Você está na página 1de 418

Copyright © 2023 Caroline Fawley

EDITORA FRUTO PROIBIDO


É proibida a reprodução total e parcial desta obra de qualquer forma
ou quaisquer meios eletrônicos, mecânico e processo xerográfico,
sem a permissão da autora. (Lei 9.610/98)
Essa é uma obra de ficção. Os nomes, personagens, lugares e
acontecimentos descritos na obra são produtos da imaginação da
autora. Qualquer semelhança com nomes e acontecimentos reais é
mera coincidência.

COORDENADORA
EDITORIAL:
Bianca Albuquerque
CAPA:
Bruna Silva
DIAGRAMAÇÃO:
Larissa Chagas
@lchagasdesign
SUMÁRIO

Recado da Autora: O Universo Fawley


1
2
3
4
5
6
7
8
9
10
11
12
13
14
15
16
17
18
19
20
21
22
23
24
25
26
27
28
29
30
31
Epílogo
O Que Espera Você No Livro 2: “Isso Muda Tudo”
Saiba Mais Sobre UF
Para todos aqueles que não conseguem ler uma história
foda sem se imaginar dentro dela.
Este livro faz parte de um gênero literário chamado Dark Romance.
Se você espera encontrar aqui um romance clichê levinho, esqueça.
Também não há uma mocinha e um herói nestas páginas. Nesse
livro, os personagens são cinzas, carregam cicatrizes emocionais e
não fazem o que é considerado certo quando aquilo não faz sentido
pra eles. Eles querem provar que são os melhores, e vão manipular,
distorcer e quebrar cada um que tentar entrar em seu caminho.
Então, provavelmente, você vai passar raiva, mas eu garanto que
também vai amar cada segundo disso.
Essa leitura pode causar desconforto e gerar gatilhos, pois
contém descrição de problemas familiares, abusos, violência física e
psicológica, relacionamento tóxico, consumo de álcool e de
substâncias ilícitas, distúrbios alimentares, bullying e menção a
suicídio. Também possui linguagem imprópria e descrição explícita
de sexo. Por favor, não leia se algum desses tópicos for sensível pra
você. Essa é uma obra de ficção destinada a maiores de 18 anos.
Eu, como autora, não apoio nenhuma situação como as descritas
aqui e o objetivo da história não é levantar discussões e
problemáticas, mas gerar entretenimento ao produzir uma história
visceral.
Há uma playlist no Spotify e uma pasta no Pinterest dedicadas
ao livro, eu recomendo que você as conheça para entrar na vibe da
história. Me siga em todas as minhas redes sociais para POVs,
novidades e outros conteúdos inéditos da saga: @carolinefawley.
Esse livro foi baseado em uma fanfic que, depois de ter
conquistado mais de 2 milhões de leituras no Wattpad e fãs ao redor
do mundo, precisou crescer e virar um livro original. Então, pra
quem está aqui desde o início, meu mais sincero obrigada. Nós não
estaríamos aqui se não fosse por vocês. E pra quem está chegando
agora, seja muito bem vinde ao mundinho caótico e avassalador de
Caroline Fawley.
É só o início.
Eu estava no velho trem que me levava para o extremo
norte da Inglaterra todo início de setembro, para o começo de um
novo ano letivo na Academia Averly, o castelo medieval onde
funcionava a minha escola. Lá, eu e meus amigos aprendíamos
coisas que os adolescentes normalmente não aprendiam, como a
preparar poções cujas receitas eram passadas por gerações, os
princípios da alquimia dos elementos e as diferenças entre plantas
comestíveis e plantas que podiam te matar envenenado
acidentalmente.
É claro, nós não éramos adolescentes normais.
Eu ainda lembro das lendas antigas que minha vó costumava
contar para mim quando eu era criança. Lendas sobre a origem da
magia, que também explicava o surgimento do nosso mundo.
“Coraline Weylin, ouça as lendas com atenção”, ela dizia. “Um
dia você vai agradecer essa velha por ter te ensinado sobre o nosso
passado”. Eu me esforçava o máximo que podia, mas achava aquilo
tudo meio sem sentido.
As histórias contavam que, desde muito antes da humanidade
surgir, duas Deusas governavam o planeta em igualdade de poder e
paz. Uma delas, durante o dia, regulava o desenvolvimento da
Terra, criando florestas, cultivando a vida. A outra reinava sob os
domínios misteriosos da noite, regendo máres e controlando o
equilíbrio do ecossistema. Por milênios, as estrelas no céu eram
espectadoras ativas, desenhando nos astros as histórias do que
acontecia na Terra, para que sempre houvesse salva uma memória
inquestionável da nossa própria história.
Mas uma noite, as estrelas se adiantaram e escreveram algo
que ainda não havia acontecido. Uma profecia.
Elas profetizaram o nascimento de uma rainha mortal com tanto
poder quanto o de uma Deusa, e que teria o terrível fardo de ser o
motivo da destruição do seu povo.
Milênios se passaram até que uma rainha bondosa surgiu entre
os humanos. As duas Deusas então se lembraram da profecia das
estrelas e se misturaram aos mortais, uma durante o dia e outra
durante a noite, para conhecer de perto aquela que seria a
destruição de tudo o que elas haviam criado. Mas nenhuma das
duas divindades esperava o que estava escrito apenas nas
entrelinhas das histórias das estrelas: uma paixão avassaladora
surgiria e as duas Deusas decidiriam reivindicar a Rainha para si.
Foi uma época conturbada e violenta, onde as duas divindades,
incapazes de lutar uma contra a outra, já que eram separadas pelo
ciclo da Terra, espalharam gotas do seu poder entre os humanos,
dando-lhes dons mágicos, e os fizeram lutar uns contra os outros
por eras, disputando o amor da Rainha mortal. As estrelas do
destino escreveram as histórias de humanos que controlavam fogo
e faziam crescer raízes do chão para segurar os exércitos inimigos.
Também haviam aqueles que criavam tempestades de ventos e
raios e afogavam seus oponentes mesmo fora d’água.
Foram anos de batalhas violentas. E depois de tantas mortes e
destruição do povo que amava, a Rainha mortal entrou em profunda
agonia e morreu de desgosto.
Vivendo o luto pela sua amada e com arrependimento pelo que
tinham feito, as duas divindades abdicaram das suas presenças no
mundo mortal, fazendo um pacto silencioso de permanecer para
sempre em suas formas planetárias de Sol e Lua, regendo o planeta
sem nunca mais se envolver diretamente.
Como um último presente ao povo tão amado da Rainha mortal,
as divindades deixaram os poucos humanos que sobreviveram
manter seus dons mágicos, passando de pai para filho, e assim
conservar um eterno lembrete de que a tão bondosa monarca abriu
mão da própria vida para salvar a deles.
Pessoalmente, eu achava tudo isso uma grande bobagem.
Mas segundo minha avó, que acreditou fielmente nas lendas
antigas até o momento da sua morte, é por isso que aos 13 anos
uma chama de magia floresce em algumas crianças, indicando que
são portadoras de um ou mais dons mágicos recebidos pelas
Deusas, e elas precisam ser enviadas para um castelo isolado do
resto do mundo, para aprender a lidar com sua magia.
E com os seus hormônios, aparentemente, porque crescer
morando com outros quinhentos adolescentes os leva a tomar
atitudes muito, muito imprudentes às vezes.
As pessoas sem magia no sangue tem vários nomes para nós.
Feiticeiros. Videntes. Bruxas. Magos. Profanos, hereges,
aberrações, esquisitisses, monstros. Nem todos eles gostam muito
de reconhecer a nossa existência entre a “normalidade da vida
humana”. Na verdade, a maioria deles nos ignora, mas muitos ainda
guardam rancor como se lembrassem que foram os nossos
antepassados que destruíram seu mundo.
Apesar de muitos de nós saberem desde o nascimento que tem
o dom, nossa educação em magia só começa depois que atingimos
a adolescência e nossos pais descobrem se no futuro nós seremos
adultos “normais” ou os excêntricos que usam plantas para curar
doenças, estrelas para prever o futuro e tem uma grande dificuldade
em se misturar com o mundo não mágico. Há famílias inteiras
mágicas, quando os antepassados decidiram se casar apenas entre
seus descendentes, e há as que concebem crianças mágicas
somente a cada poucas gerações. Apesar dos dois mundos
coexistirem, muitas das famílias tradicionais preferem viver isoladas,
vivendo em suas comunidades com suas próprias leis e costumes.
Como é o caso dos jovens que precisam ser ensinados.
Nos primeiros anos de aprendizado mágico, nós praticamente
não fazemos magia nenhuma.
A única parte das histórias antigas que eu gosto de ouvir é a
descrição dos poderes concedidos pelas Deusas para os nossos
antepassados. Conjurar fogo, raio, tempestades? Realmente
canalizar magia em forma de energia palpável? Aquilo era incrível.
Mas não era exatamente isso que nós aprendíamos na escola.
A magia que tínhamos era apenas um milésimo desse poder, o que
garantia apenas que nós tivéssemos mais facilidade com a natureza
e os elementos.
Temos uma introdução às matérias escolares, que são
disciplinas como “Alquimia I e II” “Preparo de Poções” “Estudo e
Cultivo de Plantas Mágicas” e outras coisas que um jovem feiticeiro
precisa saber sobre o mundo e seus dons.
Durante os sete anos que estudamos na Averly, passando pela
adolescência e entrando na vida adulta, os anciões estudam nossas
aptidões e nos classificam de acordo com o tipo de magia que mais
se sobrepõe entre nossos dons.
Eu, por exemplo, era péssima com plantas e com o tratamento
de animais. Na verdade, a única coisa em que eu realmente era boa
era no preparo de poções – o que era praticamente um requisito
básico – e em arrumar confusões pelo castelo.
De vez em quando, eu me perguntava se meu temperamento
impossível e meu sarcasmo sem moderação podia ser considerado
um dom mágico.
No final dos cinco anos regulares de educação, a partir dos 18
anos, aprendemos magia avançada de acordo com as aptidões que
fomos abençoados e nos formamos adultos qualificados. São quatro
tipos de feiticeiros, seguindo os quatro elementos básicos, e
nomeados – segundo as lendas – em homenagem aos quatro
generais que lideraram as batalhas em nome das Deusas:
Os descendentes de Heelah, que nascem com aptidão para o
cultivo e são representados pelo elemento Terra.
Os descendentes de Graork, que nascem com aptidão para a
devoção e são representados pelo elemento Fogo.
Os descendentes de Rieka, que nascem com aptidão para a
criação e são representados pelo elemento Água.
E os descendentes de Sierlyn, que nascem com aptidão para a
manipulação e são representados pelo elemento Ar.
Os bruxos do cultivo tendem a ser bons com plantas mágicas e
com as pessoas. Eles cultivam amizades, sentimentos, laços. Se
tornam curandeiros, de corpo e alma. É sempre bom ter um amigo
desses por perto.
Aqueles que são devotados, são viscerais, espontâneos,
impulsivos. Eles tem muita energia e se conectam com os animais
agindo, muitas vezes, exatamente como eles: Emocionados,
intensos e leais às suas matilhas.
Os bruxos que nascem para a criação são mais reservados,
usam o cérebro mais que qualquer outra parte do corpo e tem a
tendência de serem abertos à toda e qualquer ideia. São criativos,
muito bons em canalizar a magia para criação de feitiços, e amam
ser estimulados pela arte, música e novo conhecimento.
Agora, aqueles que manipulam tem todos os outros nas mãos.
São frios e calculistas, porque precisam puxar suas cordas. Exímios
preparadores de poções mágicas e alquímicas, porque são
disciplinados e determinados, mas também perigosos, porque
manipulam pessoas, sentimentos e situações tão bem como se
fossem meros ingredientes, peões em seus planos.
Cada um de nós tem uma porção dos diferentes tipos de magia
no sangue, mas uma delas sempre se destaca. Até o fim da nossa
educação, somos classificados. A maioria de nós já sabe de qual
dos chamados “filhos da Deusa” descendemos, outros são
verdadeiros empata-seleção e passam os sete anos de educação
mágica tentando descobrir qual dos dons se sobrepõe.
Mesmo com a seleção em processo, nós estudávamos todos
juntos, separados em dois tipos de dormitórios de acordo com os
dons mágicos: Nas torres mais altas do castelo, abertas para
receber a luz do sol, como uma homenagem à Deusa do Dia, ou nas
masmorras no subsolo, escuras, silenciosas e detentoras de
mistérios para reverenciar à Deusa da Noite.
Pois é, os bruxos gostam de extremos.
Mas desconsiderando toda a parte dramática de ter magia no
sangue, nós éramos quase como adolescentes normais.
Assistíamos as aulas o dia inteiro, disputávamos campeonatos de
jogos escolares, e também fazíamos festas dentro dos salões de
lazer dos dormitórios. Não eram exatamente permitidas, mas
também não eram exatamente proibidas. Os professores eram
tão anciões que faziam vista grossa desde que os monitores
conseguissem manter tudo sob controle sem causar nenhum dano à
escola nem aos estudantes. Para ser sincera, acho que os
feiticeiros tendem a ser um pouco... relapsos com a segurança dos
seus adolescentes, já que nós estamos sempre a um passo de
perder o controle da nossa magia e causar uma confusão
generalizada.
Ou são os adultos não-mágicos que são protetores demais com
as suas crianças, eu não saberia dizer.
É óbvio que toda essa liberdade nos levava a cometer erros
estúpidos, e como qualquer lugar onde convivem centenas de
adolescentes, fofocas e brigas eram coisas muito comuns no nosso
dia a dia.
Especialmente entre os integrantes da “Elite”.
Que, coincidentemente, era o meu grupo de amigos.
Quando entrei na escola há cinco anos, fui colocada em um dos
dormitórios nas Masmorras. No meu ano, seis adolescentes
chamaram a atenção por serem como eu: herdeiros de famílias que
alegam publicamente ser “inteiramente mágicas”, sem nenhuma
mistura com descendentes não-mágicos. Mas o orgulho das nossas
famílias pelas sementes de poder no sangue (e o preconceito
completamente sem sentido) era a única coisa que tínhamos em
comum, pelo menos nos dois primeiros anos.
Eu não me dava bem com eles, por mais que os outros alunos
insistissem em nos colocar no mesmo grupo. Os adolescentes mais
velhos nos chamavam de “Elite” de forma pejorativa, por causa dos
sobrenomes antigos, e a arrogância que normalmente nos
acompanhava, tentando nos intimidar e menosprezar nossa herança
genética.
Herança que nenhum de nós pediu, para deixar claro.
Ser parte de uma família inteiramente mágica e que sentia
repulsa pela normalidade não era nem de longe divertido. Eu não
fazia ideia de como funcionava o mundo com toda a sua tecnologia
humana, o que me fazia passar vergonha sempre que fazia uma
pergunta idiota e eles sempre achavam que eu estava sendo
esnobe e irônica de propósito.
Depois de dois anos suportando que os alunos mais velhos nos
dissessem como deveríamos nos comportar, nós nos cansamos.
A essa altura, eu já tinha criado simpatia o suficiente pelas
outras cinco crianças para saber que eles eram como eu: Ignorados
por pais que valorizavam muito mais sua posição social do que estar
em família. Éramos chamados de “herdeiros”, conhecidos por ser a
linhagem jovem das famílias mais tradicionais do mundo mágico.
Crescemos em meio à aulas de etiqueta, protocolos formais e
eventos sociais, com nossas famílias sendo citadas na imprensa de
jornais bruxos e nossa vida acompanhada de perto pelas colunas de
fofoca. Eu odiava cada parte disso, mas principalmente, odiava a
pressão de passar para frente os pensamentos e valores dos
nossos pais.
Quando completamos treze anos e despertamos o dom mágico,
nossos pais simplesmente jogaram a responsabilidade de nos
controlar nos ombros de outras pessoas. E, sendo um colégio
interno, eles não precisavam se preocupar que estivéssemos
sujando os nomes das famílias por aí, no mundo real. No fundo,
éramos todos mimados e mal-intencionados, acostumados a nunca
sermos punidos, doidos para chamar atenção e tentar compensar o
fato de que nossas famílias nunca realmente ligavam para quem
éramos ou quem queríamos ser. Adolescentes emocionalmente
quebrados e sem um pingo de amor pelo mundo e pelas outras
pessoas.
E assim que começamos a nos reconhecer uns nos outros, nós
decidimos mandar o medo da não aceitação para o inferno.
Agora, com 17 anos e plenos poderes mágicos correndo em
nosso sangue, nós assumimos o apelido e a porra da escola toda.
Em nosso compartimento do trem, a fofoca corria solta
enquanto a viagem chegava ao fim e a expectativa de começar o
quinto ano letivo alcançava todos nós.
— Vocês ouviram que aquele loiro gostoso do sexto ano
terminou o namoro durante o verão?
Phenelape Verena, ou Penny, para nós, era a minha melhor
amiga. Penny intimidava os outros alunos só com a sua presença.
Dividíamos o mesmo dormitório e também os olhares de todo
mundo na escola. Os cabelos de Phenelape eram curtos e pretos
como carvão, o mesmo tom que sempre estava delineado em seus
olhos verdes. A cara da autoconfiança, ela pegava geral, meninas e
meninos, não tinha medo de dizer o que pensava e era
definitivamente a mais esquentada de nós seis. Constantemente
perdia pontos por falar palavrão em aula ou provocar uma briga
com outros alunos nos corredores, mas nunca sem ter certeza que
podia provocar e sair ganhando. Ela era perigosa, atentada e
popular, e eu amava isso nela.
— Não é verdade, eu o vi beijando a namorada antes de
embarcar. Acho que só querem tentar ficar discretos.
Foi Dahlia quem respondeu, a terceira menina do nosso
grupinho. Completamente diferente de Penny, Dahlia Ashphodel era
a cara da inocência, mas meus sentimentos para quem caía no
papinho dela. Seu cabelo era de um ruivo intenso. Às vezes
volumoso e cacheado, às vezes liso escorrido, mas sempre enorme,
emoldurando os olhos cor de mel e deixando um ar inocente e
angelical em seu sorriso. Ela podia ser quieta e quase nunca se
envolver em brigas, mas não se engane. Dahlia tinha essa
aparência simpática, mas era manipuladora e tinha olhos e ouvidos
por todo lugar, descobrindo com facilidade todas as fofocas da
Averly. Ela sempre conseguia criar alguma conexão com qualquer
pessoa da escola se precisasse se aproximar por algum motivo. Era
a nossa infiltrada e espiã.
Com essa nova informação, Penny soltou um muxoxo
impaciente.
— Vamos ver por quanto tempo, Verena?
Foi uma voz firme que interrompeu a fofoca, e eu ergui os olhos
para o banco na nossa frente, onde os meninos estavam sentados.
Eros Knight sorria pra gente como se prometesse guerra.
Eros e Penny de vez em quando dividiam garotos. E garotas.
Apesar de Eros ter uma clara preferência por homens, e um fraco
por aqueles que ainda não estavam prontos para assumir a sua
sexualidade. Ele era um garoto alto e atlético, com um sorriso
contagiante e cabelos castanhos que estavam sempre
bagunçados. Era um dos meninos mais gatos da escola, e ele
sabia disso. Sua personalidade era divertida e espontânea, ele
sempre estava me fazendo rir. Nós dois ficamos muito próximos nos
últimos anos e ele sempre me tratou como sua melhor amiga no
mundo inteiro, me contando todas as suas aventuras e abrindo seu
coração nas madrugadas em meu quarto. Eros foi criado sozinho
por seu pai, que fez muito dinheiro manipulando fogo e alquimia
para criar um uísque de fogo e vender para todo mundo mágico.
Não havia uma taverna na Inglaterra que não tivesse uma garrafa
com o sobrenome Knight.
Estava com saudade das intrigas da escola. De repente uma
lembrança da minha última conversa com Phenelape durante as
férias invadiu minha mente e eu sussurrei para a amiga:
— Espera, e o Harrison? Vocês continuaram se correspondendo
durante o verão?
Penny abriu um sorriso. Terêncio Harrison era um dos garotos
que morava nas masmorras com a gente e estava no último ano.
Ele e Phenelape ficaram no ano anterior antes das férias e ela
estava gostando de verdade dele desde então. O que era raro,
muito raro.
— Nós conversamos o tempo todo durante as férias. Ele me
disse que estava ansioso pra ver hoje, mas não sei o que esperar.
Se ele me pedir exclusividade, eu juro que vou ter que pensar.
Abri a boca pra fazer uma piadinha sobre a mais solta de nós
estar começando a se apaixonar, mas com o solavanco do trem
chegando na estação, eu me segurei em Dahlia para não cair para
frente.
— Cuidado Weylin, ou você vai ter que beijar o distintivo.
Um dos garotos falou com um tom debochado, e eu olhei para o
distintivo de monitora que Dahlia tinha acabado de prender em suas
vestes.
— Porra, tinha me esquecido que nossa turma iria ter monitores
esse ano. Parabéns, Dahlia!
— Obrigada! Confesso que não achei que ganharia esse cargo.
Sinceramente, achei que o diretor iria escolher você!
Eu fiz uma careta com a ideia de me tornar monitora. A partir do
quinto ano, cada dormitório tinha um casal de monitores que
precisava cumprir turnos para monitorar os alunos fora das aulas e
ajudar os novatos a se adaptarem com o castelo. Era uma honra e
dava privilégios como pontos extras, maior liberdade de horário e o
poder de distribuir detenções, além de te colocar sob os bons olhos
dos anciões, o que para nós, encrenqueiros natos, era ótimo. Mas
Penny caiu na gargalhada do seu outro lado.
— Cora Weylin monitora? Nem fodendo o diretor colocaria essa
garota pra distribuir detenções.
Eu sorri, sabendo que usaria a vantagem para benefício próprio,
mas Dahlia rebateu o argumento da amiga:
— É, mas Novak ganhou o distintivo também, e ninguém arruma
mais brigas do que ele.
Eu levantei os olhos pela primeira vez para encontrar os
meninos sentados no banco em frente. Daemon Novak sorriu de
canto para mim, o “M” de monitor brilhando no peito tanto quanto
seu olhar de deboche e desafio. Eu nem precisava pensar muito
para saber que ele ficaria muito mais arrogante e insuportável com
outros alunos agora.
Até então, Daemon não tinha participado da conversa porque
estava entretido em um jogo de xadrez com seu melhor amigo, Ezra
Slater. Ez era um garoto bem mais reservado e intimidador aos
olhos do restante da escola. Seu físico forte e fama de ser nada
amigável fazia todo mundo ter medo de contrariá-lo. Entre nós seis,
Ezra era, na verdade, o paizão do grupo, porque ele sempre estava
de olho em tudo o que acontecia e tomava conta de nós com
carinho, evitando sempre que fôssemos pegos pelos professores
sem pelo menos uma boa desculpa. Ele obviamente era o mais
responsável de nós, mas isso não o impedia de ser um total “fuck
boy[1]” fora do horário de aulas. Ez mantinha o cabelo raspado nas
laterais e os cachos modulados para cima, a pele negra em
contraste com os brincos de brilhantes que sempre usava
emoldurando o rosto de maxilar afiado e olhos pretos intensos. Os
músculos sempre apareciam na camisa como se ele tivesse
acabado de fazer trezentas flexões – coisa que eu tinha certeza que
ele fazia todas as manhãs.
Ezra e Daemon eram melhores amigos e tinham uma ligação
muito forte, um sempre sabia o que o outro estava pensando. E ele
era o único que conseguia controlar o gênio forte de Daemon, que
conseguia ser ainda pior que o meu.
Ez interrompeu meus pensamentos quando respondeu a Dahlia,
fazendo todo mundo cair na gargalhada.
— Se Daemon não fosse escolhido eu tenho certeza que o Sr.
Novak iria ouvir falar sobre isso.
Daemon revirou os olhos, mas sorriu e deu um soco de
brincadeira no ombro do melhor amigo. Ele não se importava se um
de nós zoava sua família, mas ficava louco se alguém de fora
falasse qualquer coisa sobre os Novak, coisa que frequentemente
acontecia, já que era a família com mais orgulho de ter sangue
mágico no mundo. Só pelo nome, Daemon já seria popular na
Averly. Mas, obviamente, ele tinha muito mais a oferecer.
Todos nós éramos crianças mimadas pelos pais com muita
liberdade para fazer merda, quase sempre sendo o assunto mais
recorrente entre as fofocas, mas ainda assim, Daemon Novak
dominava os sussurros entre as paredes da escola. Era
provavelmente o garoto mais galinha e, não ironicamente, também o
mais desejado. Ele estava sempre com uma ou mais garotas a
tiracolo, e nem se preocupava em aprender seus nomes. Ele as
descartava a cada festa e elas sempre voltavam querendo mais, e o
porquê era visível: Daemon tinha um físico forte e definido para os
seus 17 anos, só usava roupas de grife, um cabelo loiro quase
branco que era mais bem cuidado que o meu, apesar de estar
sempre cuidadosamente despenteado. Seus olhos eram de um azul
frio claríssimo, que muitas vezes parecia cinza, e ele usava
acessórios de prata e anéis grandes que eram a sua marca
registrada.
Mas além da aparência física, sua personalidade irritadiça era
conhecida por todo mundo. Ele era um bully[2] com quem ficava em
seu caminho, e não tinha vergonha de flertar em público.
Exatamente o tipo de garoto que se acha demais, e sua mãe te
avisaria para ficar longe, mas você desobedeceria, porque ele sabe
ser irresistível.
Apesar da forma como agia com as garotas que queria levar
para cama, Daemon era muito leal àqueles que amava. Se ouvisse
alguém falando mal de qualquer um de nós, ele avançava sem
medo ou piedade. Era ciumento e possessivo com as meninas da
Elite e tinha um desejo constante por estar no controle, ser o nosso
líder. Ele arquitetava planos e causava intrigas com facilidade, só
pela diversão de assistir explodirem brigas e fofocas. Daemon sabia
provocar como ninguém e era, de fato, aquele para quem nós
corríamos pedir ajuda quando precisávamos.
Assim que o trem ficou imóvel, ele foi o primeiro a dar a ordem.
— Vamos logo sair daqui antes que algum idiota pegue o nosso
lugar na mesa de jantar.
Ninguém ousou discutir.

Havia algo de libertador em estar de volta. Eu não me sentia em


casa em nenhum outro lugar no mundo, e dentro das paredes do
castelo, sentindo a magia correr solta pelo meu sangue e implorar
libertação, eu me sentia... poderosa. Como se eu soubesse que
esse era o meu lugar, e eu pertencesse a ele tanto quanto ele
pertencia a mim.
Mal ouvi o discurso de abertura do diretor antes do jantar, e
depois que os pratos estavam limpos nas quatro mesas antigas de
madeira onde nós nos acomodávamos para todas as refeições, os
bancos magicamente se afastaram e as portas se abriram para a
enxurrada de estudantes cansados e de barriga cheia se
encaminharem até seus dormitórios. Dahlia e Daemon, como eram
os monitores do nosso ano, deveriam puxar a frente dos estudantes,
mas não foi surpresa nenhuma quando Novak anunciou que não iria
mudar sua rotina pelas atividades de monitor, a não ser que
quisesse distribuir umas detenções e intimidar algum aluno. Então
ele ficou sentado à mesa com a gente, esperando a maior parte dos
alunos saírem para poder caminhar nos corredores mais vazios.
Nós sempre preferíamos usar as passagens secretas para
chegar mais rápido de qualquer forma. Com o salão um pouco mais
vazio, eu saí atrás dos outros com Penny tagarelando durante todo
o caminho até as masmorras. Quando chegamos ao enorme “Salão
de descanso”, que antecedia as entradas para os dormitórios e
reunia mesas de estudos, sofás, lareiras e até uma pequena
biblioteca para a execução de tarefas escolares, Dahlia nos
esperava no nosso já estabelecido “lugar”, no maior (e melhor) sofá
junto à lareira. Com a Elite reunida de novo, Phenelape continuou o
seu discurso que tinha começado já durante o jantar.
Há uns dois anos, criamos a tradição de organizar uma festa de
boas-vindas na primeira sexta-feira depois da volta às aulas, e era
essa a conversa que estávamos tendo. Me aconcheguei no meu
canto preferido da poltrona e tentei acompanhar, mas as coisas já
estavam mais ou menos organizadas. Phenelape e Dahlia,
habilidosas e com muito bom gosto, iriam cuidar da decoração do
salão. Ez e Eros iriam dar um jeito de contrabandear e guardar
alguns uísques de fogo pra ocasião.
Daemon e Penny agora discutiam sobre gastar algum ouro
trazendo um serviço mágico de buffet de fora da Averly e ter comida
de primeira, já que os alunos normalmente oferecem montes de
salgadinhos e outras coisas muito baratas e nada deliciosas.
— Vai, essa é a nossa oportunidade de fazer a melhor festa de
boas-vindas que a escola já viu! E, fala sério, eu sei que seus pais
têm dinheiro, vamos usar um pouco disso!
Phenelape vinha tagarelando desde cedo que queria fazer uma
festa chique. Daemon aparentemente estava de mau humor e
interrompeu a discussão.
— Verena, não aguento mais ouvir você falar dessa porra.
Contrata quem você quiser que eu pago.
Daemon falou em seu tom normalmente frio, sem se mexer da
poltrona de Eros, onde ele estava encostado com as mãos nos
bolsos. Penny nem precisou responder. Seu olhar brilhou com a
oportunidade de usar o dinheiro ilimitado dos Novak para fazer sua
festa ficar perfeita. Iríamos dar carta verde para versão mandona e
controladora dela, mas dessa vez seria a nosso favor.
— Daemon bancando os caprichos de Penny? Porra, se
preparem pra ter a Academia Averly vindo a baixo!
Ezra sorriu para o Eros e eles caíram na gargalhada. Aquele
momento foi interrompido por Natan Smith, um aluno do último ano
e o capitão do time das Masmorras em todas as competições de
esportes mágicos, que entrou na sala acompanhado de dois amigos
grandalhões, berrando para quem estivesse por ali:
— Novak! Slater! Bletchey! Harrison! Thompson! E quem mais
tiver coragem de representar as Masmorras, quinta-feira no campo,
testes para o time. Vamos ver se vocês andaram treinando ou vão
perder a posição.
Natan gritou para todo mundo, completando a última frase
apontando para os alunos que já jogaram em algum dos nossos
times. Com um tom de voz mais baixo e mais leve, ele pousou os
olhos em mim.
— E Weylin, quero ver você lá também. Uma competição cairia
muito bem ao Daemon.
Com uma piscadinha, ele saiu para os dormitórios sem se
importar que, no instante em que se aproximou de mim, Ez,
Daemon e Eros já estavam me cercando.
Eu soltei um suspiro.
Daemon era um montador de dragões.
O esporte mágico mais amado e valorizado na escola se
chamava Corrida De Dragões e, apesar do nome, não era uma
simples corrida. Envolvia desafios em equipe e obstáculos mágicos
que precisavam ser vencidos dentro de um labirinto com força,
inteligência e habilidades.
E um único montador de Dragões de cada lado do campo.
Ninguém nas masmorras nunca conseguiu tirar o lugar de
Daemon desde que ele entrou na escola. Mas, no terceiro ano,
quando ele precisou ficar meses sem poder voar por causa de um
ataque animal — provocado por ele mesmo, acho importante frisar
— durante a aula de Cuidados com Criaturas Mágicas, eu joguei um
jogo no lugar dele. No final do ano quando Daemon retornou para
vencer a última corrida, o time das masmorras já tinha uma
vantagem absoluta de pontos e ganhamos o campeonato. Natan
nunca esqueceu o quanto eu o surpreendi voando em cima de um
dragão e desde então sempre me incentiva a praticar e participar
dos jogos.
A maior parte dos bruxos morre de medo dos dragões, então os
montadores são vistos por aqui quase como celebridades, o que só
alimentava o já enorme ego de Daemon. Eu nunca joguei pelo
reconhecimento, mas porque eu vejo algo de bonito na força e fúria
dos dragões, e por mais que eu tenha me divertido quando joguei,
eu não tinha muita vontade de treinar todos os dias como Smith
exigia.
— Eu não me conformo que temos dois montadores brilhantes
no nosso time, e só podemos usar um! Tem certeza que você não
quer jogar em outra posição, Weylin? Eu posso dar um jeito de
impedir qualquer um de jogar se isso abrir uma vaga pra você.
Ezra Slater me perguntou, com um sorriso sonhador.
— Obrigada pela oferta, Ez, mas acho melhor não.
Respondi rindo, me levantando da poltrona para ir para o meu
quarto. A maior parte dos alunos já tinha subido para os dormitórios.
— Você não vai fazer o teste, então?
Daemon finalmente falou, se desencostando da poltrona e
caminhando em minha direção. A sala estava quase deserta agora,
o fogo já tinha apagado e somente a Elite e um grupo de
terceiranistas estavam sentados mais ao fundo. Algo se acendeu
dentro de mim quando a pergunta carregada de desafio chegou aos
meus ouvidos.
— Não sei, Daemon... Está com medo de eu tirar o seu lugar no
time?
Eu não tinha pretensão de tentar a vaga de montadora de
dragões na corrida, mas perguntei com um sorriso malicioso só
porque eu sabia que isso o irritaria.
— Você é boa, Cora, mas nós dois sabemos que eu sou melhor.
Ele respondeu sem tirar os olhos de mim e entrando no jogo,
abrindo também um sorriso de canto que me fez sentir um arrepio
inesperado. Daemon e eu éramos parecidos em várias coisas, mas
tinha uma característica nossa que era muito marcante. Quando
alguém decidia nos provocar, a gente não sabia voltar atrás.
Quando a provocação era com alguém de fora, a gente sabia que ia
ganhar. Mas quando era entre eu e ele, ninguém sabia o que podia
acontecer. Vi Ezra nos observar com apreensão enquanto eu
respondia calmamente:
— Acho que vamos ter que descobrir na quinta-feira, então.
Eu sorri e deixei os dois para trás, saindo em direção ao meu
dormitório.
Na manhã seguinte, eu acordei atrasada.
Apesar de estar em cima da hora, não me importei em perder
uma meia hora me arrumando em frente ao espelho do banheiro
que eu dividia com Penny. A vadia não estava no quarto e me
deixou dormir até mais tarde, e eu a cobraria por isso assim que nós
nos víssemos.
Escovei os longos cabelos loiros, prendendo a franja sob a tiara
preta com cristais que eu usava quase como uma coroa na escola.
Puxei as meias até em cima dos joelhos, apertei mais ainda a saia
na cintura antes de vestir o blazer do uniforme e me encarei no
espelho de corpo inteiro com uma expressão meio decepcionada.
Se minha mãe estivesse aqui, ela diria que eu estava horrorosa,
apesar de não ter nada de errado comigo. Ela encontraria algum friz
no meu cabelo, diria que minhas botas não estavam limpas o
suficiente, que eu deveria passar mais rímel para destacar os olhos
azuis, e que deveria pular o café da manhã se quisesse manter o
corpo “que os homens gostam”. Eu até mesmo usava as mesmas
saias do segundo ano, porque elas ficavam mais curtas e exibiam
minhas coxas.
Eu sabia que minha mãe queimava as cartas da escola com
reclamações sobre o meu mau uso do uniforme da escola. Ela não
se importava com detenções ou mau comportamento, estava
disposta a ignorar até mesmo a fúria do diretor quando eles me
pegaram bêbada na cama de um garoto mais velho no ano anterior,
desde que eu “mantivesse a boa aparência”. Nada aconteceu entre
mim e o cara, porque graças à Deusa, Penny contou aos meninos
onde eu estava e eles me tiraram de lá antes que ele fizesse o que
estava planejando, ou teria mais uma cicatriz e um arrependimento
para o resto da vida.
Reprimi a vontade de me ajoelhar no banheiro e esvaziar o
escasso conteúdo do meu estômago. Ao invés disso, ajustei mais
uma vez a tiara na minha cabeça e repeti mentalmente que eu podia
não ser boa o suficiente para minha mãe, mas era melhor que todas
as garotas dessa escola, e aquilo deveria servir.
Entrei correndo no salão principal para o café da manhã e
acabei, acidentalmente, esbarrando em Natan Smith, que me
segurou pela cintura para que eu não caísse no chão.
— Porra, Smith, olha pra onde você anda!
Ele sorriu, apesar da minha grosseria. Eu sabia que o capitão
do time da Masmorra tinha uma quedinha por mim.
— Relaxa, Weylin. Eu não ia querer que minha montadora
preferida se machucasse antes dos testes, não é?
Ele falou alto, deixando que quem estivesse em volta ouvisse a
conversa, eu o empurrei para me livrar das mãos dele na minha
cintura.
— Tire suas mãos de mim.
Natan sustentou o sorriso, mas se afastou assim que viu
quando Eros e Ezra se levantaram da mesa e ameaçarem se
aproximar. Era impressionante como eles sempre estavam de olho.
Eu falei para os amigos que estava tudo bem antes de começar a
caminhada até eles, mas Henry e Adonis, meus amigos da turma de
Observação de Estrelas, me pararam alguns passos mais para
frente. Seus rostos estavam eufóricos.
— É verdade? É verdade que você vai brigar com Novak pela
vaga de montador esse ano?
Henry perguntou e meu queixo caiu. Eles não moram nas
masmorras, eles são garotos da Torre. Como saberiam disso?
Adonis estava ao lado dele com uma cara de quem suplicava para
que fosse verdade.
— O que? Quem te contou isso?
Eu perguntei de volta, percebendo que alguns outros alunos
estavam por perto ouvindo a conversa.
— A escola inteira está comentando, essa foi a maior fofoca do
café da manhã! Sinceramente Cora, acho que toda a escola vai
aparecer pra torcer pra você.
— Vocês só podem estar brincando — eu supliquei
— Claro que não! Alguém desafiando Daemon? Pode ter
certeza que todo mundo vai aparecer pra ver isso — Henry rebateu.
Eu não respondi. Olhei em volta e os últimos remanescentes do
café da manhã pareciam estar cochichando e olhando na direção da
mesa onde a Elite normalmente se sentava. Era óbvio que todo
mundo já sabia da primeira fofoca do ano.
— Merda, acho que vou ter que fazer o teste mesmo.
— Claro que vai! Vamos, Adonis e eu podemos te ajudar a
treinar depois da aula essa semana. Você sabe que é boa, só
precisa praticar.
Eu agradeci e me despedi dos meus amigos, correndo para a
mesa antes de o café da manhã terminar, mas já completamente
sem fome. Estava tão perdida em pensamentos que só percebi a
ausência da minha melhor amiga quando nos levantamos para ir pra
aula.
— Gente, alguém viu Phenelape? Quando eu acordei, ela já
tinha saído do nosso dormitório.
Os garotos fizeram que não com a cabeça, trocando alguns
olhares preocupados, e nós continuamos o caminho em direção à
primeira aula do dia, História dos Povos Mágicos. Sabiamente, o
diretor tinha posto uma matéria teórica na primeira aula da segunda-
feira, sabendo que nossa magia provavelmente estaria drenada
depois do final de semana. Mas como era a primeira aula do ano,
todos os alunos estavam inquietos e ansiosos, e o ancião de barba
e cabelos longos que ensinava essa matéria há cinquenta anos até
terminou a aula alguns minutos mais cedo quando percebeu que a
gente simplesmente não conseguia mais ficar sentado prestando
atenção. Penny só apareceu na metade da aula, entrando na sala
de fininho e sentando do meu lado, tentando esconder os olhos
cheios de lágrimas. Eu troquei um olhar preocupado com Dahlia,
Eros, Ezra e Daemon.
— Penny...
— Mais tarde eu explico.
Ela sussurrou séria e fechou a cara, limpando a última lágrima e
voltando a ter a expressão fria e debochada de sempre. Quando o
professor nos liberou, os alunos saíram apressados em direção às
próximas aulas, mas os integrantes da Elite ficaram onde estavam.
Phenelape cruzou os braços, sabendo que seria questionada.
Eros se aproximou e puxou uma cadeira para se sentar ao nosso
lado. Daemon se encostou na carteira mais próxima, Dahlia
apareceu pelo meu outro lado e Ezra ficou em pé, com um olhar
sério. Ele foi o primeiro a falar.
— Vai, Verena, abre a boca.
Phenelape olhou com desafio para o amigo, como se ousasse
dizer que não era da nossa conta, mas suspirou e explicou o que
aconteceu:
— É o Harrison. Eu saí antes do café para procurar ele, e
acontece que não era só comigo que ele estava conversando
durante o verão. Eu o vi beijando aquela ruiva do último ano que
mora na Torre.
Ela baixou os olhos de novo, chateada. Dahlia soltou um suspiro
de choque, Eros se levantou irritado e Daemon deu um soco na
mesa. Ezra olhou para os amigos com a cara fechada, os
mandando parar quietos, e depois falou mais uma vez.
— Ele viu você?
— Não. Ele não sabe que eu sei.
Phenelape finalmente sorriu, um sorriso diabólico que eu
conhecia bem. Ninguém mexia com a Elite. Mas quando mexia, a
gente sabia bem demais se defender e se vingar. Daemon se
aproximou com raiva no olhar.
— Ezra...
— Eu sei, Daemon. Você vai poder meter um soco na cara dele,
mas antes disso, ele precisa saber porque está apanhando. Se ele
não sabe que Penny os viu, podemos esperar até à noite.
O sinal tocou naquele instante, indicando que as próximas aulas
iriam começar em cinco minutos. Ezra puxou Phenelape para um
abraço carinhoso e nós saímos juntos da sala.
— Ele vai se arrepender por mexer com você. E com a Elite.
Eu prometi para a amiga e ela sorriu também, sabendo que era
verdade.
Nos últimos anos, a nossa amizade evoluiu de uma forma que
nós deixamos de ser colegas de escola. A Elite era nossa família,
um lugar onde nós não precisávamos ter segredos e podíamos ser
nós mesmos sem nos preocupar em agradar ninguém. Era nosso
ponto seguro, onde nos sentíamos amados do jeito tortuoso e
imperfeito que cada um de nós sabia amar.
Os garotos eram briguentos e ciumentos. Nós também.
Constantemente estávamos metidos uns nos problemas dos outros,
até chegarmos ao ponto de a escola inteira saber que mexer com
um, era mexer com todos. E eu finalmente sentia que entendia
como era ter algo como uma família.

Assim como Henry e Adonis me prometeram, nós praticamos


mais tarde naquela noite. Tínhamos uma hora livre depois do jantar
e antes do toque de recolher, então corremos para o térreo do
castelo onde as salas de ginástica se abriam para um campo
murado.Voar era algo natural para muitos feiticeiros, mas eu não
podia treinar com um dragão de verdade até ser aceita pelo time,
então nos esgueiramos para dentro dos armários dos professores
de Esportes Mágicos e encontramos algumas velhas vassouras
encantadas.
— Porra. Vamos voar em vassouras, como faziam os bruxos da
Idade Média?
Eu perguntei com descrença, mas Henry e Adonis só deram
risada.
— É o que temos! A não ser que tenha um tapete mágico
escondido por aqui, porque isso sim seria divertido!
Como não encontramos nenhum tapete, voamos com as
vassouras.
Pela hora seguinte, nós nos divertimos muito competindo sobre
quem voava mais rápido e praticando fintas, truques e técnicas.
Henry voava bem, mas Adonis logo desistiu de tentar acompanhar
nossos voos e passou a tentar me atrapalhar e me derrubar do ar, o
que era um ótimo treino para os desafios da Corrida de Dragões. De
vez em quando, gritava alguma coisa para nós ou comemorava um
movimento bem feito.
Foi bom lembrar a sensação do vento no rosto e imaginar como
seria subir em um dragão de novo. Nós não nos atrevemos a voar
muito alto, com medo de atrair a atenção de um dos anciões, então
foi um treino de merda, mas teria que servir.
Eu voltei para as masmorras naquela noite a tempo de ver a
Elite com um plano de vingança em ação. Na poltrona bem no meio
da sala, Phenelape estava com os pés no colo de Daemon
enquanto Eros massageava seus ombros, os dois com aquela
postura de macho alfa que assisti inúmeras vezes antes de eles
saírem “à caça” de garotas, exalando testosterona. E minha amiga
deitava relaxada, sentindo os dedos de Eros deslizarem sob o seu
corpo, de uma forma nada amigável, e sim sensual. Era difícil não
olhar para eles, e em instantes eu percebi que todo mundo na sala
os encarava. Me sentei no sofá em frente à lareira ao lado de
Dahlia. Minha expressão era confusa e chocada, e ela riu da minha
cara.
— Veio assistir o show?
— Que porra é essa?
Eu sorri e respondi baixinho enquanto a amiga me explicava.
— Harrison pode ser um galinha, mas também é meio ciumento.
Phenelape quer deixar ele puto pra tornar tudo mais divertido.
Eu escondi uma risada e peguei o olhar de Ezra encostado nos
fundos da sala, de olho em tudo. Não demorou muito até Harrison
aparecer de onde observava Phenelape e se aproximar deles. Os
outros alunos nem escondiam que estavam de olho na possível
nova fofoca, então o silêncio que recaiu permitiu que a gente
ouvisse perfeitamente o diálogo:
— Harrison, você está atrapalhando a minha luz.
A voz de Daemon era arrastada, com o desprezo habitual.
Harrison nem o olhou, as íris fixas em Phenelape, que tinha a
gravata do uniforme solta no pescoço e os primeiros botões da
camisa abertos.
— Phenelape... posso falar com você?
Ele sussurrou, e ela levantou os olhos para ele.
— Seja o que for, pode falar na frente dos meus amigos. Eu não
tenho segredos.
Ela frisou a última palavra, e eu vi Harrison franzir as
sobrancelhas. Ele deu uma breve olhada a Daemon, que tinha os
dedos de Penny nos seus e deslizava seus lábios devagar pelo
pulso e braço dela.
— Fale o que quer ou vá embora, Harrison.
Daemon pressionou e ele saiu do seu transe. Harrison não era
idiota de desafiar Novak, ninguém era. Ele pigarreou e voltou a olhar
para Penny.
— Eu achei que nós... hum, tínhamos alguma coisa, Phenelape.
Minha amiga então se afastou dos dois garotos da Elite e se
levantou. A sala inteira acompanhava os dois.
— E eu achei que você gostava de dividir, não é isso que você
estava fazendo comigo, com Valerian e Ruth?
Eu arregalei os olhos para Dahlia, e ela cochichou para mim que
tinha descoberto mais uma traição de Harrison essa tarde.
Phenelape e ele não estavam exatamente namorando, então não
era realmente uma traição, mas ele estava enganando três garotas
ao mesmo tempo. Ele arregalou os olhos, assim como eu fiz,
quando ouviu os nomes das garotas, com certeza achou que
ninguém nunca descobriria. Valerian e Ruth estavam na sala
também, e ouviram a acusação.
— Phenelape...
— Você achou errado, Harrison. Eu e você não temos nada. E é
melhor não tentar abocanhar mais do que pode engolir da próxima
vez.
Penny deu as costas para ele, vindo em nossa direção. Mas ela
só deu um passo antes de Harrison a segurar pelos pulsos, a
impedindo de sair dali. Aquele pequeno movimento foi suficiente
para fazer Daemon e Eros se levantarem. Os garotos da Elite eram
possessivos e ciumentos, mas conheciam o limite com cada uma de
nós. E se alguém encostasse em nós de forma agressiva, por menor
que fosse o toque... eles se tornavam animais. Harrison soltou
Phenelape no instante em que percebeu que estava fodido.
— Você está maluco, Harrison?
Eros perguntou, enquanto empurrava o garoto para trás. Ele se
virou com um olhar furioso e fez menção de falar alguma coisa,
provavelmente um xingamento ou palavrão pela sua expressão,
mas não teve tempo. Daemon meteu um soco em seu nariz antes
que ele abrisse a boca, e o garoto cambaleou.
— Sai de perto dela se quer viver mais uma semana.
Daemon trovejou, o silêncio cortante da sala fazendo com que
todos ouvissem a discussão. Ezra apareceu por trás dos garotos da
Elite e Harrison pareceu desistir de falar o que estivesse em sua
cabeça. Tentando conter o sangue que escorria do seu nariz, ele
deu uma última encarada em nossa direção antes de sair do salão
com o nariz ensanguentado, xingando baixinho. Valerian e Ruth
saíram juntas atrás dele prontas para tirar suas próprias satisfações.
Daemon e Eros sorriram satisfeitos um para o outro, aquele
sorriso lindo e cruel que eu já conhecia de outras épocas. Dahlia e
eu abrimos espaço e eles se juntaram a nós, já rindo da cara de
Harrison e conversando animados como se aquela confusão não
fosse nada demais. Daemon se largou ao meu lado no sofá e
distante de Phenelape, como se quisesse deixar claro que só estava
com as mãos nela para a encenação da Elite.
Eu sorri para os amigos e revirei os olhos, pensando em como
estava com saudades de arrumar essas confusões na escola.
Penny já estava feliz e confiante novamente e era só isso o que
importava. O salão foi ficando mais vazio conforme os alunos iam
dormir, e eu estava quase indo também. Daemon então se mexeu
ao meu lado e eu senti seus dedos frios segurando o meu queixo,
me fazendo olhar para ele. Eu encarei aqueles olhos azuis tão
claros que eram quase cinzentos. Parecia que ele estava
enxergando minha alma, e um arrepio espontâneo percorreu minha
espinha. Porra, ele era o único garoto da Averly que não pedia
permissão antes de me tocar, e sabia disso. Eu só não tinha muita
certeza em como me sentia em relação a isso.
— O que foi?
Eu perguntei.
— Porque você quer me enfrentar?
Ele perguntou direto e eu franzi as sobrancelhas antes de
responder:
— Por que eu vou fazer o teste para o time, é o que quer saber?
— Não. Por que você quer me enfrentar?
— Mas não é a mesma coisa?
Daemon revirou os olhos, impaciente, e largou o meu rosto. Ele
se aproximou de mim no sofá e o cheiro do seu perfume Dior
encheu minhas narinas, tornando difícil para mim sustentar o seu
olhar irritado.
— Não é a mesma coisa. Você nunca quis fazer parte do time.
Porque você quer me enfrentar?
Eu mantive a postura de desafio enquanto pensava no que ele
estava dizendo. Porra, Daemon me conhecia bem demais. Ele sabia
que eu estava nessa muito mais pelo desafio de ganhar do que
realmente por vontade de participar do time.
Mas eu jamais iria admitir que queria provocá-lo, até porque eu
sequer tinha certeza se essa era a minha motivação. Não sabia
muito bem o que estava sentindo, mas não ia voltar atrás. Quando
Daemon e eu começávamos uma disputa, seja pela vaga de
montador, pela nota mais alta em um trabalho, ou em qualquer outra
aposta que sempre fazíamos desde crianças, nós não voltávamos
atrás. Eu me levantei da poltrona, ainda pensando no que
responder. Daemon sustentou meu olhar e não pôde evitar abrir um
sorrisinho de canto quando eu finalmente dei minha resposta e o
provoquei mais um pouco.
— Se você está com medo de passar vergonha, Novak, ainda
dá tempo de desistir do teste.
Eu sorri para ele com deboche e virei as costas mais uma vez,
deixando o amigo para trás e sentindo o coração acelerado. Eu não
tinha muita certeza se os batimentos desgovernados eram só por
causa do teste para o time.
A primeira quinta-feira do ano finalmente chegou, e era o
dia dos testes para o time das Masmorras. Como Henry imaginava,
grande parte da escola apareceu nos jardins para assistir. Natan
Smith, o capitão, selecionou os participantes para as outras
posições da Corrida de Dragões.
Cada time recebia uma bandeira e um ovo mágico que
precisava proteger. O time adversário precisava não só cravar a sua
bandeira no ninho inimigo, mas também roubar o ovo do adversário.
Era um jogo intenso que exigia estratégia, inteligência e muita força
bruta, e era isso que ele procurava nos candidatos. Ninguém da
Elite se importava em participar além de Daemon. O instinto de
sobrevivência falava mais alto, e ele era o único que não tinha medo
de colocar a própria vida em risco.
Com o que eu conhecia dele, arriscaria dizer que ele até
gostava da sensação.
O principal jogador do time jogava montado um dragão e podia
fazer a estratégia que quisesse para tirar o inimigo do ninho e
facilitar pra que seu time pudesse invadir. No final das contas, Natan
terminou com quase o mesmo time que montou final do ano
passado, só faltava definir quem seria o montador.
Como mais ninguém foi corajoso ou louco o suficiente para
tentar competir com a gente, o teste seria entre Daemon e eu.
— Deixei vocês dois pro final na esperança que a maior parte
do pessoal já tivesse ido embora, mas pelo visto, eram vocês que
eles queriam assistir.
Smith disse, olhando para as arquibancadas.
— O diretor não me deixou usar dragões para o teste, então
vocês vão ter que provar que sabem voar usando as velhas
vassouras. Olha, pra ser sincero, eu já vi vocês jogando então sei o
que esperar. Vou fazer uma corrida com obstáculos e quem chegar
primeiro está no time, simples assim. Combinado?
Daemon e eu assentimos. Smith me alcançou uma das
vassouras enfeitiçadas, que vibrou na minha mão quando eu me
preparei para montar, e se afastou em sua própria vassoura para
preparar o campo.
Flutuei como uma brisa suave até parar uns cinco metros do
chão, onde Novak me esperava. Nós nos encaramos por um
segundo antes de ele quebrar o silêncio.
— Não vou pegar leve com você.
— Nem eu.
Ele riu com a minha resposta rápida. Do outro lado do campo,
Smith estendia as palmas das mãos abertas para o céu.
Senti a vassoura vibrar quando um vento fantasma pareceu
querer me tirar da tranquilidade da flutuação.
Manipulação de ventos. Natan já estava no último ano e era
definitivamente um descendente de Sierlyn, um digno filho da Deusa
da Noite.
Ele fez sinal para que esperássemos por mais uns trinta
segundos e então sua voz soou como se estivesse ao meu lado
quando disse: “vão”. Na mesma hora, Daemon e eu começamos a
circular o campo em alta velocidade. Três voltas, diferentes
obstáculos. Precisávamos provar velocidade e habilidades.
Parecia que a escola inteira estava assistindo, até alguns dos
anciões apareceram para olhar. Me concentrei no campo e no
trajeto que estava fazendo. Desviei de uma parede sólida de vento
que surgiu do nada, e senti Daemon desacelerar um pouco para
também desviar. Passei o ponto de partida em primeiro, ganhando a
primeira volta.
Um círculo grande formado por folhas flutuantes surgiu uns
cinco metros para frente. Nós deveríamos passar por dentro dele.
Eu estava quase lá quando Novak apareceu não sei de onde e
esbarrou em mim, me fazendo trocar de direção e ter que dar a
meia volta para cruzar o círculo.
— Filho da puta!
Ouvi a risada dele alguns metros para frente. Eu suspirei
frustrada enquanto recuperava o equilíbrio. A segunda volta tinha
sido vitória dele.
Na terceira volta, várias argolas apareciam flutuando em
diferentes alturas do campo, e nós precisávamos coletar todas elas
antes de chegar em primeiro lugar no ponto onde Natan esperava.
Argolas verdes para Daemon, cor de rosa para mim.
Não pude deixar de perceber que as argolas rosas estavam
mais fáceis de pegar do que as verdes. Mesmo assim, Daemon
tinha uma vantagem de quase seis metros, e se não houvessem
mais obstáculos, ele chegaria primeiro. Decidi jogar sujo, ignorando
uma das argolas e voando diretamente atrás dele, falando a
primeira coisa que veio em minha mente, algo que eu sabia que iria
desconcentrá-lo.
— Daemon?
— Agora você quer conversar?
— Smith e eu fizemos uma aposta. Se você ganhar de mim, eu
saio com ele pra um Encontro.
Não era exatamente uma mentira, Smith me convidava para sair
há meses, mas eu sabia que o ciúme possessivo que Daemon tinha
pelas garotas da Elite, não iria deixá-lo ignorar essa informação. Ele
parou no ar, com a expressão enfurecida, e eu sorri debochada.
Ouvi os murmúrios da plateia se perguntando porque nós dois
estávamos parados no meio da última volta, mas não tirei os olhos
dos de Daemon.
— Sua diabinha...
— Ganhe a corrida, e vai precisar assistir eu me exibindo com o
capitão.
Eu sabia que tinha conseguido desestabilizá-lo, e não esperei
por uma resposta quando dei meia volta e voltei a recolher minhas
argolas, percebendo que ele ficou parado.
Estava sorrindo, quase gargalhando, quando coletei a última
argola e apontei minha vassoura em direção ao capitão, pronta para
ouvir ele declarar minha vitória. Talvez eu até cedesse meu lugar no
time para ele, mas ganhar a competição era o meu maior objetivo.
Percebi que tinha algo errado quando faltando dois metros para
chegar em Smith, ele desfez o sorriso em uma expressão de
choque... e medo. Virei para trás para encontrar o foco do seu olhar
e percebi Daemon à pouquíssima distância de mim, parecendo um
furacão, com todas as suas argolas coletadas, avançando
perigosamente na direção do capitão.
E sem a intenção de desviar ou frear.
Merda, merda, merda, merda!
— Smith, sai do caminho!
Eu gritei, mas não adiantou nada. Daemon me ultrapassou a
meio metro da linha de chegada e não desacelerou quando deixou
sua vassoura colidir de forma assustadora com Smith e os dois
caíram os dez metros em direção ao chão.
Fiz o que pude para descer em alta velocidade, sabendo que a
vassoura podia ser mais rápida do que os dois em queda livre,
parando a meio metro do chão com os braços erguidos,
murmurando freneticamente o encantamento para amortecer que só
tinha praticado com pequenos objetos jogados para o ar na última
aula de feitiços.
Eu podia manipular o vento. Podia desacelerar algo que caía
em alta velocidade.
Minha magia se agitou, e eu quase pude enxergar o feixe de
energia quando Smith e Novak tiveram sua queda desacelerada
para uma queda ainda ruim, mas não fatal.
Eu só esqueci de calcular que estava exatamente abaixo de
onde Daemon caía.
A batida no chão durou um segundo. Não senti o impacto
quando minha vassoura tremeu com o excesso de peso e Daemon
e eu caímos o último meio metro batendo um no outro, rolando
embolados no chão. Ouvi ao longe os alunos trancarem a
respiração e os imaginei esticando o pescoço, procurando ver.
Quando senti a cabeça parar de girar, eu levantei o suficiente para
perceber que estava por cima de Daemon. As mãos dele me
apertaram junto do seu corpo, como se para se certificar que eu
estava inteira.
— Porra, Daemon! Maluco, inconsequente, mimado!
Eu xinguei e bati com os punhos no peito dele, com ódio por ele
ter quase matado a todos nós. Ele só riu, sem parecer sentir nada
com as minhas porradas.
— Da próxima vez que decidir me provocar, Cora, se certifique
de estar em terra firme.
Ele riu para mim enquanto nos sentávamos e afastou uma
mecha de cabelo para trás da minha orelha, virando meu rosto de
um lado para o outro para se certificar que eu não estava
machucada. Seu toque, de repente delicado, me desconsertou, e eu
me assustei quando Smith se aproximou correndo ao nosso
encontro, para ter certeza que estava tudo bem. Alguns outros
estudantes vinham logo atrás.
— Não tenho certeza do que aconteceu lá em cima, mas...
Parabéns Novak, você foi o vencedor. E Cora, obrigado pelo teste.
Saiba que se precisar, eu vou atrás de você.
Natan Smith cumprimentou Daemon e se virou pra mim ao falar.
Eu vi Novak sorrir debochado da sua vitória e o instinto de
provocação falou mais alto. Eu abri um sorriso para o capitão e a
minha resposta fez sumir o sorriso idiota de Daemon.
— Você pode vir atrás de mim a qualquer hora, Smith. Quando
tiver alguma coisa em que eu precise montar... Estou sempre
disponível pra você.
Eu flertei de brincadeira, deixando os garotos lidarem com a
ambiguidade das minhas palavras, e virei as costas deixando Novak
com a cara fechada para o seu capitão. Os outros integrantes do
time se reuniram a eles, pulando e comemorando a seleção oficial
do time, e eu saí de lá sabendo que tinha perdido, mas com uma
estranha sensação de vitória na ponta da língua.
O dia seguinte mal amanheceu e Penny já estava berrando
ordens aos alunos nas masmorras. A festa de boas-vindas
aconteceria hoje e tudo precisava estar perfeito, do jeito dela. Desci
para o café com Dahlia e Eros enquanto deixamos um Ezra bem
irritado para trás, discutindo com Penny. Como os professores já
estavam acostumados, as aulas na primeira sexta-feira do ano
nunca são muito produtivas porque todo mundo está pensando na
festa de boas-vindas. Depois de um aluno distraído quase ter feito a
sala de poções pegar fogo ao misturar ingredientes errados na aula
de alquimia, o mestre ancião decidiu liberar os alunos do quinto ano
meia hora mais cedo porque ele simplesmente não conseguiria
enfiar mais nada nas nossas cabeças.
Eles nunca tinham paciência para lidar com adolescentes.
Depois de devorar o jantar com pressa, Dahlia veio no meu
quarto para nos arrumarmos para a festa. E eu amava as festas. Era
a oportunidade que tínhamos para nos exibir com roupas que não
eram do uniforme e fingir por pelo menos uma noite que éramos
outras pessoas, em outro lugar, com outra vida.
Minhas amigas e eu gostávamos de inventar novas
personalidades sempre que podíamos. Eros provavelmente traria
uma garrafa de uísque escondida e eu já estava salivando só de
pensar no gosto forte e quente escorrendo pela minha garganta,
queimando as minhas inseguranças e fazendo eu me sentir leve e
poderosa.
Minhas roupas precisavam combinar com essa nova
personalidade.
Dahlia estava usando um conjunto de blusa e saia verde
esmeralda, e prendeu seus longos cabelos cacheados em uma
presilha de serpente. Eu escolhi um vestido curto de cetim preto que
amarrava nas costas e marcava meu corpo nos lugares certos.
Nós fomos ensinadas desde a primeira menstruação a se vestir
de forma sexy e ainda assim parecer uma it girl de primeira classe.
Meu corpo era meu templo, e apesar de eu tentar evitar pensar na
minha mãe a maior parte do tempo, não podia deixar de pensar na
voz crítica dela toda vez que me olhava no espelho. Enquanto
Dahlia se arrumava de acordo com o que achava bonito e
confortável, eu não conseguia não me encarar com os olhos
exigentes demais, procurando por vantagens para explorar e falhas
para esconder.
Como se soubesse exatamente o que estava na minha cabeça,
minha amiga me pegou pela mão e me afastou do espelho.
— Você está linda, Cora. Vamos descer ou chegaremos
atrasadas.
A festa aconteceria na sala de descanso das Masmorras, então
nós estaríamos a poucos passos dos nossos quartos. Quando
chegamos lá, Dahlia apertou meus dedos na sua mão, e eu a
encarei com os olhos arregalados. A masmorra estava
irreconhecível.
Phenelape tinha feito um túnel de estrelas e pequenas fadinhas
penduradas que iam desde a porta da sala até o espaço principal.
Tinha mudado os móveis de lugar e deixado uma pista de dança,
uma área com as mesas onde o Serviço Mágico de Buffet já tinha
enviado de forma discreta pelo correio da noite os petiscos finos
com uma cara deliciosa e haviam várias poltronas e sofás em
lugares estratégicos, afastados de toda a iluminação para aqueles
que quisessem mais... privacidade.
— Uau.
— É, ela realmente sabe o que faz.
Dahlia riu enquanto caminhava em direção ao canto onde
estavam nossos amigos. Penny agradeceu os elogios pela
organização e decoração, e apontou com a cabeça para alguns
alunos do primeiro e segundo ano que se espreitavam pelas
escadas quando sussurrou:
— Daemon, acho que vamos precisar da ajudinha do nosso
querido monitor.
Somente alunos a partir do quarto ano ou acima de 16 anos
podiam estar presentes nas festas, esse era o combinado entre os
alunos. Daemon sorriu de canto, virou seu uísque e saiu em direção
aos alunos que subiram as escadas correndo assustados quando
viram ele andar em sua direção.
Os demais não tardaram a chegar, todos se surpreendendo com
a decoração, as comidas e bebida que tínhamos organizado. Em
pouco tempo a sala sempre tão tranquila, estava cheia de
adolescentes alcoolizados rindo, dançando e se desafiando a
fazerem coisas vergonhosas que com certeza virariam assunto nas
próximas semanas.
Durante a festa, eu conversei e bebi com meus amigos e dancei
muito na pista com Phenelape e Dahlia. Já era quase meia noite (ou
seja, quase final da festa) quando eu sentei no sofá perto da lareira
para assistir um jogo de verdade ou desafio que acontecia no chão.
Sentados no tapete, alguns alunos mais velhos giravam a garrafa
para jogar, até que foi a vez de Natan Smith responder qual garota
da escola ele gostaria de beijar. Ele sorriu debochado e pegou o
meu olhar antes de responder.
— Eu sempre quis sentir o gosto do gloss que a Weylin sempre
usa.
Ele piscou para mim e eu o encarei enquanto bebia o resto de
uísque do copo que Eros tinha me dado, escondendo um sorriso. Eu
nunca dei muita bola para o Smith, mas ele sempre conseguia me
fazer rir, e seu corpo de 19 anos, forte dos treinos, não era algo que
eu conseguia ignorar. O fato de estar no último ano, ser o capitão do
time e não ter a fama de ser um completo otário só deixava tudo
ainda mais interessante.
Quem sabe eu pudesse dar uma chance para ele naquela noite.
Eu assisti o jogo rolar por mais alguns minutos, meio bêbada e
relaxada demais, até que Daemon apareceu ao meu lado. Ele se
sentou no sofá e puxou minhas pernas para cima das dele,
fechando a cara para os garotos que jogavam no tapete. Eu franzi
as sobrancelhas, confusa com essa atitude. Ele me ignorou e virou
o resto do seu copo antes de começar uma conversa.
— Cora, por que você fez a porra do teste?
Eu o encarei por um minuto, tentando entender o que ele estava
realmente querendo saber. A gente se conhecia desde crianças,
mas mesmo assim às vezes era difícil fazê-lo ser claro. Nós éramos
amigos, mas Daemon nunca se abria com ninguém, a não ser,
talvez, Ezra. Eu mordi o lábio e falei o que ele queria ouvir:
— Pelo desafio, Daemon. Eu queria saber se podia ser melhor
do que você.
Ele me encarou com seus olhos acinzentados e sorriu de canto,
satisfeito. Ficamos mais um minuto em silêncio, Daemon passando
os dedos pelas minhas pernas em seu colo. Não sei se era reflexo
da bebida, o álcool que corria em meu sangue e distraía meus
sentimentos, tirava meu foco... Mas eu não conseguia tirar os olhos
dos anéis de prata em seus dedos. Alguma coisa naquele toque
parecia diferente. Eu, então, fiquei nervosa, me senti de repente
quente demais mesmo com a temperatura fria que nossa sala
normalmente tinha.
Como se sentisse que eu estava prestes a dar o fora, Daemon
fechou os dedos no meu tornozelo.
— Smith realmente te chamou pra sair?
Ele perguntou meio emburrado, olhando para o capitão do time
à alguma distância da gente. Eu segui seu olhar, sabendo que isso
devia o estar incomodando desde cedo.
— Não é da sua conta.
Eu sorri, sabendo que o estava deixando com ciúmes. Eu
sempre me divertia falando dos garotos com quem ficava, Daemon
não conseguia esconder o quanto odiava que outros garotos
pudessem se aproximar de nós. Ele me deu aquele olhar frio e
deslizou a mão um pouco mais pra cima nas minhas pernas
enquanto chegava mais perto para sussurrar para mim:
— Eu sei que você vai fazer o que quiser, mas vê se se
comporta nessa porra. Eu não quero ter que quebrar o nariz de
alguém essa noite.
Eu me arrepiei ao seu toque e, sem pensar, empurrei sua mão
para longe, colocando minhas pernas no chão. Disparei minha
língua afiada e o repreendi:
— Você não precisa ser meu guarda-costas, Daemon. Eu sei
me cuidar sozinha.
— E mesmo assim, é pra mim que você corre quando quer se
livrar de um garoto grudento.
Ele me respondeu no mesmo instante, e desviou os olhos como
se tivesse enojado. Eu me senti suja, e sem falar mais nada me
levantei e dei as costas para ele, piscando para o Smith
impulsivamente enquanto me afastava até a pista onde Penny e
Dahlia estavam dançando. Senti o olhar de Daemon em minhas
costas até eu alcançar minhas amigas, e depois ele se levantou e
sumiu do meu campo de visão.
Porra.
Ele era possessivo, eu sempre soube disso. Mas mais do que
posses, ele considerava seu trabalho pessoal cuidar de nós. De
mim, de Penny e de Dahlia. Nós tínhamos um histórico de nos
envolver com idiotas, então, pessoalmente, eu nunca achei os
ciúmes de Daemon de todo ruim. Ele já me salvou várias vezes de
perder tempo com caras que só queriam se envolver comigo por
interesse. Mas aquele diálogo me deixou irritada, e eu senti o
impulso de fazer alguma besteira, qualquer besteira, só para tirar os
olhos frios de Daemon da minha cabeça.
Esses impulsos nunca eram bons. Eu ouvia de todo mundo que
eu era uma piranha impulsiva. Mas eu queria fazer alguma coisa, e
eu queria fazer agora.
Nem cinco minutos depois disso, eu ouvi uma voz atrás de mim.
— Weylin, quer ir dar uma volta?
Eu sorri para as minhas amigas. Não precisava nem me virar
para saber que Smith estava atrás de mim.
— Uma volta?
Eu estava morrendo de vontade de ir, mas não podia ser tão
fácil. Continuei dançando com Penny e Dahlia, como se ele não
estivesse ali.
— Quero conversar com você, se quiser.
Eu parei de dançar. Lancei um olhar para ele, que sustentou
com determinação. Ouvi as risadinhas das minhas amigas atrás de
mim.
— Claro, Natan. Vamos dar uma volta.
Eu sorri e o acompanhei até o outro lado do salão. Pisquei para
Eros e escondi um sorriso quando meu olhar cruzou com o dele e
ele fez sinal que estava de olho em mim. Meu melhor amigo não era
tão ciumento como Daemon, mas, principalmente desde o incidente
no ano passado, ele sempre estava de olho e eu, mais do que
minhas amigas, o incentivava a continuar assim. No fundo eu amava
a ideia de ter alguém disposto a fazer qualquer coisa por mim, até
mesmo começar uma briga por um motivo qualquer. E os garotos da
Elite gostavam muito de brigar.
E eu de dar motivos.
Smith parou perto da porta de entrada do salão, onde estava
mais vazio e tranquilo, e tentou me levar para um dos sofás
estrategicamente escondidos às sombras, mas eu não me mexi. Eu
já tinha jogado esse jogo antes, e sabia o que aconteceria se fosse
para as sombras com um garoto. Eu fazia tudo o que quisesse na
frente de todo mundo, porque essa era a única forma de evitar as
fofocas. Se Smith me tirasse da vista de todos, ele podia inventar
qualquer merda sobre mim. Já tinha visto muitas garotas chorosas
nos banheiros da escola por causa de mentiras que os idiotas
inventam sobre o que fizeram com elas para se gabar.
Eu não era assim. Se ele quisesse ficar comigo, ficaria na frente
de quem quisesse ver, e enfrentaria a Elite se tivesse coragem para
tal.
Smith não era bobo e entendeu exatamente minha posição
quando eu permaneci à beira da pista de dança. Ele colocou uma
mecha dos meus cabelos atrás da orelha e sorriu para mim.
— Então... o que exatamente você queria dizer?
Eu brinquei, e ele sorriu sem tirar os olhos dos meus.
— Agora é a hora que eu confesso não ter nada específico pra
dizer, além de que eu só queria te tirar de perto das suas amigas?
Eu gostava do desafio de conquistar os garotos mais velhos, e
Smith era confiante o suficiente para tomar a iniciativa. Eu o
incentivei com um olhar provocante e me aproximei um pouquinho
mais.
— Estou feliz de você não estar no time, Cora. Apesar de não
ter entendido nada do que aconteceu ontem no teste...
Eu mordi o lábio, tentando não sorrir. Ele segurou meu rosto
com delicadeza e passou o polegar pelo meu lábio inferior, o
soltando dos meus dentes.
— ... eu faço uma vaga ideia.
Eu o deixei manter a mão no meu rosto, mas fiz uma expressão
falsa de confusão. Ele riu.
— Vou querer saber o que você falou pro Daemon, que o fez
ficar carrancudo o resto da noite de ontem e me encarando como se
eu fosse um pedaço de merda no seu sapato hoje?
Dessa vez eu tive que morder o lábio de verdade para não rir.
Natan segurou meu rosto com mais firmeza.
— Está arrependido de ter vindo conversar comigo?
Eu dei mais um passo para frente, deixando nossos corpos
quase se encostarem.
— Nem um pouco.
Ele sussurrou enquanto tirava a mão do meu rosto para colocá-
la em minha cintura. Eu deixei.
— Você queria que eu entrasse no time. Por que está feliz por
eu não ter conseguido?
— Porque isso quer dizer que eu posso te beijar sem me
preocupar com o que vão dizer.
Ele se inclinou sobre mim para sussurrar em meu ouvido eu
fechei os olhos só por um instante quando senti um arrepio em
minha pele. Meu coração começou a bater acelerado e eu senti a
adrenalina correr em minhas veias.
Isso. Eu queria mais disso.
— E o quê você está esperando, Smith?
Ele me puxou pela cintura até que eu estivesse colada nele, e
então me beijou. Eu passei os braços pelo seu pescoço e retribuí o
beijo, apreciando a sensação nos lábios dele nos meus, deixando
que gentilmente pedisse espaço com a língua.
E eu dei.
Nosso beijo se intensificou, a língua dele dançando contra a
minha, suas mãos apertando minha cintura. Senti a necessidade de
interromper quando o senti duro contra mim.
— Nós não vamos passar disso essa noite, “capitão”.
Lancei um olhar de desafio enquanto colocava o indicador
contra seus lábios. Ele riu do apelido e ergueu as mãos em
rendição, soltando minha cintura.
— Estou perfeitamente ciente e de acordo. Mas não posso
impedir meu corpo de reagir a você, Cora.
Meio bêbada, eu sorri de verdade para ele e o puxei pra perto
de novo. Suas mãos voltaram para minha cintura, dessa vez mais
calmas e contidas.
Smith desceu pelo meu pescoço, beijando a pele que eu
deixava exposta para ele. Meu coração batia acelerado como há
meses eu não sentia, a não ser... a não ser na tarde anterior,
quando Daemon e eu caímos do céu embolados um no outro.
Abri os olhos.
Mas que merda, porque eu estava pensando em Daemon justo
agora?
E, como se meu cérebro fodido procurasse por ele, enquanto
Natan beijava a base do meu pescoço, eu encontrei o olhar de
Daemon queimando no meu, do outro lado do salão. Ele tinha uma
garota ao lado, mas sua expressão para mim era quase homicida.
Meu coração martelou no meu peito, e Smith sentiu a mudança
quando passava os lábios pela veia latejando no meu pescoço.
Mas que caralhos. E que se foda.
Sem tirar os olhos de Daemon, e sabendo o que ele imaginaria,
eu peguei Smith pela mão e o puxei comigo para as sombras. Que a
Deusa me ajudasse, porque eu não sabia o que estava
acontecendo comigo.
Eu assisti Cora me ignorar completamente, se levantar do meu
lado e atravessar o salão até onde estavam Phenelape e Dahlia na
pista de dança. Elas eram minhas melhores amigas desde o
segundo ano, e eu tinha uma obsessão em protegê-las,
principalmente porque eu sabia o que se passava na cabeça de
cada garoto dessa escola, já que eu era exatamente como eles.
Ou talvez pior.
Nós já tínhamos tido longas conversas sobre limites. Mas eu era
impulsivo e odiava ver outros caras colocarem as mãos naquilo que
acreditava ser meu, e isso incluía meus amigos. Eu normalmente
saía de perto quando as garotas ficavam com alguém para não
acabar invadindo o espaço delas se achasse que o cara estava se
aproveitando. Isso já tinha acontecido várias vezes e eu sabia que
ainda aconteceria muitas mais.
Eu era assim. Possessivo, elas diziam. Mas foda-se. Isso nunca
fez elas deixarem de me amar. Não importava o que acontecia, a
Elite era nossa família e eu ia cuidar delas para sempre.
— Ela sabe se defender, Daemon. Se ela quiser, ela te chama
pra quebrar a cara dele depois.
Ezra sussurrou em sua voz grave, parando ao meu lado. Ele
sorria e eu não pude deixar de sorrir também, me levantando. Era
óbvio que ele tinha visto e ouvido nossa conversa. Ele via tudo.
— Eu sei. Ninguém nessa escola é bom o bastante pra ela.
Eu peguei a garrafa que ele me alcançava e dei um último olhar
frio para onde Smith jogava verdade ou consequência antes de virar
as costas pra eles. Acompanhei Ez até um canto mais próximo,
onde Eros estava enrolando um cigarro de Efthalia, uma planta
mágica que causa relaxamento imediato. Deveria ser usado pra
chás e poções, mas nós gostávamos de preparar as folhas junto
com tabaco em um baseado. Sempre que podíamos, a gente
roubava umas folhas da estufa durante as aulas de Estudo das
Plantas Mágicas e Suas Propriedades. Em instantes, a parte do
salão onde estávamos ficou esfumaçada. Eu descansei a cabeça
para trás na poltrona, soprando fumaça para o alto e sentindo a erva
relaxar o meu corpo e parecer desacelerar o tempo. Ez reapareceu,
acompanhado de duas garotas que eu mal conhecia, provavelmente
do último ano se considerar a preferência dele por garotas mais
velhas, e piscou para mim. Eu não pude deixar de sorrir, porque já
tinha entendido. Ele queria uma delas e precisava da minha ajuda.
As garotas viviam em bandos e nós frequentemente
precisávamos separá-las se quiséssemos que a noite terminasse
bem. Seria minha tarefa entreter a amiga para que Ez pudesse ter o
resto da noite com a garota que ele queria, e como um bom amigo,
eu faria o sacrifício.
— Daemon, essa é minha amiga Lauren.
Ez apresentou a garota com um sorrisinho de canto e depois
sumiu com a amiga dela. Antes de dar atenção à garota nova, que
se aproximava de mim com os olhos brilhando, como se estivesse
disposta a me deixar fazer o que eu quisesse com ela, eu corri os
olhos pelo salão procurando as minhas amigas. Penny e Dahlia
ainda estavam na pista de dança, mas estavam sozinhas. Senti meu
coração acelerar.
— Daemon? Você está bem?
A silenciei com um aceno da mão enquanto procurava com os
olhos pelos cantos mais escuros da sala, até reconhecer os cabelos
loiros da Cora no outro lado do salão, com os braços ao redor do
pescoço de Smith, a boca dele no pescoço dela.
Puta que pariu, Cora.
Como se me ouvisse, ela abriu os olhos e os virou diretamente
para mim. Senti meu sangue ferver enquanto nós nos encarávamos
por um longo instante, até o otário do Smith lamber seu pescoço e
murmurar algo que a distraiu. Eu estava pronto para atravessar o
salão e arrastar a cara dele no chão por fazer aquilo na frente de
todo mundo, mas então Cora o pegou pela mão e o arrastou até um
dos sofás nas sombras.
Nas sombras.
Eu respirei fundo. Duas vezes. Ela não tirou os olhos dos meus
quando se afastou, completamente consciente dos meus olhos nela.
Ela estava fazendo aquilo para me provocar.
E estava conseguindo, caralho.
— Daemon, eu preciso encontrar minha amiga.
A garota ao meu lado chamou minha atenção e eu olhei para
ela como se tivesse acabado de perceber sua presença. Não podia
deixá-la sair atrás da amiga ou Ez sentaria a porrada em mim na
próxima vez que estivéssemos sozinhos.
— Ei, ei.
Eu a segurei antes que ela saísse, deslizando uma mão para
sua cintura e a outra em seu rosto, a fazendo olhar para mim.
Como era mesmo o nome dela? Lana? Lara? Lauren.
— Eu ainda nem comecei com você, Lauren. Quero te conhecer
melhor.
Abri meu melhor sorriso de predador enquanto encarava os
lábios dela, depois os olhos. Meus dedos faziam carícias gentis em
seu rosto e eu senti o instante em que ela relaxou em meus braços.
Tão fácil.
Eu a soltei e segurei seus dedos nos meus. Obriguei as
memórias recentes a se enfiarem em algum espaço isolado do meu
cérebro enquanto abria espaço e guiava Lauren comigo para algum
lugar longe daqui, de preferência nas sombras, onde elas
normalmente deixavam eu fazer o que quisesse. Longe o suficiente
para que eu não precisasse ver a Weylin voltando para festa com o
cabelo e as roupas bagunçadas, exatamente como eu costumava
deixar as garotas que arrastava comigo.
Era bom que Lauren fosse boa, porque eu precisava da porra
de uma distração decente para conseguir me acalmar essa noite.
Eu acordei de ressaca, assim como a maior parte dos alunos. A
Elite tinha uma simples tradição pós festa: tomar café da manhã
juntos em um dos nossos dormitórios, então nunca aparecíamos no
salão principal de ressaca. Assim a gente conversava sobre o que
rolou na noite anterior e tinha um bom motivo para sair se um de
nós passasse a noite com alguém. Não que algum dia eu tenha
usado essa desculpa, mas ainda sim a gente tinha um plano. Dahlia
e Eros foram os primeiros a entrar no quarto que eu dividia com a
Penny, os braços cheios de bolinhos e frutas surrupiadas das mesas
do café da manhã.
— Bom dia, dorminhocas. Eros e eu buscamos algumas coisas
gostosas.
Eu ainda estava com o pijama da escola quando me sentei no
tapete junto com eles. Penny finalmente saiu da cama quando Ez e
Daemon chegaram juntos alguns minutos depois, e eu evitei o olhar
dos dois.
— Por favor, não me deixem mais beber.
Penny resmungou, e eu a entendia. Uma dor de cabeça
começava a aparecer entre minhas têmporas e eu estava cogitando
correr na enfermaria e implorar por uma poção antiressaca por fora
dos registros escolares. Dahlia rebateu a amiga:
— Phenelape, ver Harrison não te incomodou noite passada?
— Não. Argh, será que a gente pode fingir que eu nunca chorei
por aquele babaca?
— Não, Penny, nós vamos te assombrar com isso pelo resto da
sua vida.
Foi Eros quem respondeu e nós caímos na gargalhada. As
meninas sabiam que eu tinha beijado Smith noite passada, mas
fiquei feliz que elas não trouxeram esse assunto a tona. Não que eu
quisesse esconder, mas eu não queria que eles achassem que foi
grande coisa para mim ou que eu planejava continuar flertando com
ele. Fui a última a terminar de comer, então quando Ez sugeriu que
a gente descesse até os jardins para tentar curar a ressaca com um
pouco de luz do sol, eu fiquei para trás para me vestir.
— Eu espero a Cora, vocês podem ir.
A voz de Daemon causou um arrepio involuntário nas minhas
costas. Ez fez uma careta.
— Preciso ter uma conversinha com ela sobre o teste pro time.
Nós alcançamos vocês no salão da masmorra em poucos minutos.
Eu queria ter forças para questionar, mas não tive. Daemon se
sentou na minha cama e esperou pacientemente eu me vestir no
banheiro enquanto lia meu livro de poções que estava por ali, sem
realmente prestar atenção. Quando voltei pro quarto e nos
percebemos sozinhos, ele falou com seu tom de voz debochado,
sem tirar os olhos do livro que estava em seu colo.
— Então você deve estar feliz por não estar no time, não é?
Agora pode pegar o capitão.
Eu já esperava algum comentário sarcástico porque nós dois
sabíamos que ele tinha me visto com Smith na noite passada, mas
parei no meio da tarefa de amarrar os cadarços dos meus coturnos.
Fingi não ficar surpresa com a sua escolha de palavras. Impossível
não lembrar de Natan me falando a mesma coisa na noite anterior.
— Não enche o saco, Daemon, foi só um beijo.
Eu revirei os olhos enquanto terminava de amarrar as botas e
comecei a pentear o cabelo na frente do espelho. Daemon se
levantou da minha cama e caminhou até mim, parando logo atrás.
Ele era muito mais de uma cabeça mais alto que eu, e nós nos
encaramos pelo espelho.
— Ah, Cora, foi muito mais que só um beijo. Quando um cara
consegue ficar com você, Weylin, ele conta pra todo mundo. As
fofocas correm.
Eu sabia que a parte da fofoca era verdade, mas não queria
acreditar que Smith estava mentindo sobre mim por aí,
principalmente para Daemon. Ele tinha sido gentil comigo noite
passada, muito mais do que qualquer outro cara já foi, e eu
desconfiava que Daemon só estava tentando me provocar. Então eu
decidi provocar de volta.
— Com inveja, Daemon? Sua noite não deve ter terminado tão
bem assim se você está preocupado com a minha.
Soube que acertei em cheio quando a expressão dele se tornou
fria. Deixei um sorriso malicioso escapar, e já que estava pronta,
caminhei em direção à porta.
Mas não cheguei lá.
Daemon me segurou pelo pulso e me puxou para junto dele, me
fazendo perder o equilíbrio e ter que me apoiar contra seu peito para
não cair.
— Smith é meu capitão Cora, mas foda-se. Se ele encostar em
você do jeito errado, eu juro que faço ele desejar nunca ter nascido.
Não consegui desviar o olhar dos olhos acinzentados de
Daemon enquanto ele sussurrava para mim.
Puta que pariu, Daemon, eu não estava esperando por isso. E
eu meio que gostei, pela Deusa.
Eu sabia que, pelo raciocínio dele, o lógico seria dizer
“obrigada”, mas era estranho agradecer por uma ameaça. Ignorando
a sensação de agitação logo abaixo do meu estômago, eu fiz o que
sempre fazia: revirei os olhos e me soltei do seu aperto, saindo do
quarto e sentindo ele me acompanhar.
— Você leva isso de proteger a Elite muito a sério, Daemon.
O senti ficar ainda mais enfurecido enquanto caminhava atrás
de mim.
— Se você soubesse o que se passa na cabeça dos garotos
que você beija, não se importaria por eu manter os olhos em você.
Eu gostava de provocar Daemon, porque assim como eu, não
tinha certeza de que estava prestes a passar um limite até cruzá-lo.
E como estava adorando a sensação de ter meu coração batendo
descompassado no peito de novo, eu mordi o lábio fazendo uma
pausa dramática antes de responder:
— Eu sei exatamente o que se passa na cabeça deles. Eu
conheço você.
Eu pisquei e notei as mãos dele se fecharam em punho ao lado
do corpo. Seu maxilar travou e ele me encarou com aqueles olhos
frios. Qualquer outra garota estaria apavorada se tivesse Daemon a
encarando desse jeito, mas eu sentia a adrenalina fazer meu
coração acelerar. Eu não tinha medo dele. Eu sabia que ele mataria
por mim, mas jamais faria algo pra me machucar. Nunca. E havia
algo de viciante em saber que eu podia levar o poderoso Daemon
Novak à quase insanidade.
Aliviei a expressão e deixei um sorrisinho se formar em meus
lábios.
— Você não pode ir atrás de todos os caras que eu quiser
beijar, Daemon.
Eu sorri e entrei no salão com Daemon atrás de mim,
caminhando em direção aonde nossos amigos nos esperavam. Não
pude deixar de perceber o coração disparar quando pensei em
como eu gostava da ideia de ter alguém de olho em mim o tempo
inteiro, principalmente alguém que eu podia provocar e pressionar
por diversão. Daemon e eu tínhamos algo em comum que era uma
característica muito forte nossa: Nós dois gostávamos de jogar com
outras pessoas.
Manipular e observar suas reações.
Olá, descendentes de Sierlyn.
“Você não pode ir atrás de todos os caras que eu quiser beijar”
Daemon caminhava atrás de mim com um sorriso como se
dissesse:
“Experimenta, Cora. Me testa.”

