indiferenciada após dois anos de
croiliíte radiológica. As espondiloartrites juvenis podem-se seguimento, 13% evoluíram para remissão (predominante-
comportar como uma forma indiferenciada de espondiloar- mente pacientes HLA-B27 negativo), 12% evoluíram com EA
trite, geralmente acomete crianças e adolescentes antes dos (predomínio em pacientes HLA-B27 positivo) e 2% evoluíram
16 anos, e a artrite e entesite são mais comuns do que a es- para artrite psoriásica.
pondiloartrite do adulto, que habitualmente precedem o en-
volvimento das sacroilíacas. Outro grupo de pacientes pode
desenvolver EI tardiamente, depois dos 50 anos, que pode ser „„ PROPEDÊUTICA
confundido com polimialgia reumática, síndrome RS3PE ou
artrite induzida por cristais. Nesses pacientes, os principais Anamnese
achados clínicos são a presença de edema em pés e mãos as- Uma boa anamnese é de fundamental importância, prin-
sociada à entesite e à presença do HLA-B27. Em 1989, Dubost cipalmente na busca de sinais e sintomas que possam carac-
e col.20 descreveram 10 casos de pacientes do sexo masculino terizar determinada doença do grupo das espondiloartrites.
com mais de 50 anos, HLA-B27 positivo, que desenvolveram Essas doenças têm como característica a dor lombar de ritmo
oligoartrite com edema inflamatório de grandes articulações inflamatório (exacerbação matinal dos sintomas que melhora
de membros inferiores. Eles tinham pronuncionado sintomas com atividade física). O quadro de lombalgia característica da
constitucionais com VHS elevado e mínimo envolvimento do espondilite anquilosante pode estar ausente na EI ou pode ser
esqueleto axial, mimetizando polimialgia reumática. Nove pa- precedida por dores em um ou nos dois calcanhares, dor ester-
cientes preenchiam critérios de Amor para espondiloartropa- nal bilateral, oligoartrite assimétrica ou poliartrite, principal-
tias. Cinco pacientes desenvolveram sacroiliíte e quatro destes mente em membros inferiores, entesite e uveíte.
pacientes preenchiam critérios para EA. Em 1991, o mesmo
Os pacientes com entesite alquileana reclamam de dor em
grupo francês20 revisou os prontuários de pacientes do sexo
calcanhar ao caminhar (calcaneodinia). Outras vezes esses
masculino em um período de 12 anos com artrite soronegativa
sintomas são acompanhados por dor nas articulações do es-
para fator reumatoide com idades acima de 50 anos. Dos 105
terno, bilateralmente associada à diminuição da expansibili-
pacientes estudados, 29 eram portadores de artrite reumatoi-
dade torácica.
de, 29 eram portadores de EA, 3 tinham artrite reativa e 44
tinham artrite não classificada. Destes 44, 14 eram HLA-B27 É importante avaliar a história familiar para espondiloar-
positivo. Muitos destes pacientes posteriormente desenvolve- trite e a presença do HLA-B27 nas situações de dúvida diag-
ram oligoartrite com edema inflamatório, marcados sintomas nóstica como em paciente com sintomatologia de lombalgia
constitucionais e provas de atividade inflamatória elevada, inflamatória sem sacroiliíte radiográfica, uveíte de repetição
sugerindo que pacientes com EI de início tardio podem desen- e/ou entesite.
volver essas características.
Grandes estudos controlados9,21 indicam que um pacien- Exame físico
te com dor inflamatória em sacroilíacas pode demorar até 14
anos, com a média de 8 anos para desenvolver uma sacroili- No exame físico, deve ser dada atenção especial ao esque-
íte radiológica, permitindo, então, ser feito o diagnóstico de leto axial e às articulações sacroilíacas além das articulações
periféricas na busca de aumento de volume com calor caracte-
rístico da artrite e da entesite. Especial atenção deve ser dada
ao olho na busca de uveíte.
A inflamação das ênteses pode ser observada através de
dores nas: articulações costoesternais, calcâneo, tuberosidade
isquiática, cristas ilíaca, região do trocanter e ossos do tarso.
É importante avaliar a presença de sacroiliíte:

„„ Compressão direta sobre uma das cristas ilíacas em


decúbito lateral;
„„ Compressão simultânea de crista ilíaca e de joelho con-
tralateral com quadril contralateral em rotação exter-
na e joelho fletido.

Avaliar o segmento lombar através do Teste de Schober


(faz uma marca ao nível da 5ª vértebra lombar e outra 10 cm
acima, pede-se o indivíduo para flexionar a coluna e a nova
medida deve ser maior ou igual a 15 cm) e a expansibilidade
torácica (em indivíduos normais, a diferença entre a máxima
Figura 32.2 Entesopatia em calcâneo em um paciente com inspiração e expiração é maior ou igual a 5 cm, medida a nível
espondiloartrite indiferenciada. do quarto espaço intercostal).

Espondiloartrites Indiferenciadas 481


„„ EXAMES LABORATORIAIS A cintilografia óssea, apesar de sensível, é bastante ines-
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

pecífica, dada a alta concentração fisiológica do traçador na


Embora nenhum teste laboratorial seja capaz de fazer o região sacroilíaca.23 Pequenos aumentos na captação podem
diagnóstico das espondiloartrites, o laboratório resume-se à ser difíceis de identificar, sendo um método pouco utilizado no
elevação das provas de atividade inflamatória inespecíficas diagnóstico das sacroilíacas.
(velocidade de hemossedimentação, mucoproteínas, proteína
A TC é o método de excelência para avaliação das alterações
C reativa), associadas, principalmente, à atividade periférica
ósseas da articulação sacroilíaca, mas apresenta a limitação
da doença. O hemograma pode evidenciar anemia normocí-
de não diagnosticar as fases iniciais do processo inflamatório
tica e normocrômica, indicando doença crônica, sendo mais
articular e não permitir a avaliação da sua atividade. Ambos
comum naqueles indivíduos com EI que evoluírão para um
radiografias simples e tomografia computadorizada (TC) têm
quadro de espondilite anquilosante.
grandes limitações porque esses métodos detectam apenas
A pesquisa do fator reumatoide e do fator antinuclear danos estruturais das articulações, os quais representam uma
revela-se geralmente negativa (daí o antigo nome, soronega- consequência da inflamação e não podem visualizar o próprio
tivas). A pesquisa do HLA-B27 não faz diagnóstico de EI, e sua fenômeno inflamatório comum nas sacroiliítes agudas e nas
pesquisa restringe-se ao aconselhamento genético familiar e à fases iniciais das espondilites, que podem durar de três a sete
avaliação do prognóstico do paciente. anos para serem evidenciadas pela radiografia convencional.
É importante salientar que os critérios para espondiloar-
„„ MÉTODOS DE IMAGEM trites (Nova York modificado, Grupo de Estudo Europeu e os
de Amor) foram desenvolvidos na era pré-RNM e, portanto,
Imagem das sacroilíacas e da coluna espinhal têm um im- não incluíam as alterações encontradas na RNM. Mais, recente-
portante papel no diagnóstico, classificação e monitoramento mente, a Sociedade Internacional de Avaliação das Espondilo-
das espondiloartrites. A radiografia simples de bacia é útil na artrites (ASAS)24 desenvolveu novos critérios de classificação
avaliação das espondiloartrites porque a sacroiliíte radiológi- para espondiloartrites axial incluindo pacientes com sacroili-
ca é critério obrigatório em muitos critérios diagnósticos exis- íte radiográfica e não radiográfica. Com isso, alguns pacientes
tentes. Entretanto, a radiografia convencional vem perdendo antes classificados como portadores de EI, atualmente pode-se
espaço para a ressonância magnética (RM), principalmente enquadrar como portador de espondiloartrite axial precoce.
nos casos em que a radiografia simples gera dúvida diagnós-
Na RNM, as lesões inflamatórias ativas podem ser visu-
tica ou quando o paciente apresenta quadro clínico típico de
alizadas precocemente com as técnicas (short tau inversion
espondiloartrite sem sacroiliíte radiográfica.
recovery-STIR e T1 com ou sem supressão adicional de gordura
As alterações das sacroilíacas, nas EI, a radiografia simples depois da administração de gadolínio intravenoso). Em geral,
em AP e Ferguson podem evidenciar pseudoalargamento, al- a sequência STIR são suficientes para detectar edema de me-
gum grau de esclerose ou ser absolutamente normal. A primei- dula óssea, refletindo lesões inflamatórias ativas. Sinovite das
ra alteração radiográfica geralmente é a perda da definição do sacroilíacas, capsulite e entesite são mais bem detectadas na
osso subcondral. sequência T1 pós-administração de gadolínio.24 É importante
Nos casos de entesopatia periférica, a radiografia revela ressaltar que o edema da medula óssea deve ser restrito a áreas
intensa reação inflamatória na junção dos ligamentos aos os- anatômicas típicas (subcondral ou medula óssea periarticular).
sos, evidenciado por erosões ósseas que podem evoluir para Inflamação das sacroilíacas que se espalha além dos limites da
áreas de reação periosteal, esclerose e proliferações ósseas articulação, invadindo tecidos moles, deve-se pensar em diag-
(Figura 32.3). nóstico diferencial como a sacroiliíte infecciosa.

„„ DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Muitos pacientes com espondiloartrite indiferenciada
mostram duas ou mais manifestações clínicas de espondi-
loartrites, têm uma história familiar positiva ou HLA-B27 e
preenchem critérios clínicos bem-definidos para espondilo-
artrites.25 Deve ser considerada a possibilidade de alguns pa-
cientes apresentarem apenas uma única manifestação clínica
para espondiloartrites por anos. Nesses casos, o tempo será o
definidor para um diagnóstico correto. Alguns podem evoluir
para um quadro de EA principalmente quando ocorre envolvi-
mento do esqueleto axial. Outros evoluem com uveíte anterior
aguda recorrente associados ao HLA-B27 sem evidência clíni-
ca ou radiológica de sacroiliíte e, em raras situações, o pacien-
te apresenta insuficiência aórtica associada à presença do B27
sem queixas articulares.
Alguns pacientes evoluem com quadro de sacroiliíte ra-
diológica assimétrica ou unilateral, porém sem sintomatolo-
gia clínica (Figura 32.4), podendo evoluir para um quadro de
espondiloartrite definida; como artrite psoriásica, principal-
Figura 32.3 Radiografia de calcâneo em perfil evidenciando ente- mente quando ocorre lesões de pele sugestivas (placas erite-
sopatia aquileana e plantar. matosas descamativas em região de dobras (Figura 32.5) ou

482 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 32
Figura 32.4 Radiografia da bacia evidencia esclerose e irregulari- Figura 32.6 Dactilite (“dedo em salsicha”) em um paciente com
dades das margens articulares sacroilíacas, com espaços articula- artrite reativa.
res assimétricos em um paciente com artrite psoriásica.

Figura 32.5 Lesões em placas eritematosas e descamativas em sul-


co interglúteo e nádegas em uma paciente com artrite psoríasica.

como artrite reativa quando decorrente de surto infeccioso,


podendo estar associada a manifestações extra-articulares
clássicas (conjuntivite, irite, cardite, úlceras orais, ceratoder-
ma blenorrágico, dactilite (Figura 32.6) e balanite).
Figura 32.7 Radiografia da coluna lombar demonstrando quadra-
É importante ressaltar que alguns pacientes nas fases ini- tura de corpos vertebrais com pontos brilhantes.
ciais da EA que não apresentam sacroiliíte radiológica, mas
já apresentam processo inflamatório da coluna a nível da in-
serção do ânulo fibroso nas bordas dos corpos vertebrais, re-
jovens, multíparas, caracterizada por alterações radiológicas
sultando inicialmente em “bordas brilhantes”, evoluindo para
escleróticas ao nível do ilíaco e adjacente às articulações sa-
quadratura dos corpos vertebrais (Figura 32.7), podem ser
croilíacas, não são espondiloartrites, não estão associadas ao
confundidos como um quadro de EI.
HLA-B27 e não apresentam sacroiliíte.
Outras alterações encontradas na hiperostose esquelética
Um aspecto especial no diagnóstico diferencial refere-se
idiopática difusa (DISH) que é uma doença não inflamatória,
aos casos de espondiloartrites indiferenciadas de início tardio
acometendo preferencialmente homens acima de 50 anos,
na qual polimialgia reumática, a síndrome RS3PE e manifes-
caracteriza-se por formação óssea, calcificação do ligamento
tações paraneoplásicas secundárias a tumores sólidos como
longitudinal anterior e entesopatia não erosiva e na osteíte
adenocarcinoma de próstata, estômago e cólon devem ser
condensante do ilíaco, distúrbio assintomático de mulheres
consideradas.25

Espondiloartrites Indiferenciadas 483


A síndrome RS3PE (sinovite simétrica remitente com ede- Vários estudos28-32 têm demonstrado a eficácia das drogas
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

ma) caracteriza-se por um início agudo de sinovite simétrica anti-TNF em EI, como evidenciado por significante alteração
bilateral envolvendo predominantemente o punho e tendões em variáveis clínicas, histológicas, imuno-histoquímicas e ra-
flexores dos dedos associada a um importante edema no dor- diológicas. Estes estudos têm mostrado redução significante
so das mãos e pés. Os pacientes são persistentemente sorone- na atividade da doença como mensurado pela redução em
gativos para o fator reumatoide e mostram reagentes de fase 50% no BASDAI (índice de atividade da doença em EA), níveis
aguda elevados. Em alguns casos, essa síndrome manifesta- de PCR e contagens de articulações e de ênteses inflamadas
-se como uma paraneoplasia, principalmente quando os pa- entre outras mensurações. Alguns estudos33,34 corroboram
cientes não respondem ao tratamento com glicocorticoides com esses trabalhos preliminares com drogas anti-TNF, não
ou quando febre e perda de peso são manifestações clínicas apenas na doença axial mas também no envolvimento periféri-
preponderantes. co. Um subgrupo de pacientes com espondiloartrite indiferen-
ciada não apenas alcançou uma importante melhoria clínica
com infliximabe (remissão parcial em 55% dos pacientes),
„„ TRATAMENTO
mas também teve um significante benefício nos exames de
O tratamento das espondiloartrites indiferenciadas é par- imagem determinada pela RNM.34
ticulamente importante em reduzir os sinais e sintomas da do- Recentes estudos têm demonstrado grande proporção
ença e reduzir o risco de progressão para EA.26 Em virtude do de pacientes com EI e infecção persistente por clamydia sp.35
curso variável e da heterogeneidade de manifestações clínicas, Um trial usou a combinação de terapia antibiótica para o tra-
a decisão terapêutica pode ser difícil. Até agora, o tratamento tamento de artrite reativa crônica induzida por clamydia sp
de pacientes com espondiloartrites indiferenciadas tem sido com rifampicina e doxiciclina e mostrou efeito benéfico com o
principalmente fundamentado nas evidências originadas de tratamento por seis meses e traz ainda o potencial para a erra-
outros subgrupos de espondiloartrites especialmente espon- dicação da Chlamydia.36 Estes resultados recentes confirmam
dilite anquilosante.27 os benefícios com antibióticos combinados e são muito pro-
Analgésicos e anti-inflamatórios parecem reduzir a dor missores para a abertura de uma nova forma de tratamento,
e o edema articular. Drogas antirreumáticas modificadoras não só para a artrite reativa induzida por Chlamydia mas tam-
da doença como a sulfassalazina podem ser utilizadas para bém para espondiloartrites induzida por clamydia sp. Portan-
o comprometimento periférico e para a redução de surtos to, Rifampicina mais doxiciclina melhorou alguns parâmetros
recorrentes de uveíte, sem resposta significativa no esque- clínicos em pacientes com EI com comprometimento predomi-
leto axial. nantemente periférico.27

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Espondiloartrites Indiferenciadas 485


33

Capítulo
Valderílio Feijó Azevedo

Enteroartrites
„„ INTRODUÇÃO intestinais, e até 26% dos que se submetem à ileocolonosco-
pia têm anormalidades intestinais compatíveis com doença
Uma relação entre intestino e artrite foi proposta por Smith de Crohn (DC). De fato, até 10% dos pacientes com espondi-
desde 1922. Este cirurgião chegou a realizar procedimentos loartrites desenvolvem algum quadro clinicamente compatível
cirúrgicos segmentares no intestino de portadores de artrite com doença inflamatória intestinal ativa após o diagnóstico
reumatoide como forma de tratamento. Contudo, a associa-
musculoesquelético. Alguns estudos com ileocolonoscopia
ção entre artrite e Doenças inflamatórias intestinais (DII) só
em série demonstraram forte correlação entre presença de in-
foi originalmente descrita em 1929 por Bargen. Na década de
flamação intestinal e articular nas espondiloartites. Também
1930, Philip Hench, ganhador do Prêmio Nobel em 1950 por
por essa razão alguns pesquisadores sugerem que anormali-
suas pesquisas com o corticosteroides, também descreveu
dades articulares possam ser a manifestação inicial de uma
artrite periférica associada à doença inflamatória intestinal.
Hench observou uma tendência da artrite piorar com a exa- DII (doença inflamatória instestinal). Outros estudos que têm
cerbação da colite e melhorar com a remissão dos sintomas avaliado manifestações extraintestinais de pacientes com DII
intestinais. Entretanto, apenas nos anos 50, a artrite periférica mostraram que 36 a 46% dos pacientes têm ao menos uma ma-
associada à doença de Crohn foi diferenciada da artrite reuma- nifestação extraintestinal, e as anormalidades reumáticas são
toide, e, nos anos sessenta, o conceito de Espondiloartropatias as mais frequentes. Além disso, manifestações reumáticas são
soronegativas foi estabelecido pelos pesquisadores ingleses significativamente mais comuns em pacientes com DII especí-
John Moll e Verna Wright. fica do cólon. Séries de pacientes com colite ulcerativa (RCU)
Com o tempo, a evidência clínica e experimental da rela- reportaram a prevalência de envolvimento articular em 62%.
ção entre doenças inflamatórias intestinais e certas doenças Recentemente, um estudo clínico no qual um questionário
reumáticas, particularmente espondiloartrites, aumentou. sobre manifestações espondiloartríticas foi aplicado a 350 pa-
Atualmente, as manifestações musculoesqueléticas das DII são cientes portadores de doença inflamatória intestinal concluiu
consideradas conceitualmente como espondiloartrites. de forma positiva a presença de tais manifestações em 129
deles (36.9%). Neste mesmo estudo, não se demonstraram
diferenças significativas entre pacientes com DC e RCU. Sobre-
„„ EPIDEMIOLOGIA tudo, a principal conclusão dos autores foi a de que, mesmo
Comparadas com as espondiloartrites em geral, que afe- com a alta prevalência de manifestações musculoesqueléticas
tam cerca de 1 a 1,5% da população geral, a prevalência da em pacientes com doença inflamatória intestinal, poucos são
Retocolite ulcerativa e da doença de Crohn (DC) são mais bai- avaliados por reumatologistas.
xas. A Retocolite Ulcerativa (RUC) afeta de 50 a 100 pessoas
a cada 100 mil na população geral, e a doença de Crohn cerca Fatores genéticos
de 75 a cada 100 mil habitantes. A artrite é a mais comum ma-
nifestação extra-intestinal tanto da RCU quanto da DC. Vários Pacientes com RCU e DCI apresentam predisposição ge-
estudos avaliaram a prevalência de espondiloartrites em pa- nética. Existem diversas descrições de aparecimento da RCU
cientes com DII: 18 a 45% dos pacientes com DII preechem o e da DC na mesma família e em agregados familiares. HLA B16,
padrão para se ter espondiloartropatias. Sacroiliítes e Espon- B18 e B62 foram relatados em portadores de doença de Crohn.
dilite Anquilosante estão fortemente relacionadas com as DII. Embora artrite periférica na doença de Crohn não esteja rela-
A frequência de EA na DII varia entre os diversos estudos. Esta cionada com o HLAB27, sacroiliítes (40% casos) e Espondilite
variação chega a ser tão grande quanto 1 a 25% na RCU e de 2 (60% dos casos) estão. Recentemente, polimorfismos genéti-
a 7% na doença de Crohn. Se considerado como único critério cos no gen CARD15 foram associados como fatores genéticos
de manifestação espondiloartrítica a presença de sacroiliíte independentes para o aparecimento da doença de Crohn. A
radiográfica, a prevalência pode chegar a 30% dos casos. proteína CARD15 está envolvida na ativação do NF-kappa B e
Por outro lado, certos estudos demonstram que até 70% na apoptose celular. A presença de variações do CARD15 em
dos pacientes com espondiloartrites têm lesões inflamatórias pacientes com espondiloartrites predispõe ao aparecimento

487
de alterações inflamatórias intestinais crônicas e variações do à liberação de citocinas como TNF-α, IL-6, IL-12, IL-23 e IL-17.
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

CARD15 em pacientes com DC são considerados preditores ge- Permeabilidade intestinal aumentada tem sido encontrada em
néticos para o aparecimentoo de sacroiliítes. pacientes com espondiloartrites e DII e este fato pode alterar a
resposta imune inata dos portadores à antigenos bacterianos.
Imunopatogênese da inflamação intestinal e articular Outras moléculas relevantes envolvidas na patogênese de
ambos os grupos de doenças são os toll-like receptors (TLRs)
Alguns estudos sobre a imunopatogênese da DII e espondi- que desempenham um importante papel na resposta imune
loartrites demonstraram alterações em moléculas reguladoras inata contra microrganismos patogênicos. Muitos estudos
da resposta imunológica no intestino de pacientes com espon- mostraram uma expressão aumentada de TLR-4 e TLR-2 em
diloartrites. Algumas destas moléculas são quase as mesmas APCs de pacientes com espondiloartrites e em biópsias intes-
encontradas na doença de Crohn. A E-caderina, por exemplo, tinais de pacientes com RCU e DC.
é uma glicoproteína transmembrana que media a adesão in- Respostas anormais a certos microrganismos também têm
tercelular de celulas epiteliais e está altamente expressa no sido descritas em pacientes com DII e espondiloartrites. Vá-
intestino de pacientes com DII e em pacientes com espondilo- rios estudos demonstraram existência de níveis aumentados
artrites. A E caderina está expressa em inflamações intestinais de anticorpos contra antígenos Klebsiella, e contra colágenos
subclínicas agudas e crônicas, mesmo naquelas nas quais não tipo I, III, IV e V em pacientes com CD ou Espondilite Anqui-
há lesões macroscópicas, o que pode indicar que a alteração na losante. A participação da molécula HLA-B27 na imunopato-
regulação dessas proteínas pode ser um evento inicial no de- gênese de espondiloartrites já é bem conhecida desde 1973
senvolvimento da inflamação intestinal. A E-caderina também quando Brewerton e Schlosstein detectaram sua prevalência
é um ligante da integrina α4β7 em células T intraepiteliais. aumentada em pacientes com EA, artrite psoriática, artrites
Dois estudos mostraram uma expressão aumentada dessa in- reativas e uveíte anterior. Um outro estudo descobriu que um
tegrina em culturas de células T da mucosa intestinal de pa- polimorfismo do gene CARD15 está associado à presença de
cientes com EA e doença de Crohn. inflamação instestinal em pacientes com espondiloartropatia,
Outras alteraçoes que são comuns em ambos os grupos de e o mesmo polimorfismo está excessivamente representado
doenças são aquelas descritas em células T CD4+. Atualmen- em pacientes com doença celíaca.
te, quatro tipos de células T CD4+ foram descritos: as células Há algumas evidências de que tanto o uso de narcóticos
Th1 são identificadas como produtoras de interferon γ (IFN γ); quanto uma história prévia de apendicectomia em pacientes
as células Th2 produzem primariamente interleucina (IL)-4, portadores de DII são fatores de risco para desenvolvimento
IL-5, IL-10 e IL-13; as células Th17 produzem principalmente de manifestações extraintestinais articulares e manifestações
IL-17A mas também estimulam ou produzem IL-17F, IL-21, IL- dermatológicas como eritema nodoso e pioderma gangrenoso.
22, fator estimulador de colônia de granulócito-monócito (GM-
-CSF), CCL-20, fator de necrose tumoral (TNF) e IL-6. Essas
citocinas têm propriedades pró-inflamatórias e agem em uma „„ MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
grande variedade de tipos celulares para induzir a expressão As manifestações extraintestinais das DII são didatica-
de várias outras citocinas (TNF, IL -1β, IL-6, GM-CSF, G-CSF), mente divididas em articulares periféricas, envolvimento
quimiocinas (CXCL1, CXCL8, CXCL10) e metaloproteinases. axial incluindo sacroileííte, com ou sem espondilite, seme-
De forma contrária, células T reguladoras (Tregs) têm uma lhante à apresentação da espondilite anquilosante clássica e
função supressora; elas influenciam o sistema imune pelo con- manifestações extraintestinais não articulares. Manifestações
tato célula a célula e também por mecanismos regulatórios periarticulares como entesopatias, tendinites, periostites, hi-
ainda não totalmente elucidados. Sabe-se que células Treg são pocratismo digital e lesões granulomatosas nas junturas e os-
hábeis em produzir IL-10 e TGF-β. Perante a estimulação do sos podem ocorrer como parte integrante das manifestações
receptor da célula T, uma simples célula T pode ser levada a periféricas. Osteoporose e osteomalacia secundária à DII ou ao
expressar Foxp3 e se tornar uma célula Treg na presença de seu tratamento têm sido descritas na literatura.
TGF-β, mas, na presença de TGF-β mais IL-6 ou IL-21, a via de
desenvolvimento da célula Treg é abolida, e ao invés disso, cé-
lulas T se tornam Th17. Estudos sugerem que em pacientes Alterações intestinais
com DII e espondiloartrites, as células Th17 podem ter um A doença de Crohn caracteriza-se pela tríade clássica de
importante papel na iniciação e manutenção da inflamação dor abdominal, perda de peso e diarreia. Nem sempre os três
autoimune. Seiderer et al., em um estudo que envolveu 499 sintomas acontecem concomitantemente. Qualquer segmento
pacientes com DC e 216 com RCU, demonstraram aumento da do trato intestinal pode estar envolvido e o processo inflama-
expressão aumentada de RNA-m IL-17F em biópsias intesti- tório é geralmente transmural (Figura 33.1).
nais de pacientes quando comparados aos controles. Alguns
A dor abdominal é comum na DC e a diarreia, muitas ve-
autores também sugerem que a disfunção de Tregs partici-
zes acompanhada de fezes sanguinolentas, é mais frequente
pa na imunopatogênese das DII e propuseram seu uso como
na Retocolite ulcerativa. A perda de peso pode variar de uma
agentes terapêuticos na DII.
perda anormal até um quadro consuntivo em ambas as doen-
TNF-α é uma citocina pró-inflamatória produzida princi- ças. É frequente que os pacientes apresentem outros sintomas
palmente por macrófagos e células T ativadas. É uma molé- constitucionais como febre de baixa intensidade, anorexia e
cula-chave na inflamação crônica da artrite reumatoide, das debilidade física. Em estágios mais avançados, podem ocorrer
espondiloartrites e das DII. fístulas e abcessos perianais na doença de Crohn, como ilus-
A interação entre células apresentadoras de antígeno trado no caso da paciente da Figura 33.2. O diagnóstico deve
(APCs) e a flora bacteriana intestinal contribui para o desen- ser realizado com a participação de um gastroenterologista
volvimento da ativação incontrolada de células CD4+, que leva experiente no atendimento de pacientes com DII.

488 Tratado Brasileiro de Reumatologia


ticular possuem alta frequência de outras manifestações ex-

„„ CAPÍTULO 33
traintestinais como eritema nodoso e uveítes. É interessante
que em 31% desses pacientes, a artropatia pode aparecer até
3 anos antes do diagnóstico de DII ser feito (Figura 33.3).
A forma poliarticular está associada a HLA-B44 principal-
mente em estudos conduzidos em pacientes britânicos.
Esta forma tende a ter um curso crônico e pode ser alta-
mente destrutiva; esse curso é independente da doença axial
e de exacerbações da DII, e a coexistência de outras manifes-
tações extraintestinais é rara, exceto pela uveíte. Entesopatia,
particularmente afetando o tendão calcâneo ou a inserção da
fáscia plantar são manifestações comumente associadas, (Fi-
gura 33.4).
Na maioria dos casos, sintomas intestinais precedem ou
coexistem com manifestações articulares, mas, em alguns pa-
cientes, a artrite pode preceder as manifestações intestinais
em muitos anos. Monoartrite progressiva e destrutiva com
Figura 33.1 Clássica manifestação da doença de Crohn perianal
inflamação sinovial granulomatosa foram descritas na Doença
em paciente com manifestação articular, apresentando múltiplas de Crohn.
fístulas e plicomas edemaciados. Embora existam relatos de casos de pacientes que desen-
volveram artrite simultaneamente à inflamação da bolsa ileal
depois de total proctocolectomia por atividade da Retocolite

Figura 33.3 Inflamação da falange distal de paciente com Crohn


Figura 33.2 Junção ileocecal corroída por processo inflamatório e forma pauciarticular.
transmural de Crohn. Foto do acervo pessoal do Dr. Paulo Kotze.

„„ ARTRITE PERIFÉRICA
Geralmente, a artrite periférica nas doenças inflamatórias
intestinais se caracteriza por ser pauciarticular e assimétrica.
Entretanto, podemos salientar que existem dois tipos dife-
rentes de artrite periférica: um tipo pauciarticular e um po-
liarticular. A frequência da artrite periférica nas DII varia de
17 a 20%, e é mais comum em doença de Crohn. Orchard e
colaboradores em seu estudo retrospectivo que incluiu 1459
pacientes com DII, demonstraram que a artrite periférica es-
teve presente em 6% dos pacientes com RCU e em 10% dos
pacientes com doença de Crohn.
Na forma pauciarticular, existe uma associação a HLA-
DRB1*0103, HLA-B35, e HLA-B24. Os sintomas articulares são
mais comumente agudos e autolimitados; o envolvimento arti-
cular é assimétrico e migratório, com participação das peque-
nas e grandes articulações, e os membros inferiores são mais
afetados. Os episódios geralmente duram de 6 a 10 semanas,
mas são frequentes as recaídas. Pacientes com forma pauciar- Figura 33.4 Quadro poliarticular na doença de Crohn.

Enteroartrites 489
ulcerativa, a maior parte dos estudos demonstram que a co- com Retocolite ulcerativa e em alguns pacientes com doença
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

lectomia quase não tem efeito na inflamação articular. Entre- de Crohn. Anticorpos anti-nucleares e fator reumatoide estão
tanto, o envolvimento do cólon aumenta a suscetibilidade ao geralmente ausentes. O líquido sinovial pode ser inflamatório
desenvolvimento de artrite periférica. mas estéril.
Os anticorpos anti-Saccharomyces cerevisae (ASCAs) foram
Envolvimento axial descritos inicialmente em portadores da Doença de Crohn (os
isótipos IgG e IgA). Eles são utilizados como marcadores des-
O envolvimento axial é mais comum em Doença de Crohn ta enfermidade. Desplat-Jégo e colaboradores demonstraram
(5 a 22%) do que na Retocolite Ulcerativa(2 a 6%). A prevalên- por meio de estudo multicêntrico que a presença dos ASCAs
cia de sacroiliíte é de 10 a 20% e de espondilite anquilosante, em pacientes com DII, que são negativos para ANCA, teve um
diagnosticada pelos critérios de Nova Iorque, de 7 a 12%. O valor preditivo positivo de 94,2% para doença de Crohn, e es-
quadro clínico axial é o mesmo encontrado em pacientes com tes autoanticorpos estão associados a manisfestações clínicas
espondilite anquilosante sem manifestações extra-articulares. mais graves desta doença. Entretanto, ainda não é claro se AS-
Sintomas axiais geralmente precedem os sintomas intestinais CAs estão associados ao desenvolvimento de DII em pacientes
em até 10 anos. O curso clínico da doença axial é totalmente com espondiloartrites.
independente das manifestações instestinais, e a cirurgia ins- Sacroiliíte e Espondilite em DII estão associadas à presen-
testinal não altera o curso da espondiloartrite axial. É curioso ça de HLA-B27, embora em frequências menores do que na EA.
que a EA associada a DII possa-se desenvolver em qualquer Curiosamente, pacientes com EA sem HLA-B27 têm maior ris-
idade, enquanto EA idiopática geralmente se inicia antes dos co de desenvolver DII do que aqueles com HLA-B27. O Oxford
40 anos. Na Espondilite idiopática, os homens são mais afe- study mostrou uma associação da artrite pauciarticular com
tados do que mulheres (proporção 2,5:1), enquanto na EA a presença de HLA-B27 (27 versus 7% em controle) HLA-B35
associada a DII, a proporção homem-mulher é 1:1. Outros si- (32 versus 15%) e HLA-DRB1*0103 (33 versus 3%), enquanto
nais comumente encontrados na doença axial são: redução da a forma poliarticular foi associada à HLA-B44 (62 versus 30%).
expansibilidade torácica e limitação da mobilidade cervical e Pacientes com artrite persistente podem desenvolver erosões
lombar. A dor lombar assume as características clássicas de articulares. Radiografias axiais geralmente demonstram alte-
uma dor inflamatória com despertar noturno, rigidez pela ma- rações típicas da Espondilite Anquilosante.
nhã, melhora com atividade física e não melhora com repouso, Estudo endoscópico de pacientes com espondiloartrites
além de se apresentar alternada em ambos os lados da região está indicado quando houver manifestações intestinais. Estu-
lombar inferior e nádegas. dos ileocolonoscópicos têm demonstrado uma alta prevalência
de inflamação intestinal em pacientes com Espondilite Anqui-
Manifestações extraintestinais losante e outras formas de espondiloartrites (Figura 33.5).

Uma gama de manifestações envolvendo a pele, mucosas,


serosas e estruturas oculares podem estar presentes em qua-
dro de doença inflamatória intestinal. Estas alterações podem
ser comuns a outras espondiloartrites. Eritema nodoso pode
ocorrer em portadores de DII e pode ser correlacionado com
a atividade de doença no intestino. O pioderma gangrenoso
é mais grave, mas felizmente é uma manifestação menos co-
mum. Ulcerações aftosas, afetando a mucosa oral ou a língua,
podem ocorrer na DC e também podem estar relacionadas
com a atividade intestinal.
Uveítes podem ocorrer em até um terço dos pacientes.
Normalmente, seguem o padrão das uveítes que ocorrem em
outras espondiloartrites, sendo unilateral, aguda, transitória e
recorrente.
Embora atualmente a amiloidose seja menos frequente, ela
pode ser causa de aumento de mortalidade em pacientes com
Doença de Crohn.
Relatos de casos isolados têm associado as DII à síndrome
de Sjögren, artrite reumatoide, miopatia inflamatória e arte- Figura 33.5 Alterações inflamatórias ulceradas em fundo cecal
rite Takayasu. Contudo, nenhuma associação fisiopatológica intensas em portador de espondilite anquilosante com manifesta-
pode ser documentada até o momento. ções intestinais. Acervo do autor.

Diagnóstico
As anormalidades laboratorias mais comuns nas ente- „„ TRATAMENTO DE MANIFESTAÇÕES
roartrites são: anemia associada à inflamação crônica e san- REUMÁTICAS
gramento instestinal, leucocitose, trombocitose, proteínas de
fase aguda elevadas como proteína C reativa e elevada taxa de O tratamento das enteroartrites vai depender especial-
hemossedimentação. Anticorpos citoplasmáticos antineutró- mente da gravidade do quadro clínico de seu paciente. O
filo perinuclear são encontrados em até 60% dos pacientes objetivo é tratar pacientes com doença articular persisten-

490 Tratado Brasileiro de Reumatologia


te nas primeiras fases da doença, antes que o dano crônico „„ AGENTES ANTI-TNF E OUTROS

„„ CAPÍTULO 33
esteja estabelecido, no sentido de melhorar a qualidade de IMUNOBIOLÓGICOS
vida e para que se obtenha uma influência positiva no cur-
so clínico. Pacientes com pauciartrite moderada geralmente A descrição dos mecanismos patogênicos de espondiloar-
respondem bem ao repouso relativo, fisioterapia e ao uso trites e DII tem relevantes implicações terapêuticas para am-
de corticosteroides intra-articulares. A maioria dos pacien- bos os grupos de doenças. A observação de que manifestações
tes respondem a AINEs. Os AINEs controlam os sintomas e a intestinais de pacientes com espondiloartrites e DII melhoram
inflamação de articulações e ênteses, entretanto não inibem com agentes bloqueadores de TNF-α tem levado ao uso des-
a destruição articular e, sobretudo, podem ter importantes ses medicamentos em pacientes com DII, com resultados fa-
efeitos colaterais incluindo exacerbação da doença intestinal. voráveis, particularmente com infliximabe e adalimumabe em
Úlceras intestinais e do cólon têm sido descritas em pacien- doença de Crohn. Existem evidências suficientes na literatura
tes em uso de anti-inflamatórios não esteroidais. Por essa ra- para colocar o infliximabe como agente anti-TNF de primeira
zão, orienta-se que o uso dos AINEs a ser limitado a menor linha de tratamento para pacientes com Espondilite ativa asso-
dose e tempo possível. ciada a DII. O infliximabe tem sido usado na dose de 5 m/kg em
tomadas de 0, 2, 6 e após a cada seis ou oito semanas. A respos-
Os corticosteroides orais são frequentemente usados para
ta tanto às manifestações articulares quanto intestinais são
controlar a doença intestinal e podem ser úteis em baixa dosa-
obtidas já a partir das primeiras infusões com melhor resposta
gem também para reduzir a sinovite, porém não tem efeito na
entre a oitava e a décima segunda semana. O adalimumabe é
doença axial. Existem estudos com Budesonida e prednisona
usado na dose habitual de 40 mg subcutâneo a cada 14 dias.
via oral que sustentam suas indicações e eficácias.
Outros agentes bloqueadores de TNF-α como o golimumabe e
Sulfasalazina e ácido 5-aninosalicílico são úteis na DII, o certolizumabe são promissores para o tratamento especial-
além de serem eficazes na atenuação da artrite periférica. mente das manifestações articulares das artrites enteropáti-
Embora usada na prática clínica, a sulfassalazina não tem evi- cas. Recentemente, certolizumabe peguilado e golimumabe,
dências suficientes que comprovem sua eficácia nas manifes- dois outros agentes anti-TNFs foram aprovados para o trata-
tações axiais. Os efeitos intestinais benéficos da sulfassalizina mento da DII. O golimumabe está aprovado para o tratamento
são explicados por seus efeitos anti-inflamatórios na parede de outras espondiloartrites e o certolizumabe, aprovado para
infestinal, normalizando a permeabilidade e prevenindo a en- tratamento de DC e AR possui estudos em andamento em ou-
trada de antígenos. tras espondiloartrites com resultados promissores.
Imunossupressão com methotrexate, azathioprina, 6-mer- Se levarmos em consideração que existe uma relação pa-
captopurina, ciclosporina ou leflunomida tem sido bem-suce- togênica entre inflamação articular e intestinal em pacientes
dida para o tratamento de pacientes com artrite periférica e com espondiloartrites, é provável que em um futuro próximo
mesmo de outras manifestações extra-intestinais, embora ne- outros agentes com potenciais benéfícos possam ser testados
nhuma destas medicações tenha ensaios controlados. simultaneamente em ambas as doenças. Alguns potenciais al-
A azatioprina tem sido usada com bons resultados por vos de tratamento incluem IL-10, IL-11, IL-6, molécula 1 de
mais de 30 anos. O Metotrexate a exemplo do que ocorre na adesão intracelular e bloqueio de integrina (α4 e α4β7), bem
artrite psoriásica também tem sido empregado nas manifes- como modulação de TLR (toll-like receptor).
tações periféricas das DII. Seu uso não está indicado nas ma- O uso de probióticos para o tratamento de pacientes com
nifestações axiais por não possuir evidência de eficácia na DII e artrite ou espondilite anquilosante é fundamentado na
doença inflamatória da coluna a exemplo do que ocorre na modulação da flora intestinal por bactérias e seus produtos.
EA. É aconselhável avaliar osteoporose em pacientes com DII Alguns estudos interessantes mostraram que esses compo-
especialmente naqueles que tenham sido tratados com este- nentes melhoram colite experimental em modelos murinos
roides em alta dosagem ou por longos períodos. Nestas cir- e em pacientes com DII. Um desses modelos mostrou que o
cunstâncias, a implementação de medidas profiláticas como efeito anti-inflamatório depende do DNA probiótico, e uma
cálcio e suplementos de vitamina D é recomendada. resposta induzida por TLR9 mediada por IFN.

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494 Tratado Brasileiro de Reumatologia


34

Capítulo
Percival Degrava Sampaio Barros

Espondilite Anquilosante
„„ HISTÓRICO „„ CONCEITO E EPIDEMIOLOGIA
Estudos arqueológicos de múmias do antigo Egito indicam A EA é uma doença inflamatória crônica que acomete pre-
que a espondilite anquilosante (EA) já existia na antiguidade; ferencialmente a coluna vertebral, podendo evoluir com an-
inúmeros faraós egípcios foram espondilíticos, destacando-se quilose do esqueleto axial. Predomina no sexo masculino, no
Amenohtep II (reinado 1438–1412 a.C.) e Ramsés II, o Grande adulto jovem e em populações brancas, nas quais o HLA-B27
(reinado 1698–1636 a.C.). A análise de esqueletos de antigos é mais frequente.
cemitérios poderá estabelecer a prevalência da EA em diferen-
tes regiões do nosso planeta, através dos tempos; no entan-
to, é importante que se estabeleça o diagnóstico diferencial
Sexo
com a hiperostose esquelética idiopática difusa. Descrições A EA é mais frequente no sexo masculino, em uma pro-
anatomopatológicas da doença foram publicadas nos séculos porção média de 4-5:1; o predomínio da doença em homens
XVII e XVIII, incluindo a primeira descrição clínica da doença, jovens (a partir da fase de maturidade sexual) questiona a
creditada ao médico irlandês Bernard Connor, em 1691. Mas importância dos hormônios sexuais na gênese da EA, embora
a EA somente passou a ser caracterizada como uma doença nenhuma associação com alteração hormonal específica tenha
específica no final do século XIX, a partir dos estudos de Adolf sido estabelecida na literatura. A EA no sexo feminino, menos
Strumpel na Alemanha (1884), Wladimir Von Becheterew na frequente e de diagnóstico mais tardio, costuma ter curso
Rússia (1893) e Pierre Marie na França (1898). A associação evolutivo menos intenso que o observado no sexo masculino
da EA com sua principal característica radiológica, a sacroilií- em casuísticas latino-americanas; já a análise de casuísticas
te, foi descrita a partir de 1930. europeias parece mostrar padrão evolutivo semelhante nos
Embora conhecida como uma doença definida na Europa, dois sexos. É comum haver maior frequência de EA em famí-
era considerada como uma variante axial da artrite reumatoi- lias onde existem mulheres espondilíticas. Em geral, a EA não
de nos Estados Unidos até a década de 1970. Em 1973, dois afeta a fertilidade, a evolução da gestação ou o recém-nascido,
grupos distintos (um em Los Angeles e outro em Londres) des- embora uma doença em atividade no momento da concepção
cobriram a forte associação ao antígeno de histocompatibilida- seja preditiva de atividade pós-parto.
de B27, passando a EA a ser considerada mundialmente como
uma doença específica. No ano seguinte, Moll e Wright pro-
puseram o conceito das espondiloartropatias soronegativas,
Raça
quando englobaram dentro de um mesmo conjunto doenças, A frequente associação ao HLA-B27 faz com que a EA seja
até então, consideradas distintas entre si, mas que apresenta- mais comum em populações brancas, nas quais o antígeno é
vam diversas características clínicas e radiológicas em comum, mais prevalente. A incidência da EA pode variar de 1.5 a 7.3
associadas à predisposição genética (ligada ao HLA-B27); este por 100.000 habitantes, e sua heterogênea prevalência pode
conjunto engloba a espondilite anquilosante, a artrite psoriá- variar entre 0.007 e 1.6% da população. Por sua vez, a positi-
sica, as artrites reativas (denominação atual da antiga síndro- vidade do HLA-B27 nos pacientes espondilíticos pode variar
me de Reiter), as artrites enteropáticas (associadas às doenças entre menos de 50 a 98%, sendo mais elevada em populações
inflamatórias intestinais) e as espondiloartropatias indiferen- brancas não miscigenadas do norte da Europa. A prevalência
ciadas. Em 2002, o ASAS Working Group propôs a supressão do do HLA-B27 é muito baixa em algumas populações asiáticas
termo soronegativas do nome da doença. Em 2009, o mesmo (como no Japão) e nos negros africanos. Os pacientes espon-
grupo ASAS propôs a denominação definitiva do grupo, espon- dilíticos HLA-B27 negativos costumam ter quadro axial mais
diloartrites, enfatizando tanto o componente axial (“espondi- leve e de instalação mais tardia, manifestações extra-articu-
lo”) quanto o componente periférico (“artrite”) das doenças do lares raras e geralmente não cursam com história familiar
grupo. A EA é a mais frequente e a mais importante dentre as positiva. Detalhada descrição do perfil dos pacientes espondi-
doenças do conjunto das espondiloartrites. líticos em todos os continentes está descrita na referência 1.

495
Idade de início
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

A EA juvenil se inicia antes dos 16 anos de idade, geral- Quadro 34.1 Positividade do HLA-B27 nas casuísticas bra-
mente como artrite (predominante em grandes articulações sileiras de EA.
de membros inferiores) ou entesopatia periférica (notada-
mente em inserção de tendão aquileano e/ou fáscia plantar), Autor Estado Tamanho HLA-B27 (%)
evoluindo somente após alguns anos com lombalgia de ritmo amostral
inflamatório; costuma ter curso evolutivo mais agressivo que a Verztman et al., 1978 RJ 21 86.7
EA de início no adulto, necessitando com maior frequência de
próteses de quadril. Muitos pacientes com EA juvenil têm um Chahade et al., 1979 SP 34 82.3
diagnóstico inicial de síndrome SEA, que é caracterizada pela Rachid et al., 1979 PR 52 75.0
presença de artrite e entesite periféricas, soronegativas para o
Ramalho et al., 1989 PE 30 66.6
fator reumatoide e FAN, sendo considerados espondiloartrites
indiferenciadas. A EA do adulto se inicia entre 16 e 45 anos, Sawaya et al., 1994 RJ 42 66.7
com queixa de lombalgia de ritmo inflamatório, com predomí- Sampaio-Barros et al., 2001 SP 147 78.2
nio dos sintomas axiais durante sua evolução.
Sampaio-Barros et al., 2003 SP 207 79.2
Bomtempo et al., 2004 MG 48 64.0
Brasil
MG = Minas Gerais; PE = Pernambuco; PR = Paraná; RJ = Rio de Janeiro; SP = São Paulo.
Em uma casuística brasileira de 147 pacientes espondilí-
ticos, acompanhados no período de 1988-1998, foi observa- Os critérios mais utilizados para a classificação de um pa-
do que o sexo masculino esteve associado ao acometimento ciente como tendo uma lombalgia inflamatória são os de Calin
mais frequente do esqueleto axial e das coxofemorais, que os e colaboradores (1977), que exigem a presença concomitante
pacientes brancos apresentaram uma maior prevalência de de, pelo menos, quatro dos seguintes critérios: 1) idade de iní-
história familiar positiva de EA, que a EA de início juvenil este- cio dos sintomas abaixo de 40 anos; 2) início insidioso; 3) du-
ve associada à maior frequência de acometimento de joelhos, ração dos sintomas superior a três meses; 4) rigidez matinal
tornozelos e entesopatias que a doença de início no adulto, en- prolongada; 5) melhora com o exercício.
quanto o HLA-B27 esteve associado ao acometimento de tor-
Recentemente, um grupo de especialistas do grupo ASAS
nozelos e entesopatias periféricas. As características clínicas
propôs uma atualização destes critérios, a fim de permitir di-
e radiológicas foram semelhantes nos pacientes caucasoides
ferenciar a lombalgia inflamatória da lombalgia mecânica. Os
(brancos) e nos não caucasoides (predominantemente mula-
critérios propostos foram, a saber: 1) idade de início < 40 anos;
tos), provavelmente em virtude do fato da população brasi-
2) início insidioso; 3) melhora da lombalgia com exercício; 4)
leira não caucasoide ser bastante miscigenada; é importante
frisar-se que o número de negros não miscigenados com EA é sem melhora com o repouso; 5) dor noturna (com melhora ao
muito pequeno, tanto no Brasil quanto na África. levantar-se). Considera-se lombalgia inflamatória se ao menos
4 dos 5 critérios são preenchidos; a sensibilidade destes crité-
Recente estudo multicêntrico avaliando 1.036 pacientes
rios é 79,6% e a especificidade é de 72,4%.
com espondiloartrites, cadastrados através de um protoco-
lo comum de investigação aplicado em 28 centros nas cinco Estudo brasileiro seguindo 111 pacientes com diagnóstico
regiões geográficas brasileiras entre 2006 e 2008, observou de espondiloartrite indiferenciada por período de até 10 anos
que 736 pacientes (72,7%) tinham EA. Estes pacientes eram revelou que o HLA-B27 e a dor em nádega são fatores prediti-
predominantemente do sexo masculino (77%), com média de vos de evolução para uma doença diferenciada, predominan-
idade de início de 27,7 anos. Uma característica marcante da temente EA (8,1% em um ano, 20% em cinco anos, 26,2% em
casuística brasileira foi a significativa frequência de acometi- sete anos e 35,7% em 10 anos).
mento periférico (37,8% em membros inferiores e 13,5% em
membros superiores) e entesites (23,1%). „„ QUADRO CLÍNICO
A positividade do HLA-B27 nos pacientes espondilíticos
nos diferentes estudos realizados no Brasil variou entre 64 e A lombalgia de ritmo inflamatório é o sintoma inicial mais
87% (Quadro 34.1). característico do paciente espondilítico. Por vezes, o paciente
também refere dor de ritmo inflamatório em nádegas e face
posterior da raiz da coxa, suscitando diagnóstico diferencial
„„ CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS E DE com dor ciática. A evolução costuma ser ascendente, acometen-
CLASSIFICAÇÃO do progressivamente a coluna dorsal e cervical, apresentando
Para a confirmação do diagnóstico de EA, podem ser uti- a “postura de esquiador”, caracterizada pela retificação da co-
lizados os critérios de Nova York modificados, que combinam luna lombar, acentuação da cifose dorsal e retificação da coluna
critérios clínicos e radiológicos. Os critérios clínicos são: 1) cervical, projetada para frente. A “postura do esquiador” apare-
Dor lombar de mais de três meses de duração que melhora ce geralmente após a segunda década de doença e se manifesta
com o exercício e não é aliviada pelo repouso; 2) Limitação mais precocemente nos pacientes HLA-B27 positivos.
da mobilidade da coluna lombar nos planos frontal e sagital; O exame físico do paciente espondilítico geralmente re-
3) Expansibilidade torácica diminuída (corrigida para idade vela um espasmo paravertebral axial difuso, de intensidade
e sexo). Os critérios radiológicos são: 1) Sacroiliíte bilateral, variável. A inspeção da coluna lombar revela uma progressiva
grau 2, 3 ou 4; 2) Sacroiliíte unilateral, grau 3 ou 4 (ver seção retificação, e a avaliação da mobilidade mostra que o primei-
Métodos de Imagem). Para o diagnóstico de EA é necessária a ro movimento a ser acometido é a lateralização, seguido da
presença de um critério clínico e um critério radiológico. rotação e da flexão/extensão; a manobra de Schöber mostra

496 Tratado Brasileiro de Reumatologia


uma diminuição da flexão da coluna lombar. A inspeção da co- lações do norte da Europa, sendo raras nos pacientes brasi-

„„ CAPÍTULO 34
luna dorsal revela acentuação da cifose; como a coluna dorsal leiros. Estudos recentes têm encontrado maior ocorrência de
é imóvel, deve ser monitorizada com a medida do diâmetro síndrome metabólica (hipertensão arterial, obesidade, dislipi-
respiratório, que é representado pela diferença entre os di- demia, diabetes mellitus) em pacientes com espondiloartrites,
âmetros inspiratório e expiratório máximos que, em adultos especialmente na artrite psoriásica.
jovens normais, é superior a 3,0 cm. A inspeção da coluna cer- As alterações pulmonares são caracterizadas por um dis-
vical também mostra retificação, com projeção para frente, e túrbio da função pulmonar (defeito ventilatório restritivo leve,
a avaliação da mobilidade revela que os movimentos a serem em pacientes com acentuada limitação do diâmetro respira-
acometidos são, na sequência, a lateralização, a rotação e a tório, em virtude da restrição da caixa torácica) e por uma
flexão/extensão; a distância occipício-parede é utilizada para fibrose pulmonar apical (presente em 1 a 2% dos pacientes).
monitorar a evolução do acometimento cervical. Estudo brasileiro avaliando radiografia de tórax, prova de
Com relação ao acometimento articular periférico, é carac- função pulmonar e tomografia de alta resolução de tórax em
terística a presença de oligoartrite (predominando em gran- 52 pacientes espondilíticos assintomáticos do ponto de vista
des articulações, principalmente de membros inferiores) e de pulmonar, evidenciou alterações tomográficas, predominan-
entesopatias. As entesopatias (inflamações na junção dos ten- temente inespecíficas, em 40% dos casos. Quanto às manifes-
dões e/ou ligamentos nos ossos) costumam ser manifestações tações renais, destacam-se a nefropatia por IgA (hematúria
iniciais na EA de início juvenil e acometem, preferencialmente, e proteinúria geralmente leves, com biópsia renal revelando
a inserção de tendão calcâneo e/ou fáscia plantar; os pacien- depósitos mesangiais de IgA) e a amiloidose secundária (pode
tes queixam-se de dor em tornozelos à deambulação, enquan- acometer até 5 a 10% dos pacientes espondilíticos em um
to o exame físico revela empastamento doloroso do tendão seguimento prolongado, evoluindo com insuficiência renal; é
aquileano. Outros acometimentos articulares que podem ser rara em latino-americanos); no paciente espondilítico com he-
referidos pelos pacientes espondilíticos são a sinfisite púbica, matúria, convém pensar-se em nefropatia intersticial por anti-
a artrite de articulações esternoclaviculares e a dor torácica -inflamatório não hormonal ou litíase renal antes de se partir
(por inflamação de articulações costocondrais). para uma investigação renal mais agressiva. As manifestações
A osteoporose é frequente nos pacientes espondilíticos, neurológicas, bastante raras, são caracterizadas pela subluxa-
embora as fraturas vertebrais traumáticas não sejam tão co- ção atlantoaxial e síndrome da cauda equina.
muns. Estudos recentes, corroborados por modelos animais
(ratos transgênicos), têm demonstrado que o HLA-B27 parece „„ EXAMES LABORATORIAIS
ser fator de risco para o aparecimento de osteoporose, sen-
do que pacientes espondilíticos HLA-B27 positivos tendem O laboratório na EA resume-se à elevação das provas de
a cursar com massa óssea diminuída em relação a pacientes atividade inflamatória inespecíficas (velocidade de hemosse-
HLA-B27 negativos, pareados para idade e duração de doença. dimentação, mucoproteínas, proteína C reativa), associadas
As citocinas pró-inflamatórias envolvidas na fisiopatogenia da principalmente à atividade periférica da doença. A pesquisa
doença devem desempenhar papel no desenvolvimento desta do fator reumatoide e do fator antinuclear costuma ser nega-
osteoporose; o uso de agentes biológicos antifator de necrose tiva (daí o antigo nome, soronegativas); alguns raros pacientes
tumoral cursa com melhora da densidade mineral óssea dos apresentam fator reumatoide positivo em baixos títulos, sem
pacientes responsivos. implicações clínicas ou terapêuticas. A pesquisa do HLA-B27
Quanto às manifestações extra-articulares, a mais frequen- restringe-se ao aconselhamento genético familiar e à avaliação
te é a uveíte anterior, aguda, não granulomatosa, unilateral, do prognóstico do paciente; a agregação familiar na EA é, em
recorrente; pode ser observada em até 40% dos pacientes média, de 10% nos pacientes HLA-B27 positivos; é importante
no seguimento prolongado, estando associada ao HLA-B27 salientar que a ausência do HLA-B27 não exclui o diagnóstico
positivo, raramente cursando com sequelas; estas costumam de EA, já que até 20% dos pacientes espondilíticos são HLA-
ocorrer nos casos onde ocorre sempre recorrência da uveíte -B27 negativos. O HLA-B27 é importante fator preditivo de evo-
no mesmo olho. Análise de casuística brasileira recente reve- lução de uma espondiloartrite indiferenciada para EA. Estão
lou uveíte anterior em 14,5% de 207 pacientes acompanhados em andamento vários estudos avaliando a utilidade da pesqui-
por prazo mínimo de cinco anos; a uveíte posterior, presente sa de citocinas pró-inflamatórias e marcadores de síntese e de-
em somente dois pacientes, esteve associada a infecções (tu- gradação da cartilagem na monitoração dos indivíduos com EA.
berculose e toxoplasmose), e o HLA-B27 esteve associado à
recorrência das crises de uveíte anterior. Dados do Registro „„ MÉTODOS DE IMAGEM
Ibero-ameriano de Espondiloartrites (RESPONDIA), analisan-
do 2012 pacientes com diagnóstico de espondiloartrites em A radiografia simples de bacia é indispensável na EA
85 centros de 11 países, revelou 372 casos de uveíte anterior porque a sacroiliíte radiológica é critério obrigatório para o
(18,5%); análise de regressão logística evidenciou que a pre- diagnóstico da doença. O acometimento da articulação sacroi-
sença de uveíte anterior esteve positivamente associada ao líaca, na avaliação radiológica, pode ser subdividido em: grau
acometimento axial e ao HLA-B27, e negativamente associada zero = normal; grau 1 = sacroiliíte suspeita ou duvidosa; grau
ao acometimento periférico e à presença de psoríase. 2 = esclerose óssea de sacro e de ilíaco, irregularidade de con-
Dentre as manifestações cardíacas, também associadas ao tornos articulares e erosões ósseas; grau 3 = alterações veri-
HLA-B27 positivo, destacam-se a aortite (evoluindo para in- ficadas no grau 2, associadas ao pseudoalargamento articular
suficiência aórtica, em menos de 10% dos pacientes, em um (Figura 34.1); grau 4 = anquilose total (fusão da articulação)
seguimento prolongado) e a arritmia cardíaca (bloqueio cardí- (Figura 34.2).
aco grau III, requerendo marca-passo, em adultos jovens B27 Estudo recente realizado na Alemanha demonstrou que
positivos); estas manifestações são mais frequentes em popu- o diagnóstico radiológico das espondiloartites pode demorar

Espondilite Anquilosante 497


delicados ligando as margens vertebrais, dando o característi-
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

co aspecto de “coluna em bambu” (Figura 34.5).


Na avaliação radiológica da coluna vertebral do pacien-
te espondilítico, tem-se observado a presença de osteopenia
difusa. O exame de densitometria óssea tem revelado oste-
oporose lombar nos casos de EA mais agressiva, associado
à atividade da doença; em pacientes com longa evolução da
doença, a densitometria óssea de coluna lombar pode revelar
valores de massa óssea falsamente normais, em virtude da
presença dos sindesmófitos.

Figura 34.1 Radiografia de bacia: sacroiliíte grau 3.

Figura 34.3 Ressonância magnética de bacia, pela técnica STIR:


sacroiliíte precoce.

Figura 34.2 Radiografia de bacia: sacroiliíte grau 4.

anos para ser confirmado. Um grupo de pacientes com dor


lombar de ritmo inflamatório pode cursar com sacroiliíte ra-
diológica em 15% dos casos nos primeiros dois anos e 50 a
70% nos primeiros cinco anos de doença. Esta fase pré-ra-
diológica da EA pode ser avaliada com o uso da ressonância
magnética. Em junho de 2009, juntamente com a proposta
de novos critérios de espondiloartrites axiais, o grupo ASAS
também propôs a padronização da ressonância magnética, nas
sequências T1 e T2 com saturação de gordura/short tau inver-
sion recovery (STIR) (Figura 34.3), para avaliação das lesões
inflamatórias recentes, não observadas nas radiografias con-
vencionais de bacia.
As alterações radiológicas de coluna lombar podem-se re-
sumir à presença de ângulos brilhantes (esclerose óssea nas
margens vertebrais) (Figura 34.4) nos primeiros anos do cur-
so evolutivo da EA. A partir da segunda década da doença, vão
aparecendo os sindesmófitos (pontes ósseas unindo duas vér-
tebras adjacentes), que se iniciam frequentemente na junção
dorsolombar, evoluindo para o acometimento de toda a coluna Figura 34.4 Radiografia de coluna lombar: presença de ângulos
vertebral, de maneira simétrica, bilateral, com sindesmófitos brilhantes.

498 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 34
Quadro 34.2 BASDAI (Bath Ankylosing Spondylitis Disease
Activity Index).
Coloque uma marca em cada linha abaixo indicando sua resposta
para cada questão, relacionada com a semana passada.

1. Como você descreveria o grau de fadiga ou cansaço que você


tem tido?

0________________________________________________ 10 cm

nenhum intenso

2. Como você descreveria o grau total de dor no pescoço, nas


costas e no quadril relacionada à sua doença?

0________________________________________________10 cm

nenhum intenso

3. Como você descreveria o grau total de dor e edema (inchaço)


nas outras articulações sem contar com pescoço, costas e
quadril?

0________________________________________________10 cm

nenhum intenso

4. Como você descreveria o grau total de desconforto que você


teve ao toque ou à compressão em regiões do corpo doloridas?

0________________________________________________ 10 cm

nenhum intenso

5. Como você descreveria a intensidade da rigidez matinal que


você tem tido à partir da hora em que você acorda?

Figura 34.5 Radiografia de coluna lombar: presença de “coluna 0________________________________________________10 cm


em bambu”.
nenhum intenso

6. Quanto tempo dura sua rigidez matinal a partir do momento em


que você acorda?
„„ MÉTODOS DE AVALIAÇÃO
0 30 min 1h 1h30 2h
Na última década, múltiplos instrumentos de avaliação dos BASDAI = soma dos valores das questões 1, 2, 3, 4 e a média dos valores das questões 5
pacientes espondilíticos foram propostos, após o surgimento e 6, dividindo este total por 5.
de drogas mais efetivas para o tratamento da EA. Dentre es-
tes instrumentos, podemos citar um índice de atividade de
doença, o BASDAI (Bath Ankylosing Spondylitis Disease Activi- avaliação de atividade de doença na EA: inatividade (< 1,6);
ty Index) (Quadro 34.2); um índice funcional, o BASFI (Bath atividade moderada (entre 1,6 e 2,1); atividade elevada (entre
Ankylosing Spondylitis Functional Index) (Quadro 34.3); e um 2,1 e 3,5) e atividade muito elevada (acima de 3,5).
indicador de qualidade de vida, o ASQoL (Ankylosing Spondyli-
tis Quality of Life) (Quadro 34.4), agora traduzidos e validados
para o português, através das Disciplinas de Reumatologia da „„ ETIOPATOGENIA
Universidade de São Paulo (Dr. Célio Roberto Gonçalves) e da
O HLA-B27 parece desempenhar um papel central, embo-
Universidade Federal de São Paulo (Dra. Rozana Mesquita Ci-
ra ainda não completamente esclarecido na gênese da EA. A
conelli).
grande variabilidade na apresentação da EA em diferentes po-
Em 2009, o grupo ASAS propôs a adoção de um novo índice pulações, mesmo HLA-B27 positivas, pode ser explicada pelas
de atividade, o ASDAS (Ankylosing Spondylitis Disease Activity recentes descobertas dos alelos do HLA-B27, atualmente em
Index); este novo índice utiliza os valores das questões 2 (es- número de 61. Populações caucasoides costumam expressar
queleto axial), 3 (esqueleto periférico) e 6 (duração da rigidez os alelos HLA-B*2702 e HLA-B*2705, enquanto as populações
matinal) do BASDAI, mais os valores da avaliação global do orientais costumam expressar os alelos HLA-B*2704, HLA-
paciente (em escala de 0 a 10) e uma prova de atividade infla- -B*2705 e HLA-B*2707; os alelos HLA-B*2706 em orientais e
matória (PCR ou VHS); deve-se manter o uso da mesma prova HLA- B*2709 em caucasoides não estão associados à EA. As
de atividade inflamatória na avaliação seriada do ASDAS. Em populações negras costumam ser HLA-B27 negativas; no en-
2011, foram publicados os valores de corte do ASDAS para a tanto, populações negras centro-africanas não miscigenadas

Espondilite Anquilosante 499


„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

Quadro 34.3 BASFI (Bath Ankylosing Spondylitis Functional Quadro 34.4 ASQoL (Ankylosing Spondylitis Quality of Life).
Index).
Você encontrará abaixo algumas frases que foram ditas por
Faça uma marca em cada linha abaixo de cada pergunta indicando pessoas que têm Espondilite Anquilosante. Por favor, leia cada
o seu grau de capacidade para realizar as seguintes atividades frase com cuidado. Nós gostaríamos que você marcasse “sim”
durante a última semana. se você sente que a frase se aplica a você, e “não” se ela não se
aplica a você. Marque uma única resposta que melhor se aplica a
1. Vestir meias ou meia-calça sem ajuda ou auxílio de aparelhos. você neste momento.
0________________________________________________10 cm 1. Minha doença limita os lugares que eu posso ir sim ( ) não ( )
fácil impossível 2. Às vezes tenho vontade de chorar sim ( ) não ( )
2. Curvar o corpo da cintura para cima para pegar uma caneta no 3. Eu tenho dificuldade para me vestir sim ( ) não ( )
chão sem o uso de um instrumento de auxílio.
4. Eu tenho dificuldade para fazer os serviços de
sim ( ) não ( )
0________________________________________________10 cm casa

fácil impossível 5. É impossível dormir. sim ( ) não ( )

3. Alcançar uma prateleira alta sem ajuda ou auxílio de um 6. Eu sou incapaz de participar de atividades com
sim ( ) não ( )
instrumento. a família ou os amigos
7. Estou cansado(a) o tempo todo sim ( ) não ( )
0________________________________________________10 cm
8. Eu tenho que ficar parando o que estou
fácil impossível sim ( ) não ( )
fazendo para descansar
4. Levantar-se de um cadeira sem braços da sala de jantar sem usar 9. Eu tenho dores insuportáveis sim ( ) não ( )
suas mãos ou qualquer outro tipo de ajuda.
10. Eu demoro muito tempo para começar minhas
0________________________________________________10 cm sim ( ) não ( )
coisas pela manhã
fácil impossível 11. Eu sou incapaz de fazer os serviços de casa sim ( ) não ( )
5. Levantar-se quando deitado de costas no chão sem ajuda. 12. Eu me canso facilmente sim ( ) não ( )
0________________________________________________10 cm 13. Eu me sinto frustrado frequentemente sim ( ) não ( )

fácil impossível 14. A dor está sempre presente sim ( ) não ( )

6. Ficar em pé sem ajuda por 10 minutos sem desconforto. 15. Eu sinto que deixo de fazer muitas coisas sim ( ) não ( )

0________________________________________________10 cm 16. Eu acho difícil lavar meu cabelo sim ( ) não ( )

fácil impossível 17. Minha doença me deixa deprimido sim ( ) não ( )


18. Eu me preocupo se deixo as pessoas
7. Subir 12 a 15 degraus sem usar o corrimão ou outra forma de sim ( ) não ( )
desapontadas
apoio (andador); um pé em cada degrau.

0________________________________________________10 cm

fácil impossível podem expressar o alelo HLA-B*2703, que não desenvolve a


EA. A avaliação dos alelos do HLA-B27 em uma população de
8. Olhar para trás, virando a cabeça sobre o seu ombro sem virar
108 pacientes espondilíticos brasileiros revelou predomínio
o corpo.
dos alelos HLA-B*2702 (5%) e HLA-B*2705 (93%), seme-
0________________________________________________10 cm lhante ao observado nas populações caucasoides; os alelos
HLA-B*2703 e HLA-B*2707 foram observados somente na
fácil impossível
população-controle saudável. O denominado grupo de antíge-
9. Fazer atividades que exijam esforço físico, isto é, fisioterapia, nos de reação cruzada (CREG), constituído pelos antígenos B7,
jardinagem ou esporte. B22, B42 e B60 parece desempenhar papel coadjuvante na gê-
nese da EA; o HLA-B7 mostra-se positivo em muitos pacientes
0________________________________________________10 cm espondilíticos negros que são HLA-B27 negativos, enquanto o
fácil impossível HLA-B60 quando positivo em pacientes espondilíticos brancos
HLA-B27 positivos parece aumentar em três vezes a chance de
10. Ter um dia repleto de atividades, seja em casa ou no trabalho. ter outros indivíduos com EA dentro de uma mesma família. Os
0________________________________________________10 cm
antígenos do CREG parecem ser mais frequentes em pacientes
com espondiloartrites indiferenciadas HLA-B27 negativos.
fácil impossível A associação com antígenos de classe II não está ainda bem
BASFI = O somatório dos valores em cm anotados nas EVA é dividido por 10 e dado o estabelecida. O HLA-DRB1*08 apresenta maior prevalência em
valor final. mestiços mexicanos (HLA-DRB1*0802 e formas juvenis e indi-
ferenciadas) e orientais (HLA-DRB1*0803 e uveíte anterior).

500 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Também têm sido observadas associações com polimorfismos dorizada ou ressonância magnética. O uso de corticosteroide

„„ CAPÍTULO 34
do TNFα (associados a alelos específicos do HLA-B27), MICA endovenoso, em casos muito agressivos da doença, foi indica-
e LMP2. Estudos têm demonstrado também que genes não li- do em algumas situações nos anos 1980 e 1990, sendo pouco
gados ao complexo maior de histocompatibilidade (CYP2D6, utilizados nos dias de hoje. Outra razão para o uso restrito de
IL-1, CARD 15, ANKH, entre outros) parecem estar envolvidos corticosteroides na EA é o fato de que pode contribuir para
na gênese da EA. uma acentuação da osteoporose observada nestes pacientes.
Para o desenvolvimento da EA, em indivíduos genetica- Dentre as drogas de base convencionais, a sulfasalazina,
mente predispostos, é necessário o contato com um “fator na dose de 1 a 3 g/dia, em comprimidos de dissolução enté-
gatilho” ambiental, que parece ser representado por bactérias rica, apresenta resposta mais significativa na artrite perifé-
enteropatógenas como Salmonella sp, Shigella sp e Klebsiella rica e na prevenção de surtos recorrentes de uveíte. Estudos
sp. Várias teorias são propostas para explicar esta associação. multicêntricos não evidenciaram resposta estatisticamente
Na teoria do mimetismo molecular, a semelhança estrutural significativa quanto ao comprometimento axial da doença. O
entre segmentos da hélice α1 do HLA-B27 e sequências bacte- metotrexato, usado na dose de 7,5 a 25 mg semanal, por via
rianas específicas (como exemplos, a nitrogenase da Klebsiella oral ou intramuscular, também apresenta melhor resposta nos
pneumoniae e o plasmídeo da Shigella flexneri) levariam à ati- pacientes espondilíticos com comprometimento periférico,
vação policlonal de linfócitos T que, por sua vez, estimulariam havendo necessidade de estudos mais amplos para se avaliar
linfócitos B a produzir anticorpos contra os enteropatógenos, sua eficácia nas formas axiais e nas ênteses; revisão Cochrane,
apresentando reação cruzada com estruturas HLA-B27 positi- publicada em 2004, não encontrou eficácia estatisticamente
vas. Na teoria do peptídeo artritogênico, um fragmento bac- significativa do uso do metotrexato na EA. Outras drogas de
teriano antigênico seria apresentado ao sistema imunológico base, como a leflunomida (dose de 20 mg/dia), a talidomida
pelo HLA-B27, ativando linfócitos T citotóxicos, que desenca- (dose de 100 a 300 mg/dia) e o pamidronato (na dose mensal
deariam as reações imunológicas que levariam ao desenvolvi- de 60 mg, por via endovenosa) são opções terapêuticas, nos
mento da EA. Na teoria do peptídeo promíscuo, fragmentos casos não responsivos à sulfasalazina e ao metotrexato; estu-
do HLA-B27 seriam apresentados aos linfócitos CD4 através dos multicêntricos de longo prazo são necessários para confir-
de moléculas de classe II, daí iniciando a inflamação. Outra te- mar sua real eficácia.
oria (linked gene) especula que o HLA-B27 seria meramente Nos últimos anos, uma nova classe de drogas utilizadas no
um marcador da doença, cuja susceptibilidade estaria asso- tratamento das doenças reumáticas inflamatórias, os agen-
ciada a outros genes estreitamente relacionados com o HLA- tes biológicos, tem demonstrado uma ação bastante eficaz
-B27, ainda não completamente elucidados. Recente teoria do em pacientes refratários ao tratamento convencional. Na EA,
dobramento falho (misfolding) mostra que a ocorrência de destacam-se o infliximabe, o etanercepte e o adalimumabe. O
um dobramento falho no retículo endoplasmático do HLA-B27 infliximabe é um anticorpo monoclonal antifator de necrose
poderia ativar o eixo das interleucinas 17 e 23, dessa forma tumoral (TNF), que é uma das principais citocinas envolvidas
modulando a produção de diversas citocinas pró-inflamató- na gênese e manutenção do processo inflamatório da doença;
rias que desencadeariam as diferentes manifestações da EA. é administrado por via endovenosa, em centros de infusão que
tenham equipe médica com experiência no acompanhamen-
„„ TRATAMENTO to destes casos; a dose recomendada é de 3 a 5 mg/kg, apre-
sentando um esquema de ataque (doses a 0, 2 e 6 semanas)
Até pouco tempo atrás, a EA era considerada uma doença e outro de manutenção, a cada 8 semanas. O etanercepte, um
que progredia invariavelmente para limitação funcional im- receptor proteico com alta afinidade pelo TNF solúvel, é utili-
portante, muitas vezes incapacitante, o que contribuía para zado na dose de 25 mg, via subcutânea, duas vezes por sema-
tornar muitos pacientes depressivos após o diagnóstico. Nos na. O adalimumabe, um anticorpo monoclonal humano, deve
dias de hoje, é indispensável que o paciente seja informado ser utilizado na dose de 40 mg, por via subcutânea, a cada duas
que, embora a EA seja uma doença crônica, apresenta boas semanas. Os principais efeitos colaterais dos agentes biológi-
perspectivas terapêuticas de controle da dor e da rigidez. cos anti-TNF são as reações infusionais, a ocorrência de infec-
A fisioterapia deve ser realizada em todos os estágios da ções oportunistas (notadamente tuberculose) e a formação de
doença, na prevenção de limitações funcionais e na restaura- autoanticorpos (geralmente considerados epifenômenos, sem
ção de uma adequada mobilidade articular. Seu efeito benéfico implicação nosológica). Outros agentes biológicos anti-TNF, o
costuma desaparecer poucos meses após sua suspensão. Não golimumabe e o certolizumabe pegol ainda não disponíveis no
modifica o prognóstico da doença. Brasil, estão sendo estudados no tratamento da EA.
Os anti-inflamatórios não hormonais (AINH) são as drogas É importante frisar que o uso das drogas anti-TNF deve
de primeira escolha no tratamento do paciente espondilítico. obedecer rigorosos critérios de indicação e monitoração, vi-
São consideradas drogas modificadoras de doença, pois estu- sando diminuir os potenciais efeitos colaterais e racionalizar
do recente demonstrou que o uso contínuo dos AINH apresen- os custos de tratamento. O Consenso Brasileiro de Espondi-
ta melhor resposta quanto aos danos estruturais da doença, loartrites estabelece que a indicação dos agentes biológicos
em comparação ao uso intermitente dos mesmos. Não existem anti-TNF deve ser restrita à redução de sinais e sintomas de
trabalhos evidenciando que um determinado AINH se mostre pacientes com EA ativa de moderada à grave intensidade em
superior aos outros na comparação direta. indivíduos com resposta inadequada a dois ou mais AINH em
Com relação aos corticosteroides, a prednisona, até a dose um período mínimo de observação de três meses, e que não
de 10 mg/dia, costuma ser utilizada nos casos de artrite pe- responderam ao uso de metotrexato ou sulfasalazina em casos
riférica persistente, em casos não responsivos aos AINH. Pa- de artrite periférica em atividade. Os estudos atuais mostram
cientes com sacroiliíte intensa podem-se beneficiar com uma ação terapêutica das drogas anti-TNF, como monoterapia, por
infiltração intra-articular, guiada por tomografia computa- período de até dez anos; estima-se que a não resposta nas pri-

Espondilite Anquilosante 501


meiras 12 semanas de tratamento indique uma não resposta Agentes biológicos com diferentes mecanismos de ação
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

da doença a um agente biológico. Não existe nenhuma evidên- têm sido estudados na EA. O anakinra (antagonista do recep-
cia de uma ação sinérgica entre as drogas anti-TNF e o meto- tor da interleucina-1), o rituximabe (anti-CD20), o abatacepte
trexato e/ou a sulfasalazina. Parece que as drogas anti-TNF (modulador do sinal coestimulador de células B) e o tocilizu-
apresentam maior eficácia, e mais sustentada, no tratamento mabe (anti-interleucina-6) não apresentaram bons resulta-
das espondiloartrites que na artrite reumatoide. dos na EA.

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502 Tratado Brasileiro de Reumatologia


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Espondilite Anquilosante 503


35

Capítulo
Rubens Bonfiglioli

Artrite Psoriásica
„„ CONCEITO A partir de 1964, a antiga Associação Americana de Reu-
matologia (ARA) passa a reconhecer a Artrite Psoriásica como
A artrite psoriásica (AP) é uma doença autoimune, multi- uma enfermidade. O conceito não é universalmente aceito,
gênica, que envolve tecido sinovial, ênteses e pele, e que pode pois são poucos os achados patognomônicos e alguns pacien-
resultar em danos conjuntos significativos. Atinge uma parce- tes podem ser diagnosticados com Artrite Reumatoide ou al-
la de indivíduos com psoríase. Evidências crescentes indicam guma outra espondiloartropatia, a depender do momento e do
que AP é uma doença autoimune em que as células T, CD8+ examinador que os veja. As formas heterogêneas de apresen-
desempenham um papel central. Comparado com a maioria tação dos envolvimentos osteoarticulares, algumas vezes sem
das outras doenças reumáticas, a hereditariedade desempe- lesão cutânea, fazem desta enfermidade ainda um desafio.
nha um papel particularmente importante no desenvolvimen-
to do AP. Cerca de 15% dos parentes de um paciente com AP
também terá AP, e um adicional de 30 a 45% terão psoríase. „„ EPIDEMIOLOGIA DA PSORÍASE E ARTRITE
Assim, a presença de psoríase ou AP em um membro da famí- PSORIÁSICA
lia de um paciente com suspeita de AP fornece suporte para o
Estimativas recentes apontam a prevalência da AP em tor-
diagnóstico. A identificação dos genes responsáveis por este
no de 0,04 a 0,1% da população. A prevalência americana é
elevado grau de agregação familiar continua sendo um proces-
de 0,67%. Nos pacientes com psoríase a incidência da artrite
so contínuo, mas, entre os genes identificados, os HLA no MHC
psoriásica varia entre 6 e 39%. A psoríase é uma doença cutâ-
são de primordial importância no desenvolvimento da AP. Os
nea mais comum entre os caucasoides (2 a 3% de prevalência),
padrões de herança de psoríase e Artrite Psosiásica são os de sendo a Noruega e a Rússia os países com o maior número de
uma doença genética complexa multigênica e podem variar casos (5 a 10%). É rara em pessoas de outra etnia, como ne-
entre aqueles que simulam um modo recessivo. gros e índios (0 a 0,3%).
Finalmente, estudos de imagem evidenciaram o envolvi- Em 1938, Danson e Tyson, observando pacientes com po-
mento das ênteses na artrite psoriásica, e é possível que an- liartropatia inflamatória, notaram psoríase em 2,6%, indican-
tígenos nas ênteses possam desencadear uma resposta imune do uma prevalência maior da doença naquela condição do que
que está envolvido na patogênese da doença. na população sem artropatia. Von Romunde, em 1984, obser-
O acometimento do sistema musculoesquelético em portado- vou 5% de psoríase em pacientes com artrite inflamatória con-
res de psoríase é variado, e atinge não só a membrana sinovial, tra 2,2% da mesma patologia na população sem acometimento
como também ênteses e periósteo. O termo “Artrite Psoriásica” é articular. Quando se estuda o Fator Reumatoide em associação
definido como uma artropatia inflamatória que acompanha uma à psoríase e a artropatia inflamatória constata-se que a gran-
parcela de portadores da doença proliferativa da pele, também de maioria é soronegativo. Outro estudo aponta 30 a 35% de
com características inflamatórias e, frequentemente, com fator psoríase em pacientes com artropatia inflamatória e fator reu-
reumatoide negativo. Tal situação é resultado de fenômenos des- matoide negativo. Estas altas estimativas podem refletir um
regulatórios da resposta imune com caráter crônico. maior cuidado na observação clínica, tanto axial quanto das
O pesquisador francês Alibert foi o primeiro a descrever articulações periféricas. Parece não haver dúvidas que artri-
a associação entre psoríase e inflamação articular em 1818, e te persistente e psoríase coexistem mais frequentemente do
Bazin (1860) introduziu o termo Psoriasis Arthritique. Bourdil- que se poderia esperar. Em outro trabalho, que avaliou 1.285
lon, em 1888, apresentou a mais cuidadosa e detalhada descri- pacientes portadores de psoríase, foram observados 483 in-
ção desta enfermidade. A partir de 1950, a Artrite Psoriásica divíduos (38%) que sofriam de artrite ou entesite, incluindo
tem sido mais intensamente estudada. Wrigth (1959) obser- 40 classificados como portadores de Artrite reumatoide (3%);
vou que alguns pacientes com a doença cutânea apresentavam 177 (14%) apresentavam uma artrite indiferenciada e 266
um certo tipo de artrite erosiva, com frequência baixa para o (21%) possuíam Artrite Psoriásica bem-definida.
fator reumatoide, que atingia as articulações interfalangeanas Ao contrário da artrite reumatoide, na qual o sexo feminino
distais e sacroilíacas de forma assimétrica. predomina, a distribuição é de 1:1 entre homens e mulheres na

505
AP. Dos pacientes, 67 a 80% desenvolvem lesão cutânea antes da zado por hiperplasia da epiderme, papilomatose, espessamen-
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

artrite, e as duas condições podem ocorrer em um intervalo de to da epiderme suprapapilar, hiperqueratose e paraqueratose.
até 12 meses em 16% dos casos. Intrigante é o resultado de estu- Na região suprapapilar, existe a invasão leucocitária abaixo da
dos onde pacientes com idade inferior a 40 anos com psoríase, e epiderme, formando microabcessos que contêm neutrófilos.
que a lesão de pele precedeu o início da artrite em até nove anos. A resposta autoimune na psoríase é explicada por três teorias:

1. A autorreatividade poderia ser induzida pela presença de


„„ PSORÍASE células T auxiliares autor-reativas.
A Psoríase hoje é vista como uma alteração inflamatória, 2. Ausência do linfócito T supressor autorregulador.
autorreativa, baseada em uma contínua resposta da célula T 3. Maior reatividade contra antígenos estranhos (bactérias?).
auxiliar (helper) na pele. O conceito de uma doença imunologi-
camente mediada é o mais aceito. O infiltrado na derme das lesões psoriásicas contém linfó-
cito T e macrófagos. As células CD4+ são predominantes e, em
A pele contém todos os elementos necessários para uma
porcentagem menor, CD8+.
resposta imune competente, células apresentadoras de antí-
A estimulação da célula T, que se segue à apresentação do
genos (CD1+, células de Langerhans), células macrofágicas
antígeno (bactéria?) pelo macrófago e células de Langerhans,
perivasculares, células dendritícas, além dos queratinócitos
resulta na formação de citocinas como TNF a e IFN gama,
que podem secretar diversas citocinas pró-inflamatórias com
que induzem os queratinócitos a produzirem TGF a (fator de
ou sem propriedades imunorreguladoras (interleucinas 1, 3,
crescimento) consequentemente proliferando estas células. O
6, 8 e o fator de necrose tumoral alfa). Para completar, a derme
interferon gama (IFN) provoca nos queratinócitos a expres-
possui o fator de crescimento de macrófagos (GM-CSF).
são de HLA DR e de moléculas de adesão. Estas, por sua vez,
As modificações iniciais da psoríase consistem na dilatação induziriam uma maior produção de citocinas. Além disso, os
e na tortuosidade dos vasos da derme, com edema e separação queratinócitos também produzem IL-1, IL-6, IL-8 e TNF a, os
das células endoteliais. Acompanha um infiltrado linfocitário, quais atuariam nas células endoteliais na produção de mais
monócitos e macrófagos e neutrófilos. Estas são algumas mo- moléculas de adesão (VCAM, ICAM). Em última análise, isso
dificações que apresentam similaridade com o envolvimento recrutaria na derme as células T de memória, perpetuando a
articular. O desenvolvimento das lesões cutâneas é caracteri- reação inflamatória (Figura 35.1).

TGF-a

Queratinócito

ICAM-1

HLA-DR
IL-1 TNF-a IL-8 LFA-1

Célula Langerhans

IFN-a
TFN-a

VCAM1
Macrófago
Célula-T

Molécula de adesão ICAM-1

Figura 35.1 Esquema mostrando os eventos imunopatogênicos da Psoríase. (Autorização de Natália R. B. Barreto).

506 Tratado Brasileiro de Reumatologia


As formas de apresentação são:

„„ CAPÍTULO 35
„„ Placas: é a forma mais comum de apresentação,
também conhecida como Psoríase Vulgar. São placas
eritematopapulodescamativas, delimitadas, oligo ou
assintomáticas, bilaterais e simétricas. Predileção
por couro cabeludo e face extensora dos membros
(Figura 35.2).

Figura 35.3 Forma Gutata (Arquivo pessoal).

Figura 35.2 Lesões em placas ou psoríase vulgar.

„„ Gutata: lesões de no máximo 2 cm, em placas eritema-


tosas. Em alguns casos, está associada a infecções pelo
streptococus do Grupo A. Geralmente ocorre em pacien-
tes jovens. São eruptivas e muito numerosas, envolvem Figura 35.4 Forma eritrodérmica.
tronco e parte proximal dos membros poupando mãos
e pés (Figura 35.3).
„„ Eritrodérmica: eritema difuso, sem a clássica desca-
mação fina. Pode apresentar algumas manifestações „„ Pustulosa: como o próprio nome diz, são formações
sistêmicas como diminuição nas proteínas plasmáti- com conteúdo líquido que se formam em palma de
cas, perda de temperatura e diminuição da água por mãos e planta dos pés. Podem coalecer, quando nume-
via transepidermal. Acomete até 75% da área corpórea rosas, formando “lagos de pus”. Envolve principalmente
(Figura 35.4). paciente de meia-idade e idosos (Figura 35.5).

Artrite Psoriásica 507


„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

Figura 35.7 Forma palmoplantar (aqui representada só o acome-


timento plantar).
Figura 35.5 Forma pustulosa.

„„ Ungueal: envolve de 10 a 80% dos pacientes e pode


estar associada a outras formas. Acomete preferencial-
mente as mãos e apresenta:
1. Depressões cupuliformes;
2. Estrias transversais ou longitudinais;
3. Hematomas filiformes subungueais (Figura 35.6).

Figura 35.8 Forma invertida (regiões flexoras).

„„ ARTRITE PSORIÁSICA
Etiologia
A etiologia da Artrite Psoriásica não está clara, mas sabe-
-se que fatores genéticos, imunológicos, ambientais, estresse,
trauma e infecções podem estar envolvidos no desenvolvi-
mento da doença. Brewerton (1990) parte do princípio que
os mecanismos básicos da AP são similares aos da Espondi-
lite Anquilosante e Artrite Reumatoide. Na verdade, são des-
Figura 35.6 Lesões ungueais. critos dez mecanismos relacionados com o MHC, entre eles o
HLAB13, B37, B38, B39, B17, DR7 e a forte associação com o
Cw6. Porém, chamam a atenção aqueles que envolvem o antí-
geno leucocitário humano (HLA), do complexo maior de histo-
„„ Palmoplantar: acomete 12% dos pacientes e é diag- compatibilidade (MHC).
nóstico diferencial dos eczemas (Figura 35.7).
O sistema HLA divide-se em moléculas de antígenos de
„„ Invertida: surge principalmente nas dobras (axilas, viri- classe I (HLA-A,B, C), classe II (HLA-DR, DP) e de classe III.
lhas), e leva à maceração da pele. Envolve entre 2 a 6% Esta última classe determina, entre outros, o fator de necrose
dos pacientes (Figura 35.8). tumoral (TNF) e proteínas de choque térmico (HSP70).

508 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Nesse conjunto de moléculas, os antígenos de classe I do e, atualmente, pelo grupo internacional ASAS (ASsessment of

„„ CAPÍTULO 35
MHC vêm sendo envolvidos na patogênese da artrite psoriási- SpondyloArthritis International Society).
ca, mais especificamente o HLA-B27. O padrão de acometimento articular é característico, com
Estudos familiares em gêmeos sugerem que outros fatores envolvimento das interfalangeanas distais, assimetria, dacti-
genéticos determinam o aparecimento da doença (AP). Além lite, deformidades dos dedos, entesite e envolvimento axial.
de estímulos ambientais, alguns trabalhos observam uma Pode haver um padrão similar à artrite reumatoide, porém,
incidência que pode chegar de 65 a 72% em monozigóticos formas extra-articulares e viscerais, bem como o fator reuma-
comparados entre 15 a 30% em heterozigóticos. Presume-se toide, estão ausentes. Segundo Moll e Wrigth, a classificação da
que o HLA-B27, por si só, não seja suficiente para determinar AP pode ser definida:
a severidade e o padrão de expressão genotípica da doença,
porém está muito relacionado com as formas espondilíticas e „„ Oligoartrite
com envolvimento das sacroilíacas. „„ Poliartrite simétrica
Estudo nacional com 102 pacientes com Artrite Psoriási- „„ Artrite das interfalangeanas distais (Figura 35.9)
ca mostra a presença do HLA-B27 em 20,6%, predominando „„ Artrite mutilante (Figura 35.10)
o subtipo B*05 (90%). A maioria apresentava envolvimento
axial e do sexo masculino. „„ Axial
A forte associação com moléculas do MHC classe I sugere
que a autor-reatividade das células T CD8 seria o fator inicial
para a inflamação articular, pois estas células são observadas
em áreas de êntese de pacientes com espondiloartrite e tam-
bém predominam no líquido sinovial de pacientes com artrite
psoriásica.
O polimorfismo genético, portanto, pode influenciar esta
susceptibilidade; polimorfismo do TNF-α tem sido associado
à artrite psoriásica e à presença e progressão de artrite ero-
siva. Entre os fatores ambientais, podemos citar infecção (re-
trovírus ou bactérias Gram-positivas, como o estreptococo, e
mais recentemente o HIV), trauma articular (principalmente
em crianças) e algumas drogas (como betabloqueadores, lítio,
inibidores da enzima conversora da angiotensina e inibidores
da COX-1). A psoríase e a artrite psoriásica compartilham os
mesmos fatores desencadeantes ambientais e psicoafetivos,
porém os mecanismos neuroimunoendócrinos envolvidos
neste processo aindanecessitam ser esclarecidos.
Figura 35.10 Artrite mutilante (foto distribuída pelo Current Me-
Quadro clínico dicine).

A artropatia psoriásica é classificada dentro do grupo das


Espondiloartrites, com base nos trabalhos de Moll e Wrigth
que demonstraram algumas associações entre esta entidade Muitos estudos e autores apresentam tentativas de modificar
e outras condições daquele grupo, como as artrites reativas e rever esta classificação, mas, de uma forma geral, não têm sido
e a espondilite anquilosante. A inclusão da AP no grupo das aceitos. Existe um grande número de pacientes que apresentam
espondiloartrites também foi referendada pelos critérios do sobreposições entre as categorias, e, na prática, esta classifica-
Grupo Europeu de Estudo das Espondiloartropatias (ESSG) ção torna-se limitada. A forma axial, por exemplo, é dominante

Figura 35.9 Artrite predominante nas interfalangeanas distais (foto distribuída pelo Colégio Americano de Reumatologia – ACR) e dactilite
com alterações na ressonância magnética.

Artrite Psoriásica 509


em uma minoria dos casos, porém o acometimento clínico e ra-
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

diológico da coluna vertebral pode ser detectado em aproxima-


damente um terço dos pacientes. O envolvimento exclusivo das
interfalangeanas distais é menos comum, porém acompanha o
acometimento das artrites periféricas com frequência.
A duração do tempo de doença tem significada relevância.
Marsal encontrou uma média de duas articulações (0-8) no início
da patologia, em comparação com uma média de dez articulações
(2-19), após follow-up de oito anos. Há uma tendência de envol-
vimento espinhal com o passar do tempo. A artrite mutilante é
também um achado mais frequente com a doença prolongada.
A assimetria é a característica mais comum da AP, princi-
palmente no tipo oligoarticular. Já o envolvimento simétrico e
poliarticular não diferem da artrite reumatoide.
Figura 35.11 Poliartrite simétrica (foto distribuída pelo Current O acometimento das interfalangeanas é considerado distin-
Medicine). to. Estas articulações são envolvidas mais frequentemente na
AP do que nas artrites inflamatórias sem psoríase. No estudo
de Harrison, em 1997, em pacientes com artrite inicial, obser-
vou-se 3,9% de envolvimento nos pacientes com psoríase, em
contraste de 0,3% de pacientes sem psoríase. O envolvimento
das interfalangeanas distais (IFD) como parte da poliartrite da
psoríase pode chegar a 54%, mas quando se avalia o envolvi-
mento das IFD predominante, ou isolado, a proporção dos casos
é muito pequena, em torno de 1 a 16%, podendo ser o primeiro
acometimento, e comumente está associado a dois outros signi-
ficantes sinais clínicos, a dactilite e a distrofia ungueal. A forma
oligoarticular é altamente variável em diferentes estudos, osci-
lando entre 11 a 70% podendo chegar a 90%, principalmente
em membros inferiores. Afeta pequenas articulações das mãos
e dos pés, incluindo as interfalangeanas proximais (IFP) e dis-
tais (IFD), com predomínio no sexo masculino. É a forma mais
comum de aparecimento da AP.
A artrite mutilante não está claramente definida, apesar de
ser comumente utilizada. Em geral, é descrita como um fim de
um estágio de artrite erosiva e destrutiva com desorganização
da função articular, evoluindo para subluxação com aspecto
em “telescopagem digital”, ou dedos em “binóculo de ópera”.
Figura 35.12 Oligoartrite assimétrica.
Ao RsX, observa-se as clássicas lesões em “ponta de lápis” e
“cálice invetido”. (Figura 35.14). A frequência está em torno de
5% e associada à doença de longa duração, com predomínio
no sexo masculino.
O acometimento isolado da coluna vertebral e sacroilíacas
é incomum, e ocorre em aproximadamente 5% dos casos. A
observação clínica e radiológica cuidadosa revela envolvimen-
to axial em 20 a 40% de todos os casos de AP, podendo chegar
a 50% com o acompanhamento de longo prazo.

Figura 35.13 Axial (espondilite psoriásica) – Arquivo pessoal. Figura 35.14 Evolução radiológica clássica na artrite mutilante.

510 Tratado Brasileiro de Reumatologia


A artrite das sacroilíacas pode ser simétrica ou assimétri-

„„ CAPÍTULO 35
ca, com forte associação ao HLA-B27. A mobilidade espinhal é
preservada mesmo com a evolução da doença, diferentemen-
te da Espondilite Anquilosante. Acometimento cervical pode
acontecer com o tempo de doença. Dois tipos de alterações
são descritos: um tipo anquilosante, similar ao que é visto na
Espondilite Anquilosante (EA), e um tipo inflamatório erosivo,
que pode resultar em instabilidade ou subluxação atlantoaxial.
O envolvimento cervical pode ser silencioso, e as alterações ra-
diológicas precedem as manifestações clínicas.

„„ ENTESITES
Muitos estudos histológicos das áreas de inserções de li-
gamentos e tendões aos ossos (ênteses) e de suas relações
Figura 35.16 Ressonância magnética do calcâneo com erosão à
patológicas nas Espondiloartrites têm sido realizados, porém
direita e inflamação à esquerda.
o mais universalmente aceito é o de Ball, que demonstra a in-
flamação dos tecidos moles e a destruição óssea associada na
região de inserção. Alguns autores postulam que as lesões in-
flamatórias das ênteses são o ponto central do processo pato- Uveíte
gênico nas espondiloartites. O envolvimento do plexo uveal na AP não é igual ao da
Apesar de ser um achado característico das Espondiloarti- Espondilite Anquilosante. Segundo Paiva, a uveíte tende a ser
tes, é na Artrite Psoriásica que as entesites são mais observa- mais bilateral (38%) do que a EA (7%), acomete mais frequen-
das, o que gerou mudança nos critérios de diagnósticos. Não é temente a úvea posterior (44%), contra 17% na EA e, por fim,
raro observar-se pacientes com psoríase apresentarem somen- é contínua em até 31% e na espondilite só 6%.
te processos inflamatórios em áreas de inserção de ligamentos
e tendões ao osso. A ultrassonografia e a ressonância magné-
tica são os exames com melhor acurácia para o diagnóstico Envolvimento intestinal
(Figuras 35.15 e 35.16). Estudos demonstram que o acometimento inflamatório in-
Entesite sintomática ocorre entre 20 a 40% dos pacientes testinal é mais frequente do se pensava na Artrite Psoriásica.
com AP. Os locais mais comuns são: o tendão calcâneo, a inser- Tanto envolvimento agudo como crônico podem ser observa-
ção da fáscia plantar no calcâneo e a inserção ligamentar nos dos entre 15 e 30% dos pacientes sem sintomas abdominais. À
ossos da pelve, nas cristas ilíacas. microscopia as lesões são idênticas a doença de Crohn. Pacien-
tes com acometimento axial são os mais acometidos.
Visão longitudinal do calcânio

„„ COMORBIDADES E ARTRITE PSORIÁSICA


Estudos atuais relacionam a AP com inúmeras comorbida-
des na mesma proporção que a Artrite Reumatoide. Entre elas
se destacam: Diabetes tipo 2, Obesidade em até 30%, Esteato-
se Hepática, Dislipidemia, Hipertensão Arterial, Síndrome Me-
tabólica e Infarto do Miocárdio, este último pode variar com
idade e ser mais incidente em jovens com AP se comparado
com controles sadios.

Tendão de Critérios para o diagnóstico da artrite psoriásica


Aquiles
normal Existem, até agora, pelo menos sete tentativas de clas-
sificar e propor critérios para o diagnóstico da AP. A falta de
consenso mundial muito se deve às discrepâncias na literatura
sobre a incidência e a prevalência. Uma das razões seria a de
que não são universalmente aceitos casos definidos de artrite
psoriásica, pois até agora não há separações claras entre artri-
te reumatoide soronegativa, por exemplo, e AP, pelos autores
que propõem critérios. Há um grande número de publicações,
mas não há consenso de como melhor definir AP.
Os critérios originais de Moll e Wrigth são os mais simples
e corriqueiramente usados em estudos clínicos:

„„ Artrite periférica e/ou sacroiliíte ou espondilite


Figura 35.15 Tendão de Aquiles aumentado de espessura com
erosão em atividade inflamatória (cortesia Dr. Jose Alexandre „„ Psoríase
Mendonça). „„ Testes sorológicos para o fator reumatoide negativos

Artrite Psoriásica 511


A utilização destes critérios levou os autores a definirem „„ PROGNÓSTICO
„„ SEÇÃO 6   ESPONDILOARTRITES

os cinco subtipos de AP já descritos: oligoarticular assimétri-


ca, envolvimento exclusivo das interfalangeanas distais, po- Os avanços no entendimento e abordagem desta enfermi-
liartrite, espondilite e artrite mutilante. dade no últimos anos foram expressivos, podemos enfocar, de
um modo prático, a Psoríase e Artrite Psoriásica conforme o
O grupo CASPAR (ClASsification of Psoriatic ARthritis), fez
Figura 35.17. Ainda não há explicações concretas para a rela-
coleta de dados clínicos prospectivos e radiológicos, envolvendo
ção tanto da manifestação exclusivamente cutânea quanto das
29 reumatologistas em 12 países. O trabalho iniciou em Janeiro
manifestações osteoarticulares e a influência psicológica, bem
de 2002 e o término da coleta de dados foi em Julho de 2004.
como porque alguns pacientes pioram ou manifestam lesões
Foram coletadas amostras de sangue para pesquisa de HLA e
psoriásicas após iniciarem terapia com anti-TNF.
anticorpo anticitrulínico. O projeto pretendeu testar a acurácia
diagnóstica e as classificações existentes, e tem como outros ob- Pesquisas apontam uma pior qualidade de vida nestes
jetivos responder a questão: Artrite Psoriásica é uma coincidên- pacientes, inclusive com incidência maior de suicídio, além
cia de doenças ou uma doença com múltiplas manifestações?. de maior risco de morte que a população em geral. Aproxima-
Foram avaliados 589 pacientes e 535 controles. A partir deste damente 20% dos acometidos desenvolverão doença grave e
incapacitante o que justifica uma abordagem precoce. Os fato-
estudo, definiram-se os critérios de CASPAR. Tabela 35.1.
res de pior prognósticos são: pacientes jovens, quadro poliar-
ticular inicial, marcadores inflamatórios elevados, alterações
radiológicas precoces, presença do HLA-B27 e alguns autores
referem que a maior extensão das lesões de pele.
Tabela 35.1 Critérios do grupo CASPAR (a evidência de pso-
ríase no paciente já vale 2 pontos).
Tratamento
Critérios CASPAR
As manifestações articulares e dermatológicas associadas
Estabelecida doença musculoesquelética inflamatória (articular, coluna e à artrite psoriática são extremamente heterogêneas na exten-
entese) são e no tipo de envolvimento do tecido. Pacientes com AP po-
E mais 3 das seguintes dem desenvolver artrite não apenas periférica, mas também
acometer esqueleto axial, dactilites e entesites, com conse-
1. Evidência de psoríase (1 de A, B, C) quente impacto negativo sobre a função e a qualidade de vida.
A. Pele e couro cabeludo Heterogeneidade é observada não só nas manifestações da
B. História de psoríase doença, mas também em termos de gravidade, que pode va-
C. História familiar de psoríase riar de psoríase leve ou muito difusa, de entesite para doen-
2. Distrofia ungueal ça avançada e inflamação articular grave, com destruição que
3. Fator Reumatóide negativo (ELISA ou nefelometria) pode resultar em deficiência e aumento da mortalidade. Além
4. Dactilite (1 de A e B) disso, comorbidades associadas à psoríase, como a síndrome
A. Inflamação digital metabólica podem contribuir para danos em multiplos órgãos
B. História de inflamação digital e, muitas vezes, leva à qualidade de vida significativamente
5. Evidência radiológica prejudicada, assim como a mortalidade precoce.

Psoríase

Entesite
Dactilite
Interfalangeana
Distal
Axial Diabetes
Mutilante
Doença
cardiovascular
Doença
Uveíte Obesidade
intestinal

Figura 35.17 Abordagem de paciente com psoríase e artrite psoriásica.

512 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Os progressos recentes na compreensão da imunopatoge- Brasileiro das Espondiloartrites de 2007, na falha de dois

„„ CAPÍTULO 35
nia da AP têm sido acompanhados pelo avanço do tratamento, DMARDS, por seis meses (três meses pelo grupo CASPAR), já
que acelerou rapidamente nas últimas decadas. Apesar desses está indicado o uso de um anti-TNF. Os estudos apontam que
avanços, as decisões terapêuticas de um paciente com AP pode a Sulfasalazina, Metotrexato, Leflunomida e Ciclosporina, esta
ser difícil, em virtude da diversidade de características clínicas em associação com MTX, são os mais utilizados. O MTX e a CSP
e da participação simultânea de diferentes tecidos e graus de têm ação na doença de pele também.
gravidade. De forma semelhante à espondilite Anquilosante, os ini-
Para atender à necessidade de recomendações baseadas bidores do TNF-α apresentam resultados satisfatórios tanto
em evidências e auxiliar o tratamento médico, os membros do na doença articular quanto cutânea, em adultos e crianças.
Grupo de Investigação e Avaliação de Psoríase e Artrite Pso- Os agentes biológicos anti-TNF-α aprovados para tratamento
riática (GRAPPA) publicou revisão sistemática da literatura da artrite psoriásica, com base em estudos controlados para
para identificar as melhores evidências disponíveis a respeito avaliar eficácia e segurança, são o infliximabe, o etanercepte
do tratamento das diversas manifestações da AP (Tabela 35.2). e o adalimumabe. O infliximabe tem mostrado boa resposta
clínica e inibição da progressão radiológica após um ano de
tratamento. O etanercepte também tem demonstrado resposta
clínica sustentada em um ano e inibição da progressão radio-
Tabela 35.2 Recomendações do GRAPPA para o tratamento lógica após dois anos de uso.
da Psoríase e Artrite Psoriásica (adaptada de Kavanaugh O adalimumabe também tem mostrado melhora clínica ar-
et al.). ticular e cutânea sustentada após um ano de tratamento. Os
agentes anti-TNFα na AP têm o potencial de levar a um alívio
Reavaliar a resposta terapêutica e toxicidade
sintomático e auxiliar a prevenir a progressão da doença, com
Artrite Pele e Unha Axial Dactilite Entesite significativa melhora da qualidade de vida dos pacientes. Ne-
Periférica nhum trabalho mostrou que um agente anti-TNFα específico é
superior aos demais.
AINH Tópicos: AINH AINH AINH
Novos agentes anti-TNF estão sendo lançados com resul-
Infiltração PUVA Fisiotera-pia Anti-TNF Fisiotera-pia
tados positivos na Psoríase e Artrite Psoriásica, são eles: o
IA UVB Anti-TNF Anti-TNF
Golimumabe e o Certrolizumabe, que têm como vantagens a
DMARD: administração subcutânea e com menos frequência. Estudos
(MTX, Sistêmicos: com ustekinumabe semanal (anti-IL23) têm apresentado bons
CSP,SFZ, (MTX, CSP resultados em psoríase e, ainda, espera-se sucesso também na
LEF) etc) AP. Na falha dos anti-TNFs, o Abatacepte tem sido escolhido.
Anti-TNF Anti-TNF
„„ AINH: anti-inflamatório não hormonal – doses habi-
tuais, não há distinção.
Os anti-inflamatórios não esteroides (AINH) são utilizados „„ IA: Infiltração Intra-articular com corticoesteroide
como primeira escolha em todas as formas, alguns estudos (Triancinolona).
controlados indicam a sua eficácia e, em alguns casos leves,
„„ DMARD: Drogas modificadoras das doenças reumáticas.
pode ser a única medicação prescrita. Não há diferença de-
mostrada entre eles, porém não existem estudos comparati- „„ MTX: Metotrexato – dose entre 12,5 e 25 mg/semana
vos. Tanto os AINH seletivos para ciclo-oxigenase-2 (COX-2) via oral ou injetável.
quanto os não seletivos podem ser utilizados de forma contí- „„ CSP: Ciclosporina – 3,5 a 5,0 mg/kg ao dia, pode ser
nua ou por demanda. combinado com MTX.
As infiltrações intra-articulares (IA) estão indicadas nas for- „„ SFZ: Sulfasalazina – 2,0 a 3,0 g ao dia.
mas mono ou oligoarticulares, no máximo de três em um ano na
„„ LEF: Leflunomida – 20 mg ao dia.
mesma articulação, e se o paciente já estiver utilizando DMARD
e não obtiver resposta, já está indicado o uso do anti-TNF. Deve- „„ Anti-TNF: Antifator de Necrose Tumoral – Infliximabe
-se ter muito cuidado com o uso de esteroides na AP pois pode 5 mg/kg em infusões, Adalimumabe 40 mg a cada 14
ocasionar em reagudização ou piora das lesões cutâneas. dias e Etanercepte 50 mg por semana.
Os DMARDS são indicados, na maioria das atuais publi- „„ PUVA: Psoralen-ultraviolet light A (luz ultravioleta A).
cações atuais, nas formas periféricas e, segundo o Consenso „„ UVB: Ultravioleta de luz B.

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Artrite Psoriásica 515


7 Seção

Doenças Difusas do Tecido Conectivo


36

Capítulo
Wiliam Habib Chahade  Daniel Brito de Araujo  Rina Dalva Neubarth Giorgi 
Sônia Maria Alvarenga Anti  Leandro Tavares Finotti

Artrite Reumatoide: Classificação, Epidemiologia,


Quadro Clínico e Manifestações Sistêmicas
„„ INTRODUÇÃO, CONCEITO E INCIDÊNCIA predisposição genética, fatores ambientais e diversos meca-
nismos inflamatórios e imunológicos, os quais agem em para-
A primeira descrição histórica da doença reumatoide foi lelo ou sequencialmente na membrana sinovial da articulação
feita no século XVIII por Laudré-Beauvais, o qual a denominou acometida (Figura 36.1).
inicialmente de gota astênica primitiva. Porém, acredita-se
Estudos genéticos evidenciam uma forte ligação entre
que não seja uma enfermidade reconhecida apenas em tem-
a AR e os antígenos HLA-DRb1*0404 e HLA-DRb1 *0401 do
pos tão recentes, já que existem pinturas de épocas mais an-
complexo principal de histocompatibilidade (MHC) classe II.4
tigas retratando-a.1 Foi, no entanto, o inglês Sir Alfred Baring
Ressalta-se que o alelo HLA-DRb1*0404, que é o principal
Garrod quem utilizou pela primeira vez a denominação artrite
marcador genético de suscetibilidade para AR, encontra-se as-
reumatoide (AR), em 1859, e o francês Jean-Martin Charcot
sociado à produção de anticorpos antiproteínas citrulinadas.
quem estabeleceu o diagnóstico diferencial entre a gota, a fe-
Estudos em gêmeos estimam que a contribuição de fatores ge-
bre reumática, a AR e a osteoartrose.1,2
néticos na AR seja de aproximadamente 50%.5
Podemos considerá-la como sendo uma enfermidade imu-
Os fatores ambientais têm sido considerados importantes,
neinflamatória crônica e sistêmica, de etiologia desconhecida,
embora de mecanismos ainda obscuros. Provavelmente hos-
que, geralmente, acomete preferencialmente as articulações
pedeiros geneticamente suscetíveis iniciem a sinovite poliar-
sinoviais, de característica progressiva, comprometendo gra-
ticular que, posteriormente, torna-se autoperpetuável. O fator
vemente a qualidade de vida.
estabelecido de maior risco para o desenvolvimento da AR é o
A incidência anual da AR tem sido referida como sendo de tabagismo,6 estando fortemente associado à presença do fator
30 casos na população para cada 100.000 indivíduos, afetando reumatoide (FR) e/ou anticorpos antipeptídeos citrulinados
todas as raças em qualquer faixa etária.3 O gênero feminino cíclicos (anti-CCP). Outros fatores como sílica, poeira e óleos
é mais acometido do que o masculino, em uma proporção de minerais também foram implicados como fatores de risco.2
duas a três mulheres para um homem. A prevalência da doen- Embora não comprovado em todos os estudos, a terapia de re-
ça é de cerca de 1% em caucasoides, variando de 0,1% (em posição hormonal e o consumo moderado de álcool parecem
africanos rurais) a 5% (entre as tribos indígenas norte-ameri- ser fatores protetores.2 Também tem sido observada uma forte
canas Pima e Chippewa).3 associação entre o hábito do tabagismo, a presença do HLA-
Seu pico de início está entre os 35 e 55 anos de idade, al- -DRb1*0404 e a presença de proteínas citrulinadas.
cançando uma incidência de 5% entre as mulheres com mais A interação entre a predisposição genética e fatores ambien-
de 60 anos. Acredita-se que esteja ocorrendo um aumento na tais é provavelmente o gatilho responsável pelo início da AR. É
incidência entre as mulheres. possível que o primeiro evento que ocorra na doença reumatoi-
Apesar da denominação artrite reumatoide (AR) ter se de seja a ativação de linfócitos Th1 por um ou mais antígenos
perpetuado por seu constante uso, acreditamos que uma me- ainda desconhecidos, o qual é apresentado à célula T pela cé-
lhor denominação seria conceituá-la como doença reumatoide lula apresentadora de antígeno (células dendríticas e macrófa-
(DRe), o que demonstraria o caráter sistêmico, e não apenas gos) através da interação entre o receptor de célula T e o MHC
articular, desta doença. classe II.2,4 A ativação das células T conduz a múltiplos efeitos
subsequentes, incluindo ativação e proliferação de sinoviócitos
„„ CONSIDERAÇÕES ETIOPATOGÊNICAS e células endoteliais, recrutamento e ativação de outras células
inflamatórias circulatórias e da medula óssea, secreção de cito-
A AR é uma doença complexa e ainda não totalmente cinas e proteases pelos macrófagos e células sinoviais fibroblas-
compreendida, resultando de uma intrincada interação entre tos-símiles, além da produção de autoanticorpos.4,7

519
O fator de necrose tumoral (TNF)-α e a interleucina (IL)- tipo II, antígeno cartilaginoso glicoproteína-39 (gp39), imuno-
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

1 são considerados as citocinas-chave na patogênese da AR. globulina G e as proteínas citrulinadas – encontrados em vá-
Essas citocinas induzem a síntese e a secreção de IL-6, IL-8, rios locais da inflamação reumatoide – que geram anticorpos
proteases, prostanoides e fator estimulador de colônias de considerados altamente específicos para a AR.8
macrófagos e granulócitos,2,4,7,8 além de aumentarem as con- O início da inflamação reumatoide e de sua resposta imune
centrações de metaloproteinases que levam à destruição teci- parece acontecer na membrana sinovial, sendo representada
dual.9,10,11 O TNF-α e a IL-1 são as principais citocinas liberadas pela neovascularização e pelo aparecimento de linfócitos e de
pelos macrófagos na articulação de pacientes com AR, apre- leucócitos polimorfonucleares no fluido sinovial, através de
sentando, ambos, concentrações séricas e sinovial elevadas migração do intravascular.
em pacientes com doença em atividade.12 A IL-6 estimula a produção de IL-17 que juntas estimulam
As células T correspondem a mais de 50% da população ce- a liberação de citocinas, a produção de enzimas que destroem
lular na membrana sinovial reumatoide, em sua maioria CD4+ a cartilagem e a expressão de moléculas como o receptor ati-
com fenótipos de memória, e apenas cerca de 5% são linfócitos vador do ligante do NFκβ (RANKL). O RANKL está relaciona-
B ou plasmócitos. Tudo indica que as células T estimulam as do com a destruição óssea na AR, por meio da ativação dos
células B com aumento de produção de anticorpos sinoviais.2,4 pré-osteoclastos após ligação ao RANK presente na superfície
Após a ativação de uma célula T inicial, a máxima resposta dessas células, transformando-os em osteoclastos ativos, res-
desta célula depende de duas outras moléculas coestimulató- ponsáveis pela absorção óssea e surgimento tanto das erosões
rias: CD40 e CD28, representando o segundo sinal de ativação. ósseas quanto da osteopenia justa-articular além da maior in-
O primeiro sinal é representado pela proteína do HLA-classe II cidência de osteoporose nesses pacientes.2
(DRb1) interagindo com o receptor de célula T. Moléculas coes- Intensa pesquisa tem sido realizada no sentido de identificar a
timulatórias são encontradas em excesso no tecido reumatoide.8 célula T inicialmente ativada, o que poderia ajudar no conhecimen-
Após o desencadeamento da resposta imune, antígenos to da estrutura e da natureza do antígeno deflagrador da enfermi-
adicionais também reconhecidos pela célula T, podem contri- dade. No entanto, poucos foram os avanços, embora vários tipos
buir e intensificar a reação imuneinflamatória. Quatro antíge- de células T, com diferentes proteínas marcadoras em suas super-
nos com estas ações patogênicas têm sido descritos: colágeno fícies, tenham sido evidenciadas, no início da reação inflamatória.

CD20
Espaço sinovial ACPAs
CD40 CD40L

MHC classe II IL-1


MHC Receptor TN-F IL-17
T B de Cél T CD28

Cél T ativada Cél B ativada


Macrófago/ CD80-86
Cél apresentadora IL-6 TH17

de antígeno Macrófago

Osso

TNF IL-1 IL-17

Cartilagem pro-MMP
MMP

Macrófago
Osteoclasto TNF IL-1 IL-6
Fibroblasto
maduro Pré-osteoclasto RANKL
Osteoblasto
Rank
Osteoclasto Cél T ativada
Osteoprotegerina

Osteoblastos RANKL solúvel


Precursor
mieloide

Figura 36.1 Complexos mecanismos patogênicos da AR acontecem na membrana sinovial e tecidos ósseo e cartilaginoso. A susceptibi-
lidade genética é representada pela molécula do MHC classe II (HLA-DR4B1) das APCs que estão envolvidas na apresentação de (auto)
antígeno desconhecido, responsável pela deflagração e perpetuação da resposta imune dependente do LTh. No tecido sinovial, o influxo
de LTh, células mononucleares e LB desencadeia eventos imunológicos e inflamatórios, que podem ser exacerbados pela produção de
autoanticorpos (como FR e ACPAs) e imunocomplexos gerados pelo LB estimulado. Citocinas pró-inflamatórias como IL-1, TNF-α, e IL-6
(monocinas), geradas por diferentes células, são fundamentais para migração de células inflamatórias para o espaço sinovial, proliferação
de LT e diferenciação de LB, além de estimular a apresentação antigênica e ativação de células não imunes implicadas diretamente na des-
truição do tecido articular (fibroblasto, condrócito e osteoclasto) e de promover efeitos sistêmicos. Tais citocinas induzem umas às outras,
especialmente IL-6, uma das responsáveis pela polarização do fenótipo TH17 produtor da IL-17 – potente indutora pró-inflamatória e da
autoimunidade. Na cartilagem, os condrócitos ativados produzem as MMPs, fundamentais na destruição cartilaginosa. No tecido ósseo, a
osteoclastogênese é acelerada pelas monocinas por estimular aumento na expressão do RANK-L em diferentes células ou por efeito direto
sobre pré-osteoclastos, resultanto em maturação osteoclástica e erosões ósseas. APC = célula apresentadora de antígenos; LTh = linfócito
T helper; LB = linfócitoB; FR = fator reumatoide; ACPAs = anticorpos contra proteínas citrulinadas; MMPs = metaloproteinases da matriz;
TCR = receptor de célula T.

520 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS mento do ramo interósseo posterior do radial, por proliferação

„„ CAPÍTULO 36
sinovial ao nível do punho e do cotovelo, respectivamente, e poli-
Manifestações musculoesqueléticas neuropatia e mononeurites múltiplas vasculíticas ou tóxicas. Mie-
Na AR, a artrite é de instalação insidiosa com envolvimento lopatia cervical compressiva por subluxação atlantoaxial deve ser
poliarticular simétrico, remitente, progredindo de forma adi- sempre lembrada em pacientes com cervicalgias intensas.
tiva da periferia para as articulações proximais. A instalação Pacientes com AR, quando comparados com a população
subaguda ou abrupta, quadros oligoarticulares ou mesmo de saudável, apresentam um maior risco de desenvolver infec-
início monoarticular, também podem ser observados, embora ções, complicações cardiovasculares, osteoporose e linfoma ao
mais raramente. A evolução monofásica autolimitada ou per- longo do tempo.
sistente pode ser observada com menor frequência.
Se não controlada, pode levar à deformidade articular, „„ AR E GESTAÇÃO
com limitação articular total naqueles casos resistentes ao
tratamento, sendo que tanto a diminuição do espaço articular A maior prevalência de AR entre as mulheres sugere in-
quanto as erosões podem ser demonstradas já nos primeiros fluência do perfil hormonal na enfermidade. Além disso,
dois anos de doença em mais de 70% dos pacientes.13-15 observa-se melhora da sintomatologia na fase lútea do ciclo
menstrual, melhora na atividade de doença em 50 a 80% dos
pacientes no período da gravidez e mesmo supressão de artri-
Manifestações sistêmicas
te induzido por colágeno em ratas ooforectomizadas.21,22
As manifestações extra-articulares da AR incluem esclerite É conhecido que mulheres com AR apresentam no período
e episclerite, vasculite cutânea, nódulos subcutâneos, amiloi- pré- e pós-menopausa níveis diminuídos de de-hidroepian-
dose e comprometimento pulmonar, além de manifestações drosterona (DHEA) em relação aos controles saudáveis, mas
como anemia e fadiga. Porém, com os avanços terapêuticos, o não diferem nos níveis de estrógeno.23 A gravidez induz altera-
aparecimento destas manifestações extra-articulares tornou- ções hormonais e, no sistema imunológico, que normalmente
-se cada vez mais raro.16 inibem a atividade da doença reumatoide. No período graví-
O comprometimento ocular mais frequente na AR é a ce- dico, existe elevação de níveis de DHEA, cortisol, estrógeno,
ratoconjuntivite sicca, decorrente da sobreposição de AR com progesterora e norepinefrina, sendo elementos importantes
síndrome de Sjögren, além de esclerite e episclerite. A escleri- na mudança do perfil de citocinas de Th1 para Th2 e mesmo
te, ao contrário da episclerite, que geralmente segue um curso na ação anti-inflamatória.24 As mudanças imunológicas ainda
favorável, apresenta uma evolução mais grave, podendo levar incluem aumento da síntese de complemento induzido pelo
à formação de ulcerações na esclera, um quadro conhecido estrógeno, diminuição da atividade de células natural-killer,
como escleromalacia perfurante.17 aumento de receptores do TNF solúveis aumentando sua liga-
O envolvimento pulmonar secundário à AR é frequente, ção e aumento de antagonistas de receptores da IL-1.25
sendo a terceira causa de óbitos nesses pacientes, após as in- O manejo da AR durante a gravidez normalmente não traz
fecções e os eventos cardiovasculares. Ocorre mais frequente- grandes dificuldades, tendo em vista a melhora que normal-
mente naqueles pacientes com FR positivo, doença de longa mente ocorre a partir do primeiro trimestre. Na prática, as
duração, tabagistas, e com erosões ósseas à radiografia.18 As medicações costumam ser suspensas em virtude do potencial
manifestações mais comuns são a doença pulmonar parenqui- teratogênico, sendo necessário planejamento da gestação.
matosa difusa (DPPD) com fibrose de predomínio em bases,
O MTX deve ser suspenso três meses antes da concepção, e
a presença de nódulos pulmonares, derrame pleural e, mais
a leflunomida, caso não seja utilizado o quelante colestiramina
raramente, bronquiolite obliterante.18,19 Na DPPD o subtipo
que auxilia na eliminação do fármaco, pode requerer até dois
mais frequente é o padrão de pneumonite intersticial usual
anos para que se alcance valores de concentrações plasmáti-
(PIU), além de pneumonite intersticial não específica (PINE),
cas que não ofereçam risco de malformação (níveis inferiores
pneumonite intersticial linfocítica (PIL) e pneumonia em or-
ganização (BOOP).18 A evolução costuma ser mais branda que a 0,02 mg/L).
nos casos correspondentes idiopáticos e de sintomatologia Os pacientes que entram em atividade de doença podem
tardia em fase de fibrose, embora existam raros casos fatais ser controlados com anti-inflamatórios não esteroidais (AI-
de pneumonite intersticial aguda com lesão alveolar difusa NEs) até o início do terceiro trimestre e doses baixas de pred-
(Hamman-Rich símile). Existe ainda o risco de pneumonite nisona. Hidroxicloroquina e sulfassalazina podem ser usadas
de hipersensibilidade secundária às drogas antirreumáticas se não for alcançado controle com os fármacos anteriores. Nos
modificadoras de doença (DMARDs) – o uso de metotrexato casos de atividade severa, pode ser aumentado o corticoide
(MTX) apresenta um risco menor que 5% para o desenvol- ou iniciado anti-TNF, pesando-se os riscos.26 Os pacientes em
vimento deste quadro. Ocorre, geralmente, no início do tra- uso de qualquer uma das drogas biológicas são aconselhados
tamento, e a resolução do quadro se dá com a suspensão da a suspendê-la previamente à concepção. Durante a amamen-
droga e o uso de glicocorticoides (GC). Em relação aos raros tação, o manejo segue os mesmos princípios, no entanto, até
casos relacionados com o uso de leflunomida, são considera- 90% das pacientes experimentam reagudização da doença no
dos fatores de risco lesão pulmonar prévia, uso da dose de ata- pós-parto, normalmente nos primeiros três meses.
que, tabagismo, baixo peso e hipoalbuminemia.18,19
A síndrome de Felty é caracterizada pela presença, em pa-
„„ DIAGNÓSTICO
cientes com AR soropositiva grave, de esplenomegalia e leuco-
penia, podendo, também, ocorrer febre, úlceras de membros O diagnóstico da AR, assim como de diversas outras en-
inferiores, hepatomegalia, trombocitopenia e linfadenopatia.20 fermidades reumáticas autoimunes, é construído através da
Podem ser observadas neuropatias periféricas, como sín- integração de uma constelação de achados clínicos sindrômi-
dromes compressivas – síndrome do túnel do carpo e aprisiona- cos, laboratoriais e de imagem. Não há sintoma, sinal ou exame

Artrite Reumatoide: Classificação, Epidemiologia, Quadro Clínico e Manifestações Sistêmicas 521


diagnóstico que, isoladamente, seja suficientemente específico 5. Achados radiológicos: a radiografia simples de mãos, pu-
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

para o diagnóstico. Dessa forma, seu diagnóstico é, em última nhos e pés é usada rotineiramente para avaliação diagnós-
análise, essencialmente clínico. tica e monitoramento clínico. Erosões ósseas marginais
Em 1987, os critérios de classificação da AR foram revi- (inserções capsulossinoviais) e posteriormente centrais
sados pelo Colégio Americano de Reumatologia (ACR) (Tabela (com perda cartilaginosa) são achados que têm seu valor
36.1),27 com base em pacientes com doença de longa evolução limitado para o diagnóstico inicial. Porém, a presença de
(média de 7,7 anos de sintomas). Embora desenvolvidos com erosões e de porose justa-articular não são específicos,
o objetivo de padronização de estudos epidemiológicos e en- sendo encontrados em diversas artropatias inflamatórias.
saios clínicos, na prática oferecem um guia para o diagnóstico, A avaliação dos tecidos moles (sinóvia e cartilagem) aco-
já que descrevem aspectos clássicos da doença. Em suma, ca- metidos precocemente, e de pequenas erosões iniciais, é
racterizam uma entidade clínica representada por: mais bem realizada por outros métodos de imagem como a
ultrassonografia (US) e a ressonância magnética (RM). Não
1. Poliartrite periférica simétrica: o aspecto clássico mais há achado de imagem precoce ou tardia que, isoladamente,
característico é o de artrite simétrica de ambas as mãos, seja suficiente para o diagnóstico de AR.
comprometendo as articulações metacarpofalangeanas Os critérios de classificação de 1987 apresentam sensi-
(MCFs) e interfalangeanas proximais (IFPs), além dos pu- bilidade entre 91 e 94% e especificidade de 89% nos pa-
nhos, sendo que o envolvimento aditivo de metatarsofa- cientes com AR estabelecida, porém, na doença de curta
langeanas (MTFs) aumenta a especificidade. No entanto, duração, apresentam baixa sensibilidade, podendo ser
diversas outras enfermidades podem ser representadas preenchidos por diversas outras entidades clínicas, não
por poliartrite periférica simétrica, principalmente a artri- sendo indicados na detecção de doença inicial.29 Uma re-
te psoriásica (APs), além de lúpus eritematoso sistêmico visão sistemática sugere que sua sensibilidade e especi-
(LES), doença mista do tecido conectivo (DMTC), síndrome ficidade é de 67 e 75%, respectivamente, para prever AR
de Sjögren (SS), síndrome antissintetase, doença por depo- em paciente com poliartrite inicial não específica.30 Assim,
sição de pirofosfato de cálcio (DDPC) e menos caracteristi- apesar de utilizados há muitos anos, pela baixa sensibilida-
camente a esclerose sistêmica (ES). de e especificidade para doença inicial, os critérios ACR, de
A apresentação atípica como monoartrite de grande arti- 1987, de classificação para AR vêm perdendo importância.
culação traz maiores dificuldades ao diagnóstico, exigindo Além disso, novos marcadores humorais como o anti-CCP,
análise do líquido sinovial, estudo de imagem e de mar- mais específicos que o FR, têm maior utilidade no diagnós-
cadores sorológicos, sendo que, muitas vezes, apenas com tico inicial da doença.31
o aparecimento de artrite em pequenas articulações, é es-
tabelecido o diagnóstico. A biópsia sinovial, nestes casos,
pode ajudar apenas no diagnóstico diferencial com aque-
las poucas enfermidades que apresentam uma patologia
Tabela 36.1 Critérios de classificação da artrite reumatoide
sinovial típica, sendo que, quando a probabilidade de tal
situação for baixa, o valor preditivo positivo do procedi- (ACR 1987).
mento é baixo, em virtude dos achados histológicos ines- 1. Rigidez matinal com duração de ao menos 1 hora e por pelo menos
pecíficos da sinóvia reumatoide. 6 semanas.
2. Rigidez matinal prolongada: por períodos de mais de 2. Três ou mais articulações edemaciadas por pelo menos 6 semanas,
trinta minutos ou uma hora, comum em diversas enfer- observadas pelo médico (IFP, MCF, punhos, cotovelos, joelhos,
midades inflamatórias, sendo útil apenas na diferencia- tornozelos e MTF).
ção entre patologias inflamatórias e não inflamatórias. 3. Acometimento de pelo menos uma destas articulações: punhos, MCF ou
Podendo ser usada como parâmetro clínico de atividade IFP, por pelo menos 6 semanas.
da AR. 4. Envolvimento articular simétrico por pelo menos 6 semanas.
3. Nódulos reumatoides: são encontrados em superfícies 5. Presença de nódulos subcutâneos sobre proeminências ósseas,
extensoras de membros, sobre tendões e superfícies que superfícies extensoras ou em regiões periarticulares.
recebem pressão, sobre articulações. Localizações visce- 6. Fator reumatoide positivo.
rais como pulmão e sistema nervoso central foram des- 7. Alterações radiográficas em mãos e punhos (erosões ou osteopenia
critos. São altamente específicos de artrite reumatoide, no justa-articular).
entanto, de pouco valor para o diagnóstico precoce, visto A presença de 3 critérios classifica o paciente como sendo portador de
estarem presentes em estágios avançados de doença. São artrite reumatoide.
associados à doença agressiva, com positividade para FR e
IFP = interfafangeana proximal; MCF = metacarpofalangeana;
anti-CCP, além de manifestações extra-articulares. MTF = metatarsofalangeana.
Podem ser confundidos com eritema nodoso (principal-
mente na hanseníase com poliartrite), granulomas da gra- A necessidade do diagnóstico precoce e o reconhecimento
nulomatose de Wegener e da síndrome de Churg-Strauss, de entidades como a AR precoce (early rheumatoid arthritis
granuloma anular, nódulos associados à hiperlipidemia e, (ERA)) e a AR muito precoce (very early rheumatoid arthritis
principalmente, com tofos gotosos. (VERA)) levaram à reavaliação dos critérios classificatórios,
4. Fator reumatoide: sua positividade acrescenta valor sendo que, em 2010, novos critérios foram propostos em con-
diagnóstico, principalmente quando em altos títulos em junto entre o ACR e a Liga Europeia Contra o Reumatismo (EU-
paciente com quadro clínico compatível, porém tem es- LAR) (Tabela 36.2).32
pecificidade limitada e pode estar ausente na doença de
início recente.28

522 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 36
Tabela 36.2 Critérios de classificação da artrite reumatoide (ACR/EULAR 2010).

