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1ª EDIÇÃO
ISBN: 978-65-87221-63-2
1.FICÇÃO NORTE-AMERICANA
ESTA OBRA FOI REVISADA SEGUNDO O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA. É PROIBIDA A
REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL DESTA OBRA, DE QUALQUER FORMA OU POR QUALQUER MEIO ELETRÔNICO, MECÂNICO,
INCLUSIVE POR MEIO DE PROCESSOS XEROGRÁFICOS, INCLUINDO O USO DA INTERNET, SEM PERMISSÃO EXPRESSA DA
AUTORA (LEI 9.610 DE 19/02/1998).
Á
SUMÁRIO
Sinopse
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Epílogo
Sobre a autora
Sinopse
Elise sabia que o dia seria um pesadelo quando um cara de terno elegante
esbarrou nela no trem e derramou o café no seu uniforme de trabalho. Ele
tentou tocá-la com um lenço para enxugá-la ao se desculpar, a ponto de
Elise ter que dar um tapa nele por ter mãos bobas.
— Malditas segundas-feiras — murmurou, abotoando o casaco para
esconder a mancha ao descer do trem. A estação de Tottenham Court estava
lotada de passageiros àquela hora da manhã e estava úmida com o ar
abafado da aglomeração.
Do lado de fora, o vento de inverno congelava, atingindo Elise em cheio
no rosto e fazendo as pessoas ao seu redor se curvarem para se proteger. O
café já estava gelado e pegajoso na pele.
Maravilha.
Elise precisaria de um estímulo antes de passar o dia cercada por caixas
empoeiradas em um escritório mal ventilado no porão. Ela verificou o
celular: 8h30 da manhã. Bastante tempo para desfrutar de seu salva-vidas
mental favorito.
Em vez de seguir o caminho habitual para o prédio onde trabalhava na
Morwell Street, Elise andou apressada pela Great Russell Street e foi para
seu lugar feliz. As colunas do Museu Britânico apareceram, e ela deixou o
jeito mágico singular do ambiente melhorar seu humor.
Ela se foi se acalmando enquanto se esquivava dos turistas, e comprou
um café de um dos comerciantes que gostavam de se aproveitar da
movimentação do museu.
Um dia, Elise, você vai trabalhar ali. Ela se sentou em um degrau úmido,
tomou golinhos de café escaldante e se deixou pensar em sua fantasia
favorita. Na fantasia Elise se debruçava sobre manuscritos antigos,
restaurando e digitalizando cuidadosamente suas palavras para as gerações
futuras. Ela vagaria pelos arquivos e encontraria tesouros perdidos,
esquecidos nas profundezas. Seria uma defensora privilegiada para ajudar a
repatriar tesouros e ajudar a Interpol a caçar antiguidades no mercado
negro.
Ela tinha se formado em história e feito mestrado em conservação e
restauro. E depois da formatura? Acabou trabalhando no setor de RH em
uma maldita empresa imobiliária. Não importava que suas notas tivessem
sido boas ou o quanto seus trabalhos acadêmicos elogiados. Ela ainda
precisava pagar as contas, e empregos no Museu Britânico não apareciam
com frequência.
Você consegue. Um passo de cada vez. A voz do pai ecoou na cabeça de
Elise, e seu peito apertou. No verão anterior, o pai tinha sucumbido por fim
ao câncer que o estava consumindo, e Elise ainda sentia falta dele todos os
dias. Ela havia tirado um mês de férias para resolver as questões da
propriedade do pai, e depois a chefe mencionou que se ela precisasse de
mais tempo, deveria pedir demissão.
Como se fosse lhe dar essa satisfação. Ela provavelmente deveria ter
vendido a casa em Salisbury e se mudado para mais perto da cidade, mas
não teve coragem.
— Oi, Elise! — gritou uma voz alegre, no outro lado da área verde, e
correu em direção a ela. Chrissy era uma monstruosidade de se ver em um
dia sombrio. Vestia uma jaqueta e um gorro amarelos e brilhantes demais, o
cabelo castanho encaracolado tinha se enrolado e emaranhado nos enormes
brincos cor-de-rosa por causa do vento.
— Bom dia — disse Elise, levantando-se e lançando mais um olhar
melancólico para as imponentes colunas do museu antes de começarem a
caminhar para a empresa.
— Pensei que seria a única atrasada, mas foi ótimo encontrar você.
Podemos dizer que o trem atrasou — disse Chrissy, sem fôlego. — Veio
adorar seu santuário favorito?
— Algo assim. Não ia aguentar começar a trabalhar — respondeu Elise,
sorrindo. Não que não gostasse de Chrissy, mas ela era intensa demais logo
pela manhã, e Elise tendia a não se sentir viva até as dez horas.
— Sei como é. Minha Deusa, estou de ressaca. Fui a uma festa de
solstício de inverno ontem, e exagerei nas cervejas artesanais — comentou
Chrissy, enfiando meio croissant na boca. — Se bem que a energia estava
excelente. Estou animada mesmo de ressaca.
— Passa um pouco dessa boa energia. Acho que todos nós precisamos
neste momento — disse Elise, sorrindo, porque era impossível ficar de mau
humor perto de Chrissy.
— Ah, sim, ouvi no noticiário mais cedo que o Parque Nacional de
Yellowstone nos Estados Unidos vai explodir. Sério, com o ano que estamos
tendo, nada mais me surpreende. Estou te dizendo, Gaia está reclamando e
revoltada. Fizemos um ritual ontem à noite para tentar acalmar as coisas,
mas a Deusa quer o que ela quer. — Chrissy estava interessada em sua
espiritualidade da Nova Era, mas felizmente, não empurrava muito a marca
de “amor e luz” para Elise. Ela tinha sido criada como luterana desde
criança, mas Chrissy estava mais preocupada com a preferência de Elise por
usar apenas preto e nunca transar do que com suas crenças espirituais.
— Um ritual de solstício de inverno parece ser uma orgia muito fria na
floresta — provocou Elise.
Chrissy deu um sorrisinho com os lábios rosados.
— Um pouquinho, é verdade, mas não zombe até experimentar. Estou
arrasada que o Solstício vai ser em uma maldita segunda-feira, ou teria ido
para Stonehenge e realmente absorvido a energia — acrescentou Chrissy ao
entrarem no hall quentinho da Highland & Pierce.
— E, com certeza, eu teria recebido uma ligação para ir buscar sua bunda
congelada porque moro a vinte minutos de distância — disse Elise, dando
um empurrãozinho com o ombro em Chrissy.
— Talvez, mas tenho que admitir, sua casa tem chá e uma lareira. Acha
que Umbridge vai usar o cardigã bege ou o creme com pontinhos bege? —
perguntou Chrissy, ao entrar no elevador. “Umbridge” era como elas
chamavam Susanna, a gerente do departamento de RH que era uma
completa megera, como a personagem de Harry Potter, mas com um gosto
pior para roupas e bugigangas de mesa (bonecas assustadoras que Elise às
vezes tirava do lugar para irritá-la).
— E aquele um pouco mais bege do que o bege padrão, mas menos bege
do que o bege-escuro? — disse Elise, e as duas riram.
No final das contas, Umbridge estava usando aquele com pontinhos e
esperava por elas na frente do elevador.
— Onde vocês estavam? Estão dez minutos atrasadas, e preciso que
cuidem dos telefones, assim posso ir à reunião de gerentes no andar de cima
— questionou Susanna.
— Desculpe, o trem atrasou, parece que tinha gelo nos trilhos — mentiu
Chrissy, e deu a ela um sorriso preocupado. — Sabe como é o maldito
metrô no inverno. É melhor se apressar. Nós cuidamos de tudo.
Os olhos de Susanna se estreitaram atrás dos óculos, os lábios franzindo
ao entrar no elevador.
— Vamos falar sobre isso mais tarde.
— Deveria ter peidado no elevador antes de sair — disse Chrissy, assim
que as portas prateadas se fecharam.
— Na próxima vez — falou Elise, com uma risada, e se dirigiu para seu
canto do escritório.
Elise tinha uma mesa com regulagem de altura, um computador e um
scanner ao lado dos compactadores de armazenamento que continham todas
as cópias impressas dos contratos e arquivos dos funcionários. Uma
suculenta meio morta e uma foto do pai foram os únicos toques decorativos
que se importara em acrescentar.
Qual é o sentido de decorar quando vou sair daqui a dois meses? Ela
dissera há mais de um ano. Realmente tenho que sair deste lugar.
Elise largou o casaco em uma cadeira, pegou a camisa limpa que
guardava para emergências em uma gaveta, e se dirigiu ao banheiro para se
trocar.
Quando voltou para a mesa, Chrissy estava esperando por ela,
embaralhando as cartas de oráculo de criaturas feéricas e olhando para ela
com curiosidade.
— O quê? Ainda tem respingos de café em algum lugar? — perguntou
Elise.
— Não, sua aura parece um pouco intensa hoje, muito mais do que o
normal — disse.
— Experimentei um novo cereal hoje, será que foi isso? Tinha bastante
farelo de aveia — provocou Elise. Chrissy revirou os olhos.
— Não vai adiantar tentar me provocar hoje. Estou muito carregada de
energia sombria.
Elise ligou o computador.
— Hum, parece arriscado.
— Somos feitos de luz e escuridão, Elise. Querendo ou não, tem que
aceitar os dois lados — retrucou Chrissy, imperturbável. Ela espalhou o
baralho, e estendeu para Elise. — Escolha uma carta.
Fazendo a vontade da amiga, Elise fechou os olhos, e passou os dedos
pelas cartas. Isso era uma coisa divertida que faziam pelo menos uma vez
por semana, então Elise ficou surpresa quando puxou uma carta que nunca
tinha visto.
Era de um feérico alto, com longos cabelos escarlates e um conjunto de
galhadas como as de um veado subindo de sua cabeça. Tinha duas espadas
amarradas às costas, e o torso coberto de tatuagens azuis. Os olhos
dourados eram selvagens, a boca sensual curvada em um sorriso do tipo que
um lobo daria… pouco antes de rasgar a garganta de alguém.
— Por favor, me diga que o significado é ganhar na loteria — provocou
Elise. Chrissy estava franzindo a testa olhando para a carta, perdida em
pensamentos. — O quê?
— Nada. Essa é uma carta de energia masculina pesada. Nunca vi uma
mulher escolhê-la antes. — A voz de Chrissy ficou mais grossa e os olhos,
vidrados. — Você vai iniciar uma jornada, enfrentará escuridão e
adversidade. Terá um protetor das sombras, mas nunca estará segura. —
Chrissy se chacoalhou. — O que eu disse?
— Que vou conhecer alguém. Com sorte, é gostoso e não como… Barry
da Contabilidade — brincou Elise. Barry a apalpou bêbado na última festa
de Natal e, desde então, ele a chamava para sair uma vez por mês
religiosamente.
Não, obrigada.
— Não, não será Barry.
— Bem, o único outro homem que vejo sempre é Glenn no pub toda
segunda-feira à noite — disse Elise, determinada a fazer Chrissy rir. Glenn
era o melhor amigo e antigo companheiro de bar do pai de Elise. Queria
ficar de olho nela e ter certeza de que estava indo bem. Era bom sair com
ele e ter alguém com quem conversar sobre o pai. Além disso, segunda-
feira era noite de promoções no pub local, e Elise nunca poderia dizer não a
uma caneca de cerveja e uma refeição baratas.
Chrissy se sacudiu e apoiou a carta ao lado da suculenta de Elise.
— Não sei, querida. Provavelmente estou apenas nervosa ou de ressaca.
Você pode ficar com o guerreiro feérico gostoso por um dia — disse, com
um sorriso.
— Eu diria ressaca. Talvez você deva beber um pouco de água junto com
todo esse doce que está ingerindo.
Chrissy mostrou o dedo para Elise.
— Eu bebo muita água, idiota.
— Você tem cristais na garrafa de água. Eu me preocupo contigo.
— Tanto faz. Vejo você no almoço.
Elise franziu a testa, observou Chrissy se afastar, e voltou a olhar para a
carta.
— Parece que somos apenas você, eu e a aventura de digitalizar a última
avaliação trimestral da equipe.
O feérico cruel apenas sorriu um pouco mais.
Capítulo 2
Como Elise previra, o dia foi uma chatice. O sanduíche que havia
comprado na cafeteria do prédio tinha cabelo e o café estava frio. Seu
computador desligou automaticamente duas vezes para fazer atualizações.
O alinhamento do scanner esticou toda a escrita nas páginas, forçando Elise
a refazê-las. Chrissy ficou mais ansiosa com o passar do dia, a animação da
noite anterior passou, deixando-a enjoada e nervosa.
— O que diabos colocaram na cerveja artesanal? — perguntou Elise,
entregando a Chrissy pastilhas para o estômago que sempre levava na bolsa.
Com um trajeto diário de duas horas, as pessoas aprendiam a estar sempre
preparadas.
— Não sei, talvez alguém tenha colocado cogumelos divertidos na salada
— reclamou Chrissy, parecendo pálida.
— Não é tão divertido agora, né?
— Vá se ferrar — grunhiu, e pegou as pastilhas. — Não parece uma
ressaca. Parece ansiedade e um carma muito ruim.
— Apresento-lhe uma segunda-feira típica — disse Elise, esfregando as
costas de Chrissy.
Quando deu cinco horas da tarde, Elise estava pronta para ir embora. O
feérico com chifres na carta olhou para ela julgando tanto que Elise mostrou
a língua para ele.
Estúpida Chrissy está me deixando paranoica agora. Elise só queria ir
para casa e tomar um banho quente.
As calçadas a caminho da estação de trem já estavam cheias de gente.
Elise tinha o braço enfiado no de Chrissy para ajudar a mantê-la ereta.
— Preciso dormir por uma semana — disse.
— Beba alguns eletrólitos. Melhoras — falou Elise, soltando-a assim que
chegaram à parte inferior das escadas, e seguiu para sua plataforma.
Três mulheres e um homem passaram por Elise vestidos como ninfas da
floresta meio loucas. Usavam leggings de couro e os cabelos compridos
trançados e decorados com penas. Tinham pintura de guerra azul-escura nos
braços e no rosto em espirais intrincadas.
Parece que conseguiram tirar uma folga no Solstício. Eles
provavelmente estavam indo para uma festa em uma convenção pagã.
— Fantasias legais, pessoal — disse Elise, com um sorriso. Uma das
mulheres sibilou em resposta, mostrando as presas. Os outros apenas
olharam para ela antes de irem embora. Estranho. Ninguém mais estava
olhando para eles enquanto caminhavam na direção oposta da multidão; as
pessoas apenas saíam da frente. Sendo sincera, não era a coisa mais
estranha que Elise havia visto no transporte público de Londres.
Elise teve que ficar os primeiros trinta minutos em pé ao lado de um cara
com um cheiro desagradável e uma mulher que não parava de falar ao
telefone. Ainda assim, por algum milagre dos deuses do transporte, ela
conseguiu uma cadeira na frente do vagão assim que chegaram a Woking.
Elise pegou o leitor de e-books, mas ele se recusou a ligar. Ela tentou
reiniciá-lo, e nada. Ela poderia ter chorado de pura frustração.
Este dia não pode ficar pior. Em seguida, o celular morreu.
— Está de sacanagem — murmurou Elise. Estava carregado quando saiu
do trabalho. Ela olhou para um homem xingando do outro lado do corredor.
Enquanto olhava ao redor, percebeu que os aparelhos eletrônicos de todos
tinham parado de funcionar.
Elise não teve chance de tentar entender o que estava acontecendo porque
as luzes piscaram e apagaram. As pessoas reclamaram quando o trem parou
e as portas laterais se abriram, deixando entrar um vento gelado no vagão.
Foi quando a gritaria começou.
— O que diabos está acontecendo? — disse uma mulher, em algum lugar
no escuro. Elise olhou através do painel de vidro na porta que ligava ao
próximo vagão no momento em que o rosto de um homem bateu contra o
vidro, jorrando sangue por toda parte.
Elise pôde distinguir um turbilhão de passageiros brigando e mulheres
gritando e arrancando os olhos umas das outras. Um homem estava pisando
na cabeça de outro, sangue derramando no chão. No meio do caos, houve
um lampejo de uma figura dourada. As pessoas saíram do caminho, e Elise
cobriu a boca para conter o grito. O idiota da carta feérica estava olhando
para ela.
Alguém agarrou Elise pelos cabelos e ela se virou apressada para
empurrar a mulher. As pessoas começaram a gritar no vagão. Um homem
usou o notebook para bater com força na parte de trás da cabeça do
passageiro à sua frente.
Elise se agachou, tremendo horrores e esperando que ninguém a visse. As
portas se abriram e ela prendeu a respiração, temendo o que estava por vir.
Chifres de veado cor de marfim com manchas douradas apareceram, e o
homem mais alto que ela já vira entrou no vagão. Estava vestindo uma
armadura dourada com delicados desenhos entrelaçados. O cabelo
comprido branco pendia em uma trança nas costas e terminava em pontas
vermelhas.
Ele se virou para ela, os olhos escarlates vívidos sob a máscara dourada
que usava. Tinha duas espadas iguais penduradas nas costas, e olhando para
elas, Elise se agachou ainda mais no chão do vagão, empurrando-se contra a
parede para se afastar dele.
Todos estavam muito ocupados matando uns aos outros para notar o
homem fantasiado de feérico mais assustador do mundo no meio deles. A
armadura ficou manchada de sangue quando uma mulher bateu a própria
cabeça contra a barra em cima do assento.
Uma luz dourada saiu dele, e os gritos pararam quando todas as pessoas
no vagão caíram mortas. Elise teve ânsia de vômito, o terror a agarrando, e
esperou ter o mesmo destino. Morte pelas mãos de uma criatura que ela não
acreditava existir. Quando a luz assassina a tocou, só fez a pele de Elise
formigar antes de voltar para o feérico que olhava para ela, olhos escarlates
arregalados e confusos.
O que diabos está acontecendo?
Outro feérico coberto de tatuagens azuis e sangue subiu pela porta lateral
e disse algo em uma linguagem gutural, gaélica. Ele notou Elise se
encolhendo e puxou uma lâmina de aparência bárbara.
Houve um tinido agudo três centímetros acima da sua cabeça, e Elise
abriu um olho. A lâmina do feérico dourado afastou a do outro para longe.
Ele sibilou alguma coisa, uma ordem, a julgar pelo tom, e o feérico de
cabelo preto recuou surpreso e horrorizado.
O feérico dourado saiu do caminho, e o outro entrou em ação, puxando
Elise para fora do esconderijo. Elise chutou e deu um soco nele, mas não
adiantou. Ele a arrastou para fora e a empurrou de joelhos na frente do
feérico dourado.
Os olhos vermelhos brilharam por trás da máscara ao observá-la. Depois,
cortou o polegar na ponta da lâmina e espalhou o sangue na testa de Elise
antes de enfiá-lo entre os lábios dela e esfregar nos dentes. Elise tentou
cuspir, mas ele agarrou o seu rosto, segurando o queixo até que ela
engolisse. O estômago de Elise se revirou, e ela sentiu gosto de mel e flores.
Em seguida, ele pulou gentilmente para fora do trem e subiu em um
cavalo branco que estava esperando do lado de fora do vagão. O feérico de
cabelo preto amarrou as mãos de Elise com uma tira de couro. Depois ela
foi jogada na frente de uma sela. O feérico subiu atrás dela e pressionou
uma adaga na nuca de Elise. Murmurou algo que ela não entendeu, mas
ficou claro o suficiente. Não tente fugir, ou vou cortar sua garganta. Elise
assentiu, assustada demais para fazer qualquer outra coisa.
