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Conselhos de Direitos

e Conselhos Tutelares
Objetivos de aprendizagem
Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados:

 Reconhecer a participação da sociedade civil na gestão pública a


partir da Constituição Federal de 1988.
 Definir as competências e responsabilidades dos Conselhos de Direitos
e dos Conselhos Tutelares.
 Analisar os desafios e potencialidades do Conselho dos Direitos da
Criança e do Adolescente e dos Conselhos Tutelares no Brasil.

Introdução
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, também conhecida
como Carta Magna, inaugurou-se uma nova etapa para a sociedade civil
brasileira. Com esse documento, deixou-se de lado uma visão unilateral
técnica e passou-se a dar a devida importância às decisões políticas nas
quais a população deverá opinar. Nesse sentido, dois órgãos passaram a
ter muito destaque e relevância: os Conselhos de Direitos e os Conselhos
Tutelares.
Neste capítulo, você vai analisar como a participação civil passou
a ingressar na gestão pública a partir da Constituição Federal de 1988.
Também vai aprender sobre as competências e responsabilidades que
caracterizam os Conselhos de Direitos e os Conselhos Tutelares, analisando
os seus desafios e suas potencialidades.

Participação da sociedade civil na gestão


pública a partir da Constituição Federal de 1988
A Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988) inaugurou para os cidadãos
brasileiros a possibilidade da participação popular nas políticas públicas por
2 Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares

meio das instâncias de deliberação e controle social. Podem ser considerados


sua maior expressão os Conselhos de Direitos e os Conselhos de Controle
Social de Políticas Públicas. Essa participação é apontada em diversos mo-
mentos do Texto Constitucional, a exemplo do art. 1º, que, segundo Simões
(2014, p. 106), pode ser assim interpretado: “[...] além da democracia repre-
sentativa, assegurou o exercício do poder pelo povo, diretamente instituindo
a democracia participativa”. A possibilidade/direito de participação popular
na gestão pública, garantida pela Carta Magna, aponta para a importância das
decisões conjuntas entre governo e sociedade civil, ultrapassando, assim, a
visão unilateral técnica e dando a devida importância para as decisões políticas
nas quais a população deverá opinar. Assim, a gestão pública passou a ter um
caráter democrático.
Após a promulgação da Constituição Federal de 1988 (BRASIL, 1988),
as primeiras legislações que apontaram para a construção de espaços demo-
cráticos — que propiciam a participação popular e ampliam o controle social
dos governos — foram:

 Lei nº. 8.080, de 19 de setembro de 1990 — que regulamenta o Sistema


Único de Saúde e prevê a criação dos Conselhos Municipais de Saúde;
 Lei nº. 8.069, de 13 de julho de 1990 — que trata do Estatuto da Criança
e do Adolescente (ECA) e que definiu a formação dos Conselhos dos
Direitos da Criança e do Adolescente e dos Conselhos Tutelares;
 Lei nº. 8.742, de 7 de dezembro de 1993 — que regulamenta a Lei
Orgânica da Assistência Social (LOAS), que, da mesma forma, prevê
a criação dos Conselhos de Assistência Social.

Depois dessa previsão, as demais políticas sociais públicas foram também


instituindo os seus Conselhos de Direitos ou Conselhos de Controle Social,
com o objetivo de promover a participação efetiva dos cidadãos em orçamentos,
deliberações gerais e financiamento.
Ao estabelecer a participação popular, a intenção da Constituição Federal
de 1988 foi estimular os brasileiros a exercer a cidadania, quebrando os velhos
paradigmas do regime ditatorial e atingindo, assim, um patamar democrático
em que as decisões não ficam mais somente nas mãos dos governantes, mas
passam a ter a efetiva participação da sociedade civil, ou seja, as decisões
têm a influência daqueles que conhecem (pois vivenciam) as demandas reais
dos cidadãos.
Dessa forma, as decisões são legitimadas e respaldadas com maior proba-
bilidade de efetividade. Essa possibilidade, no entanto, exige que os brasileiros
Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares 3