Depois de passada a euforia da primeira semana de aula, eu


me lembrei porque estudar magia era tão intenso. Mal percebi as
primeiras semanas passarem com toda a carga de deveres e a
pressão dos professores sobre os exames que faríamos no final do
ano para determinar quais de nós poderiam cursar os dois últimos
anos e enfim ter o conhecimento avançado em magia. Era
aterrorizante perceber que eu já estava no último ano regular da
escola e que, muito em breve, teria que tomar decisões sobre meu
futuro. Eu não sabia se estava pronta para ser adulta.
Em determinada tarde de sábado, quando eu estava
nervosamente tentando finalizar um trabalho atrasado sozinha em
meu quarto, Eros bateu gentilmente e pediu permissão pra entrar.
— Hey... posso falar com você?
Ele abriu um sorriso nervoso e passou a mão nos cabelos. Eu
sorri para o amigo e fechei os livros que tinha espalhado por cima
da cama.
— Claro, Eros... Está tudo bem?
Eu fiz sinal para que ele se aproximasse e ele se deitou no meu
colo, descansando a cabeça nas minhas coxas enquanto eu
passava os dedos pelos seus cabelos. Ele fazia isso desde que
éramos crianças. Eros Knight era como um irmão para mim, e eu já
tinha perdido as contas de quantas madrugadas passamos
conversando e dando conselhos um para o outro. Ele suspirou e
fechou os olhos, tentando reunir coragem.
— Hey, gatinho... sabe que pode me contar qualquer coisa.
— Eu sei.
— Então o que está te incomodando? É... é algum garoto?
Eros abriu os enormes olhos castanhos para mim.
— Não. É exatamente esse o problema. Não é um garoto.
Eu demorei um segundo a mais pra entender.
— AH! Então é... uma garota?!
Meu melhor amigo gemeu frustrado e puxou um travesseiro pra
esconder o seu rosto. Eu caí na gargalhada.
— Eros, qual é! Você tá deprimido por que tá gostando de uma
garota?
— Uma maldita garota, Cora! Eu odeio gostar de garotas.
Arranquei o travesseiro de cima dele e apertei suas bochechas,
o fazendo olhar para mim.
— Eros Knight, me conta T-U-D-O!
Ele continuou resmungando enquanto eu o arrastei para cima,
até que ele estivesse sentado de pernas cruzadas na minha frente.
— Você não pode contar pra ninguém.
— Eu não vou.
Eu dava pulinhos de ansiedade, esperando animada. Eu amava
ouvir todas as histórias indecentes e aventuras românticas do meu
melhor amigo.
— Quem é ela? Sobre o que vocês conversaram? Espera,
VOCÊS JÁ SE BEIJARAM?!
Ele tapou minha boca com a mão quando eu comecei a berrar.
— Shiuuuu, cala a boca! Nós conversamos... sobre
absolutamente tudo. E não, nós não nos beijamos. E nem vamos
nos beijar. E essa é a porra do problema que eu estou tentando te
explicar.
Eu pisquei, confusa, e tirei a mão dele da minha boca.
— Como assim? Eu conheço ela? Ela me odeia?
Ele parecia mesmo estar sofrendo, e isso era muito, muito raro.
Normalmente ele não tinha a menor dificuldade em lidar com os
sentimentos. Antes que Eros pudesse continuar, a porta do quarto
se abriu e Phenelape e Dahlia entraram animadas. Eros pulou da
minha cama na mesma hora e se levantou meio nervoso. Phenelape
fez uma careta debochada quando perguntou “que porra você tá
fazendo aqui, Eros?” e Dahlia parecia um pouco... nervosa ao vê-lo.
Assim como Eros.
Puta que pariu.
Eu olhei de um para o outro e entendi na hora que ela era a
garota que ele estava falando. Pela Deusa, Eros estava afim da
Dahlia.
Phenelape esperava uma resposta e Eros visivelmente não
sabia o que dizer. Eu interrompi com a maior naturalidade do mundo
e menti na cara dura para minha melhor amiga:
— O fofoqueiro queria saber sobre o Smith.
Eu sorri para Eros, que suspirou aliviado e entrou na mentira.
Penny ergueu ainda mais as sobrancelhas.
— Ah, então tem mesmo algo rolando entre você e o Smith.
Porque não me contou que estava gostando dele?
Merda, eu não contava com essa.
— Eu não estou...
O olhar da amiga me silenciou.
— Eu não sei se estou! Que droga, Penny.
Eros Knight iria me pagar muito caro por ter que fingir gostar do
Natan para acobertá-lo, mas parecia ter funcionado. Eu odiava
guardar segredos das minhas amigas, mas eu faria qualquer coisa
por ele. Dahlia ria baixinho enquanto descarregava a bolsa cheia de
livros emprestados em cima da minha escrivaninha.
— Sobre o que vocês estavam conversando quando chegaram
aqui?
Foi Eros quem perguntou, já correndo para o lado de Dahlia
para ajudar a esvaziar a bolsa.
— Sobre a festa de Halloween.
Eu mal registrei a resposta de Penny conforme observava de
boca aberta o sorriso de Dhalia quando as mãos de Eros passaram
pelas dela. Pela Deusa, como que ninguém tinha reparado nisso
antes?
— Então vou deixar as diabinhas planejarem a próxima noite de
caos.
Eros fechou minha boca com a mão e me deu um olhar de
alerta quando me abraçou para se despedir. Dahlia dava risadinhas
por causa do que ele tinha dito e Penny estava completamente
alheia ao que estava acontecendo. Consegui sussurrar antes que
Eros saísse pela porta.
— Sobre a nossa conversa de antes, eu acho que... entendo
melhor agora.
Ele concordou com a cabeça sem ousar olhar para as meninas
atrás de mim. Seus olhos estavam tensos.
— E eu acho que... talvez o sentimento seja recíproco.
Eu estava me esforçando para caralho pra fazer ele entender
pela comunicação ambígua, e acho que deu certo porque um brilho
se acendeu em seus olhos.
— Então talvez “eu” devesse falar sobre meus sentimentos pra
“ele”. Amanhã.
Dei ênfase nas palavras para que ele entendesse que eu queria
gritar: FALE COM ELA!
Eros riu, entendendo o recado.
— Boa noite, Cora.
— Boa noite, Eros.
Quando fechei a porta e me virei pras minhas amigas, Penny
estava com uma cara engraçada.
— Já terminou sua sessão de terapia?
Dahlia e eu caímos na risada.

Mais tarde naquela noite, as meninas estavam de novo no meu


quarto. Apesar de Dahlia dividir o dormitório com a irmã mais nova,
com frequência ela ficava pra dormir no quarto que eu dividia com a
Penny. Às vezes nós fazíamos os trabalhos ou estudávamos para
provas, mas às vezes só faziamos skin care, comiamos doces
contrabandeados e fofocávamos sobre os outros alunos da Averly.
Essa noite era uma dessas noites de fofoca.
Talvez seja por isso que eu tenha sentido o impulso de abrir
minha boca grande e falar o que nunca tinha falado para nenhuma
das duas.
— Ei, vocês já pensaram em pegar algum dos garotos da Elite?
As duas arregalaram os olhos para mim.
— Você não estava gostando do Smith? Quer nos contar
alguma coisa?
Pela Deusa, isso seria mais difícil do que eu imaginei.
— Eu não sei se eu gosto do Smith. E não, eu não quero contar
nada! Eu só tive um pensamento fodido e queria compartilhar.
As duas ainda me encaravam.
— E então?! Já pensaram em ficar com alguém da Elite ou não?
Penny foi a primeira a responder.
— Não. Ficar com alguém da Elite é totalmente contra as
regras.
— Nós não temos regras sobre isso — foi Dahlia quem
respondeu, me surpreendendo.
— Pois deveríamos ter. Isso bagunçaria tudo.
Penny estava visivelmente irritada e realmente não queria
continuar aquela conversa. Eu não insisti, mas peguei o olhar de
Dahlia como se nós duas fôssemos cúmplices de um mesmo
segredo.
O início dos jogos escolares se aproximava, e com isso a
euforia começava a se instalar. Em uma sexta-feira à noite eu
estava fazendo um relatório sozinha, meio escondida em uma das
mesas de estudo nos fundos da sala de descanso das masmorras.
Mais cedo, eu tinha feito uma manobra social para conseguir
que Dahlia e Eros saíssem para um passeio sozinhos essa noite, de
uma forma que não parecesse suspeito e nem levantasse
questionamentos dentro da Elite. Meu melhor amigo estava
realmente afim dela e estava tentando conquista-la devagar, a
convencendo a dar uma chance para os dois tentarem algo a mais.
De todos os integrantes da Elite, Dahlia era a mais difícil de se
permitir se envolver com alguém — qualquer pessoa — porque ela
tinha traumas relacionados com o seu passado. Quem não tinha,
né?
Mas ela era realmente difícil. Raramente ficava com um garoto,
não confiava em ninguém e morria de medo de se abrir. Dahlia
quase nunca falava sobre seu passado ou sua família, mas eu sabia
que tinha a ver com o relacionamento nada saudável que ela e a
irmã mais nova tinham com o pai em casa. Eu não me
surpreenderia se descobrisse que ele batia e abusava
psicologicamente delas, mas enquanto ela não quisesse se impor,
não tinha nada que nós pudéssemos fazer a não ser tentar mantê-la
em um ambiente saudável.
Eros estava sendo paciente e atencioso, e eu o ajudava a
distrair a Elite para que ninguém percebesse a quantidade de tempo
que eles passavam sozinhos. Se Phenelape ou outra pessoa
começasse a questionar, Dahlia poderia fugir do relacionamento por
medo de decepcionar a amiga. Ela não suportava ser a fonte do
desapontamento de alguém. De novo, um vestígio da relação de
merda com o pai.
Eu tinha trabalhado muito durante a semana pra garantir
algumas horas de paz para os dois. Convenci Penny a dar uma
chance pra um garoto do sétimo ano que ninguém conhecia direito,
o tipo que ela mais gostava. Eros convenceu Ez a também sair com
uma garota, Daemon estava treinando com o time para a Corrida de
Dragões e eu estava fingindo ter remarcado com Eros e Dahlia de
última hora porque estava com os trabalhos atrasados e precisava
estudar.
Pelo menos essa parte era verdade na história.
Com a sala de descanso quase vazia porque os alunos estavam
todos por aí aproveitando a chegada do fim de semana, eu me
surpreendi ao ouvir a pesada porta se abrir e levantei os olhos dos
papéis no meu colo pra ver quem entrava.
Meu coração teve uma palpitação involuntária.
Daemon vinha caminhando sujo e suado com os cabelos
bagunçados, ainda com o uniforme da escola, uma expressão fria e
mortal nos olhos. Um dos garotos correu pra sair do seu caminho
enquanto ele passava e eu reprimi um pensamento insano que me
ocorreu sobre qual seria a sensação de tocar em sua pele naquele
momento.
Quente? Dura? Pela Deusa, eu precisava beber uma poção de
ácido puro se estava tendo esse tipo de pensamento quando via
Daemon Novak.
Eu baixei os olhos para os livros no meu colo, mas como se
fosse atraído por mim, ele atravessou a sala e parou na minha
frente, fazendo uma careta pro meu trabalho.
— Ainda não terminou esse relatório? Já entreguei o meu há
séculos.
— Nem todo mundo é perfeito igual você, monitor.
Eu respondi com sarcasmo, sem olhar para ele. Mas soube que
ele tinha gostado daquilo quando ouvi sua risada baixa me atingir.
Por algum motivo, eu levantei os olhos. E aí percebi o que não
tinha visto de longe.
Apesar de estar despejando arrogância, Daemon estava...
machucado. Muito machucado, se o sangue em sua camisa fosse
um indício. Ele tinha uma tensão anormal no corpo e seu maxilar
estava travado de um jeito que eu vi poucas vezes antes.
Incapaz de me controlar, eu ergui minha cabeça e esqueci
completamente o que estava fazendo quando murmurei, para que
ninguém além dele ouvisse:
— O que aconteceu com você?
Daemon travou mais ainda o maxilar, se é que era possível. Ele
evitou meu olhar quando respondeu:
— Não foi nada. Vai entregar esse trabalho medíocre pro
professor amanhã?
Eu ignorei a ofensa e me levantei, o observando com mais
atenção, dando a volta nele e percebendo um padrão de rasgos nas
costas da sua camisa. Por baixo não havia mais sangue, mas suas
costas estavam cobertas por uma ferida recente e mal cicatrizada
de garras. Meu estômago se revirou. Como diabos ele estava de pé,
com um machucado desse tamanho?
— Que porra... Daemon, isso foi um dragão?
— Eu tenho algumas anotações que podem ajudar você a
melhorar esse relatório.
Eu ignorei suas insinuações, assim como ele estava fazendo
com as minhas.
— Você precisa visitar a ala hospitalar.
Ele sorriu. O desgraçado estava com as costas abertas e sorriu.
— Eu já estive lá. Acredite em mim, estava bem pior.
Meu queixo caiu e eu não escondi o choque quando não
consegui fechar a boca. Daemon não esperou que eu respondesse
ou me recuperasse e, agindo como se fosse nada, ele recolheu os
papéis e livros em que eu estava trabalhando.
— Falei sério sobre as anotações. Vão te ajudar.
E sem dizer mais nada, ele saiu carregando todo o meu
trabalho. Eu não tive escolha a não ser sair atrás, trovejando como
uma tempestade silenciosa atrás dele.
Quando chegamos em seu quarto e ele abriu a porta para mim,
eu finalmente falei:
— Você precisa passar alguma coisa nisso aí. Poção de Bolha
d’água ou um encantamento regenerador.
Seu sorriso cínico se abriu mais ainda conforme ele fechava a
porta e largava meus livros em cima da sua escrivaninha.
— Eu ofereço as respostas pro seu trabalho de merda em troca
de um pouco disso.
Levei um instante a mais para entender o que ele estava
sugerindo, e comecei a reclamar em voz alta quando ele abriu e
fechou sua gaveta com um estalo alto e me estendeu um pedaço de
papel com aparência velha.
— É um trabalho com nota máxima, de um dos alunos do ano
anterior. Copie as respostas, mude as palavras, e garanta um elogio
do professor amanhã.
Dessa vez eu me concentrei para não abrir a boca e manter os
lábios em um aperto firme.
— Como você conseguiu isso?
— Não importa Cora, é seu. Desde que me ajude com os meus
machucados pela porra de cinco minutos. Consegue lidar com isso?
Nós trocamos um olhar longo e desafiador.
E então eu arranquei o papel das mãos dele e me sentei na
escrivaninha, começando a organizar os livros.
— Vai tomar um banho. Eu preciso que esteja limpo pra tentar
remendar sua pele.
Não olhei para ele quando dei a ordem, e o ouvi sair pela porta
que levava ao banheiro, parando antes pra pegar algo na cômoda –
roupas, talvez. Daemon tinha uma suíte só para ele desde o
segundo ano, que ele mantinha sempre impecavelmente arrumada.
Os benefícios de ser um filhinho de papai e ter a família como parte
do conselho da escola, eu imagino.
Longe da presença inebriante dele, eu me apressei em corrigir
os meus erros e copiar as respostas do trabalho antigo. Era
brilhante, e a minha salvação. Estava terminando a última frase
quando Daemon voltou ao quarto, vestindo apenas uma calça de
moletom cinza e secando os cabelos molhados com uma toalha.
Me esforcei como nunca para não deixar meus olhos descerem
do peito definido até o abdômem – e as entradas perigosas que
desciam pela barra da calça.
Porque os piores garotos precisavam sempre ser tão gostosos?
Caralho Coraline. Foco, garota.
Ignorei o comentário sarcástico sobre ter salvado minha nota
final em História dos Povos Mágicos e me levantei pronta para
cumprir minha parte do combinado.
Daemon se jogou na cama de barriga para baixo, deixando as
cicatrizes horríveis de garras aparentes, e eu as analisei antes de
chegar mais perto. Eu precisava mantê-lo falando – e me manter
falando – para não surtar com a proximidade da pele dele na minha.
— O que diabos aconteceu hoje no treino?
— Era o dia de escolher sua montaria.
Passei as pontas dos dedos em torno das marcas, sentindo-o
estremecer com o toque. Sua pele era quente, terrivelmente quente.
E eu me concentrei na nossa conversa.
— E você se deixou ser pisoteado?
Daemon soltou uma risada breve e tensa conforme eu subia de
joelhos na cama para chegar mais perto. Haviam algumas plantas
mágicas que podiam ser esfregadas em machucados, mas eu não
era boa com plantas. Minha melhor ajuda seria preparar uma poção
ou tentar selar os machucados com magia. Mas longe do laboratório
de poções, no meio da noite, eu não conseguiria preparar uma.
Então me preparei para invocar a magia com as mãos e tentar
reproduzir o que eu sabia sobre reparar machucados. Magia de cura
era conteúdo de último ano, e eu só sabia o básico.
Daemon deu de ombros para a minha pergunta.
— Eu escolhi uma fêmea selvagem. Selvagem demais, se
minhas costas dão alguma pista.
Senti minha respiração pesar conforme estendia as mãos sobre
as costas de Daemon e me preparava para liberar magia. Antes da
temporada, o montador da Corrida de Dragões pode escolher um
dos animais da escola para montar e treinar durante o ano. A
Academia Averly possui dezenas de dragões dóceis para essa
tarefa, velhos até. Daemon e eu montamos um dragão gentil que
costumava ser o favorito dos alunos até ficar velho demais para isso
e ser levado pelo Setor de Regulamentação de Animais Mágicos
para viver em uma reserva no ano passado. O processo de
conquistar uma nova montaria podia ser intensa, mas eu nunca
tinha ouvido falar de um aluno que tenha de fato se machucado no
processo.
Ele gemeu de dor quando eu deixei minha magia fluir por entre
meus dedos e tentar reparar sua pele. Aquilo devia doer pra caralho,
e eu me preocupei em mantê-lo consciente.
— Porque escolheu ela? Porque um Dragão selvagem?
Fiz uma pausa enquanto esfregava as mãos, tentando reunir
mais poder mágico sob as palmas. Daemon deslizou sua mão para
dentro do bolso da calça e me alcançou um vidrinho cheio de um
líquido transparente enquanto abria um meio sorriso de canto.
— O que vou fazer? Eu gosto das que brigam de volta.
Levei um instante para reconhecer o líquido no vidrinho e revirar
os olhos. Para o que ele tinha dito e também para o fato de ele ter
uma Poção de cura e só ter me dado agora.
Espalhei o líquido grosso e viscoso com mais força do que o
necessário, arrancando dele mais um gemido de dor antes do alívio.
Aqueles sons que Daemon fazia estavam me deixando
completamente insana, imaginando diferentes contextos em que ele
estaria gemendo daquele jeito, e eu precisava fugir daqui. O mais
rápido possível.
Assim que terminei com as costas dele, desci da cama e reuni
meus papéis e livros em tempo recorde, mas ele percebeu o que eu
fazia e se levantou antes que eu chegasse à porta.
— Onde você pensa que vai?
— Embora, Daemon. Você conseguiu o que queria, eu também.
Nosso acordo termina agora.
Ele abriu um sorriso malicioso.
— Vai mesmo me deixar aqui sozinho? E se as feridas se
abrirem durante a noite?
Eu precisei só de um segundo para reagir e abrir a porta.
— Se é forte o suficiente pra não passar a noite na ala
hospitalar, é forte o suficiente pra passar uma noite sozinho.
— Cora, espera. Por que você está agindo como se estivesse
fugindo de mim?
Eu o encarei como se não pudesse acreditar que ele não via o
problema naquilo. Eu estar em seu quarto depois do toque de
recolher, ele seminu com aquele cabelo despenteado e aquele ar de
quem tinha acabado de transar...
Ah, pela Deusa, agora eu estava começando a imaginar como
Daemon se pareceria logo depois de transar.
— Novak, pelo amor da Deusa. Eu não posso ser pega aqui
depois do horário. As fofocas que correriam, se Penny
descobrisse...
— Qual o problema com a Penny? Ela perceberia que há mais
gente da Elite inventando desculpas pra ficar sozinhos?
Aquela insinuação fez meu coração quase parar, e eu congelei
onde estava.
— O que você...
— Achou que eu não ia notar a quantidade de tempo que Eros e
Dahlia tem passado juntos, sozinhos? E todas as manipulações e
desculpas que você tem dado pra garantir aos dois um pouco de
privacidade? Eu não sou idiota, Cora.
Respirei pesado enquanto pensava no que dizer. Ele sabia, era
óbvio que ele sabia o que estava acontecendo.
— Eu não dou a mínima pra o que eles estão fazendo. Mas
porque você se preocupa com a Penny? Por que ela não pode
descobrir que você esteve aqui?
Eu neguei com a cabeça, forçando os olhos a se fecharem e
tentando organizar os pensamentos.
— Ela é minha amiga, eu não quero que pense que eu sou
como como as outras!
Eu não pensei direito quando falei, e Daemon estreitou seu
olhar. Ele finalmente tinha entendido o que Phenelape e eu
pensávamos dele.
— Que porra você tá querendo dizer, Weylin?
Ele me olhou com desafio e eu respondi sendo sincera. Não
tinha porque mentir naquele momento:
— Todo mundo conhece a sua fama de predador, Daemon.
Daemon respirou fundo antes de responder, rolando a língua em
sua bochecha. Isso que me fez perceber que ele estava
decepcionado, e ele me respondeu com um tom de voz
completamente diferente:
— Então é isso que você acha de mim, que eu sou um predador
idiota? Você não confia em mim o suficiente pra ficar sozinha
comigo?
Essa última pergunta me pegou de surpresa, e eu não soube
como responder. Baixei os olhos, um pouco envergonhada. Eu
chamo Daemon de amigo há alguns anos, mas nunca fomos tão
próximos como agora. A Elite era nossa família, mas ainda assim
alguma coisa nele me deixava... em alerta.
Ele nunca teve uma namorada. Nunca se envolveu com uma
garota por mais que duas noites seguidas, e seus rolos sempre
terminaram com elas de coração partido. Daemon não conta nada
para Elite, porque não se envolve de verdade com ninguém. As
garotas caem aos seus pés o tempo inteiro, ele as usa e depois joga
fora. É o tipo de garoto que todas sonham em conquistar e
transformar em um príncipe.
Mas então Daemon fez algo que eu não esperava. Sua
expressão suavizou e ele se aproximou de mim, passando a mão no
meu rosto com delicadeza antes de abrir um sorriso de canto.
— Fica aqui essa noite. Me deixa provar que você pode confiar
em mim. Dorme comigo e eu juro que não vou encostar em você.
Meus joelhos fraquejaram e eu dei um pulo para longe dele.
— O quê?! Eu não vou dormir com você, Daemon!
Eu fechei a cara para ele e tentei chegar na porta para ir
embora. Antes que eu pudesse sair, ele se encostou de lado na
porta, impedindo minha passagem. Ele sorriu, se divertindo, e falou
devagar com uma voz suave e muito debochada:
— Você não deve andar pelos corredores à noite, Weylin. Vai
arrumar uma detenção.
Eu olhei para ele, incrédula. Ele era o monitor. Podia me dar
uma detenção por estar fora da cama depois do horário, mas ele
não seria tão baixo, seria?
Eu dei a ele um olhar frio e eu o afastei para abrir a porta.
— Então me dá uma detenção, monitor.
Eu saí para o corredor e Daemon me segurou pelo pulso.
— Você não quer ter que explicar ao diretor porque foi pega no
corredor dos meninos fora do horário de novo, quer?
Nunca senti tanta raiva de Daemon na minha vida. Foi ele quem
me resgatou no ano passado, bêbada e vulnerável. Eu não podia
acreditar que ele estava usando aquilo contra mim agora. O encarei
com frieza e nós ficamos um minuto parados ali, os olhos faiscando
um para o outro. Não sabia se ele iria levar a ameaça a diante e me
denunciar, mas antes de eu testar sua autoridade, nós ouvimos
alguém subir as escadas no fim do corredor. Eu me sobressaltei e
Daemon me puxou rápido para dentro do quarto dele, se colocando
na minha frente e me escondendo do garoto que se aproximava
devegar. Era o monitor-chefe, um aluno do último ano, que
patrulhava os corredores. Eu congelei contra a parede do quarto de
Daemon, tentando não fazer barulho enquanto ouvia a conversa.
— Perdeu alguma coisa nos corredores, Novak?
Ele perguntou desconfiado, e Daemon retrucou com seu tom de
voz calmo e debochado de sempre:
— Estava querendo saber quem estava atrapalhando meu sono,
Bruce. Será que dá pra você ser menos barulhento?
— Volta pro seu quarto, Daemon.
Depois de uns instantes em silêncio que com certeza
significavam um campeonato de encaradas, o monitor-chefe seguiu
sua patrulha e Daemon voltou pra dentro do quarto, fechando a
porta e olhando para mim com um meio sorriso. Eu suspirei aliviada.
— Eu sabia que você não ia me entregar.
Eu sussurrei, e ele se aproximou mais do que já se aproximou
de mim na vida. Eu levantei a cabeça para conseguir o olhar nos
olhos.
— É claro que eu não ia. Eu não quero te chantagear, Cora.
Quero que fique porque eu estou te pedindo pra ficar. Quero que
confie em mim.
Eu o encarei por um minuto inteiro, sentindo a energia entre nós
mudar. Quando ele não quebrou o contato visual, eu revirei os
olhos.
— Tudo bem. Acho que eu não tenho muita escolha mesmo.
Daemon riu e convocou um travesseiro em minha direção, que
eu usei para bater nele segundos depois, o que arrancou dele um
gemido de dor, mas eu não me arrependi.
— Vai ser como uma das festas do pijama da Elite.
Uma noite de fofocas e doces, que terminava quase sempre
comigo e as meninas dormindo agarradas na cama de alguém
enquanto eles jogavam Xadrez alcoólico até de madrugada nos
colchões no chão?
Acho que não.
Eu mostrei o dedo do meio enquanto virava as costas em
direção ao banheiro, pensando em pegar um moletom dele para
usar de pijama. Pelo menos Daemon tinha tantos produtos de
higiene quanto eu, e me deixou em paz enquanto eu adaptava
minha rotina de skin care noturna com o que ele tinha a oferecer.
Um plano maléfico começou a se formar em minha mente.
Se ele queria que eu dormisse aqui, eu o faria sofrer.
Se essa era mais uma das nossas disputas, e se a promessa
dele aqui era não me tocar, eu dificultaria o máximo que eu pudesse
para ele. Ele ainda era um galinha, afinal de contas.
E eu o faria querer me tocar.
Nós costumávamos dormir todos juntos, mas pensar em passar
a noite só com ele me deixava um pouco nervosa. Eu senti o
coração acelerar daquele jeito meio descompassado que eu ainda
não tinha certeza se gostava.
Quando eu voltei para o quarto alguns minutos depois, Daemon
estava sentado em sua cama. Ele deixou o livro que lia cair no chão
quando me viu sair do banheiro descalça, com o cabelo solto e
vestindo apenas minha calcinha e uma camiseta. Uma camiseta
dele.
O desafiei mais uma vez quando subi na cama engatinhando ao
lado dele, me deitando de bruços por cima do cobertor e deixando a
camiseta subir até o limite das minhas coxas. Ele não tirou os olhos
de mim por nem um segundo.
— Nem pense em encostar em mim, Novak.
Com os olhos queimando, ele se inclinou sobre mim, me
cobrindo com o edredom leve e ajeitando o travesseiro atrás da
minha cabeça. Eu virei de barriga para cima e seu rosto ficou a
centímetros do meu.
— A não ser que você me peça, Cora. Você sempre pode pedir.
Engoli o arrepio que percorreu em todo o meu corpo.
— Pode sonhar.
Daemon sussurrou o encanto que apagava a luz e se deitou de
barriga para baixo do outro lado da cama. Tentando se manter o
mais distante possível de mim.
Eu sorri satisfeita.
Mas não consegui dormir.
Observei a curvatura das suas costas, agora cobertas com a
poção grossa que era como uma pasta rígida por cima da sua pele,
selada com magia. A aparência da pele ao redor dos machucados
era muito melhor que antes. Observei os músculos dos braços dele
se esticarem e alongarem até o travesseiro, o peito inflar de acordo
com a repiração, e a expressão relaxada por baixo dos cabelos
bagunçados que caíam na testa.
Como se o maldito garoto estivesse me vendo, ele falou sem
abrir os olhos.
— Estou sentindo você me secar, Cora.
— Vai pro inferno, Daemon.
— É só dormir, princesa. Você deve saber como relaxar.
Princesa. Pela Deusa, aquele apelido fez um arrepio gelado
tomar conta do meu corpo. Aquilo me deixou tão nervosa que eu
entreguei tudo completamente sem pensar.
— Não consigo dormir, eu estou com frio!
Eu tinha um problema, um sério problema, de estar acostumada
a dormir com três cobertores. As masmorras eram naturalmente
geladas, e eu só conseguia pegar no sono se estivesse quente.
Daemon nem estava completamente coberto, e aquele edredom fino
não era nem de longe o suficiente para me manter aquecida em
uma noite nas masmorras.
Ele se virou para mim e sorriu no escuro.
— O que exatamente você quer me dizer, Cora? Só pra
deixarmos claro.
Eu fechei a cara para ele, não querendo ver o sorriso satisfeito
que ele tinha.
— Nada. Esquece.
Eu não ia perder essa disputa. Não ia dar a ele a satisfação de
pedir pra chegar mais perto, nem que eu tivesse que passar a noite
inteira acordada tremendo de frio.
Provavelmente, era isso o que aconteceria. Porque depois de
alguns minutos em silêncio no escuro, ele deve ter sentido os meus
tremores.
— Pela Deusa, Cora. Vem cá.
Daemon se ergueu um pouquinho para olhar pra mim, revirou
os olhos e me puxou pela cintura para perto dele, fazendo meu
corpo inteiro tremer ao sentir como ele estava quente.
— Os dormitórios dos garotos ficam mais abaixo nas masmorras
do castelo do que os das garotas. É mais frio aqui.
Ele sussurrou em meu ouvido e eu agradeci a desculpa do frio,
porque estremeci quando senti sua voz rouca em meu ouvido. Ele
me mantinha encostada nele, minhas costas contra seu peito, suas
pernas enroladas nas minhas, sua mão subindo e descendo pelo
meu braço para me aquecer.
O calor do seu corpo me fez relaxar e eu soltei um gemido
involuntário pela garganta, quase como o ronronar de um gato, de
tão satisfeita que eu estava pela presença de calor. Não me importei
com o que aquele gemido parecia.
A voz dele diretamente contra minha orelha me fez sorrir de
olhos fechados.
— Caralho, Cora... Por favor não faz eu me arrepender disso.
Eu sorri, sabendo exatamente sobre o quê ele estava falando.
Amanhã, nós estaríamos arrependidos. Eu sabia que não
conseguiria mais olhar para ele sem lembrar de como era a
sensação da pele quente dele contra a minha. Mas não iria pensar
sobre isso naquele momento. Ou nunca, se conseguisse evitar.
Eu ronronei como uma gatinha até pegar no sono e naquela
noite, indo contra todos os meus princípios, eu dormi nos braços de
Daemon Novak.
Eu voltei para o meu dormitório logo ao primeiro sinal de
raiar do sol na manhã seguinte, caminhando em silêncio pelos
corredores desertos e entrando no quarto de fininho para não
acordar Phenelape.
No banho, eu tentei afogar as lembranças da noite passada.
Não me permiti reconhecer a sensação inebriante logo abaixo
do estômago que surgia toda vez que eu pensava em Daemon.
Tentei me convencer que tinha sido apenas uma noite normal com
um dos meus amigos. Como Eros. Mas a pele de Eros nunca me
deu arrepios, e eu definitivamente nunca ronronei quando fui
abraçada pelo meu melhor amigo.
Pela Deusa, eu estava completamente fodida.
Mergulhei na banheira e só voltei para superfície quando meus
pulmões começaram a arder.
Quando voltei para o quarto vários minutos depois, Penny não
estava mais ali. Mesmo depois do meu ritual de vestir o uniforme
murmurando afirmações positivas sobre mim e minha aparência, eu
ainda não me sentia confiante. A presença da tiara de brilhantes na
minha cabeça mais parecia um peso desagradável depois de eu
ouvir Daemon me chamando de princesa.
Mesmo assim, coloquei a máscara da arrogância de sempre e
desci até a sala de descanso das masmorras onde os alunos
esperavam a hora de descer para o café da manhã. Localizei Penny
no sofá perto de Ezra e Daemon, e caminhei até ela.
— Oi, Penny. Você saiu antes que eu saísse do banho.
Ela me deu um olhar frio e não respondeu de imediato. Aquilo
era ruim. Muito ruim. Tentei fingir que não notei o clima tenso.
— Como foi seu encontro ontem?
Ela então lançou aquele olhar de deboche para mim. Aquele
que fazia garotas sentirem vontade de se mijar nos corredores.
— O meu encontro? Como foi o seu encontro, Cora?
Eu pisquei, confusa. Ela estava muito puta, e me liberou da
responsabilidade de responder quando continuou, falando cada vez
mais alto.
— Porque eu cheguei aqui, preocupada sobre você ter passado
a noite fora, e Daemon acabou de me “tranquilizar” — ela fez aspas
com as mãos — dizendo que você passou a noite com ele!
Eu arrisquei um olhar para os meninos atrás dela. Daemon
olhava para mim com um sorrisinho cínico nos lábios, que eu senti
vontade de tirar com um soco, e Ez encarava Penny com um ar tão
preocupado que eu sabia que significava ele estar a um passo de
intervir.
— Penny, isso não quer dizer nada...
— Ah, não? Sabe o que mais aconteceu ontem Cora, enquanto
você e Daemon se divertiam sozinhos? Dahlia me contou que ela e
Eros estão ficando. Eles estão juntos, e você sabia disso!
Mas que merda. Dahlia não podia ter escolhido um momento
pior para contar. Phenelape estava com os olhos cheios de raiva.
— Então aquela conversa toda de vocês era sobre isso? Vocês
estavam planejando serem as novas vadias da Elite pelas minhas
costas?
Eu não estava esperando isso, então fiquei encarando-a sem
acreditar. Ela falou tão alto e o salão estava cheio, então
obviamente chamamos a atenção de quem estava por perto.
Daemon interviu antes que eu sequer piscasse.
— Cuidado com a sua boca, Verena.
Penny ficou ainda mais enfurecida com a intromissão dele.
Ignorando-o completamente, ela se virou para mim de novo.
— Precisa da ajuda do seu novo namorado agora? Vai ser todos
vocês contra mim?
Eu finalmente reagi.
— Penny, você está sendo ridícula. Eu não tenho nada com
Daemon, e a vida de Eros e Dahlia não é da sua conta.
Os estudantes em volta começaram a prestar atenção e
cochichar uns com os outros. Fazia muito tempo que eu não tinha
uma briga com a minha melhor amiga.
— Agora cala a porra da boca ou eu vou fazer isso por você.
Eu falei baixinho, mas era óbvio que todo mundo ouviu.
Phenelape ficou em choque pela ameaça.
— Eu sempre soube que você era uma vadia, Weylin.
Eu me mexi para avançar nela, mas isso era só o que os
meninos estavam esperando para interromper. Daemon me segurou
contra ele e Ez puxou Penny para longe de mim enquanto falava
para nós duas.
— Já chega, aqui não é hora nem lugar pra isso. Vocês
precisam esfriar a cabeça. Penny, vamos descer para o café.
Ela me deu um último olhar frio e deixou Ezra a guiar para fora
do salão. Daemon ainda me segurava com firmeza e eu me
desvincilhei do seu aperto, sentido uma pontadinha de culpa ao
notar uma breve careta de dor que ele não conseguiu esconder.
Suas costas ainda estavam machucadas e o esforço de entrar na
briga para me segurar deve ter sido doloroso.
Mesmo assim, eu tinha muito mais raiva do que empatia
correndo em meu sangue.
— Por que você contou pra ela?!
Daemon estreitou os olhos pra mim.
— Não sabia que eu era o seu novo segredo sujo, Cora.
— Eu fugindo do seu quarto logo pela manhã não era um indício
claro de que eu não queria que ninguém soubesse?!
Ele sorriu, um sorriso genuíno e debochado, quando endireitou
a postura e olhou em volta.
— Então você está fazendo um trabalho de merda agora se
queria manter isso em segredo.
Ele correu os olhos pelo salão e eu segui seu olhar, registrando
que todo mundo estava de olho em nós, de novo.
Porra, por que eu sempre estava no meio de todas as
confusões? Agora a escola inteira iria fofocar que eu estava
transando com Daemon, pelo amor da Deusa.
Antes que eu pudesse ter um chilique e berrar pra que todo
mundo fosse cuidar da própria vida, A voz irônica de Daemon me
despertou dos pensamentos. Ele apontava para a escada dos
dormitórios, de onde Dahlia e Eros desciam juntos e percebiam os
olhares dos alunos neles.
— Eros e Dahlia acabaram de chegar. Eles vão gostar de saber
que você e Penny acabaram de contar o segredo deles pra todo
mundo.
Puta que pariu, esse dia não tinha como ficar pior.
No fim das contas, Eros e Dahlia não ligaram muito que as
outras pessoas soubessem dos sentimentos que tinham um pelo
outro. O fato de Dahlia ter contado a Penny na noite passada era o
primeiro indicativo de que os dois estavam prontos para que o resto
da escola os visse juntos.
É claro que eles não contavam com o surto psicótico de ciúmes
da Penny. A Elite nunca tinha tido um “problema” desses para
resolver antes. Nós sempre fomos amigos, até então nunca nos
envolvemos de outra forma, e eu respeitei a decisão tomada aos
sussurros de Cora e Dahlia de dar tempo à Penny para que ela se
acalmasse.
O problema era que Dahlia conseguia suportar as provocações
da amiga sem cair na tentação de responder. A Cora, não.
O dia inteiro se passou com as duas trocando farpas, e eu
assisti de longe a briga passiva-agressiva das duas por todas as
aulas do dia, o que garantiu uma pequena confusão envolvendo
comidas voadoras durante o almoço e uma detenção paras duas na
aula de Criaturas Mágicas quando elas tentaram colocar aranhas no
cabelo uma da outra. Até o final do dia, elas chegaram a um ponto
neutro, uma guerra fria onde nenhuma das duas aceitava
reconhecer a presença da outra. Com Phenelape e Cora se
recusando a falar uma com a outra, nosso grupo acabou se
dividindo. Ez e Dahlia ficaram ao lado de Penny, deixando que ela
sentisse a sua raiva e esperando ela se acalmar aos poucos,
enquanto Eros e eu dividíamos a mesma opinião da Cora de que ela
estava agindo feito uma criança mimada.
Naquela noite, depois que a maioria dos alunos foi se deitar,
Ezra parou ao meu lado no sofá junto a lareira. Eu já estava
esperando por aquela aproximação o dia inteiro. Ez era o meu
melhor amigo desde que éramos crianças, ele sabia tudo sobre
mim. E eu sabia que o comentário da Penny pela manhã não iria
passar em branco.
— Daemon?
Ele chamou e eu levantei os olhos do livro em meu colo. Encarei
o amigo por um segundo e abri um sorriso debochado.
— O que é?
— Você realmente dormiu com a Weylin?
Eu olhei para ele sem responder por um minuto, e depois me
inclinei na poltrona para chegar mais perto dele e continuar a
conversa aos sussurros:
— Quem você acha que cuidou das minhas cicatrizes?
Ez arregalou os olhos de choque e ficou ainda mais puto pela
minha insinuação.
— Pela Deusa Daemon, o que você fez com ela?
Deixei uma risada de puro deboche escapar e voltei minha
atenção ao livro sem olhar para ele quando expliquei.
— Eu a ajudei com um trabalho, ela me ajudou com magia de
cura. Os monitores estavam patrulhando os corredores e eu a
convenci a passar a noite.
Levantei os olhos, encarando a preocupação do meu amigo.
— Eu não fiz nada com ela, Ez.
— Foi só isso?
— Foi só isso. Penny está agindo como uma maluca sem a
menor necessidade.
Ezra pareceu ficar um pouco aliviado, porque relaxou e se
sentou no sofá ao meu lado, mas só para reforçar sua autoridade
sobre mim, deu um tapa no livro que eu estava lendo, o derrubando
do chão.
— Vê se não faz nenhuma merda, Daemon. Nós conhecemos
você.
Aquela insinuação de novo. Meu sangue ferveu de raiva.
— O que você quer dizer, porra?
Eu respondi irritado, pegando o livro do chão.
— Ele quer dizer que se você se colocar nessa situação de
novo, vai passar do limite com ela.
Foi Eros quem respondeu, pulando o encosto do sofá e se
juntando à conversa.
— Eu não vou... Mas que porra de limite é esse? Vocês estão
agindo como dois idiotas superprotetores.
Os dois sorriram pra mim.
— Parece familiar, Daemon? — Foi Ez quem cutucou a ferida.
— O que você teria feito se soubesse que Cora passou a noite
no quarto de algum outro garoto da Averly?
Minhas mãos se fecharam em punho e eu as coloquei nos
bolsos para não apertar a poltrona. Se ela passasse a noite com
alguém... eu não sabia o que era capaz de fazer. A arrancaria de
onde ela estivesse e depois quebraria as mãos do cara que ousou
tocar nela.
Mas não foi isso que eu respondi.
— Eu não toquei nela. Não aconteceu nada.
Era uma mentira, uma que estava na minha cabeça o dia inteiro.
Eu continuei dizendo para mim mesmo que não era nada, mas
ainda podia sentir a sensação do corpo dela contra o meu, o cheiro
do cabelo dela no meu rosto, a pele macia e suave por baixo da
minha camiseta... Puta que pariu, aquilo estava me deixando
doente.
Desesperado para mudar o foco da conversa, direcionei minha
raiva para o cara que tinha de fato cruzado esse limite, se é que ele
existia.
— E porque vocês estão putos comigo, se foi Knight quem
colocou as mãos em uma delas? Foi ele quem quebrou a Elite, não
eu.
Eros fechou a cara e se preparou para responder, mas Ezra
interrompeu e nós ficamos em silêncio.
— A Elite não está quebrada. Nada vai mudar entre nós.
Eros concordou com a cabeça e completou:
— Dahlia e eu... nós estamos descobrindo que dá pra ter outro
tipo de sentimento entre a Elite. Mas a relação entre nós e com
vocês não vai mudar, eu juro. E Phenelape e Cora vão se resolver,
elas não conseguem viver uma sem a outra.
Eu concordei com a cabeça para a última parte, em silêncio.
Não era a primeira vez que Penny e Cora protagonizavam uma
briga épica, e certamente não seria a última. Sempre foi assim. Ezra
e Eros começaram a conversar sobre a Elite, mas eu não estava
prestando atenção. Não conseguia parar de pensar que a Weylin
estava com alguma coisa... diferente.
E odiei perceber o quanto todos eles esperavam de mim.
Apesar do que a minha má fama indicava, eu raramente levava
garotas para o meu dormitório. Meu quarto era sagrado para mim, e
eu preferia não o sujar com garotas idiotas que eu usava para aliviar
o estresse em que me mantinha constantemente. Diferente dos
meus amigos, eu era muito mais esperto e preferia levar as garotas
para seus próprios quartos, porque assim poderia ir embora assim
que acabasse. Eu não me importava que me vissem pelos
corredores da ala das garotas, só alimentava a fama que eu nunca
liguei de ter.
Mas fazer a Cora ficar no meu quarto ontem a noite tinha sido
uma decisão estúpida e inconsequente. Eu não queria que ela
fosse embora, então agi sem pensar. E provavelmente, foi a
primeira vez que eu só dormi com uma garota, sem esperar nada
dela. E foi... bom.
Apesar de eu ter que me encolher do outro lado da cama pela
manhã pra ela não acordar e me ver de pau duro ao lado dela.
Eu nunca falaria isso aos meus amigos, mas ter ela dormindo
tranquilamente em meus braços na última noite mudou algo em
mim, e eu não tinha certeza do que era. Mas eu sabia que isso, seja
o que fosse, não ia passar. E porra, eu estava fodido da cabeça.
Seguindo a mesma tradição de organização da festa de
boas-vindas no início do ano letivo, era função dos dormitórios das
torres sediar a festa de Dia das Bruxas, depois do jantar oficial no
salão principal. Essa era a minha data comemorativa favorita, mas
por causa da briga com a Penny, eu não estava muito animada.
Planejar fantasias sexies, se dedicar nas maquiagens, apreciar
as decorações espalhadas pelo castelo e fazer pegadinhas
assustadoras com os outros alunos... nada daquilo fazia sentido
sem a minha melhor amiga do lado.
Apesar disso, eu segui o plano e me arrumei com Dahlia e Eros
no meu quarto naquela noite. Dahlia tinha me dito que Penny iria
com uma menina que ela andava ficando, e Daemon quase nunca ia
para uma festa em outro dormitório. Como ele ia ficar, Ez também
ficaria.
Eu levei mais de duas horas para me arrumar, mesmo com
magia. E no fim, eu esta completamente satisfeita.
A ideia da minha fantasia era me fazer parecer com a morte
encarnada. Então minha pele já pálida estava ainda mais branca,
com uma maquiagem pesada nos olhos, lábios pretos e uma
marcação leve que dependendo da luz, lembrava o sorriso mórbido
de uma caveira. Deixei meus cabelos lisos com magia e os alonguei
até o fim das minhas costas. Eu já tinha cabelo comprido, mas
aquele tamanho era tentador. Talvez eu mantivesse esse
comprimento depois.
Dahlia e Eros já tinham aprovado minha aparência antes
mesmo de eu tirar o roupão de seda e vestir a fantasia. Depois que
eu vesti, suas reações foram impagáveis.
Dahlia abriu a boca em um “o” tão grande que não sei como ela
não babou no chão. Eros assobiou, me fez girar no mesmo lugar e
soltou um palavrão.
— Caralho, Cora. Ou ninguém vai chegar perto de você por
medo, ou todo mundo vai querer chegar perto de você.
Eu dei risada enquanto me analisava no espelho de corpo
inteiro. Eu vestia um corselet justo de renda preta, com decote em
forma de coração que deixava meus peitos ridiculamente
empinados. Ele terminava em uma sainha de tule armado que mal
cobria minha bunda. Prendi uma meia calça 7/8 na cinta liga e vesti
minhas botas de couro até as coxas. Com a maquiagem e a foice de
mentira que eu carregava, eu realmente parecia um demônio ou a
própria morte.
E eu nunca tinha me sentido tão exposta.
Passei mais um pouco de iluminador nos ossos da clavícula e
apertei mais ainda o corselet na cintura, pensando que tinha valido a
pena pular o jantar nos últimos cinco dias.
Minha mãe idiota diria que eu estava vulgar demais.
Mas eu não estava nem aí.
Normalmente, Penny estaria tão seminua quanto eu, e a
presença da minha melhor amiga ao meu lado me dava confiança,
mas hoje eu teria que conseguir sozinha.
Dahlia e Eros usavam uma fantasia combinando de palhaços
macabros, e eles também estavam sexies e assustadores com o
monte de sangue falso espalhado pelo corpo.
Nós descemos para a sala de descanso das masmorras já
atrasados para a festa, mas eu não me importava. A festa só
começava quando a Elite chegava, de qualquer forma.
A maior parte da Elite, pelo menos.
Estava conversando com Dahlia e não reparei Eros se afastar
de nós antes que saíssemos, e só percebi que ele não estava entre
nós quando minha amiga parou na porta para esperar por ele.
Quando ergui os olhos, percebi que ele tinha parado para falar com
Ezra.
E então, eu percebi os olhos de Daemon.
Ou os senti descendo pelo meu corpo. Devagar. Absorvendo
cada detalhe. E eu senti aquele olhar como se ele fosse físico,
tangível.
Quando ele voltou para meu rosto, eu sorri.
Deboche, malícia e veneno.
Era isso que ele estaria perdendo essa noite.
Eros voltou e eu saí em direção às torres ao lado dos meus
amigos, mas com a pele ainda arrepiada como se o olhar de
Daemon continuasse queimando nela.

Perdi Eros e Dahlia na primeira hora de festa.


A torre estava irreconhecível, macabra, escura e decorada com
perfeição. Aranhas enfeitiçadas caminhavam pelas paredes fazendo
teias, velas queimavam dentro de abóboras flutuantes, e os alunos
se dividiam entre dançar na concorrida pista de dança e jogar jogos
alcoólicos no fundo do salão.
Encontrei Henry e Adonis em uma partida acirrada de beer
pong, e fiquei jogando e bebendo com eles até perceber que Dahlia
e Eros não estavam em nenhum lugar por ali. Provavelmente,
tinham se esgueirado pra pista de dança ou pra algum dos cantos
mais isolados da sala em busca de privacidade.
Eu não me importei. Também faria isso se tivesse no lugar deles
e tivesse alguém para... espera aí.
Meu cérebro um pouco embriagado começou a girar.
Eu podia ter alguém para beijar. Eu estava solteira, pelo amor
da Deusa.
Adonis gritou em comemoração quando eu virei o último copo
de shot do jogo, e algo forte e quente desceu pela minha garganta
— Uísque de fogo, talvez.
Fiz sinal para os amigos que iria dar uma volta pela festa e os
deixei pra trás, reorganizando os copos para uma nova partida. Fingi
não ver os olhares em mim e no meu corpo enquanto atravessava a
multidão de queixo erguido, meio sem saber para onde ir.
Um vulto de cabelos escuros como carvão chamou minha
atenção, e eu me virei para ver Penny com a língua enfiada na
garganta de uma garota vestida como... uma bailarina macabra? Era
difícil ver com as mãos delas deslizando uma pelo corpo da outra,
mas parecia isso, quando parei para olhar melhor. Sua pele negra
brilhava com pontos de glitter, os cabelos cacheados e volumosos
pendiam do coque que Penny estava arruinando ao puxar a garota
para si.
Eu não pude deixar de sorrir.
Phenelape abriu os olhos naquele instante, e pegou o meu
olhar.
Mesmo que estivéssemos brigadas, ela correspondeu o meu
sorriso. Fiz um sinal de aprovação com os dedos, o que arrancou
uma risada baixinha dela enquanto beijava a menina. Ela me
respondeu com um olhar de cima a baixo que indicava que ela
também tinha aprovado a minha fantasia.
Penny estava vestida como uma noiva assassina, as roupas tão
curtas e indecentes como as minhas, e eu a deixei em paz para
aproveitar a companhia da garota.
Talvez nós pudéssemos conversar mais tarde.
Havia algo de excitante e libertador em andar sozinha por aí.
Mas algo dentro de mim, enterrado lá no fundo, me lembrou de uma
outra ocasião em que eu estava bêbada e sozinha, e terminei a
noite chorando na cama de um cara mais velho.
Afastei a lembrança antes que ela me dominasse.
Eu não era mais aquela garota. E eu chutaria as bolas do
próximo cara que tentasse abusar de mim.
Sem ver nenhum sinal de Dahlia e Eros, eu acabei voltando
para onde Henry e Adonis estavam. Graças a Deusa eles tinham
parado de jogar, porque os dois estavam tão bêbados que podiam
tropeçar um no outro a qualquer momento.
Estava tentando manter uma conversa com eles por cima do
volume alto da música quando algo atrás de mim atraiu a atenção
dos dois.
Se eu não os conhecesse tão bem, teria descoberto sobre a
sexualidade deles nesse exato momento, quando dois pares de
olhos se arregalaram e dois queixos caíram exatamente no mesmo
instante.
— Quem. É. Aquele?!
Me virei para procurar o garoto de quem eles estavam falando,
e não foi nada difícil.
A multidão se abria voluntariamente para um garoto alto passar,
vestido todo de preto e com a camisa aberta até o abdômen,
exibindo os músculos definidos e a grossa corrente de prata no
pescoço. Seu rosto estava coberto por uma maquiagem impecável
de caveira e eu o reconheci antes mesmo de ele abaixar o capuz do
manto preto que usava e exibir os cabelos loiros platinados
penteados pra trás.
— Daemon.
Meus joelhos realmente enfraqueceram dessa vez, e eu me
apoiei em Adonis, que soltou um palavrão baixinho.
O que diabos ele estava fazendo aqui?! Daemon nunca vinha
para a Torre, e todo mundo ao redor parecia estar percebendo quem
era o garoto de capuz e tendo o mesmo choque que eu.
Só que eu não tinha tempo para continuar em choque, porque
ele estava vindo na minha direção. Com os olhos cinzentos
queimando nos meus. Eu não ousei respirar quando Henry e Adonis
sussurraram algo para mim e desapareceram na multidão, me
deixando sozinha.
Que excelentes amigos.
Mantive o queixo erguido e a expressão de desafio enquanto
esperava ele se aproximar. A centímetros de mim, Daemon
desamarrou a capa em seu pescoço e me vestiu com ela,
amarrando com cuidado e paciência as fitas acima dos meus seios.
Quando terminou, ele sorriu debochado.
— Agora sim você parece uma Senhora da Morte.
— O que você está fazendo aqui?
— Achei que pudesse precisar de um soldado.
Ele apontou para si mesmo, para a maquiagem e roupas que
combinavam com as minhas. Ignorei a sensação que se agitava em
meu estômago e franzi as sobrancelhas para ele, percebendo que a
capa me cobria até os pés.
— Ou só não suportou a ideia de eu estar andando pela Torre
sozinha, vestida como eu estou?
Nós trocamos um olhar intenso e gelado. Eu sabia que estava
sendo uma vadia. Ele veio por mim, se deu ao trabalho de se vestir
e se maquiar para me fazer companhia porque sabia melhor que
ninguém que Eros e Dahlia iriam me deixar, mas nada era de graça
com Daemon. Ele não estava sendo apenas gentil. Ele estava aqui
por motivos próprios, mesmo que parecesse o contrário.
Antes que um de nós pudesse ceder à pequena disputa de
encaradas, um barulho alto me assustou e eu só senti as mãos de
Daemon me agarrarem pela cintura e me colocarem contra suas
costas. Ele recuou comigo até uma parede, me prendendo contra
ela enquanto analisava o que acontecia adiante.
Dois garotos grandalhões do último ano estavam caindo na
porrada. Um deles foi jogado em cima da mesa frágil do beer pong e
a quebrou. Daemon me tirou do caminho antes que eu fosse
atingida pela confusão.
Eu estava chocada, com o coração batendo acelerado pelo
susto, as unhas cravadas no braço que Daemon ainda mantinha em
volta de mim.
Assim que outros garotos se meteram para apartar a briga, ele
se virou pra mim.
Seu rosto estava muito perto. Perto demais.
Eu ainda o agarrava como se minha vida dependesse disso, e
ele se inclinou mais ainda sobre mim, me prendendo contra a
parede só com a sua presença. Seus olhos desceram para minha
boca por meio segundo antes que ele falasse.
— Você devia ir ao Baile de Inverno comigo.
Eu definitivamente não estava esperando por isso.
— O quê?!
— Você sabe. O Baile de Inverno, ainda falta um mês. Você
devia ir comigo.
Eu ainda estava paralisada porque aquilo foi muito aleatório pra
mim.
— Por quê?
Eu perguntei, ainda incrédula com aquele pedido inesperado e
um pouco desconfiada. Ninguém estava falando sobre o baile ainda,
porque ele queria se antecipar tanto? Ele se irritou com a minha
teimosia.
— Porra Weylin, você não pode só aceitar de uma vez?
Agora eu é que estava irritada. Como ele podia jogar aquilo em
cima de mim do nada e esperar que eu desse uma resposta
aceitável?
— Ah, isso foi um convite? Não pareceu que eu tinha muita
escolha.
Daemon suspirou e se afastou. A confusão já estava quase sob
controle, e eu respirei aliviada quando recuperei meu próprio espaço
pessoal, mas ainda um pouco em choque com a proximidade
inesperada dele. O jeito que ele me olhou...
Mais uma lembrança para a lista de memórias que com certeza
surgiriam na minha cabeça nos momentos mais impróprios do
mundo, com certeza.
Com o barulho alto de confusão, Dahlia e Eros reapareceram,
preocupados. Eles encontraram Daemon e eu e logo vieram ao
nosso encontro perguntando o que tinha acontecido.
Ezra surgiu na multidão vestido como um vampiro, (quando foi
que ele chegou aqui?!) o olhar preocupado relaxando por um
instante quando viu Daemon e eu.
— Eu ouvi que estava tendo uma briga... Porra, Daemon, achei
que fosse você.
Daemon sorriu ao meu lado, como se aquilo fosse motivo de
orgulho. Ouvimos uma voz alta e mandona do outro lado dos
destroços da mesa de beer pong, e todos nós nos viramos pra ver.
Penny vinha abrindo caminho até nós, se livrando do cara que
tentava impedir que ela atravessasse o caos.
— Me solta, idiota! Aqueles são os meus amigos e eu não dou a
mínima se a Torre está desmoronando ou não, eu vou chegar até
eles.
O garoto saiu da frente, e ela veio marchando até nós. Eu sorri
mesmo quando a expressão enfurecida dela não se suavizou.
— Não foi nenhum de vocês o idiota que começou uma briga,
né?
Dahlia explicou que não, e eu direcionei o olhar para Ez.
— Ezra, acho que a Elite precisa de um jogo de verdade ou
desafio.
Nós seis trocamos um olhar. Penny já tinha passado tempo
suficiente sem falar com ninguém da Elite e eu já estava no meu
limite. Nós iríamos resolver aquela merda agora, do jeito que
estávamos acostumados a fazer: jogando.
Ez nem discutiu comigo e saiu por um minuto atrás de uma
garrafa vazia. Eros e Dahlia abriram espaço no tapete onde nós
estávamos, e eu me sentei no chão pra marcar a roda. Alguns
outros alunos que estavam por perto pareceram ficar para assistir.
Quando nós decidíamos jogar, era quase certo que teria alguma
confusão. Eu sabia que estava com um olhar sanguinário, porque
via os olhares preocupados de Daemon e Eros em mim.
Troquei um olhar frio com minha melhor amiga e ela finalmente
se sentou no chão. A energia de desafio entre nós era quase visível
e eu sabia que ela ia brigar, já estava pronta para isso.
Quando Ezra voltou com uma garrafa e perguntou quem queria
começar, Phenelape falou alto pra todo mundo ouvir.
— Weylin, verdade ou desafio?
Todo mundo olhou de mim para ela. Nós quase nunca nos
chamávamos pelo sobrenome.
— Verdade.
Eu nem pensei para responder. Sabia exatamente o que ela
perguntaria, esperando que eu me entregasse. Mas eu não daria
essa satisfação.
— É verdade que você e o Daemon estão transando?
Eu sorri e respondi sem nem pensar, falando firme e sem
quebrar o contato visual com ela.
— Não. Eu nunca quis ficar com ele, você sabe disso.
Eu ouvi as respirações dos colegas oscilarem, mas não desviei
os olhos de Phenelape.
— Você está mentindo.
Mesmo tendo certeza da minha resposta, não pude deixar de
notar meu coração batendo descompassado, e eu sustentei seu
olhar com medo de que ele fosse me entregar.
— Quer pagar pra ver? Você conhece as regras.
Ela me encarou por longos segundos e depois olhou para o
Daemon. Ele sustentou o olhar dela sem esboçar nenhuma reação.
— Você está mentindo.
Ela repetiu, tirando os olhos de Daemon e voltando para os
meus. Antes que eu pudesse falar, ele interrompeu.
— Ela não está mentindo.
Todo mundo se virou para ele, não só a Elite.
— Eu nunca toquei nela. E certamente, Cora nunca me pediu
por isso.
O silêncio que se fez ao redor da Elite foi macabro e profundo.
Foi interrompido apenas por Eros, que tinha seu próprio sorriso de
deboche nos lábios.
— Penny, você conhece as regras. Se acusou uma mentira e
estava errada, precisa cumprir um desafio.
Os olhos de Penny passaram de Eros para mim e eu sorri. Era
exatamente isso que eu estava esperando. Ela me olhou e
finalmente entendeu que eu estava planejando isso desde o
começo.
— Eu desafio você a beijar o Ez. De língua, do jeitinho que você
gosta.
Enquanto ela me fuzilava com os olhos, eu percebi os olhares
atentos dos alunos ao nosso redor. Procurei o olhar de Eros e ele
estava se segurando para não rir. Dahlia estava apreensiva e
Daemon era o único que parecia ter entendido o que eu queria
fazer.
Eu queria forçar Phenelape a beijar um de nós pra que ela
entendesse que não era grande coisa. Foda-se que Eros e Dahlia
estavam se pegando, a Elite não ia acabar por causa disso. E ela
finalmente entendeu.
Abriu um sorriso para mim e puxou Ezra para perto pela camisa,
mas não sem antes mostrar o dedo do meio para mim, se divertindo.
— Vai se foder, sua piranha. Agora eu entendi o seu plano.
Eu caí na gargalhada enquanto ela e Ezra se beijavam, com
Eros fazendo uma barulhada em volta deles. Quando alguém se
beijava em um jogo de desafio, era sempre assim. Eu procurei o
olhar de Daemon, mas ele estava frio e distante, evitando olhar para
mim. Quando eles pararam de se beijar, Eros foi o primeiro a falar,
debochado.
— Podemos surtar agora porque você e Ezra estão se
pegando?
Dahlia riu e Phenelape revirou os olhos antes de falar.
— Tá bom, o que vocês querem, um pedido de desculpas? Eu
exagerei, desculpa. Mas porra, eu fui a ÚLTIMA a saber? Vão se
foder!
Eu abracei minha amiga, feliz por finalmente estar falando com
ela.
— Phenelape, a gente te ama. E foda-se se o Eros e a Dahlia
se pegaram, agora você e o Ezra também. Isso não vai acabar com
a Elite. Nada vai! Tá bom?
Eros nos abraçou e puxou Dahlia também para um abraço em
grupo. Daemon e Ezra se juntaram ao grupo.
— Isso merece uma comemoração — Eros falou, quando nós
nos soltamos. — Vou buscar umas garrafas de alguma bebida forte
pra gente.
Penny e Dahlia gritaram em comemoração.
— Eu vou com você. — Daemon saiu atrás de Eros.
Ez parou ao meu lado, observando minhas amigas se
abraçarem.
— Se as fofocas no início da noite eram que a Elite estava
quebrada, agora eles vão ter que nos engolir.
Eu sorri olhando para cima, procurando o olhar de Ez.
— Eles precisam de muito mais que isso pra acabar com a
gente.
E nós passamos o resto da noite nesse clima, jogando jogos
alcoólicos, dançando, rindo e conversando todos juntos. Nenhum de
nós saiu de perto da Elite essa noite.
E mesmo que Daemon não se aproximasse de mim de novo, eu
fiquei a noite inteira com a sua capa presa em meu pescoço.
Nos dias que passaram depois do Halloween, a
temperatura caiu absurdamente. Neve começou a cair à noite,
deixando as paisagens através das janelas do castelo branquinhas.
Era lindo, mas também era muito, muito frio.
Morando nas masmorras, nós tínhamos que aprender a lidar
com o ar gelado. Mesmo com a magia mantendo o lado de dentro
aquecido o suficiente para que ninguém congelasse, a diferença
para o resto do ano era considerável. Então nessa época, a gente
costumava passar mais tempo reunidos na sala de descanso,
enrolados em cobertores em frente à lareira.
De vez em quando, nas sextas-feiras ou fins de semana,
tínhamos um ou outro truque para esquentar também.
Eros e Ez tinham subido para o dormitório há quase vinte
minutos, e quando desceram, suas bochechas estavam mais
coradas e eles mais relaxados. Eu percebi na hora a mudança.
— O que vocês estavam fazendo?
Meu melhor amigo piscou pra mim quando pulou o encosto do
sofá e aterrissou entre mim e Dahlia.
— Dando um jeito de nos manter aquecidos por dentro.
Ezra tinha uma garrafa nas mãos muito parecida com a que
usávamos para beber água no dia a dia. Ele me ofereceu e eu
aceitei, lançando um olhar desconfiado os dois.
— Não cheire a garrafa antes de beber — Ez aconselhou.
Apesar de ser um conselho altamente duvidoso, eu obedeci.
Virei um gole generoso e engoli, para só depois sentir o líquido
amargo descer queimando a minha garganta.
— Puta que pariu, Cora! Vai com calma!
Eros tirou a garrafa das minhas mãos e ofereceu pra outra
pessoa. Ele me observou enquanto eu agitava a cabeça de um lado
pro outro, tentando me livrar do gosto e da queimação. Mas quando
o pior passou, eu me sentia muito mais quente.
— O que era isso?
— Uísque de fogo. Mas não o Uísque barato contrabandeado
pra dentro da Averly. Esse aqui é o verdadeiro, produzido na
Escócia e vendido somente em lojas selecionadas pela Europa. É
um crime nós termos tirado ele da garrafa original, mas eu não ia
arriscar que alguém o roubasse.
Eu observei meus amigos passarem a garrafa de mão em mão
e todo mundo se servir de um gole.
— Agora suas bochechas estão cor de rosa. — Eros bateu a
ponta do dedo em meu nariz. — Se sente mais quente?
— Surpreendentemente... sim. Como o conseguiu?
Eros riu e mesmo assim eu me aconcheguei mais junto do meu
melhor amigo.
— Você lembra que uma vez eu te contei que meu avô era
fabricador de Uísque? Essa receita ficou maturando nos barris pelos
últimos vinte anos, e agora finalmente está dominando o mundo.
Sorri ao sentir a pontada de orgulho nas palavras dele.
— Então temos Eros Knight, o Herdeiro do Uísque, entre nós?
Todo mundo caiu na gargalhada.

Mais tarde naquela noite, eu estava quase dormindo no sofá


quando uma sombra tapou a luz do fogo e eu abri os olhos. Daemon
estava parado ali, com aquele sorriso de canto no rosto.
— Eu quero te levar em um lugar.
— Eu um lugar?
Eu perguntei sem entender, e me levantei.
— Não vai demorar. Você vai comigo?
Antes que eu respondesse, peguei o olhar de Eros em mim,
fazendo nosso sinal secreto com a cabeça.
Merda, eu tinha me esquecido do que tinha combinado com ele
hoje.
— Daemon, eu vou. Mas pode ser em cinco minutos, por favor?
Ele pareceu meio desconfiado, mas concordou com a cabeça.
— Eu... tudo bem.
Eu então me levantei discretamente e corri para o meu quarto
com Eros atrás de mim. Nós estávamos planejando uma surpresa
para Dahlia há dias, e eu estava escondendo um enorme buquê de
flores para ele.
Se eu fosse uma descendente de Graork, eu seria boa com
animais e seres mágicos e poderia convencer as pequenas fadas de
luz que viviam na floresta pra aparecer por aqui e criar um clima fofo
para eles, mas eu era péssima com qualquer tipo de animal e não
confiava em nenhum ser mágico.
Mas eu era muito boa com pessoas, então conforme voltávamos
pra sala de descanso, eu delicadamente pedi — ou seja, ordenei —
que o restante de alunos que estava por ali desse o fora, para Elite
ter a sala só para gente.
No silêncio, com apenas o fogo alto da lareira iluminando tudo,
Eros caminhou devagar até o sofá da Elite e ofereceu o buquê para
Dahlia. Eu me mantive distante, vendo tudo.
— Dahlia?
— Sim? Oh! Eros, o que é isso?
— Você aceita ir comigo ao baile de Inverno?
Ela sorriu e fingiu pensar por um momento.
— Porra! É claro que sim.
Dahlia aceitou as flores e ficou em pé no sofá para abraçar
Eros. Não pude deixar de murmurar a eles:
— Isso sim é um convite.
Daemon não olhou para mim quando falei.
Nós comemoramos e batemos palma, e quando eles
começaram a se beijar, fizemos sons de vômito e mandamos eles
arrumarem um quarto.
A clássica amizade.
Depois que estavam todos rindo de novo, com Dahlia e Penny
discutindo animadas sobre roupas e penteados para o baile, eu
notei Daemon me encarando, sentado de sua poltrona. Eu caminhei
até ele sentindo algo quente no estômago, mas que não tinha nada
a ver com o úisque de fogo que bebemos mais cedo.
Parei ao lado de sua poltrona e me inclinei sobre ele.
— Pra onde vamos?
Daemon se levantou no mesmo instante, pegou um dos
cobertores do sofá com uma mão, e a outra segurou a minha para
me guiar para fora.
— Você vai ver.
Saímos das masmorras e subimos até o andar térreo. Dali
entramos em uma e outra passagem secreta, até sairmos, em
poucos minutos, no pé da torre mais alta do castelo, onde ficava o
planetário e ponto de observação de estrelas. Nesse tempo todo,
ele não soltou minha mão nenhuma vez.
Por algum motivo, eu registrei aquilo como algo bom.
Daemon sorriu para mim e me ajudou a subir os degraus da
escada estreita que levava para uma abertura no topo, a parte
descoberta onde nós só subíamos um de cada vez pra fazer o
exame final de Astronomia. Eu nunca tinha ido até lá fora do horário
de aulas, e aquilo estava me deixando ansiosa. Daemon não me
deu nenhuma pista no caminho.
Antes de chegar na parte de cima, ele me parou.
— Cora, eu... Se eu soubesse o que Eros planejava fazer, não
teria te trazido aqui hoje.
Eu não entendi muito bem, e ele não me deu outra explicação.
Só puxou a frente, cobrindo os últimos degraus, e me deu a mão
para me guiar para cima.
Quando eu cheguei no topo, eu suspirei admirada.
O pequeno espaço circular estava decorado com velas
flutuantes, acesas com o tipo de chama azul que não se apagam
por nada e não queimam, apenas emitem calor. Apesar de ser
aberto para o céu, eu me senti entrando em uma bolha de calor. E
no chão, almofadas e cobertores cobriam toda a extensão de pedra.
— Depois de uma nevasca, normalmente é um bom momento
para olhar as estrelas.
Daemon sussurrou olhando para cima, como se isso justificasse
tudo. Eu então segui seu olhar e soltei outro suspiro de admiração,
porque ele estava certo.
Eu amava olhar para o céu. Astronomia não era uma das
minhas matérias favoritas à toa. E hoje o tempo estava limpo, a lua
minguante e as estrelas brilhando intensamente. Daqui de cima, eu
podia ver as galáxias, descrever constelações e contar estrelas.
Daemon pegou o cobertor que tinha na mão e me enrolou nele.
— Eu não tinha certeza se tinha pego cobertores suficientes.
Eu então baixei os olhos, o encarando pela primeira vez. Ele
tinha feito isso para mim?
Porra.
Eu não sabia que Daemon gostava das estrelas. Nós nunca
conversamos sobre isso além de uma ou outra discussão nas aulas,
mas gostei de pensar que ele escolheu compartilhar isso comigo.
Ninguém nunca conseguia fazer ele se abrir de verdade.
— Aquela lá é a constelação do Dragão. Meu nome é por causa
dela. Minha mãe me ensinou a identifica-la quando eu era criança e
até hoje é a primeira que eu procuro quando olho para o céu.
— Daemon... é lindo.
Foi o que eu consegui dizer, de boca aberta.
— Sabe, os cobertores são pra você não quebrar o pescoço.
Eu então percebi que estava inclinando tanto a cabeça para
cima que estava mesmo começando a sentir dor. Daemon já estava
deitado no chão, sem os sapatos, com a cabeça apoiada nas mãos.
Eu me deitei também, apoiando a cabeça em uma almofada ao
lado dele.
— Aquela é a constelação de unicórnio. É a minha favorita.
— Ela não se parece com um unicórnio.
— Você não tem imaginação.
Nós seguimos assim por nem sei quanto tempo, discutindo
sobre como seria ver o espaço de perto, se as profecias e previsões
que vinham de estudos das estrelas eram confiáveis, tentando
identificar estrelas sem um mapa.
Ele me mostrou mais uma e outra constelação, me contou
histórias sobre as que sabia, e eu compartilhei as minhas. Em
determinado momento fomos surpreendidos por uma chuva de
estrelas cadentes.
— Rápido, faça um pedido.
— Eu... não sei o que pedir.
Olhei para ele em busca de ajuda, mas ele estava com os olhos
fechados, concentrado, seus lábios se movendo levemente como se
ele estivesse murmurando o pedido. Eu me perdi olhando para ele,
e quando ele abriu os olhos e perguntou se eu tinha feito o meu
pedido, eu respondi que sim.
Mas nunquinha ia contar para ele o que passou pela minha
cabeça naquele instante.
Apesar do fogo, estava ficando frio lá em cima, e eu não me
importei em chegar mais perto de Daemon. Ele passou os braços ao
meu redor, me deixando quente.
Quando pareceu que uma eternidade tinha passado, ele me
soltou e se sentou nos cobertores.
— Cora, eu não tenho flores, mas...
Eu me sentei também, finalmente entendendo o que ele ia falar.
O que era aquela noite.
— Ah, pela Deusa.
— Você queria um convite formal.
— Eu sei.
— Então cala a boca e me deixe fazer.
Eu fiquei em silêncio. E mordi o lábio enquanto sentia meu
coração quase pular pra fora de ansiedade.
— Você aceita ir ao Baile de Inverno comigo? Porque eu
prometo que vou fazer você se divertir mais do que qualquer idiota
dessa escola.
Eu comecei a rir. Lá no fundo eu sabia que ele não conseguiria
fazer um convite normal, teria que ser do jeito dele. E não poderia
ter sido mais perfeito. Acho que no fundo, eu já sabia que ele tinha
preparado e planejado essa noite por causa disso. E naquele
segundo, tudo isso passou pela minha cabeça. Também pensei que
ele não teria tempo de arrumar tudo isso sem um pouco de
planejamento. Então quando eu o provoquei sobre o pedido, ele já
tinha tudo isso planejado. Por isso me disse que não me traria até
ali se soubesse que Eros planejava convidar Dahlia hoje.
Ele não queria que eu pensasse que estava fazendo aquilo por
causa deles.
Mas eu sabia disso. Sabia de tudo isso.
Quando nós dois paramos de rir, eu o respondi:
— Será uma honra, Daemon. E eu vou cobrar a parte da
diversão.
Nós nos encaramos por um instante, com ele sorrindo para mim
de um jeito que eu nunca tinha visto. Foi o suficiente para minha
cabeça fodida começar a pensar mil coisas desnecessárias.
O que eu deveria fazer agora? O abraçar?
Eros e Dahlia se beijaram depois do convite, mas eles já
estavam acostumados a se beijar.
Pela deusa, sera que Daemon achava que eu ia o beijar agora?
Será que eu queria o beijar?
Puta que pariu, eu estava a um passo do colapso mental.
Mas Daemon me livrou do pânico quando se levantou e
estendeu a mão para mim.
— Por mais que eu prefira ficar aqui do que nas masmorras,
não quero que meu par pro baile vire um cubo de gelo.
Eu sorri aliviada.
Nós voltamos para as masmorras em silêncio para não sermos
ouvidos, se esquivando pelas passagens secretas para evitar os
professores ou monitores. Eu ainda não tinha certeza sobre porque
tinha feito aquilo, mas eu não me arrependia. Eu queria levar Cora
para o baile esse ano. Ela queria um convite melhor do que uma
insinuação em um momento aleatório. Ela merecia um convite
melhor, pela Deusa.
Então foi isso que eu fiz. Por que ela queria.
E eu tinha a sensação de que eu faria muito mais se ela me
pedisse, mas evitei reconhecer esse pensamento.
Eu deixei Cora entrar primeiro nas masmorras, ainda enrolada
no cobertor, e ela paralisou ao ver Eros e Ezra parados na sala de
descanso.
Os dois idiotas estavam me esperando. E obviamente, não
pensaram que assustariam a Cora para caralho ao ser pega junto
nessa emboscada. Mas ela apenas se desvencilhou do cobertor,
descartando ele em cima de uma poltrona, e colocou as mãos na
cintura, erguendo uma sobrancelha para eles desafiando o primeiro
que ousasse falar alguma coisa para ela.
Eu escondi um sorriso. Eros e Ez tinham quase dois metros de
altura, mas pareciam filhotinhos com o rabo entre as pernas na
frente dessa garota de 1,60.
Ela era a porra de uma princesa.
— Foi o que pensei — ela falou, quando nenhum deles abriu a
boca. — Boa noite, meninos.
— Boa noite.
— Boa noite, Cora.
Ela me deu um breve olhar, que eu correspondi, antes de correr
escada acima até seu dormitório. Eu dei a ela um minuto de
vantagem, então ignorei os dois caras e comecei a fazer o caminho
até meu quarto.
Eles obviamente foram atrás de mim.
— Você levou ela pra torre de observação, não levou?
— Não enche, Knight.
Nós sussurrávamos pelo corredor até chegar na porta do meu
quarto.
— Daemon, a gente conhece você. E você nunca levou uma
garota lá pra cima antes. Tem alguma coisa acontecendo?
O tom de voz de Ezra era sério e não gostei de ser repreendido
pelo meu melhor amigo. Abri a porta e esperei que os dois
entrassem antes de responder.
— Não tem nada acontecendo. Vocês não ouviram o que ela
falou durante o jogo de verdade ou desafio? Ela não quer saber de
mim desse jeito. Nós somos só amigos, tá legal?
Eu falei firme, tentando manter minha voz estável enquanto
lembrava das palavras dela na festa, que naquele momento me
acertaram como um soco no estômago. Evitei de propósito contar a
eles que tinha a convidado para o baile. Eu sabia que isso não ia
ficar em segredo por muito tempo, mas não queria falar sobre isso
naquela noite.
Eles não pareceram muito convencidos.
— Porra, é só a Weylin. Nós nos conhecemos desde o jardim de
infância.
Isso pareceu ser suficiente para Ezra, porque ele relaxou e
mudou de assunto. Mas Eros permaneceu distante de mim e
quando eles se despediram e saíram do meu quarto, meu amigo
sussurrou um pedido sincero:
— Por favor, não transforma a Cora em seu novo desafio,
Daemon.
Eu não respondi, e fui para cama pensando nisso. Eu não sabia
direito o que estava acontecendo, mas era exatamente isso que eu
sentia quando estava perto dela. Weylin era a única garota nessa
escola que tinha coragem para me enfrentar, me xingar e me
pressionar.
E no fundo, eu sempre busquei por isso. Por coisas que me
motivassem, fizessem meu coração acelerar, que me deixassem
ansioso pelo próximo passo.
Mas eu não estava transformando ela em nada, Cora estava
fazendo isso por conta própria. Tomando conta de cada parte minha
aos poucos. E se ela continuasse na minha cabeça por mais tempo,
eu não sabia se era capaz de resistir a esse tipo de desafio.
A manhã seguinte estava ensolarada e isso motivou grande
parte dos alunos a acordarem cedo para aproveitarem o dia de sol.
O salão principal estava cheio de estudantes animados na hora do
café da manhã. Na mesa do canto onde eu sempre me sentava com
a Elite, eu engolia duas torradas e saía da mesa com pressa em
direção onde estavam Henry e Adonis à minha espera para
fazermos juntos o passeio tradicional de finais de semana até o
povoado de bruxos que vivia próximo à Academia Averly.
Em dias de sol, eu gostava de sair um pouco da escola e
caminhar nas ruas irregulares do povoado, reabastecer meu
estoque de doces, fazer compras nas lojinhas, e passear longe dos
professores. Distraída, eu não havia percebido a discussão que se
iniciava alguns alunos mais distante: Ez parecia querer bater em
Daemon de seu lugar na mesa. Eros tentava manter o amigo
sentado entre eles enquanto Daemon apenas sorria relaxado, com
as mãos nos bolsos e as costas encostadas na parede.
— Porra, Novak, você está sempre nessa!
— Que merda tá rolando?
Phenelape perguntou, sentada em frente aos meninos.
— Ez convidou uma garota pro baile. E levou um fora.
Eros explicou, ainda tentando manter Ez sentado.
— Parece que todas as garotas do sexto ano estão esperando
Daemon escolher quem vai levar esse ano.
E ele apontou com a cabeça para seu outro lado, onde Daemon
estava sentado, visivelmente se divertindo com a situação. Penny
soltou uma gargalhada.
— Mas isso é fácil de resolver! É só o senhor popular decidir
qual das garotas ele quer convidar e as outras vão desistir de
esperar por ele.
Ezra resmungou algo e pela primeira vez, Daemon falou:
— Eu já escolhi. Convidei a Cora.
Sorrindo, ele levantou os olhos para me ver saindo em direção à
mesa onde alguns alunos da Torre estavam sentados.
— Ah não, eu não vou esperar pelos seus joguinhos. HEY,
CORALINE!
Ezra se levantou e gritou o meu nome, fazendo todo mundo no
salão se virar para mim. Eu parei assustada no meio do salão
principal e todo mundo virou os olhos pra ele e para mim. Ezra
continuou:
— Será que você pode fazer o favor de me dizer com quem
você vai ao baile?
Quando eu ouvi essas palavras, meu queixo caiu. Registrei
superficialmente o burburinho que correu o salão, os olhos indo da
mesa da Elite para mim. Henry e Adonis, que pareciam ter achado
isso a coisa mais engraçada do mundo, quebraram o silêncio:
— É Cora, faz o favor de responder.
— As outras pessoas estão curiosas!
Eu olhava para o Ez e só pensava “Que merda ele está
tentando fazer?” mas abri a boca e respondi mesmo assim:
— Eu vou com Daemon Novak. Como... amigos.
Eu completei a segunda frase falando baixinho, mas o silêncio
no salão era tanto que todo mundo ouviu. Daemon estava sentado
encostado na parede, claramente se divertindo com a situação. Os
olhares se voltaram para ele e ele confirmou com a cabeça sem tirar
os olhos de mim.
— É claro. Só amigos.
Algumas garotas suspiraram, outras chutaram umas às outras
por baixo da mesa e uma ou outra soltou um comentário alto. Os
alunos voltaram a cochichar e fofocar sobre a descoberta recente e
o salão se encheu de barulhos de conversas mais uma vez.
Quando me recuperei, localizei novamente Henry e Adonis
esperando por mim e caminhei até eles. Os alunos agora já se
levantavam e se encaminhavam para as portas da Averly, aproveitar
o dia de sol nos jardins ou visitar o povoado.
— Então, você e Novak? Não imaginava sabe, podia ter
contado pra gente né?
Adonis perguntou assim que eu me aproximei, e eu revirei os
olhos.
— Não tem nada acontecendo entre mim e Daemon. Somos só
amigos.
— Adonis e eu também somos amigos. E isso não me impede
de me esgueirar até a cama dele nas noites frias.
Foi a vez de Henry responder e eu achei meus olhos podiam
entrar no cérebro, de tanto que eu queria revirá-los. Como se
estivesse ouvindo, Daemon nos encontrou nas portas do castelo e
antes que saíssemos para os jardins, ele me puxou para perto para
sussurrar:
— Cora, escuta... Não precisa se preocupar com nada sobre o
baile, ok? Eu prometi que você iria só se divertir. Me deixe cuidar de
todo o resto.
Eu não entendi muito bem o que ele quis dizer com isso, mas
concordei com a cabeça. Daemon piscou para mim antes de virar as
costas para sair em direção às masmorras. Eu voltei minha atenção
para os dois amigos que me olhavam como se não acreditassem em
uma palavra do que eu tinha dito. Eu revirei os olhos pela terceira
vez na conversa.
— É muito fácil pra vocês! Estão juntos desde o primeiro ano!
— Ah, querida, agora nós só estamos tristes porque pensamos
que iríamos passar o dia escolhendo vestidos pra você. Aquele
garoto possessivo e controlador tirou toda a nossa diversão.
Henry brincou enquanto saíamos até o povoado, e eu retruquei
sem pensar direito no que ele tinha falado.
— Nós podemos escolher vestidos pra vocês, se quiser...
Espera, o quê foi que você quis dizer?
Adonis gargalhou e Henry me repreendeu com um olhar.
— Tadinha, você não tem noção nenhuma de onde se meteu,
não é?
Horas depois, Henry, Adonis e eu voltamos para a Averly.
Faltando cinco minutos para o toque de recolher, nós quase
levamos uma suspensão por ficar tempo demais do lado de fora,
mas valeu a pena.
Fazia semanas que eu não me divertia com meus amigos de
fora da Elite. Era bom fugir um pouco das fofocas, da pressão social
e das artimanhas e intrigas, para variar.
Mas confesso que eu já estava com saudade.
Eu me despedi deles no salão principal e desci direto para o
dormitório nas masmorras, querendo trocar de roupa antes do
jantar. Quando passei pela porta antiga, fui rodeada por várias
garotas e bombardeada de perguntas. Não entendi absolutamente
nada do que diziam.
Penny abriu espaço, mandou elas saírem fora, me pegou pelo
braço e me arrastou até um canto.
— Porra, finalmente você chegou! Preciso falar com você.
— Penny, que diabos tá rolando?!
Eu apontei com a cabeça pra onde cinco garotas do terceiro ano
nos encaravam em expectativa, dando pulinhos no mesmo lugar e
aguardando algo que eu ainda não entendia.
Penny revirou os olhos pra elas e me virou pra ela.
— As garotas do terceiro ano querem te mostrar uma coisa, mas
elas podem esperar. Quero te contar que vou pro baile com o Ez
antes que alguma fofoca te atinja primeiro.
Meu queixo caiu.
— Você O QUÊ?!
Ela deu de ombros, como se fosse nada.
— É, já que a Elite tá indo aos pares, eu pensei “mas que se
foda!” e convidei ele essa tarde.
— Penny! Isso é incrível! Agora nos vamos todos juntos, vai ser
DEMAIS!
Eu a abracei com força, e ela riu enquanto cedia ao abraço.
— Incrível nada, o garoto até agora não parou de me encher o
saco. Ele perguntou se eu quero escolher a cor da gravata dele,
pela Deusa.
Eu ri mais ainda conforme ela me arrastava de volta para sala,
na direção das garotas que davam pulinhos.
— E agora, elas têm uma coisa pra contar pra você, e acho que
aquilo sim você vai achar incrível.
Penny me largou na frente das meninas, que começaram a
tagarelar todas juntas e me puxar pra um outro canto da sala.
— Cora! Nós chegamos na sala de descanso e...
— ... completamente vazia, com aquilo lá flutuando e...
— ... ninguém ousou chegar perto, mas tem seu nome nele e...
— ... estamos guardando pra você desde então!
Levei um minuto até entender do que elas estavam falando.
Elas me levaram até o habitual canto da Elite e apontaram para
um ponto próximo à lareira.
Eu o teria visto mesmo sem os cinco dedos apontando para ele.
Flutuando, suspenso no ar, descansava um saco de cetim preto,
com cara de grife e comprido até o chão. Um cartão branco estava
pendurado, e em uma caligrafia fina e elegante, meu nome: “Srta.
Weylin”. Ao lado, um buquê de flores exóticas.
Eu sorri, finalmente entendendo o que Daemon me falou mais
cedo e os comentários de Henry e Adonis.
O filho da puta tinha me comprado a porra de um vestido para o
baile.
— Se você não entendeu o que elas diziam, umas garotas do
terceiro ano entraram na sala mais cedo e encontraram isso
pairando aí com seu nome nele.
Penny explicou, nos alcançando.
— Óbvio que todo mundo ficou sabendo e agora meio que todas
elas estão ansiosas pra saber o que tem dentro.
Eu sorri para o saco de cetim, sem olhar para Penny nem para
mais ninguém. Não conseguia tirar os olhos do tecido delicado.
Abrindo pela lateral, deixei a mostra só um pedacinho do vestido
mais lindo que eu já vi. As meninas ao redor suspiraram com o que
conseguiam ver. Era longo, de seda preta, e tinha bordado centenas
ou milhares de pequenas esmeraldas, o que dava um brilho
diferente a cada movimento. Parecia ter uma fenda profunda na
lateral e as alças eram feitas de correntes de prata talhadas como
serpentes, deixando as costas à mostra.
Era incrível. E provavelmente custou uma pequena fortuna.
Fechei o vestido novamente dentro do saco de cetim e olhei
para Penny, incrédula, sem saber o que dizer. Ela sabia de quem
era.
— Porra, ele controla absolutamente tudo. Você vai ter que
agradecer.
Ela sorriu maliciosamente. Subi até meu dormitório para guardar
o vestido em meu armário. Posicionei o buquê de Daemon em cima
da minha cômoda e me certifiquei de trancar meu quarto com dois
feitiços diferentes antes de descer para o salão principal e procurar
pela cabeça loira dele.
Em minha cabeça, milhares de dúvidas e diferentes sensações
fervilhavam. Ele não precisava ter feito isso, mas fez mesmo assim.
Eu tinha dinheiro, podia comprar um vestido igualmente chique. Mas
eu sabia que não era esse o motivo. Daemon gostava de ter o
controle, de cuidar de tudo. De alguma forma eu sabia que ele
mesmo tinha escolhido o vestido, e o fato de ter deixado no salão e
não no meu quarto, para todo mundo ver, não era acidente. Tudo o
que ele fazia era proposital e calculado.
Na porta do salão principal, eu vi as portas do castelo se
abrirem.
Meu coração palpitando foi a prova de que era Daemon
entrando antes mesmo de eu ver o seu rosto. Sujo, enlameado e
cansado depois de um treino. Os cabelos despenteados, vestindo
pela primeira vez o uniforme todo de couro preto com uma capa
presa aos ombros e, aparentemente, as costas intactas.
Ele me viu no instante em que passou pela entrada, e pela
minha cara, já sabia que eu tinha recebido o presente. Sorriu para o
chão e veio caminhando em minha direção. Eu o esperava
encostada na porta de entrada para o salão principal, com boa parte
da escola se acomodando para o jantar a poucos metros de nós —
e as garotas todas babando porque também o viam pela primeira
vez com o uniforme de montador.
Ele se aproximou e eu fui a primeira a falar:
Como sempre fazíamos, desviando do assunto principal
primeiro.
— Se suas tripas não estão pra fora, devo concluir que
conseguiu domar o dragão?
Ele sorriu.
— Lynx. Eu dei a ela o nome de Lynx.
— Como a constelação.
— Como a constelação.
Nós ficamos em silêncio por um instante.
— Então posso me desfazer do meu estoque de Poção Bolha
d’Água?
Daemon deu risada, e algumas garotas que passavam o
encararam em choque. Ele nunca ria em público.
— Ainda não. Lynx tem o péssimo hábito de me punir se eu não
dou o que ela quer. Vocês duas se dariam bem.
Eu o chamei de idiota, mas dei risada. Quando nós paramos de
sorrir, ele levantou os olhos para mim, tirando o cabelo bagunçado
da testa.
— Você gostou?
Não precisei perguntar sobre o que ele estava falando.
— Óbvio que gostei. É maravilhoso, obrigada. Você não
precisava.
Eu falei baixinho para que o grupo de alunos que passava não
nos ouvisse. Ele chegou mais perto pelo mesmo motivo.
— Eu falei sério sobre querer que você não se preocupe com
nada.
Ergui as mãos em rendição e pensando no que as meninas já
andavam dizendo sobre o meu vestido, respondi:
— Então eu serei a madame que você quer que eu seja. Ou a
vadia, dependendo das fofocas.
— A princesa — ele interrompeu. — Você é uma princesa.
Eu não soube o que dizer, e ele completou:
— E... eu estou ansioso pra te ver nele.
Meu coração ameaçou parar naquele instante.
Daemon me deu um sorriso malicioso e se afastou devagar.
— Eu preciso de um banho. Nos vemos por aí, princesa.
E assim ele me deixou embaixo do portal do salão principal,
com o estômago cheio de borboletas, sem entender muito bem
como me sentia sobre essa nova versão de Daemon Novak.
No dia do baile, Daemon me deu mais um presente.
Uma caixinha pequena apareceu em cima da minha cama
depois do café da manhã, e eu a abri no mesmo instante. Dentro da
caixa, acomodado em uma almofada de cetim, havia um par de
brincos em forma de asas, formados por várias esmeraldas verde
escuras. Junto, mais cinco pares de brincos pontos-de-luz, todos de
esmeraldas, que iam diminuindo de tamanho até o menorzinho
deles ser tão pequeno como o próprio furo dos meus piercings.
Cinco pares. Exatamente a quantidade de furos na orelha que eu
tinha.
Guardei a caixa na minha penteadeira e não parei de pensar
nela até a hora de começar a me arrumar.
Dahlia se juntou a Penny e eu em nosso quarto, fazendo a
maior bagunça no banheiro desde cedo, já que decidimos fazer uma
rotina completa de skin care e hidratar os cabelos antes da
maquiagem.
É muito trabalhoso ser uma vadia.
Alguém bateu na porta e Penny abriu. Daemon fez uma careta
ao parar no portal e ver nós três de roupão, máscara facial e
cabelos molhados.
— Ah, não. Tchau, Daemon.
Ela tentou fechar a porta na cara dele, mas Daemon foi mais
rápido e a segurou antes que batesse. Ele foi falando enquando
entrava.
— Não vou demorar, Penny. Só quero falar com a Cora.
Penny revirou os olhos e saiu com Dahlia para dentro do
banheiro, não sem antes sussurrar na cara dele: “possessivo e
controlador!”
— Eu já pedi pra ela não falar isso na sua cara.
Eu caminhei até ele tirando a máscara facial. Daemon riu.
— Ah, eu não me importo
— Exatamente. Isso te encoraja.
Ele pareceu ficar um instante sem reação enquanto assistia
minha expressão séria se desmanchar em um sorrisinho
debochado.
— Porra.
Eu me encostei na escrivaninha da Penny e esperei ele falar o
que queria. Daemon tirou do bolso algo enrolado em um laço cor de
rosa, e eu ergui as duas mãos pra ele.
— Daemon, chega de presentes! Eu nem consegui agradecer
pelo último ainda, você não precisa ficar comprando coisas pra
mim...
— Cora.
Seu tom de voz era firme quando ele falou o meu nome. Não
era um pedido, era uma ordem. Pra que eu me calasse.
E eu me calei, mas meu coração acelerou na mesma
velocidade.
— Você vai aceitar os meus presentes. E tudo mais que eu fizer
por você hoje. E se recusar...
Ele chegou mais perto para que as meninas não escutassem,
seu hálito quente contra minha orelha.
— ... eu vou encher o seu quarto de coisas caras e vergonhosas
só pra te lembrar que eu posso e quero comprar coisas pra você.
Eu me segurei na mesa para não arfar, porque a fala dele me
fez esquecer como controlar meus pulmões.
— Isto... — ele colocou o objeto nas minhas mãos, se
afastando. — ... não é só pra você. É pra Elite.
Finalmente olhei para o que ele tinha colocado entre meus
dedos. Branca como uma vela e enrolada em uma fitinha, tinha uma
pequena câmera polaroid. Não pude deixar de sorrir, era o presente
perfeito.
— Um presente ou uma maldição, Daemon.
Eu falei em tom de ameaça, sabendo que ele também estava
me dando uma chance para fotografar a Elite — e ele — em
situações que não gostaria de ser fotografado.
— Estou ciente disso.
Ele abriu um sorriso contido, e desfez o laço em torno da
câmera. Me levando até o banheiro, Daemon quis tirar uma foto
minha e das meninas para testar o presente.
Depois de Penny ter abraçado e beijado o amigo, agradecendo
pela ótima ideia, ela o expulsou do quarto sem economizar
empurrões.
Colei a foto no espelho. Eu, Penny e Dahlia sentadas na pia,
elas ainda de máscara no rosto, fazendo caretas. Eu estava doida
para usar a câmera essa noite.
Aproveitei que estávamos sozinhas e perguntei para Dahlia algo
que estava em minha cabeça há dias.
— Dahlia... como estão as coisas com você e o Eros?
Eles não se desgrudavam mais. Eros a seguia por toda parte
com aquela cara de bobão apaixonado, carregando a mochila dela
entre as aulas, segurando sua mão, despejando elogios... Eles
continuavam solteiros, mas eu duvidava que houvesse algum
interesse deles em sair com outras pessoas.
Ela sorriu para mim antes de responder:
— Ele é incrível. Sinceramente? Não acredito que me
convenceu a ficar com alguém da Elite. Mas Eros é gentil e eu
realmente gosto dele. Ainda é estranho eu saber que tem tantos
garotos com ciúmes de mim por causa dele, mas vale a pena todo o
drama.
— E quando estão sozinhos? — Penny entrou na conversa e eu
mordi o lábio para segurar um sorriso.
— Quando estamos sozinhos... Bom, ele sabe das coisas.
Vocês entendem, né?
— Sim, sua safada!
Nós caímos na risada e Phenelape jogou uma almofada na
amiga.
— Vocês chegaram perto de transar? Acha que vai perder sua
virgindade com ele?
Dahlia corou, mas continuou contando.
— Ainda não aconteceu nada demais, mas já chegamos perto
várias vezes. Ele é cuidadoso comigo, mas é muito difícil fazer ele
parar depois que começa. Não vai demorar muito até eu me sentir
confortável o suficiente pra isso, eu acho.
Nós trocamos um olhar cheio de significados. Dafne e eu ainda
éramos virgens, as únicas da Elite. Nessa escola, onde os
professores nem sempre estavam de olho, muitos alunos transavam
escondidos nos dormitórios uns dos outros. Tínhamos aula de
Educação Sexual obrigatória a partir do terceiro ano e poções
contraceptivas eram as primeiras coisas que nos ensinavam a
preparar a partir do quarto ano. A magia no sangue nos protegia da
maior parte de doenças que atingiam os humanos não mágicos
então todo mundo sabia se cuidar. Nenhum professor ficava em
cima de nós por causa disso, era mais uma coisa das famílias. E
como os nossos pais não davam a mínima para o que fizéssemos
desde que não envergonhássemos nossas linhagens, era até uma
surpresa que chegássemos aos 17 anos ainda virgens.
Nós já tínhamos conversado muitas vezes sobre isso.
Phenelape não ligava muito para o simbolismo da sua primeira
vez, então tinha perdido no ano anterior para um garoto mais velho
que nunca soube que ela era virgem. Ela não parava de falar em
como estava feliz em ter se livrado do “peso” da primeira vez e
estava pronta pra experimentar de novo e descobrir o que mais
gostava.
Dahlia não tinha muitos sonhos sobre a primeira vez, mas ainda
não tinha tido a oportunidade de chegar tão longe com ninguém.
Como era muito difícil para ela confiar em alguém assim, fazia
sentido que sua primeira vez fosse com alguém especial, com quem
ela pudesse namorar.
E eu... eu não tinha expectativa nenhuma sobre perder a
virgindade. Já tinha dado bons amassos com garotos com quem
ficava nos últimos dois anos e, provavelmente, a maior parte deles
nem sabia que eu era virgem, mas algo sempre me impedia de
continuar. Sinceramente, não achava que nenhum dos idiotas com
quem me relacionei no passado mereciam o gostinho de ter me
levado para cama. Nenhum deles mexeu comigo o suficiente para
eu querer transar.
A não ser aquele garoto no ano passado, mas ele me
embebedou e me drogou para isso. Essa lembrança ainda me
causa pesadelos de vez em quando.
Nós gostávamos de falar sobre isso, trocar ideias, dúvidas e
histórias, ansiosas para viver experiências, mas também não
tínhamos pressa. Ouvir as histórias de Daemon e Ez também não
me inspiravam a ter pressa. As coisas que algumas garotas se
submetiam para ir para a cama com eles me deixavam enojada, e
várias vezes eu fiquei pensando se Daemon me contava essas
coisas propositalmente, querendo me assustar com seu velho
discurso de que “nenhum garoto presta”.
Eros era o único que já tinha transado com garotas e garotos
antes, e no início, isso deixava a Dahlia bem insegura. Mas eles
conversaram sobre isso e, sinceramente, Eros não dava motivo
nenhum para ela se preocupar, então aos poucos ela ia ficando
mais tranquila.
Eros era um perfeito cavalheiro, não pressionava ela nunca,
mas eu sabia que a amiga não ia aguentar mais muito tempo. Eu
perguntei porque queria ouvir o lado dela da história, mas, pelo que
Eros me contava, eles estavam quase chegando lá.
— Não poupe os detalhes quando isso acontecer. Nós
queremos saber de tudo.
Eu falei e elas deram risada. Mais tarde, enquando nos
maquiávamos e a conversa era sobre as últimas fofocas da Averly,
eu pedi à Dahlia atualizações sobre o que os alunos andavam
falando sobre a Elite.
Ela era a fonte perfeita para saber sobre o que acontecia entre
essas paredes.
— No início, quando descobriram que você ia com o Daemon,
algumas pessoas estavam torcendo pra vocês ficarem juntos.
Depois de um tempo, como vocês não pareciam estar se pegando,
elas começaram a achar que isso fazia parte de um plano da Elite.
Penny riu, interrompendo.
— ... e depois que Penny e Ez declararam que vão juntos, todo
mundo acha que nós fizemos de propósito. E que você e Daemon
tem um plano maléfico, ou coisa assim, por trás.
Eu fechei a boca que tinha aberto.
— Pela Deusa, ninguém cogitou a possibilidade de nós
simplesmente... termos escolhido ir juntos?
Penny e Dahlia me deram olhares questionadores.
— O quê?!
— Coraline e Daemon fazendo algo “porque querem”?! Não,
tudo o que vocês fazem é calculado. Todo mundo sabe disso. Eles
só não sabem o que esperar dessa noite.
Ao invés de responder, eu me concentrei em terminar minha
maquiagem.