Ela virou a cabeça e viu o exército de feéricos montados cercando o trem.
Ao passarem pelos vagões abertos, ela vislumbrou o que restava das
pessoas que se despedaçaram no terrível ataque de loucura. Elise suspirou
exasperada ao ver tanta morte e carnificina. As pessoas fizeram isso a si
mesmas; o exército não havia deixado as montarias, apenas observavam.
O príncipe dourado olhou para Elise outra vez, os olhos frios.
— Leve-a para o acampamento — disse, e ela estremeceu, percebendo
que podia entendê-lo. — Lidarei com ela quando voltar.
— Sim, meu príncipe — disse o guerreiro atrás dela.
Com horror crescente, Elise observou o príncipe dourado fazer um gesto
elegante com a mão. O trem voltou à vida, suas portas se fecharam
automaticamente, e ele começou a se mover de volta para Londres, levando
embora a loucura violenta.
Capítulo 3
Pela segunda vez, a humana estava inconsciente quando Kian voltou para
a tenda antes do amanhecer. Estava exausto por causa da quantidade de
energia que o consumia há dias, e tudo o que queria fazer era dormir.
Arawn sabe que mereço.
Ele, Kian, o Príncipe de Sangue, tinha conseguido o impossível e trazido
seu povo de onde tinham sido banidos para Feéria, através do círculo de
pedra, de volta para Albião. Por fim, mil e quinhentos anos de
aprisionamento havia acabado.
Os humanos tinham construído o círculo de pedra como um aviso de que
era uma porta de entrada para Feéria, embora não soubessem como abrir ou
fechar. Agora era de Kian, o castelo crescendo ao lado, destinado a ser uma
parte daquela terra que havia sido tirada deles. Não pretendera mostrar
misericórdia a nenhum dos humanos, e ainda assim, na primeira noite de
guerra, fizera uma prisioneira.
— Por que você? — murmurou Kian, olhando para Elise no chão. Na
engenhoca de aço onde a encontrou, ela foi a única que o viu. Nenhum
humano deveria ter conseguido vê-lo. Não apenas isso, mas o feitiço que
colocara neles também não surtira efeito sobre ela.
A curiosidade de Kian o fizera impedir Fionn de matá-la, mas talvez não
devesse. Kian tinha ensinado aos feéricos que os humanos eram piores que
animais e deveriam ser tratados como tal, mas não havia sido capaz de
esmagar aquele inseto. Foi bastante constrangedor. Ele se agachou, tentando
encontrar o motivo pelo qual ela o deixara tão intrigado.
O sono tinha tirado o medo do rosto dela, e com algum horror, Kian
percebeu que ela era bonita. Ela era o oposto das fêmeas feéricas, com
curvas suaves, e, sem dúvida, não era uma guerreira. O cabelo comprido era
uma confusão de cachos escuros macios ao toque.
Quando os olhos dela estavam abertos, eram grandes e azuis, e tão
delicados quanto todo o resto. Os lábios carnudos estavam abertos um
pouco, e Kian tinha bebido hidromel suficiente para que não se impedisse
de passar um polegar sobre eles. Ela suspirou enquanto dormia, com os
lábios se fechando no polegar. O gesto fez seu desejo extinto reacender.
Kian puxou a mão com um sibilo, odiando a súbita emoção.
— Eu deveria matá-la — disse, colocou a mão na adaga e alongou os
incisivos. A ideia de beber a humana por completo fez o desejo explodir, e
Kian se afastou dela.
Em geral, a maldição só o fazia ter fome de sangue na lua cheia, fazendo-
o questionar mais uma vez o que diabos era diferente nela.
Elise.
Não podia ser apenas o fato de que o sangue dela era delicioso. Era um
sabor como algo que Kian achava ser capaz de identificar e não conseguia.
Como se tivesse provado em um sonho e esquecido. Era magia líquida,
alegria e calor.
Ele pensou que poderia ter sido porque ela era humana, mas tinha
provado outros humanos naquele dia na batalha, e nenhum sangue era como
o dela. Era como beber luz líquida, aquecia seus lugares mais frios. Aquele
pequeno gole da mão dela foi suficiente para repor a força e poder de Kian
para trazer o castelo mais facilmente do que Kian imaginou.
O que em nome de Arawn ela era?
Kian era antes um estudioso, depois um príncipe guerreiro. Descobriria o
que fazia seu corpo e seu poder reagirem a ela de maneira tão intensa, e
depois, quando terminasse, ele a mataria.
Kian poderia fazer o que quisesse com ela. Os braceletes dourados
brilhavam nos pulsos de Elise, um sinal de que ela pertencia apenas a ele.
Ser o mestre dela preenchia Kian com uma alegria sombria e deliciosa.
Jamais tivera escravos, abominava a prática, mas a primeira coisa que fez
quando a viu foi fazê-la uma prisioneira, para ela nunca mais escapar dele.
— Toda minha. — Kian correu uma mão pela lateral do corpo de Elise,
deixando o poder rastejar sobre ela. Quando chegou à pequena caixa
torácica, detectou rachaduras nos frágeis ossos humanos e rosnou pelo
tratamento áspero de Fionn. Sem hesitar, a magia de Kian a curou, e ela
começou a respirar mais profundamente.
O que está fazendo? Kian se levantou e se afastou. Só a possuía há
algumas horas e já lutava contra impulsos fora de controle.
Se meus irmãos estivessem aqui, eles me provocariam impiedosamente
por ser tão ridículo.
Ele odiava não estar no controle quase tanto quanto odiava os humanos.
Kian agarrou o punho da adaga outra vez, caminhou de volta para onde
ela estava, pronto para introduzi-la em sua carne. Elise balbuciou baixinho,
o rosto franzido, os dedos esticando e fechando como se estivesse tentando
alcançá-lo.
— Porra — murmurou, incapaz de matá-la quando ela estava tão
indefesa quanto um bebê. Não havia vitória. Enojado, Kian jogou a adaga
em um dos suportes da tenda, onde ela cravou.
Você só precisa dormir. É apenas a maldição lhe afetando.
Ele olhou para o final da sua trança e os restantes cinco centímetros
vermelhos. Era todo o tempo que ainda tinha no mundo. Quando o
vermelho ficasse branco, morreria. Havia lutado contra a maldição por mil e
quinhentos anos e mal teria mais alguns.
Fazia pouca diferença. Havia sido tempo suficiente. Kian se vingaria dos
humanos por matar os bebês antes de bani-los. Riria da sombra da feiticeira
morta que havia amaldiçoado ele e os dois irmãos a destinos horríveis. Eles
morreriam em uma tempestade de fogo de morte e sangue ardente, gelo
congelante e escuridão sem fim, e iriam para os corredores de Arawn com
sorrisos justos nos rostos.
Kian tirou as botas com o pé, e se jogou na grande cama coberta de peles.
Já estava mais frio em Albião do que em Feéria. Assim que o pensamento
lhe ocorreu, Kian se levantou de novo, e colocou um manto sobre a
humana.
— Por todos os deuses, você deve ser uma bruxa — resmungou, e
retornou para a cama.
Capítulo 5
Caía uma chuva gelada lá fora, e o chão estava congelado. Elise segurou
o manto de Kian nos ombros, desejando que tivesse botas adequadas e não
as da moda usadas apenas para trabalhar no escritório.
Elise olhou, admirada e aterrorizada, para o castelo gigantesco que havia
crescido da noite para o dia. Tinha seis torres e parecia ter sido esculpido a
partir de um único bloco de obsidiana.
— Não demore — resmungou Kian à frente, e ela caminhou apressada
para acompanhar os passos largos dele. O pequeno sorriso que ele mostrara
na tenda já tinha desaparecido, e apenas o príncipe aterrorizante que tinha
conhecido no trem permanecia. Ainda não podia acreditar que tentara
esfaqueá-lo, e ele não a havia matado.
Tinha visto como poderia ser cruel.
Seja inteligente e fique viva, ecoou a voz do pai na sua cabeça.
Os poucos feéricos acordados curvavam-se para o príncipe e olhavam
para Elise com uma mistura de curiosidade e nojo. Ela tentava manter os
olhos focados nas costas de Kian, as palavras sobre ninguém a tocar
estranhamente reconfortantes.
Não que Elise confiasse nele para não a matar quando quisesse. Só
porque ela tentou matá-lo e ficou viva não significava que ela era tola o
suficiente para acreditar que ele não escolheria se vingar quando quisesse.
Eu o cortei. Ele me cortou. Elise esperava que funcionasse da mesma
maneira: se ela não tentasse matá-lo, ele a deixaria viver. Era uma
esperança tola, mas ela precisava se agarrar a qualquer tipo de esperança
possível.
Atrás das paredes altas do castelo havia um grande estábulo, já cheio de
guerreiros feéricos cuidando dos cavalos. Eram os maiores cavalos que
Elise já havia visto, com crinas e pernas peludas. Havia cochos de pedra ao
lado das baias, grandes o suficiente para que ela pudesse usá-los como
banheira. Os guerreiros se curvavam para o príncipe, que acenou com a
cabeça ao passar e entrar por uma porta de madeira nos fundos.
Do lado de dentro, a cozinha era uma onda de atividade. Ao contrário dos
guerreiros, que pareciam mais ou menos humanoides apesar das orelhas
pontiagudas e chifres aqui e ali, os feéricos na cozinha eram mais parecidos
com os que Elise havia imaginado das histórias. Era como se a natureza
tivesse tido relações sexuais com humanos, e o resultado era crianças
selvagens com folhas no lugar dos cabelos ou asas de borboleta. Ela tentou
não olhar, mas não conseguiu evitar.
— Ah, mestre! O que o senhor está fazendo entrando pela porta dos
fundos? — Uma feérica pequena e atarracada, com pele de casca de árvore
e cabelos indisciplinados feitos de gavinhas e brotos florais, estava com as
mãos com garras nos quadris largos.
— Perdoe-me, Hedera, não queria causar confusão — disse Kian, dando-
lhe um sorriso charmoso que pareceu acalmá-la, pelo menos até ela ver
Elise.
— Mestre, o que é aquilo atrás do senhor? — disse, o rosto se
contorcendo como se Elise fosse algo em que havia pisado.
— Estava esperando que você pudesse encontrar um uso para ela.
— É uma humana, por isso vai ter muita carne. Poderia fazer algo tipo
uma torta…
Kian riu.
— Não, Hedera, é meu novo animal de estimação. Não é de comer —
esclareceu e, em seguida, mostrou as presas a Elise. — Pelo menos não por
enquanto.
A cozinha explodiu com risinhos, e ela tentou não dizer a todos para irem
se foder. A bravura de Elise tinha seus limites, mas a raiva era abundante.
— Bem, mestre, suponho que precisaremos encontrar algum uso para a
espécie em geral quando o senhor conquistar Albião.
Conquistar Albião? Ela não podia estar falando sério. Albião era o nome
antigo da Inglaterra, e os humanos não permitiriam que ninguém a
conquistasse. Elise arriscou um olhar para Kian e desejou não ter hesitado
tanto com a adaga. Os braceletes esquentaram de novo, e o voto feito para
nunca o machucar fez sua língua doer.
Ah, seu filho da puta. O príncipe parecia saber exatamente o que Elise
estava pensando porque o seu sorriso presunçoso ficou maior.
— Tenho certeza de que é boa para alguma coisa — disse ele.
— Bem, você estava um pouco entusiasmado com a construção do
castelo ontem, e a maioria dos quartos está uma bagunça. Vou fazê-la
limpá-los — respondeu Hedera, enxugando as mãos em um avental.
— Excelente. Não se preocupe com tentativas de fuga. Se ela deixar o
castelo, vou saber. — Este foi mais um aviso para Elise do que uma
garantia para Hedera. Os olhos escarlates do príncipe brilharam quando ele
a olhou por cima. — Mantenha-a fora da torre norte. Não quero cheiro de
humano por lá. Já sinto esse fedor o suficiente no campo de batalha. — Saiu
da cozinha sem olhar para trás, deixando Elise sozinha com os servos
franzindo a testa.
Hedera olhou para ela outra vez, como se estivesse avaliando a utilidade
de Elise para o trabalho pesado.
— Não posso imaginar por que ele iria querer você, exceto para a
comida.
Talvez porque eu tenha visto através do seu glamour, e ele gosta de ter
alguém para atormentar. Elise não se atreveu a mencionar isso. O fato de
que ela o vira no trem pareceu confundi-lo, e talvez isso significasse que ela
podia ver através de qualquer um dos glamoures que outros feéricos
tentaram usar para enganá-la. Elise não disse nada, então Hedera grunhiu e
enfiou um esfregão e um balde de madeira nas suas mãos, além de alguns
panos.
— Por aqui, escrava, e não derrame essa água, ou vou bater em você até
sangrar — disse, e abriu outra porta.
Elise a seguiu por uma série de longos corredores com arcos e tetos altos
feitos de obsidiana. Ela não se atreveu a parar e olhar para os estranhos e
belos murais nas paredes. As mesmas insígnias eram repetidas por todo o
castelo; um par de chifres, uma espada de gelo, e asas pretas. No centro de
cada uma havia um ramo de rosas.
Hedera podia ser baixa, mas se movia com rapidez, e Elise teve que se
apressar para acompanhar o ritmo e não derrubar tudo. Hedera abriu portas
de madeira cobertas de videiras de bronze. Havia pequenas flores brancas
brotando a partir delas, e quando Elise passou, viu que eram reais. Ela foi
tocar em uma, e Hedera deu um tapa em sua mão.
— Se apresse! — Latiu. Elas atravessaram as portas e entraram em um
salão de festas com uma longa mesa maciça. Cadeiras, castiçais, talheres e
porcelana estavam espalhados pela sala como se tivessem estado em um
globo de neve chacoalhado.
— Arrume este cômodo, tire a poeira e limpe o chão — Hedera disse,
olhou para Elise uma última vez, e saiu zangada.
Elise olhou para o caos ao redor. Ela odiava limpar, mas talvez sozinha
poderia descobrir uma maneira de sair do castelo. Só porque tinha
braceletes mágicos nos pulsos, não significava que não estivesse planejando
fugir o mais rápido possível. Se o príncipe realmente estivesse tentando
conquistar a Inglaterra, então estaria muito ocupado para se preocupar com
o que uma simples escrava estava fazendo. Assim espero.
Elise estudou os braceletes nos pulsos. O ouro estava em uma peça
inteiramente forjada, sem trinco ou dobradiça que poderia ser usada como
uma fraqueza. Ouro era um metal macio, mas precisaria de ferramentas para
cortar ou serrar. Ela não ia ficar ali e deixar o príncipe usá-la antes de se
entediar e decidir transformá-la em uma torta.
Elise começou a levantar as cadeiras de madeira pesadas e esculpidas e
organizá-las ao redor da mesa, o tempo todo fazendo planos de fuga.
Capítulo 7
Elise precisava tanto fazer xixi que seu abdome doía. O sol tinha acabado
de se pôr, mas ela não ia conseguir esperar pela visita noturna habitual às
latrinas.
Vá rápido, e não a verão.
Verificando o lado de fora da porta da cozinha, Elise deu um passo rápido
e cauteloso nas sombras. Guerreiros feéricos haviam retornado mais cedo e
estavam bebendo ao redor das tendas. Se fosse cuidadosa, conseguiria
evitá-los. Elise achou que já teria se sujado quando enfim conseguiu chegar
e trancar a porta para ninguém entrar por engano, e suspirou aliviada.
Semanas haviam se passado desde que Elise foi pega no trem, e ela
aprendera bastante durante aquele tempo. Na maior parte, como se
esconder.
Nos primeiros dias, ela fora bastante ingênua ao pensar que se seguisse as
ordens e se comportasse, poderia se tornar um acessório invisível no castelo
e seria ignorada. Algo impossível, porque os feéricos estavam tão enojados
quanto intrigados por Elise, e não pareciam esquecer a presença dela nem
por um segundo.
Elise havia escolhido dormir perto da lareira na cozinha embrulhada no
manto de Kian que ainda parecia ter seu cheiro. Havia acordado mais de
uma vez com alguém cutucando-a com longos instrumentos para ver se era
real. Elise foi educada o suficiente para não fazer o mesmo com eles,
embora não houvesse dois iguais. Todos eles tinham cheiros diferentes
também, sobretudo aqueles com flores crescendo na pele. A comida que
preparavam, embora reconhecível, muitas vezes era feita usando magia
como se fosse um utensílio. Era difícil não os observar trabalhar, mesmo
que rosnassem para ela.
Quando Elise estava acordada, todos os feéricos que passavam a
encaravam e, algumas vezes, os guerreiros cuspiam nela. Os feéricos
inferiores ficavam fora do caminho dos guerreiros por uma boa razão. Eles
eram ferozes e bonitos, mas idiotas.
Elise tentara deixar o terreno do castelo apenas uma vez. Ela queria ver
quais eram seus limites, e se a impediriam. Esperou até a calada da noite e
fugiu. Deu três passos para fora dos portões do castelo, e os braceletes
queimaram tanto que Elise quase gritou e acordou todo mundo.
Havia retornado pelos portões, soluçando e com o estômago revirando de
dor, embora a pele sob os braceletes não estivesse queimada. Ela não tentou
de novo, mas se recusou a desistir de encontrar algum tipo de ferramenta
para tirar as malditas coisas dela.
Os dias de Elise se transformaram em um borrão, esfregando, tirando o
pó e arrumando. Suas mãos estavam vermelhas e secas pelas horas gastas
tentando limpar o castelo desordenado. Ela desmoronava nas pedras
quentes ao lado da lareira à noite com quaisquer restos de comida jogados
por Hedera, isso quando a feérica se lembrava de alimentá-la. Era a pior
dieta que já fizera.
Elise sabia onde ficavam os melhores esconderijos na área, e só usava os
lavatórios e latrinas comunitários quando todos já tinham ido para a cama.
Ela tentava manter as roupas limpas, e aprendeu ser possível usar a mesma
calcinha quatro vezes antes de lavá-la.
Elise também fazia o possível para escutar as conversas, desesperada por
notícias do mundo exterior. De tempos em tempos, guerreiros feéricos iam e
vinham, e a equipe do castelo ria com as fofocas.
— Londínio está queimando!
— As linhagens foram descobertas!
— Penduramos eles nas margens do rio!
— Justiça!
Clamavam em uma variedade de vozes ásperas e suaves. Londínio era
como Londres era chamada durante o período romano, e Elise percebeu que
a maioria dos feéricos era tão antiga quanto as pedras.
O fato de Londres estar queimando a aterrorizou. Elise tinha visto o que a
maldita magia do príncipe havia feito com as pessoas no trem. Ela tinha
esperança e rezava pela segurança de Chrissy, e para que de alguma forma
ela tivesse escapado da briga acontecendo fora do castelo.
Elise queria saber o que queriam dizer com “justiça”, mas tinha muito
medo de perguntar quando eles estavam animados e comemorando a morte
dos humanos.
Eles realmente achavam que os humanos não retaliariam? O que as
espadas e armas de batalha deles poderiam fazer contra tanques e
metralhadoras? Os feéricos seriam massacrados, o castelo bombardeado por
um drone, e ela também.
Mas os feéricos tinham magia, algo que, há muito tempo, os humanos já
não sabiam como usar ou acreditavam. E os feéricos tinham o príncipe.