fiquem alertas e tomem os seus lugares ativamente nos mecanismos de controle


social, especialmente nos Conselhos de Direitos e Conselhos de Controle
de Políticas Públicas, para que, de tal modo, possam intervir em favor dos
interesses coletivos.
Contemporaneamente, há uma preocupação que toma largo espaço entre
as categorias profissionais que têm base crítica, como é o caso do serviço
social. Essa preocupação se refere à incipiência da participação popular,
pois, embora muito se tenha avançado desde 1988, há ainda uma lacuna
entre os espaços participativos e a condição educativa crítica de se participar.
Isso porque ainda vivemos os resquícios do paternalismo, do autoritarismo,
do clientelismo e da tutela, que podem influenciar negativamente os espaços
participativos, muitas vezes ocupados por cidadãos com pouco ou nenhum
conhecimento sobre a área em questão, o que faz desses cidadãos massa de
manobra facilmente manipulável de acordo com os interesses em jogo. Essa
ideia não deve, de maneira nenhuma, desqualificar a participação popular, mas
deve servir de reflexão sobre o papel socioeducativo dos profissionais de serviço
social, que devem participar ativamente da preparação para a participação da
população, em especial, por meio dos movimentos sociais e dos conselhos.
A participação popular está diretamente ligada ao princípio da descentra-
lização administrativa, também apregoado pela Constituição Federal de 1988.
A descentralização político-administrativa foi um grande avanço trazido pelo
Texto Constitucional, pois, em um país com uma grande extensão territorial,
como é o Brasil, a possibilidade de administrar as políticas sociais em nível
local traz mais assertividade, eficiência, eficácia e efetividade nos resultados,
haja vista o conhecimento e a compreensão das realidades e demandas de cada
região e município. A descentralização deve ser concebida também como
uma valorização do poder local e da participação popular; portanto, esse é
um princípio que exige atenção dos profissionais, já que foi uma conquista
para os brasileiros que deve ser estudada e valorizada.
A descentralização político-administrativa contribui com a participação
popular, uma vez que torna mais conhecidos os assuntos em debate. No en-
tanto, o processo participativo só poderá atingir os objetivos para os quais
foi proposto se a sociedade estiver efetivamente organizada. Para que isso
aconteça, um amplo e democrático debate deve ser permanentemente posto,
a partir do qual poderão ser estabelecidos as prioridades, os interesses cole-
tivos e as agendas de interesse da sociedade, a exemplo de fóruns populares,
conferências, associações e movimentos sociais que tenham como objetos
de discussão a democratização e a consolidação da participação popular na
Administração Pública.
4 Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares

É papel dos profissionais de serviço social se engajar, incentivar, propor e lutar pela
efetivação da participação popular nos espaços já estabelecidos e, ainda, contribuir,
junto à sociedade, com novos espaços democráticos de discussão e de fortalecimento
dos interesses populares. Cabe também aos assistentes sociais a luta pela construção
de espaços participativos que tenham efetivo poder de representar os interesses da
sociedade, informando, orientando e criando espaços socioeducativos para incentivar
a importância da participação popular.

Competências e responsabilidades
dos Conselhos de Direitos e dos
Conselhos Tutelares
O ECA, aprovado pela Lei nº. 8.069/1990 (BRASIL, 1990, documento on-line),
defi ne, no art. 88, “[...] a criação de conselhos municipais, estaduais e
nacional dos Direitos da criança e do adolescente, órgãos deliberativos e
controladores das ações em todos os níveis, assegurada a participação
popular paritária por meio de organizações representativas, segundo leis
federal, estaduais e municipais”.
A partir do art. 131, o ECA dispõe também sobre o Conselho Tutelar, defi-
nindo atribuições, competências, conselheiros, entre outras questões. Vamos
abordar cada um desses órgãos individualmente a seguir. Essa separação será
feita tão somente para facilitar o entendimento sobre o tema, pois suas ações
estão intensamente imbrincadas e têm, em larga escala, o objetivo precípuo
de proteger crianças e adolescentes brasileiros.

Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente


Os Conselhos dos Direitos da Criança e do Adolescente se assentam no modelo
de conselhos participativos nas três esferas. No âmbito federal, o Conselho
Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Conanda) tem a res-
ponsabilidade de dinamizar, avaliar, incentivar, propor e deliberar sobre a
implantação da política nacional de atendimento à infância e adolescência
nas três esferas. No âmbito estadual, a luta pela garantia dos Direitos das
crianças e dos adolescentes tem a força e o auxílio do Conselho Estadual dos
Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares 5