Às cinco horas em ponto, descemos para nosso sofá na sala de


descanso, para esperar pelos meninos. Eu estava nervosa como
nunca antes, e nem sabia direito o porquê. Com as meninas me
distraindo, eu esqueci de fazer o meu ritual na frente do espelho, e
não parava de pensar que eu havia deixado escapar algum detalhe
na minha roupa, algum fio de cabelo fora do lugar, ou um defeito
horroroso na minha maquiagem.
Os garotos desceram apenas cinco minutos depois de nós, e eu
esqueci minhas preocupações enquanto os assistia descendo a
escada.
Eu e todos os outros alunos, pelo jeito. Era impossível não
olhar.
Os garotos estavam incríveis. Com ternos bem cortados e
ajustados, exibindo os corpos altos e definidos, os cabelos
penteados para trás, joias a mostra.
Penny xingou baixinho quando os viu, e Dahlia sussurrou pra
nós.
— Absolutamente todas as garotas da Averly gostariam de estar
na nossa pele agora.
— E alguns garotos — eu rebati, e ela riu.
— E alguns garotos.
Daemon vinha por último, todo de preto em seu traje de gala
completo, com colete e gravata borboleta. A grossa corrente de
prata no pescoço era só uma das joias que ele exibia essa noite, e
eu me permiti observar cada detalhe dele dessa vez. Os anéis nos
dedos das duas mãos me fizeram perder um tempo olhando para
elas.
Mas o que me chamou mais a atenção foi o fecho do seu cinto.
A fivela imitava uma cobra entalhada, exatamente a mesma cobra
que fazia parte das correntes do meu vestido.
— As pessoas vão falar se você continuar olhando desse jeito
pra mim, princesa.
Eu ergui o olhar de volta até seu rosto, sem um pingo de
vergonha. Ele sorria debochado.
— A serpente em seu cinto não deveria fazer parte do meu
vestido?
— Talvez ela faça, até o final da noite. Eu não te dei um colar
pra usar hoje à noite, dei?
Meu queixo caiu e ele riu com o meu choque.
Como aquele garoto conseguia falar aquelas coisas?
E como meu coração podia bater tão rápido e eu não morrer?
Respirei fundo e não disse nada enquanto esperava ele
terminar de me analisar. Agora era a vez dele de me observar de
cima a baixo e registrar cada detalhe da minha aparência. Eu
sustentei seu olhar e girei devagar no mesmo lugar, dando a ele
uma visão completa. Tinha me preparado para esse momento.
Mais cedo, enquanto vestia o vestido que ele escolheu, com as
joias que ele comprou, eu tinha decidido que, se ele queria jogar
esse jogo, eu seria uma boa competidora. Se ele queria uma
princesa, era isso que eu entregaria a ele. Passei o dia inteiro me
arrumando para isso. Cada parte do meu corpo estava hidratada,
depilada, perfumada e arrumada.
O vestido que ele escolheu serviu como se fosse feito sob
medida para mim, valorizando os lugares certos do meu corpo de
forma sensual, mas muito sofisticada. Minhas unhas estavam
compridas e pontiagudas, pintadas de preto. Meus cabelos estavam
soltos em ondas largas que caíam pelas minhas costas, a franja
trançada acima da minha cabeça deixando meu rosto livre. Tinha
feito uma maquiagem que marcava meus traços com muito contorno
e iluminador, e o delineado preto deixava meus olhos ainda mais
azuis.
Se eu estava insegura sobre o resultado da minha aparência
antes, com o olhar que Daemon me dava agora, eu me sentia a
mulher mais incrível da porra do planeta.
Nem minha mãe conseguiria destruir aquele olhar.
E era aquilo que eu queria. Aquele olhar em mim, todos os dias.
Uma pena que o garoto me olhando era um galinha.
— Você é a garota mais bonita que essa escola já teve.
Ele sussurrou no meu ouvido e eu revirei os olhos, desprezando
o elogio. Sabia que ele já devia ter falado isso para, no mínimo,
outras dez garotas. Como se lesse meus pensamentos, ele segurou
meu queixo para que eu o olhasse nos olhos. Os anéis frios na
minha pele me causaram um arrepio involuntário.
— Cora, eu não estou brincando.
Engoli a agitação em meu estômago e passei a mão em sua
gravata.
— Obrigada. Você também não está nada mal, Daemon. Acha
que vou ter que me preocupar com alguma garota me enfeitiçando
pra ficar com você essa noite?
Seus olhos brilharam com o desafio e ele assumiu mais uma
vez aquela postura de protetor para cima de mim.
— Quero ver elas tentarem chegar perto de você.
Nesse meio tempo Dahlia já tinha passado minha Polaroid para
um aluno que passava bater uma foto de nós seis, posicionados
formalmente em frente à lareira.
— Ok, essa foto bonita é a que a gente vai mostrar pras nossas
mães.
Explicou ela, enquanto agitava os dedos e fazia seis cópias da
mesma foto voarem em direção aos nossos dormitórios.
— E vamos ver qual será a foto que vamos guardar pra nós
depois do baile idiota.
Ela sorriu maliciosamente e me devolveu a câmera, que eu
guardei no bolso interno do paletó de Daemon, com uma
piscadinha. Subimos juntos as escadas que levavam ao Salão
Principal com as pessoas abrindo caminho conforme nós seis
andávamos pelos corredores, fingindo não ver as meninas
cochichando umas com as outras, os caras babando de queixo
caído sem nem disfarçar. Obviamente causamos certo choque ao
entrar no salão, visivelmente mais arrumados que os outros alunos,
mas essa era parte da diversão.
A Elite sempre estava bem vestida demais para qualquer
situação. E esse era, justamente, o nosso objetivo.
E nossa forma de nos manter intactos como uma armadura,
porque atrás daquelas portas do salão principal, estavam nossos
piores medos e pesadelos: As nossas famílias.
O Baile de Inverno é uma das poucas celebrações oficiais
da Averly em que as famílias comparecem.
As quatro mesas velhas de madeira são substituídas por outras
mesinhas menores espalhadas pelo salão e antes do jantar ser
servido, os convidados podem andar livremente pela sala
conversando uns com os outros, bebendo coquetéis e dançando de
forma discreta perto de onde uma apresentação de músicos
acontecia. Essas eram as poucas ocasiões em que os professores
não se sentavam em uma mesa só deles e interagiam com os
alunos de forma mais informal.
Para quem tem uma família normal, que visita a Averly para
matar as saudades e conversar, deve ser uma noite muito gostosa.
Para nós, a Elite, os herdeiros das famílias com magia pura, é uma
chatice. Uma série de protocolos de etiqueta que precisamos seguir
desde que começamos a acompanhar nossos pais em eventos
formais desse tipo com, sei lá, 5 anos.
Nós nos separamos em um silêncio resiliente quando entramos
no salão, e o aperto da mão de Penny foi o único consolo que eu
tive antes de encarar algo muito pior que Lynx, o Dragão Selvagem
de Daemon.
Minha mãe era uma mulher alta e esguia, que aparentava ser
muito mais jovem do que realmente era graças à quantidade
exorbitante de ouro que gastava e aos dons em magia. Nascida na
França, ela repudiava quase tudo o que tínhamos na Inglaterra e
não se esforçava em facilitar o sotaque quando conversava com
alguém, como se quisesse que todo mundo soubesse de onde ela
vinha. Nossos cabelos loiros eram quase do mesmo tom, mas
diferente dos meus, os dela ela mantinha quase sempre presos em
um coque ou outro penteado elaborado que deixasse o rosto em
evidência.
O que também deixava bem visível o seu olhar de reprovação
quando ela se virava para mim.
— Corrija sua postura, ma chérrie. Você não quer parecer torta.
— Oi, mãe.
Eu a abracei meio sem jeito, e ela me deu um sorriso afetado
enquanto me analisava de cima a baixo e colocava meu cabelo para
trás dos ombros para não esconder o decote do meu vestido.
Graças a Deusa, ela não achou nada de desagradável para falar
sobre a minha roupa.
Por enquanto.
— Papai não veio, não é?
— Ora, claro que não. Você sabe que ele tem que trabalhar.
— É claro. Em uma noite de sábado, na oportunidade que tem
pra ver a única filha depois de meses.
Ignorei o som de minha mãe sibilando por causa do meu
sarcasmo. Meu pai era um diplomata, alguém importante para o
governo e para a sociedade, e tão importante que não tinha tempo
para desperdiçar com a família. Pelo menos, era o que minha mãe
sempre dizia quando ele nos deixava esperando e nunca voltava
para casa. Mesmo que ele voltasse com certa frequência quando eu
não estava.
Eu sabia desde criança que eu não era boa o suficiente para
ele. Mas alguma parte idiota de mim sempre tinha esperança,
sempre achava que um dia ele podia aparecer com seu sorriso
sincero, abraços e presentes.
Se um dia eu tive aquele homem como pai, ele morreu quando
eu ainda era criança.
Porque a versão dele que eu recebia agora era relapsa e
distante. Como se eu tivesse feito algo terrivelmente errado ao
crescer e virar adulta.
Acho que ele preferia quando eu era uma bonequinha que ele
podia iludir e manipular. Quando ela se tornou espertinha demais,
questionadora demais, com a língua afiada demais, ele perdeu o
interesse.
— Você tem comido muito açúcar? Parece um pouco inchada.
Minha mãe apertou a minha cintura com os dedos longos e
cheios de anéis e eu me desvencilhei do toque dela, pensando com
arrependimento na minha gaveta cheia de doces no meu dormitório.
Tentei me distrair procurando pelos meus amigos no salão. Ez
estava plantado ao lado da mãe enquanto ela conversava com o
diretor e alguns homens que faziam parte do conselho estudantil. A
mãe dele era uma mulher elegante e sofisticada, que já tinha se
casado cinco vezes e os cinco maridos morreram misteriosamente
alguns anos após o casamento, deixando sempre uma grande
quantia de ouro para eles. Se era ou não uma questão, meu amigo
nunca falou sobre isso. Mas também nunca pareceu se importar
com os padrastos.
Penny andava impaciente entre os pais que pareciam achar
qualquer pessoa ou parte do castelo mais interessante que ela.
Assim como meu pai, os pais dela estavam sempre ocupados
demais para dar muita atenção à filha, mas pelo menos, os dois
vieram.
Eros e seu pai estavam sentados em uma das mesas rindo, e
eu tenho quase certeza que vi o brilho de um cantil de uísque ser
passado de pai para filho por baixo da toalha de mesa.
Pelo menos alguém estava se divertindo.
Notei o pai do Daemon no meio daquele grupo ao redor do
diretor, o que não era surpresa já que ele fazia parte do conselho,
mas não localizei ele ou sua mãe.
Dahlia era a que mais me doía observar. Ela mantinha o queixo
erguido enquanto caminhava atrás dos pais, com a irmã mais nova
um passo atrás dela. Mas o Sr. Asphodel fazia uma expressão de
desprezo sempre que precisava olhar para uma das filhas, como se
planejasse em sua mente qual ofensa sussurraria para elas quando
ninguém estivesse olhando.
Como eu falei, éramos todos fodidos da cabeça.
E a culpa era toda dos nossos pais.
Dei mais uma volta pelo salão acompanhando minha mãe,
parando de vez em quando para ela cumprimentar as pessoas que
conhecia e responder às perguntas sobre meu pai sempre do
mesmo jeito: “Uma pena que James não pôde vir...” “Ele está em
missão na américa para o governo...” “Meu marido gostaria muito de
vir, mas foi chamado de última hora para resolver uma questão
diplomática...”
Eu sinceramente duvidava que minha mãe soubesse onde meu
pai estava.
Quando paramos em um canto afastado pra ela fumar um
cigarro — sim, dentro da escola, me fazendo querer morrer — ela
posicionou a longa piteira antiga nos dedos e mirou o salão.
— Então, não vai me mostrar quem são ses amies? — ela
misturava o inglês com francês frequentemente.
— Você conhece meus amigos, mãe. Phenelape, Dahlia, Eros...
Eles estão por aí.
— E você não tem nenhum namorado secreto pra eu conhecer?
Seus olhos maliciosos piscaram para mim, e eu comecei a rir de
nervosa.
— Eu não tenho nenhum namorado secreto.
— Bem, isso não me surpreende, ma chérrie, infelizmente.
Apesar dos apelidos carinhosos e do tom gentil, suas palavras
eram como facas me rasgando ao meio. Eu deixei meus olhos
vagarem pelo salão, tentando não ouvir. Mas cada crítica da minha
mãe era como uma pedra amarrada ao meu corpo, só esperando eu
me jogar de uma ponte.
— ... seu cabelo está muito longo, muito grande. Homens não
gostam de ter que lidar com esse volume todo.
Eu fechei os olhos, tentando deixar meu cérebro vagar para
longe.
— ... você fica com esse olhar arrogante, assim ninguém vai
querer chegar perto de você, precisa parecer mais frágil, mais
delicada...
Eu abri os olhos, focando longe.
— ... seu corpo já foi um pouco melhor, não acha?
Cruzei os braços na frente do peito, me abraçando. Contava
mentalmente quanto tempo eu levaria para pedir licença e procurar
o banheiro mais próximo. Eu já podia sentir a ânsia de vômito subir
pela minha garganta.
Ou talvez eu devesse vomitar nela, para ela parar de falar.
— E esse vestido...
Então eu a encarei. Ela pareceu analisar o vestido impecável e
perceber que havia muito pouco para reclamar dele.
— ... preto não é a sua cor. Não te valoriza.
— Pois eu acho que ela está maravilhosa.
Estava pronta pular no pescoço dela quando a voz dele me
atingiu. Me virei rápido para ver Daemon Novak se aproximando, de
braços dados com sua mãe. Ele parou ao meu lado e estendeu a
mão.
— A senhora deve ser a Sra. Weylin, muito prazer. Eu sou
Daemon Novak, e essa é a minha mãe, Cissa Novak.
Eu queria que um buraco se abrisse no chão agora, e me
carregasse para as trevas.
Minha mãe encarou Daemon de cima a baixo sem disfarçar, e
estendeu a mão.
— Pode me chamar de Celeste. E vocês são...
Ela apontou para ele e para mim, e eu respondi antes que ele
pudesse abrir a boca.
— Amigos. Estudamos juntos.
Daemon estreitou o olhar para mim, mas manteve silêncio.
Minha mãe me criou desde pequena para ter uma única ambição na
vida: encontrar um marido rico. Eu não queria que ela soubesse que
Daemon era meu par essa noite e imaginar que eu estava
finalmente seguindo os seus conselhos. Para ela, eu era uma
vagabunda. E eu preferiria continuar deixando que ela pensasse
assim.
— É um prazer ver você, querida.
A mãe do Daemon me abraçou e beijou minhas bochechas, que
ficaram vermelhas com a aproximação. O abraço dela foi mais
afetuoso que o da minha própria mãe, e nós duas percebemos isso.
Cissa Novak se aproximou da minha mãe pra conversar e
deixou Daemon e eu alguns passos mais distante. Ele sussurrou pra
mim.
— Desculpe interromper. Mas você estava com uma cara de
quem podia assassinar alguém a qualquer momento.
Eu dei de ombros, irritada ao perceber que estava sendo tão
transparente.
— Eu estou bem. Posso lidar com ela.
— Cora, é sério. Veja.
Ele pegou minha mão nas suas, e pela primeira vez eu percebi
algo como faíscas saindo das pontas dos meus dedos. Minha magia
estava quase saindo do controle. Eu queimei a mão de Daemon
sem querer, senti ele estremecer com o leve choque, mas ele não
tirou as mãos das minhas.
— Desculpe.
— Está tudo bem. Você pode baixar a guarda agora. Eu prometi
que ia fazer você se divertir essa noite, lembra?
Eu ergui os olhos para ele. Daemon me encarou com algo
como... ternura. Eu nunca tinha visto sentimentos tão puros no olhar
dele. Recolhi minha mão e as escondi, cruzando os braços.
— Sim, e em troca eu vou ser sua vad...cesa.
— Vamos começar com princesa, e ver o que a noite traz.
Ele abriu um sorriso malicioso, que eu odiei corresponder. Era a
segunda vez que ele sugeria que algo pudesse acontecer mais
tarde, e eu não sabia como me sentir sobre aquilo.
Tentando mudar de assunto, eu encarei nossas mães
conversando à uma certa distância.
— Sua mãe não merecia o castigo de entreter a minha.
As duas eram mulheres elegantes e bem vestidas, mas
exalavam uma energia completamente diferente. Os cabelos da Sra.
Novak eram castanhos, mas a parte de baixo, visível apenas
porque ele estava preso em um coque alto, era descolorida de
branco, combinando perfeitamente com os cabelos de Daemon e do
pai dele. Eu tinha certeza que minha mãe provavelmente tinha
reprovado assim que o viu, mas Cissa parecia não dar a mínima
para opinião dela.
Daemon riu baixinho.
— Ah, ela dá conta. — Ele ficou em silêncio por um instante,
como se estivesse decidindo se me contaria, e por fim, falou: — Foi
ela quem sugeriu que nós interrompêssemos pra salvar você.
Eu tirei os olhos delas e o encarei. Só tinha interagido com
Cissa Novak poucas vezes antes, mas já sentia algo de bom sobre
ela.
Ela se parecia como uma mãe devia ser.
Nós fomos chamados para o jantar alguns instantes depois.
Dividindo uma mesa grande, os integrantes da Elite pareciam
estar mais felizes. Nós éramos mais fortes quando estávamos
juntos. E muito mais sem vergonha também.
Eros deu um jeito de manter o cantil de uísque de fogo por baixo
da mesa e cada um de nós o convocamos com magia uma vez,
virando discretamente uma dose em nossas taças.
Daemon estava sentado ao meu lado, e quando Dahlia fez uma
confusão danada derrubando molho quente no colo do pai
“acidentalmente”, ele encheu nossas taças e modificou a cor delas
com um aceno de mão. Cissa percebeu o que ele fez, mas piscou
para mim e distraiu minha mãe enquanto eu trazia a taça de volta
para cima da mesa, agora cheia com o que parecia água.
O pai da Dahlia decidiu encerrar o jantar mais cedo e ir embora
depois da confusão com o molho, o que deixou minha amiga e a
irmã muito mais felizes.
Penny engatou uma longa conversa com a mãe de Ez sobre
animais peçonhentos, o que deixou seu pai completamente
desconfortável com seu próprio jantar e provavelmente, se
perguntando se Phenelape algum dia teria coragem de envenená-lo.
Foi divertido de assistir.
Até o final do jantar, nossos corpos já estavam quentes e
animados com a noite que viria a seguir, e depois de algumas horas
o baile já estava muito mais divertido. Com certeza não fomos os
únicos a contrabandear um pouco de bebida forte para o baile,
porque até os professores pareciam ansiosos para encerrar,
percebendo que depois do jantar havia uma súbita animação dos
alunos para dançar e se soltar.
Minha polaroid já tinha circulado e os garotos estavam com os
bolsos cheios de fotografias engraçadas e comprometedoras de
todo mundo, inclusive uma foto do diretor sorrindo relaxado,
dançando com a tratadora de dragões enquanto ela ameaçava
amaldiçoar Daemon se ele tirasse mais uma foto deles.
Quando o relógio no salão bateu meia noite, o baile foi
oficialmente encerrado e as portas se abriram para os alunos
voltarem aos seus dormitórios. Eu mal me despedi da minha mãe,
mas não deixei de dar um abraço em Cissa Novak, e agarrei a mão
da Penny ao sair de fininho para iniciar nossa verdadeira festa.

Uma hora depois, o caos estava instaurado na sala de


descanso da nossa masmorra.
Eros trouxe a garrafa de ouro do pai dele, a embalagem com
selo azul brilhando na mesinha de centro onde Penny, Dahlia e eu
dançávamos em cima, completamente bêbadas. Ez tirou uma foto
muito tremida da situação e eu tinha certeza que mal lembraria
disso depois.
Eu nunca tinha visto a masmorra tão cheia, então imaginei que
todos os alunos acima do quarto ano estavam presentes.
Encontrei Henry e Adonis dançando com alguns amigos da
torre, e me joguei nos braços deles sem hesitar. Os dois beijaram
minhas bochechas, cada um de um lado, e nós rimos e berramos a
letra da música que tocava, dançando juntos uma dança que
inventamos naquele mesmo momento.
Ezra me encontrou nessa hora e me puxou pela mão de volta
até nosso sofá de frente para a lareira, avisando que Phenelape
queria tirar uma foto nossa.
— Ela sabe andar, Ez.
Daemon resmungou, a cara fechada para ele nos vendo de
mãos dadas.
— Se posicionem, se posicionem!
Phenelape gritava, a câmera nas mãos de um quartanista
visivelmente assustado de estar naquela posição. Penny se sentou
no sofá e deitou a cabeça no ombro de Ez, que estava sentado ao
lado de Daemon. Eu passei correndo no meio da Dahlia e Eros
sentados no chão, as línguas de fora e os braços para cima, para
sentar no sofá também, ao lado da Penny. Assim que cheguei perto
o suficiente, Daemon me puxou pela mão para seu colo, e o
quartanista tirou a foto.
O flash estourou em nossos olhos e todo mundo se levantou,
animados demais para continuar sentados. Eu fingi não sentir o
coração se agitar ao pular para fora do colo de Daemon, ainda
sentindo o calor do corpo dele sob minhas pernas.
Ez passou a mão na câmera e na foto e colocou no bolso.
Começou a tocar uma música ainda mais animada e Dahlia me
puxou pra dançarmos juntas, eu ela e Phenelape.
Ez e Eros distribuíam doses de uísque de fogo em nossas
canecas com o brasão da escola, que teoricamente eram pra gente
beber água, e Daemon se sentou na sua poltrona preferida, de
frente pra nós.
Acho que eu nunca me diverti tanto.
Foi completamente caótico, e eu amei cada segundo. Talvez ter
suportado as horas de protocolos formais com nossas famílias nos
fez querer ainda mais ser nós mesmos e provar o quanto odiávamos
fingir ser outras pessoas, e por isso nós estávamos tão loucos essa
noite.
Completamente bêbada, mandei minha mãe ir se foder
mentalmente enquanto subia na mesinha de centro entre as minhas
amigas e rebolava a bunda de um jeito que nunca tinha feito antes.
— Vocês sabem que a escola inteira vai chamar a gente de
vadias por isso amanhã, né?
Foi Dahlia quem sussurrou, sem parar de se esfregar em mim e
sem parecer se importar.
— Quem liga? — Penny rebateu.
— Se isso é ser uma vadia, talvez a gente seja mesmo. E daí?!
Elas caíram na gargalhada e nós puxamos Eros pra cima da
mesa também, pra dançar com a gente.
Até que um sonoro CREC soou por cima da música alta, e nós
percebemos que tínhamos quebrado a mesa.
Dahlia, Eros, Penny e eu saltamos pro chão um segundo antes
de a mesinha se partir. Eros e Dahlia se jogaram no tapete,
morrendo de rir. Penny saltitou até o braço da cadeira de Daemon e
ele me puxou mais uma vez pro colo dele, antes que eu caísse no
chão.
Daquela vez, eu não consegui ignorar o coração acelerado ou o
as borboletas no estômago quando senti as mãos dele envolta da
minha cintura. E pelo olhar que ele me deu, com o rosto a
centímetros de distância do meu, ele também não conseguiu
ignorar.
— O DIRETOR ESTÁ VINDO! — Alguém gritou em algum
canto, e a música parou bruscamente. — ELE DESCOBRIU SOBRE
A FESTA, CORRAAAAM!!
Penny arrancou os saltos pra correr descalça, e eu fiz o mesmo.
Os segundos seguintes foram uma confusão que meu cérebro
embriagado não conseguiu reconhecer. Adolescentes corriam pra
todos os lados, os alunos da torre tentavam voltar para seus
dormitórios, os das masmorras se empurravam pra subir a escada
de pedra que levava aos nossos quartos.
Eu só me concentrava na mão firme de Daemon na minha
enquanto ele me puxava escada acima, abrindo caminho sei lá
como entre os estudantes, com Phenelape, Ezra, Eros e Dahlia
atrás.
— Todo mundo pro nosso quarto!
Penny gritou e assumiu a frente, correndo na frente de Daemon
e destrancando a porta pra gente entrar. Penny, Daemon e eu
entramos primeiro, dando risada. Dahlia e Ez pediam silêncio e Eros
trancava a porta. Se fez silêncio absoluto do outro lado.
— E agora? — Dahlia sussurrou.
— Agora a gente continua a festa por aqui.
Ez sorriu, a garrafa de uísque contrabandeada escondida
embaixo do casaco. Nós nos sentamos no tapete ou em cima das
camas, Eros encontrou meu estoque de doces, e pelas duas horas
seguintes nós bebemos, comemos, rimos e fofocamos sobre a vida
alheia.
Foi uma das noites mais divertidas que eu já vivi na Academia
Averly.
E eu não faço a menor ideia de como terminou.

Quando abri os olhos, a primeira coisa que percebi era que eu


estava na minha cama. E não estava sozinha.
Meu coração deu um pulo. Minha cabeça estava apoiada em
um peito largo e forte de homem, totalmente diferente do corpo
pequeno da minha melhor amiga que eu estava acostumada a às
vezes dormir ao lado.
Quando ergui a cabeça, que parecia estar pesando uma
tonelada, reconheci os cabelos loiros de Daemon. Apagado,
despenteado e sem camisa. Olhei para baixo. Eu estava usando a
camisa preta dele.
Senti as lágrimas encherem os meus olhos no mesmo instante.
— Não. Não... por favor, não.
Não havia sinal da Penny na cama ao lado. Não tive coragem
para erguer o cobertor e descobrir se Daemon estava vestido.
Pulei da cama e corri para o banheiro, sentindo a onda de ânsia
de vômito subir pela garganta. Eu vomitei três vezes antes de
conseguir levantar do chão.
As lágrimas escorriam sem parar pelo meu rosto conforme eu
me lembrava da outra vez que acordei dividindo a cama com um
cara, sem lembrar do que aconteceu na noite anterior. O pânico
começou a crescer dentro de mim, e eu senti falta de ar. Medo, ou
pavor, tomaram conta de mim.
— P-por favor... não, não, não...
Eu murmurava sem parar enquanto lavava a boca na pia e
criava coragem para encarar o meu reflexo e fazer uma análise
completa.
Cabelos despenteados do sono, maquiagem borrada por dormir
com ela... mas nenhum hematoma no pescoço, peitos ou braços. Eu
estava usando minha calcinha. Eu não sentia dor.
Coladas em meu espelho, tinham três polaroids. A primeira era
aquela que tinha tirado com Phenelape e Dahlia à tarde, antes do
baile. A segunda era a foto de nós seis arrumados, e a terceira era
uma foto minha, vestida com meu vestido de esmeraldas, deitada no
peito de Daemon na minha cama. Nós dois parecíamos ter apagado
de tão bêbados, e a dor na minha cabeça comprovava a teoria.
Phenelape escreveu “Durmam bem, anjinhos” embaixo.
— Tentando lembrar da noite passada?
A voz rouca de um Daemon recém-acordado chegou até meus
ouvidos, e se fosse em outras circunstâncias, eu tenho certeza que
teria tido três tipos de ataques cardíacos só por ouvir aquela voz
daquele jeito. Mas eu estava apavorada demais e machucada
demais para registrar.
Ele estava sentado na cama, rindo para mim.
— O que nós... você... o que foi que aconteceu?
Daemon percebeu que havia algo errado no mesmo instante.
Ele leu minha expressão corporal na hora, notando as lágrimas
manchando meu rosto, o corpo tenso e encolhido, as mãos
tremendo apertando sua camisa tentando esconder minha nudez.
Em segundos, ele soube.
— Não aconteceu nada. Cora, não aconteceu nada.
Ele avançou na minha direção, mas eu dei dois passos para trás
involuntariamente. Ele congelou no mesmo lugar, parado no meio do
quarto, vestindo suas calças (graças à Deusa) e com as mãos
estendidas para que eu as visse.
— Princesa. Nós só dormimos. Apagamos, pelo jeito. Eu juro.
Eu nunca... Porra Cora, eu nunca faria nada com você bêbada. Eu
juro. Eu prometo.
As palavras dele me fizeram cair no choro mais ainda.
— Cora... deixa eu me aproximar. Deixa eu abraçar você, por
favor...
Eu caí de joelhos no chão, e concordei com a cabeça. Ouvi-o
caminhar até mim, se ajoelhar na minha frente, e me puxar para
seus braços. Ele aninhou minha cabeça contra seu peito, fazendo
carinho no meu cabelo, e me abraçou tão forte que eu podia sentir o
coração dele batendo.
Acelerado. Acelerado pra caralho.
— Eu sinto muito, não devia ter dormido. Eu juro que nós não
fizemos nada. Eu não devia ter ficado. Sinto muito pelo que
pareceu. Me desculpa, Cora.
Suas desculpas só me fizeram chorar mais. Ele não tinha feito
nada de errado, não precisava pedir desculpas. Mas era isso que eu
queria ouvir de alguém, qualquer um, desde aquele episódio no ano
passado. Queria que me falassem que eu não tive culpa. Que eu
não pedi por aquilo. Queria que alguém confirmasse que aquele
garoto do último ano que me levou para cama era quem estava
errado, e que eu estava vulnerável, sem condições de tomar uma
decisão coerente...
Queria ter certeza que eu não tive culpa.
E agora eu tinha certeza.
Não sei por quanto tempo Daemon me abraçou. Percebi que
tinha cravado as unhas nos braços dele tão forte que tinha deixado
marcas, mas ele não reclamou. Continuou me abraçando forte,
acariciando meu cabelo, murmurando que eu era especial, única,
perfeita... Senti seu coração se acalmar e o meu também, um tão
pressionado contra o outro que eles logo entraram em um mesmo
ritmo tranquilo.
Quando me acalmei o suficiente para me afastar, Daemon
segurou meu rosto com as mãos e limpou as lágrimas.
— Eu nunca machucaria você.
— Eu sei.
Eu sabia. Naquele momento, largada no chão do meu quarto
com uma aparência repugnante e provavelmente fedendo a álcool,
eu tive certeza que Daemon me via além da minha aparência.
Ele me via.

Daemon só saiu do meu quarto naquela manhã depois que eu


tivesse tomado um banho e provado que eu estava bem. Ele me
contou que nós adormecemos um apoiado no outro e Penny decidiu
ir dormir com a Dahlia para continuar a festinha particular. Que ele
tentou ir embora, mas eu pedi para que ele ficasse. Que eu tinha
dito que sentia frio à noite e precisava dele. Que arranquei meu
próprio vestido e ele praticamente implorou para eu vestir sua
camisa. E jurou um milhão de vezes que nem passou pela cabeça
dele tentar algo comigo naquele estado. Que ele só queria que eu
ficasse bem, e que a pior coisa que imaginou que pudesse
acontecer seria eu acordar ainda bêbada e vomitar em cima dele,
mas que mesmo assim, ele aceitou o risco.
E eu acreditei em cada uma das suas palavras, porque quando
ele estava comigo, quando nós estávamos sozinhos... Eu era a Cora
que ninguém via. E ele era o Daemon que só eu tinha.
Nos dias que se seguiram ao baile, Daemon e eu nos
falamos pouco. Ele se manteve distante, focado nas aulas, ocupado
treinando a montaria com seu dragão, e só conversamos algumas
vezes quando a Elite se reunia. Apesar da distância estranha, eu o
peguei me observando algumas vezes.
Durante uma aula de poções em que ele foi meu parceiro e ao
invés de monitorar o caldeirão da poção, ficou contemplando a
forma como eu escrevia o relatório de preparo.
Em um jantar particularmente gorduroso, onde o castelo decidiu
servir hambúrgueres e batatas fritas e eu evitei tudo aquilo para não
me sentir mal depois.
Depois de uma aula prática de Exercícios Físicos, que eu me
deitei no jardim para descansar e tomar um sol com Dahlia e Penny.
Em nenhuma das vezes, eu reconheci o olhar dele. Apenas
apreciei à distância.
Não tive coragem de encará-lo de volta depois daquela manhã
em meu quarto, apesar de também observá-lo pelo canto do olho
sempre que podia e procurar inconscientemente pelos cabelos loiros
platinados cada vez que entrava em uma nova sala.
Eu não o procurei, e ele também não.
Ele viu o quanto eu estava quebrada.
E, provavelmente, decidiu que eu era demais pra lidar. E eu era
mesmo. Sinceramente? Nem eu conseguia lidar comigo mesma às
vezes. Não era surpresa nenhuma que ele tivesse perdido o
interesse.
Talvez ele nunca tenha tido um interesse para começar. Talvez
eu tenha imaginado tudo, porque nós nunca realmente falamos
sobre isso. Talvez eu tenha sentido as borboletas em meu estômago
porque era emocionada e ele era o cara mais popular e desejado da
escola, e eu só estava caindo no papinho que ele falava para todas.
Nós nos divertimos, nós éramos amigos, e era isso.
Eu era quebrada. Ele não ia me consertar.
E eu não precisava de mais um homem para me dizer que eu
não era suficiente.
Então eu ia me poupar e me proteger.
E fingir que nunca senti nada.

Faltando poucos dias para o início das férias de fim de ano, um


dos monitores chefes causou certa comoção e euforia na sala de
descanso das masmorras ao pregar um pedaço de pergaminho no
quadro de avisos. Era um comunicado sobre a partida do trem para
os alunos que iriam passar o natal em casa.
— Sabe de uma coisa? A gente devia ficar aqui esse natal.
Ezra falou assim que o monitor se afastou. Daemon, Dahlia e
Eros fizeram uma careta. Eu apoiei a ideia sem erguer a cabeça do
mapa estelar que estudava deitada no tapete em frente à lareira.
Estava tentando terminar um dos últimos trabalhos de Estudo das
Estrelas antes das férias.
— Gosto dessa ideia.
Eu não me importava muito com o natal, só não queria ficar
quase duas semanas em casa encarando os comentários
depreciativos da minha mãe esperando por um pai que mal me daria
bom dia antes de sair para trabalhar.
Mais ninguém mais pareceu apoiar a ideia, então Ez insistiu.
— É, olha só... quase ninguém fica na escola. A gente teria a
Averly só pra nós, podíamos dar umas festas todos os dias.
Ele riu e ganhou Phenelape com esse argumento.
— A gente podia trazer os colchões pra baixo e dormir todo
mundo aqui na sala de descanso, na frente da lareira! Seria como
uma festa do pijama!
A maluca já estava até planejando.
— Uma festa do pijama bem indecente.
Dahlia deu risada, olhando para Eros. Os dois estavam a um
passo de arrancar as roupas um do outro, e eu desviei o olhar.
— Se a Dahlia ficar, eu fico — Eros confirmou e eu fingi um som
de vômito pra que só a Penny escutasse. Ela caiu na gargalhada. —
E você, Daemon?
Novak era o único que estava quieto, sentado em sua poltrona
habitual. Penny respondeu antes dele.
— Ah, mas a Sra. Novak não gostaria de passar o natal sem o
querido Daemon em casa!
Algumas risadas de Dahlia e Eros.
— Ela não vai se importar se souber que a Cora vai ficar
também. — Ez falou baixinho, mas eu ouvi e levantei a cabeça.
— O que eu tenho a ver com isso?
Não quis soar como uma vadia, mas provavelmente foi isso que
pareceu. Ez estava rindo, vendo como Daemon o fuzilava com os
olhos.
— A Sra. Novak escreveu ao Daemon. E perguntou como você
estava.
Meu estômago afundou. Daemon estava conversando com a
mãe? E falando sobre mim? Porra, será que ele tinha contado sobre
meu episódio de choro depois do baile?
Baixei a cabeça de volta para o meu trabalho e tirei o cabelo de
trás da orelha, discretamente. Esperava que a cascata de fios
escondesse os olhos vermelhos e cheios de água.
Eu não sabia o porquê. Mas me senti envergonhada e
humilhada.
Daemon calou as risadinhas deles quando falou em seu tom de
voz frio e firme que usava com outros alunos e nunca com a Elite:
— Ah, calem a boca. Se vocês forem ficar, eu também vou.
E o que era pra ser um momento feliz, terminou meio tenso sem
ninguém entender exatamente o porquê.
Ez estava certo sobre quase ninguém ficar na escola durante as
festas de natal. Além de nós seis, só permaneceram mais uma
dúzia de alunos, quase todos ocupantes dos dormitórios nas torres.
Como a sala de descanso das masmorras era só nossa e
estávamos de férias, no segundo dia ela já se tornou um enorme
dormitório compartilhado.
Nós íamos para os nossos quartos só para tomar banho, e o
resto do tempo, passávamos ali. Seis colchões e vários cobertores
cobriam o chão, dividindo espaço com pilhas de livros de romance
que Dahlia e eu dividíamos, dois tabuleiros de xadrez que estavam
quase sempre com as peças espalhadas entre os lençóis, e
diferentes tipos de baralhos de jogos mágicos que precisavam ser
convocados por magia sempre que alguém queria jogar, para ter
certeza que estávamos juntando todas as cartas. Os meninos até
adaptaram uma mesa de pingue pongue onde antes eram duas
mesas de estudos individuais.
Pela Deusa, nós éramos bagunceiros pra caralho.
Sempre que ficávamos entediados, inventávamos desafios uns
para os outros ou saíamos pra caminhar pelo castelo e tentar
encontrar corredores que nunca entramos. Foi nessas caminhadas
de explorações que Eros, Ez e eu encontramos uma nova
passagem secreta no sétimo andar, que nos trouxe diretamente
para as masmorras.
Que sorte, porque eu estava morrendo de vontade de fazer xixi.
Daemon passava muito tempo fora, com Lynx. Ele estava
aproveitando a vantagem para treinar mais.
Em uma tarde que Dahlia e eu estávamos procurando novos
livros na biblioteca, nós o vimos através da janela, sobrevoando a
floresta que ficava nos limites da propriedade.
Foi incrível. Eu tinha esquecido como ele sabia montar. As asas
de Lynx refletiam a luz do sol, e ela gritava um grito de liberdade, de
felicidade, que me arrancou um sorriso.
Aquilo me deu saudade de voar.
Às vezes nós seis subíamos escondidos à noite até a torre de
observação, com os bolsos cheios de doces e enrolados em pelo
menos dois cobertores. Mas nunca subimos até o topo, naquele
estreito espaço em que Daemon me levou uma vez. Imaginei se
mais ninguém sabia sobre aquele lugar e se Daemon tinha
escolhido não compartilhar.
Eu também escolhi não compartilhar.
Apesar do castelo servir verdadeiros banquetes em todas as
refeições, — em uma mesa só, já que éramos tão poucos — nós
também descobrimos o caminho para as cozinhas. A Academia
Averly possuía uma magia tão antiga e poderosa que elas
funcionavam sozinhas. E não expulsavam os visitantes esporádicos,
pelo contrário. Oferecia frutas, chá e biscoitos ou bolinhos toda vez
que alguém aparecia. E bastava desejar o que você queria comer
que caldeirões e panelas começavam a se mover para cozinhar. O
estoque de ingredientes era quase infinito para comportar 500
alunos, então você podia pedir qualquer coisa.
Nós percebemos que isso também funcionava nas horas das
refeições. Mentalizando um prato específico com determinada força
de vontade, às vezes ele aparecia no almoço ou jantar.
Eu estava ansiosa para testar essa descoberta em um dia
normal de aula.
À noite, jogávamos jogos em frente à lareira, contávamos
histórias de terror, e nos dias realmente frios, bebíamos uma dose
de uísque de fogo do pai do Eros para nos esquentar.
Quem dormia primeiro normalmente pegava os melhores
colchões perto da lareira. Quem ia dormir por último, tinha que ficar
nos colchões mais afastados ou empurrar um de nós para o lado e
dividir o espaço. Eu quase sempre dormia ao lado de Penny. Às
vezes, Eros dormia entre Dahlia e eu, esmagado entre nossos
braços.
Teve uma única noite que Daemon quase dormiu comigo. Ele
subiu para tomar banho por último, e quando desceu, só havia um
espaço ao meu lado em frente à lereira. Eu fingia ler, mas estava
parada na mesma página nos últimos dez minutos, só pensando no
que ele faria.
Sem nem parar para refletir, ele acordou Penny em um dos
colchões próximos e mandou ela ir para o meu lado para dar espaço
a ele. Ela reclamou por ser acordada, mas se moveu.
E eu senti meu sangue esfriar quando fechei o livro e me deitei
de costas para todos eles.
No dia de natal, nós acordamos de manhã com presentes ao
lado dos colchões. Foi divertido assistir os meus amigos abrirem os
pacotes recebidos das suas famílias. O castelo serviu leite e
bolinhos e nós fizemos o café da manhã na sala de descanso,
conversando sobre o que cada um de nós tinha ganhado.
Minha mãe me mandou novas roupas e lingerie dos estilistas
favoritos dela. Também mandou um estoque novo de produtos para
pele e para o cabelo, o que eu agradeci mentalmente. Meu pai
mandou um bracelete de prata com brilhantes e eu quase chorei
quando vi ele brilhar para mim, aninhado na caixinha de veludo. Um
bilhete curto de feliz natal estava na caixa. Mais tarde, eu guardei o
bracelete na minha caixinha de joias, e o bilhete dentro de um dos
meus livros favoritos.
Queria guardar uma prova de que ele podia ser um pai decente
de vez em quando.

Eu saí para caminhar depois do almoço, porque Eros e Dahlia


estavam sendo insuportavelmente românticos e eu queria usar um
tempo sozinha.
Era raro ver os corredores tão vazios. Achei que aquilo me
deixaria deprimida ou entediada, mas a verdade era que eu estava
amando aquela tranquilidade. Era como se Averly pertencesse a
nós.
Estava tão perdida em pensamentos que não percebi que
estava caminhando direto para uma parede.
Só que não era uma parede, e tinha braços que me seguraram
antes de eu cair no chão.
— Ai!
— Caralho, Cora! Você está bem?
— Daemon?
Eu recuperei o equilíbrio e me desvencilhei dos seus braços.
— O que você está fazendo aqui sozinho?
— Eu podia te perguntar a mesma coisa.
Eu me neguei a dar uma satisfação e nós nos encaramos por
um instante, até que ele quebrou o contato visual ao apontar com a
cabeça para a porta principal do castelo.
— Eu estava saindo. Vou ver Lynx.
Eu desfiz a cara fechada.
— Você... quer vir comigo?
Eu queria pra caralho. Desde aquele dia na biblioteca, estava
maluca para ver um dragão de perto de novo.
Eu abri um sorriso malicioso quando puxei a frente.
— Já que você está me convidando, não pode me dar uma
detenção por isso, monitor.
Daemon riu quando pus uma ênfase debochada em seu cargo.
Lynx era incrível. Ainda era um dragão jovem, forte e um pouco
imprevisível. Normalmente os criadores da Averly levariam mais uns
anos amansando ela para poder servir de montaria para um aluno,
mas ela tinha reivindicado Daemon. E pelo jeito, ele conquistou a
sua confiança.
Ele entrou na baia — que era como uma cela gigante em uma
torre afastada minutos do castelo — e assobiou alto, olhando pra
cima. Lynx rapidamente atendeu o chamado e desceu.
Eu fiquei congelada do lado de fora, observando boquiaberta o
dragão enorme circular Daemon e oferecer a cabeça para um
carinho. Seu couro era de um preto tão intenso que parecia roxo
quando absorvia a luz do sol. As escamas eram enormes,
impecáveis como se ela nunca tivesse deixado alguém machucá-la
ou açoitá-la, nem mesmo os galhos da floresta ao descer pra caçar.
Sua cabeça era enorme, e quando ela finalmente me viu ali parada
e abriu a boca em um grito, eu percebi que seus dentes afiados
também eram enormes.
E eu congelei de medo.
— Shhhhiu, Lynx. Eu quero que você conheça alguém.
O dragão me deu um longo olhar ameaçador, como se estivesse
julgando se eu era uma ameaça, antes de virar a cabeça para o
Daemon.
Os olhos dela eram da cor lilás.
— Eu te falei dela, você se lembra?
Levei um instante a mais para entender que ele estava falando
com ela. Ele tinha falado de mim para um Dragão?
Puta que pariu.
Ele estendeu o braço para mim sem quebrar o contato visual
com Lyinx. O dragão o encarava a centímetros do seu rosto, as
garras traseiras raspando o chão com um tom impaciente.
Nem fodendo eu ia entrar lá.
— Cora, vem cá.
— Hum, acho melhor não.
Ele me deu um olhar de deboche.
— Sério, está com medo? Você enfrenta centenas de garotas
que querem te destruir todos os dias pra proteger seu império na
escola, mas não tem coragem de vir fazer carinho em um dragão
presunçoso e atrevido?
Lynx bufou, e eu não entendia como ofendê-la podia me deixar
com mais coragem para entrar.
— Eh, pelo menos as unhas das garotas são menos afiadas. E
elas certamente não podem cuspir fogo, apesar de terem as línguas
venenosas.
Ele riu, e Lynx virou a cabeça gigantesca para mim, com
curiosidade.
— Cora, por favor... confie em mim.
Sua mão ainda estava esticada na minha direção, e quando
meus olhos encontraram os dele... eu soube que não conseguiria
dizer não.
Puta que pariu, se eu morresse hoje, seria bem feito para mim.
Tentei não olhar para o rabo cheio de garras afiadas que se
movia varrendo a sujeira do chão. Ossos, se o barulho era uma
pista. Ossos de bichos que provavelmente foram o jantar do
demônio de olhos lilás que eu estava me aproximando para tocar.
Segurei a mão de Daemon e ele apertou meus dedos nos dele.
— Cora, essa é Lynx.
De perto, ela era ainda mais incrível. Eu podia ver o couro
grosso do corpo se tornando cada vez mais flexível conforme se
transformava na membrana leve, porém resistente das asas. Ela
parecia forte, saudável e com certeza, muito inteligente.
— E Lynx... essa é a minha princesa, Coraline.
Eu o olhei quando ele falou. Daemon ainda segurava minha
mão, mas sorria para o dragão conforme ele bufava mais uma vez
com irritação.
— Ei, sem ciúmes. Você é minha guerreira, conquistadora — ele
falava as palavras de forma suave, passando a mão nas escamas
do rosto do dragão. — ... mas ela é a princesa desse castelo.
Não sabia se meu coração estava errando as batidas pelo que
ele tinha dito ou pela aproximação do dragão, que agora me
estudava de perto.
Lynx bufou mais uma vez, e então abaixou a cabeça para mim.
Meu queixo caiu.
— Toque nela.
Daemon levou nossas mãos juntas até o rosto do dragão, e eu
acariciei as escamas com delicadeza, sentindo a sensação única
que era o couro quente e áspero.
Não percebi quando ele tirou a mão e eu passei a contornar seu
rosto com os dedos. Lynx ficou imóvel, me fitando com seus
gigantes olhos lilás.
— Ótimo. Acho que você já pode montá-la.
Eu tirei a mão no mesmo instante e arregalei os olhos pra ele.
— O QUÊ?!
Daemon caiu na gargalhada.
— Relaxa, eu estou brincando. Eu levei semanas até que ela
me deixasse montar, ainda tenho as cicatrizes pra provar.
Lynx bufou e se afastou, como se concordasse com ele e
dissesse que podia voltar a ser hostil a qualquer momento. Daemon
sorriu para ela.
Eu esperei ele conferir se havia feno o suficiente para ela dormir
e caça suficiente para comer e depois se despedir dela. Nós
caminhamos de volta até o castelo tentando se proteger do vento
gelado.
— Cora... tem algo que quero falar com você.
Eu esperei.
— Sinto muito pelo que Ez deixou no ar aquela noite. Eu não
estou falando sobre você com a minha mãe, ela só perguntou aquilo
por causa do baile.
— Ah. Tudo bem. Sua mãe é muito gentil, mas eu estou
acostumada a lidar com a minha há muito tempo. E... eu não estava
achando que você estava falando de mim.
Eu menti. Sobre saber lidar com a minha mãe e sobre achar que
ele tinha falado de mim.
— Não estava?
Ele pareceu confuso. Ele estava parecendo bastante confuso
ultimamente. Eu suspirei.
— Ela conhece a Elite, viu que eu estava um pouco
desconfortável aquela noite, e só. Por quê isso seria estranho? Eu
sou só mais uma entre seus amigos.
— Claro. Meus amigos — seu tom era quase um murmúrio. Ele
não estava mais olhando para mim.
— Só quero dizer que não achei nada demais ela ter
perguntado. Ez só estava mexendo com você.
Ele não me respondeu mais enquanto caminhávamos até as
masmorras.

À noite, depois do jantar, eu fui para o meu quarto tomar banho


só depois da Penny. Eros tinha pedido por gemadas o dia inteiro, e
o castelo mandou generosas bandejas da clássica batida de banana
com canela de natal. Dahlia estava esticada no sofá com a barriga
cheia, e os outros deles estavam na mesma situação.
Eu só queria um banho e a minha cama.
Quando saí do banheiro, vestindo um moletom por cima do
pijama e secando o cabelo molhado com magia, Daemon estava
parado na minha porta. Me olhou de cima a baixo, o rosto sério e
um olhar penetrante, como se tivesse lutando contra os próprios
pensamentos.
— O que foi?
Eu perguntei um pouco desconfiada. Não consegui entender
sua expressão.
— Eu quero testar uma coisa.
Aconteceu em dez segundos.
Daemon se aproximou, decidido. Dei um passo para trás
involuntariamente, batendo contra a porta do banheiro. Ele chegou
mais perto, apoiando as mãos na parede atrás de mim, uma de
cada lado da minha cabeça. Se inclinou sobre mim como se fosse
beijar a base do meu pescoço, mas não encostou em mim. Eu
segurei a respiração.
Ele então subiu, respirando perto da minha orelha, sentindo
meu cheiro. Eu estremeci e fechei os olhos, sentindo as pernas
ficarem dormentes. Ele não encostou em mim em nenhum
momento, mas eu estava presa contra sua presença dominante, seu
cheiro tão perto distraindo meus sentidos.
— Daemon, que porra é essa?
Consegui perguntar. Minha voz não parecia muito firme, mas ele
se afastou e só então eu pude respirar de novo.
— Você disse que confiava em mim. Eu queria testar o quanto.
Ele falou sério. Parecia que não estava muito feliz.
— Achei que a essa altura você já teria me dado um soco.
— Eu ainda posso dar.
Ele abriu um sorriso malicioso e eu percebi a merda que tinha
falado.
— Um soco! Eu ainda posso te dar um soco!
Daemon riu, se afastando até se sentar na minha cama. Eu
fiquei irritada com aquele sorriso arrogante de quem sabe que tem
centenas de garotas realmente querendo dar algo a ele. Eu não
gostei de ser um joguinho para ele testar.
— Espera, você achou que eu ia te beijar? Que só essa sua
presença seria suficiente pra me fazer perder a cabeça?
Eu apontei para ele com desdém, como se o corpo perfeito,
rosto sem defeitos, cheiro inebriante e confiança inabalável fossem
nada. Pela Deusa, a última coisa que eu faria era propositalmente
inflar ainda mais o ego dele.
Ele deu de ombros, apoiando os cotovelos na minha cama.
— Muitas garotas já perderam a cabeça por bem menos.
Eu bufei, e naquele momento me senti como a Lynx. Talvez eu
até cuspisse fogo se ele continuasse me provocando.
Metido, arrogante, idiota.
— E o quanto você confia em mim, Daemon?
Eu sabia que o tinha pego de surpresa com essa só pelo olhar
desconfiado e a mandíbula tensa.
— ... ou em si mesmo?
Me aproximei dele devagar até parar entre suas pernas. Se ele
queria jogar, eu jogaria de volta. Também tinha garotos aos meus
pés e sabia como fazer eles desejarem se ajoelhar.
— Você quer me testar, Cora?
Eu abri um sorriso malicioso. Um que só abria quando estava
diante de uma das garotas que precisava ser disciplinada. Era frio e
prometia que coisas terríveis estavam por vir.
Me inclinei sobre ele devagar e subi na cama colocando uma
perna de cada lado dele. Daemon nem piscou, seu rosto estava
impassível, o olhar no meu. Continuei me aproximando até ficar por
cima dele, o rosto a centímetros do dele.
Eu ronronei quando respondi.
— Hummm, não. Eu quero ver até onde você aguenta.
Se eu fosse qualquer outra garota, ele teria me dominado. Eu
via sua veia latejar no pescoço, o maxilar tão trincado que eu quase
podia ouvir os dentes rangendo.
E então, ele se moveu.
Mais rápido do que eu teria esperado.
Senti as mãos dele voarem firmes até minha cintura, seus
dedos longos me apertando só o suficiente para me erguer no ar e
me empurrar de lado em cima dos travesseiros.
Ele me levantou no ar com as mãos como se eu não pesasse
nada. Aquilo não passou despercebido pelo meu cérebro idiota.
Quando eu tirei o cabelo que tinha voado em meu rosto,
Daemon já estava na porta, girando a maçaneta para sair.
Meu coração já batia acelerado antes mesmo de o tom
ameaçador dele me alcançar.
— Esse é um jogo perigoso, Weylin. Poucas tem coragem de
jogar e encarar o resultado.
A adrenalina correu em meu sangue como se eu tivesse levado
um choque. Eu queria aquela sensação de novo. Eu queria que meu
coração continuasse batendo daquele jeito.
Eu queria mais.
— Eu não tenho medo de jogar.
A língua dele rolou na bochecha. Ele me olhou de cima a baixo,
secando cada centímetro do meu corpo. Eu não estremeci e nem
desviei o olhar.
Ele voltou a olhar nos meus olhos e abriu a porta.
— Durma em seu quarto hoje. Os alunos chegam amanhã de
manhã.
E saiu. Me deixando sem saber como lidar com toda aquela
adrenalina correndo em meu sangue.
Porra.
Caralho.
Eu corri de volta até meu dormitório, sentindo as mãos
tremendo com o esforço de me manter sob controle. Esbarrei em
Eros no caminho, e ele xingou quando percebeu o quão perturbado
eu estava.
— Que porra aconteceu com você?
— Nada. Eros, sai do caminho.
Eu evitei o olhar dele, e coloquei as mãos nos bolsos para ele
não perceber como elas tremiam, colocando a velha máscara da
frieza e autocontrole no lugar. Mas os olhos de Knight viam até a
minha alma. Ele tirou uma das minhas mãos do bolso sentiu os
tremores. Eu quis puxar a mão de volta, mas ele não deixou.
Normalmente eu não deixaria outro cara encostar em mim, mas
Eros era assim. Ele gostava do toque, do carinho, do afeto. Ezra e
eu não tínhamos isso.
— Weylin aconteceu com você, não foi?
Eu franzi as sobrancelhas para ele com a insinuação.
— Eu não sei do que você está falando. Eu estou bem. Normal.
Tentei me afastar dele, e ele saiu do caminho para me deixar
passar, mas me chamou naquele tom de voz preocupado de novo.
— Daemon...
— Não fale, Knight. É tarde demais pra isso.
Ele entendeu e seus olhos ficaram preocupados pela primeira
vez.
— Ela te desafiou.
Eu parei de caminhar e me virei para olhar para ele uma última
vez, por trás dos cabelos que agora caíam na minha testa enquanto
eu mantinha minha cabeça abaixada. Precisei evitar o olhar dele
para conseguir manter minha voz estável.
— Você se preocupava que eu iria transformá-la em um desafio.
Só não considerou que ela poderia fazer isso comigo primeiro.
Eros fechou a cara, considerando minhas palavras.
— Eu posso falar com ela.
— Não faça isso.
— Daemon...
— Não diga uma palavra, PORRA!
Nós nos encaramos mais uma vez. Eu queria sair dali, fugir para
o meu quarto e liberar minha raiva, eu estava à beira de um colapso
nervoso. Mas ele falou mais uma vez e sua insinuação me fez
fantasiar sobre esmurrar a cara dele contra a parede.
— Se você machucá-la, Daemon...
— Vai se foder, Knight. Você não vai vir com esse discurso pra
cima de mim.
Eu dei as costas e caminhei até minha porta, planejando
enfeitiçar o quarto para ninguém me ouvir e liberar tudo o que
estava sentindo destruindo a porta do meu banheiro até minhas
mãos sangrarem dos socos. Depois eu consertaria tudo, limparia a
bagunça e ninguém saberia o quão descontrolado eu podia ficar.
Alguns machucados a mais ou a menos não fariam diferença.
A dor me fazia esquecer a confusão dos meus sentimentos.
Eu gostava dela, precisava dela.
Os alunos começaram a chegar de volta na manhã seguinte
e nossos dias como donos da Averly acabaram.
E isso também quer dizer que a minha dor de cabeça diária
estava de volta.
Eu ouvia muita merda pelos corredores. Algumas eu suportava
em silêncio, outras me afetavam em segredo, e tinham algumas que
eu precisava tomar uma atitude pra passar uma mensagem e dar o
exemplo.
Eu sabia do que elas me chamavam pelas minhas costas.
Vadia. Mimada. Bully. Cobra.
Nenhum deles me incomodava. Eu sabia que eu era um pouco
de tudo aquilo.
Mas depois da primeira semana pós férias, eu estava de saco
cheio. As nevascas do fim de Dezembro obrigavam todo mundo a
se manter dentro do castelo mesmo nos turnos livres, e eu estava
tensa, irritada e de muito mau humor naquela sexta-feira.
Enquanto Penny e eu atravessávamos o corredor cheio de
alunos do quarto ano pra chegar na biblioteca, um grupinho de
meninas chamou minha atenção. Nos encarando com desprezo,
falando baixinho entre elas.
Fofoqueiras. E ainda tinham a coragem de me chamar de cobra.
Penny viu exatamente o que eu tinha visto, e sabendo como
estava o meu humor, ela estalou os pulsos e murmurou baixinho:
— Faça o que fizer, só não arrume uma detenção pra gente hoje
a noite. Eu quero ir na festa de volta as aulas na Torre.
Eu abri um sorrisinho cínico enquanto caminhava diretamente
para o grupinho delas, analisando quanto trabalho eu teria. Eram
cinco. Três congelaram assustadas, espertas. Duas tiveram a
coragem de nos encarar de volta.
— Já que estavam obviamente falando de mim, porque não
dizem na minha cara?
Elas estremeceram. Meu cérebro fazia uma lista de ofensas,
meus olhos procurando cada detalhe nas roupas e aparência delas
para me dar uma desculpa para provocar e intimidar. Minha mãe
teria uma lista enorme só de olhar para elas.
Mas eu era ainda melhor que minha mãe. Eu não focava minha
intimidação na aparência física.
Eu sabia o nome de algumas, sabia uma ou outra fofoca, sabia
quem eram seus pais e do que elas tinham medo.
Meu coração acelerou no peito, mas eu mantive a expressão
fria e calma. Eu me sentia bem sendo uma vadia. Era bom intimidar
ao invés de ser a vítima. Quase como uma reparação.
— Não tem coragem, não é? Então calem a porra da boca
quando eu estiver passando, ou arrisquem a sorte de falar na minha
cara e sobreviver.
Elas baixaram as cabeças. Tão fácil.
Penny voltou a caminhar, mas eu percebi que uma delas se
manteve com o queixo erguido.
— Se quer saber, nós estávamos apostando pra ver quem será
seu próximo brinquedinho na festa de hoje a noite. Ou quais deles...
— ela se demorou, corajosa. — Já que é tão vadia, é impossível
ainda ser virgem.
O corredor inteiro ficou em silêncio. Era muito, muito raro
alguém me desafiar desse jeito, mas tinha piorado desde a confusão
que terminou comigo bêbada na cama de um cara do último ano no
ano passado.
Penny sibilou ao meu lado.
— Quer apostar quantos dos seus dentes vão sobrar na sua
boca quando nós acabarmos com você?
A garota a ignorou e continuou olhando para mim.
— Nós apostamos no time inteiro de Corrida de Dragão. Apesar
de que eu deixaria Daemon montar em mim, se ele quisesse.
Eu avancei sem nem pensar.
Perdi o controle da minha magia quando fechei os dedos com
unhas afiadas no pescoço da garota e a empurrei para trás, contra a
parede de pedra. Ela arfou e perdeu o ar.
Eu segurei seu pescoço com mais força e quase colei meu nariz
com o dela.
— Eu vou montar em quem eu quiser, no time inteiro se me der
vontade, e você nunca vai receber nem metade da atenção que eles
me dão.
Ouvi Penny me chamando ao longe, como se eu estivesse
dentro de uma bolha, mas só conseguia prestar atenção na garota
na minha frente que tentava desesperadamente respirar. Ela
agarrava meu pulso com as duas mãos, mas eu ainda apertava seu
pescoço contra a pedra.
— E Daemon nunca tocaria em você. Teria mais chance com ele
se se jogasse na frente de um trem e rezasse pra Deusa te
reencarnar em um dragão.
Eu a soltei e ela continuou colada na parede, lutando para
recuperar o fôlego. Só então eu percebi que eu estava mesmo
dentro de uma bolha, uma bolha de ar que tinha conjurado com
magia quando perdi o controle e avancei na garota. As quatro
amigas dela tinham caído no chão com o impacto invisível.
Penny agarrou meu pulso e sussurrou para mim, me puxando
para longe:
— Tem um professor vindo. Precisamos seguir nosso caminho,
agora.
Deixei ela me arrastar para longe, os demais alunos abrindo
caminho e desviando o olhar do nosso com medo de serem os
próximos. Meu coração ainda estava acelerado e cheio de fúria.
Eu não olhei para ponta dos meus dedos, mas os senti
fumegando de leve quando os enfiei no bolso do blazer.