Todos os feéricos era leais a ele, não importava a posição. Felizmente, Elise
nunca viu nenhum sinal dele. Ela deduziu das conversas entreouvidas que o
príncipe estava com o exército.
Elise também ouviu boatos sobre o irmão dele no norte da Escócia, que
tinha trazido outra era do gelo para os feéricos invernais viverem. Havia um
terceiro irmão, mas ele era o Voldemort do trio. Todos tinham muito medo
de falar sobre ele; mesmo uma menção passageira era abafada, como se
vivesse no ar e pudesse saber se alguém estivesse falando mal dele.
Apesar de Elise estar se escondendo e ouvindo conversas, não tinha
descoberto o que realmente queria saber. Por que eles queriam matar os
humanos?
Agora estava esperando pelo retorno do príncipe ou retaliação dos
humanos. Todas as noites, ela se parabenizava por sobreviver a mais um
dia.
*
Elise estava esfregando as mãos e o rosto quando cavalos trovejaram
pelos terrenos do castelo, cascos poderosos fazendo a terra tremer. Ela se
esgueirou para fora das latrinas e entrou em um buraco na parede de
obsidiana do castelo para se certificar que nenhum dos cavalos a pisotearia.
O exército está de volta. Isso não é nada bom.
Uma luz quente e dourada pareceu queimar no peito de Elise, sua boca
inundando com mel e primavera, e ela soube que o príncipe estava por
perto. Seu cérebro traiçoeiro lembrou-se do príncipe prendendo-a debaixo
de si, a sensação quente indo direto para seu núcleo. Enojada com o
pensamento, cuspiu na grama, tentando se livrar do gosto dele, irritada
porque a magia que tinha feito com ela ainda não havia passado.
Um dia vai passar, e vou enfiar aquela adaga no coração dele.
Os gritos de um homem penetraram a noite, e Elise saiu do buraco,
deslizando como uma sombra pelas pedras irregulares da parede do castelo.
Um humano estava de joelhos, guerreiros feéricos ao seu redor. Diante
dele como um deus dourado estava o príncipe em sua armadura completa.
Elise não o via desde que a deixara com Hedera, e agora estava na sua
frente. Uma parte distorcida dela ficou aliviada ao vê-lo bem.
É só a magia ferrando com você, Elise. Controle-se.
— Por favor, por favor, não me machuque — implorou o homem.
— A feérica que você tentou estuprar implorou pela vida, humano? —
perguntou o príncipe, a voz fria. — Ela estava coletando água em um
córrego, não incomodava ninguém. Inocente. O que lhe deu o direito de
atacá-la?
— E-ela me enfeitiçou e… — O homem no chão gritou quando sua mão
atingiu a terra na frente dele. Elise não viu o príncipe se mexer, mas, de
repente, a espada estava desembainhada e pingava sangue. Ela ofegou, as
mãos agarraram a borda da parede para que não desmaiasse.
— Conheço a fêmea, e ela não é forte o suficiente para enfeitiçar
ninguém, seu imbecil mentiroso. Você a emboscou e colocou suas
repugnantes mãos humanas nela — continuou o príncipe, e a outra mão saiu
do corpo do homem.
Ele estava se contorcendo e choramingando no chão, coberto com o
próprio sangue. A expressão do príncipe não mudou, desprovida de toda
compaixão, e a espada arrancou as pernas do homem com um golpe. Elise
vomitou nos pés, incapaz de conter o pavor.
Os gritos do homem foram silenciados quando o príncipe arrancou a
cabeça.
— Entregue isso aos humanos mais próximos com um aviso: se alguém
tocar um feérico sofrerá o mesmo destino — disse aos guerreiros. O
príncipe embainhou a espada, e depois virou a cabeça na direção do
esconderijo de Elise. Ela se abaixou, apavorada que ele a tivesse visto.
Como ele sabia onde eu estava? Elise baixou os olhos para as palmas das
mãos sangrentas de onde se agarrara à parede. Ele pode sentir meu cheiro?
Depois de alguns minutos aterrorizantes, Elise arriscou espiar pela parede
outra vez. O príncipe e os guerreiros já tinham ido, deixando apenas uma
grande poça de sangue no chão.
Ela retornou correndo para a porta da cozinha, tropeçando no escuro e
caindo de lado. Os joelhos latejavam de dor, mas ela voltou a ficar de pé,
sem parar.
A cozinha estava movimentada quando Elise voltou, tremendo, pálida e
com dor de estômago. Um dos chefs com chifres de carneiro rosnou quando
ela por engano esbarrou nele.
— Sinto muito — disse Elise, depressa.
— Saia, escrava! — gritou ele. Ela seguiu as ordens, esperando encontrar
um lugar tranquilo no resto do castelo para se esconder até que todos
tivessem ido para a cama. Elise abraçou-se, lutando contra a vontade de
vomitar outra vez pelo destino do homem, embora não soubesse por quê.
Ele era um estuprador. Não uma pessoa inocente, mas ela não conseguia
deter a pena que a envolvia.
— Ora, ora, acho que sinto cheiro de alguma coisa — disse uma voz
áspera atrás dela.
Merda. Elise se virou devagar, e viu um guerreiro feérico. Tinha um
chifre com hidromel em uma mão e estava olhando para ela com uma luz
perversa nos olhos. Dois outros guerreiros risonhos se juntaram ao
primeiro.
— Que presa farejou, Aiden? — disse um deles. Elise deu um passo para
trás, preparando-se para correr, mas de repente, Aiden estava atrás dela.
— Para onde vai correr, humana?
Não diga nada. Não os provoque. Se ficarem entediados, eles vão
embora.
— Talvez seja muda — disse um dos guerreiros, estendendo o dedo para
cutucá-la. Elise afastou a mão dele, o medo se transformando em raiva.
— Ah, cuidado, Owain, ela não gosta — disse Aiden. Estendeu a mão
para ela, com um pequeno bolo decorado. — Talvez goste disso aqui?
O estômago de Elise apertou outra vez, e quando olhou para o bolo, a
perfeição ficou borrada, e ela viu um pedaço de pão mofado apodrecendo.
Os guerreiros feéricos riram, e Aiden se moveu em direção a ela.
— Prove, está delicioso — disse com uma voz zombeteiramente gentil.
Elise cerrou os punhos, reabrindo os cortes nas palmas das mãos. A dor a
manteve concentrada quando o glamour a atingiu pela segunda vez.
Não! Saia daqui! Elise balançou a cabeça, tentando se afastar e
esbarrando em um guerreiro a impedindo. Ele agarrou as suas mãos,
segurando-as atrás das costas. Elise se contorceu, tentando livrar-se dele.
— Me solte! — gritou, e todos riram.
— Ela sabe falar, afinal — disse Aiden, e estendeu o pão podre. — Hora
de comer, escrava.
Elise afastou a cabeça, mas o feérico que a segurava levantou seus
braços. Aiden enfiou o pão na sua boca, o gosto de mofo nojento atingindo
sua língua enquanto ele o forçava a passar pelos lábios. Elise cuspiu,
pedaços de pão molhados atingindo Aiden no rosto. Ele limpou a bochecha
antes de lhe dar um tapa forte.
Elise cedeu, luzes dançando na frente de seus olhos, e o feérico que
segurava seus braços jogou-a no chão. Sangue escorreu de seus lábios e
nariz, os rostos cruéis e risonhos meros borrões ao olharem para ela.
— Vai pagar por isso — disse Aiden, separando as pernas de Elise e
jogando o peso em cima dela.
De jeito nenhum. Elise gritou, golpeando-o com os punhos. Ele a
esbofeteou e pressionou uma faca na sua garganta. Ela se acalmou, a raiva
desaparecendo e o medo retornando como se um interruptor tivesse sido
acionado.
Aiden riu, e com a mão livre, agarrou a frente da camisa de Elise e
rasgou. Os olhos verdes brilhavam com uma combinação de loucura e
luxúria. Ele agarrou o seio esquerdo e apertou.
— O que está acontecendo? — disse a voz do príncipe, o tom cortando a
folia do guerreiro como uma lâmina fria.
— Nada, apenas me divertindo um pouco com essa humana — disse
Aiden, sem olhar para cima. Estava longe demais para perceber que os
amigos haviam recuado. — Fique à vontade para participar. Talvez
devêssemos despi-la e fazê-la correr pelo castelo enquanto a caçamos.
Aiden levantou a mão para apalpar o outro seio de Elise. Sangue caiu
sobre ela quando a mão foi amputada. Aiden gritou, a bota do príncipe
chutando-o no ombro para longe. Elise estava com muito medo de se
mexer, a cabeça ainda zumbindo e a visão turva.
— Ainda está se divertindo? — perguntou o príncipe, na mesma voz
aterrorizante.
— Ela é apenas uma humana imunda! — disse Aiden, segurando o
cotoco sangrento.
— Mas ela é minha humana imunda, ou não viu o ouro nos seus pulsos?
Se alguém vai atormentá-la, serei eu. — O príncipe chutou a mão amputada
para ele. — Você vai usar isso no pescoço para que todos saibam o que
acontece quando tocam nas minhas coisas. Agora desapareçam todos da
minha frente.
Aiden foi sábio o suficiente para não discutir, pegou a mão do chão e se
curvou para o príncipe antes de sair correndo.
— Hedera! — A voz do príncipe rugiu pelos corredores, e a governanta
surgiu do nada ao lado dele.
— Mestre. — Ela pulou quando viu Elise deitada no chão, coberta de
sangue.
— Disse para cuidar dela. Por que minha escrava está em tal estado? —
questionou ele.
— Com todo o respeito, mestre, o senhor me disse para encontrar um
trabalho para ela — respondeu Hedera.
— Pensei que mantê-la limpa, alimentada e vestida seria óbvio.
— Ela é apenas uma humana.
— Não me importo. Até meus escravos são representantes da minha casa.
Há mais de cem quartos neste castelo, dê-lhe um. Certifique-se de que ela
tome um banho e tenha roupas limpas. Tenho que olhar para ela também, e
a quero apresentável como todos os meus servos — rosnou o príncipe, e
Hedera se encolheu.
— Sim, mestre.
— Arawn me ajude, preciso fazer tudo sozinho neste lugar. — Ele se
virou e se afastou. Foi só quando ele desapareceu que Elise se atreveu a se
sentar.
Não vomite de novo. Você consegue.
Hedera não se incomodou em ajudá-la. Os olhos pretos e redondos
encaravam Elise enquanto ela lutava para se levantar. Hedera podia odiá-la,
mas não irritaria o príncipe.
— Me siga, garota. Tente não estragar o chão pingando nele.
Mordendo a língua, Elise agarrou o que restava da camisa suja e mancou
atrás de Hedera.
Capítulo 8
Hedera levou Elise para um cômodo na torre sul, abrindo a porta com um
toque da mão. Lanternas na parede ganharam vida, revelando um aposento
tão destruído quanto os outros. Ela levantou as mãos e bateu palmas três
vezes. A mobília se endireitou, a poeira e as teias de aranha rodopiaram no
ar e saíram pela janela aberta.
Vá se foder. Elise estava se matando para limpar os cômodos à mão, e
Hedera podia fazer isso? Isso deu a Elise mais uma razão para odiá-la.
— Voltarei em breve com comida. Limpe-se — disse Hedera. Ela deu a
Elise um olhar de desaprovação. — O que há de tão especial em você que
merece tanta atenção?
— Absolutamente nada — disse Elise, sendo sincera. Era apenas uma
garota que teve a infelicidade de estar no trem errado na hora errada. Se não
tivesse se espremido naquele trem e esperado pelo próximo, ela nunca
estaria naquela situação. Hedera resmungou e apontou para uma porta do
outro lado do aposento.
Dentro havia um banheiro escondido em um grande armário de madeira.
Quando Elise abriu as torneiras da banheira funda, ficou surpresa ao ver
água quente saindo. Tirou as roupas sujas e foi até a pia.
O reflexo de Elise olhou para ela no espelho grande e polido. Mal
reconheceu o rosto magro e salpicado de sangue. O lábio ferido já estava
inchado, o nariz escorria sangue, e o cabelo castanho comprido estava uma
bagunça oleosa e emaranhada. Elise abriu as torneiras, sibilando entredentes
ao limpar os cortes nas palmas das mãos. Bebendo punhados de água,
tentou tirar da boca o gosto de sangue e pão podre.
Quando Elise abriu o armário, encontrou uma escova de dentes antiquada
com cerdas grossas e uma barra com cheiro de menta ao lado. Molhando a
escova, ela a esfregou contra a barra antes de usá-la para limpar os dentes
pela primeira vez desde que fora levada.
Elise passou as mãos por sua trança imunda e, convencida de que a maior
parte do sangue havia saído dela, entrou na banheira. Reprimindo um
soluço, ela se sentou na água quente e limpa. Era a primeira vez que estava
devidamente aquecida em semanas.
Havia pequenos frascos e sabonetes em uma prateleira esculpida ao lado
da banheira. Elise abriu um e cheirou de longe. Abetos e fumaça. O cheiro
do príncipe. Ela deixou esse de lado e tentou outro. Abetos e fumaça. Todos
eram iguais. Elise não sabia se era magia ou apenas a preferência dele, pois
era seu castelo. Ela não queria exalar aquele cheiro, mas estava mais
interessada em ficar limpa. Cedendo, derramou o conteúdo de um frasco no
cabelo oleoso.
Levou bastante tempo para ela se sentir limpa de verdade. A água da
banheira permaneceu quente o tempo todo, embora Elise soubesse que
estava lá há pelo menos uma hora. Foi a cor, e não a temperatura da água
que a fez sair. Ela se enxugou com uma das toalhas de linho, e voltou para o
quarto para encontrar algo limpo para vestir.
Hedera deve ter voltado quando Elise estava no banho, porque uma
bandeja de comida havia sido deixada em uma mesinha. O cheiro de
comida quente atingiu seu nariz e seu estômago roncou.
Elise abriu um guarda-roupa de madeira esculpida que parecia ter Nárnia
escondida no fundo. Infelizmente, como todos os guarda-roupas que
explorara quando criança, não havia porta para outro mundo. Havia
camisas, calças, e um roupão azul no qual se enrolou para se aquecer. Ela
abriu uma gaveta e encontrou roupas íntimas e meias. Assustadoramente,
tudo parecia ter o seu tamanho exato.
Elise tirou uma calça preta e uma camisa e as vestiu. Se não tivesse visto
o príncipe se vestir, ela duvidava que fosse capaz de entender o estilo
envelope da camisa e as múltiplas amarrações.
Elise estava penteando o cabelo emaranhado quando a porta se abriu e o
príncipe entrou. Sem armadura, e com o cabelo ainda úmido do banho.
Quando estava assim, ela só conseguia pensar nele como Kian, não como o
príncipe, e Elise odiava tamanha intimidade. Ele cruzou os braços e a
encarou.
— Como está se sentindo? — perguntou de repente.
— Bem. — Elise se impediu de agradecê-lo.
Vá se foder.
Ela podia ter um quarto agora, mas ainda era uma escrava, e não podia
confiar em um único maldito ato de bondade.
— Você parece doente.
Elise teve um desejo irresistível de jogar a escova no rosto perfeito dele.
Os lábios de Kian se ergueram em um rosnado como se pudesse ler a
violência no rosto da humana.
— Você não tem forças para me enfrentar, Elise, ainda que o voto que
você fez permitisse — disse ele. Uma emoção a invadiu quando ele disse o
seu nome, e isso fez Elise odiá-lo ainda mais. Kian se sentou em uma das
cadeiras de veludo estofadas em frente a ela.
— Mostre-me suas mãos — ordenou ele.
Elise largou a escova e as estendeu, os braceletes dourados brilhando à
luz do lampião. Ele virou as mãos dela, inspecionando os cortes irregulares
e a pele seca e rachada das palmas. Kian puxou um pequeno frasco do bolso
e o abriu. Dentro havia um bálsamo amarelo-claro, e começou a esfregá-lo
nela.
Que diabos?
Elise o tinha visto decapitar pessoas com toda a emoção de uma geleira, e
agora estava cuidando gentilmente das suas feridas. Esse cara tem um caso
grave de dupla personalidade.
— Por que não comeu durante as semanas que estive fora? — questionou
Kian, sem desviar o olhar das mãos dela.
— Está supondo que fui alimentada — respondeu ela, tentando e
falhando em manter a raiva longe da voz. Kian rosnou no fundo da
garganta, mas não olhou para cima. Virou as mãos de Elise e continuou
massageando os pulsos doloridos. Seus dedos compridos se moveram em
pequenos círculos na pele dela, fazendo sua língua grudar no céu da boca.
Ela desviou o olhar e se concentrou nas curvas dos chifres. Isso foi um erro,
porque teve vontade de tocá-los para ter certeza de que estavam ali de
verdade.
Apenas a magia estúpida dele em você fazendo-a gostar disso. Lembre-se
dos gritos do homem e de Londres queimando.
— Você está calada. Achei que estaria gritando comigo — disse Kian.
— Não sabia que tinha sido requisitada a falar com o senhor, mestre —
respondeu Elise docilmente, embora com um toque sarcástico. Não pôde
evitar.
Os olhos escarlates de Kian se voltaram para os dela, cheios de um calor
que não era raiva. Um toque de excitação percorreu o corpo de Elise como
se ela tivesse cutucado um urso, e agora ele quisesse comê-la.
— Acho que você não deveria. A familiaridade gera desdém, e ainda
estou determinado a matá-la — retrucou ele.
Elise já sentia bastante desdém sem a familiaridade.
— Como matou as pessoas em Londres?
— Matei aqueles que mereciam.
— O que eles fizeram? Revidaram quando tentou enlouquecê-los?
As presas apareceram.
— Eles eram da linhagem dos traidores. Quebre uma promessa feita a um
feérico, e não importa quantos anos se passem, o feérico fará você pagar por
isso.
A raiva na voz dele fez Elise fechar a boca e segurar as centenas de
perguntas na ponta da língua. Ela havia sido ferida o suficiente por um dia
para querer abusar da sorte com ele.
— Qual é o seu ofício? — perguntou Kian, soltando as mãos dela.
— De que importa?
— Preciso encontrar um uso para você porque trabalho duro não
combina. Seu corpo não foi feito para isso.
— Livros — respondeu Elise, relutante. — Sou treinada para restaurar e
preservar livros.
— Sabe escrever também?
— Claro que sei escrever.
— Não soe tão ofendida, Elise. Não muitos de sua espécie sabiam
escrever quando interagi com eles pela última vez. Apenas os sacerdotes do
rei Thorn eram proficientes na arte, e não havia muitos deles em Albião.
O rei Thorn… ele quis dizer sacerdotes cristãos? Ela não perguntou. Elise
estava dividida entre querer conversar e querer permanecer
desafiadoramente silenciosa.
Os dedos de Kian acariciaram o queixo de Elise, fazendo-a levantar a
cabeça. Ela prendeu a respiração enquanto ele passava um pouco do
bálsamo no lábio machucado. O polegar dele se moveu devagar nos lábios
dela, e Elise não pensou no corte dolorido ou no quanto ela o odiava. Ela
pensou em chupar de leve aquele dedo. O ar ficou carregado entre eles, e
Kian abaixou a mão.
— Vá e coma — disse com a voz rouca.
