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COPYRIGHT © 2020 ALESSA THORN

COPYRIGHT © 2022 EDITORA CABANA VERMELHA


TÍTULO ORIGINAL: KISS OF THE BLOOD PRINCE
TODOS OS DIREITOS RESERVADOS

DIRETORA EDITORIAL: ELAINE CARDOSO


EDITORA: MARI VIEIRA
TRADUÇÃO: SARA LIMA
PREPARAÇÃO: RENATA BROOCK
REVISÃO: NADJA MORENO
REVISÃO FINAL: ELAINE CARDOSO
ILUSTRADOR/CAPA: GIULIA F. WILLE
DIAGRAMAÇÃO DIGITAL: FRAN NANII

1ª EDIÇÃO

ISBN: 978-65-87221-63-2
1.FICÇÃO NORTE-AMERICANA

2. ROMANCE FANTASIA I. TÍTULO

ESTA OBRA FOI REVISADA SEGUNDO O NOVO ACORDO ORTOGRÁFICO DA LÍNGUA PORTUGUESA. É PROIBIDA A
REPRODUÇÃO TOTAL E PARCIAL DESTA OBRA, DE QUALQUER FORMA OU POR QUALQUER MEIO ELETRÔNICO, MECÂNICO,
INCLUSIVE POR MEIO DE PROCESSOS XEROGRÁFICOS, INCLUINDO O USO DA INTERNET, SEM PERMISSÃO EXPRESSA DA
AUTORA (LEI 9.610 DE 19/02/1998).

Á
SUMÁRIO

Sinopse
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29
Epílogo
Sobre a autora
Sinopse

Amaldiçoado. Traído. Banido.


Mil e quinhentos anos é muito tempo para uma vingança. Os Feéricos
sabem como nutrir rancor, e agora eles retornaram à Inglaterra para
reivindicar seu lugar de direito.
Elise pensou que seus maiores problemas eram seu trabalho
insignificante e a falta de uma vida amorosa, mas quando um príncipe
feérico irritado ataca seu trem, e ela é tomada como sua escrava, seus
problemas começam.
Príncipe Kian passou anos planejando sua vingança, e será preciso mais
do que uma mulher infernal para detê-lo. Não importa que o desejo queime
entre eles e que ela possa ser a chave para salvá-lo, as linhagens que o
traíram sofrerão sua ira mesmo que isso o mate.
Kian precisa do sangue dela para quebrar a maldição que o está
destruindo.
Elise precisa quebrar sua maldição para ganhar sua liberdade.
Uma vez que uma barganha é feita com o feérico, não há como quebrá-la.
Mas sua liberdade valerá a pena se ela perder o coração e condenar a
Inglaterra no processo?
Os fãs de K. F. Breene e C. N. Crawford vão gostar deste primeiro livro
de uma nova série de companheiros predestinados sobre príncipes feéricos
amaldiçoados e as mulheres destinadas a salvá-los. Se você tem uma
fraqueza por romances de fantasia para adultos com mulheres humanas
atacando vilões feéricos, esta série é para você!
“Beijo do príncipe de sangue” é um romance paranormal adulto que
contém violência, palavrões e cenas de sexo.
Classificação: ��
Prólogo

Ninguém estava pronto para o momento em que nosso mundo acabou.


O ano havia sido tão ruim que todos começaram a fazer piadas para não
enlouquecer.
Nos primeiros seis meses, o mundo viu grandes incêndios que destruíram
bilhões de acres no hemisfério Sul, e no Norte houve tempestades de neve
que congelaram toda a Europa. Houve furacões, inundações causadas por
monções e deslizamentos de terra na Ásia.
Os vulcões estavam retumbando, e deduzimos que era apenas uma
questão de tempo antes que explodissem e escurecessem o céu com cinzas
mais uma vez. Pensamos que era o aquecimento global.
E a magia? Nem acreditávamos que fosse real. Nós não tínhamos como
saber que os eventos bizarros da natureza eram a magia voltando ao nosso
mundo.
A Inglaterra era um dos poucos países que ainda não haviam sofrido um
desastre. O resto do mundo fazia piadas dizendo que geralmente nosso
clima era ruim o suficiente para ser classificado como um desastre natural.
Não paramos para pensar que era porque algo pior estava a caminho.
Deveríamos saber que esses eventos eram avisos, precursores do flagelo
que se aproximava.
Pensávamos que a pior coisa possível era um evento climático incomum
qualquer. Não era.
O pior foi descobrir o quanto a humanidade merecia esse caos.
Devíamos ter feito tanto esforço para nos preparar quanto fizemos para
fazer piadas. Não que alguém pudesse estar preparado para quando
aconteceu a calamidade da Inglaterra.
Ninguém poderia estar pronto… não para ele.
Capítulo 1

Elise sabia que o dia seria um pesadelo quando um cara de terno elegante
esbarrou nela no trem e derramou o café no seu uniforme de trabalho. Ele
tentou tocá-la com um lenço para enxugá-la ao se desculpar, a ponto de
Elise ter que dar um tapa nele por ter mãos bobas.
— Malditas segundas-feiras — murmurou, abotoando o casaco para
esconder a mancha ao descer do trem. A estação de Tottenham Court estava
lotada de passageiros àquela hora da manhã e estava úmida com o ar
abafado da aglomeração.
Do lado de fora, o vento de inverno congelava, atingindo Elise em cheio
no rosto e fazendo as pessoas ao seu redor se curvarem para se proteger. O
café já estava gelado e pegajoso na pele.
Maravilha.
Elise precisaria de um estímulo antes de passar o dia cercada por caixas
empoeiradas em um escritório mal ventilado no porão. Ela verificou o
celular: 8h30 da manhã. Bastante tempo para desfrutar de seu salva-vidas
mental favorito.
Em vez de seguir o caminho habitual para o prédio onde trabalhava na
Morwell Street, Elise andou apressada pela Great Russell Street e foi para
seu lugar feliz. As colunas do Museu Britânico apareceram, e ela deixou o
jeito mágico singular do ambiente melhorar seu humor.
Ela se foi se acalmando enquanto se esquivava dos turistas, e comprou
um café de um dos comerciantes que gostavam de se aproveitar da
movimentação do museu.
Um dia, Elise, você vai trabalhar ali. Ela se sentou em um degrau úmido,
tomou golinhos de café escaldante e se deixou pensar em sua fantasia
favorita. Na fantasia Elise se debruçava sobre manuscritos antigos,
restaurando e digitalizando cuidadosamente suas palavras para as gerações
futuras. Ela vagaria pelos arquivos e encontraria tesouros perdidos,
esquecidos nas profundezas. Seria uma defensora privilegiada para ajudar a
repatriar tesouros e ajudar a Interpol a caçar antiguidades no mercado
negro.
Ela tinha se formado em história e feito mestrado em conservação e
restauro. E depois da formatura? Acabou trabalhando no setor de RH em
uma maldita empresa imobiliária. Não importava que suas notas tivessem
sido boas ou o quanto seus trabalhos acadêmicos elogiados. Ela ainda
precisava pagar as contas, e empregos no Museu Britânico não apareciam
com frequência.
Você consegue. Um passo de cada vez. A voz do pai ecoou na cabeça de
Elise, e seu peito apertou. No verão anterior, o pai tinha sucumbido por fim
ao câncer que o estava consumindo, e Elise ainda sentia falta dele todos os
dias. Ela havia tirado um mês de férias para resolver as questões da
propriedade do pai, e depois a chefe mencionou que se ela precisasse de
mais tempo, deveria pedir demissão.
Como se fosse lhe dar essa satisfação. Ela provavelmente deveria ter
vendido a casa em Salisbury e se mudado para mais perto da cidade, mas
não teve coragem.
— Oi, Elise! — gritou uma voz alegre, no outro lado da área verde, e
correu em direção a ela. Chrissy era uma monstruosidade de se ver em um
dia sombrio. Vestia uma jaqueta e um gorro amarelos e brilhantes demais, o
cabelo castanho encaracolado tinha se enrolado e emaranhado nos enormes
brincos cor-de-rosa por causa do vento.
— Bom dia — disse Elise, levantando-se e lançando mais um olhar
melancólico para as imponentes colunas do museu antes de começarem a
caminhar para a empresa.
— Pensei que seria a única atrasada, mas foi ótimo encontrar você.
Podemos dizer que o trem atrasou — disse Chrissy, sem fôlego. — Veio
adorar seu santuário favorito?
— Algo assim. Não ia aguentar começar a trabalhar — respondeu Elise,
sorrindo. Não que não gostasse de Chrissy, mas ela era intensa demais logo
pela manhã, e Elise tendia a não se sentir viva até as dez horas.
— Sei como é. Minha Deusa, estou de ressaca. Fui a uma festa de
solstício de inverno ontem, e exagerei nas cervejas artesanais — comentou
Chrissy, enfiando meio croissant na boca. — Se bem que a energia estava
excelente. Estou animada mesmo de ressaca.
— Passa um pouco dessa boa energia. Acho que todos nós precisamos
neste momento — disse Elise, sorrindo, porque era impossível ficar de mau
humor perto de Chrissy.
— Ah, sim, ouvi no noticiário mais cedo que o Parque Nacional de
Yellowstone nos Estados Unidos vai explodir. Sério, com o ano que estamos
tendo, nada mais me surpreende. Estou te dizendo, Gaia está reclamando e
revoltada. Fizemos um ritual ontem à noite para tentar acalmar as coisas,
mas a Deusa quer o que ela quer. — Chrissy estava interessada em sua
espiritualidade da Nova Era, mas felizmente, não empurrava muito a marca
de “amor e luz” para Elise. Ela tinha sido criada como luterana desde
criança, mas Chrissy estava mais preocupada com a preferência de Elise por
usar apenas preto e nunca transar do que com suas crenças espirituais.
— Um ritual de solstício de inverno parece ser uma orgia muito fria na
floresta — provocou Elise.
Chrissy deu um sorrisinho com os lábios rosados.
— Um pouquinho, é verdade, mas não zombe até experimentar. Estou
arrasada que o Solstício vai ser em uma maldita segunda-feira, ou teria ido
para Stonehenge e realmente absorvido a energia — acrescentou Chrissy ao
entrarem no hall quentinho da Highland & Pierce.
— E, com certeza, eu teria recebido uma ligação para ir buscar sua bunda
congelada porque moro a vinte minutos de distância — disse Elise, dando
um empurrãozinho com o ombro em Chrissy.
— Talvez, mas tenho que admitir, sua casa tem chá e uma lareira. Acha
que Umbridge vai usar o cardigã bege ou o creme com pontinhos bege? —
perguntou Chrissy, ao entrar no elevador. “Umbridge” era como elas
chamavam Susanna, a gerente do departamento de RH que era uma
completa megera, como a personagem de Harry Potter, mas com um gosto
pior para roupas e bugigangas de mesa (bonecas assustadoras que Elise às
vezes tirava do lugar para irritá-la).
— E aquele um pouco mais bege do que o bege padrão, mas menos bege
do que o bege-escuro? — disse Elise, e as duas riram.
No final das contas, Umbridge estava usando aquele com pontinhos e
esperava por elas na frente do elevador.
— Onde vocês estavam? Estão dez minutos atrasadas, e preciso que
cuidem dos telefones, assim posso ir à reunião de gerentes no andar de cima
— questionou Susanna.
— Desculpe, o trem atrasou, parece que tinha gelo nos trilhos — mentiu
Chrissy, e deu a ela um sorriso preocupado. — Sabe como é o maldito
metrô no inverno. É melhor se apressar. Nós cuidamos de tudo.
Os olhos de Susanna se estreitaram atrás dos óculos, os lábios franzindo
ao entrar no elevador.
— Vamos falar sobre isso mais tarde.
— Deveria ter peidado no elevador antes de sair — disse Chrissy, assim
que as portas prateadas se fecharam.
— Na próxima vez — falou Elise, com uma risada, e se dirigiu para seu
canto do escritório.
Elise tinha uma mesa com regulagem de altura, um computador e um
scanner ao lado dos compactadores de armazenamento que continham todas
as cópias impressas dos contratos e arquivos dos funcionários. Uma
suculenta meio morta e uma foto do pai foram os únicos toques decorativos
que se importara em acrescentar.
Qual é o sentido de decorar quando vou sair daqui a dois meses? Ela
dissera há mais de um ano. Realmente tenho que sair deste lugar.
Elise largou o casaco em uma cadeira, pegou a camisa limpa que
guardava para emergências em uma gaveta, e se dirigiu ao banheiro para se
trocar.
Quando voltou para a mesa, Chrissy estava esperando por ela,
embaralhando as cartas de oráculo de criaturas feéricas e olhando para ela
com curiosidade.
— O quê? Ainda tem respingos de café em algum lugar? — perguntou
Elise.
— Não, sua aura parece um pouco intensa hoje, muito mais do que o
normal — disse.
— Experimentei um novo cereal hoje, será que foi isso? Tinha bastante
farelo de aveia — provocou Elise. Chrissy revirou os olhos.
— Não vai adiantar tentar me provocar hoje. Estou muito carregada de
energia sombria.
Elise ligou o computador.
— Hum, parece arriscado.
— Somos feitos de luz e escuridão, Elise. Querendo ou não, tem que
aceitar os dois lados — retrucou Chrissy, imperturbável. Ela espalhou o
baralho, e estendeu para Elise. — Escolha uma carta.
Fazendo a vontade da amiga, Elise fechou os olhos, e passou os dedos
pelas cartas. Isso era uma coisa divertida que faziam pelo menos uma vez
por semana, então Elise ficou surpresa quando puxou uma carta que nunca
tinha visto.
Era de um feérico alto, com longos cabelos escarlates e um conjunto de
galhadas como as de um veado subindo de sua cabeça. Tinha duas espadas
amarradas às costas, e o torso coberto de tatuagens azuis. Os olhos
dourados eram selvagens, a boca sensual curvada em um sorriso do tipo que
um lobo daria… pouco antes de rasgar a garganta de alguém.
— Por favor, me diga que o significado é ganhar na loteria — provocou
Elise. Chrissy estava franzindo a testa olhando para a carta, perdida em
pensamentos. — O quê?
— Nada. Essa é uma carta de energia masculina pesada. Nunca vi uma
mulher escolhê-la antes. — A voz de Chrissy ficou mais grossa e os olhos,
vidrados. — Você vai iniciar uma jornada, enfrentará escuridão e
adversidade. Terá um protetor das sombras, mas nunca estará segura. —
Chrissy se chacoalhou. — O que eu disse?
— Que vou conhecer alguém. Com sorte, é gostoso e não como… Barry
da Contabilidade — brincou Elise. Barry a apalpou bêbado na última festa
de Natal e, desde então, ele a chamava para sair uma vez por mês
religiosamente.
Não, obrigada.
— Não, não será Barry.
— Bem, o único outro homem que vejo sempre é Glenn no pub toda
segunda-feira à noite — disse Elise, determinada a fazer Chrissy rir. Glenn
era o melhor amigo e antigo companheiro de bar do pai de Elise. Queria
ficar de olho nela e ter certeza de que estava indo bem. Era bom sair com
ele e ter alguém com quem conversar sobre o pai. Além disso, segunda-
feira era noite de promoções no pub local, e Elise nunca poderia dizer não a
uma caneca de cerveja e uma refeição baratas.
Chrissy se sacudiu e apoiou a carta ao lado da suculenta de Elise.
— Não sei, querida. Provavelmente estou apenas nervosa ou de ressaca.
Você pode ficar com o guerreiro feérico gostoso por um dia — disse, com
um sorriso.
— Eu diria ressaca. Talvez você deva beber um pouco de água junto com
todo esse doce que está ingerindo.
Chrissy mostrou o dedo para Elise.
— Eu bebo muita água, idiota.
— Você tem cristais na garrafa de água. Eu me preocupo contigo.
— Tanto faz. Vejo você no almoço.
Elise franziu a testa, observou Chrissy se afastar, e voltou a olhar para a
carta.
— Parece que somos apenas você, eu e a aventura de digitalizar a última
avaliação trimestral da equipe.
O feérico cruel apenas sorriu um pouco mais.
Capítulo 2

Como Elise previra, o dia foi uma chatice. O sanduíche que havia
comprado na cafeteria do prédio tinha cabelo e o café estava frio. Seu
computador desligou automaticamente duas vezes para fazer atualizações.
O alinhamento do scanner esticou toda a escrita nas páginas, forçando Elise
a refazê-las. Chrissy ficou mais ansiosa com o passar do dia, a animação da
noite anterior passou, deixando-a enjoada e nervosa.
— O que diabos colocaram na cerveja artesanal? — perguntou Elise,
entregando a Chrissy pastilhas para o estômago que sempre levava na bolsa.
Com um trajeto diário de duas horas, as pessoas aprendiam a estar sempre
preparadas.
— Não sei, talvez alguém tenha colocado cogumelos divertidos na salada
— reclamou Chrissy, parecendo pálida.
— Não é tão divertido agora, né?
— Vá se ferrar — grunhiu, e pegou as pastilhas. — Não parece uma
ressaca. Parece ansiedade e um carma muito ruim.
— Apresento-lhe uma segunda-feira típica — disse Elise, esfregando as
costas de Chrissy.
Quando deu cinco horas da tarde, Elise estava pronta para ir embora. O
feérico com chifres na carta olhou para ela julgando tanto que Elise mostrou
a língua para ele.
Estúpida Chrissy está me deixando paranoica agora. Elise só queria ir
para casa e tomar um banho quente.
As calçadas a caminho da estação de trem já estavam cheias de gente.
Elise tinha o braço enfiado no de Chrissy para ajudar a mantê-la ereta.
— Preciso dormir por uma semana — disse.
— Beba alguns eletrólitos. Melhoras — falou Elise, soltando-a assim que
chegaram à parte inferior das escadas, e seguiu para sua plataforma.
Três mulheres e um homem passaram por Elise vestidos como ninfas da
floresta meio loucas. Usavam leggings de couro e os cabelos compridos
trançados e decorados com penas. Tinham pintura de guerra azul-escura nos
braços e no rosto em espirais intrincadas.
Parece que conseguiram tirar uma folga no Solstício. Eles
provavelmente estavam indo para uma festa em uma convenção pagã.
— Fantasias legais, pessoal — disse Elise, com um sorriso. Uma das
mulheres sibilou em resposta, mostrando as presas. Os outros apenas
olharam para ela antes de irem embora. Estranho. Ninguém mais estava
olhando para eles enquanto caminhavam na direção oposta da multidão; as
pessoas apenas saíam da frente. Sendo sincera, não era a coisa mais
estranha que Elise havia visto no transporte público de Londres.
Elise teve que ficar os primeiros trinta minutos em pé ao lado de um cara
com um cheiro desagradável e uma mulher que não parava de falar ao
telefone. Ainda assim, por algum milagre dos deuses do transporte, ela
conseguiu uma cadeira na frente do vagão assim que chegaram a Woking.
Elise pegou o leitor de e-books, mas ele se recusou a ligar. Ela tentou
reiniciá-lo, e nada. Ela poderia ter chorado de pura frustração.
Este dia não pode ficar pior. Em seguida, o celular morreu.
— Está de sacanagem — murmurou Elise. Estava carregado quando saiu
do trabalho. Ela olhou para um homem xingando do outro lado do corredor.
Enquanto olhava ao redor, percebeu que os aparelhos eletrônicos de todos
tinham parado de funcionar.
Elise não teve chance de tentar entender o que estava acontecendo porque
as luzes piscaram e apagaram. As pessoas reclamaram quando o trem parou
e as portas laterais se abriram, deixando entrar um vento gelado no vagão.
Foi quando a gritaria começou.
— O que diabos está acontecendo? — disse uma mulher, em algum lugar
no escuro. Elise olhou através do painel de vidro na porta que ligava ao
próximo vagão no momento em que o rosto de um homem bateu contra o
vidro, jorrando sangue por toda parte.
Elise pôde distinguir um turbilhão de passageiros brigando e mulheres
gritando e arrancando os olhos umas das outras. Um homem estava pisando
na cabeça de outro, sangue derramando no chão. No meio do caos, houve
um lampejo de uma figura dourada. As pessoas saíram do caminho, e Elise
cobriu a boca para conter o grito. O idiota da carta feérica estava olhando
para ela.
Alguém agarrou Elise pelos cabelos e ela se virou apressada para
empurrar a mulher. As pessoas começaram a gritar no vagão. Um homem
usou o notebook para bater com força na parte de trás da cabeça do
passageiro à sua frente.
Elise se agachou, tremendo horrores e esperando que ninguém a visse. As
portas se abriram e ela prendeu a respiração, temendo o que estava por vir.
Chifres de veado cor de marfim com manchas douradas apareceram, e o
homem mais alto que ela já vira entrou no vagão. Estava vestindo uma
armadura dourada com delicados desenhos entrelaçados. O cabelo
comprido branco pendia em uma trança nas costas e terminava em pontas
vermelhas.
Ele se virou para ela, os olhos escarlates vívidos sob a máscara dourada
que usava. Tinha duas espadas iguais penduradas nas costas, e olhando para
elas, Elise se agachou ainda mais no chão do vagão, empurrando-se contra a
parede para se afastar dele.
Todos estavam muito ocupados matando uns aos outros para notar o
homem fantasiado de feérico mais assustador do mundo no meio deles. A
armadura ficou manchada de sangue quando uma mulher bateu a própria
cabeça contra a barra em cima do assento.
Uma luz dourada saiu dele, e os gritos pararam quando todas as pessoas
no vagão caíram mortas. Elise teve ânsia de vômito, o terror a agarrando, e
esperou ter o mesmo destino. Morte pelas mãos de uma criatura que ela não
acreditava existir. Quando a luz assassina a tocou, só fez a pele de Elise
formigar antes de voltar para o feérico que olhava para ela, olhos escarlates
arregalados e confusos.
O que diabos está acontecendo?
Outro feérico coberto de tatuagens azuis e sangue subiu pela porta lateral
e disse algo em uma linguagem gutural, gaélica. Ele notou Elise se
encolhendo e puxou uma lâmina de aparência bárbara.
Houve um tinido agudo três centímetros acima da sua cabeça, e Elise
abriu um olho. A lâmina do feérico dourado afastou a do outro para longe.
Ele sibilou alguma coisa, uma ordem, a julgar pelo tom, e o feérico de
cabelo preto recuou surpreso e horrorizado.
O feérico dourado saiu do caminho, e o outro entrou em ação, puxando
Elise para fora do esconderijo. Elise chutou e deu um soco nele, mas não
adiantou. Ele a arrastou para fora e a empurrou de joelhos na frente do
feérico dourado.
Os olhos vermelhos brilharam por trás da máscara ao observá-la. Depois,
cortou o polegar na ponta da lâmina e espalhou o sangue na testa de Elise
antes de enfiá-lo entre os lábios dela e esfregar nos dentes. Elise tentou
cuspir, mas ele agarrou o seu rosto, segurando o queixo até que ela
engolisse. O estômago de Elise se revirou, e ela sentiu gosto de mel e flores.
Em seguida, ele pulou gentilmente para fora do trem e subiu em um
cavalo branco que estava esperando do lado de fora do vagão. O feérico de
cabelo preto amarrou as mãos de Elise com uma tira de couro. Depois ela
foi jogada na frente de uma sela. O feérico subiu atrás dela e pressionou
uma adaga na nuca de Elise. Murmurou algo que ela não entendeu, mas
ficou claro o suficiente. Não tente fugir, ou vou cortar sua garganta. Elise
assentiu, assustada demais para fazer qualquer outra coisa.
Ela virou a cabeça e viu o exército de feéricos montados cercando o trem.
Ao passarem pelos vagões abertos, ela vislumbrou o que restava das
pessoas que se despedaçaram no terrível ataque de loucura. Elise suspirou
exasperada ao ver tanta morte e carnificina. As pessoas fizeram isso a si
mesmas; o exército não havia deixado as montarias, apenas observavam.
O príncipe dourado olhou para Elise outra vez, os olhos frios.
— Leve-a para o acampamento — disse, e ela estremeceu, percebendo
que podia entendê-lo. — Lidarei com ela quando voltar.
— Sim, meu príncipe — disse o guerreiro atrás dela.
Com horror crescente, Elise observou o príncipe dourado fazer um gesto
elegante com a mão. O trem voltou à vida, suas portas se fecharam
automaticamente, e ele começou a se mover de volta para Londres, levando
embora a loucura violenta.
Capítulo 3

Elise sempre se considerou uma pessoa corajosa. Cuidou do pai enquanto


ele morria lentamente sem sucumbir. Lidou com a mãe ruim tentando
atrapalhar o funeral, mandando-a embora com tanta graça quanto possível.
E tinha trabalhado em um emprego onde os gerentes a humilhavam com
frequência e mantivera a cabeça erguida.
Pendurada em um monstruoso cavalo feérico, lidando com o fato de que
criaturas míticas saíram do esconderijo com um exército, e ela era uma
prisioneira… Elise não era corajosa. Ela vomitou de medo enquanto o chão
se agitava embaixo dela, sabendo a cada passo que estava cavalgando em
direção à tortura e à morte. Ela soluçou, a velocidade implacável e a
posição em que estava fazendo suas costelas queimarem em agonia.
Estava tão escuro que não conseguia distinguir onde estavam naquela
região que ela conhecia tão bem. Toda vez que tentava levantar a cabeça
para olhar ao redor, uma mão firme a empurrava de volta.
O cavalo finalmente diminuiu o ritmo quando as luzes apareceram. Elise
arriscou virar a cabeça e viu centenas de tochas queimando em torno de
monólitos.
Stonehenge.
O exército feérico o havia transformado em um acampamento de guerra.
Eles vagavam por toda parte, erguendo tendas, bradando gritos de guerra e
acendendo fogueiras. As próprias pedras estavam iluminadas com runas e
desenhos brilhantes.
Por um segundo desenfreado, no meio do colapso, Elise pensou o quanto
Chrissy adoraria vê-lo brilhando com magia.
A maldita magia é real.
Elise pensou em todas as vezes que provocara Chrissy e se sentiu uma
completa idiota. Meu Deus, espero que ela esteja bem.
O feérico parou o cavalo na frente de uma grande tenda vermelha e
dourada, erguida o mais próximo possível do zumbido de energia emitida
pela estrutura de pedra.
— Já voltou com os espólios de guerra, general Fionn? — falou uma voz.
— Não meus espólios. Do príncipe. Embora eu me pergunte por que ele
escolheu este — disse o guerreiro feérico atrás dela.
Fionn saltou do cavalo e a arrastou. Elise tropeçou nas pernas dormentes
e caiu de joelhos, com dificuldade de respirar, as costelas doendo tanto que
tinham de estar quebradas. Fionn não se importou. Ele a arrastou
bruscamente para a tenda vermelha e dourada, e a jogou no chão ao lado de
um mastro alto.
— Não se mova — sussurrou, e pegando as mãos de Elise, amarrou-a ao
mastro como um cachorro de rua. Agarrou o seu queixo com os dedos
firmes e ergueu o rosto para a luz da tocha. Os olhos azuis e arredondados
dele estavam cheios de nojo e violência.
— Reze aos seus deuses, humana patética. Mal posso esperar para ver o
que o príncipe planejou para você. — Elise não teve tempo de processar a
ameaça antes que um punho a golpeasse, e ela caísse no chão.
***
Quando Elise acordou, foi com dor de cabeça e o estrondo de centenas de
cascos batendo na terra e fazendo-a tremer. Ela se encolheu o máximo que
pôde, sabendo que o exército havia retornado. As abas da tenda se abriram e
o príncipe entrou.
Elise fingiu estar inconsciente e tentou observá-lo discretamente. As
botas pretas e douradas passaram por ela e foram até uma mesa onde uma
bacia de água havia sido colocada ao lado de um suporte.
Sem pressa, o príncipe desafivelou a armadura dourada salpicada de
sangue e pendurou peça por peça. Debaixo do peitoral havia uma jaqueta de
couro preta e uma camisa, úmidas de suor e sangue. Ele levantou a mão
para a máscara dourada, e, apesar do medo, a respiração de Elise acelerou.
Ele tinha o nariz reto, o maxilar pronunciado e as maçãs do rosto
salientes. Os olhos escarlates eram grandes e um pouco curvados para cima
nos cantos. A boca era o único traço suave que tinha, com lábios carnudos
manchados de sangue.
Os brincos dourados nas extremidades das orelhas pontudas brilharam
quando ele se virou e começou a tirar a jaqueta e a camisa. De alguma
forma, era maior sem as roupas para esconder os músculos. Musculoso e
com ombros largos, irradiava força.
O sangue tinha encharcado as roupas dele, manchando a pele branca
como pérola com pontos vermelhos.
Elise ficou horrorizada e não conseguia desviar o olhar dele lavando o
rosto e o peito. Ela pensou no trem indo para Londres e nas cidades no
caminho que ele poderia ter invadido com o exército.
Ela relembrou as palavras de Fionn: Mal posso esperar para ver o que o
príncipe planejou para você. Elise sentiu um grande frio na barriga.
Será que ele vai me torturar com aquelas facas compridas? Vai me
estuprar? Elise desviou o olhar conforme o medo obstruía sua garganta.
Passos se aproximaram, e um dedo comprido cutucou o seu ombro.
— Sei que está acordada, humana. Posso sentir o cheiro do seu medo.
Elise abriu os olhos e se afastou, as costas batendo contra o mastro. O
príncipe se agachou na sua frente e a estudou como um inseto. De perto, os
chifres eram tão longos quanto o braço dela, as pontas pretas ainda
manchadas de tinta dourada. Elise sentiu de repente o gosto do mel picante
e de primavera do sangue outra vez e tentou não engolir.
— Qual é o seu nome? — perguntou, a voz profunda e melodiosa.
— E-Elise — disse, e depois se lembrou das histórias sobre nunca contar
aos feéricos o nome verdadeiro. — Porra, não, não é. — Tentou continuar,
mas era tarde demais. A sobrancelha do príncipe se ergueu um pouco.
— Elise — repetiu, devagar, como se estivesse saboreando o gosto na
boca. Uma faca apareceu na mão dele, e ela se encolheu, virando o rosto.
Metal frio roçou as suas mãos, e as amarras deslizaram. Elise apertou as
mãos livres contra o peito, esfregando-as até senti-las de novo.
— Obrigada — murmurou, imaginando que ser educada poderia impedi-
lo de cortá-la em pedaços.
A cabeça do príncipe se inclinou um pouco, encarando o rosto e o cabelo
sujo de Elise. Parecia estar tentando descobrir alguma coisa. Ela não era
burra o suficiente para encarar aquele olhar por muito tempo. Tentou
desviar os olhos, mas ele pegou o rosto dela e o inclinou. Estava perto o
suficiente para que agora pudesse sentir o cheiro de pinheiros e fumaça
doce que ele emanava, sedutor e perigoso ao mesmo tempo.
Elise olhou para a boca do príncipe, sem ousar levantar mais os olhos, e
pegou um vislumbre das presas enquanto o ouvia repetir:
— Elise.
Ele soltou o seu rosto com um grunhido de frustração e puxou uma das
mãos de Elise para longe do peito. Ela tentou detê-lo, mas o aperto a
segurou como um gancho de torno.
— Fique quieta — ordenou, e ela ficou paralisada quando ele passou a
lâmina ao longo da sua palma.
Era tão afiada que Elise não percebeu que havia sido cortada até que o
sangue começou a brotar. O príncipe puxou a palma ensanguentada para ele
e baixou a boca macia até a mão. Chocada demais para se mover, Elise
observou enquanto ele bebia o sangue, com os olhos escarlates brilhando,
tornando-se dourados.
A língua quente lambeu sua pele, e arrepios deslizaram pelos braços de
Elise. Com um raspar suave de presas contra ela, ele a soltou. Elise segurou
a mão, o corte se fechando como mágica.
Que. Porra. Acabou. De. Acontecer?
— Incomum — murmurou ele. Os olhos retornando para escarlate ao
lamber o lábio inferior.
Estendendo a mão, enrolou uma mecha do cabelo de Elise no dedo e
deixou o cacho escuro voltar para o lugar.
Feéricos chegando do lado de fora da tenda o fizeram sair da intensa
concentração e se levantar com pressa. Puxou uma camisa escarlate de um
baú, e enfiou os braços antes de fechá-la e abotoá-la. Estalou os dedos, e
braceletes dourados apareceram nos pulsos de Elise. Magia os circulou e
runas dançaram no ouro antes de desaparecer em marcas pretas.
— Não tente fugir, Elise — avisou, e tocou no bracelete dourado em seu
próprio pulso. — Eu vou saber. — O príncipe pegou no baú um cristal preto
do tamanho da mão de Elise e abriu a porta da tenda.
O rugido da multidão feérica do lado de fora foi ensurdecedor quando
abriram caminho para ele. Elise rastejou até a porta, com medo de sair, mas
muito curiosa para não olhar. O príncipe se agachou e enterrou o cristal na
terra revirada. A luz dourada iluminou o rosto dele como uma espécie de
deus pagão maldito, a magia explodindo por todos os lados.
A multidão estava gritando outra vez, mas Elise mal podia ouvi-los. Ela
ficou sem palavras ao ver a magia do príncipe — magia real e
assustadoramente poderosa.
A terra estremeceu, e o cristal preto começou a disparar para fora do chão
como troncos de árvores demoníacas. O cristal estava vivo quando tomou
forma e cresceu, torcendo e se moldando em um castelo. O príncipe se
virou, exibindo um sorriso com presas, a magia continuando a alimentar o
cristal e a terra. Os feéricos foram à loucura, balançando lanças, batendo
tambores, e bebendo de chifres. Eles bradaram gritos de guerra e
esbravejaram para o príncipe enquanto o seu poder caía sobre eles.
A onda dourada de magia atingiu Elise, e ela balançou. A magia queimou
o seu corpo, fazendo sua pele ficar quente e o sangue correr para a cabeça.
Elise se afastou das portas, e o poder arrebatador a derrubou. Seu corpo
humano não conseguia lidar com a potência daquele poder, dele. O rosto
dourado selvagem foi a última coisa que ela viu antes de desmaiar.
Capítulo 4

Pela segunda vez, a humana estava inconsciente quando Kian voltou para
a tenda antes do amanhecer. Estava exausto por causa da quantidade de
energia que o consumia há dias, e tudo o que queria fazer era dormir.
Arawn sabe que mereço.
Ele, Kian, o Príncipe de Sangue, tinha conseguido o impossível e trazido
seu povo de onde tinham sido banidos para Feéria, através do círculo de
pedra, de volta para Albião. Por fim, mil e quinhentos anos de
aprisionamento havia acabado.
Os humanos tinham construído o círculo de pedra como um aviso de que
era uma porta de entrada para Feéria, embora não soubessem como abrir ou
fechar. Agora era de Kian, o castelo crescendo ao lado, destinado a ser uma
parte daquela terra que havia sido tirada deles. Não pretendera mostrar
misericórdia a nenhum dos humanos, e ainda assim, na primeira noite de
guerra, fizera uma prisioneira.
— Por que você? — murmurou Kian, olhando para Elise no chão. Na
engenhoca de aço onde a encontrou, ela foi a única que o viu. Nenhum
humano deveria ter conseguido vê-lo. Não apenas isso, mas o feitiço que
colocara neles também não surtira efeito sobre ela.
A curiosidade de Kian o fizera impedir Fionn de matá-la, mas talvez não
devesse. Kian tinha ensinado aos feéricos que os humanos eram piores que
animais e deveriam ser tratados como tal, mas não havia sido capaz de
esmagar aquele inseto. Foi bastante constrangedor. Ele se agachou, tentando
encontrar o motivo pelo qual ela o deixara tão intrigado.
O sono tinha tirado o medo do rosto dela, e com algum horror, Kian
percebeu que ela era bonita. Ela era o oposto das fêmeas feéricas, com
curvas suaves, e, sem dúvida, não era uma guerreira. O cabelo comprido era
uma confusão de cachos escuros macios ao toque.
Quando os olhos dela estavam abertos, eram grandes e azuis, e tão
delicados quanto todo o resto. Os lábios carnudos estavam abertos um
pouco, e Kian tinha bebido hidromel suficiente para que não se impedisse
de passar um polegar sobre eles. Ela suspirou enquanto dormia, com os
lábios se fechando no polegar. O gesto fez seu desejo extinto reacender.
Kian puxou a mão com um sibilo, odiando a súbita emoção.
— Eu deveria matá-la — disse, colocou a mão na adaga e alongou os
incisivos. A ideia de beber a humana por completo fez o desejo explodir, e
Kian se afastou dela.
Em geral, a maldição só o fazia ter fome de sangue na lua cheia, fazendo-
o questionar mais uma vez o que diabos era diferente nela.
Elise.
Não podia ser apenas o fato de que o sangue dela era delicioso. Era um
sabor como algo que Kian achava ser capaz de identificar e não conseguia.
Como se tivesse provado em um sonho e esquecido. Era magia líquida,
alegria e calor.
Ele pensou que poderia ter sido porque ela era humana, mas tinha
provado outros humanos naquele dia na batalha, e nenhum sangue era como
o dela. Era como beber luz líquida, aquecia seus lugares mais frios. Aquele
pequeno gole da mão dela foi suficiente para repor a força e poder de Kian
para trazer o castelo mais facilmente do que Kian imaginou.
O que em nome de Arawn ela era?
Kian era antes um estudioso, depois um príncipe guerreiro. Descobriria o
que fazia seu corpo e seu poder reagirem a ela de maneira tão intensa, e
depois, quando terminasse, ele a mataria.
Kian poderia fazer o que quisesse com ela. Os braceletes dourados
brilhavam nos pulsos de Elise, um sinal de que ela pertencia apenas a ele.
Ser o mestre dela preenchia Kian com uma alegria sombria e deliciosa.
Jamais tivera escravos, abominava a prática, mas a primeira coisa que fez
quando a viu foi fazê-la uma prisioneira, para ela nunca mais escapar dele.
— Toda minha. — Kian correu uma mão pela lateral do corpo de Elise,
deixando o poder rastejar sobre ela. Quando chegou à pequena caixa
torácica, detectou rachaduras nos frágeis ossos humanos e rosnou pelo
tratamento áspero de Fionn. Sem hesitar, a magia de Kian a curou, e ela
começou a respirar mais profundamente.
O que está fazendo? Kian se levantou e se afastou. Só a possuía há
algumas horas e já lutava contra impulsos fora de controle.
Se meus irmãos estivessem aqui, eles me provocariam impiedosamente
por ser tão ridículo.
Ele odiava não estar no controle quase tanto quanto odiava os humanos.
Kian agarrou o punho da adaga outra vez, caminhou de volta para onde
ela estava, pronto para introduzi-la em sua carne. Elise balbuciou baixinho,
o rosto franzido, os dedos esticando e fechando como se estivesse tentando
alcançá-lo.
— Porra — murmurou, incapaz de matá-la quando ela estava tão
indefesa quanto um bebê. Não havia vitória. Enojado, Kian jogou a adaga
em um dos suportes da tenda, onde ela cravou.
Você só precisa dormir. É apenas a maldição lhe afetando.
Ele olhou para o final da sua trança e os restantes cinco centímetros
vermelhos. Era todo o tempo que ainda tinha no mundo. Quando o
vermelho ficasse branco, morreria. Havia lutado contra a maldição por mil e
quinhentos anos e mal teria mais alguns.
Fazia pouca diferença. Havia sido tempo suficiente. Kian se vingaria dos
humanos por matar os bebês antes de bani-los. Riria da sombra da feiticeira
morta que havia amaldiçoado ele e os dois irmãos a destinos horríveis. Eles
morreriam em uma tempestade de fogo de morte e sangue ardente, gelo
congelante e escuridão sem fim, e iriam para os corredores de Arawn com
sorrisos justos nos rostos.
Kian tirou as botas com o pé, e se jogou na grande cama coberta de peles.
Já estava mais frio em Albião do que em Feéria. Assim que o pensamento
lhe ocorreu, Kian se levantou de novo, e colocou um manto sobre a
humana.
— Por todos os deuses, você deve ser uma bruxa — resmungou, e
retornou para a cama.
Capítulo 5