Como era de se esperar, Penny e eu nos atrasamos para a


festa naquela noite.
Não falei com ninguém da Elite, mas Dahlia esteve no nosso
quarto enquanto eu tomava banho e eu imaginei que Penny estava
contando a ela sobre a confusão de mais cedo. Sinceramente, eu
não me surpreenderia nada que na verdade Dahlia é quem estava
atualizando Penny sobre as fofocas de depois do caos no corredor.
De qualquer forma, nós caminhamos silenciosamente pelos
corredores vazios depois do jantar até uma das torres.
Eu não gostava tanto das festas na torre, mas era bom mudar
um pouco. Diferente das festas nas masmorras, lá a sala de
descanso era ampla e aberta, rodeada de janelas enormes quase
sempre abertas. Os meninos da Elite gostavam de fumar perto das
entradas de ar. A festa era mais iluminada, não tão indecente, e
alunos mais novos eram autorizados a participar. Eles serviam
garrafas de cerveja que nunca estavam geladas o suficiente e
amavam jogos alcoólicos.
Penny e eu desviamos de toda e qualquer pessoa em nosso
caminho até encontrarmos a Elite.
Avistamos Ezra e Daemon nos fundos da sala próximos a uma
janela, dando risada em meio à muita fumaça. Várias garotas
rodeavam ali por perto, observando os garotos, e aquilo me deixou
irritada. Procurei reconhecer a cabeça castanha daquela garota que
me provocou mais cedo, mas ela não estava ali.
Para a sorte dela, porque eu ainda estava tensa pra caralho e
louca para descontar em alguém.
Fiz contato visual com Daemon antes de chegarmos até eles. O
filho da puta estava ainda mais gostoso. Pela Deusa, aquele garoto
deveria ser considerado um crime contra a humanidade.
Sentado daquele jeito descontraído e relaxado de quem sabe
que é perfeito, um cigarro na mão direita. Ele soprou a fumaça para
cima e continuou me encarando até eu chegar perto. Eu vi os olhos
dele descerem até o chão e subirem para me olhar dos pés à
cabeça.
Duas vezes.
Dessa vez eu deixei meus cabelos bem lisos, com a franja presa
em presilhas dos lados da minha cabeça. Fiz um delineado gatinho,
e passei batom vermelho. Estava com minhas botas pretas de couro
até acima dos joelhos, uma saia curta de seda preta e um corselet.
Sim, eu estava de lingerie e sim, eu escolhi essa roupa de
propósito. Se todo mundo nessa escola já me chamava de vadia,
pelo menos eu daria a eles um bom motivo.
Ez fez uma gritaria quando nos aproximamos e eu notei que ele
já estava bêbado. Ou chapado. Talvez os dois. Daemon passou o
cigarro para ele, que agora conversava de perto com Phenelape, e
se levantou.
— Vem comigo. Vamos dançar.
Ele falou pegando minha mão e me levando para o meio do
salão. E só isso. Nem um “oi”, nada. Ele apenas me tomou pela mão
como se eu não tivesse outra escolha a não ser o seguir. Eu fechei
a cara e ele apertou os dedos nos meus, como se me desafiando a
puxar minha mão da dele.
Mas eu não o fiz. E, secretamente, torci para aquela garota
estar vendo isso.
As pessoas abriam espaço para passarmos, e Daemon me
levou até o meio da pista de dança, onde todo mundo no salão
podia nos ver. Ele ficou colado em mim enquanto eu dançava, o
shot de uísque de fogo que Eros tinha me feito beber antes de
Daemon me arrastar para lá estava subindo para minha cabeça.
Registrei mentalmente que Daemon sabia dançar, mesmo que
normalmente não o fizesse. Ele se movia de forma sensual comigo
nos braços, no ritmo da música, segurando meus quadris e me
mantendo perto dele o tempo inteiro. Peguei o olhar ciumento de
algumas garotas em nós, e sorri imaginando o que elas dariam para
ter por um minuto a atenção que Daemon Novak estava me dando.
Eu ainda não sabia o que tinha feito para ele estar assim
obcecado essa noite, mas não iria reclamar. Eu estava me
divertindo. Algumas músicas depois, Phenelape e Ezra se juntaram
a nós, animados, e Daemon me soltou para que eu dançasse com a
Phenelape.
— Seus safados! Vocês vieram se exibir e nem convidaram!
Phenelape gritou, mas só eu e Daemon ouvimos. Eros e Dahlia
se juntaram a nós, meu melhor amigo e sua inseparável garrafa de
ouro debaixo do braço.
A Elite foi o centro da pista de dança por quase uma hora.
Quando eu já estava cansada, fiz sinal para qualquer um deles
avisando que iria pegar um ar. Voltei até a poltrona perto da janela
aberta nos fundos da sala, por onde entrava uma brisa gelada
gostosa. Eu sentia falta do vento nas masmorras. Nossos aposentos
ficavam no subsolo então, obviamente, as janelas eram enfeitiçadas
para entrar luz e não abriam.
De repente, entendi porque Daemon gostava de passar tanto
tempo no topo da torre de observação.
Quando recuperei o fôlego, percebi um garoto da minha turma
avançada de Astronomia ali próximo, olhando para mim. Ele flertou
comigo por olhares, e eu correspondi, incapaz de resistir ao
joguinho de dominação.
Quando ele se aproximou o suficiente para falar algo, uma voz
firme soou uns bons 20 centrímetros acima dele:
— Sai fora.
Daemon se materializou do nada e encarou o garoto com os
olhos frios e vazios. Como ele não saiu imediatamente, Daemon o
puxou para perto dele pela camisa.
— Se eu tiver que falar de novo, não vou ser tão gentil.
Agora ele o olhava como se pudesse matá-lo com as próprias
mãos, e eu me perdi observando aquele olhar ameaçador. Será que
eu deveria sentir medo? Porque tudo o que eu sentia era meu
coração batendo.
O garoto ergueu as mãos como se estivesse se rendendo e não
olhou de novo para mim quando sussurrou:
— Foi mal, Daemon. Eu não sabia que ela estava com você
hoje.
Daemon soltou o cara olhando pra mim.
— Ela sempre está comigo.
Eu revirei os olhos, mas meu coração acelerou. Sua expressão
se fechou conforme ele se aproximou de mim.
— Eles não vão parar de chegar se você ficar sozinha.
— E qual o problema de eles chegarem em mim?
Daemon não me respondeu.
Manteve os olhos atentos em tudo ao redor como se estivesse
prevendo por onde outro garoto se aproximaria para tentar chamar
minha atenção.
— Eu devia mandar você sair fora, seu psicopata super protetor.
Porque me convidou pra dançar?
Eu sorri, para que ele entendesse que era uma brincadeira, mas
Daemon não aliviou a expressão.
— Eu queria que eles vissem você comigo. Mas pelo jeito, não
adiantou. Vou ter que ser mais claro da próxima vez.
Ele explicou apontando com a cabeça para o garoto que se
afastava. Eu não sabia se entendia o que ele queria dizer, e também
não sabia se queria entender.
Eu estava me divertindo, não queria que ele estragasse minha
noite com mais uma de nossas brigas. Passei a mão pelo bolso da
calça dele, procurando um isqueiro. Ele segurou meu pulso e
impediu minha mão no mesmo instante.
— Relaxa, eu só quero um isqueiro.
Ele abriu um sorrisinho de canto, divertido.
— Desde quando você fuma?
— Desde agora.
Eu sorri, passando a língua nos lábios. Porra, eu estava
bêbada. E com uma vontade inédita de fumar.
— Você não vai gostar, Cora.
Ele me disse, mas pegou o isqueiro para mim.
— Então me ajuda.
Eu choraminguei, batendo o pé. Me senti uma garotinha
mimada, mas aquilo fez os olhos de Daemon brilharem para mim de
um jeito novo. Ele sorriu, aquele sorriso de canto que eu amo, e
tirou o cigarro e o isqueiro das minhas mãos, me guiando até uma
janela próxima. Eu me sentei no peitoril, que era como um banco.
Daemon acendeu o cigarro na boca, deu um trago e soltou a
fumaça no ar. Eu o observei, pensando como caralhos ele
conseguia deixar aquela ação simples tão... sexy.
Puta que pariu, Coraline.
Então ele se aproximou de mim, afastando minhas pernas e
parando entre elas. Com a mão esquerda segurando de leve meu
pescoço, ele passou o polegar pelo meu maxilar e ergueu meu
rosto. O cigarro queimava entre seus lábios e ele puxou só mais um
pouquinho antes de segurar a fumaça em sua boca por um instante
e se aproximar da minha.
Nossos lábios não se tocaram por um centímetro de distância
quando ele soprou a fumaça para dentro da minha boca.
Eu inspirei e sorri de olhos fechados, sentindo o cheiro da erva
queimando. Era um baseado de Efthalia, a planta mágica porém
inofensiva que eles gostavam de roubar das estufas da Averly,
preparar e enrolar em cigarros. Me senti imediatamente tonta, sem
ter certeza se era pela fumaça ou toque e aproximação de Daemon.
Ele não tirou a mão do meu rosto enquanto eu soprava a
fumaça para cima, e nós nos encaramos mais uma vez. Meu
coração batia descompassado e Daemon me observava com a
expressão preocupada, os olhos de repente caindo para minha
boca.
Eu mordi o lábio, ficando nervosa.
Ele colocou o cigarro nos lábios mais uma vez, sem tirar os
olhos dos meus. Seus dedos ficaram mais firmes contra meu
pescoço. Eu não reclamei. Ele apertou mais ainda quando puxou
meu rosto mais para cima e se aproximou de novo.
Dessa vez eu não fechei os olhos.
Os olhos cinzentos dele encararam os meus.
E quando a fumaça desceu pela minha garganta, eu não estava
preparada.
Empurrei Daemon para longe quando senti que ia começar a
tossir. Meus olhos se encheram de água e minha garganta queimou.
— Merda — ouvi ele sussurrar, e sumir da minha frente.
Eu fechei os olhos para tossir, e quando a crise pareceu
diminuir, senti ele colocar uma garrafa de água nas minhas mãos.
— Pela Deusa, Cora, o que diabos aconteceu com você?
Reconheci a voz da minha melhor amiga e abri os olhos
enquanto bebia a água gelada. Alivou a minha garganta irritada
imediatamente.
— Eu estava fumando.
Penny e Ezra yinham acabado de voltar da pista de dança, e
ergueram as sobrancelhas pra mim.
— E você fuma desde quando?
— Desde agora, eu acho.
Eu sorri, começando a sentir os efeitos da erva no meu sistema.
Era leve e muito sutil, mas o mundo inteiro pareceu... desacelerar.
Meu coração bateu mais tranquilo e eu relaxei um pouco a tensão
dos músculos.
— Então bem-vinda ao clubinho.
Ez deu risada, pegando o cigarro que Daemon agora passava
para ele.
Penny também quis fumar, mas sabia como fazer sozinha
porque não era sua primeira vez. Ele conversavam baixinho sobre
onde Eros e Dahlia poderiam estar.
— Melhor?
Daemon perguntou, mantendo uma distância entre nós muito
maior que antes. Eu concordei com a cabeça, mas disse que não
queria mais fumar por hoje. Ele concordou com um comentário
sarcástico sobre não querer ter que me carregar até a ala hospitalar
se eu exagerasse com três tragadas e devolveu o cigarro para o Ez.
Eu me sentei no sofá próximo, e ele se sentou ao meu lado.
Daemon era tão alto que o sofá de dois lugares ficou
completamente sem espaço só com nós dois. Deixei minha cabeça
cair para trás no encosto, sentindo meu corpo anormalmente
relaxado. Aquilo era estranho mas ao mesmo tempo era bom
demais.
Virei para me encostar no braço do sofá e coloquei as pernas
pra cima, no colo dele. Ele apoiou os braços nelas e deixou os
dedos encostarem de leve na minha pele, fazendo círculos lentos.
Era como se nós dois tivéssemos a necessidade de encostar um do
outro, mas não queria explicar sobre isso. O toque normalmente
conhecido de Daemon agora queimava minha pele cada vez que ele
encostava em mim, e eu estava ciente de todo o calor que emanava
dele, sentado ao meu lado.
— Se eu soubesse que era só isso que precisava pra te manter
quieta, teria te dado Efthalia bem antes.
— Cala a boca, idiota — eu xinguei, mas dei risada. — Uma
pena que não há no mundo uma planta que resolva essa sua
pretenção insuportável.
Ele riu e se aproximou um pouco mais, para que só eu
escutasse.
— Não fui eu que prometeu cavalgar todos os garotos do time
hoje.
Seus olhos faíscavam com diversão, desafio e... algo mais.
— Merda. Você ouviu isso?
— Eu ouvi que você acabou com uma garota que tentou te
humilhar. — Ele deu de ombros — E que meu nome estava no meio.
— Ela disse que deixaria você montar nela. Eu disse que ela
teria mais chances se fosse um dragão.
Daemon riu de verdade agora. Aparentemente, ele não tinha
ouvido essa parte da fofoca.
— Puta que pariu, Cora.
— E estou errada?
— Não sei, ela era bonita?
Eu dei um tapa em seu abdômen e ele se encolheu,
resmungando. Eu tinha certeza que minha mão era a maior
sofredora depois desse golpe.
— Ai! Porra, eu tava brincando.
Eu não sabia se eram ainda os efeitos de Efthalia, do álcool, ou
só da presença dele, mas falei o que estava na minha cabeça desde
a confusão com a garota.
— Você não pode ficar com ela.
Daemon só abriu um sorrisinho em resposta. Eu ajeitei minha
postura, tirando as pernas de cima dele e me inclinando para ficar
perto.
Eu queria ficar intimidante, mas estava tonta demais para ter
certeza que estava dando certo.
— Eu juro Daemon, que se eu ver você arrastando ela pro seu
quarto...
Ele se inclinou também. Nós estávamos a centrímetros um do
outro e eu senti meu sangue ferver.
— Vai fazer o quê, princesa?
— Eu vou entrar lá e arrancar ela nua de cima de você se for
preciso.
Ele não respondeu. Nós nos encaramos por um longo momento,
em mais uma de nossas disputas de quem desvia o olhar primeiro.
Daemon tinha um meio sorrisinho de canto, presunçoso, como se
estivesse gostando de eu estar sendo agressiva ao invés de ficar
irritado.
Fui eu quem desviou o olhar primeiro.
Meu cérebro embriagado e chapado não conseguiu se esquecer
dos lábios dele tão perto dos meus alguns minutos mais cedo, e eu
desviei o olhar para a sua boca.
— Ei, tudo bem por aí? O quê tá rolando?
A voz de Eros me alcançou e eu levantei do sofá com um pulo.
Meu coração acelerou e eu me senti como se estivesse sido pega
fazendo algo muito, muito errado.
— Nada! Não está acontecendo nada! Eu já falei que nós
somos só amigos, Eros!
Meu melhor amigo fez uma careta pra minha reação exagerada.
— Tudo bem... eu só perguntei porque vocês pareciam estar a
segundos de se matarem.
Ah.
Era isso que estava parecendo? Que nós estávamos brigando?
Caralho.
Daemon se inclinou pra trás no sofá, e agora ele tinha uma
expressão irritada de verdade. Puro ódio, frustração e... conflitos. Eu
podia vê-lo lutando contra seus próprios pensamentos.
— Você ouviu a Weylin, Eros. Nós somos amigos.
Ele deu ênfase na última palavra, e os dois trocaram um olhar.
Eu senti que precisava dar o fora dali. Não confiava mais em
mim mesma.
— Eu vou dançar.
Agarrei uma garrafa de água no caminho e dei as costas para a
Elite, querendo fugir do coração acelerado e dos pensamentos
confusos. Eu não ia mais beber nem fumar, queria ficar sóbria.
E talvez, só talvez, dar em cima de um dos garotos do time. Só
pra me distrair.
Porque a Deusa sabia o quanto eu estava precisando de uma
distração.
“Não está acontecendo nada.”
“Nós somos só amigos.”
As palavras dela ainda se repetiam em minha mente enquanto
eu a via se afastar decidida, rebolando os quadris e me deixando
com vontade de socar alguém só de ver aquela bunda perfeita e
empinada na saia justa.
Puta que pariu, quando foi que ela ficou tão gostosa? Nenhuma
garota nessa escola era como ela.
— Você precisa disfarçar melhor essa cara, Daemon.
A risada debochada de Eros me atingiu e eu o fuzilei com o
olhar.
— Já falei pra você ficar fora disso, Knight.
— E você sabe que eu não vou, Novak. Não vai me intimidar me
chamando pelo sobrenome.
Nós trocamos um olhar de desafio. Notei Dahlia, Ez e Penny
mais pra trás conversando e rindo.
— O que diabos está acontecendo entre vocês?
Eu já estava cansado dessa pergunta.
Ultimamente todo mundo estava perguntando, porque, claro,
todo mundo percebeu que tinha alguma merda acontecendo, mas
ela respondia sempre do mesmo jeito.
Nós sempre fomos amigos, Cora. Mas tinha alguma coisa
diferente agora. Ela estava diferente, e eu também. Não era
possível que ela não percebesse isso.
— O que você está sentindo?
Captei o olhar preocupado de Knight em mim e eu aliviei a
expressão para que ele não me enchesse o saco depois. Uma
pergunta profunda e perturbadora, típico de Eros.
— Se eu soubesse, não estaria tão fodido.
Eu não fazia ideia sobre o que estava acontecendo comigo.
Quando a vi chegar na festa hoje, mais perfeita do que nunca e
atraindo os olhares de todos os machos dessa escola, eu quase
enlouqueci. Quando a carreguei até a pista de dança e a deixei se
esfregar em mim, pensei que estava mandando uma mensagem aos
outros garotos dessa escola.
Mas a minha fama e a dela eram tão fortes que ninguém ligou
pra estarmos juntos. Nem ela percebeu o que eu estava fazendo.
Não foi suficiente.
Eu precisava fazer mais.
Dei um gole na cerveja que Eros me ofereceu e tentei afastar a
Weylin da minha cabeça.
O que foi impossível, com a pergunta seguinte de Eros.
— Você a quer?
Trinquei o maxilar com tanta força que senti meus dentes
doerem.
Não. Eu não podia.
Mas também não consegui responder.
— Eu acho que você está começando a perceber que a quer.
Mas não do jeito que costuma querer as outras garotas. Ela é
diferente, não é? Você a quer de um jeito diferente. Só pra você e
mais ninguém.
Eros falou com simplicidade, como se estivesse comentando
sobre o tempo. Eu o encarei assustado. No fundo eu sabia que ele
estava certo. Mas transformar esse pensamento em palavras fazia
tudo ficar mais real. E quando eu admitisse que a queria, tudo
estava acabado pra mim.
Porque eu era assim, e não desistiria até que a tivesse em
meus braços, não importasse quem eu destruiria no caminho, não
importasse o quanto eu me machucasse e a machucasse no
processo.
Se eu admitisse que a queria, era o fim pra nós, era o fim para a
Elite.
Eu não ia parar.
— Daemon, eu acho que ela...
— Eros, cala a porra da boca.
Ele parou de falar só por sentir minha voz oscilar. Eu estava a
um passo de perder a porra do controle se ele falasse mais uma
coisa que eu não queria ouvir.
— Não faça isso. Não me faça perceber que quero algo que não
posso ter.
Meu tom de voz era quase uma súplica. Eu estava sofrendo, e
só percebi isso agora.
Nunca na minha vida eu tinha sentido aquilo.
Eu me vi de repente irritado. Muito irritado.
Raiva e frustração tomavam conta de mim, mas eu não era
burro. Eu sabia que no fundo Eros estava certo. Mas cada vez que
eu achava que ela percebia o que estava acontecendo, cada vez
que ela me deixava chegar mais perto, ela se fechava com a mesma
velocidade, e repetia a frase que eu estava começando a odiar.
“Somos só amigos.”
Ela não queria nada comigo.
Ela só gostava de me provocar e que eu a ajudasse a se livrar
dos idiotas com quem ficava quando se cansava deles. Ela não
sentia o coração disparar cada vez que ficávamos sozinhos. Ela não
sentia quase uma dor física quando se afastava de mim. Ela não
sentia a dose de adrenalina toda vez que me provocava, e
definitivamente, ela não estava viciada em mim como eu estava
nela.
E eu não ia deixar essa merda me consumir. Nenhuma garota
nunca me deixou nervoso, eu não ia deixá-la fazer isso comigo.
Mas mesmo assim, eu daria a ela uma última chance para
provar que não se importava comigo desse jeito. Eu faria um último
teste. Queria saber o quanto do que Cora me disse sobre pular no
pescoço de uma determinada garota era verdade e o quanto era só
falação para me intimidar.
Penny me encontrou sozinha na pista de dança uma ou duas
horas mais tarde. Eu estava exausta, suada e com sono,
exatamente como eu queria estar pra ter certeza de que iria cair na
cama depois de um banho quente e apagar sem ficar imaginando
mil cenários antes de dormir.
— Cora, vamos embora. Essa festa já tá ficando insuportável.
Realmente, havia bem menos alunos agora, e os que ainda
estavam, pareciam todos bêbados. Ez nos esperava perto da porta
de saída e eu não me importei em perguntar sobre os outros. Se
Ezra não estava preocupado, é porque eles provavelmente já
tinham voltado para as masmorras.
Nós fizemos o caminho em silêncio, tomando cuidado pra não
esbarrar em algum professor monitorando os corredores e entrando
nas passagens secretas que se escondiam atrás de especiarias
antigas, nos levando por corredores estreitos que magicamente
terminavam em outra parte do castelo, em um caminho muito, muito
mais rápido.
A Elite tinha todas as passagens marcadas. Eu não sabia se os
outros alunos sabiam delas.
Assim que entramos na sala de descanso, senti Penny enrijecer
ao meu lado. Quando ergui a cabeça, entendi o porquê.
A sala estava vazia, exceto por um casal que se agarrava
fervorosamente em um dos sofás próximos à lareira.
Em um sofá da Elite.
O garoto era Daemon.
E a garota, montada em seu colo e beijando o seu pescoço...
Era Sophie, a menina da confusão dessa tarde.
Penny E eu avançamos na direção deles.
— Mas que filho da puta! — minha melhor amiga sibilou.
Pela segunda vez naquele dia, eu senti minha magia assumir o
controle. E não estava nem aí.
Sophie gritou quando sentiu ser arrancada para fora do colo de
Daemon e voou no ar até o sofá em frente. Meu sangue esfriou, o
mundo pareceu desacelerar, e eu estava tomada de raiva.
Os dois olharam para mim, incrédulos. Eu nos fechei em uma
bolha de ar. Mantive Penny do lado de fora — o que ela odiou — e
Ez correu ao encontro dela.
— Você é inacreditável. — Eu não sabia com qual dos dois
estava falando.
A garota ajeitou o vestido que tinha subido nas coxas e eu senti
mais daquela raiva crescer quando pensei nas mãos de Daemon
subindo pelas coxas dela. Meus dedos se abriram involuntariamente
e eu senti eles esquentarem. Não olhei pra baixo.
Dentro da bolha, ventava. Eu tinha criado a porra de um
vendaval.
Atravessei os cinco passos necessários para chegar até a
garota. Ela se encolheu no sofá, apavorada. Eu imaginei que devia
estar parecendo uma lunática, mas não me importei. Eu não
conseguia pensar.
— Você se divertiu?
Sophie piscou, sem saber o que responder. Eu me inclinei sobre
ela, o vento ainda agitando meus cabelos.
— Ele foi bom? Era tudo aquilo que você imaginou?
— Eu não... nós não...
— Vocês não fizeram nada? — Eu interrompi, abrindo um
sorriso alucinado. Eu segurei a garota pelo pescoço e a trouxe mais
perto de mim. Minhas unhas pintadas de preto se fecharam na sua
pele.
— Que pena. Parece que eu interrompi o que certamente seria
uma noite muito agradável.
Penny gritava comigo por fora da bolha, mas eu não a ouvia.
Larguei a garota no sofa e então me virei pra encarar Daemon.
Eu estava completamente desequilibrada. Eu sabia disso e não
me importei nem um pouco.
Mas Daemon... Daemon sorria.
Um sorriso contido, curioso e... impressionado. Ele não tirou os
olhos dos meus e nem se moveu quando eu me aproximei devagar,
fechei os dedos em sua camisa e cheguei centímetros de distância
do seu rosto quando eu sussurrei.
— Eu odeio você.
Ele não emitiu reação alguma. Mas uma das suas mãos se
fechou no meu pulso e ele fez força para que eu soltasse sua
camisa. Eu soltei.
E então ele virou minha palma para mim, para que eu olhasse
minha própria mão.
Não eram minhas unhas que estavam pretas. Eram meus
dedos.
A ponta de cada um deles estava envolto em uma sombra
densa e escura, afiada como garras de um dragão. Meu corpo
inteiro estava envolto nessas mesmas sombras.
E, no instante em que eu me dei conta disso, tudo parou.
O vento, a bolha, as sombras, tudo acabou.
E a sala caiu em um silêncio aterrorizante.
Eu corri os olhos pelo lugar. A garota chorava baixinho
encolhida no sofá. Ez segurava Penny como se ela estivesse
esmurrando a bolha de ar até eu fazê-la sumir. Os dois tinham os
olhos arregalados pra mim.
Daemon não sorria, mas também não parecia ter medo. Ele
estava curioso.
E eu não suportei mais ser o centro das atrações daquele
espetáculo terrível. Dei as costas para todos eles e corri para o meu
quarto.
Eu não fazia ideia do que tinha acontecido. Eu não sabia o que
tinha feito, ou como tinha feito aquilo. Senti meus olhos se
encherem de água, mas eu não chorei. Estava agitada demais,
irritada demais, sem saber se devia tomar uma ducha fria ou tentar
convocar aquelas sombras mais uma vez. Minhas unhas estavam
pintadas de vermelho de novo, como estavam a semana inteira.
Ouvi a porta abrir e me virei, esperando encontrar Penny, mas
era Daemon quem estava encostado na soleira da porta, o rosto
sério. Nossos olhares se encontraram e eu vi o deboche e
satisfação brilhar nos olhos dele, e eu me lembrei do que ele tinha
feito.
Eu estava à beira de explodir de ódio de novo.
— Não sabia que você ficava tão violenta quando estava com
ciúmes.
Ele entrou no meu quarto e fechou a porta atrás de si.
— Eu não estava com ciúmes!
Gritei, minha voz oscilando e me entregando completamente.
Daemon me observou por um minuto, aquele sorriso ainda em seus
lábios, aproveitando o momento em que ele estava tão calmo e eu
visivelmente perturbada.
— Ah, princesa, estava sim. Você estava com ciúmes de mim
quando atacou a garota primeiro, e não eu.
Ele chegou mais perto. O jeito que ele falou o meu apelido fez
minha pele se arrepiar e eu me enchi de fúria de novo. Ele sempre
conseguia transformar o apelido idiota em algo... dele.
— Sai do meu quarto, Daemon!
Eu avancei na direção dele, mas ele me segurou. Seus dedos
se fecharam em meus braços e eu lutei contra seu aperto, mas ele
me empurrou contra a parede do meu quarto, e o susto me fez
permanecer imóvel.
Sua expressão era de raiva e desapontamento.
— Acha que eu não entendo, Cora? Eu sinto isso com você o
tempo todo, porra!
Agora ele também estava irritado. Daemon segurou meus
pulsos e colocou minhas mãos no peito dele enquanto falava,
cuspindo as palavras sem tirar os olhos de mim.
— A raiva por ela estar com as mãos em mim, o olhar de
deboche da garota pra você porque ela sabia que estava te
irritando, o sentimento de impotência porque eu não te queria por
perto e escolhi uma vagabunda qualquer pra resolver os meus
problemas.
Ele parou pra respirar e eu fiquei calada, o encarando, negando
com a cabeça. Não era isso. Eu não queria sentir isso.
— Isso, Cora, é só uma parte do que eu passo com você.
Daemon falou com calma, quase como se estivesse falando
para si mesmo, e soltou os meus braços. Ele deu um passo pra trás
me libertando da parede e evitou o meu olhar.
— Mas é você quem não cansa de repetir que nós somos só
amigos. Por que você está com ciúmes? E não ouse dizer que é por
causa do que aconteceu mais cedo, porque poderia ser qualquer
garota no meu colo e você reagiria do mesmo jeito. Eu já sei disso
há um tempo. E você é igualzinha a mim.
Eu não queria admitir que ele estava certo. Eu nem tinha
percebido que estava com ciúmes até agora.
— A diferença, Daemon, é que eu realmente me envolvo com
os garotos que eu pego. Você só não aguenta ver qualquer garota
dar em cima de você, não é? Você sabia que eu ia ficar irritada por
ter escolhido aquela, mas fez mesmo assim porque não! Aguenta!
Ver! Alguém! Dando! Em! Cima! De! Você!!
Eu bati em seu peito a cada palavra, e ele suportou os ataques
como se não fosse nada, ou como se merecesse cada um deles.
Daemon estreitou os olhos e levou alguns segundos pra responder,
parecendo estar cansado de insistir comigo.
Eu me afastei dele, levemente arrependida por ter explodido em
violência, mas não deixei ele perceber.
— Eu posso aguentar qualquer garota dando em cima de mim.
— Não, não pode.
Ele me olhou, curioso. Alguma coisa acendeu nele.
— Você quer apostar?
Ele sorriu, e eu senti o coração disparar com o desafio. Ele
estava me distraindo. Criando mais uma das nossas disputas de
poder. E estava dando certo, porque me acalmei o suficiente pra
assumir o controle e desafiar.
— Te dou cem moedas de ouro se você conseguir ficar até as
férias de Páscoa sem ficar com ninguém.
Essa não seria a primeira aposta que fazíamos, e Daemon nem
precisou pensar para responder.
— Trezentas. E você também não pode ficar com ninguém.
A proposta dele me pegou de surpresa, mas eu queria tanto
provar que estava certa, que aceitei. Ele sorriu satisfeito e se virou
para sair.
— Onde você vai?
As palavras escaparam da minha boca, e eu instantaneamente
me arrependi delas. Não queria que ele percebesse que não queria
que ele fosse embora. Mas Daemon sorriu, deu mais um passo para
dentro do meu quarto e passou os dedos de leve pelo meu rosto,
em um toque quase carinhoso.
Tão diferente da postura agressiva de minutos atrás. Seus olhos
tinham um brilho triunfante.
— Princesa, eu preciso partir o coração daquela garota por
você.
Um arrepio percorreu meu corpo. Mas foi a voz de Ezra que
respondeu.
— Não precisa. Penny já fez isso por você.
Ez e Penny entravam no quarto com certa cautela, e minha
melhor amiga me agarrou em um abraço apertado.
— Você está bem?! Que maluquice foi aquela? Você precisa me
ensinar aquilo!
Daemon e Ez nos observavam a certa distância. Eu senti uma
lágrima escorrer e minha melhor amiga limpou ela do meu rosto,
vendo eu abrir os dedos e encarar minhas mãos.
— Eu não faço ideia... Não sei o que aconteceu comigo. Os
ventos, a bolha... deve ser magia de manipulação, de Sierlyn. Mas
as sombras...
— Eu nunca vi nada assim — Ez interrompeu.
Eu ergui os olhos para os meus amigos. Estava apavorada. Mas
minha amiga me abraçou, sem medo nenhum de mim ou do que eu
podia fazer. Apesar do abraço de Penny e do sorriso sincero de Ez,
foi a voz de Daemon que me acalmou:
— Nós vamos descobrir.
Nós.
Eles ficaram no quarto enquanto eu fui tomar um banho, e
quando voltei, eles estavam sentados na minha cama com uma
barra de chocolate aberta entre eles, dando risada. Eu me estiquei
entre Ez e Daemon pra roubar o último pedaço.
— Sério Cora, você quase matou aquela garota de susto
quando a jogou de um sofá pro outro! — Penny dava gargalhadas.
Mastiguei o chocolate para não responder. Eu achei que tinha
exagerado, mas não estava realmente pensando quando fiz aquilo.
Ela saiu pra escovar os dentes com Ez atrás dela, rindo e fazendo
piadinhas sobre o que ela tinha falado pra garota depois que eu saí
da sala.
Daemon me observava.
— O que foi?
— Está se sentindo melhor?
Eu estava. Tão melhor que estava pronta pra provocar.
— Depende. Por acaso aquela garota está te esperando na
porta do seu quarto, pra vocês continuarem de onde estavam antes
de eu interromper?
Daemon soltou uma gargalhada.
— Porque nós temos uma aposta agora. — Achei necessário
incluir, pra deixar claro que era com isso que eu estava preocupada.
— Quer que eu durma aqui, pra você ficar de olho em mim a
noite inteira e ter certeza que eu não vou trapacear?
Nós nos encaramos por um intante. Eu não queria que ele fosse
embora. Ultimamente, eu nunca queria que ele fosse embora.
— Você dorme no chão.
— Eu não vou dormir no chão!
Penny e Ez voltavam naquele instante.
— O que tá rolando?
Foi Daemon quem respondeu:
— Cora está me obrigando a dormir aqui pra ter certeza que eu
vou dormir sozinho hoje.
Penny deu risada, Ez fez uma careta.
— Então temos um problema.
— O que é?
— Eu planejava dormir com o Daemon hoje, porque Eros me
pediu o quarto pra ficar sozinho com a Dahlia.
Penny e eu pulamos, ao mesmo tempo.
— O QUÊ?!
— E VOCÊ SÓ DIZ ISSO AGORA, SEU IDIOTA?!
Daemon deu risada quando Penny meteu um tapa no braço de
Ez, que choramingou. Eu agarrei minha amiga e nós tivemos um
pequeno surto e ataque de emoção conforme percebíamos o que
estava acontecendo.
Dahlia e Eros iam transar. Eu tinha certeza.
E mal podia esperar para ouvir TUDO depois. Dos dois lados.
Ez e Daemon se olharam com diversão enquanto assistiam
Penny e eu levar bons dez minutos até nos acalmar.
— Ok, então acho que vamos ter uma festa do pijama! — Penny
constatou.
— Ez e Daemon na cama da Penny. Penny e eu na minha.
Eu organizei tudo antes que alguém sugerisse algo diferente,
agradecendo mentalmente pelo castelo medieval e seus quartos
grandes com camas enormes. Todos ficariam confortáveis.
Enquanto eu escovava os dentes, Daemon apareceu no
banheiro sem camiseta e descalço, pronto para fazer sua higiene.
— Estou pensando que devia deixar roupas e uma escova de
dentes aqui, já que você tem me pedido pra ficar com tanta
frequência.
Eu revirei os olhos e cuspi na pia.
— Me surpreende que você ainda tenha roupas no próprio
quarto, considerando a frequência com que passa a noite na ala das
garotas.
Ele riu quando terminei de limpar a boca e saí do banheiro, mas
sua voz me alcançou na porta.
— Aparentemente, só no quarto de garotas que eu não posso
tocar.
Reprimi um sorriso, e fingi não ouvir. Mas antes de sair
completamente do banheiro, eu gritei com ele sem olhar.
— Se usar a minha escova de dentes, não vai querer saber o
que eu vou fazer com a sua, na próxima vez que estiver no seu
quarto!
Depois de alguns minutos, já com as luzes apagadas, Penny e
eu damos gargalhadas e puxamos os cobertores totalmente por
cima das nossas cabeças enquanto Ez e Daemon discutiam sobre o
nosso quarto ser muito mais quente que o deles e por causa do
calor, querer dormir de cueca.
Eu não coloquei minha cabeça para fora do cobertor nenhuma
vez, resistindo à tentação de ver se eles falaram sério.
Na manhã seguinte, mantendo a tradição da Elite de tomarmos
café da manhã juntos, Eros e Dahlia se juntaram a nós logo cedo.
Daemon e Ez acordaram ao amanhecer, enquanto Penny e eu ainda
estávamos sonolentas demais, e saíram para tomar banho e trocar
de roupa em seus quartos, voltando mais de meia hora depois e nos
encontrando já vestidas e com o quarto arrumado. Quando Eros e
Dahlia entraram, nós quase pulamos no pescoço deles.
— Pela Deusa, que porra é essa? — Eros perguntou quando
Penny e eu agarramos Dahlia e começamos a pular e berrar em
volta dela.
— Nós também tivemos uma festa do pijama por aqui — Ez
explicou.
— E agora queremos saber de TUDO sobre festa de VOCÊS! —
eu berrei.
Eros e Dahlia trocaram um olhar e um sorriso.
— Assim, na frente de todo mundo? Porque não descemos até
a sala de descanso e chamamos todos os alunos das masmorras
pra ouvir também?
Eros falou debochado, mas eu notei o sorriso em seus lábios
maiores que o normal.
Foi Daemon quem trouxe uma solução.
— Por que não deixamos as garotas aqui, conversando, e
descemos até as cozinhas pra buscar comida?
— Ótimo, Dahlia conta pra gente e Eros pra vocês, e a gente
finge que não vamos todos fofocar sobre tudo isso depois. — Eu
deixei um sorriso malicioso se abrir.
— Excelente ideia. — Eros sorriu, já abrindo a porta. — Nos
vemos mais tarde.
Ele soprou um beijo pra gente e os meninos saíram. Penny e eu
encaramos Dahlia com expectativa. Na Elite, nós conversávamos
sobre literalmente TUDO. Não haviam segredos, e talvez por isso
que nossa amizade era tão caótica. Nós sabíamos de tudo sobre
todos, mas com respeito e carinho. Jamais forçaríamos um deles a
contar algo que não quisesse, mas a gente sabia que eles queriam.
Dahlia estava morrendo para contar o que tinha acontecido.
Nós subimos na cama de Penny e ela começou a contar tudo
sobre o final da festa de ontem. Eros tinha a convidado para dormir
com ele, sabendo que Ez não voltaria, e planejado tudo para deixá-
la confortável.
— Foi perfeito! Eros foi gentil e cuidadoso, fez eu me sentir uma
rainha. Nós fizemos duas vezes.
Penny pulava no mesmo lugar de excitação. Eu fazia as
perguntas.
— E como foi? Digo... qual a sensação?
Evitei pensar que agora eu era a única virgem na Elite.
— Foi... estranho, no começo. Doeu, eu me senti esquisita. Mas
Eros fez tudo parecer certo, natural, e quando percebi, eu já estava
pedindo por mais. Como se algo queimasse dentro de mim e eu
perdesse completamente o controle do meu corpo, ficasse sem
saber onde estava, e tudo o que me mantinha no chão era o ponto
onde ele me tocava, pedindo por mais, mais e mais. Sei que parece
loucura, mas juro que faz sentido!
Penny gargalhou. Ela sabia como fazia sentido. Conforme ela
descrevia, eu me lembrei de ter sentido algo parecido. Não nas
vezes que atingi o orgasmo sozinha ou com os outros caras com
quem tive tudo menos sexo, mas quando estava com Daemon. Em
nossas disputas, sentindo a tensão crescer entre nós, quando
nossos lábios quase se tocaram através da fumaça... Eu sempre
queria mais. Meu corpo implorava por mais.
Meus pensamentos foram interrompidos quando os meninos
voltaram, eufóricos.
— Temos novidades — Eros falou.
— O primeiro jogo de Corrida de Dragão foi marcado — Ez
explicou. — E é em uma semana.
Eu olhei para Daemon. Seus olhos faiscavam em determinação.

Na semana que se passou, nós mal vimos o Daemon. Ele


passou todo o seu tempo livre treinando com Lynx, concentrado
demais até mesmo pra frequentar todas as aulas. Ele faltou
algumas, as que tinha mais facilidade ou não dava tanta
importância.
Na manhã do dia do jogo, a escola acordou eufórica.
Os alunos do time das masmorras entraram juntos no salão
principal para o café da manhã com vivas e palmas dos colegas de
dormitório, e sob uivos dos alunos das Torres. Daemon escorregou
no banco entre mim e Eros para tomar o café da manhã, vestindo o
uniforme de couro de montador, e a Elite o recebeu com sorrisos e
palavras de confiança.
— Vê se vence o jogo pra nós hoje, Daemon.
Phenelape cobrou. Daemon só olhou para ela e pescou umas
torradas no prato dela.
— É, ou se não a Cora vai ter que assumir o seu lugar! — Ezra
entrou na brincadeira.
— Ela bem que gostaria.
Daemon rebateu rindo, olhando para mim pela primeira vez. Eu
revirei os olhos e evitei seu olhar. Estava nervosa. Como nunca
antes.
— Só não morre, Daemon.
Eu falei, amoada. Apesar de ser um jogo escolar, era perigoso.
Muita coisa podia dar errado, os alunos realmente davam tudo de si
nessa competição, e eu sabia que machucados eram certos, e
morte uma possibilidade.
Apesar de que só tivemos um registro de morte de aluno por
acidente trágico em uma competição há tipo... cinquenta anos.
— Só porque você pediu, Cora.
Daemon sorriu para mim, os olhos brilhando de expectativa.
— Dê um oi pra Lynx por mim.
— Ela vai berrar quando vir você, pode esperar.
Eu sorri, e naquele instante Smith se levantou da mesa e
chamou os jogadores para irem para o campo começar a
concentração. Daemon se levantou, aplaudido pelos colegas junto
com os outros jogadores. Bateu na mão estendida de Ezra e puxou
de leve o meu cabelo antes de sair.
— Quero ver você no campo princesa, depois que eu vencer o
jogo.
Sustentei seu olhar até que ele se afastou.
Meia hora mais tarde, a Elite se juntava ao mar de alunos
carregando bandeiras caminhando em direção ao campo, que ficava
longe do castelo, em uns quinze minutos de caminhada.
Era uma área dedicada só para isso. Havia arquibancadas
muito altas de um lado, para que nós pudéssemos assistir, e o
terreno em declive embaixo era feito para esse jogo. Do lado
esquerdo, um dos territórios, hoje o do time da Torre, com o ninho
bem visível e um ovo de ouro no meio. Grande e brilhoso, ele
refletia a luz do sol e era fácil de enxergar de longe. Uma bandeira
azul vibrava logo ao lado, o brasão da torre desenhado na cor
creme. As duas cores principais da Academina Averly.
Do lado direito, o nosso território. No extremo oposto um mesmo
ninho esperava um ovo idêntico e uma bandeira com as cores
opostas: O tecido creme e o brasão estampado em azul. As cores
da escola serviam pra lembrar que apesar de estarmos em times
separados, pertencíamos todos ao mesmo grupo.
Entre os ninhos, um labirinto de árvores escondia os obstáculos
e desafios pelo caminho. Eu nunca tinha jogado lá embaixo, mas
sabia que haviam animais mágicos pra enfrentar e enigmas pra
resolver. Além de descobrir o caminho e lidar com os oponentes
caso eles se enfrentassem, é claro.
Quando a professora de Esportes Mágicos se levantou na
arquibancada dos juízes, nós sabíamos que iria começar.
De cada lado do campo, dez jogadores entraram usando
armaduras de couro e capacetes. Os alunos berraram.
O décimo primeiro jogador de cada time eram os montadores. E
assim que os times estavam posicionados ao redor de seus ninhos,
eles surgiram.
Voando de trás das arquibancadas, direto da torre onde Lynx
dormia, dois dragões surgiram por cima de nós. Era a coisa mais
linda que eu já tinha visto. O dragão da torre era cinza, grandalhão e
pesado. A garota que montava nele era do último ano, tinha
descendência oriental e usava os longos cabelos pretos presos em
uma trança. Ela tinha um olhar decidido e parecia uma gueixa. Eu
teria medo de enfrentá-la.
Mas Daemon tinha a cara do deboche, sorrindo em desafio pra
ela enquanto voava com seu dragão preto de olhos lilás. Assim
como ele tinha previsto, quando passaram pela arquibancada eu
reparei no olhar de Lynx em mim. Eu berrei pra ela e agitei as mãos,
e ela gritou em resposta. Ela era um pouco menor, mais rápida e
mais ágil. Enquanto a garota-gueixa simplesmente deu a volta e
aterrissou ao lado do seu time, Daemon e Lynx deram uma volta
completa pelo campo, se exibindo e intimidando. Eu sorri quando
ele aterrissou e seus próprios colegas de time se afastaram um
pouco do dragão, com medo. Todo mundo na Averly ouviu falar
sobre a fama de selvagem e o ataque a Daemon nos primeiros dias
de treinamento.
Assim que um apito longo, alto e agudo soou, o jogo começou.
Os jogadores se embrenharam no labirinto da floresta, usando
magia pra localizar o melhor caminho e deixando pelo menos dois
deles guardando o ovo e a bandeira. O dragão cinza com a garota—
gueixa voava em círculos acima do ninho, como era a estratégia
normal de defesa, mas Daemon e Linx se embrenham por dentro da
floresta.
A pé.
— O que diabos Daemon está fazendo?! — Dahlia perguntou,
tentando enxergar.
Ez sorriu.
— Uma estratégia diferente. E está dando certo.
Escondidos sob a cobertura das árvores, os jogadores do time
oposto não conseguiam saber onde nosso dragão estava. E sendo
um dragão, ela conseguia cobrir o território em muito menos tempo.
De cima, quem estava na arquibancada podia ver exatamente por
onde Lynx e Daemon passavam, nos limites externos do labirinto, e
quando se esconderam bem próximos ao ninho inimigo, em silêncio.
— Não sei se entendi — Penny confessou.
— Procure Smith — Ez sugeriu, e nós obedecemos.
O capitão usava magia de localização para saber onde estavam
as forças inimigas, e desviar delas. O normal eram os jogadores do
labirinto se enfrentarem, mas nosso time estava deixando os
inimigos entrarem em nosso território pela lateral sem impedí-los.
E eu logo entendi o porquê. Quando Smith liderou os jogadores
para um ataque ao ninho inimigo, o dragão branco desceu do ar pra
proteger o ovo. E aí Daemon e Lynx subiram aos céus, a poucos
metros de distância do ninho, agora desprotegido.
— Uma distração. Eles construíram uma emboscada — Eu
murmurei, admirada. Ez concordou com a cabeça.
O resto dos alunos na arquibancada levou meio segundo a mais
que eu pra entender, e quando Lynx pairou acima do ninho e
Daemon saltou das costas dela para roubar o ovo e a bandeira
inimiga, todo mundo começou a berrar.
Assisti com a boca aberta Daemon cravar a nossa bandeira no
lugar da deles, prender o tecido azul nas vestes e posicionar o ovo
roubado na cesta presa à cela de Lynx. Quando ele subiu aos céus
de novo, foi que o dragão cinza e a garota-gueixa perceberam que
tinham caído na armadilha.
Todo mundo achou que o jogo estava ganho. Mas ele só
terminava oficialmente quando o ovo inimigo estivesse em nosso
ninho.
Meus amigos pulavam e comemoravam ao meu lado. Mas eu só
tinha olhos para a montadora rival que voava em uma velocidade
extraordinária, abandonando Smith e os jogadores no labirinto, para
recuperar o ovo de Daemon.
E ele, arrogante e presunçoso como era, não tinha percebido
que ela estava atrás dele, as garras do dragão abertas e prontas
para arrancar o ovo — e ele — da montaria
Eu só pensei nas cicatrizes de garras nas costas de Daemon
quando abri a boca e gritei:
— DAEMON!
Dahlia levou um susto atrás de mim, mas eu não estava
prestando atenção. Ele me ouviu, e seu dragão também. Lynx
berrou em resposta e fez um desvio para a esquerda, escapando
por centímeros das garras do outro dragão.
Daemon ficou enfurecido. E Lynx também.
Eles voaram ainda mais rápido e passaram como um furacão
por nós, cada vez mais perto do nosso ninho.
Eu juro que vi um enorme olho lilás piscar para mim.
Em alguns segundos, Daemon saltou da sua montaria,
aterrisando no nosso ninho e pousando o ovo do inimigo ao lado do
nosso.
O apito soou indicando o final da partida no exato instante em
que os jogadores rivais cercaram o nosso ninho.
— ELE CONSEGUIU! ELE CONSEGUIU!
Penny agarrava meu braço e pulava sem parar, e eu suspirei
aliviada.
A arquibancada tremia com o peso dos alunos pulando, gritando
e comemorando. Dahlia puxou Penny e eu pela mão para
descermos até o campo. A Elite entrou correndo no gramado que
fazia limite com o labirinto na mesma hora que os jogadores
voltavam, cansados e felizes.
Eu corri até Daemon primeiro.
Ele desmontou de Lynx e abriu os braços, esperando o meu
abraço. Eu me joguei em seu pescoço e ele me tirou do chão com
um braço só.
— Daemon, você conseguiu! Foi brilhante! E assustador pra
caralho, nunca mais faça isso, seu idiota!
A emoção se transformou em uma raiva contida quando eu me
lembrei que ele quase tinha se machucado de novo. Ele só deu
risada, enterrando a cabeça em meu pescoço.
— Eu faria isso todos os dias se for pra ser recebido com você
pulando em meus braços, princesa.
Eu o larguei na mesma hora, só então percebendo o que tinha
feito. A Elite tinha nos alcançado e eu usei isso como desculpa pra
me afastar e deixar que eles também cumprimentassem Daemon.
Caminhei alguns passos até onde Lynx esperava, e ela deixou
que eu acariciasse sua cabeça.
— Você foi brilhante, garota.
Ela esfregou a cabeçona em mim e eu não ouvi passos se
aproximando até que a voz de Smith soou bem perto:
— Você foi brilhante, Cora. O idiota do Daemon teria perdido o
ovo se você não o tivesse alertado.
Ele sorria com presunção, e Lynx bufou ao ouvir o xingamento
direcionado ao seu montador.
— Eu sou seu capitão, Dragão. É melhor se comportar.
A expressão de Lynx se tornou feroz, e ela rosnou um aviso a
Smith quando bufou de novo, dessa vez mais forte, e mostrou os
dentes para ele.
— Lynx — a voz de Daemon surgiu do nada, e o dragão se
acalmou.
Daemon caminhou até nós, com um sorrisinho de canto.
— Achei que você não seria burro de provocar um dragão
selvagem, Smith.
Ele piscou pra mim como se eu é que fosse o dragão selvagem
que ele se referia.
— Tanto faz, Novak, é só um dragão. — Smith fez pouco caso,
e então se virou pra mim. — Já tem uma festa começando nas
masmorras pra comemorar a vitória. Quer me acompanhar, Cora?
Ele ofereceu a mão, e antes que eu pudesse responder, Lynx
esticou a asa enorme entre mim e ele. Daemon escondeu uma
risada.
Eu respondi atrás da membrana grossa e escura da asa de
Lynx:
— Acho que nos encontramos lá, Natan.
Ele saiu, meio contrafeito, e Daemon se aproximou pra acariciar
a cabeça de Lynx.
— São umas coisinhas ciumentas e possessivas, esses
dragões.
Lynx estalou os dentes em resposta.
— Sim. Presunçosas também.
Eu respondi, olhando para ele.

A vitória da Casa das Serpentes foi tão emocionante e incrível


que os alunos comemoraram como se já fosse o jogo final do
campeonato. Na hora que se seguiu ao final da partida, os alunos
retornaram às masmorras, contrabandearam várias garrafas de
cerveja e prepararam uma festança. Os jogadores do time eram as
estrelas da festa, principalmente Daemon.
Todos os alunos queriam se aproximar e chamar sua atenção.
As garotas estavam eufóricas, cochichando em bandos e
encorajando umas às outras a se aproximarem dele para
parabenizá-lo pela vitória. Phenelape e Dahlia observavam dando
risada e debochando de como elas visivelmente queriam se
aproximar. Eu fechei a cara e tentei prestar atenção em outra coisa.
Como sempre, Daemon não dava a mínima para a atenção que
recebia, mas o garoto não tinha o sobrenome Novak por acaso, ele
sabia se relacionar. No final da partida, ainda em campo, ele ficou
ao lado do Capitão Smith todo o tempo e recebeu os cumprimentos
dos professores, do Diretor, e de seu próprio pai e mãe, que vieram
à escola assistir a partida com outros pais de alunos. Isso era raro,
mas não era incomum principalmente entre as famílias tradicionais.
Aquela saudável pressão psicológica de “não envergonhe o nome
da sua família” que nós já estávamos acostumados a odiar.
Daemon pareceu surpreso quando avistou os pais caminhando
até ele no gramado, mas satisfeito. Diferente dos meus pais, que
nunca vinham para a escola, o Sr. e Sra. Novak viviam por aqui.
Eles eram presidentes do conselho estudantil e monitoravam tudo o
que Daemon fazia, se certificando que ele tinha as notas mais altas,
conquistava todos os prêmios estudantis e é claro, garantindo todas
as regalias que pudessem oferecer para o filho. De todos os
integrantes da Elite, Daemon era o que mais sofria pressão dos pais
para ser... perfeito. E obviamente por isso ele era tão obcecado por
estar no controle e ter tudo o que quisesse.
Sua mãe o abraçou e beijou várias vezes, e enquanto seu pai o
cumprimentou meio sem jeito. Cissa me deu um aceno discreto
quando encontrou meu olhar.
— O pai dele me dá arrepios.
Dahlia sussurrou em meu ouvido, e eu sabia do que ela estava
falando. O Sr. Novak era parecido com o filho, mas ainda mais
imponente e perigoso. Ele exalava um ar de aristocrata com suas
roupas bem cortadas e as jóias de família, e a constante expressão
de nojo que direcionava para todo mundo menos sua esposa e um
ou outro feiticeiro igualmente importante.
Mas agora, longe dos pais e professores, os alunos bebiam,
gritavam e abraçavam uns aos outros feito doidos. Eu vi quando
Novak se desvencilhou de duas garotas que queriam chamar sua
atenção e subiu para os dormitórios pra tomar banho.
Phenelape, Dahlia, Eros, Ezra e eu ficamos em nosso habitual
sofá bebendo cerveja contrabandeada e conversando. Os jogadores
do time agora estavam reunidos no centro da sala, vestindo suas
jaquetas iguais com o brasão do time nas costas, Smith e Novak
como atrações principais. Eles não paravam de relembrar
momentos da partida e reforçar táticas para o próximo jogo. Já
estavam todos meios bêbados, então não sei se as estratégias
estavam sendo boas.
Várias meninas rondavam os jogadores, fazendo elogios e
buscando mais cerveja pra eles, como cachorrinhos patéticos. Eu
terminei minha cerveja e olhei incomodada em direção à mesa onde
eles estavam. Daemon estava sentado entre duas garotas, elas
mexendo em seus cabelos e conversando animadas. Ele pegou o
meu olhar e piscou pra mim debochado, como se estivesse
lembrando a conversa que tivemos algumas noites atrás. Não sei se
foi a cerveja que bebi ou aquela sensação de ter algo queimando
dentro do meu estômago, mas eu me levantei, puxei minha saia do
uniforme um pouco mais pra cima e caminhei em direção aos
jogadores do time. Se Daemon queria me irritar, eu podia fazer o
mesmo.
— Oi, Smith.
Eu me aproximei do capitão e abri um sorriso calculado. Ele
também tinha uma ou mais garotas o rondando, que eu friamente
ignorei.
— Oi, Cora.
Vi os olhos de Daemon se estreitarem enquanto observava.
Natan me olhou surpreso e logo abriu um sorriso de orelha a orelha.
— Estou interrompendo? — Indiquei com a cabeça as meninas
que agora me encaravam com os olhos arregalados, como se não
acreditassem que eu estava ousando roubá-lo delas.
Eu juro, se Smith me esnobasse na frente delas, eu teria
vontade de me jogar da torre.
— Nunca está. Vamos pegar uma cerveja. — Natan sorriu,
presunçoso.
Ele se levantou e deu alguns passos para o lado, deslizando a
mão nas minhas costas e me guiando até onde os alunos estavam
guardando as bebidas. Com o canto do olho vi Daemon afastar uma
das garotas para olhar em nossa direção, com o rosto sério.
Quando passamos por ele, eu falei o suficiente pra que Daemon
escutasse.
— Obrigada. Só queria parabenizar vocês pelo jogo. Foi
fantástica a sua estratégia, Smith. Acho que nunca tivemos um
capitão como você.
Eu falei sorrindo, enquanto passava a mão pelo braço dele.
Peguei Phenelape olhando pra mim, incrédula, e seus lábios
formarem a frase “que porra é essa?” Antes de cair na gargalhada.
— Desse jeito vou achar que você quer me agradar, Cora. —
Ele riu e agradeceu o elogio.
Enquando esperava Smith abrir a garrafa de cerveja para mim,
virei na direção de Daemon e ele parecia que tinha levado um soco.
Mas quando nossos olhares se encontraram, eu senti o desafio. O
rosto dele passou da raiva para determinação, e ele levantou a
sobrancelha como se dissesse: “você quer jogar? Então vamos
jogar”.
Meu coração começou a acelerar como se dissesse: “mais,
mais, mais”.
Daemon se largou para trás no sofá e passou o braço por trás
da garota da direita, abraçando-a. Com o braço livre, puxou a garota
da esquerda pra mais perto, passando a mão pelo rosto dela. As
duas garotas pareciam não acreditar na sorte que estavam tendo.
Novak olhou pra mim e piscou.
Filho da puta, arrogante e presunçoso.
Procurei o olhar de Phenelape para buscar apoio, mas ela
parecia estar achando tudo muito engraçado. Já tinha entendido o
que estava acontecendo e cutucava Ez pra ele assistir nossa
pequena competição. Só Eros tinha os olhos preocupados,
acompanhando cada movimento que eu fazia e cada reação de
Daemon, que continuava abraçado com as duas garotas,
sussurrando coisas que eu não podia ouvir, seus rostos cada vez
mais perto. A garota da direita dele tinha sua mão na dela e girava
os anéis de prata em seus dedos como eu costumava fazer.
— Gosta dos meus anéis, baby? Quem sabe um deles pode ser
seu algum dia.
Daemon aumentou o tom de voz, de forma que eu pudesse
ouvir, e aquilo foi como jogar gasolina na porra de um incêndio.
Elas estavam completamente derretidas por ele, a centímetros
do seu pescoço, e eu entendi que era isso o que ele queria. Ele
queria que eu visse como ele agia com elas, como ele conseguia
falar as coisas certas para enlouquecer qualquer garota, e mostrar
que elas estavam aos seus pés.
Eu fechei os olhos com raiva e perdi totalmente a porra do
controle.
— Natan? Tem algo que eu quero falar com você... em
particular. Como um agradecimento por ser um capitão tããão
competente e ter nos levado a vitória.
Eu sorri para o Smith como nunca tinha sorrido antes,
completamente ciente que eu estava manipulando o garoto. Foda-
se, eu queria torturar Daemon a qualquer custo. Me odiei por usá-lo,
mas como eu já tinha ficado com ele antes, sabia que seria mais
fácil fazer Daemon acreditar que eu poderia ficar com ele de novo.
Mas não era só isso.
Eu sabia que Daemon gostava de poder, e ter o seu capitão aos
meus pés não era algo que ele suportaria ver acontecendo.
— Você não precisa agradecer, Cora. Mas eu estou interessado
em ouvir o que tem pra dizer.
Smith ergueu as sobrancelhas para mim, curioso. Eu mordi o
lábio e ele passou o polegar pela minha boca, o soltando dos meus
dentes. Era a segunda vez que ele fazia isso.
Pela Deusa, ele tinha 19 anos. Sabia exatamente como eu
planejava agradecer.
Ajoelhada entre as suas pernas.
Mas eu esperava não chegar a esse ponto.
Peguei sua mão na minha e o puxei na direção das escadas dos
dormitórios. Quando Daemon ouviu o que eu disse e viu Smith me
acompanhar, foi a gota d’água para ele. Ele se levantou em um
salto, deixando as duas garotas caírem para trás, assustadas.
Só para irritar mais um pouco, encontrei seu olhar e pisquei
para ele quando passávamos.
Meu coração continuava batendo: “mais, mais, mais”.
Longe do olhar de Daemon, eu fiz sinal com a mão pra que
Phenelape viesse atrás de mim ao cruzar por ela e Ez, que tinham
visto tudo e estavam incrédulos, escondendo a risada. Graças a
Deusa, ela entendeu o recado, mas já estávamos na entrada do
corredor das meninas quando Phenelape apareceu chamando meu
nome.
Smith já tinha passado as mãos em meu pescoço e estava a um
centímetro de me beijar.
Suspirando aliviada, mas fingindo irritação, eu dei uma desculpa
qualquer e deixei um Smith decepcionado para trás.
Eu sabia que ele iria me cobrar por isso em algum momento,
mas eu me preocuparia depois.
Phenelape me esperava dando risada.
— Você é baixa, Coraline. O que faria se eu não viesse em seu
socorro?
Ela perguntou, secando as lágrimas de tanto rir. Nós chegamos
de volta ao corredor que dividia a ala dos meninos e das meninas
quando eu respondi:
— Eu ia inventar alguma desculpa, e depois matar você por não
ter me ajudado.
— Vocês são doentes, você e Daemon.
Ela falou, mas deu risada. Fomos interrompidos por uma
discussão que vinha das escadas.
— Daemon, deixa ela, você vai ganhar a aposta se eles se
beijarem!
— Foda-se a aposta, Ezra! Sai da minha frente ou eu juro que
vou bater em você!
Era a voz de Daemon.
Ele e Ez vinham subindo as escadas e pararam quando viram
eu e Phenelape no corredor.
— Foda-se a aposta? Eu devia imaginar que você nunca
pretendeu nem tentar.
Eu falei com a voz fria, e os olhos de Daemon se estreitaram
quando eles nos alcançaram. Phenelape suspirou, sabendo que
Daemon e eu estávamos prestes a brigar de novo, e pegou Ezra
pela mão antes de falar alto o suficiente pra todo mundo ouvir.
— Vem, Ez, vamos descer para o jantar.
Daemon não se mexeu e nem tirou os olhos de mim quando o
amigo deu um tapinha carinhoso em seu ombro e se afastou. Assim
que ficamos sozinhos, ele quebrou o silêncio.
— Que merda você tava fazendo com Smith?
— Que merda você tava fazendo com aquelas duas garotas?
Nós nos encaramos por um minuto, nenhum de nós querendo
ceder e dar explicações. Meu coração batia acelerado em meu peito
e eu quase me perguntei se ele conseguiria ouvir. O silêncio entre
nós era tanto que uma vozinha distante pareceu alta o suficiente pra
que nós dois virássemos a cabeça em direção à sala de descanso.
Eram as meninas que estavam com ele, o procurando.
— Que ótimo, suas amigas chegaram.
Daemon revirou os olhos e suspirou. Mas ainda sem dizer nada,
ele me pegou pela mão e me guiou calmamente pelo corredor dos
meninos, até a porta do seu quarto. Nós ouvíamos as duas garotas
vindo conversando em nossa direção, sem saber que estávamos tão
perto. Provavelmente elas planejavam vir até o quarto dele. Daemon
colocou a mão direita em minha cintura e me empurrou contra a
porta do próprio quarto. Ele segurou a maçaneta atrás de mim com
a mão livre e esperou. Só quando as garotas chegaram ao corredor
e chamaram por ele foi que ele abriu a porta, propositalmente
deixando elas assistirem ele me levando para dentro do seu quarto.
Um jeito cruel de dispensar as duas.
Típico de Daemon Novak. E eu não me importei nem um pouco
de ser usada desse jeito.
Dentro do quarto, eu cruzei os braços, irritada.
“Mais, mais, mais”, pedia meu coração.
— Imagino que elas estavam vindo pra compensar a estrela do
time pela vitória?
Ignorei a percepção de como estava soando ciumenta. Eu
queria irritar, levar Daemon ao limite.
Mais, mais, mais.
— Assim como você pretendia fazer com Smith? Parabenizá-lo
pela minha vitória? — Ele estava quase no limite. Eu podia sentir. —
Se eu deixasse você ir, teria beijado o cara? Teria perdido a aposta
só pra me irritar?
Eu sorri. Um sorriso malicioso e cruel.
— Existem outras formas que uma garota pode usar a boca sem
ser pra beijar, Daemon.
E foi aí que ele perdeu.
Eu estava na beira do precipício, e pulei.
Os olhos dele pegaram fogo, queimando de ódio contra os
meus, e em um segundo ele jogou os livros que estavam em cima
da escrivaninha para o chão, colocou as mãos fortes na minha
cintura, e me jogou sentada em cima da mesa pequena. Ele entrou
no meio das minhas pernas, uma das mãos apertando meu quadril,
a outra segurando meu pescoço contra a parede.
Violento, visceral, intenso. Eu arfei.
— Não me provoca, Cora — sua voz era um sussurro rouco.
E meu coração batia: isso, isso, isso.
Eu o agarrei pela camisa, meus dedos se fechando do tecido
como por instinto, querendo que ele chegasse mais perto.
— Ou o quê?
Nossos olhos se encontraram. Eu mordi o lábio. Ele observou,
mas não me impediu como Smith fazia.
— Um dia eu ainda vou te dar um bom motivo pra fazer você
morder esse lábio com tanta força que ele vai sangrar, Cora.
Eu soltei a mão que estava agarrada em sua camisa e segurei
seu pulso. Os dedos em meu pescoço estavam começando a
machucar, e ele me soltou.
Eu respirei ofegante por um segundo, tentando acalmar a
respiração. Ele também pareceu recuperar o autocontrole por um
instante e então se aproximou de novo.
Daemon colocou as duas mãos na parede atrás de mim e me
olhou fundo nos olhos.
— Ver você provocando outros caras me deixa louco. Eu não
quero eles perto de você, Cora. Eu quero...
Eu fiquei chocada, sem reação. Eu era acostumada com o
ciúme que ele tinha de mim, da Penny e Dahlia, mas dessa vez...
era diferente. Tinha mais alguma coisa acontecendo. Ele estava
realmente ficando maluco.
— O quê? O que você quer, Daemon?
Nós nos encaramos, mas eu sabia que ele não ia me responder.
Sabia que ele tinha desistido de falar o que estava em sua cabeça
no momento que interrompeu a frase.
Daemon desviou os olhos de mim para tirar um cigarro já
enrolado de Efthalia de dentro da gaveta da escrivaninha e se
afastou sem falar uma palavra. Ele se sentou na cama e o acendeu.
Eu fiquei observando ele fumar e se deitar de costas nos
travesseiros, soprando a fumaça pra cima.
Desci de cima da mesa com cuidado, ajeitando a saia que tinha
subido.
— Melhor agora?
Eu perguntei, sorrindo. Daemon definitivamente estava
transformando os cigarros em um hábito quando precisava se
acalmar. Seus olhos estavam um pouco mais tranquilos e eu senti
que podia me aproximar.
— Eu não acredito que você já pegou o Smith.
Ele falou com um tom de zoação, e eu dei risada sentindo o
clima de repente muito mais leve.
— Ei, não me faz começar a falar sobre as vagabundas que
você pega.
Ele revirou os olhos para mim e me chamou para sentar na
cama com ele.
— Acho que a aposta não foi uma boa ideia, afinal.
Eu falei, me sentando ao lado dele e pegando o cigarro. Eu
coloquei na boca e senti o que ele tanto gostava quando inalei a
fumaça e senti o corpo relaxar, e dessa vez só tossi uma vez.
— A aposta não foi o problema. Você me provocar com o Smith
é que foi.
Ele falou, convocando uma garrafa de água que tinha caído no
chão quando ele me empurrou em cima da escrivaninha.
— Então ainda está de pé? A aposta?
Eu perguntei quando consegui falar. Ele sorriu e deslizou um
dedo pela minha testa, afastando para o lado uma mecha do meu
cabelo que saiu de trás da minha tiara.
Eu estremeci com o toque delicado e pensei em como ele
parecia tão diferente quando nós dois estávamos sozinhos.
— Só se você prometer que não vai mais usar outras pessoas
pra me provocar. E eu também não vou provocar você. A aposta era
sobre a gente aguentar os outros dando em cima de nós, e não nós
dando em cima deles.
Ele estava certo, nós tínhamos nos empolgado com a obsessão
de um ganhar do outro.
— Por quê você se importa com as outras pessoas?
— Eu não me importo com os outros, eu me importo com você.
E eu sei que você não vai gostar se eu começar a bater em todos os
idiotas que você escolher dar em cima só pra me irritar.
Eu sorri, surpresa por ele estar sendo sincero.
E ignorando totalmente a ameaça implícita de violência.
Meu estômago roncou alto naquele instante e eu corei de
vergonha. Daemon riu, me pegando pela cintura e me carregando
para fora da cama. Eu gritei e protestei, mesmo amando cada vez
que ele encostava em mim.
— Vem, princesa, acho que ainda dá tempo de pegar o jantar.
Entramos de fininho no salão principal quando os estudantes já
estavam terminando de comer. A Elite ficou em silêncio quando nós
chegamos, esperando uma explicação. Phenelape me deu um olhar
curioso e eu falei alto:
— Tá tudo bem, Daemon e eu já nós resolvemos.
— Cancelaram a aposta?
Ezra sorriu pra nós. É claro que a Elite inteira ficaria sabendo.
— Não, valendo mais do que nunca. Mas com novas regras.
Daemon sorriu maliciosamente para os amigos enquanto se
sentava à mesa.
Depois do jantar, eu subi direto para o meu dormitório, mesmo
que alguns dos alunos fossem continuar na sala de descanso pra
comemorar a vitória no jogo. Eu estava com muita coisa na cabeça
e precisava tirar isso do sistema de algum jeito.
Me ajoelhei para puxar algo que eu guardava desde o primeiro
dia de aula debaixo da minha cama: o estojo da minha velha
guitarra.
Quando você cresce em uma família mágica tradicional,
enquanto espera sua educação em magia começar aos 13 anos,
seus pais te obrigam a estudar outras coisas. Música, idiomas,
literatura. Você frequenta desde criança eventos sociais, clubes e
outras coisas assim. Durante muitos anos eu fiz aulas de música
com a Cora, Ezra e Eros quando éramos crianças, e por isso os
rostos deles eram familiares para mim quando nos encontramos na
Averly anos depois. Cada um de nós aprendeu pelo menos um
instrumento, mas eu fui o único que continuou a tocar depois de
crescer.
Não era um segredo, em raras ocasiões eu toquei na sala de
descanso quando a Weylin estava afim de cantar, mas fazia uns
dois anos desde a última vez que cantamos juntos. As coisas
estavam diferentes agora e eu sentia falta de quando era tudo fácil e
simples.
Eu me sentei em minha cama e comecei a afinar a guitarra,
mexendo nas cordas e ajustando o que precisava. Ouvi uma batida
em minha porta e Ez entrou acompanhado de Eros. Eles fecharam a
porta atrás de si.
— Uau. Fazia tempo que você não tirava ela debaixo da cama.
Eu fiz um aceno com a cabeça, mas não respondi. Eu sabia que
ele não estava ali pra elogiar minha guitarra.
— Daemon, eu quero falar com você sobre a Cora.
Direto e sem enrolação. Porra.
— O que é, Ez? Eu estou ocupado.
— Que porra foi aquela mais cedo?
Sua voz era firme e eu o encarei, irritado. Eros estava quieto,
encostado na parede do outro lado do quarto.
— Smith é um idiota, nada demais.
— Não era sobre Smith. Daemon, a Cora está mexendo com
você. Nós conseguimos ver isso.
O jeito que Ezra falou o nome dela fez minha pele se arrepiar e
meus olhos estreitarem, eu fiquei na defensiva. Não queria ouvir o
que eles queriam dizer, porque ainda não queria reconhecer o que
estava acontecendo comigo, e eu sabia que eles entenderiam tudo
errado.
Eros já estava todo protetor para cima da Cora e eu odiava a
insinuação de que eu poderia machucar ela.
Provavelmente, eu odiava porque era verdade. Mas isso era
outra coisa que eu ainda não estava pronto pra pensar.
— Vão encher o saco de algum idiota que queira ouvir vocês.
Ezra ficou muito bravo com a minha resposta seca, e Eros deu
um passo a frente, prevendo a explosão.
— Porra, Novak! Você não tá vendo? Ela é a única garota dessa
escola que nunca caiu aos seus pés. É óbvio que você vai
transforma-la ela em um desafio, vai ficar obcecado por fazer ela se
apaixonar por você. E depois vai joga-la fora como você faz com
qualquer garota que cruza o seu caminho. Nós estamos vendo isso
acontecer, Daemon.
Minha guitarra fez um barulho seco quando caiu no chão depois
de eu avançar em Ez. Ele era meu melhor amigo, mas as coisas
que falou me deixaram cego de ódio. Eu avancei pra ele mas Eros
já estava entre nós.
— Daemon, calma. Ezra só quer o seu bem.
— Vai se foder, Ezra! Sai do meu quarto, porra!
Eros me olhou por um minuto antes de me empurrar de volta
pra trás. Ez estava em silêncio, mas ainda puto. Ele abriu a porta
para sair mas não sem antes dar um último recado:
— Pare de mentir pra si mesmo, Daemon. Todo mundo já
entendeu o que está acontecendo.
Eu mandei ele ir se foder mais uma vez e ele saiu, fechando a
porta. Eros ficou, se encostando na porta e cruzando os braços.
Quando Ez saiu ele também relaxou.
— Ele só quer proteger a Elite. A gente se preocupa com a Cora
tanto quanto você.
Eu levantei os olhos para ele, ainda enfurecido. Não era
verdade. Ninguém se preocupava com ela mais do que eu. Ninguém
entendia isso.
— Pare de tentar proteger ela de mim.
— Eu não vou. Não enquanto você não admitir o que sente por
ela.
Eros então desfez a expressão irritada, me deu um olhar
fraterno e abriu um sorriso bobo. Ele se encostou na minha
escrivaninha e cruzou os braços, se divertindo.
— Ez acha que você só quer levar ela pra cama e nada mais,
mas ele está errado, não está? Você está sentindo exatamente o
que eu senti quando percebi que estava apaixonado pela Dahlia.
Parece que eles não vão entender, não é?
Eu fechei a cara para ele, afastando esses pensamentos da
minha cabeça. Apaixonado? Eu nunca me apaixono, porra. Não era
isso que estava acontecendo. Tudo bem que ela estava em minha
mente constantemente, e eu tinha que me esforçar para não
imaginar como seria beijá-la toda vez que ela se aproximava
demais, mas isso era natural, não era? Ela é a porra de uma
gostosa, isso não significa que eu estou apaixonado, não é? Me
recompus o suficiente para manter minha voz firme enquanto
respondia o amigo.
— Você está errado, Eros. Ela me desafia... mas é só. Não
estou dizendo que vou fazer isso, mas se ela me der abertura e eu
levá-la pra cama, não vai passar disso.
Provavelmente a maior mentira que já contei em toda a minha
vida.
Eu estava ficando maluco só de pensar em encostar nela, se a
levasse para cama, provavelmente nunca mais sairia de lá.
Eros me observou por um minuto e depois concordou com a
cabeça, frustrado e decepcionado.
— Ta bom, Daemon, eu vou fingir que acredito que esse é seu
único interesse. Mas se alguém sair machucado dessa história, e
por alguém eu quero dizer a Cora, saiba que eu vou vir cobrar você.
Porque ela é a minha melhor amiga, quase uma irmã, e não temos
uma conversa sincera há semanas, já que toda vez que eu olho pra
ela tudo o que eu quero fazer é dizer que você está obcecado. Eu
prometi que ia ficar de fora e te deixar em paz, mas se eu perceber
que vocês dois estão se destruindo, eu não vou ficar sentado
assistindo.
Eros Knight saiu do quarto e me deixou uma pilha de nervos,
querendo socar alguém. E eu adormeci pensando em diferentes
formas de provar pra essa porra de escola que Cora Weylin era
território proibido para eles.
Conforme as semanas passavam, o clima começava a
esquentar, mas ainda fazia dias frios e com vento. Daemon e eu
estávamos em uma fase estranha mais uma vez. Desde a última
briga ele estava ainda mais insuportável, implicando comigo o
tempo inteiro e me fazendo explodir várias vezes. Os momentos
dele sendo carinhoso e gentil eram apenas lembranças agora. Eu
acordei cedo em uma manhã particularmente fria, já que tínhamos
combinado de revisar a matéria na sala de descanso antes da
primeira aula do dia. Os exames estavam cada vez mais próximos e
nós precisávamos estudar.
Eros se juntou a nós um pouco mais tarde porque ele tinha
corrido até as cozinhas e quando se sentou ao meu lado, deixou um
waffle recheado pra mim em cima da mesa. Eu gemi de felicidade e
o beijei na bochecha.
— Você é o melhor.
Ele sorriu pra mim e falou sem dar a mínima para quem
estivesse nos ouvindo no silêncio da sala.
— Ei, Cora, sabe aquele garoto que as vezes é meu parceiro
em poções? Ele me perguntou se você está saindo com alguém.
Acho que ele te vai te convidar pra um encontro hoje depois da aula.
— Você não costumava beijar aquele garoto? Achei que ele era
gay.
Eu respondi sem tirar os olhos do livro que estava lendo. Eros
deu risada.
— Ele é bi, não gay. E sim, eu costumava beijá-lo, então aceite
o meu conselho e saia com ele se ele convidar, ok?
Eu então olhei para ele, dando risada.
— Ok, Eros. Agradeço o conselho, mas no momento meu único
interesse é não levar bomba nos exames e ter que ouvir da minha
mãe que além de tudo eu sou uma fracassada.
Senti Daemon se mexer do meu outro lado e Eros olhar para ele
por cima da minha cabeça. Alguma coisa me dizia que ele não
estava falando só comigo.
— Tudo bem, mas eles vão continuar chegando se pensarem
que tem uma chance.
Acabamos perdendo a hora e Phenelape arfou quando olhou o
relógio.
— Merda, a gente vai se atrasar!
Guardamos os materiais com pressa, mas fazia um dia frio e eu
avisei que precisava voltar para meu quarto e pegar um moletom.
Phenelape me disse que não daria tempo e Daemon me ofereceu o
dele. Era grande, mas eu coloquei por dentro da saia do uniforme, a
gola da camisa branca saindo por cima. Dei uma olhada rápida no
reflexo da janela e fiquei satisfeita. Daemon tinha um sorriso
engraçado no rosto, mas não tinha tempo de perguntar que merda
ele estava pensando.
Saímos correndo para não nos atrasarmos.
A manhã foi intensa com apresentações de seminários em
quase todas as matérias. O tal garoto que Eros falou nem olhou
para mim depois da aula, se apressou em passar por mim rapidinho,
ainda mais quando Daemon parou ao meu lado na porta da sala.
Nas aulas junto com outras turmas e durante o almoço, eu peguei
alguns olhares de outros estudantes em minha direção. Estranhei
um pouco, mas imaginei que devia ser ainda as fofocas sobre a
noite do último jogo.
Estava enganada, mas só descobri depois do almoço quando
esbarrei em Henry e Adonis, retornando para os salões de descanso
para o intervalo antes das aulas da tarde.
— Então... você e o Novak?
Eu arregalei os olhos, me perguntando se ele tinha ficado
sabendo de algo.
— Adonis, quantas vezes eu preciso te dizer que somos só
amigos?
— Não é isso que todo mundo tá achando!
Henry deu risada.
— Você também percebeu? Não sei que merda eles acham que
eu fiz hoje pra estarem me encarando tanto.
Eu fechei a cara para um grupinho de segundanistas que
passavam por nós, dando risadinhas.
— Você não sabe?
Ele olhou para mim, se divertindo.
— Cora, você está usando o moletom do Daemon!
— Eu sei disso! Estava atrasada de manhã e ele tinha um
sobrando. Mas pera aí, como você sabe que é dele? Ninguém tem
como saber isso.
— Cora, todo mundo sabe que você está usando o moletom do
Daemon.
Henry riu e me virou pra que eu pudesse me ver de costas pelo
reflexo da janela. E então eu vi. Esse não era o moletom normal do
uniforme, era o moletom especial que cada jogador do time
ganhava. Eu passei o dia inteiro com o uniforme do time, o número
11 escrito nas costas e o sobrenome Novak. Como se eu fosse uma
maldita propriedade dele ou coisa assim.
— Eu não acredito. Eu vou matar aquele filho da puta!
Arregalei os olhos e meus amigos caíram na risada.
— Você não sabia mesmo!
Adonis dava gargalhadas.
— Genial, preciso me lembrar de cumprimentar Daemon por
isso.
Eu o fuzilei com os olhos. Me despedi deles e voltei como um
raio para as masmorras, indignada. Quando entrei na sala de
descanso, a Elite e mais alguns alunos estavam por ali, sentados
em nosso habitual canto junto à lareira.
— DAEMON NOVAK!
Eu gritei, irritadíssima. Ele levantou os olhos e sorriu pra mim.
— Acho que ela descobriu — Ezra falou, sério.
— Eu falei pra vocês que não ia passar do almoço! —
Phenelape deu risada e eu olhei pra eles, incrédula.
— Vocês todos sabiam? E NINGUÉM ME CONTOU?
Eu comecei a atirar almofadas nos meus amigos, que davam
risada.
— Agora a escola inteira acha que nós estamos juntos!
— Ah fala sério Cora. Isso seria assim tão ruim?
Daemon sorriu debochado e eu o fuzilei com os olhos.
— Eu devia chutar as bolas de vocês!
Os meninos se encolheram, ainda dando risada, e eu subi
pisando firme até meu dormitório, mas não sem antes tirar o
moletom pela cabeça e atirar no colo de Daemon. Sentei na minha
cama e tirei todos os livros da mochila, querendo me distrair, mas
obviamente estava irritada demais pra prestar atenção em qualquer
coisa. Alguns minutos depois, Daemon abriu a porta do meu quarto
e ficou parado na soleira, vestindo o moletom e sorrindo pra mim.
— Vai se foder, Daemon.
Eu xinguei, mas sorri. A raiva passou instantaneamente quando
ele abriu um sorriso de canto.
— Ah, vai, foi divertido.
Ele entrou e fechou a porta atrás de si.
— E por que todas as minhas roupas ficam melhores em você
do que em mim?
Ele sentou na cama ao meu lado e eu revirei os olhos.
— Porque você fica melhor sem nada.
Eu falei baixinho, completamente sem pensar.
Sutil. Parabéns maluca, agora ele vai achar que você está
obcecada ou coisa assim.
Ele olhou para mim e levantou as sobrancelhas. Eu arregalei os
olhos, percebendo que não queria falar isso em voz alta. Ele sorriu
de canto e tirou o moletom.
— Você estava linda com ele. E é linda sem ele também. Mas te
ver com o meu nome nas costas, Cora, fez eu nunca mais querer
usá-lo. Enquanto eu não precisar usar, é seu.
Ele saiu do quarto e eu fiquei encarando a porta, pensando em
mil coisas. Apesar de implicarmos tanto um com o outro, eu ficava
feliz quando ele estava feliz. É muito a cara dele querer brincar com
o que as pessoas acham, e eu também estava achando tudo isso
um pouco divertido. Olhei novamente para o moletom em cima da
minha cama, ainda quentinho e com o cheiro dele, e tomei uma
decisão.
As aulas da tarde iriam começar em breve e eu precisava me
arrumar. Se todo mundo ia olhar para mim de qualquer forma, eles
veriam o que eu queria que vissem.
Vesti novamente o moletom de Daemon, dessa vez com alguns
colares e com minhas botas de couro. Prendi o cabelo em um rabo
de cavalo para que o nome dele ficasse visível.
Daemon e eu estávamos começando a descobrir que a gente se
divertia muito mais no nosso próprio universo.
Quando cheguei de volta na sala de descanso, ele foi o primeiro
a notar a mudança, os olhos percorrendo meu corpo de cima a
baixo.
Nossos colegas estavam se preparando para sair para as
próximas aulas e eu corri pra acompanhá-los. Daemon vinha atrás
de mim e se inclinou para sussurrar em meu ouvido:
— Você vai acabar comigo, princesa. E com a escola também.
Eu sorri para ele.
— Vamos dar pra Averly um pouco mais de assunto pra eles
fofocarem.
Daemon deu risada, colocou minha mochila nas costas, me
puxou pra perto dele e passou o braço em meus ombros. Meu
coração acelerou.
E eu não consegui não perceber o olhar decidido e confiante
que se formou em seu rosto perfeito.
Ele ia me exibir para escola inteira hoje.
Nos dias que se seguiram, Novak e eu de fato descobrimos
que a gente se divertia muito confundindo as pessoas. A gente
insistia pra todo mundo que éramos só amigos, mas de vez em
quando eu andava pela Averly com as roupas dele, e nas festas ou
noites mais descontraídas no salão comum ele sempre me puxava
para seu colo.
É claro que isso gerou um pouco de problemas para o meu
lado. Agora eu tinha que lidar com as garotas que eram
apaixonadas pelo Daemon, e elas eram insuportáveis. Ele estava
solteiro, mas não pegava mais ninguém por causa da nossa aposta,
e isso fez com que elas me odiassem ainda mais.
Ele, obviamente, estava se divertindo muito com isso. Toda
aquela energia de “você pode não ser minha, mas também não é de
mais ninguém” o deixava tão confortável que até a Elite percebeu o
bom humor repentino de Daemon. Eu acho que arruinar meus
possíveis futuros interesses românticos era o novo passatempo
favorito dele.
No final da última aula de sexta-feira, eu me despedi da Elite e
corri até a biblioteca, precisando trocar meus livros pro final de
semana. Combinei de encontrá-los no jantar em uma hora, e passei
quase esse tempo todo só pra devolver tudo e escolher os
romances que queria ler no final de semana. Eu precisava estudar,
mas Dahlia e eu também estávamos com tanta saudades de ler que
tínhamos combinado de fazer isso no intervalo dos estudos, e eu
fiquei de escolher e pegar os livros pra gente.
Voltei pro salão principal com a mochila pesada, mas não
cheguei até lá.
No último corredor, vi meu caminho ser bloqueado por algumas
garotas do quarto ano. À frente, como as líderes do bando, duas
garotas mais velhas. Nós não éramos amigas, mas eu as conhecia
porque uma delas era meio que uma “foda fixa” do Ez. Penny e eu a
detestávamos só por isso. Callie-alguma-coisa.
Mas não era Callie quem estava, aparentemente, liderando. Era
sua melhor amiga, Lauren. Atrás dela, com o mesmo cabelo
castanho ondulado e olhos pequenos, Sophie Reyes.
A garota que eu ameacei, ficou com o Daemon e depois eu
ataquei.
Ok, então eu entendia o problema. E também entendia que
provavelmente, estava fodida. Seis contra uma? Elas realmente
queriam me assustar.
— Tem sido difícil encontrar você sozinha.
Lauren deu um passo para frente, me olhando de cima a baixo.
Eu sabia que era totalmente imprudente responder, mas eu não
conseguia controlar meu temperamento. Não quando ela deixava
tão fácil pra mim a provocar.
— Daemon tem se certificado disso. — Abri um sorrisinho
debochado.
Algumas garotas reviraram os olhos, outras deram risinhos. Mas
Lauren ficou enfurecida como imaginei que ficaria. Ela pareceu
recuperar o foco por um instante e então disse logo o que queria.
— Você machucou a minha irmã.
Eu encarei Sophie atrás dela, encolhida. Ela parecia ter sido
arrastada até aqui.
— Ela só está no quarto ano, é uma criança. Você a humilhou
na frente da turma dela e a machucou, e agora você vai ter que se
machucar também.
Eu ergui as sobrancelhas para elas, sem perder a calma.
— Uma criança? — Sophie parecia querer sumir. — Uma
criança que aposta sobre a virgindade de outras garotas, que diz
que gostaria de ser montada por um cara mais velho, e que horas
depois, de fato monta nele em público?
Lauren deu um olhar rápido e frio para a irmã mais nova.
Aparentemente, ela não tinha contado tudo a irmã. Eu sorri e
continuei andando como se elas nunca tivessem me interrompido.
Algumas delas se colocaram no meu caminho.
— Espera, Weylin! Não importa o que ela fez, e sim o que você
fez. E como fez. Ou vai negar que tem poder das trevas na veias?
Eu paralisei.
Eu tenho o quê?
Ela sorriu quando percebeu que tinha me atingido. Suas amigas
me empurraram, uma delas arrancou minha mochila, e três me
agarraram. Tentei me desvencilhar, mas não consegui. Eu só agora
percebia que confiava demais na proteção dos meus amigos e
nunca tinha aprendido a me defender fisicamente direito. Precisava
pedir a Eros e Daemon que consertassem isso o quanto antes.
— Você achou que ela não ia reconhecer? Nós somos de uma
família antiga também, Weylin. Não fomos abençoados com as
sombras, mas conheço as histórias.
— Eu não sei do que você está falando.
Eu fui sincera, mas ela não acreditou.
— Quero que faça de novo. Eu quero ver.
— O quê?! Você é maluca. Me solta!
Briguei e puxei as garotas, mas elas não me soltaram. Eu podia
sentir os hematomas começando a se formar na minha pele pálida
conforme elas apertavam os dedos nos meus braços.
— Brigue comigo. Você não está com medo? Eu vou te bater.
Pela Deusa, aquela garota era completamente maluca.
— Faça as sombras aparecerem, Weylin.
Não era assim que funcionava. Eu só tinha feito aquilo porque
tinha perdido a porra do controle, estava completamente cega de
ciúmes, e não fazia ideia de como conjurar ou controlar aquilo. Elas
estavam no último ano, se tinham ouvido histórias ou aprendido
sobre aquilo e não conseguiam reproduzir, como esperavam que eu
conseguisse?
Um tapa acertou o meu rosto e eu xinguei.
— Filha da puta!
— Eu falei que ia te bater. Faça as sombras.
— Eu não sei de que porra você tá falando, sua piranha maluca!
Dessa vez ela me deu um soco no estômago. Até as amigas
dela pareceram ficar surpresas. Lauren ficou muito desapontada
quando eu recebi a violência sem me abalar muito.
— Você não está com medo?
— Eu não tenho medo de você.
Eu não entendia o que ela queria. Eu não tinha medo de
apanhar. Podia lidar muito bem com a dor física. Se ela quisesse me
assustar, deveria mexer com a minha cabeça. Mas ela nunca
saberia como fazer isso, porque eu era muito boa em esconder
meus traumas e inseguranças.
— Sua puta!
Ela me deu outro tapa, outros socos, e então eu agitei a magia
dentro de mim. Um vendaval começou, meus cabelos bateram no
rosto das meninas que me seguravam, mas nenhuma sombra
surgiu. Eu senti algum tipo de bolha de energia se acumular dentro
de mim e desejei que ela explodisse.
A pressão do ar derrubou as meninas no chão. E eu só precisei
de um segundo de liberdade pra agarrar minha mochila e correr.
Elas correram atrás de mim, talvez mais por medo da maluquice
da Lauren do que realmente vontade de me pegar. Lauren foi a que
mais absorveu o impacto, então ela ficou no chão enquanto eu
corria.
Três delas me agarraram antes de eu chegar no salão principal.
Mas perto o suficiente para que eu gritasse e fosse ouvida.
Eu não me importava nem um pouco em chamar atenção.
— Me soltem, suas vadias! Não encostem em mim!
Elas me prenderam pelos braços de novo, e dessa vez Sophie
me agarrou, a raiva finalmente aparecendo no rosto dela. Ela
segurou a frente da minha camisa e nós nos encaramos por um
segundo.
Ela cuspiu em mim. Então o mundo explodiu. Ou uma bolha de
energia como a que eu tinha feito minutos atrás, só que uma bem
mais forte, e que não era minha.
Eu perdi o equilíbrio quando as garotas foram jogadas pra trás e
me soltaram, e senti mãos grandes me segurando. Ele me puxou
contra o corpo.
— Cora, você está bem?! — era a voz de Eros.
Eu levantei a cabeça pra ver o que estava acontecendo atrás
dele. Nós estávamos praticamente nas portas do salão principal, e
havia estudantes curiosos por toda a parte. Vi Penny, Dahlia e Ez
correndo ao nosso encontro, e quando me virei pra ver onde estava
Sophie, meu coração quase parou de vez.
Daemon estava parado na minha frente. As garotas ainda
estavam caídas no chão, Sophie também, olhando pra nós
completamente aterrorizada.
Não, não para nós. Para o Daemon.
Que tinha ódio no olhar... e sombras escuras e densas flutuando
nas mãos estendidas como bolas de fogo.
— Que porra é essa... — Eros suspirou.
— Daemon! — eu gritei.
Quando ele me ouviu, as sombras sumiram. Só durou alguns
segundos, mas eu vi. Eros viu, e pela Deusa, Sophie também. Ela
nos encarava com um sorrisinho como se tivesse descoberto um
segredo.
— Sr. Novak, poderia se aproximar, por gentileza?
Uma voz antiga, gentil, e firme chegou aos nossos ouvidos. O
Diretor estava parado no topo da escada, e pelo jeito tinha acabado
de presenciar a explosão de Daemon. Todos os alunos prenderam a
respiração.
— Sim, senhor.
Daemon subiu as escadas e ouviu com atenção as palavras do
diretor, que eram baixas demais para que qualquer um de nós
ouvisse.
Dois professores se aproximaram e começaram a brigar com a
gente e com as meninas, mas eu não estava prestando atenção.
Penny berrava com a professora dizendo que as garotas tinham me
encurralado, mas isso só fez com que ela conseguisse uma
detenção para ela mesma junto com a gente. Ez e Dahlia a
arrastaram até o salão principal e Eros fez o mesmo comigo, me
guiando pela mão.
Eu ainda estava em choque.
Não me acalmei quando Eros me colocou sentada ao seu lado
na mesa de jantar e me abraçou.
Também não me acalmei quando Daemon chegou minutos
depois, se espremendo no banco entre Ez e eu e virou meu rosto
para ele, limpando o sangue que escorria do meu nariz com a
própria camisa, analisando cada centímetro de pele exposta
procurando por hematomas ou machucados.
Mas meu coração bateu um pouquinho mais tranquilo quando
ele me puxou contra o peito.
Suas mãos tremiam quando ele me abraçou apertado e
sussurrou no meu ouvido:
— Você está segura agora. Eu estou aqui e não vou deixar mais
ninguém encostar em você, Cora. Eu prometo.
Eu o abracei de volta.
— Daemon, você também tem... aquilo.
Eu não queria falar em voz alta, mas ele entendeu.
Conversamos aos sussurros conforme os alunos em volta jantavam.
— Eu sei, princesa. E estou tão chocado quanto você. Nunca
tinha perdido o controle daquele jeito, mas ver elas batendo em
você me deixou apavorado. O diretor me chamou por isso. Ele me
disse que há muita magia em meu sangue, o que me torna sucetível
a... perder o controle.
Ele fez uma pausa.
— Ele quer que eu treine a compressão da magia pra me
manter sob controle. Mas não explicou que porra de magia de
manipulação é essa.
— Elas acham que é magia das trevas. Manipulação de
sombras.
— Elas?
— Sophie e a irmã. Foi por isso que elas me atacaram, o que eu
fiz com Sophie foi só desculpa. Elas conheciam esse tipo de magia
e queriam que eu repetisse, mas eu não sabia como. Eu quero
descobrir o que é, mas nem fodendo vou perguntar a elas.
— Não vamos. Nós vamos dar outro jeito. Eu prometo.
Ele puxou o meu prato para mais perto de mim.
— Coma. Eu queria levar você até a ala hospitalar, mas sei que
não vai deixar, então pelo menos se alimente direito e mais tarde eu
vou praticar magia de cura em você.
Ele piscou pra mim, e eu senti o coração bater daquele jeito
acelerado que eu gosto. Até senti mais fome depois daquilo.
Pensar em Sophie me fez perceber que Lauren não correu atrás
de mim quando eu fugi pra perto do salão principal. A espertinha
não foi pega e não levou uma detenção como nós.
Eu precisaria manter um olho aberto com ela, a piranha era
inteligente.
Precisei de tudo de mim pra não decidir ficar na cama o dia
inteiro na manhã seguinte. Daemon tinha dormido no meu quarto de
novo. Na minha cama. Com Penny lá. E ela nem se importou
quando ele apareceu na porta uma meia hora depois do jantar, de
banho tomado e com uma mochila de roupas nas costas.
Nós três conversamos bastante antes de dormir, sobre as
sombras que saíam da nossa pele e o que aquilo podia ser.
Combinamos de procurar livros na biblioteca, depois Daemon
realmente curou os hematomas mais feios nos meus braços, e
prometeu — com um sorriso enorme nos lábios — me ensinar a
brigar.
Eu peguei no sono com ele me abraçando e mexendo no meu
cabelo.
Agora, provavelmente, já passava das dez, e eu deveria
acordar, mas não queria enfrentar o mundo lá fora.
Mesmo assim, respirei fundo e levantei.
Daemon já tinha saído ao amanhecer, e Penny já estava de pé
quando eu me arrastei para o banheiro.
Era sábado, Dia dos Namorados. Então ela estava eufórica e
ansiosa para festa na Torre de hoje a noite.
Se você namora durante o Dia dos Namorados, isso significa
que você já sabe que vai receber cartões e flores, e que vai ter um
dia romântico em casal. Agora, para o resto da escola, o Dia dos
Namorados é muito mais divertido. Durante todo o dia você pode ser
surpreendida com presentes e cartões anônimos, declarações, e um
pouco de indecência, porque todo mundo se sente mais desinibido
nessa data. E a noite, o último ano dos dormitórios das torres
transformam a sala de descanso deles para promover a “festa dos
solteiros” a noite mais indecente e cheia de álcool que acontece na
Averly.
Assim que pisei fora das masmorras, senti o clima me atingir, e
me diverti com ele.
Antes do almoço, ajudei Eros a espalhar pétalas de rosas na
sala de descanso para pedir Dahlia em namoro. Eles meio que já
estavam namorando, mas foi fofo ver ela toda emocionada e eles
parecendo infinitamente felizes juntos. O almoço foi turbulento com
a quantidade de cartões e presentes que os adolescentes trocavam
e enviavam uns para os outros. Daemon recebeu umas seis
cartinhas de amor durante a refeição, que enfiava dentro da mochila
sem nem abrir. Penny recebeu um buquê lindo de peônias, mas
perdeu toda a animação quando ela descobriu que eram de Ezra e
vinham um poeminha erótico e de muito mal gosto no cartão. Ela
bateu com as flores na cabeça dele e a Elite inteira caiu na
gargalhada.
Eu recebi alguns cartões também, que eram lidos em voz alta
por Eros com o único objetivo de me deixar com vergonha. Durante
todo o dia os alunos eram surpreendidos nos corredores, e até os
professores entraram na brincadeira e mandaram cartões uns para
os outros. No jantar, Ez e Penny contabilizavam quantos presentes
cada um de nós tinha recebido até então.
— Ok, oficialmente, Weylin recebeu mais presentes que todos
nós. Talvez toda a escola?
Ele vinha dizendo, bem alto.
— Não sei, Ez. Daemon ganhou vários também.
— Não. Oficialmente, foi você.
Ele confirmou, e eu sorri vitoriosa.
— E por que tão mal-humorado, Daemon? Você se deu bem,
ficou em segundo lugar.
Novak só revirou os olhos e se voltou para seu jantar. Ele
estava mesmo meio mal-humorado hoje.
— Então nos encontramos na sala de descanso às 22h? Pra
irmos juntos até a torre? — Dahlia perguntou, combinando sobre a
festa de mais tarde. Eu respondi sem tirar os olhos do meu
macarrão.
— Eu encontro vocês lá. Vou com o Smith.
O silêncio repentino me fez levantar os olhos, e eu peguei os
cinco integrantes da Elite se virando pra mim.
— Desde quando você está saindo com o Smith? — Eros
perguntou.
— Nós não estamos saindo. Ele me convidou e eu aceitei.
— No dia dos namorados? — Penny rebateu.
Que merda, eu não tinha pensado em como aquilo soaria. Que
grande idiota.
— Hum... em minha defesa, ele me convidou “pra festa de
sábado”, eu só lembrei que era dia dos namorados hoje. Então
tecnicamente, na minha cabeça isso não é um encontro e muito
menos um “encontro de dia dos namorados”
Parecia uma justificativa aceitável para mim, até Ez abrir a boca.
— Certo. Boa sorte dizendo isso “pra cabeça do Smith” quando
ele tentar te beijar.
A mesa caiu na risada, e eu só revirei os olhos. Fingi não ver
que Daemon parecia ter sido o único que não achou graça nenhuma
na piadinha de Ez.
Quando voltamos juntos para os dormitórios para nos arrumar,
Daemon me encurralou ao pé da escada.
— Pensei que tínhamos uma aposta, Weylin. E você conhece as
regras.
Eu olhei para ele. Daemon não estava nada feliz.
— Nós temos uma aposta, Daemon. E eu não aceitei o convite
dele por sua causa. Eu estou fazendo exatamente o que a aposta
sugere.
Eu não tinha aceitado o convite de Smith por causa dele, eu
realmente queria passar um tempo com o garoto. Ele vinha me
convidando para sair há dias, e Daemon e eu estávamos bem um
com o outro de novo, apesar a aposta. Eu podia não ter planos de
beijá-lo, mas ainda sim queria sair com ele.
O olhar de Daemon fez meu coração bater mais rápido e eu não
consegui desperdiçar a oportunidade de fazer uma piadinha. Estava
de muito bom humor.
— Mas se a noite ficar bem louca... Acho que eu pagaria 300
moedas pelo Capitão das Masmorras.
Daemon rolou a língua na bochecha e estreitou os olhos com o
que eu disse. Quando eu passei por ele, Daemon me segurou pelo
pulso me impedindo de sair de perto.
— Então eu dobro a aposta. 600 moedas de ouro que você não
consegue ficar sem beijar ninguém essa noite. É tudo ou nada,
Cora.
Eu o observei por um minuto antes de sorrir em resposta. Ele
sabia que eu não ia fugir de uma competição.
— Tudo bem. Quem beijar primeiro, perde.
Eu me certifiquei que ele também estivesse incluído nisso, e ele
me soltou pra que eu passasse a caminho do meu dormitório. Smith
podia ficar decepcionado, mas definitivamente não ia me beijar
naquela noite.