Elise se levantou, precisando colocar algum espaço entre eles. Ela
balançou a cabeça, tentando desanuviar a loucura. Que diabos havia de
errado com ela? Ela levantou uma das tampas de prata e encontrou carne de
faisão assada e legumes. A mão de Elise se fechou ao redor da faca, e ela
inclinou um olhar na direção de Kian. O rosto do príncipe se iluminou com
diversão.
— Poderia tentar me matar de novo, escravinha, mas terminará do
mesmo jeito, com você indefesa debaixo de mim. — A arrogância irritou
Elise, e ela jogou a faca nele. Ela não teve a chance de ver onde aterrissava,
pois a magia queimou em seu corpo, deixando-a de joelhos.
Kian parou ao lado de Elise, riso borbulhando. Ela olhou e percebeu que
estava na mesma altura que as amarras das calças de couro.
Ótimo, agora tenho a protuberância do pau dele na minha cara.
— Esqueceu aquele pequeno juramento que fez, não foi? — perguntou
ele.
— Vá se foder — rosnou.
— Não me dê ideias. — Ele segurou a bochecha de Elise. — Lute
comigo o quanto quiser, Elise. Gosto de ver você de joelhos na minha frente
com sua linda boca aberta. — Ela fechou a boca tão rápido que os dentes
doeram. Ele passou os dedos pelo cabelo de Elise, olhando hipnotizado para
os fios escuros enquanto eles caíam.
— Por que você está matando minha espécie? — perguntou. O olhar
atordoado dele se aguçou, e Kian se afastou.
— Os violadores do juramento mataram a minha espécie primeiro —
respondeu Kian e foi em direção à porta do quarto. — Certifique-se de
comer.
Assim que ele se foi, a magia a soltou, e Elise caiu para a frente no chão.
Tremendo com os efeitos posteriores, conseguiu sentar-se em uma cadeira e
pegar um garfo. Elise queria jogar a bandeja pela janela mais próxima, mas
estava com muita fome. Amaldiçoando o príncipe, ela seguiu suas ordens e
comeu.
Capítulo 9
Humana infernal.
Kian não precisava beijar Elise para passar a magia; nem precisava tocá-
la. Queria beijar aqueles lábios raivosos em que não parara de pensar por
semanas. Havia sido tão fácil mentir, aproveitar a oportunidade, porque
precisava saber qual era o gosto dela.
Semanas antes, Kian tinha fugido do próprio castelo por causa dela.
Tinha uma guerra para começar e sabia que a localização do castelo era
ideal como base para atacar Londínio. Havia planejado dessa maneira.
Então os planos mudaram porque Kian ficava nervoso perto de uma escrava
humana. Devia ter deixado Fionn matá-la quando a encontramos.
Ele deveria matá-la agora. O pensamento deixou Kian nauseado, algo
bastante suspeito. Não tinha problemas em matar. Era o príncipe
sanguinário. O guerreiro escolhido de Arawn, o Deus dos Mortos. Aquele
que se sentia vivo em um campo de batalha. No entanto, depois da
maldição, nem assim Kian se sentia vivo.
Assim que a boca de Kian tocou os lábios de Elise, pelos Deuses, ele se
sentiu vivo. O sangue em chamas. A boca traiçoeira dela uma tortura;
raivosa, gananciosa e deliciosa tortura.
Eu te odeio. As palavras de Elise o balançaram. Kian podia sentir o corpo
dela respondendo ao dele. O corpo dela não o odiava; o queria. Elise não
tinha magia pelo que podia dizer, mas ela podia sentir essa maldita coisa
entre eles. Era como uma fome terrível por um veneno que sabia que iria
matá-lo.
Era loucura.
Kian tinha quase fugido daquela biblioteca para não a despir e fodê-la ali
mesmo, no chão cheio de livros espalhados, e drenar cada gota do sangue
dela. Não foi até estar do lado de fora da porta e caminhando para os
aposentos particulares que viu o vermelho penetrando nas rosas.
— Impossível — murmurou Kian, e arrancou uma das flores. As rosas do
castelo eram brancas nos últimos mil e quinhentos anos. Será que estavam
mudando agora porque o castelo retornou a Albião? Havia muita estranheza
acontecendo. Kian precisava falar com alguém que o irritasse até pensar
com clareza.
Kian foi direto para a sala de trabalho, colocou a rosa em um cálice de
água, e foi até o espelho de vidência. Era tão alto quanto ele, a moldura de
prata tecida em nós decorativos e cheia de feitiços presos dentro deles.
Kian cortou o dedo com uma presa e desenhou uma linha de runas ogham
no vidro. Elas estremeceram na superfície e desapareceram, a magia
chamando as contrapartes. Não precisou esperar muito antes de um macho
feérico aparecer no reflexo. Era mais magro que Kian, com cabelo preto
azulado comprido e liso. Ambas as orelhas pontudas estavam cheias de
piercings, os braços e o peito nu cobertos de tatuagens azul-escuras.
— Olá, irmão — cumprimentou ele.
— Porra, Kian, por que me acordou?
— É ótimo te ver também, Bayn. Como vai a invasão do norte? —
perguntou Kian, cruzando os braços. Bayn passou a mão no rosto.
— Tudo bem, irmãozão. Coberto de gelo como prometido. Os humanos
começaram a se mover para o sul, sem saber que porra está acontecendo.
Alguns foram vistos, mas a visão do meu castelo de gelo os fez correr —
respondeu Bayn. Os olhos cor de safira despertaram, e depois focaram em
Kian com a nitidez característica. — Pelos peitos de Beira, o que aconteceu
com você?
— Não faço a menor ideia do que está falando.
— Você parece diferente. Algo mudou. O que foi?
Kian deveria ter pensado melhor antes de falar com Bayn. O irmão
sempre sabia quando estava escondendo alguma coisa. Kian levantou a rosa
para mostrar a ele.
— Isso aconteceu hoje.
As sobrancelhas escuras de Bayn se juntaram, reconhecendo no mesmo
instante o significado.
— Ao mudar de localidade?
— Foi o que pensei, mas estou aqui há semanas e começou só agora.
— Que outra variável foi alterada? — questionou Bayn.
— Como assim?
— O que mais mudou dentro do castelo, seu idiota. O que foi retirado ou
trazido? Além de crescer do solo de Albião com sua magia, o que mudou?
Kian pensou em quando executou a magia. Havia sido bem potente
porque tinha… bebido o sangue de Elise.
— Eu me alimentei de uma humana pouco antes de construí-lo — disse
Kian, por fim. — A magia correu e deixou o castelo um pouco bagunçado.
— Ela era uma bruxa?
— Não. Ela não tem magia.
— Deduzo que ela esteja muito morta para ter certeza — disse Bayn.
Kian hesitou antes de tentar proteger a expressão. Tarde demais. — A
humana não está morta? Por quê? Que porra você fez?
— Ela é minha escrava.
A expressão irritada de Bayn desapareceu com o espanto.
— Você tem uma escrava humana? Você. O feérico que os odeia mais do
que qualquer coisa em todos os mundos.
— Ela tem um gosto bom — respondeu Kian, e se arrependeu de
imediato.
A risada de Bayn foi obscena.
— Ah, irmão, aposto que sim.
— Não assim, idiota. O sangue dela dá uma vantagem à minha magia.
Usarei qualquer vantagem possível. É uma decisão tática. E ela podia ver
através do meu glamour, então não podia deixá-la para os humanos a
usarem como arma — argumentou ele.
— Você deveria matá-la.
— Eu sei.
— Mas não vai. — O sorriso de Bayn se alargou. — Ela é sua variável,
Kian. Ela é a razão pela qual as rosas estão mudando.
Ele desabou na cadeira.
— Já pensou na brecha de Aisling? — Aisling e Aoife, as feiticeiras
gêmeas que salvaram e arruinaram a vida dos irmãos e dos feéricos.
Bayn reagiu como Kian esperava. Os olhos cor de safira congelaram,
padrões de gelo apareceram na pele tatuada.
— Não. Nós três concordamos que nunca seria uma solução possível.
Não devemos desperdiçar nossa energia, magia ou esforços nos
preocupando em persegui-la — disse e o olhar se aguçou.
— Acha que essa garota pode ser sua brecha?
— Não sei. Duvido. Sempre pensei que Aisling só dizia isso para não
perdermos a esperança porque estávamos presos em Feéria. No entanto, as
rosas me incomodam. Como disse, Elise é a única mudança. — Kian correu
os dedos nas pétalas da flor. — O que você faria?
— Eu a torturaria até ela me contar todos os segredos, para descobrir o
que fez minha magia reagir a ela.
Kian colocou a rosa de volta na água e olhou para o ruivo desbotado no
cabelo.
— Acho que não consigo. Eu… gosto dela.
A risada de Bayn fez Kian levantar a cabeça porque era muito raro ouvi-
la.
— Kian, você odeia todo mundo, e não se interessou em enfiar seu pau
em nada por tanto tempo, até fico surpreso que não tenha caído.
— Vá se foder! Só porque gosto dela e não consigo matá-la, não quer
dizer que queira transar com ela.
— Quer sim. Seria bom para você. Sempre pode matá-la depois. Sempre
gostou mais de matar do que de sexo, de qualquer maneira.
— E se eu não conseguir?
— Dê pra mim. Vou arrancar a verdade dela.
Um grunhido tão profundo e primitivo saiu de Kian que sacudiu o
espelho. A risada de Bayn morreu nos lábios.
— Kian. Não estou falando sério.
— Me desculpe. Não sei o que deu em mim. Deuses, o que estava
acontecendo?
— Lide com a humana, Kian. Já passamos por muita coisa e chegamos
longe demais para você ser mole conosco agora — retrucou Bayn.
— Falando em nós, falou com Killian? — O irmão mais velho e mais
problemático não tinha falado com Kian, e isso estava começando a irritá-
lo.
— Não desde que cruzamos o portal. Ele deveria nos seguir e nunca o
fez. Talvez tenha sido emboscado em Feéria. Mas não está na hora da parte
dele no plano mesmo. Provavelmente está muito ocupado perseguindo o
castelo noturno e fazendo beicinho de modo dramático.
— Verdade. Resolvemos as linhagens do traidor, e tenho guerreiros
começando a cobrar as dívidas — relatou Kian, precisando manter o
assunto longe de Elise e o ato de ataque territorial dele.
— Por que não está com eles? Pode realmente confiar uma tarefa tão
importante ao Fionn? Sabe que está apenas esperando você morrer para
poder tomar o seu lugar.
— Não posso voltar. Falta menos de uma semana para a lua cheia.
Preciso estar aqui, não perto de jovens — argumentou Kian.
— Esqueci sobre sua época do mês — zombou Bayn. — Talvez deva
deixar seu lado mais bestial lidar com a humana, é óbvio que a sua opinião
está sendo influenciada por seu pau finalmente ter acordado do sono eterno.
— Vá se foder. Estou indo. Me avise se souber de Kill.
— Sim, sim. — Bayn bocejou. — Lide com a humana, Kian. Ou eu vou.
Kian ficou na cadeira muito depois da magia no espelho se desvanecer e
levar o irmão. Não conseguia se lembrar dos detalhes das palavras de
Aisling de tantos anos atrás, e não sabia se procurá-los tornaria tudo melhor
ou pior.
As feiticeiras humanas gêmeas. Elas tinham sido amigas dos feéricos
antes de Aoife se juntar a Vortigerno e aos outros inimigos. Aisling ficou do
lado dos feéricos, incapaz de entender o que sua irmã tinha feito pelo poder.
Aoife usou sua magia para amaldiçoar e banir os feéricos pelos portões dos
Outros Mundos.
Aisling, gêmea tanto em magia quanto em sangue, criou na maldição da
irmã uma possibilidade de salvar a todos. Algo sobre o sangue dos reis ser a
solução… Kian olhou para o delicado frasco de cristal que estava em uma
prateleira alta.
Continha o sangue de Aisling pelos últimos mil anos. O presente foi dado
no leito de morte para que, se Kian precisasse dela, pudesse usar o espelho
mágico para convocar a sombra dela para receber conselhos.
Kian nunca tinha usado, nem uma vez. Aisling merecia paz no
Submundo, e nunca sentira a necessidade de tirá-la dela.
— Está muito perto da lua cheia para pensar com clareza — disse Kian
ao reflexo. Isso o deixou inquieto, então ele se levantou e foi para os
estábulos.
Cuidar dos cavalos sempre acalmava o humor de Kian. Precisava manter
as mãos ocupadas para não pensar em prendê-las no lindo pescoço de Elise.
Capítulo 11
Elise não saiu da biblioteca até o anoitecer, quando o fez, estava com
alguns livros para ler debaixo do braço. Ninguém disse que não podia pegar
emprestado, e o príncipe não estava por perto para impedi-la. Havia tentado
ao máximo se jogar no trabalho e não pensar no beijo ardente que ainda
podia sentir nos lábios.
Você não era beijada há dois anos, por isso acha que foi tão bom. Não
esqueça: você o odeia, não importa como seu corpo traiçoeiro se sinta
agora.
Elise seguiu as trepadeiras e rosas nas paredes até o quarto, parando para
cheirá-las. Naquela manhã, eram brancas, mas agora as pétalas estavam
vermelhas como se tivessem sido tocadas com dedos ensanguentados. O
pensamento a fez estremecer, por causa disso, andou apressada antes de
fechar com firmeza a porta do quarto.
Elise estava aconchegada no assento da janela com Hesíodo e uma xícara
de chá quando olhou pelo vidro e viu luzes nas paredes do castelo. Não
eram as luzes flamejantes dos feéricos, mas os feixes afiados de tochas.
Silhuetas desciam pelas paredes com cordas, e ela avistou a forma
inconfundível de capacetes e armas ao luar claro.
Soldados. A esperança a invadiu. Ela foi salva. Só precisava chegar até
eles.
Elise pegou uma jaqueta e enfiou os pés nas botas. Pegou a faca da
bandeja do jantar e a enfiou no bolso.
Os corredores do castelo estavam vazios, os feéricos nas camas, e os
guerreiros ainda não haviam retornado. A cozinha estava escura, as chamas
baixas, mas davam a Elise luz suficiente para enxergar. Ela se agachou,
escondendo-se atrás de bancos e recantos que descobrira nas últimas
semanas.
Do lado de fora, o chão coberto de gelo estalava sob os pés, o intenso ar
frio de inverno atingindo o seu rosto. Elise usou os esconderijos de sempre
e foi em direção aos estábulos onde tinha visto os soldados com
equipamento tático.
— Parada! — ordenou uma voz profunda, ela congelou e levantou as
mãos.
— Não atire. Sou humana — disse Elise, e uma luz brilhou no rosto dela.
— Qual é seu nome? — exigiu saber o soldado, ao verificá-la.
— Elise Carlisle. Fui levada como escrava há cerca de um mês… na
verdade, não sei há quanto tempo — gaguejou, e a luz abaixou.
— Seis semanas desde a invasão — disse o homem de balaclava.
— Nós o pegamos! — gritou uma voz, perto dos estábulos.
— Fique abaixada e fora do caminho, Elise. Nós vamos lidar com você
depois que aquele filho da puta com os chifres estiver morto. — Ele saiu
apressado, com a arma levantada.
Elise sabia que deveria ficar parada, mas não conseguiu. Ela foi atrás
dele, os pés a levando adiante por vontade própria. Um holofote foi ligado e
Elise se escondeu ao ver a luz no príncipe. Não estava de armadura e não
tinha armas. Estava parado na frente do estábulo com uma escova de cavalo
em uma das mãos.
O coração de Elise batia tão forte que ela não conseguia ouvir o que os
soldados estavam dizendo a ele. Ela saiu do esconderijo e os olhos do
príncipe se voltaram na direção dela.
Por um segundo, Elise pensou ter visto medo neles antes que
desaparecesse outra vez. Ela não sabia se era a magia do príncipe dentro
dela, mas o estômago e o peito estavam queimando com medo de o
matarem.
Isso é o que você queria. Ele estará morto e você estará livre. Mas ela só
queria uma dessas coisas. A ideia de vê-lo morto a tiros na lama gelada era
inimaginável. Pequenos pontos vermelhos apareceram no corpo do
príncipe, e ele os tocou com curiosidade. O pavor de Elise se transformou
em pânico. Ele não tinha ideia do que eram. Antes de pensar melhor, ela
correu.
— Se abaixe! — gritou, e pulou em Kian.
Eles passaram por cima do cocho de pedra e atingiram o feno de uma
baia vazia enquanto balas voavam ao redor deles. Uma dor ardente cortou o
bíceps de Elise, e ela aterrissou com força em cima de Kian. Os braços dela
foram ao redor da cabeça dele, tomando cuidado para não bater os olhos em
um dos chifres.
— Fique abaixado! — Kian estava olhando para ela com olhos
arregalados e surpresos. — O quê? Não sabe o que são balas? Feérico
idiota!
As armas pararam de disparar, então Elise gritou:
— Pare de atirar em mim! Sou humana.
— Ela está protegendo aquela criatura. É uma simpatizante!
— Atire nela também!
As mãos de Kian tocaram o bíceps sangrando dela.
— Você está ferida, Elise.
— Isso é o que acontece quando se é baleado — sibilou, entredentes.
— Você me protegeu. Por quê? — questionou ele.
— Porque se alguém vai te matar, Kian, serei eu — retrucou Elise.
O rosto dele se iluminou com um sorriso devastador, como se ela tivesse
acabado de dizer que o amava, e ele tivesse ganhado na loteria, e sido
convidado para um ménage com Harry Styles, tudo ao mesmo tempo.
Estava eufórico, e era bastante perturbador, considerando que Elise havia
admitido querer matá-lo.
— Posso derrotá-los, mas vou precisar de algo de você — sussurrou.
— O quê?
Kian olhou nítido para o sangue escorrendo entre as mãos.
— Não me alimentei, então meu poder está mais fraco do que a maldição
me matando. Eles vão nos matar se não tomar seu sangue, Elise. Depois de
lidar com eles, posso curá-la.
Tudo que Elise tinha eram péssimas opções agora que os soldados a
matariam também.
— Ok, mas seja rápido porque não vão esperar por muito mais tempo, e
não vou morrer por você.
O sorriso de Kian se tornou perverso, e ele os virou para ficar em cima
dela. Removeu a mão da ferida da bala latejante de Elise e rasgou a manga
da jaqueta e da camisa dela para expor o ferimento. O sorriso desapareceu
quando colocou a boca sobre o ferimento.
O tempo desacelerou, os olhos dele brilharam em uma luz dourada. As
presas afundaram em Elise, e o braço ferido ficou dormente. Ela arfou
aliviada e com um desejo desconhecido e horripilante ao olhar para os
lindos lábios do príncipe na pele. A mão de Elise afastou o cabelo do rosto
dele, os dedos acariciando as maçãs do rosto e o maxilar como se fosse um
amante, não um mestre.
A magia de Kian atingiu Elise outra vez, antes de se enrolar ao redor dele
em uma névoa dourada. Ele levantou a cabeça, e sua língua deu uma última
e lenta lambida no ferimento de Elise.
— Fique abaixada — disse pressionando um beijo quente e mágico na
boca aberta de Elise. Ele desapareceu em um piscar de olhos, o ar frio
correndo sobre ela. Armas dispararam e homens gritaram. Elise agarrou a
lateral do cocho de pedra com uma mão e tentou se levantar.
Um silêncio horrível caiu sobre a noite, e ela espiou por cima da borda. O
pátio do estábulo estava coberto de membros arrancados e cabeças dos
soldados.
A boca sangrenta de Kian sorriu para Elise, e ele deixou cair o último
soldado morto no chão.