Elise acordou no dia seguinte enrolada em um manto preto que cheirava


a abetos e fumaça. Já tinha amanhecido, mas o acampamento mal acordava
da noite de festa. Alguém tinha colocado algumas frutas e um jarro de água
perto dela. Ao se sentar, Elise percebeu que as costelas não doíam mais. Na
verdade, não havia uma contusão sequer nela.
Como é possível? Ela estivera coberta de arranhões e hematomas da
cavalgada da noite anterior. A onda da magia do príncipe a havia curado?
Ela tinha visto o corte na mão fechar, então tudo era possível.
Elise cheirou a água e pensou que os feéricos poderiam esfaqueá-la com
uma das armas se quisessem que ela morresse. Sua garganta estava seca,
então arriscou. A água era a melhor coisa que já tinha provado; fresca e
cristalina, ela a bebeu toda. Elise estava com a boca cheia de uvas antes de
se lembrar dos avisos sobre comer comida de feéricos.
Puta merda, devia mesmo ter prestado mais atenção aos avisos e
histórias de Chrissy.
Elise parou quando viu o príncipe, esparramado na cama em um sono
profundo. O cabelo não estava trançado; espalhava-se ao redor dele em
ondas prateadas, com as pontas vermelhas. Era, sem dúvida, um lindo
monstro.
Elise olhou para a adaga cravada ao lado dela e de volta para o príncipe
adormecido. Quantos humanos ele e os guerreiros haviam matado no dia
anterior? Quantos mais matariam quando acordassem? Estavam todos
bêbados e de ressaca. Talvez ela pudesse fugir e não ser notada. Os
braceletes dourados nos pulsos aqueceram como se tivessem sentido os seus
pensamentos e tentassem avisá-la. Elise estava ligada ao príncipe, mas se
ele estivesse morto, não a encontraria.
Levantou-se e, agarrando a adaga, mexeu a lâmina até que saiu da
madeira. Era longa e afiada, o punho de uma madeira polida cor de cereja
com desenhos dourados. A arma de um príncipe. Ela engoliu em seco,
olhando para o feérico ainda adormecido.
Será que conseguiria enfiar a adaga no peito dele? Elise lambeu os lábios
e agarrou a adaga com mais força. Pensou na história bíblica de que gostava
quando criança. Nela uma mulher seduzia e depois decapitava um general
inimigo. Ele tinha se empenhado bastante em matar o povo dela, e ela não
ficaria parada, sem reagir.
Não é como se nunca tivesse tirado uma vida antes. Um frio percorreu o
interior de Elise com as memórias horríveis evocadas pelo pensamento.
Tentou esquecer, recusando-se a lembrar daquela noite.
Esta podia ser a única chance que teria de matar o príncipe e fugir, não
importava o quanto o ato destruiria o que havia restado da alma danificada.
Elise tremeu ao se aproximar, vendo o peito nu e musculoso subir e
descer. A cada passo, o gosto do sangue dele ficava mais forte na sua boca,
o cheiro de abetos emanando do príncipe. Ela teve o desejo súbito e
aterrorizante de enfiar o rosto na curva do pescoço dele e cheirar. Tinha que
ser algum tipo de truque de legítima defesa feérica, e droga, estava
funcionando nela.
Lute, Elise.
Com as mãos suadas e o coração acelerado, ela chegou ao lado da cama.
O fascínio problemático dos humanos com a beleza a estava atrapalhando,
Elise continuava a olhar para ele. Mesmo com os chifres, era o homem mais
bonito que já tinha visto. Era uma beleza estranha e exótica, mas não menos
adorável.
Pense nas pessoas no trem. O sangue e os gritos a abalaram. O horror de
ver as pessoas se despedaçarem. Tudo por causa deste lindo monstro.
Elise virou a adaga para baixo, a lâmina cruel apontando para o centro do
peito dele, e a agarrou mais firme. O gosto do príncipe na sua boca era
avassalador, mas Elise engoliu, lutando contra o impulso de subir na cama
ao lado dele e beijar os lábios adormecidos.
Você consegue. Ele vai te matar de uma forma horrível, sabe disso.
Elise levantou a adaga acima da cabeça e impulsionou para baixo o mais
forte que pôde. Mãos firmes agarraram os seus pulsos, a lâmina parando a
centímetros da pele. Olhos vermelhos se abriram, e um sorriso violento se
espalhou pelo rosto do príncipe.
— Muito lenta — sibilou ele. O príncipe se moveu, e de repente, Elise
estava presa na cama, o corpo entre as enormes pernas. Elise tentou se
contorcer e chutá-lo, mas ele pressionou mais para que ela não pudesse se
conectar com nada. A adaga ainda estava entre eles, então Elise tentou
empurrá-la. O idiota apenas riu dos esforços dela.
— Então você é uma lutadora, afinal. Bom saber.
A ponta da lâmina pressionou o peito dele, e sangue âmbar dourado
escorreu sobre ela. Ao vê-lo, Elise soltou a adaga em choque. O pavor de
ver o sangue a deixou em um estranho pânico, afogando todos os
pensamentos intensos e violentos. Ela queria tanto colocar os lábios no
corte e beijá-lo até sarar que ficou com água na boca.
— S-sinto muito — gaguejou Elise, colocando a mão sobre o corte como
se pudesse de alguma forma parar o sangramento. O príncipe franziu a testa
para ela e levou a adaga para o colchão.
— Você realmente é uma assassina terrível, Elise. Não devia se desculpar
por um arranhão.
— Ganho pontos por tentar? — perguntou. Isso o fez rir e balançar a
cabeça.
— Não. Você é punida — respondeu e agarrou o pulso dela, afastando-o
do seu peito e levando até a cama. Elise tentou lutar outra vez e empurrá-lo,
mas foi inútil. Com uma mão, ele prendeu as dela acima da cabeça, e a
outra agarrou a frente da camisa de Elise e puxou. Os botões se abriram,
revelando um sutiã de renda preto. Pareceu surpreendê-lo e distraí-lo, os
olhos vermelhos aquecendo à medida que ele a olhava.
Elise se contorceu de novo, mas um rosnado de aviso no fundo da
garganta a fez congelar. Ele tirou a adaga da cama e apertou a ponta na pele
do peito dela.
O pânico passou por ela.
— Prometo que não tentarei matá-lo de novo, mesmo que tenha me
sequestrado.
— Ah, sei que não vai. Vou me certificar disso.
— Por favor, não corte meus seios — implorou.
— Por que eu faria isso? — perguntou, os lábios curvando em um sorriso
sensual. — Gosto de olhar para eles. — Elise prendeu a respiração
enquanto a ponta da lâmina tocava a pele na curva do peito, fazendo um
pequeno corte. — Você me cortou, eu te corto.
— Então estamos quites? — perguntou, esperançosa.
— Nem pensar. Matei pessoas por ofensas mais leves, mas vou me
certificar de que nunca mais tente isso. — O príncipe baixou a cabeça para a
pequena quantidade de sangue escorrendo do corte, e lambeu. Elise
estremeceu debaixo dele, e não foi por medo.
Qual é o seu problema?
Ele cantarolou na pele de Elise, os dentes afiados raspando, mas não
perfurando. O som se transformou em um rosnado, e ele girou para que
Elise ficasse em cima. Ela conseguiu se afastar alguns centímetros antes da
mão dele prender os seus bíceps e segurá-la.
— Beba — ordenou ele. A outra mão dele foi para a parte de trás da
cabeça de Elise, puxando-a em direção ao corte ainda sangrando no seu
peito. Ela se afastou, mas os dedos apertaram seu cabelo.
— Não… — Elise não podia lutar com ele enquanto os lábios se
amassavam na pele quente do príncipe.
— Beba, ou não terei escolha a não ser matá-la — disse, e ela parou de
lutar. Doce primavera líquida inundou a boca de Elise, ela gemeu e engoliu.
Calor ardente e magia correram pelo seu sangue, e os lábios se moviam
contra a pele do príncipe, saboreando-o. Ele amaldiçoou quando ela passou
a língua no corte pela segunda vez, embriagada com o gosto dele.
— Elise — disse, sentando-se e soltando o aperto no seu cabelo. A boca
de Elise se afastou com um estalo. Ela olhou para cima com olhos
arregalados aterrorizados com o que tinha feito, com o desejo apertando o
peito. Ela podia sentir o pau duro debaixo dela e sabia que não era a única
de repente excitada pelo inimigo.
— Olhe para mim — ordenou, e os olhos de Elise automaticamente se
abriram, olhando para os dele. — Diga: “Eu, Elise, nunca mais levantarei a
mão em atos violentos contra o Príncipe Kian”. — A magia dele dentro de
Elise tomou conta da sua língua sem consentimento.
— Eu, Elise, nunca mais levantarei a mão em atos violentos contra o
Príncipe Kian — sussurrou, sua língua enrolando com a sensação. Ki-an.
Ela tinha o nome dele como ele tinha o dela. Elise levantou a sobrancelha.
— Seu nome é Kian?
— Sim.
— E é assim que devo chamá-lo?
— Não se quiser continuar respirando. — Ele a tirou de cima dele e
abotoou a camisa dela. — Você me chama de Mestre como todo mundo. —
Ele se levantou e colocou uma camisa, o corte no peito já fechado.
E limpo pela minha língua. Ela balançou a cabeça, ainda incapaz de
acreditar no que tinha feito. O que acabou de acontecer?
— Todos os feéricos são vampiros? — perguntou Elise, e a cabeça dele
levantou rápido. — Você bebe sangue. Os outros também?
— Não. Apenas eu — respondeu Kian, colocando um coldre de couro
com uma espada pendurada e uma variedade de adagas que pareciam
perigosas sobre os ombros. — E não sou um vampiro. Fui amaldiçoado. Há
uma diferença.
— Bom saber que não serei cortada e sugada por todos — começou
Elise, mas, de repente, ele estava ao seu lado, segurando os braceletes
dourados em torno dos seus pulsos, e os olhos ardentes de fúria.
— Estes dizem que você pertence a mim. Minha escrava. Se alguém
tocar em você, perderá a mão.
Ela assentiu com a cabeça, e ele a soltou. O príncipe levantou o manto do
chão e enrolou em volta dela. Para alguém que tinha acabado de dizer que
ela era uma escrava, era uma coisa atenciosa de se fazer. Elise deve ter
parecido tão confusa quanto se sentiu, porque ele amaldiçoou.
— Está frio lá fora — disse, irritado, e puxou uma jaqueta preta forrada
de pele. — Preciso encontrar um uso para você, assim estará muito ocupada
para bolar maneiras de me matar.
— Vou arrumar tempo para isso — sussurrou Elise, mas mesmo assim
ele ouviu.
O sorriso de Kian era afiado como as lâminas que ele carregava.
— Fique à vontade para tentar de novo.
Capítulo 6

Caía uma chuva gelada lá fora, e o chão estava congelado. Elise segurou
o manto de Kian nos ombros, desejando que tivesse botas adequadas e não
as da moda usadas apenas para trabalhar no escritório.
Elise olhou, admirada e aterrorizada, para o castelo gigantesco que havia
crescido da noite para o dia. Tinha seis torres e parecia ter sido esculpido a
partir de um único bloco de obsidiana.
— Não demore — resmungou Kian à frente, e ela caminhou apressada
para acompanhar os passos largos dele. O pequeno sorriso que ele mostrara
na tenda já tinha desaparecido, e apenas o príncipe aterrorizante que tinha
conhecido no trem permanecia. Ainda não podia acreditar que tentara
esfaqueá-lo, e ele não a havia matado.
Tinha visto como poderia ser cruel.
Seja inteligente e fique viva, ecoou a voz do pai na sua cabeça.
Os poucos feéricos acordados curvavam-se para o príncipe e olhavam
para Elise com uma mistura de curiosidade e nojo. Ela tentava manter os
olhos focados nas costas de Kian, as palavras sobre ninguém a tocar
estranhamente reconfortantes.
Não que Elise confiasse nele para não a matar quando quisesse. Só
porque ela tentou matá-lo e ficou viva não significava que ela era tola o
suficiente para acreditar que ele não escolheria se vingar quando quisesse.
Eu o cortei. Ele me cortou. Elise esperava que funcionasse da mesma
maneira: se ela não tentasse matá-lo, ele a deixaria viver. Era uma
esperança tola, mas ela precisava se agarrar a qualquer tipo de esperança
possível.
Atrás das paredes altas do castelo havia um grande estábulo, já cheio de
guerreiros feéricos cuidando dos cavalos. Eram os maiores cavalos que
Elise já havia visto, com crinas e pernas peludas. Havia cochos de pedra ao
lado das baias, grandes o suficiente para que ela pudesse usá-los como
banheira. Os guerreiros se curvavam para o príncipe, que acenou com a
cabeça ao passar e entrar por uma porta de madeira nos fundos.
Do lado de dentro, a cozinha era uma onda de atividade. Ao contrário dos
guerreiros, que pareciam mais ou menos humanoides apesar das orelhas
pontiagudas e chifres aqui e ali, os feéricos na cozinha eram mais parecidos
com os que Elise havia imaginado das histórias. Era como se a natureza
tivesse tido relações sexuais com humanos, e o resultado era crianças
selvagens com folhas no lugar dos cabelos ou asas de borboleta. Ela tentou
não olhar, mas não conseguiu evitar.
— Ah, mestre! O que o senhor está fazendo entrando pela porta dos
fundos? — Uma feérica pequena e atarracada, com pele de casca de árvore
e cabelos indisciplinados feitos de gavinhas e brotos florais, estava com as
mãos com garras nos quadris largos.
— Perdoe-me, Hedera, não queria causar confusão — disse Kian, dando-
lhe um sorriso charmoso que pareceu acalmá-la, pelo menos até ela ver
Elise.
— Mestre, o que é aquilo atrás do senhor? — disse, o rosto se
contorcendo como se Elise fosse algo em que havia pisado.
— Estava esperando que você pudesse encontrar um uso para ela.
— É uma humana, por isso vai ter muita carne. Poderia fazer algo tipo
uma torta…
Kian riu.
— Não, Hedera, é meu novo animal de estimação. Não é de comer —
esclareceu e, em seguida, mostrou as presas a Elise. — Pelo menos não por
enquanto.
A cozinha explodiu com risinhos, e ela tentou não dizer a todos para irem
se foder. A bravura de Elise tinha seus limites, mas a raiva era abundante.
— Bem, mestre, suponho que precisaremos encontrar algum uso para a
espécie em geral quando o senhor conquistar Albião.
Conquistar Albião? Ela não podia estar falando sério. Albião era o nome
antigo da Inglaterra, e os humanos não permitiriam que ninguém a
conquistasse. Elise arriscou um olhar para Kian e desejou não ter hesitado
tanto com a adaga. Os braceletes esquentaram de novo, e o voto feito para
nunca o machucar fez sua língua doer.
Ah, seu filho da puta. O príncipe parecia saber exatamente o que Elise
estava pensando porque o seu sorriso presunçoso ficou maior.
— Tenho certeza de que é boa para alguma coisa — disse ele.
— Bem, você estava um pouco entusiasmado com a construção do
castelo ontem, e a maioria dos quartos está uma bagunça. Vou fazê-la
limpá-los — respondeu Hedera, enxugando as mãos em um avental.
— Excelente. Não se preocupe com tentativas de fuga. Se ela deixar o
castelo, vou saber. — Este foi mais um aviso para Elise do que uma
garantia para Hedera. Os olhos escarlates do príncipe brilharam quando ele
a olhou por cima. — Mantenha-a fora da torre norte. Não quero cheiro de
humano por lá. Já sinto esse fedor o suficiente no campo de batalha. — Saiu
da cozinha sem olhar para trás, deixando Elise sozinha com os servos
franzindo a testa.
Hedera olhou para ela outra vez, como se estivesse avaliando a utilidade
de Elise para o trabalho pesado.
— Não posso imaginar por que ele iria querer você, exceto para a
comida.
Talvez porque eu tenha visto através do seu glamour, e ele gosta de ter
alguém para atormentar. Elise não se atreveu a mencionar isso. O fato de
que ela o vira no trem pareceu confundi-lo, e talvez isso significasse que ela
podia ver através de qualquer um dos glamoures que outros feéricos
tentaram usar para enganá-la. Elise não disse nada, então Hedera grunhiu e
enfiou um esfregão e um balde de madeira nas suas mãos, além de alguns
panos.
— Por aqui, escrava, e não derrame essa água, ou vou bater em você até
sangrar — disse, e abriu outra porta.
Elise a seguiu por uma série de longos corredores com arcos e tetos altos
feitos de obsidiana. Ela não se atreveu a parar e olhar para os estranhos e
belos murais nas paredes. As mesmas insígnias eram repetidas por todo o
castelo; um par de chifres, uma espada de gelo, e asas pretas. No centro de
cada uma havia um ramo de rosas.
Hedera podia ser baixa, mas se movia com rapidez, e Elise teve que se
apressar para acompanhar o ritmo e não derrubar tudo. Hedera abriu portas
de madeira cobertas de videiras de bronze. Havia pequenas flores brancas
brotando a partir delas, e quando Elise passou, viu que eram reais. Ela foi
tocar em uma, e Hedera deu um tapa em sua mão.
— Se apresse! — Latiu. Elas atravessaram as portas e entraram em um
salão de festas com uma longa mesa maciça. Cadeiras, castiçais, talheres e
porcelana estavam espalhados pela sala como se tivessem estado em um
globo de neve chacoalhado.
— Arrume este cômodo, tire a poeira e limpe o chão — Hedera disse,
olhou para Elise uma última vez, e saiu zangada.
Elise olhou para o caos ao redor. Ela odiava limpar, mas talvez sozinha
poderia descobrir uma maneira de sair do castelo. Só porque tinha
braceletes mágicos nos pulsos, não significava que não estivesse planejando
fugir o mais rápido possível. Se o príncipe realmente estivesse tentando
conquistar a Inglaterra, então estaria muito ocupado para se preocupar com
o que uma simples escrava estava fazendo. Assim espero.
Elise estudou os braceletes nos pulsos. O ouro estava em uma peça
inteiramente forjada, sem trinco ou dobradiça que poderia ser usada como
uma fraqueza. Ouro era um metal macio, mas precisaria de ferramentas para
cortar ou serrar. Ela não ia ficar ali e deixar o príncipe usá-la antes de se
entediar e decidir transformá-la em uma torta.
Elise começou a levantar as cadeiras de madeira pesadas e esculpidas e
organizá-las ao redor da mesa, o tempo todo fazendo planos de fuga.
Capítulo 7

Elise precisava tanto fazer xixi que seu abdome doía. O sol tinha acabado
de se pôr, mas ela não ia conseguir esperar pela visita noturna habitual às
latrinas.
Vá rápido, e não a verão.
Verificando o lado de fora da porta da cozinha, Elise deu um passo rápido
e cauteloso nas sombras. Guerreiros feéricos haviam retornado mais cedo e
estavam bebendo ao redor das tendas. Se fosse cuidadosa, conseguiria
evitá-los. Elise achou que já teria se sujado quando enfim conseguiu chegar
e trancar a porta para ninguém entrar por engano, e suspirou aliviada.
Semanas haviam se passado desde que Elise foi pega no trem, e ela
aprendera bastante durante aquele tempo. Na maior parte, como se
esconder.
Nos primeiros dias, ela fora bastante ingênua ao pensar que se seguisse as
ordens e se comportasse, poderia se tornar um acessório invisível no castelo
e seria ignorada. Algo impossível, porque os feéricos estavam tão enojados
quanto intrigados por Elise, e não pareciam esquecer a presença dela nem
por um segundo.
Elise havia escolhido dormir perto da lareira na cozinha embrulhada no
manto de Kian que ainda parecia ter seu cheiro. Havia acordado mais de
uma vez com alguém cutucando-a com longos instrumentos para ver se era
real. Elise foi educada o suficiente para não fazer o mesmo com eles,
embora não houvesse dois iguais. Todos eles tinham cheiros diferentes
também, sobretudo aqueles com flores crescendo na pele. A comida que
preparavam, embora reconhecível, muitas vezes era feita usando magia
como se fosse um utensílio. Era difícil não os observar trabalhar, mesmo
que rosnassem para ela.
Quando Elise estava acordada, todos os feéricos que passavam a
encaravam e, algumas vezes, os guerreiros cuspiam nela. Os feéricos
inferiores ficavam fora do caminho dos guerreiros por uma boa razão. Eles
eram ferozes e bonitos, mas idiotas.
Elise tentara deixar o terreno do castelo apenas uma vez. Ela queria ver
quais eram seus limites, e se a impediriam. Esperou até a calada da noite e
fugiu. Deu três passos para fora dos portões do castelo, e os braceletes
queimaram tanto que Elise quase gritou e acordou todo mundo.
Havia retornado pelos portões, soluçando e com o estômago revirando de
dor, embora a pele sob os braceletes não estivesse queimada. Ela não tentou
de novo, mas se recusou a desistir de encontrar algum tipo de ferramenta
para tirar as malditas coisas dela.
Os dias de Elise se transformaram em um borrão, esfregando, tirando o
pó e arrumando. Suas mãos estavam vermelhas e secas pelas horas gastas
tentando limpar o castelo desordenado. Ela desmoronava nas pedras
quentes ao lado da lareira à noite com quaisquer restos de comida jogados
por Hedera, isso quando a feérica se lembrava de alimentá-la. Era a pior
dieta que já fizera.
Elise sabia onde ficavam os melhores esconderijos na área, e só usava os
lavatórios e latrinas comunitários quando todos já tinham ido para a cama.
Ela tentava manter as roupas limpas, e aprendeu ser possível usar a mesma
calcinha quatro vezes antes de lavá-la.
Elise também fazia o possível para escutar as conversas, desesperada por
notícias do mundo exterior. De tempos em tempos, guerreiros feéricos iam e
vinham, e a equipe do castelo ria com as fofocas.
— Londínio está queimando!
— As linhagens foram descobertas!
— Penduramos eles nas margens do rio!
— Justiça!
Clamavam em uma variedade de vozes ásperas e suaves. Londínio era
como Londres era chamada durante o período romano, e Elise percebeu que
a maioria dos feéricos era tão antiga quanto as pedras.
O fato de Londres estar queimando a aterrorizou. Elise tinha visto o que a
maldita magia do príncipe havia feito com as pessoas no trem. Ela tinha
esperança e rezava pela segurança de Chrissy, e para que de alguma forma
ela tivesse escapado da briga acontecendo fora do castelo.
Elise queria saber o que queriam dizer com “justiça”, mas tinha muito
medo de perguntar quando eles estavam animados e comemorando a morte
dos humanos.
Eles realmente achavam que os humanos não retaliariam? O que as
espadas e armas de batalha deles poderiam fazer contra tanques e
metralhadoras? Os feéricos seriam massacrados, o castelo bombardeado por
um drone, e ela também.
Mas os feéricos tinham magia, algo que, há muito tempo, os humanos já
não sabiam como usar ou acreditavam. E os feéricos tinham o príncipe.
Todos os feéricos era leais a ele, não importava a posição. Felizmente, Elise
nunca viu nenhum sinal dele. Ela deduziu das conversas entreouvidas que o
príncipe estava com o exército.
Elise também ouviu boatos sobre o irmão dele no norte da Escócia, que
tinha trazido outra era do gelo para os feéricos invernais viverem. Havia um
terceiro irmão, mas ele era o Voldemort do trio. Todos tinham muito medo
de falar sobre ele; mesmo uma menção passageira era abafada, como se
vivesse no ar e pudesse saber se alguém estivesse falando mal dele.
Apesar de Elise estar se escondendo e ouvindo conversas, não tinha
descoberto o que realmente queria saber. Por que eles queriam matar os
humanos?
Agora estava esperando pelo retorno do príncipe ou retaliação dos
humanos. Todas as noites, ela se parabenizava por sobreviver a mais um
dia.
*
Elise estava esfregando as mãos e o rosto quando cavalos trovejaram
pelos terrenos do castelo, cascos poderosos fazendo a terra tremer. Ela se
esgueirou para fora das latrinas e entrou em um buraco na parede de
obsidiana do castelo para se certificar que nenhum dos cavalos a pisotearia.
O exército está de volta. Isso não é nada bom.
Uma luz quente e dourada pareceu queimar no peito de Elise, sua boca
inundando com mel e primavera, e ela soube que o príncipe estava por
perto. Seu cérebro traiçoeiro lembrou-se do príncipe prendendo-a debaixo
de si, a sensação quente indo direto para seu núcleo. Enojada com o
pensamento, cuspiu na grama, tentando se livrar do gosto dele, irritada
porque a magia que tinha feito com ela ainda não havia passado.
Um dia vai passar, e vou enfiar aquela adaga no coração dele.
Os gritos de um homem penetraram a noite, e Elise saiu do buraco,
deslizando como uma sombra pelas pedras irregulares da parede do castelo.
Um humano estava de joelhos, guerreiros feéricos ao seu redor. Diante
dele como um deus dourado estava o príncipe em sua armadura completa.
Elise não o via desde que a deixara com Hedera, e agora estava na sua
frente. Uma parte distorcida dela ficou aliviada ao vê-lo bem.
É só a magia ferrando com você, Elise. Controle-se.
— Por favor, por favor, não me machuque — implorou o homem.
— A feérica que você tentou estuprar implorou pela vida, humano? —
perguntou o príncipe, a voz fria. — Ela estava coletando água em um
córrego, não incomodava ninguém. Inocente. O que lhe deu o direito de
atacá-la?
— E-ela me enfeitiçou e… — O homem no chão gritou quando sua mão
atingiu a terra na frente dele. Elise não viu o príncipe se mexer, mas, de
repente, a espada estava desembainhada e pingava sangue. Ela ofegou, as
mãos agarraram a borda da parede para que não desmaiasse.
— Conheço a fêmea, e ela não é forte o suficiente para enfeitiçar
ninguém, seu imbecil mentiroso. Você a emboscou e colocou suas
repugnantes mãos humanas nela — continuou o príncipe, e a outra mão saiu
do corpo do homem.
Ele estava se contorcendo e choramingando no chão, coberto com o
próprio sangue. A expressão do príncipe não mudou, desprovida de toda
compaixão, e a espada arrancou as pernas do homem com um golpe. Elise
vomitou nos pés, incapaz de conter o pavor.
Os gritos do homem foram silenciados quando o príncipe arrancou a
cabeça.
— Entregue isso aos humanos mais próximos com um aviso: se alguém
tocar um feérico sofrerá o mesmo destino — disse aos guerreiros. O
príncipe embainhou a espada, e depois virou a cabeça na direção do
esconderijo de Elise. Ela se abaixou, apavorada que ele a tivesse visto.
Como ele sabia onde eu estava? Elise baixou os olhos para as palmas das
mãos sangrentas de onde se agarrara à parede. Ele pode sentir meu cheiro?
Depois de alguns minutos aterrorizantes, Elise arriscou espiar pela parede
outra vez. O príncipe e os guerreiros já tinham ido, deixando apenas uma
grande poça de sangue no chão.
Ela retornou correndo para a porta da cozinha, tropeçando no escuro e
caindo de lado. Os joelhos latejavam de dor, mas ela voltou a ficar de pé,
sem parar.
A cozinha estava movimentada quando Elise voltou, tremendo, pálida e
com dor de estômago. Um dos chefs com chifres de carneiro rosnou quando
ela por engano esbarrou nele.
— Sinto muito — disse Elise, depressa.
— Saia, escrava! — gritou ele. Ela seguiu as ordens, esperando encontrar
um lugar tranquilo no resto do castelo para se esconder até que todos
tivessem ido para a cama. Elise abraçou-se, lutando contra a vontade de
vomitar outra vez pelo destino do homem, embora não soubesse por quê.
Ele era um estuprador. Não uma pessoa inocente, mas ela não conseguia
deter a pena que a envolvia.
— Ora, ora, acho que sinto cheiro de alguma coisa — disse uma voz
áspera atrás dela.
Merda. Elise se virou devagar, e viu um guerreiro feérico. Tinha um
chifre com hidromel em uma mão e estava olhando para ela com uma luz
perversa nos olhos. Dois outros guerreiros risonhos se juntaram ao
primeiro.
— Que presa farejou, Aiden? — disse um deles. Elise deu um passo para
trás, preparando-se para correr, mas de repente, Aiden estava atrás dela.
— Para onde vai correr, humana?
Não diga nada. Não os provoque. Se ficarem entediados, eles vão
embora.
— Talvez seja muda — disse um dos guerreiros, estendendo o dedo para
cutucá-la. Elise afastou a mão dele, o medo se transformando em raiva.
— Ah, cuidado, Owain, ela não gosta — disse Aiden. Estendeu a mão
para ela, com um pequeno bolo decorado. — Talvez goste disso aqui?
O estômago de Elise apertou outra vez, e quando olhou para o bolo, a
perfeição ficou borrada, e ela viu um pedaço de pão mofado apodrecendo.
Os guerreiros feéricos riram, e Aiden se moveu em direção a ela.
— Prove, está delicioso — disse com uma voz zombeteiramente gentil.
Elise cerrou os punhos, reabrindo os cortes nas palmas das mãos. A dor a
manteve concentrada quando o glamour a atingiu pela segunda vez.
Não! Saia daqui! Elise balançou a cabeça, tentando se afastar e
esbarrando em um guerreiro a impedindo. Ele agarrou as suas mãos,
segurando-as atrás das costas. Elise se contorceu, tentando livrar-se dele.
— Me solte! — gritou, e todos riram.
— Ela sabe falar, afinal — disse Aiden, e estendeu o pão podre. — Hora
de comer, escrava.
Elise afastou a cabeça, mas o feérico que a segurava levantou seus
braços. Aiden enfiou o pão na sua boca, o gosto de mofo nojento atingindo
sua língua enquanto ele o forçava a passar pelos lábios. Elise cuspiu,
pedaços de pão molhados atingindo Aiden no rosto. Ele limpou a bochecha
antes de lhe dar um tapa forte.
Elise cedeu, luzes dançando na frente de seus olhos, e o feérico que
segurava seus braços jogou-a no chão. Sangue escorreu de seus lábios e
nariz, os rostos cruéis e risonhos meros borrões ao olharem para ela.
— Vai pagar por isso — disse Aiden, separando as pernas de Elise e
jogando o peso em cima dela.
De jeito nenhum. Elise gritou, golpeando-o com os punhos. Ele a
esbofeteou e pressionou uma faca na sua garganta. Ela se acalmou, a raiva
desaparecendo e o medo retornando como se um interruptor tivesse sido
acionado.
Aiden riu, e com a mão livre, agarrou a frente da camisa de Elise e
rasgou. Os olhos verdes brilhavam com uma combinação de loucura e
luxúria. Ele agarrou o seio esquerdo e apertou.
— O que está acontecendo? — disse a voz do príncipe, o tom cortando a
folia do guerreiro como uma lâmina fria.
— Nada, apenas me divertindo um pouco com essa humana — disse
Aiden, sem olhar para cima. Estava longe demais para perceber que os
amigos haviam recuado. — Fique à vontade para participar. Talvez
devêssemos despi-la e fazê-la correr pelo castelo enquanto a caçamos.
Aiden levantou a mão para apalpar o outro seio de Elise. Sangue caiu
sobre ela quando a mão foi amputada. Aiden gritou, a bota do príncipe
chutando-o no ombro para longe. Elise estava com muito medo de se
mexer, a cabeça ainda zumbindo e a visão turva.
— Ainda está se divertindo? — perguntou o príncipe, na mesma voz
aterrorizante.
— Ela é apenas uma humana imunda! — disse Aiden, segurando o
cotoco sangrento.
— Mas ela é minha humana imunda, ou não viu o ouro nos seus pulsos?
Se alguém vai atormentá-la, serei eu. — O príncipe chutou a mão amputada
para ele. — Você vai usar isso no pescoço para que todos saibam o que
acontece quando tocam nas minhas coisas. Agora desapareçam todos da
minha frente.
Aiden foi sábio o suficiente para não discutir, pegou a mão do chão e se
curvou para o príncipe antes de sair correndo.
— Hedera! — A voz do príncipe rugiu pelos corredores, e a governanta
surgiu do nada ao lado dele.
— Mestre. — Ela pulou quando viu Elise deitada no chão, coberta de
sangue.
— Disse para cuidar dela. Por que minha escrava está em tal estado? —
questionou ele.
— Com todo o respeito, mestre, o senhor me disse para encontrar um
trabalho para ela — respondeu Hedera.
— Pensei que mantê-la limpa, alimentada e vestida seria óbvio.
— Ela é apenas uma humana.
— Não me importo. Até meus escravos são representantes da minha casa.
Há mais de cem quartos neste castelo, dê-lhe um. Certifique-se de que ela
tome um banho e tenha roupas limpas. Tenho que olhar para ela também, e
a quero apresentável como todos os meus servos — rosnou o príncipe, e
Hedera se encolheu.
— Sim, mestre.
— Arawn me ajude, preciso fazer tudo sozinho neste lugar. — Ele se
virou e se afastou. Foi só quando ele desapareceu que Elise se atreveu a se
sentar.
Não vomite de novo. Você consegue.
Hedera não se incomodou em ajudá-la. Os olhos pretos e redondos
encaravam Elise enquanto ela lutava para se levantar. Hedera podia odiá-la,
mas não irritaria o príncipe.
— Me siga, garota. Tente não estragar o chão pingando nele.
Mordendo a língua, Elise agarrou o que restava da camisa suja e mancou
atrás de Hedera.
Capítulo 8

Hedera levou Elise para um cômodo na torre sul, abrindo a porta com um
toque da mão. Lanternas na parede ganharam vida, revelando um aposento
tão destruído quanto os outros. Ela levantou as mãos e bateu palmas três
vezes. A mobília se endireitou, a poeira e as teias de aranha rodopiaram no
ar e saíram pela janela aberta.
Vá se foder. Elise estava se matando para limpar os cômodos à mão, e
Hedera podia fazer isso? Isso deu a Elise mais uma razão para odiá-la.
— Voltarei em breve com comida. Limpe-se — disse Hedera. Ela deu a
Elise um olhar de desaprovação. — O que há de tão especial em você que
merece tanta atenção?
— Absolutamente nada — disse Elise, sendo sincera. Era apenas uma
garota que teve a infelicidade de estar no trem errado na hora errada. Se não
tivesse se espremido naquele trem e esperado pelo próximo, ela nunca
estaria naquela situação. Hedera resmungou e apontou para uma porta do
outro lado do aposento.
Dentro havia um banheiro escondido em um grande armário de madeira.
Quando Elise abriu as torneiras da banheira funda, ficou surpresa ao ver
água quente saindo. Tirou as roupas sujas e foi até a pia.
O reflexo de Elise olhou para ela no espelho grande e polido. Mal
reconheceu o rosto magro e salpicado de sangue. O lábio ferido já estava
inchado, o nariz escorria sangue, e o cabelo castanho comprido estava uma
bagunça oleosa e emaranhada. Elise abriu as torneiras, sibilando entredentes
ao limpar os cortes nas palmas das mãos. Bebendo punhados de água,
tentou tirar da boca o gosto de sangue e pão podre.
Quando Elise abriu o armário, encontrou uma escova de dentes antiquada
com cerdas grossas e uma barra com cheiro de menta ao lado. Molhando a
escova, ela a esfregou contra a barra antes de usá-la para limpar os dentes
pela primeira vez desde que fora levada.
Elise passou as mãos por sua trança imunda e, convencida de que a maior
parte do sangue havia saído dela, entrou na banheira. Reprimindo um
soluço, ela se sentou na água quente e limpa. Era a primeira vez que estava
devidamente aquecida em semanas.
Havia pequenos frascos e sabonetes em uma prateleira esculpida ao lado
da banheira. Elise abriu um e cheirou de longe. Abetos e fumaça. O cheiro
do príncipe. Ela deixou esse de lado e tentou outro. Abetos e fumaça. Todos
eram iguais. Elise não sabia se era magia ou apenas a preferência dele, pois
era seu castelo. Ela não queria exalar aquele cheiro, mas estava mais
interessada em ficar limpa. Cedendo, derramou o conteúdo de um frasco no
cabelo oleoso.
Levou bastante tempo para ela se sentir limpa de verdade. A água da
banheira permaneceu quente o tempo todo, embora Elise soubesse que
estava lá há pelo menos uma hora. Foi a cor, e não a temperatura da água
que a fez sair. Ela se enxugou com uma das toalhas de linho, e voltou para o
quarto para encontrar algo limpo para vestir.
Hedera deve ter voltado quando Elise estava no banho, porque uma
bandeja de comida havia sido deixada em uma mesinha. O cheiro de
comida quente atingiu seu nariz e seu estômago roncou.
Elise abriu um guarda-roupa de madeira esculpida que parecia ter Nárnia
escondida no fundo. Infelizmente, como todos os guarda-roupas que
explorara quando criança, não havia porta para outro mundo. Havia
camisas, calças, e um roupão azul no qual se enrolou para se aquecer. Ela
abriu uma gaveta e encontrou roupas íntimas e meias. Assustadoramente,
tudo parecia ter o seu tamanho exato.
Elise tirou uma calça preta e uma camisa e as vestiu. Se não tivesse visto
o príncipe se vestir, ela duvidava que fosse capaz de entender o estilo
envelope da camisa e as múltiplas amarrações.
Elise estava penteando o cabelo emaranhado quando a porta se abriu e o
príncipe entrou. Sem armadura, e com o cabelo ainda úmido do banho.
Quando estava assim, ela só conseguia pensar nele como Kian, não como o
príncipe, e Elise odiava tamanha intimidade. Ele cruzou os braços e a
encarou.
— Como está se sentindo? — perguntou de repente.
— Bem. — Elise se impediu de agradecê-lo.
Vá se foder.
Ela podia ter um quarto agora, mas ainda era uma escrava, e não podia
confiar em um único maldito ato de bondade.
— Você parece doente.
Elise teve um desejo irresistível de jogar a escova no rosto perfeito dele.
Os lábios de Kian se ergueram em um rosnado como se pudesse ler a
violência no rosto da humana.
— Você não tem forças para me enfrentar, Elise, ainda que o voto que
você fez permitisse — disse ele. Uma emoção a invadiu quando ele disse o
seu nome, e isso fez Elise odiá-lo ainda mais. Kian se sentou em uma das
cadeiras de veludo estofadas em frente a ela.
— Mostre-me suas mãos — ordenou ele.
Elise largou a escova e as estendeu, os braceletes dourados brilhando à
luz do lampião. Ele virou as mãos dela, inspecionando os cortes irregulares
e a pele seca e rachada das palmas. Kian puxou um pequeno frasco do bolso
e o abriu. Dentro havia um bálsamo amarelo-claro, e começou a esfregá-lo
nela.
Que diabos?
Elise o tinha visto decapitar pessoas com toda a emoção de uma geleira, e
agora estava cuidando gentilmente das suas feridas. Esse cara tem um caso
grave de dupla personalidade.
— Por que não comeu durante as semanas que estive fora? — questionou
Kian, sem desviar o olhar das mãos dela.
— Está supondo que fui alimentada — respondeu ela, tentando e
falhando em manter a raiva longe da voz. Kian rosnou no fundo da
garganta, mas não olhou para cima. Virou as mãos de Elise e continuou
massageando os pulsos doloridos. Seus dedos compridos se moveram em
pequenos círculos na pele dela, fazendo sua língua grudar no céu da boca.
Ela desviou o olhar e se concentrou nas curvas dos chifres. Isso foi um erro,
porque teve vontade de tocá-los para ter certeza de que estavam ali de
verdade.
Apenas a magia estúpida dele em você fazendo-a gostar disso. Lembre-se
dos gritos do homem e de Londres queimando.
— Você está calada. Achei que estaria gritando comigo — disse Kian.
— Não sabia que tinha sido requisitada a falar com o senhor, mestre —
respondeu Elise docilmente, embora com um toque sarcástico. Não pôde
evitar.
Os olhos escarlates de Kian se voltaram para os dela, cheios de um calor
que não era raiva. Um toque de excitação percorreu o corpo de Elise como
se ela tivesse cutucado um urso, e agora ele quisesse comê-la.
— Acho que você não deveria. A familiaridade gera desdém, e ainda
estou determinado a matá-la — retrucou ele.
Elise já sentia bastante desdém sem a familiaridade.
— Como matou as pessoas em Londres?
— Matei aqueles que mereciam.
— O que eles fizeram? Revidaram quando tentou enlouquecê-los?
As presas apareceram.
— Eles eram da linhagem dos traidores. Quebre uma promessa feita a um
feérico, e não importa quantos anos se passem, o feérico fará você pagar por
isso.
A raiva na voz dele fez Elise fechar a boca e segurar as centenas de
perguntas na ponta da língua. Ela havia sido ferida o suficiente por um dia
para querer abusar da sorte com ele.
— Qual é o seu ofício? — perguntou Kian, soltando as mãos dela.
— De que importa?
— Preciso encontrar um uso para você porque trabalho duro não
combina. Seu corpo não foi feito para isso.
— Livros — respondeu Elise, relutante. — Sou treinada para restaurar e
preservar livros.
— Sabe escrever também?
— Claro que sei escrever.
— Não soe tão ofendida, Elise. Não muitos de sua espécie sabiam
escrever quando interagi com eles pela última vez. Apenas os sacerdotes do
rei Thorn eram proficientes na arte, e não havia muitos deles em Albião.
O rei Thorn… ele quis dizer sacerdotes cristãos? Ela não perguntou. Elise
estava dividida entre querer conversar e querer permanecer
desafiadoramente silenciosa.
Os dedos de Kian acariciaram o queixo de Elise, fazendo-a levantar a
cabeça. Ela prendeu a respiração enquanto ele passava um pouco do
bálsamo no lábio machucado. O polegar dele se moveu devagar nos lábios
dela, e Elise não pensou no corte dolorido ou no quanto ela o odiava. Ela
pensou em chupar de leve aquele dedo. O ar ficou carregado entre eles, e
Kian abaixou a mão.
— Vá e coma — disse com a voz rouca.
Elise se levantou, precisando colocar algum espaço entre eles. Ela
balançou a cabeça, tentando desanuviar a loucura. Que diabos havia de
errado com ela? Ela levantou uma das tampas de prata e encontrou carne de
faisão assada e legumes. A mão de Elise se fechou ao redor da faca, e ela
inclinou um olhar na direção de Kian. O rosto do príncipe se iluminou com
diversão.
— Poderia tentar me matar de novo, escravinha, mas terminará do
mesmo jeito, com você indefesa debaixo de mim. — A arrogância irritou
Elise, e ela jogou a faca nele. Ela não teve a chance de ver onde aterrissava,
pois a magia queimou em seu corpo, deixando-a de joelhos.
Kian parou ao lado de Elise, riso borbulhando. Ela olhou e percebeu que
estava na mesma altura que as amarras das calças de couro.
Ótimo, agora tenho a protuberância do pau dele na minha cara.
— Esqueceu aquele pequeno juramento que fez, não foi? — perguntou
ele.
— Vá se foder — rosnou.
— Não me dê ideias. — Ele segurou a bochecha de Elise. — Lute
comigo o quanto quiser, Elise. Gosto de ver você de joelhos na minha frente
com sua linda boca aberta. — Ela fechou a boca tão rápido que os dentes
doeram. Ele passou os dedos pelo cabelo de Elise, olhando hipnotizado para
os fios escuros enquanto eles caíam.
— Por que você está matando minha espécie? — perguntou. O olhar
atordoado dele se aguçou, e Kian se afastou.
— Os violadores do juramento mataram a minha espécie primeiro —
respondeu Kian e foi em direção à porta do quarto. — Certifique-se de
comer.
Assim que ele se foi, a magia a soltou, e Elise caiu para a frente no chão.
Tremendo com os efeitos posteriores, conseguiu sentar-se em uma cadeira e
pegar um garfo. Elise queria jogar a bandeja pela janela mais próxima, mas
estava com muita fome. Amaldiçoando o príncipe, ela seguiu suas ordens e
comeu.
Capítulo 9