Os alunos do último ano tinham feito um ótimo trabalho e a sala


de descanso da torre estava irreconhecível. Era iluminada apenas
por lanternas vermelhas, com fumaça e pequenos cupidos
enfeitiçados que sobrevoavam o salão lançando flechas de fumaça
nos alunos que estavam se pegando.
Encontrei Smith ainda nas masmorras e agora nós
atravessávamos o salão até os fundos, procurando a Elite. Eu disse
a ele que queria ficar perto dos meus amigos, e ele não se importou.
De qualquer forma, nós sempre ficávamos próximos uns dos outros
quando a festa era em outro dormitório.
Instinto de sobrevivência, eu diria.
Eu não tinha visto a Elite desde o jantar, então quando Smith e
eu chegamos, eu abracei cada um dos meus amigos. Penny e
Dahlia me abraçaram ao mesmo tempo para sussurrar, cada uma
em uma orelha:
— Veio vestida pra matar o Smith?
— Ou tá querendo deixar cada garota dessa festa surtada?
Eu sorri para as amigas em resposta. Eu sabia do que elas
estavam falando, tinha escolhido minha roupa de propósito. Essa
noite eu estava usando um vestido justo de cetim preto com decote
em forma de coração, que deixava meus seios em evidência. Ele
não era curto, mas tinha uma fenda na lateral até o quadril que se
abria conforme eu andava. Era sexy e perigoso, mas eu ficava
confortável em roupas indecentes e me sentia poderosa, então
escolhi usar essa noite.
Smith mal cumprimentou meus amigos, mas se manteve atrás
de mim como um cachorrinho. Daemon me abraçou pela cintura e
me deu um beijo na bochecha que demorou muito mais do que o
tempo normal, enquanto encarava o Smith pelas minhas costas,
como se quisesse mostrar que não precisava de permissão para
encostar em mim.Eu percebi que os dois iriam se provocar a noite
toda e não pude deixar de abrir um sorriso malicioso.
Eu estava mesmo a fim de causar um pouco de confusão essa
noite. Para compensar a humilhação de apanhar de seis garotas na
frente de todo mundo na noite passada, provavelmente. Ainda
mantinha um ou outro hematoma em evidência nos meus braços
nus, como que pra mostrar as cicatrizes do que fizeram comigo. E
um lembrete de que a Elite sempre estaria lá por mim.
Eros abriu uma das garrafas de uísque de fogo da marca do seu
pai, que agora ele sempre tinha à mão, e eu me afastei para o lado
de Smith. Eu vi Daemon me acompanhar com o olhar e virar sua
dose sem fazer nenhuma expressão. Ele estendeu o copo para Eros
servir mais e eu procurei o olhar de Phenelape. Ela também o
olhava e depois ergueu as sobrancelhas para mim.
Quando Daemon decidia ficar muito bêbado, normalmente
alguém saía machucado.
Cada um de nós bebeu uma dose, inclusive Smith, e depois
Penny e Dahlia me chamaram para a pista de dança. Eu senti os
olhares em mim. Nos meus hematomas, no meu corpo. E fingi
ignorar.
Até que ouvi os comentários:
— Então... ela veio mesmo com o Smith?
— Ela deve gostar muito dos jogadores, não é?
— Primeiro o Novak, depois o Smith...
— É uma vadia, eu sempre disse.
Não suportei ouvir mais. Dizendo paras minhas amigas que ia
tomar um ar, comecei a atravessar a multidão ignorando os olhares
e comentários, de novo.
Como se tivesse sido chamado, Daemon veio caminhando em
minha direção. Afastei os cabelos do colo, deixando meu pescoço
livre como minha mãe me disse para fazer um milhão de vezes
antes, e planejei passar reto por ele, mas Daemon me parou. Ele
passou os dedos pelo meu queixo, os anéis frios em contato com a
minha pele. Desde a briga, ele vinha sendo terrivelmente protetor
comigo.
— Você não deveria andar sozinha por aí.
Ele sussurrou pra mim e eu revirei os olhos.
— Não vai acontecer nada comigo, Daemon.
Daemon levantou os olhos para ver todos os olhares se
desviarem de nós quando ele estava prestando atenção.
— Você não sabe o perigo que é, Cora.
Eu não entendi muito bem o que ele quis dizer, mas fiquei
irritada com seu tom de voz.
— Por que você veio com ele?
Sua voz era só um sussurro, mas eu ouvia bem mesmo com o
barulho ao nosso redor.
— Olha, Eros e Ez também não gostam de eu estar saindo com
Smith, mas eles não se metem. Por que você não consegue fazer o
mesmo?
Ele me encarou e estreitou os olhos. Eu olhei em volta e percebi
os olhares. Já imaginava as fofocas. Saindo com um, de
conversinha com outro... Sabia que estava sendo má, mas falei
mesmo assim.
— Me deixa ir Daemon, Smith deve estar procurando por mim.
Eu vi ele travar o maxilar enquanto ouvia minhas palavras.
— Então vamos encontrar o Capitão.
Ele sibilou, dando um passo para o lado e me deixando passar,
mas me seguindo de perto e afugentando qualquer aproximação de
garotos enquanto eu caminhava de volta até o fundo do salão.
Eu não iria sobreviver a essa noite.
Definitivamente, não iria.
Quando Cora chegou naquele vestido, eu senti meu pau latejar.
O corpo dela já era perfeito, e ela conseguia usar as roupas certas
para deixá-lo uma arma contra qualquer um que sentisse atração
por garotas.
No instante que ela levou para atravessar a sala até nós, eu
imaginei como seria a sensação de deslizar aquele vestido para fora
do corpo dela. Eu amava a maldita seda. Fantasiei em ter aqueles
seios empinados presos entre meus dedos, aquelas pernas em volta
da minha cintura. Sonhei até mesmo em enrolar o cabelo dela no
meu punho enquanto a empurrava contra uma parede.
Puta que pariu, eu não ia sobreviver.
A segui com os olhos em cada momento. Onde ela estava, com
quem falava, quem olhava para ela. Eu via tudo.
Agora eu seguia Weylin até ela chegar aonde estavam os
nossos colegas, intimidando cada garoto que arriscava olhar
enquanto ela caminhava na minha frente. Tive que me concentrar
para não meter um soco em cada um deles. Ela estava me deixando
louco.
Suas palavras martelavam em minha cabeça, porque pela
primeira vez eu não soube como responder.
“Por quê você não consegue fazer o mesmo?”
Era impossível. Eu não conseguia vê-la com nenhum outro cara,
aquilo era uma tortura para mim. Não era mais sobre as meninas da
Elite. Era só sobre ela.
Eu observei com ódio Smith sorrir quando ela chegou ao seu
lado, e fechei minhas mãos em punho quando ele colocou uma
mecha do cabelo dela atrás de sua orelha.
Eu não ia mais suportar ver os dois juntos.
Eros estava com a garrafa de uísque e eu caminhei até ele. Eu
já estava meio bêbado, mas iria precisar beber bem mais pra
conseguir aguentar o restante da noite.
— Tudo bem, Daemon?
Ezra me perguntou depois que eu virei a garrafa de uísque na
boca, sem me importar em servir em um copo.
— Tá afim de bater em alguém hoje, Ez?
Eu perguntei sorrindo, e Ezra trocou um olhar com Eros antes
de responder.
— Sempre que precisar, mas vamos tentar não arrumar uma
confusão sem motivo, ok?
— Ah, eu vou te dar um motivo. Você vai precisar salvar a minha
pele quando eu puxar uma briga com mais garotos do que posso
bater.
Os dois trocaram um olhar preocupado que eu fingi não ver.
— Daemon, vai com calma. Amanhã você tem um jogo.
— E eu posso derrotar qualquer um mesmo de ressaca. Relaxa,
Ez.
Eu ignorei os olhares e corri os olhos pelo salão. Eu precisava
me distrair, ou ia mesmo arrumar uma confusão.
Dahlia estava por ali, sentada no sofá com algumas amigas que
eu não conhecia e eu me aproximei delas. Normalmente era só eu
chegar perto e elas começavam a dar em cima de mim, então era
uma boa distração. Não ia ficar com ninguém naquela noite por
causa da aposta idiota com a Cora, mas confesso que fiquei tentado
a levar qualquer uma delas até um quarto aleatório no andar de
cima para aliviar a tensão.
Eu até jogaria a maldita aposta pro alto e faria isso, mas eu
tinha certeza que se transasse com uma garota hoje, eu ia fantasiar
com a Cora.
E, puta que pariu, talvez meu pau nem subisse se não fosse ela.
Eu estava completamente fodido.
Dahlia sorriu nervosa pra mim quando eu me aproximei.
— Daemon, essa é a minha irmã Thea e as amigas dela. Por
favor não dá uma detenção pra elas, mas são todas do terceiro ano.
Eu disse que elas podiam vir comigo hoje.
Eu olhei para as garotas e não pude deixar de sorrir.
Por isso eu não conhecia nenhuma delas, eram todas muito
mais novas. Eu tinha um código moral sobre garotas muito mais
novas, elas quase sempre eram sinônimo de problemas.
Imaturas, choravam fácil e normalmente criavam uma
dependência emocional com a qual eu não era capaz de lidar. Porra,
eu largava uma garota na hora se descobrisse que ela era virgem.
Eu não era o cara pra elas.
Mas eu não tinha planos sequer de beijar alguém essa noite,
então seria uma boa distração. Abri meu melhor sorriso para elas e
observei seus olhares se arregalarem pra mim.
— A responsabilidade é sua, Dahlia. Você é a monitora essa
noite.
Ela sorriu agradecida enquanto eu me sentava perto delas e
enchia meu copo mais uma vez. Eros se juntou a nós um tempo
depois e nem sei quanto tempo ficamos ali, ouvindo as garotas
conversarem e bebendo sozinhos mais uma garrafa de uísque de
fogo. A irmã de Dahlia estava sentada ao meu lado e eu percebia
que ela estava dando em cima de mim, mas eu não conseguia
prestar muita atenção. Ela sorria a qualquer coisa que eu falasse, e
mesmo bêbado eu estava fazendo ela se apaixonar por mim.
Porra, por quê não era fácil assim mexer com a cabeça da
Weylin?
Pensar nela me lembrou que ela estava em algum lugar com o
idiota do Smith e eu me levantei no mesmo instante, fazendo todo
mundo olhar pra mim. Eros também se levantou e me puxou pelo
braço antes de eu sair dali.
— Daemon.
— Eu preciso encontrar ela, Knight. Eu não aguento mais.
Eu sabia que ele sabia. Fazia dias que ele sabia, ele percebeu
antes de mim. Eu a queria. Queria com todas as minhas forças,
queria como eu nunca quis outra garota antes.
Ela precisava ser minha, eu sentia que poderia matar se eu
visse mais alguém com as mãos nela além de mim. Mas eu era um
idiota e só percebi agora que ele estava certo sobre mim esse
tempo todo.
— Daemon, você está bêbado. Deixa ela aproveitar a noite,
amanhã você fala com ela com a cabeça no lugar.
— Eu não posso esperar até amanhã. Precisa ser hoje. Precisa
ser agora.
Eu me soltei do seu aperto e deixei os amigos para trás,
caminhando em meio à multidão, procurando por ela. Avistei Smith
se levantar de um sofá perto da saída da sala e sorrir pra Weylin
enquanto a deixava sozinha.
Mas que idiota.
Smith me deixou sozinha por um minuto para buscar uma
garrafa de cerveja pra gente. Naquele instante, eu vi Daemon se
aproximar do sofá onde eu estava. Seus cabelos estavam
bagunçados e ele estava com os primeiros botões da camisa preta
abertos. Eu sabia que ele devia estar muito bêbado, mas só porque
eu conhecia bem Daemon Novak. Ignorei a sensação de agitação
no meu estômago quando ele caminhou direto até mim e se sentou
ao meu lado, no lugar de Smith.
— Cora...
— O que foi, Daemon?
Eu perguntei carinhosa, sentindo a voz dele tremer. Ele
provavelmente não ia lembrar disso amanhã. Mesmo naquele
estado, ele me olhava fundo com seus olhos acinzentados e parecia
escolher com calma as palavras.
— Eu percebi que gosto muito de ter você... por perto.
Eu mordi o lábio para evitar sorrir. Ele devia estar muito bêbado
para estar falando isso.
— Somos amigos desde crianças e só agora você percebe
isso?
Eu provoquei, brincando com ele e percebendo o quanto seus
olhos estavam fixos nos meus, e ele me olhava como se mais nada
no mundo importasse. Rindo de canto com o que eu falei, Daemon
deslizou uma das suas mãos pelo meu pescoço, por baixo do meu
cabelo. Eu me sobressaltei com o toque, e seus dedos se fecharam
na minha nuca me fazendo olhar pra ele.
— Não, princesa. Estou dizendo que eu quero te beijar.
O sorriso que eu tinha no rosto sumiu e eu o encarei, sem saber
se suas palavras eram verdadeiras, se ele estava brincando comigo
ou se era por causa do álcool. Meu coração disparou e eu pensei
em como isso era repentino e impulsivo, e como eu queria que ele
calasse os meus pensamentos e realmente me beijasse.
— Daemon...
Ele fechou os olhos e encostou sua testa na minha por um
instante, aliviando o aperto em meus cabelos, como se estivesse
apreciando minha voz sussurrando seu nome.
Percebi que nunca o tinha chamado desse jeito antes.
Ele pareceu se recompor e abriu os olhos, que agora pareciam
brilhar de uma forma diferente. Daemon nunca tinha me olhado
desse jeito antes. Sua expressão era desafio puro.
Eu soltei o ar que estava segurando e forcei minhas palavras
para fora. Eu sentia minhas mãos tremendo, meu coração acelerar.
Mas eu precisava saber se isso não era algum joguinho idiota dele
pra me provocar.
— O que.. o que isso significa?
Ele me olhou de cima, e parou de sorrir. Ele parecia muito mais
perigoso agora, mas de alguma forma eu sabia que ele estava
sendo sincero.
— Eu não faço ideia. Só sei que estou cansado de fugir disso.
Daemon então passou o polegar pela minha bochecha,
traçando seu caminho até o meu queixo, e ergueu meu rosto em
direção ao dele.
Eu quase fechei os olhos, mas percebi Smith voltando por trás
dele. Eu empurrei seu peito para nos afastar, e Natan entendeu isso
como um sinal de que Daemon deveria estar me incomodando. Ele
pousou a mão no ombro de Daemon e o empurrou pra trás, para
longe de mim.
— Obrigado por cuidar da Weylin enquanto eu estava fora,
Novak. Agora pode deixar essa princesa comigo.
Daemon mudou de postura na hora que Smith pousou a mão
em seu ombro. Ele tirou as mãos de mim e se levantou para ficar
frente a frente com Smith.
— Do quê foi que você a chamou?
Eu fechei os olhos porque eu sabia o que iria acontecer.
O maldito apelido. O apelido dele.
Natan só queria que Daemon saísse dali, ele não iria começar
uma briga. Mas Daemon estava bêbado, irritado e não tinha nada a
perder. E Smith tinha acabado de dar a ele uma desculpa para
começar uma briga. O capitão pareceu perceber que Daemon não ia
se afastar, porque ergueu as mãos antes de falar.
— Daemon, você está bêbado. Vai com calma.
— Aqui não é o campo Smith, você não manda em mim. Vai se
foder.
Daemon o empurrou para trás, para longe de mim, e Smith
finalmente ficou puto. Eu me levantei também, prevendo a merda
que ia acontecer, mas fiquei atrás de Daemon. Smith partiu pra cima
dele, que se defendeu e rebateu com um soco certeiro em sua boca.
Os alunos em volta pararam de respirar.
Smith aguentou o golpe sem cair no chão. Ele limpou o sangue
do lábio e sorriu. Natan era astuto e vingativo, e eu soube pelo
sorriso que ele deu que ele tinha planejado tudo aquilo. Ninguém
vencia Daemon em uma briga, porque ele não tinha medo de se
machucar e era implacável. Mas Smith tinha um poder que Daemon
não tinha.
Natan o puxou pra perto pela camisa.
— Já chega, Daemon, você está fora do time.
Ele empurrou Daemon para longe de mim, que ficou encarando
o capitão em choque. Ez e Eros chegaram naquele minuto e
seguraram Daemon antes que ele conseguisse avançar e continuar
a briga.
Todos os alunos da sala tinham parado o que faziam pra
observar a confusão. Um garoto-torre do último ano se aproximou
com os amigos, de caras fechadas.
— Novak, é melhor você ir embora.
Eu despertei do meu estado de transe e dei um passo para
frente.
Eles estavam o expulsando?
— Que porra vocês estão fazendo?!
Eu interrompi, e senti todos os olhares no salão se voltarem pra
mim. Daemon me viu se aproximando e tentou sair do aperto de Ez,
mas ele o segurou com mais força. Eu caminhei até chegar na
frente do garoto do último ano, que parecia ser o dono da festa,
decidida a esculachar. Daemon pareceu perceber a minha intenção,
porque me chamou com a voz firme.
— Cora.
Eu olhei para ele como que por instinto. Daemon parou de se
debater e ergueu os braços, atraindo a atenção.
— Eu estou indo. Essa festa está uma merda mesmo.
Ez aliviou o aperto, vendo que Daemon estava cooperando,
mas não o soltou e saiu com ele da sala, ainda o segurando. Eros
me deu um último olhar e seguiu os dois.
Eu fiquei enlouquecida, e vi Phenelape e Dahlia abrirem
caminho até mim. Elas também tinham visto e eu sabia que
pensavam a mesma coisa que eu.
— Você não expulsa a Elite de uma festa. E não faz uma festa
sem a Elite.
Eu sabia que todo mundo em volta estava ouvindo quando falei.
Ele tentou responder, mas Phenelape se intrometeu, disparando
ameaças e xingamentos com tanta classe que eles só perceberiam
que estavam sendo xingados um minuto depois. Dahlia já abria
caminho pela multidão para nós sairmos do salão atrás dos
meninos.
A Elite permanecia unida, principalmente em conflitos contra
alunos de outras casas. Era a nossa regra, independente de qual
lado estava certo. Smith só então correu em minha direção e
segurou a minha mão.
— Cora! Você realmente vai atrás dele?
Eu olhei Smith nos olhos e fechei a cara.
— Por que você fez isso?
Smith franziu as sobrancelhas pra mim. Ele não estava
esperando ser questionado.
— Daemon precisa aprender o seu lugar. Ele não pode me
desrespeitar.
Ele ainda segurava minha mão e, com a outra, passou os dedos
pela minha bochecha. Eu repeli o gesto e com um olhar frio fiz ele
soltar o meu pulso.
— Já que eu sou sua nova montadora, você não pode mais me
beijar, Capitão.
Eu falei alto com a voz fria esperando que o maior número de
pessoas ouvisse antes de me afastar, dando as costas para ele e
saindo atrás dos meus amigos para fora da sala.
As palavras de Daemon não paravam de repetir em minha
mente.
E eu também já estava cansada de fugir do que eu queria.
Ezra me arrastou pela saída da sala, e finalmente me soltou
quando chegamos no corredor. Eu estava puto, tinha perdido
completamente o controle.
— Me solta, Ezra! Eu posso andar sozinho, porra!
Eros apareceu no corredor com seu rosto sério e abriu uma
porta ali perto. Fez sinal pra que entrássemos e parássemos de
gritar no corredor. Quando entramos, Ez me jogou pra dentro e
começou a brigar comigo.
— Caralho, Daemon! Foi perder a porra do controle justo com
Smith?! Que merda você vai fazer agora, fora do time?
Eu o olhei com desprezo e não falei nada. Arrumei a gola da
minha camisa e me recompus. Naquele momento, eu não ligava
para o time ou para o campeonato.
Eu estava com ódio por ter deixado Weylin sozinha
Quando Ezra pareceu ter terminado de me xingar, eu falei com
a voz bem mais controlada:
— Foda-se o time, amanhã eu resolvo isso. Eros, você precisa
voltar lá e ficar de olho nela, você é o único que ela vai deixar
chegar perto.
O choque e a briga tinham me acordado e eu me sentia quase
sóbrio de novo. Eros me olhava com pena, e eu fiquei ainda mais
puto, mas quando ele falou eu quase sorri.
— Ela não ficou lá, Daemon. A Cora te defendeu, meteu o dedo
na cara do Willians e disse que “ninguém expulsa a Elite”. Ela e as
garotas estão no corredor, esperando por nós para voltar pras
masmorras.
Eu senti algo quente invadir o meu corpo. Porra, ela era uma
diabinha, terrível e leal.
— Você quer que eu as chame?
Eros perguntou com certo brilho no olhar. Mas Ezra o
interrompeu no mesmo instante.
— Eros, vai lá fora ficar com elas.
Eu ergui as sobrancelhas e Eros fechou a cara.
— Você tá tentando me expulsar daqui, Ezra?
— Eu preciso de cinco minutos pra xingar o Daemon. Depois
disso nós podemos voltar para as masmorras. Por favor, não deixe
as meninas sozinhas.
Eros não pareceu muito convencido, e nem eu, mas saiu da
sala sem dizer mais uma palavra. Ez realmente explodiu comigo
depois disso. Eu o ouvi me dizer que eu estava agindo feito um
idiota, e eu fiquei calado porque sabia que ele estava certo.
Quando ele terminou de gritar comigo, eu finalmente falei, sem
conseguir olhar nos olhos dele:
— Ela mexe com a minha cabeça, Ez. Você estava certo. E eu
não sei mais o que fazer.
Ezra respirou fundo e olhou pra mim sem saber o que dizer pela
primeira vez. Ele era meu melhor amigo, sempre foi. Ele sabia tudo
sobre mim e eu sabia que seu silêncio só podia significar uma coisa:
Ele estava procurando as palavras certas pra me dar uma notícia
ruim.
Mas o que ele falou me pegou de surpresa.
— Daemon, você precisa ficar com ela.
Eu levantei os olhos pra ele, surpreso.
— Que porra você tá falando?
Ele parecia estar lutando contra ele mesmo para dizer isso.
— Eu te avisei que isso iria acontecer. Você tá obcecado, porra!
Então faz o seu jogo, leva ela pro seu quarto e tira isso do seu
sistema. Você não vai parar até fazer isso de qualquer forma, eu
conheço você. Então é melhor fazer logo, pra gente ver se a Elite
pode sobreviver a isso.
Ele terminou de falar e respirou fundo. Eu fiquei em silêncio,
olhando para ele em choque.
— Ez... não precisa ser assim.
— Acredite em mim, Daemon, estou me odiando por sugerir
isso. Mas você não vai parar.
Ele estava mesmo me dizendo para seguir em frente? Eu me
sentei no chão no fundo da sala e coloquei a cabeça nas mãos. Em
qualquer outra circunstância, meu melhor amigo estaria certo. Nas
poucas ocasiões em que eu escolhia uma garota, eu não parava até
tê-la sob meu domínio. Nunca importou se ela não sentia atração
por mim, se era mais velha que eu ou se tinha namorado. Quando
eu queria, não parava até ter destruído tudo ao seu redor e feito ela
me querer também.
Mas depois disso, só sobrava o caos.
E eu nunca ficava para juntar os pedaços.
Então eu entendia a preocupação de Ezra com a Elite. Ele
achava que eu iria machucar a Cora. Manipular até ela ceder,
transar com ela e depois a tratar como as outras.
E isso destruiria a Elite.
Mas tratar Cora como eu tratava as outras garotas nunca
passou pela caminha cabeça. Ela sempre foi diferente pra mim, e só
de pensar em machucá-la, eu me sentia doente. Me puniria por
semanas se a magoasse. O único problema era que eu não tinha
certeza se podia não machucá-la.
Eu era assim.
Eu sempre fui assim.
E agora eu assumi que a queria.
Mas quando eu pensava em tê-la nos braços, eu não pensava
em parar por aí. Eu não queria parar, eu queria... mais. Queria mais
dela. Queria saber até onde ela tinha coragem de ir comigo. Queria
saber se ela continuaria me provocando mesmo depois de eu tê-la
dominado. Eu imaginava se ela me pediria por mais também. E
esses pensamentos doentes não deixavam minha cabeça parar
nem por um segundo. Mas tudo o que Ezra pensava era que eu
queria sexo. Eu nem sabia se a Cora já tinha transado antes. E
porra, pensar que ela poderia ser virgem me apavorou.
Eu precisava botar alguma coisa para fora.
— E se... eu quiser algo a mais?
Tentei, falhando em encontrar palavras que explicassem melhor
o que eu pensava. Mas Ezra ergueu o olhar pra mim quando falei.
— Mais?
Concordei com a cabeça.
— Mais do tipo... continuar saindo com ela depois do sexo?
Concordei mais uma vez.
— Você acha que a Elite sobreviveria? Acha que eu conseguiria
fazer isso funcionar?
Ele abriu um sorriso debochado, como se achasse que eu
estava zoando, e naquele instante a porta da sala se abriu. Esperei
ouvir Eros, mas a voz que me chamou era muito mais suave e fez
meu coração saltar dentro do peito.
— Daemon?
Eu pisquei por um instante, sentindo o que ela fazia comigo ao
sussurrar meu nome. Weylin estava parada na porta, sozinha, e
mais perfeita do que nunca.
Ele levantou os olhos quando me ouviu chamar e se ergueu do
chão. Sua expressão era apreensiva, e era assim como eu me
sentia também.
— Eros me falou que vocês estavam aqui. Posso falar com
você?
Ele abriu um sorriso de lado.
— Ezra, cai fora.
Ez trocou um último olhar com Daemon antes de passar por
mim e sair da sala, nos deixando sozinhos. Eu quebrei o silêncio.
— Daemon, o quão bêbado você está?
Eu queria fazer essa pergunta primeiro, e Novak sorriu surpreso
antes de responder. Ele veio caminhando em minha direção e eu
continuei o encarando com firmeza.
— Nesse momento, não muito.
— E quando você falou que queria me beijar?
Ele sorriu de lado e passou a mão nos cabelos.
— Naquele momento eu estava muito bêbado, mas isso não
quer dizer que não era verdade.
— Então você quer?
Quando ele parou na minha frente, eu tive que olhar para cima
para encontrar seus olhos, porque ele era muito mais alto que eu.
Daemon tirou uma mecha do meu cabelo de trás da minha orelha,
brincando com ela.
Ele pousou sua mão ali, segurando meu rosto e pescoço
enquanto se aproximava mais um pouquinho, sem parar de olhar
nos meus olhos.
— Eu nunca quis tanto beijar uma garota nessa escola como eu
quero beijar você.
Eu entendi que ele não ia pedir para me beijar, ele estava me
avisando. Um arrepio percorreu meu corpo e eu fiquei nervosa como
nunca tinha ficado antes de beijar ninguém.
— Daemon... Nós somos melhores amigos. E tem a Elite. E...
Eu estava inventando desculpas, motivos pra ele não me beijar,
mas no fundo eu não acreditava em nenhuma delas. Daemon
revirou os olhos para mim e escorregou sua mão para a minha
cintura. Ele me empurrou pra trás contra a parede e eu fechei os
olhos por um segundo, sentindo a agitação em meu estômago.
Eu amava quando ele tocava em mim assim. Sem medo, como
se soubesse exatamente onde pegar, como me segurar.
— Eu sei, mas eu não ligo. Só tem uma pessoa que pode fazer
eu não te beijar essa noite, princesa. Você.
Ele chegou ainda mais perto, roçando o nariz contra o meu.
Uma das suas mãos estava na minha cintura, me segurando contra
a parede, e a outra estava segurando meu rosto e queixo para cima,
totalmente à mercê dele.
— Se você não quer que eu te beije, é melhor me parar agora.
Porra.
Eu não ia dizer que não queria, porque eu queria.
Eu queria muito, e ele percebeu isso. Daemon sorriu de lado
quando eu fiquei em silêncio e então se aproximou para me beijar.
Eu fechei os olhos quando senti os lábios dele nos meus.
Meu coração batia acelerado como nunca antes.
Daemon começou sendo gentil e cuidadoso, mas quando eu
passei os braços pelo seu pescoço e correspondi, ele ficou mais
intenso. Escorregou suas mãos para minha cintura e pressionou seu
corpo junto do meu.
Mais, mais, mais.
Eu passei as mãos em seus cabelos e acelerei a velocidade do
beijo.
Daemon segurou meu rosto e parou de me beijar para descer
os lábios pelo meu pescoço. Ele afastou meu cabelo e eu joguei a
cabeça para trás, sentindo seu hálito quente descer da minha orelha
até a base do meu pescoço.
E um pouquinho mais.
Ele deixou um beijo no limite de onde começava o meu seio. Eu
abri os olhos pra encontrar os dele e senti meu corpo se arrepiar.
Abrindo um sorrisinho malicioso, eu previ que ele tinha alguma coisa
diabólica em mente. Eu arfei quando ele mostrou os dentes e
mordeu a pele na base do meu pescoço e depois enterrou os lábios
no mesmo lugar pra me dar um chupão.
Eu segurei um gemido enquanto meu corpo pedia mais, e eu
cravava as unhas em suas costas. A mordida estava doendo, então
eu sabia que ia ficar marcado. Mas a sensação dos lábios dele era a
coisa mais deliciosa que eu já tinha sentido.
Ele se afastou sorrindo e segurou meu rosto para cima para
observar o que tinha feito.
— Você deixou uma marca, não deixou?
Eu falei em um tom de voz sério, querendo repreendê-lo. Mas
ele sorriu de lado pra mim e me deu uma resposta debochada que
fez meu coração bater descompassado:
— Deixei. E eu espero que o Smith veja isso amanhã.
Eu deixei uma risada escapar.
— Estou impressionada que você não escreveu seu próprio
nome.
O som que ele emitiu pela garganta quanto beijava a marca era
quase um rosnado.
— Hummm, não me dê ideias, princesa.
Eu adorava quando Daemon agia assim. Quando ele me
reivindicava. E isso que ele estava fazendo agora, era a porra de
uma reivindicação.
O puxei pela gola da camisa para perto de novo e Daemon
voltou a me beijar. Ele me abraçou pela cintura e me levantou, e eu
cruzei as pernas em sua cintura, sem me importar que meu vestido
subisse. Meu corpo respondia sozinho, cedendo, querendo cada vez
mais.
Eu ainda estava contra a parede, agarrada em seu pescoço,
com Daemon sustentando meu peso enquanto acelerava o beijo.
Porra, ninguém beijava tão bem assim.
Ele sabia exatamente o que fazer, como se movimentar, tudo
encaixava tão perfeitamente que eu já estava ficando louca.
Mas eu podia aguentar mais. Eu queria mais.
Como se lesse os meus pensamentos, a mão que estava na
minha cintura subiu, me apertando contra ele. Seu polegar roçou em
meu seio e eu estremeci. Seus dedos se fecharam em torno dele,
apertando meu peito, o polegar procurando meu mamilo duro, e eu
gemi.
Soltei a cabeça para trás e me separei de seus lábios,
procurando ar pra respirar. Ele sorriu de canto enquanto me
admirava e esperava eu me recuperar, os olhos cinzas se divertindo
com a minha falta de ar, mas também ofegante.
Daemon então desceu as mãos para minhas coxas para, de
fato, me pegar no colo e me carregou até uma mesa de professor ali
próxima, me colocando sentada e se posicionando entre minhas
pernas. Ele voltou a beijar meu pescoço e colocou as mãos em
minhas coxas, apertando enquanto subia por baixo do vestido
Meu coração bateu mais rápido, mandando uma mensagem:
Mais, mais, mais.
Eu fechei minhas pernas em torno da sua cintura e enfiei a mão
por dentro da gola da sua camisa, arranhando suas costas. Ele me
apertou contra ele com tanta força que eu senti sua ereção.
Mais, mais, mais.
Eu esfreguei meu quadril contra ele e ronronei um gemido.
Como eu fiz na primeira vez que ele me abraçou para me proteger
do frio.
E aí ele perdeu completamente a porra do controle.
— Caralho, Cora — ele gemeu contra meus lábios antes de
soltar o peso do seu corpo contra mim, me fazendo deitar de costas
em cima da mesa e subindo por cima de mim.
Ele entrou pelo meio das minhas pernas, uma das mãos me
segurando pelo pescoço contra a mesa, a outra posicionando minha
perna em torno de sua cintura e depois deslizando pela minha coxa,
subindo por baixo do meu vestido, um dedo deslizando por baixo do
elástico na minha calcinha...
Naquele instante, eu e ele percebemos o que estávamos
fazendo.
Eu segurei seu pulso e ele congelou.
Daemon parou de me beijar e olhou para mim. Seu olhar era
quase apavorado.
— Daemon...
Ele se levantou e se afastou, me fazendo sentar na mesa de
novo.
— Eu sei. Eu... perdi a porra do controle.
É, e eu também. Mas tinha alguma sanidade restante na minha
cabeça para saber que eu não queria fazer aquilo ali em cima da
mesa de um professor.
Pelo menos, não da primeira vez.
Eu ainda estava ofegante e fiquei satisfeita por ele ter se
afastado quase dois metros de mim, porque isso me permitiu
recuperar meu próprio controle. Mal acreditava que meu corpo tinha
me traído tanto, implorado por ele assim que seus lábios
encostaram nos meus.
Daemon sorriu de lado e me olhou admirado, ainda em silêncio
e a vários passos de distância como se tivesse medo de perder o
controle de novo se chegasse muito perto.
— Daemon, que porra nós estamos fazendo?
Eu suspirei, e nós trocamos um longo olhar, como se
tivéssemos acabado de perceber o que tínhamos quase feito,
quando fomos interrompidos por Ezra. Eu me assustei quando ele
abriu a porta sem aviso e a sua voz séria me fez despertar do transe
que eu estava.
— Novak, Weylin! Nós precisamos dar o fora daqui, agora.
Seu tom de voz não deixou dúvidas que havia perigo, e Daemon
me pegou pela mão no mesmo instante e me puxou para fora da
sala.
— O que está acontecendo?
Ele perguntou enquanto seguíamos Ez pelo corredor até uma
velha estátua de dragão onde a Elite nos esperava, dando risada.
Era a estátua que guardava uma passagem secreta pra voltarmos
pras masmorras de forma muito mais rápida. Eros sorriu antes de
responder, com os olhos nas mãos que Daemon mantinha em mim.
— Phenelape achou que seria uma ótima ideia soar o alarme de
“alunos fora da cama” para acabar com a festa na Torre. Mas agora
temos cinco minutos pra chegar nas masmorras antes de sermos
pegos fora da cama também.
Inacreditável.
E brilhante. Eu sorri quando alcançamos os amigos, e Daemon
não soltou o aperto protetor em meus dedos enquanto nós nos
esgueiramos com os outros integrantes da Elite pelas passagens
secretas para em poucos instantes entrar nas masmorras.
A sala de descanso das masmorras estava silenciosa, e nós
suspiramos aliviados.
— Penny, você foi brilhante!
Eros elogiava e ria alto, e eu me distraí com eles por alguns
instantes enquanto ele e Penny me contavam o que tinham feito.
Só percebi que Dahlia e Daemon tinham sumido quando eles
reapareceram, vestindo o blazer do uniforme e os distintivos de
monitor brilhando no peito.
— Com o alarme, os monitores são convocados pra ajudar —
Dahlia explicou.
— Algum professor vai aparecer por aqui a qualquer instante.
Vocês deveriam subir, Dahlia e eu vamos voltar para a Torre.
Eu odiei pensar que Daemon voltaria pra torre. Mas não pude
falar nada porque os outros integrantes da Elite já estavam se
despedindo e saindo apressados em direção aos dormitórios, antes
que algum dos anciões chegasse.
Eu troquei um olhar com Daemon antes de ele me afastar com
pressa para os braços de Eros, que me puxou junto com ele
escadas acima no instante em que ouvimos a porta da sala de
descanso se abrir. A voz de Daemon soou longe conforme eu corria
escada acima.
— Boa noite, professor.
Não consegui rir como Penny ao voltar pro quarto. Me tranquei
no banheiro e respirei fundo antes de começar a me arrumar pra
dormir, ainda sentindo o cheiro dele grudado em mim e meu corpo
esquentar só de lembrar do seu toque.
Puta que pariu, as mãos dele estiveram por todo o meu corpo.
Não contei nada para a Penny e naquela noite eu fui dormir
pensando se ter beijado Daemon foi um erro estúpido que ia fazer
eu me arrepender no dia seguinte.
Independente de ter sido um erro, eu só tinha certeza de uma
coisa: Não tinha sido nem de longe o suficiente. Eu queria mais.
Eu acordei antes do nascer do sol na manhã seguinte,
nervosa e ansiosa com o que me esperava. Com Daemon expulso
do time na noite anterior, isso significava que eu era a montadora
reserva das masmorras agora, e no final daquela manhã
aconteceria o que poderia ser o último jogo do campeonato.
Se vencêssemos.
Se eu fracassasse, ainda restaria uma última chance de
repescagem e além de metade da escola me odiar, eles implorariam
ao Smith pra colocar Daemon de volta.
Eu cogitei a possibilidade de não aparecer, já que aquele caos
todo era culpa de Smith e Daemon, e não era justo que eu sofresse
a pressão no lugar deles.
Mas ao mesmo tempo, eu queria vencer. Queria provar pra eles
que eu era mais do que a vadia dessa escola.
Eu ainda estava um pouco de ressaca e confusa sobre ter
beijado Daemon na noite anterior, então quando ficou claro que eu
não conseguiria dormir mais, eu desci para a sala de descanso mais
cedo que o normal, sem acordar Phenelape.
Dahlia estava acordada no sofá, revisando as matérias da
semana. Todos nós éramos acostumados a acordar cedo por causa
das aulas, mas Dahlia era fora do normal. Ela começava o dia no
primeiro raiar de sol, literalmente.
Eu me aninhei no sofá ao lado da amiga e contei a ela tudo que
estava me preocupando.
— Hey... eu vou ter que jogar no lugar de Daemon hoje.
— Eu soube... ele realmente meteu um soco em Smith?
— Sim, o idiota ciumento.
Eu xinguei baixinho o amigo e a Dahlia riu alto.
— Você é a melhor jogadora que nós temos Cora, vai se sair
bem. Mas você também pode tentar fazer Daemon se desculpar
com o Smith e pedir o lugar de volta.
— Sabe que estamos falando de Daemon, não é? Pedir
desculpas não é realmente a cara dele.
— Eu sei, mas não custa tentar.
Dahlia sorriu pra mim e naquele momento ela estreitou os olhos
para me olhar com mais atenção.
— Porra, Cora, você e o Smith se divertiram muito ontem à noite
né? Você vai ter trabalho pra cobrir essa marca no seu pescoço!
Ela caiu na gargalhada e eu arregalei os olhos, lembrando do
chupão. Eu procurei o reflexo da janela para avaliar o estrago.
Estava ainda mais roxo naquela manhã.
— Merda! O Smith nunca vai deixar Daemon voltar pro time se
ele ver isso. Acha que a enfermeira da escola consegue resolver
com magia?
— Espera, o que isso tem a ver com Daemon?
Então ela entendeu. Cobriu a boca com as mãos em uma
expressão chocada e eu mordi o lábio para esconder um sorriso
enquanto a amiga assimilava o que tinha acontecido.
— Porra, o que foi que eu perdi?
— Hum... Eu fiquei com o Daemon ontem à noite.
Dahlia mudou sua expressão e ela parecia... decepcionada.
Quando falou, sua voz estava diferente:
— Pra ser sincera, de nós três, sempre achei que você seria a
única que não cairia na conversa dele.
Eu franzi as sobrancelhas pra ela, estranhando o comentário.
— O que você quer dizer com isso?
— Sei lá, vocês discutem o tempo inteiro! Sempre achei que ele
eventualmente daria em cima de você, mas achei que seria mais
esperta que isso.
Ela respondeu com sinceridade, dando de ombros. Eu me irritei
pela forma como ela estava falando comigo. Ela não sabia de nada.
— Foi só um beijo Dahlia, ele não tentou me levar pra cama.
— E ele não teria, se nós não tivéssemos que voltar pra cá? Já
pensou que se não tivéssemos tido que ajudar os professores,
talvez Daemon tivesse planos pra você?
Eu fiquei em silêncio, encarando a amiga. Pensei em como meu
corpo reagiu ao dele na noite passada, como eu me entreguei em
suas mãos, como desejei que ele me tocasse... Mas nada na noite
passada parecia calculado. Daemon parecia tão surpreso quanto eu
que as coisas aconteceram daquele jeito. Foi tão... imprevisto. E
intenso.
Dahlia apertou minha mão com carinho.
— Só estou dizendo, você sabe que ele é assim. Ele manipula
quem quer que seja pra conseguir o que quer. E o Natan é um cara
legal, você não deveria desperdiçar isso.
— Smith? O que você poderia saber sobre ele?
— Ontem a noite, enquanto você dançava com a Penny, nós
estávamos todo juntos no sofá. Ele conversou comigo... sobre você.
Sobre querer estar com você. Mas aí você sumiu, e apareceu
depois com Daemon. O olhar nos rostos de vocês, como se
estivessem dividindo um segredo... Todos nós percebemos.
Eu pensei no que ela dizia, e me sentei mais reta no sofá.
— Nada aconteceu com Daemon naquela hora! Eu o encontrei
no meio da multidão enquanto estava voltando, nós estávamos indo
pro mesmo lugar, e só. Eu só deixei Daemon me beijar depois que
deixei muito claro pro Smith que seja lá o que tínhamos, não existia
mais. Você está distorcendo tudo o que aconteceu!
— Só estou te dizendo o que parece pra todo mundo que está
vendo de fora, Cora. Você já pensou que Daemon pode ter
planejado a briga com Smith pra manipular você?
— E arrumar sua própria expulsão do time? Isso não faz
sentido, Dahlia.
Ela deu de ombros, voltando a olhar para os livros.
— É o que eu vejo. Até mesmo o beijo, como fica a aposta de
vocês agora que os dois beijaram? Talvez essa seria a única forma
de ele não perder.
Eu me sentia enjoada.
Daemon era assim, mas não comigo.
Ou será que eu estava caindo na conversa dele como Dahlia
sugeriu? A sensação que eu tinha de que ele era diferente comigo
era real, não era? Ou será que tudo não passava de uma máscara e
Daemon só estava interessado em mim como a piranha da
semana?
Afastei os pensamentos da minha cabeça.
— Eu vou falar com ele.
— Ele ainda deve estar dormindo. Eu voltei pras masmorras e
ele ainda ficou na torre ontem a noite.
Caminhei em direção aos dormitórios dos meninos planejando
acordar Daemon e exigir que ele se desculpasse com Smith e pegar
o lugar de volta no time. Essa era a prioridade, depois eu pensava
sobre meus sentimentos por ele. Caminhei distraída até o quarto de
Daemon e abri a porta sem bater, como a gente sempre fazia um
com o outro só para irritar.
O quarto do Daemon estava uma bagunça.
Ele ainda estava deitado na cama por cima dos lençóis
bagunçados, apagado. Parei na porta por um minuto para apreciar a
visão. Ele nunca deixava ninguém o encarar quando estava
acordado, então eu aproveitei para dar uma boa olhada nele.
Daemon estava de bruços e sem camisa, eu podia ver as veias
saltando nos braços e o bíceps marcado aparecendo por baixo do
travesseiro. Ele estava jogado na cama de qualquer jeito, como se
tivesse simplesmente se jogado lá assim que chegou. Seus cabelos
despenteados caíam na testa, o rosto virado de lado escondendo a
orelha direita que era furada de piercings.
Sua expressão não era relaxada, porém. Ele parecia bravo.
Percebi o moletom do time, aquele que ele prometeu que só eu
usaria, no chão.
E ouvi um barulho vindo do banheiro dele bem quando a porta
se abria.
Lauren vinha saindo de dentro com o cabelo molhado, só de
lingerie e vestindo a camisa de Daemon por cima. Ela arregalou os
olhos para mim por um segundo, depois sorriu debochada.
— Ops. Parece que agora não é mais um segredo.
Ela sorriu e se encostou na porta, aparentando estar muito
confortável em estar ali.
Não. Aquilo não podia estar acontecendo.
Eu olhei de Lauren para Daemon e não consegui encontrar
forças para reagir. Foi como se eu tivesse mergulhado em um lago
congelado, mas eu não ia dar a ela a satisfação de me ver
chateada.
Não aqui, e não hoje.
Com a melhor expressão de desinteresse que eu pude formar,
revirei os olhos para ela e virei as costas, saindo do quarto.
Eu nem consegui pensar em algo para dizer.
Todas as ofensas, todo o sarcasmo, simplesmente sumiu.
Eu não tinha nada.
Quando cheguei no corredor, corri como se minha vida
dependesse disso até a ala das garotas, me tranquei no meu quarto
e então eu desabei. Penny acordou com minha chegada e percebeu
que havia algo errado. Eu não queria admitir que estava com
ciúmes, que tinha ficado decepcionada, que estava esperando ser
tratada de forma diferente, que tinha expectativas em relação ao
Daemon. E eu também não sabia se Penny sequer sabia sobre eu
ter beijado Daemon na noite anterior, mas quando eu subi na cama
da amiga procurando por um abraço, eu não consegui esconder
nada.
— O que foi? Aconteceu alguma coisa?
— Daemon aconteceu. E eu sou uma idiota.
Phenelape me abraçou e me ouviu por vários minutos até eu
contar tudo e me acalmar.
— Porra. Eu sabia que tinha alguma coisa acontecendo. Ele
estava agindo de forma muito estranha perto de você.
— É mas isso não significou nada, né? Eu era a idiota que ele
ainda não tinha conseguido pegar, e depois que ele resolveu isso, já
correu pra próxima vagabunda. Penny, eu estou com muita raiva!
— Vamos descer pro café da manhã. Você precisa comer pra
jogar e pode aliviar toda essa raiva batendo em alguns caras hoje.
Ela sorriu para mim, mas eu não estava tão confiante. Estava
triste e com raiva, mas esperei a amiga se arrumar enquanto secava
as últimas lágrimas que escorriam.
Eu não contei para Penny quem era a garota no quarto de
Daemon. Deixei subentendido que eu não a conhecia.
Não conseguiria suportar a humilhação de dizer que era Lauren.
Como se tivesse sido chamado, Smith bateu na porta do nosso
quarto naquele instante, e Penny abriu. Ela soprou um beijo no ar
para mim enquanto saía do quarto, me deixando sozinha.
Ele já estava com o uniforme do time e tinha um conjunto de
vestes de couro nas mãos, que estendeu para mim. O meu uniforme
de montadora.
O clima entre nós estava tenso, mas ele tentou aliviar com uma
piadinha.
— Aí está minha montadora preferida.
Eu continuei de cara fechada, mas aceitei o uniforme.
— Ou a sua única opção.
Ele me deu um olhar de aviso.
— Já pedi para os tratadores prepararem um dragão pra você.
Um dragão mais velho e bem dócil, que usamos bastante com quem
está aprendendo, e assim você pode ficar segura...
— O quê?!
As palavras dele não faziam sentido pra mim.
— Eu não quero um dragão velho e dócil. Eu quero Lynx.
Smith estreitou os olhos, dando dois passos para frente e se
aproximando de mim.
— O dragão de Daemon? Não vou deixar você montar um
dragão selvagem e instável na primeira vez, Cora, é muito peri...
E então ele parou de falar.
Seus olhos se estreitaram e ele levou os dedos até o meu
pescoço para sentir o hematoma, travando o maxilar da mesma
forma que Daemon fazia quando algo o deixava muito bravo.
Smith não era idiota. Eu fui pra festa com ele na noite passada,
mas as marcas em meu pescoço tinham sido obra de outro garoto.
O capitão olhou para mim pela primeira vez com um olhar de
desprezo.
— Leal até o fim, então.
Puta que pariu, ele achava que eu estava com Daemon.
— Não.
Ele endireitou a postura.
— Eu vou mostrar pra escola inteira quem é a melhor
montadora. E vou vencer usando o dragão dele.
Smith quase sorriu.
Quando ele fechou a porta atrás de si, prometendo me esperar
na sala de descanso para descer para o café da manhã, meus olhos
se encheram de lágrimas e eu respirei fundo para me controlar. Meu
mundo tinha virado de cabeça pra baixo e eu não tinha ideia sobre o
que fazer. Caminhei até o banheiro e encarei a foto colada no
espelho, um lembrete para dias ruins. Na foto, eu mesma me
encarava de volta, poderosa no alto da escada do salão principal no
dia do Baile de Inverno. Ignorei por um instante o vestido, as joias e
o acompanhante e foquei na sensação que eu vivia quando a foto
foi tirada. Naquela noite eu me sentia poderosa, capaz de fazer tudo
o que eu quisesse.
Eu podia fazer o que eu quisesse.
Eu podia vencer.
E eu podia mostrar pra essa escola que eu era muito mais do
que eles esperavam de mim.
Ignorei os olhares e conversas que iniciaram quando eu
entrei no salão principal para o almoço à frente do time das
masmorras, o cabelo preso em uma trança comprida, vestindo couro
do pescoço aos pés em um uniforme justo — e quem diria, até um
pouco sexy — de montaria. Me sentei ao lado de Smith, focada nas
instruções última hora que ele vinha me passando para que eu
ficasse atualizada das estratégias.
Na outra ponta da mesa, Ezra, Eros, Dahlia e Phenelape
observavam minha repentina aparição e determinação em ignorar
todo mundo que não fosse o time. Daemon não estava entre eles e
eu não tive coragem de procurar por Lauren ou Sophie.
— Entendeu, Cora? — a voz de Smith me tirou dos meus
pensamentos. — Nós vamos seguir a mesma estratégia do último
jogo. O seu dragão vai te guiar pelo mesmo caminho que ele passou
e dessa vez você deixa que nós...
— Ela — eu interrompi.
— O quê?
— Meu dragão é uma fêmea.
— Tá, que seja. Então você fica por terra até nós tirarmos o
Dragão...
— Mas eles vão estar esperando por isso!
Smith bateu a mão na mesa, irritado por mais uma interrupção.
Os garotos ao redor estremeceram, mas eu só ergui uma
sobrancelha. Eu não tinha medo de comportamentos violentos, e se
ele tentasse isso comigo, e ia receber uma chicotada da minha
língua afiada.
Graças à Deusa, com a injeção de confiança eu recuperei o
sarcasmo.
— Nós não temos escolha, porra! Com você sem treinamento...
— Smith, eles vão esperar por isso. Nós não podemos fazer a
mesma coisa.
— E eu imagino que você tenha uma saída melhor, espertinha?
— um deles provocou, e eu encarei seu olhar com determinação.
— Sim. Nós atacamos. Desde o primeiro apito.
— Você está louca.
— Eu estou com sede de sangue.
Eles ficaram em silêncio. Eu abri um sorriso malicioso.
— E é isso que eu vou fazer. Se quiserem vencer, vão ter que
seguir a minha liderança.
— Você não dá ordens aqui, Weylin, eu sou o capitão desse
time! — Smith disparou, e pelo silêncio que se seguiu, mais gente
estava acompanhando a discussão, não só o time.
Eu me levantei, mantendo o queixo erguido.
— Devia ter pensado nisso antes de expulsar seu montador,
capitão. Porque agora você vai ter que lidar com mais uma fêmea
selvagem e arrogante.
Minha cena dramática e teatral ficou ainda melhor quando dois
dos dez garotos do time se levantaram e saíram atrás de mim,
depois mais três, e por fim o time inteiro, não deixando Smith outra
opção a não ser me seguir também.

Eu caminhei sozinha até a Torre onde ficavam os dragões. Lynx


estava no térreo, selada e pronta pra voar, e quando viu a mim e
não o Daemon em seu uniforme de montador, ela bufou. Jatos
irritados de fumaça saíram pelas suas narinas.
— Oi, garota. Nós temos um problema.
O tratador deu um berro de atenção comigo quando eu me
aproximei do dragão sem o menor cuidado, mas eu sabia que
estava segura. Já tinha me aproximado dela antes.
Mesmo que agora ela realmente parecesse brava e nervosa por
não ver Daemon. Eu decidi ser sincera com o dragão, sem saber se
ela me entenderia direito.
— Daemon arrumou uma confusão do caralho e foi expulso do
time. — Lynx baixou as orelhas pontudas. — E agora eu preciso
substituí-lo. Eles querem que eu monte outro dragão Lynx, mas eu
quero você.
Ela bufou de novo, mais tranquila dessa vez. Mas virou a
cabeça para longe de mim, como se estivesse ofendida ou ainda
brava por Daemon não estar aqui.
— Eu sei e acredite, vou acabar com ele por ter feito isso com a
gente. — Ela virou pra mim de novo e eu me aproximei mais,
deixando o tratador maluco de preocupação. — Mas agora eu
preciso mesmo de você. Tenho uma estratégia nova que acho que
você vai gostar. E eu preciso da sua ajuda pra mostrar pra todo
mundo que nós duas somos as melhores.
Seus olhos de cor lilás brilharam pra mim, e ela assentiu com a
cabeça gigante, se abaixando pra me deixar montar. Eu acariciei
suas escamas e subi nela, fechando os cintos da sela.
Antes de levantarmos voo, eu fiz uma última coisa muito, muito
imprudente.
Desarmei os fechos da corrente de proteção que impediam que
Lynx abrisse totalmente a boca, como uma focinheira, e deixei o
ferro cair no chão.
— Se você soltar fogo em alguém, eles vão me expulsar e te
levar embora, e você nunca mais vai poder voar comigo ou
Daemon, entende isso?
Lynx deu um urro de felicidade pela liberdade, com a boca
aberta e os dentes a mostra. Os tratadores se afastaram com
pressa, e eu apertei minhas pernas em seu flanco para indicar que
ela voasse.
— Boa garota. Agora vamos aterrorizar alguns caras.
Eu tinha me certificado de pesquisar essa manhã se liberar a
focinheira de um dragão não era contra as regras, e descobri que
não. Era uma medida de segurança importante, que impedia os
dragões de cuspirem fogo durante o jogo escolar e causarem um
acidente fatal. Mas eu achava aquilo abusivo e confiava o suficiente
em Lynx pra libertá-la. Eu sabia que ela ficaria mais selvagem, mais
feliz, e muito mais determinada.
E talvez levasse a mim mesma à morte, mas sinceramente?
Essa nem era a maior das minhas preocupações no momento.
Nós voamos até o campo nos exibindo, com Lynx urrando e
fazendo os pássaros da floresta em volta saírem voando em
disparada.
A sensação do vento no rosto, do corpo duro e quente dela
debaixo de mim, da liberdade e excitação de um desafio, a
adrenalina correndo no sangue e a pontadinha de medo por saber
que estava prestes a fazer algo perigoso e que eu não sabia o que
ia acontecer... Eu sorri.
— Porra. Isso é viver de verdade.
Eu acordei com uma dor na cabeça como se tivesse sido
nocauteado. O sol iluminava o quarto, vindo das janelas
enfeitiçadas, indicando que já devia ser o meio da manhã, e eu me
levantei depressa.
O relógio na parede indicava que eram 10:45.
— PUTA QUE PARIU!
O jogo de Corrida de Dragão começava às 11h. E eu não estaria
lá.
Escovei os dentes na maior velocidade que podia e me vesti
com o que encontrei pela frente, mal registrando a bagunça anormal
em meu quarto.
Mas pensando bem, eu não lembrava direito de ter chegado nas
masmorras ontem a noite. Lembrava do olhar enfurecido dos
garotos da Torre quando apareci com meu distintivo de monitor ao
lado dos professores, acabando com a festa e distribuindo
detenções para os responsáveis.
Lembro também de ver as amigas do Ez escondidas no
corredor, meio bêbadas, e de mandar Dahlia voltar com os outros
alunos para as Masmorras antes de mim porque não queria que ela
encontrasse aquelas garotas.
Elas me pediram — ou imploraram — pra eu não dar uma
detenção. E eu aceitei, pensando em torturar Ez um pouquinho
sobre isso e dizer que salvei sua namorada e agora ele estava me
devendo uma.
Lembro de fazer o caminho de volta com elas, mas não lembro
de cair na cama depois disso.
Eu devia estar muito cansado. Ou ainda bêbado, para ter
dormido por tanto tempo.
E agora eu corria sem parar pelo castelo deserto, me odiando
por ter feito isso e não ter resolvido meus problemas com Smith a
tempo de pedir o lugar no time de volta.
Será que Cora jogaria no meu lugar? Será que Smith tentaria
remarcar a partida?
Pela ausência de alunos nos corredores, eu duvidava.
O berro de Lynx foi a primeira coisa que eu ouvi enquanto corria
pelos jardins. Um grito de guerra, alto, claro e... livre.
Vi a sombra dela passar por mim e ergui os olhos pro céu em
tempo de vê-la voando da torre para o campo, feroz e sem
correntes. A longa trança de cabelos loiros era tudo o que eu podia
enxergar de seu montador, e era tudo o que eu precisava para
reconhecê-la.
— Caralho, Cora.
Tropecei em uma raiz de árvore enquanto estava olhando para
cima e rolei colina abaixo.
Se isso era um castigo da Deusa, talvez eu tivesse merecido.

Encontrei a Elite completamente sujo, suado e sem conseguir


respirar direito. Me segurei em Ezra e afastei Penny do caminho
quando finalmente os alcancei nas arquibancadas e direcionei o
olhar pra baixo, pelo campo.
— Onde elas estão?
— Puta que pariu Daemon, que merda conteceu com você? —
Penny rebateu, fazendo cara de nojo pra mim.
— Karma — eu respondi fazendo uma piada, e os quatro me
encararam surpresos.
— Elas estão no chão, o apito deve soar a qualquer minuto —
Eros finalmente respondeu a minha pergunta.
E lá estavam eles. Mais uma vez no território direito, eu podia
reconhecer os cabelos loiros da Cora e também pude confirmar o
que tinha visto no ar.
— Lynx está sem as correntes.
— O QUÊ?! — Eles pularam.
Com as escamas pretas como carvão, não dava pra enxergar
de longe a ausência do ferro escuro em seu focinho. E o dragão
obediente estava mantendo a boca fechada, provavelmente sob
ordens da Cora, pra que ninguém percebesse e elas pudessem usar
isso como uma vantagem.
Mas que diabinhas inteligentes, as duas.
— Esse sorriso entrega tudo, irmão — Eros sussurrou ao meu
lado, e eu fechei a cara só pra contrariá-lo.
O apito soou alto e agudo como sempre, e as arquibancadas
vibraram.
Caramba, era diferente estar aqui embaixo.
— O que acha que eles vão fazer? — Ez me perguntou.
— Eu não... puta que pariu.
Eu não esperava por isso.
Quando aterrissei com Lynx no campo ao lado dos meus
colegas de equipe, Smith caminhou até nós, se mantendo a uma
distância segura de Lynx, que o monitorava com o olhar.
— Tem certeza que vamos fazer isso, Cora?
Encarei Smith mas falei com outro dos nossos jogadores, o que
cuidava das análises do time.
— Hey, Adrian? Em quanto tempo Daemon encerrou o último
jogo?
Ele pensou um pouco pra responder.
— Hã... uns 37 minutos.
Sorri para o Smith.
— Vamos fazer em 20.
Eu estava mais arrogante do que nunca.
Um dos garotos deu risada, os outros trocaram sorrisinhos.
— Eu gosto dela, Smith.
Natan fechou a cara pra mim, e pra eles.
— É, entra na fila.
Lynx rosnou baixinho embaixo de mim.
— Shhh. Lembre-se do plano.
O apito soou quando nós já estávamos prontos. Antes que ele
parasse de ecoar em meus ouvidos, Smith e os garotos já estavam
invadindo o território inimigo, aos berros.
Como a porra de uma guerra.
Lynx e eu subimos pro céu, e eu ronronei em seu ouvido
dragontino.
— Fogo, garota. Queime tudo.
— Eles não vão deixar ninguém guardando o ovo?!
Ez estava enlouquecido, tentando entender o que diabos eles
estavam fazendo lá embaixo. Eu mesmo não pude responder
porque estava de queixo caído.
Smith liderou todos os jogadores para o território inimigo,
berrando como os malditos soldados de Sparta, denunciando
totalmente sua localização e objetivo: Atacar e conquistar.
— Acha que eles vão apostar na velocidade? — Ez continuou.
— Alertando o time adversário que eles vão entrar com tudo no
território e que a única alternativa deles é fazer o mesmo?
Eu não sabia, eu ainda não entendia.
— Seria uma atitude desesperada pra caralho eles acharem que
podem ser mais rápidos no labirinto — Eros rebateu, e ele estava
certo.
O labirinto era criado justamente para prevenir esse tipo de
estratégia. Haviam animais mágicos para derrotar e obstáculos que
precisam ser superados com inteligência e habilidades mágicas.
Não era exatamente simples de resolver.
— E se for uma armadilha? Vocês fizeram isso da última vez,
não fizeram? — Penny perguntou.
— Talvez, mas pra levar eles a fazerem o quê? — Ez perguntou.
— Para aquilo.
Foi Dahlia quem falou, apontando o dedo para os céus onde
finalmente, Cora e Lynx surgiam. Botando fogo no próprio território.
As arquibancadas tremeram.
— PORRA!
— Puta que pariu, Daemon, o que ela está fazendo?!
— Ela vai matar alguém!
Não, ela não ia. E ela era a filha da puta mais inteligente e
ardilosa que eu já tinha conhecido.
A gritaria dos alunos assustados e torcendo sumiu do meu
cérebro conforme eu observava aquela garota voar como eu nunca
ousaria em toda a minha vida. E eu entendi o que ela estava
fazendo antes que Eros explicasse aos outros.
— Ela está protegendo o ninho. Com fogo.
— Só o outro dragão vai ousar passar pelas chamas agora. —
Ez sorriu satisfeito, aprovando a estratégia.
— Ah... pela deusa, e isso é permitido? Por que ninguém nunca
fez isso antes?
Penny perguntou diretamente para mim. E eu não tirei os olhos
de Cora e Lynx quando respondi:
— Porque ninguém nunca teve coragem.
Lá embaixo, a batalha se intensificava conforme o time
adversário percebia a confusão e reorganizava a estratégia. Na
minha cabeça, outra batalha se instaurava conforme eu planejava
todas as formas de recompensar a Cora pela ousadia, criatividade e
petulância.
Todas as formas envolviam ela nua na minha cama.
— Caralho, Daemon, você está vendo isso?
Lynx soltava fogo em vários pontos do labirinto. Da
arquibancada, nós podíamos ver que não eram pontos alatórios.
Elas estavam guiando os jogadores do time adversário, impedindo
que eles alcançassem o nosso time, os prendendo em um trecho
intocado cercado por chamas.
O montador rival não teve escolha a não ser deixar o ninho e
avançar em alta velocidade para o nosso território. Ele agora seria a
única opção pra roubar o ovo, e a melhor estratégia era ir o quanto
antes.
Mas Cora já estava esperando por isso, e guiou Lynx pelos ares
diretamente ao encontro do Dragão oponente.
— Não, não, não! — Dahlia choramingou, abrançando Eros pra
não ver o impacto. Ele mesmo mantinha o maxilar tenso, os braços
apertando a namorada com o nervosismo.
Ez e Penny que normalmente não calavam a boca, estavam em
um choque mudo, as bocas levemente abertas.
E eu achei que podia morrer a qualquer minuto.
As garras de Lynx atingiram o couro escamoso do dragão
oponente, e eu ouvi o montador xingar. Ela empurrou com o corpo,
tirando-o do seu equilíbrio de voo, o fazendo ter que dar meia volta,
se reajustar.
Era o tempo de Smith chegar no ninho inimigo e cravar a nossa
bandeira no feno.
Achei que as arquibancadas viriam a baixo. Era realmente
interessante assistir a partida sob esse ângulo, mas eu ainda
preferiria estar lá em cima, nos céus.
O jogo ainda não tinha acabado. Os alunos ao redor
exclamaram quando Smith lançou o ovo dourado no ar pra Cora
agarrar, e em um rasante perfeito de Lynx, ela conseguiu. Agora
Penny agarrava meu braço como se sua vida dependesse disso
enquanto Lynx e Cora voavam em alta velocidade pelo campo, o
vento fazendo nossos cabelos voarem.
— Ela está usando magia pra ir mais rápido — Eros constatou.
— Nunca fiquei tão feliz por ver esse vendaval caótico. —
Penny sorriu.
— Mas ela ainda precisa chegar antes dele. — Dahlia espiava
por entre os dedos de Eros, que ela mesma mantinha no rosto.
— Ah mas se ela não chegar, ela vai derrubar aquele dragão do
ar — Ez riu, já confiante da vitória. — Nunca vi a Cora tão
determinada.
Lynx chegou no ninho quando o montador rival desmontava do
seu dragão e corria até o nosso ovo. Cora saltou antes que o dragão
pudesse pousar, e empurrou o adversário para trás, deixando ele
caído no chão ao colocar delicadamente o ovo do inimigo ao lado do
nosso.
E só então ela endireitou a postura, ergueu o queixo e olhou
para as arquibancadas, esperando o apito final.
Lynx ainda provocou o dragão adversário com um grito de
guerra antes que a professora de Esportes Mágicos encerrasse a
partida, declarando nossa vitória não só do jogo, mas também do
campeonato.
A arquibancada vibrou com centenas de alunos pulando,
gritando e comemorando a partida histórica.
Os jogadores já saíam do labirinto, em direção ao centro do
campo onde agora os professores montavam um pequeno palanque
para a entrega do troféu.
Eu encarei o campo.
Espirais de fumaça subiam devagar onde o fogo agora apagado
tinha queimado partes da floresta. Era um cenário de pós-guerra,
completamente caótico. E combinavam perfeitamente com a dona
dessa confusão toda.
Procurei ela por toda a parte entre os jogadores, professores e
alunos que desciam das arquibancadas para assistir a premiação de
perto, mas não estava a encontrando.
— Nós vamos descer até lá? — Dahlia perguntou, pra ninguém
em particular.
E então eu a vi.
Em destaque na frente do time, pronta pra receber a taça das
mãos do diretor.
E sentada sob os ombros de Natan Smith.
Eu já estava correndo.
— VOCÊ CONSEGUIU! NÓS GANHAMOS A TAÇA!
Eu ria sem parar quando alcancei Smith e os outros jogadores e
eles me abraçaram e comemoraram.
— ADRIAN?! QUANTO TEMPO? — eu gritei por cima do
barulho.
O garoto abriu um sorriso de orelha a orelha quando me
respondeu:
— 19 minutos. Você é insana, garota.
Eles riram e comemoraram, e eu procurei o olhar de Smith.
— Tá bom pra você, Capitão?
Eu sorri com deboche, e ele também abriu um sorriso quando
me puxou pra um abraço e depois me ergueu nos braços, enfiando
a cabeça pelo meio das minhas pernas e me colocando em seus
ombros. Eu gritei no meio de uma risada e me segurei nele para não
perder o equilíbrio.
Nós cantamos o grito de guerra, mostramos o dedo para os
torcedores do outro time que faziam o mesmo pra nós, e esperamos
em cima do palanque até o diretor colocar a taça nas mãos do
Natan. Ele beijou a borda, e depois ergueu ela pra mim.
Meus colegas de time gritaram quando eu a ergui acima da
minha cabeça.
Do alto, pude ver a Elite se aproximando correndo.
Ez, Penny, Dahlia e Eros tinham sorrisos enormes. Daemon me
encarava com o maxilar travado, o corpo tenso e o olhar faiscando.
— Natan — eu chamei. — Me põe no chão.
Eu passei a taça para os colegas, que já se organizavam pra
comemorar na nossa sala de descanso, enquanto Smith me tirava
dos ombros e me dava mais um abraço.
— Te vejo na festa, depois? — Ele parecia já ter esquecido e
superado o lance do chupão de Daemon no meu pescoço.
— Com certeza. — Eu sorri pra ele.
Caminhei devagar pra longe de todos eles, onde Lynx me
esperava pra eu levá-la de volta até a torre. Um dos tratadores da
Averly até estava ali, mas eu tinha certeza que só eu teria coragem
para montá-la enquanto estivesse sem as correntes. E depois dessa
“apresentação”, acho que mesmo com as correntes todo mundo
teria medo dela.
Lynx bufou irritada quando me viu, e eu levei um instante pra
perceber que não era pra mim, mas pra alguém que vinha atrás.
Daemon.
Caminhando devagar, com as mãos nos bolsos, aquele olhar
furioso brilhando. Meu coração acelerou.
— Considerando a generosa demonstração de afeto que toda a
escola foi obrigada a ver, você e o Capitão estão bem de novo,
imagino? Ele deve estar muito satisfeito com sua nova montadora.
Foi a minha vez de trincar o maxilar.
— Você arrumou sua própria expulsão do time, Daemon. Ainda
espero um agradecimento por ter salvado a sua pele.
Ele deixou um sorrisinho de canto se abrir, sem humor algum.
Lynx bufou de novo e me cutucou com a cabeça.
— Ah, e Lynx também está brava com você. Ela não vai esperar
menos do que uma caça deliciosa pro jantar e um pedido de
desculpas.
Eu sorri para o dragão, acariciando suas escamas, e uma voz
grave me fez virar a cabeça.
— Ora, ora, ora, então foi pra isso que meu filho me fez gastar
uma considerável quantia de ouro ao comprar um dragão. Ele queria
impressionar uma garota.
Uma figura alta, forte e aristocrática vinha caminhando
lentamente em nossa direção. Seus cabelos eram do mesmo tom de
Daemon, mas eram longos e lisos.
Killian Novak, o pai de Daemon.
Um arrepio percorreu a minha espinha com o que ele tinha dito.
Daemon tinha feito o pai comprar Lynx?
— Pai... — O Sr. Novak o silenciou com um aceno de mão.
— Eu prefiro que meu colossal volume de ouro não fique solto
por aí sob o comando de qualquer um, meu filho.
Lynx bufou irritada. Ela não tinha gostado de ser chamada de
“colossal volume de ouro” e nem eu de “qualquer um”.
— O nome dela é Coraline Weylin, pai.
O Sr. Novak me analisou de cima a baixo. Por trás dele,
Daemon me deu um olhar que significava “pegue Lynx e vá”.
— Ah, Weylin... entendo. Uma bem nascida, então.
Seu pai se virou pra dar um sorriso cínico para o filho e eu não
perdi mais tempo antes de montar em Lynx e sussurrar pro dragão
voar. Mas não sem antes perceber a expressão apreensiva de
Daemon um segundo antes de ele cair de joelhos com uma
expressão de dor intensa.
Eu arfei quando vi a mão estendida de Killian Novak em direção
ao filho e os filetes de magia o atingirem como chicotes.
O urro de dor de Daemon e a voz gélida do seu pai foram as
últimas coisas que ouvi antes de afundar a cabeça no couro quente
de Lynx.
“Não me decepcione, Daemon.”

Eu precisei de um loooongo banho para relaxar os músculos


tensos do voo. Depois de deixar Lynx na torre, eu ignorei todo
mundo em meu caminho e subi até meu quarto, interrompendo o
plano de tomar um banho imediatamente só porque Penny tinha
deixado uma pilha de sanduíches e uma jarra de suco de laranja
para mim no nosso quarto, ao que eu comi agradecida.
Santa Phenelape.
Depois do banho o meu corpo podia estar relaxado, mas a
minha cabeça ainda girava com a quantidade de coisas que tinha
vivido naquele dia. Eu ainda não sabia como me sentir ou o que
pensar de tudo.
E, para piorar, assim que saí do banheiro de roupão e toalha na
cabeça, Daemon me esperava encostado na porta do meu quarto.
Ele tinha trocado de roupa, que antes parecia cheia de lama,
para a sua tradicional camisa preta. Tentei não lembrar da sensação
de enfiar meus dedos debaixo dela.
— O que você quer?
— Conversar com você.
— Não temos nada pra conversar.
Eu o ignorei, andando pelo quarto em busca de roupas.
— Ah, nós temos sim. — Ele empurrou a gaveta da cômoda que
eu tinha acabado de abrir e se colocou na minha frente.
— É verdade, nós temos. Qual é o problema do seu pai?
Eu sabia que tinha sido má e acertado uma ferida antiga quando
ele ficou tenso e seu maxilar travou.
— Não é problema seu. Esqueça do que viu.
Eu o empurrei para o lado pra abrir minha gaveta de novo.
— Ah é muito difícil esquecer o que eu vi.
Ele estreitou os olhos, percebendo que eu estava falando de
outra coisa.
— O que você e o Smith...
— Qual eu devo usar hoje, a preta ou vermelha?
Eu agitei duas calcinhas de renda no ar, interrompendo-o,
porque queria que ele calasse a porra da boca antes de começar a
falar do Smith. Daemon só desviou o olhar e cruzou os braços.
— Não deveria me pedir pra escolher se eu não vou ter o prazer
de tirar.
Fingi não sentir um arrepio da cabeça aos pés enquanto
escolhia uma delas — a preta — e dei as costas pra ele caminhando
até o banheiro.
— Cora, qual é o problema? — sua voz estava do outro lado da
porta do banheiro. Eu suspirei enquanto tirava a toalha da cabeça e
me vestia. — Eu achei que nós estávamos bem. Ontem a noite foi...
Eu abri a porta, dando de cara com ele inclinado e apoiado sob
o portal.
— Não me venha falar sobre ontem a noite, Daemon.
Ele franziu as sobrancelhas, não sei se pra o que eu tinha dito
ou se para o meu vestido lilás terrivelmente justo e curto que tinha
escolhido usar hoje. Eu agarrei a escova de cabelo e caminhei pelo
quarto procurando os sapatos e acessórios que queria usar, com
Daemon me seguindo.
— Princesa, eu realmente não sei qual é o problema.
— O que você fez ontem a noite, Daemon? E não me chame de
princesa. Eu não sou sua maldita princesa.
Eu parei em frente ao espelho de corpo inteiro pra secar o meu
cabelo com magia. Senti ele ficar tenso ao meu lado.
— Eu voltei pra Torre ajudar os professores.
— Exatamente. Depois da Dahlia.
— Depois da Dahlia.
Eu me irritei com ele repetindo tudo o que eu dizia, como se
estivesse tentando juntar peças do próprio quebra cabeça. Eu usei
magia para deixar minhas bochechas coradas sem blush e passei
um delineador nos olhos.
Não olhei pra ele nenhuma vez.
— Eu estive em seu quarto hoje de manhã.
Terminei de me arrumar e me encarei minuciosamente no
espelho. Fiquei satisfeita com o resultado, apesar de ter feito tudo
na força do ódio.
— E?
Aí eu fiquei puta. Muito puta.
— E você não dormiu sozinho, Daemon. Precisa que eu
desenhe pra você? Eu sei o que você fez.
Ele parecia tão surpreso que era como se estivesse ouvindo
sobre isso pela primeira vez.
— Puta que pariu, Cora.
— E, sinceramente, Daemon? Eu não estou nada surpresa.
Você precisava terminar com a nossa aposta, e conseguiu. Então
agora está livre pra pegar quem você quiser, só não conte que vai
me beijar de novo. Nunca mais.
Eu disparava as palavras, agora totalmente irritada e sentindo
uma raiva que eu não sabia de onde estava vindo. Os olhos de
Daemon passaram do choque para ódio total em menos de um
segundo. Mas sua voz era friamente controlada quando ele falou, se
inclinando acima de mim:
— Você continua achando que eu sou um predador nojento, não
é? Não importa o que eu faça, o que você escuta sobre mim acaba
sempre importando mais.
Eu o encarei, mal registrando suas palavras.
— Você tinha uma garota na sua cama, Daemon! Depois de ter
me falado que eu era a garota que você mais queria beijar! Me diga
que isso não é a atitude de um predador nojento?
Sentia meu coração se partir mais uma vez, Daemon e eu indo
de amigos a inimigos em instantes. Ouvimos uma batida na minha
porta naquele momento, e ele se encostou na parede enquanto eu
caminhava para abrir a porta. Smith estava parado do outro lado,
sorrindo pra mim.
— Estamos esperando nossa estrela para descer para o jantar.
Daemon se aproximou por trás de mim e o sorriso de Smith se
desfez quando ele percebeu que eu não estava sozinha ali.
Os dois se encararam e o clima ficou tenso.
— Não queremos atrasar o time, não é princesa?
Daemon falou com sua voz fria, pousando os dedos nos meus
que ainda estavam na maçaneta da porta. Eu puxei o braço ao seu
toque e ele puxou a porta para que saíssemos do quarto. Smith não
respondeu, apenas nos encarou com certa preocupação, e eu
registrei o mesmo olhar protetor que eu via em Adonis e Eros
quando eu me afastava de todo mundo para ficar perto de Daemon.
Nenhum deles achava que Daemon era bom pra mim.
E, talvez, eu devesse dar atenção a eles dessa vez.
Nós três seguimos pelo corredor, o capitão na frente, eu o
seguindo e Daemon colado atrás de mim. Algumas cabeças se
viraram para nós quando atravessamos a sala, até onde os outros
garotos do time estavam nos esperando pra começar a festa de
comemoração.
A Elite também estava por ali, e eu me aproximei deles.
Daemon nem olhou mais pra mim depois que alcançamos nossos
amigos, e tive a impressão de que ele puxou Eros para o lado para
sussurrar “não saia do lado dela” antes de desaparecer sozinho
entre os alunos.
Assim como Smith previu, nós entramos no salão sob aplausos
e urros dos colegas.
Essa noite, a comemoração da vitória não foi nada sofisticada
como as festas da Elite costumam ser. A empolgação pela vitória
era tanta que os garotos estavam embriagados e enlouquecidos já
na primeira hora. Eu não estava muito afim de beber, totalmente
exausta pelo esforço do dia e cansada de ouvir cumprimentos dos
meus colegas bêbados.
Quando avisei Penny que iria pular o jantar e ir pra cama mais
cedo, ela só concordou. Estava conversando com um dos garotos
do time e se aqueles olhares eram algum indicativo, ela talvez nem
aparecesse para dormir no nosso quarto hoje.
A Elite estava toda bagunçada.
Dahlia estava meio distante de nós, desde ontem estava
passando o tempo todo com a irmã mais nova e seus amigos, e eu
não fazia ideia do motivo. Ez e Daemon tinham sumido e eu estava
evitando Eros porque meu melhor amigo descobriria que tinha algo
errado comigo no instante em que pusesse os olhos em mim, e eu
ainda não estava pronta pra encarar as verdades que ele me diria.
No instante que entrei no quarto e arranquei os sapatos, ouvi
uma batida na porta.
Meu coração acelerou e depois desanimou quando eu
reconheci Smith.
— Natan, eu estou cansada. Vou dormir mais cedo hoj...
— Eu vou ser rápido, Cora. Tem algo que quero falar com você.
Eu franzi as sobrancelhas. Achei que ele tinha vindo pra me
levar de volta a festa, dar em cima de mim ou tentar me beijar de
novo, algo assim.
Mas quando ele se manteve em uma distância bem maior que o
normal, eu soube que não era nada disso.
— Cora, você é incrível. Provavelmente é a garota mais
cobiçada dessa escola, o que justifica todo o drama que vem junto...
– Ele parou de falar e sorriu, como se tivesse contado uma piada.
Eu não achei graça. Nenhuma conversa boa começava com
esse monte de elogios.
— Mas eu posso ver que você tem um assunto inacabado com
o Daemon, e eu não quero ficar no meio disso.
— Eu não tenho nada com o Daemon!
O nome dele me fez reagir. Lá estava o idiota arruinando minha
vida de novo.
Smith me deu um olhar complacente, que eu odiei.
— Cora, o que estou querendo dizer é que...
— Eu sei exatamente o que você quer dizer.
Eu interrompi, irritada, avançando na direção dele. O resto de
orgulho que eu ainda tinha depois de hoje de manhã não ia aceitar
deixar ele me dar um fora.
— Você quer dizer que não quer mais sair comigo, só que pra
isso, nós precisaríamos estar juntos, Smith.
Eu abri a porta e fiz sinal pra que ele desse o fora.
— Se eu sou demais pra você, é só cair fora. Você não me deve
nada e eu definitivamente não vou te dar satisfações.
Nós nos encaramos por um instante. Eu senti que se ele me
olhasse por mais tempo, eu iria quebrar.
Ele caminhou em direção à porta, parando na minha frente
antes de sair.
— Você merece mais do que ele te deu até agora, Cora. Muito
mais.
No instante em que eu bati a porta atrás dele, eu desabei.
Eros e Ezra entraram no meu quarto sem bater naquela noite.
Eu tinha pulado o café da manhã e almoço porque passei o dia com
Lynx, tentando fazer o maldito dragão me perdoar por não ter voado
com ela ou dado uma explicação sobre minha expulsão do time. No
fundo, eu sabia que nós estávamos bem. Mas ela era orgulhosa e
mimada, e gostava de me punir. E eu... também gostava de fazer
coisas para vê-la feliz.
Eros não me deu nem um bom dia quando avançou na minha
direção.
— Daemon, QUE PORRA VOCÊ FEZ?
— Calma, Eros — Ez pediu, se encostando na minha
escrivaninha com um olhar de desaprovação total, e eu me irritei
com os dois. Não queria eles se metendo na minha vida.
— Calma? Eu te falei que isso ia acontecer, eu avisei vocês
dois!
— Isso o quê? Eu não fiquei no castelo hoje, nem sei de que
porra vocês estão falando!
Eros bufou, o que me lembrou a Lynx em seu pior humor.
— Sabe quem mais não saiu do quarto hoje? A Cora. E a culpa
é toda sua.
Porra. Eu devia ter desconfiado que era sobre ela com Eros
agindo daquele jeito.
— Considerando como nossa última conversa terminou, eu não
me surpreenderia se Smith estivesse lá dentro com ela.
— Smith a largou, Daemon.
Eu ergui o olhar pro Ez.
— Ele o quê?
— Não que eles tivessem algo pra terminar, mas acabou. E
provavelmente foi a primeira vez que um cara deixou a Cora, e não
o contrário.
Ezra explicou, mas aquilo não fazia sentido nenhum pra mim.
— Ele é maluco? Alguém conferiu se não era um Troll com o
uniforme de capitão? Porque essa porra não faz sentido nenhum.
Os dois me olharam incrédulos.
— Ninguém deixa a Cora — eu insisti.
— Ele deixou. E você também, pelo que entendemos.
— Eu o quê?
Ezra perdeu a paciência comigo pela primeira vez.
— Daemon, já chega. Porque você não conta logo de uma vez
que merda você fez pra ter deixado ela tão chateada?
Eu considerei não contar. Mas ele era meu melhor amigo e
arrancaria aquilo de qualquer forma, então eu falei.
— Eu passei a noite com uma das garotas do último ano depois
de ter roubado ela do Smith noite passada... e quase ter transado
com ela naquela sala onde nós conversamos.
Os dois colocaram as mãos nos cabelos.
— Porra.
— Puta que pariu, Daemon.
— Eu sei.
— Eu achei que tinha deixado vocês dois lá pra CONVERSAR!
— E NÓS CONVERSAMOS! Mas depois eu a beijei, e uma
coisa levou a outra e... porra, ela queria aquilo tanto quanto eu!
Eros parecia a ponto de me bater. Ezra andava de um lado do
outro no quarto.
— Qual das garotas?
— Eu... não sei.
— Tá ficando bem difícil de te defender aqui, irmão.
— Eu sei, caralho! Porque acha que estou trancado nesse
quarto o dia inteiro? Ainda to tentando entender que merda eu fiz!
Nós três nos encaramos, e nenhum deles sabia o que dizer para
mim.
— Eu só sei que elas estavam bêbadas e fugindo dos
professores ontem a noite, quando eu as encontrei depois da festa.
Elas imploraram pra eu livrá-las da detenção, e eu deixei elas me
convencerem.
— Transando com elas? — Eros rebateu.
— Não! Quer dizer, não sei. Elas estavam bebendo, eu bebi
também, e nós voltamos juntos pras masmorras. Eu não lembro de
mais nada depois disso, só que hoje acordei de ressaca e com o
quarto todo bagunçado. Então talvez eu tenha transado com elas,
mas não me lembro. E não faz sentido, porque depois da Cora...
Eu me interrompi, porque não sabia o que ia dizer. Depois da
Cora eu não queria mais beijar ninguém? Eu não sabia se isso era
verdade.
— Como ela descobriu?
— Ela esteve aqui de manhã.
— Porra, ela viu as meninas?
— Provavelmente, sim.
Eros e Ez trocaram um olhar. Ezra passou a mão na cabeça e
me deu as costas, andando nervoso pelo quarto.
— O que ela falou pra você?
Eu fingi pensar. As palavras dela ainda soavam como facas na
minha cabeça.
— Que não estava surpresa e que nunca mais vai me beijar.
Ez sorriu.
— Isso parece resolver tudo.
— Não! — Eros se meteu, me surpreendendo. — Daemon tem
que conversar com ela e resolver tudo!
Eles começaram a discutir, e eu interrompi.
— Chega, porra! Parem de opinar na minha vida. Eu não vou
falar com a Cora. Ela decidiu, e é melhor assim.
Ez concordou com a cabeça. Eros veio para cima de mim.
— Então você vai desistir?
— Desistir de quê, Eros? Nós nunca tivemos nada, só a porra
de um beijo.
— É, continue dizendo pra si mesmo.
Ez segurou Eros, e eu explodi.
— O que vocês queriam que eu fizesse, caralho?! Vocês
passaram semanas dizendo que eu ia estragar tudo em algum
momento, agora está feito!
— Não precisava ser assim, Daemon. Ela merecia mais que
isso.
— Eu sei o que ela merece, Eros. Ela é a porra de uma
princesa. Ela merece o mundo inteiro. Alguém que vai fazer todas
as suas vontades, proteger ela de tudo... Alguém que vai matar por
ela.
Eu desabafei e Eros quase sorriu, incrédulo.
— E quantos caras você conhece que são assim, Daemon?
Porque eu só conheço um.
Demorei um segundo a mais para entender o que Eros sugeria.
— Eu não sou bom pra ela.
— Você é perfeito pra ela. Mas nenhum de vocês enxerga isso
ainda. São teimosos demais, orgulhosos demais.
— Já chega. Eu não quero mais ouvir sobre isso. Já está feito.
Eros e eu nos encaramos, eu desafiando ele a falar mais
alguma coisa sobre o assunto, até que Ezra interrompeu nossa
briga de egos pousando a mão no meu ombro e no de Knight.
— Eros, é a vida dele. O que você deveria fazer agora é voltar
pra Cora. Ela precisa de você.
— O que está acontecendo com ela? — Não consegui não
perguntar.
Eros me deu um olhar frio já na porta do meu quarto.
— Ela não lida bem com rejeição, Daemon, você devia saber.
Foi como uma chave virando na minha cabeça.
Todas as vezes que a mãe dela criticava a sua aparência.
Todas as vezes que ela dizia não ser boa o suficiente pro pai.
Todas as vezes que ela deixou de comer, ou correu para o
banheiro logo depois de uma refeição.
A obsessão pelo corpo perfeito, a aparência perfeita, por ter
todo mundo a bajulando o tempo inteiro.
Todos os traumas, inseguranças e distorção de imagem que ela
tinha.
E eu tinha oferecido o gatilho perfeito.
Fazia muito tempo desde a última vez que eu me senti um
lixo.
Mas depois de algumas semanas, eu finalmente cheguei ao
fundo do poço. E aí eu decidi sair dele.
Era sempre assim, sempre um ciclo. Talvez eu tivesse algum
tipo de sadismo, porque eu gostava de fazer o ciclo completo, me
colocar pra baixo, sentir pena de mim mesma, ficar introspectiva e
parar de cuidar de mim. E quando eu finalmente me cansava disso,
decidia resolver tudo de uma vez por todas e ressurgir como uma
nova versão.
Esse ciclo de depreciação tinha durado dias demais, e eu já
estava cansada e preocupando meus amigos. Eu sabia que Penny
fornecia um relatório completo pra todo mundo e que Eros estava
passando mais tempo no meu quarto do que no de Dahlia e ela
estava começando a ficar incomodada com isso. E também sabia
que Ez compartilhava tudo o que sabia sobre o meu estado com
Daemon.
A partir do momento em que percebi que estava sendo um fardo
pra Elite, eu decidi reagir.
E agora era hora resgatar minha velha amiga arrogância.
Se eu não tivesse tanta coisa para me ocupar com os exames
chegando, eu teria ficado maluco. Mas a pressão dos professores
por estar no último ano regular e precisar escolher uma carreira no
ano que vem era tanta que eu mantive minha cabeça cheia.
E evitei pensar em Cora por enquanto.
Eu tentei falar com ela, mas era como falar com uma parede. Ou
com um cubo de gelo. E o pior de tudo é que talvez a maior parte
dos alunos da Averly não notasse a diferença.
Mas eu notava cada detalhe dela.
Os cabelos soltos de qualquer jeito muito mais vezes na
semana que o normal. O uniforme padrão, sem as saias curtas, as
botas de couro ou as gravatas soltas no pescoço. O olhar ainda
mais gélido para todo mundo.
E o que mais doía em mim: a falta do sorriso malicioso de quem
está sempre colocando um plano diabólico em ação.
Eu provavelmente sentia falta até da preocupação com as
intrigas que ela gostava de causar nos corredores.
Mas ela precisava de um tempo sozinha, trabalhando dentro
daquela cabecinha, para voltar para nós.
Pior.
Ela sempre voltava pior. Mais má, mais ambiciosa, mais esperta.
E pra mim, muito mais irresistível.
Mas enquanto ela estava se refazendo, eu precisava me ocupar.
Enquanto ela não dava a mínima pra o que acontecia na Averly e
me afastava a cada tentativa de aproximação, Ez me mantinha
inteiro, me distraindo, me irritando, me mantendo ocupado.
Eu voava em Lynx quase todos os dias agora, já que sem o
campeonato não precisava treinar e tinha algum tempo livre. As
garotas começaram a aparecer pra assistir conforme o tempo ia
ficando mais quente. Elas gostavam de ficar nos gramados e
observar Lynx e eu, e só voltavam para o castelo depois que eu
também voltava, caminhando atrás de mim e as vezes me parando
pra fazer perguntas sobre o dragão.
Naquela tarde, Lynx parou na beira do lago para tomar água e
eu desmontei dela, querendo me deitar no gramado pra relaxar as
pernas e aproveitar o sol.
Mas ouvi o agora conhecido burburinho de risadinhas e
cochichos e levantei os olhos para ver quem se aproximava.
Ezra vinha caminhando com duas garotas a tiracolo. Ele sempre
estava com elas agora.
— Daemon, elas queriam ver o dragão de perto — ele falou
como quem se desculpasse.
Eu tirei as luvas de couro que vestia e estendi o braço antes que
Lynx bufasse de raiva.
— Não muito perto. Ela é ciumenta. — Eu sorri, acariciando a
cabeça gigante do dragão e encarando os olhos lilás.
Ela estava muito mais irritadiça com os outros alunos desde que
voou com a Cora. Eu estava começando a achar que ela sentia falta
da nova amiga.
— Posso montar? — alguém falou atrás de mim e eu dei risada,
sem olhar.
— É claro que não.
— Eu não estava falando do dragão.
Eu me virei.
Ez parecia segurar uma risada. Callie, a garota que agora
estava sempre pendurada em seu braço, enterrou o rosto do
pescoço dele. E olhando pra mim, com uma expressão atrevida,
Lauren.
Eu não respondi. Não era burro para responder isso e fazer uma
promessa que não sabia se podia cumprir. Mas sustentei seu olhar,
flertando de leve porque eu também não era de ferro, enquanto
respondi:
— Preciso levar Lynx de volta.
Ela bufou como se concordasse.
— Você vai hoje a noite, Daemon? — foi Callie quem falou. —
Vai ter uma festa na torre. Todo mundo vai.
Eu sabia da festa, mas duvidava que todo mundo iria.
— Eu não sei.
— Qual é, Daemon. — Lauren deu um passo a frente, e Lynx
agitou o rabo. — Nós estamos sentindo a sua falta. Não pode se
esconder com seu dragão pra sempre.
Lynx se agitou, abrindo as asas. As meninas deram alguns
passos para trás, e eu bati na barriga dela de leve.
— Calma, garota. — Eu quase poderia dizer isso para as duas.
— Se eu for, o que vou ganhar?
Eu abri um sorriso malicioso para eles.
— Vou pensar em algo até hoje a noite — Lauren respondeu,
com um sorriso maior ainda.
Elas se despediram e se afastaram enquanto eu acalmava Lynx
e me preparava pra montar de novo. Ez ficou pra trás.
— Você vai hoje a noite, Daemon.
— Ez, não começa.
— Você precisa voltar a viver. Toma um banho quente, faz a
barba e coloca uma daquelas camisas que as garotas gostam.
Eu o encarei por um instante. Eu podia fazer isso. O comentário
de Lauren quase me fez sentir algo. Quase.
Como se estivesse pensando nisso, ele falou sobre ela:
— Lauren está me incomodando a semana inteira pra eu
convidar você. Não sei o que você fez com ela na primeira vez, mas
ela está obcecada.
Foi a minha vez de bufar uma risada. Todas elas sempre
ficavam obcecadas.
Todas... menos uma. Mas eu não queria pensar nessa em
específico. Ou queria, porque eu já estava na geladeira dela há
muito tempo.
— E quando você vai anunciar o casamento, Ez? Fico admirado
que você consegue comer sem Callie pendurada em seu pulso.
Ele deu risada.
— Ela está me segurando em uma coleira, Daemon. Me
provocando e saindo fora no último minuto.
Eu fiz uma careta.
— Ah, irmão, não sei como você aguenta.
— Acha que eu deveria largar essa e ficar só com quem te dá
tudo o que você quer na primeira noite, como você?
Fingi pensar por um minuto.
— Parece muito mais divertido, não parece?
Ele revirou os olhos mandou eu ir me foder.
— Não sei porque eu ainda vou até você pedir conselhos.
— Ah espera, você queria um conselho?! Merda, devia ter sido
mais claro. Já tentou amarrá-la na cama e fazê-la ficar?
Ele desistiu de mim, e eu caí na gargalhada. Mas eu não estava
brincando totalmente. Eu não estava falando de forçar a garota de
forma alguma, mas de fazê-la querer ficar. Explorar os seus limites e
a provocar de um jeito que a fizesse perder a cabeça, ceder aos
seus instintos, abrir mão dos seus medos e inseguranças. Se
render, se entregar.
Porra, como eu estava com saudades de fazer uma garota
implorar.
Como se lesse os meus pensamentos, Ez concluiu por mim.
— Você precisa transar, Daemon.
Nós trocamos um olhar antes de ele prometer me deixar em
paz, olhando para o castelo e pras duas garotas que o esperavam
vários metros distante, conversando no gramado com outro
grupinho de meninas.
— Lauren já sabe do que você gosta. É fácil e ela está afim.
Lembre-se disso hoje à noite quando eu for pro quarto de Callie e te
lembrar que a a cama ao lado está vazia.
Eu o observei se afastar de mim, passar os braços sob os
ombros das duas garotas, e voltar para o castelo. Lauren se virou
pra mim antes de partir e sorriu.
Eu não acreditava que Ezra Slater estava roubando o meu
posto de maior fuck boy dessa escola.
E pela Deusa, eu precisava mesmo transar.
Dahlia e Penny chegaram no meu quarto depois do jantar com
um olhar decidido. Eu tinha acabado de sair do banho e ainda
estava de roupão quando elas entraram falando alto.
— Cora, isso é uma intervenção!
— Já chega de ficar aqui dentro, você vai sair com a gente hoje!
Elas pararam de falar quando me viram de máscara facial no
rosto.
— Eu sei. Já comecei a me arrumar.
Penny me deu um olhar de cima a baixo.
— Graças à Deusa. — E caiu na gargalhada.
— Não agradeça. — Dahlia interrompeu. — Peça ajuda.
Dessa vez eu me juntei às risadas.
Nós passamos a hora seguinte ajudando uma à outra a se
maquiar, escolher o look perfeito e se sentir bem para última festa
antes das férias de páscoa, onde tínhamos cinco dias de folga e
normalmente voltávamos pra casa dos nossos pais.
Eu tinha escolhido um dos meus vestidos pretos de sempre,
mas Dahlia e Penny reprovaram a roupa.
— Cora, é a sua primeira festa em semanas. Você precisa usar
algo que chame muita atenção — Penny dizia enquanto revirava
meu guarda roupa.
— Sim! Algo que seja impossível de ignorar — Dahlia
concordou.
— Algo tipo isso. Porra, experimente esse!
Penny me alcançou um vestido de cetim roxo, curto e justo no
corpo. Ele era tomara-que-caia com mangas compridas e um decote
meia taça que eu sabia deixar meus seios em evidência.
Ele ficou incrível no meu corpo. Teria ficado ainda melhor se eu
não tivesse emagrecido um pouco nesses últimos dias que me
alimentei muito mal, mas ainda assim, estava lindo.
Dahlia arrumou meu cabelo. Prendeu as laterais com fivelas do
mesmo tom, e deixou o restante do cabelo enrolado, volumoso e
solto. Eu amava usar ele solto. Penny fez minha maquiagem,
deixando as bochechas coradas e um delineado perfeito marcando
os olhos. Eu estava me sentindo amada e paparicada.
Quando parei na frente do espelho para minha habitual
observação criteriosa, elas pararam ao meu lado.
— Não ouse arrumar um defeito em nosso trabalho, Weylin.
Está perfeito.
Eu sorri, concordando. Não ia arrumar defeitos em mim mesma
dessa vez. E elas também estavam incríveis.
Penny mantinha seu estilo habitual meio piranha-gótica com
meia arrastão, saia de couro e cropped. Dahlia era um pouco mais
delicada, estava com um vestido azul soltinho — porém igualmente
curto — que apertava na cintura e valorizava suas generosas
curvas.
Em resumo, nós tínhamos nos dedicado.
Eros apareceu e esperou a gente dar os últimos retoques
oferecendo elogios, e quando eu percebi, já estava sorrindo de
novo.
Nós atravessamos o castelo juntos em direção aos dormitórios
das torres. Quando chegamos lá e nos deparamos com os olhares
de alunos ainda de uniforme ou moletom, Dahlia e eu damos risada
baixinho.
— Parece que estamos bem vestidas demais pra ocasião, mais
uma vez.
— Relaxa, isso já é praticamente uma marca da Elite.
Foi Penny quem respondeu, piscando para nós e agarrando
minha mão para puxar a frente e atravessar a multidão.
No final do salão, próximo à janela, Daemon e Ez fumavam
cigarros de Efthalia. Mas eles não estavam sozinhos.
Penny parou antes de chegar lá.
Ez estava encostado na parede, conversando com uma das
meninas que tinha armado a emboscada para mim, Callie. Ela
agarrava seu braço e passava a mão em seu peito enquanto ria de
algo que ele dizia. Daemon estava sentado em uma das poltronas, a
cabeça pra trás no assento enquanto soprava uma onda de fumaça
para cima, com Lauren sentada sob suas pernas, parecendo
radiante. Uma das mãos dele descansava sob o joelho dela.
Eu senti meu sangue ferver.
Dahlia paralisou, Penny se virou pra mim.
— Nós podemos ficar em outro lugar...
— Não.
Eu não ia fugir. Fui eu quem afastou qualquer tentativa de
aproximação dele nos últimos dias, ele tinha o direito de estar com
quem quisesse, mesmo que suas escolhas fossem escolhas de
merda.
E apesar de ele estar com a garota no colo, seus olhos estavam
em qualquer lugar menos nela. Eu já tinha sentido na pele como
Daemon era quando desejava alguém, e eu sabia exatamente por
quem o corpo dele implorava.
Eu tinha vindo pra me exibir, então era isso que eu ia fazer.
— Apenas... sigam a minha liderança.
Penny e Dahlia abriram sorrisos diabólicos idênticos.
Eu puxei a frente delas, fazendo todo mundo ao redor abrir
espaço para passarmos. Ez foi o primeiro a me ver. Seu sorriso
congelou, ele me olhou de cima a baixo, e procurou o olhar de
Daemon, que estava distraído demais sussurrando alguma
obsenidade no ouvido de Lauren.
Eu caminhei diretamente até ele.
E ele só viu a minha aproximação quando ofereceu o cigarro à
garota, e eu peguei das mãos dele antes disso.
Daemon era muito bom em manter a expressão neutra, mas eu
o conhecia bem demais para não perceber os detalhes. O maxilar
travado, o olhar estreito, a língua rolando na bochecha. Ele me
analisou de cima a baixo enquanto eu estava parada na sua frente,
com o cigarro nos lábios.
Dei a ele cinco segundos de contato visual. E então eu virei de
costas, levando o cigarro comigo, e caminhei até Ez, que soltava os
braços de Callie e vinha em minha direção.
— Oi, Ez!
Passei os braços em seu pescoço e o abracei apertado. Ele me
levantou pela cintura e eu senti meu vestido subir. Não me importei.
— Oi, Cora. Não sabia que você vinha hoje.
— Gostou da surpresa?
Ele sorriu para mim, e foi sincero.
— A melhor surpresa de todas.
Ele deixou um beijo na minha bochecha e me soltou para
abraçar Penny e Dahlia. Eu ignorei Daemon, mesmo quando ele
tirou Lauren do colo e se levantou.
Eros abria uma garrafa de uísque de fogo em cima de uma
pequena mesinha circular, e nós nos aproximamos em volta dela
para beber a primeira rodada. Enquanto Eros servia os copos, senti
Daemon parar atrás de mim, mas não me virei.
— Cora, eu quero isso! — Penny gritou na minha frente, do
outro lado da mesinha, apontando com o dedo para o baseado
pendurado em meus lábios.
Eu fiz sinal para ela se aproximar, enquanto dava uma tragada.
Ela se inclinou, apoiando as mãos em cima da mesa, e Eros
protegeu os copos pra ela não virar tudo. Eu segurei a fumaça na
boca, fechei os dedos nas bochechas de Penny, e puxei seu rosto
para perto do meu.
Quando eu soprei a fumaça na boca dela, eu uni nossos lábios.
O mundo parou por alguns instantes.
Quando soltei Penny e ela voltou pra trás, rindo e soprando
fumaça, eu vi o olhar de Eros e Ez arregalados pra nós.
— Puta que pariu, Cora.
Eu dei risada, sentindo Daemon estremecer atrás de mim, mas
não me virei. Estendi o cigarro para Penny fumar ela mesma uma
segunda rodada, peguei meu copo antes que Eros terminasse de
servir os outros, e virei.
— Vamos pra pista? — perguntei, pra ninguém em particular.
— Vamos pra pista! — Penny e Dahlia responderam.
Daemon estava na minha frente antes que eu alcançasse
minhas amigas.
— Eu também vou.
— Ah, não vai não. — Eu coloquei as duas mãos em seu peito,
o empurrando de leve pra trás. — Você e Ez estão em algum tipo
doentio de encontro duplo, e eu não sonharia em atrapalhar. Vamos
te dar privacidade.
Abri meu melhor sorriso debochado enquanto o “devolvia” sem
nem reconhecer a presença da garota atrás dele, e com um último
olhar sujo e sem vergonha percorrendo o corpo de Daemon de cima
a baixo, eu dei as costas pra ele e saí sozinha pela multidão.
Eu sabia que Daemon não era o tipo de cara que fazia o que
era mandado, então não me surpreendi ao vê-lo nos observar na
beira da pista de dança alguns minutos mais tarde, sozinho. Quando
eu me aproximei dele com a desculpa de me servir de uma garrafa
de cerveja que estavam sendo servidas ali perto, sabia que tudo o
que ele queria era um segundo da minha atenção.
Ele se inclinou na minha direção.
— Você vai me deixar maluco com esse vestido, Cora.
Principalmente porque eu sei o quanto você é quente por baixo dele.
Senti minhas pernas ficarem fracas, mas mantive a postura e o
queixo erguido.
— Realmente, está meio quente aqui.
Eu pisquei para ele, erguendo todo o meu volumoso cabelo pra
cima, deixando meu colo e pescoço à mostra. Ele não disfarçou ao
descer o olhar para os meus peitos e travar o maxilar.
Eu voltei para pista e ele desapareceu assim que eu me afastei.
Nós nos encontramos de novo meia hora depois, enquanto dava
uma volta com as meninas pela sala. Lauren o puxava pela mão,
provavelmente querendo se exibir com ele, e ele segurava os dedos
dela e deixava que ela o guiasse através dos estudantes, passando
por nós duas vezes de propósito.
Nas duas vezes, Daemon manteve o olhar fixo em mim,
avaliando meu corpo inteiro sem dizer uma palavra, e visivelmente
me devorando com os olhos. Na frente de todo mundo.
Ele até se inclinou sobre mim quando passamos perto um do
outro e traçou um dedo pelo meu maxilar. Eu mordi de leve quando
ele tracejou os meus lábios, pelas costas de Lauren, mas sem soltar
a mão dela.
— O que diabos vocês estão fazendo? — Dahlia perguntou.
— Flertando — eu respondi sem tirar os olhos dos dele,
mantendo o mesmo olhar intimidador e intenso, até ele sumir na
multidão e eu voltar a olhar para os meus amigos.
Penny, Dahlia e Eros tinham as sobrancelhas erguidas.
— Não, isso não era flertar — Penny rebateu. — Isso era se
devorar. Caralho Cora, eu consigo sentir a tensão até agora!
Eros caiu na gargalhada, e eu sorri para eles. Eu sabia que era
isso. Sabia exatamente o que estava fazendo.
E meu coração batia em alta velocidade no meu peito, pedindo
mais, mais, mais.
Eu estava pronta para chegar mais perto daquele limite invisível
que Daemon e eu tínhamos. Então quando cansei de dançar e me
exibir na pista de dança, saí sozinha procurando por ele.
Eu não sabia exatamente o que faria ou diria, mas antes que
pudesse me afastar muito, senti alguém segurar minha cintura e me
puxar pra trás.
— Você é uma diabinha maliciosa, sabia disso?
A voz rouca e sussurrada de Daemon me atingiu e eu fechei os
olhos quando sorri. Ele me segurava prensada contra ele, seus
dedos longos apertando minha cintura, me fazendo sentir seu peito
contra minhas costas.
Eu inclinei a cabeça, deixando ela cair entre os ombros e a
cabeça dele e expondo meu pescoço.
Eu ronronei quando sussurrei de volta, empinando a bunda
contra o corpo dele.
— Você pensa em mim quando está beijando ela?
Ele emitiu um som vindo da garganta, visceral e selvagem,
quando apertou fundo os dedos na minha pele e me virou, me
empurrando de costas contra a parede mais próxima.
Ele apoiou o cotovelo na parede acima da minha cabeça e se
inclinou sobre mim.
— Eu quero beijar você de novo.
Eu fiz que não com a cabeça, e ele segurou meu rosto
apertando as minhas bochechas com a mão livre.
— Cora...
— Você já beijou ela? Hoje, na festa?
Nós nos encaramos por um instante até que ele soltou meu
rosto e respondeu. Eu vi a sinceridade em seus olhos.
— Não.
Eu o empurrei para me deixar sair da parede.
— Você só pode beijar uma de nós essa noite. Estarei pronta
quando fizer sua escolha.
Dei as costas antes que ele pudesse ver meu sorriso diabólico.