Pavor a invadiu com a carnificina causada por ele em segundos.
— O que eu fiz? — sussurrou Elise, caindo de volta na terra.
Ela não tinha energia para lutar quando Kian a pegou, segurando-a perto
do peito e levando-a de volta para o castelo. O rosto de Elise repousou no
pescoço dele, a boca na clavícula nua do príncipe. Ela se afastou, e a dor a
atingiu.
— Fique quieta — disse Kian.
Uma porta de madeira se abriu para ele, e Kian a colocou em uma chaise
lounge de veludo antes de tirar a jaqueta de Elise e expor as roupas
encharcadas de sangue. Pela segunda vez naquele dia, desamarrou a camisa
da humana e a jogou no chão. A pele de Elise estava vermelha de sangue, e
os olhos de Kian estavam se demorando sobre ela como se quisesse lambê-
la até ficar limpa. Elise ainda tinha sangue suficiente para corar, então
estalou os dedos da mão boa para ele.
— Foco! Disse que podia me curar.
— Talvez tenha lhe trazido para poder vê-la morrer lentamente — disse
Kian, ao tirar bandagens de um armário.
— Não seja um idiota, uma única vez. Salvei sua vida esta noite —
retrucou Elise, descansando a cabeça que girava no encosto do sofá.
— Questionável. Tenho certeza de que teria me curado de qualquer dano
que os humanos pudessem me causar. — Voltou para o lado dela com uma
bacia de água fumegante, estendendo panos, bandagens e outros itens que
Elise não queria olhar muito de perto.
— Não faça eu me arrepender ainda mais — disse, com lágrimas nos
olhos.
Aqueles soldados pensaram que ela estava do lado dos feéricos. Que
pesadelo. Ela havia jogado fora a única chance de ser livre. Elise tinha feito
muitas coisas estúpidas na vida, mas essa teria de ser a maior delas. Ainda
assim, ela não conseguia se arrepender de ter salvado a vida de Kian.
— Sendo sincera, você deveria apenas me deixar morrer.
— Só vai morrer quando eu decidir te matar.
— Kian, você é mesmo um idiota.
— Você diz meu nome como se fosse uma maldição — respondeu e
começou a limpar o sangue dela com movimentos delicados e calorosos do
pano. — Eu gosto.
— É porque você é uma maldição — murmurou Elise, quase dormindo
por causa do calor e da perda de sangue. — É minha maldição.
Ela estava quase dormindo quando os lábios dele roçaram os nós dos
dedos dela.
— Eu sei.
Capítulo 12
Kian serviu mais chá para ele antes de se acomodar. Era estranho vê-lo
quase relaxado perto dela, bebendo chá como se eles não quisessem
esfaquear um ao outro com alguma coisa.
— Você sabe quem era Vortigerno? — perguntou Kian. Elise não teve
que pensar muito.
— Ele era um rei na Idade das Trevas. Em algumas versões da história,
ele era o tio-avô do rei Artur, acho — respondeu.
— Não tenho certeza de quem é o rei Artur, mas Vortigerno era o rei dos
Bretões da última vez que estive aqui em Albião.
— Meu Deus, então você deve ter o quê? Mil e quinhentos anos? —
perguntou.
Kian parecia estranhamente tímido.
— Mais velho. Mas isso é irrelevante. Os feéricos tiveram relações
bastante respeitáveis com os humanos, inclusive os romanos, antes de
Vortigerno. Quando ele começou a perder o controle dos reis guerreiros
subordinados e foi incapaz de acompanhar os ataques dos pictos e
escoceses, ele recrutou dois reis saxões para ajudar a completar seu
exército, Hengist e Horsa.
— Já ouvi falar desses caras também. Eles se tornaram os reis de Kent —
disse Elise, e Kian fez um som exasperado.
— Quer ouvir a história, ou quer continuar interrompendo? —
questionou ele.
— Desculpe, mestre — disse, levantando as mãos em sinal de rendição.
— Hengist e Horsa foram os que provocaram a insatisfação entre
Vortigerno e os outros reis. Acharam que os feéricos estavam retendo
informações, sobretudo quando se tratava de magia. Não queríamos nos
envolver em suas brigas com os invasores. Os feéricos sempre tiveram um
menor número que os humanos, e nossa taxa de natalidade muito menor.
Apesar disso, meus irmãos e eu decidimos que deveríamos proteger nossa
pátria. — Kian sorriu, sombrio. — Devia ter escutado Killian. Ele me disse
que os humanos eram gananciosos demais para serem confiáveis. Quando
déssemos o que queriam, eles se voltariam contra nós. Jamais fui capaz de
aceitar que ele estava certo.
“Nós nos tornamos aliados de Vortigerno. Em troca de nossa ajuda, os
feéricos nunca seriam atacados ou perseguidos pelos humanos. Esta terra
em que estamos agora seria nossa para sempre porque era a porta de entrada
para Feéria. Acreditei que era uma maneira de nossos jovens estarem
sempre seguros e, como eles não precisariam se esconder seriam capazes de
prosperar — disse, com a voz embargada. Elise não se atreveu a dizer nada.
Ele não estava fingindo a dor nos olhos, e o café da manhã dela estava
inquieto no estômago.
“Com a ajuda de duas poderosas feiticeiras, Aoife e Aisling, enfim
repelimos os invasores, e Albião conquistou a paz pela primeira vez em
anos — continuou, depois de um tempo. — Depois de dois invernos,
Hengist e Horsa se instigaram a guerra mais uma vez. Não achavam que os
feéricos mereciam as terras prometidas, e os ataques começaram contra nós.
“Quando obtivemos provas suficientes para confrontar Vortigerno sobre
os saxões, o tratado foi desonrado. Quando feéricos fazem uma barganha,
estão vinculados a ela para sempre. Os reis esqueceram isso quando
decidiram nos atacar. — A expressão de Kian ficou feroz. — Eles
prometeram proteger os feéricos ou suas linhagens seriam amaldiçoadas
para sempre. Eles fizeram votos com os descendentes de sangue.
“Meus irmãos e eu fomos convidados a nos encontrar com Vortigerno e
Aoife, um ardil para nos distrair. Aoife ficou do lado dos humanos, mas a
irmã Aisling ficou do lado dos feéricos. Partiu o coração de Aisling que
Aoife se vendesse pelo poder, mas mesmo Aisling não conseguiu prever a
profundidade dos planos diabólicos de Aoife. Enquanto nos encontrávamos
com Vortigerno, Hengist e Horsa lideraram um ataque aos feéricos sob
minha proteção aqui no sul. Não havia guerreiros suficientes, e naquela
noite os humanos mataram cento e dezessete jovens feéricos. Uma geração
inteira morreu.”
Os olhos de Kian estavam vidrados, perdidos no terror das memórias.
Elise queria dizer alguma coisa, pegar a mão dele…, mas não o fez. Não
havia nada que pudesse fazer para ele se sentir melhor.
— Nada poderia ter nos preparado para essa tragédia. O choque foi
desorientador, quase surreal. Os humanos usaram essa distração a seu favor.
Aoife se aliou a outros usuários de magia humana, e juntos tinham poder
suficiente para nos segurar. Meus chifres foram cortados, um troféu para os
reis, e fomos lançados pelos portais para Feéria.
Elise ousou olhar para os chifres que haviam crescido de novo, sentindo-
se mal com a dor e a humilhação que ele deve ter sentido ao ser reduzido a
um troféu. Kian notou ela olhando, e nos olhos dele, ela podia ver que a
memória ainda estava esculpindo seus pedaços.
— Além disso, meus irmãos e eu fomos todos amaldiçoados. Eu era o
guerreiro, o príncipe sedento de sangue, então fui amaldiçoado com a
necessidade de beber sangue — continuou a voz rouca. — Bayn, o príncipe
do inverno, sempre teve magia de gelo, e ele era tão frio quanto o poder.
Sua maldição é um coração que está congelando lentamente. Killian é o
príncipe da noite e governante de todas as coisas que acontecem nela.
Agora, se ele tocar outro ser, eles morrem.
“Passamos os últimos mil e quinhentos anos tentando voltar a Albião
para nos vingar. Aisling tentou neutralizar as maldições lançadas pela irmã.
Ela nos disse que havia brechas, mas não acreditamos porque exigiria a
ajuda de certos humanos, e nós os odiávamos muito. — O olhar pesado de
Kian pousou em Elise, e o coração dela bateu dolorosamente no peito. —
Acontece que eu deveria tê-la escutado.”
— Acha que eu sou sua brecha? — perguntou.
Kian estendeu as pontas do cabelo.
— Sei que é. Isso é uma ampulheta, Elise. Tinha alguns anos no máximo
antes de ficar todo branco. Era quando eu deveria morrer, e agora há mais
vermelho. Anos mais. Tudo porque bebi seu sangue ontem à noite.
— Mas… eu não sou ninguém. — Por que ela? Por que, de todas as
mulheres na Inglaterra que aceitariam estar vinculadas a um feérico, o
destino teve que escolhê-la?
— Meu cabelo diz o contrário, Elise. Não consegui lhe matar quando a
conheci. Talvez este seja o motivo. — Kian parecia tão satisfeito quanto
Elise se sentia.
— Os humanos que está matando são das famílias dos reis? —
perguntou, arriscando um palpite.
Kian assentiu devagar.
— Os reis e os guerreiros que estavam lá na noite do massacre que matou
os jovens feéricos. Sabia que menos de cinquenta das famílias originais
dessas crianças assassinadas ainda vivem? Os demais morreram de tristeza
ou se mataram. Prometi a todos justiça, e não vou parar até consegui-la. As
barganhas com os feéricos são para sempre, Elise. Os reis negociaram os
futuros descendentes, e sou obrigado por magia e honra a executar as
consequências.
Elise não percebeu que estava chorando até as lágrimas escorrerem pelo
rosto. Ela as afastou, esperando que Kian não as tivesse visto. Não podia
imaginar o terror de cumprir tal voto ou o peso da responsabilidade para
com o povo feérico. Elise não podia discutir sobre a inocência daqueles
descendentes humanos para ele; os bebês feéricos perdidos também eram
inocentes.
— Se eu te ajudar a quebrar sua maldição, você considerará outra aliança
com os humanos? Os tempos mudaram e ninguém quer uma guerra onde
mais inocentes possam morrer — disse.
— Só porque sou misericordioso o suficiente para poupá-la não significa
que deva poupá-los — respondeu ele. O sorriso feérico astuto voltou, o tipo
que Elise precisava ter cuidado porque poderia convencê-la de quase
qualquer coisa. — Mas se quebrar minha maldição, pode me encorajar a
parecer favorável a pelo menos um humano.
— Os humanos podem ter mais a oferecer agora. Posso falar sobre isso…
talvez mostrar um pouco desse novo mundo. Talvez você goste.
Acabei de convidá-lo para sair?
— Acho que você precisa quebrar minha maldição para descobrir se
estou interessado em aprender — retrucou Kian, o sorriso malicioso se
alargando.
Não foi um não. Se Elise pudesse falar com Kian, talvez ele pudesse
convencer os irmãos de que a matança não era a única resposta.
Elise queria sua liberdade acima de tudo.
— Ok — sussurrou.
— Ok o quê?
— Vou ajudá-lo a quebrar sua maldição. — Elise estendeu a mão para ele
apertá-la. Kian olhou para ela e balançou a cabeça.
— Parece já ter esquecido como os feéricos fazem acordos — disse ele.
Pegou a palma estendida de Elise, puxou-a para fora da cadeira e para o
sofá ao seu lado. Uma faca apareceu na sua mão, e ela sabia o que estava
por vir.
— Sangue de novo? — reclamou Elise.
— Só um pouquinho.
O sorriso de Kian era tão encantador, a mente de Elise ficou embaçada.
Ela não sentiu quando ele cortou a ponta do seu dedo. Ele o ergueu para a
boca quente, o roçar da língua fazendo o calor formigar no corpo dela.
— Eu, Kian, o Príncipe de Sangue dos Feéricos, juro que se Elise me
oferecer o sangue livremente e quebrar minha maldição, eu a libertarei de
toda escravidão e garantirei sua segurança pelo resto da vida.
A magia do voto puxou como uma corda invisível ao redor do peito de
Elise e a amarrou com força. Ele cortou o dedo e estendeu para ela.
Sem volta.
Com o coração acelerado, Elise pegou a mão dele e levou o dedo aos
lábios. O sangue dourado de mel rodopiou na sua língua, os olhos de Kian
queimando quando ela chupou de leve. Com rapidez, Elise o removeu da
boca.
— Eu, Elise, prometo oferecer meu sangue livremente a Kian, o Príncipe
de Sangue, em troca da liberdade da escravidão e segurança pelo resto da
minha vida — disse, ofegando quando o nó no peito apertou ainda mais.
Kian grunhiu, inclinando-se para a frente até as testas se tocarem e as
mãos se entrelaçarem, a magia os prendendo.
— Agora, temos um acordo — disse ele. Roçou a boca de leve na dela,
antes de soltá-la e se levantar.
Kian se virou quando chegou à porta do quarto e deu uma olhada em
Elise tão indecente que ela apertou as coxas.
— Descanse, Elise. Voltarei hoje à noite para ter outro gostinho.
Capítulo 16
Não havia como Elise conseguir dormir de novo depois da visita de Kian.
Ela se vestiu e foi para a biblioteca, a mente cheia de antigos reis, feiticeiras
e gritos de feéricos morrendo.
Elise devia saber que Kian não estaria interessado em começar uma
guerra por algo tão simples como vaidade ou poder. Ele era muito calculista
para algo assim. Ela não tinha ideia da profundidade da dor dele.
Elise abraçou-se, a mente revirando todas as vezes que ele a olhou
confuso. Algum tipo de poder superior o impediu de matá-la quando ele
queria desesperadamente. Elise estava muito grata por isso, mesmo com os
braceletes dourados da escravidão nos pulsos.
Kian provou mais de uma vez que a protegia. Elise havia saltado na
frente de um esquadrão da morte para salvá-lo. O impulso foi por causa da
magia de Aisling? Explicaria muito. A verdadeira dúvida era: eles seriam
capazes de matar um ao outro quando a maldição terminasse?
Uma voz traiçoeira sussurrou: Ainda quer matá-lo?
Elise esfregou o peito. A bola de tensão sempre atribuída à magia de
Kian parecia maior e mais calorosa, pulsando como um batimento cardíaco
extra quando ele estava perto. Era mais uma coisa da qual ela gostaria de se
livrar com a liberdade.
Se Elise quebrasse a maldição, Kian poderia deixá-la mostrar a ele as
partes boas da humanidade dentre todas as coisas muito ruins. Ou ele pode
estar dizendo isso para conseguir o que quer.
Quando Elise estava cercada de livros, começou a se sentir melhor. Ela
ainda estava trabalhando em diferentes pilhas, separando os livros mágicos
e os perigosos dos normais. Foi um processo lento para colocar os livros
nas prateleiras em ordem alfabética, sempre tendo que reorganizar à medida
que avançava.
Elise abriu um de uma nova pilha, quase o deixando cair surpresa. O
rosto de Kian estava olhando para ela da página. Pintado ao lado de dois
outros feéricos, ela assumiu serem os irmãos. Os príncipes antes da
maldição.
A maior surpresa de todas foi ver o cabelo ruivo intenso de Kian e os
chifres pretos e dourados. Com a armadura dourada e uma coroa de folhas
na cabeça. Era lindo agora, com feições pálidas e prateadas, mas estava
devastador na foto. Era o tipo de beleza que inspirava admiração e medo.
O desenho na carta feérica de Chrissy retornou à memória de Elise, e ela
tentou não rir. Caramba, ela não tinha noção da “energia masculina” sobre a
qual a carta a alertara.
Os irmãos de Kian também eram excepcionais no departamento bonito e
aterrorizante.
Pintado à direita de Kian estava Bayn com padrões de gelo decorando a
armadura, e uma coroa feita de gelo no cabelo preto azulado. Parecia um
deus do inverno, pronto para ferir com a menor provocação.
À esquerda de Kian estava Killian. Era o mais alto dos três, com cabelos
pretos despenteados, olhos verdes e um sorriso que prometia todo tipo de
pecado. Asas pretas se ergueram das costas, com garras de prata nos arcos.
A armadura preta brilhava e uma coroa de estrelas prateadas estava no
cabelo.
Algo se moveu no canto do olho de Elise, e ela viu Kian sentado em uma
das alcovas da janela alta, fingindo ler um livro. Ela, por sua vez, fingiu não
o notar. Fechou o livro que estava olhando e o colocou na estante. Elise não
sabia por que ele estava lá em cima e não queria saber. Provavelmente
estava se preparando para dar um sermão a ela sobre não descansar.
Elise fez o possível para ignorá-lo e o calor entre as omoplatas quando
ele a observava. Ela estava começando a se acostumar com a magia que
sempre a informava quando ele estava por perto, mesmo que ainda a
irritasse. Com sorte, isso pararia quando Elise finalmente estivesse livre e
sem os braceletes dourados.
Elise se concentrou nas tarefas o máximo que pôde, deixando-se pensar
no que havia acontecido com sua casa pela primeira vez desde a captura.
Salisbury estava apenas a uma curta distância de carro, e esperava que os
feéricos não a tivessem incendiado por completo.
Elise podia perguntar a Kian, mas eles não precisavam de mais
animosidade entre eles já que chegaram a um acordo de paz. Um acordo
que envolvia um certo tipo de intimidade, então ela não queria ter vontade
de esfaqueá-lo com algo o tempo todo. Elise se acalmou, um pensamento
desconfortável lhe ocorreu. Toda vez que ele bebia o sangue dela, ela ficava
muito excitada no calor do momento. Aconteceria todas as vezes?
Voltarei hoje à noite para ter outro gostinho.
Elise deixou cair o livro que estava segurando. Estou com sérios
problemas. Ela não queria ter sentimentos sensuais pelo príncipe toda vez
que ele tentasse chupar o seu pescoço. Só pensar nisso a fez suar.
Elise parou de sonhar acordada e se abaixou para pegar o livro no chão.
O calor quente do olhar de Kian passou pela sua bunda, e ela se levantou
devagar. Talvez ela não fosse a única lutando com o desejo conflitante e o
ódio pelo inimigo. Ele podia ter sido capaz de usar a lua cheia como
desculpa, mas estava tão excitado quanto ela na noite anterior. Fechando os
olhos, Elise podia sentir a mão dele de novo ao deslizar nas suas calças.
Me morda, Kian. Ela agarrou o livro até os dedos doerem; encantada e
enojada com a ideia, como sempre.
Garota, você tem problemas, disse a voz de Chrissy no fundo da mente.
Elise desejou estar com a amiga para poder escutar seus conselhos.
Conhecendo Chrissy, o conselho seria: Garota, como isso é um problema?
Transe com o feérico gostoso enquanto pode.
Isso não ajudou.
Elise não tinha dúvidas de que a noite anterior tinha chegado tão longe
porque era lua cheia. Ela disse a Kian na cara dele que não faria sexo com
ele, e ele concordou que também não estava interessado. Lembrar disso foi
o banho frio psicológico que ela precisava.
Elise guardou mais três livros na estante, determinada a pensar na
liberdade e não no que teria que fazer para conquistá-la.
***
A ansiedade de Elise cresceu a ponto de ela estar uma pilha de nervos
quando Kian bateu na porta mais tarde naquela noite. Parecia tão calmo e
controlado como sempre. Era mesmo uma droga saber que ela a única
ansiosa. Talvez porque era ela quem estava perdendo o sangue, e ele
tomando o que queria como de costume.