Quem deve ser testado: pacientes com ao menos uma articulação com sinovite clínica (edema) definida*
Esta sinovite não podendo ser explicada por outra doença

Critérios de classificação Pontos

A. Envolvimento articular 1

1 grande articulação2 0
2-10 grandes articulações 1
1-3 pequenas3 articulações (com ou sem envolvimento de grandes articulações) 2
4-10 pequenas articulações (com ou sem envolvimento de grandes articulações) 3
> 10 articulações4 (pelo menos uma pequena articulação) 5

B. Sorologia5

FR negativo e AAPC negativo 0


FR positivo em título baixo ou AAPC positivo em título baixo 2
FR positivo em título alto ou AAPC positivo em título alto 3

C. Provas de fase aguda6

PCR normal e VHS normal 0


PCR anormal ou VHS anormal 1

D. Duração dos sintomas7

< 6 semanas 0
≥ 6 semanas 1
Algoritmo com base em pontuação: soma dos pontos das categorias A-D ≥ 6 é necessária para classificação definitiva de um paciente como tendo AR.
* Este critério deve ser usado na classificação de novos pacientes. Pacientes com doença erosiva típica da AR com um histórico prévio que preencha os critérios de
2010 devem ser classificados como tendo AR. Pacientes com doença de longa data, incluindo aqueles em que a doença está fora de atividade que, com base em
histórico retrospectivo tenham preenchido os critérios de 2010 devem ser classificados como tendo AR.
1
O envolvimento articular se refere a qualquer articulação edemaciada ou dolorosa ao exame físico e pode ser confirmado por evidências de sinovite detectada por um
método de imagem. As articulações interfalangeanas (IF) distais, primeira carpometacarpiana (CMTC) e primeira metatarsofalangeana (MTF) são excluídas da avaliação.
As diferentes categorias de acometimento articular são definidas de acordo com a localização e o número de articulações envolvidas (padrão ou distribuição do
acometimento articular). A pontuação ou colocação na categoria mais alta possível é baseada no padrão de envolvimento articular.
2
São consideradas grandes articulações: ombros, cotovelos, quadris, joelhos e tornozelos.
3
São consideradas pequenas articulações: punhos, MTCF, IF proximais, IF do primeiro quirodáctilo e articulações MTF.
4
Nesta categoria, pelo menos uma das articulações envolvidas deve ser uma pequena articulação; as outras articulações podem incluir qualquer combinação de
grandes e pequenas articulações, bem como outras não especificamente mencionados em outros lugares (por exemplo, temporomandibular, acromioclavicular e
esternoclavicular).
5
Ao menos o resultado de um dos testes é necessário para classificação, sendo que títulos positivos baixos correspondem a valores (UI) maiores até três vezes o LSN
para o método, e títulos altos correspondem a valores maiores que 3 vezes o LSN. Quando o FR só estiver disponível como positivo ou negativo, um resultado positivo
deve ser marcado como “positivo em título baixo”.
6
Ao menos o resultado de um teste é necessário para classificação, sendo considerada anormal baseando-se nos padrões laboratoriais locais (outras causas de
elevação das provas de fase aguda devem ser excluídas).
7
Duração dos sintomas se refere ao relato do paciente quanto à duração dos sintomas ou sinais de sinovite (por exemplo, dor, inchaço) nas articulações que estão
clinicamente envolvidas no momento da avaliação, independentemente do status do tratamento.
FR = fator reumatoide; AAPC = anticorpos antiproteína/peptídeo citrulinados; LSN = limite superior do normal; VHS = velocidade de hemossedimentação; PCR =
proteína C–reativa.

Estes novos critérios destinam-se, principalmente, à de- dendo ou não ser confirmada por exame de imagem) ou dor à
tecção de pacientes com poliartrite inicial indiferenciada que palpação da interlinha articular. As pequenas articulações são
estão sob maior risco de evolução com artrite persistente e representadas pelas IFPs e MCFs, punhos, segunda à quinta
erosiva de característica reumatoide.32 Também são válidos articulações metatarso-falangeanas e interfalangeanas do há-
para casos de doença erosiva estabelecida compatível com AR lux, enquanto as grandes articulações são ombros, cotovelos,
e para casos de longa evolução sem atividade que preencham, quadris, joelhos e tornozelos. É composto por quatro domínios
atualmente ou previamente, estes critérios para classificação. com pontuações, cuja soma simples em valor maior ou igual a
Este modelo é o paradigma atual da construção do diagnóstico seis do total de dez pontos estabelece classificação de AR de-
de AR, permitindo diagnóstico e início terapêutico precoces finitiva.32
com drogas modificadoras de doença (DMARDs). Para cum- Além dos critérios classificatórios para artrite inicial, o
primento de seu objetivo principal, são aplicáveis em pacien- EULAR publicou uma recomendação de que pacientes com
tes que apresentem, no mínimo, uma articulação com sinovite alto índice de suspeição com a presença de um ou mais dos se-
clinicamente detectável e que não possa ser mais bem expli- guintes achados: mais de uma articulação edemaciada, envol-
cada por outra enfermidade. O envolvimento articular, usado vimento de MCFs ou MTFs (Squeeze test positivo) ou presença
como descritor, se relaciona com a presença de sinovite (po- de rigidez matinal maior que trinta minutos, sejam encami-

Artrite Reumatoide: Classificação, Epidemiologia, Quadro Clínico e Manifestações Sistêmicas 523


nhados ao reumatologista dentro de até seis semanas do início O FR também acrescenta valor prognóstico, sendo que
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

dos sintomas.33 pacientes soropositivos para o FR têm doença mais agressiva,


erosiva e com maior risco de manifestações extra-articula-
res,14,43,44 sendo ainda mais agressiva quando associado a ou-
Achados laboratoriais tros fatores como a presença do HLA-DRb1.45 A presença do FR
Fator reumatoide: são anticorpos dirigidos contra a por- também é preditora de boa resposta terapêutica nos pacien-
ção Fc da imunoglobulina (Ig) G, sendo rotineiramente dosa- tes que recebem terapia anticélula B.46 A variação dos títulos
dos como classe IgM, porém também encontrados nas classes do FR não serve como marcador de atividade de doença, não
IgG e IgA. Além de produzido na AR, o FR é também positivo sendo, dessa forma, indicadas dosagens repetidas no curso da
em uma série de enfermidades reumáticas autoimunes e não doença com esse propósito.47
reumáticas, sendo que muitas destas patologias podem em seu Anticorpo antipeptídeo citrulinado cíclico (anti-CCP):
curso apresentar poliartrite simétrica e sintomas constitucio- anticorpos anti-CCP reagem contra antígenos proteicos citru-
nais (Tabelas 36.3 e 36.4).28,34,35 Indivíduos saudáveis também linados presentes na sinóvia reumatoide, e em diversos outros
podem apresentar FR, normalmente em títulos baixo a mode- tecidos inflamatórios. Modelos sintéticos dos peptídeos citru-
rado, em prevalência que varia de 5 a 25%, sendo mais alta en- linados cíclicos foram desenvolvidos e utilizados laboratorial-
tre pessoas de maior idade.36,37,38 Sua utilização na triagem de mente em um teste ELISA, e denominado anti-CCP, trata-se da
pacientes com artralgia sem outra manifestação de doença au- evolução do conhecimento dos anticorpos antiqueratina de te-
toimune não deve ser realizada, visto sua baixa especificidade cidos epiteliais de mucosa do esôfago de rato e antiperinuclea-
e baixo valor preditivo positivo, devendo ser solicitado naque- res que reagem contra grânulos querato-hialínicos de células
les pacientes com maior possibilidade de ter uma enfermida- de mucosa bucal humana.48-50 Estudos bioquímicos determina-
de associada ao FR, como AR e SS.28 Na AR, a sensibilidade do ram que o antígeno de ambos os testes é uma molécula intra-
FR foi descrita em até 90%, no entanto, estudos populacionais celular denominada filagrina,51 e especificamente peptídeos
encontram números entre 26 a 60%.39-41 Em média, 30% dos cíclicos contendo uma forma pouco usual de aminoácido de-
pacientes com AR são soronegativos para FR, sendo que na nominado citrulina. A citrulina é produzida por modificações
doença inicial pode chegar a mais de 50%.42 pós-translacionais da arginina por ação da enzima peptidil-
-arginina deaminase.52
Dados de metanálises demonstraram uma sensibilidade
de 67% em pacientes com AR e especificidade de 95%.53,54 Es-
Tabela 36.3 Desordens reumáticas associadas ao fator reu- tudos de coorte, extraídos dessas metanálises, analisados em
matoide (FR). doença de menos de dois anos demonstraram sensibilidade do
anti-CCP de segunda geração e do FR praticamente iguais (58
Enfermidade reumática Positividade do FR
e 56% respectivamente), mas com uma especificidade muito
Crioglobulinemia mista 40-100% maior do que primeiro (96 versus 86%).53,54 Não foi possível
determinar se o uso do anti-CCP combinado ao FR traz benefí-
Síndrome de Sjögren 75-95% cios maiores que o anti-CCP isolado.
Assim, a primeira grande aplicação do anti-CCP é no diag-
Artrite reumatoide 26-90%
nóstico da poliartrite de início recente, principalmente nos
Doença mista do conectivo 50-60% casos de FR negativo, em virtude de sua alta especificidade
para AR,54,55 podendo sua presença antecipar em anos a ins-
Lúpus eritematoso sistêmico 15-35% talação clínica da doença.56,57 O anti-CCP também acrescenta
valor prognóstico, sendo sua positividade em pacientes com
Piolimiosite/Dermatomiosite 15-10% AR de início recente preditiva de pior progressão radiológica,58
tendo um valor preditivo maior que a positividade do FR.53
Além disso, uma diminuição dos títulos do anti-CCP pode ser
observada em pacientes com boa resposta ao uso de DMARDs
biológicas e não biológicas, porém em menor escala que o FR.59
Tabela 36.4 Desordens não reumáticas associadas ao fator Embora com uma elevada especificidade para a AR, o anti-
reumatoide (FR). -CCP é encontrado em outras enfermidades (Tabela 36.5). Na
Infecções crônicas ou indolentes
tuberculose (TB), a prevalência é variável entre os estudos,60,61
sendo que os anticorpos reagem também contra resíduos de
„„ Hepatite B e C (especialmente se relacionada com crioglobulinemia) arginina não modificados, sugerindo que o anti-CCP desses
„„ Endocardite infecciosa subaguda pacientes podem ser independentes do aminoácido citrulina.61
„„ Hanseníase, tuberculose, leishmaniose visceral, equistossomose, sífilis Em infecções pelo vírus da hepatite C, ao contrário do FR, o
anti-CCP raramente é positivo.62 Na hanseníase, também já foi
Desordens inflamatórias e fibrosantes pulmonares
descrita positividade do anti-CCP, ainda que em baixa frequên-
„„ Sarcoidose, fibrose pulmonar idiopática cia.63 Um estudo demonstrou frequência de anti-CCP de 2,5%
em uma população de 158 pacientes, sendo todos os positivos
Desordens hepatobiliares crônicas curiosamente sem manifestação articular.63 Na leishmaniose
„„ Hepatopatias crônicas visceral, um estudo demonstrou altíssima frequência do FR
„„ Cirrose biliar primária (90%), sendo que, nesta mesma população, a frequência de
anti-CCP foi de 30%.64 Em outras enfermidades autoimunes,
Malignidades o anti-CCP normalmente possui títulos mais baixos que os en-

524 Tratado Brasileiro de Reumatologia


contrados na AR.62 No LES e AP, a presença de anti-CCP parece Eletroforese de Proteínas: pode ocorrer aumento da

„„ CAPÍTULO 36
determinar doença articular mais erosiva.65,66 β-2 globulina, como resultado de processo inflamatório, e
γ-globulina, traduzindo estimulação antigênica de linfócitos B.
Complemento: pode estar aumentado em fases de inten-
sa atividade inflamatória sistêmica, e raramente diminuído em
Tabela 36.5 Enfermidades reumáticas e não reumáticas casos de vasculite reumatoide.
associadas ao anticorpo anti-peptídeo citrulinado cíclico Função hepática e função renal: anormalidades das en-
(CCP). zimas hepáticas não têm significado bem definido, podendo
Enfermidade Positividade do anti-CCP ser associados à própria doença (alterações reativas inespecí-
ficas, esteatose, hiperplasia nodular reativa, hipertensão por-
Tuberculose 7-39% tal) ou efeitos tóxicos da terapêutica. As anormalidades renais
Leishmaniose visceral 30% costumam estar mais comumente relacionadas com toxici-
dade medicamentosa, porém são possíveis glomerulonefrite
Lúpus eritematoso sistêmico 15%
mensagial, amiloidose secundária e infecções.
Síndrome de Sjögren 14% Fluidos cavitários: a análise do líquido sinovial de articu-
Polimiosite/Dermatomiosite 23% lações ativas na AR é do tipo II (inflamatório), com contagem
de leucócitos habitualmente entre 2.000 a 50.000/mm3, com
Hepatite C 8% predomínio de polimorfonucleares. Os níveis de proteínas são
Esclerodermia 6% aumentados e a glicose pode ser menor que os níveis séricos.
Comumente não se encontram cristais, e as culturas são nega-
Hanseníase 2,5%
tivas. No entanto, já foi descrita a presença de cristais de coles-
terol em derrames articulares de pacientes com AR de longa
Os ensaios de segunda geração melhoraram a sensibilida- data decorrente de debris celulares e produtos inflamatórios
de do teste original.31,49 Ainda existem questionamentos sobre ou ainda por fraturas intracapsulares com perda para o espaço
a possibilidade do anti-CCP servir como marcador de ativida- sinovial de gordura da medula óssea. Coexistência de cristais
de de doença, além do custo-efetividade entre as diversas ge- (pirofosfato de cálcio e monourato sódico) pode ser vista na
rações de ensaios atualmente disponíveis.67,68 prática clínica em casos de AR definidos.
Hemograma: anemia moderada de doença crônica pode A análise do líquido pleural de derrames reumatoides de-
ser encontrada, especialmente em períodos de atividade de monstra um exsudato classicamente caracterizado por níveis
doença. Caracteristicamente é normocítica/normocrômica, de glicose acentuadamente reduzidos (geralmente menor que
porém pode apresentar microcitose (leve) ou hipocromia, e 25 mg%), por um distúrbio no transporte da glicose pleural, e
não está ligada à deficiência de ferro (ferritina normal). Sua aumentos acentuados da desidrogenase lática. Complemento
fisiopatologia não é totalmente compreendida, mas envolve consumido e presença do FR podem ser encontrados.
diminuição da meia vida das hemácias, redução da resposta
medular à eritropoetina por ação de citocinas e alteração do
transporte extracelular do ferro hepático por aumento dos ní- Achados radiológicos
veis da hepcidina induzidos pela IL-6.69-71 A detecção de defi- A sinovite reumatoide é caracterizada por um processo
ciência de ferro pode sugerir perda gastrointestinal por uso de inflamatório que evolui com erosão de elementos cartilagino-
anti-inflamatórios. sos e ósseos. No entanto, assim como alguns outros elementos
Nos períodos de atividade de doença, também podem ser clínicos da síndrome reumatoide, as erosões são de ocorrência
observados trombocitose, leucocitose e eosinofilia. Leucoci- mais tardia e, portanto, são de baixa sensibilidade para o diag-
tose também pode ser observada em processos infecciosos nóstico da AR em fase inicial. Acrescenta-se que os achados
intercorrentes. A leucopenia e a trombocitopenia podem ser são comuns a diversas patologias articulares inflamatórias,
observados na síndrome de Felty (particularmente neutrope- mesmo em fases mais avançadas, sendo sempre necessária
nia)20 ou relacionados com os efeitos de fármacos. Citopenias a correlação clnicolaboratorial. A radiografia simples (RsX)
múltiplas associadas à hemofagocitose em tecido linfoide, continua sendo o método mais empregado para avaliação por
além da presença de esplenomegalia e febre, são encontrados imagem da AR, assim como para monitorar a progressão da
na síndrome hemofagocítica, uma rara complicação da AR. doença e resposta ao tratamento. Outros métodos de imagem
Velocidade de Hemossedimentação (VHS): o aumento com resolução para partes moles, que permitem análise pre-
da síntese do fibrinogênio (catiônico), como resposta infla- coce de sinovite, detecção de elementos preditores de erosão
matória de fase aguda, faz com que a força de repulsão ele- ou mesmo erosões osseocartilaginosas discretas, têm sido
tronegativa entre as hemácias seja diminuída e aumente sua empregados na avaliação da AR inicial.72-74 A US e a US com
precipitação, elevando a VHS. É útil como marcador de ativi- power doppler (PD) e a RM são duas técnicas que têm trazido
dade de doença e seus níveis persistentemente elevados se informações relevantes para a composição do diagnóstico pre-
associam a pior progressão radiológica. No entanto, deve-se coce da AR, embora ainda com papel indeterminado na rotina
ressaltar que é um exame inespecífico, podendo estar alterada clínica por falta de padronização.72-74,82
em condições não inflamatórias e elevada na anemia. O RsX tem custo baixo e é amplamente disponível. Altera-
Proteína C Reativa (PCR): é produzida pelo fígado como ções radiológicas por este método fazem parte dos critérios
reagente de fase aguda em resposta aos níveis aumentados classificatórios para AR, mostrando tanto destruição óssea
da IL-6. Apresenta cinética com rápida elevação sérica, não como cartilaginosa, as quais se manifestam radiograficamente
dependendo da concentração da hemoglobina. Assim como a sob a forma de erosões e diminuição do espaço articular, res-
VHS, é útil no monitoramento da AR e como fator prognóstico. pectivamente (Figura 36.2).

Artrite Reumatoide: Classificação, Epidemiologia, Quadro Clínico e Manifestações Sistêmicas 525


A articulação radioulnar distal mostrou ser um compartimen-
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

to importante na detecção de sinovite (100% casos), enquanto


o carpo se mostrou útil na detecção de erosões, principalmen-
te em sua fileira distal. Ainda, o estudo forneceu dados de que
somente a avaliação da articulação do punho foi suficiente
para diagnóstico da AR precoce, não necessitando leitura das
articulações das mãos.75

Figura 36.2 RsX em PA AR de longa data demonstrando osteopo-


rose justa-articular de carpo, metacarpofalangeanas e interfalan-
geanas proximais, erosões em bordo radial de cabeças de segundo
e terceiro metacarpianos bilateral, redução de espaços radiocárpi-
cos, intercárpicos e carpo-matacarpiano, metacarpofalangeanas e
interfalangeanas proximais.

A US é um método barato e de fácil acesso, podendo de-


tectar hiperemia sinovial (através do PD), sinovite, erosões,
derrame articular, lesões tendíneas e ligamentares. Já a RM é o
método de maior sensibilidade para a detecção de alterações
estruturais, conseguindo detectar erosões até três anos antes
da radiografia simples, sendo seu grande limitador o custo.72-74 Figura 36.4 RNM (T2) de punho demonstrando edema ósseo
Neste método, também são avaliados sinovite, erosões, além medular em ossos do carpo proximal e estiloide ulnar, além de
de edema ósseo medular. Este último é preditor de futuras aumento de sinal de tecido sinovial espessado em região radiocar-
erosões e não pode ser detectado por outros métodos de ima- pal, ulnar do punho e tecido inflamatório sinovial invaginando de
gem.74 A associação de sinovite, edema ósseo medular e ero- articulação radioulnar distal (pannus).
sões consegue identificar todos os pacientes com AR precoce
comparado com controles saudáveis (Figuras 36.3 e 36.4).73,74

„„ ASPECTOS TERAPÊUTICOS
A terapêutica da AR apresentou grandes avanços nos últi-
mos anos, não só em virtude da maior e melhor compreensão
fisiopatológica da doença com consequente surgimento de no-
vas drogas, mas principalmente por uma mudança de paradig-
ma em relação ao tratamento.
Inicialmente, o tratamento da AR baseava-se no uso de AI-
NEs e drogas como a cloroquina, sendo que as demais DMARDs
eram reservadas para casos mais graves ou refratários. O me-
lhor conhecimento da história natural da doença levou a um
início de tratamento mais precoce, com uma maior efetivida-
de.76 Foi demonstrado que na AR de início recente, até 30%
dos pacientes já apresentam doença erosiva77 e que, quanto
maior o tempo de doença ativa, maior o dano articular e maior
a limitação funcional, sendo que mesmo com doença ativa em
níveis subclínicos, pior a resposta terapêutica e a morbimorta-
lidade a longo prazo.
Outro ponto importante foi a demonstração de que a AR é
uma doença dinâmica, para a qual diferentes tratamentos fun-
Figura 36.3 RNM (T1) de punho apresentando cisto em pirami- cionam para um mesmo indivíduo em diferentes momentos
dal, erosões marginais em ossos de carpo distal, aumento de vo- da doença.2 Dessa forma, o tratamento precoce mais agressivo,
lume sinovial em região ulnar de punho e invaginação de tecido com reavaliações frequentes, objetivando a remissão total da
sinovial de aticulação radioulnar distal. doença passou a ser o alvo terapêutico inicial.76,78

526 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Evidências de que as DMARDs e agentes anticitocinas po- do ácido araquidônico, a produção de metaloproteinases, ten-

„„ CAPÍTULO 36
dem controlar a sinovite, e mesmo diminuir ou cessar a pro- do utilidade comprovada em doenças reumáticas.82,83
gressão radiológica, sustentam este início precoce e agressivo Os GC são coadjuvantes no tratamento da AR, não devendo,
do tratamento.79 Segundo as recomendações de 2008 para uso de maneira geral, ser usadas doses maiores que 5 a 10 mg/dia
das DMARDs do ACR, a AR de início recente ou precoce é defi- de prednisona. Devem ser utilizados principalmente durante
nida como aquela com manifestações presentes por um perío- períodos de atividade de doença, até que a terapêutica de base
do menor que seis meses.80 surta efeito.84 Uma dose alta de prednisona com retirada rá-
Fatores associados ao pior prognóstico na AR são semelhan- pida, associada ao MTX, pode fornecer uma boa resposta aos
tes aos que identificam doença severa (Tabela 36.6), incluindo pacientes com AR precoce ativa.78
ainda tabagismo (o mais importante fator ambiental relaciona- Estudos demonstram que injeções intra-articulares de
do com causa e progressão da AR) e fatores socioeconômicos GC são mais eficazes e apresentam menor número de even-
(baixa escolaridade e baixa renda).81 Pacientes com AR grave tos adversos do que injeções intramusculares. Articulações
devem ser identificados precocemente, já que esses se benefi- refratárias têm boa resposta à infiltração com triancinolona
ciam de um esquema terapêutico inicial mais agressivo. hexacetonida, nas doses entre 20 e 100 mg, dependendo do
tamanho da articulação.85-87
Medidas profiláticas, como suplementação de cálcio e vi-
tamina D e uso de bifosfonatos, para prevenir osteoporose
Tabela 36.6 Marcadores de mau prognóstico na artrite reu-
induzida por GC devem ser consideradas, especialmente para
matoide. aqueles pacientes com fatores de risco preexistentes para
„„ Idade de início precoce osteopenia.
„„ Mais de 20 articulações inflamadas
„„ Elevação do ESR e/ou PCR sérico Drogas modificadoras de doença
„„ Anemia de doença crônica ou hipoalbuminemia
„„ FR positivo (frequentemente em altos títulos) e/ou anti-CCP São utilizadas tanto para a supressão da sinovite e outros
„„ Radiografias de articulações demonstrando um aparecimento rápido sinais e sintomas da doença em atividade, quanto para a pre-
de erosões ósseas ou perda de cartilagem venção de erosões articulares e estreitamento dos espaços ar-
„„ Envolvimento extra-articular (nódulos reumatoides, vasculite ticulares.80
reumatoide, doença pulmonar reumatoide, síndrome de Felty, síndrome Metotrexate (MTX) é a DMARD de primeira escolha e reco-
de Sjögren) mendado pelos guidelines do ACR para pacientes com doença
„„ Presença do epítopo compartilhado grave, excetuando hepatopatas e mulheres gestantes ou que
planejam engravidar.88,89
O MTX deve ser administrado por via oral, em dose inicial
As terapias não farmacológicas e preventivas são recomen- de 10 mg/semana. Na dependência da tolerância do pacien-
dadas a todos os pacientes com AR. Um programa de gestão te, as doses devem ser aumentadas até o controle dos sinais e
global da AR inclui a educação do paciente, intervenções psi- sintomas da doença, com dose máxima entre 20 a 25 mg/se-
cossociais, uso adequado de repouso, exercícios, fisioterapia, mana. A dose ótima permanece incerta. Uma dose menor que
terapia ocupacional e aconselhamento dietético. O programa 7,5 mg/semana deve ser utilizada em pacientes com função
de gerenciamento também inclui intervenções para reduzir renal reduzida (taxa de filtração glomerular < 60 mL/min).
os riscos de doenças cardiovasculares e osteoporose, além de Deve-se manter controle rigoroso e monitorização da fun-
imunizações para diminuir o risco de complicações infecciosas ção da medula óssea, fígado e pulmão, em virtude da toxici-
das terapias imunossupressoras. dade da droga. O uso de bebidas alcoólicas deve ser evitado
A terapia farmacológica inicial para a AR grave e preco- em virtude do risco de um aumento em sua hepatotoxicidade.
ce inclui o uso de AINEs combinados aos DMARDs. Alguns Apesar de baixas doses do MTX não serem nefrotóxicas, é pru-
pacientes podem ser candidatos ao uso de terapia com anti- dente manter a monitorização da função renal, considerando-
TNF-α, corticoterapia sistêmica e infiltração intra-articular. -se que sua excreção é exclusivamente renal. Tanto a eficácia
Os AINEs como terapia isolada devem ser utilizados por quanto os efeitos adversos devem ser monitorizados a cada
apenas um curto período em pacientes sintomáticos, pois ape- quatro semanas inicialmente e após tratamento em curso, em
sar de serem drogas úteis para controle da dor, não exercem intervalos de oito a doze semanas. O MTX pode ser utilizado de
efeito maior sobre a inflamação e suas vias ativas. São recomen- forma contínua, sendo que mais de 50% dos doentes perma-
dados para pacientes que não apresentam contraindicações, necem com a droga por pelo menos cinco anos. Os efeitos ad-
como história de sangramento gastroduodenal durante uso pré- versos gastrointestinais e hematológicos podem ser reduzidos
vio desses agentes, doença renal ou insuficiência cardíaca. Em com o uso de ácido fólico.
geral, devem ser administrados pelo menor período possível, No caso de falha terapêutica (MTX em dose máxima sem
em dose plena. Para os pacientes com história de úlcera péptica, efetividade após 6 a 8 semanas), ou intolerância gastrointesti-
hemorragia gastrointestinal ou intolerância gástrica aos AINEs nal, o MTX pode ser utilizado por via parenteral (subcutânea
é recomendado o uso dos inibidores seletivos da COX-2. ou intramuscular) ou ainda ser associado ou trocado por outro
DMARD sintético ou biológico.
Nos casos em que o MTX é contraindicado, pode-se utilizar
Glicocorticoides como primeira opção a leflunomida, a azatioprina, a hidroxi-
Os GC são potentes inibidores da transcrição da interleuci- cloroquina, a sulfassalazina ou a ciclosporina. Anticitocinas
na-1 (IL-1) e do TNF-α. Além disso, inibem o fator nuclear kB ou antilinfócito B também são opções terapêuticas a serem
(NFκβ), a expressão de moléculas de adesão, o metabolismo consideradas. Em relação ao uso combinado, a associação en-

Artrite Reumatoide: Classificação, Epidemiologia, Quadro Clínico e Manifestações Sistêmicas 527


tre o MTX e a hidroxicloroquina tem a melhor eficácia com a para TB através de um histórico de exposição detalhada, teste
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

menor toxicidade. Tanto o ouro intramuscular, quanto a peni- de Mantoux (PPD) e RsX de tórax. Existem ainda os ensaios
cilamina e a sulfasalazina podem ser igualmente eficazes ao de liberação de interferon gama que são ferramentas mais
MTX no curto prazo (seis a doze meses). No entanto, o uso a acuradas para o diagnóstico da TB.95 Os pacientes que apre-
longo prazo destas drogas é frequentemente problemático, em sentam um PPD positivo com RsX de tórax normal devem ser
virtude de falta de eficácia e aumento da incidência de efeitos tratados como portadores de tuberculose latente, podendo o
adversos.89 O MTX é mais efetivo que a azatioprina e apresenta anti-TNF-α ser iniciado após um mês do início da terapia. Os
uma menor toxicidade cumulativa, já quando comparado à le- pacientes com evidência de infecção ativa não devem ser tra-
flunomida, tem eficácia similar para períodos de 6 a 12 meses. tados com terapia anti-TNF-α antes da resolução do quadro.
O uso das DMARDs deve ser feito sempre sob supervisão estri- Em relação ao risco de câncer, com exceção de linfoma e
ta para evitar ou detectar precocemente seus efeitos colaterais câncer de pele não melanoma, estudos de registros não mos-
(Tabela 36.7). traram uma maior incidência que a população em geral.96
Existe um risco aumentado de linfoma em pacientes com AR,
sendo este independente da terapia utilizada.97
Terapia biológica
Independente do aumento de risco de infecções e de ou-
Um dos avanços mais interessantes no tratamento da AR tras possíveis complicações, os estudos têm demonstrado que
foi o surgimento de uma nova classe de fármacos, os chamados há uma menor mortalidade nos pacientes tratados com fárma-
agentes biológicos (Tabela 36.8). O primeiro a comprovar efi- cos anti-TNF-α, provavelmente pela diminuição da atividade
cácia clínica no tratamento da AR foi o anticorpo monoclonal da doença e diminuição de eventos cardiovasculares.98
anti-TNF-α Infliximabe, o qual apresentou, em estudos contro- Infliximabe: anticorpo monoclonal quimérico anti-TNF-α. É
lados, melhora rápida e impressionante na dor e edema arti- geralmente utilizado em concomitância com MTX. É reservado
cular, além de uma maior sensação de bem-estar nos pacientes para pacientes com doença moderada ou severa que apresen-
quando comparados aos controles.90,91 tarem inadequada resposta ao MTX.90,91
O mecanismo de ação dessas drogas biológicas é provavel- Etanercepte: é uma proteína de fusão que se liga aos recep-
mente multifatorial, incluindo inibição de células endoteliais, tores do TNF-α, tanto os solúveis quanto os de membrana. Eta-
da indução de metaloproteinases e das moléculas de adesão, nercepte é efetivo no controle dos sintomas e mais eficaz que o
inibição da neoangiogênese, regulação de outras citocinas in- MTX isolado no retardo da progressão radiográfica na AR grave.
flamatórias, condrócitos e ativação de osteoclastos e diminui- Adalimumabe: anticorpo monoclonal anti-TNF-α totalmen-
ção dos níveis de IL-1 e IL-6 após o tratamento. Dentro das te humano. Sua administração é subcutânea, e pode ser utili-
articulações afetadas, houve diminuição da expressão de IL-8 e zado isolado ou associado ao MTX.
proteína quimiotáxica de monócitos-1 na membrana sinovial, Golimumabe: é um anticorpo monoclonal anti-TNF-α total-
bem como redução do trânsito de neutrófilos (possivelmente mente humano, indicado para tratamento da AR, associado ao
em virtude de menores níveis de moléculas de adesão).92,93 MTX, nos pacientes refratários aos DMARDs.99
Os anti-TNF-α (etanercepte, infliximabe, adalimumabe) Certolizumab pegol: é um anticorpo monoclonal anti-
estão associados a um risco aumentado de uma variedade de TNF-α humanizado composto por um fragmento Fab peguila-
infecções, incluindo TB.94 Assim, antes de iniciar o tratamento do. É indicado para tratamento da AR, associado ao MTX, nos
com qualquer um destes agentes, é obrigatório o rastreamento pacientes refratários aos DMARDs.100

Tabela 36.7 Drogas antirreumáticas modificadoras de doença: doses e controle.

Droga Tempo médio


Dose Seguimento
(nome comercial) para ação

Metotrexate até 25 mg/semana 1a3m Função hepática, renal e hemograma


(Reotrexate®)
Leflunomida 20 mg/dia 1a2m Função hepática, renal e hemograma
(Arava®)
Difosfato de Cloroquina 4 mg/kg/dia 3a6m Fundo de olho, leucograma
(Diclokin®)
Hidroxicloroquina 6 mg/kg/dia 3a6m Fundo de olho, leucograma
(Reuquinol®, Plaquinol®)
Azatioprina 50 mg dose inicial até 2 a 3 mg/Kg/dia 2a3m Função hepática, hemograma
(Imuran®)
Sulfassalazina até 4 g (dose máxima 12 g) 1a3m Função hepática, hemograma
(Azulfin®)

Ciclosporina 2,5 a 4 mg/kg/dia Função renal e pressão arterial


(Sandimmun®)

528 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 36
Tabela 36.8 Drogas biológicas.

Droga Dose Intervalo entre doses Seguimento Contraindicações

Infliximabe 3 mg/Kg EV Sem 0, 2, 6 e após a cada Nenhum específico Infecções ativas


8 semanas

Etanercepte 25 mg SC 2x/semana Nenhum específico Tuberculose


50 mg SC 1x/semana Doença linfoproliferativa tratada ≤ 5 anos

Adalimumabe 40 mg, SC 14/14 dias Nenhum específico ICC NYHA III ou IV e FE < 50%
Hepatite viral aguda B ou C
Hepatite viral crônica B ou C (Child- Pugh B ou C)

Golimumabe 50 mg, SC Mensal Nenhum específico Doenças desmielinizantes

Certolizumab 400 mg Sem 0, 2 e 4 e após a cada Nenhum específico Gestação e amamentação: dados insuficientes
4 semanas

Abatacepte 500 mg, EV < 60 Kg Sem 0, 2, 4 e após a cada Nenhum específico Infecções ativas
750 mg, EV 4 semanas Tuberculose
60-100 Kg Hepatite viral aguda B ou C
1 g, EV > 100Kg Hepatite viral crônica B ou C com Child-Pugh B ou C
Gestação e amamentação: dados insuficientes

Rituximabe 1 g, EV Dias 0,15 e após 6 a Nenhum específico Infecções ativas


12 meses Tuberculose
Hepatite viral aguda B ou C
Hepatite viral crônica B ou C* com Child-Pugh B ou C
Gestação e amamentação: dados insuficientes

Tocilizumabe 8 mg/kg, IV mensal ALT/AST, neutrófilos e Infecções ativas


plaquetas a cada 4 a 8 Tuberculose
semanas por 6 meses e,
Doença hepática ativa (TGO ou TGP > 5xLSN) ou
depois, a cada 12 semanas
insuficiência hepática
Lipidograma a cada 4 a 8
Diverticulite
semanas
Neutropenia < 500 células
Plaquetopenia < 50.000 células
Gestação e amamentação: dados insuficientes
LSN = limite superior da normalidade; SC = subcutâneo.
*Crioglobulinemia mista associada ao HCV tem sido tratada com segurança com o Rituximab.

Rituximabe: anticorpo monoclonal quimérico anti-CD20, rápido, amplo e potente, especialmente para os pacientes que
que causa uma depleção seletiva e transitória das células pré- apresentaram resposta inadequada ou intolerância prévia a
-B (jovens, maduras e células de memória), sem afetar as cé- uma ou mais DMARDs ou aos anti-TNF-α. Está indicado na AR
lulas tronco e plasmáticas. É indicado para pacientes com AR ativa moderada à grave em combinação com o MTX ou em te-
grave, refratária ao tratamento com DMARDs e a outros agen- rapia isolada.101
tes biológicos.
Abatacepte: molécula recombinante composta pela fusão Novas terapias
da proteína CTLA-4 com um fragmento de IgG1 humana. Blo-
queia a coestimulação de linfócitos e sua ativação a partir dos Além de novas medicações biológicas atualmente em es-
antígenos presentes nas células. Seu uso é limitado àqueles tudo e desenvolvimento, o conhecimento de novas vias na
pacientes com AR moderada à severa, que apresentem baixa fisiopatologia da AR levaram ao desenvolvimento de novos
resposta ao MTX ou anti-TNF-α. compostos orais, objetivando um ao menos o mesmo risco: be-
Tocilizumabe: anticorpo monoclonal humanizado que ini- nefício que os compostos biológicos, porém com um esperado
be o receptor de IL-6 humano. A IL-6 é a citocina mais abun- menor custo. Dentre esses novos compostos, encontram-se em
dante na sinóvia reumatoide sendo um importante mediador fase avançada o inibidor da Janus quinase Tofacitinib (JAKs)
de inflamação crônica e autoimunidade.100 Tem-se mostrado (em estudos de fase III) e inibidor da Tirosina quinase esplêni-
uma alternativa terapêutica bastante promissora, com efeito ca Fostamatinib (em estudos de fase II).101

Artrite Reumatoide: Classificação, Epidemiologia, Quadro Clínico e Manifestações Sistêmicas 529


O Tofacitinib mostrou-se efetivo tanto em monoterapia citocina, particularmente o MTX com um anti-TNF-α pode ser
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

quanto em combinação com o MTX e com outros DMARDs, apropriada para pacientes com artrite inicial e severa. Ensaios
tendo uma eficácia comparada ao Adalimumab.101-103 Além do clínicos de combinações do MTX com infliximabe, etanercept
aumento de infecções, seus principais efeitos colaterais foram ou adalimumabe têm geralmente demonstrado maior eficácia
a neutropenia, anemia, elevação de enzimas hepáticas e eleva- quando comparados ao tratamento isolado.91,92
ção da creatinina e do colesterol.101
Seguimento
Estratégias de tratamento
O uso de medidas que determinem a atividade da doença, o
Diversas estratégias de tratamento têm sido propostas, status funcional e o dano articular deve ser utilizado no acom-
desde um início agressivo com altas doses de GC, ou combi- panhamento do tratamento. Em relação à atividade da doença,
nação de DMARDs ou, até mesmo um tratamento inicial com são utilizados índices compostos que fornecem valores abso-
associação entre o MTX e um anti-TNF-α, com retirada pro- lutos, entre eles o índice de resposta do ACR,111 o qual mede as
gressiva da medicação.104-109 mudanças relativas, e o disease active score (DAS) e o DAS28.
Ensaios de combinações de DMARDs na AR inicial rende- O critério de resposta do EULAR112 define o tratamento como
ram alguns resultados promissores, porém faz-se necessária tendo uma resposta boa, moderada ou sem resposta.
maior investigação na área.109 A combinação entre as DMARDs, O status funcional normalmente é avaliado pelo HAQ mo-
além de abranger diferentes vias inflamatórias, permite o uso dificado para pacientes com artrite. O RsX das mãos e pés con-
de doses menores com consequente menor toxicidade de cada tinua sendo o padrão-ouro na avaliação do dano radiológico.
medicamento. Uma variedade de combinações foram avalia- Deve ser solicitado anualmente no intuito de identificar o sur-
das tanto na AR inicial quanto na doença já estabelecida. gimento de novas erosões. Como destacado previamente, US
O consenso Brasileiro para tratamento da AR recomenda, e RM são mais sensíveis na detecção precoce de erosões.113,114
inicialmente, o uso do MTX, e caso não ocorra resposta, sua No início do tratamento, é recomendada reavaliação do
troca ou, preferencialmente, a adição de outro DMARD, sendo doente a cada três a cinco semanas, com o objetivo de ava-
as drogas biológicas iniciadas somente após falha de dois dos liar a atividade da doença e monitorizar possíveis efeitos co-
esquemas propostos.110 Porém, novos guidelines têm sugerido laterais.78 A reavaliação frequente e a utilização de medidas
que após 2 a 3 meses de tratamento com o MTX associado ou objetivas fornece o melhor meio de definir o benefício de de-
não a baixas doses de GC, em combinação ou não com outra terminada droga, além de proteger o paciente de complicações
DMARD sem uma resposta adequada, a adição de um anti- do uso de algumas medicações com risco aumentado de even-
TNF-α é bastante eficiente na redução da atividade da doença.2 tos infecciosos. Até o momento, não existe nenhum critério
Para pacientes com resposta inadequada ao uso do primeiro universalmente aceito como sendo superior na definição de
anti-TNF-α, pode-se trocar de agente anti-TNF-α ou trocar a remissão de doença, mas independente do critério utilizado,
estratégia de tratamento (terapia anti-CD20, abatacepte ou o alvo terapêutico será sempre o mesmo, a remissão sem evi-
tocilizumabe). A combinação de DMARDs com terapias anti- dência de doença com um status funcional normal.2

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Artrite Reumatoide: Classificação, Epidemiologia, Quadro Clínico e Manifestações Sistêmicas 533


37

Capítulo
Odirlei André Monticielo  João Carlos Tavares Brenol

Lúpus Eritematoso Sistêmico 1: Classificação e


Epidemiologia do Lúpus Eritematoso Sistêmico

„„ INTRODUÇÃO para cada 100.000 pessoas por ano. O pico de incidência ocor-
re nas mulheres entre 35 e 39 anos, com 32,7 casos para cada
O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença infla- 100.000 mulheres por ano.8
matória crônica autoimune associada à produção de autoan- O LES é mais comumente visto nas mulheres, em uma pro-
ticorpos e formação de complexos imunes que desencadeiam porção de aproximadamente 9:1, principalmente na idade re-
dano tecidual. Há possibilidade de múltiplos diferentes au- produtiva. Em crianças, esta razão é de 3:1; em adultos jovens
toanticorpos serem produzidos, podendo ocasionar lesão em chega a 14:1; e nos indivíduos de mais idade é menor, em torno
diversos órgãos e sistemas. As características clínicas e labo- de 8:1. Esse fato é atribuído a influências hormonais e prin-
ratoriais podem ser polimórficas, e a evolução costuma ser cipalmente a efeitos do hormônio estrogênio.9,10 Nos Estados
crônica, com períodos de exacerbação e remissão. A etiologia Unidos, mulheres afrodescendentes apresentam maior preva-
permanece ainda pouco conhecida, porém sabe-se da impor- lência de LES.11 A incidência de LES ajustada para sexo e raça
tante participação de fatores genéticos, hormonais e ambien- para cada 100.000 pessoas por ano é cerca de 0,4 para homens
tais para o surgimento da doença. eurodescendentes, 3,5 para mulheres eurodescendentes, 0,7
para homens afrodescendentes e 9,2 para mulheres afrodes-
„„ ASPECTOS EPIDEMIOLÓGICOS cendentes.12 Em geral, o surgimento da doença ocorre entre
16 a 55 anos em 65% dos casos, abaixo dos 16 anos em 20% e
O LES apresenta uma prevalência em diferentes locais do acima dos 55 anos em 15% dos casos.13,14
mundo que varia de 20 a 150 casos para cada 100.000 pessoas1-3 A sobrevida nos pacientes com LES tem melhorado muito
e uma incidência de aproximadamente 1 a 10 casos para cada nos últimos anos. Na década de 1950, a sobrevida média em 5
100.000 pessoas por ano.3 Estudos epidemiológicos envolvendo anos era de 50%, enquanto na última década, a sobrevida média
pacientes com LES são de difícil realização pela diversidade de em 10 anos alcançou 80 a 90%.15-20 Vários fatores contribuíram
apresentações clínicas da doença, pela definição do diagnóstico para isso, principalmente o melhor entendimento da fisiopato-
depender de critérios de classificação e pela baixa frequência logia da doença e as melhores condições de tratamento, como
na população. Todos estes fatores influenciam nos resultados o uso de glicocorticoides, drogas imunossupressoras, antibio-
destes estudos, assim como, também a variabilidade genéti- ticoterapia, anti-hipertensivos, suporte dialítico e transplante
ca entre as diferentes populações e o local onde é conduzido o renal.17,18,21-23 Mesmo assim, a mortalidade permanece mais ele-
estudo, visto que centros de referência costumam concentrar vada em relação à população geral, cerca de 3 a 5 vezes maior.24
maior número de casos graves. Estimativas de incidência norte- O prognóstico do LES tende a ser menos favorável em afrodes-
-americana variam aproximadamente de 2 a 8 casos para cada cendentes quando comparado com eurodescendentes, assim
100.000 pessoas por ano, sendo que nos últimos 40 anos, de- como em populações com baixo nível socioeconômico e em
vido provavelmente à detecção mais precoce da doença, houve crianças de um modo geral,13,25,26 nas quais há maior incidência
um aumento da incidência na ordem de até 3 vezes.4-6 Estudo de manifestações cutâneas, glomerulonefrite, pericardite, hepa-
epidemiológico incluindo Estados Unidos, Canadá, Europa, Aus- toesplenomegalia e alterações hematológicas.13,27 Nos homens,
trália, Japão e Martinica revelou uma variação de incidência de o diagnóstico é mais tardio, e a mortalidade dentro do primeiro
1 a 32 casos para cada 100.000 pessoas por ano. A prevalência ano da doença é maior.28 No idoso, o surgimento e a evolução da
global da doença neste estudo foi menor na Irlanda, Reino Uni- doença assemelham-se ao lúpus induzido por droga, com maior
do e Finlândia e maior na Itália, Espanha e Martinica.7 No Brasil, prevalência de síndrome sicca, serosite, envolvimento pulmo-
estima-se uma incidência de LES em torno de 8,7 casos para cada nar e manifestações musculoesqueléticas. Há menor frequência
100.000 pessoas por ano, sendo que em mulheres é de 14 casos de acometimento neurológico e renal, mesmo assim ocorre di-
para cada 100.000 pessoas por ano e em homens é de 2,2 casos minuição da sobrevida.29-31

535
A mortalidade no LES segue um padrão bimodal.32 Precoce- Manifestações gerais
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

mente, deve-se à atividade da doença, especialmente quando há


acometimento renal e do sistema nervoso central e ao maior ris- A fadiga é uma das queixas mais prevalentes no LES em
co de infecções graves decorrentes da imunossupressão. Dados atividade.36 A febre, geralmente moderada e com resposta rá-
de um estudo brasileiro mostraram que até 58% das mortes nos pida ao glicocorticoide, é encontrada na maioria dos pacientes
pacientes com LES resultaram de infecções.33 Tardiamente, re- no momento do diagnóstico. Na sua presença, há importante
sulta de complicações da própria doença e do tratamento, sen- preocupação com a existência de processo infeccioso subjacen-
do a doença cardiovascular um dos mais importantes fatores de te. Mialgias, perda de peso e linfadenopatia reacional periférica
morbidade e mortalidade nestes pacientes.19,21-23,34,35 podem ser comumente encontradas nos pacientes com LES.15

„„ ASPECTOS CLÍNICOS Manifestações articulares

O LES apresenta características clínicas polimórficas e O envolvimento articular é encontrado em mais de 90%
uma grande diversidade nas formas de apresentação e evolu- dos pacientes com LES, sendo frequentemente uma das ma-
ção da doença (Tabela 37.1). nifestações iniciais da doença. Todas as articulações podem
ser afetadas, incluindo mãos, punhos, cotovelos, ombros, pés,
tornozelos e joelhos. O acometimento articular no LES é geral-
mente simétrico, por vezes acompanhado de rigidez matinal,
diferenciando-se da artrite reumatoide por não ser erosiva. Na
Tabela 37.1 Frequência dos sintomas no LES.
artropatia do LES, pode haver desproporção entre os achados
Sintomas Início (%) Evolução (%) de exame físico e as queixas das pacientes que, algumas vezes,
referem dores articulares muito intensas, sobretudo nas mãos.
Fadiga 50 74-100
O processo inflamatório da cápsula articular, dos tendões
Febre 36 40-80 e dos ligamentos contribui para a instabilidade da articulação
Perda de peso 21 44-60 e para o desenvolvimento da artropatia de Jaccoud, caracteri-
zada por deformidades redutíveis nas mãos, que pode ocorrer
Artrite ou artralgia 62-67 83-95
em cerca de 3 a 43% dos pacientes com LES37 (Figura 37.1).
Alterações cutâneas 73 80-91 Necrose asséptica de múltiplas articulações, principalmente
„„ Eritema malar 28-38 48-54 da cabeça do fêmur, pode ocorrer em 5 a 10% dos casos, par-
ticularmente nos pacientes usando glicocorticoide em doses
„„ Fotossensibilidade 29 41-60
elevadas e intermitentes por longos períodos.38 Perda de massa
„„ Lesões mucosas 10-21 27-52 óssea com aumento do risco de osteoporose e fraturas geral-
„„ Alopecia 32 18-71 mente está relacionada com uso crônico de glicocorticoide e
deficiência de vitamina D associada à baixa exposição solar.39,40
„„ Fenômeno de Raynaud 17-33 22-71
„„ Púrpura 10 15-34
„„ Urticária 1 4-8
Alteração renal 16-38 34-73
„„ Nefrose 5 11-18
Alterações gastrointestinais 18 38-44
Alterações pulmonares 2-12 24-98
„„ Pleurisia 17 30-45
„„ Derrame pleural 24
„„ Pneumonia 29
Alterações cardíacas 15 20-46
„„ Pericardite 8 8-48
„„ Sopros 23
„„ Alterações no ECG 34-70 Figura 37.1 Artropatia de Jaccoud (paciente do ambulatório de Reu-
matologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – Faculdade de
Linfadenopatia 7-16 21-50 Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul).
Esplenomegalia 5 9-20
Hepatomegalia 2 7-25
Manifestações mucocutâneas
Alteração no SNC 12-21 25-75
„„ Funcional Maioria As lesões de pele são frequentes e podem ser extremamen-
te variadas nas formas de apresentação, na distribuição e na
„„ Psicose 1 5-52 evolução. A maioria dos pacientes apresenta fotossensibilida-
„„ Convulsões 0,5 2-20 de após exposição à radiação solar ou artificial (lâmpadas fluo-
Adaptada de: Von Feldt, JM, Postgrad Med, 1995, 97: 79.53 rescentes), podendo estar associada à exacerbação sistêmica

536 Tratado Brasileiro de Reumatologia


da doença. É uma forma aguda de lesão cutânea, caracterizada

„„ CAPÍTULO 37
por eritema nas áreas fotoexpostas, ocorrendo em 60 a 80%
dos casos. A clássica lesão em asa de borboleta na face é iden-
tificada por eritema confluente simétrico e edema na região
malar e no dorso do nariz, preservando o sulco nasola­bial, sen-
do encontrada em cerca de 20 a 60% dos casos (Figura 37.2).
Alguns pacientes podem apresentar formas agudas graves de
acometimento cutâneo e formação de bolhas, mimetizando
necrólise epidérmica tóxica.41

Figura 37.3 Lesão de lúpus discoide (paciente do ambulatório de


Reumatologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – Facul-
dade de Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

ou placas infiltrativas edemaciadas que atingem preferencial-


mente a cabeça, o pescoço e os braços.41
O eritema palmoplantar é uma das mais frequentes mani-
festações de vasculopatia. O fenômeno de Raynaud decorrente
da reação vasomotora exacerbada está presente em 16 a 40%
dos pacientes e aparece nos leitos ungueais, nas pontas dos
dedos, no pavilhão auricular, no nariz e na língua, podendo ou
Figura 37.2 Eritema malar (paciente do ambulatório de Reuma-
tologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre – Faculdade de não apresentar todas as três fases que incluem a sequência: is-
Medicina da Universidade Federal do Rio Grande do Sul). quemia, estase e vasodilatação (branco, arroxeado e vermelho,
respectivamente). Geralmente sua presença está associada a
estresse emocional ou frio.15
Nas formas subagudas de envolvimento cutâneo no LES, As superfí­cies mucosas podem ser afetadas, acometendo as
as lesões são simétricas, superficiais, não cicatriciais e locali- cavidades oral e nasal, a conjuntiva ocular e a área genital. As
zadas em áreas fotoexpostas, sendo encontradas em cerca de úlceras orais e nasais, em geral indolores, são encontradas em
10% dos pacientes. Essas lesões iniciam como pequenas pápu- cerca de 25 a 45% dos casos, localizando-se especialmente no
las eritematosas, progredindo para lesões anulares policíclicas palato duro, raramente evoluindo com perfuração do septo na-
ou papuloescamosas (psoriasiformes). Estas lesões geralmen- sal, são estreitamente relacionadas com atividade da doença.41
te associam-se à presença do anticorpo anti-Ro/SSA.41 A alopecia é um achado frequente em pacientes com LES,
As lesões do lúpus discoide manifestam-se por placas eri- geralmente difusa ou frontal, constituindo-se em um bom
tematosas cobertas por uma escama aderente, envolvendo marcador de agudização da doença.
comumente o couro cabeludo, as orelhas, a face e o pescoço
(Figura 37.3). Inicialmente, essas lesões são hiperpigmenta- Manifestações cardiovasculares
das e evoluem com uma área central atrófica, com ausência de
pelos. Pode ser encontrada em cerca de 15 a 30% dos pacien- A pericardite é a manifestação cardíaca mais comum do
tes com LES. Somente 5 a 10% dos pacientes com lúpus dis- LES, podendo ser clínica ou subclínica, e ocorre em até 55%
coide evoluem com formas sistêmicas da doença. É uma forma dos pacientes.42 O derrame pericárdico geralmente é pequeno
crônica de lesão cutânea no LES, juntamente com paniculite e detectável apenas por ecocardiograma, raramente evoluindo
lúpica, eritema pérnio e lúpus tumidus. A paniculite lúpica, para pericardite constritiva. Excepcionalmente, ocorre der-
também conhecida como lúpus profundus, caracteriza-se por rame volumoso com tamponamento cardíaco, necessitando
nódulos subcutâneos profundos, endurecidos, com cerca de de pericardioscentese. A miocardite está frequentemente as-
1-3 cm de diâmetro, geralmente cobertos com pele de aspecto sociada à pericardite, ocorrendo em cerca de 25% dos casos,
normal, localizados em áreas de trauma como bochechas, bra- devendo ser suspeitada em pacientes com taquicardia inexpli-
ços, tórax, nádegas e coxas, podendo evoluir com depressões cável, com alterações do segmento ST no eletrocardiograma
na superfície cutânea. O eritema pérnio é caracterizado por le- ou com aumento do volume cardíaco na avaliação radiológica.
sões eritematovioláceas pruriginosas sobre os dedos das mãos Acometimento valvar é comumente detectado pelo ecocar-
e dos pés e da face, desencadeado pelo frio. O lúpus tumidus é diograma, sendo o espessamento valvar a alteração mais en-
caracterizado por lesões tipo pápulas urticariformes, nódulos contrada. A endocardite de Libman-Sacks caracteriza-se por

Lúpus Eritematoso Sistêmico 1: Classificação e Epidemiologia do Lúpus Eritematoso Sistêmico 537


lesões verrucosas, especialmente localizadas nas valvas aórti- cerebrovascular, convulsões, mielopatia, distúrbios de mo-
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

ca e mitral, sendo descrita em até 43% dos pacientes.43 Geral- vimentos, síndromes desmielinizantes, meningite asséptica,
mente apresenta uma evolução clínica silenciosa, podendo, em neuropatia e psicose.49 Comprometimento do sistema nervoso
raros casos, evoluir com eventos tromboembólicos e endocar- central por infecção ou efeito colateral de medicamentos deve
dite infecciosa. Episódios tromboembólicos também podem sempre ser lembrado como diagnóstico diferencial na investi-
estar associados à presença de anticorpos antifosfolípides e ao gação das manifestações neuropsiquiátricas no LES.
uso crônico de glicocorticoide ou de anticoncepcional oral.44
Doença arterial coronariana é outra manifestação muito im-
portante encontrada em pacientes com LES, relacionada com „„ ALTERAÇÕES LABORATORIAIS
processo acelerado de aterogênese provavelmente decorrente Os testes laboratoriais são importantes tanto para o diag-
da inflamação sistêmica sustentada e responsável pelo aumen- nóstico inicial e das exacerbações quanto para a instituição de
to da morbidade e da mortalidade nestes pacientes.45 medidas terapêuticas e acompanhamento evolutivo dos pa-
cientes. O hemograma pode evidenciar leucopenia e linfopenia
Manifestações pulmonares encontradas em mais de 50% dos casos.50 Anemia de doença
crônica ocorre em cerca de 60 a 80% dos pacientes em algum
O envolvimento pulmonar ou pleural ocorre em cerca de momento da sua doença. Anemia hemolítica caracterizada por
50% dos pacientes. A manifestação mais comum é a pleurite reticulocitose, presença de Coombs direto positivo e elevação
com derrame pleural de pequeno a moderado volume, geral- de bilirrubinas e LDH é bem menos comum, ocorrendo em cer-
mente bilateral. Menos comumente, podemos encontrar hiper- ca de 10% dos casos.51 A trombocitopenia tem uma frequência
tensão pulmonar e pneumonite lúpica. A hipertensão pulmonar de 30 a 50% para contagens entre 100.000 e 150.000 plaque-
geralmente é de intensidade leve a moderada, sendo encon- tas. Formas graves com sangramento e púrpura trombocito-
trada em 12 a 23% dos casos, podendo, em algumas situações, pênica trombótica são vistas em menos de 10% dos casos.
estar associada a embolia pulmonar crônica em pacientes com Pancitopenia não é um achado comum nos pacientes com LES
a presença de anticorpos antifosfolípides. O quadro agudo da e, quando ela é encontrada, o diagnóstico diferencial com efei-
pneumonite lúpica cursa com febre, tosse, hemoptise, pleurisia to colateral de medicações deve ser pesquisado.
e dispneia, detectada em até 10% dos pacientes, sendo de di- As alterações no sedimento urinário representadas por
fícil diagnóstico diferencial com infecções pleuropulmonares e proteinúria, hematúria e cilindrúria são indicativas de envolvi-
com mortalidade de cerca de 50%.46 Mais raramente, encontra- mento renal. Para fins de classificação diagnóstica, considera-
mos a síndrome do pulmão encolhido que pode ser detectada -se presença de proteinúria persistente (> 0,5 g/24 hs ou > 3+
através de RsX de tórax com hipoexpansão pulmonar, sem lesão se não quantificada) ou a presença de cilindros celulares.
parenquimatosa pulmonar e provas pulmonares com diminui- As provas de fase aguda, como proteína C reativa e velo-
ção da capacidade vital e distúrbio ventilatório restritivo. Ou- cidade de hemossedimentação (VHS), apesar de pouco espe-
tra manifestação rara é a hemorragia alveolar aguda, que pode cíficas, podem indicar atividade da doença. Diminuições nos
manifestar-se de forma semelhante à pneumonite lúpica, porém níveis de complemento hemolítico total (CH50), das frações C3
com uma evolução rápida e geralmente fatal.47, 48 e C4, são usualmente relacionadas com atividade da doença,
especialmente nos casos com nefrite. O proteinograma sérico
Manifestações renais geralmente mostra hipergamaglobulinemia policlonal, eleva-
ção de alfa-2 globulina e diminuição de albumina, podendo
Manifestações clínicas de doença renal tornam-se clinica- caracterizar a inversão lúpica do proteinograma.
mente evidentes em cerca de 50% dos pacientes.15 A proteinú- O LES caracteriza-se pela produção de múltiplos autoan-
ria persistente é um dos achados mais frequentes. Síndrome ticorpos, especialmente contra constituintes nucleares de-
nefrítica caracterizada por cilindrúria, hematúria e proteinúria, tectados através do teste do fator antinuclear (FAN). O FAN é
associada a hipertensão arterial sistêmica e perda de função re- positivo na quase totalidade dos pacientes com LES em ativi-
nal pode estar presente na glomerulonefrite proliferativa, por dade, mas não serve como marcador de agudização da doença
outro lado, quadros nefróticos com proteinúria maciça, hipoal- ou para acompanhamento dos pacientes, visto que pode ser
buminemia e hiperlipidemia podem estar relacionados com positivo mesmo quando a doença estiver em remissão. O tes-
glomerulonefrite membranosa. Estados intermediários entre te para pesquisa do FAN pode assumir diferentes padrões de
síndrome nefrítica e nefrótica são muito comuns, acompanhan- imunofluorescência, dependendo da afinidade dos anticorpos
do quadros de envolvimento renal no LES. Evolução para insufi- com determinados antígenos nucleares.52
ciência renal crônica pode acontecer, especialmente nas formas O anti-DNAds está presente em 45 a 75% dos pacientes com
proliferativas sem tratamento adequado. doença ativa. Constitui-se em um bom marcador de atividade
da doença, principalmente nos casos com nefrite. O anti-Sm é
Manifestações neuropsiquiátricas um anticorpo com alta especificidade para o diagnóstico de LES,
embora esteja presente em apenas 1/3 dos casos. O anti-Ro/
Sintomas neurológicos e psiquiátricos ocorrem em algum SSA e o anti-La/SSB estão associados à síndrome do lúpus neo-
momento da doença em 37 a 95% dos casos.49 Tais sintomas natal e ao lúpus cutâneo subagudo. Anticorpos anti-P ribosso-
podem ser associados a danos imunomediados diretamente mal e anti-NMDAR (receptor N-metil D aspatato) associam-se a
no sistema nervoso central, eventos vasculares isquêmicos manifestações neuropsiquiátricas em pacientes com LES.
ou hemorrágicos, repercussão da doença em outros órgãos Os anticorpos anticardiolipina e o anticoagulante lúpico
ou complicações do tratamento. O espectro clínico do lúpus são encontrados em cerca de 30 a 40% dos pacientes com LES,
neuropsiquiátrico inclui síndrome cerebral orgânica, carac- podendo estar associados a fenômenos tromboembólicos, a
terizada por disfunção cognitiva, cefaleia, distúrbios do hu- perda fetal de repetição, a trombocitopenia, além de anorma-
mor e ansiedade, além outras expressões envolvendo doença lidades em provas de coagulação, como tempo de tromboplas-

538 Tratado Brasileiro de Reumatologia


tina parcial ativado prolongado e reação falso-positiva para

„„ CAPÍTULO 37
sífilis (VDRL positivo com FTAbs negativo).
Tabela 37.3 Achados clínicos e epidemiológicos em pacien-
tes com LES.
„„ DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL
Características Frequência (%) (n = 327)
O diagnóstico diferencial para pacientes com LES é real-
mente amplo. Emagrecimento e fadiga podem ser vistos em Sexo feminino 91,7
diversas condições clínicas, incluindo doenças psiquiátricas, Idade (anos) 42,2 ± 14,3
endocrinopatias, hepatopatias virais e metabólicas, neopla-
Idade no diagnóstico (anos) 32,7 ± 13,6
sias, infecções, doença renal crônica, cardiopatias e pneumo-
patias crônicas, dentre outras. Febre será sempre um sinal Eritema malar 53,5
de alerta importante para processos infecciosos associados Eritema discoide 14,5
ou não ao LES e deve ser cuidadosamente investigada. Aco-
Fotossensibilidade 73,8
metimento renal pode ser exacerbado por hipovolemia,
obstrução do trato urinário e uso de drogas nefrotóxicas. Fo- Úlceras orais 36,3
tossensibilidade muitas vezes pode estar associada ao uso Artrite 83,1
de determinados medicamentos. Uremia, drogas, distúrbios
hidroeletrolíticos, hipoglicemia e cetoacidose podem ocasio- Serosite 31,8
nar distúrbios neuropsiquiátricos, como convulsão e psicose. Glomerulonefrite 43,1
Infecções virais, principalmente por citomegalovírus, Epstein- Alterações neurológicas (convulsão ou psicose) 11,7
-Barr e Parvovírus B19 podem cursar com características clí-
nicas indistinguíveis do LES em fases iniciais. Infecções por Alterações hematológicas 77,8
bactérias, micobactérias, fungos e parasitas podem desenca- „„ Anemia hemolítica 30,8
dear lesão pulmonar grave e de difícil manejo e diagnóstico
„„ Leucopenia/linfopenia 61,2
diferencial com acometimento pulmonar pelo LES. Linfadeno-
patia, hepatoesplenomegalia, febre e emagrecimento podem „„ Trombocitopenia 19,.1
estar presentes em diversas neoplasias hematológicas, dentre Alterações imunológicas 65,5
elas, o linfoma. Outras doenças reumáticas como artrite reu-
„„ Anti-DNAds 47,2
matoide, dermatopolimiosite e esclerose sistêmica podem
ter achados clínicos semelhantes ao LES. Desta forma, o diag- „„ Anti-Sm 19,6
nóstico do LES muitas vezes constitui-se um grande desafio, „„ Anticardiolipina 26,2
havendo necessidade de avaliação clínica muito criteriosa e
„„ Anticoagulante lúpico 5,3
realização de exames complementares adequados.
Algumas medicações (Tabela 37.2) podem desencadear ma- „„ VDRL falso-positivo 2,5
nifestações clínicas sugestivas de LES com envolvimento cutâ- FAN 98,8
neo, musculoesquelético, sintomas constitucionais e serosites,
Anti-Ro/SS-A 44,2
caracterizando o LES induzido por droga. Raramente ocorrem
alterações hematológicas graves, acometimento neuropsiquiá- Anti-La/SS-B 14,1
trico ou renal. Há presença de anticorpos anti-histona e geral- Anti-RNP 30,8
mente regride após suspensão da medicação, havendo recidiva
Síndrome de Sjögren 10,9
do quadro clínico, se a droga for reintroduzida.
Síndrome do anticorpo antifosfolípide 6,4
Adaptada de: Monticielo, OA, Lúpus, 2009. 54

Tabela 37.2 Medicações mais frequentemente associadas a


LES induzido por droga. Rheumatology (ACR) em 1982 e revisados em 1997, detalha-
Procainamida Quinidina Hidralazina Isoniazida dos na Tabela 37.4.
Clorpromazina Carbamazepina Metildopa Fenitoína
Em 2012, o grupo SLICC (Systemic Lupus International Col-
laborating Clinics) revisou os critérios de classificação do ACR,
Sulfassalazina Etossuximida Minociclina Penicilamina propondo e validando novos critérios com o objetivo melhorar
o rendimento clínico e incorporar novos conhecimentos ad-
quiridos nas últimas décadas.57 Os novos critérios estão des-
Critérios de classificação
critos na Tabela 37.5. Houve inclusão de várias outras formas
O LES pode cursar com envolvimento mucocutâneo, os- de lúpus cutâneo, dentre elas, alterações agudas, subagudas e
teomuscular, cardíaco, pulmonar, renal, neurológico, vascular, crônicas; a fotossensibilidade e o eritema malar não estão mais
hematológico e de qualquer outra estrutura do organismo, separados; a alopecia não cicatricial foi incluída como critério;
tendo grande diversidade nas formas de apresentação e no a artrite não necessariamente deve ser não erosiva, mas preci-
curso clínico. A Tabela 37.3 destaca a frequência dos critérios sa ser acompanhada de rigidez matinal; a proteinúria pode ser
diagnósticos vistos em uma população de paciente com LES definida pelo índice proteína/creatinina em amostra de urina,
no sul do Brasil.55 O diagnóstico pode ser estabelecido através apesar da proteinúria de 24 horas ainda ser o padrão-ouro;
da associação de achados clínicos e laboratoriais, conforme os novas alterações neuropsiquiátricas foram acrescentadas; as
critérios de classificação propostos pelo American College of manifestações hematológicas foram subdivididas; e dentre os

Lúpus Eritematoso Sistêmico 1: Classificação e Epidemiologia do Lúpus Eritematoso Sistêmico 539


achados imunológicos, os complementos e o teste de Coombs especificidade, permitindo que estes novos critérios de classi-
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

direto agora são critérios independentes. Estas modificações ficação tornem-se uma boa ferramenta para condução de estu-
resultaram em melhor sensibilidade com discreta redução na dos clínicos no futuro.

Tabela 37.4 Critérios de classificação do LES.55,56

Achados clínicos e laboratoriais Descrição


Eritema malar Eritema fixo, plano ou elevado, nas eminências malares, tendendo a poupar a região nasolabial.
Eritema discoide Placas eritematosas elevadas, ocorrendo cicatrização atrófica nas lesões antigas.
Fotossensibilidade Eritema cutâneo resultante de reação incomum ao sol, por história do paciente ou observação do médico.
Úlcera oral Ulceração oral ou nasofaríngea, geralmente pouco dolorosa, observada pelo médico.
Artrite Artrite não erosiva, envolvendo 2 ou mais articulações periféricas caracterizada por dor à palpação, edema ou derrame.
(a) pleurite – história convincente de dor pleurítica ou atrito auscultado pelo médico ou evidência de derrame pleural ou
Serosite
(b) pericardite – documentada por ECG ou atrito ou evidência de derrame pericárdico.
(a) proteinúria persistente > 0,5 g por dia ou > 3 + se não quantificada ou
Alteração renal
(b) cilindros celulares de qualquer tipo.
(a) convulsão – na ausência de drogas implicadas ou alterações metabólicas conhecidas (por exemplo, uremia,
cetoacidose, distúrbios hidroeletrolíticos) ou
Alteração neurológica
(b) psicose – na ausência de drogas implicadas ou alterações metabólicas conhecidas (por exemplo, uremia, cetoacidose,
distúrbios hidroeletrolíticos).
(a) anemia hemolítica – com reticulocitose ou
(b) leucopenia – < 4.000/mm3 total em 2 ou mais ocasiões ou
Alteração hematológica
(c) linfopenia – < 1.500/mm3 em 2 ou mais ocasiões ou
(d) trombocitopenia – < 100.000/mm3 na ausência de drogas causadoras.
(a) anti-DNAds – anticorpo contra DNAds em títulos anormais ou
(b) anti-Sm – presença do anticorpo contra antígeno nuclear Smith ou
Alteração imunológica (c) achados positivos de anticorpos antifosfolípides baseados em (1) concentração sérica anormal de anticardiolipina IgG
ou IgM, (2) teste positivo para anticoagulante lúpico usando teste-padrão ou (3) VDRL falso-positivo por pelo menos
6 meses e confirmado por FTA-Abs negativo.
Título anormal do FAN por imunofluorescência ou método equivalente em qualquer momento, na ausência de drogas
Anticorpo antinuclear (FAN)
sabidamente associadas ao lúpus induzido por drogas.
Adaptada de: Hochberg, MC, Arthritis Rheum, 1997 e Tan, EM, Arthritis Rheum, 1982.55,56
*Para fins de classificação de doença, o(a) paciente deve apresentar ao menos 4 dos 11 critérios.

Tabela 37.5 Critérios clínicos e imunológicos utilizados no sistema de classificação do grupo SLICC.57*

Critérios clínicos

Lúpus cutâneo agudo e subagudo „„ Eritema malar (não inclui lúpus discoide)
„„ Lúpus bolhoso
„„ Necrólise epidérmica tóxica secundária ao LES
„„ Eritema maculopapular
„„ Fotossensibilidade, na ausência de dermatopolimiosite
„„ Lúpus cutâneo subagudo (lesões psoriasiformes e/ou anulares policíclicas que não resultam em cicatrizes,
embora às vezes tenham despigmentação ou telangiectasias)
Lúpus cutâneo crônico „„ Eritema discoide clássico
„„ Localizado (acima do pescoço)
„„ Generalizado (acima e abaixo do pescoço)
„„ Lúpus hipertrófico (verrucoso)
„„ Paniculite lúpica (lúpus profundus)
„„ Lúpus mucoso
„„ Lúpus tumidus
„„ Eritema pérnio
„„ Lúpus discoide/sobreposição com líquen plano

(Continua)

540 Tratado Brasileiro de Reumatologia


(Continuação)

„„ CAPÍTULO 37
Tabela 37.5 Critérios clínicos e imunológicos utilizados no sistema de classificação do grupo SLICC.57*

Critérios clínicos

„„ Localizadas no palato, boca ou língua ou úlceras nasais na ausência de outras causas, como vasculite, doença
Úlceras orais
de Behçet, infecções (herpes-vírus), doença intestinal inflamatória, artrite reativa e alimentos ácidos
Afinamento difuso ou fragilidade capilar com cabelos visivelmente quebradiços, na ausência de outras causas,
Alopecia não cicatricial
como alopecia areata, drogas, deficiência de ferro e alopecia androgênica
Artrite envolvendo 2 ou mais articulações periféricas caracterizada por dor à palpação, edema ou derrame e com
Sinovite
pelos menos 30 minutos de rigidez matinal
„„ Dor pleurítica típica por mais de 1 dia
„„ ou derrame pleural
„„ ou atrito pleural
„„ Dor pericárdica típica por mais de 1 dia
Serosite
„„ ou derrame pericárdico
„„ ou atrito pericárdico
„„ ou pericardite documentada por ECG, na ausência de outras causas, como infecção, uremia e síndrome de
Dressler
„„ Índice proteína/creatinina (ou proteinúria de 24 horas) compatível com > 0,5 g por dia
Alteração renal
„„ ou presença de cilindros hemáticos

„„ Convulsão
„„ Psicose
„„ Mononeurite múltipla, na ausência de outras causas, como vasculites primárias
„„ Mielite
Alteração neurológica
„„ Neuropatia periférica ou craniana, na ausência de outras causas, como vasculite primária, infecções e
diabetes mellitus
„„ Estado confusional agudo, na ausência de outras causas, como distúrbios metabólicos, intoxicações, uremia
e drogas.

Anemia hemolítica Anemia com padrão de hemólise

„„ Leucócitos < 4.000/mm3 em pelo menos 1 ocasião ou linfopenia < 1.000/mm3 em pelo menos 1 ocasião, na
Leucopenia
ausência de outras causas, como uso de glicocorticoide, drogas e infecções
Trombocitopenia < 100.000/mm3 em pelo menos 1 ocasião, na ausência de outras causas, como drogas,
Trombocitopenia
hipertensão portal e púrpura trombocitopênica trombótica

Critérios imunológicos

FAN positivo Valor acima da referência laboratorial

Anti-DNAds positivo Valor acima da referência laboratorial ou pelo menos 2 vezes acima do valor de referência, se testado por ELISA

Anti-Sm positivo Presença do anticorpo contra antígeno nuclear Smith

„„ Anticoagulante lúpico positivo


„„ ou VDRL falso-positivo
Presença de anticorpos antifosfolípides
„„ ou anticorpos anticardiolipinas em títulos médios ou altos (IgA, IgG, ou IgM)
„„ ou teste positivo para anti-Beta2-glicoproteína I (IgA, IgG, or IgM)

Complementos baixos C3, C4 ou CH50 reduzidos

Teste de Coombs direto positivo Na ausência de anemia hemolítica


Adaptada de: Petri, M., et al., Derivation and Validation of the Systemic Lupus International Collaborating Clinics Classification Criteria for Systemic Lupus Erythematosus.
Arthritis Rheum, 2012. 64(8): p. 2677-2686.57
*Os critérios são cumulativos e não precisam estar presentes concomitantemente. Para fins de classificação de doença, o(a) paciente deve apresentar ao menos 4 dos
critérios clínicos e imunológicos, incluindo pelo menos 1 de cada ou ter nefrite lúpica confirmada por biópsia na presença de FAN ou anti-dsDNA positivos.57

Lúpus Eritematoso Sistêmico 1: Classificação e Epidemiologia do Lúpus Eritematoso Sistêmico 541


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Lúpus Eritematoso Sistêmico 1: Classificação e Epidemiologia do Lúpus Eritematoso Sistêmico 543


38

Capítulo
Emília Inouê Sato

Lúpus Eritematoso Sistêmico 2


„„ CONCEITO Lúpus Induzidos por Drogas (LID)
O Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) é uma doença infla- Alguns medicamentos podem desencadear a doença em
matória sistêmica que pode comprometer múltiplos órgãos e indivíduos geneticamente predispostos e esses casos são
se caracteriza por apresentar diversas alterações imunológi- denominados Lúpus Induzido por Drogas (LID). As drogas
cas, com presença de autoanticorpos, preferencialmente di- mais frequentemente associadas a LID são a hidralazina e a
rigidas contra antígenos do núcleo celular, alguns dos quais procainamida, mas uma extensa lista de medicamentos tem
participam das lesões teciduais imunologicamente mediadas. sido temporalmente associados ao início da doença. O risco de
É considerado protótipo de doença autoimune sistêmica, aco- desenvolver LID é considerado moderado para a quinidina e
mete principalmente mulheres jovens e tem evolução crônica, baixo ou muito baixo para os demais medicamentos. Algumas
com períodos de atividade e remissão variáveis. das associações podem ser meramente fortuitas, mas há rela-
tos de casos de recorrência de manifestações semelhantes ao
lúpus após a reexposição às drogas como a hidralazina, pro-
„„ ETIOLOGIA cainamida, isoniaida, clorpromazina, quinidina e minociclina.
Conquanto o uso de terapia anti-TNF esteja frequentemente
Sua etiologia é multifatorial, e o peso de cada um dos fa-
associado ao desenvolvimento de anticorpos antinucleares, a
tores é variável de um paciente para outro. Há evidências da
incidência de quadros clínicos sugestivos de LES é muito baixa.
participação de fatores genéticos, fatores hormonais e diver-
As manifestações clínicas mais frequentes no LID são: artral-
sos fatores ambientais.1,2
gia/artrite, lesões cutâneas, febre e perda de peso. Raramente
a) Predisposição genética: é evidenciada pela agregação há comprometimento renal ou neuropsiquiátrico.3
familiar de doenças autoimunes, maior concordância da
doença em gêmeos monozigotos em comparação aos di- „„ PATOGENIA
zigotos e a maior positividade de anticorpos antinucleares
em familiares consanguíneos assintomáticos em relação a A quebra da tolerância imunológica é decorrente de uma
familiares de controles; série de alterações da resposta imune. Em indivíduos geneti-
camente predispostos, sob o efeito de fatores desencadeantes
b) Fator hormonal: a maior incidência da doença em mulhe-
(hormonal, infeccioso, drogas, etc.) pode haver quebra da to-
res, sobretudo na fase hormonal ativa, o início da doença
lerância imunológica, com apresentação de autoantígenos por
durante ou após a gestação, a associação com uso de an-
células apresentadoras de antígenos altamente competentes
ticoncepcionais orais e a maior incidência da doença em
que ativam línfócitos T autorreativos. Na falha de mecanismos
mulheres que fazem reposição hormonal nos casos com regulatórios, linfócitos T autorreativos estimulam linfócitos
início da doença após a menopausa são evidências da im- B a produzirem autoanticorpos que formarão imunocomple-
portância do hormônio feminino; xos, com consequente ativação da cascata de complemento,
c) Fatores ambientais: a radiação ultravioleta é um dos fato- quimiotaxia de neutrófilos e processo inflamatório, levando à
res ambientais mais reconhecidos na ativação da doença. A lesão de diferentes tecidos.
indução da apoptose em queratinócitos, com consequente Além disso, a deficiente depuração de material apopótico
aumento de autoantígenos circulantes, possíveis alvos de e de imunocomplexos circulantes, permitindo que os autoan-
autoanticorpos, pode ser o mecanismo que favorece a ati- tígenos permaneçam mais tempo na circulação e continuem
vidade da doença; estimulando o sistema imunológico, parece favorecer a perpe-
d) Fatores infecciosos: embora não se tenha um único mi- tuação da resposta autoimune.
crorganismo identificado como responsável pela ativação A patogenia das citopenias envolve diversos mecanismos,
da doença, há estudos demonstrando a participação de entre os quais: anticorpos específicos contra antígenos de
vírus, principalmente do Epstein-Barr Vírus no desenca- membranas celulares, levando a lise celular mediado por com-
deamento da doença em indivíduos geneticamente predis- plemento ou redução da meia-vida por maior sequestro esplê-
postos. nico de células com anticorpos em sua superfície, aumento de

545
apoptose induzido por autoanticorpos e anticorpos dirigidos
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

contra fatores de crescimento e de proliferação celular são


outros possíveis mecanismos para as citopenias autoimunes. 4 Tabela 38.1 Manifestações clínicas e laboratoriais observa-
Outro mecanismo de lesão tecidual em pacientes com LES das ao longo da evolução do LES em 1.214 pacientes latino-
é decorrente de anticorpos antifosfolípides (anticardiolipina, -americanos.8
anti-beta2-glicoproteína1 ou anticoagulante lúpico) que atra- Variável clínica e laboratorial Frequência
vés de diversos mecanismos, entre os quais lesão/ativação de
células endoteliais e plaquetas, induzem a produção aumen- Queixas sistêmicas
tada de fatores pró-coagulantes, causando trombose vascular, Febre 56%
tanto no leito arterial quanto venoso. Perda de peso 26%
Os mecanismos envolvidos na lesão do sistema nervoso Artralgia ou artrite 93%
são complexos e ainda não totalmente esclarecidos. Resumida-
mente, as lesões focais são geralmente ocasionadas por lesões Comprometimento mucocutâneo 90%
vasculares, muitas vezes com a participação dos anticorpos Eritema malar (lesão em asa de borboleta) 61%
antifosfolípides, e menos frequentemente há participação de Alopecia 57%
mediadores inflamatórios, enquanto nas lesões difusas do Fotossensibilidade 56%
sistema nervoso admite-se maior participação de anticorpos Úlceras orais ou nasais 42%
antineuronais, antirribossomais, antirreceptores de neuro- Serosites
transmissores e de mediadores inflamatórios.5 Pleuris 22%
Pericardite 17%
„„ EPIDEMIOLOGIA Comprometimento renal (nefrite) 51%
A prevalência do LES varia de 14,6 a 50,8/100.000/habitan- Comprometimento do sistema nervoso 26%
tes, e a incidência varia de 1,8 a 7,6/100.000 pessoas por ano, Psicose 10%
em estudos realizados nos Estados Unidos da América, com Convulsão 8%
maior taxa entre os afrodescendentes. Conquanto haja predo-
mínio do sexo feminino em todas as faixas etárias, o predomínio Comprometimento hematológico 72%
nas mulheres é maior na faixa dos 20 aos 40 anos de idade.6 Não Linfopenia 59%
há dados sobre a prevalência de LES no Brasil. No único estudo Leucopenia 42%
realizado no ano de 2000, na cidade de Natal (Rio Grande do Trombocitopenia 19%
Norte), encontramos incidência de 8,7/100.000 habitantes, que Anemia hemolítica 12%
foi maior que a referida na literatura internacional.7
Em um estudo realizado em vários países da América La-
tina, com 1.214 pacientes com LES, observou-se que 90% dos
casos ocorreram no sexo feminino e a média de idade ao início pacientes com LES, sobretudo os que estão utilizando corti-
da doença foi de 28 anos.8 costeroides em altas doses ou outros imunossupressores, têm
maior suscetibilidade às infecções, o diagnóstico diferencial
entre LES em atividade e infecção deve ser cuidadosamente
„„ QUADRO CLÍNICO avaliado.
As manifestações clínicas do LES são bastante pleomór- „„ Comprometimento cutâneo: lesão em asa de bor-
ficas. Queixas gerais e acometimentos de diferentes órgãos boleta é caracterizada por ter início agudo, ser erite-
podem ocorrer simultaneamente ou consecutivamente, e nem matosa e sobrelevada, geralmente não dolorosa ou
sempre as manifestações mais típicas ocorrem no início da pruriginosa, localizada em regiões malares e dorso do
doença, justificando parcialmente o atraso no diagnóstico de nariz e, frequentemente, desencadeada após exposi-
muitos pacientes. A frequência das diferentes manifestações ção solar. Embora seja uma lesão muito característica
apresenta variabilidade e depende da definição da variável es- do LES, não é patognomônica desta doença, podendo
tudada, da sensibilidade do método utilizado, assim como da ocorrer em pacientes com dermatomiosite e devendo
diversidade racial e genética. ser diferenciada da rosácea, eritema polimorfo à luz e
Na coorte de 1.214 pacientes latino-americanos, as ma- outras lesões dermatológicas. Outras lesões agudas são
nifestações mais frequentemente observadas ao longo da a lesão eritematosa generalizada e as lesões bolhosas.
evolução média de 32 meses estão na Tabela 38.1. Neste es- As lesões agudas não deixam sequelas. As lesões do
tudo estão incluídos centenas de pacientes acompanhados lúpus cutâneo subagudo, caracterizam-se por serem
em centros de referência no Brasil e suas manifestações são intermediárias entre as agudas e as crônicas. Geral-
semelhantes ao relatados em estudos nacionais com menores mente ocorrem em áreas expostas ao sol, mas podem
casuísticas.8 ser generalizadas. São pápulas eritematosas ou peque-
nas placas, podendo também ser anulares ou policícli-
Queixas constitucionais cas, lembrando eritema anular centrífugo. Quando são
papulo-descamativas, lembram as lesões da psoríase.
Queixas constitucionais como adinamia, mal-estar, fadiga, As lesões crônicas são as chamadas lesões discoides e
perda de peso e febre são frequentemente observadas na fase podem ocorrer isoladamente, sendo denominado de
ativa da doença. A febre geralmente é baixa, mas pode ser alta, lúpus cutâneo, ou ser uma das manifestações do LES,
devendo ser diferenciada de infecção intercorrente. Como os na qual é descrita em 15 a 20%. Caracteristicamente,

546 Tratado Brasileiro de Reumatologia


iniciam como pápulas ou placas eritematosas que se e formações vegetativas assépticas. Mais raramente,

„„ CAPÍTULO 38
tornam espessadas e aderidas, com hipopigmentação pode haver desprendimento de parte desta formação,
central. Com a progressão pode ocorrer a formação causando embolização principalmente para o territó-
de rolha córnea e atrofia central. Estas lesões deixam rio cerebral, ou causar alterações hemodinâmicas ne-
sequelas e se ocorrer no couro cabeludo, há lesão cessitando de intervenção cirúrgica. A endocardite de
definitiva do folículo piloso e alopecia cicatricial. A Libman-Sacks está associado à presença de anticorpos
fotossensibilidade é uma sensibilidade exacerbada à antifosfolípides.
exposição solar e é uma queixa muito frequente em „„ Comprometimento pulmonar: o comprometimen-
nosso meio. to do parênquima pulmonar pode ocorrer de forma
„„ Comprometimento articular: a artrite de pequenas aguda, causando tosse, dispneia e hipooxigenação e
articulações das mãos, punhos e joelhos frequente- é decorrente da pneumonite. Em casos mais graves
mente é simétrica e tem caráter recidivante. Mais rara- pode ser acompanhada de capilarite pulmonar, cau-
mente pode ter evolução crônica, lembrando a artrite sando hemorragia pulmonar. Caso não tratada ade-
reumatoide, entretanto, caracteristicamente, não cursa quada e rapidamente pode evoluir para hemorragia
com erosões ósseas. O comprometimento de estruturas pulmonar maciça, com altíssima letalidade. A pneu-
periarticulares, principalmente dos tendões e cápsu- monite com hemorragia pulmonar causa infiltrados
las, pode causar deformidades articulares, geralmente alveolares difusos vistos em radiografia e tomografia
reversíveis, conhecida como artropatia de Jaccoud. Dor, computadorizada, muitas vezes difíceis de serem di-
principalmente em ombros, quadril e joelhos, também ferenciados das alterações que ocorrem na síndrome
pode ser causada por necrose óssea avascular decor- da angústia respiratória aguda (SARA) ou mesmo
rente da própria doença ou ao uso de corticosteroides em infecções pulmonares. A suspeita clínica deve
e ocorre em torno de 10% dos pacientes. ser feita quando houver queda de hemoglobina, sem
„„ Comprometimento de serosas: a inflamação de se- outra explicação, na vigência de infiltrado pulmonar.
rosas, ocorre principalmente na pleura e pericárdio e A broncoscopia pode mostrar sangramento pulmo-
menos frequentemente afeta o peritôneo e a meninge. nar difuso, mas, em casos em que o sangramento
Dor ventilatória dependente, com ou sem atrito pleu- pulmonar não for evidente, o achado de macrófagos
ral, sugere pleurite. O derrame pleural pode ser visua- fagocitando hemossiderina no lavado broncoalveolar
lizado pela radiografia, tomografia ou ultrasssom da confirma este diagnóstico. O diagnóstico e a institui-
região torácica. A dispneia ocorre quando houver der- ção de terapia precoce é fundamental para o prog-
rame pleural significativo ou decorre da dor e dificul- nóstico. Outro comprometimento que pode ocorrer
dade de expansão torácica. A pericardite se manifesta no pulmão é a síndrome do pulmão encolhido, que se
por dor torácica, podendo ou não se auscultar atrito caracteriza por redução acentuada da expansão pul-
pericádio ou abafamento de bulhas, na dependência monar e pelo comprometimento da musculatura do
do volume do derrame pericárdio. Tamponamento diafragma. Raramente também pode ocorrer hiper-
pericárdico ocorre em menos de 1%, mas requer peri- tensão pulmonar, semelhante à hipertensão pulmo-
cardiocentese de urgência. O eletrocardiograma pode nar primária, frequentemente associada a anticorpos
mostrar complexos de baixa voltagem, e o ecocardio- antifosfolípides.
grama pode identificar derrame ou espessamento pe- „„ Comprometimento vascular: o fenômeno de Ray-
ricárdico. A peritonite causa dor abdominal e ascite naud é referido em 20 a 40% dos casos e geralmente
que pode ser evidenciada por ultrassonografia, tomo- ocorre em fase ativa da doença. Inflamação da pare-
grafia computadorizada ou ressonância magnética de de arterial (vasculite) costuma ocorrer em capilares
abdome. A meningite se caracteriza por cefaleia e si- e artérias de pequeno calibre, afetando, sobretudo a
nais meníngeos, e o exame do líquor cefaloraquidiano mucosa oral ou nasal e polpas digitais de mãos e pés.
mostra poucas células, com proteinorraquia variada, Mais raramente, podem acometer pequenos vasos
e a pesquisa de agentes infecciosos é negativa. Mais viscerais, causando vasculite abdominal e vasos da
raramente a serosite pode ser crônica ou recidivante. vasa nervorum, causando neuropatia. As biópsias das
Estudos necroscópicos ou exames de imagens de ro- lesões do tipo púrpuras palpável mostram vasculite
tina em pacientes com LES ativo mostram prevalên- do tipo leucocitoclástica. Processo inflamatório aco-
cia de serosite de cerca de 50%, mas as serosites com metendo artérias de maior calibre podem ocasionar
queixas clínicas são menos frequentes em estudos de isquemia mesentérica, cerebral ou miocárdica e ne-
coortes. croses cutâneas ou digitais. Fenômenos isquêmicos
„„ Comprometimento cardíaco: além da pericardite, podem também ser secundários a trombose, com ou
pode haver comprometimento inflamatório do miocár- sem embolia, devido a anticorpos antifosfolípides, na
dio, causando alterações do ritmo cardíaco, aumento ausência de inflamação vascular.
da área cardíaca e insuficiência cardíaca. A frequência „„ Comprometimento de linfonodos: aumento de lin-
da miocardite clínica é relativamente baixa (10%), mas fonodos pode ser encontrado em cerca de 40% dos
exames como ecocardiografia, ressonância cardíaca pacientes com LES em atividade. Geralmente a linfono-
ou cintilografia miocárdica mostram maior frequên- domegalia é discreta, indolor e não aderente, ocorren-
cia deste acometimento em pacientes com LES ativo. do em região axilar ou cervical. Mas, em alguns casos,
A inflamação do endocárdio, conhecida como endocar- o aumento pode ser pronunciado, fazendo suspeitar de
dite de Libman-Sacks, pode ocasionar sopros e insu- linfoma. Em nosso meio, em paciente em uso de corti-
ficiência valvar, devido ao espessamento das válvulas costeroides ou imunossupressores e linfonodomegalia

Lúpus Eritematoso Sistêmico 2 547


importante e localizada deve-se suspeitar de tubercu- cócitos; depósitos hialinos subendoteliais; inflamação
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

lose ganglionar. intersticial e crescentes celulares (peso 2) e necrose


„„ Comprometimento renal: a doença renal é frequente fibrinoide/cariorrexis (peso 2).
podendo ocorrer no momento do diagnóstico ou du- „„ Índices de cronicidade: pontuação de 0 a 3 para cada
rante a evolução. Depósitos de imunorreagentes ob- item, pode ter escore máximo de 12. Os itens avaliados
servados à imunofluorescência ocorrem em mais de são esclerose glomerular; crescentes fibróticos; atrofia
90% dos casos de LES submetidos à biópsia renal. Os tubular e fibrose intersticial.
critérios da American College of Rheumatology (ACR)9
definem a nefropatia pela proteinúria persistente aci- Mais recentemente a Sociedade Internacional de Nefro-
ma de 500 mg nas 24 horas e/ou presença de cilindros logia e de Patologia renal definiram nova classificação da ne-
celulares no sedimento urinário, desde que outras cau- frite lúpica,11 que tem se mostrado mais útil que a da OMS
sas de alterações na análise da urina estejam afastadas (Quadro 38.2).
(infecções do trato urinário e efeitos de drogas, por
exemplo), ou na presença de alterações histopatoló-
gicas compatíveis com a classificação da Organização
Quadro 38.2 Classificação resumida da nefrite lúpica – So-
Mundial da Saúde (OMS) para nefrite lúpica.10
ciedades Internacionais de Nefrologia e Patologia Renal
A biópsia renal é importante para avaliar a gravidade e o (ISN/RPS) (2003).
prognóstico, além de orientar a melhor conduta terapêutica Classe I – Nefrite lúpica mesangial mínima
para cada paciente e deveria ser realizada em todos os pacientes
com nefrite lúpica, desde que sejam disponíveis condições para Classe II – Nefrite lúpica mesangial proliferativa
sua realização e de serviço de patologia com treinamento para
Classe III – Nefrite lúpica focal (< 50% dos glomérulos acometidos)
interpretar seus achados. Existem ainda indicação precisa de
biópsia renal em pacientes com necessidade de reavaliação te- Classe IV – Nefrite lúpica difusa segmentar (IV-S) (< 50% dos tufos
rapêutica, com síndrome nefrótica, insuficiência renal de causa glomerular estão acometidos) ou global (IV-G) (≥ 50% do tufo glomerular
desconhecida, que têm doenças associadas, ou os que precisam estão acometidos)
afastar comprometimento secundário às drogas. A classificação
Classe V – Nefrite lúpica membranosa
da OMS para a nefrite lúpica foi modificada em 1982 e passou a
considerar seis principais classes (Quadro 38.1). Classe VI – Nefrite lúpica esclerosante avançada

„„ Comprometimento neuropsiquiátrico: o lúpus neu-


Quadro 38.1 Classificação da nefrite lúpica da OMS, modifi-
ropsiquiátrico compreende diversas síndromes neu-
cada em 1982. rológicas, envolvendo os sistemas nervosos central,
periférico e autonômico e síndromes psiquiátricas e
Classe I – Biópsia renal histologicamente normal. psicofuncionais. As manifestações neuropsiquiátricas
(MNP) podem preceder, ocorrer concomitantemen-
Classe II – Alterações mesangiais puras. Poucas ou sem alterações
te, ou algum tempo após o início da doença, durante
observadas no sedimento urinário.
seus períodos de atividade ou mesmo em períodos
Classe III – Glomerulonefrite focal e segmentar: Hematúria, cilindros sem outras atividades. O início pode ser abrupto ou
hemáticos e proteinúria podem ocorrer. gradual, episódicas ou em crises. Além disso, no mes-
mo indivíduo podem ocorrer eventos únicos ou múl-
Classe lV – Glomerulonefrite proliferativa difusa: a classe histológica mais
frequentemente encontrada no LES com sedimento urinário bastante tiplos, e as MNP podem ser difusas ou focais. Toda
alterado. esta variabilidade contribui para tornar este tipo de
manifestação extremamente peculiar. A avaliação é
Classe V – Glomerulonefrite membranosa: apresenta-se com síndrome ainda mais difícil, porque a MNP pode ser decorrente
nefrótica e função renal preservada ou pouco alterada. do dano imunológico, devido a tromboembolismo ou
Classe VI – Glomerulonefrite esclerosante avançada: foi incluída na podem ser secundárias a diversas situações clínicas a
classificação para identificar lesões cicatriciais esclerosantes avançadas que está sujeito um paciente com uma doença sistê-
com insuficiência renal crônica. mica, como o LES. Desta forma infecções intercorren-
tes, distúrbios metabólicos, diabetes mellitus, uso de
A avaliação da lesão renal com semiquantificação de lesões alguns medicamentos, hipertensão arterial entre ou-
agudas e potencialmente reversíveis e lesões crônicas e irre- tros podem causar síndromes neuropsiquiátricas não
versíveis é de grande importância para a decisão terapêutica. dependentes de mediação imunológica. A frequência
Para isso utilizam-se critérios denominados índices de ativi- exata deste envolvimento não é conhecida, pois de um
dade e cronicidade. lado existe a questão da rigorosa exclusão de eventos
secundários que não é feita por todos os autores e,
„„ Índices de atividade: pontuação de 0 a 3 para cada de outro lado, a terminologia inadequada, empregada
item, segundo a gravidade/intensidade, o escore total tradicionalmente na identificação destas síndromes,
pode ter pontuação máxima de 24. Os itens avaliados colabora na geração de confusão no estudo epidemio-
são: hipercelularidade endocapilar; infiltração de leu- lógico e na compreensão destes eventos.

548 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Embora existam algumas classificações das MNP no LES e digestivas são decorrentes de efeitos colaterais de me-

„„ CAPÍTULO 38
tenham sido empregadas, nenhuma delas tem sido amplamente dicamentos. A hepatomegalia é descrita em 10 a 30%
utilizada e não havia uma padronização de terminologia. Ba- dos casos, podendo ser decorrente do uso crônico de
seando-se nestas questões o American College of Rheumatology esteroides (esteatose hepática). A hepatite crônica au-
(ACR) organizou um grupo de estudos que elaborou a nomen- toimune tipo I pode compartilhar algumas alterações
clatura e a definição de 19 síndromes neurológicas e psiquiátri- clínicas e laboratoriais com o LES, causando confusão
cas, com recomendações para seu diagnóstico (Quadro 38.3).12 diagnóstica. Inflamação aguda do peritônio pode cau-
sar dor abdominal e ascite asséptica, que muito rara-
mente evolui com peritonite crônica.
„„ Comprometimento ocular: processo inflamatório en-
Quadro 38.3 Classificação das manifestações neuropsiquiá- volvendo conjuntiva (10%) ou úvea (2%) podem ocor-
tricas do LES, segundo comitê do Colégio Americano de rer. Vasculite da retina é descrito em cerca de 9% dos
Reumatologia.12 pacientes. No exame do fundo de olho, exsudatos algo-
donosos e hemorragias retinianas podem ser observa-
Envolvimento do sistema nervoso central: das. Trombose de artérias e veias retinianas também
podem ser associados a anticorpos antifosfolípides.
„„ Meningite asséptica
„„ Desordens autonômicas
„„ Aparelho reprodutor feminino: as pacientes com
LES comumente apresentam ciclos menstruais irregu-
„„ Doença cerebrovascular
lares e hipermenorreia, havendo relatos de exacerba-
„„ Síndrome desmielinizante
ção da doença durante a menstruação. O LES costuma
„„ Cefaleia
manifestar-se de forma mais amena depois da meno-
„„ Desordens do movimento (Coreia) pausa e também em pacientes ooforectomizadas.
„„ Miastenia grave
„„ Mielopatia Geralmente a fertilidade é normal, mas esterilidade pode
„„ Convulsões e desordens convulsivas ocorrer, principalmente em pacientes que fizeram uso de ci-
„„ Estado confusional agudo clofosfamida em doses altas ou em idade acima de 32 anos.
„„ Desordens de ansiedade
Na gravidez ocorre acentuação das manifestações clínicas em
30 a 50% dos casos. A gravidez em paciente com LES deve ser
„„ Distúrbios cognitivos
considerada de alto risco, devido a parto prematuro e possi-
„„ Desordens do humor
bilidade de morbimortalidade intrauterina e risco de piora da
„„ Psicose
doença na gestante, principalmente se a gestação ocorrer em
Envolvimento do sistema nervoso periférico:
fase ativa da doença, ou com atividade recente. No entanto,
a gravidez poderá ter um curso normal se a concepção tiver
„„ Polirradiculoneuropatia desmielinizante inflamatória aguda (síndrome ocorrido com a doença inativa, sem nefropatia e contar com
de Guillan-Barré) adequada assistência clínica e obstétrica durante a gestação.
„„ Mononeuropatia (simples ou múltipla)
„„ Neuropatia craniana „„ DIAGNÓSTICO
„„ Plexopatia
„„ Polineuropatia Embora os critérios do Colégio Americano de Reumatolo-
gia frequentemente sejam utilizados para o diagnóstico de LES,
os mesmos foram desenvolvidos com a finalidade de classifi-
„„ Comprometimento hematológico: a maioria dos ca- car pacientes com LES, sendo de grande utilidade em estudos
sos de anemia no LES é classificada como anemia de clínicos. Assim é possível que pacientes que não preencham 4
doença crônica e está associada à atividade inflamató- ou mais critérios sejam diagnosticados e tratados como tendo
ria. Em menos de 15% a anemia é hemolítica autoimu- LES, mas estes não podem ser incluídos em estudos clínicos de
ne. Nesses casos, a anemia pode ser grave e se instalar pacientes com este diagnóstico.
rapidamente, podendo levar a cor anêmico. A leucope- Os critérios de classificação do LES (Tabela 38.2) foram re-
nia e a linfopenia são muito frequentes e ocorrem pela visados em 1997 e a presença de 4 ou mais critérios permite
presença de anticorpos específicos contra antígenos de classificar o paciente como tendo LES.9 A sensibilidade desse
membrana de leucócitos e linfócitos; costumam ocor- critério varia de 89 a 96% e sua especificidade varia de 96 a
rer em fase ativa da doença, e o mielograma costuma 99%.13 Reconhecendo que estes critérios não contemplam
mostrar celularidade normal. Quando ocorrer em pa- muitas manifestações importantes da doença, mais recente-
cientes usando drogas com potencial mielotoxicidade, mente, foi publicado os novos critérios de classificação do LES,
o diagnóstico diferencial é obrigatório. A plaquetope- mais abrangente.14
nia pode ocorrer de forma aguda em paciente com LES
em atividade, devido a anticorpos antiplaquetas ou de
forma crônica. As plaquetopenias crônicas, geralmen- „„ TRATAMENTO
te, não costumam ser graves e não necessariamente
O tratamento de uma doença tão pleomórfica, como o LES,
precisam de tratamento.
deve ser orientado individualmente para o comprometimento
„„ Comprometimento do sistema digestório: pode mais importante de cada paciente. Orientações gerais e apoio
ocorrer em raros casos, devido a vasculite abdominal, familiar e social são muito importantes para que o paciente
causando pancreatite, vasculite mesentérica ou isque- siga as orientações médicas e tenha acesso às medicações, que
mia intestinal. Mais frequentemente, as alterações muitas vezes são de alto custo.

Lúpus Eritematoso Sistêmico 2 549


„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

Tabela 38.2 Critérios de classificação do lúpus eritematoso sistêmico, revisado em 1997.

Critério Definição

Exantema malar Exantema malar fixo


Lesão discoide Placa eritematosa, sobrelevada com placas de queratina e rolha córnea, podendo ter cicatriz atrófica em lesão crônica.
Fotossensibilidade Exantema cutâneo decorrente de reação infrequente à exposição solar, referida pelo paciente ou visto por médico.
Úlceras orais Úlceras orais ou nasofaríngeas, geralmente indolores, observadas pelo médico.
Artrite Artrite não erosiva em duas ou mais articulações periféricas.
Pleuris (história convincente de dor pleurítica, atrito pleural auscultado pelo médico ou evidência de derrame pleural) ou
Serosite
Pericardite (documentado por ECG, atrito ou evidência de derrame pericárdico).
Proteinúria persistente (> 0,5 g/dia ou > 3+ ou
Comprometimento renal
Cilindros celulares de qualquer tipo.
Comprometimento Convulsão (na ausência de outra causa) ou
neuropsiquiátrico Psicose (na ausência de outra causa).
Anemia hemolítica ou
Comprometimento Leucopenia (< 4.000/mL em duas ou mais ocasiões) ou
hematológico Linfopenia (< 1.500/mL em duas ou mais ocasiões ou
Plaquetopenia (< 100.000/mL, na ausência de droga que possa causá-la)
Anti-DNA nativo ou
Anti-Sm ou
Alterações imunológicas Positividade para anticorpos antifosfolípides, baseados em: 1) níveis anormais de anticorpos anticardiolipina IgG ou IgM; 2)
anticoagulante lúpico positivo; 3) teste sorológico falso-positivo para sífilis por no mínimo 6 meses, confirmado por teste de
imobilização do Treponema pallidum ou teste de absorção de anticorpo treponêmico fluorescente.
Títulos anormais de anticorpos antinucleares por imunofluorescência ou ensaio equivalente, na ausência de drogas indutoras
Anticorpo antinuclear
de lúpus.

Orientações gerais recomendado em todos os pacientes com LES, desde que não
haja contraindicação. A dose recomendada é de hidroxicloro-
Evitar fatores que possam deflagrar atividade da doença, quina 6 mg/kg/dia e difosfato de cloroquina 4 mg/kg/dia. Seu
como exposição solar (recomenda-se uso de fotoprotetores no uso está associado à diminuição de novas crises de atividade
mínimo com FPS 30, com reaplicações frequentes durante o da doença e à redução da necessidade de corticosteroides15 e a
dia, uso de roupas adequadas, bonés e chapéus, principalmen- menor taxa de mortalidade.16
te para aqueles com lesões cutâneas e/ou fotossensibilidade), A seguir temos algumas orientações para o tratamento de
mas lembramos que a radiação ultravioleta pode desencadear acordo com os órgãos ou sistemas acometidos, mas relem-
atividade sistêmica da doença, independente da existência bramos que o tratamento deve ser individualizado para cada
prévia de lesões cutâneas. paciente e deve levar em consideração também a facilidade
Evitar uso de anticoncepcionais com altos níveis de estró- posológica e de administração, os possíveis efeitos colaterais
genos. e as comorbidades existentes.
Dieta balanceada, rica em cálcio, evitando alimentos ricos
em gorduras de origem animal e fazer suplementação adequa- Comprometimento cutâneo
da de vitamina D.
Atividade física regular (50 minutos 3×/semana ou 30 mi- Lesões cutâneas localizadas podem ser tratadas com cor-
nutos 5×/semana), após avaliação cardiorrespiratória, auxilia ticosteroides tópicos (evitar os fluorados na face, pois podem
na prevenção da perda óssea e na redução dos riscos cardio- causar atrofia cutânea), associados aos antimaláricos. Infiltra-
vasculares. ções com corticosteroides podem ser feitas quando as lesões
forem pequenas e localizadas. Nas lesões muito exuberantes,
Atividades de lazer, técnicas de relaxamento e orientações
ou quando não houver resposta aos antimaláricos, utiliza-se
psicoterápicas podem auxiliar na boa saúde mental.
prednisona em doses < 0,5 mg/kg/dia. Nos pacientes com le-
Seguir orientação médica, fazer os exames laboratoriais sões cutâneas refratárias a essa terapêutica, podem ser utiliza-
solicitados e tomar regularmente as medicações são funda- dos o metotrexato (15 a 25 mg/semana), a azatioprina (1 a 2
mentais para o controle adequado da doença. mg/kg/dia) ou a talidomida (100 mg/dia, permitida somente
O tratamento medicamentoso deve ser avaliado para cada em pacientes sem qualquer risco de gravidez). A dapsona (100
paciente e dependerá dos órgãos ou sistemas acometidos, bem mg/dia) tem apresentado bons resultados apenas nas lesões
como da gravidade do acometimento. O uso de antimalárico é bolhosas do lúpus.

550 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Comprometimento articular dução progressiva. O imunossupressor a ser associado pode

„„ CAPÍTULO 38
ser: 1) a ciclofosfamida (CF) na dose de 0,5 a 1 mg/m2 de su-
A artrite pode ser tratada com anti-inflamatórios não hor- perfície corpórea aplicados a intervalos mensais por 6 meses
monais (AINH) ou inibidores específicos de COX-2, desde que (Esquema tradicional) ou na dose de 500 mg/IV a cada 15
não haja contraindicação para seu uso. Deve-se evitar o uso dias, totalizando 6 aplicações (esquema EUROLUPUS) ou 2) o
desses medicamentos em pacientes com nefrite e hipertensão Micofenolato de mofetila (MFM) na dose de 2 a 3 g/dia (VO) ou
arterial ou com comprometimento da função renal. Nos casos o equivalente de micofenolato sódico.17
não responsivos aos antimaláricos, pode-se utilizar predniso-
Para casos com grave comprometimento de função renal,
na em doses baixas (7,5 a 15 mg/dia). Em pacientes com artri-
recomenda-se a CF na forma de pulsoterapia mensal. Em mu-
te crônica ou artrite recidivante, pode-se associar metotrexato,
lheres com maior risco de desenvolverem insuficiência gona-
para poupar corticosteroide. Nas monoartrites ou oligoartri-
dal com uso de CF (como idade > 32 anos, ou uso prévio de CF
tes crônicas, a infiltração intra-articular com triancinolona
com dose cumulativa alta), há preferência pelo uso de MFM. A
hexacetonida tem mostrado bons resultados. Nas monoartrite
análise de subgrupos de pacientes com nefrite lúpica tratados
é necessário o diagnóstico diferencial com osteonecrose e ar-
com MMF ou CF mostrou melhor resposta de afro-descenden-
trites infecciosas.
tes ao uso de MMF.17
Se não houver resposta pelo menos parcial ao esquema de
Comprometimento de serosas tratamento em 6 meses, ou, se houver piora do quadro apesar
do tratamento, está indicado a mudança do esquema terapêu-
A serosite leve pode ser tratada com AINH em doses habi-
tico. Recomenda-se a substituição de CF por MFM e vice-versa.
tuais. Nos casos não responsivos, pode-se prescrever predni-
Se não houver resposta a nenhum dos esquemas propostos,
sona em dose < 0,5 mg/kg/dia. Nos casos não responsivos, é
há evidências, em estudos não controlados, de benefício com
importante afastar outras causas de serosites, como a tubercu-
uso de Rituximabe. A prescrição de CF requer alguns cuidados
lose. Nas serosites crônicas não responsivas a corticosteroide
para reduzir efeitos colaterais: hidratação IV antes da infusão
pode ser necessário o uso de imunossupressores.
de CF, associado à ondansetron (Modifical ou Zofran) na dose
de 8 mg/IV e hidrocortisona 100 mg IV, para reduzir efeitos
Comprometimento hematológico colaterais associados à infusão da CF. Orientação para ingestão
de líquidos em maior quantidade no dia da aplicação e no dia
Para as citopenias, prednisona 0,5 a 1 mg/kg/dia, depen- seguinte, e, para esvaziar frequentemente a bexiga, visto que a
dendo da gravidade e nos casos mais graves de plaquetope- acroleina (metabólito da CF) pode causar cistite hemorrágica.
nia ou anemia hemolítica pode-se fazer a pulsoterapia com Para pacientes com maior risco de urotoxicidade, como os com
metilprednisolona (1 g/dia, EV, por 3 dias consecutivos) e, na bexiga neurogênica ou uso de anticoagulantes, está indicado o
falta de resposta, utilizam-se imunossupressores como a aza- uso de mesna (Mitexan) na dose 20% da dose de CF IV junto
tioprina ou ciclofosfamida. Nos episódios agudos de plaque- com a aplicação de CF e 20% da dose de CF que pode ser admi-
topenias com risco de sangramento grave, pode ser indicada nistrado por VO, 2 e 6 horas após a aplicação da CF.
a imunoglobulina endovenosa na dose de 400 mg/kg/dia por
O uso de inibidores da enzima de conversão (IECA) ou de
5 dias consecutivos, associada a pulso de metilprednisolona.
antagonistas dos receptores da angiotensina (BRA) é obriga-
A transfusão de plaquetas deve ser restrita a casos com san-
tório para pacientes com proteinúria > 1 g/24 horas, para a
gramento ativo. Danazol na dose de 400 a 800 mg/dia pode
nefroproteção, independente da pressão arterial, desde que
ser uma opção para plaquetopenias refratárias crônicas. Pla-
não cause hipotensão e não tenha contraindicação.
quetopenias crônicas assintomáticas não necessitam de trata-
mento específico. A esplenectomia está indicada apenas nos
casos selecionados de plaquetopenia grave, não responsivos Tratamento de manutenção
ao tratamento clínico. Mais recentemente, o uso de anticorpo
monoclonal anti-CD20 (rituximabe) tem sido indicado, com Completado o período de indução de 6 meses, pode haver
boa resposta e deve ser feita antes da esplenectomia em pa- remissão completa (normalização do sedimento urinário e
cientes com LES. A imunização contra germes encapsulados proteinúria < 0,5 g/24 horas), ou remissão parcial (redução
deve ser feita, de preferência, antes da esplenectomia. A leuco- de no mínimo 50% dos valores da proteinúria inicial, melhora
penia isolada na maioria dos casos não necessita de tratamen- do sedimento urinário e melhora ou estabilização dos níveis
to específico e, nos casos mais graves, costuma responder ao de creatinina).
uso de corticosteroides. O tratamento de manutenção pode ser feito com azatiopri-
na (AZA) na dose de 2 mg/kg/dia ou MFM na dose de 1-2 g/
dia e deve ser mantido por 3 anos, para se prevenir recidivas
Comprometimento renal da nefrite.18
O tratamento da nefrite lúpica depende da lesão histopa- Conquanto um estudo com maior casuística tenha mostra-
tológica ou da gravidade do caso. As nefrites proliferativas do que o uso de MFM foi associado a menor taxa de reativação
(classe III e IV da OMS) devem ser tratadas com associação de da nefrite e maior tempo para a reativação, em comparação à
corticosteroides e imunossupressores, para se evitar a perda AZA, o alto custo e a não disponibilização pelo SUS do MFM, faz
da função renal. O tratamento é didaticamente dividido em com que a AZA seja mais frequentemente utilizada em nosso
fase de indução da remissão e fase de manutenção. meio, como terapia de manutenção. Deve-se dar preferência
O tratamento da indução das nefrites proliferativas inclui ao uso de MFM para os casos de nefrite lúpica com resposta
o uso de Solumedrol intravenoso (IV) na dose de 0,5 a 1,0 g/ parcial ao tratamento de indução.
dia por 3 dias consecutivos, seguido de prednisona por via oral Para nefrite membranosa o tratamento de escolha é o MMF
(VO) na dose de 0,5 a 1,0 mg/kg/dia por 4 semanas, com re- (2-3 g/dia) associado a prednisona 0,5 mg/kg/dia por 6 meses.

Lúpus Eritematoso Sistêmico 2 551


Na falta de resposta, a opção é fazer o esquema tradicional de Casos de lúpus neuropsiquiátricos refratários aos tratamentos
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

CF IV. A manutenção pode ser feita com AZA ou MMF. Obrigató- com corticosteroides e imunossupressores podem responder
rio a associação com antiproteinúricos (IECA ou BRA) ao uso de terapia com anticorpos monoclonais anti-CD20.21
Em 2012 foram publicados as Diretrizes e Recomendações Em pacientes com suspeita de mielite transversa, o tra-
do Colégio Americano de Reumatologia e da Liga Europeia tamento deve ser iniciado imediatamente, com pulsoterapia
contra o Reumatismo para a nefrite lúpica19,20 e esperamos combinada de metilprednisolona e ciclofosfamida. A con-
para breve a publicação das Diretrizes da Sociedade Brasileira firmação diagnóstica é feita com ressonância magnética da
de Reumatologia. medula espinhal. O atraso no início da terapia leva a sequelas
A Figura 38.1 mostra a sequência de tratamento da nefrite irreversíveis. Em casos de depressão, psicose ou outras mani-
lúpica. festações psiquiátricas a prescrição de medicação psicotrópi-
ca é necessária para o controle sintomático.

Comprometimento neurológico
„„ PROGNÓSTICO
As manifestações neurológicas decorrentes de tromboses
vasculares causadas por anticorpos antifosfolípides devem ser A sobrevida de pacientes com LES tem melhorado ao lon-
tratadas com heparina endovenosa ou subcutânea (heparina de go das últimas décadas. Em estudo realizado no Canadá, ana-
baixo peso molecular) na fase aguda, quando houver indicação. lisando coorte de 1.241 pacientes acompanhados por 36 anos,
O uso de anticoagulantes orais ou aspirina por tempo prolon- observou-se que o risco de mortalidade por LES diminuiu pro-
gado, nos casos de tromboses arteriais cerebrais, dependerá da gressivamente ao longo dos anos. A razão de mortalidade pa-
gravidade de cada caso. Para casos de menor gravidade pode-se dronizada (RMP) que era de 12,6 em 1970 diminuiu para 3,4
manter apenas a aspirina na dose de 325 mg/dia. na última década.22 Não obstante a melhora na sobrevida dos
As manifestações presumivelmente causadas por processo pacientes com lúpus observada nas últimas décadas, estudos
inflamatório, o tratamento deve ser feito com prednisona 1 a apontam que a mortalidade no LES ainda permanece maior
2 mg/kg/dia ou pulsoterapia com metilprednisolona 1 g/IV que a da população geral e continua sendo motivo de grande
por 3 dias consecutivos. Nos casos graves, pode-se associar preocupação.23
imunossupressores como a CF, na forma de pulsoterapia. O uso Em nosso meio, estudo avaliando atestados de óbitos ocor-
de imunoglobulina endovenosa e a plasmaférese podem ser ridos entre 1985 e 2004, no Estado de São Paulo, em que cons-
indicados em casos específicos, quando não houver resposta tava LES como causa básica da morte, foi encontrada média de
ao tratamento convencional ou em casos com risco de vida, idade na morte de 35 anos, significativamente mais baixa que
mas não há estudos controlados demonstrando sua eficácia. a da população em geral, demonstrando que em nosso meio,

Tratamento de indução de remissão para


Nefrite Lúpica Proliferativa

+ Pulsoterapia com
Metilprednisolona 1g/IV
+
CICLOFOSFAMIDA IV
3 dias, seguida de
prednisona VO, com MFM
Esquema Esquema
ou redução progressiva 2 a 3 g/dia VO
tradicional EUROLUPUS

Resposta parcial SEM RESPOSTA SEM RESPOSTA Resposta parcial


ou ou
Resposta completa Resposta completa

MFM CICLOFOSFAMIDA IV
Esquema ou Esquema
Completar 6 meses 2 a 3 g/dia VO Tradicional EUROLUPUS
Completar 6 meses

Resposta Resposta

SEM RESPOSTA SEM RESPOSTA Terapia de


Terapia de manutenção
manutenção
Rituximabe Rituximabe

Figura 38.1 Tratamento de indução da remissão para nefrite proliferativas (Classes III e IV).

552 Tratado Brasileiro de Reumatologia


pacientes com LES que falecem, o fazem em idade menor que vidade da doença, quanto comorbidades e intercorrências in-

„„ CAPÍTULO 38
o referido em países desenvolvidos.24 fecciosas participam do processo de morte nestes pacientes.25
Em estudo analisando as múltiplas causas de óbito em pa- O judicioso uso de corticosteroides e imunossupressores,
cientes com LES do Estado de São Paulo, foi encontrado como esquemas de prevenção de infecções (cuidados com a higieni-
principais causas associadas de morte: insuficiência renal, zação, profilaxia de estrongiloidíase, vacinação) e tratamento
doenças do aparelho circulatório, pneumonias e septicemias, adequado das infecções são fundamentais para a melhora do
corroborando estudos prévios que mostraram que tanto a ati- prognóstico destes pacientes.

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Lúpus Eritematoso Sistêmico 2 553


39

Capítulo
Lílian Tereza Lavras Costallat  Simone Appenzeller

Lúpus Eritematoso Sistêmico 3:


Manifestações Neuropsiquiátricas
„„ INTRODUÇÃO de memória, convulsões e alterações neuropatológicas.18,19 Em
pacientes com manifestações do SNC observou-se um aumen-
O Lúpus Neuropsiquiátrico (NP) pode-se apresentar como to dos receptores N-metil-D-aspartato (NMDA), NR2a e NR2b,
diversas síndromes neurológicas, envolvendo os sistemas ner-
o que parece ter uma consequência funcional que leva a lesão
vosos central, periférico e autonômico, além de síndromes psi-
neuronal.20 Foi demonstrado que anticorpos anti-NR2 estão
quiátricas e psicofuncionais. Este tipo de comprometimento
associados a déficit de memória21 e psicose.22 Os anticorpos
é conhecido desde as primeiras descrições do envolvimento
antirribosomal P (anti-P) apresentam uma prevalência de 13 a
sistêmico do Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) por Kaposi,1
ao final do século IX, mas ainda a sua patogenia não está su- 20% no LES, dependendo do grupo étnico estudado,23 e estão
ficientemente esclarecida. As Manifestações Neuropsiquiátri- associados a psicose e depressão.16 Os anticorpos antifosfolí-
cas (MNP) podem preceder, ocorrer concomitantemente ou pides estão relacionados primariamente com manifestações
algum tempo após o início da doença, durante seus períodos focais, porém já foram descritas associações com convulsão,
de atividade ou quando se encontra inativa. O início pode ser coreia, mielite transversa e disfunção cognitiva.24-27 Certamen-
abrupto ou gradual e pode ocorrer episodicamente ou em cri- te mais estudos são necessários para compreender como al-
ses. Além disto, no mesmo indivíduo podem ocorrer eventos guns anticorpos participam da patogênese das MNP no LES, e
únicos ou múltiplos. Finalmente, estas MNP podem ser difusas se um painel de autoanticorpos pode estar associado a especí-
ou focais.2-10 ficas MNP nesta doença.
Vários estudos têm analisado o papel dos processos infla-
„„ ETIOPATOGÊNESE DAS MNP matórios no LES.28-31 Interleucinas, fator de necrose tumoral,
metaloproteinases e S100 b parecem estar associados às ma-
O que contribui para tornar este tipo de manifestação pe- nifestações do SNC no LES e aos achados à Ressonância Mag-
culiar e de avaliação ainda mais difícil é que as MNP podem nética (RM).28-31
ser primárias, ou seja, decorrentes do dano imunológico ou
do tromboembolismo, ou podem ser secundárias a diversas
situações clínicas a que está sujeito o paciente com uma doen- „„ CLASSIFICAÇÃO
ça sistêmica. Desta forma, infecções, distúrbios metabólicos, Embora existissem algumas classificações das MNP no LES
diabetes, uso de alguns medicamentos e hipertensão arterial
nenhuma delas tinha sido amplamente utilizada e não havia
podem levar a síndromes neuropsiquiátricas não imunome-
uma estandardização de terminologia para cada tipo de en-
diadas.11
volvimento. Baseando-se nestas questões o American College
Estudos anatomopatológicos de cérebros de pacientes of Rheumatology (ACR) organizou um grupo de estudos que
com LES, com e sem comprometimento do SNC, evidenciaram
elaborou a nomenclatura e a definição de 19 síndromes neuro-
predominantemente comprometimento microvascular, com
lógicas e psiquiátricas, com recomendações para seu diagnós-
poucos sinais de vasculite.7,13-15 Embora alguns destes estudos
tico,32 uma vez estabelecido o diagnóstico do LES.33
tenham demonstrado um comprometimento microvascular,
aparentemente estes achados não justificam a maioria das Esta classificação pode e deve ser utilizada por reumatolo-
manifestações do SNC no LES. Portanto, a etiopatogenia do gistas, pois permite o melhor diagnóstico e, portanto, o melhor
SNC no LES parece ser multifatorial, envolvendo, além do com- tratamento para estes pacientes. Algumas síndromes são pou-
prometimento da pequena circulação, a produção de autoanti- co frequentes e outras requerem testes específicos para o seu
corpos e o processo inflamatório.16,17 A presença de anticorpos diagnóstico, mas a recomendação do uso desta nomenclatura
contra neurônios, ribossomos e fosfolípides já foram associa- e padronização do diagnóstico de 19 diferentes síndromes,
dos às manifestações do SNC no LES. Em modelo animal foi descritas abaixo, colabora para a compreensão deste comple-
demonstrado que anticorpos antineuronais induzem déficits xo envolvimento sistêmico no LES (Quadro 39.1).