Umas duas horas mais tarde, eu estava retocando meu gloss


transparente no banheiro quando uma figura alta e esguia entrou
sem se importar com o fato de ser o banheiro feminino: Era Eros.
Ele ignorou o meu olhar e se encostou na parede, cruzando os
braços.
— Veio me dar uma bronca?
— Vim perguntar que porra você está fazendo.
— Jogando — eu respondi sem tirar os olhos dos meus lábios
no espelho.
— Com quem?
Eu dei a ele um olhar através do espelho. Era óbvio que ele
sabia com quem.
— Sem enrolação. A verdade. Assim que passar pela sua
cabeça.
Eu pensei por um segundo. Aquelas eram as três regras,
nossas três regras, antes de um de nós fazer uma pergunta e o
outro precisar responder. Era algo que Eros e eu tínhamos, e ele
tinha acabado de convocar o poder da nossa amizade.
Eu apontei com a cabeça para os cubículos no fundo do
banheiro. Não queria falar nada que alguém pudesse ouvir. Ele
meteu a mão gigante com força na porta, batendo pra assustar se
alguém estivesse lá dentro. Fez isso com as três portas.
Não houveram gritinhos ou risadinhas, mas ele as abriu pra me
mostrar que estavam vazias. Eu tranquei a porta do banheiro e me
virei pra ele, cruzando os braços.
— Diga.
— Daemon. O que você sente?
— Eu não sei.
— A verdade, Cora.
Eu bufei, descruzando os braços e caminhando até ele.
— Eros, eu não faço ideia do que eu sinto. Isso tudo está uma
confusão do caralho!
Ele deixou seus lábios se abrirem em um sorriso de lado.
— Daemon quer você.
O ar se esvaiu dos meus pulmões quando Eros falou, sem
sequer um aviso. Eu fechei os olhos por um minuto para não surtar.
Estava claro que ele me queria, mas nós dois sabíamos que ele não
estava falando de simplesmente querer me beijar.
Ele me queria. Queria me dominar, me ter nas mãos, me
transformar em algo dele.
— Ele não...
— Ele quer. Só não sabe como lidar com isso. E nem você, pelo
jeito.
Eu o encarei, ainda sem conseguir organizar palavras para
formar uma frase. A ideia de Daemon Novak me querer daquele
jeito... Me apavorava ou me deixava louca de desejo, e eu ainda não
tinha decidido qual.
— Cora, é o Daemon. Você não deveria esperar que se
relacionar com ele seja fácil ou sequer parecido com a forma como
você se relaciona com outros garotos. Ele não é previsível. Ele não
vai agir como se espera. E ele não vai facilitar.
Ele deu de ombros como se não fosse nada, e se desencostou
da parede.
— Gerar o caos e quase o levar a insanidade cada vez que
você o vê com outra garota não é exatamente um sinal de que você
não se importa, Cora.
Ele alfinetou, piscando para mim, enquanto abria a porta do
banheiro para voltar pra festa. Eu sorri para meu melhor amigo, e
ele sussurrou: “apenas pense nisso” antes de deixar um beijo na
minha testa e sair.
Antes que a porta batesse de volta, eu já estava saindo. Não
precisava mais pensar, eu sabia exatamente o que eu queria.
Encontrei a Elite no fundo da sala onde Ez e Daemon estavam
na primeira vez que os vimos, e eles estavam praticamente do
mesmo jeito, mas agora com Dahlia e Penny os mantendo
distraídos.
Eu ignorei todo mundo ao caminhar até a janela e me sentar no
parapeito. Ezra tinha acabado de acender um cigarro e eu tirei dos
lábios dele sem me importar com a careta da idiota da Callie.
Elas estavam agindo como se nunca tivessem me atacado, e eu
também.
Fumando na janela, eu observava Daemon e Lauren no sofá,
sem me importar que qualquer um que olhasse para mim
percebesse. Eu não tossia mais, e tinha aprendido a tragar a
fumaça, prendendo no pulmão o máximo que eu conseguisse antes
de soprar para fora. Senti meu corpo relaxar no mesmo instante e
fechei os olhos por um segundo, me deliciando com a sensação.
Quando abri os olhos, Daemon estava de olho em mim. Eu
sustentei seu olhar com um sorriso travesso.
Lauren estava de novo em seu colo, de costas pra mim, e ele
beijava seu pescoço, subindo. Daemon segurava um copo quase
vazio de uísque com uma mão e a outra estava meio solta na nuca
dela, com os cabelos castanhos entre os dedos dele.
Eu lambi os lábios antes de colocar o cigarro na boca de novo e
ele lambeu o pescoço dela. Eu ergui as sobrancelhas, e ele sorriu,
me provocando. Sem tirar os olhos dos meus, beijou o caminho até
a orelha dela, e murmurou algo que eu não podia ouvir. Ela
concordou com a cabeça se virou pra ele, procurando seus lábios.
Meu coração estava a um passo de entrar em colapso,
observando os dois. O cigarro agora queimava sozinho entre meus
lábios.
Ele observou os lábios dela por um instante, a centímetros dos
dele, e depois olhou para mim de novo, pelas costas dela. Eu
neguei com a cabeça em um aviso claro.
Se ele a beijasse, podia me esquecer. Esse era o acordo de
hoje.
Um sorriso mínimo de canto se abriu nos lábios dele quando os
dedos que estavam na nuca dela se fecharam com força, agarrando
os cabelos dela e puxando sua cabeça para trás, afastando-a dele.
Meu coração se acalmou por um instante.
E eu decidi que não conseguiria aguentar mais.
Descendo do parapeito da janela, eu devolvi o cigarro a Ez.
Mantive o olhar em Daemon enquanto pude até me afastar,
deixando a Elite pra trás, atravessando a sala devagar, saindo da
torre.
Do lado de fora, com o corredor amplo e o vento frio que
soprava, eu senti que finalmente podia respirar. Meu coração batia
com ansiedade e expectativa.
Até eu ouvir a porta se abrir e Daemon aparecer no corredor,
sozinho, com os olhos faiscando pra mim.
Eu já estava encostada na parede oposta, mas ele fez questão
de me empurrar pra trás quando se inclinou sobre mim.
— Weylin... o que eu vou fazer com você?
Seus dedos deslizaram pelo meu rosto, e sua mão era tão
grande que ele conseguia passar o polegar pelo meu lábio e ainda
fechar os dedos em meu pescoço e nuca. Eu estremeci com o toque
firme e preciso.
— Sua amiga vai sentir sua falta.
Era a única tentativa que eu faria de “fazer a coisa certa”. Eu
sabia que tirar ele dela era errado, mas estaria mentindo se
dissesse que me sentia mal por isso. Mesmo assim, aquela frase
seca e sem emoção era a última chance que eu daria a ele para
desistir.
Daemon riu, segurando o meu rosto com mais força.
— Eu não estaria aqui se me importasse.
Ele respondeu no mesmo instante sem nem pensar, e eu fingi
não ficar aliviada.
— Porque me seguiu?
— Porque você pediu. Ou eu entendi errado todos aqueles
sinais?
Seus olhos brilhavam de excitação. Ele estava amando estar ali,
ser provocado e me provocar de volta. E eu, apesar de manter a
expressão séria e desafiadora, estava sentindo meu coração
implorar por um tipo diferente de provocação.
Ele também estava sedento por isso, porque não esperou pelo
meu próximo atrevimento para enfiar o rosto contra meu pescoço e
me morder de leve.
O susto me fez gemer.
E ele subiu até a minha orelha.
— Eu pensei nisso em cada maldito segundo que você me
manteve longe, princesa.
Eu queria poder dizer que não entendia, mas seria mentira. Eu
fantasiei com tê-lo por cima de mim mais vezes do que podia contar
nos últimos dias, e provavelmente porque eu sabia que minhas
fantasias nunca chegariam aos pés do que ele realmente era, eu
ignorei o resto do mundo e puxei seu rosto contra o meu, o fazendo
olhar para mim.
Não tinha porque fingir que eu não estava desesperada atrás
disso. Daemon me encarou, com nossos rostos a milímetros de
distância, e eu percebi a sutil mudança em um piscar de olhos. Eu
reconheci o olhar de predador que deixava qualquer garota louca
por ele, e de repente eu fiquei ciente de todo o resto do meu corpo.
Foi como uma descarga de energia, um raio caindo sobre nós
naquele microssegundo em que nossos olhos se cruzaram.
Ele tomou o controle sobre mim. Com as mãos firmes, ele puxou
meu rosto para si e pressionou minhas costas contra a parede, se
curvando sobre mim e me prendendo com seu corpo. Eu ofeguei e
senti o coração martelar. Eu não estava assustada, estava excitada.
Os olhos azuis acinzentados de Daemon brilhavam para mim,
percebendo que eu não tinha medo da postura agressiva dele.
Mesmo assim, ele se abaixou sobre mim e sussurrou, em um
tom de voz lento e até... sensual:
— Cora... Se você deixar eu te beijar agora, não sei se sou
capaz de voltar atrás depois. Não estou falando de sexo, quero dizer
que a nossa amizade nunca mais vai ser a mesma.
Porra. Como se depois disso tudo houvesse ainda alguma
chance de nossa amizade voltar a ser a mesma. Com um sorrisinho
debochado, eu respondi.
— Nós nem éramos tão próximos assim.
Daemon sorriu como se não acreditasse que eu estava fazendo
uma piada, passou as mãos frias pelo meu pescoço para que eu
não ousasse me afastar e me beijou.
Daemon me beijou como se sua vida dependesse disso. Como
se seu corpo não aguentasse mais ficar longe do meu, como se ele
finalmente se entregasse ao que ele realmente queria. E era assim
mesmo que ele era. Cada beijo, cada toque, cada movimentação
dele era intensa, selvagem e desesperada, mas ao mesmo tempo
firme, precisa e implacável. Era como se ele quisesse e precisasse
de cada beijo, e soubesse exatamente como tomar tudo o que ele
queria, do jeito que queria. Suas mãos desceram pelo meu corpo,
apertando minha cintura, sentindo cada curva.
Porra, eu amava quando ele fazia isso.
Amava quando ele se apossava do meu corpo e me movia ou
me pegava no colo como se eu não pesasse nada. Amava como ele
parecia já ter catalogado cada centímetro do meu corpo e sempre
soubesse onde tocar pra me fazer ter as reações que ele queria.
Eu amava estar sob o domínio dele, porque por algum motivo,
ele me fazia sentir que eu podia fazer o que eu quisesse.
Sua língua dançava com a minha, as mãos dele segurando
minha nuca, movendo minha cabeça, ajustando minha posição.
Meus dedos se fecharam em sua cintura, se agarrando à sua
camisa, tentando puxá-lo para mais perto.
Senti quando ele gemeu contra meus lábios assim que eu
consegui enfiar minhas mãos por baixo da sua camisa e arranhar
suas costas. Ele fez o mesmo comigo quando sem aviso nenhum,
apertou um dos meus seios, o fazendo quase saltar fora do decote
do vestido, e passou a língua na pele arrepiada.
— Daemon...
— Eu quero você, Cora.
Ele falou com sua respiração ofegante, as mãos me segurando
firme junto a seu corpo. Eu nunca tinha visto Daemon Novak desse
jeito. Ele afastou nossos corpos e me deu mais um olhar admirado.
Seus cabelos estavam bagunçados, seus lábios estavam
avermelhados e inchados e sob a luz do luar ele estava
incrivelmente gostoso. Precisei me lembrar de continuar respirando.
— Então me faça sua.
Ele parou a meio caminho de me beijar. Eu reforcei o pedido.
— Se você me quer, me faça ser sua.
Não tinha certeza sobre o que exatamente eu estava querendo
dizer, mas ele também não parecia precisar de algo muito objetivo.
Parecendo ponderar, ele se acalmou por um instante para me
admirar, tirando as presilhas que já não prendiam nada do meu
cabelo e guardando no bolso da calça.
— Eu vou fazer, princesa...
Eu mordi o lábio e sorri para ele. Estava completamente
dominada. Ele apertou a mão em meu pescoço, me fazendo
continuar olhando para ele, enquanto deslizava a outra mão pelo
meu corpo, apertando minha cintura junto dele e descendo até
minha bunda, saboreando o controle que ele tinha sobre mim,
percebendo que eu não diria a ele para parar.
— Vou fazer você gritar que é minha — ele sussurrou em meu
ouvido, e eu gemi em resposta.
Daemon gostava do controle, e eu gostava de tentar fazer ele
perder o controle. Minhas mãos percorriam o seu corpo por baixo da
camisa dele. Eu as trouxe para frente, para sentir cada músculo do
peito, cada detalhe do abdômen, as pontas dos dedos deslizando
sob as entradas em V no seu baixo ventre, até parar na fivela do
seu cinto.
Eu olhei para ele e ele me encarou como se me desafiasse a
seguir.
Com um sorriso malicioso, eu desci.
E descobri a sensação maravilhosa que era fazer Daemon
gemer contra meu ouvido.
Minha mão se fechou no contorno do seu pau, por cima da
calça, quando o senti duro como uma maldita pedra. Ele deixou a
cabeça cair contra meu pescoço e gemeu.
Eu apertei mais. Tentei agarrar e acariciar, mas era muito difícil
por cima da calça, então minhas duas mãos foram direto até a fivela
do seu cinto, com um único objetivo: Abrir e me permitir enfiar a mão
lá dentro.
Mas ele não deixou.
Aconteceu tão rápido que eu mal registrei o movimento, mas
Daemon me impediu e me virou, prendendo minhas mãos atrás das
minhas costas e me fazendo ficar prensada contra a parede, com o
rosto colado na pedra fria. Eu arfei de susto, mas meu coração batia
violentamente.
— Cuidado, princesa...
Sua voz era um sussurro rouco e firme contra meu ouvido, e ele
deu um passo para trás, me soltando da parede e fechando de novo
seu cinto, impondo um limite.
Daemon Novak estava me dizendo para parar? Eu fiz uma
careta, frustrada.
— Eu achei que você me queria.
Eu choraminguei, passando a língua nos lábios, o provocando,
e admirando a expressão dele enrijecer enquanto me ouvia. Eu
percebi que ele estava usando todo o autocontrole que tinha para
me parar.
— Ah, eu quero. Quero cada centímetro de você.
Daemon sussurrou em meu ouvido e me fez tremer dos pés à
cabeça.
— Mas eu pretendo me demorar com você, princesa. Não
assim, não aqui. E não hoje.
Eu o encarei sem conseguir conter um sorriso. Eu não sabia
que Daemon podia agir com tanta cautela quando o assunto era
sexo, e pensar que ele podia já ter fantasiado e planejado tudo o
que queria fazer comigo era... intenso. Demais, por hoje.
Eu estava pronta para isso, cansada de lutar contra o que meu
corpo pedia há meses, mas ele foi irredutível. Daemon não iria
transar comigo por impulso. Eu sorri deliciosamente surpresa e
deixei ele me ajeitar mais uma vez. Estremeci e ronronei quando ele
puxou o meu decote, os dedos roçando a centímetros dos mamilos
que agora marcavam no tecido justo.
Ele percebeu.
— Está vendo porque essas roupas acabam comigo? Eu
consigo ver o quanto você quer que eu arranque cada uma com os
dentes.
Eu abri um sorriso malicioso, sem conseguir encontrar forças
para responder.
Ele terminou sua examinação colocando meus cabelos para
frente, para enconder uma marca vermelha que ele tinha deixado
em meu pescoço.
Assim que deu um passo pra trás e me olhou satisfeito, ele
olhou para si mesmo e ajeitou sua camisa.
— E agora? — eu perguntei enquanto ajeitava seu cabelo. Ele
esperou pacientemente.
— Agora você vai sair comigo. Para um encontro.
Eu ergui as sobrancelhas.
— Um encontro?
Ele sorriu de lado no escuro, o luar realçando o brilho no olhar.
— É, se você puder chamar sete dias comigo na minha casa de
encontro.
— Sete dias?! O que você...
— Cora, vem passar as férias de páscoa comigo. Você vai ser
minha convidada especial.
As férias de páscoa... eu tinha esquecido que essa era a festa
de despedida, e que amanhã nós entrávamos em um recesso.
Como tinha passado os últimos dias no fundo do poço, nem tinha
me planejado para esse feriado.
Mas até parece que eu iria conseguir dizer não para Daemon
Novak.
Quando ele pegou minha mão pra me guiar de volta pra dentro
da torre, eu consegui responder:
— Espero que eu tenha roupas formais o suficiente pra esse
evento.
Ele abriu um sorriso malicioso antes de me olhar dos pés a
cabeça e abrir a porta da sala.
— Não vamos ter problemas com as roupas.
Eu corei, e ele deu risada.
— Agora você ficou com vergonha?
Escondi o sorriso assim que entramos de volta para festa e
Daemon soltou minha mão. Aqui dentro, nós voltaríamos para o
nosso joguinho.
Pelo menos por mais essa noite.
Daemon me deixou passar na frente e seguiu meus passos até
o fundo do salão onde estava a Elite. A festa já estava no fim,
tinham poucos alunos ainda acordados. Fingi não ver o olhar de
Eros em nós, e me estiquei nas pontas dos pés para sussurrar no
ouvido de Daemon antes de caminhar para o outro lado como se
nós não estivéssemos estado juntos na última meia hora.
— Não se esqueça da escolha que fez essa noite, Novak.
Nosso joguinho ainda está valendo.
Ele escondeu um sorriso quando caminhou até onde Ez
comemorava seu retorno, visivelmente bêbado com as meninas a
tiracolo, e se esquivou dos lábios de Lauren quando ela o abraçou.
Observei enquanto Eros se despedia de nós e acompanhava as
meninas da Elite de volta até as masmorras.
Ez o convenceu que iríamos ficar só mais meia hora, então ele
não encheu o saco por separarmos a Elite quando se afastou. Já
estávamos oficialmente de férias e na manhã seguinte os alunos
que quisessem iriam para casa. Eu tinha planos muito bem
formados para as férias de Páscoa. Precisei de toda a força de
vontade que eu tinha para não atropelar as coisas e tomar Cora nos
braços aquela noite mesmo, em um corredor dos dormitórios das
Torres.
Se estivéssemos nas masmorras, eu talvez teria colocado Cora
Weylin no ombro e a carregado até o meu maldito quarto no instante
em que ela tentou abrir a minha calça.
Mas eu queria fazer as coisas direito com ela pela primeira vez.
Não ia deixá-la se sentir como uma garota qualquer, porque para
mim ela era a porra de uma princesa, e eu ia tratá-la do jeito que ela
merece.
Eu tinha finalmente aceitado que queria mais dela. Eu queria
que ela fosse minha, e estava ainda entendendo como as coisas
deviam funcionar. Eu não queria estragar tudo de novo com
decisões precipitadas, então eu ia começar isso do jeito que devia
ser o certo, devagar e... com um encontro. Não é só porque eu
sabia ser rápido com as garotas que eu não poderia ir devagar.
A partir de amanhã, as coisas seriam diferentes.
— Daemon, onde você estava?
A voz de Ez me despertou dos meus pensamentos e eu
procurei o olhar do amigo. Weylin me fez esquecer completamente
os planos que tínhamos feito para aquela noite.
— Eu fui pegar um ar, Ezra.
Cogitei contar a ele sobre Cora, mas decidi que não devia. Ele
se sentou ao meu lado e ofereceu a garrafa de uísque de fogo que
tinha pego com Eros antes dele ir embora, piscando para mim. Ele
ia levar Dahlia pro meu quarto essa noite, e eu ia dormir no dele,
que ele dividia com Ez.
Mas ninguém sabia que Ez não tinha planos de voltar ao
dormitório masculino essa noite.
— Achei que tinha desistido do plano, Novak. Eu juro que ia
matar você.
Ezra ia até o quarto da Callie hoje a noite. O quarto que ela divia
com Lauren e que eu supostamente, também deveria ir.
Eu bebi um longo gole de uísque de fogo direto da garrafa,
pensando que precisava ficar muito mais bêbado para aguentar o
que eu tinha que fazer.
Eu podia recusar, mas não o faria. Não por Ez, que estava
planejando isso há semanas e já tinha feito muito pior por mim.
Ainda precisava dar um jeito de não quebrar o acordo com
Cora, mas não seria a primeira vez que eu transava com uma garota
sem nem beijá-la na boca.
Também não seria a primeira vez que eu transava sem ter a
menor vontade de fazer isso, só pela necessidade de liberar alguma
porra de energia.
Porque do jeito que a Cora tinha me deixado hoje, eu tinha
muito tesão acumulado.
Bebi metade da garrafa sozinho só para matar o nojo que eu
sentia de mim mesmo.
Na manhã seguinte, pulei o café da manhã porque como não
tinha me organizado pra sair da Averly, precisei fazer as malas com
pressa. Eu não fazia ideia de o que levar, porque também não fazia
ideia sobre o que Daemon e eu iríamos fazer.
Pensar nisso me deu um frio na barriga de expectativa.
Eu sorri sozinha pensando em como beirava a maluquice
aceitar o convite de passar sete dias com ele sem saber onde, como
ou porquê. Mas eu não me arrependia nem um pouco.
Consegui fechar uma mala com tudo o que eu pensei que
poderia precisar. Roupas casuais, alguma coisa mais elegante,
opções de sapatos, acessórios e o básico da minha rotina de skin
care.
Era pouco, muito pouco, mas teria que servir.
Eu não ia assustar Daemon chegando com três malas gigantes
no salão principal.
Como desci depois do café, encontrei todos os alunos
espalhados pelo salão e hall do castelo, com suas roupas casuais e
malas a tiracolo. Procurando entre os alunos, reconheci Eros
acenando pra mim perto das enormes portas de carvalho, e corri até
lá, arrastando minha mala, com mais uma mochila nas costas.
Dahlia e Penny estavam emburradas de um lado de Eros,
fazendo caretas para o outro lado dele, onde Ez esperava com um
braço em torno de Callie. Ele sorria e sussurrava algo no ouvido
dela, que ouvia dando risada. Os dois pareciam bobinhos
apaixonados, e eu odiei sentir um peso no estômago por causa
disso.
Eu não gostava dela, mas queria ver meu amigo feliz. Imaginei
que esse era o mesmo dilema que Penny e Dahlia estavam
discutindo a alguma distância.
Planejava perguntar, mas assim que cheguei e elas me viram e
registraram minha mala, ergueram as sobrancelhas pra mim.
— Pra quê essa mala?
— Você não ia ficar na Averly? Decidiu ir pra casa dos seus
pais?
Nós raramente falávamos “nossa casa”. Não nos sentíamos em
casa lá, de qualquer forma. A escola era o mais próximo de um lar
que tínhamos, então quase sempre nos referíamos à casa “dos
nossos pais”.
— Ah, não. Na verdade eu vou...
Antes que eu pudesse responder, algo chamou a atenção delas
atrás de mim e eu me virei.
Daemon vinha caminhando em nossa direção, com Lauren logo
atrás. Eles pareciam estar discutindo e ele estava visivelmente
irritado e sem paciência. Ela parecia prestes a cair no choro.
Callie se soltou de Ez, parecendo em dúvida se devia ir até lá e
intervir. Vendo a incomodação dela, Penny sorriu e falou com
Dahlia, mas alto o suficiente pra que toda a Elite — e Callie —
escutassem:
— Eu falei que ele não ia suportar a chatisse dela. Você me
deve dez moedas de ouro, Ezra.
Ez franziu as sobrancelhas, mas não disse nada. Eu sabia que
não havia aposta alguma, mas sorri quando percebi a raiva e mágoa
nos olhos de Callie. Mesmo que Ez estivesse apaixonado por ela —
o que eu ainda não sabia se era o que estava acontecendo — ela
nunca faria parte da Elite. Penny nunca permitiria.
Lauren pareceu segurar o braço de Daemon e querer impedir
que ele caminhasse até nós, o que o deixou ainda mais puto. Eu vi
seus olhos ficarem frios quando com a mão livre ele agarou o rosto
dela pelas bochechas e sussurrou uma clara ordem de: “me solte,
porra.”
Ela soltou, mas o acompanhou até nós com os olhos cheios de
lágrimas enquanto Daemon ignorava completamente sua presença.
Callie largou Ez pra ficar ao lado da amiga, com Penny sibilando
baixinho:
— Você é a próxima, vadia.
— Phenelape, guarde seu veneno pra quem realmente merece
— Ez rebateu, irritado.
Penny me deu um olhar indignado, mas eu a mantive calada
com um olhar. Eu tinha a proibido de brigar com Ez ou Daemon
sobre ficar com essas garotas, porque era meu problema com elas,
não dela.
E Lauren estava recebendo o que ela merecia nesse exato
momento, quando Daemon enfiou os dedos pelos meus cabelos e
me puxou para perto pra um beijo na ponta do meu nariz assim que
parou do meu lado. Dahlia sorriu silenciosamente encarando algo —
ou alguém — atrás de nós e eu soube que Lauren e Callie estavam
vendo tudo.
Ele arrancou a mochila das minhas mãos e colocou em seu
próprio ombro, depois deu um olhar curioso para a única mala na
minha mão.
— Só isso? Você sabe que vamos passar sete dias fora, não
sabe?
Eu sorri em resposta. Ele me conhecia bem demais.
O tom de voz divertido e carregado de segundas intenções de
Eros me poupou de responder, mas me trouxe outro choque.
— Você conhece a Cora, Daemon. Ela com certeza está
planejando renovar o guarda-roupas em Paris.
A voz propositalmente alta de Penny representou exatamente o
que eu sentia naquele momento:
— PARIS? PUTA QUE PARIU DAEMON NOVAK, VOCÊ VAI
LEVAR A WEYLIN PRA PARIS?!
E em um instante, a Averly inteira sabia dos nossos planos, e
reagiu com tanta surpresa quanto eu, porque ele não tinha me dito
nada.
Daemon apenas deixou a cabeça cair para trás e riu.
— Em Paris é onde a Família Novak comemora a páscoa todos
os anos, Penny. Esse ano a Cora é minha convidada especial.
Ele passou o braço sob meus ombros, e o queixo de Phenelape
continuou no chão. Ninguém ouviu quando Daemon se inclinou
sobre mim e sussurrou no meu ouvido:
— Fico feliz que você tenha entendido exatamente o que eu
pretendo fazer com você e se absteve de trazer roupas, princesa.
Eu dei um tapa fraquíssimo em seu peito, sentindo as
bochechas corarem.
— Cala a boca, idiota — eu murmurei, e depois respondi em voz
alta. — Eros está certo. Você vai ter que me levar pra fazer
compras.
Notei Lauren querer sumir em um buraco do chão quando
Daemon acariciou minha bochecha.
— Vou comprar tudo o que você quiser, princesa.
As portas do castelo se abriram e os alunos começaram a se
mover antes que alguém pudesse perguntar ao Daemon que porra
foi essa que acabou de acontecer.
Antes que eu pudesse acompanhar os estudantes que saíam
apressados em direção às carruagens que nos levariam até a
estação de trem no povoado do outro lado dos portões, Penny
tomou a frente e esbarrou propositalmente entre Lauren e Callie,
sibilando:
— Tentem o quanto quiserem, mas vocês nunca vão ser uma de
nós.
Dahlia e eu a seguimos, reforçando a mensagem dela com o
olhar.
Meu sangue ainda fervia do conflito dessa manhã com Lauren.
Dormir ao lado dela essa noite foi quase impossível de suportar, e
eu acordei Ezra antes do nascer do sol para irmos embora de lá, o
que deixou Lauren enfurecida comigo.
Eu não era a porra do namorado dela, caralho, não importava o
quanto ela sonhasse com isso.
Eu não ia passar mais tempo que o necessário ao lado dela, e
depois de ter cumprido o meu papel com Ezra, eu não ia ficar mais
nem um segundo ali.
Tinha planejado usar qualquer uma das garotas que cruzasse
meu caminho naquela manhã pra afastá-la e deixar mais claro ainda
que eu não tinha interesse nenhum nela, mas quando reconheci os
cabelos loiros de Weylin no salão, não pensei em mais nada a não
ser estar ao lado dela. Lauren virou imediatamente um personagem
figurante na história da minha vida e eu só percebi que ela tinha me
seguido até a Elite quando nós saímos em direção aos portões da
escola.
Chegando na estação de trem, Ez e Eros me cercaram e me
isolaram assim que as meninas se distraíram.
— Daemon, que porra nós perdemos?
Cora deve ter contado a Eros ainda ontem a noite que ia passar
as férias de páscoa comigo, ela contava tudo a ele. Ele foi esperto
ao se lembrar que minha família sempre passava esse feriado em
Paris, e me ajudou ao fazer a escola inteira ouvir falar sobre isso.
— Você vai levá-la pra Paris? Do nada?
Ezra parecia chocado, e eu entendia. Até onde eles sabiam nós
estávamos sem nos falar, e eu não tive tempo de contar sobre a
noite passada. Tinha sido inesperado e impulsivo, mas eu não me
arrependia.
— Nós... conversamos ontem a noite. Do lado de fora da torre,
no final da festa.
Eu expliquei e as reações dos dois foram idênticas. Dois pares
de olhos rolando para mim. Eu quase sorri.
— Caralho, vocês se beijaram de novo, não foi?
Eu ergui as mãos, me defendendo.
— Ei, ela pediu por isso dessa vez! E eu a convidei para um
encontro, vocês deviam estar satisfeitos!
Eros caiu na risada, mas Ezra me encarou preocupado. Ele
sabia onde eu estava no fim da noite passada.
— Desde quando você sabe o que é um encontro, Daemon?
— Ezra, só porque eu os evito, não quer dizer que eu não saiba
o que estou fazendo.
— Sabe, encontros são quando vocês mantêm as roupas... e
não dormem sob o mesmo teto.
Ele riu da própria piada.
— Sei. Os meus encontros são diferentes.
Me afastei de Ezra e abracei Eros para me despedir dele, mas
aproveitei a nossa proximidade para sussurrar sem que ninguém
escutasse:
— Ela é virgem, não é? Eu sei que você sabe.
— Ela é — ele me respondeu rindo.
— Merda.
Knight leu minha expressão e sorriu debochado.
— Nervoso Daemon? Você já transou com garotas virgens
antes, não é?
— Sim, e é sempre horrível. Eu não quero que seja horrível.
— Então faça não ser horrível.
Eu fechei a cara para ele, porque seu conselho era inútil. Ele riu
do meu desespero.
— Só não perca o controle na primeira vez. Vai dar tudo certo,
Novak.
Eros me empurrou para longe assim que os outros se viraram
pra olhar porque nós estávamos cochichando.
— Princesa — Eu peguei Cora pela mão, ignorando as faíscas
que correram por todo o meu corpo. — Nós temos que pegar outro
trem.
Olhos dela faiscaram pra mim.
— Ah, é verdade.
Esperei ela se despedir dos amigos, com Penny e Dahlia
tagarelando sem parar. Eu me despedi também e me afastei deles
ao lado de Cora, ouvindo Phenelape berrar para todo mundo:
— Tira fotos! E eu quero saber de tudo sobre Paris!
Ela sorriu debochada quando pegou o meu olhar.
Nos afastamos de todo mundo, porque a maior parte dos alunos
pegaria o trem padrão até Londres, eu guiei Cora até a outra
plataforma. Nosso trem já estava lá, então eu cuidei das bagagens e
nós entramos no trem, procurando um lugar pra sentar.
Weylin parecia apreensiva. Ela não falou muito quando o
cobrador apareceu pra conferir os nossos bilhetes e nem quando o
trem saiu da estação, começando a andar com um solavanco.
Meu coração batia rápido demais enquanto eu a observava,
sentada na minha frente. Ela era tão perfeita que eu achei que podia
me ajoelhar ali mesmo e implorar pra tirar a sua roupa.
Sua voz me tirou dessa corrente de pensamentos: – Ainda bem.
— Então... Paris? E não passou pela sua cabeça me avisar?
Eu deixei escapar uma risada.
— Você também não perguntou.
Cora me encarou ainda sem acreditar. Ela desviou o olhar em
alguns segundos e agitou a cabeça, nervosa.
— Eu definitivamente não trouxe roupas suficientes ou
adequadas pra Paris.
— Ei.
Eu segurei seu rosto, fazendo-a olhar para mim.
— Você fica incrível com qualquer roupa. E nós podemos só
ficar em casa se você quiser, de pijama, pelos próximos sete dias...
Meu corpo estremeceu ao imaginar ela dormindo ao meu lado
como ela dormiu aquele dia no meu quarto, usando uma camiseta
minha. Definitivamente, ela ia dormir comigo nessas férias. Foda-se
os meus pais.
— ...ou podemos realmente sair e comprar coisas novas. Falei
sério quando disse que posso comprar o que você quiser.
Ela me encarou por um instante. Cora tinha dinheiro, eu não
queria impressioná-la com isso, eu só queria que ela soubesse que
eu faria qualquer coisa, eu faria tudo o que ela quisesse.
Pela Deusa, eu ficaria maluco só de pensar em tudo o que eu
faria por ela.
Quando ela falou de novo, seu sorriso estava maior e seus
olhos brilharam. Ela me respondeu em um francês perfeito que só
uma legítima filha de franceses falaria:
— J’aime Paris. (eu amo Paris)
Eu sorri quando respondi também em Francês:
— Moi aussi, ma princesse. (eu também, minha princesa)
Ela levantou as sobrancelhas para mim. Ainda criança, meus
pais me disseram que eu precisava aprender pelo menos mais uma
língua. Eu escolhi francês depois de em um baile da alta sociedade,
conhecer a curiosa garotinha filha de um parceiro de negócios do
meu pai que tinha um olhar arrogante pra mim e só falava em
francês com a mãe porque eu não entendia.
Eu tinha certeza que elas estavam falando mal de mim.
Ninguém esnobava meus brinquedos naquela época, e eu
nunca perdi a vontade de impressionar aquela garota.
Mas eu não contaria essa história para ela. Nunca.
Graças à magia, a viagem da escola até Paris só durou uma
hora. Cinco minutos depois do embarque, a tecnológica locomotiva
preta acelerou em uma velocidade que não seria normal para os
olhos humanos e fez uma viagem de horas em minutos, por baixo
do mar.
Um trabalho eficiente de herdeiros de Rieka e Sierlyn.
Eu tinha dois assuntos que queria levantar nessa viagem, e eu
sabia que Daemon se recusaria a falar deles. Um era Lauren. O
outro, era sobre o pai dele.
Escolhi começar com o mais fácil.
— Daemon, eu sei que não é da minha conta, mas o que estava
acontecendo entre você e Lauren mais cedo? Ela parecia realmente
chateada.
Ele me observou por um instante.
— Você não está realmente preocupada com ela, está?
Ele viu a verdade em meus olhos.
— Não. Não com ela.
Eu não queria repetir aquela cena do corredor. Se ela estava
obcecada por Daemon e agora que ele estava publicamente
passando mais tempo comigo... Sinceramente, eu temia outra
emboscada.
— Ela não é mais um problema. Você não precisa se preocupar,
princesa. Eu prometo.
Não sei se Daemon realmente entendia até onde garotas
ciumentas e desequilibradas podiam ir, mas concordei com a
cabeça quando percebi que ele não ia mais falar sobre isso.
Passei para o próximo assunto delicado.
— Eu estive pensando sobre algo que seu pai falou.
— Cora...
— Daemon, se eu vou passar o feriado com eles, eu preciso
saber se...
— Você não vai passar o feriado com eles.
Eu fiquei calada. O quê?
— Eu pensei que sua família...
— Normalmente passa o feriado de páscoa em Paris, sim. Mas
não esse ano. Esse ano meus pais só vão pra França no final de
semana, e nós nem precisamos vê-los se você não quiser. Eu...
Ele fez uma pausa, sem me encarar.
— Eu queria ficar sozinho com você.
Eu não sabia o que dizer.
Meu coração batia feliz e empolgado com a confissão, apesar
de eu não querer reconhecer ainda a verdade que passaria os
próximos dias completamente sozinha com Daemon. Mas eu não
sabia direito como me sentir sobre a ideia de ele ter planejado e
ajustado tantas coisas sem me contar. Eu não queria ser só mais
uma peça pra ele mover em seu tabuleiro.
Desesperada para mudar de assunto, eu falei a primeira coisa
que veio na minha cabeça enquanto ainda me lembrava do último
encontro com o pai dele.
— Você realmente comprou a Lynx?
Se ele ficou surpreso com a pergunta, não demonstrou.
— Era o único jeito de participar da corrida com ela.
Eu não entendi. Ele suspirou, passou as mãos no rosto e nos
cabelos — eu desviei o olhar para os músculos dos seus braços
enquanto ele fazia isso — e encostou a cabeça para trás para
explicar.
— Lynx não estava pronta pra competir. Os tratadores da Averly
achavam que ela era muito jovem, muito instável e perigosa pra ser
uma opção. Ela seria domada e treinada por mais uns três anos
antes de ser colocada à disposição dos alunos.
Ele fez uma pausa, e eu comecei a entender.
— Mas naquela tarde, quando eu fui conhecer os dragões... eu
fui atraído por ela imediatamente. E sabia que não importasse o que
os tratadores dissessem, eu queria ela.
Um arrepio percorreu minha espinha com o jeito que ele falou.
Aquela possessividade, a certeza de que ele teria o que quisesse...
Acenderam alguma coisa no meu baixo ventre.
— Como você sabe, ela não compartilhava da mesma opinião.
Eu sorri, me lembrando das costas abertas dele naquela noite.
— Então eu passei o resto da semana tentando conquistá-la.
Eventualmente, eu consegui. E escrevi uma carta pro meu pai.
Eu ainda estava admirada demais para falar, então ele finalizou:
— É obrigação da Academia fornecer um dragão para a corrida,
caso o aluno não tenha um. Faz quase um milênio que alguém não
é dono de um dragão, mas se ela fosse minha, ninguém poderia me
impedir de montar.
— Quanto custa comprar um dragão? — eu perguntei sem
saber se queria a resposta. Daemon sorriu.
— No mercado ilegal? Uma fortuna. Mas legalmente, pagando
todas as licenças e autorizações como meu pai teve que fazer pra
eu poder competir com ela na escola... Uma quantidade exagerada
e exorbitante de ouro.
— Porra, deve ser fácil demais ser Daemon Novak.
Eu estava em choque. Eu era rica, mas era estranho quando
algo assim acontecia e eu tomava consciência de que os Novak
eram... absurdamente bilionários. E todo mundo sabia que a fortuna
deles vinha de gerações de negócios ilegais e perigosos. O pai do
Daemon não tinha uma fama boa, mas todo mundo morria de medo
do poder que as famílias antigas escondiam.
Daemon se inclinou pra chegar perto de mim.
— Falei sério quando disse que podia comprar o que você
quisesse. E ficaria feliz por isso, também.
Eu não respondi, ainda pensando sobre tudo aquilo que ele
tinha me contado.
Quando o trem parou na Estação de Montparnasse, Daemon
pegou minha mochila e minha mão.
— Vamos descer aqui.
Nós caminhamos apenas alguns quarteirões até ele parar em
frente a uma elegante construção antiga de quatro andares, em uma
movimentada rua em Paris, no 7º arrondissement, o requintado
bairro da Torre Eiffel.
Eu suspirei, enquanto ele apoiava a mão na maçaneta da
elegante porta de madeira e ela se abria com um clique pra ele.
— É claro que a sua casa seria no bairro mais caro de Paris.
Ele deu risada, abrindo a porta pra me deixar passar primeiro.
— Então você conhece Paris?
— Minha mãe nasceu aqui, esqueceu? Eu aprendi uma coisa ou
outra.
Eu sabia bastante sobre a França, apesar de nunca vir pra cá.
Minha mãe não falava com a família dela, e eu mal falava com a
minha, então viagens em família não exatamente comuns na minha
casa.
Quando entrei, eu parei de falar pra admirar o espaço onde
estava entrando.
Tudo era de mármore branco, muito limpo e espaçoso. Daemon
deixou minha mala no hall e me levou pela mão até uma sala de
estar que se abria para um jardim de inverno nos fundos da casa.
Apesar de ser aberto, nós não ouvíamos nada do barulho da rua,
apenas os passarinhos que cantavam e voavam no céu acima e nas
árvores do jardim. Era um espaço encantado, eu imaginei.
Daemon riu da minha cara de choque e começou a me explicar:
— Minha mãe ama essa casa. A gente vem pra cá todo ano nas
férias de páscoa, mas dessa vez meu pai precisa ficar em Londres
até o final da semana e eu perguntei pra eles se não poderia vir com
você pra cá antes disso.
Fui absorvendo cada palavra que ele dizia enquanto caminhava
pela sala, observando tudo. Podia entender porque Cissa Novak
gostava dessa casa, era linda demais.
— Então seus pais realmente não estão aqui?
— Não até sexta-feira — ele foi falando e me puxando pela sala.
— A casa possui criados que vão limpar e cozinhar, e você nem vai
vê-los enquanto fazem isso. Qualquer coisa que você quiser ou
precisar, alguém pode fazer por você. Nós estamos de férias agora,
e podemos fazer o que você quiser.
Ele se largou em um sofá, colocando os pés no encosto e
tirando um cigarro de Efthalia do bolso.
— Eu preciso escrever pra minha mãe.
Eu fiquei parada no mesmo lugar, ainda sem saber como se
sentir com tudo aquilo. O modo que os Novak levavam a vida, com
todo aquele luxo e liberdades, era novo pra mim. E apesar de não
dar a mínima pra opinião da minha mãe, eu precisava dar uma
satisfação sobre ter saído da escola.
— Eu acho que nossas mães andam conversando bastante às
nossas costas. Mas você pode ver por si mesma.
Ele deu um sorriso misterioso e apontou para o outro canto da
sala. Olhei na direção onde Daemon apontava e reconheci
instantaneamente minha bolsa de viagem preferida, colocada
delicadamente em cima de um aparador. Em cima dela tinha uma
carta com a caligrafia da minha mãe.
“Olá querida,
Lamentamos não poder estar com você nessas férias, mas
Cissa me tranquilizou dizendo que Daemon cuidará bem de você. O
Sr. e Sra. Novak se juntarão a vocês no final da semana, e eles
tiveram a bondade de nos convidar para o Baile dos Magos no
sábado, seu pai está vendo se conseguiremos estar na França até
lá. Como sei que você não tinha levado roupas suficientes para a
escola, tomei a liberdade de fazer uma mala com algumas coisas
que você pudesse querer usar, e coloquei mais algum ouro na bolsa
pra você. Sei como Paris é ótima para fazer compras nessa época
do ano!
Se divirta em Paris, mon amour.
Mamãe.”
Precisei ler e reler a carta da minha mãe várias vezes para ter
certeza de que tinha entendido. Não era surpresa ela ter sido
normal, quase amorosa, em uma carta onde qualquer pessoa
poderia ler. Não quando a imagem de boa mãe dela estaria em jogo
dentro da casa de uma família importante. Mas foi quando abri a
bolsa que percebi os detalhes.
Lingerie cara, de todos os tipos, era o que ela mais tinha
mandado. Algumas roupas casuais, sapatos e uma pesada bolsa de
ouro. Eu sorri vendo a assinatura do meu pai no recibo de saque.
Daemon se aproximou e passou a mão pelas alças da minha
mala de viagem.
— Vem, vou te mostrar o seu quarto.
— Meu quarto?
— A única exigência da sua mãe é que você tenha seu próprio
quarto. Mas ela não falou que você precisa dormir sozinha nele.
Ele respondeu sorrindo, enquanto subia as escadas. Daemon
Novak sabia exatamente o que estava fazendo, o filho da puta.
O quarto de visitas era todo marfim e verde, tinha um banheiro
espaçoso com banheira e uma sacada pequena com vista para a
Torre Eiffel.
— É lindo aqui.
Minha mala, que tínhamos deixado no hall, já estava em cima
da minha cama. Daemon apontou com a cabeça para ela.
— Abra suas malas e deixe em cima da cama, eles virão
arrumar suas roupas nos armários pra você.
Eu fiz o que ele pediu, e Novak se sentou na beirada da minha
cama gigantesca pra esperar. Quando terminei, ele me olhou com
um sorriso malicioso nos lábios.
— Nosso encontro é hoje a noite. Eu venho te buscar.
Eu sorri, me divertindo com aquele joguinho, sem fazer ideia do
que esperar.
— Tudo bem. E o que vamos fazer enquanto isso?
Ele se levantou e entrelaçou os dedos nos meus, me guiando
para fora do quarto.
— O que você quiser, mas fora daqui ou eu não vou conseguir
esperar até a noite.
Eu deixei ele me levar para fora sentindo o coração acelerar.

O resto do dia nós usamos para caminhar por Paris. Descobri


que Daemon conhecia a cidade muito melhor do que eu imaginava,
e ele me guiou por todos os lugares.
Visitamos o Panthéon e os Jardins de Luxemburgo, almoçamos
em um shopping pra que eu pudesse realmente gastar algum ouro
— do meu próprio cofre, dessa vez — tomamos café em uma das
cafeterias tradicionais de rua e terminamos ao final da tarde,
descansando um pouco no parque em frente à torre. Quando a noite
começou a cair e ela se acendeu, eu suspirei admirada. Ficamos
longos minutos em silêncio, apenas apreciando.
Eu estava exausta, mas nunca tinha me divertido tanto. Daemon
me deixou fazer qualquer coisa que eu quisesse, e sempre que eu
hesitava, ele assumia o controle me levando pra algum novo lugar
pra eu conhecer ou mostrando algo pra ver. Nós nos divertimos
muito desafiando um ao outro a ler os nomes das ruas e comércios,
ele me testando e eu medindo o seu francês — que era uma
novidade gigantesca para mim.
Daemon me provocava com seus dedos deslizando pelo meu
corpo em abraços longos demais, as mãos perto demais de áreas
perigosas em público, arrancando todo o tipo de sensações de mim.
Eu o provocava com joguinhos mentais, pequenas disputas de
controle, teimosia e sarcasmo.
Nós não nos beijamos nenhuma vez, e eu tive que me esforçar
ao máximo pra não me colocar em uma posição que seria difícil de
suportar porque eu sabia que assim que eu deixasse ele me beijar,
ele não conseguiria mais parar.
Era engraçado como em tão pouco tempo eu parecia o
conhecer tão bem.
No início da noite nós retornamos para a Mansão e Daemon me
deixou na porta do meu quarto, pra que eu tomasse um banho, e
subiu até o pavimento superior onde ficava o dele. Minhas malas
estavam fora de vista, e eu abri os armários só pra descobrir minhas
roupas perfeitamente arrumadas e passadas do lado de dentro.
Na escrivaninha perto da cama, um envelope com a letra da
Penny me aguardava. Eu abri a carta já dando risada.
“Ok, eu sei que é cedo. Mas por favor, será que dá pra me
escrever quando puder e contar tudo o que vocês estão fazendo???
Eu não acredito que ele te levou pra Paris! Eu sonho com o dia em
que Novak vai dar uma festa aí, essa casa deve ser linda. Usa a
polaroid e não economiza nos detalhes, você sabe que eu aguento.
E SUA SAFADA, EU QUERO SABER DE TUDO DEPOIS!
Já estou com saudades, Phenelape.”
Foi como se eu estivesse ouvindo ela dizer cada uma das
palavras. Encontrei um papel em branco e me apressei pra
responder. Contei tudo o que fizemos no dia, escrevi em detalhes
sobre a Mansão dos Novak e prometi tentar convencer Daemon a
fazer uma house party ali qualquer dia. Escolhi algumas polaroids
que tirei hoje e coloquei dentro de um envelope que achei na gaveta
da escrivaninha, com o nome e endereço dela que copiei do
envelope. Antes que eu pudesse entrar no banheiro, a carta já havia
magicamente sumido.
Tomei um banho longo e quente para me distrair da ansiedade e
nervosismo que começava a aparecer. Porra, eu não fazia ideia
sobre o que esperar dessa noite. Não sabia para onde Daemon
pretendia me levar, o que iríamos fazer, nada. Eu procurei em meus
armários uma roupa confortável, mas bonita.
Encontrei um vestido curto de verão que minha mãe escolheu
pra mim. Ele tinha uma amarração e ficava justo no corpo, mas era
confortável, casual e seguro. Depois do que vi hoje, fiquei com
medo que Daemon tentasse me levar para o restaurante mais
chique da cidade ou coisa assim.
Eu teria que obrigá-lo a me dizer onde iríamos antes de sair.
Coloquei um colar, alguns anéis e deixei meu cabelo volumoso,
meio indefinido. Estava terminando de colocar o último brinco
quando Daemon abriu minha porta.
Ele estava usando uma camisa branca com vários botões
abertos. E estava descalço. Me dando um olhar de cima a baixo que
acendeu todo o meu corpo, ele se aproximou com um sorriso
malicioso.
— Isso tudo é pra mim?
Eu revirei os olhos.
— Não faço ideia de onde você vai me levar. Preciso de um
dresscode da próxima vez.
Ele deixou uma risada baixinha escapar, deslizou as mãos até
minha cintura, e me levantou pra me colocar sentada em cima da
cama.
Eu arfei.
— E perder a oportunidade de ver você se arrumar toda pra
mim? Nem pensar.
Daemon se ajoelhou aos peus pés, e eu tentei controlar os
batimentos erráticos enquanto tentava entender o que ele estava
fazendo.
— Você não vai precisar disso.
Ele abriu as tiras das minhas sandálias de salto e tirou elas dos
meus pés, me deixando descalça como ele.
— Nós não vamos sair? — eu arrisquei. Ele me respondeu se
levantando, com um brilho travesso no olhar.
— Não, princesa. Nós vamos subir.
Eu o segui pelos corredores da mansão, subindo as
escadas que ainda não tinha subido, acompanhando Daemon até o
que parecia ser o quinto pavimento. Eu nem sabia que tinham cinco
andares nessa casa.
Nós só paramos quando chegamos no topo e Daemon abriu as
portas duplas do terraço. Ele me deixou entrar na frente.
O terraço dos Novak tinha uma vista linda, limpa e perfeita da
Torre Eiffel, como se as árvores nunca crescessem mais do que o
limite da casa. Mas essa não era sua única beleza. Era como um
jardim no alto, cercado por plantas dos mais diversos tipos, cores e
formas. Havia luzes que piscavam em forma de bolas douradas,
penduradas nas paredes. O céu se abria acima de nós, me dando
uma sensação de liberdade tão gostosa que eu demorei até baixar a
cabeça de novo e perceber o que ele tinha feito.
Daemon tinha arrumado várias almofadas e cobertores no chão,
como um piquenique. Duas ou três bandejas levavam o que deveria
ser o nosso jantar ali fora, à luz da lua, com toda a vista para a torre
em frente no horizonte.
Era perfeito.
— Uau. A vista aqui de cima é linda.
— É, é sim — ele disse olhando para mim, de costas pra a torre,
e eu sorri.
— Isso é quase tão bom como uma festa nas masmorras.
Eu brinquei com ele.
— Ah fala sério! Isso vai ser melhor que uma festa nas
masmorras.
Ele tirou uma garrafa lacrada de champanhe que estava
escondida embaixo dos cobertores, e eu dei risada. Ele sorriu
enquanto agitava a garrafa e a abria com um estouro. Eu gritei e dei
risada quando o champanhe voou pelo ar e molhou nós dois.
Daemon bebeu um gole direto da garrafa antes de me oferecer.
O álcool queimava nossas gargantas e enchia nossos corpos de
calor. Eu devolvi a garrafa e comecei a dar risada sozinha.
— O que foi?
Ele perguntou, confuso.
— Você me trouxe pra Paris no primeiro encontro... Quero ver
onde vai me levar na nossa lua de mel!
Eu brinquei, mas Daemon não tirou os olhos de mim, como se
estivesse me despindo só com aquele olhar.
— Não me provoca Weylin, que eu ainda não comecei a
imaginar você com meu sobrenome.
Eu senti um arrepio percorrer a minha espinha.
Puta que pariu, era muito cedo para aquele tipo de piadinha.
Muito cedo.
Eu me sentei nas almofadas só para ele parar de me olhar com
aquele sorrisinho debochado, mas ele não parou. E nem se sentou.
— O que foi? — perguntei quando ele continuou parado imóvel,
como se estivesse em uma luta contra os próprios pensamentos. De
repente, ele falou:
— Está com muita fome?
Eu fiquei confusa, e franzi as sobrancelhas. Daemon então se
abaixou na minha frente, pegou meu rosto com as mãos e me puxou
para perto para um beijo.
Ah. No instante em que nossos lábios se tocaram eu entendi.
Não, eu não estava com tanta fome. Pelo menos, não de
comida.
Eu abri a boca para deixar a língua dele passar, tão
avassaladora que senti meu coração errar as batidas. Ele tinha
gosto de pasta de dente de menta e champanhe.
Passei as mãos em suas costas e ele jogou meus cabelos para
trás. Com as mãos na minha cintura, me puxou para cima, me
pegando no colo. Eu fechei minhas pernas em sua cintura.
Isso. Meu coração pedia. Mais disso.
— Cora...
Sua voz era só um sussurro, e ele encostou sua testa na minha.
— O que foi?
Eu olhei para ele e ele passou os dedos pelos meus lábios.
— Eu... não quero te pressionar.
Eu o encarei com deboche. Ele não era nada como eu
imaginava. Pelo menos, não comigo. Não hoje.
— E você quer o quê exatamente, esperar eu fazer 18 anos?
Ele deixou um sorrisinho deslizar pelos lábios com minha
resposta debochada. Nós dois sabíamos que ele não aguentaria
tanto tempo. Ele mal conseguiria aguentar essa noite. E eu também
não.
— Você fez uma promessa, se me lembro bem. Envolvia me
fazer gritar alguma coisa.
Eu provoquei, e percebi os olhos dele se acenderem de uma
forma que eu nunca tinha visto antes. Nem em nossas disputas e
joguinhos de poder, nem com outras garotas, nem nos jogos de
corrida de dragão. Era poder puro, necessidade e vontade.
Era uma insanidade.
E eu queria mais, porra.
Eu estava nervosa, mas sabia o que queria. E como queria.
Nenhum garoto nunca fez eu me sentir tão excitada, desejando
tanto o calor do corpo dele. Daemon mexia comigo de uma forma
que me enlouquecia.
Com os olhos ainda queimando com o que eu tinha dito, ele
desceu sua mão passando pelo meu corpo até chegar na
amarração que segurava o meu vestido, ainda sustentando meu
peso em seu colo. Ele abriu devagar, com delicadeza, deixando à
mostra meu conjunto de lingerie caro que escolhi especialmente
para essa noite. Ele suspirou ao me encarar de cima a baixo,
seminua em seu colo.
E então ele olhou ao redor, como se tivesse se tornado ciente
dos outros prédios ao redor, e saiu do terraço, me carregando com
ele.
— Daemon! Onde estamos indo?
Ele apertou minha bunda com uma mão e deu um tapa forte
com a outra.
— Na primeira vez que eu tirar sua roupa, princesa, só eu vou te
ver pelada. Você está indo conhecer o meu quarto.
Ela tinha gosto de champanhe e chiclete. Devia ser o maldito
gloss que me fazia querer lamber os seus lábios a todo segundo.
Achei que podia perder completamente a porra controle quando
ela fez aquela piadinha idiota, e ainda não sabia como me sentir
pelo fato de ter ficado duro feito uma pedra só de imaginar ela com
o meu sobrenome.
Puta que pariu, eu estava completamente fodido.
Mas agora eu carregava aquele pedaço de mau caminho em
forma de garota no colo até o meu quarto no andar de baixo,
sentindo ela beijar e mordiscar o meu pescoço enquanto aperto
meus dedos na pele macia da bunda dela.
Ah, aquela bunda... Ela ia terminar a noite com meu nome
marcado nela.
Daemon me carregou dois lances de escada para baixo, sem
parecer se importar nem um pouco com meu peso em seus braços.
Ele abriu uma porta no terceiro andar, nos levou pra dentro e fechou
com o pé.
Eu senti ele me soltar em cima da cama, parando entre as
minhas pernas, e me puxando para um beijo.
Mal tive tempo pra recuperar o fôlego, mas consegui dar uma
olhada geral em onde estávamos. O quarto dele.
Essa não era a casa oficial deles, era só a casa de férias, então
não me surpreendeu não encontrar muito dele ali. Era grande, lindo
e luxuoso, como o restante da casa. Tinha uma porta de vidro
grande que dava pra uma sacada e era por onde entrava a luz da
lua, um closet perfeitamente arrumado, uma área social com sofá e
escrivaninha, e uma porta que provavelmente dava pra um
banheiro.
Não consegui encontrar muitos itens pessoais além de uma
bandeira do time das masmorras e algumas fotos dele com Ez e
Eros pregadas na parede, que provavelmente eram do ano anterior.
Não consegui mais raciocinar quando Daemon começou a beijar
meu corpo inteiro, descendo da orelha até o pescoço, passando
pelo meu vestido agora aberto para chegar nos meus seios e minha
cintura. Eu sentia meu corpo queimar onde ele encostava em mim, e
eu queria mais. Deslizei os braços pra fora do vestido, largando o
tecido fino no chão. Ele parou de me beijar e sorriu, me olhando nos
olhos.
— O que foi? Tem algo errado?
Eu sussurrei, insegura.
— Não tem nada de errado. Eu... estava esperando por isso há
muito tempo.
Ele passou a mão no cabelo, um pouco ansioso. Um
pensamento novo me ocorreu: Daemon estava... nervoso? Eu sorri
para encorajá-lo e ele continuou falando:
— Eu sei que é idiota, e talvez você nem ligue pra isso. Mas eu
queria que a sua primeira vez fosse especial. Sabe... do jeito que as
garotas esperam, sejá lá o que isso signifique.
Ele falava baixinho enquanto passava os dedos pelos meus, e
meu estômago se encheu de borboletas agitadas. Nunca nenhum
garoto disse nada parecido com isso. E olha que eles tentaram, ano
após ano.
Eu sorri antes de responder:
— Já é especial porque é com você. Só isso importa pra mim.
Ele passou a língua nos lábios antes de sorrir e puxar meu rosto
para perto do dele. Seus lábios encontraram os meus de novo e eu
senti um arrepio percorrer a minha espinha. Sua mão deslizou do
meu rosto até minha cintura e ele me puxou para mais perto do seu
corpo, dessa vez com mais firmeza, mais necessidade.
Eu senti sua ereção, dura contra minha pele.
Caralho, isso ia mesmo acontecer?
Meu coração começou a martelar em meu peito e eu fiquei
nervosa.
— Daemon...
Eu sussurrei entre um beijo e outro e ele apertou suas mãos na
minha cintura.
— Eu sei, eu vou tentar.
— Tentar o que?
Ele sorriu, visivelmente se divertindo, e me levantou pela cintura
só pra me jogar mais pra trás em cima da cama e subir nela atrás de
mim.
— Ir com calma.
Ele sorriu de canto enquanto ficava de joelhos por cima de mim
e abria os últimos botões da sua camisa, deixando à mostra o peito
e abdômen definidos. Quando ele passou a mão pelos cabelos e
meu coração bateu completamente descompassado, eu mandei o
medo ir tomar no cu e o puxei para cima de mim.
Porra. Isso estava mesmo acontecendo?
Eu não sabia o que era mais louco. Se era o fato de eu estar
sozinho com Cora Weylin na mansão dos meus pais em Paris, ou o
fato de ela ter pedido para estar ali, implorado para eu fazer o que
quisesse com ela. Pensando bem, definitivamente era a segunda
opção.
Eu me livrei da minha camisa, apreciando o olhar demorado que
Cora me dava. Puta que pariu, ela era uma diabinha sem vergonha,
e eu amava aquilo. Podia ver nos olhos dela o quanto ela queria
isso, me queria, e estava ansioso para caralho para descobrir o que
ela gostava.
Eu agarrei suas coxas e a puxei pelas pernas pra mais perto de
mim. Cora deixava um sorriso escapar toda vez que eu tocava nela
desse jeito, arrumando seu corpo, a encaixando em mim. Eu a
segurei firme pela nuca, fazendo-a ficar sentada comigo entre suas
pernas, beijando devagar seus lábios e pescoço. Cada vez que eu
mordiscava a pele da base do seu pescoço ela gemia para mim.
E eu não sabia que precisava tanto ouvir ela sussurrar meu
nome até ela começar a fazer isso.
Eu já estava ficando completamente maluco.
— Caralho, Cora... Você vai me matar aqui, princesa.
Eu sussurrei em seu ouvido, deslizando a mão livre pelo corpo
dela, a fazendo estremecer e se arrepiar a cada toque dos meus
dedos. Eu queria conhecer cada canto do seu corpo, e faria tudo
devagar.
Nós tínhamos a noite inteira. E mais vários dias. Eu passei
ontem a noite toda planejando isso, tentando me convencer a
esperar, ir com calma. Se ela quisesse só me beijar essa noite, eu
estava pronto pra esperar.
E talvez eu morresse no processo, mas eu me controlaria.
Só que Cora não queria só me beijar. E ela deixava isso claro
cada vez que arranhava minhas costas, me deixando
completamente alucinado, ou esfregava sua mão pequenininha
contra meu pau que já começava a latejar só por estar preso dentro
das minhas calças.
Mas ele continuaria ali por um tempo, porque eu tinha planos
para fazer com ela antes de poder me libertar.
Eu soltei o peso do corpo por cima dela, fazendo-a se deitar.
Precisei parar por um minuto para olhar para ela. Caralho. Seu
corpo me enlouquecia, a pele macia e as curvas, os seios que
cabiam na palma da minha mão... E ela parecia tão pequena perto
de mim. Eu poderia realmente fazer o que quisesse com ela.
Poderia segurá-la com facilidade, puxá-la pro meu colo, virá-la de
costas... As imagens corriam em minha mente sem parar, minha
imaginação planejando tudo o que eu gostaria de fazer com ela e
todas as posições que poderia colocá-la...
Mas ela era virgem. Puta que pariu, ela era virgem.
Eu não podia fazer nada daquilo com ela hoje, e quando essa
verdade me atingiu, precisei fechar os olhos por um segundo para
me recompor e me acalmar.
Porra, me apavorava a ideia de que eu podia machucá-la.
Nunca era o primeiro cara de uma garota se pudesse evitar, porque
eu não era gentil, nunca me importei o suficiente pra ser. Eu tomava
o que queria delas, gostava do sexo bruto quando eu precisava
liberar energia, mas eu não poderia fazer aquilo com a Cora essa
noite, ainda não.
Ela merecia sentir tudo, descobrir sozinha o que ela gostava, se
aventurar sem forçar seus limites. Eu faria por ela o que nunca fiz
por ninguém.
O que eu nem tinha certeza se podia fazer, mas eu ia tentar.
Ela merecia tudo o que eu pudesse fazer por ela.
Puta que pariu, eu estava mesmo completamente maluco se
estava planejando fazer amor ao invés de foder com uma garota.
Quando Daemon me fez deitar na cama dele, finalmente a ficha
caiu sobre o que nós estávamos fazendo.
E morri de medo, confesso.
Eu abri os olhos só para descobrir que Daemon já estava com
os olhos em mim, e provavelmente, nunca na minha vida eu vou me
esquecer da forma como ele me olhava naquele momento.
Era algo que eu nunca tinha visto em seus olhos, um misto de
devoção e ternura... aquilo acalmou meu coração. Mais ou menos.
— Daemon...
— Me diga o que você sabe, o que você já fez, e o que tem
medo — ele pediu, a voz tremendo enquanto fazia um tour pelo meu
corpo, beijando cada pedaço de pele nua que ele conseguia
encontrar.
Naquele instante eu me senti segura, com a certeza de que
estava no lugar certo, com a pessoa certa. E eu não entendia por
que me sentia assim, logo com ele, mas era simplesmente isso.
— Eu... hum, tenho medo de sentir dor. E de não aproveitar por
ficar com medo.
Daemon beijou a base do meu pescoço e passou um dedo frio
pela alça do meu sutiã, empurrando para o lado para tirar do
caminho. Fez isso com as duas alças, até que elas estavam caídas
sob meus braços, e só então ele beijou o meio dos meus seios, me
fazendo gemer baixinho enquanto eu descobria todas as sensações
que ele podia causar em mim.
— Eu já... quer dizer, com outros garotos, eu nunca...
Ele parou e levantou a cabeça dos meus seios. Seu olhar era
frio e carregava uma ameaça muito maior do que a que eu consegui
registrar. Ele agarrou meu queixo e me fez encarar aqueles olhos.
— Na minha cama, comigo entre suas pernas, você nunca vai
pensar ou falar em outro garoto. Entendeu?
Eu concordei com a cabeça, a ponto de choramingar por perder
a atenção que ele estava dando aos meus seios. Toda aquela calma
e lentidão dele estava me enlouquecendo, porque meu coração
pedia mais, mais, mais.
— Eu nunca deixei ninguém me tocar. Eu menti pra todo mundo
o tempo todo.
Pronto, confessei. A Elite sabia que eu era virgem, mas achava
que eu já tinha feito quase tudo o que as preliminares podiam
conceder.
Era mentira. Nunca tive coragem de ficar nua na frente de
ninguém. E agora, com Daemon ajoelhado entre as minhas pernas,
reverenciando meu corpo como se eu fosse uma obra de arte, eu
me sentia uma idiota.
Mas ele me olhou nos olhos, com um sorriso bobo nos lábios.
— Está me dizendo que nunca, ninguém tocou em você... aqui?
Ele apertou o meu seio e passou o polegar sob a renda fina do
meu sutiã onde meu mamilo estava duro, apontando para ele.
Eu estremeci.
— Não.
O sorriso idiota dele aumentou.
— E nem... aqui?
Ele deixou os dedos deslizarem pelo meu corpo, descendo pela
minha barriga até chegarem na minha calcinha. Ele percorreu todo o
tecido de renda até embaixo, sentindo como o tecido já estava
quente e úmido.
Eu quase enlouqueci só com aquele toque displicente e
superficial.
— Argh, Daemon!... não. Não além de mim mesma.
Eu choraminguei, suplicando por mais, mas ele me segurou
contra o colchão. Porra, eu o queria dentro de mim. E eu queria
AGORA.
Ele mordeu de leve minha pele quando eu gemi seu nome, e
aquele um segundo de dor enviou faíscas por todo o meu corpo. Mal
registrei sua voz sussurrada.
— Princesa... eu vou me divertir tanto com você...
Abri os olhos e olhei para ele, percebendo aquele sorriso
malicioso de quem está tramando um plano diabólico.
— Você fica linda de Yves Saint Laurent, mas eu quero você
sem nada essa noite.
Daemon deslizou o dedo pela borda do meu sutiã, fazendo a
pele em meu seio se arrepiar na hora. Ele sabia exatamente quais
sensações estava despertando em mim, e eu o encarei de volta,
sem querer deixar ele perceber que estava me enlouquecendo. Ele
abriu um sorrisinho de canto, debochado.
— Você tira, ou eu o arranco?
Seu toque antes suave agora era firme quando ele fechou os
dedos em torno do meu seio, e eu arfei com a mudança de postura,
mas não o repreendi. Ele estava descobrindo que havia muito pouco
que eu não permitiria, porque eu também gostava de testar os meus
limites.
E eu sabia que ele faria isso.
Eu sabia que transar com Daemon Novak não seria só sobre
sexo, mas também sobre controle, porque era assim que ele era.
Daemon pressionava todo mundo ao seu redor e todo mundo que
cruzasse o seu caminho, não tinha pena de ninguém. Muitos na
escola o chamavam de valentão e ele não ligava para isso, porque
eu entendia que o que realmente importava pra ele era encontrar os
limites de quem estava ao seu redor. Ele só se cercava de pessoas
que tinham ambição, que ultrapassavam seus limites, que
aguentavam muita merda e que tinham força pra lutar. Essas eram
as pessoas que ele valorizava e confiava. Então ele nos testava,
constantemente. Por isso só a Elite tinha coragem de enfrentá-lo.
Por isso eu o desafiava, por isso ele não podia resistir a mim.
Naquele instante eu percebi como deve ter sido para ele os
meus joguinhos e provocações, nossa aposta... Só então eu entendi
que o estimulava de formas que ele nunca teve com outras garotas.
Isso tudo passou pela minha cabeça em segundos, enquanto eu
abria meu sutiã com uma mão só, mordendo o lábio enquanto
jogava ele para o lado sem interromper nosso contato visual.
Daemon sorriu de lado, debochado.
— Esperta. Eu não ligo tanto assim pra renda francesa, o
destruiria com meus dentes se fosse preciso.
Eu não consegui esconder um sorriso e me senti ficando mais
molhada.
Pela Deusa, se eu ficava excitada só de ouvir ele falando
daquele jeito, como essa noite ia acabar?
Ele encarou meus seios, os segurando na palma de suas mãos,
pensando em qual deles cairia de boca primeiro. Eu me deitei de
novo nos cobertores e ele se inclinou sobre mim, passando a língua
em um dos meus mamilos e acariciando o outro com os dedos.
Eu achei que ia morrer.
— Porra... Daemon, porra!
Senti ele rindo contra a minha pele.
— Calma, princesa. Nós não estamos com pressa.
Eu estava. Eu estava a ponto de gozar só com ele lambendo e
chupando o meu mamilo, então comecei a ficar impaciente.
Quando ele estava distraído, eu o empurrei contra o colchão e
montei nele, encontrando seu pau duro embaixo de mim e me
esfregando para frente e para trás em cima dele.
Daemon urrou.
Suas mãos agarraram os meus quadris, ele me apertou contra
ele, e se inclinou para frente para morder a pele sensível da minha
auréola. Ele assumiu a velocidade e intensidade com que eu me
esfregava.
Eu gemi seu nome e, por um instante, achei que ia gozar.
Mas Daemon me virou de novo, me jogando em cima da cama e
prendendo meus dois braços acima da minha cabeça pelos punhos.
Ele ainda chupava meus peitos quando deixou o peso do seu corpo
pesar sobre o meu e eu choraminguei de novo, com o orgasmo
escorregando entre meus dedos.
— Odeio você — eu choraminguei, e ele riu.
— Então vai odiar mais. Muito, muito mais.
Ele soltou meus pulsos e desceu pelo meu corpo. Suas mãos
chegaram em minha calcinha antes da sua boca. Ele ainda deixava
beijos na minha barriga enquanto brincava com o elástico, os anéis
frios em contato com minha pele, escorregando ela devagar para
baixo, para fora do caminho. Seus dedos ágeis fizeram minha
calcinha deslizar pelas minhas pernas e ele beijou devagar a parte
de dentro das minhas coxas. Eu gemi em desespero, e então ele
parou. Daemon subiu de volta e se apoiou nos cotovelos por cima
de mim, pra me olhar fundo nos olhos. Eu gemi baixinho de
frustração.
— Depois que eu tocar em você, eu não vou voltar atrás. Você
vai ser minha. Tem certeza que quer isso?
Ele sorriu debochado enquanto eu o olhava cheia de tesão. Eu
queria ser dele, eu queria que ele fizesse o que quisesse comigo.
Encontrei minha voz e lancei meu maior olhar de desafio.
— Eu ainda estou esperando aquela promessa. De me fazer
gritar.
Era o que ele queria. Daemon não tirou os olhos dos meus
enquanto deslizou sua mão mais uma vez pelo meu corpo e me fez
abrir bem as pernas. Eu já estava ofegante quando ele subiu a mão
de novo para meu rosto, passando pelos meus lábios e me fazendo
abrir a boca para chupar os seus dedos. Ele beijou o meu pescoço
enquanto eu passava a língua em seus dedos, e só então ele levou
a mão de volta para baixo.
Ele deslizou um dedo pela minha entrada. Eu estava
escorregadia e molhada. Ele enfiou um dedo com cuidado dentro de
mim, enquanto traçava círculos em meu clitóris com o polegar. Eu
revirei os olhos de prazer e ele observou satisfeito enquanto eu
arqueava as costas e movimentava o quadril, o instinto fazendo eu
me mover pra me esfregar nele de volta.
— Daemon...
Eu sussurrei o seu nome mais uma vez, incapaz de conseguir
dizer outra coisa. Eu nunca tinha me sentido dessa forma antes, e
eu não sabia mais quanto tempo iria aguentar. Ele mal tinha me
tocado e eu já estava quase em êxtase. Ele riu, percebendo o meu
desespero, e sussurrou em meu ouvido:
— Eu só estou começando com você, princesa. Relaxa.
Sua voz era suave em meu ouvido e ele desacelerou o
movimento, enfiando seu dedo ainda mais fundo dentro de mim.
Foi demais.
Aquela porra foi completamente demais para minha cabeça.
Os lábios dele silenciaram o meu grito de desespero quando eu
gozei, e me senti mole em seus braços.
Daemon xingou baixinho enquanto esperava eu me recompor, e
aquilo me fez o querer ainda mais. Ele tirou os dedos de mim, e os
levou à própria boca, para sentir meu gosto. Eu senti um arrepio ao
vê-lo chupar seus dedos, lambendo cada gota de mim que havia
nele, saboreando a prova do que tinha feito comigo.
Eu queria mais.
Puxei-o para cima pelo cós da calça, uma urgência que eu não
sabia explicar crescendo em meu peito. Ele obedeceu o meu
impulso e se deixou subir, colando seus lábios nos meus em um
beijo urgente, possessivo, cheio de emoções. Eu cruzei as pernas
mais uma vez em sua cintura enquanto ele subia por cima de mim, e
senti seu pau duro dentro da calça conforme ele esfregava seu
quadril no meu.
Desespero, finalmente. Nós estávamos mais uma vez naquela
loucura impaciente de desejo.
Eu gemi alto mais uma vez e ele se levantou, ficando de joelhos
enquanto tirava o cinto e abria o zíper da calça. Eu mordi o lábio
mais uma vez assistindo ele arrancar o cinto de couro e jogar no
chão. Puxei o elástico da sua cueca para baixo. Daemon segurou
meus braços e facilmente me levantou só para me colocar sentada
de novo a um passo de distância dele.
— Calma, princesa. Eu não vou a lugar nenhum.
Ele riu do meu desespero e do meu grunhido impaciente.
Com suas próprias mãos afastou a calça e a cueca, tirando seu
pau para fora e o acariciando sem tirar os olhos de mim. Eu levei um
segundo a mais para correr os olhos para baixo, e esqueci
completamente de manter a postura quando o olhei.
Daemon era definitivamente o tipo de cara que você ia querer
contar os detalhes para a sua melhor amiga, se é que você me
entende.
Talvez eu tenha ficado um minuto a mais observando as veias
saltadas do seu braço, porque Daemon interrompeu o silêncio que
eu nem tinha percebido que tinha criado.
— Caralho, Cora, para de me olhar assim ou eu vou ter que
foder você de um jeito que não vai ser agradável.
Eu mal registrei o que ele falou. Estava completamente
hipnotizada com o que tinha na minha frente, e de repente toda
aquela pressa se transformou em... medo.
— Isso... Porra, isso aí vai entrar dentro de mim? E… cabe?
Daemon deixou uma risada escapar enquanto se livrava das
calças.
— Vamos fazer caber. E você vai agradecer por cada
centímetro, princesa.
Eu o encarei com deboche, mas sem ter muita certeza se ele
estava brincando, e me aproximei, finalmente colocando as mãos
nele. Daemon suspirou quando colocou as minhas duas mãos em
torno do seu pau e colocou as dele sobre as minhas, me fazendo
esfregá-las em seu pau para cima e para baixo, guiando o aperto e
velocidade. Assim que eu entendi como ele gostava, afastei as
mãos dele para fazer tudo sozinha. Ele xingou baixinho quando
sentiu, e me puxou pra mais perto do seu corpo.
— Você não ficou com medo.
Tentei parar de esfregar seu pau, mas ele não permitiu que eu
parasse. Então continuei e respondi seu comentário.
— Por que ficaria?
Ele bufou e apertou mais os dedos em volta dos meus.
— Eu acabei de falar que posso te foder um jeito nada
agradável. Você sabe que eu sou violento. Isso não te assusta?
Ele parou os movimentos e soltou o aperto em meu corpo,
permitindo que eu me afastasse uns centímetros a mais. Encarei-o
por um instante, vendo a curiosidade brilhar em seus olhos e olhei
para baixo, onde seu pau ainda estava ao alcance dos meus dedos.
Eu me abaixei e encarei o pau duro de Daemon Novak. Era enorme
e tudo o que eu queria era enfiá-lo na boca, mas antes disso, eu
olhei para ele ainda abaixada, e me lembrei de algo que ele me
disse o que parecia ser semanas atrás.
— Eu gosto dos que brigam de volta, Daemon.
E então eu enfiei seu pau na minha boca, e Daemon fez um
ruído quase glutural quando me ouviu e sentiu minha língua deslizar
por ele. Senti Daemon passar a mão em minha nuca, pegando todo
o meu cabelo e enrolando em sua mão.
Ele segurou firme minha cabeça e passou a controlar a
velocidade e intensidade que eu o chupava. Eu gostava do aperto
firme dele em meus cabelos, eu gostava da surpresa dele em
perceber que eu não ia pedir para ele parar. E mesmo com o
orgasmo de antes, ter Daemon gemendo como louco enquanto fodia
a minha boca foi a melhor sensação que eu senti até então.
Ele deveria estar usando toda a sua força de vontade comigo,
porque puxou minha cabeça pra trás com firmeza e segurou meu
pescoço com a mão livre, me fazendo olhar pra cima, para seus
olhos.
— Como você espera que eu vá devagar quando você faz isso
comigo?
Ele sussurrou e eu sorri em desafio. Ele passou o polegar pelos
meus lábios, limpando a bagunça de baba que ainda estava por ali,
e sorriu de canto enquanto me fazia deitar mais uma vez de costas
nos cobertores. Eu estava extasiada, com o corpo cheio de
adrenalina. Daemon me beijou mais uma vez e eu puxei seu corpo
para mais perto do meu, com urgência.
— Cora... Nós não precisamos fazer tudo hoje.
Ele estava preocupado, eu sabia que estava. E com medo de
me machucar. Mas eu sentia uma vontade e necessidade urgente, e
queria provocá-lo cada vez mais.
— Se você quiser parar por você, nós paramos.
Ele parou de me beijar e me olhou, curioso. Um sorrisinho
começava a se formar em sua boca enquanto ele me observava
desconfiado, e um pouco impressionado.
— Mas eu quero mais. Eu quero tudo. Você prometeu.
Eu choraminguei pra ele e mordi o lábio. Daemon rolou a língua
na bochecha com uma expressão séria, como se estivesse
decidindo o que iria fazer comigo.
Decidi forçar a barra. Com ele, eu sempre podia ir além.
Deslizando minha própria mão entre as minhas pernas, eu abri
o melhor sorriso que consegui.
— Ou eu posso simplesmente... dar um jeito sozinha.
Ele então abriu um sorrisinho contrafeito, percebendo que eu
não estava deixando escolha. Nem pensar ele iria me deixar ficar na
vontade. Fiz menção de tentar me levantar e ele me empurrou de
volta contra o colchão, prendendo meus braços com firmeza entre
os dedos.
— Nem pense em sair daqui.
Ele sussurrou e um arrepio percorreu toda a minha espinha. Ele
tinha um olhar assustadoramente determinado.
— Vamos descobrir até onde você aguenta, princesa.
Foi o seu tom de voz, a sua mudança de postura, a forma como
ele falou “princesa”, tudo aquilo mexeu comigo. Fechei os olhos por
um segundo para evitar surtar, e senti Daemon colocar uma mão em
cada uma das minhas coxas para me puxar pelas pernas para mais
perto, já com uma postura totalmente diferente da delicada e
cuidadosa que ele vinha tendo até então. Agora ele estava sendo
firme e preciso, deixando claro quem estava no controle, e que ele
faria comigo o que quisesse. Ele me segurou pelo pescoço pra que
eu ficasse sentada, com o corpo colado no dele, e me observou por
um instante com um olhar de predador que encara sua presa antes
do jantar. Meu coração batia acelerado e eu temia que ele pudesse
ouvi-lo.
— Daemon. Eu estou... estou assustada agora.
Consegui sussurrar, e ele aliviou o aperto em meu pescoço e
sorriu.
— Ainda bem. Estaria preocupado se não estivesse, princesa.
Eu sou assustador.
E então sem me deixar digerir suas palavras, ele me deitou de
novo, subindo por cima de mim mais uma vez. Daemon me beijou,
dessa vez mais rápido e mais forte. Com a mão que ele não estava
usando pra se apoiar, apertou minha bunda para erguer meu quadril
e colocou cada uma das minhas pernas em torno da sua própria
cintura. Só depois sua mão se fechou de novo na parte de trás do
meu pescoço em um aperto firme, mas confortável. Eu não tinha
percebido, mas ele estava me preparando para o seu próximo
movimento.
Daemon esfregou seu pau devagar em mim, me fazendo
estremecer e me esfregar de volta.
— Weylin...
Ele suspirou em meu ouvido, sentindo eu me empurrar cada vez
mais contra seu corpo. Eu sabia que ele queria me dar um aviso,
confirmar se eu estava pronta, mas eu não conseguia falar. Ao invés
disso meus dedos se fecharam em sua nuca e eu cravei as unhas
em seu pescoço. Ele gemeu, e eu encontrei fôlego para sussurrar
uma súplica.
— Me. faça. sua.
E então eu senti ele entrar em mim.
Quente, duro, forte. Eu quase chorei.
Eu interrompi o beijo e arfei, procurando por ar pra respirar.
Caralho, aquilo doía mesmo.
Daemon estava imóvel, paralisado, os olhos fixos em mim.
— Você... entrou inteiro? — eu consegui perguntar.
Ele afastou os cabelos bagunçados do meu rosto com carinho e
deixou um sorriso de canto se abrir.
— Não, princesa. Nem perto.
Eu respirei fundo e fechei os olhos, forçando meu corpo a
relaxar. Eu estava bem. Tudo estava bem. Eu queria isso.
Senti minha musculatura abrir espaço para ele e se acomodar, e
a adrenalina voltar a correr em meu sangue, assim como o desejo.
Eu me mexi contra ele de novo, devagar, e Daemon me segurou
mais firme em seus braços para começar a se mexer contra mim,
muito suavemente.
— Isso dói — eu choraminguei.
Ele beijou o topo da minha cabeça e encostou sua testa na
minha.
— Eu sei. Sinto muito por isso. Vai passar.
Respirei fundo mais uma vez e sorri, de olhos fechados.
Daemon Novak não era nada do que eu imaginava. Aqui estava ele,
em Paris, em um cenário de filme adolescente, tirando minha
virgindade com a maior calma e paciência do mundo.
Totalmente diferente do garoto briguento e ciumento que anda
ao meu lado na escola. E eu meio que gostava disso.
Ele se movimentava devagar, e depois do choque inicial, eu
sentia minha musculatura relaxar, e a cada movimento eu queria
que ele entrasse ainda mais fundo. A cada movimento o desconforto
diminuía, meu sangue corria mais rápido, e eu desejava que ele
fosse mais forte.
Eu gemi e Daemon sorriu, sabendo que estava me deixando
louca.
— Daemon...
— Sim, princesa?
— Não para. Por favor, não para.
Ouvi ele suspirar, e suas mãos abraçaram meu corpo, nos
girando de lado e permitindo que ele se ajeitasse melhor para
continuar no ritmo. Eu cruzei as pernas com mais firmeza em sua
cintura e o abracei de volta com os olhos ainda fechados, sentindo-
o, aos poucos, aumentar a velocidade e se permitir ir mais fundo
dentro de mim. Eu arfei procurando por ar de novo, percebendo que
tinha me esquecido de respirar.
— Ainda dói?
Sua voz era firme, mas algo em seu tom me fez abrir os olhos.
Ele me encarava daquele jeito de novo. Aquele jeito novo e
completamente devastador.
— Dói... mas porra, é tão bom.
O puxei para perto para um beijo, e Daemon me apertou contra
ele de novo, me beijando devagar assim como os movimentos que
fazia para dentro de mim. Ele controlava a velocidade e quando eu
me acostumava, ele mudava para fazer mais rápido ou mais forte.
Eu revirava os olhos e tentava respirar, sentindo todo o meu corpo
tremer em seus braços.
Ele desacelerou os movimentos e passou a mão em meu rosto,
tirando meu cabelo da frente para que eu o olhasse nos olhos. Eu
estava extasiada, mal conseguia gemer. Eu o abracei pelo pescoço,
segurando seu cabelo e tentando não enterrar as unhas em suas
costas de novo. Não imaginava que era possível sentir tantas
sensações diferentes em meu corpo.
— Porra, Cora. Você não faz ideia de o que está fazendo
comigo agora.
Daemon me chamou em um tom de voz diferente, e eu abri os
olhos procurando encontrar os dele. Ele estava com os olhos
fechados, concentrado no movimento que fazia com os quadris, e
seu corpo estava tenso. Eu podia ver os músculos do abdômen dele
tensionados, e as veias saltarem em seus braços. Então eu entendi.
Ele estava prestes a gozar. Com o restante de forças que eu ainda
tinha comecei a movimentar meus quadris e rebolar junto com os
movimentos dele, eu queria provocá-lo mais um pouquinho. Percebi
que deu certo porque ele arquejou e apertou ainda mais os dedos
em meu corpo. Eu puxei seu rosto para perto do meu e encostei
minha boca seu ouvido. Eu gemi seu nome baixinho, esperando que
isso o fizesse gozar.
— Ah, Daemon...
Ele entendeu na hora o que eu estava fazendo, seus dedos se
fechando em um aperto ainda mais forte em meu pescoço. Mas
Daemon Novak é quem tinha que dar a última palavra.
— Peça. Peça princesa, e eu vou te dar o que você quiser.
Eu sorri antes de gemer mais uma vez em seu ouvido.
— Eu quero sentir você, Daemon. Eu quero sentir você inteiro.
Eu não consegui sufocar um gemido alto quando ele me
abraçou pela cintura e me carregou até a borda da cama. Se
apoiando no chão, inclinado por cima de mim, ele apertou meu
pescoço quando me fez olhar pra ele.
— O que você é, Cora? — Ele lambeu os dedos mais uma vez e
deslizou entre nossos corpos, pra acariciar aquele ponto sensível do
meu corpo que já estava inchado e pulsando.
— Eu... Ah, caralho — eu me interrompi, sentindo a onda de
mais um orgasmo crescer dentro de mim.
— O que você é? — ele repetiu, enquanto metia em mim com
mais força.
— Sua. Eu sou sua. — Eu estava quase caindo do precipício
onde ele estava me levando.
— Não é alto o suficiente, baby.
Eu quebrei.
Senti o corpo tremendo e o orgasmo chegando conforme ele me
fodia e me acariciava, a língua voltando a deslizar por aquele ponto
no meu seio...
— Porra, Cora — ele gemeu, se afundando mais dentro de mim,
apertando meu pescoço até quase me deixar sem ar. — O que
você...
— SUA! — eu gritei, me jogando do precipício. — Eu sou sua,
Daemon!
Ele fez um último movimento mais intenso, se enfiando fundo
dentro de mim pela primeira e última vez. Foi a dor mais deliciosa
que eu já senti na vida.
Daemon me ergueu nos braços e me colocou no meio da cama
de novo.
Eu estava flutuando, tremendo, me afogando. Era tudo ao
mesmo tempo. Senti meu coração bater tão rápido que achei que ia
vomitar. Eu me sentei na cama tão rápido, levantando os olhos em
direção ao banheiro, que ele percebeu. E talvez notou o desespero
em meus olhos, o pânico de uma crise começando a surgir, porque
Daemon Novak passou os braços ao meu redor e me puxou de volta
para cama, me apertando contra o seu peito.
— Shhhiu. Você está segura.
Era tudo o que eu precisava ouvir. Nossos corações batiam
completamente alucinados, e eu fechei os olhos, deixando meu
corpo aos poucos começar a se acalmar.
Depois de um tempo, ele quebrou o silêncio. Eu ainda sentia
seu coração bater acelerado contra minhas costas.
— Você está bem? — seu tom era cauteloso. Ele estava
torcendo para não ter me machucado.
Eu precisei pensar um pouco antes de responder.
— Um pouco... dolorida.
Ele riu contra meu cabelo.
— Você vai querer se limpar.
Deslizei minha mão até entre minhas pernas. Eu me sentia
molhada e melecada, e quando ergui os dedos na altura dos olhos,
percebi uma bagunça de sangue e sêmen manchando minhas
unhas.
— Vou preparar um banho pra você — a voz de Daemon nas
minhas costas era quase uma melodia. — Depois vou fazer você
comer, e mais tarde, se quiser, eu posso te ensinar mais algumas
coisas que você precisa saber.
Meu coração acelerou com a proposta, mas meu corpo pediu
pra eu sossegar e me dar um descanso.
— Hummm, um banho parece bom — foi o que eu consegui
responder.
Abri os olhos só quando senti ele se levantar da cama e
caminhar em direção ao banheiro.
Daemon pelado era um monumento.
— Daemon?
— Baby? — Eu podia facilmente me acostumar com esse
apelido.
Ele perguntou de dentro do banheiro, e eu ouvi as torneiras da
banheira se abrindo.
— Eu amo Paris.
Eu sorri sozinha, assistindo o piscar suave contra a cortina do
quarto de Daemon que vinha de longe, da Torre Eiffel.
No fim das contas, eu não aceitei a proposta de Daemon para
transar de novo. Depois do banho, eu esqueci completamente as
minhas roupas e entrei no closet enorme dele para procurar algo pra
usar.
Encontrei uma cueca boxer em uma gaveta perfeitamente
arrumada, parecendo cheia de roupa íntima nova que ele nunca
nem usou, e vesti como se fosse um short. Também vesti um par de
meias.
Passei reto pelos cabides de camisas passadas e escolhi uma
camiseta preta de algodão que ficou parecendo um vestido, e eu
sorri na frente do espelho de corpo inteiro enquanto admirava minha
aparência. Eu não estava usando sutiã.
Pela Deusa, minha mãe me consideraria um crime. Eu me
sentia gostosa.
Saí do closet e encontrei Daemon saindo do banheiro, vestindo
um moletom cinza pela cabeça.
Aquele garoto ficava incrível com a camisa do uniforme da
escola e um gostoso de terno completo, mas ele de moletom e
cabelo molhado... me fazia querer arrancar minhas próprias roupas.
Ele paralisou quando me viu com a camiseta dele.
Em cinco passos largos, atravessou o quarto pra parar na minha
frente, me observando de cima a baixo, e levantou devagar a
camiseta pra ver o que eu usava por baixo.
Ele sibilou quando reconheceu sua cueca.
— Puta que pariu, Cora... Você quer mesmo me matar.
Eu só respondi com uma risada enquanto o puxava pela mão
para voltar ao terraço. Eu estava morrendo de fome agora, e sabia
que se continuássemos no quarto dele, eu estaria de volta na cama
assim que ele conseguisse por as mãos em mim.
Os cozinheiros tinham preparado fondue pra gente comer. De
frente pra Torre Eiffel. E Daemon me contou que ele tinha planejado
me levar pra jantar, mas percebeu o quanto eu gostei de ficar
admirando a torre essa tarde, sentada de qualquer jeito no gramado
do parque, sem os tênis, que mudou todos os planos pra algo mais
simples.
E foi perfeito.
Também porque nós tivemos a sobremesa antes do jantar.
Nós conversamos e rimos por horas, assistindo o movimento na
cidade luz começar a diminuir, até que o silêncio da madrugada me
fizesse adormecer apoiada em Daemon. Pela Deusa, eu não sabia
que transar cansava tanto. Mais uma vez, ele me carregou escadas
abaixo até seu quarto, me colocando na cama e me cobrindo com
um cobertor.
Eu estava exausta e minhas pernas ainda tremiam em
espasmos de vez em quando.
Senti o cheiro quando Daemon acendeu um baseado, sentado
no sofá na ala social do quarto e pousou os olhos em mim. Eu
apreciei aquela devoção mais uma vez, sem saber se estava me
condenando de vez.