— Como está se sentindo esta noite, Elise? — perguntou educado,
sentando-se em um dos sofás.
— Bem.
— E você comeu?
Elise revirou os olhos para ele.
— Sim, mestre.
— É para o seu bem-estar, não meu, escrava — retrucou aborrecido já
rastejando no tom. Bom. Elise precisava ser lembrada de seu status porque
não gostava como estava ficando confortável com a presença dele. Elise
odiava pensar em todas as perguntas que queria fazer sobre o passado de
Kian e Feéria e como era a Idade das Trevas.
— Podemos terminar logo? — perguntou, mexendo na almofada que
estava segurando.
— Elise, olhe para mim — ordenou Kian. Quando ela por fim o fez, o
rosto dele mostrava preocupação. — Não vou lhe machucar. Não precisa ter
medo de mim. Nem vou te morder.
— Não? — Elise não sabia se estava aliviada ou desapontada.
— Não, a menos que precise. Não acho que a maldição vai saber a
diferença, mas vamos nos certificar.
Kian pegou uma faca e uma taça da bandeja do jantar. Gesticulou para
ela.
— Pulso.
Elise estendeu para ele e fechou os olhos.
— Faça isso logo.
— Não sou tão incivilizado para apenas cortar você sem nada para a dor.
Ela abriu um olho. Ele derramou algo de um frasco de vidro amarelo na
pele dela e esfregou de leve o pulso.
— Você o fez no primeiro dia que me capturou — ressaltou Elise.
As narinas de Kian se dilataram em aborrecimento.
— Foi diferente. Você estava tentando me esfaquear com minha própria
adaga.
— Sim, estava — disse, e sufocou uma risada nervosa.
Kian levantou a faca.
— Desvie o olhar se precisar.
Elise se concentrou nas pontas escuras dos chifres. Metal frio perfurou a
sua pele, mas não houve dor como prometido. A borda do cálice pressionou
o braço dela e se afastou.
— Acabou — murmurou Kian, envolvendo um pano no corte.
— Já? — perguntou Elise, surpresa com a rapidez com que ele conseguiu
o que precisava.
— Acho que vamos descobrir. — Kian removeu o pano e colocou dois
dedos no corte. Ele sussurrou, e uma luz dourada brilhou onde ele a tocou.
Quando a soltou, o corte havia desaparecido.
— Isso é incrível — sussurrou Elise, tocando a pele. Nem mesmo uma
cicatriz.
— Não, o que é incrível é você ser a chave para minha maldição. Aisling
provavelmente está rindo pra caramba na vida após a morte. — Kian pegou
o cálice e o levou aos lábios. — Que isso funcione.
— Vira — retrucou Elise.
Kian o drenou, os olhos mudando para ouro por um segundo e então
voltando ao vermelho. Ela se lembrou da foto que tinha visto dele. Tinha
olhos dourados antes, não vermelhos. Elise não tinha acreditado de verdade,
mas agora acreditava… o sangue estava lutando contra a maldição dentro
de si.
— Você se sente diferente? — perguntou, quando ele colocou o cálice na
bandeja.
— Ainda não — respondeu ele. Estudou o vermelho no cabelo, sério.
— Talvez demore um pouco para funcionar?
A expressão fechada de Kian se aprofundou, e ele se levantou.
— Boa noite, Elise.
— Boa noite. — Ela conseguiu dizer antes dele ir embora de novo,
deixando-a olhando para ele.
Capítulo 17
Elise não tinha planejado procurar Kian naquela noite. Ela estava
inquieta e começou a vagar pelo castelo e acabou indo direto para ele. Ela
começou a reconhecer a magia cada vez mais à medida que manipulava o
mundo ao seu redor, e ela sem dúvida estava se sentindo influenciada desde
a lua cheia.
O que está acontecendo comigo? Ela estava se lançando às cegas em
direção a algo que não podia ver e não tinha certeza se queria sentir. Elise
também estava certa de que podia sentir Kian se movendo pelo castelo. Se
ela fechasse os olhos e girasse, sabia que acabaria andando até ele.
Elise não o conhecia muito bem, mas Kian havia mudado também. Ele
tinha um cuidado em torno dela que não tinha antes. Precisava de Elise ao
seu lado para quebrar a maldição e estava fazendo o possível para não a
irritar.
Deitada na cama e olhando para o dossel de seda, Elise se permitiu deixar
de lado a animosidade e tentar resolver a confusão de emoções dentro dela.
Ela estava começando a se sentir como uma pessoa diferente. Isolada do
resto do mundo, Elise estava desconectada do passado e estava se tornando
algo… mais. Não tinha família, exceto por uma prima na Noruega que
estaria segura porque estava muito longe. Ela sentia falta de Chrissy, do
Museu Britânico, do café expresso e do leitor de e-books. Mas fora isso?
Não muito.
A parte pragmática de Elise havia assumido o controle de uma situação
impossível de sobreviver. Era uma escrava, mas não era mais maltratada,
apesar de não poder sair. Mesmo antes da lua cheia, Kian fora protetor. Ela
tentou esfaqueá-lo e não conseguiu. Quando ele não estava tentando
provocá-la, Elise gostava da companhia. Uma parte dela sabia que era um
canalha assustador, capaz de violência que lhe daria pesadelos para sempre,
mas tudo o que fazia tinha um motivo.
Kian também beijava muito bem e deu a ela um orgasmo tão intenso que
a assustou.
Não posso estar gostando dele. Ele era um psicopata. Talvez ela também.
Ele a tinha caçado na lua cheia, e o maldito estava certo. Elise havia
gostado daquele jogo no final tanto quanto ele.
Ela enterrou a cabeça sob o travesseiro e gemeu de frustração e
constrangimento sexual. Elise não era uma puritana, mas nunca foi de ficar
excitada com jogos de mordida e domínio. Não que ela tivesse um parceiro
tão aventureiro.
Como se soubesse que Elise estava pensando nele, o lugar onde Kian
tinha mordido o pescoço pulsou, enviando pequenos choques de prazer pelo
corpo dela. Ela sabia como era uma mordida descontrolada de Kian
(aterrorizante, excitante, dolorosamente quente), mas quando mordia com
gentileza? Não tinha doído. A dor veio do que isso fez com ela. O íntimo de
Elise se derreteu com a necessidade de tocá-lo e saboreá-lo.
Com os braços ao redor do príncipe e o rosto pressionado no seu cabelo,
era como se Elise pudesse respirar direito pela primeira vez desde a lua
cheia. Kian e os músculos sob as suas mãos relaxaram. Ela não podia ser a
única a se sentir assim.
Também não te odeio tanto quanto deveria.
Quantas vezes mais ele precisaria beber dela antes de a maldição acabar?
Elise estremeceu sob os lençóis, sabendo que não conseguiria esconder os
sentimentos por muito mais tempo.
Sou um maldito caso perdido.
Talvez fosse por isso que havia tantas histórias sobre ficar atento aos
feéricos porque eles fazem você desejá-los tanto que os seguiria com alegria
até Feéria e nunca mais voltaria.
*
No dia seguinte, Elise estava com os olhos turvos e demorava a acordar.
Ela ficara acordada até tarde revirando na cama no estado conflitante atual
de odiar e desejar Kian.
No entanto, o canto da biblioteca parecia mais arrumado e melhor a cada
dia. Elise estava orgulhosa de como tudo estava se encaixando e tinha uma
lista de materiais para pedir a Kian para poder começar a restaurar alguns
dos livros que haviam sido danificados.
Elise poderia ter entrado em conflito sobre seus sentimentos por Kian,
mas o amor crescente pela biblioteca era verdadeiro. Ela adorava como as
estantes eram esculpidas com belas árvores e criaturas e como em certas
horas do dia, os pássaros cantavam canções assustadoras.
Ela adorava como os livros mágicos cheiravam a especiarias e flores em
vez de tinta e papel. Os livros feitos em Feéria pareciam vivos e vigilantes
comparados com os feitos no mundo humano, que pareciam mortos em
comparação. Elise queria perguntar a Kian se tinha algo a ver com como o
papel foi preparado, de que tipo de árvores e como eles faziam as tintas e
pinturas.
Ela queria saber mais a cada dia.
Se eles não se matarem no momento em que a maldição de Kian
terminar, ele a deixaria terminar a biblioteca? Era uma curta viagem de
carro de Salisbury até o castelo todos os dias, então seria o trajeto ideal. Era
um pensamento ridículo tendo em vista como fora das muralhas do castelo,
humanos e feéricos lutavam entre si. Poderia ter se transformado em uma
terceira guerra mundial lá fora, e Elise não sabia de nada.
Mãos ásperas agarraram os braços de Elise, jogando-a sobre a mesa de
trabalho tão rápido que ela não teve tempo de gritar.
— Humana fodida — rosnou Fionn, a ponta da lâmina sob a orelha de
Elise.
— P-Por favor, não me machuque — murmurou, contra a mesa.
— Diga-me a verdade, humana. O que você é para o príncipe?
— Uma escrava, como pode ver.
— Mentiras. Vocês têm entrado no aposento um do outro à noite. Ele está
fodendo você?
— Não! — Elise tentou levantar a cabeça, mas Fionn a pressionou de
volta. — Nós não estamos transando. Ele está bebendo meu sangue para
ajudar com a maldição. — A lâmina fria pressionou mais contra a pele dela.
— Minta para mim de novo, e vou cortar sua garganta — sibilou ele. O
corpo estava pressionado sobre o dela, a repugnância formigando contra a
pele de Elise. — Vi o príncipe beber sangue por séculos, e isso não ajudou
em nada com a maldição.
— Terá que perguntar a ele! Tudo que sei é que ele bebe meu sangue, e
tem mais cabelo vermelho no dia seguinte. Só isso. Não sou nada para ele.
— Você está quebrando a maldição dele. — A confiança de Fionn se foi.
Parecia assustado. — Diga a ele que conversamos, e vou te matar de
maneiras que não pode imaginar. — Deu um último empurrão em Elise e
depois se foi, deixando-a tremendo.
— Deveria ter cuidado com ele — disse Hedera, aparecendo atrás de uma
estante. Ela colocou uma bandeja de chá e frutas na mesa.
— Deveria ter cuidado com todos vocês — retrucou Elise, arrumando as
roupas.
Hedera grunhiu.
— Verdade. Temos razões para odiar sua espécie.
— Eu sei, mas não fiz nada com nenhum de vocês. Nunca pedi para me
tornar uma escrava e ser ameaçada a ser assada em uma maldita torta.
Hedera sorriu, mostrando fileiras de dentes pontiagudos e afiados, e fez
um som ofegante. Demorou um segundo para Elise descobrir que Hedera
estava rindo dela.
— Ainda acho que você deveria ser uma torta. O mestre pensa diferente,
e mesmo que eu não goste de você, obedecerei aos desejos dele —
respondeu, e colocou as mãos nos quadris. — Fionn está se achando muito
importante. Está ficando impaciente sob a bota do mestre, sobretudo porque
o príncipe está se interessando mais por você do que por matar humanos.
Nenhum guerreiro feérico é confiável, mas aquele menos ainda.
— Por que se importa com o que Fionn faz comigo?
— O mestre se importaria, então eu me importo. O mestre é o feérico
mais inteligente e mortal de todos, e se ele está interessado em você, então
tem um bom motivo. — Hedera riu chiando. — Embora eu duvide que seja
bom para você no final.
Capítulo 19
— Por que está mentindo para mim, Elise? O que está dizendo não é
possível — argumentou Kian, mais tarde naquela noite.
— Não, é sério. Eles são de uma cultura antiga da Assíria. Leões alados
que costumavam guardar a entrada de um templo. Há também sarcófagos
do Egito, uma das culturas mais antigas do mundo. Posso levá-lo e mostrar
tudo se quiser. Bem, se seus guerreiros não incendiaram o Museu Britânico
— retrucou Elise.
Kian balançou a cabeça.
— Disse a eles que não haveria saques. Ele vai estar lá. Quando eu
confiar mais em você, talvez considere levá-la.
Kian estava se esforçando para não se interessar pelas coisas ditas por ela
durante o jantar. Elise teve a melhor chance de atrair a curiosidade dele, e
ela podia ver que estava funcionando pelas inúmeras perguntas que ele
fazia. Ele enlouqueceria quando ela o levasse para um museu. Estava
interessado no conceito de bibliotecas públicas e galerias sinfônicas e de
arte. Essa era outra história verdadeira sobre os feéricos; amavam a arte, a
música e a beleza.
Ao discutirem sobre as técnicas da medicina moderna (sobre as quais
Elise não sabia muito), ela decidiu que estava ficando perigosamente perto
de gostar desse Kian. Era engraçado quando queria ser, e muito inteligente.
Entendia conceitos amplos, e Elise se perguntou quanta sobrecarga de
informação ele conseguiria lidar. Desejou, desesperada, um tablet e uma
conexão com internet para poder surpreendê-lo de verdade.
Passando tempo juntos assim, Elise podia esquecer que era “o príncipe”,
o macho ansioso para varrer a humanidade da Inglaterra. Esta era, ela
decidiu, a versão mais perigosa de Kian que ela tinha visto. Eles se
sentaram em uma pequena sala de jantar privada que estava conectada ao
aposento dele. Era estranho dividir uma refeição com ele, falar sobre a
história e a cultura humana. Boa conversa. À luz de velas. Parecia bastante
com um encontro.
Elise queria contar sobre as ameaças de Fionn. Estava queimando na
língua, mas ao mesmo tempo, o aviso sobre matá-la a deteve. Fionn não
hesitaria como Kian. Elise não tinha nada que ele precisasse. Fionn podia
estar tentando subir na hierarquia, como Hedera disse, mas Elise não tinha
dúvidas de que Kian o esmagaria como um inseto se tentasse.
— Quanto mais vermelho tem em seu cabelo hoje? — perguntou Elise. A
longa cabeleira de Kian estava trançada nas costas, e Elise queria muito
tirá-la das amarras.
— Mais cinco centímetros. Tinha desistido de encontrar uma cura para a
maldição, tinha me resignado à morte. Agora que está recuando, estou me
sentindo à deriva.
Uau. Uma verdadeira confissão do Príncipe de Sangue.
— Não tem coisas que sempre quis fazer? Coisas que se arrependeu de
não ter tentado? Pode fazer todas essas coisas agora. O mundo humano
mudou muito. Você tem coisas ilimitadas para explorar e fazer.
Kian sorriu para Elise, um pouco astuto.
— Parece intimidador. Posso precisar de um guia, alguém para me ajudar
a navegar desta vez.
— Vai encontrar alguém. Tenho certeza que muitas pessoas vão colocar
as mãos para cima para ajudar. Se parar de tentar matá-los, claro —
retrucou ela. Uma pequena ruga apareceu entre as sobrancelhas dele.
— Estava insinuando que talvez você me mostraria — disse ele.
Uma pequena vibração de felicidade inesperada a percorreu.
— Ah? Achei que te enojava.
O sorriso de Kian voltou.
— Enoja. Apenas menos do que todos os outros.
— Não se machuque com toda essa bajulação que está me banhando.
Pensei que os feéricos eram mestres da sedução.
— Meu irmão Killian ficou com toda essa habilidade. Tenho… outras.
Elise queria saber quais eram essas habilidades. Bastante. Ela se recusou
a lhe dar a satisfação de perguntar.
— Então talvez Killian tenha uma chance melhor de me convencer a
interpretar o guia turístico — brincou Elise. Kian ficou muito quieto, raiva e
magia emanando dele. Os encostos sob as suas mãos desmoronaram com o
aperto. Merda.
— Você é minha. Não de Killian. Não vai a lugar nenhum com ele —
rosnou, presas à mostra.
— Kian, estava brincando — disse Elise, tentando manter a voz firme. —
Mas quando estiver livre, irei para onde quiser, com quem quiser.
— É isso o que pensa? — Ela não gostou nem um pouco do tom
autoritário de Kian.
— É sim. Você prometeu me libertar. As promessas dos feéricos são
invioláveis.
A magia pulsava forte no esterno de Elise, puxando em direção a ele
como se fosse tentar se libertar.
Kian rosnou baixinho, agarrou o braço da cadeira de Elise, arrastando-a,
de modo que os joelhos se tocassem. Ele segurou o rosto dela com mãos
quentes e firmes.
— Sou obrigado a libertá-la da escravidão — ronronou, esfregando a
bochecha nela. A respiração quente fez cócegas na orelha de Elise quando
ele pressionou os lábios no espaço atrás dela. — Mas você nunca vai se
livrar de mim. — Enquanto estava distraído, Elise pegou a faca ao lado do
prato e a segurou na garganta de Kian.
— Por quê? — questionou. Ele não tentou se afastar mesmo que um
deslize da mão dela o pudesse abrir.
— Você sabe por que, Elise. Está tentando ignorar, lutando contra o
sentimento, mas sabe — sussurrou ele.
Kian levantou a cabeça para que ela pudesse olhá-lo em seus olhos
dourados e escarlates. A magia no íntimo de Elise pulsou outra vez,
tentando alcançá-lo.
— Eu te odeio — grunhiu Elise, entredentes, pressionando a lâmina com
mais força na garganta de Kian.
— Você pode até querer, mas não odeia. Você me deseja — disse com
aquele sorriso onisciente.
— Eu não desejo você — sibilou Elise, no seu rosto. Um fio de ouro
escorreu do pequeno corte no pescoço. O pânico a esfaqueou ao ver o
sangue, mas ela se manteve firme. A grande mão de Kian descansou na
barriga dela entre as costelas, sobre a bola de magia que queimava como
um sol. Lágrimas encheram os olhos de Elise quando ele pegou a outra mão
e a colocou no peito no mesmo lugar. Foi-se o sorriso presunçoso e a
personalidade arrogante e idiota feérica que era o estado normal de Kian.
— Sim, deseja — disse.
— É apenas a magia da nossa barganha que está fodendo comigo —
respondeu Elise, com um suspiro doloroso. Ela pressionou a testa na dele.
— Esta é apenas mais uma parte da maldição. Não sente essa coisa horrível
me queimando por dentro porque você fez isso comigo.
Kian agarrou a mão de Elise, puxando a faca para longe do pescoço. Ela
estava inclinada sobre ele, o joelho apoiado na cadeira entre as suas coxas.
— Também sinto. Não é minha magia e não tem nada a ver com minha
maldição — disse, puxando-a para mais perto. — Me diga que você não me
quer, Elise. Que sente repulsa pelo meu toque. Que não sonha com minha
boca em sua pele e meu pau enterrado dentro de você. Diga que não quer
que eu te faça gritar de prazer enquanto meus dentes te perfuram.
A faca caiu da mão de Elise e atingiu o chão. Os dedos dela traçaram o
rosto do príncipe e o cabelo antes de agarrar a base dos chifres. Os lábios
estavam quase se tocando, olhos fixos um no outro.
— Não. Eu não vou te dizer isso — rosnou Elise, baixinho.
Surpresa, medo e desejo brilharam nos olhos de Kian. Ele a puxou para
baixo no colo para que ela ficasse montada nele. Os braços a seguraram
com força, impedindo-a de correr.
— Me beije com vontade — implorou.
Os lábios de Elise obedeceram e não foram gentis. Ela mordeu e chupou,
liberando a frustração reprimida. Empurrou a língua contra a dele, sugando-
a na boca. As mãos de Kian agarraram as coxas de Elise, arrastando-a
contra o comprimento duro nas calças. Revirando os quadris, Elise acertou
o ponto que necessitava daquela doce fricção.