Direitos da Criança e do Adolescente. No âmbito municipal, respeitando


a descentralização político-administrativa, os Conselhos Municipais dos
Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) fazem sua parte, agindo
localmente em defesa da política de atendimento a essa população.
De maneira geral, os Conselhos são órgãos de deliberação colegiada,
permanentes e de composição paritária entre o governo e a sociedade civil.
Sua função principal é formular políticas públicas de atendimento à infância
e à adolescência, bem como defender a qualidade da execução daquelas já
constituídas. São autônomos, mas ligados administrativamente ao respectivo
Poder Executivo da esfera em que atuam. Cada esfera terá uma lei própria,
que definirá a composição, a organização e a competência dos conselhos.
Após a primeira formação, cada conselho aprovará um regimento interno,
que definirá sua organização interna, seus fluxos de trabalho e as comissões
ou câmaras técnicas que o comporão.
Como mencionado, os Conselhos compõem a administração das três es-
feras. Assim, dizer que os Conselhos são órgãos permanentes é afirmar que a
Administração Pública não deverá existir sem eles. O número de conselheiros
é paritário, o que significa que a sua composição será feita por 50% de conse-
lheiros representantes do governo e outros 50% de conselheiros representantes
da sociedade civil. Sempre que uma gestão do conselho está para se encerrar,
novas indicações dos representantes do governo são feitas e novas eleições
dos representantes da sociedade civil acontecem. Todas as decisões dos Con-
selhos são colegiadas, devendo ser tomadas na coletividade, com votação dos
conselheiros. Aí estão a força e o poder da participação popular, pois o voto
dos representantes da sociedade tem o mesmo peso e valor que o voto dos
representantes do governo.
A função deliberativa dos Conselhos fixa as diretrizes para as ações do
Poder Executivo, por isso, é imprescindível que a participação popular seja
qualificada, com força política e conhecimento sobre as pautas relacionadas
aos Direitos de crianças e adolescentes, pois, assim, o Conselho se torna
mais forte e sua função vinculante passa a ser reconhecida e respeitada pelos
Poderes Executivo e Legislativo. Sua função fiscalizadora e controladora tem
o objetivo de auxiliar no processo de maior qualidade às políticas públicas
ofertadas à população infantojuvenil. Nesse sentido, o Conselho age tanto nos
serviços estatais quanto naqueles executados pelas organizações da sociedade
civil (OSCs), antes chamadas de entidades.
O regramento principal sobre o funcionamento dos Conselhos dos Direitos
da Criança e do Adolescentes estão dispostos na Resolução Conanda nº. 116,
6 Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares

de 21 de junho de 2006, que alterou as resoluções anteriores, quais sejam:


Resolução Conanda nº. 105, de 15 de junho de 2005, e a Resolução Conanda
nº. 106, de 17 de novembro de 2005 (BRASIL, 2006). Ela reforça que é de
responsabilidade dos Conselhos zelar pelo efetivo respeito aos princípios da
prioridade absoluta à criança e ao adolescente. A referida resolução também
incumbe ao Poder Público de cada uma das esferas que disponibilize recursos
humanos e técnicos (secretaria executiva com profissional de nível superior,
agente administrativo, motorista, entre outros) e estrutura física necessários
ao bom e efetivo funcionamento do Conselho, garantindo sua função inin-
terrupta. Esse é um pressuposto fundamental para a construção do seu papel
político-institucional. O endereço em que a estrutura físico-administrativa
do Conselho será montada deverá ser público e de fácil acesso para que a
população possa visitá-lo e participar de seus atos.
Quanto à composição dos Conselhos, o Conanda orienta que cada conse-
lheiro deverá ter um suplente, para o caso de o titular ficar impossibilitado
de participar de alguma deliberação. Os representantes do governo devem ser
pessoas com conhecimento e atuação assimilatória à política de atendimento
a crianças e adolescentes. Não deverão compor o Conselho as autoridades
judiciária, legislativa e representantes do Ministério Público e da Defensoria
Pública com atuação no âmbito do ECA ou em exercício na Comarca, foro
regional, distrital ou federal.
A concepção do Conselho da Criança e do Adolescente está baseada em
alguns princípios, que são (MPRP, 2018, documento on-line):