555
Vários estudos utilizaram estes critérios para descrever
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

a frequência ou prevalência das manifestações NP no LES. As


Quadro 39.1 LES: manifestações neuropsiquiátricas. manifestações do SNC ocorrem em 19 a 91% dos pacientes,
Sistema nervoso central
enquanto as do SNP de 0 a 28%. Apesar de ainda ser obser-
vada uma grande variabilidade entre as frequências, o uso
„„ Estado confusional agudo rotineiro desta mesma classificação permite supor que estas
„„ Distúrbios cognitivos
diferenças entre as séries possam ser explicadas pelo número
de pacientes incluídos e pelas diferenças locorregionais.16-17
„„ Psicose

„„ Desordens de humor
„„ CLÍNICA
„„ Desordens de ansiedade
Os sintomas NP podem-se apresentar isoladamente ou
„„ Cefaleia em conjunto, ocorrendo em episódios únicos durante a fase
„„ Doença cerebrovascular de exacerbação da doença, associados ou não a outros sinais
de atividade do LES. Ocorrem em qualquer tempo da doença,
„„ Mielopatia podendo ser o seu primeiro sinal clínico.7,45 A seguir descreve-
„„ Desordens do movimento remos cada uma das MNP e seu diagnóstico, de acordo com o
recomendado pelo ACR.32
„„ Síndromes desmielinizantes

„„ Convulsões „„ Polirradiculoneuropatia desmielinizante inflama-


tória aguda (síndrome de Guillain-Barré): este diag-
„„ Meningite asséptica
nóstico deve ser considerado na presença de quadro de
Sistema nervoso periférico polirradiculoneurite aguda (inferior a 21 dias), progres-
siva, com perda de reflexos, simétrica, podendo envolver
„„ Neuropatia craniana o tronco, e podendo levar a dificuldade respiratória; al-
„„ Polineuropatia terações liquóricas de hiperproteinorraquia sem pleoci-
tose; alterações no estudo da condução nervosa.
„„ Plexopatia
„„ Meningite asséptica: o diagnóstico deve ser realiza-
„„ Mononeuropatia simples/múltipla
do quando ocorrer febre, cefaleia, irritação meníngea,
„„ Polirradiculoneuropatia inflamatória aguda (Guillain-Barré) com pleocitose liquórica e culturas negativas do líqui-
do cefalorraquidiano (LCR).
„„ Desordens autonômicas
„„ Desordens autonômicas: o diagnóstico deve ser reali-
„„ Miastenia grave
zado na presença de hipotensão ortostática, disfunção
esfincteriana erétil ou ejaculatória, anidrose, intolerân-
cia ao calor, constipação intestinal, resposta anormal aos
Posteriormente, estes critérios foram validados, apresen-
testes provocativos conforme preconizado.32
tando uma especificidade de 46%.34 Porém, este mesmo estu-
do demonstrou que, excluindo cefaleia, ansiedade, depressão „„ Doença cerebrovascular: déficits neurológicos por
leve, distúrbio cognitivo leve e polineuropatia sem confirma- insuficiência ou oclusão arterial, doença venosa oclusi-
ção por eletroneuromigrafia, a especificidade aumenta para va ou hemorragia, principalmente focais, podendo ser
93%. Portanto, apesar desta classificação ser atualmente a multifocais, com Tomografia Computadorizada Cere-
mais aceita, há ainda limitações que podem ser futuramente bral (TCC) ou Ressonância Magnética (RM) alterados;
modificadas.11 pesquisa de anticorpos antifosfolípides e realização de
A avaliação de cada uma destas manifestações envolve uma punção lombar quando indicada (Figura 39.1).
série de testes neurofisiológicos,35-37 técnicas laboratoriais38-40 „„ Síndrome desmielinizante: diagnóstico realizado
e de neuroimagem, incluindo a tomografia computadorizada quando ocorrer quadro de encefalomielite desmieli-
cerebral (TC)41 e a Ressonância Magnética (RM), 42-44 quando nizante aguda ou recidivante, conforme descrito de
necessários. novo,13 com exame do LCR, RM e potenciais evocados,
opcionalmente.
„„ EPIDEMIOLOGIA „„ Cefaleia: história completa de dor em região cranial,
com duração, localização, fotofobia, distúrbios visuais,
A frequência exata deste envolvimento não é bem conhe- fraqueza, aura, exame físico, incluindo fundoscopia,
cida, pois de um lado existe a questão da rigorosa exclusão de punção lombar, exames de imagem e anticorpos anti-
eventos secundários que não é feita por todos os autores e, de fosfolípides quando indicados.
outro lado, a terminologia inadequada, empregada tradicional- „„ Mononeuropatia (simples ou múltipla): diagnóstico
mente na identificação destas síndromes colabora na geração através de alterações sensitivas e/ou motoras no traje-
de certa confusão na identificação destes eventos. Assim os ter- to de um nervo periférico e/ou anormalidades na con-
mos lúpus do sistema nervoso central ou cerebrite são incorretos, dução nervosa à eletroneuromiografia (ENMG).
porque excluem a importante participação do sistema nervoso
„„ Desordens do movimento (Coreia): diagnóstico pelo
periférico; o termo neurolupus não pressupõe a participação
quadro característico de movimentos involuntários,
das manifestações psiquiátricas e vasculite implica em proces-
pesquisa de anticorpos antifosfolípides, RM quando
so inflamatório vascular que ocorre até com pouca frequência,
indicada.
como demonstrado em estudos necroscópicos.12-15

556 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Desordens de ansiedade: diagnóstico por quadro

„„ CAPÍTULO 39
„„
de apreensão, disforia, tensão, até pânico e desordens
obsessivo-compulsivas, analisadas através de escala de
depressão e ansiedade, quando indicadas.46
„„ Distúrbios cognitivos: diagnóstico pelo quadro de
déficit de atenção, memória, raciocínio, aprendizado,
podendo ser leve até demência, avaliados através de
testes estandardizados como descrito por Folstein47 e
Lezak.48
„„ Desordens do humor: diagnóstico por quadro de
depressão, ou marcada variação no humor, analisado
através de testes específicos.49,50
„„ Psicose: diagnóstico por quadro de grave perturbação
na percepção da realidade, com ilusões e alucinações.

„„ INVESTIGAÇÃO
O exame clínico é ainda o melhor dos exames para o diag-
nóstico das MNP, uma vez que podem ocorrer limitações da
sensibilidade e especificidade dos exames eletrofisiológicos,
de imagem e do LCR. A avaliação destas manifestações envolve
uma série de testes neurofisiológicos, técnicas laboratoriais,
incluindo autoanticorpos e exame do LCR, e exames de neuroi-
magens, incluindo a TCC e a RM.
A TCC tem mostrado utilidade na detecção de lesões ce-
rebrais focais, na hidrocefalia e na diferenciação entre a lesão
Figura 39.1 TCC crânio mostrando lesão isquêmica direita. primária cerebral das secundárias, infecciosas ou tumorais,
ajudando a orientar o diagnóstico e o tratamento, porém é
pouco sensível na doença cerebral difusa. É útil também para
„„ Miastenia grave: diagnóstico pelo quadro de fraqueza, a análise da atrofia cerebral no LES. A RM é mais sensível que
que aumenta com atividade física e/ou diplopia, disar- a TCC, visualizando lesões de substância branca em 53 até
tria, dificuldade para mastigar e/ou melhora dramática 100% dos lúpicos, embora não haja uma correlação com a
com anticolinesterásicos, ENMG compatível e presença atividade de doença ou a presença de manifestações NP.51-54
de anticorpos antiacetilcolina. Outros achados frequentemente observados são atrofia, que
pode ser difusa ou localizada, acometendo principalmente o
„„ Mielopatia: suspeitar quando houver quadro de fra-
corpo caloso e o hipocampo, e associada à presença de distúr-
queza bilateral de pernas, com ou sem fraqueza dos
bios cognitivos.55-57 Outros métodos de imagem também po-
braços, (paraplegia/quadriplegia), perda sensorial com
dem ser utilizados, como SPECT, PET, entre outros, que podem
nível medular correspondendo à queixa, com ou sem
auxiliar no diagnóstico de atividade do SNC.58-61
disfunção esfincteriana. Diagnóstico realizado através
de TCC ou preferencialmente RM e exame do LCR. Vários autoanticorpos têm sido relacionados com o LES
neuropsiquiátrico, mas seu papel na patogênese e sua valida-
„„ Neuropatia craniana: o diagnóstico deve ser feito de e aplicabilidade clínica não têm sido bem definidos.
pelo quadro de desordem sensitiva e/ou motora de um
Os anticorpos antifosfolípides têm estabelecido sua rela-
nervo craniano específico.
ção com os fenômenos tromboembólicos cerebrais e também
„„ Plexopatia: o diagnóstico deve ser feito pelo quadro com outras manifestações focais, como migrânea e epilep-
de desordens dos plexos braquial ou lombossacral, sia, além das manifestações difusas como distúrbios cogniti-
com fraqueza muscular, déficit sensitivo, e/ou altera- vos.62-68 As manifestações mais comuns associadas a presença
ções de reflexos que não correspondam ao território de anticorpos antifosfolípides são aquelas decorrentes de
de um único nervo ou raiz; ENMG ou estudos da condu- trombose como isquemia cerebral transitória e Acidente Vas-
ção nervosa alterados; TCC ou RM normais. cular Cerebral (AVC). Outras manifestações neurológicas já fo-
„„ Polineuropatia: o diagnóstico deve ser realizado por ram relacionadas com SAF, como coreia, cefaleia e convulsões
demonstração clínica de déficit sensitivo e/ou motor e distúrbios cognitivos.24-27,67,68
distal, simétricos e/ou ENMG ou estudo de condução O anticorpo anti-Sm foi relacionado com o lúpus neurop-
nervosa positivos. siquiátrico em pacientes com disfunção do SNC,69 mas estes
„„ Convulsões e desordens convulsivas: o diagnóstico achados não se repetiram em outro trabalho.70
deve ser feito pelo quadro apresentado com descrição de Alguns trabalhos encontraram relação dos anticorpos an-
suas características; eletroencefalograma, TCC ou RM. tigangliosídeos com MNP no LES.71-76
„„ Estado confusional agudo: o diagnóstico deve ser O anticorpo anti-P foi inicialmente relacionado com a psi-
feito na presença de distúrbios da consciência, de dife- cose no LES,77 e trabalhos subsequentes tem corroborado,
rentes níveis, até o coma, TCC ou RM. refutado e também ampliado esta relação com a presença de
depressão.16,78-84

Lúpus Eritematoso Sistêmico 3: Manifestações Neuropsiquiátricas 557


„„ TRATAMENTO A cefaleia é um sintoma muito frequente e pode ser decor-
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

rente de outras causas, independente do lúpus eritematoso


O tratamento das manifestações neuropsiquiátricas deve- sistêmico, e, portanto, a terapêutica específica nestes casos
rá ser dirigido ao tipo de manifestação apresentada, pois como deve ser bem avaliada.
são bastante diversas, não há como padronizar a terapêutica.
Nos casos com comprometimento neurológico grave, não
Não existem protocolos definidos para as MNP. Até o pre- responsivos à corticoterapia, uso de ciclofosfamida e/ou da
sente momento existe somente um estudo randomizado, com- anticoagulação nos casos de trombose, pode-se indicar plas-
parando o uso de metilprednisolona isoladamente ao uso de maférese ou imunoglobulina endovenosa, mas, na literatura,
metilprednisolona associada a ciclofosfamida nas manifesta- os resultados são controversos.86-88 Outros imunossupressores
ção neuropsiquiátricas do LES, sendo a combinação ciclofos- como a azatioprina e o metotrexato não têm mostrado efeito
famida e metilprednisolona considerada mais eficiente que a similar ao da ciclofosfamida nestes casos. O rituximab ( an-
metilprednisolona isoladamente.85 tiCD-20) foi utilizado em pacientes com lúpus envolvendo o
Mononeuropatia e polineuropatia periférica geralmente sistema nervoso central refratário com bons resultados.89-91
respondem ao esquema de corticosteroides e/ou imunossu-
pressores. Neuropatia craniana ocorre, em geral, em doença
ativa, é transitória e responde ao tratamento convencional „„ CONCLUSÃO
com glicocorticoides em altas doses.86 Embora tenham ocorrido avanços na investigação e no tra-
Nos casos de doenças cerebrovasculares, em decorrência de tamento das manifestações NP no LES, o diagnóstico continua
fenômenos tromboembólicos, muitas vezes relacionados com sendo complexo, devido aos inúmeros diagnósticos diferen-
os anticorpos antifosfolípides, a anticoagulação está indicada.86 ciais e à dificuldade na interpretação dos exames.
Para o tratamento das convulsões, os anticonvulsivantes Recentemente, novos critérios classificatórios do LES fo-
podem ser de grande valia na fase aguda, sendo necessária a ram propostos e dentre outras modificações foram sugeridas
avaliação da duração do tratamento.86 inclusões de outras manifestações neuropsiquiátricas, como
A psicose é, de modo geral, fruto do dano imunológico da mononeurite múltipla, mielite, neuropatia periférica ou cra-
doença, embora possa, mais raramente, ser secundária à corti- niana e estado confusional agudo, visto que muitos pacientes
coterapia, sendo os antipsicóticos bons coadjuvantes.86 apresentam estes quadros clínicos, além das manifestações já
O paciente também pode apresentar desordens do humor, presentes, como convulsões e psicose.92
ansiedade e distúrbios cognitivos, como déficits de memória Isto demonstra que estas manifestações têm grande im-
e atenção, dificuldade no aprendizado e no raciocínio, dentre portância no contexto clínico do LES, podendo modificar o tra-
outros que devem ser adequadamente avaliados e tratados tamento e o prognóstico destes pacientes.
pelo especialista.

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560 Tratado Brasileiro de Reumatologia


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Lúpus Eritematoso Sistêmico 3: Manifestações Neuropsiquiátricas 561


40

Capítulo
Ben Hur Braga Taliberti  Raif Antoun Júnior

Síndrome de Sjögren
„„ RESUMO Em 1926, o oftalmologista francês Gougerot publicou as
primeiras observações relacionando os sintomas de secura de
A síndrome de Sjögren, definida como doença inflamatória mucosa com as manifestações articulares.
sistêmica crônica autoimune, tem no seu contexto etiopatogê-
Em 1930, Henrik Sjögren apresentou seus primeiros pa-
nico uma gama de mecanismos, como infeccioso, imunológico
cientes com secura dos olhos associadas a ceratite filiforme e
e genético, que a coloca no grupo das doenças inflamatórias
a artrite. Nos 3 anos seguintes foram descritas manifestações
do tecido conectivo. Ainda sem um mecanismo etiológico de-
em outras 19 mulheres. Dessas pacientes, com idades entre 29
finido, traduz-se sob o ponto de vista fisiopatológico por ma-
e 72 anos, 12 apresentavam alterações histológicas na córnea,
nifestações clínicas decorrentes do processo inflamatório que
10 nas glândulas lacrimais e 13 manifestações articulares.
acomete a maioria dos órgãos. O espectro clínico da doença é
Com essas observações, Sjögren definiu a Keratoconjunctivitis
diversificado e dependerá da extensão do acometimento dos
Sicca (KCS) como uma doença causada pela alteração na pro-
órgãos, que vai desde as alterações funcionais e anatômicas
dução lacrimal responsável pelas lesões da ceratite filiforme.
das glândulas lacrimais e salivares, passando pelas manifes-
tações constitucionais, até o acometimento visceral. Portanto, Em 1953, Morgan e Castleman descreveram a nature-
os sintomas dependerão, em maior ou menor grau, da atua- za infiltrativa linfocítica da doença. Bunim e Talal, em 1963,
ção dos mediadores inflamatórios em receptores celulares e constataram sua associação com os linfomas. Em 1965, Block
das modificações anatômicas e funcionais causadas nos ór- classificou a síndrome de Sjögren em primária e secundária.
gãos pelo processo inflamatório. No que se refere ao labora- Recentemente, novos mecanismos etiopatogênicos da
tório, os exames avaliam a atividade inflamatória e auxiliam doença têm sido aventados, os quais acarretam a perda da to-
no diagnóstico da doença. Quanto ao perfil imunológico, a lerância a antígenos próprios desencadeando respostas imu-
determinação dos autoanticorpos séricos pouco contribui no nológicas anormais, mediadas por células e autoanticorpos,
diagnóstico, refletindo mais uma relação de frequência do que resultando em lesões teciduais e alterações funcionais das
de patogenicidade. Quanto à biopsia glandular, os achados re- glândulas.
velam alterações celulares com variáveis graus de infiltração
linfocitária, destruição e fibrose que podem ou não se corre- „„ CONCEITO E EPIDEMIOLOGIA
lacionar com a perda funcional do tecido glandular. Diante de
uma doença com mecanismo etiopatogênico pouco definido, A síndrome de Sjögren é definida como uma doença in-
o tratamento visa o controle dos sinais e sintomas das disfun- flamatória crônica, decorrente de uma resposta imunológica
ções orgânicas. Os medicamentos sintomáticos estão indica- anormal, caracterizada por infiltrado linfocítico focal, compro-
dos nas securas de mucosas; os anti-inflamatórios hormonais metendo as glândulas de secreção exócrina, especialmente as
e não hormonais, nas artrites e miosites; as drogas modifica- lacrimais e salivares. Pode-se apresentar como uma doença
doras de doença, nas lesões inflamatórias crônicas teciduais. inflamatória sistêmica, cursando com manifestações cutâneas
Os corticosteroides orais são empregados nas manifestações e articulares, além do acometimento visceral, envolvendo o
viscerais; os imunossupressores, no envolvimento orgânico sistema nervoso, o trato gastrointestinal, o fígado, a traqueia,
grave; e os agentes imunobiológicos, na atividade inflamatória os brônquios, os pulmões, os rins, os vasos sanguíneos e o sis-
refratária ao tratamento modulador convencional. tema hematológico.
A síndrome é classificada como primária ou secundá-
ria, sendo a segunda associada a outras doenças autoimunes
„„ HISTÓRICO
sistêmicas, dentre elas a Artrite Reumatoide (AR), o Lúpus
As primeiras descrições da Síndrome de Sjögren (SS) da- Eritematoso Sistêmico (LES), a Esclerose Sistêmica (ESP), a
tam do final do século XIX. Mikulicz, em 1892, descreveu o Dermatopolimiosite (DPM) e a Doença Mista do Tecido Conec-
caso de um fazendeiro com aumento das glândulas parótidas e tivo (DMTC).
lacrimais associado a um infiltrado celular no tecido glandular, Os sintomas de secura das mucosas foram descritos em
sendo considerado o primeiro caso relatado e a primeira des- outras doenças como autoimunes órgão-específicas (cirrose
crição de um Linfoma Não Hodgkin (LNH) associado à doença. biliar primária, hepatites como as autoimunes, tireoidites), as

563
de depósitos (hemocromatose, amiloidose), a sarcoidose, as Os modelos animais da síndrome de Sjögren demonstram
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

dislipidemias IV e V e a esclerose múltipla. que as alterações nas células epiteliais glandulares e endote-
A prevalência da doença é extremamente variável, corro- liais, assim como aumento na produção de metaloproteinases
borando para isto os múltiplos fatores envolvidos na sua etio- ocorrem na ausência de infiltrado linfocítico local. Entretanto,
patogênese, como o amplo espectro clínico, a inespecificidade manifestações clínicas não ocorrem até o desenvolvimento de
dos sinais e sintomas e a diversidade dos critérios diagnósti- uma inflamação glandular.
cos. Estima-se que a prevalência mundial da SS primária esteja O estabelecimento da inflamação seria mediado principal-
em torno de 0,5%, existindo variações regionais e entre países. mente pelas células dendríticas e epiteliais, capazes de ativar as
Na população geriátrica, os números variam entre 0,1 e 4,8%. células T e B via mecanismo de resposta imunológica adquirida
através do processo de apresentação de antígenos, mediado pelo
A síndrome de Sjögren primária afeta principalmente mu-
complexo MHC e moléculas coestimulatórias (CD28, CD40, B2-7).
lheres, na proporção de 9:1, ocorrendo em todas as idades,
classicamente com dois grandes picos de incidência. O primei- Os linfócitos T CD4+ do subtipo helper ativariam os linfóci-
ro entre a segunda e a terceira décadas de vida, e o segundo, tos T CD8+ citotóxicos e os linfócitos B, desencadeando a lesão
inflamatória, a seleção de células de memória e a formação de
mais significativo, entre a quarta e quinta décadas.
estruturas semelhantes a centros germinativos.
A perpetuação da resposta inflamatória seria atribuída à in-
„„ ETIOPATOGENIA terface entre os sistemas de resposta imune inata e a adquirida,
que se comportariam de forma coestimulatória. Os complexos
As evidências geradas por estudos experimentais em animais imunes, contendo antígenos SS-A e ribonucleoproteínas, liga-
e humanos apontam para um modelo de doença multifatorial, riam-se aos receptores Toll e aos receptores Fc-γ, estimulando
no qual a interação entre os fatores desencadearia uma resposta as células dendríticas a produzir interferon tipo 1.
imunológica anormal em indivíduos geneticamente suscetíveis. A
As células epiteliais, estimuladas pelos TLR’s, levariam à
perda da tolerância à autoantígenos, através de mecanismos me-
expressão aumentada de MHC-I, CD54/ICAM-1, CD40 e CD95/
diados por células, anticorpos e citocinas, acarretaria a inflama- Fas. Tais fatores desencadeariam um ciclo vicioso de migração,
ção tecidual e as alterações funcionais (Tabela 40.1). ativação e retenção de linfócitos no tecido inflamado, como
também a ativação de metaloproteases teciduais e apoptose
de células glandulares.
Tabela 40.1 Modelo etiopatogênico da síndrome de Sjögren. A destruição glandular, causada por mecanismos apoptó-
ticos envolvendo os sistemas mediados por perforinas, gran-
Fenômenos centrais do modelo etiopatogênico multifatorial da zima A, Fas/ligante, Fas, não justifica os déficits qualitativos
síndrome de Sjögren e quantitativos observados nos pacientes com manifestações
„„ Fatores ambientais, como as infecções locais das glândulas salivares,
clínicas, visto que poucos ductos e ácinos estão destruídos nas
aumentariam a exposição de autoantígenos e antígenos cruzados ativando biopsias glandulares.
a resposta imune inata. Portando, é provável que citocinas, autoanticorpos e me-
„„ A resposta inata reconheceria estes antígenos, gerando ativação celular taloproteases interfiram nos processos de sinalização entre a
local com produção de substâncias, que determinariam a migração de matriz extracelular e as células epiteliais glandulares.
células apresentadoras de antígenos iniciando a inflamação. As modificações causadas nestas células alteram a sua dife-
„„ A ativação da resposta imune adquirida, caracterizada pela perda da renciação e maturação, interferindo na expressão e distribui-
autotolerância e consolidação da resposta inflamatória, seria mediada ção dos canais de aquaporina, e nos circuitos neuro-humorais
pela ativação de linfócitos T e B pela apresentação de genes específicos do causando disfunção glandular com consequente diminuição
complexo MHC em indivíduos geneticamente suscetíveis. na produção de secreção exócrina.
„„ Ambas as modalidades de resposta imune se coestimulariam perpetuando
a inflamação local.
„„ A disfunção orgânica seria resultante da aceleração da apoptose e as „„ SUSCETIBILIDADE GENÉTICA
alterações celulares funcionais promovidas por produtos do processo
Estudos epidemiológicos evidenciaram a tendência fami-
inflamatório.
liar no desenvolvimento da síndrome de Sjögren. Foster et al.
reportaram que 4,4% dos parentes em primeiro grau de pes-
As infecções virais nas glândulas exócrinas funcionariam soas com SS preenchiam os critérios californianos para doença
como gatilho do processo de iniciação da resposta imunoló- provável ou definitiva.
gica através da indução de necrose tecidual e mudança na di- Outro estudo publicado, em 1989, por Arnett et al. demons-
nâmica de apoptose celular, resultando tanto na exposição de trou uma maior incidência de autoanticorpos anti-Ro/SSA em
antígenos virais, quanto na expressão de antígenos celulares familiares de pacientes com SS ou LES quando comparados com
como alfafodrina, Ro/SSA e La/SSB. a população geral (21% em parentes de primeiro grau, 11% em
Estes gatilhos seriam responsáveis também pela ativação parentes de segundo grau e 6% na população geral).
da resposta imunológica, que utilizaria um complexo sistema O mesmo estudo reportou um aumento para 41% na inci-
de receptores denominados Toll, Toll-like e CD91+ com capa- dência de anti-Ro nos familiares que apresentaram evidência
cidade de reconhecer padrões moleculares predeterminados clínica e sorológica de doença autoimune. A incidência de anti-
compartilhados por grandes grupos de microrganismos e pro- corpos anti-La/SSB foi infrequente nesta população.
dutos apoptóticos. Dos marcadores genéticos, os que apresentam melhor cor-
A resposta imune atuaria na ativação das células epiteliais relação com a doença são os alelos componentes do complexo
glandulares, das células dendríticas e do endotélio vascular, le- MHC, existindo polimorfismo quando se compara diferentes
vando à expressão de moléculas de adesão celular e citocinas populações com doença primária, assim como diferentes ge-
que determinariam a migração regional de linfócitos. nótipos são relacionados com a doença secundária.

564 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Em caucasianos, a SS primária foi relacionada com o au- Não existem evidências ligando uma única forma de infec-

„„ CAPÍTULO 40
mento em 50% na frequência do HLA-DR3, em particular ao ção ao desenvolvimento da doença. Essas infecções possuem
haplotipo HLA-DR3, B8, DQ-2, com nulidade do gene C4A, em em comum uma alta prevalência na população geral e a ca-
comparação a 20 a 25% na população geral. pacidade de acometer os tecidos glandulares salivares, pro-
A associação do HLA-DR3 com a produção de anticorpos anti- vocando um processo inflamatório crônico e indolente, que
-Ro/SSA e anti-La/SSB parece ser mais estreita do que a associa- estimulariam o sistema imune em pacientes geneticamente
ção com a doença, visto que 60 a 90% desta população caucasiana predispostos.
produtora de anti-Ro/SSA apresentou positividade para o alelo. Os primeiros estudos sobre o papel de agentes infecciosos
As diferentes associações foram reportadas na população virais recaíram sobre a relação do herpesvírus, do Epstein-
grega e israelense com SS primária (HLA-DR5), assim como -Barr vírus, do citomegalovírus, do herpes-vírus humano-6,
diferentes haplotipos foram prevalentes na população de ja- com a doença, principalmente o vírus Epstein-Barr (EBV), ci-
poneses, chineses e espanhóis. Tais diferenças podem ser ex- tomegalovírus (CMV) e herpes-vírus humano-6.
plicadas por um desequilíbrio do HLA-DQA1 associado tanto à Entretanto, em pesquisas utilizando técnica de hibridiza-
expressão do HLA-DR3, quanto à presença do HLA-DR5. ção do DNA para detecção do material genético do EBV em te-
Devido à grande semelhança entre a SS primária e um dos cido glandular salivar, a presença deste ocorreu menos que 1%
subgrupos do LES, no que se refere, ao perfil genético (HLA- das células de pacientes com SS.
-DR3), ao padrão de autoanticorpos (anti-Ro/SSA), a sobrepo- Acredita-se atualmente que o desenvolvimento da doença
sição de manifestações clínicas e aos efeitos relacionados com possa estar relacionado com a infecção por formas mutantes
a expressão de interferon tipo 1, admite-se a possibilidade da destes vírus que, além de geneticamente diferentes, teriam
SS primária ser uma variante do LES com receptores para lin- comportamento antigênico distinto, conforme demonstrado
fócitos, determinando sua migração para sítios extranodais. por estudo chinês com vírus EBV.
Entretanto, ressalta-se que o mecanismo de lesão das duas Outro grupo bastante estudado é o dos retrovírus, capa-
doenças é bastante diferente, sendo que na SS as alterações zes de infectar células do sistema imune causando destruição
histológicas e funcionais estão relacionadas com a infiltração e disfunção das células T. Tanto HIV-1, quanto HTLV-1 estão
linfocítica local, enquanto no LES a inflamação é desencadea- relacionados com o desenvolvimento da síndrome seca.
da pela interação de imunocomplexos com o sistema comple- A hipótese de associação entre infecção por partículas de-
mento, o que determina lesões diferentes em compartimentos fectivas do HTLV-1 e a doença ganha força com a demonstra-
distintos de um mesmo órgão. ção de material genético do vírus em glândulas salivares de
Na associação com AR, a SS parece estar relacionada com pacientes com SS, sendo detectado nesses estudos apenas o
o HLA-DR4, com predominância das manifestações oculares gene tax, com ausência dos genes pol, gag e env.
e padrões de resposta terapêutica peculiares, sugerindo dife- As pesquisas em animais demonstraram desenvolvimento
renças no processo fisiopatológico. de sialadenite com infiltrado linfocítico em ratos transgênicos
A ESP associada à SS parece ser um terceiro processo pato- com inserção do gene tax. É conhecida também a associação
gênico com sua própria predisposição genética, padrão de au- de partículas defectivas deste vírus com outras desordens lin-
toanticorpos, manifestações clínicas e requisições terapêuticas. foproliferativas, como a micose fungoide e o linfoma de células
Outros polimorfismos genéticos parecem estar envolvidos T relacionado com o HTLV.
na gênese da doença. O do gene promotor da IL-10 poderia Kordossis et al., em 1998, demonstraram um subgrupo de
afetar o balanço entre subpopulações de linfócitos T helper pacientes infectados por HIV-1 com quadro de linfocitose in-
em favor dos mecanismos de lesão mediados por células nos filtrativa difusa (DILS), xerostomia, keratoconjunctivitis sicca
tecidos glandulares. e aumento bilateral das parótidas. Entretanto, esta desordem
A presença do haplotipo GCC e ATA seria vinculada ao iní- difere da síndrome de Sjögren primária em vários aspectos,
cio precoce da doença e à maior incidência em algumas popu- como a baixa frequência de autoanticorpos, o infiltrado glan-
lações, e do alelo G9 associado à vasculite cutânea. dular com predomínio de linfócitos CD8+, o maior acometi-
Os dois haplotipos do gene determinante do CTLA-4 mento do sexo masculino (3:1) e as associações com diferentes
(cytotoxic T lymphocyte-associated antigen 4), fundamental no alelos do complexo MHC (HLA- DR5 e DR6).
processo de migração e controle da ativação linfocitária, po- A participação do vírus da hepatite C no desenvolvimento
deriam estar relacionados com a forma primária da doença, da doença foi levantada pela ocorrência de sintomas de síndro-
as alterações sorológicas e as manifestações extraglandulares. me seca com infiltrado linfocítico nas glândulas exócrinas de
O polimorfismo do gene IRF5 (interferon regulatory factor-5) pacientes infectados. Entretanto, a infrequente associação com
também foi identificado em pacientes com SS primária. autoanticorpos anti-Ro e La fazem desta condição um diagnósti-
A expressão do alelo TNF2 se associa a uma frequência co diferencial ao invés de um fator causal da SS primária.
elevada em pacientes com SS primária, correlação com os au-
toanticorpos anti-Ro e anti-La, assim como maior incidência „„ INFLUÊNCIAS HORMONAIS
de tubulopatias.
A influência dos hormônios sexuais em diversas desordens
orgânicas, principalmente do estrógeno, vem sendo demons-
„„ FATORES AMBIENTAIS trada pela elucidação de mecanismos de modulação do endo-
As infecções se associam a síndrome de Sjögren como télio vascular, do sistema de hemostasia e do sistema imune.
prováveis gatilhos que levariam ao desencadeamento de uma Em particular, na síndrome de Sjögren, a possibilidade
resposta inflamatória caracterizada pela perda de tolerância a do estrógeno estar relacionado com a doença é sugerida pela
antígenos próprios. maior prevalência da mesma nas mulheres em idade fértil, as-

Síndrome de Sjögren 565


sim como maior incidência de doença em menopausadas fa- complexadas ao RNA. Os anticorpos contra a proteína de
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

zendo uso de Terapia de Reposição Hormonal (TRH). A cada 52kD (Ro52) são mais frequentes na SS e na cirrose biliar
aumento de 3 anos na TRH o risco de desenvolvimento de xe- primária em comparação ao LES e a AR, enquanto os anticor-
roftalmia aumenta em 15%, refletindo a influência do estróge- pos contra a proteína de 60kD (Ro60) são mais prevalentes
no na produção lacrimal. no LES.
O anti-La/SSB é dirigido contra uma proteína de 47kD as-
„„ MEDIADORES INFLAMATÓRIOS sociada à RNA polimerase III, sendo menos sensível, porém
mais específico para SS, que o anti-Ro/SSA. O antígeno SS-B/
O perfil imunológico da síndrome de Sjögren é extrema- La estaria diretamente envolvido no processamento do RNA
mente complexo. A análise histológica das glândulas exócrinas viral.
sugere importante participação dos linfócitos T CD4+ nos me- O anti-Ro/SSA e o anti-La/SSB não apresentaram evidên-
canismos de lesão. cia direta de patogenicidade in vivo na SS como ocorre no lúpus
A presença de citocinas classicamente associadas ao pa- neonatal, embora os anticorpos anti-Ro/SSA sejam capazes de
drão de resposta Th1, como IFN-γ e TNF-α, a presença de mediar eventos citotóxicos in vitro.
infiltrado linfocítico do tipo T CD8+ e a atuação de enzimas de- O fator reumatoide tem relação de frequência variável com
flagradoras da apoptose são fatos que apontam para a impor- a doença, porém sem correlação patogênica estabelecida.
tância do braço celular na etiopatogenia da doença, sobretudo, Os autoanticorpos dirigidos contra os receptores muscarí-
relativo à lesão glandular. nicos da acetilcolina poderiam bloquear a transmissão neuro-
A hiper-reatividade, a hiperproliferação e a mutação so- glandular, resultando em sintomas da síndrome seca, estando
mática policlonal dos linfócitos B, presentes de forma mais presentes tanto na doença primária, quanto na secundária,
intensa na doença primária com manifestações viscerais, embora sua real incidência seja desconhecida.
embasam-se na identificação de um perfil de citocinas Th2 in- Neste aspecto, a SS se assemelharia as outras doenças au-
cluindo IL-6 e IL-10 e na produção de múltiplos anticorpos e toimunes órgão-específicas, como a miastenia grave e a doença
imunocomplexos, alguns dos quais com atividade de crioglo- de Graves, em que anticorpos antirreceptores são patogênicos.
bulinas e fator reumatoide.
Os anticorpos contra alfafodrina, proteínas do componen-
A hiperprodução do BAFF (fator ativador de células B) pa- te do citoesqueleto, são descritos na SS, porém não foram re-
rece correlacionar com aumento da proliferação e prolonga- portadas, até o momento, evidências de sua contribuição na
mento da sobrevida de células B, estando associada também patogenia da doença. Vários estudos relataram diferentes per-
aos linfomas MALT. fis de sensibilidade e especificidade para SS primária, perma-
O estudo de agentes biológicos nas últimas 2 décadas tem necendo incerta sua utilidade na prática clínica.
fornecido informações sobre a importância de cada mecanis- Os anticorpos contra o autoantígenos 69 de ilhotas ce-
mo etiopatogênico no desenvolvimento, perpetuação e pro- lulares (ICA69), proteína presente nas glândulas salivares,
gressão da doença. lacrimais, tecido pancreático e sistema nervoso, vêm sendo
Os últimos ensaios clínicos randomizados com biológicos estudados como possíveis marcadores de doença.
ativos contra o TNF-α (infliximabe e etanercep) não demons-
traram resultados positivos no controle da doença, sugerindo
um papel secundário desta citocina na patogênese. „„ FISIOPATOLOGIA
As evidências sobre o papel do INF-α na SS primária são As observações recentes demonstraram que as manifesta-
conflitantes. A hipótese de que o INF-α seria um fator-chave ções decorrentes das alterações funcionais das células epite-
na produção do BAFF ainda não foi testada em estudos experi- liais, em detrimento da destruição glandular tecidual, são as
mentais envolvendo o bloqueio desta via. responsáveis pelos distúrbios secretórios glandulares na sín-
Apoios à hipótese de que o INF-α melhoraria a secreção drome de Sjögren.
glandular pela melhor distribuição de canais de aquaporina-5 Os pacientes com disfunção secretória importante têm ci-
estão nos estudos de Shiozawa et al. e Cummins et al. toarquitetura relativamente preservada ao exame histopatoló-
Em ensaios clínicos pequenos e de curta duração, a de- gico. Entretanto apresentam produção reduzida à estimulação
pleção de células B pelo anticorpo anti-CD20+ (rituximab) se colinérgica em estudo de tecido in vitro.
mostrou capaz de reduzir sintomas extraglandulares, como A apoptose das células epiteliais parece ser um evento
artralgia e fadiga, embora os resultados na melhoria do fluxo raro. As evidências mais recentes apontam para alterações na
salivar sejam influenciados pela duração da doença. dinâmica da concentração do cálcio e déficits da estimulação
O BAFF parece ser fator fundamental para a repopulação neuroendócrina.
sérica e glandular de células B após a terapia com rituximab, A secreção fisiológica do tecido glandular exócrino obede-
e estudos com belimumab estão em andamento para avaliar o ce à seguinte dinâmica:
efeito do bloqueio do BAFF na SS primária.
A importância do bloqueio de moléculas coestimulatórias na „„ A acetilcolina se liga aos receptores muscarínicos M3
apresentação de antígenos também permanece indeterminada. na superfície das células acinares, o que determina a
produção de um segundo mensageiro, o 1,4,5-trifos-
fato de inositol (IP3), que se difunde pelo citoplasma
„„ AUTOANTICORPOS até o retículo sarcoplasmático causando a liberação de
Os anticorpos anti-Ro/SSA e anti-La/SSB estão presentes cálcio.
na doença primária em cerca de 80 e 70% dos casos, respec- „„ O aumento da concentração intracelular de cálcio leva
tivamente. O anti-Ro/SSA reconhece, ao menos, 2 proteínas à abertura dos canais de cloreto sensíveis ao cálcio na

566 Tratado Brasileiro de Reumatologia


membrana apical e à abertura dos canais de potássio

„„ CAPÍTULO 40
da membrana basolateral.
Tabela 40.2 Manifestações clínicas na síndrome de Sjögren.
„„ O cloreto passa do ambiente intracelular para o lúmen
do ducto e arrasta o sódio para manter o equilíbrio Órgãos e sistemas Lesões estruturais
elétrico; cria-se, portanto, um gradiente osmótico que acometidos
determina o transporte de água para o lúmen ductal
através dos canais de aquaporina 5. Pele Lesões vasculíticas com púrpuras palpáveis,
máculas, pápulas, lesões urticariformes, livedo
A presença maciça e o tempo prolongado do cálcio no ci- reticular, pústulas, úlceras,eritema maculo-
papular e eritema anular
toplasma são tóxicos para a célula, por isso o aumento de sua
concentração e a amplificação de sua ação acontece em ondas Articulações Sinovites não deformantes
rápidas no retículo sarcoplasmático, por ação do IP3 e ADP-
-ribose via RyR (receptor de rianodina). Músculos Mialgia, miosite
A curta duração do fenômeno é assegurada pela ação de Serosas Pleurite, pericardite
tampões intracelulares do cálcio, pela captação dos íons pelas
demais organelas e pela ação das Ca²+ – ATPases, que trans- Sistema hematológico Anemia de doença crônica, anemia perniciosa,
anemia hemolítica, púrpura trombocitopênica
portam os íons para o espaço extracelular.
imune, agranulocitose, pancitopenia
O aumento da produção de óxido nítrico por ação da óxido
nítrico sintetase (NOS) levaria a uma superprodução de ADP- Coração Hipocinesia ventricular esquerda
-ribose, que desencadearia dessensibilização e hipofunção dos
Pulmões Pneumopatias intersticiais, H.arterial pulmonar
receptores RyR.
O aumento da expressão dos receptores muscarínicos M3 Fígado Cirrose biliar primária, hepatite autoimune
na superfície das células epiteliais reflete, provavelmente, défi-
Pâncreas Pancreatite esclerosante autoimune
cit de neurotransmissão explicados pela redução da liberação
de acetilcolina por interação dos neurônios com citocinas in- Rins e trato urinário Nefrite túbulo-intersticial, acidose tubular
flamatórias, como IL-1α, IL-1β e TNF-α, pelo aumento da libe- renal, síndrome de Fanconi, diabetes
ração local de colinesterases e pelo bloqueio dos receptores insipidus nefrogênico, hipocalemia
por autoanticorpos anti-M3. isolada, glomerulonefrite membanosa,
glomerulonefrite membranoproliferativa,
Tanto a superfície epitelial do globo ocular, quanto a da glomerulonefrite mesangial, cistite instersticial
mucosa oral são inervadas por fibras sensitivas mielinizadas
(fibras A-delta) e não mielinizadas (fibras C) que conduzem Sistema nervoso Radiculopatias, polineuropatias, mononeurite
impulsos mecânicos, térmicos e dolorosos aos núcleos saliva- múltipla, neuropatia de pares cranianos,
lesões isquêmicas do sistema nervoso
tório e lacrimal localizados no sistema nervoso central, que,
central, meningoencefalite asséptica, mielite
por sua vez, através de fibras autonômicas, controlam a secre- transversa, distúrbios cognitivos e afetivos
ção glandular.
A sensação de olhos secos é decorrente do aumento da for- Sistema vascular Fenômeno de Raynaud
ça de atrito entre a pálpebra superior e o globo ocular, quando Doença inflamatória vascular neutrofílica e
a primeira desliza sobre o segundo no ato de piscar. linfocítica

O estímulo físico, ocasionado pela diminuição da secre- Sistema retículo Linfoproliferação com linfadenomegalia
ção de água e mucinas pelo tecido glandular inflamado, é endotelial Linfomas
captado e transformado em estímulo elétrico pelas fibras A-
-delta, sendo conduzido até o sistema nervoso central onde
Dentre as manifestações glandulares, as mais frequentes
é processado.
são o comprometi­mento ocular e oral, que ocorre em cerca de
O déficit de lubrificação da córnea leva à descamação epi- 90% dos pacientes. A secura da mucosa pode comprometer ou-
telial e formação de úlceras, expondo terminações nervosas tros locais, como a orofaringe, o trato respiratório superior e a
responsáveis pela percepção de dor aguda, com consequente mucosa vaginal. A perda da função exócrina pode-se estender
adaptação voltada à proteção contra o estímulo agressor. ao estômago, pâncreas, intestino delgado e pele (Tabela 40.3).
A despolarização persistente de fibras C leva à amplifica- A despeito das características benignas, como a progres-
ção do estímulo e sensibilização central, contribuindo para são lenta, as manifestações clínicas iniciais inespecíficas e o
perpetuação do mecanismo de dor crônica e inibição do siste- envolvimento visceral tardio, a sín­drome pode evoluir para a
ma parassimpático agravando a disfunção secretória. linfoproliferação maligna.

„„ PROPEDÊUTICA CLÍNICA E COMPLEMENTAR „„ ENVOLVIMENTO OCULAR


A síndrome de Sjögren primária apresenta um quadro clí- O envolvimento ocular manifesta-se através da Keratocon-
nico amplo, que vai desde as manifestações glandulares isola- juntivite Sicca (KCS), caracterizada pela redução da secreção
das até o comprometimento sistêmico e visceral. A dificuldade lacrimal, com diminuição do componente aquoso e a deficiên-
diagnóstica reside na variedade e inespecificidade dos sinais e cia na produção de mucina. Como consequência, há destruição
sintomas da doença (Tabela 40.2). do epitélio da conjuntiva, da córnea e do bulbo, com desenvol-
vimento de complicações como ulcerações e infecções.

Síndrome de Sjögren 567


„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

Tabela 40.3 Acometimento das mucosas na síndrome de


Sjögren.
Mucosas acometidas Alterações histológicas e funcionais

Ocular Xeroftalmia com ceratite, ardor, prurido,


fotofobia, ulcerações, hiperemia

Orofaríngea Xerostomia com estomatite, faringite, dor,


dificuldade de deglutição, alterações da gustação,
cáries dentárias, candidíase

Esofagiana Refluxo gastroesofágico com ou sem esofagite

Gástrica Dispepsia com gastrite atrófica, epigastralgia em


queimação, plenitude gástrica

Intestinal Desabsorção, diarreia, deficiência nutricional

Nasal Rinite seca com obstrução

Laringotraqueal Laringotraqueíte com tosse seca

Brônquica Bronquiolite folicular e bronquiectasias com


tosse, dispneia, sibilância

Vaginal Vaginite seca com dispareunia

Os sintomas são insidiosos, com frequente piora no perío-


do noturno. A sensação de queimação nos olhos, a de corpo
estranho, o prurido e a fo­tofobia são as principais manifesta-
ções. O exame clínico revela dilatação dos vasos conjuntivais
e bulbares, inflamação pericorneal, irregularidade do filme
lacrimal e dilatação das glândulas lacrimais.
Os procedimentos para o diagnóstico da ceratoconjunti-
vite seca in­cluem os testes de Schirmer, o Break-up-time e o
Rose-Bengal, que avaliam a quantidade de secreção lacrimal, a
qualidade da lágrima e a integridade da superfície conjuntival, Figura 40.1 Teste de Schirmer.
respectivamente (Tabela 40.4).

A técnica do exame consiste em colocar 2,5 mL de solução


de fluo­resceína a 1% no fórnix inferior de cada olho e pedir ao
Tabela 40.4 Testes diagnósticos da ceratoconjuntivite seca. paciente para piscar 1 a 2 vezes. Com o microscópio de lâmpa-
Secreção Superfície da de fenda avalia-se o intervalo de tempo da última piscada e
lacrimal Produção Qualidade ocular o aparecimento de áreas escuras, não fluorescentes. O tempo
inferior a 10 segundos é considerado anormal.
Procedimento Teste de Break-up-time Rose-Bengal Com a coloração Rose-Bengal é possível avaliar as altera-
Schirmer
ções epiteliais, causadas pela redução da secreção lacrimal e
Valor anormal ≤ 5 mm/5 min ≥ 10 seg Escore ≥ 4 de mucina na superfície ocular. O corante é uma solução de
anilina a 1%, que impregna o epitélio desvita­lizado da córnea
e conjuntiva.
O teste de Schirmer, que avalia a quantidade de lágrima O tes­te consiste na instilação de 2,5 mL de solução Rose-
produzida pelas glândulas, consiste na introdução da extre- -Bengal no fórnix inferior dos olhos. A leitura do exame se faz
midade arredondada e dobrada de um papel de filtro com 30 com o microscópio de lâmpada de fenda, anotando-se o nú-
mm de comprimento no saco conjuntival da porção lateral da mero de áreas alaranjadas em três regiões: conjuntiva lateral,
conjuntiva inferior. nasal e córnea. A distribuição dos pontos define dois tipos de
Após manter os olhos do paciente fechados por 5 minu- acometimento: a ceratite puntacta e a ceratite filamentar.
tos, remove-se o papel, anotando o comprimento da área A contagem das áreas lesadas constitui um escore, defini-
umedecida. A distância inferior a 5 mm torna o teste anormal do de 0 a 3+. O escore 1+ corresponde à presença de poucos
(Figura 40.1). pontos vermelhos, o escore 2+ a muitos pontos vermelhos e o
Utiliza-se o Break-up-time (BUT) para avaliar a integridade escore 3+ a pontos vermelhos confluentes. A soma dos escores
do filme lacrimal, sendo que a quebra rápida do filme indica nas três regiões de cada olho constitui o escore Rose-Bengal do
anormalidade na camada de mucina ou lipídica da córnea. olho (Figura 40.2).

568 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 40
1+ 3+

2+

Figura 40.2 Coloração por método de Rose-Bengal. Obs: escore 1+: poucos pontos vermelhos; escore 2+: vários pontos vermelhos;
escore 3+: pontos vermelhos confluentes.

„„ ENVOLVIMENTO OROFARÍNGEO A sialografia é um método radiológico que consiste na ava-


liação das alterações anatômicas das glândulas parótidas. O
A redução da saliva, quando há deficiência na secreção e na uso de contrastes oleosos acarreta um aumento na incidência
produção de mucina pelas glândulas salivares, ocasiona sen- de sialoectasia.
sação de secura, queimação na boca, alteração na gustação e
A introdução de contraste hidrossolúvel tornou o método
dificuldade em deglutir alimentos sólidos.
mais sensível e específico, entretanto efeitos colaterais, como,
Ao exame físico, observa-se muco­sa oral seca, espessada, edema de parótida, dor e, ocasionalmente, reação alérgica li-
eritematosa, saliva escassa e espessa, fissura eritematosa na
mitam o seu uso.
superfície dorsal da língua, atrofia filiforme das papilas lin-
guais. Complicações como cáries dentárias e infecção por Can- A cintilografia das glândulas salivares utilizando Tc 99 m
dida ocorrem, respectivamente, em 65% e 30 a 70% dos casos. avalia funcionalmente as glândulas. Nos pacientes com sín-
drome de Sjögren, a captação do radioisótopo pela glândula
O aumento das glândulas ocorre em 30 a 50% dos pacien-
e a sua concentração na saliva encontram-se diminuída ou au-
tes, acometendo as parótidas e as submandibulares com ten-
sente, tais achados se correlacionam com a redução do fluxo
dência a ser simétrico, podendo ser crônico ou episódico.
salivar, alterações na radiografia e infiltração linfocitária na
O componente oral da sín­drome de Sjögren pode ser ava- biopsia das glândulas. A cintilografia apresenta baixa sensibi-
liado por várias técnicas. A sialometria quantifica o volume da
lidade, sendo positiva em 1/3 dos casos.
saliva. A avaliação das lesões anatômicas das glândulas paróti-
das se faz pela sialografia. A biopsia da mucosa labial é o método mais específico
para diagnóstico da SS. Está indicada tanto na confirmação da
A avaliação funcional das glândulas salivares pela cintilo-
doença, quanto para a diferenciação com outras condições que
grafia e a extensão do comprometimento inflamatório glan-
cursam com xerostomia ou aumento glandular.
dular através da biopsia labial, que pela maior especificidade,
mantém-se como o melhor exame no diagnóstico da doença. As amostras devem ser coletadas da mucosa do lábio in-
O fluxo de saliva pode ser medido com e sem estimulação. ferior, entre a incisura angular e a região média, fixadas em
No teste pede-se ao paciente para mascar cubos de parafina formol e coradas pela hematoxilina-eosina. A amostra deverá
durante 5 minutos. Os valores normais no teste não estimula- conter pelo menos 4 lóbulos intactos para analise do escore
do são maiores que 1,5 mL em 15 minutos, e, no teste estimu- focal.
lado, maior que 3,5 mL em 5 minutos. O achado mais característico da síndrome de Sjögren é o
Na interpretação dos resultados há de considerar os fato- infiltrado linfocítico. A sialoadenite focal se caracteriza pela
res que interferem na produção de saliva, como idade, sexo, presença de 50 ou mais linfócitos em um campo de 4 mm,
horário do dia, medicamentos e uso de nicotina. localizados inicialmente ao redor dos ductos, que, com a pro-
Outro método quantitativo é o teste de Saxon, simples, gressão da doença, avançam para o acometimento lobular
bem tolerado, de custo baixo e reprodutível, consistindo na completo, inclusive com formação de estruturas semelhantes
mastigação de uma gaze durante 2 minutos. a centros germinativos.
Anota-se o peso inicial da gaze esterilizada 10×10 cm, con- A presença de ilhas de células epimioepiteliais também é
tida em um tubo de plástico de 60 mL. Logo após a mastigação um achado típico da doença. Apesar da presença de destrui-
é reintroduzida no tubo e novamente pesada. ção, fibrose e atrofia de alguns lóbulos, a maioria permanece
intacta ao exame histológico.
A quantidade de saliva produzida em 2 minutos é calcu-
lada, subtraindo-se o peso inicial do tubo plástico pelo peso A hiperplasia do epitélio ductal, juntamente com o infiltra-
após a mastigação. Os valores menores que 2,75 g são conside- do linfocítico são responsáveis pelo aumento do tamanho da
rados como baixa produção de saliva. glândula (Figura 40.3).

Síndrome de Sjögren 569


„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

Figura 40.3 Biopsias de lábio inferior evidenciando infiltrado linfocítico focal característico da SS.

„„ MANIFESTAÇÕES CONSTITUCIONAIS As lesões se distribuem mais comumente nas extremi-


dades inferiores, com exceção das lesões urticariformes que
As manifestações constitucionais, como fadiga, astenia, fe- se localizam com frequência no tronco, braços e até face. Al-
bre, artralgias e mialgias, podem ser resultantes da liberação guns autores reportaram associação de vasculite cutânea com
de mediadores inflamatórios, como IL-1, IL-6, TNF-α e INF-γ. maior incidência de linfoma e aumento da mortalidade.
O processo inflamatório linfocítico focal e as reações inflama- O fenômeno de Raynaud ocorre em 35% dos casos e é de-
tórias mediadas por imunocomplexos com ativação do siste- corrente da hiper-reatividade dos pequenos vasos da derme,
ma complemento mantêm a inflamação crônica nas estruturas ocasionado pelas alterações na dinâmica da produção de agen-
viscerais. tes vasoativos pela célula endotelial. Pode preceder as mani-
A fadiga permanece como a queixa principal na maioria festações oculares e orais da doença ou se associar a fibrose
dos pacientes, porém sua fisiopatologia permanece desconhe- pulmonar, artrite, vasculite e anticorpos antinucleares.
cida. Acredita-se que a liberação de citocinas, os distúrbios no Outras manifestações cutâneas associadas à SS são: eri-
ritmo do sono e, em alguns casos, a associação com fibromial- tema maculopapular por fotossensibilidade, eritema anular
gia e hipotireoidismo possam estar envolvidos em sua gênese. relacionado com o antígeno Ro, eritema nodoso, púrpura trom-
Os distúrbios do ritmo do sono são atribuídos ao ciclo vi- bocitopênica, líquen plano, vitiligo, vasculite nodular, amiloido-
cioso de polidipsia e noctúria motivados pela xerostomia. se cutânea, granuloma anular e paniculite granulomatosa.

„„ ENVOLVIMENTO CUTÂNEO „„ ENVOLVIMENTO MUSCULOESQUELÉTICO


O acometimento da pele é caracterizado pela presença de As manifestações inflamatórias articulares são comuns.
lesões vasculíticas em 10% dos casos, com envolvimento de Durante a evolução da doença, cerca de 50% dos pacientes se
pequenos vasos na forma de vasculite secundária. O envolvi- queixam de artralgias, podendo desenvolver sinais inflamató-
mento dos vasos é decorrente de um mecanismo de hipersen- rios locais, como eritema, calor, rubor e rigidez matinal.
sibilidade do tipo III, com padrão histológico leucocitoclástico. A artropatia é caracteristicamente simétrica, intermitente,
Os imunocomplexos circulantes são formados a partir de acometendo articulações periféricas, principalmente mãos e joe-
autoanticorpos, ou pela proliferação policlonal de linfócitos B lhos. As apresentações poliarticulares crônicas diferem da artrite
específicos que passam a produzir imunoglobulinas com ativi- reumatoide pelo seu caráter não erosivo e não deformante.
dade de fator reumatoide. O comprometimento muscular, que ocorre em 2,5 a 10%
Os complexos imunes se depositam na parede dos vasos dos pacientes, é subclínico podendo-se manifestar como mial-
ativando o complemento e as células endoteliais. O endotélio gia. Além do mecanismo mediado por liberação sistêmica de
ativado e lesado pelo sistema complemento altera seu fenótipo citocinas, em alguns casos, observa-se presença de reação in-
em favor da produção de citocinas inflamatórias e moléculas flamatória local.
de adesão celular, que coordenam a migração de polimorfo- Os quadros clássicos de miosite com fraqueza da muscula-
nucleares. tura da cintura escapular e pélvica, elevação dos marcadores
O ciclo vicioso inflamatório acarreta lesões estruturais e de lesões celulares e achados típicos na eletromiografia devem
funcionais, levando ao aumento da permeabilidade endotelial, levantar a hipótese de sobreposição com a polimiosite.
ao favorecimento da ativação da hemostasia e às alterações do O acometimento vasculítico do território muscular pode
tônus vasomotor, repercutindo clinicamente em lesões purpú- gerar quadro clínico semelhante, tanto pelo caráter inflama-
ricas palpáveis, lesões urticariformes, livedo reticular, mácu- tório do processo, quanto pela isquemia consequente a este
las, pápulas, pústulas e úlceras. mecanismo de lesão.

570 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ MANIFESTAÇÕES HEMATOLÓGICAS casos, relacionada com a diminuição do volume de saliva ou

„„ CAPÍTULO 40
a disfunção da mo­tilidade esofa­giana semelhante à esclerose
A anemia é leve, normocítica e normocrômica, ou micro- sistêmica.
cítica e hipocrômica, podendo ser explicada pelo bloqueio na
As náuseas e os sintomas dispépticos são manifestações
mobilização dos estoques de ferro por ação das citocinas. A
comuns e se relacionam com os achados histológicos de gastri-
anemia macrocítica pode ser decorrente da deficiência de vi-
te crônica atrófica e infiltração linfocitária. Nos pacientes com
tamina B12 por gastrite atrófica.
gastrite deve-se pesquisar a presença de Helicobacter pylori,
A produção de autoanticorpos contrarreceptores de mem- microrganismo relacionado com o linfoma MALT.
brana das hemácias e plaquetas determina anemia hemolítica O desequilíbrio na secreção pancreática leva a insuficiên-
e púrpura trombocitopênica imunológica. A agranulocitose e a cia pancreática leve, mas a pancreatite esclerosante autoimu-
pancitopenia são outras manifestações descritas. ne é pouco comum. A síndrome de má absorção pode ocorrer
no comprometimento do intestino delgado.
„„ ENVOLVIMENTO CARDÍACO E RESPIRATÓRIO A he­patomegalia ocorre em 25 a 58% dos pacientes, e as
alterações laboratoriais, como a elevação da fosfatase alcalina
A inflamação das serosas pode ocorrer, sendo mais comum e da gama glutamil transferase, ocorrem em 25 a 33% dos ca-
o derrame pericárdico subclínico. A pericardite aguda é rara. sos. As associações da doença com a cirrose biliar primária e a
O derrame pleural ocorre em menos de 1% dos casos, com ca- hepatite autoimune são relatadas.
racterística de exsudato inflamatório linfocitário e evolução
para espessamento pleural.
O sistema respiratório está frequentemente acometido, e „„ ENVOLVIMENTO RENAL E DO TRATO URINÁRIO
as manifestações clínicas dependem da topografia e do me- A nefrite túbulo intersticial é caracterizada por infiltrado
canismo de lesão. Alguns relatos recentes descrevem a pre- linfocitário que pode invadir e danificar o epitélio tubular evo-
dominância do acometimento dos brônquios e bronquíolos, luindo para atrofia e fibrose.
embora outros demonstrem maior prevalência da doença in-
A lesão deste compartimento pode resultar em acidose tu-
tersticial pulmonar.
bular, diabetes insipidus nefrogênico e hipocalemia isolada. A
O acometimento do epitélio respiratório levando à quebra acidose tubular renal tipo 1 (ATR1) tem mecanismo fisiopato-
de barreira mucosa ocasiona congestão nasal, tosse crônica, lógico indefinido.
dispneia e infecções de repetição das vias aéreas. O envolvi- As hipóteses mais prováveis são: a lesão das células inter-
mento das vias aéreas inferiores é caracterizado por prolife- caladas do néfron distal com perda da bomba de H+-ATPase;
ração dos folículos linfoides peribronquiolares (bronquiolite a produção de autoanticorpos contra a anidrase carbônica II
folicular) acarretando obstruções, bronquiectasias e infecções. que limitariam a acidificação da urina; e o aumento da ativi-
Estas alterações são responsáveis pelo componente obstru- dade da NA+-K+-ATPase para manter o mecanismo de conser-
tivo evidenciado nas provas de função pulmonar. Atribui-se a vação de sódio às custas de uma maior excreção de potássio.
maior causa de óbito nestes pacientes às infecções recorrentes. As manifestações clínicas principais são decorrentes da
A lesão intersticial pulmonar ocorre em aproximadamente hipocalemia, como paralisia hipocalêmica periódica, arritmias
25% dos casos. A inflamação e a fibrose do parênquima são cardíacas e íleo adinâmico. Os achados laboratoriais encon-
responsáveis pelas manifestações clínicas, como dispneia, ta- trados são a acidose metabólica hiperclorêmica, o ânion-gap
quipneia e tosse. urinário positivo e o pH urinário alto.
O exame físico pode evidenciar crepitações pulmonares Embora o acometimento do túbulo distal seja mais co-
em velcro, com predomínio em bases, típico de fibrose pulmo- mum, a lesão do túbulo proximal pode levar a um distúrbio
nar. Em estágios avançados, a hipoxemia pode-se desenvolver. generalizado de reabsorção, resultando em acidose tubular
A radiografia de tórax evidencia infiltrado reticular, ou retículo renal tipo 2 e até síndrome de Fanconi.
nodular em bases. O diabetes insipidus nefrogênico leva à poliúria por perda
As provas de função pulmonar revelam um padrão restriti- de água livre, polidipsia, por ativação dos osmorreceptores no
vo com baixa capacidade de difusão do monóxido de carbono. centro da sede, e hipernatremia normovolêmica.
O lavado broncoalveolar demonstra predomínio de linfócitos. A hipocalemia isolada pode ser explicada por defeitos iso-
A tomografia de tórax, com cortes finos, demonstra padrão em lados no mecanismo de reabsorção de sódio, levando a uma
vidro fosco ou traves de fibrose, e a biopsia pulmonar, padrão sobrecarga desse íon no néfron distal, com maior excreção de
de pneumonia intersticial. potássio.
A hipertensão pulmonar pode-se desenvolver a partir do Outra forma menos comum de acometimento renal é a glo-
acometimento do parênquima causado pela hipoxemia, pela merulonefrite por deposição de imunocomplexos circulantes,
distorção estrutural, ou pelo envolvimento inflamatório dos habitualmente associada à crioglobulinemia mista. Os tipos
vasos pulmonares. histológicos mais comuns são glomerulonefrite membranosa
A presença de imagens nodulares e linfadenopatias hilares e membranoproliferativa.
e mediastinais deve levantar a suspeita de linfoma. Cistite intersticial pode-se manifestar através de disúria,
polaciúria, noctúria e urgência miccional.
„„ ENVOLVIMENTO GASTROINTESTINAL E
HEPATOBILIAR „„ ENVOLVIMENTO NEUROLÓGICO
O trato gastrointestinal superior, o pâncreas e o fígado são O comprometimento do sistema nervoso periférico na
os principais órgãos envolvidos. A disfagia ocorre em 30% dos síndrome de Sjögren primária tem sido descrito em aproxima-

Síndrome de Sjögren 571


damente 10% dos pacientes, manifestando-se pelo acometi- A vasculite cutânea, a neuropatia periférica, o fator reu-
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

mento sensitivo e motor dos nervos periféricos. matoide positivo e a crioglobulinemia se associam a um risco
Classicamente, apresenta-se como uma polineuropatia maior de linfoproliferação maligna.
sensitiva, simétrica, distal, afetando mais as extremidades in- A maioria dos linfomas é da linhagem de células B, com
feriores, com leve anestesia e parestesia em “dedos de luva”. aspectos histológicos variáveis. O pseudolinfoma é o estágio
A disfunção motora, a ataxia e a hiporreflexia também pode intermediário na transição da linfoproliferação benigna para
ocorrer. Outras apresentações são a mononeurite múltipla e maligna. Outras formas de proliferação linfoide, não maligna,
as radiculopatias. são o timona e a linfadenopatia angioimunoblástica.
A biopsia dos nervos periféricos sugere que o processo
degenerativo axonal seja consequência de lesões vasculíticas, „„ LABORATÓRIO
caracterizadas por infiltrado inflamatório perivascular. Lesão
direta dos nervos por infiltração linfocítica é rara. Na avaliação da atividade inflamatória, temos a elevação
Os sintomas como hipotensão ortostática, hiper-hidrose, da velocidade de hemossedimentação em 80 a 90% dos pa-
dor abdominal, diarreia, obstipação e pupilas midriáticas po- cientes. Entre as proteínas de fase aguda, a proteína C reativa
dem ser decorrentes da neuropatia autonômica. habitualmente se encontra pouco elevada.
O envolvimento dos nervos cranianos se faz na porção cen- Das alterações imunológicas, a elevação policlonal da ga-
tral e periférica, e o achado mais frequente é o acometimento maglobulina é o achado mais frequente, ocorrendo em aproxi-
do 5º par, caracterizado pela neuropatia sensitiva do trigêmeo. madamente 80% dos pacientes.
A lesão do nervo facial, menos frequente, traduz-se pela A hipergamaglobulinemia monoclonal é evidenciada, es-
paralisia de Bell, a do 8º par, pela perda da audição e disfunção pecialmente quando a síndrome se apresenta com manifesta-
vestibular periférica, acometimento do III, IV e VI pares resul- ções extraglandulares ou associadas aos linfomas.
tam em diplopia. As cadeias leves monoclonais são detectadas na urina em
No sistema nervoso central o comprometimento é multifo- 80% dos pacientes com doença extraglandular, e em 43% com
cal, recorrente, aditivo e progressivo, revelando-se através de doença restrita às glândulas salivares.
hemiparesias, convulsões, movimentos desordenados, síndro- Os autoanticorpos são comuns na doença primária, o fator
mes cerebelares, encefalopatia e meningoencefalite asséptica. reumatoide ocorre em 75 a 90% dos soros e saliva, e em um
A mielite aguda transversa, a mielopatia crônica progressi- número significante de pacientes apresentam crioglobulinas
va, a bexiga neurogê­nica, as alterações nas funções cognitivas mistas contendo FR IgM monoclonal.
e os distúrbios psiquiátricos têm sido também relatados na Um estudo recente envolvendo 400 pacientes com doença
doença. primária evidenciou positividade do fator reumatoide em 38%
dos casos.
„„ ENVOLVIMENTO VASCULAR Os anticorpos anti-Ro/SSA e anti-La/SSB, presentes em
aproximadamente 80% dos pacientes, estão associados às ma-
A doença vascular inflamatória é uma manifestação da SS, nifestações clínicas da doença, como a presença de vasculites,
ocorrendo em 20 a 30% dos casos. O acometimento vascular púrpuras, pancitopenias e acidose tubular renal.
multivisceral tende a ser insidioso e de progressão lenta, afetan- No trabalho de Taliberti e Genth, o fator reumatoide foi en-
do glândulas salivares, rins, pulmões, estômago, intestino delga- contrado em 69% dos pacientes com a doença primária e em
do, cólon, pâncreas, fígado, baço, músculos e sistema nervoso. 71,6 e 28,5% dos pacientes com doença secundária associada
Do ponto de vista histopatológico, têm sido descritos dois à AR e LES, respectivamente (Tabela 40.5).
tipos distintos de doença inflamatória vascular: a doença vas-
cular neutrofílica e a doença vascular linfocítica.
A primeira é definida pela infiltração (≥ 5%) de neutrófilos
nas paredes dos vasos e a presença de pelo menos uma das se- Tabela 40.5 Frequência dos autoanticorpos na SS primária,
guintes alterações: necrose fibrinoide, oclusão do lúmen vas- secundaria, artrite reumatoide e lúpus eritematoso sistêmico.
cular e extravasamento de eritrócitos. Este tipo de alteração é
Grupos de
indistinguível da vasculite leucocitoclástica. Esta forma associa- pacientes (n)
SS Ar + SS LES + AR LES
-se a presença do fator reumatoide e a altos títulos de anti-Ro. 40% 60% ss 14% 40% 30%
autoanticorpos
A doença vascular inflamatória linfocítica é caracterizada
pela invasão e destruição das paredes dos vasos por linfóci- Ana-IFI > 1:40 80,9 36,6 100,0 17,5 100,0
tos, plasmócitos e monócitos, juntamente com as alterações FR > 20 ul/mL 69,0 71,6 28,5 80,0 20,0
encontradas na doença neutrofílica. Esta forma esta mais as-
SSA-Ro (ID em agar) 80,9 16,6 64,2 0,0 36,6
sociada à baixa reatividade imunológica.
SSB-La (ID em agar) 71,4 11,6 42,8 0,0 6,6

„„ DOENÇA LINFOPROLIFERATIVA Mitocondrial (IFI) 7,1 1,6 14,2 0,0 0,0


Ducto salivar (IFI) 28,5 28,3 0,0 22,5 13,3
A síndrome de Sjögren primária apresenta maior risco de
desenvolvimento de linfomas quando comparada com a popu- Sob: IFI – imunofluorescência indireta para anticorpo antinuclear,
lação geral. A linfoproliferação maligna pode ocorrer no início antimitocondrial, antiducto salivar. Substratos: células HEP-2, fígado e rim de
rato, glândula salivar de macaco.
ou mais tarde, em média 6,5 a 7 anos após o diagnóstico. A
prevalência do linfoma chega à aproximadamente 5% nos pa- ID em agar – imunodifusão – substrato: extrato celular Wil -2, timo de coelho.
cientes com SS. FR – fator reumatoide – nefelometria.

572 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Os anticorpos dirigidos a tecidos glandulares, como ao com 3 dos 4 critérios objetivos são considerados como porta-

„„ CAPÍTULO 40
epitélio de ductos salivares, ocorrem em 50% dos casos; an- dores de SS primária com sensibilidade de 84% e especifici-
timicrossomal de tireoide e anticélulas parietais da mucosa dade de 95%.
gástrica, em 1/3 dos pacientes; antimusculatura lisa em 19%; Caso o paciente apresente como doença de base LES, ESP,
e antimitocondrial em 8%. AR, DMTC, doença muscular inflamatória, tireoidite e hepati-
te autoimune, com um sintoma de xeroftalmia ou xerostomia,
„„ CRITÉRIOS DIAGNÓSTICOS associado a 2 dos 4 critérios objetivos (testes oculares, testes
de função salivar, autoanticorpos e biopsia) são considerados
Vários critérios têm sido propostos para a síndrome de portadores de SS secundária.
Sjögren, diferindo entre si na ênfase dada aos aspectos clíni-
cos, histológicos ou laboratoriais da doença.
„„ TRATAMENTO
Os mais recentes são os critérios de classificação America-
no-Europeu, propostos em 2002. Os critérios são compostos Manifestações glandulares
por 6 parâmetros, 4 deles referentes aos sintomas e aos testes
de avaliação do componente ocular e oral da doença, enquanto Os cuidados preconizados no tratamento da doença in-
os outros 2 são a positividade dos autoanticorpos anti-Ro/SSA cluem evitar medicações que possam agravar os sintomas e os
e anti-La/SSB e a biópsia das glândulas salivares (Tabela 40.6). ambientes com umidade diminuída ou com fumaça.
O tratamento da xerostomia visa o alívio dos sintomas e
a prevenção das complicações decorrentes da hipossalivação.
Os princípios básicos são as estimulações do fluxo salivar e a
Tabela 40.6 Critérios diagnósticos do Grupo Americano- reposição de saliva.
-Europeu-2002. As medidas para estimulação da produção de saliva in-
cluem o uso de balas cítricas, frutas secas e chicletes sem
Critérios diagnósticos da síndrome de Sjögren açúcar, que têm custo reduzido em comparação aos produtos
I. Sintomas oculares estão presentes se houver positividade na resposta de
específicos para xerostomia com princípios de ação semelhan-
pelo menos 1 das 3 perguntas: te (ácido málico, maltose).
„„ Você tem olhos secos diariamente, persistentemente, por 3 ou mais Caso as medidas iniciais sejam insuficientes, pode-se lan-
meses? çar mão de secretagogos administrados por via oral. A pilo-
„„ Você tem sensação recorrente de areia nos olhos? carpina, agonista do receptor muscarínico M3, na dosagem de
„„ Usa lágrimas artificiais mais que 3 vezes ao dia? 5 mg 3 a 4 vezes ao dia, demonstra eficiência no aumento do
II. Sintomas orais estão presentes se houver positividade na resposta de
fluxo salivar, embora o estudo com tempo de seguimento mais
pelo menos 1 das 3 perguntas: longo demonstre que a melhora se correlaciona com critérios
„„ Você tem sensação de boca seca por 3 ou mais meses?
subjetivos.
„„ Você tem aumento recorrente ou persistente das glândulas salivares? O cevimeline, derivado da acetilcolina, é empregado na
„„ Você frequentemente bebe líquidos para auxiliar a deglutição de
dose de 30 a 60 mg a cada 8 horas, demonstrando eficácia na
alimentos secos? redução dos sintomas e aumento da secreção quando compa-
III. Evidências objetivas de acometimento ocular são definidas por
rado com o placebo. Ambas as drogas possuem efeitos colate-
resultado positivo de pelo menos 1 dos seguintes testes: rais colinérgicos que podem limitar seu uso.
„„ Teste de Schirmer, sem anestesia (≤ 5 mm em 5 min) A preparação oral do interferon a não demonstrou benefí-
„„ Teste Rose-Bengal ou outro teste de secura ocular (≥ 4 de acordo com cio quando comparada com o placebo.
o sistema de van Bijsterveld’s) Dentre as medidas indicadas para reposição de saliva, o
IV. Histopatologia uso de água é suficiente para restaurar a umidade da cavidade
„„ Sialoadenite linfocítica focal em pequenas glândulas salivares, oral temporariamente, embora nos casos com maior compro-
avaliada por especialistas em histopatologia, com escore focal ≥ 1, metimento salivar sejam necessárias preparações comerciais
definido como o número de focos linfocíticos (adjacentes a um ácino à base de hidromelose ou metilcelulose.
aparentemente normal, contendo mais que 50 linfócitos) por 4 mm² de Estas preparações diferem em composição, viscosidade e
tecido glandular duração, não existindo estudos comparativos sobre eficácia.
V. Evidências objetivas de acometimento glandular salivar são definidas Seu uso é indicado em pacientes usuários de prótese dentária.
por resultado positivo de pelo menos 1 dos seguintes testes: A prevenção das cáries dentárias é feita por aplicação
„„ Sialometria não estimulada (≤ 1,5 mL em 15 min) tópica de fluorados, escovação cuidadosa, aplicação de fio
„„ Sialografia parotídea demonstrando presença de sialoectasias difusas, dental após cada refeição e uso de antisséptico bucal. O con-
sem evidência de obstrução dos ductos principais sumo de alimentos ricos em sacarose entre as refeições é
„„ Cintilografia demonstrando retardo de captação, redução da desaconselhado.
concentração e/ou excreção atrasada do marcador
A candidíase oral é tratada com preparações tópicas de
VI. Presença de autoanticorpos contra os antígenos Ro/SSA ou La/SSB, ou nistatina ou miconazol 4 vezes ao dia, durante 7 a 14 dias. Em
ambos, no soro
casos refratários pode ser necessário uso tópico de anfoterici-
na B. Em casos de queilite angular associada, o uso combinado
Para o diagnóstico da doença primária é necessário 4 dos de terapia oral e tópica com azólicos se encontra indicada.
6 critérios, incluindo os autoanticorpos ou a biopsia, e mais A secura nasal pode gerar obstrução das narinas e respira-
3 dos outros 4 restantes. Nestas condições, a sensibilidade e ção bucal com agravamento da xerostomia e deve ser tratada
a especificidade são 97 e 90%, respectivamente. Os pacientes com umidificação a base de soluções salinas.

Síndrome de Sjögren 573


O tratamento do comprometimento ocular na síndrome de As manifestações do trato gastrointestinal, como doença
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

Sjögren visa reduzir a evaporação do filme lacrimal, aumentar do refluxo e dispepsia, são tratadas com o uso de inibidores
a quantidade e melhorar a qualidade da lágrima, assim como de bomba de prótons, pró-cinéticos e modificações dietéticas.
diminuir seu escoamento. Além da melhora dos sintomas, pre- Nestas situações, recomenda-se evitar uso de AINEs e corti-
vine complicações como ceratite, blefarite e ulcerações. costeroides que também aumentam o risco de úlcera péptica.
A lubrificação dos olhos com lágrima artificial constitui Na polineuropatia simétrica sensitiva os tricíclicos devem
o objetivo principal do tratamento. Em geral as preparações ser evitados por seus efeitos anticolinérgicos, dá-se preferên-
diferem em viscosidade e em tempo de duração. Para reposi- cia nestas situações à gabapentina. A neuropatia autonômica
ção da camada aquosa são utilizadas a hidromelose 0,3%, ou a requer controle com fludrocortisona ou midodrine.
metilcelulose 0,3%, associadas aos agentes dispersores como A imunossupressão com corticosteroides e agentes cito-
álcool polivinílico, polietilenoglicol, ou dextran. tóxicos como a ciclofosfamida é necessária para o tratamen-
A posologia é variável, em média são necessárias aplica- to das lesões viscerais que exercem impacto negativo sobre a
ções a cada 2 ou 4 horas. As soluções mais viscosas têm um morbimortalidade, como a vasculite do sistema nervoso cen-
tempo de duração mais prolongado, porém podem causar tur- tral, a vasculite do sistema nervoso motor periférico, as glome-
vação visual. Os conservantes da fórmula podem causar irri- rulonefrites e a doença pulmonar intersticial.
tação ocular. Nas mononeurites e polineuropatias, o uso de imunoglo-
Os géis e pomadas lubrificantes podem ser usados no pe- bulina humana intravenosa é opção na falha terapêutica.
ríodo noturno. Os pacientes com produção excessiva de muco A associação da síndrome do anticorpo antifosfolípide com
podem-se beneficiar do uso de acetilcisteína. Em casos refra- acidentes vasculares encefálicos requer anticoagulação perene.
tários, os agentes muscarínicos podem ser prescritos.
Na doença pulmonar intersticial a azatioprina constitui
Outras modalidades terapêuticas tópicas podem ser empre- opção terapêutica à ciclofosfamida.
gadas de forma alternativa. A ciclosporina 0,05% em solução
Apesar dos resultados promissores iniciais com inibidores
oftálmica emulsificada foi liberada pelo FDA para uso na SS.
do TNF-α, estudos subsequentes não fornecem suporte para
Os anti-inflamatórios não esteroides tópicos (AINEs) po-
utilização de infliximab e etanercept na doença.
dem promover alívio sintomático, porém seu uso deve ser mo-
nitorado pelo risco de surgimento ou agravamento de lesões Várias modalidades de imunobiológicos vêm sendo testa-
na córnea. das no tratamento da SS: os depletores de células B (rituximab,
epratuzumab), os bloqueadores do BAFF (belimumab) e o blo-
A oclusão dos pontos lacrimais é medida eficaz na dimi-
queador de coestimulação mediada pelo CD28+ (abatacept).
nuição da drenagem para a cavidade nasal. O procedimento
é reservado para casos refratários à reposição lacrimal. Pode O rituximab é um anticorpo monoclonal contra o CD20+,
ser feito de forma temporária, com silicone, fios de sutura ou marcador expresso na superfície dos precursores de célu-
rolhas, ou de forma definitiva por técnicas de cauterização tér- las B, que provoca depleção dos linfócitos B por um período
mica, ou a laser. de 6 a 12 meses. Estudos têm demonstrado resultados pro-
missores no controle das manifestações clínicas da doença,
Os inconvenientes relacionados com as técnicas de oclusão
sobretudo a melhora subjetiva e objetiva do fluxo salivar e
temporária são as infecções e as reações semelhantes ao pio-
diminuição da fadiga.
derma. O lacrimejamento excessivo pode ocorrer independen-
te da técnica empregada. O epratuzumab é um anticorpo contra a sialoglicoproteí-
nas CD22+, presente nos linfócitos B, e atua bloqueando a mi-
Outras manifestações da síndrome seca como a secura va-
ginal e a da pele são tratadas com geleias lubrificantes e loções gração destas células para locais inflamados. Em um estudo
umidificantes. envolvendo 16 pacientes, 67% obtiveram resposta clínica com
o uso do epratuzumab em 32 semanas mensurada por melho-
ria no teste de Schirmer, na sialometria não estimulada, na fa-
Manifestações extraglandulares diga e na velocidade de hemossedimentação.
As manifestações cutâneas com substrato vasculítico leu- O real papel dos imunobiológicos na síndrome de Sjögren
cocitoclástico devem ser tratadas com anti-inflamatórios es- permanece indeterminado, sendo necessário maior número
teroidais. As manifestações não vasculíticas como eritema de estudos clínicos com metodologia adequada, buscando a
maculopapular e anular respondem aos antimaláricos. identificação de subpopulações com melhor relação de benefí-
cio/risco e determinando os impactos de cada agente em des-
O comprometimento articular e muscular é tratado de for-
fechos clínicos significativos, a curto e longo prazos.
ma escalonada com analgésicos comuns, AINEs e antimalári-
cos. A hidroxicloroquina na posologia de 6 mg/kg/ dia é bem
tolerada, com baixa toxicidade retiniana. „„ CASOS CLÍNICOS
A fadiga, quando relacionada com o mecanismo de res-
posta inflamatória sistêmica, pode responder ao uso de anti- Caso 1
-inflamatórios, porém medidas para estimular a qualidade do ACR, 48 anos, sexo feminino, branca, empregada domés-
sono como o uso de inibidores da recaptação de serotonina e tica, com história de há 3 anos ter iniciado quadro de dores
os exercícios físicos podem ser necessários. articulares recorrentes nas mãos e nos punhos acompanhadas
A reposição oral de bicarbonato e potássio é suficiente de calor local, eritema, edema e rigidez matinal inferior a 30
para controle da acidose tubular renal causada pela nefrite minutos. Refere que a duração média dos quadros articulares
intersticial. é de 6 dias, com melhora dos sintomas após uso de anti-infla-
As pericardites respondem aos corticosteroides em doses matórios não esteroides. Há 1 ano surgiram sintomas de boca
anti-inflamatórias. e olhos secos, com sensação de ardor e prurido ocular esporá-

574 Tratado Brasileiro de Reumatologia


dicos quando em ambientes com ar-condicionado. Há 5 dias Caso 3

„„ CAPÍTULO 40
iniciou com dor na cavidade oral.
CAS, 19 anos, sexo masculino, branco, estudante, iniciou
O exame físico revelou artralgia à movimentação passiva
há 15 dias com fadiga, astenia, febre intermitente, artralgias e
dos punhos e das metacarpofalangianas, sinais clínicos de si-
rash cutâneo em face e membros superiores. Durante a evolu-
novite (edema, calor e dor à movimentação passiva) em inter-
ção da doença, apresentou icterícia, dor em hipocôndrio direi-
falangianas proximais.
to, tremor de extremidades em repouso e bradicinesia.
A mucosa oral se encontrava seca, com rachaduras labiais,
Ao exame físico apresentava-se taquicárdico, com mucosas
queilite angular e petéquias em região de palato duro. As glân-
pálidas, secas, lábios rachados, placas brancacentas em oro-
dulas parótidas estavam levemente hipertrofiadas e não foram
faringe, eritema facial, ictérico, febril, com linfadenomegalia
notadas alterações nos olhos.
localizada em região inguinal direita (linfonodos de 1 cm, com
A avaliação laboratorial revelou aumento das provas de características benignas), sem lesões genitais associadas.
atividade inflamatória, fator reumatoide positivo em baixos
O exame do abdome evidenciava hepatomegalia discreta, le-
títulos, FAN positivo com padrão nuclear pontilhado fino, an-
vemente dolorosa, sem sinal de Murphy, ou aumento significativo
ticorpos anti-Ro/SSA positivos, anti-HIV e anti-HCV negativos.
da dor a punho percussão. O exame neurológico se caracterizava
As radiografias das mãos não mostraram alterações. Os por bradicinesia, sinal de roda denteada, déficit cognitivo leve,
testes de Schirmer e Saxon confirmaram o déficit secretório sem alterações de pares cranianos, sensibilidade, reflexos ou si-
das glândulas exócrinas. nais meníngeos. Demais segmentos sem alterações.
A história clínica, o exame físico e a avaliação laboratorial Os exames laboratoriais iniciais revelaram pancitopenia,
permitem inferir que se trata de uma síndrome inflamatória sis- com reticulocitose e Coombs direto positivo, aumento mode-
têmica envolvendo as articulações, glândulas salivares e lacri- rado da DHL. Hiperbilirrubinemia com aumento das frações
mais com déficit funcional evidenciado pela secura de mucosas. direta e indireta, aumento predominante das enzimas canali-
Do ponto de vista etiopatogênico, tanto as doenças infec- culares sobre as hepatocelulares, elevação da PCR e da VHS.
ciosas quanto as autoimunes poderiam causar as lesões estru- Função renal normal, com proteinúria subnefrótica, hema-
turais e funcionais no tecido glandular exócrino. túria dismórfica e cilindros hemáticos. As culturas negativas.
O quadro poliarticular, intermitente, não deformante pode As sorologias para HIV, hepatite B e C foram negativas.
ser explicado por sinovite comum nas doenças autoimunes. O FAN positivo com títulos de 1:1.280 padrão pontilhado fino.
diagnóstico firmado foi de síndrome de Sjögren primária. O perfil de autoanticorpos revelou positividade para anti-Ro/
SSA, anti-La/SSB, ANCA negativo. Crioglobulinas negativas. As
frações C3 e C4 do complemento diminuídas.
Caso 2
O ecocardiograma era normal, assim como a radiografia de
LNS, 51 anos, sexo feminino, negra, professora, iniciou há tórax. O USG e a tomografia de abdome evidenciaram discreto
1 mês com prurido leve, fato atribuído por ela à pele seca. Re- aumento do fígado e do baço.
centemente familiares notaram coloração amarelada da pele e A TC de crânio foi considerada normal e o LCR demonstra-
escleróticas, o que motivou procura por auxílio médico. Rela- va discreta hiperproteinorraquia. A ressonância magnética de
tava colúria e hipocolia. encéfalo revelou imagens hiperintensas em T2, principalmen-
No interrogatório dos diversos aparelhos, referia fadiga, te em substância branca bilateralmente.
boca seca, com necessidade de ingestão de água, principal- A biopsia de linfonodo revelou aspecto inflamatório ines-
mente durante as aulas, e sensação de olhos secos e ardor. Ne- pecífico, e a do rim, alterações compatíveis com nefrite lúpica
gava o uso de medicamentos. proliferativa focal.
Ao exame físico apresentava icterícia leve, xerose, xante- Frente a uma doença sistêmica com acometimento de múl-
lasma, hepatimetria normal, sem sinais de hepatopatia crôni- tiplos órgãos, em um paciente jovem, com sintomas constitu-
ca. Os testes de Saxon e Schirmer demonstraram diminuição cionais e aumento das provas de atividade inflamatória, como
da secreção salivar e lacrimal. A aplicação do teste Rose-ben- possíveis mecanismos de lesão temos que pensar em uma
gal evidenciou ceratite filamentar. doença inflamatória sistêmica.
A avaliação da icterícia revelou hiperbilirrubinemia direta Excluídas as doenças infecciosas e linfoproliferativas ma-
leve, com perfil hepático demonstrando aumento de enzimas lignas, as manifestações clínicas e laboratoriais em associação
canaliculares gama glutamil transferase e fosfatase alcalina. com os autoanticorpos restringiram o diagnóstico ao LES e a
A ultrassonografia de vias biliares não mostrava dilatações SS, duas doenças imunológicas, com manifestações clínicas se-
ou cálculos. O tempo de atividade de protrombina se encon- melhantes.
trava alargado e albumina normal. O LDL colesterol estava A principal forma de diferenciação se encontra nos meca-
aumentado. Sorologias para hepatite B, C e HIV negativas. An- nismos imunológicos, que determinam a lesão tecidual visce-
ticorpos anti-SSA, anti-SSB e antimitocondrial positivos. ral. No caso do LES o depósito de imunocomplexos e na SS a
O envolvimento simultâneo de glândulas lacrimais, sa- linfoproliferação benigna.
livares e vias biliares sugere um mecanismo inflamatório A análise histológica do rim pela imunofluorescência dire-
imunológico. A possibilidade da síndrome de Sjögren sobre- ta com depósitos de IgG, IgM, complemento e padrão de nefrite
posta a outra doença autoimune, especificamente a cirrose proliferativa focal a microscopia óptica direcionou o diagnós-
biliar primária se constituiu na principal hipótese diagnós- tico para o LES.
tica. A biopsia hepática confirmou o diagnóstico e fez o es-
A análise funcional e histológica das glândulas exócrinas
tadiamento da doença.
evidenciou comprometimento inflamatório pela síndrome seca,
optando-se pelo diagnóstico final de LES com SS secundária.

Síndrome de Sjögren 575


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Síndrome de Sjögren 577


41

Capítulo
Vinicius Domingues  Marcelo S. Pacheco  Roger A. Levy

Síndrome do Anticorpo Antifosfolipídeo


„„ DEFINIÇÃO nosa Profunda (TVP) terão SAF, assim como outros 46% de
pacientes que tiveram um acidente vascular encefálico com
A Síndrome do Anticorpo Antifosfolipídeo (SAF) é carac- menos de 50 anos. A SAF pode ocorrer isolada, chamada de
terizada por tromboses recorrentes, arteriais ou venosas, SAF primária, ou acompanhada por outras doenças sistêmicas
perdas fetais de repetição e presença de anticorpos antifosfo- autoimunes, particularmente o LES, sendo, portanto, chamada
lipídeos (aPL), detectados por testes imunológicos, como a an-
de SAF secundária. Existe uma estreita relação entre os pa-
ticardiolipina (aCL) e o anti-beta2 glicoproteína1 (β2GPI) ou
cientes diagnosticados com LES e os aPL. Isso se deve ao fato
em provas de coagulação plasmática como o Anticoagulante
de que 30 a 40% desses pacientes possuem aPL positivo e que,
Lúpico (LAC). A SAF foi originalmente chamada de Síndrome
dentre eles, 52% irão desenvolver SAF em 10 anos. Entretan-
de anticardiolipina e é também conhecida como Síndrome de
to, pacientes com SAF primário têm somente 5% de chance de
Hughes. Sua primeira descrição foi em 1983 em pacientes com
diagnóstico de Lúpus Eritematoso Sistêmico (LES) quando se abrir quadro de LES em 10 anos. O anticorpo mais encontrado
notou, inicialmente, a relação dos aPL com fenômenos trom- em pacientes com SAF é o aCL, que possui risco relativo de 2
bóticos, perdas fetais recorrentes e trombocitopenia. para tromboembolismo venoso. O LAC é menos frequente, po-
rém representa um importante dado, uma vez que seu risco
relativo é de 10.
„„ HISTÓRICO
Em 1906, Wasserman et al.1 descreveram o primeiro aPL, „„ HETEROGENEIDADE E COFATORES
detectado no soro de pacientes com sífilis que reagia contra
extratos de coração bovino. Na época, este achado embasou Na realidade, os aPL são uma família heterogênea de anti-
a reação de VDRL, o teste não treponêmico para a sífilis, que corpos que pode ser detectada por teste de ELISA com cardio-
continha cardiolipina, colesterol e fosfatidilcolina como subs- lipina ou, ainda, mediante pesquisa funcional da coagulação
tratos da reação. Posteriormente, a triagem de sífilis com VDRL nos testes do LAC.7
em massa originou os primeiros relatos de pacientes com Lú- Dois grupos de pesquisadores independentes demonstra-
pus Eritematoso Sistêmico (LES) que apresentavam reação ram, em 1990, que os aPL presentes em pacientes com LES
de VDRL positiva sem, no entanto, terem sífilis.2 Foi relatado requeriam plasma para reagir positivamente nas placas de
em 1952, por Conley e Hartman, um anticoagulante circulan- ELISA com cardiolipina.8,9 Em indivíduos com sífilis, HIV, he-
te que bloqueava a conversão de protrombina em trombina,
patite e pós-exposição a drogas, os aPL reagiam positivamente
em pacientes com doenças autoimunes do tecido conectivo.3
sem plasma. Mais tarde, identificou-se o cofator necessário
Esse distúrbio foi atribuído a um inibidor da coagulação. Ve-
para a ligação dos aPL na reação de anticardiolipina: uma
rificou-se, ainda na década de 1950, que a presença do inibi-
proteína plasmática chamada β2GPI. A β2GPI foi o primeiro
dor estava associada ao VDRL positivo sem a confirmação da
cofator plasmático a ser identificado, depois diversas outras
sífilis por teste treponêmico (falso-positivo). Em 1972, Feins-
tein e Rappaport denominaram aquele inibidor da coagulação proteínas plasmáticas foram apontadas como cofatores.11,12
de lúpus anticoagulante.4 Boey et al., em 1983, relataram que Em pacientes com LES, além daqueles com outras doenças
nos portadores do lúpus anticoagulante ocorriam tromboses.5 inflamatórias do tecido conectivo e com manifestações trom-
Ainda em 1983, Harris et al. desenvolveram uma reação de ra- bóticas, há o aparecimento dos aPL dependentes da β2GPI e,
dioimunoensaio e mais tarde, utilizando a cardiolipina como com isso, esses anticorpos foram classificados como patogê-
antígeno, um teste de ELISA.6 Correlacionando-se clinicamen- nicos. Foram classificados ainda, como não patogênicos, os
te com a ocorrência de trombose, o teste de anticardiolipina é aPL não dependentes da β2GPI e encontrados em indivíduos
mais sensível que a reação de VDRL para a detecção de aPLs. com infecções e após exposição a determinadas drogas que,
na maioria dos casos, não estão associados à manifestações
trombóticas.8
„„ EPIDEMIOLOGIA
Os aPL não patogênicos relacionados com infecções são,
A SAF é a trombofilia adquirida mais comum. Postula-se geralmente, transitórios. De modo geral, a β2GPI tem afinida-
que 30% dos pacientes que se apresentam com Trombose Ve- de por superfícies negativamente carregadas como DNA, mo-

579
lécula de heparina e fosfolipídeos aniônicos.13 O conceito de celular levaria a trombose.18 Outros estudos mostram a interfe-
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

que a β2GPI é um importante antígeno para os aPL é reforçado rência no equilíbrio entre a síntese plaquetária de tromboxano
por modelos animais. Gharavi et al.14 induziram ao surgimento A2 e a síntese endotelial de prostaciclina19 favorecendo o sur-
de aPL em coelhos após injeção de β2GPI humana purificada. gimento de eventos trombóticos. Sabe-se, também, que alguns
Pouco se sabe sobre a função fisiológica da β2GPI, apesar aPL podem interferir em ações antitrombóticas das proteínas
do amplo conhecimento sobre sua estrutura. Animais trans- C e S e que monócitos de indivíduos com aPL podem expressar
gênicos, que não expressam β2GPI, não apresentaram maior maior quantidade de fator tecidual.20
tendência trombótica.15 Segundo demonstram estudos, essa Em relação às perdas fetais recorrentes, acredita-se que
glicoproteína pode inibir o acúmulo de colesterol em macró- o mecanismo principal seja trombose dos vasos placentários.
fagos ativados agindo, então, na prevenção da aterosclerose. Outro mecanismo seria o deslocamento de anexina V de seus
Entretanto, parece haver observações indicando que se trata locais de ligação nos fosfolipídeos placentários. A anexina V,
apenas de um composto sem função bem definida.16 Há, ainda, que pode ser classificada como um cofator placentário, é um
outro cofator identificado para os aPL: a protrombina. Porém, anticoagulante natural presente na placenta e que exerce seu
os anticorpos que utilizam a protrombina como cofator, mais efeito ligando com fosfolipídeos, competindo com os aPL pela
encontrados na população pediátrica e pós-sangramentos,17 ligação com estes.21
raramente causam hipoprotrombinemia e sangramentos.
Mais recentemente foi descoberto, em modelos animais, o
Outras proteínas, como a proteína C, proteína S e anexina V
importante papel do sistema complemento na fisiopatologia em
(conhecida anteriormente por proteína anticoagulante placen-
tária), também foram identificadas como cofatores de aPL.10 questão. Sabe-se que os componentes C3a e C5a são potentes
indutores de ativação das plaquetas e de células endoteliais.33
A origem dos aPL continua obscura, porém, cada vez mais,
„„ PATOGENIA parece ser multifatorial. Em modelos experimentais, a ino-
Diversos mecanismos foram propostos para explicar a pa- culação de sequências de peptídeos de vírus e bactérias com
togênese da trombose em pacientes com aPL (Figura 41.1). Um homologia da β2GPI foi capaz de induzir o surgimento de aPL,
fato intrigante é o paradoxo da trombose in vivo em pacientes sugerindo, portanto, um mecanismo de mimetismo molecular.22
que possuem ao exame laboratorial prolongamento do tempo
de coagulação in vitro. Um dos principais mecanismos propostos „„ TESTES LABORATORIAIS
está ligado à capacidade de ativação endotelial. Demonstrou-se
que os aPL, na ligação com o complexo cofator fosfolipídeo, au- Com base na detecção de aPL através de testes de ELISA
mentam a expressão de moléculas de adesão endotelial e a sín- para anticorpos anticardiolipina (aCL) e para anti-β2GPI ou
tese de citocinas e prostaglandinas. Tal estado de hiperativação através de ensaios funcionais da coagulação para a detecção

F Anexina Trombomodulina

aPL Trombina
E D
Complemento
a o
( L) APC
aPL

C
aPL
Plaqueta Va
VIIIa

Trombo
Cascata da
coagulação

aPL A B aPL
Fator tecidual
β2GPI β2GP1

VCAM -1, ICAM-1, E-Selectina

Célula endotelial

Figura 41.1 Patogênese da SAF.

580 Tratado Brasileiro de Reumatologia


de anticorpos com atividade de LAC tem-se o diagnóstico la- com maior frequência aos altos títulos, ainda que os anticor-

„„ CAPÍTULO 41
boratorial de SAF. pos aCL IgG sejam mais intrinsecamente ligados à trombose
Os ensaios imunoenzimáticos de fase sólida (ELISA) utili- e perdas fetais. O IgA (aCL e aβ2GPI) que pode ser o único
zam, geralmente, a cardiolipina como antígeno. Mas em outros encontrado, é geralmente estudado em uma segunda fase, em
laboratórios também são utilizados outros fosfolipídeos, como que apesar da clínica sugestiva os testes de primeira linha
a fosfatidilserina e a fosfatidilcolina, misturados à cardioli- são negativos.
pina.23 Alguns autores sugeriram que o ensaio para a β2GPI É válido acrescentar que o teste de aCL também pode ser
seria mais específico para as manifestações de SAF que a car- positivo em vigência de infecções bacterianas, virais agudas
diolipina,24 sendo assim, hoje em dia já são utilizados métodos e crônicas.25,26 Esse anticorpo também foi detectado na infec-
com β2GPI purificada como antígeno em testes de ELISA, que ção pelo vírus da dengue, mas sem relação com os achados de
entraram no mercado a fim de detectar pacientes com aCL e trombocitopenia. Esse exemplo se explica da mesma forma
LAC negativos e servem, então, para fins de diagnóstico e clas- que outros anticorpos, encontrados em doenças infecciosas,
sificação. não requerem a presença de cofator para a ligação e, portanto,
O termo LAC é usado para denominar os ensaios que de- não são patogênicos.27
tectam aPL com capacidade de prolongar testes da coagula-
ção, em virtude de sua atividade inibitória. Os termos aCL e o „„ MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
anti-2GPI designam anticorpos que reagem positivamente em
ensaios de fase sólida de ELISA, contendo como antígeno a car- As manifestações clínicas da SAF são extremamente va-
diolipina. Em 10 a 15% dos pacientes o LAC pode ser positivo, riadas, refletindo primariamente o local onde ocorrem os
e aCL, negativo, e o contrário também se aplica. O LAC costu- eventos vasculares, o calibre dos vasos e o caráter insidioso
ma ser mais específico para as manifestações de SAF, porém ou rápido dos fenômenos trombóticos e embólicos. As trom-
os aCL são mais sensíveis. Atualmente, é recomendado que a boses tendem a acometer, principalmente, a circulação venosa
suspeita de SAF seja feita com os ensaios em fase sólida con- dos membros inferiores e a circulação arterial cerebral, no en-
vencionais de ELISA para cardiolipina e nos ensaios de coagu- tanto, qualquer local pode ser acometido. A TVP (Figura 41.2)
lação para LAC. pode ser complicada por embolia pulmonar e é a manifestação
mais comum da SAF. Pode surgir no pós-parto e após repouso
extenso ou uso de estrógenos em mulheres. Por acreditarmos
Lúpus anticoagulante ser mais didático, dividiremos as manifestações em sistemas.
Com o nome advento de um antigo estudo em uma popula-
ção de pacientes com LES e consagrado pela literatura, o LAC
pode causar equívoco, pois apesar de prolongar testes de coa-
gulação in vitro, em sua presença o sangue é associado a um
efeito pró-coagulante in vivo, além do fato de apenas 50% dos
pacientes com LAC preencherem critérios para LES. A detec-
ção do LAC é feita através de testes funcionais da coagulação e
não por ELISA, pelo fato de existir mais de um anticorpo asso-
ciado à sua atividade, como aCL e anticorpos anti-β2GPI.
O ensaio para LAC é um teste de difícil realização que re-
quer um técnico treinado e padronizado. Ele baseia-se na
detecção de um prolongamento no tempo de coagulação, oca-
sionado pela presença de um anticorpo inibitório. A persistên-
cia do prolongamento na coagulação após adição de plasma
humano normal controle, contendo fatores de coagulação,
demonstra que a anormalidade se deve a presença de um ini-
bidor e não a deficiência de fatores de coagulação. Ao adicio-
narmos um macerado de plaquetas ao sistema, há oferta de
fosfolipídeos em altas concentrações que servirão de substra-
tos para o anticorpo inibitório e, então, levarão à normalização
do prolongamento na coagulação. Ainda convém lembrar que
a anticoagulação oral em níveis altos (INR > 3,0) pode alterar o
Figura 41.2 Ecodoppler de membro inferior evidenciando au-
resultado do LAC, acarretando em falso-positivos.
sência de fluxo na veia femoral.

Anticardiolipina e anti-β2GPI
Manifestações neurológicas
Esses anticorpos são detectados pelos ensaios imunoen-
zimáticos em fase sólida para fosfolipídeos, que consistem O território vascular arterial mais acometido na SAF é o
no ELISA para anticardiolipina ou, mais recentemente, nos cerebral. AVE isquêmico e Ataque Isquêmico Transitório (AIT)
ensaios para detecção de anticorpos contra β2GPI purificada. são as manifestações mais comuns (Figura 41.3). Os pacientes
Há, com isso, valor prognóstico com base na titulação do an- tendem a ser mais jovens e não apresentam hipertensão arte-
ticorpo nas quantidades baixa, moderada ou alta e também a rial ou outros fatores de risco para AVE quando comparados
caracterização do seu isotipo em IgG, IgM e IgA. É amplamen- com a população geral. Outro fato interessante é o caráter re-
te sabido que as manifestações trombóticas se correlacionam corrente dos AVEs e AITs dos pacientes com SAF. O território

Síndrome do Anticorpo Antifosfolipídeo 581


Manifestações renais
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

O rim parece ser um órgão-alvo tanto na SAF primária


quanto na secundária. As manifestações resultam de isquemia
do local da vasculatura renal acometida, podendo variar desde
trombose nas artérias, arteríolas, vênulas e veias renais, até
microangiopatia trombótica glomerular. Os quadros clínicos
associados são: insuficiência renal aguda ou insidiosa, hiper-
tensão arterial, graus variáveis de proteinúria e baixo clea-
rence de creatinina. Em pacientes com acometimento renal
microangiopático pela SAF, a hipertensão arterial ocorre com
frequência. A biópsia renal está indicada nos casos suspeitos.
A nefropatia da SAF é definida pela associação de critérios la-
boratoriais para aPL e achados histopatológicos evidenciando
microangiopatia trombótica e/ou: hiperplasia intimal fibrosa
envolvendo trombo organizado, oclusões fibrosas e/ou fribro-
celulares de artérias e arteríolas, atrofia cortical focal, tireoidi-
zação tubular. Em pacientes que possuem diagnóstico de LES,
tais achados devem ser distinguidos da nefropatia lúpica.

Figura 41.3 Ressonância magnética de crânio de um paciente Manifestações pulmonares


com AVE prévio.
O espectro de manifestações pulmonares na SAF é extenso,
incluindo embolismo pulmonar, infarto pulmonar, hipertensão
vascular mais acometido é o da artéria cerebral média, porém pulmonar, alveolite fibrosante e, em casos extremos, a hemor-
qualquer local pode ser acometido. ragia alveolar difusa. O acometimento pulmonar pode ser se-
Outras manifestações características do SAF são a intrigan- vero e levar a cor pulmonale.
te disfunção cognitiva, observada em uma considerável porção
de pacientes, enxaquecas frequentes e muitas vezes incapaci- Manifestações dermatológicas
tantes, crises convulsivas, mielite transversa e coreia.28 AVE
associado a lesões cutâneas de livedo reticularis caracterizam As manifestações dermatológicas mais comuns são livedo
a chamada síndrome de Sneddon.29 A associação com enxa- reticularis (Figura 41.4), caracterizado por aspecto marmó-
queca tem sido frequentemente descrita, no entanto, estudos reo da pele, relacionado com uma maior incidência de doen-
são dificultados pela alta prevalência na população geral. Cua- ça trombótica arterial e pré-eclâmpsia em alguns trabalhos. É
drado et al.29 recentemente descreveram 5 pacientes com SAF frequente o achado de úlceras cutâneas de difícil tratamento
e cefaleia de difícil terapêutica, que melhoraram após o uso (Figura 41.5), com a biópsia dos bordos ativos mostrando vas-
de heparina de baixo peso molecular, sugerindo uma possível culopatia trombótica sem vasculite. A vasculopatia livedoide é
etiologia trombótica neste tipo de manifestação. uma lesão ulcerada de evolução crônica, de localização peri-
Síndromes clínicas mimetizando a esclerose múltipla fo- maleolar. Pode ser encontrado em pacientes com SAF: hemor-
ram relatadas em pacientes com aPL, porém estudos demons- ragias subungueais, gangrena digital e anetoderma primário.
tram que tal relação é controversa. Cuadrado et al. avaliaram
as características de 27 pacientes com diagnóstico de esclero- Manifestações hematológicas
se múltipla definitiva ou provável, encaminhados em virtude
da apresentação atípica ou achados sugestivos de superposi- A trombocitopenia também é uma manifestação bastante
ção com doença inflamatória do colágeno. O resultado mos- comum da SAF, sendo relatada uma prevalência de 40 a 50%.
trou que a maioria desses pacientes tinha aPL positivo e, por Apesar de não fazer parte do critério de classificação, pode
isso, os autores concluíram que muitas vezes a distinção entre ser a única manifestação e algumas vezes requer tratamento.
SAF e esclerose múltipla é extremamente difícil. A trombocitopenia geralmente é leve a moderada, com con-
tagem de plaquetas acima de 50.000 na maioria dos casos.
No entanto, há relatos de trombocitopenia grave associada à
Manifestações cardíacas
SAF. As plaquetas são normofuncionantes. A anemia hemolí-
O segundo local de trombose arterial mais comum é o co- tica pode ocorrer em 11 a 14% dos casos e está associada à
ração. As manifestações cardíacas da SAF variam de lesões presença de LAC e de aCL do isotipo IgM. Síndrome de Evans
valvares assintomáticas a Infarto Agudo do Miocárdio (IAM) parece ser rara em SAF.
que pode ser fatal. As manifestações mais comuns são as anor-
malidades valvares caracterizadas por presença de vegetações Demais sistemas
e espessamento e doença arterial oclusiva (aterosclerose e
IAM). Podem ser observados êmbolos cardíacos, disfunção O acometimento de artérias e veias da retina também foi
ventricular e hipertensão pulmonar. A frequência de acome- relatado. A SAF pode cursar com embolia e síndromes arteriais
timento valvar na SAF parece ser alta, com 63% dos pacientes isquêmicas periféricas. Deve ser enfatizado que os episódios
apresentando anormalidades valvares no ecocardiograma.30 trombóticos associados à SAF acometem sítios vasculares que
As vegetações nas valvas aórtica e mitral podem originar êm- são poupados por outras síndromes trombóticas. Pode ocor-
bolos cerebrais e sistêmicos. rer síndrome de Budd-Chiari, trombose da veia porta, trombo-

582 Tratado Brasileiro de Reumatologia


se mesentérica e insuficiência adrenal, resultado de trombose „„ DIAGNÓSTICO DIFERENCIAL

„„ CAPÍTULO 41
e levando ao quadro de sangramento paradoxal.
A SAF, pelo seu amplo espectro de manifestações clínicas,
faz diagnóstico diferencial com uma série de patologias. Ou-
tras causas de tromboses venosas que devem ser investigadas
quando o estudo para SAF for persistentemente negativo são:
síndrome nefrótica, insuficiência venosa, imobilidade prolon-
gada, obstrução venosa, tumores liberadores de tromboplas-
tina, mutação do fator V (Leiden), mutação da protrombina
(20210), mutação do gene da MTHFR (que na forma homozi-
gótica induz eventos arteriais e venosos, diferente das outras
formas de trombofilias congênitas que induzem a eventos ve-
nosos recorrentes na maior parte das vezes) e as deficiências
de proteína S, proteína C e antitrombina III. Por outro lado,
oclusões arteriais podem ocorrer em pacientes com púrpura
trombocitopênica trombótica, êmbolos cardíacos estéreis e in-
fecciosos, septicemia, hiper-homocisteinemia, mixoma atrial,
arterite de Takayasu, doença de Behçet, poliarterite nodosa e
complicações do fenômeno de Raynaud grave. Evidentemente,
a associação entre SAF e outras trombofilias oferece um maior
risco de eventos trombóticos.

„„ COMPLICAÇÕES OBSTÉTRICAS
A SAF é uma causa comum de perdas fetais. A prevalên-
cia de aPL em mulheres com perdas fetais recorrentes (mais
de 3) está em torno de 15%. As perdas fetais podem ocorrer
em qualquer período da gestação, porém perdas tardias (no
segundo e no terceiro trimestres) são mais específicas. Tais
perdas tendem a ser recorrentes e sabe-se que esse risco em
pacientes com SAF não tratadas durante a gravidez está em
torno de 80%.
Os aPL também estão associados a outras complicações
obstétricas como pré-eclâmpsia e eclâmpsia, prematuridade
e restrição do crescimento intrauterino (RCIU). Admite-se
que a causa principal das morbidades obstétricas seja a trom-
bose de vasos placentários. Outros mecanismos postulados
são interferência com fosfolipídeos placentários, deslocamen-
to de anexina V, alterações hormonais e invasão trofoblástica
prejudicada. Os aPL podem também inibir a invasão trofo-
blástica e a produção hormonal, promovendo insuficiência
uteroplacentária. Mais recentemente foi descrita, em modelo
Figura 41.4 Livedo reticularis.
animal, a importante participação do sistema complemento
na fisiopatologia das perdas fetais, uma vez que parece ser
pré-requisito absoluto a ativação das proteínas do comple-
mento para que haja perda fetal.33

„„ SÍNDROME CATASTRÓFICA
A síndrome catastrófica, também conhecida como síndro-
me de Asherson, é caracterizada por envolvimento clínico de
pelo menos 3 órgãos e sistemas simultâneos ou com inter-
valos de dias ou semanas entre as manifestações. Apesar de
ocorrer em apenas 1% dos pacientes com SAF, tal condição
é de extrema relevância, uma vez que possui mortalidade de
50%. O quadro histopatológico é de trombose em múltiplos
vasos de pequeno ou grande calibre. A forma catastrófica
pode acometer vasos de grande calibre, entretanto, o quadro
mais típico é acometimento de microcirculação, afetando múl-
tiplos órgãos e sistemas. O rim é o órgão mais afetado, seguido
por pulmões, coração e pele. Eventualmente, o quadro lem-
Figura 41.5 Comprometimento da vasculatura em hálux direito. bra coagulação intravascular disseminada. A microangiopatia
(Imagem cedida gentilmente pela Dra. Cláudia Marques). renal geralmente origina a insuficiência renal rapidamente

Síndrome do Anticorpo Antifosfolipídeo 583


progressiva, necessitando de suporte dialítico de urgência. A „„ TRATAMENTO
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

hipertensão arterial maligna ocorre frequentemente nesses


pacientes. O diagnóstico diferencial entre púrpura trombo- Princípios gerais
citopênica trombótica ou síndrome hemolítico-urêmica pode Devido à carência de ensaios clínicos de alta qualidade
ser extremamente difícil. sobre o tratamento da SAF, várias questões permanecem sem
Nos pulmões, o acometimento dos vasos de pequeno ca- resposta, apesar dos muitos estudos retrospectivos e labora-
libre pode gerar quadro clínico muito semelhante ao da sín- toriais. Devem receber medidas gerais no controle de fatores
drome da angústia respiratória aguda, com opacidades de risco conhecidos para trombose aqueles pacientes com SAF
pulmonares e insuficiência respiratória grave. A SAF catastró- estabelecida por manifestações trombóticas ou, ainda, aqueles
fica pode originar, também, hipertensão pulmonar com desen- que possuem apenas aPL positivo, mas sem manifestações clí-
volvimento de cor pulmonale agudo e insuficiência ventricular nicas. Recomenda-se, também, controlar a obesidade, diabetes,
direita grave. No sistema nervoso central, podem acontecer dislipidemia, hipertensão arterial e tabagismo. Vale ressaltar
múltiplos infartos, quadros de coma e convulsões. Pode haver que em todas as mulheres com aPL positivo, independente da
ainda múltiplos infartos do miocárdio com insuficiência car- presença de trombose, é veementemente contraindicado o uso
díaca aguda. A mortalidade pela síndrome catastrófica é alta, de contraceptivos orais ou terapia de reposição hormonal com
estimada em torno de 50% mesmo com tratamento agressivo. estrogênio.
Geralmente a morte se dá por falência de múltiplos órgãos.
Os fatores precipitantes para a síndrome catastrófica in-
Anticoagulação
cluem, principalmente, infecções, procedimentos cirúrgicos,
retirada de terapia anticoagulante e uso de drogas como an- A anticoagulação oral plena perene, com varfarina ou he-
ticoncepcionais orais. Sabe-se, também, que a variação na parina não fracionada e de baixo peso molecular, é o trata-
ingestão dos alimentos possui grande influência no efeito mento de escolha para SAF. Vale lembrar que, frequentemente,
da anticoagulação, sendo, portanto, um importante gatilho essas drogas são utilizadas em associação com o ácido acetil-
para o desequilíbrio do INR. Não se sabe ao certo qual se- salicílico (AAS).
ria a patogênese da SAF catastrófica, mas se acredita que a A varfarina deve sempre ser iniciada após anticoagulação
trombose em um local inicial poderia funcionar como gatilho plena com heparina, uma vez que a mesma inibe os fatores de
para trombose em múltiplos locais, descontrolando, assim, o coagulação relacionados com a vitamina K, causando um efeito
sistema hemostático. pró-coagulante nos primeiros dias. Vale ressaltar que alguns
pacientes requerem doses de heparina e varfarina maiores
que as usuais para atingir o nível de anticoagulação desejado.
„„ DIAGNÓSTICO
O INR (índice internacional de normatização do TAP) é
De acordo com o critério estabelecido no Simpósio In- utilizado com controle da anticoagulação e este sempre deve
ternacional sobre Anticorpos Antifosfolipídeos, em 2006, em estar dentro do alvo definido de acordo com as indicações de
Sydney, na Austrália, a SAF pode ser classificada de forma es- cada paciente. A flutuação do INR, devido à falta de orienta-
pecífica e definitiva quando está presente um critério clínico e ção ao paciente, gera as maiores complicações provenientes
um laboratorial. Os critérios para classificação são relaciona- da anticoagulação oral. Essas flutuações, aos níveis de anticoa-
dos no Quadro 41.1. gulação, ocorrem principalmente pelas variações na ingestão

Quadro 41.1 Critério preliminar para a classificação de SAF definitiva.

Critérios clínicos
Trombose vascular
Um ou mais episódios de trombose arterial, venosa ou de pequenos vasos em qualquer órgão ou tecido, confirmados por achados inequívocos de imagem ou
exame histopatológico. A histopatologia deve excluir vasculite.
Morbidade gestacional
„„ Uma ou mais mortes de feto morfologicamente normal com mais de 10 semanas de idade gestacional, com morfologia fetal normal detectada por
ultrassonografia ou exame direto do feto;
„„ Um ou mais nascimentos prematuros de feto morfologicamente normal com 34 semanas ou menos em virtude eclâmpsia ou pré-eclâmpsia grave ou
insuficiência placentária;
„„ Três ou mais abortamentos espontâneos antes de 10 semanas de idade gestacional, excluindo causas anatômicas além de causas cromossomiais maternas
ou paternas.

Critérios laboratoriais

1. L úpus anticoagulante presente no plasma em 2 ou mais ocasiões com intervalo de, no mínimo, 12 semanas, detectado de acordo com as recomendações da
Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia.
2. Anticorpo anticardiolipina IgG e/ou IgM em títulos moderados a altos (> 40 GPL ou MPL) em 2 ou mais ocasiões, com intervalo de, no mínimo, 12 semanas. O
teste deve ser ELISA padronizado.
3. Anticorpo anti-β2 GPI IgG ou IgM detectado no plasma em 2 ou mais ocasiões, com intervalo de, no mínimo, 12 semanas. O teste deve ser ELISA padronizado.

584 Tratado Brasileiro de Reumatologia


de alimentos contendo vitamina K diariamente e também pelo Episódios de tonteiras, zumbidos, estados confusionais,

„„ CAPÍTULO 41
uso concomitante de medicações capazes de alterar os níveis distúrbios visuais inespecíficos e perdas fetais muito precoces,
de anticoagulação oral. O ideal é, ao introduzir-se uma nova assim como quadros clínicos ambíguos, podem estar relacio-
medicação, saber seu perfil de interação com o anticoagulante nados com a presença de aPL positivo sem outros fatores de
oral e diminuir o intervalo de tempo da realização do exame risco aparentes. Apesar disso, não há consenso sobre o melhor
de TAP. tratamento para essa população. Muitos médicos optam pelo
É importante comentar que, para minimizar sangramen- AAS infantil e/ou hidroxicloroquina além dos controles de fa-
tos ou hematomas, os pacientes anticoagulados devem evitar tores adicionais, devido aos riscos impostos pela anticoagula-
esportes de impacto, injeções intramusculares e devem ser ção plena. A literatura é amplamente controversa.
orientados frente a procedimentos cirúrgicos. Através de pa-
lestras e planilhas de controle, a equipe de saúde deve buscar Evento trombótico agudo
ferramentas para orientação dos pacientes sobre instruções,
riscos, benefícios e indicações de anticoagulação. Deve haver Em um momento agudo, as tromboses arteriais e venosas
a orientação de que, se surgirem equimoses ou sangramentos são tratadas da mesma forma que na população geral. Isso é,
gengivais espontâneos, o paciente deve buscar auxílio médico. trombose venosa profunda deve receber heparina venosa e, em
casos de embolia pulmonar, há a necessidade de associar fibri-
nolíticos, conforme as indicações para o TEP comum. As trom-
Outras medicações boses arteriais periféricas recebem heparina, e o tratamento
Com base em estudos retrospectivos e dados de asso- do AVE é feito com anticoagulação ou trombolíticos conforme a
ciação, alguns médicos utilizam AAS em baixa dose (81 a fase da isquemia e dos riscos de evolução hemorrágica.
325 mg/dia) ou hidroxicloroquina em combinação com hepa- Sendo assim, a anticoagulação iniciada com heparina nos
rina ou varfarina. No tratamento da SAF primária, os corticos- primeiros 5 dias, seguida de manutenção a longo prazo com
teroides não têm um papel estabelecido. O mesmo não vale varfarina, é a usualmente indicada para a trombose aguda.
para o tratamento de condições reumáticas associadas à SAF
secundária. Entretanto, nos pacientes com a síndrome catas-
trófica, que apresentam trombocitopenia ou anemia hemolí-
aPL positivo e tromboses venosas
tica grave, altas doses de corticosteroides são heroicamente Recomenda-se o uso de anticoagulante oral por toda a vida
utilizadas. Pode-se adicionar AAS infantil, hidroxicloroquina, àqueles pacientes que apresentaram 1 ou mais episódios de
algum tipo de estatina, imunoglobulina endovenosa, rituxi- trombose venosa na presença de aPL positivo, em 2 ocasiões.
mabe ou plasmaférese em pacientes com INR controlado, mas Com o objetivo de prevenir novas tromboses, a dose do cuma-
que continuam a apresentar eventos trombóticos. rínico deve ser ajustada, segundo os estudos retrospectivos,
para manter o INR entre 2,0 e 3,0. Essa recomendação de anti-
aPL positivo e manifestações não trombóticas coagulação oral bem controlada por toda a vida se deve ao fato
de haver grande tendência a novas tromboses venosas uma
Conforme a gravidade do caso pode-se associar vasodilata- vez que a anticoagulação seja interrompida.
dores em pacientes com fenômeno de Raynaud. Tais pacientes
devem ser orientados a evitar exposição ao frio e fazer uso de
medidas protetoras, como o uso de luvas.
aPL positivo e tromboses arteriais
O tratamento da trombocitopenia varia de acordo com sua Recomenda-se o uso de anticoagulante oral associado ao
gravidade. Pacientes com plaquetas > 50.000, deve-se utilizar AAS infantil para os pacientes com aPL positivo que apresen-
AAS em dose antiagregante plaquetária (65 a 150 mg/dia). A taram tromboses arteriais, como AVE, infarto do miocárdio e
diminuição da agregação plaquetária leva à menor exposição isquemia arterial periférica. O objetivo é manter o INR entre
de fosfolipídeos aos anticorpos, melhorando a trombocito- 3,0 e 4,0. A queda do título de aCL ou a negativação do LAC não
penia. Pacientes com plaquetas < 50.000, o uso de AAS e de são objetivos do tratamento e, mais importante, não consti-
anticoagulante oral deve ser minuciosamente monitorado tuem indicadores de melhora ou redução do risco de um novo
em virtude do risco de complicações hemorrágicas. Nesses evento trombótico. Caso isso ocorra, o tratamento não deve
pacientes pode-se usar corticosteroide (predinisona) e/ou ser interrompido.
imunoglobulina venosa, que geralmente induzem a norma-
lização, que pode ser transitória, na contagem de plaquetas.
Deve-se dosar, então, o risco benefício de cada caso. Para trom-
„„ GESTAÇÃO
bocitopenia grave relacionada com a SAF, alguns autores têm A heparina associada ao AAS infantil é mais eficaz do que o
relatado a eficácia do androgênio danazol e do anticorpo mo- AAS isolado na prevenção de perdas fetais nas pacientes porta-
noclonal anti-CD20 rituximabe. dora de SAF, segundo a demonstração 2 estudos prospectivos.
Há redução no risco de tromboses venosas e arteriais com Entretanto, somente a heparina não fracionada ou de baixo
uso de AAS infantil, nas mulheres que tiveram apenas mani- peso molecular têm sido utilizada no tratamento de gestantes
festações obstétricas (perdas fetais). Sendo assim, em mulhe- nos Estados Unidos e na Europa, devido à teratogenicidade da
res com aPL positivo e passado de perdas fetais e, ainda, em varfarina. Em contrapartida, no Brasil, assim como em outros
pacientes com quadros sugestivos de manifestações arteriais países, a conversão para varfarina após o primeiro trimestre é
sem diagnóstico de trombose (episódios sugestivos de AIT, úl- feita de maneira aceitável.31 Mesmo a controvérsia de alguns
ceras crônicas sem definição histopatológica, livedo reticularis estudos, o uso da gamaglobulina intravenosa associada à tera-
exuberante, fenômeno de Raynaud ou cefaleia recorrente in- pia antiagregante tem sido ponderada, nos casos refratários ao
tratável), recomendamos o uso perene do AAS infantil. esquema de tratamento anteriormente citado.32 O tratamento

Síndrome do Anticorpo Antifosfolipídeo 585


também é controverso naquelas mulheres com aPL positivo, lor quando em síndrome catastrófica associada ao LES, porém
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

mas que nunca tiveram trombose ou evento gestacional. Al- não possui indicação em SAF primária.34
guns autores sugerem que somente a dose profilática de hepa-
rina associada ao AAS infantil deve ser usada.
„„ SITUAÇÕES ESPECIAIS

Morte fetal prévia com mais de 10 semanas de Efeitos do envelhecimento


gestação Pelo aumento da prevalência de testes de ELISA falso-positi-
vos com o aumento da idade e pela importância de se diferenciar
Em mulheres com aPL positivos e história de pelo menos
eventos isquêmicos em idosos com outras causas prevalentes
2 perdas fetais, o uso de 5.000 U de heparina subcutânea, 2
nesta faixa etária, o diagnóstico de SAF após os 60 anos é um
vezes por dia, associado ao AAS infantil, aumentou a sobrevi-
da fetal em 50 a 80%. Com o decorrer da gestação, geralmen- desafio ainda maior. Se espera encontrar em conjunto com tí-
te, existe a necessidade de aumentar as doses para, com isso, tulos persistentemente elevados de aCL, o livedo reticularis,
manter as pacientes dentro do alvo terapêutico. Em relação ao trombocitopenia, doença reumática coexistente e exclusão de
uso das heparinas de baixo peso molecular, há relatos de uso outros fatores para, então, fechar o diagnóstico de SAF.
de enoxaparina 40 mg/dia por até 12 semanas e, a partir daí,
40 mg de 12 em 12 horas. Ou ainda, dalteparina 5.000 U, no Uso concomitante de drogas
mesmo esquema anterior. Após a confirmação da gestação, o
tratamento deve ser iniciado e deve-se manter até 48 horas Com a ausência de melhores alternativas, as conhecidas
antes do parto programado. O tratamento, então, deve ser rei- drogas indutoras de LES (hidralazina, clorpromazina, feni-
niciado logo após o parto normal ou 12 horas após a cesariana, toína) podem ser usadas para SAF ou pacientes com aPL.
na ausência de sangramento ativo, e mantido por mais 6 sema- Vale ressaltar que essas drogas também podem induzir aPL.
nas. A terapia com corticosteroide só é indicada se a paciente Drogas que são sabidamente relacionadas com promoção de
apresentar LES ativo concomitante ou ainda em casos raros de trombose, como estrógenos, são consideradas de alto risco
trombocitopenia grave ou SAF catastrófica. Conclusão, devem mesmo em mulheres assintomáticas que somente apresentem
fazer uso de baixas doses de AAS por toda vida após o parto, positividade para aPL. Este aconselhamento não se traduz em
todas as mulheres com SAF e perda fetal tardia. obrigatoriedade de teste para aPL em todas as mulheres que
forem usar contraceptivos ou reposição hormonal. Não há in-
formação confiável sobre a segurança de contracepção com o
Trombose prévia à gestação uso de raloxifeno, bromocriptina ou leuprolide em pacientes
Devem ser plenamente anticoaguladas, durante toda a ges- com SAF. O uso de prostágenos puros é controverso, mas am-
tação e o puerpério, todas as mulheres que tiveram tromboses plamente usado em nosso serviço
prévias, devido ao alto risco de novos eventos trombóticos.
Nesses casos, a varfarina cede lugar à heparina não fraciona- Outras condições
da ou de baixo peso molecular, se possível antes da concep-
ção ou frente ao diagnóstico de gravidez, como acontece mais Com base na possível ligação patogênica, alguns médicos
frequentemente. Novos agentes trombolíticos, assim como o prescrevem anticoagulação para pacientes com livedo reticularis,
clopidogrel, não estão liberados para uso gestacional, porém trombocitopenia, úlceras de perna, microangiopatia trombótica
podem ser considerados em concomitância à hidroxicloroqui- ou doença valvular. A eficácia da anticoagulação não é conhecida
na e à gamaglobulina endovenosa, naquelas pacientes que não nessas situações.
podem fazer uso de heparina. Em nosso serviço, utilizamos
varfarina entre a 14a e a 36a semanas de gestação, com prévio
consentimento das pacientes e após as devidas explicações. „„ PROGNÓSTICO
Quando utilizamos heparina subcutânea recomendamos 2 to- É desconhecido o risco absoluto de uma pessoa assintomá-
madas diárias, com a não fracionada, monitoramos de modo tica em que o anticorpo é encontrado ao acaso. Um único tes-
que a dose seja suficiente para manter a relação do PTT basal te de ELISA fortemente positivo tem valor preditivo para um
1,5 a 2,0 vezes; e quando utilizamos as de baixo peso molecu- maior risco de tromboflebite ou embolia pulmonar, mas o ris-
lar não monitoramos e mantemos por toda a gestação a dose co absoluto é baixo. A associação de trombofilias confere um
de 1,5 a 2,0 mg/kg de enoxaparina. maior risco trombótico. Em primíparas normais, a presença de
aPL duplica ou quadruplica o risco de perda fetal, mas a maio-
SAF catastrófica ria das mulheres com presença de anticorpos têm gestações
normais. Em estudos separados de pacientes com SAF obsté-
O início da oclusão vascular catastrófica geralmente é súbi- trica, sem trombose prévia, a metade apresentou tromboses
to, e o diagnóstico é muitas vezes confuso e com risco de vida durante 3 a 10 anos de acompanhamento e 10% desenvolveu
imediato. Não existem estudos controlados nessa síndrome. LES. Apesar da melhora nos resultados gestacionais com o
A revisão dos relatos conclui que a terapia mais efetiva é o tratamento adequado, complicações como prematuridade e
tratamento dos fatores precipitantes, com antibioticoterapia restrição do crescimento fetal ainda ocorrem mais do que em
para os casos de infecção concomitante associado à anticoa- populações-controle. Estudos de acompanhamento por longo
gulação plena, com altas doses de corticoides e gamaglobulina prazo de filhos de pacientes com SAF ainda não estão disponí-
intravenosa. Na falha desse tratamento, podemos fazer uso da veis. Em muitos pacientes com SAF de longa duração, a ocor-
plamarérese como opção terapêutica. O Rituximabe, anticorpo rência de doença valvular requer a necessidade de troca de
monoclonal quimérico dirigido contra CD-20, foi usado com válvula. Também ocorre aterosclerose, assim como demência
sucesso em uma série de relatos. A ciclofosfamida só tem va- progressiva por múltiplos infartos. Estudos recentes sugerem

586 Tratado Brasileiro de Reumatologia


que a SAF não eleva o risco de aterosclerose quando em asso- de fármacos que tenham papel inibidor dessa via pode ser de

„„ CAPÍTULO 41
ciação com o LES. grande valia. Alvos teóricos como inibição da IL-1, IL-6, e pro-
teína quinase p38 parecem promissores, porém não há estu-
dos em humanos até o presente momento.
„„ PERSPECTIVAS FUTURAS
Em relação ao diagnóstico da SAF, achados preliminares
Diversos alvos terapêuticos estão sendo estudados para o sugerem um papel para o complexo protrombina-fosfatidilse-
manejo da SAF. O rituximabe é utilizado com sucesso em al- rina na detecção dos anticorpos antifosfolipídicos. Essa técni-
guns pacientes com trombocitopenia e anemia hemolítica. O ca é feita através de ELISA, apresentando maior facilidade de
estudo em andamento RITAPS visa analisar o efeito do ritu- padronização e execução quando comparados com as técnicas
ximabe em longo prazo. Recentemente foi descrito o papel do de detecção de LAC. Esta última é relativamente trabalhosa e
sistema complemento na fisiopatologia da SAF, portanto, o uso está sujeita a diversas variáveis.35

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588 Tratado Brasileiro de Reumatologia


42

Capítulo
João Francisco Marques Neto  Ana Paula Del Rio

Esclerose Sistêmica
„„ CONCEITO E EPIDEMIOLOGIA a fatores ambientais ou precipitantes.2 Depende da interação
entre processos imunológicos, vasculares e fibróticos. Even-
Trata-se de doença inflamatória crônica idiopática, do te- tos imunológicos iniciais e alterações vasculares resultam em
cido conectivo, caracterizada pelo acometimento do endotélio ativação de endoteliócitos e fibroblastos, considerados células
dos vasos principalmente de pequeno e médio calibres, evo- efetoras da doença.
luindo para uma endarterite proliferativa isquêmica.
Estas alterações vasculares promovem um distúrbio in-
trínseco do fibroblasto que determina uma fibrose progressiva Mecanismo vascular
cutâneo visceral, funcionalmente limitante. As alterações vasculares e das células endoteliais, que
Relatada por Hipócrates como “doentes que mumificavam regulam o tônus dos vasos, parecem preceder as outras ma-
em vida”, foi apenas no século XVIII que a esclerodermia passou nifestações da ES. Dentre os mediadores desta regulação,
a ser mais bem caracterizada como entidade clínica, a partir da destacam-se endotelinas, oxido nítrico, fatores constritores
descrição de Carlo Curzio, em Nápoles (1753). O termo “escle- derivados do endotélio, mediadores neurais, humorais e infla-
rodermia”, derivado da raiz grega “skleros” = “duro” e “dermis” = matórios, além da hipóxia e do estresse físico.
“pele”, passou a ser utilizado a partir de 1832. Durante o século A endotelina (ET-1) tem grande importância na patogê-
XIX, a ocorrência de doença visceral foi considerada como as- nese da ES por se tratar do mais potente vasoconstritor en-
sociação fortuita, apesar da observação que os pacientes escle- dógeno, além de estimulador da fibrogênese. O Óxido Nítrico
rodérmicos morriam mais cedo que a população geral. Após a (NO) regula a ação vasoconstritora da ET-1 nos vasos normais,
descrição de fibrose envolvendo rins, pulmões e trato gastroin- e um desequilíbrio na ação destas duas substâncias também
testinal na necrópsia de 5 pacientes esclerodérmicos (1924), o contribui na patogênese da doença. Os ânions superóxido são
envolvimento visceral passou a ser encarado como importante liberados pelo endotélio e parecem neutralizar a ação do óxido
manifestação clínica da doença. A partir do reconhecimento de nítrico, além de oxidar o LDL (lipoproteínas de baixa densida-
que a esclerodermia era a manifestação cutânea de uma doença de), o que é citotóxico às próprias células endoteliais.
generalizada, foi proposta a denominação “Esclerose Sistêmica Pacientes com ES têm uma deficiência nos precursores
Progressiva” (1945). Em 1988, junto com a proposição da atual endoteliais circulantes e inabilidade destes em proliferar e se
classificação, foi sugerida a supressão do termo “progressiva”, diferenciar.3 Nestes o plasma parece ser citotóxico às células
pelo fato da doença nem sempre apresentar caráter progressivo endoteliais, devido à presença de anticorpos, citocinas e pro-
e pela carga emocional que representava para os pacientes afe- teases. Também nestes se verifica aumento da expressão de
tados; surgiu, assim, a denominação “Esclerose Sistêmica”. moléculas de adesão endoteliais e elevação de suas formas
Sua incidência varia entre 27,6 e 44,3 casos/100.000 habi- plasmáticas solúveis (E-selectina, ICAM-1, VCAM-1), que inte-
tantes, de acordo com a população. A prevalência parece estar ragem com células inflamatórias como linfócitos T e B, neutró-
aumentando graças à melhora na sobrevida nas últimas déca- filos, monócitos, NK (natural killer) e plaquetas, com adesão
das. Predomina no sexo feminino (3-8:1) e costuma manifes- e migração destas células para a matriz extracelular. Parece
tar-se entre a terceira e sexta décadas de vida,1 não existindo haver correlação entre os níveis plasmáticos destas sustâncias
uma predileção por raça. O curso clínico é mais agressivo no e atividade da doença.4
sexo masculino, onde se inicia mais tardiamente. A ES é pouco
frequente em crianças e adolescentes, e sua gravidade está re-
lacionada com o acometimento de órgãos internos.
Mecanismo imunológico
A ativação contínua de células endoteliais, aumentando
„„ ETIOPATOGENIA a regulação de moléculas de adesão, a adesão leucocitária e
sua migração para o meio extravascular, provavelmente, con-
A ES é uma doença poligênica complexa que se manifes- tribui na patogênese da ES. Agentes inflamatórios, como his-
ta em indivíduos geneticamente predispostos com exposição taminas, quininas, complemento, anticorpos, radicais livres,

589
tromboxane, leucotrienos, LDL oxidados e células-T citotóxi- com manifestações viscerais específicas. Porém, com relação
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

cas, são possíveis mediadores dos processos imunológicos aos autoanticorpos, pode-se observar uma fraca associação
atuantes na ES. entre DR5 e antiScl 70 e entre DR1 e anticentrômero. O poli-
As interações intercelulares estimulam a produção e a libe- morfismo gênico ocorre em genes que apresentam variantes
ração de fatores de crescimento e citocinas capazes de mediar na sequência de bases nitrogenadas com frequência maior que
a proliferação e a ativação das células vasculares e do tecido 1% na população geral. Este pode estar associado a risco de
conectivo, particularmente dos fibroblastos. Dentre as citocinas desenvolver algumas doenças. Os polimorfismos do HLA fo-
deflagradoras da ES destacam-se: fator de crescimento transfor- ram relacionados com a ES com resultados reproduzíveis nas
mador-B (TGF-B), fator de crescimento derivado de plaquetas diferentes populações.9 Dentre estes, os haplótipos do HLA-
(PDGF), fator de necrose tumoral (TNF), fator de crescimento -DR5/11 e DR3 em brancos e HLA-DR2 em japoneses e des-
insulina-like (IGF), fator básico de crescimento de fibroblasto cendentes dos índios Choctaw, que habitavam. Encontrou-se
(bfgf), interleucinas 1, 4, 6, 8 e 17, interferon gama (IFN-), pro- uma frequência significativamente maior de HLA-DQA1*0501
teína quimiotática de monócitos 1 e 3 e fator de crescimento em pacientes masculinos brancos a doença.10
do tecido conectivo. As citocinas modulam a interação entre as Há, ainda, forte associação de haplótipos HLA com au-
células, a expressão de moléculas de adesão e a ação dos fibro- toanticorpos específicos. O anticorpo antitopoisomerase está
blastos em resposta aos fatores de crescimento.5 relacionado com os seguintes haplótipos: HLA-DRB1*1104 e
DPB1*1310 em brancos, DQB1*0301 e DPB1*1301 em negros
norte-americanos e haplótipos DR2 em japoneses (DRB1*1502,
Mecanismo de fibrose
DQB1*0601 e DPB1*090) e índios Choctaw (DRB1*1602,
Os fibroblastos são as células efetoras e responsáveis pela DQB10301, DPB1*1301). Já o anticorpo anticentrômero se as-
fibrose na ES. Ocorre uma seleção clonal de fibroblastos hiper- socia ao HLA-DQB1*0501 e outros alelos DQB1 com aminoá-
secretores com apoptose diminuída, em função de ativação de cidos não polares na posição 26.11 Foi encontrada, também,
oncogenes e proteínas antiapoptóticas. Dessa forma, fibroblastos relação dos haplótipos HLA-DRB1*1302, DQB1*0604/0605 à
com sobrevida aumentada seriam responsáveis também pela presença de anticorpo antifibrilarina (anti-U3-RNP), que é mais
produção de fibras colágenas tipo I e III e proteínas da matriz ex- frequente em negros norte-americanos do sexo masculino e
tracelular durante um período mais prolongado. Essa ocorrência HLA-DRB1*0301 com antiPM-Scl em pacientes quase exclusi-
é mais comum em tecidos com concentrações diminuídas de oxi- vamente brancos. Finalmente, houve associação dos haplótipos
gênio. A hipóxia seria, então, um dos mecanismos ativadores do HLA-DQB1*0201 em pacientes com RNA polimerase I, II e III,
distúrbio intrínseco do fibroblasto responsável pelas alterações o que não foi observado em outros estudos.12,3 A expressão do
qualitativas e de distribuição espacial alterada das fibras coláge- autoanticorpo antitopoisomerase I (Scl-70) é um forte preditor
nas, resultando em um estado de fibrose cutâneo-visceral. da pneumopatia intersticial e está associada à forma difusa e
Os fibroblastos são submetidos a mediadores estimulató- ao HLA-DPB1*1301, HLA-DRB1*110411 e HLA-DQB1*0301.13
rios (fatores de crescimento e citocinas como IL-1, IL-6, PDGF Em estudo que comparou as diferentes etnias, o antiScl 70 se
e TGF-beta). relacionou com o HLA-DRB1*1101- *1104 em brancos e negros,
Aproximadamente 95% dos pacientes esclerodérmicos DRB*1502 em japoneses e DRB1*1602 em índios Choctaw. No
apresentam algum autoanticorpo circulante: o fator antinu- entanto, negros e japoneses desenvolveram doença pulmonar
clear (FAN) pode ser positivo em mais de 90% dos pacientes, grave mais precocemente e apresentaram pior prognóstico em
antitopoisomerase I (antiScl 70) em 20 a 45%, anticentrômero relação aos brancos.14
em 12 a 44%, antifibrilarina, antiRNApolimerase, antiPM-Scl, Ainda em relação ao HLA, a classe II e seus haplótipos
antifibrilina-1(anti-U3 RNP) e antiRNA I, II ou III em 20%.6 DRB1*01 e DQB1*0501 estão relacionados com o anticorpo an-
Apesar de não muito sensível, o anticorpo antitopoimerase ticentrômero e a presença de hipertensão arterial pulmonar.13
I é muito específico para a ES (98 a 100%) e está relacionado O microquimerismo fetal, persistência de células fetais em
com maior risco para doença intersticial pulmonar. Altos títu- sangue e/ou tecido materno, deve ser também considerado
los também estão associados a envolvimento cutâneo extenso na patogenia da ES. Sequências específicas do cromossomo Y
e atividade de doença. Os anticorpos anticentrômero estão as- foram encontradas mais frequentemente no DNA extraído do
sociados a envolvimento cutâneo limitado. sangue periférico e de pele de pacientes do sexo feminino com
Estudos em genética também têm contribuído para o enten- ES e comparado com amostras de controles normais. Isto pode
dimento da etiopatogenia da ES, alguns envolvendo agregação sugerir que a gravidez de algum modo possa deflagrar ou con-
familial e irmãos gemelares, demonstraram que a recorrência tribuir para a modificação do padrão evolutivo da doença.15
da doença nos familiares de pacientes esclerodérmicos era de No entanto, a avaliação da história reprodutiva de 117 pa-
1,6% em 3 coortes que tinham um risco populacional estima- cientes com ES, comparada com a de 72 pacientes com artrite
do em apenas 0,026%,7 encontrando-se semelhança no perfil reumatoide, não permitiu a constatação de que a gravidez seja
de autoanticorpos destes familiares. Os estudos com irmãos efetivamente um fator de risco para o desenvolvimento da ES,
gêmeos também mostraram concordância na positividade dos não reforçando, portanto, a importância sugerida do micro-
anticorpos antinucleares (90% nos monozigóticos e 40% nos quimerismo fetal.
dizigóticos). Já a incidência da doença em ambos os monózigó- Diversos fatores ambientais parecem estar envolvidos
ticos foi baixa, aproximadamente 5%, e não maior em relação na gênese dos processos colagenogênicos na esclerodermia.
aos bivitelinos.8 Portanto, não é frequente a descrição de ES Dentre estes fatores, podemos destacar os solventes orgâni-
em membros de uma mesma família. cos (tolueno, benzeno, cloreto de polivinil e tricloroetileno,
A relação entre a ES e os antígenos de histocompatibili- entre outros), a sílica (em mineradoras carvão e pedreiras), o
dade permanece controversa. Não se conseguiu estabelecer silicone (próteses mamárias) e o uso de drogas (inibidores do
associação entre HLA e as formas clínicas da ES, bem como apetite, L-triptofano e bleomicina).