Nos dias seguintes, nós transamos de novo. Uma vez no


chuveiro, quando Daemon entrou de roupa e tudo atrás de mim e
me fodeu em pé contra a parede, e outra vez quando eu o
surpreendi com uma das lingeries elaboradas da minha mãe, e até
que ela não estava tão errada assim ao me mandar isso. Naquela
noite, eu aprendi a cavalgar Daemon de pelo menos três jeitos
diferentes.
Depois de cada vez, eu precisava de horas pra me recuperar,
enquanto ele parecia ficar cada vez mais ansioso pela próxima. Era
como se eu fosse uma droga pesada que ele não podia evitar ficar
viciado. E cada uma das vezes, eu sentia ele se permitir ir um pouco
além comigo. Mais rápido, mais forte, mais intenso. Eu ainda sentia
dor e sabia que ele estava sendo cauteloso e carinhoso, se
segurando pra que eu ficasse confortável, e era grata por isso. Eu o
recompensava aprendendo com rapidez como deixá-lo atiçado,
maluco de tesão e desesperado pra gozar.
Eu já estava começando a imaginar como seria Daemon Novak
quando ele não precisava se segurar.
Nós passávamos os dias inteiros conhecendo cada cantinho de
Paris, visitando museus, descobrindo parques, comendo croissants
em cafeterias de rua. Ele gostava de comprar coisas pra mim toda
vez que me via olhando uma peça de roupa ou qualquer outra coisa
que atraísse minha atenção. Eu deixei, vendo como ele ficava feliz
em fazer isso.
Não era pelo dinheiro, ele não queria me impressionar. Ele
queria me fazer sorrir. E eu entendi isso quando eu parei em uma
rua que estávamos caminhando pra amarrar os cadarços e me
deparei com ele segurando uma margarida amarela pra mim,
roubada de um jardim próximo enquanto eu não estava olhando.
A margarida ainda estava no meu quarto, em um copo d’água,
resistindo firme mesmo que meus dons para o cultivo fossem
medíocres.
À noite, nós sempre subíamos pra jantar no terraço e
passávamos horas tentando identificar as estrelas diferentes que
haviam no céu da França ou observando as pessoas lá embaixo,
inventando histórias sobre suas vidas, fingindo que éramos as
Deusas brincando com seus homens.
Até Daemon se cansar e me arrastar escada abaixo até sua
cama.
Um dia Daemon me levou até a Disney Paris, e provavelmente
foi o dia mais feliz de toda a minha vida. Voltei pra casa com três
orelhas de Minnie, dois Mickeys de pelúcia, um monte de canetas
com orelhas de rato e uma quase overdose de doses. Daemon teve
que me aguentar tagarelar por horas sobre como tudo tinha sido
incrível, elétrica por causa do açúcar, até eu tomar um banho e
capotar de exaustão.
Na sexta-feira eu acordei cedo, nervosa sobre encontrar os pais
de Daemon. Nós tínhamos conversado sobre isso na noite anterior e
por mais que não fosse estranho ele ter visitas em casa, já que a
Elite estava sempre na casa uns dos outros, eu estava nervosa pra
não passar a impressão errada. Não queria que a Sra. Novak
achasse que eu estava lá só pra transar com o filho dela, apesar de
ser isso mesmo que estava acontecendo.
Demorei até escolher uma roupa pra vestir e depois comecei a
me arrumar no quarto de visitas. Quando desci, Daemon já me
esperava na cozinha, uma grande mesa de café da manhã posta
pelos cozinheiros do dia.
Ele fez uma careta quando me viu,
— Você está linda, mas prefiro quando veste minhas roupas. —
Ele sorriu e me puxou para seu colo. — Meus pais decidiram vir
mais cedo, devem estar aqui a qualquer momento.
E assim que ele disse isso, ouvimos uma voz na sala ao lado.
— Daemon?!
Era a voz de Cissa. Meu coração acelerou e eu pulei fora do
colo de Daemon no mesmo instante. Ele segurou minha mão, e com
um sorriso travesso brincando nos lábios, puxou a frente pra sair da
cozinha.
Encontramos o casal Novak na sala de visitas. Cissa abraçou e
beijou Daemon, mas ele apenas acenou com a cabeça para o Sr.
Novak, reconhecendo a presença do pai. Killian apertou minha mão
educado, quase rígido, e se afastou quando Cissa também me
abraçou, feliz em me ver.
— Que bom ver você, Cora. Convidamos seus pais para
passarem o final de semana conosco, tomara que eles possam vir!
Eu agradeci a hospitalidade enquanto tomamos o café da
manhã, pondo em prática todas as boas maneiras que minha mãe
me ensinou. O Sr. Novak sumiu logo depois do café — tinha
negócios pra resolver — e nós passamos o resto do dia com a mãe
de Daemon.
Os Novak pareciam muito intimidadores, mas quando Cissa e
Daemon estavam sozinhos, eles eram pessoas completamente
diferentes. Ele abraçava a mãe e passava o dia tentando irritá-la,
pregar peças e fazê-la rir. Ela sabia como ninguém responder às
provocações do filho, muitas vezes me usando como desculpa pra
fazê-lo se comportar.
Eu ainda não sabia como processar aquilo.
Cissa nos acompanhou em um passeio e nos contou histórias
sobre a magia antiga que vibrava onde hoje é Paris. Mais tarde, na
hora do chá em frente à lareira, ela contou sobre nossas
antepassadas mulheres que foram queimadas em fogueiras durante
o período chamado Inquisição.
As histórias dela eram mil vezes mais interessantes do que a
aula de História dos Povos Mágicos que tínhamos com os anciões
da Averly.
Cissa conhecia os nomes de mulheres que foram condenadas
por apenas terem conhecimento proibido, como saber ler e escrever,
ou conhecer os nomes de alguns tipos de plantas. Outras, diziam
que podiam manipular os quatro elementos e ainda convocar os
poderes sombrios das sombras, diretamente das trevas do
submundo.
Daemon e eu nos entreolhamos quando Cissa contou essa
história. Mas ela não sabia de mais nada sobre isso, porque ele
perguntou discretamente, alguns minutos depois.
Eu perdi totalmente o apetite depois disso, me lembrando do
poder que eu mantinha adormecido e escondido sob minhas unhas.
— Cissa? — a voz firme do Sr. Novak surgiu no corredor, me
assustando.
Killian Novak apareceu na porta e lançou no ar um papel para a
esposa. A carta flutuou até as mãos estendidas dela.
— Parece que os Weylin estarão reunidos este fim de semana,
afinal.
Meu coração deu um salto.
— Fantástico! — Sra. Novak exclamou, ainda lendo a carta que
devia ser dos meus pais. — Vou pedir aos empregados para
prepararem o segundo quarto de visitas, eles chegarão amanhã.
Vamos comemorar!
Ela se levantou e saiu por um minuto. Naquele instante, o olhar
do pai do Daemon caiu em mim, e Daemon o encarou com igual
intensidade. Eu fingi não ver, concentrada em memorizar cada
detalhe dos meus tênis All Star novinhos que tinha comprado com
Daemon no shopping naquela tarde, entre uma sessão e outra de
amassos escondidos.
A Sra. Novak retornou no instante em que Daemon se levantou
pra enfrentar o pai. Com o retorno da esposa, ele finalmente parou
de me observar.
Cissa não pareceu notar o clima tenso quando entrou na sala
com uma garrafa de vinho branco e quatro taças flutuando atrás
dela, que pousaram na frente de cada um de nós.
— Cissa querida, as crianças ainda tem 17 anos — o Sr. Novak
debochou, olhando pra nós.
— Ah, Killian, não vamos fingir que não sabemos que eles
bebem quando não estamos presentes. Eu sou uma mãe liberal.
Daemon sorriu de canto enquanto Cissa piscava para mim,
estendendo a garrafa pra que ele nos servisse.
O Sr. Novak deu apenas um gole da taça dele antes de pedir
licença para se arrumar para o jantar.
Naquela noite, eu fui pro meu quarto depois do jantar e de
desejar boa noite à família Novak. Seria bom ter um tempo sozinha,
porque a presença constante – e intensa – de Daemon estava
começando a confundir minha cabeça.
Escrevi mais uma carta pra Penny, contando – em códigos –
que estava ficando maluca nessa casa por causa de tudo o que
estava descobrindo que Daemon podia fazer, e tomei um longo
banho de banheira pra relaxar os meus músculos tensos depois de
um dia inteiro tentando ser agradável com o Sr. e Sra. Novak.
Quando voltei para o quarto, Daemon estava deitado na minha
cama, de calça de moletom e sem camisa. Seu cabelo estava
molhado do banho e o abdômem marcava as entradas em V abaixo
da cintura. Eu agradeci à Deusa por aquela visão.
Novak ficou comigo em meu quarto até eu adormecer. Foi dificil
para caralho não enfiar minhas mãos por dentro das calças dele,
principalmente quando ele me abraçou e me encaixou contra seu
corpo, me deixando sentir ele duro contra as minhas coxas.
— Daemon, para. Eu não vou transar com você hoje — eu
sussurrei, com medo que as paredes ouvissem.
Ele me apertou ainda mais contra sua ereção, e eu gemi sem
querer.
— Eu? Eu não estou fazendo nada, princesa. Você que não
cansa de esfregar essa bunda em mim.
Rindo baixinho, me esfreguei nele, só pra ele sentir um gostinho
do próprio remédio.
E só não contava com o tapa forte e estralado que ele daria na
minha bunda segundos depois, tapando minha boca com a mão
livre para que eu não gritasse.
Puta que pariu.
Eu queria que ele fizesse aquilo de novo.

No dia seguinte, quando acordei eu agradeci por Daemon não


estar mais no quarto, já que mal saí da cama e já corri pro banheiro
vomitar de ansiedade.
Eu veria meus pais.
Eu teria que lidar com a minha mãe.
E nós iríamos todos juntos — incluindo os Novak — a um baile
idiota de gente rica da alta sociedade.
Eu queria me matar. Por que tinha aceitado aquilo? E por que
diabos eu comi tantos croissants nessa última semana? Minha mãe
veria todo aquele açúcar nas minhas novas curvas. Apesar de eu
amar sentir os dedos de Daemon agarrarem meus quadris e minha
bunda, eu não queria encarar o olhar da minha mãe quando olhasse
para ela aparecendo demais nos tecidos finos dos seus estilistas
favoritos.
Forcei o vômito mais duas vezes até terminar de me arrumar,
levando o dobro do tempo normal e repassando cada mínimo
detalhe da minha aparência na frente do espelho.
Daemon me encontrou com um olhar preocupado no corredor
que levava à sala de estar. Era como se ele estivesse vindo me
buscar, e percebeu assim que me viu que tinha algo errado.
— Eu estava... Cora, qual o problema?
Eu me fiz de desentedida, como fazia toda vez.
— Problema? Nenhum problema.
Eu tentei entrar na sala, mas ele me segurou pela nuca antes
que eu passasse. Eu fiquei imóvel onde ele me segurava. Nós
trocamos um olhar intenso, onde ele me escaneava de cima a baixo,
tentando entender o que parecia errado comigo, e eu o desafiando a
encontrar algo. Até que algo atraiu nossa atenção.
— Et Coraline?! Onde está ma Coraline?
Eu estremeci ao ouvir a voz da minha mãe, e os olhos de
Daemon se iluminaram ao finalmente perceber o que estava me
deixando nervosa. Eu respondi em voz alta enquanto sustentava o
olhar dele em um aviso silencioso de: “não. se. meta.”
— Salut Mamán!
Daemon largou o meu pescoço, e eu entrei na sala com o
sorriso falso de sempre, procurando pela fonte daquela voz. Minha
mãe apareceu na soleira da porta da cozinha, ainda tirando o
pesado casaco de pele de viagem e alcançando para um criado
guardar, sem sequer reconhecer a presença do funcionário.
Cissa a recebeu primeiro, dando um beijo em cada bochecha e
recusando com educação a chuva de agradecimentos que a
etiqueta pedia por eles estarem me hospedando a semana inteira.
Quando ela virou seu olhar para mim, e desceu discretamente
de cima a baixo, eu me preparei para o golpe. Mas foi surpresa que
me atingiu quando ao me abraçar, ela sussurrou em meu ouvido
algo que só eu escutei:
— Muito bem, minha filha. Parece que finalmente está
escutando os conselhos da sua mãe.
Quando ela me soltou, eu segui seu olhar ambicioso para
descobrir que Daemon estava exatamente atrás de mim como um
maldito guarda costas, com a cara fechada e uma expressão nada
acolhedora, para a irritação da sua mãe.
Ele a observou com uma frieza que eu só tinha visto poucas
vezes.
Eu perdi totalmente a atenção quando me dei conta de quem
vinha caminhando atrás dela, ainda no hall de entrada.
A voz dele, baixa e tensa, misturada com a do Sr. Novak, era
uma pista de que eles estavam ocupados, mas eu não dei a mínima
quando assustei até a minha mãe ao correr na direção dele.
— PAI! VOCÊ VEIO!
Eu achei que odiava a mãe da Cora, mas isso era apenas até
eu conhecer o pai dela.
O Sr. Weylin era um homem que podia intimidar muita gente.
Alto, forte, com a mesma postura aristocrática do meu pai, ele
exalava dinheiro e poder, exatamente como eu imaginava que
alguém no papel dele deveria ser.
Mas eu tive sérios impulsos de colocá-lo para fora da minha
casa à base de porradas quando percebi a forma como ele tratava a
única filha.
Cora parecia não acreditar que estava frente a frente com seu
pai. Ela pulava no mesmo lugar, ansiosa, até que conseguiu se
desvencilhar da mãe e correu para abraçá-lo.
Ela não se importou que ele estivesse conversando com meu
pai.
O medo que tinha dele não era nada comparado com o amor e
saudades que sentia pelo pai, quase sempre ausente da vida dela.
Então ela entrou no meio dos dois, interrompendo a conversa que
parecia ser séria, e abraçou o homem.
Ela parecia uma garotinha, feliz com seu presente de natal
depois de esperar o ano inteiro por ele.
Mas ele a agarrou pelos ombros e a tirou do seu caminho, como
se ela não fosse ninguém.
— Cora, comporte-se! Eu estou em uma conversa importante
com o Sr. Novak, mostre respeito!
Ela piscou, em choque. Meu pai não emitiu reação alguma além
de dizer que eles poderiam ter aquela conversa em um momento
mais oportuno, e sair devagar em direção à onde minha mãe
esperava na sala, dando a eles privacidade.
Eu continuei de olho nela. E tentando não correr até lá e intervir.
— Eu... desculpa pai, eu só queria...
— Você nunca aprende, Coraline. Eu preciso trabalhar pra
pagar os seus caprichos, está bem? Nunca mais me interrompa
desse jeito!
Eu senti meu sangue ferver. Se dependesse de mim, aquele
filho da puta nunca mais pagaria por nada da Cora na vida dela. Ele
nem a veria mais, nunca mais daria motivos para ela achar que ele
era algo além de um idiota arrogante que não liga para a filha.
A mãe da Cora saltitou até lá, brigando com os dois.
— Querem parar de estragar uma excelente visita? O que os
Novak vão pensar de nós?!
Eu fiquei imóvel, congelado no portal. Minha mãe sussurrou o
meu nome, provavelmente pra eu parar de encará-los, mas eu não
conseguia. Eu queria ir até lá.
Eu dei o primeiro passo e uma parede invisível me acertou.
— Ai, porra — eu sussurrei baixinho, olhando pra minha mãe.
Ela me dava um olhar de alerta como quem diz: “Fique parado aí,
mocinho.”
A Sra. Weylin agora voltava à sala, um sorriso falso nos lábios
como se nada tivesse acontecido. James Weylin caminhava atrás
dela, e por último, como se segurasse todo o peso do mundo em
seus ombros, Cora vinha caminhando com a cabeça baixa para
esconder suas lágrimas.
Eu queria espancar alguém. Era como se as garras de Lynx me
cortassem o peito inteiro, rasgando músculo, ossos, órgãos. Eu não
suportaria ver ela com aquela expressão de novo.
— James, esse é o filho de Killian e Cissa, Daemon Novak.
A mãe da Cora se aproximava de mim, e o pai dele estendeu a
mão, com um sorriso maior do que o que ele deu a própria filha.
Talvez fosse isso. Talvez o filho da puta quisesse ter tido um
filho homem para continuar a linhagem, e por isso a mãe a diminuía
o tempo inteiro e a criava como um porco premiado pra quem desse
o maior lance.
E eu era um candidato.
Eu me vi como eles me viam: Jovem, solteiro, rico, herdeiro de
uma família importante, e uma ótima forma de compensar a
decepção que era a filha que se recusava a levar um namorado
para casa. De repente eu entendi porque Cora fazia a mãe pensar
que era uma vagabunda.
Eu senti nojo de mim mesmo pela forma como os dois sorriam
pra mim.
Com um breve olhar para minha mãe, que também era um
pedido de desculpas só pra ela, eu ignorei a mão estendida de
James Weylin e o sorriso falso da sua esposa e saí da sala atrás da
filha deles, que tinha acabado de escapulir discretamente sem que
ninguém se desse conta.
Pela primeira vez na minha vida, eu quis matar alguém.
Eu quis matar o pai da Cora, com as minhas próprias mãos.
Eu senti o desejo vibrar em meus ossos, despertar minha
magia, acender as chamas escuras sob minhas mãos. Fechei os
dedos em punho e enfiei as mãos nos bolsos para que ninguém
visse o poder descontrolado.
Precisei de tudo de mim pra me manter sob controle enquanto
eu corria pelos corredores, abrindo as portas de todos os quartos,
procurando por Cora.
Eu a encontrei escondida em um dos quartos de visita do
primeiro andar. Sentada no chão, abraçando os joelhos, com o rosto
borrado das lágrimas que escorriam sem parar. Eu não a via
daquele jeito há anos. Ela estava muito pior do que durante os dias
sombrios na Averly, como se aquilo lá fosse apenas um reflexo do
que ela realmente sofria. Os pais dela eram o maior gatilho para os
seus transtornos.
Ela parecia quebrada, partida.
Foi como se algo dentro de mim também se partisse, e eu não
ia deixar ela se destruir. Eu precisava agir logo.
Entrei no quarto e tranquei a porta, a agarrando antes que ela
corresse para dentro do banheiro. Naquele instante eu soube que se
a deixasse ficar sozinha no banheiro, forçar o vômito era o mínimo
que ela faria pra punir a si mesma, e eu não podia deixar.
— Daemon, me solta! — ela resmungou quando eu a agarrei
pelos pulsos.
— Não — eu rebati, falando firme e alto. — Quero fazer algo
com você.
Até eu me surpreendi com a forma como minha voz soou. Eu
estava desesperado.
— Fazer... algo? Daemon eu não vou transar com você agora!
Me deixa ficar sozinha!
Eu a peguei pela cintura e a joguei em cima da cama,
prendendo suas mãos sob as minhas. Firme. Violento. Trazendo sua
atenção para o agora, a puxando de volta do buraco que ela tinha
se enfiado dentro da própria cabeça.
— Eu nunca vou deixar você sozinha, princesa. Agora você é
minha.
Senti ela estremecer de leve debaixo de mim.
Isso. Eu precisava distraí-la.
— Eu não sou sua posse, Novak. Não estou afim, ME SOLTA!
Eu tapei a boca dela com a minha. Ela lutou contra o beijo,
depois cedeu um pouquinho.
— Você é minha. E eu estou com fome.
Eu mal reconhecia minha voz. Estava maluco, desesperado. Ela
parecia assustada.
— Eu não quero, Daemon. Pare com isso.
Ela negava com a cabeça, mas ficou parada na cama embaixo
de mim. Nenhum esforço para sair. Nenhum esforço para me tirar de
cima dela.
— Você não quer? Tem certeza?
Eu beijava seu pescoço agora. Ela ficou em silêncio. Mordi a
pele sensível na base do pescoço. Ela gritou de susto, mas não
saiu. Desci uma das mãos pelo corpo dela, apertando seu seio,
massageando o mamilo já duro.
— Para Daemon... Por favor.
— Parar? Então quer dizer que se eu tocar em você agora, não
vou te encontrar molhada pra mim?
— Não... eu não quero...
Eu estava a ponto de desistir. De ouvir as negativas que saíam
da boca dela, mesmo que seu corpo me dissesse o contrário,
mesmo que seus olhos me dissessem “continua, me distraia, não
pare”.
Aquele olhar me fez continuar. Foda-se os meus próprios
limites.
Deslizei um dedo por dentro da calcinha dela. Estava
encharcada.
E ela continuou dizendo que não, sem fazer nenhum esforço pra
sair debaixo de mim.
Pela Deusa, eu ia morrer.
Mantive a expressão dura, ergui os dedos até seu rosto e fiz ela
lamber.
— Isso parece com “não quero” pra você, princesa?
Ela arregalou os olhos para mim, sentindo seu próprio gosto
conforme eu esfregava os dedos úmidos contra a língua dela.
Levei os dedos agora ainda mais molhados para dentro da
calcinha dela de novo. Ela gemeu baixinho, tentando me agarrar, me
puxar pra junto dela.
Para junto dela, não para longe.
Mas ela continuava me pedindo pra parar.
— Por favor... não...
— Se eu te comer bem aqui, você promete gritar tão alto que os
seus pais e os meus vão te ouvir?
Eu devia estar ficando louco. Ela arregalou os olhos pra mim.
— Eu não...
Não deixei ela terminar de falar. Se eu ia mesmo fazer isso,
precisava fazer logo, antes que eu perdesse a cabeça. E a coragem.
Virei Cora de barriga para baixo, a puxei pelas coxas até a
beirada da cama e abri suas pernas para mim.
— Vou mostrar pra eles como é que eu trato a minha garota.
Ela estremeceu de novo, as lágrimas ainda correndo pelo rosto,
e eu me ajoelhei no chão, entre as pernas dela.
— O que você... O que você está fazendo?
Ela se esticou para me enxergar. Eu sorri como se fosse óbvio e
beijei a parte de dentro das suas coxas, segurando suas costas
contra o colchão.
— Me ajoelhando pra minha princesa.
Ela xingou baixinho, e naquele momento eu tive certeza que iria
para o inferno.
— Empina essa bunda pra mim, baby.
Ela empinou.
E eu caí de boca como queria fazer desde a primeira vez que
nós nos beijamos.
Na primeira vez que Daemon deslizou sua língua por toda a
extensão da minha boceta, eu achei que tinha morrido e ido para o
céu. Mas então ele fez de novo, e depois começou a me chupar, e
eu entendi que aquilo devia ser o inferno, porque era bom demais
para ser verdade, devia ser um truque, alguém apareceria a
qualquer momento e me diria que eu morri e estava condenada.
Era quente, macio, delicioso. E na posição em que ele tinha me
colocado, de costas com a bunda empinada pra ele, ficando
totalmente aberta e a mercê das suas vontades... eu estava ficando
maluca.
Ele me deu um tapa na bunda tão forte que fez meus olhos
lacrimejarem. E eu pedi outro, choramingando. Ele me deu.
Eu não tinha deixado ele me chupar antes, por pura
insegurança. Hoje ele arrancou aquilo de mim, como se soubesse
exatamente do que eu precisava, e eu gemia tão alto que não
duvidava que meus pais pudessem realmente me ouvir.
Mas eu não estava nem aí.
Em dois minutos, meus pais conseguiram fazer eu pensar em
me machucar. Daemon me fez gozar.
O orgasmo me atingiu como nunca antes no instante em que ele
enfiou dois dedos em mim, me fodendo sem parar de lamber e
chupar meu clitóris. Precisei de mais cinco minutos só pra parar de
tremer depois daquilo.
Nesses cinco minutos Daemon me pôs de pé, arrumou meu
cabelo que estava uma bagunça e ajeitou minhas roupas. Quando
ele me deu um sorriso debochado e abriu a porta para mim, eu
franzi as sobrancelhas.
— Você não quer se limpar?
Ele lambeu os lábios, me puxando para fora pela mão.
— Nem pensar. Quero estar sentindo o seu gosto quando for
falar com seu pai.
Meu coração bateu fora de ritmo, de novo.
Antes de voltar pra sala, com a mão dele bem firme nas minhas,
ele me parou no corredor escuro.
— Cora, antes de entrarmos lá eu preciso que saiba que eu não
vou aceitar isso, o jeito que eles tratam você.
— Daemon, por favor não...
— Princesa, me escute.
Eu calei a boca. Eu não aceitava ordens de ninguém, mas era
só ele me chamar de princesa naquele tom firme que eu calava a
porra da minha boca, obedecendo qualquer coisa que ele dissesse
depois disso.
Era um maldito comando, e eu estava descobrindo que gostava
daquilo.
E ele também.
— Você não é o que eles pensam de você. Você é foda pra
caralho Cora, e me faz querer ficar de joelhos a porra do dia inteiro
por você. Eu não vou deixar ninguém te tratar com menos do que
você merece. E o que você merece é o tratamento de uma princesa.
Entendeu? Você não vai aceitar menos que isso.
Eu ouvi cada palavra, tentando absorver o que ele dizia,
tentando guardar em algum lugar onde eu pudesse me lembrar para
sempre. Dessas palavras, da voz dele me dizendo isso, e da
sensação que tomou conta de mim depois.
Eu entrei na sala de estar dos Novak de queixo erguido, com a
mão firme de Daemon nas minhas.
Ele não soltou minha mão nem quando eu vi meus pais e tentei
me afastar dele. Ele não permitiu. Caminhou comigo até onde
nossos pais estavam sentados tomando chá, e havia um ar meio...
constrangedor. Eu rezei a Deusa pra que tivesse sido silenciosa.
Cissa era a única que sorria por trás de sua xícara. O Sr. Novak
parecia preferir estar sendo enterrado vivo a estar nessa sala, e
meus pais pareciam igualmente desconfortáveis enquanto Daemon
caminhava diretamente até eles.
— Sra. Weylin, é sempre um prazer. — Ele abraçou minha mãe,
de repente sendo o exemplo de educação. — Sr. Weylin, meu nome
é Daemon Novak. Sou um dos amigos da sua filha.
Daemon estendeu a mão, e meu pai a apertou, encarando a
forma como ele ainda me segurava.
— É um prazer, Daemon. E pode me chamar de James, por
favor.
Daemon sorriu e passou a língua nos lábios, descaradamente.
Eu deixei um sorriso escapar, e peguei o olhar curioso da minha
mãe em mim.
Pela primeira vez, eu encarei de volta. Como se a desafiasse.
Um dos amigos, Daemon tinha dito. Como se eu tivesse mais
amigos como ele, que sumiam e reapareciam comigo vários minutos
depois, ainda me deixando recuperar o fôlego.
Minha mãe desviou o olhar. E Daemon me guiou até a poltrona
mais próxima da lareira, fez eu me sentar e serviu uma xícara de
chá pra mim antes de servir a sua própria e se sentar no apoio da
minha poltrona, mesmo tendo outros sofás a disposição.
A porra de uma princesa. É o que eu seria a partir de hoje.

Nós não duramos nem até o final da xícara de chá. Quando


minha mãe começou a falar as chatices da vida de socialite dela,
notei Cissa dar um breve aceno de cabeça para o filho, sem que
minha mãe sequer notasse.
Daemon e eu saímos para a cidade cinco minutos depois, ainda
de mãos dadas. Nós caminhamos sem ter um plano, sem saber
para onde ir, apenas para se afastar do inferno que virou aquela
casa. E eu me distraí o suficiente pra que ele voltasse a colocar o
costumeiro sorriso de deboche em seu rosto.
— Você precisa de uma palavra de segurança.
Eu quase me engasguei com a limonada francesa que ele tinha
comprado pra mim.
— Eu preciso de o quê?!
Ele sorriu, limpando uma gota de limonada que escorria do meu
queixo e depois lambendo os dedos.
Puta que pariu.
— Você queria que eu parasse? Hoje de manhã?
Ele não precisava explicar, eu sabia exatamente sobre o que
Daemon estava falando. E não, eu não queria que ele parasse essa
manhã. Ainda não tinha processado o suficiente pra entender com
clareza o que aconteceu e o que eu senti, mas eu sabia que ele
tinha me tirado — ou arrancado — de um estado emocional muito
pior.
Eu neguei com a cabeça, sem conseguir dizer as palavras. Ele
me observava com atenção.
— E mesmo assim, você me disse não. Me pediu pra parar.
Senti minhas bochechas corarem. Eu não sabia porque tinha
falado aquilo, mas eu senti... coisas. Quando eu pedi pra ele parar e
ele não parou.
Ele se aproximou de mim, surrando em meu ouvido conforme
voltávamos a caminhar pela rua da sua casa.
— É pra isso que uma palavra de segurança serve, princesa.
Para me parar quando você realmente quiser que eu pare.
Eu processei aquilo em silêncio, tentando ignorar as borboletas
que se agitaram em meu estômago e o calor que começava a subir
em meu peito. Mas só piorou quando ele concluiu o raciocínio.
— Você me deixou maluco hoje, me pedindo pra parar e
empinando essa bunda pra mim ao mesmo tempo. — Ele deslizou a
mão pela minha cintura, chegando próximo demais da minha bunda.
— Mas eu posso ir muito além princesa, e fazer você implorar. Você
sabe que eu gosto das que brigam de volta.
Eu soltei um suspiro alto, tentando me recompor. Ele se afastou
um pouco.
— E é por isso que eu preciso saber até onde posso ir com
você.
Eu recuperei minha confiança e sarcasmo quando ele me deu
um pouco de espaço.
— Minha palavra pode ser “Daemon, seu idiota”?
Ele deu risada.
— Vamos encontrar uma melhor.
Nós paramos em frente à sua casa. Eu não queria entrar. Ele
também não.
Daemon pareceu me analisar por um instante, e depois falou:
— Você precisa de um vestido pro baile essa noite, não
precisa?
Eu concordei com a cabeça. O maldito baile.
— Então vamos pra Saint-Honoré, baby.
A Rue Sain-Honoré era famosa por reunir lojas das maiores
marcas de luxo: Chanel, Gucci, Hermés, Givenchy, Prada, Dolce e
Gabbana, Cartier... todas elas reunidas em um quarteirão. Mas
ficava do outro lado do Sena, longe pra caralho pra ir a pé, e eu não
fazia ideia de como o transporte público funcionava.
Mas Daemon já estava me puxando pela mão, não para as
portas principais da sua casa, mas para uma porta lateral que eu
não tinha percebido que existia. Era uma garagem.
E eu arfei com o que vi lá dentro assim que ele pousou a mão
no painel de senhas e a porta destrancou magicamente, só por
reconhecer o seu sangue.
Não era uma garagem grande, mas três carros estavam
estacionados, cobertos por algo que parecia um lençol preto.
Daemon me levou reto por eles, mas foi impossível não reconhecer
o design de um carro esportivo de luxo por baixo do pano.
— São do meu pai. E ele quase nunca usa — foi a única
explicação que ele me deu.
Só me dei conta do que Daemon estava fazendo quando ele
colocou um capacete pequeno sobre a minha cabeça. E aí eu
percebi o que estava atrás dele: Uma moto preta enorme, com
rodas largas e a logo da Harley Davidson brilhando na lataria.
— Não — consegui falar. — Nem pensar.
Daemon sorriu malicioso para mim.
— Com medo? — Ele vestiu seu próprio capacete. — Eu não
vou te deixar cair.
Não era medo, era algo como pânico. Eu nunca tinha andado de
moto em toda a minha vida, e aquela era enorme.
— Há quanto tempo você sabe dirigir? — tentei ganhar tempo.
— Carros? Desde os 14. Motos, desde os 15. — Eu percebi o
sorrisinho dele através da viseira aberta.
É claro que ele nunca teria se preocupado com algo tão idiota
como: Ser parado pela polícia. Ele era um Novak, ele não passava
por esse tipo de coisa.
Daemon vestiu suas luvas de couro e tirou o casaco para me
vestir com ele. Eu deixei, vendo seu peito forte aparecer na
camiseta preta. Era a mesma que eu tinha usado para dormir no
nosso primeiro encontro?
— Fala sério, Cora, você montou em um dragão. Está com
medo de uma Harley?
Cedi para o comentário espertinho, mas não por causa do
dragão. Porque a visão de Daemon Novak de capacete em cima de
uma moto era algo que eu precisava ter por mais tempo.
Aceitei a mão que ele estendia quando me mostrou onde pisar
pra subir no banco. Minha bunda ficava a centímetros do final da
moto e aquilo me fez pensar que eu com certeza iria cair e parar de
pernas pra cima no meio da rua.
Ele ligou o motor e a moto vibrou embaixo de mim. Meu coração
acelerou.
Daemon baixou a viseira do capacete dele e olhou pra mim
através do vidro. Eu o encarei de volta. Notei o reflexo de um sorriso
quando ele levou a mão pra trás e me puxou contra suas costas,
fazendo meu corpo inteiro ficar colado no dele.
Eu estremeci. Talvez andar de moto fosse divertido, afinal de
contas.
Ele pegou minhas mãos e as colocou em volta da sua cintura.
— Segura firme, princesa.
Foi a última coisa que ele disse antes de abrir a porta da
garagem e acelerar fazendo barulho nas ruas de Paris.

Nós atravessamos a cidade em questão de minutos. Não


tínhamos vindo pra esse lado do cena nenhuma vez ainda, o que
me fez perceber que era burrice, porque era tão incrível quanto o
outro lado da margem. Sempre que Daemon precisava parar em um
semáforo, ele segurava minha mão nas ele, contra sua barriga, ou
acariciava minhas pernas de forma distraída.
Eu estava ficando maluca com esse garoto.
Eu escolhi não um, mas três vestidos de baile, em diferentes
níveis de piranhagem. Daemon pagou por um deles, mas dessa vez,
me deixou decidir qual eu usaria.
Quando voltamos pra casa dos Novak no final da tarde, havia
um presente esperando por mim na minha cama, um colar de
brilhantes da Cartier com um bilhete rabiscado pelo meu pai.
Um pedido de desculpas, por ter sido grosseiro comigo mais
cedo.
Até ontem, talvez eu me derretesse com esse gesto. Talvez eu
guardasse o bilhete com a assinatura dele e exibisse o colar no
pescoço essa noite, aceitando as desculpas dele.
Mas não mais.
Ele não tinha tido a capacidade nem de vir falar comigo, pelo
amor da Deusa. Eu não aceitaria mais as migalhas de amor que era
só o que ele podia me dar.
Guardei o colar na minha caixa de joias e joguei a caixa e o
bilhete no lixo. Fui para o banho planejando usar um colar que eu
mesma tinha comprado com Daemon mais cedo, na Tiffany’s.

O Baile Anual dos Magos era um evento gigante com o


propósito de reunir portadores de magia do mundo todo para uma
noite de networking, danças e um jantar formal.
Só que ele não era destinado a todos os portadores de magia.
Só aqueles que tinham um sobrenome interessante e uma boa
quantidade de ouro nos cofres.
E, por causa disso, minha mãe amava esse evento.
Esse ano o evento aconteceria na mansão de uma tradicional
família francesa, e todo o tipo de gente estava presente. Os bailes
eram uma oportunidade para que as famílias tradicionais fizessem o
que mais gostavam: se exibir sobre suas famílias, seus negócios e
suas propriedades.
Na primeira hora, Daemon e eu cumprimos nossos papéis como
herdeiros. Caminhamos atrás dos nossos pais, sorrindo para as
pessoas certas, cumprimentando aqueles com quem nossos pais
conversavam, sendo apresentados para uma enorme e
desnecessária quantidade de feiticeiros que nunca se lembrariam do
meu nome depois dessa noite.
Minha mãe não reclamou da minha aparência dessa vez,
porque Daemon não saiu do meu lado e ela era educada demais pra
falar alguma coisa na frente dele.
Ou ela tinha medo do jeito que ele olhava pra ela. Eu não me
surpreenderia.
Mas agora, longe do olhar protetor do meu “amigo”, ela
sussurrava ordens quando não estava babando o ovo de alguém
importante.
“Endireite sua postura”, “encolha a barriga” e “você não acha
que esse vestido é um pouco sensual demais?” eram os seus
comentários favoritos da noite. Eu ignorei cada um deles com uma
facilidade surpreendente.
Principalmente conforme pegava os olhares de Daemon Novak
em mim através do salão, e as promessas sussurradas sempre que
nos cruzávamos sobre o que ele iria fazer comigo quando
ficássemos sozinhos.
Na hora do jantar, nós dividimos a mesa com os Novak e outra
família de magos da América do Norte. Mais uma vez Daemon
cumpriu sua promessa de me tratar como uma verdadeira princesa
na frente dos meus pais, e puxou a cadeira mim, me serviu de
champanhe e se certificou que eu comesse antes mesmo de se
servir.
Eu tentei conversar com a mãe dele, mas sua mão na minha
coxa por baixo da mesa tornava isso muito, muito difícil.
Eu decidi revidar.
Enquanto a sobremesa era servida e nossos pais já pareciam
meio bêbados de tanto champanhe que era empurrado e servido em
suas taças, eu levei minha mão para baixo da mesa e pousei em
sua coxa. Ele estremeceu de leve no meio de uma discussão com
seu pai sobre alguma coisa na Corte dos Feiticeiros, o sistema
judiciário dos portadores de magia.
Era uma conversa chata e eu estava entediada.
Então deslizei os dedos mais para cima, mantendo um olhar
distraído e entediado enquanto bebia meu champanhe.
Daemon interrompeu minha mão no exato instante que eu ia
chegar lá. Ele apertou meu pulso, com força e sem a intenção de
soltá-lo, sem nem se distrair da conversa com seu pai.
Eu gemi baixinho de frustração, e ele ouviu.
No segundo em que seu pai desviou o olhar para permitir que
um garçom completasse sua taça de champanhe, Daemon usou o
pé pra puxar minha cadeira mais perto da dele. Eu segurei um
gritinho de susto.
No instante seguinte, quando o Sr. Novak retomou a conversa,
seu filho colocou minha mão sobre seu pau.
Eu suspirei alto quando senti. Minha mãe me deu um olhar
inquisidor, e eu me escondi atrás da minha taça de champanhe.
Daemon fechou os dedos sob os meus, me guiando, me
fazendo sentir ele ficando duro por baixo do tecido do seu terno. Eu
apertei e acariciei seu pau, chocada em como ele conseguia manter
a voz estável e a cabeça funcionando para não perder o fio da
conversa que acontecia na mesa.
Graças à Deusa, o baile tinha definitivamente começado, e
Cissa Novak pediu ao seu marido que a acompanhasse para
dançar. Meus pais também se levantaram.
— Vocês não vão dançar, queridos? — Minha mãe perguntou,
os olhos em nós.
Eu abri um sorriso diabólico e me virei para Daemon.
— Não sei. Vamos?
Ele rolou a língua na bochecha, me observando, me devorando
com o olhar. Minha mãe entendeu a deixa para se afastar.
Daemon virou minha cadeira de frente pra ele.
— Princesa... — ele murmurou baixinho, tirando minha mão
dele, mas ainda segurando meu pulso. — Você acabou de arrumar
um problema pra si mesma.
Um arrepio percorreu o meu corpo conforme ele se levantava e
crescia sobre mim. Eu observei em silêncio ele pegar a garrafa
inteira de champanhe de um garçom e me guiar pelo salão de baile,
pra longe da pista de dança e longe da festa. Com a pouca
iluminação, ninguém deve ter percebido o volume exagerado
marcando as calças do terno do herdeiro Novak, e se esgueirando
comigo pelas sombras nos fundos do salão, ele encontrou uma
porta destrancada que levava pra outra parte da Mansão.
— Onde estamos indo? — perguntei conforme ele abria porta
por porta do corredor, procurando algum lugar específico.
— Terminar o que você começou, diabinha. — Ele sorriu para
mim quando encontrou o que queria.
Nós entramos em uma ampla biblioteca, de teto alto e recheado
de estantes, e eu me esqueci completamente do que estávamos
fazendo quando caminhei por entre elas, lendo os títulos nas
lombadas dos livros.
Ouvi o clique da fechadura da porta e voltei para a realidade.
Nos fundos da sala, havia um pequeno sofá de leitura e uma
enorme janela que dava para a Torre Eiffel.
Grande, iluminada, imponente.
— Uau. Eu vou sentir falta de Paris.
Eu suspirei, sentando no peitoril da janela. Daemon sorriu para
mim enquanto bebia da garrafa de champanhe. Eu aceitei a garrafa,
bebendo enquanto ríamos pensando no baile que acontecia lá
embaixo, sentados na janela admirando a cidade luz. Eu admirava a
cidade. Daemon admirava meu corpo, naquele vestido de seda
verde esmeralda que tinha feito ele quase ter um ataque cardíaco
na loja da Versace mais cedo. Ele me ensinou muitas coisas nesses
últimos dias, mas eu ensinei a ele sobre as marcas de luxo mais
famosas do mundo da moda.
E ele adorou as aulas.
— Eu vou sentir falta de ter minhas mãos em você sempre que
eu quiser.
Daemon colocou as mãos em minha cintura e me pressionou
contra seu corpo. Ele afastou meu cabelo e começou a beijar meu
pescoço, me fazendo suspirar. Eu também sentiria falta disso.
Suas mãos deslizavam pelo meu corpo, procurando a fenda do
meu vestido. Eu me virei pra ficar de costas pra ele, e esfreguei
minha bunda eu seu quadril.
— Ainda estamos em Paris — sussurrei.
O olhar que Daemon me deu fez toda a minha pele se arrepiar,
e ele mudou de postura no exato instante que ouviu minhas
palavras e sentiu minha movimentação.
Com uma mão ele colou minha cintura em seu quadril e a outra
me segurou pelo pescoço, segurando minha cabeça contra seu
peito enquanto ele continuava beijando meu pescoço, e orelha.
— O que você quer dizer, princesa? — ele sussurrou em meu
ouvido, me fazendo estremecer. — Você precisar pedir se quiser
alguma coisa de mim.
Eu continuei rebolando, esfregando meu corpo no dele.
— Eu quero... — pensei um pouco sobre como diria isso. — Me
fode Daemon. Com força, do jeito que eu sei que você gosta.
Eu senti ele inspirar e se afastar de mim por um segundo. No
instante seguinte, ele me virou pra ficar de frente pra ele de novo e
me empurrou contra a parede, segurando meus dois braços acima
da minha cabeça enquanto segurava meu pescoço para me fazer
olhar para ele.
— Você não dá ordens aqui, princesa. Você pede.
Eu mordi o lábio para esconder um sorriso que queria se formar
e disfarçar a sensação de que eu tinha a porra de um dragão
soltando fogo em meu estômago.
Eu amava esse jogo de dominação.
— Se eu pedir, você vai me dar?
A resposta dele estava na ponta da língua.
— Se você me obedecer, eu vou te dar o que você quiser.
Eu sabia que com ele, aquilo valia pra qualquer coisa, não só
para o sexo. Eu gemi e murmurei um: “por favor”, esperando que
fosse suficiente.
Não era sobre humilhação, afinal, ele me fez acreditar que eu
era a porra de uma princesa.
Era só sobre reconhecer quem estava no controle aqui.
Ele riu, aliviando o aperto em meu pescoço enquanto se
aproximava para me beijar, parando a centímetros dos meus lábios.
— Boa garota.
Daemon me beijou e soltou meus braços, que eu apoiei em
seus ombros. Ele me devorou, saboreando o gosto da minha língua,
me levando à quase insanidade só com a merda de um beijo. Ele
desceu pela minha pele, lambendo e mordendo, até chegar nos
meus seios.
Eu ficava maluca com ele lá.
Não sabia se todas as garotas tinham essa sensibilidade toda,
mas esse era definitivamente o meu ponto fraco.
Daemon puxou meu vestido pra baixo, liberando meio seio
esquerdo, e passou a língua pelo mamilo já duro. Eu deixei a
cabeça cair pra trás e gemi. Ele mordeu e chupou a pele entre os
meus seios, deixando uma marca vermelha.
Eu passei as mãos no cabelo dele, sentindo seus lábios quentes
em meu colo, e arranhei sua nuca.
Se o meu ponto fraco era a língua dele em meus peitos, o ponto
fraco dele era minhas unhas em suas costas.
Daemon gemeu pela garganta quando eu o arranhei. E eu enfiei
minhas unhas ainda mais fundo na pele dele.
Em um só movimento, ele me virou de costas de novo, deixando
minha bunda empinada contra seu quadril. Eu me apoiei no peitoril
da janela pra me equilibrar, e ele soltou uma risada baixa.
Daemon aproveitou a fenda do meu vestido para deslizar sua
mão por baixo dele e tirar minha calcinha. Ele passou os dedos pela
minha abertura, sentindo como eu estava molhada, e enterrou a
cabeça em meu pescoço, sussurrando em meu ouvido.
— Tem certeza do que você quer, princesa?
Um arrepio de medo percorreu minha espinha enquanto eu
ouvia ele abrir o cinto com uma mão só. Eu pensei que podia não
estar pronta.
— Eu não...
— Tarde demais.
Seus dedos deram lugar para seu pau, que entrou fundo dentro
de mim me fazendo querer gritar.
— Porra...
Ele ficou parado dentro de mim, me dando um instante pra eu
me acostumar, e colocou as minhas mãos nas grades da janela.
— Mantenha as mãos aí. E se segure.
— Daemon... — choraminguei, começando a mexer minha
bunda contra ele.
— Você queria foder, baby. Vamos descobrir até onde você
aguenta.
Eu me arrepiei com a ameaça, e gemi alto quando senti ele
começar a se mover contra mim. Nós nunca tínhamos transado
nessa posição, e eu estava descobrindo o quão fundo ele poderia ir
assim, com a minha bunda empinada para ele, as costas abaixadas
contra o parapeito da janela.
Minha cabeça estava uma bagunça. Era tão bom que eu não
tinha nada em meu cérebro que pudesse comparar, e eu lutava
desesperadamente para me ajustar enquanto ele tirava seu pau até
quase a ponta e enfiava tudo de novo dentro de mim.
Não demorou muito até minhas pernas começarem a tremer
com o esforço. Eu gemi alto o nome dele e Daemon enrolou meu
cabelo em uma das suas mãos, me puxando para trás, colando
minhas costas em seu peito sem parar de se enfiar dentro de mim.
Ele me segurava pelo quadril com uma das mãos, e eu sentia
os dedos dele se afundarem na minha pele. Aquilo ali certamente
deixaria uma marca que eu gostaria de exibir depois.
A dor de ter ele puxando os meus cabelos me fez revirar os
olhos de prazer. Eu não entendia como isso podia ser possível, mas
eu logo estava implorando por mais, agarrando seus dedos para ele
puxar o meu cabelo com mais força, pedindo e suplicando para que
ele não parasse nem diminuísse a intensidade dos movimentos...
Ele gemeu contra meu ouvido, aquele gemido vindo da
garganta, desesperado e visceral, conforme eu tentava
desajeitadamente rebolar de volta contra ele.
— Daemon, eu quero... mais.
Eu gemia em desespero, sentindo algo crescer em meu
estômago, uma urgência tão agoniante que eu não saberia
descrever. Ele riu contra minha pele e desacelerou um pouco a
velocidade, soltando meu cabelo e escorregando sua mão para meu
pescoço, me fazendo olhar pra ele. Seus olhos queimavam nos
meus em uma intensidade avassaladora.
Ele passou a língua em meus lábios entreabertos.
— Porra, princesa...
Ele me puxou para junto do seu peito e riu, sussurrando mais
uma vez.
— Eu vou precisar de ajuda, ou não vou ser capaz de fazer isso
durar.
Ele me beijou e levou meus próprios dedos até o meu centro,
me fazendo tocar em meu clitóris enquanto ele controlava seu pau
entrando e saindo de dentro de mim, com uma força e intensidade
que eu não imaginei ser possível. Eu obedeci, me massageando e
sentindo aquela coisa dentro de mim crescer mais e mais.
Eu revirei os olhos quando senti o orgasmo chegar, vendo na
minha cabeça a luz da torre Eiffel brilhar sobre nós pela janela
aberta. Naquele instante, com as pernas tremendo com Daemon
ainda dentro de mim, eu só conseguia pensar em uma coisa:
Puta que pariu. Eu nunca ia superar Paris.
Fazer a Cora gozar era meu novo hobby favorito.
Porra, ela ficava ainda mais incrível quando revirava os olhos
para mim assim, com os cabelos bagunçados e as pernas
tremendo.
Eu sabia que ela precisava de um minuto, então parei por um
instante, agradecendo mentalmente pela pausa, porque eu mesmo
estava a ponto de gozar nela, e a peguei no colo.
A carreguei até o sofá pequeno que tinha ali próximo, e me
sentei com ela ainda em meu colo.
Ela piscou e tentou recuperar o fôlego.
— O que... já acabou?
Eu deixei uma risada escapar.
— Não, princesa. Estou deixando você respirar.
Os olhos dela piscaram para mim, entendendo o orgasmo
intenso que ela teve, depois reconhecendo que estava em meu colo,
e que eu tinha meu próprio pau nas mãos. Quando ela abriu aquele
sorriso malicioso e escorregou do meu colo para o chão, eu soube
que estava fodido.
Cora se ajoelhou entre minhas pernas correndo suas mãos pela
minha calça, afastando minhas mãos. Ela fechou os dedos em torno
do meu pau e o enfiou na boca.
— Caralho, Weylin!
Eu quase gritei, sentindo ela deslizar a língua por toda a
extensão do meu pau de baixo pra cima e depois chupar a cabeça.
Ela não conseguiria enfiar ele inteiro na boca, e descobriu isso
com certa irritação quando tentou três vezes, movendo sua cabeça
em ângulos diferentes e experimentando as profundidades que
conseguia alcançar.
Eu deixei ela brincar.
— Eu estou fazendo isso errado?
Ergui os olhos pra ela. Eu estava a ponto de implorar por
misericórdia, então não, ela não estava fazendo nada errado.
— O que... não. Por quê?
Ela me deu um olhar irritado.
— Eu acho que estou fazendo errado. Eu quero mais, mas não
consigo.
Deixei minha cabeça cair para trás, dando risada. Puta que
pariu, essa garota seria o meu fim.
Passei a mão em seu rosto e apertei mais ainda seus dedos
que me acariciavam.
— Você não está fazendo nada errado. Talvez, com o tempo,
você consiga colocar ele mais para dentro. Mas você nunca vai
conseguir engolir o meu pau, Cora.
Eu afastei seus cabelos do rosto enquanto assistia ela tentar
mais uma vez.
— Está querendo me dizer que... o seu pau é grande demais?
Uma pontadinha de orgulho inflou o meu ego. Eu sabia que meu
pau era grande demais. Mas pela Deusa, a Cora não deve ter visto
muitos na vida dela para saber comparar. Aquela compreensão me
deixou muito, muito satisfeito.
E arrogante.
— As garotas costumam dizer que sim.
Eu me inclinei pra trás no sofá, de repente apreciando muito
mais aquela conversa. Eu queria ver o que ela iria fazer agora.
Cora Weylin não gostou nada daquela insinuação. Ela fechou a
cara, apertou meu pau com mais força entre seus dedos, e levantou
as sobrancelhas pra mim.
— As garotas que vão tomar no cu delas.
E então ela me lambeu de cima a baixo de novo, e eu
estremeci. Porra... ela era uma diabinha confiante e presunçosa. E
eu amava aquilo.
— Eu posso te ajudar — falei, afastando os cabelos dela para
as costas.
Ela me encarou de baixo pra cima, com meu pau na sua boca e
um olhar desafiador, — a porra da visão do paraíso — quando
sussurrou.
— Faça o seu melhor.
Era tudo o que eu precisava para enrolar seus cabelos na minha
mão e a segurar pela nuca. Cora se ajustou em seus joelhos,
agarrou a base do meu pau com as duas mãozinhas pequenas e o
enterrou dentro da garganta dela o máximo que conseguiu.
Eu gemi um xingamento baixo.
E então eu forcei a cabeça dela para baixo, a guiando, a
mantendo no ritmo. Ela ajustou o ângulo mais uma vez. Eu continuei
a empurrando para baixo. Suas mãos seguiam no mesmo ritmo, me
acariciando pra cima e para baixo no ponto onde ela não conseguia
cobrir com a boca.
Aos poucos, sua garganta foi se acostumando comigo. Ela foi
pegando o ritmo, o ângulo certo, e ficando mais confiante. E eu mais
incisivo, forçando a cabeça dela para baixo e fodendo sua boca.
Ela não me pediu pra parar nem para aliviar o aperto.
Os olhos dela lacrimejavam, mas ela não estava nem aí. Não
quebrou nosso contato visual e eu sustentei seu olhar malicioso.
Até aquilo tudo ser completamente demais pra mim.
— Princesa.
Era um aviso. Que ela ignorou.
— Weylin. Para Cora, ou eu vou...
Eu tentei me levantar e afastar seu rosto do meu pau, mas ela
me empurrou de volta contra o sofá. Cora me encarou mais uma vez
antes de fechar os olhos e enfiar meu pau ainda mais fundo na
garganta dela. O mais fundo que ela conseguia sem a minha ajuda.
Puta que pariu, ela queria me chupar até eu quebrar. Ela queria
que eu gozasse na boca dela, e só o fato de eu reconhecer aquele
pensamento foi suficiente pra me levar à insanidade do orgasmo.
Resisti ao impulso de jogar a cabeça pra trás porque eu queria
ver seus olhos, a expressão dela, quando sentisse aquilo.
Eu segurei sua cabeça quando senti que ia gozar. Se ela queria
isso, eu ia me certificar que ela tivesse tudo.
Cora arregalou os olhos azuis pra mim quando me sentiu jorrar
dentro da boca dela. A expressão de surpresa deu lugar a um olhar
de satisfação e prazer enquanto ela desacelerava para um ritmo
tranquilo, esperando eu terminar. Me inclinei sobre ela e a puxei pra
cima pelo queixo assim que acabou, assistindo ela engolir tudo e
ainda passar a língua nos lábios, sorrindo pra mim, a diabinha.
Puta que pariu, Cora.
Eu passei os dedos em seu rosto pra limpar a bagunça de saliva
que restava por ali, e ela esperou, ainda ajoelhada aos meus pés.
Caralho, eu nunca fiz isso com uma garota antes. Nunca me
importei tanto com alguém a ponto de ser cuidadoso, carinhoso e
protetor. A puxei mais ainda pra cima e ela montou no meu colo, me
encarando com aquele olhar desafiador.
— Quem precisa parar pra respirar agora?
Soltei uma risada espontânea com a provocação dela.
— Você acabou comigo. Mas se me der um minuto, pode me
mostrar como aprendeu direitinho a montar em mim.
Foi a vez dela de rir, batendo no meu peito.
— Talvez em casa. É nossa última noite em Paris.
Ela pareceu triste de repente.
— Quer dar uma última volta pela cidade?
Cora se ajeitou em meu colo pra me olhar melhor.
— Como assim?
— Você veio pro baile com seus pais... — eu abri um sorriso
malicioso. — Eu vim pilotando. E trouxe dois capacetes.
O sorriso que ela abriu quase fez meu pau ficar duro de novo,
se ele não estivesse tão destruído por ela.
— Precisa se despedir dos seus pais? — ela perguntou.
— Não. Minha mãe sabe que eu vou com você pra casa quando
quiser. Você quer se despedir dos seus pais?
Eu estava planejando me esgueirar pelos fundos da mansão e
sair sem precisar voltar para o baile, mas se ela quisesse voltar, eu
iria com ela, apesar de achar que eles não mereciam nenhuma
satisfação dela.
Cora Weylin me fez abrir mais um sorriso quando respondeu:
— Não. Eles nunca se despedem de mim, então não vou me
importar com eles.
Eu a beijei naquele instante, depois a botei no ombro, juntei sua
calcinha do chão e saí fechando o cinto com uma mão só.
Eu queria pra caralho aproveitar minha última noite com ela
aqui.
Daemon dormiu comigo, no meu quarto, naquela última noite.
Nós ficamos até de madrugada pelas ruas de Paris, passando na
frente de todos os pontos turísticos que ainda não tínhamos visitado,
só pra ver. Assistimos a Torre Eiffel brilhar e ser apagada à meia
noite, percorremos por ruas que nunca tínhamos entrado, e eu me
despedi da cidade luz sentindo um aperto no peito por ter que deixar
pra trás tudo o que vivi aqui nesses últimos dias.
Quando voltamos pra casa dos Novak, a mansão estava
silenciosa. Daemon só foi ao seu quarto pegar roupas limpas
enquanto eu tomava meu banho – que ele invadiu assim que voltou
— e nós dormimos juntos, de conchinha, sem se importar com os
pais dele ou com os meus.
Meus pais foram embora de manhã, enquanto Daemon e eu
ainda dormíamos. O máximo de despedida que recebi deles foi uma
carta curta escrita pela minha mãe e deixada com um dos criados,
que desejava bom retorno às aulas e a promessa de que eles iriam
me buscar na estação de trem no fim do ano letivo.
Daemon e eu não conversamos sobre tudo o que aconteceu
entre a gente. E talvez devêssemos ter feito isso, porque eu sabia
que quando voltássemos para Averly, toda a magia que vivemos
aqui iria acabar.
Eu não esperava que as coisas fossem diferentes de como
sempre foram. Nós passamos um tempo juntos, e foi incrível, mas
acabou.
Eu sabia quem ele era na escola. E quem eu era. Estava
fazendo um favor pra mim mesma ao não criar expectativas sobre
algo diferente daquilo.
Não tive vergonha de abraçar Cissa Novak com força quando
me despedi dela. O pai de Daemon tinha se despedido do filho mais
cedo, depois do nosso café da manhã, e estava resolvendo seus
últimos negócios antes de voltar pra Inglaterra.
— Obrigada por tudo, Cissa — eu agradeci, sabendo que ela
preferia que eu a chamasse pelo primeiro nome. — Paris foi incrível.
Ela sorriu, beijando minhas bochechas.
— Você é parte da família, querida. Venha sempre que quiser.
Fingi não ver a piscada que ela deu ao filho enquanto me dizia
aquilo. Daemon se despediu da mãe dele e nós seguimos nosso
caminho até a estação de trem, e depois nas duas horas de volta
até a escola.
Não falamos muito durante a viagem. Eu estava distraída o
caminho inteiro, e Daemon também parecia meio aéreo, perdido em
seus próprios pensamentos.
O clima estranho não melhorou quando chegamos na Averly e
fomos recebidos por uma horda de garotas escandalosas.
— Daemon! Você voltou!
Não, idiotas. Ele iria ficar em Paris pra sempre.
As garotas se aproximaram, todas querendo cumprimentar o
príncipe da escola, e eu tirei minha mochila das mãos dele enquanto
ele estava distraído e me afastei pela lateral.
Eu não estava com paciência ou confiança suficiente para lidar
com elas, então deixei Daemon lá e fiz o caminho mais longo pras
masmorras. Encontrei Henry e Adonis no caminho, o que salvou
meu humor em 100%, e contei a eles um rápido resumo sobre as
férias. Dei detalhes ao Henry sobre minhas compras nas lojas mais
icônicas do mundo, e ao Adonis, que não se importava com nada de
moda, tive que responder à perguntas do tipo: “Você encontrou uns
franceses gostosos lá?!”, “Como eles eram?!”
Fiquei frustrada ao perceber que eu não reparei em nenhum
homem durante as férias. Adonis achou isso um absurdo.
Quando percebi, mais de uma hora já tinha se passado e eu
ainda estava parada no corredor, com uma mala nas mãos. Me
despedi deles e corri para as masmorras.
Dahlia e Penny praticamente pularam por cima de mim quando
me viram.
— Como assim você chegou de Paris e não veio nos encontrar
imediatamente?
— Queremos saber tudo sobre Paris!
Eu dei risada da indignação delas.
— Encontrei Henry e Adonis no caminho. E porque não
perguntaram ao Daemon? Ele podia ir contando tudo.
Percebi que tinha algo errado quando o sorriso de Dahlia se
desfez.
— O que foi?
Foi Penny quem respondeu:
— Nós não falamos com Daemon. Ele e Ez estão ocupados.
Ela apontou com a cabeça para os fundos do salão, onde Ez e
Daemon estavam sentados em poltronas lado a lado, conversando.
Não parecia nada demais. Parecia que Daemon estava
contando sobre as férias. Mas aí eu entendi o que acontecia em
volta e meu estômago afundou.
Ez tinha Callie sentada no apoio de sua poltrona, e passava a
mão pelo joelho dela. Em volta dela, e deles, suas amigas todas
conversavam animadas, chamando a atenção, participando da
conversa de Ez e Daemon quando podiam. Lauren era uma delas, a
mais próxima de Novak, apoiada em sua poltrona.
— Entendi — foi tudo o que eu respondi.
Engoli os sentimentos controversos porque não queria lidar com
eles. Daemon e eu não tínhamos nada. Nós passamos alguns dias
bons juntos, mas só. É claro que ele voltaria a andar com quem
sempre andou, e isso incluía os grupinhos irritantes de meninas que
percorriam o castelo atrás dele.
— Vamos pro quarto, eu trouxe presentes da Disney pra vocês.
Dahlia e Penny comemoraram com pulinhos, e eu ouvi uma voz
masculina atrás de mim.
— Pra mim também, eu espero?
Eros me observava com uma preocupação fingida. Eu pulei em
seus braços, e ele me levantou do chão.
— Porra! Eu senti sua falta, gatinho.
Enfiei o nariz no pescoço dele, e ele beijou minha testa antes de
me por no chão. Eu tinha tanta coisa pra contar para ele, até mais
do que pras meninas, e vê-lo de repente me deu paz. Eros era o
meu melhor amigo no mundo inteiro.
Nós quatro subimos juntos as escadas, conversando animados,
e eu me preparando pra contar pra eles todos os detalhes sórdidos
das nossas noites em Paris.

Eu contei quase tudo pra eles. Contei sobre os lugares que


conhecemos, o que fizemos, e sobre o sexo. Meus amigos riram e
fizeram perguntas, ficando animados com cada detalhe que eu
compartilhava.
Não contei sobre minhas crises por causa dos meus pais, e nem
como Daemon me ajudou com elas. Na verdade, sem querer eu fiz
parecer que essa viagem toda foi como uma viagem entre amigos,
com um pouco de sexo casual entre o turismo.
Não era assim que eu me sentia, mas era assim que deveria me
sentir para não me machucar com a decepção que certamente viria.
Quando Eros e Dahlia estavam distraídos, em uma conversa de
namorados, Penny veio para o meu lado com a desculpa de me
ajudar a desfazer minha mala.
— Então... como você está?
Eu sabia que ela estava falando do sexo.
— Bem. Na verdade eu não fazia ideia de que essa porra era
tão boa.
Phenelape caiu na gargalhada.
— Porra, eu sei. Toma cuidado, ou daqui a pouco você vai estar
fazendo coisas que jamais faria só pra sentir o coração batendo
daquele jeito de novo. É um vício do caralho.
Eu concordei, ainda sorrindo.
— Acha que vai transar com ele de novo?
Eu parei de guardar minhas calcinhas na gaveta.
— Eu... não faço ideia.
Ela não estava me julgando, estava só curiosa, me fazendo as
perguntas que eu deveria fazer pra mim mesma.
— Acha que ele vai querer?
Eu sabia que sim. Daemon foi muito transparente sobre o que
eu fazia ele sentir quando estava transando comigo.
— Pergunta idiota — ela se corrigiu. — É claro que ele vai
querer. Mas e você?
Essa era uma pergunta que eu ainda não tinha resposta.
Se ela me perguntasse ontem, enquanto eu ainda estava no
nosso mundinho particular em Paris, eu diria que sim. Que era
óbvio. Que eu transaria com ele por anos.
Hoje, de volta a escola e encarando a realidade que vivíamos
aqui, com todas as garotas babando nele, as fofocas e provocações
que eu tinha que suportar... eu não tinha certeza.
Eu disse à Penny que precisaria pensar.

Mais tarde, quando desci as escadas depois de um banho para


encontrar a Elite e ir jantar, Phenelape e Ezra estavam tentando
convencer Daemon a fazer uma festa na sua casa em Paris. A Elite
estava reunida ao redor dos sofás da lareira, sem nenhuma piranha
em volta, e eu suspirei aliviada. Era como sempre foi.
Nós fizemos o caminho até o salão principal juntos,
conversando sobre Paris, fazendo piadinhas e rindo.
Até o final do jantar, parecia que todos os olhares estavam em
nós. A notícia que eu tinha ido com os Novak para Paris correu tão
rápido pela Averly que eu não me surpreenderia se isso tivesse sido
o principal assunto já durante as férias. Muitos dos alunos usavam
celular fora do castelo — já que aqui a intensidade de magia fazia
eles não funcionarem direito — e agora que estávamos de volta,
parecia que as pessoas tinham passado os últimos sete dias
fofocando sobre o que Daemon e eu fizemos em Paris. Adonis
tentou me mostrar uma vez algo chamado Twitter, mas eu não dei
importância para aquilo, já que ninguém da Elite usava.
Agora quando eu via um estudante mostrando algo para outro
por baixo da mesa, eu sempre achava que era um Twitter, seja lá o
que isso fosse.
Os garotos da Elite também pareceram perceber o volume
anormal de cochichos, porque no final do jantar Eros falou baixinho
para que só nós seis escutássemos:
— Parece que a escola inteira está de olho em vocês dois.
Ele sorriu pra mim e eu levantei os olhos para o salão. Peguei
uns cinco estudantes aleatórios olhando em nossa direção.
Eu revirei os olhos, sussurrando baixinho:
— Pra variar, todo mundo quer saber sobre a nova vadia do
Novak.
A Elite riu, levando na brincadeira. Daemon se inclinou por cima
de Penny e segurou meu queixo, me fazendo olhar pra ele.
— A “o quê” do Novak?
Seus olhos eram intensos nos meus, e de repente nada mais
importava.
— Prin...cesa.
Ele sorriu de canto, soltando meu queixo e voltando para o lugar
com um olhar satisfeito.
— Princesa, Cora. A porra de uma princesa.
Eu não ousei reconhecer os olhares da Elite e nem o silêncio
que se seguiu depois disso.
Depois do jantar — e da cena em que todo mundo viu eu me
inclinar por cima da mesa pela Weylin — eu tinha Ez e Eros no meu
quarto, morrendo pra saber de absolutamente tudo sobre a minha
viagem com a Cora para Paris. Já era tarde, mas eu não estava
com sono e provavelmente nem ia conseguir dormir.
Eu sabia que Knight sabia do principal, porque passou duas
horas no quarto dela com as meninas ouvindo a versão dela da
viagem, e Cora não se importaria que eu contasse aos dois a minha
versão. A gente não tinha segredos entre nós seis, sempre foi
assim. Mas quando ele falou, eu suspirei de alívio:
— Cora ficou muito satisfeita e impressionada com a viagem, se
é que você me entende. — Eles deram risada.
— Você não faz ideia de como foi difícil me manter sob controle,
Knight. Eu achei que ia morrer em metade das vezes.
Eles caíram na gargalhada. Os dois me conheciam bem demais,
e sabiam como eu normalmente era.
— Quem diria... Daemon Novak realmente perdeu a cabeça por
uma garota.
Ezra debochou, mas sorria pra mim. Ele finalmente admitiu que
estava errado em supor que eu ia perder o interesse nela depois
que a levasse pra cama.
— Eu sabia — Eros falou. — E porra... vocês dois são
impossíveis de controlar separados, vão dar muito trabalho pra Elite
agora que estão juntos.
Knight sorriu satisfeito, mas fez uma dúvida se acender na
conversa. Ezra transformou isso em palavras.
— Vocês estão juntos, ou não?
Eu pensei por um minuto antes de responder. Não tinha
conversado com a Weylin sobre isso e, para ser sincero, não sabia
se estava pronto pra ter essa conversa. Eu era péssimo nisso e não
sabia muito bem como estabelecer limites. Também não queria
estragar as coisas indo rápido demais.
Eu não fazia ideia do que eu queria, porra.
— Daemon... Os outros garotos vão continuar chegando nela se
ela estiver solteira.
Ezra pareceu ler os meus pensamentos e o que ele falou me fez
ter vontade de socar alguém. Eu encarei os amigos com ódio no
olhar.
— Os outros garotos... Eles vão aprender que ela é minha.
Eu encerrei o assunto por ali, e eles não insistiram mais,
sabendo que eu não permitiria.
Estar de volta na escola era estranho porque parecia todo
mundo estava agindo como se nada tivesse mudado.
Quando Lauren flertou comigo essa tarde, e Callie puxou meu
saco como sempre fazia, foi como se aquela uma semana não
tivesse passado.
Mas passou. E os últimos sete dias que eu passei com Cora
Weylin tinham mudado tudo para mim.
Depois que eles foram embora, eu deitei em minha cama e
revivi os últimos dias em minha mente, pensando que eu nunca
tinha me sentido dessa forma e não fazia ideia sobre como deveria
agir agora.
A semana seguinte passou voando, com as matérias ficando
ainda mais difíceis e com mais trabalhos para fazer no período fora
de aulas. Faltando agora menos de um mês para os exames finais
do ano regular, a pressão dos professores era enorme, nos
obrigando a ir todos os dias pra biblioteca adiantar os trabalhos e
revisar os conteúdos para estudar.
A cada semana, pelo menos dois ou três estudantes precisavam
ser levados à ala hospitalar por algum tipo de colapso nervoso.
Por causa disso, Daemon e eu praticamente não tínhamos tido
tempo de ficar sozinhos. Ele passou em meu quarto uma noite mas
eu estava fazendo uma revisão com Phenelape para um teste no dia
seguinte e ela o mandou embora com uma guerra de travesseiros.
Quando a sexta-feira chegou, parecia que a escola inteira
estava precisando de um tempo dos estudos.
Talvez por isso que não tenha sido surpresa quando no final da
última aula de Alquimia II Adonis correu para o meu lado e me
chamou.
— Hey! Escuta... O último ano da Torre está organizando uma
festa essa noite e eles me pediram pra convidar você... E Novak,
Slater, Verena... Você sabe, a Elite. E se vocês puderem convidar os
alunos das masmorras também.
— Adonis, eu nem falo com o pessoal do último ano. Por que
eles querem me convidar?
Ele sorriu, dando pulinhos.
— Ok, não diga que fui eu quem te contou. Mas tem um garoto
do último ano, o Will. Ele não para de falar de você, e quer muito
que você vá. Todo mundo sabe que você só vai onde a Elite
também vai, então a festa vai ser aberta pra todo mundo.
Phenelape, que caminhava ao meu lado ouvindo toda a
conversa, se colocou em nosso meio, rabugenta.
— Ah, então nós somos só uma desculpa pra convidar a Cora?!
Ela deu risada, atraindo a atenção da Elite que caminhava atrás
de nós.
— Novak quase nunca vai pra Torre, você sabe disso!
— Ei, eu sou só um mensageiro, tá bom? É o Will e os caras do
último ano que querem convidar vocês!
Nessa hora Daemon apareceu, caminhando com Ezra e Eros e
obviamente ouvindo nossa conversa.
— Então faça o serviço completo e envie nossa mensagem para
o último ano: Se eles quiserem nossa presença hoje à noite, que
venham falar comigo eles mesmos.
Ele passou por Adonis e colocou o braço sob meus ombros, me
“roubando” do amigo.
Uma hora mais tarde, os alunos se encontravam às portas do
salão principal para esperar o jantar. Havia uma animação no ar por
ser sexta-feira, e um burburinho de conversa sobre os planos para o
final de semana.
Nós caminhamos até o meio da última mesa, onde era o lugar
da Elite, e tivemos nosso caminho interrompido por alguns garotos
mais velhos.
Penny, Dahlia e eu puxávamos a frente da Elite, então paramos
bruscamente quando eles nos interceptaram.
— O que é, garoto-torre? — Penny disparou, com seu humor
habitual. O garoto sorriu.
— Verena. Weylin. Asphodel — ele cumprimentou Penny, eu e
Dahlia. — Eu sou o Will, capitão do time da Torre.
Capitão do time. Por isso Adonis estava tão disposto a fazer as
vontades dele.
— Nós vencemos vocês no último jogo — Penny disparou, nada
impressionada. Will sorriu.
— Eu sei, graças à Cora. Parabéns de novo, falando nisso.
Eu agradeci e ele continuou:
— Como é nosso último ano, estamos tentando terminar a
escola sem nenhum arrependimento. — Ele abriu um sorriso
malicioso. — E seria um arrependimento do caralho nunca ter
conversado com as três garotas mais lindas dessa escola.
E aí estava. O que ele realmente queria.
Dahlia revirou os olhos, mas Penny e eu sorrimos. A gente
gostava quando um garoto era assim terrivelmente descarado.
Nós não tivemos chance de responder, porque naquele instante,
os garotos da Elite chegaram.
Possessivos, ciumentos e babacas. Mas eu amava os três.
Eros chegou primeiro, abraçando Dahlia por trás pela cintura e a
prendendo contra ele.
Ezra chegou logo depois, parando de braços cruzados e aquela
postura de segurança atrás da Penny.
E nem meio segundo depois, Daemon apareceu por trás de mim
com aquele sorriso debochado que indicava problemas. Ele ficou
atrás de mim, com o peito praticamente encostando nas minhas
costas, e se inclinou por cima de mim pra por a mão no ombro do
capitão da torre e o fazer dar dois passos pra trás.
— Cuidado, William... Ou a Weylin vai chutar as suas bolas de
novo.
Will tinha jogado como montador no último jogo. O jogo que eu
venci. Ele foi aquele que tentou roubar nosso ovo e eu derrubei no
chão com o pé. Por isso a piadinha de Daemon.
Will travou o maxilar e deixou Daemon abrir mais distância entre
mim e ele, mas mesmo assim insistiu.
— Nós viemos em paz, Novak. Vamos fazer uma festa hoje a
noite na Torre e queremos convidar a Elite.
— E achou que flertando com as nossas garotas ia conseguir
isso?
Eu me arrepiei quando ele falou aquilo.
— Daemon... — Penny chamou a atenção. Ela odiava quando
um deles era possessivo. Os meus limites eram muito mais altos.
Novak ergueu os braços em rendição e sorriu para ela. E então,
ignorando todo mundo ao redor, ele segurou o meu queixo e me fez
olhar pra ele.
— Você quer ir?
Eu dei de ombros.
— Parece uma boa ideia pra fugir dos exames.
Achei que ele ia perguntar pro restante da Elite, mas ele
simplesmente passou o braço sob meus ombros e falou com o Will,
sem tirar os olhos dos meus:
— Nos vemos hoje à noite, então.
Vi Will abrir um sorriso, e Ez abraçou Penny pelos ombros.
— É bom vocês prepararem uma festa decente, porque a Elite
está afim de curtir.
Foi um dos amigos do Will que respondeu:
— Podem ter certeza disso.
Nós nos sentamos para o jantar cientes de todos os olhares e
fofocas que surgiram aos cochichos pelo salão depois dessa
conversa.

Duas horas mais tarde, Phenelape, Dahlia e eu descíamos as


escadas do nosso dormitório para encontrar os garotos e ir até a
torre. Eu escolhi uma variação dos meus clássicos vestidos curtos
de cetim, dessa vez na cor creme, que combinei com minhas botas
de couro que iam até os joelhos. Phenelape estava usando um
tubinho preto de manga longa que mostrava o colo e também estava
maravilhosa.
Ezra assoviou pra gente quando chegamos à poltrona junto a
lareira onde eles estavam nos esperando, fumando um cigarro.
Daemon me olhou dos pés à cabeça e levantou as
sobrancelhas. Sustentei seu olhar, por mais difícil que fosse,
enquanto caminhava até ele com um sorriso malicioso. Ele estava
no canto mais afastado da sala, encostado na janela com as mãos
nos bolsos, vestindo sua camisa preta com os primeiros botões
abertos e a corrente de prata no pescoço. Ele esticou a mão pra
mim e me fez dar um giro no mesmo lugar, como se estivesse
avaliando minha roupa.
Quando parei de novo em sua frente, ele tinha um olhar
ciumento, mas abriu um sorriso debochado de lado.
— O que foi?
Ele me puxou para mais perto, ainda segurando minha mão.
— Só estou avaliando quanto trabalho vai me dar essa noite.
Eu sorri com deboche.
— E qual a conclusão?
— Muito. E pouco.
Franzi as sobrancelhas, sem entender nada. Ele sorriu, e se
inclinou sobre mim pra sussurrar sua resposta.
— Muito trabalho pra me controlar e não colocar as mãos em
você na frente de todo mundo... Mas pouco trabalho pra levantar
seu vestido e te ver nua no meu colo.
Fechei os olhos, tentando não surtar com aquele tom de voz
lento sussurrando coisas indecentes pra mim.
Phenelape e Ezra nos interromperam nessa hora, seguidos por
Eros e Dahlia.
— Os dois já terminaram com essa conversinha suja? Tem uma
festa esperando por nós!
Penny falou debochada e Daemon sorriu. Nós saímos juntos em
direção à torre.