 Legalidade — os Conselhos somente poderão ser criados mediante lei


específica para tal; além disso, é dos Conselhos a prerrogativa legal
para tomar decisão na formulação, deliberação e controle da política
relacionada aos Direitos da infância e da adolescência.
 Publicidade — exige que todos os seus atos sejam de conhecimento
público, devendo, para isso, usar os instrumentos possíveis à disposição.
 Participação — foi garantida pela Carta Magna e deve ser defendida
para a garantia do Estado Democrático de Direito. Exige responsabili-
dade, conhecimento, postura política e eticamente alinhada com a luta
pelos Direitos humanos de crianças e adolescentes.
 Autonomia — apesar de administrativamente ligados ao Poder Público,
os Conselhos não estão a ele ou a qualquer Poder subordinados.
 Paridade — deve ser garantida com a igualdade de representatividade
governamental e da sociedade civil.
Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares 7

Para explicitar a função dos Conselhos dos Direitos de Crianças e Adoles-


centes, apresentamos a seguir suas principais funções e atribuições segundo
o Ministério Público do Paraná (MPPR):

a) acompanhar, monitorar e avaliar as políticas no seu âmbito;


b) divulgar e promover as políticas e práticas bem-sucedidas;
c) difundir junto à sociedade local a concepção de criança e adolescente como
sujeitos de Direitos e pessoas em situação especial de desenvolvimento, e o
paradigma da proteção integral como prioridade absoluta;
d) conhecer a realidade de seu território e elaborar o seu plano de ação;
e) definir prioridades de enfrentamento dos problemas mais urgentes;
f) propor e acompanhar o reordenamento institucional, buscando o funcio-
namento articulado em rede das estruturas públicas governamentais e das
organizações da sociedade;
g) promover e apoiar campanhas educativas sobre os Direitos da criança e
do adolescente;
h) propor a elaboração de estudos e pesquisas com vistas a promover, subsidiar e
dar mais efetividade às políticas;
i) participar e acompanhar a elaboração, aprovação e execução do PPA (Plano
Plurianual), LDO (Lei de Diretrizes Orçamentária) e LOA (Lei Orçamentária
Anual) locais e suas execuções, indicando modificações necessárias à con-
secução dos objetivos da política dos Direitos da criança e do adolescente;
j) gerir o Fundo dos Direitos da Criança e do Adolescente no sentido de definir
a utilização dos respectivos recursos por meio de plano de aplicação [...];
k) acompanhar e oferecer subsídios na elaboração legislativa local relacionada à
garantia dos Direitos da criança e do adolescente;
l) fomentar a integração do Judiciário, Ministério Público, Defensoria e Segu-
rança Pública na apuração dos casos de denúncias e reclamações formuladas
por qualquer pessoa ou entidade que versem sobre ameaça ou violação de
Direitos da criança e do adolescente;
m) atuar como instância de apoio no nível local nos casos de petições,
denúncias e reclamações formuladas por qualquer pessoa ou entidade,
participando de audiências ou ainda promovendo denúncias públicas quando
ocorrer ameaça ou violação de Direitos da criança e do adolescente,
acolhendo-as e dando encaminhamento aos órgãos competentes;
n) integrar-se com outros órgãos executores de políticas públicas direciona-
das à criança e ao adolescente e demais Conselhos setoriais (MPPR, 2018,
documento on-line).

Como podemos ver, são muitas as atribuições dos Conselhos dos Direitos
da Criança e do Adolescente. Não pretendemos esgotá-las aqui, mas é essen-
cial lembrar que a área do serviço social está diretamente ligada à luta pelos
Direitos humanos, entre eles, os específicos a esse segmento, já apontado na
legislação como prioritário.
8 Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares

As secretarias executivas dos Conselhos de Direitos e os Conselhos de Controle Social


são um campo sócio-ocupacional de grande importância para os(as) assistentes
sociais, no qual os profissionais podem executar assessoria técnica, que é uma das
competências previstas para a categoria profissional segundo o Código de Ética dos
Assistentes Sociais (BRASIL, 1993, documento on-line), conforme segue:

Art. 4º Constituem competência do Assistente Social:


[...]
VIII — prestar assessoria e consultoria a órgãos da administração
pública direta e indireta, empresas privadas e outras entidades, com
relação às matérias relacionadas no inciso II deste artigo;
[...]
IX — prestar assessoria e apoio aos movimentos sociais em matéria
relacionada às políticas sociais, no exercício e na defesa dos Direitos
civis, políticos e sociais da coletividade.