590 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 42
Patogenia da esclerose sistêmica Esclerose sistêmica: patogenia
Fatores que promovem ou facilitam os distúrbios funcionais do Importância das quimoquinas na lesão fibrótica
endoteliócito e do fibroblasto
Autoimunes: fatores locais de crescimento – citocinas-quimocinas Quimoquinas = citoquinas quimotóxicas:
„„ anti centrômero – anti Scl 70 – anti RNA – polimerase promovem migração celular (células inflamatórias)
„„ anti fibrilarina (U3RNP) – anti PM Scl

Ambientais: solventes orgânicos (tolueno – benzeno)


„„ Sílica Reguladoras da angiogênese,
„„ Silicone proliferação vascular e fibrose
„„ Drogas (l triptófano – bleomicina)

Genéticos:

Fibrose visceral
Patogenia da esclerose sistêmica MCP-1
Genética Fibrose pulmonar MIP-1alfa
Hipertensão pulmonar PARC
Relação com fatores genéticos é controversa e especulativa RANTES
Aumento da frequência em membros da família (1o grau) IL-8

DQ7 e DQ5: são os mais comuns


DQA2- B8 – DR3: mais comuns em outros estudos
DR1: associado c/E. limitada e anti centrômero
DR5: associado c/E. difusa e anti-topoisomerase
(Steen 1988 Reveille 1998). Critérios diagnósticos e de classificação

Esclerose sistêmica: classificação


Interrelações entre endoteliócito e fibroblasto
„„ Esclerodermia regional ou localizada

F.Citotóxico „„ Esclerose sistêmica (limitada e difusa)


? „„ Formas induzidas
„„ Estados esclerodermoides:

Endoteliócito „„ Fasciite eosinofílica


IL-1 „„ Escleredema de Buschke
Th-1 „„ Porfiria cutânea tarda
IL-2
„„ Liquen escleroatrófico
„„ Linfoma cutâneo de células T
„„ Progeria
Fibroblasto Lin – Mac „„ Dermatoesclerose (ins. vascular periférica crônica )
Plaquetas
hipersecretor CD 4

Esclerodermia localizada
TGF-BETA

+
„„ Acometimento exclusivamente cutâneo
„„ Mais frequente em crianças, adolescentes e adultos jovens
PDGF – alfa Fibroblastos
receptor Subtipos:
I – Morfeia (placas, nódulos ou difusa )
II – Linear (bandas, linear com hemiatrofia e facial “em golpe de sabre“)

Patogenia da esclerose sistêmica III – Formas regionais induzidas:


„„ Silicone, transplantes de medula,
Importância do colágeno nas lesões estruturais e funcionais doença enxerto versus hospedeiro.
Alteração anátomo patológica mais comum é o acumulo de matriz
extracelular, predominantemente do colágeno tipo I, III, VI e VII. Em 1980, o Colégio Americano de Reumatologia divulgou
Colágeno tipo V também está aumentado e interfere na patogenia da os critérios preliminares para o diagnóstico da ES, com base
doença, alterando as características moleculares das fibras colágenas em um estudo multicêntrico comparando 264 pacientes escle-
(tipo I e V e III e V) levando a alterações arquitetônicas e funcionais da pele. rodérmicos com 413 pacientes-controle (com outras doenças
Bezerra MC, Yoshinari et al. Arch Dermatol 2006;298:51-57. do tecido conectivo ou fenômeno de Raynaud). Foram formu-
lados os seguintes critérios;

Esclerose Sistêmica 591


Critério maior: Para o diagnóstico da ES é necessária a presença do cri-
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

„„
„„ Esclerodermia proximal (às metacarpofalangeanas). tério maior ou, na sua ausência, de 2 critérios menores. Estes
critérios mostraram uma sensibilidade de 97% e uma especi-
„„ Critérios menores:
ficidade de 98%.
„„ Esclerodactilia;
Em 1988, a ES passou a ser classificada, de acordo com a
„„ Ulcerações de polpas digitais ou reabsorção de falan- extensão do envolvimento cutâneo, nas formas clínicas limita-
ges distais; da e difusa.16
„„ Fibrose nas bases pulmonares. A Esclerose Sistêmica Limitada (ESl) apresenta envol-
vimento cutâneo restrito às extremidades (até cotovelos e
joelhos, além da face), ritmo lento de acometimento cutâneo,
Esclerose sistêmica: diagnóstico
presença mais frequente de calcinose, incidência tardia de
Obrigatório utilizar os critérios do American College of Rheumatology manifestações viscerais, podendo cursar com anticorpo an-
(ACR) ticentrômero.
+ A Esclerose Sistêmica Difusa (ESd) cursa com envolvimento
Diagnóstico do acometimento órgão específico cutâneo generalizado afetando tronco, face e membros, apresen-
Outros procedimentos: tando tendência à rápida progressão das alterações cutâneas,
„„ Biópsia de pele apenas em casos especiais para excluir estados contraturas articulares, crepitação tendínea e comprometimen-
esclerodermoides to visceral precoce (fibrose pulmonar, miocardiosclerose e cri-
„„ Escore cutâneo de Rodnan: classificatório e para monitorização do se renal), podendo cursar com anticorpo antitopoisomerase I
tratamento (anti-Scl 70) e anticorpo anti-RNA polimerase III.
„„ Capilaroscopia do leito ungueal: útil para definição do prognóstico
no fenômeno de Raynaud

Esclerose sistêmica
Esclerose sistêmica
Outros subtipos além das formas difusa e limitada da ES
Critérios diagnósticos
„„ Esclerose sistêmica sem esclerodermia:
„„ Critério maior: escleroderma proximal
„„ Microangiopatia – esôfago – pulmão – HAP
„„ Critérios menores:
„„ Formas iatrogênicas ou induzidas:
„„ esclerodactilia
„„ Doença dos madeireiros do Canadá
„„ úlceras ou microcicatrizes de polpas digitais
„„ Síndrome do óleo tóxico (Espanha)
„„ perda de substância de polpas digitais
„„ fibrose intersticial pulmonar basilar bilateral „„ Formas combinadas:
Obs: é necessário 1 critério maior ou 2 menores „„ Doença mista do tecido conectivo
Sensibilidade 97%/Especificidade 98% „„ Síndrome de Overlap
(Masi et al. 1980 ACR ).

Esclerose sistêmica: procedimentos diagnósticos


Escore cutâneo de Rodnan modificado: Capilaroscopia do leito ungueal:
„„ Baseado na verificação do pregueamento da pele em vários setores da „„ Alterações capilares dos leitos
superfície corporal ungueais (grandes alças capilares
0 não envolvido
separadas por áreas de deleção
1 Baixo espassamento
✓ vascular)
2 Moderado espassamento
3 Severo espassamento

✓ Braços Braços ✓

✓ Abdômen Abdômen ✓
✓ Antebraço Antebraço ✓ „„ Padrões sugestivos para
✓ Mãos Mãos ✓ esclerose sistêmica, psoríase e
✓ Ringers Ringers ✓ dermatopolimiosites
✓ Coxa Coxa ✓

✓ Perna Perna ✓

✓ Pé ✓

592 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Quadro clínico acometendo preferencialmente braços e antebraços, podendo

„„ CAPÍTULO 42
levar à formação de extensas áreas de escoriação por coçadu-
Pele ra, com tendência a ser autolimitado. Advém da degranulação
O espessamento da pele representa o principal critério diag- de mastócitos da pele recém-acometida.
nóstico da ES, base de sua classificação em diferentes subgrupos.
Esclerose sistêmica: alterações cutâneas

„„ Fenômeno de Raynaud
„„ Aderência da pele aos planos profundos
„„ Diminuição da elasticidade cutânea: face, tronco e extremidades
„„ Microstomia
„„ Leucomelanodermia
„„ Fibrose de tendões e anexos articulares
„„ Acrosclerose
„„ Garra esclerodérmica
„„ Acrosteólise (reabsorção óssea neurovascular)
„„ Alterações de capilares periungueais
„„ Úlceras puntiformes digitais: finger tips Figura 42.1 Esclerose sistêmica: microstomia, telangiectasias e
„„ Necrose de extremidades diminuição de marcas de expressão facial.
„„ Telangiectasias
„„ Calcificações cutâneas

Três fases de envolvimento cutâneo têm sido descritas na ES:

1. Fase edematosa: edema difuso, depressível, inicialmen-


te em mãos e pés, com progressão centrípeta; representa
uma queixa inespecífica, que pode ocorrer na fase inicial
de outras doenças do tecido conectivo, como artrite reu-
matoide, lupus eritematoso sistêmico e doença mista do
tecido conectivo;
2. Fase indurativa: com a regressão do edema, começa a
ocorrer endurecimento progressivo da pele, iniciando-se
nas extremidades;
3. Fase atrófica: espessamento cutâneo acentuado, levan-
do a retrações tendíneas, evoluindo para contraturas em
flexão; nas mãos, ocorre a garra esclerodérmica (Figura
42.1); na face, cursa com microstomia, afilamento do nariz,
perda dos sulcos perilabiais e ausência de rugas (Figura
42.2). Nesta fase, ocorre o acometimento cutâneo típico da Figura 42.2 Forma localizada linear em golpe de sabre.
ES: pele espessada, endurecida, aderida a planos profun-
dos, não depressível e não pregueável, com ausência pro-
gressiva de anexos.

O método atualmente mais utilizado para avaliação perió-


dica da graduação do espessamento cutâneo nos pacientes es-
clerodérmicos é o escore cutâneo. O método de escore cutâneo
mais utilizado atualmente é o método de Rodnan modificado,
que avalia o espessamento da pele em 17 sítios anatômicos,
graduados de 0 a 3, com escore máximo 51 (Figura 42.3).
A calcinose resulta do acúmulo de cristais de cálcio ou hi-
droxiapatita em locais de uso excessivo ou trauma (cotovelos,
joelhos) (Figura 42.4) e naqueles afetados pelo fenômeno de
Raynaud (dedos das mãos); é mais frequente na forma clínica
limitada, em pacientes com doença de longa duração e anticor-
po anticentrômero. Telangiectasias são dilatações saculares de
vasos sanguíneos superficiais, que colapsam à pressão digital;
mais frequentes na forma clínica limitada, acometem face,
lábios, língua, dedos das mãos e áreas periungueais. Várias
anormalidades da pigmentação podem ocorrer na ES, desta-
cando-se a leucomelanodermia, caracterizada por hiper e hi-
popigmentação em áreas de esclerose (Figura 42.5). Prurido
intenso tem sido descrito nos primeiros 2 anos da ES difusa, Figura 42.3 Forma localizada: morfeia em placas.

Esclerose Sistêmica 593


„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

Figura 42.4 Evolução clínica: Ray-


naud, acrosclerose, acrosteolise e
garra esclerodérmica.

Figura 42.5 Acroesclero fibrose do


derma superficial e profundo com
bainhas de colágeno em torno de
vasos e anexos cutâneos. Reabsor-
ção óssea concêntrica de falanges
distais acrosteólise.

Figura 42.6 Acrosteólise: reabsorção concêntrica das falan-


ges distais.

594 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Vascular Com a progressão da doença, é comum o aparecimento de

„„ CAPÍTULO 42
microulcerações isquêmicas de polpas digitais. Em alguns casos,
As alterações vasculares na ES vêm sendo objeto de cres- particularmente nos meses frios, em pacientes com fenômeno
cente interesse por sua importante implicação como fator de Raynaud intenso, pode ocorrer evolução para extensas e do-
prognóstico. lorosas úlceras isquêmicas. Também podem ocorrer nas super-
Podem-se manifestar como: fícies extensoras (cotovelos, joelhos e tornozelos), apresentam
lenta cicatrização e são sede frequente de infecções, podendo
1. Instabilidade vasomotora: diminuições transitórias de
cursar com gangrena e amputação das estruturas acometidas.
repetição da perfusão tissular, caracterizando o Raynaud
Úlceras cutâneas são frequentes nas duas formas clínicas da ES.
pulmonar, cardíaco, renal e esofágico;
2. Anormalidades estruturais de vasos de pequeno cali- Musculoesquelético
bre: lesões arteriais do tipo proliferativo na camada ínti-
Poliartralgia de ritmo inflamatório, poliartrite e tenossi-
ma, ao nível da microcirculação, levando a um estado de
novites são manifestações clínicas frequentes no início da ES.
isquemia crônica; Com a evolução da doença, contraturas em flexão, principal-
3. Anormalidades intravasculares: aumento na atividade mente dos dedos das mãos, podem ocorrer; na etiologia destas
plaquetária e na formação de microtrombos. contraturas, estão envolvidos espessamento cutâneo, encurta-
mentos tendíneos e alterações intra-articulares. A crepitação
O fenômeno de Raynaud é a mais frequente manifestação tendínea, comum na ES difusa, geralmente é fator de mau
vascular da ES, ocorrendo em 95 a 98% dos pacientes, sendo prognóstico, devido à sua frequente associação com os acome-
a manifestação inicial da doença em cerca de 70% dos casos, timentos renal e cardíaco. Reabsorção óssea das extremidades
podendo preceder o início da ES em mais de 2 décadas. Carac- (acrosteólise) é comum na ES (Figura 42.7).
teriza-se como uma isquemia digital episódica, provocada pelo Na maioria das vezes, a fraqueza e a atrofia da musculatura
frio ou pela emoção e um fenômeno classicamente trifásico, esquelética observadas na ES são resultados do desuso pelas
sendo que a palidez reflete um vasoespasmo. A cianose resulta contraturas articulares e pela cronicidade da doença. Alguns
da remoção do oxigênio do sangue venoso estático, e o rubor pacientes desenvolvem uma miopatia leve, com pequena ele-
é causado pela hiperemia reativa que acompanha o retorno do vação das enzimas musculares e biópsia muscular, mostran-
fluxo sanguíneo. do um aumento de tecido conectivo no epimísio e perimísio.

Figura 42.7 Isquemia digital: úlceras de polpa digital e nos relevos justa-articulares.

Figura 42.8 Esclerodermia: jistopatologia espessamento do colágeno profundo, com substituição da gordura e infiltrado lifocitário peri-
vascular.

Esclerose Sistêmica 595


Quando da presença de miosite franca geralmente ocorre sín- testinal, levando à constipação e dores abdominais intensas) e
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

drome de superposição com miopatia inflamatória, marcada a pneumatose cística intestinal (que pode evoluir com pneu-
pelo anticorpo anti-PM-Scl. moperitônio). A radiografia contrastada (trânsito intestinal)
revela dilatação e atonia duodenais (preferencialmente na
Trato gastrointestinal segunda e terceira porções) e dilatação de alças jejunais com
O acometimento do trato gastrointestinal é observado em aproximação de válvulas coniventes (sinal do acordeão).
mais de 90% dos pacientes com ES. O envolvimento esofágico é O intestino grosso pode estar acometido em 10 a 50% dos
considerado a mais frequente manifestação visceral da ES, está casos. Geralmente assintomático, pode cursar com constipa-
presente em cerca de 90% dos pacientes e é sintomático em ção intestinal, devido à lentidão da motilidade colônica. O ene-
mais de 50% dos casos. Caracteriza-se clinicamente por disfa- ma opaco revela dilatação colônica segmentar ou generalizada
gia (inicialmente a alimentos sólidos, evoluindo lentamente até e/ou pseudodivertículos (falsos divertículos de boca larga, for-
líquidos), podendo também cursar com perda de peso, dor re- mados devido à atrofia irregular da mucosa ao longo do bordo
troesternal e regurgitação. Na fisiopatologia da lesão esofágica antimesentérico do cólon transverso e descendente). Compli-
na ES estão envolvidos diversos mecanismos, incluindo fibrose, cação incapacitante, e cada vez mais frequente, é a incontinên-
alterações vasculares e disfunção neural. A avaliação da função cia anal, devido à incompetência do esfíncter.
esofágica é importante na detecção precoce do acometimento Foram acompanhados 135 pacientes com ES na Unicamp,
visceral na ES. A radiografia contrastada (esofagograma), que re- avaliados clinicamente e através de EED, trânsito intestinal e
vela alterações em 60 a 80% dos casos, mostra diminuição das enema opaco. Dentre os sintomas clínicos, predominaram a
ondas peristálticas nos 2/3 inferiores do esôfago, dilatação eso- disfagia (86,7%) e a síndrome dispéptica (34,1%), seguidos
fágica (Figura 42.9), hérnia hiatal por deslizamento e esofagite de da constipação intestinal (10,4%), diarreia (8,1%) e plenitude
refluxo. A esofagomanometria, alterada em 70 a 80% dos casos, pós-prandial (5,2%); distúrbio de motilidade foi evidenciado
revela baixa amplitude de contrações da musculatura lisa, incoor- em 82,2% no esôfago e somente 7,4% em intestino delgado.17
denação da peristalse e incompetência do esfíncter esofágico
inferior. A cintilografia esofágica, que pode estar alterada em até Pulmões
90% dos casos, revela diminuição da velocidade de esvaziamen- As manifestações atualmente responsáveis por maior mor-
to e tempo de trânsito prolongado. A incoordenação da peristal- talidade na ES são pneumopatia intersticial e hipertensão ar-
se e o relaxamento do esfíncter esofágico inferior levam a uma terial pulmonar.18
esofagite crônica de refluxo; seu curso persistente pode evoluir
A pneumopatia intersticial é a forma de comprometimento
com estenose esofágica (requerendo dilatações endoscópicas
pulmonar mais frequente com prevalência de 60 a 90%. É mais
periódicas) e metaplasia de Barrett, com maior risco de desen-
comum nos casos de ES com acometimento cutâneo difuso.
volvimento de adenocarcinoma. O envolvimento gástrico na ES é
pouco frequente, incidindo em 5 a 10% dos pacientes. As queixas Inicialmente, a maioria dos pacientes com fibrose intersti-
cial é assintomática, evoluindo com dispneia progressiva aos
clínicas são epigastralgia em queimação e lentidão na digestão,
esforços, tosse seca e, eventualmente, dor pleurítica. Ao exame
devido a retardo no esvaziamento e dilatação gástrica.
físico, observam-se estertores crepitantes principalmente em
O intestino delgado na ES pode estar acometido em até bases pulmonares.
40% dos pacientes, sendo sintomático em 10 a 25% dos ca-
A avaliação pulmonar é mandatória e deve ser periódica
sos. Clinicamente pode manifestar-se como síndrome de má
nos pacientes com ES, principalmente nos primeiros 5 anos
absorção, devido à dilatação e atonia intestinais com conse-
de doença. O RsX se mostrou insensível na detecção precoce
quente supercrescimento bacteriano, cursando com diarreia e
da lesão pulmonar. Em casos avançados, podemos encontrar o
podendo evoluir para caquexia. Manifestações menos frequen-
aspecto de “favo de mel” (Figura 42.10).
tes incluem a pseudo-obstrução intestinal (devido à atonia in-
A tomografia computadorizada de alta resolução é o mais
sensível exame a detectar o acometimento intersticial. As lesões
geralmente são bilaterais e, dependendo da magnitude, há gran-

Figura 42.9 Leucomelanodermia: áreas alternadas de despig-


mentação e hiperpigmentação. Quando pruriginosas representam
atividade tissular da doença. Figura 42.10 Calcificações de partes moles.

596 Tratado Brasileiro de Reumatologia


lica da artéria pulmonar. Tem-se mostrado o método não inva-

„„ CAPÍTULO 42
sivo mais eficiente no diagnóstico precoce e no seguimento da
HAP. O diagnóstico é considerado quando a medida estimada
da pressão sistólica da artéria pulmonar (PsAP) é maior que
40 mmHg através do ecocardiograma, mas alguns pacientes
com pressão entre 35 e 40 mmHg já podem apresentar sinais
de insuficiência cardíaca direita.21 Valores de PsAP entre 40 e
50 mmHg são considerados hipertensão pulmonar leve, entre
50 a 70 mmHg moderada e acima de 70 mmHg, grave.
O cateterismo cardíaco de câmaras direitas faz a aferição
direta da pressão média na artéria pulmonar (PmAP) e é con-
siderado o método padrã-ouro.22 O diagnóstico é considerado
quando a medida é maior ou igual a 25 mmHg no repouso.24
Na prova de função pulmonar, a redução da difusão de
monóxido de carbono, na ausência de restrição, é sugestiva de
hipertensão pulmonar.
Os índices de mortalidade são de 40 a 60% em 2 anos,23 daí
a importância do diagnóstico e tratamento precoces.
Figura 42.11
(Estudo realizado na Disciplina de Reumatologia da FCM-
-Unicamp, avaliando 95 pacientes com ES, encontrou hiper-
de alteração da arquitetura pulmonar. Podemos encontrar finas tensão pulmonar em 30% dos casos.)
opacificações reticulares subpleurais ou septais (Figura 42.11),
Mais raramente pode haver doença pleural, pneumonia as-
imagens em vidro fosco, imagens em “favo de mel” (Figura
pirativa e neoplasia. O acometimento pleural na ES é queixa clí-
42.12), bronquiectasias de tração, nódulos e cistos.
nica pouco frequente, sendo mais comum apresentar-se como
A espirometria cursa com padrão restritivo, sendo a capa- achado de necrópsia. A pneumonia aspirativa pode ser obser-
cidade vital forçada (CVF) a principal variável a ser acompa- vada em pacientes com significativas alterações da motilidade
nhada nos exames evolutivos seriados dos pacientes. esofágica, que cursam com refluxo gastroesofágico. Dentre as
A difusão de monóxido de carbono (CO) é outro parâmetro neoplasias, o carcinoma broncogênico pode ser encontrado em
que avalia perda volumétrica do pulmão. Valores inferiores a pacientes com fibrose intersticial de longa duração.
50% indicam um mau prognóstico.
O Lavado Broncoalveolar (LBA) costuma apresentar uma Abordagem clínica da HP na esclerose sistêmica
celularidade aumentada, às custas de macrófagos e granuló-
„„ Avaliação radiológica
citos. A presença de inflamação ainda impõe dúvidas quanto à
„„ Eletrocardiograma
orientação da terapêutica.
„„ Ecocardiograma (DOPPLER)
Na análise histopatológica, o tipo mais comum é a pneu-
„„ Cateterismo cardíaco
monia intersticial não específica, 78%.19
„„ Testes de função pulmonar
A Hipertensão Arterial Pulmonar (HAP), outra causa im- „„ Oximetria overnight
portante de mortalidade na ES, apresenta-se principalmente
nos casos de ES com acometimento cutâneo limitado, com pre- CT pulmonar de alta resolução
valência de 5 a 50%.20,23 O paciente pode permanecer assinto- „„ Angiografia pulmonar
mático, até se estabelecer uma hipertensão pulmonar grave, „„ Coagulograma
evoluindo com dispneia rapidamente progressiva aos esforços „„ Biópsia pulmonar
e insuficiência cardíaca direita. „„ Polissonografia
O ecocardiograma bidimensional com doppler é realizado
como método de screening, no qual é estimada a pressão sistó- Teste dos seis minutos de marcha

A B C

Figura 42.12 Acometimento esofágico tardio na esclerose sistêmica. (A) Acalasia de esfincter esofágico. (B) Atresia esofágica. (C) Esôfago
de Barret. Lesão preneoplásica causada pelo refluxo contínuo na esclerose sistêmica, agravado pelo hipoperistaltismo do TGI.

Esclerose Sistêmica 597


„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

B C

Figura 42.13 (A) Acometimento do estômago na esclerose sistêmica. (B) Lesões vasculares na mucosa antral. (C) Ectasia vascular antral
esclerodérmica (Watermellon stomach) associada a gastrite atrófica, acloridria e nefropatia esclerodérmica.

A B C

Figura 42.14 Esclerose sistêmica acometimento intestinal. (A) Ultrassonografia: espessamento da parede da alça intestinal. Pseudodiver-
tículos do colon: substrato da pneumatose cística intestinal, causa de morte na esclerose sistêmica. (B) Pneumatose cística intestinal. (C)
Pseudodivertículos.

598 Tratado Brasileiro de Reumatologia


As alterações eletrocardiográficas na ES são diversas e

„„ CAPÍTULO 42
Hipertensão pulmonar na esclerose sistêmica
incluem hipertrofia ventricular direita e esquerda, isquemia
Fatores de risco miocárdica e distúrbios do sistema de condução. Arritmias
„„ Esclerose sistêmica limitada atriais e ventriculares aparecem em 5 a 10% dos ECG conven-
„„ Doença de longa duração cionais; contudo, a monitorização eletrocardiográfica ambula-
„„ Início da doença após a menopausa torial de 24 horas revela distúrbios do ritmo e da condução
„„ FAN – padrão nucleolar
cardíacas em até 62% dos pacientes. O ecocardiograma repre-
„„ SCL-70 +
senta um método não invasivo útil na avaliação da dimensão
„„ aRNP +
das câmaras cardíacas, derrame pericárdico e função ventricu-
lar, além de, com o auxílio do doppler, ser preditivo de aumen-
Teste de 6 minutos de marcha com dessaturação de 02 = 4% to de pressão de artéria pulmonar, auxiliando no diagnóstico
Capilaroscopia do leito ungueal com avançado grau de deleção capilar precoce da HP.

Rins
Coração
A crise renal esclerodérmica é a mais grave manifestação
O envolvimento cardíaco é observado clinicamente em 5 a visceral da ES, podendo ocorrer em 20 a 25% dos pacientes
20% dos pacientes esclerodérmicos. O acometimento cardíaco com ES difusa, nos primeiros 5 anos de doença. Caracteriza-se
sintomático é fator de mau prognóstico na ES, com mortalida- por início abrupto de hipertensão arterial grave, acompanhada
de de 60% em 2 anos e de 75% em 5 anos. Pode manifestar-se de insuficiência renal rapidamente progressiva; pode também
como pericardite, miocardite e arritmia cardíaca. cursar com hematúria microscópica, proteinúria, retinopatia,
O acometimento pericárdico na ES é frequente achado convulsões, insuficiência cardíaca esquerda e anemia hemolí-
de necrópsia. Derrame pericárdico pode ser observado em tica. Os níveis plasmáticos de renina costumam estar bastante
até 40% dos pacientes na ecocardiografia, sendo geralmen- elevados. A arteriografia renal revela irregularidade e tortuo-
te assintomático. Apenas 7 a 20% dos pacientes apresentam sidades nas artérias interlobulares, borramento da junção cor-
doença pericárdica sintomática, caracterizada por pericardite ticomedular, lentidão do fluxo de contraste e áreas focais de
inflamatória aguda (febre, dispneia e dor torácica, causa de isquemia cortical.
morte súbita) ou pericardite crônica (dispneia, dor torácica e A cintilografia renal dinâmica com DTPA demonstra altera-
cardiomegalia, evoluindo para insuficiência cardíaca congesti- ções na função glomerular e deficiência no acúmulo, concen-
va) de mau prognóstico. tração e eliminação do radiofármaco. A biópsia renal confirma
O acometimento miocárdico pode evoluir para insuficiên- a lesão vascular, mostrando hiperplasia concêntrica da cama-
cia cardíaca congestiva em cerca de 10% dos casos, geral- da íntima das artérias arqueadas e interlobulares e focos de
mente em pacientes com ES difusa. O exame histopatológico fibrose glomerular e intersticial.
revela áreas focais de fibrose e necrose em banda, associa-
das à hiperplasia intimal concêntrica de artérias coronárias
Sistema nervoso
intramurais. A cintilografia cardíaca com tálio tem revelado
envolvimento miocárdico subclínico em grande número de O envolvimento neurológico na ES é pouco frequente.
pacientes, através de defeitos de perfusão induzidos pelo Quanto às alterações do sistema nervoso central, são raros os
exercício e pelo frio. casos de psicose ou arterite cerebral. Quanto ao sistema ner-

Figura 42.15 Esclerose sistêmica – acometimento pulmonar. Doença pulmonar itersticial; Hipertensão pulmonar (ESI); Paquipleuriz;
Fibrose pulmonar; Espessamento de trabéculas pulmonares; Endarterite proliferativa; Cor pulmonale.

Esclerose Sistêmica 599


„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

A B

Figura 42.16 TC (multislice). Esclerose sistêmica: doença pulmonar intersticial recente. (A) Imagem “em vidro fosco”. (B) Doença alveolar
em atividade.

voso periférico, pode ocorrer neuropatia periférica (5 a 15%), esôfago de Barrett de longa duração), o carcinoma broncoal-
neuropatia trigeminal (5%) e mononeurite múltipla. As mani- veolar (indivíduos com fibrose pulmonar intersticial de lon-
festações neurológicas podem ocorrer nas duas formas clíni- ga duração), as neoplasias linfoproliferativas (questionável
cas da ES, tanto no início da doença quanto como manifestação associação com uso prévio de drogas imunossupressoras) e o
tardia em pacientes com ES de longa duração. adenocarcinoma mamário.

História ginecológica Laboratório


Descrições de gestação têm sido pouco frequentes na ES, As alterações laboratoriais observadas na ES são geral-
devido à baixa prevalência da doença e sua potencial gravidade. mente inespecíficas e diretamente ligadas à intensidade do en-
A análise das grandes séries da literatura, avaliando a ocorrên- volvimento visceral. As alterações hematológicas comumente
cia de gestações após o início da doença, revela aumento na in- se limitam a uma anemia leve, havendo também casos descri-
cidência de bebês prematuros e de baixo peso no grupo com ES, tos de anemia hemolítica, pancitopenia e aplasia de medula. As
porém sem evidenciar aumento do número de abortos e mortes provas de atividade inflamatória, como Velocidade de Hemos-
perinatais. Um estudo com enfoque na sexualidade das pacien- sedimentação (VHS), mucoproteína e proteína C reativa, estão
tes esclerodérmicas demonstrou maior incidência de anorma- elevadas nas fases ativas da doença, notadamente na ES difusa.
lidades do trato genital feminino (secura vaginal, dispareunia e A positividade do fator antinuclear (FAN), geralmente nos
ulcerações vaginais) e diminuição no númeroe na intensidade padrões pontilhado ou nucleolar, costuma ser superior a 90%. O
de orgasmos, comparado com a população normal. Não se ob- anticorpo anticentrômero pode ser encontrado, em média, em
serva diferença significativa na idade de menopausa da mulher 32% dos pacientes, apresentando correlação com ES limitada,
esclerodérmica em relação às mulheres normais. A gestação calcinose, telangiectasias e baixa incidência de doença pulmo-
não deve ser contraindicada na mulher esclerodérmica quando nar restritiva. O anticorpo antitopoisomerase I (antiScl 70) está
esta se apresenta clinicamente compensada, sem manifestação presente, em média, em 34% dos pacientes, estando associado
visceral grave (pulmonar, cardíaca ou renal); nos casos de ES ao acometimento cutâneo mais extenso, à crepitação tendínea,
difusa nos primeiros 5 anos de doença, é aconselhável o uso de às contraturas articulares e à doença pulmonar restritiva.
anticoncepção efetiva, pois é a fase onde podem-se iniciar ma-
nifestações viscerais graves. A análise da história ginecológica Esclerose sistêmica: exames complementares
de 150 pacientes com ES maiores de 18 anos acompanhadas na
Unicamp revelou que a mulher esclerodérmica pode ter uma „„ As alterações laboratoriais na ES são inespecíficas e diretamente
taxa de fertilidade semelhante à população-controle. relacionadas com o envolvimento visceral
„„ Hemograma: anemia moderada
„„ VHS e PCR elevadas
„„ ASSOCIAÇÃO COM NEOPLASIAS „„ Urina I: hematúria e proteinúria (nefropatia)
A associação entre ES e neoplasias tem sido descrita des- „„ FAN: anticorpo anticentrômer (ESl e formas localizadas)
de o século XIX. As grandes séries da literatura têm mostrado Anti Scl-70 ( antitopoisomerase ) (ESd)
uma frequência que varia entre 3 e 7%, predominando o ade-
nocarcinoma de esôfago (pacientes com esofagite de refluxo e Outros autoanticorpos: antifibrilarina (U3RNA), complexo proteico U2RNA,
anticolágenos anti-URNP, anti-RNA polimerases I, II, III

600 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 42
Figura 42.17 Esclerose sistêmica: acometimento cardíaco. Ocorre em 5 a 20% cardiopatia hipertensiva; pericardite; arritmias (atrial e
ventricular; defeitos de condução; anormalidades valvares; hipertrofia do miocárdio; isquemia do miocárdio; endarterite proliferativa das
coronárias; miocardiofibrose.

Dentre os novos autoanticorpos na ES, podemos citar as A


seguintes associações: anti-RNA polimerase III com ES difusa
e espessamento cutâneo mais extenso, contraturas articulares
e crise renal; anti-Th/ To RNP com ES limitada e hipertensão
e fibrose pulmonares; anti-U3 RNP (antifibrilarina) com mio-
site, crepitação tendínea, envolvimento cardíaco e hipertensão
pulmonar; antiPM-Scl com síndrome de superposição com po-
limiosite ou dermatomiosite.

Prognóstico
A
A sobrevida média na ES é de 60 a 70% em 5 anos e de 40 a
50% em 10 anos. Dentre os fatores de mau prognóstico, desta- B
cam-se o sexo masculino, a cor negra, o acometimento cutâneo
difuso e o acometimento visceral (notadamente fibrose pulmo-
nar restritiva, hipertensão arterial pulmonar, miocardiosclero-
se, pericardite aguda sintomática e crise renal esclerodérmica).

Esclerose sistêmica: fatores preditivos de pior prognóstico

„„ Doença iniciada em pacientes mais jovens


„„ Subtipo ESd
„„ Negroides
„„ Sexo masculino
„„ Acometimento cutâneo rapidamente progressivo
„„ Anemia
„„ Acometimento visceral: rim, coração e pulmão
B
„„ Efusão pericárdica
„„ Comprometimento de grandes vasos
Figura 42.18 Síndrome de Parry-Romberg. (A) Atrofia hemifacial
„„ Calcificações valvares e arteriais
progressiva: doença rara que evolui com hemiatrofia facial progres-
„„ Hipertensão pulmonar siva (pele, tecidos moles e osso), de alta prevalência em mulheres,
„„ Uso associado de corticosteroides entre 5 e 15 anos. (B) Pode causar sintomas neurológicos, tontura
e dor facial, associada à escleroselocxalizada “em glope de sabre”.

Esclerose Sistêmica 601


Um grau variável de envolvimento de pulmões, coração e/
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

Esclerose sistêmica: tratamento


ou rins costuma ocorrer em um número significativo de pa-
cientes esclerodérmicos. Estudo longitudinal, investigando Vasculopatia digital
acometimento visceral grave no seguimento de pacientes com „„ Antagonistas dos canais do cálcio: 1a linha tratamento
ES difusa, demonstrou que estes acometimentos costumam „„ Nifedipina → 10 a 20 mg, 3 x/dia
iniciar-se nos primeiros 5 anos da doença, sendo 70 a 80%
„„ Diltiazem → 60 a 240 mg/d
nos rins, 60 a 70% no coração e 50 a 60% nos pulmões; após
„„ Prostaglandinas: Raynaud grave
este período, o ritmo de acometimento visceral grave costuma
„„ Iloprost (EV) → 0,5 a 3 ng/kg/min
diminuir de maneira substancial. Portanto, o estabelecimen-
„„ Oral → Menos efetivos; doses crescentes
to do diagnóstico precoce da ES e de seus comprometimentos
viscerais é imprescindível, a fim de se tentar melhorar o prog- „„ Nifedipina x Iloprost EV
nóstico destes pacientes. „„ Iloprost levemente superior
„„ Custo e acessibilidade: falha da nifedipina
„„ Prostanóides endovenosos (Iloprost ) devem ser considerados no
Tratamento tratamento das úlceras digitais ativas da esclerose sistêmica em casos
graves.
O tratamento atual específico para as várias manifestações
da ES continua inadequado. Seu avanço depende diretamente
do progresso no entendimento da patogênese da doença, in- Esclerose sistêmica: tratamento
teração entre processos imunológicos, vasculares e fibróticos.
Foram publicadas recomendações de tratamento do EUSTAR Vasculopatia digital grave: outros recursos
(Scleroderma Trials and Research Group), em 2009, com base em Compressão rítmica dos membros:
revisão sistemática da literatura e opinião de especialistas, de „„ 6 manguitos superpostos
acordo com as manifestações da doença. Estas serão abordadas a „„ Esquema de insuflação e desinsuflação
seguir de acordo com a manifestação clínica a ser tratada. „„ Onda circulatória artificial
„„ 20 sessões
„„ Cicatrização de 70% das úlceras (extremidade)
Potério Filho J. Marques Neto et al. 1998.

Figura 42.19 Esclerose sistêmica: acometimento de retina (estreitamente arterior generalizado) (A) Oclusão central da retina. (B) Ulce-
ração na córnea.

602 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ VASCULOPATIA DIGITAL (FENÔMENO DE nar (HAP). Portanto, de acordo com o EUSTAR, é fortemente

„„ CAPÍTULO 42
RAYNAUD E ÚLCERAS ISQUÊMICAS) recomendado para pacientes com ES e HAP.
O sildenafil também pode ser considerado no tratamento
O fenômeno de Raynaud está presente em mais de 95%
da HAP em pacientes esclerodérmicos, por haver evidências
dos pacientes esclerodérmicos e seu tratamento consiste na
de melhora funcional e de parâmetros hemodinâmicos.
adequação de hábitos de vida (parar de fumar e evitar expo-
sição ao frio) e no uso de drogas vasoativas. Bloqueadores Um estudo randomizado indica que a infusão contínua en-
de canais de cálcio, especialmente os di-hidropiridinicos (ni- dovenosa do epoprostenol (análogo da prostaciclina) melhora
fedipina oral), devem ser considerados o tratamento de pri- a capacidade funcional e a hemodinâmica destes pacientes,
meira linha. A nifedipina, na dose de 20 a 90 mg/dia, diminui porém a súbita interrupção da infusão pode levar à morte.
o número e a gravidade das crises de vasoespasmo visceral Esta medicação deve ser considerada em pacientes com HAP
e de extremidades; no entanto, apresenta frequentes efeitos grave, principalmente classe funcional IV e como ponte para o
colaterais, como hipotensão e piora do refluxo gastro-esofá- transplante pulmonar.
gico (devido ao relaxamento do esfíncter esofágico inferior). O uso combinado destas medicações parece potencializar
Os autores têm obtido resultado com o uso do diltiazem (60 a efeitos benéficos em pacientes com resposta insatisfatória à
240 mg/dia) ou da pentoxifilina (800 mg/dia) como alterna- primeira droga, sem aumentar os efeitos colaterais.
tiva naqueles pacientes que não podem utilizar a nifedipina.
Envolvimento cutâneo
No tratamento das úlceras isquêmicas de difícil cicatrização
na ES, de acordo com as recomendações do EUSTAR, uma opção O metotrexato melhora o escore cutâneo na ES difusa preco-
terapêutica é representada pelos prostanoides endovenosos, ce, porém efeitos nos órgãos internos não foram estabelecidos.
principalmente o iloprost, ainda pouco utilizados no Brasil. A ciclofosfamida também atua na fibrose cutânea e está
O bosentan, antagonista dos receptores de endotelina, não indicada principalmente nos casos de ES difusa rapidamente
apresenta eficácia confirmada no tratamento de úlceras ativas, progressiva, por via endovenosa, em pulsos mensais. Apre-
mas, comprovadamente, previne o surgimento de novas ulce- senta bons resultados na diminuição do escore cutâneo, desde
rações de extremidades principalmente em pacientes com ES que utilizada precocemente.
difusa refratários aos antagonistas de canais de cálcio. A penicilamina era a droga antifibrótica mais utilizada
antigamente, mas devido às poucas evidências de eficácia e
Hipertensão arterial pulmonar a seus efeitos colaterais importantes (erupções cutâneas, al-
O tratamento convencional da Hipertensão Arterial Pulmo- terações hematológicas, dispepsia, síndrome nefrótica e de-
nar (HAP) baseia-se no uso de diuréticos e, eventualmente, digital sencadeamento de doenças autoimunes), vem sendo cada vez
para compensação da insuficiência cardíaca à direita secundária menos prescrita.
(cor pulmonale), além de anticoagulação e oxigenoterapia. Outros imunossupressores como o micofenolato mofetil, a
azatioprina e a ciclosporina A também vêm sendo utilizados
para o envolvimento cutâneo da ES, mas sua eficácia ainda não
Esclerose sistêmica: tratamento
foi extensivamente estudada.
Hipertensão arterial pulmonar Esclerose sistêmica: tratamento
Bosentan → o tratamento HAP grave (III/IV) Pele
D – Penicilamina (?)
Bosentan + terapia padrão (diuréticos, digoxina, O2, warfarin ±
prostanoides) Metotrexato fase precoce
Sobrevida „„ MTX 15 mg/kg/infusões mensais sem
„„ 81% em 1 ano „„ Melhora o escore de pele (ESI e ESd)
„„ 71% em 2 anos
“Pulses” de ciclofosfamida: melhoram a fase inflamatória exsudativa nas
formas rapidamente progressivas
Sildenafil (Inibidor seletivo da fosfodiesterase-5)
Aprovado para HAP classes II, III, IV No tratamento do prurido da ES difusa recente, o uso do ceto-
60 a 120 mg/dia tifeno (6 mg/dia) apresenta bons resultados, porém não tem ação
Melhora teste de caminhada, pressão média AP e resistência vascular sobre o espessamento cutâneo. O tratamento atual da calcinose
pulmonar da ES ainda é pouco eficaz, podendo ser utilizados a colchicina, a
varfarina, o diltiazem e os bisfosfonatos por tempo prolongado.
Quanto às drogas vasoativas, os bloqueadores de canais
de cálcio têm seu uso limitado a pacientes com resposta vaso- Pneumopatia intersticial
dilatadora aguda no cateterismo cardíaco. Muitas vezes, esta
resposta não é sustentada. Apesar de sua toxicidade, a ciclofosfamida deve ser con-
siderada no tratamento da doença pulmonar intersticial re-
As novas terapêuticas disponíveis são: antagonistas dos
lacionada com a ES. A fibrose intersticial em grau moderado
receptores de endotelina-1, análogos da prostaciclina e inibi-
(capacidade vital forçada-CVF entre 50 a 75% do previsto) e
dores da 5-fosfodiesterase. grave (CVF < 50%) ocorre em cerca de 40% dos pacientes com
O bosentan (antagonista dos receptores de endotelina) ES. Há evidências de que, nas duas formas clínicas da doença,
melhora a capacidade ao exercício, a classe funcional e alguns a maior parte da perda da CVF ocorre nos primeiros 4 anos
parâmetros hemodinâmicos na Hipertensão Arterial Pulmo- da doença. Portanto, o sucesso terapêutico depende do diag-

Esclerose Sistêmica 603


nóstico precoce. A dose e a duração do tratamento devem ser rápida progressão do espessamento cutâneo, tempo de doen-
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

consideradas individualmente, de acordo com as condições ça inferior a 4 anos, acometimento cardíaco sintomático (pe-
clínicas e a resposta. Os riscos de supressão medular, teratoge- ricardite, insuficiência cardíaca congestiva), início recente de
nicidade, falência gonadal e cistite hemorrágica devem sempre anemia, uso de corticosteroides (dose equivalente ou superior
ser considerados. a prednisona 20 mg/dia) e presença do anticorpo anti-RNA
polimerase III. Uma vez instalada a crise renal, a ausência de
controle da pressão arterial em 72 horas e a manutenção dos
“Pulses” de ciclofosfamida na esclerose sistêmica
níveis séricos de creatinina superiores a 3,0 mg/dl são fatores
Protocolo FCM Unicamp (Instituido em 1981) de mau prognóstico.
„„ Avaliação dos paciente através de escore cutâneo
Acometimento do trato gastrointestinal
„„ S fisiológico 0,9% 1000 mL + mesna 0,35 mg/m quadrado +
ciclofosfamida (15 mg/kg/infusão mensal) O acometimento do trato digestório é a mais frequente
manifestação visceral da ES (presente em 70 a 90% dos pa-
„„ Acometimento cutâneo rapidamente progressivo: 12 meses
cientes). O refluxo gastroesofágico, decorrente do déficit de
„„ Doença pulmonar intersticial: 24 meses
clareamento do suco gástrico refluído (devido à função pe-
„„ Avaliação dos paciente: diminuição significativa no escore cutâneo ristáltica deficiente) pode evoluir com esofagite crônica e,
Marques Neto et al. 1993. tardiamente, com esôfago de Barrett, predispondo inclusive a
neoplasia. Embora não existam estudos específicos, recomen-
Crise renal da-se o uso de inibidores de bomba protônica para prevenção
Apesar da falta de estudos clínicos randomizados e contro- de Refluxo Gastroesofágico (RGE) e úlceras de esôfago. Medi-
lados, acredita-se que os inibidores de ECA (Enzima Converso- cações pró-cinéticas também são recomendadas no tratamen-
ra de Angiotensina) devem ser usados no tratamento da crise to dos distúrbios sintomáticos da motilidade (disfagia, RGE,
renal esclerodérmica. Preconiza-se o uso precoce do Captopril, saciedade precoce, empachamento, pseudo-obstrução).
na dose de 12,5 a 300 mg/dia, objetivando controle rápido dos A esofagite crônica também pode levar a estenose esofá-
níveis de pressão arterial e de função renal. Os principais fato- gica, com necessidade de dilatações endoscópicas e cirurgias
res preditivos da ocorrência da crise renal esclerodérmica são corretivas.

ES ES
com ausência
com de de
ausência queixas respiratórias
queixas respiratórias Ecocardiograma com Droppler anual

Radiografia do tórax
Eletrocardiograma
Prova de função pulmonar
Tomografia computadorizada de PAP sistólica ≥ 40 mmHg PAP sistólica < 40 mmHg
alta resolução
Cateterismo (suprimir)

Ausência de Presença de Rastreamento anual


indício de HAP indício de HAP

Rastreamento anual
Cateterismo

PAP média > 25 mmHg Estratificação de


ES com dispneia/Síncope/Dor tarácica tratamento

PAP média < 25 mmHg Observação


Ecocardiograma com Doppler
Radiografia de tórax
Eletrocardiograma PAP sistólica ≥ 40 mmHg
Prova de função pulmonar
Tomografia computadorizada de alta resolução Rastreamento
PAP sistólica < 40 mmHg semestral
Teste de caminhada de 6 minutos – Oximetria

Figura 42.20 Fluxograma para o atendimento a ES com HAP.

604 Tratado Brasileiro de Reumatologia


A má absorção causada por supercrescimento bacteriano

„„ CAPÍTULO 42
Alterações epigenéticas da função imune celular
pode ser tratada com o uso de esquemas alternados de antibió-
ticos (metronidazol, sulfametoxazol-trimetoprin, tetraciclina, „„ Epigenética: mudanças herdadas mas potencialmente reversíveis no
ampicilina, ciprofloxacina). Em geral, cada antibiótico é utiliza- material genético associadas com alguns tipos de câncer e doenças
do pelo período de 4 semanas, alternadamente a períodos de 4 autoimunes
„„ Na esclerose sistêmica → aumento da síntese de colágeno
semanas sem antibióticos. Alguns pacientes com quadro intesti-
nal grave de atonia, associado à caquexia causada pela síndrome „„ Inibidores da metilação do DNA (5-azacitidina)

de má absorção, podem necessitar do uso contínuo de antibióti- „„ Inibidores da histona de actylase (trichostatin A)

cos em rodízio e nutrição parenteral prolongada.24-36 „„ Inibidores de produção da matrix extracelular

Novas perspectivas:
Esclerose sistêmica: tratamento
Terapias contra mediadores derivados do endotélio (vasculopatia)
Trato gastrointestinal
„„ Atorvastatina
Esôfago esclerodérmico:
„„ Bonsentan
Doença de refluxo e úlceras esofágicas:
„„ Sildenafil
„„ Inibidores de bomba de prótons
„„ Análogos da prostaciclina
Disfagia, refluxo e pseudo obstrução intestinal
„„ Agentes pró-cinéticos
Síndrome de malabsorção intestinal Bosentan (inibidor da endotelin -1)
„„ Uso de antibióticos pode ser útil (quinolonas, amoxi-clavulanato) „„ Atenuação do fenômeno de Raynaud
„„ Redução na formação de novas úlceras

Novas perspectivas para o tratamento da esclerose sistêmica „„ Redução na recorrência de úlceras isquêmicas
„„ Tratamento da hipertensão pulmonar
Terapias de imunossupressão direcionada para células T:
„„ Halofunginone
„„ Basiliximabe Sildenafil
„„ Alemtuzumabe „„ Inibidor da fosfodiesterase V
„„ Abatacepte „„ Aumentando níveis de óxido nítrico
„„ Redução do Raynaud

Novas perspectivas „„ Efeito na cicatrização de úlceras isquêmicas


„„ Tratamento da hipertensão pulmonar
Transplante autólogo de stem cell hematopoiética
„„ Objetivo: erracidir as células B e T autoagressoras e estimulando a
resposta T regulatória Colágeno tipo V
„„ Em trial franco-alemão (26 pacientes) resposta clínica em 81%
Tolerância nasal com colágeno tipo V
„„ Sobrevida livre de doença 64,3% em 5 anos e 51,1% em 7 anos
Promove regressão do processo de remodelação da pele em modelos
„„ Reversão da fibrose experimentais de ES
„„ Melhora na microvascularização Éuma opção terapêutica promissora para o controle da doença

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Esclerose Sistêmica 605


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606 Tratado Brasileiro de Reumatologia


43

Capítulo
Francisco Aires Correa de Lima  Rodrigo Aires Corrêa Lima

Miopatias Inflamatórias: Generalidades


„„ INTRODUÇÃO
As miopatias inflamatórias de origem imunológicas não
são conhecidas até o momento. Alguns mecanismos procuram
explicar os achados clínicos, laboratoriais e patológicos visto
nestas doenças. Apesar de informações adquiridas, outras ain-
da são necessárias para a completa compreensão das altera-
ções, que motivam a inflamação muscular. Assim com base em
critérios clínicos, histopatológicos e imunopatológicos abor-
daremos a Dermatomiosite, Polimiosite e Miosite por corpo de
inclusão, cujo marco histopatológico é a inflamação do endo-
mísio (a delicada bainha de fibrilas reticulares, que contorna
cada fibra muscular).

„„ IMUNOGENÉTICA
Figura 43.1 Infiltrado perivascular inflamatório constituído de
Embora rara, a ocorrência familiar de miopatias crônicas
linfócitos e de plasmócitos. (Hematoxilina eosina, amplificação de
induz a presunção de que fatores genéticos podem ter influên-
400 vezes).
cia no aparecimento destas doenças; assim alelos do HLA DB1,
especialmente o HLA-DRB1*0301 e o HLA-DQA1*0501 podem Os capilares intramusculares mostram hiperplasia en-
conferir suscetibilidade à doença, especificamente o HLA- dotelial, com vacuolização e necrose levando à isquemia e à
-DQA1*0501, para Dermatomiosite Juvenil, HLA-DRB1*0301 e destruição da fibra muscular. Tal fenômeno ocorre frequente-
HLA-DRB1*0201 para Miosite por corpo de inclusão.1-3 mente em grupos de fibras (microinfartos) ou na periferia do
Fatores genéticos presentes conhecidos também influen- fascículo (atrofia perifascicular) (Figura 43.2).
ciam na suscetibilidade às miopatias, como o alelo DQB1*
0201, fortemente associado à Miosite por corpo de inclusão.
Outros alelos do haplotipo ancestral 8.1 contidos na região
central do complexo de histocompatibilidade classe II também
conferem suscetibilidade à Miosite por corpo de inclusão.2,3 O
haplotipo HLA-B8/DR3/DR5/DQ2, é encontrado em mais de
65% dos pacientes com Miosite por corpo de inclusão e está
associado ao início precoce dos sintomas.4
O polimorfismo do TNF 308A membro 2 da superfamília
do fator de necrose tumoral pode conferir fotossensibilidade
para a pele da pacientes com Dermatomiosite.

„„ RESPOSTA INFLAMATÓRIA

Na Dermatomiosite a inflamação está localizada principal-


mente no espaço perivascular, ou na vizinhança do septo inter-
fascicular (Figura 43.1).5,6 Figura 43.2 Atrofia e necrose perifascicular. (Hematoxilina eosina
amplificação de 400 vezes).

607
O modelo atual da patogênese da Dermatomiosite aceita
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

que esta aparece quando anticorpos dirigidos contra o endo-


télio capilar ativam a cascata do complemento, resultando na
formação do complexo de ataque a membrana celular, C5b-9,
conforme modelo da Figura 43.4.7
Da inflamação vascular resultaria necrose e isquemia dos
músculos irrigados por estes vasos.
No entanto, até o momento, embora se demonstre de-
pósitos do complexo de ataque ao endotélio dos capilares e
arteríolas, ainda não foi possível identificar o anticorpo ou o
possível antígeno destas células nesta doença. Por outro lado,
as fibras perifasciculares, onde preferencialmente se manifes-
ta a atrofia muscular, são pouco vulneráveis à isquemia8,9 ao
contrário da fibras musculares centrais, muito mais sensíveis
a esta. Também não há qualquer evidência de que tais fibras
sejam lesadas pela isquemia.10
Estudos de músculos com a nova tecnologia de microar-
Figura 43.3 Atrofia perifascicular característica. (Hematoxilina ray (ensaios biológicos para identificar gens ou outros cons-
eosina amplificação de 200 vezes).
tituintes celulares) têm sugerido um novo modelo para a

Rolling Aderência Transmigração

Leucócitos/monócitos-(inativos)

Integrina (LAF1-MAc1) Complemento


Afinidade baixa Leucócito/monócito ativado
(via alternada)

Complemento Citocinas
(via clássica)
M CD4

Selectinas LAF-1
Ac C5b-9 Mac-1 VLA-4

VCAM-1 Quemocinas ICAM-1 VCAM-1


ICAM-1
Endotélio ativado

Endotélio não ativado


CD4
M
Inflamação vascular

Figura 43.4 Os polimorfonucleares e monócitos em condições normais circulam, movendo-se sobre as células endoteliais, mantendo liga-
ções frouxas entre as selectinas presentes nas superfícies destas células: selectina E no endotélio e L nos neutrófilos. Conforme o modelo
proposto à célula endotelial é ativada pela ação do complexo membrano-lítico (C5b-9), resultante da ativação do complemento, pela via
clássica ou alternada. A ativação pela via clássica depende de anticorpos dirigidos contra o endotélio capilar. Assim, ativada a célula endo-
telial expressaria inicialmente quemocinas, que têm a capacidade de rearranjar o esqueleto leucocitário induzindo um achatamento destas
células, e permitindo assim que um maior número de suas integrinas entrem em contato com moléculas de adesão das células endoteliais
ativadas. As moléculas de adesão (ICAM-1 e VCAM-1) assim expressas, ligar-se-iam com afinidade alta às integrinas (LAF-1, VLA-4 e Mac-
1), presentes nas superfície dos neutrófilos, dos linfócitos T e dos monócitos, facilitando a migração destas células para o interstício e
promovendo a inflamação da parede vascular. As citocinas são liberadas durante todo o processo e mantêm a inflamação. Têm origem nos
neutrófilos, nos monócitos e no endotélio ativado (ICAM-1: intercellular adhesion molecule 1, VCAM-1: vascular cell adhesion molecule, LAF-
1: leukocyte function-associated antigen-1, VLA-4: very late activation antigen-4, Mac-1: cell surface glicoprotein).

608 Tratado Brasileiro de Reumatologia


patogênese de Dermatomiosite, e que explica melhor as Outras proteínas induzidas pelo interferon α/β a IGS15 e a

„„ CAPÍTULO 43
alterações patológicas encontradas nesta doença. Demons- IRF7 têm expressão proeminente nos capilares e nas miofibri-
trou-se pela análise de músculos de 12 pacientes com Der- las perifasciculares.23
matomiosite do adulto, que 90% dos 16.000 gens analisados, Ainda não foi esclarecido o porquê da lesão perifascicular
transcritos nestes músculos, pertenciam a uma categoria de das miofibrilas e por que estas expressam preferencialmente
gens induzidos pelo interferon tipo 1, que inclui o interferon proteínas induzíveis pelo interferon α/β na Dermatomiosite.
α e β, mas não o interferon tipo 2 interferon γ. Na Dermato- Uma possível explicação pode estar relacionada com a pre-
miosite juvenil no entanto foram encontrados gens superex- sença preferencial de células plasmocitoides, secretoras de
pressos induzidos pelo interferon do tipo 1 e 2.11,12 interferon α/β, conforme demonstrativo in vitro, nas regiões
Um tipo de proteína, induzida por interferon tipo 1, a pro- do perimísio, aumentando a concentração destes no local e
teína mixovírus resistência A (MxA), foi superexpressa nas contribuindo por mecanismos ainda não identificados para a
fibras musculares perifasciculares e possivelmente dentro atrofia das miofibrilas aí presentes.23
da inclusões tubulorreticulares das células endoteliais.12 Esta Considerando que os achados de lesões musculares do tipo
proteína também estava superexpressa na epiderme e no san- isquêmico (infartos ou perdas miofibrilares focais) são pouco
gue de pacientes com Dermatomiosite.13,14 frequentes na Dermatomiosite a atrofia perifascicular poderia
O interferon intramuscular é oriundo de uma célula do sis- decorrer do aumento da concentração de interferon α/β nesta
tema imune até bem pouco tempo desconhecida, e que está região.
presente no músculo12 e na pele dos indivíduos com Derma- Os fatores que induzem a produção de interferon α/β pelas
tomiosite, a célula plamocitoide dendrítica.13 A sua capacidade células plasmocitoides dendríticas ainda são desconhecidos.
de produzir interferon é 1.000 vezes maior do que qualquer No entanto receptores TL-9 e TL-7 (Toll like receptores), pre-
outra célula conhecida.15 Atua, também, como célula apresen- sentes na membrana destas células, podem ligar-se à sequên-
tadora de antígeno para a célula T de ajuda (T helper)16 e para cias específicas de DNA e de RNA e resultar na produção de
a célula T reguladora17 e ainda estimula o desenvolvimento de interferon α/β por estas células.24
células B para plasmócitos.18 Estas células expressam CD4.19 É possível que os plasmócitos abundantes nas fibras mus-
Na sua forma plasmocitoide, secretora de interferon, é encon- culares da Dermatomiosite possam ser os indutores de anti-
trada no perimísio, enquanto a forma dendrítica está mais pre- corpos contra sequências de RNA ou DNA, considerando que
sente no endomísio (Figura 43.5). eles expressam gens que transcrevem imunoglobulinas in-
Por estas observações um modelo revisto da patogênese duzidas por antígenos,25 e que estes complexos ligando-se à
das miopatias inflamatórias de natureza imune, propõe que célula plasmocitoide dendrítica induzam à produção de inter-
as células endoteliais e as miofibrilas possam ser lesadas pela feron α/β, semelhante ao demonstrado no Lúpus Eritematoso
superprodução de interferon ou por algumas das proteínas Sistêmico.26
presentes na miofibrila induzida pelo interferon, secretado
pelas células plasmocitoide dendríticas,12 conforme modelo
mostrado na Figura 43.6. „„ POLIMIOSITE E MIOSITE DE CORPO DE
Algumas destas proteínas estão superexpressas nos mús- INCLUSÃO
culos de pacientes com Dermatomiosite: proteína MxA en- Embora as duas doenças possam ser moduladas pelo mesmo
contrada com alta especificidade nos capilares desta doença12 mecanismo patogênico, a presença de alterações degenerativas
STAT-120 e MHC I21,22 (induzíveis pelo interferon α/β, e interfe- nos músculos e a pouca resposta à terapêutica imunossupresso-
ron γ) nas miofibrilas perifasciculares anormais. ra da miosite de corpo de inclusão parece tornar estas doenças

A B

Figura 43.5 (A) Célula plasmocitoide dendrítica na sua forma plasmoctoide na região perimisial. (B) Célula plasmocitoide dendrítica na
sua forma dentrítica no endomísio. Imuno-histoquímica com anticorpos anti-BDCA-2.

Miopatias Inflamatórias: Generalidades 609


Assim alterações estruturais significativas podem estar
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

Antígeno
presentes na ausência de inflamação,31,32 bem como pode ha-
DNA
ver uma falta de correlação entre o grau da inflamação e o da
fraqueza muscular.33 Além do mais, alguns pacientes respon-
dem mal ao tratamento com drogas anti-inflamatórias e imu-
nossupressoras34,35 e por vezes quando células da inflamação
TL-9/TL-7 são eliminadas com o tratamento, a fraqueza muscular pode
não apresentar a correspondente melhora clínica.36
Uma explicação para estas observações pode decorrer de
um estresse do Retículo Endoplasmático (RE). Neste local as
Célula
proteínas processadas e recém-sintetizadas são estrutural-
plasmocitoide/
mente (folding) acondicionadas e exportadas. Diz-se que há
dendrítica
um estresse do RE quando acontece uma sobrecarga de pro-
teínas, superior à capacidade de processamento destas pelo
Interferon α/β/γ RE. Algumas situações conhecidas podem levar ao estresse do
RE, como: isquemia, infecções virais e mutações que podem
impedir a estruturação, (folding) o acondicionamento das pro-
teínas aí sintetizadas e a superexpressão de MHC classse I.37,38
Expressão de proteínas
induzidas pelo O Retículo Endoplasmático tem por função produzir as
interferon proteínas secretadas pelas células, sintetizar esteroide, coles-
terol e muitos lipídios. A concentração total de organelas no
RE pode atingir 100 mg/mL considerando o número de pro-
teínas estruturais aí residentes, enzimas e proteínas secreta-
Lesão capilar das. Estão aí localizadas proteínas (chaperone) âncoras, que
evitam a acumulação de proteínas agregadas e não (folding)
Depósito de complemento estruturalmente organizadas, e ainda corrigem aquelas deses-
Atrofia perifascicular
truturadas (misfolding). A proteína mais abundante exercendo
esta função é a BiP/GRP78. Existem mecanismos de controle
Alterações patológicas do infarto que permitem o trânsito de proteínas (folding) estruturadas
no retículo e eliminam aquelas estruturadas defeituosamen-
te (misfolding). Outros mecanismos de controle de qualidade
Figura 43.6 Conforme modelo alternativo proposto o estímulo
antigênico inicial constituído de sequências de DNA ou de RNA, in- estão localizados em proteínas transmembranas, ativadas sob
duziria à produção de anticorpos, formando o complexos antígeno situação de estresse endoplasmático: IRE 1, PERK e ATF6, que
anticorpo circulantes. Os receptores Toll (TL9/TL7) presentes nas ajudam a manter o sistema eficiente.
células dendríticas/plasmocitoides, se ligariam a estes complexos Para assegurar que a sua capacidade de organização de
através das sequências do RNA/DNA, produzindo interferon α, β, proteínas não se esgote, o Retículo Endoplasmático desen-
γ que promoveriam a lesão capilar e a atrofia perifascicular das volveu vias de sinalização altamente específicas coletivamen-
fibras musculares. É possível que no capilar assim lesado, subs- te chamadas de UPR (Unfolded protein response, resposta à
tâncias sejam expostas e induzam à produção de anticorpos, cujo desestruturação proteica). Assim, sob situações de estresse,
complexo ativaria a via clássica do complemento, com consequen-
como perturbação na homeostasia do cálcio, síntese elevada
te inflamação da fibra muscular. A via alternada seria ativada pelas
de proteínas, expressão de proteínas desestruturadas (mis-
citocinas liberadas durante a reação inflamatória.
folding), privação de glicose e glicolização alterada, expressão
aumentada de MHC-I), o UPR é acionado, e as proteínas IRE1,
diferentes na sua patogenia. As alterações patológicas encontra- PERK e ATF6 contidas na membrana do retículo são ativadas
das na Miosite de corpo de inclusão são semelhantes às encon- e promovem uma redução na quantidade da proteína trans-
tradas na doença de Alzheimer, conhecida como uma doença locada para para o RE, aumento da translocação e da degra-
degenerativa do sistema nervoso. Na miosite de corpo de inclu- dação de proteínas dentro do RE e protege a capacidade de
são a presença da proteína amiloide no interior das fibras mus- estruturação destas proteínas. Tudo coordenado pela ativação
culares pós-mitóticas, semelhante ao que ocorre nos neurônios de múltiplos gens que promovem a atividade transcricional.39
pós-mitóticos na doença de Alzheimer, pode ser indicativo de A sobrecarga proteica também amplifica a resposta das
um mecanismo patogênico comum.27 Comparada com a Poli- vias de produção de NF-kB, aumenta a expressão dos gens
miosite a Miosite de corpo de inclusão tem menor quantidade que codificam as proteínas de sustentação do RE, como a BiP/
de necrose de miofibrilas, e maior invasão de células mononu- GRP78 e GRP94, para melhorar a atividade de (folding) acondi-
clerares em fibras não necróticas.27 cionamento das proteínas sintetizadas e prevenir a agregação
A hipótese central, contestada por alguns,23 já é aceita há destas, atenuar a atividade translacional para reduzir a síntese
muito, admite que estas doenças são decorrentes da agressão proteica e evitar a agregação das proteínas recém-sintetizadas
de células T CD8+ citotóxicas, à fibra muscular (Figura 43.7).28,29 e, por fim, promove a morte celular um sinal de esgotamento
Por outro lado a intensidade da inflamação não se corre- da reserva funcional do RE, esta ação, mediada pela ativação
laciona consistentemente com as alterações estruturais nas transcricional de gens que codificam: peroxidase oxidase do
fibras musculares nem com a severidade do quadro clínico, colesterol (C/EBP), proteína homóloga de parada do cresci-
sugerindo que um processo não autoimune pode ter influência mento (CHOP) e dano de DNA 153 (GADD153)40 e ainda pela
na patogênese desta doença.30 ativação da caspase 12 associada ao RE (Figura 43.8).41

610 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 43
TCR
CD8

CD28 CD40
Antígeno ICOS

CD80 CD40L ICOSL


Granulosina MHC-I
Granzyma A

Perforinas

Figura 43.7 O TCR da célula CD8+, citotóxica reconheceria o antígeno, apresentado pelo MHC-1 expresso na fibra muscular e com a ajuda
das proteínas coestimuladoras com os seus respectivos ligantes (CD80-CD28, CD40-CD40L, ICOS-ICOSL) produziria substâncias capazes
de induzir a ruptura da membrana celular (Perforinas, Granzyma A, Granulosina).

Proteínas estruturadas Proteínas desestruturadas


Núcleo
BIP

Apoptose
ERSE

Transcrição BiP e outras


ATF4 XBP1 ATF6
S1P ATF 6 CASPASE-12
S2P

XBP1 mRNA ERAD


Golgi
Redução da síntese proteica IRE1

ATF4
eIF2α (fosforilado)
PERK
RE

Estresse do retículo endoplasmático


Desestruturação proteica

Figura 43.8 Sinalização da resposta à desestruturação proteica (unfolding protein). Três proteínas sensora, ATF6, IRE1 e PERK, regulam
a resposta à desestruturação proteica (unfolding protein) através de várias vias de sinalização. ATF6 parece ser a mais significante destes
efetores na indução da transcrição requerida nesta reação. A BIP (proteína de estabilização) regula negativamente esta sinalização. BIP
liga-se ao domínio luminal da IRE1, da ATF6 e da PERK, para evitar a sua dimerização. Quando há acúmulo de proteínas desorganizadas
a BIP, liga-se a elas, permitindo a ATF6, migrar para o aparelho de Golgi onde ela é clivada pelas proteases S1P e S2P, resultando um frag-
mento citosólico, que migra para o núcleo onde ativa os gens da transcrição incluindo XBP1. A IRE1 liberada da BIP dimeriza, para ativar
suas funções de quinase e de RNA ase iniciando um mRNA splicing para o XBP1 que remove 26 bases deste e cria um potente ativador
transcricional. Também quando liberada PERK dimeriza torna-se ativa e fosforila eIF2α, que gera uma redução na taxa geral de translação.
Paradoxalmente induz a translação do mRNA do ATF4 um fator de transcrição. Sob estresse prolongado IRE1 ativado gera a ativação de
outros fatores, e finalmente da caspase 12, que induz a apoptose.

Miopatias Inflamatórias: Generalidades 611


RE (Retículo Endoplasmático) ATF6 (Activating trans- união do Fas antígeno sobre a célula T com o Fas ligante sobre
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

cription factor 6), IRE1(Inositol requiring enzyme 1), PERK a fibra muscular.47,48 Acredita-se, pela análise das sequências
(Protein endoplasmic reticulum kinase), eIF2α (Eukaryotic ini- das cadeias variáveis a e b dos seus TCR, que estas células têm
tiation factor), XBP1 (X binding protein 1), ERSE (Endoplasmic um idêntico TCR e pertencem a um clone expandido por indu-
reticulum stress element), ERAD (Endoplasmic reticulum asso- ção antigênica que perdura por muito tempo.49
ciated degradation). Outras células encontradas nas miopatias inflamatórias
Por outro lado, a ativação do NFkB42 aumenta a produção continuam sem significado patogênico esclarecido.
de citocinas inflamatórias que podem promover lesão da fibra Embora seja escassa a presença de linfócitos B nos acha-
muscular e ampliar a expressão de MHC-I, resultando em uma dos histopatológicos de Polimiosite e de Miosite de corpo de
sustentada resposta inflamatória, acrescido da inibição da inclusão, estudos com a técnica de microarray, analisando a
MyoD,43 uma proteína que induz a diferenciação dos mioblas- expressão de mais de 16.000 gens, identificaram que os gens
tos (Figura 43.9). transcritos mais abudantemente nestas doenças codificavam
Os dois mecanismos de lesão não inflamatória podem es- imunoglobulinas, quando comparados com músculos de pes-
tar presentes na Polimiosite e na Miosite de corpo de inclu- soas normais.50,51
são e serem responsáveis pelos achados clínicos e patológicos Também é intrigante, a análise dos transcritos das sequên-
encontrados nestas doenças. Uma incapacidade para (folding) cias das cadeias pesadas das imunoglobulinas, mostrando que
estruturação das proteínas e uma sobrecarga proteica do retí- estas células B estão aí presentes em função de estímulo anti-
culo endoplasmático. Nas duas doenças existe uma expressão gênico.52 Elas sofrem afinidade de maturação e trocam a pro-
aumentada de moléculas MHC-I, nas fibras musculares lesadas dução de IgG e de IgM pela de IgA. Ignora-se o que realmente
e nas sadias vacuoladas, não infiltradas por células inflamató- representa a presença destas células nas miofibrilas nestas
rias um demonstrativo de indução do estresse endoplasmáti- duas doenças.
co, que contribui para o dano estrutural e funcional observado Têm sido encontrados macrófagos e mais recentemente cé-
nestas doenças.44 lulas dendríticas em músculos das miopatias inflamatórias,53,54
A segunda alteração demonstrada nestas doenças consis- podendo ser este achado um indício de ativação de células T no
te na inflamação determinada presumivelmente por células T próprio músculo, e não no linfonodo como é o habitual. Assim,
CD8+ citotóxicas, que promovem a lesão das miofibrilas prin- a degradação, o processamento e a apresentação do antígeno
cipalmente pela produção de perforinas, granzyma A e granu- à célula T de ajuda ao linfócito CD8, ou a própria célula B seria
losina,45,46 e em menor proporção pela apoptose mediada pela feita no músculo e principalmente pelas células dendríticas.55

Ativação endógena Estímulo inicial (infecção-denervação)


MHC-I

MHC-I

Estresse do retículo endoplasmático


Sobrecarga proteica

Ativação do NFkB

Inibição da MyoD Citocinas proinflamatórias

Perda de massa muscular Morte celular

Figura 43.9 Sob estímulos que induzem a uma superexpressão de MHC-I, ou uma sobrecarga protéica, o retículo endoplasmático ativa
o NFkB, que induz à síntese de citocinas inflamatórias, levando à morte de células e a consequente atrofia de fibras musculares. O NFkB
também inibe a proteína MyoD, que promove a diferenciação dos mioblastos e ainda amplia a expressão de MHC-I das fibras musculares
saudáveis e lesadas, mantendo a sobrecarga proteica e o mecanismo da doença.

612 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Com base nas informações, seria razoável imaginar um humoral. Por outro lado, o antígeno muscular processado

„„ CAPÍTULO 43
modelo patogênico para a Polimiosite e Miosite de corpo de pela célula dendrítica seria apresentado à célula CD8 atra-
inclusão que possa explicar os achados encontrados nestas vés do MHC-I, propiciando citotoxidade para as miofibrilas
doenças. Inicialmente, no músculo a célula dendrítica pro- onde o antígeno indutor está presente. A liberação de ci-
cessaria o antígeno, com semelhança antigênica a de um tocinas, TNFα, IFNγ induziria maior expressão do MHC-I
constituinte da fibra muscular. Apresentaria este antígeno (up-regulation) sobre os músculos que funcionariam como
para a célula T de ajuda no contexto do MHC-II. Esta induzi- apresentadores do antígeno, amplificando a reação e resul-
ria através de contato com a célula B a produção de anticor- tando na agressão do próprio músculo pelas células CD8 ci-
pos contra o antígeno muscular, originando uma resposta totóxicas (Figura 43.10).

?
CD4 CD4 B
CD Mφ
TCR lgA
MHC-II lgG MHC-I
Antígeno (G) lgM
CD/Mφ
CD8

CD28 CD40
ICOS CD8

CD40L ICOSL
CD80 MHC-1
Granulosina
Granzyma A
Perforinas

c/n CP Degradação proteica


crt
cln CP
β2m
GPR 78/BIP
β2m

Imunoproteosoma

Figura 43.10 Imunopatogenia da Polimiosite e da Miosite de corpo de inclusão. O processo seria iniciado pela degradação proteica no
citosol e síntese de peptídeos antigênicos no imunoproteosoma. Assim produzidos, eles são a seguir transportados para o retículo endo-
plasmático por proteínas associadas ao transporte (não mostrada). Aí o antígeno une-se com alta afinidade ao MHC-I, coordenado pelas
proteínas de sustentação (chaperone). O complexo assim estruturado é liberado, dirige-se à membrana da miofibrila, que passaria a fun-
cionar com uma célula apresentadora de antígeno para linfócitos CD8 citotóxicos nos músculos dos pacientes com Polimiosite e Miosite
de corpo de inclusão. Em razão desta união são liberadas perforina, granzyma A e granulosina as principais proteínas responsáveis pela
lesão da membrana e consequente morte celular. Especula-se por outro lado sobre o significado das células dendríticas encontradas no
endomísio inflamado da Polimiosite e da Miosite de corpo de inclusão. Poderiam funcionar como célula apresentadora de antígeno, este
no caso específico, constituído de peptídeos musculares, oriundos de fibras lesadas. O antígeno seria apresentado ao linfócito T CD4, de
ajuda, no contexto do MHC-II e induziria a produção de anticorpos pelas células B também presentes no local. Por outro lado a mesma cé-
lula poderia apresentar o antígeno à célula T citotóxica CD8, agregado ao MHC-I. Considerando que o estímulo antigênico seria oriundo da
própria fibra muscular, os linfócitos poderiam expressar as suas respostas através da produção de anticorpos especialmente IgA, e induzir
a lesão muscular via toxicidade mediada pela célula CD8+, já sensibilizada pelo contato prévio com a célula dendrítica. A fibra muscular,
expressando o complexo MHC-I–antígeno, comporta-se-ia então como célula apresentadora de antígeno.
Proteínas de sustentação (chaperone) cln: calnexina, GPR78/BIP: proteínas reguladoras da glicose, crt: calreticulina, b2m: beta 2 microglobulina, CP: cadeia pesada, ICOS: coestimulador
induzido na célula T, ICOSL: ligante do coestimulador induzido na célula T, CD40 e CD40L, molécula coestimuladora e seu respectivo ligante, CD80 e CD28, molécula coestimuladora e seu
respectivo ligante.

Miopatias Inflamatórias: Generalidades 613


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614 Tratado Brasileiro de Reumatologia


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Miopatias Inflamatórias: Generalidades 615


44

Capítulo
Maria Angela do Amaral Gurgel Vianna  Edmar Zanoteli

Imunopatogenêse e Anatomia Patológica


das Miopatias Inflamatórias
As miopatias inflamatórias idiopáticas autoimunes (do mínio de macrófagos e linfócitos T (Figura 44.1). Há, também,
inglês, Idiopathic Inflammatory Myopathies, IIM) também cha- achados inespecíficos, como fibras em regeneração, aumento
madas de miosites, são doenças caracterizadas por fraqueza de centralizações nucleares e variação de tamanho de fibras
muscular, elevação nos níveis séricos de enzimas musculares, musculares. A imuno-histoquímica mostra predomínio de ma-
presença de infiltrado inflamatório, necrose e regeneração crófagos nas regiões inflamatórias, através da marcação com
musculares na biópsia muscular e pela presença de autoan- anticorpo para CD68, mas também há marcação com CD8 e
ticorpos séricos. Dependendo das características clínicas e CD4, demonstrando que linfócitos T CD4+ e T CD8+ também es-
histológicas são classificadas em Polimiosite (PM), Dermato- tão presentes. A presença de marcação aumentada das fibras
miosite (DM) e forma esporádica da miosite por corpúsculos musculares com anticorpos contra MHC-I é também evidência
de inclusão (do inglês, Sporadic Inclusion Body Myositis, sIBM).1 da presença de inflamação tecidual.
Embora muitas características sejam comuns, é importan- Na dermatomiosite, a característica histológica típica é a
te ressaltar as diferenças entre a dermatomiosite juvenil da atrofia perifascicular (Figura 44.2). Há, também, lesão micro-
adulta. Do ponto de vista clínico, antes do tratamento com cor- vascular com deposição de complexo de ataque à membrana.
ticosteroide, a mortalidade da DM juvenil chegava a 33%. Hoje, A inflamação ocorre predominantemente em regiões perimi-
a sobrevida da DMJ em 5 anos é maior que 95%, enquanto a do siais, especialmente ao redor dos vasos sanguíneos (Figura
adulto é de 75 a 90%. A incidência de DMJ é de 3,2 casos para 1 44.2), consistindo em linfócitos B e T. A imuno-histoquímica
milhão de crianças, enquanto no adulto é de 5 a 8,9 casos para com anticorpos contra MHC-I mostra aumento da expressão
1 milhão na população. Ambas as formas são mais comuns em em fibras musculares na periferia dos fascículos, corroboran-
mulheres. A média de idade é de 7 anos na DMJ, e da 4ª à 6ª do com os achados de predomínio de inflamação perivascular.
décadas na forma adulta. Também, a associação com a malig- Com relação a IBM, há evidência histológica de dois pro-
nidade parece ser mais presente na forma adulta do que na cessos distintos: inflamação e degeneração muscular. De for-
juvenil. Embora clinicamente diferentes, ambas compartilham ma semelhante às outras miopatias inflamatórias, ocorrem
mecanismos imunológicos comuns, com raras diferenças que inflamação endomisial com predomínio de macrófagos (Fi-
serão ressaltadas no decorrer do texto.1-3 gura 44.3), invasão de fibras musculares por linfócitos CD8
O envolvimento de outros órgãos além do músculo, como (Figura 44.3), além de aumento da expressão de MHC-I. É im-
a pele e o pulmão, na DM e PM, sugerem que se trata de uma portante ressaltar que a presença de inflamação é imperativa
doença sistêmica, o que não ocorre na sIBM. para o diagnóstico. O achado histológico mais característico
Os autoanticorpos são frequentemente presentes nas IIM, da IBM, mas não patognomônico, é a presença de vacúolos
particularmente na DM e PM, e autoanticorpos específicos para marginados. Estes vacúolos podem ser únicos ou múltiplos e
miosite têm sido descritos. Estes achados têm levado a uma apresentam em seu interior um material granular basofílico e
nova classificação clínica, e anticorpos específicos têm sido as- uma coloração avermelhada em suas bordas mais bem visua-
sociados a quadros clínicos específicos, ajudando na compreen- lizadas na coloração pelo tricrômio de Gomori (Figura 44.3). É
são da patogênese com novas perspectivas de tratamento. importante ressaltar que embora a presença de vacúolos mar-
ginados seja muito típica da doença, eles são encontrados em
menos de 20% das biópsias.
„„ ASPECTOS HISTOLÓGICOS 4,5
Uma alteração histológica importante para o diagnósti-
À análise histológica da biópsia muscular na polimiosite, co é a demonstração de depósito amiloide congofílico no in-
observa-se intenso processo de necrose de fibras musculares e terior das fibras. Estes depósitos são mais bem visualizados
agregados de células inflamatórias visualizados principalmen- pela imunofluorescência, usando filtro Texas-red, e podem
te no endomísio e ao redor de vasos sanguíneos, com predo- ser encontrados mesmo nas fibras não vacuolizadas. Outros

617
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

A B

C D

Figura 44.1 Polimiosite. (A) Variação no tamanho das fibras musculares com a presença de reação inflamatória endomisial (seta) (HE
40×). (B) Intensa reação macrofágica (CD68) endomisial (seta) (40×). (C) Reação linfocitária (CD8) endomisial com invasão de fibras
musculares não degeneradas (seta) (40×). (D) Aumento acentuado da expressão do MHC-I intracitoplasmático e sarcolemal na maioria
das fibras musculares (40×).

A B

C D

Figura 44.2 Dermatomiosite. (A) Atrofia e degeneração das fibras musculares localizadas na periferia dos fascículos (seta) (Tricrômio
de Gomori, 10×). Acentuada reação macrofágica (CD68, 20×) (B) e linfocitária (CD4, 10×) (C) na periferia dos fascículos musculares. (D)
Reação linfocitária (CD8), circundando vasos sanguíneos de localização perimisial (seta) (40×).

618 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 44
A B

C D

Figura 44.3 Miosite por corpos e inclusão. (A) Degeneração vacuolar subsarcolemal (seta) e acentuado processo inflamatório endomisial
(HE, 40×). (B) Vacúolo marginado com a presença de material flocular no seu interior (seta) (Tricrômio de Gomori, 40×). (C) Intensa reação
macrofágica (CD68) e linfocitária (CD8) (seta) (D) endomisial (20×).

achados histológicos mais inespecíficos incluem variabilidade em outras formas de miopatias inflamatórias. Reação positiva
no tamanho das fibras, fibras atrofiadas anguladas, aumento para ubiquitina tem sido demonstrada nas inclusões que con-
variável do tecido conectivo endomisial e perimisial. Altera- tém β-amiloide e p-tau, sendo também útil para diferenciar a
ções mitocondriais são frequentemente detectadas na IBM, IBM da polimiosite.
incluindo fibras com proliferação anormal de mitocôndria
(por exemplo, fibras rasgadas vermelhas, fibras com aumen-
to da atividade ao SDH) e também fibras citocromo-C-oxidase „„ PATOGÊNESE
negativas. Na microscopia eletrônica é possível visualizar in- Os aspectos clínico e histológico, entre as diversas miopa-
clusões túbulo-filamentosas de 15 a 18 nm de diâmetro, pre- tias inflamatórias, associada à presença de autoanticorpos dis-
sença do amiloide e de alterações mitocondriais. Os vacúolos tintos, sugerem mecanismos patogênicos diferentes entre elas.
contêm material amorfo e restos de membranas e muitos Caracteristicamente, na DM o infiltrado inflamatório ocorre
deles apresentam aspecto autofágico. Além dos vacúolos, po- principalmente ao redor dos vasos sanguíneos. Neste sentido,
dem ocorrer agregados de proteínas diversas, cujo acúmulo vários estudos apontam para o conceito de que o mecanismo
está associado a várias doenças degenerativas do SNC, como
imune seja direcionado contra os vasos sanguíneos, tratando-
a proteína p-tau (associada à doença de Alzheimer), TDP-43
-se, portanto, de vasculite. Por outro lado, na PM o infiltrado
(esclerose lateral amiotrófica) e α-sinucleína (doença de Par-
inflamatório e marcadores imuno-histoquímicos indicam que
kinson), além de ubiquitina e α-β-cristalina. Tais agregados
o alvo principal da doença é a fibra muscular. Já na sIBM, o
podem ocorrer mesmo em fibras que não contêm vacúolos, de
mecanismo imune e celular também é contra a fibra, mas um
forma que a imuno-histoquímica, para estas proteínas que se
componente degenerativo primário, caracterizado pela pre-
acumulam na IBM, tem sido usada como método diagnóstico
nos casos com histologia duvidosa. Por exemplo, a p62, que é sença de agregados proteicos e material amiloide no interior
uma proteína que participa do transporte de proteínas poliu- da fibra, tem sido apontado como o fator desencadeante de
biquitinadas para o proteassomo e lisossomos, na IBM é um todo o processo inflamatório contra a fibra muscular.
componente dos filamentos helicoidais que também contém No entanto, chama a atenção que uma parte dos pa-
p-tau. A imunomarcação usando anticorpos contra a p62 tem cientes apresente características histológicas muito bran-
demonstrado um aumento da expressão desta proteína nos das ou até mesmo nenhuma alteração, mesmo com uma
agregados proteicos. Esta imunorreatividade ocorre em até clínica exuberante. Estas observações têm sugerido que
80% das fibras vacuolizadas e em até 25% das fibras com as- mecanismos imunes e não imunes estejam envolvidos no
pecto histológico normal, sendo, portanto, extremamente útil desenvolvimento da fraqueza muscular e nas manifestações
para o diagnóstico, já que tal imunorreatividade não ocorre sistêmicas da doença.

Imunopatogenêse e Anatomia Patológica das Miopatias Inflamatórias 619


Outra característica histológica descrita é a miopatia ne- Células T regulatórias FOXP3 (TREG) também fazem parte
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

crotizante, clinicamente muito semelhante à DM/PM, mas a do infiltrado inflamatório na DM, PM e sIBM e são localizadas
histologia revela intensa necrose, com pouco ou nenhum infil- próximas às outras células mononucleares ou invadindo fibras
trado inflamatório linfocitário e presença de intenso infiltrado musculares. As células TREG são importantes reguladoras do
macrofágico. Esta forma de miosite tem sido nomeada de mio- sistema imune e a disfunção ou a menor quantidade destas
patia necrotizante, e a presença de autoanticorpos específicos células está associada a várias doenças autoimunes. A quanti-
e autoanticorpos antiproteínas 200-kd e 100-kd têm indicado dade de células TREG no sangue é inversamente proporcional à
para um tipo específico de IIM.6,7 severidade da atividade de doença na DM e PM.
Com base nestas observações, as drogas que bloqueiam as
„„ MECANISMO IMUNE células T parecem ser uma boa perspectiva terapêutica, princi-
palmente quando for possível bloquear populações de células
Há vários mecanismos e células envolvidas no processo T específicas.8
inflamatório das IIM. O infiltrado inflamatório endomisial
encontrado principalmente na PM e sIBM é constituído prin-
cipalmente por células T CD8+, células T CD4+, células dendríti- Células B na miosite
cas e macrófagos. Por outro lado, o infiltrado perivascular, que As células B são encontradas nos infiltrados inflamatórios
predomina na DM é constituído principalmente por células T em todas as formas de IIM, mas em menor quantidade que as
CD4+, células dendríticas, macrófagos e células B. células T. São encontradas preferencialmente no infiltrado pe-
A seguir, discursaremos sobre o papel de cada uma dessas rivascular na DM.1,2 O papel das células B na patogênese das
células. IIM é evidenciado pela boa resposta clínica ao tratamento com
Rituximab e pela presença de autoanticorpos.11,12
Células T na miosite
O papel das células T na patogênese das IIM não está com-
Células dendríticas e macrófagos na miosite
pletamente esclarecido, mas seu envolvimento é justificado Células dendríticas maduras e imaturas estão presentes no
pela associação genética nas miosites. Sabe-se que as molécu- infiltrado inflamatório das IIM, onde também desempenham
las HLA-DR têm o importante papel de apresentarem os an- o papel de células apresentadoras de antígeno. As células
tígenos às células T CD4+. Neste sentido, a presença do alelo dendríticas, que são as principais secretoras de interferon-1
HLA-DRB1*0301 é um fator de risco para PM e DM.8 (IFN-1), estão presentes no músculo e nas lesões de pele de
Há um importante papel das células T CD8, que são nume- pacientes com DM.13,14
rosas e típicas no infiltrado inflamatório da PM e da sIBM. Ti- Os macrófagos estão presentes no infiltrado inflamatório
picamente, as células circundam e invadem células musculares de todas as IIM. Eles agem como células apresentadoras de an-
íntegras, que posteriormente são invadidas por macrófagos. tígeno, invadem e fagocitam as células musculares necróticas,
Estas células expressam perforina-1 e granzime B, sugerindo além de secretarem várias citoquinas.
que são miocitotóxicas, mas o efeito coestimulatório não foi
ainda suficientemente comprovado.9 Alguns estudos identifi-
caram a presença de clones de células T que seriam indicativas „„ AUTOANTICORPOS NA MIOSITE
de um processo patogênico crônico desencadeado e perpetua-
Os autoanticorpos específicos para miosite estão fortemen-
do pela presença de antígenos. Neste contexto, observou-se
te ligados a quadros clínicos distintos. O mais comum deles é o
que muitas das células T CD4 e CD8 presentes no infiltrado
anti-Jo-1, anti-histidil-tRNA sintetase, que está presente em 20 a
inflamatório são células T CD28null, que são células que não
25% dos casos de PM e DM e está fortemente relacionado com a
apresentam a ativação molecular CD28. As células T CD28­null
miosite associada à fibrose pulmonar. O segundo mais frequen-
têm efeitos citotóxicos semelhantes às células natural-killers;
te é o anti-Mi-2, que ocorre preferencialmente nos pacientes
são células pró-inflamatórias e resistentes à apoptose, o que
com DM e está relacionado com a boa resposta ao tratamento
pode contribuir para a cronicidade e a resistência ao trata-
imunossupressor. O anti-Mi-2 é expresso preferencialmente
mento da miosite. Portanto, as células T CD28null representam
células efetoras cronicamente estimuladas, que não sofreram nas fibras em regeneração, indicando um papel modulatório na
a coestimulação do antígeno CD86 e devem ser, então, coesti- regeneração muscular. O anticorpo anti-SRP (anti-signal recog-
muladas por outras vias.9 nition particle) está associado à miopatia necrotizante e à sín-
drome antissintetase, caracterizada principalmente por intensa
A proteína CD86, também conhecida por B7-2, é expres-
fibrose pulmonar, miosite necrotizante, espessamento da pele
sa nas células apresentadoras de antígeno, propicia um sinal
e fenômeno de Raynaud. Outros anticorpos descritos mais re-
coestimulatório necessário para a ativação e a sobrevivência
centemente incluem o anti-155/140, que está relacionado com
da célula T. É uma proteína ligante para duas diferentes pro-
a DM juvenil e a DM do adulto relacionada com o câncer; o anti-
teínas na superfície da célula T: CD28, para a autorregulação e
-CADM-140, que está mais associado a DM sem miosite signi-
associação intercelular, e CTLA-4, necessária para a atenuação
ficativa; e o anticorpo antiproteínas 200kD e 100kD, que está
da regulação e a dissociação celular.
relacionado com a miopatia necrotizante.6-8
Há descrição da presença de células T helper 17 no infil-
Os anticorpos específicos para miosite têm ajudado mui-
trado inflamatório no músculo das IIM, que são as principais
to no diagnóstico diferencial destas doenças e são expressos
secretoras de IL-17, uma citoquina pró-inflamatória que de-
nas células dos órgãos-alvo e também nas fibras musculares
sempenha um importante papel na artrite reumatoide. A IL-
17, em combinação com IL-1, pode induzir a expressão de em regeneração. O papel imunopatogênico se confirma com a
moléculas MHC-classe I e IL-6 na cultura de mioblastos, o que imunização em cobaias (NOD e C57BL/6). A imunização induz
poderia explicar o mecanismo de doença da IIM.10 à miosite, associada à fibrose pulmonar e à positividade do

620 Tratado Brasileiro de Reumatologia


anti-Jo-1. Como camundongos NOD têm ausência de células infiltrado inflamatório, nas células endoteliais e nas fibras de

„„ CAPÍTULO 44
B e T, o processo inflamatório muscular ocorre independente pacientes com PM ou DM. Além disso, a HMGB1 estimula mo-
destas células sugerindo que este anticorpo possa iniciar a res- léculas MHC-classe I em fibras musculares íntegras e diminui
posta imune adaptativa e inata. Outro mecanismo envolvido irreversivelmente a secreção de Ca++ pelo retículo endoplas-
na imunopatogênese do anti-Jo-1 é que os soros que contém mático, levando a fadiga das fibras musculares intactas. Estes
este anticorpo associado ao ácido nucleico podem ativar o sis- dados apontam para um envolvimento da HMGB1 no mecanis-
tema IFN tipo 1, semelhantes às descrições do anti-SSa e U1ri- mo de fraqueza muscular nas IIM. Esta proteína é importante
bonucleoproteína no lúpus eritematoso sistêmico. Também, na fase inicial da miosite, já que se evidenciou sua expressão
o soro dos pacientes anti-Jo-1 positivos apresentam aumento em casos muito precoce de miosite, onde há fraqueza, mas ain-
da expressão da molécula de adesão-1 (ICAM-1) nas células da sem infiltrado inflamatório detectável.
endoteliais pulmonares, contribuindo para o entendimento do
acometimento pulmonar nestes pacientes.15,16
„„ MECANISMOS NÃO IMUNES
Citoquinas na miosite8 Hipóxia
As citoquinas são secretadas pelas células imunes, células A hipótese de que a hipóxia é um mecanismo importan-
endoteliais e miofibras, e contribuem para o efeito pró-infla- te na lesão muscular vem da observação de que há fraqueza
matório muscular. As mais frequentemente encontradas são muscular substancial mesmo quando aparentemente não há
IL-1 (interleucina-1), TNF (fator de necrose tumoral) e interfe- infiltrado inflamatório evidente. Por outro lado, tem sido de-
ron, ao contrário da IL-6, IL-15 e HMGB1 (high mobility group monstrado que há perda de capilares no músculo inflamado,
protein B1) que são menos frequentes. expressão aumentada do fator 1-α induzido por hipóxia (HIF-
A expressão aumentada de IL-1α e IL-1β foi demonstrada 1-α, do inglês, hypoxia-inducible factor 1-α), do fator de cresci-
nas IIM, bem como os receptores de IL-1 (IL-1R). Estes acha- mento endotelial vascular, eritropoetina e de seus receptores.
dos sugerem um importante papel da IL-1 na patogênese da Além disso, há diminuição e atrofia de fibras tipo-1, oxigênio-
doença, que é corroborado pelo efeito benéfico do tratamento -dependentes, nos casos crônicos de PM e DM.17
com anakinra, um antagonista recombinante da IL-1R.
A importância do TNF nas miosites ainda não está esclare- Estresse do retículo endoplasmático
cida, sua expressão é baixa e, neste sentido, o tratamento com
anti-TNF tem apresentado resposta inconsistente. Ao con- O estresse do retículo endoplasmático ocorre quando há
trário, há evidências do papel do fator ativador de células B acúmulo de proteínas na organela que, em última instância,
(BAFF), que aumenta a sobrevida das células B imaturas, par- levam a apoptose celular. No músculoesquelético, várias pro-
ticipa da produção de autoanticorpos, bem como da ativação e teínas que regulam o cálcio estão no retículo sarcoplasmático,
diferenciação das células T. que quando modificadas pelo estresse inflamatório, viral ou
por hipóxia, desregulam estes mecanismos e bloqueiam irre-
Várias evidências sugerem o papel do IFN I nas IIM, com
versivelmente o fluxo de cálcio impedindo a contração ade-
base na expressão gênica induzida pelo IFN no tecido mus-
quada da fibra. Um potencial indutor do estresse do retículo
cular e sangue periférico, que é particularmente importante
endoplasmático é o aumento da expressão do MHC classe I nas
na DM. Complexos de RNA e anti-Jo-1, ou autoanticorpos SSA
fibras musculares. Normalmente, a expressão do MHC classe
(subunidade Ro52 e Ro60), podem agir como indutores do IFN
I está suprimida quando a fibra muscular é diferenciada de
tipo I endógeno e ativar a produção de IFN nas células den-
mioblasto para miotubo, mas está expressa em até 75% das
dríticas, similar ao mecanismo descrito no Lúpus Eritematoso
miofibras dos pacientes com miosite.
Sistêmico. Portanto, pacientes que são anti-Jo-1 ou anti-Ro52
apresentam ativação da via IFN tipo I. Os IFNs são os princi-
pais indutores da expressão de MHC classe I e classe II, que Autofagia
têm sua expressão aumentada nas fibras musculares das IIM.
A autofagia remove proteínas e organelas danificadas das
A citoquina pró-inflamatória IL-6 está bastante envolvida células. Durante este processo, os autofagossomos transpor-
na resposta imune. Células IL-6+ são descritas nos tecidos de tam as proteínas que serão degradadas para os lisossomos. Se
pacientes com PM ou DM, bem como na cultura de fibras mus- este sistema autofagossomo-lisossomo não funcionar normal-
culares. Neste sentido, há evidência de melhora clínica ao re- mente, poderá ocorrer morte celular devido ao acúmulo de
duzir o nível de IL-6 nos modelos animais. proteínas deletérias à célula. O envolvimento da autofagia na
Foram evidenciados níveis séricos elevados de IL-15, bem miosite foi proposto após a observação de que a morte da fibra
como a expressão de IL-15 no tecido muscular. A IL-15 é um muscular ocorre a despeito do aumento da expressão de mo-
importante ativador de células T e pode interferir negativa- léculas antiapoptóticas nos pacientes com miosite. A autofagia
mente na expressão de CD28 na membrana de células T, pro- é particularmente importante na s-IBM onde se identificam
duzindo células CD28null. Além do mais, a IL-15 também está acúmulos de proteína intracelular.
aparentemente envolvida no processo de regeneração muscu-
lar por mecanismos ainda não elucidados.
Conclusão
HMGB1 é uma proteína intracelular que pode-se translo-
car para o núcleo, onde se liga ao DNA e regula a expressão gê- Os avanços recentes sobre os mecanismos de interações
nica. Monócitos e macrófagos ativados secretam HMGB1 como celulares e humorais têm incrementado o conhecimento sobre
uma citoquina mediadora da inflamação. Anticorpos que neu- a patogenia das miopatias inflamatórias, que podem ser mais
tralizam a HMGB1 conferem proteção contra a lesão tecidual bem classificadas, diagnosticadas e tratadas. Somadas às no-
durante artrite, colite, isquemia, sepsis, endotoxemia e lúpus vas drogas imunobiológicas, novos tratamentos têm sido pro-
eritematoso sistêmico. HMGB1 foi identificada nas células do postos, visando melhor eficácia no tratamento.

Imunopatogenêse e Anatomia Patológica das Miopatias Inflamatórias 621


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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622 Tratado Brasileiro de Reumatologia


45

Capítulo
Antônio Carlos Ximenes  Rafael Navarrete Fernandez

„„ INTRODUÇÃO quentemente associado se relaciona com infecção viral, princi-


palmente coxsackie, echo e vírus influenza, principalmente em
As Miopatias Inflamatórias (MI) englobam um grupo de crianças.4
doenças musculares, geralmente heterogêneas com aspectos
Há, entretanto, controvérsias deste envolvimento nas for-
clínicos em comum de fraqueza muscular simétrica progressi-
mas crônicas. São citados também a participação de infecções
va, mialgias e tendência à atrofia muscular e fadiga.1 As MI são
retrovirais, toxoplasmose e tripanossomo cruzi. Outros dois
as causas mais comuns de doença muscular adquirida no adul-
fatores de risco também associados às MI são medicamentos e
to, apesar de ainda serem condições clínicas raras, um aspecto
doenças malignas.1-4
característico comum ao grupo é a presença, ao exame histopa-
tológico, de um infiltrado inflamatório no tecido muscular. As
MI são doenças raras, com poucos estudos epidemiológicos,2 Diagnóstico clínico
ocorrem em qualquer idade e sexo, com taxa de incidência em
torno de aproximadamente em torno de 2-7 por 1 milhão ha- O sintoma clínico predominante em todo o grupo das mio-
bitante, pico de incidência entre 50 e 60 anos, são classificadas patias inflamatórias é a dor e a fraqueza muscular. O diagnós-
em agudas, duração de até 4 semanas, subagudas até 12 sema- tico clínico da polimiosite e dermatomiosite são os propostos
nas e crônicas com duração de mais de 12 semanas. As agudas por Bohan e Peter, Targoff e Miller (Tabelas 45.1 e 45.2). en-
geralmente têm uma etiologia viral,3 as subagudas e crônicas quanto a miosite de corpúsculo de inclusão são os propostos
são, na grande maioria, consideradas idiopáticas. Este grupo por Griggs et al. (Tabela 45.3).5,6
de MI consideradas crônicas, de acordo com critérios clínicos O diagnóstico clínico de MI deve ser suspeitado em todo
e histopatológicos, são classificadas em três subgrupos: Poli- paciente, geralmente adulto, com fraqueza muscular progres-
miosites (PM), Dermatomiosite (DM) e Miosite de Corpo de siva de evolução subaguda e crônica. Os dados laboratoriais
Inclusão (MCI). Alguns autores citam a forma crônica granulo- incluem a elevação das enzimas musculares como Fosfocrea-
matosa associada à sarcoidose. Mecanismos patogênicos dife- tinoquinase (CPK), Desidrogenase Láctica (DHL), Aldolase e
rentes ocorrem neste subgrupo devido a diferentes fenótipos, alterações características na eletromiografia, bem como as-
associados a variados autoanticorpos apesar de apresentarem pectos característicos histopatológicos na biópsia muscular,
características clínicas similares.3 Alguns autoanticopos como como infiltrado infamatório mononuclear associado a fibras
antisintetase estão associados a diferentes fenótipos clínicos.4 musculares em regeneração e degeneração.1-7 A biópsia mus-
Recentemente, novos conhecimentos têm demonstrado que cular muitas vezes é importante para diferenciação entre poli-
tanto a imunidade humoral (autoanticorpos e imune comple- miosite e miosite de corpúsculo de inclusão e outras doenças
xos) como a celular (células T e B) como componentes do sis-
tema adaptativo imune tem participação na sua patogênese.4 O
sistema imune inato especialmente na ativação de interferon
tipo I e células dendríticas plamacitoides têm também um pa-
Tabela 45.1 Critérios de classificação de Bohan e Peter
pel importante. A etiologia das miopatias inflamatórias muitas
(1975).3
vezes torna-se difícil, englobando vários aspectos no melhor
conhecimento de sua patogenia.4 A genética tem sido um fator 1. Fraqueza muscular proximal
muito discutido tanto na polimiosite como na dermatomiosite,
sendo atualmente englobadas no grupo das doenças autoimu- 2. Elevação sérica de pelo menos uma das enzimas musculares
nes.4 Há, atualmente, um consenso entre os vários autores e
3. Alterações miopáticas na eletromiografia
trabalhos de que os mecanismos genéticos e ambientais são
fundamentais como fatores de risco no seu desenvolvimento. 4. Biópsia muscular com atrofia e regeneração, além de infiltrado muscular
A mais forte associação genética está associada ao sistema
HLA classe II de alelos, principalmente em caucasianos ao tipo 5. Presença de alterações cutâneas características para o diagnóstico de
HLA DRB1*0301 e DQA 1*0501. O fator ambiental mais fre- dermatomiosite

623
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

Tabela 45.2 Critérios de classificação de Targoff e Miller.19

1. Fraqueza muscular simétrica proximal

2. E levação sérica das enzimas musculares, incluindo CK, aldolase, ALT, AST
e desidrogenase lática

3. E letromiografia anormal, com potenciais motores miopáticos, fibrilações,


ondas espiculadas positivas e aumento da irritabilidade basal

4. B
 iópsia muscular com infiltrado inflamatório e atrofia/regeneração ou
atrofia perifascicular

5. P resença de qualquer um dos autoanticorpos específicos para miosite


(anti-sintetase, anti Mi2 ou anti SRP)

6. Exantema cutâneo característico


O encontro de achados de inflamação muscular na ressonância magnética substitui
os critérios 1 ou 2. O critério número 6 é fundamental para o diagnóstico de
dermatomiosite. A presença de 2 critérios define MI possível, a presença de 3 critérios
de MI provável e de 4 critérios de MI definida. A presença do critério sorológico
tem utilidade prática no diagnóstico de polimiosite e dermatomiosite definida sem
necessidade de biópsia muscular e eletromiografia, principalmente em crianças sem
necessidade de uma abordagem mais invasiva.

Figura 45.1 Sinal Heliotropo observado na Dermatomiosite.

Tabela 45.3 Critérios diagnósticos para Miosite Corpo In-


clusão (MCI)s.
Aspectos clínicos

1. Duração doença > 6 meses


2. Idade > 30 anos
3. F raqueza muscular pode afetar musculatura proximal e distal dos braços
e pernas e deve incluir 1 dos seguintes: fraqueza dos flexores dos dedos,
flexores dos punhos > dos punhos ou quadríceps.

Aspectos laboratoriais

1. Creatinoquinase sérica < 12 vezes limite do normal


2. Biópsia muscular:
„„ Infiltrado celular mononuclear de fibras musculares não necróticas
„„ Fibras musculares vacuoladas
„„ Depósitos amiloides intracelulares ou filamentos tubulares de
15 a 18 mm à microscopia eletrônica
3. Eletromiografia compatível com miopatia inflamatória
Figura 45.2 Biosia músculo demonstrando infiltrado inflamatório
Grigs et al.1 privascular e fragmentação de fibras musculares.

musculares genéticas, metabólicas, neuropáticas, endócrinas,


infecciosas, tóxicas e granulomatosas. Estas características
Quadro 45.1 Avaliação da força muscular.
de dados clínicos em comum e diversidade de expressão imu-
Grau Descrição nogenética com vários autoanticorpos presentes, bem como
expressões histopatológicas plurais, levaram os estudiosos
5 Contração muscular normal contrarresistência
no tema a propor critérios de diagnóstico e classificação para
4 Força reduzida, mas pode mobilizar a articulação contrarresistência as MI.1-8 Evidentemente todos estes critérios apresentam suas
limitações e não chegam a ser totalmente validados.1-8 Estes
3 Força permite mobilizar articulação contragravidade, mas sem critérios, embora ainda considerados imperfeitos, são úteis
resistência na classificação tanto clínica como patológica. Uma análise de
2 Força permite mobilizar articulação sem a gravidade 153 pacientes consecutivos conseguiu classificar as MI em 5
grupos diferentes2-9 de acordo com o aparecimento de sinais e
1 Só se percebe um tremor ou fasciculações sintomas associados:
0 Nenhum movimento é possível 1. Polimiosite pura dos adultos;
Medical Research Council. 2. Dermatomiosite pura dos adultos;

624 Tratado Brasileiro de Reumatologia


3. Poli ou dermatomiosite associada a neoplasias;

„„ CAPÍTULO 45
4. Dermatopolimiosite infantil;
5. Dermatopolimiosite associada a outra doença inflamatória
do tecido conectivo.

Os avanços nos conhecimentos tanto nos parâmetros diag-


nósticos como etiopatogênicos e até terapêuticos evidenciam
que os critérios atuais não são específicos e não enquadrando
outras MI, como miosite por corpo de inclusão, miosites eosi-
nofílicas etc. Atualmente alguns autores preferem utilizar uma
classificação com base nos clínicos patológicos, como:

1. Polimiosite primária idiopática;


2. Dermatomiosite primária idiopática;
3. Miosites associadas a outras doenças do tecido conectivo;
4. Miosite juvenil;
5. Miosite associada a neoplasias;
6. Miosite por corpúsculos de inclusão;
7. Mosite granulomatosa-sarcoidose;
8. Miosite eosinofílica;
9. Miosite com vasculites;
10. Miosite orbicular ou ocular;
11. Mosite focal ou nodular; Figura 45.3 Sinal de Grotom observado na Dermatomiosite.
12. Miosite ossificante.10
Assunto recente e controverso tem sido a denominação de
dermatomiosite amiopática, pois estudos recentes utilizando enzima utilizada na prática clínica tanto no diagnóstico como
ressonância magnética guiado biópsia muscular têm revelado no controle evolutivo de resposta terapêutica e remissão. Há
atividade muscular inflamatória mesmo na ausência de quei- uma boa correlação com atividade da doença, podendo, às ve-
xas clínicas e alterações bioquímicas. A classificação de Targoff zes, preceder a ativação da doença antes de aparecimento dos
e Miller propõe uma série de definições que sugere ser mais sinais e sintomas característicos das MI.1-12
ampla com base em critérios clínicos, patológicos e sorológi- A aldolase catalisa a quebra da frutose 1-6 difosfato em
cos.6-11 Esta classificação define os seguintes pontos: duas moléculas na via oxidativa dos hidratos de carbono, tam-
bém não apresenta especificidade em sua elevação tanto para
1. Fraqueza muscular simétrica e proximal; o diagnóstico como para o seguimento evolutivo podendo so-
2. Elevação sérica das enzimas musculares, incluindo fosfo- frer influência do metabolismo hepático e cerebral. Tem um
creatinocinase, aldolase, alanina aminotransferase, aspar- índice de elevação em somente se ocorre CK normal.1-12
tato aminotransferase e desidrogenase lática; A desidrogenase lática1-12 catalisa a conversão de lactato a
3. Eletromiografia anormal, com potenciais motores amiopá- piruvato na presença de NAD. Devido a sua presença universal
ticos, fibrilação, ondas espiculadas positivas e aumento da na economia humana pode-se elevar em qualquer situação de
irritabilidade basal; estresse ao organismo, sendo assim inespecífica no diagnósti-
4. Biópsia muscular com infiltrado inflamatório e atrofia/re- co das MI.
generação ou atrofia perifascicular; As aminotransferases catalisam a transferência de um grupo
5. Presença de qualquer de autoanticorpos específicos para de amino de um aminoácido para um cetoácido. Na rotina diag-
miosite como anti Mi2 ou anti SRP; nóstica das MI as mais utilizadas são a alanino aminotrasferase
6. Exantema cutâneo característico, como sinal de Grotton. (AST) (TGO) e alanino piruvato transferase (ALT) (TGP). Sofrem
influências do metabolismo hepático, não sendo bons índices
As MI em seu diagnóstico clínico6-11 necessita fundamen- de seguimento evolutivo e controle terapêutico. São marcado-
talmente da determinação no soro das enzimas musculares res úteis no diagnóstico diferencial de outras miopatias como as
liberadas após ocorrer o processo inflamatório. Atualmente, distróficas hormonais, pois quando utilizadas em conjunto com
com os avanços nas detecção de autoanticorpos miosite espe- as CK estão elevadas principalmente a AST(TGO).1-12
cífico, as possibilidades do diagnóstico das MI melhoraram e Atualmente, o diagnóstico de miosite engloba um conjunto
ampliaram.1-12 de aspectos clínicos e laboratoriais, como:
A Creatinoquinase (CK) é uma enzima importante na cata-
lisação de ATP e liberação de um átomo de fosfato à creatina 1. Fraqueza muscular simétrica progressiva tanto nos mem-
para formar complexos de alta energia no músculo. A CK é a bros superiores e inferiores;
mais sensível das enzimas musculares, porém não é a mais 2. Aumento sérico das enzimas, incluindo creatinoquinase,
específica, podendo ser detectada em outros tecidos como aldolase, desidrogenase lática e transaminases;
miocárdio, cérebro, útero e pulmões. Recebe denominação de 3. Atividade elétrica alterada à eletromiografia, como ondas
acordo com sua origem como CK-MM se proveniente do mús- polifásicas, unipotenciais motores curtos e baixa amplitu-
culoesquelético, CK-MB originária do miocárdio e CK-BB do de, fibrilação, irritabilidade, ondas agudas positivas e des-
cérebro. Devido a sua sensibilidade aumentada é a principal cargas de alta frequência repetitivas;

Miopatias Inflamatórias: Diagnóstico Clínico e Diferencial 625


4. Degeneração e regeneração miofibrilar ou atrofia perifas- o envolvimento cardíaco e pulmonar embora semelhante as
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

cicular na biópsia muscular; PPI é menos comum (25%). Uma manifestação clínica mais
5. Para dermatomiosite, a presença de lesões cutâneas tipo frequente e de complicação é a calcificação de partes moles
heliotropo ou pápulas de Grotton. (calcinose), mais comum em crianças.2-13
A síndrome de superposição com outra doença inflama-
A constatação de pelo menos 3 destes elementos clínicos tória do tecido conectivo é bem mais frequente nas mulheres
e laboratoriais sugere o diagnóstico de dermatomiosite ou (9:1); na idade entre 25 e 30 anos e sem predominância de
polimiosite provável e a presença de pelo menos 4 de der- raça e cor. As artralgias e artrites são mais frequentes do que
matomiosite ou polimiosite definida. A ausência de manifes- nas miosites primárias, sendo citado na literatura em torno de
tações cutâneas, de acordo com Oddis, Reed e Rider, impõe a 70%, e o comprometimento muscular é também menos inten-
indicação de biópsia muscular. Atualmente com objetivos de so quando comparado com as formas primárias. A superposi-
classificação pode-se utilizar diagnóstico de MI possível (2 ção mais frequente se verifica com a esclerodermia.2-13
critérios), provável (3 critérios) e definida (4 critérios). Os As miosites associadas a neoplasias acometem, com mais
critérios atuais de uso com base na sorologia tabela torna viá- frequência, pacientes mais idosos, acima de 55 e 60 anos de ida-
vel do diagnóstico de MI definida sem biópsia muscular bem de, em qualquer sexo, sem preferência por raça e cor. A fraqueza
como de dermatomiosite sem necessidade de biópsia e eletro- muscular é bem intensa bem como o exantema cutâneo, de apa-
neuromiografia. A categoria sorológica define autoanticorpos recimento precoce e muitas vezes associado a vasculite de pele.
miosite específico e miosite associado. Os autoanticorpos es- Segundo os autores o intervalo entre o aparecimento da miopa-
pecíficos mais definidos e de utilidade prática são: tia e o diagnóstico da neoplasia não deve ultrapassar 3 anos.2-14
1. Antissintetase em que observa se uma associação de mio- A MI também idiopática tem maior pico de incidência abai-
patia com artrite não erosiva, fibrose pulmonar intersti- xo dos 16 anos,15,16 sendo mais frequente no sexo feminino
cial, febre, mãos de mecânico, fenômeno de Raynaud e com (2:1), geralmente apresenta 3 aspectos evolutivos: monofásica,
perfil imunogenético associado a HLA-DR3,DQA1*0501 crônica recidivante e aguda vasculítica. A monofásica tem uma
representam cerca de 25 a 30% na prática clínica; característica benigna, entra em remissão tanto clínica como
laboratorial sem recidivas. A crônica recidivante tem um cur-
2. Anti-SRP (Partícula de Reconhecimento Sinal) quadro
so semelhante a dos adultos e é a mais frequente das miosites
clínico com arritmia cardíaca,mais comum em mulheres infantil. Na evolução a longo prazo tem maior frequência de
negras, início agudo de miosite, pouca resposta ao trata- calcinose.16 A aguda vasculítica é menos frequente, mais grave,
mento, representam cerca de 5% dos casos idiopáticos.2-13 podendo, inclusive, levar a óbito devido ao maior envolvimento
O quadro clínico das MI, inclui a necessidade de definir visceral com vasculite, sendo mais comum no intestino grosso.
as características de Polimiosite Primária Idiopática (PPI), A miosite por corpúsculo de inclusão, definida em 1971,
Dermatomiosite Primária Idiopática (DPI), Síndrome Super- tem a característica histopatológica de além da inflamação
posição (SS), Miosite Associada a Neoplasias (MAN), Miosite crônica muscular, o encontro de fibras musculares anormais
Infantil (MI) e Miosite por Corpúsculos de Inclusão (MC). com vacúolos citoplasmáticos e filamentos no citoplasma e no
A PPI ocorre com mais frequência em mulheres (2:1) do núcleo. Sua maior frequência é aos 50 anos de idade, e sua pre-
que em homens. Geralmente, entre os 40 e 60 anos, não sendo valência é em homens. Verifica-se nos aspectos clínicos atro-
frequente na infância. A fraqueza muscular na PPI é insidiosa, fia muscular, mais comum no antebraço associada à fraqueza
progressiva e simétrica, podendo ser dolorosa em 30% dos pa- músculos extensores e flexores dos dedos. Às vezes ocorre
cientes. O acometimento da musculatura superior do esôfago envolvimento também da musculatura distal principalmente
inferior. É raro o envolvimento sistêmico como Raynaud, ar-
ocasiona disfagia em 30-40% dos pacientes. O fenomeno de
tralgias, artrites, manifestações cutâneas e superposição com
Raynaud é menos frequente (15%). O envolvimento sistêmico
outras doenças inflamatórias do tecido conectivo.17
ocorre em 30% pacientes principalmente se tiver envolvimento
pulmonar com aspecto de pneumopatia intersticial evoluindo A ressonância magnética tem sido um procedimento em
para fibrose pulmonar. Outro tipo de envolvimento é o cardía- fase mais recente de ajuda no diagnóstico das MI. Permite
co, principalmente no miocárdio, podendo inclusive acarretar avaliar áreas extensas de tecido muscular com padrões de
insuficiência cardíaca em até 50%. Não há na literatura até o atividade inflamatória ou sequelas. O papel na RM, com se-
momento relatos de casos com envolvimento renal e do sistema quências em Short Tau Inveresion Recovery (STIR) ou imagens
nervoso central.2-13 combinadas sequenciais em T1 e T2 permite distinguir entre
A DPI é também mais comum em mulheres na proporção áreas musculares normais e com edema sugerindo um sinal
de 4:1, sendo mais frequente na infância e nos pacientes de 35 de inflamação e fibrose ou tecido adiposo na musculatura no
a 50 anos de idade. As manifestações cutâneas mais frequen- diagnóstico e na avaliação da dermatomiosite e polimiosite. O
tes e bem típicas são o Heliotropo (erupção eritematodesca- método de imagem tem a vantagem de investigar ao mesmo
mativa nas pálpebras principalmente superiores) e o sinal tempo vários grupos musculares. Tem uma boa sensibilidade,
de Gottron (lesões eritemato-descamativas, tipo pápulas nas mas ainda inferior a biópsia na ajuda diagnóstica das MI, ape-
metacarpofalangianas, interfalangianas proximais, cotovelos, sar de ainda não haver estudos comparativos. 1,2,18
joelhos e tornozelos). Outra manifestação cutânea também ca-
racterística é a lesão em V ou chale tipo pápula, eritematodes-
Diagnóstico diferencial
camativa mais observada na base do pescoço e na face anterior
tórax. A miosite é simétrica, proximal das cinturas escapular e O diagnóstico de uma MI necessita da exclusão de uma
pélvica, podendo em alguns casos de DPI estar assintomática grande lista de síndromes e doenças que entram no seu diag-
caracterizando a dermatomiosite amiopática. O fenômeno de nóstico diferencial (Tabela 45.4). As manifestações de fraque-
Raynaud é também menos frequente (10%) e de pouca inten- za muscular têm no seu diagnóstico diferencial principalmente
sidade. Artralgias e artrites são também pouco frequentes, e as distrofias musculares como fascioescapuloumeral, cintura

626 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 45
Tabela 45.4 Diagnóstico diferencial.1,2

1. Atrofia muscular espinhal


2. Distrofias
3. Endócrinas: Hipotireoidismo, Hipertireodismo, Cushing
4. Esclerose Lateral Amiotrófica (ELA)
5. Infecções: virais (influenza, HIV, coxsackie, mononucleose), bacterianas
(estafilococos), parasitárias (toxoplasmose, triquinose)
6. M
 edicamentos: colchicina, cloroquina, corticoides, estatinas, etanol,
Ipecac (contrastes), Penicilamina, Zidovudina(AZT)
7. Metabólicas
8. Mitocondriais
9. Miscelânea (hipocalemia, hipocalcemia, hiperclcemia, hipomagnesemia)
10. Paraneoplásicas
11. Síndrome eosinofilia-mialgia
12. Vasculites

membros, as metabólicas, mitocondriais, endócrinas, como


hipotireoidismo, e por drogas como estatinas e outras. As
manifestações de envolvimento cutâneo e fraqueza muscular
incluem as doenças infecciosas, autoimunes sistêmicas. Algu-
mas manifestações cutâneas, incluindo a psoríase,eczemas e Figura 45.4 Sinal do Xale observado na Dermatomiosite.
verrugas vulgaris, podem fazer diagnóstico diferencial com as
manifestações cutâneas características típicas das MI, como
as pápulas de Gottron na dermatomiosite e algumas manifes-
tações alérgicas mimetizarem o heliotropo.1,2,19 O diagnóstico
diferencial, em algumas ocasiões, ocasiona dificuldades e às
vezes somente a biópsia e o tempo de evolução conseguem fa-
zer a diferenciação e definir o diagnóstico definitivo da MI. O
diagnóstico definitivo envolve a diferenciação com endocrino-
patias (hipotiroidismo, hipertireoidismo, síndrome cushing),
medicamentos (estatinas, colchicina, cloroquina, etanol, con-
Tabela 45.5 Histopatologia MI.
trastes, penicilamina, corticoides, zidovudina), doenças neuro-
musculares (distrofias, atrofia muscular espinhal), miastenia „„ Polimiosite: necrose, degeneração, regeneração de fibras musculares.
grave, esclerose lateral amiotrófica), infecções virais (influen- Infiltrado mononuclear nas fibras musculares.
za, mononucleose, coxsackie, HIV), bacterianas (estafilocos),
parsitárias (toxoplasmose, triquinose), metabólicas (hidratos „„ Dermatomiosite: necrose, degeneração, regeneração de fibras
carbono, lípides, purinas), mitocondriais, hipocalemia, hipo- musculares e atrofia perifascicular. Infiltrado mononuclear perivascular.
calcemia, hipercalcemia, hipomagnesemia, paraneoplásicas,
síndrome eosinofilia-mialgia, vasculites. A tabela descreve os „„ Miosite com corpúsculos de inclusão: degeneração e regeneração,
aspectos característicos histopatológicos de polimiosite, der- presença de vacúolos de bordos basofílicos e inclusões filamentosas.
matomiosite e miosite por corpúsculo de inclusão.