No dia seguinte, quando Elise acordou, o sol esbranquiçado do inverno


estava alto no céu. Por alguma razão, Hedera a tinha deixado dormir e
trouxera outra bandeja de comida. Elise lavou o rosto e, com os olhos
arregalados, viu o corte no lábio quase curado.
— O que havia naquele bálsamo? — murmurou Elise. As mãos também,
cicatrizes finas cruzando as palmas das mãos onde havia agarrado a parede
de obsidiana. Ela não ia questioná-lo. O príncipe poderia tê-la deixado
sofrer, mas não deixou, então de mau humor percebeu a sorte que teve.
Elise estava terminando o pão doce e o chá quando Hedera apareceu do
nada outra vez.
— Tenho um novo trabalho para você — disse, rígida, cruzando os
braços.
Elise pegou botas de couro aconchegantes na altura do joelho e uma
jaqueta do guarda-roupa.
— Estou pronta.
Hedera só grunhiu para ela, e Elise seguiu-a pelo castelo. Estava muito
silencioso, e quando ela olhou pelas janelas, viu que o exército tinha ido
embora, bem como o príncipe, provavelmente. Algo dentro de Elise se
contorceu em preocupação, mas ela ignorou e tentou se recompor.
Estavam em uma parte do castelo que nunca havia visitado antes. Folhas
e videiras cresciam das paredes, rosas brancas florescendo e enchendo o ar
com a fragrância doce.
— Que lugar é este? — perguntou Elise, passando os dedos em uma
fileira de flores.
— Esta é a torre norte, e se valoriza sua vida patética, só irá para o
cômodo que eu lhe mostrar — falou Hedera, de modo brusco. — Ser a
favorita não vai impedir o príncipe de matá-la se invadir o aposento dele.
— Entendido — respondeu Elise.
Ela ficou imediatamente curiosa para observar todas as coisas dele, e
começou a fantasiar destruir o quarto e a vida do príncipe do jeito que ele
tinha feito com a dela.
Todos os pensamentos maliciosos morreram quando Hedera abriu as
portas esculpidas verdes e pretas. Lanternas cintilaram com o estalo de seus
dedos, os dois lustres maciços pendurados no teto cavernoso brilhando com
pássaros de vidro e criaturas da floresta.
A mão de Elise foi para sua boca quando uma risada animada e
encantada escapou dos lábios. Estava em uma biblioteca. Estava destruída,
como o resto do castelo, mas, por Deus, era linda.
As prateleiras eram todas esculpidas como árvores, com animais
desconhecidos e pássaros dançando em seus galhos. Os livros estavam em
pilhas onde tinham caído das prateleiras, mas a maioria dos móveis estava
em pé.
— O príncipe quer que você limpe tudo e organize os livros — disse
Hedera, e desapareceu, deixando Elise sozinha.
Elise teve um momento “a bela e a fera” ao perambular pelos corredores
da biblioteca. Não era dela, e ela não estava prestes a cantar, mas estava
eufórica ao se abaixar e pegar um códex, encadernado com couro verde.
Elise o abriu e ficou deslumbrada com as pinturas de paisagens estranhas e
exóticas. Feéria.
Colocando-o sobre a mesa, pegou outro e ficou surpresa ao encontrá-lo
escrito em grego koiné. Era uma cópia dos Preceitos de Quíron de Hesíodo.
O grego de Elise estava um pouco enferrujado, mas ela sabia o significado
do que estava segurando. O poema fora composto para registrar as lições do
sábio centauro que havia ensinado a heróis como Aquiles e Jasão. Só tinha
sobrevivido em fragmentos, mas havia uma cópia completa na biblioteca de
um príncipe feérico.
— Respire, garota, não se distraia — sussurrou Elise, segurando o livro
contra o peito. Colocou-o na ponta da mesa, e estendeu a mão para outro.
Este fora escrito em uma língua que ela nunca tinha visto antes. Imaginando
que era provavelmente feérico, ela o colocou em cima do livro de pinturas.
Elise se perdeu nos livros que estava pegando, as pilhas crescendo ao
tentar classificá-las em idiomas. Ela limpou uma pilha do chão e começou
outra encontrando mais livros em grego e latim que conseguia reconhecer.
Elise esqueceu que era uma escrava. Esqueceu que o mundo fora do
castelo estava queimando. Esqueceu tudo, exceto os tesouros que estava
descobrindo.
Estava tão concentrada que ignorou a estranha vibração de alguns livros.
Pegou um com uma peculiar trava de ferro e abriu.
Sombras explodiram para fora das páginas, e ela o derrubou com um
grito assustado. Nuvens se formaram em tentáculos, envolvendo os
tornozelos de Elise e arrastando-a para o chão. Gritou, lutando contra o
aperto que a força etérea tinha sobre ela. Agarrou uma das pernas da mesa e
pendurou-se enquanto ele a puxava com força. Mais tentáculos deslizavam
no seu corpo e apertavam a cintura. Os seus dedos começaram a escorregar,
unhas lascando antes de soltar a mesa.
Livros foram espalhados, e Elise foi jogada pelo chão, as sombras
arrastando-a em direção às páginas pretas do tomo. Uma luz dourada
brilhou acima dela, e o livro carnívoro guinchou. Os tentáculos que a
seguravam voltaram para a fumaça, e o livro fechou com um estalo
retumbante, o pé de Kian segurando a capa enquanto se curvava e o
trancava outra vez.
— O que em nome de Arawn você está fazendo? — sibilou jogando o
livro infernal na mesa.
— Limpando — gemeu Elise, a mão esfregando as costelas machucadas.
— Que diabos era essa coisa?
— Um livro que você não devia tocar. Já devia saber que não pode abrir
livros mágicos quando não tem experiência com eles.
Elise se levantou com os pés vacilantes e limpou a poeira das calças.
— Bem, eu não sabia que era mágico, sabia?
Kian fez um som frustrado no fundo da garganta.
— Além disso, o que está fazendo aqui? — perguntou Elise, antes que
pudesse se controlar.
— Posso ir onde quiser em meu próprio castelo, escrava — sibilou ele. O
príncipe cruzou os braços, destacando a largura do peito e a profundidade
do V aberto da camisa. Feérico estúpido e bonito.
— Foi sorte eu precisar de um livro; caso contrário, você estaria sofrendo
um destino pior do que a morte agora.
— Porque ser escrava de um príncipe feérico é um sonho se tornando
realidade — murmurou Elise.
— Há destinos piores do que ser minha escrava, ou esqueceu as atenções
de Aiden tão cedo?
Elise rapidamente ficou calada, determinada a não o provocar ainda mais.
A biblioteca era melhor do que limpar o resto do castelo, mesmo com os
livros psicóticos e vivos.
— Existe uma maneira de saber quais livros não devo abrir? —
perguntou, o mais educada que conseguiu.
— Que tal nenhum deles?
Elise colocou as mãos nos quadris.
— Então como vou organizar este lugar? Por cor?
Os olhos escarlates de Kian se estreitaram, e ela ergueu o queixo.
Desgraçado insuportável.
— Posso fazer um feitiço para que você saiba quais são livros normais e
quais são mágicos. Também permitirá que leia todos os livros aqui, não
importa o idioma — disse entredentes.
— Então faça isso.
Kian se mexeu, parecendo desconfortável.
— Isso não é simples. O idioma pertence à língua. Teria que te beijar.
O estômago estúpido de Elise se revirou.
— Obrigada, mas prefiro ser comida por um livro monstruoso.
— Também. Acha que quero beijar uma humana nojenta? — rosnou no
rosto de Elise.
— Tanto quanto eu quero beijar um feérico arrogante do caralho.
— Quero você bem longe do meu caralho.
— Ele tem chifres também? — retrucou Elise.
— Você nunca vai descobrir. — Kian olhou para a camisa dela e revirou
os olhos. — Deuses, não consegue nem se vestir direito. Como fui
amaldiçoado com uma escrava tão inútil?
Elise olhou para a forma como amarrou a camisa e deu de ombros.
— Está fechada. — Ele estendeu a mão e puxou duas das cordas dos
laços. Elise deu um tapa na mão dele, e ele sibilou com tanta ferocidade que
ela ficou paralisada.
Kian desfez os laços da camisa de Elise até ficar aberta, e ela estava
exibindo o bandeau vermelho usado como sutiã pelos feéricos. Ele olhou
para a pele nua dela, fazendo o calor subir do peito de Elise até as
bochechas. Murmurando alguma coisa, Kian fechou a camisa de novo,
amarrando-a do lado oposto ao que ela havia amarrado.
— Satisfeito? — Ela não resistiu a perguntar, humilhada por um homem
adulto ter decidido vesti-la como uma criança.
— Nem um pouco. Você precisa ser útil, e preciso dessa biblioteca
arrumada, então por mais que eu odeie, vai precisar de magia para ajudá-la
— disse Kian, dando um passo à frente no espaço de Elise.
Ela deu um passo para trás e esbarrou na mesa. Os braços desceram de
cada lado dela, prendendo-a.
— Fique quieta. Vai acabar antes que perceba.
Kian inclinou a cabeça e colocou os lábios suavemente nos dela. A magia
do príncipe correu sobre a língua de Elise, com gosto de primavera e mel,
sangue e fumaça. Um pequeno gemido ficou preso na garganta de Elise
quando o calor e o desejo subiram pelo seu corpo. A boca de Elise
formigava, movendo-se e desejando mais dele.
As mãos de Kian foram para os quadris de Elise, segurando firme antes
de levantá-la sobre a mesa. Suas pernas se envolveram ao redor dele,
aproximando-o, as mãos movendo-se do peito ao cabelo do príncipe.
Kian agarrou a trança de Elise e puxou a cabeça para trás para conseguir
controlar o beijo, aprofundando-o até ela sentir os lábios e corpo doerem.
Suas línguas se encontraram, e Elise foi inundada de novo pelo sabor da
magia. Ela fechou os dentes no lábio inferior do príncipe, e um grunhido
baixo retumbou no peito de Kian.
— Humana infernal, você me dá nojo — ofegou na boca de Elise. As
mãos dela estavam enroladas no cabelo branco, e ela o puxou, fazendo-o
sibilar.
— Bom, porque eu te odeio, seu feérico arrogante — respondeu Elise, os
lábios se movendo contra os dele. Os olhos de Kian brilharam com emoção,
divididos entre raiva e desejo.
— Não posso esperar para matar você.
— Faça isso, então você pode limpar a maldita biblioteca.
Os lábios dele pairaram sobre os dela.
— Não deseje a morte. Ela virá em breve. Agora, volte ao trabalho,
escrava.
— Me solte, e voltarei, mestre — retrucou Elise.
Kian a soltou, e Elise soltou os dedos do cabelo sedoso dele. Quando ela
conseguiu desviar o olhar das bochechas coradas dele, viu que alguns dos
livros estavam brilhando com a luz.
— Uau — sussurrou, pulando da mesa e correndo para onde o mais
próximo estava, enterrado sob uma pilha.
— Os que brilham são mágicos. Os que estão envoltos em sombra, não
deve tentar abrir sob nenhuma circunstância — disse Kian, atrás dela.
— Aham — murmurou Elise. Ela pegou outro e passou as mãos sobre a
capa vermelha. Ela abriu e as palavras saíram em inglês. Elise riu, pegando
outro da pilha “grega”, e descobriu que também havia mudado.
— Por que você tem livros em latim e grego? — perguntou, mas quando
se virou, Kian já havia ido embora.
Capítulo 10

Humana infernal.
Kian não precisava beijar Elise para passar a magia; nem precisava tocá-
la. Queria beijar aqueles lábios raivosos em que não parara de pensar por
semanas. Havia sido tão fácil mentir, aproveitar a oportunidade, porque
precisava saber qual era o gosto dela.
Semanas antes, Kian tinha fugido do próprio castelo por causa dela.
Tinha uma guerra para começar e sabia que a localização do castelo era
ideal como base para atacar Londínio. Havia planejado dessa maneira.
Então os planos mudaram porque Kian ficava nervoso perto de uma escrava
humana. Devia ter deixado Fionn matá-la quando a encontramos.
Ele deveria matá-la agora. O pensamento deixou Kian nauseado, algo
bastante suspeito. Não tinha problemas em matar. Era o príncipe
sanguinário. O guerreiro escolhido de Arawn, o Deus dos Mortos. Aquele
que se sentia vivo em um campo de batalha. No entanto, depois da
maldição, nem assim Kian se sentia vivo.
Assim que a boca de Kian tocou os lábios de Elise, pelos Deuses, ele se
sentiu vivo. O sangue em chamas. A boca traiçoeira dela uma tortura;
raivosa, gananciosa e deliciosa tortura.
Eu te odeio. As palavras de Elise o balançaram. Kian podia sentir o corpo
dela respondendo ao dele. O corpo dela não o odiava; o queria. Elise não
tinha magia pelo que podia dizer, mas ela podia sentir essa maldita coisa
entre eles. Era como uma fome terrível por um veneno que sabia que iria
matá-lo.
Era loucura.
Kian tinha quase fugido daquela biblioteca para não a despir e fodê-la ali
mesmo, no chão cheio de livros espalhados, e drenar cada gota do sangue
dela. Não foi até estar do lado de fora da porta e caminhando para os
aposentos particulares que viu o vermelho penetrando nas rosas.
— Impossível — murmurou Kian, e arrancou uma das flores. As rosas do
castelo eram brancas nos últimos mil e quinhentos anos. Será que estavam
mudando agora porque o castelo retornou a Albião? Havia muita estranheza
acontecendo. Kian precisava falar com alguém que o irritasse até pensar
com clareza.
Kian foi direto para a sala de trabalho, colocou a rosa em um cálice de
água, e foi até o espelho de vidência. Era tão alto quanto ele, a moldura de
prata tecida em nós decorativos e cheia de feitiços presos dentro deles.
Kian cortou o dedo com uma presa e desenhou uma linha de runas ogham
no vidro. Elas estremeceram na superfície e desapareceram, a magia
chamando as contrapartes. Não precisou esperar muito antes de um macho
feérico aparecer no reflexo. Era mais magro que Kian, com cabelo preto
azulado comprido e liso. Ambas as orelhas pontudas estavam cheias de
piercings, os braços e o peito nu cobertos de tatuagens azul-escuras.
— Olá, irmão — cumprimentou ele.
— Porra, Kian, por que me acordou?
— É ótimo te ver também, Bayn. Como vai a invasão do norte? —
perguntou Kian, cruzando os braços. Bayn passou a mão no rosto.
— Tudo bem, irmãozão. Coberto de gelo como prometido. Os humanos
começaram a se mover para o sul, sem saber que porra está acontecendo.
Alguns foram vistos, mas a visão do meu castelo de gelo os fez correr —
respondeu Bayn. Os olhos cor de safira despertaram, e depois focaram em
Kian com a nitidez característica. — Pelos peitos de Beira, o que aconteceu
com você?
— Não faço a menor ideia do que está falando.
— Você parece diferente. Algo mudou. O que foi?
Kian deveria ter pensado melhor antes de falar com Bayn. O irmão
sempre sabia quando estava escondendo alguma coisa. Kian levantou a rosa
para mostrar a ele.
— Isso aconteceu hoje.
As sobrancelhas escuras de Bayn se juntaram, reconhecendo no mesmo
instante o significado.
— Ao mudar de localidade?
— Foi o que pensei, mas estou aqui há semanas e começou só agora.
— Que outra variável foi alterada? — questionou Bayn.
— Como assim?
— O que mais mudou dentro do castelo, seu idiota. O que foi retirado ou
trazido? Além de crescer do solo de Albião com sua magia, o que mudou?
Kian pensou em quando executou a magia. Havia sido bem potente
porque tinha… bebido o sangue de Elise.
— Eu me alimentei de uma humana pouco antes de construí-lo — disse
Kian, por fim. — A magia correu e deixou o castelo um pouco bagunçado.
— Ela era uma bruxa?
— Não. Ela não tem magia.
— Deduzo que ela esteja muito morta para ter certeza — disse Bayn.
Kian hesitou antes de tentar proteger a expressão. Tarde demais. — A
humana não está morta? Por quê? Que porra você fez?
— Ela é minha escrava.
A expressão irritada de Bayn desapareceu com o espanto.
— Você tem uma escrava humana? Você. O feérico que os odeia mais do
que qualquer coisa em todos os mundos.
— Ela tem um gosto bom — respondeu Kian, e se arrependeu de
imediato.
A risada de Bayn foi obscena.
— Ah, irmão, aposto que sim.
— Não assim, idiota. O sangue dela dá uma vantagem à minha magia.
Usarei qualquer vantagem possível. É uma decisão tática. E ela podia ver
através do meu glamour, então não podia deixá-la para os humanos a
usarem como arma — argumentou ele.
— Você deveria matá-la.
— Eu sei.
— Mas não vai. — O sorriso de Bayn se alargou. — Ela é sua variável,
Kian. Ela é a razão pela qual as rosas estão mudando.
Ele desabou na cadeira.
— Já pensou na brecha de Aisling? — Aisling e Aoife, as feiticeiras
gêmeas que salvaram e arruinaram a vida dos irmãos e dos feéricos.
Bayn reagiu como Kian esperava. Os olhos cor de safira congelaram,
padrões de gelo apareceram na pele tatuada.
— Não. Nós três concordamos que nunca seria uma solução possível.
Não devemos desperdiçar nossa energia, magia ou esforços nos
preocupando em persegui-la — disse e o olhar se aguçou.
— Acha que essa garota pode ser sua brecha?
— Não sei. Duvido. Sempre pensei que Aisling só dizia isso para não
perdermos a esperança porque estávamos presos em Feéria. No entanto, as
rosas me incomodam. Como disse, Elise é a única mudança. — Kian correu
os dedos nas pétalas da flor. — O que você faria?
— Eu a torturaria até ela me contar todos os segredos, para descobrir o
que fez minha magia reagir a ela.
Kian colocou a rosa de volta na água e olhou para o ruivo desbotado no
cabelo.
— Acho que não consigo. Eu… gosto dela.
A risada de Bayn fez Kian levantar a cabeça porque era muito raro ouvi-
la.
— Kian, você odeia todo mundo, e não se interessou em enfiar seu pau
em nada por tanto tempo, até fico surpreso que não tenha caído.
— Vá se foder! Só porque gosto dela e não consigo matá-la, não quer
dizer que queira transar com ela.
— Quer sim. Seria bom para você. Sempre pode matá-la depois. Sempre
gostou mais de matar do que de sexo, de qualquer maneira.
— E se eu não conseguir?
— Dê pra mim. Vou arrancar a verdade dela.
Um grunhido tão profundo e primitivo saiu de Kian que sacudiu o
espelho. A risada de Bayn morreu nos lábios.
— Kian. Não estou falando sério.
— Me desculpe. Não sei o que deu em mim. Deuses, o que estava
acontecendo?
— Lide com a humana, Kian. Já passamos por muita coisa e chegamos
longe demais para você ser mole conosco agora — retrucou Bayn.
— Falando em nós, falou com Killian? — O irmão mais velho e mais
problemático não tinha falado com Kian, e isso estava começando a irritá-
lo.
— Não desde que cruzamos o portal. Ele deveria nos seguir e nunca o
fez. Talvez tenha sido emboscado em Feéria. Mas não está na hora da parte
dele no plano mesmo. Provavelmente está muito ocupado perseguindo o
castelo noturno e fazendo beicinho de modo dramático.
— Verdade. Resolvemos as linhagens do traidor, e tenho guerreiros
começando a cobrar as dívidas — relatou Kian, precisando manter o
assunto longe de Elise e o ato de ataque territorial dele.
— Por que não está com eles? Pode realmente confiar uma tarefa tão
importante ao Fionn? Sabe que está apenas esperando você morrer para
poder tomar o seu lugar.
— Não posso voltar. Falta menos de uma semana para a lua cheia.
Preciso estar aqui, não perto de jovens — argumentou Kian.
— Esqueci sobre sua época do mês — zombou Bayn. — Talvez deva
deixar seu lado mais bestial lidar com a humana, é óbvio que a sua opinião
está sendo influenciada por seu pau finalmente ter acordado do sono eterno.
— Vá se foder. Estou indo. Me avise se souber de Kill.
— Sim, sim. — Bayn bocejou. — Lide com a humana, Kian. Ou eu vou.
Kian ficou na cadeira muito depois da magia no espelho se desvanecer e
levar o irmão. Não conseguia se lembrar dos detalhes das palavras de
Aisling de tantos anos atrás, e não sabia se procurá-los tornaria tudo melhor
ou pior.
As feiticeiras humanas gêmeas. Elas tinham sido amigas dos feéricos
antes de Aoife se juntar a Vortigerno e aos outros inimigos. Aisling ficou do
lado dos feéricos, incapaz de entender o que sua irmã tinha feito pelo poder.
Aoife usou sua magia para amaldiçoar e banir os feéricos pelos portões dos
Outros Mundos.
Aisling, gêmea tanto em magia quanto em sangue, criou na maldição da
irmã uma possibilidade de salvar a todos. Algo sobre o sangue dos reis ser a
solução… Kian olhou para o delicado frasco de cristal que estava em uma
prateleira alta.
Continha o sangue de Aisling pelos últimos mil anos. O presente foi dado
no leito de morte para que, se Kian precisasse dela, pudesse usar o espelho
mágico para convocar a sombra dela para receber conselhos.
Kian nunca tinha usado, nem uma vez. Aisling merecia paz no
Submundo, e nunca sentira a necessidade de tirá-la dela.
— Está muito perto da lua cheia para pensar com clareza — disse Kian
ao reflexo. Isso o deixou inquieto, então ele se levantou e foi para os
estábulos.
Cuidar dos cavalos sempre acalmava o humor de Kian. Precisava manter
as mãos ocupadas para não pensar em prendê-las no lindo pescoço de Elise.
Capítulo 11

Elise não saiu da biblioteca até o anoitecer, quando o fez, estava com
alguns livros para ler debaixo do braço. Ninguém disse que não podia pegar
emprestado, e o príncipe não estava por perto para impedi-la. Havia tentado
ao máximo se jogar no trabalho e não pensar no beijo ardente que ainda
podia sentir nos lábios.
Você não era beijada há dois anos, por isso acha que foi tão bom. Não
esqueça: você o odeia, não importa como seu corpo traiçoeiro se sinta
agora.
Elise seguiu as trepadeiras e rosas nas paredes até o quarto, parando para
cheirá-las. Naquela manhã, eram brancas, mas agora as pétalas estavam
vermelhas como se tivessem sido tocadas com dedos ensanguentados. O
pensamento a fez estremecer, por causa disso, andou apressada antes de
fechar com firmeza a porta do quarto.
Elise estava aconchegada no assento da janela com Hesíodo e uma xícara
de chá quando olhou pelo vidro e viu luzes nas paredes do castelo. Não
eram as luzes flamejantes dos feéricos, mas os feixes afiados de tochas.
Silhuetas desciam pelas paredes com cordas, e ela avistou a forma
inconfundível de capacetes e armas ao luar claro.
Soldados. A esperança a invadiu. Ela foi salva. Só precisava chegar até
eles.
Elise pegou uma jaqueta e enfiou os pés nas botas. Pegou a faca da
bandeja do jantar e a enfiou no bolso.
Os corredores do castelo estavam vazios, os feéricos nas camas, e os
guerreiros ainda não haviam retornado. A cozinha estava escura, as chamas
baixas, mas davam a Elise luz suficiente para enxergar. Ela se agachou,
escondendo-se atrás de bancos e recantos que descobrira nas últimas
semanas.
Do lado de fora, o chão coberto de gelo estalava sob os pés, o intenso ar
frio de inverno atingindo o seu rosto. Elise usou os esconderijos de sempre
e foi em direção aos estábulos onde tinha visto os soldados com
equipamento tático.
— Parada! — ordenou uma voz profunda, ela congelou e levantou as
mãos.
— Não atire. Sou humana — disse Elise, e uma luz brilhou no rosto dela.
— Qual é seu nome? — exigiu saber o soldado, ao verificá-la.
— Elise Carlisle. Fui levada como escrava há cerca de um mês… na
verdade, não sei há quanto tempo — gaguejou, e a luz abaixou.
— Seis semanas desde a invasão — disse o homem de balaclava.
— Nós o pegamos! — gritou uma voz, perto dos estábulos.
— Fique abaixada e fora do caminho, Elise. Nós vamos lidar com você
depois que aquele filho da puta com os chifres estiver morto. — Ele saiu
apressado, com a arma levantada.
Elise sabia que deveria ficar parada, mas não conseguiu. Ela foi atrás
dele, os pés a levando adiante por vontade própria. Um holofote foi ligado e
Elise se escondeu ao ver a luz no príncipe. Não estava de armadura e não
tinha armas. Estava parado na frente do estábulo com uma escova de cavalo
em uma das mãos.
O coração de Elise batia tão forte que ela não conseguia ouvir o que os
soldados estavam dizendo a ele. Ela saiu do esconderijo e os olhos do
príncipe se voltaram na direção dela.
Por um segundo, Elise pensou ter visto medo neles antes que
desaparecesse outra vez. Ela não sabia se era a magia do príncipe dentro
dela, mas o estômago e o peito estavam queimando com medo de o
matarem.
Isso é o que você queria. Ele estará morto e você estará livre. Mas ela só
queria uma dessas coisas. A ideia de vê-lo morto a tiros na lama gelada era
inimaginável. Pequenos pontos vermelhos apareceram no corpo do
príncipe, e ele os tocou com curiosidade. O pavor de Elise se transformou
em pânico. Ele não tinha ideia do que eram. Antes de pensar melhor, ela
correu.
— Se abaixe! — gritou, e pulou em Kian.
Eles passaram por cima do cocho de pedra e atingiram o feno de uma
baia vazia enquanto balas voavam ao redor deles. Uma dor ardente cortou o
bíceps de Elise, e ela aterrissou com força em cima de Kian. Os braços dela
foram ao redor da cabeça dele, tomando cuidado para não bater os olhos em
um dos chifres.
— Fique abaixado! — Kian estava olhando para ela com olhos
arregalados e surpresos. — O quê? Não sabe o que são balas? Feérico
idiota!
As armas pararam de disparar, então Elise gritou:
— Pare de atirar em mim! Sou humana.
— Ela está protegendo aquela criatura. É uma simpatizante!
— Atire nela também!
As mãos de Kian tocaram o bíceps sangrando dela.
— Você está ferida, Elise.
— Isso é o que acontece quando se é baleado — sibilou, entredentes.
— Você me protegeu. Por quê? — questionou ele.
— Porque se alguém vai te matar, Kian, serei eu — retrucou Elise.
O rosto dele se iluminou com um sorriso devastador, como se ela tivesse
acabado de dizer que o amava, e ele tivesse ganhado na loteria, e sido
convidado para um ménage com Harry Styles, tudo ao mesmo tempo.
Estava eufórico, e era bastante perturbador, considerando que Elise havia
admitido querer matá-lo.
— Posso derrotá-los, mas vou precisar de algo de você — sussurrou.
— O quê?
Kian olhou nítido para o sangue escorrendo entre as mãos.
— Não me alimentei, então meu poder está mais fraco do que a maldição
me matando. Eles vão nos matar se não tomar seu sangue, Elise. Depois de
lidar com eles, posso curá-la.
Tudo que Elise tinha eram péssimas opções agora que os soldados a
matariam também.
— Ok, mas seja rápido porque não vão esperar por muito mais tempo, e
não vou morrer por você.
O sorriso de Kian se tornou perverso, e ele os virou para ficar em cima
dela. Removeu a mão da ferida da bala latejante de Elise e rasgou a manga
da jaqueta e da camisa dela para expor o ferimento. O sorriso desapareceu
quando colocou a boca sobre o ferimento.
O tempo desacelerou, os olhos dele brilharam em uma luz dourada. As
presas afundaram em Elise, e o braço ferido ficou dormente. Ela arfou
aliviada e com um desejo desconhecido e horripilante ao olhar para os
lindos lábios do príncipe na pele. A mão de Elise afastou o cabelo do rosto
dele, os dedos acariciando as maçãs do rosto e o maxilar como se fosse um
amante, não um mestre.
A magia de Kian atingiu Elise outra vez, antes de se enrolar ao redor dele
em uma névoa dourada. Ele levantou a cabeça, e sua língua deu uma última
e lenta lambida no ferimento de Elise.
— Fique abaixada — disse pressionando um beijo quente e mágico na
boca aberta de Elise. Ele desapareceu em um piscar de olhos, o ar frio
correndo sobre ela. Armas dispararam e homens gritaram. Elise agarrou a
lateral do cocho de pedra com uma mão e tentou se levantar.
Um silêncio horrível caiu sobre a noite, e ela espiou por cima da borda. O
pátio do estábulo estava coberto de membros arrancados e cabeças dos
soldados.
A boca sangrenta de Kian sorriu para Elise, e ele deixou cair o último
soldado morto no chão.
Pavor a invadiu com a carnificina causada por ele em segundos.
— O que eu fiz? — sussurrou Elise, caindo de volta na terra.
Ela não tinha energia para lutar quando Kian a pegou, segurando-a perto
do peito e levando-a de volta para o castelo. O rosto de Elise repousou no
pescoço dele, a boca na clavícula nua do príncipe. Ela se afastou, e a dor a
atingiu.
— Fique quieta — disse Kian.
Uma porta de madeira se abriu para ele, e Kian a colocou em uma chaise
lounge de veludo antes de tirar a jaqueta de Elise e expor as roupas
encharcadas de sangue. Pela segunda vez naquele dia, desamarrou a camisa
da humana e a jogou no chão. A pele de Elise estava vermelha de sangue, e
os olhos de Kian estavam se demorando sobre ela como se quisesse lambê-
la até ficar limpa. Elise ainda tinha sangue suficiente para corar, então
estalou os dedos da mão boa para ele.
— Foco! Disse que podia me curar.
— Talvez tenha lhe trazido para poder vê-la morrer lentamente — disse
Kian, ao tirar bandagens de um armário.
— Não seja um idiota, uma única vez. Salvei sua vida esta noite —
retrucou Elise, descansando a cabeça que girava no encosto do sofá.
— Questionável. Tenho certeza de que teria me curado de qualquer dano
que os humanos pudessem me causar. — Voltou para o lado dela com uma
bacia de água fumegante, estendendo panos, bandagens e outros itens que
Elise não queria olhar muito de perto.
— Não faça eu me arrepender ainda mais — disse, com lágrimas nos
olhos.
Aqueles soldados pensaram que ela estava do lado dos feéricos. Que
pesadelo. Ela havia jogado fora a única chance de ser livre. Elise tinha feito
muitas coisas estúpidas na vida, mas essa teria de ser a maior delas. Ainda
assim, ela não conseguia se arrepender de ter salvado a vida de Kian.
— Sendo sincera, você deveria apenas me deixar morrer.
— Só vai morrer quando eu decidir te matar.
— Kian, você é mesmo um idiota.
— Você diz meu nome como se fosse uma maldição — respondeu e
começou a limpar o sangue dela com movimentos delicados e calorosos do
pano. — Eu gosto.
— É porque você é uma maldição — murmurou Elise, quase dormindo
por causa do calor e da perda de sangue. — É minha maldição.
Ela estava quase dormindo quando os lábios dele roçaram os nós dos
dedos dela.
— Eu sei.
Capítulo 12