Conselhos Tutelares
O Conselho Tutelar foi criado pelo ECA em 1990e estádefi nido entre os arts.
131 ao 140 do ECA. Assim como os Conselhos de Direitos, eles são órgãos
permanentes e autônomos que devem zelar pelo cumprimento dos Direitos de
crianças e adolescentes. Estão administrativamente vinculados à estrutura
orgânica dos municípios, no entanto, sua condição de autônomo garante a não
subordinação ao Poder Executivo. É seu caráter autônomo que dá ao Conse-
lho Tutelar também a possibilidade de tomar, em colegiado, as decisões que
entender adequadas sobre matéria sob sua responsabilidade, ou seja, sobre os
casos por ele atendidos, desde que respeitadas as legislações vigentes no País.
O seu trabalho, apesar de autônomo, não se dá isolado dos demais integrantes
do Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente, muito pelo
contrário, deverá ser realizado em conjunto e simultaneamente, respeitadas
as obrigações e competências de cada um dos atores que compõem o sistema
(MPMR, 2018).
A função de zelar pelo cumprimento dos Direitos da infância e da ado-
lescência exige que o Conselho Tutelar proteja, vigie e envide esforços para
que aqueles que têm a função de executar ações da política de atendimento a
crianças e adolescentes o façam com prioridade e garantam o bom atendimento
a essa população. Nesse trabalho, o Conselho Tutelar deve comparar se o
Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares 9

realizado no município está condizente com o estabelecido no ECA e demais


legislações; no caso de algum desvio, o Conselho Tutelar deverá tomar as
providências cabidas, as quais também constam no ECA.
O ECA indica que, em cada município, deverá haver, no mínimo, um
Conselho Tutelar, ou seja, o Poder Público não poderá escolher instituir ou
não o Conselho Tutelar, pois se trata de determinação legal. Sua composição
será de cinco conselheiros, que deverão ser escolhidos pela população local
para um mandato de 4 anos. Essa composição também não é de livre escolha
do governo, não devendo haver nem mais e nem menos conselheiros do que o
proposto no art. 132 do ECA. Para candidatar-se a membro do Conselho Tutelar,
o cidadão deverá cumprir, no mínimo, as seguintes exigências (BRASIL, 1990):

 ter reconhecida idoneidade moral;


 ter idade superior a 21 anos;
 residir no município para o qual está aberta a vaga.

O art. 136 do ECA define as atribuições do Conselho Tutelar, de acordo


com o MPPR:

1. Atender crianças e adolescentes e aplicar medidas de proteção.


2. Atender e aconselhar os pais ou responsável e aplicar medidas pertinentes
previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente.
3. Promover a execução de suas decisões, podendo requisitar serviços públicos e
entrar na Justiça quando alguém, injustificadamente, descumprir suas decisões.
4. Levar ao conhecimento do Ministério Público fatos que o Estatuto tenha
como infração administrativa ou penal.
5. Encaminhar à Justiça os casos que a ela são pertinentes.
6. Tomar providências para que sejam cumpridas as medidas socioeducativas
aplicadas pela Justiça a adolescentes infratores.
7. Expedir notificações em casos de sua competência.
8. Requisitar certidões de nascimento e de óbito de crianças e adolescentes,
quando necessário.
9. Assessorar o Poder Executivo local na elaboração da proposta orçamen-
taria para planos e programas de atendimento dos Direitos da criança e do
adolescente.
10. Entrar na Justiça, em nome das pessoas e das famílias, para que
estas se defendam de programas de rádio e televisão que contrariem
princípios constitucionais bem como de propaganda de produtos, práticas e
serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente.
11. Levar ao Ministério Público casos que demandam ações judiciais de
perda ou suspensão do pátrio poder.
12. Fiscalizar as entidades governamentais e não-governamentais que
executem programas de proteção e socioeducativos (BRASIL, 1990, documento
on-line).
10 Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares

Como podemos observar, o papel do Conselho Tutelar é de enorme abran-


gência, de modo que é preciso debruçar-se sobre cada uma das atribuições para
melhor compreender sua atuação. Atender crianças e adolescentes refere-se a
ouvir atenta e respeitosamente queixas, relatos de fatos ou situações de violação
ou ameaça de violação dos Direitos de crianças e adolescentes, que podem
ocorrer por ação ou omissão do Estado e da sociedade, por falta, omissão ou
abuso dos pais ou responsáveis ou, ainda, por sua própria conduta. No que
se refere a atender e aconselhar os pais ou responsáveis, precisamos lembrar
que a família é a primeira instituição responsável por proteger as crianças e
adolescentes e que, quando não consegue exercer seu papel protetor e provedor
dos mínimos necessários, deve ser auxiliada pelo Estado.
Como visto, o Conselho Tutelar não é um órgão executor e, sim, zelador
dos Direitos. Dessa forma, deverá requisitar ao Poder Público ou às OSCs que
prestam atendimento nessa área que atendam às suas deliberações. Caso não
sejam cumpridas, deverão ser levadas ao conhecimento da autoridade judiciária,
que dará o encaminhamento adequado, podendo resultar em responsabilização
dos responsáveis pelo não atendimento da requisição. Da mesma maneira, o
Conselho Tutelar deverá encaminhar à Justiça os casos relacionados à infância
e à adolescência que apresentem conflitos de interesses ou questões litigiosas,
como, por exemplo, destituição do poder familiar, adoção, tutela, guarda e
casos em que, supostamente, adolescentes estejam envolvidos com ato infra-
cional (atualmente chamados de adolescentes em conflito com a lei). Neste
último caso, havendo a aplicação pela justiça das medidas protetivas a esses
adolescentes, cabe ao Conselho Tutelar, ainda, acionar pais ou responsáveis e
serviços públicos para atendimento do adolescente, assim como encaminhá-lo
para cumprimento da medida, acompanhar e controlar sua execução, além de
manter o Poder Judiciário informado.
Nos casos de fatos que geram consequências jurídicas apontadas pelo ECA,
o Conselho Tutelar deverá levar oficialmente a notícia aos responsáveis pela
criança ou adolescente ou pelo serviço requisitado, a exemplo da notificação
sobre determinações realizadas pelos conselheiros sobre matrícula escolar,
vacinação ou quaisquer outros casos requisitados.
As atribuições aqui expostas não encerram as que estão sob a responsabi-
lidade do Conselho Tutelar. Assim, é importante estudar mais sobre o tema,
buscando informações, inclusive, relativas ao Conselho Tutelar municipal.
Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares 11

Desafios e potencialidades dos Conselhos


dos Direitos da Criança e do Adolescente
e dos Conselhos Tutelares
O trabalho do Conselho Tutelar e do CMDCA está baseado no ECA, que é
considerado uma ampla e extensiva legislação, reconhecida nacional e interna-
cionalmente. Apresentaremos, a seguir, os principais desafios colocados para
os dois órgãos, chamando a atenção para o fato de que muitos deles atingem
tanto o CMDCA quanto o Conselho Tutelar.
Com o passar dos anos — afinal, o ECA data do ano de 1990 —, muito
se avançou em termos da garantia da proteção integral de crianças e ado-
lescentes no País. No entanto, ainda há muito que pode ser feito tanto pela
sociedade quanto pelo Poder Público e, principalmente, pelos Conselhos.
Como desafios da atualidade, podemos apontar a necessidade de difusão das
regras do ECA, de modo que a população o conheça efetivamente e saiba
interpretá-lo adequadamente, em especial, desmistificando concepções
equivocadas.
Conforme publicação do MPPR, também se configura como desafio con-
temporâneo a necessidade de se “[...] fortalecer os Conselhos de Direitos, com
o devido aparelhamento e “empoderamento”, para que tenham condições de
formular as políticas públicas para a área, a partir de ações e projetos elaborados
com fundamento em diagnóstico correto dos problemas existentes em cada
município” (MPRP, 2018, documento on-line). A esse desafio, juntamos a
dificuldade de uma participação popular qualificada nos processos de plane-
jamento e decisão sobre a política de atendimento à infância e à adolescência,
haja vista que, ainda hoje, encontramos conselheiros de Direitos e representantes
da sociedade civil com pouco ou nenhum conhecimento sobre as legislações,
políticas públicas e demandas da população em tela, o que prejudica sua
representatividade. Dessa maneira, os CMDCAs são desafiados a fomentar,
qualificar e estimular a participação popular.
Para o CMDCA, ainda há o grande desafio de dar visibilidade e conseguir
arrebanhar o respeito às suas deliberações, já que, mesmo havendo a obrigato-
riedade da publicização dos seus atos, ainda há visível desconhecimento por
parte da sociedade sobre as decisões e formulações de políticas desempenhadas
pelos Conselhos, em especial, nos níveis locais.
12 Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares

A garantia de orçamento público que preveja os recursos necessários à im-


plementação prioritária das políticas públicas para a infância também continua
configurando-se como um desafio a ser enfrentado na atualidade. Junte-se a
isso o fato de que a qualidade das ofertas existentes nem sempre condiz com
a prioridade garantida pela legislação, desafiando o CMDCA e o Conselho
Tutelar com a interposição de movimentos para o alcance da primazia e da
qualidade no atendimento a crianças e adolescentes.
Não podemos perder de vista que os desafios colocados aos Conselhos em
tela estão postos também à sociedade e aos governos. Contemporaneamente,
temos acompanhado os esforços envidados para o combate crescente do abuso
sexual na internet. Para os Conselhos de Direitos, o desafio está em realizar
campanhas educativas/informativas que orientem pais, responsáveis e a socie-
dade como um todo para a prevenção dessa violência. Não é demais lembrar
que cabe aos dois Conselhos em questão a defesa e a garantia dos Direitos da
infância e da adolescência.
Outro desafio posto aos Conselhos Tutelares é a luta por uma lei específica
que organize seu trabalho para que se possa enfrentar e evitar situações impu-
tadas, mas que não estão entre as atribuições dispostas no ECA.

São equívocos na interpretação das atribuições dos Conselhos Tutelares:


 espera-se que o Conselho Tutelar faça a busca e a apreensão de crianças e adoles-
centes ou de seus pertences, função exclusiva do oficial de justiça;
 busca-se no Conselho Tutelar autorização para que as crianças viagem ou desfilem,
o que é função do Comissariado da Infância e Juventude;
 muitos acreditam que a guarda pode ser estabelecida pelo órgão, mas ela somente
pode ser determinada pela autoridade judiciária.

Outra demanda que diretamente afeta o Conselho Tutelar é a luta pela ga-
rantia de condições adequadas para a realização do seu trabalho (espaço físico,
remuneração justa, recursos humanos e materiais necessários). Essa situação
vem sendo discutida em todo o País, inclusive sendo pauta no Congresso por
meio da Frente Parlamentar em Defesa dos Conselhos Tutelares. Nesse mesmo
sentido, tanto no Congresso Nacional quanto na Câmara dos Deputados, há
centenas de Projetos de Lei (PLs) tramitando sobre as demandas dos Conselhos
Conselhos de Direitos e Conselhos Tutelares 13

Tutelares do País. Se adentrarmos no conteúdo dos PLs em trâmite, podemos


perceber que há diversos desafios colocados a esse órgão, entre eles, a criação de
uma Comissão Única no Senado que se debruce sobre os PLs em discussão de
forma unificada, para que haja um avanço mais significativo, pois as demandas
vêm sendo discutidas separada e morosamente.
Para entendermos a razão pela qual existem tantos PLs relacionados ao
Conselho Tutelar sendo propostos e analisados, é fundamental refletirmos que o
ECA, que criou os Conselhos Tutelares, foi aprovado em 1990, de modo que já
tem uma existência de quase 30 anos. Desde sua aprovação, muitas mudanças
aconteceram no País, inclusive havendo a aprovação de políticas sociais públicas,
como é o caso da Política Nacional de Assistência Social, aprovada em 2004.
Essas mudanças impactam diretamente as atividades do Conselho Tutelar,
haja vista sua justaposição com a realidade social. Novas realidades, novos
desafios, novas demandas; portanto, é premente a aprovação de atualizações
sobre esse importante órgão de defesa dos Direitos fundamentais de crianças e
adolescentes no País para que ganhe formato adequado à contemporaneidade.

No link a seguir, você pode pesquisar sobre os PLs relacionados ao Conselho Tutelar
que estão tramitando ou já foram aprovados no Senado.

https://qrgo.page.link/xzZR

As principais potencialidades dos Conselhos de Direitos e dos Conselhos


Tutelares estão no resultado do trabalho, que converge para o reconhecimento
de crianças e adolescentes como sujeitos de Direitos e para que a sociedade
garanta a proteção integral dos Direitos individuais, como saúde, educação,
alimentação, cultura e dignidade. Outra potencialidade está na possibilidade
de que esses dois Conselhos estabeleçam ações voltadas para a fiscalização
e efetivação dos Direitos apregoados pelo ECA.
Existe, também, fundamental potencialidade dos dois órgãos no que se refere
à sua capilaridade, haja vista que ambos estão previstos em lei e a sua existência
é obrigatória em todos os municípios brasileiros, o que lhes dá a possibilidade
de replicar as suas lutas e realizar a defesa dos Direitos humanos das crianças
e dos adolescentes brasileiros de maneira uniforme e com abrangência geral.

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