Entramos na Torre já chamando a atenção, porque Daemon e


Phenelape sempre gostaram de fazer uma entrada triunfal. Penny
puxou a frente, comigo e Dahlia logo atrás, e os meninos nos
seguindo de perto.
Já faz um tempo que era normal todo mundo se virar para olhar
quando a Elite entra em algum lugar.
Principalmente porque éramos a fofoca favorita de metade da
escola.
Eu vi Henry e Adonis acenando para mim assim que entrei, e
deixei a Elite mais para trás pra abraçar os meus amigos.
— Você veio! — Adonis me abraçou.
— É verdade que Novak fez o Will convidar vocês
pessoalmente? — Henry perguntou, sem se importar com o revirar
de olhos de Adonis, que provavelmente foi o próprio portador dessa
fofoca.
— É... foi por isso que nós viemos.
Eles abriram sorrisos idênticos.
— A torre estava ansiosa pra descobrir se vocês realmente
viriam.
Eu corri os olhos pelo salão, mas ninguém olhava para mim
agora. Quando me virei pra Adonis de novo, percebi que Will se
aproximava por trás dele.
— Você veio. — Ele sorriu pra mim.
Eu concordei com a cabeça, sem saber direito o que dizer.
Henry e Adonis se afastavam devagar e eu não esperava ser pega
assim em uma emboscada de Will. Eu ainda estava sóbria demais
pra flertar, se era isso que ele queria.
— Cora, aquele voo... eu nunca tive a oportunidade de dizer o
quanto você foi incrível.
Ele se aproximou de mim. Eu o encarei. Ele esticou o braço pra
pegar uma mecha do meu cabelo que estava para fora da tiara.
E então uma mão forte e cheia de anéis parou seu pulso a
centímetros do meu rosto.
— Eu sugiro que se afaste dela, William... — a voz de Daemon
Novak me acertou e foi quase um alívio. — ...a não ser que depois
da derrota no jogo, ache que não tem mais utilidade possuir todos
os dedos da mão.
Uma ameaça de violência velada, a favorita de Novak. A tensão
tomou conta de todo mundo ao redor. Adonis e Henry vieram ao
nosso encontro preocupados que Daemon fosse começar uma
briga. Ezra deu um passo à frente, mas Novak estendeu o braço
para impedi-lo.
Com um sorriso frio, ele liberou o pulso de Will, que afastou o
braço de mim. Daemon afastou ele mesmo a mecha solta, como se
só ele pudesse me tocar, antes de abrir a boca novamente.
— Vocês nos convidaram e nós viemos, certo? Então vamos
nos divertir.
Com um último olhar de desprezo aos caras da torre, ele
desceu a mão até minha cintura e me virou de costas, me fazendo o
acompanhar pela sala até as janelas no fundo.
Meu coração disparava cada vez que ele tocava em mim.
Ezra acendeu um cigarro e passou para o amigo, que
começaram a conversar sério, mas logo já estavam rindo.
Phenelape se sentou no parapeito da janela ao meu lado e acendeu
seu próprio cigarro.
— Cara, eu achei que Daemon ia bater nele.
Daemon já tinha começado brigas por muito menos.
— Eu também. Ele deve estar com alguma coisa na cabeça.
Eu respondi a amiga sem tirar os olhos de Novak ali próximo.
Conhecia Daemon bem demais para acreditar que ele não tinha
nenhum outro motivo para não brigar ali mesmo.
Depois de uma hora e vários shots de uísque de fogo, o drama
do início da noite foi esquecido.
Até nós nos reunirmos pra um jogo de verdade ou desafio.
Phenelape foi a agente do caos naquela noite. Desde o
encontro com Adonis e depois com Will, ela estava morrendo de
vontade arrumar uma confusão.
Quando a garrafa girou – e pela Deusa, ou por uma agitação de
ventos certeira de Penny – parou apontada pro Will, Phenelape
Verena sorriu antes de destilar o seu veneno. Dahlia pegou meu
olhar e levantou as sobrancelhas de um jeito que era nosso código
para “vai dar merda”. Ela também tinha percebido o olhar da amiga.
— William, verdade ou desafio?
— Desafio, Verena. Me mostre o seu pior.
Ele sorriu debochado para ela, e os amigos dele deram risada
como se ele fosse incrível. Mas o sorriso de Penny não vacilou
quando ela distorceu a pergunta que queria fazer pra transformar
em um desafio.
— Eu te desafio a falar qual das garotas da Elite você mais
gostaria de beijar.
Mesmo sabendo que Phenelape ia pegar pesado, eu não pude
deixar de trancar a respiração quando ouvi a pergunta dela.
Filha da puta. Daemon, Ezra e Eros viraram pra ele no mesmo
instante, atentos e já com os olhos cheios de ciúmes, só esperando.
Qualquer resposta que Will desse, seria a resposta errada.
O salão em volta fez silêncio, como se todo mundo estivesse
esperando pra ouvir a resposta.
Sorrindo e olhando para mim, o filho da puta respondeu:
— Cora Weylin.
O salão inteiro se virou pra mim.
— Cora, beija ele! — alguém sussurrou.
— Sim! Beija ele! — Eu podia ouvir o coro de alunos
começando a se formar.
Puta que pariu.
Mas antes que eu pudesse ouvir um terceiro aluno, Daemon
surgiu na minha frente, me puxando pela cintura contra ele e
erguendo meu rosto.
O silêncio tomou conta do salão enquanto Daemon Novak me
beijava na frente de todo mundo.
E me beijava bem pra caralho, é importante mencionar.
Há dias Daemon não me beijava daquele jeito, possessivo,
intenso, dominador, e eu não consegui controlar o impulso de
corresponder.
Passei os dedos entre seus cabelos, tentando não cravar as
unhas em seu pescoço, e deixei ele explorar minha boca com a
língua, matar a saudade do meu gosto e terminar de acender cada
parte do meu corpo que tinha esquecido como era beijar Novak.
Quando ele se afastou, ainda segurando meu rosto nas mãos,
nós dois ouvimos Dahlia finalizar o golpe.
— Vai ter que se contentar com seus sonhos, Will.
A sala voltou a ficar barulhenta com as risadinhas e comentários
perversos.

Depois que o jogo de verdade ou desafio acabou, ninguém mais


lembrava do pequeno conflito com o capitão da Torre. Pelo menos,
ninguém da Elite. Mas Daemon monitorava William o tempo inteiro,
controlando o garoto. Eu estava sentada no sofá ao seu lado pela
última meia hora, fumando Efthalia. Ele já tinha me puxado tanto pra
perto que eu estava quase em seu colo.
— Sabe, eu posso te apresentar pra ele se você quiser. — Eu
sorri, meio bêbada de uísque.
— O quê? — Daemon franziu as sobrancelhas.
— Você não para de monitorar o cara. Está obcecado.
Novak revirou os olhos e não respondeu. Ele estava com a
mesma cara fechada que Daemon sempre tinha. Pelo menos antes
de Paris.
— Quero descobrir onde é o quarto dele.
Eu franzi as sobrancelhas pela confissão repentina, mas
Daemon passou a mão pelas minhas pernas, — que estavam por
cima das suas — e me apertou junto do seu corpo. Eu senti o
volume em suas calças e de repente entendi o que ele estava
pensando.
— Não. Nem fodendo!
Respondi na hora, falando baixinho pra que ninguém escutasse.
Mas ninguém dizia “não” para Daemon Novak, principalmente
quando ele já tinha um plano arquitetado em sua mente. Ele rolou a
língua na bochecha antes de deslizar sua mão para o meio das
minhas pernas. Sua expressão estava tranquila, como se soubesse
que ninguém estava vendo o que ele fazia comigo. Senti a umidade
crescer entre minhas coxas conforme seu polegar acariciava minha
pele, cada vez mais perto de uma região perigosa.
— Daemon, você não pode usar meu próprio corpo como
quiser.
— Você sabe que quer, princesa.
Eu fechei os olhos e tentei respirar. Aquele apelido, o maldito
comando. Eu queria. E ele sabia que estava certo. Se escorregasse
os dedos só mais um pouquinho, sentiria ele mesmo o quanto eu
tinha esperado a noite inteira por isso.
E no fundo, eu estava torcendo pra que ele escorregasse os
dedos.
— Ele vai descobrir.
Eu alertei.
— Eu quero que descubra.
Ele sussurrou de volta e meu coração começou a bater daquele
jeito. Eu me lembrei de Penny dizer que o sexo é uma maldita droga
e nós todos acabamos ficando viciados. Estar com Daemon era
exatamente isso, como se eu estivesse sempre injetando uma dose
de adrenalina, e sempre que o efeito acabava, eu precisava de uma
dose maior.
Nenhum outro garoto nunca fez meu coração bater tão rápido,
nunca permitiu que eu chegasse tão longe ao explorar meus
desejos.
Eu afastei as mãos dele das minhas pernas e tentei me
controlar.
— É sério, deixa o garoto em paz e relaxa.
— Ele quer foder você.
— Ele só quer me beijar, e daí?
— Não, Cora, ele quer foder você pra ganhar um maldito
desafio.
Eu paralisei.
— O quê?! Como você sabe?
Daemon pareceu pensar um pouco se devia me contar, mas
então me olhou nos olhos e se inclinou pra perto pra sussurrar, de
má vontade.
— Todo último ano faz uma lista de desafios que eles precisam
cumprir até o final do seu período escolar. No final do ano, quem
conseguir fazer mais itens da lista é considerado o cara fodão ou
qualquer merda assim. Deve ter um prêmio.
Meu queixo caiu, mas ele continuou.
— Adivinha qual é o principal item da lista?
— Eu... Eu?
Daemon travou o maxilar.
— Transar com Cora Weylin.
Eu não sabia o que dizer.
— Como você sabe dessa merda?
Ele não respondeu. Não queria me dizer.
— Daemon, eu não vou acreditar se você não disser.
Suspirando irritado, ele confessou.
— Ano passado eu cumpri a lista deles com seis meses de aula.
Era fácil e não citava garotas específicas. Eu posso ter mencionado
isso pra eles em um momento de arrogância, e eles devem ter
atualizado a lista pra esse ano com instruções mais... específicas.
Eu cruzei os braços.
— Então quer dizer que eu estar na lista é culpa sua.
Ele me deu um longo olhar.
— Eu já estou bastante irritado comigo mesmo sem precisar da
sua punição, princesa. Estou te contando porque acho que você
deve saber.
— Ainda não explica como você ficou sabendo sobre a lista
desse ano.
— Os idiotas me contaram. Eles esperaram até agora pra me
mostrar, achando que eu não conseguiria fazer tudo até o fim do
ano letivo daqui a algumas semanas. Eu descobri que você estava
na lista hoje, mas sabendo o que só eu sei de você, fico satisfeito
em ter certeza que ninguém cumpriu esse item.
Eu controlei um sorriso ao entender o que ele quis dizer. Eles
me colocaram na lista não só porque eu era popular, mas também
porque tinha a fama de vadia. Eles devem ter achado que alguém
conseguiria me levar para cama até o final do ano.
Mas só Daemon sabia que eu era virgem. Ele seria o único que
conseguiria cumprir esse requisito da lista.
Uma ideia diabólica começou a se formar.
— E os outros itens da lista?
— O que tem?
— Você conseguiria cumprir até acabar as aulas?
Ele abriu um sorriso malicioso.
— Já cumpri todos.
Não sei porque eu fiquei surpresa, sinceramente.
— Então pronto. Você venceu.
— Não é assim que funciona, princesa. Os desafios precisam
ser provados, alguém precisa estar vendo ou você ter como provar o
que fez. Por isso que mais ninguém tentou descaradamente transar
com você, eles terem te posto na lista é um desafio impossível de
cumprir.
— Mas você transou comigo, todo mundo sabe! Com as fofocas
que circularam sobre nós depois de Paris, e com você me beijando
desse jeito ciumento na frente de todo mundo, que prova eles
querem mais? Um documento com a minha assinatura?
Daemon franziu as sobrancelhas pra mim.
— Porque você quer tanto que eu vença esse desafio idiota?
— Porque é idiota! E eles estão me usando e me fazendo de
idiota também, e eu queria que alguém pagasse por isso. Ou que
seja humilhado, tanto faz. Você no quinto ano vencendo todos eles?
Seria humilhação suficiente.
Não sei porque aquilo estava me irritando tanto. Eu não deveria
ficar surpresa que os garotos fossem idiotas a esse ponto, mas
aquilo me deixou chateada, e Daemon percebeu.
Ele passou os dedos com delicadeza em meu rosto.
— Cora... Eu não vou sair falando por aí que fodi você, não vou
te expor dessa forma.
Eu olhei para ele. A fama de Daemon Novak era muito mais
cruel do que ele realmente era.
— Por mais que seja verdade. — Ele completou sorrindo, e eu
revirei os olhos.
— Mas se você quiser mesmo mexer com a cabeça do William,
eu tenho uma ideia.
Eu o encarei por um instante. As ideias de Daemon Novak eram
sempre perigosas, caóticas, e com muito mais chances de dar
errado do que de dar certo.
Infelizmente, eram as minhas favoritas.
— Nós podemos invadir o quarto dele e deixar um recado.
Eu o encarei, pensando.
— Dahlia trouxe minha polaroid.
Ele ergueu as sobrancelhas. Eu revirei os olhos.
— Nós não precisamos fazer nada, só dar a entender que
fizemos.
— Eu estou dentro, diabinha. — Daemon sorriu.
Nós nos separamos. Ele foi buscar a câmera com Dahlia e eu
fui atrás de Adonis. Encontrei o amigo jogando beer pong e graças à
Deusa — ou ao uísque — bêbado.
Ele me abraçou, trocando as palavras.
— Adonis... você sabe qual é o quarto do Will?
Eu perguntei logo pra ele não ter tempo de perceber que eu
estava tramando algo, e deu certo.
— Suba até a ala dos garotos que é a esquerda, e siga no
corredor principal até a quinta porta. Tem uma bandeira do time da
Torre com o símbolo do Capitão. Não diga ao Henry que eu te dei
tantos detalhes. Mas... Pela Deusa Cora, porque?!
Eu abri um sorriso malicioso.
— Não vou deixá-lo descobrir que foi você quem me contou se
não disser a ele que eu estou lá. Novak vai fazer você se arrepender
mais do que o seu Capitão.
Eu pisquei e deixei para trás um Adonis atordoado, sem fazer
ideia do plano de Novak. Eu passei reto por Daemon a caminho da
escada para os dormitórios, e ele me seguiu em silêncio. Quando
chegamos no corredor deserto, Daemon me pressionou contra a
parede nas sombras e começou a me beijar. Meu coração quase
saiu pela boca.
— E então?
Ele sussurou entre um beijo e outro.
— Quinta porta, uma bandeira do time pendurada.
Eu consegui responder de volta e ele sorriu satisfeito.
— Boa garota.
Ele piscou para mim e eu mordi o lábio para não sorrir. Daemon
seguiu pelo corredor me levando pela mão, e quando chegamos à
porta que realmente tinha uma bandeira pendurada com o número 1
do capitão, ele olhou em volta para se certificar que estávamos
sozinhos antes de colocar o pé na porta e dar um chute no lugar
certo, fazendo a madeira velha se quebrar na altura da maçaneta.
— Puta que pariu, Daemon.
— É mais fácil do que parece. — Ele riu, me puxando para
dentro.
Corri os olhos pelo quarto escuro, tentando enxergar com a
pouca luz que entrava das janelas. Eu nunca tinha estado nos
dormitórios da torre antes, e me surpreendi em como eram
diferentes dos quartos da masmorra. No lugar dos finos edredons
pretos e lençóis de cetim que eu era acostumada, colchas fofinhas
tomavam conta das camas, que eram menores, mas pareciam mais
aconchegantes. Os quartos nas masmorras eram mais elegantes,
com uma decoração que lembrava... dinheiro antigo. Na torre, as
acomodações lembravam um quarto gostoso de casa de vó, onde
conforto e aconchego falava mais alto.
A iluminação era diferente, a disposição dos móveis também.
Eu parei em frente a um espelho de corpo inteiro de aparência
antiga e pesada que ficava apoiado em uma parede. Não consegui
reparar em mais nada, porque no momento seguinte, Daemon
avançou em minha direção. Novak parou por trás de mim e devagar
passou um dedo pelo meu pescoço, tirando o cabelo que estava ali
e arrepiando todo o meu corpo. Ele beijou delicadamente a base do
meu pescoço e foi subindo até chegar na minha orelha.
— Nós precisamos ser rápidos. Como quer fazer isso?
Eu ainda estava pensando na dose de adrenalina que queria
subir.
— Eu poderia transar com você aqui se tivéssemos tempo.
Daemon ergueu as sobrancelhas, eu o enxergava através do
espelho.
— Mas não sei se é... possível.
Novak abriu um sorriso malicioso.
— Quer aprender algo novo, princesa?
Ele sussurrou por trás de mim e eu fechei os olhos. Aquele
maldito apelido.
Daemon segurou o meu pescoço com força, me puxando contra
seu corpo pela minha nuca, sussurrando em meu ouvido:
— Eu posso ser rápido e ainda assim te foder até você implorar
pra parar de gozar.
Foi como um choque elétrico passando pelo meu corpo. A
minha dose alta de adrenalina. Talvez esse tipo de coisa assustasse
outras garotas, mas eu me sentia... viva.
Me virei procurando seus lábios, e me joguei em um beijo tão
intenso que empurrei Daemon pra trás, surpreendendo-o. Novak
respondeu no mesmo tom: Passando o braço ao redor da minha
cintura, ele me levantou e encaixou minhas pernas ao redor da sua
cintura, me segurando no colo.
Ele beijava minha boca daquela forma possessiva e intensa
como me beijou mais cedo, na frente de todo mundo. Só que agora,
ele também deslizava sua mão por baixo da minha saia, apertando
minha bunda, deslizando um dedo por cima da minha calcinha.
Eu gemi contra seu pescoço, cravando as unhas nele.
Daemon me colocou sentada em cima da escrivaninha e subiu
meu vestido até a cintura. Enfiando a mão dentro da minha calcinha,
ele deslizou um dedo dentro de mim. Eu arfei. Tenter abrir os botões
da sua camisa, mas ele me parou.
— Princesa — ele chamou no meio do beijo. — Nós ficamos
com as roupas quando estamos com pressa.
Eu dei risada. Era óbvio, mas eu não tinha me dado conta. O
barulho dele abrindo e tirando o cinto chamou minha atenção e eu
interrompi o beijo.
— Então porque você está tirando o cinto?
Ele parou pra sorrir pra mim. O filho da puta estava se divertindo
pra caralho.
— Vamos precisar dele.
Ele terminou de abrir a fivela com uma mão só — enquanto a
outra estava dentro da minha calcinha, me deixando maluca — e o
arrancou das calças, fazendo um barulho alto de chicote.
— Caralho — eu gemi, me arrepiando inteira. — Você é um
pervertido.
Eu mordi o lábio, agarrando sua mão que agora tinha dois
dedos dentro de mim e o polegar circulando meu clitóris, me
levando até a beira daquele conhecido precipício.
Ele segurou meu queixo com força, me fazendo olhar pra ele.
— E você gosta disso, não é?
Daemon soltou meu rosto para apertar meu seio, procurando
meu mamilo. Ele ainda segurava o cinto de couro na mão e eu gemi
alto quando senti ele encontrar aquele ponto sensível nos meus
seios.
Foi demais. O primeiro orgasmo explodiu dentro de mim, e
Daemon não esperou eu me recuperar ou apreciar a descarga de
adrenalina.
Tirando a mão de dentro da minha calcinha, ele encontrou meus
pulsos e os juntou no meu colo. Eu não entendi o que ele estava
fazendo até sentir o aperto do cinto me imobilizando.
— Daemon! O que...?!
— Quietinha, princesa. Ou eles vão nos descobrir.
Ele avançou na minha direção mais uma vez e enterrou os
lábios em meu pescoço, beijando desde a minha orelha até a base
dos meus ombros. Eu sentia meu coração bater acelerado com a
adrenalina de estar fazendo isso no quarto de alguém, e toda essa
emoção me deixava com ainda mais vontade de transar.
Mesmo com os pulsos presos um no outro, meus dedos
procuravam pelo botão da calça de Daemon e ele acelerou a
intensidade do beijo, afastando minhas mãos do seu quadril.
Ele me tirou de cima da escrivaninha e me carregou até a
parede oposta, na frente do espelho.
Daemon ergueu meus braços, presos pelo cinto, e os prendeu
na moldura do espelho. Então ele me puxou para trás até o limite,
me fazendo ficar presa pelas mãos com a bunda empinada pra ele.
Daemon colou seu quadril na minha bunda pra me fazer sentir sua
ereção enquanto ele me segurava pelo pescoço e me forçava a
olhar em seus olhos através do reflexo do espelho.
Mais uma vez, eu agradeci à Deusa pela visão.
— Dessa vez você não pode gritar princesa, ou eles vão achar
que William está fodendo você.
Ele sussurrou debochado em meu ouvido e eu o olhei com
desafio, uma ideia começando a surgir na minha cabeça. Mordi o
lábio e encarei seus olhos acinzentados antes de gritar de
brincadeira um gemido exagerado, chamando por seu nome. Novak
fechou os olhos por um segundo, tentando se controlar enquanto
me ouvia gemer o seu nome alto o suficiente pra ser possível ouvir
do corredor. Eu estava brincando com ele, mas se alguém nos
ouvisse, não teria dúvidas sobre quem estava fazendo aquilo.
Quando ele abriu os olhos e encontrou os meus, sua expressão
era a de um predador pronto para abater sua presa, o olhar que eu
estava amando reconhecer.
Eu senti seus dedos frios afastarem minha calcinha para o lado
por baixo do vestido e deslizarem pela minha entrada molhada
antes de ele posicionar seu pau e se enfiar dentro de mim sem
aviso, me fazendo arquejar as costas e gemer de verdade.
Eu não tinha opção a não ser me segurar contra o espelho,
deixando duas marcas de mãos no reflexo do vidro.
Meu corpo tremia com Daemon entrando e saindo de dentro de
mim, e suas mãos não pararam nem por um instante. Ele estimulava
aquele ponto inchado do meu centro com os dedos, usando o
mesmo braço para me segurar contra seu quadril. A outra mão
passeava pelo meu corpo, erguendo meu queixo para que ele
beijasse meu pescoço, apertando meu seio por dentro do vestido ou
então segurando firme a minha cabeça pelos meus cabelos.
O segundo orgasmo veio combinando com a posição em que
estávamos: Bagunçado, forte, impossível de segurar.
De novo, ele não me deixou recuperar o fôlego.
— Olhos nos meus, princesa.
Eu levantei a cabeça para encontrar o olhar dele através do
espelho. O espelho... porra, o espelho fazia diferença. Conseguir ver
exatamente o que ele fazia comigo, e a expressão no seu rosto,
enquanto me fodia por trás comigo presa a moldura antiga e
pesada...
Eu quase gozei de novo só com aquele olhar sujo e lento que
nós trocamos.
Eu achei que não aguentaria mais. Minhas pernas tremiam,
meus pulsos doíam, eu sentia meu corpo pedir ajuda. Ele era forte
demais, seu pau indo fundo demais, grande demais.
— Daemon, chega... por favor.
Ele viu o meu olhar através do espelho. E parou. Abriu a fivela
do cinto sem fazer esforço e liberou minhas mãos. Eu gemi um
agradecimento.
— Cora, vem cá.
Ele me pegou no colo. Me encaixou com as pernas em sua
cintura e entrou em mim de novo, devagar. Eu gemi.
Eu estava exausta, sensível demais e destruída pós orgasmo
duplo, mas a sensação do pau dele entrando em mim era boa
demais pra conseguir recusar aquilo.
Ele colocou meus braços em volta do próprio pescoço e me
abraçou, me apoiando de leve contra a escrivaninha só pra
conseguir liberar uma das mãos e massagear aquele ponto sensível
no meu mamilo enquanto me beijava. Terno, quente, protetor.
Completamente diferente de antes.
E quando eu percebi, estava a beira do precipício de novo.
Senti Daemon estremecer comigo nos braços, e eu soube que
ele também estava naquele ponto. Eu gemi desesperada quando
senti a avalanche do orgasmo nos atingir.
— Chega, chega, chega! Eu não consigo mais.
Ele riu baixinho contra os meus cabelos, procurando meu rosto
pra me olhar nos olhos.
— Eu falei que você ia implorar.
Eu não tinha forças nem pra revirar os olhos. Ele me carregou
de novo, dessa vez até a cama intocada do capitão.
— Fique deitada por um minuto, ou vai sentir minha porra
escorrer por suas pernas.
Eu já sentia minha calcinha encharcada. Eu precisava de um
banheiro. Mas aquilo fez uma dúvida se acender na minha cabeça.
— Porque nós não transamos na cama dele?
Daemon me deu um olhar debochado e sorriu.
— Princesa... a única cama desse castelo que vai receber você
nua é a minha.
Eu não respondi, mas não pude controlar um sorriso.
Por que meu coração acelerava toda vez que ele dizia coisas
tipo essa?
Depois de recuperar seu cinto e me dar um minuto inteiro para
recuperar o fôlego, Daemon deslizou suas mãos pelo meu corpo e
me segurou firme até ter certeza que eu tinha forças pra ficar em pé.
Ele então parou atrás de mim e tirou a polaroid pequenininha do
bolso.
— Tem certeza que quer fazer isso?
— Nós já fizemos a parte mais difícil.
Ele riu, apontando a câmera pra nós.
— Fica parada aí e faz uma cara de gostosa.
Eu ergui as sobrancelhas. Ele me deu um olhar malicioso.
— Só fica parada.
Daemon olhou para câmera e levantou meu rosto pelo meu
queixo pra me beijar. O flash estourou na nossa cara.
A câmera imprimiu a foto e eu sorri quando vi o resultado:
Daemon olhando para a câmera, com aquele olhar desafiador, a
boca grudada na minha, meus cabelos bagunçados contra seu
peito, sua mão em meu pescoço.
Claramente, uma foto pós sexo. Mesmo que não mostrasse
nada.
Ele pegou uma canetaque estava ali por cima e rabiscou na
foto:
“Qual a sensação de perder pra ela, de novo?”
Ele não precisava assinar. Gostei de perceber que ele deixava
claro que eu era uma parceira nesse jogo, não alguém que ele
pudesse ter manipulado para jogar. Era um tapa na cara de Will, que
mostrava que eu não só estava ciente do desafio idiota, como tinha
escolhido fazer de Novak o ganhador.
Eu me senti empoderada. A porra de uma princesa.
Daemon largou a polaroid em cima da escrivaninha e passou a
mão pelos meus ombros para sairmos do quarto.
Encontramos Phenelape e Ezra nos sofás. Penny ficou satisfeita
em nos ver.
— Finalmente! Onde vocês estavam?
— A Cora precisava resolver um assunto comigo, Penny.
Daemon respondeu debochado e ela fingiu que vomitava.
— Nojentos.
— Onde?
Ezra perguntou baixinho e Daemon olhou para Will, que naquele
momento se juntava à rodinha de alunos mais adiante. Ez escondeu
uma risada e bateu discretamente na mão de Daemon, e eu ignorei
o cumprimento para não pensar em quantas vezes eles já tinham
repetido isso.
— Vamos dar o fora daqui?
Daemon perguntou e Ezra respondeu baixinho:
— Ainda não. Phenelape quer dar seu último show.
Naquele instante, eu reconheci Dahlia no meio de um grupinho
de alunas da torre, rindo e conversando como se ela fosse amiga de
todas.
— Que porra ela está fazendo lá?
Eu vi o olhar no rosto dela e sabia que alguma coisa estava
acontecendo. Penny só estava esperando a gente chegar, e se
levantou decidida para caminhar até o grupinho do Will, mas não era
ele o seu foco. Seus olhos estavam no garoto loiro que estava ao
seu lado.
Eu observei a amiga se aproximar e começar a flertar com ele, e
a voz de Eros me fez perceber que ele tinha acabado de chegar
atrás de nós.
— Porra, finalmente temos a honra da presença de vocês dois
de novo.
Ele sorriu debochado e eu revirei os olhos. Novak cortou o
amigo, olhando preocupado de Dahlia para Phenelape.
— Elas precisam de algo?
— Não. Apenas de cobertura se as coisas saírem do controle.
Mas eu não acho que elas vão precisar.
Ezra explicou e Daemon concordou com a cabeça, sem tirar os
olhos de Penny, o maxilar travado. Ela tinha conseguido afastar o
garoto do grupinho de amigos e conversava tão próxima dele que
parecia que podia beijá-lo a qualquer momento. Que porra ela
estava fazendo?
Dahlia passou a mão pelo pescoço enquanto conversava com
as meninas onde estava, e olhou pra nós. Era outro dos nossos
códigos, que dizia: “o plano acabou. Precisamos sair daqui,
AGORA.”
Eros saiu da nossa rodinha com pressa para tirá-la de lá.
— Eu vou buscar a Phenelape.
Ez falou sério e se afastou em direção a Penny. Ela não pareceu
se importar quando o melhor amigo interrompeu os dois,
estendendo a mão pra Penny. Ela entrelaçou os dedos nos de Ez e
se despediu do amigo de Will, apertando o seu braço como se
fossem amigos íntimos.
Virei a cabeça para o outro lado. Eros esperava pacientemente
na beirada da rodinha das meninas da torre, com aquele sorriso
bobão de namorado apaixonado, enquando Dahlia caminhava até
ele.
Era como se nada tivesse acontecendo, apenas a Elite
decidindo encerrar sua participação na festa. Já era tarde, então
não parecia nada demais.
Daemon passou o braço sob meus ombros para me virar em
direção à saída.
— Vamos dar o fora daqui.
A Elite se reuniu do lado de fora, dois minutos depois, e Dahlia e
Phenelape caíram na gargalhada quando se reencontraram no
corredor.
— Dá pra vocês explicarem que porra estavam fazendo?
Eu perguntei irritada e Phenelape mostrou a língua para mim.
— Se não estivesse ocupada demais com o Daemon, podia ter
participado do nosso plano! Lembra do loiro gostoso do sexto ano?
Dahlia achou que ele estava com problemas com a namorada... e
descobriu que ela está traindo ele com o Will.
Meu queixo caiu.
— Mas eles não são melhores amigos?! Jogam juntos no time e
tudo mais?
O fato de Dahlia ter descoberto algo desse tipo não me
surpreendia, porque não era a primeira vez. Ela tinha um feeling
bizarro para mentiras e sabia como ninguém ler expressões
corporais. Era muito difícil conseguir enganá-la quando ela
desconfiava alguma coisa de alguém.
Phenelape abriu um sorriso diabólico enquanto nós seis
caminhávamos em direção às masmorras, e Dahlia continuou
explicando:
— Exatamente, eles são. E eu estava certa. Não foi difícil
descobrir alguns detalhes sórdidos com as amigas fofoqueiras dela,
e Penny se prontificou pra contar algumas dessas coisas pro cara.
Dahlia sorriu e sua cara de inocente desapareceu do seu rosto.
Ela era manipuladora e fazia qualquer um cair na sua teia de
mentiras, não era à toa que ela era nossa espiã.
Mas que espertinhas e safadas!
Eu sorri impressionada para as minhas amigas, mas eu sabia
que faltava elas contarem algo. Isso não era motivo suficiente pra
um plano da Elite, tinha que ter uma motivação maior. Phenelape
falou novamente e eu entendi.
— Agora quando o pobre jogador estiver solteiro e precisando
de um ombro pra chorar, ele vai se lembrar da garota gentil que o
ajudou a descobrir tudo.
Phenelape abriu aquele sorriso malicioso que eu conhecia bem
e eu então entendi a real motivação por trás do plano dela.
— Você é uma cobra, Phenelape — eu falei, dando risada. Ela
agradeceu.
Me perdi na conversa que se seguiu quando percebi o
sorrisinho satisfeito na expressão de Daemon.
— O que foi? — sussurrei.
Ele passou o braço em meus ombros e me puxou pra perto pra
que só eu ouvisse sua resposta.
— Só estou pensando que William vai ter uma noite de merda.
Não consegui esconder o sorriso, e Daemon me chamou de
diabinha.
As semanas seguintes nos atropelaram. Como estávamos
no quinto ano, era o último ano de matérias básicas, então
prestaríamos exames junto ao Ministério de Educação em Magia
para determinar quem estava apto a seguir em frente e estudar as
matérias aprofundadas nos próximos dois anos.
Eu estava perto do meu aniversário de 18 anos, e precisava
decidir o que queria fazer da vida. As matérias do sexto e sétimo
ano precisavam ser escolhidas de acordo com a carreira que
queríamos seguir, e a grade horária funcionava de forma diferente,
com estágios fora da escola e novos professores.
O problema era que a maioria de nós não fazia ideia sobre o
que queria fazer, então além das aulas normais, dividíamos nosso
tempo entre grupos de estudo, treinos, horas de revisão e tarefas, e
reuniões de orientações com os anciões para escolher uma carreira.
Eu não tinha tempo para nada.
Até a Elite estava parada, sem planos arquitetados. Mesmo
assim, Daemon se sentava ao meu lado em quase todas as aulas
que fazíamos juntos e carregava minha mochila entre uma classe e
outra. Nós roubávamos beijos escondidos sempre que tínhamos
cinco minutos extras, mas todo o tempo livre que tínhamos,
passávamos com a Elite.
Na última semana de aulas, eu estava estressado pra caralho
por tanto estudo e reuniões insuportáveis de orientação. Apesar de
ainda passar muito tempo lá fora com Lynx, sem os jogos eu não
precisava treinar tanto e tinha muita energia acumulada.
Eu estava tenso, irritado e ansioso.
Ezra conseguiu me livrar de duas detenções pelo simples
capricho de me seguir sempre que eu parecia estar ansioso demais,
quase sempre me tirando de cima de algum garoto que foi idiota o
suficiente pra me provocar.
Eu gostava de ter sangue nas mãos e não me importava de
levar alguns socos no processo.
Mas as reuniões de orientações eram o que mais enchiam a
porra do meu saco. Eu sabia o que ia fazer da vida desde os cinco
anos de idade, e não precisava do conselho de um velho rabugento
que não sabia nada sobre minhas ambições.
Eu nasci pra ser o herdeiro do meu pai. Fui criado desde o
nascimento com o fardo dos Novak nas costas, pra ter as notas
mais altas, as habilidades mais aprimoradas, os melhores
destaques na escola. Educado e instruído pra ter boas maneiras,
pra saber entreter, pra marcar presença e saber me impor.
Concebido, educado e lapidado pra ser o melhor em tudo.
E era difícil pra caralho suprir todas essas expectativas, mas eu
não tinha escolha.
Mesmo assim, o diretor não me dispensou das reuniões quando
eu disse a ele que não havia opção de escolha de carreira pra mim.
Ele era um bruxo velho e idealista, que gostava de fazer discursos
baseados no amor e compaixão, coisas que eu acreditava não
existirem no mundo real. Como bom educador, ele queria que eu
conhecesse as opções e soubesse que posso ser quem eu quiser.
Eu só pensava no tempo que perdia ali e podia usar pra
encurralar a Weylin em uma sala de aula vazia. Eu realmente tinha
feito isso umas cinco vezes na última semana, sempre que nós
tínhamos dez minutos entre aulas, e certamente todas as vezes que
ela decidia usar aquela maldita saia curta do segundo ano.
Eu não transava há semanas, e isso me deixava paranoico.
Sexo e violência, as duas coisas que eu precisava para liberar
energia e descarregar minha cabeça. Mas nas últimas semanas, eu
mal tinha tempo para um banho demorado antes de dormir.
Não era só a falta de tempo que me impedia.
Na verdade, o motivo maior era que eu estava ficando cada vez
mais obcecado pela Cora. Eu queria transar só com ela.
Lauren estava me irritando pra caralho ao ficar sempre no meu
pé. Eu a usei como muleta o ano inteiro, cedendo quando Ezra me
pedia, mas nunca indo atrás dela por vontade própria. E eu sempre
fui assim, porque elas sempre estiveram ao meu alcance. Talvez por
isso que Lauren nunca desistiu, talvez ela saiba que a única forma
de me ter é insistindo e estando disponível para mim o tempo
inteiro. Ela me obedece, é fácil, previsível.
Mas a Cora... A Cora me deixava maluco.
Ela me irritava e me deixava nervoso, exigia que eu me
esforçasse, me provocava, me levava até o meu limite... e exigia
mais.
E era nela em quem eu pensava o dia inteiro.
Ezra me dizia há dias que eu devia contar isso pra ela. Que eu
estava protelando uma conversa necessária, mas eu não sabia
como fazer isso. Não queria um relacionamento, sentia que nunca
conseguiria entrar em um, mas ao mesmo tempo não podia suportar
sequer imaginar ela beijando outro cara.
Graças a nossa rotina cheia, Cora tinha ainda menos tempo
livre que eu, e eu sabia por causa de Eros que ela não estava
saindo com ninguém, mas se estivesse, eu iria me intrometer.
Ela tinha que ser só minha. Só não precisava saber disso ainda.
Era estranho e meio agoniante viver nesse buraco de
incertezas, mas por enquanto, eu preferia isso do que ter que
encarar uma conversa que iria me foder por completo.
Eu queria a Cora essa noite, precisava dela. Mesmo que isso
fosse foder mais ainda a minha cabeça.

Depois do jantar, a Elite se encontrou em nosso sofá em frente


a lareira, cada um de nós imerso em seus próprios livros e revisões
de última hora. Mas quando o relógio bateu dez horas, as garotas se
levantaram e se despediram para ir dormir.
Eu ia me levantar e ir atrás da Cora, mas percebi que Dahlia
ficou. Eros notou o meu olhar e se aproximou de onde eu estava
com Ez.
— Ei, Ezra... Cara, você sabe que eu te amo, mas eu preciso do
nosso quarto vazio hoje.
Ele sorriu pra gente e eu disfarcei uma risada. Ez olhou pra ele
com deboche, entendendo que ele queria levar Dahlia pro quarto
deles.
— E que porra você quer que eu faça, Knight?
A voz dele soou irritada, mas a gente sabia que no fundo ele
não se importava. Eros já tinha feito isso por ele também, nós todos
fazíamos isso o tempo inteiro. Eu interrompi a discussão só porque
meu ego não permitiria que eu não me vangloriasse da minha
posição privilegiada.
— Eu já falei pra vocês darem um jeito de conseguir quartos
individuais.
Ezra Slater odiava quando eu me gabava de ter um quarto só
pra mim desde o segundo ano, e respondeu no mesmo tom.
— Nem todo mundo tem um pai diretor do conselho estudantil,
Daemon. Mas quer saber? Você nunca se fode, então dá um jeito de
me ajudar nessa.
Eu me levantei da poltrona e sorri para os dois, porque eu sabia
exatamente o que fazer.
— Quer que eu resolva? Vou levar Weylin pra dormir comigo, e
você pode ficar na cama dela essa noite. Ou na de Verena.
Eros deu risada da minha solução e Ez me olhou com desprezo,
mas sem escolha. Há dias eu e o Eros o incomodávamos dizendo
que ele tinha que começar a pegar a Phenelape para não ficar
sobrando na Elite — e para reforçar que nós não aguentávamos
mais a Callie pendurada em seu braço.
Eu desejei boa noite aos amigos e subi as escadas dos
dormitórios em direção à ala das garotas, ignorando o burburinho de
risadinhas e cochichos das garotas que assistiam eu atravessar o
corredor delas, se esticando pra ver onde eu estava indo. Perto do
toque de recolher, era comum ver portas abertas e adolescentes
ainda nos corredores.
— Boa noite, Daemon. — Uma delas sorriu pra mim.
Quando parei na porta de Weylin e Verena, sorri ao ver a
flâmula do time das masmorras pendurada. Era algo que todos
podiam ter, mas normalmente só os jogadores exibiam nas portas
dos quartos.
Cora tinha pintado uma listra lilás na dela. Como os olhos de
Lynx.
A porta vizinha à delas se abriu e uma garota sorriu para mim.
Era uma das amigas da Callie, eu não sabia o nome.
— Vai dormir aqui hoje, Novak? — Ela cruzou os braços e
empinou os seios, tentando me provocar.
— Não. — não sei porque respondi. Normalmente eu ignorava,
mas queria ver o que a garota ia fazer.
— Que pena — ela choramingou com uma voz manhosa. — Eu
podia te emprestar minha cama.
Pelo amor da Deusa.
Abri a porta do quarto das meninas sem nem bater, como a Elite
fazia, para fugir do comentário da garota.
Weylin e Verena estavam sentadas na cama conversando,
ainda usando o uniforme. Cora franziu as sobrancelhas pra mim.
— O que você quer?
A voz incisiva dela chegou em meus ouvidos e eu sorri. Bem
melhor.
— Você.
Ela revirou os olhos, e Penny fingiu vomitar. Eu ignorei as duas.
— Você vai dormir comigo essa noite.
Ela me deu um longo olhar desafiador, como se fosse contestar
ou questionar, e eu sustentei seu olhar, terminando de dizer o que
precisava.
— E Ezra precisa da sua cama.
As duas questionaram ao mesmo tempo:
— O quê?!
— Eros e Dahlia o expulsaram do próprio quarto. Eu não podia
deixar ele dormir no sofá da sala quando podia fazer com que a sua
cama estivesse vazia hoje, não é?
Eu sorri ao ver a expressão de Verena para mim.
— Você sabe que eu posso dormir com a Cora, né? E vocês
dois podem dormir juntinhos também, não seria a primeira vez.
Weylin deu risada. Eu me inclinei por cima da cama onde elas
estavam, apoiando os braços no colchão.
— Se eu ficar aqui, sou eu quem vai dormir com a Cora. E Ezra
não vai dormir nesse quarto se eu não estiver.
A risada da Cora se transformou em um sorriso malicioso.
Penny arregalou os olhos para a amiga.
— Como você sequer suporta isso?! — ela falou brincando, mas
com um pouco de verdade. Das três, Penny era a mais controladora
e dominadora. Ela detestava quando um de nós agia de forma
ciumenta ou possessiva com ela.
Mas a Cora... ela ficava excitada.
— Eu vou, mas você vai na frente. — Ela me desafiou com o
olhar antes de sair da cama e pegar sua mochila.
— Eu espero você.
— Não, Daemon. — ela parou a meio caminho de colocar
roupas limpas na mochila. — Eu não vou sair daqui com você me
escoltando pelos corredores. Sabe o que vão dizer de mim se eu
fizer isso?
— Coisas horríveis — Penny complementou. — Essa é a
caminhada da vergonha.
— Não, a caminhada da vergonha é quando o cara traz você de
volta.
Penny caiu na gargalhada e debochou:
— É, eles ficam todos “eu preciso me certificar que você vai
conseguir chegar no seu quarto já que enfiei meu pau em você”. E
enquanto isso todas as garotas do corredor assistem por entre as
portas.
Elas riram da piada e eu desejei nunca ter ouvido aquilo, era
informação demais no momento.
— Mas é sério, Daemon, Ez pode dormir aqui. Você também, se
está tão obcecado.
Eu abri um sorriso malicioso pra Penny.
— Phenelape, acho que você ainda não está pronta pra ouvir
sua colega de quarto gritar.
Cora me deu um tapa no braço, e eu dei risada. Penny afundou
o rosto em um travesseiro. Eu me virei para Cora.
— Está pronta?
Ela fechou o zíper da mochila, mas bateu o pé.
— Eu não vou com você Daemon, já falei.
Eu cobri nossa distância com dois passos largos, e segurei o
seu rosto pelo queixo.
— Princesa — eu chamei, e os olhos dela brilharam para mim.
Ela mudava completamente quando ouvia aquele apelido, e eu
sabia exatamente a hora de usar. — Você tem cinco minutos. Se
não estiver em meu quarto até lá, eu vou voltar aqui e te carregar no
colo, batendo em todas as portas que eu passar pelo caminho.
Ela me encarou com um sorrisinho malicioso, e eu esperei pra
ver se ela ia aceitar ou me pressionar mais um pouco. Com o tesão
acumulado que eu tinha, eu torci pra que ela pressionasse. Eu
quase podia tomá-la bem ali.
Mas então eu me lembrei que Phenelape também estava no
quarto, de queixo caído.
— Daemon Novak, você está maluco! Chapado! Não pode falar
assim com...
— Relaxa, Penny — a voz firme da Cora cortou a irritação da
amiga. Eu soltei seu queixo.
— Cora, pela Deusa, ele vai ficando mais possessivo...
— ...cada vez que eu o enfrento, eu sei. — Ela sorriu para
amiga. — Mas relaxa. Eu ainda não pedi pra ele parar.
Puta que pariu, Cora. Era isso. Ela tinha entendido exatamente.
Por dentro, eu sentia que podia urrar pelo que aquela frase fez com
a minha cabeça. Por fora, eu só abri um meio sorriso, coloquei a
alça da sua mochila em meus ombros e abri a porta pra sair.
— Cinco minutos, princesa. — Eu toquei em sua bochecha. —
Vou começar a contar.
E me virando pra Penny, deixei meu sorriso se abrir.
— Convença sua amiga que ela precisa de uma palavra de
segurança.
— Tchau, Daemon! — Cora me empurrou pra fora, mas eu tive
tempo de ver o olhar de choque e escárnio da Penny pra amiga.
Ao ser chutado pra fora, eu atraí a atenção dos corredores de
novo, e entendi o que Phelenape e Cora descreveram como
“caminhada da vergonha”. Não sei o que deu em mim quando eu
endireitei a postura e saí de lá falando alto, com a mochila da Cora
nos ombros.
— Sabe, vocês podem agir de acordo com o que um cara
espera de vocês... — Elas fizeram silêncio, me observando passar
— Ou vocês podem ser como a Cora Weylin, e fazer só o que você
quiser.
Eu sorri para elas, sem me importar com mais nada do que elas
pensassem sobre mim.
Porra, eu queria muito saber quais as fofocas estariam correndo
sobre isso amanhã.
Eu levei dez minutos para sair do meu quarto, de propósito.
Quando entrei no corredor dos garotos, aqueles que estavam por ali
me acompanharam com o olhar. Um deles me acompanhou na
metade do corredor. Do último ano, alto, meio idiota. Ele devia saber
sobre a lista e o desafio de me levar pra cama.
— Está perdida, princesa? — Tentei não fazer uma careta. Não
era a primeira vez que alguém me chamava de princesa desde que
Daemon começou a usar esse apelido publicamente, mas nos lábios
dele, soava errado.
— Pareço perdida pra você? — foi minha única resposta. Ele
sorriu com a ousadia.
— Esse é o corredor dos garotos.
Eu parei, cruzei os braços e olhei em volta, em um falso
choque.
— Não me diga.
Alguns garotos deram risadinhas, e eu continuei mais alguns
passos, olhando por cima do ombro pro garoto que me seguia.
— Quer ouvir mais uma coisa óbvia? Suma enquanto pode.
Ele franziu as sobrancelhas sem entender, e me alcançou
quando eu parei de novo.
Na frente da porta de Daemon. Ele reconheceu a flâmula de
montador com o desenho de dragão na porta no instante em que ela
se abriu.
Daemon parou no portal, cruzando os braços. Ele estava
descalço e sem camiseta, usando só uma calça de moletom — Puta
que pariu! — e encarou nós dois.
— Eu avisei.
Os caras em volta trancaram as respirações. O garoto gaguejou.
Eu só segui o meu caminho pra dentro do quarto, sem prestar
atenção do drama que se desenrolava no corredor.
Para os caras, eu não dava a mínima.
Daemon me deu espaço pra passar por ele, e depois se virou
pro cara parado em sua frente. Eu ouvi sua voz firme ao falar alto
pra que mais gente ouvisse.
— Não esteja no meu caminho amanhã.
— Novak, eu não... eu não sabia que...
— Agora você sabe — ele interrompeu, e eu achei que meu
coração ia saltar para fora da boca. — Todos vocês sabem.
Eu esperei, torcendo pra ele parar por aí e não falar o que
estava implícito, mas ele falou mesmo assim.
— Cora Weylin é minha.
Congelei. Mal registrei ele encarando mortalmente mais meia
dúzia de garotos antes de voltar para o quarto e fechar a porta.
Eu agarrei a alça da minha mochila e me tranquei no banheiro.
Eu queria vomitar. E sentia meu coração bater mais rápido do
que eu conseguia processar.
— Cora? — Daemon bateu na porta. Eu não respondi. — Está
tudo bem?
Ele viu o meu olhar quando eu corri pro banheiro, percebeu que
tinha algo errado. Soltei a mochila no chão e andei cambaleando até
o vaso sanitário.
— CORA! — Ele bateu mais forte.
Eu me larguei de joelhos no chão, sentindo a pedra áspera
rasgar minha meia calça, enrolando o cabelo para cima em um
coque solto.
— Weylin, se você não me responder, eu vou entrar. — Seu tom
de repente era calmo. Frio. Mas eu senti sua voz tremer.
Eu não consegui vomitar. Não tive coragem pra enfiar os dedos
na garganta.
E Daemon não quis mais esperar.
Chutando a porta do mesmo jeito que ele fez pra entrar no
quarto do Will, Novak quebrou a maçaneta do próprio banheiro pra
me procurar lá dentro.
Eu estava sentada no chão, olhando para ele.
Seus olhos me diziam que ele queria correr e me agarrar nos
braços, mas ele caminhou até mim devagar, e se sentou no chão
também, de costas pra parede.
— Eu não vim te impedir — a voz dele era suave e
tranquilizadora. — Eu só queria estar aqui com você.
Daemon sabia que eu estava tendo uma crise. E ter dito que ele
não estava aqui pra me impedir, porque ele sabia que eu precisava
disso, mesmo que me fizesse mal...
Me fez pensar por quantas dessas crises ele já tinha passado, e
se eu um dia soube qual era a sua forma de passar por isso.
Eu não respondi ele. Mas também não me arrastei até a
privada. Eu só fiquei lá parada, sentindo a pedra gelada acalmar
meu coração, em silêncio.
Quando eu me acalmei o suficiente e comecei a me levantar, ele
já estava me puxando para cima. Para os seus braços.
— Nunca mais faça isso comigo. Por favor.
Eu o deixei me abraçar.
Tive que tomar um banho com a porta aberta, já que Daemon
destruiu a fechadura, e ele jurou que não ia entrar no banheiro, mas
em cinco minutos já estava colocando a cabeça pra dentro com a
desculpa de perguntar pela décima vez se eu estava bem.
— Novak, some daqui! — eu gritei, na última vez.
O banho ajudou a me acalmar. Minha rotina noturna de skin
care me ajudou a pensar.
Eu sabia que Daemon já estava ansioso. Mas nada me
preparou pra expressão no rosto dele quando eu saí do banheiro
usando uma das camisetas dele do time, com o número 11 nas
costas e o título de montador.
— Eu desisto.
— De quê? — perguntei enquanto subia na cama ao lado dele.
— De tentar resistir a você.
Meu coração acelerou, e eu enfiei o rosto nos travesseiros.
Eu não sabia o que dizer. Não sabia como me sentir. Estava
com medo. Achei que era tudo muito rápido. Não tinha certeza
sobre o que devia fazer.
Era fácil quando ele só me deixava excitada. Muito mais difícil
quando ele começou a entender os meus traumas e falar as coisas
que toda garota sonha em ouvir.
Eu podia lidar com o sexo violento, com o ciúmes possessivo,
com as fofocas e as garotas dando em cima dele o tempo todo. Mas
eu não podia lidar com o carinho, a devoção, o amor. Eu não sabia
como lidar com aquilo. Eu nunca tive nada assim.
E eu não podia me apaixonar por ele.
Não o Novak.
Não quando eu descobria que ele era muito mais do que
mostrava ser, que a possessividade era a forma distorcida como ele
sabia tomar conta, e que ele era tão inteligente e interessante que
me fazia querer conversar com ele por horas...
Eu não podia conhecer ele assim tão intimamente. Porque
quando o encanto acabasse, quando ele perdesse o interesse por
mim e encontrasse uma nova garota pra se divertir...
Eu estaria destruída.
E eu tinha certeza que eu não ia sobreviver.
Quando ela montou no meu colo, foi a primeira vez que eu
desejei que ela não fizesse isso.
Não que eu não quisesse ela.
Porque cada célula do meu corpo gritava por isso.
Mas depois do que aconteceu no banheiro, eu só queria ter a
certeza que ela estava bem.
Eu via nos olhos dela que não, e seria inútil perguntar. Cora se
esfregou por cima de mim, beijando o meu pescoço, e foi um
esforço do caralho segurar ela pelos pulsos e a afastar de mim.
— Cora.
— Me beija, Daemon.
— Não. Eu quero falar com você — eu devia estar ficando
maluco.
— Eu quero transar com você — ela choramingou e eu tive
certeza que estava maluco.
— O que te engatilhou? — Ela parou de tentar me beijar. — Eu
causei sua crise mais cedo?
Ela se encolheu e escorregou para o lado, saindo de cima de
mim. Meu pau gritou em protesto dentro da minha cabeça.
— Eu não sei.
— Princesa... — Ela fechou os olhos e estremeceu.
— Porque você só não transa comigo, Novak? Quer que eu
implore?!
Franzi as sobrancelhas, tentando entender que porra estava
acontecendo com ela.
— Eu não quero “só transar” com você, Weylin.
— Mas é tudo o que você vai ter!
Eu não respondi. Ela ficou em silêncio. No escuro, vi lágrimas
em seus olhos. Fui passar a mão no rosto dela, mas Cora afastou
os meus dedos.
— Se não vai transar comigo, não pode me tocar — murmurou
baixinho, virando as costas.
Aquilo foi a pior coisa que Cora Weylin já tinha dito para mim.
Eu me senti vazio por dentro, oco, sem alma. Ela estava me pedindo
o impossível, eu nunca conseguiria a usar só pro sexo. E ela
acabaria comigo se me tratasse desse jeito.
Fiquei um tempo olhando para ela de costas para mim, o cabelo
loiro espalhado sobre o meu travesseiro.
Meu travesseiro. Minha cama.
Mesmo que suas palavras tivessem soado como duas lâminas
em meu estômago, eu mantive o ar de deboche quando a puxei pela
cintura pra perto e a cobri com mais um cobertor.
— Minha cama, minhas regras. Eu não quero você tremendo de
frio ao meu lado.
Ela não respondeu por um instante, mas depois cedeu e se
aninhou em mim, enrolando suas pernas nas minhas e abraçando
meu braço.
Porra, como eu senti falta da forma como ela grudava em mim
para dormir.
Não ousei me mexer até ela cair em um sono pesado e aliviar o
aperto contra meu corpo. E mesmo assim, eu não consegui dormir.
Fiquei observando cada detalhe do rosto dela, cada tom das
suas mechas, cada escassa sarda no seu nariz.
Cora não fazia ideia de como me tinha nas mãos.
E nem de tudo o que eu era capaz de fazer para me certificar
que as coisas continuassem assim.
Depois de três dias e três noites intensas de exames, o
último dia de aula era quase um presente.
Eu não tinha ido bem em vários deles, a não ser talvez, Estudo
das Estrelas. Eu soube nomear e localizar no mapa cada estrela ou
constelação que era pedido no exame, com histórias sobre a
nomenclatura ou outras curiosidades que tinha aprendido nesse
último ano — fora das aulas. Não estava preocupada sobre os
outros exames, mesmo sabendo que podia ter ido melhor. Eu sabia
que ia passar, mas também sabia que não chegaria nas notas
impecáveis de Dahlia e Daemon.
Eu tinha estudado o suficiente, sabia as respostas. Mas eu
estava distraída demais, ansiosa demais, e não consegui fazer as
provas como deveria.
A sala de descanso da masmorra estava cheia de alunos
comemorando o fim do período letivo, já com suas roupas casuais
ou pijamas, fazendo planos uns com os outros para as férias de
verão.
Eu era, provavelmente, a única pessoa que não parecia radiante
com o fim das aulas. — O que não era surpresa, considerando o
quanto eu detestava ficar na companhia dos meus pais — mas não
era só isso. Eu sentia que precisava tomar uma decisão logo. E meu
corpo implorava pro meu cérebro não fazer o que eu tinha decidido
fazer.
Distraída demais, ansiosa demais, não percebi onde estava indo
quando caminhei até os fundos da sala, esperando encontrar a Elite,
e encontrei Callie, Lauren e suas amigas.
Eu parei e nós nos encaramos.
— O quê você dizia, Lauren? — Callie começou, olhando para
mim.
— Que não vou sentir de falta de alguns rostos ano que vem,
quando não precisar voltar pra escola. — Ela me olhou com
desprezo, e depois levantou os olhos para algum ponto longe no
salão onde provavelmente, Daemon estava. — Mas outros, eu vou
querer vir visitar.
Ignorando elas e ocupando uma das poltronas da lareira,
sabendo que a Elite logo viria pra cá, eu senti o sangue ferver, mas
não caí na provocação.
Daemon podia ter quantas vadias ele quisesse. Eu já sabia
disso, não era da minha conta. Era o que eu vinha dizendo a mim
mesma há três dias.
Era só questão de tempo até ele se cansar. De mim, delas, de
todas.
— Só é uma pena eu ter que terminar a escola guardando
tantos segredos.
— Eu acho que você não devia guardar — Callie cantarolou.
— É, eu também acho que não.
Levantei os olhos quando senti Lauren parar na minha frente.
— Ei, Weylin, lembra quando você me pegou no quarto do
Daemon, na manhã do seu joguinho idiota?
Eu estava por um fio de perder a cabeça. Já me sentia como
uma bomba relógio prestes a explodir antes de ela me provocar, e
agora eu não tinha certeza se poderia — ou se queria — me
controlar.
— Quer dizer o jogo que eu joguei sem treinar e garanti a taça
do campeonato pra nós, sua mal agradecida do caralho?
Os sussurros e conversinhas em volta sumiram quando eu ergui
a voz, que não oscilou nem por um segundo durante minha fala,
firme e precisa. Ela podia ser dois anos mais velha que eu e ter
terminado sua formação em magia enquanto eu recém ia começar
os cursos avançados, mas eu não tive medo.
Eu nunca tive.
Nada do que ela dissesse poderia me machucar mais do que eu
já estava machucada.
E talvez um pouco de caos fosse justamente o que eu estava
precisando.
Mas a filha da puta sorriu, como se também estivesse no seu
limite.
— Aquela foi a única vez em que Daemon e eu não transamos.
Eu o droguei pra perder o jogo, pra que você me visse com ele.
Meu mundo virou de cabeça para baixo em um segundo.
Ele não se lembrava direito daquela noite. Nós brigamos feio
por causa disso. Eu voei em Lynx por causa disso. Smith me largou
depois por consequências que vieram disso.
Mas aí eu parei de pensar em mim e raciocinei melhor sobre o
que ela tinha dito.
Ela drogou Daemon Novak.
Eu avancei pra cima dela. Com empurrões, tapas e unhas. E
quando as meninas em volta gritaram, eu tinha ela pressionada
contra o sofá com minhas unhas em seu pescoço.
Mas a vadia não calou a boca.
— E na manhã que ele te levou pra Paris? Ele acordou na
minha cama. Novak me fodeu duas vezes naquela noite, de tanto
tesão que ele sentiu.
A noite antes de Paris. A noite em que ele escolheu me beijar
ao invés dela. Mas, aparentemente, ele decidiu ir dormir com ela.
E foder. Duas vezes?
Eu explodi em chamas e vento.
Não estava mais ciente do que acontecia. Eu não era mais eu.
Tinha perdido completamente a porra do controle.
Ouvia apenas ecos de longe, meninas gritando coisas que eu
não entendia, alguém chamando o que devia ser o meu nome,
socos e tapas no meu escudo mágico...
Eu tinha um escudo mágico.
Tomei consciência dele primeiro. Uma enorme bola de energia
que cobria um raio de três metros, comigo no centro. Mantendo todo
mundo do lado de fora.
— Eu sabia. Eu sabia que você era um demônio — a voz de
Lauren me fez olhar para baixo, para a garota que eu ainda
prensava contra as almofadas do sofá, com minhas unhas no
pescoço dela.
E as minhas mãos... terminavam em garras feitas por sombras,
da cor da escuridão.
Magia das sombras. Trevas. Eu devia estar no inferno. Lauren
estava certa, eu era um demônio. Todo mundo em volta de mim
parecia estar completamente apavorado.
A Elite rodeava o meu escudo, e a voz de Daemon se
sobressaiu:
— WEYLIN!
Eu arrastei Lauren pelo pescoço até o limite do escudo onde
Daemon e Ezra estavam parados, os dois com os olhos arregalados
para mim. Callie se agarrava ao braço de Ez com lágrimas nos
olhos, assustada, implorando para que ele ajudasse sua amiga.
Chega. Eu não aguentava mais.
— Conte a eles o que me disse.
Eu empurrei o rosto dela na frente deles. As sombras deviam
me deixar mais forte, porque Lauren se dobrava à minha vontade
como se uma mão invisível estivesse arrastando seu corpo.
— Eu não...
— CONTE! — Apertei mais ainda o seu pescoço. Eu mal me
reconhecia.
— E-Eu coloquei Clorofito na bebida do Novak aquela noite na
torre, antes do jogo. Weylin me viu no quarto dele porque eu armei
aquilo.
As reações dos meus amigos — e dos alunos em volta, que
assistiam a tudo silenciosamente — variaram do choque à raiva.
Mas Ezra não escondeu uma careta de nojo quando soltou seu
braço do de Callie, e pensando nisso eu esfreguei a cara dela no
escudo mágico.
— Conte sobre a emboscada.
Ela gritou quando as sombras encostaram na sua pele.
— Foi Callie e eu! Nós é que encurralamos e batemos nela, não
a minha irmã. — Lauren chorou, e eu a larguei no chão aos meus
pés. Ela pediu desculpas. Mil vezes.
Ez se virou para Callie com fúria. Ela começou a chorar
também.
— Ainda falta uma coisa. — Eu cutuquei Lauren. Ela levantou
os olhos para encontrar os de Daemon.
— Eu contei a ela... Sobre você ter dormido comigo na noite
antes de Paris.
— Conte direito — eu sibilei. — Diga a ele exatamente o que
você me contou.
— Eu disse... que você me f-fodeu. Duas vezes.
E então eu olhei para ele. Seus olhos já estavam nos meus. Era
fúria que queimava neles, mas não para mim. Para ela, por ela ter
me contado o que ele não queria que eu soubesse, por ela ter
manipulado ele e armado contra mim e ele não ter percebido.
— Vocês dois — eu disse, apontando pra ele e Ez. — São dois
idiotas.
Eu tremia. Ninguém sabia o que fazer. Todo mundo agora via as
minhas sombras.
E soava como um alívio. Uma libertação de energia.
Eu virei as palmas para cima e me concentrei. Bolas de fogo se
formaram nelas, mas não era fogo, eram sombras. Escuras como a
noite sem estrelas.
Lauren se encolheu, achando que eu ia atacá-la. Todo mundo
deve ter pensado isso.
— Cora. Me deixe entrar — a voz de Daemon foi a única que
fez sentido na confusão de gritos dos meus amigos.
Eu olhei pra ele.
— Princesa.
— Eu não sou uma princesa. — Eu mostrei minhas mãos pra
ele. — Eu sou um demônio.
— Princesa — ele repetiu. — Olhe pra mim.
Eu olhei.
— É comigo que você está brava. Sou eu que você quer punir.
Eu te decepcionei.
Senti lágrimas começarem a se formar em meu rosto pela
primeira vez.
— Olhe pra mim — ele repetiu, e colocou a mão em meu
escudo.
Ninguém tinha tido coragem de tocar nele depois que Lauren
gritou de dor.
Mas a mão dele queimava com sombras também, e eu levei um
instante a mais para perceber que eram as sombras dele.
O poder que nós dividíamos. Ele podia lidar com elas.
Ouvi quando a Elite arfou e Daemon entrou no meu escudo. Ele
queimava também e o escudo encolheu, perdendo força.
— Foque sua raiva em mim, princesa.
O apelido me irritou e eu queimei mais. Percebi que ele tentava
me distrair de Lauren, e considerei puxá-la para mais perto de mim.
Eu queria machucá-la. Muito. Daemon percebeu isso no meu olhar.
— Olhe pra mim. — Eu olhei. — Solte esse poder em mim. Eu
aguento, eu mereço princesa. Eu decepcionei você.
Uma única lágrima escorreu do meu rosto.
Ele não merecia. Não quando só o que ele tinha feito esse
tempo todo foi juntar os meus pedaços. Se ele não tivesse estado
ao meu lado nessas últimas semanas, eu já teria machucado
alguém. A mim mesma, certamente.
Tudo sumiu quando eu puxei de volta. Quando encaixei a
máscara invisível da vadia dessa escola, da princesa das trevas, ou
seja lá qual apelido me dariam depois daquilo.
— Você não me decepcionou, Novak — minha voz saiu fria e
morta. — Eu não esperava menos de você.
Dei as costas pra ele, parando por um instante na frente de
onde Callie abraçava Lauren. Ela gritou para mim:
— Você não conseguiu mudar ele, sua idiota!
Eu abri um sorriso tão frio que foi surpresa eu não sentir gelo
nos meus lábios.
— Eu nunca tentei, Lauren. Gostei da tatuagem no pescoço,
espero que nunca saia.
Ela fechou os dedos onde ainda havia a marca das minhas
garras nela.
No silêncio que se seguiu, os alunos abriram passagem pra me
deixar sair da sala, como se estivessem todos apavorados demais
para sequer me olharem enquanto eu passava.
Que bom. Eu precisava de paz e silêncio pra chegar até meu
quarto e vomitar tudo o que tinha vivido até aqui.
Eu não consegui reagir depois que ela jogou aquelas palavras
em mim, com uma calma e autocontrole que eu nunca tinha visto
nos olhos tempestuosos de Cora Weylin.
E quando ela saiu do salão, a verdadeira tempestade começou.
Penny e Dahlia avançaram em Lauren, fazendo Eros ter que usar a
força pra segurar as duas. Ezra se virou para Callie, enfurecido,
perguntando que porra ela tinha na cabeça para fazer o que fez.
As conversas ao redor explodiram. Minha cabeça girou.
— Calem a boca! — gritei pra Elite, mas mais pessoas me
obedeceram.
Caralho, eu precisava agir. Agir para não pensar, porque se eu
pensasse no que tinha acontecido, corria o risco de virar um
vendaval do tamanho do de Cora, só para ver quem conseguia
assustar mais.
Decidi minhas prioridades em um instante.
— Verena, vai pro seu quarto.
— O quê?! Eu não vou...
Agarrei o seu rosto entre meus dedos, como ela odiava que eu
fizesse, e a puxei pra perto de mim.
— Pro. Seu. Quarto.
Eu não queria ter que falar o nome dela, e Penny finalmente
entendeu o que queria que ela fizesse. Dahlia saiu atrás dela, mas
eu a segurei pelo braço e me inclinei pra sussurrar em seu ouvido.
— Deixem ela fazer o que tem que fazer. Só estejam lá por ela.
Dahlia concordou e saiu. Ela sabia do que eu estava falando.
— Daemon, eu... — Lauren se aproximou, mas eu não quis
ouví-la.
— Tire essa garota daqui, não consigo nem olhar pra ela. — Eu
pedi a Eros, mas ele não se mexeu.
— Não — Knight tinha uma expressão de desprezo tão
profundo que eu nunca vi ele direcionar pra ninguém. — Se eu tocar
nela, eu vou machucá-la.
Nós trocamos um olhar como se a garota não estivesse ali. Eu
vi o quanto ele estava puto e preocupado com a Cora.
— Então suba. — Ele respirou aliviado, e sumiu. Eu pensei que
devia tê-lo mandado ficar com a Cora primeiro, ele saberia acalmá-
la melhor que as meninas.
Não cometeria esse erro de novo.
Restava eu e Ezra pra consertar a porra da bagunça gigante
que nós fizemos. E ele sabia daquilo tanto quanto eu.
Mas não bastaria apenas assumir o controle, eu precisava
mandar uma mensagem. Eu precisava assumir a fama que eles
tinham criado pra mim, e finalmente usar o poder que todos eles
achavam que eu tinha.
Me virei em direção à Lauren e Callie.
— Vocês tem sorte de estarem no último ano, porque esse é
definitivamente o último maldito dia de vocês duas nesse castelo. —
Lauren arfou. — Vocês não vão mais falar com ninguém, nem olhar
pra ninguém. Vão pro quarto agora fazer as malas e amanhã vão
embora pra nunca mais por os pés aqui de novo.
Elas me olhavam com medo. Eu nunca me impus assim, e
estava absurdamente confortável fazendo isso.
Me virei para o resto da sala, onde os outros estudantes me
observavam.
— E se vocês querem ser convidados pras festas da Elite novo,
manterem nossa proteção e não se tornarem nossas vítimas...
vocês vão me obeder. — Eu olhei pra cada um deles. — Ninguém
fala com elas.
Foi como se Lauren e Callie tivessem uma doença contagiosa.
Todo mundo no salão se recusou a reconhecer a presença delas.
— Ezra... — Callie choramingou, mas ele não deixou ela puxar
seu braço.
— Caralho, Callie, você ainda não entendeu? Eu estou com
nojo de você. Não encoste em mim!
Callie se desesperou, como se só agora se desse conta que
tinha perdido o namorado. Eu me inclinei sobre Lauren para dar um
último recado que só ela iria ouvir:
— Se a Cora liberasse um dedo do poder dela em cima de
você, você estaria morta. Sabe porque eu protegi você? — Minha
voz era gelada e dura. — Porque não quero ver a minha garota
sendo expulsa por algo que eu quero ter o prazer de fazer.
Ela tremeu com a ameaça. Eu me afastei um pouco.
— Meu pai vai ficar sabendo que você tentou envenenar o
herdeiro dos Novak, Lauren. — Ela arregalou os olhos para mim. —
Ande com cuidado lá fora.
Ezra colocou a mão em meu ombro. Eu agradeci o gesto,
porque estava a ponto de perder o controle. Lauren agarrou Callie e
as duas saíram cambaleando, correndo e chorando em direção aos
seus quartos.
Mas eu ainda não tinha terminado. Tinha mais uma coisa que eu
precisava que eles soubessem.
Subi na mesinha de centro em frente à lareira e deixei a bola de
fogo de sombras surgir na minha mão. Alguns alunos recuaram. A
maior parte deles não entendia o que aquela magia significava.
— Mexer com um da Elite é mexer com todos. Não se
esqueçam disso no ano que vem.
Eu corri os olhos pelo salão, vendo todos eles absorverem a
mensagem. Não havia uma pessoa que estivesse aqui e não
olhasse para mim. Na Averly, os problemas alheios eram a maior
fonte de entretenimento.
— E se ainda não ficou claro...
Deixei meu tom de voz ficar ainda mais frio e perigoso, surpreso
com a facilidade que aquilo saía, deixando as sombras envolverem
agora outras partes do meu corpo.
— Se eu ouvir qualquer comentário negativo direcionado a Cora
Weylin, vocês vão ter que lidar comigo. A partir de hoje, ela é a
porra da princesa dessa escola, e vai fazer o que ela quiser fazer.
Se alguém tiver um problema com isso... — fiz a chama ficar maior
nas minhas mãos. — ... pode vir reclamar comigo.
O silêncio indicava que eles tinham entendido o recado. Quando
eu desci da mesa, dei mais uma ordem pra que eles fossem dormir.
Eu ainda era a porra do monitor e já tinha passado do toque de
recolher, caralho. Foda-se que era o último dia de aula.
Caminhei até a saída da sala sabendo que Ezra me alcançaria
sem esforço.
— Onde vamos? — ele perguntou na porta.
— Algum lugar lá fora. Eu preciso quebrar uma janela.
Eu lembro apenas de flashes do que aconteceu depois que eu
deixei o salão, como se mal estivesse lá.
Lembro de me trancar no banheiro por não suportar mais ouvir a
Penny xingar e gritar, e de as coisas parecerem mais calmas depois
que Eros chegou e me fez abrir a porta.
Lembro de Daemon aparecer e tentar falar comigo, mas eu me
recusei. Ele tentou se impor, mas pareceu perceber que eu não
estava realmente lá.
Era como se meu poder tivesse se esgotado, como se eu
tivesse me recolhido para um canto dentro da minha própria cabeça
para recuperar as energias, e meu corpo só estivesse agindo no
piloto automático. Era inútil tentar conversar comigo.
Mas eu lembro de mandar ele embora. E lembro de Ezra ter que
arrastá-lo porque ele não queria me deixar, e estava a um passo de
perder o controle.
Eu também lembrava de ter pedido pro Eros ficar e dormir
comigo. E de Dahlia não ter gostado nada daquilo, nem do fato de
que ele aceitou imediatamente sem parecer ter pensado nela. Eles
brigaram enquanto Penny e eu tomávamos banho e escovávamos
os dentes no banheiro.
Não me importei, porque não conseguia sentir nada além da
minha própria necessidade de calor, e mal registrei que Dahlia ficou
pra dormir com a Penny na cama ao lado.
Eu lembro de adormecer assim que me aninhei nos braços do
meu melhor amigo, como se eu não dormisse há dias.
Na manhã seguinte, foi como se eu estivesse voltado para o
meu corpo. E ele doía. Não lembrava dos anciões terem
mencionado que o corpo ficava dolorido depois de canalizar a
energia para criar magia energética.
Mas eu também só tive uma introdução à transformação de
magia em energia, iria aprender sobre isso a partir do ano que vem.
Toda a magia que eu tinha conjurado noite passada foi espontânea,
sem querer e totalmente descoordenada.
Eu precisava aprender a fazer aquilo direito ou não ia conseguir
sair da cama depois das aulas práticas.
— Bom dia, dorminhoca — a voz matinal de Eros me alcançou
assim que ele percebeu que eu estava acordada.
— Bom dia, gatinho — eu sussurrei de volta. — Obrigada por
ficar.
Ele me abraçou. Eu percebi que Penny estava no banheiro e
Dahlia já tinha saído. Me sentei na cama, afastando os braços de
Eros.
— Eu lembro de ontem... mais ou menos. — Franzi a testa
tentando lembrar dos detalhes. — Dahlia ficou brava com você?
— Está tudo bem.
— Não, não está. Sinto muito por...
Por ser um fardo, era o que eu queria dizer. Mas não tive
coragem de pronunciar as palavras.
Eros se sentou também, segurando minha mão.
— Cora, não... Nunca se desculpe por precisar de mim. — Ele
me fez olhar pra ele. — Eu vou sempre estar aqui por você.
Eu o abracei pra ele não ver as lágrimas beirando meus olhos.
Eros era o único que realmente me conhecia. O único pra quem eu
confessava meus piores medos e em quem confiava meus mais
profundos segredos.
— Eu também sempre vou estar aqui por você.
Ele era o único que sabia sobre as minhas crises. Até agora.
Me afastei de Eros pensando em Daemon, e naquela manhã eu
me vesti e arrumei minhas malas pensando no que faria.
A noite passada foi uma merda, mas não mudava as coisas. Na
verdade, a confissão de Lauren sobre a noite antes de Paris era só
mais um motivo na minha lista mental sobre porque eu não podia
ficar com Novak.
Número 1: ele era um galinha incurável.
Número 2: ele não parecia querer mudar isso.
E a número 3, que era a pior de todas e eu me recusava a
encarar: eu estava me apaixonando.
Então eu definitivamente precisava parar isso antes que fosse
tarde demais.
Mal notei a ausência de provocações quando eu passei pelos
corredores em direção ao salão principal com Penny. Eu notei os
olhares, os cochichos, as fofocas e os malditos celulares, já que era
o último dia de aula.
Mas nenhuma provocação direta. Nenhuma ofensa sussurrada.
Fiquei me perguntando quantos Twitters haviam. Eu ia arrumar
um daqueles esse verão.
Com o clima de fim do ano, os alunos aproveitavam a espera
até o horário do trem para perambular entre as escadas, jardins e
hall. Depois de colocar minhas malas no transporte até o trem, eu
encontrei a Elite nas portas do castelo.
No instante em que eu entrei na rodinha dos meus amigos,
Daemon calou a conversa.
— Nós precisamos conversar.
Eu levantei os olhos, mesmo sendo óbvio que era comigo com
quem ele falava.
Ez abraçou Penny e a afastou do meu lado. Eros e Dahlia
fizeram o mesmo, até eu ficar sozinha com Daemon.
— Como você está? – Aquela ter sido a primeira pergunta dele
fazia ser muito mais difícil pra mim fazer o que eu precisava fazer.
— Bem. Sob controle.
Ele acariciou meu rosto. Eu tirei a mão dele com delicadeza.
— Sinto muito por você ter descoberto aquelas coisas daquele
jeito. A noite antes de Paris...
— Daemon, você não me deve nada.
Senti sua expressão se fechar como se uma tempestade
estivesse a caminho.
— Por que você não contou que era Lauren em meu quarto
naquela manhã?
— Teria feito diferença?
Ele não soube responder, e eu soube que não teria. Ele já tinha
aceitado fácil demais a acusação de ter dormido com alguém sem
nem lembrar disso. Se fosse Lauren, talvez ele até achasse mais
provável ainda.
— O que elas fizeram com você...
— Está resolvido. Apesar de você gostar de me mimar, eu
posso cuidar de mim mesma. — Não planejava ter soado tão seca,
então eu amenizei o tom: — Ontem a noite foi um alívio pra mim. E
sinceramente? Elas nem estarão aqui ano que vem. Eu só quero
deixar isso pra trás. Deixar tudo isso pra trás.
Ele notou o que eu deixei subentendido. Seus olhos se tornaram
as tempestades que eu vi chegando.
— O que mais você está planejando deixar pra trás?
Nós nos encaramos. Um dos garotos do time se aproximou,
parecendo querer falar com Novak antes de sair da escola.
— Ei, Daemon! Eu posso...
— Cai fora — ele respondeu sem tirar os olhos dos meus.
— Eu só queria...
— Eu disse CAI FORA!
O garoto se afastou. Eu interrompi o nosso olhar.
— Eu não posso fazer isso com a gente, Daemon — minha voz
era quase um sussurro. Ele não se moveu. — Nós precisamos
parar.
— Parar — ele repetiu, e levantou meu rosto pra encarar os
olhos dele.
— Parar — eu repeti.
— As estrelas do destino são mesmo cruéis.
Eu franzi as sobrancelhas.
— Cada pessoa nessa escola me disse pra não chegar perto de
você. Eles queriam te proteger de mim. Te proteger de ter o coração
partido por mim, porque é isso que eu faço, não é? Uso as garotas
por sexo, e quando me canso, dispenso cada uma delas.
Eu senti a raiva dele crescer junto com seu tom de voz.
— Mas no final das contas é você quem está fazendo isso
comigo.
Eu não soube o que dizer.
Eu senti a dor nas palavras dele como se tivesse sido
apunhalada.
Mas eu não podia voltar atrás. Não queria.
As pessoas se aproximavam de nós, se agrupando no salão
conforme a hora de pegar o trem se aproximava. Daemon não
pareceu se importar quando deslizou a mão em meu pescoço e
fechou os dedos em minha nuca.
— Nosso jogo ainda não acabou. Não quando eu ainda estou
nele.
Ele me puxou para perto dele, segurando meu rosto a
centímetros do dele. Meu coração enlouqueceu, a dose de
adrenalina injetada me acordou. Eu me lembrei da nossa conversa
no natal, quando eu falei que queria descobrir até onde ele iria e ele
disse que eu não estava pronta para aquele jogo.
— Aproveite o verão. Descanse, se divirta, bronzeie essas
pernas pra mim.
Eu sustentei seu olhar de desafio. Minha pele se arrepiou. Ele
inclinou minha cabeça mais para cima.
— Porque quando o verão terminar e você voltar pra esse
castelo... Eu vou fazer você se lembrar que é minha.
— Eu não tenho medo das suas ameaças — murmurei contra
seus lábios. Ele sorriu, satisfeito que eu finalmente entrei na
provocação.
— Não estou te ameaçando... isso é uma promessa, Cora
Weylin.
Ele deixou o sorriso malicioso se espalhar, e soltou os meus
cabelos. Deu a volta em mim devagar, se inclinando para sussurrar
em meu ouvido:
— Você vai implorar por mim.
Seu hálito soprou contra meu ouvido.
— Pelo aperto dos meus dedos na sua cintura...
Eu fechei os olhos quando ele deu a volta por trás de mim.
— ...pela minha língua na sua pele...
O encarei de novo quando ele voltou pra minha frente.
— ...e pra sentir isso — ele pousou o indicador acima do meu
seio, onde meu coração batia alucinado. — toda porra de noite na
minha cama.
A mão dele voltou ao meu pescoço quando ergueu o meu rosto.
— E isso, princesa... é uma ameaça.
Daemon me beijou. Inesperado, intenso, e rápido.
Ele me soltou antes do que eu imaginava, e muito antes do que
meu corpo gostaria.
Eu arfei, e ele sustentou o meu olhar por mais um segundo
antes de caminhar porta afora, em direção aos jardins, e me deixar
parada com o corpo tremendo e o coração acelerado.
Novak tinha acabado de aumentar a minha dose.
— Ano que vem vai ser um ano interessante — a voz de Eros
me alcançou e eu sorri sem nem me virar. É claro que ele ouviu
tudo.
A Elite se aproximou conversando e logo depois os alunos
foram liberados para caminhar até a estação de trem do outro lado
dos portões do castelo.
Eu fiquei imersa em meus próprios pensamentos durante o
caminho, revivendo o que Daemon falou e a forma como eu me
senti com aquilo.
Ninguém dizia não pra Daemon Novak. Mas eu disse, mais de
uma vez. Ninguém conseguia fazê-lo expressar mais do que um
mínimo interesse. Eu tinha feito ele ficar obcecado.
Era como se durante todos esses anos, a gente só tivesse visto
uma versão contida dele, como se só agora ele estivesse sendo
desafiado e incentivado a mostrar quem ele era de verdade.
E eu me sentia da mesma forma.
Nesse último ano, eu tinha descoberto uma força e um controle
que eu nunca achei que tivesse. Percebi que eu não era tão fodida
quanto achei que fosse, e que eu merecia mais do que tinha
recebido até então. Eu queria mais. Mais de todo mundo.
A porra de uma princesa.
Talvez eu pudesse ser uma princesa. Mas eu seria uma
princesa que monta em dragões, dança em cima de mesas e faz o
que quiser fazer.
E talvez isso significasse pressionar os limites de Daemon
Novak, já que ele estava tão disposto a descobrir os meus.
Só fui arrancada dos meus devaneios quando a voz de Penny
soou alta ao meu lado. Já estávamos na estação.
— Ei, não devíamos esperar pelo Daemon?
— Não. — Ezra sorriu. — Novak não vai pegar o trem.
— Como ele vai embora? — Dahlia perguntou.
E naquele instante, um rugido alto e forte ecoou nos céus,
fazendo todo mundo olhar para cima ao mesmo tempo.
Um dragão negro voava para o sul, comandado pelo seu
montador de cabelos prateados.
Eu fui a última a baixar a cabeça depois que eles passaram, e
podia jurar que eu vi um olho lilás piscar para mim.
Foi uma surpresa encontrar minha mãe e meu pai esperando
por mim na estação de Londres, mas eu não fiquei tão eufórica e
feliz como costumava ficar. Acho que agora eu entendia que aquilo
era o mínimo que um pai e uma mãe deviam fazer.
Os dois notaram minha postura mudar. Eu não corri até eles
como uma garotinha, eu caminhei com calma e os cumprimentei
tranquilamente. Meu pai percebeu que ele é quem teve a iniciativa
de me abraçar. Minha mãe encarou o meu corpo e minhas roupas
casuais demais, mas notou o meu olhar e não fez nenhum
comentário.
— Bonjour, Coraline. Como foi na escola?
Dez meses fora sem ela se importar com nada e no último dia,
ela esperava que eu resumisse o ano em uma conversinha.
— Entrei pra lista de melhores 50 alunos esse ano, venci o
campeonato da escola montada em um dragão e perdi o controle da
minha magia ao brigar com uma garota mais velha que eu.
Minha mãe arregalou os olhos. Eu sorri.
— Vocês deveriam receber uma carta da escola pelos dois
primeiros também, mas provavelmente, só vão receber pelo último.
Foi a primeira vez que eu notei minha mãe não saber o que
dizer. Eu fiquei parada esperando meu pai pegar minhas malas, e
ele levou um instante a mais para perceber o que devia fazer.
Tratamento de princesa. Da porra de uma princesa.
Mas às vezes uma diabinha.
— Pai? — eu chamei.
— Sim, Cora?
— Você ainda fala com aquele seu amigo que adora se gabar
por ter uma mansão de férias de frente para o mar na indonésia?
Minha mãe ergueu as sobrancelhas para mim e meu pai
pareceu confuso quando chegamos em nosso carro e o motorista
dele guardou as malas no porta malas.
Meus pais nunca dirigiriam seu próprio carro.
— Falo, querida... por quê?
Nós entramos na camionete preta e blindada do meu pai, com o
motorista fechando a parte da frente pra nossa privacidade.
— Eu o vi com uma mulher que não era sua esposa em Paris,
depois do baile.
Minha mãe engasgou. Meu pai se dividia entre choque e raiva.
— Coraline! O que você está insinuando?
Eu desviei o olhar para a janela, direcionando meu sorriso
malicioso para a paisagem movimentada de Londres.
— Que passar as férias na praia seria delicioso.
Minha mãe estava muda de choque. Meu pai me observou por
um tempo, e bateu na janelinha de contato com o motorista.
— Sim, Sr. Weylin?
— Me deixe no escritório antes de levar Coraline pra casa.
Eu ia usar muito bem as minhas férias. E planejar com muito
cuidado o meu retorno à Averly.
— Ah, pai? Tem mais uma coisa. Eu quero um celular.
Dahlia se afastou de mim pra ir ao encontro de Eros, e
mal cumprimentou Daemon ao passar por ele. Eles estavam... lá
fora? O que diabos eles estavam fazendo lá fora durante uma festa?
E pela Deusa, como ele estava um gostoso naquela noite. Se
não tivesse bebido tanto, confiaria em meu cérebro ao pensar que
Daemon também não tirou os olhos de mim essa noite. Assim como
Ezra e Penny, os dois simplesmente sabiam que queriam por as
mãos um no outro. E a forma meio agressiva como ele a puxou pros
seus braços e não pediu permissão pra beijá-la, porque ele sabia
que ela o queria e tinha intimidade o suficiente pra agir daquele
jeito... foi quente. E agora eu me sentia com calor só de pensar
sobre isso.
Só então eu percebi que Daemon estava vindo até mim. Vestido
todo de preto, com as jóias brilhando e aquele olhar intimidador de
quem está pronto pra subir em cima de alguém...
Puta que pariu, ele está vindo até mim.
— Não me olhe desse jeito, princesa.
Eu fechei os olhos por instinto quando ouvi o apelido. Caralho,
era isso. Soava tão errado com os outros porque era dele. Eu mal
registrei o que ele disse até perceber que nós estávamos nos
movendo.
— O que você está fazendo?
— Eu estou te levando pro seu quarto.
— Pro meu quarto?
Eu gelei, por um instante achando que ele sabia sobre todos os
pensamentos impróprios que estava tendo desde mais cedo, mas
então sua voz voltou a ter aquele tom de desprezo.
— A noite acabou pra você, princesa.
Meu cérebro embriagado demorou pra reagir. O queeee? Eu
estava pronta pra encerrar a noite mas... ele ia me trancar no
quarto, como se fosse meu pai e eu uma adolescente rebelde?
Quem ele pensa que é? E o mais importante... porque eu estou
meio que gostando disso???
— Eu não acabei! Quer dizer, a noite não acabou!
Minha língua parecia enrolada ao falar as palavras. Nunca mais
eu vou beber. Nunca mais. Daemon riu.
— Cama, Weylin. E uma garrafa de água.
Por muito pouco, eu não perguntei se ele iria vestir o meu
pijama também. Mas então eu olhei pra baixo, pra mão que ele
mantinha na minha, e paralisei no corredor.
— Daemon, você está sangrando! O que... o que aconteceu?
Quem fez isso com você?
Ele tentou tirar a mão das minhas no início, mas eu o impedi e
então ele ouviu minha última frase. Seus lábios se abriram em um
sorriso de verdade, com covinhas. Mas seus olhos... seus olhos me
encaravam como se quisessem preservar minha inocência.
E então eu entendi. Ninguém o tinha machucado. Ele tinha feito
aquilo com alguém, ou a si mesmo. Eram machucados de socar
alguém ou alguma coisa. E não era a primeira vez.
Soltei sua mão das minhas com raiva.— Era isso que estava
fazendo do lado de fora? Batendo em alguém?
Nós tínhamos chego em frente à minha porta agora.
— Eu estive lidando com você de forma errada, Weylin. Não vou
errar de novo.
Minha respiração falhou por um instante.
— O quê?
Ele se aproximou mais, e eu não tinha pra onde recuar. Minhas
costas colaram na porta atrás de mim e ele trouxe seu rosto a
centímetros do meu.
— Você pode mentir pra mim o quanto quiser...
Eu fechei os olhos, tentando respirar. Ele segurou meus braços
e pressionou seu corpo contra o meu, parecendo sentir meu
coração acelerado e minha pele queimando onde ele encostava em
mim.
— Mas seu corpo não mente, princesa. Sei que se eu tocar em
você agora, vou me lambuzar com o quão molhada você está.
Eu arfei, e como se quisesse provar o seu ponto, ele deslizou
uma das mãos pela minha barriga, ameaçando descer até a barra
da minha saia...
— Daemon, por favor.
Eu nem sabia pelo quê estava pedindo. Pra que ele parasse?
Pra que levasse a ameaça até o fim?
Ele me manteve pressionada contra a porta, sua coxa entre as
minhas e seu corpo apertado contra o meu, até que eu parasse de
me brigar de volta e aceitasse a derrota. Então Daemon deslizou os
dedos pela minha bochecha e segurou meu maxilar com firmeza pra
que eu não pudesse desviar o rosto.
— Mais cedo, você me perguntou o que eu quero de você.
Seus lábios estavam a centímetros da minha orelha, e seu tom
suave e rouco quase fez meu coração parar. Sua outra mão ainda
passeava pela minha barriga, o toque gentil me dando calafrios
enquanto eu secretamente desejava que ela descesse e me
tomasse...
— Eu quero a sua sanidade, princesa.
Eu abri os olhos. E ele me soltou.
Com um sorrisinho de vitória, Daemon deu as costas e me
deixou sozinha no corredor, tentando recuperar o fôlego.
Puta que pariu.
Eu corri pra dentro do meu quarto e tranquei a porta. Minha
respiração estava irregular, meu corpo suava e meu vestido irritava
minha pele a ponto de me fazer arrancá-lo pela cabeça antes de me
enfiar debaixo dos lençóis da minha cama.
Ali, escondida do mundo, eu podia me esconder da vergonha e
amaldiçoar a mim mesma enquanto fingia que eu não estava
deslizando minha mão até o meio das minhas pernas pra me tocar
pensando nele.
Se você gostou de “Só Amigos”, faça uma avaliação na Amazon
pra gente saber que você quer a continuação! Acompanhe
@carolinefawley nas redes sociais pra ficar por dentro dos próximos
lançamentos e receber spoilers em primeira mão!

Confira as pastas no Pinterest da autora e entre ainda mais


na vibe de Universo Fawley (cuidado com spoilers):
www.pinterest.com/fawleycaroline

Ouça as playlists de Universo Fawley no Spotify:

MERCH dos livros em:


www.universofawley.com.br
[1]
Fuck Boy é um termo em inglês para homens galinhas, com apetite voraz por sexo e
que não valem nada.
[2]
Bully, termo em inglês para quem pratica bullying.

Você também pode gostar