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628 Tratado Brasileiro de Reumatologia


46

Capítulo
José Goldenberg  Lucia Stella S. de Assis

Miopatias Inflamatórias: Tratamento


As miopatias inflamatórias idiopáticas, notadamente a Po- bem como ajudar a preservar a função respiratória. Na fase de
limiosite (PM), a Dermatomiosite (DM) e a Miosite por Cor- recuperação da DM e da PM deve ser enfatizado o fortaleci-
púsculos de Inclusão (MCI), constituem um grupo de doenças mento muscular.8
pouco frequentes e com significante risco de morbimortabil- Embora seja controversa a realização de exercícios resis-
dade a despeito do tratamento.1 São poucos os estudos clí- tidos em pacientes com miopatias inflamatórias, pois estes
nicos controlados focando o tratamento e o seguimento das poderiam aumentar a inflamação muscular, desde o início
miopatias inflamatórias,2 a necessidade de um consenso te- dos anos 1990, estudos têm demonstrado diminuição da in-
rapêutico levou à constituição de um grupo multidisciplinar capacidade em pacientes com DM e PM crônica submetidos a
para o desenvolvimento de um guideline para a condução de treinamento muscular resistido leve a moderado,9 enquanto
estudos clínicos em adultos e crianças.3,4 pacientes em fase ativa e com início recente mostraram bene-
No acompanhamento evolutivo das miopatias inflamató- fícios com exercícios passivos, incluindo programas de alon-
rias merece destaque a significante porcentagem de pacientes gamento.9
que não respondem ao tratamento inicial (aproximadamente Com relação a MCI não há evidências de piora da inflama-
25%) e a caracterização das recidivas.2 ção muscular com a cinesioterapia. No entanto, os relatos são
Com relação às recidivas, estas tendem a ocorrer com inconclusivos na detecção da melhora da função muscular; en-
maior frequência nos primeiros 2 anos de tratamento e/ou du- quanto um estudo mostra ligeira melhora da inaptidão, outro
rante a fase de redução gradual da medicação (particularmen- não consegue comprová-la.10
te do corticosteroide). Não são identificados fatores de risco
inequívocos para as reagudizações, embora a idade avançada
e a maior duração dos sintomas antes do início do tratamento
„„ TERAPIA MEDICAMENTOSA
mostrem associação com maior risco de recidiva.5 O corticosteroide permanece como a primeira escolha na
Diferente da DM e da PM, a Miosite por Corpúsculo de fase inicial do tratamento das miosites inflamatórias, embora
Inclusão (MCI) apresenta padrão distinto de envolvimen- raramente testado em estudos controlados e randomizados,
to muscular, com evolução lenta, progressiva e maior atrofia enquanto agentes imunossupressores e terapias imunomodu-
muscular. A MCI por vezes se mostra refratária às formas de ladoras sejam utilizados visando um melhor controle da doen-
imunoterapia convencional.6 ça e reduzir os efeitos colaterais do corticosteroide a longo
Determinados autoanticorpos específicos (myositis-specific prazo.
antibodies; MSAs) têm sido detectados em aproximadamen- Na fase inflamatória ativa, os pacientes recebem, de forma
te 40 a 50% de pacientes com DM/PM. Estes autoanticorpos geral, doses diárias de corticosteroide equivalente a 1 mg/kg
parecem estar estreitamente associados a determinadas ca- de prednisona, até normalização dos níveis séricos das enzi-
racterísticas clínicas e, possivelmente, venham a influenciar mas musculares (de 1 a 3 meses) ou pulsoterapia endoveno-
classificações de subgrupos clínicos, diagnóstico, resposta te- sa com metilprednisolona, principalmente nos casos em que
rapêutica e prognóstico das miopatias.7 ocorre comprometimento visceral. Na fase seguinte, o corti-
costeroide pode ser gradativamente reduzido (20 a 25% da
dose) de forma mensal, dependendo da evolução clínica do
„„ MEDIDAS DE REABILITAÇÃO paciente e dos níveis séricos das enzimas musculares.11
Uma vez confirmado o diagnóstico, avaliado o grau de Methotrexate ou azatioprina são os imunossupressores
atividade e o envolvimento sistêmico, o tratamento deve ser frequentemente associados ao corticosteroide em pacientes
instituído o mais precocemente possível; incluindo neste a fi- com resposta parcial. Em uma revisão sistemática visando tra-
sioterapia, em que a cinesioterapia tem papel crucial. Na fase tamentos efetivos para DM e PM, foram identificados 7 estudos
ativa da inflamação muscular a cinesioterapia tem como ob- controlados randomizados. Entre eles, 3 estudos compararam
jetivo prevenir possíveis contraturas e retrações articulares, imunossupressores com grupo-controle placebo, e um outro

629
comparou methotrexate com azatioprina, encontrando uma significante melhora da força muscular e dos parâmetros
„„ SEÇÃO 7   DOENÇAS DIFUSAS DO TECIDO CONECTIVO

efetividade semelhante entre os dois grupos, mas com menor imunopatológicos com IGEV.14 No entanto, em outro estudo,
perfil de efeitos colaterais no grupo do methotrexate. Dois os efeitos clínicos da IGEV na função muscular de pacientes
outros estudos compararam, respectivamente, ciclosporina A com miopatia inflamatória ativa refratária não se correlacio-
com methotrexate e methotrexate intramuscular com metho- nam com melhora das alterações na expressão molecular no
trexate oral mais azatioprina, não sendo encontrada diferença tecido muscular.15
significante entre os grupos de tratamento.1 Os agentes biológicos, embora empregados com maior
Existem relatos na literatura da utilização do micofenolato frequência em artrite reumatoide, artrite reumatoide juvenil
de mofetil em miopatias inflamatórias, especialmente quando e espondiloartropatias, têm sido também indicados em ou-
estas estão associadas a doença intersticial pulmonar.12 No en- tras doenças autoimunes, como vasculites, doença intersti-
tanto, outros estudos são necessários para determinar o real cial pulmonar, miopatias inflamatórias, entre outras.16 O uso
papel desta opção terapêutica. de antagonistas do fator de necrose tumoral (anti-TNF) tem
O uso de Imunoglobulina Endovenosa (IGEV) em altas sido relatado em alguns casos de pacientes com DM e PM re-
doses tem sido analisado em miopatias inflamatórias, com fratários à terapêutica com corticosteroides, imunoglobulina
ênfase na DM refratária.1,13 A dose preconizada em relatos e imunossupressores tradicionais. Estudos preliminares e não
da literatura são 2 g/Kg de IGEV. Um estudo duplo-cego pla- controlados tem mostrado resultados promissores como pos-
cebo controlado, em pacientes com DM refratária, mostrou sível alternativa terapêutica.17,18

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630 Tratado Brasileiro de Reumatologia


7.1 Seção

Vasculites
47

Capítulo
Boris Cruz

Generalidades sobre Vasculites


„„ INTRODUÇÃO c) Associação com infecções específicas como hepatite B ou
hepatite C; e
Vasculites são um grupo heterogêneo de doenças definidas
d) Outras alterações laboratoriais sabidamente associadas a
histologicamente por inflamação, que tem como alvo a parede
determinados diagnósticos como a presença de anticorpos
vascular, com consequente necrose tissular. Kussmaul e Mayer
anticitoplasma de neutrófilos (ANCA), fator antinuclear
descreveram o primeiro caso de vasculite sistêmica em 1866,
(FAN) ou consumo de complemento, que serão discutidos
que, a seguir, foi reconhecida como Poliarterite Nodosa.1 São
a frente na seção estratégia diagnóstica.5,6
doenças relativamente raras, com incidência estimada entre
40 a 50 por milhão, influenciada por gênero, idade e variações Assim como outras formas de classificação, o consenso de
geográficas e sazonais.2,3 Chapel Hill não se propõe a ser exaustivo, pois algumas formas
Desde as primeiras descrições, a natureza multissistêmica de vasculite não permitem esta abordagem, mas devem ser
das vasculites é reconhecida. Vasos de diferentes calibres e em levadas em consideração quando do diagnóstico diferencial
qualquer parte do corpo podem ser acometidos, determinando (Tabela 47.2).
grande variedade de sinais e sintomas associados às diferen-
tes síndromes clinicamente reconhecidas. A combinação de si-
nais e sintomas mais característicos, exames complementares
Histologia
e padrão histológico permitem o diagnóstico específico, o que Como grupo de doenças, as vasculites são definidas histo-
é determinante do prognóstico e da abordagem terapêutica.4,5 logicamente como inflamação da parede vascular. Ainda que
sinais e sintomas combinados entre si e associados a exames
„„ CLASSIFICAÇÃO complementares específicos possam sugerir o diagnóstico, é
desejável a sua confirmação histológica. Avaliação histopatoló-
Nas últimas décadas, esforços foram realizados para me- gica da inflamação vascular demonstrou que uma forma indis-
lhor caracterizar as diferentes síndromes vasculíticas e identi- tinta de arterite necrotizante ocorre em diferentes síndromes
ficar atributos específicos que permitissem uma classificação clínicas, como poliarterite nodosa e as diferentes formas de
adequada e auxiliassem seu diagnóstico. Nenhuma destas ini- vasculite de vasos de pequeno calibre. Tal inflamação vascu-
ciativas foi plenamente satisfatória, até porque o conhecimen- lar combina infiltrado inflamatório pleomórfico, leucitoclasia
to sobre as vasculites continua evoluindo. No entanto, uma das (ou cariorrexis) e necrose fibrinoide, definindo o padrão his-
maneiras mais utilizadas para classificar as vasculites primá- tológico denominado vasculite leucocitoclástica (Figura 47.1).
rias não infecciosas categoriza estas doenças pelo tamanho Um segundo padrão histológico não apresenta necrose e in-
dos vasos predominantemente acometidos.6 Esta classificação clui infiltrado inflamatório predominantemente granulomato-
é conhecida pelo nome da cidade em que foi realizada – Con- so, por vezes com células gigantes (Figura 47.2). Este padrão
senso de Chapell Hill (Tabela 47.1). Ainda que o objetivo desta histológico é característico da Arterite Temporal e da Arterite
classificação tenha sido normatizar a nomenclatura e a con- de Takayasu. Outras formas de vasculite também apresentam
ceituação das diferentes formas de vasculites primária, esta é inflamação granulomatosa em determinados órgãos e fases de
uma referência para seu diagnóstico na prática clínica. É im- sua evolução (Tabela 47.3). Fica claro, então, que observação
portante salientar que existe superposição entre as diferentes de vasculite em uma biópsia não define por si só o diagnós-
condições clínicas e outros dados e que não só o tamanho dos tico e deve ser avaliada como informação complementar em
vasos predominantemente acometidos devem ser levados em contextos clínicos sugestivos. No entanto, a confirmação de
consideração antes do diagnóstico e incluem: que existe vasculite propriamente dita em um paciente com
manifestações multissistêmicas é importante no raciocínio
a) Epidemiologia como idade do paciente; diagnóstico.7
b) Presença ou não de inflamação granulomatosa;

633
„„ SEÇÃO 7.1   VASCULITES

Tabela 47.1 Classificação das vasculites primárias de acordo com o calibre do vaso acometido e suas características princi-
pais (Consenso de Chapel Hill).
Vasculites primárias Características principais
Vasos de grande calibre (Aorta e seus ramos primários)
Arterite temporal Arterite granulomatosa que envolve a aorta e seus ramos primários, com predileção por ramos
ou arterite de células gigantes extracranianos da artéria carótida. Usualmente ocorre em pessoas com > 50 anos.

Arterite de Takayasu Arterite granulomatosa que envolve a Aorta e seus ramos principais em pessoas jovens.
Vasos de médio calibre (Artérias viscerais e seus ramos de médio e pequeno calibre)
Poliarterite nodosa Vasculite necrotizante de artérias de médio e pequeno calibre SEM glomerulonefrite.
Doença de Kawasaki Inflamação envolvendo vasos de maior e médio calibre (frequentemente artérias coronárias) associadas à
síndrome mucocutânea-linfonodal.
Vasos de pequeno calibre (Arteríolas, capilares e vênulas)
Vasculites associadas ao Anca
„„ Granulomatose de GPA Inflamação granulomatosa envolvendo o trato respiratório e vasculite necrotizante de artérias de pequeno
calibre (glomerunefrite necrotizante é frequente). C-Anca em até 90% dos casos.
„„ Poliangiite microscópica EGPA Vasculite necrotizante pauci-imune com glomerulonefrite e hemorragia pulmonar frequentes. P-Anca em
80% dos casos.
„„ Angiite de Churg-Strauss Inflamação granulomatosa e necrotizante envolvendo o trato respiratório e vasos de pequeno calibre,
associada à asma e à eosinofilia. P ou C-Anca em cerca de 50% dos casos.
„„ Glomerulonefrite pauci-imune Glomerulonefrite paucimune isolada. P ou C-Anca em cerca de 50% dos casos.
„„ Púrpura de Henoch-Schönlein Vasculite de arteríolas, capilares e vênulas com depósitos de IgA envolvimento de pele, trato gastrointestinal
e glomerulonefrite, usualmente associada à artralgia e/ou artrite.
„„ Crioglobulinemia mista essencial Vasculite de vasos de pequeno calibre envolvendo frequentemente a pele e os glomérulos, associada à
evidência de crioglobulinas no soro. Em cerca de 90% dos casos associada à hepatite C.
„„ Vasculite leucocitoclástica cutânea isolada Vasculite leucocitoclástica restrita à pele, sem manifestações sistêmicas ou glomerulonefrite.
Anca: Anticorpo anticitoplasma de neutrófilo.
P-Anca: Anca padrão perinuclear; C-Anca: Anca padrão citoplasmático ou clássico.

Tabela 47.2 Outras formas de vasculite não contempladas na classificação de Chapel Hill.
Tipo de vasculite Comentários
Aortite primária Inflamação granulomatosa primária da Aorta, expressa como aneurisma e/ou estenose, sem outras
manifestações associadas
Angiite primária do SNC Envolvimento isolado de vasos de médio e pequeno calibre do SNC
Vasculite associada à doenças do colágeno Comprometimento predominantemente de pele e nervos periféricos associados a outras manifestações
„„ Vasculite reumatoide clínicas e alterações laboratoriais da doença de base
„„ Lúpus eritematoso sistêmico
„„ Síndrome de Sjögren

Vasculite urticariforme Lesões de pele definidas clinicamente como urticária com evidência histológica de vasculite. Frequentemente
associada a manifestações extracutâneas como artralgia, comprometimento do estado geral e serosite
Doença de Behçet Vasculite que pode acometer vasos de qualquer calibre, associada a lesões ulceradas em mucosa oral e
genitália (aftose bipolar) e inflamação multissistêmica, que pode envolver os olhos, a pele, o SNC, o TGI entre
outros.
Síndrome de Goopasture Vasculite de vasos de pequeno calibre associada a anticorpo antimembrana basal e clinicamente expressa
por hemorragia alveolar (capilarite) e glomerulonefrite rapidamente progressiva
Vasculite como síndrome para-neoplásica Qualquer forma de vasculite associada à neoplasia subjacente
Vasculite induzida por infecção Usualmente associada à formação de imunocomplexos incluindo antígenos bacterianos de infecções
protraídas (por exemplo, endocardite bacteriana subaguda)
Vasculite induzida por droga Vasculite predominantemente de pele que guarda relação cronológica com uso de medicamentos

634 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 47
Células
gigantes

Infiltrado inflamatório
com cariorexis

Necrose fibrinoide

Figura 47.1 Detalhe de biópsia pulmonar de um paciente com Figura 47.2 Detalhes de da biópsia de artéria temporal de uma
Granulomatose de Wegener, mostrando artéria de pequeno cali- paciente com Arterite de Células Gigantes (Arterite Temporal)
bre com intenso infiltrado inflamatório que leva a sua destruição mostrando espessamento da camada íntima com obliteração do
e obliteração de seu lúmen. Existe cariorrexis e necrose fibrinoide, lúmen vascular associado, infiltrado inflamatório predominamen-
caracterizando o padrão histológico de vasculite leucocitoclástica. te mononuclear e células gigantes.

Tabela 47.3 Formas de vasculite associadas à inflamação Tabela 47.4 Sinais e sintomas mais sugestivos de vasculite.
granulomatosa.
Vasos de grande Vasos de médio Vasos de pequeno
„„ Arterite temporal calibre calibre calibre
„„ Arterite de Takayasu Claudicação Nódulos cutâneos Púrpura Cutânea

„„ Síndrome de Cogan Ausência de pulsos Úlceras isquêmicas Glomerulonefrite


periféricos (hematúria com
„„ Granulomatose de Wegener (agora descrita como Granulomatose e cilindrúria)
Poliangiite)
Hipertensão Isquemia de Hemorragia alveolar
renovascular extremidades
„„ Angiite de Churg-Strauss
Dilatação da aorta Mononeurite múltipla Inflamação
„„ Angiite primária do sistema nervoso central
granulomatosa
„„ Doença de Buerger necrotizante
extravascular
„„ Vasculite reumatoide

„„ ESTRATÉGIA PROPEDÊUTICA merulonefrite. Pacientes com Púrpura de Henoch-Schonlein


usualmente apresentam glomerulonefrite, mas não existe en-
Sinais e sintomas sugestivos de vasculite volvimento respiratório.5,7
Sintomas constitucionais associados à inflamação sistê-
mica, como febre, fadiga, perda ponderal, mialgia e artralgia Principais testes diagnósticos
são comuns. Outros sintomas são consequência de disfunção
isquêmica dos órgãos ou sistemas acometidos. Diferentes sin- Na abordagem de um paciente com sintomas sistêmicos e/
tomas podem ocorrer por comprometimento do sistema ner- ou isquêmicos em que se tem suspeita clínica, o passo inicial
voso central ou periférico, alterações da acuidade visual por é confirmar que existe vasculite propriamente dita e, a seguir,
inflamação ocular, sintomas respiratórios por envolvimento determinar qual sua etiologia ou diagnóstico específico. Al-
de vias aéreas superiores ou dos pulmões, insuficiência renal guns sintomas são mais sugestivos de vasculite propriamente
e diferentes formas de lesões de pele. Ainda que exista grande ditos e, quando avaliados em conjunto, podem sugerir o diag-
variação, alguns sinais ou sintomas têm especificidade e por nóstico. A avaliação propedêutica complementar também traz
si sugerem existir vasculite, por vezes mesmo indicando o ta- subsídios. Devem ser avaliados exames que auxiliem na deter-
manho do vaso acometido (Tabela 47.4). A distribuição dos minação da extensão da vasculite e alguns testes que trazem
diferentes órgãos ou sistemas envolvidos também pode auxi- informações sobre o diagnóstico etiológico (Figura 47.3).
liar no raciocínio diagnóstico. Como exemplo, pacientes com Como síndromes inflamatórias sistêmicas, usualmente as
Granulomatose de Wegener apresentam envolvimento de vias provas inflamatórias, como velocidade de hemossedimenta-
aéreas superiores, dos pulmões e dos rins na forma de glo- ção e proteína C reativa, estão elevadas. Achados inespecíficos,

Generalidades sobre Vasculites 635


„„ SEÇÃO 7.1   VASCULITES

Suspeita clínica:
• Sintomas inflamatórios sistêmicos
• Disfunção orgânica isquêmica

Extensão do acometimento: Avaliação etiológica:


EAS/ Função renal/Transaminases ANCA/Crioglobulinemia
Rx-TC tórax/seios da face Complemento/HBV/HCV/HIV
RNM SNC/líquor/ENM F. Reumatoide/FAN

Biópsias e/ou
Arteriografia
Ac’s Anti-Fosfolípides
Culturas/Eco
Componente M
Diagnóstico
Bx de medula

Figura 47.3 Estratégia para abordagem propedêutica de pacientes com suspeita de vasculite. A partir de sinais e sintomas compatíveis
com inflamação sistêmica e/ou disfunção orgânica provocada por isquemia, a estratégia propedêutica segue duas diretrizes: estabelecer
a extensão da doença e avaliar a etiologia através de testes com mais especificidade. Tal avaliação sugere o melhor sítio para confirmação
histológica. A propedêutica também deve incluir testes que avaliam a possibilidade de mimetizadores de vasculites (EAS: exame de altera-
ção do sedimento urinário; SNC: sistema nervoso central; Eco: ecocardiograma; Componente M: pesquisa de gamopatia monoclonal como
imunofixação; Bx de medula: biópsia de medula óssea).

como anemia, leucocitose e trombocitose, são comuns. Outros tem maior especificidade para pacientes com Granulomatose
exames têm mais especificidade. O complemento é um “divisor de Wegener. A sensibilidade do Anca em pacientes com vascu-
de águas”. Usualmente, mostra suas frações em níveis normais lite deste grupo é alta (80 a 90%), mas não absoluta, ou seja
ou elevados em vasculites associadas ao ANCA, arterite de Taka- – a negatividade do Anca não descarta o diagnóstico. É im-
yasu/Temporal e doença de Behçet. No entanto, existe evidên- portante comentar ainda que o Anca, principalmente em seu
cia de seu consumo e níveis reduzidos, notadamente das frações padrão P-Anca, também não é específico, podendo ocorrer em
C3 e C4, em vasculites secundárias à doenças do colágeno, como outras doenças, como hepatite autoimune, doença inflamató-
lúpus eritematoso sistêmico e síndrome de Sjögren.5,7 ria intestinal, infecções crônicas, doenças linfo/mieloprolife-
Uma porção significativa dos pacientes com poliarterite rativas ou outras doenças autoimunes.8,9
nodosa apresenta infecção pelo HBV, mas sua frequência está Um outro teste complementar que pode auxiliar bastante
em queda após a disseminação da vacinação contra este vírus. o diagnóstico é a imunofluorescência direta como avaliação
Até 90% dos pacientes com vasculite crioglobulinêmica apre- complementar das biópsias, notadamente quando do diag-
sentam infecção pelo HCV. Outro aspecto importante destes nóstico diferencial de pacientes com vasculites de vasos de
pacientes é a verificação de crioglobulinas circulantes – imu- pequeno calibre. Tal teste é mais bem aproveitado em biópsias
noglobulinas na maior parte das vezes incluindo um compo- renais e de pele. Vasculites associadas ao Anca são descritas
nente policlonal e um monoclonal que têm a característica de como “pauci-imunes” ou seja, a imunofluorescência é negativa.
se precipitarem quando do resfriamento do soro. O Fator An- A verificação de depósitos predominantes de IgA é caracterís-
tinuclear (FAN) pode ser falso-positivo nas diferentes síndro- tico de Púrpura de Henoch-Schönlein. Em doenças em que a
mes vasculíticas, mas sua presença, principalmente quando deposição de imunocomplexos é determinante da fisiopatolo-
em títulos elevados, impõe a avaliação de doenças do colágeno gia, como a vasculite crioglobulinêmica ou o lúpus eritematoso
como Lúpus Eritematoso Sistêmico ou Síndrome de Sjögren. sistêmico, a imunofluorescência é positiva para IgG, IgM e C3.
Um aspecto prático importante das biópsias como confir-
„„ ANTICORPO ANTICITOPLASMA mação diagnóstica de vasculites é onde realizá-las. Existem
sítios que sabidamente oferecem melhor rendimento. Quando
DE NEUTRÓFILO (ANCA)
da suspeita de arterite temporal, a biópsia da artéria temporal
A associação com o Anca define um grupo específico de do lado em que os pacientes têm mais sintomas é sensível e
vasculites sistêmicas. Trata-se de anticorpos direcionados específica. Alguns autores recomendam a realização de bióp-
a antígenos dos grânulos dos neutrófilos. Estes podem ser sias bilaterais para melhor rendimento, mas este é tópico ain-
detectados através de imunofluorescência indireta que pro- da em discussão. A biópsia da artéria temporal também pode
duz dois principais padrões de coloração: citoplasmático ou ser valia quando da suspeita de outras síndromas vasculíti-
clássico (C-Anca) e perinuclear (P-Ana) Imunoensaios di- cas, mesmo de vasos de menor calibre, pois quando realizada
recionados (Elisa) demonstram dois antígenos específicos: corretamente irá incluir ramos secundários e vasos de menor
mieloperoxidase – usualmente expresso como P-Anca na calibre adjacentes (por exemplo vasa vasorum) e especifica-
imunofluorescência e proteinase-3, que se associa ao padrão mente em pacientes com sintomas no segmento cefálico.
C-Anca. Qualquer dos padrões podem ocorrer em pacientes As biópsias de lesões cutâneas são de valia. Estas podem
com vasculite associada ao Anca, no entanto o padrão C-Anca confirmar que existe vasculite, quando são lesões não específicas

636 Tratado Brasileiro de Reumatologia


(por exemplo, nódulos eritematosos), ou, especialmente, quando Diagnóstico diferencial

„„ CAPÍTULO 47
complementadas pela imunofluorescência, auxiliam no diagnós-
tico etiológico (ver acima). Quando há suspeita de vasculites as- Existem muitas condições, seja clinicamente ou laborato-
sociadas ao Anca, vasculite crioglobulinêmica ou outras formas rialmente, quando de exames de imagem ou mesmo em ava-
de vasculite envolvendo os nervos periféricos, a dita biópsia neu- liações histológicas podem simular vasculites (Tabela 47.5).
romuscular também apresenta bom rendimento. Usualmente são Dano tissular por isquemia, estenose ou aneurismas podem
preferidos fragmentos do nervo sural e tecido muscular estriado ocorrer mesmo em doenças em que não necessariamente
adjacente (por exemplo, porções distais do músculo gastrocnê- existe inflamação vascular. Mesmo se houver verificação de
mio). A biópsia renal também é importante não só na avaliação vasculite propriamente dita, causas secundárias, como drogas,
do diagnóstico diferencial, mas também no auxílio da determina- infecções ou neoplasias, devem ser levadas em consideração,
ção do prognóstico ao avaliar lesões associadas à maior gravida- até porque o tratamento destes simuladores de vasculite com
de do comprometimento renal, como crescentes celulares. corticoide ou agentes imunossupressores pode ser ineficaz ou
mesmo prejudicial. O diagnóstico definitivo de vasculites pri-
márias depende então não só da avaliação criteriosa de todos
„„ MÉTODOS DE IMAGEM os dados clínicos, laboratorais e de biópsias/exames de ima-
gem, mas também da exclusão destes mimetizadores.5,7,14
Eventualmente não é possível realizar biópsias. Em casos
de vasculites de vasos de maior calibre em que a biópsia não é
factível, além da combinação de sinais/sintomas e alterações „„ ABORDAGEM TERAPÊUTICA E PROGNÓSTICO
laboratoriais compatíveis, exames de imagem podem sugerir
a presença de vasculite. Na Arterite de Takayasu, a evidência Vasculites sistêmicas, principalmente as associadas ao Anca,
de estenoses na Aorta e seus ramos primários é o parâmetro são doença potencialmente graves. Se não tratada, a sobrevida
mais importante para o diagnóstico. Como método de imagem, média de pacientes com Granulomatose de Wegener é de ape-
a arteriografia é o padrão-ouro.10 No entanto, outros métodos nas 5 meses. Com o advento do uso combinado de corticoide
menos invasivos, como angiotomografia, ressonância magné- e imunossupressores, como ciclofosfamida, a sobrevida hoje
tica/angiorressonância e, quando em sítio acessível, o ultras- alcança 75% em 10 anos. No entanto, ainda que a maior parte
som com doppler, podem demonstrar lesões características. dos pacientes sobreviva a fase aguda da doença, a morbidade
Em outras condições clínicas, mesmo quando o diagnóstico já permanece significativa devido a inflamação residual crônica,
está estabelecido, faz-se necessários métodos de imagem para recidivas, toxicidade associada ao tratamento e efeito cumulati-
confirmar a extensão de lesões suspeitadas clinicamente como vo do dano dos diferentes órgãos e tecidos acometidos.15,16
a aortite, não rara em Arterite Temporal e Doença de Behçet A abordagem terapêutica inicial das vasculites depende do
ou o envolvimento de vasos de médio calibre na doença de Ka- diagnóstico específico e da gravidade da apresentação clínica.
wasaki e na Poliarterite Nodosa.11-13 Alguns parâmetros de prognóstico foram validados e podem

Tabela 47.5 Mimetizadores de vasculite.


Infecções agudas e crônicas* Doenças genéticas/hereditárias

Aneurisma micótico Síndrome de Ehlers-Danlos


Endocardite bacteriana subaguda Síndrome de Marfan
Infecções virais crônicas (HBV, HCV, HIV) Doenças mitocondriais
Sífilis

Neoplasias/síndromes mieloproliferativas* Outras doenças arteriais

Leucemia Aterosclerose
Linfoma Displasia fibromuscular
Tumores sólidos (síndrome paraneoplásica) Tromboangiite obliterante
Trombocitemia essencial

Vasculopatias/trombofilias Doenças inflamatórias multissistêmicas*

Síndrome antifosfolípide Lúpus eritematoso sistêmico


Púrpura trombocitopênica trombótica Síndrome de Sjögren
Esclerose sistêmica
Sarcoidose
Hepatite autoimune
Doença inflamatória intestinal

Doenças tromboembólicas

Êmbolos de colesterol
Mixoma atrial*
* Algumas destas doenças podem-se associar a achados histológicos sugestivos de vasculite.

Generalidades sobre Vasculites 637


ser valiosos na prática clínica, como o Five Factors Score (FFS) O seguimento clínico de pacientes com vasculite sistêmi-
„„ SEÇÃO 7.1   VASCULITES

(Tabela 47.6).17 Não faz parte do escopo deste artigo discutir ca deve contemplar: i) atividade inflamatória atual da doen-
detalhadamente o tratamento das diferentes formas de vascu- ça; ii) dano ou comprometimento funcional como sequela; iii)
lite, o que será feito nos capítulos específicos, mas como re- comorbidades e iv) reações adversas do tratamento, que po-
ferência, a Tabela 47.7 apresenta as estratégias terapêuticas dem estar relacionados e coexistir. A monitoração sistemática
mais utilizadas.5,18-21 deve incluir avaliação clínica, laboratorial e de imagem, para
permitir o pronto reconhecimento de novas manifestações da
doença. No entanto, sinais ou sintomas de complicações po-
dem simular recidivas, como febre, infiltrados pulmonares ou
Tabela 47.6 Five Factos Score (FFS). hematúria, associadas a infecção ou toxicidade, relacionada
com o tratamento, frequentemente o diagnóstico diferencial
„„ Envolvimento do sistema nervoso central
é difícil.5
„„ Envolvimento cardíaco O cuidado dos pacientes com vasculite é complexo de-
„„ Isquemia do trato gastrointestinal corrente do acometimento de órgãos ou sistemas vitais, tor-
nando-a uma doença potencialmente grave. Manifestações
„„ Insuficiência renal
clínicas inespecíficas, curso errático e carência de marcado-
„„ Proteinúria > 1 g/24 horas res específicos para o seu diagnóstico são obstáculos a serem
* Em pacientes com poliangiite microscópica, angiite de Churg-Strauss e poliarterite transpostos por uma abordagem clínica abrangente e orienta-
nodosa, a presença de 1 ou mais destes parâmetros está associada a maior da. O tratamento deve ser individualizado a partir das diretri-
morbimortalidade e justifica de antemão a adição de agentes citostáticos como zes já validadas.
ciclofosfamida quando do início do do tratamento.

Tabela 47.7 Exemplos de abordagem terapêutica inicial de acordo com o diagnóstico e apresentação clínica de vasculites
sistêmicas.
Diagnóstico/apresentação clínica Terapia Inicial

GW generalizada, MPA, CCS ou PAN com FFS > 1 Corticoide e ciclofosfamida


GW localizada ou inicial Corticoide e methotrexate
GW ou MPA com insuficiência renal grave Corticoide, ciclofosfamida e plasmaférese
MPA, CSS ou PAN não complicadas (FFS = 0) Corticoide isoladamente
PAN associada à hepatite B Corticoide, antivirais e plasmaférese
Crioglobulinemia associada à hepatite C Antivirais
Púrpura de Henoch-Schonlein Sintomático/Suportivo
GCA ou Arterite de Takayasu Corticoide + Methotrexate
GW- Granulomatose de Wegener; MPA – Poliangiite Microscópica; CCS – Síndrome de Churg-Strauss; PAN – Poliarterite Nodosa; FFS – Five Factors Score.

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Generalidades sobre Vasculites 639


48

Capítulo
Boris Cruz

Polimialgia Reumática, Arterite de Células Gigantes


e Vasculites Leucocitoclásticas
„„ INTRODUÇÃO usualmente encontrados em pacientes com artrite reumatoi-
de. Alguns estudos sugerem a possibilidade de associação da
A Arterite de Células Gigantes (também chamada de Arte- arterite temporal e fatores ambientes ou sazonais como taba-
rite Temporal ou Doença de Horton) é uma forma de vasculite gismo e infecções por Mycoplasma pneumoniae, Parvovírus
que usualmente acomete ramos primários da aorta, princi- B19 e Varicela zoster.1,3,11,12
palmente artérias extracranianas do segmento cefálico como
a artéria temporal.1,2 Polimialgia reumática se caracteriza por
rigidez matinal e dor nos ombros, pescoço e cintura pélvica.1-3 „„ HISTOLOGIA E FISIOPATOLOGIA
Arterite de células gigantes e polimialgia reumática são doen- A arterite de células gigantes usualmente acomete artérias
ças relacionadas e podem ocorrer simultaneamente ou não em de grande e médio calibre como ramos proximais da aorta. No
pessoas com mais de 50 anos.1-3 Características clínicas e epi- segmento cefálico, o envolvimento é bem mais frequente nos
demiológicas sugerem que ambas as doenças fazem parte de vasos extracranianos. São artérias musculares, com limitante
um mesmo processo patogênico e por isso serão discutidas em elástica interna e Vasa vasorum proeminentes. O quadro his-
conjunto neste capítulo. tológico mais característico é de inflamação granulomatosa
com linfócitos, macrófagos e células gigantes predominando
„„ EPIDEMIOLOGIA na junção médio-intimal. É também peculiar a ruptura da lâ-
mina elástica interna e espessamento intimal, que pode chegar
A incidência de arterite de células gigantes varia de 0,1 a à obliteração total da luz do vaso acometido.1,2,13
33 por 100.000 pessoas com 50 anos ou mais. A incidência de Ainda que possa afetar longos segmentos arteriais, fre-
polimialgia reumática é descrita como 2 a 3 vezes maior. Tanto quentemente a inflamação é focal. Estudos de autópsia apon-
a arterite temporal quanto a polimialgia reumática afetam as tam que os vasos mais acometidos por ordem de frequência
mulheres 2 a 3 vezes mais que os homens. A idade média dos são ramos extracranianos da artéria carótida, artérias verte-
pacientes é de 70 anos, variando de 50 a 90 anos.4-8 Diferentes brais em sua porção extradural, artéria oftálmica e artéria ci-
estudos sugerem que a incidência de arterite de células gigan- liar posterior. Outros segmentos acometidos incluem artérias
tes tem aumentado nas últimas décadas, possivelmente por carótidas interna e externa, artéria central da retina, artéria
maior conhecimento sobre a doença e diagnósticos mais fre- subclávia e a aorta propriamente dita.1,13
quentes, mas estudos de necrópsia sugerem que a arterite de Pacientes com polimialgia reumática isolada não mos-
células gigantes pode ser mais frequente do que clinicamente tram alterações histológicas em artérias. Biópsias muscula-
aparente.1,4-6 res também são essencialmente normais. Estudos de imagem
Estudos populacionais sugerem que até 20% dos pacien- como cintilografia mostram sinovite usualmente subclínica e
tes com polimialgia reumática têm arterite de células gigantes outros métodos mais sensíveis como ressonância magnética
e até 2/3 dos pacientes com arterite de células gigantes apre- indicam que os sinais e sintomas derivam primariamente de
sentam sintomas clinicamente compatíveis com polimialgia inflamação das bursi nas cinturas escapular e pélvica. Sinais
reumática.9,10 de inflamação sistêmica como níveis elevados de interleucina
Estudos epidemiológicos anteriores já apontavam agre- –1 e interleucina –6 são descritos em pacientes com arterite de
gação familiar, e estudos genéticos mais recentes sugerem células gigantes e/ou polimialgia reumática.1-3, 14
relação com genes do complexo humano de antigenicidade Não se conhece a causa deste processo patogênico. No en-
(HLA) classe II. Dois terços dos pacientes com arterite tempo- tanto, as observações até então sugerem que o evento inicial é
ral têm haplótipos do HLA DRB1*04 com sequência comum ativação de células dentríticas na adventícia, que em seu esta-
na segunda região hipervariável da molécula B1, diferente dos do ativo produzem interleucina–6 e interleucina–18, capazes

641
de recrutar e ativar linfócitos T CD4+. A partir de sua proli- A polimialgia reumática se caracteriza por dor e rigidez
„„ SEÇÃO 7.1   VASCULITES

feração clonal, estes linfócitos T CD4+ secretam interferon–γ matinal no pescoço, ombros e cintura pélvica. A dor é usual-
que levam macrófagos a se diferenciar e formar granulomas. A mente bilateral, mas se iniciar ou predominar em um lado ape-
destruição da lâmina elástica ocorre a partir de metaloprotea- nas, usualmente tem irradiação distal para cotovelos e joelhos,
ses e em uma tentativa de reparo, a produção local de fatores com limitação de movimento dos ombros e quadris. Mesmo
de crescimento tissular como TGF-β e Fator de Crescimento quando não associada a arterite de células gigantes, sintomas
derivado das plaquetas leva a ativação e a migração de células constitucionais ocorrem em até metade dos pacientes com po-
musculares lisas, com consequente espessamento intimal e limialgia reumática. Sinais e sintomas mais periféricos podem
obliteração luminar. Na polimialgia reumática, o mesmo pro- incluir síndrome do túnel do carpo, sinovite não erosiva, mais
cesso se inicia. No entanto, a ausência de linfócitos que possam frequente em punhos e joelhos e edema difuso das mãos.12,15
produzir interferon–γ explica a ausência de lesões vasculares Isquemia ao longo de qualquer parte da irrigação arterial
e indicam tratar-se de uma resposta imune adaptativa menos da retina pode levar ao comprometimento usualmente grave
intensa.1,2 da acuidade visual. O comprometimento da artéria ciliar pos-
terior leva a neurite óptica anterior isquêmica – manifestação
„„ APRESENTAÇÃO CLÍNICA oftalmológica mais comum da arterite de células gigantes. O
paciente evolui com perda da visão abrupta e indolor no olho
A apresentação clínica mais comum inclui a combinação de acometido. O exame fundoscópico mostra o disco óptico páli-
cefaleia e sintomas sistêmicos em um indivíduo com 70 anos do e edemaciado. (Figura 48.2). Ainda que menos frequente, a
ou mais, por vezes associados à sinais mais específicos como neurite óptica isquêmica posterior também se apresenta como
alterações visuais ou neurológicas. Quase todos os pacientes cegueira aguda, mas o exame fundoscópico é essencialmente
apresentam ao menos um sintoma constitucional como perda normal. Raramente, pode ocorrer retinopatia isquêmica por
ponderal, fadiga ou febre. obstrução da artéria central da retina ou alguns de seus ra-
A cefaleia, que ocorre em cerca de 75% dos pacientes, é mos. Em pacientes com perda visual atribuída à arterite de
tipicamente caracterizada como moderada e localizada em re- células gigantes, o risco de acometimento do olho contralate-
gião temporal unilateral, mas existe grande variação. As des- ral na ausência de tratamento alcança 50%. Alguns sinais de
crições variam de ausência de cefaleia, até dor muito intensa alerta para o risco de grave comprometimento da visão são:
e abrupta em qualquer parte do crânio. O aspecto mais im- amaurose fugaz, embaçamento da visão associado à postura
portante e específico para o diagnóstico de arterite de células e diplopia. Como a perda visual é decorrente de isquemia da
gigantes é a confirmação de que se trata de um sintoma recen- retina, após instalada é irreversível.1,15,17,18
te. Alterações ao exame clínico de ramos da artéria temporal
como edema, nódulos, dor à palpação ou ausência de pulso
ocorrem em até a metade dos pacientes.1,2,16
Por volta de metade dos pacientes descrevem claudicação
mandibular, descrita como dor, desconforto ou dificuldade
para mastigar, decorrente de isquemia dos músculos da masti-
gação. Este é um sintoma muito específico da arterite de célu-
las gigantes, mas não é patognomônico.2,15

Figura 48.2 Retinograma de paciente com neurite óptica anterior


isquêmica secundária à arterite de células gigantes. Observa-se
disco pálido com algum edema.

Alterações neurológicas são descritas em até 30% dos pa-


Figura 48.1 Fotomicrografia de corte transversal de biópsia de
artéria temporal de paciente com arterite de células gigantes.
cientes e incluem diferentes manifestações isquêmicas como
Percebe-se infiltrado inflamatório mononuclear com células gi- ataque isquêmico transitório e acidente vascular propriamen-
gantes, predominando na junção médio-intimal, proliferação da te dito. A circulação posterior tende a ser mais acometida.
íntima com obliteração da luz do vaso e infiltrado inflamatório em Delirium, déficit cognitivo, mielopatia e algumas formas de
vaso de pequeno calibre na adventícia (canto inferior esquerdo da neuropatia periférica também são descritos, porém com me-
imagem). nor frequência.19,20

642 Tratado Brasileiro de Reumatologia


O envolvimento de vasos de maior calibre como a aorta e Métodos de imagem

„„ CAPÍTULO 48
seus ramos primários é cada vez mais reconhecido. Síndrome
do arco aórtico se manifesta por claudicação, dor, sopros e me- Cintilografia, ultrassonografia e ressonância magnética são
nos frequentemente por grangrena de extremidades e pode eficazes em confirmar a existência de sinovite em articulações
ocorrer em até 10% dos pacientes. O envolvimento da aorta proximais e estruturas periarticulares em pacientes com poli-
propriamente dita é potencialmente grave. Os pacientes even- mialgia reumática, com sensibilidade maior que 90%. Bursite
tualmente descrevem dor torácica inespecífica, mas a evolução subacromial, subdeltóidea e trocantérica são os achados mais
clínica mais comum é ausência de sintomas até o surgimento comuns, e a sua confirmação dá suporte ao diagnóstico.23-25
de complicações, como insuficiência valvar aórtica, dissecção Métodos de imagem também são descritos como eficazes
ou ruptura de aneurisma. 1,15,21 na avaliação de pacientes com suspeita clínica de arterite tem-
Outras manifestações clínicas menos frequentes ou atípi- poral, já que podem mostrar alterações inflamatórias nas ar-
cas podem ocorrer. Algumas séries descrevem que até 10% térias temporais. Diferentes estudos indicam que a verificação
dos pacientes podem-se apresentar como febre de origem de halo hipoecoico em torno da artéria temporal em exames
indeterminada, com sintomas constitucionais e ausência de ultrassonográficos tem alta especificidade para o diagnóstico
de arterite de células gigantes, no entanto com menor sensi-
achados mais específicos, como cefaleia ou alterações visuais.
bilidade.26,27 A presença de hipersinal e reforço com contras-
Além das queixas álgicas atribuídas à polimialgia reumática,
te Gadolinium da parede da artéria temporal em exames de
sinovite propriamente dita (usualmente dos punhos) é descri-
ressonância magnética é indicativo de inflamação da parede
ta em 5 a 10% dos pacientes. Uma pequena porcentagem de
vascular e tem especificidade para o diagnóstico de arterite
pacientes descreve sintomas respiratórios, usualmente tosse
temporal.28
seca. Outras manifestações decorrentes de isquemia da cir-
culação craniana extradural podem incluir: necrose do couro Outros métodos de imagem como ultrassom com Doppler,
cabeludo, infarto da língua, dor de garganta, dificuldade de de- angiotomografia, angiorressonância e arteriografia convencio-
glutição, vertigem, perda auditiva ou surdez (Tabela 48.1).1,2,15 nal ou com subtração digital são essenciais para o diagnóstico
e o seguimento de envolvimento de vasos de grande calibre em
pacientes com arterite de células gigantes. Estenoses, dilata-
ções, aneurismas propriamente ditos e oclusões são descritos.
Tabela 48.1 Manifestações clínicas da arterite temporal. A arteriografia usualmente é mais sensível para avaliar as alte-
rações do lúmen vascular e pode ser utilizada virtualmente em
Sinais e sintomas Sinais e sintomas qualquer sítio. Ultrassonografia e ressonância magnética têm
mais frequentes menos frequentes a vantagem de poderem também avaliar a parede do vaso. Al-
„„ Cefaleia „„ Síndrome do arco aórtico
terações como edema manifesto por halo hipoecoico ao ultras-
som ou hipersinal na ressonância magnética indicam doença
„„ Sintomas constitucionais como „„ Insuficiência valvar aórtica,
perda ponderal, fadiga, febre dissecção ou ruptura de
em atividade, no entanto estes métodos não são sensíveis.1,15,29
„„ Claudicação da mandíbula aneurismas decorrentes de 18-Fluordeoxiglicose Positrom Emission Tomograpy (18-
„„ Polimialgia reumática Aortite propriamente dita FDG PET) é uma forma de combinação de tomografia e cin-
„„ Sintomas respiratórios tilografia dinâmica que mostra áreas de maior atividade
„„ Alterações visuais decorrentes de
retinopatia isquêmica (principalmente tosse seca) metabólica na parede vascular de grandes vasos. Inicialmente,
„„ Sintomas otolaríngeos, como este método foi descrito para identificar tumores e metástases
„„ Alterações neurológicas
decorrentes de isquemia no SNC necrose da língua, dor de ocultas. Em vasculite, foi inicialmente utilizado para avaliar a
garganta, alterações da extensão e a atividade da vasculite em arterite de Takayasu.
deglutição, surdez, vertigem Estudos em arterite de células gigantes sugerem que este é
„„ Sinovite propriamente dita um método promissor para detectar envolvimento de vasos de
(principalmente em punhos) grande calibre, como aorta e seus ramos principais. Oitenta e
três por cento de pacientes com arterite de células gigantes
apresentaram sinais de inflamação de vasos de maior calibre
„„ PROPEDÊUTICA COMPLEMENTAR no 18-FDG PET quando do diagnóstico, ainda que a maioria
Os pacientes com arterite de células gigantes e/ou poli- não tenha desenvolvido estenoses, rupturas ou aneurismas.1,30
mialgia reumática usualmente apresentam reações de fase
aguda elevadas. A velocidade de hemossedimentação encon- Biópsia de artéria temporal
tra-se usualmente acima de 50 mm/hora. No entanto, séries
de pacientes com arterite de células gigantes comprovada por Como a maior parte das vasculites sistêmicas, a arterite de
biópsia da artéria temporal mostram que até 5% dos pacientes células gigantes é definida histologicamente, tendo em vista a
podem apresentar velocidade de hemossedimentação normal. carência de especificidade das manifestações clínicas e labo-
Como um exame menos sujeito a variações externas, a pro- ratoriais e as implicações do tratamento em longo prazo com
teína C reativa é mais sensível e específica que a velocidade corticoide, a confirmação do diagnóstico através de achados
de hemossedimentação, mas também tem limitações. Alguns característicos na biópsia da artéria temporal.1,15
autores sugerem a avaliação sérica de interleucina-6 é um Em mãos especializadas, a realização da biópsia de seg-
método com melhor acurácia para determinar a atividade in- mento da artéria temporal é segura e muito raramente se as-
flamatória da doença, seja quando do diagnóstico ou monito- socia a complicações. A sensibilidade alcança 95% em centros
ramento do tratamento, mas este exame não é comercialmente experimentados e algumas estratégias são discutidas para
acessível na prática clínica. Outros achados compatíveis com otimizar sua acurácia. Segmentos pequenos de 1 a 2 cm po-
síndrome inflamatória sistêmica, anemia e trombocitose são dem ser o suficiente em pacientes com achados inflamatórios
frequentemente encontrados nos pacientes.1,15,22,23 macroscópicos. Em outros casos, a amostra deve ser maior

Polimialgia Reumática, Arterite de Células Gigantes e Vasculites Leucocitoclásticas 643


– até 6 ou 7 cm – de acordo com a anatomia do paciente e a
„„ SEÇÃO 7.1   VASCULITES

decisão do cirurgião. Sabendo-se que se trata de uma doença


Quadro 48.2 Critérios do American College of Rheumatology
focal, podem ser necessário cortes seriados até a confirmação
diagnóstica.1,2,15,31 para classificação de arterite de células gigantes.
A maior parte dos centros de referência realiza biópsia Critério Definição
unilateral, preferencialmente em segmentos com achados
Idade > 50 anos Início dos sintomas acima dos 50 anos
inflamatórios ao exame clínico ou mesmo no perioperatório.
Alguns autores preconizam a realização de corte-congelação Cefaleia recente Dor descrita na cabeça de início recente ou com
no perioperatório quando a biópsia é unilateral, e a reali- novas características
zação de biópsia de segmento contralateral caso a primeira VHS elevado VHS > 50 mm/H pelo método Westergreen
amostra não confirme o diagnóstico, ainda no mesmo tempo Biópsia de artéria Biópsia da artéria temporal mostrando vasculite
cirúrgico. De uma maneira geral, a biópsia contralateral au- temporal “positiva” caracterizada pela predominância de células
menta a sensibilidade em 3 a 10%. Em pacientes com sin- mononucleares ou inflamação granulomatosa,
tomas occipitais, biópsia de ramos da artéria occipital pode usualmente com células gigantes
confirmar o diagnóstico.1,31,32 Pacientes com ao menos 3 dos critérios descritos acima são classificados como arterite
A realização da biópsia de artéria não deve atrasar o trata- de células gigantes.36
mento. Estudos em modelos animais e a experiência prática suge-
rem que mesmo após o início do tratamento a biópsia é de valia,
mas quanto maior o tempo de tratamento, menor a sensibilidade. Tabela 48.2 Associação de sinais e sintomas com o diagnós-
Alguns autores sugerem empiricamente que a biópsia pode ser tico de arterite de células gigantes.37
realizada até 4 semanas após o início da corticoterapia.33
Associação positiva com o
Achado
diagnóstico de arterite temporal
„„ CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO E ESTRATÉGIA
Claudicação de mandíbula 4,2 (2,8-6,2)
DIAGNÓSTICA
Diplopia 3,4 (1,3-8,6)
Ao menos 3 critérios para classificação de pacientes com Perda ponderal 1,3 (1,1-1,5)
polimialgia reumática são utilizados na prática clínica (Qua- Qualquer cefaleia 1,2 (1,1-1,4)
dro 48.1).3,34,35 De uma maneira geral, estes critérios combi- Fadiga NS
nam as principais características da doença como a dor e a Anorexia NS
rigidez matinal de articulações proximais e a rápida resposta Artralgia NS
ao corticoide. Polimialgia reumática NS
Critérios para classificação de arterite de células gigantes Febre NS
foram desenvolvidos em 1990 pelo American College of Rheu- Perda visual NS
matology (Quadro 48.2).36 Estes critérios foram desenvolvidos Nodulações em artéria temporal 4,6 (1,1-18,4)
para diferenciar pacientes com arterite de células gigantes de Dor em artéria temporal 2,6 (1,9-3,7)
pacientes com outras vasculites sistêmicas e não são de valia Qualquer alteração da artéria temporal 2,0 (1,4-3,0)
em pacientes individuais na prática clínica.1 O diagnóstico Sensibilidade no couro cabeludo 1,6 (1,2-2,1)
idealmente depende da confirmação de achados característi- Sinovite 0,41 (0,23-0,72)
cos na biópsia de artéria temporal. A abordagem de pacientes Atrofia óptica NS
com biópsia negativa ou sem biópsia depende de quão caracte- VHS elevado 1,1 (1,0-1,2)
rístico é o quadro clínico (Tabela 48.2) (Figura 48.3). VHS > 50 mm/hr 1,2 (1,0-1,4)
VHS > 100 mm/hr 1,9 (1,1-3,3)
Anemia NS
„„ ABORDAGEM TERAPÊUTICA E EVOLUÇÃO

Quadro 48.1 Critérios para classificação de pacientes com polimialgia reumática.

Chuang et al. 3 Healey34 Bird34

1. Pacientes com > 50 anos 1. Dor persistente (> 1 mês) em duas das 1. Rigidez e/ou dor em ombros bilateral
2. D or bilateral e rigidez matinal por ao menos 1 mês em seguintes áreas: pescoço, ombros ou cintura 2. Início até 2 semanas
ao menos 2 das seguintes áreas: pescoço ou dorso, pélvica 3. VHS inicial > 40 mm/H
ombros ou porção proximal dos braços, quadris ou 2. Rigidez matinal > 1 hora 4. Rigidez matinal > 1 hora
porção proximal das coxas 3. Rápida resposta à prednisona (< 20 mg/dia) 5. Idade > 65 anos
3. VHS > 40 mm/H 4. Ausência de outra doença capaz de provocar 6. Depressão e/ou perda ponderal
4. E xclusão de outros diagnósticos exceto arterite de dor musculoesquelética
7. Dor em porção superior dos braços
células gigantes 5. Idade > 50 anos
6. VHS > 40 mm/H

A presença de todos estes critérios define o diagnóstico de O diagnóstico de polimialgia reumática é A presença de ao menos 3 critérios confirma
polimialgia reumática confirmado se existirem todos os critérios o diagnóstico

644 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 48
Suspeita de arterite de
células gigantes

Biópsia de artéria
temporal

Biópsia positiva:
Biópsia negativa
Diagnóstico confirmado

Baixa suspeição clínica:


Alta suspeição clínica Diagnóstico descartado

Realizar segunda biópsia de


artéria temporal ou biópsia
de artéria temporal contra
lateral ou biópsia de artéria
occipital ou estudo de
imagem se existe suspeita de
envolvimento de vaso
de maior calibre

Figura 48.3 Algoritmo para o diagnóstico de arterite de células gigantes.2

O principal objetivo do tratamento da arterite de células Fraturas osteoporóticas, necrose avascular, ganho de peso,
gigantes é prevenir a perda visual e outras manifestações is- diabetes mellitus, elevação da pressão arterial e alterações do
quêmicas da doença, além da resolução dos sintomas sistê- humor são complicações reconhecidas. Estratégias como su-
micos e da polimialgia reumática, quando associada à arterite plementação de cálcio e vitamina D, prevenção e tratamento
de células gigantes. Corticoide é o tratamento de escolha para da osteoporose com drogas como bisfosfonatos e uso da me-
pacientes com arterite temporal. Prednisona na dose de 40 a nor dose possível de corticoide podem reduzir o risco destas
60 mg/dia ou equivalente é usualmente eficaz em controlar a complicações.1,15,38
doença. Tal dose é usualmente mantida por 2 a 4 semanas e re- Três ensaios clínicos recentes avaliaram o papel do
duzida a seguir, de acordo com a evolução clínica, idealmente Methotrexate em pacientes com arterite temporal, mas
até sua suspensão em 1 a 2 anos.15,38 Alguns autores e ao menos apresentaram resultados conflitantes.40,42 No entanto, uma
um ensaio clínico sugerem que o uso de doses maiores de cor- meta-análise de casos individuais destes estudos indica que
ticoide endovenosa (15 mg/Kg/bolus de metil-prednisolona) a adição do Methotrexate ao tratamento reduz o risco de
como pulsoterapia é mais eficaz no controle da doença e pode recidiva e a dose cumulativa de corticoide, mas tais benefí-
permitir a redução mais rápida do corticoide oral, menor dose cios só foram apreciados 24 a 36 semanas após o início do
acumulada e menos efeitos adversos.39 Após estabelecida, a tratamento. Não existiu diferença quanto a efeitos adversos
perda visual é irreversível e não responde a qualquer forma entre os dois grupos de pacientes.43 Os estudos que avaliam
de tratamento. Assim, o tratamento deve ser iniciado tão logo o papel do Methotrexate em pacientes com polimialgia reu-
exista a suspeita da doença.3,15,38 Pacientes com polimialgia mática também não permitem uma conclusão definitiva. A
reumática isolada necessitam de doses menores de corticoide maior parte dos autores entende que o Methotrexate é de
e usualmente respondem ainda nas primeiras 24-48 horas à valia principalmente em pacientes com resposta parcial ou
prednisona 10 a 20 mg/dia.1-3,15 retardada ao tratamento inicial ou em pacientes com maior
Efeitos colaterais do corticoide são comuns e estão re- risco de efeitos adversos e complicações associadas ao cor-
lacionados com a idade do paciente e a dose acumulada. ticoide.1,15

Polimialgia Reumática, Arterite de Células Gigantes e Vasculites Leucocitoclásticas 645


A experiência com outros imunossupressores, como azatio- Estudos de coorte mostram que pacientes com arterite de
„„ SEÇÃO 7.1   VASCULITES

prina, ciclosporina ou ciclofosfamida, é limitada. Alguns estudos células gigantes apresentam sobrevida ligeiramente menor
sugerem que agentes anti-TNF podem ser de valia em casos se- em relação à população normal, notadamente por causas car-
lecionados, mas o único ensaio clínico randomizado não mos- diovasculares. A complicação mais característica é o aneuris-
trou benefício de infliximab em relação ao placebo.1,38,44 ma de aorta. São mais frequentes na aorta torácica e podem-se
Estudos retrospectivos e experimentais sugerem que a associar à insuficiência da valva aórtica. Normalmente ocor-
adição de ácido acetilsalicílico como antiagregante plaque- rem tardiamente no curso da doença, quando aparentemente
tário pode reduzir a incidência de complicações isquêmicas já não existe atividade inflamatória, mas estudos anatomopa-
cranianas. Não existem dados ou recomendações para uso de tológicos mostram aortite granulomatosa com células gigantes
outros tratamentos anticoagulantes, mas alguns autores suge- nos sítios acometidos. Cegueira como a complicação mais te-
rem que heparina de baixo peso molecular pode ser de valia mida da doença ocorrem em 3 a 10% dos pacientes a cada ano.
nas primeiras semanas de tratamento.45,46 Estenose de artérias de maior calibre, como vasos cervicais ou
subclávia, ocorrem em 13,5/1.000 pacientes a cada ano.1,15,39

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646 Tratado Brasileiro de Reumatologia


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Polimialgia Reumática, Arterite de Células Gigantes e Vasculites Leucocitoclásticas 647


49

Capítulo
Reginaldo Botelho Teodoro  Marlene Freire

Arterite de Takayassu
„„ INTRODUÇÃO te de Takayasu que se tem notícia na literatura ocidental.3 Em
1905, Mitiko Takayasu, professor de oftalmologia da Univer-
Arterite de Takaysu (AT), também conhecida como doença sidade de Kanazawa no Japão, relatou o caso de uma jovem
sem pulso, tromboartropatia oclusiva e Síndrome de Martore- de 21 anos com anastomoses arteriovenosas retinianas sem,
li, é uma forma rara de vasculite crônica, de etiologia desco- contudo, mencionar a alteração de pulsos. No mesmo ano,
nhecida, que acomete grandes vasos. outros dois oftalmologistas, Onishi e Kagosha, descreveram
Caracteriza-se por inflamação granulomatosa crônica de casos semelhantes associados à ausência de pulso radial. Em
artérias de grande calibre, principalmente aorta e seus ramos 1920 foi feita à primeira descrição de um caso pós-morten em
principais, como as artérias carótidas, braquiocefálicas, sub- uma mulher de 25 anos que apresentava panarterite e no qual
clávias, vertebrais e renais. Os médios vasos, como as artérias foi sugerido que as alterações presentes no fundo de olho po-
pulmonares e coronárias, também podem ser acometidos. deriam ser decorrentes da isquemia provocada pela obstrução
Sua apresentação clínica pode ser dividida em duas fases. de vasos do pescoço. Em 1951, Shimizu e Sano descreveram,
A primeira inflamatória, que pode cursar com febre, mialgias, em uma publicação inglesa, as características clínicas da ar-
emagrecimento, artralgias e dores sobre a superfície das arté- terite de Takaysu com a denominação de “Doença sem Pulso”
rias acometidas, principalmente nas carótidas (carotidodinia). como ficou conhecida a doença no ocidente.2,3
Na segunda fase, ocorre o espessamento da parede arterial, fi-
brose, estenose e formação de trombos que levam a isquemia „„ EPIDEMIOLOGIA
dos órgãos acometidos, formação de circulação colateral e o
desenvolvimento dos sinais e sintomas que caracterizam a ar- É uma doença rara de distribuição mundial com prevalência
terite, como tonteira, síncopes, distúrbios visuais, diminuição aumentada na Ásia. É mais descrita no Japão, Sudeste da Ásia,
ou ausência de pulsos ou diferença da pressão sistólica entre Índia e México. Sua incidência varia de 1,2 a 2,6 casos por mi-
os membros e sopros. O processo inflamatório acomete e lesa lhão de habitantes por ano.1,4 O Japão apresenta uma incidência
a camada arterial média e pode levar a formação de aneuris- de 150 casos novos por ano, e em 1990 foi incluída na lista das
mas e a ruptura do vaso. vasculites incuráveis, mantida pelo governo japonês, com regis-
tro de 5.000 pacientes.5 É a terceira causa mundial de vasculite
O diagnóstico precoce e o rápido estabelecimento de me-
em crianças, sendo mais rara na Europa e Estados Unidos.6 Na
didas terapêuticas são essenciais para melhorar o prognóstico
América Latina, onde existe uma grande deficiência de dados
da AT.
estatísticos, é difícil estabelecer a prevalência e incidência desta
Os primeiros relatos sugeriam que a doença era restrita a doença, entretanto Sato et al. em um estudo, realizado na cidade
mulheres orientais, porém hoje é reconhecida sua distribuição de São Paulo, avaliaram 94 pacientes com vasculites e encontra-
mundial em ambos os sexos e também que suas manifestações ram a arterite de Takayasu em 36% destes pacientes.7,8 A verda-
clínicas variam entre as populações. Estudos recentes sobre a deira extensão da doença no ocidente permanece desconhecida.
patogênese da doença sugerem a participação de fatores gené- As mulheres são mais acometidas, compreendendo de 80 a 90%
ticos, imunes e infecciosos. dos casos. Os primeiros relatos sugeriam que a doença estava
restrita a mulheres do leste asiático, porém, atualmente, ob-
„„ HISTÓRICO serva-se o acometimento de ambos os sexos e à medida que se
caminha para o ocidente, observa-se a queda do predomínio do
A primeira descrição da doença foi em 1830, quando o Ro- sexo feminino. A idade de início da doença ocorre entre os 10 e
kushu Yamamoto descreveu o primeiro caso que se tem conhe- 40 anos com uma idade média de 25 anos.4 No Japão 20% dos
cimento na literatura.2,3 Ele descreveu o caso de um homem de casos ocorrem em menores de 19 anos de idade e somente 2%
45 anos de idade, com febre, ausência de pulso, perda de peso dos casos ocorrem em menores de 10 anos de idade.6 Em rela-
e dispneia, que faleceu após 11 anos de acompanhamento. No ção ao segmento de acometimento da aorta existem diferenças
ano de 1856, W.S. Savoy descreveu o primeiro caso de arteri- de apresentação dependendo da população envolvida. Enquan-

649
to no Japão o principal nível acometido é a aorta ascendente, em Apesar do conhecimento de preferência da doença pelas
„„ SEÇÃO 7.1   VASCULITES

outros países como Índia, Tailândia e México é a aorta abdomi- mulheres na idade fértil, o papel dos hormônios femininos na
nal, e o principal sintoma é a hipertensão renovascular.5 O pe- etiopatogenia da doença permanece desconhecido.5
ríodo compreendido entre o início dos sintomas e o diagnóstico Atualmente aceita-se a hipótese que o processo seja inicia-
pode variar de 2 a 11 anos sendo este período maior nas formas do pela exposição a um estímulo desconhecido que expressa
juvenis em comparação com as formas adultas.6 uma proteína de fase aguda de 65 KDa no tecido da aorta que,
por sua vez, expressa o MHC de classe I relacionado com o gene
„„ ETIOPATOGENIA A (MICA) presente nas células vasculares. As células Tγδ e as
células Natural Killer expressam receptores NKG2D que reco-
A etiologia da AT permanece obscura, apesar dos vários es- nhecem o MICA das células musculares lisas do tecido vascular
tudos realizados até hoje. Três fatores estão, potencialmente, re- e iniciam a produção de Perforinas que resulta em um proces-
lacionados com a etiologia: influências genéticas, mecanismos so inflamatório vascular agudo. As citocinas pró-inflamatórias
imunes e fatores infecciosos. produzidas induzem o recrutamento de células mononucleares
Desde 1933 existe a hipótese de relação entre a arterite para dentro da parede vascular. Células T infiltram e reconhe-
de Takayasu e a infecção por micobactérias, especialmente a cem um ou alguns antígenos apresentados por epítopos com-
M.tuberculosis. Esta relação é sugerida pela natureza granulo- partilhados, os quais estão associados a alelos específicos do
matosa das lesões arteriais e pela forte resposta ao PPD apre- complexo maior de histocompatibilidade presentes nas células
sentada pelos pacientes com AT, porém é uma afirmação não dendríticas e posteriormente são ativadas através de recepto-
comprovada.5,9 res Toll-like. Linfócitos Th1 promovem a formação de células
Apesar do conhecimento sobre a patogênese da AT ter gigantes a partir da produção de interferon-γ e macrófagos ati-
aumentado consideravelmente nas últimas décadas, a se- vados com liberação de VEGF (Fator de Crescimento Vascular
quência exata dos eventos patológicos permanece desconhe- Endotelial), que resulta em um aumento da neovascularização
cida. Alguns dados sugerem a relação com a autoimunidade e e do PDGF (Fator de Crescimento Derivado de Plaquetas) que
mecanismos celulares e humorais. Estes são reforçados pela tem como consequência a migração de células musculares lisas
associação da AT com outras doenças autoimunes, como as e a proliferação intimal. Células Th17 estimuladas pela IL-23 do
do tecido conectivo, doenças endócrinas, doenças inflamató- microambiente também contribui com a lesão vascular através
rias crônicas e glomerulonefrites membranoproliferativas. da ativação de neutrófilos infiltrados. Apesar das controvérsias,
São observados também, defeitos na regulação de células T as células dendríticas agem em conjunto com os linfócitos B e
caracterizados pelo aumento de células T CD4+ e células T desencadeiam a produção de autoanticorpos antiendotélio, re-
CD8+ e a demonstração de uma interação anormal das célu- sultando em uma reação de citotoxicidade complemento depen-
las T com proteínas endoteliais e da matrix extracelular em dente contra as células endoteliais.36
pacientes com AT, nas quais as metaloproteinases da matrix A AT é uma pan-arterite que envolve todas a 3 camadas da
podem degradar elastina, colágeno e proteoglicanos e, assim, parede arterial. Histologicamente é caracterizada pelo espes-
contribuir com o dano tecidual, especialmente na formação samento da adventícia com infiltração celular de linfócitos e
de aneurismas. A citotoxicidade mediada por células pode ser plasmócitos, destruição de células musculares lisas e da rede de
demonstrada pela presença de Perforinas (proteínas forma- fibras elásticas pelo infiltrado inflamatório com posterior fibro-
doras de poros) no tecido aórtico de pacientes com AT e que se da camada média e íntima, acompanhada ou não por lesões
são marcadores da atividade celular das células Natural Killer. ateroscleróticas típicas.12 Com a progressão da doença, o pro-
Os altos níveis de gamaglobulina, de complexos imunes cir- cesso inflamatório pode promover a formação de aneurismas
culantes como o fator reumatoide comprovam a mediação de causando dissecção ou ruptura da parede vascular. O processo
mecanismos humorais na patogênese da AT. Foi demonstrado crônico, por outro lado, pode resultar em estenose do lúmen ar-
a presença de anticorpos antiaorta não específicos da AT e an- terial com ou sem a formação de trombos e posterior obstrução
ticorpos antiendotélio que podem ser utilizados como marca- do fluxo sanguíneo que induz a formação da circulação colateral
dores de atividade de doença e ter um papel patogênico na AT.5 e que clinicamente é caracterizada pela ausência de pulso.
Há ainda relatos de casos com agregação familiar e em gê- As artérias acometidas apresentam uma alternância de áreas
meos monozigóticos, fato que sugere uma predisposição genéti- intactas com áreas afetadas que é uma característica da AT.
ca. As diferenças étnicas das frequências alélicas e haplotípicas O processo inflamatório parece ter início no vasa vasorun
dos genes do HLA e a associação com algumas enfermidades da adventícia, em que numerosas células inflamatórias, prin-
autoimunes sugerem que eles poderiam ser marcadores de sus- cipalmente células T e macrófagos, podem ser observados ao
cetibilidade da doença.5,10,11 Vários estudos realizados com a aná- seu redor e invadindo outros níveis da camada média.
lise sorológica de antígenos de classe I e II tentam demonstrar A doença pode localizar-se em uma porção da aorta ab-
esta relação. Da classe I observou-se associação positiva do HLA- dominal, torácica e nos seus ramos ou comprometer toda a
-B52 e B39.2 em pacientes japoneses e coreanos, entretanto esta aorta. As artérias pulmonares também podem ser acometi-
associação não foi observada em pacientes mexicanos, norte- das em mais da metade dos casos. Em ordem decrescente de
-americanos e árabes. Em relação aos alelos de classe II, no Japão frequência estão acometidas as seguintes artérias: subclávia,
observou-se uma forte relação com DR2 e na Índia com DR8. descendentes, renal, carótida, ascendentes, aorta abdominal,
O antígeno B52 está associado a regurgitação aórtica, al- vertebral, ilíaca, inominata e pulmonar. A aorta proximal aco-
teração da perfusão ventricular esquerda e um prognóstico metida pode dilatar-se e resultar em uma insuficiência valvar
reservado. aórtica. A aorta abdominal e seus ramos são frequentemente
Com base nestes dados tem se sugerido que a suscetibili- acometidos, e o comprometimento das artérias mesentéricas,
dade genética da Arterite de Takayasu está localizada entre os celíaca e hepática proximal podem causar lesões isquêmicas
locus HLA-B e HLA-DR e DQ. nos intestinos e fígado. A estenose da artéria renal resulta em

650 Tratado Brasileiro de Reumatologia


hipertensão renal.12,13 A válvula mitral raramente é acometida Alterações dermatológicas como fenômeno de Ray-

„„ CAPÍTULO 49
„„
e nestes casos a Febre Reumática deve ser descartada.37 naud, eritema nodoso, úlceras periféricas, síndromes
urticariformes e livedo reticular.
„„ QUADRO CLÍNICO A AT tem um curso variável podendo evoluir de forma ra-
As principais manifestações clínicas da doença podem va- pidamente progressiva em alguns pacientes ou atingir a remis-
riar desde quadros assintomáticos diagnosticados pela ausên- são total em outros.
cia de pulso ou a presença de sopros, até quadros catastróficos Algumas manifestações clínicas, como hipertensão arterial
com grave comprometimento neurológico. A apresentação severa, insuficiência aórtica, retinopatia e a presença de aneu-
clínica da AT é dividida em duas fases: uma inicial, com pre- rismas, são indicadores de mau prognóstico de doença.
sença normal do pulso, porém com inflamação vascular e uma As causas de mortes mais comuns na AT são a insuficiência
fase tardia decorrente da oclusão arterial, caracterizada pela cardíaca congestiva, os acidentes vasculares cerebrais, os in-
ausência de pulso. fartos do miocárdio e a insuficiência renal.
Na fase inicial ou fase anterior à ausência de pulso, a doença
pode ser assintomática ou ser caracterizada pela presença de „„ DIAGNÓSTICO
sinais e sintomas sistêmicos inespecíficos, decorrentes de um
processo inflamatório sistêmico, como febre, suores noturnos, Como a AT não possui uma relação etiológica conhecida e
fraqueza, perda de peso, mialgia, artralgias, eritema nodoso, pe- por apresentar sinais e sintomas inespecíficos na sua fase ini-
ricardite, episclerite e dores no trajeto da carótida (carotidodi- cial, o seu diagnóstico, nesta fase, torna-se extremamente difícil
nia) que caracteriza-se por dor ou sensibilidade a palpação na e é realizado, na maioria das vezes, com um atraso que pode
bifurcação da aorta.14 Esta fase pode preceder em anos as altera- comprometer o prognóstico da doença. Este período compreen-
ções vasculares por não especifidade ou ausência dos sintomas dido entre o início dos sintomas e o diagnóstico aumenta à me-
que dificultam a realização precoce do diagnóstico. dida que diminui a faixa etária de incidência da doença.
A fase tardia (crônica) ou fase de ausência de pulso é decor- Devemos suspeitar do diagnóstico em pacientes do sexo
rente da fibrose com oclusão vascular e isquemia. Caracteriza-se feminino que apresentem sinais de insuficiência vascular
pelo desenvolvimento de insuficiência vascular com formação de como síncopes, claudicação com predomínio de membros
estenoses e aneurismas que se apresentam de forma fusiforme superiores, diferença de pressão arterial entre os membros e
ou sacular comprometendo, principalmente, a artéria subclávia presença de sopros.
esquerda, manifestando sinais e sintomas como: Para facilitar e uniformizar a classificação da doença são
„„ Febre, dispneia, hemoptise, cefaleia, vertigens, angina, utilizados critérios, sendo que os mais utilizados são os crité-
dores torácicas. rios diagnósticos definidos pelo American College of Rheuma-
tology, em 1990, que apresentam uma sensibilidade de 90,5%
„„ Claudicação, principalmente, nos membros superiores. e especificidade de 97,9% (Tabela 49.1).16
„„ Diminuição ou ausência de pulso com a diferença de pres-
são sistólica maior que 10 mmHg entre os membros.
„„ Hipertensão arterial secundária, principalmente, a este-
Tabela 49.1 Critérios diagnósticos da arterite de Takayassu
nose renal o que indica piora do prognóstico da doença.
(ACR – 1990).
„„ Presença de sopros vasculares, principalmente sobre
as carótidas e com menor frequência sobre as artérias Critério Definição
renais e femorais.
Início dos sintomas ou achados
„„ Sinais de insuficiência aórtica. Idade de instalação da doença
relacionados com a AT até a idade de
Inferior a 40 anos
„„ Insuficiência cardíaca congestiva, que pode estar rela- 40 anos.
cionada com hipertensão arterial, insuficiência aórtica, Aparecimento ou piora da fadiga e
doença coronariana e cardiomiopatia dilatada. É a cau- desconforto nos músculos de uma ou
Claudicação de extremidades
sa mais comum de morte nestes pacientes. mais extremidades, quando em uso,
„„ Hipertensão pulmonar que pode ser assintomática. principalmente dos membros superiores.
„„ Doença arterial coronariana que pode ser assintomática Diminuição do pulso na artéria Diminuição da pulsação uni ou bilateral.
ou ser detectada após quadro de angina, infarto do mio- braquial
cárdio ou insuficiência cardíaca congestiva. Três tipos Diferença de pressão arterial Diferença da PA sistólica > 10 mmHg
de doença coronariana podem ser identificados: secun- > 10 mmHg entre os membros superiores.
dária a estenose ou oclusão do orifício arterial corona-
Sopro audível à ausculta sobre a artéria
riano e segmento proximal da coronária, arterite focal Sopro sobre a artéria subclávia
subclávia uni ou bilateral ou aorta
ou difusa da coronária e a secundária ao aneurisma da ou aorta
abdominal.
coronária.15
Estreitamento ou oclusão da aorta,
„„ Sintomas neurológicos, como ataques isquêmicos tran-
seus ramos primários, ou das grandes
sitórios, infartos cerebrais, encefalopatia hipertensiva artérias proximais das extremidades
e tonteiras. superiores ou inferiores, não devido à
„„ Retinopatia hipertensiva. Anormalidades arteriográficas arteriosclerose, displasia fibromuscular
„„ Distúrbios visuais dependentes da postura, como diplo- ou causa similar.
pia, amaurose, geralmente bilaterais, que caracterizam o Alterações são geralmente focais ou
acometimento das artérias carótidas e vertebrais. segmentares.

Arterite de Takayassu 651


O paciente deve preencher pelo menos 3 desses 6 critérios
„„ SEÇÃO 7.1   VASCULITES

para ser classificado como portador de arterite de Takayasu.


Os exames de imagens são fundamentais para o auxílio
diagnóstico. O espessamento da parede do vaso, estenose,
oclusão e dilatação são as lesões características da AT. São uti-
lizados a arteriografia, a tomografia computadorizada, tomo-
grafia helicoidal, ressonância magnética, angior-ressonância e
o PET-Scan.
A arteriografia é o exame padrão-ouro para diagnóstico
e acompanhamento da doença, entretanto ela está limitada
à detecção das alterações do diâmetro luminal, como esteno-
ses, oclusões, dilatações pós-estenóticas e aneurismas que são
típicas da fase tardia da doença (Figuras 49.1 e 49.2).17 Com
este método não se detecta a inflamação vascular nem o ede-
ma parietal característico das fases iniciais, não permitindo a
realização do diagnóstico na fase pré-estenótica o que permi-
tiria o tratamento da doença em uma fase potencialmente re-
versível. Além disso, pode apresentar complicações potenciais
decorrentes do uso de contraste iodado, exposição a radiações
ionizantes e por ser um método invasivo. Em 1996, na confe-
rência internacional sobre arterite de Takayasu, foi proposta
uma nova classificação arteriográfica (Figura 49.3).18
O eco-Doppler vascular permite um diagnóstico mais pre- Figura 49.2 Arteriografia que mostra o comprometimento do
ciso da AT apresentando algumas vantagens sobre a arterio- tronco braquio-cefálico com neovascularização e formação de cir-
grafia por detectar o espessamento da íntima e da média e ser culação colateral.
superior na detecção e quantificação das alterações hemodi-
nâmicas. É um método eficiente, confiável, mais barato e sem
complicações, porém também possui suas limitações como di-
ficuldade para avaliação adequada da artéria pulmonar, aorta
torácica e alguns ramos da aorta abdominal.19,20
A tomogafia helicoidal detecta edema da parede, esteno-
ses, oclusões e dilatações que ocorre nos grandes vasos, porém
apresenta restrições devido à exposição, à radiação ionizante e
à necessidade do uso de contraste iodado.20,21

I IIa IIb III IV V

Figura 49.3 Classificação arteriográfica.


Tipo I – Envolvimento exclusivo dos ramos do arco aórtico.
Tipo IIa – Envolvimento da aorta ascendente, arco aórtico e seus ramos.
Tipo IIb – Combinação do tipo IIa e envolvimento da aorta torácica descendente.
Tipo III – Envolvimento da aorta torácica descendente, aorta abdominal e/ou artérias
renais.
Tipo IV – Envolvimento apenas da aorta abdominal e/ou artérias renais.
Tipo V – Combinação dos tipos IIb e IV.

A ressonância magnética com uso de contraste e a angior-


ressonância são úteis na análise da distribuição da doença e na
detecção de estenoses, oclusões, dilatações e, principalmente,
o edema da parede sem estenose, o que caracteriza um proces-
so inflamatório. O reforço com o gadolínio da parede do vaso
e o edema parietal detectado pela ressonância pode ser um
guia útil de atividade de doença e controle de tratamento.20,22-23
Figura 49.1 Arteriografia que mostra a obstrução dos ramos da
aorta ascendente com dilatação do arco e formação de circulação Ultimamente tem-se utilizado a tomografia com emissão
colateral. de pósitrons (PET) por mostrar os vasos acometidos, devido à

652 Tratado Brasileiro de Reumatologia


atividade inflamatória com aumento na captação da 18-Fluor- te o metotrexato são usados isoladamente ou em associação

„„ CAPÍTULO 49
desoxiglicose que permite a identificação precoce de todos os com o corticóide, obtendo-se um bom resultado. O micofeno-
vasos afetados. Isto possibilita que este método auxilie na rea- lato mofetil e a leflunomida também têm sido usados nos ca-
lização de um diagnóstico precoce e no controle da resposta sos refratários ao uso de corticosteroide ou nos casos que haja
terapêutica uma vez que a captação diminui com a remissão dificuldade de redução nas dosagens dos mesmos.28 O uso da
da doença.20,23,24 terapia antifator de necrose tumoral tem sido usada em alguns
A avaliação laboratorial em nada contribui para o diagnós- casos de doença recidivante não responsiva a terapêutica ha-
tico da doença, pois não existem testes laboratoriais específicos bitual com bons resultados e uma remissão sustentada.29,30,31
para a AT. Não existem parâmetros laboratoriais específicos Em alguns relatos de casos o tocilizumab (anticorpo contra o
que indiquem atividade inflamatória. A velocidade de hemos- receptor de IL-6) também já tem sido usado no tratamento da
sedimentação (VHS) e a proteína C reativa PCR estão elevadas AT refratária com sucesso.32,33 O uso desta nova modalidade de
na maioria dos pacientes com doença ativa, mas não são bons tratamento (terapia biológica), apesar de promissora, necessi-
preditores de eventos agudos, recidivas ou morte. A monitori- ta de mais estudos para seu estabelecimento como alternativa
zação dos níveis circulantes de matrix metaloproteinases 3 e 9 segura de tratamento. O controle de outras alterações decor-
pode ser usado para aferir atividade de doença e avaliação de rentes da AT deve ser sempre realizado. A hipertensão arterial
tratamento.25 Estudos em que foram avaliadas as citocinas in- pode ser difícil de tratar e pode ter seu controle dificultado
flamatórias mostraram aumento da IL-6 e IL-18 na arterite de pelo uso de corticosteroides. O uso de inibidores da enzima
Takayasu. A IL-18 mostrou relação com a atividade de doença, conversora de angiotensina pode ser necessário devido a
portanto a dosagem de sua concentração pode ser útil como grande frequência de estenose da artéria renal como causa da
marcador para monitorização de resposta terapêutica.26 Apesar hipertensão. O uso de antiagregantes plaquetários e anticoa-
das limitações das provas de fase aguda clássicos (VHS e PCR), gulantes devem ser usados em caso de trombose e medidas
nenhum dos novos marcadores estudados até o momento po- para o controle da aterosclerose devem ser sempre tomadas.
dem substituí-los no diagnóstico e monitorização da AT. Procedimentos intervencionistas devem ser usados nos
A avaliação de atividade da doença permanece um desafio, pacientes que necessitem de revascularização. Estes podem
pois nem sempre a atividade inflamatória vascular expressa ser percutâneos ou cirúrgicos e são realizados de forma bas-
alterações clínicas e/ou laboratoriais.38 tante segura e com baixos índices de morbidade e mortalida-
de. São indicados nos casos de estenoses arteriais acentuadas
das artérias renais, coronárias ou em membros inferiores, que
„„ TRATAMENTO
manifestem claudicação, limitem as atividades diárias e/ou
O tratamento da AT é dividido em tratamento clínico, que promovam manifestações de insuficiência arterial cerebral ou
visa o controle do quadro inflamatório e tenta evitar as al- estenose crítica de pelo menos 3 artérias cerebrais.
terações estruturais nas paredes dos vasos, e o outro, inter- A angioplastia transluminal percutânea com ou sem a co-
vencionista, que tem como objetivo corrigir as alterações já locação de stents é indicada para tratamento das artérias re-
instaladas e a recuperação total ou parcial da função perdida. nais, coronárias, subclávias e ilíacas com grande êxito, porém
O tratamento clínico tem como droga de primeira linha o as reestenoses são muito frequentes, principalmente após o
corticosteroide em altas doses (prednisona 1 a 2 mg/kg/dia) primeiro ano do procedimento. Estes procedimentos devem
para tratar a fase ativa da doença com objetivo de controlar os ser realizados fora do período de atividade de doença para
sintomas e evitar as estenoses e formação de aneurismas vas- evitar a trombose pós-operatória, a trombose do enxerto e ou-
cular. Com a melhora clínica e laboratorial deve-se iniciar a re- tras complicações. Para os casos que a angioplastia não possa
dução da droga. Entretanto Kerr et al. mostraram que 40% dos corrigir as alterações arteriais, as cirurgias de bypass devem
pacientes apresentaram falhas ao tratamento com o uso iso- ser realizadas. O material usado no enxerto pode ser autólogo
lado de corticosteroides.27 Para estes pacientes a terapia com ou sintético. Técnicas de revascularização também são úteis
drogas citotóxicas têm sido prescritas com relativo sucesso. A dependendo da artéria a ser abordada. O tratamento cirúrgico
ciclofosfamida, a ciclosporina A, a azatioprina e principalmen- para os aneurismas é raro, pois estes são estáveis.34,35

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Arterite de Takayassu 653


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654 Tratado Brasileiro de Reumatologia


50

Capítulo
Boris Cruz

Síndrome de Churg-Strauss
„„ INTRODUÇÃO tração tissular eosinofílica, formação de granuloma e vasculite
necrotizante envolvendo vasos de pequeno calibre.4 No entan-
A síndrome de Churg-Strauss é uma forma rara de vas- to, tendo em vista a evolução em fases, as três características
culite de vasos de pequeno calibre que usualmente ocorre podem não coexistir em todos os pacientes.
em pacientes que apresentam asma e eosinofilia. O pulmão,
Estudos recentes indicam que a síndrome de Churg-
a pele e os nervos periféricos são os órgãos mais comumen- -Strauss é um processo autoimune envolvendo leucócitos,
te acometidos. Apesar de menos frequente, o envolvimento principalmente eosinófilos, linfócitos e células endoteliais.
do coração, dos rins e do trato gastrointestinal e do sistema O comprometimento da apoptose de linfócitos e eosinófilos
nervoso central está associado à pior prognóstico. O anticorpo CD95 é descrito a pacientes com Churg-Strauss e, se associada,
anticitoplasma de neutrófilo pode ser verificado em 40 a 60% à expansão oligoclonal de linfócitos T. Aumento na concentra-
dos pacientes, pelo que angiite de Churg-Strauss é classifica- ção sérica da proteína catiônica eosinofílica e interleucina – 5
da como vasculite associada ao anticorpo anticitoplasma de (indicando ativação de eosinófilos), aumento da interleucina
neutrófilco (Anca) ao lado da Granulomatose de Wegener, da – 2 (indicando ativação de células T) e trombomodulina (indi-
Poliangiite microscópica e da Glomerulonefrite rapidamente cando dano endotelial) são descritos nestes pacientes.1
progressiva pauci-imune.1,2
A presença do Anca em até 2/3 dos pacientes sugere que
O termo granulomatose alérgica e angiite também é usa- este anticorpo seja determinante no desenvolvimento da
do para descrever estes pacientes, devido às características doença. Anticorpos anticitoplasma de neutrófilos podem ati-
histológicas que combinam infiltrado inflamatório rico em var estas células in vivo, induzir a degranulação e liberação de
eosinófilos, vasculite necrotizante e granulomas vasculares e radicais livres de oxigênio, culminando com inflamação e des-
extravasculares. Trata-se de uma doença rara com incidência truição vascular. No entanto, ainda que o Anca possa amplifi-
variando de 0,5 a 6,8 pacientes por milhão de habitantes. Em car o processo inflamatório em pacientes com Churg-Strauss,
pacientes com asma a incidência anual pode chegar a 97 pa- ele não é entendido como fundamental no desenvolvimento
cientes por milhão.1 da doença, tendo em vista sua ausência em ao menos 1/3 dos
pacientes.5 Outros estudos mostram diferenças fenotípicas em
„„ HISTOLOGIA E FISIOPATOLOGIA pacientes com Churg-Strauss que apresentam Anca em relação
aos pacientes que não apresentam este anticorpo. A presença
A causa da síndrome de Churg-Strauss é desconhecida. Es- do Anca está associada a maior frequência de glomerulonefri-
pecula-se que um agente externo poderia desencadear inflama- te, neuropatia periférica e vasculite comprovada por biópsia.
ção alérgica em indivíduos geneticamente suscetíveis, levando A ausência do Anca está mais associada à cardiopatia. Os au-
a asma e rinossinusite. Alergénos inalados, vacinas e infecções tores sugerem que a positividade do Anca reflete um processo
(bacterianas ou parasitárias) são descritos como fatores desen- vasculítico propriamente dito, enquanto a ausência do Anca se
cadeantes. Após a fase prodrômica clinicamente expressa como associa a outro fenótipo clínico que pode corresponder a outro
asma e rinossinusite alérgica, ocorre eosinofilia no sangue peri- mecanismo patogênico ainda a se definir.6
férico e infiltração eosinofílica de órgãos, como o pulmão, cora-
ção e trato gastrointestinal. Segue-se, então, a terceira fase com
„„ APRESENTAÇÃO CLÍNICA
vasculite propriamente dita em outros órgãos e tecidos como
pele, nervos periféricos e rins, associada à ativação de células T A síndrome de Churg-Strauss pode acometer virtualmen-
e adesão endotelial. Estas três fases distintas – asma, eosinofilia te qualquer órgão. Sintomas sistêmicos como febre, fadiga e
(em sangue periférico e tissular) e vasculite sistêmica – ocor- perda ponderal são muito comuns. Artralgia é descrita com
rem na maioria dos pacientes, sugerindo que mecanismos fisio- frequência, mas artrite propriamente dita é rara.
patológicos se desenvolvem ao longo do tempo.1,3 O envolvimento pulmonar é universal. Asma ocorre em
Em seu artigo original de 1956, Churg e Strauss delinea- praticamente todos os pacientes, mas algumas séries descre-
ram três características patológicas associadas à doença: infil- vem pacientes que desenvolveram asma após outros sintomas

655
da vasculite. A gravidade da asma progride com a doença, mas ser seguida de perfuração intestinal. Peritonite eosinofílica,
„„ SEÇÃO 7.1   VASCULITES

pode melhorar após o início dos sintomas vasculíticos sistêmi- colecistite e pancreatite também já foram descritas.
cos. Infiltrados pulmonares ocorrem na maioria dos pacientes Acometimento renal na forma de glomerulonefrite é des-
(Figura 50.1). A alteração radiológica mais comum é conso- crito em menos de 20% dos pacientes. O padrão histológico
lidação alveolar multifocal, bilateral e móvel. Até 75% dos mais comum é glomerulonefrite focal com necrose e/ou for-
pacientes apresentam envolvimento do trato respiratório su- mação de crescentes. No entanto, insuficiência renal pro-
perior na forma de rinite alérgica ou rinossinusite. Por vezes, priamente dita é menos frequente (< 5%) em comparação a
pode ocorrer descargas nasais piossanguinolentes, formação pacientes com outras formas de vasculite associada ao Anca.
de crostas e destruição osteocartilaginosa como em pacientes Pericardite é relativamente frequente. Endomiocardite eo-
com Granulomatose de Wegener. Hemorragia alveolar é me- sinofílica ocorre em cerca de 10% dos pacientes e é uma das
nos frequente (< 5%) em comparação a pacientes com Granu- principais causas de mortalidade. A apresentação clínica inclui
lomatose de Wegener ou Poliangiite Microscópica. insuficiência cardíaca congestiva rapidamente progressiva e/
Lesões de pele são comuns e variáveis. A apresentação ou distúrbios de condução cardíaca.
mais comum é púrpura palpável, mas outras formas de lesões Eosinofilia periférica definida como contagem de eosinó-
cutâneas podem incluir nódulos, úlceras, urticária, livedo reti- filos maior que 1.500 células/mm3 ocorre na quase totalidade
cular e isquemia crítica de extremidades. dos casos. São descritos pacientes sem eosinofilia periférica sig-
O acometimento do sistema nervoso periférico ocorre nificativa, mas com eosinofilia tecidual. O Anca é positivo em 30
em até 2/3 dos pacientes, essencialmente como mononeuri- a 60% dos pacientes, na maior parte dos casos em seu padrão
te múltipla com progressão aguda ou subaguda. Quando um perinuclear e devido à positividade do anticorpo antimielope-
paciente com asma desenvolve mononeurite múltipla o diag- roxidase. Outras alterações com menor especificidade incluem
nóstico de síndrome de Churg-Strauss é praticamente certo. O anemia, leucocitose e elevação de provas inflamatórias.1,3,7
envolvimento do sistema nervoso central é menos frequente
e pode incluir isquemia focal, disfunção de pares cranianos
também por isquemia, hemorragia intraparenquimatosa e en- „„ DIAGNÓSTICO
cefalopatia difusa. O diagnóstico da Síndrome de Churg-Strauss é primaria-
Um terço dos pacientes apresentam acometimento do tra- mente clínico, a partir da combinação dos achados clínicos e
to gastrointestinal. Dor abdominal é o sintoma mais comum. laboratoriais mais característicos em um paciente com ma-
Gastroenterite eosinofílica com diarreia sanguinolenta pode nifestações compatíveis com vasculite sistêmica. Sempre que

Figura 50.1 Infiltrados alveolares em tomografia computadorizada de tórax de paciente com síndrome de Churg-Strauss.

656 Tratado Brasileiro de Reumatologia


possível, a confirmação de infiltrado eosinofílico e vasculite é „„ PROGNÓSTICO E TRATAMENTO

„„ CAPÍTULO 50
de valia (Figura 50.2). A apresentação mais característica do
diagnóstico ocorreu em um adulto previamente saudável, que O prognóstico de pacientes com Síndrome de Churg-
desenvolveu asma e/ou rinossinusite associada à infiltrados -Strauss é usualmente bom. Estudos de longa evolução mos-
pulmonares móveis e/ou eosinofilia, seguida de sinais e sin- tram remissão em 81 a 92% dos pacientes, mas recidivas
tomas usuais de vasculite. Critérios de classificação foram de- ocorrem em até 40% dos pacientes. Em um grande estudo, a
senvolvidos para a melhor definição desta doença e podem ser sobrevida em 5 anos foi 78% e 5 fatores estiveram associados
de valia para seu diagnóstico (Tabela 50.1).2-4,8 a maior mortalidade: 1) azotemia (creatinina sérica maior que
1,58 mg/dL), 2) proteinúria maior que 1 g/24 horas, 3) envol-
vimento do trato gastrointestinal, 4) cardiomiopatia; 5) envol-
vimento do sistema nervoso central. O risco relativo de morte
aumenta com a presença destas características e sua ausência,
como em pacientes com envolvimento muscular e dos nervos
periféricos, está associada a um melhor prognóstico.9,10
Corticoide é a base do tratamento. A dose usual se iniciar
com Prednisona 1 mg/Kg/dia ou equivalente com redução pro-
gressiva após o controle dos sintomas atribuídos à doença. Em
pacientes com envolvimento multiorgânico agudo a adminis-
tração de corticoide em pulsoterapia – metil-prednisolona 1 g/
dia por 3 dias, seguida de corticoide oral – é de valia. A adição de
ciclofosfamida seja oral ou também como pulsoterapia é reserva-
da a pacientes com 1 ou mais dos 5 fatores de pior prognóstico
descritos acima. Outros imunossupressores, como methotrexate
ou azatioprina, são de valia como poupadores de corticoide em
pacientes com melhor prognóstico ou após indução da remissão
com ciclofosfamida. 1,11 Outros agentes já descritos como eficazes
em relatos de casos ou séries de casos não controlados incluem:
Figura 50.2 Biópsia muscular de paciente com síndrome de imunoglobulina humana endovenosa, ciclosporina, micofenolato
Churg-Strauss, mostrando vasculite necrotizante com infiltrado mofetil, interferon a e rituximab (Tabela 50.2).12-14
rico em eosinófilos.

Tabela 50.1 Definições da síndrome de Churg-Strauss.

Churg e Strauss (1951) Lanham et al. (1984) American College of Rheumatology (1991) Consenso de Chapell Hill

1. História de asma 1. Asma 1. Asma Inflamação granulomatosa rica


2. Eosinofilia tecidual 2. Eosinofilia maior que 1.500 2. Eosinofilia maior que 10% em eosinóflos envolvendo o trato
3. Vasculite sistêmica céls/mm3 3. Neuropatia, mononeuropatia ou polineuropatia respiratório e vasculite necrotizante
4. Granuloma extra-vascular 3. Evidência de vasculite em ao 4. Infiltrados pulmonares de vasos de médio a pequeno
5. Necrose fibronoide de tecido menos 2 orgãos 5. Anormalidades de seios paranasais calibre, associados à asma e à
conectivo 6. Infiltrado eosinofílico extra-vascular em biópsias eosinofiliar

Tabela 50.2 Tratamento da síndrome de Churg-Strauss.

Prognóstico Tratamento
Pacientes sem critérios de pior Corticoide (Prednisona 1 mg/kg/dia) com redução progressiva após o controle dos sintomas.
prognóstico Pulsoterapia (metil-prednisolona 1 g/dia por 3 dias) é de valia em pacientes com apresentação multiorgânica aguda
Pacientes com 1 ou mais critérios Corticoide como descrito acima associado
de pior prognóstico (ver texto) Ciclofosfamida (2 mg/kg/dia por via oral ou pulsoterapia 0,6 g/m2 superfície corporal/mês)
Outros imunossupressores Azatioprina e Methotrexate são de valia em como poupador de corticoide em pacientes sem critérios de pior prognóstico
ou como terapia de manutenção em pacientes com critérios de pior prognóstico que receberam ciclofosfamida como
indução de remissão
Terapias alternativas descritas em Imunoglobulina humana endovenosa
estudos não controlados Ciclosporina
Micofenolato mofetil
Interferon alfa
Terapia anti-TNF
Rituximab

Síndrome de Churg-Strauss 657


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„„ SEÇÃO 7.1   VASCULITES

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658 Tratado Brasileiro de Reumatologia


8 Seção

Osteoartrite
(Doença Articular Degenerativa)
51

Capítulo
Ibsen Belline Coimbra  Arlete Maria Valente Coimbra

Etiopatogenia e Classificação da
Osteoartrite e Condições Correlatas
„„ OSTEOARTRITE com melhora na sua dureza e na sua resistência às deformida-
des e às forças de compressão.4 As zonas da cartilagem arti-
Entende-se atualmente a osteoartrite (OA), artrose ou cular são a superficial, a medial, a profunda e a calcificada. As
doença articular degenerativa, como um grupo de doenças propriedades materiais dos componentes da MEC produzidos
com características semelhantes, causadas por diferentes pelas células presentes nas diferentes zonas também são di-
etiologias, tendo em comum os mesmos achados biológicos, ferentes, por serem determinadas pela natureza bioquímica,
morfológicos e manifestações clínicas. A doença afeta princi- conteúdo e organização das macromoléculas presentes na ma-
palmente a cartilagem articular e também o osso subcondral, triz. Em experimento no qual as diferentes zonas foram isola-
ligamentos, cápsula, membrana sinovial e músculos periarti- das e cultivadas, diferenças contundentes foram encontradas,
culares, constituindo-se em uma verdadeira insuficiência da no que diz respeito à morfologia, metabolismo, estabilidade
articulação sinovial. Em última análise, a cartilagem articular fenotípica e responsividade aos estímulos provocados pela
se degenera com o surgimento de fibrilação, fissuras, ulcera-
interleucina-1β.5
ções e um completo adelgaçamento de toda a superfície da
articulação.
As células adultas
O tecido cartilaginoso e a osteoartrite Os condrócitos desempenham inúmeras funções, tanto
no desenvolvimento fetal, quanto na vida após o nascimento,
Dentre todas as estruturas acometidas, a cartilagem arti-
constituindo-se no único elemento celular da cartilagem adul-
cular é a mais acometida durante o processo de surgimento
ta das articulações diartrodiais. Apesar de suas importantes
da OA. Esta enfermidade reflete o desequilíbrio patológico
funções, correspondem cerca de 2 a 5% do volume total da
entre os processos de degradação e de reparação, envolvendo
cartilagem e são pouco ativos metabolicamente, em razão da
toda a articulação e partes de seus componentes, com altera-
ções inflamatórias secundárias, particularmente na sinóvia, falta de vascularização e inervação da cartilagem, a despeito
com ou sem repercussão no quadro clínico dos pacientes, mas de serem bastante responsíveis aos estímulos mecânicos, fa-
também na própria cartilagem.1,2 Sabe-se que cartilagem ar- tores de crescimentos às citocinas, propriedade que confere a
ticular é constituída pela matriz extracelular (MEC), sinteti- eles um papel de extrema importância sobre a manutenção da
zada pelos elementos celulares presentes no tecido adulto, os homeostase tecidual normal, quer de maneira positiva, quer
condrócitos.3 Nas articulações sinoviais, a cartilagem é hialina, negativa. Em condições fisiológicas, os condrócitos mantêm
com superfície branca e lisa, voltada para a cavidade articular um ativo sistema de transporte por entre suas membranas
por um lado e ao osso subcondral, por meio de uma fina ca- para a realização das trocas iônicas, incluindo-se Na+, K+, Ca2+ e
mada de cartilagem calcificada, por outro. A organização da H+, cujas concentrações intracelulares oscilam de acordo com
matriz extracelular e a distribuição de zonas são ligeiramente a carga e as alterações na composição da matriz cartilaginosa.6
diferentes na cartilagem imatura quando comparadas com a A glicose exerce praticamente duas funções, a primeira como
cartilagem adulta. Em indivíduos jovens, a camada superficial a maior fonte de energia para as células, e a segunda como
é mais espessa e a estratificação celular mais desorganizada, precursora essencial na síntese dos glicosaminoglicanos. O
com distribuição mais aleatória dos condrócitos. Na medida transporte da glicose para dentro dos condrócitos é facilitado
em que o tecido amadurece, há um maior grau de anisotro- e mediado por diversas e distintas proteínas transportadoras
pia com melhor organização, tanto dos elementos celulares de glicose. O metabolismo do condrócito ocorre em baixa ten-
quanto daqueles componentes da matriz extracelular em zo- são de oxigênio, variando de 10% na superfície até menos de
nas bem definidas. Estas alterações são acompanhadas por um 1% nas zonas mais profundas. Durante a hipóxia fisiológica, e
aumento significativo na competência mecânica da cartilagem, mesmo em concentrações normais de oxigênio como demons-

661
trado in vitro, o fator induzido por hipóxia-1α (HIF-1α) atua da MEC na medida em que a lesão progride. No líquido sinovial
„„ PARTE 8   OSTEOARTRITE (DOENÇA ARTICULAR DEGENERATIVA)

como um fator de sobrevivência para a célula mergulhada em de pacientes com OA é possível detectar-se a presença de frag-
uma matriz avascular, permitindo, assim, a manutenção da mentos do agrecano tanto gerado por ação das MMPs quanto
homeostase e a sua capacidade de resposta às mudanças do daqueles produzidos pela ação direta das agrecanases.12 Os
ambiente.7,8 A matriz extracelular da cartilagem é constituída produtos da quebra do colágeno II induzida pela MMP-13, bem
por uma rede de proteínas colágenas, compostas por fibrilas como a própria enzima MMP-13 já foram identificados, através
de colágeno do Tipo II que interagem com colágenos dos tipos do uso de anticorpos monoclonais específicos para este fim, na
IX e XI, que conferem força tênsil e facilita a retenção dos pro- cartilagem proveniente de pacientes com OA.13,14 Acredita-se
teoglicanos, outro importante grupo de moléculas não coláge- que o rompimento mecânico entre a associação condrócito-
nas da MEC, além de pequenas quantidades de outras fibras -MEC possa levar à alterações da resposta metabólica dos con-
colágenas, como os dos tipos X e XIV. O proteoglicano agreca- drócitos.15 Já foram identificados nos condrócitos receptores
no é uma macromolécula constituída por um core proteico ao que respondem ao estresse mecânico, bem como ao estímulo
qual se ligam covalentemente os glicosaminoglicanos (GAG), dos fragmentos liberados com a quebra dos componentes da
especialmente os sulfatos 4 e 6 de condroitina, assim como o matriz cartilaginosa, como a fibronectina, que possui a capa-
keratan sulfato. Além destes, por meio da proteína de ligação, cidade de interagir com as integrinas presentes na superfície
presente em uma das extremidades do agrecano, este macroa- celular, interação esta que tem a propriedade de estimular, per
gregado se liga aos polímeros do ácido hialurônico, conferindo se, a produção de novas metaloproteinases, que por sua vez
à cartilagem resistência à compressão.9,10 Um grande número vão atuar sobre a degradação da MEC.16 Este comportamen-
de outros componentes, incluindo os proteoglicanos menores to anômalo dos condrócitos, observado nas células obtidas de
e outras proteínas não colágenas que participam para conferir pacientes com OA, se reflete no aparecimento das fibrilações
à matriz da cartilagem suas propriedades específicas e ímpa- que surgem na superfície da cartilagem, na evidente depleção
res. A matriz pericelular é distinta, contendo pouco ou nenhum dos elementos da matriz, na formação de aglomerados celula-
colágeno fibrilar, entretanto ali estão presentes as microfibri- res (clusters) e na desorganização observada na quantidade,
las de colágeno do tipo VI, que têm a capacidade de interagir distribuição e mesmo na composição das proteínas da MEC.17
com o ácido hialurônico, pequenos proteoglicanos e moléculas Nas fases iniciais da OA, um aumento transitório na prolifera-
localizadas na superfície da célula, com o intuito de manter o ção dos condrócitos pode ocorrer e se associa a um aumen-
condrócito anexado ao restante da matriz.11 Uma vez formada to na produção das proteínas da MEC, o que na maioria das
a cartilagem no adulto, a taxa de reparação das proteínas con- vezes é interpretada como uma resposta reparadora. Estudos
tidas na matriz ocorre em uma velocidade muito lenta, prati- genômicos e proteômicos da expressão gênica total nota-
camente inexistente, razão pela qual a meia-vida de uma fibra ram um aumento na expressão do gene do colágeno do tipo
colágena pode chegar a 100 anos, enquanto as subfrações do II (COL2A1) na cartilagem proveniente de pacientes com OA
core proteico do agrecano não raro podem ter uma vida mé- inicial,18,19 possivelmente relacionados com níveis aumentados
dia que varia de 3 a 24 anos. Os GAGs e outros constituintes de fatores que desempenham função anabólica, como a pro-
da matriz cartilaginosa, incluindo-se o biglicano, a decorina, a teína morfogenética óssea-2 (BMP-2) e inibina βA/ativina.18-20
proteína oligomérica da matriz cartilaginosa (COMP), tenasci- Estes e outros membros da família do fator transformador de
nas e matrilinas também podem ser produzidas pelos condró- crescimento TGF-β podem estimular a síntese de agrecano, ao
citos, também com uma velocidade muito baixa. No entanto mesmo tempo que promovem a formação de fibrocartilagem e
é necessário frisar que há diferenças regionais em relação às osteófitos, estruturas ósseas na periferia da superfície da car-
atividades de remodelação dos condrócitos e do turnover da tilagem. Colágenos do tipo III e VI, que podem estar presentes
MEC, que parecem ser mais rápidas e intensas nas zonas ime- em baixos níveis na cartilagem normal, e também variantes
diatamente pericelulares. do gene do colágeno tipo II e colágeno do tipo X (ausentes da
cartilagem adulta), podem ser encontrados em diferentes es-
tágios de evolução da OA. Também outros genes, que em con-
Etiopatogenia dições normais não deveriam ser expressos em condrócitos,
Na OA, os condrócitos têm papel-chave no equilíbrio en- já foram observados com condrócitos de OA, enquanto outros
tre a produção e a degradação da matriz cartilaginosa e, por que deveriam ser expressos, como o gene do fator de transcri-
consequência, da manutenção da função da cartilagem. São ção Sox-9, específico da cartilagem normal, o fazem em níveis
responsáveis pela síntese dos elementos da MEC como já des- diminuídos e não se correlacionam com a expressão do CO-
crito, mas também são eles os responsáveis pela produção das L2A1.21,22 Em estágios mais avançados, a estrutura complexa
enzimas proteolíticas que a quebram, as metaloproteinases da MEC da cartilagem já não pode mais ser replicada, notada-
(MMPs), como a MMP-1, MMP-3, MMP-8 e MMP-13, além das mente se já tiver ocorrido injúria grave na rede colágena. Por
agrecanases, a desintegrina e metaloproteinase com trombos- fim, a resposta condrocitária ao estresse pode levar à perda de
pondina-4 e -5 (ADAMTS). Expressam citocinas pró-inflamató- células viáveis, seja em razão da apoptose, seja em razão do
rias, como a IL-1β e o TNF-α, e fatores de crescimento, como o envelhecimento celular per se.23
TGF-β. Normalmente, a produção e a destruição da matriz en- Recentemente, o aspecto genético (OA apresenta envol-
contram-se em perfeito equilíbrio. Quando fatores mecânicos, vimento poligênico) como vimos, além do bioquímico, vêm
induzindo o aumento da expressão de citocinas inflamatórias, destacando-se na evolução dos conhecimentos dos mecanis-
e biológicos atuam rompendo este equilíbrio, com predomínio mos etiopatogênicos da OA, no entanto, o aspecto inflamatório
da destruição, surge a OA. Assim, a OA é considerada, como já também não pode ser esquecido. OA não pode ser considerada
descrito acima, como resultante da quebra deste equilíbrio. A ainda como uma artropatia inflamatória clássica, uma vez que
perda local de proteoglicanos e da molécula do colágeno tipo não se determinou até o momento a presença de neutrófilos
II ocorre inicialmente na superfície da cartilagem, levando a no líquido sinovial em pacientes com OA e muito menos se
um aumento no conteúdo de água e perda da força de tensão observam manifestações sistêmicas da inflamação, embora as

662 Tratado Brasileiro de Reumatologia


evidências da participação molecular de elementos da infla- bidora do processo degenerativo. Também os fatores de cres-

„„ CAPÍTULO 51
mação cada vez mais se tornam mais robustas na literatura. cimento ou diferenciação, (família TGF-b/BMPs, IGF e FGF)
Sinovite, no entanto, é comum nas formas mais avançadas e são importantes na homeostase da cartilagem. Os mediadores
envolve a infiltração de células mononucleares. A produção lipídicos, como a PGE2 e a COX-2 induzidas pela IL-1, partici-
aumentada de mediadores inflamatórios também foi obser- pam do processo de destruição da MEC, aumentando a pro-
vada nas formas precoces da OA, embora sem manifestação dução de MMPs. O óxido nítrico, aumentado na OA, estimula a
clínica evidente.24 apoptose celular. O osso subcondral também está envolvido na
A produção suprafisiológica de citocinas inflamatórias patogenia da OA, relacionando-se com a reparação das lesões
que ocorre na OA é considerada como desencadeante da des- teciduais, mecanismo que não funcionaria adequadamente. Fi-
truição da matriz cartilaginosa e, como já citado, as mais im- nalmente, a participação ativa da sinóvia, como a maior fonte
portantes são a IL-1β e o TNF-α, além das prostaglandinas, de produção das citocinas pró-inflamatórias e reguladoras e
do óxido nítrico, entre outros, sem mencionar os complexos de parte das MMPs e seus inibidores teciduais, também é re-
mecanismos intracelulares de sinalização tipicamente ati- conhecida.
vados nos processos inflamatórios (Figura 51.1), que como
consequência aumentam a destruição da matriz, através do A ação da inflamação na destruição da cartilagem
aumento da produção das MMPs, do ativador de plasminogê-
nio e de prostaglandinas (PGE2). Aumentam ainda a destrui- A despeito de não se considerar a osteoartrite como uma
ção e diminuem a síntese de proteoglicanos e dos colágenos doença inflamatória clássica típica, como já discutida anterior-
de tipos II e IX. A ação da IL-1b ocorre através daqueles si- mente, a participação de elementos inflamatórios acompanha-
nalizadores, induzindo a síntese dos inibidores teciduais de da pela atividade irregular das citocinas durante o processo de
MMPs (TIMPs), aumentando a expressão dessas MMPs (cola- catabolismo da cartilagem, aliados aqueles conhecidos de lon-
genase, gelatinase e estromelisina), a produção do ativador de ga data, como sobrecarga mecânica e alterações teciduais que
plasmina e diminuindo a do seu inibidor, elevando os níveis ocorrem em decorrência do envelhecimento articular, é sem
de plasmina, que por sua vez ativa as MMPs. Há ainda outras dúvida inquestionável nos dias atuais. Como já citado acima,
citocinas envolvidas, tanto com ação estimuladora, quanto ini- a sinovite é comum, demonstrando o envolvimento de infiltra-

MEC

Fatores de
TNF-α IL-1
crescimento
TNFR1 IL-1RAcP IL-1R1 IL-6/OSM
TIR TIR
MYD88 MYD88 GP130
TRADD PI3K
TRAF2 JAK
RIP IRAK IRAK-2 JAK
P
STAT3 P
TRAF6
RAF 1 STAT3
Transcrição Proteino-quinase

TAK1
AKT
MEKK1
NIK
MKK 1/2
MKK3/6 MKK4/7
IKK1/2
P
ERK 1/2
p38α,β (γ,δ) JNK-1,2,3 lκB
lκB
Fatores de

P P
Jun P P
ELK 1 P P
P Fos ATF2 P
STAT3
STAT3

P
MYC
Tra P
ETS
ns
nu loc
cle aç
ar ão

Ligação ao DNA
Transativação do gene alvo

Figura 51.1 Esquema representativo da sinalização intracelular na osteoartrite.

Etiopatogenia e Classificação da Osteoartrite e Condições Correlatas 663


ção de células mononucleares e a produção suprafisiológica tos e, em alguns casos, eles até conseguem inibir a atividade
„„ PARTE 8   OSTEOARTRITE (DOENÇA ARTICULAR DEGENERATIVA)

dos mediadores pró-inflamatórios, nas formas mais avança- catabólica por eles desempenhada. Os principais e mais bem
das, ou nas formas mais precoces da OA, embora nestes casos, estudados incluem o fator insulina-like-1 (IGF-1), as proteínas
na maioria das vezes, não é detectável clinicamente, sendo ne- morfogenéticas ósseas (BMPs), incluindo a proteína osteogêni-
cessário o uso de propedêutica armada, como a artroscopia ou ca-1 (OP-1 ou BMP-7), as proteínas morfogenéticas derivadas
a ressonância magnética D-GENRIC para visualizá-la.24 Desde da cartilagem (CDMPs), TGF-β e os fatores de crescimento de fi-
que os níveis elevados das enzimas catabólicas, prostaglandi- broblastos (FGFs). IGF-1 e outros fatores anabólicos que estimu-
nas, óxido nítrico e outros marcadores encontrados no fluido lam a síntese da MEC são expressos em níveis diminuídos com
sinovial e nos tecidos que compõem a articulação se relacio- a idade.34 A capacidade da BMP-6 estimular a síntese de proteo-
nam com o aumento dos estímulos das citocinas pró-infla- glicano e a produção de BMP-7 (OP-1) também diminui com a
matórias, conforme já comentado, terapias anticitocinas que idade e, ainda, diminui o processo de sinalização do TGF-β em
interfiram com os mecanismos de sinalização intracondroci- condrócitos mais velhos, o que deve contribuir na diminuição
tária induzidos por estas citocinas tornou-se em uma fonte da capacidade reparadora da cartilagem.35
importante de pesquisas, que tem por objetivo avaliar a pos- O IGF-1, por estimular a síntese de proteoglicanos, estar
sibilidade de deter a progressão da OA através do seu uso.25,26 envolvido com a sobrevida dos condrócitos e ser um opositor
A maioria das ocorrências na patogenia da OA tem como aos estímulos catabólicos das citocinas, é considerado como
sítio a própria cartilagem, com evidências contundentes da um mediador essencial na homeostase da cartilagem. Ele não
participação catabólica dos condrócitos, não apenas no que desempenha papel de agente mitogênico normalmente, exceto
diz respeito à sua resposta aos estímulos às citocinas inflama- no caso de associar-se ao FGF-2 ou à BMP-7.36,37 Condrócitos
tórias, que são liberadas pelos outros tecidos que compõem a de pacientes com OA se mostram hiporresponsivos ao IGF-I,
articulação, mas também por que eles próprios são capazes de o que se atribui ao nível aumentado das proteínas plasmáti-
sintetizar estas citocinas.27,28 Desta forma, estas células estão cas que a ele se ligam (IGFBPs), diminuindo sua ação. Altera-
continuamente expostas aos efeitos autócrinos e parácrinos, ções no equilíbrio entre IGF-I e IGFBPs, relatados tanto em OA
tanto da IL-1, quanto em outros mediadores inflamatórios quanto na artrite reumatoide (RA), devem contribuir na res-
que estejam presentes em altas concentrações. Já foi demons- posta alterada do condrócito ao IGF-I.
trado que os condrócitos, principalmente aqueles agrupados,
O TGFβ-1,-2 e -3 também podem estimular fortemente a
apresentam imuno-histoquímica positiva para a IL-1, além de
síntese de proteoglicano e do colágeno do tipo II em condróci-
produzirem também a caspase-1, que nada mais é do que a
tos e em explantes de cartilagem in vitro. Análises do genoma
enzima conversora da IL-1 β. Também já foi detectada a pre-
funcional (microarray) de condrócitos in vitro indicam que o
sença do receptor do tipo 1 da IL-1 (IL-1RI). Os condrócitos,
TGFβ é capaz de sobrepor-se à expressão de inúmeros genes
então, são capazes de sintetizar IL-1 em concentrações que
induzidos pela IL-1 e que têm relação com a degradação da
induzem a expressão das MMPs, agrecanases e outros genes
cartilagem.38 O TGFβ induz a expressão da ADAMTS-4 em cul-
com ação catabólica, além de também expressarem o TNF-α,
turas primárias de condrócitos, levando à degradação do agre-
MMP-1,-3-8 e - 13, bem como alguns epítopos derivados da que-
cano, o que sugere que ele possa estar envolvido no turnover
bra de moléculas de colágeno do tipo II nas regiões com maior
dos proteoglicanos na cartilagem madura.39
depleção de matriz extracelular em cartilagem com OA.29,30
As BMPs constituem uma larga subclasse pertencente à su-
Além de induzir a síntese de MMPs e outras proteinases
pelos condrócitos, IL-1 e TNF-α aumentam a síntese de pros- perfamília do TGFβ e são essenciais na condrogênese durante
taglandina E2 (PGE2) através do estímulo da expressão ou o desenvolvimento esquelético. Várias BMPs, incluindo BMP-
atividade da ciclo-oxigenase-2 (COX-2), PGE microssomal sin- 2, BMP-6, BMP-7 (OP-1) e BMP-14, também conhecida como
tetase-1 (mPGES-1) e fosfolipase A2 solúvel (sPLA2). Também GDF-5 (fator de crescimento e diferenciação-5) ou CDMP-1
aumentam a produção do óxido nítrico, através do aumento (proteínas morfogenéticas derivadas de cartilagem-1), po-
da produção da enzima óxido nítrico sintetase indutível (iNOS, dem estimular diferenciação de precursores mesenquimais
ou NOS2), outras citocinas pró-inflamatórias, como a IL-6, o em condrócitos e promover a diferenciação dos condrócitos
fator inibidor da leucemia (LIF), IL-17 e IL-18, além de outras hipertróficos.40,41 BMP-2, -4, -6, -7, -9 e -13 podem aumentar a
quimiocinas, incluindo a IL-8.20 Os mecanismos de troca de in- síntese do colágeno tipo II e agrecano pelos condrócitos man-
formações (crosstalk) entre os sistemas das prostaglandinas e tidos in vitro. Além disto, a BMP-7 reverte muitas das respos-
do óxido nítrico já é conhecido.31 Condrócitos expressam di- tas catabólicas induzidas pela IL-1β, incluindo a de MMP-1 e
versas quimiocinas e também possuem receptores que os tor- MMP-13, e a hiporregulação do inibidor tecidual das MMPs
nam capazes de emitirem respostas associadas ao mecanismo (TIMPs) e também a hiporregulação da síntese de proteoglica-
de catabolismo do tecido.32 IL-17, um produto do linfócito T, no em condrócitos articulares humanos.42
também tem a capacidade de induzir a produção de citocinas Os membros da família do FGF, incluindo FGF-2, -4, -8, -9,
pró-inflamatórias e atua sobre as células cartilaginosas. De -10 e -18, em conjunto com os receptores FGF, FGFR1, 2 e 3,
maneira muito semelhante à ação da IL-1.33 Muitos destes fa- coordenam o padrão e a proliferação celular durante a condro-
tores atuam sinergicamente uns com os outros com o objetivo gênese e a ossificação endocondral nas placas de crescimento
de induzir a resposta catabólica pelos condrócitos. embrionárias e pós-natais.43 O mais conhecido é o FGF-2, ou
FGF básico, com potente ação mitogênica sobre condrócitos.44
Já se demonstrou ainda que o FGF-2 é liberado pela MEC por
Resposta anabólica da cartilagem ação de sobrecarga mecânica e que pode inibir a ação anabóli-
Os fatores de crescimento e diferenciação que regulam o ca do IGF-1 e OP-1 em condrócitos.37
desenvolvimento da cartilagem são considerados como fatores O FGF-9 e o FGF-18 parecem ser os melhores candidatos
positivos para a homeostase cartilaginosa, porque eles possuem para o reparo da cartilagem, uma vez que podem induzir a um
a capacidade de estimular a atividade anabólica dos condróci- aumento na síntese dos elementos da MEC pelos condrócitos

664 Tratado Brasileiro de Reumatologia


maduros, além de evidências observadas em modelos animais postas novas para mudanças nesta classificação histórica.

„„ CAPÍTULO 51
de que o FGF-18 pode reparar lesões cartilaginosas.45 Apenas para citar uma delas, visto que ainda não há o reco-
nhecimento definitivo de nenhuma destas novas classifica-
ções pela comunidade científica que se ocupa do estudo da
Classificação OA, uma recente revisão sistemática da literatura, abrangen-
Classicamente, a OA se desenvolve mais comumente na do artigos publicados entre 1952 e 2008 com unitermos rela-
ausência de uma causa conhecida para o processo que ocor- cionados com as causas da OA, levou os autores a propor que
re na articulação, condição esta referida como OA primária ou a chamada OA primária deverá ser subdividida em três sub-
idiopática. Menos frequentemente, no entanto, as alterações tipos à luz do que já se conhece sobre as causas relacionadas
podem surgir como consequência de um processo anterior, com as alterações genéticas, hormonais e do envelhecimen-
seja local ou sistêmico, e nestes casos a OA é dita secundária. to. Desta forma, então, a OA primária, segundo este grupo de
Dentre estes processos estão incluídas as lesões articulares autores, teria um subtipo I: formas geneticamente determi-
traumáticas, alterações hereditárias, biomecânicas dos mem- nadas, subtipo II: aquelas dependentes de estrogênio e sub-
bros, ou, ainda, distúrbios metabólicos e neurológicos, entre tipo III: as relacionadas com o envelhecimento.47 É claro que
outros listados abaixo (Tabela 51.1). A OA idiopática, ao con- ainda esta classificação carece de reconhecimento pelos co-
trário da forma secundária, raramente ocorre em indivíduos mitês de nomenclatura das diversas entidades, notadamente
com menos de 40 anos. da OARSI (Osteoarthritis Research Society International) e do
Esta diferenciação entre formas primárias e secundárias, ACR (American College of Rheumatology). Por enquanto pre-
muitas vezes no dia a dia não é tão simples assim, há pro- valece a classificação clássica.