Elise passou os dois dias seguintes com o braço na tipoia e instruções


para trocar o curativo e usar o bálsamo deixado pelo príncipe. De fato,
precisava parar de pensar nele como “Kian”. Era terrível para a sua cabeça.
Essa familiaridade não estava gerando a quantidade de desprezo que Elise
gostaria. Sobretudo porque estivera tendo mais de um sonho indecente com
o corpo suado de Kian pressionado contra o dela. Ela culpou a dor pulsante
da ferida e a grave falta de bom senso.
Os soldados humanos tinham ido ao castelo por uma única razão: matá-
lo. Não para apertar a mão dele porque era um cara muito legal. O príncipe
era o inimigo deles, então Elise não gostou que ele tivesse parado de se
sentir como o dela.
Elise passava a maior parte do tempo na biblioteca, organizando livros,
separando os que precisavam de conserto e tentando não se perder entre as
páginas. De algum jeito, ela conseguiu o emprego dos sonhos. Apenas
desejava que não tivesse um suserano feérico idiota acompanhando-o.
Por sinal… Elise não via o príncipe desde a noite em que fora baleada.
Parte do exército havia retornado, e havia patrulhas de guerreiros vigiando
o terreno à noite para garantir que nenhum outro humano tentasse entrar no
local.
Você estragou mesmo sua única chance, sua burra. A ferida latejou em
concordância. Elise não conhecia muito sobre medicina, mas sabia que um
ferimento de bala não deveria cicatrizar tão rápido quanto a dela. A crosta
desapareceu em dois dias, a pele cicatrizou e ela só tinha uma intensa dor
muscular. Isso a fez desejar ter alguma magia feérica nas mangas quando
teve que ver seu pai morrer lentamente.
Não pense nisso. Ela tinha o suficiente para se preocupar no presente para
não ser arrastada para o passado doloroso.
Elise estava perdida em pensamentos. Não percebeu que todos os
funcionários habituais do castelo estavam em clima de comemoração. Não
foi até Hedera puxá-la de lado que ela olhou para cima do livro que estava
lendo no caminho de volta para o quarto.
— Precisa se preparar para sair — retrucou, irritada. O cabelo florescia
em pequenas flores vermelhas, e usava um vestido roxo.
— Por quê? O que está acontecendo? — perguntou Elise.
— É lua cheia e o príncipe está na residência. Todos recebem uma noite
de folga. Haverá bebida e dança no círculo de pedras esta noite, e ninguém
pode ficar no castelo. — O rosto de Hedera se contorceu em desacordo. —
Nem mesmo você.
— Por quê? O príncipe gosta de andar nu e uivar para a lua ou algo
assim? — Elise não entendeu qual era o problema. Kian podia andar nu a
qualquer hora se quisesse. Não precisava que todos saíssem. Talvez esteja
tentando ser um bom chefe.
— Humana estúpida. Este assunto não te diz respeito. Agora…
— Elfa! Deixe a humana ficar. Uma festa feérica não é lugar para gente
como ela, ainda mais quando sabemos como o príncipe é protetor de seu
pequeno bichinho de estimação. — Fionn estava de pé em um arco de
pedra, um sorriso preguiçoso no rosto, e uma mão acariciando o punho da
espada.
— Mas o mestre… — Os protestos de Hedera se perderam no olhar de
Fionn, e ela recuou. — Sim, senhor.
— Vou ficar bem sozinha. Ainda tenho trabalho a fazer. — Elise não
sabia por que sentiu a necessidade de tranquilizá-la. Hedera acenou para ela
e foi embora.
— Deveria ter matado você quando tive a chance — disse Fionn,
examinando Elise com calma. — Tenha cuidado, humana. O príncipe nem
sempre estará por perto para salvá-la.
Elise se manteve firme, não querendo virar as costas para ele. Com um
grunhido, ele se virou e foi embora, deixando-a segurando o livro com tanta
força que os nós dos dedos ficaram brancos.
***
Era quase meia-noite quando a fome levou Elise para fora do quarto.
Achou que o lugar deveria estar vazio o suficiente para andar sem
impedimentos pelo menos uma vez.
Os corredores do castelo ainda estavam iluminados com candelabros e
lanternas, então Elise aproveitou para admirar os murais nas paredes e as
tapeçarias tecidas. Quando não estava preocupada em ser assediada pelos
feéricos, o castelo era um lugar bonito. Ela teve um estranho desejo de
perguntar a Kian por que ele tinha escolhido pinturas ou esculturas
individuais na obsidiana.
Elise se perguntou se ele estava aproveitando a noite de folga não
importando o que fizesse quando os feéricos o deixavam sozinho. Uma
imagem gráfica brilhou na mente dela, o príncipe reclinado em um banho de
espuma, e ela tentou não rir.
Elise fez um bule de chá na cozinha e serviu-se de pão e mel.
Equilibrando tudo em uma pequena bandeja, retornou sem pressa para o
quarto.
Uma sensação de formigamento percorreu a nuca de Elise, e ela se virou.
Não havia ninguém, apenas sombras atrás dela.
— Castelo antigo assustador — murmurou. Uma rajada de vento passou
por ela, fazendo o bule de chá chacoalhar. Elise apertou a bandeja com mais
força e acelerou o passo. — Apenas uma corrente de vento, Elise. Não
precisa se preocupar. — O tremor na voz dizia que era tarde demais para
isso. Todos os feéricos estavam festejando. Estava nervosa porque estivera
no limite todos os dias nas últimas seis semanas.
O ombro de Elise estava começando a latejar com o peso da bandeja,
então ela se concentrou em manter tudo equilibrado e ignorou o
formigamento entre as omoplatas. Um hálito quente fez cócegas na sua
orelha, fazendo-a se virar.
Nada.
Agora enlouqueci.
Elise respirou fundo e devagar e tentou estabilizar a frequência cardíaca.
A imaginação estava se enchendo rapidamente de fantasmas e carniçais e
monstros que assombrariam um castelo feérico. Quando ela era mais jovem,
ela e o pai tinham visitado todos os castelos do Reino Unido, e ela jurava
ter visto um fantasma mais de uma vez. Não tinha nada a temer dos mortos.
Era com os vivos que precisava se preocupar.
— Não pode te machucar — sussurrou Elise, e começou a andar outra
vez. Sombras em movimento dançavam nos cantos dos olhos, e a sensação
de ser seguida fez os cabelos da sua nuca se arrepiarem.
Não, não seguida. Perseguida.
A bandeja balançou e Elise tentou segurá-la. Podia ver a porta do quarto;
só precisava manter a calma até chegar ali. A xícara de chá pingou quando
algo caiu nela. Uma perfeita gota dourada de sangue manchava a porcelana.
Não olhe para cima…
Com o coração batendo rápido, Elise olhou para cima. O príncipe estava
agachado nas vigas de madeira no alto, o rosto envolto em sombras. Ele se
moveu, e a borda do rosto atingiu a luz. As presas estavam à mostra, e não
havia reconhecimento nos olhos selvagens.
— K-Kian?
Um grunhido baixo e profundo ecoou nas paredes de obsidiana e os
músculos dele se contraíram no salto. A bandeja atingiu o chão, e ela
correu.
Elise não se virou quando o barulho de passos a seguiu. Estava a poucos
metros da porta do quarto quando ele apareceu na sua frente. Elise gritou,
esquivando-se das mãos estendidas e desceu um lance de escadas, tentando
não escorregar.
O príncipe saltou sobre o mezanino e para o corrimão, algo afiado
arranhando a bochecha de Elise no caminho. Ele pulou na parede de
obsidiana, as mãos agarrando-a quando outro rosnado sobrenatural saiu
dele.
Elise correu por uma passarela e entrou em um salão de baile, batendo a
pesada porta de madeira e fechando o trinco. Ela estava no meio do salão
quando a porta se estilhaçou e o corpo pesado do príncipe se chocou contra
ela. Elise atacou, batendo e chutando. Ele a deixou cair no chão polido com
uma risada arrepiante e desapareceu nas sombras. Elise se levantou e puxou
uma pesada tocha apagada do suporte, segurando-a como um taco de
beisebol.
— Pequena humana, acha que pode me machucar com isso? — zombou
o príncipe, a voz distorcida. — A comida pode lutar o quanto quiser. Ainda
é comida.
— Você é terrível mesmo — retrucou Elise, as mãos apertando a tocha.
— Sou, sim. — Com uma rajada de vento, a tocha foi arrancada das suas
mãos, e Elise foi jogada na parede. Com uma mão, o príncipe agarrou os
pulsos de Elise acima da cabeça, o rosto cheio de excitação selvagem.
Ele se inclinou e lentamente lambeu o corte na bochecha dela.
— Humaninha deliciosa.
— K-Kian, não quer me matar antes que eu arrume a biblioteca, quer? —
balbuciou Elise, o coração batendo aterrorizado. Pressionou o corpo nela,
passando os lábios no queixo de Elise.
— Mas eu quero te matar. Assim não sonharei mais. Pararei de sentir
essa fome — ronronou no seu pescoço, e o corpo dela se arrepiou todo. —
Tão suave, tão adorável. — O príncipe ergueu Elise bem alto e, com um
dedo, desfez as amarras superiores da camisa, expondo os seios presos.
— Você disse que eu te enojava, lembra? Não quer me comer. — Elise
tentou argumentar com ele. O rosto dele se abriu em um sorriso brilhante
que dizia, sim, queria sim. O conhecido pouco razoável Kian não estava
presente. Nem um pouco.
— A coisa mais nojenta em você é o quanto lhe desejo — rosnou
baixinho. — Depois desta noite, não vou mais lhe desejar, e tudo ficará bem
de novo. — A mão de Kian traçou o peito de Elise antes de agarrar a trança
e expor o seu pescoço. Elise lutou, tentando levantar as pernas, mas ele
apenas riu e pressionou o corpo grande entre as suas coxas. As pernas de
Elise envolveram os quadris de Kian para tentar se erguer e soltar as mãos.
— Continue lutando. Me excita — disse o príncipe, pressionando-a na
parede até Elise sentir a excitação dele contra o seu núcleo. O corpo de
Elise se iluminou em resposta, e ela se contorceu, tentando parar a pressão
horrível crescente dentro de si.
— Kian, estou avisando. Se me morder, vou lhe morder, e você não vai
gostar — ameaçou ela, com raiva, a voz tremendo.
O príncipe roçou a ponta da língua nos lábios de Elise.
— Vou sim. — E o infeliz afundou as presas no seu pescoço, dor aguda
se transformando em euforia quando sentia a boca chupando com força.
Elise gritou, o calor úmido percorrendo o corpo, e se acumulando em uma
pulsação dolorosa onde o pau duro de Kian estava pressionando-a. Ele
gemeu e soltou as mãos de Elise para poder agarrar os quadris, segurando-a
com mais força. Ela emaranhou os dedos no cabelo dele, e agarrou um dos
chifres.
— Vá se… foder. — Elise ofegou, e mordeu o ombro de Kian o mais
forte possível. Ele gritou, soltando o pescoço dela por um segundo. Afastou
a cabeça, olhos intensos. Correu o polegar no sangue dourado pingando da
boca da humana.
— Qual é a sensação, idiota? — rosnou Elise, a respiração ofegante.
— Como se você fosse um pesadelo do qual jamais me cansarei —
respondeu Kian, reverentemente. Elise não sabia quem se moveu primeiro,
mas as bocas se aproximaram, dentes e línguas lutando com raiva e desejo
ardentes.
Os dedos de Elise puxaram os cabelos e chifres, e eles acabaram no chão
com Kian por cima de seu corpo. A boca do príncipe se moveu da sua,
presas beliscando a garganta antes de mordê-la outra vez. Elise arfou,
prazer explodindo no corpo como uma explosão de drogas e magia. Ela
estava louca de desejo, girando os quadris contra ele, ansiando por mais,
por liberação. Querendo que a tocasse e a penetrasse.
A mão do príncipe desceu nas coxas de Elise e a segurou, fazendo-a se
contorcer e esfregar contra ele. Os dedos de Kian rasgaram as amarras da
calça, deslizando sob a calcinha e mergulhando nas dobras molhadas.
— Kian — gemeu Elise, no ombro dele. Kian deslizou dois dedos dentro
dela e começou a empurrá-los firmes e profundos.
— Perfeita. Tão perfeita — murmurou lambendo a orelha de Elise. —
Me dê o seu prazer, meu pesadelo, se entregue pra mim.
Elise não reconheceu a voz quando implorou:
— Me morda, Kian. Por favor, me morda de novo.
As presas perfuraram a curva do seio de Elise, os dedos se curvando
dentro do seu núcleo, o polegar circulando o clitóris. Elise gritou, uma luz
branca explodindo a visão, e seu orgasmo explodiu o corpo. O braço de
Kian a agarrou, Elise arqueando-se contra ele. Ela lambeu o suor do
pescoço dele, antes de beijá-lo profundamente, roubando o gosto de mel,
fumaça e ferro.
— Imbe… cil… — murmurou Elise. As mãos escorregaram dos chifres,
a escuridão tomando conta e privando da visão o rosto bonito e surpreso do
príncipe.
Capítulo 13

A névoa vermelha da loucura de Kian clareou, e ele encontrou Elise


caída sem vida em seus braços. Sangue manchava o peito da mordida na
sua garganta, e os dedos ainda estavam dentro dela. Com rapidez, tirou a
mão e a colocou no chão.
— Elise? — Kian tocou no rosto dela, tentando despertá-la. — Acorda,
Elise! — Pânico percorreu o seu corpo. Pressionou um ouvido no peito da
humana e escutou o batimento cardíaco fraco, mas ainda lá. Quanto sangue
tinha tirado de Elise? Kian hesitou, olhando para o rosto muito pálido.
Deixe-a morrer, ordenou a voz da razão.
Ela é o pesadelo que você nunca pediu e sempre quis, retrucou o coração.
Pela primeira vez, nos dois mil anos de vida de Kian, ele ouviu o
coração. Kian pegou Elise em seus braços e correu, o sangue dela o
tornando mais forte e mais rápido do que nunca. Chutou a porta da torre,
quebrou as dobradiças e a carregou para a sala de trabalho. Kian a deitou
em um sofá e passou as mãos pelo cabelo, o pânico tomando conta.
— Pense, Kian! — Abriu um armário de frascos de vidro, procurando
uma poção que a ajudasse. A medicina feérica funcionaria em uma
humana? Precisava tentar. Abriu a rolha de um elixir curativo e despejou na
boca de Elise.
— Engole — ordenou esfregando de leve a garganta até que ela
engolisse. Kian pegou outro frasco para feridas e o derrubou sobre a
mordida irregular na garganta. Não tinha perdido o controle assim desde o
primeiro mês da maldição. Ao dizer isso, as vítimas que Kian encontrava na
lua cheia geralmente acabavam em pedaços. Não a tinha matado por
completo porque ela fora capaz de fazer a loucura que o controlava
diminuir.
— O que diabos estava fazendo no castelo na lua cheia de qualquer
maneira? — murmurou ele.
Os olhos de Kian viram o sangue no peito dela, e xingando, puxou a
borda do bandeau e revelou outra marca de mordida no seio. Kian passou a
poção nele com as pontas dos dedos, esfregando-a na ferida até que ela se
fechasse.
Kian se levantou e pegou um pano molhado para limpá-la. Algo que
precisara fazer com muita frequência nos últimos tempos. Por sua causa.
Elise não despertou quando Kian tirou a sua camisa e a vestiu com uma
dele. Quando ela ainda não acordou, segurou-a outra vez e a carregou para
o quarto.
Kian a deitou na cama, a besta nele acordando com a visão. Beijou as
pálpebras e as bochechas de Elise. Porra, ela cheirava tão bem que queria
abraçá-la e inalar o seu perfume. Ainda podia sentir o cheiro do sangue e da
sua excitação, e seu pau endureceu pela segunda vez. Algo parecia molhado
e errado, e Kian percebeu depois que gozou nas calças mais cedo como um
desastrado jovem feérico. Afastou-se desgostoso e foi para o banheiro.
Kian pressionou um emblema na parede de obsidiana, e água quente saiu
em pequenos jatos. Queria esfregar a pele até doer só para tirar a sensação.
O sangue de Elise estava pulsando em suas veias, mexendo com o cheiro
dele, e Kian conteve um grito.
Sangue escorria das pontas do cabelo, e ele o lavou, ficando cada vez
mais frustrado quando se recusava a sair. Kian parou, enxugando a água dos
olhos. Não era sangue que estava encharcando as pontas do cabelo. Era seu
cabelo.
— Não é possível. — Havia pelo menos dois centímetros a mais de
vermelho. Ele caiu no chão, o mundo girando.
Fechando os olhos, Kian tentou respirar através do pânico e, em vez
disso, foi atingido pela imagem dos inimigos mais odiados; Hengist, louro e
arrogante. Ele e o irmão envaidecido Horsa haviam sido reis saxões que
ficaram do lado de Vortigerno, Grande Rei dos Bretões. As relações entre
feéricos e humanos se tornaram irreparáveis logo depois.
O estômago de Kian embrulhou e ele caiu para a frente, vomitando
sangue no chão. Precisava de ajuda e sabia que Bayn e Killian não
ajudariam em nada.
— Aisling. — Kian se ergueu e tentou se recompor. Sou o Príncipe de
Sangue, pelos Deuses. Se Elise morresse, seria um humano a menos para se
preocupar.
Uma dor aguda perfurou o peito de Kian, o suficiente para ele se dobrar
com a agonia que o percorria. Não havia jurado não a machucar.
— O que aquela bruxa fez comigo? — grunhiu a dor açoitando as
entranhas.
Kian voltou ao quarto, pronto para confrontar Elise, acordá-la e exigir
respostas. Deu uma olhada nela, e toda a raiva desapareceu. Ela tinha se
curvado para um lado e estava abraçando um dos travesseiros. A cor dela
havia retornado, e o alívio o invadiu.
Em vez de quebrar o pescoço, Kian colocou um cobertor nela.
Com nojo da própria fraqueza, vestiu roupas limpas e entrou na sala de
trabalho, certificando-se de que todas as portas estavam fechadas.
O sangue de Aisling brilhava vermelho-rubi no frasco de cristal e prata.
Kian o virou nas mãos, pensando se deveria ou não o usar. Teve lembranças
violentas de Elise debaixo dele, suas mãos e boca sobre ela, e os sons da
humana gritando de prazer. Kian praguejou e respirou fundo dez vezes.
Precisava obter respostas antes de enlouquecer e levar Elise com ele.
Kian abriu o frasco e derramou um pouco do sangue de Aisling no dedo
antes de desenhar runas no espelho. Esperou, sem saber com que rapidez a
magia funcionaria. Convocar do reino dos mortos de Arawn era arriscado e
não confiável, mas Aisling não estava disposta a decepcioná-lo. Ela
apareceu através da névoa, o cabelo preto flutuando em uma brisa invisível.
— Kian. Quanto tempo se passou, meu príncipe? — perguntou, olhos
azuis dançando com malícia.
— Tempo demais. A maldição ainda não me matou.
— Sim, posso ver. Por que me convocou depois de tanto tempo? — A
travessura se transformou em preocupação, as sobrancelhas franzindo. —
Kian, o que aconteceu? Não parece o mesmo.
— Estou de volta a Albião. Meus irmãos e eu finalmente encontramos
uma maneira de reabrir o portal e vamos nos vingar antes de morrermos —
admitiu ele. Aisling sempre desaconselhara isso, e podia dizer que a opinião
dela não havia mudado.
Aisling cruzou os braços.
— Está conseguindo o que quer então. Qual é o problema?
— Encontrei uma mulher. Uma humana. E não posso matá-la. Meu
glamour não a afeta. Eu a peguei na lua cheia, e ela sobreviveu. Eu a odeio,
e a desejo. Não posso matá-la, e preciso. — Kian estava balbuciando, e isso
o fez querer socar o espelho. — Aconselhe-me, Aisling. Você sempre teve
os melhores conselhos. Diga-me o que fazer com ela.
Aisling desatou a rir. Era agudo, alegre e absolutamente irritante. Kian
não sabia que uma sombra podia chorar, mas ela riu tanto que lágrimas
correram por suas bochechas.
— Já terminou? — questionou frio. — Preciso de sua ajuda, e você está
zurrando como um burro.
— Desculpe, meu príncipe. Não sabia se minha magia havia funcionado
quando Aoife lançou a maldição — disse Aisling, tentando se controlar.
— Então isso é culpa sua — grunhiu Kian, entredentes.
— Sim e não. Você estava destinado a encontrá-la. Apenas me certifiquei
de que voltaria para Albião antes da maldição o matar. — Aisling enxugou
os olhos. — Você esqueceu minha parte da magia, não foi? Típico. Quer
ajuda e nunca presta atenção nela.
— Fale com clareza, mulher. Não tenho tempo para ficar ouvindo você se
vangloriar.
— Ah, tudo bem. — Aisling deu-lhe um sorriso paciente. — Ela é uma
das descendentes do rei. Da linha de Vortigerno, Hengist ou Horsa. Todas as
maldições serão desbloqueadas pelo sangue dos inimigos neste momento.
Você era o príncipe controlado pela sede de sangue, então foi amaldiçoado a
bebê-lo. Se ela lhe oferecer o dela de bom grado, diminuirá o poder da
maldição, e se não estragar tudo, ela será a chave para quebrá-la por
completo.
Kian ergueu as pontas vermelhas do cabelo, pensando na noite. Me
morda, Kian.
Elise havia oferecido seu sangue no calor do momento, mas ela
concordaria em ajudá-lo quando acordasse?
— A magia está desaparecendo, Kian — disse Aisling, tirando-o dos
pensamentos. — Por favor, sei a profundidade da sua raiva, mas se
machucar essa mulher, vai te destruir de maneiras que nem imagina. Não
perca esta oportunidade porque ela tem um pouco do sangue do seu
inimigo. Cure o passado. Crie um futuro para os feéricos.
— Não sei se consigo — respondeu Kian, sendo sincero. Seu ódio o
sustentou por mais de mil anos, e não sabia como viver sem ele.
— Você consegue. Em primeiro lugar, não teria seguido você se não
acreditasse que era capaz disso. — A forma de Aisling começou a
desaparecer, as palavras enfraquecendo, mas o sorriso permaneceu
brilhante. — Convoque-me para conhecer sua companheira outro dia.
Aposto que ela é maravilhosa. — Então ela se foi, deixando Kian ofegante e
agarrando a moldura do espelho.
— Volte, Aisling! Como assim minha companheira? — gritou ele.
Companheiros eram raros para os feéricos nobres como ele e os irmãos. Os
casos de companheiros foram reduzidos a mitos entre seu povo. Mesmo nas
histórias, companheiros eram algo a ser temido. Eles se tornavam algo mais
quando se encontravam. O poder aumentava, e o vínculo era impossível de
romper.
Isso os tornava leais um ao outro primeiro, tudo e todos os outros depois.
Kian tremeu com raiva e medo. Ele teve uma visão do rosto de Hengist.
Será que Elise tinha o sangue dele? Mesmo uma gota? Deuses, que horror.
Aisling sempre fora uma vidente poderosa e tentara avisar a todos que só
havia uma maneira de quebrar as maldições. Ele e os irmãos riram porque
companheiros não eram reais, e não havia como eles sofrerem com o beijo
dos descendentes dos inimigos. Eles se gabavam que iriam matar cada uma
das linhagens do rei bastardo assim que pudessem.
Fechando os olhos, Kian tentou usar seu poder para procurar qualquer
ligação mágica. Acertou em cheio no peito assim que pronunciou o feitiço.
Uma corda de ouro e escarlate estava enrolada em seu peito e apertava seu
coração. Kian nunca tinha visto magia como aquela, e tudo o que precisou
foi ele se render ao desejo sombrio de fazer Elise sua, assim que a visse.
Agora estava começando a mudá-lo como o vínculo iria começar a mudá-la.
Porra.
Kian abriu a porta do quarto para ver Elise dormindo. Quase no mesmo
instante, emoções calorosas floresceram em seu peito. O desejo de vê-la, e
mantê-la segura, era esmagador. De repente fez sentido o motivo de ter
perdido a cabeça quando outro macho feérico a tocou, e por que não
conseguira lidar ao vê-la como um espectro meio faminto.
Até aquele momento, ele havia sido o perigo mais significativo para ela.
Kian tentou matá-la. Quisera odiá-la. Havia lutado para não gostar dela.
Sangue do meu inimigo. Minha escrava. Minha salvação… Minha
companheira.
Capítulo 14

Elise acordou devagar, o sono ainda segurando-a em um abraço suave e


macio, cheirando a pinheiros.
Seu cérebro começou a disparar, alertando-a de que algo estava errado.
Por que ela podia sentir o cheiro do príncipe? Ah, Deus, o príncipe. A
lembrança de presas, medo e desejo atingiu Elise no rosto como água fria, e
ela se sentou ereta.
O ambiente familiar do quarto de Elise estava ao seu redor, mas ela podia
sentir que algo não estava certo. Ela estava dormindo com um travesseiro
que não era dela e usava uma camisa enorme. Elise levou a camisa até o
nariz e sentiu o cheiro de abetos e soube a quem pertencia.
Elise pulou assustada quando algo se moveu do outro lado do cômodo. O
príncipe estava estendido no sofá em frente ao fogo, um livro aberto no
peito em um sono profundo. Elise estava prestes a cutucá-lo para ver se
estava ali mesmo quando ele acordou. Kian se concentrou nela, e o alívio
transpareceu nos olhos do príncipe.
— Está acordada — disse com voz rouca, o sorriso mostrando as pontas
das presas.
Elise gritou de medo e correu para o banheiro, trancando a porta. Ela
cambaleou, muito sangue correndo para a cabeça.
— Elise, não precisa ter medo… sou eu mesmo de novo. — A voz de
Kian ecoou do outro lado da porta.
— Como se isso fosse um conforto! O que está fazendo aqui?
— É o meu castelo, mulher. Vou onde quiser! — Kian murmurou algo
que ela não conseguiu entender, e quando falou outra vez, estava calmo. —
Elise, precisamos conversar. Saia daí.
— Não. Preciso de um banho. Vá embora e volte depois — disse, e se
encolheu. Tão estúpida. Elise abriu as torneiras para o que fosse dito por ele
ficasse abafado. Ela lutou para tirar as roupas e entrou na banheira.
Começando a tremer, puxou os joelhos até o peito.
O príncipe a tinha caçado. E me mordeu, e… ah Deus, ele me fez gozar
mesmo?
Havia uma dor em suas partes femininas que lhe dizia que ela não tinha
imaginado o orgasmo devastador. Elise estava implorando para ele mordê-la
para que ela pudesse sentir aquele doce ímpeto. Ela gemeu, cobrindo o
rosto em chamas com as mãos.
Logo quando você pensa que não pode afundar mais.
Elise fechou as torneiras da banheira quando a água atingiu o pescoço.
Silêncio do outro lado da porta. Talvez ele tivesse entendido a dica.
— Elise?
Não, não, não. Ela deslizou sob a água e prendeu a respiração até os
pulmões queimarem. Quando ela emergiu de novo, o príncipe não estava
dizendo nada. Bom. Ele havia provado na noite passada que era forte o
suficiente para abrir portas quando motivado. Talvez estivesse exausto da
besteira louca que havia feito.
Presa com um príncipe feérico esquizofrênico porque a vida não podia
piorar.
Elise se lavou bem, perguntando-se como ia enfrentá-lo outra vez. Ela o
beijou, pediu para ele mordê-la, enquanto os seus dedos estavam dentro
dela. Ela queria vomitar. Queria fazer tudo de novo. Queria…
Não posso estar atraída pelo príncipe. Ele era um canalha terrível, e ela
merecia coisa melhor. O gosto de Elise por homens sempre foi muito ruim,
mas não tão ruim quanto um psicopata violento.
Tinha que ser o efeito da magia. Elise agarrou os braceletes dourados nos
pulsos, ensaboando-os e tentando retirá-los.
Quando Elise se acalmou o suficiente para pensar melhor, saiu do banho
e se enrolou em um roupão macio. O corpo estava gritando por comida e
mais sono. Ela abriu a porta, e encontrou Kian sentado no sofá com uma
bandeja de comida na mesa na frente dele.
— Venha comer, Elise — disse e fechou o livro que estava lendo.
— Não tem coisas melhores para fazer do que ficar rondando meu
quarto? — perguntou Elise, e se sentou em uma cadeira em frente a ele.
— Sim, tenho. Algumas coisas precisam ter prioridade, e hoje é você. —
Kian serviu chá para ela, e os olhos de Elise se estreitaram. Havia alguma
coisa muito errada.
— Sério? Sentiu vontade de me perseguir pelo castelo de novo como um
monstro louco?
Os lábios de Kian se ergueram em um sorrisinho.
— Você pareceu gostar desse jogo também no final.
O rosto de Elise ardeu e ela pegou um bolo.
— Estava fingindo.
O sorriso dele se alargou.
— Ninguém consegue fingir estar tão molhada.
Ele não disse isso.
— Por que está aqui, mestre? — disse Elise, com os dentes cerrados.
Precisava dele fora do quarto para poder morrer de vergonha em paz.
— Tenho uma proposta para você.
— Não vou fazer sexo com você — deixou escapar.
— Também não quero fazer sexo com você — disse Kian, o sorriso
diminuindo um pouco. — Isso é sobre sua liberdade e o quanto você a quer.
— Minha verdadeira liberdade? Você vai tirar esses braceletes dourados,
e me deixar sair e nunca mais te ver? Ou a morte? — Os feéricos adoravam
distorcer as palavras, e Elise não estava prestes a se ferrar por causa do uso
delas.
Um músculo no maxilar de Kian saltou.
— Sim, a verdadeira liberdade. Será capaz de ir embora.
— Para sempre?
— Sim — respondeu entredentes.
— Ok, e o que eu teria que fazer para ficar longe de você? — perguntou
Elise, tomando o chá. Estava do jeito exato como gostava, embora ela não
tivesse ideia de como ele sabia.
— Quero o seu sangue.
O chá espirrou na mão dela, Elise quase deixou cair a xícara.
— Como assim?
— Quero o seu sangue. Dado livremente.
— Por que dado livremente? Você não pareceu ter nenhum problema em
tomá-lo sem consentimento ontem à noite.
Kian se mexeu na cadeira, tendo problemas em olhar para ela.
— Por isso peço desculpas. Não sou eu mesmo na lua cheia.
— Não brinca. Algo a ver com essa maldição, né? — Ele assentiu,
parecendo ainda mais desconfortável. — E meu sangue está ajudando de
alguma forma?
— Sim. — Ele mostrou a Elise as pontas do cabelo. — Tenho mais
vermelho nele hoje, ou seja, o poder da minha maldição diminuiu. Nunca
aconteceu antes, e tive que beber muito sangue nos últimos mil e
quinhentos anos.
— Então, o que torna o meu diferente? — Nada disso fazia sentido.
— Não sei.
Bem, isso era uma mentira.
— Sim, sabe. Caso contrário, não estaria aqui me pedindo em vez de
apenas pegá-lo.
— Não sei todos os detalhes, só que precisa me dar livremente. Como fez
ontem à noite quando me pediu para mordê-la enquanto estava montando
meu…
— Por favor, pare, eu estava lá. Não precisa repetir. — Elise o
interrompeu. Ela odiava que ele pudesse envergonhá-la tão rápido, e um
olhar para a malícia nos olhos de Kian disse que o idiota estava adorando.
— Diga-me por que está matando humanos.
O sorriso dele desapareceu.
— Você não está em posição de fazer exigências — disse ele.
— Na verdade, estou. Você acabou de dizer que meu sangue precisa ser
dado livremente, e não vou te dar uma única gota a menos que me diga
sobre o que as linhagens do traidor significam e por que quer matá-los.
— É uma história longa e complicada.
— Tenho tempo.
Kian se recostou na cadeira com um suspiro.
— Vai fazer você me odiar.
— Já te odeio. Mas temos um acordo, ou teremos se me contar sobre a
maldição e a guerra contra os humanos. Não importa se te odeio ainda mais,
ainda darei meu sangue livremente.
— Uma promessa a um feérico é obrigatória — advertiu ele.
Elise sustentou seu olhar.
— As minhas também.
Era verdade. Ela cumprira a promessa ao pai, e isso quase a destruíra.
Mas ela ainda passou por isso. Não pense nisso, Elise. Não é a hora.
— O que acabou de acontecer? — perguntou Kian, inclinando a cabeça, e
os olhos se estreitaram. — Seu rosto mudou por um momento.
— Não é da sua conta — retrucou.
— Por que quer saber sobre a maldição? — perguntou mudando de
assunto de forma sensata.
— Acho que quero entender suas motivações. Se eu resistir e não te der
meu sangue, então a maldição vai te matar, e nunca mais poderá machucar
humanos de novo. Quero minha liberdade, mas talvez possa viver abrindo
mão dela por um bem maior.
Elise nunca pensou de auto sacrifício, mas aqui estava. Ela era
provavelmente a única humana que ele não poderia matar sem
consequências, e isso era um poder. Apesar da bravura que Kian acreditava,
a julgar pela expressão fechada no seu rosto, Elise realmente queria saber o
que o fazia odiar tanto os humanos.
Elise pulou na frente de balas para tirá-lo do caminho. Por mais que uma
parte dela o desprezasse, outras partes irritantes provavelmente fariam isso
de novo, e meio que gostava de Kian e queria conhecê-lo melhor. Não fazia
sentido, mas não deixava de ser verdade. Talvez ela pudesse encontrar uma
maneira de convencê-lo de que todos os humanos não eram terríveis.
O príncipe e Elise estavam em um confronto.
— Se seu objetivo é tentar encontrar algo sobre mim que seja redentor,
está perdendo tempo.
— Sou sua escrava, Kian. Tudo o que tenho é tempo. — Elise colocou o
cabelo úmido atrás da orelha, e as mãos dele se fecharam em punhos. — E
não vou começar a pensar melhor sobre você.
— Não, nós não queremos isso, não é? — retrucou o sorrisinho
retornando. Ela pode ter sorrido também. — Coma alguma coisa. Você
perdeu muito sangue nos últimos dias, e minhas poções de cura não fazem
milagres.
— Se continuar me trazendo comida, vou pensar que está tentando ser
legal — provocou Elise.
— Estou tentando evitar que morra antes que possa tirar sangue
suficiente de você para quebrar minha maldição — ele a corrigiu.
Claro.
Elise passou mel no pão quentinho de Hedera e comeu apenas para que
ele parasse de olhar para ela como se quisesse começar a enfiar comida
goela abaixo. Um pouco da tensão deixou os ombros dele quando ela
terminou um pedaço e começou outro.
Elise sorriu presunçosa para ele saber que ela havia notado. Ele olhou de
volta para ela.
— Então, como foi amaldiçoado?
Capítulo 15

Kian serviu mais chá para ele antes de se acomodar. Era estranho vê-lo
quase relaxado perto dela, bebendo chá como se eles não quisessem
esfaquear um ao outro com alguma coisa.
— Você sabe quem era Vortigerno? — perguntou Kian. Elise não teve
que pensar muito.
— Ele era um rei na Idade das Trevas. Em algumas versões da história,
ele era o tio-avô do rei Artur, acho — respondeu.
— Não tenho certeza de quem é o rei Artur, mas Vortigerno era o rei dos
Bretões da última vez que estive aqui em Albião.
— Meu Deus, então você deve ter o quê? Mil e quinhentos anos? —
perguntou.
Kian parecia estranhamente tímido.
— Mais velho. Mas isso é irrelevante. Os feéricos tiveram relações
bastante respeitáveis com os humanos, inclusive os romanos, antes de
Vortigerno. Quando ele começou a perder o controle dos reis guerreiros
subordinados e foi incapaz de acompanhar os ataques dos pictos e
escoceses, ele recrutou dois reis saxões para ajudar a completar seu
exército, Hengist e Horsa.
— Já ouvi falar desses caras também. Eles se tornaram os reis de Kent —
disse Elise, e Kian fez um som exasperado.
— Quer ouvir a história, ou quer continuar interrompendo? —
questionou ele.
— Desculpe, mestre — disse, levantando as mãos em sinal de rendição.
— Hengist e Horsa foram os que provocaram a insatisfação entre
Vortigerno e os outros reis. Acharam que os feéricos estavam retendo
informações, sobretudo quando se tratava de magia. Não queríamos nos
envolver em suas brigas com os invasores. Os feéricos sempre tiveram um
menor número que os humanos, e nossa taxa de natalidade muito menor.
Apesar disso, meus irmãos e eu decidimos que deveríamos proteger nossa
pátria. — Kian sorriu, sombrio. — Devia ter escutado Killian. Ele me disse
que os humanos eram gananciosos demais para serem confiáveis. Quando
déssemos o que queriam, eles se voltariam contra nós. Jamais fui capaz de
aceitar que ele estava certo.
“Nós nos tornamos aliados de Vortigerno. Em troca de nossa ajuda, os
feéricos nunca seriam atacados ou perseguidos pelos humanos. Esta terra
em que estamos agora seria nossa para sempre porque era a porta de entrada
para Feéria. Acreditei que era uma maneira de nossos jovens estarem
sempre seguros e, como eles não precisariam se esconder seriam capazes de
prosperar — disse, com a voz embargada. Elise não se atreveu a dizer nada.
Ele não estava fingindo a dor nos olhos, e o café da manhã dela estava
inquieto no estômago.
“Com a ajuda de duas poderosas feiticeiras, Aoife e Aisling, enfim
repelimos os invasores, e Albião conquistou a paz pela primeira vez em
anos — continuou, depois de um tempo. — Depois de dois invernos,
Hengist e Horsa se instigaram a guerra mais uma vez. Não achavam que os
feéricos mereciam as terras prometidas, e os ataques começaram contra nós.
“Quando obtivemos provas suficientes para confrontar Vortigerno sobre
os saxões, o tratado foi desonrado. Quando feéricos fazem uma barganha,
estão vinculados a ela para sempre. Os reis esqueceram isso quando
decidiram nos atacar. — A expressão de Kian ficou feroz. — Eles
prometeram proteger os feéricos ou suas linhagens seriam amaldiçoadas
para sempre. Eles fizeram votos com os descendentes de sangue.
“Meus irmãos e eu fomos convidados a nos encontrar com Vortigerno e
Aoife, um ardil para nos distrair. Aoife ficou do lado dos humanos, mas a
irmã Aisling ficou do lado dos feéricos. Partiu o coração de Aisling que
Aoife se vendesse pelo poder, mas mesmo Aisling não conseguiu prever a
profundidade dos planos diabólicos de Aoife. Enquanto nos encontrávamos
com Vortigerno, Hengist e Horsa lideraram um ataque aos feéricos sob
minha proteção aqui no sul. Não havia guerreiros suficientes, e naquela
noite os humanos mataram cento e dezessete jovens feéricos. Uma geração
inteira morreu.”
Os olhos de Kian estavam vidrados, perdidos no terror das memórias.
Elise queria dizer alguma coisa, pegar a mão dele…, mas não o fez. Não
havia nada que pudesse fazer para ele se sentir melhor.
— Nada poderia ter nos preparado para essa tragédia. O choque foi
desorientador, quase surreal. Os humanos usaram essa distração a seu favor.
Aoife se aliou a outros usuários de magia humana, e juntos tinham poder
suficiente para nos segurar. Meus chifres foram cortados, um troféu para os
reis, e fomos lançados pelos portais para Feéria.
Elise ousou olhar para os chifres que haviam crescido de novo, sentindo-
se mal com a dor e a humilhação que ele deve ter sentido ao ser reduzido a
um troféu. Kian notou ela olhando, e nos olhos dele, ela podia ver que a
memória ainda estava esculpindo seus pedaços.
— Além disso, meus irmãos e eu fomos todos amaldiçoados. Eu era o
guerreiro, o príncipe sedento de sangue, então fui amaldiçoado com a
necessidade de beber sangue — continuou a voz rouca. — Bayn, o príncipe
do inverno, sempre teve magia de gelo, e ele era tão frio quanto o poder.
Sua maldição é um coração que está congelando lentamente. Killian é o
príncipe da noite e governante de todas as coisas que acontecem nela.
Agora, se ele tocar outro ser, eles morrem.
“Passamos os últimos mil e quinhentos anos tentando voltar a Albião
para nos vingar. Aisling tentou neutralizar as maldições lançadas pela irmã.
Ela nos disse que havia brechas, mas não acreditamos porque exigiria a
ajuda de certos humanos, e nós os odiávamos muito. — O olhar pesado de
Kian pousou em Elise, e o coração dela bateu dolorosamente no peito. —
Acontece que eu deveria tê-la escutado.”
— Acha que eu sou sua brecha? — perguntou.
Kian estendeu as pontas do cabelo.
— Sei que é. Isso é uma ampulheta, Elise. Tinha alguns anos no máximo
antes de ficar todo branco. Era quando eu deveria morrer, e agora há mais
vermelho. Anos mais. Tudo porque bebi seu sangue ontem à noite.
— Mas… eu não sou ninguém. — Por que ela? Por que, de todas as
mulheres na Inglaterra que aceitariam estar vinculadas a um feérico, o
destino teve que escolhê-la?
— Meu cabelo diz o contrário, Elise. Não consegui lhe matar quando a
conheci. Talvez este seja o motivo. — Kian parecia tão satisfeito quanto
Elise se sentia.
— Os humanos que está matando são das famílias dos reis? —
perguntou, arriscando um palpite.
Kian assentiu devagar.
— Os reis e os guerreiros que estavam lá na noite do massacre que matou
os jovens feéricos. Sabia que menos de cinquenta das famílias originais
dessas crianças assassinadas ainda vivem? Os demais morreram de tristeza
ou se mataram. Prometi a todos justiça, e não vou parar até consegui-la. As
barganhas com os feéricos são para sempre, Elise. Os reis negociaram os
futuros descendentes, e sou obrigado por magia e honra a executar as
consequências.
Elise não percebeu que estava chorando até as lágrimas escorrerem pelo
rosto. Ela as afastou, esperando que Kian não as tivesse visto. Não podia
imaginar o terror de cumprir tal voto ou o peso da responsabilidade para
com o povo feérico. Elise não podia discutir sobre a inocência daqueles
descendentes humanos para ele; os bebês feéricos perdidos também eram
inocentes.
— Se eu te ajudar a quebrar sua maldição, você considerará outra aliança
com os humanos? Os tempos mudaram e ninguém quer uma guerra onde
mais inocentes possam morrer — disse.
— Só porque sou misericordioso o suficiente para poupá-la não significa
que deva poupá-los — respondeu ele. O sorriso feérico astuto voltou, o tipo
que Elise precisava ter cuidado porque poderia convencê-la de quase
qualquer coisa. — Mas se quebrar minha maldição, pode me encorajar a
parecer favorável a pelo menos um humano.
— Os humanos podem ter mais a oferecer agora. Posso falar sobre isso…
talvez mostrar um pouco desse novo mundo. Talvez você goste.
Acabei de convidá-lo para sair?
— Acho que você precisa quebrar minha maldição para descobrir se
estou interessado em aprender — retrucou Kian, o sorriso malicioso se
alargando.
Não foi um não. Se Elise pudesse falar com Kian, talvez ele pudesse
convencer os irmãos de que a matança não era a única resposta.
Elise queria sua liberdade acima de tudo.
— Ok — sussurrou.
— Ok o quê?
— Vou ajudá-lo a quebrar sua maldição. — Elise estendeu a mão para ele
apertá-la. Kian olhou para ela e balançou a cabeça.
— Parece já ter esquecido como os feéricos fazem acordos — disse ele.
Pegou a palma estendida de Elise, puxou-a para fora da cadeira e para o
sofá ao seu lado. Uma faca apareceu na sua mão, e ela sabia o que estava
por vir.
— Sangue de novo? — reclamou Elise.
— Só um pouquinho.
O sorriso de Kian era tão encantador, a mente de Elise ficou embaçada.
Ela não sentiu quando ele cortou a ponta do seu dedo. Ele o ergueu para a
boca quente, o roçar da língua fazendo o calor formigar no corpo dela.
— Eu, Kian, o Príncipe de Sangue dos Feéricos, juro que se Elise me
oferecer o sangue livremente e quebrar minha maldição, eu a libertarei de
toda escravidão e garantirei sua segurança pelo resto da vida.
A magia do voto puxou como uma corda invisível ao redor do peito de
Elise e a amarrou com força. Ele cortou o dedo e estendeu para ela.
Sem volta.
Com o coração acelerado, Elise pegou a mão dele e levou o dedo aos
lábios. O sangue dourado de mel rodopiou na sua língua, os olhos de Kian
queimando quando ela chupou de leve. Com rapidez, Elise o removeu da
boca.
— Eu, Elise, prometo oferecer meu sangue livremente a Kian, o Príncipe
de Sangue, em troca da liberdade da escravidão e segurança pelo resto da
minha vida — disse, ofegando quando o nó no peito apertou ainda mais.
Kian grunhiu, inclinando-se para a frente até as testas se tocarem e as
mãos se entrelaçarem, a magia os prendendo.
— Agora, temos um acordo — disse ele. Roçou a boca de leve na dela,
antes de soltá-la e se levantar.
Kian se virou quando chegou à porta do quarto e deu uma olhada em
Elise tão indecente que ela apertou as coxas.
— Descanse, Elise. Voltarei hoje à noite para ter outro gostinho.
Capítulo 16