Elise puxou as amarras da camisa até se soltarem, desembrulhando-o
como um presente que sempre quis. Ela arrastou as unhas nele, deixando
leves marcas vermelhas na curva do peitoral e abaixo do abdômen. Kian
soltou um pequeno suspiro sensual quando Elise mordeu o seu peito e
chupou o mamilo. Ela fechou os dentes nele, e Elise de repente estava no ar,
Kian a erguendo nos braços.
— Humana infernal — rosnou, pressionando-a contra a parede mais
próxima, tirando a camisa dela e rasgando o bandeau ao meio. Os seios de
Elise saltaram livres, e ele se inclinou para trás para poder olhar para eles
por um tempo. Com força extraordinária, Kian a ergueu mais, a pélvis
prendendo-a com força contra a parede para que pudesse liberar as mãos
para segurar e apertar.
Lambeu o polegar e o correu sobre o mamilo de Elise em círculos lentos.
Manteve contato visual intenso com ela ao circular o botão tenso entre o
polegar e o indicador. Apertou devagar, mais e mais, até que um gemido
surpreso escapou dos lábios de Elise e o calor quente e úmido inundou a
calcinha.
— É isso, minha querida. Esse é o seu ponto doce — disse, presunçoso,
esfregando forte a pélvis de Elise, a pressão no peito dela sem diminuir. Ela
ia gozar sem sequer tirar as calças.
— Kian — choramingou, e o beijou, as unhas arranhando as suas costas.
Ele a puxou da parede e a carregou para o quarto.
Largando Elise na cama, Kian tirou o resto das roupas até ela estar nua e
esparramada na sua frente. Não se juntou a ela na cama, apenas ficou na
beirada, estudando cada pedacinho. O olhar do príncipe mergulhou entre as
pernas da humana, e Elise não conseguia esconder como estava molhada
para ele.
— Porra — sussurrou, quase com reverência, a expressão cheia de
admiração antes de se tornar selvagem. A grande mão pressionou o peito de
Elise entre os seios, o coração dela palpitando como se fosse explodir sob a
sua palma. Os lábios do príncipe se ergueram em um sorriso afiado cheio de
presas e posse, a mão movendo-se lentamente para baixo do peito, pela
curva da barriga antes de descansar no monte de cachos suaves entre as suas
coxas. A palma pressionou mais forte, virando a mão e enrolando os dedos
na sua maciez. Kian empurrou dois dedos dentro dela, duro e rápido,
fazendo-a gritar.
— Minha — disse, os olhos brilhando em cada uma das reações de Elise.
Ela agarrou o seu antebraço com ambas as mãos, unhas perfurando a pele.
Arqueou os quadris, montando a mão dele, precisando de liberação. Ele
puxou a mão, e ela soltou um grito estrangulado de perda e raiva. Kian
olhou para os dedos brilhantes antes de lambê-los lentamente, um de cada
vez. Os olhos se fecharam e ele cantarolou de prazer ao saboreá-la.
— Deliciosa em todos os lugares — disse.
Elise ficou de joelhos, puxando as amarras da calça de couro do príncipe
com dedos trêmulos. Um grunhido profundo rolou do interior dele quando
ela agarrou o pau e o libertou.
Elise sabia que seria grande, mas a fez parar e olhar.
— Sem chifres, afinal — disse, olhando para ele.
Kian riu, rouco.
— Decepcionada?
— De jeito nenhum. Elise apertou a mão e o acariciou com força. A
expressão de Kian escureceu, e ele puxou a mão e a virou. Em vez de
dobrar Elise, os braços fortes a envolveram, segurando-a de modo que as
costas ficassem pressionadas contra o seu peito. As mãos de Kian
seguraram os seios pesados de Elise, agarrando e soltando, acariciando e
provocando. Uma mão voltou para baixo, e ele pressionou um círculo lento
e duro ao redor do clitóris.
— Deliciosa, perfeita, humana infernal — disse Kian, nos ombros de
Elise. As mãos dela subiram ao redor do pescoço dele e agarraram com
força os chifres, dando-lhe uma visão completa dos seios. Ela virou a
cabeça, e ele a beijou rudemente, mordendo o lábio com força suficiente
para tirar uma gota de sangue e sugá-la.
— Me foda com vontade, Kian — disse Elise, jogando as palavras de
volta para ele.
As mãos de Kian deslizaram pelos quadris de Elise e esparramaram as
coxas ainda mais. Ele esfregou o pau duro entre as dobras para molhá-lo, a
fricção deliciosa fazendo-a arquear.
— Não solte — ordenou, e Elise apertou a base dos chifres com mais
força. A respiração foi sugada dos seus pulmões quando ele a penetrou em
uma investida poderosa. Era tão grande que as coxas se apertaram para
desacelerá-lo.
— Respire, Elise. Cada parte sua foi feita para eu saquear e dar prazer —
sussurrou Kian, sombrio. Suas mãos apertaram os quadris dela, rolando-os
para trás e empurrando o pau o resto do caminho, mantendo-a lá até ela se
ajustar com o tamanho.
Elise mal conseguia ar suficiente quando Kian começou a deslizar o pau
para a frente e para trás, atingindo lugares secretos dentro dela. Ela estava
dançando em uma deliciosa linha entre o prazer e a doce dor, por instinto,
Kian sabia a força e rapidez que ela aguentava. Elise se rendeu a ele,
deixando-o liderar o ritmo, sabendo que a levaria a um lugar onde nunca
tinha estado.
— Porra, Kian, tão bom você em mim. — Elise conseguiu ofegar, as
mãos dele acariciando e provocando o seu corpo.
— Você também. Melhor do que jamais poderia ter sonhado —
sussurrou, beijando o ombro dela. Ele colocou o pé na beirada da cama e
levantou a perna de Elise sobre o joelho dobrado, abrindo-a ainda mais. Ela
puxou-se para cima, a mudança de posição esmagadora. A mão do príncipe
foi entre as pernas de Elise e por baixo onde elas estavam unidas,
acariciando firmemente para cima e para baixo e provocando o clitóris
sempre que alcançava o topo.
Mesmo com a mente nublada pelo prazer, Elise sabia que não era apenas
sexo. Kian estava quebrando cada parte escondida dela e colocando sua
marca nos pedaços. Estava pegando coisas e substituindo-as, e ela estava
fazendo o mesmo com ele.
Ele é meu, uma voz que Elise mal reconheceu entoou como um mantra.
Cada pensamento coeso saiu da cabeça de Elise quando Kian recomeçou
as investidas, o orgasmo crescendo tão quente e apertado que ela estava
quase chorando. Ele se mexeu, movendo-se para dentro e para fora, mais e
mais rápido, até ela tremer, lutando para se segurar.
— Me morda — gemeu Elise, a cabeça caindo para trás no ombro dele.
— Tão perfeita — rosnou.
Ela gritou quando dentes afundaram nela, o orgasmo de Elise explodindo
tão violentamente que ela perdeu o domínio sobre os chifres.
Kian a segurou firme, guiando-a para baixo. Deitou o corpo maciço sobre
ela, descansando nos cotovelos, os lábios no pescoço. Ainda estava duro
dentro dela, empurrando lenta e profundamente, arrastando o orgasmo até
Elise estar soluçando no colchão. Ele a tinha quebrado por completo e ainda
não havia terminado.
Kian levantou a boca da mordida e beijou os ombros de Elise.
Levantando-se, lambeu o fio de suor das suas costas. Os dedos traçaram os
lados do corpo antes de alcançar as curvas da bunda, agarrando-a até que
Elise ofegou, e a arqueou para ele.
— A garota gananciosa quer mais — ronronou, em aprovação, e a pele
de Elise ficou toda arrepiada. Levantou a sua bunda rudemente contra ele,
fazendo-a gritar outra vez. Elise se apoiou nos cotovelos, a respiração
ofegante quando as peles escorregadias de suor batiam com força uma
contra a outra. Kian segurou com força a bunda dela, estabelecendo um
ritmo torturante e guiando-a até ele de novo e de novo.
Uma mão passou por baixo de Elise para agarrar seu seio, beliscando os
mamilos mais uma vez e fazendo-a gritar. A respiração tornou-se difícil
quando a mordeu pela segunda vez, impulsionando os dois a um clímax tão
forte que acabaram na cama em um emaranhado de braços e pernas e
respirações pesadas.
A pequena bola de magia dentro de Elise estava queimando como uma
supernova enquanto ela subia em Kian. Assim que o peito foi pressionado
contra o dele, a magia saiu dela. As peles se iluminaram em brilhantes runas
douradas, fazendo os dois pularem alarmados.
— O que é isto? — perguntou Elise, maravilhada, torcendo-se para poder
observar melhor as runas.
Com gentileza, as mãos de Kian acariciaram o cabelo indomável do rosto
de Elise antes de puxá-la para perto e segurar as bochechas com as mãos.
— É apenas a magia reagindo, só isso. Não vai te machucar —
assegurou, mesmo que a própria voz estivesse trêmula. Ele beijou Elise de
leve, os olhos escarlates injetados com tanto ouro que pareciam
luminescentes, o rosto cheio de admiração.
Capítulo 20
O chá que Elise havia recebido tinha um gosto péssimo. Ela achou que
era uma manobra estratégica porque, sério, eles estavam na Inglaterra, e não
havia desculpa para uma xícara de chá ruim. Ela se recusava a comentar
sobre o sanduíche de queijo frio que eles pensaram que ela gostaria de
comer.
O rosto ensanguentado de Elise foi limpo, com pontos temporários
prendendo o pior dos cortes, e o braço foi colocado em uma tipoia até eles
poderem fazer um exame de raios X da fratura. Se ela visse Fionn de novo,
Elise iria chutá-lo nas bolas. Ou pedir para Kian chutá-lo. Ela esfregou o
peito, o coração doendo e vazio da bola de magia perdida.
Elise deveria estar feliz e grata por ter escapado. Em vez disso, estava
enjoada e emotiva. Ela tentaria culpar a Síndrome de Estocolmo mais tarde,
mas naquele momento Elise sentiu falta de Kian. Ver humanos em
telefones, e outras tecnologias, parecia estranho depois de tantas semanas
longe disso. Ela queria sua biblioteca silenciosa de volta.
Assim que Elise parou de sangrar por toda parte, os soldados a levaram
para um pequeno prédio, e ela foi colocada em uma sala de interrogatório
com uma mesa de aço inoxidável e janelas espelhadas. Isso nem foi a
melhor parte. Um cara apareceu e colocou um colar na cabeça dela que era
feito de anéis de ferro. Elise tentou não rir dele. Enquanto ela não viu
nenhum ferro no castelo, ela não pôde confirmar a eficácia contra os
feéricos. Com certeza não entendia o que eles achavam que um colar feio
faria.
Elise estava prestes a deitar a cabeça latejante na mesa e dormir quando a
porta se abriu. Um homem atarracado de uniforme entrou. Tinha que ser o
chefe. Alguns meses atrás, Elise estaria mijando nas calças vendo um cara
assim olhando para ela, mas depois de lidar com Kian, o cara era…
pequeno.
— Qual é o seu nome? — perguntou sentando-se e pegando o telefone e
tablet. Começou a gravar, e olhou para ela com expectativa.
— Elise Carlisle. Sou de Salisbury.
— Elise, sou o general Gatesbridge. Você pode me dizer quanto tempo
esteve com os feéricos?
— Não estava “com” eles. Era a escrava deles — corrigiu. — Fui levada
quando estava indo pra casa de trem, em Londres… talvez oito semanas
atrás. Foi na primeira noite do regresso dos feéricos.
— Entendo. — O general Gatesbridge bateu no tablet e mostrou uma foto
do interior do trem cheio de respingos de sangue, mas felizmente sem
corpos. — Isso parece familiar?
— Extremamente. Fui levada de um vagão onde as pessoas tentavam
matar umas às outras ou a si mesmas — respondeu Elise.
— Você quer dizer que os feéricos os estavam matando.
Ela balançou a cabeça.
— Não, os humanos estavam fazendo tudo sozinhos. Eles estavam presos
em algum tipo de magia. Os feéricos nem sequer desceram dos cavalos.
O general mostrou outra imagem. Estava fora de foco, mas os chifres
eram suficientes para o coração de Elise disparar.
— Sabe quem é? — perguntou ele.
— Esse é o príncipe — sussurrou, sem querer dizer a eles o nome dele.
— Pode explicar seu relacionamento com ele?
Elise franziu o cenho.
— Não tenho um relacionamento com ele. Era sua escrava, como eu
disse.
— Então você pode explicar isso? — Gatesbridge ergueu o tablet que
mostrava imagens, em preto e branco, do estábulo do castelo. Não houve
som quando o cara filmando apontou uma arma para Kian. Elise atravessou
a cena, movendo-se anormalmente rápido e derrubando Kian atrás do cocho
de pedra.
— Posso explicar — disse Elise, calma, pensando em uma mentira. —
Como escrava do príncipe fui obrigada por magia a protegê-lo se viesse a
sofrer. Olha como corri. Foi a magia porque, como pode ver, não tenho o
corpo de uma estrela do atletismo.
— Ainda está sob a influência da magia?
— Que eu saiba, não.
— Entendo. E se era uma escrava, por que foi jogada nos nossos portões
esta noite?
— Não tenho certeza. Talvez o príncipe tenha se cansado de mim, ou está
me devolvendo como algum tipo de oferta de paz. Era a única humana
mantida no castelo — respondeu Elise. Ela ainda estava esperando salvar
algo do plano que pararia a agressão humana e feérica.
Gatesbridge realmente ficou vermelho-púrpura de raiva.
— Esse filho da puta parece estar interessado em paz? — Jogou o tablet
para Elise, e ela o ergueu para assistir a filmagem silenciosa. O sanduíche
de queijo seco subiu na garganta dela.
O vídeo era uma montagem sangrenta dos feéricos vagando pelas ruas de
Londres, caçando humanos em fuga. Ao longo do Tâmisa, árvores haviam
crescido nas margens e estavam decoradas com corpos pendurados
balançando. Bebezinhos, todos com menos de dois anos, estavam sendo
carregados em cestas acolchoadas e sendo entregues aos guerreiros para
transporte.
E em todos os lugares, observando com calma, estava Kian com a
armadura manchada de sangue. O rosto, nas poucas vezes em que a máscara
foi removida, era o mais frio que Elise já tinha visto ao observar os feéricos
enforcando pessoas, arrancando bebês de mães em prantos e incendiando
casas.
Elise soltou o tablet e vomitou no chão de concreto. Ela respirou fundo,
tentando colocar ar nos pulmões, o ataque de pânico a despedaçando.
Elise sabia pelos rumores de que o exército estivera em Londres durante
o primeiro mês da captura dela. Sabia que eles estavam matando pessoas.
Os traidores. Mas bebês? Ela vomitou de novo, bile amarela dessa vez.
— Esse é o monstro que você salvou naquela noite, Elise. Tivemos uma
chance, e foi estragada por sua causa — rosnou Gatesbridge, inclinando-se
sobre a mesa em direção a ela.
— Disse que foi por causa da magia — ofegou Elise.
— É melhor escolher de que lado quer estar e se preparar para entregar
todas as informações sobre esses idiotas. Não quero precisar torturá-la, mas
farei o necessário para salvar a Inglaterra de…
A porta da cela se abriu.
— Pare, Gatesbridge.
Uma mulher de terno entrou na sala, o cabelo ruivo e grisalho preso em
um coque. Usava brincos de pérola para suavizar a severidade do rosto, mas
Elise não acreditou nesse truque feminino nem por um segundo. Esta era a
chefona. Ela não levantou a voz, mas tanto o general quanto Elise se
encolheram.
— Obrigada, general. Isso é tudo. — Ficou roxo de raiva outra vez, mas
não discutiu quando saiu da sala.
— Alguém pode, por favor, trazer um pouco de água para Elise? —
disse, e de repente apareceu um homem com duas garrafas de água.
— Obrigada — falou Elise, abrindo uma garrafa e tomando um gole.
— Terá que perdoar o general. Ele deixa a paixão anular a razão às vezes.
Pode me chamar de Ruth.
Elise assentiu, a água batendo desconfortavelmente no estômago. O
vídeo ainda estava sendo reproduzido no tablet, e cada foto de Kian era
como uma faca cravada nela. Ela dormiu com ele, e pior, Elise começou a
ter sentimentos por ele. Emoções dolorosas e verdadeiras.
O príncipe no vídeo era o verdadeiro eu de Kian. O outro, com quem ela
havia bebido vinho, falado de livros e levado para a cama, estava apenas
tentando convencê-la a dar o sangue sem luta.
A pior parte era que Elise sabia que ele estava matando humanos. Com
os próprios olhos, ela o vira decapitar alguém com calma. Esse
conhecimento não a impediu de se apaixonar por ele, então o que isso a
tornava?
— Não posso imaginar o que passou, Elise — disse Ruth, quebrando o
silêncio. — O fato de ter sobrevivido tanto tempo entre os feéricos me diz
como é inteligente.
— Sim, sofri muito, e gostaria de ir para casa agora — comentou Elise, a
voz baixa.
— Essa é uma opção se nos ajudar. Gatesbridge fez isso da maneira
errada, mas a verdade é que não sabemos nada sobre os feéricos, por que
eles estão nos invadindo e quais são suas fraquezas. Você viveu entre eles, e
isso a torna excepcionalmente qualificada para nos informar.
— Eles estão invadindo e matando pessoas porque querem vingança pelo
que os reis britânicos fizeram com eles — respondeu Elise.
— E o príncipe? Alguma coisa que possa dizer sobre ele? — pressionou
Ruth.
— Ele é implacável. — E amaldiçoado. E cruel. E estou apaixonada por
ele. — Tem muita magia. A única maneira de salvar a Inglaterra é tentar
fazer um tratado de paz com ele. Pode chegar a um entendimento com ele.
O príncipe não é uma besta irracional. É estratégico e quer ter um lugar
seguro para seu povo.
Ruth estava franzindo a testa, sem dúvida lendo no rosto de Elise a
agonia conflitante na qual ela estava.
— De todos naquele trem, por que levou você? — perguntou.
— Não sei. Não sou ninguém. — Sou a chave da maldição que o está
matando. Tudo que precisa fazer é esperar, e estará morto. Nada disso
confortou Elise, nem um pouco. Apenas a fez se sentir pior.
— Ele te machucou? Estuprou?
— Não. Não me estuprou, nem nenhum dos outros. Eles não mexem com
os escravos de outros feéricos dessa maneira.
— Entendo. Mais alguma coisa?
Elise a olhou nos olhos, deixando-a ver o vazio e a dor dentro dela.
— Não.
Os lábios de Ruth se estreitaram.
— Não me obrigue a entregá-la a Gatesbridge, Elise. Sou a única coisa
entre você e ele, e reter informações é a pior coisa que pode fazer por si
mesma agora. Proteger o príncipe, simpatizar com os feéricos, não vai te
ajudar.
— Não estou protegendo o príncipe. — Tinha gosto de mentira, mas
Elise manteve contato visual. — Me entregue a Gatesbridge. Não vai mudar
a verdade.
— E que verdade é essa?
— O príncipe não tem fraqueza, e vai matar todos vocês se não tentarem
negociar com ele — respondeu, o vazio no peito crescendo ainda mais.