Tabela 51.1 Causas de OA secundária.46

Causa Mecanismo presumido


Traumas articulares Lesão da superfície da cartilagem e/ou instabilidade e incongruência articular
decorrente de sequelas
Displasias articulares (hereditárias ou durante o desenvolvimento) Alteração da forma articular e/ou alterações na cartilagem
Necrose asséptica Necrose óssea levando ao colapso da superfície articular e incongruência da
articulação
Acromegalia Aumento da cartilagem articular produzindo incongruência e/ou anormalidade da
cartilagem
Doença de Paget Distorção ou incongruência articular secundária à remodelação óssea
Síndrome de Ehlers–Danlos Instabilidade articular
Doença de Gaucher (deficiência hereditária da enzima, Necrose óssea ou fratura patológica com consequente incongruência articular
glucocerebrosidase que leva ao acúmulo de glucocerebrosídeos)
Síndrome de Stickler (artro-oftalmopatia progressiva hereditária) Articulação anormal e/ou desenvolvimento anormal da cartilagem
Infecção articular (inflamação) Destruição da cartilagem articular
Hemofilia Hemorragias articulares múltipas
Hemocromatose (excesso de depositição de ferro em múltiplos tecidos) Mecanismo desconhecido
Ocronose (deficiência hereditária da enzima, ácido homogentísico Deposição dos polímeros do ácido homogentísico na cartilagem articular
oxidase levando ao acúmulo deste ácido)
Doença por deposição de pirofosfato de cálcio Acúmulo de cristais de pirofosfato de cálcio na cartilagem articular
Neuroartropata Perda da proprioceção e da sensibilidade da articulação, resulta em um aumento do
impacto, carga, torsões, instabilidade articular e fraturas intra-articulares

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Etiopatogenia e Classificação da Osteoartrite e Condições Correlatas 667


A Cartilagem normal

„„ CAPÍTULO 52
Colágeno

Proteoglicanos Ácido
hialurônico

Glicosaminoglicanas
Condrócito
Moléculas de água

B Osteoartrite em fase inicial


Proliferação de Colágeno
condrócitos ativados imaturo

Proteoglicanos
menores

Depleção de
glicosaminoglicanas
Hidratação

C Osteoartrite em fase avançada

Síntese de colágeno ectópico

Depleção de condrócitos

Grande depleção de Depleção de colágeno


glicosaminoglicanas

Hipoidratação
Lise de
proteoglicanos

Figura 52.1 Matriz da cartilagem articular normal (A) na osteoartrite, ocorre redução do conteúdo de proteoglicanos e colágeno e aumen-
to do conteúdo de água. O metabolismo condrocitário se eleva para repor as macromoléculas da matriz. Existe também uma multiplicação
de condrocitos que formam agrupamentos característicos na osteoartrite (B). Com o avançar do processo, o aumento de síntese passa a ser
insuficiente para compensar as perdas. Ocorre também a depleção condrocitária por apoptose (C).

Osteoartrite (Osteoartrose): Condições Correlatas, Diagnóstico e Tratamento 671


Idade apresentam risco 4 a 4,8 vezes maior para osteoartrite de
„„ PARTE 8   OSTEOARTRITE (DOENÇA ARTICULAR DEGENERATIVA)

joelhos. Diferentemente, apenas um estudo demonstrou rela-


Há evidente aumento de incidência e prevalência de os- ção entre obesidade e osteoartrite de quadril, com um risco 2
teoartrite com o avançar da idade apesar de ainda não se co- vezes maior para pessoas com IMC entre 30 e 35 kg/m2. Em
nhecer o real motivo desta ocorrência. outro estudo sobre as comorbidades relacionadas com o ex-
O processo de envelhecimento da cartilagem interfere na cesso de peso e a obesidade, o risco relativo de necessidade de
capacidade dos condrócitos em sintetizar proteoglicanos di- artroplastia atribuível ao sobrepeso em homens foi de 2,76, e
minuindo sua quantidade, além de propiciar alterações bio- à obesidade em homens, de 4,20. Em mulheres os riscos foram
químicas no colágeno e nos proteoglicanos, diminuindo sua respectivamente 1,80 e 1,96.
qualidade. Isto torna a cartilagem mais propensa à fadiga. O efeito da obesidade pode ser biomecânico, já que a maio-
Ocorre uma alteração na relação entre os glicosaminoglicanos ria dos obesos apresenta deformidades dos joelhos em varo,
da matriz: aumenta a relação sulfato de condroitina 6/sulfato causando maior sobrecarga medial e aceleração do processo.
de condroitina 4 e diminui a densidade dos agregados de gli- Por outro lado, existe o efeito biológico da obesidade, uma vez
cosaminoglicanos. Identifica-se, entretanto, nas fases iniciais que adipócitos secretam mais IL-6 e proteína C-reativa, que
da osteoartrite o oposto, um aumento da síntese dos proteo- tem atividade pró-catabólica e, portanto, potencial para causar
glicanos e uma diminuição na relação entre os sulfatos de con- dano a condrócitos.
droitina 6 e 4.
Além disso, diversos outros fatores associam-se ao desen-
Vitamina D
volvimento da osteoartrite com o avançar da idade como a
perda de propriocepção, a redução da congruência articular e A relação entre a vitamina D e a OA recentemente tem sido
a insuficiência muscular, ligamentosa e tendínea, alterações do objeto de muitos estudos. Em modelos animais de osteoartrite
peso corporal levando a sobrecarga mecânica e instabilidade verificou-se uma ação protetora da vitamina D em fases ini-
articular. ciais, mas não na OA avançada. No ser humano existem con-
trovérsias sobre a relação entre a vitamina D e a osteoartrite.
Verificou-se em uma população de 805 pacientes acompanha-
Trauma
dos durante 20 a 23 anos, que a vitamina D poderia contribuir
Qualquer lesão que propicie uma perda do alinhamento para a OA de joelhos. Um cohort em uma população de 787
osteoarticular ou instabilidade articular pode gerar ou agra- indivíduos no Reino Unido demonstrou associação do nível sé-
var a osteoartrite. Consolidação viciosa de fraturas, rupturas rico de vitamina D com dor, mas não com alterações radiográ-
miotendíneas, capsulares ou ligamentares, lesões meniscais e ficas de OA. Nesse estudo, houve uma fraca associação entre
comprometimento do feixe neurovascular podem deixar se- polimorfismo para receptor de vitamina D e dor. Em outro es-
quelas e contribuir para a aceleração da doença. O risco rela- tudo, verificou-se uma prevalência 2 vezes maior de alterações
tivo para o desenvolvimento da osteoartrite nos joelhos é 2,95 radiográficas compatíveis com OA no quadril de pacientes que
vezes maior nos indivíduos com história de trauma pregresso. apresentavam deficiência de vitamina D aferida 4,6 anos an-
tes da avaliação. Em que pesem esses dados, ainda não existe
evidência suficiente que sustente o uso da vitamina D no tra-
Deformidades articulares tamento da OA. Estudo recente controlado e randomizado em
A função articular depende fundamentalmente da con- 146 participante não demonstrou eficácia da suplementação
gruência articular e da sua conformação espacial. A presença da vitamina D no controle da dor e no volume da cartilagem
de uma deformidade pode gerar aumento de carga sobre um na OA de joelhos. No entanto a suplementação foi feita so-
ponto específico da cartilagem contribuindo para o desenvol- mente durante 2 anos. Esse aspecto pode ser relevante, pois
vimento da osteoartrite. A deformidade em valgo do joelho outros autores (estudo Rotterdam) verificaram que em 1.248
leva à sobrecarga lateral, e a deformidade em varo, à sobre- indivíduos seguidos durante 6,5 anos, uma maior ingestão de
carga medial. vitamina D propiciou menor incidência e progressão da OA de
joelhos. Desse modo, talvez seja de bom senso que se efetue a
São exemplos de lesões que predispõem o aparecimento
suplementação da vitamina D nos pacientes com osteoartrite
e o agravamento da osteoartrite a luxação congênita do qua-
apenas quando o seu nível sérico for baixo.
dril, a doença de Legg-Calvé-Perthes, a epifisiólise da cabe-
ça femoral e as osteonecroses. Variações anatômicas podem
correlacionar-se com risco aumentado de osteoartrite, como Deficiência de estrógeno
displasia acetabular e variação angular do colo femoral na OA
A osteoartrite apresenta-se nas mulheres, em geral, após
do quadril.
os 40 anos e apresenta elevação significativa da incidência
Uma revisão sistemática por Tanamas et al. identificou que após a menopausa. É sabido que o estrogênio possui diversos
a presença de desalinhamento articular (valgismo ou varismo) efeitos na cartilagem, como aumento da produção de prosta-
é fator de risco independente para progressão da osteoartrite glandinas por condrócitos, diminuição de NF-κB, iNOS, COX-2
de joelhos (forte evidência), porém não conseguiu avaliar a in- e espécies reativas de oxigênio. Regula ainda o cálcio dentro
terferência no surgimento da doença devido à heterogeneida- do condrócito e no osso subcondral, modulando o crescimento
de dos estudos (evidência limitada). e o remodelamento ósseos, a função e o desenvolvimento de
osteoblastos, a mineralização e a produção de matriz, entre
Obesidade outros efeitos. Estudos clínicos são controversos em relação
ao efeito benéfico da terapia de reposição hormonal (TRH) em
Estudos comprovaram que a obesidade grau I, ou seja, indi- relação à evolução radiográfica da osteoartrite e à necessidade
víduos com índice de massa corpórea (IMC) entre 30 e 35 kg/m2, de artroplastias. No maior estudo a respeito, houve menos ar-

672 Tratado Brasileiro de Reumatologia


troplastias, em especial de quadril no braço que recebeu ape- Não há, entretanto, uma relação linear entre o grau de dor

„„ CAPÍTULO 52
nas estrogênios, sugerindo efeito protetor. e disfunção e a intensidade dos sinais inflamatórios ou de alte-
O estudo de moduladores seletivos do receptor de estro- rações radiográficas em pacientes com osteoartrite. Achados
gênio (SERMs) em animais é promissor e não apresenta os radiográficos de osteoartrite moderada a grave relacionam-se
resultados controversos da TRH. O desenvolvimento de novos com queixas de dor em apenas 40% dos pacientes e é frequente a
SERMs pode estimular o seu uso em osteoartrite além do uso queixa de dor intensa em quadros radiográficos leves de osteoar-
em osteoporose. trite. Uma recente revisão sistemática por Dahaghin et al. revelou
uma associação positiva entre queixas de dor nas mãos e presen-
ça de osteoartrite de mãos à radiografia; porém não foi verificada
Atividade física a mesma associação com prejuízo funcional das mãos.
Determinadas posturas, o uso excessivo de alguma articu- Dentre as possíveis causas de dor na osteoartrite en-
lação ou a sobrecarga articular decorrente de alguma ativida- contram-se a sinovite, a ativação de nociceptores sinoviais e
de física, laborativa ou não, podem gerar ou agravar quadros periarticulares, a distensão da cápsula articular, a elevação
de osteoartrite. periosteal ocasionada por osteófitos, o aumento da pressão
São exemplos de profissões associadas à presença de os- vascular no osso subcondral, a presença de espasmos e con-
teoartrite de mãos (em especial de interfalangianas distais), traturas musculares periarticulares, a tensão nas ênteses e na
como as relacionadas com a indústria têxtil e trabalhadores cápsula articular, a compressão neurológica e a isquemia de-
braçais em geral. Relacionam-se com a osteoartrite de joelhos correntes do aumento do volume intra-articular além da res-
profissões que exigem agachamento. Trabalhadores rurais são posta individual central frente ao estresse.
mais propensos a apresentar osteoartrite de quadril.
Verifica-se maior previdência de osteoartrite em atletas de „„ EXAMES COMPLEMENTARES
elite, até mesmo em articulações não envolvidas diretamente
à prática esportiva específica, trazendo atenção para o apa- A radiografia simples é o exame complementar mais uti-
recimento da doença em esportes demasiado competitivos. lizado. As alterações características de osteoartrite são a re-
Traumas tanto micro quanto macroscópicos têm relação com dução do espaço articular, que reflete a perda da cartilagem
o aparecimento e progressão da doença nestes casos. Atletas articular, a esclerose óssea subcondral e o desenvolvimento
amadores de corrida não apresentam maior incidência de os- de osteófitos, que indicam remodelação óssea (Figura 52.2).
teoartrite quando comparados com a população em geral.

„„ MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS
O sintoma fundamental da osteoartrite é a dor articular. Ini-
cialmente ela é leve, porém com a progressão da doença torna-
-se persistente, difusa e de maior intensidade. Sua característica
é ser basicamente protocinética, ou seja, piora com o movimen-
to e causa alívio com o repouso. Entretanto a progressão da
doença revela características de dor noturna, dor contínua mes-
mo em repouso e algum grau de rigidez articular que se relacio-
na com a intensidade do quadro inflamatório presente, porém
sempre de curta duração. Algumas vezes a dor é amplificada,
resultando em dor difusa, com sensibilização central. Pacientes
com osteoartrite apresentam mais transtornos depressivos e
mais distúrbios de sono, que também interferem no reconhe-
cimento da dor. É importante lembrar que a cartilagem em si é
desprovida de inervação, e as estruturas responsáveis pela noci-
cepção são a sinóvia, os ligamentos próximos de suas inserções,
o osso, o músculo e o menisco.
A perda da estabilidade articular propicia aceleração da
lesão, e a consequência é maior intensidade de dor e limitação D
funcional. Com carga
Ao exame físico identifica-se dor à palpação articular,
presença de crepitação ao movimento e aumento de volume
articular, por proeminência óssea aliado ao espessamento de
sinóvia e mesmo presença de derrame articular. Evidencia-se
frequentemente a instabilidade articular, a insuficiência mio-
tendínea e a limitação de amplitude de movimento articular.
Eventualmente surgem deformidades articulares, como joelho
valgo e varo, e até mesmo anquilose em casos mais graves.
A avaliação de dores localizadas em território periarticular
favorece o diagnóstico de tendinopatias, bursopatias ou lesões Figura 52.2 Aspectos radiográficos característicos da osteoar-
ligamentares e meniscais, relacionadas ou decorrentes da pró- trite: redução do espaço articular. Esclerose óssea subcondral e
pria osteoartrite. osteófitos.

Osteoartrite (Osteoartrose): Condições Correlatas, Diagnóstico e Tratamento 673


Cistos subcondrais e erosões ósseas aparecem nos casos mais
„„ PARTE 8   OSTEOARTRITE (DOENÇA ARTICULAR DEGENERATIVA)

graves e são envolvidos por ossos de densidade normal ou au-


mentada, diferente das artropatias inflamatórias, em que se
verifica osteopenia periarticular.
Provas de atividade inflamatória são, em geral, normais.
O exame do líquido sinovial revela um aspecto amarelo ci-
trino, pouco inflamatório, com celularidade baixa (menos de
3.000 leucócitos/mm3), habitualmente com menos de 25% de
polimorfonucleares e viscosidade preservada ou levemente
diminuída. Sua análise se presta principalmente para avaliar
quadros de agudização onde se faz necessária a pesquisa de
artrites microcristalinas.

„„ ACOMETIMENTO ARTICULAR
Mãos
As articulações mais afetadas nas mãos são as interfalan-
gianas distais, a primeira carpometacarpiana (rizartrose) e as
interfalangianas proximais. A presença de aumento de volume Figura 52.4 Osteoartrite erosiva das mãos e rizartrose. Verifica-
articular nas interfalangianas, de consistência rígida, deno- -se irregularidade nas superfícies articulares, grandes osteófitos,
mina-se nódulo de Heberden na interfalangiana distal e Bou- erosões e cistos subcondrais.
chard na interfalangiana proximal (Figura 52.3). Os nódulos
ocorrem devido à proliferação osteocartilaginosa e tecido fi-
brótico. São geralmente de distribuição poliarticular e simétri- Coluna vertebral
ca. Há um subtipo em que aparecem diversos cistos e erosões,
apresentando uma evolução agressiva com intensa destruição A dor da osteoartrite de coluna relaciona-se com movimen-
da cartilagem e do osso subcondral, denominada osteoartrite tos e postura, com caráter mecânico. O espasmo muscular pa-
nodal erosiva (Figura 52.4). ravertebral também é um desencadeante de dor. A formação de
osteófitos reflete áreas sujeitas a forças de pressão excessiva.
A rizartrose refere-se ao acometimento da articulação
trapézio-primeiro metacarpo, porém pode acompanhar-se Em linhas gerais atribui-se a dor à flexão como proveniente
também do envolvimento da articulação trapézio-escafoide. dos elementos anteriores, por exemplo o disco intervertebral e
Clinicamente, verifica-se dor à palpação local e a existência a dor à extensão como proveniente de elementos posteriores,
de uma proeminência óssea que, quando acentuada, confere à como as articulações interapofisárias.
mão um formato quadrado. Pode haver subluxação ventral do A osteoartrite de coluna é uma das causas de estenose de
polegar. O envolvimento da articulação trapézio-metacarpiana canal vertebral, em geral pela presença de complexos disco-
é o que mais prejuízo funcional pode causar para a função das -osteofitários exuberantes. Clinicamente ocorre claudicação
mãos, em virtude da perda da capacidade de preenção e pinça neurogênica, com queixas na coluna distal e nádegas, ou dor
do polegar. irradiando para membros inferiores, posteriormente. Há pio-
ra ao esforço e alívio ao repouso, identifica-se alargamento da
base de apoio e pode ocorrer perda de propriocepção.
O acometimento cervical pode originar dor em região
nucal, do músculo trapézio ou mesmo cefaleia occipital. O en-
volvimento da coluna torácica geralmente não se traduz em
sintomas importantes devido à estabilização proporcionada
pelo gradeado costal.
A hiperostose esquelética difusa idiopática (em inglês
DISH – diffuse idiopathic skeletal hyperostosis) é uma doença
que se caracteriza pela presença de calcificações e ossificações
dos ligamentos anterolaterais da coluna, especialmente do
segmento torácico mais evidente à direita, podendo também
afetar a coluna lombar, porém tendendo a poupar os discos in-
tervertebrais. Outros locais podem ser afetados pela doença,
como patela, olécrano e calcâneo. Há associação com obesi-
dade, hipertensão arterial, diabetes mellitus e coronariopatia.
Apresenta dor e rigidez, em geral sem possibilidade de corre-
lação entre sintomas e aspecto radiográfico.

Quadril
Figura 52.3 Osteoartrite das mãos. Nódulos de Heberden nas Até os 45 anos, ocorre com maior frequência em homens.
articulações interfalangianas distais e nódulos de Bouchard nas Pode ser uni ou bilateral, porém esta última é mais frequen-
articulações interfalangianas proximais. te. A dor geralmente localiza-se na virilha, mas também pode

674 Tratado Brasileiro de Reumatologia


ser referida lateralmente, principalmente quando associada à

„„ CAPÍTULO 52
bursite trocantérica. Pode também ser referida posteriormen-
te ou extender-se em direção ao joelho. Existe limitação para Quadro 52.1 Classificação da osteoartrite, com base em Alt-
a flexão e rotação do quadril, que pode ser referida como difi- man (1986).
culdade para colocar sapatos e meias. Ao exame físico verifica- Idiopática
-se dor e/ou redução de amplitude para a rotação interna da
articulação. O paciente pode manter permanentemente uma A. Localizada
postura em flexão e rotação externa. Na evolução, a cabeça fe- „„ Articulações periféricas: mãos e pés, joelho, quadril e outras
moral pode migrar em direção ao acetábulo, criando uma pro- „„ Coluna vertebral: interapofisárias, interintervertebrais
tuberância do mesmo na pelve. A OA do quadril é lentamente
progressiva, porém existe um subtipo de evolução mais rápida. B. Generalizada: três ou mais grupos articulares
O diagnóstico diferencial da OA de quadril inclui: osteonecrose Subgrupos especiais
da cabeça femoral, fratura de colo do fêmur, bursite trocantéri- „„ Osteoartrite nodal generalizada (generalizada)
ca e dor irradiada da coluna vertebral. „„ Osteoartrite nodal erosiva (generalizada)
Uma das causas da OA do quadril é o impacto fêmoro- „„ Hiperostose esquelética difusa idiopática (generalizada)
-acetabular, decorrente da incongruência articular quando a „„ Condromalacia de patela (localizada)
articulação está no limite máximo da amplitude do movimen-
Secundária
to. Essa incongruência resulta de alterações morfológicas
tanto da cabeça femoral quanto do acetábulo. Existem dois A. Pós-traumática
mecanismos que podem levar ao impacto: o Came e o pinça- B. Congênita e adquirida
mento. O Came ocorre quando há uma retificação ou eleva-
ção na transição cabeça-colo que muda o contorno da cabeça 1. Localizada
tornando-a mais elíptica nessa região. Assim, em graus extre- „„ Doenças do quadril (Legg-Calvé-Perthes), displasias femoroacetabulares
mos de flexão, a cabeça impacta contra o acetábulo lesando „„ Fatores mecânicos: joelho varo/valgo, obesidade, hipermotilidade,
a cartilagem e o labrum. É mais comum em homens na quar- discrepância de comprimento dos membros, hipermobilidade, frouxidão
ta década de vida, e relaciona-se com atividades esportivas. ligamentar, meniscectomia etc.
Já o impacto por pinçamento ocorre devido ao aumento da 2. Generalizada
cobertura do acetábulo, sendo mais frequente em mulheres „„ Displasias ósseas
na quinta década. Na prática, o que se observa são as formas „„ Displasia epifisária múltipla, condrodisplasias
mistas na maioria dos casos. „„ Doenças metabólicas: ocronose, hemocromatose, hemoglobinopatias,
doença de Gaucher
Joelhos C. Doenças por deposição de cálcio

O acometimento do compartimento patelo-femoral gera „„ Condrocalcinose, artropatia por hidroxiapatita, artopatia destrutiva
dor mais intensa à flexão e à compressão patelar. A crepitação D. Outras doenças ósseas e articulares
articular está quase sempre presente. Avalia-se o trofismo do
„„ Necrose óssea avascular, artrite reumatoide, doença de Paget, gota,
quadríceps e compara-se ao contralateral. A dor da osteoar- artrite séptica, osteopetrose, osteocondrite, etc.
trite de joelhos tende a piorar ao subir ou descer escadas,
ao sentar-se ou levantar-se e ao realizar movimentos como E. Outras doenças
colocar ou tirar meias, entrar ou sair do carro, entre outros. O „„ Endocrinopatias: diabetes mellitus, acromegalia, hipotireoidismo,
envolvimento femoropatelar causa especial dificuldade para hiperparatireoidismo
a flexão dos joelhos. Frequentemente, verifica-se aumento „„ Neuropatias (articulação de Charcot)
de volume articular com edema e presença de derrame ar- „„ Miscelânea: doença de Kashin-Beck, frostbite, – infiltrações
ticular. Em alguns casos pode evoluir com deformidade em intra-articulares com corticosteroides, etc.
varo, e com menor frequência, em valgo. Em casos extremos,
pode levar à completa limitação da amplitude de movimento
articular. Mais uma vez o grau da osteoartrite à radiografia
não reflete necessariamente dor ou disfunção articular e, de fatores locais ou sistêmicos que interferem no surgimento e
maneira inversa, a intensidade da dor não reflete alterações desenvolvimento da osteoartrite. Em ambas podem existir
na radiografia. as formas localizadas e generalizadas. Esta é definida pelo
envolvimento de três ou mais grupos articulares, aquela
quando a osteoartrite se restringe a um ou dois grupos arti-
„„ CRITÉRIOS DE CLASSIFICAÇÃO DA
culares. Em geral a forma idiopática é poliarticular e quase
OSTEOARTRITE invariavelmente acomete as mãos, ao passo que na osteoar-
Dentre as diversas classificações existentes para os- trite secundária poucas são as articulações acometidas, em
teoartrite, uma das mais utilizadas é a proposta por Altman especial as de suporte de carga como joelhos, coxofemorais
et al., em 1986, aqui apresentada com algumas pequenas e coluna vertebral.
modificações (Quadro 52.1), na qual são analisados as- São exemplos de doença generalizada: osteoartrite nodal
pectos clínicos, patogênicos, bioquímicos, biomecânicos, generalizada, secundária a displasias ósseas e cartilaginosas,
topográficos e genéticos. A partir dela define-se osteoar- condrodisplasias, displasia epifisária múltipla, artrite reuma-
trite idiopática quando não podem ser identificados fato- toide; e de localizada: condromalacia patelar, pós-traumática,
res predisponentes, e osteoartrite secundária quando há secundária a doença de Legg-Calvé-Perthes ou à meniscecto-

Osteoartrite (Osteoartrose): Condições Correlatas, Diagnóstico e Tratamento 675


mia. Dentre as doenças metabólicas são exemplos a ocronose,
„„ PARTE 8   OSTEOARTRITE (DOENÇA ARTICULAR DEGENERATIVA)

a acromegalia, a hemocromatose, o hiperparatireoidismo e as


doenças por depósito de cristal. Quadro 52.3 Critério de classificação da osteoartrite de
A classificação de Kellgren e Lawrence refere-se à evolução quadris American College of Rheumatology (Altman, 1990).
radiográfica. No estágio 0 não há anormalidades à radiogra-
Critério de classificação da osteoartrite de quadril
fia. O estágio 1 caracteriza-se por osteoartrite incipiente, com
formação inicial de osteófitos. O estágio 2 mostra redução do Clínico e radiográfico
espaço articular e esclerose subcondral moderada. O estágio 3 1. Dor nos quadris na maior parte dos dias do último mês
apresenta mais de 50% de perda do espaço articular, com côn-
dilos femorais arredondados, marcada esclerose óssea sub- 2. Hemossedimentação < 20 mm/h
condral e formação extensa de osteófitos. O estágio 4 revela 3. Osteófitos femorais e/ou acetabulares na radiografia
destruição articular, obliteração do espaço articular, presença
de cistos subcondrais e posição de subluxação. 4. Redução do espaço articular na radiografia
Admite-se a presença de osteoartrite quando estão presentes os itens:
1, 2, 3, ou 1, 2, 4 ou 1, 3, 4
„„ DIAGNÓSTICO
O diagnóstico de osteoartrite é clínico-radiológico, sendo
a presença de dor articular obrigatória. O quadro clínico pode
variar de acordo com a articulação acometida, o tempo de evo- Quadro 52.4 Critério de classificação da osteoartrite
lução da doença e a intensidade e a gravidade da doença. de mãos segundo o American College of Rheumatology
(Altman, 1990).
O Colégio Americano de Reumatologia (ACR) definiu cri-
térios para o diagnóstico de osteoartrite de joelhos, quadris e Critério de classificação da osteoartrite de mão
mãos (Quadros 52.2, 52.3 e 52.4).
1. Dor ou rigidez das mãos na maior parte dos dias do último mês
2. Alargamento do tecido duro articular em 2 ou mais de 10 articulações
selecionadas

Quadro 52.2 Critério de classificação da osteoartrite de 3. Edema em 2 ou menos articulações metacarpofalangianas


joelhos segundo O American College of Rheumatology 4a. Alargamento do tecido duro em 2 ou mais articulações interfalangianas
(Altman, 1986).
4b. Deformidade em 2 ou mais de 10 articulações selecionadas
Critério de classificação da osteoartrite de joelhos Admite-se a presença de osteoartrite quando estão presentes os itens:
Clínico Clínico e radiográfico 1, 2, 3, 4a ou 1, 2, 3, 4b

1. D
 or nos joelhos na maior parte 1. Dor nos joelhos na maior parte
dos dias do último mês dos dias do último mês

2. C
 repitação na movimentação 2. Osteófitos na radiografia „„ TRATAMENTO
ativa
Os objetivos do tratamento da osteoartrite são buscar alí-
3. R
 igidez matinal com duração 3. Líquido sinovial típico de vio dos sintomas, reduzir a incapacidade funcional e tentar
< 30 minutos osteoartrite retardar a progressão da doença. O tratamento é dividido em
4. Idade > 38 anos 4. Idade > 40 anos abordagens não farmacológicas, farmacológicas e cirúrgicas.

5. Alargamento ósseo no exame 5. Rigidez matinal com duração


físico do joelho < 30 minutos TERAPIA NÃO FARMACOLÓGICA
6. Crepitação na movimentação A avaliação inicial compreende a identificação de pro-
ativa váveis fatores de risco em cada paciente. A boa anamnese
identifica riscos ocupacionais e recreativos que possam gerar
Admite-se a presença de Admite-se a presença de
sobrecarga articular, sequelas de traumatismos anteriores ou
osteoartrite quando estão presentes osteoartrite quando estão presentes
os itens: os itens: de deformidades congênitas e/ou adquiridas, a presença de
instabilidade articular e fatores adicionais como sarcopenia
1, 2, 3, 4 ou 1, 2, 5 ou 1, 4, 5 1, 2 ou 1, 3, 5,6 ou 1, 4, 5, 6.
ou obesidade.
As medidas não farmacológicas incluem a educação do
paciente a respeito da doença e a possibilidade de evolução,
Observações: a segunda e terceira articulações interfalan- o encaminhamento a grupos de ajuda, a realização de alon-
gianas distais podem ser contadas tanto no item 2 como no gamentos, exercícios aeróbicos e de fortalecimento muscular
4a. As 10 articulações selecionadas são a segunda e terceira para promover estabilização articular. O controle do peso é
interfalangianas distais, a segunda e terceira interfalangia- fundamental para o tratamento de osteoartrite de joelhos.
nas proximais e a primeira carpometacarpiana de ambas as O uso de órteses de apoio à deambulação, calçados apro-
mãos. Este método de classificação apresenta sensibilidade priados, palmilhas em cunha para correção de desvios, joe-
de 92% e especificidade de 98%. lheiras, adesivo patelar entre outros são aconselhados como
adjuvantes ao tratamento. No ambiente domiciliar a instalação

676 Tratado Brasileiro de Reumatologia


de artefatos de assistência previnem quedas e dão maior esta- As características gerais preconizadas na escolha de calça-

„„ CAPÍTULO 52
bilidade e segurança ao paciente. dos são solados com boa capacidade de absorção de impacto,
Todos os profissionais de saúde devem participar do tra- de borracha ou com amortecedores, que possuam adequada
tamento dos pacientes com osteoartrite. Medidas fisiotera- estabilidade, tendo fixação nas regiões do antepé e calcanhar
pêuticas e de terapia ocupacional são de extrema importância e que possuam uma elevação posterior de até 3 cm. Saltos de
no condicionamento muscular, nos treinos de propriocepção tamanho maior modificam o centro de gravidade levando ao
e para o aprendizado de medidas de proteção articular e de aumento da lordose lombar, encurtamento da cadeia posterior
conservação de energia, além de tentar corrigir ou minimizar e causam sobrecarga do antepé. Essa orientação básica sobre
deformidades e evitar a progressão e piora da incapacidade fun- calçados está indicada para OA de joelhos e quadris, mas pode
cional. Além disto, na reabilitação pós-operatória dos tratamen- ser diferente no caso de situações específicas, como presença
tos cirúrgicos é fundamental a participação dos fisioterapeutas. de algum problema nos pés.
Recomenda-se que o paciente transfira carga para arti- Palmilhas de silicone podem ser utilizadas para promover
culações maiores, poupe articulações afetadas e distribua os maior absorção de impacto. Palmilhas com cunha lateral, de
esforços bilateralmente para que as atividades corriqueiras altura entre 6 e 8 mm, reduzem significativamente a carga no
como subir escadas ou descer do ônibus não ofereçam um compartimento medial femorotibial do joelho varo, além de di-
maior risco de queda ou agravamento de lesão. Os pacientes minuir o estiramento dos seus ligamentos colaterais laterais. Da
devem ser treinados a evitar posturas inadequadas e situações mesma maneira podem ser prescritas palmilhas em cunha me-
em que haja flexão em demasia ou por períodos prolongados. dial para o joelho valgo. O uso de tornozeleiras associado à pal-
Os exercícios têm como objetivo aumentar o tônus muscu- milha em cunha permite maior estabilização desta articulação.
lar e condicionar a musculatura de modo que haja maior esta- O uso de uma bengala contralateral à articulação mais
bilidade das estruturas envolvidas. Orientam-se a realização acometida pela osteoartrite pode reduzir em até 60% a carga
de caminhadas, natação, bicicleta e hidroginástica, que são, do quadril lesado. Seu comprimento durante a empunhadu-
em geral, bem tolerados. Pode-se evidenciar redução da dor, ra deve ser suficiente para permitir um ângulo entre 20 e 30
ganho de amplitude de movimento e de força muscular além graus entre o braço e o antebraço. Alguns pacientes referem
de maior independência na realização de atividades. É impor- uma dificuldade para se adaptar com a bengala. Em um estudo
tante enfatizar que os exercícios não devem causar mais dor. A em nosso meio verificou-se que o consumo de oxigênio duran-
supervisão e a orientação iniciais devem ser frequentemente te a marcha é maior nos primeiros 2 meses de uso da bengala,
revistas para que a técnica, a frequência, a duração e a difi- até que eles se adaptem. A partir daí, o treino e a familiaridade
culdade dos movimentos não tragam risco de piora ou dano com a órtese alcançam sua eficácia máxima.
articular. Exercícios competitivos e de alto impacto sob risco O uso de fita adesiva para promover o realinhamento me-
de aceleração da doença não são recomendados. Também se dial da patela com desvio laterolateral é indicado nos casos de
contraindica a prática de exercícios em casos graves de os- osteoartrite da faceta lateral patelofemoral ou de osteoartrite
teoartrite ou com dor persistente. Orienta-se repouso apenas patelofemoral em que haja aumento do ângulo Q. Como opção
em períodos de crises agudas da doença. pode ser utilizada a joelheira fenestrada. Já as joelheiras com
Pisters et al. avaliaram, em revisão sistemática, a eficácia hastes articuladas fornecem maior estabilidade quando os
em longo prazo de exercícios em osteoartrite de joelhos e de exercícios de fortalecimento não forem suficientes.
quadril após o término do período de treinamento. Os estudos A aplicação do calor, de formas superficial ou profunda,
incluídos deveriam ter avaliações após treinamento por no exerce sua ação em terminações nervosas e melhora a dis-
mínimo 6 meses. Como um todo, não se encontrou benefício tensibilidade das fibras colágenas e musculares, apesar de
em longo prazo no que tange dor ou funcionalidade. Os efeitos sua real eficácia ainda ser discutida em revisões sistemáticas
positivos pós-treinamento se reduzem e por fim cessam com e meta-análises. Como medidas de calor profundo podem ser
o passar do tempo. Todavia a realização de sessões periódicas utilizados o ultrassom, as ondas curtas e as micro-ondas. Em
denominadas de boosters (impulsionadoras ou incentivado- uma revisão recente da base de dados da Cochrane, Rutjes et al.
ras) obteve bons resultados em longo prazo com relação a con- verificaram que o ultrassom pode ser eficaz na osteoartrite do
trole da dor e melhora da funcão. O reforço periódico podia ser joelho, porém seu efeito seria de baixa magnitude. O calor su-
realizado por meio de correspondências e contatos telefônicos perficial é aplicado através de meios de condução (p. ex., bolsa
entre outros. Outra revisão sistemática que tratou de exercí- térmica), convenção (p. ex., banhos quentes) e por radiação (p.
cios e osteoartrite de quadril somente obteve seis estudos de ex., raios infravermelhos). Em contrapartida, o frio diminui o
qualidade e não pode tirar conclusões a respeito da eficácia espasmo muscular e aumenta o limiar de dor. Pode ser utili-
em curto prazo. zado por meio de bolsas térmicas ou compressas de gelo por
O estudo FAST mostrou que exercícios de resistência são períodos de até 30 minutos.
tão eficazes quanto os aeróbicos no controle da dor, melhora A neuroestimulação elétrica transcutânea (sigla em inglês
funcional e da qualidade de vida. Uma revisão sistemática por é TENS) tem como preceito a utilização da teoria das compor-
Lange et al. avaliou recentemente 18 estudos randomizados e tas e é considerado como adjuvante no tratamento analgésico.
controlados para verificar a eficácia de treinamento de força A aplicação de pulsos eletromagnéticos (sigla em inglês é PST),
e resistência isoladamente em pacientes com osteoartrite de consiste no envio à articulação afetada de campos eletromag-
joelhos. O treinamento de resistência aumentou a força mus- néticos pulsáteis de baixa intensidade e de frequência variável
cular e melhorou as autoavaliações de dor e funcionalidade no e tem sido experimentada por alguns autores com resultados
curto prazo em 50 a 75% dos pacientes. O treinamento de for- controversos. Uma recente revisão sistemática incluiu 5 tra-
ça pode melhorar a mobilidade global dos pacientes aumen- balhos e mostrou não haver benefício no controle da dor em
tando seus níveis de atividade. osteoartrite de joelhos.

Osteoartrite (Osteoartrose): Condições Correlatas, Diagnóstico e Tratamento 677


Bjordal et al., em um levantamento de estudos a respeito Anti-inflamatórios não esteroidais
„„ PARTE 8   OSTEOARTRITE (DOENÇA ARTICULAR DEGENERATIVA)

da eficácia em curto prazo de intervenções físicas na osteoar- Os anti-inflamatórios também são amplamente utilizados,
trite de joelhos, mostraram que se pode obter controle eficaz tendo eficácia analgésica superior aos analgésicos comuns
da dor ao se utilizar por períodos de 2 a 4 semanas de trata- para casos moderados a graves de osteoartrite. Entre as clas-
mento intensivo as seguintes modalidades: TENS, eletroacu- ses não há estudos comprovando superioridade. Entretanto,
puntura e terapia a laser de baixa intensidade. no que tange a tolerância e a segurança, inibidores específicos
A acupuntura pode ser indicada com intuito analgésico de ciclo-oxigenase-2 (ICOX-2) mostram maior segurança gas-
e como tratamento de contraturas musculares. Uma revisão trointestinal, porém maior risco cardiovascular com seu uso
sistemática incluiu 13 trabalhos e mostrou que a acupuntu- prolongado ou pelo menos um risco cardiovascular similar,
ra tradicional é eficaz no controle da dor crônica em joelhos como o verificado no estudo MEDAL que comparou o etorico-
em curto prazo, em relação à acupuntura sham e a tratamento xibe com o diclofenaco de sódio.
algum. A eficácia em longo prazo ainda precisa ser mais bem Um estudo comparativo entre ICOX-2 (celecoxibe e etori-
avaliada. coxibe) e AINE não seletivos (diclofenaco, ibuprofeno e napro-
xeno) demonstrou que associando-se um inibidor de bombas
Terapia farmacológica de prótons – IBP – (omeprazol) a qualquer um deles, a prática
é custo-eficácia, mesmo em pacientes com baixo risco gas-
O tratamento farmacológico divide-se em medicações de trointestinal. Em relação à segurança gastrointestinal, para
ação rápida e de ação lenta. São fármacos de ação rápida os pacientes com baixo risco cardiovascular o uso de ICOX-2 mais
analgésicos e anti-inflamatórios não esteroidais (AINE). Os IBP é superior ao de AINE mais IBP. Para pacientes com alto
fármacos de ação lenta ainda são divididos em sintomáticos e risco cardiovascular, o uso de ICOX-2 mais IBP ou mesmo AINE
modificadores de doença. mais IBP deve ser evitado.
Scheiman e Fredrik, em uma revisão em 2007, resumiram
Tratamento sintomático de ação rápida e curta duração as indicações de uso de AINE seletivos e não seletivos segundo
Paracetamol ou acetaminofeno os riscos gastrointestinal e cardiovascular, conforme indicado
Preconiza-se o uso do paracetamol ou acetaminofeno como no Quadro 52.5.
escolha inicial para o alívio da dor leve a moderada da osteoar-
trite. Acredita-se que o fármaco atue principalmente median-
do efeitos do óxido nítrico, da substância P e das β-endorfinas
ou, de menor relevância, inibindo uma variante da enzima da
COX, a COX-3, que possui propriedades de ambas as COX-1 e 2. Quadro 52.5 Indicações de uso dos AINEs segundo riscos
O limite de uso diário é de 4 gramas e especial atenção gastrointestinal e cardiovascular (Scheiman e Fredrik,
deve ser dada aos riscos de hepatotoxicidade. É considerada 2007).
uma medicação de baixo custo, boas tolerabilidade e eficácia.
Risco Risco gastrointestinal
Pode interagir com anticoagulantes orais, aumentando sua po- gastrointestinal alto
tência de ação. Álcool e anticonvulsivantes podem exacerbar
baixo ou inexistente
os efeitos tóxicos do paracetamol. Em casos de intoxicação o
antídoto é a acetilcisteína. Sem risco AINE não seletivo ICOX-2
cardiovascular ou
Dipirona (sem aspirina) AINE não seletivo + IBP
A dipirona, ou metamizol, é recomendada como analgési- ou
co em nosso meio, porém não é autorizada em alguns países. ICOX-2 + IBP para histórico
No primeiro consenso brasileiro de osteoartrite incluiu-se seu de hemorragia digestiva
uso para o tratamento da OA. Sua dose máxima também é de 4 Naproxeno AINE não seletivo + IBP
Com risco
gramas ao dia, e o grande risco relacionado com o seu uso é o cardiovascular ou ou
de agranulocitose, reação de caráter imunológico e muito rara, (com aspirina) AINE + Adição de IBP Naproxeno, se risco CV é
que pode ser provocada por doses mínimas ou mesmo após se houver risco GI maior que risco GI
semanas de tratamento. Dentre as interações possíveis estão pela interação AINE/ ou
a ciclosporina (diminuição do nível sérico) e o alopurinol (au- aspirina ICOX-2 + IBP para histórico
mento do nível sérico). de hemorragia digestiva
Opioides AINE: anti-inflamatório não esteroidal; ICOX-2: inibidor seletivo da ciclooxigenase 2; IBP:
inibidor de bomba de prótons; GI: gastrointestinal.
Analgésicos opioides são orientados a pacientes com dor
intensa e seus efeitos adversos em idosos sob uso prolonga-
O Colégio Americano de Reumatologia (ACR) indica o uso
do incluem alterações cognitivas, de humor, alucinações, de-
de AINE em casos refratários a analgésicos ou casos moderados
pressão respiratória, aumento do risco de quedas, obstipação,
a graves. A escolha da classe deve levar em conta o potencial
retenção urinária entre outros. Deve-se notar também que po-
de efeitos adversos e as características clínicas dos pacientes,
dem ocorrer tolerância e sintomas de abstinência depois de
que, em geral, encontram-se em uma faixa etária mais avança-
retirada em usuários crônicos. Há formulações de codeína e
da e apresentam múltiplas comorbidades. Em pacientes com
tramadol isoladas ou em associação com paracetamol ou di-
idade igual ou superior a 65 anos, usuários de corticoterapia,
clofenaco que são mais comumente utilizadas.
com histórico de doença ulcerosa péptica e ou sangramento
digestivo alto, ou ainda usuários de anticoagulantes devem

678 Tratado Brasileiro de Reumatologia


receber preferencialmente ICOX-2. Em resumo, recomenda-se Cloroquina

„„ CAPÍTULO 52
que quaisquer que sejam os AINEs, eles devem ser utilizados A cloroquina tem sua eficácia analgésica indicada em prin-
sempre na menor dose e pelo menor tempo possível. cípio para a forma erosiva da osteoartrite de mãos, avaliada
O uso de anti-inflamatórios tópicos na forma de gel, como o em um estudo não controlado com duração de 6 meses. Esta-
diclofenaco, o cetoprofeno, o piroxicam, a nimesulida e outras beleceu-se, em 2002, no Consenso Brasileiro de Osteoartrite,
associações com salicilato representam uma opção adicional que se trata de uma medicação válida para este fim e cujas do-
de tratamento da osteoartrite. Sua eficácia é maior em articu- ses diárias preconizadas são de 125 a 250 mg de difosfato de
lações superficiais como a das mãos. É uma via de administra- cloroquina e de 200 a 400 mg de sulfato de hidroxicloroquina.
ção mais segura que a sistêmica, deve-se, entretanto, ter em É imprescindível a avaliação oftalmológica periódica dos pa-
mente que há relatos de interação com varfarina, sangramento cientes submetidos a este tratamento.
digestivo e reações locais.
A capsaicina tópica é eficaz no controle de dor, porém Diacereína
apresenta um efeito irritativo inicial que prejudica a continui- A diacereína, derivada da antraquinona, é um fármaco que
dade do tratamento, necessária para que haja efetividade e inibe diretamente a interleucina 1β e suas funções, como ex-
redução da dor. pressão de óxido nítrico sintase indutível, a liberação de pros-
Em modelos experimentais de osteoartrite, verificou-se a taglandina E2, IL-6 e IL-8 e as metaloproteases degradadoras
possibilidade de progressão da doença devido à inibição com- de matriz por condrócitos. Ela também aumenta a expressão
pleta das prostaglandinas, necessárias para a remodelação da do TGF-β1 e β2, favorecendo a produção de colágeno e pro-
matriz cartilaginosa. Os AINE tidos como mais potencialmente teoglicanos. Além disso, inibe a formação de superóxido, a qui-
condrodestrutivos são a indometacina e os salicilatos, pouco miotaxia e a atividade fagocitária de neutrófilos, a migração
utilizados no dia a dia. Os ICOX-2 poderiam, em tese, retardar e a fagocitose de macrófagos. Uma metanálise que incluiu 19
a degradação cartilaginosa e óssea por manter níveis de COX-1 trabalhos randomizados, duplo-cegos, controlados mostrou
fisiológicos. Entretanto nenhum desses efeitos foi verificado eficácia superior ao placebo e comparável com AINE no quesi-
na osteoartrite humana. to analgesia tanto para osteoartrite de joelhos quanto quadris.
A diferença entre os fármacos é o efeito residual da diacereí-
Corticosteroides na, que pode durar até 3 meses após a suspensão do fármaco.
O uso oral de corticosteroides para tratamento da osteoar- Outro estudo mostrou redução da perda de espaço articular
trite não é respaldado pela literatura. Entretanto as infiltrações sem, contudo, melhora evidente da dor. Os principais efeitos
intra-articulares de hexacetonido de triancinolona promovem adversos são diarreia, flatulência e dispepsia.
respostas rápidas e eficazes em casos selecionados, na qual há
inflamação exuberante. Não se recomenda a utilização repeti- Glicosamina e condroitina
da (mais de 3 a 4/articulação por ano) em virtude do poten- O sulfato de glicosamina, derivado do exoesqueleto de
cial atrofiante do fármaco. Pelo mesmo motivo, deve-se ter um crustáceos, apresenta boa tolerabilidade e eficácia no contro-
especial cuidado para que a infiltração não seja fora do espaço le dos sintomas álgicos da osteoartrite. Em modelos animais
articular. Para o quadril recomendam-se infiltrações guiadas diminui a degradação da cartilagem e eleva a síntese de gli-
por radioscopia ou ultrassom. Devem ser evitadas infiltrações cosaminoglicanos. Uma metanálise de estudos randomizados,
com corticosteroides em pacientes que serão submetidos a ar- duplo-cegos, placebo controlados, com pelo menos 4 semanas
troplastias nos 2 meses que antecedem a cirurgia. de duração, concluiu que a glicosamina apresenta um mode-
rado efeito terapêutico na osteoartrite de joelhos. Contudo os
Tratamento sintomático e/ou modificador de estudos são muito heterogêneos, dificultando a analise global
doença de ação lenta de eficácia. Em um estudo, 212 pacientes com osteoartrite de
As medicações sintomáticas de ação lenta têm como carac- joelhos receberam randomicamente e de maneira duplo-cega
terística melhorar os sintomas de dor. Apresentam-se como o sulfato de glicosamina na dose de 1.500 mg ao dia ou place-
alternativa ao uso isolado de analgésicos e/ou AINE, podendo bo durante 3 anos. O grupo da glicosamina apresentou melho-
exercer um efeito poupador de droga ou até mesmo substituí- ra dos sintomas e menor perda do espaço articular. Outro sal
-los. Há uma demora em se iniciar o efeito analgésico e veri- existente, o cloridrato de glicosamina, não apresentou a mes-
fica-se um efeito residual após a retirada. Esta classificação ma eficácia em alguns estudos.
compreende principalmente o ácido hialurônico, a cloroquina e A aspirina, ou o corante amarelo tartrazina, deve ser evi-
a hidroxicloroquina, os sulfatos de glicosamina e de condroitina, tada em pacientes alérgicos, porque pode ocasionar náuseas,
os extratos insaponificáveis de abacate e soja e a diacereína. dor abdominal, dispepsia, diarreia além de interagir com a
Os fármacos modificadores de doença de ação lenta são defi- varfarina.
nidos como medicações capazes de prevenir, retardar ou rever- O sulfato de condroitina, um glicosaminoglicano, age ini-
ter a progressão da osteoartrite. Sua ação pode ser medida em bindo a síntese de IL-1β e o fator NF-κB. É importante ressaltar
ensaios que focam a redução da velocidade de perda do espaço que a condroitina é uma cadeia de dissacarídios rica em glico-
articular à radiografia ou o retardo na perda volumétrica da samina. O estudo GAIT comparou os tratamentos cloridrato de
cartilagem aferida pela morfometria na ressonância magnética. glicosamina 1.500 mg/dia, sulfato de condroitina 1.200 mg/
São fármacos potencialmente candidatos a modificadores do dia, sulfato de glicosamina 1.500 mg/dia + sulfato de condroi-
curso da osteoartrite a diacereína, o ácido hialurônico, o sulfato tina 1.200 mg/dia e celecoxibe 200 mg/dia. Era permitido o
de glicosamina, o sulfato de condrioitina e os extratos insaponi- uso adicional de paracetamol até 4 g/dia. Evidenciou-se me-
ficados de soja e abacate, porém ainda não existe um consenso lhora estatisticamente significativa no grupo do celecoxibe em
na literatura sobre seu real papel na osteoartrite humana relação ao placebo no que tange redução de dor. Não se veri-
ficaram diferenças estatísticas entre os outros tratamentos e

Osteoartrite (Osteoartrose): Condições Correlatas, Diagnóstico e Tratamento 679


placebo. Ainda nesse estudo, no subgrupo com dor de modera- Outros estudos realizados forneceram algumas evidências
„„ PARTE 8   OSTEOARTRITE (DOENÇA ARTICULAR DEGENERATIVA)

da a grave, a combinação de cloridrato de glicosamina e sulfato a respeito da viscossuplementação em ombros, tornozelos e


de condroitina foi superior no controle da dor em relação ao 1ª carpometacarpiana.
placebo, o que não foi observado no subgrupo com dor leve.
Nesse estudo, critica-se o pequeno tamanho do subgrupo de Outras terapêuticas
dor moderada a grave, o uso de cloridrato e não sulfato de gli- Vários outros fármacos têm sido estudados para o trata-
cosamina e o tamanho bastante elevado do efeito placebo. mento da osteoartrite. Embora tenham sido publicados inú-
meros estudos experimentais e no homem, ainda não há um
Extratos insaponificáveis de soja e abacate nível crítico de evidência para que sejam recomendadas for-
Os extratos insaponificáveis de soja (2/3) e abacate (1/3) malmente. Entretanto muitos deles podem ser benéficos em
inibem a destruição de proteoglicanos aguda e cronicamente casos específicos, principalmente se associadas a outras me-
estimulam síntese e secreção por condrócitos, além de inibi- didas medicamentosas e não medicamentosas. Nesse grupo
rem a colagenase, uma das enzimas degradadoras de matriz. incluem-se os bisfosfonatos (particularmente o risedronato),
Alguns autores identificaram melhora dos sintomas da os- a doxiciclina, os hidrolisados de colágeno, a hidroxiprolina e
teoartrite de joelho e quadril. Por outro lado, um estudo mul- o ranelato de estrôncio entre outros. Em um estudo contro-
ticêntrico, randomizado, duplo-cego, placebo controlado não lado, a doxiciclina demonstrou a redução na velocidade de
evidenciou eficácia sintomática, porém numa análise post hoc perda do espaço articular na osteoartrite do joelho, porém
esses autores sugerem melhora na progressão radiográfica em outro estudo randomizado recente não verificou eficácia no
subgrupo com osteoartrite avançada, dado que ainda necessi- controle dos sintomas. A dose preconizada é de 100 a 200 mg
ta de confirmação. Em suma, observa-se efeito no quesito dor por dia. O risedronato demonstrou ação em marcadores da
em médio prazo na osteoartrite de joelhos e coxofemorais, mas degradação da cartilagem, entretanto faltam estudos para ve-
não se confirmam os mesmos efeitos em prazos mais longos. rificar sua eficácia clínica. A administração de hidrolisados de
colágeno mostrou aumento do conteúdo de proteoglicanos na
Harpagophytum procumbens cartilagem aferido por ressonância magnética em pacientes
O harpagosídeo, principal composto da garra do diabo, é o com osteoartrite e joelho. Estudos mostram que o hidrolisado
responsável pelos efeitos analgésicos desse fármaco e acredita- poderia melhorar os sintomas e a inflamação na osteoartrite.
-se que possam reduzir a produção de MMP-1, 3 e 5 por condró- Um dos principais aminoácidos do colágeno, a hidroxiprolina
citos via inibição do estímulo IL-1β. Um ensaio com pacientes tem sido utilizada para o controle sintomático da doença, em
de osteoartrite de coluna e joelho mostrou eficácia na redução um preparado denominado oxaceprol. A dose recomendada é
da dor em comparação a placebo. Outro ensaio controlado com de 600 a 1.200 mg por dia. O ranelato de estrôncio teve recen-
diacereína mostrou que o Harpagophytum procumbens não é in- temente sua eficácia demonstrada no controle dos sintomas e
ferior a ela no controle da dor e é mais bem tolerado. na redução da velocidade de perda de cartilagem articular em
Os efeitos adversos são dispepsia, dor abdominal, diarreia um estudo randomizado e controlado envolvendo 1.371 pa-
e possibilidade de interagir com varfarina. cientes com osteoartrite de joelho acompanhados por 3 anos.
A dose utilizada foi de 2 g por dia.
Hialuronato intra-articular
O uso do ácido hialurônico intra-articular, conhecido como Terapia cirúrgica
viscossuplementação, possui efeito estimulador da síntese de
Indica-se o tratamento cirúrgico habitualmente após a
ácido hialurônico de novo. O efeito é mais demorado do que o
falha do tratamento clínico. A lavagem articular artroscópica
de corticosteroides intra-articulares, todavia tende a ser mais
com limpeza da cavidade, a fenestração do osso subcondral,
duradouro. Para doença acometendo o joelho foi demonstrado
a remoção de osteófitos, osteotomias corretivas, artroplastias
efeito positivo na dor, funcionalidade e avaliação global pelo
totais ou parciais e a artrodese são opções.
paciente, além de reduzir o consumo de AINE. A eficácia é su-
perior a infiltrações de placebo e em um estudo randomiza- A pesquisa atual investiga o papel do transplante de car-
do, controlado, apresenta eficácia semelhante ao naproxeno, tilagem, de condrócitos, de células precursoras da medula
e seu efeito analgésico pode alcançar 6 meses de duração. Há, óssea, de fatores plaquetários, o uso de matriz artificial e a
entretanto, uma revisão sistemática que não evidenciou bene- aplicação de fatores de crescimento e terapia gênica em casos
fício no uso de hialuronato intra-articular. Há apresentações precoces de osteoartrite.
de alto e de baixo peso molecular, variando de 500 mil DA a 6
Artroscopia
milhões DA. Contudo não há diferenças entre as apresentações
quanto à eficácia. Podem ser utilizadas a qualquer época da O tratamento artroscópico apresenta maiores benefícios em
evolução da doença, porém estudos indicam que o uso precoce casos de possibilidade de remoção de corpos livres intra-articu-
pode retardar a progressão da osteoartrite de joelhos. O uso lares, que podem causar dor ou na presença de outras restrições
em coxofemorais é mais restrito devido à necessidade de se- mecânicas como lesões meniscais ou ligamentares passíveis de
rem guiadas por radioscopia ou ultrassom, pois as infiltrações correção, especialmente em pacientes sem desalinhamentos e
às cegas apresentam grande risco de mau posicionamento. com radiografias, registrando fases iniciais da osteoartrite. As
Entres os estudos existentes, a análise de eficácia sugere boa vantagens do procedimento artroscópico são o mínimo trauma
resposta em relação a dor e função. operatório e a baixa taxa de infecção intra-articular.
Os efeitos colaterais encontrados são dor local, que pode Procedimentos de condroplastia a laser ou térmicos ain-
durar até 72 horas, e algumas reações alérgicas, especialmente da não apresentam resultados apreciáveis. O fenestramento
em alérgicos a ovo. Nos ensaios não foi relatado nenhum caso (procedimento de penetração subcondral) tem como objetivo
de artrite séptica pós-infiltração. induzir o recrutamento de células mesenquimais para preen-
chimento dos defeitos cartilaginosos adjacentes. Entretanto, o

680 Tratado Brasileiro de Reumatologia


reparo se dá por meio de fibrocartilagem e não por cartilagem que sejam secundários à progressão da doença já instalada.

„„ CAPÍTULO 52
normal, prejudicando resultados em longo prazo. A técnica de Tende-se a sua opção como tratamento de eleição nos pacien-
preferência na atualidade é a de microfraturas. tes mais jovens, visto que a vida útil das próteses articulares
é menor nesses pacientes. Pode ser realizada na extremidade
Enxertos e transplantes de células distal do fêmur ou na proximal da tíbia e em casos de rizar-
O transplante autólogo osteocondral (cartilagem íntegra e trose.
osso subcondral adjacente) já foi realizado de maneira bem-
-sucedida em pacientes com osteoartrite. A técnica utilizada é Artroplastia
a mosaicoplastia, em que são realizados pequenos implantes Apesar da durabilidade das próteses ainda não ser a ideal,
de cilindros de cartilagem normal e osso adjacente oriundos a artroplastia total ou parcial tem por objetivo restaurar a in-
de áreas doadoras não sujeitas à sobrecarga de peso pode cor- tegridade e a funcionalidade articular e obtém seus melhores
rigir defeitos de até 2 cm2 e não podem ser utilizados em os- resultados em curto prazo. A indicação deste procedimento
teoartrite difusa. Entretanto, esse procedimento não elimina a deve ser realizada não só analisando-se fatores como idade do
progressão das lesões preexistentes. paciente e expectativa de vida, mas também presença de co-
O maior benefício é esperado com transplante autólogo morbidades, grau de mobilidade e nível prévio de atividades
de condrócitos (TAC), cujo objetivo seria evitar a formação da e expectativas do paciente. Um estudo a respeito da influência
fibrocartilagem e promover cartilagem de melhor qualidade das características no prognóstico dos pacientes mostrou uma
com maior durabilidade. Existem dois estudos que avaliaram a tendência de maior necessidade de revisão cirúrgica em mais
eficácia clínica do TAC em relação à mosaicoplastia. No primei- jovens e homens; e de maior mortalidade em mais idosos e
ro houve melhor resultado em 1 ano com o TAC, e metade das homens. Maior idade relaciona-se com pior funcionalidade,
biópsias mostraram formação de cartilagem hialina; o segun- em especial em mulheres. Contudo, em geral todos os grupos
do evidenciou pequena diferença entre as técnicas ao final de obtiveram benefícios na artroplastia.
2 anos, e as biópsias mostraram fibrocartilagem em vez de car- Em casos de rizartrose a artroplastia por interposição é
tilagem hialina. Em um estudo comparando TAC com a técnica eficaz e recomendada em casos refratários ao tratamento con-
de microfratura também não se verificou diferença significati- vencional.
va ao final de 2 anos. Estabeleceu-se que é preciso esperar ao
menos 2 anos para avaliar o crescimento das cartilagens. Artrodese
O transplante de periósteo e pericôndrio autólogos como
O papel da artrodese é mantido no tratamento da osteoar-
fonte de células mesenquimais para tratamento de defeitos na
trite de mãos, coluna, tornozelo e pés. Seu uso em quadris e
cartilagem de pacientes com osteoartrite auxilia na reparação
joelhos é bastante restrito. Ganha-se em controle da dor, po-
das lesões, porém a técnica tem sido abandonada.
rém perde-se em mobilidade articular.
Atualmente, existem inúmeros estudos avaliando a utili-
zação de outras fontes de células mesenquimais que possam
diferenciar-se em tecidos articulares, como as do tecido gor- Perspectivas futuras
duroso, hematopoiético, muscular e sinovial. As estratégias
para a aplicação prática desse recurso são o desenvolvimen- O uso de anticorpos monoclonais anticitocinas como IL-1
to de meios eficientes para promover a diferenciação dessas e TNF-α, apesar de factível do ponto de vista fisiopatológico,
células de modo a produzir condrócitos capazes de sintetizar ainda requer a análise de riscos, benefícios e custo em maior
uma matriz qualitativamente adequada. Outro desafio é a pro- escala.
dução de uma microestrutura que funcione como um andaime O tanezumabe, um anticorpo monoclonal humanizado
(como se fosse uma matriz artificial), que possa ser colonizada recombinante contra o fator de crescimento de nervo (NGF)
por essas células e que posteriormente seja substituída por demonstrou eficácia nas fases I e II de protocolos clínicos de
cartilagem normal, mas esse processo ainda não é uma reali- osteoartrite. O efeito colateral de dor neuropática pode-se tor-
dade no tratamento da osteoartrite. nar um empecilho ao seu uso.
A aplicação da bioengenharia para promover uma restitui-
Plasma rico em plaquetas ção dos tecidos lesados talvez seja uma das perspectivas mais
A aplicação intra-articular de plasma rico em plaquetas, ou promissoras. Com essa estratégia, pelo menos as lesões mais
PRP, tem sido utilizada para o tratamento da osteoartrite, prin- focais poderiam ser corrigidas, mas há um longo caminho até
cipalmente dos joelhos. As plaquetas são ricas em fatores de que possa ser viável nos acometimentos articulares mais ex-
crescimento, que sendo liberados nos tecidos articulares lesa- tensos.
dos poderia estimular sua melhora. Entretanto, ainda não existe
uma padronização quanto às técnicas para sua obtenção, e uti- „„ CONCLUSÃO
lização e os estudos clínicos não têm uma qualidade suficiente
para permitir conclusão definitiva sobre sua real eficácia. Apesar da grande frequência de pacientes com osteoar-
Encontra-se em fase de investigação a utilização de célu- trite, ainda encontram-se inúmeras dificuldades no trata-
las mesenquimais que possam se diferenciar e formar tecidos mento desta população. A abordagem multidisciplinar aliada
articulares, mas também nesse campo os estudos ainda não a medidas farmacológicas pode trazer grande benefício. Ain-
permitem uma evidência sobre os benefícios na osteoartrite. da são esperados muitos estudos que avaliem adequadamen-
te grandes populações para se identificar a real importância
Osteotomia dos fármacos modificadores de doença na evolução dessa
Indicam-se osteotomias para correções de desalinhamen- condição clínica.
tos que predisponham ao desenvolvimento de osteoartrite ou

Osteoartrite (Osteoartrose): Condições Correlatas, Diagnóstico e Tratamento 681


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„„ PARTE 8   OSTEOARTRITE (DOENÇA ARTICULAR DEGENERATIVA)

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682 Tratado Brasileiro de Reumatologia


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Osteoartrite (Osteoartrose): Condições Correlatas, Diagnóstico e Tratamento 683


„„ PARTE 8   OSTEOARTRITE (DOENÇA ARTICULAR DEGENERATIVA)

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684 Tratado Brasileiro de Reumatologia


9 Seção

Doenças da Coluna Vertebral


53

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin

O Reumatologista e a Coluna Vertebral:


Passado, Presente e Futuro
„„ O PASSADO do disco intervertebral, inclusive a exacerbação da dor duran-
te a defecação e a atrofia muscular nos casos graves. Os co-
As lombociatalgias e a ciática, possivelmente, afligem o nhecimentos que temos hoje em dia sobre os casos de ciática
Homem, desde que ele começou a caminhar ereto. O conhe- paralisante são os mesmos daquela época.
cimento sobre as doenças da coluna lombar remonta à época
A tuberculose vertebral, cujas deformidades foram descri-
da construção das pirâmides, durante a 4ª dinastia do velho
tas em 1779 por Percival Pott (daí o nome de mal de Pott), tam-
reinado do Egito, há 4.500 anos.
bém não passou despercebida a Hipócrates que suspeitava,
Já naquele tempo se sabia que anormalidades da coluna como Galeno também o fazia, que cáries da coluna vertebral
vertebral exercem uma ação deletéria sobre as funções moto- podiam estar associadas àquela doença.
ras, sensitivas e esfincterianas. São conhecimentos semelhan-
O tema em pauta não escapou nem mesmo ao genial espíri-
tes aos que temos hoje a respeito de complicações da hérnia
to de observação de Shakespeare,1 que colocou na boca de um
discal extrusa e da estenose do canal raquidiano. Todos sabem
de seus personagens, o Timon de Atenas, a seguinte frase: “Tu,
que hérnias centrais volumosas podem comprimir a cauda
fria ciática, invalidas nossos senadores, de tal forma que seus
equina, levando à incontinência urinária e fecal, e que o es-
membros se tornam tão defeituosos quanto suas ações”.
treitamento artrósico do canal pode causar parestesias e dimi-
nuição da força muscular nos membros inferiores. Referências As contribuições sobre o assunto, e agora, a respeito de
sobre isso estão no mais antigo manuscrito sobre Cirurgia, uma doença de nossa área de atuação, continuaram nos tem-
doado à Sociedade de História de Nova Iorque pela irmã do in- pos modernos, com os escritos do neurologista russo Vladmir
glês Edwin Smith, que esteve por quatro anos no Egito, a partir von Bechterev e do célebre médico alemão Adolph Strümpell.
de 1858. Na ocasião, ele adquiriu de Mustafá Aga, mercador Por isso, a espondilite anquilosante, estudada por estes auto-
de Teba, um papiro de 211/2 colunas. Em 1930, Breasted, da res, é denominada Doença de Strumpell, Pierre-Marie e von
Universidade de Chicago, encontrou o papiro, traduziu-o e pu- Bechterev.
blicou os resultados. A sequência de conhecimentos continuou em 1803 com
Neste monumental documento histórico descrevia-se o Portal,3 que já chamava a atenção para anormalidades no ta-
caso de um paciente com uma vértebra deslocada no pescoço; manho do canal raquidiano.
ele não tinha consciência de suas pernas e braços, e a sua urina E em 1899, Fraenkel, mesmo antes da introdução da mie-
gotejava – uma doença que não dava para ser tratada. Prova- lografia, mandou operar um paciente com queixas lombares
velmente, hoje, poder-se-ia enquadrar este caso como sendo que, hoje, podem ser caracterizadas como sendo aquelas pro-
uma paraplegia por trauma raquimedular cervical ou um qua- duzidas por um canal raquidiano lombar estreito. Após uma
dro decorrente de uma hérnia discal cervical.1 laminectomia em dois níveis, o doente sentiu alívio da dor. O
Caelius Aurelianus, 300 anos a.C. elaborou um tratado in- cirurgião havia encontrado, no ato cirúrgico, um engrossa-
titulado Sobre Ciática e Psoádica (Psoas: em grego, músculo do mento do periósteo e uma lâmina mais espessa que a habitual.
lombo; e psoádica: equivalente ao lumbago). No entanto, apesar destes importantes relatos, o marco da
Hipócrates, o Pai da Medicina, se referia à ciática dizendo: história das lombalgias e lombociatalgias foi a publicação por
“A luxação da cabeça do fêmur leva a uma ciática crônica e se Bailey e Luis Casamajor no ano de 1911, de um trabalho intitu-
não se aplica revulsão pelo fogo, causa atrofia do membro e lado Osteoartrite da coluna como causa da compressão da me-
manqueira”.2 dula espinhal e suas raízes. Nesta ocasião, os autores alertaram
para a possibilidade de que os nervos da cauda equina e a pró-
Ainda, e remontando aos tempos antigos, está registrado
pria medula espinhal pudessem ser suscetíveis à compressão
que Soranus de Ephesus descreveu com detalhes (sem, no en-
por anormalidades artrósicas.
tanto, ter identificado a lesão), os sinais e sintomas da ruptura

687
Ainda sobre este assunto4 relataram oito casos de com- artrósico causador da lombociatalgia. Não era, pois, nenhuma
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

pressão medular e radicular por osteoartrite hipertrófica (os- hérnia ou protrusão a causa dos sintomas.
teoartrite é o termo usado por povos de língua inglesa para Apesar de esforços de Verbiest e Epstein, chamando a
designar a osteoartrose que, para nós, seria o termo mais cor- atenção do mundo médico para a importância do estreitamen-
reto), submetidos à laminectomia descompressiva. to artrósico do canal raquidiano, como causa frequente de dor
Embora estes últimos autores não emitissem opinião de lombar e ciática, esta ideia somente refez, muito lentamente, o
que essas anormalidades pudessem produzir Dor Lombar e seu caminho, até os nossos dias.
Ciática, Siccard, na França, e Putti, na Itália, acreditavam ser Em nosso meio, pelo que se sabe, alguns poucos trabalhos
a Osteoartrite a causa mais comum de lombalgia e ciática. Os existem, atualmente, sobre o assunto; ou seja, ainda prevale-
conhecimentos atuais comprovam que eles estavam certos. ce nas áreas não especializadas, como no passado, a noção de
Outro acontecimento de relevância foi a descoberta, a ca- que um grande contingente de lombociatalgias e/ou ciáticas é
racterização e a descrição das hérnias discais, como importan- devido a hérnias discais (o que é inverossímil), quando a real
tes causas de lombociatalgias, por Joseph Barr e Jason Mixter, prevalência das causas não discais é de uma amplitude consi-
ambos do Massachusetts General Hospital e professores da deravelmente maior.
Universidade de Harvard.5 Nesse aspecto, os trabalhos de Fazzi8 Fraenckel e Temponi
Em setembro de 1933, em um encontro na cidade de Bos- Cecin9, 10 levantam o problema no nosso país, no que concerne
ton, a New England Surgical Society, se reuniu para ouvir o ao estreitamento artrósico do canal raquidiano, como causa
relato destes dois eminentes médicos, daquela conceituada importante de dor lombar e ciática.
Universidade, sobre 18 casos de lombociatalgia “em que a com- Se neste passado distante a nossa ação não existiu, até
pressão radicular não era por tumor ou “encondroma” e, sim, por mesmo porque nem existia Reumatologia como especialidade
um material discal normal ou degenerado”. Mais tarde, isso foi estruturada, hoje em dia, com a evolução dos conhecimentos
rotulado como ruptura do disco intervertebral ou hérnia discal. e a solidez de nossa especialidade, um novo norte surgiu e se
Nas conclusões publicadas no New England Journal of Me- descortina.
dicine, de 2 de agosto de 1934, eles afirmavam: “O tratamento As doenças vertebrais, então limitadas à hérnia de disco, à
desta doença é cirúrgico e os resultados obtidos são muito satis- artrose e a algumas outras, tiveram seu leque muito mais am-
fatórios se a compressão não for por tempo prolongado”. pliado. Os nossos horizontes se estenderam para muito além
A hérnia discal predominou durante quase trinta anos, no daquele estojo ósseo supostamente inerte, com o qual, alguns
pensamento médico, como uma das únicas causas de lombo- poucos, acham que deveríamos nos contentar.
ciatalgia, até que Epstein,6 em 1960, ressuscitou o que já havia Os estudos de biomecânica, genética, fisiopatologia e de
feito em 1954:7 a importância do estreitamento do canal ra- imagem demonstraram que a aparente simplicidade daquele
quídeo na gênese destas síndromes dolorosas. E, como sempre eixo de sustentação do corpo humano é um ledo engano.
acontece em Medicina, determinadas doenças fazem “época”: a Na verdade, aquela coluna rígida, cujo interior alberga um
época da sífilis, da tuberculose, da Aids, das ventosas etc. dos mais complexos e fascinantes capítulos da patologia hu-
Assim, durante mais ou menos quarenta anos, a hérnia mana, ainda está envolta por uma densa névoa de desinfor-
discal reinou de forma quase absoluta como causa de lom- mação.
bociatalgia. Até bem pouco tempo atrás, quem sabe até os Desinformação que resulta em prejuízos para os pacientes
dias atuais, qualquer dor lombar irradiada para um ou outro e para o sistema brasileiro de saúde.
membro inferior era ou é caracterizada como hérnia discal. Ainda grassa no meio leigo, que este território não é de
Este conceito errôneo, felizmente, está mudando, embora em nossa alçada, apesar de a coluna vertebral ser rica em tecido
velocidade muito lenta. conjuntivo, articulações diartrodiais com membrana sinovial e
Como a conduta terapêutica, na época, era geralmente in- próprio disco intervertebral, uma articulação com cartilagem
tervencionista, muitas cirurgias eram feitas. Muitos pacientes (uma anfiartrose). Ela não tem apenas a mera função de man-
não melhoravam, porque na realidade eram casos de artrose ter o esqueleto, sem qualquer ligação com o resto do corpo.
zigoapofisária e estenose lateral do canal raquidiano e não de É elementar, e disto nós todos sabemos, que não existem
hérnia de disco. Infelizmente, os pacientes, em que operação compartimentos estanques em Medicina.
era única alternativa, tinham que se conformar com a dor, às Limitar o nosso cabedal de conhecimentos teórico-práti-
vezes de intensidade maior depois da cirurgia. cos, isoladamente, a órgãos e sistemas, é negar o maravilhoso
No entanto, alguns deles tinham uma sorte melhor: eram, sincronismo anatomofuncional entre a coluna vertebral e os
na realidade, portadores de uma artrose menos exuberante e, diferentes órgãos e sistemas. Seria voltar no tempo, em uma
por isso, considerava-se erroneamente que eles tivessem hér- época anterior a Harvey ter descoberto a circulação do sangue
nia de disco; eram operados e nada se encontrava ao ato cirúr- e a Claude Bernard, o meio interno.
gico. Eram operações brancas, coroadas de êxito, para as quais É pelas notórias conexões da coluna vertebral com os de-
não se tinha uma aparente explicação. mais setores da economia que o reumatologista, como clínico
O que ocorria nessas cirurgias é o mesmo descrito na fá- arguto e de visão generalista pode, mais do que ninguém, exer-
bula de La Fontaine.7 Monsieur Jourdain (um personagem pa- citar o seu mister.
recido com o nosso “Pedro Bó”), que, querendo falar em verso, Se a reumatologia é a ciência que estuda articulações, ossos
falava em prosa; da mesma forma, o cirurgião fazia, sem saber, e ligamentos; se a reumatologia estuda os desvios metabólicos,
o tratamento de uma estenose lateral através de uma exére- a inflamação e a degeneração que afetam essas estruturas; se o
se óssea ampla, procurando uma hérnia discal inexistente. O reumatologista, entre outros, é o especialista que, pelo menos
paciente melhorava, porque tinha o seu canal raquídeo des- em tese, está bem preparado para fazer o diagnóstico diferen-
comprimido pela laminectomia, que tratava do estreitamento cial das algias vertebrais.

688 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Argumentando cimentos, não por razões de mercado, mas muito mais por

„„ CAPÍTULO 53
razões humanas de aliviar a dor e o sofrimento, sempre com
Se a coluna contém o maior número de articulações e li- a mente voltada para os preceitos hipocráticos da medicina.
gamentos do corpo humano, se é acometida por doenças de-
Os doentes com algias vertebrais merecem melhor sorte e
generativas, inflamatórias e metabólicas, se manifestações
não devem ficar à mercê de tratamentos sintomáticos com di-
de doenças sistêmicas nela podem-se assestar, se a coluna é
clofenaco, cetoprofeno, nimesulida, cariprosodol, entre outros;
uma das caixas de ressonância dos conflitos e das angústias
urge que eles deixem de fazer tração, ondas curtas e outros
do psiquismo, é de uma clareza meridiana, que o reumatolo-
placebos, para especificamente tratar de suas espondilodis-
gista deva ser também o especialista, que por estar imbuído
cites, de seus mielomas, de suas espondiloartropatias, de sua
de conhecimentos gerais da clínica médica, deva assumir a
osteoporose, de suas síndromes paraneoplásicas, das metásta-
responsabilidade de vencer os desafios, principalmente dos
ses de neoplasias malignas de outros órgãos e das suas síndro-
diagnósticos etiológicos e diferenciais, de uma das “caixas
mes sensitivas centrais.
pretas” da Medicina; e fazer a prescrição da terapêutica mais
adequada. Os conhecimentos atuais são taxativos de que hérnias
discais, em 95% dos casos, não necessitam de tratamento ci-
Longe de querermos retroceder para antes da revolução
rúrgico, que não há necessidade de colocar parafusos nas es-
francesa e restaurar, no nobre terreno da ciência médica, o
pondilolisteses grau I, de utilizar coletes em pseudoescolioses
feudalismo de antanho, afirmando com todas as letras que as
e de “cintas” na lombalgia mecânica comum, porque a atitude
doenças da coluna são exclusivas da Reumatologia.
antálgica melhora, aproximadamente, em quatro a cinco dias.
No entanto, não podemos mais assistir, em silêncio, à do-
lorosa peregrinação de doentes em uma verdadeira via-crúcis, “Ars longa, vitae breve est.” A arte é longa, a vida é breve.
de consultório em consultório, atrás das causas de seu sofri-
mento. É pois imperativo que aprofundemos nossos conhe- Logo, o discurso de nada vale se a ação não o suceder.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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O Reumatologista e a Coluna Vertebral: Passado, Presente e Futuro 689


54

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin

Doenças da Coluna Lombar: História e Características Gerais

Não saber o que se sucedeu antes de nós,


é o mesmo que continuar sempre criança.
Cícero

Figura 54.1 Evolução do homem e as consequências do progresso da humanidade e da era digital.1 Fonte: http//imagohistoria.blogspot.com.br

Moderno Homo
Homo
Sapiens
Neanderthalensis
Homo Erectus
Hominídeos Homo Habilis
(Australopithecus
Afarensis)

Hominoides
(Proconsul Hypothetical
Africana)

Figura 54.2 Evolução do homem em relação à altura e consequente retificação da coluna vertebral.25

691
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

Figura 54.3 Involução do homem: o homem evoluiu do ponto de vista anatômico e involuiu em certas situações.26

„„ HISTÓRIA E EVOLUÇÃO DOS CONHECIMENTOS


A dor lombar, as lombociatalgias e a ciática, possivelmen-
te, afligem o homem desde que ele começou a caminhar ereto
(homo sapiens) Figura 54.2.
O conhecimento sobre as doenças da coluna lombar re-
monta à época da construção das pirâmides, durante a 4ª di-
nastia do velho reinado do Egito, há 4.500 anos.
Tais conhecimentos foram relatados no papiro Ebers, que
surgiu durante o reinado de Amenhotep I, cerca de 1534 antes
de Cristo.2
O papiro Ebers, um dos mais antigos documentos da Histó-
ria da Medicina, foi adquirido por um inglês, Edwin Smith, que
esteve durante quatro anos no Egito, a partir de 1858. Naquela
ocasião, ele adquiriu de Mustafá Aga, mercador de Teba, o já
citado papiro de 211/2 colunas, que foi doado por sua irmã à
Sociedade de História de Nova Iorque.2
Já naquele tempo se sabia que anormalidades da coluna
vertebral exercem uma ação deletéria sobre as funções moto-
ras, sensitivas e esfincterianas do homem. São conhecimentos
semelhantes aos que temos hoje a respeito da hérnia discal
extrusa, da síndrome da cauda equina e da estenose do canal
raquidiano, causando estas condições patológicas, os mesmos
sintomas que, indiretamente, na mais remota Antiguidade já
se sabia existirem.
No referido monumental documento histórico, descrevia-
-se o caso de um paciente com uma vértebra deslocada no pes-
coço; ele não tinha consciência de suas pernas e braços, e a sua
urina gotejava (uma doença que não dava para ser tratada).
Provavelmente, poder-se-ia hoje enquadrar este caso como
sendo uma paraplegia por trauma raquimedular cervical ou
um quadro devido à uma hérnia discal cervical.3
Este tema, o de doenças da coluna vertebral, não escapou
Figura 54.4 Avicena, pai da Medicina Medieval.
da genial capacidade de observação de Avicena, o nome latini-
zado de Ibn Sina, médico e filósofo árabe (980–1037), que em Caelius Aurelianus, Hipócrates, o pai da Medicina, Sora-
seu famoso tratado “Os cânones da medicina” se encontram nus de Ephesus, Percival Pott (daí o nome de mal de Pott) e
em seis capítulos sobre anatomia, biomecânica e fisiologia da Galeno também fizeram relatos sobre as afecções da coluna
coluna vertebral. Os cânones da medicina foram o principal vertebral.
guia, por seis séculos, da medicina Ocidental. No sexto capítu- O tema em pauta, principalmente a cática, não escapou
lo, já se enfatizava o papel protetor do canal ósseo sobre a me- nem mesmo ao genial espírito de observação do dramaturgo
dula espinhal, o papel amortecedor dos discos intervertebrais inglês Shakespeare,4,5 que colocou na boca de um de seus per-
e destacou-se o papel do cérebro e dos nervos na inervação sonagens, o Timon de Atenas, a seguinte frase: “Tu, fria ciática,
dos pés e das mãos. Ainda não lhe escapou a função do líquido invalidas nossos senadores, de tal forma que seus membros se
cefalor-raquidiano como um umidificador do tecido espinhal. tornam tão defeituosos quanto suas ações”.

692 Tratado Brasileiro de Reumatologia


As contribuições sobre o assunto continuaram nos tempos

„„ CAPÍTULO 54
modernos, com os escritos do neurologista russo Vladmir von
Bechterev e do célebre médico alemão Adolph Strümpell. Por
isso, a espondilite anquilosante estudada por estes autores, é de-
nominada de Doença de Strumpell, Pierre-Marie e von Bechterev.
A sequência de conhecimentos continuou em 1803, com
Portal, que já chamava a atenção para anormalidades no tama-
nho do canal raquidiano.6
E em 1899, Fraenkel, mesmo antes da introdução da mielo-
grafia, mandou operar um paciente com queixas lombares que,
hoje, podem ser caracterizadas como aquelas produzidas por um
canal raquidiano lombar estreito. Após uma laminectomia em
dois níveis, o doente sentiu alívio da dor. O cirurgião havia encon-
trado, no ato cirúrgico, um engrossamento do periósteo e uma
lâmina mais espessa que a habitual.
No entanto, apesar destes relatos, o marco da história das
lombalgias e lombociatalgias foi a publicação por Bailey e Luis
Casamajor, no ano de 1911, de um trabalho intitulado Osteoar-
trite da coluna como causa da compressão da medula espinhal
e suas raízes. Nesta ocasião, os autores alertaram para a possi-
bilidade de que os nervos da cauda equina e a própria medula
espinhal pudessem ser suscetíveis à compressão por anorma-
lidades artrósicas.
Ainda sobre esta doença, Parker e Adson7 relataram 8 casos
de compressão medular e radicular por osteoartrite hipertró-
fica, que foram submetidos à laminectomia descompressiva.
Osteoartrite, termo usado por povos de língua inglesa é o
mais correto que osteoartrose, este utilizado por alguns até
hoje para designar a doença degenerativa dos discos e das ar-
Figura 54.5 Hipócrates, pai da Medicina. ticulações zigoapofisárias.*
Embora Bailey e Luis Casamajor não tenham afirmado que
essas anormalidades pudessem produzir dor lombar e ciática,
Siccard, na França, e Putti, na Itália, acreditavam ser a osteoar-
trite a causa mais comum de lombalgia e ciática. Os conheci-
mentos atuais comprovam que eles estavam certos.
Outro acontecimento de relevância na história das doenças
da coluna lombar foi a descoberta, a caracterização e a descri-
ção das hérnias discais, como importantes causas de lombocia-
talgias, por Joseph Barr e Jason Mixter, ambos do Massachusetts
General Hospital e professores da Universidade de Harvard.8
A hérnia discal predominou durante quase trinta anos
no pensamento médico daquela época, como uma das únicas
causas de lombociatalgia, até que Epstein,9 em 1960, ressus-
citou o que Verbiest já havia asseverado em 1954: a impor-
tância do estreitamento do canal raquidiano na gênese destas
síndromes dolorosas. E, como sempre acontece na Medicina,
determinadas doenças fazem “época”: a época das ventosas, da
sífilis, da tuberculose e da Aids.
Pode-se ver, então, que durante mais ou menos trinta anos,
a hérnia discal reinou de forma quase absoluta como a causa
principal de lombociatalgia. Até pouco tempo atrás, senão até
as últimas décadas do século passado, que qualquer dor lombar
irradiada para um ou outro membro inferior era caracterizada
como hérnia discal. Este conceito errôneo, felizmente, depois de
Epstein e do Consenso Brasileiro e das Diretrizes do CFM e AMB,
está mudando, embora em velocidade ainda muito lenta.

* Nos capítulos seguintes, os estudos atuais demonstram que o pro-


cesso inflamatório é dominante na deflagração dos sintomas da
Figura 54.6 Galeno. doença degenerativa dos discos.

Doenças da Coluna Lombar: História e Características Gerais 693


Como a conduta terapêutica, na época, era, geralmente, in- Ainda grassa no meio leigo, e até no nosso próprio, que
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

tervencionista, muitas cirurgias, desnecessárias, foram e ainda qualquer dor lombar, ciatalgia, dor nos membros inferiores,
são feitas.** ciática (que às vezes nem ciática é) são sintomas exclusivos de
Naquela época muitos pacientes não melhoravam, porque, esqueleto axial lombar e seus componentes (discos, ligamen-
na realidade, eram casos de artrose zigoapofisária e/ou este- tos, articulações, raízes nervosas) se a coluna vertebral não
nose lateral do canal raquidiano em que havia lombocitalgia, e tivesse qualquer ligação com outros órgãos e sistemas. Ainda
não hérnia de disco. Infelizmente, os pacientes operados, sem bem que esta visão vem mudando e os “sinais de alerta verme-
alternativa, tinham que se conformar com a dor, às vezes de lhos e amarelos” estão aí para comprovar que doenças de tais
intensidade maior depois da cirurgia. órgãos e sistemas podem ter como primeira manifestação, a
No entanto, alguns deles tinham uma sorte melhor: eram, dor lombar, ciatalgia e/ou ciática. É elementar, porque sabe-
na realidade, portadores de uma artrose menos exuberante e, mos que não existem compartimentos estanques em medicina.
por isso, considerava-se erroneamente que eles tivessem hér- Limitar o nosso cabedal teórico-prático ao esqueleto axial
nia de disco; eram operados e nada se encontrava ao ato cirúr- e seus componentes, sem levar em conta sua ligação com os
gico. Eram operações brancas, coroadas de êxito, para as quais órgãos e sistemas do corpo, é negar o maravilhoso sincronis-
não se tinha uma aparente explicação. mo anatomofuncional entre os primeiro e os segundos.
O que ocorria nestas cirurgias é que o cirurgião fazia, sem
Seria voltar no tempo, em uma época de trevas, antes mes-
saber, o tratamento de uma estenose lateral através de uma
mo de Harvey ter descoberto a circulação do sangue, ou Clau-
exérese óssea ampla, procurando uma hérnia discal inexisten-
de Bernard, o meio interno.
te. O paciente melhorava, porque tinha o seu canal raquidiano
descomprimido pela laminectomia, que tratava do estreita- É pelas notórias conexões da coluna vertebral com os de-
mento artrósico causador da lombociatalgia. Não era, pois, ne- mais setores da economia que o reumatologista, como clínico
nhuma hérnia ou protrusão a causa dos sintomas.9 arguto e de visão generalista, exercita o seu mister.
Em nosso meio, pelo que se sabe, existem atualmente pou- Se a reumatologia é a ciência que estuda articulações, ossos e
cos trabalhos sobre o assunto; ou seja, ainda prevalece, como no ligamentos; se a reumatologia estuda os desvios metabólicos, as
passado, nas áreas não especializadas, a noção de que um grande alterações da resposta imune anormal, a inflamação e a degene-
contingente de lombociatalgias e/ou ciáticas é devido a hérnias ração que afetam essas estruturas; se o reumatologista é o espe-
discais (o que é inverossímil), quando a real prevalência das cau- cialista que, pelo menos em tese, deva estar preparado para fazer
sas não discais é de uma amplitude consideravelmente maior. o diagnóstico diferencial da dor que emerge da coluna vertebral.
Nesse aspecto, os trabalhos de Fazzi,10 Fraenckel e Tempo- E por isso é mandatório que devamos ampliar e aprofundar
ni11 e Cecin12 levantaram o problema no nosso país, alertando os nossos conhecimentos como generalistas, para desvendar os
para o fato de as hérnias discais não serem as principais causas mistérios desta “caixa preta” que é a coluna vertebral.
de dor lombar, como também o estreitamento artrósico do canal
raquidiano não o era. Mais de uma centena de outras condições
patológicas são passíveis de causa de dor lombar e ciática. „„ A IMPORTÂNCIA DA ABORDAGEM DAS
Se neste passado distante a nossa ação não existiu, até DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL PELO
mesmo porque nem existia Reumatologia como especialidade REUMATOLOGISTA
estruturada, hoje em dia, com a evolução dos conhecimentos e
Os argumentos são irrefutáveis: se a coluna vertebral con-
a solidez de nossa especialidade, um novo norte se descortina.
tém o maior número de articulações e ligamentos do corpo
As doenças vertebrais, então limitadas à hérnia de disco,
humano, se é acometida por doenças degenerativas, inflama-
à artrose e algumas poucas outras, tiveram seu leque muito
tórias autimunes, infecciosas e metabólicas, se manifestações
mais ampliado. Os nossos horizontes se estenderam para mui-
de doenças sistêmicas nela podem-se assestar, se a coluna é
to além daquele estojo ósseo supostamente inerte, com o qual,
alguns poucos, acham que deveríamos nos contentar. uma das caixas de ressonância dos conflitos e das angústias do
psiquismo, é de uma clareza meridiana a necessidade de o reu-
Os estudos de biomecânica, genética, fisiopatologia e de
matologista ser também o especialista que, por estar imbuído
imagem demonstraram que a aparente simplicidade do esque-
leto axial, apenas como eixo de sustentação do corpo humano de conhecimentos, sutis e profundos, sendo, também, um dos
(a coluna vertebral), é ledo engano. indicados para esta árdua tarefa.
Na verdade, aquela coluna rígida alberga um dos mais Neste desiderato, um especialista com uma visão mais am-
complexos e fascinantes capítulos da patologia humana, por pla da clínica médica, ele pode fazer a diferença e desequili-
conter em seu interior a medula espinhal, uma extensão do brar o fiel da balança, na busca do diagnóstico etiológico e na
nosso fascinante cérebro, continua ainda envolta por uma den- prescrição da terapêutica mais adequada.
sa névoa de desinformação. Longe de querermos retroceder para antes da Revolução
Desinformação que resulta em prejuízos para os pacientes Francesa e restaurar, no nobre terreno da ciência médica, o feu-
e para o sistema brasileiro de saúde. dalismo de antanho, afirmando, erroneamente, com todas as
letras que “a coluna é nossa”, quebramos o princípio da interdis-
ciplinaridade, vital para os resultados terapêuticos esperados.
No entanto, não podemos mais assistir, em silêncio, à dolo-
** Pesquisa feita no Hospital Albert Einstein, em um programa que
reavaliava indicações de cirurgias de coluna, em dois anos, dos rosa peregrinação de doentes, em uma verdadeira via-crucis,
1.679 pacientes que chegaram. de consultório em consultório, atrás das causas de seu sofri-
Reavaliação de 1.679 pacientes e contraindicou a operação em qua- mento. É imperativo que mergulhemos fundo nesta matéria,
se 60% dos casos com pedido médico para a operação, porque só muito mais por razões humanas e com a mente voltada para os
683 (41%) foram confirmados como realmente necessários. preceitos hipocráticos da medicina, do que por vis e ignóbeis
Folha de São Paulo, 20 de abril de 2013 razões de mercado.

694 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Os doentes merecem melhor sorte, e não devem ficar à exame físico. Por que isto não é possível acima dos 50, quando é

„„ CAPÍTULO 54
mercê de medicamentos sintomáticos, como diclofenaco, ce- nitidamente perceptível o envelhecimento da população e maio-
toprofeno, nimesulida, cariprosodol e outros; urge que eles res são as possibilidades de doenças de pior evolução? 16
deixem de fazer tração, ondas curtas e outros placebos, para No nosso meio, Cecin,17 fazendo uma pesquisa sobre a pre-
especificamente, tratarmos de suas espondilodiscites, de seus valência da dor lombar, no município de Uberaba, MG, constatou
mielomas, de suas espondiloartropatias, de sua osteoporose, que em uma amostra de 491 pessoas de ambos os sexos (275 ho-
de suas metástases e de suas somatizações. mens, 216 mulheres) e de diversas ocupações, 53,4% apresenta-
“Ars longa, vitae breve est.” A arte é longa, a vida é breve, ram por uma ou mais vezes lombalgia e/ou lombociatalgia.
como dizia Hipócrates, o pai da Medicina. Além de não se procurar a exata etiologia, outras dificul-
Logo, o discurso de nada vale se a ação não o suceder. dades na abordagem desta matéria decorrem de vários outros
Quem detém o conhecimento raramente detém o poder. O fatores, dentre os quais podem ser mencionados os seguintes:
poder de passar do discurso para a ação. „„ Inexistência de uma fidedigna correlação entre os acha-
dos clínicos e os de imagem, decorrente de uma maior
ou menor reserva anatomofuncional da coluna lombar,
„„ INTRODUÇÃO, EPIDEMIOLOGIA E ETIOLOGIA de falso-positivos, falso-negativos, verdadeiro-positivos e
As doenças da coluna lombar, às vezes confundidas com verdadeiro-negativos. Os óbices que impedem tal corre-
a denominação sindrômica de lombalgias e lombociatalgias, lação são decorrentes da qualidade dos exames comple-
inespecíficas ou idiopáticas, ou a low back pain, da terminologia mentares, há discordância entre os especialistas inter e
anglo-saxônica corrente, são termos enraizados na literatura e intraobservadores, há ausência de suspeita clínica com
na prática médica. Pelo fato de não induzirem o médico não base na anamnese e no exame físico de qualidade.
especialista ou especialista a procurar um diagnóstico causal „„ Como o segmento lombar é uma estrutura muito
etiológico, podem causar sérios danos aos pacientes. Dizer que complexa, composta de articulações diartrodiais com
em apenas 15%13 pode-se chegar a uma causa específica para membrana sinovial, ligamentos, cápsulas articulares,
a dor lombar é um equívoco, pois sinaliza, para o paciente, que discos intervertebrais, ossos e é inervado por uma di-
o médico tem dúvidas sobre sua doença e, consequentemente, fusa e entrelaçada rede de nervos (Figuras 54.7 e 54.8),
sobre os resultados esperados do seu tratamento. Em muitos torna-se difícil determinar com precisão, em algumas
casos, doenças mais ou menos graves estão por trás de uma situações, o local de origem e as características da dor.
banal dor lombar. Os pacientes sempre esperam por um diag- Isto explica por que o segmento lombar em razão da
nóstico mais específico; a maioria deles não se satisfaz apenas sua embriologia. A medula espinhal se origina do ec-
com o rótulo “lombalgia inespecífica ou idiopática”; uma re- toderma e os discos intervertebrais, ligamentos e arti-
ceita de analgésico, AINH e sessões de fisioterapia.14 Por essa culações zigoapofisárias o fazem do mesoderma. Desta
razão, e para fugir da desinformação que tais termos veiculam, forma, dermátomos e esclerótomos podem se super-
seria melhor que se falasse em Doenças da Coluna Vertebral por quanto à origem da dor e dificultar sobremaneira a
Lombar, denominação que demos a este capítulo. interpretação do fenômeno doloroso.
A assertiva, acima citada, de que apenas 15% dos pacientes Esta interpretação do fenômeno doloroso, exceto nos casos de
teriam uma causa específica data de estudos da década de 1960 radiculopatias e afecções discovertebrais, pode ser extremamen-
e tinham falhas graves de metodologia. Nessa época foram ava- te difícil em situações clínicas não definidas, como em doenças
liados 1.920 casos de dor lombar em um subúrbio de Londres, extrarraquídeas, como será demonstrado nas páginas seguintes.
Inglaterra. Nessa amostra encontraram-se causas específicas
Em decorrência dessas dificuldades, a caracterização etio-
para apenas 245 pacientes, ou seja, 12,76%. Desde então, com
raras exceções, as estatísticas fundamentaram-se em amostras lógica da síndrome dolorosa lombar é um processo eminen-
populacionais heterogêneas que violam os “dogmas” básicos temente clínico. Os exames complementares, na maioria dos
desta ciência [estatística] e viciam, intencionalmente ou não, os casos, estão indicados apenas para confirmação de uma prévia
resultados da terapêutica. hipótese diagnóstica. É fundamental, pois, que se procure escla-
Tratar de lombalgias, ciatalgias e ciáticas sem atentar para recer as causas desta síndrome, porque o sucesso do tratamento
as verdadeiras causas – mais de uma centena – e esperar meses depende do acerto no diagnóstico causal. Não é uma boa práti-
tratando sintomas para ver o que acontece, uma das 85% das
doenças que se diz não terem causa, pode ser um tumor be-
nigno ou maligno, infecção ou fratura. Isto, sem falar de aneu- Medula espinhal
risma de aorta, síndrome do piriforme, metástase da coluna
vertebral lombar, espondiloartrites e tumores intramedulares.
Esta demora no diagnóstico é um verdadeiro desastre para o
paciente. Causas específicas existem, basta procurá-las.15
A dor lombar constitui uma causa frequente de morbida- Cauda equina
de e incapacidade, sendo sobrepujada apenas pela cefaleia na
escala dos distúrbios dolorosos, que afetam os homens e as
mulheres. Dois terços das pessoas a terão pelo menos uma vez
em suas vidas, levando a um alto índice de absenteísmo, afas-
tamento e/ou aposentadoria pela Previdência Social. A alta
prevalência das doenças da coluna vertebral na população e os
prejuízos para a saúde pública decorrem também do progres-
so e da civilização industrial (Figura 54.1). Raízes do
Pesquisas feitas com pessoas abaixo dos 50 anos de idade nervo ciático
acometidas de dor lombar, em 85% delas foi possível se chegar a
uma causa, fazendo uma minuciosa história clínica e um acurado Figura 54.7 Ectoderma.

Doenças da Coluna Lombar: História e Características Gerais 695


Ligamento Canal ósseo Do ponto de vista evolutivo, estas manifestações podem
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

ser caracterizadas como agudas ou lumbagos, subagudas


amarelo
e crônicas. A duração destas fases é variável, dependendo da
Ligamento Ligamento etiologia de cada caso e do sucesso ou não do tratamento ins-
capsular da intertransverso tituído. Na lombalgia mecânica comum, também denominada
faceta articular erroneamente de inespecífica ou idiopática, a fase aguda pode
Ligamento durar de 3 a 5 dias e a subaguda de 1 a 6 dias. Em alguns casos,
longitudinal a duração da fase crônica varia de meses a anos.
Ligamento
posterior
intraespinhoso
„„ FUNDAMENTOS DO DIAGNÓSTICO CLÍNICO
COM BASE NA ANAMNESE E NO EXAME
FÍSICO
Ligamento
Quem não sabe o que procura, não entende o que encontra.
Ligamento longitudinal
supraespinhoso anterior Claude Bernard
Disco Para se fazer um diagnóstico preciso, algumas interroga-
intervertebral Corpo vertebral ções devem ser feitas ao paciente e alguns problemas – cru-
ciais – devem ser levantados, e, posteriormente, solucionados.
Figura 54.8 Mesoderma. Muitas informações podem ser obtidas fazendo as seguintes
indagações e, se adequadamente respondidas, alguns proble-
mas podem até ser solucionados, a saber:
ca médica se satisfazer com o rótulo meramente sindrômico de
lombalgia e lombociatalgia, porque tal denominação não trans-
mite nenhuma informação de caráter anatômico ou patológico Interrogações
sobre o local da estrutura lesada. Simplesmente, indica a per-
cepção de um sintoma dentro de uma extensa região anatômica. 1. O paciente tem algum comprometimento neurológico?
Desta forma, a acurácia do diagnóstico final de tais doen- 2. Qual sítio anatômico é a fonte da dor?
ças está em atentar para tais dificuldades e sempre levar em 3. Há alguma evidência de comprometimento sistêmico extra
conta as inúmeras variáveis anatômicas, etiológicas e epide- ou intrarraquidiano (“sinais de alerta vermelhos”)?
miológicas que compõem a “caixa-preta” da medicina que são 4. Existem problemas psicossociais que possam ser detecta-
as doenças da coluna vertebral. dos (“sinais de alerta amarelos”) que amplificam ou pro-
Para tal, o conhecimento dos seus diversos valores predi- longam o quadro doloroso?
tivos, dos riscos relativo e absoluto, da sua sensibilidade e es-
pecificidade é uma regra que se impõe e que será abordada em Respostas às interrogações feitas e soluções para os
outro local deste capítulo.
problemas
As interrogações podem ser respondidas e os problemas
„„ MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS INICIAIS E FASES
podem ser resolvidos, se levados em conta os seguintes dados
EVOLUTIVAS DAS DOENÇAS DA COLUNA da anamnese e do exame físico:
LOMBAR
a) A existência de comprometimento neurológico pode ser
As primeiras manifestações clínicas das doenças da coluna facilmente perceptível pela marcha, pelo equilíbrio, pela
lombar, raquídeas e/ou extrarraquídeas são: sensibilidade, pelos reflexos musculotendíneos e por ma-
nobras semióticas e sinais de compressão radicular. Essas
manobras e sinais serão detalhados no diagnóstico clínico
Quadro 54.1 das páginas a seguir.
b) O sítio da dor lombar pode ser detectado se a dor piorar
„„ Lombalgia: são todas as condições de dor, com ou sem rigidez do com a flexão da coluna. Neste caso, a dor pode ter origem
segmento lombar, localizadas na região inferior do dorso, em uma área nos discos herniados, degenerados e/ou lesados; e quando
situada entre o último arco costal e a prega glútea. há piora com a extensão da coluna, a referida dor pode ser
„„ Lombociatalgia: é a dor que se irradia da região lombar, acima decorrente da artrose, do estreitamento do canal ósseo e
delimitada, para um ou ambos os membros inferiores. de outras afecções das articulações zigoapofisárias.
„„ Ciatalgia/ciática: é a dor que tem início na raiz da coxa, uni ou c) Os “sinais de alerta vermelhos”, indícios de comprometi-
bilateralmente, ultrapassando o(s) joelho(s), e alcançando, na maioria mento sistêmico, podem ser detectados por uma acurada
das vezes, o pé homolateral. Somente quando a dor for acompanhada de anamnese e um cuidadoso exame físico; tais sinais indicam,
déficit motor e/ou sensitivo é que se deve dar a denominação de ciática. provavelmente, tumores, infecções, afecções metabólicas,
„„ Cruralgia: é a dor que se irradia para a coxa, sem ultrapassar o joelho. ginecológicas, endócrinas, vasculares ou dos sistemas di-
„„ Sinais de alerta: são situações em que o processo doloroso na gestório, urinário e genital.19
coluna lombar dura 60 dias ou mais, e vem acompanhado de febre, d) Os problemas psicossociais que se manifestam pelos “sinais
emagrecimento, adenopatia e/ou outras manifestações sistêmicas. de alerta amarelos” são detectáveis em pessoas com história
Nestes casos é peremptória a procura de causas não mecânico- atual e/ou pregressa de ansiedade, depressão, litígios, infi-
degenerativas, sistêmicas, extrarraquídeas e intrarraquídeas.18 delidade, conflitos trabalhistas e conflitos previdenciários.19

696 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ TERMINOLOGIA E RÓTULOS DIAGNÓSTICOS Por esta razão, a caracterização etiológica faz da síndro-

„„ CAPÍTULO 54
ENGANADORES me dolorosa lombar um processo eminentemente clínico,
em que os exames complementares devem ser solicitados e
Ao se afirmar que em 85% dos casos não se acha nenhuma valorizados em conformidade com os seus valores prediti-
causa – o que não é verdade –, e se institui tratamento apenas vos positivos e/ou negativos, da sua sensibilidade, especifi-
e exclusivamente para o rótulo “lombalgia” ou “lombociatal- cidade e razão de sua verossimilhança como se observa no
gia”, ou se procura justificar estas síndromes [“lombalgia” ou Quadro 54.2.20
“lombociatalgia”] por tantos outros rótulos (lumbago, ciática,
“reumatismo” na coluna, artrose, bico de papagaio), pode-se
deixar o paciente à mercê de doenças incapacitantes, graves
e até mesmo mortais (rotura de aneurisma de aorta) que, se Quadro 54.2 Variáveis estatísticas de importância diagnós-
diagnosticadas a tempo, poderiam ser tratadas e até mesmo tica e epidemiológica.
curadas. „„ Sensibilidade (S): é a probabilidade (%) de um teste dar positivo na
No que concerne à fidedigna correlação entre a clínica e presença da doença, isto é, avalia a capacidade do teste de detectar
os achados de imagem, talvez um dos maiores desafios a se- a doença quando ela está presente. Cecin 73,33% versus Lasègue
rem enfrentados são os tão comuns rótulos diagnósticos como 22,22%.
osteoartrose, discopatia, protrusão discal, abaulamentos, „„ Especificidade (E): é a probabilidade (%) de um teste dar negativo
hérnias discais, osteoartrite, osteofitose degenerativa (uma na ausência da doença, isto é, avalia a capacidade do teste afastar
redundância semântica), síndrome facetária, discopatia, es- a doença quando ela está ausente. Cecin 97,24% versus Lasègue
pondiloartrose ou osteocondrose. 95,24%.
Tais denominações deixam de sê-lo quando se conhecem „„ Falso-positivo: pacientes sem doença + resultado do teste positivo
os valores preditivos de determinado sintoma, sinal ou achado (abolição de reflexo sem hérnia de disco).
de imagem.19
„„ Falso-negativo: pacientes com doença + resultado do teste negativo
(reflexo normal e com hérnia de disco).
Explicando melhor: imagem de hérnia de disco na Res- „„ Verdadeiro-positivo: pacientes com doença + resultado do teste
sonância Magnética deve corresponder a quadro clínico positivo (abolição de reflexo e hérnia de disco).
de hérnia de disco. Para evitar equívocos dessa natureza, o
„„ Verdadeiro-negativo: pacientes sem doença + resultado do teste
médico precisa ter em mente o conhecimento do valor pre-
negativo (reflexo normal e sem hérnia de disco).
ditivo de exames complementares e das muitas variáveis da
história e do exame físico.20
Portanto, a solicitação dos exames implica na existência
de uma hipótese clínica, anteriormente levantada. Os exames
„„ SENSIBILIDADE, ESPECIFICIDADE E VALORES complementares, na maioria das vezes, servem tão somente
PREDITIVOS POSITIVOS E NEGATIVOS para confirmá-la.23
DOS ACHADOS CLÍNICOS E EXAMES Aqui vale a pena da sentença de Claude Bernard no topo
COMPLEMENTARES deste subtítulo.

O valor preditivo é a capacidade de determinadas variáveis


da história, do exame físico e/ou complementar, de predizer
„„ VALORES PREDITIVOS, FALSO-POSITIVOS
quão específicas (especificidade) ou sensíveis (sensibilidade) E FALSO-NEGATIVOS: SUA IMPORTÂNCIA
elas [variáveis] são, e quais são os seus níveis de significância DIAGNÓSTICA E EPIDEMIOLÓGICA
estatística nos estudos comparativos [de boa qualidade meto-
O reconhecimento das variáveis implicadas (sintomas, si-
dológica] para se chegar ao diagnóstico final.21
nais e achados do exame físico), a sua distribuição nas curvas
Para se chegar ao diagnóstico específico causal, o racio- de frequência e outros aspectos estudados em epidemiologia
cínio clínico tem como instrumento principal o valor predi- constituem um desafio para o especialista.
tivo. Para tal, é preciso conhecer o que é um falso-positivo
O tratamento das doenças da coluna vertebral depende
[pacientes sem doença e resultado do teste positivo (aboli-
desses conhecimentos. Para tanto, o seu arsenal de doutrina
ção de reflexo e sem hérnia de disco)], verdadeiro-positivo
e prática médicas sobre o tema em questão precisa ser amplo
[pacientes com doença + resultado do teste positivo (aboli-
e o especialista deve utilizá-lo corretamente, sem tendenciosi-
ção de reflexo e hérnia de disco)], falso-negativo [pacientes
dades e com a precisão científica que a medicina com base em
com doença e resultado do teste negativo (reflexo normal e
evidências requer.
com hérnia de disco)] e verdadeiro-negativo [pacientes sem
doença + resultado do teste negativo (reflexo normal e sem Analisando o Quadro 54.3 pode-se notar que é possível
hérnia de disco)].22 pela clínica fazer uma suspeita diagnóstica bem fundamenta-
da e confirmá-la pelos exames complementares de boa quali-
dade no Quadro 54.4.

Doenças da Coluna Lombar: História e Características Gerais 697


„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

Quadro 54.3 Estimativa de acurácia para as técnicas de imagem nas doenças da coluna lombar.21

Técnica Sensibilidade Especificidade Razão de verossimilhança Razão de verossimilhança


positiva negativa

Radiografias convencionais

Câncer 0,6 0,95–0,995 12–120 0,40–0,42


Infecção 0,82 0,57 1,9 0,32
Espondilite anquilosante 0,26–0,45 1 ND 0,55–0,74
Tomografia computadorizada
Hérnia de disco 0,62–0,9 0,7–0,87 2,1–6.9 0,11–0,54
Canal estreito 0,9 0,8–0,96 4,5–22 0,10–0,12
Ressonância magnética
Câncer 0,83–0,93 0,90–0,97 8,3–31 0,07–0,19
Infecção 0,96 0,92 12 0,04
Espondilite anquilosante 0,56
Hérnia de disco 0,6–1,0 0,43–0,97 1,1–33 0–0,93
Canal estreito 0,9 0,72–1,0 3,2–ND 0,10–0,14
Cintilografia
Câncer
Radiografia convencional 0,74–0,98 0,64–0,81 3,9 0,32
Tomografia por emissão de pósitrons (PET) 0,87–0,93 0,91–0,93 9,7 0,14
Infecção 0,90 0,78 4,1 0,13
Espondilite anquilosante 0,26 1,0 ND 0,74
* ND – não definido.

Quadro 54.4 Estimativa de acurácia da história e do exame físico no diagnóstico das doenças da coluna vertebral lombar.21

Doenças Razão de Razão de


ou História e exame físico Sensibilidade* Especificidade** verossimilhança verossimilhança
condições positiva*** negativa***

Câncer Idade > 50 anos 0,77 0,71 2,7 0,32


Emagrecimento inexplicado 0,15 0,94 2,7 0,90
Dor noturna que não melhora com repouso > 0,90 0,46 1,7 0,21
História anterior de câncer 0,31 0,98 14,7 0,70
Dor lombar que não melhora depois de 2 meses de tratamento 0,31 0,90 3,0 0,77
Hérnia de Ciática 0,95 0,88 7,9 0,06
disco Sinal de Laségue positivo 0,80 0,40 1,3 0,50
Laségue contra-lateral 0,25 0,90 2,5 0,83
Fraqueza na extensão do dedão 0,50 0,7 1,7 0,71
Sinal de Cecin 73% 95,2% 97,1% 62,5%
Canal Idade > 65 anos 0,77 0,69 2,5 0,33
estreito Dor severa nos membros inferiores 0,65 0,67 2,0 0,52
artrósico Ausência de dor quando sentado 0,46 0,93 6,6 0,58
Sintomas que melhoram quando sentado 0,52 0,83 3,1 0,58
Sintomas que pioram quando desce ladeira 0,71 0,30 1,0 0,97
Marcha de base larga 0,46 0,97 14,3 0,59
Manobra de Romberg anormal 0,39 0,91 4,3 0,67
Reflexo aquiliano 0,46 0,78 2,1 0,69

(Continua)

698 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 54
Quadro 54.4 Estimativa de acurácia da história e do exame físico no diagnóstico das doenças da coluna vertebral lombar.21
(Continuação)

Doenças Razão de Razão de


ou História e exame físico Sensibilidade* Especificidade** verossimilhança verossimilhança
condições positiva*** negativa***
Espondilite Idade = ou < 40 anos 1,0 0,07 1,1 0,0
aquilosante Dor que não melhora na posição supina 0,80 0,49 1,6 0,41
Rigidez lombar matinal 0,64 0,59 1,6 0,61
Limitação da expansibilidade torácica = ou
< que 2,5 cm 0,09 0,99 9,0 0,92
Hérnia de Sinal de Cecin
73% 95,2% 97,1% 62,5%
disco
Definições24
* É igual à porcentagem de pacientes com doenças que apresentam resultado de teste (Sinal de Cecin) anormal.
** Porcentagem de pacientes sem doenças que tenham resultado de teste (Sinal de Cecin) normal.
*** Razão de verossimilhança = [probabilidade em pessoas com a doença] [probabilidade em pessoas sem a doença].
Sendo a probabilidade igual a um número entre 0 e 1 expressa uma estimativa de probabilidade de um evento.

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Doenças da Coluna Lombar: História e Características Gerais 699


55

Capítulo
Jose Knoplich

Biomecânica da Coluna Vertebral


„„ INTRODUÇÃO como uma fratura causada por uma queda ou osteoporose, ou
podem ser microlesões, provocadas por pequenos excessos
Mecânica é a parte da física que investiga os movimentos, cotidianos.
e as forças que causam esses movimentos. Biomecânica é ciên-
cia que aplica os fundamentos da mecânica no estudo dos mo-
vimentos e equilíbrio do ser humano que adquiriu a posição
bípede, diferente de outros seres vivos.
Mecânica é a parte da física que estuda os corpos, tanto
em movimento quanto em repouso (equilíbrio). Esse ramo da
medicina é voltado para análise dos ossos, músculos e articu-
lações, estruturas que formam o esqueleto e o aparelho loco-
motor. Apesar da Reumatologia incluir o estudo das doenças
do aparelho locomotor, a técnica de usar os conceitos da bio-
mecânica não faz parte dos conceitos etiopatogênicos dessa
disciplina, tanto em relação a coluna como a outras articula-
ções periféricas.
A coluna é o eixo do tronco do esqueleto, o elemento de li-
gação entre a cabeça e os quatro membros e funciona como su-
porte de todos os movimentos do corpo. Além disso, também
abriga e protege a medula, parte do sistema nervoso que ori-
gina os nervos que controlam os movimentos dos membros. A
palavra coluna usada como quase sinônimo de um pilar, alem
do suporte dos membros suporta todo o peso do corpo contra
uma força de ação antigravitacional. Porém, esse suporte da
coluna é mais especial, pois também é capaz de realizar todos
os movimentos do corpo e adaptar-se a várias posturas. Não
existe na natureza nenhum exemplo que possa se comparar a
essa enorme quantidade de atividades biomecânicas da colu- Figura 55.1 Modelo proposto por White e Panjabi para o estudo
na vertebral como um todo. biomecânico da coluna vertebral.
Os humanos são bípedes verdadeiros, adotam uma postura
ereta completa, na evolução da espécie. Essa evolução exigiu Sendo uma estrutura considerada sob o ponto de vista
uma adaptação da coluna da espécie humana, com necessida- biomecânico, a coluna sofre desgaste, chamado degeneração,
des para manter equilíbrio corporal e o desenvolvimento de osteoartrose, osteoartrite etc. Isso não é considerado como
algumas curvaturas que mantém a coluna equilibrada, o que uma doença, apenas faz parte do processo de envelhecimento
não ocorre em outras espécies. normal. Esse desgaste tem causas biológicas, como envelheci-
Os fatos concretos dos casos da clínica reumatológica am- mento das proteínas dos discos ou a perda de massa óssea por
bulatorial têm demonstrado que existe uma dissociação entre osteoporose, mas também causas mecânicas, principalmente
os desequilíbrios da coluna vertebral dos adultos, com a pre- as micro-lesões repetidas. Isso significa que a rapidez da de-
sença de dores na coluna, desgastes na bacia, joelhos e pés. generação não depende só da constituição física e da carga
Todo movimento do corpo é um evento biomecânico, que genética, mas também do comportamento da pessoa, poden-
implica em uma ação de força sobre os elementos da coluna do ser acelerada pela falta de cuidado, como excesso de peso,
(Figura 55.1). Sempre que essa força for maior que a tolerância exagero repetido de esforços, descuidos com postura, falta de
da coluna haverá uma lesão. Essas lesões podem ser grandes, exercícios, etc.

701
O problema é que, mesmo sendo um processo normal, a de- bém iniciou estudos sobre os efeitos da vibração e do tabagis-
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

generação faz com que estruturas como os discos ou ligamentos mo na nutrição e degeneração discais em animais. No final dos
deixem de funcionar de modo eficaz. Isso pode, em algumas pes- anos 1960, introduziu a tomografia com­putadorizada no diag-
soas, provocar sintomas relacionados com a degeneração, como nóstico da hérnia discal lombar antes da cirurgia. Na década de
dor nas costas, caracterizando a degeneração sintomática. Mas 1980, foi um dos pre­cursores do notável estudo epidemiológico
existem casos de degenerações mínimas com grande sintoma- de fatores de risco para o relato de dor lombar, em um estudo
tologia dolorosa e outros com grandes alterações osteofitárias prospectivo denominado Boeing, realizado em uma fábrica de
sem nenhuma dor (Veja o Capítulo 20 – Fibromialgia). A clínica aviões. Elaborou também estudos sobre os biomarcadores no
é soberana em relação às leis da biomecânica e do envelhecimen- líquido cefalorraquidiano, em pa­cientes com dor lombar crô-
to,27 veja adiante causas mecânico-degenerativas. nica, além de introduzir a ressonância magnética funcional do
cérebro para identificar o local da dor crônica.
Durante a minha vida profissional, tive a oportu­nidade de
„„ HISTÓRICO conviver com o professor Alf Nachemson. Em 1972, participei
Giovanni Alfonso Borelli é frequentemente descrito como o de um estágio em seu serviço em Gotemburgo, na Suécia, e de
pai da Biomecânica. Ele nasceu em Nápoles, em 1608. Seu livro sucessivos congressos no Brasil, nos quais Nachemson parti-
Animalium De Motu, publicada em 1680, aplicou à biologia os cipou ativamente a convite da Sociedade Brasileira de Ortope-
métodos rigorosos de análise científica desenvolvidos por Ga- dia e Trau­matologia (SBOT), além de outros tantos congressos
lileu no campo da mecânica. Borelli calculou as forças necessá- internacionais. Em 1981, fui por ele indicado para duas mesas
rias para o equilíbrio em várias articulações do corpo humano, redondas sobre a Escola da Postura, no Congresso Internacio-
bem antes de Newton publicar as leis do movimento, e foi o pri- nal de Ortopedia da Sicot, re­alizado no Rio de Janeiro. Segundo
meiro a compreender que as alavancas do sistema osteomus- Nachemson, a Escola de Postura introduzida por mim no Hos-
cular ampliavam o movimento e não pela força mecânica, de pital do Servidor Público Estadual de São Paulo, no serviço de
modo que os músculos devem produzir forças muito maiores do Ortopedia do professor Plínio de Souza Dias, era mais abran-
que aquelas que resistem ao movimento. Faleceu em Roma, em gente do que a da Suécia. A Escola da Pos­tura de Nachemson
1679, mas campo de trabalho original ajudou a entender me- utilizava o método mecanicista e biomecânico da origem da
lhor o corpo humano em atividade.50 A American Society of Bio- dor com base em exercícios da Esco­la Sueca de Educação Físi-
mechanics (ASB) foi fundada em outubro de 1977 por um grupo ca, ao passo que o nosso sistema adotava o método sociopsi-
cossomático com técnicas de relaxamento.28
de 53 cientistas e médicos originários do American College of
Sports Medicine, da American Society of Mechanical Engineers, e Alf Nachemson nasceu em 1o de junho de 1931 e faleceu
da Orthopaedic Research Society, que tratavam de temas de bio- em 4 de dezembro de 2006. Era ortopedista clínico (como
mecânica musculoesquelética. A biomecânica nunca foi tema se autodenominava) e fervoroso questionador do excesso de
específico de estudos da Reumatologia. No último Congresso do cirur­gias da coluna lombar realizadas em todos os países. Cos-
American College of Rheumatology realizado na Filadélfia entre tumava afirmar que a dor na coluna, em todos os níveis, era
16 e 21 de outubro de 2009, dentre mais de 2.500 trabalhos um mistério, que as emoções deveriam desempenhar algu-
apresentados só 6 tratavam sobre o tema de biomecânica as- ma alteração nesse mecanismo do cérebro ao identificar essa
sociado a osteoartrose do joelho, mas nenhum relacionado com dor crônica específica. O grande mistério das dores da coluna
coluna vertebral (esse item teve 65 trabalhos apresentados). seria resolvido por meio do entendimento do fenômeno da dor.
Introduziu a ideia do tratamento cognitivo-comportamen-
A mais alta honraria concedida pela Sociedade America-
tal em que o paciente deveria vigiar as pró­prias posturas e os
na de Biomecânica em seus congressos é o Prêmio Giovanni
fatores de risco no controle da dor. (Back School) Em 1978,
Alfonso Borelli. Conceitos biomecânicos estão sendo usados
por sua sugestão fui assistir, em Nova York, a uma reunião da
diariamente pelos cirurgiões da coluna (ortopedistas e neu-
International Association for the Study of Pain (IASP), à qual
rocirurgiões) para reestabelecer a atividade funcional dos
me filiei. Em 29 de agosto de 1983, fundou-se a Sociedade
pacientes. Há uma longa lista de soluções biomecânicas para
Brasileira de Estudos da Dor. No Congresso Brasileiro da Dor
os problemas patológicos da coluna de solução cirúrgica, indi-
realizado Goiânia, em outubro de 2008, fui homenageado e
cando o real impacto da biomecânica nessa área com pequena
considerado um dos fundadores dessa entidade.
repercussão na reumatologia.
Alf Nachemson era um médico muito consciente dos direi-
Alf Nachemson, emérito professor de cirurgia ortopédica, tos e deveres do paciente com dores crônicas da coluna. Além
foi um biomecânico estudioso da coluna vertebral que se tor- de ser um cirurgião habilidoso, defendia a indicação criteriosa
nou ortopedista clínico. da cirurgia, muitas vezes sugerindo que não se devem operar
Em meados dos anos 1950, Alf Nachemson, como assistente as hérnias pelo tamanho apresentado nos exames de imagens,
de pesquisa biomecânica do professor Carl Hirsch da Universi- mas pela sintomatologia e personalidade do paciente sofredor
dade de Uppsala, dedicou-se aos estudos sobre a coluna verte- crônico. Gostava do teste Inventário Multifásico Minessota de
bral. Para verificar as condições de carga que a coluna vertebral Persona­lidade (MMPI), que apliquei durante muitos anos em
humana suportava, desenvolveu um método de medições da meus pacientes.27,28
pressão intradiscal: primeiro em material cadavérico, em 1960,
e depois in vivo, em 1964. Wilke et al. reviram os parâmetros
sobre as pressões intradiscais medidas in vivo 64,65 (Figura 55.4). „„ FUNÇÕES BIOMECÂNICAS DA COLUNA
Os experimentos foram repetidos por outros grupos, cujos A coluna vertebral tem três funções me­cânicas definidas:
resultados confirmaram amplamente a veracidade das consta-
tações iniciais. Seu pioneirismo nessas medições ainda são mar- 1. É o eixo de suporte do corpo.
cos na medicina ortopédica, rea­bilitação profissional e em livros 2. Protege a medula e as raízes nervosas.
sobre coluna vertebral em todo o mundo. Alf Nachemson tam- 3. É o eixo de movimentação do corpo.

702 Tratado Brasileiro de Reumatologia


As duas primeiras funções são antagônicas e conflitantes

„„ CAPÍTULO 55
A
com a terceira. Esse conflito deve ser a razão da complexidade
da coluna vertebral. Enquan­to os movimentos podem ser mais
bem obtidos com uma estrutura de múltiplas articulações com
vários graus de liberdade e eixos de movimentação, as duas
pri­meiras funções, que são mais estáveis, podem ser mais bem
obtidas por uma estrutura sólida.63 Se to­marmos como base a
estrutura do segmento do mo­vimento ou motor de Schmorl e
Junghans,57 forma­do de duas vértebras adjacentes e todos os
tecidos moles circundantes (veja adiante no estudo do dis­co),
pode-se definir que a função de sustentação é realizada pelos P
elementos anteriores (corpo verte­bral, disco ligamentos lon-
gitudinais anteriores e pos­teriores), enquanto os elementos
posteriores dos ar­cos neurais e articulações são responsáveis
pela movimentação. A segunda função de proteção é desempe-
nhada tanto pelos elementos anteriores como pelos posterio-
res da coluna vertebral. Forças tensoras e Forças compressivas
Além dessas três funções, podem-se iden­tificar as seguin-
tes: a coluna transfere o peso e o movimento de flexão da ca-
B
beça e do tronco para a pélvis; permite o suficiente movimento
entre a cabeça, o tronco e a pélvis. 46,63
Funcionalmente, as curvas fisiológicas per­mitem que a co-
luna aumente a sua flexibilidade e a capacidade de absorver os
choques, enquanto mantém a tensão e a estabilidade adequa-
da das ar­ticulações intervertebrais.16,61
As curvas da cervical e da lombar são decorrentes do disco
intervertebral, que é mais alto na fren­te do que atrás, porém
a cifose torácica é decorrente mais do aumento em cunha das
vértebras.2,15

„„ BIOMECÂNICA DO DISCO INTERVERTEBRAL


Figura 55.2 Disco intervertebral submetido às forças tensoras e
Sabe-se que o disco, na parte anterior da coluna, correspon- compressivas.
de a 25% da sua altura. O mo­delo estudado foi material de cadá-
ver recente, pois as aderências entre o disco e a cartilagem das
vértebras são de difícil reprodução e os fe­nômenos post-mortem
„„ Cisalhamento: são as forças inclinadas, que, na reali-
demoram alguns dias para se instalar nessa estrutura.
dade, são forças de compressão que encontram a es-
trutura discai na posição inclina­da. Essas forças que
Compressão e distensão atuam no disco, nas diversas idades, já encontram a
estrutura anatômica, histoquímica e biológica do disco
O disco, formado pelo ânulo e pelo núcleo pulposo, é uma com diversas al­terações.61
estrutura bem adaptada para su­portar grandes forças de pres-
A aplicação de uma força na estrutura estudada e a
são axial.60 Den­tro do disco, essas forças de compressão são re­
manutenção dessa força por algum tempo faz com que
cebidas pelo núcleo e transferidas para o ânulo que, com suas
haja uma alteração na nutri­ção do disco, que é feita
fibras em formas diagonais de 15 a 30° de inclinação, amorte-
através da cartilagem. Essa força, aplicada por muito
ce o choque.
tempo, pode alte­rar a estrutura do disco, aumentando
A força de distensão ocorre principalmen­te no lado oposto a degene­ração discal.9,27
da estrutura do ânulo, quando o corpo está dobrado sobre si
mesmo. É impor­tante assinalar que as forças de distensão são „„ Histerese: o disco é uma estrutura viscoelástica (vis-
mais agressivas para a estrutura da coluna do que as de com- cosa = núcleo pulposo; elástica = ânulo), que absorve
pressão, e as de compressão aumentam a dimensão horizontal energia após receber repeti­tivas forças. Isto é chamado
do disco, fator importante para a explicação da hérnia dis- de histerese. De iní­cio, admitiu-se que fosse um fator
cal4,46 (Figura 55.2). de proteção, mas hoje se sabe que forças axiais vibra-
tórias, de pequena intensidade, mas atuando por muito
„„ Flexão: o ato de fletir o corpo faz com que forças com- tem­po, podem causar hérnia de disco ou discopatia.25,29
pressivas se apliquem na parte côncava e as distenti- Kelsey demonstrou que o motorista tem maior in­
vas, nas partes convexas, com deslocamento do núcleo, cidência de hérnia de disco46 (Figura 55.3).
podendo esse ato, conforme o peso levantado, produzir „„ Pressão intradiscal: Nachemson foi o pri­meiro a medir
a herniação do núcleo pulposo. A força de flexão é uma a pressão intradiscal in vivo, alteran­do o modelo experi-
das mais agressivas ao disco.35,43,45 mental. Demonstrou que existe uma diferença de pressão
„„ Torção: Farfan16 conclui que as forças mais danosas para que o disco suporta, dependendo da postura corporal,
o ânulo são as de torção ou rotação do corpo com peso. sendo que a pior posição é a sentada41 (Figura 55.4).

Biomecânica da Coluna Vertebral 703


posição sentada pode ser ligeiramente menor que na
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

posição de pé; a atividade muscular au­menta a pressão


intradiscal, que promove a melhora da nutrição do dis-
co.20,27,60,64 A mesma equipe fez um outro trabalho em
que procurou correlacionar as pressões intradiscais
Núcleo
com dados antropométricos. Os autores usam modelos
matemáticos para tentar individualizar para peso, altu-
ra estado de atividade muscular as dife­rentes pressões
existentes no interior do disco pulposo, com a ideia de
que esse procedimento poderia adequar individual-
mente a carga que os trabalhadores poderiam supor-
A tar sem danificar a estrutura do disco. Esses mo­delos
Lâminas do anulo matemáticos são difíceis de aplicar pelo ergonomista e
o médico do trabalho na prática diária da atividade de
medicina ocupacional.20,65
„„ Pressão intra-abdominal: um outro modelo biome-
cânico foi criado para medir o esforço de levan­tar pe-
- 30° + 30° sos: a pressão intra-abdominal (intragástrica) usada
como indicador do peso que a coluna está su­portando.
Isso é baseado na hipótese de que a pressão da cavi-
Fibras do ânulo dade abdominal suporta a coluna, principal­mente no
movimento de flexão34 (Figura 55.6).
Veremos, mais adiante, que os músculos atuam de
uma maneira contrária à pressão intradiscal, em rela-
B
ção à postura.