Não havia como Elise conseguir dormir de novo depois da visita de Kian.
Ela se vestiu e foi para a biblioteca, a mente cheia de antigos reis, feiticeiras
e gritos de feéricos morrendo.
Elise devia saber que Kian não estaria interessado em começar uma
guerra por algo tão simples como vaidade ou poder. Ele era muito calculista
para algo assim. Ela não tinha ideia da profundidade da dor dele.
Elise abraçou-se, a mente revirando todas as vezes que ele a olhou
confuso. Algum tipo de poder superior o impediu de matá-la quando ele
queria desesperadamente. Elise estava muito grata por isso, mesmo com os
braceletes dourados da escravidão nos pulsos.
Kian provou mais de uma vez que a protegia. Elise havia saltado na
frente de um esquadrão da morte para salvá-lo. O impulso foi por causa da
magia de Aisling? Explicaria muito. A verdadeira dúvida era: eles seriam
capazes de matar um ao outro quando a maldição terminasse?
Uma voz traiçoeira sussurrou: Ainda quer matá-lo?
Elise esfregou o peito. A bola de tensão sempre atribuída à magia de
Kian parecia maior e mais calorosa, pulsando como um batimento cardíaco
extra quando ele estava perto. Era mais uma coisa da qual ela gostaria de se
livrar com a liberdade.
Se Elise quebrasse a maldição, Kian poderia deixá-la mostrar a ele as
partes boas da humanidade dentre todas as coisas muito ruins. Ou ele pode
estar dizendo isso para conseguir o que quer.
Quando Elise estava cercada de livros, começou a se sentir melhor. Ela
ainda estava trabalhando em diferentes pilhas, separando os livros mágicos
e os perigosos dos normais. Foi um processo lento para colocar os livros
nas prateleiras em ordem alfabética, sempre tendo que reorganizar à medida
que avançava.
Elise abriu um de uma nova pilha, quase o deixando cair surpresa. O
rosto de Kian estava olhando para ela da página. Pintado ao lado de dois
outros feéricos, ela assumiu serem os irmãos. Os príncipes antes da
maldição.
A maior surpresa de todas foi ver o cabelo ruivo intenso de Kian e os
chifres pretos e dourados. Com a armadura dourada e uma coroa de folhas
na cabeça. Era lindo agora, com feições pálidas e prateadas, mas estava
devastador na foto. Era o tipo de beleza que inspirava admiração e medo.
O desenho na carta feérica de Chrissy retornou à memória de Elise, e ela
tentou não rir. Caramba, ela não tinha noção da “energia masculina” sobre a
qual a carta a alertara.
Os irmãos de Kian também eram excepcionais no departamento bonito e
aterrorizante.
Pintado à direita de Kian estava Bayn com padrões de gelo decorando a
armadura, e uma coroa feita de gelo no cabelo preto azulado. Parecia um
deus do inverno, pronto para ferir com a menor provocação.
À esquerda de Kian estava Killian. Era o mais alto dos três, com cabelos
pretos despenteados, olhos verdes e um sorriso que prometia todo tipo de
pecado. Asas pretas se ergueram das costas, com garras de prata nos arcos.
A armadura preta brilhava e uma coroa de estrelas prateadas estava no
cabelo.
Algo se moveu no canto do olho de Elise, e ela viu Kian sentado em uma
das alcovas da janela alta, fingindo ler um livro. Ela, por sua vez, fingiu não
o notar. Fechou o livro que estava olhando e o colocou na estante. Elise não
sabia por que ele estava lá em cima e não queria saber. Provavelmente
estava se preparando para dar um sermão a ela sobre não descansar.
Elise fez o possível para ignorá-lo e o calor entre as omoplatas quando
ele a observava. Ela estava começando a se acostumar com a magia que
sempre a informava quando ele estava por perto, mesmo que ainda a
irritasse. Com sorte, isso pararia quando Elise finalmente estivesse livre e
sem os braceletes dourados.
Elise se concentrou nas tarefas o máximo que pôde, deixando-se pensar
no que havia acontecido com sua casa pela primeira vez desde a captura.
Salisbury estava apenas a uma curta distância de carro, e esperava que os
feéricos não a tivessem incendiado por completo.
Elise podia perguntar a Kian, mas eles não precisavam de mais
animosidade entre eles já que chegaram a um acordo de paz. Um acordo
que envolvia um certo tipo de intimidade, então ela não queria ter vontade
de esfaqueá-lo com algo o tempo todo. Elise se acalmou, um pensamento
desconfortável lhe ocorreu. Toda vez que ele bebia o sangue dela, ela ficava
muito excitada no calor do momento. Aconteceria todas as vezes?
Voltarei hoje à noite para ter outro gostinho.
Elise deixou cair o livro que estava segurando. Estou com sérios
problemas. Ela não queria ter sentimentos sensuais pelo príncipe toda vez
que ele tentasse chupar o seu pescoço. Só pensar nisso a fez suar.
Elise parou de sonhar acordada e se abaixou para pegar o livro no chão.
O calor quente do olhar de Kian passou pela sua bunda, e ela se levantou
devagar. Talvez ela não fosse a única lutando com o desejo conflitante e o
ódio pelo inimigo. Ele podia ter sido capaz de usar a lua cheia como
desculpa, mas estava tão excitado quanto ela na noite anterior. Fechando os
olhos, Elise podia sentir a mão dele de novo ao deslizar nas suas calças.
Me morda, Kian. Ela agarrou o livro até os dedos doerem; encantada e
enojada com a ideia, como sempre.
Garota, você tem problemas, disse a voz de Chrissy no fundo da mente.
Elise desejou estar com a amiga para poder escutar seus conselhos.
Conhecendo Chrissy, o conselho seria: Garota, como isso é um problema?
Transe com o feérico gostoso enquanto pode.
Isso não ajudou.
Elise não tinha dúvidas de que a noite anterior tinha chegado tão longe
porque era lua cheia. Ela disse a Kian na cara dele que não faria sexo com
ele, e ele concordou que também não estava interessado. Lembrar disso foi
o banho frio psicológico que ela precisava.
Elise guardou mais três livros na estante, determinada a pensar na
liberdade e não no que teria que fazer para conquistá-la.
***
A ansiedade de Elise cresceu a ponto de ela estar uma pilha de nervos
quando Kian bateu na porta mais tarde naquela noite. Parecia tão calmo e
controlado como sempre. Era mesmo uma droga saber que ela a única
ansiosa. Talvez porque era ela quem estava perdendo o sangue, e ele
tomando o que queria como de costume.
— Como está se sentindo esta noite, Elise? — perguntou educado,
sentando-se em um dos sofás.
— Bem.
— E você comeu?
Elise revirou os olhos para ele.
— Sim, mestre.
— É para o seu bem-estar, não meu, escrava — retrucou aborrecido já
rastejando no tom. Bom. Elise precisava ser lembrada de seu status porque
não gostava como estava ficando confortável com a presença dele. Elise
odiava pensar em todas as perguntas que queria fazer sobre o passado de
Kian e Feéria e como era a Idade das Trevas.
— Podemos terminar logo? — perguntou, mexendo na almofada que
estava segurando.
— Elise, olhe para mim — ordenou Kian. Quando ela por fim o fez, o
rosto dele mostrava preocupação. — Não vou lhe machucar. Não precisa ter
medo de mim. Nem vou te morder.
— Não? — Elise não sabia se estava aliviada ou desapontada.
— Não, a menos que precise. Não acho que a maldição vai saber a
diferença, mas vamos nos certificar.
Kian pegou uma faca e uma taça da bandeja do jantar. Gesticulou para
ela.
— Pulso.
Elise estendeu para ele e fechou os olhos.
— Faça isso logo.
— Não sou tão incivilizado para apenas cortar você sem nada para a dor.
Ela abriu um olho. Ele derramou algo de um frasco de vidro amarelo na
pele dela e esfregou de leve o pulso.
— Você o fez no primeiro dia que me capturou — ressaltou Elise.
As narinas de Kian se dilataram em aborrecimento.
— Foi diferente. Você estava tentando me esfaquear com minha própria
adaga.
— Sim, estava — disse, e sufocou uma risada nervosa.
Kian levantou a faca.
— Desvie o olhar se precisar.
Elise se concentrou nas pontas escuras dos chifres. Metal frio perfurou a
sua pele, mas não houve dor como prometido. A borda do cálice pressionou
o braço dela e se afastou.
— Acabou — murmurou Kian, envolvendo um pano no corte.
— Já? — perguntou Elise, surpresa com a rapidez com que ele conseguiu
o que precisava.
— Acho que vamos descobrir. — Kian removeu o pano e colocou dois
dedos no corte. Ele sussurrou, e uma luz dourada brilhou onde ele a tocou.
Quando a soltou, o corte havia desaparecido.
— Isso é incrível — sussurrou Elise, tocando a pele. Nem mesmo uma
cicatriz.
— Não, o que é incrível é você ser a chave para minha maldição. Aisling
provavelmente está rindo pra caramba na vida após a morte. — Kian pegou
o cálice e o levou aos lábios. — Que isso funcione.
— Vira — retrucou Elise.
Kian o drenou, os olhos mudando para ouro por um segundo e então
voltando ao vermelho. Ela se lembrou da foto que tinha visto dele. Tinha
olhos dourados antes, não vermelhos. Elise não tinha acreditado de verdade,
mas agora acreditava… o sangue estava lutando contra a maldição dentro
de si.
— Você se sente diferente? — perguntou, quando ele colocou o cálice na
bandeja.
— Ainda não — respondeu ele. Estudou o vermelho no cabelo, sério.
— Talvez demore um pouco para funcionar?
A expressão fechada de Kian se aprofundou, e ele se levantou.
— Boa noite, Elise.
— Boa noite. — Ela conseguiu dizer antes dele ir embora de novo,
deixando-a olhando para ele.
Capítulo 17

Não funcionou. Kian sabia que não ia funcionar no momento em que


bebeu da taça. Não era o mesmo. A centelha de magia e fogo não estava lá.
Por que não estava lá? Não fazia sentido.
Em sua torre, Kian estudou todas as anotações sobre o que Aisling disse.
Não sabia o suficiente sobre companheiros, e os livros na biblioteca não
ajudariam.
Kian cortou um dedo e desenhou mais runas no espelho. Precisava falar
com alguém mais velho, e havia apenas um feérico que poderia ajudar nesse
assunto.
Sombras cresceram no espelho e se transformaram em um turbilhão de
penas pretas antes de Killian aparecer.
— Finalmente! Onde diabos você esteve? — questionou Kian.
Os olhos verdes de Killian brilharam, e as sombras e penas
desapareceram, deixando apenas o enorme irmão mais velho de Kian com
um sorriso presunçoso.
— Estive ocupado. Por aí. Vendo a nova Inglaterra antes de destruí-la —
respondeu antes de beber de uma garrafa. — Está com um aspecto terrível.
Achei que estaria eufórico agora, ocupado, banhando-se no sangue dos
inimigos e tudo mais.
— Preciso fazer uma pergunta sobre… sobre companheiros — disse
Kian, odiando que precisasse perguntar qualquer coisa.
Os olhos de Killian se estreitaram.
— O que você fez, Kian?
— Acho… quero dizer, eu sei…
— Fala logo.
— Encontrei minha companheira! — gritou Kian, por cima dele. Estava
tão histérico quanto parecia. A expressão frustrada de Killian desapareceu,
os olhos verdes se arregalaram, todos os traços zombeteiros do irmão
desaparecendo. Esvaziou a garrafa da qual estava bebendo e pegou outra.
— Mas como pode ter certeza? — perguntou Killian, por fim.
— Convoquei Aisling porque capturei uma garota. Uma mulher. Ela está
me deixando louco, Killian, e não sei o que fazer. Não consigo matá-la.
— Então transe com ela. — Killian riu da expressão do irmão. — Não
me olhe assim. Meu conselho sempre será transar porque não consigo tocar
em ninguém há mais de mil anos.
— Fala sério, Kill. Ela pode acabar com minha maldição. Mas sabe o que
isso significa? Você e Bayn poderiam ter companheiras por aí também.
— Você esquece, não quero ser salvo. Quero morrer e acabar com tudo,
Kian.
— Eu também queria! É disso que se trata toda essa guerra contra os
humanos. Vingança. Congelar Albião. Cobrir com escuridão até todos os
humanos partirem e os feéricos ficarem com o país. Poderíamos morrer em
paz e finalmente terminaria — disse Kian, passando as mãos pelo cabelo.
— Mas isso está mudando. Estou mudando! Não consigo parar, e não sei
como lidar com isso. Não a procurei. Ela me encontrou. O destino ou a
maldição nos uniu e agora não sei como me livrar dela.
— Acalme-se, irmãozinho — disse Killian, com um suspiro. —
Companheiros. Meus Deuses, como se já não estivéssemos amaldiçoados o
suficiente. Me deixa pensar. — Bebeu outra metade da garrafa antes de
respirar de novo. — Você está fodido. Desculpe, mas está. Não pode se
livrar dela, e ela não será capaz de se livrar de você, não importa o quanto
vocês queiram. Já começou a ser superprotetor? Tentando garantir que todas
as necessidades da humana sejam satisfeitas? Tentando matar qualquer um
que olhe para ela de forma errada?
Kian não precisava dizer nada. Killian sabia e riu.
— Cala a boca, Kill. Não é engraçado.
— É sim. Você sempre esteve tão no controle. O estoico. Teria feito de
você o rei de todos os feéricos se tivesse aceitado a coroa porque sempre foi
o mais responsável. É ótimo ver que não é tão perfeito. Ela deve ser mesmo
uma mulher incrível — respondeu Killian.
— Ela tem o sangue de Hengist. — Pelo visto, era a coisa errada a dizer.
Killian parou de rir.
— Me desculpe, Kian. Aisling estava certa sobre aquela brecha. Talvez
tenhamos que repensar um pouco nossos planos — disse surpreendendo
Kian.
— O que quer dizer?
— Bem, sua companheira é humana. Ela não vai querer que você mate
todo mundo, vai? Aisling sempre falava em tentar fazer um tratado formal
com os humanos outra vez. Você e Bayn sempre foram tão contra essa
ideia. Os humanos são fodidos, mas têm partes boas. — Killian levantou a
garrafa. — O álcool deles melhorou e a música. Meus deuses, tanta música.
Se parasse de ficar furioso e começasse a explorar, talvez encontrasse coisas
que gostasse dessa vez.
— Você parece Elise. Ela está tentando me convencer também — disse
Kian, sentindo-se derrotado pelo próprio irmão.
— Ela parece uma mulher inteligente, sua companheira.
— Ela é. — Kian cruzou os braços e os descruzou de novo. — Acho que
gosto dela também. É desconcertante.
— Bem, se não a quer como companheira, talvez possa me apresentar? O
vínculo pode funcionar de forma intercambiável entre irmãos.
As presas de Kian desceram, e ele rosnou feroz para o irmão. Killian se
engasgou com a bebida, tentando segurar a risada.
— Caramba, sem dúvida você está acasalado[1]. Já contou a ela? — Os
olhos de Kian brilhavam com todos os tipos de caos.
— Não. Só consegui que ela concordasse em me dar seu sangue para
acabar com minha maldição. Precisei usar a liberdade dela em troca —
respondeu Kian.
— Fez de sua companheira uma escrava? — A alegria de Killian se foi.
Parecia horrorizado, uma expressão rara.
— Ao contrário, Kill. Eu a tomei como escrava em um ataque e depois
descobri que ela é minha companheira.
Killian beliscou a ponte do nariz.
— Sei que ser um idiota é natural para você, irmãozinho, mas isso é
inaceitável.
— Vá se foder. Você não tem ideia do que estou passando. Ela me odeia,
Kill. Tentou me matar, e não tenho dúvidas de que, quando os braceletes
forem retirados, tentará de novo. Preciso mantê-la presa a mim até que a
maldição acabe — argumentou Kian.
— Talvez ela parasse de tentar lhe matar se parasse de ser um idiota —
gritou Killian. — Os companheiros estão conectados uns aos outros de
maneira imaginável. Precisa aceitar que não há como voltar atrás. Ela
pertence a você. Você pertence a ela. Inalterável. É assim que funciona.
Nunca vai querer mais ninguém, então precisa parar de ser um idiota e
tratá-la como deve. Não importa se ela tem o sangue de Hengist. Ela é sua,
não dele. Se ela te odeia, então precisa dar um jeito nisso, Kian. Seduza-a,
encante-a, cuide dela. Não vai importar se ela quebrar a maldição. Se ela te
deixar depois, isso vai te matar.
— Sinto que já está me matando — admitiu Kian. Elise o havia torcido
por dentro, e nada o fazia se sentir melhor.
— Bem, se isso acontecer, vou me certificar de que ela ficará bem
cuidada — provocou Killian, sabendo exatamente o que dizer a Kian para
irritá-lo.
— Você é péssimo dando conselhos — resmungou Kian.
— Não brinca. Deveria ter pensado nisso antes. — O humor de Killian
mudou outra vez, o terrível príncipe da noite temido por todos os feéricos
vindo à tona. — Não perca esta oportunidade, Kian. De todos nós, é você o
admirado pelo nosso povo. Uma vida melhor para eles sempre foi nosso
objetivo. Não se esqueça disso.
— Jamais.
— Que bom. Beije minha nova cunhada por mim. — Killian atirou-lhe
uma piscadela e depois desapareceu.
— Inútil — resmungou Kian. No entanto, não diminuía a razão dele.
Estava tudo bem para o irmão sugerir seduzir Elise. Antes da maldição,
Killian era capaz de seduzir qualquer coisa que chamasse sua atenção.
Uma mulher humana não deveria ter o poder de fazer Kian se sentir tão
estranho e indefeso.
Elise ia deixá-lo de joelhos e passar por cima dele. E ele deixaria.
***
Kian conseguiu evitar Elise o dia inteiro. Ele se afastou da biblioteca
onde o vínculo deles lhe dizia que ela estava trabalhando. Gostava de ver
suas expressões mudarem de curiosidade para prazer sempre que abria um
livro, mas ele tinha assuntos mais urgentes do que cobiçar uma mulher que
não sabia que era sua companheira.
Fionn olhou para Kian do outro lado da mesa como se estivesse tentando
descobrir o que havia mudado nele nos últimos dias.
— Os jovens já cruzaram? — perguntou Kian, tentando terminar a
reunião o mais rápido possível. O céu estava escurecendo, e a expectativa
de ver Elise o atormentava.
— Todos eles passaram pelo portal ontem à noite e foram colocados com
as famílias. Elas enviaram agradecimentos por honrar o acordo e farão um
banquete em seu retorno a Feéria — relatou Fionn.
— Obrigado, pode ir — disse Kian, dispensando-o com um aceno de sua
mão.
— Perdoe-me, meu príncipe, mas o senhor precisa saber dos rumores
circulando entre os guerreiros.
— Que tipo de rumores? — perguntou Kian, entredentes. Agora não era
hora de lidar com insubordinação ou problema na hierarquia.
— Há preocupações sobre seu apego a essa escrava humana. O senhor
mutilou um de nossos melhores guerreiros por causa dela, e isso não foi
levado levianamente pelos outros — respondeu Fionn. Tinha juízo
suficiente para parecer nervoso.
— Minha escrava humana não deve ser preocupação de ninguém. Aiden
foi punido por tocar o que não lhe pertencia. Não permitirei meus guerreiros
me desrespeitando na minha própria casa. A humana nada mais é do que
comida. Gosto do sabor do seu sangue — respondeu Kian, frio. — Cale-os,
Fionn. Afinal você é meu general. Não deveria precisar repreender meus
guerreiros como crianças indisciplinadas.
— Mestre. — Fionn curvou-se e saiu de vista. Era muito esperto.
Kian tinha muito em que pensar para lidar com guerreiros fofoqueiros.
Repassara na cabeça as palavras de Killian durante todo o maldito dia.
Estava obcecado, e isso nunca era um bom sinal.
Kian tinha medido o vermelho no cabelo para ter certeza do que já sabia.
Beber o sangue de Elise de um copo não ia funcionar. Precisava fazer com
que ela confiasse nele o suficiente para tomar diretamente dela, mas Kian
não tinha ideia de como conseguiria. Elise estava nervosa na noite anterior
como nunca tinha visto antes. Fazia sentido que o encontro na lua cheia a
tivesse assustado. Havia o assustado também.
Kian estava bebendo vinho e discutindo sozinho em frente ao fogo
quando ouviu uma batida hesitante na porta.
— Entre — falou esperando Hedera ou Fionn retornando para incomodá-
lo. Kian não sabia como reagir quando Elise passou pela porta e entrou no
aposento. O cabelo estava solto em uma comprida onda de cachos escuros
sobre um ombro, e a boca de Kian encheu de água quando o perfume floral
e sexual o atingiu.
— Oi — disse. Ela estava nervosa, mas estava lá.
— Quer um pouco de vinho? — perguntou Kian, tentando
desesperadamente não demonstrar como estava feliz em vê-la.
— Seria ótimo — respondeu. Kian apontou para uma cadeira, e ela se
sentou com um pequeno sorriso. — Pensei em vir até você. Não te vi hoje e
queria saber se houve alguma mudança na sua maldição.
— Não, infelizmente não — disse passando-lhe uma taça cheia e
sentando-se na cadeira ao lado dela. Ela não se encolheu ou se afastou,
então ele ficou onde estava, tomando cuidado para não a tocar.
Ela bebeu o vinho, os olhos azuis brilhantes observando o aposento de
Kian, a curiosidade palpável.
— Você sabe o que deu errado? — perguntou, por fim.
— Falei com meu irmão, e ele sugeriu que foi porque não bebi de você
diretamente — mentiu Kian. Melhor jogar Killian na merda do que ele
mesmo.
— Achei que isso poderia acontecer — disse Elise, surpreendendo-o pela
segunda vez. — Não sei nada sobre magia, mas sei como é sentir a sua, e o
gosto que ela tem. Sempre senti a mesma coisa quando bebeu de mim, mas
não senti nada ontem à noite.
— Humaninha inteligente, não é? — Kian sorriu para ela, incapaz de se
conter.
— Poderia surpreendê-lo.
— Você me surpreende o tempo todo, Elise — disse Kian, e ela riu. —
Sobretudo quando entra no meu aposento, despreocupada.
— Sei que não deveria ser tão ousada, mas queria ver onde você se
esconde, e você não pode me matar no momento, então isso me deixa mais
corajosa — admitiu. — E se vai me morder, queria terminar logo, então não
fico tão nervosa esperando você ir me visitar.
— Cuidado, Elise. Você continua falando assim, e vou pensar que quer
que te morda — avisou. Ela era tão bonita quando corava, mal conseguia
olhar para ela.
— Estou ansiosa para ser livre — disse ela afetadamente. Elise esvaziou
a taça e a colocou na mesinha ao lado. Ela arqueou o lindo pescoço pálido
para ele. — Vá em frente. Estou pronta.
— Não gosta de preliminares, né?
— Isso é morder. Não tem nada a ver com sexo — ela foi rápida em
ressaltar.
Ah, Elise, como está errada. Kian não estava disposto a corrigi-la ou
assustá-la.
— Claro que não. Você não tem nada a temer. Nunca fui de ir onde não
sou desejado, e não vou começar agora — disse e afastou uma mecha de
cabelo do seu pescoço. A pele era tão quente e macia sob a ponta dos dedos,
Kian queria correr as mãos sobre ela. Os olhos de Elise se fecharam, e Kian
gentilmente a segurou pelos ombros.
As palavras de Killian sussurraram para ele: Seduza-a, encante-a, cuide
dela…
— Relaxe, Elise, não vou lhe machucar — sussurrou Kian, e correu os
lábios pela garganta dela.
— Eu sei — falou Elise, as mãos indo para o peito de Kian. Tão
confiante. Ela poderia lutar o quanto quisesse, mas quando Elise estava nos
braços de Kian, ela sabia que pertencia a ele. Como o dele, o corpo de Elise
sabia disso até os ossos, mesmo que a mente e coração se rebelassem.
Naquele segundo ofuscante, Kian sabia que faria qualquer coisa para
possuir todos os três; corpo, mente e coração.
— Kian, vai me morder ou não? — perguntou Elise.
As presas perfuraram a sua pele, fazendo-a gemer. Ele chupou o sangue
doce e glorioso, e Kian lutou para não enlouquecer, tê-la presa de uma
forma tão primitiva fez o predador dentro de si ganhar vida. Exigir mais.
As mãos de Elise se moveram para os ombros dele, e ela se inclinou mais
no sofá macio, entregando-se. Fogo e mel e perdição rugiram através de
Kian ao engolir, o poder no sangue queimando as raízes da maldição.
Kian precisava parar. Não queria tomar muito e deixá-la fraca, mas não
queria soltá-la. Circulou a língua na mordida, e as pequenas mãos
agarraram o cabelo dele. A respiração superficial e quente de Elise estava
ofegante contra o ouvido de Kian, que podia sentir o cheiro da sua
excitação. Este desejo louco e imprudente estava queimando Kian vivo,
mas não a forçaria. Era um canalha, mas até ele tinha linhas que não
cruzaria.
Com gentileza, Kian lambeu o sangue e relutantemente levantou a
cabeça, os dedos de Elise se arrastando pelo seu cabelo.
— Elise? Você está bem?
— Sim. Apenas… me dê um segundo — respondeu, sem abrir os olhos.
Kian se levantou, encontrou um bálsamo curativo e o esfregou de leve
sobre as marcas de mordida. Ela fez um som no fundo da garganta que ele
não tinha certeza se era de dor ou de prazer.
— Vai desaparecer pela manhã — Kian assegurou a ela. Os longos cílios
de Elise se agitaram e ela abriu os olhos. As pupilas estavam cheias de
desejo, e isso o perfurou no interior. Ela não tinha ideia de como era
perigoso olhar para Kian assim.
Ele achava que ninguém nunca tinha olhado para ele assim.
— Tem certeza de que está bem? — perguntou Kian, precisando que ela
fosse embora enquanto ainda estava disposto a deixá-la ir.
— Sim. Não sei se alguém lhe disse, mas é uma experiência esmagadora
ser mordida assim.
— Não. Não me disseram. — Principalmente porque ela fora a única
mordida por ele. Todo mundo havia sido um copo e um pulso cortado ou
um bocado de um inimigo morto. Ela não precisava saber daquilo.
— Bem, é. Eu me sinto um pouco chapada ou bêbada. Difícil de explicar.
— Leve o tempo que precisar. — Kian ficou confortável ao lado dela de
novo, os joelhos se tocando.
— Cuidado, mestre, não quer ficar com muita intimidade, lembra? —
disse Elise, os olhos se fechando outra vez.
— Um pouco tarde demais, escrava. Continuo esperando meu desprezo
voltar, mas, infelizmente, não voltou.
Elise riu baixinho, um som rouco que o atravessou.
— Conheço a sensação. Estou começando a pensar que era mais fácil te
odiar.
— Não me odeia mais? — perguntou Kian, a esperança apertando o
coração.
Elise abriu um olho.
— Não tanto quanto deveria. Meu Deus, o que colocou naquele vinho?
Não deveria ter lhe contado. Vai usar isso contra mim mais tarde.
— Quer que te conte um segredo?
Isso despertou o interesse dela.
— Sim.
— Também não te odeio tanto quanto deveria — admitiu Kian. O sorriso
dela foi a coisa mais linda que já havia visto.
Capítulo 18

Elise não tinha planejado procurar Kian naquela noite. Ela estava
inquieta e começou a vagar pelo castelo e acabou indo direto para ele. Ela
começou a reconhecer a magia cada vez mais à medida que manipulava o
mundo ao seu redor, e ela sem dúvida estava se sentindo influenciada desde
a lua cheia.
O que está acontecendo comigo? Ela estava se lançando às cegas em
direção a algo que não podia ver e não tinha certeza se queria sentir. Elise
também estava certa de que podia sentir Kian se movendo pelo castelo. Se
ela fechasse os olhos e girasse, sabia que acabaria andando até ele.
Elise não o conhecia muito bem, mas Kian havia mudado também. Ele
tinha um cuidado em torno dela que não tinha antes. Precisava de Elise ao
seu lado para quebrar a maldição e estava fazendo o possível para não a
irritar.
Deitada na cama e olhando para o dossel de seda, Elise se permitiu deixar
de lado a animosidade e tentar resolver a confusão de emoções dentro dela.
Ela estava começando a se sentir como uma pessoa diferente. Isolada do
resto do mundo, Elise estava desconectada do passado e estava se tornando
algo… mais. Não tinha família, exceto por uma prima na Noruega que
estaria segura porque estava muito longe. Ela sentia falta de Chrissy, do
Museu Britânico, do café expresso e do leitor de e-books. Mas fora isso?
Não muito.
A parte pragmática de Elise havia assumido o controle de uma situação
impossível de sobreviver. Era uma escrava, mas não era mais maltratada,
apesar de não poder sair. Mesmo antes da lua cheia, Kian fora protetor. Ela
tentou esfaqueá-lo e não conseguiu. Quando ele não estava tentando
provocá-la, Elise gostava da companhia. Uma parte dela sabia que era um
canalha assustador, capaz de violência que lhe daria pesadelos para sempre,
mas tudo o que fazia tinha um motivo.
Kian também beijava muito bem e deu a ela um orgasmo tão intenso que
a assustou.
Não posso estar gostando dele. Ele era um psicopata. Talvez ela também.
Ele a tinha caçado na lua cheia, e o maldito estava certo. Elise havia
gostado daquele jogo no final tanto quanto ele.
Ela enterrou a cabeça sob o travesseiro e gemeu de frustração e
constrangimento sexual. Elise não era uma puritana, mas nunca foi de ficar
excitada com jogos de mordida e domínio. Não que ela tivesse um parceiro
tão aventureiro.
Como se soubesse que Elise estava pensando nele, o lugar onde Kian
tinha mordido o pescoço pulsou, enviando pequenos choques de prazer pelo
corpo dela. Ela sabia como era uma mordida descontrolada de Kian
(aterrorizante, excitante, dolorosamente quente), mas quando mordia com
gentileza? Não tinha doído. A dor veio do que isso fez com ela. O íntimo de
Elise se derreteu com a necessidade de tocá-lo e saboreá-lo.
Com os braços ao redor do príncipe e o rosto pressionado no seu cabelo,
era como se Elise pudesse respirar direito pela primeira vez desde a lua
cheia. Kian e os músculos sob as suas mãos relaxaram. Ela não podia ser a
única a se sentir assim.
Também não te odeio tanto quanto deveria.
Quantas vezes mais ele precisaria beber dela antes de a maldição acabar?
Elise estremeceu sob os lençóis, sabendo que não conseguiria esconder os
sentimentos por muito mais tempo.
Sou um maldito caso perdido.
Talvez fosse por isso que havia tantas histórias sobre ficar atento aos
feéricos porque eles fazem você desejá-los tanto que os seguiria com alegria
até Feéria e nunca mais voltaria.
*
No dia seguinte, Elise estava com os olhos turvos e demorava a acordar.
Ela ficara acordada até tarde revirando na cama no estado conflitante atual
de odiar e desejar Kian.
No entanto, o canto da biblioteca parecia mais arrumado e melhor a cada
dia. Elise estava orgulhosa de como tudo estava se encaixando e tinha uma
lista de materiais para pedir a Kian para poder começar a restaurar alguns
dos livros que haviam sido danificados.
Elise poderia ter entrado em conflito sobre seus sentimentos por Kian,
mas o amor crescente pela biblioteca era verdadeiro. Ela adorava como as
estantes eram esculpidas com belas árvores e criaturas e como em certas
horas do dia, os pássaros cantavam canções assustadoras.
Ela adorava como os livros mágicos cheiravam a especiarias e flores em
vez de tinta e papel. Os livros feitos em Feéria pareciam vivos e vigilantes
comparados com os feitos no mundo humano, que pareciam mortos em
comparação. Elise queria perguntar a Kian se tinha algo a ver com como o
papel foi preparado, de que tipo de árvores e como eles faziam as tintas e
pinturas.
Ela queria saber mais a cada dia.
Se eles não se matarem no momento em que a maldição de Kian
terminar, ele a deixaria terminar a biblioteca? Era uma curta viagem de
carro de Salisbury até o castelo todos os dias, então seria o trajeto ideal. Era
um pensamento ridículo tendo em vista como fora das muralhas do castelo,
humanos e feéricos lutavam entre si. Poderia ter se transformado em uma
terceira guerra mundial lá fora, e Elise não sabia de nada.
Mãos ásperas agarraram os braços de Elise, jogando-a sobre a mesa de
trabalho tão rápido que ela não teve tempo de gritar.
— Humana fodida — rosnou Fionn, a ponta da lâmina sob a orelha de
Elise.
— P-Por favor, não me machuque — murmurou, contra a mesa.
— Diga-me a verdade, humana. O que você é para o príncipe?
— Uma escrava, como pode ver.
— Mentiras. Vocês têm entrado no aposento um do outro à noite. Ele está
fodendo você?
— Não! — Elise tentou levantar a cabeça, mas Fionn a pressionou de
volta. — Nós não estamos transando. Ele está bebendo meu sangue para
ajudar com a maldição. — A lâmina fria pressionou mais contra a pele dela.
— Minta para mim de novo, e vou cortar sua garganta — sibilou ele. O
corpo estava pressionado sobre o dela, a repugnância formigando contra a
pele de Elise. — Vi o príncipe beber sangue por séculos, e isso não ajudou
em nada com a maldição.
— Terá que perguntar a ele! Tudo que sei é que ele bebe meu sangue, e
tem mais cabelo vermelho no dia seguinte. Só isso. Não sou nada para ele.
— Você está quebrando a maldição dele. — A confiança de Fionn se foi.
Parecia assustado. — Diga a ele que conversamos, e vou te matar de
maneiras que não pode imaginar. — Deu um último empurrão em Elise e
depois se foi, deixando-a tremendo.
— Deveria ter cuidado com ele — disse Hedera, aparecendo atrás de uma
estante. Ela colocou uma bandeja de chá e frutas na mesa.
— Deveria ter cuidado com todos vocês — retrucou Elise, arrumando as
roupas.
Hedera grunhiu.
— Verdade. Temos razões para odiar sua espécie.
— Eu sei, mas não fiz nada com nenhum de vocês. Nunca pedi para me
tornar uma escrava e ser ameaçada a ser assada em uma maldita torta.
Hedera sorriu, mostrando fileiras de dentes pontiagudos e afiados, e fez
um som ofegante. Demorou um segundo para Elise descobrir que Hedera
estava rindo dela.
— Ainda acho que você deveria ser uma torta. O mestre pensa diferente,
e mesmo que eu não goste de você, obedecerei aos desejos dele —
respondeu, e colocou as mãos nos quadris. — Fionn está se achando muito
importante. Está ficando impaciente sob a bota do mestre, sobretudo porque
o príncipe está se interessando mais por você do que por matar humanos.
Nenhum guerreiro feérico é confiável, mas aquele menos ainda.
— Por que se importa com o que Fionn faz comigo?
— O mestre se importaria, então eu me importo. O mestre é o feérico
mais inteligente e mortal de todos, e se ele está interessado em você, então
tem um bom motivo. — Hedera riu chiando. — Embora eu duvide que seja
bom para você no final.
Capítulo 19