Ruth soltou um longo suspiro antes de bater na porta da cela. Ela se abriu
e Elise a ouviu dizer com clareza.
— É toda sua.
Capítulo 23
O sol tinha se posto horas atrás, e Elise ainda não tinha ido encontrar
Kian. Não sabia o que ela estava sentindo sobre a noite de paixão, mas ela
era tudo em que havia pensado durante todo o dia. Elise tinha feito partes
dele acordar do sono secular, e a cada dia, Kian estava se sentindo mais
como o macho que era antes da maldição. Aquele capaz de coisas como
amor e afeição antes de a magia de Aoife lhe arrancar todos esses
sentimentos. Era emocionante… e aterrorizante.
Kian esperou até meia-noite, bebendo vinho, ansioso. Estava dividido
entre querer dar espaço a Elise e precisar vê-la como precisava respirar.
Kian resistiu a usar o vínculo de acasalamento entre eles porque não queria
invadir a privacidade dela dessa maneira.
Ela estava fazendo isso para provocá-lo? Para enfurecê-lo? Por que Elise
não o queria agora que tinha dormido com ele?
Nada disso era agradável de pensar, e ele se cansou de esperar.
Kian saiu do seu aposento e dirigiu-se ao dela, feéricos inferiores se
espalhando assustados com a raiva e determinação na aura do príncipe.
— Elise? — Kian abriu as portas do quarto, mas não havia fogo, nem
luzes acesas. Ele se virou e foi para a biblioteca. Ela às vezes gostava de
trabalhar até tarde, e ficava envolvida lendo um livro qualquer.
A biblioteca estava escura e silenciosa. Pânico explosivo e raiva lutaram
pelo domínio enquanto Kian tentava pensar onde mais ela poderia estar.
— Mestre? — Hedera surgiu do nada, a magia da elfa sentindo que o
mestre estava precisando de ajuda.
— Onde diabos ela está?! — gritou Kian, agarrando Hedera pelos
ombros.
— Não sei, m-mestre. Entreguei a comida dela aqui esta manhã. —
Hedera bateu as mãos, e todas as luzes se acenderam ao mesmo tempo. A
bandeja de chá e comida de Elise estava intocada na mesa de trabalho. Não
havia sinais de luta, mas isso não significava nada. Elise era tão pequena e
humana, seria impotente contra qualquer um dos feéricos.
— Ah não, ele não… — começou Hedera, e fechou a boca com um
estalo.
— Quem. Fez. O quê? — rosnou Kian, agarrando-a pela garganta, a raiva
uma chama viva.
— Vi Fionn entrar na biblioteca pouco depois de mim. Ele se interessou
por sua escrava e a visitou mais de uma vez. Não são visitas amigáveis.
— E você não disse nada disso para mim? — questionou ele.
— O senhor teria ouvido uma feérica inferior ou seu general? Ou
qualquer guerreiro feérico? — retrucou Hedera. Kian a soltou depressa, e
ela esfregou o pescoço.
— Encontre-o para mim e não seja vista — ordenou, e ela desapareceu.
Kian fechou os olhos e respirou fundo, procurando o cheiro de Elise. A
biblioteca estava coberta do seu cheiro, então escolheu os mais recentes. Ele
o seguiu até uma estante de livros, onde o aroma quente habitual faiscou
com notas azedas de medo. Misturado a esse medo estava Fionn.
Kian agarrou a estante, sua visão escurecendo de raiva. A magia
assassina estava fervendo dentro dele, tão poderosa que a biblioteca tremeu.
A magia clamou por uma batalha, e a armadura respondeu, aparecendo peça
por peça em seu corpo, espadas cruzando os ombros.
— Mestre, Fionn está perto dos estábulos. A montaria parece exausta e
úmida de suor — relatou Hedera, aparecendo a uma distância segura.
— Obrigado, Hedera. Mantenha os feéricos inferiores dentro do castelo
esta noite — disse Kian, a advertência em seu tom palpável. As queixas de
Fionn vieram à tona de uma vez, e Kian não sabia que outras mentiras
Fionn havia envenenado aos guerreiros.
Começou a nevar lá fora, e Kian tentou não pensar onde Elise estaria na
noite gelada. Fionn estava falando com Aiden e Owain, o primeiro ainda
com a mão podre em volta do pescoço. Cada guerreiro no terreno do castelo
voltou sua atenção para Kian.
— Onde diabos ela está, Fionn? Aonde você a levou? — questionou, a
voz um estalo de chicote no silêncio.
— Quem, meu príncipe? — respondeu Fionn. Conforme Kian se
aproximava, sentiu o cheiro forte e intoxicante do sangue de Elise. Ele o
seguiu até o cavalo de Fionn, e encontrou uma mancha escura no flanco
dianteiro. Kian a tocou, e através do vínculo pôde sentir a dor e o terror de
Elise. Teve um vislumbre de um acampamento humano, e então
desapareceu.
— Me diga aonde a levou — repetiu Kian. Soltou um pouco de poder, e
os três guerreiros gemeram de dor. Os pés dele congelaram no chão, e a
magia de compulsão começou a desnudar as mentes dos guerreiros.
— Eu a devolvi para os humanos no acampamento onde ela pertence! —
gritou Fionn, sangue pingando do nariz. — Fiz isso pelo senhor, mestre. Ela
enfeitiçou o senhor e destruiu sua determinação… — Não conseguiu
terminar a frase. Kian rugiu com raiva, e Fionn explodiu em uma chuva de
sangue e vísceras.
— Vocês o ajudaram? — Kian virou-se para onde Aiden e Owain
estavam se contorcendo no chão sangrento em agonia. Os dois balançaram
a cabeça. Não havia como mentir para ele sob tal compulsão. Ele os soltou,
ficaram quietos, soluçando alto.
Kian virou-se para os guerreiros aterrorizados que ainda estavam
assistindo.
— Alguém mais acredita que estou enfeitiçado?
Ninguém se moveu. Ninguém respirou.
Kian montou no cavalo mais próximo, canalizou um pouco de sua magia
para ele, e saiu do pátio apressado adentrando a escuridão.
A paisagem noturna borrou ao redor dele, a raiva de Kian apenas
desaparecendo um pouco quando o medo por sua companheira assumiu.
Procurou pelo vínculo deles. Era dolorosamente fraco, mas estava lá.
Mostrava que Elise ainda estava viva, pelo menos. Ela estava ferida e
sangrando quando Fionn a levou embora, e esse pensamento foi suficiente
para que a fúria sombria retornasse.
Não demorou muito para as luzes brilhantes do acampamento humano
aparecerem. O vínculo ficou mais quente a cada passo.
Talvez ela não queira ser resgatada? O pensamento sacudiu Kian tão
forte que ele parou o cavalo. Elise finalmente estava de volta entre seu
povo. E se ela agora se sentisse feliz e segura? Como seu companheiro, o
bem-estar dela era a maior prioridade de Kian. Não tinha considerado por
um momento que talvez deixá-la voltar para a antiga vida seria a melhor
maneira de proporcionar isso.
Kian fechou os olhos e tentou descobrir a localização e os sentimentos de
Elise. O vínculo instável de repente se abriu, e um choque de dor
excruciante rugiu nele. Kian não conseguia respirar. Não conseguia pensar.
A dor parou apenas o tempo suficiente para ele respirar fundo e começou de
novo.
Kian! A voz de Elise gritou, e então o vínculo se fechou outra vez.
— Elise… — Correu em direção ao acampamento, erguendo uma
barreira mágica ao seu redor para parar os projéteis dos humanos. Kian não
podia ouvir nada exceto o medo e a dor na voz de Elise.
Ao se aproximar do acampamento, a magia saiu dele, arrancando os altos
portões de metal e jogando-os para o lado. Guerreiros gritavam, enchendo o
local com as armas barulhentas. O poder de Kian os derrubou, destruindo as
caixas de metal em que viajavam. Seguiu o vínculo para um prédio e
arrancou o telhado, derrubando as paredes. As pessoas gritavam ao serem
esmagadas e empurradas até ele encontrar Elise. Ela estava de joelhos,
quase inconsciente e muito molhada. Um homem a segurava pelos cabelos
com uma das armas apontada para a cabeça dela.
— Você se atreve a tocar na minha companheira e ser violento com ela?
— rosnou Kian, puxando uma das espadas. — Solte-a, ou vou matar cada
um de vocês.
O homem olhou com os olhos arregalados para a destruição ao redor.
Soltou Elise, virou-se e correu. Kian queria persegui-lo e despedaçá-lo
pedaço por pedaço, mas ela precisava mais dele.
Elise choramingou quando Kian se agachou e a levantou com um braço,
segurando-a com força e examinando ao redor para ataques que se
aproximavam, espada pronta.
— Você veio por mim — sussurrou, no pescoço dele.
— Prometi que nunca estaria livre de mim — respondeu Kian, e as
lágrimas quentes de Elise umedeceram a sua pele.
— Cessar fogo! — ordenou a voz de uma mulher, e todos os humanos
congelaram. — Deixe-os ir. — Ela estava segurando uma arma também,
mas a baixou. Ela era a única humana com algum bom senso no lugar. Os
soldados recuaram, abrindo caminho para eles enquanto Kian voltava para o
cavalo.
— Maldita traidora simpatizante — resmungou um soldado. A lâmina de
Kian estava pronta para cortar a cabeça do soldado quando Elise tocou o
rosto do príncipe, congelando-o no meio do golpe.
— Não os machuque, Kian. Apenas me leve para casa, por favor —
implorou. A própria natureza de Kian lutou contra isso, mas ele removeu a
lâmina do pescoço do humano.
— Ela sempre tentou me convencer a mostrar misericórdia. É assim que
a retribui? — Kian esbravejou as palavras antes de montar no cavalo.
Embainhou a espada, e sem olhar para trás, Kian tirou a companheira de lá
antes que matasse todos eles.
Elise agarrou-se a ele e eles correram em direção ao círculo de pedras.
Kian não podia confiar nos próprios guerreiros ou na segurança do castelo.
Não levaria a companheira para lá quando ela estava morrendo. Kian
precisava levá-la a um lugar onde seu poder fosse mais potente para curá-la.
Kian avançou em direção ao círculo de pedra, a magia rugindo conforme
o portal explodia com luz. Agarrando-se mais a Elise, eles dispararam
através da magia ardente e dourada e entraram em Feéria.
Capítulo 24
A expressão fechada de Elise disse a Kian para tomar cuidado porque ela
não aceitaria mentiras. Ele podia ver a mente dela tentando entender o que
tinha acabado de dizer.
— O que quer dizer com sou sua companheira? — perguntou Elise,
devagar.
— É difícil de explicar.
— Tente.
A noite já havia destroçado Kian por dentro, então o que era mais uma
coisa? Era tarde demais para tentar desviar do assunto.
— Tem a ver com a magia de Aisling para que apenas nossas
companheiras pudessem quebrar nossas maldições. Meus irmãos e eu
pensamos que era apenas para nos dar alguma esperança. Então ela nos
disse que nossas companheiras seriam humanas e das linhagens do rei —
explicou Kian.
— Acha que sou uma descendente de Vortigerno ou algo assim?
— Não Vortigerno. Hengist. E sei disso porque na noite de lua cheia vi o
rosto dele depois de ter bebido seu sangue. — Elise ainda não o empurrara,
então Kian continuou. — Companheiros são raros entre os feéricos. Eles
são como… duas metades do mesmo todo. Companheiros ligados tornam
um ao outro mais forte. A magia os une. Foi esse vínculo que rastreei esta
noite.
— Eles me mostraram imagens da noite em que salvei você. Corri mais
rápido do que pensava para derrubá-lo. Foi por causa do vínculo? —
perguntou, mordendo o lábio inferior. Kian assentiu.
— Sim. Não é incomum companheiros conseguirem compartilhar
atributos como força — explicou ele. Kian não se atreveu a trazer à tona os
outros traços feéricos que ela poderia começar a manifestar. A pouca
paciência e paixão rápida deles já eram bastante semelhantes.
— A razão pela qual não pude ver você morrer foi o laço dos
companheiros. Não podia deixá-los atirar em você. Nem tive escolha. — A
expressão de Elise passou de curiosidade para fúria. — Não tive escolha.
Não importa que os braceletes tenham desaparecido. Ser sua companheira é
apenas outro tipo de escravidão, não é? — questionou, soltando Kian e
nadando para colocar espaço entre eles pela segunda vez. Foi como um
chute nas bolas de Kian tê-la comparando os dois dessa maneira.
— Só porque agora está segurando minha coleira e não o contrário —
retrucou Kian, cruzando os braços. — Perdi a maldita cabeça e toda a razão
esta noite porque você se foi. Fui até os humanos e hesitei em resgatá-la
porque um feérico só quer que os companheiros sejam felizes e estejam
seguros. Mas você não está feliz ou segura com eles. Você chamou meu
nome através do vínculo, e eu teria massacrado o mundo inteiro para ter
você de volta. Sou um dos feéricos mais fortes em toda a nossa longa
história, mas sou impotente quando se trata de você! Então sim, sou seu
escravo em todos os sentidos que importam.
A boca de Elise se abriu surpresa.
— Você sabia que sou sua companheira desde a lua cheia?
— Sim. Aisling confirmou, mas eu não queria isso para nenhum dos dois.
Fiz a barganha com você trocando seu sangue por sua liberdade. Não sabia
que já tinha me apaixonado por você, e o vínculo já estava lá. Queria você.
Nunca vou parar de querer você.
— Entendo. — Elise sorriu um pouco, e Kian de repente ficou com
medo. — Como sua companheira, que tem todo esse suposto poder sobre
você, eu poderia pedir coisas a você, e teria que fazer?
Porra. Não gostou nem um pouco para onde isso estava indo.
— Como foder até você desmaiar de prazer? Sem dúvida — disse Kian,
tentando distraí-la. As bochechas dela ficaram coradas, mas ela percebeu a
intenção dele.
— Boa tentativa. Estava pensando em outra coisa. — Elise endireitou os
ombros, fixou os olhos azuis penetrantes nele. — Como sua companheira,
peço que me dê uma noite com você em Londres para convencê-lo de que
os humanos têm coisas para oferecer aos feéricos. Se estiver convencido,
então conversará com seus irmãos e fará uma nova aliança com os
humanos.
— E se eu não estiver?
— Estou confiante de que não chegará a isso. — O queixo teimoso de
Elise se ergueu. — Eles são meu povo, Kian. Depois de tudo que feéricos e
humanos fizeram um ao outro, a resposta não pode ser mais derramamento
de sangue. Temos que ser melhores que isso. Não consegue ver? Podemos
ser a ponte que nossos povos precisam.
Claro, Kian acabaria com uma companheira que era inteligente e
dominante, e idealista. Em outras circunstâncias, teria apreciado aquele
fogo. Tentou se lembrar de que era o negociador, o diplomata, e precisava
de coisas.
— Como seu companheiro, estaria inclinado a conceder seu pedido —
disse Kian, inspecionando as unhas. — Mas você não concordou em aceitar
o vínculo entre nós, então não tenho que considerar nada do que pede.
— Vá se foder — sibilou Elise.
Os olhos de Kian se estreitaram.
— O quê?
— Eu disse, vá se foder, Príncipe de Sangue. Fui torturada esta noite
porque me recusei a dar a eles qualquer coisa que pudessem usar contra
você. Levei um tiro no braço por você quando tentaram matá-lo. Fui para
sua cama de bom grado. Não havia coerção mágica nessa parte do nosso
relacionamento. Meu Deus! A coragem que você tem para tentar me dizer
que eu não aceitei o vínculo entre nós — rosnou. — Vá. Se. Foder.
— Eu? — Kian a tirou da piscina e a colocou de costas nos lírios em um
piscar de olhos. — Companheira boca suja. Nunca vai deixar de ser uma
humana infernal?
— Nunca vai parar de agir como um feérico arrogante? — perguntou
Elise, agarrando punhados do cabelo dele e puxando-o para mais perto.
— Não, mas vou ensiná-la a mostrar respeito adequado a seu
companheiro — rosnou ele.
— Tente ganhar meu respeito pra variar, seu… — Kian a beijou, os
lábios e a língua a silenciando enquanto devorava a linda e perversa boca de
Elise. O sabor doce expulsou toda a escuridão que o estava dilacerando
desde que percebeu que ela havia sumido.
— Minha — ronronou Kian, passando a mão pelo lado dela e segurando
possessivamente o seio. Elise envolveu as coxas quentes ao redor da sua
cintura, a mão segurando o pau duro.
— Prove — disse, apertando mais quando ela correu o polegar sobre a
ponta. Kian afastou a mão dela e a penetrou. Ela estava tão quente e
molhada que ele mordeu a língua com força suficiente para sentir o gosto de
sangue. Ela apertou os músculos íntimos, e moveu os quadris para cima,
empurrando Kian mais fundo. Ela o beijou, chupando o seu lábio e
mostrando que estava ficando impaciente.
Kian começou um ritmo torturante, lento e profundo, a pele se
iluminando com runas outra vez, e ela interrompeu o beijo para ofegar o seu
nome. Era um som do qual nunca se cansaria, mesmo que vivesse mais mil
anos. Elise agarrou os chifres, e Kian rolou de costas com ela montada em
seus quadris. Como ele sabia, Elise aproveitou a oportunidade para acelerar
o ritmo, as mãos descendo para arranhar as costas dele.
— Meu companheiro — disse Elise, segurando-o perto.
— Sim — respondeu, as presas aparecendo. Elise as tocou, sem medo e
despreocupada enquanto elas espetavam a ponta do seu dedo. Ela correu a
ponta sangrenta contra o lábio inferior dele enquanto rebolava os quadris.
Kian gritou, lutando para não gozar.
— Humana impertinente, infernal — rosnou, fazendo-a rir e inclinar a
cabeça para o lado dele. Kian não podia resistir mais. Ele a mordeu
fazendo-os chegar ao clímax juntos. Os dentes afiados dela e unhas o
agarraram, e ela o montou implacavelmente, prolongando o prazer e
fazendo-o abraçá-la com mais força.
A magia fluiu entre eles, o nó final colocando o acasalamento no lugar.
Nunca haveria ninguém ou qualquer outra coisa que tivesse prioridade
sobre ela.
Elise suspirou feliz e o beijou.
— Então, quando vamos para Londres?
Kian riu. Ela era sem sombra de dúvida a sua companheira, pronta para
negociar.
— Quando for seguro, Elise. Prometo fazer o possível para estar aberto
ao que você deseja me mostrar, mas não posso garantir que serei
convencido.
Os braços de Elise se apertaram ao redor dele.
— Isso é tudo que peço. Sabe que não vou parar até que veja as coisas do
meu jeito.
Kian beijou a cabeça dela.
— Não seria você se não o fizesse. — Pela primeira vez em mil e
quinhentos anos, pensou no futuro com esperança e estava disposto a fazer
qualquer coisa para mantê-la nele.
Capítulo 26
FIM
Sobre a autora
[1]acasalado = mated
mate foi traduzido para companheira, e o verbo to mate para acasalar/ mating para acasalamento. eu
achei estranho, mas nao esta errado, e foi escolha da tradutora. perguntei pra gente que le fantasia
com fated mates mais que eu se ha alguma tradução consagrada em ptbr de mating/mated, e falaram
outros sinônimos tipo união. para mudar, eu teria que adaptar (você está acasalado = você encontrou
sua companheira/ você confirmou sua união) por isso nao mudei nada e quero deixar a decisão para a
edição.
Table of Contents
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29