Figura 55.3 Disco intervertebral. (A) O disco tem o núcleo pulpo- Biomecânica dos ligamentos
so cercado por lâminas concêntricas do anulus. Em duas camadas
adjacentes as fibras são de orientações opostas. (B) As fibras têm Os sete ligamentos da coluna são divididos em três sistemas:
uma orientação de inclinação de +- 30 graus em relação ao disco.
Os traços ponteados são uma das eventualidades de direção e os 1. Sistema longitudinal longo, que inclui o ligamento longitu-
traços cheios, a outra, mas que não coexistem num mesmo anulus. dinal anterior, o posterior e os liga­mentos supraespinhais;
2. Sistema longitudinal seg­mentar, que inclui o interespinhal,
o intertransverso e o ligamento amarelo; e
Wilke et al., da Universidade de Basel, e que agora 3. Sistema capsular ou articular.
está na Universidade de Ulm (Alemanha),64 repe­tiram
as medidas realizadas por Nachemson na década de No primeiro sistema, a tração do ligamento na parte an-
1960. Foi introduzido um transdutor de pressão no nú- terior da vértebra pode causar a formação de osteófito. Os li-
cleo pulposo de um disco L4-L5 íntegro de um ho­mem gamentos degeneram, como os discos, com a idade,16 ficando
de 45 anos, pesando 70 kg. A pressão foi registra­da por com maior teor de tecido fibroso.
telemetria durante 24 horas em varias posições, de pé, A força de tensão que o ligamento anterior su­porta é 2 ve-
deitado, sentado, andando, correndo, subindo escadas, zes a do posterior. No segundo sistema, o ligamento amarelo
rindo, após 7 horas de sono. Concluem os autores que foi o mais estudado, e constatou-se que existe maior quanti-
houve uma boa correlação entre os achados de Nache- dade de fibras elásti­cas do que em qualquer outro ligamento
mson, com algumas pequenas variações que os autores do organismo.63 Isso é uma característica importante que deve
admitem ter sido causadas pelo tipo de transdutor usa- proteger a medula nervosa no movimento amplo de uma fle-
do. A grande diferença foi que a pressão intradiscal na xão completa para uma extensão completa da coluna.
As alterações biomecânicas dos ligamentos não foram bem
estudadas, a não ser a do ligamento ama­relo, que se demons-
trou ter a extensão da coluna, quan­do a coluna vai rapidamen-
te da total flexão (ligamen­to distendido) para a total extensão
(ligamento relaxa­do). Sua alta elasticidade, assim como sua
pré-tensão, minimiza as agressões à medula espinhal. Foi
demons­trado terem esses ligamentos função protetora, no ato
275 de traumatismo da coluna. 46,63
220
150 185
140
100 Biomecânica dos corpos vertebrais
75
25 A vértebra é dividida, no estudo biomecânico do corpo, em
articulações interapofisárias do arco neural e cartilagem.
Figura 55.4 Uma comparação esquemática das pressões intradis- O corpo vertebral tem um modelo experimen­tal, de estudo
cais, entre as diversas posições posturais da coluna. fácil nas peças de cadáveres, verificando-se que as paredes do

704 Tratado Brasileiro de Reumatologia


corpo vertebral são de osso compacto, porém o interior da vér- se há uma relação direta entre ambas. Na Figura 55.4 pode-se

„„ CAPÍTULO 55
tebra é de osso es­ponjoso e a área de contato coberta por uma ver que o simples modo de se levantar o peso, com a coluna
cartila­gem, que também é homogênea (varia de constituição no fletida ou reta, alte­ra a ação elétrica intrínseca do músculo.30
centro e na periferia). Em relação à osteoporose, a uma perda de
tecido ósseo (25%) corresponde uma perda de mais de 50% da
resistência do corpo verte­bral. Os autores acreditam que a re- „„ BIOMECÂNICA DA MEDULA NERVOSA E RAÍZES
sistência da vértebra é dada pela fina camada de osso compacto. NERVOSAS
Para o estudo da vértebra osteoporótica foi montado um Vários autores34,43,46,63 fizeram um estudo biomecânico do
modelo matemático de linhas horizon­tais e verticais, pois sa- sistema nervoso intravertebral. A medula, quando liberada de
be-se que as horizontais são mais importantes no mecanismo todas as aderências a ligamentos, é 10% mais longa do que o
de sustentação. local onde está presa, o que permite à medula e às raízes ner­
Até 40 anos, o osso esponjoso contribui com 20 a 55% do vosas acompanharem os movimentos do canal me­dular.
suporte da vértebra, contribuição que, após os 40 anos, passa As alterações de estiramento, como as de flexão e extensão,
a ser de, no máximo, 35%. O osso compacto, que contribuía são possíveis porque a coluna na posição neutra fica enruga-
com 45% até os 40 anos, passa a 65% no indivíduo de mais de da. A medula nervosa fica em uma posição semitensa devido
40 anos.34,43,60,62 aos ligamentos denteados e às próprias raízes nervosas. Nos
„„ Arco neural: seu estudo está mais ligado à etiologia da trau­mas, esses elementos protegem a medula, em associ­ação
espondilólise e da espondilolistese. com uma gordura epidural e o liquor, que ajudam a diminuir
a fricção do movimento na medula nervosa32,49 (Figura 55.5).
„„ Cartilagem: verificou-se que as sucessivas forças apli-
cadas à coluna, no segmento motor, inici­am um proces-
so degenerativo que se assesta primeiro na cartilagem „„ MOVIMENTO DA COLUNA VERTEBRAL
intervertebral, que separa a vértebra do disco e é mais
espessa na periferia do corpo do que no centro, onde
está o núcleo pulposo.34,41,43 Depois, essas forças com- Medula espinhal Posterior
pressivas agridem o corpo vertebral, e só ao final há
degeneração do disco. Pia-máter

„„ BIOMECÂNICA DAS ARTICULAÇÕES Aracnoide


INTERAPOFISIÁRIAS
Dura-máter
As articulações intervertebrais são as únicas arti­culações
com sinovial a sofrerem, com a idade, uma degeneração ar- Ligamentos
tróstica. Uma das funções da articulação é proteger o disco de denteados
uma excessiva torção, que pode levar a uma discopatia.61 Tam-
bém tem uma função limitante na flexão e extensão. A terceira Liquor
função é pro­teger o disco, nas sobrecargas excessivas.16
Farfan et al.16 chegaram a fazer uma correlação entre a obli- Raízes
quidade das facetas articulares da coluna lom­bar e a incidência ventrais
de uma maior agressão ao disco, pro­duzindo uma discopatia
com consequentes dores lom­bares, hoje uma teoria refutada. Anterior
Figura 55.5 Anatomia de medula espinhal e das estruturas vizinhas.
„„ BIOMECÂNICA DOS MÚSCULOS
Os músculos da coluna podem ser divididos em:
Os movimentos da coluna, como um todo, são muito com-
1. Pré-vertebral anterolateral-psoas; plexos, porque são as resultantes de uma série de pequenos
2. Músculo profundo, erector da coluna; deslocamentos de ossos e tecidos moles altamente sofistica-
3. Músculos superfici­ais; dos, que atuam sob ação de poderosos músculos.49 White e
4. Abdominais anteriores e laterais; e Panjabi,62 com seu modelo matemático, afirmam que, na rea­
lidade, há movimentos simultâneos de translação e rotação
5. Glúteos.
que se somaram com maior ou menor in­tensidade.
Sem os músculos, a coluna seria totalmente instável. A fun- A mobilidade na coluna cervical e lombar au­menta os des-
ção deles é manter a postura e ativar diversos movimentos da gastes das estruturas da coluna. Daí o mai­or número de pa-
coluna. Mathieu et al.34 usaram o estudo eletromiográfico para cientes com queixas nessas regiões.8,9
determinar quais os músculos que ficam em silêncio confor-
me o movi­mento realizado e puderam constatar que existe um
Disco intervertebral
certo antagonismo entre a boa postura para os mús­culos e a
postura adequada para o disco interverte­bral; por exemplo: a o disco intervertebral é uma formação elástico-viscosa em
posição sentada e relaxada, que é melhor para o músculo, é a que o núcleo pulposo, que é um gel (material viscoso) está
pior para o disco inter­vertebral. submetido a alta pres­são restritiva, para manter o seu estado
A medida da força muscular e de sua ação é feita pela ele- de hidratação e resistir à ação de forças e pesos compressi-
tromiografia, porém não existe nenhum estudo que determine vos, pe­las fibras elásticas do ânulo, que também atuam para

Biomecânica da Coluna Vertebral 705


manter a integridade do disco nas flexões e torções do corpo. 2. Fibras colágenas; e
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

A fisiopatologia íntima das alterações discais ainda não está 3. Células.


estabelecida.
Vários autores3,24,25 concordam que a degene­ração discal O mode­lo mais semelhante ao disco intervertebral é o da
tem início na intimidade da estrutura, em um processo bioquí- car­tilagem hialina.
mico que altera as propriedades físico-químicas dos tecidos, e Os complexos proteína-polissacárides, no teci­do conjunti-
só posteriormente é que o disco sofre uma alteração morfoló- vo assim como no disco, são de alto peso molecular e formam
gica nítida ao exame anatómico, histológico, bioquímico ou no uma macromolécula denomina­ da de condromucoproteína,
estudo radiológico.39 condromucoide e atualmente de glicoproteína. Ela tem a capa-
O processo degenerativo do disco interverte­bral está asso- cidade de reter água e, sendo viscosa, determina a elasticida-
ciado ao envelhecimento e aos traumatismos, o que resulta em de, tur­gescência e rigidez da cartilagem.29
alterações morfoló­gicas e moleculares. As alterações morfoló- Com exceção da glicoproteína, existem os polissacá­rides
gicas são observadas como desidratação do núcleo, apareci­ ácidos que também eram chamados mucopolissacárides (as-
mento de fissuras no ânulo e esgarçamento ou rup­turas da sociados a uma proteína não colágena) e que agora são chama-
cartilagem vertebral (end plates). Ao nível molecular, a dege- dos de proteoglicanos.1,31,42,47, 48
neração inclui a diminuição da di­fusão de nutrientes, menor Os proteoglicanos são formados por longas cadeias de
viabilidade celular, dimi­nuição da síntese de proteoglicanos e polissacárides denominados glicosaminoglucanos, que estão
alteração da distribuição do colágeno. O papel dos mediadores ligados a uma proteína.
da inflamação, o uso potencial dos fatores de cresci­mento para Os glicosaminoglucanos podem ser agrupa­dos em sulfata-
retardar ou reverter o processo degenera­tivo, ainda está em dos e não sulfatados. Os não sulfatados são: ácido hialurônico
estudos e tem muitos pontos obscuros.10,52 e condroitina. Os sulfatados são: sulfato-4 de condroitina (an-
A seguir uma breve revisão sobre a origem do disco, mos- tigamente chamado de sulfato de condroitina A); sulfato-6 de
trando a linhagem conjuntiva, a cons­tituição bioquímica e as condroiti­na (antes chamado de sulfato de condroitina C); der-
propriedades biofísicas da substância fundamental do tecido matossulfato (antigamente chamado de sulfato de condroitina
conjuntivo, para facilitar comparações e analisar o seu possí- B); ceratossulfato, heparina e sulfato de heparitina (B).
vel meio de nutrição, como tecido avascular.33,39 As fibras colágenas dos tecidos conjuntivos variam de teci-
do para tecido e também são específicas para a unidade bási-
„„ ORIGEM DO DISCO INTERVERTEBRAL ca, que é o tropocolágeno, com uma constituição intimamente
associada ao comple­xo proteoglicanos, que varia no anulus e
Do ponto de vista embriológico, sabe-se que a coluna ver- no núcleo.48,54
tebral originada de uma condensação de teci­do mesenquima- Existem dados laboratoriais que mostram que outras pro-
toso, derivado do mesoderma situado em torno da notocorda. teínas surgem no processo degenerativo do disco, na própria
De modo geral, devido à sua plasticidade, o mesênquima for- matriz do tecido Oegema et al.44 correlacionaram o conteúdo
ma o estroma, arcabouço de vários órgãos, constituindo-se no de fibronectina do disco intervertebral, somando o que existia
tecido conjuntivo. A grande potencialidade desse tecido per- no anulus e no núcleo, com o grau de degene­ração discal. A
mite que dê origem também aos tecidos cartilaginoso, ósseo síntese de fibronectina em outros tecidos está associada a um
e mus­cular e, portanto, também às vértebras, aos discos inter- grau de reparação tissidual e como resposta a uma agressão a
vertebrais, à cartilagem hialina e aos ligamentos. um tecido. Pode-se, até, medir o tamanho molecular da fibro-
Quanto à filogênese do ânulo fibroso do dis­co, não existe nectina para cada tecido
dúvida de que esteja ligada à linhagem mesenquimal, mas a Fibronectina ajuda a organizar o tecido extracelular da
origem do núcleo pulposo é controversa, principalmente pela matriz e tem uma interação com as integrinas da superfície
presença de restos de notocorda. celular. Os fragmentos de fibronectina podem estimular as cé-
Explicar os restos de notocorda por um me­canismo vascu- lulas a produzir metaloproteases e citoquinas e inibir a síntese
lar não é teoria aceita por todos os autores.14,18 da matrix conjuntiva. A porcentagem de fibronectina maior é
Os tratados descrevem a teoria de migração de células do encontrada no núcleo, mas tanto no núcleo como no anulus, de
mesênquima embrionário para a carti­lagem hialina associa- 30 a 40% da fibronectina iso­lada existe como fragmento. Mui-
das à teoria da liquefação mu-ciloide da parte central dessa tos fragmentos contêm heparina funcional ou polos ligados a
cartilagem, que se une a restos notocordonais ali existentes, fi­bras colágenas.
formando o núcleo pulposo. Para ampliar a associação e a complexidade desse me-
De qualquer forma, pode-se considerar a car­tilagem e o dis- canismo molecular, deve-se afirmar que as integrinas acima
co intervertebral, tanto o núcleo pulposo quanto o anulus fibro- referidas são uma família de glicoproteínas das células da su-
sus, como tendo a sua filogênese ligada ao tecido conjuntivo.1,42,47 perfície que medeia nu­merosas interações entre célula-célula
e célula-matrix, e que agora sabe-se estarem envolvidas em
vários processos biológicos, como a morfogênese de tecidos,
„„ CONSTITUIÇÃO DO TECIDO CONJUNTIVO circulação e migração de leucócitos, reparação de danos teci-
Todo tecido conjuntivo é constituído de três elementos duais, coagulação sanguínea e resposta autoimune. Adesões
básicos: anômalas às células, por parte dessas integrinas foram descri-
tas na artrite reumatoide e em inúmeras outras inflamações,
1. A substância fundamental, de composição própria, confor- e até no câncer. Curley et al. 11 admitem que descobrir um
me o tipo de tecido. Na realidade é uma mistura de vários mecanismo antagônico contra as integrinas tal­vez seja o alvo
componentes, sen­do os principais: água, proteína, polissa- para tratar etiologicamente as lesões do disco intervertebral
cárides e eletrólitos; (Figura 55.6).

706 Tratado Brasileiro de Reumatologia


O metabolismo dos proteoglicanos das célu­las do núcleo

„„ CAPÍTULO 55
e do ânulo fibroso, associado ao me­canismo de absorção de
água, decresce com o au­mento da idade, mas aumenta quanto
à localização do disco em relação a um segmento rígido como
é o sacro. Esse fato é invertido nos proteoglicanos do período
neonatal. Sabe-se que quanto mais reduzida é a quantidade
de proteoglicanos, menor a possibili­dade de regenerar o teci-
c
do, sendo esse detalhe im­portante dentro do núcleo pulposo.
b
Acreditam os au­tores que o catabolismo excede a biossínte-
a
se dos pro­teoglicanos, aumentando a degeneração discal fre­
quente de L5-S1.
A mesma equipe constatou que existe, em uma análise
Cartilagem hialina
Núcleo pulposo comparativa de carneiros com 10 anos de ida­de em relação a
neonatos, uma diferença espacial e em relação a idade de pro-
teoglicanos de cadeia gran­de e os de cadeia pequena no disco
intervertebral. Os autores admitem que distribuição tão variá-
Cartilagem calcificada vel dos proteoglicanos pode indicar expressões fenotípicas de
diferentes células do disco durante o crescimento, mostrando
Ânulo fibroso a complexidade do tecido conjuntivo do disco intervertebral.
Osso Cartilagem hialina (fibrocartilagem)
Liu et al.3l investigaram os efeitos do óxido nítrico na sín-
tese dos proteoglicanos no disco inter­vertebral lombar da es-
pécie humana e acreditam que óxido nítrico é um mediador
das alterações da síntese de proteoglicanos em resposta à
Figura 55.6 Microfotografias de um disco intervertebral de uma variação das pressões hidrostáticas dentro do disco, além do
criança. As áreas a, b e c foram ampliadas, para mostrar a celula-
mecanismo do controle sobre as metaloproteinases da matrix,
ridade.
que têm uma ação semelhante. Como realmente interagem as
respostas celulares às vari­ações das pressões hidrostáticas do
disco intervertebral não está esclarecido. No disco herniado
da lombar, o óxido nítrico é produzido por um mecanismo
estimulado pela interleucina lb. Na cartilagem articular, o
„„ CONSTITUIÇÃO BIOQUÍMICA DO DISCO óxido nítrico altera a síntese de proteoglicanos também pela
INTERVERTEBRAL interleucina–lb ou pelo estímulo de agravos físicos. Esses au-
tores verificaram que culturas de tecidos de discos hu­manos
Proteoglicanos herniados retirados de cirurgias produzem espontaneamente
Uma série de experiências em animais demonstrou a com- óxido nítrico. Tanto a forma de óxido nítrico gerada de forma
posição bioquímica do dis­co intervertebral, comprovando a endógena como a exógena inibem a síntese de proteoglicanos
presença de pelo me­nos três polissacarídeos no núcleo pul- do dis­co intervertebral. Por outro lado, a pressão hidros­tática
poso: os sulfatos 4 e 6 condroitina e o ceratossulfato. O ânulo também influi sobre a produção de óxido nítrico pelas células
tem o sulfato de 6 de condroitina e, o ceratossulfato, além da do disco. Esses detalhes precisam ser melhor analisados para
presença do ácido hialurônico, na proporção de 1% do peso do verificar se pode surgir um método terapêutico regulador do
óxido nítrico que influa sobre a fisiopatologia da degeneração
disco em bovinos. A faculdade de hidratação dos discos parece
do dis­co intervertebral.13,54,55
depender da presença de ácido hia­lurônico e sua polimeriza-
ção. O ácido hialurônico pode provocar uma osteogênese local,
sendo talvez respon­sável pelo aparecimento dos osteófitos Agregação
vertebrais.
Na cartilagem hialina, de 50 a 80% dos proteoglicanos
Sabe-se que de 19,6 a 30% do peso do disco é formado por
existem em forma de agre­gados, incluindo muitas unidades
polissacarídeos, incluindo o ácido hia­lurônico, os sulfatos 4 e 6
de proteoglicanos unidas a molécula do ácido hialurônico. No
de condroitina, o ceratossul­fato e os traços de heparina.
disco, os proteoglicanos que existem em forma agregada são
A particularidade bioquímica do disco é que existe um sul- em menor número: cerca de 20 a 30% no núcleo maduro e
fato 6 de condroitina hipersulfatado, que, juntamente com o 60% no anulus; entretanto, no núcleo jo­vem, a maioria dos
sulfato 6 de condroitina, constitui 50% do total dos polissaca- proteoglicanos é agregada. Pare­ce que a ausência do ácido hia-
rídeos do disco intervertebral. lurônico não é sufici­ente para impedir essa agregação, haven-
No disco há uma molécula de proteoglicano, uma base à do locais próprios na proteína onde se faz a ligação. A função
qual se ligam cadeias laterais de cera­tossulfato e sulfato de desses agregados não está bem determinada. Sabe-se que os
condroitina. Tanto o ceratos­sulfato como o sulfato de con- glicosaminoglicanos têm car­ga negativa, o sulfato de condroi-
droitina têm zonas es­pecíficas para se localizar que são, como tina tem duas cargas negativas por molécula e o ceratossulfato
pode ser visto na Figura 55.1, bem diferentes das da cartila- uma, e que esse é um dado importante na manutenção da pres­
gem hialina. são do disco intervertebral.
Melrose et al.,6,37 da Universidade de Sydney, na Austrália, As células do ânulo fibroso podem ser es­timuladas pela
estudaram desde 1994 o metabolismo e a bioquímica do disco interleucina 1b a fim de produzir fatores que implicam no
intervertebral, correlaciona­dos com a biomecânica, tendo fei- processo de degradação local e do processo inflamatório.
to inúmeras desco­bertas nesse campo específico. Essa produção está associada à diminuição da agregação dos

Biomecânica da Coluna Vertebral 707


pro­teoglicanos. As células do ânulo fibroso respon­dem ligei- Apesar do maior constituinte do disco ser a água, a concen-
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

ramente com menor intensidade à ação da interleucina 1b in tração dos íons no disco difere da do plasma. A concentração
vitro do que fazem as células articulares.23,56 iônica do disco é negativa: assim, os cátions sódio e cálcio estão
presentes em concentração maior no disco do que no plasma e
os cátions cloro e sódio estão em concentração relativa­mente
Colágeno menor, mas mesmo assim superior à concen­tração do plasma.
As fibras colágenas do disco têm a superfície formada por A pressão osmótica, que depende do núme­ro de partículas,
complexo proteína-polissacarídeos, quimicamente ligado ao é bastante alta dentro da matrix do disco intervertebral, o que
colágeno. Apesar de não ter sido identificada qual a proteína, contribui para a função de suporte de peso.
sabe-se que é rica em glicídeos; através deles é que se faria a Os solutos se movem na matrix por dois me­canismos:
ligação química com o colágeno.
O próprio colágeno é uma proteína especial, sendo que na 1. Difusão molecular ou
parte externa do ânulo é do tipo I, que é encontrado com maior 2. Levados por mecanismos de pressão, através de outros fluidos.
frequência em tecido colágeno da pele, osso e tendão. O colá-
O primeiro mecanismo é o mais frequente, segun­do os vá-
geno tipo II predomina na parte interna do ânulo e no núcleo
rios autores. A difusão no disco é lenta pela presença de vários
pulposo não degenerado. As fibras do tipo II, dentro do núcleo,
elementos sólidos, e no ânulo é relativamente mais lenta do
são mais finas do que as do ânulo.
que no núcleo bem hidratado.59
As fibras colágenas são embebidas em um gel aquoso com
Existem dois caminhos para os nutrientes: um através dos
proteoglicanos, de difícil separação.
vasos que circundam os ânulos e outro através das artérias
No disco verifica-se a existência de proteí­nas antigênicas, vertebrais que entram no corpo da vértebra. Pela Figura 55.6
através de imunoeletroforese. A pro­teína não fibrilar estaria pode-se verificar que a parte externa da cartilagem é pouco
ligada a um polissacarídeo.52 permeável, mas a parte externa do ânulo é bem vascularizada
Os complexos antígeno-anticorpo estão com frequência e permeável. A permeabilidade pela cartilagem é muito redu-
presentes nos tecidos de hérnia de disco retirados nas cirur- zida, e aí reside o início de degenera­ção discal.
gias, mas estão ausentes nos discos normais. O significado des-
sa constatação ainda não está bem elucidado.24,26
„„ METABOLISMO DO DISCO

Água No disco adulto, as únicas células visíveis são os condroí-


tos,7,52 que formam as constituintes da matrix. Essas células
O conteúdo aquoso do disco é o seu principal constituinte requerem nutrientes e liber­tam catabólitos.
e ocupa de 65 a 90% do volu­me tissular, dependendo da idade A densidade celular do disco é pequena, e as células não
e da região. Como a densidade celular é pequena, a maior parte são uniformemente distribuídas: a con­centração maior é perto
desse líquido está no espaço extracelular, sendo que parte da da borda da cartilagem e na periferia do ânulo.
água está dentro das fibrilas do colágeno. Admite-se que essa As células do núcleo são células mais ativas na produção
água é cambiável, permitindo a en­trada de pequenos solutos, de proteoglicanos do que as da região periférica do ânulo. O
mas não das grandes moléculas das imunoglobulinas ou dos metabolismo é anaeróbico, com uma relativamente alta pro-
próprios protoglicanos. dução de ácido lático.

Em resumo „„ COMPORTAMENTO MECÂNICO DO DISCO


Devido às técnicas bioquímicas existentes, percebe-se que A matrix do disco é formada por duas grandes estruturas:
os constituintes do disco variam de acordo com a idade, o nível as fibras colágenas e o proteoglicanos. As fibras formam um
da loca­lização na coluna e, também, a própria localiza­ção den- emaranhado, que fica sob grande tensão, e os proteoglicanos
tro do disco, quer seja no núcleo, na zona de transição para o preenchem os espaços sob pressão, dando assim ao disco uma
ânulo ou na parte externa do ânulo. grande resistência à compressão.49,51

„„ FÍSICO-QUÍMICA DO DISCO INTERVERTEBRAL Pressão osmótica dos proteoglicanos


A principal função do disco intervertebral está relacionada A alta pressão osmótica dos proteoglicanos é originária
com a função de suportar peso, e isso depende mais da matrix principalmente da presença de grupos glicoaminoglicanos, de
do que as células. Entretan­to, são as células que desempenham carga negativa.
o papel de equi­líbrio constante da matrix, por meio dos ele-
mentos da nutrição e do metabolismo.
Como o disco é uma estrutura avascular, o transporte dos Hidratação do disco in vivo
nutrientes até as células se faz através da matrix. Vários au­tores verificaram que, colocando um fragmento
Os fatores que regulam o transporte do soluto através da ma- do disco em uma solução salina, ele pode “inchar” de 200 a
trix são: 300%, dependendo da região do disco e da por­centagem da
solução.10,12,13,29,38 A disposição das fibras é que permite dife-
1. O coeficiente de solubilida­de; rentes comportamentos dos fragmentos (o ânulo hidrata me-
2. A permeabilidade do disco e nos que o núcleo). O disco como um todo hidrata menos que as
3. O índice de movimentação do solúvel através da matrix. partes e se houver uma pressão atmosférica maior, como ocor-

708 Tratado Brasileiro de Reumatologia


re no disco submetido à pressão do peso, a hi­dratação é mais Se fosse considerada somente a presença de sul­fato de

„„ CAPÍTULO 55
difícil, mas o contrário também foi verificado: astronautas que condroitina, a proporção de 90% por ocasião do nascimento
ficaram 85 dias fora da ação da gravidade cresceram 5 cm em passaria a menos 50% na 8a década.
al­tura, por provável “inchaço” dos discos intervertebrais.8,38 Fazendo relação inversa, verificou-se que, ava­liando a pre-
Desde que o disco responde às mudanças de pressão com sença de glucosarnina associada ao cera­tossulfato em relação
ajustamento do conteúdo em água, o flu­xo dos solutos tam- à galactosamina ligada ao sulfa­to de condroitina, havia uma
bém desempenha sua parte no com­portamento dinâmico do variação de 0,5 aos 15 anos para 1,50 na idade de 90 anos.
disco. Assim, se um peso maior é colocado sobre o disco, este Verificou-se a presença de dermatossulfato em maior quanti-
perde líquido e fica achatado; quando o peso é removido, ele dade nos discos de pessoas idosas.2,6,8
reconstitui seu teor de fluido e volta ao tamanho nor­mal. Esse Sabe-se ser a vida média do sulfato de condroitina de 7 a
mecanismo é regido por duas forças: 10 dias, mas o sulfato 6 de condroiti­na passava a ter uma vida
média de 18 a 30 dias no idoso, e o ceratossulfato, uma vida
1. For­ça direcional, que é diferença entre a pressão aplicada e média de 120 dias.
a pressão do disco;
2. Permeabilidade hidrostática, que é inversamente propor- Colágeno
cional ao conteúdo de proteoglicanos.
Com o envelhecimento, há um gradual aumento das fibras
Ou seja, quando há pouca concentra­ção de proteoglicanos, do colágeno do disco e com isso, queda da proporcionalidade
o coeficiente de hidratação é alto, e os solutos se movem rapi- entre a quantidade de polissacarídeos e o colágeno por unida-
damente. Pode-se, pois, esperar que o ânulo perca líquido mais de de volume discal. A ligação entre polissacarídeos e as fibras
rápido que o núcleo em condições idênticas, e que o fluxo de colágenas também diminui com o envelhecimento.
solutos aumente em discos degenerados que perderam seus O núcleo pulposo fica com maior número de fibras, que
proteoglicanos. tem seu diâmetro médio aumentado com a idade, enquanto o
ânulo fica com menos fibras e com diâmetro diminuído. Assim,
na pessoa idosa confundem-se, pela fibrilação, a área do nú-
„„ ALTERAÇÕES BIOQUÍMICAS RELACIONADAS cleo e a do anulus. Essas alterações fazem com que a difusão
COM A IDADE3,4,7,59 dos nutri­entes, oxigênio e catabólitos fique altamente prejudi­
cada, dando início ao fenômeno de agregação e cross-linkage.22
Água
Estudando, por meio do método cintilográfico e radio-
No ânulo, o teor de água aos 2 anos, que é de 78%, passa para gráfico, as alterações colagenosas do disco interverte­bral em
70% na 3a década. O teor de água no núcleo é de 88% no feto, relação à idade, os autores comprovaram que, a partir da 3a dé-
diminui para 80% aos 18 anos e passa para 60 aos 77 anos. cada, o anulus perde a elasticida­de devido ao fato de as fibras
A questão básica é: como a água é retida pelo disco? Exis- colágenas mudarem de direção e mobilidade. O núcleo pulpo-
tem duas teorias; a causa dessa retenção seria a pressão osmó- so perde a sua estrutura de gel, também por razão semelhante.
tica das moléculas; outra teoria admite haver inibição exercida Existe ainda suspeita do aparecimento de uma proteína cha-
pelo gel formado pela associ­ação polissacarídeo-proteína. mada de B proteína não colagenosa que surge nos discos das
A água é o maior componente do disco interver­tebral nor- pessoas idosas, fato este verifica­do pela técnica de difração pela
mal, e desempenha um papel significativo no mecanismo de radiografia.
suporte de pressão e de peso do disco intervertebral. O trans- O colágeno aumenta, no curso do envelheci­mento, em 30%
porte desse líquido dentro do dis­co é importante para a nu- até a idade de 40 anos, para tornar-se estável em seguida.7
trição das células, da proprie­dade viscoelástica do núcleo e
do próprio disco. O coe­ficiente de permeabilidade hidráulica „„ Eletrólitos: foi constatado que o sódio, o po­tássio e
é o mais impor­tante dado associado ao transporte do fluido o conteúdo em pó seco por peso do núcleo diminuem
dentro do disco, mas como isso ocorre e como influencia na com a idade, mas no ânulo aumentam.
de­generação do disco ainda é desconhecido.9 „„ Em resumo: com o passar dos anos, o disco interver-
tebral apresenta alteração evidente no teor de água e
alterações dos proteoglicanos, principalmente pelo
Proteoglicanos aparecimento de maior proporção de ceratossul­fato e
Com o passar dos anos, há uma alteração tanto quantitati- maior presença de colágeno no núcleo.2,5,19,27
va, quanto qualitativa, dos proteoglicanos do disco.36
Melrose et al.37 verificaram uma ligeira dimi­nuição em
„„ ALTERAÇÕES BIOQUÍMICAS NAS
polissacarídeos (avaliados em hexosamina), de 6,5% nos in- DEGENERAÇÕES DISCAIS E ESCOLIOSE
divíduos de 20 anos a 5,5% nos indivíduos de 60 anos, em um Os conhecimentos, nesse particular, são muito precários,
estudo feito em discos sadios, de diversas idades. necessitando-se de maior número de estudos. Em material
As alterações qualitativas são mais evidentes. Os polissa- obtido em operações de hér­nia de disco, encontrou-se gran-
carídeos sulfatados aumentam em detrimen­to do ácido hialu- de diminuição dos polissacarídeos e da quantidade de água.
rônico. O envelhecimento acompanha-se de um aumento de O total de 30% do peso do disco normal seco passa a 5% nos
ceratossulfato e uma queda de sulfato 6 de condrotina que, discos herniados, sendo que a maior diminuição ocorreria na
como já vimos anteri­ormente, perfazia 50% do total de polis- quantidade de sulfato de condroitina e a menor, na quantida-
sacarídeos. A correlação entre a dosagem de sulfato de con- de de ceratossulfato. Assim, a relação ceratossulfato-sulfato de
droitina/ceratossulfato encontrada na ocasião de nascimento condroitina está alta, como nos discos envelhecidos. Enquan-
é de 11,7, que baixa para 0,92 aos 80 anos. to o ce­ratossulfato permanece com caracteres normais na ul-

Biomecânica da Coluna Vertebral 709


tracentrífuga, o sulfato de condroitina dos discos herniados Duance et al.13 compararam as alterações bioquímicas do
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

apresenta alterações de degradação, do tipo que causa o au- disco intervertebral com discos nor­mais e verificaram que ocor-
mento da dispersibilidade do polissacáride. Também há uma re uma diminuição do conteúdo dos glicosaminoglicanos no dis-
pequena quantidade de dermatossulfato nos discos herniados, co escoliótico e um aumento no conteúdo do colágeno, que é
ao con­trário do que acontece com os discos dos idosos. Parte proporcional ao peso que esse disco suporta. As alterações dos
das explicações para essas alterações pode ser o aumento das componentes extracelulares da matrix do disco podem afetar a
fibras colágenas, pois o total de colágeno dobrou em relação função mecânica desse disco na curva escoliótica.21
aos níveis normais. Esse fato causa uma diminuição da visco-
sidade do disco.
„„ ENVELHECIMENTO OU DEGENERAÇÃO
Alguns autores notaram experimentalmen­ te, em ratos,
fato desconcertante: a isquemia expe­rimental dos discos in- É evidente que as alterações ocorridas com o passar dos
tervertebrais em nada altera­va a constituição em polissacarí- anos e a degeneração por alterações bio­químicas na intimi-
deos. Só havia gran­des alterações no núcleo pulposo e intensa dade das estruturas do disco inter­vertebral são diferentes.
prolife­ração regeneradora no ânulo 4 semanas depois.l,2,5 Há necessidade, entretanto, de maior número de dados para
As alterações que ocorrem no colágeno do dis­co interver- determinar as caracte­rísticas de ambas. Mesmo no disco her-
tebral protruso podem ser assim resumidas: niado, parece evidente que as alterações bioquímicas o pre-
dispõem para que a ação do fator trauma desempenhe o papel
„„ Aumento do conteúdo do hidroxiprolina, que é um desencadeante da lesão, apesar de 70 a 80% dos pacientes
produto de degradação do colágeno, no disco seco, em com distúrbios discais não refiram, no histórico, qualquer re-
grande quantidade, a ser explicado só pela di­minuição lacionamento com acidentes.
do conteúdo dos proteoglicanos; Já Schmorl57 verificou a seguinte frequência de degenera-
„„ Aumento do indício da presença de colágeno (cristali- ção em material de autópsia: entre 20 e 30 anos, 10%; entre
nidade) quando submetido à difração pelo RsX; 31 a 40 anos, 20%; aos 50 anos, 80% e aos 60 anos, 90% dos
„„ Diferenças morfológicas na formação da fibrila coláge- casos.
na, indicativas de um turnover rápido de colágeno; Sob o ponto de vista clínico-radiológico, verifica-se que a
„„ Aumento de solubilidade do colágeno, quando di­ grande incidência de lombalgias ocorre entre os 31 a 40 anos
gerido pelas enzimas proteolíticas, sugestivo de que o para o homem e 41 a 50 para a mulher, em um período de ple-
colágeno no prolapso seja relativamente mais ima­turo, na atividade física. Nessa idade, qualilativa e quantitativamen-
ou então da síntese de um colágeno de tipo diferente. te, as modificações no colágeno e no teor de polissacarídeos
têm de ser consideradas separadamente para explicarem-se as
As enzimas, metaloproteinases, que atuam no colágeno e na condições biofísicas típicas do envelhecimento e das mesen-
matrix trouxeram um novo enfoque nas alterações que ocorrem quimopatias na degeneração.
na degradação/envelhecimen­to das estruturas discais. Talvez o estudo detalhado das relações entre massas e
Roberts et al.53 fizeram um estudo imuno-histoquímico quantidades dos vários constituintes dos tecidos venha a ser
da atividade das enzimas metaloproteinases na matrix dos um meio de classificar essas de­sordens.
discos com diferentes doenças, com a finalidade de identi- O aumento de 2 vezes da massa do núcleo pulposo, com
ficar se a enzima “agrecanase” (termo genérico, pois não se a diminuição do seu conteúdo em água, faz com que se tor-
sabe se é uma enzima ou um conjunto de enzimas, que agem ne mais sólido, apresentando menor elasticidade. Essas são
na desagregação da matrix) contribui para a degrada­ção dos as condições iniciais, em que a função do disco como um todo
proteoglicanos nas diversas patologias. Em todas as doenças já começou a deteriorar-se. Na maior parte das vezes, isso se
estudadas há desorganização da matrix e perda de substân- dá simultane­amente com a ruptura do ânulo; com a idade, a
cia fundamental, que é cau­sada pela atividade dessa enzima dimi­nuição da substância fundamental faz com que as fi­bras
da proteinase. Por exemplo, só de metaloproteinases já foram colágenas tomem-se menos hidrófilas.
identifi­cadas, até 2001, cerca de 15 espécies. Esses autores
também concluem que a atividade das metaloprotei­nases do Os autores acreditam que haja a seguinte se­quência: 1)
disco é mais prevalente nos discos herniados do que em outras despolimerização dos polissacarídeos do colágeno e do nú-
patologias infecciosas ou degene­rativas, pelo envelhecimento. cleo, devido a um fator não identificado, de origem metabólica
Os autores especulam que essas metaloproteinases podem ou endócrina, que leva a 2) aumento do poder de absorção de
chegar ao disco através dos vasos neoformados ou originárias líquido, devido a um aumento de partículas osmoticamen-
das próprias células discais. A atividade dessa possível agre- te ativas, re­sultando em 3) aumento da absorção de líquido
canase, embora estivesse presente em alguns tecidos discais que vem através das cartilagens hialinas, produzindo um 4)
estudados, não estava tão evidente quanto a das metalopro- aumento de tensão intradiscal. Isso pode ser sufici­ente para
teinases. Além disso, havia mais enzimas desagregadoras em produzir a herniação, dependendo da inte­gridade estrutural
proporção às enzimas endógenas, anti-desagregadoras, que do ânulo e de possível somação de fatores mecânicos.
seri­am as metaloproteinases tessiduais. A pressão interna volta a normalizar-se quando as molé-
O catabolismo do agrecan é mediado por uma enzima pro- culas despolimerizadas são removidas do disco por difusão
teolítica específica chamada de agrecanase. ou por maturação de fibrilas de colágeno, que se realizam às
Munteanu et al.19 constataram que polissulfato de cálcio custas desses polissacarídeos.
penstosan (CaPPS, em inglês), que é um agente condroprote- Assim, cada episódio seria acompanhado por uma poste-
tor, age contra a ação da agrecanase na ati­vidade catabólica do rior redução dos polissacarídeos e com a formação de fibras
agrecan, que pode causar a artrose articular e, eventualmente, colágenas, o que justificaria a ex­plicação da pequena frequên-
explicar a discartrose. cia da hérnia de disco em pessoas idosas, quando a degenera-
ção discal é mais avançada.

710 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Fazendo-se uma comparação entre alterações bioquímicas tam células com núcleos escu­ros e citoplasma esparso, tendo

„„ CAPÍTULO 55
do envelhecimento e das degenerações, verifica-se que os po- o conjunto uma aparên­cia de tendão grande. A porção interna
lissacarídeos alteram-se em am­bos, porém no disco envelheci- do ânulo tem células cartilaginosas. O núcleo cora-se fraca­
do diminui o total dos mesmos, mas não tão acentuadamente mente com PAS.
quanto nos dis­cos degenerados. O ceratossulfato é um com- Três alterações ocorrem no envelhecimento: perda de
ponente que aumenta nos discos envelhecidos; nos herniados, homogeneidade de substância corada pelo PAS com forma-
diminui ou fica estacionário. O sulfato de condroitina diminui ção de pequenos grânulos, de mais ou menos 1 mícron, com
nos discos de pessoas idosas e mais ainda em herniados. tendência a se agruparem em filas paralelas às fibras coláge-
Não há dúvidas de que o disco, para desempe­nhar as nas e tingidas por meio de corantes indicativos da presença
suas funções normais, deve receber alimento adequado. Na de proteí­nas, além dos carboidratos. As células em torno das
hemiação, há mudança radical do seu metabolismo, havendo quais verifica-se essa perda de homogeneidade apre­sentam
evidências, pois, de que as al­terações patológicas surjam mais uma grande quantidade de glicogênio, sendo esse fato indica-
depressa do que as modificações do envelhecimento. tivo de estarem em intensa atividade metabólica.
Desde o provável aparecimento da hérnia até a operação, A segunda alteração, mais radical, é observada em áreas
o tempo decorrido é o fator mais dele­tério para a composição circunscritas, onde a configuração fibrosa do ânulo fica alte-
química do disco, corres­pondendo a 1 ano as alterações do rada com a formação da massa de fibrilas finas, azul de Alc-
envelhecimen­to de 10 anos. yon positivo. O material PAS positivo toma aspecto de glóbulos
A distribuição do ceratossulfato é feita em ca­madas mais com alguns micra de diâmetro. Não se observam células, mas
profundas da cartilagem e do disco; a degeneração, no senti- já se no local lacunas e orifícios nessas áreas. Podem-se ver zo-
do amplo, inicia-se devido às más condições de alimentação nas de transição entre os dois tipos de fenômenos apontados,
dessas células, mais do que à influência do fator idade. A rela- sendo isso indicativo de serem etapas de um mesmo processo
ção ceratossulfato/sulfato de condroitina é maior quando as degenerativo.
con­dições de nutrição são mais pobres. Confirmando este fato, Na terceira etapa, menos frequente, verifica se a presença
verificou-se ser essa relação mais alta em dis­cos herniados há de um tecido, corado homogeneamente pelo PAS e contendo
muito tempo antes da operação e, portanto, com maior dificul- células cartilaginosas dispostas concentricamente. Em cortes
dade de alimentação. histológicos pode-se cons­tatar a identidade de substância gra-
As diferenças bioquímicas em relação aos po­lissacarídeos são nulosa, corada pelo PAS, com um pigmento marrom-escuro
mais evidentes quando se compa­ram discos normais e degenera- existente nos discos degenerados. A maioria dos autores con-
dos do que entre um disco jovem e um velho. A ruptura da ligação sidera-o de origem hemática e ligada à neovascularização que
polissacarídeos-proteína é uma evolução da idade; já no disco pa- surge nas rupturas discais.
tológico, isso ocorre mais rápido e com maior intensidade. Com o avançar dos anos, a distinção entre ânulo fibrosus e
núcleo fica indefinida, tanto ma­croscopicamente, como na co-
„„ ALTERAÇÕES HISTOQUÍMICAS DIFERENCIAIS loração. Isso decorrente de o ânulo perder a parte corada pelo
PAS e da pre­sença de substância granular, que tem o aspecto
ENTRE ENVELHECIMENTO E DEGENERAÇÃO
de núcleo. A textura fibrosa do ânulo fica mais frouxa, e a do
Quanto à substância fundamental do tecido con­juntivo, núcleo, mais densa. Nos indivíduos acima de 70 anos, os discos
existe uma grande divergência entre histologistas e bioquí- ficam corados caoticamente em massa de azul Alcyon positivo
micos. intercalada com gló­bulos PAS positivo, de vários tamanhos e
A substância fundamental do núcleo é forte­mente corada formas indefinidas.
pelo azul de toluidina, e pouco corável pelo PAS (Periodic-Acid As mudanças do componente, que se cora com o PAS, são
Schiff): isso traduz, pro­vavelmente, uma grande riqueza de gli- interpretadas pelo autor como uma liberação, pelo colágeno,
coproteína ácida.21 de um componente conten­do proteínas e carboidrato, essen-
A matriz do ânulo é fortemente corada pelo azul de Alcyon ciais para a manuten­ção da integridade do tecido.
e pelo PAS; isto mostra íntima liga­ção das fibras com as glico- Em algumas, assim chamadas, “colagenoses” é provável
proteínas ácidas e algumas glicoproteínas neutras. que as modificações do metabolismo dos mucopolissacárides
Essa impressão é reforçada pelo fato de que as fibras colá- sejam o início, seguindo-se as al­terações colagenosas. A sín-
genas do ânulo não reagem à fuscina, corante protético, o que drome discal se inicia, em um distúrbio da síntese normal dos
é indicativo de que há blo­queio de seus agrupamentos reativos polissacarídeos ou na alteração do equilíbrio das despolime-
pelas glicoprote­ínas ácidas. rizações que fa­zem aumentar a entrada de líquido no núcleo
Hoof,23 em estudo histoquímico do ânulo hu­mano, desde o e, por conseguinte, a pressão intradiscal, o que traz como con­
feto de 24 semanas até 70 anos, consta­tou que as fibras coláge- sequência a progressiva redução de polissacárides do núcleo
nas, que no adulto jovem são bem coradas pelo azul de Alcyon por difusão ou por seu uso na maturação do colágeno.17
e pouco pelo PAS, perdem essa característica com o passar dos As fases de atividade ou remissões da sintoma­tologia dis-
anos. O próprio autor define a coloração pelo PAS como indi- cal não são semelhantes às de uma colagenose?
cativa da presença de carboidratos neutros, pouco definidos. Pokharna et al.48 analisaram o crosslinks de fibras do co-
Mudanças significativas podem ser notadas em indivíduos lágeno de discos intervertebrais huma­nos da região lombar.
de 40 a 60 anos, se bem que essas alterações também possam Foram estudados piridinolina, um crosslink da maturação do
ser encontradas em in­divíduos de 20 a 30 anos. As camadas colágeno, e pentosidina, que é um crosslink não enzimatico,
do ânulo que estão diretamente ligados ao núcleo coram-se in­ relaciona­do com a idade.
tensamente pelo azul de Alcyon e PAS. Na sua parte externa, Esses crosslinkings dentro da matrix afetam a biomecânica
somente 4 a 6 camadas não se coram. Es­sas camadas apresen- do disco, e em vários tecidos já se de­monstrou que predispõem

Biomecânica da Coluna Vertebral 711


a falhas mecânicas. Altera­ções da concentração piridinolina e Um dos fatores determinantes dessas modifi­cações re-
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

pentosidina ocor­rem da mesma maneira no envelhecimento gressivas deve ser representado pela trans­formação mecânica
como na degeneração do disco. a que são submetidas as fibras do ânulo, depois que o núcleo
O conhecimento atual das alterações bioquími­ cas, que se solidifica progressiva­mente com o passar do tempo. O disco
ocorrem no disco, é limitado, necessitando de estudos adicio- fica assim sub­metido, não mais a uma força tangencial, mas a
nais. Na verdade, ainda nos encontra­mos no limiar do entendi- uma força de compressão de cima para baixo.4
mento dessa patologia.

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Biomecânica da Coluna Vertebral 713


56

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin

Introdução, Etiopatogenia e Generalidades


sobre Doenças da Coluna Lombar
„„ INTRODUÇÃO ou seja, 12,76%. Desde aquela data, com raras exceções, as es-
tatísticas sobre esta matéria fundamentaram-se em amostras
Já de início algumas interrogações são necessárias em face populacionais heterogêneas que violam os “dogmas” básicos
de sua importância epidemiológica, da alta prevalência das da ciência e viciam, intencionalmente ou não, os resultados da
doenças que compõem este capítulo do ponto de vista da saú- terapêutica.
de pública e das consequências danosas sobre o bem-estar fí-
Tratar de lombalgias, lombociatalgias e ciáticas, sem
sico e psíquico de milhões de pessoas ao redor do mundo. Por
atentar para as verdadeiras causas e, esperar meses tratando
que da denominação de doenças da coluna lombar, em vez de
sintomas para ver o que acontece, uma das 85% das doenças
lombalgias, lombociatalgias, lombalgias inespecíficas ou idio-
que se diz não ter causa, ou pior, dizer ao paciente que é uma
páticas como se pode constatar na literatura.
“fibromioalgia” – esta dor pode ser decorrente de um tumor
Seria correta a terminologia anglo-saxônica low back pain benigno ou maligno, infecção, fratura ou metástase de órgão
(dor lombar baixa), termos estes de uso corrente e ainda en- na coluna vertebral lombar –, é um verdadeiro desastre para o
raizados na prática médica tanto aqui como acolá? paciente. Causas específicas existem, basta procurá-las.7
A resposta é que são termos altamente prejudiciais, por A síndrome dolorosa termo menos incorreto* lombar
serem meramente sindrômicos, que não atentam para a causa, constitui uma causa altamente prevalente de morbidade
mas sim para os efeitos, com consequências às vezes irrepará- e incapacidade, sendo sobrepujada apenas pela cefaleia na
veis para os pacientes, e também, porque induzem os médicos escala dos distúrbios dolorosos que afetam o homem. Dois
não especialistas a procurarem entre mais de 200 causas um terços das pessoas a terão pelo menos uma vez em suas vi-
diagnóstico etiológico específico. das, sendo as suas causas, aquelas que levam a um alto índice
Dizer que em apenas 15%1 pode-se chegar a uma cau- de absenteísmo, afastamento e/ou aposentadoria pela Previ-
sa específica para a dor lombar é um equívoco, pois sinaliza, dência Social.
para o paciente, que o médico tem dúvidas sobre sua doença Em pesquisas feitas com pessoas abaixo dos 50 anos de
e, consequentemente, sobre os resultados esperados do seu idade acometidas de dor lombar, em 85% delas foi possível se
tratamento. chegar a uma causa, fazendo uma minuciosa história clínica
Em muitos casos, doenças mais ou menos graves estão por e um acurado exame físico. Por que isto não é possível acima
trás de uma banal dor lombar. A maioria dos pacientes não se dos 50, quando é nitidamente perceptível o envelhecimento da
satisfaz apenas com o rótulo “lombalgia inespecífica ou idiopá- população e maiores são as possibilidades de doenças de pior
tica, dor no nervo ciático ou, simplesmente, artrose” e uma re- evolução?8
ceita de analgésico, AINH e sessões de fisioterapia.2-6 Impõe-se Uma das grandes dificuldades no estudo e na abordagem
que lhes seja dado um diagnóstico etiológico mais específico. das lombalgias e lombociatalgias não é a inexistência de agen-
Por essa razão, e para fugir da desinformação que tais termos tes etiológicos específicos, mas sim de outros fatores, como
veiculam, optei por nominar esta seção de Doenças da Coluna a aplicação de uma correta e fidedigna correlação entre os
Vertebral. achados clínicos e os de imagem.9 Para que isso seja factível e
A assertiva, acima citada, – de que apenas 15% dos casos
teriam uma causa específica – data de estudos da década de
1960, estudos estes que tinham falhas graves de metodologia
científica. * Sindrome: é o conjunto de sinais e sintomas observados em vários
processos patológicos diferentes e sem causa específica. Do grego:
Nessa época, em um subúrbio de Londres, Inglaterra, fo-
sundromê.ês’concurso, isto é, ação de se reunir tumultuosamente,
ram avaliados 1.920 casos de dor lombar. Nessa amostra en- donde reunião tumultuosa; do verbo sundromein, correr com; da
contraram-se causas específicas para apenas 245 pacientes, voz ativa suntrekho, de syn:junto e dromos correr.

715
possível, urge abandonar a terminologia referida [lombalgias 92,5% de alterações de imagem. Uma prevalência semelhante,
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

e lombociatalgias] e utilizar “doenças da coluna lombar”. sob o ponto de vista estatístico (p > 0,05).9
Da mesma forma, Maureen C. Jensen et al., usando a Res-
Quais seriam, então, as falhas na abordagem deste crucial problema de sonância Magnética (RNM), encontraram 64,4% de alterações
saúde pública? em pessoas que também nunca tinham tido dor lombar!13
Na relação médico-paciente inadequada? Diante desses fatos, a ilação a ser feita é a de que a simples
presença de achados de imagem não significa a existência de
Na excessiva valorização dos métodos do diagnóstico por imagem?
doença. Os achados clínicos é que determinam o diagnóstico.
Na lamentável desvalorização do exame e raciocínios clínicos? Isto, no entanto, não quer dizer que os exames complemen-
tares não sejam necessários. Eles são de extraordinário valor,
Segundo Deyo, 20 a 25% dos pacientes com dor lombar quando correlacionados com os dados clínicos e a suspeita
estão infelizes com aquilo que fazemos por eles,1 e isso sugere diagnóstica que deve antecedê-los.
uma deterioração da relação médico-paciente, causada, entre Para se atingir este objetivo [causa e feito], algumas inter-
outros fatores, por um exame clínico malfeito ou inexistente, e rogações e problemas – cruciais – devem primeiro ser levanta-
isto seria a resposta para a primeira pergunta; uma falsa expec- dos e, posteriormente, solucionados, a saber:
tativa incutida no doente, de que a propedêutica armada é a
que resolve o diagnóstico, seria a resposta para a segunda per-
gunta; e a irrisória e aviltante remuneração do ato médico pe- Neste contexto, quais são as interrogações/problemas?
los sistemas de saúde, seriam, respectivamente, as duas outras
respostas. Estes aspectos, de suma relevância na boa prática 1. Pela anamnese e exame físico, quais as possíveis hipóteses de
médica, não têm sido levados a sério, nem aqui no Brasil nem diagnóstico etiológico?
em outros países, acarretando tratamentos malconduzidos, 2. Qual é o sítio anatômico que é a fonte da dor?
ineficientes e dispendiosos. 3. A dor tem caráter dermatomérico ou não?
Enfim, o tema é preocupante para a saúde pública, quais- 4. Existe algum comprometimento neurológico?
quer que sejam as variáveis implicadas, e por isso uma abor- 5. Há alguma evidência de comprometimento sistêmico extra ou intrar-
dagem crítica do assunto pelo reumatologista pode dar uma raquidiano (“sinais de alerta vermelhos”)?
contribuição de valia para o diagnóstico e tratamento, em uma 6. Existem problemas psicossociais que possam ser detectados (“sinais de
alerta amarelos” amplificando ou prolongando o quadro doloroso)?
época em que para apenas 15% dos casos de dor lombar se
encontrava uma causa específica,10 ainda outros 55% são sub-
metidos a tratamento cirúrgico, quando apenas 1 a 2% teriam As interrogações podem ser respondidas e, por conse-
essa indicação.1 Ao se falar em lombalgia e lombociatalgia, que quência das respostas, emergem as suas respectivas solu-
significam do ponto de vista etimológico, respectivamente, dor ções, se levados em conta os seguintes dados da anamnese
no lombo e dor no ciático, está se falando em síndrome; logo, e do exame físico:
deve-se procurar uma causa para este processo sindrômico.
a) O comprometimento neurológico pode ser facilmente per-
ceptível pela marcha, pelo equilíbrio, pela sensibilidade,
„„ CONDUTA CLÍNICA pelos reflexos musculotendíneos e por manobras semió-
ticas e sinais de compressão radicular. Essas manobras e
A propósito, e nesta direção, cabe refletir sobre estas duas
sinais serão detalhados quando do diagnóstico clínico.
advertências, feitas por médicos não reumatologistas:
b) A dor lombar, que piora com a flexão da coluna, pode ter
1. “Deve ser lembrado que nós tratamos pacientes e não co- origem nos discos herniados, degenerados e/ou lesados;
lunas. É, portanto, de vital importância que conheçamos e quando piora com a extensão da coluna, a referida dor
tanto a respeito do paciente que tem dor, quanto da dor pode ser decorrente da artrose, do estreitamento constitu-
que o paciente tem”11 (ortopedista). cional ou adquirido do canal ósseo por afecções das articu-
2. “Às vezes, os sintomas de lombalgia e lombociatalgia es- lações zigapofisárias, hipertrofia do ligamento amarelo e
tão de um lado e os achados radiológicos de outro, e a fre- pedículo vertebral curto.
quência com que isto acontece é um fato desanimador.” “Eu c) Os “sinais de alerta vermelhos” podem ser detectados por
sempre disse que uma das áreas de mais difícil avaliação e uma acurada anamnese e um cuidadoso exame físico; tais
diagnóstico é aquela da dor lombar e ciática; às vezes os sinais indicam, provavelmente, tumores, infecções, afecções
sintomas estão de um lado e os achados radiológicos de metabólicas, ginecológicas, endócrinas, vasculares ou dos
outro.” sistemas digestório, urinário e genital.
“A frequência com que isto acontece é um fato desanimador. d) Os problemas psicossociais que se manifestam pelos “sinais
Mesmo a ressonância magnética sozinha não é capaz de ofe- de alerta amarelos” são detectáveis em pessoas com história
recer segurança no diagnóstico da dor lombar.” atual e/ou pregressa de ansiedade, depressão, litígios, con-
flitos trabalhistas e previdenciários.
Quem disse isso não é um clínico reumatologista, mas sim
um neurorradiologista, o professor Juan Taveras, da Universi- Ao se afirmar que em 85% dos casos se trata apenas e ex-
dade de Harvard.12 clusivamente do rótulo “lombalgia” ou “lombociatalgia”, e se
Cecin H.A., 1997, neste mesmo sentido, e corroborando procura justificar estas síndromes por estes e tantos outros ró-
essas afirmativas, demonstrou a presença de alterações tomo- tulos (lumbago, ciática, “reumatismo” na coluna), pode-se dei-
gráficas em 81,5% das pessoas que nunca tinham tido dor lom- xar o paciente à mercê de doenças incapacitantes, graves e até
bar, enquanto pacientes com lombociatalgias apresentaram

716 Tratado Brasileiro de Reumatologia


mesmo mortais (rotura de aneurisma de aorta) que, diagnos- „„ ETIOPATOGENIA

„„ CAPÍTULO 56
ticadas a tempo, poderiam ser tratadas e até mesmo curadas.
As doenças mais prevalentes das estruturas que compõem
No que concerne à fidedigna correlação entre a clínica e
a coluna lombar são as de natureza mecânico-degenerativa.
os achados de imagem, rótulos diagnósticos, como osteoartro-
se, discopatia, protrusão discal, hérnias discais, osteoartrite, Essas doenças têm origem em alterações das estruturas
osteofitose degenerativa (uma redundância semântica), sín- anatômicas, desvios biomecânicos (Quadro 56.1), tumores
drome facetária, espondiloartrose ou osteocondrose, tais de- (Quadro 56.2), infecções (Quadro 56.3), doenças de vísceras e
nominações deixam de sê-lo [rótulos], quando se conhecem os órgãos (Quadro 56.4), distúrbios vasculares do segmento lom-
valores preditivos de determinado sintoma, sinal ou achado de bar, processos inflamatórios, doenças congênitas, distúrbios
imagem.14 emocionais (Quadro 56.6), doenças metabólicas, doenças sis-
têmicas e muitas outras condições patológicas como se consta-
Atualmente, os termos osteoartrite e discopatia degenera-
ta no (Quadro 56.5). Nos quadros e imagens a seguir é possível
tiva crônica são os mais adequados do ponto de vista semân-
observar a diversidade e o amplo espectro das doenças que se
tico, porque englobam a maioria dos processos patológicos
manifestam por uma simples dor lombar.
vertebrais.
Causas mecânico-degenerativas, anomalias congênitas,
Outra entidade patológica relacionada com as condições
hérnias discais, fraturas decorrentes da osteoporose e ins-
patológicas anteriores é a hernia de disco. Veja Capítulo 59.
tabilidades decorrentes das espondilolisteses constituem
Tanto à osteoartrite quanto à discopatia degenerativa crô- 97% das doenças da coluna lombar. Deste total de 97%, a
nica e à hérnia de disco, não bastam os achados de imagem, discopatia degenerativa crônica e as hérnias discais são as
é preciso que o quadro clínico seja de osteoartrite, discopatia mais prevalentes do ponto de vista clínico. Anomalias con-
degenerativa crônica e de hérnia de disco. gênitas, espondilolisteses, osteoporose podem ser meros
Para evitar equívocos dessa natureza, o médico precisa ter achados radiológicos. Apenas menos de 1% são condições
em mente o conhecimento do valor preditivo de exames com- não mecânicas, e outros 2% são doenças viscerais que se
plementares e de outras variáveis estatísticas da história e do manifestam por dor lombar ou ciatalgias. Convém lembrar
exame físico. que distúrbios emocionais podem estar associados a estas
Valor preditivo é a capacidade que têm algumas determi- causas primárias ou serem uma manifestação exclusiva, em
nadas variáveis da história, do exame físico e/ou complemen- que a coluna lombar é o órgão de choque. Nas Figuras 56.1
tar, de predizer quão específicas (especificidade) ou sensíveis e 56.2, as estruturas anatômicas e algumas doenças delas
(sensibilidade) elas são, e quais são os seus níveis de signifi- decorrentes.
cância estatística nos estudos comparativos, randomizados e
duplo-cegos, para se chegar ao diagnóstico final.15
Dessa forma, a caracterização etiológica faz da síndrome
dolorosa lombar um processo eminentemente clínico, em que Quadro 56.1 Causas mecânico-degenerativas.
os exames complementares devem ser solicitados e valoriza-
„„ Distensão, lesões musculares, lumbago
dos em conformidade com a sua sensibilidade, especificidade
e os seus valores preditivos positivos e/ou negativos. A sua „„ Processos degenerativos dos discos
solicitação implica na existência de uma hipótese clínica, ante- „„ Processos degenerativos das articulações zigoapofisárias
riormente levantada. Os exames complementares, na maioria „„ Processos degenerativos do ligamento amarelo
das vezes, servem tão somente para confirmá-la. „„ Hérnias discais e rupturas do disco
„„ Estreitamento artrósico do canal raquidiano

„„ EVOLUÇÃO CLÍNICA „„ Estreitamentos constitucionais do canal raquidiano


„„ Espondilólises e espondilolistese
Do ponto de vista evolutivo, as lombalgias, lombociatal- „„ Fraturas vertebrais por compressão
gias e ciáticas são decorrentes de mais de uma centena de
„„ Fraturas vertebrais por trauma
causas, cuja evolução pode ser aguda ou lumbago, subaguda
„„ Malformações congênitas (vértebras de transição, mega-apófise
e crônica.16
transversa, cifoses e escolioses severas)
As referidas “dores lombares, ciatalgias e ciáticas” podem
„„ Instabilidades vertebrais
ser primárias das vértebras, dos ligamentos, das articulações,
„„ Escoliose estruturada (idiopática) e não estruturada
da medula espinhal; e raízes nervosas, secundárias e/ou de-
correntes de órgãos contíguos a ela ou dela distantes, com ou „„ Desigualdade congênita de comprimento de membros inferiores (com
diferenças > 1 cm) ou por fraturas antigas de pernas
sem envolvimento neurológico.17
„„ Retificação da lordose fisiológica (ao sentar em carros, sofás baixos
O conhecimento das variáveis implicadas (sintomas, sinais
cadeiras de braços, dormir em colchões moles)
e achados do exame físico), a sua distribuição nas curvas de
„„ Hiperlordese congênita e por sapatos de salto alto
frequência, além de outros aspectos estudados em Epidemio-
logia, constituem um desafio para os especialistas do aparelho „„ Síndromes miofasciais
locomotor, principalmente para o reumatologista. „„ Fibromialgia idiopática

O tratamento das doenças da coluna vertebral depende „„ Fibromialgias secundárias


desses conhecimentos. Para tanto, o seu arsenal de doutrina „„ Anomalias de transição lombossacra (sacralização, lumbarização,
e prática médicas sobre o tema em questão precisa ser amplo atopia da primeira vértebra sacra, espinha bífida oculta)
e o especialista deve utilizá-lo corretamente, sem tendenciosi- „„ Pés planos e balgus, “genu varo e valgo”, com repercussão sobre o
dades e com a precisão científica que a medicina baseada em segmento lombar
evidências requer.

Introdução, Etiopatogenia e Generalidades sobre Doenças da Coluna Lombar 717


„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

Quadro 56.2 Manifestações clínicas e exames complemen- Quadro 56.5 Causas infecciosas.
tares auxiliares no diagnóstico.
„„ Espondilodiscites sépticas
Achados Possibilidades „„ Abscesso epidural
„„ Doença de Lyme
Pesquisa de adenopatia, esplenomegalias Linfomas – tuberculose
„„ Endocardites bacterianas
Blastomicose sul-americana
„„ Abscesso paraespinhal
Pesquisa de anemia Anemia falciforme – leucoses „„ Micoses
Pesquisa de aumento de volume Câncer metastático de próstata „„ Herpes-zóster
prostático „„ Espondiloartrites associadas ao HLA-B27

Pesquisa de nódulos mamários Câncer metastático de mama


Sinais de paraplegia Tumores intramedulares
Toque vaginal e pesquisa ginecológica Miomas uterinos; tumores de Visão axial
fossa obturadora
Glicemia e teste de tolerância à glicose Neuropatia diabética Disco Recesso
lareral
Presença de sopro na aorta abdominal, Aneurisma dissecante Buraco
massa abdominal palpável e/ou pulsátil conjugação
Raiz
Urina “preta” (ácido homogentísico) Ocronose
nervosa
Hipertensão, osteoporose, distribuição Síndrome de Cushing
anormal das gorduras corporais

Faceta
reticular
Quadro 56.3 Alguns exemplos de manifestações e doenças.

Sinais e sintomas Pensar em

Febre, calafrios, rigidez vertebral Espondilodiscites


Febre, emagrecimento, Tuberculose vertebral
Ligamento Canal ósseo
inapetência, suores noturnos
amarelo
Febre, adenopatia localizada ou Neoplasias e se os gânglios se
generalizada, emagrecimento, fistulizam, em blastomicose sul- Figura 56.1 Visão de um corte axial do segmento lombar normal,
anemia -americana mostrando as relações entre si das diversas estruturas anatômicas.
Emagrecimento da pele (nariz, Ocronose
orelhas) urina escura
Disúria, polaciúria, ciatalgia, mais Carcinoma de próstata Estreitamento do
do lado esquerdo do que direito* recesso lateral
Dor abdominal, massa abdominal Aneurisma abdominal
palpável no hipogástrio (Figura Estreitamento
56.18) foraminal Abaulamento do disco
*A razão de ela ocorrer mais à esquerda é o fato de a cadeia linfática esquerda estar em
contato mais íntimo com a coluna vertebral do que com o lado direito, pois desse lado
há interposição da veia cava inferior e aorta, tornando assim as estruturas vertebrais
mais distantes dos linfonodos tumorais.19

Osteoartrite
da articulação
zigoapofisária
Quadro 56.4 Causas neoplásicas.
Estreitamento central
„„ Mieloma múltiplo do canal ósseo
„„ Linfomas e leucemias
„„ Carcinomas metastáticos
Hipertrofia do
„„ Tumores primários do esqueleto axial
ligamento amarelo
„„ Tumores medulares
„„ Tumores retroperitoneais Figura 56.2 Nesta figura se vê o mesmo segmento da Figura 56.1
„„ Condrossarcomas com algumas condições patológicas, cujo resultado final é o estrei-
„„ Fibrossarcomas tamento adquirido do canal ósseo e as suas consequências sobre
as demais estruturas – ósseas, articulares e nervosas.

718 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 56
A B

Figura 56.3 Lesão osteoblástica sacral na doença de Paget vista em um corte axial na Ressonância Magnética (A) e na Tomografia (B).

Figura 56.4 Mieloma múltiplo com lesões líticas no esterno e no crânio.

„„ Canal raquidiano estreito: o aumento da pressão


do líquido cefalorraquidiano que, por não fluir nor-
malmente pela cauda equina, em decorrência das Quadro 56.6 Dor lombar e/ou ciatalgia decorrente de doen-
aderências da pia-aracnoide, vai se acumulando du- ças de vísceras e órgãos.
rante o repouso noturno. Este acúmulo de líquido faz „„ Doenças dos órgãos pélvicos e abdominais (úlcera péptica, prostatites,
com que a pressão atinja seus níveis mais elevados endometriose, doença inflamatória pélvica)
pela manhã, comprimindo as raízes e daí desenca- „„ Acometimento dos rins (nefrolitíase, abscesso perirrenal, pielonefrite,
deando a dor. necrose papilar renal, tumores renais)
„„ Aneurisma de aorta e de ilíacas

Associação da lombalgia e/ou lombociatalgia/ „„ Doenças gastrointestinais

ciática com queixas sistêmicas


Quando houver comprometimento sistêmico, a dor lombar
tem um começo gradual e progressivo, distribuição simétrica
ou alternante, piora com o repouso e se acompanha de rigidez Quadro 56.7 Miscelânea.
matinal de duração superior a 30 minutos.18 „„ Doença de Paget
„„ Hiperparatireoidismo
Exame físico geral „„ Hemoglobinopatias (anemia falciforme)
É necessária muita atenção para o exame físico geral, pois „„ Doença de Sheuerman
a causa da dor lombar pode estar fora do estojo raquídeo. „„ Gamopatias monoclonais
Verifica-se que, nesta situação, a abordagem destas síndro- „„ Febres periódicas hereditárias
mes exige do reumatologista, ou de qualquer outro especialista, „„ Não mecânicas localizadas: inflamatórias, infecciosas, metabólicas
uma sólida formação em clínica médica (Quadros 56.6 e 56.7).

Introdução, Etiopatogenia e Generalidades sobre Doenças da Coluna Lombar 719


„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

A B

Figura 56.5 Doença de Paget na cabeça do fêmur identificada em radiografia do quadril direito (A) como esclerose óssea difusa associada
a alterações degenerativas secundárias. Histopatológico do mesmo caso (B). Trabéculas de osso maduro, com abundantes osteoclastos, que
indicam intensa reabsorção óssea.

Figura 56.6 Fratura do corpo vertebral no mieloma múltiplo com Figura 56.7 Espondilodiscite por estafilococos.
diagnóstico inicial de fibromialgia.

Na Figura 56.8 pode-se notar as graves alterações na co- lombociatalgia intensa e dor óssea difusa atribuídas, simples-
luna lombar de uma paciente que abriu o quadro clínico com mente, à “lombociatalgia” e fibromialgia.

720 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 56
Figura 56.8 Lombociática por linfoma de células B.

Figura 56.9 Diagnóstico histopatológico: medula óssea “da crista ilíaca esquerda” extensamente substituída por neoplasia linfo-hemo-
poiética difusa, de grandes células. Consideram-se os diagnósticos diferenciais de linfoma B de grandes células plasmocitoide e plasmoci-
toma pleomórfico. Imuno-histoquímica poderia definir entre estes ou outros diagnósticos diferenciais.

Introdução, Etiopatogenia e Generalidades sobre Doenças da Coluna Lombar 721


„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

Figura 56.10 Diagnóstico histopatológico, conclusão: medula óssea interdiscal e difusa por neoplasia linfoide B (CD20+) de grandes célu-
las. Grande carga tumoral. Escassa reserva hematopoiética.

Quadro 56.8 Outras doenças sistêmicas, como causas de


dor lombar.
Experiência pessoal ao longo de 45 anos
Nº de casos: período
Causas não mecânicas de dor lombar
1984-2014
Meloma múltiplo 16
Blastomicose sul-americana 2
Carcinoma metastático da mama 5
Carcinoma metastático de pulmão 2
Linfoma 21
Acromegalia 3
Histiocitoma maligno 1
Carcinoma metastático de próstata 8
Carcinoma metastático de pulmão 4
Espondilodiscites infecciosas por cocos e 19
bacilos comuns

Neuropatia diabética 16
Osteoma osteoide 2
Anemia falciforme 2
Síndromes sensitivas centrais 85
Tuberculose vertebral (mal de Pott) 4
Aneurisma de aorta abdominal 3
Neurocisticercose medular 1
Doença de Paget 5
Meningioma 1
Neurinoma 2
Epidendinoma 2
Figura 56.11 Meningioma em paciente com pseudociatalgia, fra-
Total 204 queza nos MM II e abolição de reflexos musculotendíneos.

722 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ PATOGÊNESE DA DEGENERAÇÃO DISCAL Lombalgias mecânico-degenerativas

„„ CAPÍTULO 56
(DISCOPATIA DEGENERATIVA CRÔNICA)
As causas mais frequentes das lombalgias e lombociatal-
Nas doenças mecânico-degenerativas da coluna lombar há gias são as de natureza mecânico-degenerativa. A sua produção
uma importante participação do disco intervertebral (Quadros tem origem em desordens estruturais, desvios biomecânicos,
56.9 e 56.10), onde as alterações patológicas recebem a denomi- modificações vasculares ou a interação destes três fatores.20-26
nação genérica de discopatias. Por sua vez, a discopatia degene- A diferença entre os proteoglicanos fetais e os do adulto
rativa é um termo que engloba desidratação, fissuras e rupturas seria a base molecular de tais alterações, pois os dos últimos são
do disco intervertebral. São preditores (fatores de risco) para o menores e com propriedade de agregação diminuída, quando
desenvolvimento e a progressão da degeneração do disco. comparados com os de tecidos maduros. A alteração na sua
agregação pode desempenhar um papel importante na perda
gradativa da integridade do disco, com o avançar da idade.27
Estes fenômenos acontecem na tríade articular, constituída
Quadro 56.9 Psicossomáticas. por uma juntura fibroelástica intervertebral, o disco, duas jun-
turas sinoviais e um corpo vertebral.28
Psicossomáticas
Esse conjunto de três compartimentos é estabilizado por
„„ Síndrome fibromiálgica um aparelho ligamentar que permite à coluna movimentos,
„„ Síndrome miofascial como resultado de uma complexa coordenação entre função
„„ Síndromes sensitivas centrais (enxaqueca, síndrome da articulação muscular e gravidade.28,29
temporomandibular, síndrome do cólon irritável, síndrome da uretra O disco intervertebral é uma estrutura anatômica que tem
feminina, síndrome da tensão pré-menstrual etc.) ver Capítulo 19. como função absorver choques e permitir um certo grau de
movimento à coluna vertebral. Quanto maior for o seu conteú-
do em água, maior será sua capacidade em absorver aqueles
choques.
Quadro 56.10 Causas mecânico-degenerativas. Sua eficiência biomecânica diminui com o aumento da ida-
Etiologia das lesões das estruturas anatômicas da coluna vertebral de devido à sua progressiva desidratação, e também porque
lombar nesta faixa etária (aproximadamente, após os 50 anos de ida-
de), ocorre um aumento do estresse mecânico, ficando afetada
„„ Processos degenerativos dos discos (discopatias degenerativas a integridade desse verdadeiro amortecedor de choques.30,31
crônicas)
„„ Hérnias discais agudas e rupturas do disco intervertebral
„„ Processos degenerativos das articulações zigoapofisárias
„„ Processos degenerativos do ligamento amarelo
„„ Estreitamentos artrósicos do canal raquidiano
„„ Estreitamentos constitucionais do canal raquidiano
„„ Espondilólises e espondilolistese, distensões, lesões musculares
„„ Desvios do eixo veretebral (escolioses) (detalhes no Capítulo 66 sobre
deformidades da coluna vertebral).

Figura 56.12 Paciente com dor lombar, ciatalgia, febre e alterações estetoacústicas no ápice do pulmão direito. Tuberculose com absces-
sos frios paravertebrais (setas) com espondilodiscite no disco de L2-L3.

Introdução, Etiopatogenia e Generalidades sobre Doenças da Coluna Lombar 723


Por outro lado, a elevada concentração de íons hidrogênio de- „„ Hérnias discais
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

corrente do metabolismo anaeróbico do disco – que, por ser uma „„ Degeneração do ligamento amarelo
estrutura avascular, se nutre por difusão passiva – pode causar
„„ Hiperlordoses
dor, através dos receptores químicos existentes na zona limítrofe
entre o núcleo e o anel fibroso, local este das primeiras fissuras. „„ Estreitamento artrósico do canal raquidiano com ou
Essa alteração é o primeiro sinal de degeneração discal.32 sem comprometimento da circulação da cauda equina
Modificações da estrutura do disco, sua dessecação e con- „„ Estreitamento congênito do canal raquidiano
sequente diminuição da altura do espaço intervertebral, por
ele ocupado, afetam o equilíbrio mecânico existente com as ar-
ticulações zigoapofisárias e os ligamentos, pois há uma trans- Alterações anatômicas
ferência de carga do primeiro (disco) para os outros dois. Outras etapas da degeneração discal são a fibrose, a redu-
Aos 20% da carga vertical, aplicada normalmente sobre ção do espaço intervertebral, os abaulamentos, os osteófitos e
o pedículo e as facetas articulares, somam-se outros 20% ou a esclerose dos platôs vertebrais. Estes últimos são alterações
mais, quando este equilíbrio é rompido. Os resultados dessa reativas do corpo vertebral para manter o equilíbrio da unida-
sobrecarga geram uma instabilidade. de anatomofuncional.
Considerando que a unidade anatomofuncional da coluna Geralmente, os osteófitos não têm repercussões clínicas, a
lombar é uma alavanca de 1º grau, regida pela 1ª lei de Newton, não ser quando invadem o buraco de conjugação e fazem pres-
se entende o porquê daquela instabilidade, quando não revertida, são sobre os nervos. Antigamente, se atribuía o rompimento
leva a um equilíbrio instável. O desequilíbrio mecânico resultante do referido equilíbrio, exclusivamente, ao trabalho físico pesado
dessa instabilidade afeta o conjunto e se manifesta por degenera- com sobrecarga mecânica, como sendo o principal fator de ris-
ção, desalinhamento das facetas articulares, distensão, afrouxa- co da degeneração discal (Quadro 56.11) (Diagrama 56.1).
mento da cápsula articular e subluxação33-35 (Figura 56.23).
Em consequência, o disco degenerado avança alguns milí-
metros para trás, e essa mobilidade cria um estresse anormal
no conjunto, gerando um ciclo vicioso de forças excessivas e Quadro 56.11 Fatores de risco.
anormais sobre a tríade articular. O resultado final desse fenô-
meno é a modificação na geometria espacial da coluna lombar, Preditores para o desenvolvimento e progressão da degeneração
com reflexos negativos, sobre o volume do canal raquídeo e discal
sobre as estruturas nervosas e os seus vasa nervorum..28,29,35-40
„„ Falta de exercícios e/ou da prática de esportes
As lombalgias, ciatalgias e ciáticas mecânico-degenerati- „„ Obesidade
vas, embora semelhantes entre si quanto à sua fisiopatologia,
„„ Trabalho noturno
apresentam diferenças, às vezes substanciais na sua exteriori-
„„ Existência anterior de uma herniação discal e o grau de sua extensão
zação clínica. Daí, enumerá-las é essencial para melhor aproxi-
mação do diagnóstico etiológico. Ei-las: „„ Vibrações externas

„„ Disartroses (“lombalgia idiopática” ou lombalgia discal


banal) „„ SOBRECARGA MECÂNICA, ENVELHECIMENTO
„„ Protrusões discais focais E HEREDITARIEDADE
„„ Protrusões discais difusas simétricas Entrementes, alguns estudos clássicos realizados em gê-
„„ Protrusões discais difusas assimétricas meos monozigóticos sugerem que a sobrecarga mecânica
„„ Osteoartrose zigoapofisária decorrente da ocupação ou de atividades esportivas intensas
desempenharia um papel menos importante que posturas de-
„„ Espondilolisteses e pseudoespondilolisteses (degene-
correntes de ficar em pé e de atividades da vida diária.
rativas)

Figura 56.13 Radiografias do pulmão do paciente da Figura 56.12, com lesão apical à direita. E exsudato perceptível na tomografia com-
putadorizada.

724 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 56
Fisiopatologia do desequilíbrio mecânico, instabilidade da unidade
anatomofuncional e insuficiência das propriedades de amortecimento do disco.

Imobilização e inibição
do movimento

Dor
Alterações de sinais
em nível celular

Remodelação da
matriz ***

Diminuição da
amplitude do
movimento e
aumento da Limitação do movimento
rigidez vertebral

Uso e desuso
Insuficiência das
propriedades de
amortecimento
Cicatrização incompleta do disco

Osteoartrite da
articulação Dor
zigoapofisária

Hipertrofia do ligamento
amarelo

Alterações **Alteração de sinais


degenerativas em nível celular alterados

Estreitamento central
do canal ósseo

Diagrama 56.1 Algoritmo da degeneração discal.17


**Alteração de sinais em nível celular: alteração do fluxo de líquidos, desgaste das células, nutrição inadequada, acúmulo de resíduos e perda da celularidade.
***Remodelamento da matriz: alteração na expressão genética, na atividade enzimática, na composição química e na estrutura.

Introdução, Etiopatogenia e Generalidades sobre Doenças da Coluna Lombar 725


No entanto, Nachemson demonstrou, experimentalmente, O núcleo gera um estresse
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

a importância da pressão sobre o disco intervertebral e as suas radial contra o anel fibroso
consequências sobre a coluna vertebral (Figura 56.14). e as placas terminais
Atualmente, recentes pesquisas mostram que a heredi-
tariedade teria um papel relevante nos mecanismos que le-
variam à degeneração discal. Desde 1998 foram descobertos
vários genes associados ao processo de degeneração discal. O
que parece mais lógico, no caso, é a interação da hereditarie-
dade com os aspectos ambientais e ocupacionais.
Os mecanismos íntimos do referido processo [degenera-
ção discal] onde há sobrecarga mecânica das estruturas, seria
na realidade uma resposta aberrante (anômala) mediada por
células, consequente à falência estrutural progressiva. As lamelas do anel geram
Embora não se possam afastar as hipóteses discutidas nos um estresse cicunferêncial
últimos parágrafos, não é fácil distinguir se a degeneração
discal é um processo fisiológico natural decorrente do enve-
Figura 56.15 Distribuição de forças depois de um estresse cir-
lhecimento e/ou uma remodelação tecidual de adaptação às cunferencial.43
alterações biomecânicas provocadas pelos fatores de risco já
mencionados. Estudos mais recentes admitem as duas hipóte-
ses, como se verá nas páginas seguintes.
Para se entender como isto acontece, há que se saber que
o disco intervertebral é uma almofada de tecido fibrocartilagi-
noso, que se comporta como uma prensa hidráulica. Esta tem
como função amortecer as forças de compressão axial inciden-
tes sobre as vértebras, como se constata na Figura 56.14 de
Nachemson e, ao mesmo tempo, permitir algum movimento
aos componentes da unidade anatomofuncional, toda vez que
se realiza um movimento de flexão ou de extensão.
As forças de compressão axial atuando sobre o núcleo pul-
poso geram um estresse radial fazendo com que as lamelas do
anel gerem um estresse circunferencial que é transmitido ao anel
fibroso e às placas terminais do corpo vertebral (Figura 56.15).
Portanto, não há como descartar que uma carga maior ou
menor incida sobre o disco, quando tais movimentos são rea-
lizados, dependendo do seu número e da sua intensidade. É
óbvio que se as forças de compressão forem de grande intensi-
dade e isso acontecer ao longo de muito tempo, haverá reper-
cussão sobre sua estrutura e funcionamento. Este raciocínio
nos permite deduzir o porquê da maior prevalência destas
doenças na idade adulta, podendo, porém, ocorrer em pessoas Figura 56.16 Disco intervertebral normal com anel fibroso e nú-
jovens (Figuras 56.21 e 56.22). cleo pulposo.

%
instabilidade da unidade anatomofuncional %

500
450 Nachemson
400
Desequilíbrio mecânico e

Presente estudo
350
300
250
200
150
100
50
Figura 56.14 Pressão intradiscal
0 nas diversas posturas do corpo
humano, nas diferentes posições.
Adaptado de Nachemson.41,42

726 Tratado Brasileiro de Reumatologia


O disco como amortecedor Figura 56.17, em que o consumo de oxigênio de pacientes com

„„ CAPÍTULO 56
dor lombar foi menor do que em controles normais.
Este amortecedor [disco] se compõe de tecido fibroso [o
Essa deficiência no transporte, ao limitar a densidade e
anel fibroso] e de um núcleo pulposo. Existe uma distribuição
a atividade metabólica das células faz com que a recupera-
de forças depois de um estresse circunferencial.43 O primeiro
ção decorrente de injúrias metabólicas e mecânicas se torne
[anel fibroso] é constituído de colágeno tipo I que circunda o
mais difícil.
segundo [núcleo pulposo], que é um material gelatinoso cons-
tituído de proteoglicanos, com grande quantidade de água, Desta forma, a permeabilidade e o transporte de metábo-
que permeia uma trama de fibras de elastina e colágeno tipo litos diminui com o crescimento e o envelhecimento e aumen-
II. O componente aquoso varia com a idade. Quanto menor ta ainda mais na presença da degeneração e posterior dano
a idade maior é o seu conteúdo de água, quanto maior ela é, à placa terminal (endplate). Esta é a principal diferença entre
menor o seu conteúdo. Em sendo menor, a sua altura diminui, envelhecimento e a degeneração.44
afetando o equilíbrio de forças da unidade anatomofuncional Pode-se, então, resumir o mecanismo da degeneração do
e desencadeando o processo patológico. disco como sendo o resultado de uma sobrecarga excessiva
que rompe as suas estruturas [do disco], desencadeando uma
resposta mediada pelas células que o compõem, fato este que
„„ FISIOPATOGENIA EM NÍVEL MOLECULAR E tem como consequência a sua ruptura.
TRANSPORTE DE METABÓLITOS NO DISCO Além do transporte metabólico alterado, a idade, a sobre-
INTERVERTEBRAL carga mecânica decorrente das atividades do dia a dia, dos trau-
mas maiores ou menores e a hereditariedade, todos eles em
Transporte de metabólitos
conjunto ou separadamente, diminuem a resistência de suas
O que faz a diferença entre os discos dos jovens e os discos estruturas e, posteriormente, levam à falência funcional.45
de adultos e idosos é o transporte intracelular de metabólitos. Por outro lado, além de fatores mecânicos, envelhecimento
A difusão – importante para moléculas pequenas –, e aumento e hereditariedade, alterações vasculares da aorta (ateroscle-
de fluxo para grandes moléculas, está prejudicada neste últi- rose) têm sido associadas à discopatia degenerativa crônica,
mo [aumento de fluxo], devido a menor quantidade de vasos principalmente quando esta se acompanha de ciática.
sanguíneos nas lamelas mais externas do anel fibroso dos Embora os componentes biomecânicos acima citados
adultos e idosos, fato este que diminui a tensão de oxigênio no sejam importantes na fisiopatologia do processo patológi-
núcleo pulposo. Isto leva a um metabolismo anaeróbico devi- co, fatores outros, genéticos, constitucionais, ambientais,
do ao aumento do ácido lático, fazendo com que haja uma que- hormonais e doenças sistêmicas, possivelmente contribuem
da do pH tissular em razão do aumento de íons de hidrogênio. para a degeneração do referido disco intervertebral.46 Nas
A elevação destes íons de hidrogênio (H2) causa irritação das décadas de 1970, 1980 e 1990 se acreditava que a degenera-
terminações nervosas da parte externa do anel fibroso, dando ção discal era meramente um processo degenerativo e que a
início ao processo doloroso. dor seria decorrente da ação mecânica sobre as terminações
No gráfico da Figura 56.17 observa-se que a diminuição da nervosas existentes na periferia do anel fibroso, da mesma
tensão de O2 no tecido discal aumenta o seu pH, o que favorece forma que hérnia de disco causaria a dor radicular, como
a degeneração do disco e consequentemente a dor lombar. resultado da compressão mecânica pelo tecido herniado.
Relação do pico máximo de consumo de oxigênio segundo Na realidade, tanto no primeiro caso quanto na hérnia de dis-
normas nacionais (EEUU). co, a dor seria uma etapa final de um ciclo de eventos anor-
A queda do pH e a diminuição da tensão do oxigênio no mais, entre os quais, além da referida sobrecarga mecânica,
núcleo pulposo, acima referidas, estão demonstradas na atuariam também a hereditariedade, os mediadores da infla-

41 40.6+
–8 Relação do pico máximo de consumo de oxigênio segundo normas nacionais

40
Grupo com Grupo
39
dor lombar controle
VO2 (mL/kg/min)

38
Média de consumo de oxigênio, mL/kg/minuto 35,8+
–8 40.6+
–8
37

35,8+– 8 Classificação do percentil 50% 75%


36

35
Categoria Satisfatório Bom
34

33

Controles Dor lombar


Dados normativos (4.394 mulheres) provenientes do Cooper Institute, Dallas, TX.20

Figura 56.17 A queda do pH e a diminuição da tensão do oxigênio no núcleo pulposo está demonstrada. Adaptada de Hoch.43

Introdução, Etiopatogenia e Generalidades sobre Doenças da Coluna Lombar 727


mação e o transporte de nutrientes e dos metabólitos que, ao Antes do advento da Ressonância Magnética esta diminui-
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

levar à esclerose das placas terminais através de nociceptores, ção era parâmetro e achado radiológico mais específico para
seriam os fatores determinantes da dor, como se constata na detectar a degeneração do anel fibroso. Atualmente, outros
Figura 56.18. achados refletem com mais detalhes estas alterações como se
Além dos fatores de risco mencionados na Figura 56.18, o verá a seguir.
aumento da espessura das camadas média e íntima, da artéria A degeneração do disco – discopatia degenerativa crônica
carótida devido à aterosclerose seria também um fator coadju- é a denominação mais correta –, antes tinha outras sinonímias
vante. As medidas da referida espessura feitas por ultrassom como disartrose, espondilose, espondiloartrose, cuja fisiopa-
de alta resolução mostraram que existia uma correlação deste tologia foi explicada na página anterior, e talvez esta seja a
aumento [espessura] com a dor lombar irradiada para o mem- principal doença da coluna lombar.
bro inferior (ciática). Embora a artéria carótida não irrigue as
A sobrecarga exercida sobre a estrutura discal, decorrente
estruturas da coluna lombar, este aumento pode existir também
de forças externas maiores ou menores, alteram o equilíbrio
em artérias do segmento lombar e constituir um fator de risco
compartilhado com o desenvolvimento da referida ciática.48 mecânico da unidade anatomofuncional, causando microtrau-
mas. Como consequência, há imobilização desse segmento,
prejudicando destarte a função estabilizadora dos músculos
Discopatia degenerativa crônica – evolução paravertebrais e abdominais. O descontrole desta atividade
A espondilose deformante, a osteocondrose, a osteoartro- estabilizadora é um fator apenas coadjuvante na patogênese
se (atualmente osteoartrite) e outras denominações similares do processo patológico.49
são estágios evolutivos da discopatia degenerativa crônica que O desequilíbrio e o descontrole inicial afetam a eficiência
comprometem, essencialmente, o anel fibroso e as apófises do biomecânica da unidade anatomofuncional – corpo vertebral,
corpo vertebral, de onde, anterior e lateralmente, emergem ligamentos, disco e zigoapofisárias. A instabilidade deste con-
osteófitos marginais, os vulgarmente chamados “bicos de pa- junto é ponto de partida de tal desequilíbrio mecânico, onde se
pagaio”. Nestas condições, a altura do disco é normal ou dimi- inicia o fenômeno doloroso. Se o desequilíbrio não for rever-
nuída nas radiografias convencionais. tido logo no seu começo, a discopatia degenerativa crônica se

Sobrecarga
mecânica

Dano Capilares do platô


na matriz Esclerose do platô
estresse
s
eptore
Nocic
Citocina
Nociceptores

Fissuras
Lactato
Matriz
degradação
se
Oxigênio tea
Nutrientes Pro

orte Núcleo
sp
Tran
Es

Esclerose do platô
tre

Capilares do platô
ses

Sobrecarga
mecânica

Figura 56.18 A degeneração do disco intervertebral tem como fatores de risco idade, sobrecarga mecânica na unidade anatomofuncional
e fatores genéticos. As células do disco intervertebral sofrem a ação da pressão mecânica, da carência de nutrientes (vermelho). Em decor-
rência disso, elas secretam lactato, com aumento dos íons H2, citocinas inflamatórias e proteases (verde). A matriz danificada leva à esclero-
se das placas terminais, sensibiliza os nociceptores, causando dor resultante do estresse tecidual e liberação de mediadores inflamatórios,
e exacerba os efeitos nocivos da sobrecarga mecânica e diminuem o transporte de metabólitos e nutrientes (marrom).47

728 Tratado Brasileiro de Reumatologia


instala, com consequências danosas sobre a eficácia da referi- 3. A cartilagem articular que reveste o platô vertebral, por

„„ CAPÍTULO 56
da eficiência biomecânica.50 não possuir internamente nenhum material fluido, e a
intensidade das referidas forças de pressão que ocorrem
normalmente dentro dela (cartilagem articular) estão au-
As etapas evolutivas do desequilíbrio mecânico mentadas como resultado da maior sobrecarga mecânica.
A ação do estresse mecânico tem uma evolução diferente A consequência é a progressão do dano estrutural e o apa-
no disco do jovem, no do idoso e no disco degenerado. São três recimento e/ou a intensificação da dor. Na Figura 56.21
as fases: pode-se ver o disco de uma pessoa jovem com o anel fi-
broso degenerado. Isto é factível, como se constata na res-
1. O disco intervertebral, na sua região central chamada de sonância magnética da Figura 56.24 nos espaços L2-L3 e
núcleo pulposo, que ao conter um tecido gelatinoso com L3-L4 de um jovem de 18 anos com degeneração discal em
uma concentração de água maior ou menor conforme a dois níveis, e hérnia discal.
idade, comporta-se como se fosse um colchão de água se-
melhante a uma prensa hidráulica. Com o envelhecimento, Observar que os discos degenerados têm uma região cen-
este núcleo encolhe, e a pressão intradiscal diminui. Na tral descomprimida e altas concentrações de estresse atuando
Figura 56.19, corte médio sagital de um disco de adulto jo- sobre os arredores do anel fibroso (Figura 56.22).
vem não degenerado com núcleo pulposo hidratado e sem
redução de sua altura. Por outro lado, além do processo álgico, a síntese dos compo-
nentes da sua matriz é prejudicada, estimulando a produção de
2. Normalmente, as forças de compressão axial exercidas sobre
enzimas que a degradam ainda mais. Com a lesão do tecido con-
o disco intervertebral se concentram na periferia do anel fi-
droide se inicia um ciclo vicioso de estresse anormal sobre ela,
broso e variam de acordo com a idade, postura e os movimen-
tos fisiológicos da coluna vertebral. Nos discos degenerados metabolismo anormal, enfraquecimento e posterior lesão ana-
de pessoas idosas como se constata em corte médio sagital tômica, que tem como resultado final a degeneração do disco.9,51
da Figura 56.20. A pressão normalmente exercida é maior e Outra explicação para os casos de dor originária do disco,
se intensifica ainda mais quando há uma maior sobrecarga em fases iniciais, sem compressão radicular, é que os media-
mecânica e/ou maior dano tecidual. dores mecânicos e químicos resultantes do processo dege-
nerativo irritam as terminações nervosas sensitivas (fibras
nociceptivas) localizadas no anel fibroso, causando dor, com
características que os pacientes não sabem descrever com
exatidão.
Posteriormente, com a progressão do processo degenera-
tivo, ao afetar a cinemática e a transmissão de pressão mecâni-
ca sobre a mobilidade da unidade anatomofuncional, estimula
também as fibras nociceptivas das facetas das articulações zi-
goapofisárias, causando dor.52
As razões destes acontecimentos fisiopatológicos decor-
rem da aplicação da 1ª lei de Newton: “um corpo que, estando
em estado de equilíbrio estável, quando ligeiramente desloca-

Figura 56.19

Figura 56.20 Figura 56.21

Introdução, Etiopatogenia e Generalidades sobre Doenças da Coluna Lombar 729


do, tende a voltar para a sua posição original de equilíbrio. Se O trabalho físico pesado com excessiva sobrecarga mecâ-
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

o deslocamento tende a aumentar, diz-se que o corpo está em nica e outras situações que elevam a pressão intradiscal são
equilíbrio instável” (Figura 56.23). Quando o equilíbrio instá- tidos como o principal fator de risco da degeneração discal
vel for contínuo e os fenômenos patológicos forem permanen- (Figura 56.21). Ademais, a obesidade, as malformações congê-
tes, a doença se instala. nitas do segmento lombar, os vícios posturais, a aterosclerose
O resultado destas alterações patológicas, com o tem- e o tabagismo também podem ser considerados fatores secun-
po e dependendo de sua intensidade, causam desidratação, dários associados.
fissuras e rupturas do disco intervertebral, acima mencio- A interação entre si dos diversos fatores foi demonstrada
nadas. por estudos clássicos realizados em gêmeos monozigóticos
Outros aspectos anatomorradiológicos da degeneração que “sugerem”, e, portanto, não afirmam, que a sobrecarga
discal são a fibrose, a redução do espaço intervertebral, os mecânica decorrente da ocupação (trabalho) ou de atividades
abaulamentos, os osteófitos e a esclerose dos platôs verte- esportivas desempenha um papel menor do que posturas de
brais. pé e atividades da vida diária.

Figura 56.22 Degeneração dos discos L1-L2 e L3-L4 e hérnia discal em L4-L5.

70 a
100 kg

Absorção de choques, Fulcro (Art. zigoapofisária)


cápsula de contenção

Suporte de peso Função de movimento

Tríade articular: alavanca de 1o grau


1a lei de Newton

Figura 56.23 Unidade anatomofuncional (tríade articular).

730 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ PARTICIPAÇÃO DOS FATORES GENÉTICOS

„„ CAPÍTULO 56
Também, como foi referido, as recentes pesquisas mostram
que a hereditariedade tem um papel importante na degenera-
ção discal, uma vez que, desde 1998, foram descobertos vários
genes a ela associados. Além do desgaste provocado pela sobre-
carga mecânica associada ao desenvolvimento da degeneração
discal, na última década outros fatores etiológicos adicionais
devem existir para explicar o porquê de, em determinados ca-
sos, não existir degeneração discal por inteiro na coluna lombar
(em todos os discos), deixando indenes o disco subjacente, in-
cidindo logo abaixo, poupando o que vem depois, e assim por
diante. Na terminologia inglesa seria o skipped level, ou níveis
não consecutivos de degeneração discal.
Para explicar as razões deste fato, pesquisas futuras são
A B
necessárias para trazer uma luz sobre o avanço de uma das
causas de morbidade e incapacidade mais prevalentes no
mundo de hoje.26,27 Figura 56.25 Sequência sagital (A); sequência axial (B) mostran-
Outro aspecto relevante é que a degeneração discal não é do canal estreito constitucional em trevo e diminuição acentuada
do diâmetro sagital (vermelho).
prerrogativa de idosos, podendo ocorrer em pessoas jovens e
adultos com menos de 30 anos. Geralmente, estas pessoas têm Apresentação clínica inicial
estreitamento congênito do canal ósseo, e são longilíneas. Nes-
te grupo populacional existe um subconjunto de pacientes que Lombalgia idiopática (lombalgia discal banal)
apresentam uma dor lombar severa e sintomas de compres- É a forma mais comum de dor lombar. Esta condição pode
são radicular. Muitos destes referidos pacientes apresentam ser muito dolorosa. A maioria dos adultos, pelo menos uma
na ressonância magnética discopatia degenerativa avançada vez na vida, sentirá esse tipo de dor. Geralmente, ela se limita
para a idade, hérnias centrais protrusas, pedículos curtos e à região lombar e às nádegas, raramente se irradiando para
estreitamento central das três últimas vértebras do segmento as coxas. Aparece, às vezes, sem nenhum aviso, pela manhã.
lombar.28 O paciente acorda com a dor e ao levantar-se percebe que sua
Nas Figuras 56.24 e 56.25, um paciente de 18 anos com coluna lombar “saiu do prumo” (escoliose antálgica). Outras
lombociatalgia severa, pode-se notar uma discopatia avançada vezes, se manifesta após movimentos bruscos da coluna ou de
em L1- L2, L3-L4 e discreta em L4-L5 com uma hérnia discal situações de estresse físico ou emocional.
neste nível. Em S1 nota-se canal em trevo com diâmetro sagital Ao exame físico, observa-se uma limitação dos movimen-
reduzido (9 mm). tos da coluna em todos os planos, espasmo dos músculos para-
vertebrais e, às vezes, escoliose lombar.

Figura 56.24 Discopatia avançada em L1- L2, L3-L4 e, discreta em L4-L5 com uma hérnia discal (seta).

Introdução, Etiopatogenia e Generalidades sobre Doenças da Coluna Lombar 731


A presença ou não de alterações radiológicas não guarda 3. Exame físico pobre.
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

proporcionalidade com os sintomas. O episódio doloroso tem 4. Ausência de dor radicular e anormalidades neurológicas.
duração média de 3 a 4 dias. Após esse tempo o paciente vol-
ta à completa normalidade, com ou sem tratamento, como se Mesmo não havendo consenso geral a respeito dos cri-
nunca tivesse acontecido nada. térios radiológicos para o diagnóstico de fratura vertebral, a
Em alguns pacientes, as crises se repetem, e, quando os fato- presença desta, principalmente na tomografia axial computa-
res precipitantes persistem, podem evoluir para a cronicidade. dorizada, é um indício importante de que a dor lombar é de
origem osteoporótica, mormente se associada aos critérios
Controvérsias clínicos supracitados. Embora este tema conste em outro ca-
pítulo deste livro, é bom lembrar que a fragilidade esqueléti-
Osteoporose ca não é, estritamente, sinônimo de perda de massa óssea.57
O simples fato de se encontrar osteoporose através da den- Logo o seu simples achado não quer dizer que a osteoporose
sitometria óssea ou por qualquer outro método, não siginifica dela decorrente seja a causa da dor lombar (Frost, Clinic. Or-
que a dor lombar seja proveniente da diminuição da massa óssea. tho 1985). Convém lembrar que se deve sempre investigar as
Para que a osteoporose seja considerada responsável pela lom- causas secundárias de osteoporose, como mieloma múltiplo,
balgia, são necessários os seguintes critérios:56 metástases tumorais e outras (Quadros 56.12 e 56.13).
A partir da página seguinte, mostramos através dos algorit-
1. Dor óssea severa, localizada, associada a espasmo muscular. mos, como direcionar o raciocínio clínico para se chegar ao diag-
2. Cifose progressiva assintomática. nóstico etiológico das lombalgias, lombociatalgias e ciáticas.

Quadro 56.12 Diagnóstico diferencial I.*

Disrtúrbios
Estado geral Relação com Dor matinal
Claudicação psicológicos Distúrbios Pontos
ruim, febre, flexão/ artrite
neurogênica sem relação com esfincterianos dolorosos
emagrecimento extensão periférica *
movimentos

Espondiloartropatias – ++ – – – ++++ –
*+
Estreitamento artrósico – +++ ++ – – – –
do canal
Síndromes sensitivas – + – +++ – – ++++
centrais
Hérnia de disco extrusa – ++++ – – + – –
c/ sequestração
Espondilodiscites +++ +++ – – – ++ –
Metástases tumorais ++++ ++ – – – ++ –
Lombalgia – – – ++++ – – –
psicossomática
Protrusão discal difusa – +++ + – – – –
simétrica
* Avaliação subjetiva de alguns parâmetros clínicos quantificados de um mínimo (+) para um máximo de (++++); e (–) ausentes.

Quadro 56.13 Diagnóstico diferencial II.*

Ciatalgia com Dor lombar Dor lombar + hemossedimenta- Dor lombar arreflexia,
Ciática/ciatalgia sinal Lasègue + ciatalgia + ção + hipergama + fosfatase distúrbios esfincterianos,
de Lasègue positivo
negativo osteoporose alcalina ou ácida alterações liquóricas

Hérnia discal +++ + _ _ Com exceção da última


Estenose lateral do _ + +++ _ _
canal
Metástases tumorais + +++ +++ +++ +
Mieloma múltiplo _ _ + + _
Tumores + + + + +++
intramedulares
* Avaliação subjetiva de alguns parâmetros clínicos e laboratoriais quantificados de um mínimo (+) para um máximo de (++++); e (–) ausentes.

732 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 56
A – Lombalgias em pacientes com idade menor de 30 anos de idade

Somente pedir radiografia para lombalgias que persistem por mais de 30 dias. Nas lombalgias com
duração de até 7 dias as radiografias inicialmente não são necessárias

Ritmo inflamatório (ver Quadro C)

Ritmo mecânico

Radiografia simples/em posição ortostática* (de preferência para incidência AP, usar chapa de frente com chassi
de 1.20 m x 40 preferencialmente, ou 38 x 45 ou 30 x 40 + perfil + oblíquas)

Quando história e exame físico forem “positivos”. Quando


forem negativos, os achados abaixo não têm valor

Em radiografias com alterações o diagnóstico pode ser:

(+) (+)

 Com poucas (osteófitos marginais)  Desigualdade de comprimento de MM II*


ou sem alterações (membros inferiores)
 Lombalgia discal banal  Sacralização**
 Lombalgia idiopática  Lumbarização**
 Nódulos de Schmorl**
 Escoliose idiopática
 Atitude escoliótica (escoliose antágica)
 Espondilólise**
 Espondilolistese
 Mega-apófise de L5**
 “Spina bifida” oculta**

Quando história e exame físico forem “negativos”

E, radiogafias não mostrarem alterações

Lombalgia de causa psicossocial devido a:


Somatização
Simulações
Conflitos familiares
Histeria
Ansiedade
Hipocondria

* Pedir que o exame feito seja com o paciente em pé, com os pés em rotação interna, joelhos em extensão total e tubo de rX a 1,80 m do paciente.
** Tais achados podem ser uma mera coincidência e não estarem necessariamente relacionados com a causa da lombalgia referida. Só devem ser valorizados em condições específicas.

Introdução, Etiopatogenia e Generalidades sobre Doenças da Coluna Lombar 733


„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

B – Lombalgia
De ritmo mecânico acima de 30 anos de idade

Radiografia
convencional

1 2

Discartrose (osteofitose marginal


+ redução dos espaços intervertebrais) Radiografia com osteoporose, e com
sem osteoporose ou sem discartrose

Pedir

Mieloma múltiplo
Tumores metastáticos
Hipótese
Doenças consumptivas • Densitometria
• Cintilografia
• Cálcio, fósforo Osteoporose
• Fosfatase alcalina peri e pós-
menopausa
Biópsia de medula óssea
Hipóteses
Proteína de Bance-Jones

Pedir
• Radiografia de crânio
Se além da osteoporose e
• Radiografia de arcada
dor lombar existir:
costal
Se alteradas • Eletroforese de proteínas Pedir • Anemia
séricas • Queda do estado geral
• Velocidade de • Emagrecimento
hemossedimentação • Anorexia

734 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 56
C - Lombalgias, ritmo inflamatório, com ou sem febre, em qualquer idade

Pedir Radiografia simples de coluna lombar


Radiografia das articulações sacroilíacas
(incidências de Ferguson)

Ressonância
Se normais
magnética

Se o resultado for Pensar em

Redução dos espaços discais Espondilodiscites, Espondilite Anquilosante (EA), espondiloartropatias

Erosão nos planaltos vertebrais Espondilodiscites, espondilite anquilosante

Osteoporose localizada Carcinoma metastático, linfomas

Osteoporose vertebral generalizada Mieloma múltiplo

Esclerose reacional das vértebras Espondilodiscites, osteartrose

Ângulos brilhantes Espondilite anquilosante

Vértebra quadrada Espondilite anquilosante

Sindesmófitos gigantes Espondilite anquilosante, psoríase, doença de Reiter

Vértebra em “marfim” Câncer metastático, doença de Paget

Destruição dos pedículos Câncer mestastático

Calcificação dos discos Ocronose

Angulação de vértebras, abscessos frios Tuberculose vertebral

D – Lombalgia + ciatalgia e/ou ciática de ritmo mecânico acima de 30 anos

Radiografia Alterações discretas ou exuberantes


simples

Dependendo do quadro clínico ou se o


tratamento foi ineficaz

Pedir
Protusão discal difusa simétrica/protrusão discal
Extrusão discal/sequestração discal
Estreitamento anteéroposterior do canal/
estreitamento dos recessos laterais Se alteradas, Tomografia axial computadorizada
Tumores intramedulares/malformação de raízes com medição de diâmetro sagital
Artrose zigoapofisária/espessamento do ligamento amarelo área do canal ósseo e
Metástases tumorais/mieloma, tumores primários Possibilidades profundidade dos recessos laterais

Obs.: a ressonância magnética é indicada quando a tomografia computadorizada não for conclusiva ou quando há forte suspeita de hérnias discais e/ou de afecção de estruturas moles
vertebrais.

Introdução, Etiopatogenia e Generalidades sobre Doenças da Coluna Lombar 735


„„ TRATAMENTO GENERALIDADES em 1985, apenas oito poderiam ser considerados padrão-ouro
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

sobre estes procedimentos.59 Os restantes 649, não se sabe


Os médicos se diferenciam no diagnóstico que serventia deveriam ter. No mínimo, deveriam ir para um
e se igualam na terapêutica. arquivo morto.
Miguel Couto
A inexistência de provas de caráter científico sobre a efi-
Para os médicos, o sucesso do tratamento depende do cácia de determinado método não significa, no entanto, que o
diagnóstico correto, mas só isto não resolve se o médico não mesmo não possua efeitos e deva ser proscrito.16
souber exercitar a “arte da cura”. É bom admitir que ainda existe muita coisa empírica em
Neste terreno árido e cheio de controvérsias, onde todos medicina, principalmente, quando não se conhece a história na-
os profissionais envolvidos dizem ter bons resultados, mas tural da doença, como é o caso de alguns tipos de dor lombar.
que, paradoxalmente, muitos doentes não melhoram1 é pri- Por isso, nem muito liberais, nem radicais em demasia, se-
mordial ter em mente os seguintes aspectos: ria a melhor conduta.

a) Procurar, de início, manter uma boa relação médico-pa-


ciente, principalmente nos casos crônicos. „„ REPOUSO
b) Combater a ansiedade do paciente: gerada pela possibili- O resultado é eficaz tanto nas lombalgias como nas lombo-
dade de ficar incapacitado – com explicações otimistas so- ciatalgias e ciáticas.
bre o seu diagnóstico e a evolução de sua doença. Jamais O repouso em decúbito supino, principalmente quando
desenhar quadros sombrios. feito de uma forma que permita uma flexão das pernas de 90o
Nos casos graves, mesmo sem incutir-lhe falsas esperan- com as coxas e um mesmo ângulo destas com a bacia (p. ex.,
ças, também não é necessário lhe dar uma sentença condena- colocando uma banqueta de 50 cm de altura sob as pernas,
tória. A nossa cultura latina ainda não chegou a tanto de aceitar praticamente anula a pressão exercida pela gravidade sobre
coisas do tipo “você ficará inválido”, “não tem mais recurso” ou os discos intervertebrais e outras estruturas da coluna lombar.
ainda, “você viverá apenas 6 meses”. Essas expressões talvez se Considerando que as elevações da pressão intradiscal são
adequem mais para os povos de ascendência anglo-saxônica. agravadas por uma flexão do tronco, que por menor que essa
Por diferenças étnicas e culturais, estes povos aceitam com seja provoca um aumento dos “momentos” de força sobre os
mais resignação a doença e a morte. braços de alavanca – já referida quando se discutiu a fisiopato-
Alguns preceitos devem ser obedecidos. Para se obter logia da dor lombar. É possível deduzir que a diminuição desta
bons resultados terapêuticos, cabe ao médico se diferenciar pressão durante o repouso em decúbito supino, e principal-
também na arte da terapêutica. Apesar da axiomática frase do mente naquele da Figura 56.21 anule as forças vetoriais inci-
grande Miguel Couto, acima citada, ele mesmo assim advertiu: dentes sobre o braço de alavanca, diminuindo os “momentos”
de força e alivie o estresse sobre as estruturas vertebrais.
Cuidado! Pela simples leitura de uma receita se julga a cultura Várias pesquisas têm mostrado a sua eficácia. Não pode ser
de seu autor. prolongado, pois a inatividade tem também a sua ação deleté-
Entrementes, são oportunas, aqui também, as regras de ria sobre o aparelho locomotor.
Loeb:58 No caso da lombalgia discal banal ou também chamada de
“lombalgia idiopática”, o repouso é o tratamento mais eficien-
1. Não faça ao paciente aquilo que não gostaria que fizessem te, não necessitando, na maioria das vezes, de qualquer outro
com você. tipo de intervenção terapêutica (somente em circunstâncias
2. Se o que você está fazendo é útil e eficaz, continue a fazê-lo. de dor intensa está indicado o uso de analgésicos e/ou anti-
Não seja um terapeuta nervoso. -inflamatórios).
3. Se o que você está fazendo não surtiu efeito, saiba abando-
ná-lo no momento oportuno. (Diríamos: não seja um tera- Quantos dias de repouso?
peuta teimoso). Este deve ser, em média, de 3 a 4 dias, e, no máximo de 5
4. Se não souber o que deve ser feito, nada faça. Muitas doenças a 6 dias.16,27 Não pode ser prolongado, pois a inatividade tem
iatrogênicas são provocadas pelo médico que usa fármacos também a sua ação deletéria sobre o aparelho locomotor.
poderosos, apenas com o propósito de fazer alguma coisa. Nas lombociatalgias por hérnias discais deve ser de 7 a
15 dias; nas hérnias extrusas e com sequestração prolonga-se
Então, o melhor nestes casos é seguir o aforismo de Hipó- o repouso por até 20 dias.
crates: primo non noscere. Ou seja, o melhor é não fazer nada.
Nesses casos, para evitar atrofias e uma possível osteo-
Neste contexto, surge uma questão importante na aborda- porose por desuso, adotamos uma flexibilização: o repouso
gem terapêutica da dor lombar: antes de se propor qualquer absoluto severo é relaxado (permite-se ao doente banhos de
medida ou procedimento, é bom levar em conta se a sua eficá- chuveiro, higiene pessoal etc.), quando o quadro doloroso
cia foi comprovada através de estudos prospectivos, randomi- começa a ceder e quando os sinais objetivos (Lasègue e sinal
zados e controlados. Não fazendo isto, às vezes, os pacientes de Cecin) começam a se negativar. Nesta fase, exercícios iso-
são submetidos a verdadeiros “placebos”. métricos para quadríceps são prescritos em 4 séries de 10,
Embora muitos estudos sobre as várias modalidades de 3 vezes ao dia.
tratamento tenham sido publicados nos últimos anos, a sua Uma questão relevante tem sido levantada nos últimos
qualidade metodológica, entretanto, é pobre. Em uma pesqui- tempos sobre o tratamento conservador da hérnia de disco: a
sa feita por Bloch, em 1987, de 757 artigos sobre a eficácia dos hérnia regride ou não? Voltaria o núcleo pulposo ao seu sítio
tratamentos da dor lombar, extraídos do Medline e publicados original?

736 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Um interessante trabalho de Komori, a respeito do assun- para a dexametasona nas apresentações de fosfato e acetato;

„„ CAPÍTULO 56
to, utilizando scans de RM, com uma média de 150 dias de in- que deve ser usada a cada 3 dias, nos 15 primeiros dias, por
tervalo do início do tratamento conservador mostrou que há via intramuscular; às vezes, e dependendo da evolução clínica,
uma reconstituição dos discos que tiveram uma ruptura mais para fins de desmame, continuamos com pequenas doses de
acentuada. Nos discos em que houve sequestração e migração, prednisona/prednisolona nas duas semanas subsequentes.
os restos de material discal foram totalmente reabsorvidos. Nas formas hiperálgidas de hérnias discais com sequestra-
Estes achados poderiam ser explicados por um gradiente ção, ou hérnias mergulhantes em grande comprometimento
negativo de pressão dentro do disco, em decorrência do decú- neurológico, está indicada a sedação, com opiáceos, tipo me-
bito supino proposto, havendo tal fato, também, uma relação peridina, tendo-se o cuidado de não prolongar o uso destes e
com o suprimento vascular da parte herniada.60 sempre se deve estar atento a seus efeitos colaterais. Nestes
Nas lombalgias crônicas este tipo de procedimento (o re- casos, é obrigatória a internação hospitalar.
pouso) é prejudicial, devendo-se estimular que o paciente faça O corticosteroide, por via epidural, é de ação discutível.
exatamente o contrário: exercício. Em recente revisão, Nachemson (1992) diz que a sua eficácia
é baixa. Como é um método que não é isento de riscos, deve
ser reservado para os casos de indicação cirúrgica, como uma
„„ MEDICAMENTOS tentativa de evitá-la. Recentemente, Spaccarelli, ao fazer
Na dor lombar aguda, a eficácia de analgésicos (parace- uma análise sobre este procedimento, validou sua indicação
tamol) e anti-inflamatórios não hormonais (AINH), inclusive para as ciáticas, cujos tratamentos de curto e médio prazos
os recentes inibidores da COX2 (talvez até mais por sua ação (duas semanas a três meses) não foram satisfatórios. Essa opi-
analgésica), está comprovada. Os primeiros devem ser usados nião é compartilhada por Borenstein.
na dose de 500 mg a cada 4 horas. Aquele analgésico tem um A nossa experiência, confrontada com a de outros autores,
efeito sinérgico com os (AINH).16-61 tem mostrado ser a epidural eficaz naquelas ciáticas, de longa
Na nossa experiência, o diclofenaco potássico por via intra- duração, incapacitantes, porém com reflexos osteotendíneos
muscular tem dado bons resultados, quando a dor é intensa. diminuídos, mas ainda presentes.16,27,63,64
Não usamos relaxantes musculares (carisoprodol, ciclo- Nesses casos, quando todas as tentativas falharem, a cirur-
benzaprina ou diazepam), pois, aqui, não existem evidências gia é uma opção a ser levada em conta. É preciso advertir, no
de sua eficácia. O seu uso é limitado a alguns casos seleciona- entanto, que esta necessidade acontece em menos de 5% dos
dos, com espasmo muscular evidente, com o que concorda a pacientes, e os resultados não são sempre brilhantes, a não ser
literatura.62 em casos bem selecionados. Em curto prazo, nesses pacientes,
Os corticosteroides têm a sua inquestionável valia nas lom- pode haver alívio da dor e quase sempre há; porém, em médio
bociatalgias e ciáticas por hérnias discais. Damos preferência e longo prazos, os resultados podem ser desastrosos, princi-
palmente se houver fibrose pós-operatória.

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738 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 56
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Introdução, Etiopatogenia e Generalidades sobre Doenças da Coluna Lombar 739


57

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin

Diagnóstico Clínico das Discopatias Degenerativas Crônicas,


da Osteoartrite das Articulações Zigoapofisárias e Outras
Condições Patológicas Associadas
„„ LOMBALGIA MECÂNICA COMUM: (escoliose antálgica). Outras vezes, manifesta-se após movi-
MANIFESTAÇÃO INICIAL DA DEGENERAÇÃO mentos bruscos da coluna, principalmente os de flexão, ou em
DISCAL situações de estresse físico ou emocional. A presença ou não
de alterações de imagem (Radiografias Simples e Tomogra-
Introdução fia Computadorizada) não guarda proporcionalidade com os
sintomas. De rotina, estes exames são desnecessários. Como
A lombalgia mecânica comum, antes denominada erronea- relatado, nos primeiros surtos podem aparecer pequenas alte-
mente de lombalgia inespecífica ou idiopática, muito conheci- rações de sinal na RM, que por sua vez podem ocorrer também
da nos países anglófonos como low back pain, é a forma inicial em pessoas assintomáticas. O episódio doloroso tem duração
apresentação mais comum de dor lombar e a mais prevalente média de 3 a 4 dias. Após esse tempo, o paciente volta à com-
das doenças de base mecânico-degenerativa. Esta condição, pleta normalidade, com ou sem tratamento. O diagnóstico da
às vezes, pode ser muito dolorosa. Muitas vezes a dor passa lombalgia mecânica comum e de outras doenças discais é emi-
com analgésicos comuns. A maioria dos adultos, pelo menos nentemente clínico, porque podem existir grandes hérnias nos
uma vez na vida, terá este tipo de dor lombar. Um desequilí- exames de RM sem que as pessoas sintam qualquer tipo de
brio mecânico, decorrente dos mais variados fatores, precipita dor (Figura 57.2). Portanto, deve-se valorizar o exame clínico
esta condição dolorosa, principalmente fatores que afetam o e não as imagens.
equilíbrio mecânico da 1a Lei de Newton (Figura 57.1). Nesta Em alguns casos ela tem caráter recidivante, principal-
ocasião surgem as primeiras fissuras nas lamelas mais inter- mente se fatores de risco não forem afastados e medidas pre-
nas do anel fibroso e quando se inicia a desidratação do núcleo ventivas não forem tomadas. Em alguns pacientes, as crises se
pulposo. Hoje em dia, fissuras e desidratação são os precursores da repetem, e quando os fatores precipitantes persistem, ela pode
degeneração do disco intervertebral e são perceptíveis na res- evoluir para a cronicidade, ou seja, para uma discopatia dege-
sonância magnética, por meio de pequenas alterações de sinal nerativa crônica, que tem outras denominações na literatura.
nas sequências T2. Essas alterações são as causas da dor.1
Embora a lombar mecânica comum aguda seja causada
por uma degeneração discal em fase inicial, ela pode evoluir 70 a
para uma dor lombar crônica. Nesta fase [crônica] várias ou- 100 kg
tras estruturas têm sido incriminadas como possíveis fontes
de lombalgia mecânica, como o ligamento longitudinal pos-
terior, a raiz dorsal de gânglios, a dura, as fibras anulares, os Absorção de Fulcro (Art. zigoapofisária)
músculos da coluna lombar e da faceta articular, como se verá choques, cápsula
nas páginas seguintes.1,2 de contenção

Quadro clínico Suporte de peso Função de movimento


Em geral, a dor se limita à região lombar e às nádegas, Tríade articular: alavanca de 1º grau
raramente se irradiando para as coxas. Aparece, às vezes, su- 1a Lei de Newton
bitamente, pela manhã. O paciente já acorda com a dor e, ao
levantar-se, percebe que sua coluna lombar “saiu do prumo” Figura 57.1 Unidade anatomofuncional da coluna lombar.

741
De acordo com a literatura, como descrito nos Capítulos 57
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

e 58 sobre a degeneração do disco e do canal estreito artrósi-


co, inúmeras outras condições e circunstâncias contribuiriam
para o desencadeamento e/ou a cronificação das síndromes
dolorosas lombares mecânicas e degenerativas, entre as quais
doenças das zigoapofisárias e das estruturas adjacentes como
ligamentos e estruturas nervosas, além de hábitos posturais
(incluindo trabalhos geradores de sobrecarga na unidade ana-
tomofuncional), veja no Quadro 57.1.

Figura 57.2 Imagens de RM da coluna lombar ponderadas em Quadro 57.1 Diferentes condições que contribuem para a
T2 nos planos sagital e axial, demonstrando degeneração discal síndrome da dor lombar decorrente de alterações biome-
em L5-S1 associada a volumosa hérnia (seta) no recesso lateral cânicas.
esquerdo, sem sintomas.
„„ Obesidade

„„ Realização de trabalhos mais ou menos pesados e o sedentarismo


„„ DOENÇAS DAS ARTICULAÇÕES
„„ Síndromes psíquicas depressivas
ZIGOAPOFISÁRIAS E ESTRUTURAS ADJACENTES
„„ Litígios e demandas trabalhistas
Etiopatogenia
„„ Fatores genéticos e antropológicos
Além do desequilíbrio que afeta a eficiência biomecânica „„ Alterações climáticas representadas, sobretudo por modificações de
da unidade anatomofuncional (UAF) (Figura 57.3) devido a pressão atmosférica
inúmeros outros fatores (Quadro 57.1) que dão início ao fe-
nômeno doloroso decorrente do comprometimento destas „„ Insatisfação no trabalho
articulações diartrodiais, não se sabe até hoje se o processo „„ Hábito de fumar
patológico degenerativo começa no disco intervertebral, nes-
tas junturas, no complexo disco ligamentar, ou em todos ao Outra consequência do desequilíbrio mecânico, embora
mesmo tempo. apenas fator coadjuvante, é o descontrole da atividade estabi-
Antigamente as doenças da articulação zigoapofisária eram lizadora dos músculos paraespinhais e abdominais.3
conhecidas como síndrome facetária, pois não se sabia que tal
articulação era diartrodial com membrana sinovial e cápsula Fisiopatologia
articular e, portanto, passível de ser afetada por diversas etio- A degeneração do disco e das articulações zigoapofisárias
logias infecciosas, degenerativas, inflamatórias5 (como nas es- decorre do uso do wear and tear (uso e abuso) da unidade
pondiloartrites) e até autoimunes. Como causa de dor crônica a anatomofuncional. Uma instabilidade inicial pequena promo-
sua prevalência é de 15 a 45% nos pacientes com dor na coluna ve também pequenas lesões que nestas fases iniciais são in-
lombar baixa. Identificar as articulações zigoapofisária como dolores. Com o tempo e a idade elas progidem, aumentando e
uma fonte de uma síndrome de dor é sempre um desafio clínico tornando permanente a instabilidade da unidade anatomofun-
para o médico. Estudo utilizando o FDG-PET detectou focos de cional. E agora as lesões podem se tornar dolorosas, que por
hipermetabolismo em numerosas doenças inflamatórias e in- sua vez encorajam a hipomobilidade e o desuso.
fecciosas. No entanto, a atividade FDG intenso na artropatia fa- Isto altera sinais em nível celular, o fluxo de líquidos, a le-
ceta articular não tenha sido relatadas na literatura. FDG-PET/ são de células, a nutrição defeituosa, o acúmulo de resíduos e a
TC pode ser capaz de desempenhar um papel na avaliação de perda de celularidade. Este ciclo evolui para uma remodelagem
menor dor nas costas de tal prática clínica.2 da matriz que por sua vez altera a atividade enzimática, a sua
composição e estrutura, reduzindo, desta forma, os movimen-
tos, causando uma rigidez das estruturas, que por sua vez leva
a uma sobrecarga mecânica. Um novo ciclo patológico se ins-
tala causando desidratação, rupturas de fibras do anel fibroso,
70 a hérnias, abaulamentos e artrose (artrite) das zigoapofisárias.
100 kg
Este processo se estende ou é simultâneo nas articulações
zigoapofisárias, que são potenciais geradoras de sintomas em
razão de sua grande mobilidade, pois cabe a elas as funções
Absorção de Fulcro de flexão, extensão e inclinação lateral da coluna lombar. Tam-
choques, cápsula (Art. zigoapofisária) bém, da mesma forma como acontece no disco intervertebral,
de contenção sobre elas [zigoapofisárias] incidem consideráveis forças de
compressão axial, as quais, durante estes movimentos as for-
Suporte de peso Função de movimento ças são transmitidas aos outros constituintes – cápsula, osso
subcondral e membrana sinovial. Estas estruturas, quando
Tríade articular: alavanca de 1º grau
sofrem uma degeneração, eventualmente um processo infla-
1a Lei de Newton matório aí se instala, por isso, atualmente, o termo mais corre-
to é osteoartrite4 do que osteoartrose. Estas estruturas acima
Figura 57.3 Unidade anatomofuncional da coluna vertebral mencionadas, por serem ricamente inervadas, são uma fonte
(adaptada de Kapandji, modificada por Cecin H.A.). potencial de dor lombar.