— Por que está mentindo para mim, Elise? O que está dizendo não é
possível — argumentou Kian, mais tarde naquela noite.
— Não, é sério. Eles são de uma cultura antiga da Assíria. Leões alados
que costumavam guardar a entrada de um templo. Há também sarcófagos
do Egito, uma das culturas mais antigas do mundo. Posso levá-lo e mostrar
tudo se quiser. Bem, se seus guerreiros não incendiaram o Museu Britânico
— retrucou Elise.
Kian balançou a cabeça.
— Disse a eles que não haveria saques. Ele vai estar lá. Quando eu
confiar mais em você, talvez considere levá-la.
Kian estava se esforçando para não se interessar pelas coisas ditas por ela
durante o jantar. Elise teve a melhor chance de atrair a curiosidade dele, e
ela podia ver que estava funcionando pelas inúmeras perguntas que ele
fazia. Ele enlouqueceria quando ela o levasse para um museu. Estava
interessado no conceito de bibliotecas públicas e galerias sinfônicas e de
arte. Essa era outra história verdadeira sobre os feéricos; amavam a arte, a
música e a beleza.
Ao discutirem sobre as técnicas da medicina moderna (sobre as quais
Elise não sabia muito), ela decidiu que estava ficando perigosamente perto
de gostar desse Kian. Era engraçado quando queria ser, e muito inteligente.
Entendia conceitos amplos, e Elise se perguntou quanta sobrecarga de
informação ele conseguiria lidar. Desejou, desesperada, um tablet e uma
conexão com internet para poder surpreendê-lo de verdade.
Passando tempo juntos assim, Elise podia esquecer que era “o príncipe”,
o macho ansioso para varrer a humanidade da Inglaterra. Esta era, ela
decidiu, a versão mais perigosa de Kian que ela tinha visto. Eles se
sentaram em uma pequena sala de jantar privada que estava conectada ao
aposento dele. Era estranho dividir uma refeição com ele, falar sobre a
história e a cultura humana. Boa conversa. À luz de velas. Parecia bastante
com um encontro.
Elise queria contar sobre as ameaças de Fionn. Estava queimando na
língua, mas ao mesmo tempo, o aviso sobre matá-la a deteve. Fionn não
hesitaria como Kian. Elise não tinha nada que ele precisasse. Fionn podia
estar tentando subir na hierarquia, como Hedera disse, mas Elise não tinha
dúvidas de que Kian o esmagaria como um inseto se tentasse.
— Quanto mais vermelho tem em seu cabelo hoje? — perguntou Elise. A
longa cabeleira de Kian estava trançada nas costas, e Elise queria muito
tirá-la das amarras.
— Mais cinco centímetros. Tinha desistido de encontrar uma cura para a
maldição, tinha me resignado à morte. Agora que está recuando, estou me
sentindo à deriva.
Uau. Uma verdadeira confissão do Príncipe de Sangue.
— Não tem coisas que sempre quis fazer? Coisas que se arrependeu de
não ter tentado? Pode fazer todas essas coisas agora. O mundo humano
mudou muito. Você tem coisas ilimitadas para explorar e fazer.
Kian sorriu para Elise, um pouco astuto.
— Parece intimidador. Posso precisar de um guia, alguém para me ajudar
a navegar desta vez.
— Vai encontrar alguém. Tenho certeza que muitas pessoas vão colocar
as mãos para cima para ajudar. Se parar de tentar matá-los, claro —
retrucou ela. Uma pequena ruga apareceu entre as sobrancelhas dele.
— Estava insinuando que talvez você me mostraria — disse ele.
Uma pequena vibração de felicidade inesperada a percorreu.
— Ah? Achei que te enojava.
O sorriso de Kian voltou.
— Enoja. Apenas menos do que todos os outros.
— Não se machuque com toda essa bajulação que está me banhando.
Pensei que os feéricos eram mestres da sedução.
— Meu irmão Killian ficou com toda essa habilidade. Tenho… outras.
Elise queria saber quais eram essas habilidades. Bastante. Ela se recusou
a lhe dar a satisfação de perguntar.
— Então talvez Killian tenha uma chance melhor de me convencer a
interpretar o guia turístico — brincou Elise. Kian ficou muito quieto, raiva e
magia emanando dele. Os encostos sob as suas mãos desmoronaram com o
aperto. Merda.
— Você é minha. Não de Killian. Não vai a lugar nenhum com ele —
rosnou, presas à mostra.
— Kian, estava brincando — disse Elise, tentando manter a voz firme. —
Mas quando estiver livre, irei para onde quiser, com quem quiser.
— É isso o que pensa? — Ela não gostou nem um pouco do tom
autoritário de Kian.
— É sim. Você prometeu me libertar. As promessas dos feéricos são
invioláveis.
A magia pulsava forte no esterno de Elise, puxando em direção a ele
como se fosse tentar se libertar.
Kian rosnou baixinho, agarrou o braço da cadeira de Elise, arrastando-a,
de modo que os joelhos se tocassem. Ele segurou o rosto dela com mãos
quentes e firmes.
— Sou obrigado a libertá-la da escravidão — ronronou, esfregando a
bochecha nela. A respiração quente fez cócegas na orelha de Elise quando
ele pressionou os lábios no espaço atrás dela. — Mas você nunca vai se
livrar de mim. — Enquanto estava distraído, Elise pegou a faca ao lado do
prato e a segurou na garganta de Kian.
— Por quê? — questionou. Ele não tentou se afastar mesmo que um
deslize da mão dela o pudesse abrir.
— Você sabe por que, Elise. Está tentando ignorar, lutando contra o
sentimento, mas sabe — sussurrou ele.
Kian levantou a cabeça para que ela pudesse olhá-lo em seus olhos
dourados e escarlates. A magia no íntimo de Elise pulsou outra vez,
tentando alcançá-lo.
— Eu te odeio — grunhiu Elise, entredentes, pressionando a lâmina com
mais força na garganta de Kian.
— Você pode até querer, mas não odeia. Você me deseja — disse com
aquele sorriso onisciente.
— Eu não desejo você — sibilou Elise, no seu rosto. Um fio de ouro
escorreu do pequeno corte no pescoço. O pânico a esfaqueou ao ver o
sangue, mas ela se manteve firme. A grande mão de Kian descansou na
barriga dela entre as costelas, sobre a bola de magia que queimava como
um sol. Lágrimas encheram os olhos de Elise quando ele pegou a outra mão
e a colocou no peito no mesmo lugar. Foi-se o sorriso presunçoso e a
personalidade arrogante e idiota feérica que era o estado normal de Kian.
— Sim, deseja — disse.
— É apenas a magia da nossa barganha que está fodendo comigo —
respondeu Elise, com um suspiro doloroso. Ela pressionou a testa na dele.
— Esta é apenas mais uma parte da maldição. Não sente essa coisa horrível
me queimando por dentro porque você fez isso comigo.
Kian agarrou a mão de Elise, puxando a faca para longe do pescoço. Ela
estava inclinada sobre ele, o joelho apoiado na cadeira entre as suas coxas.
— Também sinto. Não é minha magia e não tem nada a ver com minha
maldição — disse, puxando-a para mais perto. — Me diga que você não me
quer, Elise. Que sente repulsa pelo meu toque. Que não sonha com minha
boca em sua pele e meu pau enterrado dentro de você. Diga que não quer
que eu te faça gritar de prazer enquanto meus dentes te perfuram.
A faca caiu da mão de Elise e atingiu o chão. Os dedos dela traçaram o
rosto do príncipe e o cabelo antes de agarrar a base dos chifres. Os lábios
estavam quase se tocando, olhos fixos um no outro.
— Não. Eu não vou te dizer isso — rosnou Elise, baixinho.
Surpresa, medo e desejo brilharam nos olhos de Kian. Ele a puxou para
baixo no colo para que ela ficasse montada nele. Os braços a seguraram
com força, impedindo-a de correr.
— Me beije com vontade — implorou.
Os lábios de Elise obedeceram e não foram gentis. Ela mordeu e chupou,
liberando a frustração reprimida. Empurrou a língua contra a dele, sugando-
a na boca. As mãos de Kian agarraram as coxas de Elise, arrastando-a
contra o comprimento duro nas calças. Revirando os quadris, Elise acertou
o ponto que necessitava daquela doce fricção.
Elise puxou as amarras da camisa até se soltarem, desembrulhando-o
como um presente que sempre quis. Ela arrastou as unhas nele, deixando
leves marcas vermelhas na curva do peitoral e abaixo do abdômen. Kian
soltou um pequeno suspiro sensual quando Elise mordeu o seu peito e
chupou o mamilo. Ela fechou os dentes nele, e Elise de repente estava no ar,
Kian a erguendo nos braços.
— Humana infernal — rosnou, pressionando-a contra a parede mais
próxima, tirando a camisa dela e rasgando o bandeau ao meio. Os seios de
Elise saltaram livres, e ele se inclinou para trás para poder olhar para eles
por um tempo. Com força extraordinária, Kian a ergueu mais, a pélvis
prendendo-a com força contra a parede para que pudesse liberar as mãos
para segurar e apertar.
Lambeu o polegar e o correu sobre o mamilo de Elise em círculos lentos.
Manteve contato visual intenso com ela ao circular o botão tenso entre o
polegar e o indicador. Apertou devagar, mais e mais, até que um gemido
surpreso escapou dos lábios de Elise e o calor quente e úmido inundou a
calcinha.
— É isso, minha querida. Esse é o seu ponto doce — disse, presunçoso,
esfregando forte a pélvis de Elise, a pressão no peito dela sem diminuir. Ela
ia gozar sem sequer tirar as calças.
— Kian — choramingou, e o beijou, as unhas arranhando as suas costas.
Ele a puxou da parede e a carregou para o quarto.
Largando Elise na cama, Kian tirou o resto das roupas até ela estar nua e
esparramada na sua frente. Não se juntou a ela na cama, apenas ficou na
beirada, estudando cada pedacinho. O olhar do príncipe mergulhou entre as
pernas da humana, e Elise não conseguia esconder como estava molhada
para ele.
— Porra — sussurrou, quase com reverência, a expressão cheia de
admiração antes de se tornar selvagem. A grande mão pressionou o peito de
Elise entre os seios, o coração dela palpitando como se fosse explodir sob a
sua palma. Os lábios do príncipe se ergueram em um sorriso afiado cheio de
presas e posse, a mão movendo-se lentamente para baixo do peito, pela
curva da barriga antes de descansar no monte de cachos suaves entre as suas
coxas. A palma pressionou mais forte, virando a mão e enrolando os dedos
na sua maciez. Kian empurrou dois dedos dentro dela, duro e rápido,
fazendo-a gritar.
— Minha — disse, os olhos brilhando em cada uma das reações de Elise.
Ela agarrou o seu antebraço com ambas as mãos, unhas perfurando a pele.
Arqueou os quadris, montando a mão dele, precisando de liberação. Ele
puxou a mão, e ela soltou um grito estrangulado de perda e raiva. Kian
olhou para os dedos brilhantes antes de lambê-los lentamente, um de cada
vez. Os olhos se fecharam e ele cantarolou de prazer ao saboreá-la.
— Deliciosa em todos os lugares — disse.
Elise ficou de joelhos, puxando as amarras da calça de couro do príncipe
com dedos trêmulos. Um grunhido profundo rolou do interior dele quando
ela agarrou o pau e o libertou.
Elise sabia que seria grande, mas a fez parar e olhar.
— Sem chifres, afinal — disse, olhando para ele.
Kian riu, rouco.
— Decepcionada?
— De jeito nenhum. Elise apertou a mão e o acariciou com força. A
expressão de Kian escureceu, e ele puxou a mão e a virou. Em vez de
dobrar Elise, os braços fortes a envolveram, segurando-a de modo que as
costas ficassem pressionadas contra o seu peito. As mãos de Kian
seguraram os seios pesados de Elise, agarrando e soltando, acariciando e
provocando. Uma mão voltou para baixo, e ele pressionou um círculo lento
e duro ao redor do clitóris.
— Deliciosa, perfeita, humana infernal — disse Kian, nos ombros de
Elise. As mãos dela subiram ao redor do pescoço dele e agarraram com
força os chifres, dando-lhe uma visão completa dos seios. Ela virou a
cabeça, e ele a beijou rudemente, mordendo o lábio com força suficiente
para tirar uma gota de sangue e sugá-la.
— Me foda com vontade, Kian — disse Elise, jogando as palavras de
volta para ele.
As mãos de Kian deslizaram pelos quadris de Elise e esparramaram as
coxas ainda mais. Ele esfregou o pau duro entre as dobras para molhá-lo, a
fricção deliciosa fazendo-a arquear.
— Não solte — ordenou, e Elise apertou a base dos chifres com mais
força. A respiração foi sugada dos seus pulmões quando ele a penetrou em
uma investida poderosa. Era tão grande que as coxas se apertaram para
desacelerá-lo.
— Respire, Elise. Cada parte sua foi feita para eu saquear e dar prazer —
sussurrou Kian, sombrio. Suas mãos apertaram os quadris dela, rolando-os
para trás e empurrando o pau o resto do caminho, mantendo-a lá até ela se
ajustar com o tamanho.
Elise mal conseguia ar suficiente quando Kian começou a deslizar o pau
para a frente e para trás, atingindo lugares secretos dentro dela. Ela estava
dançando em uma deliciosa linha entre o prazer e a doce dor, por instinto,
Kian sabia a força e rapidez que ela aguentava. Elise se rendeu a ele,
deixando-o liderar o ritmo, sabendo que a levaria a um lugar onde nunca
tinha estado.
— Porra, Kian, tão bom você em mim. — Elise conseguiu ofegar, as
mãos dele acariciando e provocando o seu corpo.
— Você também. Melhor do que jamais poderia ter sonhado —
sussurrou, beijando o ombro dela. Ele colocou o pé na beirada da cama e
levantou a perna de Elise sobre o joelho dobrado, abrindo-a ainda mais. Ela
puxou-se para cima, a mudança de posição esmagadora. A mão do príncipe
foi entre as pernas de Elise e por baixo onde elas estavam unidas,
acariciando firmemente para cima e para baixo e provocando o clitóris
sempre que alcançava o topo.
Mesmo com a mente nublada pelo prazer, Elise sabia que não era apenas
sexo. Kian estava quebrando cada parte escondida dela e colocando sua
marca nos pedaços. Estava pegando coisas e substituindo-as, e ela estava
fazendo o mesmo com ele.
Ele é meu, uma voz que Elise mal reconheceu entoou como um mantra.
Cada pensamento coeso saiu da cabeça de Elise quando Kian recomeçou
as investidas, o orgasmo crescendo tão quente e apertado que ela estava
quase chorando. Ele se mexeu, movendo-se para dentro e para fora, mais e
mais rápido, até ela tremer, lutando para se segurar.
— Me morda — gemeu Elise, a cabeça caindo para trás no ombro dele.
— Tão perfeita — rosnou.
Ela gritou quando dentes afundaram nela, o orgasmo de Elise explodindo
tão violentamente que ela perdeu o domínio sobre os chifres.
Kian a segurou firme, guiando-a para baixo. Deitou o corpo maciço sobre
ela, descansando nos cotovelos, os lábios no pescoço. Ainda estava duro
dentro dela, empurrando lenta e profundamente, arrastando o orgasmo até
Elise estar soluçando no colchão. Ele a tinha quebrado por completo e ainda
não havia terminado.
Kian levantou a boca da mordida e beijou os ombros de Elise.
Levantando-se, lambeu o fio de suor das suas costas. Os dedos traçaram os
lados do corpo antes de alcançar as curvas da bunda, agarrando-a até que
Elise ofegou, e a arqueou para ele.
— A garota gananciosa quer mais — ronronou, em aprovação, e a pele
de Elise ficou toda arrepiada. Levantou a sua bunda rudemente contra ele,
fazendo-a gritar outra vez. Elise se apoiou nos cotovelos, a respiração
ofegante quando as peles escorregadias de suor batiam com força uma
contra a outra. Kian segurou com força a bunda dela, estabelecendo um
ritmo torturante e guiando-a até ele de novo e de novo.
Uma mão passou por baixo de Elise para agarrar seu seio, beliscando os
mamilos mais uma vez e fazendo-a gritar. A respiração tornou-se difícil
quando a mordeu pela segunda vez, impulsionando os dois a um clímax tão
forte que acabaram na cama em um emaranhado de braços e pernas e
respirações pesadas.
A pequena bola de magia dentro de Elise estava queimando como uma
supernova enquanto ela subia em Kian. Assim que o peito foi pressionado
contra o dele, a magia saiu dela. As peles se iluminaram em brilhantes runas
douradas, fazendo os dois pularem alarmados.
— O que é isto? — perguntou Elise, maravilhada, torcendo-se para poder
observar melhor as runas.
Com gentileza, as mãos de Kian acariciaram o cabelo indomável do rosto
de Elise antes de puxá-la para perto e segurar as bochechas com as mãos.
— É apenas a magia reagindo, só isso. Não vai te machucar —
assegurou, mesmo que a própria voz estivesse trêmula. Ele beijou Elise de
leve, os olhos escarlates injetados com tanto ouro que pareciam
luminescentes, o rosto cheio de admiração.
Capítulo 20

Kian não conseguia respirar. Não conseguia pensar. A pele estava


iluminada com uma magia estranha e desconhecida, e o rosto de Elise
estava brilhando com a luz. Não queria preocupá-la por não ter ideia do que
estava acontecendo.
O vínculo de acasalamento.
Kian pensou que já tinha se formado, mas talvez estivesse errado, e fosse
necessário um vínculo sexual. O dedo de Elise subiu e acariciou a testa
franzida.
— Pare de pensar tanto ou terei que foder você de novo — disse, os
lábios carnudos vermelhos de tanto beijar.
— Está… me ameaçando? — retrucou Kian, com um sorriso voraz. Elise
apenas sorriu sem medo dele, uma série de runas brilhando nas bochechas
suaves.
Minha companheira. Uma sensação acolhedora inundou o coração de
Kian, e o assustou quase tanto quanto o sexo abalou sua alma.
Elise deu um gritinho de surpresa quando Kian se sentou, levantando-a
com ele e levando-a para o banheiro. Ela era um pacote macio e
despenteado nos braços de Kian, e tê-la pressionada contra ele parecia a
coisa mais natural do mundo. Kian a colocou de pé e pressionou o emblema
para fazer a água fluir.
— Ah, adoro isso — disse, estudando os buracos na pedra com
curiosidade. Precisava parar de olhar para ela, mas não conseguia desviar o
olhar nem se tentasse. Ela desfez o laço ao redor da trança de Kian e
lentamente a soltou.
— Já tem mais vermelho — disse Elise, levantando as pontas escarlates e
passando-as pelas bochechas. O coração de Kian acelerou, e para esconder
os sentimentos ridículos que o percorriam, entrou na água morna.
Kian estendeu a mão para ela e, sem hesitação, Elise o deixou puxá-la
para perto outra vez.
Pegando um pano macio, Kian com cuidado lavou o sangue manchado da
mordida no pescoço de Elise, querendo cuidar dela. Deveria ter sido mais
gentil, mas a mulher sabia como destruir seu controle todas as vezes.
— Não te machuquei, né? — perguntou Kian, preocupado que os
humanos não foram feitos para fazer amor agressivo com feéricos.
— Não, claro que não — respondeu Elise, passando as pequenas mãos no
peito dele. Ficando na ponta dos pés, ela tocou os chifres e começou a rir.
— O quê?
— Estão mais pretos, mas… parecem com as marcas das minhas mãos.
Kian riu com ela, um som alegre que havia esquecido.
— Bem, você estava segurando firme.
Elise tocou a bochecha dele.
— Gosto deste novo sorriso.
— Não se acostume — respondeu Kian, passando as mãos pelas costas
quentes e molhadas até os quadris perfeitos. Poderia passar dias adorando o
corpo de Elise.
Ela revirou os olhos.
— Não se preocupe, mestre. Minhas expectativas a seu respeito são
escassas. Tenho certeza de que esta é outra parte da sua loucura, e amanhã
você voltará a rosnar e sibilar para mim.
— É mesmo? — Kian a guiou até a parede de pedra, as mãos
descansando nas paredes de cada lado dela. Ele baixou a boca para seus
lábios, fazendo o coração de Elise disparar. — Você acha que isso sou eu
louco?
— Sim, mas talvez eu também esteja — sussurrou, e o beijou. A boca de
Elise era suave e inebriante, e ele precisava de mais. Sempre precisaria de
mais.
Kian se sentou no banco de pedra, trazendo Elise para seu colo. A bunda
e coxas macias contra o seu corpo duro, e o aperto se aprofundou. As mãos
dela deslizaram no peito dele, sem interromper o beijo.
Kian sempre odiou ser tocado pelos outros, e era mais uma coisa
diferente em Elise. Amava quando ela acariciava e explorava o seu corpo e
nunca queria que ela parasse. O pau de Kian estava duro outra vez, e ele
não fez nada para esconder a reação. Segurou os seios fartos, e Elise fez um
som faminto nos lábios de Kian, deixando-o com o sangue em brasas.
Elise segurou o pau com uma mão, ergueu os joelhos e o guiou
lentamente para dentro de si. O lado dominador de Kian queria assumir,
mas ele o controlou. A companheira tinha um lado dominante, e ele a
deixaria usar o seu corpo de qualquer maneira que ela precisasse.
Tão perigoso. Esses sentimentos o queimariam e arruinariam todas as
responsabilidades de Kian porque ele sempre a colocaria em primeiro lugar.
Todos os pensamentos de Kian desapareceram quando Elise girou os
quadris e começou a montá-lo, estabelecendo um ritmo lento e profundo
que o mataria da melhor maneira. Runas estavam dançando na pele deles de
novo, o rosto de Elise cheio de admiração e deleite malicioso.
— Um dia, você vai me dizer o significado dessas marcas — ofegou.
Significa que você é minha companheira. Kian mordeu a língua para não
dizer a ela ali mesmo. Não queria assustá-la e não arruinaria este momento
de jeito nenhum. Kian agarrou os quadris de Elise, puxando-a com mais
força até ele, precisando estar mais fundo, mais perto do seu corpo.
Elise beijou Kian com força, mordendo os seus lábios. Com um gemido,
ela começou a gozar de novo, a cabeça inclinando para trás. A boca do
príncipe encheu de água, mas não queria tomar mais sangue de Elise, então
a beijou e beliscou até a respiração dela acalmar. Ela se moveu e descansou
a testa nele, os olhos azuis cobertos de uma emoção que Kian não sabia
como interpretar.
— Você vai ser o erro mais perigoso que já cometi — admitiu Elise,
fazendo Kian sorrir.
— Humana infernal, adivinhou meus pensamentos — respondeu ele.
O lado dominante de Kian venceu a luta e rapidamente a colocou de
costas contra a parede, fodendo-a até que ambos não pudessem respirar.
Quando eles finalmente saíram da água, Kian enrolou uma toalha nela
antes de pegar uma para si.
— Será que você sabe o que aconteceu com minhas roupas? —
perguntou Elise.
Ele franziu a testa, confuso com a pergunta.
— E para que precisa de roupas?
— Não posso correr nua para o meu quarto, Kian — ressaltou Elise. As
mãos dele pararam de pressionar a água do cabelo.
— Não vai ficar? — Tentou não soar tão desesperado quanto se sentia.
Kian tinha acabado de acasalar com ela corretamente e não achava que seria
capaz de deixá-la ir.
Elise mordeu o interior da bochecha.
— Não achei que você ia querer.
— Pensou que isso era apenas sexo? — questionou Kian, tentando conter
a raiva dentro de si.
— Bem, sim. Não foi?
Arawn, me condene, ela está falando sério. As mãos dele tremiam
quando as descansou nos ombros dela.
— Será que pareceu apenas sexo para você?
Kian podia ver as perguntas e incerteza nos olhos de Elise. Medo de que
estivesse tentando enganá-la. Ele merecia. Kian a tinha tomado como
escrava. Não disse nada a ela sobre o vínculo feroz que crescia entre eles.
Estava com muito medo.
— Não. Não parecia apenas sexo. Mas não vou supor que você me queria
aqui a noite toda — respondeu Elise. Seus olhos ficaram inflexíveis. —
Quer que eu fique? Me peça, com jeitinho.
Kian podia sentir o pé dela em seu pescoço, os papéis invertendo quando
ela se tornou a mestra. Devia ter assustado ele pra caramba. Devia tê-lo
feito quebrar o seu lindo pescoço.
Em vez disso, Kian levantou a mão dela, roçou as costas na sua
bochecha, e beijou os dedos.
— Por favor, Elise, fique comigo.
Elise sorriu, as bochechas ficando coradas.
— Tudo bem, mas se roncar, vou embora.
***
Apesar das ameaças, Kian acordou no dia seguinte com Elise ainda
enrolada nos braços, os dedos no cabelo e lábios pressionados no seu corpo.
Ele precisava se levantar. Ele tinha uma reunião matinal com Fionn para
obter relatórios sobre o exército e não podia desistir das responsabilidades
para ficar na cama olhando para a companheira. Minha frágil companheira
humana. Apertou os braços ao redor dela.
Sua companheira é humana. Ela não vai querer que mate todo mundo,
vai?
Porra, odiava quando Killian estava certo. Kian precisava pensar em uma
maneira de modificar os planos para criar um lugar seguro para seu povo.
Elise parecia acreditar que conseguiria convencê-lo da evolução dos
humanos, que eles tinham coisas do interesse dos feéricos e vice-versa. Ela
falou sobre ir a Londres para provar isso a ele. Talvez devesse deixá-la
tentar.
Kian estava interessado em várias das coisas ditas por ela até agora e
finalmente estava disposto a ser convencido. Acariciou o braço dela jogado
por cima do seu peito. Os braceletes dourados que colocou nela tinham
desaparecido. Não sabia como, mas pouco importava. Se Elise fugisse, seria
capaz de usar o vínculo para encontrá-la.
O pensamento de Elise deixá-lo atingiu Kian um golpe retumbante dentro
do peito. Tinha cometido tantos erros com ela que não podia culpá-la por
querer ir embora.
Tem que dar motivos para ela ficar.
Kian não conseguia pensar direito com ela enrolada nele, então saiu da
cama. Ela fez sons sonolentos de protesto, mas felizmente não acordou.
Kian não podia enfrentá-la se sentindo tão cru.
Kian se vestiu apressado e estava prestes a sair quando voltou para o
quarto e deu um beijo nos lábios dela.
Uma grande fraqueza.
Fionn já estava esperando por ele quando Kian chegou à sala do
conselho. Não pela primeira vez, desejou que os irmãos estivessem ali,
sentados em suas cadeiras. Assim Kian não se sentiria o único tomando as
decisões.
Mas ele era.
Tanto Killian quanto Bayn tinham pouco interesse em decidir, os
tribunais antes lotados se dissolvendo lentamente nos últimos milhares de
anos. Como Kian, eles estavam cansados e preparados para morrer. Isso foi
antes de Elise. Como uma mulher poderia causar tanta perturbação em sua
vida?
— Meu príncipe — disse Fionn, com uma curta reverência. Estava
franzindo a testa ao olhar para Kian. Ele havia mudado muito?
— O que está olhando? — perguntou Kian.
— Perdoe-me, mas o cabelo mudou.
— Estou ciente. A maldição está finalmente acabando.
Kian sabia que Fionn havia se imaginado como seu sucessor quando
finalmente morresse. Nada havia sido anunciado porque era uma tradição
feérica todos os pretensos governantes lutarem até que apenas um
permanecesse de pé.
— Como isso é possível? — perguntou Fionn.
— Magia — respondeu Kian, encerrando a conversa. — Como está
Londínio?
— O exército recuou conforme solicitado, e há patrulheiros em todos os
lugares para relatar qualquer movimento. Os humanos montaram um
acampamento no meio do caminho entre Londínio e aqui. Fora de onde os
guerreiros vieram quando invadiram o castelo. Ainda acho que devemos
queimar Londínio e acabar com tudo de uma vez.
— Agradeço a sugestão, mas não é o tamanho que costumava ser.
Queimar exigiria mais recursos do que temos, sem mencionar que estamos
em grande desvantagem numérica. Estou relutante em desperdiçar as vidas
dos nossos guerreiros.
— O senhor poderia liberar sua maldição de loucura e deixá-los se matar,
meu príncipe. — Kian levantou uma sobrancelha. Fionn sempre foi tão
falador?
— Poderia, mas não acho que seria melhor para os feéricos agora. Nós
nos vingamos das linhagens dos traidores, e compensações para as crianças
foram fornecidas. — Kian juntou os dedos, ignorando a expressão confusa
no rosto do guerreiro. — Gostaria de ir para Londínio e ver as coisas por
mim mesmo antes de tomar uma decisão final.
— Mestre, o senhor não deve se colocar em risco. Não temos mais o
elemento surpresa que tínhamos quando atacamos as linhagens —
argumentou Fionn.
— Usarei meu glamour, e levarei minha escrava humana como guia —
disse Kian, secretamente saboreando a ideia de Elise mostrando a ele todas
as maravilhas que ela havia falado.
— Não pode confiar na humana! Ela vai te trair assim que o senhor não
estiver com o exército!
— Você me acha indefeso, Fionn? Que sou um jovem chorão que não
pode se proteger de uma mulher? — questionou Kian, a paciência
acabando. — Então? Se tem algo a me dizer, agora é a hora.
— O senhor é um guerreiro poderoso, meu príncipe, mas temo que ela o
tenha enfeitiçado. O senhor é diferente com ela, e ela será a sua morte se
permitir se deixar levar — respondeu Fionn, firme.
— Não estou enfeitiçado. O que sou é um príncipe que lutou por muito
tempo para criar segurança para meu povo. A linhagem do traidor tinha que
ser terminada. Havia uma promessa de sangue para fazê-lo. Agora que
estamos de volta a Albião, posso ver o quanto a população humana cresceu.
Sei que começar uma guerra não terminará do jeito que imaginamos —
disse Kian, tentando ver a preocupação de Fionn do seu ponto de vista. —
Vou a Londínio para tentar bolar uma nova estratégia. Minha humana vai
me acompanhar. Preciso que me apoie ou me desafie. Essas são suas
opções. — Foi uma ameaça clara o suficiente para Fionn se curvar em
submissão.
— Meu príncipe, falarei com os patrulheiros e encontrarei uma rota para
levá-lo a Londínio — disse antes de sair, sem pressa, do cômodo.
Kian tirou todos os mapas e planos originais. Se Elise conseguisse
convencê-lo de que fazer um tratado com os humanos era uma boa ideia,
ele precisava estar com as exigências organizadas e um plano caso os
humanos tentassem traí-los outra vez.
Capítulo 21

Elise virou as páginas de um atlas e fez o possível para não pensar em


Kian. Era mais fácil falar do que fazer porque todo o seu corpo o sentia.
Intimamente.
Elise acordou tarde na cama dele, mas Kian já havia desaparecido. Ele
estaria desconfortável por causa do sexo? Ela não queria se sentir
desconfortável, mas sabia que não devia tentar prever o humor de Kian. De
preferência de bom humor, considerando como o sangue dela estava
terminando a maldição.
Elise tinha visto por si mesma a rapidez com que a nova cor se estendeu
no cabelo de Kian na noite anterior. Foi por causa do sexo, além do sangue?
Ela não sabia se o fraco corpo humano conseguiria fazer amor com aquele
nível de intensidade todas as noites para acelerar o fim da maldição.
Ela conteve uma risada. Quem estou tentando enganar? De boa vontade
seguraria os chifres de Kian sempre que ele pedisse com jeitinho.
Nos últimos tempos, cada vez que Elise estava com ele, algo mais entre
eles mudava. Foi uma coisa boa… e provavelmente uma coisa terrível em
longo prazo. Elise já podia imaginar todos os anos de terapia no futuro
quando estivesse livre, e essa merda temporária da Síndrome de Estocolmo
que estava sentindo tivesse desaparecido. Tinha que ser Estocolmo, né? Se
não fosse, significava que o que ela estava começando a sentir por ele era
verdadeiro, e esse era outro tipo de escolha de vida desastrosa.
Falando na liberdade de Elise, os braceletes dourados se foram. Era
incrível, os pulsos estavam mais leves, e ela não conseguia parar de tocá-
los. Ela teve uma breve descarga de adrenalina, pensando em fugir do
castelo e correr para salvar a vida. Então Elise acordou por completo e
percebeu que só porque os braceletes desapareceram, não significava que
Kian e os guerreiros feéricos não a caçariam se ela tentasse desonrar a
promessa.
Elise tinha experimentado o poder de uma barganha em primeira mão, e
se tentasse escapar, não era apenas sua vida em risco. Ela precisava provar a
Kian que se ele pudesse confiar em um humano para manter a palavra,
poderia ter a capacidade de confiar mais.
Elise sorriu, imaginando a admiração no rosto dele quando finalmente
tivesse a chance de lhe mostrar o Museu Britânico. Sem mencionar os livros
e as músicas favoritas dela. Ela nunca quis compartilhar tanto, de tal forma.
Elise estava colocando o livro de volta em uma prateleira quando uma
lâmina fria pressionou sua garganta.
— Faça um som, e vou estripar você — sussurrou Fionn. Elise ergueu as
mãos para mostrar que estava desarmada. Quando Elise tentou se virar, ele
colocou uma mão pesada no ombro para detê-la. — Anda, vadia. Cansei de
te aturar.
Com a lâmina o tempo todo na garganta dela, Fionn guiou Elise da
biblioteca para o salão de baile. Afastou uma tapeçaria pesada, revelou uma
porta e empurrou Elise para a escuridão.
— Pensei que era apenas sobre o seu sangue, escrava, mas pude sentir
seu cheiro em todo o corpo do meu príncipe esta manhã. Posso sentir o
cheiro dele em você agora. Que ele se rebaixe com uma humana como você
me deixa doente. Ele pode não acreditar que você o enfeitiçou, mas eu o
conheço. Sei que não é ele mesmo, e vou curá-lo de você para sempre.
Fionn estava esbravejando, e Elise deixou. Parecia um antigo amante
ciumento e rejeitado, não um general. Ao contrário de Kian, Fionn não
hesitaria em cortar a garganta dela e deixá-la sangrando no escuro.
Fionn conhecia as passagens bem o suficiente para não acender nenhuma
tocha para guiar o caminho. Felizmente, não encontraram nenhuma escada.
Eles estavam descendo em uma espiral lenta, o ar ficando viciado e frio.
— Vai me jogar em uma cela? — perguntou Elise, a voz ecoando nas
pedras.
— Não.
— Vai me matar?
— Gostaria, mas feéricos não matam os escravos uns dos outros.
Elise abriu a boca para falar de novo, e Fionn a empurrou com força
contra a parede.
— Pare de falar. — A dor percorreu o lado do corpo dela, e Elise
aproximou o braço machucado no peito. Indiferente, Fionn a empurrou sem
cuidado pelas profundezas do castelo.
Era meio da tarde quando Fionn pegou Elise da biblioteca. Quando o
túnel por fim terminou, o sol se foi. Estavam fora dos muros do castelo, a
entrada coberta de arbustos espinhosos. Eles se abriram para eles e
revelaram um cavalo amarrado a uma estaca em uma pequena clareira.
Elise não viu o golpe. Fionn a atingiu com força no rosto e na cabeça em
uma série de socos rápidos, deixando-a de joelhos. Amarrou as mãos dela e
a jogou sobre o cavalo. O sangue escorria da boca e do nariz de Elise.
Montou junto dela e a manteve presa com uma mão enquanto o cavalo
avançava.
Os feéricos podem não matar os escravos uns dos outros, mas eram
espertos o suficiente com as palavras para que Fionn pudesse jogar Elise de
um penhasco e culpar as rochas por matá-la. Elise pensou que estaria
acostumada a levar pancadas e traumas, mas pelo visto não. Ela fez a coisa
mais inútil que podia, começou a chorar.
Não apenas por causa da dor. Kian pensaria que ela tinha fugido dele e da
promessa. Confiava em Fionn e nunca suspeitaria dele. Mas Kian ainda
precisava do seu sangue. Tentaria encontrá-la, não tentaria? Aquele breve
lampejo de esperança morreu quando as luzes apareceram, e Elise pôde
distinguir algum tipo de acampamento militar. Humano. O que diabos
Fionn estava fazendo?
A magia rolou sobre eles, e um brilho azul pálido cercou o cavalo, Fionn
diminuiu a velocidade para um trote, levando-os até os altos portões de
metal.
— Parado, feérico! — ordenou um humano por um megafone. Soldados
cobriram as paredes, as armas apontadas para eles. Fionn apenas riu.
Agarrou Elise pelos cabelos, puxando com força, então ela caiu do cavalo
na lama gelada.
— Aproveite sua liberdade — sibilou para ela, com maldade. A montaria
feérica tremeluziu e desapareceu num piscar de olhos. Elise estava
chorando de novo, soluçando enquanto o pulso de magia que sempre dizia a
ela quando Kian estava perto desvanecia.
— Não se mova — alguém estava gritando para ela. Como ela podia se
mover? Elise estava machucada e dolorida em todos os lugares, o sangue
ainda escorrendo do rosto.
— Precisamos de um paramédico!
Braços fortes ergueram Elise e a levaram para o acampamento, as altas
portas de metal se fechando com um tinido definitivo.
Capítulo 22

O chá que Elise havia recebido tinha um gosto péssimo. Ela achou que
era uma manobra estratégica porque, sério, eles estavam na Inglaterra, e não
havia desculpa para uma xícara de chá ruim. Ela se recusava a comentar
sobre o sanduíche de queijo frio que eles pensaram que ela gostaria de
comer.
O rosto ensanguentado de Elise foi limpo, com pontos temporários
prendendo o pior dos cortes, e o braço foi colocado em uma tipoia até eles
poderem fazer um exame de raios X da fratura. Se ela visse Fionn de novo,
Elise iria chutá-lo nas bolas. Ou pedir para Kian chutá-lo. Ela esfregou o
peito, o coração doendo e vazio da bola de magia perdida.
Elise deveria estar feliz e grata por ter escapado. Em vez disso, estava
enjoada e emotiva. Ela tentaria culpar a Síndrome de Estocolmo mais tarde,
mas naquele momento Elise sentiu falta de Kian. Ver humanos em
telefones, e outras tecnologias, parecia estranho depois de tantas semanas
longe disso. Ela queria sua biblioteca silenciosa de volta.
Assim que Elise parou de sangrar por toda parte, os soldados a levaram
para um pequeno prédio, e ela foi colocada em uma sala de interrogatório
com uma mesa de aço inoxidável e janelas espelhadas. Isso nem foi a
melhor parte. Um cara apareceu e colocou um colar na cabeça dela que era
feito de anéis de ferro. Elise tentou não rir dele. Enquanto ela não viu
nenhum ferro no castelo, ela não pôde confirmar a eficácia contra os
feéricos. Com certeza não entendia o que eles achavam que um colar feio
faria.
Elise estava prestes a deitar a cabeça latejante na mesa e dormir quando a
porta se abriu. Um homem atarracado de uniforme entrou. Tinha que ser o
chefe. Alguns meses atrás, Elise estaria mijando nas calças vendo um cara
assim olhando para ela, mas depois de lidar com Kian, o cara era…
pequeno.
— Qual é o seu nome? — perguntou sentando-se e pegando o telefone e
tablet. Começou a gravar, e olhou para ela com expectativa.
— Elise Carlisle. Sou de Salisbury.
— Elise, sou o general Gatesbridge. Você pode me dizer quanto tempo
esteve com os feéricos?
— Não estava “com” eles. Era a escrava deles — corrigiu. — Fui levada
quando estava indo pra casa de trem, em Londres… talvez oito semanas
atrás. Foi na primeira noite do regresso dos feéricos.
— Entendo. — O general Gatesbridge bateu no tablet e mostrou uma foto
do interior do trem cheio de respingos de sangue, mas felizmente sem
corpos. — Isso parece familiar?
— Extremamente. Fui levada de um vagão onde as pessoas tentavam
matar umas às outras ou a si mesmas — respondeu Elise.
— Você quer dizer que os feéricos os estavam matando.
Ela balançou a cabeça.
— Não, os humanos estavam fazendo tudo sozinhos. Eles estavam presos
em algum tipo de magia. Os feéricos nem sequer desceram dos cavalos.
O general mostrou outra imagem. Estava fora de foco, mas os chifres
eram suficientes para o coração de Elise disparar.
— Sabe quem é? — perguntou ele.
— Esse é o príncipe — sussurrou, sem querer dizer a eles o nome dele.
— Pode explicar seu relacionamento com ele?
Elise franziu o cenho.
— Não tenho um relacionamento com ele. Era sua escrava, como eu
disse.
— Então você pode explicar isso? — Gatesbridge ergueu o tablet que
mostrava imagens, em preto e branco, do estábulo do castelo. Não houve
som quando o cara filmando apontou uma arma para Kian. Elise atravessou
a cena, movendo-se anormalmente rápido e derrubando Kian atrás do cocho
de pedra.
— Posso explicar — disse Elise, calma, pensando em uma mentira. —
Como escrava do príncipe fui obrigada por magia a protegê-lo se viesse a
sofrer. Olha como corri. Foi a magia porque, como pode ver, não tenho o
corpo de uma estrela do atletismo.
— Ainda está sob a influência da magia?
— Que eu saiba, não.
— Entendo. E se era uma escrava, por que foi jogada nos nossos portões
esta noite?
— Não tenho certeza. Talvez o príncipe tenha se cansado de mim, ou está
me devolvendo como algum tipo de oferta de paz. Era a única humana
mantida no castelo — respondeu Elise. Ela ainda estava esperando salvar
algo do plano que pararia a agressão humana e feérica.
Gatesbridge realmente ficou vermelho-púrpura de raiva.
— Esse filho da puta parece estar interessado em paz? — Jogou o tablet
para Elise, e ela o ergueu para assistir a filmagem silenciosa. O sanduíche
de queijo seco subiu na garganta dela.
O vídeo era uma montagem sangrenta dos feéricos vagando pelas ruas de
Londres, caçando humanos em fuga. Ao longo do Tâmisa, árvores haviam
crescido nas margens e estavam decoradas com corpos pendurados
balançando. Bebezinhos, todos com menos de dois anos, estavam sendo
carregados em cestas acolchoadas e sendo entregues aos guerreiros para
transporte.
E em todos os lugares, observando com calma, estava Kian com a
armadura manchada de sangue. O rosto, nas poucas vezes em que a máscara
foi removida, era o mais frio que Elise já tinha visto ao observar os feéricos
enforcando pessoas, arrancando bebês de mães em prantos e incendiando
casas.
Elise soltou o tablet e vomitou no chão de concreto. Ela respirou fundo,
tentando colocar ar nos pulmões, o ataque de pânico a despedaçando.
Elise sabia pelos rumores de que o exército estivera em Londres durante
o primeiro mês da captura dela. Sabia que eles estavam matando pessoas.
Os traidores. Mas bebês? Ela vomitou de novo, bile amarela dessa vez.
— Esse é o monstro que você salvou naquela noite, Elise. Tivemos uma
chance, e foi estragada por sua causa — rosnou Gatesbridge, inclinando-se
sobre a mesa em direção a ela.
— Disse que foi por causa da magia — ofegou Elise.
— É melhor escolher de que lado quer estar e se preparar para entregar
todas as informações sobre esses idiotas. Não quero precisar torturá-la, mas
farei o necessário para salvar a Inglaterra de…
A porta da cela se abriu.
— Pare, Gatesbridge.
Uma mulher de terno entrou na sala, o cabelo ruivo e grisalho preso em
um coque. Usava brincos de pérola para suavizar a severidade do rosto, mas
Elise não acreditou nesse truque feminino nem por um segundo. Esta era a
chefona. Ela não levantou a voz, mas tanto o general quanto Elise se
encolheram.
— Obrigada, general. Isso é tudo. — Ficou roxo de raiva outra vez, mas
não discutiu quando saiu da sala.
— Alguém pode, por favor, trazer um pouco de água para Elise? —
disse, e de repente apareceu um homem com duas garrafas de água.
— Obrigada — falou Elise, abrindo uma garrafa e tomando um gole.
— Terá que perdoar o general. Ele deixa a paixão anular a razão às vezes.
Pode me chamar de Ruth.
Elise assentiu, a água batendo desconfortavelmente no estômago. O
vídeo ainda estava sendo reproduzido no tablet, e cada foto de Kian era
como uma faca cravada nela. Ela dormiu com ele, e pior, Elise começou a
ter sentimentos por ele. Emoções dolorosas e verdadeiras.
O príncipe no vídeo era o verdadeiro eu de Kian. O outro, com quem ela
havia bebido vinho, falado de livros e levado para a cama, estava apenas
tentando convencê-la a dar o sangue sem luta.
A pior parte era que Elise sabia que ele estava matando humanos. Com
os próprios olhos, ela o vira decapitar alguém com calma. Esse
conhecimento não a impediu de se apaixonar por ele, então o que isso a
tornava?
— Não posso imaginar o que passou, Elise — disse Ruth, quebrando o
silêncio. — O fato de ter sobrevivido tanto tempo entre os feéricos me diz
como é inteligente.
— Sim, sofri muito, e gostaria de ir para casa agora — comentou Elise, a
voz baixa.
— Essa é uma opção se nos ajudar. Gatesbridge fez isso da maneira
errada, mas a verdade é que não sabemos nada sobre os feéricos, por que
eles estão nos invadindo e quais são suas fraquezas. Você viveu entre eles, e
isso a torna excepcionalmente qualificada para nos informar.
— Eles estão invadindo e matando pessoas porque querem vingança pelo
que os reis britânicos fizeram com eles — respondeu Elise.
— E o príncipe? Alguma coisa que possa dizer sobre ele? — pressionou
Ruth.
— Ele é implacável. — E amaldiçoado. E cruel. E estou apaixonada por
ele. — Tem muita magia. A única maneira de salvar a Inglaterra é tentar
fazer um tratado de paz com ele. Pode chegar a um entendimento com ele.
O príncipe não é uma besta irracional. É estratégico e quer ter um lugar
seguro para seu povo.
Ruth estava franzindo a testa, sem dúvida lendo no rosto de Elise a
agonia conflitante na qual ela estava.
— De todos naquele trem, por que levou você? — perguntou.
— Não sei. Não sou ninguém. — Sou a chave da maldição que o está
matando. Tudo que precisa fazer é esperar, e estará morto. Nada disso
confortou Elise, nem um pouco. Apenas a fez se sentir pior.
— Ele te machucou? Estuprou?
— Não. Não me estuprou, nem nenhum dos outros. Eles não mexem com
os escravos de outros feéricos dessa maneira.
— Entendo. Mais alguma coisa?
Elise a olhou nos olhos, deixando-a ver o vazio e a dor dentro dela.
— Não.
Os lábios de Ruth se estreitaram.
— Não me obrigue a entregá-la a Gatesbridge, Elise. Sou a única coisa
entre você e ele, e reter informações é a pior coisa que pode fazer por si
mesma agora. Proteger o príncipe, simpatizar com os feéricos, não vai te
ajudar.
— Não estou protegendo o príncipe. — Tinha gosto de mentira, mas
Elise manteve contato visual. — Me entregue a Gatesbridge. Não vai mudar
a verdade.
— E que verdade é essa?
— O príncipe não tem fraqueza, e vai matar todos vocês se não tentarem
negociar com ele — respondeu, o vazio no peito crescendo ainda mais.
Ruth soltou um longo suspiro antes de bater na porta da cela. Ela se abriu
e Elise a ouviu dizer com clareza.
— É toda sua.
Capítulo 23

O sol tinha se posto horas atrás, e Elise ainda não tinha ido encontrar
Kian. Não sabia o que ela estava sentindo sobre a noite de paixão, mas ela
era tudo em que havia pensado durante todo o dia. Elise tinha feito partes
dele acordar do sono secular, e a cada dia, Kian estava se sentindo mais
como o macho que era antes da maldição. Aquele capaz de coisas como
amor e afeição antes de a magia de Aoife lhe arrancar todos esses
sentimentos. Era emocionante… e aterrorizante.
Kian esperou até meia-noite, bebendo vinho, ansioso. Estava dividido
entre querer dar espaço a Elise e precisar vê-la como precisava respirar.
Kian resistiu a usar o vínculo de acasalamento entre eles porque não queria
invadir a privacidade dela dessa maneira.
Ela estava fazendo isso para provocá-lo? Para enfurecê-lo? Por que Elise
não o queria agora que tinha dormido com ele?
Nada disso era agradável de pensar, e ele se cansou de esperar.
Kian saiu do seu aposento e dirigiu-se ao dela, feéricos inferiores se
espalhando assustados com a raiva e determinação na aura do príncipe.
— Elise? — Kian abriu as portas do quarto, mas não havia fogo, nem
luzes acesas. Ele se virou e foi para a biblioteca. Ela às vezes gostava de
trabalhar até tarde, e ficava envolvida lendo um livro qualquer.
A biblioteca estava escura e silenciosa. Pânico explosivo e raiva lutaram
pelo domínio enquanto Kian tentava pensar onde mais ela poderia estar.
— Mestre? — Hedera surgiu do nada, a magia da elfa sentindo que o
mestre estava precisando de ajuda.
— Onde diabos ela está?! — gritou Kian, agarrando Hedera pelos
ombros.
— Não sei, m-mestre. Entreguei a comida dela aqui esta manhã. —
Hedera bateu as mãos, e todas as luzes se acenderam ao mesmo tempo. A
bandeja de chá e comida de Elise estava intocada na mesa de trabalho. Não
havia sinais de luta, mas isso não significava nada. Elise era tão pequena e
humana, seria impotente contra qualquer um dos feéricos.
— Ah não, ele não… — começou Hedera, e fechou a boca com um
estalo.
— Quem. Fez. O quê? — rosnou Kian, agarrando-a pela garganta, a raiva
uma chama viva.
— Vi Fionn entrar na biblioteca pouco depois de mim. Ele se interessou
por sua escrava e a visitou mais de uma vez. Não são visitas amigáveis.
— E você não disse nada disso para mim? — questionou ele.
— O senhor teria ouvido uma feérica inferior ou seu general? Ou
qualquer guerreiro feérico? — retrucou Hedera. Kian a soltou depressa, e
ela esfregou o pescoço.
— Encontre-o para mim e não seja vista — ordenou, e ela desapareceu.
Kian fechou os olhos e respirou fundo, procurando o cheiro de Elise. A
biblioteca estava coberta do seu cheiro, então escolheu os mais recentes. Ele
o seguiu até uma estante de livros, onde o aroma quente habitual faiscou
com notas azedas de medo. Misturado a esse medo estava Fionn.
Kian agarrou a estante, sua visão escurecendo de raiva. A magia
assassina estava fervendo dentro dele, tão poderosa que a biblioteca tremeu.
A magia clamou por uma batalha, e a armadura respondeu, aparecendo peça
por peça em seu corpo, espadas cruzando os ombros.
— Mestre, Fionn está perto dos estábulos. A montaria parece exausta e
úmida de suor — relatou Hedera, aparecendo a uma distância segura.
— Obrigado, Hedera. Mantenha os feéricos inferiores dentro do castelo
esta noite — disse Kian, a advertência em seu tom palpável. As queixas de
Fionn vieram à tona de uma vez, e Kian não sabia que outras mentiras
Fionn havia envenenado aos guerreiros.
Começou a nevar lá fora, e Kian tentou não pensar onde Elise estaria na
noite gelada. Fionn estava falando com Aiden e Owain, o primeiro ainda
com a mão podre em volta do pescoço. Cada guerreiro no terreno do castelo
voltou sua atenção para Kian.
— Onde diabos ela está, Fionn? Aonde você a levou? — questionou, a
voz um estalo de chicote no silêncio.
— Quem, meu príncipe? — respondeu Fionn. Conforme Kian se
aproximava, sentiu o cheiro forte e intoxicante do sangue de Elise. Ele o
seguiu até o cavalo de Fionn, e encontrou uma mancha escura no flanco
dianteiro. Kian a tocou, e através do vínculo pôde sentir a dor e o terror de
Elise. Teve um vislumbre de um acampamento humano, e então
desapareceu.
— Me diga aonde a levou — repetiu Kian. Soltou um pouco de poder, e
os três guerreiros gemeram de dor. Os pés dele congelaram no chão, e a
magia de compulsão começou a desnudar as mentes dos guerreiros.
— Eu a devolvi para os humanos no acampamento onde ela pertence! —
gritou Fionn, sangue pingando do nariz. — Fiz isso pelo senhor, mestre. Ela
enfeitiçou o senhor e destruiu sua determinação… — Não conseguiu
terminar a frase. Kian rugiu com raiva, e Fionn explodiu em uma chuva de
sangue e vísceras.
— Vocês o ajudaram? — Kian virou-se para onde Aiden e Owain
estavam se contorcendo no chão sangrento em agonia. Os dois balançaram
a cabeça. Não havia como mentir para ele sob tal compulsão. Ele os soltou,
ficaram quietos, soluçando alto.
Kian virou-se para os guerreiros aterrorizados que ainda estavam
assistindo.
— Alguém mais acredita que estou enfeitiçado?
Ninguém se moveu. Ninguém respirou.
Kian montou no cavalo mais próximo, canalizou um pouco de sua magia
para ele, e saiu do pátio apressado adentrando a escuridão.
A paisagem noturna borrou ao redor dele, a raiva de Kian apenas
desaparecendo um pouco quando o medo por sua companheira assumiu.
Procurou pelo vínculo deles. Era dolorosamente fraco, mas estava lá.
Mostrava que Elise ainda estava viva, pelo menos. Ela estava ferida e
sangrando quando Fionn a levou embora, e esse pensamento foi suficiente
para que a fúria sombria retornasse.
Não demorou muito para as luzes brilhantes do acampamento humano
aparecerem. O vínculo ficou mais quente a cada passo.
Talvez ela não queira ser resgatada? O pensamento sacudiu Kian tão
forte que ele parou o cavalo. Elise finalmente estava de volta entre seu
povo. E se ela agora se sentisse feliz e segura? Como seu companheiro, o
bem-estar dela era a maior prioridade de Kian. Não tinha considerado por
um momento que talvez deixá-la voltar para a antiga vida seria a melhor
maneira de proporcionar isso.
Kian fechou os olhos e tentou descobrir a localização e os sentimentos de
Elise. O vínculo instável de repente se abriu, e um choque de dor
excruciante rugiu nele. Kian não conseguia respirar. Não conseguia pensar.
A dor parou apenas o tempo suficiente para ele respirar fundo e começou de
novo.
Kian! A voz de Elise gritou, e então o vínculo se fechou outra vez.
— Elise… — Correu em direção ao acampamento, erguendo uma
barreira mágica ao seu redor para parar os projéteis dos humanos. Kian não
podia ouvir nada exceto o medo e a dor na voz de Elise.
Ao se aproximar do acampamento, a magia saiu dele, arrancando os altos
portões de metal e jogando-os para o lado. Guerreiros gritavam, enchendo o
local com as armas barulhentas. O poder de Kian os derrubou, destruindo as
caixas de metal em que viajavam. Seguiu o vínculo para um prédio e
arrancou o telhado, derrubando as paredes. As pessoas gritavam ao serem
esmagadas e empurradas até ele encontrar Elise. Ela estava de joelhos,
quase inconsciente e muito molhada. Um homem a segurava pelos cabelos
com uma das armas apontada para a cabeça dela.
— Você se atreve a tocar na minha companheira e ser violento com ela?
— rosnou Kian, puxando uma das espadas. — Solte-a, ou vou matar cada
um de vocês.
O homem olhou com os olhos arregalados para a destruição ao redor.
Soltou Elise, virou-se e correu. Kian queria persegui-lo e despedaçá-lo
pedaço por pedaço, mas ela precisava mais dele.
Elise choramingou quando Kian se agachou e a levantou com um braço,
segurando-a com força e examinando ao redor para ataques que se
aproximavam, espada pronta.
— Você veio por mim — sussurrou, no pescoço dele.
— Prometi que nunca estaria livre de mim — respondeu Kian, e as
lágrimas quentes de Elise umedeceram a sua pele.
— Cessar fogo! — ordenou a voz de uma mulher, e todos os humanos
congelaram. — Deixe-os ir. — Ela estava segurando uma arma também,
mas a baixou. Ela era a única humana com algum bom senso no lugar. Os
soldados recuaram, abrindo caminho para eles enquanto Kian voltava para o
cavalo.
— Maldita traidora simpatizante — resmungou um soldado. A lâmina de
Kian estava pronta para cortar a cabeça do soldado quando Elise tocou o
rosto do príncipe, congelando-o no meio do golpe.
— Não os machuque, Kian. Apenas me leve para casa, por favor —
implorou. A própria natureza de Kian lutou contra isso, mas ele removeu a
lâmina do pescoço do humano.
— Ela sempre tentou me convencer a mostrar misericórdia. É assim que
a retribui? — Kian esbravejou as palavras antes de montar no cavalo.
Embainhou a espada, e sem olhar para trás, Kian tirou a companheira de lá
antes que matasse todos eles.
Elise agarrou-se a ele e eles correram em direção ao círculo de pedras.
Kian não podia confiar nos próprios guerreiros ou na segurança do castelo.
Não levaria a companheira para lá quando ela estava morrendo. Kian
precisava levá-la a um lugar onde seu poder fosse mais potente para curá-la.
Kian avançou em direção ao círculo de pedra, a magia rugindo conforme
o portal explodia com luz. Agarrando-se mais a Elise, eles dispararam
através da magia ardente e dourada e entraram em Feéria.
Capítulo 24

Os pulmões de Elise doíam a cada respiração. As feridas estavam


sangrando, e ela se esforçou para se segurar, mas ela confiava que Kian não
a deixaria cair.
Ele veio por mim.
Gatesbridge havia pensado que poderiam afogá-la para obter as
informações as quais imaginavam que ela estava ocultando. Eles estavam
ficando bastante frustrados com Elise para pegar os alicates quando Kian
trouxe o caos para o mundo deles. Elise pensou que estava alucinando
quando a magia dourada abriu o prédio no qual estava presa.
E ali estava ele. Armadura dourada brilhando e uma expressão de tanta
fúria no rosto que o cara a segurando urinou nas calças. Elise nunca pensou
que veria o Príncipe de Sangue e pensaria em salvação, não em condenação.
Kian tinha vindo por causa dela, e o coração despedaçado de Elise pulsou
de volta à vida.
Apesar de toda confusão de raiva e dor que Elise sentia por ele, ela agora
estava agarrada a Kian e chorando de alívio. O cheiro de abetos e fumaça a
envolveu, e ela sabia que estava segura. Runas brilhavam fracas onde a pele
deles se tocava, e o sol da magia estava queimando dentro dela mais uma
vez.
Floresta escura e estranhas luzes cintilantes piscavam em ambos os lados
da visão de Elise. Ela não tinha ideia de onde estavam, mas não era em
nenhum lugar perto de Salisbury.
Por fim, Kian diminuiu o passo, e o som de água corrente escorreu pelas
rochas e árvores.
— Está tudo bem, Elise, estamos chegando — murmurou ele. Eles
atravessaram um grupo de árvores e entraram em uma clareira cheia de
flores brilhantes. A luminescência não era nada comparada à água turquesa
de uma piscina profunda e fumegante. Pulsava com um poder que até
mesmo um humano como Elise podia sentir.
— Onde estamos? — perguntou Elise, a voz um sussurro áspero.
— Uma das piscinas de cura… em Feéria. — Kian desceu do cavalo e a
pegou. A boca de Elise abriu e fechou outra vez, sem palavras. Ela mal
tinha forças para ficar de pé, muito menos se despir, mas Kian cuidou das
roupas e a carregou gentilmente até a água morna.
— Apenas continue respirando, Elise. O poder na piscina e eu faremos o
resto — disse, segurando-a contra o peito. Ela apoiou o rosto nele e fechou
os olhos. A água fez a pele de Elise formigar, e, aos poucos, o calor voltou
ao seu corpo.
Bem baixinho, Kian começou a cantar. Parecia gaélico, e as runas
dançavam e pulsavam mais brilhantes na pele de Elise. A magia dele se
derramou nela, e ela observou fascinada os cortes e hematomas nas mãos se
curarem. Em poucos minutos, a sua respiração parou de ofegar e chiar, os
pulmões e nariz voltando ao normal.
— Preciso colocar sua cabeça debaixo d'água só por um segundo — disse
Kian, e as unhas dela cravaram nele. — Shh, Elise. Sei o que eles fizeram
com você esta noite, mas não farei nada para machucá-la. — Os olhos de
Elise se encheram de lágrimas, mas ela assentiu, prendendo a respiração
enquanto Kian a descia devagar. A água cobriu o rosto de Elise por apenas
um segundo antes de levantá-la de novo. — Pronto. Seu rosto deve se sentir
melhor em breve.
Kian segurou Elise, cantarolando baixinho e acalmando-a enquanto todas
as feridas se curavam. Bem, a maior parte.
Quando Elise estava se sentindo firme de novo, ela o soltou e nadou para
o outro lado da piscina. Ela não conseguia pensar direito o suficiente para
ter a conversa que precisava enquanto ele a tocava. Kian a estava
observando tão de perto como se estivesse com medo que ela desaparecesse
outra vez. A tensão e a raiva que estivera lidando mal haviam diminuído, e
Elise viu como estava perto de perder o controle de si mesma.
— Eles me mostraram o que você fez em Londres — Elise conseguiu
murmurar, com a voz áspera, os braços se envolvendo para não começar a
tremer.
— Nunca escondi de você o que sou — retrucou Kian, rígido.
— Você nunca foi completamente aberto sobre o que estava fazendo
também! — Elise engoliu as lágrimas, tentando argumentar consigo mesma.
Você é a escrava dele. Ele não te deve explicações.
A expressão de Kian não se fechou como Elise pensou.
— Disse a você o que os reis fizeram com meus irmãos e os feéricos.
— E o quê? Você matou pessoas inocentes por vingança? Vi os bebês,
Kian! Eles eram inocentes como os jovens feéricos eram! — gritou, incapaz
de conter a raiva e terror.
Kian recuou como se ela o tivesse golpeado.
— Acha que matei as crianças?
— Vi vídeos dos guerreiros levando-os embora. O que mais eu deveria
pensar que aconteceu com eles quando há árvores mágicas penduradas
agora ao longo do Tâmisa cobertas pelos corpos dos pais.
— Nenhum mal aconteceu a essas crianças, e nenhum mal jamais
acontecerá. Os feéricos adoram os filhos, e esses humanos estarão seguros
com suas novas famílias — respondeu Kian. Deu um passo em direção a
ela, raiva queimando nos olhos. — Quer saber toda a verdade nua e crua,
companheira? Pois bem…
Kian colocou a palma da mão na testa de Elise, e ela de repente estava de
pé em uma clareira da floresta. Bayn e Killian estavam com ela, e diante
deles estavam Vortigerno, Hengist, Horsa e os cinquenta soldados de elite.
Todos canalhas.
— Como prometido por receber a ajuda dos feéricos em fazer os pictos
recuarem, nós juramos por nosso sangue que nenhum mal acontecerá aos
feéricos enquanto governarmos Albião. Se algum de nós violar este tratado,
que seja pago da mesma forma com nossas linhagens — declarou
Vortigerno, Hengist e Horsa ecoando-o. Eles cortaram as palmas das mãos
e esperaram que os três príncipes feéricos repetissem os votos, e todos
apertaram as mãos.
A clareira da floresta desapareceu e Kian estava correndo por um
acampamento em chamas. Todo mundo estava gritando, o chão cheio de
corpos de mulheres e crianças feéricas. A agonia e o terror de Kian
percorreram Elise enquanto ele tossia fumaça e tentava procurar por
sobreviventes nas casas em chamas. O telhado começou a desmoronar e
Killian puxou Kian para fora do prédio com asas rápidas.
Eles não tiveram tempo de se recuperar ou retaliar antes da magia os
prender como algemas de ferro. Através da fumaça e das chamas e do
sangue, uma linda mulher caminhou em direção a eles. Aoife, a feiticeira,
os prendeu com o poder, levando-os de joelhos no sangue dos jovens
feéricos.
— Você realmente deveria ter me tomado como sua rainha, Kian, e tudo
isso teria sido evitado — disse, acariciando a bochecha dele.
Então a dor física começou quando eles foram torturados e espancados
até sangrar. Elise sofreu com a humilhação quando soldados arrancaram
os chifres dele. Ela sentiu o medo dele quando os feéricos foram levados
acorrentados para Stonehenge e forçados a atravessar com pontas de lança
ameaçando-os. A maldição de Aoife esfolou as entranhas dos príncipes,
transformando-os em sombras insensíveis de seus antigos eus.
Em Feéria, o lamento da perda durou meses. Elise assistiu enquanto
Kian jurava para todos os feéricos de olhos vazios e desvanecidos que
encontraria um caminho de volta para Albião. Que a maldição prometida
pelo sangue cairia nas linhas de Vortigerno, Hengist, Horsa e a elite que
havia sido responsável pelo massacre. Eles pagariam por seus crimes com
um filho entregue às famílias que foram roubadas deles.
Depois vieram os anos de culpa, uma parte de Kian sempre se
perguntando se tivesse cedido aos avanços de Aoife, toda aquela morte
poderia ter sido evitada. Os irmãos haviam parado de tentar confortá-lo
quando os anos se arrastavam, as próprias maldições cortando quem eles
eram pedaço por pedaço…
Elise saiu das lembranças com um grito de agonia. As mãos de Kian
foram para os cotovelos dela para evitar que ela escorregasse sob a água.
Estava tremendo, lágrimas escorrendo nas bochechas.
— Fiz o que jurei fazer, Elise, e nunca vou me arrepender — disse,
apertando mais forte. — Ainda ouço o choro deles quando durmo. Sinto o
cheiro de sangue e os corpinhos quebrados em minhas mãos. A única noite
que nada disso aconteceu foi quando você se deitou ao meu lado. Agora,
você conhece o horror da minha vida e mente e o fardo de tentar consertar
tudo o que foi quebrado. Não posso desfazer o que fiz em Londres. Não
devolverei as crianças, mesmo que pudesse. Sempre serei um monstro, mas
sou o monstro deles.
Elise segurou o rosto dele nas mãos.
— E meu, Kian. — Relaxou o rosto, surpreso e aliviado. Kian a arrastou
para ele, envolvendo os braços com tanta força ao redor dela que as costelas
rangeram.
— Minha Elise, sinto muito por cada mal que fiz para você. Sinto muito
por Fionn e aqueles malditos humanos — disse Kian, enterrando o rosto no
seu pescoço.
Foi inquietante e incrível ver um ser tão poderoso finalmente desmoronar
e ser tão vulnerável. Doeu ver e sentir, então ambos se agarraram um ao
outro até se acalmarem.
— Sinto muito se minhas ações em Londres a assustaram. Não tem ideia
do que é estar vinculado por magia e honra a uma promessa que só leva à
morte — disse, aliviando o aperto em torno dela.
— Sim, eu sei — retrucou ela, e seu próprio passado horrível se libertou.
As mãos de Kian acariciaram as costas de Elise em pequenos círculos.
— Me conte, Elise. Seja o que for, sabe que não vou te julgar.
Ele vai entender quando ninguém mais vai.
— Minha mãe deixou meu pai e a mim quando eu tinha uns quatro anos.
Ele me criou, e nós estávamos o mais próximo possível — começou Elise,
um nó se formando na garganta. — Quando ele ficou doente, meu mundo
inteiro parou. Deixei de lado todo sonho ou ambição para cuidar dele. Ele
odiava, mas ficou muito doente para brigar comigo. Ele me fez prometer
que se a qualidade de vida fosse tão ruim que não pudesse falar e se mover,
eu iria… ajudar na sua morte.
O cheiro químico dos quartos do hospital atingiu Elise, e ela lutou para
controlar a respiração. Ela não tinha contado a ninguém.
— Ele piorou muito rápido. Quando só podia piscar e implorar com os
olhos, esperei até as enfermeiras estarem fazendo a ronda, e eu… eu o
sufoquei com um travesseiro. — Elise nunca havia dito as palavras em voz
alta antes, e o pavor daquele quarto de hospital nunca a deixaria.
— Você honrou sua promessa mesmo não estando vinculada por magia.
Fez a coisa certa, Elise. Ninguém deveria viver assim — disse Kian,
beijando a cabeça dela. Ele realmente acreditava nisso também, e de alguma
forma isso a fez se sentir um pouco melhor.
— Ainda estava lutando para recuperar minha vida, tentando descobrir o
que fiz com aqueles sonhos e ambições quando você atacou meu trem.
— O destino interveio — respondeu, e Elise deu-lhe um olhar penetrante.
Isso só o fez sorrir. — Não tenho arrependimentos. Trouxe você para mim.
— E a cura para sua maldição. Que conveniente para você.
Elise reuniu coragem e perguntou:
— Você só me resgatou porque precisa do meu sangue?
A expressão de Kian suavizou, e ele empurrou uma mecha de cabelo
molhado atrás da orelha dela.
— Não, foi porque você é minha companheira.
Capítulo 25

A expressão fechada de Elise disse a Kian para tomar cuidado porque ela
não aceitaria mentiras. Ele podia ver a mente dela tentando entender o que
tinha acabado de dizer.
— O que quer dizer com sou sua companheira? — perguntou Elise,
devagar.
— É difícil de explicar.
— Tente.
A noite já havia destroçado Kian por dentro, então o que era mais uma
coisa? Era tarde demais para tentar desviar do assunto.
— Tem a ver com a magia de Aisling para que apenas nossas
companheiras pudessem quebrar nossas maldições. Meus irmãos e eu
pensamos que era apenas para nos dar alguma esperança. Então ela nos
disse que nossas companheiras seriam humanas e das linhagens do rei —
explicou Kian.
— Acha que sou uma descendente de Vortigerno ou algo assim?
— Não Vortigerno. Hengist. E sei disso porque na noite de lua cheia vi o
rosto dele depois de ter bebido seu sangue. — Elise ainda não o empurrara,
então Kian continuou. — Companheiros são raros entre os feéricos. Eles
são como… duas metades do mesmo todo. Companheiros ligados tornam
um ao outro mais forte. A magia os une. Foi esse vínculo que rastreei esta
noite.
— Eles me mostraram imagens da noite em que salvei você. Corri mais
rápido do que pensava para derrubá-lo. Foi por causa do vínculo? —
perguntou, mordendo o lábio inferior. Kian assentiu.
— Sim. Não é incomum companheiros conseguirem compartilhar
atributos como força — explicou ele. Kian não se atreveu a trazer à tona os
outros traços feéricos que ela poderia começar a manifestar. A pouca
paciência e paixão rápida deles já eram bastante semelhantes.
— A razão pela qual não pude ver você morrer foi o laço dos
companheiros. Não podia deixá-los atirar em você. Nem tive escolha. — A
expressão de Elise passou de curiosidade para fúria. — Não tive escolha.
Não importa que os braceletes tenham desaparecido. Ser sua companheira é
apenas outro tipo de escravidão, não é? — questionou, soltando Kian e
nadando para colocar espaço entre eles pela segunda vez. Foi como um
chute nas bolas de Kian tê-la comparando os dois dessa maneira.
— Só porque agora está segurando minha coleira e não o contrário —
retrucou Kian, cruzando os braços. — Perdi a maldita cabeça e toda a razão
esta noite porque você se foi. Fui até os humanos e hesitei em resgatá-la
porque um feérico só quer que os companheiros sejam felizes e estejam
seguros. Mas você não está feliz ou segura com eles. Você chamou meu
nome através do vínculo, e eu teria massacrado o mundo inteiro para ter
você de volta. Sou um dos feéricos mais fortes em toda a nossa longa
história, mas sou impotente quando se trata de você! Então sim, sou seu
escravo em todos os sentidos que importam.
A boca de Elise se abriu surpresa.
— Você sabia que sou sua companheira desde a lua cheia?
— Sim. Aisling confirmou, mas eu não queria isso para nenhum dos dois.
Fiz a barganha com você trocando seu sangue por sua liberdade. Não sabia
que já tinha me apaixonado por você, e o vínculo já estava lá. Queria você.
Nunca vou parar de querer você.
— Entendo. — Elise sorriu um pouco, e Kian de repente ficou com
medo. — Como sua companheira, que tem todo esse suposto poder sobre
você, eu poderia pedir coisas a você, e teria que fazer?
Porra. Não gostou nem um pouco para onde isso estava indo.
— Como foder até você desmaiar de prazer? Sem dúvida — disse Kian,
tentando distraí-la. As bochechas dela ficaram coradas, mas ela percebeu a
intenção dele.
— Boa tentativa. Estava pensando em outra coisa. — Elise endireitou os
ombros, fixou os olhos azuis penetrantes nele. — Como sua companheira,
peço que me dê uma noite com você em Londres para convencê-lo de que
os humanos têm coisas para oferecer aos feéricos. Se estiver convencido,
então conversará com seus irmãos e fará uma nova aliança com os
humanos.
— E se eu não estiver?
— Estou confiante de que não chegará a isso. — O queixo teimoso de
Elise se ergueu. — Eles são meu povo, Kian. Depois de tudo que feéricos e
humanos fizeram um ao outro, a resposta não pode ser mais derramamento
de sangue. Temos que ser melhores que isso. Não consegue ver? Podemos
ser a ponte que nossos povos precisam.
Claro, Kian acabaria com uma companheira que era inteligente e
dominante, e idealista. Em outras circunstâncias, teria apreciado aquele
fogo. Tentou se lembrar de que era o negociador, o diplomata, e precisava
de coisas.
— Como seu companheiro, estaria inclinado a conceder seu pedido —
disse Kian, inspecionando as unhas. — Mas você não concordou em aceitar
o vínculo entre nós, então não tenho que considerar nada do que pede.
— Vá se foder — sibilou Elise.
Os olhos de Kian se estreitaram.
— O quê?
— Eu disse, vá se foder, Príncipe de Sangue. Fui torturada esta noite
porque me recusei a dar a eles qualquer coisa que pudessem usar contra
você. Levei um tiro no braço por você quando tentaram matá-lo. Fui para
sua cama de bom grado. Não havia coerção mágica nessa parte do nosso
relacionamento. Meu Deus! A coragem que você tem para tentar me dizer
que eu não aceitei o vínculo entre nós — rosnou. — Vá. Se. Foder.
— Eu? — Kian a tirou da piscina e a colocou de costas nos lírios em um
piscar de olhos. — Companheira boca suja. Nunca vai deixar de ser uma
humana infernal?
— Nunca vai parar de agir como um feérico arrogante? — perguntou
Elise, agarrando punhados do cabelo dele e puxando-o para mais perto.
— Não, mas vou ensiná-la a mostrar respeito adequado a seu
companheiro — rosnou ele.
— Tente ganhar meu respeito pra variar, seu… — Kian a beijou, os
lábios e a língua a silenciando enquanto devorava a linda e perversa boca de
Elise. O sabor doce expulsou toda a escuridão que o estava dilacerando
desde que percebeu que ela havia sumido.
— Minha — ronronou Kian, passando a mão pelo lado dela e segurando
possessivamente o seio. Elise envolveu as coxas quentes ao redor da sua
cintura, a mão segurando o pau duro.
— Prove — disse, apertando mais quando ela correu o polegar sobre a
ponta. Kian afastou a mão dela e a penetrou. Ela estava tão quente e
molhada que ele mordeu a língua com força suficiente para sentir o gosto de
sangue. Ela apertou os músculos íntimos, e moveu os quadris para cima,
empurrando Kian mais fundo. Ela o beijou, chupando o seu lábio e
mostrando que estava ficando impaciente.
Kian começou um ritmo torturante, lento e profundo, a pele se
iluminando com runas outra vez, e ela interrompeu o beijo para ofegar o seu
nome. Era um som do qual nunca se cansaria, mesmo que vivesse mais mil
anos. Elise agarrou os chifres, e Kian rolou de costas com ela montada em
seus quadris. Como ele sabia, Elise aproveitou a oportunidade para acelerar
o ritmo, as mãos descendo para arranhar as costas dele.
— Meu companheiro — disse Elise, segurando-o perto.
— Sim — respondeu, as presas aparecendo. Elise as tocou, sem medo e
despreocupada enquanto elas espetavam a ponta do seu dedo. Ela correu a
ponta sangrenta contra o lábio inferior dele enquanto rebolava os quadris.
Kian gritou, lutando para não gozar.
— Humana impertinente, infernal — rosnou, fazendo-a rir e inclinar a
cabeça para o lado dele. Kian não podia resistir mais. Ele a mordeu
fazendo-os chegar ao clímax juntos. Os dentes afiados dela e unhas o
agarraram, e ela o montou implacavelmente, prolongando o prazer e
fazendo-o abraçá-la com mais força.
A magia fluiu entre eles, o nó final colocando o acasalamento no lugar.
Nunca haveria ninguém ou qualquer outra coisa que tivesse prioridade
sobre ela.
Elise suspirou feliz e o beijou.
— Então, quando vamos para Londres?
Kian riu. Ela era sem sombra de dúvida a sua companheira, pronta para
negociar.
— Quando for seguro, Elise. Prometo fazer o possível para estar aberto
ao que você deseja me mostrar, mas não posso garantir que serei
convencido.
Os braços de Elise se apertaram ao redor dele.
— Isso é tudo que peço. Sabe que não vou parar até que veja as coisas do
meu jeito.
Kian beijou a cabeça dela.
— Não seria você se não o fizesse. — Pela primeira vez em mil e
quinhentos anos, pensou no futuro com esperança e estava disposto a fazer
qualquer coisa para mantê-la nele.
Capítulo 26

Companheira de Kian. Puta merda.