742 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 57
Movimentos associados a maior angulação intervertebral e lesão
das facetas articulares lombares
Nível da faceta Movimento associado à Maior deformação
articular angulação intervertebral (tensão sobre as
máxima estruturas)
L1-L2 Lateralização da coluna Lateralização da coluna
lombar para a direita lombar para a direita
L2-L3 Lateralização da coluna Lateralização da coluna
lombar para a esquerda lombar para a direita
L3-L4 Lateralização da coluna Lateralização da coluna
lombar para a direita lombar para a direita
L4-L5 Flexão para a frente Flexão para a frente
L5-S1 Extensão Flexão para a frente

Movimento associado a angulação intervertebral mais lar-


ga e tensão sobre a articulação zigoapofisária. Figura 57.4 TC de coluna lombar com cortes axiais no nível de L5
e de S1, demonstrando estreitamento de recesso lateral do canal
A proliferação óssea destas articulações pode eventual- vertebral por artrose zigoapofisária.
mente levar à estenose foraminal, comprimindo o buraco de
conjugação, que além da dor lombar pode causar uma ciatalgia
ou até mesmo ciática.4 „„ CORRELAÇÃO ENTRE AS ALTERAÇÕES
As articulações zigoapofisárias provêm a parte posterior da ANATÔMICAS E OS ACHADOS DE IMAGEM
unidade anatomofuncional de um mecanismo auxiliar de sus-
tentação, que estabiliza os movimentos do segmento lombar du- As lesões osteocartilaginosas do platô superior do corpo ver-
rante a flexão e a extensão, limitando também a sua rotação axial. tebral (ou face intervertebral), das facetas articulares da articu-
A cápsula articular, o osso subcondral e a membrana sino- lações zigoapofisárias associadas às lesões cápsulo-ligamentares
vial, por terem uma rica inervação, quando lesados pelo proces- levam à ruptura da cartilagem articular e do osso subcondral. Tais
so degenerativo, são uma fonte dor lombar, cujas manifestações lesões são, na maioria das vezes, superficiais, porém com o tem-
clínicas constituem um desafio no diagnóstico diferencial das po promovem uma neoformação óssea das facetas, aumentado a
diversas doenças deste segmento lombar. Os osteófitos, as sua superfície, cuja consequência é a diminuição da área dos re-
erosões, a diminuição da fenda articular e a esclerose subcon- cessos laterais por onde passam as raízes nervosas. Não se sabe,
dral detectadas por imagem (principalmente pela radiografia exatamente, onde tem início este processo patológico, se na face
convencional e TAC) resultam da degeneração da cartilagem intervertebral superior do corpo vertebral ou nos componentes
articular, devido à orientação sagital desta juntura e da disco- da articulação zigoapofisária, ou em ambos ao mesmo tempo.
patia degenerativa crônica, que a precede ou lhe é simultânea. As modificações reacionais da medula óssea, adjacentes ao
Atualmente, há consenso de que tais alterações podem levar a disco, consistem em substituição da medula hematopoiética
processo inflamatório que pode ser comprovado por RM e cin- por tecido fibroso vascularizado. Essas modificações, à resso-
tilografia por PET.5 nância magnética (RM), poderão ser caracterizadas por hipos-
Outro fato que confirma a presença de processo inflamatório sinal em T1, hipersinal em T2 e realce na fase pós-contraste,
nas articulações zigoapofisárias e, por consequência, dor lom- indicando edema ao nível do osso subcondral (Modic tipo I).
bar crônica são as altas concentrações de óxido nítrico na região Com a evolução do processo haverá uma regressão do qua-
facetária, quando comparada com controles sadios. O processo dro inflamatório e substituição da medula hematopoiética por
degenerativo da articulação seria a causa deste aumento. Este medula amarela (gordurosa), que, na ressonância magnética,
achado de altas concentrações de óxido nítrico na região peri- será identificada por um aumento do sinal em T1, um ligeiro
facetária explica o porquê da boa resposta às infiltrações com aumento em T2 e ausência de realce (Modic tipo II).
corticoides e anestésicos, sugerindo indiretamente que estes Na fase tardia deste processo, ter-se-á um predomínio de
pacientes teriam um processo inflamatório mais acentuado. Isto esclerose óssea (tecido fibrótico e neoformação óssea), que
corrobora os resultados citados no parágrafo anterior.6 será caracterizada por aumento da densidade nas radiogra-
Da mesma forma que o alto teor de óxido nítrico acima fias convencionais e na tomografia computadorizada (TC) e
citado existe por outro lado altos níveis de citocinas inflama- por áreas de hipossinal em T1 e T2, sem realce na ressonância
tórias no tecido das facetas articulares degeneradas e o grau magnética (Modic tipo III). Esses achados podem, também, ser
de concentração das citocinas é ainda maior no estreitamento observados nas articulações zigoapofisárias.
artrósico do canal raquidiano (Figura 57.4) do que na hérnia
discal, o que sugere haver alguma relação entre tais citocinas e Epidemiologia
a dor nas doenças degenerativas da coluna lombar.7
Convém lembrar que tais alterações de imagem nas radio- Estudos epidemiológicos mostram que 90% das pessoas
grafias e na TAC nem sempre, mas na maioria das vezes, po- com mais de 65 anos, ou até menos, têm alterações patológicas
dem não ser acompanhadas de manifestações clínicas e serem nas zigoapofisárias em todos os níveis, independentemente
apenas achados radiológicos, o que não acontece com aqueles de quadro clínico. De fato, os escores de severidade do quadro
detectados na RM e no PET. radiográfico estiveram associados à presença de dor lombar

Diagnóstico Clínico das Discopatias Degenerativas Crônicas, da Osteoartrite... 743


crônica, assim como a severidade da patologia discal, com fa-
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

tor de risco duas vezes maior de ter dor lombar crônica. Além das doenças específicas já citadas, outras condi-
Entretanto, a severidade radiológica dos discos e articulações ções patológicas podem causar dor lombar, a saber, no qua-
dro abaixo:
zigoapofisárias não tinha associação à severidade da dor naque-
les pacientes com dor lombar crônica, conhecida como “Dor Lom-
bar Crônica Idiopática” (DLCI) nos povos de fala inglesa.* Apesar
disso, não significa que a presença de alterações radiográficas te-
nham, ainda, grande utilidade para fins diagnósticos. Apenas dão
informações adicionais a respeito de idosos com DLCI em amos- Outras doenças ou condições que podem causar
tras de pacientes quando comparados com controles sem DLCI.8 desequilíbrio mecânico
Outras causas de lombalgias mecânico-degenerativas
Observação: em outro local deste capítulo demonstramos „„ Encurtamento de membros (> 1,5 cm)
que são conhecidas mais de 150 causas de dor lombar, o que
„„ Alterações do ângulo lombossacro: hiperlordose
torna inadequado o termo “idiopática”.
„„ Distensão muscular e/ou ligamentar
„„ Alterações do ângulo lombossacral
„„ QUADRO CLÍNICO „„ Atopia da primeira vértebra sacra
Características da dor „„ Escolioses discretas/moderadas
„„ Degeneração com espessamento do ligamento amarelo
A dor originária das articulações zigoapofisárias mais altas
„„ Instabilidade vertebral: anterolisteses e retrolisteses
se estendem até os flancos, ao quadril e ao aspecto lateral su-
„„ Espondilólise
perior das coxas, enquanto a dor originária das zigoapofisárias
„„ Espondilolisteses
inferiores (L2-L3 e L3-L4) podem penetrar de forma mais pro-
„„ Artrose zigoapofísea
funda nos aspectos mais lateral e/ou posteriormente. Nas face-
„„ Hérnia de disco
tas das junturas L4-L5 e L5-S1, a irradiação da dor se dá na face
„„ Discopatia degenerativa crônica
lateral das pernas e em algumas situações chega até os pés.
„„ Canal estreito artrósico com ou sem claudicação
Quando pacientes têm cistos sinoviais, osteofitos e hiper-
„„ Neurogênica intermitente
trofia das facetas articulares podem estar presentes sintomas
„„ Megapófise transversa (síndrome de Bartoletti)
de compressão radicular que se associam de dor referida com
„„ Fraturas traumáticas
padrão escleratomérico.
„„ Fraturas patológicas (devido a câncer primário e/ou metastático,
O processo álgico é gerado mais provavelmente da cápsula mieloma múltiplo)
articular e menos da cartilagem e membrana sinovial quan- „„ Escolioses e cifoses graves
do os discos são comprometidos de T2 a L2 a irradiação se dá
para as regiões especificadas na Figura 57.11.
„„ MERALGIA PARESTÉSICA
Anamnese
1. Dor matinal protocinética que piora com a flexão/hiperex- A meralgia parestésica é uma síndrome dolorosa, com di-
tensão. sestesia, sentida na região anterolateral de uma ou ambas as
2. Melhora da dor com os primeiros movimentos do dia. coxas devido a compressão do nervo femurocutâneo ao passar
pela espinha ilíaca anterior superior. Um dos primeiros relatos
3. Irradiação para as regiões, como consta na Figura 57.10.
foi de Roth, que assim a denominou, porque meros em grego
Exame físico significa coxa e algos quer dizer dor.
1. Rigidez vertebral matinal de curta duração. Uma de suas causas é a utilização de cintas abdominais
largas e apertadas, cintos de militares, coletes apertados e
3. Pressão dolorosa nos processos espinhosos.
obesidade causando uma neuropatia do ramo lateral do ner-
4. Não há exacerbação da dor com a tosse e/ou o espirro. vo femurocutâneo. Muitas vezes, este diagnóstico pode passar
5. Manobras semióticas de compressão radicular negativas. despercebido e confundido com dor lombar mecânico-dege-
nerativa (discartrose ou artrose zigoapofisária). Outras causas
Achados de imagem9
são: distúrbios posturais, traumatismos na bacia, útero em re-
1. Interlinha articular normal de 2 a 4 mm. troversão, processos inflamatórios pélvicos, diabetes e neurite
2. Redução do espaço articular, pequenos osteófitos e discre- pós-rádio ou quimioterapia.10-11
ta hipertrofia dos processos articulares.
3. Moderada hipertertrofia dos processos articulares com es- Aspectos médico-legais e ocupacionais
clerose, estreitamento da fenda articular, erosões do osso
subarticular, formação moderada de osteófitos. Convém enfatizar que tanto as doenças degenerativas do
4. Redução acentuada do espaço articular, acentuada forma- disco (discoptias degenerativas), quanto das articulações apo-
ção de osteófitos, severa hipertrofia articular, erosões ós- fisárias e outras condições patológicas que acometem a coluna
seas subarticulares e cistos subcondrais acentuados. lombar, principalmente na idade adulta, só são valorizáveis
por suas manifestações clínicas. Os achados de imagem, mes-
* Idiopática, antepositivo do grego idi; próprio, peculiar + pathos; mo os mais severos, não têm significado maior se não houver o
doença, sofrimento. Em medicina, afecção que não é decorrente de respectivo quadro clínico, visto que os achados de imagem são
outra, que tem origem espontânea, que existe por si só.

744 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 57
Figura 57.5 Canal estreito constitucional em trevo e com diâmetro sagital diminuído.

Figura 57.6 TC de coluna lombar no nível de L3 e L4, com estreitamento constitucional do canal vertebral (redução do diâmetro sagital)
por pedículos curtos. Associa-se abaulamento discal.

Diagnóstico Clínico das Discopatias Degenerativas Crônicas, da Osteoartrite... 745


„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

Figura 57.7 Recesso lateral (leito da raiz nervosa).

Anterior Posterior

Figura 57.10 Regiões de dor referida na artrose zigoapofisária.


A dor originária das articulações zigoapofisárias é referida na re-
gião lombar baixa (mais escura) e nas regiões das nádegas. Nas
áreas mais claras (flancos e pés e face anterior das coxas). Os ní-
veis das facetas articulares comprometidas se dão nesta ordem:
dor lombar baixa (L5–S1, L4–L5, L3–L4); nádegas (L5–S1, L4–L5,
L3–L4); face lateral da coxa (L5–S1, L4–L5, L3–L4); face posterior
da coxa (L5–S1, L4–L5, L3–L4); grande trocânter (L5–S1, L4–L5,
L3–L4, L2–L3); região escrotal (L5–S1, L4–L5, L3–L4, L2–L3, L1–
L2); face anterior da coxa (L5–S1, L4–L5, L3–L4); face lateral infe-
rior da perna (L5–S1, L4–L5, L3–L4); região lombar alta (L3–L4,
L2–L3, L1–L2); flanco (L1–L2, L2–L3); pé (L5–S1, L4–L511).

Figura 57.8 Cisto sinovial e discopatia em L4 e L5.

T3 T3
T2 T2
T5 T4 T5
T4
T7 T6 T6 T7
T8
T9
T10 T10 T9
T11
T12 T12 T11
L1
L2 L1
L2

Figura 57.9 Imagem axial de RM da coluna lombar ponderada em Figura 57.11 Distribuição da dor que origina dos ligamentos inter-
T1, com cistos sinoviais de conteúdo hiperproteico/hemático em espinhais de T2 a L2. Adaptada de Keligren JH.
ambas as articulações interfacetárias, determinando compressão
do saco dural.

746 Tratado Brasileiro de Reumatologia


alterações como espondilolistese e espondilólise. Tais anoma-

„„ CAPÍTULO 57
2
lias têm relação com o ângulo lombossacro aberto; podem pre-
A 3 dispor e estar associadas a alterações mecânico-degenerativas
Cutâneo
no complexo disco vertebral imediatamente acima. A espinha
femoral lateral 4 bífida oculta está presente em 32 a 94% dos casos de espon-
dilólise ístmica (Weisel). O melhor método de detecção é a ra-
5
diografia convencional.
As principais anomalias congênitas são:
Espinha ilíaca
ântero-superior

Espinha bífida oculta


Ramo Ligamento
posterior inguinal Mega-apófise transversa
Lumbarização e sacralização
Atopia da 1a vértebra sacra
Ramo
(B)
anterior Espondilólise e espondilolistese por lise e prolongamento (elongation)
Hiperlordose lombar por alteração do ângulo lombossacro
Pedículo vertebral curto
B
Acondroplasia
Distensão muscular e/ou ligamentar
Encurtamento de membros (> 1,5 mm)
Atopia da primeira vértebra sacra
Escolioses discretas/moderadas
Espondilólise
Pés planos, valgos e cavos
Megapófise transversa (síndrome de Bartoletti)

Doenças sem a participação inicial do fator mecânico


Estudo recente mostra que, especificamente, a espinha bí-
Figura 57.12 Meralgia parestésica. Anatomia e distribuição fida oculta na maioria das vezes está associada à espondilólise
sensitiva do nervo cutâneo femoral lateral (NCFL). (A) O NCFL é e espondilolistese e, estas, com a alteração do ângulo lombos-
formado pelas raízes posteriores de L2 e L3. O nervo continua me- sacro (ALS), existindo uma probabilidade de que a cada um au-
dialmente à espinha ilíaca anterossuperior e sob a porção inferior mento de 1º grau de ALS, uma elevação de 6% na prevalência
do ligamento inguinal. O nervo emerge da pelve e se divide em da espinha bífida oculta.12
dois ramos: anterior e posterior. (B) O nervo é inteiramente sensi- A valorização destes achados de imagem deve ser feita
tivo e inerva a face lateral da coxa. com cautela e por exclusão de quadro clínico de outras condi-
ções patológicas que não a espinha bífida oculta.

frequentemente usados em questões trabalhistas como parâ- Síndrome de Bartoletti


metros e provas no diagnóstico. Esses achados de imagem são A síndrome de Bartoletti é uma anomalia congênita da coluna
apenas elementos adicionais e sua utilidade para fins diagnós- vertebral, em que a transição lombossacra é caracterizada pela
ticos é discutível quando se compara grupos com e sem sinto- presença de uma mega-apófise transversa em um dos lados ou
mas de dor lombar. Mais de 90% da população adulta acima
em ambos. A vértebra de transição tem características de L5 ou
de 65 anos apresenta algum tipo de alteração radiológica in-
S1. Geralmente, a mega-apófise se articula com o sacro ou com o
dependente de sintomatologia, embora alguns escores possam
osso ilíaco. Esta condição pode estar presente em pessoas assin-
estar associados à severidade dos achados radiológicos.8
tomáticas, mas deve ser considerada no diagnóstico diferencial
da dor lombar em pessoas com 20 ou mais anos de idade.
„„ ANOMALIAS CONGÊNITAS DA TRANSIÇÃO Esta anomalia, com a idade, promove uma sobrecarga sobre as
LOMBOSSACRA COMO CAUSAS estruturas da região, principalmente nas articulações zigoapofisá-
PREDISPONENTES rias e o disco intervertebral, diminuindo a altura deste disco en-
tre o sacro e a vértebra de transição. Em alguns casos pode haver
As anomalias congênitas da transição lombossacra são re- compressão radicular homolateral, provocando uma lombociatal-
lativamente frequentes nos achados de imagem – radiografias gia e/ou ciática intensa e resistente ao tratamento convencional.
e TAC – porém não têm, na maioria dos casos, relevância clí- De todas as anomalias de transição citadas, esta é a que
nica. São mais comuns em mulheres do que em homens, e em tem maior repercussão clínica. Isto acontece porque a fusão
brancos do que em negros. A sua presença predispõe a outras da mega-apófise com o sacro predispõe o disco imediatamente

Diagnóstico Clínico das Discopatias Degenerativas Crônicas, da Osteoartrite... 747


acima a ser mais suscetível à pressão dos momentos de força Na sacralização há um aumento da referida prevalência
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

que incidem normalmente sobre a coluna vertebral e causar no disco acima da transição da transição L5 e uma diminuição
rupturas, hérnias e abaulamentos. no disco imediatamente abaixo. Uma mega-apófise transver-
Para determinar o nível de tais hérnias e abaulamentos é sa maior no sentido transversal ou longitudinal existe maior
preciso saber que existem variações caudais e craniais na co- degeneração discal tanto na forma quanto na altura do disco
luna vertebral. Assim, se o segmento lombar, contando a partir L4-L5.
da última costela, tiver 4 vértebras, diz-se que há uma lumba- Isto se dá em consequência da fusão total ou parcial do
rização de S1 e, quando tiver 5, diz-se que há uma sacralização processo transverso ao sacro. A dor pode ser aliviada por infil-
de L5. A prevalência não é infrequente. tração com corticoides e/ou tratamento cirúrgico. Não há evi-
Estudo feito com RM em 138 trabalhadores de meia-idade e dências de que haja uma relação entre dor lombar e vértebras
25 jovens sadios mostrou uma prevalência na vértebra de tran- de transição sem que haja mega-apófise transversa.
sição, com megaprocesso transverso em 30% das pessoas estu- A Radiografia convencional, nas incidências AP, perfil e
dadas. Tal vértebra provoca alterações degenerativas no disco oblíquas é o melhor método de imagem para a detecção da
imediatamente acima, com aumento da prevalência de hérnias e mega-apófise transversa. O exame deve ser feito com o pacien-
abaulamentos, e que pode também, lentamente, causar as mes- te na posição ortostática em pé. Nos casos em que há suspeita
mas alterações no disco imediatamente abaixo. A maioria dos de compressão radicular ou estenose do canal, a ressonância
estudos mostra que pacientes com VT, especialmente assimé- magnética é o método de eleição.
trica, podem ter dor lombar e ciatalgia/ciática em consequência Na falha do tratamento clínico com AINHs, reabilitação fí-
da maior prevalência de hérnias e abaulamentos por compres- sica e infiltração, o tratamento cirúrgico está indicado.14 Ob-
são de raiz nervosa ou de irritação química.13 serve, nas figuras 57.14 e 57.15 as diversas formas de VT.

Figura 57.13 Dor lombar 10 anos. Radiografias em AP e perfil da coluna lombar com áreas escleróticas definidas nos corpos vertebrais de
L2 e L5, bem como nos elementos posteriores direitos deste último nível. TC com reformatação coronal e no plano axial de L5-S1, demons-
trando formação expansiva (seta) definida, esclerótica e heterogênea, junto à zigoapofisária direita de L5-S1, determinando remodelamen-
to ósseo e redução do canal vertebral estreito. Associa-se enostose no pedículo direito e no corpo vertebral de L5.

Figura 57.14 Síndrome de Bartoletti.

748 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 57
0

Figura 57.15 Classificação da vértebra de transição lombossacra: 0 = processo transverso fino; 1 = processo transverso largo; 2 = articula-
ção entre o processo transverso e o sacro, mais fina; 3 = articulação entre o processo transverso e o sacro, mais larga.

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Diagnóstico Clínico das Discopatias Degenerativas Crônicas, da Osteoartrite... 749


58

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin

Estreitamento do Canal Raquidiano (Canal Estreito)


O estreitamento do canal raquidiano é uma das mais preva- Embora o diâmetro sagital seja um dos parâmetros utilizados
lentes doenças da coluna vertebral, principalmente em pessoas para a detecção desta entidade nosológica, pela facilidade na sua
com mais de 60 anos de idade. Existem dois tipos de estreita- determinação, ele não é o mais fiel, e sim, a área do canal ósseo,
mento: o congênito e o adquirido. O primeiro é devido a canais que é o parâmetro mais fiel de estreitamento do canal raqui-
raquidianos constitucionalmente mais estreitos, em consequência diano.5-10 A medição da referida área do canal ósseo, apesar da
de distúrbios de crescimento do arco neural,1 e o segundo é cau- facilidade na sua execução e de sua precisão como instrumento
sado por doenças degenerativas da coluna lombar. diagnóstico, não é feita como rotina nos exames de imagem, prin-
As primeiras descrições sobre canal estreito datam do sé- cipalmente, na tomografia axial computadorizada, que é o méto-
culo passado quando Verbiest1-3 e, mais tarde, Epstein apud do de excelência.5
Deburge4 suspeitavam de uma possível causa embriológica O estreitamento pode se dar não apenas no canal ósseo,
para tal distúrbio, uma reserva de capacidade menor no ca- mas também em vários lugares, como nos recessos laterais que
nal ósseo raquidiano que Cecin, em 1993,5 chamou de reserva se situam abaixo das articulações zigoapofisárias, ou mais la-
anatomofuncional ao fazer a medição de áreas do canal ósseo teralmente nos buracos de conjugação (forâmens neurais). Tal
em pacientes sintomáticos (tanto crônicos, como agudos) com fato ocorre devido à hipertrofia destas junturas que invadem
dor lombar e em controles assintomáticos. os recessos laterais e forâmens neurais diminuindo a sua área,
Os estudos clássicos de Verbiest,2,3 citados anteriormen- comprimindo as raízes nervosas Figura 58.1. Além destas duas
te, já apontavam que o estreitamento do canal raquidiano era entidades, muitas outras causas adquiridas podem diminuir a
uma fonte de dor lombar e ciática. A dedução, propiciada pela área do canal ósseo e os recessos laterais (Figura 58.6).11 O
situação oposta de que canais mais largos protegeriam os indi- comprometimento das estruturas nervosas no estreitamento
víduos contra a dor, embora tenha sido objeto de conjecturas, do canal ósseo pode ser observado no Quadro 58.1.
foi demonstrada em 1993, por Cecin,5 como sendo a aludida
reserva anatomofuncional, aqui citada.
Antes disso, Malcom Jayson6,7 suspeitava que o canal raqui- Quadro 58.1 Causas de estreitamento central do canal adquirido.
diano normal tinha dependência de uma reserva, de tal forma que
qualquer estrutura, como prolapso ou osteófito, invadindo este „„ Hipertrofia das facetas das articulações zigoapofisárias em
consequência da osteoartrite – Hérnias discais
espaço, desloca mais do que lesa as raízes nervosas. Esse autor
„„ Sintomas de ciatalgia típica característica decorrente da
Jayson, em recente publicação,8 demonstrou que há uma relação
compressão de raízes nos recessos laterais
estatisticamente significante entre doença degenerativa discal
„„ Hipertrofia do ligamento amarelo que pode comprimir o saco dural
(com proliferação osteofitária e protrusão discal) e compressão
„„ Degeneração discal com abaulamentos simétricos e assimétricos
de veias epidurais, com dilatação das veias não comprimidas. „„ Sintomas típicos com início depois dos 60 anos de idade
Em estudo mais recente de 2009, em uma amostra de 191 „„ Espondilolisteses congênitas combinadas com as degenerativas
pacientes submetidos a TC foi constatado que 4,7% tinham es- „„ Sintoma de dor lombar sem irradiação
tenose relativa de canal (diâmetro sagital menor que 10 mm) e „„ Estreitamento iatrogênico pós-laminectoma pós-fusão (artrodese) –
2,6% a tinham absoluta (diâmetro sagital menor que 10 mm). geralmente ocorre em nível adjacente ou no mesmo nível operado
No que concerne à estenose adquirida relativa e absoluta, em „„ Estreitamento em decorrência de espondilólise associada à
pessoas mais jovens, à prevalência foi, respectivamente, 22,5 e espondilolistese
7,3%. Nas com menos de 40 anos de idade foi de 20 e 4%. Na „„ Sintomas de dor lombar em jovens após os 20 anos de idade
meia-idade, entre 60 e 70 anos, foi de 47,2 e 19,4%. Esta as- „„ Causas mais raras: acromegalia, doença de Paget, síndrome de
cendência tem relação com a maior prevalência das alterações Chusing, utilização de corticosteroides em doses altas e por tempo
degenerativas nesta faixa etária, o que contribui, também, para prolongado, cistos sinoviais, gordura epidural e congestão venosa
uma maior prevalência de sintomas dolorosos nesta referida „„ Estreitamento congênitos pedículos curtos, área diminuída do canal
população. Ela é duas vezes mais comum em homens do que ósseo, canal em trevo
„„ Lombalgia de início precoce entre os 20 e 40 anos de idade
em mulheres.

751
Em todas essas condições, o canal ósseo, por ter uma re- ligamento amarelo decorrente das flexões e extensões leva a um
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

serva anatomofuncional menor, facilita o contato entre as par- espessamento do ligamento amarelo. Estes fatores em conjun-
tes moles e o osso com as estruturas nervosas contíguas.5 to (os abaulamentos anteriores, a redução da altura do disco, a
formação de osteófitos posteriores nas zigoapofisárias e o es-
pessamento do ligamento amarelo) associam-se para diminuir
„„ FISIOPATOLOGIA DO ESTREITAMENTO DO a circunferência do canal espinhal e do espaço através do qual
CANAL transitam as estruturas neurais, cuja compressão resulta em
Como se constata no primeiro parágrafo deste capítulo, dor lombar com irradiação para as nádegas, claudicação neuro-
o estreitamento do canal espinhal pode ser classificado como gênica intermitente, que piora na deambulação ladeira abaixo,
congênito e adquirido. O primeiro é pouco prevalente e decor- melhora ao sentar-se e ao fazer a extensão da coluna lombar.
re de pedículos vertebrais curtos. O adquirido é secundário e Parestesias, peso nas pernas, alívio da dor ao sentar-se quando
concomitante com a degeneração discal comum nas pessoas em pé e história de tabagismo são outros elementos confirmató-
mais idosas. Como relatamos no capítulo específico sobre de- rios do diagnóstico, que em seguida será detalhado.12,13
generação discal, as modificações bioquímicas responsáveis
pela morte das células, diminuindo o conteúdo de proteogli- „„ PARA MELHORES RESULTADOS,
canas e água, promovem os abaulamentos difusos e/ou focais, RECOMENDAÇÕES EM RELAÇÃO
e redução de sua altura. Este processo faz com que haja uma AO DIAGNÓSTICO E TRATAMENTO
transferência de estresse mecânico no sentido anteroposterior
para as articulações zigoapofisárias, acelerando a degeneração Em pacientes idosos, três recomendações (pontos-chave)
da sua cartilagem (ela é uma articulação diartrodial), causan- fundamentais devem ser seguidas, para se ter uma maior acu-
do sua hipertrofia com formação de osteófitos, que diminuem rácia diagnóstica e, por consequência, melhor resultado tera-
a área de secção do forâmen de conjugação. O uso e desuso do pêutico:

Ligamento
amarelo L3

Hipertrofia degenerativa
L4
Disco das zigoapofisárias
intervertebral causando estreitamento
do forâmen no recesso
lateral

L5
Disco normal Degeneração do disco
intervertebral: redução de
sua altura e abaulamento
focal com invasão do
buraco de conjugação

Espessamento do
ligamento amarelo

Hipertrofia das
articulações
zigoapofisárias

Abaulamento
do disco

Estenose espinhal

Figura 58.1 Causas de estreitamento do canal raquidiano e dos recessos laterais.

752 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ Encontre e trate primeiro o que não é canal estreito. 0,30; valor preditivo positivo 1,0; valor preditivo negativo

„„ CAPÍTULO 58
„„ Defina o que é e trate dos efeitos do canal estreito. 0,97) o que a diferencia da claudicação vascular, que pio-
ra ladeira acima. Alguns pacientes podem apresentar dor
„„ Trate de um estreitamento presumido, sem que ainda
noturna. O mecanismo da dor noturna não está totalmente
tenha um diagnóstico definitivo.
esclarecido, admitindo-se a participação da isquemia radi-
Falhando estas três situações, um diagnóstico é uma im- cular ou do aumento da pressão do líquido cefalorraqui-
portante consideração antes de uma possível indicação de ci- diano que vai se acumulando durante o repouso noturno,
rurgia.14 por não fluir normalmente pela cauda equina, em decor-
rência das aderências da pia-aracnoide.
4. O sinal de Lasègue é negativo (o que o diferencia da hér-
„„ QUADRO CLÍNICO nia de disco) e a manobra de Romberg é positiva. O sinal
1. O quadro clínico é de dor lombar, às vezes noturna; ciatalgia de Lasègue é negativo, enquanto na hérnia discal pode ser
uni ou bilateral, às vezes intensa, que melhora ao sentar- positivo. A manobra de Romberg é positiva (sensibilidade
-se, (sensibilidade 0,65, especificidade 0,67, valor preditivo 0,39; especificidade 0,91; valor preditivo positivo 4,3; va-
positivo 2,0 e valor preditivo negativo 0,52), que melhora lor preditivo negativo 0,67).
ao sentar-se (sensibilidade 0,52; especificidade 0,83; valor 5. A hiperextensão da coluna lombar, durante 60 segundos,
preditivo positivo 3,1; valor preditivo negativo 0,58). Ela se desencadeia a dor.. Recomenda-se examinar o paciente
acompanha, geralmente, de dor na panturrilha e de claudi- depois de ele caminhar 60 segundos para se fazer, em se-
cação neurogênica intermitente (Figura 58.2). guida, a referida hiperextensão da coluna lombar. Deve-se
2. Muitas vezes a dor aparece simplesmente pelo fato de o afastar a osteoartrite de quadril e neuropatia periférica
paciente ficar de pé, mesmo poucos minutos, melhorando no diagnóstico diferencial.12 Os dois últimos achados,
ao sentar-se. São muito comuns o formigamento e a dor- além de dor intensa nos membros inferiores, ausência
mência. de dor ao sentar-se com a coluna fletida, marcha de base
larga e idade avançada são preditores significativos desta
3. A dor piora ao caminhar, principalmente ladeira abaixo e 15
síndrome.
melhora ladeira acima (sensibilidade 0,71; especificidade

Esquerdo Direito Esquerdo Direito

Dor lombar mecânica Compressão de raiz nervosa

Figura 58.2 Composição de mapas do corpo preenchidos por pacientes com dor lombar mecânica e com compressão da raiz nervosa.

Estreitamento do Canal Raquidiano (Canal Estreito) 753


„„ DIAGNÓSTICO
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

O diagnóstico de canal estreito deve ser feito com cautela, Diagnóstico diferencial entre estreitamento artrósico central e
porque quando isso não acontece podem ocorrer interven- foraminal.
ções cirúrgicas precipitadas, sem necessidade, principalmente 1. Ausência de claudicação neurogênica (central);
quando não existe uma correlação exata entre os achados clí-
2. A ciática é bilateral (central);
nicos e os de imagem.
3. Não melhora com o reposicionamento do corpo (central);
Às vezes, a ausência desta correlação possa ser explicada 4. Dor persiste com o repouso (central).
pelo fato de os estudos de imagem serem realizados com os
pacientes em decúbito supino, enquanto os sintomas de canal
estreito ocorrem com os mesmos pacientes quando estão em O simples fato de o paciente sentir dor nos membros infe-
pé ou deambulando. riores não significa que a causa seja decorrente de um canal
Nesta posição (de pé) o estreitamento pode se tornar me- estreito. Uma gama variada de condições pode ser responsável
nor devido a uma instabilidade segmentar, compressão por por estas dores.
tecidos moles, como cistos das articulações zigoapofisárias, Muitas outras condições que simulam um canal estreito
abaulamentos e hérnias discais, ligamento amarelo espessado, podem variar desde doenças mecânico-degenerativas, que
gordura epidural e congestão venosa. são altamente prevalentes, até neuropatias periféricas, espe-
cialmente, as diabéticas, doenças vasculares como aneuris-
mas de aorta e ilíacas, artrose zigoapofisária (Figura 58.5),
osteoartrose de quadril, bursites trocantéricas, de glúteos
Pontos-chave de estreitamento artrósico foraminal médios e dos isquotibiais, além de outras doenças já citadas
em outro local deste capítulo.15
1. Ciatalgia uni ou bilateral severa (p > 0,05), às vezes na coxa e perna,
posterolateral, com caráter dermatomérico;
2. Dor abaixo das nádegas; „„ TRATAMENTO
3. Dor abaixo dos joelhos;
O tratamento conservador consiste de analgésicos, AINH,
4. Dor que melhora ao sentar-se, caminhar e ficar de pé por tempo corticosteroides por via oral, infiltrações epidurais e reabili-
prolongado (p < 0,01);
tação multiprofissional, alteração do estilo de vida, antide-
5. A dor que melhora ao dobrar o corpo e andar de bicicleta;
pressivos quando necessários, tratamento da obesidade e
6. Dor e claudicação neurogênica que piora ladeira abaixo e melhora encorajamento para a prática de esportes adequados para a
ladeira acima;
terceira idade. A caminhada, de todos os exercícios aeróbicos,
7. Dormência; é a mais indicada.
8. Sensações de fraqueza e peso nos membros inferiores.
Psicoterapia e modificações ambientais podem ser úteis.
Os exercícios mais indicados, além da caminhada, são os de fle-
xão da coluna lombar, porque aumentam o diâmetro sagital e a
área do canal ósseo (se existir uma reserva anatomofuncional
Teste da esteira para diagnóstico de canal estreito. maior) e o fortalecimento muscular, aumento de flexibilidade
e coordenação muscular. A estas atividades os idosos respon-
1. Andar na horizontal até sentir dor;
dem muito bem. Nas fases mais agudas, o repouso relativo
2. Inclinar a esteira entre 5 e 7º, simulando uma subida;
pode ser uma opção, e os pacientes precisam tornar-se ativos
3. Na claudicação vascular a dor piora; o mais rapidamente possível.
4. Na claudicação neurogênica a dor melhora;
Este tratamento conservador é recomendado para pa-
5. Ou pelo menos é mais confortável que no plano horizontal. cientes com claudicação neurogênica discreta ou moderada.
Mesmo em pacientes com esta reserva anatomofuncional di-
A eletromiografia só tem indicação quando o estreitamen- minuída (Figuras 58.3 e 58.4)deve-se postergar ao máximo a
to de canal coexiste com diabetes mellitus e/ou neuropatia cirurgia, porque os resultados da descompressão podem não
periférica. Nestes casos ela poderá ter alguma utilidade na di- ser eficazes. Levantar pesos, extensão do tronco, órteses lom-
ferenciação dos sintomas. bares são contraindicados.16

754 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 58
Figura 58.3 Canal estreito artrósico (recesso lateral diminuído: seta).

Figura 58.4 Canal estreito constitucional: diminuição do diâmetro sagital.

Estreitamento do Canal Raquidiano (Canal Estreito) 755


„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

Figura 58.5 Esclerose marginal, artrose zigoapofisária e canal estreito constitucional.

Figura 58.6 Recesso lateral (leito da raiz nervosa).

756 Tratado Brasileiro de Reumatologia


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Estreitamento do Canal Raquidiano (Canal Estreito) 757


59

Capítulo
Hamid Alexandre Cecin

Hérnias Discais
„„ CONCEITO posteroanterior. Herniação é o processo de formação de uma
hérnia. Nas Figuras 59.1A, 59.2 e 59.5, nos diversos planos, se
Hérnia [do latim hernia; broto e/ou quebradura] é a protru- vê um disco com as características normais do núcleo pulposo,
são [do latim; protrudo; protrudere, impelir com força para dian- anel fibroso e as relações destes com as raízes nervosas. Na Fi-
te ou lateralmente, produzindo uma saliência], ou (prolapso, do gura 59.1B a hérnia se observa compressão de raiz nervosa.
latim prolapsus; escorregar para diante; mover para a frente; Este processo tem as seguintes etapas:
deslocar-se). Protrusão é o estado ou condição daquela referida
estrutura da coluna lombar ser arremessada ou projetada para 1. Desidratação: a desidratação é o ponto de partida do pro-
a frente. Prolapso é a saída de uma estrutura, órgão ou parte cesso de degeneração do disco, e as hérnias podem ser seu
dele por meio da parede que normalmente o contém. No caso da final; é consequência da diminuição da quantidade de água
hérnia de disco o movimento do material herniado é no sentido no núcleo pulposo e das alterações na proporção dos níveis

Disco normal

Cauda equina

Núcleo
Disco anel
fibroso

Raíz nervosa
espinhal
Vértebra
A

1 Disco hérnia
2 Coluna
3 vertebral Pressão do disco sobre
4 a medula espinhal e
5 raízes nervosa

B
Vértebra

Figura 59.1 (A) Disco intervertebral normal e raiz nervosa sem compressão radicular. (B) Compressão da raiz nervosa por hérnia de disco.

759
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

Figura 59.2 Disco intervertebral normal com núcleo pulposo e Figura 59.3 Quadrantes do disco.4,5
anel fibroso que o circunda.

de proteoglicanos no tecido discal. Na ressonância magné-


tica, a desidratação do disco se manifesta por hipossinal
na sequência ponderada em T1 e hipersinal na sequência Disco
ponderada em T2.
2. Fissuras/rupturas: a desidratação com o passar do tem-
po faz surgir as fissuras e rupturas, que se apresentam de
forma concêntrica (fissuras) e radial (rupturas) e podem-
-se manifestar como um foco de hipersinal periférico nas Herniação
sequências ponderadas em T2, obtidas pela ressonância
magnética. A separação entre si das fibras do anel fibroso,
a avulsão delas de sua inserção nos corpos vertebrais ou a
sua ruptura são diferentes espectros de uma mesma lesão.
Esta lesão é decorrente de vários fatores e não necessaria- Figura 59.4 Hérnia.4,5
mente originada apenas por traumas.

As modificações estruturais, acima mencionadas, podem 1. Protrusas: quando a base de implantação sobre o disco
ou não alterar os contornos do disco intervertebral. Quando de origem é maior que qualquer outro diâmetro (Figura
o fazem de uma forma global, têm-se os abaulamentos (ou bul- 59.8A). Quando o núcleo pulposo não ultrapassa o anel fi-
ging da terminologia anglo-saxônica); se de forma focal com broso se fala em ruptura anular (Figura 59.5B).
menos de 25% da superfície do disco, têm-se as hérnias (Fi- 2. Extrusas:* quando a base de implantação sobre o disco
gura 59.4). de origem é menor do que qualquer um dos seus outros
1. Os abaulamentos podem ser: diâmetros. O material extruso mais distal liga-se à base
do disco-mãe por um estreito “pescoço” de material discal
a) Simétricos (Figura 59.6)
(Figura 59.8B). Quando houver perda do contato do frag-
b) Assimétricos (Figura 59.9) mento herniado com o disco-mãe, ficando este fragmento
Desta forma, existe uma diferença conceitual entre hérnia solto no espaço peridural, diz-se que é hérnia extrusa se-
e protrusão. questrada (Figura 59.11C).

A distinção entre abaulamentos focais, hérnias protrusas,


Classificação das hérnias extrusas e sequestradas é importante.

As hérnias discais podem ser: sintomáticas, quando apre-


sentam sintomas e sinais característicos típicos de compres-
são radicular, que serão detalhadas ao longo deste capítulo.
No que concerne à tipicidade, as hérnias discais são deno- * Extrusão [do latim; estrudere, expulsar, expelir] é a saída forçada, a
minadas: expulsão de uma estrutura através de outra estrutura (no caso o anel
fibroso) ou para algum orifício (no caso o forâmen de conjugação).

760 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 59
A B C

Figura 59.5 (A) Disco normal; (B) ruptura anular; (C) hérnia de disco.4,5

Figura 59.6 Abaulamento simétrico.4,5 Figura 59.7 Abaulamento focal com uma superfície maior que
25% que pode ser confundido com hérnia protrusa, onde a super-
fície é menor que 25% do quadrante.4,5
Os abaulamentos simétricos ultrapassam 100% da super-
fície do corpo vertebral (Figura 59.6), os assimétricos mais de
50% (Figura 59.9), enquanto os focais menos de 50% (Figura da AMB e do CFM de 2001 atualizadas em 2008,1 teve como
59.7). Não se pode, portanto, confundir uma hérnia protrusa base aquelas emanadas das Sociedades Norte-Americanas de
com abaulamento focal. Ressalte-se que abaulamentos fo- Neurorradiologia, Coluna Vertebral e Radiologia (2001)3 re-
cais e hérnias protrusas podem não causar sintomas em 30 presentadas nas Figuras 59.3 a 59.9.
a 60% das pessoas. As extrusas, em apenas 1%, são assinto-
máticas. Em relação à integridade do ligamento longitudinal
posterior da coluna, as hérnias extrusas podem ser contidas „„ RELAÇÃO DAS HÉRNIAS COM O LIGAMENTO
e não contidas, apresentando ou não migração craniocaudal LONGITUDINAL POSTERIOR
(Figura 59.10B). Elas também devem ser descritas no plano O ligamento longitudinal posterior tem como função uma
transversal, podendo ser caracterizadas como centrais, poste- barreira para impedir que abaulamentos e, principalmente, hér-
romedianas, posterolaterais, foraminais e extraforaminais.1,2 nias discais caiam no espaço peridural. Elas se classificam neste
No que concerne à topografia das hérnias e sua relação com o contexto como: extrusas subligamentares (Figura 59.10A), mer-
ligamento amarelo, elas são classificadas em subligamentares gulhantes caudais, protrusas sem migração discal significante (Fi-
ou protrusas mergulhantes caudais, craniais (Figura 59.13) e gura 59.11A), protrusas com migração discal significante (Figura
sequestradas, quando há uma solução de continuidade. 59.11B) e hérnia subligamentar sequestrada (Figura 59.11C).
A nomenclatura das alterações discais e suas característi- A distinção entre protrusão (Figura 59.12A) e extrusão (Fi-
cas morfológicas atuais adotadas neste texto e nas Diretrizes gura 59.12B) somente é possível na sequência sagital da resso-

Hérnias Discais 761


„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

A B

Figura 59.8 Hérnias (A) Protrusa e (B) Extrusa.4,5

A B C

Figura 59.11 (A) Hérnia subligamentar ou protrusa, sem migra-


ção discal significante; (B) Hérnia subligamentar com migração
caudal significante; (C) Hérnia subligamentar sequestrada.4,5

Figura 59.9 Abaulamento assimétrico.4,5


nância magnética. Na Figura 59.12C a hérnia é extrusa, apesar
de a forma do material prolapsado ser semelhante àquele da
protrusão, o maior diâmetro craniocaudal do fragmento é
maior que o diâmetro craniocaudal da sua base ao nível do
disco-mãe.

„„ FISIOPATOLOGIA DOS SINTOMAS NA HÉRNIA


DE DISCO
Mecanismos de produção da dor
A embebição aquosa do disco intervertebral aumenta du-
rante o repouso noturno, levando, em consequência, à eleva-
ção da pressão intradiscal. Ao se fazer um esforço de flexão no
dia anterior, o material nuclear é impelido, em sentido antero-
posterior, através das fibras do anel fibroso (Figura 59.1B) que
se romperam após aquele esforço de flexão realizado. O conta-
to do material nuclear com as fibras mais externas do referido
A B anel, que são inervadas, dá início aos sintomas nas primeiras
horas do dia seguinte. É por isso que um trabalhador braçal,
Figura 59.10 (A) Hérnia subligamentar extrusa e (B) Hérnia fazendo grandes levantamentos de peso, eventualmente, nada
subligamentar mergulhante caudal.4,5 sente no mesmo dia daquele esforço de flexão. Geralmente,

762 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Medula espinhal

„„ CAPÍTULO 59
Cauda equina

L4
L5
S1
A B C S2
S3

Figura 59.12 Relação entre a quantidade de material discal


deslocado.4,5

Nervo
ciático

Figura 59.14 Raízes nervosas que emergem da medula espinhal


para formar o nervo ciático de L4 a S3.

crófagos do núcleo pulposo de neuropeptídeos, fosfolipase A,


prostaglandina E2, interleucina-1 e TNF-a, com lesão axonal
das células de Schwann e isquemia da raiz nervosa no sítio da
compressão.6 Tal inflamação se dá por um mecanismo autoi-
L4
mune, uma vez que o tecido está fora de seu sítio de origem
com liberação dos referidos mediadores inflamatórios, como
se percebe na Figura 59.14.
L5 O diagnóstico de hérnia discal pressupõe sempre, como já
mencionado, a existência de quadro doloroso agudo, dermato-
mérico, intenso, com irradiação da dor para o membro inferior
e com manobras semióticas positivas de compressão radicular.

Outras características da dor


A dor nas hérnias discais geralmente é de início súbito,
aguda, intensa, superficial, como se fosse um “choque elétrico”
Figura 59.13 Imagem sagital ponderada em T1 de RM de coluna que se irradia para um ou outro membro inferior, e que tem
lombar demonstrando herniação discal (seta) em L4-L5 com migra- um trajeto dermatomérico. Nem sempre existe esta forma de
ção subligamentar superior em paciente com dor lombar, exame fí- apresentação. Em casos em que há comprometimento simul-
sico e anamnese normais. A dor lombar era decorrente de síndrome tâneo de estruturas derivadas do mesoderma (as estruturas
fibromiálgica (erroneamente conhecida como fibromialgia). nervosas se originam do ectoderma), a dor não tem as carac-
terísticas citadas, podendo ser uma dor surda, profunda e de
menor intensidade. Neste caso há uma superposição de der-
mátomos e esclerótomos.
este movimento de flexão faz com que a hérnia se projete no
sentido anteroposterior. A repercussão deste fato incide mais
sobre as raízes L5 e S1 que são duas das principais raízes que Fatores precipitantes e agravantes
compõem o nervo ciático, como se vê na Figura 59.14. Deambulação, tosse, espirro e defecação intensificam
a dor, que na grande maioria das vezes pode ser amenizada
Características apenas com o repouso em decúbito supino ou, passada a fase
A dor é descrita pelos pacientes como se fosse um “choque aguda e, em alguns casos, com a extensão da coluna, porque a
elétrico”. Geralmente, conforme relatado no parágrafo ante- extensão impele o disco no sentido posteroanterior como se
rior, ela aparece no dia subsequente ao esforço e resulta tanto observa na Figura 59.21.
da compressão mecânica da raiz nervosa pelo tecido hernia- A referida dor é desencadeada e se exacerba por esforços
do, quanto do processo inflamatório que o tecido se instala. de flexão, principalmente quando os joelhos estão em exten-
O processo álgico, também, decorre da liberação pelos ma- são total.8

Hérnias Discais 763


Irradiação e seu trajeto dermatomérico
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

Não necessariamente, a dor tem que se estender até os pés.


Uma dor intensa com aspecto dermatomérico, que se irradia
apenas para as nádegas e coxas pode ser também decorrente
da compressão radicular das raízes L2, L3 e L4. Nas hérnias da
raiz L2, a dor ocorre apenas na coluna lombar e nádegas; na
L3 a dor avança pela face medial, geralmente não ultrapassa Foco de
o joelho, mas quando o faz não passa da panturrilha (Figura hipersinal em
T2
59.16) e em certos casos há irradiação para a região inguinal,
simulando hérnia inguinal e afecções vesicais. A compressão
da raiz L4 pode ter sua irradiação centrada no aspecto me-
dial da perna, sem ultrapassar o tornozelo, enquanto a dor da
compressão da raiz L5 avança sobre a face lateral da perna e
pelo aspecto medial do dorso do pé. Na compressão de S1, o
processo álgico começa na altura do sacro e irradia pela face
posterior de todo o membro inferior e a face lateral do pé.9

Dor escrotal
Embora seja uma situação rara, algumas localizações de Figura 59.16 RM da coluna lombar ponderada em T2 no plano
hérnias discais podem estar associadas à dor escrotal devido à axial do nível L2-L3. Hérnia discal protrusa aguda foraminal (seta
compressão intraespinhal de uma raiz do 2º nervo sacral (Fi- e tracejado) com foco de hipersinal determinando compressão da
gura 59.15), sem a presença de nenhum outro sinal ou sintoma raiz direita de L2. O paciente apresentava ciatalgia aguda severa
clássico.10 Outras doenças que não estão diretamente relaciona- no trajeto dermatomérico da raiz L2, mais intensa na face antero-
das com o escroto podem causar dor nesta região. Esta [dor] medial da coxa, não ultrapassando o joelho. Observa-se também
é consequência da compressão e subsequente inflamação dos espessamento do ligamento amarelo (linha vermelha). Na Figura
nervos somatossensoriais do escroto ao longo do seu curso ou 59.15 ver o dermátomo correspondente à raiz L2 acima referida.
da sua raiz nervosa correspondente (Figura 59.17), onde se ob-
serva a referida inervação. Em razão da inervação, a dor escrotal Portanto, apesar da sua raridade, é preciso ter em mente
neurogênica pode ser causada, também, por aneurisma da aorta que manifestações atípicas podem postergar o diagnóstico e
abdominal, uretrolitíase inferior associada à inflamação, apen- prolongar o sofrimento dos pacientes.
dicite e abscesso periapendicular, tumores retroperitoneais, A presença de ciatalgia e/ou ciática, com aqueles sinto-
hérnias inguinais e tumores do cone medular. Afastadas as hi- mas típicos relatados nos parágrafos anteriores, é uma ma-
póteses acima citadas, pacientes com dor no escroto relaciona- nifestação clínica de alto valor preditivo para hérnia de disco
das aos movimentos da coluna lombar, é imperativo pensar em (sensibilidade de 0,95; especificidade de 0,88; valor preditivo
comprometimento daquelas raízes vistas na Figura 59.17 positivo de 7,9 e valor preditivo negativo de 0,06).11,12

L1 L1
L2 L2
L3
L3 L4
L5
L1 S1
S2
L2 S3
S2 S4
S2 S5
L3 L4 L5
L5
S1 S1 S2 L1
S2 L1
L4 L2 L2

L3
L3

L4
S2
L5 S1 S2
L4

L5
L5 L4
S1 S1 S2 L4
L4 L5
S2
L5 L5
S1 L4

Figura 59.15 Topografia da dor irradiada por compressões, irritações, tumores e traumas sobre as raízes que compõem o nervo ciático.

764 Tratado Brasileiro de Reumatologia


A
Veia cava inferior

„„ CAPÍTULO 59
Músculo quadrado lombar
Nervo
Ureter
ilioinguinal
Aorta
(L1)

Músculo psoas
Nervo
genitofemoral
Anel inguinal
(L1/L2)
superficial B

Escroto

Nervo escrotal Músculo bulbocavernoso


posterior
Músculo
Ramo perineal do nervo
isquiocavernoso
cutâneo femoral posterior
Tuberosidade
Nervo cutâneo femoral isquiática
posterior (S2/S3)

Ramo perineal do nervo Glúteo máximo


pudendo (S2/S3) Nervo retal Ânus
inferior

Figura 59.17 Outras raízes nervosas além da raiz S2 podem estar afetadas por várias condições patológicas.

Como se pôpde constatar, a dor na hérnia de disco surge e que ultrapassasse os joelhos, podendo ou não apresentar
quando se realiza um esforço maior de flexão da coluna lom- déficit motor e sensitivo do membro inferior afetado.
bar. Quando este é feito durante o dia, o material nuclear é im- 2. A dor deveria ser repentina, de intensidade média a in-
pelido para trás, em sentido anteroposterior, através das fibras tensa, de 6 a 9 na escala analógica visual, superficial e
do anel fibroso, mas por este ainda é contido. Nesse momento, bem definida, e do tipo “descarga elétrica”. A irradiação
pode ainda não aparecer dor lombar ou ciatalgia. O surgimen- deveria distribuir-se nos dermátomos correspondentes
to da dor se dá, como já foi dito, apenas nas primeiras horas do às raízes que formam o nervo ciático e/ou as suas rami-
dia seguinte, sendo a dor aguda, intensa, com irradiação para ficações.23
um ou outro membro inferior, e estando presentes manobras
semióticas indicativas de compressão radicular. A dor se exa- Portanto, não bastam os achados de imagem para diag-
cerba com os esforços de flexão, principalmente quando os nosticar hérnias discais. Muitas vezes, pacientes que não têm
joelhos estão em extensão total.13 dor característica e outros critérios clínicos exigíveis para tal
diagnóstico, ao fazer uma RM se encontra uma hérnia como
„„ HÉRNIAS DISCAIS ASSINTOMÁTICAS* se vê nas Figuras 59.18 e 59.19, em que o paciente não apre-
sentava qualquer sintoma dos critérios retrocitados. Nesta
Para que pacientes sejam considerados portadores de hér- situação e fundamentando-se nos achados de imagem, o refe-
nia de disco não é suficiente que tenham dor lombar com irr- rido paciente pode ser submetido a procedimentos desneces-
radiação para os membros inferiores e que tenham exames de sários. A obrigatoriedade das manifestações dolorosas acima
imagem com laudos sugerindo hérnia discal. Para tanto, são citadas decorre do fato de 30 a 60% de pessoas apresenta-
necessários os seguintes critérios: rem hérnias discais na RM e TC, uma vez que tais pessoas
podem nunca terem apresentado algum sintoma semelhante.
1. Pacientes de ambos os sexos entre 20 e 80 anos de idade,
São as chamadas hérnias discais assintomáticas, em que a
anos com dor lombar com irradiação para as nádegas, coxas
dor na região lombar pode ter origem decorrente de afecções
renais, abdominais, vasculares e/ou tumorais. Pacientes com
lombociatalgia e ciatalgia sem as características da dor acima
* As hérnias assintomáticas são aquelas em que manifestações clíni- descritas podem elas [lombociatalgia e ciatalgia] ser decor-
cas são inexistentes e são meros achados nos exames de imagem, rentes de inúmeras causas discais e extrarradiculares, que
erroneamente indicados para fazer diagnósticos, sem que haja sus- serão descritas ao longo deste capítulo.
peita clínica correspondente da referida entidade nosológica.

Hérnias Discais 765


34 foi muito pequeno, e era apenas visto no anel fibroso, so-
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

mente em alguns poucos casos. 1,7


Um interessante trabalho de Komori, a respeito do assun-
to, utilizando scans de Ressonância Magnética (RM), com uma
média de 150 dias depois do início do tratamento conservador,
mostrou que há uma total reconstituição dos discos que tive-
ram uma ruptura mais acentuada. Nos discos em que houve
sequestração e migração, os restos de material discal foram
totalmente reabsorvidos.14
Também, outros trabalhos mais recentes realizados sobre
este tema, utilizando Ressonância Magnética (RM) mostraram
que as hérnias discais, com o tratamento conservador, dimi-
nuem de volume ao longo do tempo. Para confirmar a reabsor-
ção posterior e a regressão da hérnia, observou-se que, após o
uso de contraste paramagnético na RM no primeiro exame (na
fase aguda), quando se constatou um realce do hipersinal nas
sequências ponderadas em T1, fato este que sugere haver uma
neoformação de vasos sanguíneos na área herniada. Tal achado
Figura 59.18 Imagem no plano axial ponderado em T1 de RM da pode ter valor prognóstico e sucesso do tratamento, ao indicar
coluna lombar demonstrando hérnia discal protrusa deslocando a que o desaparecimento do realce do hipersinal no exame de RM
raiz esquerda de S1, sem manifestação clínica de compressão ra- para controle pós-tratamento, ser o reforço uma prova de sua
dicular. Neste caso, a pessoa tem uma reserva anatomofuncional regressão. Acredita-se que a referida ausência ou diminuição
maior decorrente de uma área do canal ósseo mais ampla. [do hipersinal] esteja relacionada com o alívio da intensidade
da dor e o posterior desaparecimento da herniação.
Estes achados poderiam ser explicados por um gradiente
negativo de pressão dentro do disco, em decorrência do de-
cúbito supino e da resolução do processo inflamatório, acima
comentado, tendo a ver, também, com a diminuição do supri-
mento vascular do tecido herniado.
O mecanismo pelo qual isso ocorre se deve às células do
disco intervertebral que desempenham um papel essencial na
fase inicial da reabsorção do material herniado.
Nesta fase há produção pelas células do disco de TNF-
-a (fator de necrose tumoral), interleucina e uma proteína
quimioatrativa (que exerce uma quimiotaxia) de monócitos
discais. Esta proteína é uma quimiocina que contribui para a
ativação e o recrutamento de macrófagos do disco herniado.
A infiltração de macrófagos sugere que as células do disco po-
dem desencadear tal infiltração pela produção sequencial de
Figura 59.19 Paciente submetido à RM para investigar dor abdo- citocinas/quimiocinas inflamatórias.15
minal, em que se nota volumosa hérnia sem que houvesse qual-
quer sintoma ou sinal de compressão radicular. Os capilares que chegam até o tecido herniado devido à an-
giogênese acima citada, e os macrófagos que saem dos capila-
res, são fatores importantes para a reabsorção e consequente
regressão da hérnia discal. Isto acontece porque os macrófa-
„„ DOR NA COMPRESSÃO RADICULAR: gos contêm lisossomos secretores de enzimas que degradam
COMPRESSÃO MECÂNICA OU PROCESSO as substâncias das fibras colágenas depois da fagocitose.
INFLAMATÓRIO? Pode-se concluir que a resposta inflamatória do tecido
epidural é um aspecto importante na reabsorção do referido
A interrogação é relevante pela relação que ela tem com
tecido herniado, embora possa ser danoso para a raiz nervosa
a terapêutica. Em tempos idos acreditava-se que o processo
adjacente. No entanto, o controle correto da inflamação atra-
álgico fosse causado pela compressão puramente mecânica.
vés de tratamento clínico adequado minimiza, senão anula as
As atuais pesquisas imuno-histoquímicas asseveram que a consequências do processo patológico.16
dor tem origem no processo inflamatório que circunda a raiz A regressão da hérnia de disco se relaciona com a melhora
nervosa ou suas imediações. A confirmação deste fato se dá do quadro clínico e decorre de retração no espaço interver-
pela angiogênese e pela invasão por células inflamatórias que tebral, desidratação/encolhimento e reabsorção devido à re-
são observadas nas hérnias discais extrusas, como também gressão do processo inflamatório.
pela liberação in loco de enzimas proteolíticas. Em um estudo
A maioria das hérnias discais pode ser totalmente reabsor-
comparativo, analisando o tecido herniado de um grupo-teste,
vida espontaneamente depois de um ano, ao se fazer um segui-
extraído durante ato cirúrgico de pacientes com hérnias dis-
mento com ressonância magnética. O alívio da dor e de outros
cais sintomáticas, foram observadas células CD+ 34 em gran-
sintomas ocorrem concomitantemente com uma velocidade
de número e em todos os casos, sendo que no grupo-controle
mais rápida de reabsorção. Para que posterior comprovação [da
constituído de hérnias de cadáveres o número de células CD+

766 Tratado Brasileiro de Reumatologia


reabsorção] seja feita, a utilização de contraste paramagnético no Extensão da coluna lombar

„„ CAPÍTULO 59
exame de RM inicial e no pós-tratamento é recomendável, pois é
imprescindível para detectar se houve realce na periferia da hér- Quando se faz a extensão ou a hiperextensão da coluna
nia no primeiro e não realçou no segundo. O realce acontece em lombar (em pé), aquela força aplicada impele o disco no sen-
razão do processo inflamatório referido.17 tido ventral, para a frente, posteroanterior, movimento este
As atuais pesquisas imuno-histoquímicas confirmaram desejável no tratamento da hérnia discal.
o que foi relatado ao demonstrarem a referida angiogênese No entanto, neste mesmo movimento, a profundidade dos
quando há invasão por células inflamatórias nas hérnias ex- recessos laterais e o diâmetro sagital ósseo do canal vertebral
trusas, havendo também liberação de enzimas proteolíticas. diminuem. Em alguns tipos de hérnia, a dor também pode ser
Neste desiderato, em um estudo comparativo, analisando te- desencadeada pela extensão. Em razão disto, como se verá no
cido herniado de um grupo-teste, extraído durante ato cirúrgico, tratamento no estreitamento artrósico do canal raquidiano,
foram observadas células CD+ 34 em grande número e em todos são indicados os exercícios de flexão (Figura 59.20A) e con-
os casos, e no grupo-controle constituído de hérnias de cadáve- traindicados os de extensão (Figura 59.20B).
res, o número de células CD+ 34 foi muito pequeno, e era apenas
visto no anel fibroso, somente em alguns poucos casos.18 Portan-
to, ao contrário do que ainda se apregoa, hérnias discais têm cura. Manobras semióticas
Sinal de Lasègue (teste da perna estendida)
„„ EXAME FÍSICO NAS HÉRNIAS DISCAIS
O sinal de Lasègue, também chamado de “teste da perna
Flexão da coluna lombar estendida” pelos povos de fala inglesa, era a manobra mais
utilizada até pouco tempo atrás para detectar a compressão
Na maioria das vezes, este movimento fisiológico é de
mecânica. Atualmente, se sabe que não é a tal compressão, a
grande valia no diagnóstico clínico das hérnias discais agudas.
responsável pelos sintomas, mas sim a inflamação das raízes
A flexão pode ser quantificada utilizando a manobra de Scho-
lombares por hérnias discais protrusas e extrusas, como ficou
ber, muito usada nas espondiloartropatias soronegativas. Ao
invés de a distância ser marcada nos 10 cm quando o paciente amplamente demonstrado nas páginas anteriores. No entanto,
está em pé, usam-se os 15 cm na hérnia de disco e se mede a ainda há divergências e dúvidas persistem sobre o verdadeiro
diferença quando ele faz a flexão. Em sendo menor que 15 cm significado da sua aplicação clínica. Até a década de 1990, não
há compressão radicular. havia concordância quanto ao ângulo da perna com o plano ho-
rizontal em que ele poderia ser considerado positivo, se a 70°,
Explica-se o porquê da importância da flexão. É que ao se
60°, 45° ou menos. Muitos autores consideravam-no positivo a
fazer a flexão da coluna lombar, existe um considerável au-
70. Outros admitem que, apenas a 45°, o referido teste deve ser
mento da pressão intradiscal, resultante da habitual ação da
valorizado como indicador de efetiva compressão radicular.19-21
gravidade. Uma flexão do tronco, de apenas 20°, aumenta em
20 kg, os 70 kg, normalmente exercidos sobre o disco, com a A sua positividade se confirmava quando a dor se irradia-
pessoa em pé. Esta força impele o disco para trás, no sentido va para o trajeto do dermátomo das raízes L5 e S1, e se exa-
anteroposterior (Figura 59.20). cerbava assim que a elevação do membro inferior fizesse um
Por isso, no tratamento das hérnias discais em qualquer ângulo de 5° a 45° com o plano horizontal. Sua positividade a
fase de sua evolução, são proibidos os exercícios de flexão. 45° comprova a compressão radicular.1 É um sinal com 80% de
Uma vez o paciente completamente recuperado é permitido, sensibilidade e 40% de especificidade; valor preditivo positivo
conforme o caso, os de extensão, os quais fazem o disco retor- de 1,3 e valor preditivo negativo de 0,50 (Figura 59.21).11,12
nar em sentido contrário, posteroanterior. São condições básicas para uma boa interpretação dos re-
sultados dessa manobra:

A B
70 a 70 a
100 kg 100 kg

Flexão
Extensão

Suporte de peso Função do movimento Suporte de peso Função do movimento

Figura 59.20 Movimento do núcleo pulposo ao se fazer a flexão e a extensão da coluna lombar. Na flexão (A), ele é impelido para trás (sen-
tido anteroposterior). Na extensão (B), o sentido é o oposto (posteroanterior). Adaptada por Cecin, de Kapandi.

Hérnias Discais 767


„„ Que o paciente esteja em decúbito supino completo
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

(deitado em cama rígida e sem travesseiro debaixo do


pescoço).
„„ Com uma das mãos, o examinador imobiliza o ilíaco
homolateral do paciente, enquanto a outra mão levan-
ta o membro inferior afetado, segurando-o na altura do
tornozelo.

Em hérnias extrusas ou volumosas, a manobra pode ser


positiva abaixo de 35° e/ou acima dos 5°, apenas. Quando há
apenas dor lombar, sem irradiação, e o ângulo do membro in-
ferior afetado estiver acima dos 55° com o plano horizontal, e
face à referida revisão sistemática citada, a prova é considerada
negativa e isso pode ser indicativo da inexistência de processo
compressivo radicular (por exemplo, nas hérnias centrais). En-
tretanto, em uma última revisão sistemática sobre a matéria,
verificou-se que a diferença entre um Lasègue positivo e um ne-
gativo é muito pequena.25 Já o mesmo não se pode dizer sobre
o sinal de Lasègue cruzado contralateral (levantar o MI que não Figura 59.21 Como pesquisar o sinal de Lasègue (atualmente, é
estiver doendo), que quando presente, é altamente específico considerado positivo a 35 ou menos). Como se vê, é necessário
de compressão radicular por hérnia de disco, com 88% de es- imobilizar a bacia com uma das mãos, e com a outra levantar o
pecificidade (intervalo de confiança de 86 a 90%), porém com membro inferior afetado segurando o tornozelo do paciente. Atu-
sensibilidade muito baixa, de 29 a 34%).22,26 almente, existem dúvidas sobre o ângulo em que o Lasègue é con-
siderado positivo.
Divergências quanto à sensibilidade e especificidade
do sinal de Lasègue Ao se comparar o desempenho diagnóstico das duas mano-
Outro fator de confusão na pesquisa do teste de Lasègue é bras semióticas, a sensibilidade, valor preditivo positivo e valor
a constatação de muitos resultados falso-positivos. Nesta ma- preditivo negativo de ambos os sinais clínicos, apesar de igual
nobra semiótica a dor referida no trajeto do ciático, na maioria especificidade, uma capacidade diagnóstica superior pode ser
das vezes, decorre de um aumento da tensão da musculatura atribuída ao sinal de Cecin (sensibilidade = 73,3%; valor predi-
da coxa e não devido à compressão radicular em si. Este fato é tivo 97,1% e valor preditivo negativo 62,5%) em comparação
gerador de dúvidas e motivo de falsos diagnósticos de hérnia ao sinal de Lasègue (22,2%, valor preditivo positivo 90,9%, va-
de disco. Outro problema é o ângulo em que pode ser conside- lor preditivo negativo, 36,4%), durante a detecção de hérnia
rado positivo. Depois da segunda metade do século passado se discal em paciente com dor lombar, ciatalgia e/ou ciática.
considerava positivo o teste quando o membro inferior fazia
um ângulo de 70°, 60° e 45° com o plano horizontal. Como pesquisar o sinal de Cecin
Embora continue sendo imprescindível no diagnóstico das A pesquisa dos Momentos de Força com a simultânea
hérnias discais, em face da atual tendência de se usar o ângulo provocação da manobra de Valsalva (fundamento biomecâ-
de 45°, como critério de compressão radicular, a interpretação
nico do sinal de Cecin) ocorria da seguinte forma: pedia-se
da sensibilidade e especificidade do sinal de Lasègue deve ser
ao paciente que ficasse de pé. Em seguida, solicitava-lhe fle-
feita com cautela.
xionar a coluna lombar até um ângulo em que fosse possível
Em revisão sistemática, sobre este teste diagnóstico, feita suportar a dor lombar, nas nádegas, coxas e/ou no território
entre 1989 e 2000, não se chegou a um consenso sobre a sua
do ciático, como ilustrado na (Figura 59.22A). No primeiro
real sensibilidade, que variou de 30 a 97%. Nessa revisão os
instante em que essa dor tivesse iniciado a sua irradiação,
autores admitem que as diferenças entre um teste positivo e
solicitava-se ao paciente que tossisse. Em um segundo mo-
negativo são pequenas.19-22
mento, caso a tosse não tivesse modificado a intensidade
Dessa forma, a procura de outras manobras semióticas
da dor, provocava-se o espirro, fazendo o paciente cheirar
poderia minimizar tais divergências, aumentar a sua confiabi-
um pouco de pimenta ou rapé. O sinal era considerado po-
lidade e validar a primazia da propedêutica clínica no diagnós-
sitivo se houvesse o aparecimento e/ou acentuação da dor
tico das hérnias discais sintomáticas da coluna lombar.
na nádega, no trajeto dermatomérico do nervo crural e/ou
Sinal de Cecin do nervo ciático ipsilateral, ou seja, manifestando-se a dor
com mais intensidade do que aquela sentida com a simples
Em 2010, o autor deste capítulo publicou, na Revista Bra- flexão. Se no ângulo de flexão de 75° a dor não aparecesse,
sileira de Reumatologia, um artigo original (CECIN H.A. Sinal solicitava-se, adicionalmente, que o paciente flexionasse
de Cecin (Sinal “X”): um aprimoramento no diagnóstico de com- mais a sua coluna, diminuindo o ângulo para uma faixa en-
pressão radicular v. 50 n. 1) por hérnias discais lombares, qua- tre 75° e 30° ou menos (Figura 59.22B). Pedia-se, então, que
se 200 anos depois da descoberta do sinal de Lasègue23 uma tossisse ou provocasse o espirro cheirando rapé.* Da mesma
contribuição para o aprimoramento do diagnóstico das hér-
nias discais, que recebeu o nome de sinal Cecin, em editorial
de autoria do ex-presidente da SBR publicado neste mesmo
* O rapé é um pó feito geralmente de tabaco e outras ervas de árvo-
número, Fernando Neubarh. Na comparação entre o sinal de
res que são moídos e transformados em um pó fino e aromático
Cecin com o de Lasègue foi constatada uma alta discrepância que é aspirado pelas narinas. Como se vê na Figura 59.22, o rapé
(P < 0,001) e baixa concordância (P < 0,4) entre os dois testes. aumenta em 1.2 atmosferas a manobra de Valsalva.

768 Tratado Brasileiro de Reumatologia


é mínima,19,24 ao passo que no sinal de Cecin a pesquisa é feita

„„ CAPÍTULO 59
com o paciente em pé.
Do ponto de vista biomecânico enquanto as forças vetoriais
Tosse do sinal de Cecin aplicadas sobre os discos inetervertebrais
ou variam de 62,4 a 193,9 N(newtons).m(metros) e a pressão
espirro com a tosse vai até 13,6 atmosferas (Figura 59.23), no sinal de
cm

Lasègue estes fenômenos físicos são quase inexistentes.

cm
L = 70

70
L=
Desempenho diagnóstico do sinal de Cecin e do sinal
F1 F2
Tosse de Lasègue no diagnóstico das hérnias discais
F1 F2 ou
a1 Portanto, comparando-se sensibilidade, valor preditivo posi-
espirro
a2 tivo e valor preditivo negativo de ambos os sinais clínicos, ape-
d1
d1 sar de igual especificidade, uma capacidade diagnóstica superior
d2
d2 pode ser atribuída ao sinal de Cecin (sensibilidade = 73,3%; valor
preditivo 97,1% e valor preditivo negativo 62,5%) em compara-
ção ao sinal de Lasègue (22,2%, valor preditivo positivo 90,9%,
valor preditivo negativo 36,4%), durante a detecção de hérnia
discal em paciente com dor lombar, ciatalgia e/ou ciática.
O sinal de Cecin é de fácil execução, tem alta sensibilida-
de e alto valor preditivo negativo e melhor desempenho diag-
nóstico do que o sinal de Lasègue no diagnóstico das hérnias
sintomáticas de disco intervertebral lombar. A validação do
procedimento na prática médica e o seu papel em outras afec-
ções deverão ser mais bem investigados em estudos prospec-
tivos futuros.23
A B
Manobra de Romberg
a1= 75o a1= 30o
M: M1+M2 = 62,4 N.m M: M1+M2 = 193,9 N.m Fazer com que o doente fique com os pés juntos e os olhos
Pressão = 11 atmosferas Pressão com a tosse = 13,6 atmosferas
fechados durante 10 segundos: o resultado é considerado
anormal, se movimentos compensatórios forem necessários
Pressão com a tosse = 13,6 atmosferas Pressão com a tosse = 13,6 atmosferas para manter os pés fixos no mesmo lugar.27
Pressão com o espirro = 14,8 atmosferas Pressão com o espirro = 14,8 atmosferas
Sinal das pontas (de De Sèze)
Figura 59.22 Exacerbação da dor no trajeto do nervo crural e ciá- Pede-se ao paciente para andar com a ponta dos pés e de-
tico devido ao aumento dos Momentos de Força (M) ao se fazer a pois com os calcanhares:28
flexão da coluna lombar nos ângulos de 75° na Figura A e 30° na
Figura B, com elevação da pressão intrarraquidiana decorrente da „„ Não consegue andar com um dos calcanhares: com-
tosse ou espirro na manobra de Valsalva. Onde L = comprimento pressão da raiz S1.
da coluna; M1 = massa do tronco; M2 = massa da cabeça e dos bra- „„ Não consegue andar com uma das pontas dos pés:
ços; F1 = M1 × 9,8 s; F2 = M2 × 9,8 s; dL = distância perpendicular compressão da raiz L5.
a F1; d2 = distância perpendicular a F2; a 1 e a 2 = ângulo entre
comprimento da coluna l e o plano horizontal. Pressão com tosse Sinal do arco de corda (sinal de MacNab)
e espirro (modificado).24
Como pesquisar
Levanta-se o membro inferior do paciente, como se faz
na manobra de Lasègue, até que a dor apareça; nesse exato
forma, o aparecimento da dor ou a sua exacerbação era indi-
momento, faz-se uma flexão do joelho homolateral.29 Havendo
cação da sua positividade (do sinal de Cecin). Esta segunda
redução e/ou desaparecimento da dor, o sinal é considerado
fase se faz necessária, porque, conforme o tamanho e a loca-
positivo. Este sinal pode ser útil em lombociatalgias de causa
lização da hérnia, o sinal pode não ser positivo a 75°.
psicossomática, em que os simuladores sabem identificar com
Diferenças na fisiopatogenia entre o sinal de Lasègue perfeição um Lasègue positivo.
e o sinal de Cecin Pesquisa de reflexos
As diferenças entre os dois sinais se explicam: o sinal de Ausência três vezes consecutiva de reflexo patelar indica
Lasègue decorre de deformação mecânica e estiramento do comprometimento da raiz L3 e/ou L4. A ausência do reflexo
nervo ciático pelo disco herniado, enquanto o sinal de Cecin Aquileu, pesquisado de forma adequada indica, especifica-
ocorre em razão de dois fenômenos distintos: o torque, resul- mente, comprometimento da raiz S1.27
tante da flexão da coluna lombar e o aumento de pressão sobre
o disco durante a realização da manobra de Valsalva. O torque Pesquisa da força de flexão e extensão do hálux
provoca uma força de cisalhamento no disco intervertebral
causando sua deformação e seu deslocamento em todos os Pede-se para o paciente primeiro flexionar e depois fazer
planos, mas mantendo constante o seu volume. a extensão do 1º pododáctilo contrarresistência oposta pelo
No que concerne ao sinal de Lasègue, a pesquisa é feita polegar do examinador. A ausência de força ou a sua pouca
com o paciente deitado, onde a carga aplicada sobre o disco intensidade indicam déficit motor específico, originário da

Hérnias Discais 769


compressão radicular de L5; a ausência de força no 2º até o 3º
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

Mecanismos de produção da hérnia


pododáctilos indica comprometimento de S1. Neste aspecto, ligamento longitudinal posterior
a pesquisa de todas as manobras semióticas de compressão
radicular é peremptória, uma vez que nenhuma delas é 100%
específica e 100% sensível.
Topografia e classificação das hérnias discais
Se a dor aparece com a flexão, ou por ela é agravada e se
irradia para um dos membros inferiores, ou até para os dois
(raramente ocorre isto), admite-se que existe uma lesão discal,
uma herniação em curso, pois, como foi relatado, a flexão au-
menta a pressão intradiscal. A porção externa do anel fibroso,
que é inervada, se ressente deste aumento de pressão.
Quando as fibras mais externas do anel se rompem e a hér-
nia ultrapassa os limites do corpo vertebral, tem-se a hérnia
protrusa, onde sua base de implantação no disco-mãe é larga
e maior que qualquer um de seus diâmetros; se a sua base for
estreita, tem-se a hérnia extrusa. Neste caso, a sua base im-
Figura 59.23 Observar na ilustração o local mais vulnerável de
plantação é menor que qualquer um dos referidos diâmetros.
herniação (traço vermelho), por ausência de proteção ligamentar
Quando a parte herniada perde o contato com o disco-mãe,
(adaptada de Netter, modificada por Cecin HA.).
diz-se que a hérnia é sequestrada.
O local mais vulnerável é a parte posterolateral do anel
fibroso (Figura 59.23). (Ver também outros detalhes no Diag-
nóstico por Imagem). Desta forma, quando o exame dos escrotos for negativo,
Nesta fase, existe irradiação da dor para o membro inferior, a compressão dos nervos sacrais por fragmentos, hérnias
a prova de Lasègue pode estar positiva a 70° (65 a 85% dos sequestradas, pode ser a causa dos sintomas. A manobra de
casos), (quando a 45° como atualmente se admite, o Lasègue Valsalva, o sinal de Cecin e o sinal de Lasègue podem estar
é positivo entre 20 a 40°), e o exame neurológico pode estar
positivos.10,23
alterado ou não. Para esta fase, com o exame neurológico nor-
mal, o termo correto a ser usado é lombociatalgia.
Exames de imagem: importância da correlação clínica
As hérnias centrais são contidas ou não pelo ligamento lon-
gitudinal posterior (ver Figura 59.23). Quando a hérnia rompe A correlação entre a clínica e os achados de imagem no
este ligamento, têm-se as hérnias não contidas. Nestas e nas ex- diagnóstico das hérnias discais é um desafio a ser superado,
trusas, o material discal cai no espaço peridural (Figura 59.22) em razão das muitas facetas que envolvem tema. O que é, real-
ou se localiza no buraco de conjugação. Quando a dor no trajeto mente, uma hérnia? Qual a diferença entre esta protrusão fo-
do ciático se associa às alterações neurológicas, tem-se a ciática cal? O termo “Bulgging” é melhor que abaulamento?
(Figura 59.26). Sem estas (alterações neurológicas), a termino- Além das diferentes nomenclaturas vigentes até a década
logia correta é ciatalgia. Se a hérnia for volumosa e em pacientes de 1990, no século passado, e antes do surgimento da RM, ha-
com pequena reserva anatomofuncional (Figura 59.27), hipo ou via uma discordância entre os especialistas sobre as diferentes
arreflexia e/ou déficit motor podem ocorrer (Figura 59.27). alterações e denominações ocorridas no disco intervertebral.
Em alguns casos as hérnias discais não seguem aquele No fim do século passado e começo do atual, as sociedades
padrão clássico de dor dermatomérica:* irradiação para todo internacionais e as brasileiras chegaram a um consenso so-
membro inferior ou para a coxa, não ultrapassando o joelho bre o tema, como relatado no início do capítulo, vale a pena
homolateral. Pode haver irradiação para as virilhas, nádegas repetir a classificação da página 760 sobre o que estabeleceu
ou, até mesmo, testículos. Às vezes pode nem haver irradiação, o Consenso Brasileiro de 2000 em relação às Hérnias Discais
como nas hérnias centrais ou pouco lateralizadas. Em situa- mais prevalentes:
ções bizarras a única localização da dor é em um dos testículos.
Em outras situações como na Figura 59.26 a dor pode não „„ Hérnias protrusas: quando a base de implantação
ser exclusivamente dermatomérica, como também esclera- sobre o disco de origem é mais larga do que qualquer
tomérica** ocasião em que há superposição de dermátomos outro diâmetro (Figura 59.24 e 59.25).
e esclerótomos. O paciente não sabe definir com precisão a
„„ Hérnias extrusas: quando a base de implantação
característica do dor, que tanto pode ser uma dor superficial
sobre o disco de origem é menor que algum dos seus
(dermatomérica) ou profunda (escleratomérica).***
outros diâmetros. O material extruso, mais distal, liga-
-se à base do disco-mãe por um estreito “pescoço” de
material discal.
„„ Hérnias sequestradas: quando houver perda do con-
* Dermátomo é a região de influência do nervo espinhal sobre o re- tato do fragmento herniado com o disco-mãe, ficando
vestimento cutâneo. este fragmento solto no espaço peridural, diz-se que é
** Esclerótomo é a região de influência do nervo espinhal sobre a arti- hérnia extrusa sequestrada.
culação, cápsulas, ligamentos periósteo e fáscias.
*** Miótomo: é a região de influência do nervo espinhal sobre o múscu- A distinção entre abaulamentos, hérnias protrusas, extru-
lo. A dor de origem muscular é sentida na região cutânea que per- sas e extrusas sequestradas é importante. Abaulamentos e
tence ao miótomo, contudo nem sempre há superposição entre ele hérnias protrusas podem não causar sintomas em 30 a 60%
e o dermátomo. das pessoas. As extrusas são assintomáticas em apenas 1%.

770 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 59
Figura 59.24 RM da coluna lombar nos planos sagital T2 e axial T1 no nível de L5-S1 demonstrando sinais de desidratação discal com
hérnia protrusa (seta) de localização central e paramediana em L5-S1, deslocando a raiz esquerda de S1 no trajeto intracanal.

Figura 59.25 Imagens axiais em T1 de RM da coluna lombar nos níveis L4-L5 e L5-S1 demonstrando hérnia protrusa no recesso lateral
esquerdo sem contato radicular e hérnia discal extrusa comprimindo o saco dural e a raiz nervosa no recesso lateral direito.

também devem ser descritas no plano transversal, podendo


ser caracterizadas como posteromedianas, posterolaterais, fo-
raminais e extraforaminais.
A discoptia degenerativa crônica não é um acontecimento
exclusivo de pessoas com idade avançada, pode ocorrer, tam-
bém, em jovens como se vê na ressonância magnética, da Figura
59.32, em um paciente com 18 anos de idade.
As alterações degenerativas podem ocorrer em jovens com
canal estreito e malformações da transição lombossacra. No
capítulo das doenças degenerativas da coluna lombar há mais
detalhes sobre a etiopatogenia desta precocidade.

„„ EXAMES DE IMAGEM × EXAME CLÍNICO


Quem não sabe o que procura,
Figura 59.26 Imagem de TC de coluna lombar reformatada no não entende o que encontra
plano sagital demonstrando volumosa hérnia discal em canal es-
treitado (diâmetro sagital 9 mm). Claude Bernard

Embora se tenha chegado a um acordo sobre a sinonímia,


Em relação à integridade do ligamento longitudinal poste- ainda há divergências sobre a significância clínica, o nível da
rior da coluna, as hérnias extrusas podem ser contidas e não localização da lesão, a morfologia das hérnias discais e suas re-
contidas, apresentando ou não migração craniocaudal. Elas lações com a raiz nervosa e o saco tecal. A altíssima prevalên-

Hérnias Discais 771


„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

A B C

Figura 59.27 Paciente de 19 anos com dor lombar. Imagens de RM da coluna lombar nos planos sagital T2 (A), axial T2 (B) e axial T1 (C).
Defeito de condrificação nas vértebras L3 e L4 (setas verdes em A) passíveis de serem confundidos com nódulos de Schmorl. Hérnia discal
central protrusa em L4-L5 com ruptura do anel fibroso caracterizado por hipersinal em sua periferia (setas vermelhas em A e B). Hérnia
discal central protusa em L5-S1 (C).

PA

A
Figura 59.28 Imagens no plano sagital T2 de RM da coluna lom-
bar demonstrando discreta espondilolistese anterior do corpo de
L5 sobre S1 associada a desidratação e herniação discal com con-
tato radicular (seta).

C C

Figura 59.30 RM da coluna lombar ponderada em T2 nos planos


Figura 59.29 RM da coluna lombar nos planos sagital T2 e axial sagital (A, B e C) e axial (C) demonstrando hérnia foraminal à di-
T1 no nível de L5-S1 demonstrando sinais de desidratação discal reita no nível L3-L4 com contato radicular em paciente com ciática
com hérnia protrusa (seta) de localização central e paramediana e alterações neurológicas severas.
em L5-S1 deslocando a raiz esquerda de S1 no recesso lateral.

772 Tratado Brasileiro de Reumatologia


cia de hérnias assintomáticas e o nível exato da sua localização uma crítica veemente aos métodos complementares, mesmo

„„ CAPÍTULO 59
(por exemplo se a vértebra é L3, L4 ou L5), pode alterar o ra- os mais sofisticados, diz: “Às vezes os sintomas estão de um
ciocínio clínico quando há anomalias congênitas como espinha lado e os achados radiológicos de outro,” e “a frequência com
bífida e vértebras de transição, uma vez que estas anomalias que isto acontece é um fato desanimador. Mesmo a ressonân-
não são visualizadas com precisão na RM, mas sim nas radio- cia magnética sozinha não é capaz de oferecer segurança no
grafias simples. A exigência de estudos bem conduzidos sobre diagnóstico da dor lombar”.9
esta matéria são necessários.
Em uma análise retrospectiva de 396 pacientes com hér- Neste aspecto, a análise das imagens por radiologistas e
nia de disco feita por radiologistas e clínicos, para comparar clínicos depois de receberem o exame implica que estes de-
a interpretação da RM por radiologistas com o diagnóstico vam informar, previamente, aos radiologistas a suspeita clí-
clínico feito por especialistas, houve excelente concordân- nica anteriormente levantada; uma posterior discussão sobre
cia em relação ao nível da hérnia em 93,4% sobre a presen- o laudo emitido pelos últimos é necessária, para eliminar
ça e o nível da herniação, com uma discordância de 3,3%, possibilidades potenciais de viés em estudos radiológicos.
dos quais 1/3 podia ser explicado por existência de ano- Divergências na interpretação, terminologia, métodos na
malias de transição. Em outros 3,3% o clínico afirmava que realização do exame, qualidade fotográfica, aplicação de um
o paciente tinha hérnia (protrusa, extrusa ou sequestrada), padrão de referência e valores preditivos são importantes
e o radiologista afirmava que a RM do paciente não tinha e relevantes para eliminar ou minimizar erros de ambos os
nada.30 lados. Deixar de lado tais precauções pode comprometer be-
Em 42,2% dos casos, os laudos da radiologia não tinham nefícios aos pacientes e ao resultado final da atuação médica
uma descrição clara sobre a morfologia da herniação. que é o tratamento.31
Outro aspecto que merece menção é se a hérnia é do
lado esquerdo ou direito, uma vez que os sintomas estão „„ IMPORTÂNCIA CLÍNICA DO VALOR DAS
de um lado e na ressonância está do outro, dependendo se ALTERAÇÕES DE IMAGEM E A CLASSIFICAÇÃO
a hérnia estiver mais ou menos lateralizada. As divergên-
DA DEFORMAÇÃO DO SACO TECAL PELA RAIZ
cias sobre estas variáveis podem causar potenciais danos
nas condutas terapêuticas clínicas e cirúrgicas a serem to- O diagnóstico por imagem das hérnias discais, além da de-
madas.9 tecção do processo herniário e da correlação com os achados
Sobre isso, nessa mesma linha de raciocínio, Juan M. Tave- clínicos, é necessário quantificar a deformação e deslocamen-
ras, neurorradiologista do Massachusetts General Hospital de to da raiz nervosa como também do saco tecal, pelo material
Boston, extravasa a sua preocupação com o assunto, em um herniado. A intensidade de tais deformações é importante em
editorial do American Journal of Neuroradiology: pacientes com alteração do exame neurológico, para avaliar a
gravidade do prognóstico.
“Eu sempre disse que uma das áreas de mais difícil ava- Na Tabela 59.1 observa-se a quantificação das referidas
liação e diagnóstico é aquela da dor lombar e ciática.” E, em deformações.

A B C

Figura 59.31 Imagens de RM da coluna lombar ponderada em T2 nos planos sagital (A e C), axial (B). Nas figuras (A) e (C) há irregularida-
des nas placas terminais superiores de L3 e L4 por defeitos de condrificação associados a nódulos de Schmorl e alterações degenerativas
gordurosas, denotando cronicidade. Além de hérnia discal protrusa (base larga traço branco) em L4 e L5.

Hérnias Discais 773


„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

Tabela 59.1 Classificação da deformação do saco tecal pela raiz nervosa.

Deformação da raiz nervosa em um recesso lateral ou buraco de conjugação

0 = Ausente Não há deformação da raiz no recesso lateral ou buraco de conjugação

I = Mínimo Contato com material discal deformando o nervo, mas com deslocamento menor que 2 mm

II = Moderado Contato do material discal deslocando o nervo, 2 ou mais mm. O nervo ainda é visível e não apagado pelo material discal

III = Severo Contato do material discal obscurecendo completamente o nervo

Deformação do saco tecal no canal vertebral

0 = Ausente Não se visualiza material discal contatante ou deformação do saco tecal

I = Mínimo Contato do material discal com o saco tecal, mas sem deformação ou mínima deformação

II = Moderado Deformação do saco tecal pelo material discal, a distância A-P do saco tecal é maior ou igual a 7 mm

III = Severo Deformação do saco tecal pelo disco, em que a distância A-P é menor que 7 mm

„„ A DOR, A INTENSIDADE DA HERNIAÇÃO E A „„ PRESENÇA OU NÃO DE RESERVA


EVIDÊNCIA DE COMPRESSÃO ANATOMOFUNCIONAL E SUA RELAÇÃO
Outro aspecto de suma importância é a correlação en-
COM OS SINTOMAS E SINAIS RADICULARES
tre severidade da dor e a intensidade (tamanho, localização
anatômica e proximidade com as estruturas neurais). Mui- Segundo o estudo feito por Cecin H.A., estes achados cor-
tas vezes os achados de imagem são de grande proporção e roboram a tese por ele comprovada de que os sintomas das
a dor é de pouca intensidade e, outras vezes, é exatamente hérnias discais têm uma relação estatisticamente significan-
o contrário: hérnias muito pequenas e quadro clínico muito te com reserva, anatomofuncional maior ou menor. Pessoas
exuberante.32 com maior reserva, que têm hérnias, porém não têm sintomas
A denominação ciática por hérnia de disco, com as carac- (Figura 59.18), outras com menor reserva e com hérnias têm
terísticas acima [em outro lugar deste capítulo] citadas podem sintomas. Outro aspecto é a intensidade do deslocamento da
ocorrer de outra forma. A irradiação para os dermátomos ao hérnia, que está relacionado mais com o grau de positividade
longo do nervo ciático e femoral pode estar ausente ou não dos sinais de Lasègue e Cecin do que com o grau de desloca-
acontecer de forma dermatomérica, e sim, escleratomérica. mento, o realce da raiz nervosa e grau de compressão vistos
Nesta situação, a herniação já está instalada, e há irritação na RM. Proposição de uma reserva anatomofuncional, no canal
das fibras mais externas do anel fibroso que possui nocicepto- raquidiano, como fator interferente na fisiopatologia das lom-
res, dor esta que pode ser incapacitante. Outras vezes, podem balgias e lombociatalgias mecânico-degenerativas.32
ocorrer as duas coisas: o processo herniário, tanto os tecidos
derivados do mesoderma (anel fibroso, ligamentos) como
aqueles do ectoderma (nervos) ou de ambos. Nesta situação Eletroneuromiografia nas hérnias discais
a dor não tem uma irradiação tipicamente dermatomérica, é
surda, indefinida, se apresentando em áreas específicas, pe- Não está indicada, como rotina, nas lombalgias agudas e
quenas e isoladas. crônicas e nas lombociatalgias agudas. É o único método que
Embora a ressonância magnética seja o exame de excelên- produz informações sobre a fisiologia da raiz nervosa envolvi-
cia para detectar alterações de partes moles da coluna ver- da. Ajuda a compor a relevância clínica, sendo fundamental no
tebral, não tem poder discriminatório para avaliar o grau do diagnóstico diferencial das outras doenças do sistema nervoso
prolapso discal e nem se correlacionar com qualquer sintoma periférico, capazes de mimetizar um quadro radicular.
subjetivo, grau de compressão, intensidade da dor e o sinal Quando indicada, os critérios necessários de que há dano na
de Lasègue. No entanto, está associado à intensidade do sinal de bainha de mielina são a assimetria da resposta F do nervo pero-
Lasègue. Por outro lado, a classificação entre herniação e não neiro profundo e anormalidade do reflexo H do nervo tibial pos-
herniação apresentou uma boa relação com o sinal de Lasègue terior, indicando, respectivamente, irritação da raiz L5 e S1.34,35
em uma análise de regressão.33

774 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Outras causas de dor extrarradicular que simulam

„„ CAPÍTULO 59
ciatalgia e/ou ciática
Quadro 59.1 Causas de dor extrarradicular que simulam
O nervo ciático resulta da junção das raízes L4, L5, S1, S2 e ciatalgia e/ou ciática.
S3, que chegam até o terço distal da coxa passando pelo forâ-
men isquiático maior, onde se divide em dois ramos, o nervo 1. Neurofibroma do nervo (n) ciático na parte distal da coxa
tibial e o peroneiro. A grande maioria das ciatalgias e ciáticas
é causada por hérnias discais, por estreitamentos do canal ra- 2. Neurofibroma do nervo ciático, no meio da coxa
quidiano, artrose zigoapofisária, espondilolisteses, fraturas e
outras condições patológicas que acometem a unidade anato- 3. Schwannoma na bifurcação do nervo ciático
mofuncional.29
4. Síndrome do Piriforme
No entanto, compressões deste nervo podem simular cia-
talgia ou ciática por hérnia discal. Tais compressões ocorrem
5. Neurofibrossarcoma do nervo ciático
antes dele [nervo ciático] ultrapassar o forâmen isquiático,
ainda na pelve, o que dificulta muitas vezes o diagnóstico dife- 6. Mixoma músculo glúteo máximo
rencial entre estas diversas situações entre si e com as hérnias
discais (Figuras 59.32 e 59.33). 7. Sinovite vilonodular pigmentada da incisura isquiática
Além das muitas condições que simulam as doenças verte-
brodiscais citadas, convém salientar que injeções intramuscu- 8. Lipossarcoma no meio da coxa
lares aplicadas em locais errados, lesões pós-traumáticas ou
hematomas extraneurais induzidos por anticoagulantes, bandas 9. Lipossarcoma do espaço poplíteo
miofasciais na coxa distal e síndrome compartimental da coxa
posterior, além de neuropatia do ciático depois de artroplastia 10. Lipossarcoma de nádega
total de quadril, devem fazer parte do diagnóstico diferencial.36
11. Sarcoma de tecido mole do gastrocnêmio medial
Outras vezes, a dor nas nádegas ou abaixo delas pode se
estender até a metade das coxas ou ultrapassá-la até os joe- 12. Amiloidose da articulação sacroilíaca
lhos, quando o referido nervo ultrapassa o forâmen isquiático
(Figura 59.34). 13. Osteocondroma do sacro
Além das condições supracitadas, a dor no(s) membro(s)
inferior(es) pode ser decorrente de outras condições patoló- 14. Displasia fibrosa do fêmur proximal
gicas inseridas no Quadro 59.1 e nas Figuras 59.35 a 59.41.
15. Fibroma desmoplásico do meio-fêmur

16. Tumor de células gigantes do osso sacro


Quadril
17. Cisto ósseo aneurismático do osso sacro

18. Condrossarcoma região periacetabular

19. Condrossarcoma fêmur proximal

20. Condrossarcoma acetábulo

21. Condrossarcoma da fíbula proximal

22. Câncer de mama metastático no sacro

23. Hipernefroma metastático no sacro


Osso fêmur
(coxa) 24. Adenocarcinoma de cólon
Nervo ciático
25. Adenocarcinoma metastático na região periacetabular
(história de câncer de pulmão)

Figura 59.32 Emergência do nervo ciático no forâmen isquiático. 26. Câncer de pulmão metastático no sacro

Hérnias Discais 775


Nervo glúteo superior Crista ilíaca Músculo glúteo médio (seccionado)
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

Músculo glúteo máximo (seccionado)


Músculo glúteo mínimo
Nervo ciático
Músculo piriforme
Nervo glúteo inferior

Nervo cutâneo posterior da coxa Músculo tensor da fáscia lata

Nervo pudendo
Músculo glúteo médio (seccionado)
Espinha isquiática
Músculo gêmeo superior
Ligamento sacroespinhal

Músculo obturador interno


Nervo para os músculos
gêmeo superior e Trocânter maior do fêmur
obturador interno
Nervo para os músculos gêmeo in-
Nervo cutâneo perfurante
ferior e quadrado da coxa (e ramo
Ligamento sacrotuberal para a articulação do quadril)
Nervos retal inferior Crista intertrocantérica
Nervo dorsal do
Músculo gêmeo inferior
pênis (ou do clitóris)
Nervo perineal Músculo quadrado da coxa

Nervos escrotais Nervo cutâneo


(labiais) posteriores posterior da coxa
Ramos perineais do nervo Músculo glúteo
cutâneo posterior da coxa máximo (seccionado)
Músculo semitendíneo Músculo bíceps da coxa Nervo ciático
Tuberosidade
(cabeça longa) (recobre o isquiática Nervos glúteos inferiores
músculo semimembranáceo)

Figura 59.33 As muitas e complexas relações anatômicas do nervo ciático com os vários músculos e ligamentos da pelve quando de sua
emergência no forâmen isquiático.

Artéria femoral Ligamento redondo


Nervo femoral Veia femoral Nervo obturador
Iliofemoral
M. reto femoral

Sartório
Tendão da fáscia lata Ilíaco o Adutor longo
tíne
Pec Adutor curto
Glú

Delgado
Glúteo m

teo

Acetábulo Adutor magno


men

Obturador externo
o
édio

Forâmen isquiático

Glúteo maior

Músculo piriforme Nervo ciático


Obturador interno

Figura 59.34 Corte axial da pelve, nervo ciático e sua relação com outras estruturas adjacentes da bacia, que lesadas podem causar sua
irritação e provocar dor no seu trajeto.

776 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Tumores de Tumores

„„ CAPÍTULO 59
partes moles ósseos

Figura 59.35 Condrossarcoma. Radiografia em AP do quadril es-


querdo evidenciando massa com componente calcificado que se
origina do osso púbico e se estende para partes moles adjacentes.

„„ DIAGNÓSTICO DA DOR EXTRARRADICULAR


QUE SIMULA CIATALGIA E/OU CIÁTICA
A anamnese e o exame físico são decisivos para diagnosti-
car este tipo de situação, porque o sinal de Cecin e de Lasègue
podem ser positivos nestas doenças extrarraquídeas que com-
prometem o membro inferior abaixo da incisura isquiática. O
paciente, às vezes, é capaz de localizar um ponto doloroso no
trajeto extrarraquídeo do nervo ciático, situado distalmente
da referida incisura isquiática. Quando a localização for possí-
vel, tal fato pode ser considerado um sinal de alerta vermelho
preocupante, porque pode indicar que a dor se deve a doenças Figura 59.36 Áreas de localização de tumores ósseos e de partes
ósseas ou musculares, como tumores e infecções. moles, que podem simular ciáticas e ciatalgias.
Neste sentido, a detecção precoce das causas se impõem,
que além de uma boa anamnese e do exame físico minucioso,
os exames complementares de laboratório e de imagem de boa
qualidade são de extrema importância em casos de tumores Síndrome do piriforme
ósseos e de parte moles.
A síndrome do Piriforme é a compressão do nervo ciático
pelo músculo piriforme, quando o nervo emerge da pelve (Fi-
Outras causas de ciatalgia e ciática gura 59.42 e 59.43). No momento do exame físico do paciente
com dor lombar baixa, na virilha e/ou na região glútea, a flexão
Varicosidades de vasos glúteos
e rotação interna da coxofemoral desencadeiam dor e o tendão
Dor lombar que irradia para as nádegas ou pernas, de cará- do piriforme é sensível à pressão. O sinal de Pace, que é a dor à
ter crônico, sem manifestações neurológicas como dormência, adução da coxa contrarresistência e rotação externa, é positivo.
perda de sensibilidade ou déficit motor, refratária a tratamen- Os aspectos principais desta síndrome decorrem de
tos os mais diversos, pode ser causada pela compressão do dois aspectos relacionados com anatomia da região: a ori-
nervo ciático (quando houver passagem no quadril por vari- gem do músculo na face anterior do sacro e sua inserção na
cosidades das veias glúteas). Sentar em superfícies duras ou borda superior do grande trocânter, depois de atravessar a
deitar sobre o lado afetado provocam dor, que pode ser alivia- face anterior da articulação sacroilíaca e sair da pelve pela
da ao ficar em pé ou deambular. O diagnóstico pode ser feito grande incisura ciática. Nesta incisura também passa o fei-
por ressonância magnética. O tratamento é cirúrgico, se não xe neurovascular que entra na nádega, abaixo ou acima do
houver resposta à carbamazepina.38 músculo piriforme.

Hérnias Discais 777


„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

A B C

Figura 59.37 Radiografia AP da bacia de paciente do sexo masculino, com queixa de dor no quadril há três meses, evidenciando lesão
osteolítica bem delimitada na porção medial do osso ilíaco esquerdo (seta preta). Os cortes axiais com janela de partes moles (B) e com
janela óssea (C) da tomografia computadorizada após a administração de contraste endovenoso evidenciam massa com necrose central
determinando destruição cortical posteriormente (setas brancas, B e C). A biópsia revelou condrossarcoma de baixo grau.

EIPS EIAS EIPS

Dor irradiada ao
L2 longo do músculo L2
L3 glúteo e trato L3
L4 ílio tibial L4
L5 L5
S1 S1

EIPS Espinha ilíaca


posterior superior

EIAS Espinha ilíaca


anterior superior

Figura 59.38 O trato iliotibial e suas relações com a bursa do músculo subglúteo máximo (área redonda no grande trocânter do fêmur)
que separam as fibras convergentes do glúteo máximo e tensor da fáscia lata do grande trocânter. Esquerda, visão lateral. A inflamação da
bursa pode causar irritação e irradiação da dor distalmente ao longo do trajeto completo do trato iliotibial e proximamente ao longo das
fibras do tensor da fáscia lata e glúteo máximo em direção das espinhas anterior (EIAS) e posterior superior (EIPS), respectivamente na
bacia. Embora várias e pequenas bursas existam em redor do grande trocânter. Somente as maiores são vistas aqui. Somente as maiores
são mostradas aqui à esquerda uma superposição anatômica dos dermátomos lombares. Visão posterior direita: À direita superposição
anatômica dos dermátomos lombares.

778 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 59
Bursa do piriforme

Bursa secundária do piriforme


Bursa do subglúteo médio
Bursa do subglúteo mínimo

Bursa do secundário do subglúteo mínimo

Bursa profunda do subglúteo máximo

Bursa superficial do subglúteo máximo

Bursa secundária profunda do subglúteo máximo

Bursa do glúteo femoral

Figura 59.39 37 Bursas localizadas no grande trocânter e na extremidade proximal do fêmur passíveis de causar dor irradiada no membro
inferior.

Figura 59.40 Caso de sarcoma de


Ewing em paciente do sexo masculino
de 29 anos apresentando à radiogra-
fia AP do quadril esquerdo (A) rea-
ção periosteal com padrão lamelado
ou em casca de cebola (seta preta)
na face medial da diáfise proximal do
fêmur. As sequências de ressonância
magnética coronal T2 com saturação
de gordura (B) e axial T1 sem satu-
ração de gordura (C) demonstram
lesão infiltrando a medula óssea da
diáfise proximal do fêmur. Na aquisi-
ção ponderada em T1 com saturação
de gordura (D), tanto a lesão medular
quanto a infiltração cortical e perios-
A B
teal apresentam impregnação pelo
contraste endovenoso (seta branca).

C D

Hérnias Discais 779


„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

Incisura
ciática

Músculo
piriforme

Músculo
gêmeo
superior
Obturador
interno

Músculo
gêmeo
Figura 59.41 Adolescente de 14 anos de idade com quadro clínico Nervo inferior
de sinovite do joelho esquerdo (dor e derrame articular). A radio- ciático
grafia simples evidencia lesão lítica definida na região epifisária
do côndilo femoral medial. Condroblastoma.
Figura 59.43 Relação entre o nervo ciático músculo piriforme e
o músculo gêmeo superior e obturador interno. As afecções dos
músculos citados, inflamatórias ou não, podem ser causas de dor
no trajeto deste nervo.

„„ UMA ABORDAGEM DIVERGENTE SOBRE A


SÍNDROME PIRIFORME
Enquanto nos parágrafos anteriores há uma certeza de que
o nervo ciático sofre uma compressão ao passar entre o múscu-
lo piriforme, o gêmeo superior e o obturador interno, além de
ser afetado por outras condições patológicas adjacentes, outros
autores consideram que esta síndrome é uma falácia do ponto
de vista etiopatogênico.
Estes afirmam que são necessárias evidências comprovadas
por estudos controlados, placebo-controlados e outros critérios
rigorosos da medicina baseada em evidências. Para estes auto-
res, esta síndrome não passa de um mito fabricado por falsas
Figura 59.42 Imagem de RM da bacia no plano axial T1 demons- interpretações. Transportam, inclusive, para a prática médica
trando assimetria entre os ventres musculares dos piriformes
um paralelo com um trecho do discurso do presidente John
com hipertrofia à direita (seta).
Fritzgerald Kennedy citado por Robert L. Tiel, MD, no seu artigo
Piriformis and Related Entrapment Syndromes: Myth & Fallacy,
publicado no Neurosurg Clin N Am 19 (2008) 623–27:

Qualquer lesão, de qualquer natureza, e anomalias con- Para os grandes inimigos da verdade, muitas vezes não é
gênitas, que ao alterarem a estrutura do piriforme e compri- a mentira-deliberada, artificial e desonesta; mas o mito per-
mirem o feixe neurovascular diferenciam-se de uma ciática sistente, persuasivo e irrealista. Muitas vezes nos apegamos
radicular pela impotência funcional e sensibilidade dolorosa aos clichês dos nossos antepassados. Submetemos todos os
na região do forâmen isquiático maior. fatos a um conjunto pré-fabricado de interpretações. Nós
Entre as alterações patológicas que afetam o piriforme por apreciamos o conforto da opinião sem o desconforto do pen-
contiguidade são doenças e condições patológicas como abs- samento.
cesso pélvico, tromboflebite, perfuração uterina e do trato uri- John F. Kennedy, 1962.40
nário inferior (bexiga), infecções (septicemia) e traumatismo
consequente a abortos induzidos por curiosos(as). Os sinais Os supostos critérios de Stewart (Quadro 59.2) definiriam
e sintomas das condições acima mencionadas detectados por quais sintomas e sinais deveriam identificar a verdadeira com-
uma boa anamnese e exame físico são imperativos para o diag- pressão do nervo ciático decorrentes de alguns poucos casos
nóstico diferencial entre as inúmeras causas de lombociatal- relatados, insuficientes para se tirar conclusões cabais e irre-
gias e ciáticas.36,39 futáveis.41

780 Tratado Brasileiro de Reumatologia


Pizzo, M.D, presidia o Institute of Medicine (IOM) committee

„„ CAPÍTULO 59
on Relieving Pain in America,* que de forma categórica desfaz
Quadro 59.2 também o conceito de mito e falácia já referido.48
Evidências exigidas que demonstram o verdadeiro encarceramento Tais casos não dariam suporte a uma verdadeira compres-
do músculo piriforme42 são do referido nervo.49,50
Lesão do nervo ciático A síndrome do piriforme não é causada pela compressão
do ciático na incisura isquiática. Se fosse uma verdadeira com-
Alterações eletromiográficas
pressão exerceria um efeito cumulativo ao longo do tempo;
Músculos paraespinhais normais nada disso foi visto aqui e nada foi provado nos últimos 75
Nenhuma lesão com efeito de massa que pressiona o piriforme anos. As variações anatômicas e anomalias congênitas, não
mostraram estar correlacionadas com os resultados da cirur-
Demonstração de compressão através de exploração cirúrgica
gia na síndrome piriforme.51
Alívio prolongado posterior à descompressão O primeiro desafio para a síndrome piriforme é uma me-
A denominação mais correta seria de ciática não localizada, porque não lhor compreensão de sua natureza etiopatogênica. Daí, aban-
incorpora uma conotação de causalidade donar o termo “síndrome piriforme” seria o ponto de partida.
A sua substituição por “ciática não localizada” seria a termino-
Embora divergências existam, se a síndrome do piriforme é logia mais adequada e, segundo os autores, este seria o termo
uma entidade nosológica distinta ou se é uma dor neuropática mais correto, porque não leva consigo nenhuma conotação
decorrente da compressão do nervo ciático em sua passagem
através do músculo piriforme, ou mesmo seja simplesmente
uma dor miofascial decorrente de uma coxa hipertrófica, e * Eis o seu relato:
como tal continua sendo uma condição patológica hiperdiag-
Os pacientes com dor crônica são a prova de que os maiores de-
nosticada.43-46
safios para os clínicos são aqueles do exame físico, dos exames de
Algumas recentes evidências afirmam que a síndrome do imagens e outros estudos que são negativos, ou pouco reveladores.
Piriforme, na verdade, não é um mito e nem falácia, como rela- Eu fui um daqueles pacientes.
tado pelos autores citados. Apesar dos sintomas que foram muito constantes (dor lombar, dor
O fato é que realmente ocorre compressão do nervo ciático lombar baixa, dor no meio da nádega) tendo sido feitos vários diag-
e não deixa mais dúvidas, pelo fato de que alguns dos exames nósticos, sendo hérnia de disco o primeiro. Fui submetido a vários
tratamentos como fisioterapia duas vezes ao dia, acupuntura, mas-
de imagem daquela época tinham pouca sensibilidade e, prin-
sagem tecidual profunda, exercícios para melhorar minha postura,
cipalmente, pouca especificidade. que não aliviaram minha dor. Duas ressonâncias de coluna (com di-
Atualmente, há relatos de que a utilização de técnicas de ferença de 6 meses de uma para outra) uma RM da bacia e uma do
sequências mais específicas de ressonância magnética (RM) quadril falharam em revelar uma clara origem da minha dor. A dor
e neurografia por (RM) é possível constatar alterações pato- migrava da face lateral da nádega para a tuberosidade isquiática es-
lógicas do músculo piriforme, segundo os autores dos casos querda e não era aliviada pela posição sentada, de pé, caminhando,
ou estando deitado. Um examinador observou uma perda substan-
abaixo descritos, a saber:
cial da força do isquiotibial esquerdo.
Sete meses depois eu comecei a ter uma dor irradiada para a
perna esquerda (coxa) embora não constante e nem abaixo do
Caso 1 joelho. Com o passar do tempo meus sintomas e limitações piora-
ram, vários clínicos ofereceram sugestões que diferiam frequen-
Paciente com lombociatalgia à esquerda, com 17 anos de temente de um para outro; alguns clínicos me perguntaram se
duração em que uma variação anatômica entre o músculo a dor estava se tornando (funcional), outros fortemente acredi-
piriforme e o nervo ciático como a causa da referida lombo- tavam que a dor era de origem neuropática, mas sem definirem
ciatalgia. O diagnóstico foi feito utilizando neurografia por um gatilho ou local para explicá-la ou tratá-la. Eu comecei a ter
ressonância magnética, em que se identificou ventre mus- sintomas clínicos de depressão que contrastavam nitidamente
com minha personalidade rotineira. Após 10 meses de dor per-
cular acessório do pirifome esquerdo (variação anatômica),
sistente, vários exames negativos e várias injeções sem eficácia
por onde passava o ramo fibular do nervo ciático e o múscu- de esteroides e anestésicos nos supostos locais de encarcera-
lo piriforme propriamente dito. Em decorrência deste fato mento de nervos foram feitos esforços para refinar a avaliação
ocorria compressão e tensionamento do referido nervo, o do nervo ciático, desde a sua saída da coluna em direção caudal
que causava a lombociatalgia, que durante todo este tempo para a perna. Não era um exame padrão, mas se não tivesse sido
não foi aliviada por nenhum tipo de tratamento. feito provavelmente a origem da minha dor poderia ainda conti-
A prevalência dessa referida síndrome é de apenas 6% nuar indeterminada. Ficou provado o diagnóstico definindo que
e é mais prevalente no sexo feminino. Deve-se lembrar que o ramo mais alto do nervo ciático que passava através do corpo
do músculo piriforme. Este ramo inerva o músculo isquiotibial
em 83% da população o nervo ciático emerge da pelve em
e ajudou a explicar o porquê 1/3 da sua força foi perdida; este
tronco único e passa por baixo do músculo piriforme, che- achado foi posteriormente verificado pela EMG e estudos de con-
gando à fossa poplítea e daí se ramifica no nervo fibular dução nervosa presumivelmente, era uma aberração congênita
comum e no tibial.47 com a qual eu vivi com sucesso por mais de 6 décadas. Embora
haja muitos debates a respeito da síndrome Piriforme, no meu
Outro contundente relato de que compressões do músculo caso o encarceramento do ciático estava agora bem definido, a
piriforme são subdiagnosticadas, fazendo com que pacientes cascata dos eventos que se seguiram, a minha injúria inicial foi
sofram e se submetam a tratamentos desnecessários e, às ve- provavelmente exacerbada pelos esforços de alongamento e an-
zes, perigosos, é a matéria publicada na mais respeitada re- teversão pélvica feitos para melhorar minha postura, uma conse-
vista médica do mundo (IMPACTO 32) assinada por Philip A. quência indesejável.

Hérnias Discais 781


preconcebida e não incorpora qualquer relação de causalida- Considerando que as elevações da pressão intradiscal são
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

de etiológica. agravadas por uma flexão do tronco que, por menor que seja,
Investigações e avanços clínicos sobre a sua etiologia e pa- provoca um aumento dos “momentos” de força sobre os bra-
togenia exigem rigor acadêmico como ensaios prospectivos e ços de alavanca, fato já referido quando se discutiu a fisiopato-
placebo controlados, além de critérios rigorosos para que va- logia da dor lombar, é possível deduzir que a diminuição desta
riáveis de grupos clínicos possam, razoavelmente, ser compa- pressão durante o repouso em decúbito supino anule as forças
radas umas com as outras. vetoriais incidentes sobre o braço de alavanca, diminuindo
Ferramentas de imagem, entre elas, a neurografia por RM assim os “momentos” de força e aliviando o estresse sobre as
aumentarão a nossa compreensão quando os diferentes acha- estruturas vertebrais.
dos forem correlacionados do ponto de vista histopatológico Quantos dias de repouso? Não há um tempo fixo e prede-
com as condições patológicas elencadas anteriormente. terminado. Cada caso é um caso.
É importante também que os cirurgiões, quando interven- Não pode ser prolongado, pois a inatividade tem também
ções forem feitas, comuniquem aos seus ansiosos pacientes a sua ação deletéria sobre o aparelho locomotor. Depende da
que insucessos e sucessos não podem ser antecipados com localização da hérnia, do seu tamanho (hérnias pequenas po-
precisão e que a duração do alívio parcial ou total da sua dor dem causar dor de grande intensidade) e da presença ou não
não pode ser garantida. É importante que se diga aos pacien- de manifestações neurológicas.
tes, havendo insucesso da cirurgia, que não existe nenhum Na média deve ser de 7 a 15 dias; nas hérnias extrusas e
tratamento atual disponível. Daí não existe outra alternativa, com sequestração, prolonga-se o repouso por até 20 dias.14,56
e os pacientes têm de conviver com a dor. Deste fato pode-se Para evitar atrofias e uma possível osteoporose por desu-
aduzir que daí a espera na sala de cirurgia e a do cirurgião vai so, adotamos uma flexibilização: o repouso absoluto severo
preencher com 30% dos insucessos para aqueles que buscam é relaxado (se permite ao doente banhos de chuveiro, higie-
melhoras, por mais passageiras que possam ser.40 ne pessoal etc.), quando o quadro doloroso começa a ceder e
quando os sinais objetivos (Lasègue e sinal de Cecin) começam
Aneurismas e pseudoaneurismas a se negativar. Nesta fase, exercícios isométricos para quadrí-
ceps são prescritos em 4 séries de 10, três vezes ao dia.
Dor lombar e/ou ciatalgia pode simular hérnia de disco Uma questão relevante tem sido levantada nos últimos
e ser devida a um aneurisma de aorta abdominal. Geralmen- tempos sobre o tratamento conservador da hérnia de disco:
te o exame clínico da coluna lombar e as manobras semió- a hérnia regride ou não? Voltaria o núcleo pulposo ao seu sí-
ticas podem estar normais. À palpação do abdome pode-se tio original?
detectar uma massa pulsátil e ruídos na ausculta do local,
que o ultrassom ou a tomografia (Figura 59.44) visualizam
Medicamentos
com detalhes. Em determinados casos, quando a dor e a
ciatalgia forem de grande intensidade, acompanhadas de Na hérnia de disco com dor de mediana intensidade, os
sudorese e hipotensão arterial, é alta a probabilidade de ro- analgésicos (paracetamol) e anti-inflamatórios não hormonais
tura do aneurisma, uma emergência médica está em curso (AINH) (talvez até mais por sua ação analgésica) podem ser
e uma intervenção cirúrgica se impõe. Aneurismas e pseu- utilizados. Os primeiros devem ser usados na dose de 500 mg
doaneurismas da artéria ilíaca interna podem simular uma a cada 4 horas. Aquele analgésico tem um efeito sinérgico com
ciática com pé caído devido ao comprometimento do plexo os AINH.1
lombar e mesmo a outras causas já relatadas.52 Nesta [ciáti- Na nossa experiência, o diclofenaco potássico por via in-
ca] há relatos, em homens, de uma associação de aumento tramuscular, sem paracetamol, além da utilização de corti-
da espessura da camada intima e média, fato este que pode costeroides tem dado bons resultados. Quando a dor é muito
ser uma manifestação de aterosclerose, já que estudos clíni- intensa e intolerável estão indicados os opioides.
cos e epidemiológicos têm mostrado uma associação entre Não usamos relaxantes musculares (carisoprodol, ciclo-
alteração ateroesclerótica nas artérias aorta e lombar e de- benzaprina ou diazepam), pois não existem evidências de sua
generação dos discos lombares.53 eficácia. O seu uso é limitado a alguns casos selecionados, com
Pseudoaneurismas de ilíacas com plexopatia lombar devido espasmo muscular evidente, com o que concorda a literatura
a hematoma podem causar uma ciática severa com pé caído.54 sobre a matéria.57
Os corticosteroides têm a sua inquestionável valia nas lom-
bociatalgias e ciáticas por hérnias discais. Damos preferência
„„ TRATAMENTO DAS HÉRNIAS DISCAIS
para a dexametasona nas apresentações de fosfato e acetato,
Repouso que deve ser usada a cada 3 dias, nos 12 primeiros dias, por
via intramuscular; às vezes, e dependendo da evolução clíni-
É o procedimento mais imprescindível e o mais eficaz no ca, para fins de desmame, continuamos com pequenas doses
tratamento das lombociatalgias e ciáticas por hérnias discais. de dexametasona nas 2 semanas subsequentes. A preferência
O repouso em decúbito supino, principalmente quando pela dexametasona se deve à sua maior concentração nos teci-
feito de uma forma que permita uma flexão das pernas em um dos do sistema nervoso.
ângulo de 90° com as coxas e um mesmo ângulo destas com Na hérnia discal aguda, a utilização dos corticosteroides,
a bacia (por exemplo, colocando uma banqueta de 50 cm de apesar de resultados comprovados na prática médica, era tida
altura sob as pernas). Essa posição praticamente anula a pres- como empírica, porém hoje tem comprovação experimental e
são exercida pela gravidade sobre os discos intervertebrais e lógica. A degeneração do disco intervertebral, que pode prece-
outras estruturas da coluna lombar. der a herniação, está associada a fatores hereditários e a ou-

782 Tratado Brasileiro de Reumatologia


„„ CAPÍTULO 59
PARE
Figura 59.44 Aneurismas de aorta em imagens de TC e na ectoscopia de abdome.55

tros fatores de risco mecânico, como a compressão radicular neurológico, está indicada a sedação com opiáceos, tipo me-
pelo disco herniado. A compressão radicular, pelo fato de o peridina, tendo-se o cuidado de não prolongar o uso destes;
material herniado estar fora de seu habitat anatômico natu- sempre se deve estar atento aos seus efeitos colaterais. Nestes
ral, desencadeia um processo inflamatório, com liberação de casos, é obrigatória a internação hospitalar.
mediadores inflamatórios, como fosfolipase A, prostaglandina O corticoide por via epidural é de ação discutível. Em uma
E2, interleucina-1 e TNF a, com lesão axonal e das células de revisão feita por Nachemson, em 1992, diz-se que a sua efi-
Schwann e isquemia da raiz nervosa.1 cácia é baixa. No entanto, mais recentemente, Spaccarelli ao
Desta forma, a experiência clínica positiva sobre sua efi- fazer uma análise sobre este procedimento, validou sua indi-
cácia tem, agora, o respaldo das pesquisas experimentais e da cação para as ciáticas por hérnias discais, cujos tratamentos
fisiopatologia do processo patológico aqui delineado – o que, de curto e médio prazos (2 semanas a 3 meses) não foram sa-
cientificamente, referenda a sua utilização – por ser a inibição tisfatórios. Essa opinião é compartilhada por Borenstein. Nos
do referido processo inflamatório mais completa e eficaz do casos com grave comprometimento neurológico (pé caído,
que com AINHs.1 abolição de reflexos, manobra de Barré-Mingazini positiva)
antes da indicação cirúrgica, como uma tentativa de evitá-la, a
Os ensaios clínicos da literatura sobre a matéria, randomi- infiltração epidural pode ser útil como medida heroica.
zados e controlados, conflitantes em relação à ineficácia dos
A nossa experiência, confrontada com a de outros autores,
corticosteroides nas hérnias discais, são de qualidade meto-
tem mostrado ser a anestesia epidural eficaz naquelas ciáticas
dológica criticável. Em um deles, a dosagem usada, apenas um de longa duração, incapacitantes, porém com reflexos osteo-
único bolus de 500 mg de metilpredinisolona por injeção IV tendíneos diminuídos, mas ainda presentes.1
não permite que se chegue a qualquer conclusão sobre resul-
Quando todas as tentativas falham, a cirurgia é uma opção
tados. O próprio autor do referido estudo1 adverte que este
a ser levada em conta. É preciso advertir, no entanto, que esta
trabalho é insuficiente para se chegar a conclusões definitivas necessidade acontece em menos de 5% dos pacientes, e os re-
e arremata que o tratamento deveria ser mais longo e outros sultados não são sempre brilhantes, a não ser em casos bem
parâmetros deveriam ser analisados. É evidente que um úni- selecionados. Em curto prazo, nesses pacientes, pode haver
co bolus de 500 mg de metilpredinisolona não vai resolver um alívio da dor e quase sempre há; porém, em médio e longo pra-
quadro agudo de hérnia extrusa. zos, os resultados podem ser desastrosos, principalmente, se
Especificamente, na hérnia discal, onde a compressão ra- houver fibrose pós-operatória.
dicular é acompanhada de inflamação, como demonstrado na
Figura 59.15, a utilização de glicocorticoides pode oferecer „„ TRATAMENTO FISIÁTRICO
aquelas vantagens adicionais que os AINHs não conseguem
proporcionar. Doses maiores são necessárias, principalmente, “Não existem evidências científicas de que os métodos físi-
nos casos em que há comprometimento neurológico grave. A cos sejam absolutamente eficazes. Alguns são ligeiramente su-
infiltração epidural com glicocorticoides1,58 e opioides é uma periores aos placebos em estudos controlados.” “Não foi ainda
opção no manejo da dor radicular aguda após falha com o tra- comprovada nenhuma cura ou melhora surpreendente ou sig-
tamento conservador.1 nificativa de algum transtorno reumático por meio de alguma
Nas formas hiperálgicas de hérnias discais com sequestra- técnica de tratamento físico, isoladamente utilizado. No entan-
ção, ou hérnias mergulhantes com grande comprometimento to, muitos deles têm uma razoável base científica, sem dúvida.”

Hérnias Discais 783


“O que se espera para o futuro é a feitura de avaliações es- bom nas lombociatalgias por hérnia de disco protrusas e ex-
„„ PARTE 9   DOENÇAS DA COLUNA VERTEBRAL

tatísticas, com base em estudos clínicos prospectivos, rando- trusas em mais de 100 pacientes, atendidos ao longo dos 10
mizados, controlados e duplo-cegos que determinem o papel, últimos anos. É claro que os pacientes usaram também medi-
o valor e a eficácia da maioria das intervenções.”58 camentos; daí, não se poder imputar apenas ao frio os bons
No entanto, mesmo os estudos mais recentes não têm com- resultados obtidos.
provado de forma categórica a sua eficácia na hérnia de disco. Alguns pacientes podem apresentar intolerância ao frio,
Esperar muito deles, principalmente quando executados em por aumento de descarga dos neurônios alfamotores, fato esse
serviços de atendimento massificado, é o primeiro erro. Mes- causador de espasmo muscular. Nesta situação, o calor é a me-
mo quando o atendimento é personalizado, eles são meramen- lhor indicação.62
te coadjuvantes.14,56,59,60 A lombalgia mecânica comum é sempre de tratamento
conservador. Se resistente e existindo evidente substrato clini-
Exercícios copatológico para essa evolução atípica, podem ser realizadas
infiltrações nas discopatias (Modic tipos I, II ou III), infiltração
Se em relação a outros métodos fisiátricos existem dúvidas de pontos dolorosos, infiltração perifacetária, denervação fa-
e controvérsias quanto à sua real eficácia, no entanto, sobre cetária e artrodese do segmento vertebral.
os exercícios de fortalecimento e aeróbicos, há concordância O tratamento cirúrgico da hérnia discal está indicado nos
sobre os seus benefícios nas hérnias discais; é claro, passada a casos com déficit neurológico grave agudo (menos de 3 se-
crise aguda e ausência completa da dor.14,56,58,59 manas), com ou sem dor; na lombociatalgia hiperálgica e nas
Os exercícios, quaisquer que sejam as modalidades, são de outras de menor intensidade, apenas para os pacientes que
fundamental importância no tratamento das hérnias discais, não melhoram após 90 dias de adequado tratamento clínico.
sempre depois de vencida a fase aguda da moléstia. Considerando que possa haver precipitação e abusos na in-
É bom lembrar uma regra básica: com exceção dos exercí- dicação de cirurgia para hérnia discal, é importante que haja
cios isométricos de quadríceps para os pacientes acamados, concordância entre o quadro clínico de compressão radicular
portadores de hérnia discal ou outra qualquer síndrome lom- e os achados nos exames de imagem, tomando-se cuidado com
bar, todo e qualquer outro tipo de exercício está contraindicado a possibilidade de existirem diagnósticos diferenciais que pos-
na fase aguda. sam simular essa doença. Nesses casos, discute-se o tempo
Encaminhar simplesmente o paciente, para realizar “exer- que se deve aguardar para indicar o tratamento cirúrgico. Al-
cícios de coluna”, no contexto de um programa de ginástica guns autores afirmam que os melhores resultados são os casos
ou de musculação em uma “academia”, ou lhe dando aqueles operados nos dois primeiros meses de sintoma, período em
papéis (com figuras de exercícios) que alguns laboratórios que também pode haver melhora espontânea. Nygaard et al.
farmacêuticos distribuem aos médicos, sem atentar para o encontraram piores resultados nos pacientes operados com
diagnóstico etiológico, pode ser desastroso. A prescrição de mais de 8 meses de dor irradiada. Sorensen et al. obtiveram
exercícios tem que ser individual, específica para cada doente, dados que sugerem que pacientes submetidos à cirurgia com
para cada doença e para cada situação. mais de 16 meses de sintomas têm resultado preditivo pior.
Com fundamentação na literatura, a proposta é indicar
Frio tratamento cirúrgico para hérnia de disco lombar nos pacien-
tes com mais de 3 meses, com dor irradiada, e evitar que os
O frio é analgésico por atuar diretamente nas terminações sintomas passem dos 12 meses. O importante é que nos casos
nervosas, diminuindo a velocidade de condução do impul- de dor irradiada sem déficit neurológico não há urgência na
so nervoso e agindo por estimulação competitiva nas fibras indicação do tratamento cirúrgico.
amielínicas.55 Na síndrome da cauda equina (alteração de esfíncter,
Nas articulações, a vasoconstrição por ele provocada reduz potência sexual e paresia dos membros inferiores), a cirur-
a hiperemia e o edema. Há, também, uma discutível redução da gia está indicada em caráter emergencial, como também nas
atividade da colagenase, enzima esta que tem implicações na lombalgias infecciosas (espondilodiscites) com evolução des-
degradação da cartilagem articular. favorável.
Ademais, a velocidade de disparo das fibras IA do fuso A indicação de cirurgia no canal lombar estreito é feita em
muscular é reduzida em 1,86 m/seg/°C, diminuindo o espas-
caráter individual, caso a caso, na síndrome da cauda equina
mo muscular. E, entre 18 a 20 °C, o sistema muscular torna-se,
(paresia de membros inferiores, disfunção urinária e sexual),
aparentemente inexcitável, e a dor pode ser reduzida, porque
na claudicação neurogênica intermitente incapacitante e
tem o seu limiar elevado.61
progressiva e na radiculopatia unilateral que não responda a
A realização, no nosso meio, de estudos clínicos prospec-
tratamento conservador. A cirurgia também está indicada na
tivos e controlados em humanos, para corroborar esta ação
espondilólise, com espondilolistese e espondilolistese degene-
benéfica do frio, é desafortunadamente difícil, pela presença de
vários fatores de distorção (vieses) e por dificuldades de uma rativa, com dor lombar que não melhore com tratamento clí-
aferição objetiva de resultados. nico; escorregamento vertebral progressivo no jovem (mesmo
assintomático); lombociatalgia e claudicação neurogênica em
Na nossa experiência, adotando uma escala analógica vi-
razão de canal estreito que não responderam ao protocolo de
sual, verificamos um efeito analgésico do frio, de regular para
tratamento conservador.

784 Tratado Brasileiro de Reumatologia


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

„„ CAPÍTULO 59
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