Quanto mais Kian contava a Elise, mais o comportamento dela nos
últimos meses fazia sentido. Ela estava mudando um pouco mais a cada dia,
e agora ela sabia por quê. Pelo menos em parte. As runas brilhando nela
quando estavam pele a pele era apenas o começo da estranheza que ela
provavelmente começaria a experimentar.
Eles estavam de volta ao castelo fazia dois dias, e Kian passou a maior
parte do tempo investigando a extensão da traição de Fionn. Elise ficou de
fora, passando o tempo na amada biblioteca. Ela não sabia o que pensar
sobre o tumulto que Kian causaria quando decidiu anunciar que ela, uma
humana humilde, era a companheira do príncipe deles. Talvez ela ficasse na
biblioteca até que tudo acabasse.
As piscinas de cura em Feéria tinham trabalhado a magia de mais
maneiras do que a física, e Elise estava se sentindo mais leve do que antes
do pai ficar doente.
Havia momentos em que Elise surtava com a ideia de ser a outra metade
de alguém como o Príncipe de Sangue. O que isso diz sobre as partes
ocultas da minha personalidade?
Então Kian aparecia muito rápido, beijava a testa de Elise, e com um
sorriso, deixava-a sorrindo todas as vezes. Realmente sabia como manipulá-
la. Idiota inteligente.
— Tem certeza de que está usando roupas quentes o suficiente? — Kian
perguntou a Elise pela terceira vez naquela tarde.
— Pare de ser um companheiro insistente — reclamou, montando no
cavalo.
— Nunca — retrucou, montando atrás dela, um braço enrolando em volta
da cintura para abraçá-la com força. Kian estava tentando parecer irritado,
mas falhou. Toda vez que Elise o chamava de “meu companheiro”, o
príncipe psicopata se transformava em uma poça de gosma… ou ela era
atacada da melhor maneira possível.
Guerreiros alinharam os portões, com Cora, a general recém-nomeada,
dando-lhes um aceno severo quando eles passaram. Ela não gostou da ideia
de Kian ir para Londres sem escolta depois da merda que eles causaram da
última vez com os corpos nas árvores. Kian garantindo que usaria glamour
para parecer humano não a fez mudar de ideia.
Por fim, eles estavam indo para Londres, mas tinham uma parada a fazer
primeiro.
Para uma cidade tão perto de Stonehenge e do castelo, Salisbury foi
notavelmente intocada pela presença dos feéricos. Kian havia dito a Elise
que os guerreiros dele só estavam preocupados com Londres. Ainda assim,
ela não acreditou até ver as ruas familiares.
Eles pararam em frente ao chalé de Elise, e foi uma sensação surreal
encontrar a antiga vida. Os jardins precisavam de cuidados imediatos,
apesar da neve do inverno, mas, fora isso, permaneciam inteiros.
— Não vou demorar — Elise disse a Kian, e desceu do cavalo.
Vasculhando debaixo de potes perto da porta da frente, Elise encontrou a
chave reserva. A casa cheirava velas perfumadas de jasmim que ela adorava
e umidade mofada por estar trancada por tanto tempo. Ela ficou aliviada ao
descobrir que ninguém havia invadido e levado nada. Elise pegou o telefone
na parede e discou o número de Chrissy. Ela prendeu a respiração enquanto
tocava e tocava e…
— Alô? — Chrissy parecia que tinha acabado de acordar.
— Oi, é Elise — falou, de repente se sentindo muito estranha.
— Elise! Onde diabos você está? Onde esteve? — questionou, passando
de choque para raiva. — Pensei que estava morta.
— Estou bem, sério. Estive com os feéricos. — Elise apressou-se em
explicar.
— Com. Os. Feéricos. — Chrissy suspirou pelo nariz, e Elise podia ver a
expressão irritada na mente.
— Sim. O príncipe, para ser específica.
O príncipe, que agora estava de pé na sala de estar, olhando para os
retratos escolares dela sem dentes e tranças.
— Minha Deusa, tenha piedade. O que está acontecendo, Elise?
— Olha, não tenho muito tempo. Só queria ouvir sua voz e ter certeza de
que está viva. Tenho que cuidar de algumas coisas, mas queria lhe oferecer
minha casa para morar. Sei que está cansada de viver com sua irmã e os
filhos, e não vou precisar mais dela. Gostaria de ter você por perto —
pressionou Elise.
— Não sei o que dizer…, mas, sim, sim, irei e assumirei o chalé mais
fofo do país, perto de Stonehenge, que está tão mágico como disse por anos.
Onde você vai morar?
Elise olhou para Kian, que estava tentando não sorrir ao escutar a
conversa delas.
— No castelo, trabalhando para o príncipe. A biblioteca é tão suja quanto
o dono — disse, e Kian lançou a ela um olhar que disse a Elise que estava
disposto a explorar como poderia ser sujo.
Jesus Cristo, tenha piedade.
— Não sei se está ciente de que enlouqueceu, mas garota, você está bem
louca. Os políticos estão discutindo sobre quando vão bombardear aquele
maldito castelo, e você vai voltar para lá de bom grado!
— Sim, e não se preocupe, tenho um plano na situação com os políticos
também — disse Elise.
Enquanto Chrissy balbuciava, ela acrescentou:
— A chave estará sob o vaso de plantas com a base azul. Virei visitá-la
em breve, então não penhore nenhuma das minhas coisas. Tchau! — Elise
desligou e encontrou Kian atrás dela, braços cruzados.
— Por que não disse a ela que estamos acasalados? — questionou ele.
— Provavelmente pela mesma razão que você não contou aos feéricos.
As pessoas não aguentam tantas surpresas, e não quero chateá-la. — Elise
passou por ele e foi para o quarto.
Elise pegou uma mochila e a encheu de lingerie porque a versão feérica
de sutiãs era muito inadequada para lidar com seus seios. Ela também jogou
alguns produtos para a pele, uma foto emoldurada do pai e o notebook. Ela
precisaria ser cuidadosa com a bateria e voltar na vila para carregá-la, mas
ela queria mostrar a Kian… bem, tudo. Elise queria criar listas de
reprodução para ele repletas das músicas favoritas dela. Queria que lesse os
seus livros favoritos. Acima de tudo, Elise queria mostrar a ele o mundo
fora da Inglaterra.
Pare de se antecipar. Tem que impedir uma guerra primeiro, lembra?
— Estou pronta. Vamos — falou Elise. Ela tentou descer a escada estreita
e o encontrou bloqueando-a. Ela desceu até eles estarem no nível dos olhos.
— Qual é o problema?
— Está abrindo mão de sua casa para ficar na minha. Significa muito
para mim — disse Kian, visivelmente lutando com a emoção que o estava
atormentando. Sentimentos que começou a ter desde que eles se
acasalaram. Elise o beijou forte e rápido.
— Não estou desistindo. Estou emprestando para uma amiga. Sempre
posso voltar se ficar cansada da sua cara fechada — respondeu, irreverente.
— Não sei se está brincando ou não — disse Kian, estreitando os olhos.
— Você testa minha paciência.
Elise sorriu docemente, batendo os cílios para ele.
— É melhor irmos, companheiro. — A boca de Kian se contraiu nos
cantos, mas ele a deixou passar. Elise pegou um molho de chaves de carro
do gancho. — Se você quer caber no Jeep, é melhor me mostrar seu
glamour como humano. Caso contrário, não vai entrar nele.
A transição aconteceu assustadoramente rápido. Os chifres de Kian
desapareceram, o cabelo encurtou até os ombros e as roupas se
transformaram em um longo sobretudo preto, uma camisa branca de botão,
calças sociais passadas e sapatos. Elise ficou boquiaberta.
— O quê? Exagerei? — perguntou ele.
— Não, você não terá problemas — disse. Era devastador, até mesmo
menor. Ela ficou na ponta dos pés e passou as mãos pelo cabelo dele. —
Você não fica bem sem seus chifres — lamentou Elise.
— Não se preocupe, vai agarrá-los até o final da noite — falou, beijando-
a. Eles realmente precisavam ir, porque se ele continuasse olhando para ela
com calor nos olhos, ela não sairia do chalé.
Elise cruzou todos os dedos das mãos e dos pés ao girar a ignição do jipe.
Depois de três tentativas, ligou, e ela suspirou de alívio. Eles mal tinham
saído para a rua quando Kian começou a jogar escudos protetores ao redor
do carro.
— Ei, minha condução não é tão ruim! — brincou Elise.
— Não é você batendo nas coisas que me preocupa. São outras coisas
nos atingindo — respondeu Kian, segurando a porta até os dedos ficarem
brancos. Elise tentou não rir da novidade de ele estar nervoso. Ela passara
os últimos meses da vida em estado de espanto ou terror, e gostava que a
situação tivesse mudado. Assim que Elise colocou o rádio em uma estação
de música clássica, Kian esqueceu tudo sobre os carros e trânsito, a atenção
perdida na música.
Apesar do ataque do exército feérico e dos estranhos carvalhos que
margeavam o Tâmisa, Londres estava tão ocupada como sempre. Elise
esperava, no mínimo, bloqueios na estrada. Seria preciso mais do que o
retorno de criaturas míticas para desacelerar os negócios.
Dirigir em Londres era um tipo especial de tortura que não melhorava
muito depois do pôr do sol. Elise estacionou ilegalmente na rua perto do
Museu Britânico, e Kian fez um glamour para o carro não ser rebocado. Ser
a companheira de um príncipe feérico tinha suas vantagens, inclusive ter os
seguranças noturnos abrindo as portas para eles com um sorriso e um aceno
de cabeça.
— Tente manter essa sua grande mente aberta — disse Elise, pegando a
mão de Kian. Porque não acreditou nela sobre as estátuas dos leões alados,
Elise o levou direto para a coleção assíria.
— Não fazia ideia de que os humanos eram capazes de tal arte — disse
Kian, ignorando os sinais de “não tocar” e correndo os dedos sobre o flanco
de um leão esculpido.
— Espere até ver a coleção egípcia — disse, com uma risada encantada.
Elise sabiamente não o levou a nenhum lugar perto das exposições de
Sutton Hoo ou qualquer outra coisa anglo-saxônica, caso isso o
desestabilizasse.
Elise adorava observar Kian e suas reações quando algo o encantava de
verdade. Ele brilhava e queria sentir e estudar. Ficou fascinado que os
egípcios tivessem vivido tanto quanto os feéricos e comprou um livro na
loja de presentes.
Só tinham uma noite, então Elise o levou do museu para a Galeria
Nacional. Havia muitas histórias sobre o quanto os feéricos amavam a arte,
mas Elise não estava pronta para a alegria absoluta no rosto de Kian ao
olhar para pinturas e esculturas. Os olhos dele pareciam vidrados quando
realmente amava alguma coisa, como estivesse perdido na imagem ou
qualquer emoção que o dominasse.
Eles pararam em frente ao “Judite e Holofernes”, de Artemisia
Gentileschi, e Elise se lembrou da primeira noite que passaram juntos e da
tentativa fracassada de assassinato.
— Você está sorrindo de maneira um tanto diabólica, companheira.
Espero que esta pintura não esteja lhe dando ideias — disse Kian,
levantando uma sobrancelha.
— Não mais — respondeu, tentando não rir. Kian colocou um braço nos
ombros dela, e beijou a cabeça de Elise.
— Precisamos voltar logo — murmurou, no cabelo dela. — Quero
explorar este lugar de novo, então precisa me trazer outra vez.
— Prometo. Tenho um último lugar para levá-lo — disse Elise,
conduzindo-o para a saída da galeria.
Elise só sabia sobre a parada final por causa de Chrissy. A irmã dela,
Lou, teve problemas para conceber o segundo filho e passou por médicos
para ajudá-la.
Kian estava do lado de fora da clínica azul-clara e prateada, lendo as
placas e informações, a expressão fechada se aprofundando.
— Por que estamos visitando aqui, Elise? — perguntou ele.
— Você me disse que bebês são tão raros porque os feéricos têm
problemas para conceber. Talvez a ciência humana possa ajudar com isso?
— Elise tentou ao máximo explicar a fertilização in vitro e como poderia
ser usada para ajudar a população feérica a crescer mais uma vez com
algumas modificações dependendo da anatomia. Seria uma maneira de
compensar a geração perdida e garantir que as gestações não fossem tão
perigosas no futuro.
Então Kian, o Príncipe de Sangue, o general feérico mais feroz da
história feérica, o flagelo de Londres, começou a chorar.
Capítulo 27

Kian esperou os irmãos aparecerem no espelho diante dele, o tempo todo


se perguntando como encontraria as palavras para dizer sobre o que havia
aprendido.
— Irmãozinho, você está começando a criar um péssimo hábito de me
convocar quando estou ocupado de outra forma — resmungou Killian, as
asas pretas e o cabelo aparecendo na escuridão.
— É melhor que seja bom — acrescentou Bayn, na neblina antes de ficar
ao lado de Killian.
— Onde diabos você esteve?
— Me divertindo, pingentinho de gelo, como você deveria estar fazendo.
Depois de séculos presos em Feéria, nós merecemos — disse Killian. —
Como está sua linda companheira, Kian? Ainda sua escrava?
Geada irrompeu na pele de Bayn, a magia revelando as emoções. — Que
companheira, caralho? Não, a garota das rosas!
— Por favor — disse Kian, com a voz rouca. — Por favor, não briguem.
Apenas me escutem.
Isso pareceu calá-los. Agora os dois pareciam preocupados com ele, e
Kian não os culpou. O vermelho no cabelo atingia os ombros, e o preto se
alastrava nos chifres. Não podia esconder que a maldição estava acabando.
— O que aconteceu, Kian? — perguntou Killian, os olhos verdes vendo
todas as emoções furiosas dentro de Kian. Killian sempre foi o mais
apaixonado, não Kian.
— Estou acasalado, e minha maldição está acabando — começou Kian.
Contou a eles sobre Elise, a história completa, de tomá-la como escrava,
como não estava se sentindo como ele mesmo, o que aconteceu na lua cheia
e como Fionn o traiu.
— Eu te disse que aquele filho da puta estava ficando muito confiante em
suas próprias habilidades — murmurou Bayn.
— Sua companheira está segura agora? — perguntou Killian,
sobrancelhas pretas franzidas.
— Sim, eu a recuperei e completei o vínculo.
A carranca de Killian desapareceu, e ele riu.
— Bem, então, acredito que devemos lhe dar os parabéns.
— Claro que não, caralho. Ele está escondendo alguma coisa, Kill. —
Bayn estava começando a congelar em alguns lugares com impaciência.
— Não escondendo. Minha companheira me levou para Londres e me
mostrou muitas coisas… — Kian tentou explicar as maravilhas no museu e
na galeria, deixando a maior surpresa para o final. Os irmãos ficaram tão
sem palavras quanto ele com o conceito da ciência ajudando a infertilidade.
— Não parece possível — disse Killian, no fim.
— Mesmo que seja, duvido muito que os humanos queiram nos ajudar.
Eles vão querer nos eliminar, não ajudar nossas fêmeas a se reproduzirem
— argumentou Bayn.
— Não saberemos até perguntar — continuou Kian. Bebeu um pouco de
vinho, tentando se fortalecer. — Elise me convenceu de que deveríamos
tentar fazer uma aliança com os humanos.
Kian não ouviu os insultos rosnados de Bayn ou as contestações
sarcásticas de Killian. Elise tinha entrado na sala de trabalho, o cabelo em
uma onda brilhante de cachos e olhos azuis brilhando com problemas. Ela
viu os irmãos dele no espelho, e o rosto se iluminou de surpresa. Ela podia
ouvi-los discutindo e xingando, e um pequeno sorriso perverso surgiu nos
seus lábios.
Arawn, nos condene, ela vai enfrentá-los.
Elise se juntou a Kian, sentando-se no encosto da cadeira e colocando o
braço ao redor dos ombros dele.
— Boa noite! Vocês devem ser irmãos de Kian! — exclamou, alegre. Os
dois calaram a boca e encararam Elise. Provavelmente porque nenhuma
mulher jamais teve coragem suficiente para abordar Kian de uma maneira
tão afetuosa. — Qual deles é Bayn, e qual é Killian?
— Milady, sou Killian, o único irmão que vale a pena conhecer — disse,
curvando-se por completo. Killian lançou-lhe um sorriso que Kian tinha
visto acabar com cortes inteiras em acessos de luxúria e desejo. — Você é
mais adorável do que eu imaginava, e Kian não merece você.
Elise riu.
— Você está certo.
— Então, o que faz você pensar que os humanos vão querer uma aliança?
Eles torturaram você, garota, e ainda acha que é uma boa ideia? —
questionou Bayn. Kian ficou tenso com o tom que ele se atreveu a usar, mas
Elise o impediu de arrancar a cabeça de Bayn.
— Sim, acho. Os povos dos dois lados têm muito a oferecer um ao outro,
e você ainda pode estar sedento por vingança, Bayn, mas precisa considerar
os outros feéricos que não são tão poderosos quanto você. Você está
morrendo. Eles não. Você não estará por perto para protegê-los e fazer os
humanos o temerem. Assim que estiver morto, os feéricos restantes serão
alvejados. Não se importa mesmo com o futuro deles? — desafiou Elise,
encarando o Príncipe do Inverno com um olhar frio o suficiente para
rivalizar com o dele. — E não me chame de “garota” nesse tom nunca mais.
Bayn corou, algo que não fazia há séculos. Killian jogou a cabeça para
trás e gargalhou.
— Ah, porra, Kian, ela com certeza é sua companheira — disse, tentando
recuperar o fôlego. — Apoiarei a sua decisão. Sempre quis o melhor para o
nosso povo. Como nossa nova irmã acabou de ressaltar, temos um encontro
com Arawn e seus salões dos mortos. Os outros feéricos não. Confio no que
está fazendo. Me chame se precisar de mim, mas evite se puder. Quero
passar meus últimos anos na Irlanda, bêbado demais para me importar
quando meu fim chegar. — Killian soprou um beijo para Elise e
desapareceu.
— Não vou desistir da terra que tomei aqui no Norte — disse Bayn,
cruzando os braços. — Considere isso quando for negociar. Saiba que ainda
estou ansioso para transformar Albião em um deserto congelado se eles
quiserem ser teimosos sobre um tratado. Também não vou me contentar
com algumas árvores penduradas se eles provocarem minha raiva. Cuide-se,
irmã. Vai precisar de todo esse fogo dentro de você. Kian? Tente se lembrar
de quem é e não deixe que sua companheira roube toda sua coragem.
Bayn balançou a cabeça em frustração, e então também desapareceu
murmurando uma despedida:
— Idiota apaixonado.
— Eles parecem legais — disse Elise, fazendo Kian rir. Ele enterrou o
rosto no pescoço dela.
— Mais de mil anos e ainda agem como crianças — reclamou ele. — Foi
ótima com eles. Teria discutido com eles a noite toda.
— Essa é a primeira parte do plano feito. Agora temos que fazer a parte
dois — disse. Elise deslizou do braço da cadeira para o colo dele.
Os braços de Kian foram ao seu redor, segurando-a com força.
— Sabe que não gosto da parte dois.
— Eu sei, mas é o único jeito. — Elise beijou o seu maxilar, fazendo o
calor fluir no corpo de Kian como o seu toque sempre fazia. — Você fala
com seu povo, e eu falo com o meu.
Kian não sabia qual iria odiar mais.
***
Elise não queria nunca mais ver o acampamento militar. Cora montou o
cavalo ao lado dela, olhos dourados examinando a área. Kian insistiu que a
general acompanhasse Elise porque não confiava em mais ninguém com a
segurança da companheira.
Cora era bastante intimidante, a pele preta coberta de um azul
luminescente de batalha, e o cabelo puxado para trás em um moicano de
tranças e penas de corvo. Ela carregava uma lança e um escudo dourados e
parecia mais do que pronta para enfrentar todo o acampamento.
— Permita-me lançar alguns escudos de proteção ao seu redor, milady,
antes de prosseguirmos — disse, os olhos não deixando a patrulha mais
próxima.
— Obrigada, seria… espere, você acabou de me chamar de “milady”? —
perguntou Elise.
— Você é a companheira do príncipe. Seria desrespeitoso chamá-la de
qualquer outro jeito.
— Ele te contou?
Cora negou com a cabeça.
— Não precisou. Eu estava presente na noite em que matou Fionn, e
nunca vi uma raiva de acasalamento tão silenciosa como aquela.
— Mas… nenhum dos guerreiros disse nada! Achei que ninguém sabia.
— Eles sabem melhor do que perguntar. Novos companheiros podem ser
voláteis. É melhor ficar fora do caminho até que eles se acalmem e
anunciem — explicou Cora, com um leve encolher de ombros. — Os
guerreiros estão dando espaço a ele, sobretudo depois de Fionn. Aquele
idiota deveria ter visto os sinais de que o príncipe estava acasalando com
você. Homem ridículo. — A magia de Cora brilhou com luz laranja ao se
arquear sobre elas e os cavalos.
— E eles não se importam que eu seja humana? — perguntou Elise.
— Ah, não, eles odeiam esse fato, mas também dá alguma… esperança.
Elise não esperava por isso.
— Por que esperança?
— O acasalamento é um presente dos deuses. Tornou-se quase sem
precedentes nos últimos mil e quinhentos anos. Talvez seja porque
deixamos de estar conectados a Albião. Os feéricos têm esperança de
encontrar os próprios companheiros — explicou Cora. Elise queria fazer
mais perguntas, mas Cora balançou a cabeça. — Explicarei mais tarde.
Agora, vemos o que os líderes humanos têm a dizer.
Elise assentiu, tentando controlar a expressão de uma forma que esperava
parecer tão imperiosa quanto a de Kian, e não apenas apertando os olhos.
Elas não anunciaram a presença trovejando pela estrada através dos portões
ainda em ruínas do acampamento. Elas deram passos lentos para que todos
pudessem notar uma bandeira branca de negociação, estampada com a
insígnia de rosas e chifre de Kian.
Gatesbridge e seus soldados preencheram o espaço onde costumava ficar
o portão, todas as armas apontadas para elas. Elise rezou para quem
quisesse ouvir que os escudos de Cora fossem tão fortes quanto os de Kian.
Caso contrário, elas seriam perfuradas com buracos antes mesmo de atingir
o chão.
— Vim entregar uma mensagem do Príncipe de Sangue dos Feéricos.
Onde está Ruth? — questionou Elise, olhando para Gatesbridge. Ela nunca
esqueceria a sensação da grande mão dele na nuca, segurando-a em uma
bacia de água. Um dia, ela se vingaria, mas a aliança tinha prioridade.
— Não queremos ouvir nada do que tem a dizer, traidora! Saia daqui
antes que eu mesmo coloque uma bala em você — vociferou ele.
— Afastem-se — ordenou Ruth atrás deles, e eles se separaram para ela.
— Gatesbridge. Basta.
Ruth parecia cansada e ainda firme o suficiente para fazer Elise querer
fugir na outra direção.
— Elise Carlisle, estou surpresa em vê-la aqui de novo — disse.
— Acredite em mim, não queria estar aqui, mas recebi a tarefa de
convidar você e dois conselheiros para o castelo negociar com o príncipe
em três dias. Você tem autoridade suficiente para falar em nome da
Inglaterra? — Elise perguntou a ela. Ela nunca forneceu o título ou o
sobrenome.
— Conseguirei. Quais são os termos do príncipe? — perguntou Ruth.
— Que venham para Stonehenge e conversem sobre paz se for algo que
estejam interessados. Todos os outros termos que ele e seus irmãos tiverem
serão apresentados lá.
Ruth empalideceu de verdade.
— Ele tem irmãos.
— Sim, e todos tiveram que deixar de lado os sonhos de expulsar os
humanos da Inglaterra e fazer um país feérico por acreditarem que pode
haver uma chance para todos nós trabalharmos juntos — disse Elise, e ficou
satisfeita por sorrir de forma ameaçadora. — Não desperdice esta
oportunidade. Foi bastante difícil convencer Kian a ter essa conversa com
vocês. Os outros príncipes ainda estão indecisos até que ele tenha certeza de
que um tratado é possível. Sei das armas dos humanos, e não há como
ganhar uma guerra contra eles. Algo para levarem em consideração nos
próximos dias.
Elise não se despediu. Eles não mereciam nenhuma cortesia extra depois
de como a trataram. Ela virou o cavalo e retornou pelo mesmo caminho,
Cora cavalgando alguns passos atrás.
— Acha que eles virão? A ideia de paz parece confusa para eles — disse,
uma vez que estavam fora de vista do acampamento e respirando com um
pouco mais de facilidade.
— Eles estão com medo, mas não saber do que mais os feéricos são
capazes será suficiente para trazê-los para a mesa. Kian irá convencê-los do
resto.
— Ou aproveitar para matar todos — disse Cora.
Elise esperava que não chegasse a tanto.
Capítulo 28

O pátio no segundo andar do castelo havia se transformado de plantas


mortas carregadas de neve em um exuberante jardim de verão. Rosas e
outras flores perfumadas desabrochavam ao lado de uma fonte de um altivo
veado da floresta e ninfas dançantes. Os feéricos adoravam um bom evento,
e Kian iria se certificar de que mesmo falando de paz, encontraria maneiras
sutis de deixar seu poder ser conhecido.
Guerreiros vestidos com as melhores roupas e armaduras estavam
posicionados ao redor dos jardins; e a uma curta distância da mesa e das
cadeiras que haviam sido postas. Apenas perto o suficiente para ser uma
ameaça e intervir se necessário.
Kian e Elise usavam roupas pretas costuradas com fios dourados. Ela
pensou que ele traria algum tipo de coroa extravagante feita de ouro, mas
em vez disso, usava uma coroa de folhas verdes. Apesar da humildade, ela
não conseguia esquecer por um segundo que era o príncipe. Kian exalava
tanto poder e autoridade que todos estavam no limite quando o olhar dele
pousava sobre eles.
O vermelho do cabelo alcançou as argolas douradas da orelha pontuda, e
Elise teve que se impedir de passar as mãos por ele. Kian também a
presenteou com uma adaga combinando com a dele e pediu a Elise que a
usasse.
— Eu me sentiria melhor se estivesse armada de alguma forma — disse,
beijando-a de leve. — Não é como se não tivesse experiência em tentar
esfaquear pessoas.
— Mas só gosto de tentar esfaquear você — provocou Elise, e ele
mordeu o lábio dela. O batimento cardíaco de Elise disparou e as pupilas
dilataram. — Pare de tentar me excitar. Você não vai deixar de falar com os
humanos.
O sorriso de Kian poderia ter feito um anjo tirar as calças.
— Então precisarei manter as conversas rápidas.
Elise pegou a mão dele e beijou os dedos.
— Obrigada por fazer isso por mim. Tente manter a calma.
Kian estava prestes a responder quando Cora saiu para o pátio levando
Ruth, Gatesbridge e outro homem que Elise não reconheceu… até que ela o
fez.
— Eles trouxeram o Primeiro Ministro, Mark Holbrook — sussurrou
Elise para Kian. — É o governante do Reino Unido. Não um rei, mas ainda
no comando.
— Pelo menos estão levando a sério — retrucou Kian.
— Apresento a você, O Príncipe de Sangue dos Feéricos e sua
companheira e consorte, Lady Elise Carlisle — anunciou Cora
formalmente, curvando-se para ela e Kian antes de se juntar aos dois.
— Obrigado por se encontrar conosco. Meu nome é Mark e sou o
primeiro-ministro do Reino Unido. Entendo que já conheceu meus
colaboradores Ruth e general Gatesbridge — disse. Não parecia nervoso
como os outros dois, mas conhecer pessoas intimidadoras era o trabalho
diário do primeiro-ministro.
— Sim, nós nos conhecemos quando os encontrei torturando minha
companheira — respondeu Kian, com um sorriso afiado e mortal. Elise
queria bater nele. — Ela me convenceu de que poderíamos superar essas
coisas. Não é o jeito feérico, mas vou honrar o pedido dela.
— Obrigado. Quero que sejamos capazes de superar toda aquela…
situação desagradável.
Elise apontou para a mesa.
— Vamos nos sentar e ficar mais confortáveis — disse, tentando parar a
competição mortal que Kian e Gatesbridge estavam envolvidos.
Em seguida, as horas de conversa começaram. Elise tentou permanecer
alerta, a mão descansando na coxa de Kian debaixo da mesa enquanto eles
discutiam os termos.
Kian queria permanecer em Stonehenge, com uma vasta extensão de terra
ao redor, na qual poderia cultivar uma floresta e estabelecer uma pequena
população feérica. Eles seriam responsáveis pelas leis da terra, e qualquer
julgamento ou ação disciplinar seria supervisionado por Kian. Bayn
manteria o castelo e uma área no norte da Escócia para os feéricos do
inverno que não se adaptavam ao clima do sul.
Os humanos e os feéricos aprenderiam a coexistir, compartilhar
conhecimentos e habilidades, e a parte mais essencial, o mundo saberia a
verdadeira história das batalhas da Idade das Trevas e as atrocidades
realizadas contra os feéricos. Kian disse a eles exatamente o que aconteceu
e por que estava tão motivado a se vingar.
Em contrapartida, todas as hostilidades contra o Reino Unido cessariam.
Não, não devolveria as crianças. Elas seriam bem cuidadas, e talvez,
quando fossem adultos, se quisessem voltar para Albião, seria permitido.
O primeiro-ministro teria que falar com a Escócia sobre a presença de
Bayn, mas os outros pedidos não eram absurdos.
— Vocês estão falando como se não tivéssemos escolha! — explodiu
Gatesbridge, e todos olharam para ele com frieza.
— Não têm — respondeu Kian. — Saiba; nossos planos eram congelar
esta terra e cobri-la de escuridão até os humanos não terem escolha a não
ser partir. É só por causa da minha companheira que me sento nesta mesa.
Você só tem sua vida por causa dela.
— Controle-se, homem, deve pensar no bem do Reino Unido, não apenas
em queixas pessoais — repreendeu o primeiro-ministro. Gatesbridge
balançou a cabeça como se não pudesse acreditar no que estava ouvindo.
— Não! Este é o nosso país, e não vou permitir que o arruíne porque uma
prostituta qualquer decidiu abrir as pernas para o inimigo — rosnou ele.
Elise não viu a arma antes do disparo, e ela foi jogada no chão com Kian
em cima dela.
As pessoas estavam gritando, mas tudo que Elise podia ver eram os olhos
de Kian e sentir a umidade quente que estava encharcando as suas roupas.
— Kian? — Ela o rolou na grama e gritou. O peito estava encharcado de
sangue âmbar.
— Tinha que te manter… segura — sussurrou, a mão alcançando o rosto
dela. Elise colocou as mãos firmes no ferimento de Kian, o pânico e a dor a
dilacerando.
— Vai ficar bem. Só respire. Alguém AJUDE! — gritou Elise. Ela olhou
ao redor para ver os guerreiros feéricos que os cercavam. Gatesbridge foi
pressionado no chão com a lança de Cora na base da cabeça dele.
— Elise, me desculpe — sussurrou Kian. — A paz não vai dar certo.
Meus irmãos vão querer vingança.
— Shh, pare de falar assim. Você pode se curar — disse Elise, lágrimas
escorrendo sobre ele.
A mão de Kian caiu do rosto dela.
— Me beije, Elise.
Ela pressionou lábios trêmulos nos dele.
— Estou tão feliz por ser sua companheira.
— Eu também — respondeu, e suspirou.
— Kian? — Elise o sacudiu com força. — Kian! — Ela foi puxada para
trás por Cora quando um invólucro âmbar começou a crescer sobre o corpo
de Kian.
— Milady, por favor — implorou, mas Elise lutou com ela. Com horror
crescente, Elise viu o âmbar cobrir o rosto e cabelo dele. A bola de magia
dentro dela, o vínculo com ele, estava começando a escurecer e desaparecer
quando Kian escapuliu para um lugar que ela não podia seguir.
— Não! — gritou Elise, e uma explosão de magia fez Cora voar para
longe. Elise correu para Kian e esmagou os punhos na concha ao redor dele.
O invólucro rachou e quebrou como cera, ela puxou do rosto, pescoço e
peito para revelar Kian transformado. O cabelo tinha voltado para um
profundo vermelho vinho, e a ferida no peito havia se fechado.
— Você não pode morrer hoje, seu feérico arrogante! — Elise encostou a
boca na dele e respirou fundo antes de iniciar as compressões no peito. Ela
teve que aprender RCP ao cuidar do pai, e Elise não estava prestes a perder
outro homem que amava. Não desta vez.
— Acorda, imbecil! Ainda não terminamos — ofegou Elise. Ela soprou
outra vez na boca de Kian. Runas estavam se iluminando na sua pele ao
fazer outra rodada de compressões. — Não posso acreditar que vai desistir
tão fácil. Se não voltar, significa que finalmente ganhei uma discussão.
Maldito seja! — Elise desceu os punhos com força sobre o coração dele, e a
magia saiu de si e entrou nele. Kian acordou com uma inspiração forte.
— Acabou de me trazer de volta à vida com gritos? — ofegou ele. Elise
jogou os braços em volta do seu pescoço.
— Eu te disse, só vai morrer quando eu decidir te matar — retrucou. O
vínculo era como um sol quente dentro dela, então ela o beijou, e o beijou, e
o beijou um pouco mais.
— Impossível — murmurou Cora.
— Essa é a minha companheira — respondeu Kian. Ele olhou para a
bagunça ao redor deles. — Você me tirou do manto da morte? Que falta de
respeito.
— Puna-me por isso mais tarde.
Eles foram interrompidos por Cora batendo a base da lança no chão.
— Meu príncipe, deixe-me matar este pretenso assassino — exigiu.
— Eu lhe asseguro, ele será punido — disse o primeiro-ministro. Ele e
Ruth estavam de joelhos com as mãos na cabeça, guerreiros feéricos os
cercando. — Príncipe, como você pediu para estar no controle do
julgamento dos feéricos, peço que nos permita a mesma cortesia.
Kian e Elise se levantaram devagar, o braço dela ao redor da cintura dele
para apoiá-lo se precisasse. Havia fúria e sede de sangue nos olhos de Kian
ao olhar para Gatesbridge.
— Duas vezes você tentou matar minha companheira, uma mulher
indefesa — rosnou, e caminhou em direção ao general. A faca cortou o ar
esculpindo duas linhas nas bochechas de Gatesbridge.
— Você não tem honra, e vai usar essa vergonha em seu rosto até o dia
de sua morte. Você, Mark, punirá este homem de acordo com suas leis, mas
não ouse curar esses cortes.
— Entendido, obrigado — respondeu o primeiro-ministro. Kian acenou
para seus guerreiros, e eles deixaram Mark e Ruth se levantarem.
— Terminei de falar por hoje. Vocês podem sair agora e me dar suas
respostas amanhã. Morri hoje e tive uma maldição quebrada — disse Kian.
Olhou para Elise com os olhos dourados, agora, cheios de amor. — Preciso
me retirar e ficar sozinho com minha companheira.
Capítulo 29

Por insistência de Elise, não houve derramamento de sangue ou magia


para selar os acordos finais, embora Kian não achasse que a papelada
assinada fosse um tratado formal. Ela o havia convencido de que, pelo
menos assim, estaria livre para fazer as próprias escolhas sobre como agir
caso os humanos quebrassem a trégua. Depois de estar sob um vínculo de
sangue por tanto tempo, Kian logo viu o sentido desse acordo.
Kian não conseguia parar de olhar para o cabelo vermelho e sorrir. Eles
iam ver Chrissy no chalé naquela tarde, mas primeiro, precisavam entrar em
contato com os irmãos dele de novo para contar sobre o acordo.
Elise estava enrolada em uma das cadeiras na sala de trabalho, fingindo
ler, mas, na verdade, estava observando Kian. Ela nunca superaria o trauma
de tê-lo morto nos braços. Ela ainda estava acordando a cada duas horas
para verificar se ainda estava respirando.
— Já te disse que tenho uma quedinha por ruivos — disse Elise, com um
sorriso provocante.
— Não com tantas palavras, mas seu corpo foi muito expressivo ontem à
noite — respondeu Kian, desenhando runas no espelho. Elise se juntou a
ele, que deslizou um braço na cintura dela.
Bayn foi o primeiro a aparecer, e Elise se inclinou um pouco mais para
Kian. O Príncipe do Inverno parecia tão chateado como sempre.
— Irmãozinho, é bom ver você — cumprimentou Kian, com um sorriso.
Killian se juntou a ele no espelho, e o rosto se abriu em um sorriso enorme.
— Sua maldição está quebrada! Uau, esqueci como seu cabelo é
brilhante. Muito bem, Elise. Como conseguiu? — perguntou Killian. A
euforia dele compensava o olhar furioso que Bayn ainda exibia.
— Eu o trouxe de volta à vida — respondeu Elise.
Killian riu. — Com certeza, moça.
— Ela está sendo literal, Kill. — Kian contou a todos o que havia
acontecido nos últimos dias, a voz cheia de orgulho quando chegou à parte
em que Elise havia quebrado o manto para lhe dar o beijo da vida.
— O tratado com os humanos foi assinado — concluiu Kian.
— Eu sei. Vi as notícias humanas. Esta época tem algum tipo de ciência
louca que Elise pode mostrar. É um peso a menos poder morrer em paz em
algum lugar sem ter que gastar toda a minha magia e energia tornando
Albião sombrio — disse Killian.
— Gostaria de poder me sentir tão alegre e irreverente com a ideia. Vocês
dois são loucos — retrucou Bayn. — Os humanos manterão a paz apenas
enquanto for preciso para descobrir as melhores maneiras de nos matar.
— E se o fizerem, responderemos na mesma moeda, Bayn, mas a paz
vale uma chance. Sua companheira pode estar lá fora em algum lugar —
argumentou Kian.
— Não quero uma maldita companheira! Prefiro morrer da minha
maldição a me deitar com as crias dos meus inimigos. Faça o que quiser,
Kian. Quando tudo der errado, sabe onde me encontrar. Não falharei em
congelar todos até pararem de existir! — Bayn desapareceu, parte do
espelho de Kian congelando enquanto ele fazia isso.
— Não se preocupe com ele — disse Killian, com um suspiro. — Vocês
foram bem, os dois. Elise, espero vê-la pessoalmente em breve. Não se
esqueça de dar trabalho a Kian em qualquer chance que tiver.
— Darei — garantiu Elise. Killian soprou-lhe um beijo e desapareceu.
— Bayn está sempre tão zangado?
— Sim, embora não espere que ele entenda ou reaja de maneira normal.
Afinal, seu coração está congelando aos poucos — respondeu Kian.
— Eu me pergunto se há uma maneira de libertá-lo da maldição sem um
humano? Talvez haja algo na biblioteca que nos dê uma pista. — Elise
queria ajudar os dois irmãos de Kian se pudesse. Um novo olhar para um
problema antigo poderia ajudar. Kian beliscou o quadril dela.
— Ai! Por que fez isso?
— Não se atreva a pensar tanto nos meus irmãos — disse, puxando-a
para perto. — Eu te amo, humana infernal.
Elise colocou os braços em volta do pescoço dele.
— Feérico arrogante do caralho.
— Você me ama e meu caralho feérico — disse, esfregando o nariz no
dela.
— Um definitivamente mais do que outro — respondeu Elise. Ela gritou
quando ele a pegou e mordeu seu ombro. A risada dele era um estrondo
profundo no peito, ao carregá-la para o quarto deles.
— Também te amo — disse Elise, e o beijou, o vínculo aquecendo mais
do que nunca.
Epílogo

Ninguém estava pronto para o momento em que o mundo acabou. Apesar


da dor, precisava acabar para dar lugar a um novo começo.
Não demorou muito para o governo concordar com todos os termos do
príncipe Kian. Não era uma escolha difícil de fazer e, pelo menos assim,
feéricos e humanos poderiam ter uma chance melhor de sobreviver do que
em uma guerra.
Ninguém conseguiria prever o futuro ou saber se os humanos aceitariam
os feéricos por completo, mas haviam começado a tomar a direção de uma
vida melhor para todos.
Teríamos que esperar que todos pudessem cumprir o acordo desta vez,
para não mencionar monitorar a raiva contínua do Príncipe do Inverno, mas
naquele momento, o futuro nunca fora tão promissor.

FIM
Sobre a autora

Alessa Thorn acredita que todos os monstros e vilões merecem seus


finais felizes. Ela prefere suas roupas pretas, delineador alado e livros
cheios de romance quente. Ela acha os heróis chatos, então seus livros
costumam ter deuses, monstros e vilões de seus mitos favoritos. Sua série
'Wrath of the Fae' explora sua obsessão pelas lendas Fae e Celta.

[1]acasalado = mated
mate foi traduzido para companheira, e o verbo to mate para acasalar/ mating para acasalamento. eu
achei estranho, mas nao esta errado, e foi escolha da tradutora. perguntei pra gente que le fantasia
com fated mates mais que eu se ha alguma tradução consagrada em ptbr de mating/mated, e falaram
outros sinônimos tipo união. para mudar, eu teria que adaptar (você está acasalado = você encontrou
sua companheira/ você confirmou sua união) por isso nao mudei nada e quero deixar a decisão para a
edição.
Table of Contents
Prólogo
Capítulo 1
Capítulo 2
Capítulo 3
Capítulo 4
Capítulo 5
Capítulo 6
Capítulo 7
Capítulo 8
Capítulo 9
Capítulo 10
Capítulo 11
Capítulo 12
Capítulo 13
Capítulo 14
Capítulo 15
Capítulo 16
Capítulo 17
Capítulo 18
Capítulo 19
Capítulo 20
Capítulo 21
Capítulo 22
Capítulo 23
Capítulo 24
Capítulo 25
Capítulo 26
Capítulo 27
Capítulo 28
Capítulo 29

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